Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Presidente da Republica
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Ministro da Educação
PAULO RENATO DE SOUZA
Secretária Executiva
MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO
ads:
CONGRESSO
BRASILEIRO
DE QUALIDADE
NA EDUCAÇÃO
FORMAÇÃO PE PROFESSORES
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Marilda Almeida Marfan
Organizadora
Volume 3
Brasilia
2002
PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosângela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello
COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
lean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira
Edição: Elzira Arantes
Projeto Gráfico: Alex Furini
Editoração: José Rodolfo de Seixas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação
de professores (1. : 2001 : Brasília)
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação : formação
de professores: educação ambiental. / Marilda Almeida Marfan
(Organizadora). Brasília : MEC, SEF, 2002.
152 p.:
il.;
v.3
1. Formação de Professores. 2. Qualidade da Educação.
3. Educação Ambiental. I. Título. II. Brasil. Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
CDU 371.13
Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDl)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado
SIMPÓSIO 1 9
TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DIFICULDADES, AVANÇOS, POSSIBILIDADES
Ralph Levinson - Inglaterra
Michèle Sato - UFMT/MF
Walter Ornar Kohan - UnB/DF
SIMPÓSIO 2 27
QUESTÕES AMBIENTAIS E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins - UnB/DF
José Manoel Martins - Escola Logos/SP
Jaime Tadeu Oliva - USP/SP
SIMPÓSIO 3 49
ÉTICA E MEIO AMBIENTE
José de Ávila Aguiar Coimbra - USP/SP
Paulo Jorge Moraes Figueiredo - Unimep/SP
SIMPÓSIO 4 65
FORMAÇÃO DE PROFESSOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: METODOLOGIAS E PROJETOS DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho - Emater/RS
Lucila Pinsard Vianna - SEF/MEC
PALESTRA 78
OS DIVERSOS OLHARES DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL - FANTASIAS DE UMA AUTORA
a Depresbiteris - Senac/SP
SIMPÓSIO 5 89
A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Fábio Feldmann - IPSUS/SP
Pedro Jacobi - USP/SP
Lúcia Pinheiro - Projeto Travessia/SP
SIMPÓSIO 6 101_
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano - México
Bernardo Kipnis - UnB/DF
Lucila Pinsard Vianna - SEF/MEC
PAINEL 1 121
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues - Projeto Mimoso - Cuiabá/MT
Sônia B. Balvedi Zakrzevski - Projeto Erechim/RS
Marta Ângela Marcondes - Rio Grande da Serra/SP
PAINEL 2 133
APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE TRABALHO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel - Projeto Várzea/PA
Antônio Fernando S. Guerra - Projeto Educado/SC
Andréa Imperador Peçanha Travassos - Projeto Ipè/SP
Elizabeth da Conceição Santos - Universidade do Amazonas/AM
APRESENTAÇÃO
O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação - Formação
de Professores, promovido pela Secretaria de Educação Fundamental do
Ministério da Educação (SEF/MEC), foi realizado em Brasília no período
de 15 a 19 de outubro de 2001.
O Congresso tratou, em seus simpósios, palestras, painéis, oficinas e
atividades paralelas, de uma das principais variáveis que interferem na
qualidade do ensino e da aprendizagem: a formação continuada dos pro-
fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da área, tanto
nas oito séries do Ensino Fundamental, quanto na Educação Infantil, na
Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, na Educação Indí-
gena e na Educação Ambiental, informações e conhecimentos relevan-
tes para subsidiá-los em sua prática. Promoveu um balanço geral dos
principais avanços alcançados nos últimos anos, com a implantação de
políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e
enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-
sional continuado e de formação de professores alfabetizadores, que fo-
ram debatidos sob diferentes óticas e pontos de vista.
O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, além das
representações municipais, um significativo número de autoridades, es-
pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizações
não-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes
dos municípios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino
as políticas de formação continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-
grama de Desenvolvimento Profissional Continuado - "Parâmetros em Ação"
e o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA.
Ao promover a organização desta publicação, a SEF faz um resgate de
todos os textos apresentados e entregues, em tempo hábil, pelos especia-
listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da área
que valorizaram o evento e estão em busca de sua memória, ou que, por
diferentes razões, se interessam por reflexões e temas relativos à quali-
dade da educação e à formação dos professores, tais como: educação
para a mudança, transversalidade e interdisciplinaridade, educação
escolar indígena, livro didático, inclusão digital, alfabetização,
organização dos sistemas de ensino, educação inclusiva, escola reflexiva,
enfim, competência profissional, o desempenho do professor e o sucesso
escolar do aluno, entre outros.
Como o público-alvo é muito diversificado, o volume de textos apre-
sentados muito grande, e como os principais eixos temáticos podem in-
teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-
mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na
Educação - Formação de Professores foram organizados em quatro volu-
mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos à Educa-
ção Fundamental como um todo, e incluem temas específicos referentes
à Educação Infantil, à Educação de Jovens e Adultos, à Política do Livro
Didático e à Educação Especial; o volume 3 trata da Educação Ambiental;
e o volume 4 é dedicado à Educação Escolar Indígena.
Embora incompleta, pela ausência de alguns textos, e observando
que em alguns casos só apresenta os resumos dos participantes, a pre-
sente edição reflete a importante contribuição e a competência de nos-
sos especialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpósios, quanto
pelos relatos de experiências contidos nos painéis, e incorpora 25 textos
apresentados por renomados especialistas internacionais.
Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicaçãoo de in-
teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexões e pontos de
vista de cada especialista envolvido.
Com a presente publicação, a SEF/MEC espera que os resultados do
Congresso de Brasília possam ser amplamente divulgados e cheguem ao
alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-
tal, diretores de escolas, institutos de formação de mestres, pesquisado-
res, universidades, enfim, todos aqueles ligados à produção, à reprodu-
ção, ao consumo e à transmissão do conhecimento, paladinos da cons-
trução de uma escola de qualidade para todos.
Iara Glória Areias Prado
Secretária de Educação Fundamental
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SIMPÓSIO 1
TRANSVERSALIDADE
E INTERDISCIPLINARIDADE
DIFICULDADES, AVANÇOS,
POSSIBILIDADES
Ralph Levinson
MichèleSato
Walter Ornar Kohan
Transversalidade e interdisciplinaridade:
organizando formas de conhecimento
para o aluno
Ralph Levinson
Universidade de Londres/Inglaterra
Resumo
Os conceitos de transversalidade e interdiscipli-
naridadeo discutidos identificando-se as diferen-
ças teóricas entre transferência e cognição localiza-
da. O progresso social e tecnológico impulsiona a
necessidade de uma forma de colaboração mais
bem coordenada entre professores. O presente do-
cumento apresenta uma solução, com base no apoio
às habilidades argumentativas do aluno e às neces-
sidades de desenvolvimento profissional afins.
Introdução
O termo transversalidade implica uma trans-
ferência de conceitos, habilidades, atitudes ou
atributos de um domínio ou contexto para outro.
, portanto, um elemento de generalização as-
sociado a essa transferência. Assim, o que se
aprende em uma área do currículo poderia ser
aplicado ou utilizado em outra área. Por exem-
plo, um aluno que tenha adquirido o domínio de
habilidades gráficas na escola deve necessaria-
mente ser capaz de transferir essas habilidades
para a manipulação de dados científicos, a pro-
gramação de instrumentos analíticos, ou a inter-
pretação de dados geográficos sobre populações
humanas. Mas a experiência e a prática mostram
que essa simples transferência de uma habilida-
de processualo é direta. Certa feita, os geren-
tes de uma grande indústria química comenta-
ram comigo, em tom de reclamação, que alguns
de seus funcionários com curso superior e diplo-
ma de graduação ou pós-graduação em Química
Analíticao conseguiam realizar análises sim-
ples exigidas pela empresa. Esses funcionários
precisaram passar por um novo treinamento. O
emprego de conhecimentos e habilidades em um
ambiente acadêmicoo envolve a resposta às
necessidades do cliente, a improvisação e as to-
madas de decisão exigidas em um cenário indus-
trial. Entretanto, se nenhum conceito ou habili-
dade fosse generalizável, todo o valor do proces-
so educacional seria questionável.
A interdisciplinaridade está associada à trans-
versalidade se considerarmos que professores de
diferentes disciplinas podem trabalhar em con-
junto para viabilizar a aprendizagem de um con-
ceito ou de uma habilidade, ou para desenvolver
uma atitude, um atributo ou uma disposição es-
pecífica. O fato de que haja pelo menos um en-
tendimento comum entre professores sugere a
possibilidade de generalização. No Reino Unido,
certamente, há poucas evidências empíricas que
permitam julgar o sucesso de grupos interdisci-
plinares na promoção da aprendizagem na faixa
etária de 11 a 18 anos. Uma vez que o ensino de
conhecimentos e habilidades transferíveis seria
de grande valor material para quem aprende, e
que os professores estariam trabalhando em con-
junto para trazer sua vasta gama de experiências,
entendimentos e habilidades para a sala de aula,
como poderia haver qualquer obstáculo no cami-
nho de objetivoso valiosos?
Transferência
ou cognição localizada?
Grande parte do trabalho sobre a transferên-
cia de habilidades e conceitos está associada à
teoria dos estágios de Piaget. Piaget descreveu
competências e habilidades em estágios especí-
ficos do desenvolvimento cognitivo pedindo a
crianças que operacionalizassem tarefas, tais
como conservação, que considerava habilidades
abstratas, generalizáveis. Sem abalar a base teó-
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
rica do trabalho de Piaget, outros teóricos pos-
teriormente demonstraram que, modificando o
contexto da tarefa por meio do emprego, por
exemplo, de Figuras mais conhecidas ou da não-
utilização de um adulto para fazer as perguntas,
um número bem maior de crianças tinha condi-
ções de realizar essas tarefas abstratas com mais
sucesso do que se pensava anteriormente. As
tarefas começaram a fazer "sentido humano", em
vez de serem vistas como remotas ou difíceis
(Donaldson, 1978). Donaldson encarava os cres-
centes progressos intelectuais que acompanham
o desenvolvimento das crianças como um
desencravar progressivo de competências lógi-
cas latentes. Em outras palavras, as crianças apri-
moravam seu pensamento abstrato.
Os construtivistas sociais foram ainda mais
longe ao questionar a realidade de um "conceito
abstrato", sugerindo que as habilidades intelec-
tuaisoo descontextualizadas, mas sim cul-
turalmente emolduradas e re-contextualizadas
(Walkerdine, 1988;eSolomon, 1989). Assim, 2+2
oo 4 se a operação for realizada em uma
máquina fotocopiadora (22 cópias serão produ-
zidas), ou apertando o botão "2" seguidamente
em um elevador (você continuará no 2
o
andar).
O contexto de aprendizagem e o meio cultu-
ral constituem o fator crucial na competência de
tarefas, conforme indicam pesquisas no campo
do construtivismo social. Os estudos clássicos de
Carraher e outros (1991) sobre crianças de rua
no Recife demonstraram que essas crianças eram
bem mais competentes para solucionar proble-
mas matemáticos em situações de comércio do
que para resolver problemas formais com lápis
e papel. Entretanto, esses estudos mostram que
a aritmética praticada na escola é mais eficiente
nas formas pelas quais os cálculoso efetuados.
Concluem dizendo que as escolas devem intro-
duzir sistemas formais de matemática em con-
textos diários de "sentido humano".
Um estudo sobre adultos solucionando pro-
blemas de coeficiente isomórfico em situações
autênticas de compras demonstrou que essas
mesmas pessoas nao conseguiam solucionar
problemas semelhantes em um cenário mais for-
mal (Lave, 1988). Ao fornecer explicações em di-
ferentes contextos para fenômenos baseados em
princípios científicos semelhantes, crianças na
faixa etária de 12 a 16 anoso conseguiram
apresentar explicações consistentes (Clough e
Driver, 1986). Alunos de 12 e 13 anoso foram
capazes de aplicar os conceitos e as habilidades
científicas aprendidas em Ciências a um projeto
afim na área de tecnologia, exceto da forma mais
rotineira e algorítmica (Levinson, Murphy et al.,
1997). Os alunos com bom conhecimento e en-
tendimento dos conceitos científicos ficaram
confusos ao empregar os conceitos em
tecnologia. Alunos nessa faixa etária, por exem-
plo, aprendem que a águao conduz eletrici-
dade. Entretanto, ao construir um sensor de
umidade, os alunos aprendem que a água forne-
ce uma ponte de condutividade entre os fios na
base do sensor. Para os alunos, os conceitos en-
sinados em ciência e em tecnologia eram apa-
rentemente contraditórios entre si. Ao descrever
a relação entre o conhecimento científico e o
conhecimento para a ação prática, Layton utili-
zou um modelo que "envolve a desconstrução e
a reconstrução do conhecimento científico ad-
quirido, a fim de que se alcance sua articulação
com a ação prática em tarefas tecnológicas"
(Layton, 1993).
Outros argumentam que algumas funções
cognitivaso generalizáveis. A aprendizagem de
princípios lógicos, por exemplo, é tida como ne-
cessária, emborao ofereça condições sufici-
entes para o pensamento crítico (Ikuenobe,
2001). A Aceleração Cognitiva por meio de Pro-
jeto de Educação Científica (Case) vem demons-
trando que, para alunos na faixa etária de 12-13
anos, as intervenções no pensamento lógico nas
aulas de Ciênciasm produzido um aumento
das notas de crianças em grupos de controle,
quando estas fizeram seus exames nacionais dois
anos após a intervenção. Como o aumento das
notas ocorreuo apenas em Matemática e Ci-
ências, mas também em Inglês, as habilidades
adquiridas parecem ser transferíveis (Shayer,
1996). Nem os educadores responsáveis pela in-
trodução do Case, nem outros educadores, apre-
sentaram até o momento uma estrutura teórica
capaz de explicar essas constatações. Entretan-
to, a teoria da motivação, ela própria associada
ao contexto, tem sido empregada para explicar
as diferenças, em termos de sucesso, entre os
alunos que apresentaram melhor desempenho
como resultado do Case e aqueles para os quais
o projetoo fez diferença (Leo e Galloway,
1996). Outros sugerem que a associação estraté-
gica entre o conhecimento do processo científi-
co e o conhecimento conceituai produzirá resul-
tados semelhantes àqueles alcançados pelo Case
(Jones e Gott, 1998). Os dois postulados teóricos
- transferência cognitiva ou re-localização/re-
contextualização de conhecimento - constituem
os paradigmas predominantes e opostos na pes-
quisa educacional sobre esse fenômeno.
Interdisciplinaridade
A identificação de disciplinas sugere que há
alguma distinção entre a gama de conceitos e ha-
bilidades incluídos em cada disciplina e uma
"divisão fundamental de categorias" (Hirst e
Peters, 1970). Estes autores identificam sete áreas
ou "formas de conhecimento" assim diferencia-
das, tais como lógica formal e matemática, ci-
ências físicas e estética. Embora essas formas de
conhecimento sejam tidas como independentes
entre si, issoo impede que haja inter-relações.
Fatos empiricamente comprovados, por exem-
plo, podem ser utilizados para justificar um prin-
cípio moral. Issoo significa que a melhor ma-
neira de organizar um currículo seja ensinar es-
sas formas de conhecimento separadamente,
exatamente porque há inter-relações entre elas.
Uma crítica a essa abordagem feita pela nova
sociologia diz que nada há de fundamental na dis-
tinção entre formas de conhecimento. A pergun-
ta, tratada a partir de uma abordagem do currí-
culo como conhecimento socialmente organiza-
do (Bernstein, 1973), se refere ao motivo pelo qual
algumas matérias curricularesm mais valor e
prestígio do que outras, e também aos mecanis-
mos que isolam algumas matérias de outras. Na
Inglaterra, por exemplo, a Física é vista como a
ciência que corrobora todas as demais áreas ci-
entíficas: em geral seu ensino é separado, no cur-
rículo, mas há uma certa fusão das matérias da
área de humanidades. A autoridade em ciências
tem um status social pelo qual essa autoridade,
emanada de órgãos de prestígio, como a Socie-
dade Real, é gradualmente difundida para as es-
colas, maso deve ser contaminada por outras
matérias. Quanto maior for a possibilidade de que
as fronteiras de uma matéria possam ser atraves-
sadas, menor será seu status.
A despeito do status da ciência como maté-
ria de prestígio e de seu isolamento de outras
áreas do currículo, há uma necessidade real de
que algumas questões sejam abordadas. Os pro-
gressos mais recentes nas áreas de biomedicina
e biotecnologia indicam a necessidade de que
futuros cidadãos tenham uma compreensão-
sica, tanto no nível pessoal quanto no público,
das controvérsias decorrentes dessas novas
tecnologias e a ciência que as corrobora. Enten-
der as implicações de um programa de controle
genético, por exemplo, e a possibilidade de ser
portador de uma condição genética hereditária
é algo que diz respeitoo apenas ao indivíduo,
mas também à sua família e à sociedade. A to-
mada de decisão provavelmente envolverá a
moralidade privada dos indivíduos envolvidos,
seus contextos socioeconômicos específicos,
seus relacionamentos pessoais e sociais e sua
bagagem cultural. Os debates atuais sobre
clonagem humana e alimentos geneticamente
modificados indicam que as decisões políticas
para sua aprovaçãoo sensíveis à opinião-
blica. A disseminação de informações resultan-
tes de testes genéticos traz importantes impli-
cações para a área de direitos humanos. A for-
mulação de políticas públicas e a criação de con-
dições para a atribuição democrática de respon-
sabilidades por essas questões pressupõem que
os cidadãos tenham algum controle sobre a ci-
ência subjacente e uma conscientização da base
de valores. Os jovens que abraçam profissões nas
áreas médicas, do serviço social e do ensino pre-
cisarão de uma bagagem apropriada que lhes
permita lidar com as muitas questões éticas, so-
ciais e legais que irão surgir. Se os alunos, como
futuros cidadãos, precisam lidar com essas ques-
tões contemporâneas, como e onde elas devem
ser ensinadas nas escolas?
Descobertas empíricas
Um projeto de pesquisa recente (Levinson e
Turner, 2001) estudou de que forma o que diz
respeito a controvérsias científicas foi ensinado
no currículo. Após um levantamento quantitati-
vo em larga escala nas escolas da Inglaterra e do
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
País de Gales, foram realizadas entrevistas indi-
viduais e com grupos, direcionadas ao ensino de
controvérsias científicas, com professores de di-
ferentes matérias, principalmente de Ciências,
Inglês e Humanidades. Uma série de diferenças
importantes surgiu:
Os professores de Inglês e Humanidades en-
sinavam temas científicos controversos a
seus alunos pelo menos com a mesma fre-
qüência com que o faziam os professores de
Ciências.
Os professores de Humanidades e de Inglês
sentiam-se muito mais confiantes debaten-
do e discutindo questões científicas contro-
versas do que os professores de Ciências, e
empregavam uma gama bem mais ampla de
estratégias.
A maioria dos professores de Ciências entre-
vistados considerou o ensino da ciência neu-
tro em termos de valor; a maioria dos pro-
fessores de Humanidades e Inglês concordou
com essa avaliação, mas atribuiu alto valor à
sua própria abordagem.
Os professores de Ciências mostraram-se
preocupados com o fato de que a abordagem
de questões controversas em outras matérias
queo Ciências poderia levar o aluno a as-
similar informações incorretas, tal como a
clonagem de seres humanos adultos.
Apenas uma das vinte escolas visitadas
abordava formalmente o ensino de ques-
tões científicas controversas de forma in-
terdisciplinar.
o havia técnicas de avaliação satisfatórias
para a compreensão de controvérsias cientí-
ficas. Essas avaliações eram muito abran-
gentes eo abordavam aspectos substan-
ciais da ciência associados à questão, ou ape-
nas abordavam os fatos eo os valores que
eles envolviam.
As citações abaixo exemplificam as diferen-
tes abordagens adotadas por professores de Ci-
ências e Inglês:
Quando falamos da ética de qualquer coisa
damos uma opinião, em vez de apresentar algo
baseado em fatos. Quando você emite uma opi-
nião, expressa discordância. Então, toda a maté-
ria será tratada da mesma forma que sua opinião,
sobre a qual há discordâncias pessoais. Assim, o
que você apresenta com base em fatos acaba
sendo tratado da mesma forma (professor de Ci-
ências, Escola A).
[...] essas aulas (sobre controvérsias científi-
cas)o geralmente as melhores. E isso porque
as crianças ficam absolutamente elétricas, vivas,
e isso realmente as motiva. E você precisa
gerenciar o debate, o que em uma sala de 20-30
alunos requer algum esforço. Maso ossos do
ofício. Você então precisa dirigir o debate, porque
você adquire a amplitude de entendimento de toda
a questão (professor de Inglês, Escola J).
Essas observações foram profundamente re-
presentativas das diferenças entre professores
de Inglês e de Ciências: os professores de In-
glês e Humanidades apreciavam mais o debate
e o gerenciamento da sala de aula, enquanto os
professores de Ciências se mostraram cautelo-
sos em relação a fatos e opiniões confusos.
Questões sociais e éticas corriam o risco de ser
negligenciadas porqueo eram substancial-
mente avaliadas. Os professores de Inglês lida-
ram com a controvérsia todo o tempo, e avan-
ços como o Projeto Genoma Humano e Clona-
gem forneceram material para suas discussões
sobre controvérsia.
Os professores de Ciências, Inglês e Huma-
nidades poderão possuir conhecimentos e ha-
bilidades complementares: os professores de
Ciências possuem conhecimento e entendi-
mento mais completos do potencial e das pos-
sibilidades da área de ciências e tecnologia, en-
quanto os professores de Humanidades podem
conectar esse conhecimento da ciência ao con-
texto social e de valor. Mas essas conexões ra-
ramente acontecem, como explicou uma vice-
diretora:
Em uma escola como a nossa, com departa-
mentos rígidos, departamentos independentes,
com suas próprias matérias, às vezes é difícil en-
contrar lugar para coisas queo constam do cur-
rículo... e muitas dessas questões se prestam a
abordagens curriculares cruzadas,o é verda-
de? (vice-diretora, Escola E).
Assim, um sério obstáculo à integração é a
compartimentalização, devido à forma pela qual
o currículo está organizado na Inglaterra e no
País de Gales, com os alunos sendo submetidos
a exames em diferentes matérias., portanto,
pouca motivação para que a integração ocorra.
Uma forma de colaboração e coordenação
curricular que parece promissora e estava sendo
desenvolvida por uma das escolas durante nossa
pesquisa é o modelo intitulado "dia do colapso",
que apresenta as seguintes características:
Grupo de aprendizagem fora do calendário
curricular.
Planejamento entre professores de diferen-
tes matérias, particularmente de Inglês, Edu-
cação Religiosa e Ciências.
Um modelo integrado de ensino.
Avaliação por meio de uma matéria especí-
fica.
Participação igualitária de todos os parcei-
ros da aprendizagem na tomada de decisões.
Estes pontos dispensam maiores explicações.
Como as matérias curriculares nacionaiso ri-
gidamente bloqueadas para fins de cumprimen-
to do calendário escolar, a forma mais apropria-
da de reunir grupos de professores é a ruptura
do calendário regular. O calendário formal é
suspenso por um período de tempo - geralmen-
te um dia - para que professores de diferentes
matérias possam ensinar seus alunos em conjun-
to. Para tanto, os professores devem planejar em
conjunto, geralmente fora do horário escolar.
Mas a avaliação é uma questão crucial. Tanto
professores quanto alunos levarão uma matéria
mais a sério se esta for formalmente avaliada e
tiver um status elevado no currículo. A aprendi-
zagem do dia do colapso, portanto, é avaliada por
meio de uma dessas matérias de status elevado.
Na escola que adotou esse esquema, a avaliação
foi feita por meio da Educação Religiosa - mas
o há razão para que avaliaçãoo seja feita
por meio de Ciências, Inglês ou qualquer outra
matéria. Finalmente, professores de diferentes
matérias devem ser parceiros iguais ao decidi-
rem o que deve ser ensinado no curso e como o
ensino deve ocorrer. Isso pode ser mais difícil do
que se esperava - a pesquisa sugere que os pro-
fessores de Educação Religiosa achavam que
deveriam ter maior controle sobre o material,
uma vez que este foi avaliado por meio da maté-
ria que lecionam.
A formação de equipes interdisciplinares, por-
tanto, pode apresentar benefícios substanciais
para a aprendizagem e pode também produzir um
clima escolar positivo, maior satisfação com o tra-
balho entre professores e pontuações de desem-
penho mais altas do que as escolas não-interdis-
ciplinares (Flowers, Mertens et al., 1999).
Mais pesquisaso necessárias para que se
possa avaliar a eficácia de abordagens interdis-
ciplinares, mas a disposição de professores para
atravessar as fronteiras tradicionais das disci-
plinas, além do apoio político - inclusive uma
maior valorização das oportunidades de avalia-
ção em um trabalho de natureza interdiscipli-
nar -o pré-condições para que esse esque-
ma funcione. Uma abordagem interdisciplinar
também oferece a oportunidade para que co-
nhecimentos e habilidades sejam re-con-
textualizados de forma mais efetiva.
Implicações
O desafio identificado no presente artigo é
como ensinar os aspectos sociais e éticos da ci-
ência em áreas aparentemente distintas. A ciên-
cia é vista como a tentativa de descrever e enten-
der a natureza, enquanto os procedimentos éti-
cos operam com base em regras que ajudam a
distinguir aquilo que deve ser daquilo queo
deve ser. Entretanto, a evidência empírica da ci-
ência pode nos ajudar a tomar decisões éticas,
conforme dito anteriormente, mas há procedi-
mentos comuns de pensamento tanto no ensino
da ciência quanto no ensino da ética/moral. Os
argumentos científicos dominam o cenário polí-
tico, local ou globalmente, pessoal ou publica-
mente, em áreas como tecnologia genética, pre-
servação de florestas tropicais, mudanças climá-
ticas e saúde mundial. Um grupo de cidadãos em
desenvolvimento deve entender a natureza do
argumento em diferentes contextos, científico ou
ético. No argumento científico, isso significa a jus-
tificativa de uma demanda decorrente dos dados
(Osborne, Erduran et al., 2001)(ver figura 1).
Um argumento ético pressupõe uma formu-
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Figura 1
lação lógica do problema ético e um argumen-
to lógico tem uma conclusão corroborada por
uma declaração de apoio (Beardsley, 1975). Na
figura 1, duas evidências - uma científica e ou-
tra sociológica -o empregadas, embora a de-
claração de apoio e a conclusão possam ser con-
testadas. Há paralelos para a localização das
estruturas de argumentos científicos e éticos,
mas também em outras áreas, tais como histó-
ria, matemática e estética.
O papel do professor é explicitar os elos en-
tre os argumentos. Todos os estágios, nesses ti-
pos de argumentos indutivos, estão abertos a
questionamento e, empregando-se as estraté-
gias didáticas adequadas, geram uma aborda-
gem liderada pela pesquisa. Cursos de desen-
volvimento profissional podem apoiar os pro-
fessores na identificação dos componentes de
um argumento, na avaliação da validade das
conclusões e na localização de falácias. Acima
de tudo, os professores deveriam ser capazes
de ensaiar esses argumentos para si próprios.
Se, por um lado, há componentes comuns em
diferentes áreas, por outro, as formas de abor-
dar os argumentos seriam exclusivas do con-
texto do argumento.
No exemplo contencioso da figura 1 pode-
mos ver de que forma um professor de Ciên-
cias e um professor de Humanidades podem
apoiar uma discussão sobre as dimensões éti-
cas no que se refere à escolha do sexo de uma
criança. Ambos os professores teriam experi-
ência nos limites e na confiabilidade da evi-
dência. Idealmente, essa aula deveria envolver
uma série de professores na sala de aula com
os alunos, mas, com um planejamento inter-
disciplinar adequado,o há motivos para que
essa abordagem deixe de funcionar com vários
professores com a mesma turma, em aulas di-
ferentes. Os alunos adquirirão experiência para
julgar questões contenciosas porque estarão
explorando o mesmo argumento em diferen-
tes contextos e, assim, aprendendo os limites
da generalização da tomada de decisão. Novas
pesquisas empíricas devem ser realizadas so-
bre essa estrutura interdisciplinar e seu impac-
to na capacidade racional dos alunos para to-
mar decisões.
Bibliografia
BEARDSLEY, M. Thinking straight. New Jersey: Prentice-Hall
Inc., 1975.
BERNSTEIN, B. Class, codesandcontrol. London: Routledge, 1973.
CARRAHER. T; CARRAHER, D. et al. Mathematics in the
streets and in schools. In: LIGHT, R; SHELDON, S.;
WOODHEAD, M., Leaming to think. London/New York:
Routledge, 1991. p. 223-35.
CLOUGH, E.; DRIVER, R. A Study of consistency in the use
of students, conceptual frameworks across different task
contexts. Ensino de Ciências, 70: 473-96, 1986.
DONALDSON, M. Childrens minds. London: Fontana, 1978.
FLOWERS, N.; MERTENS, S. et ai. The impact of teaming:
five research-based outcomes of teaming. Middle School
Journal, 31(2): 57-60, 1999.
HIRST, R; PETERS, R. The logic of education. London:
Routledge & Kegan Paul, 1970.
IKUENOBE, P. Teaching and assessing criticai thinking
abilities as outcomes in an informal logic course. Teaching
in Higher Education, 6(1): 19-32, 2001.
JONES, M.; GOTT, R. Cognitive acceleration through science
education: alternative perspectives. International Journal
of Science Education, 20(7): 755-68, 1998.
LAVE, J. Cognition in practice: mind, mathematics and Culture
in everyday life. Cambridge/RU: Cambridge University
Press, 1988.
LAYTON, D. Technology's challenge to science education.
Buckingham: Open University Press, 1993.
LEO, E.; GALLOWAY, D. Conceptual links between cognitive
acceleration through science education and
motivational style: a critique of Adey and Shayer.
International Journal of Science Education, 18(1): 35-
49, 1996.
LEVINSON, R.; MURPHY, P. et al. Science and technology
concepts in a design and technology project: a pilot Study.
Research in Science and Technological Education, 15(2):
235-55, 1997.
LEVINSON, R.;TURNER. S. Valuable lessons. London: The
Wellcome Trust, 2001.
OSBORNE, J.; ERDURAN, S. et al. Enhancing the quality of
argument in school science. School Science Review,
82(301), 2001.
SHAYER, M. Long term effects of cognitive acceleration
through science education on achievement. London:
Centre for the Advancement of Thinking, 1996.
SOLOMON, Y. The practice of mathematics. London:
Routledge & Kegan Paul, 1989.
WALKERDINE, V. The mastery of reason: cognitive
development and the production of rationality London,
Routledge & Kegan Paul, 1988.
Relações multifacetadas
entre as disciplinas
Michèle Sato*
No mistério do Sem-Fim, I equilibra-se um planeta. I
E, no planeta, um jardim, le, no jardim, um canteiro, I
no canteiro, uma violeta, I e, sobre ela, o dia inteiro, I
entre o planeta e o Sem-Fim, I a asa de uma borboleta.
Cecília Meireles, "Canção".
A necessidade de abrir diálogos entre singular
e pluralo é nova. Heráclito (1996:88) já orienta-
va para a "conjunção do todo e do não-todo, do
consoante e do dissonante". Paradoxalmente, so-
mos espécies singulares, mas também somos
múltipl@s.
1
Temos nossas essências individuais,
marcadas pelas nossas identidades, mas somos
gênero humano. Apesar da orientação pré-
socrática, a lógica Aristotélica acabou prevalecen-
do nos paradigmas da modernidade, sob o axio-
ma da divisão entre os problemas "universais e par-
ticulares" (McLeish, 2000). A constatação era úni-
ca - o mundo tinha diversidade e singularidade,
mas as orientações cartesianas da fragmentação
acabaram imperando no mundo da ciência.
O mundo, assim, foi testemunha das gran-
Professora e pesquisadora em Educação Ambiental - Instituto de Educação/UFMT <http://go.to.eamt 1> E-mail: <[email protected]>
' Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizamos a simbologia "@" para conferir espaços sociais de igualdade, que se
distinguem pelas diferenças sexuais entre homens e mulheres.
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
des especializações, que certamente trouxeram
suas contribuições e significâncias, mas que cada
vez mais fragmentava o conhecimento em ilhas
isoladas do sistema, em que a condição onto-
lógica acabou prevalecendo sobre o debate epis-
temológico, trazendo muito mais rupturas do
que unidade. O estatuto do ser humano perante
a Terra trouxe a barbárie ao lado da civilização.
Todavia, vale lembrar que somos protagonistas
desta história humana, e que podemos, inclusi-
ve, desafiar leis matemáticas e compreender que
"um mais um é sempre mais que dois".
2
Afinal,
foi o postulado da própria Física Quântica que
nos trouxe o "princípio da incerteza" e da relati-
vidade, embora também tenha deixado o lega-
do da visão atomista da realidade. Existe, entre-
tanto, uma certa resistência fetichista contra a
contaminação de uma área à outra, e os limites
das fronteiras do conhecimento ainda permane-
cem fortes, prejudicando o diálogo necessário
para o caminho adiante.
Adentrando-nos no Terceiro Milênio, teste-
munhamos um mundo efervescente de modifi-
cações e conhecimentos que exigem novas ousa-
dias, novas ultrapassagens. Um dos grandes cola-
boradores dessa revolução de pensamento talvez
repouse no ambientalismo. Ele nasce querendo
modificar os modelos perversos de desenvolvi-
mento, por meio das denúncias das atrocidades
políticas meramente econômicas para um des-
prendimento mais criativo. Reivindicando um
pensamento que fosse além do legado financeiro
e dominador, e que reconhecesse o ser humano
integrante da biosfera, o movimento ecológico
nasce no sentido de tentar uma abertura do diá-
logo entre as ilhas isoladas dos sistemas das re-
flexões e das ações. A Educação Ambiental, assim,
nasce no bojo desse pensamento pulsante e vivo
e tenta buscar novas formas de pensar e agir, an-
corada em plataformas políticas e existenciais,
sem, contudo, negligenciar sua vontade de cres-
cimento epistemológico e de respeito a todas as
formas de vida e a tudo que tem relação com ela.
A proposta da Educação Ambiental é uma ten-
tativao de explicar o mundo ou descobrir so-
mente as condições de possibilidades, mas de
"reformular nossas experiências no mundo, em
contato com o mundo, que precede a todo pen-
samento sobre o mundo" (Merleau-Ponty, 1947:
4). O ser humano torna-se, assim, somente uma
fatalidade no contexto universal, embora em al-
gumas noites, a claridade dos relâmpagos mostre
a força incandescente capaz de ousar a civiliza-
ção. Necessitamos, assim, buscar estratégias que
o se limitem a situações simplificadas, mas que
nos ponham diante da complexidade do mundo.
Necessitamos de um conhecimento que "permi-
ta que se viva a criatividade humana como a ex-
pressão singular de um traço fundamental co-
mum a todos os níveis da natureza" (Prigogine,
1996: 14).
Desde a Conferência de Tbilisi (1977). a Edu-
cação Ambiental é orientada como uma proposi-
ção não-disciplinar, com abandono das tradicio-
nais fragmentações do conhecimento, mas, so-
bremaneira, a orientação se encontra na perspec-
tiva interdisciplinar. A maneira como a Educação
Ambiental se espalhou pelo mundo foi
diversificada eo se limitou à educação formal.
Isso implica dizer que a Educação Ambientalo
é contra as especializações ou áreas específicas
do conhecimento, mas propõe um diálogo aber-
to nas fronteiras dos diversos saberes, respeitan-
do as diferenças e as contribuições que cada in-
divíduo ou grupo social possa oferecer. Elao
pretende motonivelar as diferenças, nem aplai-
nar as arestas para que a realidade seja mais
palatável ao grupo dominador, mas propõe
reinvenções e (re)construções constantes, reco-
nhecendo que nem sempre temos avanços, e que
as crises geradas fazem parte do nosso caminhar.
Avaliar nossas trajetórias, nesse contexto, é um as-
pecto essencial para percebermos nossos erros e
acertos. Mais do que se circunscrever na partição
binaria do pensamento cartesiano entre "culpa-
do e inocente", é preciso alcançar novas constru-
ções que permitam encontrar uma nova forma de
enxergar a si próprio {identidade), de perceber
nossas relações com @ outr@ (alteridade) e ten-
tar ousar uma sociedade menos autoritária e com
menos desigualdades sociais, pois isso certamen-
te refletirá na nossa relação com o mundo (oikos).
!2
Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Sal da terra (EMI).
Inúmeras iniciativas foram tomadas no sen-
tido de fortalecer a Educação Ambiental no Bra-
sil, por diversas organizações, governamentais ou
não. Muitas foram experiências bem-sucedidas e
com imenso potencial de sustentabilidade. No
setor da educação escolarizada, o Ministério da
Educação (MEC) lançou em 1996 os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), com a temática
"meio ambiente" como tema "transversal" que
fortaleceria a práxis interdisciplinar. Embora as
proposiçõeso fossemo novas, elas geraram
dúvidas e incertezas, que apareceram aos indiví-
duos como um dos grandes desafios da cria-
tividade humana.
Por outro lado, também significou ultrapas-
sagem, novas trajetórias- isto significou uma cer-
ta rebeldia de espírito e dúvidas das supostas "ver-
dades". É provável que, em face dos dilemas soci-
ais e educacionais do Brasil, os PCN tenham sido
propostos em caráter de emergência e fêz-se mais
do que urgente. Mas "agir na urgência,o signi-
fica agir com urgência" (Perrenoud, 2001: vi). Mes-
mo após tantas iniciativas, a Educação Ambiental
ainda continua fragilizada e talvez até mal com-
preendida, sendo muito mais popular em datas
comemorativas, mediante campanhas com
folders e cartazes e limitada, muitas vezes, à co-
leta seletiva de resíduos sólidos, sem posturas crí-
ticas ao modelo de desenvolvimento perverso que
origina o excesso de consumo e estimula as desi-
gualdades sociais.
Mas afinal, como vencer essa realidade e per-
mitir uma práxis interdisciplinar por meio dos te-
mas transversais? Norgaard (1998) utiliza uma
metáfora interessante para explicar a atividade in-
terdisciplinar - ele recorre à orquestra como ima-
gem para explicar a importância da interdiscipli-
naridade. Se tod@s @s pesquisador@s envo!vid@s
numa pesquisa possuíssem os mesmos entendi-
mentos sobre determinado conhecimento, esta-
ríamos tocando um só instrumento e alcançando
as mesmas notas musicais. Possuir conhecimen-
tos complementares ou divergentes seria compa-
rável a uma orquestra, na qual o ato de tocar em
conjunto requer partitura mais elaborada e com-
petência mais considerável. Ainda que numa or-
questra @s músic@so possam escolher as par-
tituras que tocam junt@s ou eleger @ regente, o
som da improvisação orquestral pode represen-
tar uma revolução, na qual a dissonância pode ser
compreendida como parte da transição da
modernidade e os conhecimentos se comple-
mentam para a interpretação conjunta de uma
realidade (Sato, 2000).
Moroni (1978) classifica a interdisciplinarida-
de em teleológica (atua entre os níveis empírico
e pragmático), normativa (entre os níveis prag-
mático e normativo) e orientada (entre os diver-
sos níveis orientados e normativos). Para Sauvé
(1994), a interdisciplinaridade pode estabelecer-
se fora dos muros acadêmicos e dos espaços for-
mais da educação e ser dividida em científica
(para a resolução de problemas cognitivos ou para
a produção de conhecimentos); decisiva (para a
tomada de decisões na resolução de problemas);
criativa (para a produção de um novo objeto -
técnico, material ou instrumental); e pedagógica
(para favorecer a integração das aprendizagens e
das disciplinas).
De acordo com Jantsch (1972), ao buscar a
interdisciplinaridade devemos pensar na origem
(todas as circunstâncias acadêmicas que condu-
zem a uma atividade interdisciplinar), na moti-
vação (todas as necessidades intelectuais e emo-
cionais relacionadas com a ideologia dos atores),
e no objetivo, uma vez que a interdisciplinarida-
de pode levar a uma gama extremamente variada
de disciplinas.
No diálogo de saberes, duas exigênciaso
substancialmente importantes: a competência de
cada especialista, cujo domínio epistemológico e
metodológico possa contribuir para os avanços
da construção dos conhecimentos; e o reconhe-
cimento, por parte de cada um@, do caráter par-
cial e relativo da própria área (ontológico), de seu
enfoque e de sua compreensão restritiva e parci-
al (Japiassu, 1976). Além disso, convém lembrar
que, para o desenvolvimento de atividade con-
junta, entra em jogo a estrutura do poder.
Como a objetividade científicao exclui a
mente humana, ao remetermos à motivação, res-
gatamos, inevitavelmente, a ideologia e a relação
de poder que se estabelece nas características d@s
atrizes e dos atores envolvidas. Para Foucault, as
relações entre grupos ou indivíduos trazem o me-
canismo de poder,o na mera competitividade
ou na defesa dos territórios, mas na presença de
um conjunto de ações que induz às outras ações.
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Num trabalho coletivo, cada sujeito e cada
grupo deve tentar viver humanamente o seu
tempo e participar como "cúmplice" - uma per-
sonagem na história coletiva, com a penetração
crítica e a capacidade de ser solidári@, mesmo
que muitas vezes se sinta solitári@ também.
Para essa revolução de pensamentos, a
contrapartida deve surgir de um ser criativo,
antagônico ao dogmático (Almanza et al., 1998).
O respeito, a crítica ética mútua e a auto-avali-
açãoo elementos fundamentais na constru-
ção desse processo, muitas vezes doloridos, mas
validados sob a racionalidade apaixonada da
construção de um espaço cívico comum. Em-
bora a conservação da biodiversidade seja um
discurso muito comum na Educação Ambiental,
respeitar as diferenças sociais talvez seja, ain-
da, um de seus maiores desafios.
A temática ambiental deve permitir a visão
global, mas a mediação pedagógica tem por obri-
gação revelar a subjetividade dos sujeitos. A ma-
neira pela qual o mundo nos subjuga e o esforço
com o qual tentamos nos impor ao mundo for-
mam o drama da vida. A resistência dos fatos,
entretanto, nos convida a transportar a nossa
construção ideal para o sonho, e a esperança ali-
menta nossa crença, mesmo com todos os dissa-
bores (Sato, 2001).
O sonho e o pensamento estão estreitamente li-
gados, sobretudo nos momentos em que as socie-
dades se sonham a si mesmas. É importante, pois,
acompanhar esses sonhos, tanto mais que sua
negação é, em geral, uma constante de todas as
ditaduras. Estaso possuem a face brutal que
foi a sua, durante toda a modernidade. Elas to-
mam o aspecto aprazível e bastante asséptico da
felicidade tarifada ao menor preço [...] os podê-
res dormem em paz, enquanto ninguém pode
mais,o sabe mais ouo mais ousa sonhar
(Maffesoli, 1995: 11).
Talvez ali, onde a racionalidade da moderni-
dade tropeça em seus limites, seja possível criar
um novo episódio para a Educação Ambiental.
Afinal, estamos comprometid@s com a história
eo podemos mais permanecer prisioneir@s.
"Que os acontecimentos por vir nos oprimam ou
nos desesperem" (Lyotard, 1948: 17), mas que
também nos ofereçam a possibilidade de guiar-
mos a vida, afastando a violência e permitindo
que a felicidade seja sempre possível.
A prática interdisciplinar é, portanto, um lon-
go desafio do conhecimento. Ela repousa, essen-
cialmente, na capacidade criativa e crítica que @s
professor@s possam ter sobre os reais objetivos
da educação. O que o professorado aceitar e com-
preender como metas da Educação Ambiental
refletirá nas estratégias e na metodologia educa-
tiva. Sabemos, pois, que @s professoraso su-
jeitos imprescindíveis para manter ou modificar/
transformar/romper com o modelo tradicional de
ensino (transmissivo, enciclopédico e obsoleto)
e ignorar ou abordar os problemas que esse mo-
delo gera (Sato et al., 2001). Mas, infelizmente,
"quase todas as críticas do sistema escolaro
concentradas no mesmo bode expiatório: a for-
mação de professores, que é considerada dema-
siadamente curta, inadequada, inapta, insuficien-
te, antiquada" (Perrenoud, 1993: 94).
Essa "quase total" responsabilidade conferida
à formação d@s professor@s em relação à prática
pedagógica e à qualidade do ensino, à qual
Perrenoud (1993) se refere, reflete a realidade do
nosso sistema escolar, que é centrado exclusiva-
mente na figura d@ professor@, como se el@ fos-
se @ únic@ condutor@/mediador@ de todos os
processos institucionalizados. Ao mesmo tempo,
observamos também as políticas governamentais
que retiram seu papel do âmbito das transforma-
ções sociais, retomando as máquinas do ensino,
"retirando a legitimidade d@s professor@s como
produtores do saber" (Nóvoa, 1995: 8).
A necessidade de uma política de formação
profissional para o setor educativoo é um novo
reconhecimento. Mas o problema persiste, prin-
cipalmente em face dos problemas e dos desa-
fios que enfrentamos neste mundo atual. Uma ne-
cessidade se impõe nesse cenário: a educaçãoo
pode permanecer atrelada a uma sociedade do
passado "em que as certezas e os acertos eram
paradigmáticos e onde a função docente exercida
era pautada em critérios de verdade e cienti-
ficidade" (Fazenda, 1993: XIV).
Na concepção de Zakrzevski e Sato (2001), para
o exercício da Educação Ambiental na escola, @
professor@ precisa construir um novo conheci-
mento profissional. Esse conhecimento precisa ser:
Um conhecimento prático, epistemologi-
camente diferenciado, mediador entre as teo-
rias e a ação profissional.
Um conhecimento integrador e profissiona-
lizado, organizado em torno de problemas
relevantes para a prática profissional e que
promova em torno desses problemas a
interação e a integração construtivas entre o
saber acadêmico, as crenças e os princípios,
as teorias implícitas e os guias de ação.
Um conhecimento complexo, capaz de reco-
nhecer a complexidade e a singularidade dos
processos de ensino-aprendizagem e dos pro-
cessos de integração entre os saberes.
Um conhecimento tentativo, evolutivo e pro-
cessual, formulado em diferentes níveis de
progressiva complexidade.
o existe uma representação estática e ter-
minal do conhecimento profissional ideal, mas
uma hipótese de evolução dele. No campo da
Educação Ambiental,o existe um itinerário
pelo qual tod@s professoras devem passar, se-
guindo uma trajetória linear, progressiva e ascen-
dente, no processo de construção do conheci-
mento profissional. Existe uma espécie de
gradação na construção do conhecimento profis-
sional, que vai de perspectivas mais reducionistas,
estáticas, acríticas (modelos tradicionais de ensi-
no), até outras coerentes com modelos alternati-
vos (de caráter construtivista e investigativo), pas-
sando por níveis intermediários que superam em
parte o modelo tradicional, mas apresentam obs-
táculos que precisam ser transpostos.
Levamos em consideração a idéia de que as con-
cepções d@s docentes, bem como as condutas a elas
associadas, evoluem e mudam por meio de proces-
sos mais ou menos conscientes de reestruturação e
construção de significados baseados na interação e
no contraste com outras idéias e experiências. De-
fendemos a idéia de que a evolução das concepções
pode ser favorecida ou acelerada por processos de
investigação que desafiem os sujeitos a selecionar
problemas; a tomar consciência das idéias e con-
dutas próprias; a considerá-las como hipóteses; a
buscar o contraste argumentativo e rigoroso com
outros pontos de vista e com dados procedentes
da realidade; a tomar decisões refletidas sobre as
idéias a serem mudadas e sobre por que mudá-las
(Zakrzevski e Sato, 2001).
Soterrado por uma avalanche de informações, pro-
fissionais das mais diversas áreas se ressentem de
uma formação que venha torná-los capazes de
incorporar conhecimentos que lhes possibilitem
o aprimoramento de suas práticas. A sobrevivên-
cia de certos profissionais e até a de sua profissão
está profundamente vinculada à possibilidade de
uma formação contínua. Isso tem colocado para
os centros formadores e para aqueles que hojem
discutindo a formação do professor um problema
novo: formar o profissional que nunca está forma-
do (Pimenta, 2000: 94).
Para que a reflexão possa ter o enraizamento
necessário, contribuindo para a compreensão
educacional, é preciso garantir certas condições
no ambiente de trabalho escolar e nas relações
entre o grupo de formador@s de professor@s. É
preciso acreditar na coletividade, na "convivi-
bilidade" (Morin: 2000), na ética e na solidarieda-
de capaz de fazer emergir uma comunidade de
aprendizagem que contribua com o fenômeno
educativo. Precisamos, assim, saber ouvir as inú-
meras "vozes ainda ausentes" da educação (Pi-
menta, 2000). Somente nesse caminho é que po-
deremos alcançar uma melodia orquestral, pela
qual, mesmo diferenciada em partitura, regente
e local, as vozes consigam se manifestar e ser ou-
vidas, para que seja realmente possível realizar a
interdisciplinaridade.
A Educação Ambiental, nesse contexto de um
coro entre diversas vozes, deve permitir um co-
nhecimento ancorado em sonhos, que permane-
ça no impulso criativo e crítico das diversas for-
mas de existência e que, sobremaneira, consiga
novas formas de ultrapassagem às violências
vivenciadas pela nossa era.
Inserir a Educação Ambiental nas propostas
interdisciplinares é torná-la diferente. A propos-
ta curricular deve ultrapassar as relações do tem-
po e do espaço, possibilitando uma comunicação
em rede, um diálogo que se abre na perspectiva
de romper com fronteiras do conhecimento. De-
safia as amarras acadêmicas e propõe uma nova
abertura, capaz de trazer uma dimensão mais
ampla. É bem provável que o caminho traçado
o seja fácil, mas somente aquel@s que guardam
a Educação Ambiental em seus corações estarão
dispostos a correr todos os riscos.
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Propor a Educação Ambiental (eo o meio
ambiente) nos diálogos da interdisciplinaridade
é tomar a responsabilidade pedagógica, é alme-
jar um planejamento curricular como possibili-
dade na desejada transformação social. Anco-
rad@s na concepção de Merleau-Ponty (1971) e
Passos e Sato (2001), acreditam que todo currícu-
lo deve ser fenomenológico. Em outras palavras,
o currículo escolar, regional, flexível e adequado
a cada realidade, deve se contrapor a qualquer
determinação esmiuçada, já estabelecida e ofe-
recida como prato-feito, que pulveriza, assimila
e aniquila a identidade. Deve rejeitar qualquer
coisa que possa ser feita sob nossa alienação, e
sem nossa existência.
Se é verdade queo há caminho sem o andar, é
sobretudo verdade que o trajetoo existe sem o
transeunte. O trajeto esboça, carrega uma propos-
ta com possibilidades e limites, que só pode ser
realizada numa atitude lüdico-prática de ima-
nência e transcendência. A primeira nose cir-
cunstanciados num tempo perspectivado para o
futuro, inscrevendo e referenciando nossa existên-
cia à materialidade; a segunda nos chama além de
nós, provocando nossa capacidade de ultrapassar
fronteiras antes acenadas, reacomodando-a na
perspectiva de um caminho pessoal, inédito, num
percurso que possa oportunizar transpô-las.r
limites às águias é provocá-las à transgressão (Pas-
sos e Sato, 2001).
Possivelmente haverá eventualidades, dúvidas
e incertezas. A aceitação de uma única verdade ab-
soluta jáo mais pertence ao legado da Educação
Ambiental. Somos abertos a surpreender-nos pelo
inesperado, pelo acontecimento, por novas relações
só permitidas pela perspectiva da fronteira, donde
se descortina uma outra visão da mesma paisagem.
O vento pode ser o mesmo, "mas toca diferentemen-
te em cada folha" (Meireles, 2000).
Haverá, então, uma nova paisagem que nos
convidará às novas perspectivas, às novas esco-
lhas. E do novo desenho e do comprometimento
à fidelidade no caminhar, esta visão implicará res-
ponsabilidades axiológicas derivadas do cuidado,
do carinho, das conseqüências coletivas, de nos-
sa escolha individual, para com a constelação his-
tórico-cultural que se tece numa totalidade, como
natureza culturalizada na natureza-em-mundo.
Assim, a Educação Ambiental inscreve sua traje-
tória nesse cosmos, contemplando a identidade
individual, como sujeito histórico do processo,
tecendo redes coletivas num espaço social de
alteridade e no respeito à natureza que poderá ter
influências na construção de um mundo melhor.
A Educação Ambiental, como projeto de
vida, põe-nos também "o caráter irremediável da
temporalidade, da duração" (Merleau-Ponty,
1971: 413).o podemos estar abertos a possi-
bilidades infinitas, sem restringi-las num ato de
liberdade e de risco. Um ato de liberdade impli-
ca o sacrifício do abandono das possibilidades
infinitas, e a renúncia, o descompromisso do so-
brevôo, provocando a ancoragem, definitiva-
mente consubstanciada, da liberdade, engajada
numa direção, que permita se engolfar apaixo-
nada, perdida e arriscadamente na vida (Passos
e Sato, 2001).
Bibliografia
ALMANZA, Tulia et al. Hacia una pedagogia del porvenir.
Santafé de Bogotá: Instituto para Ia Investigación Educa-
tiva y el Desarrollo Pedagógico, 1998.
FAZENDA, Ivani. Prefácio. In: PETRAGLIA, Izabel Cristina
(Org.). Interdisciplinaridade - o cultivo do professor.o
Paulo: Pioneira/Universidadeo Francisco, 1993.
FOUCAULT, Michel. Subject and power. In: DREYFUSS, H.;
RABINOW, P. Beyond structuralism and hermeneutics.
Bringhton: The Harvest Press, 1982.
HERÁCLITO. Os pensadores pré-socráticos.o Paulo: Nova
Cultural, 1996. Coleção Os Pensadores.
JANTSCH, E. Toward interdisciplinarity and transdiciplinarity
in education and innovation. In: CERI; OECD (Eds.).
Interdisciplinarity. Paris: CERI/OECD, 1972. p. 97-121.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e a patologia do sa-
ber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LYOTARD, Jean-François. A geração da guerra. Joaquim, 3
(20): 17,
1948.
MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Ale-
gre: Artes e Ofícios, 1995.
McLEISH, Kenneth. Aristóteles.o Paulo: Unesp, 2000.
MEIRELES, Cecília. Os melhores poemas de Cecília Meireles.
o Paulo: Global, 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. "Romance e metafísica". Joa-
quim, //(14):4, 1947.
Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1971.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares
Nacionais. Brasília: SEF/MEC, 1996.
MORIN, Edgar. Saberes globais e saberes locais - o olhar
transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
MORONI, Antônio. Interdisplinarity and environmental
education. Prospects, 8 (4): 527-41, 1978.
NORGAARD, Richard. A improvisação do conhecimento dis-
cordante. In: Ambiente e Sociedade, 1(2): 25-40, 1998.
NÓVOA, Antônio. Prefácio à segunda edição. In: NÓVOA, A.
(Org.). Profissão professor. Porto: Porto Ed., 1995.
PASSOS, Luiz Augusto: SATO, Michèle. Educação ambiental:
o currículo nas sendas da fenomenologia Merleau-
Pontyana. In: SAUVÉ, Lucie; ORELLANA, Isabel; SATO,
Michèle (Dir.). Sujets choisis en éducation relative à
1'environnement- d'une Amérique à 1'autre. Montreal: ERE-
UQAM, 2001 (antecipe).
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão do-
cente e formação - perspectivas sociológicas. Lisboa: Pu-
blicações Dom Quixote/lnstituto de Inovação Educacio-
nal, 1993.
. Ensinar, agir na urgência, decidir na incerte-
za. Porto Alegre: Artmed, 2001.
PIMENTA, Selma G. A pesquisa em didática - 1996 a 1999. In:
CANDAU, Vera Maria (Org.). Didática, currículo e saberes
escolares. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000. p. 78-106.
PRIGOGINE, llya. O fim das certezas - tempo, caos e as leis
da natureza.o Paulo: Unesp, 1996.
SATO, Michèle. Dialogando saberes na Educação Ambiental.
In: Encontro Paraibano de Educação Ambiental/2000 -
"Novos Tempos". João Pessoa: REA/PB e UFPB, Anais -
Seção Palestras. 1-12p., 8/10 nov. 2000.
. Réseau de dialogues au sujet de i'éducation
environnementale. In: Éducation relative à 1'environnement.
2001. v. 3 (antecipe).
SATO, Michèle; MONTEIRO. Silas; ZAKRZEVSKI, Cláudio;
ZAKRZEVSKI, Sônia. Ciências, filosofia e Educação
Ambiental - links e deleites. In: OLAM - Tecnologia, ciên-
cia e educação. Rio Claro: Unesp, 2001. v. 1.
SAUVÉ, Lucie. Pourune éducation relative à 1'environnement.
Montreal: Guérin Éditeur, 1994.
ZAKRZEVSKI. Sônia; SATO, Michèle. Refletindo sobre a for-
mação de professor®s na Educação Ambiental. In:
SATO, M.; SANTOS, J.E. (Orgs.). A contribuição da Edu-
cação Ambiental à esperança de Pandora.o Carlos:
PPG-ERN/EdUFSCar. 2001
Elementos para pensar
nas disciplinas e outras formas
que nos atravessam*
Walter Ornar Kohan'
Resumo
Neste trabalho, propomos colocar em questão
os dois termos centrais na proposta da mesa: "inter-
disciplinaridade" e "transversalidade". Com relação
ao primeiro, é preciso pensar antes no termo "disci-
plina" que ele contém. Partimos de sua etimologia
latina e das análises feitas pelo filósofo francês
Michel Foucault para mostrar os dispositivos que
regulam a produção do saber, as relações de poder e
a constituição das subjetividades nas instituições
modernas, entre elas a escola. A escola moderna re-
flete, de forma nunca fiel, uma sociedade na qual a
disciplina constitui o eixo na formação do indivíduo.
Nesse sentido, afirmamos que propostas queo
ênfase a conceitos como "inter", "multi", "trans"
disciplinaridade, e outros afins,o constituem uma
ruptura real perante a escola disciplinar. Uma tal
mudança exige pensar uma educação não-discipli-
nar, num contexto atual caracterizado pela transi-
ção das sociedades disciplinares às sociedades de
controle (Deleuze, 1995). Finalmente, sugerimos
uma forma de entender a transversalidade, a partir
da categoria de rizoma (Gallo, 1999), como princí-
pio regulador das relações de poder-saber, numa
educação não-disciplinar.
" Texto apresentado na mesa "Transversalidade e interdisciplinaridade: Dificuldades, avanços, possibilidades" no Primeiro Congresso Brasilei-
ro de Qualidade na Educação, MEC, Brasília, out. 2001.
"Professor da Universidade de Brasília, investigador do CNPq. E-mail: <[email protected]>
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
o sou um especialista em Educação
Ambiental. Tampouco a transversalidade e a in-
terdisciplinaridadem sido foco importante de
minhas leituras e investigações. Vocês estarão se
perguntando, então, o que faço aqui, numa mesa
que se propõe a discutir os avanços, as dificulda-
des e as perspectivas da Educação Ambiental
como tema transversal. É uma boa pergunta e eu
a fiz a mim mesmo várias vezes, antes e depois
de haver aceitado esse convite, gentilmente feito
por Ângela Martins, a quem quero agradecer pu-
blicamente.
Trabalho na área de Filosofia da Educação e
de ensino da Filosofia. Sou somente alguém que
lê filosofia e pensa e atua na educação. Concebo
a filosofia como uma prática, um exercício do
pensar e é isso que tratarei de mostrar-lhes nesta
manhã: algumas idéias para pensar nos dois con-
ceitos que se propõem a esta mesa: interdiscipli-
naridade e transversalidade. De todas as manei-
ras, vocês sabem que na filosofia muitas pergun-
tas se mantêm ainda mais vivas depois de algu-
mas tentativas de respondê-las. E issoo é ne-
cessariamente um problema. Portanto, podemos
manter nossas dúvidas sobre a pertinência de
minha presença nesta mesa e sobre as questões
que estarei lhes expondo.
Essa explicação inicialo pretende ser uma
desculpa, mas sim uma apresentação que lhes dê
elementos para contextualizar as idéias que lhes
proporei.o farei uma avaliação do modo pelo
qual a Educação Ambiental como tema transver-
sal está sendo trabalhada pelo MEC, ou nas suas
escolas. Tampouco farei uma proposta sobre
como deveria ser trabalhada. Só vou me dedicar
a compartilhar com vocês algumas idéias sobre
transversalidade e interdisciplinaridade de um
ponto de vista que entendo ser filosófico. Espero
que essas idéias contribuam com seu pensamen-
to e sua prática. Este é o principal sentido que
outorgo a minha presença nesta mesa.
Uma questão inicial que gostaria de apresen-
tar é um estado de coisas queo favorece a pen-
sar nesses termos, dado pelo fato de que, pelo
menos na última década,o se convertido numa
variedade de modismos na educação. Esse cam-
po - tal como outros, embora de forma mais acen-
tuada - sofre o contínuo assalto de concepções,
programas e idéias que aparentemente resolve-
rão, de uma vez e para sempre, os problemas edu-
cacionais. De tempo em tempo, alguns concei-
tos começam a ser utilizados cada vez mais in-
sistentemente, até se transformarem em lugar-
comum de quase todas as propostas educacio-
nais. É o caso de conceitos como democracia, di-
álogo, cidadania, inovação, autonomia. Todos os
discursos educacionais se apropriam, em um
dado momento, de terminologias como estas.
Tornam-se moda. De tanto usar, de tanto acom-
panhar finalidades educacionaiso diferentes,
acabam por perder o sentido exato. A partir des-
sa dificuldade, vamos propor alguns elementos
para pensar em transversalidade e interdiscipli-
naridade.
Disciplina, escola
e modernidade
Gostaria de começar pela lembrança de duas
teses clássicas do sociólogo da educação inglês
Basil Bernstein, propostas há mais de uma déca-
da. Bernstein sugere que os sistemas educacio-
naism duas características importantes: de um
lado, além da ideologia dominante, os princípios
e as práticas pedagógicaso impressionante-
mente uniformes. Esta primeira teseo desco-
nhece as diferenças existentes entre os diversos
sistemas educacionais, mas destaca sua assusta-
dora semelhança em contextos políticos e soci-
ais diferenciados (1996:234); a segunda tese é que
o discurso pedagógicoo é um discurso especí-
fico, isto é, se apropria de outros discursos e os
reorganiza visando sua transmissão e sua aquisi-
ção seletivas; esse discursoo gera os discursos
que veicula (1996:259). Em outras palavras: o que
se diz em educaçãoo surge da própria educa-
ção, vem de outros contextos, e sofre, em terreno
educacional, adequações e transformações.
O conceito de disciplina parece-nos adequa-
do para exemplificar essas duas teses de
Bernstein. Além das diferenças culturais, sociais
e políticas que fazem com que a disciplina ad-
quira uma forma expressiva específica, sua fun-
ção é semelhante nos diversos sistemas educa-
cionais. Por outro lado, o discurso educacional
sobre a disciplina - ademais,o só o discurso,
mas também um conjunto de práticas discursivas
e não-discursivas disciplinares - resulta de apro-
priação e adequação de algo que surgiu fora des-
se contexto.
Para explicar melhor essa transposição, vamos
pedir ajuda à etimologia: a palavra disciplina, de
origem latina, mantém os dois sentidos originá-
rios: a) saber (quando nos referimos a "discipli-
nas", tais como Filosofia, Música ou Ginástica); b)
poder (quando dizemos "disciplina militar"). Em
latim, embora se trate de uma etimologia discu-
tida, disciplina parece uma forma abreviada do
termo discipulina, de denotação educativa, liga-
da à aprendizagem {disci) da criança {puer), num
duplo processo de saber-poder: apresentar deter-
minado saber à criança e produzir estratégias para
manter a criança nesse saber (Hoskin, 1993: 34).
Vamos agora à filosofia. O que faz um filóso-
fo, qual é sua atividade? A atividade filosófica, dis-
se Deleuze, tem a ver com situar problemas e cri-
ar conceitos que ajudem a pensar esses proble-
mas. O conceito de disciplina - pelo menos uma
forma de entendê-lo - foi criado por Michael
Foucault nos anos 1970 para responder à pergun-
ta "como funcionam as sociedades modernas?",
no sentido de "quaiso os mecanismos que re-
gulam, o estatuto e o regime que adquirem as re-
lações entre o saber e o poder nas sociedades
modernas?" A partir do sentido comum do ter-
mo, retratado na etimologia sugerida, Foucault
fará um uso especial do conceito e o aplicará em
suas análises das sociedades modernas, às quais
chamou de sociedades disciplinares.
Esse nome se deve a que essas sociedades es-
o estruturadas sobre a base de grandes centros
de isolamento - a escola, o quartel, a fábrica, o
hospital, a cadeia-, unidades fechadas e auto-su-
ficientes, que disciplinam os indivíduos. As insti-
tuições das sociedades disciplinares - que, segun-
do Foucault, se desenvolvem ao longo dos sécu-
los XVII a XIX e alcançam seu apogeu no começo
do século XX - cobiçam dispositivos de governo
dos indivíduos que as atravessam, no sentido de
que nelas sempre há um "outro" que determina o
campo de ação próprio (Foucault, 1983: 221),
sempre é outro que diz o que se pode fazer (por
exemplo, na escola, o professor determina o cam-
po de ação do aluno, o diretor o do professor, o
inspetor o do diretor etc).
Essas instituições são, ao mesmo tempo, for-
midáveis dispositivos de produção de subjetivi-
dade. Os instrumentos principais do poder disci-
plinaro a vigilância hierárquica, a sanção
normativa e o exame (Foucault, 1976: 175-198).
