Enquanto se desenvolvia esta produção coletiva das cartilhas,
extratos dos textos em elaboração (frases, parágrafos ou páginas)
eram imediatamente usados nos processos pedagógicos
quotidianos pelo público de alunos que sempre cercava o grupo de
trabalho. Estes extratos eram copiados, lidos e comentados no
quadro negro da escola por alguns dos "jovens letrados", para
serem reproduzidos pelos outros alunos em seus cadernos (ou em
um dos outros três quadros negros da aldeia). Em outros
momentos, versões preliminares ou definitivas de páginas dos
textos eram circuladas e comentadas entre os alunos, que
livremente as usavam para exercícios de leitura ou modelos de
escrita. Finalmente, todo o trabalho sobre as cartilhas foi
acompanhado por sessões de desenhos livres inspirados nos temas
evocados nos textos, dando oportunidade para mais comentários,
leituras e escrita. Assim, em complemento às sessões escolares
habituais (ministradas pela educadora), as sessões de produção de
textos criavam entre os alunos da aldeia uma alegre dinâmica de
disseminação pedagógica.
Durante a produção das cartilhas, foi dada uma atenção particular
ao princípio de negociação intercultural dos textos (além dos
cuidados dados aos seus aspectos linguísticos). Assim, a sua
formulação e conteúdo foram longamente debatidos para atingir a
maior sintonia possível com a visão indígena dos fenómenos
abordados, mas isto sem prejuízo da qualidade técnica das
informações sanitárias transmitidas. Assim, nunca foi tentado
traduzir literalmente para o Yanomami textos já fechados em
português "simplificado" (postura tão ineficiente quanto
infantilizante). Também nunca se pretendeu meramente "registrar"
uma auto-elaboração das cartilhas pelos Yanomami (pretensão tão
irreal quanto demagógica nesta fase do programa educativo).
Este princípio de negociação intercultural dos textos foi também
colocado em prática na tentativa de construí-los como instrumentos
dotados de uma dupla finalidade didática :
• trazer novos saberes "teóricos" e práticos sobre
diferentes aspectos da realidade do contato (tais como
novos conhecimentos sanitários sobre patogenia,
patologia e tratamento);
• reforçar pelo prestígio da escrita a transmissão de conhecimentos
indígenas ameaçados de não ser passados aos mais novos pelos
canais da tradição oral (tais como conhecimentos sobre plantas
medicinais, eventos históricos ou referências cosmológicas).
A valorização/fixação de novos conhecimentos na escola
intercultural pode, apesar das melhores intenções, contribuir
rapidamente para a obliteração de formas/situações sociais de
transmissão de saberes tradicionais já desvalorizadas ou em desuso
sob o efeito da