Por meio dessas técnicas de saber-poder cada
uma dessas instituições produz mudanças signi-
ficativas naqueles que por elas passam: de fato,
o somos os mesmos quando deixamos a esco-
la, o hospital ou a cadeia,o só pelos efeitos vi-
síveis que essas instituiçõesm sobre nós, pelos
conhecimentos que adquirimos numa escola,
pelos curativos queo feitos sobre nosso corpo
nos hospitais ou pela perda de pigmentação na
pele que sofremos nos presídios, senão, sobretu-
do, porque nelas transformamos a relação que
temos coms mesmos.
O caso da escola é especialmente interessan-
te, na medida em que se trata de uma instituição
interessada explicitamente na "formação" de seus
visitantes; ela se propõeo só a ensinar conhe-
cimentos, divulgar saberes e capacidades - habi-
lidades e competências, dir-se-ia hoje -, senão
que busca, mais do que nada, formar pessoas,
produzir certo tipo de subjetividades. Por um
lado, a escola moderna reflete a sociedade disci-
plinar: se a escola é uma instituição na qual "a dis-
ciplina constitui o eixo da formação do indivíduo"
(Noyola, 2000:113) é porque se situa numa socie-
dade com inspirações disciplinares. Por outro
lado, esse reflexo nunca é fiel, no sentido em que
o poder disciplinar adquire uma forma específica
e determinada na escola em relação a outras ins-
tituições. Assim, para entender a escola moder-
na, temos de olhar dentro e fora dela. Fora, é pre-
ciso entender o dispositivo social mais comple-
xo, um conjunto heterogêneo, uma rede de dis-
cursos, instituições, organizações arquitetônicas,
normas, saberes quem como função estratégi-
ca, na modernidade, a imposição do poder disci-
plinar (Foucault, 1979: 244). Dentro, é preciso
compreender a forma específica que adquire o
poder disciplinar nos diferentes dispositivos pe-
dagógicos. Das formas do poder disciplinar, o exa-
me é a técnica educacional mais clara (Hoskin,
1993:35). Nos últimos anos, diversos estudosm
mostrado essa dimensão (veja, por exemplo, Da
Silva, 1994).
Para entender o duplo processo de saber-po-
der da disciplina nas sociedades modernas, é ne-
cessário perceber o crescente processo de espe-
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
cialização do saber que deu lugar às disciplinas.
Cada vezo mais disciplinas, mais específicas,
mais fechadas e independentes, quem por ob-
jetivo diversas dimensões do ser humano, para o
que fazem falta mais detentores do saber. Basta
ver nossas instituições educacionais, com um
único professor para poucos assuntos nos primei-
ros anos do Ensino Fundamental e uma varieda-
de exponencial de áreas especializadas no Ensi-
no Superior.
Sobre a transversalidade
Quando se trata de reformas educacionais, o
que está em jogo é o tipo de poder que se afirma
por meio dos dispositivos queo postos em jogo
nas diversas dimensões, entre eles a estrutura
curricular. Nesse caso, as propostas queo ên-
fase a conceitos tais como "interdisciplinaridade",
"transversalidade", "multidisciplinaridade" e-
rios outros termos afins, parecem construir-se
sobre a base de um elemento comum: a afirma-
ção da disciplina. Segundo o modo como se en-
tenda cada um desses conceitos será possível che-
gar a um resultado parcialmente diferente, mas
em todos esses casos se afirma uma base comum,
a disciplina, que será integrada, multiplicada, su-
perada, atravessada, mas que de alguma forma
permanece presente na unidade que a integra.
Parecem formas, enfim, que mantêm, ressig-
nificando, dispositivos disciplinares.
É possível a institucionalização de outras for-
mas de poder? É possível uma escola não-disci-
plinar? Qual é o valor de algumas experiências
históricas (por exemplo, Summerhill)? A partir
dessas experiências, de que outras formas se exer-
ce o poder pedagógico? É factível esperar uma
escola que promova formas de exercer o poder
menos hierárquicas, autoritárias e discrimina-
tórias que o poder disciplinar? Que formas de
poder desejaríamos que imperassem nas "nossas"
escolas? Faz poucos anos, o filósofo francês
Deleuze afirmava que as sociedades disciplina-
res, aquelas baseadas na disciplina,m deixado
espaço às sociedades de controle (1995: 273).
Deleuze oferece como exemplo a empresa subs-
tituindo a fábrica. As empresas se regulam, entre
si e internamente, por uma lógica da competên-
cia e da rivalidade como estímulos ao progresso.
Algo semelhante acontece na educação. Num-
vel macro, o Estado afirma sua política educacio-
nal com base na avaliação da "qualidade" nos di-
ferentes níveis educacionais. Essas avaliações
hierarquizam, dividem, premiam, castigam, fo-
mentam a competência e a rivalidade entre as
diferentes "empresas" educacionais que, públicas
ou privadas,o tratadas com a mesma lógica
empresarial.
Deleuze também afirma que todos os centros
de clausura modernos, entre eles a escola, se en-
contram numa crise generalizada, e as constan-
tes reformas a queo submetidoso fazem se-
o prolongar sua agonia (Deleuze, 1995:278). No
caso da educação, mais do que de reformas se tra-
ta de liquidações (Deleuze, 1995: 274). A liquida-
ção é para um regime de maior controle, em que
jogam um papel importante os sistemas de avalia-
ção já citados. O controle é contínuo, a comuni-
cação instantânea (Internet, TV Escola) em espa-
ços fisicamente menos diferenciados, mais aber-
tos (educação a distância). Nossa relação com o
tempo muda: se nas sociedades de disciplina
sempre se começa outra vez em cada unidade, nas
sociedades de controle nada nunca acaba, a for-
mação é contínua, permanente, inacabada
(Deleuze, 1995:280). Nossa relação com o espaço
também muda, os centros de clausura deixam
espaço a uma formação que vai a todos os luga-
res onde estamos - o parque, o cinema, a casa.
Pode a escola ser um vetor de formas de po-
der queo afirmem a disciplina e o controle?
Pode sobreviver na escola o poder da diferen-
ça? Pode a escola produzir subjetividades mais
livres, abertas, indeterminadas, imprevistas,
imprevisíveis? É possível uma escola não-hie-
rárquica em sua forma de organização política,
curricular e espacial?
Essas perguntaso imensas eo estamos
em condições de respondê-las. Contudo, uma
educação queo discipline e controle requer um
regime de saber-poder radicalmente diferente da-
quele imperante em nossas escolas. Em termos
do saber, necessita um novo regime para a pro-
dução e a circulação da verdade dos saberes na
escola, com uma nova estrutura para disciplinar
o saber. Em termos do poder, precisa abolir um
dispositivo baseado na vigilância, na sanção e no
exame e proporcionar práticas discursivas e não-
discursivas horizontais,o hegemônicas,
proporcionadoras de diferença. Em termos de
subjetividade, requer que se deixe de produzir
sujeitos dóceis, obedientes e fiéis consumidores
para proporcionar sujeitos imprevisíveis, resisten-
tes, que pensam o impensável.
Vamos exemplificar essas idéias com o meio
ambiente. Os problemas do meio ambienteo
o questões de um âmbito de saber específico. É
uma área atravessada por saberes - daremos so-
mente alguns exemplos, entre outros - que tradi-
cionalmente chamaríamos de geográficos, bioló-
gicos, físicos, filosóficos, políticos.
Como tratar os problemas ambientais? Em
termos do saber, como questões complexas,
multifacetadas, com diversidade de regime, esta-
tuto e legitimação, cuja verdadeo está ligada
necessariamente a sua cientificidade; pode ser
constituída no interior da escola, pelos sujeitos
sabedores que a habitam. Em termos do poder,
afirmando relações transversais, problemáticas,
múltiplas, tanto entre si quanto com o meio am-
biente. Em termos de subjetividade, contribuin-
do para que alunos e professores problematizem
as formas dominantes de relação com o meio
ambiente (incluindo a própria) e os discursos
imperantes ao seu redor.
Entre nós, Sílvio Gallo (1999) propôs idéias
interessantes para pensar uma educação transver-
sal, não-disciplinar, a partir da categoria "rizoma",
tirada de Deleuze e F. Guattari. A transversalida-
de aparece nessa proposta como princípio regu-
lador do poder-saber. No caso do poder, afirma
relações coletivas e não-hierárquicas. Em relação
ao saber, é a matriz de um paradigma rizomático,
sem hierarquias, com fluxos contínuos e múlti-
plos (Gallo, 1999:32-33). Nesse paradigma, como
as inumeráveis linhas do rizoma, os saberes se
entrelaçam de forma complexa a partir de seis
princípios (Gallo, 1999: 31-32):
1. conexão (qualquer ponto do rizoma pode
estar conectado com qualquer outro);
2. heterogeneidade (as conexõeso sempre
"outras");
3. multiplicidade (o rizoma é irredutivelmente
múltiplo;o pode ser reduzido a uma uni-
dade);
4. ruptura a-significante (o rizoma é um terri-
tório sempre sujeito a linhas de fuga, é uma
cartografia a ser sempre traçada, toda vez);
5. cartografia (um rizoma pode ser acessado de
infinitos pontos e remeter a vários outros no
seu interior);
6. decalcomania (a novidadeo é decalcar o
mapa, mas colocar o mapa sobre suas cópias,
possibilitando novos territórios).
Segundo Gallo, "assumir a transversalidade é
transitar pelo território do saber como as sinapses
viajam pelos neurônios no nosso cérebro, uma
viagem aparentemente caótica que constrói
seu(s) sentido(s) à medida que desenvolvemos
sua equação fractal" (1999: 33).
Nesse sentido, afirmar a transversalidade sig-
nifica valorar o incerto sobre a certeza, a diferen-
ça sobre a mesmidade, a multiplicidade sobre a
unidade, num sentido político e epistemológico.
Creio difícil poder pensar a educação em meio
ambiente, suas dificuldades, seus avanços e pos-
sibilidades, semr em questão os valores que
suporta nossa aposta pedagógica. Sentir-me-ei à
vontade se nesta conversa tiverem encontrado
algum elemento que lhes permita pensar esses
valores e sua relação com eles.
Bibliografia
BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico.
Petrópolis: Vozes, 1996.
DA SILVA, Tomaz Tadeu. O sujeito da educação. Estudos
foucaultianos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
DELEUZE, Gilles. Conversaciones. Valencia: Pre-textos, 1995.
FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. México: Siglo XXI. 1976.
Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal,
1979.
The subject and the power. In: DREYFUS, H.;
RABINOW, P. Michel Foucault. Beyond estructuralism and
hermeneutics. Chicago: The University of Chicago Press,
1983. p. 208-26.
GALLO, Sílvio. Transversalidade e educação: pensando uma
educação não-disciplinar. In: ALVES, Nilda; GARCÍA, Re-
gina (Orgs.). O sentido da escola. Rio de Janeiro, 1999. p.
17-41.
HOSKIN, Keith. Foucault a examen. In: BALL, Stephen (Org.).
Foucault y Ia educación. Madrid: Morata, 1993.
NOYOLA, Gabriela. Modernidad, disciplina y educación.-
xico: Universidad Pedagógica Nacional, 2000.
SIMPÓSIO 2
QUESTÕES AMBIENTAIS
E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins
José Manoel Martins
Jaime Tadeu Oliva
Cuidar, cuidar-se: discutindo questões
e o papel da escola
Leita Chalub Martins"
Um livro muito instigante, que merece ser
lido por todos os educadores, é O buraco branco
no tempo, escrito por Peter Russel (1997).
1
O li-
vro nos leva a ter, cada vez mais, a certeza de que
nunca houve, na Terra, outra espécie capaz de
modificar o mundo como temos feito. Nunca
tanto foi possível. E nunca tanto correu tanto ris-
co. Estamos vivendo tempos de grandes mudan-
ças, maso apenas isso. O próprio ritmo das
mudanças tem se acelerado crescentemente.
Essa aceleraçãoo é um padrão do século pas-
sado, mas um padrão que percorre toda a histó-
ria do planeta. Ses tentássemos reconstruir a
história da vida no planeta, iríamos verificar que
foram necessários bilhões de anos nesse proces-
so e que o homem somente vai surgir muitíssi-
mo recentemente. A história da humanidade,
então, é brevíssima se comparada a todo proces-
so de evolução biológica necessário ao sur-
gimento do Homo erectus.
Uma conclusão a que o livro nos leva é que
onde quer que estejamos indo, estamos indo
muito rápido. Para ficarmos com um exemplo, a
interligação da humanidade começou com o
surgimento da linguagem, há 50 mil anos, e hoje
experimentamos a transmissão da informação
na velocidade da luz, constituindo uma teia de
comunicação crescente e envolvente capaz de
abranger os 6 bilhões de seres humanos do pla-
neta. É espantoso como emo curto espaço de
tempo foi possível à humanidade acumular tan-
to conhecimento!
Com muita habilidade e criatividade, temos
investido muito na perspectiva de evitar o sofri-
mento humano e prolongar a vida. Maso po-
demos negar os efeitos colaterais decorrentes: a
explosão populacional que experimentamos é
por si só uma ameaça à sobrevivência coletiva.
Além disso, somos obrigados a investir em maior
produção e aumentamos também, de modo sur-
preendente, o consumo. Do consumo excessivo
resulta desperdício e poluição. Uma olhada
criteriosa pelo planeta (ver a respeito Brown,
2001) vai nos indicar que, a cada ano, a situação
se agrava: além do crescimento populacional
contínuo, o desaparecimento de florestas, a ero-
o do solo, a pesca se esgotando, nível do mar
subindo, o aquecimento crescente do planeta...
A visão crítica desse momento nos permite com-
preender queo mais basta apenas tentarmos
reduzir nosso consumo. Mais que isso, é preciso
questionar como produzimos o que consumi-
mos. Esse é de fato o enfrentamento que preci-
samos ter nesse momento e, criativamente, bus-
car uma produção ambientalmente sustentável,
usando matéria-prima reciclável, por exemplo.
É esse o grande e decisivo momento em que é
possível mudar. Temos consciência da gravida-
de da situação ambiental e recursos para empre-
ender a mudança.
Precisamos, como diz Russel, proceder a
uma mudança de consciência, pois a origem de
todos os problemas está no pensamento, em
atitudes e valores que confirmam a nossa pre-
tensão de sermos bons manipuladores e con-
troladores do mundo. Mais que isso: temos um
enorme apego material, consumimos mais do
que precisamos e, com medo de que as coisas
o aconteçam como queremos, estamos sem-
pre voltados para o futuro, perdendo a experi-
ência do agora.
Estar preocupado sempre com o futuro des-
trói nossos relacionamentos: julgamos o outro a
partir de sua disposição de aceitar o mundo tal
Educadora e antropóloga social, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasilia.
' Há também o video com o mesmo nome. produzido pela EMA Vídeo para a televisão - Estação Ciência, da Rede Globo de Televisão -. com
a tradução de Luís Eduardo Tavares.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
como o queremos e, politicamente, o qualifica-
mos de digno ou indigno, de certo ou errado. Ja-
mais aceitamos que o outro seja diferente e em
busca da sua paz de espírito.
Com medo de que o mundo possao ser
como queremos, somos sempre resistentes às
mudanças. Por isso, gastamos em armas os re-
cursos que poderiam assegurar a nossa sobre-
vivência coletiva. Estamos sempre resistindo a
mudanças com receio de que estas possam co-
locar em risco nossos interesses. É o nosso in-
teresse que subjuga nossa consciência, eo so-
mos capazes de compreender o risco de destrui-
ção iminente.
Acumulamos muito conhecimento sobre o
mundo em que vivemos, sobre o espaço, sobre
a estrutura da matéria. Mas muito pouco sabe-
mos sobre as nossas mentes. Explorar e desen-
volver a mente humana é, segundo Russel, o
próximo passo da evolução. Uma evolução da
consciência, que nada requer de mudança no
mundo externo, pois é uma mudança de per-
cepção. Implica vencer o aprisionamento do
nosso ser interior.
É com a inspiração e a provocação das
idéias de Russel que gostaria de construir a
aproximação entre o meio ambiente e a esco-
la. O que é necessário, sob o ponto de vista
da formação das futuras gerações, para que a
humanidade possa dar esse salto, no sentido
de expansão da sua consciência, e promover
a mudança de que o mundo precisa para as-
segurar a continuidade da vida?
Com certeza, a resposta a essa questãoo
pode mais ser no sentido de confirmar a escola
como lugar de acesso à informação. Há muito a
escola deixou de ser o meio mais adequado - se
é que já foi um dia - para que seus alunos pos-
sam se apropriar do conhecimento acumulado
pela humanidade. Em razão de compreendê-la
com esse reducionismo é que hoje existe um mo-
vimento em defesa do direito de se educar den-
tro de casa, independente da escola, portanto.
Gostaria de sugerir uma proposta de Educa-
ção Ambiental centrada no cuidar e cuidar-se.
Como sabemos, a idéia de cuidar remete-nos à
de cogitar, imaginar, pensar, do latim cogitare.
É, também, antecipar, no sentido de imaginar o
vir-a-ser, ou seja, de construir uma utopia. Cui-
dar pressupõe, assim, um entendimento no sen-
tido de identificação do esforço necessário para
se construir o que se imagina, o que se cogita.
Daí ser usado, por extensão, com o sentido de
dar atenção, tratar de. É também com todo esse
sentido que se aplica o cuidar-se. Quando o ob-
jeto da atenção, do pensamento, da construção
utópicao é outro senãos mesmos: nossos
corpos, nossas mentes, nosso eu. Acho interes-
sante partir da idéia de cuidar, porque ela nos
permite avançar no sentido da complexidade
requerida pela educação no mundo atual. Cui-
dar, como pensar, é assim um ato do espírito;
pressupõe o uso de faculdades criativas; aproxi-
ma-se assim do criar.
Ora, quando se fala de cuidar, cuidar-se,
estamos nos referindo, em última instância, ao
que é Vida. Vida, nossa vida, qualquer forma de
vida, condições para a vida. Falar de vida é, mui-
tas vezes, falar de tudo o que precisamos para
melhor nos compreender no mundo, e com o
mundo, maso tivemos ainda a oportunidade
de aprender.
Aqui cabe a compreensão de que se o me-
lhor exemplo do milagre da vida somoss
mesmos, e da permanente surpresa que essa
constatação provoca,o se trata de um conhe-
cimento novo, mas de um re-conhecimento. Re-
conhecer significa voltar ao conhecer; revisitar
o conhecido para renová-lo; recompô-lo,
integrá-lo. Mas de que reconhecimento estamos
falando? De todo o conhecimento que, como
aprendemos dos povos das nossas florestas,
contribui para que possamos nos perceber "um
ser uno com a natureza interna de si. Que tudo
se desdobra de uma fonte única que forma uma
trama sagrada de relações, de modo que tudo
está ligado a tudo. Homens, árvores, serra, rios
o um corpo, com ações interdependentes"
(lecupé, 1998).
Assim, é preciso que a escola permita aos
seus alunos a experiência de se perceberem
como a primeira porção da natureza ao seu al-
cance. Somos nossos corpos e estes nadao
além de parte da natureza. Partindo dessa
vivência intensa, cabe à escola proporcionar aos
alunos a sua compreensão de outro nível de ser:
um ser cultural, além de físico e biológico. Os
níveis de ser distinguem-se por qualidades pro-
fundas e misteriosas: vida, consciência e
autoconsciência. Os seres humanoso as úni-
cas criaturas que possuem, percebem e apreci-
am todas essas qualidades, o que lhes dá uma
responsabilidade especial quanto à proteção de
todos esses níveis.
Além disso, ou, mais precisamente, integra-
do a isso, cabe à escola permitir que seus alunos
aprendam que é possível complementar a análi-
se racional com a análise não-racional ou supra-
racional, por meio da intuição, da percepção, da
profunda familiaridade, do respeito e da com-
paixão.
Talvez seja melhor procurarmos compreen-
der a complexidade da Educação Ambiental a
partir de um caso concreto. Vamos a ele.
2
Uma pedra no caminho
ou uma fábrica de sonhos
coletivos?
Maria do Carmo é uma professora do Ensino
Fundamental. Leciona em uma escola da peri-
feria de uma grande cidade. Sua escola, como
tudo o mais que existia a sua volta, era sistema-
ticamente vandalizada pelas pessoas do lugar,
sobretudo por pichadores, desocupados, gente
queo se reconhecia naquele espaço escolar.
Na verdade, o prédio escolar parecia mais um
estorvo à dinâmica de ir e vir da população lo-
cal. Tanto é assim que sua cerca de alambrado
foi cortada em vários lugares para permitir que
as pessoas pudessem "cortar caminho", na sua
ânsia de chegar mais rápido a algum lugar...
Alunos, a escola quaseo tinha mais. Uns
poucos ainda insistiam na matrícula, embora
também ajudassem no processo aparentemen-
te inexorável de destruir aquele espaço: cadei-
ras danificadas, vidros quebrados, portas sem
maçanetas, quadros destruídos, lixo por todo o
lado... Quadro desolador para quem, por obri-
gação profissional, tinha de estar ali todos os
dias, procurando dar sentido a tudo o que
aprendera na escola Normal; construindo um
processo educativo, educando os alunos... In-
suportável, porém, era á relação que Maria do
Carmo mantinha com tudo e com todos: exi-
gência por parte da direção da escola, intrigas
e desavenças com seus colegas, intolerância e
desrespeito por parte dos alunos, pré-adoles-
centes, indiferença por parte das famílias e da
comunidade. Por pouco Maria do Carmo se
convenceu de que ter escolhido o magistério
fora um erro. Justo ela que sempre acreditou
que se realizaria como educadora, que se sen-
tia vocacionada para a profissão, apesar do sa-
lário, do descaso do poder público, das dificul-
dades inerentes ao processo, apesar de tudo...
Maria do Carmo, já cansada e irritada por se
sentir impotente diante daquela situação, esta-
va prestes a desistir. Tinha tomado a decisão de
"dar suas aulas; quem quisesse aproveitar, que a
acompanhasse..." Com tal resolução, sentou-se
próximo ao balcão da cantina, enquanto aguar-
dava o horário de entrar em sala.o pôde, en-
tão, deixar de ouvir o seguinte diálogo:
- Por que você vem com uma camisa sobre a
camiseta da escola? Vocêo fica com calor?
- Claro que fico! Mas você acha que eu vou
deixar os outros verem que eu estudo aqui? Deus
me livre!
Aquele diálogo incomodou Maria do Carmo:
apesar de todo o seu esforço, também os alunos
sofriam por estar ali; mais que isto, tinham ver-
gonha de serem identificados com aquela esco-
la. Tomou então uma decisão: cercou-se de mui-
tos alunos e organizou uma "assembléia de es-
tudantes". Queria que todos tivessem a oportu-
nidade de dizer o que sentiam em relação à es-
cola, seus professores, seus métodos. Queria en-
tender um pouco mais o que se passava ali.
De posse das reivindicações dos alunos, suas
observações e reclamações, organizou um am-
plo debate com toda a comunidade escolar: pro-
fessores, servidores, alunos, direção e até mes-
mo algumas mães que ficavam todos os dias pa-
radas no portão da escola, sem permissão para
entrar. Expôs, com a ajuda de alguns alunos, tudo
o que resultará da assembléia dos estudantes.
Momento difícil, pois cada um queria falar da sua
2
Embora os nomes e fatos sejam fictícios, o relato baseia-se na história da Escola Classe 39 de Taguatinga, Distrito Federal.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
indignação e de como se considerava isento de
qualquer responsabilidade sobre aquela triste re-
alidade.
Novos encontros foram então organizados,
de modo que se esgotassem todas as queixas e
as pessoas se dispusessem a colaborar na busca
de soluções para os problemas identificados. De
início, a atenção se concentrou no aspecto físico
do prédio: reposição dos vidros, conserto da cer-
ca, limpeza da área interna e externa ao prédio,
pintura, colocação de quadros e plantas, cuida-
do do jardim e até a organização de uma horta
escolar. Em seguida, vieram os aspectos relacio-
nados ao fazer em sala de aula. Como levar para
a sala de aula aquele processo que começava a
mobilizar com grande entusiasmo toda a comu-
nidade escolar: alunos, professores, servidores,
direção e familiares dos alunos? "Uma escola
como aquela, que aprendeu uma nova dinâmi-
ca,o pode ser tradicional no seu fazer peda-
gógico", todos eram unânimes em dizer. O cor-
po de professores, apoiado pela direção, foi em
busca de sua capacitação para concretizar uma
nova proposta pedagógica, comprometida com
uma nova qualidade e com a democratização do
acesso e da gestão escolar.
Uma lição que Maria do Carmo tirou desse
processo foi que bastou um ato seu no sentido
de questionar a realidade presente, de ver além
do vidro embaçado da indiferença, para encon-
trar uma quantidade enorme de pessoas afina-
das com o seu propósito. Entre os alunos, pro-
fessores e toda a comunidade escolar, várias
eram as pessoas dispostas a romper com a inér-
cia da situação anterior e comprometidas na
construção do novo projeto pedagógico. Mais
que isso, pôde perceber também o quanto é
contagiante uma proposta de mudança
construída participativamente: mais e mais sur-
giam colaboradores e adeptos da idéia de trans-
formar aquela realidade.
Outra lição, porém,o tardou a ser tirada:
passado o momento inicial de mobilização, em
que as pessoas manifestam suas insatisfações e
se organizam para agir coletivamente, é preciso
que se tenha clareza, também coletivamente, do
que se pretende construir, o que é esse novo que
se pretende em educação. Ora, todoss sabe-
mos que educar pressupõe antecipar.o exis-
te processo educativo queo seja intencional:
quem educa, necessariamente, pretende obter
resultados. O que nós, educadores, muitas vezes
o temos claro é quaiso os resultados subs-
tantivos que estamos ajudando a gerar.
Em um primeiro momento, o antecipar edu-
cativo poderia se identificar com o projeto de re-
construção do espaço físico da escola. Este es-
tando resolvido, pode-se pensar a antecipação
em termos de engajamento dos demais profes-
sores no processo, ou da extensão deste à comu-
nidade mais próxima da escola. Mas o antecipar
educativoo se esgota: pode e deve implicar
o desejo de ver os alunos bem formados e autô-
nomos para tomar suas decisões, contribuindo
para a construção do bem comum.o seria isso
o exercício consciente da cidadania de que tan-
to se fala?
Então, a intencionalidade da educação pres-
supõe planejamento, a condução competente do
processo educativo e a sua avaliação. Os prota-
gonistas da nossa história compreenderam, por-
tanto, que era necessário empreender o esforço
de construção do plano pedagógico da escola,
de modo coerente com o processo já em curso.
Um primeiro desânimo se instalou no grupo:
- Quem sabe fazer esse tal de plano pedagó-
gico? Seria necessário chamar um especialista,
um técnico da Secretaria de Educação? Quem,
afinal, tem autoridade e competência para definir
o que vamos desenvolver na escola?
O embaraço somente durou até que alguém
dissesse, com voz clara e segura:
- Ninguém mais do que nós, professores, alu-
nos e comunidade escolar, sabe o que devemos
fazer nesta escola. Se desejamos ajudar no pro-
cesso de formação de adultos com autonomia,
comoo vamos nos perceber também como au-
tônomos para construir o nosso caminho? Temos
acesso franco ao conhecimento, nada nos impe-
de de buscar os recursos e criativamente cons-
truir o projeto que desejamos, aprendendo com
os nossos erros.
O contato com os ideais da Educação
Ambiental foi então inevitável. Na busca com-
prometida de novos conhecimentos que pudes-
sem dar sentido à experiência vivida, os princí-
pios da Educação Ambientalo então reconhe-
cidos de imediato como aqueles que respondem
à ansiedade por uma nova ética em educação.
É fácil constatar que os educadores se
autocapacitaram durante os ricos momentos,
que viabilizaram a concepção, a discussão e a
consolidação de uma nova prática pedagógica.
Passo a passo, aprenderam a se organizar em um
sistema de relações cujo sentido é empreender
ações destinadas a satisfazer as necessidades
sentidas pelo grupo. A interação que se estabe-
lecia fundava-se motivacionalmente nessas ne-
cessidades. Os vínculos decorrentes e o próprio
grupo nasceram de um fazer, de uma tarefa ex-
plícita e consciente: a construção do plano pe-
dagógico da escola.
O trabalho desenvolvido, portanto, potencia-
lizou essa operatividade, centrando seus inte-
grantes no reconhecimento de suas necessida-
des, na elaboração de um projeto e no desem-
penho de uma tarefa. Realizar o projeto pedagó-
gico da escola, portanto, implicou um fazer e um
refletir criticamente acerca desse fazer e acerca
das relações que estabeleciam em função do
objetivo proposto. Até o momento de constitui-
ção do grupo de educadores empenhados nesse
processo, todos tinham a sua percepção pessoal
sobre como deveria ser a escola ideal, mas nin-
guém possuía preconcebidas as idéias que resul-
taram no projeto elaborado.
Durante as primeiras reuniões, após concre-
tizado o plano pedagógico, a discussão que pre-
valecia era a que procurava esclarecer: teria o
plano uma clara postura metodológica? Seria
possível, com a proposta elaborada, desenvolver
planos de trabalho condizentes com seus obje-
tivos? Como?
Retomado o processo das aulas, com todas as
dificuldades decorrentes da alta diversificação dos
alunos - tanto por sua origem, bases culturais e
formação básica, quanto por seu nível conceituai
e de informação sobre assuntos e aspectos ine-
rentes à questão ambiental - a equipe de educa-
dores deu-se conta de que o projeto educativo
representava uma nova organização curricular,
capaz de orientar o trabalho de sala de aula que
seria desenvolvido com os alunos,o rica e
marcante foi, sem dúvida, a experiência de se che-
gar a essa síntese, processo que realmente resul-
tou em profundas mudanças para todos que ti-
veram a oportunidade de vivê-la. Tinham se for-
mado em um grupo; haviam aprendido a partir
da redefinição dos seus modelos tradicionais de
aprendizagem: deixaram de ser passivos, recep-
tivos, individualistas, teoricistas e autoritários e
passaram a privilegiar mais a autonomia, a ação
protagonista, a cooperação. E era esse o processo
metodológico que deveria ser reproduzido com
os alunos: a educação deveria acontecer a partir
da constituição de uma autêntica comunidade de
aprendizagem, onde todosm o que ensinar e se
dispõem a aprender com os demais.
Construindo um novo olhar
Uma educação que seja uma "utopia ética":
em um contínuo de respeito e liberdade, po-
dermos construir e alimentar uma relação co-
letiva que permita o crescimento de todos, a
partir do permanente exame de bases históri-
cas e culturais comuns e do também perma-
nente refazimento de critérios éticos nas rela-
ções sociais e com a natureza. Uma educação
que seja instaurada na dúvida e que jamais
admita o fim desta.
Além disso, a Educação Ambiental tem um
compromisso com a criança e com o adolescen-
te, no sentido de resguardá-los de um amadu-
recimento forçado e desrespeitoso do seu pro-
cesso de desenvolvimento. Uma educação
centrada no brincar, por entender que a brin-
cadeira é um componente essencial do ser
criança e corresponde ao seu existir (ler, a res-
peito, Nunes, 2000).
Assim compreendida, a Educação Ambien-
tal tem o compromisso com a construção do su-
jeito crítico, ético, autônomo, solidário e respon-
sável, além de competente, hábil e criativo para
a resolução adequada dos problemas impostos
por uma sociedade em constante transformação.
Esta deverá ser centrada no compromisso de res-
gate das origens do povo brasileiro, a partir do
seu contexto mais próximo. Desse modo, dando
ênfase à história regional, deverá fazer justiça às
nossas diferentes raízes étnicas, mostrando
como a realidade atual foi produzida historica-
mente por diferentes agentes sociais.
Além disso, deverá romper com o processo
fragmentado, alienado e alienante da constru-
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
ção do conhecimento. Com ênfase na interdis-
ciplinaridade, a proposta deverá superar a jus-
taposição ou a interseção das diferentes disci-
plinas sobre determinado tema. Para tanto, po-
derá basear-se nos seguintes aspectos:
* Valorização do conhecimento do aluno, de
sua história de vida e de sua cultura.
* Elaboração de um plano de trabalho políti-
co-pedagógico de caráter coletivo que res-
peite a participação de todos, e de cada um,
no processo permanente e coletivo de cons-
trução do conhecimento.
* Prática efetiva e permanente de diálogo com
a comunidade.
* Orientação à investigação e à pesquisa.
* Desenvolvimento de habilidades e hábitos
de uso adequado e científico das fontes his-
tóricas.
* Participação efetiva dos alunos na definição
dos temas e projetos de estudo.
* Estímulo permanente à discussão, à constru-
ção de hipóteses, ao enfrentamento das-
vidas, ao exercício de estimativas.
* Desenvolvimento de habilidades de análise,
comparação, justificação, argumentação, sín-
tese e intervenção.
Enfatizando as relações entre o presente e o
passado, a nova proposta deverá estar compro-
metida com o questionamento da ordem estabe-
lecida, procurando desvelar a realidade aparen-
te, buscando alternativas para o questionamen-
to e a superação dessa realidade.
Sendo uma proposta de educação liberta-
dora, crítica e criativa, deverá estar voltada para
formas diferenciadas de pensar e agir sobre a
nossa atual realidade.
Outra questão importante que deverá ser
considerada é a relação entre desenvolvimen-
to e democracia e, dentro dela, buscar respos-
tas para a questão "o que vem a ser cidadania,
hoje, no Brasil".
Para tanto é indispensável que a proposta
de educação seja capaz de permitir aos alunos
a mais ampla compreensão das raízes ambi-
valentes da nossa cultura, presa ao desejo de
construir um mundo melhor e ao horror da
mudança.
É nesse contexto que as idéias de Paulo
Freire podem assumir um papel fundamental,
no sentido de fomentar uma Educação Ambien-
tal que venha a qualificar essa cidadania,o
apenas preparando para a reivindicação de
igualdade formal e gerando a consciência que
leve à contenção da proliferação de inúmeras
segmentações, mas também preparando os jo-
vens para o reconhecimento crítico do que é a
sociedade brasileira e de suas mazelas históri-
cas, e como cada um pode, fazendo uso legíti-
mo da liberdade, aspirar por mudanças e
promovê-las.
Bibliografia
BROWN, Lester (Org.). O estado do mundo 2001. Washing-
ton: Worldwatch Institute, 2001.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?"Trad. de Rosiska
Darcy de Oliveira. 6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
. Pedagogia da autonomia: saberes necessá-
rios à prática educativa.o Paulo: Paz e Terra, 1996.
GDF/FEDF. Escola candanga: uma lição de cidadania. 2. ed.
Brasilia: 1997.
JECUPÊ, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indíge-
na brasileira contada por um índio.o Paulo: Peirópolis,
1998.
NUNES, Angela. A sociedade das crianças a'uwe-xavante:
por uma antropologia da criança. Lisboa: Instituto de Ino-
vação Educacional, 2000.
RUSSEL, Peter. O buraco branco no tempo. Rio de Janeiro:
Aquariana, 1997.
Dinâmicas de uma cidade
Um exemplo de projeto
em Educação Ambiental na escola
José Manoel Martins*
A Educação Ambiental /.../ constitui o modo mais
adequado para promover uma educação mais ajustada à
realidade, às necessidades, aos problemas e aspirações
dos indivíduos e das sociedades no mundo atual.
Conferência de Tbilisi, 1977
Resumo
o se pode mais pensarem um mundo no qual
a discussão sobre o ambiente e sua apropriaçãoo
seja a temática fundamental para qualquer plano de
desenvolvimento e sustentabilidade. Nesse contex-
to é que se insere a Educação Ambiental. Educado-
resm se pautado pela transdisciplinaridade como
eixo orientador na implantação de projetos nessa
área. As possibilidadeso múltiplas. No presente
trabalho, apresenta-se a experiência de um projeto
escolar em Educação Ambiental, no qualo discu-
tidas questões que envolvem a dinâmica de funcio-
namento de uma cidade.o discutidos também as-
pectos relativos à implantação nas escolas de proje-
tos com temas transversais, propostos pelos Parâ-
metros Curriculares Nacionais (SEF/MEC).
A história da Educação Ambiental confun-
de-se com a dos movimentos em defesa do meio
ambiente. As décadas de 1960 e 1970 marcam o
início mais recente desses movimentos ambien-
talistas e da prática da Educação Ambiental
como o caminho para desenvolver o respeito
pelo ambiente, tanto em sua exploração e apro-
priação como, mais recentemente, na busca de
um desenvolvimento sustentável.
Conferências, encontros, debates e acalora-
das discussões fazem parte dessa história. Con-
sidera-se que o evento mais decisivo para o iní-
cio de um programa internacional de Educação
Ambiental tenha sido a Primeira Conferência
Intergovernamental sobre Educação Ambiental,
em Tbilisi, na Geórgia, CEI, de 14 a 26 de outu-
bro de 1977, organizada pela Unesco em coo-
peração com o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma).
A Conferência de Tbilisi, como ficou conhe-
cida, contribuiu de forma significativa, por meio
das recomendações agrupadas em seu relató-
rio final, para que, no mínimo, os especialistas
em questões sobre educação e ambiente pudes-
sem ter subsídios para implementar projetos de
Educação Ambiental.
No Brasil, vários encontros foram mantidos até
chegarmos à Conferência do Rio, ou Rio-92, como
ficou conhecida a Segunda Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimen-
to (Unced ou Earth Summit), em junho de 1992.0
Capítulo 4, Seção IV, da Agenda 21 (como ficou
denominado o documento oficial da conferência)
incorpora as recomendações de Tbilisi sobre Edu-
cação Ambiental, tratadas em seu capítulo 36.
' Mestre em Zoologia e doutor em Ciências Biológicas pela Universidade deo Paulo - USP. Professor de Biologia e Ciências na rede particular
de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Autor de material didático do Sistema Anglo de Ensino (Ciências - Ensino Fundamental).
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
A Agenda 21, em seu capítulo 36, e prati-
camente em todos os demais, recomenda um
tratamento interdisciplinar para a Educação
Ambiental e a priorização dos seguintes pro-
gramas:
Deve-se reorientar a educação para o de-
senvolvimento sustentável.
Aumentar a conscientização popular sobre
as questões ambientais.
Promover capacitação e treinamento de
profissionais na área.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) do Ministério da Educação, a Educação
Ambiental é contemplada dentro do tema
transversal Meio Ambiente. Além disso, a Polí-
tica Nacional de Educação Ambiental (Lei n°
9.795, de 27/4/1999) trata da introdução da
Educação Ambiental no ensino formal.o se
trata da criação de uma nova disciplina, mas
sim de sua inserção no contexto curricular da
escola. O caráter estratégico da própria Educa-
ção Ambiental deve ser ressaltado como a prin-
cipal solução para a crise ambiental em que
estamos inseridos.
É nesse contexto que hoje se criam os pro-
jetos de Educação Ambiental. O presente tra-
balho pretende discutir brevemente algumas
questões relativas à implantação nas escolas de
projetos com temas transversais e apresentar a
experiência de implantação de um projeto em
Educação Ambiental em uma escola da rede
particular no qualo discutidas questões que
envolvem a dinâmica de funcionamento de
uma cidade.
A organização de um projeto
interdisciplinar
Os projetos inter ou transdisciplinares
1
po-
dem ser executados em conjunto, no "nicho"
2
de cada uma das disciplinas envolvidas. No en-
tanto, acredito que a opção por se criar uma dis-
ciplina específica com o status de um projeto,
envolvendo diferentes áreas do conhecimento
e seus professores, tem mais chances de ser
bem-sucedida.
o se trata, no entanto, da pura criação de
uma disciplina a mais. O trabalho com projetos
em uma disciplina constitui uma estratégia de
ensino, dado que a análise interdisciplinar de
determinados temas considerados relevantes
parece estar abalizada por muitos educadores
já há vários anos, seja por meio de disciplinas
consideradas "optativas" ou "eletivas", seja de
forma intuitiva, depois de um bate-papo no café
com o colega de outra área.
Muitas vezes, alguns projetos transdiscipli-
nares nas escolaso efêmeros justamente por
serem ligados a situações momentâneas, como
comemorações de certas datas (Dia da Árvore,
Dia do índio, Dia Mundial do Meio Ambiente
etc.) ou discussões em torno de um determina-
do assunto do momento (genéricos, transgê-
nicos, MST, eleições).
Uma disciplina em que seja desenvolvido
um determinado tema, ao longo de um se-
mestre ou de um ano, permite que este tenha
seu "nicho" bem definido - isso traz mais se-
gurança e dá mais clareza dos objetivos do
próprio curso para os alunos. As diferentes
disciplinaso sua contribuição, criando uma
rede de intersecções com as demais, o que
enriquece e motiva os envolvidos: alunos,
professores, funcionários e direção - espera-
se que essa rede ultrapasse a fronteira dos
muros escolares, atraindo os pais e a comu-
nidade local.
A dificuldade de implantação de um proje-
to escolar tem vários motivos, como a falta de
apoio da escola em questões operacionais/bu-
rocráticas, a formação dos professores, ou ain-
da as questões salariais.
Mas um dos motivos centrais parece ser a
o se entrará, aqui. em detalhes acerca das nuances das definições de cada conceito, considerando-se apenas que tais trabalhos se
referem a diferentes conteúdos educativos (freqüentemente denominados disciplinas ou matérias), sendo utilizados para abordar um deter-
minado problema.
' Entenda-se aqui o termo "nicho" como todo o campo de atuação de uma disciplina,o só a grade horária, duração, especificidades cognitivas
mas também suas habilidades desenvolvidas, suas inter-relações com outras disciplinas, suas transformações ao longo do tempo, sua
história.
necessidade de mudança de um paradigma: o
fato de a escola funcionar sem um projeto edu-
cativo. Antes de mais nada, ela precisa definir
seu próprio projeto pedagógico. No caso da
Educação Ambiental, apenas uma escola que
contemple, em seu projeto, o diálogo entre di-
ferentes áreas e disciplinas pode, efetivamen-
te, trabalhar de forma transversal.
Criando
Um projeto pode ser iniciado a partir de
uma problemática detectada na escola ou na
comunidade. Uma vez identificada tal proble-
mática - e o tema transversal em que ela me-
lhor se encaixa -, passa-se ao trabalho com as
disciplinas: como cada uma delas, circunscrita
a suas especificidades e competências, pode
contribuir para a discussão e a reflexão sobre o
problema? A seguir, alguns exemplos.
Problemática detectada
Numa campanha de arrecadação de fundos
para as vítimas da seca no Nordeste nota-
se que muitos alunoso querem colabo-
rar, porqueo se consideram responsáveis
por esse problema.
0 aparelho de som que fica ligado no pátio,
durante o recreio, toco apenas músicas
indicadas pela diretoria do grêmio estudantil,
sob o protesto de minorias culturais da escola.
Numa pesquiso feita por um professor, é de-
tectado que os alunoso conseguem inter-
pretar os rótulos de produtos alimentícios.
Detecta-se que os alunos freqüentementem
problemas em acordar cedo e ir para a aula.
0 centro de saúde do região em que se en-
contra a escola detecta que há alta incidên-
cia de gravidez entre adolescentes.
Os funcionários da limpeza queixam-se
de que as classes e os corredores ficam
cheios de papéis, chicletes e outros lixos
depois das aulas.
Temas Transversais
definidos pelos PCN
Ética
Pluralidade Cultural
Trabalho, Consumo e
Cidadania
Saúde
Orientação Sexual
Meio Ambiente
Outra forma de estabelecer um projeto in-
terdisciplinar na escola é partir de um tema es-
pecífico eleito pelo corpo escolar. A orientação
para a escolha desse tema pode ser feita pelos
temas transversais, inscritos nos PCN, por eixos
temáticos ou ainda por interesse específico da
escola ou da comunidade (um tema ligado à fi-
losofia educacional da escola, por exemplo).
Após o tema ter sido identificado e aceito
pelos envolvidos, é preciso definir os objetivos
do projeto. Feito isso, passa-se então a uma nova
etapa, na qual é necessário que os professores
das diferentes disciplinas se encontrem, discu-
tindo a possível contribuição de cada uma para
abordar o tema. Normalmente, essa é a etapa
mais delicada do processo de criação do proje-
to, mas também uma das mais interessantes. As
descobertaso aparecendo naturalmente, e
uma idéia busca outra - a fome de criação mui-
tas vezes é a tônica da reunião.
Quando a intervenção de cada
disciplina estiver delimitada, passa-se
à elaboração da dinâmica de trabalho,
definindo-se quantas aulas serão ne-
cessárias por semana, ou por semes-
tre, ou por módulo, dependendo de
como o projeto for estruturado. Esti-
pula-se também como será a entrada
de cada professor - se sozinho ou em
conjunto com um ou mais colegas.
Uma última etapa de criação prevê
a escolha das formas avaliativas. Como
toda avaliação, as que compuserem o
projeto devem servir para avaliar o de-
sempenho dos alunos no decurso das
atividades, dos professores do projeto
e do próprio projeto (se os seus conteú-
dos estão sendo alcançados).
(Im)plantando
A fase de implantação do projeto
deve ser marcada pelo amplo esclare-
cimento dos objetivos de tal estratégia
educacional. Mais que nunca, os alunos
devem estar alertas para a importância
do trabalho em grupo - fundamental
para o êxito de qualquer projeto. Além
disso, o trabalho com projetos pressu-
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
e o fomento à autonomia de pesquisa dos alu-
nos. Esse é um tema delicado, pois o limite entre
a autonomia de trabalho e uma atitude de aco-
modação ou desinteresse é muito tênue.
Exemplificando: mandar os alunos fazerem uma
pesquisa na biblioteca ou na sala de informática,
via Internet, pode se tornar mais uma "hora de
recreio". Deve-se sempre deixar bem claros os
eventuais prejuízos que tais atitudes acarretam
para o aluno e, mais ainda, para o grupo.
0 inesperado
Trabalhar com projetos significa trabalhar
com o inesperado. Mesmo que haja uma finali-
dade bem-definida como, por exemplo, a ela-
boração de um texto reflexivo ao final do traba-
lho, ou de um relatório do planejamento do sis-
tema viário de uma cidade, ou de uma mani-
festação artística que traduza um determinado
olhar dado ao problema em questão, sempre
haverá o inusitado, seja durante a elaboração,
seja no produto final.
Trabalhar dessa forma pode causar um cer-
to desconforto para os docentes. Muitas vezes,
cria-se nos professores o medo do fracasso,
3
quandoo se sabe onde vai terminar um pro-
jeto. No entanto, isso também se traduz em um
desafio constante para o docente. O trabalho
cooperativo com os demais colegas diretamen-
te envolvidos, ou mesmo com outros que ve-
nham a ser chamados dadas as especificidades
das demandas criadas em determinado mo-
mento, garante ao docente a segurança de su-
perar "fantasmas" freqüentemente evocados,
como aquele que nos lembra de queo temos
todas as respostas ou aquele que nos diz que a
nossa ignorância pode ser interpretada pelos
colegas (ou pela direção - o que é ainda pior)
como sinônimo de incompetência.
Questões logísticas
o se pode deixar de ressaltar que, para a
criação de um projeto dentro da escola, é pre-
ciso tempo e interesse da própria instituição.
o necessárias várias reuniões entre os profes-
sores envolvidos para afinarem o seu trabalho.
Além disso, uma aula conduzida por dois ou
mais professores de disciplinas diferentes é uma
estratégia altamente enriquecedora de todo o
processo. Dessa forma, começa a se tornar pos-
sível aquele nosso desejo antigo (eo atual) de
que os alunos percebam as disciplinas de modo
menos compartimentalizado, como formas dis-
tintas de se organizar e interpretar um mesmo
conhecimento ou tema.
Tudo isso repercute em custos com a folha
de pagamento dos docentes e na reorganização
do quadro programático da própria escola.
Como em toda mudança, há barreiras a serem
ultrapassadas, como a desconfiança dos pais, ou
mesmo o justificável temor de se aderir apenas
a um "novo modismo educacional". De todo
modo, a opção pelo trabalho com projetos'
1
pa-
rece-me uma tendência acertada, que se traduz
em resultados deveras compensadores.
Das ciências ambientais
ao Plano de Gestão Territorial
Um projeto em que a transversalidade é a
Educação Ambiental vem sendo desenvolvido
em uma escola
5
da rede particular do Ensino
Médio, emo Paulo, SP. Esse projeto, atual-
mente denominado Plano de Gestão Territorial,
trata das principais questões urbanas ligadas a
cada cidadão, como os problemas do lixo, do
saneamento básico, da saúde, da energia e do
transporte.
Mesmo que se leve em conta as particulari-
3
Dependendo da forma de encarar esse fracasso escolar, as conseqüências podem ser desastrosas. É preciso sempre que o professor, como
condutor de tal processo, assinale a possibilidade de as coisaso saírem como se imagina e que isso faz parte do aprendizado. O
"fracasso", desde que cumpridas todas as etapas previstas do trabalho, deve ser encarado apenas como um dos resultados do processo.
o se deve, em hipótese alguma, desprezar o conhecimento ou as habilidades adquiridos (competências). O resultado é algo muito impor-
tante mas, dependendo da situação (e o professor há de ter tal percepção), a maior valorização deve ser dada ao processo.
4
Entenda-se "projeto" como um trabalho realizado com a participação de diferentes conteúdos educativos (disciplinas) em torno de um tema
central.
5
Escola Logos: <www.logos.g12.br>.
dades do universo do ensino particular, que
normalmente permite melhores condições de
ensino - tanto no campo pedagógico quanto no
logístico - o projeto também poderia ser per-
feitamente desenvolvido na rede pública e, com
os devidos ajustes, no Ensino Fundamental.
Breve histórico
O projeto teve início em 1992, com profes-
sores
6
das seguintes disciplinas: Química, Geo-
grafia, Biologia e Estatística (Matemática),
quando ainda se falava em Ciências Ambientais.
A idéia do projeto surgiu bem antes, em 1989,
ao acaso, durante aquelas conversas do dia-a-
dia, na sala dos professores ou em reuniões pe-
dagógicas. Esse grupo de professores começou
a perceber nas questões ambientais uma série
de preocupações comuns às suas disciplinas.
Abordá-las em uma única disciplina, de forma
transdisciplinar, sob diferentes aspectos, em
torno de um eixo, pareceu-lhes uma estratégia
interessante.
Com o apoio da instituição - condição sine
qua non para qualquer projeto que pretenda ser
bem-sucedido -, os professores, durante três
anos, criaram o projeto do curso de Ciências
Ambientais. Inicialmente, o curso tinha 6 ho-
ras-aula semanais - Química e Biologia, duas
aulas; Geografia e Estatística, uma. Era minis-
trado para uma turma de 28 alunos do terceiro
colegial (nome do Ensino Médio na época), com
o caráter de matéria optativa. Em 1997, já eram
duas turmas de cerca de 36 alunos cada uma.
Nesse período, as cargas horárias de Química e
Geografia inverteram-se, em razão dos rumos
que o curso tomou. Ficou clara para os profes-
sores do curso a necessidade de maior espaço
para a Geografia, dado o seu caráter mais
holístico nas questões ambientais. Parte dos
temas abordados na Química (principalmente
os aspectos técnicos) passou para a Biologia.
O curso migrou, então, oficialmente para a
condição de projeto, juntamente com outros
projetos que foram criados nessa época - uma
aposta da escola, anterior mesmo às recomen-
dações dos PCN.
De 1999 para, houve uma série de trans-
formações, principalmente na diminuição do
número de turmas (atualmente, há uma), da
carga horária (atualmenteo três aulas) e do
número de disciplinas envolvidas (Biologia e
Geografia). Os motivos para tais alteraçõeso
diversos, mas o principal é a diminuição do cor-
po discente da própria escola.
Em 2000, o curso passou a se chamar Pla-
nejamento Ambiental, já com apenas duas dis-
ciplinas envolvidas. Em 2001, ocorreu nova
reestruturação dos objetivos e das estratégias,
e seu nome alterou-se novamente, agora para
Plano de Gestão Territorial.
Temas e abordagens
Entre os temas em Educação Ambiental que
poderiam tornar-se transversais, optou-se, ini-
cialmente, pela questão do lixo no ambiente ur-
bano. Eram evidentes as diferentes formas de
abordagem de um temao complexo. Qualquer
que fosse a disciplina, haveria sobre o que re-
fletir e o que discutir. No entanto, esse tema es-
tava ligado a outros, como a questão da água e
do esgoto de uma cidade, a produção de ener-
gia, o transporte, a moradia, os padrões de con-
sumo, o desperdício, a saúde, o lazer, os aspec-
tos econômicos, a vontade política, a ação in-
dividual. Discutir uma cidade é, ao mesmo tem-
po, fascinante e extremamente complicado.
o há nada mais próximo de nossos alunos
que vivem em cidades, principalmente nos
grandes centros, que as questões próprias do
ambiente em que se inserem.
Por uma questão funcional, foram delimita-
dos, inicialmente, alguns temas centrais: os pro-
blemas do lixo, da água e do saneamento básico,
do ar que se respira, da energia e do transporte.
Atualmente, a saúde e a sustentabilidade foram
incorporadas à discussão.
Inicialmente, os professores autores desse projeto foram Joel A. Pontin (Química), Marcelo Faria (Geografia), Zysman Neiman (Biologia) e
Luis Belloni Jr. (Estatística). Posteriormente, todos esses professores, por diferentes motivos, foram cedendo seus lugares a outros colegas.
Rubem Gorski (Estatística), Sérgio Peixoto (Química), Judith N. Maida (Geografia), José M. Martins (Biologia) e Patrícia Pereira (Geografia),
sendo estes dois últimos os responsáveis pela equipe atual.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
Objetivos, estratégias e
desenvolvimento do trabalho
O objetivo principal do curso era, desde a
sua primeira versão, que, no final, os alunos
pudessem ter elaborado um planejamento para
uma cidade de médio porte (cerca de 200 mil
habitantes). Essa cidade era escolhida em con-
junto com o grupo de professores.
O planejamento deveria conter propostas
para o lixo urbano, o sistema de abastecimento
de água e o saneamento básico e a malha viária
(transporte urbano), levando-se em conta a
questão energética e a poluição atmosférica.
O trabalho cooperativo, desenvolvido em
grupos, sempre foi uma das principais estraté-
gias nesse projeto. Em alguns momentos do
curso, eram feitas avaliações mais formais e in-
dividuais para que cada aluno tivesse um me-
lhor panorama de seu próprio desenvolvimen-
to e de sua produtividade.
A princípio, o desenvolvimento do curso
ocorria com cada disciplina, começando os tra-
balhos com enfoque nos aspectos mais particu-
lares dos temas centrais, divididos em módulos
(lixo, água-esgoto; ar; energia-transporte). Des-
sa forma, pretendia-se instrumentalizar os alu-
nos para as questões urbanas que seriam discu-
tidas no planejamento de sua cidade.
Por exemplo, a Geografia iniciava a discus-
o de como se dá a relação homem-natureza,
enquanto a Química e a Biologia começavam o
trabalho com a questão do lixo urbano sob-
rios aspectos, desde as formas de disposição
(lixões, aterros, incineradores, compostagem e
reciclagem) até os padrões de consumo e des-
perdício (também enfocados pela Geografia). A
Matemática iniciava o trabalho com a apresen-
tação de conceitos básicos de estatística, neces-
sários posteriormente para a análise de dados
da cidade que os alunos iriam planejar.
Ao longo do curso, um importante trabalho
era desenvolvido: a autonomia de pesquisa. Isso
se dava, principalmente, no momento em que
os alunos deveriam levantar os dados relativos
à cidade cujo planejamento executariam. Esse
sempre foi um momento crucial, como já foi
discutido anteriormente, na implantação de
projetos na escola. Essa geração de alunos já
está muito habituada às pesquisas na Internet.
Mesmo assim, sempre se incentivou a pesquisa
em livros e em revistas especializadas. A
Internet, como bem sabemos, contém uma
gama quase infinita de informações. No entan-
to, uma boa parte delaso é confiável. E o mais
importante é ensinar aos alunos como filtrar,
selecionar tais informações.
Entre os dados levantados a partir das dife-
rentes fontes, destacavam-se: população; frota
veicular; oferta e demanda de energia; política
de coleta, tratamento e destino dos resíduos
sólidos; abastecimento e consumo de água; pro-
dução e tratamento de efluentes líquidos.
Durante o curso, os alunos desenvolviam
uma maquete da mancha urbana e das imedia-
ções da cidade escolhida. Nela, podiam de-
monstrar a problematização e o planejamento
escolhido para a cidade. Um relatório final e sua
defesa pública concluíam o projeto.
Transformações
Ao longo dos anos, o curso de Ciências
Ambientais adaptou-se a diferentes condições
de trabalho. Essas transformações, motivadas
pela alteração na carga horária (três aulas) e no
número de disciplinas (duas), culminaram com
o atual Plano de Gestão Territorial.
Como a própria ementa do curso assinala,
trata-se de um curso que pretende abordar ques-
tões relativas à gestão e à organização do espaço
geográfico, tendo como arcabouço teórico o co-
nhecimento desenvolvido pelas disciplinas Bio-
logia e Geografia, o que possibilita uma aborda-
gem essencialmente interdisciplinar. São, ainda,
abordados temas próprios da Química e da Ge-
ologia, relativos ao ambiente, e da Estatística, no
tratamento dos dados levantados.
Mantém-se a estratégia de se escolher uma
cidade de porte pequeno-médio, do interior
paulista, como base do trabalho final, que con-
sistirá na elaboração de uma proposta de pla-
nejamento de uma determinada questão da ci-
dade (lixo, água/esgoto, energia, transporte,
saúde, poluição atmosférica) sorteada entre os
grupos. Como se pode notar, por causa do tem-
po mais escasso para o trabalho, também se di-
minuiu a abrangência do projeto final.
Um projeto dentro de outro
Um dos pontos fortes de se trabalhar com
projetos é que eles possibilitam a criação de
outros, como se fossem ramificações do proje-
to inicial. Quando iniciados a partir de uma ne-
cessidade de um grupo, adquirem cor, tornam-
se vivos e autônomos.
O projeto Reciclogos surgiu, em 1996, dessa
necessidade que os alunos de Ciências Ambien-
tais sentiram em relação à questão do lixo. O pro-
blema incomodava, precisavam fazer algo. Che-
gou-se então à idéia de realizar a coleta seletiva na
escola. No seu primeiro ano, o projeto buscou cri-
ar uma infra-estrutura básica para a separação do
lixo e a identificação de locais de envio para a
reciclagem. O processo de divulgação e adesão dos
demais alunos sempre foi a tarefa mais difícil. A
mudança de hábito, freqüentemente, é acompa-
nhada de rejeição decorrente do comodismo e do
desconhecimento do problema. Os alunos de Ci-
ências Ambientais puderam, ao longo desses anos,
sentir essa dificuldade in loco, pois cabe a eles, ain-
da hoje, a continuidade do projeto.
Uma das formas encontradas para se mar-
car, a cada ano, o início da divulgação do proje-
to é a promoção de um evento - um dia em que
a escola pára para participar de atividades rela-
cionadas à coleta seletiva, à reciclagem e à apre-
sentação da atual situação atinente.
No dia do "evento do lixo",o desenvolvi-
das atividades como:
confecção de cartazes permanentes com
mensagens educativas;
criação de homepages de divulgação do
projeto;
realização da gincana do lixo;
apresentação teatral;
palestras com especialistas;
realização de oficinas de reciclagem de pa-
pel e de confecção de brinquedos a partir
de sucata;
projeção de vídeos relativos ao tema, alguns
produzidos pelos próprios alunos;
apresentação do "som do lixo", a partir de
sucata.
Vale ressaltar que eventos como esse costu-
mam extrapolar o próprio espaço da disciplina
em que estão inseridos originariamente. Vári-
os outros professores, de diferentes áreas,m
colaborado na execução do evento e contribuí-
do para o seu sucesso. Sem essa adesão da co-
munidade escolar, o fracasso pode se fazer um
elemento cada vez mais presente.
Concluindo, maso finalizando
A experiência de todos esses anos num pro-
jeto transdisciplinar em Educação Ambiental
permite-nos dizer que o caminho adotado foi
extremamente válido. O crescimento que se
pode evidenciar, tanto na formação, como na
mudança de atitudes dos alunos, é inegável.
Além de se defrontarem com os problemas que
os cercam e dos quais fazem parte igualmente
como agentes, também vivenciam as dificulda-
des em se estabelecer soluções para as questões
ambientais. Isso parece estar ligado sobretudo
à crise da noção de comunidade e coletividade
(público x privado) e à famigerada tendência à
inércia, à qual todos estamos sujeitos.
No início do curso, é muito comum que os
alunos estejam ainda presos às idéias de que
existirá sempre alguma solução técnica para as
questões ambientais (no caso, urbanas), e de
que alguém fará isso por eles. Ao final, obser-
vamos que a conscientização de cada um so-
bre a sua participação na geração dos proble-
mas ambientais, principalmente por meio do
consumo e do desperdício, fica bem evidente.
Tanto é assim que o projeto Reciclogos, de co-
leta seletiva, surgiu exatamente de um incô-
modo causado pelo conhecimento mais verti-
cal da questão do lixo.
Um projeto escolar, seja em Educação
Ambiental, seja em qualquer outro tema
transversal, só pode lograr êxito
7
seo tiver
medo do inesperado, do vindouro e das mu-
7
O sucesso escolar é entendido aqui como a aquisição de conhecimentos, habilidades, desenvolvimento de competências e valorização de
atitudes éticas por todos os atores do ambiente escolar envolvidos: professores, alunos, funcionários e direção.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
danças. O ambiente escolar, com a riqueza de
seus vários atores, é um espaço privilegiado
para a experimentação e a transformação da
realidade, eo se deve abriro dessa con-
dição essencial.
Bibliografia
DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental- princípios e prá-
ticas.o Paulo: Global, 1998.
ESCOLA LOGOS - Ciências Ambientais. <http://www.logos.
g12.br/trabalhos/medio/ambiente/ciencias.htm>
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-
damental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Temas
transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.
SENADO FEDERAL. Agenda 21. In: CONFERÊNCIA
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO, 2., 1992, Rio de Janeiro.
Brasília: Subsecretária de Edições Técnicas,
1997.
UNESCO/UNEP. Intergovernamental Conference on
Environmental Education, 1977, Tbilisi. URSS - Final
Report. Tbilisi/CEI: Unesco, 1977.
A Educação Ambiental
no ensino formal
Jaime Tadeu Oliva*
Resumo
Procurando contextualizar histórica e soci-
almente as origens e a natureza da Educação
Ambiental, esta apresentação discute a comple-
xidade de elementos que devem ser considera-
dos para pensarmos as formas de introdução da
Educação Ambiental no ensino formal. A princi-
pal conclusão, que também é o argumento cen-
tral, entende que a Educação Ambiental é uma
prática originalmente externa ao ensino formal,
cujos contornos estão mais marcados pela ação
e pela intervenção nas realidades encontradas.
No entanto, uma vez introduzida no ambiente
escolar formal, ela deverá se conformar em par-
te à natureza deste, mais voltado à reflexão, como
elemento essencial da formação intelectual do
aluno. Essa situação será vantajosa para os dois
lados do problema. Pelo lado do ensino formal,
os benefícios virão pelo potencial vivo com efei-
tos desburocratizantes que a Educação Ambiental
representará para as disciplinas escolares. Quan-
to ao lado da Educação Ambiental, as vantagens
serão a de se obrigar a reabrir discussões (tidas,
ingenuamente, como resolvidas), tais como
sustentabilidade, biodiversidade, relação ho-
mem-natureza, evitando com isso que temas as-
sim sejam tratados como dogmas. Sustentando
essa conclusão, há raciocínios e argumentos que
procuram mostrar os pontos de contato já exis-
tentes entre as disciplinas escolares e as elabora-
ções presentes na chamada "questão ambiental",
essenciais para que se conquiste um relacionamen-
to produtivo entre essas duas esferas, o que é uma
necessidade indispensável para o engajamento do
conjunto dos professores nessa tarefa.
" Geógrafo, doutorando em Geografia Humana pela Universidade deo Paulo; co-autor dos livros didáticos para Ensino Médio: Espaço e
modernidade - Temas da Geografia mundial (1997) e Espaço e modernidade - temas da Geografia do Brasil (1999). ambos pela Editora
Atual.
Propiciar a reflexão sobre os múltiplos sig-
nificados, virtudes e cuidados com a introdu-
ção da Educação Ambiental no ensino formal é
o objetivo desta apresentação. A Educação
Ambiental é uma prática nova, que só agora
começa a se instalar de modo organizado e ofi-
cial no sistema escolar brasileiro. É evidente que
alguns temas da chamada "questão ambiental"
já estavam presentes no corpo programático de
algumas disciplinas, isso porqueo assuntos
que lhes concernem, quer dizer:o estavam
organizados sob um recorte abrangente e
globalizante, que se vem configurando desde os
anos 1960/1970, por força de um conjunto de
movimentos em defesa do meio ambiente que,
sem dúvida, logrou sensibilizar parcelas signi-
ficativas da sociedade e suas respectivas insti-
tuições para a questão ambiental. Foi no inte-
rior desses movimentos que ganhou forma a
Educação Ambiental
1
e se estabeleceu que essa
prática, além de ser empregada em vários âm-
bitos da vida social, também deveria ser
introduzida no universo escolar formal.
Nos anos 1990, o marco dos movimentos
em torno da questão ambiental foi a Rio-92.
O seu principal documento (a Agenda 21) as-
sim tratou a Educação Ambiental no âmbito
escolar:
O ensino tem fundamental importância na pro-
moção do desenvolvimento sustentável [,..] O
ensino é também fundamental para conferir
consciência ambiental e ética, valores e atitudes,
técnicas de comportamento em consonância
com o desenvolvimento sustentável que favore-
çam a participação pública efetiva nas tomadas
de decisão. Para ser eficaz, o ensino sobre o meio
ambiente e o desenvolvimento deve abordar a
dinâmica do desenvolvimento do meio físico/
biológico e do socioeconômico e do desenvol-
vimento humano (que pode incluir o espiritu-
al), deve integrar-se em todas as disciplinas e
empregar métodos formais e informais e meios
efetivos de comunicação.
Foi com base nesse entendimento que o
Congresso Nacional do Brasil instituiu a Polí-
tica Nacional de Educação Ambiental, por
meio da Lei nº 9.795, de 27/4/1999. Vale des-
tacar o que é a Educação Ambiental conforme
a lei:o aqueles processos por meio dos quais
o indivíduo e a coletividade constróem valo-
res sociais, conhecimentos, habilidades, atitu-
des e competências voltadas para a conserva-
ção do meio ambiente, devendo estar presen-
te de forma articulada em todos os níveis e mo-
dalidades do processo educativo, em caráter
formal eo formal. Serão princípios básicos
da Educação Ambiental os enfoques humanis-
tas, holísticos, democráticos e participativos;
uma concepção de meio ambiente que ultra-
passa o limite naturalista, considerando a
interdependência entre o meio natural, o
socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade; o pluralismo de idéias e con-
cepções pedagógicas, na perspectiva da inter,
multi e transdisciplinaridade. Elao deverá
deve ser implantada como disciplina específi-
ca no currículo de ensino.
Os elementos expostos até aqui nos permi-
tem identificar algumas características próprias
da Educação Ambiental que devem ser levadas
em conta para pensarmos sua implantação no
universo escolar formal:
A Educação Ambiental transcende o uni-
verso escolar. Embora seja uma prática que
se estrutura também com base na elabora-
ção de conhecimentos, tem sua ênfase
principal na ação. É justamente sua ação
cotidiana na sociedade, organizada sob as
mais diferentes entidades e organizações,
com atuação numa gama enorme de temas
que se associam à questão ambiental, que
constitui sua principal experiência. Intro-
duzir essa experiência no ensino formal vai
exigir algumas adaptações, queo elimi-
nem sua força e os conhecimentos obtidos
na prática da vida corrente (aliás, essa é
uma das virtudes da Educação Ambiental,
1
Tal é o caso da Conferência Intragovernamental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, organizada pela Unesco e pelo Pnuma e realizada em
1977. que é o referencial fundamental para a celebração da Educação Ambiental como prática a ser desenvolvida no cotidiano da sociedade,
buscando ser o meio essencial de sensibilização sobre a centralidade do meio ambiente nas questões contemporâneas - num sentido mais
largo - e como prática que busca educar as pessoas para cuidarem melhor do meio ambiente -, sendo esse seu sentido mais restrito.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
de extrema valia para o ensino formal), mas
considerem algumas peculiaridades do
ensino formal. Ao ingressar no universo do
ensino formal, a Educação Ambiental ga-
nha maior espaço para reflexão, aumenta
suas funções na formação e na construção
de idéias e vê um pouco diminuída sua ên-
fase para a ação, que é mais aplicável a ou-
tras experiências de Educação Ambiental
fora do mundo escolar.
A entrada dos temas da Educação Ambien-
tal no cotidiano escolar dar-se-á por meio
de práticas interdisciplinares e pela trans-
versalização dos seus conteúdos. Isso pode
gerar alguma dificuldade para aqueles que
tem a Educação Ambiental como uma área
própria de saber, com especificidades
conceituais. Como transversalizar algo que
tem corpo próprio? Qual seria a participa-
ção dos professores das várias disciplinas
queo compartilham esse quadro teórico
e prático da Educação Ambiental? E como
teriam acesso a esse conhecimento? Caso
seja justa a posição do conhecimento espe-
cífico da Educação Ambiental, parece que o
ideal seria a existência no currículo da dis-
ciplina de Educação Ambiental com profes-
sores especializados. Esse é um tema ainda
muito controverso, visto que a origem da
Educação Ambientalo coincide com a das
disciplinas tradicionais, que tem raízes nas
universidades e na cultura acadêmica, de
um modo geral e, francamente, pensamos
ser um exagero equiparar a Educação Am-
biental às disciplinas escolares, mesmo por-
que boa parte dos conhecimentos que a ali-
mentam tem origem nas disciplinas cientí-
ficas quem expressão escolar. Por isso,
entre outros motivos, essa é mais uma ra-
o para transversalizar a Educação Am-
biental no interior das disciplinas, visto que
de algum modo ela já está.
A importância da Educação
Ambiental no ensino formal
As novas diretrizes curriculares propostas
pelo MEC, nas várias instâncias de ensino, con-
templaram a introdução da Educação Am-
biental no interior do ensino formal. Mas, sem
dúvida, foi na proposição dos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais para o Ensino Fundamen-
tal que melhor se explicitou o campo de atua-
ção da Educação Ambiental por meio da
transversalização do tema meio ambiente, para
o qual foi criado um texto próprio. E aqui, a pro-
pósito, queríamos ressaltar um aspecto que nos
parece essencial. A transversalização da Educa-
ção Ambientalo pode ser entendida como
um artifício para estimular que as várias disci-
plinas incluam em seus programas alguma coi-
sa de Educação Ambiental. O que ocorre é que
certas dimensões da realidade, apesar dos re-
cortes que as disciplinas executam para estudá-
la segundo óticas diversas, continuam a
permear cada um dos enfoques. Esse é o caso
do chamado meio ambiente, que é uma elabo-
ração relacionada à espacialidade das socieda-
des. Quer dizer:o foram os PCN que fizeram
do tema Meio Ambiente algo transversal às dis-
ciplinas, pois de algum modo essa transversali-
dade já estava evidenciada na realidade.o é
por outra razão que justamente as reflexões
mais apuradas sobre a questão ambientalo
a reduzem a apenas uma defesa tópica da na-
tureza, ou do meio ambiente, mas sinalizam
que, por meio dessa questão, pensamos mais
largamente o mundo que vivemos, ou, dito de
outro modo: as questões ligadas ao meio ambi-
enteo transversais à vida como um todo
(logo, também, aos objetos das disciplinas).
Acreditamos que esse raciocínio acaba por
mostrar o caminho da introdução da Educação
Ambiental no ensino formal. De forma latente
e sob recortes vários, temas relacionados à
questão ambiental já estão presentes no inte-
rior das disciplinas. É preciso revelá-los e
ampliá-los, o que por si só pode lhe dar novos e
mais sólidos contornos com a contribuição das
disciplinas, assim como, em contrapartida, a
presença da questão ambiental significará um
arejamento do universo escolar, estimulando as
disciplinas a se reaproximarem da realidade,
ampliando até mesmo seus repertórios.
Se a vivência escolar é um momento indis-
pensável de constituição da cidadania, é preci-
so que o conhecimento lá oferecido e desenvol-
vido seja de fato conhecimento.o há conhe-
cimento verdadeiro queo se referencie na
realidade;o há conhecimento se o aprendi-
doo enriquece nosso olhar sobre a realidade
e seo nos capacita para que, diante da com-
plexidade do mundo real, saibamos, minima-
mente, nos posicionar e orientar nossas opções
e ações. Infelizmente, pode-se afirmar que o
universo e o momento escolarom cum-
prido a contento essa finalidade. Muitaso as
razões. A prática escolar com base nas discipli-
nas clássicas de certo modo congelou-se. Mes-
mo nos grandes centros e nas principais esco-
las, o conhecimento escolar está burocratizado
e afastado da realidade. Tem valor utilitário para
ultrapassar fases (vestibulares, concursos, em-
pregos etc), mas tem valor menor na constru-
ção humana desinteressada, por um lado, e ci-
dadã, por outro. Como sacudir o conhecimen-
to escolar? Como sacudir as disciplinas e fazê-
las de novo alimentarem-se da vida real e vita-
lizar o valor educativo que elas possuem? Uma
ação necessária é trazer de modo explícito para
o universo escolar recortes da vida real, ques-
tões candentes que estamos vivenciando e que
de fato contam no desenrolar de nosso destino,
como, no caso, o tema do meio ambiente sem
dúvida conta.
Como introduzir a Educação
Ambiental no ensino formal
No universo escolar formal, as iniciativas
sobre o que será aprendido e discutido estão
sob o encargo das disciplinas clássicas. Como
introduzir a Educação Ambiental sem que ela
aparente ser uma exterioridade, uma invasão,
uma moda, ou um tema gerador?
2
Como de-
monstrar que a Educação Ambiental trata de
temas que, em alguma medida, já estão presen-
tes no repertório das disciplinas? Uma resposta
seria a seguinte: os recortes das disciplinas e o
recorte construído socialmente do tema
ambientalo coincidem, mas, obviamente,
possuem muitos pontos de contato, já que o
meio ambiente, como aspecto da espacialidade
social, é transversal a toda a realidade. Desven-
dar e revelar esse campo comum entre as disci-
plinas e um tema que ninguém dúvida ser a "re-
alidade real" pode sacudir saudavelmente os
alicerces burocráticos das disciplinas e do am-
biente escolar. Melhor ainda quando os novos
conteúdos propostos exigirem interlocução
com outras disciplinas e com elaborações vin-
das da vida externa (ambientalismo, entidades
de vários tipos, organizações não-governamen-
tais nacionais e internacionais, Estado, mídia
etc)., perceber-se-á que o que cada discipli-
na tem a oferecer como conhecimento aplica-
do servirá também para demonstrar que, às ve-
zes, a voz da disciplina exposta à vida real pre-
cisa ser melhorada ou remodelada.
Mas há outras questões: essa convivência
orgânica com o tema transversal meio ambien-
te (e os outros) seria suficiente para aproximar
o universo escolar da realidade? E isso seria só
o que se pode fazer para a constituição da cida-
dania? Bem, caso se consiga aproximar a reali-
dade do ensino escolar, quer dizer, restabele-
cer essa relação indispensável sem a qual tudo
é farsa, já será muito, mas é preciso destacar que
para que isso ocorra é preciso aproveitar o po-
tencial integral de um tema transversal. Ele, no
caso o tema ambiental,o se caracteriza ape-
nas por ser um recorte diferente em compara-
ção com as disciplinas. Ele é um recorte
construído, social e historicamente, como pro-
duto de movimentos e lutas sociais, ou poderí-
amos enunciar de outro modo: ele é uma ques-
o identificada e revelada por esses movimen-
tos, que, de certa maneira, se ocultava sob os
recortes congelados das disciplinas.
Mas o que queremos destacar agora é que
o se constituiu esse recorte para se estudar a
' A idéia de tema gerador tem pelo menos dois significados. O primeiro, caro aos educadores ambientais, refere-se ao tratamento que deve ser
dado às práticas pedagógicas que utilizam como forma de Educação Ambiental a discussão e a solução de problemas ambientais localiza-
dos. E aí a idéia tem o seguinte significado: a solução do problema ambientalo deve ser a finalidade, e sim a partir dela gerar uma outra
e superior compreensão da questão ambiental. De outro lado, convencionou-se designar como tema gerador aquela situação em que em
ambiente escolar, a partir de um único tema, as disciplinas atuam sincronizadamente no tempo e no espaço, de certo modo, dando um
caráter de excepcionalidade que interrompe a rotina escolar, o que contraria a idéia de transversalidade orgânica que buscamos alcançar. No
caso do texto, estamos usando a expressão tema gerador nesse segundo significado.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
realidade de um outro ponto de vista, mas para
intervir nela, para questionar o mundo em que
vivemos, para reformá-lo, ou mesmo revolu-
cioná-lo. Dito de outro modo: trata-se de um
jeito de olhar a realidade que vem carregado de
valores assumidos e de atitudes propostas e já
tomadas. Ora, deixar a escola ser penetrada por
algo assim cria condições para que sua comu-
nidade se insira em um outro e mais elevado
patamar de aproximação da realidade. Cria-se
um campo de discussão e confrontação de va-
lores, o que deve ser encarado como o momen-
to crucial de formação da autonomia do aluno,
ingrediente obviamente imprescindível na for-
mação de um cidadão.
O destaque e o cuidado que damos à im-
portância da formação autônoma de valores se
deve ao fato de que as grandes elaborações crí-
ticas engendradas por autores e pelos movi-
mentos organizados do ambientalismo cria-
ram um vasto quadro cultural, que tornou cer-
tas idéias indiscutíveis, a partir de opiniões-
gidas envoltas por convicção apaixonada. Nada
disso é mau em si, contudoo se pode dese-
jar que no universo escolar idéias com essas
características sejam exclusivas e sirvam de
mote e pretexto para sensibilizar e formar o
aluno crítico quanto ao quadro ambiental em
que estamos inseridos. Os alunos estão se for-
mando - é preciso discussão e contraposição.
O aluno críticoo é aquele que assume as
nossas convicções e faz uma crítica pors
planejada. O potencial crítico do ser humano
é criador, eo repetidor, pois o horizonte da
crítica é sempre aberto e infinito, eo termi-
na num projeto dado.
A crueza e a gravidade, por si sós, da dimen-
o ambiental do mundoo fortes o suficien-
te para sensibilizar os que serão informados so-
bre ela. Deve-se, no conjunto das informações
usadas, mostrar visões distintas, que admitem
níveis diferenciados de condenação do mundo
em que vivemos; logo, proposições diversas de
solução para o quadro apresentado. Se a Edu-
cação Ambiental é algo novo, que se constitui,
elao pode estar erigida em definitivo sobre
idéias sólidas e irremovíveis, porque no campo
do conhecimento e da educação idéias sólidas
nem sempreo saudáveis. O sociólogo alemão-
americano Albert O. Hirschman tece um co-
mentário, a nosso ver precioso, sobre isso:
Ter muitas opiniões sólidas é um indicador am-
bíguo de bem-estar, que pode ouo cumprir
permanentemente a promessa de dotar os que
asm com verdadeira identidade e rica perso-
nalidade... ter opiniões será tanto menos eficaz
quanto mais as opiniões forem adquiridas por
meio de adoção irrestrita de uma ideologia, ou
seja, quanto mais pronunciado for seu caráter
"reflexo". Um modo de adquirir opiniões de ma-
neira oposta, enriquecendo a personalidade, é
dar-lhes forma definida só depois de tê-las con-
frontado intensivamente com outras idéias, ou
seja, por meio do processo de deliberação de-
mocrática (Hirschman, 1996: 96).
Estamos, com freqüência, insistindo que o
tema transversal meio ambiente no ambiente
escolar, configurado como Educação Ambien-
tal, ultrapassa a importância de uma experiên-
cia cognitiva convencional. Trata-se de uma ex-
periência humana de maior envergadura, daí
suas virtudes na formação da cidadania. E isso
se, pois, por meio do tema meio ambiente,
que estimula um olhar mais globalizante sobre
temas muito complexos com os quais as pesso-
as terão de conviver e já convivem. Para se ter
uma idéia do alcance da discussão sobre a ques-
o ambiental, tal o contorno por ela assumi-
do, por seu intermédio coloca-se em xeque con-
cepções de ser humano e concepções de natu-
reza que estavam bem arraigadas na cultura
ocidental. Esse tema nos conduz ao núcleo
mesmo de nossa existência. Obriga-nos, por
exemplo, a questionar como é a vida em nossa
cidade, em nosso país e no mundo. É a partir
da questão ambiental que, atualmente, ainda
sobrevivem reflexões sobre como devem ser os
modelos de desenvolvimento, como deve ser o
nosso futuro, o que a torna um campo para se
discutir cidadania, comportamento em relação
aos outros membros da sociedade, em relação
à natureza etc. Os vários atores que propugnam,
por meio da Educação Ambiental, discussões
sobre o futuro, embora possam fazê-lo de di-
versas formas,m algo em comum: a idéia de
sustentabilidade. E é sobre ela que vamos re-
fletir um pouco, pelo papel central que certa-
mente essa idéia terá no interior da Educação
Ambiental, no ensino formal.
É preciso sempre ressaltar que os temas que
a Educação Ambiental levantará nas escolas se-
o sempre polêmicos e controversos, porque
nenhuma questão com essa dimensão globali-
zante se desenrola consensualmente. É o mo-
delo inteiro de nossa existência (por exemplo,
somos ouo natureza?) que está em causa, e é
natural que os entendimentos e as interpreta-
ções difiram e conflitem, mesmo entre aqueles
que admitem a gravidade de uma questão
ambiental a ser resolvida. Eis mais uma rique-
za do tema transversal meio ambiente queo
pode deixar de ser explorada no ambiente es-
colar. E qual o cenário já dado para travar essas
discussões, visando à formação educacional
para buscar elaborações mais ricas e encontrar
soluções em diversas escalas? É o cenário ine-
vitável construído pela idéia de sustenta-
bilidade. É preciso notar que essa idéiao sus-
pende as controvérsias e as polêmicas, ao con-
trário, pois há uma concepção e um modelo de
sustentabilidade para todos os gostos. Mas é em
torno da busca de uma relação diferente, sim-
bolizada pelo termo "sustentável", com o meio
ambiente que todas as posições se organizam e
se fundamentam. Há modelos completos de
relações sustentáveis que apontam mudanças
radicais em nossa sociedade como condição
necessária para sua implantação. Nesse caso, só
um futuro possível nos permitirá uma sustenta-
bilidade. De outro lado, há quem pense que a
idéia de sustentabilidadeo deve ser uma uto-
pia ligada a um futuro distante e que, na verda-
de, ela é um norte simbólico a ser construído
crítica e democraticamente, desde já e a todo
momento. Que se trata de uma idéia dinâmica
de reforma constante, que exige um espaço de-
mocrático com contraposição de idéias, que
o é dogmática, que aindao está pronta, que
deve alimentar-se de conhecimentos vindos de
diversas fontes, queo nutre preconceitos
contra as ciências, as tecnologias (mas reivin-
dica controle democrático sobre a produção
científica e tecnológica e o uso que se faz disso)
etc. Bem, acreditamos que esta última posição
aberta sobre a sustentabilidade é a ideal para
compor o cenário da Educação Ambiental no
ensino formal, por ser mais fecunda e apropri-
ada para o processo de construção de idéias e
valores.
Algumas questões práticas
da Educação Ambiental no
ensino formal
Todas as idéias aqui desenvolvidas argumen-
tam a favor de o tema meio ambiente ser incor-
porado ao cotidiano escolar como Educação
Ambiental por intermédio das disciplinas eo
apenas que se mantenha como um tema excep-
cional (como uma exterioridade) em semanas ou
atividades comemorativas. O esforço vai na dire-
ção de trabalhar para que as disciplinaso in-
cluam burocraticamente conteúdos de meio am-
biente nas suas aulas só para "cumprir tabela". O
objetivo é encontrar nas disciplinas
3
contribui-
ções efetivas que elas podem dar, a partir de sua
própria natureza, para o entendimento, a ampli-
ação e o enriquecimento da questão ambiental,
de modo que isso se dê sem que o professor de
qualquer disciplina tenha de fugir do seu progra-
ma, sem ferir sua autonomia. A necessidade é que
ele integre, conforme a especificidade de sua área,
no seu curso, o tema ambiental. A busca é a ob-
tenção de uma certa organicidade entre a disci-
plina e a transversalidade.
Para a obtenção de uma relação fértil entre
as disciplinas e o tema meio ambiente, seja por
meio da transversalidade, seja pela interdisci-
plinaridade, é preciso responder a uma ques-
tão: quais os conteúdos a serem utilizados para
efeito de análise das disciplinas e para servirem
de meios para estimular algumas ações de Edu-
cação Ambiental na escola? Se as preocupações
em torno da questão ambiental lograram cons-
tituir uma Educação Ambiental que, com todo
mérito, se impõe ao sistema escolar, é coerente
que se mantenha como orientação básica de
roteiro programático o próprio roteiro cons-
Nos seus objetos e ângulos de abordagem próprios.
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
truído nos documentos básicos. O mais com-
pleto é a Agenda 21, e nela identificamos as ca-
racterísticas que permitem um tratamento ade-
quado da questão. Vamos identificar algumas:
A questão ambiental jamais é tratada como
algo destacado das dimensões sociais e eco-
nômicas do mundo em que vivemos, e ja-
mais é tratada, portanto, como uma simples
preservação pontual da natureza.
A idéia de sustentabilidade é amplamente
discutida e está sempre orientando todos os
aspectos tratados da questão ambiental.
Todas as questões fundamentais da crise
ambiental que estão à espera de solução ali
estão apresentadas (padrões de consumo e
sobrecarga sobre os recursos naturais; sane-
amento básico; água; uso e transformação
das várias formas de energia; combate ao
desflorestamento; desertificação e proteção
de ecossistemas frágeis; uso e conservação
da diversidade biológica; substâncias de alta
periculosidade, seus resíduos e atividades
perigosos etc).
Talvez a grande lacuna se refira à carência
de tratamento direto dos ambientes urbanos,
o que, por si, pode indicar um desvio pro-
blemático no interior da cultura ambientalista.
É lógico que esses conteúdos devem ser adap-
tados, e as próprias disciplinas devem adequá-
los, modificá-los, tirar alguns e acrescentar
outros ao seu corpo, ou mesmo permitir que
esse corpo se modifique. Há também de se
encontrar formas de adaptação para os níveis
e os tipos diferenciados de ensino. Mas, refor-
çamos, os conteúdosoo misteriosos, pois
o esses mesmos que se foram disseminando
e popularizando como conteúdos próprios da
questão ambiental.
Ao introduzir a Educação Ambiental no en-
sino formal, com as adaptações necessárias já
debatidas,o se quer produzir uma ruptura
com a Educação Ambiental ampla e produzir
dois campos estranhos e desconectados de Edu-
cação Ambiental. Seria lamentável que isso
ocorresse, pois a Educação Ambiental no ensi-
no formal correria o sério risco de se congelar e
se tornar apenas formal, no sentido pejorativo
da palavra. É por essa razão que o sistema es-
colar deve estar aberto a projetos de Educação
Ambiental que tenham inspiração e iniciativa
extra-escolar (nas comunidades, em órgãos go-
vernamentais de todas as instâncias, nas enti-
dades não-governamentais etc), e, ao mesmo
tempo, a escola pode ser também palco de ini-
ciativas que extrapolem seus limites e se irri-
guem para as comunidades imediatas ou além.
E aí está um dos valores centrais da Educação
Ambiental fundamental para a formação: o es-
tímulo para pensarmos em projetos, em inter-
venção e participação na vida global, para com-
batermos a indiferença, que nem sempre o sis-
tema escolar consegue combater. Portanto, faz
parte da introdução da Educação Ambiental no
ensino formal toda uma consideração e a exis-
tência de ações que garantam esse vínculo com
a Educação Ambiental em ambiente extra-es-
colar, mas sempre se resguardando para que a
Educação Ambiental no universo escolar tenha
sua ênfase principal na reflexão, eo na ação.
Por fim, o que resta para ser comentado
como algo prático a ser tratado se refere aos
procedimentos necessários para a formação de
professores que saibam lidar com a Educação
Ambiental.o basta, para fazer jus à comple-
xidade da Educação Ambiental, reduzir a for-
mação dos professores a certas técnicas e in-
formações que lhes permitam ser um "agente
sensibilizador" sobre a questão ambiental. É
preciso que eles estejam preparados para, a co-
meçar do ponto de vista de sua disciplina,
aprofundar a análise e elevar a discussão do
tema ambiental para patamares mais comple-
xos. Os professores, para essa capacitação, de-
verão ter acesso a materiais, cursos e experi-
ências que lhes demonstrem essa possibilida-
de de sua disciplina produzir uma contribui-
ção à questão, para que eleso fiquem com a
impressão de que o saber e a experiência que
já trazem de nada servem e que a capacitação
em Educação Ambiental signifique o acesso e
o aprendizado de um cabedal totalmente novo
de conhecimentos estranhos a eles e à sua for-
mação. Caso eleso tenham familiaridade,
deverão conhecer alguns conteúdos novos,
mas, em especial, aqueles que mais alimentam
a metodologia da questão ambiental, tais
como: idéias de sustentabilidade, de ecossis-
Bibliografia
tema, de diversidade biológica etc. Eles tam-
m devem ter acesso, sucinto que seja, ao his-
tórico dos movimentos ambientalistas, ao que
já foi institucionalizado, ao que é a legislação
ambiental, ao queo as políticas ambientais
etc. Quer dizer, há um certo núcleo comum de
conhecimentos que, dominado, possibilitará
aos professores inserirem-se e usar os conhe-
cimentos que possuem para serem participan-
tes ativos e críticos da Educação Ambiental
introduzida e disseminada como tema trans-
versal e interdisciplinar no ensino formal.
FERRY, Luc. A nova ordem ecológica.o Paulo: Ensaio,
1994.
HIRSCHMAN, Albert O. Auto-subversão.o Paulo: Cia. das
Letras, 1996.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-
damental. Parâmetros Curriculares Nacionais - Temas
Transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE do Estado deo Pau-
lo. Agenda 21. In: Conferência das Nações Unidas so-
bre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Série Documen-
tos Ambientais, 1997.
SIMPÓSIO 3
ÉTICA E MEIO AMBIENTE
José de Ávila Aguiar Coimbra
Paulo Jorge Moraes Figueiredo
Pressupostos de
uma ética ambiental
José de Ávila Aguiar Coimbra*
o amplos os horizontes deste congresso,
comoo ambiciosos os seus objetivos. Ao se
propor uma concentração de esforços e recur-
sos na qualidade da educação,o é pequeno o
desafio para um país em desenvolvimento, no
contexto de um mundo cada vez mais pluralista,
unificado e interdependente. Há enormes vazios
a preencher, assim como etapas a acelerar. Ao se
concentrar sobre a formação de professores, o
Ministério da Educação atinge um ponto certa-
mente nevrálgico e, ao mesmo tempo, trabalha
com um insuspeitado efeito multiplicador.
A gestão ambiental ensaia novos princípios
e métodos para compatibilizar as atividades hu-
manas com as exigências da qualidade
ambiental e o uso racional dos recursos natu-
rais. E para isso se faz necessária, indispensá-
vel e insubstituível a Educação Ambiental, uma
nova forma de ver o mundo e de relacionar-se
com ele. A propósito, evocamos a Política Na-
cional de Educação Ambiental, consubstanciada
na Lei nº 9.795, de 27/4/1999. É um farol que
projeta luz, a longa distância, sobre o caminho
a percorrer, rompendo barreiras conceituais,
pedagógicas e operacionais que causavam mal-
estar e disputas estéreis, quandoo pernicio-
sas, entre os vários agentes do desenvolvimen-
to ambiental.
O tema "Ética e Meio Ambiente", que com fre-
qüência vem sendo trabalhado, traduzo ape-
nas a importância intrínseca do assunto, mas,
sobretudo, o interesse crescente da sociedade a
seu respeito. Eo é sem sentido: a sobrevivên-
cia da espécie humana e do próprio planeta Ter-
ra está intimamente vinculada à mudança de-
bitos, costumes, práticas, comportamento e ati-
tude da sociedade. Ela aponta para a urgência
de um novo modelo civilizacional que possa
equacionar necessidades da vida com a real dis-
ponibilidade de recursos.
Por óbvio, um debate isolado como este
nosso, por mais elevado e abrangente que seja,
o esgotará nem a parte mínima do assunto.
Este é apenas um momento de concentração
por que passamos, hoje. A verdadeira tarefa, de
casa e da escola, será empreendida a seguir,
com os professores formando a si mesmos, num
auspicioso processo de interação, impulsiona-
dos pela fome do saber e pela sede do aperfei-
çoar-se.
Ética perene e ethos mundial
Em sua clássica Teogonia, Hesíodo (século
VIII a.C.) descreve poeticamente a origem e o
papel dos deuses. Primeiro, houve o Caos; de-
pois, a Terra de amplo seio, suporte inabalável
dos demais seres. Do Caos nasceram o Dia e o
Éter. A Terra gerou primeiramente ou cons-
telado, depois as altas montanhas, em que ha-
bitam os deuses, e o insondável abismo do mar
(Hesíodo, 1991, versos 116 ss.).
O Caos era o espaço vazio. Por um impulso
admirável, por meio de ordem mais admirável
ainda, surgiu e formou-se este universo em que
vivemos e do qual somos inseparáveis no tem-
po e no espaço.o podemos contar os tem-
pos geológicos e biológicos decorridos há mi-
lhões ou bilhões de anos. Nem podemos abar-
car sequer os tempos históricos, construídos
pelo Homo sapiens sapiens.o obstante, es-
ses tempos históricos marcam os nossos cami-
nhos com a evolução das espécies, mostram o
sentido de evolução da humanidade. E tudo se
Possui graduação e mestrado em Filosofia, pós-graduação em Sociologia Urbana. É professor universitário, docente associado e pesquisa-
dor no Núcleo de Informações em Saúde Ambiental (Nisam) da Faculdade de Saúde Pública da USP; consultor em Meio Ambiente em Milaré
Advogados.
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
originou de um vazio primitivo, daquele tohu
abohu assustador de que fala o livro do Gênesis
em suas primeiras linhas.
Agora, passados milhões de anos de evolu-
ção, receamos ter entrado num processo inver-
so: involução. A Teoria do Caos voltou a ocupar
a Ciência. Mas, à parte elucubrações científicas,
o caos e o vazio manifestam-se de outras ma-
neiras neste nosso mundo em transição. As clás-
sicas perguntas: quem somos? de onde viemos?
para onde vamos? continuam válidas. Mais que
isso, refluem sempre e voltam com interroga-
ções sobre o sentido da nossa vida e o destino
do planeta Terra.
Sim. Malgrado todas as aparências e ilusões,
há um vazio na sociedade humana e no íntimo
de cada indivíduo. Pairam angústias sobre o
nosso destino comum. Assaltam-nos incertezas
sobre o como sermoss mesmos e sobre o sig-
nificado da Terra como espaço habitado por
uma espécie dominante que, deo pretensio-
sa e perdida, pode caminhar rumo a um vazio
definitivo.
Ao nos propormos esses e outros questiona-
mentos, logo desponta a Ética, com seu perfil va-
poroso e papel ainda incerto neste mundo em
mutação alucinante. Será ela válida? Até onde
chegam seu alcance e eficácia? A primeira inter-
rogação aparece como uma "questão fechada", à
espera de uma resposta queo admite alterna-
tivas. Sim, ela é e tem-se mostrado absolutamen-
te válida. Já a segunda questão é "aberta", suge-
rindo alternativas. É precisamente essa abertu-
ra nas respostas que nos deixa, de certo modo,
desconcertados. Seria necessário rastrear os al-
vos e as aplicações morais, o que soa como de-
safio. Com efeito, os descaminhos da humani-
dade, o caráter complexíssimo dos valores natu-
rais e espirituais, o caos onipresente a requerer
um ordenamento constante, tudo isso em mis-
tura com o vazio e a ansiedade do homem mo-
dernoo fatores - e mesmo duras realidades -
que desconcertam a própria Ética.
Apelo para o pensador e cientista de múlti-
plas facetas Hans Küng, por meio de seu livro
monumental sobre a necessidade de uma Ética
nas dimensões do nosso mundo. Resume ele:
"Pouco a pouco, afortunadamente, impôs-se
entre os sociólogos a compreensão de 'que a his-
tória da humanidade está passando para uma
era nova e incerta', o que acarreta 'implicações
filosóficas quase inimagináveis', e isso está re-
lacionado com a 'pergunta sobre a essência do
homem'" (Hans Küng, 1999: 152).
Ante a incerteza dos novos rumos, inclusi-
ve na política, Küng ilustra a sua constatação
com o pensamento do cientista americano
Zbigniew Brzezinski, antigo assessor de segu-
rança do presidente Carter, dos Estados Unidos:
A correção que se faz necessáriao há de ser
tirada de um catálogo de recomendações políti-
cas. Elao poderá evoluir senão como conse-
qüência de uma nova época histórica em que se
possa chegar a uma mudança de valores e de
comportamento; no fundo, portanto, de um lon-
go e difícil processo de autoanálise cultural e de
reorientação espiritual, que ao longo do tempo
pouco a pouco vá influenciando a atitude polí-
tica do mundos ocidental e não-ocidental (apud
Küng, 1999: 152-153).
A política é apenas uma das manifestações
da problemática mundial. A causa é mais pro-
funda e abrangente do que os fenômenos.
Todos sabemos que as grandes fases da His-
tória tiveram suas respectivas características.
Por aí temos idéia de que o nascimento da Ci-
ência Moderna e o impulso que lhe foi dado pelo
Iluminismo do século XVIII consagraram a rup-
tura, por vezes convulsiva, entre a Razão e a.
O desenvolvimento científico e tecnológico
inebriou o espírito humano, fazendo-o sentir
novos sabores no fruto da árvore do conheci-
mento do bem e do mal. Endeusou-se o ho-
mem, naturalmente. E, neste final da Era Mo-
derna,oo poucas as vozes que proclamam
o "homem além do bem e do mal". Ele passou a
recusar critérios e valores outrora estabelecidos
e firmes e a rechaçar quaisquer limites à sua
atuação; porém, em compensação, perdeu o
eixo de si próprio.
Constatamos, com ironia, que nem há efe-
tivamente um super-homem nem Deus está
morto, como se tem apregoado. Idéias, desco-
bertas e invenções sucedem-se em turbilhão;
o obstante, o homem tornou-se joguete de
mal-entendidos substanciais - eu diria
transcendentais - e mergulhou no vazio da de-
sorientação, como um aprendiz de feiticeiro
queo sabe controlar o efeito de suas ações. É
o Caos que nos ronda e nos desestrutura. Mas o
que fazer?
Mesmo diante dos grandes progressos já
consagrados,o podemos recompensar a Éti-
ca perene com uma simples aposentadoria.
Ninguém aposenta a vida nem se aposenta da
vida sem profundos sobressaltos. Como a vida,
a Ética resulta de um longuíssimo processo de
elaboração, aprovação e acomodação que
acompanhou o crescimento da espécie huma-
na. Durante milênios, e de forma cada vez mais
encadeada, os homens foram verificando e re-
gistrando o que era bom e o queo era, os er-
ros e os acertos, os direitos e os deveres, o que
era preciso respeitar e o que permanecia indi-
ferente como valor. Foram decorridos séculos e
séculos na elaboração e na consolidação dessa
espécie de "contrato social", muitas vezes explí-
cito e muitíssimas outras implícito. A humani-
dade veio aprendendo consigo mesma, e hoje
parece teimar em se esquecer do essencial e das
lições acumuladas.
Vivemos na cultura ocidental, herdeiros das
tradições judaico-cristãs.
Mesmo os Dez Mandamentos da Lei de Deus -
as "dez palavras" ou "Decálogo", que na Bíblia
hebraica aparecem em duas versões - tiveram
de passar por longa história. As instituições da
"segunda tábua", que dizem respeito às relações
entre os homens (respeito aos pais, proteção da
vida, do matrimônio, da propriedade e da hon-
ra do próximo), remontam às tradições morais
e jurídicas dos clãs pré-israelitas e seminô-
mades, possuindo inúmeras analogias no Orien-
te Próximo. Longos séculos de prática, de apro-
vação e de polimento tiveram de decorrer até
que o Decálogo adquirisse forma e conteúdoo
universais e resumidos que pudesse ser consi-
derado como expressão adequada da vontade de
Javé, da Aliança de Deus com seu povo (Küng,
1999: 150).
Foi em torno de revelações, profetismos e
experiências históricas que as três grandes re-
ligiões monoteístas chegaram a uma consci-
ência ética básica. O curioso, e até paradoxal
nessas respectivas culturas, é que a humani-
dade do homem é garantida pela autoridade
divina,o por ele. História e experiência
ensinaram que o homemo pode ser deixa-
do à mercê de si mesmo. Ele deve transcen-
der-se, superar-se e ser mais humano do que
tem sido.
Infelizmente, o homem moderno perdeu
a visão histórica e transcendental da Ética. Ele
brinca com éticas de ocasião, com valores re-
lativos; tem seu jogo do faz-de-conta nas éti-
cas classistas ou corporativas, assim como na
chamada "moral de situação", maso sabe
como encarar o mundo que nasce agora nem
como se inserir nele, desempenhar seu papel
e manter sua dignidade fundamental. A dan-
ça velocíssima do transitivo e das aparências
tira-lhe a visão do que é estável e essencial.
Se foi dito que a liberdade existe somente
dentro da lei, o mesmo se aplica à Ética. Tal-
vezo se tenha prestado suficiente atenção
a esse aspecto. Sem embargo, a Ética é o pe-
nhor da liberdade e do próprio direito. É como
o cavaleiro, quiçá com ares quixotescos, que
sai pelo mundo, de lança em riste, contra a
opressão e o abuso do poder, em defesa dos
oprimidos. Ela reduz significativamente a di-
ferença entre os desiguais e congrega os iguais
em prol das causas comuns. Isso é essencial à
realização do ideal de uma sociedade justa.
Nunca uma democracia real se impôs pelas
armas ou pela prepotência, métodos esses in-
trinsecamente antidemocráticos. Quanto
maior o respeito entre direitos e deveres, maior
o vínculo democrático entre pessoas, institui-
ções e Estados.
O abuso do poder tem, hodiernamente,-
rios nomes. Contudo, a realidade abusiva é uma
: o desrespeito. Os podêres político e econô-
mico, as oligarquias soltas e impunes avançam
sobre o queo lhes cabe. Também a domina-
ção tecnológica, a tirania da Ciência, o engodo
das falsas liberdades, as mistificações religiosas,
seo ignoram acintosamente as restrições éti-
cas e morais, no mínimo ultrapassam e desres-
peitam os seus limites. As informações e as con-
tra-informações escorregam propositadamente
em falsidades, erros e meias-verdades. A mani-
pulação das pessoas e das consciências, em di-
ferentes formas e graus, é inescrupulosamente
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
empregada em alta escala e enaltecida como
aplicação da inteligência e prova de superiori-
dade. Os sofismas distorcem a lógica dos fatos.
O que dizer da cidadania? Os grandes filó-
sofos socráticos, nomeadamente Aristóteles,
o distinguiam com muito rigor a Ética da Po-
lítica, porque ambas estavam destinadas a or-
denar e a aperfeiçoar a convivência. Hans Küng
(1999: 149), citando Riklin a respeito do suces-
so das seis "invenções da humanidade contra o
abuso do poder", observa na retaguarda desses
movimentos a presença de um impulso ético:
"[...] de forma alguma a consciência ética ocu-
pa um posto perdido na luta contra o poder".
O Iluminismo, transitando pela Revolução
Francesa e prolongando-se através de épocas e
sistemas, consolidou a grande conquista da
"Declaração Universal dos Direitos do Homem".
Todavia, mais antiga do que ela é a formulação
dos deveres universais do homem, que é preciso
reviver. Isso se faz particularmente necessário
e significativo quando o processo de unificação
do mundo abre espaço para o reinado de um
ethos mundial. Por seu turno, alerta o pensa-
dor e escritor Leonardo Boff (2000: 13): "Três
problemas suscitam a urgência de uma ética
mundial: a crise social, a crise do sistema de tra-
balho e a crise ecológica, todas de dimensões
planetárias".
o nos será difícil constatar que a Ética pe-
rene, que nasceu das experiências e da sabedo-
ria acumuladas ao longo da História, pode e
deve renascer como base ancestral do Ethos
mundial. Este último, na realidade, é uma nova
etapa da Ética perene, melhor dito, um avanço
que se ajusta à etapa histórica daquilo que se
convencionou (ainda que vagamente) denomi-
nar de pós-modernidade.
Está aberto o caminho para indagações, re-
flexões, elaborações teóricas e vivências práti-
cas. Os formadores de outros seres-humanos-
cidadãos devem ser, preliminarmente, os agen-
tes da sua própria formação. Levanta-se, nesse
ínterim, a pergunta crucial: o mundo que está
em gestação será à nossa imagem ou, ao con-
trário, seremoss a imagem desse mundo
mal-esboçado e incerto dos seus rumos? Qual
a resposta que daremos à humanidade e ao pla-
neta Terra nessa empreitada?
Ethos ambiental
ou ética ecológica
O presente momento circunscreve-nos à
busca de um tema preciso como insumo para a
formação de professores em função da qualidade
na educação. É onde pretendemos chegar. Mas,
creio que, para tanto, é lícito excursionarmos por
algumas reflexões preliminares que incentivem
nossa "imaginação filosófica".
Apesar de paradoxal, falar de fronteiras da
Ética eqüivale a dizer que a Éticao tem fron-
teiras...
Assemelha-se, por analogia, ao aether, ao
ápeiron e ao átomos dos filósofos originários
(para os que quiserem recordar: Anaxágoras,
Empédocles, Anaximandro de Mileto, Leucipo
e Demócrito, entre outros). O aether pervade
o espaço e, de algum modo, todos os seres. O
ápeiron, infinito e indeterminado, é o princí-
pio e o elemento primordial de todas as coi-
sas, o inexaurível. E o átomos, invisível e
indivisível, está na fórmula de composição do
universo. Peço perdão aos filósofos ortodoxos,
e mais ainda aos autores das teorias originais,
por essa analogia atrevida. Mas a procura do
conhecimento e da sabedoria leva-nos, algu-
mas vezes, a transgressões.
Os primeiros filósofos reconhecidos como
tais, os pré-socráticos, queriam obstinadamen-
te encontrar o princípio constitutivo do mun-
do, a arché. Estavam, como se, na tentativa
de uma síntese que elucidasse os enigmas do
mundo físico. Foi assim que se estabeleceram
os primeiros fundamentos da Ciência, então
confundida com a Filosofia. Depois, as preocu-
pações voltam-se para o conhecimento do ser
humano, a partir do "conhece-te a ti mesmo", e
entram na análise dos costumes, da vida social
e da organização da cidade e da civilização.
Na investigação da Ética, como na sua apli-
cação, a analogia trazida acima leva-nos a con-
cluir que, à semelhança dos elementos primor-
diais, também ela se baseia numa arché; cons-
trói-se com o indefinido e o infinito, trabalha
com o indivisível e ocupa a totalidade do espa-
ço da vida.o há ser que seja indiferente à vida
e ao ecossistema planetário. Os termos gregos
oikos e ethos, assim como as realidades que eles
representam,m muito em comum com o es-
paço vital. Da mesma forma, a felicidade, a rea-
lização individual, o bem-estar coletivo e a per-
petuação do fenômeno da vida, as aspirações
humanas em geral, requerem a justiça como
fundamento da paz, esse "tranqüilo convívio na
ordem", conforme a conhecida definição de To-
s de Aquino.
Oikos e ethos reportam-se à convivência. A
Ética, por definição e essência, é inseparável
da vida e da existência no planeta Terra. As re-
gras da convivênciam sido elaboradas, tes-
tadas e adotadas em longos períodos da His-
tória, que evoquei anteriormente. E esse pro-
cesso continua com a participação cada vez
maior do mundo natural, que, na expressão de
Anaxagoras (500-428 a.C), serve de referência
para o mundo racional. A "mente ordenadora"
da natureza dá-nos parâmetros para nos rela-
cionarmos sabiamente com esse mundo físico
e entres próprios.
No "contrato social", em que os seres huma-
nos foram os principais convenentes entre si, o
mundo natural compareceu como "interveniente"
e diretamente interessado. Por certo, o mundo
naturalo poderá observar suas cláusulas, ses
o observarmos rigorosamente o que nos cabe.
É a regra da vida e da convivência.
Poderíamos, então, dizer que a Ética tam-
m é filha da Terra, como nós. Queiramos ou
não, ela tem um caráter telúrico, pois nasceu
dessa interação de seres vivos inteligentes en-
tre si e com outros seres vivos e não-vivos. Se a
cobiça dos recursos naturais provocou a discór-
dia entre os homens, o mesmo mundo natural
devidamente respeitado pode ser o grande me-
diador, o oportuno inspirador da convivência na
casa ou do "tranqüilo convívio na ordem".
Voltemos a pensar no sentido de um Ethos
mundial, fundamento e rumo para novos mo-
delos de convivência. A respeito, Leonardo Boff
discorre, em síntese, sobre a "universalização do
discurso ético". Ele fala do alcance e dos limites
do utilitarismo social, que insiste na visão prag-
mática dos processos econômicos e sociais; essa
visão, chamada neo-utilitarismo, está na base
de muitas reformas sociais calcadas em mode-
los anglo-saxões. É fácil perceber seu vínculo
com o neoliberalismo ou o neocapitalismo.
1
Há de se considerar, ainda, os fundamentos
éticos fornecidos pela natureza e pelas diferen-
tes tradições religiosas. Mas, para Boff, a prio-
ridade volta-se para o pobre e o excluído; po-
rém, o enfoque geral aponta para o resgate éti-
co da modernidade e o processo da globalização
(Boff, 2000:57-89).
Pelejou-se sempre e muito pela dignidade
humana por meio de inúmeras escolas de pen-
samento e sistemas políticos. Curiosamente,
essa peleja tinha como pontos de partida as
mais diferentes formulações, algumas delas até
antagônicas. Contudo, a valorização do homem
como ser pluridimensional esteve presente na
maior parte das doutrinas, porquantoo pode
haver humanismo autêntico queo leve em
conta o ser humano em sua totalidade.
Nesses albores de novo modelo civilizacional,
é chegada a vez de pugnar pela dignidade da Ter-
ra.o se trata já de uma Ética antropocêntrica,
mas de uma "Ética eco-centrada". A propósito,
está em discussão um texto oficial preliminar da
Carta da Terra, cuja versão definitiva será subme-
tida ao endosso da ONU, em 2002. Esta é a posi-
ção dos seus formuladores:
A Carta da Terra está concebida como uma de-
claração de princípios éticos fundamentais e
como um roteiro prático de significado dura-
douro, amplamente compartido por todos os
povos. De forma similar à Declaração Universal
dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a
Carta da Terra será utilizada como um código
universal de conduta para guiar os povos e as
nações na direção de um futuro sustentável.
2
Os princípios e os valores éticos da Carta da
Terra podem se resumir no seguinte:
1. respeito e cuidado com a comunidade de
vida;
1
Boff. 2000. Em relação ao utilitarismo social, ver p. 50-56.
2
"La Carta de Ia Tiena: valores y princípios para un futuro sostenible", Secretaria Internacional del Proyecto Carta de Ia Tierra, San José.
Costa Rica. 1999. 12. apud Boff. 2000. p. 89.
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
2. integridade ecológica;
3. justiça social e econômica;
4. democracia, não-violência e paz.
É preciso acreditar na evolução do mundo
e na força das idéias. Essa é a nossa alavanca.
Conclusão
o há como desconhecer o florescimento
de uma "consciência cósmica". Ela é inelutável.
Quantas ficções científicas, que pareciam
exercício de imaginação doentia e exacerbada,
se tornaram realidades já superadas pelo tem-
po! Quem pode ter certeza incontestável de que
o mundo natural nunca poderá desabrochar
numa espécie de consciência própria? A evolu-
ção do Cosmo é aindao criança...
De qualquer forma, o grito da Terra é elo-
qüente, profundo e alarmante. O ecossistema
planetário é tomado, por alguns cientistas me-
nos "ortodoxos", como um complexo e quase in-
sondável organismo vivo, que sente, pensa e
age. A espécie humana, como parte integrante
desse holos total, é vocacionada a pensar pela
Terra, para sentir e agir com ela. Somoss a
consciência viva do planeta vivo.
o nos importemos com as resistências e
as zombarias de algumas vozes da Ciência - ou
pseudociência. Sabemos que a Ciência, por
mais rigorosa, exata e fidedigna,o é a única
forma de conhecimento. Temos aprendido - e
muito há por aprender - também com a Filoso-
fia questionadora, com o senso comum, com a
arte e as mitologias. Formas de conhecimento
despretensiosas podem superar em sabedoria
conhecimentos científicos enfatuados, pois,
conforme a advertência de Edgar Morin, a Ci-
ência produz conhecimento, mas pode produ-
zir, também, ignorância, na medida em que as
especializações excessivas se fecham para a re-
alidade que elaso podem compreender
(Morin e Kern, 1995: 10).
As considerações sumárias que apresento nes-
ta exposição singela seguramenteo ficarão sem
eco. Elas valem, muito mais do que por si mes-
mas, como convite ao aprofundamento dos pro-
fessores na questão ambiental, incógnita básica
do mundo de hoje e enigma do futuro próximo.
A qualidade na educaçãoo poderá se per-
fazer sem a consciência do Ethos ambiental, pa-
lavra-chave para a sobrevivência da sociedade
humana e perpetuação sadia do ecossistema
planetário.
Bibliografia
BOFF, Leonardo. Saber cuidar, ética do humano - compai-
xão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
Ethos mundial: um consenso mínimo entre
os humanos. Brasília: Letraviva, 2000.
CAPRA, Fritjof; STEINDL-RAST, David; MATUS, Thomas.
Pertencendo ao Universo: explorações na fronteira da
ciência e da espiritualidade. Trad. de Maria de Lourdes
Eichenberger e Newton Roberval Eichenberg.o Pau-
lo: Cultrix, 1993.
GARCIA RUBIO, A. et al. Reflexão cristã sobre o meio am-
biente.o Paulo: Loyola, 1992.
HESIODO. Teogonia, a origem dos deuses. Estudo e trad.
de Jaa Torrano.o Paulo: Iluminuras, 1991.
KÜNG, Hans. Uma ética global para a política e a econo-
mia mundiais. Trad. de Carlos Almeida Pereira.
Petrópolis: Vozes, 1999.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação
do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne
Sawaya.o Paulo/Brasilia: Cortez/Unesco, 2000.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra pátria. Trad. de
Paulo Neves. Porto Alegre: Sulina, 1995.
NALINI, José Renato. Ética ambiental. Campinas: Millenium,
2001.
RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar, pensando o ambi-
ente humano. Belo Horizonte: Rona, 1999.
UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano:
ecologia e espiritualidade. 2. ed.o Paulo: Loyola,
2000.
Contribuições da Ética Ambiental
para uma sociedade sustentável
Paulo Jorge Moraes Figueiredo
Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)/SP
Resumo
A despeito dos avanços do debate ambiental
nos últimos anos, a abordagem da questão tem se
centrado nos aspectos tecnológicos voltados ao
abate da poluição de uma forma geral e às técnicas
para a gestão de resíduos e economia de energia,
entre outras. Da mesma forma, as políticas e os ins-
trumentos de gestão ambientalm enfatizado os
aspectos econômicos e mercadológicos. Diante do
alcance limitado dessas abordagens, a Ética
Ambiental surge recentemente como um ramo da
Filosofia voltado à compreensão das raízes dos pro-
blemas socioambientais, que se intensificam a cada
dia. Nesse sentido, considerando os valores e as
concepções éticas das sociedades, a Ética
Ambiental representa uma contribuição importan-
te para a compreensão de toda a complexidade da
temática ambiental.
Mesmo com os avanços conceituais da Ética
Ambiental, poucos autores em países pobres ou em
desenvolvimentom se dedicado a essa área do sa-
ber, de largo potencial na fundamentação de políticas
e instrumentos de gestão ambiental apropriados e cal-
cados nos anseios e nos valores dessas sociedades.
Diante do exposto, o presente trabalho busca
apresentar os elementos principais da Ética
Ambiental, assim como os fundamentos de algumas
das principais correntes que permeiam as políticas
e as práticas dos diversos grupos sociais com rela-
ção às questões socioambientais, tais como: ecolo-
gia profunda, ecologia social e a concepção do "bote
salva-vidas", que fundamenta o eco-capitalismo,
entre outras. Também algumas questões específicas,
de âmbito global ou nacional,o consideradas a
partir desse referencial, da mesma forma que a in-
serção de valores solidários na construção das rela-
ções sociais e das sociedades com o meio ambiente.
Introdução
r
"Ética" tem sido um vocábulo recorrente
nos últimos anos, e seu uso coloquial nos re-
mete a aspectos ligados à consciência e à mo-
ral, aqui entendida como "ciência" que trata
dos costumes, dos valores, dos deveres e da
forma de proceder do homem em sociedade
ou com seus semelhantes. Nesse sentido, o
termo "ética" está associado à compreensão
de bem e mal, de certo e errado, e aos mati-
zes e às gradações do comportamento huma-
no (VanDe Veer e Pierce, 1993). Poder-se-ia
considerar ética como ciência que trata das
normas de comportamentos e costumes, ou
a parte da filosofia que trata dos valores mo-
rais (Valls, 1995). Talvez possamos ainda con-
siderar ética e moral como conceitos intuiti-
vos, normativos, usados para qualificar com-
portamentos e ações a partir de uma percep-
ção de "certo e errado" ou de "bem e mal".
A complexidade de teorização no campo da
ética deve-se, especialmente, à heterogeneida-
de cultural, de costumes e valores, entre os di-
versos grupos sociais, e às variações desses as-
pectos ao longo do tempo. De qualquer forma,
as formulações éticas devem buscar, a partir de
princípios cada vez mais universais, a igualdade
' Texto preparado por ocasião do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação - Formação de Professores, realizado em Brasília
no período de 15 a 19 de outubro de 2001, sob o patrocínio do Ministério da Educação. Nessa ocasião, a participação do autor incluiu
palestra em simpósio com o tema Ética e Meio Ambiente, no dia 17 de outubro de 2001.
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
do gênero humano no que há de mais universal
(Valls, 1995). Portanto, uma boa teoria ética deve
ter a pretensão da universalidade e, simultanea-
mente, explicar as diferenças de comportamen-
to inerentes às diversas formações culturais e
históricas (VanDeVeer e Pierce, 1993).
As questões teóricas da éticam sido tra-
dicionalmente separadas em dois grupos: ques-
tões gerais fundamentais, referentes à liberda-
de, à consciência, ao bem e ao mal, à lei etc; e
questões específicas, referentes à ética profis-
sional, à ética na política, à ética sexual, à ética
matrimonial, à bioética etc. (Valls, 1995).
Da mesma forma que nas teorias científi-
cas, a melhor teoria ou argumentação ética é
aquela superior às suas concorrentes em um
número relevante de aspectos. O que se bus-
ca em uma teoria éticao é a ausência de
controvérsia, mas sim o melhor conjunto de
argumentos normativos e empíricos aceitos
pela sociedade ou por grupos sociais (por
exemplo: a natureza do homem é boa, existe
vida após a morte, o homem é bom, animais
m sentimentos, o homem é egoísta, o ho-
mem é altruísta). Portanto, um critério para
avaliar uma teoria ética é a análise de quão
aceitáveiso seus pressupostos empíricos.
Caso os argumentos empíricos sejam verda-
deiros ou aceitáveis, uma segunda preocupa-
ção é com a consistência lógica do conjunto
de argumentos. Uma última análise está rela-
cionada à representatividade dos argumentos
diante do paradigma da sociedade ou dos gru-
pos sociais envolvidos na questão e à compa-
tibilidade desses argumentos com as mais
profundas convicções morais desses grupos.
Em suma, uma teoria ética deve ser clara,
precisa, compreensiva, logicamente consis-
tente, compatível com as mais avançadas e
aceitas teorias científicas e seus resultados, e
compatível com os valores e as mais profun-
das convicções filosóficas das sociedades.
Recentemente, pensar sobre as questões
ambientais do ponto de vista ético tem permi-
tido o avanço de uma nova área do pensamen-
to filosófico com racionalidade e sistematiza-
ção próprias e forte influência nas concepções
de políticas ambientais - trata-se da Ética
Ambiental {Environmental Ethics).
Ética Ambiental
Ética Ambiental pode ser considerada um
ramo da filosofia voltado à análise e à discus-
o dos valores ambientais das sociedades, das
correntes de pensamento ambiental e dos pres-
supostos e fundamentos das políticas e dos ins-
trumentos de gestão ambiental.
Entretanto, como nos lembram VanDeVeer e
Pierce (1993), se a condução de nossas vidas priva-
das é tarefa difícil, bem mais complexa é a proposi-
ção de um projeto justo e sustentável para um cole-
tivo (nação, segmento social etc). Somam-se a isso
as incertezas relacionadas à capacidade individual
e coletiva de transformações comportamentais,
particularmente quando essas transformações vi-
sam a benefícios que transcendem a vida dos indi-
víduos (transpessoais) ou de grupos específicos, ou
ainda quando esses benefícioso de longo termo,
endereçados a outras gerações (transgeracionais)
(VanDeVeer e Pierce, 1993).
Entre as muitas motivações para o desenvol-
vimento da Ética Ambiental, destaca-se a gene-
ralizada percepção de que a parcela mais pobre
da população mundial jamais atingirá os pata-
mares de consumo da parcela mais rica, mesmo
porque, se qualquer proposição mais igualitária
de âmbito mundial fosse adotada nesse sentido,
as influências ambientais seriam insustentáveis.
Portanto, a questão fundamental está relaciona-
da à real possibilidade de adoção de modelos
sociais, estilos de vida e conceitos de "desenvol-
vimento" sustentáveis do ponto de vista social e
ambiental e passíveis de serem adotados por to-
dos os povos (Figueiredo, 1997; 2001; Hercula-
no, 1992). Uma análise das implicações ambien-
tais decorrentes dos padrões de consumo dos
países ricos e, portanto, da qualidade de vida
dessas populações mostra que esses níveis de
interferência na dinâmica ambiental sequer po-
dem ser projetados a longo prazo para essa re-
duzida parcela da população, que dirá esten-
didos às parcelas excluídas da população mun-
dial (Figueiredo, 1997, 2001; Herculano, 1992).
Essa questão, por si, remete-nos ao cerne
do dilema desenvolvimentista, no qual se inse-
re o mundo contemporâneo, com característi-
cas eminentemente éticas que se desdobram
em questões como:
O que é desenvolvimento? Crescimento
econômico? Evolução de valores éticos e hu-
manitários?
O que é qualidade de vida? Alto consumo?
Felicidade?
O que deve ser sustentado ou assegurado?
O crescimento econômico em si, os elemen-
tos naturais e sua dinâmica, ou as estrutu-
ras atuais que garantem as desigualdades e
a submissão de forma ampla?
Existe alguma real perspectiva humana voltada
à redução das desigualdades sociais, econômi-
cas e de apropriação dos recursos naturais?
Quaiso as perspectivas temporais do ho-
mem? Com que estilo de vida?
Com relação às dificuldades de inserção da
Ética Ambiental no meio científico, Hargrove as
atribui à ruptura entre a ciência e a ética, de-
corrente do positivismo racionalista do século
XX (Hargrove, 1996; Graf, 2000).
Pressupostos das idéias
e das teorias da Ética Ambiental
Uma coisa é certa quando busca
preservar a integridade,
a estabilidade
e a beleza das comunidades bióticos,
e errada quando busca o contrário.
Leopold, 1949, apud Golley, 1994: 20.
Da mesma forma que nas concepções éticas,
a fundamentação das teorias da Ética Ambiental
parte de pressupostos passíveis de questionamen-
tos. Nesse sentido, a assunção de que o homem é
egoísta por natureza (Egoísmo Psicológico ou Éti-
co) conduz a desdobramentos socioambientais
diferentes da consideração da existência de um
comando divino. Da mesma forma, a considera-
ção de que todos os elementos naturaiso pas-
síveis de serem utilizados pelo homem (Utilita-
rismo) ou a de que poderiam merecer um valor
econômico (Teoria Econômica)o substancial-
mente distintas da idéia de que tudo que existe
tem valor intrínseco, ou que os seres vivosm
direitos (Teoria dos Direitos) ou, ainda, que re-
presentam um papel fundamental na dinâmica
da natureza (Teoria das Leis Naturais).
Nesse sentido,o muitas as possibilidades
para as concepções teóricas da Ética Ambiental,
e a questão é delimitada pela aceitação ou pela
adequação dos pressupostos por parte das socie-
dades. Também vale destacar que,o raro, os
valores ambientais de uma sociedade compõem
elementos que decorrem de fundamentações te-
óricas distintas. Portanto, na concepção de polí-
ticas ambientais ou de instrumentos de gestãoo
comuns elementos decorrentes de concepções
teóricas distintas da ética ambiental. De qualquer
forma, a análise evolutiva desses instrumentos e
das concepções que norteiam as práticas de gru-
pos sociais e organizações não-governamentais
ambientalistas no mundo todo nos permite ava-
liar as tendências teóricas queo sendo adotadas
pelas sociedades, suas influências, inserção polí-
tica e ampliação desses grupos nas sociedades.
A crítica ao antropocentrismo ou à concepção
do Universo em termos de experiências e valores
humanos (Ferreira, 1999) representa um tópico
central na Ética Ambiental. Segundo Graf (2000), o
antropocentrismo referencia-se menos na impor-
tância diferenciada do ser humano diante do mun-
do e mais na dominação que a espécie humana
exerce sobre as demais e sobre a natureza. Nessa
perspectiva, o antropocentrismo remete-nos à le-
gitimidade da "postura dominadora do homem",
o que, segundo Gray (1994), caracteriza a "ilusão
antropocêntrica" da humanidade como o triunfo
da ética do interesse próprio ou do individualis-
mo. Continua Graf (2000): "Ao colocar os interes-
ses da vida industrial e urbana em primeiro lugar,
o homem se arvora a extremos de manipulação da
natureza. A pretensa superioridade humana pare-
ce cegar a humanidade a ponto de desconhecer as
leis mais básicas da natureza, como a necessidade
de um ambiente de baixa entropia para a nossa
existência".
1
' Baixa entropia é aqui entendida como heterogeneidade, biodiversidade, diferenças de potenciais, enfim, características que potencializam a vida.
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
Segundo Golley (1994), a Ética Ambiental
apresenta boas perspectivas para a correção dos
nossos comportamentos "antiecológicos", quan-
do fundamentada nas Ciências Ecológicas, posto
serem estas condicionantes independentes de
diferenças culturais entre as filosofias humanas.
Ainda segundo Golley, o Ocidente, ao incorporar
o discurso ambiental, distorce as questões
ambientais segundo seus padrões, excessivamen-
te vinculados ao consumo material e à competi-
ção capitalista (Graf, 2000). Para autores como
Golley* entre outros, é fundamental o retorno aos
pilares da abordagem ecológica, como o holismo,
a sinergia (cooperação) entre as partes dos siste-
mas, a diversidade, a complexidade e o respeito
às ciclagens naturais de matéria e energia.
Teorias de Ética Ambiental
e seus argumentos
Entre as concepções teóricas da Ética
Ambiental, trêso particularmente importan-
tes pela influência na fundamentação de esti-
los de vida, concepções de sociedades e con-
dutas adotadas por movimentos ambientalistas
contemporâneos. Essas correntes da Ética
Ambiental também merecem destaque pelo
número de adeptos que agregam,o elas: a
Ética do Bote Salva-Vidas {Lifeboat Ethics), de
Garrett Hardin, que sustenta as concepções eco-
capitalistas; a Ecologia Social {Social Ecology),
de Murray Bookchin; e a Ecologia Profunda
{Deep Ecology), de Ame Naess.
Ética do Bote Salva-Vidas
A Ética do Bote Salva-Vidas (LifeboatEthics),
que tem em Garrett Hardin um de seus maiores
expoentes, serve de sustentação ao capitalismo
de uma forma geral. Essa concepção teórica sus-
tenta-se no darwinismo social, e a analogia que
dá origem a tal concepção entende o mundo
como um mar no qual os povos ricos se encon-
tram dentro de botes e os demais povosm de
nadar para se manterem vivos. Existe uma natu-
ral tendência de os povos "do mar" subirem nos
botes, no queo coibidos por aqueles que já se
encontram nessa confortável situação. Para os
integrantes dos botes, é mais conveniente man-
ter lugares vagos, o que possibilitaria uma reser-
va de segurança em mares revoltos, ou mesmo
abrigar um animal que pudesse servir como ali-
mento adicional, em vez de abrigar alguém que
estivesse no mar e, portanto, representaria mais
uma boca a ser alimentada e implicaria uma car-
ga adicional. Essa analogia de imediato traduz
uma preocupação populacional extrema e carac-
teriza os problemas atuais como decorrenteso
de um estilo de vida insustentável, mas sim de
uma população excessiva diante dos escassos
recursos ambientais. Grosso modo, poderíamos
dizer que, segundo a concepção do Bote Salva-
Vidas, se a população mundial fosse substancial-
mente inferior à atual, todos os indivíduos po-
deriam praticar o estilo de vida dos povos ricos.
Os adeptos dessa teoria tambémo consi-
derados "hobbesianos", segundo a máxima "o
homem é o lobo do homem" (Drysek e Lester,
1989). Segundo Hobbes, a espécie humana exis-
te em permanente competição pelos recursos
naturais,o havendo demérito nessa disputa
e tampouco nas outras formas de dominação.
Portanto, segundo a Ética do Bote Salva-Vidas,
os seres humanosoo iguais entre si eo
gozam de direitos iguais sobre os recursos na-
turais e tecnológicos do planeta. O processo
histórico de desigualdade, colonização e impe-
rialismo entre os povos do mundo é percebido
como natural e decorrente de competências
diferenciadas (Graf, 2000).
Na Ética do Bote Salva-Vidas, destacam-se
aspectos como:
A atribuição dos problemas socioambientais
da atualidade à superpopulação dos países
pobres. Nesse sentido, caso a população
mundial fosse substancialmente menor, to-
dos poderiam praticar os mesmos padrões de
consumo e interferências ambientais prati-
cadas pelos países ricos.
Segundo essa corrente,o plenamente
justificadas as restrições dos países ricos à mi-
gração dos pobres, posta a impossibilidade de
todos atingirem os mesmos padrões de vida.
Como a população dos países pobres cresce
mais rapidamente que a dos ricos,o inefica-
zes os programas de ajuda humanitária, uma
vez que o problema da superpopulaçãoo
poderia ser superado dessa forma (Graf, 2000).
Acredita-se na propriedade privada como
única forma de preservação ambiental. Em
A tragédia dos comuns, de Hardin, as coisas
públicas ou comunitáriaso consideradas
"de ninguém", e portantoo há interesse
em preservá-las (Graf, 2000; VanDeVeer e
Pierce, 1993).
Valores como xenofobia, subjugação cultu-
ral, individualismo, competição, materialis-
mo e autoritarismo podem ser facilmente
percebidos nessa concepção ética.
Ecologia Social
As raízes da Ecologia Social estão no anar-
quismo, na Escola de Frankfurt, com sua crítica
ao positivismo, e em Marx. Politicamente, a
Ecologia Social marca fortemente os partidos
verdes, especialmente o alemão e o norte-ame-
ricano. A Ecologia Social é racionalista e vincu-
lada ao funcionamento das sociedades em suas
estruturas e instituições. Para a Ecologia Soci-
al, os problemas socioambientais decorrem da
própria fundamentação capitalista, do sistema
tecnocrático-industrial e do estilo de vida pro-
posto pelo modelo neoliberal (Graf, 2000).
A Ecologia Social busca harmonizar as relações
homem-homem e homem-natureza e propõe-se:
Contra qualquer forma de hierarquia ou do-
minação humana. Além de contrária aos fun-
damentos capitalistas, a Ecologia Social propõe
a igualdade social e política. Posiciona-se con-
tra qualquer forma de racismo, de dominação
étnica, de gênero ou de classes e qualquer ou-
tra forma de dominação econômica ou militar.
As formas cooperativas e comunitárias de or-
ganização socialo privilegiadas nessa concep-
ção, da mesma forma que a "ecologização" das
sociedades, o que espontaneamente implicará
a adoção de modelos socialistas e anarquistas
em pequenas comunidades, posto ser a redu-
ção das escalas mais favorável à sustentabili-
dade (Drysek e Lester, 1989).
Humanista, na medida em que, embora
afirme a superioridade do homem,o sus-
tenta a percepção antropocêntrica, em que
todos os elementos e seres estão à disposi-
ção do homem. No eco-socialismo, a valo-
rização da consciência humana é destaca-
da no sentido da preservação ambiental, da
biodiversidade, da adoção de práticas
ambientalmente sustentáveis e na reversão
de influências já materializadas (VanDeVeer
e Pierce, 1993; Graf, 2000).
Consciente de que a natureza se orienta num
processo de contínua evolução da complexi-
dade. Nesse sentido, a Ecologia Social propõe-
se sistêmica ao entender a natureza como o
conjunto de todos os sistemas vivos que se
comporta como um todo orgânico, inter-re-
lacionado, que se move no sentido do incre-
mento de complexidade e auto-organização.
Essa dinâmica também contempla a subjeti-
vidade, a autoconsciência e a comunicação
simbólica entre os seres no processo evolutivo
(VanDeVeer e Pierce, 1993; Graf, 2000).
Ecologia Profunda
O termo Ecologia Profunda foi criado pelo
filósofo norueguês Ame Naess, em 1973, com o
significado de que, nessa concepção, a compre-
ensão ampla da vida e das relações no planeta
deveria avançar indefinidamente, por meio de
uma seqüência infindável de "por quês". Essa
vertente é denominada "ecocêntrica", em opo-
sição à concepção antropocêntrica. Tal linha fi-
losófica se baseia em dois núcleos conceituais:
a "igualdade biocêntrica" e a "auto-realização".
A igualdade biocêntrica significa que todas as
coisas vivasm o mesmo valor intrínseco, ou seja,
a mesma importância ecológica e, portanto, o mes-
mo direito à vida com qualidade. Ressalte-se que a
Ecologia Profunda tem uma definição mais
abrangente para "coisas vivas" do que simplesmen-
te os seres vivos; engloba também outros elemen-
tos como rios e montanhas. Nesse sentido, identifi-
ca-se com diversas cosmologias tradicionais, nas
quais rios, montanhas, trovões, mares e as manifes-
tações naturaism grande relevância e poder. A
Ecologia Profunda é uma corrente explicitamente
espiritualista,
2
associada ao pensamento sistêmico,
2
A autora Joan Halifax encontra paralelos da Ecologia Profunda com cosmologias ancestrais diferentes entre si: o xamanismo, ocidental e
indígena, e o budismo, oriental (Halifax, 1998; Graf, 2000).
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
e, segundo Fritjof Capra, ela sintetiza esse novo
paradigma (Capra, 1996). Frank Golley tam-
m declara seu apoio à Ecologia Profunda,
discorrendo acerca da indubitável validade
ecológica de seus princípios básicos (Golley,
1994; Graf, 2000).
A auto-realização significa a busca da ma-
turidade existencial plena do indivíduo, o que
para a Ecologia Profunda é o objetivo princi-
pal da vida e tem fundamento espiritual. Essa
plenitude do ser dá-se por meio de um com-
plexo processo de sucessivas identificações do
indivíduo com outros indivíduos e com o meio
(entendendo como indivíduos os seres de
qualquer espécie).
3
A auto-realização dá-se por meio da perfei-
ta integração, solidária e saudável, do indivíduo
com tudo que o cerca. É, portanto, um proces-
so altruísta, no qual a satisfação individual de-
pende da satisfação coletiva, bem marcada pela
célebre frase da Ecologia Profunda: "Ninguém
estará salvo enquanto todoso estiverem sal-
vos" (Devall e Sessions, 1993: 217; Graf, 2000;
VanDeVeer e Pierce, 1993). Para a Ecologia Pro-
funda, a questão ecológicao é técnica ou ci-
entífica, mas sim filosófica, psicológica e espi-
ritual. Seus adeptos lançamo de conceitos
filosóficos de diversas religiões, especialmente
das orientais - hinduísmo, budismo e taoísmo
(Naess, 1993). Uma forte influência é a linha da
não-violência de Mahatma Gandhi. Os ecolo-
gistas profundos falam em "reconhecimento do
sagrado em tudo", o que leva a atitudes ecoló-
gicas em essência. A Ecologia Profunda destaca
alguns valores como universais, tais como: o
cuidado, o respeito e a responsabilidade (Naess,
1993; Graf, 2000; VanDeVeer e Pierce, 1993).
Eis alguns princípios básicos da Ecologia
Profunda:
A vida humana e a não-humanam seu
valor intrínseco, e a diversidade das formas
de vida é desejável, pois acentua as possi-
bilidades de auto-realização. Os seres hu-
manosom o direito de diminuir essa
diversidade, exceto para satisfazer às ne-
cessidades vitais.
A mudança ideológica dar-se-á no sentido
de alcançar a qualidade de vida, que nada
tem a ver com o alto consumo. As políticas
precisam ser alteradas em profundidade,
afetando as estruturas ideológicas,
tecnológicas e econômicas. O resultado
será um estado radicalmente diferente do
atual.
Aqueles que se identificam com os princí-
pios acima descritos têm, necessariamen-
te, um compromisso no sentido das mu-
danças necessárias para atingi-los.
A Ecologia Profundao apresenta fórmu-
las de atuação, mas defende a ação para as mu-
danças. "Os homens devem se colocar corajo-
samente no interior das sociedades, procuran-
do atuar segundo os princípios de solidarieda-
de ecológica." As próprias comunidades e so-
ciedades estabelecerão seus códigos de ética
e padrões de qualidade de vida (VanDeVeer e
Pierce, 1993; Devall e Sessions, 1993).
A Ecologia Profunda faz-se intensamente
presente no movimento ambientalista interna-
cional, com influência até mesmo em políti-
cas governamentais.
Elementos para uma
Ética Socioambiental
com ênfase na solidariedade
e na sustentabilidade
Muitos autores consideram a atual raciona-
lidade econômica, estabelecida em âmbito
global, ineficaz para tratar dos problemas
socioambientais do mundo contemporâneo;
mais grave ainda, a racionalidade atual tem
sido responsabilizada pela maior parcela des-
ses problemas. Boff sintetiza essa idéia ao afir-
mar que "a lógica que explora as classes e sub-
mete os povos aos interesses de uns poucos
países ricos e poderosos é a mesma que depre-
da a Terra e espolia suas riquezas, sem solida-
riedade para com o restante da humanidade e
3
Arne Naess, principal teórico da Ecologia Profunda, é filósofo e psicólogo. Dessa forma, o conceito de auto-realização vem da psicologia e de
seu arcabouço conceituai (Graf, 2000).
para com as gerações futuras" (Boff, 1996: 11).
Diante do exposto, cresce a relevância da Éti-
ca Ambiental, tanto para a compreensão da
generalizada crise Socioambiental quanto para
a proposição de concepções para sua supera-
ção. Nessa perspectiva, embora sejam inegá-
veis os avanços da economia ambiental,
4
as
correntes de pensamento fundamentadas na
Ecologia Profunda e na Ecologia Socialm
agregado um maior número de adeptos e me-
recido maior atenção na fundamentação de
possíveis saídas para a atual crise.
Destaca-se a existência de um profundo
debate entre a Ecologia Profunda, criticada
como utópica, e a Ecologia Social, considera-
da excessivamente racionalista e materialista.
Entretanto, muitos pesquisadores apontam os
princípios de ambas as correntes como funda-
mentais para um mundo mais justo, harmôni-
co e ambientalmente sustentável (Boff, 1996,
1999a, 1999b; Capra, 1982, 1996; Hargrove,
1996; Schumacher, 1977; Yu-Shi, 1994, entre
outros). Nesse sentido, a composição entre os
elementos e os valores dessas duas correntes
apresenta um grande potencial na proposição
de concepções políticas e mudanças compor-
tamentais voltadas para a sustentabilidade
Socioambiental.
Alguns elementosm sido destacados
como fundamentais para qualquer proposta
ampla para as dinâmicas sociais com vistas à
sustentabilidade Socioambiental, entre eles se-
o aqui destacados alguns, selecionados e
agrupados a partir da análise de Graf (2000):
Caracterização da crise Socioambiental da
atualidade como de fundo ético e politico.
3
Destaque aos valores humanitários e eco-
lógicos mais universais como: paz, não-vio-
lência, respeito, honestidade, liberdade hu-
mana inserida nos limites naturais, igualda-
de, fraternidade, bondade, humildade e
compaixão.
Solidariedade planetária objetivando a
harmonia entre os seres humanos e destes
com as demais espécies; relativização do
antropocentrismo em favor do ecocen-
trismo; satisfação individual vinculada à
satisfação coletiva; manutenção da dinâ-
mica natural; banimento da exclusão, da
intolerância e dos preconceitos (raciais, de
gênero, de idade, de opções culturais, se-
xuais, entre outros).
Valoração da educação abrangente e plu-
ral e da busca da auto-realização ou da ma-
turidade.
Busca de compreensão profunda dos pro-
blemas atuais a partir de abordagens sistê-
micas, considerando a complexidade das
situações.
Solidariedade inter-geracional; busca de
perspectivas de longo prazo centradas nas
possibilidades das futuras gerações e da
sustentabilidade, garantia de reprodu-
tividade da produção humana da dinâmi-
ca natural, minimização do uso de recur-
sos não-renováveis.
Dissociação do consumo como parâmetro
fundamental do conceito de qualidade de
vida, austeridade, atendimento das neces-
sidades básicas; redução dos fluxos materi-
ais e energéticos, respeito à capacidade de
suporte do meio; redução das escalas de
produção; emprego de tecnologias brandas
e ecológicas; minimização da geração de
resíduos (maximização da vida útil dos pro-
dutos, da reutilização e da reciclagem); ma-
nejo agrícola apropriado (policultura, téc-
nicas agroecológicas, agricultura orgânica,
agrofloresta e permacultura) e de baixa in-
tensidade energética; destaque às ativida-
des humano-intensivas em substituição a
tecno-intensivas e energo-intensivas; valo-
rização do trabalho humano criativo.
Prevenção das influências ambientais: prin-
cípios da precaução e da mínima interferên-
cia; conservação e proteção dos ecossis-
temas e recuperação de áreas e sistemas
degradados.
Gestão e planejamento descentralizado das
* Ramo da economia voltado para a concepção de instrumentos econômicos de gestão ambiental e de mecanismos de valoração dos recursos
naturais e internalização dos custos ambientais decorrentes das atividades humanas (Graf. 2000).
'Alguns filósofos acrescentam ainda as raízes psicológicas e espirituais (Graf, 2000).
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
atividades humanas; priorização de transpor-
te coletivo e de baixo impacto (ciclovias etc);
rígido controle da qualidade ambiental da
água e do ar; preocupação com as caracterís-
ticas estéticas do ambiente; harmonização
entre os ambientes urbano e rural.
1
Exercício pleno da cidadania, participação
política ativa, democracia ampla e direta;
eqüidade e justiça social, minimização gene-
ralizada das hierarquias; estímulo à coope-
ração eo à competição; adoção de estilos
de vida comunitários em detrimento das
concepções estritamente individualizadas e
privadas; valorização do caráter público; res-
peito e valorização da diversidade cultural.
Bibliografia
ALMEIDA, M. W. B. de. As reservas extrativistas e o valor da
biodiversidade. In: ARNT, R. A. (Ed.). O destino da flores-
ta: reservas extrativistas e desenvolvimento sustentável
na Amazônia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p.
259-276.
BOFF, L. Dignitas Terrae - Ecologia: grito da terra, grito dos
pobres. 2. ed.o Paulo: Ática, 1996.
. Ética da vida. Brasilia: Letraviva, 1999a.
. Saber cuidar, ética do humano - compaixão
pela terra. Rio de Janeiro: Vozes, 1999b.
BUARQUE, C. A desordem do progresso - o fim da era dos
economistas e a construção do futuro. 3. ed. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1990.
CAPRA, F. A teia da vida.o Paulo: Cultrix, 1996.
DEVALL, B.; SESSIONS, G. Deep Ecology. In: VANDEVEER,
D.; PIERCE, C. (Eds.). The environmental ethics andpolicy
book: philosophy, ecology. economics. Belmont:
Wadsworth, 1993. p. 215-20.
DRYSEK, J. S.; LESTER, J. P Alternative views of the
environmental problematic. In: LESTER, J. P. (Ed.).
Environmental politics and policy. theories and evidence.
Durham: Duke University Press, 1989. p. 314-30.
FERNANDES, A. J. Implicações ambientais do marketing con-
temporâneo. Tese (Mestrado) - Santa Bárbara d'Oeste:
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produ-
ção da Universidade Metodista de Piracicaba - PPGEP/
Unimep, 2001.
FERRE, F; HARTEL, R Ethics and environmental policy; -
theory meets practice. Athens: The University of Geórgia
Press, 1994.
FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da
Língua Portuguesa. 3. ed. Totalmente revista e ampliada.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FIGUEIREDO, R J. M. The Brazilian environmental debate:
conceptual elements and controversial questions. Texto
produzido na University of Geórgia - UGA, 1997.
The time between ecology and economy. XVIII
Meeting of Production Engineering (Enegep-98) and IV
International Congress of Industrial Engineering - Univer-
sidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, set. 1998.
Sustentabilidade ambiental: aspectos
conceituais e questões controversas. Texto preparado por
ocasião da palestra "Noções de Sustentabilidade e Meio
Ambiente", proferida em 19 de julho 2001, em Brasília, a
. convite do Ministério da Educação, como parte do Pro-
grama Conheça a Educação. Brasília: 2001.
GALLO, S. (Coord.). Ética e cidadania: caminhos da filosofia.
5. ed. Campinas: Papirus, 1999.
GRAF, R. Ética e política ambiental: contribuições da ética
ambiental às políticas e instrumentos de gestão ambiental.
Tese (Mestrado) - Santa Bárbara d'Oeste: Programa de
Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universi-
dade Metodista de Piracicaba - PPGEP/Unimep, 2000.
GRAF, R.; FIGUEIREDO, R J. M. A ética como fundamento da
gestão ambientat. desafios para a produção em um novo
paradigma. XIX Encontro Nacional de Engenharia de Pro-
dução (XIX Enegep) e V International Congress of Indus-
trial Engineering - Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (UFRJ). Rio de Janeiro, 1-4 nov. 1999.
GRAY, E. D. Come inside the circle of creation: the ethics of
attunement. In: FERRE, F. HARTEL. R (Eds.). Ethics and
environmental policy. theory meets practice. Athens: The
University of Geórgia Press, 1994. p. 21-41.
HARGROVE, E. C. Foundations of environmental ethics.
Denton: Environmental Ethics Books, 1996.
HERCULANO, S. C. Do desenvolvimento (in)suportável à so-
ciedade feliz. In: GOLDENBERG, M. (Coord.). Ecologia,
ciência e política. Rio de Janeiro: Revan, 1992. p. 9-48.
NAESS, A. Self-realization: an ecological approach to being in
the world. In: VANDEVEER, D.; PIERCE, C. (Eds.). The
environmental ethics andpolicy book: philosophy, ecology,
economics. Belmont: Wadsworth, 1993. p. 222-6.
NOVAIS, A. et al. Ética.o Paulo: Companhia das Letras/
Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
SCHUMACHER, E. F. O negócio é ser pequeno: um estudo de
economia que leva em conta as pessoas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1977.
VALLS, A. L. M. O que é ética. 9. ed. (1. reimpr.),o Paulo:
Brasiliense, 1995.
VANDEVEER, D.; PIERCE, C. The environmental ethics and
policy book: philosophy, ecology, economics. Belmont:
Wadsworth, 1993.
WOLF, C. Markets, justice, and the interests of future
generations. Ethics and the Environment, 1 (2): 153-75,
1996.
YU-SHI, M. Evolution of environmental ethics: a chinese
perspective. In: FERRE. F; HARTEL, R (Eds.). Ethics and
environmental policy. theory meets practice. Athens: The
University of Geórgia Press, 1994. p. 43-57.
SIMPÓSIO 4
FORMAÇÃO DE PROFESSOR
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
METODOLOGIAS E PROJETOS
DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho
Lucila Pinsard Vianna
Tornar-se educador ambiental:
mitos de origem, vias de acesso
e ritos de entrada
Isabel Cristina de Moura Carvalho*
Emater/RS
Resumo
Este texto destaca algumas conclusões da pes-
quisa de tese de doutorado intitulada A invenção
do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em Edu-
cação Ambiental, defendida na UFRGS, em 2001, e
está voltado para os caminhos de identificação e
construção da imagem do educador ambiental. A
partir de um referencial interpretativo, discutem-
se os caminhos percorridos por trajetórias profis-
sionais no campo ambiental. Para identificar os
momentos-chave das trajetórias de profissio-
nalização em Educação Ambiental, destacaram-se
Introdução
A questão da identificação nunca é afirmação
de uma identidade pré-dada,
nunca uma profecia autocumpridora - é
sempre a produção de uma imagem de
identidade e a transformação do sujeito
ao assumir aquela imagem.
H. K. Bhabha, O local da cultura, 1998.
Para abordar o tema da formação de profes-
sores em Educação Ambiental, parto de dois pres-
supostos. O primeiro é que a formação de profes-
sores comporta uma dimensão que transcende os
objetivos programáticos dos cursos e as
metodologias de capacitação. Trata-se da forma-
ção de uma identidade pessoal e profissional.
Dessa forma, quaisquer que sejam esses progra-
mas e essas metodologias, eles devem dialogar
com o mundo de vida dos(as) professores(as),
os "mitos de origem", as "vias de acesso" e os "ritos
de entrada", por meio dos quais um profissional se
torna um "educador ambiental". Este texto também
explora os processos de construção identitária acio-
nados pela correspondência a um ideal de sujeito
ecológico, que se expressa num perfil de profissio-
nal ambiental, bem como na assimilação de um
código de posturas e valores do campo ambiental
(um ethos e um habitus do campo), que torna pos-
sível ser reconhecido pelos pares como um educa-
dor ambiental.
com seu imaginário, suas condições de existên-
cia e suas expectativas e experiências sociais, sob
pena de serem recebidos como uma tarefa a mais,
entre tantas que tornam o cotidiano do professor
um sem-fim de compromissos. O outro pressu-
posto é que, quando falamos de Educação
Ambiental, estamos nos referindo a um projeto
pedagógico herdeiro direto do ecologismo. Cons-
titui parte de um campo ambiental e perfila em
sua esfera de ação um sujeito ecológico.
Ao estudar as trajetórias pessoais e profissio-
nais de um grupo de educadores ambientais, em
minha tese de doutorado denominada A inven-
ção do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em
Educação Ambiental (UFRGS, 2001), uma das
questões que orientaram a análise dizia respeito
aos caminhos de identificação e construção da
imagem do educador ambientai. Dessa preocu-
pação derivaram perguntas do tipo: como, no
curso de uma trajetória profissional, se processa
esse decidir-se pelo ambiental? Quais as vias pe-
' Psicóloga, doutora em Educação, assessora da Emater/RS.
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
las quais seo o acesso, a opção ou a conversão
ao ambiental? Quais as conseqüências dessa op-
ção sobre a experiência passada do sujeito? Como
se reconfiguram, no campo ambiental, outras ex-
periências profissionais e existenciais?
No horizonte do que denominei "sujeito eco-
lógico", abre-se uma série de frentes de ação.
Como discuti, ao longo da tese, a militância, ao
ser incorporada como habitus, parece atraves-
sar as opções profissionais, gerando uma forma
particular de ser um profissional ambiental. Para
identificar os momentos-chave das trajetórias de
profissionalização em Educação Ambiental, des-
taquei três cortes significativos: mitos de origem,
vias de acesso e ritos de entrada. A referência aos
conceitos de mito e rito tem aqui um valor so-
bretudo metafórico, na medida em que remetem
às passagens - como ações simbólicas - que fun-
dam a identidade narrativa do sujeito ecológico
(no caso do mito) e definem o hétero e auto-re-
conhecimento do profissional da Educação
Ambiental (no caso do rito).
1
Os mitos de ori-
gem integram um processo de (re)constituição
de sentido, isto é, a instauração de uma raiz re-
mota da sensibilidade para o ambiental, reen-
contrada e ressignificada a posteriori.
As vias de acesso conduzem aos ritos de en-
trada, remetendo aos caminhos de aproximação
e à ultrapassagem de certa fronteira de conver-
o pessoal e/ou reconversão profissional, a par-
tir do qual ocorrem a identificação com um
ideário ambiental e a opção por esse campo
como espaço de vida e de profissionalização.
Essas maneiras de entrar no campo e construir
uma identidade ambientalo parte dos ritos de
entrada e ajudam a iluminar os desdobramen-
tos que dizem respeito, especificamente, aos
trânsitos em direção ao campo ambiental, aos
lugares profissionais aí disponibilizados (concur-
sos na universidade, diferentes modalidades de
contratações em organizações não-governamen-
tais, prestação de serviços em diferentes insti-
tuições etc.) e a negociação dos capitais simbó-
licos e culturais (Bourdieu, 1989) anteriores ao
novo status do profissional/educador ambiental.
Relembramos, aqui, uma asserção básica
da qual partimos: o educador ambiental é um
caso particular do sujeito ecológico e, sendo
assim, integra essa identidade maior, atuali-
zando-a em algumas de suas possibilidades.
Issoo significa, como veremos, que partilhar
dessa identidade ecológica seja um pré-requi-
sito para se tornar educador ambiental. Em
vários casos, o caminho pode ser o inverso, ou
seja, da Educação Ambiental para a identida-
de ecológica. A Educação Ambiental tanto
pode ser fruto de um engajamento prévio
quanto se constituir num passaporte para o
campo ambiental. Dessa forma, identificar-se
como sujeito ecológico e tornar-se educador
ambiental podem ser processos simultâneos,
no sentido simbólico, mas podem estruturar-
se em diferentes tempos cronológicos (tornar-
se um sujeito ecológico a partir da Educação
Ambiental ou vice-versa). Isso repõe a ques-
o da diferença entre um cronos linear,
mensurável e cumulativo - que direciona a fle-
cha do tempo num sentido irreversível em que
o passado define o presente e encadeia o futu-
ro como conseqüência das ações passadas - e
um tempo experiencial, em que o passado
pode ser ressignificado pelo presente ou por
uma expectativa em relação ao futuro.
Mitos de origem: a trama
das sensibilidades
É nesse sentido que poderíamos conside-
rar a construção dos mitos de origem como
uma estrutura que encontramos nos relatos bi-
1
Existe uma ampla contribuição da Antropologia sobre esses conceitos, que, cada vez mais,m sido usadoso apenas para descrever as
sociedades tradicionais, mas sobretudo para explicar a sociedade contemporânea. Para efeito deste estudo, faço uso da definição de ritual
proposta por Kertzer (1987: 9): "comportamento simbólico que é padronizado e repetitivo", presente em todas as culturas, bem como da
discussão sobre seus efeitos na política e no poder das sociedades contemporâneas. Importante ainda, para a nossa reflexão, é a evocação
do símbolo como elemento que prove de conteúdo o ritual e suas propriedades: a) condensação do significado; b) multivocalidade e c)
ambigüidade, ressaltadas pelo autor. Sobre o conceito de mito, vale lembrar que. a partir de Lévi-Strauss. tem sido definido como sistema de
signos ou ainda "expediente cognitivo usado para reflexão das contradições e princípios subjacentes em todas as sociedades humanas"
(Outhwaite e Bottomore. 1996: 470), de modo que, assim como a noção de ritual, passou a ser identificado como atributo de todas as
sociedades e parte da vida contemporânea.
ográficos, na qual o sujeito que narra injeta
uma linha de sentido desde o presente - em
que, possivelmente, também assume papel
importante o ideal do sujeito ecológico, no
sentido de um dever ser, que remete a um fu-
turo utópico e atemporal - em direção ao pas-
sado, conectando-os e, desse modo, identifi-
cando lá as raízes remotas do que ocorreu de-
pois. É nessa reconfiguração da experiência à
luz dos entrecruzamentos do tempo vivido e
rememorado que os entrevistados situam-se
como ativos construtores de suas biografias
pessoais e da identidade narrativa do educa-
dor ambiental.
Para esses entrevistados, o encontro com
uma natureza boa e bela emerge como núcleo
forte de suas memórias longínquas, que ga-
nham a forma do que descrevemos anterior-
mente como um mito de origem. Entre esses
momentos,o investidas de forte sentido
identitário as memórias infantis, como "a fa-
zenda em Mato Grosso"; "o pé de manga-rosa
no quintal"; "os sapos, as borboletas e as pere-
recas dos tempos de infância em uma cidade
do interior"; "a paixão pelos insetos"; "as
joaninhas do jardim de casa"; "o quintal rural
da casa urbana"; "os acampamentos, o alpinis-
mo e o montanhismo na juventude".
Esses mitos de origem, por sua vez,
revisitam certos elementos importantes que se
destacam, na composição de uma tradição
ambiental, demonstrando a sua vigência. O va-
lor da natureza como reserva estética e moral,
que se pode encontrar no naturalismo e nas
chamadas novas sensibilidades para com a na-
tureza, parece reeditar-se como espécie de me-
mória mítica dos educadores ambientais, re-
montando a um mito de origem do próprio
ecologismo. Como desenvolvemos em outros
momentos da pesquisa de tese, no ecologismo,
a natureza, como contraponto da vida urbana
e sua inscrição numa visão arcádica, aparece
combinada com o sentimento de contestação
romântico. O repúdio romântico à uniformi-
dade da razão, ao seu caráter instrumental e
ao individualismo racionalista pode ser obser-
vado em certas inspirações do ideal societário
ecológico, que se afirma como via alternativa
contra os ideais de progresso e de desenvolvi-
mento da sociedade capitalista de consumo.
É interessante observar que, para além das
memórias pessoais, essa sensibilidade natura-
lista para com as plantas e os animais pode ser
reencontrada como elemento de destaque na
vertente conservacionista do campo ambien-
tal. O movimento conservacionista, por sua
vez, é o ponto em relação ao qual se diferencia
o ecologismo, afirmando-se como movimento
social que, tendo uma crítica política,o se
restringe às ações de conservação da nature-
za, mas pretende transformar a sociedade. No
entanto, apesar dessa diferença, a visão ética
e estética que entende a natureza como por-
tadora de direitos e de valor em si mesma, que
vai além de sua utilidade para os humanos,
permanece como elemento de continuidade
entre esses dois movimentos dentro do cam-
po ambiental. A partir desse contraponto do
movimento ecológico, o conservacionismo se
mantém disponível como visão de mundo que
informao apenas ações de mobilização con-
tra o desaparecimento de espécies, a proteção
dos animais etc, mas também é particular-
mente evocado na ação do Estado, que tende
a identificar sua política ambiental com uma
política de proteção ambiental.
2
É possível notar certa descontinuidade en-
tre o discurso ambiental politizado - que, ao to-
mar o modus operandi conservacionista como
contramodelo, rejeita o enaltecimento ingênuo
Observando as primeiras décadas do século XX, verifica-se que a história das ações sobre o meio ambiente, no Brasil, ó feita por decisões
governamentais de caráter conservacionista.o tratados e legislações que visam proteger os recursos naturais, como, em 1895, o tratado
de proteção a um tipo de garça, antes exportada para manufatura de roupas e ornamentos; o tratado de proteção de aves úteis para a
agricultura (1921); o Código de Águas e Minas, o Código Florestal e o Código de Caça e Pesca, todos de 1934; e a criação do primeiro
parque nacional, em Itatiaia, em 1937. entre outros. Ao reiterar o sentido conservacionista do ambiental, o Estado colabora com o isolamento
da política ambiental das decisões dos setores econômicos que estão definindo o modelo de desenvolvimento no pais. Isso tem sido critica-
do pelos setores ambientalistas que gostariam de ver a adoção de uma perspectiva Socioambiental regulando o conjunto das ações de
desenvolvimento.
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
da natureza - e a vigência de uma ética e estéti-
ca naturalista, que se perpetua no imaginário
dos sujeitos ecológicos. É algo dessa sensibili-
dade que emociona e constitui a identificação
com a luta ambiental para muitos. Esse foi um
ponto de inflexão recorrente nas narrativas que
recolhemos, nas quais os entrevistados, ao nar-
rarem sua história, relacionaram as raízes mais
remotas de sua vinculação com a questão
ambiental a uma sensibilidade com a natureza,
presente em sua experiência de vida. Muitos
localizaram essa experiência na infância, mas
outros, em momentos da vida adulta anterio-
res a seu engajamento no campo ambiental.
Assim, o que, no debate das idéias e nos con-
frontos ideológicos, tende a contrastar com a
oposição naturalismo/conservacionismo versus
ecologismo/visão Socioambiental, no nível das
sensibilidades que constituem os sujeitos eco-
lógicos, parece estar bastante entrelaçado.
Rumo ao ambiental: vias
de acesso e ritos de entrada
Os acessos em direção ao ambientalo
múltiplos e passam por diferentes caminhos,
conforme mostram os percursos dos nossos
entrevistados. O encontro com a natureza, a
busca de novas soluções profissionais, as for-
mas de reorganizar crenças e ideologias, as
reconversões institucionaiso alguns dos
marcos reconstituídos nos relatos como mo-
mentos liminares,
3
em que o presente tende a
traduzir a experiência passada, como no mito
de origem, mas, ao mesmo tempo, o faz orien-
tado por uma expectativa voltada para um ho-
rizonte de possibilidades futuras, de acordo
com as regras do jogo e da illusio do campo
ambiental.
Considerando a idéia da viagem como me-
táfora dos deslocamentos existenciais, da
reinvenção do outro e da recriação de si, to-
mamos, como vias de acesso, alguns percur-
sos que podem ser descritos como: do exterior
para o ambiental; da interioridade do sujeito
para o ambiental; da luta contra a ditadura
para o ambiental; da engenharia para o am-
biental; da educação popular para o ambiental.
Esses percursosoo excludentes e, fre-
qüentemente, se superpõem. Outras vezes,
entrecruzam-se na trajetória de um mesmo
sujeito. Se os destacamos, é apenas para efei-
to de dar centralidade ao que, em cada um
desses trânsitos, se evidencia como eixo de
uma experiência refigurada.
Como aparece em vários depoimentos, fa-
zer Educação Ambientalo garante uma iden-
tidade pacífica de educador ambiental ou, pelo
menos, construída com certa homogeneidade,
como se poderia supor em outros campos mais
consolidados. Ser educador ambiental é algo
definido sempre provisoriamente, com base em
parâmetros que variam segundo o informante
e suas filiações, moldando-se de acordo com a
percepção e a história de cada sujeito ou grupo
envolvido com essa ação educativa. É uma iden-
tidade que comporta um espectro de variações
na sua definição e apresenta um gradiente de
intensidade de identificação - identidade ple-
namente assumida como destino escolhido,
identidade em progresso como algo a ser alcan-
çado, identidade negada ou secundarizada, no
processo de negociação, entre outras possibili-
dades e escolhas do sujeito. Essa dinâmica pa-
rece apontar, tanto para um campo historica-
mente novo, quanto para sua natureza multi-
disciplinar, condições que tornam mais difíceis
a legitimidade e o reconhecimento social de
uma nova identidade profissional, deixando
grandes margens para esses gradientes de iden-
tificação, bem como uma grande mobilidade
entre eles. Pode-se atuar profissionalmente de
diversas maneiras e a partir de várias especiali-
zações no campo ambiental, e fazer Educação
Ambiental pode ser uma opção entre outras ou,
simultaneamente, com outros fazeres am-
1
0 conceito de üminaridade (liminality) é usado por Victor Turner para designar a fase intermediária do rito de passagem - compreendido como
tendo três fases: separação, margem ou limen e reintegração. Os estados e os processos liminareso marcados pela ambigüidade, pela
suspensão das normas e dos valores da ordem anterior e ainda pelao incorporação plena das e dos valores da ordem da ordem para qual
se está fazendo a transição, o estado liminar é o de estar entre dois mundos simbólicos (cf. Turner, 1978).
bientais. Nesse contexto, as atuações profissio-
nais no campo ambiental, excluindo-se aque-
las que exigem alta especialização técnica, ten-
dem a favorecer o trânsito e mesmo a invenção
de novas modalidades e perfis profissionais.
Finalmente, cabe lembrar que, se a constru-
ção de uma prática educativa nomeada como
Educação Ambiental e a identidade profissio-
nal de um educador ambiental a ela associada
o parte dos movimentos de estruturação do
campo ambiental, a Educação Ambiental esta-
rá submetida aos efeitos da censura
4
exercidos
por esse campo. Essa é a fronteira que define
um certo universo de sentidos possíveis, cir-
cunscrevendo o que é pensável ambiental-
mente e, por conseguinte, o que, nesse campo,
se torna impensável ou indizível.
Educação Ambiental:
identidade política e
revolução epistemologia
Dentro do universo amplo do sujeito ecoló-
gico,o múltiplos os caminhos, as vias de aces-
so e os ritos de entrada pelos quais esse sujeito
pode se tornar um educador ambiental. As con-
dições do percurso da própria Educação
Ambiental apontam para uma área recente, em
que, como em todo campo ambiental, sobre-
põem-se as marcas de um movimento social e
as de uma esfera educativa epistemologicamente
fundamentada e institucionalmente organizada.
Nesse contexto, vimos como a identidade de
educador ambiental está longe de ser uma iden-
tidade totalizante. Nomear-se educador
ambiental aparece ora como adesão a um
ideário, ora como sinônimo de um ser ideal ain-
dao alcançado, ora como opção de
profissionalização, ora como signo descritor de
uma prática educativa ambientalizada, combi-
nando, em diferentes gradações, as vias da
militância e da profissionalização num perfil
profissional-militante. Resulta disso que as for-
mas de se autocompreender e se apresentar que
daí surgem assumem o caráter de uma identi-
dade dinâmica, muitas vezes em trânsito, isto é,
uma identidade queo se fixa necessariamen-
te apenas em um dos pólos: profissional ou mi-
litante, por exemplo, tampouco ganha a forma
de uma identidade permanente e totalizante, no
sentido de subsumir outras auto-identificações
e filiações profissionais.
Um dos traços distintivos dessa identida-
de narrativa - conceito que pareceu ser o mais
adequado para destacar a dupla face social e
individual dessa construção identitária - é par-
tilhar, em algum nível, de um projeto político
emancipatório. A idéia de mudanças radicais
abarcao apenas uma nova sociedade, mas
também um novo sujeito, que se vê como par-
te dessa mudança societária e a compreende
como uma revolução de corpo e alma, ou seja,
uma reconstrução do mundo que inclui o mun-
do interno e os estilos de vida pessoal. Esse pa-
rece ser o elemento diacrítico que confere o
caráter promissor e sedutor do campo
ambiental e do saber que ele busca fomentar
em suas esferas de formação de especialistas,
publicações e teorização. A máxima registrada
por Huber (1985), de "mudar todas as coisas"
na dimensão política das práticas ambientais,
evoca uma transformaçãoo apenas políti-
ca, mas da política, isto é, da maneira de com-
preender, viver e fazer política, acenando com
novos trânsitos e também com possíveis ris-
cos para a própria esfera política.
A Educação Ambiental no ensino formal,
por exemplo, tem enfrentado inúmeros desa-
fios, entre os quais poderíamos destacar o de
como se inserir no coração das práticas esco-
lares considerando sua condição de transver-
salidade. Afinal, como ocupar um lugar na es-
trutura escolar, considerando essa espécie de
não-lugar, que é a transversalidade? Para a
Educação Ambiental constituir-se como temá-
tica transversal, ela pode tanto ganhar o signi-
ficado de estar em todo lugar, quanto, ao mes-
mo tempo,o pertencer a nenhum dos luga-
res já estabelecidos na estrutura curricular que
* Os campos sociais, segundo Bourdieu, exercem um efeito de censura (1989:165), no sentido de limitar o universo dos discursos que nele se
produzem a um universo de enunciados possíveis de serem ditos no âmbito da problemática particular daquele campo.
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
organiza o ensino. Além disso, como ceder à
lógica segmentada do currículo, se a Educação
Ambiental tem como ideal a interdisciplinari-
dade e uma nova organização do conhecimen-
to? Em outras palavras, poderíamos dizer que,
como herdeira do movimento ecológico e da
inspiração contracultural, a Educação Ambien-
tal quer mudar todas as coisas. A questão é sa-
ber como e por onde começar e quais os me-
lhores caminhos para a efetividade dessa re-
construção da educação. Diante de um proje-
too ambicioso, o risco é o da paralisia dian-
te do impasse do tudo ou nada: ou mudar to-
das as coisas, ou permanecer à margem, sem
construir mediações adequadas.
Do meu ponto de vista, valeria a pena ter
como indicador de validade de um processo
em Educação Ambiental a sua capacidade de
gerar experiências significativas de aprendiza-
doo apenas pessoal ou grupai, no caso dos
professores e alunos, mas, sobretudo, que
incidisse também em mudanças na estrutura
da escola, denotando algum tipo de mudança
no aprendizado institucional. Isso significa
tomar a sério a noção de aprendizagem, enten-
dida como processo capaz de operar mudan-
ças cognitivas importantes tanto nos indivídu-
os e grupos, quanto nas instituições. Talvez,
dessa forma, a Educação Ambiental consiga
sair de seu lugar muitas vezes situado à mar-
gem da escola (atividades extraclasse, que
ocorrem no tempo "livre" dos professores e
alunos, por exemplo), para ter alguma ação de
transformação sobre o que poderíamos cha-
mar de "núcleo duro" da formação dos profes-
sores e da organização das práticas escolares.
Como sabemos, o debate ambiental aindao
chegou aos cursos de formação de professo-
res, tampouco tem conseguido estar presente
nos momentos-chave da organização do tra-
balho educativo na escola, como, por exemplo,
na definição dos projetos pedagógicos, dos pla-
nos de trabalho, do uso do tempo em sala de
aula, do planejamento da escola, da distribui-
ção das atividades no tempo remunerado dos
professores.
Bibliografia
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas.o Pau-
lo: Perspectiva, 1987.
. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. Co-
leção Memória e Sociedade.
. Razões práticas: sobre a teoria da ação.
Campinas: Papirus, 1996a.
. A economia das trocas lingüísticas: o que
falar quer dizer.o Paulo: Edusp, 1996b.
CARVALHO, I. C. M. A invenção do sujeito ecológico: sen-
tidos e trajetórias em Educação Ambiental. 2001. Tese
(Doutorado) - UFRGS/PPGEDU. Porto Alegre.
HUBER, J. Quem deve mudar todas as coisas: as alterna-
tivas do movimento alternativo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985.
KERTZER, D. I. Ritual, politics & power. New Haven: Yale
University Press, 1987.
OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T Dicionário do pensa-
mento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1996.
TURNER, V. O processo ritual: estrutura e antiestrutura.
Petrópolis: Vozes, 1974.
TURNER, V.; TURNER, E. Image and pilgrimage in
Christian Culture. New York: Colúmbia University Press,
1978.
Formação em meio ambiente
para o ensino formal:
uma proposta de formação
continuada em serviço
para as séries finais
do Ensino Fundamental
Lucila Pinsard Vianna
Coordenadora-Geral de Educação Ambiental - SEF/MEC
O tema "Formação em Educação Ambiental"
é o eixo estratégico das propostas de implemen-
tação de processos de Educação Ambiental, con-
templado no art. 8º da Lei n° 9.795/99, que trata
da Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA):
Art. 8° - As atividades vinculadas à Política Na-
cional de Educação Ambiental devem ser desen-
volvidas na educação em geral e na educação
escolar, por meio das seguintes linhas de atua-
ção inter-relacionadas:
I - capacitação de recursos humanos;
II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e
experimentações;
III - produção e divulgação de material edu-
cativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
[...]
§ 2º A capacitação de recursos humanos voltar-
se-á para:
I - a incorporação da dimensão ambiental na
formação, especialização e atualização dos
educadores de todos os níveis e modalidades
de ensino;
II - a incorporação da dimensão ambiental na
formação, especialização e atualização dos
profissionais de todas as áreas;
III - a preparação de profissionais orientados
para as atividades de gestão ambiental;
IV - a formação, especialização e atualização
de profissionais na área de meio ambiente;
V - o atendimento da demanda dos diversos
segmentos da sociedade no que diz respeito à
problemática ambiental.
§ 3º As ações de estudos, pesquisas e experimen-
tações voltar-se-ão para:
I - o desenvolvimento de instrumentos e
metodologias, visando à incorporação da di-
mensão ambiental, de forma interdiscipli-
nar, nos diferentes níveis e modalidades de
ensino;
II - a difusão de conhecimentos, tecnologias
e informações sobre a questão ambiental;
III - o desenvolvimento de instrumentos e
metodologias, visando à participação dos in-
teressados na formulação e execução de pes-
quisas relacionadas à problemática ambiental;
IV - a busca de alternativas curriculares e
metodológicas de capacitação na área
ambiental; [...]
Quando falamos de formação de professo-
res, podemos estar nos referindo tanto à forma-
ção inicial como à formação em serviço (PNEA
chama a formação em serviço de "atualização"
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de
formação continuada em serviço, conforme seu
art. 67, inciso II).
Este texto tem a finalidade de discutir uma
proposta da Coordenação-Geral de Educação
Ambiental (COEA) da Secretaria de Ensino Fun-
damental do MEC, para a formação continua-
da em serviço de professores das séries finais
do Ensino Fundamental no tema Meio Ambi-
ente. Antes de tudo, é importante contextualizar
essa proposta: ela faz parte do programa Parâ-
metros em Ação, da Secretaria de Educação
Fundamental do Ministério da Educação, que é
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
uma política pública do Governo Federal para
o desenvolvimento profissional em serviço dos
professores de todos os segmentos e modalida-
des do Ensino Fundamental. Nesse sentido, essa
proposta tem de ser entendida como uma ação
que exige a amplitude e a diversidade caracte-
rísticas de um país como o Brasil.
A pergunta que norteou a COEA na concep-
ção do programa foi: as propostas de formação
de professores em Educação Ambiental existen-
tes contribuem efetivamente para o exercício
dela no ensino formal? A referência básica des-
sa pergunta é o grande desafio, apresentado
para todos os educadores ambientais, de con-
cretizar processos permanentes, efetivos e de
qualidade de formação em serviço de profes-
sores para a prática de Educação Ambiental.
Quaiso esses desafios? Podemos dividi-
los em pelo menos cinco grandes blocos
temáticos.
O primeiro bloco reúne os desafios ineren-
tes aos princípios da proposta de Educação
Ambiental: tratamento interdisciplinar, sem
se constituir numa disciplina, permeando as
diferentes áreas de conhecimento;
1
promoção
de reflexões e sensibilização sobre as respon-
sabilidades de cada um e da coletividade na
garantia da qualidade de vida; aproximação
da realidade ambiental da escola; ações de in-
tervenção em parcerias com a comunidade,
para a comunidade e na comunidade; cons-
trução de valores, conhecimentos e atitudes
voltados para um modo de vida e ocupação/
uso do espaço capazes de conciliar justiça
social e conservação da natureza. A via-
bilização desses princípios da Educação
Ambiental (interdisciplinaridade, mudança
de valores e atitudes, acesso a conteúdos de
meio ambiente, intervenção na realidade por
meio de projetos, desenvolvimento de valo-
res éticos) implica planejamento e construção
de processos participativos e coletivos. Os
desafios de concretizar as propostas de Edu-
cação Ambiental se somam a outros desafios,
quando a sua implementação é nas escolas.
O segundo bloco de desafios diz respeito ao
contexto do universo das unidades escolares. Por
exemplo: como ela se organiza como espaço-
sico, qual a disponibilidade de materiais de qua-
lidade para leitura e pesquisa, se há proporção
apropriada na relação aluno-professor, se há
receptividade e apoio necessário da direção da
escola para implementar processos de Educação
Ambiental. Uma infra-estrutura física e institu-
cional das escolas, que propicie encontros e pla-
nejamento coletivo, acesso à informações, rela-
ção professor-aluno adequada para a constru-
ção de vínculos, apoio político institucional, é a
base para a realização, com sucesso, de proces-
sos de Educação Ambiental nas escolas.
O terceiro bloco diz respeito à fragilidade da
presença da Educação Ambiental nos sistemas
de ensino, situação que traz conseqüências di-
retas à prática da Educação Ambiental no con-
texto escolar. Apenas recentemente é que o
tema meio ambiente passou a ser pautado com
mais freqüência e sistemática nesses sistemas.
A promulgação da PNEA e a publicação dos PCN
contribuíram para abrir novos espaços institu-
cionais para o tratamento do tema, embora ain-
da incipientes, visto que a Educação Ambiental
aindao está incorporada à estrutura, às polí-
ticas e programas dos sistemas de ensino. Con-
seqüentemente, o trabalho de Educação
Ambiental assume um caráter esporádico e in-
termitente.
Ainda com relação aos sistemas de ensino,
o quarto bloco de desafios diz respeito às ques-
tões institucionais que geram desmotivação nos
educadores como, por exemplo, a situação de
desvalorização profissional vivida pelos profes-
sores, a situação salarial, a ausência, na carga
horária e no calendário escolar, de tempo para
formação permanente. Esse contexto traz difi-
culdades para a implementação de políticas de
formação continuada.
O quinto bloco refere-se à ausência do tema
meio ambiente na formação inicial desses pro-
fessores. Os cursos de bacharelado e licencia-
tura, em sua grande maioria,o incorporaram
' Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, referencial curricular lançado pela SEF em 1998. propõem o tema Meio
Ambiente como tema transversal a todas as disciplinas.
a Educação Ambiental às suas diretrizes cur-
riculares. Além disso, a formação inicial dos
professores ainda alimenta uma prática de en-
sino fragmentada e descontextualizada da rea-
lidade em que irão atuar. Essa situação acentua
a necessidade de formação em serviço dos pro-
fessores para trabalhar com o tema meio ambi-
ente, enfocandoo só questões metodo-
lógicas, como também o aprendizado dos con-
teúdos da temática.
Esses quadros de desafios criam obstáculos
para efetivar processos permanentes e de quali-
dade na formação em serviço em Educação
Ambiental. Entre esses obstáculos, há o desâni-
mo dos professores em enfrentar essas dificulda-
des e, conseqüentemente, as mudanças necessá-
rias tanto em sua prática de ensino diária, quan-
to nas instituições. Todos sabemos que mudança
é um processo longo e, muitas vezes, doloroso. É
necessário criar condições de sensibilização e
envolvimento para provocar mudanças nas insti-
tuições e nas pessoas. Uma política de formação
em serviço de professores que contemple a Edu-
cação Ambiental pode ser um dos caminhos para
incentivar essas mudanças.
A despeito desses desafios, hoje existem mui-
tas iniciativas de Educação Ambiental nas esco-
las, e a demanda é visivelmente cada vez maior.
Mas será que, voltando à pergunta inicial, a for-
mação de professores em Educação Ambiental
possibilita efetivamente sua prática, com quali-
dade e continuidade, no ensino formal?
Em 2000, a COEA, a fim de subsidiar sua
proposta de trabalho e de promover um es-
paço de participação e articulação da Edu-
cação Ambiental, promoveu a Oficina Pano-
rama da Educação Ambiental, para a qual
convidou 17 especialistas de organizações
não-governamentais e universidades.
2
Para
subsidiar o encontro, a COEA preparou um
diagnóstico preliminar sobre as característi-
cas dos projetos de Educação Ambiental nas
escolas.
A partir das discussões dos grupos de tra-
balho e das plenárias, foram traçados alguns
pontos comuns sobre a prática da formação de
professores, praticamente os mesmos detecta-
dos no diagnóstico preliminar realizado pela
COEA.o eles:
1. A duração dos cursos de formação é insu-
ficiente para disponibilizar conhecimentos
diversificados e específicos sobre meio
ambiente e elaboração de projetos.
2.o há apoio permanente aos professores
para sua ação docente.
3. É necessário o envolvimento, além dos pro-
fessores, de técnicos, gestores, diretores e
tomadores de decisão no processo de edu-
cação continuada.
4. É importante que tais formações propiciem
a superação da fragmentação das ações.
5. Os professoresom materiais de boa
qualidade disponíveis para o desenvolvi-
mento de seu trabalho com o tema.
6. Os cursos de formação em Educação
Ambiental para professoreso muitas ve-
zes descontextualizados da realidade da
escola e daquela em que está inserida.
Podemos acrescentar que tais cursoso
fazem uma reflexão sobre a problemática insti-
tucional dos sistemas de ensino para efetivar
políticas de formação em serviço, nem sobre a
problemática relacionada à fragilidade da Edu-
cação Ambiental nesses sistemas.
Ainda, entre os resultados dessa oficina, fo-
ram apontadas algumas orientações para pro-
postas de formação de professores: desenvol-
vimento da competência e capacidade de mu-
dança, risco e investigação; comprometimento
com a aprendizagem contínua; fortalecimento
da autonomia do professor para sua própria for-
mação; desenvolvimento da competência de
trabalhar e aprender em equipes cooperativas;
incentivar a aprendizagem profissional com
seus colegas; viabilizar a capacidade dos pro-
fessores para formar pessoas conscientes, soli-
dárias e capazes de aprender. Além disso, apon-
tou-se a necessidade de garantir institucio-
nalmente o tempo e as condições para o desen-
1
Esse encontro gerou uma publicação, Oficina Panorama da Educação Ambiental, disponível na Internet, no site <http://www.mec.gov.br/sef/
ambiental>
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
volvimento do trabalho coletivo, da formação
continuada e dos projetos.
A proposta de formação de professores em
meio ambiente da COEA - Programa Parâme-
tros em Ação - Meio Ambiente na Escola - con-
sidera os desafios apresentados anteriormente,
ou seja, lacunas na formação inicial; lugar de
Educação Ambiental nas instituições; contexto
da escola; dificuldades de apropriação de con-
teúdos e desenvolvimento de competências
para a prática de Educação Ambiental. Além
disso, seus princípios contemplam os pontos e
orientações resultantes da Oficina Panorama da
Educação Ambiental.
Programa Parâmetros
em Ação - Meio Ambiente
na Escola
O programa Parâmetros em Ação, política
pública da Secretaria de Educação Fundamen-
tal voltada para o desenvolvimento profissional
em serviço de professores, que vem sendo
implementada, desde 1999, em parceria com os
sistemas de ensino, tem como referências:
1. A importância de a formação de professo-
res em serviço ser contínua, evitando ações
fragmentadas e pulverizadas, garantindo
melhoria da qualidade do ensino. A conti-
nuidade tem mais possibilidades de se re-
alizar a partir de políticas públicas dos sis-
temas de ensino que tenham esse objeti-
vo, propostas e implementadas por meio
de uma organização de trabalho e de uma
equipe de formadores nas secretarias.
2. O entendimento de que o universo esco-
lar, como espaço - reconhecido pela socie-
dade - de aprendizagem planejada e siste-
mática, é privilegiado para a vivência, a re-
flexão e a discussão de referenciais éticos
necessários e constituidores de toda e
qualquer ação de cidadania. Também é um
espaço propício para incentivar ações de
intervenção.
3. A
consciência de queo promove a apren-
dizagem quemo a domina, nem cons-
trói conhecimentos significativos quem
o os possui, nem promove autonomia
quemo teve a oportunidade de cons-
truí-la.
4. A importância do desenvolvimento de
competências profissionais para a prática
do professor. O programa elegeu quatro
competências profissionais básicas: leitu-
ra e escrita; trabalho compartilhado; admi-
nistração da própria formação; reflexão da
prática pedagógica.
Os objetivos principais do programa, defi-
nidos a partir dessas referências, são: incenti-
var a prática de formação continuada no inte-
rior dos sistemas educacionais; fortalecer o pa-
pel das secretarias na formação dos professo-
res, evitando a fragmentação e a pulverização
das ações educacionais; favorecer a continui-
dade das ações de formação, incentivando o
estabelecimento de organização de trabalho e
de equipe de formadores nas Secretarias de
Educação; contribuir para o debate e a reflexão
sobre o papel da escola e do professor na pers-
pectiva do desenvolvimento de uma prática de
transformação da ação pedagógica; criar espa-
ços de aprendizagem coletiva, incentivando a
prática de encontros para estudar, trocar expe-
riências e realizar trabalho coletivo nas escolas;
colocar à disposição dos sistemas de ensino, de
forma organizada, os conteúdos e as
metodologias de formação.
A estratégia para atingir os objetivos do pro-
grama é a constituição de grupos de estudo de
professores, liderados por um coordenador. A
proposta é que os grupos de estudo discutam e
decidam coletivamente sobre situações apre-
sentadas aos professores no exercício de sua
profissão, adequando-se à realidade e às prio-
1
Atualmente, o conceito de competência é muito disseminado nas discussões entre educadores, porém sempre é válido retomá-lo: competên-
cia é a capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as
questões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de
trabalho. Nesse sentido, a construção das competências acontece a partir da articulação entre teoria e prática.
ridades das escolas.o se trata, portanto, de
um curso que tenha um fim. A idéia - e isso de
fato tem ocorrido - é que os professores tomem
gosto pelo estudo coletivo e conquistem o es-
paço institucional para sua realização, garantin-
do continuidade e freqüência dos encontros.
O programa Parâmetros em Ação vem ocor-
rendo há três anos e já atendeu a mais de 301
pólos, formou 21 mil coordenadores de grupo
e beneficiou cerca de 400 mil professores, em
2.600 municípios de todos os estados da Fede-
ração. Dentre os resultados qualitativos avalia-
dos pelo programa, destacamos o impacto nos
sistemas de ensino, quanto ao seu papel na pro-
moção de políticas de formação continuada e
quanto à construção de planos de carreira. Des-
tacamos também o favorecimento do desenvol-
vimento profissional e pessoal dos professores,
a intensificação do gosto pela construção cole-
tiva do conhecimento pedagógico e a criação
de novas possibilidades de trabalho em sala de
aula, aprimorando a qualidade da aprendiza-
gem. É importante ressaltar que esses resulta-
dos fortalecem o papel do educador como
organizador da sua formação.
Como podemos perceber, a proposta do
programa Parâmetros em Ação coaduna-se com
algumas das preocupações postas para a práti-
ca da Educação Ambiental nas escolas,
elencadas nos resultados da Oficina Panorama
da Educação Ambiental no Brasil, como as que
se referem à duração dos cursos de formação.
Nesse caso, comoo é um curso, o tempo dei-
xa de ser insuficiente. Entre as orientações pro-
postas pela oficina para formação de professo-
res em Educação Ambiental, podemos citar o
comprometimento com a aprendizagem contí-
nua, o fortalecimento da autonomia do profes-
sor para sua própria formação e o desenvolvi-
mento da competência de trabalhar e aprender
em equipes cooperativas, todas contempladas
pela proposta do programa, centrada na forma-
ção de grupos de estudo de professores.
O programa Parâmetros em Ação - Meio
Ambiente na Escola destina-se aos professores
das séries finais do Ensino Fundamental e am-
plia a parceria do MEC com as Secretarias de
Educação para o desenvolvimento do programa
Parâmetros em Ação. O programa traz consigo
uma preocupação adicional, que é o fato de que
a Educação Ambientalo está institucio-
nalizada nos sistemas de ensino, pois está au-
sente das políticas, programas e estruturas des-
ses sistemas. Essa preocupação permeia a pro-
posta do Parâmetros em Ação - Meio Ambiente
na Escola. Seus objetivos específicos são:
institucionalizar a Educação Ambiental nas
políticas de formação continuada em servi-
ço das Secretarias de Educação;
fortalecer os sistemas de ensino para o tra-
balho com Educação Ambiental;
propiciar a superação de visões parciais e
especializadas do mundo;
incentivar a adoção de valores éticos e soli-
dários que sirvam de base às relações soci-
ais e às relações com a natureza;
estimular o repensar do espaço, o convívio
escolar e a reflexão sobre o ambiente onde
a escola se situa;
estimular ações de intervenção por meio de
construção de projetos;
incentivar o domínio de conhecimentos
básicos que criem condições de apropria-
ção do repertório mínimo acerca das ques-
tões ambientais.
O programa Parâmetros em Ação - Meio
Ambiente na Escola tem algumas característi-
cas específicas em sua proposta:
1. Além da reflexão sobre a prática pedagógi-
ca, um dos objetivos do programa Parâme-
tros em Ação - Meio Ambiente na Escola
incentiva a reflexão sobre as atitudes e os
comportamentos diante do espaço e das
questões ambientais como conteúdos de
ensino e aprendizagem.
2. Abordagem de possibilidades de trabalho
do tema transversal Meio Ambiente nos
currículos e no desenvolvimento de proje-
tos de Educação Ambiental articulados ao
projeto educativo das unidades escolares.
3. Disponibilização de canais de comunica-
ção, de aquisição e aprofundamento de co-
nhecimentos sobre a questão ambiental.
4. Incentivo à pesquisa e à investigação, quer
seja em campo, por meio de estudos e di-
agnósticos, quer seja buscando conteúdos
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
conceituais, o que também contribui para
a autonomia profissional.
5. As discussões propostas pelo material so-
bre os conteúdos conceituais do tema
Meio Ambiente apontam divergências,
conflitos, posições e visões diferentes acer-
ca da questão, confrontando valores e re-
tratando a complexidade e a polêmica em
torno do tema. Assim, os professoresm
a possibilidade de construir suas próprias
percepções e posições em relação ao tema,
fortalecendo, assim, sua autonomia.
6. O conteúdo conceituai sobre o tema meio
ambiente, nas atividades propostas pelo
material, dialoga com todas as áreas de co-
nhecimento, propiciando a vivência da in-
terdisciplinaridade e construindo caminhos
para a construção da transversalidade. O
programa considera as representações, o
conhecimento e os pontos de vista do pro-
fessor como colaborações e contribuições
de cada um e de cada área de conhecimen-
to para o entendimento da questão
ambiental. O material incentiva o professor
a identificar, no corpo de sua disciplina,
conteúdos que expressam ou podem ex-
pressar entendimentos sobre o tema meio
ambiente e põem, em evidência, o campo
comum às áreas de conhecimento. A cons-
trução da interdisciplinaridade e da trans-
versalidade é fortalecida pela proposta de
trabalho em grupo, que estimula a troca de
informações, idéias e experiências, bem
como a construção coletiva de conheci-
mentos sobre a temática ambiental, a
vivência do tema como articulador entre as
áreas e a construção de propostas de Edu-
cação Ambiental para as escolas.
Para esse trabalho, o programa oferece um
material para o coordenador de grupo, que con-
m um guia sobre o qual se efetuarão os estu-
dos em grupo. O guia é composto por ativida-
des organizadas em módulos temáticos. Há
uma série de materiais de apoio a essas ativi-
dades, como, por exemplo, fitas de vídeo, CD-
ROM de legislação ambiental, mapa das
ecorregiões brasileiras, CD de músicas etc. Há
também - e isso é um diferencial dos materiais
propostos para as áreas de conhecimento pelo
programa Parâmetros em Ação - um kit para o
professor contendo diversos materiais informa-
tivos, que propiciam o aprofundamento dos
estudos, e também um guia para atividades em
sala de aula.
A proposta, com 115 horas de estudo, é de
formação de grupos de professores por escola.
É importante o envolvimento máximo de pro-
fessores, visto que a idéia é justamente cons-
truir espaços coletivos na escola, que propiciem
o planejamento e a construção de projetos
participativos e integradores de cada área de
conhecimento. Nesse sentido, o programa des-
tina-se a todos os professores, eo apenas
àqueles que trabalham com áreas de conheci-
mento mais diretamente relacionadas ao tema,
como, por exemplo, Ciências e Geografia. Essa
preocupação está presente no conteúdo e na
linguagem do material, bem como na proposta
de implementação que estabelece como crité-
rio o envolvimento de pelo menos 50% dos pro-
fessores das escolas.
O fato deo ser um curso incentiva a con-
quista de espaço da Educação Ambiental nas
ações educacionais e na política de formação
continuada das secretarias na escola. Os grupos
de estudo criam vínculos entre os professores e
abrem espaços para conquistas institucionais,
como o tempo remunerado para sua formação
em serviço. O trabalho em grupo estimula ain-
da o desenvolvimento de valores, como a soli-
dariedade e o respeito ao outro.
Nesse sentido, a proposta do programa Pa-
râmetros em Ação - Meio Ambiente na Escola
enfrenta os desafios para a prática da Educação
Ambiental nas escolas, bem como responde às
preocupações e incorpora as orientações da ofi-
cina. Um exemplo é a preocupação relacionada
à descontextualização da realidade da escola e
daquela em que ela está inserida, nos cursos de
formação em Educação Ambiental para profes-
sores. Essa preocupação é superada com a incor-
poração da Educação Ambiental na política de
formação das secretarias, bem como com a pro-
posta de construção de diagnósticos ambientais
do entorno da escola, presente no material do
professor, e com a proposta de construção de um
caderno de projetos por escola, permeando to-
das as atividades do Guia do Coordenador.
Outros exemplos, presentes nas orientações
para propostas de formação de professores, re-
ferem-se ao desenvolvimento da competência e
da capacidade de mudança, risco e investigação;
ao incentivo da aprendizagem profissional com
seus colegas; à viabilização da capacidade dos
professores para formar pessoas conscientes,
solidárias e capazes de aprender; à necessidade
de garantir institucionalmente o tempo e as con-
dições para o desenvolvimento do trabalho co-
letivo, da formação continuada e de projetos.
Todas essas orientações estão presentes na
proposta do programa, que favorece o espírito
de equipe, o trabalho em colaboração, o exer-
cício de autonomia e o tratamento da questão
ambiental de forma contínua, permeando o
cotidiano da escola. Além disso, as secretarias,
ao assumirem o programa, incorporam efeti-
vamente o tema meio ambiente em suas polí-
ticas de educação continuada.
O programa Parâmetros em Ação - Meio Am-
biente na Escola pode ser um indutor, nos siste-
mas de ensino, de uma proposta institucional de
política pública para o tratamento do tema meio
ambiente nas escolas, garantindo espaços nas
ações educacionais que resultem, finalmente, em
processos de formação de professores perma-
nentes, contínuos e de qualidade.
PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação
na Educação Ambiental - Fantasias
de uma autora
Léa Depresbiteris
Senac/SP
Resumo
Este trabalho apresenta as principais idéias da
autora sobre a avaliação na Educação Ambiental.
Para tornar o assunto mais interessante, o texto foi
elaborado de forma romanceada, com a participa-
ção das principais figuras do folclore, para discor-
rer sobre finalidades, critérios, instrumentos e for-
mas de avaliação.
Uma das principais idéias aqui expostas é a de
que o papel da avaliação da aprendizagem, na Edu-
cação Ambiental,o se pode caracterizar como o
desejo tradicional dos professores de atribuírem
uma nota aos alunos e de estes obterem-na para
conseguirem um certificado ou diploma. A avalia-
ção, em Educação Ambiental, da mesma forma que
a avaliação em todo o processo de ensino e apren-
dizagem, deve se distanciar dos paradigmas clás-
sicos que sempre a nortearam e buscar cumprir um
novo papel: o de auxiliar o aluno a identificar o sig-
nificado de seu aprendizado.
O texto apresenta, igualmente, as competên-
cias essenciais a serem desenvolvidas na formação
dos professores, com ênfase na dimensão do saber-
ser, o que nos exige vislumbrar além dos saberes e
do saber-fazer.
Os saberes indicam os conhecimentos neces-
sários para lidarmos com o meio ambiente em nos-
so cotidiano; o saber-fazer contempla as práticas
possíveis para que essa preservação possa ocorrer;
e o saber-ser é aquela dimensão pela qual o pro-
fessor se apresenta como mediador, visando ao es-
tímulo da reflexão do educando sobre sua respon-
sabilidade para com o meio ambiente.
SIMPÓSIO 4 - PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental - Fantasias de uma autora
Uma fantasia
Estavam presentes naquela reunião alguns
dos principais personagens do folclore brasilei-
ro. Andavam de um lado para o outro, tentando
se conhecer; afinal eram de diferentes regiões do
país, e muitoso haviam se encontrado antes.
-o entendo por que nos chamaram aqui
- disse o Saci-Pererê, um dos mais conhecidos.
- O que temos a ver com a Educação Ambiental?
-o sei - disse o Boi-Bumbá. -Talvez seja
porque, hoje em dia, fala-se muito da necessi-
dade de relacionar os múltiplos aspectos do
conhecimento: biológico, social, político, eco-
nômico e cultural.
- Muito intelectual, para meu gosto, essa
sua explicação - ironizou o Curupira. - Acho
que nos chamaram aqui porque o folclore, as-
sim como o meio ambiente, deve ser preser-
vado.s somos parte importante da cultura
do nosso país. Pelo folclore, um povo preserva
sua identidade.
- Para mim, a coisa é mais objetiva - pro-
nunciou-se a Mãe-d'Água. -Todo mundo está
preocupado com uma lei de Educação Am-
biental que abranja a Educação Infantil, o En-
sino Fundamental, o Ensino Médio, a Educa-
ção Superior, a Educação Especial, a Educação
de Jovens e Adultos, reforçando a responsabi-
lidade individual e coletiva da sociedade na
implementação e prática da Educação Am-
biental. Como estão preocupados, quiseram
nossa ajuda para trocar idéias.
- Nossa! Como vocês sabem das coisas -
admirou-se a Mula-sem-Cabeça. - Euo con-
sigo pensar em nada.
- Pudera! Sem cabeça, o que ela queria -
falou maldosamente o Lobisomem.
- Eu acho que posso ajudar muito. Enten-
do demais de preservação ambiental. No meu
pedaço, a região Norte, protejo os animais e as
árvores - o Curupira dirigiu sua fala para a
Mula-sem-Cabeça, interrompendo, assim, a
observação maldosa do Lobisomem.
-, na minha opinião - sorriu marotamente
o Boto de Água Doce -, fui convidado para sedu-
zir as pessoas a cuidarem melhor do meio ambi-
ente. Aliás, sou muito bom nisso. Transformo-
me em moço bonito e visito as mulheres quan-
do seus maridos, namorados, pais ou irmãoso
estão em casa. Daí é fácil (esfregou as mãos), é
só hipnotizá-las e fazer amor.
- E sempre as deixa grávidas - zombou a
Matintapereira, que muitos diziam ser uma
prima distante do Saci-Pererê, porque se apre-
senta como um velho ou uma velha que pula
em uma perna, opinião, aliás, com a qual
elao concordava, preferindo ser considera-
da uma coruja agourenta.
O Botoo gostou nada da ironia da
Matintapereira e partiu para cima dela deixan-
do até cair o chapéu que estava usando. As coi-
sas iam piorar,o fosse a intervenção do Saci-
Pererê, sempre muito brincalhão e astuto, que
chamou todos os presentes para ver um livro
que ele achara, com belas fotos da Terra.
- Eles certamenteo falar sobre o nosso
planeta - gabou-se o Saci por ter encontrado o
livro.
- É óbvio, não? - irritou-se o Curupira. -
Você já ouviu falar de Educação Ambiental que
o fale da Terra?
- Bem, mas eles certamenteoo falar
apenas dos aspectos naturais - opinou a Mula-
sem-Cabeça, que, mesmoo tendo cabeça,
pensava. Aliás, ela era um personagem interes-
sante, pois mesmo sem cabeça, as pessoas di-
ziam que ela relinchava, soltava chispas de
fogo pelas narinas e, às vezes, soluçava como
uma criatura humana.
- Hoje em dia, está cada vez mais viva a
idéia de que Educação Ambiental relaciona-se
à conscientização, ao conhecimento, à capa-
cidade de avaliação e à participação das pes-
soas - continuou a Mula, dando margem a que
alguns personagens do folclore se manifestas-
sem sobre suas concepções de meio ambiente
e de Educação Ambiental.
O Lobisomem lembrou-se de que a expres-
o "meio ambiente" era usada como sinôni-
mo de natureza, mas hoje, cada vez mais, está
incorporando os aspectos sociais e integran-
do o homem nesse contexto.
- Atualmente, a coisa está esquentando -
disse o Boi-de-Mamão, figura de Santa Cata-
rina, que é uma variação do Boi-Bumbá. -Ve-
jam que, no ensino formal, a Educação Am-
biental tem sido objeto de reflexão constante.
Algumas medidas importantes estão surgindo,
como a reorientação curricular, produzida pelo
Ministério da Educação, especificamente pela
Secretaria do Ensino Fundamental, por meio
dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Neles,
o meio ambiente aparece como um dos temas
transversais - completou o Boi-de-Mamão.
A conversa parecia estar interessando a to-
dos, quando foram interrompidos pela entra-
da da Pessoa em Carne e Osso, que destoava
do ambiente e logo deixou claro qual era o ob-
jetivo da reunião.
- Fico muito contente que todos vocês te-
nham comparecido a este encontro. Vim aqui
para que possamos conversar sobre um assun-
to específico: a avaliação na Educação Am-
biental. Vocês poderiam me ajudar nesta refle-
xão? - indagou de modo convidativo.
-Ajudar, a gente pode, mas primeiro eu te-
nho de saber o que é avaliação. Nunca ouvi fa-
lar nisso - disse com sinceridade o Curupira.
- Que bom você ter feito essa pergunta logo
de início - suspirou a Pessoa em Carne e Osso.
- Existem vários mitos e desvios com relação à
avaliação, e é sempre bom esclarecermos al-
guns deles. É preciso, por exemplo, distinguir
avaliar de medir. A medida dá a extensão de
alguma coisa, a avaliação julga o valor dessa
coisa e impulsiona na direção de sua melho-
ria. Dizem que a balança dá o peso, maso
diz se o objeto é de ouro ou de prata.
- Posso contar uma curiosidade? - pediu a
palavra Maricota, colega de festividades do Boi-
de-Mamão. Como era muito alta, chamou a aten-
ção de todos, principalmente do Curupira, anão
de cabeleira rubra, com oss inversos, ou seja,
com os calcanhares para a frente.
- Em altura - prosseguiu Maricota -, sou
maior do que o Boi-de-Mamão. Essa altura é
importante, porque minha função na festa é
dançar de braços abertos e ir distribuindo ta-
pas e afagos, para sempre manter a roda aber-
ta. Quando me mediram, viram minha exten-
são. Aliás, no folclore, a medida é parecida com
uma fita que representa o comprimento de
uma imagem de santo. As pessoas esticam a
fita da cabeça aoss da imagem e guardam
essa medida como amuleto. Cada medida de
santo ajuda em alguma coisa: a medida deo
Sebastião é para curar pestes e feridas, a deo
Brás, para curar engasgos, a de Santa Luzia,
para doenças nos olhos, a do Senhor do Bonfim
protege contra infelicidade.
- Que interessante! - exclamou a Pessoa em
Carne e Osso. - No processo de ensino e apren-
dizagem, a medida é a extensão daquilo que
os alunos aprenderam. Contudo, mediro é
avaliar, como muita gente pensa. Algumas pes-
soas acham que, só por estarem aplicando uma
prova, estão avaliando. A avaliação só ocorre
quando atribuímos um valor a essa medida e,
principalmente, se agimos na direção da me-
lhoria dos desempenhos queo foram alcan-
çados. Podemos medir sem avaliar, mas o con-
trárioo é possível. Apreciar algo antes de
medi-lo é meramente dar uma opinião. Assim,
quando digo que um aluno tirou nota dez,
quando questionado sobre fotossíntese, estou
simplesmente medindo; só avalio quando es-
tabeleço um julgamento para aquela medida.
- Por exemplo, dizer que o aluno pode pas-
sar de ano é uma avaliação? - perguntou o Saci,
girando em torno de si mesmo, vertiginosa-
mente.
- Em Educação Ambiental, issoo é im-
portante - respondeu o nosso personagem hu-
mano, ajeitando-se na cadeira. - A avaliação
deveria se afastar da idéia de medida dos co-
nhecimentos. Deveria, acima de tudo, verifi-
car se as ações desenvolvidas no ensino estão
provocando alguma melhoria na vida dos pró-
prios alunos e da comunidade na qual ele está
inserido.
- Mas, então,o se deve avaliar conteú-
dos? - perguntou a Matintapereira.
-o estou dizendo isso - incomodou-se
a Pessoa. - Estou mostrando o que é mais rele-
vante na Educação Ambiental. Deveríamos,
sim, avaliar conteúdos, pois, muitas vezes, as
pessoaso zelam pelo meio ambiente, por-
queo possuem informações básicas. Isso
o quer dizer que tenhamos de dar uma nota
ao aluno. Creio que é fundamental que os alu-
nos compreendam temas, como ecossistema,
hábitat, nicho ecológico, fotossíntese, cadeia
alimentar, cadeia de energia, porqueo esses
conceitos que fazem a ligação entre a ciência
e os problemas ambientais do cotidiano. O alu-
SIMPÓSIO 4 - PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental - Fantasias de uma autora
no precisa perceber a relação que existe entre
as espécies, verificar que nenhum ser vivo é ca-
paz de sobreviver e se reproduzir independen-
temente dos demais. O gafanhoto come as
plantas, mas é comido pelo rato, que será co-
mido pelo gato, e assim por diante.
- Eu estou com uma dúvida - disse o Lobi-
somem, levantando a pata. - Eu queria saber
como é que se julga alguma coisa.
- Boa pergunta - alegrou-se a Pessoa. - Para
avaliar, precisamos definir critérios. A palavra
critério vem do grego kritéríon, que quer dizer
separar, selecionar. O critério serve para jul-
garmos se houve alcance daquilo que deseja-
mos. Critérios, parâmetros, padrõeso ter-
mos usados em avaliação como sinônimos
para designar uma base de referência para jul-
gamento. A noção de referência vem do latim
referre, que significa literalmente reportar. Para
avaliar, referimos-nos sempre a alguma coisa
preexistente, de modo a fundamentar, garan-
tir nossa opinião, nosso juízo. Pensar em cri-
térios é refletir sobre o que avaliar.
- Então avaliar envolve comparação? - in-
teressou-se o Curupira. - Por exemplo, no cri-
tério de maldade, eu poderia dizer que sou
mais maldoso do que o Lobisomem?
- Ai que convencido!- irritou-se o Lobiso-
mem. - Eu assusto as pessoas muito mais do
que você.
- Nada disso. Quem assusta mais sou eu -
exaltou-se o Boitatá, que não havia se pronun-
ciado até aquele momento. - Eu, assim como
o Curupira, defendo as matas. Tenho em mim
muitas luzes, que nada maiso do que os
olhos dos animais que comi, quando eles ten-
tavam escapar das águas de uma enorme tem-
pestade que houve na floresta.
- Grande coisa! - esnobou o Labatu, um
monstro que vive na fronteira do Rio Grande
do Norte com o Ceará. - Eu sou mais temido
do que o Lobisomem e a Mula-sem-Cabeça. As
pessoas ficam mortas de medo com meu úni-
co olho, com minhas mãos compridas, com
meus dentes em forma de presa. Eu adoro as-
sustar as pessoas! - exclamou, enquanto me-
xia os cabelos longos e assanhados.
-Todos vocês estão muito enganados - ga-
bou-se a Bernúncia, outra amiga do Boi-de-
Mamão. - Eu sou melhor do que vocês: assus-
to criancinhas.
- Engole, mas depois solta. Que vantagem
tem nisso? - entrou na conversa a Matinta-
pereira. - Você engole as crianças durante a
festa do Boi-de-Mamão, mas depois da festa
as deixa livres,o é?
- É claro, você queria que eu engolisse de
verdade?o souo má assim.
- Pudera! Para assustar as pessoas basta di-
zer seu nome - disse o Boitatá, provocando a
Bernúncia.
- Por favor, parem de se comparar entre si
- implorou a Pessoa em Carne e Osso. - A ava-
liação, num processo de ensino,o deve esti-
mular a classificação das pessoas, e, sim, ana-
lisar até que ponto os educandos alcançaram
os critérios definidos pelo ensino. É por isso
que devemos distinguir os critérios relativos
(que tambémo chamados de critérios refe-
rentes a normas) dos critérios absolutos, co-
nhecidos como avaliação baseada em critérios.
A tradução deste último nome, do inglês para
o português,o é muito boa - a Pessoa sali-
entou -, uma vez que ambas as abordagens uti-
lizam critérios. A abordagem baseada em nor-
mas compara coisas, fatos, fenômenos, pes-
soas, entre si. Por exemplo: Lucas sabe mais
sobre fotossíntese do que Vicente. A escola A
desenvolve melhor a Educação Ambiental do
que a escola B. A abordagem baseada em cri-
térios compara esses fatos, objetos, pessoas
com critérios predefinidos.
-o entendi - queixou-se o Boi-Bumbá.
- A abordagem referente a normas tem a
finalidade de comparar os alunos entre si. Sua
principal base de análise é a curva normal,
também chamada curva de Gauss.
- É uma outra figura do folclore queo
conhecemos? - quis saber o Saci-Pererê.
- Não! - exclamou a Pessoa em Carne e
Osso, rindo. - Gauss foi um estudioso que
criou uma curva para explicar algumas carac-
terísticas, como altura e peso. Ele dizia que
há uma tendência de a maioria das pessoas
ficar ao redor de uma média e da outra parte
ficar distribuída acima e abaixo dessa média.
Acontece que alguém utilizou a curva de
Gauss para explicar a aprendizagem e, daí,
imprimiu à avaliação a idéia de que sempre
há uma grande maioria de alunos numa-
dia e alguns poucos acima e abaixo dela. É por
isso que, no processo de ensino e aprendiza-
gem, a abordagem mais adequada é aquela
baseada em critérios absolutos, pois o impor-
tanteo é classificar as pessoas, comparan-
do-as entre si, mas verificar o alcance do de-
sejado em termos de qualidade.
- Então a comparação ques fizemos de
nossos podêres de assustar as pessoas foi uma
comparação por normas? - o Boitatá fez a ana-
logia.
-A idéia central foi essa-respondeu a Pes-
soa. - Seria uma avaliação baseada em crité-
rios, se todos vocês fossem comparados com
o critério de "assustar".
- Então todos seríamos considerados com-
petentes, pois, que assustamos, assustamos
mesmo - concluiu o Lobisomem.
- Essa coisa de critérios é muito complica-
da, eo estou gostando nada disso. E estou
percebendo que o professor, ao avaliar os seus
alunos, deve ter muito cuidado,o é? - co-
mentou o Boi-Bumbá, astutamente.
- Muito complicada mesmo - concordou a
Pessoa em Carne e Osso. - O papel da avalia-
ção da aprendizagem, principalmente na Edu-
cação Ambiental,o pode se caracterizar
como o desejo tradicional dos professores de
atribuírem uma nota aos alunos e o desejo des-
tes de obtê-la para conseguirem um certifica-
do ou diploma.
- Mas, como eu sei se os critérioso cer-
tos e errados? - preocupou-se a Maricota.
- Em Educação Ambiental, fica difícil falar
de certo e errado. Talvez pudéssemos refletir
que os critérios deveriam consideraro ape-
nas o conhecimento, mas sobretudo as práti-
cas realizadas, e que o maior investimento da
avaliação deve ser o de evitar que se ditem ver-
dades predeterminadas, como as informações
de queo se deve jogar lixo no chão, derru-
bar as árvores etc. O mais importante é o pro-
cesso de conscientização. Por isso é que os pro-
fessores precisam ser capacitados para incluir
as questões ambientais no dia-a-dia da escola
e avaliar as melhores formas de fazer isso - re-
petiu a Pessoa em Carne e Osso.
- Mesmo porque - disse o Curupira, ainda
meio confuso com a idéia de comparação, pois
queria ter sido considerado o mais assustador
de todos -, tem gente que conhece horrores de
reciclagem de lixo eo pratica nadinha do
que sabe.
- Eu é queo gostaria de ser professora -
declarou a Mãe-d'Água. -Teria muito medo de
cometer injustiças na hora de avaliar os alunos.
- É só tomar cuidado - retrucou o Saci-
Pererê.
- Isso mesmo - disse a Pessoa em Carne e
Osso, retomando o assunto. - Em Educação
Ambiental, é fundamental que os critérios se-
jam múltiplos e flexíveis, de acordo com as si-
tuações. É preciso, também, um certo equilí-
brio:o devemos ter uma visão estreita e-
gida, mas tambémo podemos reduzir a qua-
lidade dos critérios. Conheço um escritor que
escreveu mil vezes uma frase sem alcançar a
perfeição que desejava. Aqueles que já escre-
veram um livro sabem que o fariam melhor
numa segunda vez. Acontece que existe um
momento em que é preciso parar, caso contrá-
rio a obra fica inacabada.
- Além disso - a Pessoa prosseguiu -, exis-
tem vários níveis de critério: aqueles que se re-
ferem à avaliação dos alunos, aqueles que di-
zem respeito aos currículos e até os mais am-
plos, que se referem às políticas públicas.
Quanto aos currículos, por exemplo, se fôsse-
mos avaliá-los com base no que dizem os Pa-
râmetros Curriculares Nacionais, teríamos que
responder a algumas questões como: A inclu-
o do tema meio ambiente como transversal
está provocando maior integração entre as dis-
ciplinas? Os professores estão sabendo lidar
com esse tema? Os alunos estão incorporando
atitudes de preservação?
- Então a palavra-chave é integrar - afir-
mou o Boi-Bumbá, categoricamente. - Acho
que a Educação Ambiental, num currículo,
deveria integrar diferentes visões. Eu, por
exemplo, sou da Amazônia, Pará, mas misturo
várias culturas: a indumentária do branco eu-
ropeu, o atabaque do negro e a coreografia do
índio. O meu colega, o Boi-de-Mamão, faz o
mesmo - olhou para o companheiro pedindo
confirmação.
SIMPÓSIO 4 - PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental - Fantasias de uma autora
- Ah! Uma coisa importante que eu ia es-
quecendo de falar - lembrou a Pessoa em Car-
ne e Osso - é que os critérios devem estar ex-
plícitos para todos. Na verdade, os critérioso
as "regras do jogo" e devem ser o mais claros
possível.
- E a gente vai avisando, quando as pessoas
o estão alcançando os critérios? - indagou a
Maricota, enquanto dava um tapa no Boitatá,
que estava mexendo na sua cintura.
- Sobre isso, podemos fazer uma analogia
com aquela brincadeira, em que a uma crian-
ça procura um objeto e as outraso falando
"está frio", "está morno", e quando o objeto está
para ser encontrado, todos gritam "está quen-
te" - exemplificou a Pessoa em Carne e Osso.
- E, seo houver critérios explícitos, o que
acontece?- perguntou o Boitatá, já com o olho
roxo do tapa que levara.
- Pode-se cometer injustiças. Uma pessoa
queo sabe como será avaliadao sabe o
que se espera dela - ponderou o Boi-de-Ma-
mão, que já parecia um avaliador.
- Ah! De injustiça entendo eu - gritou o
Negrinho do Pastoreio. -Vejam o meu caso. Eu
era um ótimo empregado e meu patrão se di-
zia satisfeito comigo. Um dia, porém, deixei
fugir o cavalo baio, preferido do meu patrão.
Quando ele soube, mandou me atar a um pa-
lanque para que me surrassem. Mesmo saben-
do que eu estava muito machucado, o patrão
ordenou que eu fosse procurar o animal no
pasto. Como era noite e estava escuro, acendi
um toco de vela e fui procurar o bicho, mas,
por azar,o o encontrei. Fui então mandado
novamente para o palanque e, dessa vez, apa-
nhei para valer, apanhei tanto que morri e fui
atirado em cima de um formigueiro.
- Então, você morreu? - arrepiou-se o
Curupira, mesmo estando acostumado com
mortes.
- Pois agora vem o melhor da história -
continuou o Negrinho do Pastoreio. Quando o
patrão foi ver o formigueiro, eu estava lá
"vivinho da silva", contente pulando ao lado do
cavalo perdido.
- Ah! É por isso que você se tornou o
"achador" de coisas perdidas? - questionou a
Bernúncia.
- Isso mesmo. Quando uma pessoa perde
alguma coisa, basta acender uma vela para
mim, que eu encontro loguinho. Há até uma
música muito bonita que diz: "Negrinho do
Pastoreio, acendo esta vela para ti, e peço que
me devolvas a querência que eu perdi...".
- Ai, que romântico! - exclamou o Boto de
Água Doce, certamente pensando em cantar
essa música em suas futuras seduções.
- Credo! Que maldade fizeram com você! -
comentou o Saci.
- Euo gosto muito de lembrar da minha
história - o Negrinho do Pastoreio parecia um
pouco abalado -, mas contei para exemplificar
que, se o meu patrão tivesse deixado explícito
que o cavalo baio erao importante para ele,
talvez eu tivesse tomado mais cuidado.
- Bem lembrado - disse a Pessoa em Carne
e Osso. - Isso prova que a avaliação tem de ir
orientando as pessoas sobre o seu desempe-
nho e o reconhecimento de seus sucessos e
problemas. Aqueles que acreditam na neces-
sidade de uma avaliação formativa defendem
o princípio de que avaliar deve sempre auxi-
liar o aprender.
- Então, nessa função formativa, a idéiao
é punir, é? - perguntou a Maricota.
- Certamente, não! - enfatizou a Pessoa em
Carne e Osso.
- Eu estou errada quando, ao avaliar os ca-
çadores, vejo que eles causam prejuízos às ár-
vores e aos animais e aplico neles algumas sur-
ras? - inquiriu o Curupira.
- Claro! Vocêo entendeu isso, ainda - ir-
ritou-se a Bernúncia.
- Calma - pediu a Pessoa. - O Curupira está
fazendo uma coisa muito importante em ava-
liação. Ele está se auto-avaliando. A auto-ava-
liação é o mergulho da pessoa em seus senti-
mentos, emoções, posicionamentos.
- Mas, então, o Curupirao tinha que se
atribuir uma nota, já que está se auto-avalian-
do? - indagou o Saci, enquanto enfiava o ca-
belo loiro da Mãe-d'Água no furo de suao
direita.
- É uma pergunta importante - ressaltou a
Pessoa em Carne e Osso. - É preciso distinguir
auto-avaliação de autonotação. Na auto-ava-
liação, há um processo de auto-regulação. A
pessoa sabe onde errou e buscao repetir o
erro. A autonotação é mais uma estratégia que
o professor usa para os alunos se atribuírem
uma nota, avaliando o que desenvolveram
numa situação de aprendizagem. Outro aspec-
to importante é o da metacognição.
- Meta o quê?- perguntou a Bernúncia, as-
sustada com a palavra.
- Se você me contar a origem de seu nome,
eu conto o que é metacognição - propôs a Pes-
soa em Carne e Osso.
- Combinado! - aceitou a Bernúncia. -
Bem, dizem que quem me criou quis me fazer
bem feia, horrível mesmo. Quando meu cria-
dor foi mostrar sua obra para uma tia dele, ela
se assustou de tal maneira que começou a gri-
tar: "Abrenuncio!" "Abrenuncio!", palavra que
vem do latim, ab renuntio, e quer dizer renun-
cio, nego. Ela era usada no batismo das crian-
ças, no qual se renunciava o demônio em fa-
vor do cristianismo. Acho que a tia do meu cri-
ador, ao me renunciar pela minha feiúra, aca-
bou me batizando. Com o tempo, ab renuntio
virou bernúncia.
- Coitada! Que nome! - solidarizou-se a
Mãe-d'Água.
- Metacognição - explicou a Pessoa em
Carne e Osso - refere-se ao conhecimento que
as pessoasm de seus próprios processos de
pensamento, assim como suas habilidades
para controlar esses processos, mediante sua
organização, realização e modificação. Trata-
se da tomada de consciência de uma estrutura
de saber por parte daquele que aprende, que
se sente estimulado a colocar em prática racio-
cínios já desenvolvidos, a criar "métodos de
pensar" mais elaborados, a levantar hipóteses,
a fazer inferências e abstrações.
- E a pessoa faz tudo isso sozinha? - inda-
gou assustado o Lobisomem.
- Num primeiro momento não, depois se
acostuma e vai sempre se auto-regulando em
sua aprendizagem - tranqüilizou-o a Pessoa
em Carne e Osso. - Num momento inicial, o
professor deve assumir o papel de mediador
entre o aluno e o aprendizado, estimulando-o
a organizar o conhecimento do mundo. Mas,
para isso, o professor deve ser capacitado a li-
dar com estes aspectos da mediação: intencio-
nalidade, reciprocidade, significado e trans-
cendência.
- Favor traduzir tudo isso aí que você disse
- irritou-se o Boitatá, eriçando ainda mais os
cabelos.
- Vou tentar ser breve - prometeu a Pessoa
em Carne e Osso. - A intencionalidade refere-
se aos objetivos que o professor deseja que o
aluno alcance. A reciprocidade, como o próprio
nome indica, implica troca, permuta. O profes-
sor deve estar aberto para as respostas do alu-
no; deve perceber se ele está fornecendo indi-
cações de que está cooperando, de que se sen-
te envolvido no processo de aprendizagem. Na
Educação Ambiental, a reciprocidade dos
educandos pode ser percebida pelo grau de en-
volvimento e participação nas atividades de
preservação do meio ambiente. O significado
diz respeito ao valor, à energia atribuída à ati-
vidade, aos objetos e aos eventos, tornando-os
relevantes para o mundo. Um exemplo de sig-
nificado é o fato de que as crianças aprendem a
ler somente pelo uso de materiais e atividades
que elas entendem, que despertam seu interes-
se e que elas conseguem relacionar com ativi-
dades que já conhecem. Tudo o que elaso
podem relacionar com o que já conhecem per-
derá o sentido, ainda que faça sentido para o
professor. Na Educação Ambiental, o significa-
do diz respeito a como o aluno está perceben-
do sua ação. Para ele, tem sentido estar falando
de preservação da natureza? Em que se consti-
tui, para ele, o meio ambiente?
- E a tal da transcendência? - quis saber o Saci.
- A transcendência envolve o princípio de
encontrar uma regra geral, o que exige o de-
senvolvimento do pensamento reflexivo sobre
o que está subjacente na situação, de modo a
estendê-la para outros contextos. A trans-
cendência estimula a curiosidade, que leva a
inquirir e a descobrir relações, acendendo o
desejo de saber mais. No caso da Educação
Ambiental, a transcendência seria expandir as
ações realizadas na escola, estimuladas pela
mediação do docente, assumindo-as como
uma atitude de vida, evitando o desperdício,
racionalizando recursos, enfim, tomando
consciência e auxiliando outros a se imbuírem
do comprometimento com a preservação do
SIMPÓSIO 4 - PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental - Fantasias de uma autora
ambiente - concluiu a Pessoa em Carne e Osso,
soltando um suspiro.
- Eu, por mim, seria mais drástico com os
alunos - impôs o Lobisomem. - Avaliaria as
pessoas e as assustaria, forçando-as ao po-
luir o ambiente, ao contaminar a água, ao
jogar lixo nas ruas.
-o adianta nada forçar - disse o Boi-
Bumbá, contrapondo-se ao Lobisomem. - As
pessoas é quem de se conscientizar.
- Lembrem-se de que a avaliaçãoo tem
a função de punir - recordou a Pessoa em Car-
ne e Osso. - Devemos estar sempre atentos,
para que a avaliaçãoo tenha caráter autori-
tário eo seja usada como exercício de po-
der de uma pessoa sobre a outra. Na Educação
Ambiental, desejamos que as pessoas zelem
pelo meio ambiente por estarem conscientes
de que isso é importante, eo porque estão
sendo pressionadas.
- Pessoal, isso já foi dito. Que tal voltarmos
para o assunto mediação? - sugeriu a Mula-
sem-Cabeça.
-Voltando à mediação - retomou a Pessoa
-, há o que chamamos de avaliação mediado-
ra. Nessa perspectiva, a ação avaliativa abran-
ge a compreensão do processo de cognição,
porque o que interessa ao professor é a opor-
tunidade de o aluno refletir sobre o mundo. Em
contrapartida, o professor também ganha nes-
sa mediação, pois pode refletir sobre os pró-
prios posicionamentos metodológicos e sobre
a forma de avaliar seus alunos. O professor, en-
tão, pode desenvolver capacidades e compe-
tências nos alunos e em si mesmo.
- Competências e capacidades! Qual a di-
ferença? - quis saber a Matintapereira.
- As capacidades exprimem as potencia-
lidades das pessoas, independentemente de
conteúdos específicos. Elas se manifestam ao
longo da aprendizagem eoo diretamente
observáveis. A correspondência entre compe-
tência e capacidadeo é direta; uma mesma
capacidade se manifesta em muitas competên-
cias. As capacidadeso transversais, na me-
dida em que exprimem potencialidades de um
sujeito, independentemente dos conteúdos
específicos das disciplinas. Por exemplo, po-
demos chamar de capacidade: selecionar in-
formações, pesquisar, analisar, sintetizar, co-
municar-se, interpretar os dados de realidade,
entre outras. Competência é o conjunto das ca-
pacidades específicas, organizadas de modo a
propiciar a ação do aluno. Por exemplo, na
aprendizagem das Ciências Físicas e Biológi-
cas, a competência de efetuar ensaios e medi-
das conjuga, além dos saberes técnicos espe-
cíficos, uma série de capacidades, como apli-
car regras, pesquisar, analisar, sintetizar, co-
municar os resultados, entre outras. Parte-se
do pressuposto de que, em Educação Am-
biental, é mais importante desenvolver capa-
cidades do que conhecimentos, do que trans-
mitir um punhado de informações, ainda mais
para a Ecologia, que estuda redes de relações
mais densas e complexas.
- Eu sou competente - anunciou, sem fal-
sa modéstia, o Saci. Tenho uma perna, mas
pulo com uma tremenda agilidade, assusto os
viajantes pedindo fumo, apareço e desapare-
ço no meio de um currupio de vento, atazano
a vida das pessoas, apago o fogo, queimo os ali-
mentos, faço cócegas, atemorizo com meus
corrupios, escondo os objetos na hora em que
mais se precisa deles, faço longas trancas na
crina do cavalo. Viram quantas capacidades eu
tenho? - indagou, olhando para todos com
seus olhinhos brilhantes.
- Eu também tenho - a Mãe-d'Água sacu-
diu a longa cabeleira. - Sou uma sereia alva,
loira, meio peixe, canto para atrair os homens
e os levo até o fundo do mar. No Brasil, há gente
que acha queo sou mulher, mas, sim, uma
cobra grande., na antigüidade, diziam que
euo era peixe, mas, sim, uma ave, que can-
tava muito. Há várias versões sobre mim pelo
mundo. Existe a versão do rio Reno, pela qual
seduzo os namorados, levo-os para o fundo das
águas, e mato-os de cócegas. Há a versão da
África, pela qual recebo ofertas de alimento.
- Eu acho questionável essa competência
de vocês - comentou o Boi-Bumbá. -Vocêso
competentes, mas prejudicam as pessoas. É
certo isso?
- Ora, tudo isso é lenda - disse a Mula-sem-
Cabeça, soltando algumas chispas.
- Lenda ouo - comentou a Pessoa em
Carne e Osso -, é preciso realmente questio-
nar o que é competência e para que serve. A
história está cheia de exemplos de pessoas ex-
tremamente competentes para fazer o mal.
- E todo mundo pode ser competente para
o bem? - animou-se a Bernúncia.
- Para isso é preciso que se avalieo só a
quantidade das coisas, mas a qualidade - dis-
se a Pessoa em Carne e Osso, introduzindo
outro assunto. - A qualidade tem duas faces: a
formal e a política. A primeira refere-se a ins-
trumentos e a métodos; a segunda diz respei-
to a finalidades e conteúdos. A qualidade polí-
tica é aquela que trata dos conteúdos da vida
humana. Está ligada ao relacionamento do
homem com a natureza.
- E o que seria qualidade, na Educação
Ambiental? - indagou o Boi-de-Mamão, apro-
veitando para aprofundar o assunto.
- Apesar de difícil, existem coisas que po-
deriam ser citadas como essenciais, como, por
exemplo, o incentivo à participação ativa dos
alunos nas decisões, o estímulo à autonomia,
à solidariedade, ao respeito, a uma aprendiza-
gem significativa, em vez de uma aprendiza-
gem mecânica. Cabe a todos nós, nesse con-
texto, capacitar os docentes para enfrentar as
novas exigências da Educação.
- Ah! Isso é fácil - disse sem pensar o Lo-
bisomem.
- Fácil, porque vocêo é professor - re-
trucou o Negrinho do Pastoreio. - O professor
muitas vezes fica perdido num emaranhado de
teorias, atividades, responsabilidades. Eu até
que gostaria de ajudá-los a achar o caminho
da melhor aprendizagem, mas isso nem eu
consigo - completou meio desanimado.
- Concordo com você - disse a Pessoa em
Carne e Osso. - Na avaliação, por exemplo, o
professoro deveria ser capacitado apenas
para avaliar o aluno, mas para participar da
avaliação de outros componentes do currícu-
lo. O professor deveria também saber avaliar
os materiais que vai usar em seu ensino; ver
se, no material, há apresentação de fatos com
as devidas referências e argumentos, se o ma-
terial deixa espaço para questionamentos, se
estimula o leitor a explorar diferentes perspec-
tivas, se estabelece relações entre os concei-
tos, se reflete a diversidade cultural, de raças,
grupos sociais e, principalmente, se trata a to-
dos com respeito e eqüidade.
- Ai que loucura! - exclamou a Mula-sem-
Cabeça, gemendo. - Eu é queo queria ser
professor, prefiro continuar assustando as pes-
soas. Ainda bem que ninguém desmanchou o
meu encantamento.
- E como se desmancha? - agitou-se todo
o Saci-Pererê.
- É preciso me fazer sangrar, mesmo que
seja pouquinho, usando uma ponta de alfine-
te, por exemplo - respondeu a Mula-sem-Ca-
beça.
- Pode ser com outro instrumento? - inte-
ressou-se o Boitatá.
- Pode sim, há uma infinidade deles, basta
que eles cumpram o objetivo de me fazer san-
grar - conclui a Mula.
- Perdoe-me a comparação - desculpou-se
a Pessoa em Carne e Osso -, mas o mesmo
acontece na avaliação. Podemos e devemos
usar diferentes instrumentos para avaliar os
alunos: projetos, provas, mapas conceituais,
portfólios, pesquisas, análise de casos reais,
provas operatórias etc.
- É verdade que as imagens também po-
dem servir de instrumento de avaliação na
Educação Ambiental? - perguntou a Mãe-
d'Água, parecendo conhecer esse assunto.
- Ótima intervenção! - exclamou a Pessoa,
agradecendo a Mãe-d'Água. -As imagenso
um excelente recurso para que o professor es-
tabeleça conversação com o aluno, troque
idéias, capte significados. Elas trazem, de for-
ma explícita ou implícita, visões de mundo,
codificam discursos e muitas outras coisas in-
teressantes. Trabalhar com imagens no pro-
cesso educativo exige do professor que tam-
m reflita sobre seus sentimentos e sobre
significados. Elaso podem ser trabalhadas
de modo aleatório, devem cumprir uma fina-
lidade. O professor tem de saber lidar com as
diferentes visões de mundo, que vão, certa-
mente, surgir. O desafio será o de possibilitar
um diálogo que leve a um consenso mínimo
sobre os problemas, de modo que os alunos
possam se aglutinar em busca de alternativas
e possibilidades para sua solução.
- Por falar em imagens, no livro que achei
SIMPÓSIO 4 - PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental - Fantasias de uma autora
há uma fotografia maravilhosa do nosso pla-
neta - disse o Saci, pegando novamente o li-
vro, que havia sido esquecido.
Todos os personagens se aproximaram
para ver a imagem da Terra. Estavam maravi-
lhados com a beleza da imagem, mas um pou-
co preocupados com o destino do planeta.
Apesar de ninguém ter se pronunciado, uma
pergunta parecia pairar no ar: o que fazer para
evitar a destruição do meio ambiente, inclu-
indo nele o ser humano?
Bibliografia
CASCUDO, C. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Sao
Paulo: Ediouro, 1998.
DEMO, P. Avaliação qualitativa: polêmicas do nosso tem-
po. Campinas: Autores Associados, 1999 (Coleções
polêmicas do nosso tempo, 25).
DEPRESBITERIS, L. Avaliação educacional em três atos.
o Paulo, Senac. 1999.
FEUERSTEIN, R. A. A theoretical review. Mediatedlearning
experience (MLE). Theoretical psychosocial and
learning implications. London: Freund Publishing
House. 1991.
HADJI, C Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed,
s.d.
HOFFMANN. J. Avaliação, mito e desafio: uma perspecti-
va construtivista.o Paulo: Educação e Realidade,
1992.
MARINA, J. A. Teoria da inteligência criadora. Porto: Ca-
minho da Ciência, 1995.
MEDEIROS, E. Medidas psicológicas & lógicas à
psicometria. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros em ação - Meio Ambiente
na Escola. Brasilia: SEF/MEC, 2001.
REIGOTA, M. A floresta e a escola: por uma Educação
Ambiental pós-moderna.o Paulo: Cortez, 1999.
SIMPÓSIO 5
A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE
NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Fábio Feldmann
Pedro Jacobi
Lúcia Pinheiro
A importância do meio ambiente
na construção da cidadania*
Fábio Feldmann
IPSUS/SP
Introdução
#
A partir dos anos 1970, a questão ambiental
adquiriu uma nova dimensão nas discussões so-
bre sociedade, desenvolvimento e qualidade de
vida. Também nesse período, a conscientização
acerca da escala planetária dos impactos gerados
por atividades humanas começou a se dissemi-
nar para além dos meios científicos e grupos di-
retamente interessados. A relação entre o mode-
lo de desenvolvimento e suas conseqüências para
o meio ambiente tornou-se mais nítida e mais
assustadora, deixando de ser uma questão local,
afetando alguns indivíduos ou comunidades, para
abarcar o sistema de suporte de vida de toda a
Terra, como no caso das mudanças climáticas.
Os problemas ambientais em escala global
demandam abordagem integrada entre diversos
países e nos diferentes níveis de organização das
sociedades humanas, poisoo condiciona-
dos às fronteiras geopolíticas, e as ações neces-
sárias ao enfrentamento dessas questões depen-
dem da participação de instituições e indivídu-
os igualmente, para serem eficazes. Hoje em dia,
grande parte das sociedades está informada a
respeito da magnitude das questões ambientais,
que incluem desde a poluição atmosférica e das
águas, até a desertificação, a destruição da ca-
mada de ozônio e mesmo os alimentos modifi-
cados geneticamente. Todavia, é preciso trans-
formar informação em conhecimento e ação. É
preciso consolidar uma visão de mundo que
compreenda o papel de sociedades e indivíduos
no estabelecimento da cidadania planetária, vi-
sando garantir a proteção do meio ambiente do
planeta. O lema da Conferência das Nações Uni-
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), ou Rio-92, como é mais conhecida,
"Pensar globalmente, agir localmente" precisa
ser incorporado no dia-a-dia de cada um, na
defesa da qualidade ambiental, que, afinal, é um
valor inseparável do exercício da cidadania.
Meio ambiente
e cidadania planetária
A partir dos anos 1970, tendo a Conferência
de Estocolmo, em 1972, como divisor de águas na
abordagem da questão ambiental, delineou-se a
sustentabilidade como meta, a fim de garantir a
sobrevivência do planeta. Esse conceito tornou-
se chave na definição de um novo paradigma de
desenvolvimento, que leva em consideração o
equilíbrio intergeracional e a necessidade de re-
duzir desigualdades sociais, tanto entre países do
Norte e do Sul, quanto entre ricos e pobres nas
sociedades nacionais. Em contrapartida, a dis-
seminação de novas tecnologias de informação,
no decorrer da última década do século XX, ace-
lerou o processo de globalização, trazendo mu-
dançaso rápidas que aindao foi possível so-
ciedades e indivíduos assimilarem esses novos
conceitos. Embora qualquer análise mais profun-
da ainda seja prematura, pode-se afirmar que os
episódios ocorridos em Seattle e, mais recente-
mente, em Gênova sejam reveladores da insatis-
fação existente em relação aos rumos da econo-
mia globalizada. Ao mesmo tempo, é essa mes-
ma globalização que tem permitido o fortaleci-
mento de novos atores sociais, como as organi-
zações não-governamentais (ONGs), nos proces-
sos decisórios, na medida em que se revelaram
mais ágeis que os governos para atender às novas
reivindicações da sociedade. A atuação das orga-
nizações não-governamentais tem sido crucial na
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
definição de políticas ambientais, como pode ser
demonstrado em diversos casos, até mesmo em
escala global.
A crise ambiental
e a substituição de paradigma
no século XX
A dramática mudança, em temos de concei-
tos e idéias, ocorrida no campo da Física duran-
te as três primeiras décadas desse século, foi
amplamente discutida por físicos e filósofos por
mais de cinqüenta anos.
Segundo Fritjof Capra, os problemas con-
temporâneos mais agudos, tais como a ameaça
de guerra nuclear, a devastação da natureza, a
fome, a miséria, entre outros, revelam aspectos
diferentes de uma crise de percepção, que deri-
va de uma visão de mundo ultrapassada, inade-
quada para lidar com os problemas da civiliza-
ção atual. Ao mesmo tempo, pesquisadores em
diversos campos científicos, movimentos sociais,
organizações e redesm desenvolvendo uma
nova visão da realidade, que formará a base para
nossas futuras tecnologias, sistemas econômicos
e instituições sociais. Verificamos, portanto, uma
mudança de paradigmas,o apenas no âmbito
das ciências, mas no campo social.
A visão mecanicista do universo, que percebe
a vida em sociedade como uma disputa pela so-
brevivência e considera ilimitado o poder dos mei-
os econômicos e tecnológicos, está sendo grada-
tivamente questionada e revista. Característica do
Uuminismo do século XIX, essa visão vem sendo
revista nas últimas décadas; o paradigma emergen-
te pode ser chamado de uma visão holística ou
ecológica, no sentido amplo da palavra. A consci-
ência ecológica reconhece a interdependência fun-
damental entre todos os fenômenos e a inserção
de indivíduos e sociedades nos ciclos da natureza,
dentro de uma abordagem sistêmica.
O movimento ecológico define sociedades
sustentáveis como sendo uma alternativa pós-in-
dustrial que requer mudanças profundas no pen-
samento e prática sociais, em valores e ética, para
que se possa lidar com os limites dos recursos da
Terra. A proposta é acomodar as necessidades hu-
manas aos limites existentes, em contraposição à
abordagem tecnocrática, que implica superar os
limites, baseada na supremacia humana sobre os
outros seres vivos e sobre os recursos naturais.
Seus princípios incluem reduzir padrões de con-
sumo, distinguir entre quantidade e qualidade,
obter satisfação de valores, tais como qualidade
de vida, trabalho gratificante, solidariedade, meio
ambiente sadio e, portanto, comunidades melho-
res (Dobson, 1990).
Em última análise, pode-se associar a cons-
ciência ecológica profunda à religiosidade ou à
espiritualidade, em que o conceito do espírito
humano consciente refere-se à ligação do indi-
víduo com a totalidade do cosmo (religião vem
do latim religare, que significa unir firmemen-
te). Assim sendo, a nova visão de realidade que
surge se baseia em uma consciência ecológica
profunda e é coerente com a filosofia perene das
tradições espirituais, tais como a mística católi-
ca e outros mitos. Essa tendência resgata a fun-
ção original da religião, de educar, formar mem-
bros da comunidade para a vida cidadã, integra-
da à vida espiritual de cada um, fortalecendo o
elo entre o ser individual e o coletivo.
Do ponto de vista formal, na Educação, a ca-
racterística interdisciplinar da ciência ambiental
transforma-a em ciência cívica, além de multi-
disciplinar, uma vez que alia os conteúdos das ci-
ências da terra e da vida às disciplinas sociais e
humanas. Portanto, a ciência ambiental, como
análise, deve ser encarada como instrumento de
pressão política, poder e resolução de conflitos
(0'Riordan, 1995: 11). Nesse sentido, sua função
social se reafirma como ponte entre o cidadão e a
sociedade, vista de um ângulo diferente, porém
complementar, daquele da missão filosófica do
conceito em relação a meio ambiente.
Conclusão
Uma visão da civilização ocidental, a partir de
estudos religiosos comparativos, associa o avançado
estado de degradação do planeta à mentalidade
iluminista. Wei-Ming (1997: 19) defende que o
Uuminismo é a ideologia que fundamenta a ascen-
o do Ocidente contemporâneo do ponto de vista
o apenas científico e tecnológico, mas social e po-
lítico. Os valores relativos à consciência moderna, tais
como liberdade, igualdade, diretos humanos, entre
outros,o inseparáveis dessa mentalidade. Todos os
princípios espirituais e intelectuais têm, no
Iluminismo, a sua fonte de inspiração, inclusive os
projetos mais modernos, como o da ciência ecológi-
ca. Com base em Comte, Bacon e Marx, a partir do
século XIX, o Iluminismo propiciou o desenvolvi-
mento do darwinismo social, uma simplificação do
conceito da "lei de sobrevivência do mais apto" e da
competição associada a essa interpretação. Atual-
mente, essa visão permeia toda a sociedade moder-
na, tornando todos suas vítimas e seus perpetradores,
inclusive as culturas orientais, que assimilaram es-
ses valores, caracterizados pela forte competitividade
internacional e pelo mercantilismo.
A mudança de paradigma, portanto, reside na
assimilação desse novo modelo, que inclui o apren-
dizado a partir das tradições espirituais nativas,
práticas milenares quem demonstrado a
sustentabilidade de suas sociedades desde eras
ditas primitivas. O resgate dessa visão de mundo,
em queo há limites entre o hábitat humano e a
natureza, entre o antropológico e o cosmo, em que
o estilo de vida valoriza as relações interpessoais e
a comunidade, em respeito ao meio ambiente,
pode indicar um novo caminho para a cidadania
planetária que se anuncia neste novo milênio.
Bibliografia
DOBSON, A. Green political thought. London: Routledge,
1990.
HABERMAS, J. Knowledge and human interesls. Trad. de
Jeremy Shapiro. Cambridge: Polity Press, 1994.
0'RIORDAN, T. Environmental science on the move. In:
Environmental science for environmental management.
London: Longman Group Limited, 1995. p. 1-11.
WEI-MING, T. Beyond Enlightment Mentality. In: TUCKER,
Mary Evelyn; GRIM, John A. (Eds.) Worldviews and
ecology- religion, philosophy and the environment. New
York: Orbis Books, 1997. p. 19-29.
WILSON, A.; BRYANT, R. Environmental management. new
directions for the 21 st century. London: UCL Press. 1997.
A importância do meio ambiente
na construção da cidadania
Pedro Jacobi"
Resumo
Nestes tempos em que a informação assume
papel cada vez mais relevante - ciberespaço,
multimídia, Internet -, a educação para a cidada-
nia representa a possibilidade de motivar e sensi-
bilizar as pessoas para transformar as diversas for-
mas de participação na defesa da qualidade de vida.
A relação entre meio ambiente e educação para a
cidadania assume um papel cada vez mais desafiador,
demandando a emergência de novos saberes para
apreender processos sociais que se complexificam e
riscos ambientais que se intensificam.
O principal eixo de atuação da Educação
Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidarie-
dade, a igualdade e o respeito à diferença por meio
de formas democráticas de atuação baseadas em
práticas interativas e dialógicas. Isso se consubs-
tancia no objetivo de criar novas atitudes e compor-
tamentos, em face do consumo em nossa socieda-
de, e de estimular a mudança de valores individuais
e coletivos.
Professor Associado da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da Universidade deo Paulo.
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
0 complexo desafio
da sustentabilidade
Socioambiental
A reflexão sobre as práticas sociais, em con-
texto urbano marcado pela degradação perma-
nente do meio ambiente e do seu ecossistema,
o pode omitir a análise do determinante do
processo nem dos atores envolvidos e das formas
de organização social que aumentam o poder das
ações alternativas de um novo desenvolvimento,
em uma perspectiva de sustentabilidade.
A noção de sustentabilidade implica uma
inter-relação necessária entre justiça social, qua-
lidade de vida, equilíbrio ambiental e necessida-
de de desenvolvimento como capacidade de su-
porte (Jacobi, 1999).
No contexto metropolitano brasileiro, os pro-
blemas ambientais cresceram a passos gigantes-
cos, e suas soluções lentas ficaram publicamen-
te conhecidas pela virulência do seu impacto: au-
mento incomensurável das enchentes, dificulda-
des da administração do lixo sólido, interferên-
cia crescente do seu descarte inadequado em
áreas potencialmente degradáveis e efeitos cres-
centes da poluição atmosférica sobre a saúde da
população.
A preocupação com o desenvolvimento sus-
tentável representa a possibilidade de garantir mu-
danças sociopolíticas queo comprometam os
sistemas ecológicos e sociais que sustentam as co-
munidades. O tema da sustentabilidade confron-
ta-se com o paradigma da sociedade de riscos. Isso
implica a necessidade de se multiplicarem as prá-
ticas sociais baseadas no fortalecimento do direi-
to ao acesso à informação e à Educação Ambiental,
em perspectiva integradora, e também demanda
aumentar o poder das iniciativas baseadas na pre-
missa de que um maior acesso à informação e a
transparência na administração dos problemas
ambientais urbanos podem implicar a reorganiza-
ção do poder e da autoridade.
Um dos grandes desafios é o de estimular po-
líticas sociais sustentáveis assim como promover
o crescimento da consciência ambiental, expan-
dindo a possibilidade da população participar, em
nível mais alto, do processo decisório, como for-
ma de fortalecer sua co-responsabilidade na fis-
calização e no controle dos agentes de degrada-
ção ambiental.
Também é importante salientar que uma agen-
da para a sustentabilidade ambiental urbana deve
levar em consideração a importância de se esti-
mular a expansão dos meios de acesso à informa-
ção, geralmente esparsa e de difícil compreensão,
como parte de uma política de fortalecimento do
papel dos vários agentes intervenientes.
O momento atual exige que a sociedade este-
ja mais motivada e mobilizada para assumir um
caráter mais propositivo e poder questionar de
forma concreta a falta de iniciativa dos governos
para implementar políticas pautadas pelo binô-
mio sustentabilidade - desenvolvimento, num
contexto de crescentes dificuldades para promo-
ver a inclusão social.
Educação ambiental, cidadania
e sustentabilidade
Como enfrentar todos esses problemas? A
possibilidade de maior acesso à informação
potencializa as mudanças comportamentais ne-
cessárias para um agir mais orientado para a de-
fesa do interesse geral.
Nestes tempos em que a informação assu-
me papel cada vez mais relevante - ciberespaço,
multimídia, Internet -, a educação para a cida-
dania representa a possibilidade de motivar e
sensibilizar as pessoas para transformar as di-
versas formas de participação na defesa da qua-
lidade de vida.
Assim, a problemática ambiental urbana
constitui tema muito propício para aprofundar a
reflexão e a prática em torno do restrito impacto
das práticas de resistência e de expressão das de-
mandas da população das áreas mais afetadas
pelos constantes e crescentes agravos ambientais.
Mas representa também a possibilidade de aber-
tura de estimulantes espaços para implementar
alternativas diversificadas de democracia parti-
cipativa, notadamente a garantia do acesso à in-
formação e a consolidação de canais abertos para
uma participação plural.
Os impactos negativos do conjunto de pro-
blemas ambientais resultam principalmente da
precariedade dos serviços e da omissão do po-
der público na prevenção das condições de vida
da população, porémo também reflexo do des-
cuido e da omissão dos próprios moradores, in-
clusive dos bairros mais carentes de infra-estru-
tura, colocando em xeque aspectos de interesse
coletivo.
Isso traz à tona a contraposição do significado
dos problemas ambientais urbanos e das práticas
de resistência dos que "têm" e dos que "não têm",
representados sempre pela defesa de interesses
particularizados que interferem significativamen-
te na qualidade de vida da cidade como um todo.
A postura de dependência e de desres-
ponsabilização da população decorre principal-
mente da desinformação, da falta de consciência
ambiental e de um déficit de práticas comunitá-
rias baseadas na participação e no envolvimento
dos cidadãos, que proponham uma nova cultura
de direitos fundamentada na motivação e na co-
participação da gestão ambiental das cidades.
Nesse sentido, a Educação Ambiental repre-
senta um instrumento essencial para superar os
atuais impasses da nossa sociedade.
A relação entre meio ambiente e educação
para a cidadania assume papel cada vez mais de-
safiador, demandando a emergência de novos
saberes para apreender processos sociais que se
"complexificam" e riscos ambientais que se in-
tensificam.
As políticas ambientais e os programas edu-
cativos relacionados à conscientização da crise
ambiental demandam, crescentemente, novos
enfoques integradores de uma realidade contra-
ditória e geradora de desigualdades, que trans-
cendem a mera aplicação dos conhecimentos ci-
entíficos e tecnológicos disponíveis.
O desafio que se coloca é o de formular uma
Educação Ambiental que seja crítica e inovadora,
em dois níveis: formal eo formal. Assim, a Edu-
cação Ambiental deve ser, acima de tudo, um ato
político voltado para a transformação social. Seu
enfoque deve buscar uma perspectiva de ação
holística, que relaciona o homem, a natureza e o
universo, tomando como referência que os recur-
sos naturais se esgotam e que o principal respon-
sável por sua degradação é o homem.
Quando nos referimos à Educação Am-
biental, situamo-la num contexto mais amplo, o
da educação para a cidadania, configurando-se
como elemento determinante para a consolida-
ção de sujeitos cidadãos. O desafio do fortaleci-
mento da cidadania para a população como um
todo, eo para um grupo restrito, concretiza-
se a partir da possibilidade de cada pessoa ser
portadora de direitos e deveres e de se conver-
ter, portanto, em ator co-responsável pela defe-
sa da qualidade de vida.
O principal eixo de atuação da Educação
Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solida-
riedade, a igualdade e o respeito à diferença, por
meio de formas democráticas de atuação basea-
das em práticas interativas e dialógicas. Isso se
consubstancia no objetivo de criar novas atitudes
e comportamentos em face do consumo em nos-
sa sociedade e de estimular a mudança de valo-
res individuais e coletivos.
E como se relaciona a Educação Ambiental
com a cidadania? A cidadania tem a ver com o
pertencimento e a identidade em uma coletivi-
dade. A Educação Ambiental, como formação e
exercício de cidadania, tem a ver com uma nova
forma de encarar a relação do homem com a na-
tureza, baseada em uma nova ética, que pressu-
e outros valores morais e uma forma diferente
de ver o mundo e os homens.
A Educação Ambiental deve ser vista como um
processo de permanente aprendizagem, que va-
loriza as diversas formas de conhecimento e for-
ma cidadãos com consciência local e planetária.
E o que tem sido feito em termos de Educa-
ção Ambiental? A grande maioria das atividades
é desenvolvida de acordo com uma modalidade
formal. Os temas predominanteso lixo, prote-
ção do verde, uso e degradação dos mananciais e
ações para conscientizar a população em relação
à poluição do ar.
A Educação Ambiental que tem sido desen-
volvida no país é muito diversa, e a presença dos
órgãos governamentais, como articuladores, co-
ordenadores e promotores de ações, é ainda mui-
to restrita.
Nas grandes metrópoles existe a necessidade
de enfrentar os problemas da poluição do ar, e o
poder público deve assumir um papel indutor do
processo. A redução do uso do automóvel estimu-
la a co-responsabilidade social na preservação do
meio ambiente, chama a atenção das pessoas e
as informa sobre os perigos gerados pela polui-
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
ção do ar. Mas isso implica a necessidade de rom-
per com o estereótipo de que, no âmbito das res-
ponsabilidades urbanas, tudo depende da ação
governamental, enquanto os habitantes se man-
m passivos e aceitam essa tutela.
O grande salto de qualidade tem sido feito
pelas organizações não-governamentais e orga-
nizações comunitárias, quem desenvolvido
ações não-formais centradas principalmente na
atuação junto à população infantil e juvenil.
A lista de ações é interminável, e essas refe-
rênciaso indicativas de práticas inovadoras,
centradas numa preocupação de incrementar a
co-responsabilidade das pessoas, em todas as fai-
xas etárias e em todos os grupos sociais, quanto à
importância de formar cidadãos cada vez mais
comprometidos com a defesa da vida.
A educação para a cidadania representa a pos-
sibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para
transformar as diversas formas de participação em
potenciais caminhos de dinamização da socieda-
de e de concretização de uma proposta de socia-
bilidade baseada na educação para a participação.
O complexo processo de construção da cida-
dania, no Brasil, num contexto de agudização das
desigualdades, é perpassado por um conjunto de
questões que, necessariamente, implicam a supe-
ração das bases constitutivas das formas de domi-
nação e de uma cultura política baseada na tutela.
O desafio da construção de uma cidadania
ativa configura-se como elemento determinante
para a constituição e o fortalecimento de sujeitos
cidadãos que, portadores de direitos e deveres, as-
sumam a importância da abertura de novos es-
paços de participação.
A administração dos riscos socioambientais
coloca cada vez mais a necessidade de ampliar o
envolvimento público por meio de iniciativas que
possibilitem aumento do nível de consciência
ambiental dos moradores, garantindo a informação
e a consolidação institucional de canais abertos para
a participação, numa perspectiva pluralista.
A Educação Ambiental deve reforçar, de forma
crescente, a "agenda marrom", enfatizando os pro-
blemas ambientais que decorrem da desordem e
degradação da qualidade de vida nas cidades.
Na medida em que se observa que é cada vez
mais difícil manter a qualidade de vida nas cida-
des, é preciso fortalecer a importância de garan-
tir padrões ambientais adequados e estimular
uma crescente consciência ambiental, centrada
no exercício da cidadania e na reformulação de
valores éticos e morais, individuais e coletivos,
numa perspectiva orientada para o desenvolvi-
mento sustentável.
A Educação Ambiental, como componente de
uma cidadania abrangente, está relacionada com
uma nova forma de relação ser humano/natureza.
Nesse sentido, a dimensão cotidiana da Edu-
cação Ambiental leva a pensá-la como somatório
de práticas e, conseqüentemente, a entendê-la na
dimensão de sua potencialidade de generalização
para o conjunto da sociedade.
Entende-se que essa generalização de práti-
cas ambientais só será possível se estiver inserida
no contexto de valores sociais, mesmo que se re-
fira a mudanças de hábitos cotidianos.
A problemática Socioambiental, ao questio-
nar ideologias teóricas e práticas, propõe a ques-
o da participação democrática da sociedade na
gestão dos seus recursos atuais e potenciais, as-
sim como no processo de tomada de decisões
para a escolha de novos estilos de vida e a cons-
trução de futuros possíveis, sob a ótica da
sustentabilidade ecológica e da eqüidade social.
Torna-se cada vez mais necessário consolidar
novos paradigmas educativos centrados na preo-
cupação de iluminar a realidade de outros ângu-
los, e isso supõe a formulação de novos objetos
de referência conceituais e, principalmente, a
transformação de atitudes.
Um dos grandes desafios é o de ampliar a di-
nâmica interativa entre a população e o poder-
blico, na medida em que isso pode potencializar
uma crescente e necessária articulação com os go-
vernos locais, notadamente no que se refere ao
desenvolvimento de práticas preventivas no pla-
no ambiental.
Sustentabilidade
Socioambiental, movimentos
sociais e Educação Ambiental
Talvez uma das características mais impor-
tantes do movimento ambientalista seja a sua di-
versidade. Esse amplo espectro de práticas e ato-
res lhe confere um caráter multissetorial, que
congrega inúmeras tendências e propostas que
orientam suas ações, considerando valores
como: eqüidade, justiça, cidadania, democracia
e conservação ambiental. No amplo universo das
organizações não-governamentais, algumas fa-
zem trabalho de base e outraso mais voltadas
para a militância,m caráter mais político e
implementam projetos demonstrativos.
Embora ocorra uma certa queda na capaci-
dade mobilizadora dos movimentos ambie-
ntalistas, observa-se também um grau de ama-
durecimento das práticas e a consolidação de um
perfil de atuação de instituições numa perspecti-
va proativa e propositiva, conforme os moldes de
sustentabilidade.
O que representa a marca da atuação das or-
ganizações não-governamentais? Seus pontos
fortes estão na sua credibilidade, no seu capital
ético, na sua eficiência de intervenção na
microrrealidade social (grupos e comunidades),
permitindo-lhes a formulação de aspirações e de
propostas de estratégias para atendê-las, maior
eficiência na aplicação de recursos e agilidade
na implementação de projetos quem a marca
da inovação e da articulação da sustentabilidade
com a eqüidade social.
O ambientalismo ingressa nos anos 1990 e
constitui-se em ator relevante que, embora car-
regue consigo as marcas do seu processo de afir-
mação, assume caráter ampliado, baseado num
esforço cada vez mais claramente planejado de
diálogo com outros atores sociais.
As questões que o ambientalismo coloca es-
o hoje muito associadas às necessidades de
constituição de uma cidadania para os desiguais,
à ênfase dos direitos sociais, ao impacto da de-
gradação das condições de vida decorrente da
degradação Socioambiental, notadamente nos
grandes centros urbanos, e à necessidade de am-
pliar a assimilação pela sociedade, de reforçar
práticas centradas na sustentabilidade, por meio
da Educação Ambiental.
O salto qualitativo do ambientalismo ocorre na
medida em que se cria uma identidade crescente
entre o significado e as dimensões das práticas,
com forte ênfase na relação entre degradação
ambiental e desigualdade social, reforçando a ne-
cessidade de alianças e interlocuções coletivas.
Apesar de a maior parte das entidades serem
baseadas na militância voluntáriao remune-
rada, observa-se, nos últimos anos, crescente es-
forço de profissionalização, porém isso ocorre em
número muito restrito de entidades. Um aspecto
bastante polêmico está relacionado com a
representatividade de entidades nos diversos ti-
pos de conselhos e comissões. O que se observa é
que existem organizações que, praticamente, con-
centram suas atividades associadas à participa-
ção em espaços de representação. Trata-se de uma
lógica bastante perversa, gerada pela dinâmica de
institucionalização de entidades centradas em
poucas pessoas, quem muita capacidade de
ocupar espaços e de, mesmo sem trabalho de base
e, inclusive, pouca legitimidade no próprio mo-
vimento ambiental, articular a manutenção de
sua presença.
As coalizões na sociedade civil estão se forta-
lecendo, explicitando a escolha de temas e ques-
tões a serem enfrentados em nome da busca de
objetivos comuns, de modo a configurar a inflexão
de uma dinâmica reativa para uma dinâmica
propositiva, que aproxima as organizações não-
governamentais e os movimentos da mídia e
centra sua atuação na coleta, sistematização e
disseminação de informações.
Nessa direção, as articulaçõesm possibili-
tado, crescentemente, o fortalecimento de um
pólo político interno, que integra as organizações
não-governamentais no centro do processo de
pressão e gestão, representando, portanto, uma
inflexão importante numa agenda até recente-
mente trazida de fora para dentro.
Apesar do pouco reconhecimento do papel
das organizações não-governamentais, o que de-
corre do pouco interesse da sociedade brasileira
para financiar de forma voluntária suas organi-
zações da sociedade civil, observa-se um cresci-
mento da sua legitimidade e institucionalidade.
O ambientalismo do século XXI tem uma
complexa agenda pela frente. De um lado, o de-
safio de ter uma participação cada vez mais ati-
va na governabilidade dos problemas socio-
ambientais e na busca de respostas articuladas
e sustentadas, em arranjos institucionais inova-
dores, que possibilitem uma "ambientalização
dos processos sociais", dando sentido à formu-
lação e à implementação da Agenda 21, em âm-
bito nacional e subnacional. De outro, a neces-
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
sidade de ampliar o escopo de sua atuação, por
meio de redes, consórcios institucionais, parce-
rias estratégicas e outras engenharias institucio-
nais que ampliem seu reconhecimento pela so-
ciedade e estimulem o engajamento de novos
atores.
Se, de um lado, o contexto no qual se confi-
guram as questões ambientais é marcado pelo
conflito de interesses e por uma polarização en-
tre visões de mundo, de outro, as respostas preci-
sam conter, cada vez mais, um componente de
cooperação e de definição de uma agenda que
acelere prioridades para a sustentabilidade, como
um novo paradigma de desenvolvimento.
O desafio que está colocado é deo só reco-
nhecer, mas estimular práticas que reforcem a au-
tonomia e a legitimidade de atores sociais, que
atuam, articuladamente, numa perspectiva de co-
operação, como é o caso de comunidades locais
e organizações não-governamentais. Isso repre-
senta a possibilidade de mudar as práticas preva-
lecentes, rompendo com as lógicas da tutela e da
regulação, definindo novas relações baseadas na
negociação, na contratualidade e na gestão con-
junta de programas e atividades, o que introduz
um novo significado nos processos de formula-
ção e implementação de políticas ambientais.
Trata-se, portanto, de repensar o público por
meio da sociedade e de verificar as dimensões da
oferta institucional e a criação de canais institu-
cionais para viabilizar novas formas de coopera-
ção social. Os desafios para ampliar a participa-
ção estão intrinsecamente vinculados à predispo-
sição de os governos locais criarem espaços-
blicos e plurais de articulação e participação, nos
quais os conflitos se tornem visíveis e as diferen-
ças se confrontem como base constitutiva da le-
gitimidade dos diversos interesses em jogo.
O grande desafio que se coloca é, por um
lado, gerar empregos com práticas sustentáveis
e, por outro, fazer crescer o nível de consciência
ambiental, ampliando as possibilidades de a po-
pulação participar mais intensamente dos pro-
cessos decisórios, como forma de fortalecer sua
co-responsabilização na fiscalização e no con-
trole dos agentes responsáveis pela degradação
Socioambiental.
Finalmente, é importante ressaltar que uma
agenda para a sustentabilidade ambiental urba-
na deve levar em conta a relevância de estimular
a expansão dos meios de acesso a uma informa-
ção geralmente dispersa e de difícil compreensão,
como parte de uma política de fortalecimento do
papel dos diversos atores intervenientes.
O momento atual exige que a sociedade este-
ja mais motivada e mobilizada para assumir um
caráter mais propositivo, assim como para poder
questionar de forma concreta a falta de iniciativa
dos governos para implementar políticas pauta-
das pelo binômio sustentabilidade-desenvolvi-
mento, num contexto de crescentes dificuldades
para promover a inclusão social.
Diversas experiências, principalmente nas
administrações municipais, mostram que, haven-
do vontade política, é possivel viabilizar ações
governamentais pautadas pela adoção de princí-
pios de sustentabilidade ambiental conjugada
com resultados na esfera do desenvolvimento
econômico e social.
Nessa direção, a educação para a cidadania
representa a possibilidade de motivar e sensibili-
zar as pessoas para transformar as diversas for-
mas de participação em potenciais fatores de
dinamização da sociedade e de ampliação do con-
trole social da coisa pública, inclusive pelos seto-
res menos mobilizados. Trata-se de criar as con-
dições para a ruptura com a cultura política do-
minante e para uma nova proposta de sociabili-
dade baseada na educação para a participação,
que se concretizará principalmente pela presen-
ça crescente de uma pluralidade de atores que,
por meio da ativação do seu potencial de partici-
pação, terão cada vez mais condições de intervir
- consistentemente e sem tutela - nos processos
decisórios de interesse público, legitimando e
consolidando propostas de gestão baseadas na
garantia do acesso à informação e na consolida-
ção de canais abertos para a participação, os
quais, por sua vez,o precondições básicas para
a institucionalização do controle social.
A necessária reflexão sobre as possibilidades
de tornar nossas cidades mais sustentáveis mos-
tra o desafio teórico que está colocado em relação
à formulação de propostas que contribuam para
alcançar objetivos de sustentabilidade nas cidades.
Concluímos, afirmando que o desafio políti-
co da sustentabilidade, apoiado no potencial
transformador das relações sociais, que repre-
sentam o processo da Agenda 21, encontra-se es-
treitamente vinculado ao processo de fortaleci-
mento da democracia e da construção da cida-
dania, bem como ao fortalecimento das organi-
zações sociais e comunitárias, à redistribuição
de recursos por meio de parcerias, à informação
e capacitação para participar, crescentemente,
dos espaços públicos de decisão e para construir
instituições pautadas por uma lógica de sus-
tentabilidade.
A necessidade de implementar políticas públi-
cas orientadas para tornar as cidades, social e
ambientalmente, sustentáveis representa a possi-
bilidade de contrapor-se ao quadro crescente de
deterioração da qualidade de vida. A implementa-
ção da prática de parcerias representa a possibili-
Projeto Travessia/SP
Breve histórico
A Fundação Projeto Travessia é uma organi-
zação social criada em dezembro de 1995, por
sindicatos de trabalhadores, bancos e empresas
privadas, com a missão de garantir os direitos
das crianças e adolescentes que atualmente uti-
lizam as ruas do Centro Histórico da cidade de
o Paulo como espaço de moradia e sobrevi-
vência, promovendo seu retorno à escola regu-
lar, ao convívio familiar e comunitário.
A Fundação Projeto Travessia foi declarada
de Utilidade Pública Municipal nos termos do
Decreto n° 38.888/99, publicado no Diário Ofi-
cial do Município deo Paulo, edição de 25/
12/1999, e declarada de Utilidade Pública Fede-
ral pela Portaria n
a
620, do Ministério da Justiça,
publicada no Diário Oficial da União, edição de
9/7/2001.
Nossos demonstrativos financeiros e balan-
ços patrimoniaiso auditorados pela empresa
Price Waterhouse Coopers, anualmente, sendo
que os pareceres emitidos - comprovando a ade-
dade de estimular mudanças socioinstitucionais
queo comprometam ainda mais os sistemas
ecológicos e sociais, nos quais se sustentam as co-
munidades urbanas.
Bibliografia
BECK, Ulrich. Risk society. London: Sage Publications, 1994.
JACOBI. Pedro. Políticas sociais e ampliação da cidadania.
Rio de Janeiro: FGV, 2000.
Cidade e meio ambiente.o Paulo:
Annablume, 1999.
JACOBI. Pedro: TEIXEIRA, Marco, A. Diagnóstico de confli-
tos socioambientais na cidade deo Paulo. Cadernos
CEDEC,o Paulo, n. 45, 1995.
LEIS, Héctor. O labirinto: ensaios sobre ambientalismo e
globalização. Blumenau/SC: Gaia/FURB, 1996.
quação na aplicação dos recursos - encontram-
se em nossos arquivos, à disposição dos interes-
sados em consultá-los.
A concepção do trabalho
educativo
Viver nas ruas, mesmo que temporariamen-
te, significa uma situação de risco social e pes-
soal, como conseqüência de um complexo pro-
cesso de exclusão. Isso porque a inserção no
"mundo da rua", na maioria das vezes, implica
instabilidade e fragilidade nas relações afetivas
básicas, exposição à violência de todo tipo, eva-
o ou exclusão do sistema de educação formal,
sem mencionar questões relacionadas à saúde,
à dignidade e ao exercício da cidadania.
O trabalho educativo desenvolvido pela Fun-
dação Projeto Travessia se baseia em uma con-
cepção de cidadania que pressupõe a responsa-
bilidade pessoal e social de cada cidadão no pro-
cesso de educação das gerações mais novas.
Fundação Projeto Travessia
Lúcia Pinheiro
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
Ação educativa na rua
Consiste no trabalho diário executado por
oito educadores sociais, que realizam as primei-
ras abordagens a grupos de meninos(as) que vi-
vem nas ruas, com o objetivo de criar e fortale-
cer vínculos de confiança e afetividade.o rea-
lizadas atividades pedagógicas, no próprio espa-
ço das ruas, queo desde contar histórias, ofi-
cinas de desenhos, pinturas, passeios culturais,
até o atendimento emergencial em saúde, auxí-
lio para tirar documentos, assim como conver-
sas temáticas sobre o cotidiano nas ruas. Todas
essas atividades visam provocar reflexões sobre
o estar na rua e suas perspectivas futuras.
A presença constante dos educadores em es-
paço fixos éo importante quanto a própria ati-
vidade realizada no trabalho cotidiano, pois as-
segura a construção e a consolidação de víncu-
los afetivos, essenciais para o desenvolvimento
do trabalho.
Nossa experiência tem demonstrado que há
maior efetividade na saída das ruas quando essa
decisão é compartilhada com eles. Também há
maior eficácia nas etapas seguintes, quando a
saídao é coercitiva.
Ação educativa
#
em espaços fechados
A maioria das crianças que vivem nas ruas
do Centro está fora de casa há muito tempo. Elas
passaram por várias instituições e sobreviveram
nas ruas por meio do desenvolvimento de estra-
tégias que se diferenciam da linguagem escolar,
doméstica e comunitária. Por isso, na maioria
dos casos, é impossível o retorno imediato a es-
ses espaços.
A educação em espaço fechado ocorre como
uma etapa de trabalho que sucede à educação
na rua, e é uma ação importante do projeto edu-
cativo, pois consolida a passagem da rua para a
vida na comunidade, como cidadão incluído.
A Fundação Projeto Travessia criou e man-
m a Casa do Bixiga (espaço no bairro do Bixiga,
que oferece diversas atividades de lazer e cultu-
ra), com o objetivo de trabalhar essa transição
entre a vida na rua (com seus valores e atitudes)
e a reinclusão social dessas crianças no convívio
familiar, escolar e comunitário.
As crianças que aceitam deixar as ruaso
para essa casa e lá participam de oficinas peda-
gógicas e artístico-culturais, que favorecem o
desenvolvimento das novas formas de expressão,
que lhes serão necessárias no processo de rein-
tegração social. O tempo de permanência nessa
etapa varia de acordo com o comprometimento
e complexidade de cada caso atendido.
Ação educativa
junto à família
Antes mesmo que os(as) meninos(as) voltem
para casa, é iniciado o trabalho com suas famíli-
as, visando também prepará-las para a reintegra-
ção. Porém, cada família atendida apresenta inú-
meras necessidades que, seo forem minima-
mente atendidas, inviabilizarão o retorno e o cui-
dado adequado daquelas crianças, além de pro-
vocar a saída de outros filhos para a vida nas ruas.
É a Fundação que entra em contato com a
família, a partir de um trabalho desenvolvido
com os meninos e meninas em situação de rua.
Em razão disso, é natural que inicialmente exis-
ta certa resistência ou pouca disponibilidade por
parte dos integrantes da família, já que o traba-
lhoo é iniciado a partir de uma demanda de-
les. O segundo aspecto se relaciona ao tipo de
problema em que incide a ação educativa. Em
geral, os trabalhos com grupos familiares come-
çam a partir de um problema emergencial - vio-
lência, conflito com a justiça etc. No caso da Fun-
dação Travessia, a ação educativa incide, na mai-
or parte dos casos, em problemas crônicos das
famílias, quem a ver com a forma como se re-
lacionam entre si, condições de moradia, valo-
res, entre outras coisas.
Essa é a etapa mais difícil do trabalho, pois
nos coloca diante de questões estruturais, como
a ausência de políticas sociais básicas para o
atendimento dessas famílias. Nessa etapa, te-
mos atendido os irmãos da criança em questão
e contamos com o apoio de algumas organiza-
ções comunitárias no suporte a algumas famí-
lias. Também é necessário o trabalho junto à
direção e ao corpo docente das escolas onde as
criançaso matriculadas, para garantir sua
permanência e seu desenvolvimento satisfa-
tório. Além da vulnerabilidade das famílias e da
precariedade das comunidades, outro fator que
dificulta essa etapa é a distância das localida-
des, nos levando a realizar atendimento em gru-
pos de famílias por região.
Ações complementares
Assistência jurídica e educação para acesso
ao direito. Vários adolescentes atendidos ne-
cessitam regularizar suas pendências jurídi-
cas e, para tanto, contamos com duas advo-
gadas, que fazem a defesa técnica nesses ca-
sos. Além disso, também atuam na regulari-
zação de situações jurídicas das famílias,
como nos casos de tutela, guarda judicial,
adoção, entre outras demandas. A assistên-
cia jurídica é realizada de forma educativa,
ou seja, cada cidadão atendido é informado
sobre seus direitos e a melhor forma de
acessá-los.
Articulação da rede de atendimento. A Fun-
dação Projeto Travessia tem investido, des-
de sua criação, na celebração das parcerias
necessárias para oferecer atendimento qua-
lificado às crianças, aos adolescentes e a suas
famílias.o dezenas de organizações de
atendimento, universidades, núcleos comu-
nitários e secretarias municipais/estaduais
que colaboram - por meio de termo de par-
ceria - nos atendimentos prestados. Para a
consolidação de cada parceria é necessário
um trabalho de aproximação, definição de
objetivos, responsabilidades e monitora-
mento das ações em colaboração.
Trabalho com voluntários. Nosso trabalho
também conta com o valioso apoio de pes-
soas que, sensibilizadas com a situação des-
sas crianças, colaboram no desenvolvimen-
to de algumas atividades. Para tanto, a Fun-
dação Projeto Travessia implantou um Pro-
grama de Voluntários que atua no recruta-
mento, na integração e no acompanhamen-
to desses valorosos colaboradores, que hoje
estão distribuídos pelos vários programas de
atendimento.
Comunicação e mobilização da sociedade
pelos direitos da criança. Além dos atendi-
mentos realizados, a Fundação Projeto Traves-
sia considera fundamental promover os Di-
reitos da Criança e do Adolescente junto à
sociedade em geral, com objetivo de mini-
mizar as suas violações e impedir que mais
crianças passem a viver nas ruas. Para tanto,
investe na divulgação desses direitos e reali-
za campanhas para sua defesa, dirigidas aos
vários segmentos da sociedade.
Projetos desenvolvidos
Projeto Cartões de Natal. Concretiza-se em
duas fases. Inicialmente, fazemos um con-
curso para selecionar os trabalhos produzi-
dos pelas crianças e adolescentes atendidos
pelo Projeto Travessia e entidades parceiras.
Posteriormente, os trabalhos selecionados
ilustram os nossos cartões de Natal. Esse pro-
jeto desenvolve ações educativas e culturais
orientadas pelos princípios da educação para
cidadania, sendo também um importante
instrumento para a captação de recursos e a
divulgação do nosso trabalho.
Projeto de Alfabetização e exercício da cida-
dania. Esse projeto, elaborado pela Funda-
ção Projeto Travessia, foi um dos vencedo-
res do concurso promovido pela Fundação
Vitae - apoio à Cultura, Educação e Promo-
ção Social. O projeto está em fase de imple-
mentação e terá um ano e meio de duração.
A condição de analfabeto ou pouco letrado é
um grande obstáculo no processo de inclu-
o social. E este projeto tem por objetivo
central o desenvolvimento de estratégias efi-
cazes para alfabetizar crianças e adolescen-
tes que vivem um complexo processo de ex-
clusão social, o qual inclui a dificuldade para
obter sucesso e permanecer na escola.
Projeto fanzine. Trata-se da produção de uma
revista (impressa em xerocópia), sob a coorde-
nação dos educadores sociais (profissionais
que atendem às crianças no programa de edu-
cação de rua) e com o envolvimento de crian-
ças e adolescentes atendidos na Fundação Pro-
jeto Travessia, no processo de criação e
diagramação do fanzine. O projeto visa criar
um veículo único de comunicação, cujo obje-
tivo é ilustrar, por meio de desenhos e históri-
as, a problemática vivida por essa população.
SIMPÓSIO 6
POLÍTICAS PUBLICAS
E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano
Bernardo Kipnis
Lucila Pinsard Vianna
Como tirar a Educação
Ambiental do coma?
A alfabetização: um possível
recurso pedagógico-político
Edgar González Gaudiano*
Resumo
Neste texto, procuro destacar a importância da
alfabetização ambiental como uma idéia que pode
contribuir para o esclarecimento dos rumos que de-
vem ser tomados na relação sociedade - meio ambi-
ente para a construção de uma cidadania crítica, prin-
cipalmente diante dos precários resultados de uma
Educação Ambiental (que parece ter entrado em esta-
do de coma nas duas últimas décadas), do bombar-
deio permanente da publicidade neoliberal pró-
consumista a que está submetida a população, no mo-
mento atual de globalização econômica e cultural, e
da recomposição de blocos hegemônicos regionais.
A alfabetização
A alfabetização diz respeito à aprendizagem
de noções básicas de leitura e escrita e ao de-
senvolvimento de habilidades aritméticas ele-
mentares. Algumas vezes, ela é percebida num
plano ainda mais limitado, que seria o de sim-
plesmente ensinar o abecedário.
1
Esses sentidos
do conceitom suas raízes em tradições colo-
niais, quem sendo ratificadas por políticas
públicas desenvolvidas com vistas à superação
de endêmicos e elevados índices de analfabetis-
mo, por meio de programas específicos para a
população afetada.o muito conhecidas, na
nossa região, as cruzadas de alfabetização desen-
volvidas em Cuba (1961) e na Nicarágua (1980),
assim como outros esforços internacionais para
superar, sucessiva e peremptoriamente, os atra-
sos educacionais de populações adultas.
A limitada visão da alfabetização como a prá-
tica de aprender a ler e escrever tem muitas vezes
e de diferentes maneiras suscitado expectativas
sociais exageradas, já que a aquisição dessas im-
portantes habilidades intelectuais e políticas tem
sido vista como uma espécie de exorcismo ro-
mântico do atraso socioeconômico, principal-
mente quando ocorre no contexto de processos
revolucionários como o cubano e o nicaragüense
daqueles anos. Essas ações intensivas, que pos-
teriormenteoo reforçadas com programas
que possibilitam aos novos alfabetizados aplicar
suas habilidades na prática, produziram os cha-
mados analfabetos funcionais, que se enquadram
na categoria daqueles que, em algum momento,
souberam ler e escrever, mas perderam essa ca-
pacidade por falta de prática.
Como podemos supor, os processos de aqui-
sição da capacidade de ler e escrever na escola se
inserem nas dinâmicas existentes da instituição
escolar, o que significa que quando meninos e me-
ninas aprendem a "ler" e escrever, eles adquirem
"Secretaria de Educação Pública. México. Presidente Regional para a Mesoamérica da Comissão de Educação e Comunicação da UICN
<[email protected]> É também editor da revista internacional Tópicos en Educación Ambiental, publicada pela UNAM e pela Secretaria
de Meio Ambiente e Recursos Naturais. Uma versão resumida deste artigo foi publicada no jornal Gaceta Ecológica, Nueva Época, n. 40, p.
38-41. outono 1996. do Instituto Nacional de Ecologia, México, com o titulo de "Educação Ambiental", embora a proposta fosse intitulá-lo
"Alfabetização Ambiental", o que confirma algumas teses do artigo. O aggiornamiento que se faz com esta versão tem a finalidade de
reativar discussões que considero atuais.
' Isso ocorreo apenas na América Latina: o Oxford Paperback Dictionary define alfabetização (literacy) como um substantivo que denota a
"habilidade de ler e escrever", e alfabetizado {literato) como um adjetivo que descreve uma pessoa "capaz de ler e escrever".
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
essas habilidades num contexto específico de nor-
mas institucionais, ou seja, num contexto de or-
dem, responsabilidades, direitos, disciplina, obe-
diência e subordinação, no qual as crianças apren-
dem também a "ler" o lugar que ocupam nesse
âmbito e no conjunto mais amplo das práticas
sociais e de lutas de poder, no qual a escola de-
sempenha funções e responsabilidades específi-
cas.
2
Isso repercute, também, nos espaços da vida
cotidiana, nos quais as pessoas também "lêem"
suas expectativas e possibilidades, queo dan-
do forma a suas representações, seus valores e
suas crenças em sua relação com elas próprias,
com os outros e com o mundo.
Por essa razão, a alfabetização é vista, a par-
tir de algumas posturas teóricas críticas, como a
possibilidade de aprender a pensar, a discernir.
Alfabetizar é um processo de conscientização,
entendido como a liberação da consciência para
que o analfabeto se assuma como sujeito da his-
tória, da sua história. Esse processo de liberação
da consciência implica a possibilidade de uma
pessoa se posicionar mais adequadamente em
seu momento e em sua realidade social com o
mundo.
3
Com relação a essa postura, Freire
(1969) assinala:
É fundamental partir da idéia de que o homem é
um ser de relações eo apenas de contatos, de
que eleo apenas está no mundo, mas também
com o mundo. De sua abertura à realidade, de
onde surge o ser de relações que ele é, resulta o
que chamamos estar com o mundo.
Assim, a aprendizagem da leitura e da escri-
ta vai além de um deciframento mecânico para
se converter num processo de comunicação mul-
tidimensional, que parte do universo vocabular
e vivencial do alfabetizando, que é carregado de
significados socioculturais e a partir do qual ele
objetiva o mundo e se vê nele como testemunha
de sua história. Objetivar o mundo é considerá-
lo em seu movimento. O ponto de partida desse
movimento está nos próprios homens. No entan-
to, comoo existem homens sem mundo, sem
realidade, o movimento parte das relações ho-
mem - mundo. Sendo assim, esse ponto de par-
tida está sempre nos homens, em seu aqui, em
seu agora, que constituem a situação em que se
encontram ora imersos, ora emersos, ora inseri-
dos (Freire, 1970).
Em contraste com os modelos educacionais
dominantes de cunho tecnocrático (tecnologia
educacional multimídia, educação centrada na
aquisição de competências profissionais etc), a
pedagogia de Freire representou um marco de
referência qualitativamente diferenciado na ori-
entação dos processos educacionais, com base
no que Dilthey (1988) chamou de concepção do
mundo, cuja raiz, em última análise, é a vida
entendida como uma totalidade, onde o mundo
é um complexo emaranhado de relações vitais
interdependentes. Trata-se de uma perspectiva
relacionai,o relativista, do mundo; em que a
constituição dessa realidade, desse mundo, se
produz nas e pelas relações.
A partir dessa perspectiva, a alfabetização se
transforma em um instrumento formidável para
o alfabetizado compreender sua posição em re-
lação aos outros, e, ao alcançar essa compreen-
são, surge a possibilidade de ele ir além das fron-
teiras impostas pelas estruturas de poder que li-
mitam seu desenvolvimento.
É bom que nos detenhamos um momento
nesse aspecto da alfabetização, porque é nele
que reside seu potencial para se transformar
num ato político e ético. Político porque a inter-
pretação que fazemos do mundo está sempre
vinculada a essas estruturas de poder. Ético por-
que as interpretações variam em razão de dife-
renças de classe, raça, etnia, gênero e geração do
alfabetizado, eoo válidas quanto as feitas a
3
As funções e responsabilidades das instituições educacionais, principalmente nos níveis básicos,oo uniformes. Pelo contrário, elaso
substantivamente diferentes de acordo com o tipo de escola (rural ou urbana, privada ou pública, matutina ou vespertina, de organização
completa ou incompleta etc), tipo de alunos (origem de classe, capital cultural etc.) e de outras características individuais relacionadas com
o gênero, a raça, a etnia e a religião do estudante.o quero dar a impressão de que defendo a tese da esquerda crítica althusseriana das
décadas de 1960 e 1970, que considerava a escola como um aparato ideológico do Estado. Sem deixar de reconhecer a função reprodutora
da escola, também a considero como um espaço de liberação e luta.
3
Mais adiante, veremos como o conceito de conscientização tem sido abordado na Educação Ambiental.
partir de posições de poder. A diferençao é
um déficit, como se assume implicitamente a
partir de uma posição de poder, e sim, uma ca-
racterística que, uma vez entendida, potencializa
a leitura do lugar que cada um des ocupa, nas
margens e no centro do poder, e nos proporcio-
na uma nova forma de ler a história como meio
para reivindicar o poder, a identidade e o terri-
tório. Assim, a alfabetização desarticula as ver-
sões universais da razão e os conceitos lineares
da história e descentraliza as margens como es-
paços para que outras vozes possam se expres-
sar e ser ouvidas (Giroux, 1992).
Por essa razão, a alfabetização é uma cons-
trução social particular. Alfabetizar e conhecer
o construções simbólicas que respondem às
interações específicas que estabelecemos com os
outros. Os símbolos geram significados singula-
res em cada cultura. No entanto, no interior de
cada cultura tambémo produzidas múltiplas
formas particulares de significado, como ocor-
re, por exemplo, com os jogos de linguagem dos
jovens, que podem ser orais (por exemplo, o calo,
o slang) ou escritas (o grafite, a pichação). O
mundo é diferente, é visto de uma maneira dife-
rente, é lido de uma outra forma.
Noções convencionais
na Educação Ambiental
Na América Latina e no Caribe, de um modo
geral, o conceito de alfabetização tem estado au-
sente do processo de construção da Educação
Ambiental, diferentemente do que ocorreu sobre-
tudo nos países anglo-saxões. No respectivo dis-
curso encontramos expressões como "consciên-
cia ambiental" e "cultura ecológica", ou outros de
alcance mais restrito, como "sensibilização
ambiental". Emborao sejamos completamen-
te contra esses conceitos que noso muito fa-
miliares, o problema reside no fato de que esses
termoso foram satisfatoriamente definidos e
muito menos operacionalizados para os fins prá-
ticos de processos educacionais específicos.
Cultura
O conceito de cultura ecológica tem sido
comumente usado no campo da Educação
Ambiental, uma vez que a Educação é considera-
da uma prática sociocultural. No México, as pri-
meiras discussões sobre o tema ocorreram em um
seminário que, embora tenha dado início a uma
revisão de seus significados,o possibilitou um
debate mais abrangente sobre suas implicações
práticas.
4
Além disso, nem sequer abordou a con-
fusão entre o ambiental e o ecológico, que tem
interferido na construção do discurso ambien-
talista na região e em muitos outros lugares fora
dela.
5
Em termos gerais, a cultura ambiental foi
assumida como um projeto político que "não se
restringe a atenuar os problemas ou a mitigar os
impactos ambientais produzidos por um desen-
volvimentismo depredador, mas está voltado à
promoção de sua transformação qualitativa resul-
tante da consciência social de que a imitação
irrestrita só pode nos levar à perda de nossa iden-
tidade singular e ao cancelamento de nossas ver-
dadeiras possibilidades de desenvolvimento"
(González Gaudiano, 1990).
O conceito de cultura ambiental tem estado
presente no discurso da Educação Ambiental
com vários sentidos. Um deles está relacionado
à falta dessa cultura ou à perda de padrões cul-
turais mais "amigáveis" ou "harmônicos" com o
meio ambiente, tanto no contexto rural quanto
urbano. Nessa categoria, incluem-se os discur-
sos ambientalistas relacionados às culturas in-
dígenas ou simplesmente tradicionais, cujas for-
mas de vida estavam muito mais adaptadas e
integradas às condições do meio natural.
* "Hacia una cultura ecológica", patrocinado pela UNAM, pelo DDF e pela Fundação Friedrich Ebert (FES) na Cidade do México, 24-26/05/1990.
5
Dobson (1997:13) chama de ambientalismo ao que Castells (1998: 2) denomina ecologismo, para citar apenas dois autores representativos.
Dobson sustenta que o ecologismo é uma ideologia política relacionadas profundas mudanças que os ecologistas políticos consideram
necessárias no âmbito da organização social e das atitudes do respeito em relação ao mundo natural não-humano". Castells o define como
uma "série de crenças, teorias e projetos que vêem a humanidade como um componente de um ecossistema mais amplo e desejam manter
o equilíbrio do sistema a partir de uma perspectiva evolucionista". Por sua vez, o 'meio ambientalismo' é, do ponto de vista sociológico, visto
como "todas as formas de conduta coletiva que, em seu discurso e prática, procuram corrigir as formas destrutivas de relação entre a ação
humana e seu entorno natural, em oposição à lógica estrutural e institucional dominante".
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Efetivamente, a explicação da problemática
ambientalo se encontra nos sintomas, e sim no
próprio centro da atividade humana extrativa ou
produtiva, contextualizada numa forma cultural,
ou seja, no interior da cultura e dos processos so-
ciais: econômicos, tecnológicos, simbólicos etc,
inerentes aos sistemas de produção mediante os
quais o homem se articula ou desarticula com o
sistema natural (González L. de G., 1996: 22).
O segundo sentido diz respeito à aquisição
de representações, atitudes, hábitos, comporta-
mentos e valores, que tendem precisamente a
propiciar essa melhor relação cultural com o
meio. Essa colocação está associada atualmente
a esforços para articular a Educação Ambiental
com a educação cívica, com a formação de uma
cidadania ambientalmente correta, que também
está presente nas novas vinculações promovidas
entre a Educação Ambiental e o desenvolvimen-
to sustentável (ver por exemplo Sterling, 2001).
Daí emanam algumas das críticas mais fortes ao
modo de vida predominante promovido pela ci-
vilização ocidental e pelas novas condições de
globalização econômica e cultural.
A crise ambiental moderna exige uma nova
maneira de se compreender e construir os siste-
mas culturais do homem. Todas as culturas, no
momento de seu ocaso, sonham com a possibi-
lidade de se tornarem sustentáveis. A crise
ambientalo requer apenas um ato de arrepen-
dimento acompanhado de um propósito de boa
conduta. Precisamos repensar as formas adap-
tativas da cultura em sua totalidade, da tec-
nologia ao mito (Ángel Maya, 1995: 116).
Conscientização
Por sua vez, o conceito da conscientização,
ou da tomada de consciência, tem estado pre-
sente no discurso da Educação Ambiental prati-
camente desde seu reconhecimento como tal. O
Programa Internacional de Educação Ambiental
(PIEA) operacionalizado pela Unesco e pelo
PNUMA (1975-1995), que constituiu o primeiro
nível de trabalho de três níveis complementares,
propôs-se a contribuir no sentido de promover
uma conscientização generalizada da necessida-
de da Educação Ambiental (desde seus inícios
até 1978). De modo semelhante, a definição acor-
dada no Workshop Sub-Regional de Educação
Ambiental para o Ensino Médio, realizado em
Chosica, Peru, em 1976, definia a Educação
Ambiental como "uma ação educacional perma-
nente, pela qual a comunidade educacional ten-
de a tomar consciência de sua realidade global
I...1". Seguindo a mesma linha, o documento sín-
tese do Congresso de Moscou (1987) concebia a
Educação Ambiental como "um processo perma-
nente, pelo qual os indivíduos e a coletividade
cobram consciência de seu meio e adquirem os
conhecimentos, os valores, as competências, a
experiência e também a vontade para atuar, in-
dividual e coletivamente, no sentido de resolver
problemas atuais e futuros do meio ambiente".
Podemos citar muitos outros exemplos de
declarações e resoluções que mencionam a
conscientização ou a tomada de consciência
como um dos propósitos da Educação Am-
biental. Entre autores individuais, a noção tam-
m é bastante freqüente. Caride (1991: 62), por
exemplo, assinala que "a Educação Ambiental
assume, pelo menos, um objetivo claramente
definido: tornar os homens conscientes de que
seu compromisso com o futuro da humanidade
exige que eles aprendam a pensar e atuar com
base em novos critérios".
O que significa tomar consciência ou ser cons-
ciente de algo? Trata-se de algo pouco estabeleci-
do. Na Carta de Belgrado (1975), que define as seis
áreas dos objetivos nos quais a Educação Am-
biental deve trabalhar- 1) cobrar consciência; 2)
conhecimentos; 3) atitudes; 4) habilidades; 5) ca-
pacidade de avaliação; 6) participação -, a
conscientização é definida de maneira bastante
tautológica: "Fazer com que os indivíduos e os
grupos constituídos adquiram uma maior cons-
ciência do ambiente global e de seus problemas,
mostrando-se sensíveis em relação a eles". Em
apoio às idéias apresentadas acima, recorro a uma
citação de Colom e Sureda (1989: 75) que aborda
a multiplicidade de significados desse conceito.
Além da inexistência da consciência ecológica -
a Educação Ambiental como estratégia para a
conservação da natureza e, conseqüentemente,
para a conservação da vida no planeta, inclusive
da vida humana -, carecemos também da sensi-
bilidade pedagógica necessária para formar os
futuros professores em esquemas educacionais
adequados para as situações socioculturais e eco-
nômicas com as quais nos depararemos.
De qualquer forma, em Educação Ambiental
sempre partimos da premissa de que a tomada
de consciência de alguma coisa, de um proble-
ma que pode estar afetando nossa saúde ou qua-
lidade de vida,o se transforma automatica-
mente em um hábito ou atitude ambientalmente
adequada. A seqüência entre estarmos informa-
dos a respeito de algum problema e tomarmos
consciência dele, participarmos de atividades de
prevenção ou mitigação desse problema e ou-
tros,o é linear. Esse tema é complexo e pouco
conhecido na prática, pois ele está vinculado a
todo um conjunto de fatores intersubjetivos, que
nos impedem de ter respostas e estratégias pe-
dagógicas uniformes e bem-sucedidas para to-
dos os casos. Na prática, temos constatado, há
muito tempo, que muitas pessoas que partici-
pam ativamente de programas que exigem uma
participação intensa, e às vezes prolongada,o
o necessariamente as mais informadas ou
conscientes do problema.
Sensibilização
A noção de sensibilização tem, por sua vez,
sido associada a "um primeiro contato com o
problema", mediante a disponibilização de infor-
mações gerais para motivar o interesse dos par-
ticipantes (González Gaudiano, 1985). Essa no-
ção tambémo é clara e bem definida. Giolitto
(1984:122) salienta que a escola recebe a missão
de desenvolver uma Educação Ambiental "des-
tinada a sensibilizar os jovens para os perigos que
ameaçam nosso meio de vida e a adotar uma ati-
tude espontaneamente protetora". O texto pas-
sa a idéia de que se trata de algo que vai além de
um primeiro contato, quase equivalente ao sen-
tido proposto para conscientização. No entanto,
quando descreve os princípios da pedagogia do
meio ambiente, mais adiante, ele afirma que "A
sensibilização é possível desde o jardim-de-in-
fância, como também é possível, nesse nível,
uma primeira iniciação das crianças em relação
aos problemas ambientais. Nunca é cedo demais
para se forjar hábitos e estabelecer comporta-
mentos" (p. 150) Com essa afirmação, o autor
parece sugerir que a sensibilização constitui uma
etapa preliminar da iniciação.
Uma contribuição, que talvez revele o senti-
do atribuído à noção de sensibilização, nos foi
dada por Canal, Garcia ePorlán (1981:15), quan-
do afirmam que:
As formas de relação do homem com seu ambi-
ente poderiam ser resumidas em três tipos essen-
ciais: o tipo correspondente à esfera do emocio-
nal {sensações das mais diversas geradas pela na-
tureza, impressões estáticas, atividades de lazer
e lúdicas...), o tipo relacionado aos processos
produtivos (a natureza vista como fonte de recur-
sos) e o tipo associado a aspectos cognitivos (à
tentativa de compreender e explicar).
Como podemos ver, a noção de sensi-
bilização é muito limitada em termos de seu
âmbito e também de sua permanência no tem-
po. Na sua concepção mais comum, a sensi-
bilização representa uma condição temporal
dos indivíduos que, de qualquer maneira, pode
ser aproveitada como base para outros tipos de
medidas capazes de produzir um nível mais
profundo de comprometimento. Isso é mais
evidente em determinados grupos da popula-
ção, como, por exemplo, entre os jovens, cujos
interesseso muito variáveis e múltiplos e
cujos compromissoso muito transitórios
(erráticos), razão pela qual exigem estratégias
especificamente desenvolvidas para essas ca-
racterísticas, que evitem comportamentos ro-
tineiros, que impliquem atividades muito dinâ-
micas e que apresentem resultados positivos em
prazos relativamente curtos.
Por tudo o que foi dito anteriormente, pode-
mos ver que a Educação Ambiental tem se base-
ado em um conjunto de conceitos polissêmicos,
cujos sentidos, embora já bastante conhecidos,
o podem ser facilmente operacionalizados em
estratégias pedagógicas concretas. Como pode-
mos saber que cobramos consciência de um pro-
blema do ambiente que afeta a qualidade de vida
de uma comunidade? Como podemos saber que
conseguimos sensibilizar um grupo específico
para participar de determinado projeto? Além
disso, como podemos avaliar a formação ou o es-
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
clarecimento de valores ambientais que consti-
tuem a base primária dos sistemas culturais?
A busca de respostas para essas perguntas
certamente constitui a história da Educação
Ambiental e de suas múltiplas aproximações
pedagógicas; no entanto, como ocorre freqüen-
temente na esfera do educacional, essas respos-
tas, mesmo quando encontradas, costumam ser
questionadas.
A alfabetização ambiental
Considerando o que foi exposto, podemos
inferir que o conceito de alfabetização abrange
uma gama mais ampla de possibilidades teóri-
cas e práticas para a Educação Ambiental.o
pretendo sustentar que é nesse conceito que re-
side a resposta para todos os complexos desafi-
os mencionados no processo de se construir uma
Educação Ambiental que satisfaça os numero-
sos e intricados problemas ambientais que o
mundo está enfrentando, atualmente. No entan-
to, ele nos oferece melhores possibilidades e tal-
vez nos permita reativar um debate que tem per-
dido força, ultimamente.
Em primeiro lugar, porque o conceito de al-
fabetização faz parte do corpus pedagógico há
tempos imemoráveis, razão pela qual eleo é
estranho ao conjunto dos profissionais de edu-
cação, independentemente do espaço específi-
co no qual se exerça uma determinada prática,
mesmo que ela apresente o viés reducionista cri-
ticado anteriormente.
Em segundo lugar, porque, como propus na
primeira parte desta dissertação, o conceito de al-
fabetização está vinculado a questões políticas e
éticas, que nos permitem contrabalançar os per-
niciosos efeitos do legado de uma prática de Edu-
cação Ambiental que colocou no centro de seu
ethos a conservação da natureza, mas uma conser-
vação da natureza que prescinde de determinados
grupos humanos.
6
Uma Educação Ambiental que
busca a conservação a qualquer custo.
7
Em terceiro lugar, porque o conceito de alfa-
betizaçãoo se restringe ao âmbito escolar, pois
está também associado a diversos agentes soci-
ais interessados em transmitir suas visões pró-
prias do mundo dentro de estruturas de poder
estabelecidas nos sistemas políticos. Por exem-
plo, os meios de comunicação de massa ou as
empresas transnacionais.
Em quarto lugar, porque nos permite falar,
também, de alfabetizações (no plural), para ca-
racterizar os vínculos entre o conteúdo e os am-
plos propósitos humanos, sistemas de valores e
modos de vida e de ser; diferenças que podem
ter grande relevância política (Lankshear e
McLaren, 1993: 9).
o obstante, o conceito de alfabetização
ambiental nem sempre é adequadamente apli-
cado. Por exemplo, no texto do Memorando de
Entendimento sobre Educação Ambiental as-
sinado por México, Estados Unidos e Canadá
(17/9/1992), o conceito de "alfabetização (literacy)
ambiental" foi traduzido na versão em espanhol
como "conscientização" e, na versão em francês,
como "cultura", confirmando a presença das con-
fusões assinaladas antes. O conceito foi defini-
do como "uma educação funcional básica para
todas as pessoas, que lhes proporcione os conhe-
cimentos, as habilidades e as motivações neces-
sárias para enfrentar os requisitos ambientais e
contribuir no sentido de promover o desenvol-
vimento sustentável". Como se pode observar, a
distinção é estabelecida nos adjetivos "funcio-
nal e básica", mas a diferença entre alfabetiza-
ção e Educaçãoo é esclarecida.
Recuperar a alfabetização como uma idéia
que funciona como força-motriz para a Educação
Ambiental pode nos permitir reativar as perspec-
tivas desse importante campo pedagógico, dian-
te dos precários resultados obtidos nas duas últi-
mas décadas. Resultados pelos quais a Educação
Ambientalo pode ser responsabilizada, já que
ela continua desempenhando um papel marginal
e subsidiário em nossa região, tanto nos sistemas
educacionais escolarizados como nos processos
de gestão ambiental, em que pese a relevância a
Para uma excelente exposição de experiências conservacionistas que excluíram grupos locais, ver Guha e Martínez Alier (1997: 92-108),
que relatam, entre outros, o caso do biólogo David Jantzen em relação ao Parque Nacional Guanacaste e ao INBio, na Costa Rica.
' Para uma discussão sobre esse aspecto, ver González Gaudiano (1998: Xlll-XIVe 71-80).
ela atribuída nos discursos institucionais. A Edu-
cação Ambiental continua sendo vista como uma
área emergente, porém prescindível, segundo os
acontecimentos do momento. Ela continua sen-
do uma área de educação especial, uma moda,
que na maioria dos casos é abordada com medi-
das e decisões pouco importantes e banais, uma
vez que as recomendações sobre interdisciplina-
ridade, transversalidade e multidimensionalidade
discutidas há pelo menos vinte anos aindao
foram implementadas na prática.
Esse fato é muito importante atualmente, já
que condições estão sendo geradas por meio dos
organismos das Nações Unidas, principalmente
por meio da Unesco, como responsável perante
a Comissão para o Desenvolvimento Sustentá-
vel (CDS) prevista no Capítulo 36 da Agenda 21,
para se substituir a noção de Educação
Ambiental pela de educação para o desenvolvi-
mento sustentável." No entanto, todo esse mo-
vimento produzirá uma mudança meramente
cosmética, se as conceitualizações e estratégias
para revitalizar esse campoo forem
reformuladas.
9
Poder-se-ia inclusive dizer que a
substituição da noção está ocorrendo precisa-
mente em decorrência dos escassos resultados
e do papel pouco transcendente que a Unesco
vem desempenhando nesse campo, ao qual só
se dedica em determinados momentos e circuns-
tâncias, eo como parte de suas estratégias
permanentes. Por exemplo, no importante docu-
mento .4 educação encerra um tesouro, resultan-
te dos trabalhos da Comissão Delors (1997) para
definir os caminhos da Educação mundial dian-
te dos grandes desafios do século XXI, a Educa-
ção Ambiental, ou seu equivalente relacionado
à sustentabilidade, é recuperada no texto com
uma importância pouco inferior à marginal.
10
Por essas razões,o estou me propondo
novamente a falar sobre uma alfabetização eco-
lógica, entendida como um resultado que per-
mita às pessoas dominar e aplicar conceitos eco-
lógicos e que se apoia numa perspectiva na qual
os conceitos estão vinculados à demonstração
prática de determinadas habilidades (Charles,
1996: 133). Como reconhece a própria Cheryl
Charles, issoo é suficiente, poiso necessá-
rias articulações com um programa de Educa-
ção Ambiental de maior alcance, que envolva
definições de cidadania.
Tampouco estou me referindo a uma alfabeti-
zação que enfatize uma leitura catastrofista,
apocalíptica, que, em vez de gerar estímulos, pa-
ralise ou desincentive. A crítica de Sauvé (1997: 2)
é muito ilustrativa do estado dessa questão:
Após duas décadas de uma certa alfabetização
ambiental, orientada no sentido da transmissão
de informações relacionadas a problemas e ame-
aças, começam a surgir alguns sinais de "desin-
teresse" pelo meio ambiente. Por sentir-se alie-
nada, e às vezes impotente e culpável, uma parte
do público corre o risco de se desinteressar pelo
meio ambiente da mesma maneira que perdeu
interesse pela fome no Sahel, por exemplo: o pro-
blema é muito amplo, demasiado distante, e nos
rebaixa. De que adianta uma gota d'água...? Além
disso, nossos problemas econômicosoo
prioritários? (Tradução livre]
Assim, dando à alfabetização ambiental o
enfoque de formação de uma cidadania crítica,
vemos com mais clareza onde devemos atuar para
que as pessoas possam novamente compreender
que a Educação Ambientalo diz respeito ape-
nas à proteção da vida silvestre ou à conservação
de áreas naturais protegidas. Vemos, também, que
a Educação Ambientalo se restringe apenas a
8
A CDS é o organismo criado pela ONU após a Reunião de Cúpula realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO-92) para dar seguimento aos
compromissos estabelecidos na Agenda 21.
9
Sobre esse tema, existe uma extensa polêmica relatada a partir de diversos espaços por diferentes veículos, principalmente pelo Canadian
Journal of Environmental Education. Ver volume 4, 1999. Essas críticas questionam a substituição em questão com base em diferentes
argumentos. No entanto, a proposta está em andamento. Observe, por exemplo, o fato de que o capítulo 36 da própria Agenda 21 jáo
menciona explicitamente o conceito de Educação Ambiental.
10
Da mesma maneira, na mais recente Reunião de Ministros de Educação da América Latina e do Caribe, convocada pela Unesco para
discutir, entre outros, o tema do Projeto Principal de Educação para a região, realizada em Cochabamba, Bolívia, em março de 2001, o tema
da Educação Ambientalo foi sequer mencionado nas resoluções.
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
nos ensinar a seguir desgastadas recomendações
sobre como devemos separar resíduos domésti-
cos, limpar prédios urbanos ou promover reflo-
restamentos simbólicos em determinadas datas.
Ações que perdem o sentido quando, por exem-
plo, as pessoas "lêem" que os resíduos existem
porque sua geração depende de certos estilos de
produção, distribuição e consumo de mercadori-
as e serviços, e que elas vivem sob as leis de um
mercado neoliberal que constantemente exige
produtos novos, cada vez mais atraentes para o
consumidor, o que implica uma produção exces-
siva de embalagens e publicidade, que
freqüentementeo é regulada pelo Estado.
Para tirar a Educação Ambiental do maras-
mo e efetivamente contribuir para a construção
de uma cidadania ambientalmente responsável,
precisamos enfocar intensamente temas e pre-
ocupações que dizem respeito à vida cotidiana
das pessoas. Em outras palavras, precisamos de-
senvolver uma Educação Ambiental que promo-
va estratégias de alfabetização que possibilitem
às pessoas compreender as razões do desempre-
go, da violência, da falta de esperança, da degra-
dação do meio ambiente, e vincular essas razões
às condições particulares de sua qualidade de
vida, de seu entorno vital. Uma vez lançadas es-
sas bases, as pessoas poderão tomar suas pró-
prias decisões de intervir nas áreas que afetam
suas vidas e exercer seu poder.
Quando aplicamos esse conceito de alfabeti-
zação as mesmos, percebemos facilmente as
inúmeras deficiências de nossa prática e onde so-
mos analfabetos ambientais. Por exemplo, somos
analfabetos quando nao conseguimos decodificar
os interesses embutidos nos discursos que circu-
lam no campo do ambientalismo, em geral, e da
Educação Ambiental, em particular. Interesses que
o transmitidos por meio dos projetos pedagógi-
cos que implementamos, pensando que assim
estamos contribuindo para a salvação do mundo.
Luke (1997: 115-136) denuncia como diver-
sos livros que estão na moda (que foram tradu-
zidos para o espanhol) - a exemplo de um muito
conhecido, intitulado, em espanhol, 50 acciones
sencillas que puedes hacer para salvar Ia Tierra,
que pode ser encontrado até em supermercados
- pretendem transferir a responsabilidade pela
deterioração do meio ambiente ao consumidor,
colocando em seus ombros as medidas que de-
vem ser adotadas e desviando a atenção da res-
ponsabilidade das empresas e do estilo de vida
consumista que preconizam; livros desse tipo
enfraquecem, também, as possibilidades de or-
ganização para uma ação política direta e minam
o ambientalismo radical.
[...] o culto à reciclagem e o chamamento à salva-
ção da Terrao estão libertando a natureza da
exploração tecnológica. Pelo contrário, eles so-
mente geram uma torrente de alívio que ameniza,
maso elimina, o vendaval destrutivo de uma
economia e uma cultura que florescem na trans-
formação da ordem orgânica da natureza na anar-
quia inorgânica do capital (Luke, 1997: 134-135).
Quantos deso promovemos a recicla-
gem do lixo doméstico como uma boa prática
ambiental, que nos permite introduzir outros ti-
pos de atividades de maior transcendência, en-
quanto deixamos de questionar precisamente os
esquemas comerciais que obrigam o cidadão a
produzir esse lixo.'' A alfabetização ambiental crí-
tica nos previne contra o ativismo febril no qual
nos vemos freqüentemente imersos, essa espécie
de terapia ocupacional que nos leva a participar
de cruzadas em defesa do meio ambiente, ao mes-
mo tempo que deixamos intactos nossos cômo-
dos estilos de vida, que exigem uma crescente sa-
tisfação material. É uma forma de expiarmos nos-
sas culpas, "esverdeando" algumas de nossas con-
dutas e atividades públicas. Mas, acima de tudo,
e o que é ainda mais grave, deixando intactos os
sistemas econômicos nos quais se sustentam as
irreparáveis formas de desapropriação dos recur-
sos ambientais e de exploração da força de traba-
lho de enormes contingentes de homens e mu-
lheres, a quemo proporcionamos possibilida-
des de compreender as iniqüidades que caracte-
rizam o momento atual, para que possam traçar
1
' Consideremos, por exemplo, o conjunto de instruções detalhadas contidas no texto de Day e Monroe (2001) para motivar as pessoas a se comprome-
terem com atividades de reciclagem de lixo sem abordar, em momento algum, o problema da origem desse lixo e do por quê ele é produzido.
estratégias de luta e resistência coletivamente.
Por essas razões, o conceito de alfabetização
ambiental, com toda a sua carga significante ar-
ticulada com o poder e a diferença (política e
ética), responde mais adequadamente aos pro-
cessos teóricos que emergem do pós-modernis-
mo, onde fenecem os inveterados projetos
totalizantes, trans-históricos, e o caráter abso-
luto dos fundamentos do pensamento moderno
sofre erosão, propondo-se, em seu lugar, um
mundo multirreferenciado e relacionai, no qual
a diversidade de significados apela à pluralida-
de de vozes, que começam a recuperar o espaço
legítimo do qual foram deslocadas pelos códi-
gos culturais e políticos universalizantes.
Para a América Latina e o Caribe, o conceito
de alfabetização vem a ser um elemento contin-
gente, ou seja, externo ao discurso mais conven-
cional do campo da Educação Ambiental em nos-
sa região. No entanto, essa irrupção do contingen-
te pode dar um novo alento constitutivo a esse
campo, a seus processos e suas práticas, a nossos
discursos e a quem consideramos seus sujeitos.
Pela alfabetização ambiental, podemos acio-
nar as distintas formas discursivas dos diferentes
grupos sociais, as quais, em que pese seu caráter
precário, diferencial e instável, estão vinculadas a
processos de identidade, ou seja, a sistemas de sig-
nificados socialmente compartilhados, que cons-
tituem os sujeitos que pertencem a esses grupos.
Isso é básico para se poder educar no sentido não-
bancário de que falava Freire, pois nos permite re-
conhecer que educaro é transmitir somente o
que é julgado culturalmente valioso pelos que de-
m posições de poder e definem o que é educaci-
onal ou não. No campo da Educação Ambiental,
seria como dar absoluta liberdade às concepções
que promovem uma educação para defender o tipo
de mundo de que apenas alguns usufruem.
Uma alfabetização ambiental crítica pode
nos capacitar para encontrar novas formas de co-
nhecimento e possibilidades estratégicas, des-
centralizando as margens de luta e resistência.
Pode, também, nos ajudar a desmascarar inten-
ções que distorcem a verdadeira dimensão dos
problemas, com discursos contestadores que só
oferecem caminhos sem saída, que prometem o
retorno a uma espécie de paraíso bíblico, a par-
tir de um esoterismo ecológico ou antiindustria-
lismo verde beligerante.
A alfabetização ambiental permite aos edu-
cadores e educandos reconhecer mais facilmente
como se transmitem e constróem os significa-
dos culturais do meio ambiente, nos quais se
insere a formação de sujeitos sociais concretos
no contexto de relações específicas de poder.
12
A alfabetização e o conhecimentoo elemen-
tos inextricavelmente ligados, constituindo for-
mações discursivas que organizam significados
para se pensar, fazer e ser no mundo. Isso é im-
portante no campo da Educação, porque, final-
mente, se trabalha com significados, próprios ou
de outros, nos processos educacionais, e é aí que
reside a diferença. Porque "os significadoso
cruciais para o ser humano, já que a vida está
significativamente organizada em torno de va-
lores, propósitos, conceitos, idéias, ideais, ritu-
ais, noções de realidade e assim por diante"
(Lankshear e McLaren, 1993: 10).
É impossível tentar compreender o mundo, a
natureza e o próprio ser humano à margem da
construção de significados. É impossível, tam-
bém, tentar compreender a importância da Edu-
cação Ambiental em um mundo que nos é
ininteligível. Para que salvar o mundo, se sua sal-
vaçãoo tem significado para as pessoas? Ainda
o conseguimos convencer as pessoas de que o
mundo deve ser salvo para o homem e a mulher
comuns, para seus filhos e para os filhos de seus
filhos. Quando conseguirmos fazê-las compreen-
der que esse imaginário é possível por meio da
alfabetização. E quando os compromissos pelos
quais vale a pena lutar forem referendados, tere-
mos tirado a Educação Ambiental do coma.
12
Um caso com repercussões políticas no contexto mexicano foi a reversão de uma autorização governamental para a construção de hotéis de
grande porte para turistas, em 164 hectares da chamada Riviera Maia, na costa do estado de Quintana Roo. mais particularmente nas baías
de Xcacel e Xcacelito. locais onde duas espécies de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção colocam seus ovos: a targaruga caguama
e a tartaruga branca. Esse caso implicou uma firme tomada de posição de grupos da sociedade civil, especialmente o Grupo Ecologista do
Mayab (GEMA)o somente contra decisões dos governos local e federal, mas também contra os detentores do grande capital, que amea-
çaram aplicar sanções econômicas e disseram que ocorreriam problemas sociais importantes, se a autorização fosse revertida.
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Bibliografia
ÁNGEL MAYA, A. La fragilidad ambiental de Ia cultura. Santafé
de Bogotá: UNC-ldea. 1995. 127 p.
CANAL, P; GARCÍA. J. E.; PORLÁN, R. Ecologia y escuela.
Teoria y práctica de Ia educación ambiental. Barcelona:
Laia, 1981. 241 p. Cuadernos de Pedagogia, 10.
CARIDE, J. (Coord.). Educación ambientat. realidades y pers-
pectivas, 1991. 317 p.
CASTELLS, Manuel. El reverdecimiento dei yo: Ia factoría,
1998.
CHARLES, Cheryl. Ecological literacy is not enough.
International Research in Geographical and Environmental
Education, 1996, v. 5.
COLOM, C. La lectura pedagógica de Ia educación ambiental.
In: Educación ambiental. Sujeto, entorno, sistema, 1989.
173 p.
DAY, Brian A.; MONROE, Martha C. (Eds.). Educación y
comunicación ambientales para un mundo sustentable.
Manual de experiências internacionales. México: Usaid-
Green Com-Gea, 2001. 225 p.
DELORS, Jacques. La educación encierra un tesoro. Méxi-
co: Unesco. 1997. 302 p.
DILTHEY, Wilhelm. Teoria de Ias concepciones dei mundo.
México: Conaculta-Patria, 1990. 149 p.
DOBSON, Andrew. Pensamiento politico verde. Una nueva
ideologia para ei siglo XXI, 1997. 270 p.
FREIRE, Paulo. La educación como práctica de Ia libertad.
México: Siglo XXI/Tierra Nueva, 1974 [1969]. 151 p.
. Pedagogia dei oprimido. México: Tierra Nueva/
Siglo XXI, 1981 [1970]. 245 p.
. Pedagogia dei médio ambiente. Princípios de
ecologia, 1984.202 p.
GIROUX, Henry A. La ensehanza, Ia alfabetización y Ia polí-
tica de Ia diferencia. In: GIROUX, Henry A.; FLECHA,
Ramón. Igualdad educativa y diferencia cultural. Barce-
lona: El Roure. 1992. 196 p.
GONZALEZ GAUDIANO, Edgar et ai. Lineamientos
conceptuales y metodológicos de Ia educación ambiental
no formal. México: Sedue, 1985. 24 p.
. En busca dei ambiente perdido. In: AGUILAR,
Margot; GÜNTER, Maihold (Comp.). Hacia una cultura
ecológica. México: FES, 1990. 286 p.
. Centro y periferia de Ia educación ambiental.
Un enfoque antiesencialista, 1998. 89 p.
GONZALEZ L. de G., Francisco. Ambiente y desarrollo, 1996.
101 p.
GUHA, Ramachandra; MARTÍNEZ-ALIER, Juan. Varieties of
environmentalism. New Delhi: Oxford University Press,
1997. 230 p.
LANKSHEAR, C; McLAREN. P (Eds.). Criticai literacy.
Politics, práxis, and the postmodern, 1993. 443 p.
LUKE, T Ecocritique. Contesting the politics of nature,
economy, and Culture, 1997. 253 p.
SAUVÉ, Lucie. Pour une éducation relative à l'environnement.
Montreal: Guérin, 1997.
STERLING. Stephen. Sustainable education. Re-visioning
learning and change, 2001.
públicas, meio ambiente e
Educação Ambiental: o novo contexto
Bernardo Kipnis*
Resumo
O presente trabalho busca contextualizar as
políticas educacionais para o meio ambiente,
centradas principalmente na Educação Ambiental,
em relação às mudanças quem ocorrendo nas
dimensões econômica, política e social da socie-
dade contemporânea, desde a década de 1970.
Apresenta, inicialmente, as principais caracterís-
ticas do paradigma fordista de desenvolvimento e
sua crise, destacando a questão ecológica como
uma de suas decorrências. Em seguida, descreve
as características do novo modelo de acumulação
capitalista que se delineia e suas implicações para
uma nova compreensão da política pública, com
maior participação da sociedade civil. Finaliza com
alguns comentários sobre o papel da Educação
Ambiental e a legislação recente proposta como
possibilidade concreta na busca de melhores con-
dições para o desenvolvimento humano.
"Professor adjunto da Universidade de Brasilia.
Introdução
Quando falamos de políticas públicas, na
atualidade, entendemos um contexto diferenci-
ado daquele que se esboçou no pós-guerra e que
foi denominado de paradigma fordista de desen-
volvimento. Centrado na produção industrial,
aquele momento representou um grande com-
promisso entre capital e trabalho, mediado pelo
Estado, para a distribuição, entre os trabalhado-
res, dos ganhos de produtividade alcançados. Já
na década de 1970, esse modelo começou a apre-
sentar sinais de esgotamento, aprofundado na
década de 1980, principalmente em função das
inovações tecnológicas surgidas, que acabaram
revolucionando as noções de tempo e espaço ge-
ográfico. Novas exigências implicaram mudan-
ças na organização econômica e política em-
vel nacional e no estabelecimento de uma nova
ordem econômica internacional.
A questão ecológica acompanha esse desen-
volvimento e surge como conseqüência da pró-
pria crise gestada. Pode-se dizer que essa ques-
oo é nova enquanto preocupação, porém
somente entra como parte da agenda política da
sociedade e passa a se constituir como um cam-
po específico de atuação da política pública mais
recentemente, sobretudo a partir da atuação e
organização da sociedade civil, inicialmente, nos
países desenvolvidos.
No campo educacional, presenciamos diver-
sas tentativas de incorporação das novas
tecnologias, principalmente da informática,
dentro da idéia de long life learning, o aprendi-
zado ao longo da vida, no sentido de que, para a
realidade presente e para o seu futuro, a Educa-
ção deve ser continuada, tornando fluido o li-
mite entre escola e trabalho, em termos de tem-
po e espaço. Na sociedade, denominada do co-
nhecimento, a gestão da informação de forma
autônoma torna-se primordial e passa a exigir
meios diferenciados que facilitem e democrati-
zem o aprendizado. A idéia da educação a dis-
tância mediada pelas novas tecnologias adquire
força, na medida em que representa uma forte
contribuição para essa possibilidade, permitin-
do a elevação do nível de escolarização e a im-
plementação de uma educação continuada em
diferentes espaços educacionais.
De outro lado, fazendo parte desse mesmo
processo de transformação que vivenciamos, a
educação passa a contemplar temáticas conside-
radas anteriormente como fora dos campos dis-
ciplinares tradicionais. Dentro das reformas
educativas recentes, no Brasil, a introdução de
temas transversais perpassando a grade curricular
da formação da criança e dos jovens na escola é
representativa desse novo contexto, cabendo à
Educação Ambiental um papel relevante nessa
nova preocupação exigida por um novo modelo
de produção e organização sociais.
O presente texto procura colocar em debate
essa nova realidade nas seções seguintes. Partin-
do de uma caracterização sintética do que se
convencionou chamar de paradigma fordista de
desenvolvimento, aponta-se para os seus limi-
tes e para as mudanças daí decorrentes, com um
foco no surgimento da questão ecológica. Em
seguida, esboça-se as conseqüências dessas
mudanças, em relação ao papel do Estado e às
políticas públicas a serem propostas dentro des-
se novo contexto, e as implicações específicas
para a relação educação - meio ambiente. Fina-
liza-se, apontando para possíveis perspectivas
dentro das transformações indicadas.
0 paradigma fordista de
desenvolvimento e a questão
ecológica
Lipietz (1989) aponta duas características
básicas desse paradigma: a adoção dos princípi-
os tayloristas de administração, racionalizando
a produção a partir da separação entre blue
collars e white collars, ou seja, o grupo pensante
e o grupo operante, dentro de cada empresa, e a
mecanização da produção com a elevação da
produtividade e do volume de bens de capital
por trabalhador.
Dentro desse processo industrial do traba-
lho de produção de massa, para consumo tam-
m de massa, surge o problema da organiza-
ção da demanda social acima da competição
entre as empresas. Das alternativas existentes,
aquelas centralizadas no Estado, tanto pelo lado
da esquerda, com o stalinismo, ou da direita, com
o fascismo, demonstraram logo seus limites e
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
foram derrotadas. A perspectiva da social-demo-
cracia, com o welfare state, apresentou maior
longevidade e representou um grande compro-
misso entre empregadores e sindicatos para a
melhor redistribuição dos ganhos de produtivi-
dade ocorridos, levando a um aumento nos sa-
lários reais e à estabilidade nos lucros, com ple-
no emprego e uso da capacidade das firmas.
Do ponto de vista da regulação da economia,
montou-se uma legislação social com o estabele-
cimento do salário mínimo e dos acordos coleti-
vos bem como um Estado de Bem-estar, com um
seguro social capaz de garantir os trabalhadores
enquanto consumidores, sustentando, assim, a
demanda social agregada associada aos gastos do
Estado. Em paralelo, adotou-se um sistema de
crédito monetárioo associado ao padrão ouro,
como forma também de assegurar a demanda
pelo consumo de massa. Ressalta-se o fato de que
esse compromisso foi conseguido a partir da pres-
o dos trabalhadores organizados em sindicatos,
cujo papel naquele momento foi central para o
desenvolvimento do modelo.
Esse grande compromisso começa a apresen-
tar uma situação de crise na medida em que os
ganhos de produtividade começam a cair sem,
no entanto, serem acompanhados por uma re-
dução nos salários e no custo do capital fixo, ge-
rando uma queda nos lucros. O reflexo dessa cri-
se se traduziu em uma situação de "estagflação"
dos anos 1970 e na dívida externa dos países em
desenvolvimento nos anos 1980.
No Brasil, a repercussão desse paradigma
pode ser visualizada no modelo do nacional-
desenvolvimentismo, que enfatizava o naciona-
lismo, o desenvolvimentismo, o protecionismo,
a ênfase no mercado doméstico e a poupança
forçada pelo Estado com aplicação na criação de
empresas estatais ou como subsídio às empre-
sas privadas (Bresser Pereira, 1996). Como país
sempre dependente da acumulação dos países
desenvolvidos, o Brasil participa desse processo
com uma industrialização tardia e com uma
grande centralização estatal.
O compromisso fordista tambémo levou
em conta, desde o seu início, a questão ecológi-
ca. Enquanto a economia se preocupa com as
regularidades das ações humanas para desenvol-
ver os espaços, tanto público como privado,
constituindo-se no estudo das atividades huma-
nas de produção e distribuição do produto so-
cial, a ecologia está preocupada com os signifi-
cados dessas ações, sua racionalidade, buscan-
do estudar a relação dessas atividades com o
meio ambiente. Nessa perspectiva, ninguém se
preocupou em pagar o custo da exploração
destrutiva da natureza para atender a uma soci-
edade de consumo de massa. No entanto, o-
bito ecológico deve ser pago em algum momen-
to com a diferença de queo pode ser
reescalonado.
Brotado da sociedade civil, o movimento
ecológico buscou uma forma de ação política,
tanto partidária quanto por meio de organiza-
ções não-governamentais, no sentido de se co-
locar dentro das agendas políticas dos Estados
nacionais. Iniciando-se pelos países desenvolvi-
dos, adquire uma expressão internacional mais
contundente com a realização da II Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-
senvolvimento (ECO-92), no Rio de Janeiro, de-
rivando daí a perspectiva de formulação da
Agenda 21, programa para ser colocado em prá-
tica a partir da sua aprovação, em 14 de junho
de 1992, ao longo do século XXI, em todas as áre-
as que interfiram no meio ambiente, conforme
a necessidade de governos focarem suas políti-
cas em um processo de desenvolvimento susten-
tável, que leve em conta a questão ecológica.
A globalização e
a reforma do Estado
Dupas (1999) aponta para dois movimentos
do capitalismo resultantes da crise do paradigma
fordista. Por um lado, a revolução tecnológica,
de meados dos anos 1970, repercutiu nas estra-
tégias de produção e distribuição das empresas
e no mercado financeiro internacional. De acor-
do com as possibilidades instantâneas de deslo-
camento e comunicação, o capital adquiriu a
mobilidade requerida pela globalização da pro-
dução, gerando simultaneamente um processo
de concentração, com a criação de "gigantes"
mundiais, associado no entanto a uma onda de
fragmentação, observada por meio de
terceirizações, franquias e informalização do tra-
balho. Por outro lado, o segundo movimento as-
socia-se ao conflito entre inclusão versus exclu-
o no processo produtivo e de consumo, geran-
do, de um lado, um desemprego estrutural cres-
cente e, de outro, a necessidade da incorpora-
ção de novos mercados pela queda nos preços
dos produtos.
A conseqüência do estabelecimento de um
modeloo mais industrial, e sim de serviços,
pode ser observada com o fracionamento da ca-
deia produtiva e com o impacto na organização
dos trabalhadores. A constituição de sindicatos,
resultantes da organização taylorista do traba-
lho com mão-de-obra intensiva, na busca de ele-
vação do padrão de vida em uma sociedade de
consumo, começa a sofrer um declínio em razão
desse novo padrão de acumulação, mais auto-
matizado e fragmentado. Essa nova rearticulação
das empresas e o aumento proporcional de tra-
balhadores white collars, com uma organização
mais flexível e menos hierárquica, leva a uma
quebra na isonomia salarial, base de sustenta-
ção das reivindicações.
Essa perspectiva globalizada de acumulação
capitalista traz implicações em relação ao papel
do Estado nesse processo. A visão keynesiana do
Estado, como sustentador da demanda social,
apresenta os seus limites evidenciados por sua
crise fiscal entrando em um processo de endivi-
damento, já incapaz de sustentar o grande com-
promisso fordista assumido. A globalização, que
reduziu a autonomia dos Estados para formular e
implementar políticas e a sua crise fiscal, torna
fundamental uma redefinição do seu papel.
Nesse contexto, o debate entre público e pri-
vado assume um novo contorno permitindo uma
ampliação de sua compreensão. Agora, o público
o exclusivamente deve estar sob a órbita do Es-
tado, mas pode apresentar uma forma de propri-
edade pública, porémo estatal. A emergência
das políticas públicas que podem também ser
desenvolvidas pelo chamado terceiro setor - no
qual o objetivoo é a maximização do lucro -
aponta para esse novo modelo. Quanto às formas
de administração do Estado, cada vez mais se
abandona o modelo burocrático, baseado em
normas a serem seguidas, para um modelo
gerencial, com um caráter empreendedor, mais
voltado para uma avaliação por resultados.
Política pública
e Educação Ambiental
Em que medida as transformações pelas
quais a sociedade humana vem passando,
delineadas nas características aqui apresentadas,
trazem conseqüências para a Educação, especi-
ficamente a Ambiental, surge como um questio-
namento inevitável. Em abril de 1999, o Congres-
so Nacional instituiu a Política Nacional de Edu-
cação Ambiental, por meio da Lei n
e
9.795, defi-
nindo a presença da Educação Ambiental nos
currículos de todos os níveis do ensino formal,
o devendo ser implantada como disciplina
específica.
Trata-se de um passo relevante dentro da
busca por melhores condições sociais, que tan-
to o modelo econômico quanto o político vis-
lumbram. Nesse novo pacto que se procura,o
resta dúvida de que a questão do meio ambien-
te entra em sua composição. E a Educação se
torna um fator essencial nesse processo. Confor-
me as referências dos Parâmetros Curriculares e
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal, a escola busca formar um cidadão crítico da
realidade em que vive, preocupado com o bem-
estar coletivo e com os novos desafios que o de-
senvolvimento impõe (MEC, 2000).
Vimos que as transformações pelas quais o
sistema mundial vem passando está exigindo
um redirecionamento no processo de desenvol-
vimento humano. Globalização, reforma do Es-
tado, redução da pobreza, inclusão social, de-
senvolvimento sustentável, a questão ecológi-
ca, a Educação Ambiental, a educação continu-
ada, tudo isso representa questões e situações
que servem de base a uma reflexão e, principal-
mente, a uma ação social mais consciente e
mais determinada. O papel da política pública
atual está, ao mesmo tempo, no Estado e na
sociedade civil. Somente um sistema de parce-
rias, atualmente, pode oferecer uma saída mais
construtiva, levando em conta as transforma-
ções tecnológicas e estruturais quem ocor-
rendo. Cabe à Educação uma responsabilidade
maior, principalmente em uma sociedade em
que o conhecimento é o fator de produção mais
importante.
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Bibliografia
BRESSER PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do
Estado no Brasil.o Paulo: Editora 34, 1996.
DUPAS, G. Economia global e exclusão social.o Paulo:
Paz e Terra, 1999.
LIPIETZ, A. Towards a neweconomic order. Cambridge: Polity
Press, 1992.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Textos da série Educação
Ambiental, do Programa Salto para o Futuro. Brasília:
MEC, 2000.
Reflexões sobre Educação Ambiental
e os sistemas de ensino
Lucila Pinsard Vianna*
De uns tempos para, fala-se de e faz-se cada
vez mais Educação Ambiental, em todos os âm-
bitos, setores e segmentos da sociedade.o mui-
tas as iniciativas, embora exista muita polêmica
em relação à definição e ao critério de avaliação
sobre as práticas que se denominam como Edu-
cação Ambiental. Hoje, podemos afirmar que Edu-
cação Ambiental é um termo usado no senso co-
mum para qualquer ação que vise à sensibilização
de pessoas acerca da questão ambiental - ainda
queo tenha resultados efetivos, ou que muitos
educadores ambientais se revoltem com o uso
indevido do conceito. O fato é que o termo se tor-
nou um guarda-chuva que abriga informação, co-
municação, sensibilização, formação, ações e in-
tervenções ambientais. Um bom exemploo os
diagnósticos praticados por organizações não-go-
vernamentais sobre práticas denominadas Edu-
cação Ambiental e inclusive pors mesmos.
1
Tais
diagnósticos retratam que as ações definidas
como de Educação Ambiental, muitas vezes ações
isoladas e descontextualizadas, podem ser as mais
diversas possíveis: campanhas, eventos em datas
comemorativas, concursos, cartilhas, manuais etc.
Sem dúvida, a grande quantidade de inicia-
tivas denominadas Educação Ambiental tem va-
lor por si, principalmente se temos em vista a
importância de as pessoas entrarem em contato
com a temática ambiental, ainda que superfici-
almente. Além disso, indicam o interesse e a
grande demanda existente para o trabalho com
esse tema. Mas, na prática, temos tido mudan-
ças significativas? Há muitos projetos interes-
santes, com resultados positivos, maso seri-
am eles muito pontuais?
Esta introdução levanta, ainda que superfi-
cialmente, alguns questionamentos sobre a prá-
tica da Educação Ambiental atualmente no Bra-
sil. Considerando esse contexto, nosso objetivo
neste artigo é refletir sobre a especificidade da
Educação Ambiental na educação formal, e, par-
ticularmente, fazer algumas reflexões sobre a
presença da Educação Ambiental nas institui-
ções de ensino, sob a perspectiva das políticas
públicas, campo de discussão pouco explorado.
Um bom ponto de partida é pensarmos sobre a
grande fragilidade da presença da Educação
Ambiental nas instituições de ensino, nos pro-
gramas e projetos dos sistemas de ensino, nas
políticas públicas e, inclusive, na legislação de
educação.
Isso é fruto da própria história da Educação
Ambiental, que acabou promovendo sua entra-
da no mundo da Educação pelas mãos dos ór-
gãos de meio ambiente e das organizações não-
governamentais ambientalistas. Relembrando a
Coordenadora-geral de Educação Ambiental da SEF/MEC.
A COEA fez um diagnóstico preliminar, no ano 2000, de projetos realizados nas escolas do Ensino Fundamental.
história da concepção da Educação Ambiental,
percebemos que sua concepção é um desdobra-
mento do movimento ambientalista, campo so-
cial que a antecedeu e a englobou.
Por força de sua origem, a Educação Am-
biental está presente em praticamente todos os
documentos e tratados ambientais internacio-
nais. No Brasil,o foi diferente: ela surge ofici-
almente em 1981, com a Lei n
9
6.938/81, que ins-
tituiu a Política Nacional de Meio Ambiente
(PNMA) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente
(Sisnama), definindo o aparato institucional e le-
gal para a gestão governamental do meio ambi-
ente. Essa Lei, mesmo sendo da área ambiental,
eo da educacional, em seu artigo 2- já previa a
Educação Ambiental em todos os seus níveis de
ensino. Em 1988, a Constituição Federal, no seu
artigo 225, ratifica a obrigatoriedade de o poder
público promover a Educação Ambiental em to-
dos os níveis de ensino.
A escola sempre foi vista, pelo movimento
ambientalista e pelos educadores ambientais,
como lugar privilegiado de conscientização e
formação de cidadãos sensíveis às questões
ambientais. Assim, pelas mãos do Sisnama e
das organizações não-governamentais
ambientalistas, a Educação Ambiental chega às
escolas e ao mundo da Educação. Já no final da
década de 1980, muitas iniciativas de trabalho
com Educação Ambientalo surgindo pelo
País, que tomaram um novo impulso a partir
da ECO-92, na II Conferência das Nações Uni-
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro.
Em contrapartida, os sistemas de ensinoo
absorveram e ou incorporaram com a mesma ra-
pidez a Educação Ambiental, como no caso do
Sisnama. Internacionalmente, data de 1977 a 1ª
Conferência Intergovernamental de Educação
Ambiental, quando destaca a implementação da
Educação Ambiental no ensino formal. Na Con-
ferência Intergovernamental sobre Educação, de
1987 (Moscou), recomenda-se a inclusão de
Educação Ambiental nas políticas educacionais
dos países. Nesse mesmo ano é que podemos ve-
rificar, pela primeira vez, no Brasil, a discussão
formal da Educação Ambiental no interior do
mundo da Educação: o então Conselho Federal
de Educação aprova por unanimidade o Parecer
n
9
226/87, que tratava da necessidade de se ter
Educação Ambiental presente nas propostas cur-
riculares das escolas de 1º e 2º graus.
Mesmo tendo a sua necessidade reconheci-
da pelo poder público, podemos afirmar que as
iniciativas do sistema de ensino para insti-
tucionalizar a Educação Ambiental foram muito
tímidas, traduzidas muitas vezes pela presença
de um responsável pelo tema, entre outras fun-
ções. Até hoje, a Educação Ambientalo está
incorporada, na esmagadora maioria, aos orga-
nogramas das Secretarias de Educação.
No Ministério da Educação, essa situaçãoo
foi diferente até bem recentemente. Somente 10
anos depois desse parecer, o MEC assume a res-
ponsabilidade de incorporar o tema meio ambi-
ente aos currículos e à prática cotidiana nas es-
colas do Ensino Fundamental, quando lança os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental, que tratam o meio ambiente como
tema transversal a ser trabalhado pelos professo-
res em sala de aula. Um ano após o lançamento
dos PCN (final de 1998), após uma reforma admi-
nistrativa, é formalizada a criação de uma Coor-
denação-Geral de Educação Ambiental (COEA) no
âmbito da Secretaria de Educação Fundamental.
Antes disso, a presença da Educação Ambiental
no MEC era tratada, primeiro, como Grupo de
Trabalho
2
e, posteriormente, entre 1993 e 1998,
como uma coordenação ligada à Secretaria Exe-
cutiva no Gabinete do Ministro, sem estar oficial-
mente incorporada à estrutura da instituição.
Nesse contexto,o podemos deixar de pon-
tuar o papel das universidades, particularmente
dos cursos ligados às Ciências Naturais, constru-
indo caminhos, promovendo discussões e práticas,
como um dos primeiros espaços educacionais que
propõe ações de Educação Ambiental e de forma-
ção de professores nesse sentido (embora nem
sempre estas iniciativas sejam pontuais e sem ar-
ticulação com as Secretarias de Educação).
2 Em 1991, como preparação para a Rio-92, é criado, por meio de portaria, um Grupo de Trabalho para a Educação Ambiental no MEC, com
o objetivo de definir metas e estratégias para a implantação da Educação Ambiental no País.
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Em 1999, foi decretada e sancionada pelo
Congresso Nacional a Lei n
u
9.795/99, que insti-
tuiu a Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA). A PNEA regulamenta e detalha a Cons-
tituição Federal, onde ela dedica o seu artigo 2
a
ao ensino formal e destaca que a "Educação
Ambiental é um componente essencial e perma-
nente da Educação nacional devendo estar pre-
sente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidade do processo educativo, em caráter
formal e não-formal".
3
Mesmo com a publicação da Lei, a situação
da Educação Ambiental nos sistemas de ensino
mudou muito pouco em termos institucionais,
e a verdade é que o meio ambienteo possui o
status das demais áreas de conhecimento,
tampouco das demais modalidades de ensino.
As tendências observáveis na sociedade pro-
vocam reações nos sistemas de ensino. Assim,
podemos afirmar que a Lei provocou esses sis-
temas no sentido de sensibilizar para suas res-
ponsabilidades quanto ao tratamento da ques-
tão, o que tem multiplicado e fortalecido inicia-
tivas nesse sentido, ainda que continuem desar-
ticuladas do conjunto das ações e políticas-
blicas propostas pelas Secretarias.
Podemos avaliar que, a partir da década de
1990, apesar dos lentos avanços, estamos viven-
do um momento propício para a institucio-
nalização da Educação Ambiental nos sistemas de
ensino. Contamos, hoje, com a PNEA e com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que
podem favorecer a conquista de um espaço no
currículo equivalente às demais áreas.
Mas, o fato de a Educação Ambiental ainda
hojeo ter espaço próprio nas estruturas
organizacionais das Secretarias de Educação,
influencia diretamente, em última instância, o
modo como a Educação Ambiental é praticada
nas escolas: freqüentemente como projeto espe-
cial, extracurricular, sem continuidade, descon-
textualizado, fragmentado, desarticulado.
No entanto, é fundamental considerar que a
prática da Educação Ambiental nas escolas, se é
influenciada pelo contexto acima descrito, sofre
reflexo direto das especificidades dos contextos es-
colares e dos sistemas de ensino, os quais pode-
mos apontar como obstáculos a serem transpos-
tos para a melhoria da qualidade da Educação em
geral. Devemos ter claro que, para que as ações de
Educação Ambiental tenham bons resultados na
escola, elas devem estar inseridas nesse contexto,
e levar em consideração suas peculiaridades,
como, por exemplo, os níveis de remuneração dos
educadores, a desarticulação entre a formação ini-
cial e continuada, a precariedade do sistema de de-
senvolvimento profissional contínuo para todos os
educadores, a compatibilidade da jornada de tra-
balho e os planos de carreira (que muitas vezes
inexistem), a proporção numérica inadequada da
relação professor/aluno, entre outros. Daí a impor-
tância da institucionalização da Educação
Ambiental nos sistemas de ensino como um ca-
minho para garantir o espaço necessário para que
o tema meio ambiente esteja inserido nas iniciati-
vas do mundo da Educação.
A COEA/MEC tem a obrigação e a função de
promover políticas públicas amplas, acessíveis
e eqüitativas, que provoquem condições de
acesso e melhoria da qualidade do ensino
ofertado à sociedade e o aperfeiçoamento das
relações entre o Estado e a sociedade. O maior
desafio da COEA é o de promover a insti-
tucionalização e a incorporação da Educação
Ambiental em todos os níveis dos sistemas de
ensino (municipal, estadual, federal) e nas po-
líticas educacionais já existentes. Nosso
referencial básico para vencer esse desafio é a
PNEA; e o eixo estratégico de atuação, a pro-
posta de formação continuada do programa
Parâmetros em Ação - Meio Ambiente na Esco-
la. As missões institucionais da COEA são:
institucionalização da Educação Ambiental
no Sistema de Ensino, na perspectiva da
descentralização, articulação e fortalecimen-
to desses sistemas;
divulgação e disponibilização de informa-
ções, por meio de publicações, clipping
ambiental, liomepage, palestras, participação
de eventos;
formação continuada de professores no tema
transversal meio ambiente.
3
Até o presente momento, a Lei n° 9.795/99o toi regulamentada.
No que diz respeito à institucionalização da
Educação Ambiental nos Sistemas de Ensino, al-
guns progressos podem ser apontados no senti-
do de incorporar a temática às políticas educa-
cionais da SEF/MEC. Um desses progressos é o
Programa Parâmetros em Ação - Meio Ambiente
na Escola, que tem causado impacto nas institui-
ções de ensino, ao propor uma política de desen-
volvimento profissional em serviço, para profes-
sores, para o tratamento do tema meio ambien-
te, proposta inédita e inovadora. O Programa pro-
e deixar de lado o caráter esporádico dos cur-
sos de Educação Ambiental para tornar o tema
meio ambiente prática continuada de estudo, dis-
cussão, atuação e incentivo para a construção de
processos em Educação Ambiental.
4
Além disso,
o Programa incorpora, no seu processo de imple-
mentação, uma discussão formativa com os
gestores e dirigentes das secretarias e escolas acer-
ca das propostas metodológicas, conceituais,
operacionais, de planejamento e gestão da forma-
ção continuada em serviço em meio ambiente, e
sobre o espaço institucional da Educação Am-
biental nas secretarias.
Outro avanço que pode ser citado, relativo ao .
espaço que ocupamos nas políticas públicas do
MEC, refere-se à incorporação de duas questões
sobre o tratamento da Educação Ambiental nas
escolas no Censo Escolar, que é respondido por
cada unidade escolar do País e que poderá nos
dar, no próximo ano, um panorama quantitativo
das ações de Educação Ambiental nesse univer-
so. Finalmente, vale ressaltar o espaço e o papel
relevante que o tema meio ambiente conquistou
neste Congresso Brasileiro de Qualidade na Edu-
cação. Pela primeira vez - e isto certamenteo .
se refere apenas à situação brasileira -, há uma
programação específica sobre meio ambiente
num Congresso voltado especificamente para o
mundo da Educação, o que oportunizou uma
ampla discussão e reflexão da temática junto aos
educadores participantes do evento.
Além disso, podemos dizer que, hoje, temos
os princípios da Educação Ambiental incorpora-
dos a várias dimensões das políticas de Educa-
ção, e outro exemplo dissoo as Diretrizes para
o Ensino Fundamental e para o Ensino Superior,
aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.
Porém, apesar desses avanços, e sem querer
expressar uma ansiedade que desconsidere o pas-
so lento característico das mudanças, e apesar das
propostas de política pública da COEA, constata-
mos que a Educação Ambiental aindao está
incorporada como um campo de conhecimento
e tampouco tem espaço para proporcionar mu-
danças radicais nas políticas públicas de educa-
ção, de modo a se aproximar, cada vez mais, da
realização de seus objetivos e princípios, que po-
dem ser resumidos na construção coletiva de co-
nhecimentos, procedimentos e comportamentos
que levem à formação de cidadãos criativos, re-
flexivos, autônomos, preocupados com a quali
dade e o bem-estar da vida no planeta.
o podemos perder de vista que uma pro-
posta de Educação Ambiental em sua plenitude
provoca, potencialmente, mudanças profundas
na Educação e pode influenciar mudanças insti-
tucionais, como, por exemplo, níveis de remu-
neração condignos; articulação com a formação
inicial e continuada; sistema de desenvolvimen-
to profissional contínuo para todos os educado-
res; definição de uma jornada de trabalho; e pla-
nos de carreira compatíveis. Esse é, entre outros,
um dos méritos da Educação Ambiental nas ins-
tituições de ensino e nas escolas, desde que seja
pensada nesse contexto.
Entretanto,o bastam as leis,o basta o
tema meio ambiente e os princípios da Educa-
ção Ambiental serem contemplados nas políti-
cas educacionais.o avanços necessários, e que
estão se concretizando passo a passo. Mas,o
deveríamos pensar em políticas públicas espe-
cíficas de Educação Ambiental para o ensino for-
mal, linhas de financiamento e explicitação da
Educação Ambiental nas propostas, eo ape-
nas seus princípios?o deveríamos pensar na
formação de gestores públicos nessa área? Tal-
vez, assim, nos aproximemos de ações amplas,
contínuas e efetivas para a Educação Ambiental
no ensino formal.
* O Programa acontece com a formação de grupos de estudo de professores liderados por um coordenador de grupo, no qual se desenvolvem
atividades, organizadas em módulos temáticos, propostas pelo Guia do Formador do Programa Parâmetros em Ação - Meio Ambiente na Escola.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
PAINÉIS -
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
PAINEL 1
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues
Sônia B. Balvedi Zakrzevski
Marta Ângela Marcondes
Educação Ambiental em
Mimoso: o Pantanal e suas
dinâmicas culturais e naturais
Luiza Rodrigues, Michèle Sato, Carla Pimentel, Luiz Cruz, Luíse Bordest,
Samuel Oliveira, Sandro Vieira, Laura Pinheiro e Paulo Soares
Projeto Mimoso - Cuiabá/MT
Resumo
Mimoso é um projeto internacional financia-
do por organismos que visam à proteção ambiental.
Nossas pesquisas caracterizam-se pelo reconheci-
mento do caráter formativo do processo educacio-
nal, para poder alcançar as transformações sociais
necessárias aos cuidados ambientais. Privilegiamos
o enfoque biorregional, caracterizado pela compre-
ensão da conexão intrínseca entre as comunidades
humanas (cultura) e a comunidade biótica (natu-
reza) de uma dada realidade geográfica. Além dis-
so, busca-se a ruptura do "sujeito-objeto" da pes-
quisa, o que se reflete nas ações que possam pro-
mover a participação da comunidade (Mimoso) na
região pantaneira. Sujeitos pesquisadores e sujei-
tos pesquisados tornam-se, então, membros ativos
e reflexivos para diversos focos:
Turismo: para reconhecimento das diversas re-
presentações e dos impactos dele decorrentes.
Lixo e compostagem: na análise que possibilite
a crítica aos modelos de consumo e produção
de resíduos, com ênfase na compostagem e nas
estratégias pedagógicas que possibilitem
vivenciar criticamente esse dilema.
Biodiversidade: com análise biológica das es-
pécies existentes, mas com ênfase nos animais
peçonhentos, visto que a discriminação desses
animais pelos seres humanos os tem colocado
em desvantagem diante da vida, ameaçando
sua existência.
Comunicação: a possibilidade de sermos pro-
tagonistas das notícias, em vez de testemunhar-
mos as barbáries cometidas.
Gênero: na busca de mitos, lendas e histórias do
Pantanal, estudar os símbolos presentes na água
para a eqüidade das relações de gênero, confe-
rindo espaços sociais e biológicos aos homens e
às mulheres.
Os cinco temas aqui sublinhados possuem
como meta o desenho pedagógico que possibili-
te uma leitura mais crítica do mundo. Por meio
do diálogo entre a escola e a comunidade, bus-
ca-se extrair elementos que alcancem uma Edu-
cação mais crítica e propositiva. Fortalecimento
de um centro de documentação, cursos, oficinas,
reuniões, palestras, projetos escolares, entrevis-
tas e outras dinâmicas pedagógicas auxiliam na
formação continuada de professores e professo-
ras. A Educação Ambiental é, assim, projetada
nas realidades ambientais e nas dinâmicas soci-
ais, inserindo-se na dimensão curricular própria
da escola, com abandono do "eu, periférico e iso-
lado" para um "nós, coletivo e solidário". Todos
se tornam sujeitos capazes de ação e reflexão,
formando uma comunidade de aprendizagem
capaz de atuar no processo da transformação
educativa, que alcance a desejada construção de
uma sociedade com menos disparidades sociais
e com mais cuidados ecológicos.
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
A pesquisa-ação na formação de
professor@s em Educação Ambiental:
relato de uma experiência*
Sônia B. Balvedi Zakrzevski
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões/Erechim/RS
Na pesquisa sobre formação de professor@s'
em Educação Ambiental (EA), assim como na
pesquisa em educação em geral, existe uma es-
treita ligação entre a formação (desenvolvimen-
to profissional), a reflexão e a investigação (Carr
e Kemmis, 1988; Shõn, 1995, 2000). Inúmer@s
pesquisadoras (Stenhouse.1987; Carr e
Kemmis, 1988; Elliot, 1990; Pérez-Gómez, 2000;
Zeichner e Liston, 1993; Shõn, 1995, 2000;
Sorrentino, 1995; Sauvé, 1997; Sato, 1997; Pimen-
ta, 2000; Guerra, 2001) acreditam que o desen-
volvimento do conhecimento profissional acon-
tece por meio de um processo de investigação
reflexiva e crítica, que permita a construção de
alternativas aos problemas mais relevantes da
atividade escolar e dirigidas à intervenção e à
ação profissional.
A perspectiva teórica construtivista do conhe-
cimento, a perspectiva sistêmica e complexa do
mundo e a perspectiva crítica constituem referen-
ciais teóricos que, de modo integrado, podem dar
uma resposta criativa a alguns problemas relacio-
nados à formação de professor@s. Esses referen-
ciais podem ser sintetizados do ponto de vista di-
dático e formativo, no princípio de investigação.
Acreditamos que a pesquisa-ação possibili-
ta uma estreita ligação entre a formação e a in-
vestigação. Ela é um processo de pesquisa, no
qual os grupos sociais "investigam, conjunta e
sistematicamente, um dado ou uma situação
com o objetivo de resolver um determinado pro-
blema, ou para a tomada de consciência, ou ain-
da para a produção de conhecimentos, sob um
conjunto de ética (deontológica) aceito mutua-
mente" (Sato, 1997: 134). É uma modalidade de
pesquisa em que a participação das pessoas
implicadas nos problemas investigados é abso-
lutamente necessária.
Com o intuito de auxiliar @s professor@s na
construção de conhecimentos sobre Educação
Ambiental e de iniciá-l@s em um processo de
pesquisa-ação da prática docente, ou seja, de
institucionalizar a Educação Ambiental por meio
de ações autônomas e responsáveis d@s pro-
fessor@s, no sentido de inserir a Educação
Ambiental como política efetiva das escolas, ini-
ciamos, no ano de 1998, em quatro municípios
gaúchos situados na região norte do estado do
Rio Grande do Sul, um programa de formação
de professor@s em Educação Ambiental, com
ênfase na escola rural. Esse programa de educa-
ção continuada foi constituído por quatro eta-
pas básicas, descritas a seguir.
1
a
Etapa
Após contato com as Secretarias Municipais
de Educação, procuramos analisar as percepções
d@s professor@s sobre Educação Ambiental,
identificando as necessidades e as expectativas
dess@s professor@s. Buscamos conhecer a rea-
lidade das escolas, as estratégias utilizadas e a
comunidade. Enfim, tentamos conhecer a reali-
dade natural e cultural da comunidade, subli-
nhando o sistema educativo dos municípios. Isso
foi realizado por meio de observações
participativas nas comunidades, nas salas de
aula e nas áreas abertas. Além disso, elaboramos
Elaborado a partir do trabalho "Contribuições da pesquisa-ação para a formação de professores em Educação Ambiental", de autoria de
Sônia B. Balvedi Zakrzevski e Michèle Sato. apresentado no I Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental - Rio Claro, jul. 2001.
' Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizaremos a simbologia "@" para evitar a linguagem sexista presente nos textos.
entrevistas com professor@s, bem como a análi-
se de materiais didáticos utilizados e das
metodologias privilegiadas.
Por meio desse diagnóstico inicial, chegamos
à conclusão de que a formação de professor@s
em Educação Ambiental, além de levar em con-
ta os problemas práticos d@s professor@s, deve
considerar suas concepções e experiências, as
contribuições de outras fontes de conhecimen-
to e as inter-relações que podem ser estabe-
lecidas entre elas.
Durante a primeira etapa do trabalho, tam-
m procuramos conhecer as comunidades ru-
rais, seus costumes, seus problemas e suas
simbologias. Reconhecemos que a escolao é
isolada de seu entorno e que as atividades em
Educação Ambiental devem buscar a aliança
entre os participantes da comunidade escolar.
Mais que isso, é preciso sublinhar a função da
escola como produtora e mantenedora das múl-
tiplas manifestações culturais tecidas cotidiana-
mente, buscando elos intrínsecos entre a expres-
o social e natural de cada local.
2° Etapa
Organizamos, com a colaboração das Secre-
tarias Municipais de Educação e das direções das
escolas, reuniões com os professores, com o in-
tuito de apresentar uma proposta de um curso
de Educação Ambiental. Para tal, seria necessá-
rio estimular a constituição de um grupo de tra-
balho em cada município para participar dos
cursos. Estabeleceu-se, assim, o diálogo interins-
titucional necessário ao trabalho coletivo na
Educação Ambiental. A transversalidade ultra-
passou os limites das disciplinas, inscrevendo-
se também nos diversos organismos e no aban-
dono do personalismo da proposta. A institu-
cionalização dos processos é um forte mecanis-
mo que pode auxiliar a assegurar a susten-
tabilidade dos projetos iniciados, desde que for-
taleça os sistemas e ultrapasse as ilhas isoladas
dos sistemas do conhecimento.
Muit@s professor@s demonstraram entusi-
asmo, pois o curso vinha ao encontro da expec-
tativa gerada pelo próprio tema - meio ambien-
te -, além de ser oferecido por profissionais com-
petentes na área.
Foram constituídos quatro grupos de pro-
fessor@s, um por município, envolvendo direta-
mente 273 professor@s, pertencentes a 45 esco-
las. Os grupos eram formados por professor@s
que atuavam na Educação Infantil, no Ensino
Fundamental e Médio, em diferentes áreas do co-
nhecimento. A maioria d@s participantes atua em
escolas rurais, muitas delas com classes multis-
seriadas, uma triste realidade das escolas rurais,
que aindao encontraram caminhos próprios
para o desenho curricular compatibilizado com
a agricultura ou com as condições sociais e natu-
rais da biorregião. Nesse sentido, vale lembrar que
a maioria dos livros didáticos traz situações ur-
banas completamente distantes dessas realida-
des, além de toda uma ideologia explicitada, con-
forme mostram inúmeros estudos sobre a quali-
dade dos livros didáticos.
Em contrapartida, também conhecemos a
inadequada realidade da formação docente rural
que, pela ausência de políticas claras para essas
regiões, sofre da lacuna da formação profissional,
tanto inicial quanto continuada. Também, embo-
ra nao de modo linear, a desvalorização econô-
mica adentra espectros sociais, reduzindo a sa-
tisfação e a participação mais efetiva, além de
permitir uma relação pessoal mais difusa.
3
o
Etapa
Conhecendo melhor a realidade de interven-
ção e o grupo estabelecido, promovemos, em cada
município, seminários que versavam sobre os
fundamentos teóricos da Educação Ambiental, os
problemas ambientais e suas estratégias de solu-
ção e o desenvolvimento de projetos de Educa-
ção Ambiental no entorno escolar.
Os primeiros seminários realizados foram
quinzenais, depois espaçados para mensais, re-
alizados na sede dos municípios, nos meses em
que @s professor@s exercem as atividades do-
centes. Essa fase do trabalho teve a duração de
120 horas desenvolvidas nos municípios e mais
30 horas de trabalho, envolvendo @s professor@s
dos quatro municípios em um seminário reali-
zado na URI - Campus de Erechim (I Seminário
Regional de Educação Ambiental). Optamos por
encontros mensais, em vez de concentrá-los em
um período, pois, desse modo, julgamos favore-
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
cer o trabalho de pesquisa-ação.
No primeiro seminário, foram realizadas ati-
vidades para o planejamento do programa de for-
mação. O desenho desse curso foi participativo,
conforme as necessidades d@s professor@s
envolvid@s, para a definição das metas, da análi-
se crítica dos problemas observados e do estabe-
lecimento de uma dinâmica que melhor se ade-
quasse à construção da Educação Ambiental. Em
momentos posteriores, foram estudados alguns
fundamentos teóricos da Educação Ambiental,
como "noções de ambiente", "desenvolvimento e
educação", "histórico crítico da Educação Am-
biental", "Agenda 21" e outros temas. Esse
embasamento teórico possibilitou a avaliação crí-
tica dos problemas ambientais, com busca de es-
tratégias para a sua solução por meio de engaja-
mentos responsáveis e participativos.
Em relação à organização curricular, @s
professor@s estiveram envolvid@s com dois
grandes documentos básicos: os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), propostos pelo
Ministério da Educação (MEC) para todo o ce-
nário nacional, além do Padrão Referencial de
Currículo (PRC/RS), construído no bojo da rea-
lidade gaúcha. Tais documentos foram impor-
tantes na elaboração dos Projetos Político-Peda-
gógicos próprios, facilitando a elaboração de
projetos que possibilitassem a inserção da Edu-
cação Ambiental em bases epistemológicas con-
cretas, fazendo emergir o diálogo entre a ação e
a reflexão para a (re)construção crítica do dese-
nho curricular.
Foram realizadas inúmeras oficinas pedagó-
gicas e diversos trabalhos de campo, com a in-
tenção de subsidiar a prática pedagógica d@s
professor@s, por meio de reflexões críticas. Du-
rante os seminários realizados no segundo se-
mestre de 1999, @s professor@s foram desa-
fiad@s a elaborar projetos de trabalho, para se-
rem desenvolvidos na escola e seus arredores,
que contemplassem as temáticas de Educação
Ambiental. Esses projetos foram discutidos, pla-
nejados, avaliados e implementados.
Também durante os seminários de Educação
Ambiental, @s professor@s apresentaram as ex-
periências de Educação Ambiental que estavam
sendo desencadeadas nas escolas, além de refle-
xões sobre o processo e sobre os resultados dos
trabalhos desenvolvidos. Nesse contexto, @s
professor@s foram estimulad@s a refletir sobre o
significado do que faziam.o cabia a el@s ape-
nas ensinar, mas investigar, refletir, julgar e pro-
duzir conhecimentos comprometidos com mu-
danças em suas práticas educativas cotidianas.
Os seminários auxiliaram a construção de
projetos de Educação Ambiental para as escolas,
além de possibilitarem uma reflexão sobre as con-
cepções d@s professor@s a respeito da Educação
Ambiental e de como abordá-la pedagògicamen-
te, inserindo-a nos currículos. Constituíram, as-
sim, um rico espaço para que @ docente pudesse
vivenciar, trocar experiências, repensar ações, re-
visar conceitos, bem como analisar criticamente,
junto com seus/suas colegas, a sua práxis, a sua
cotidianidade de pensar, agir e refletir.
Sempre tivemos, ao longo dos cursos, uma
atitude de escuta e de elucidação dos vários as-
pectos em estudo, sem imposição dos diversos
aspectos da situação e sem imposição unilateral
de nossas concepções. A prática reflexiva coleti-
va caracterizou-se pelo respeito às diversas opi-
niões e por meio dos fóruns democráticos de
discussão, em constante processo de diálogo e
(re) construção da Educação Ambiental.
Convém destacar que, no final de 1999,
muit@s professor@s estavam envolvid@s em
projetos que visavam à incorporação da Educa-
ção Ambiental no currículo escolar.
4ª Etapa
A partir de 2000, passamos a intervir mensal-
mente, auxiliando a ressignificar a prática do pla-
nejamento e a inserir a Educação Ambiental como
política efetiva das escolas. A ação conjunta com
os grupos de professor@s partiu dos problemas e
interesses concretos apontados por el@s própri@s
e, posteriormente, favoreceu a análise da prática
docente, com a tomada de consciência sobre os
modelos implícitos na mesma.
Os conhecimentos foram construídos na
perspectiva de um pensamento globalizado, ar-
ticulado em projetos de trabalho, procurando
superar os limites das disciplinas escolares,
enfatizando a articulação da informação neces-
sária para tratar o problema objeto de estudo.
As relações entre os conteúdos e as áreas do co-
nhecimento existiram em função das necessida-
des que levaram a resolver uma série de proble-
mas que surgiram: os temas ou os problemas
exigem a convergência de conhecimentos. A
globalização,
[...] mais do que uma atitude interdisciplinar ou
transdisciplinar, é uma posição que pretende pro-
mover o desenvolvimento de um conhecimento
relacionai como atitude compreensiva das com-
plexidades do próprio conhecimento humano
(Hernandez e Ventura, 1996:45) |tradução nossa).
No planejamento, partimos da elaboração de
"redes" ou "labirintos", permitindo ao grupo
aproximar-se da complexidade do conhecimen-
to em estudo.
As redes conceituais podem ser interpretadas, de
um lado, como analogias semânticas de um re-
corte da estrutura cognitiva (a qual simboliza
nossos saberes) e, de outro, como analogia se-
mântica dos modelos neurónicos (que represen-
tam corporalmente nossos saberes) (Galagovsky,
1993: 307) [tradução nossa].
Elaso guias para os docentes no ensino. Nas
redes, os conceitoso necessariamente derivam
de outros mais gerais e inclusivos, mas adquirem
em si mesmos a categoria de "nós articuladores",
que contribuem para a explicação e a representa-
ção de um fenômeno. Por meio da construção das
redes foi possível definir critérios para selecionar
conteúdos e visualizar os conceitos periféricos e
centrais. Convém destacar que os objetivos per-
seguidos pel@s professor@so eram apenas de
ordem cognitiva, mas sempre houve a preocupa-
ção com a dimensão afetiva (sensibilização e en-
volvimento com a responsabilidade e a ação) vol-
tada à transformação (política).
Os projetos desenvolvidos enfatizaram a
metodologia de resolução de problemas am-
bientais locais como tema gerador da Educação
Ambiental (Layrargues, 1999), nos quais o diálo-
go foi um caminho para a produção de saberes.
Na pesquisa-ação, como afirma Thiollent (1998),
todas as pessoas implicadasm sempre algo a
"dizer" e a "fazer". Os projetos foram desenvolvi-
dos numa perspectiva interdisciplinar, procuran-
do integrar as duas perspectivas complementa-
res da Educação Ambiental: perspectiva natural
e perspectiva cultural (Sauvé, 1997). Os trabalhos
de Educação Ambiental priorizaram os proble-
mas locais que afetavam as comunidades. Toda
a dinâmica do processo foi enfatizada, irradian-
do uma concepção pedagógica que visava à com-
preensão e à transformação da realidade, fazen-
do que a atividade-fim fosse o resultado natural
de uma caminhada reflexiva. A resolução do pro-
blemao era entendida pel@s professor@s e
pela comunidade escolar como uma questão
meramente técnica, pelo contrário, havia uma
ampliação do trabalho, corroborada pelo proces-
so de sensibilização, pela construção de conhe-
cimentos, compreensão, pelo envolvimento e
responsabilização da comunidade escolar em
relação aos problemas ambientais locais, permi-
tindo uma ação mais responsável no ambiente.
Convém destacar que os projetos desenvolvi-
dos nas escolas foram apresentados, sob a forma
de comunicações orais e de pôsteres, durante o I
Simpósio Gaúcho de Educação Ambiental (evento
planejado com @s professor@s envolvid@s no pro-
grama de Educação Ambiental). Os resumos dos
trabalhos foram publicados nos Anais do evento,
estimulando, além de tudo, a produção e a divul-
gação dos conhecimentos.
Uma breve avaliação da
trajetória percorrida
A trajetória percorrida pelos gruposo foi
linear. Inúmeras dificuldades e vários obstáculos
foram sentidos durante o processo, que, em al-
guns instantes, fizeram-nos colocar em dúvida o
papel da pesquisa-ação na formação de pro-
fessor@s em Educação Ambiental. Sabemos que
existem certas divergências quanto à compreen-
o da pesquisa-ação - ora compreendida como
um processo de intervenção que oportuniza a
autonomia da população envolvida (com ruptu-
ra do sujeito-objeto), durante e além do tempo
da pesquisa propriamente dita, ora somente
como um processo de participação ativa quanto
à duração da intervenção, em que pesquisador@s
e pesquisad@s tornam-se sujeitos de um mesmo
processo (Sato, 2001). Também na educação de
professores, observamos inúmeras concepções de
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
pesquisa-ação, influenciadas pelo movimento do
"professor como pesquisador" e da noção
correlata de "professor reflexivo". Acreditamos
que, independentemente da perspectiva, o obje-
tivo da pesquisa-ação é estimular @s professor@s
a se aprofundarem na compreensão e na inter-
pretação de sua própria prática, com vistas ao seu
fortalecimento e à sua emancipação.
Tradicionalmente, as pesquisaso percebi-
das como um projeto com início, meio e fim,
obrigando as escolas a encontrar novas frentes,
nascidas no contexto local ou, geralmente, em
função dos "pacotes" autoritários, tornando os
currículos inflexíveis e com ausência de políti-
cas efetivas de formação de professor@s, para a
reflexão das ações em desenvolvimento. Argu-
mentamos em favor da pesquisa-ação em razão
de seu caráter participativo, defendemos o diá-
logo como um caminho para a produção de sa-
beres que perturbam os discursos hegemônicos
e que inscrevam no currículo, na escola, novas
narrativas que sejam capazes de desinstalar ve-
lhas identidades.
Por meio da avaliação continuada do proje-
to, percebemos que o trabalho com projetos vi-
sando à resolução de problemas ambientais lo-
cais permitiu, durante o período de assessoria
às escolas:
a abertura para os conhecimentos e os pro-
blemas que circulam fora da sala de aula e
queo além do currículo que tradicional-
mente a escola tem desenvolvido;
em relação à construção do conhecimento,
que @s professor@s assumissem seus papéis
de problematizadores, mediando o proces-
so pedagógico e sublinhando a aprendiza-
gem, em vez da centralização do ensino;
a organização do conhecimento de modo
multidisciplinar e, muitas vezes, na perspec-
tiva interdisciplinar;
a participação d@s alun@s em processos de
pesquisa adequados à realidade vivenciada;
a participação d@ alun@ no processo de pla-
nejamento da própria aprendizagem;
a compreensão do entorno individual e co-
letivo por parte d@s alun@s, e as relações
com seus ambientes;
a comunicação e o intercâmbio entre @s
docentes e demais membros da comunida-
de escolar, o que repercutiuo só na me-
lhoria da qualidade do ensino, mas também
no acompanhamento personalizado da
aprendizagem d@ alun@.
Como fruto do trabalho desenvolvido, @s
professor@s de um município estão envolvid@s
na construção de um Projeto Político Pedagógi-
co (PPP) próprio, que incorpora a dimensão
ambiental como política efetiva das escolas. En-
xergam a pesquisa-ação como uma forma para
reestruturar os currículos escolares e criticam os
currículos impostos de cima para baixo. Afirmam
que, por meio da pesquisa contínua para a reso-
lução de problemas ambientais, o currículo pode
ser construído e transformado pela própria co-
munidade escolar. Reconhecem que os efeitos de
uma proposta curricularo ocorrem em pra-
zos curtos; é preciso tempo para maturação, ava-
liação e planejamentos constantes.
O estudo das escolas desse município per-
mite-nos afirmar que a Educação Ambiental
pode contribuir para modificar as concepções de
escola e de Educação (Mayer, 1998):
de uma escola que transmite conhecimen-
tos elaborados em âmbito externo para uma
escola que constrói conhecimentos relevan-
tes em âmbito local;
de uma escola onde os objetivos estão vin-
culados quase que exclusivamente aos co-
nhecimentos (saberes) prontos e acabados
para uma escola que quer enfatizar os senti-
mentos, discutir valores, criar novos compor-
tamentos; e
de uma escola estática que é modificada tar-
diamente pelos estímulos da sociedade para
uma escola que quer modificar a sociedade
e queo aceita ser subalterna a outras ins-
tituições.
A rede de comunicações estabelecida garantiu
a troca, o diálogo aberto entre as diferentes áreas
e a ruptura do "eu" individual e periférico para
um "nós" coletivo mais solidário. A proposição ho-
rizontal e democrática desse fórum de discussão
possibilitou um processo de contágio no qual
tod@s contribuíram para a formação de tod@s,
além de serem sujeitos da própria formação. A
autonomia e a participação desses grupos sociais
revelaram, assim, que a estratégia utilizada con-
solidou processos da pesquisa-ação na educação
continuam da vida docente.
Bibliografia
CARR, W.; KEMMIS, S. Teoria crítica de Ia ensenanza. La
investigación-acción en Ia formación dei profesorado.
Barcelona: Martínez Roca. 1988.
ELLIOT, J. La investigación-acción en educación. Madrid:
Morata, 1990.
GALAGOVSKY, L. R. Redes conceptuales: bases teóricas
e implicaciones para ei proceso de ensefianza-
aprendizaje de Ias ciências. Ensenanza de Ias Ciências,
(11)3: 301-7. Barcelona: 1993.
GUERRA, A. F. Diário de bordo: navegando em um ambien-
te de aprendizagem cooperativa para Educação
Ambiental. Florianópolis. 2001. Tese (Doutorado em
Engenharia de Produção). Universidade Federal de San-
ta Catarina. 331 p.
HERNANDEZ, F; VENTURA, M. La organizacion dei currí-
culo por proyectos de trabajo - ei conocimiento es un
calidoscopio. 5. ed. Barcelona: ICE7GRAÓ, 1996.
LAYRARGUES, R P. A resolução de problemas ambientais
locais deve ser um tema-gerador ou a atividade-fim da
Educação Ambiental? In: REIGOTA, M. (Org.). Verde co-
tidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 131-48.
MAYER, M. Educación Ambiental: de Ia acción a Ia
investigación. Ensenanza de Ias Ciências. 16(2): 217-
32, Barcelona: 1998.
PÉREZ GÓMEZ, A. I. A função e a formação do professor/
a no ensino para a compreensão: diferentes perspecti-
vas. In: SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. (Orgs.).
Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Ale-
gre: Artmed, 2000. p. 353-80.
PIMENTA, S. G. A pesquisa em didática - 1996 a 1999. In:
CANDAU, Vera Maria (Org.). Didática, currículo e sabe-
res escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 78-106.
SATO, M. Educação para o ambiente amazônico. Tese (Dou-
torado PPG-ERN).o Carlos: Universidade Federal de
o Carlos, 1997.245 p.
Réseau de dialogues au sujet de 1'éducation
environnementale. Éducation Relative à LEnvironnement,
v. 3, 2001 (antecipe).
SAUVÉ, L. Lapproache critique en éducation relative à
1'environnement: origines théoriques et applications à
Ia formation des enseignants. Revue des Sciences de
1'Éducation, XXIII (1): 169-87, 1997.
SHÕN, D. A. Formar professores como profissionais refle-
xivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua
formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p.
77-92.
Educando o profissional reflexivo. Porto Ale-
gre: Artmed. 2000.
SORRENTINO, M. Educação ambiental e universidade -
um estudo de caso. Tese (Doutorado em Educação).
Universidade deo Paulo.o Paulo, 1995.
STENHOUSE, L. La investigación como base de Ia
ensenanza. Madrid: Morata, 1987.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 8. ed.o
Paulo: Cortez, 1998.
ZEICHNER, K. M.; LISTON, D. P Formación dei profesorado
y condiciones sociales de Ia escolarización. Madrid:
Morata, 1993.
Programa de Educação Ambiental para
o município de Rio Grande da Serra/SP
- Educando para a cidadania
Marta Ângela Marcondes*
Rio Grande da Serra/SP
O município de Rio Grande da Serra loca-
liza-se na região do Grande ABC, que integra
a Região Metropolitana deo Paulo/SP. Pos-
sui aproximadamente 33 km
2
de área totalmen-
te inserida em Área de Proteção dos Mananci-
ais (APM). Sua população é estimada em 39 mil
Parceiros: Divisão de Ensino Escolar (Ceam/SMA). Divisão dos Núcleos Regionais (Ceam/SMA), Diretoria de Ensino-Mauá, Secretaria
Municipal de Educação (Prefeitura Municipal de Rio Grande da Serra), Núcleo Regional de Educação Ambiental do Grande ABC, Companhia
de Saneamento Básico do Estado deo Paulo (Sabesp), Onaproma (ONG), Lara (Comércio e Prestação de Serviços).
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
habitantes e, desse total, 12 mil pessoas estão
regularmente matriculadas na rede pública de
ensino do município, que conta com cerca de
600 professores, distribuídos em 16 escolas (11
estaduais e 5 municipais).
A Sabesp, por meio da proposta da implan-
tação do Projeto Ribeirão da Estiva, buscou, a
partir de julho de 2000, articular-se com diver-
sas instâncias responsáveis pela gestão da área
de interesse. Com a convergência dos interes-
ses dos diversos atores da região, formalizou-
se uma parceria que consolidou a elaboração
e a implantação do Programa de Educação
Ambiental para Rio Grande da Serra.
É importante ressaltar que somente por
meio dessa parceria foi possível a realização
desse Programa de Educação Ambiental, se-
guindo os preceitos de otimizar esforços e mul-
tiplicar resultados.
Objetivo
O programa tem como objetivo capacitar e
envolver os educadores da rede pública do mu-
nicípio de Rio Grande da Serra, por meio da
discussão de temas relacionados aos aspectos
qualitativos e quantitativos da água, sanea-
mento ambiental e saúde, Agenda 21, legisla-
ção ambiental, Política Nacional de Educação
Ambiental e Parâmetros Curriculares Nacio-
nais, possibilitando o resgate da cidadania e a
formação de agentes multiplicadores, com o
compromisso de realizar ações efetivas ligadas
à articulação e à integração das diversas inici-
ativas das instituições públicas e organizações
não-governamentais que atuam na região, com
a perspectiva de recuperação e preservação das
áreas de manancial na zona de abrangência da
Represa Billings.
Para a realização do projeto foram propos-
tas as seguintes etapas: reunião com os direto-
res e coordenadores pedagógicos das escolas;
seminário de sensibilização para as questões
ambientais da região e apresentação do progra-
ma para os professores; visitas às escolas nos
HTPC para a realização das inscrições dos pro-
fessores interessados; curso de capacitação com
carga horária de 40 horas; elaboração dos pro-
jetos para as escolas (com acompanhamento);
seminário para apresentação dos projetos e re-
cebimento dos certificados de participação;
implantação dos projetos nas escolas (com
acompanhamento); seminário para apresenta-
ção dos resultados obtidos nos projetos.
Foram montadas três turmas: Ensino-
dio, Fundamental e Infantil, com 40 professo-
res cada uma, contemplando todas as escolas
do município.
O certificado de participação será forneci-
do pela Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP/SEE/SP), segundo a Por-
taria da Coordenadoria de 20/6/2001, nos ter-
mos da Resolução SE-121/90.
Entende-se a Educação Ambiental como
catalisador do processo de implantação da ges-
o ambiental na referida área. Notadamente,
os outros instrumentos de gestão - político-
institucionais, legais, de planejamento am-
biental, de fiscalização e controle e econômi-
co-financeiros - disciplinam, controlam e
monitoram o ambiente, mas sozinhosom
sido capazes de solucionar os processos de
degradação ambiental, quem uma velocida-
de muito maior do que a capacidade do poder
público ou da sociedade civil organizada para
realizar ações a fim de estagnar ou reverter esse
quadro catastrófico em que nos encontramos.
Certamente, a busca da solução dos pro-
blemas ambientais necessita ainda de geração
de conhecimentos e de maiores entendimen-
tos sobre as relações existentes nos ecossis-
temas, e para isso é necessário desenvolver
estudos e técnicas mais apuradas para lidar
com os complexos sistemas ambientais.
A compreensão dos reais riscos existentes
na degradação ambiental tende a transformar
as pessoas em aliadas na luta pela preservação
do meio ambiente e, conseqüentemente, da
vida no planeta.
Segundo Jacobi (1998), a questão ambien-
tal está cada vez mais presente no cotidiano
da população das nossas cidades, principal-
mente no que se refere ao desafio da preserva-
ção da qualidade de vida. A possibilidade de
maior acesso à informação potencializa as
mudanças comportamentais necessárias para
um agir mais orientado na direção da defesa
do interesse geral.
Desenvolvimento
Para atingir os objetivos propostos, o pro-
jeto será desenvolvido em quatro módulos,
descritos a seguir. Porém, antes do início do
projeto, serão necessárias reuniões para esta-
belecer os contatos iniciais com as escolas e
com as diretorias de ensino estaduais e muni-
cipais. Após esse processo, e uma vez estabe-
lecido o cronograma, serão, então, desenvol-
vidos os quatro módulos.
Reuniões
Reunião de apresentação da proposta,
com os participantes a seguir
Diretoria de Ensino e diretores das escolas
da rede estadual
Secretaria de Educação do Município de Rio
Grande da Serra:
- diretoras das escolas municipais
- diretora de Educação do município
Coordenadoria de Educação Ambiental do
Estado (Ceam)
Instituto Acqua.
Núcleo Regional de Educação Ambiental do
Grande ABC
Nessa primeira reunião, as propostas de-
vem ser apresentadas e os principais temas a
serem abordados durante a capacitação devem
ser definidos, além de fazer com que o proces-
so todo do projeto seja vinculado ao calendá-
rio escolar de 2001.
Reuniões de definição do processo junto
às escolas
Seminário de sensibilização
Será realizado um seminário de sensibi-
lização para fazer a apresentação das propos-
tas do projeto para todos os professores das
redes estadual e municipal. Nesse seminário
haverá a apresentação da problemática am-
biental da região, bem como da importância
da Educação Ambiental e de sua relação com
os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Serão apresentadas três mesas-redondas,
com os enfoques citados anteriormente, e será
formado um grupo de trabalho para a realiza-
ção de um diagnóstico da percepção ambiental
que o professor possui em relação à região em
que ele atua.
Módulos
Módulo I - Capacitação/Informação
Deste módulo estarão participando os co-
ordenadores das escolas, bem como as pessoas
responsáveis pela oficina pedagógica da Dire-
toria de Ensino de Mauá, os responsáveis pe-
las escolas municipais de Rio Grande da Serra
e os professores que serão selecionados pelos
diretores e coordenadores das escolas. A sele-
ção dos professores ficará a cargo de cada di-
retor, porém devem ser obedecidos critérios
determinados pela comissão de capacitação.
Neste módulo serão realizadas oficinas, pa-
lestras e visitas técnicas, que servirão como
base para o conhecimento mínimo sobre:
qualidade da água;
mananciais;
resíduos sólidos em áreas de mananciais;
uso e ocupação do solo;
outros temas que poderão ser propostos
pelos próprios diretores e coordenadores
durante as reuniões de definições.
Vale ressaltar que todos os temas devem
estar relacionados às questões da água.
Tempo de duração: 40 horas.
Turmas: 3 turmas com 40 participantes
cada.
Neste módulo, os educadores receberão in-
formações sobre os materiais disponíveis no
Núcleo Regional, na Ceam, na Sabesp, bem
como nas oficinas pedagógicas e na prefeitu-
ra, materiais esses que estarão disponíveis para
o uso durante a elaboração dos seus projetos e
de suas futuras aulas. Para isso, cada uma das
instituições citadas deverá realizar um inven-
tário da disponibilidade e encaminhá-lo para
a comissão de capacitação, para a preparação
do módulo.
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
Também estão previstas orientações técni-
cas aos professores em relação a habilidades,
avaliação e registro, que contemplam o traba-
lho pedagógico do desenvolvimento do proje-
to junto ao aluno e que terão como caráter ope-
ratório os conceitos do projeto ensinar e
aprender da SEE.
Módulo II - Elaboração das propostas de
trabalho das escolas
Neste módulo, os professores serão orien-
tados para a elaboração de propostas que se-
o desenvolvidas pela escola como um todo,
contando com o envolvimento de todos os pro-
fessores, funcionários e alunos. Por exemplo:
a Escola E.E. Antônio Lucas trabalhará o tema
"Ribeirão da Estiva".
Nesse caso, poderão ser desenvolvidos tra-
balhos de:
História: levantamento histórico da região.
Geografia: desmatamento e ocupação -
como ocorreram.
Biologia e Ciências: monitoramento da
qualidade da água, situação atual do local.
Matemática: cálculo de vazão de água do
local.
Língua Portuguesa: elaboração dos relató-
rios finais.
Os alunos, bem como os professores, a di-
reção e os coordenadores, farão pesquisas
com a comunidade local, para as mais diver-
sas informações. Esse exemplo poderá ser de-
senvolvido de várias formas. Os capacitadores
farão a orientação do formato final do traba-
lho para sua implantação. Para isso contare-
mos com o apoio dos parceiros, no sentido
das visitas, do material a ser consultado e da
orientação.
Estará a cargo de cada escola escolher o
tema e a forma como será trabalhado; todos
poderão criar e inovar suas idéias.
Ao fim dos dois módulos haverá um even-
to que apresentará para a comunidade local os
projetos e as propostas. Assim, todos saberão
o que estará acontecendo nos próximos seis
meses, para que, quando uma criança, um jo-
vem ou mesmo um adulto das escolas pedirem
informações, todos os recebam muito bem e
os ajudem no seu projeto.
Será realizado um seminário para apre-
sentar as propostas de trabalho. Desse semi-
nário participarão todas as escolas com os
seus projetos.
Tempo: deverá ser determinado pela co-
missão de capacitação.
Local: a ser definido.
Logística: procurar patrocinadores.
Módulo III - Implantação das propostas
de trabalho nas escolas
Cada escola estará, dentro de suas possi-
bilidades, implantando suas propostas. A co-
missão de capacitação estará assegurando seu
bom desenvolvimento e disponibilizando ma-
teriais e ajuda aos palestrantes, quando neces-
sário. Cada parceiro deverá dar suporte, quan-
do solicitado.
Para o bom desenvolvimento, as escolas e
seus projetos serão cadastrados, e cada parcei-
ro receberá esse cadastro para saber quais as
necessidades da escola e em que ele poderá
auxiliar. Desse trabalho resultarão: redações;
relatórios; experimentos; peças de teatro; pai-
néis; fotos; pinturas; desenhos; músicas etc.
Módulo IV - Apresentação dos resultados
Para tanto, será realizada uma grande ex-
posição, na qual cada escola terá a oportuni-
dade de mostrar seu trabalho. Essa exposição
será exibida para a comunidade de Rio Gran-
de da Serra, e todos poderão participar e dar
sua opinião sobre os trabalhos.
Durante a exposição, serão escolhidos, de
acordo com cada modalidade, os melhores tra-
balhos, e estes poderão ser inscritos em even-
tos científicos, como, por exemplo, a Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o Progres-
so da Ciência (SBPC). Dessa forma, os traba-
lhos terão um cunho científico-cultural de
muito peso como uma grande recompensa
para aqueles que o executaram.
Para o desenvolvimento dos módulos pro-
postos será necessária a parceria com as se-
guintes entidades:
Transporte
Coordenadoria de Educação Ambiental (Ceam) /
Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Companhia de Saneamento Básico do Es-
tado deo Paulo (Sabesp).
Coordenadoria de Estudos e Normas Pe-
dagógicas (Cenp)/Secretaria de Estado da
Educação.
Instituto Acqua.
Onaproma - Organização não-governa-
mental.
Núcleo Regional de Educação Ambiental
do Grande ABC.
Prefeitura de Rio Grande da Serra.
Diretoria de Ensino de Mauá.
•LARA.
Outros parceiros que poderão ser propostos.
Cada parceiro deverá se comprometer a
cumprir as metas dos projetos. Para tal será de-
senvolvido um termo de compromisso, que
cada um deverá assinar e no qual estará firma-
da sua responsabilidade.
Material
Será feito um diagnóstico, pelos parceiros,
para verificar como cada um poderá contribuir
e o que poderá disponibilizar.
Certificação
0
O projeto será enviado para a Coordenado-
ria de Ensino e Normas Pedagógicas (Cenp),
para apreciação. Sendo aprovado, os certifica-
dos serão emitidos por essa Coordenadoria.
1
Quando necessário, deverão ser contatadas
as empresas do município para que possam ser
parceiros e fornecer esse serviço.
Bibliografia
AGENDA 21. Capítulo 36: "Promoção do ensino, da
conscientização e do treinamento".
AGENDA 21. Capítulo 25: "A infância e a juventude no de-
senvolvimento sustentável".
CASSINO, Fábio; JACOBI, Pedro; OLIVEIRA, José Fiávio.
Educação, meio ambiente e cidadania: reflexões e ex-
periências.o Paulo: Secretaria de Meio Ambiente,
1998.
COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio am-
biente.o Paulo: Cetesb, 1985.
COSTA, Larissa Barbosa; TRAJBER, Rachel. Avaliando a
Educação Ambiental no Brasil: materiais audiovisuais.
o Paulo: Fundação Peirópolis, 2001.
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
Brasília: SESI-DN, 1997.
ERICKSON, Jon. Nosso planeta está morrendo.o Paulo:
Makron Books, 1992.
FÓRUM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL /ENCONTRO DA
REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Rio
de Janeiro, 1997.
LABOURIAU, Mariaa Salgado. História ecológica da Ter-
ra. Edgard Blücher, 1994.
SILVA, Jorge Xavier; SOUZA, Marcelo J. L. Análise
ambiental. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 1988.
SMA/CEAM. Conceitos para se fazer Educação Ambiental.
o Paulo, 1997. (Série Educação Ambiental)
. Programa Estadual de Educação Ambiental.
Coordenadoria de Educação Ambiental.
TRATADO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL para sociedades
sustentáveis e responsabilidade global.
UNESCO. Educação para um futuro sustentável: a visão
transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília:
Ibama, 1999.
' O Projeto foi aprovado e a certificação para os professores será feita pela Cenp.
PAINEL 2
APRESENTAÇÃO DE PROJETOS
DE TRABALHO EM
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel
Antônio Fernando S. Guerra
Andréa Imperador Peçanha Travassos
Elizabeth da Conceição Santos
Programa de Educação
Ambiental para o manejo
participativo dos recursos
naturais da várzea
Maria Fernanda Lopes Pimentel, Maria do Carmo Azevedo e Edinaldo Lopes
Instituto de Pesquiso Ambiental da Amazônia (Ipam)
Nas várzeas do Baixo Amazonas, o histórico de
uso intensivo dos recursos naturais e de degrada-
ção ambiental comprometeu as áreas de matas e
algumas espécies de animais, como o pirarucu
{Arapaima gigas) e o peixe-boi {Trichechus
inunguis), que se encontram, respectivamente,
superexplorado e em via de extinção. O baixo nível
de organização social nas atividades produtivas e
a alta incidência de problemas de saúde relacio-
nados às precárias condições de higiene básica são,
entre outros, fatores que comprometem a quali-
dade de vida das populações ribeirinhas. Nesse ce-
nário, o Programa de Educação Ambiental (PEA)
do Ipam/Projeto Várzea desenvolve, desde 1995,
em parceria com a Secretaria Municipal de Educa-
ção (Semed), um trabalho educativo de formação
continuada com professores das escolas munici-
pais da região de várzea do município de Santarém,
com o objetivo de sensibilizar as populações ribei-
rinhas sobre os principais problemas socioam-
bientais desse ecossistema e de dar subsídios téc-
nicos para o manejo sustentável dos recursos na-
turais da várzea.
A atuação do PEA está baseada em metodo-
logias participativas que trabalham com a cons-
trução do conhecimento de maneira criativa e
dinâmica, fundamentando-se na linha pedagó-
gica construtivista e no método de temas gera-
dores de Paulo Freire, e está estruturado em qua-
tro encontros (módulos), queo desenvolvidos
com professores e lideranças comunitárias, os
quais ocorrem nas comunidades ribeirinhas,
com uma carga horária de aproximadamente 25
horas/encontro. Nas atividades desenvolvidas
durante os encontros,o abordados sete tópi-
cos: sensibilização, fundamentos da educação
ambiental, ecologia e o manejo da várzea, temas
pedagógicos, oficinas temáticas, noite cultural e
elaboração de plano ambiental escolar.
O conteúdo e a dinâmica dessas atividades
estão de acordo com o pensamento de com au-
tores renomados,
1
que consideram que a Edu-
cação Ambiental se inicia a sensibilização, para
se obter um conhecimento sistêmico do ambi-
ente inserido no processo da compreensão
educativa, gerando assim, o envolvimento das
pessoas, que, por meio de responsabilidades,
buscarão a ação.
Entre os principais resultados do PEA, pode-
mos citar:
Diversificação de práticas e de recursos pe-
dagógicos utilizados pelos professores, con-
siderando o ambiente e os recursos naturais
como instrumentos facilitadores no proces-
so de ensino-aprendizagem.
Adaptação do conteúdo pedagógico, tornan-
do-o mais coerente com a realidade rural.
Melhor discernimento das relações ecológi-
cas do ecossistema da várzea, acompanha-
do pela aplicação de pré e pós-testes.
Participação mais efetiva dos professores
e alunos em atividades da comunidade, tais
como as reuniões do Conselho de Pesca e
da Associação Comunitária, entre outros.
1
Michèle Sato. Educação para o ambiente amazônico. Tese (Doutorado). Universidade Federal deo Carlos, 1997.
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
Iniciativa da escola em propor e realizar
eventos que visem ao resgate e à valoriza-
ção da cultura local e ações que promovam
a melhoria da qualidade de vida (elabora-
ção de jornais, horta escolar, plantio de
mudas, coleta e destino adequado do lixo,
alimentação alternativa, medicina caseira e
campanha de lixo nas escolas).
Participação/interação dos professores
como monitores em Oficinas Abertas de Edu-
cação Ambiental.
Elaboração coletiva do livro Fazendo Edu-
cação Ambiental: o mundo da várzea (utili-
zado nas escolas envolvidas).
Em razão da limitação de recursos financei-
ros e humanos e da preocupação com a susten-
tabilidade do programa, a principal dificuldade
encontrada tem sido criar mecanismos efetivos
de monitoramento da eficiência e do impacto do
trabalho nas áreas onde os encontros já foram re-
alizados. Com base nessas informações, acredi-
tamos que a Educação Ambiental tem um papel
determinante no redirecionamento do futuro das
várzeas na Amazônia, sendo o processo necessá-
rio para suscitar a auto-estima das populações ri-
beirinhas, a valorização do meio em que vivem e
o exercício da ética e da cidadania no uso dos re-
cursos comuns.
Projeto Educado: educação ambiental
em áreas costeiras usando a Web
como suporte
Antônio Fernando S. Guerra, Maria Beatriz A. de Lima,
Marialva T.D.da Rocha e Marinez Panceri Colzani*
Nas áreas costeiras vivem, aproximadamen-
te, 60% da população mundial, em uma faixa de
60 km de raio dos oceanos. Com o aumento
populacional, as atividades econômicas de ex-
ploração do turismo nessas áreas contribuem
com 70% da poluição ambiental.
O litoral de Santa Catarina possui uma das
áreas mais belas e privilegiadas da Região Sul do
Brasil, com praias, estuários, ilhas, lagoas,
manguezais, costões e dunas. Ela concentra 68%
da população do estado, resultado do processo
intenso de migrações internas (Comitê do Lito-
ral Centro-Norte de Santa Catarina, 1996).
O fluxo de milhões de turistas na época do ve-
o e a especulação imobiliária acabam destruin-
do ou alterando a qualidade da paisagem, causan-
do a perda da beleza cênica e comprometendo o
turismo da região. Esse processo aumenta ainda,
por exemplo, a destruição dos manguezais e das
dunas e a poluição marinha por esgotos.
' Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Secretaria de Estado da Educação,
Secretaria Municipal de Educação de Itajaf/SC.
Diante desse quadro, é precisoo só apro-
fundar as pesquisas dos problemas ambientais
dessas áreas, para sua conservação e manejo sus-
tentáveis, como também desenvolver um pro-
cesso de Educação Ambiental como forma de
alcançar esse fim. Infelizmente, o conhecimen-
to desses problemas é pouco explorado, ou mes-
mo ignorado, nas atividades de ensino nas esco-
las da área litorânea, até por falta de preparação
e atualização dos professores na "transposição
didática" do conhecimento científico produzido
nas universidades para os conteúdos do Ensino
Fundamental e Médio, levando também em con-
ta os impactos da ação humana sobre os ecossis-
temas costeiros.
Para minimizar o problema da formação con-
tinuada de professores da região litorânea numa
dimensão ambiental, o Programa de Pós-Gradu-
ação, Mestrado em Educação da Univali, em par-
ceria com a Secretaria Estadual de Educação e
Secretaria Municipal de Itajaí/SC, realizou o Pro-
jeto Educado - Educação Ambiental em Áreas
Costeiras (Guerra, 2000; 2001), uma proposta
metodológica de trabalho pedagógico centrada
nos princípios da cooperação, autonomia e
interação entre os "aprendentes" (professoras/es
participantes, docentes e pesquisadores).
Para dar suporte ao processo de aprendiza-
gem cooperativa em Educação Ambiental do
projeto, utilizaram-se as novas Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) - o computa-
dor e a rede Internet - como possibilidade de
inserção da dimensão ambiental (Guimarães,
1995, 2000; Carneiro, 1999; Guerra e Taglieber,
2000; Guerra, 2001) nos currículos do Ensino
Fundamental e Médio.
Participam do projeto professoras(es) de di-
ferentes áreas do currículo de Ensino Fundamen-
tal e Médio - Ciências Naturais e Biologia; His-
tória; Geografia; Artes; Língua Portuguesa e, ain-
da, Informática Educativa. O projeto envolveu
inicialmente três escolas: EEB Leopoldo José
Guerreiro, do município de Bombinhas, a EBM
Avelino Werner e o Colégio de Aplicação da
Univali, ambas de Itajaí/SC.
Na primeira e na segunda etapas do projeto,
na parte presencial, dez docentes da Univali re-
alizaram atividades de inserção pedagógica (AIP)
(Guerra, 2001), a saber: oficinas; saídas de cam-
po para áreas do litoral catarinense; atividades
de percepção da paisagem e de sensibilização
ambiental, juntamente com uma fundamenta-
ção teórica básica em Educação Ambiental e no
uso das TIC, levando à aquisição de informações
sobre problemas ambientais das áreas costeiras
e no uso das tecnologias.
Foi criado também um ambiente virtual expe-
rimental, chamado Educado, que utiliza a Internet
como suporte para o trabalho pedagógico, ao qual
os professores tiveram acesso a partir dos encon-
tros presenciais realizados no Laboratório de
Informática do CEHCOM/Univali. O site está dis-
ponível em <http://www.cehcom.univali.br/edu-
cado> (ver, na página 139, a Figura 1).
A memória das AIP realizadas foi registrada
em páginas da Internet (homepages) construídas
cooperativamente pelos próprios(as) profes-
sores(as) participantes (ver, na página 139, as fi-
guras 2 e 3).
Na terceira etapa, os professores desempe-
nham o papel de multiplicadores junto à comu-
nidade educativa, desenvolvendo projetos coo-
perativos voltados para as questões ambientais
da escola e da comunidade local, pelo uso da
tecnologia como suporte, ativando assim o tra-
balho pedagógico nas salas informatizadas des-
sas escolas.
Na etapa atual, os participantes estão desem-
penhando o papel de multiplicadores em suas
escolas, a partir dos projetos cooperativos pla-
nejados e executados por eles.o três projetos:
1. Educação Ambiental - Uma proposta de ati-
vidades pedagógicas incluindo a Web como
veículo de informação e discussão - Colégio
de Aplicação da Univali. Equipe: Professo-
ras Maria Beatriz Araújo de Lima e Marialva
Teixeira Dutra da Rocha.
2. Uma escola, uma cidade, um rio - Escola
Básica Municipal Avelino Werner. Equipe:
Professoras e professores Marinez Panceri
Colzani, Viviane S. Russi, Marinete Silva
Martins, Bernardete Coelho Buchele, Mara
Lúcia Rossato, losé Ricardo de Miranda,
Rosimeri Reis Bastos, Denise Pereira
Izidoro, Marinete Siqueira Baleio.
3. Desenvolvimento de conscientização eco-
lógica no ambiente escolar - Escola de
Educação Básica Leopoldo José Guerrei-
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
ro, em Bombinhas. Equipe: Professoras e
professores Elaine Leonora Rolof Jung,
Gilberto Manoel Pinheiro, Salete Foppa,
Maria Cristina Spies Uhry, Salvelina
Raimundo da Silva.
Na EEB Leopoldo José Guerreiro, em
Bombinhas, alguns professores já deram um salto
à frente e incluíram desde o início do ano letivo a
temática ambiental em seus planos de ensino.
As professoras Elaine Jung e Lúcia Pereira de-
senvolvem, com as classes especiais de aceleração
do Ensino Fundamental, atividades pedagógicas
sobre os temas ambientais, produzindo, com seus
alunos, materiais como: poesias, cartazes, pintu-
ras, bem como o uso da sala informatizada para
apresentações em PowerPoint.
A professora Silvana, que trabalha com a dis-
ciplina de Biologia no Ensino Médio e queo
participou diretamente das etapas do Educado,
entusiasmou-se com as atividades de Educação
Ambiental promovidas na escola pela equipe do
projeto e modificou suas estratégias de ensino,
incluindo atividades de sensibilização dos alu-
nos para problemas ambientais de nossa região.
Nas áreas da Física e da Biologia, a professora
Jane, que atende ao Ensino Médio, também se
uniu ao grupo e vem desenvolvendo atividades
que mostram os impactos do uso das tecnologias
no meio ambiente, seja mostrando os avanços das
ciências, em termos de melhoria da qualidade de
vida e de saúde, seja também com as práticas
poluidoras e danosas aos seres vivos. Seus traba-
lhos também estão sendo cadastrados e arquiva-
dos para mostrar o grau de desenvolvimento da
consciência ecológica dos alunos.
Na disciplina Introdução à Informática, o
professor Gilberto Pinheiro vem incentivando os
alunos e abrindo campo para o aprofundamen-
to desses temas durante suas aulas no Ensino
Médio. O tema Educação Ambiental é abordado
pelos alunos que, já sensibilizados pelas demais
disciplinas, trazem os problemas para a tela dos
computadores, produzindo e editando textos
com desenhos e figuras a respeito de poluição,
extinção das espécies e outros temas afins.
Esses trabalhos ficam disponíveis para aces-
so em apresentações em PowerPoint eo com-
partilhados com os alunos de toda a turma; mais
tarde, serão aprofundados pelos próprios alunos.
Na área de Matemática, mais especifica-
mente com as 5
a
séries do Ensino Fundamen-
tal, os alunos também estão começando a ser
atingidos por trabalhos que abordam as preo-
cupações ambientais de nossa sociedade. As-
sim, nas aulaso apresentados problemas em
que, por exemplo, se fazem cálculos sobre de-
vastações da mata na região, do volume de pro-
dução de lixo e de poluentes que chegam às
praias de Bombinhas.
Outras atividades, como caminhadas ecoló-
gicas e saídas de campo com as turmas, come-
çam a ser incluídas no planejamento curricular
e concretizadas com o apoio de outros profes-
sores da escola.
Também as professoras Salvelina, Maria
Cristina e Salete, do l
c
e 2º ciclos do Ensino Fun-
damental,m incentivando em suas atividades
pedagógicas a realização de exercícios com te-
mas ambientais em colhido os seus frutos.
À medida que as atividades dos projetoso
sendo concluídas com cada turma, nas reuniões
de estudo, que se realizam mensalmente, cada
professor faz suas observações e sua avaliação
sobre o grau de aprendizado e de sensibilização
ambiental de seus alunos. Esses materiais e re-
latórios estão sendo cadastrados e arquivados
para avaliação e inserção no site do Projeto
Educado e do projeto cooperativo da escola.
As professoras Maria Beatriz Araújo de Lima
e Marialva Teixeira Dutra da Rocha, participan-
tes do projeto e agora mestrandas do PPG -
Mestrado em Educação da Univali, também par-
ticiparam do Projeto Educado pelo Colégio de
Aplicação. Suas pesquisas procurarão delinear
novas formas de trabalhar a temática ambiental
no currículo escolar, de uma forma cada vez mais
integrada, o que configura a vivência dos pro-
cessos de interdisciplinaridade e transversalida-
de para inserção da dimensão ambiental, ou seja,
da Educação Ambiental no currículo da escola.
Durante a Semana do Meio Ambiente deste
ano, nas escolas participantes, foram apresenta-
dos, sob a forma de painéis, os trabalhos em de-
senvolvimento com os alunos do 1º e 2
o
ciclos
do Ensino Fundamental, nas disciplinas de Ci-
ências, História, Matemática, Língua Portugue-
sa e Artes e Informática Educativa e, no Ensino
Médio, Biologia, Química e Sociologia.
Na EBM Avelino Werner, além da apresenta-
ção das atividades realizadas pelos alunos da
Educação Infantil, foram expostos trabalhos nas
disciplinas de Ciências, História, Matemática,
Língua Portuguesa, Inglês, Artes, Ensino Religi-
oso. Além disso, foram realizadas atividades pe-
dagógicas como oficinas (organização de ter-
rários, montagem de pipas e uso de softwares
educativos com temas ecológicos, na sala
informatizada da escola). Foram realizadas tam-
m entrevistas com alunos e professores,
registradas em filme e em fotografia.
No Colégio de Aplicação da Univali, as pro-
fessoras organizaram uma caminhada ecológica
ao Morro da Cruz, em Itajaí, para registrar em fo-
tografia, com os alunos, as agressões humanas ao
ambiente natural e a modificação da paisagem.
No alto do morro organizaram uma atividade de
percepção ambiental chamada "Mapa mental",
que tem como objetivos: rememorar o trajeto co-
tidiano que os alunos percorrem no deslocamen-
to até a escola; destacar mentalmente pontos de
referência que diariamente eles encontram no
caminho; debater em grupo, em busca de nego-
ciação, onde cada aluno mora e como represen-
tar num mesmo mapa os diferentes caminhos
percorridos; e despertar os sentidos de localiza-
ção e valorização do ambiente que o cerca.
Cada equipe, composta de quatro a cinco
alunos, representa numa cartolina um mapa
contendo o trajeto que cada um deles percorreu
de sua casa até a escola. Depois de negociarem a
organização de um novo mapa, ele é apresenta-
do ao grande grupo. Ao fim das apresentações,
as equipes reúnem os respectivos mapas, a fim
de ter uma visão geral da região.
Em Bombinhas, professores e alunos parti-
ciparam, durante o Dia do Meio Ambiente, de
uma palestra com ambientalistas na Escola
Leopoldo José Guerreiro para esclarecer uma
polêmica que ocorreu na comunidade e que le-
vou à suspensão da criação do Parque Nacional
da Costeira de Zimbros, em Bombinhas.
Pretende-se agora ampliar o projeto, apre-
sentando-o às secretarias municipais de outros
municípios do litoral de Santa Catarina, para que
ele possa ser utilizado como uma metodologia
para a formação continuada de professores, con-
tribuindo assim para as discussões sobre a in-
serção da dimensão ambiental no currículo es-
colar de uma forma transversal e interdiscipli-
nar, como sugerem os Parâmetros Curriculares
Nacionais. Essa também é a meta do MEC com a
implantação do Programa Parâmetros em Ação.
Bibliografia
CARNEIRO, S. M. C. A dimensão ambiental da educação
escolar de 1
a
a 4ª séries do Ensino Fundamental na rede
pública da cidade de Paranaguá. Curitiba, 1999. Tese
(Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Uni-
versidade Federal do Paraná.
FREIRE, R Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. 6. ed.o Paulo: Paz e Terra, 2000.
GUATTARI, F. As três ecologias. 4. ed. Campinas: Papirus,
1993.
GUERRA, A. F. S. Projeto Educado: Educação Ambiental em
áreas costeiras usando a Web como suporte. Itajaí:
Univali, 2000. 26 p. (Univali - Programa de Pós-Gradua-
ção, Mestrado em Educação - Projeto em andamento).
Diário de bordo: navegando em um ambiente
de aprendizagem cooperativa para Educação Ambiental.
Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em Engenharia de
Produção), Universidade Federal de Santa Catarina. 336 p.
GUERRA, A. F. S.; TAGLIEBER, J. E. Uma reflexão sobre a
dimensão ambiental na educação e as representações
docentes. In: Seminário de Pesquisa da Região Sul, 3.
2000. Anais... Porto Alegre: UFRGS, 2000. Disponível
também em CD-ROM.
GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. 3. ed.
Campinas: Papirus, 1995.
Educação Ambiental - temas em meio ambi-
ente. Duque de Caxias: Unigranrio, 2000.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-
damental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Am-
biente; Saúde. Brasília: SEF/MEC, 1998.
Programa de desenvolvimento profissional
continuado Parâmetros em Ação. Brasília: SEF/MEC,
2000. 2 v.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21. Carta da
Terra. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, 1992.
RELATÓRIO DO COMITÊ DO LITORAL CENTRO-NORTE
DE SANTA CATARINA. Itajaí, Faculdade de Ciências
do Mar/Associação de Municípios da Foz do Rio Itajai-
Açu, 1996.
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
Anexo
Figura 1
Reciclando a Solidariedade
Andréa Imperador Peçanha Travassos, Maria das Graças de Sousa
e Suzana Machado Pádua
Projeto IPÊ/SP
Resumo
O projeto de Educação Ambiental "Reciclando
a Solidariedade" surgiu a partir da observação de
que, em determinadas regiões do Brasil, existe um
consumo exagerado de recursos naturais, enquan-
to em outras as pessoas sofrem com a carência até
mesmo de materiais básicos para o seu desenvol-
vimento. Foi exatamente pensando nesses contras-
tes que, em 1999, nasceu a idéia de produzir, junto
com as crianças e os adolescentes das escolas es-
taduais e particulares da região de Nazaré Paulista,
município-sede do IPÊ, cadernos novos a partir
do papel de cadernos já utilizados anteriormen-
te pelos alunos. O material resultante seria doa-
do a outros estudantes - no caso, filhos dos as-
sentados rurais do Pontal do Paranapanema, uma
das regiões mais pobres do estado deo Paulo.
Introdução
O Brasil é reconhecidamente um país de
muitos contrastes e diferentes realidades, tanto
do ponto de vista econômico quanto do social e
do ambiental, o que nos incita à reflexão sobre
as causas e as maneiras como podemos contri-
buir para minimizar os impactos gerados. Um
dos mais marcantes contrastes observados en-
tre a população do país diz respeito ao acesso a
bens de consumo, considerados imprescindíveis
para se ter um estado de "bem-estar" e confor-
to. Porém, grande parte da população brasileira
o tem acesso a esses bens e mesmo assim tem
sido obrigada a conviver com problemas gera-
dos por esse modelo de desenvolvimento.,
ainda, uma falta significativa de políticas públi-
cas capazes de contribuir para a diminuição dos
problemas socioambientais.
Um exemplo marcante da atualidade é a
grande quantidade de lixo produzido principal-
mente nas grandes cidades. Os bens geradoso
A produção de tais cadernos envolve, além do ato
de solidariedade, uma série de disciplinas que enri-
quecem o currículo do aluno, trabalhando o meio
ambiente de forma interdisciplinar. Dessa forma, o
aluno adquire uma série de conhecimentos sobre a
sua realidade e sobre a realidade de quem irá receber
o caderno. Desde seu início até o presente momento,
o projeto já envolveu mais de quinhentos estudan-
tes, dezenas de professores e coordenadores do En-
sino Fundamental e Médio, em que cada aluno teve
a oportunidade de produzir um exemplar.
Os temas trabalhados na produção de tal ma-
terial foram: biodiversidade, água, desmatamento,
lixo e saúde, entre outros. Essa esUatégia tem con-
tribuído de forma muito significativa para a am-
pliação da visão de mundo de ambas as partes.
muitas vezes descartados eo devidamente
reaproveitados. Esse processo vem causando
uma série de graves problemas, queoo tra-
tados com a atenção merecida.
O Brasil, infelizmente, continua estimulan-
do um consumo desenfreado e insustentável,
causando danos muitas vezes irreparáveis com
conseqüências nefastas para o meio ambiente e
para as populações menos privilegiadas. Em
nome do crescimento econômico, os impactos
o tratados como secundários e acabam refle-
tindo na qualidade da vida de maneira geral.
Com base nessas realidades, o projeto
"Reciclando a Solidariedade" foi concebido para
integrar duas regiões onde vem atuando o IPÊ
(Instituto de Pesquisas Ecológicas), organização
não-governamental sem fins lucrativos. O pro-
jeto está sendo realizado em dois contextos di-
versos do estado deo Paulo: em Atibaia, loca-
lizada em região de alto padrão socioeconômico,
e em Teodoro Sampaio, município menos privi-
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
legiado, situado em área de conflitos sociais in-
tensos.
O projeto tem por objetivos chamar a aten-
ção de alunos e professores para as diferenças
socioambientais existentes no país e propiciar
oportunidades para que cada um desenvolva ati-
vidades que integrem a preocupação ambiental
às questões sociais marcantes de cada região. O
projeto inclui etapas nas quais os alunoso en-
corajados a trabalhar a reciclagem de papel, pro-
duzindo cadernos novos com materiais criativos,
a partir de outros que seriam descartados sem
utilização. Tem ainda a chance de travar contato
com indivíduos de classes sociais diferentes, es-
timulando a solidariedade e a cooperação. A éti-
ca perpassa todas as etapas do projeto, de ma-
neira a interconectar as diversas disciplinas por
meio da temática ambiental.
Atibaia e Teodoro Sampaio
O estado deo Paulo é o mais rico da nação
brasileira, o que, infelizmente,o impede a
existência de fortes contrastes socioambientais
em suas regiões. Muito ao contrário, a riqueza
mal distribuída tem gerado diferenças marcantes
e a pobreza tem-se intensificado. A região de
Campinas e arredores, por exemplo, consolidou
desde os anos 1970 seu papel como o maior pólo
econômico, terceiro no país depois deo Paulo
e Rio de Janeiro. Sua estrutura industrial é
marcada pelo crescimento dos setores de bens
de capital e consumo, e sua agricultura é domi-
nada por produtos de exportação. Tais fatores
m atraindo milhares de pessoas, que migram
principalmente da Região Metropolitana deo
Paulo em busca de novas perspectivas econômi-
cas e de melhores condições de vida. Em
contrapartida a esse desenvolvimento econômi-
co, há uma crescente degradação ambiental na
região, com desmatamentos cada vez mais visí-
veis nos remanescentes da Mata Atlântica, que
vem cedendo lugar à especulação imobiliária.
Esses fatoresm contribuído de maneira signi-
ficativa para a perda da biodiversidade, o
assoreamento dos rios e uma crescente produ-
ção de esgoto doméstico. Apesar de haver um
sistema de coleta de lixo na maioria dos municí-
pios da região, resíduos industriais e domésti-
cosoo devidamente tratados, provocando
grandes danos à qualidade da vida em geral.
O município de Atibaia, que faz parte da re-
gião de Campinas, tem mais de cem mil habi-
tantes e está a 70 km deo Paulo e 60 km de
Campinas. Cerca de 85% da população vive em
área urbana, com média salarial de aproximada-
mente três salários mínimos, e 93% de sua po-
pulação é alfabetizada.
Já o município de Teodoro Sampaio possui
aproximadamente 20 mil habitantes. Localiza-se
no extremo oeste do estado deo Paulo, em re-
gião conhecida como Pontal do Paranapanema. A
área tem chamado a atenção por conflitos
fundiários recentes, tendo sido historicamente lo-
cal de um processo de ocupação conturbado, mar-
cado por grilagem de terras e pela destruição de
grandes reservas florestais. Esse processo contri-
buiu de modo significativo para a perda da
biodiversidade, para a degradação dos solos
agricultáveis e para as diferenças sociais marcantes,
comuns até hoje. É a segunda região mais pobre
do estado deo Paulo e seus índices de analfabe-
tismo e mortalidade infantilo muito altos.
O projeto Reciclando a Solidariedade tem sido
desenvolvido nessas duas regiões, principalmen-
te em Atibaia, onde envolve estudantes de duas
escolas da cidade: a E. E. Major Juvenal Alvim e o
Colégio Espaço - Educação Básica. O projeto pro-
põe-se a ser um elo entre essas duas regiões e ser-
vir para o intercâmbio entre elas, utilizando o ca-
minho da ética e da transversalidade.
Metodologia
A metodologia consiste em várias etapas in-
terligadas. Primeiramente, os alunos observam
o desperdício dentro da própria sala de aula.
Quase nenhum estudante inicia um ano letivo
utilizando cadernos do ano anterior. Muitas ve-
zes, com uma quantidade enorme de folhas ain-
dao utilizadas, esses cadernoso descarta-
dos, aumentando a geração de lixo. Existe ainda
o grande impacto que ocorre na própria produ-
ção dos cadernos, incluindo as árvores cortadas
para esse fim.
O processo inicia-se com a sensibilização
dos diretores, coordenadores e professores das
escolas participantes, a fim de garantir a conti-
nuidade do projeto e a produção de novos ca-
dernos pelos alunos, em oficinas de reciclagem.
O planejamento é crucial para o desenrolar das
atividades, porque, além de ser o momento de
entrar em contato com a proposta, estimula a
criatividade dos professores para elaborar me-
canismos que integrem as diversas disciplinas
que lecionam. Desperta também a criação de
meios de traduzir diferentes conteúdos aos alu-
nos participantes, enriquecendo o processo
educacional.
Para produzir cadernos novos a partir de ca-
dernos antigos é necessário fazer uma grande
coleta desse material, e isso ocorre de diferentes
formas: campanhas efetuadas pelos diretores,
coordenadores, professores e alunos nas própri-
as salas de aula das escolas participantes; cam-
panhas realizadas pelos alunos em seus respec-
tivos bairros junto a vizinhos, amigos e paren-
tes. Nessa etapa, é essencial introduzir estraté-
gias de conscientização sobre a questão da
reutilização e da reciclagem do papel e sobre a
necessidade de contribuir de forma específica
para uma população escolar menos privilegia-
da, no caso: a de Teodoro Sampaio.
Com os cadernos coletados, dá-se início à se-
paração das folhas. As já escritaso encaminha-
das à reciclagem e as em brancoo empilhadas
em blocos que formam novos cadernos. Os espi-
rais e as capaso encaminhados para reutilização
por uma outra instituição de fins ideais, o Projeto
Curumim, que vem se dedicando, por meio da
reciclagem de papel, à melhoria da qualidade de
vida de crianças que viviam como coletores no
lixão da cidade. Em seguida, os alunos que já se-
pararam folhas suficientes para a confecção de
novos cadernoso convidados a participar de
uma oficina de reciclagem de papel, na sede do
Projeto Curumim. Cada aluno contribui com 2
quilos de alimentos não-perecíveis, o que enco-
raja sentimentos de reconhecimento e dá a eles a
oportunidade de sentir o prazer da doação. O des-
locamento até a sede do projeto ocorre em trans-
porte cedido por algum empresário local, propri-
etário de empresa de ônibus, sensível às questões
socioambientais que o projeto vem trabalhando.
Durante a oficina, existe uma integração en-
tre crianças e adolescentes de diferentes níveis
sociais, pois os professores que ensinam como
produzir papel recicladoo meninos e meni-
nas que outrora viviam da coleta de lixo. Tais
oportunidadeso raras no Brasil e ajudam a
aumentar a auto-estima de alguns e estimular a
solidariedade de outros.
Cada aluno participante produz duas folhas
de papel reciclado, queo respectivamente a
capa e a contracapa do novo caderno. As folhas
o levadas à escola envoltas em jornal e levam
quatro dias para secar. Só entãoo enviadas
para uma encadernadora.
Os professores utilizam-se do processo pro-
dutivo dos novos cadernos para interconectar as
diversas disciplinas. Os temas trabalhados vari-
am, mas envolvem as diferentes áreas de estudo
das seguintes formas:
Língua Portuguesa: interpreta textos, cria
músicas, poemas e redações relacionados ao
tema abordado, material que é depois inse-
rido nos cadernos, juntamente com uma pe-
quena autobiografia elaborada por cada um
dos alunos.
Ciências: trabalha a riqueza biológica exis-
tente na Mata Atlântica e a conseqüente per-
da ocorrida ao longo do tempo, em virtude
do desmatamento e de outros impactos.
Geografia: localiza geograficamente os dois
municípios envolvidos no processo - Atibaia
e Teodoro Sampaio - com seus respectivos
vizinhos, principais vias de acesso, bacias
hidrográficas e uso e ocupação do solo.
História: pesquisa o processo de degrada-
ção da Mata Atlântica ocorrida emo Pau-
lo, as questões relacionadas à forma de co-
lonização de cada região, a grilagem de ter-
ras realizada por grandes proprietários no
Pontal do Paranapanema e a ocupação mais
recente conduzida pelo Movimento dos
Sem-Terra (MST).
Matemática: estima as árvores necessárias
para a produção de papel, bem como a quan-
tidade salva pela sua reutilização. Confecci-
ona gráficos que mostram as vantagens eco-
nômicas e ambientais da reciclagem.
Educação Artística: utiliza várias técnicas
de pintura e colagem na elaboração de ca-
pas artísticas, ilustradas com exemplares da
Mata Atlântica ou com enfoque nos temas
abordados.
PAINE1 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
A cada ano,m sido produzidos cerca de 300
novos cadernos, queo enviados a locais caren-
tes de materiais educacionais. No caso de
Teodoro Sampaio, os cadernos foram levados à
Comissão de Educação do MST do município. Os
cadernos foram entregues durante cerimônia
especialmente preparada com dois representan-
tes dos alunos e duas professoras participantes
do projeto. Como sinal de gratidão, as professo-
ras receberam dos representantes do MST
echarpes confeccionadas pelas mulheres, e os
alunos, uma bandeira do movimento, o que re-
presenta um gesto de extremo respeito e consi-
deração. Mais uma vez, os alunos tiveram a opor-
tunidade de vivenciar realidades bem distintas
daquelas em que vivem.
Conclusão
O projeto Reciclando a Solidariedade de-
monstra que, por meio de uma iniciativa simples
como o reaproveitamento de papel para a con-
fecção de novos cadernos, é possívelo apenas
trabalhar o tema meio ambiente de forma trans-
versal, como também provocar reflexões e ações
de solidariedade e cidadania junto a alunos do
Ensino Básico., cada vez mais, a necessidade
de se envolver estudantes em processos de trans-
formação que os tornem cidadãos atuantes com
preocupações éticas no convívio com a natureza
e com os demais seres vivos. Tais processoso
fundamentais para a construção de um planeta
mais sadio e de uma sociedade mais justa.
Educação Ambiental e festas
populares - um estudo de caso
Amazônia utilizando o Festival
Folclórico de Parintins/AM*
Elizabeth da Conceição Santos
Universidade do Amazonas - Centro de Ciências do Ambiente - Escola de Educação Ambiental
Introdução
Uma inquietação constante provocada pela
visão reducionista da questão ambiental, quer pela
mídia, quer pelos sistemas educacionais, tem im-
pulsionado um profundo envolvimento na busca
de alternativas que permitam, principalmente à
população dos países emergentes, uma reflexão
crítica da realidade, a fim de contribuir para fo-
mentar mudanças individuais e coletivas que pos-
sam minimizar as desigualdades estabelecidas em
todo o planeta. Esta pesquisa constitui, em parte,
a convergência desses estudos e intervenções, tan-
to no ensino formal como no não-formal.
A desarticulação do componente social e a
redução do tratamento ambiental ao meramen-
te ecológico respondem, por um lado, ao esque-
ma positivista da ciência e do conhecimento, im-
pedindo uma adequada compreensão das com-
plexas e múltiplas expressões dos fenômenos da
realidade. É nesse aspecto que se propõe a Edu-
cação Ambiental como uma estratégia para re-
ver os reais fins da educação. Por outro lado,o
se pode negar que a Educação Ambiental, em sua
trajetória, vem comportando tratamentos
reducionistas que refletem os interesses dos paí-
ses desenvolvidos, voltada exclusivamente para
Tese (Doutorado em Educação). 2001. Instituto de Educação, UFMT.
os fatores ecológicos, primordialmente quanto à
manutenção dos ecossistemas remanescentes do
planeta e o domínio econômico que consolidam
as relações de desigualdades sociais.
Adotando a perspectiva crítica para a Educa-
ção Ambiental, consideramos que ela se perfila im-
plicitamente no questionamento da ordem socio-
econômica vigente, das superestruturas, estrutu-
ras e infra-estruturas que a sustentam; na análise
dos fatores da crise ambiental, a partir de uma
perspectiva predominantemente econômica e so-
cial, fundamentada na análise crítica das desigual-
dades locais, regionais, nacionais e internacionais,
com respeito ao aproveitamento e à destinação dos
recursos, à melhoria das condições de produção, à
coletivização e à democratização das organizações
sociais ou das estruturas políticas.
A pesquisa tende a desenvolver um processo
capaz de permitir a incorporação desses pressu-
postos teóricos e que vislumbre a possibilidade
de, por sua natureza, se revestir de atrativos ca-
pazes deo só atrair parcelas da sociedade para
refletir sobre a problemática ambiental contem-
porânea, como também estimulá-las a atuar na
transformação dessa realidade. Defendendo uma
visão dos fenômenos que leve em conta os com-
ponentes de uma situação em suas interações e
influências recíprocas, a investigação define-se
como abordagem qualitativa, como um estudo de
caso etnográfico (André, 1998: 49-52).
A pesquisa pretendeu verificar a possibilida-
de de as festas populares, que apresentam a
temática ambiental no seu contexto, permitirem
efetivar um trabalho de sensibilização, conside-
rando que, por meio delas, a comunidade resis-
te pontualmente às investidas do poder, ao de-
nunciar e ao expor as atrocidades cometidas his-
toricamente pelas relações econômicas determi-
nadas pelos países ricos, que repercutem no
meio ambiente dos países emergentes em toda
a sua dimensão e complexidade.
Educação e meio ambiente no
contexto contemporâneo
A visão mecanicista e reducionista do mun-
do tem sido precisamente uma das causas fun-
damentais da crise imperante nos últimos sécu-
los - a crise ambiental do século XX é uma crise
planetária, uma crise de conhecimento e de for-
mas de conhecimento; um desafio à interpreta-
ção do mundo. A crise da educação é um dos
aspectos relevantes da grande crise contempo-
rânea. A crise obriga a falar de paradigmas e de
mudanças de paradigmas. Entender a crise
ambiental como fenômeno global significa ter
de se aproximar dela a partir de um novo
paradigma conceituai e metodológico que per-
mita explicar a complexidade e trabalhar sobre
ela. A contribuição de Edgar Morin (1996), por
meio do paradigma da complexidade, permite
pensar a problemática ambiental contemporâ-
nea, a fim de minimizar os estragos que as vi-
sões simplificadoras fizeramo só no mundo
intelectual, mas também na vida. A contribui-
ção de Alvin Toffler (1998), ao categorizar as on-
das de mudanças vividas pela sociedade, con-
duz à análise das transformações ocorridas para
a superação dos conflitos que surgem. Um novo
paradigma ambientalista que venha substituir
o existente deverá revisaro só a natureza das
concepções humanas em relação ao meio, mas
também a ciência que foi influenciada por e in-
flui sobre elas. O paradigma ambientalista como
resultante da fusão dos enfoques paradig-
máticos de tipo ético e científico, ou seja, o
biocêntrico e a complexidade, proporciona o
marco adequado para situar, na conjuntura atu-
al, a Educação Ambiental (Novo, 1995). A Edu-
cação Ambiental entendida no novo paradigma
ambientalista deixa de ser um processo de sim-
ples mudanças éticas, conceituais ou metodo-
lógicas e permite formular teorias e leis para a
ação educativo-ambiental. Contemplando esses
pressupostos teóricos, o presente trabalho, por
meio de uma estratégia assentada nas práticas
culturais das populações amazônicas, objetivou
construir um processo de sensibilização e de
comprometimento da sociedade para com a
questão ambiental.
Manifestações culturais na Amazônia e
meio ambiente
Partiu-se do reconhecimento de que a
Amazônia foi apresentada ao mundo, envolta
em mitos, como uma região uniforme e mo-
nótona, um espaço sem gente e sem história,
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
passível de qualquer manipulação por meio de
planejamentos feitos a distância, ou sujeita a
propostas de obras faraônicas, vinculadas a um
falso conceito de desenvolvimento. Ab'saber
(1990) ressalta a necessidade da elaboração de
um sistema de educação ativo e criativo, adap-
tado a um modo de vida harmônico com as
condições ambientais e culturais da região,
com respeito total aos valores das comunida-
des autóctones. Nesse contexto amazônico,
definido na conjuntura atual, destacam-se ma-
nifestações culturais que culminam, muitas
vezes, na realização de festas populares, reli-
giosas ou profanas, revestidas da miscigenação
que integra historicamente as matrizes cultu-
rais dos povos amazônicos. Essas manifesta-
ções culturais que, integrando calendários tu-
rísticos, emergem de cada município amazo-
nense, apresentam, para esta pesquisa, duas
características fundamentais: o fato de atraí-
rem multidões, pelo fascínio da temática e/ou
pela oportunidade de diversão; e o fato de mui-
tas delas permitirem a incorporação da temá-
tica ambiental no seu desdobramento. Entre
as manifestações culturais que reúnem essas
características, a que é considerada como a
maior festa popular da Região Norte é o Festi-
val Folclórico de Parintins, evento anual, que
se realiza nos dias 28, 29 e 30 de junho, tendo
como tema central um auto popular brasilei-
ro, o Bumba-meu-Boi, Boi-Bumbá, ou simples-
mente Boi, com modificações e adaptações
eminentemente amazônicas.
O município de Parintins é analisado na
conjuntura regional por meio de vários parâ-
metros: aspectos históricos, relevo, vegetação,
clima, hidrografia, economia, educação, saú-
de, infra-estrutura e serviços públicos, e sob
instrumentos legais que sustentam as orien-
tações de gestão ambiental. A etnografia, na
perspectiva da descrição densa, proposta por
Geertz (1978), é assumida pela pesquisa como
procedimento metodológico que permite des-
crever o Boi como prática cultural e como ati-
vidade impactante. Isso significa inscrever a di-
mensão educativa do Boi na problemática da
Educação Ambiental como campo teórico-prá-
tico, buscando uma adaptação da etnografia à
educação.
Boi-Bumbá como prática cultural
As potencialidades do Boi-Bumbá como prá-
tica culturalo enfatizadas, do ponto de vista
de sua produção e/ou incorporação ao sistema
educacional de Parintins. O Boi-Bumbá é anali-
sado como prática cultural, buscando-se identi-
ficar as potencialidades existentes nessa mani-
festação, com o propósito de que as condições
concretas de vida de seus portadores sejam uma
via de acesso ao conhecimento de suas ideolo-
gias, de seus valores e de suas práticas culturais,
para colocá-los a serviço da questão ambientai.
Parte-se dos vestígios das origens do Boi-
Bumbá que, por ser uma manifestação cultural
local e regional, requer a utilização do conceito
de cultura como suporte teórico de referência; a
abordagem do Boi, como prática cultural, busca
subsídios na perspectiva da teoria interpretativa
da cultura. A análise prossegue concebendo a
festa como um momento extraordinário que
possibilita viver uma ausência fantasiosa e utó-
pica de miséria, trabalho, obrigações, pecados e
deveres, tendo, portanto, um caráter dionisíaco,
permitindo compreender a elaboração das opi-
niões comuns e das crenças coletivas, na análise
de Maffesoli (1987). Incorporam-se referenciais
dos estudos de Turner (1974) e de DaMatta
(1998), para considerar as festas como palco das
transformações culturais e cenários importan-
tes da vida social; como lugar dos conflitos, das
exclusões, de controle, de disciplina, da educa-
ção e da reforma do povo, assim como de resis-
tência a todos esses processos.
De posse desses pressupostos, a pesquisa
prossegue na sua primeira intervenção, com o
objetivo de verificar se as manifestações cultu-
rais e, mais especificamente, a do Boi-Bumbá,
explicitam-se nos currículos escolares de Parin-
tins, assim como sua vinculação com a questão
ambiental. Concebe a escola como um territó-
rio de luta, e a pedagogia, uma forma de política
cultural (Giroux e Simon, 1999); por sua vez, con-
cebe o currículo como uma frente privilegiada
de luta de qualquer estratégia de intervenção
cultural do processo de transformação.
Definiram-se como universo da pesquisa as
12 escolas localizadas na zona urbana de Parin-
tins, da esfera estadual, atuando no 3º e 4º ciclos
(5
a
a 8
a
série) do Ensino Fundamental. O proces-
so de investigação empenhou-se em incorporar
os pressupostos básicos implícitos em uma abor-
dagem qualitativa, utilizando entrevistas semi-
estruturadas em conjunto com a observação par-
ticipante e a análise de documentos como alter-
nativa para recolhimento de dados, bem como
o desenvolvimento de categorias para proceder
à análise das respostas concedidas. Foram efeti-
vadas 12 entrevistas com a direção de cada es-
cola e 78 com os professores das disciplinas que
compõem a grade curricular das escolas envol-
vidas na pesquisa. A triangulação dos resultados
permitiu a descrição crítica da incorporação das
manifestações culturais do Festival Folclórico
nos currículos e sua vinculação com a questão
ambiental, tendo o meio ambiente como tema
transversal, conforme preconizam os Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Boi-Bumbó como atividade impactante
A pesquisa propôs-se levantar indicadores do
Boi-Bumbá como atividade impactante para, em
conjunto com os indicadores do Boi-Bumbá
como prática cultural, projetar e avaliar um pro-
grama de Educação Ambiental a ser trabalhado
pela população residente na sensibilização
quanto à questão ambiental. Ao referencial teó-
ricoo acrescidas reflexões sobre o fenômeno
turístico e sua vinculação com a indústria cultu-
ral que, segundo Coelho (1998), é vista ora como
responsável pela alienação das massas, ora como
reveladora para o ser humano de suas significa-
ções e do mundo que o cerca.
Os impactos socioambientais do turismo
o discutidos convergindo para as con-
seqüências sobre a cultura das regiões visita-
das, numa demonstração de que os impactos
desfavoráveis se apresentam com maior inten-
sidade nos locais onde acontece a convergên-
cia de um fluxo turístico de massa, como em
Parintins, que, pelos dados estatísticos, chega
a dobrar de população residente na zona ur-
bana, por ocasião do Festival.
Voltando-se para a população residente, a
pesquisa efetiva a segunda intervenção na reali-
dade, objetivando o levantamento da situação
ambiental de Parintins a partir da percepção da
população local. Utilizou-se um instrumento
que permitiu registrar os dados a partir de en-
trevistas semi-estruturadas. Apesar de, na abor-
dagem qualitativa, preponderarem pequenas
amostras, definiu-se entrevistar 500 residentes,
numa população urbana de aproximadamente
50 mil habitantes. Optou-se por amostragem
aleatória, podendo ser caracterizada como
amostragem por conglomerado, considerando
que os entrevistados foram envolvidos no ambi-
ente escolar e fora dele. O instrumento para a
coleta de dados foi utilizado como um guia,
estabelecida a abordagem qualitativa, e foi ela-
borado a partir de uma pesquisa prévia com a
população residente para identificação dos
parâmetros a serem analisados, a fim de permi-
tir uma avaliação dos impactos positivos e ne-
gativos do Festival Folclórico de Parintins.
Analisando os resultados advindos da análi-
se descritiva, dos relatórios produzidos por meio
do software e comparando, quando possivel, as
estatísticas oficiais atuais com o que as pessoas
relatam a partir de suas percepções, tornou-se
possível caracterizar: informações preliminares
dos entrevistados; serviços básicos (em qualquer
época e durante o Festival); alimentação (em
qualquer época e durante o Festival); saúde (em
qualquer época e durante o Festival); Festival
Folclórico de Parintins - preparativos; visitantes;
impactos ambientais causados pelo Festival Fol-
clórico; educação; e questão ambiental - um pro-
blema conceituai?
Boi-Bumbá como suporte para um
programa de Educação Ambiental
Foi projetada e implementada uma estraté-
gia de Educação Ambiental com base nos mar-
cos referenciais nacionais e internacionais, con-
siderando as potencialidades e a problemática
em torno das manifestações culturais contidas
no Festival Folclórico de Parintins, a fim de en-
volver visitantes e residentes com a questão
ambiental.
A exploração da dimensão educativa de prá-
ticas culturais de intensa ação sígnica, como su-
porte de ação pedagógica ambiental, produz
uma conexão imediata entre Educação Ambien-
tal e cidadania. Partindo do conceito de cultura
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
proposto por Geertz (1978, op. cit.) como teia de
significação simbólica, a pesquisa propõe a abor-
dagem da cultura como texto que pode ser lido
e interpretado. Incorpora a semiótica de Peirce
(1977), que concebe a comunicação como uma
relação entre autor, intérprete e interpretante.
A dimensão educativa do Boi-Bumbá, em
relação aos impactos que provoca, do ponto de
vista do recorte epistemológico, coloca este tra-
balho como tema e problema no campo da Edu-
cação Ambiental. A estratégia de Educação
Ambiental pautada na realidade amazônica de-
senvolveu-se em três momentos fundamentais:
antecedendo o Festival, com a preparação e
o envolvimento da população residente para
atuar na sensibilização dos visitantes, cons-
tando de um concurso escolar dirigido à re-
flexão sobre os impactos causados ao meio
ambiente, aproveitando as manifestações
culturais;
durante o Festival, com a exposição dos tra-
balhos selecionados, envolvendo a popula-
ção visitante e residente na análise dos de-
senhos e mensagens, considerando-se impli-
citamente a relação autor, intérprete e
interpretante;
após o Festival, com a avaliação dos resulta-
dos obtidos e a consolidação de um novo
processo de sensibilização participativo.
O processo de sensibilização teve a escola
como ponto de partida. Com o objetivo de en-
volver a comunidade na construção da estraté-
gia, inicialmente estabeleceu-se um concurso
envolvendo as escolas da rede urbana de
Parintins.
As escolas, em número de 12, apresentaram
como universo a ser atingido 9.837 alunos, as-
sim matriculados: 6.686 alunos de 5
a
a 8
a
série,
no Ensino Fundamental, e 3.151 alunos no Ensi-
no Médio.
As toadas (canções) foram escolhidas como
ponto de partida para a estruturação da estraté-
gia pelo fato de incorporarem à temática central
a discussão de problemas relacionados ao meio
ambiente, em sua totalidade e complexidade.
Foram escolhidas, a partir da análise de conteú-
do, 12 toadas de cada Bumbá, pertencentes aos
festivais de 1991 a 1998, considerando a incor-
poração da temática ambiental.
Partindo da seleção prévia das toadas, o con-
curso foi integrado por dois componentes
indissociáveis: desenhos expressando as mensa-
gens das toadas escolhidas e mensagens buscan-
do a sensibilização quanto à problemática
ambiental.
Os desenhos e as mensagens selecionados,
em número de 202 cada um, representando 16%
dos produzidos, integraram uma mostra para
envolver, desta feita, o público participante do
XXXIII Festival Folclórico de Parintins. Foram
escolhidos, ainda, desenhos representativos de
cada toada selecionada, com a finalidade de se-
rem transpostos para um muro pelo trabalho de
artistas plásticos locais; esses painéis integraram
o processo de sensibilização de visitantes e de
residentes no período de realização do Festival.
Muro e exposição propriamente dita constituí-
ram objeto de pesquisa quanto ao potencial das
festas populares para a Educação Ambiental.
A presente pesquisa impôs aos desenhos e
às mensagens um arbitrário cultural possível
de cooperar para provocar mudanças de valo-
res, comportamentos e estilos de vida neces-
sários ao desenvolvimento sustentável; enfim,
contribuir para forjar uma população prepa-
rada para respaldar as mudanças necessárias
à sustentabilidade.
Partiu-se do pressuposto que, dessa forma,
a população poderia, a partir da contemplação
dos trabalhos, perceber as letras das toadas e sua
relação com a questão ambiental, assim como a
complexidade em torno da qual a discussão da
temática se estabelece, visando a um compro-
metimento e a uma participação mais efetiva na
problemática contemporânea.
Efetiva-se a terceira intervenção na realida-
de por meio de um instrumento de pesquisa,
com perguntas abertas, sustentado em sete-
picos: identificação do entrevistado; participa-
ção no Festival/cuidados com a ilha; problemas
ambientais percebidos; toadas e preocupação
com o meio ambiente; aspectos relevantes nos
desenhos e nas mensagens; avaliação da estra-
tégia para sensibilização quanto à problemática
ambiental; e sugestões para melhorar o trabalho
de sensibilização.
A pesquisa, ao envolver visitantes e residen-
tes na análise dos desenhos e das mensagens, uti-
lizou como estratégia a seleção de três trabalhos
por série. Foram realizadas 242 entrevistas; a
amostra aleatória foi constituída por aqueles que
concordaram em participar do processo de sele-
ção dos desenhos e mensagens da exposição e dos
painéis do muro, ambos preparados para esse fim.
Considerando a avaliação dos participantes,
as ações do Programa de Educação Ambiental,
pautadas nas potencialidades e nos problemas
socioambientais identificados, demonstraram
constituir uma alternativa importante que, uti-
lizando as manifestações culturais, por meio das
festas populares, se consolida num processo en-
volvendo o ensino formal e o não-formal, na
construção de uma sociedade comprometida
com o meio ambiente.
Dessa forma, a Educação Ambiental, ao se
valer dos elementos do Festival, pretende con-
tribuir para que a questão ambiental seja com-
preendida na dimensão e na complexidade a ela
pertinentes, principalmente com relação aos
países emergentes, onde as disparidades ema-
nadas das relações de dominação dos países de-
senvolvidos impõem uma visão reducionista,
que permite manter o status quo e uma atribui-
ção de responsabilidade unilateral.
Considerações finais
A Educação Ambiental foi concebida, pela pes-
quisa, na vertente socioambientalista (Medina e
Santos, 1994: 65-66), da qual vale a pena destacar:
é proposta como uma alternativa educacional
complexa; faz uma análise histórica das situações
ambientais como produto do próprio processo his-
tórico da humanidade; postula uma educação para
a vida em toda a sua diversidade e complexidade;
propõe uma educação voltada para o futuro, po-
m firmemente assentada nas análises do passa-
do, capaz de pensar e construir uma utopia real ou
realizável; visa a uma educação efetivamente crí-
tica, que deverá caminhar até a superação das con-
tradições da educação sistemática.
A sistematização da pesquisa converge para
duas recomendações advindas das avaliações re-
alizadas, considerando o potencial identificado
nas manifestações culturais para o tratamento
da questão ambiental:
utilização das manifestações culturais no
processo de sensibilização para a problemá-
tica ambiental, com ênfase na conscien-
tização da opinião pública;
inserção das manifestações culturais nos
currículos escolares para trabalhar meio
ambiente como tema transversal, a fim de
contribuir para a educação formal voltada
para o meio ambiente e para a susten-
tabilidade.
Utilizando-se as manifestações culturais
emanadas do Festival Folclórico de Parintins
para a sensibilização quanto à questão ambien-
tal, em sua complexidade e totalidade, foi pos-
sível verificar que o processo desencadeado a
partir da escola até a sociedade em geral, pre-
sente à festa, permitiu um envolvimento de-
rios segmentos na reflexão da problemática
contemporânea.
A partir de alunos, professores, diretores,
enfim, do corpo administrativo das escolas, bem
como dos familiares, artistas locais e visitantes,
a questão ambiental foi percebida por meio das
toadas, quer numa perspectiva "naturalista" -
exaltação à beleza da natureza, restringindo ou
privilegiando o significado do meio ambiente em
seus aspectos físicos e biológicos, dissociando a
sociedade da natureza -, quer numa perspecti-
va "socioambientalista" - percebendo, além do
ambiente natural, o meio antrópico sujeito aos
empreendimentos do homem condicionados
essencialmente pelas relações sociais, com ên-
fase nos modelos de desenvolvimento impostos
e predatórios.
A pesquisa evidenciou a eventualidade e o
reducionismo com que as manifestações cultu-
rais derivadas do Festival Folclórico integram a
proposta curricular de Parintins. A forma como
as escolas responderam confirma que os educa-
doresm tradicionalmente considerado a cul-
tura popular como um conjunto de conhecimen-
tos e prazeres desvinculados da pauta da esco-
larização e como um terreno marginal e perigo-
so, algo contra o qual se deva ser imunizado.
Restringem o tratamento das manifestações cul-
turais às disciplinas específicas,o permitindo
uma reflexão mais aprofundada da questão
ambiental. A vinculação à questão ambiental é
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
percebida, mas, quando explorada, exalta os
impactos causados ao meio físico, principalmen-
te pela utilização dos recursos naturais, em de-
trimento dos relacionados aos aspectos sociais.
Apesar do reconhecimento da inserção da
questão ambiental no processo educacional, ela
está reduzida à esfera disciplinar,o se enfa-
tizando, em momento algum, o efetivo trabalho
interdisciplinar necessário ao seu tratamento. A
preservação do meio ambiente e a conscien-
tização dos alunos parecem ser possíveis sim-
plesmente por meio da utilização de estratégias
e/ou recursos didáticos. A vinculação dos temas
transversais às datas comemorativas e à realiza-
ção de eventos, como feiras de Ciências, pre-
fígura que esses trabalhos "conjuntos"o pon-
tuais e, portanto,o atendem ao princípio da
transversalidade em busca da construção da
interdisciplinaridade.
Existe consenso quanto à importância da in-
serção das manifestações culturais nos currícu-
los escolares para trabalhar meio ambiente como
tema transversal, conforme preconizam os Pa-
râmetros Curriculares Nacionais, considerando
as potencialidades e a problemática envolvidas
nas festas populares, tanto do ponto de vista de
sua constituição cultural e/ou de seus impactos,
dada a complexidade da questão ambiental.
Os temas transversais constituem um dos
aportes teóricos mais inovadores que recente-
mente deram à luz a teoria curricular contem-
porânea. Pode-se afirmar, até mesmo, que em
boa medida a viabilidade da reforma atualmen-
te pretendida no Brasil depende do tratamento
que se dê a esses temas, em cada centro educa-
tivo. O conceito de eixo transversal se refere a
um tipo de ensino que deve estar presente na
Educação obrigatória como "guardiã da interdis-
ciplinaridade" nas diferentes áreas do conheci-
mento;o como unidades didáticas isoladas,
mas como eixo claro de objetivos, conteúdos e
princípios de procedimentos queo dar coe-
rência e solidez às matérias e salvaguardar suas
interconexões, na medida do possível.
A transversalidade radica-se na incorporação
de uma perspectiva ética e de um posiciona-
mento crítico ante a realidade, perante o clássi-
co tratamento conceituai inspirado na idéia de
compartimentalização das diferentes matérias.
o objetivos a curto e médio prazo estimular as
capacidades de participação social responsável
e a intervenção ativa nas problemáticas locais
de cada comunidade, assim como tomar cons-
ciência dos conflitos transnacionais que se pro-
duzem no plano internacional. Constitui fina-
lidade dos temas transversais, a longo prazo,
potencializar o livre desenvolvimento pessoal
da sociedade do futuro.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - pro-
posta de reorientação curricular da Secretaria de
Educação Fundamental do Ministério da Educa-
ção - ao elegerem a cidadania como eixo verte-
bral da educação escolar, reconhecem a neces-
sidade de que as questões sociais sejam apresen-
tadas para a aprendizagem e a reflexão dos alu-
nos, indicando um tratamento didático que con-
temple sua complexidade e sua dinâmica com a
mesma importância das áreas convencionais.
Dessa forma, propõem um conjunto de temas
denominados temas transversais: ética, meio
ambiente, pluralidade cultural, saúde, orienta-
ção sexual, trabalho e consumo.
O meio ambiente, concebido na dimensão da
presente pesquisa, bastaria como tema transver-
sal único, considerando que em sua complexi-
dade e totalidade incorporaria os demais temas.
Isso, operacionalmente, resultaria em uma con-
vergência de esforços para a efetiva implemen-
tação dos Parâmetros. Em sendo assim, propõe-
se meio ambiente como tema transversal para
trabalhar os demais propostos, e as manifesta-
ções culturais como uma alternativa para traba-
lhar o meio ambiente como tema transversal no
Ensino Fundamental, mais especificamente de
5
a
a 8
a
série, ou seja, 3º e 4ºciclos.
As potencialidades e as problemáticas do Fes-
tival Folclórico de Parintins constituem a base
para que os temas transversais possam ser desen-
volvidos, numa perspectiva interdisciplinar e com
uma motivação pertinente ao prazer do qual
emergem as manifestações. Gaudiano (1997:144-
145) reconhece que a "Educação Ambiental pode
fazer qualitativas contribuições na busca de uma
pedagogia da diferença em oposição a uma pe-
dagogia da desigualdade". Uma pedagogia em que
o indivíduo, a partir de seus interesses, aspirações
e desejos de mudança social, reúna condições de
pertencer à realidade que deve construir com base
na análise crítica de suas condições objetivas e
subjetivas de existência.
Na avaliação dos participantes, as ações do
Programa de Educação Ambiental, pautadas nas
potencialidades e nos problemas socioam-
bientais, demonstraram constituir uma alterna-
tiva importante que, utilizando as manifestações
culturais por meio das festas populares, se con-
solida num processo que envolve o ensino formal
e o não-formal para a construção de uma socie-
dade comprometida com o meio ambiente.
Bibliografia
AB'SABER, Aziz Nacib. A Amazônia: do discurso à práxis.
o Paulo: Edusp, 1990. 319 p.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prá-
tica escolar. 2. ed. Campinas: Papirus, 1998.128 p. (Sé-
rie Prática Pedagógica).
BIFANI, Paolo. Médio Ambiente y Desarrollo. 3. ed. Guadala-
jara, México: Universidad de Guadalajara, 1997. 699 p.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. In-
trodução, organização e seleção de Sérgio Miceli.o
Paulo: Perspectiva, 1998. 361 p.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes e Bases da
Educação Nacional: Lei n° 9.034, de 20/12/1996 (Lei
Darcy Ribeiro) e legislação correlata. Bauru: Edipro,
1997a. 147 p.
. Relatório Final do II Curso de Capacitação
de Multiplicadores em Educação Ambiental. Acordo Bra-
sil/Unesco. Brasília: Secretaria Executiva, Coordenação
de Educação Ambiental. 1997b. 164 p. (mimeo.).
. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental - introdução.
Brasilia: SEF/MEC, 1998. 196 p.
. Parâmetros em Ação - Meio Ambiente na
Escola. Brasília: SEF/MEC, 2001.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Defesa do Con-
sumidor, Meio Ambiente e Minorias. Agenda 21. Brasília:
Centro de Documentação e Informação, 1995. 471 p.
CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De-
senvolvimento). Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Ja-
neiro: FGV, 1991. 430 p.
COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural.o Paulo:
Brasiliense, 1998. 99 p. (Coleção Primeiros Passos).
DAMBRÓSIO, Ubiratan. Educação para uma sociedade em
transição. Campinas: Papirus, 1999. 167 p.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Ja-
neiro: Rocco. 1998. 126 p.
DEMO, Pedro. Conhecimento moderno: sobre ética e inter-
venção do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1997. 317 p.
FAURE, Edgar. Aprender a ser. Trad. de Maria Helena Ca-
vaco e Natércia Paiva Lomba. Lisboa: Bertrand, 1972.
475 p.
FLORES, Maria Bernardete Ramos. A Farra do Boi: palavras,
sentidos, ficções. Florianópolis: UFSC. 1997. 255 p.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 18. ed. Trad. de Mo-
acir Gadotti e Lilian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979. 79 p. (Coleção Educação e Comunicação).
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Ja-
neiro: Zahar, 1978. 323 p.
. O saber local: novos ensaios em antropolo-
gia interpretativa. Trad. de Vera Mello Joscelyne.
Petrópolis: Vozes, 1997.
GIROUX, Henry A.; SIMON, Roger. Cultura popular e peda-
gogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhe-
cimento curricular. In: MOREIRA, Antônio Flávio; SIL-
VA, Tomaz Tadeu (Orgs.). Currículo, cultura e socieda-
de. 3. ed.o Paulo: Cortez, 1999. p. 93-124.
GONZÁLEZ GAUDIANO, Edgar. Educación ambiental para
que? Ecológicas. Sociedad y médio ambiente. Ano 3.
México: Nueva Época. n. 2, julio-agosto, p. 9-10
Educación Ambiental: historia y conceptos
a veinte anos de Tbilisi. México: Thalpan, Sistemas Téc-
nicos de Edición, 1997. 290 p.
IANNI, O. A sociedade global. 2. ed. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 1996. 194 p.
KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do turismo - para uma
nova compreensão do lazer e das viagens. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 1989. 235 p.
LEFF, Enrique. Hacia Ia construcción de una nueva
racionalidad ambiental. Boletin de Educación Popular
Ambiental, n. 5, Chile, 1992.
Sobre el concepto de racionalidad ambiental
en Formación Ambiental. Órgano Informativo de Ia Red
de Formación Ambiental para América Latina y el Caribe.
PNUMA/ORPALC 4(7): 15-8, mayo-ago. 1993.
MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente. Trad. de
Márcia O de Sá Cavalcante. Rio de Janeiro: Rocco,
1984. 186 p.
A sombra de Dionisio: contribuição a uma
sociologia da orgia. Trad. de Aluízio Ramos Tinto. Rio
de Janeiro:. Graal, 1985. 177 p.
O tempo das tribos: o declínio do individua-
lismo nas sociedades de massa. Trad. de Maria de
Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 1987.231 p.
O conhecimento comum - compêndio de so-
ciologia compreensiva. Trad. de Aluízio Ramos Tinto.o
Paulo: Brasiliense, 1988. 274 p.
A contemplação do mundo. Trad. de Fran-
cisco Franke Settineri. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
1995. 168 p.
No fundo das aparências. Trad. de Bertha
Halpern Gurovitz. Petrópolis: Vozes, 1996. 350 p.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Fesfa no pedaço: cultu-
ra popular e lazer na cidade.o Paulo: Hucitec, 1998.
166 p.
MALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria cientifica da cultura.
2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. 206 p.
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
MEDINA, Naná Mininni; SANTOS, Elizabeth da C. Amazô-
nia: uma proposta interdisciplinar de Educação
Ambiental: documentos metodológicos. Brasília: Ibama,
1994. 127 p.
Educação Ambiental: uma metodologia
participativa de formação. Petrópolis: Vozes, 2000. 132 p.
MENDONÇA, Rita. Turismo ou meio ambiente: uma falsa opo-
sição. In: LEMOS, Amália Inês G. de (Org.). Turismo: im-
pactos socioambientais.o Paulo: Hucitec, 1996.128 p.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. In: ENCONTRO NACIONAL
DE POLÍTICAS E METODOLOGIAS PARA A EDUCA-
ÇÃO AMBIENTAL. Anais... Brasília: Gráfica do MEC,
1991.
158 p.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro do folclore amazôni-
co. Etnografia amazônica. Manaus: Sérgio Cardoso,
1964. t. 1.228p.
História da cultura amazonense, v. 1.
Manaus: Governo do Estado, 1977. v. 1. 136 p.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu.
Sociologia e teoria critica do currículo: uma introdução.
In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz
Tadeu (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 3 ed. Trad.
de Maria Aparecida Baptista.o Paulo: Cortez, 1977.
p.7-38. 154 p.
MORIN, Edgar. El paradigma perdido. Barcelona: Kairós,
1983.222 p.
. Ciência com consciência. Barcelona:
Anthropos, 1984. 344 p.
. Introdução ao pensamento complexo. 2. ed.
Trad. de Dulce Matos. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.177 p.
(Coleção Epistemologia e Sociedade, 2).
. O problema epistemológico da complexida-
de. 2. ed. Portugal: Europa-America, 1996. 135 p. Bibli-
oteca Universitária, 38.
. Por uma reforma do pensamento. In: PENA-
VEGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. O pen-
sar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade.
Rio de Janeiro: Garamond, 1999. 201 p.
. Os sete saberes necessários à educação do
futuro. Trad. de Catarina Eleonora F da Silva e Jeanne
Sawaya.o Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2000. 119 p.
MORIN, Edgar; BOCCHI, Gianluca; CERUTI, Mauro. Os
problemas do fim do século. 3. ed. Trad. de Cascais Fran-
co. Lisboa: Editorial Notícias, 1966. 219 p.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. de
Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
163 p. (Coleção Epistemologia e Sociedade, n. 5).
NOVO, Maria. La educación ambiental en ei marco del
paradigma ambientalista. 3. ed. Madrid: Fundación
Universidad Empresa, 1995. Máster en Educación
Ambiental. 168 p.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Trad. de
Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg.o
Paulo: Cultrix, 1972. 163 p.
Semiótica. Trad. de José Teixeira Coelho
Neto.o Paulo: Perspectiva, 1977. 337 p.
PEREZ, José Gutiérrez. La educación ambiental - Funda-
mentos teóricos, propuestas de transversalidad y
orientaciones extracurriculares. Madrid: La Muralla,
1995. 31 Op.
REIS, Arthur Cózar Ferreira. As origens de Parintins.
Manaus: Secretaria de Imprensa e Divulgação, Gover-
no do Estado do Amazonas, 1967. 57 p.
RUSCHMANN, Doris Van de Meene. Turismo sustentado
para preservação do patrimônio ambiental. Turismo em
análise.o Paulo: ECA/USP, 3(1), maio 1992.
. O planejamento do turismo e a proteção do
meio ambiente.o Paulo, 1994. Tese (Doutorado em
Ciências da Comunicação). EC A, Universidade deo
Paulo. 199 p.
. Turismo e planejamento sustentável: a prote-
ção do meio ambiente. Campinas: Papirus, 1997. 187 p.
(Coleção Turismo).
SACHS, Ignacy. Meio ambiente e desenvolvimento - con-
ceitos-chave de uma nova educação. Perspectivas,
Vlll(4): 484-91. 1978.
. Estratégia de transição para o século XXI.
In: BURSZTYN, Marcel (Org.). Para pensar o desen-
volvimento sustentável.o Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 29-56.
SANTOS, Elizabeth da Conceição. Educación ambiental en
Ias universidades amazônicas. Educación Ambiental y
Universidad. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE
EDUCACIÓN AMBIENTAL. UNA ESTRATÉGIA AL
PORVENIR. Anais... México: Universidade de Guada-
lajara. 1993. p. 197-210. 445 p.
. Incorporação da Educação Ambiental nos
cursos de graduação das universidades amazônicas. In:
PAVAN, Crodowaldo (Org.). Uma estratégia latino-ame-
ricana para a Amazônia. Brasília-São Paulo: MMA-
Memorial, v. 1. 1996. p. 299-310. 348 p.
. Escola de Educação Ambiental: a universi-
dade e a incorporação da Educação Ambiental no ensi-
no de 1
o
Grau. In: PÁDUA, Suzana Machado; TABANEZ.
Marlene Francisca (Orgs.). Educação Ambiental: cami-
nhos trilhados no Brasil. Brasília: IPÊ. 1997. p. 55-72.
SANTOS. Elizabeth (Coord.). Meio Ambiente através das
manifestações culturais de Parintins. Manaus, AM:
IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas),
1998. 16 p.
SAUNIER, Tonzinho. Várzea e terra firme. Manaus: Edi-
ções Parintintin. Governo do Estado, Diário Oficial,
1990. 162 p.
SOUZA, João Jorge de. Parintins - A ilha do folclore.
Manaus: Governo do Estado, 1989. 187 p.
. Contos e lendas da Amazônia. Manaus: Im-
prensa Oficial, 1993. 89 p.
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 23. ed. Trad. de João
Távora. Rio de Janeiro: Record, 1998. 491 p.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia - um estudo da percepção, atitudes
e valores do meio ambiente. Trad. de Lívia de Oliveira.
o Paulo: Difel, 1980. 288 p.
TURNER, Victor W. O processo ritual - estrutura e anti-es-
trutura. Trad. de Nancy Carnpi de Castro. Petrópolis:
Vozes, 1974. 248 p. (Coleção Antropologia, 7).
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção, a Ciência e a Cultura). Tendências de Ia educación
ambiental. Paris: Unesco, 1977a. 187 p.
. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE
EDUCACIÓN AMBIENTAL. Belgrado, Iugoslávia, 13-22
out./1975. Informe Final. Paris: Unesco, 1977b. 195 p.
In: CONFERÊNCIA INTERGUBERNAMEN-
TAL SOBRE EDUCACIÓN AMBIENTAL. Tbilisi, 14-26
out./1977. Informe Final. Paris: Unesco, 1978. 186 p.
International Strategy of Environmental
Education. Paris: Unesco, 1987.
. Declaração de Tessalônica In: CONFERÊN-
CIA INTERNACIONAL EM AMBIENTE E SOCIEDADE:
EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO PARA A SUS-
TENTABILIDADE. Grécia. 8-12 dez. 1997. Paris:
Unesco, 1998.
Educação: um tesouro a descobrir. Relató-
rio para a Unesco da Comissão Internacional sobre Edu-
cação para o século XXI.o Paulo: Cortez. Brasília:
MEC/Unesco. 1998.
VIEIRA FILHO, Domingos. Folclore brasileiro- Maranhão.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação-Funarte,
1977. 65 p.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo