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É com satisfação que o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais, INEP, apresenta as teses da I Con-
ferência Nacional de Educação. Neste mo-
mento em que a Instituição comemora 60
anos, esta publicação contribui para revi-
talizar e acentuar as transformações e os
novos desafios da Instituição.
Se o INEP marcou o desenvolvi-
mento do pensamento brasileiro na Edu-
cação, fomentando e provocando a pes- .
quisa, inicia agora um novo processo,
transformando-se no principal instrumento
do Ministério da Educação para avaliação e
a estruturação de dados no setor.
A parceria com o Instituto Parana-
ense de Desenvolvimento Econômico e
Social, IPARDES, possibilitou a recupe-
ração das 111 teses apresentadas durante a
I Conferência, além dos registros da Ata de
Abertura e Sessão de Encerramento dos
trabalhos desenvolvidos pelas comissões e
da participação da mídia no evento.
As teses agruparam-se em temas,
como: a unidade nacional; a organização
do ensino; educação; política e voto; edu-
cação e questões femininas; higiene e edu-
cação sexual; pedagogia. Grande parte das
teses recebeu paceres. No caso das 14 teses
que não foram localizadas, os pareceres
estão sendo publicados a partir da página
667. Infelizmente, não foi possível loca-
lizar as teses 20 e 106, nem os respectivos
pareceres.
Mas isto não reduz a importância e o
esforço traduzidos nesta publicação, que
busca manter a história viva, em direção a
qualidade. Nossos agradecimentos espe-
ciais aos organizadores, a Secretaria de
Estado da Cultura do Paraná, a Fundação
Lysímaco Ferreira da Costa e ao Ipardes,
cuja colaboração foi imprescindível para a
realização desta obra.
Maria Helena Guimarães de Castro
Secretária de Avaliação e Informação
Educacional/INEP
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I CONFERENCIA
NACIONAL
DE EDUCAÇÃO
Curitiba, 1927
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Fernando Henrique Cardoso
MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
Paulo Renato Souza
SECRETARIA DE AVALIAÇÃO E INFORMAÇÃO EDUCACIONAL — SEDIAE
SECRETÁRIA
Maria Helena Guimarães de Castro
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS — INEP
DIRETOR-GERAL
Og Roberto Doria
COORDENADORA-GERAL DE DIVULGA ÇÃO DE INFORMA ÇÔES
EDUCACIONAIS
Christina Helena Micheli Velho
COORDENADOR DE PRODUÇÃO EDITORIAL
Jair Santana Moraes
COORDENADORA DE PROMOÇÃO E DIFUSÃO
Sueli Macedo Silveira
INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
SOCIAL —IPARDES
DIRETORA -PRESIDENTE
Heloisa Monte Serrat de Almeida Bindo
DIRETORA DO CENTRO DE PESQUISA
Maria Luiza Marques Dias
DIRETOR DO CENTRO ESTADUAL DE ESTATÍSTICA
Luiz Alexandre Fagundes
DIRETORA DO CENTRO DE TREINAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO
Cleide Maria Perito de Bem
I CONFERENCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Curitiba, 1927
Organização de
Maria José Franco Ferreira da Costa
Denilson Roberto Shena Maria
Auxiliadora Schmidt
Brasilia
MEC SEDIAE/INEP IPARDES
1997
Projeta Gráfico
Acácio Valério da Silva Reis
Serviços Editoriais
Acácio Valério da Silva Reis
Celi Rosalia Soares de Melo
Mírian Santos Vieira
Revisão
Antônio Bezerra Filho Francisca
de Sá Benevides Gislene Caixeta
(in memoriam) Maria Angela
Torres Costa e Silva Marluce
Moreira Salgado Tânia Maria
Castro
Colaboração
Patrícia Ramos Mendonça
Marcelo Alegria Rejane Dias
Ferreira Ribeiro Rodrigo
Godinho A. da Silva
Editoração e Capa
Acácio Valério da Silva Reis
INEP
SGAS, Quadra 607, Lote 50
70200-670 —Brasília-DF C.
Postal 04497 Fone: (061) 244
2612
(061) 244 0001-R. 396/308
FAX: (061) 244 4712
ação teve o apoio técnico da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná e
da Fundação Lysímaco Ferreira da Costa.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Centro de Informações Bibliográficas em Educação
Conferência Nacional de Educação (1.: 1927: Curitiba).
I Conferência Nacional de Educação /organização de Maria José Franco Ferreira da Costa, Denilson
Roberto Shena, Maria Auxiliadora Schmidt. - Brasília: INEP, 1997.
694 p.: il.retrs.
ISBN 85-86260-02-9
1. Educação - Congresso - Brasil. I. Costa, Maria José Franco Ferreira da. II. Shena, Denilson
Roberto. III. Schmidt, Maria Auxiliadora. IV. Título
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................
ATA DA SESSÀO DE INSTALAÇÃO DA CONFERÊNCIA............................... 15
SESSÃO PREPARATÓRIA ............................................................................... 17
ASSINATURAS DOS PARTICIPANTES............................................................ 19
TESES APRESENTADAS
TESE Nº 1 — POR QUE SE IMPÕE A PRIMAZIA DA EDUCAÇÃO HIGIÊ
NICA ESCOLAR
Belisario Penna........................................................................ 29
TESE N
a
2—ENSINO D A LEITURA INICIAL PELO MÉTODO DE PAL A-
VRAS GERADORAS
Antônio Tupy Pinheiro ............................................................. 33
TESE N
fi
3 — O BRASIL CARECE DA DIFUSÃO DO ENSINO POPULAR
DA GEOGRAFIA
Isaura Sydney Gasparini.......................................................... 41
TESE Nº 4 — ANTAGONIAS DA DIDÁTICA NA UNILATERALIDADE DO
ENSINO
Renato de Alencar................................................................... 46
TESE N
s
5 — NECESSIDADES DA PEDAGOGIA MODERNA
Lindolpho Xavier...................................................................... 65
TESE Nº 6—DIVERTIMENTOS INFANTIS
Maria Luiza Camargo de Azevedo............................................ 73
TESE N
a
8 — A ATIVIDADE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCA
ÇÃO DURANTE O ANO DE 1927
Relatórios das Seções.............................................................. 78
TESENº 9 —COMUNICAÇÃO SOBRE O BUREAU INTERNATIONAL
D'ÉDUCATION
Laura Jacobina Lacombe ........................................................ 99
TESE Nº10 — LIGA PARA INSTRUÇÃO POPULAR
João Arruda............................................................................. 99
TESE Nº11 — A EDUCAÇÃO NO FUTURO
Rachel Prado ........................................................................... 103
TESENº13— SELEÇÃO E ESTALONAGEM DAS CLASSES INFANTIS
PELA PSICOMETRIA E PELA FISIOMETRIA
Lúcia Magalhães............................................................................. 107
TESE N
g
15 —ORGANIZAÇÃO DOS MUSEUS ESCOLARES: SUA IMPOR
TÂNCIA
Nicephoro Modesto Falarz.............................................................. 116
TESE Nº17 — PELA EDUCAÇÃO ESTÉTICA
Fernando Nereu de Sampaio........................................................... 120
TESE Nº 21 — EDUCAÇÃO DA CRIANÇA EM RELAÇÃO À ASSISTÊNCIA
AOS LÁZAROS E DEFESA CONTRA A LEPRA
Alice de Toledo Tibiriçá.................................................................. 122
TESE Nº 22 — O ENSINO DAS LÍNGUAS MODERNAS
João Brasil Silvado Júnior.............................................................. 125
TESE Nº 23 — O CINEMATÓGRAFO ESCOLAR
América Xavier Monteiro de Barros............................................... 131
TESE N 24— A EDUCAÇÃO E A PAZ
Laura Jacobina Lacombe................................................................ 132
TESE Nº 25 — O TEATRO E SUA INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO
Decio Lyra da Silva......................................................................... 135
TESE Nº 26 — NORMAS DIDÁTICAS A QUE SE DEVE OBEDECER NO
ENSINO DO PORTUGUÊS AOS FILHOS DE COLONOS
ESTRANGEIROS
Nicolau Meira de Angelis................................................................ 143
TESE Nº 27—UMA PALAVRA DE ATUALIDADE
Amélia de Rezende Martins ............................................................. 152
TESE Nº 28 — HÁ NECESSIDADE DE SE TORNAR OBRIGATÓRIO O ENSINO
PRIMÁRIO ELEMENTAR NO TERRITÓRIO PARANAENSE?
Segismundo Antunes Netto .............................................................. 159
TESE Nº 29—ALFABETIZAÇÃO E NACIONALIZAÇÃO DO COLONO NO
BRASIL
Acrisio Carvalho de Oliveira.......................................................... 161
TESE Nº 30 — QUAL O PROCESSO MAIS EFICAZ PARA O ENSINO DA
ARITMÉTICA NO PRIMEIRO ANO DO CURSO PRELIMINAR?
Joaquim Meneleu de Almeida Torrez ............................................. 164
TESE Nº 31 — METODOLOGIA DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Ambrosio Torres............................................................................. 178
TESE Nº 32 — O ENSINO NAS ESCOLAS FREQÜENTADAS POR FILHOS
DE COLONOS ESTRANGEIROS
Maria Luiza Burtz...................................................................... jgç
TESE N 33 — O ENSINO OBRIGATÓRIO E O CIVISMO NAS ESCOLAS
Maria dos Anjos Bittencourt......................................................... 191
TESE Nº 34 — RUMO AO CAMPO ...
Deodato de Moraes....................................................................... 194
TESE Nº 35 — UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO
Helvécio de Andrade..................................................................... 196
TESE Nº 36 — O MÉTODO DE PROJETOS
Esther Franco Ferreira da Costa................................................. 201
TESE Nº 37 — DISCIPLINA ESCOLAR
Roberto Emilio Mongruel............................................................. 203
TESE Nº 38 — A UNIFORMIZAÇÃO DOS PROGRAMAS EM SEUS PON
TOS GERAIS, CONTRIBUINDO PARA A UNIFICAÇÃO NA
CIONAL E ALFABETIZAÇÃO DO PAÍS
Myriam de Sousa .......................................................................... 206
TESE N
a
39 — COMO ENSINAR A LÍNGUA VERNÁCULA AOS FILHOS
DE PAIS ESTRANGEIROS NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Guilherme Butler .......................................................................... 212
TESE Nº 40 — A UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM SUAS
IDÉIAS CAPITAIS, MANTIDA A LIBERDADE DE PRO
GRAMAS
Zelia Jacy de Oliveira Braune...................................................... 216
TESE Nº 41 — SITUAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NA BAHIA
Jayme Junqueira Ayres................................................................. 222
TESE Nº 42 — A UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
M. Bergstrõm Lourenço Filho ...................................................... 244
TESE Nº 43 — SOBRE A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA LITERÁ
RIA, PELA CULTURA CÍVICA E PELA CULTURA MORAL
Fernando Luis Osório................................................................... 250
TESE Nº 44 — A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA LITERÁRIA, PE
LA CULTURA CÍVICA, PELA CULTURA MORAL
Isabel Jacobina Lacombe ............................................................. 265
TESE Nº 45 — SOBRE UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Ferdinando Laboriau ................................................................... 267
TESE Nº 46 — O ESCOTISMO E A UNIDADE NACIONAL
Victor Lacombe e Américo L. Jacobina Lacombe ................... 276
TESE Nº 47 — O ESCOTEIRISMO NA EDUCAÇÃO
Amarylio R. Oliveira ............................................................. 278
TESE Nº 48 — O QUE SE PODERÁ ESPERAR DA EDUCAÇÃO ESCOTEI
RA PARA O PROGRESSO DO BRASIL
Altamirano Nunes Pereira..................................................... 286
TESE Nº 49 — MISSÕES ESCOLARES
Raul Gomes .......................................................................... 292
TESE Nº 50 — CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO
Sara Machado Busse.............................................................. 295
TESE Nº 51 — A LITERATURA E A ESCOLA PRIMÁRIA
Delia Rugai ........................................................................... 307
TESE N 52 — UNIDADE NACIONAL PELA CULTURA PEDAGÓGICA —
A UNIFICAÇÃO DO MAGISTÉRIO NACIONAL
Nestor dos Santos Lima......................................................... 311
TESE Nº 53 — PARA LUTAR CONTRA O ANALFABETISMO: O SERVIÇO
PEDAGÓGICO OBRIGATÓRIO, DEVER CÍVICO FEMI
NINO DECORRENTE DO DIREITO DE VOTO ÀS MU
LHERES
Fernando de Magalhães ....................................................... 314
TESE Nº 54 — A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA LITERÁRIA; PE
LA CULTURA CÍVICA; PELA CULTURA MORAL
Manoel Pedro de Macedo...................................................... 317
TESE Nº 55 — O CONCEITO DO NÚMERO
Algacyr Munhoz Mader........................................................ 322
TESE Nº 56 — CRISE DE EDUCAÇÃO NA CLASSE MÉDICA
Octavio Rodrigues Lima ....................................................... 334
TESE Nº 57 — AS UNIVERSIDADES E A PESQUISA CIENTÍFICA
M. Amoroso Costa................................................................. 337
TESE Nº 58 — ENSINO AGRÍCOLA NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS RURAIS
João Cândido Ferreira Filho................................................. 338
TESE Nº 59 —INSTRUÇÃO PRIMÁRIA E PROFISSIONAL
Sebastião Paraná.................................................................. 343
TESE Nº 60 — DO DESDOBRAMENTO DO CURSO DE ENGENHARIA
crviL
Indicação da Faculdade de Engenharia do Paraná................ 347
TESE Nº 61 — D A NECESSIDADE DE TORNAR MAIS PRÁTICO O ENSI
NO DE ENGENHARIA NO BRASIL
Indicação da Congregação da Faculdade de Engenharia
do Paraná...................................................................................... 350
TESE Nº 62 — REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ENGENHEIRO
NO BRASIL
Indicação da Congregação da Faculdade de Engenharia
do Paraná...................................................................................... 352
TESE Nº 63 — O ENSINO DE TRABALHOS MANUAIS NAS ESCOLAS
PRIMÁRIAS E COMPLEMENTARES
Orestes Guimarães........................................................................ 354
TESE Nº 64 — O CARÁTER DO ESCOLAR, SEGUNDO A PSICANÁLISE
J. P. Porto-Carrero....................................................................... 367
TESE Nº 65 — A PSICANÁLISE NA EDUCAÇÃO
Deodato de Moraes....................................................................... 382
TESE Nº 66 — O ENSINO DA GEOGRAFIA — NECESSIDADE DE UMA
REFORMA DE PROGRAMAS E MÉTODOS
Renato Jardim............................................................................... 388
TESE Nº 67 — O PROBLEMA DO ENSINO PELO ESTÍMULO DO TÍTULO
ELEITORAL DIGNIFICADO
José Pereira de Macedo................................................................ 399
TESE Nº 68 — O CELIBATO PEDAGÓGICO FEMININO
Nestor Lima................................................................................... 404
TESE Nº 69 — A UNIDADE NACIONAL PELA CULTURA MORAL: A EDU
CAÇÃO RELIGIOSA COMO MELHOR MEIO DE NACIO
NALIZAR A INFÂNCIA
Roberto de Almeida Cunha........................................................... 407
TESE Nº 70 — SOBRE A NECESSIDADE DE PRESTAR ATENÇÃO, NA ES
COLA, À EDUCAÇÃO DO CARÁTER, ASSIM COMO AO
CULTIVO DA PERSONALIDADE DA CRIANÇA
Maria Luisa da Motta Cunha Freire............................................. 410
TESE Nº 71 — A IMPRENSA E A EDUCAÇÃO
Ferreira da Rosa........................................................................... 415
TESE Nº 72 — A EDUCAÇÃO MORAL DOS ESCOLARES COM BASE NO
SENTIMENTO
J. A. de Mattos Pimenta ................................................................ 419
TESE Nº 73 — FORMAÇÃO DO CARÁTER DO POVO BRASILEIRO
Lúcia V. Dechandt ........................................................................ 425
TESE N
5
74 — SOBRE A EDUCAÇÃO SEXUAL
Celina Padilha........................................................................ 428
TESE N
s
75 — O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO SEXUAL: IMPORTÂNCIA
EUGÊNICA, FALSA COMPREENSÃO E PRECONCEITOS
— COMO, QUANDO E POR QUEM DEVE SER ELA MI
NISTRADA
Renato Kehl........................................................................... 433
TESE N 78 — PELA PERFEIÇÃO DA RAÇA BRASILEIRA
Meira de Angelis Nicolau ........................................................ 437
TESE Nº 79 — A ESCOLA REGIONAL DE MERITI—UMA TENTATIVA DE
ESCOLA MODERNA
Armanda Álvaro Alberto......................................................... 446
TESE N
a
80 — ASSISTÊNCIA MÉDICA À INFÂNCIA ESCOLAR — CA
DERNETAS SANITÁRIAS
João Maurício Moniz de Aragão ............................................. 451
TESEN
S
81 —COMO SE PODE FAZER A ASSISTÊNCIA MÉDICA AOS
ALUNOS POBRES DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Leonel Gonzaga..................................................................... 456
TESE N
fi
82—EDUCAÇÃO E HIGIENE MENTAL
Álvaro Guimarães Filho ........................................................ 464
TESE N 83 — CONTRIBUIÇÃO PARA A PROFILAXIA DO IMPALUDIS
MO NO MEIO ESCOLAR
Carlos Mafra Pedroso............................................................ 470
TESE Nº 84 — A HIGIENE NOS INTERNATOS: ESTUDO DAS CONDI
ÇÕES SANITÁRIAS DOS INTERNATOS DE SÃO PAULO
Eurico Branco Ribeiro ............................................................ 478
TESE N
s
85 — A CRIAÇÃO DE ESCOLAS NORMAIS SUPERIORES, EM
DIFERENTES PONTOS DO PAÍS, PARA PREPARO PEDA
GÓGICO
C. A. Barbosa de Oliveira ...................................................... 519
TESE N
s
86 — A UNIDADE DA PÁTRIA PELA CULTURA MORAL
Antônio V. C. Cavalcanti de Albuquerque ............................... 528
TESE N
a
87 — O ENSINO DA MORAL E DO CIVISMO
Nelson Mendes....................................................................... 532
TESE Nº 88 — A CRIAÇÃO DE ESCOLAS NORMAIS SUPERIORES EM
DIFERENTES PONTOS DO PAÍS, PARA O PREPARO PEDA
GÓGICO
Antonia Ribeiro de Castro Lopes ............................................ 540
TESE Nº 89 — A EDUCAÇÃO MORAL NA ESCOLA PRIMÁRIA
Palmyra Bompeixe de Mello........................................................ 542
TESE Nº 90 — A MORAL NA ESCOLA PRIMÁRIA
Annette C. P Macedo................................................................... 545
TESE Nº 91 — EDUCAÇÃO POLÍTICA
Paulo Ottoni de Castro Maya...................................................... 548
TESE N
Q
92 — A FÍSICA NO CURSO SECUNDÁRIO
Francisco Venâncio Filho ........................................................... 557
TESE Nº 93 — CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO
DO ENSINO SECUNDÁRIO
Branca de Almeida Fialho........................................................... 564
TESE Nº 94 — 0 ENSINO DE HISTÓRIA NATURAL
Henrique Marques Lisboa........................................................... 570
TESENº 95 —A CONSCRIÇÀO ESCOLAR
Raul Gomes ................................................................................. 572
TESE Nº 96 — CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES À UNIFORMIZAÇÃO
DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
Antônio V. C. Cavalcanti de Albuquerque................................... 586
TESE Nº 97 — PELA ESCOLA PRIMÁRIA
Gustavo Lessa.............................................................................. 590
TESE Nº 98 — A DIFUSÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
Alfredo Parodi ............................................................................. 594
TESE Nº 99 — A ESCOLA E A FAMÍLIA
Deodato de Moraes..................................................................... 607
TESE Nº 100 — A ESCOLA NOVA
Deodato de Moraes..................................................................... 611
TESE Nº101 — POLÍTICA AGROSSANITÁRIA COLONIZADORA E EDU
CADORA
Belisario Penna .......................................................................... 622
TESE N
Q
102 — QUAL O MELHOR PROCESSO PARA A EDUCAÇÃO DA
MEMÓRIA?
Belisario Penna ........................................................................... 625
TESE Nº 103 — A UNIÃO E A EDUCAÇÃO NACIONAL
Mario Pinto Serva........................................................................ 642
TESE Nº107 — COMO COMBATER O ANALFABETISMO NO BRASIL
W.Muniz ...................................................................................... 649
TESE N
õ
112 — DA NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO MORAL NO ENSINO
SECUNDÁRIO E SUPERIOR
Raul Bittencourt.................................................................... 654
PARECERES SOBRE AS TESES NAO LOCALIZADAS
PARECER DA TESE N
a
7 ............................................................................ 665
PARECER DA TESE N° 12 ........................................................................... 666
PARECER DA TESE N
a
14 ............................................................................ 668
PARECER DA TESE N
2
16............................................................................ 668
PARECER DA TESE N° 18 ........................................................................... 669
PARECER DA TESE N° 19 ........................................................................... 671
PARECER DA TESE N° 76............................................................................ 671
PARECER DA TESE N° 77............................................................................ 672
PARECER DA TESE N° 104 ........................................................................... 672
PARECER DA TESE N
a
105............................................................................. 673
PARECER DA TESE N
a
108............................................................................. 673
PARECER DA TESE N° 109 ........................................................................... 674
PARECER DA TESE N° 110............................................................................ 674
PARECER DA TESE N
a
111 ............................................................................. 674
ANEXOS
MEMÓRIA FOTOGRÁFICA.......................................................................... 679
A SESSÃO SOLENE DO ENCERRAMENTO................................................. 685
EXPOSIÇÃO SOBRE OS TRABALHOS E RESOLUÇÕES TOMADAS.......... 687
UM REGISTRO DO EVENTO ....................................................................... 691
"MENINOS, EU VI"........................................................................................ 693
APRESENTAÇÃO
A década de 20 foi extremamente rica para a Educação no Brasil. Assim como a Semama
de Arte Moderna, em 1922, influencia, até hoje, toda a nossa produção cultural, os anos 20
fertilizaram o pensamento da Educação. A mobilização da sociedade e dos educadores não só
manteve aceso o debate como impulsionou, em novembro de 1930, a criação do primeiro
Ministério do setor, o Ministério da Educação e Saúde Pública.
Foi também em 22, ano do Centenário da Independência, que o Ministério da Justiça
promoveu várias conferências nacionais sobre Educação. Em seguida, em 1923, advogados,
médicos, engenheiros e educadores organizaram a Associação Brasileira de Educação, A.B.E.
Esta organização da sociedade civil assume, nacionalmente, o estudo e encaminhamento das
questões educacionais. Esta movimentação levou aos Estados "reformas" que, na verdade, sig-
nificaram a estruturação de sistemas educacionais, antes inexistentes.
É neste contexto que, em dezembro de 1927, acontece, em Curitiba, a Primeira Confe-
rência Nacional de Educação. Seu organizador, Lysímaco Ferreira da Costa, personifica o es-
forço e a decisão dos educadores e da sociedade civil, na busca da qualidade na Educação para
inserção do Brasil no cenário mundial.
Este ano, em que se completam 70 anos de realização da Conferência, é especial para
todos os que se dedicam a causa da Educação. A publicação deste documento histórico, com a
reapresentação das 112 teses, não é apenas uma fonte ainda atual para pesquisa, mas, também,
um modelo exemplar de organização da sociedade, em busca do legítimo direito por uma edu-
cação de qualidade.
Uma das organizadoras deste trabalho, Maria José Ferreira da Costa, tinha onze anos na
época da I Conferência, mas acompanhou o evento com o pai, Lysímaco Ferreira da Costa, e a
irmã, Esther Costa Figueiredo, que, mesmo muito jovem, apresentou tese durante a Conferên-
cia. Nossa homenagem especial é para esta família, esperando que este exemplo de dedicação
reforce a mobilização em favor da Educação e inspire todos aqueles que acreditam na Educa-
ção como a fonte principal de crescimento das Nações.
Paulo Renato Souza Ministro da
Educação e do Desporto
ATA DA SESSÀO DE INSTALAÇÃO DA CONFERÊNCIA
Aos dezenove dias de dezembro de mil novecentos e vinte e sete, as vinte horas, no
Teatro Guaíra desta cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, compareceram os Exmos.
Srs. Dr. Caetano Munhoz da Rocha, Presidente do Estado do Paraná; D. João Braga, Arce-
bispo Metropolitano de Curitiba; General Comandante da Terceira Região Militar;
Desembargador Manoel Bernardino Vieira Cavalcanti, Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado; Desembargador Clotário Portugal, Secretário Geral do Estado; Dr. João Moreira
Garcez, Prefeito Municipal de Curitiba; Dr. Rocha Vaz, da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro; corpo consular e demais autoridades civis, eclesiásticas e militares do estado, para
assistirem a sessão de instalação da I Conferência Nacional de Educação. Achavam-se tam-
bém presentes para mais de quatrocentos congressistas, de trezentos alunos da Escola Nor-
mal Secundária de Curitiba e cerca de duas mil pessoas, apresentando o Teatro Guaíra um
aspecto imponente. O Sr. Dr. Barbosa de Oliveira deu a presidência da sessão ao Exmo. Sr.
Dr. Munhoz da Rocha, Presidente do Estado do Paraná. Tomaram parte na mesa altas auto-
ridades e aos lados da mesa tomaram assento os digníssimos delegados representantes dos
estados da Federação e de vários institutos de ensino. Aberta a sessão, foi cantado um hino,
pelos alunos da Escola Normal, em homenagem ao septuagésimo quarto aniversário da eman-
cipação política do Estado do Paraná. Em seguida foi dada a palavra ao senhor Lysimaco
Ferreira da Costa (Inspetor Geral do Ensino do Paraná), que falou saudando os conferencis-
tas e especialmente os digníssimos delegados dos esíados, assegurando que o Estado do
Paraná, ao menos, e os professores paranaenses levarão em toda a consideração os resultados
finais ou conclusões do brilhante congresso, cujos trabalhos iam ter início. Falou em seguida
o senhor professor Deodato de Moraes, digníssimo representante do Distrito Federal, que
apresentou aos delegados da A.B.E, as suas felicitações pela brilhante iniciativa que ora se
realizava, terminando a sua oração com votos de prosperidade ao maravilhoso Paraná e a
grandeza da Pátria que tanto estremecemos. Pediu a palavra o professor Manoel Bergstrõm
Lourenço Filho, muito digno representante do Estado de São Paulo, e proferiu grandioso
discurso, saudando os Congressistas -.enaltecendo o valor do certame intelectual que a confe-
rência iria realizar, especializando a tua saudação aos delegados dos estados em geral e
depois do Paraná, terminando a sua brilhante oração: "São Paulo se revê, glorioso, naquele
de seus irmãos que também pudera chamar de filho, e vibra em uníssono na sua alegria, sob o
mesmo estrelado pavilhão, que todos defendemos, para maior prosperidade do Brasil". Falou
ainda o Dr. Barbosa de Oliveira, que proferiu brilhante saudação aos congressistas, aos
representantes dos estados e ao Estado do Paraná, especialmente pelo nobre acolhimento que
o seu digno presidente, Dr. Munhoz da Rocha, dispensou a iniciativa da A.B.E.; propôs em
seguida que fosse feita, por todos os presentes, uma saudação especial ao povo e ao Estado
do Paraná, no que foi correspondido com os mais vibrantes aplausos. O orador agradeceu
ainda a presença das autoridades a instalação da conferência e terminou pedindo ao Divino
Mestre as suas luzes para as resoluções a serem tomadas neste certame. E o Exmo. Sr. Caetano
Munhoz da Rocha, presidente do Estado do Paraná, encerrando a sessão, agrade-
ceu, em eloqüente discurso, aos governos dos estados, aos delegados da A.B.E, e aos do
governo da República, o seu precioso concurso a majestosa obra do fortalecimento da unidade
nacional pela educação do povo. S. Exa. foi calorosamente aplaudido pela vasta assembléia,
que enchia totalmente o Teatro Guaíra, pela sua patriótica oração. Em seguida, foi
convocada a primeira sessão plena para o dia seguinte, as dez horas da manhã, no Palácio do
Congresso. Em tempo se declarou que o professor Deodato de Moraes, com delegação
expressa do Governo e da Diretoria Geral da Instrução Pública da capital federal, congratu-
lou-se com o Exmo. Sr. Dr. Presidente do Estado do Paraná, pela sua emancipação política
que então se comemorava, bem assim pelo apoio que soube dar a realização da I Conferência
Nacional de Educação em Curitiba, apoio esse que reverterá, sem dúvida, em maiores messes
para a educação do povo paranaense e subseqüente grandeza do Brasil. Eu,Lysimaco Ferreira
da Costa, secretário, lavrei esta ata. (Aprovada na terceira sessão ordinária, realizada em
vinte e um de dezembro de mil, novecentos e vinte e sete, as dezesseis horas. C. A. Barbosa
de Oliveira, presidente).
DELEGADOS DOS ESTADOS
Amazonas —Altamirano Nunes Pereira
Pará — Oswaldo Orico
Maranhão —Luis César
Piauí —João de Oliveira Franco
Ceará —Antônio Moreira de Souza Filho
Rio Grande do Norte —NestorLima
Bahia —Jayme Junqueira Ayres
Espírito Santo—Ubaldo Ramalhete Maia
Rio de Janeiro—Paula Achilles e Leoni Kasef
Distrito Federal —Pedro Deodato Moraes
São Paulo —Lourenço Filho
Paraná —Lysimaco Ferreira da Costa
Santa Catarina—Orestes Guimarães
Rio Grande do Sul —Raul Bittencourt
Goiás —Abacílio Reis
Mato Grosso —Frederico G. Cartens
Pernambuco —Oswaldo Orico
Alagoas —Renato de Alencar
SESSÃO PREPARATÓRIA
DA SESSÀO PREPARATÓRIA
Conforme noticiamos, realizou-se ontem a sessão preparatória da I Conferência Nacional
de Educação, no Teatro Guaíra, tendo comparecido 300 congressistas.
Dirigiu os trabalhos Manoel B. Vieira Cavalcanti, presidente do Superior Tribunal de
Justiça, constituindo-se a mesa por Alcides Munhoz, secretário geral de estado; Carlos A.
Barbosa de Oliveira, representante do senhor ministro da Agricultura; Lysimaco Ferreira da
Costa, inspetor geral do ensino; Belisario Penna; Victor Lacombe, secretário da Associação
Brasileira de Educação; Plínio Tourinho, diretor da Faculdade de Engenharia; Victor do Amaral,
diretor da Faculdade de Medicina; delegados dos estados e membros da Comissão Executiva.
Os trabalhos correram com o maior entusiasmo, sendo eleitos os membros da mesa, os
presidentes de comissões e os relatores.
COMISSÕES
Ensino Primário — 1* Comissão
Deodato de Moraes (presidente), Oswaldo Orico (relator), Maria da Luz Cordeiro,
Noemia L. Santos, Sara Pessoa, Raymundo M. Almeida, Amarylio de Oliveira e Nilo Brandão.
Ensino Primário — 2
a
Comissão
Orestes Guimarães (presidente), Nelson E. Mendes (relator), Raul Gomes, Alda Silva,
Dalila Valério, Donatilla Caron dos Anjos, Antônio Tupy Pinheiro, Celina Padilha, Anette C. P.
Macedo e Aline Bessa do Amaral.
Ensino Secundário
Renato Jardim (presidente), Roberto Emilio Mongruel (relator), Lindolpho Xavier, Luiz L.
A. César, João de Oliveira Franco, Manoel Gonzalez, Maria de Lourdes Lima, Nahir Loyola
Santos, Sylvia Câmara, Algacyr Munhoz Mader, Luiz L. de Oliveria Franco e Pereira de Macedo
Teses Gerais — I
a
Comissão
Raul Bittencourt (presidente), Nicolau Meira de Angelis (relator), Jayme Junqueira Ayres,
Nicephoro Modesto Falarz, Paula Achilles, Renato Jardim e Acrisio Carvalho de Oliveira.
Teses Gerais — 2
9
Comissão
Renato Alencar (presidente), Altamirano Nunes Pereira (relator), Francisco R. de Azevedo
Macedo, Antônio A. Barboza de Oliveira, José de Sá Nunes, Hugo de Matos Moura, Francisco
Benedetti, Joaquim Meneleu de Almeida Torres, Sebastião Paraná e Antônio Beira Fontoura.
Teses Gerais — 3* Comissão
Leoni Kaseff (presidente), Lourenço Filho (relator), Nestor Lima, A. C. Barboza de Oliveira,
Lysimaco Ferreira da Costa, Belisario Penna, Jeronymo Mazzarotto e Joao de Oliveira Franco.
Educação Higiênica
Belisario Penna (presidente), Luiz Medeiros (relator), Decio Lyra da Silva, Olga Balster,
Myrian de França Souza, Maria Bassan Buzato, Joao Maurício Muniz de Aragao, Lourenço
Filho, Carlos Mafra Pedroso, Itacelina Bittencourt e Milton Carneiro.
Ensino Superior
Ubaldo Ramalhete Maia (presidente), João Macedo Filho (relator), Pamphilo d'
Assumpção, Antônio Moreira de Souza Filho, Plinio Alves Monteiro Tourinho, Octavio Silveira,
Adriano Gustavo Goulin, Antônio Silveira e Abacilio Fulgêncio dos Reis.
TESES
APRESENTADAS
TESE N
2
1
POR QUE SE IMPÕE A PRIMAZIA DA EDUCAÇÃO
HIGIÊNICA ESCOLAR
Belisario Penna
Associação Brasileira de Educação
fato fora de discussão, constituindo verdade axiomática, que a saúde, isto é, a normalidade
fisiológica da vida, é condição imprescindível de eficiência, de aperfeiçoamento incessante e
de rendimento útil de qualquer ser organizado — vegetal, animal ou o homem.
Por isso, este, que é o único servido de psiquismo superior, submete plantas e animais a
processos de cultura e criação, tendentes todos ao melhoramento incessante e ao máximo ren-
dimento em produção, por medidas de seleção, de adaptação, de higiene e de profilaxia, que
apuram as espécies e reforçam-lhes a vitalidade.
A passividade das plantas e a ausência de psiquismo nos animais facilitam ao homem
a tarefa de os submeter a sua vontade raciocinante e manejá-los ao sabor das suas conve-
niências.
Isso que se pratica com plantas e animais é quase completamente descurado entre os
homens no Brasil, onde são impressionantes o descaso pelas leis imutáveis e inflexíveis da
biologia humana, a ignorância de rudimentares preceitos de higiene e profilaxia e o desconhe-
cimento de simples noções de eugenia e de medicina social, não apenas entre as classes
incultas ou pouco cultas, que constituem mais de 8/10 da população, como entre as cultas,
inclusive, na sua maioria, a incumbida da instrução primária, limitada, de regra, a superficial
ensino literário.
Daí o constituir, entre nós, raríssima exceção quem procura realizar a tríplice finalidade
biológica do homem, constituindo em: 1) entreter, defender e melhorar, incessantemente, a pró-
pria vida; 2) entreter, defender e melhorar, incessantemente, a vida da família e da sociedade; 3)
entreter, defender e melhorar, incessantemente, a vida da espécie.
O simples enunciado desta tríplice finalidade biológica do homem basta para revelar o
nosso descaso por ela, de que resulta a dolorosa condição de vida do povo brasileiro, e fazer
ressaltar a importância capital da educação higiênica e eugênica popular, começada desde a
escola primária, a fim de, por esse ensino fundamental, formarmos a "consciência sanitária naci-
onal", isto é, um estado de espírito coletivo consciente, convencido e firme, sobre a importância
dos problemas higiênicos e eugênicos na vida do indivíduo e da sociedade.
Os três aspectos da finalidade biológica do homem se entrelaçam de tal forma que não se
podem desligar sem o distúrbio ou a ruína do organismo social. Não basta que alguns indivíduos
defendam e melhorem a própria vida; será insignificante ou nulo o resultado, se não promoverem
a defesa e melhoramento incessante da vida, da sociedade e da espécie.
E
Para isso, toma-se indispensável criar a consciência sanitária pela educação higiênica na
escola, no lar, nas fábricas e nas casernas, a fim de gravar no espírito de toda a gente o valor
inestimável — econômico, étnico, moral e social — da normalidade biológica resultante da
saúde, conquistada pela obediência as leis inflexíveis da biologia, pela execução de medidas de
saneamento, pela prática das virtudes higiênicas do asseio, da sobriedade, da castidade, da
laboriosidade, e pelo conveniente aproveitamento e uso dos elementos naturais, agentes todo-
poderosos da vida: a terra, o ar, a água e o sol.
Quantos brasileiros praticam estas virtudes e cumprem a finalidade biológica no seu
tríplice aspecto de defesa e melhoramento incessante da própria vida, da sociedade e da
espécie? De tão mínima, a fração é desprezível. Quantos saberão defender e melhorar a
própria vida? Nem 10%.
Se mais de 90% dos brasileiros não sabem ou não têm suficientemente educadas a
inteligência e a vontade para defender e melhorar incessantemente a própria vida, é evidente
que não contribuem para a defesa e melhoramento da vida da família, da sociedade e da
espécie. Ao contrário, o seu concurso de indolentes, de depositários e propagadores de
doenças e taras patológicas é o de contínua e progressiva degeneraçao da família, da socie-
dade e da espécie.
Dos poucos brasileiros que sabem defender e melhorar a própria vida, insignificante fra-
ção preocupa-se com a defesa e melhoramento da sociedade, contando-se pelos dedos os que
cogitam do aperfeiçoamento da espécie.
Precisamos sair urgentemente da deprimente situação em que se encontra o Brasil, cuja
população, em esmagadora maioria, realiza apenas, em péssimas condições, não a finalidade
biofísica do homem, mas a instintiva dos irracionais, que consiste na materialidade da conserva-
ção do indivíduo, pela nutrição, e de perpetuação da espécie, pela reprodução.
Para isso, dispõem eles do instinto, faculdade que lhes é inata, tanto mais precoce quanto
mais baixos na escala zoológica, o qual independe de imitação, de exemplos e de educação.
Exclusivamente pelo instinto orientam-se os irracionais, que não inventam, não idealizam, nada
modificam na sua vida. Não assim o homem, desprovido de instinto, substituído nele pelo
psiquismo, função espiritual de evolução lenta, que se desenvolve com o crescimento, pelo
exemplo, pela imitação e pela educação, demandando cuidados especiais.
O instinto dos irracionais varia com as espécies, mas é inatamente o mesmo em cada
espécie. O psiquismo do homem, ao contrário, varia consideravelmente, na dependência ime-
diata do meio físico, do exemplo, da imitação, da hereditariedade, da educação, do estado
normal ou anormal das funções orgânicas. Por isso é que, sendo uma só espécie humana, tanto
varia a psicologia dos povos; num mesmo povo, a dos habitantes, conforme as regiões; numa
mesma cidade, a das famílias.
A igualdade de idioma, de crenças, a uniformidade de leis e a educação, sobretudo a
primária, quando visa a saúde organopsíquica e a unidade nacional, é que constituem oselos de
aspirações comuns, para as quais convergem todos os espíritos, formando uma mentalidade
coletiva e criando a consciência nacional.
Esta, porém, só se firma nos povos em que predomina a normalidade biopsíquica, de que
resulta o trabalho inteligente e produtivo, deste o bem-estar geral, a solidariedade e a moralidade.
E o são psiquismo depende intimamente da saúde física ou normalidade orgânica, de onde a
sábia sentença "mens sana in corpore sano". E o psiquismo é a razão de ser da vida humana;
sem o psiquismo o homem não existe, embora vivo. Ele tem vida, mas não tem alma.
O psiquismo entre os povos castigados pela doença, pela ignorância e pelos vícios pouco
mais é, em geral, do que o instinto dos irracionais, disso resultando uma mentalidade coletiva
caótica, inconsistente, passiva, sem aspirações, sem crenças, sem ideais, sem rumo e sem capa-
cidade para criar a consciência nacional.
Quem percorre o território brasileiro e observa a apavorante condição patológica do
povo, com a mentalidade envolta nas trevas da ignorância e do vício alcoólico, quem atenta a
anarquia mental das classes dirigentes chega fatalmente a conclusão de que o trabalho improdu-
tivo, a miséria econômica, a falência financeira e, pior ainda, a do caráter são conseqüências
inevitáveis da doença multiforme e generalizada, da ignorância e do vício do povo, inapto para
cumprir a finalidade biológica do homem, para constituir uma mentalidade equilibrada e firmar a
consciência nacional.
Desconhecendo ou desprezando as leis inflexíveis da biologia humana, as conquistas da
higiene, da eugenia e da medicina social, despendendo o mínimo esforço de operosidade, o
Brasil tem evoluído patologicamente sob o domínio de interesses ocasionais, quase sempre
inconfessáveis, dos seus dirigentes, ofuscados pela pujança da natureza e suas possibilidades
latentes.
Fiados exclusivamente nisso, sem cuidar da vitalidade e da educação do povo para poder
vencer a rudeza e a própria grandiosidade da natureza, desprezaram a terra e o homem rural e
aventuraram-se loucamente numa política de urbanismo e de industrialismo extemporâneo, de
repetidos, vultosos e onerosíssimos empréstimos, de emissões sem conta nem medida, até afun-
dar o país num sorvedouro de misérias físicas e morais.
Sao verdades duras que precisam ser expostas sem rebuços, para que mudemos de
rumo, orientando a política para a valorização do homem, pela educação somatopsíquica, e a da
terra, pelo saneamento e pelo seu retalhamento em colônias saneadas, fazendo da saúde um
culto religioso, para que possam as novas gerações guiar o carro da Nação por uma estrada
plana e suave de civilização, conquistada pelo trabalho livre e vitalizador de um povo dignificado
pela saúde, apto para realizar a sua tríplice finalidade biológica e firmar solidamente a consciên-
cia nacional.
Daí a necessidade dos conhecimentos biológicos do mecanismo humano, do seu funci-
onamento e resistência, dos meios de conservação, defesa e melhoramento incessante, para
obter, sem fadiga, o máximo rendimento útil em trabalho mecânico e em energia psíquica; do
modo de evoluir e reproduzir-se eugenicamente; do estudo psicológico das aptidões, a fim de
orientar cada qual no meio de vida com o qual possa obter o máximo rendimento individual e
de benefícios a comunidade; e dos conhecimentos cívico-sociais que a nenhum homem cabe
desconhecer, como membro que é da coletividade, para cujo aperfeiçoamento deve contri-
buir conscientemente.
Com perfeito fundamento científico afirma Luis Huerta, notável eugenista espanhol: "A
vida política, a econômica, a jurídica, a escolar e a familiar têm todas que evoluir no sentido
biológico. O problema humano é um problema de higiene, resolvido o qual, desaparecerão as
causas da miséria humana".
A missão da educação moderna é mais biopsicossocial do que literária, consistindo no
respeito as leis inflexíveis da biologia humana, pela prática dos preceitos da higiene e da
eugenia, para que saibam e possam todos cumprir a finalidade biológica do homem, de que
resultam: os deveres individuais, isto é, o interesse pelo próprio desenvolvimento e melho-
ramento físico-psíquico, para maior eficiência da sua função no organismo social; os deveres
interindividuais, consistindo no respeito a vida e a saúde dos outros homens, de que resultam
o altruísmo, a bondade, a cooperação, a solidariedade e a assistência; os deveres do
indivíduo em relação com a espécie, ou moral familiar, com a constituição eugênica da
família, pela preparação do casamento, tendo em vista uma prole melhorada e perfeita
criação e educação dos filhos; finalmente, os deveres sociais, nos quais se incluem a assis-
tência social aos sãos e aos doentes, os deveres para com a pátria e a defesa contra os
criminosos, os associais e os anti-sociais.
A inobservância desses deveres é que acarreta males profundos e graves perigos para os
povos que os esquecem ou desprezam. São eles: a indolência, a doença, o descaso pela higiene
física, mental e moral, as intoxicações euforísticas voluntárias, o suicídio, os atentados contra os
bens e os direitos do próximo, o homicídio, o egoísmo, a falsa concepção do casamento, a
degeneração da raça, o luxo, a concupiscência, a prostituição, o jogo, a imoralidade, o latrocí-
nio, a mortalidade infantil, a irreligiosidade, o antipatriotismo, a corrupção, o suborno, a tirania,
o pavor a liberdade e a verdade e o predomínio da força sobre a justiça e o direito.
A educação moderna, orientada no sentido biopsíquico da espécie, deve primar pelo
exemplo dos mestres e pelo fortalecimento da vontade, porque os hábitos se adquirem e se
modificam pela ação do exemplo, da imitação e de uma vontade educada. E os hábitos exer-
cem decisiva influência sobre o organismo e sua resistência, dando-nos a saúde e a alegria ou a
vida amargurada por distúrbios funcionais, com decadência do organismo, solapado por lesões
viscerais, por doenças transmissíveis crônicas, que sacrificam a família e a sociedade.
Cabe-nos em grande escala, por imprudência, por imprevidência ou por inexistência de
consciência sanitária, a responsabilidade do estado precário de saúde dos nossos descenden-
tes, sendo nós mesmos os promotores da multiplicidade e difusão das doenças e da conseqüente
miséria econômica das classes de trabalho e da anarquia mental das classes dirigentes, inaptas
quase todas para exercer a sua finalidade biológica.
É indispensável aprendermos e nos compenetrarmos de que cada um de nós é não só
membro da família como da raça e da humanidade, que herda dos progenitores e ascendentes
qualidades e defeitos e transmite aos descendentes a herança melhorada ou piorada; de que, ao
nascer, o homem tem o que lhe dâo e, ao reproduzir-se, transmite o que herdou ou adquiriu; de
que está no seu poder e vontade apurar as qualidades, corrigir ou eliminar os defeitos e praticar
o conselho de Nietzche, de não se reproduzir somente, mas de superar-se no produto, servin-
do-se de jardim do matrimônio com a vontade firme de criar filhos e que estes sejam melhores
do que os que os geraram.
CONCLUSÕES
A saúde é condição imprescindível de eficiência, de aperfeiçoamento e de rendimento útil
de qualquer ser organizado.
A imensa maioria da população brasileira desconhece rudimentos de biologia e de higie-
ne; vegeta, por isso, em apavorante estado patológico e de miséria, sem capacidade para exer-
cer a finalidade biopsíquica do homem, de defesa e melhoramento incessante da vida individual,
da família, da sociedade e da espécie, limitando-se a realizar, em péssimas condições, a finalida-
de bioinstintiva dos irracionais, reduzida a conservação do indivíduo, pela nutrição, e a perpetu-
ação da espécie, pela reprodução. Ao contrário, o seu concurso de indolentes, de depositários
e propagadores de doenças e de taras patológicas é de contínua e progressiva degeneração da
raça e da espécie. Dessa incapacidade biopsíquica do povo brasileiro resulta o trabalho escra-
vizado e improdutivo, a miséria econômica, a falência financeira, a do caráter das elites e uma
mentalidade coletiva caótica, inconsistente, passiva, sem aspirações, sem rumo e sem aptidão
para criar a consciência nacional.
Impõe-se, portanto, a primazia da educação higiênica e eugênica na escola e no lar, como
medida fundamental para a formação de uma mentalidade coletiva equilibrada e de uma cons-
ciência sanitária, isto é, de um espírito nacional absolutamente compenetrado do valor inestimá-
vel da prática dos preceitos da higiene e da eugenia, como indispensáveis a prosperidade indivi-
dual, da família, da sociedade e da espécie
TESE N 2
ENSINO DA LEITURA INICIAL PELO MÉTODO
DE PALAVRAS GERADORAS
Antônio Tupy Pinheiro
Escola Normal de Paranaguá, PR
ermiti, ilustrados membros da mesa da I Conferência Nacional de Educação, que vos
apresente este modesto trabalho, que me encorajei a elaborar como preito de minha firme
admiração ao que se vem realizando em prol do ensino popular da nossa querida pátria.
P
Aceitai-o, pois, como sincero e humilde testemunho de minha boa vontade por esse ideal.
Oxalá seja ele de utilidade a infância querida.
NOTAS GERAIS
A vida social é tão complexa e encerra fatos múltiplos tão extensos e intensos que se toma
impossível o conseguimento perfeito da felicidade.
Sem dúvida, a educação popular, que há muitos séculos preocupa a atenção da humani-
dade, tem tido sua evolução ascencional, mas nem por isso deixam de nela existir lacunas, já em
seus princípios e fundamentos, já as vezes em casos elementares.
Alguns estados do nosso querido país têm realizado, satisfatoriamente, a obra da educa-
ção e instrução, mas não deixamos de reconhecer a existência de falhas, talvez não corrigidas
por força de circunstâncias ocasionais.
Pensamos que, para o bem regularizado aparelhamento do ensino nacional e para existir
unidade de pensamento em matéria de educação popular, a União deverá tomar a seu cargo a
sua administração e técnica, cabendo aos estados os gastos com material didático, prédios
escolares e assistência completa aos alunos pobres.
Há necessidade ainda da fundação de escolas normais nos estados, de escolas que se
moldem sob o mesmo plano técnico, para formação profissional homogênea de professores. A
freqüência obrigatória é outra medida de grande alcance, talvez a única base firme da eficiência
do ensino.
Por toda a extensão de nosso país encontram-se escolas com professores sem preparo e mal
remunerados, professores que ensinam errado e derruem aptidões, prejudicando o futuro da raça.
Antes, pois, de qualquer reforma, preparem-se bons elementos.
É encarado com interesse, em nosso país, o problema da alfabetização. Como causa
principal da nossa carência cívica e conseqüente falta de progresso (o que não existe), dizem: o
Brasil é um país de 80% de analfabetos. Deixemos de programas complexos e façamos surgir,
como por encanto, milhares de escolas nas cidades, nas vilas, nos povoados e nos sertões.
Distribuam-se livros, papel e tinta, o tanto necessário para maior grandeza da Pátria. Para ensi-
nar a ler e a escrever não se faz necessário o pedagogo.
Todos os brasileiros que sabem ler e escrever poderão ser mestres dessa infância jogada
ao azar, e mestres de valor.
Não há dúvida de que estaria assim resolvido um dos passos iniciais da grande causa.
Porém, a essas assertivas cheias de fé poderemos opugnarcom as seguintes objeçòes:
a) A missão educativa do lar e da escola acaba após o ensinar a ler e a escrever?
b) A instrução que se restringe a ensinar a ler e escrever fará a felicidade de um povo que
não recebeu os eflúvios de uma educação integral?
c) O cidadão que tão-somente sabe ler e escrever será capaz de realizar a sua felicidade,
concorrendo para o bem social?
Pensamos, baseados em elementares princípios de educação, que não, pois o dever da
escola é o de dar assistência educativa completa aos filhos do País, e só se poderá obtê-la
dentro de programas racionalmente elaborados, com o cumprimento dos seus dispositivos por
professores técnica e moralmente preparados, capazes de compreender a responsabilidade que
assumem.
O cidadão que aprende a ler e a escrever por processos de ensino atrofiadores de suas
aptidões não pode distinguir o erro da verdade, o vício da virtude, em suma, o amor do desa-
mor, direitos seus para com a família e a Pátria.
Se se entregam textos pedagógicos de história pátria na mão insensível de professores sem
diretrizes pedagógicas, teremos, em regra geral, como resultado, o erro, porque é bem difícil, nesta
circunstância, fazer a apreciação de fatos históricos para formação do civismo.
Jamais deixaremos de reconhecer patriotismo no brasileiro, mas faltará a este professor a
competência profissional capaz de fazer frutificar os embriões de amor dos pequenos escolares.
Estamos de acordo, em casos especiais, com William James, quando disse: "O melhor educa-
dor pode ser medíocre colaborador no estudo da criança, e o mais hábil psicólogo, um relíssimo
educador". Um programa assim, de combate ao analfabetismo, dá, por certo, um passo a van-
guarda gloriosa, mas deixa de lado a sagrada causa: a educação física, com especialidade a
higiene, base da felicidade, e a educação moral e cívica.
Lembremo-nos sempre que a saúde pública é o esteio mais seguro da nacionalidade. É
complexo, não há dúvida, o problema educativo. As questões mais elementares exigem obser-
vação e estudo.
Não posso compreender, pois — e de acordo com os melhores autores —, qualquer
conhecimento instrutivo que se deseja transmitir as crianças deverá ser educativo. De modo
contrário é desejar um país de alfabetizados sem cultura física, moral e intelectual.
Disse Gustavo Le Bon: "A educação é a base fundamental de todas as reformas".
Montessori quero estudo metódico da criança, conseguido sob o guia da Antropologia Peda-
gógica e da Psicologia Experimental.
A corroboraçao dos fatos evidencia a necessidade da educação dos sentidos antes da
transmissão de conhecimentos instrutivos, haja vista a facilidade de compreensão com que se
apresentam as crianças, no curso primário, depois de cursarem o jardim da infância, cuja prin-
cipal finalidade é o desenvolvimento dos sentidos.
Faça-se a experiência entre uma criança que freqüenta o jardim e uma outra que vem do
lar, e notar-se-á a grande superioridade daquela sobre esta.
Michelet dizia: "Antes de ensinar a criança a ler é preciso ensiná-la a ver".
Há necessidade, antes de qualquer transmissão de conhecimento, de se harmonizar o
trabalho dos sentidos.
Na fase inicial do ensino da leitura, em palestras entre a professora e os alunos, merecem
ser notados os defeitos de voz, dicção, timbre, ritmo, lentidão ou pressa, gagueira, substituição
de um som por outro, etc.
Bem me pareceu, pelas razões expostas, sugerir idéias relativas ao ensino da leitura inicial.
Pela sistematização desse plano, penso que dentro de pouco tempo serão alfabetizados
por esse meio numerosos patrícios nossos.
O Estado do Paraná tem conseguido, neste sentido, notável conquista, e para final realiza-
ção é mister aumentar o número de escolas, questão de real interesse de que não se tem
descuidado o governo.
DO ENSINO DA LEITURA INICIAL
O método analítico de sentenças teve como seu criador o pedagogo Jacotot. É bem
sabido que este método sofreu grandes transformações, em virtude das suas desvantagens.
Jacotot teve como base o seguinte lema: "O todo está no todo". Mas esqueceu o pedagogo
francês de que uma sentença é quase sempre um todo complexo para intelectos ainda não
desenvolvidos.
Apesar das grandes reformas por que passou o método, pelas suas dificuldades, princi-
palmente devido a falta de ilustrações correspondentes a uma graduação técnica de sentenças,
não revelava ele uma série de sentenças com modificações leves na forma e nos sons dos seus
elementos. Acresce ainda que nas sentenças havia termos de difícil intuição, o que caracteriza o
erro pedagógico. Mais tarde escolaheram-se sentenças bem curtas, o que também não
logrou feliz sucesso, muito embora fosse um grande melhoramento.
Com este ensaio, sugeriu-se o plano da organização do método de palavras, chama-
do também método natural e método de palavras geradoras, sendo analítico-sintético, o
que é mais racional, pois o espírito humano conquista o saber analisando e sintetizando ao
mesmo tempo.
Não há dúvida de que o projeto de Jacotot muito melhorou, pois baniram-se os métodos
sintéticos da moderna escola, cuja base repousava numa das máximas de um importante princí-
pio do Decálogo Didático: "primeiro a análise, depois a síntese".
Houve tempo em que se organizou uma historieta, com diversas sentenças graduadas e
elaboradas através da palestra entre a professora e os alunos, sobre determinadas ilustrações
gráficas. Penso que os processuadores dessa ampliação aumentaram-lhe as dificuldades, pois
formavam um todo mais amplo do que a sentença.
Exemplo: (DaCartilhaAnalítico-Sintética, deM. de Oliveira).
Laurita tem um gatinho branco.
O gatinho de Laurita chama-se Neve.
Neve é um gatinho travesso.
Ele quer brincar com a bola.
A bola de Laurita é vermelha.
Vocês estão vendo o que faz o gatinho? O
gatinho quer brincar com a bola. Ele deu
um tapinha na bola. Você quer brincar
com a bola, Neve?
A criança fará excessivo esforço para assimilar a forma e os elementos de todas as sen-
tenças quase de uma só vez, o que contraria um dos princípios da Didática: "uma só dificuldade
é bastante para a criança". Depois terá de analisar as partes e os seus elementos, que serão em
grande número, e enorme será a dificuldade.
De um modo mais claro:
1) leitura da I
a
sentença;
2) leitura da mesma sentença do fim para o começo;
3) leitura pelo mesmo processo das demais sentenças;
4) leitura das sentenças de baixo para cima;
5) leitura das sentenças salteadamente;
6) análise de cada sentença em suas partes e em seus elementos.
Após este trabalho, serão formadas novas palavras e sentenças. O ensino da leitura e da
escrita deve ser simultâneo e difícil por este processo.
Mesmo a concretização das sentenças será incompleta, o que dificultará a marcha do
ensino. Os termos brincar, quer, chama-se, faz, etc, não têm ilustrações naturais corresponden-
tes, o que prejudicará a intuição que deve preceder ao sinal do objeto ou da coisa, isto é, a
palavra oral ou escrita.
Todo método racional só poderá ter fundamento na intuição. Ao contrário disso, usam-
se de todos os processos: ensino individual, ou simultâneo, de sentenças ou de historietas.
Tudo apresentará pouco resultado. A introdução mais moderna é a do método misto, analítico-
sintético de palavras-geradoras. O ensino da leitura por este método exige exercícios de
intuição, de linguagem e de escrita, como fase inicial. É um método natural, porque as palavras
concretizadas representam "todos" singelos, perfeitamente assimiláveis pela mente infantil. A
operação sintética de distinção do "todo" de outros "todos" tem, neste caso, inteira aplicação.
É um método natural, porque as crianças, quando observam a natureza, recebem primeiramente
impressões, percepções de que se originam as idéias ou as imagens, sem existir então o
enlace de duas ou mais representações. Exemplo: árvore—casa — muro — passarinho —
mato — céu — apito, etc.
E não realizarão antes, ou imediatamente, a primeira impressão ou juízos: Vejo uma casa
bonita. Olhe o passarinho. O céu azul é lindo. O apito da locomotiva é forte.
Ensinou Vítor Mercante: "A criança ao balbuciar as primeiras palavras diz: pão, e não
dirá: mamãe eu quero pão".
O exercício de intuição far-se-á seguindo um plano, uma série organizada de palavras. De
outro modo deixará de existir graduação inteligente.
Sendo difícil a professora organizá-la de maneira que forme um pequeno compêndio, é
conveniente adotar-se a cartilha de M. de Oliveira, Ensino Rápido da Leitura
A intuição será muito fácil, porque as palavras, naquele livro, são de coisas e objetos
comuns na vida diária.
A linguagem deve ser feita com as primeiras palavras (cinco ou seis), e os assuntos serão
vários. Este trabalho tem por fim conquistar o desembaraço de expressões e a intimidade nos
alunos, bem como a ampliação do vocabulário.
O exercício inicial de escrita será feito com traços de linhas em diversas posições. A
professora ensinará, então, os alunos a segurar e a manejar o lápis, pois nos anos seguintes eles
não estarão viciados por descuido dos professores.
Exemplificação de uma Aula de Leitura Inicial
Os alunos deverão formar fileiras em frente ao quadro-negro. Operação
Sintética (página 2 da cartilha Ensino Rápido da Leitura).
1) Enunciação oral (pelos alunos) das palavras aprendidas nas aulas anteriores ou
apercepção.
2) Apresentação do objeto ou coisa. A professora escolherá dentre outros objetos a
boneca (cuja palavra nova se quer ensinar) e a mostrará a classe.
3) Passo de intuição. Para o conhecimento da nova palavra a professora perguntará se os
alunos já viram, pegaram, etc, aquele objeto. Esta pergunta será sugestiva e simultânea. Após
isto, a professora escolherá um dos alunos e o mandará fazer observações diretas, para ter
várias idéias sobre a boneca: seu tamanho, sua cor e as partes que a formam. Fará outros
exercícios de intuição, até que toda a classe conheça os assuntos relativos a boneca e saibam
principalmente pronunciar bem a palavra boneca.
4) Ilustração gráfica. A professora mostrará a classe quadros, estampas, que trazem a
boneca de diversos tamanhos, formas e cores. Fará perguntas a este respeito, sugestivas e
simultâneas. Desenho da boneca pela professora.
5) Escrita da nova palavra. Uma vez bem conhecido o objeto e bem pronunciada a pala-
vra, a professora, em caligrafia esmerada, escrevê-la-á no quadro-negro em letras minúsculas,
chamando a atenção dos alunos para a sua forma. Em seguida, a professora, de modo simultâ-
neo, interrogará a classe e convidará um dos alunos a dizer a palavra escrita: boneca. Depois,
em perguntas individuais, mandará que todos os alunos a leiam. Exemplo:
—Quem quer dizer o que escrevi no quadro? (Os alunos ligeiramente levantarão as mãos)
— Diga você, Maria. (Maria responde: boneca)
— Diga você, Alice. (Alice responde: boneca)
Após isto, a professora dirá:
— Digam todos (e todos em coro dirão): boneca.
As perguntas serão sempre nas fases intuitiva, analítica e sintética, de modo simultâneo
(individual as vezes); as respostas serão individuais ou em coro.
Em seguida, a professora escreverá, em outra parte do quadro, uma lista de palavras já
conhecidas dos alunos, colocando algumas vezes entre elas a nova palavra, e fará que os alunos
a distingam, pronunciando-a sempre. Depois de diversos exercícios neste sentido, a professora
escrevê-la-á isoladamente.
6) Escrita da palavra boneca pelos alunos. As primeiras aulas de escrita deverão ser no
quadro-negro, quanto possível. A professora deverá manter-se sempre em atividade, tornando
o trabalho alegre e interessante; caso contrário, as crianças ficarão desanimadas diante da pri
meira dificuldade.
Operação Analítica
7) A professora e os alunos farão a separação da palavra boneca em seus sons ou em
suas sílabas. Mandará primeiramente um dos alunos ler. Aos primeiros ensaios que fizer o
pequeno, a professora deverá acompanhá-lo com um leve sinal sobre a mesa ou com a campa-
inha, fazendo coincidir cada fato com uma pequena pancada, até que o pequeno dirá, em três
vezes, bo-ne-ca. Da mesma forma fará até que toda a classe o diga.
8) Escrita pela regente, no quadro-negro, das sílabas na linha vertical ou horizontal; quan-
do nesta, deverá existir o hífen. Logo fará a classe lê-las em diversos sentidos.
9) Escrita pelos alunos das sílabas bo-ne-ca.
10) Decomposição das sílabas em seus elementos. A professora dirá: — Quem quer
separarão? E empregará o mesmo processo do número 7, obtendo o resultado: bo (diz-se em
duas vezes: b o). Assim para as demais. Todos os alunos tomarão parte no trabalho.
11) Escrita das sílabas e dos seus elementos. A professora escrevê-los-á no quadro e
mandará que os alunos leiam.
12) Escrita das letras pelos alunos.
Operação Sintética (mesmo processo de argüição)
13) Reconstrução oral da primeira sílaba: bo. Reconstrução oral da segunda sílaba: ne.
Reconstrução oral da terceira sílaba: ca.
14) Escrita das sílabas bo-ne-ca pela professora. Leitura pelos alunos.
15) Reconstrução da palavra boneca com as sílabas já sintetizadas e sua leitura. Escrita
pelos alunos.
16) Comparação oral, depois escrita, da nova palavra aprendida (boneca) com as demais
conhecidas: asa, ema, ovo, uva, etc.
17) Comparação oral e escrita das sílabas da palavra boneca com as de outras já conhe-
cidas.
18) A professora decomporá por escrito a palavra boneca em suas sílabas e fará que os
alunos formem outras palavras, como: boné, bobo, boca, cabo e caneca.
19) Composição de novas sílabas. As crianças, nas aulas anteriores, já aprenderam as
vogais, e a professora fará a classe formar com a sílabaéo e as vogais os fonemas ba, be, bi, bo
e bu, e com a sílabane, na, ne, ni, no, nu, etc. Ainda com elementos das palavras aprendidas nas
lições anteriores — asa, ovo, uva, boneca — poder-se-á formar: aba, cava, vaca, etc.
Com as sílabas dessas palavras, combinadas as vogais, já se obteve: ao - ae - ai - au - za
- ze- zi - zo - zu - oe - ou - oi - ca - vo - va - ve - vi - vu, etc, com cujos elementos e os da nova
palavra formar-se-ão outras palavras. Por aí vê-se o extraordinário cabedal com que pode
contar a professora.
20) Escrita dessas palavras pelos alunos.
Para os deveres de casa, os alunos escreverão nos cadernos as palavras novas, as já
conhecidas e os seus elementos. Este ensino deverá prolongar-se até a página 14 da cartilha,
quando se poderá, então, formar orações, quer do mesmo livro ou organizadas pela pro-
fessora.
Precisamos notar que, até este ponto, foram as palavras escritas com letras minúsculas —
e nem pode deixar de ser assim, pois as maiúsculas viriam apresentar dificuldades. Antes, po-
rém, de serem organizadas as sentenças ou orações, quando as maiúsculas forem necessárias,
convém que a professora ensine.
Para isto, as letras minúsculas serão escritas no quadro e, por baixo, as maiúsculas. Pri-
meiro, as de forma mais ou menos idênticas; depois, as outras.
Após a leitura de orações até a página 14 vem o seu prosseguimento e, nesse tempo, será
necessário o ensino da letra de imprensa.
A professora aí procederá assim: escreverá a palavra ou oração com letra manuscrita e,
por baixo, a de imprensa.
Não há necessidade de os alunos escreverem-na, pois este trabalho vem prejudi-
car o ensino da manuscrita. Depois desta aprendizagem, a regente poderá entregar o
livro a criança, dando início a leitura corrente. Em poucos meses chegaremos a este
resultado.
Não é, senhores congressistas, a minha exposição uma novidade em metodologia. Fi-la,
entretanto, para acordar idéias e para evitar enganos que possam surgir.
A palavra educação é bastante ampla em seu sentido. Tenho por experiência que o edu-
cador deve ter conhecimento intelectual capaz de julgar o que seja a sua missão. Mas ser instru-
ído, ser conhecedor de teorias as mais profundas, ser psicólogo, livresco, não é tudo. Precisa-
mos do educador que observa e respeita a vida da criança.
Disse a grande educadora Maria Montessori: "O educador deve ser como que inspirado
por uma profunda adoração da vida e, por meio desta veneração, respeitará o desenvolvimento
da vida da criança, enquanto observa com interesse humano".
E de importância, pois, que os educadores meditem na responsabidade que têm na edu-
cação do povo. De que vale o preparo técnico e outras qualidades que possam adornar o
educador, se ele deixa de ser abnegado?
O ideal é ouvir-se e cumprir-se a lição de um Pestalozzi, Froebel, Montessori, Binet,
Aguayo, Platão, Sócrates...
Sejam as minhas expressões, ao terminar, de amizade e parabéns aos congressistas da
I Conferência Nacional de Educação.
Cruzada santa de redenção é a do professor.
Genuflexos diante da Pátria, juremos a nossa sinceridade e o mais profundo amor a causa
da educação dos nossos patrícios, juremos trabalhar pelo bem público, pela estabilidade social,
pela grandeza da Pátria.
TESE Nº 3
O BRASIL CARECE DA DIFUSÀO DO
ENSINO POPULAR DA GEOGRAFIA
Isaura Sydney Gasparíni
Rio de Janeiro, DF
A TERRA É O TESOURO COMUM DA HUMANIDADE
Vivemos da Terra e para ela devemos viver.
Quem nos alimenta?
Quem nos veste?
Quem nos abriga?
A Terra, que ainda nos recebe em seu seio após a luta da vida. Faz-se mister, pois,
conhecê-la, amá-la e cultivá-la.
A VIDA É A CORRELAÇÃO COM O MEIO (DE GREEF)
Para bem viver, portanto, o homem precisa conhecer seu hábitat, e a História mostra o
grande esforço por ele feito, em todos os tempos e em todas as idades, para realizar este fim.
Encontramo-lo sempre em luta para conhecer a Terra, afrontando os obstáculos, vencen-
do mesmo os impossíveis, para alcançar seu escopo.
Foi assim que transpôs as grandes extensões marinhas e perlustrou os desertos áridos.
Mesmo os gelos polares, que lhe ofereceram tão tenaz resistência, foram por ele explorados.
CAUSAS DETERMINANTES DAS EXPLORAÇÕES
Podemos considerar como tais o interesse comercial e colonial, o zelo religioso e humani-
tário e a curiosidade científica. Conhecidas as diferenças entre os climas e a sua resultante sobre
as produções, cada povo tratou de trocar os produtos que lhe sobravam pelos de que necessi-
tava e não podia obter do solo de sua região. O excesso de população e a falta de produções
determinaram a fundação de colônias, auxiliares das metrópoles. O zelo religioso levou a fé as
mais remotas plagas! Foram os jesuítas que descobriram as Filipinas, e foi a serviço de sua
religião que Livingstone explorou parte da África. Inúmeras foram as expedições feitas com o
intuito de impedir o tráfico dos negros e o canibalismo. Foi o amor da ciência que levou a maior
parte dos grandes exploradores as regiões desertas dos pólos.
EM TODAS AS IDADES, HOUVE A PREOCUPAÇÃO DE CONHECER A TERRA
Na antigüidade, tiveram papel de destaque os fenícios, os gregos e os romanos. Nas-
cidos numa região pequenina, apertada entre a montanha e o mar, cedo se lançaram os
fenícios em busca de solo para o excesso de sua população, de produtos para o seu consu-
mo e para as suas indústrias. Exploraram o Mediterrâneo, fundando colônias, querem sua
parte oriental, quer na ocidental. Em suas frágeis embarcações, foram-se as costas da Áfri-
ca e mesmo as da América.
Os gregos, seus sucessores, continuaram as descobertas, ao Norte até o Báltico, ao Sul
até as nascentes do Nilo e a Leste até a índia e a China. Conheceram também o Saara.
Os romanos, senhores das descobertas dos fenícios e dos gregos, foram mais organizadores
que exploradores. Mas, para obter das regiões conhecidas o maior rendimento possível, estu-
daram-nas a fundo.
Além disso, para assegurar as fronteiras do seu império, tornaram conhecidas outras ter-
ras, e foi graças a eles que Ptolomeu pôde dar, no começo da nossa era, uma reprodução fiel do
mundo conhecido pelos antigos. O mundo descrito pelo célebre astrônomo do século XI tinha o
Mediterrâneo por centro e, como territórios extremos, as ilhas britânicas e a península escandinava,
a planície russa, as montanhas da China do sul e da Indochina, o alto Nilo e o Sudão. Estendia-
se dos bordos do Atlântico aos do Pacífico.
Durante a Idade Média, onde a maior parte da atividade humana foi despendida em lutas,
as descobertas longínquas ficaram estacionadas. Contudo, foram notáveis os esforços dos ma-
rinheiros escandinavos e dos árabes. Aqueles dilataram as fronteiras do mundo conhecido ao
norte, e estes, ao sul. Os escandinavos descobriram a Islândia e a Groenlândia e atribui-se a eles
a primeira travessia do Atlântico, pois encontra-se em suas tradições referências a uma região
(Vinland) que se supõe ser o Canadá ou os Estados Unidos. Os árabes, na ânsia de propagar a
religião de Maomé, penetraram no interior e no sul da África e se foram as ilhas do Extremo
Oriente. No século XIII, a Espanha e a Itália retomaram a sua atividade comercial e procuraram
entrar em relações com as regiões longínquas. Foi então que Marco Polo visitou o Extremo
Oriente, atravessou o Tibet, a China e foi até o Japão.
De modo que, apesar do eclipse que houve nas descobertas, os povos medievais adqui-
riram a noção do que se chamava as índias, países longínquos e fabulosos que se achavam para
além dos grandes mares.
As descobertas da Renascença tiveram como fim único a busca de um caminho para as
índias. Foram auxiliadas pela descoberta da forma da Terra e pela bússola. Sabemos que foi
encontrado um caminho pelo oriente e outro pelo ocidente. Do primeiro, choveram louros sobre
Vasco da Gama, Bartholomeu Dias e Albuquerque. O segundo fez a glória de Colombo e
Magalhães. Então, o mundo aumentou de um continente novo, e as duas Américas, irmãs siame-
sas, surgiram risonhas entre os grandes mares.
O século XVIII, apesar das grandes lutas políticas na Europa, aumentou o patrimônio
humano com a Austrália, e o século XIX completou a obra explorando esta região, bem como
o interior da África e da Ásia.
Mas quantas vidas pereceram através de tais explorações! A cada passo o homem foi
esmagado pela força da natureza, embora envidasse os maiores esforços para dominá-las.
A REVOLUÇÃO É REGIDA POR UMA DUPLA LEI
1) Lei da ação da natureza sobre o homem.
2) Lei da reação do homem contra a natureza.
Daí a necessidade de conhecer os elementos naturais e deles tirar o bem-estar da vida.
Quem de nós ignora o que foi a descoberta do fogo e que modificação causou na vida dos
primitivos? E a descoberta da direção dos ventos? Libertou os míseros escravos das galeras? E
a descoberta do magnetismo terrestre?
Abriu os grandes mares a curiosidade dos povos do Antigo Continente e chamou o que
eles isolavam a comunhão universal.
Toda evolução consiste em conhecer as forças naturais e aplicá-las em benefício humano.
COMO ADQUIRIR TAL CONHECIMENTO?
Estudando a Geografia, mas não aquela "ciência que trata da descrição da superfície da
Terra" e sim a "ciência que estuda as relaçõe entre o Homem e a Terra".
A primeira, que pode ser chamada Geografia dos romanos, encarada como uma auxiliar
de conquista, baseada na falsa idéia de que a humanidade devia constar de um povo dominante
e de uma multidão de povos dominados. A segunda, baseada no princípio da fraternidade,
mediante a qual a Terra é o patrimônio comum da humanidade, competindo-lhe, pelo estudo e
pelo trabalho, tirar dela os elementos necessários a vida, sem esgotá-la, pois, se inúmeras foram
as gerações passadas, serão inúmeras as gerações futuras. Nasceu no cérebro dos filósofos
gregos, que já procuravam conhecer o laço que prende a sucessão dos feitos humanos a ação
das forças telúricas.
O PROBLEMA PREOCUPA AS NAÇÕES CIVILIZADAS
As grandes potências do Globo cultivam com amor a Geografia. Todas elas seguem, mais
ou menos, a orientação grega. A nomenclatura geográfica passou para segundo plano. Hoje pro-
cura-se conhecer os elementos geográficos e o valor de cada um deles, quer nas funções vitais
do planeta, quer na economia social. Inúmeras as obras alemãs, francesas, inglesas, norte-ame-
ricanas, etc, que traduzem os esforços de autores célebres para tornarem a Terra conhecida e
admirada por seus habitantes.
Além disso, as sociedades geográficas espalham-se pelo mundo inteiro, sendo que a difu-
são do ensino popular da Geografia é dever imposto aos seus associados.
TODOS OS RAMOS DA GEOGRAFIA MERECEM PARTICULAR ATENÇÀO
A Geografia Astronômica mostra que a Terra apareceu como um ponto no espaço infinito
e que está sujeita a determinada série de fenômenos, que as superstições e crenças não poderão
modificar.
A Cartográfica mostra a cada povo a forma, as dimensões, a situação, os limites, etc, do
seu país, a fim de que possa gozar os benefícios que daí lhe advenham, ou contrabalançar, tanto
quanto possível, os elementos que lhe forem contrários.
A Fisiográfica mostra os elementos sólido, líquido e gasoso, de cuja ação harmônica
resulta o meio que o abriga.
A Biogeográfica mostra a vida dos outros seres, vegetais e animais, que com ele auferem
os benefícios da Terra e cujo concurso lhe é indispensável.
A Econômica mostra o modo de explorar racionalmente o Globo, a fim de que sejam
conservadas as fontes vitais que ele encerra.
A Política mostra as instituições sociais, suas causas, seus efeitos, pondo em evidência o
fato de que só são úteis quando têm por fim melhorar as condições da humanidade.
A Histórica mostra as relações entre o homem e a Terra, em todas as regiões e em todos os
tempos, dando-lhe a convicção de que a evolução dos povos tem por base o esforço individual.
Podemos dizer que tais conhecimentos concorreram poderosamente para transformá-las
em grandes potências.
POR QUE NAO LHES SEGUIRMOS O EXEMPLO?
Nosso Brasil vasto e fecundo é desconhecido por seus filhos. Exceção feita de um punha-
do de brasileiros cultos que conhece e compreende a Geografia, ciência de tão nobres fins e
objeto tão útil, a população em geral ignora os benefícios que dela pode auferir.
A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, onde congregam seus esforços homens de
subido valor e notáveis conhecimentos, mantém cursos especiais destinados a preparar profes-
sores, mas cursos populares seria despesa superior as suas parcas rendas.
A tarefa devia ser auxiliada pela União e suas vinte unidades federadas. É um apoio
necessário a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, que seria desdobrada em filiais pelos
estados; com isso seriam espalhados através do nosso território os conhecimentos por ela já
transmitidos a grande número de professores.
QUAIS OS MEIOS A EMPREGAR PARA A DIFUSÀO DO ENSINO POPULAR?
1) Preparar professores primários.
2) Promover conferências.
3) Organizar lições, em linguagem popular, que serão impressas e espalhadas pelo país
inteiro.
4) Realizar expedições através do território nacional.
5) Manter uma empresa de filmes do natural.
6) Intensa e extensa divulgação dos trabalhos pela imprensa.
Somente assim o Brasil se tornará conhecido e suas imensas riquezas deslumbrarão os
brasileiros.
QUAIS AS CONSEQÜÊNCIAS DECORRENTES?
O amor a Pátria.
O desaparecimento da maioria das causas que retardam o seu progresso.
Quando todos estiverem convencidos de que a Terra é o reservatório de todas as rique-
zas e de que ela tudo nos concede, mediante o trabalho consciente e ordenado, outro será o
aspecto das questões sociais. Atualmente, só damos valor ao dinheiro. Quem procura um em-
prego pensa unicamente na remuneração; quem educa um filho é para ganhar dinheiro, de modo
que o amor ao trabalho é sempre sobrepujado pela ganância de ouro. Quanto a natureza, pobre
desconhecida! Ninguém a observa nem procura penetrarem seus segredos, esquecendo o con-
selho dado por Pitágoras e que nos seria tão útil. Todos ambicionam o capital e abandonam os
seus fatores!
AS NAÇÕES MODERNAS VALEM PELA INDÚSTRIA E PELO COMÉRCIO
Conhecida a tetrarquia industrial — petróleo, borracha, ferro e carvão —, podemos afir-
mar que papel de destaque aguarda o nosso Brasil.
Se o seu solo é escasso em petróleo, ricos são os canaviais do Norte, e a cana, em vez de
se transformar em álcool embrutecedor do povo, que se transforme em álcool motor das nossas
fábricas e veículos.
A borracha nasceu nas florestas da Amazônia, e se a incúria dos brasileiros deixou que
Ceilão e Insulíndia ultrapassassem a nossa produção, ainda temos a primazia em qualidade e a
produção pode ser intensificada pela cultura.
Nosso solo é rico em jazidas de ferro, e o carvão, seu aliado, se não é entre nós de
primeira qualidade, conta com importante sucedâneo: as quedas d'água.
Aproveitemos a força motora dos nossos rios gigantes e teremos indústria nossa, capaz
de se desenvolver sem o protecionismo que esmaga o povo.
Vista de perto a questão "Recursos naturais do Brasil" e observadas as necessidades do
seu povo, creio que não é ousadia afirmar: o Brasil, conhecido e compreendido pelos brasilei-
ros, pode ser a mais independente das nações civilizadas.
Seu território imenso, contínuo e ao abrigo dos climas extremos, colonizado e cultivado,
será tesouro inesgotável! Avante, pois, brasileiros; tomemos nosso país conhecido! Preparemos
nosso povo para amar e compreender a Pátria!
Não gastemos palavras inúteis; despertemos apenas, entre nossos irmãos, a faculdade de
refletir e de querer, de estudar os problemas sociais e resolvê-los sem desfalecimentos.
Facultemo-lhes meios de raciocinar e julgar; de governarem-se a si próprios, conquistan-
do o bem-estar e a tranqüilidade. Só assim, brasileiros, será nossa a nossa Pátria.
TESE N
s
4
ANTAGONIAS DA DIDÁTICA NA
UNILATERALIDADE DO ENSINO
Renato de Alencar
Escola Normal de Maceió, AL
EDUCAÇÃO INSENSATA: EXIGÊNCIAS DA PSICOLOGIA NA ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA
falta de estudos de natureza pedagógica que regularizem o ensino entre as
populações do interior vem causando a existência do País males de variados
aspectos, cada qual que mais se caracterize no trabalhar em desgastes para tropeços
em nossos destinos.
Um dos maiores males é este: inspirar a emigração da população rural para as cidades ou,
então, formar indivíduos inimigos do trabalho do campo.
O que precisamos para pôr termo ao fenômeno demográfico, assunto que nos inspirou
escrever esta tese, é de, antes da aplicação de métodos de ensino na população rural infantil,
procedermos a estudo inteligente sobre a elaboração das matérias a ensinar, contanto que se
não repita o erro em que nos vemos comprometidos, a concorrer criminosamente para o retar-
damento e desequilíbrio social e econômico do Brasil.
Para alcançar-se um método normal, consentâneo com a razão, aplicado ao ensino rural,
faz-se mister acurado estudo de psicopedagogia, especialmente no que concerne as percep-
ções, comparativamente, entre as crianças do meio mato e as do meio praça. É sabido que
essas percepções, pela influência do meio social e físico, sofrem diferenças radicais
1
, ajustando-
se muito bem o conceito repetido por Piffault
2
: "tant vaut le milieu, tant valent ceux qui y vivent".
Servimo-nos ainda de Piffault e tomamos de sua obra as seguintes indicações abonadas
também por W. James, cuidadoso psicologista em questões que interessam a natureza da edu-
cação das crianças:
De 7 a 12 ans, des intérêts spéciaux apparaissent. Ils orientent les jeux. Car cet âge est par excellence
l'âge. L'enfant utilise sa connaissance du milieu. Chasse, guerre, pêche, dressage d'animaux,
constructions diverses, jardinage, troc, commerce, voyages, retiennent diversement son attention.
II aime lout cc qui marche, court, vole, agit..., et les machines qui paraissent vivre. A ce moment
apparaissent I'instinct de sociabilité et 1'émulation.
1
Emais:
Après 12-15 anschez les garçons, commence Ia puberté. Cest un âge nouveau, un tournantde Ia
vie, caracterisé par des profondes transformations. L*affectivité s'exagère. Des intérêts nouveaux
se montrent: intérêts sociaux, moraux, religieux, esthetiques.
Diante do que se observa na vida real e o de há muito recolhido pelas experiências da
psicologia, vemos que as percepções da infância da cidade são absolutamente diferentes das
que possuem as crianças do interior, do mato, nos latifúndios agrícolas e pastoris, nos
centros rurais; isso, tomada a observação em sentido geral, sem distinções de classe. Temos
pois que, entre crianças de 7 a 12 anos, começa a pronunciar-se a idade ativa, utilizando-se
dos seus conhecimentos para com o meio onde vive. Suas tendências se manifestam, se
desenvolvem e se solidificam de paralelo com suas percepções. Assim, a criança dos centros
urbanos é atraente o futebol; agrada-lhe a agitação das praças; aprecia as serenatas musicais
nos coretos dos jardins públicos; fascina-a o cinema; os bondes elétricos, os autos, os
ônibus, o aspecto cosmopolita e cosmorâmico da cidade a tornarão mais tarde um escravo,
um habituado aos grandes meios. O conforto da luz elétrica lhe faz ter horror a escuridão,
aos humildes processos da iluminação antiga. A comodidade do transporte moderno a faria
derramar lágrimas dolorosas, se se visse forçada a jornadas fatigantes nos ínvios e selvagens
roteiros dos sertões.
Cresce a tendência de sociabilidade, de emulação. Está, portanto, a criança na fachada da
vida. Mais um passo e eis o mundo! Para sua conquista, para conhecê-lo e poder suportá-lo,
apontam-lhe a escola, onde receberá a necessária instrução. Cursa essa criança todos os anos da
série de ensino que lhe diz respeito, até que chega ao começo da puberdade, a nova idade, na qual
há revolteios na vida caracterizados por profundas transformações.
' Cf. Rouma (Pédagogie Sociologique), Le Bon (Psychologie des Foules) e Guyau (Éducation et Heredité).
1
Psychologie Appliquèe a I'Éducation, p.32. ' Id. ibid., p.43.
E entao a criança de 7-12 anos é agora o mancebo de 18 anos. Faz parte da sociedade.
Critica-lhe os hábitos; discute religião; tem preconceitos e gostos estéticos. Raciocina e já se
julga um emancipado. Dali, ou desfrutará o meio de vida a que se habituou ou entao emigrará
em busca de centros maiores que o caibam.
De qualquer maneira, é sempre um indivíduo preparado para as conquistas pelas
funções intelectuais, um indivíduo de sociedade. Se as profissões liberais lhe forem inaces-
síveis, então sonhará com a doce malandria de sinecurista, ingressando na burocracria pe-
las descaradas ogivas do afilhadismo providencial. E não mais se preocupará com o vencer
pelo trabalho, pelo esforço, pela competência da conquista. Mais um que se nulifica. Bra-
ços perdidos. É este geralmente o resultado do ensino subministrado a população escolar
da cidade.
Passemos agora ao interior, ao meio rural, ao engenho, a fazenda, ao povoado humilde do
sertão, ao hábitat do caboclo, as "choupanas de paxiúbas cobertas de caranaís"
A
.
Ali nas cidades, nas capitais, nos centros populosos e de civilização avançada, como
agora aqui no interior, nos sertões, os governos fundaram e mantêm escolas que se destinam a
desanalfabetizar e educar o povo.
Entretanto, quanto mais se semeia de escolas o interior, mais ignorante permanece o matuto.
Qual a causa? Simplesmente esta: a adoção dos mesmos livros e processos antiquados que se
conhecem nas escolas da cidade.
Voltando as observações indicadas na obra de Piffault, já citada, vemos quão prejudi-
cial é essa forma de ensino. De natureza perceptiva e sensorial a divergir da criança da cida-
de, pelo meio ambiente integral, a criança do mato findará, entretanto, num indivíduo tendente
a praça. É verdade que os governos, tanto municipais como estaduais, e mesmo as iniciativas
particulares fundam escolas no interior. Mas de bom só há mesmo a intenção. O resto a
colher é mau.
Resulta esse contraproduto da incompreensão e despreparo pedagógico dos professo-
res, do erro já infelizmente secularizado de se subministrarem os mesmos ensinamentos a alunos
de possibilidades diversas, o que resulta no encaminhamento para uma exclusiva e mesma edu-
cação social, em flagrante prejuízo para o progresso do País. Essa unilateralidade de ensino é a
causa de um dos maiores e mais sérios problemas de nosso país: o despovoamento do interior
em certas regiões como o Nordeste, o desamor da vida agrícola, o estacionamento da pecuária.
O aniquilamento do campo, enfim.
A escola rural como está a funcionar no interior é mais um mal do que um bem, desde
que ensinar a ler, a escrever e contar, sem preparar o homem para seu uso, não é instruir e
educar. Sofrendo as mesmas influências da didática aplicável as escolas da cidade, em
contato com os compêndios escritos para a educação da mocidade dos centros populosos,
a ouvir falar dos atrativos da vida das capitais, dos surtos da civilização, a criança do
' Craveiro Costa (O Fim da Epopéia).
interior vai-se modificando, formando-se pouco a pouco em sua alma modelável uma nova
natureza, até culminar no desgabo da vida dos campos, na repugnância por aquele meio
atrasado, retrógrado, aquela vida de salvagens. Daí a tendência que, de ordinário, todo indi
víduo do interior manifesta de buscar meios grandes logo que se vê possuidor de alguns
conhecimentos literários.
Que deveriam, pois, fazer os governos para pôr embargos ao êxodo da mocidade do
campo para as cidades?
Resolver o problema pela pedagogia, estabelecendo um programa pedagógico que
fosse desempenhado por profissionais, pessoas de reconhecida capacidade instrutiva e
educativa, possuidoras de sólida cultura psicológica e poder de observação, de forma que
acompanhassem com recursos próprios a aplicação de testes, como, por exemplo, os B-S
5
e
outros indicados pela experiência, o curso da nova orientação, até que se pudesse julgá-la
útil ou inócua.
Para isso, apenas teriam os governos que bipartir o sistema de ensino monoplânico atual
em dois ramos essenciais ou basilares: 1) educação urbana; 2) educação rural.
A observação pedagógica do hábito, que tanta discussão tem suscitado, teria aqui imedi-
ata aplicação. Destarte, a instrução escolar a dar-se ao aluno do mato não deveria ser moldada,
absolutamente, como ainda é, nos mesmos processos e na mesma didática que caracterizam o
ensino subministrado a infância das cidades.
A alguém, mais filosófico do que prático, poderiam ocorrer, em contraposição, as
opiniões de Rousseau e Kant, que aceitam todo o automatismo adquirido sem dependência
da atividade consciente. Contra essa teoria, porém, se levantam Ribot e Le Bon, cujas teses
foram mais aceitas e de suas afirmações já tem tirado a pedagogia científica os mais úteis
resultados.
Por outro lado, Huxley, na sua obraPhysiologie Élémentaire, ao apreciar a educação
militar, vem em abono das teorias de Ribot-Le Bon:
On peut poser en règle que si deux états mentaux quelconques sont provoques simultanément ou
succcssivemcnt un certain nombre de fois et avec une certaine vivacité, il suff ira plus tard que l'un
d'eux se produise pour provoquer 1'autre et cela indépendamment de notre volonté.
Ora, mesmo habituados, quer no lar, quer no meio social em que vivem, a ver e a ouvir
coisas e assuntos relativos a vida rural, os alunos não serão o prolongamento daqueles lares, ou
elementos análogos ao meio, se houver veículos de natureza educacional e instrutiva que lhes
alterem a maneira de pensar e de sentir.
A talho de foice nos vem a magnífica observação do emérito pensador e sociólogo inglês
e o que da possibilidade da educação afirma ele:
5
Binet-Simon. cf. Piffaull. op. cit.
" Citado por W. Bageot {Lois Scientifiques du Développement des Nations).
Le corps de l'homme après 1'éducation est donc devenu différent de ce qu'il était d'abord, et
différent de celui de l'homme a qui cette éducation a manque; il est rempli de propriétés qui y
sont comme emmagasinées, et de facultes aquises qui s'exercent sans que Ia conscience y ait
part.
7
Esse veículo anormalizador da unidade de vistas entre o indivíduo e o meio, veículo cuja
intervenção causa esse perigoso desequilíbrio, tem sede no ensino moldado na didática do
intelectualismo reinante, que o inocula, e então se desenvolve por várias vias: pela sugestão; pelo
exemplo; pela tendência emigratória.
Os agentes são: o professor; os livros; os processos de ensino.
Se fosse possível fazer-se um recenseamento do movimento emigratório do sertanejo
para o litoral, para os centros populosos e, muitas vezes, daí para o estrangeiro, ficaríamos
espantados de ver como se perdem tão proveitosos elementos de colaboração a cultura do
solo, a pecuária; como estacionam e atrofiam as zonas rurais, simplesmente pelas desastrosas
influências do ensino errado que adotamos.
Raro é o jovem do interior que, depois de adquirir conhecimentos literários, deseje con-
tinuar no meio tranqüilo e feliz onde nasceu e vivem os de sua família. Uma nova natureza lhe
surge, lhe regula os atos, criando-lhe presunções estranhas, insólitas.
Essa natureza se desenvolverá ainda mais se o jovem enveredar no caminho desolador da
literaturice de futilidades de que está inçado o imenso organismo nacional...
Ouçamos o que, a este respeito, disse um batalhador incansável pela redenção intelectual
do Brasil:
No Brasil, assim como na França e em Portugal, grande parte da mocidade perde-se para a vida
ativa em conseqüência de ter o seu espírito cheio de literatura de ficção. Todo ato humano orgina-
se de uma idéia. Os romances e a literatura de ficção povoam o espírito da mocidade brasileira de
coisas imaginárias.
8
Daí avante outra personalidade psíquica o dirige. Se é dotado de imaginação mais ou
menos fértil, deixa de ser o homem equilibrado e prático, útil a si e ao meio, para ser o idealista,
o sonhador de coisas inverossímeis, em alcândores inatingíveis, conforme mais adiante nos diz
Oliveira Vianna, e nós o ratificamos com provas reais.
Já tivemos oportunidade de observar o péssimo efeito do nosso ensino errado no espírito
do homem do interior, do trabalhador rural. Um dos últimos fatos observados se deu faz cerca
de quatro anos num colégio que fundamos na cidade de Patos, zona máter e genuína do vero
sertão paraibano.
Dentre nossos educandos, havia um rapaz de 16 anos, aparência do roceiro, vestindo-se
mal, sem elegância, habituado que estava desde a infância a vida do campo na fazenda dos pais,
distante da cidade cerca de três léguas.
7
W. Bageot, op. cit., p.7.
1
Mário Pinto Serva {Pátria Nova, p.18).
Criava e era esforçado, apaixonado plantador de algodão, cultura que, naquela região, é
de imparelhável superioridade, considerado sem igual no mundo, por sua alvura, resistência e
singular extensão de sua fibra
9
.
Esse rapaz, que era de costumes simples, a conversar sempre acerca dos gados de sua
fazenda, das safras de seus tabuleiros de algodão velho, com 15 e 20 anos de produção, ainda
plantados por seu avô, a me falar da vida que levava no campo, das vaquejadas, da sua cora-
gem e perícia no derrubar bravíssimos garrotes, tempos depois me falou que estava com vonta-
de de estudar num dos colégios da capital daquele Estado. Antes, já lhe notáramos certa anor-
malidade em seus hábitos e lhe acompanhávamos a transição para outras concepções da vida e
do mundo.
Ficamos admirados daquela resolução; entretanto reconhecemos perfeitamente a causa
celular, a vesícula germinatória de tais pensamentos: o ensino errado que lhe dávamos no
educandário. A origem fora, de fato, aquela. Somente isso poderia ter influenciado a alma da-
quele sertanejo ignorante para que esposasse idéia tão extravagante e prejudicial a si, a família e,
em verdade, a própria Nação.
De ulteriores sindicâncias tiramos as provas positivas desse efeito. Aluno elementar,
sem idéia nenhuma do que fosse o mundo depois da cidade de Patos, foi armazenando na sua
alma desejos recônditos e ora despertados de conhecer terras, de ver como era o outro lado.
A par dessa curiosidade, embora de cultura elementar e medíocres conhecimentos adquiri-
dos, foi criando certo despeito para com o termo matuto, sentindo possuir superioridade
perante os seus irmãos, parentes e amigos de infância residentes na fazenda.
Operou-se, insensivelmente, o curioso fenômeno. Além da influência do ensino
subministrado nas aulas, aumentavam a nova natureza do educando as palestras com alunos
da cidade, mais adiantados, conhecedores da capital já em cursos superiores; no refeitório,
no dormitório, hábitos civilizados o colocavam em conflito com os hábitos e modos de sua
fazenda. E se julgava cada vez mais civilizado, homem superior. Precisava, pois, cursar um
bom colégio na capital do Estado e, de lá, ganhar outras terras ainda mais importantes.
Ia, portanto, a capital possuir mais um elemento que, no final das contas, em nada lhe
adiantaria a existência nem tampouco the alteraria a vida. Mas o prejuízo ia dar-se. Perdia o
Brasil valioso colaborador, utilíssimo elemento de sua riqueza, da grandeza de sua produção
agrícola, de sua indústria, de seu comércio.
E lá se foi o rapaz internar-se num colégio de padres... Ia ainda mais heterogeneizar
as suas possibilidades intelectivas sob regimes claustrais, em horroroso contraste com a
feliz e clara liberdade que gozava no interior, com a qual tanto já se habituara. Vimos
g
Amo Pearse {Brazilian Cotton).
com íntimo e profundo desgosto que todo o bem que julgávamos ter feito aquela região
com a existência do educandario estava enublado, escurentado, com este fato digno de
meditação.
E todo o nosso entusiasmo se envolveu em penumbra. Reconhecíamos, amargamente,
que roubáramos dos campos do Brasil um fator de sua independência para anulá-lo nos bancos
de um colégio de jesuítas.
Felizmente, ainda nos foi permitido o prazer de visitar esse colaborador anônimo lá
no colégio e, penetrando-lhe o ânimo, vimos com alegria que ele se não adaptava muito
aquela nova vida de reclusão. E com entusiasmo e habilidade lhe falamos no futuro do
algodão, na via férrea a recomeçar brevemente na sua terra, de maneira que alguns meses
mais e o filho pródigo voltava ao seio do sertão, para a vida bucólica e redentora da cultura
dos campos.
Ratifica plenamente este exemplo individual a justíssima afirmação de Oliveira
Vianna:
No Brasil, cultura significa expatriação intelectual. O brasileiro, enquanto é analfabeto, raciocina
corretamente e, mesmo, inteligentemente, utilizando o material de observação e experiências feitas
sobre as coisas que estão em derredor dele e ao alcance dos seus sentidos — e sempre revela em
tudo esse inalterável fundo de sensatez que lhe vem da raça superior originária. Dêem-lhe, porém,
instrução; façam-no aprender francês; levem-no a ler a História dos Girondinos, de Lamartine, no
original — e então já não é o mesmo. Fica "homem de idéias adiantadas", cai numa espécie de
êxtase e passa a peregrinar, em imaginação, por todos os grandes centros da civilização e do
progresso.
10
Voltando ao ponto de vista que estamos a comentar e a defender, perguntamos: Se o
governo do Brasil possuísse um regular serviço de instrução (já não dizemos perfeito) pública e
particular, ter-se-ia dado o fato que acabamos de narrar? Se não houvesse esse erro e abuso da
unilateralidade da didática na instrução nacional, teria o nosso educandario concorrido para o
afastamento daquele aluno? Absolutamente.
Embora fosse permitido o subministrar disciplinas também secundárias aos alunos que
o merecessem, devia a didática distinguir, porém, os dois cursos: um, aplicável a educandos
de tirocínio rural; outro, aconselhável aos que não se achassem nas condições dos primeiros
e a quem o ensino literário servisse de preparo para a vida, sem que isso representasse des-
truição de conhecimentos, intuições e hábitos úteis já conquistados em prol da felicidade
individual e coletiva.
Vejamos agora, teoricamente, como pensamos que deveria ser estabelecida a nova
orientação do ensino, racionalmente dividido em duas grandes seções: educação urbana; edu-
cação rural.
Pequenos Estudos de Psicologia Social, p.90.
EDUCAÇÃO URBANA/EDUCAÇÀO RURAL: BILATERALIDADE INDISPENSÁVEL
Alberto Torres, numa obra de méritos, fez observações profundas sobre o intelectualismo
nacional.
Diz o pensador:
Possuímos ilustração em escala mais elevada do que civilização. Ao passo que o nosso povo
conta uma imensa massa de analfabetos, o número dos intelectuais é avultado e notável a elevação
de seu preparo."
E, depois de comentários exatos sobre a utilidade e alcance desse intelectualismo, afirma
com surpreendente verdade:
Os intelectuais brasileiros consideram o preparo que possuem um meio de êxito pessoal, sem o
ligar a nenhum dever, a nenhuma responsabilidade de ação e direção social.'
2
A origem desse fenômeno é a singularidade de nosso ensino. Nação moça, sob influên-
cia de povos estranhos, aberta a conquista pacífica de imigrações constantes e heterogêneas,
sem um serviço de educação nacional moldada em princípios racionais e dividida em urbana
e rural, o Brasil nunca, jamais, poderá ser nação forte, equilibrada pelo trabalho inteligente
entre o intelectualismo das cidades e o produtivismo do homem do interior, se não cuidarmos
em tempo.
Por uma péssima tradição que ainda não encontrou embargos, o trabalho agrícola é de-
primente e julgado próprio somente de incapazes intelectuais. O homem do campo é olhado
com certo desprezo pelo homem da cidade. O preconceito tem suas nascentes no erro didático,
na singularidade de ensino entre o mato e a praça. A didática é antagônica: instrui deseducando...
E se é verdadeira a observação de Sergi
13
, de que "... a evolução social apresenta-se
como a evolução individual" e, pelas evoluções parciais da sociedade, a "transmissão de germens
civis e de progressos ou de civilização de um lugar para outro", é alarmante o futuro que nos
aguarda.
Esse futuro, elaborado pelo erro educacional que perpetramos criminosamente, só nos
será desfavorável, pelo absenteísmo do homem no trabalho rural e conseqüente emigração para
os centros populosos, as grandes cidades do País, onde se acumulam os elementos mais úteis a
nação pelo trabalho dos campos, arrastados para as cidades pelas desastrosas conseqüências
da singularidade do ensino.
A cultura do solo e a pecuária deveriam fazer parte de ambos os programas de ensino: o
rural e o urbano.
11
A Organização Nacional, p.44.
12
ld. ibid.
11
A Evolução Humana, p.42.
Aos alunos da cidade, aos que conhecem os cereais apenas pelas gravuras e suas presen-
ças culinárias, devia ser subministrada instrução teórica e prática, com o fim de instrui-los na
forma por que se obtêm tais produtos, de lhes mostrar o trabalho que dá a roça ao homem do
campo, o penoso processo da enxada, desde a exaustiva broca, passando pela coivara ao abrir
das covas, a plantação, a primeira limpa até a colheita; as influências da seca, suas conseqüên-
cias, o estado primitivo do matuto relativamente a cultura do solo, a compreensão dos fenôme-
nos meteorológicos; o quanto sofre o agricultor pobre, asfixiado pelo grande proprietário; a
miserável situação do trabalhador de eito, do desgraçado morador, eternamente escravo apesar
de viver protegido por leis de um país liberal! Por outro lado, mostrar também os modernos
processos da cultura, com o auxílio das máquinas agrárias, o que tanto faz aumentar a produção,
sem canseiras.
Este ensino, se não tivesse efeito prático a indústria pastoril e agrícola, por insuficiência de
meio e não encontrar utilização na cidade, teria grande e salutar efeito moral:
Educar a mão não tem só importância técnica e pedagógica, mas também importância social,
porque faz compreender a dignidade e o valor do trabalho manual e destrói os preconceitos que as
classes chamadas cultas têm, desde a antigüidade, contra os trabalhadores. Por isso, essa nova
matéria deveria ser obrigatória, especialmente nas escolas aonde afluem os filhos das classes
médias e superiores, que se preparam para as profissões liberais, porque assim eles exercitariam e
desenvolveriam os músculos, compreendendo as dificuldades e as canseiras da vida do povo, e
amariam e respeitariam as classes laboriosas."
Combinam-se perfeitamente estas palavras do culto professor da Universidade de Messina
com o que julgamos de mais necessário a nossa educação sócio-escolar.
A estes alunos, pois, o programa urbano deveria prescrever tais ensinamentos com fim
moral, naturalmente, por não ser muito esperável poder-se subministrá-lo num sentido prático
suficiente como se faria mister; entretanto, não seria absurdo esperar-se ver realizado um resul-
tado mais prático do que moral, isto é, alunos, depois do curso, se apaixonarem pelos trabalhos
do campo e, por fim, o abraçarem, tornando-se em reais colaboradores dos progressos da
Nação pelo trabalho rural. Dar-se-ía neste caso um curioso fato de regressão social. Justamente
o contrário do que se verifica hoje.
E quando sucede que uma pessoa letrada, educada nas capitais, se dedica ao trabalho do
campo, a criação, etc, não desenvolverá a elaboração social e trabalhista que era de esperar.
De ordinário se dá o seguinte: instala-se com ares de homem superior, olha o homem
matuto com visível desprezo, nega-lhe toda assistência social indispensável a vida e conserva-
ção daqueles párias. O regime adotado por este senhor feudal caricatíssimo, digno dos traços
de Guevara, é da mais revoltante escravidão. O morador não tem direito a nenhum benefício,
mesmo conquistando com os seus esforços próprios.
M
J. Cesca (Teoria da Educação, p.140).
A cultura do solo lhe é negada, desde que o senhor precise do braço alugado pela
vergonhosa paga de 1 $500 por dia, sem mesada. E-lhe proibida a criação de uma cabeça de
cabra, ainda mesmo que o filho esquelético, opilado, definhe sobre a indigna isidora de varas
de cabotan, corvejada de muriçocas. Trabalha alugado de sol a sol. Se, nas horas vagas,
conquistou uma vasante de milho, tem que vendê-lo ao senhor brutal e cangaceirante, se este
negocia com cereais, comprando o produto com a diferença para menos que bem entender.
Se arrendar um terreno, pagará, por quadro, de 30 a 50$000 por ano, e perderá todo o
benefício porventura feito se for constrangido, por qualquer causa, a deixar a propriedade do
senhor. Se precisar fazer um serviço e for a qualquer morador lhe confiar a diabólica emprei-
tada, ai daquele que se negar ao trabalho! E qualquer um aceita, tanto mais que isso é distin-
ção que só se confere a homem da confiança do senhor. Eis em ligeiros mas verídicos e
incontestáveis traços o que poderá suceder com um homem que, educado na atual concepção
do ensino urbano, derive sua vida para o campo. Fora preferível que nunca se lembrasse de
tornar o Brasil em celeiro do mundo...
Foi diante dessa vergonha que o gênio cristalizado de Ruy bradou já em 1882: "A nosso
ver, a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta, só esta: a ignorância popular, mãe
da servilidade e da miséria".
15
Isso em 1882! E ainda persiste em 1927! Quanto engano em Ramalho Ortigão ao escre-
ver em suasFarpas (v.3, p.215), ao lamentar a morte de José de Alencar: "Na sociedade do
Brasil, que o princípio da escravidão desviou por tantos anos tenebrosos do seu destino e do
seu desenvolvimento natural, a organização moderna do trabalho livre é ao mesmo tempo a
criação de um novo elemento social — o povo".
A organização moderna do trabalho livre? Sim, esta um dia existirá também para o ho-
mem do Nordeste, para o morador mantido ainda sob um regime de escravidão ignominiosa
que não encontra possível confronto em nenhum país, mesmo nos mais barbarizados pela au-
sência da civilização.
Com um curso racional e inteligente de disciplinas rurais, entre os alunos urbanos, podía-
mos conquistar bons elementos para o campo e, neste caso, não seriam senhores feudais a
escravizar o homem do campo, mas sim indivíduos conscientes de seus deveres associativos e
morais. Cultivariam o campo introduzindo processos modernos; dotariam o trabalhador de co-
nhecimentos úteis, de higiene, instrução, morada sadia. E uma nova pátria se desdobraria diante
de todos, sob outros auspícios que não estes de atraso, ignorância, miséria, pessimismo...
Aos alunos dos campos (e aqui entra a bilateralidade que advogamos) deveria ser
subministrado o ensino com um fim aplicado a vida do campo, sem pretensão literária. Entretanto,
não quer isto dizer que advoguemos a supressão de cursos secundários no interior. Não. Que
estes existam, mas com o alcance do aproveitamento de indivíduos tendentes as letras e não a
vida do campo.
ls
Relatório sobre Instrução Primária.
Pelo que observa a Psicologia, o meio induz e predestina o indivíduo aos hábitos e costu-
mes ambientes; entretanto, a regra não é absoluta. Há indivíduos que trazem tendências inatas,
intuições de berço, e se tornam indivíduos a parte no meio em que vivem e dele recebem as
influências.
São sujeitos estudáveis psiquicamente, nascidos sob influências anteriores de gerações
passadas, cujas leis foram tão curiosamente observadas por F. Galton, com o que lançou as
bases de uma nova ciência, a Biometria, contidas em suas célebres obras, a Hereditary
Genius e a Natural Inheritance.
16
Ou por essa lei descoberta por Dalton, a da hereditariedade
ancestral, ou pela lei descoberta por Mendel, a da dominância
17
, a qual, de qualquer modo,
vem pôr umas tantas restrições a de Galton; o certo é que há indivíduos cujos aspectos
psíquicos se distanciam sobremodo do observado nos pais e meio social onde vivem.
Destarte, que fossem aproveitadas vocações flagrantemente literárias, espíritos apai-
xonados das letras, com o que nenhum prejuízo teria o meio nem tampouco o indivíduo.
Mas, que sucede? O ensino é uniforme; quer na cidade, quer no interior, o programa é o
mesmo:
Primário: Leitura, Escrita, Aritmética, Noções de Historiado Brasil, Geografia, Gramática.
—Segundário: Gramática (Camões), Matemática, Geografia Geral, História Universal, Línguas,
Ciências Naturais e Físicas, etc.
Superior: Cursos universitários para as respectivas carreiras liberais, com a conquista dos
ansiados títulos.
No interior, se bem que não haja ainda, felizmente, os cursos universitários das academias
de Direito, Medicina, etc, há, entretanto, colégios livres que subministram cursos de comércio,
conferindo título de certa responsabilidade.
O ensino é dado nas escolas e colégios rurais tal qual o é também na cidade, preparando
jovens intelectais para os exames nos liceus e ginásios equiparados ao Pedro II, assim como
para as carteiras dos escritórios comerciais.
Educandários aparelhados para a instrução profissional aplicada ao meio não os há. Os
que se conhecem entre nós não se recomendam, por se encontrarem fora dos verdadeiros
preceitos que a pedagogia científica prescreve, a começar dos professores, muito mais teóricos
e satisfeitos com o laço da gravata do que com a altíssima responsabilidade que lhe confiou a
Nação. As exceções devem provar que existem.
Devia haver em cada núcleo de indústria agropecuária um estabelecimento de educação
consentânea com o meio, para que as gerações de moços não se fossem afastando dos
16
Cf. Delage e Goldsmith (Teorias da Evolução, p.188).
17
Id. ibid.
seus deveres em prol do trabalho que mais dignifica o homem: o trabalho do campo. Já li em
Mario Sette que a terra era o único patrão digno do homem.
Pois é esse patrão que tanto desprezo sofre do homem que se instrui sob as maléficas
influências desse ensino prejudicial que, incompreensivelmente, é dado no interior.
O de que tratamos é assunto já amadurecido, estudado e resolvido em países educados
na boa política administrativa, nas observações do mundo e do homem.
O Brasil deve orientar seu sistema de ensino sem os atuais contrassensos da didática
em uso. Abandonemos o erro do intelectualismo, do poligrafismo, do verbaiismo vaidoso. O
intelectista é um indivíduo quase sempre prejudicial. Envaidecido por uma cultura muita vez
duvidosa, torna-se em ser parasitário, a cata de colocações públicas, incapaz de produzir.
Numa obra de raro valor, Jean Guillou estudou na França as causas que determinavam a
emigração do homem do campo para a cidade.
18
Lá, em vista da mentalidade, dos hábitos, da influência social, não houve entre os autores
que estudaram essas causas emigrativas homogeneidade ou perfeita harmonia de vistas; Guillou,
por exemplo, não aceitou as soluções de pensadores como Darbot, que via no fenômeno unica-
mente uma questão econômica:" Avec les conditions actuelles de Ia vie champêtre, 1'homme des
champs ne reçoit plus une rémunération suffisante, etc".
O mesmo com E. Brelay, que também via no êxodo, como causa única, "a insuficiência
dos salários agrícolas em comparação aos da indústria".
Outros, como George Michel em artigo de imprensa na Economia Francesa, opinavam
que a despopulação rural da França era determinada pelo absenteísmo dos grandes proprietá-
rios, os primeiros a darem o exemplo, sendo seguidos pelos trabalhadores.
Guéry põe a causa no sentimento que todo indivíduo tem de melhorar de condição de
vida. Está de acordo com Anderson Graham, quando afirma: "A principal causa que determina
a fugida dos trabalhadores do campo para a cidade é que, de todos os processos susceptíveis
de levar a riqueza, a agricultura é o menos rápido".
Weber, na The Growth of Cities, tem observações análogas. Isso, aliás, se poderia jus-
tificar na Inglaterra, país essencialmente industrial. Houve, porém, naquela confusão de opini-
ões, quem julgasse ser outra a causa do êxodo do camponês para a cidade.
É ainda de Guillou que recolho: "...a instrução obrigatória que, uniformemente distribuída
e sem levar em conta as necessidades regionais e profissionais, inspirou o desprezo dos campos,
fazendo que cada qual entrevisse situações mais felizes e mais fáceis nos grandes centros urba-
nos, no funcionalismo e na burocracia".
19
Is
fÊmigration des Campagnes vers les Vtlles. "Id.
ibid., p.147
Vamos, porém, deixar o caso da França estudado e resolvido lá. Ali, como na Inglaterra,
na Rússia, na Alemanha, pensamos não existir uma causa única, e sim uma convergência de
coisas heterogêneas, complexas, que determinam a emigração.
No Brasil (pelo menos no Nordeste), a causa principal é originária do ensino errado que
vem sendo dado nas escolas.
Dessa deseducação resulta a predisposição para influir a subcausa, a econômica, e daí ser
o camponês um eterno mal satisfeito com as coisas do campo, sempre a julgar que vida boa é a
das cidades, logo que adquire certos conhecimentos literários mercê dos maus processos de
instrução.
Voltemos, pois, os olhos para o fenômeno entre nós.
Se "a primeira questão da arte de ensinar é o fim a atingir-se", como tão acertadamente
disse Emerson White
20
, o ensino no interior desta parte do Brasil ainda não foi iniciado sequer.
Muito melhor fora que nenhuma escola houvesse sido criada no mato a vermos as que lá
existem, em franca função de organismo inadaptado ao fim a que se propunha.
O doutor Fitch, acatado pensador inglês, sobre coisas de ensino, teve algures esta senten-
ça: "Os homens são educados do berço ao túmulo pelo cenário físico e moral que eles encon-
tram, pelo caráter e maneiras de seus amigos, a natureza dos meios e os livros que eles lêem".
21
Para fixar o exato e racional processo de instrução no interior, bastariam essas palavras.
Teríamos daí que executar o plano do ensino, metodizado, de forma que o habitante do campo
não se tornasse depois, como se há tornado, um fugitivo para a cidade, por culpa única de
nossos maus processos de ensino nas zonas rurais.
Assim, idealizamos a nossa forma de instrução sob o critério bilateral:
EDUCAÇÃO
"Arte de Ensinar, p.27.
11
Apud E. White, op. cit., p.13.
Isto em traços gerais, de cujos troncos poderiam brotar outros e novos rebentos úteis
ao vigor e perfeição da árvore que poderá, como as genealógicas, ser representada em diagra-
ma sempre susceptível de ampliar-se e seguir ambas as diretrizes de suas bifurcaçòes, que
representam a bilateralidade do ensino com os seus cursos respectivos:
RURAL — cursos
EDUCAÇÃO
URBANA — cursos
Existe justamente o contrário em nossos programas de ensino. As escolas do campo
subministram os mesmos ensinamentos que são aplicados as das cidades.
Resulta, desse erro, que as escolas rurais representam espécies de sucursais para o
ingresso, mais tarde, nas escolas da cidade, em prejuízo do País. Esses cursos, porém, não se
recomendam por alguma importância pedagógica; são retrógrados, sem um fim, como já
dissemos.
A começar do pré-escolar para a educação rural, seria aconselhável aplicar-se um siste-
ma especial, baseado, embora, no montessoriano. Essas restrições seriam aconselhadas pelo
motivo único da inferioridade do lar no interior em comparação educacional e instrutiva com a
da cidade. A pais roceiros seria impossível, dentro de qualquer tempo imaginado pelo mais
ameno otimista, conquistar-lhes a confiança sobre a eficiência, a utilidade do método Montessori.
Ora, se nas capitais, com seus grupos escolares e respectivos pavilhões, as case dei bambini
são julgadas por muita gente boa invenção de malucos! Que sucederia no mato?...
Por isso, e tendo-se em vista que a escola sem o concurso do lar não pode contar vitória,
seria preciso adaptar-se aquele método processo que condissesse com o meio, conquistando-
se a confiança e o entusiasmo do matuto. Essa substituição didática variaria em conformidade
com o meio.
Após o curso Montessori, entrariam as crianças no primário. Este deveria constar, exclu-
sivamente, de:
a) leitura
b) escrita
c) noções de aritmética
d) preceitos de higiene, exercícios físicos
A leitura não deveria ser absolutamente essa que se ensina atualmente. Tanto relativa-
mente ao sentido como quanto ao processo deveria ser substituída. A leitura dos alunos
rurais precisaria ser moldada em programa uniforme quanto ao fim, contendo matéria estri-
tamente regional, de fácil assimilação, e que fosse concorrendo sempre para a alegria local
das crianças, criando-lhes confiança na vida do campo, solidificando o amor ao trabalho.
Este ensino não deveria ser, de maneira nenhuma, sobrecarregado de matérias acima da
compreensão do aluno. "Em seu estado inicial — diz o pedagogista Alex Bain —, a instru-
ção devia ser limitada e completa; limitada de modo a ser completa. A instrução discursiva
e vasta vem mais tarde".
Infelizmente foi o que ainda se não fez, pelo menos aqui pelo Nordeste, cujos processos
de ensino muito bem conheço. Afora o esforço e boa vontade de alguns beneméritos diretores
de Instrução Pública e professores, o que há geralmente é um ensino tumultuário, sem objetivo,
todo empírico; e o que é mais grave, quase sempre desaliada a instrução da educação. Daí o
afastamento do fim ético da primeira.
Não se pode dar instrução sem educação, e não se pode conceber uma instrução que não eduque: tal é
o duplo fundamento da doutrina herbartiana.
22
Nessa deficiência se açoita — reconheçamos — uma das mais vastas e complicadas
impossibilidades de educação do nosso povo. Não sendo, entre nós, obrigatória a instrução,
nem ao Estado competindo a educação da mocidade como nos tempos de Licurgo, em Esparta,
é quase inexeqüível aliar esses dois principais fatores do homem social: primeiro, porque o
professsor, com os atrofiados vencimentos que percebe, não tem ânimo de instruir e educar ao
mesmo tempo, já se julgando um benemérito da Pátria em fazendo o que já faz; segundo,
porque, no estado rudimentar em que permanecem as famílias do interior, seriam os lares os
principais culpados do naufrágio de qualquer tentativa de boa e regular educação.
No curso primário, seria conveniente abolir-se o hábito de se dar as crianças de 7 a 10
anos o exercício da ginástica sueca, muitas vezes cantada.
A doutora Maria Montessori
23
discutiu cientificamente as inconveniências desse sistema
de ginástica, condenou-o como absurdo as crianças de tenra idade e criou substitutivos basea-
dos em racionais preceitos pedagógicos a luz da anatomia.
O professor J. Cesca condena as tais ginásticas sistemáticas para a cultura física das
crianças e aconselha sejam substituídas pelos jogos, ao que nós aqui chamamos brinquedos e,
no mato, folguedos, tendo-se o cuidado apenas de "impedir que degenerem em paixão exclusi-
va e dominante e que produzam a mania de vencer e exceder os outros, chegando destarte a dar
força ao egoísmo, a vaidade e ao orgulho".
24
°J. Cesca, op. cit., p.161.
23
Pedagogia Científica, p.90, segundo trad. do professor Alipio Franca, Bahia.
" J. Cesca, op. cit., p.138.
Os jogos livres devem substituir inteiramente — pensamos com Spencer—os exercícios
sistemáticos e forçados, pois o que desejamos deles não é simplesmente o fim da atividade
muscular, a errônea idéia do atletismo, e sim o apoio a liberdade da criança, que lhe tonifica todo
o organismo, máxime o cérebro, antes ou depois das aulas, em que pese a autoridade de
Compayré
25
ao aceitar a opinião de Laisné contrária a radicalidade de Spencer em desgabo da
ginástica muscular sistemática nas escolas infantis.
Bonfim, em suasLições de Pedagogia, encara a educação física com muito senso. Acei-
ta-a sob o ponto de vista motor, condena o fim atlético, aconselha a ginástica sueca ou mesmo
outra sistematizada, mas para certas e determinadas idades.
Somente as crianças que acusem defeitos físicos adquiridos, como a escolaiose,
desequilíbrios na deambulaçao, etc, seriam aconselháveis ginásticas sistematizadas, ou seja,
as chamadas equilibridoras. Quanto a criança normal, devem predominar os jogos e os
esportes, arremata Bonfim, no que, como os demais pedagogistas modernos, está de acordo
com a atividade lúdica, na magnífica expressão de Claparède: "a infância serve para brincar
e imitar".
26
Assunto dos mais importantes entre nossos processos de ensino é o da distribuição dos
cursos quanto as idades. Ordinariamente, vemos a mais irracional promiscuidade nas classes.
Crianças de seis a oito anos a receber instrução que só seria justificada em alunos normais de 10
a 12 anos.
Ao ensino de generalidades, como preparatório do profissional nas escolas rurais, de-
veria ser dado um caráter natural, intuitivo, livre de instrução empírica, divagações literárias.
As lições de coisas, o ensino da língua, sem o horrível abuso das análises estafantes e ridículas
a vida do homem do trabalho; a aritmética comercial, moldada em programa aplicável as
necessidades da vida real; a história do Brasil, mais voltada para a sociologia, instruindo os
alunos nos grandes e salutares efeitos da boa política administrativa, na necessidade social do
homem em auxílio do homem; a geografia, como meio em que o homem opera, e nunca um
amontoado de classificações estéreis; os preceitos de higiene doméstica, exemplificados com
fatos concretos, de forma que o homem rural creia porque viu. Entretanto, nenhuma das obras
didáticas ora existentes poderia ser aproveitada; todas são horrivelmente defeituosas. Umas,
porque o seu modelo de ensino se baseia apenas no sentimento do belo; outras, porque já não
se ajustam com a realidade do mundo atual, conforme provaremos em obra pedagógica em
preparação.
Depois desse ensino generalizado vem o último: o profissional, de todos o mais importante
para a população rural. O educando deve fazer esse curso final sob os mais atenciosos cuidados
dos professores. Conquistando a sua educação, é preciso solidificá-la com este curso final, de
onde sairá o homem, o trabalhador, que não veja na mão calejada um labéu infamante; que tenha
a consciência do fator produto, do poder que tem o homem de intervir em os domínios da
21
Cours de Pédagogie, p.49
Alberto Pimentel, filho {Lições de Pedagogia Geral, p.144).
natureza e, com sua arte, com sua ciência, modificá-la, corrigi-la em seu prol, em prol de sua
Pátria; que não se eduque na superstição, eterno escravo da ignorância, incapaz de vencer
obstáculos naturais por temer ofensas a Deus...
Aí, em traços gerais, o plano para o ensino rural, em divergência com o urbano, cujo
programa poderia seguir o mesmo curso atual, modificadas certas particularidades didáticas já
caducas, e se incluindo como absolutamente indispensável, conforme tivemos já oportunidades
de tratar nesta tese, a instrução rural, embora apenas para efeito moral e social.
Quanto ao curso secundário, o tal de preparatório, fora preferível não falar nele. É aí que
continua a existir o maior entrave a educação e instrução dos nossos patrícios.
Vejam o que já desse desmantelo dizia Ruy Barbosa:
Tomamos o cérebro do adolescente, esse terreno ávido de amanho racional, como se fosse um toro
de madeira entregue ao fasquiador; enxequetamos-lhe a serra, a martelo, a enxó e a cola, meia dúzia
de escaques envernizados com o nome de preparatórios e os entregamos as academias, para que
convertam em doutores esse pau lavrado.
27
E ainda:
Enquanto o objetivo da instrução não for instruir, mas aparelhar para exames, o exame não será
prova de capacidade, mas indústria.
28
Por fim:
Assim, se transformam os colégios em máquinas de descaroçar aprovações, os alunos em autôma-
tos de responder a exames, as faculdades em chancelarias de registrar certificados. Moem-se as
provas de capacidade, como o chinês mói a oração.
29
Isso em março de 1889, ainda no Império! Foi-se a Monarquia; de lá para cá não há mais
conta do número de reformas por que passou esse mesmo ensino secundário e, apesar disso,
continua o mesmo regime de inaproveitamento e desmoralizações.
O que é indiscutível, entretanto, é que julgamos inexeqüível a reforma proveitosa em torno
do ensino secundário urbano; mas, pelo menos, inclua-se nesse curso o ensino profissional, de
forma que o ensino urbano não tome o homem, como se vê atualmente, num inimigo do trabalho,
e o vicie exclusivamente para a prejudicial concepção do intelectualismo e do bacharelato.
Já li algures que o desânimo do homem do campo assenta no meio atrasado, sem vias de
comunicação, de forma que, não encontrando escoadouro para seus produtos, esmorece e
finda por emigrar para centros populosos.
Teríamos aí uma das razões já apresentadas, páginas atrás, da derivação do homem rural
para a vida urbana. Como dissemos, esse efeito já é a resultante da subcausa — a econômica
—elaborada pela principal: a falta de educação.
27
Queda do Império, tomo I, p.277.
a
Id. ibid., p.279.
29
Id. ibid., p.281.
Se o município não trabalha, se o Estado não resolve, se a União esquece o interior e o
homem, que compete a esse mesmo homem? Ter ânimo, nuclear-se, coletivar-se e resolver
esses problemas vitais por sua conta. Mas é justamente aí que bate o ponto.
De nenhuma educação associativa, coletivista, o matuto já de há muito se habilitou a tudo
esperar de Deus e dos governos. Nasce daí o pessimismo horroroso que o domina integralmen-
te. Todo governo para ele é mau, ladrão, inútil. Tudo deve o governo fazer; de tudo é culpado;
nem lhe merece o menor crédito. É a mais terrível das fobiarquias...
Tudo porque o sertanejo ainda não foi beneficiado com a civilização, no que ela pode
possuir de mais útil: a educação. Uma educação racional e própria ao aproveitamento integral
do homem do sertão, confome nosso projeto, traria naturalmente novas concepções de seus
deveres.
Tomando-se mais culto, mais forte, sentiria a necessidade de associar-se, formando par-
tidos como o agrário, e resolveriam naturalmente esses pequenos problemas locais, sem
desfalecimentos nem pessimismos irritantes.
À instrução bilateral é que está reservado o milagre dessa redenção do homem do mato,
o qual—é visível —tem progredido nestes últimos tempos, chegando-lhe os lampejos da civi-
lização do litoral nos limpa-trilhos das locomotivas e nos pára-lamas dos automóveis. Contudo,
essa civilização é perigosa pelo seu caráter tumultuário, adquirida quase de chofre, abrupta, sem
transição visível necessária as mutações sociais.
Civilização intuitiva, civilização de choferes concebida na penumbra oleosa das garagens,
chega de sopetâo diante do sertanejo zonzo de espanto, entra-lhe pelos olhos adentro, passa-
lhe terreiros fora, penetra-lhe a casa, atravessa os seus sertões, como numa epidemia o contágio
virulento.
E o sertanejo, ainda piscando do sono em que o surpreende a civilização barulhenta e
indiscreta, vai recebendo e assimilando a vida nova sem estar absolutamente preparado para
isso. Daí o grande perigo nessa transição violenta.
Esmaece uma população de costumes simples e ingênuos para florescer outra com os
feios vícios de centros populosos, de civilização avariada.
Há cerca de quatro anos, percorremos vasta extensão do Nordeste, onde muito notamos
os efeitos perigosos de uma civilização apressada naqueles sertões. Em artigo então publicado
na revista carioca Brasil/ Contemporâneo, dizíamos:
Em suas cidades (da Paraíba), pequenas que sejam, há de tudo que há de moral no século XX:flirt,
footing, cinemas, bolinagens, cabelos a 1'homme, moças que sabem de cor Mlle Cinema, que
dançam o fox, o shimny; rapazes que vestem cinturados, falam fininho e usam pó de arroz. Há
entre famílias pequenos escândalos chiques, e nos alcoices zabaneiras que tomam cocaína.
Com a incursão de tão belas coisas, os mofentos costumes fugiram para a alma dos velhos, dos
sertanejos passados, mas que ainda não passaram de todo. Vivem, mas vivem como múmias, a
remoer saudades e a nos contar histórias do tempo das valsas com W, dos lanceiros complicados
e minuetes das eras da Monarquia. O sertanejo, o vero sertanejo, o de que rezam as crônicas, está
no seu ocaso. O que há de hoje é coisa parcelada, híbrida, heterogênea, mesclaria, sem o todo
integral do que existiu. Se ainda nos restam alguns perdidos naquelas caatingas, restos de uma
raça como aquele mulato encontrado por Humboldt em terras da América du Sul, dentro em poucos
tempos desaparecerão.
Pelo que se observa, portanto, as populações do sertão, com esses pruridos civilizadores
soprados do litoral, estão na mais intensa fase de transição.
Um dos dois elementos há de vencer. E como o sertanejo é passivo, a se encontrar diante
de uma civilização insólita a lhe causar pasmo como a civilização européia trazida a presença de
nossos silvícolas nos complicados mastaréus das caravelas de Cabral, absorverá essa civiliza-
ção em tumulto, sem compreendê-la. Daí surgir uma geração prejudicadíssima, cheia de vícios,
de hábitos reprováveis.
Não cassandreamos sonhos irrealizáveis. É princípio comezinho em etnossociologia
que os fracos, física ou intelectualmente, ou pelo número, serão sempre esmagados pelos
fortes.
Seja tal fenômeno a seleção natural de Darwin, o sistema sociológico de Gumplowicz ou
as leis indutivas de Giddings, o que todos observamos é que os povos arredios, quando em
contato com os civilizados, são por estes absorvidos até o desaparecimento final.
Devem os responsáveis pela educação do nosso povo prevenir-se contra esse tumulto de
transição. Que venha a civilização com todo o seu séquito de benefícios, de trevas e de luzes,
mas, ao penetrar no lar do homem, o encontre preparado para recebê-la e assimilá-la. Este
preparo só poderá ser dado pela instrução educativa. Ela representará a peneira da seleção, o
aparelho do escardeio, o joeiramento que separa o joio do trigo, indispensável a formação do
caráter que é o termômetro regulador da moral.
Meditem, pois, os responsáveis pelos destinos do País, e confiem a professores de verda-
de essa nova cruzada em prol do homem do interior, dando-lhe a instrução indicada, e hão de
ver como, daqui a algumas gerações, que futuro diferente do que ora entrevemos não iluminará
os destinos do Brasil!
E custaria tão pouco! Mesmo dentro dos orçamentos existentes, os governos pode-
rão dar essa nova orientação pedagógica a instrução nacional, ou seja, o programa bilate-
ral, em contraposição a errônea unilateralidade, cujos defeitos têm causado tanto mal a
vida da nacionalidade e se projetarão com seus males, indefinidamente, em o Brasil de
amanhã, se não levantarmos nos bivaques das novas concepções do ensino as armas re-
dentoras em defesa da Pátria.
CONCLUSÕES
Em face dos comentários expostos em ambas as partes desta tese, concluo:
a) que devem ser abolidos das escolas rurais os livros atualmente em uso, máxime os
de leitura, História e Geografia, por não educarem os alunos de acordo com o meio, e sim
estão a determinar o perigoso fenômeno de demografia dinâmica em várias regiões do
Nordeste;
b) que em substituição aqueles livros devem ser editorados outros sob o critério didático
do meio e subministrados por professores julgados capazes pelos órgãos competentes da Dire-
toria de Instrução e Educação dos estados;
c) que deve ser efetuada a abolição completa na instrução, quer urbana, quer rural, do
ensino da História e da Geografia ou Corografia do Brasil somente pelo sentimento do belo;
d) que devem ser instituídas, no ensino urbano, disciplinas sobre curso rural, conforme
sugestões contidas nesta tese;
e) que deve ser obrigatório, nas escolas masculinas do País, especialmente nas secundá-
rias, o ensino intensivo e extensivo do intelectualismo;
f) que nas escolas rurais os cursos de profissão devem seguir programas diferentes dos
urbanos, conforme as exigências e critérios do meio;
g) que deve ser restringido o ensino de civismo pelas preleções baseadas somente no
sentimento guerreiro, adotando-se, de preferência, os exemplos de amor a Pátria pelo
trabalho, quer intelectual, quer social, quer administrativo, quer elaborado pelo altruísmo
oubraçal;
h) que, finalmente, em vista de assumir o ensino profissional um aspecto de verdadeira
unificação do próprio caráter nacional, deve o governo da União assumir sua inteira responsabi-
lidade material, deixando porém aos Estados que dele necessitarem a respectiva administração,
tomando-se destarte mais eficiente o seu funcionamento.
TESE N
e
5
NECESSIDADES DA PEDAGOGIA MODERNA
Líndolpho Xavier
Instituto Lafayette, Sociedade de Geografia do
Rio de Janeiro e Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz
C ada tempo com seu uso ... diríamos melhor: cada época com as suas necessidades. O
homem de hoje é tão diferente de outro do tempo de César como de umernytherínge (isto
disse alguém). Não será tanto: pelo menos a espécie é a mesma; o intelecto é que mudou.
Naquele tempo não havia rádio, não havia cerveja, não havia fumo... Não havia tantas coisas
mais!
Não havia cocaína (porque esta e o tabaco haviam de ser fornecidos pela América). Não
havia o vapor (viajava-se a remo no Mediterrâneo e em caravanas nos desertos). Não havia
barcos, nem se conhecia o cheque, nem o jornal, nem o livro, nem a oficina, nem a loja.
Por isso não se ensinavam as ciências econômicas, a mecânica, a higiene; desconhecia-se
a palavra pedagogia.
Hoje é bem diverso: a civilização trouxe paralelamente bens e males; ensinou a imprensa,
e esta espalhou complexivamente a literatura edificante e a corrosiva. Criou os altos-fornos e
difundiu a máquina de tecer e de matar; armou estaleiros onde se constróem transatlânticos e
preadnoughts; fez a anilina e o gás asfixiante; apareceram o álcool, o tabaco, a cocaína, a mor-
fina, a carta de jogar; oficializaram-se as loterias.
Para cada bem uma série de males. E assim o mundo de hoje.
Velocidade, utilidade, especialidade.
Como complemento: materialismo, egoísmo, pragmatismo.
Missão da Pedagogia: desenvolver a fraternidade e o altruísmo.
Fazer o homem sinérgico, mais simpático, mais enérgico, mais sábio, mais simples, mais
prático, mais previdente, mais fraternal, mais republicano, mais religioso.
Como conseguir? Ensinando-lhe a herança do passado, para que ele a use e a transmita
melhorada aos seus sucessores.
As heranças do passado são cinco. Estudemo-las, de acordo com as regras de Murray
Butlen
Herança científica: A criança deseja penetrar nos mistérios da natureza, ama interrogá-
la e compreendê-la. A nós impende ensiná-la a decifrar esses enigmas, que se afiguraram duran-
te séculos, aos nossos antepassados, como verdadeira esfinge. Já agora munidos dos métodos
científicos modernos, amanhã penetraremos nesses áditos sagrados, não como o fizeram os
pensadores gregos e orientais, com medo e trêmula emoção, mas com segurança e firmeza.
Levantando as dobras das cortinas vamos desvendando dia a dia o espetáculo do universo, que
é feito de surpresas e de belezas supremas.
Herança literária: A criança deseja expressar-se, apropriar-se da sua língua, depois das
de outros povos, e assim adquire o instrumento primeiro de comunicação, não só com os con-
temporâneos, mas já também com os pósteros. A linguagem é a porta aberta para o presente e
para o passado, por onde nos comunicamos com os numes da humanidade; contém em si
mesma, em seus produtos, em suas nuances, em suas formas, em sua capacidade de abstração
e de comparação, o registro do adiantamento das idéias da raça. É por meio dela que chegamos
a entender a voz dos videntes, dos aedos, dos sábios, nas suas revelações mediúnicas. Por essa
razão usa-se colocar hoje a herança literária ao lado da herança científica; o dicionário abre ao
espírito iguais horizontes que a tábua de multiplicar. Ambas vão dar, quase paralelamente, ao
mesmo mundo de beleza e grandezas infinitas.
Herança estética: De posse daqueles instrumentos, penetra a criança no mundo de emo-
ções da poesia; vem a música, os quadros, as telas, as formas esculturadas, a arte arquitetônica,
o ritmo, a expressão; surge a beleza nas tintas, nas rimas, nos sons, nos conceitos edificantes,
nos exemplos sublimes, na pureza das linhas, no movimento.
Herança institucional: O estudante agora abre os olhos e contempla o mundo como
está organizado; sente-se rodeado de garantias, sob uma providência geral que o vela; há um
governo, há leis, a propriedade é respeitada, a família goza de prerrogativas. Donde vem tudo
isso? Do passado. Os homens levaram milênios a organizar essa máquina, que funciona
harmonicamente, com as molas hoje ajustadas, produzindo a felicidade geral. Então, se o
jovem quiser aprofundar, vai ver, através dos seus mestres, como isso custou sangue e sacri-
fícios, lucubrações, tentativas, avanços e recuos, depois se firmou numa estabilidade geral
garantida pela lei. É curioso ver como as opiniões se chocaram, como desse embate surgiu
uma verdade que estabilizou o mundo. Basta citar a escola dos sofistas, combatida por Sócrates,
que julgava o homem capaz de bastar-se a si mesmo, ser o único árbitro dos próprios desti-
nos, descobrir e adaptar as verdades que lhe parecessem; escola esta ainda perfilhada por
Rousseau e combatida pelos enciclopedistas, teoria egoística que transformaria o mundo em
milhões de átomos independentes, govemando-se livremente; teoria esta que, posta em prá-
tica, traria em conseqüência o desmoronamento das instituições que regem a vida social.
Outra corrente é a que nega ao indivíduo todo o valor pessoal, como quantidade sem expres-
são, em face do todo — a sociedade; assim pensaram os discípulos de Confúcio, na China,
que formaram uma civilização em torno do culto dos antepassados; assim se praticou na
índia, em proveito do sistema das castas; tal aconteceu no Egito, por interesse da classe
sacerdotal. Mas todas essas civilizações ruíram por terra, diante do avanço do progresso
humano.
O que prevaleceu foi a doutrina dos gregos, sustentada principalmente por Aristóteles,
depois continuada pelos outros príncipes do pensamento, como S. Paulo, S. Tomás, Libnitz,
Kant, Condorcet e, necessariamente, por Augusto Comte, isto é, que a verdadeira linha do
progresso está num meio-termo; o indivíduo humano é uma unidade sujeita a outra unidade
maior e, como parte desta, tem que render-lhe culto e obediência; o indivíduo tem direito a
liberdade, mas em subordinação a lei; o indivíduo como cooperador e a sociedade como previ-
dência, ambos com deveres recíprocos.
A razão humana descobriu, afinal, que a única liberdade profícua é a que expande dentro
dos códigos, porque esta oferece campo a todas as atividades, sem prejuízo do próximo. Basta
auscultar em tomo de si a atividade industrial e comercial, verificar a amplitude a que chegou a
liberdade do pensamento e de opinião, o florescimento da Igreja, da imprensa, a estabilidade do
Estado, da propriedade e da família, para ver como a sociedade andou, quanto temos que
agradecer aos ancestrais o mundo de trabalho e de bens que nos legaram.
Herança religiosa: Esta é a mais alta de todas; envolve, por isso, responsabilidades. É
o coroamento da moral, é a cúpula do edifício. Por meio desta disciplina vamos estabelecer
o policiamento das atividades. Pelos seus eflúvios, ela esparge bênçãos e bondade nos
homens; consola, purifica e sublima o entendimento. O mestre deverá mostrar como a
religião está inerente nos povos, quer seja no selvagem, sob a forma do fetichismo, quer nos
civilizados, sob a aparência do politeísmo e, depois, do monoteísmo, quer, finalmente, na
razão científica, primeiro sob a forma metafísica, depois, positiva. É dos costumes dos
colégios protestantes e católicos ministrar o ensino da Bíblia. O árabe ensina o Alcorão, e
os budistas o código de Manu. Nas escolas Iaicas, tanto privadas como do Estado, é costume
adstringir-se o ensino as ciências e deixar-se a formação do espírito religioso as famílias e
ao sacerdote.
De qualquer forma, porém, que se encare o problema, persiste o encargo da transmissão
dessa herança sublime que nenhum povo pode dispensar.
Neste momento, todas as vozes autorizadas estão batendo o alarma da irreligiosidade. Os
pontífices das igrejas estão vigilantes, conclamando, em encíclicas e orações, o povo a
arregimentar-se sob a bandeira de uma crença. O que há é a incredulidade disfarçada em ceti-
cismo.
De longa data vem a razão humana sendo trabalhada pelos negativistas: ou é Nietzsche,
com os seus sectários, negando os serviços do cristianismo e responsabilizando-o pelos danos
da humanidade; ou é Kitpotkine e os seus adeptos negando o governo e as leis; ou, finalmente,
Marinetti, com o seu futurismo, mandando incendiar as bibliotecas e museus, mutilar a lingua-
gem, suprimir as crenças e erigir o homem em animal-máquina.
Nietzsche falhou; falhou Kitpotkine; falhou Marinetti. A América quer viver com liberdade,
mas respeitando o passado. A terra é ainda selvagem e precisa dos jorros luminosos das fontes
castálias da Grécia, de Roma, da antigüidade oriental, principalmente de Paris, para criar as suas
belezas, os seus monumentos. No Egito, na China, na Itália, saturados do ambiente do passadismo,
vá lá que se tente criar uma mentalidade nova. Mas nós, na América, e principalmente no Brasil,
saturados de um ambiente sentindo em tudo a selvageria, só temos um escopo: criar a mentalidade
americana, moldada nos monumentos clássicos.
Ainda hoje,i4 República de Platão, escrita há dois mil e duzentos anos, é o melhor trata-
do de educação! Aristóteles governa o mundo com as suas idéias e Horácio rege até hoje a arte
poética. Destruir os Vedas, queimar os Versos Dourados de Pitágoras... suprema utopia dos
renovadores!
Pelo contrário, o que nós temos a pregar aos moços é o quanto valem aquelas cinco
heranças, que representam a sua própria vida; só então eles compreenderão quantos são os
seus deveres, quanto têm que dar e tomar, impor e obedecer, adaptar-se e relacionar-se, simpa-
tizar e cooperar, sem o que não poderia haver civilização e progresso. Ou cairíamos na anarquia
de Rousseau ou no estancamento coletivo da China, da índia e do Egito.
A longa e pesada escala ascensional dos conhecimentos precisa repousar sobre alguma
base: é a saúde do aluno; é o físico. Antes que tudo, é lei de fisiologia, o homem precisa ser um bom
animal. Educado o corpo e o espírito, então, chegamos ao estado de cultura que os ale-mães
exageram um pouco e que nós, latinos, procuramos interpretar mais humanamente.
Tornaram-se célebres aquelas palavras com que Rousseau inaugura as páginas do seu
Emílio: "Nós não conhecemos a infância; baseados em falsas idéias que possuímos, quanto
mais se avança, mais se atrapalha. Os mais sábios se preocupam com o que importa ao homem
saber: mas não consideram o que as crianças são capazes de apreender. Todos procuram o
homem na criança, sem se lembrar cada qual o que foi antes de ser homem".
Lembramo-nos agora das palavras de Goethe: "Que só a educação física, completada
pela intelectual e moral, dá ao homem o direito de se julgar verdadeiramente culto".
Recordaremos também aquele da Biologia, de que o homem deve ser um bom animal.
Então aconselharemos a criança que se eduque fisicamente, que exercite o seu corpo na
ginástica, principalmente a sueca; que tenha asseio, sobriedade, método; que não se envenene
com os narcóticos; que não freqüente lugares libidinosos; que ame a pureza, a sociabilidade, a
economia; porque só assim ela poderá vir a ser um homem verdadeiramente culto, verdadeira-
mente digno das funções a que é chamado na sociedade.
E, feito isto, está cumprida a missão de educador.
Quantos anos levará este trabalho? — perguntarão muitos.
Levará vinte e oito anos, responderemos, de acordo com a Sociologia. Desde que a
criança se move por suas próprias mãos, aprende a comer e a falar, está começada a idade da
primeira educação. Esta pertence a mãe. É ela a melhor professora, e pena é que não
acompanhe os passos do filho até o fim da sua carreira de estudos. A natureza marcou-a com
os signos da educadora: deu-lhe o leite e a ternura, dons esses que não deu ao homem, para
mostrar que a ela e não a ele compete esse mister sagrado da educação na primeira infância.
Depois vem o jardim de infância, a escola primária, o colégio; a mãe, não podendo dar o
ensino que ignora, entrega o filho a um educandário.
Começa aí a responsabilidade da Pedagogia. É preciso guiar a tenra plantinha, para que
ela não torça, não degenere. É ensinando aquelas cinco heranças ancestrais que o professor lhe
dirige os passos, até que atinja a idade da adolescência, da juventude, da madureza.
Da escola elementar, do colégio do curso secundário vai o jovem as escolas profissio-
nais; aí se forma para a vida prática, adquire os instrumentos com que vai ganhar a subsistência,
conquistar a posição na sociedade.
Enfim, até que o estudante atinja esta idade e ingresse definitivamente na carreira profissi-
onal independente, está consumida a metade da existência de uma geração.
É demais! — redarguirao os céticos.
Não é demais — observarão os verdadeiros pedagogos. É o tempo indispensável para
que o moço adquira todos os conhecimentos, sem o que não será nunca um homem verdadeira-
mente culto. Só assim ele entrará na aquisição do vasto passado histórico, compreenderá a vida,
para assegurar-se o domínio do presente imediato.
Nós agora poderemos encantar a criança, indicando-lhe como ela representa um papel
importante na sociedade. Ela é o elo entre os pais; foi ela que transformou, através do
passado histórico, o ser humano, de animal gregário que era, em homem que vive em
família monógama.
Essa longa tutela, que exige, aproximou o lar, formou os professores. Depois cresceu,
tornou-se um cooperador da humanidade onde severos deveres se lhe impõem. Vai assumir
com a comunidade os mesmos encargos que fizeram dela o ponto de atração. Será amanhã uma
unidade eficiente no seio dessa outra unidade ainda maior que terá de respeitar e obedecer. Terá
missões a cumprir, será destacada para funções de alta responsabilidade e impede-lhe o dever
de servi-las com desassombro, com amor e verdadeiro culto cívico.
Agora que o precipício está passado, mostraremos ao adulto como ele atravessou so-
bre perigos desde a depravação ao inanismo. Apontaremos a página de Rousseau onde diz
que a infância é como essas plantas nascidas no meio de uma estrada: cada qual lhe aplica
uma mutilação; este corta-lhe a epiderme, aquele torce-lhe um galho, outro arranca-lhe as
folhas, de sorte que, de mutilação em mutilação, não lhe resta por fim nada da aparência que
a natureza lhe deu.
Mas podemos consolá-la com as próprias palavras de Rousseau, que insinua em nosso
espírito a tendência geral para o bem: as próprias plantas, retorcidas, maltratadas, vergadas
sobre o solo, dão outros renovos, e estes procuram sempre a posição vertical.
Assim é o homem na vida: sujeito a mil influências funestas, ele readquire, com a educa-
ção, a linha estrutural dos homens de bem.
A civilização, como o cavalo, precisa de bridas, sem o que será como uma locomotiva
disparada em busca do precipício.
Que espécie de freio será esse com o poder de dominar essa máquina que se chama progresso?
Sócrates chamava-a Filosofia.
Filosofia, na linguagem socrática, queria dizer: a ciência da vida.
Nós hoje, com o andar dos tempos, temos outra expressão mais moderna e mais adequa-
da: chamamo-la Educação.
Que é então educar?
A Fisiologia e a Psicologia nos dão perfeitamente essa explicação.
João Fiscer, um dos maiores prescrutadores em Biologia e Sociologia, demonstrou que o
indivíduo humano, submetido a série contínua de influências ambientes que sobre ele agem,
representa, na vida, a figura de um ponto que vai atravessando uma série de círculos concêntri-
cos, até que esse ponto atinge a circunferência do que chamamos saber, conhecimento ou cultu-
ra dos homens.
Quanto mais rudimentar o ser, mais simples a educação.
Nos animais da escala mais baixa, não há infância. Nascem preparados já para a vida, que
é apenas nutritiva e defensiva. Trazem em si os aparelhos da defesa e da digestão; é quanto basta.
Nos animais superiores, nos mamíferos, o período de adaptação vai-se alongando. A
época de plasticidade vai se tornando mais complexa a proporção que o animal vai tendo mai-
ores necessidades de adaptação; até que no homem, enfim, que é o mais elevado da escala,
esse período plástico atinge ao máximo, que é, como vimos, de vinte e oito anos.
Durante esse tempo, ele está pronto a adaptar e a aperfeiçoar todas as formas que se lhe
queiram imprimir. É como a argila ou a cera.
Difícil, delicada, é pois a missão dos pedagogos. Tomar esse ente e tranformá-lo num
animal útil é tarefa muito longa e por demais penosa.
Mas os verdadeiros educadores não se arreceiam desse mister; pelo contrário, tomam-no
sem temor e dedicam a ele toda a sua existência.
Bem razão tinha Rousseau, quando disse, nas páginas do seu Emílio, que de todas as
atividades úteis a mais útil é a arte de formar homens.
A Pedagogia moderna tem que encarar uma série de fenômenos que eram totalmente
desconhecidos na antigüidade.
A Sífilis é nova, é quase dos nossos dias. Haverá possibilidade de silenciar sobre ela em
Pedagogia? Seria negar a sua própria finalidade.
O álcool é também dos nossos dias. A antigüidade conheceu, é certo, o vinho, que embri-
agou Baco e Noé. Mas os licores, a cerveja, as aguardentes eram desconhecidos.
Ajuntaram os dois, álcool e Sífilis, numa verdadeira societas sceleris, para destruir toda
a estrutura da vida, para ceifar-lhe toda a dignidade e minar-lhe as raízes mais profundas.
A medicina, num clamor vitorioso, vai levando de vencida essas duas feras em alguns
pontos do globo. No Brasil, porém, o fantasma levanta ainda impunemente a cabeça, zombando
das autoridades e dos sábios.
Poderá a Pedagogia passar indiferente sobre esse perigo social?
O caráter das gerações futuras dependerá da saúde física e moral que se lhes der e de
preparação e meios de defesa com que se as armar.
A Pedagogia moderna tem que defender a saúde e a vida, combatendo os tóxicos, ensi-
nando a ginástica, a higiene; tem que pregar os princípios do método e da sobriedade, apare-
lhando o indivíduo para a vida ambiente.
A verdadeira Pedagogia ensinará os meios práticos de vencer na vida: pela preparação
técnica, pela educação da vontade, pelo saneamento do corpo e do espírito; pelo estudo do
meio físico e moral.
Toda verdadeira Pedagogia tenderá para o ensino da Economia, no tempo e no espaço.
Tudo no melhor processo, com o mínimo de dispêndio e o máximo de proveito, na maior velo-
cidade.
Toda Pedagogia moderna será fordiana: irá buscar nos livros de Ford os processos da
vitória, com o máximo de humanidade, no mais intenso sistema de economia, com a generalida-
de das especializações. Para o fordismo não há aleijados, não há inúteis; todos cooperam para
a obra geral.
Todo ensino será eminentemente psicológico, para que se coordene entre os homens a
moralidade consciente. Para isso, a Psicologia terá grande ascendente na escola moderna.
A higiene será erigida em dogma, não podendo nenhum professor ocupar o magistério
sem dela estar senhor. Haverá de combater-se sem tréguas qualquer manifestação da toxicoma-
nia: o fumo, o álcool, os demais entorpecentes; não se abrirá exceção nem para o licor, o vinho,
o champagne; não se tolerará o tabaco sob qualquer forma que se manifeste; guerra de morte a
qualquer entorpecente.
Em compensação abrir-se-á franca cidadania ao café, ao mate, ao guaraná, aos refrescos
feitos de frutas sem álcool. O café fica erigido em auxiliar poderoso de moralidade, capaz de
fazer esquecer qualquer daqueles vícios.
O café está vencedor por experiências sucessivas e decisivas entre os homens de traba-
lho, quer físico, quer intelectual. O café somente terá que ser morigerado entre as pessoas
nervosas, cardíacas e as crianças.
O mate e o guaraná, pelas experiências empíricas, desde os indígenas até os nossos atuais
observadores de laboratório, ficam recomendados como ótimos para a saúde física e mental.
Como conseqüência destes postulados, será aconselhada a retirada do emblema do fumo
das armas da República, apoiando-se uma representação aos podêres públicos para que, a bem
da moralidade, seja retirada aquela planta e substituída pelo pau-brasil, pelo algodoeiro, pelo
milho ou o cacau, todos autóctones.
Igualmente se tomará como postulado a negação da atenuante da embriaguez nos crimes
comuns, devendo pleitear-se a retirada dessa atenuante do nosso Código Penal.
Aconselhar-se-á a taxação cada vez mais pesada nas loterias, até seu fechamento; a
extinção das casas de jogo de azar; o imposto proibitivo sobre casas que venderem bebidas
alcoólicas, até a completa extinção; a proibição do uso das bebidas espirituosas em todo o país.
O progresso mecânico traz consigo grandes imposições aos homens do tempo atual. A
civilização da máquina exige a mecanização do homem, qualquer que ele seja. Assim, todo
cidadão saberá manobrar um veículo de transporte, não se considerando como educado o que
não preencher essedesideratum.
Para adiantar o advento dessa era, exigir-se-á nos programas pedagógicos a ampliação
das lições de mecânica e de eletricidade, de modo que cada educando demonstre nos exames
de física o conhecimento prático do volante e saiba guiar um carro em horas de perigo, travar um
veículo a disparada, fazer ligações elétricas de luz e força, etc.
Precisamos evitar que todos ignorem as manobras de veículos, como se dá atualmente,
em que qualquer acidente na pessoa dos motorneiros ou condutores exponha vidas preciosas a
iminentes perigos, por falta de quem, de improviso, possa substituir um técnico que enfermou ou
caiu eliminado por imprevisto acidente durante a viagem.
Conclusão: não será aprovado em Física o aluno que não demonstrar aqueles conheci-
mentos, ficando o professor obrigado a ministrá-los.
De acordo com as manifestações anteriores, a Associação mantém a repulsa aos estudos
parcelados e recomenda a seriação em todos os estudos científicos, artísticos ou literários, banin-
do-se o parcelamento como desorganizador da verdadeira preparação educacional.
Em todos os estudos, desde o infantil até o superior, se orientará o ensino para o lado
econômico: incutindo idéias de trabalho, amor a riqueza da terra e aos hábitos de indústria e
comércio.
Sempre teremos em vista que os problemas contemporâneos são e serão sempre cada
vez mais econômicos.
Em todas as palestras ministrar-se-ao ensinamentos quanto a finalidade das instituições: o
mundo será sempre e cada vez mais republicano, mas as democracias só vivem pela opinião
esclarecida. As dinastias não existem mais, nem nunca mais existirão; mas em seu lugar ficou a
opinião pública, e esta só se manifesta através dos mestres e dirigentes. Portanto, a educação
das elites é dever de salvação pública.
De nada valerá ensino sem base econômica e moral; por isso, fica reconhecida como
infrutífera qualquer tentativa de alfabetização da população sem que esteja entregue a verdadei-
ros educadores, que tenham diante de si programas enciclopédicos, ligando os indivíduos pela
fraternidade e tornando-os úteis a cooperação social.
Porque o contrário disso seria pior que a ignorância. A simples alfabetização sem peda-
gogia será a porta aberta para a corrosão, premunizada pela ignorância.
Aconselha-se a escola ambulante, a maneira das em uso na península escandinava, espe-
cialmente na Noruega, cujos modelos devem ser buscados para ser implantados no Brasil. O
mesmo professor preparará em repetidas viagens turmas de alunos, a quem irá paulatinanente
entregando os desvelos da classe, sob sua única direção. Assim, economia de trabalho e de
tempo, multiplicação de esforços e domínio do deserto.
Adotando a série de medidas que a experiência vai aconselhando, teremos preservado o
Brasil do desfalecimento, dando-lhe com a boa instrução os instrumentos da vitória nos seus
grandes destinos no planeta.
TESE Nº 6
DIVERTIMENTOS INFANTIS
Maria Luiza Camargo de Azevedo
Seção de Divertimentos Infantis da Associação Brasileira de Educação
ecrear é divertir a criança, dando-lhe bons ensinamentos de moral, de civismo e a
alegria sã, que deve ser a companheira fiel de toda a infância.
Recrear não é emocionar com cenas degradantes, passionais ou trágicas, apresentando-
as a imaginação infantil, tão facilmente impressionada, com elementos de diversão.
Devemos afastar da curiosidade instintiva dessa primeira idade tudo quanto desejamos evi-
tar ou proibir. Na criança existe a insaciável sede do saber; o que ela não compreende pergunta, e
R
o que não lhe satisfaz como resposta ela formula conclusões consigo mesma, a mais das vezes
com falsas verdades. Daí resulta o perigo das nevroses e não raro vemos sucumbir uma criança
destinada a grandes vôos, por não haver suportado o peso de saber coisas que ainda não lhe
eram destinadas.
As diversões infantis devem ter hoje um lugar de destaque inconfundível na educação
moderna.
Não é somente disciplinando em bancos de escola, sob a voz severa do mestre, que se
ensina a criança que há um mundo melhor e superior, que os nomes por vezes complicados de
países desconhecidos encerram maravilhas e riquezas que lhe deslumbrariam os olhos. Se pas-
sássemos essa mesma lição num filme cinematográfico, veríamos toda a classe se agitar, e espí-
ritos que até então adormeciam com a clássica cantilena dos nomes das capitais, dos rios e das
montanhas se perfilariam, indagando e querendo ver melhor as paisagens que se desdobram
pela tela branca.
A escola primária deveria ser o parque infantil contendo o pequeno cinema com filmes
recreativos, didáticos e instrutivos, o pequeno teatro para as representações de peças genuina-
mente infantis, o campo para os jogos coletivos, a cultura física, etc.
O programa, conscienciosamente traçado sob as vistas de um professor e médico higie-
nista, conteria a ginástica rítmica e sueca, a música, os elementos de história natural, o desenho
e a liliputiana literatura, orientando assim o bom gosto da criança, incutindo-lhe ao mesmo tempo
o hábito da boa leitura, que é o complemento indispensável a boa cultura.
À criança vedamos sistematicamente os livros e as imagens que julgamos perniciosos,
evitamos as más companhias.
Na escola ou no convívio da família, ela se encontra sempre ao abrigo da moral. Entre-
tanto, em matéria de teatro ou cinema, vemos naufragar num momento todo esse carinhoso
cuidado, consentindo que crianças assistam a filmes por vezes pornográficos e licenciosos e a
peças de teatro de critério duvidoso, não só desmoralizando-as como pervertendo-lhes o
gosto do belo e da nobreza de caráter, que devemos alimentar, incondicionalmente, como
fatores predominantes para a felicidade da criança e como meios essenciais a conquista dos
ideais de amanhã.
CINEMA
A cinematografia é uma arma de dois gumes, tanto corrompe como instrui e educa.
Manejada com acerto, ela é a maior propagadora da ação moral, da tão almejada paz univer-
sal, disseminando entre países de diferentes raças a ciência, a arte, a indústria e o comércio,
unindo assim povos os mais distantes, proporcionando-lhes ensejos de um intercâmbio valioso
em todos os terrenos. Mal orientada, é o abismo em que se afogam os bons costumes e a
inimiga acerba da infância, que nela vê, revestidos de fausto e sedução, os ignominiosos vícios
humanos.
A campanha contra o mau filme deve ser mundial, pois o mal é coletivo. Todos os
países deveriam reunir seus esforços concatenando a defesa, opondo-lhe uma barreira
invencível e cercando-lhe, com leis severíssimas, a alegação dos direitos que assistem aos
homens livres.
O bom filme deve, entretanto, ser amparado por leis internacionais, isentando-o de im-
postos, facilitando por todos os meios a sua exibição, pensando nos benefícios imediatos para a
juventude, que teria nele o espelho em que somente se refletisse o que a humanidade tem de
superior.
De acordo com o nosso ambiente, o critério adotado pela A.B.E, para a seleção de filmes
próprios para crianças é o seguinte:
— os filmes que devem ser recomendados são: os instrutivos, educativos, didáticos e os
recreativos, quando de acordo com a mentalidade da criança.
os policiais, os de grandes lances dramáticos ou trágicos e os passionais não serão
de forma alguma recomendados, mesmo que o enredo não seja contra a moral ou venha
como corretivo ao vício, porque exercem, inconstestavelmente, perniciosa influência no espí-
rito infantil.
SUGESTÕES COMPLEMENTARES PARA MAIOR ÊXITO DA CAMPANHA
1) Saber, por intermédio da Liga das Nações, quais as medidas tomadas nos grandes
centros mundiais e depois estudá-las criteriosamente, adaptando-as ao nosso ambiente.
2) Fazer um apelo a todos os estados do Brasil para cooperarem com a A.B.E, nesta
campanha, considerada hoje de grande alcance social.
3) Fazer sentir as competentes autoridades que a elas e aos diretores dos estabelecimen-
tos de ensino pertencem a garantia e eficiência de nossa campanha.
4) Procurar o chefe de polícia para que, aproximando a A.B.E, dos censores de filmes,
possa cooperar amistosamente, não consentindo que os filmes considerados inconvenientes
sejam levados as casas de diversões com título de matinês infantis.
SEÇÃO DE DIVERTIMENTOS INFANTIS E SEÇÀO DE COOPERAÇÃO DA FAMÍLIA DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO
(Aprovado em reunião da diretoria e do Conselho Diretor, em 10 de dezembro de 1926).
Do relatório apresentado pela presidente da Comissão Cinematográfica, dona América
Xavier da Silveira, destacamos alguns tópicos que mostram, claramente, as conclusões satisfatórias
e a aplicação imediata das mesmas: "Procuramos os principais importadores de filmes da capital
e, para não ferir interesses comerciais, pois o nosso intuito era colaborar e não combater, pedi-
mos a esses senhores que nos fornecessem, mensalmente, a lista de filmes que seriam lançados
no mercado durante o mês e, de posse dessa lista com o resumo destes, faríamos a propaganda
nos colégios e famílias, correspondendo ao apelo a nós dirigido por pais e professores; reco-
mendaríamos em anúncios pela imprensa e pela radiotelefonia, semanalmente, os programas
que poderiam ser vistos sem receios pelas crianças dos 7 aos 14 anos. No caso de alguma
dúvida sobre a propriedade do filme, as senhoras da comissão organizadora para a seleção de
filmes iriam vê-los passar no salão de projeções da firma importadora. Imediatamente, aceita a
nossa idéia, foram tomadas as medidas necessárias para a eficiente propaganda dos mesmos,
como: a divulgação pela imprensa, pela radiotelefonia e mesmo colocando cartazes dentro dos
colégios e das escolas públicas. Foram os seguintes importadores que muito cooperaram no
feliz desempenho desse importantíssimo trabalho: Marc Ferrez e Filhos, Fox Filme Corporation,
Universal Pictures, Paramount, Cia. Brasil Cinematográfica, Metro Goldwin Mayer Ltda., First
National, Matarazzo e U.F.A".
Obtivemos algumas entrevistas valiosas sobre o assunto, que aqui juntamos, demons-
trando o desejo veemente que nós, brasileiros, alimentamos para o saneamento moral do
cinema.
Os primeiros passos foram dados e abriram o caminho já agora desbravado; é só seguir
sem desfalecimentos, pois a boa vontade que encontramos de todos que conosco trabalharam
só nos pode estimular.
Doutor Roquete-Pinto, digníssimo diretor do Museu Nacional, solicitou a cooperação
das seções que trabalharam na questão do cinema educativo, e estas em combinação com o
senhor Rosenvald, diretor da Fox Film, forneceram-lhe a lista dos filmes didáticos a serem
exibidos futuramente no museu, pretendendo o seu diretor fazer passar tais filmes em beneficio
das escolas oficiais e particulares, na sala de projeções do Museu Nacional.
LITERATURA INFANTIL
Somos todos de opinião que um bom livro é o melhor amigo. A literatura infantil é um
campo vastíssimo de recreação e um dos mais complexos.
Podemos asseverar, sem receio, que a literatura infantil, após as teorias de Freud, sofreu
uma transformação radical. Das asas da fantasia viemos bater nas portas da realidade. Isto não
quer dizer que devemos, de chofre, mostrar a criança o que a vida tem de triste na sua dura
realidade, mas nem tampouco alcatifar unicamente de flores as pequenas pedras que há nas
estradas a trilhar.
Os contos de fada morreram com a aviação e os submarinos, e as quiméricas visões de
Júlio Verne são hoje atestados de sua extraordinária concepção dos inventos modernos.
A imaginação infantil já é por si mesma a própria fantasia da vida. Devemos corrigir com
uma literatura sã esta tendência de toda criança ao inverossímil e ao fantasmagórico.
Num país novo como o Brasil, em que tudo agora desabrocha vertiginosamente, devemos
encaminhar a formação da sua biblioteca infantil toda inspirada nas modernas teorias.
A Associação Brasileira de Educação tem tratado com especial carinho desse assunto, e
a sua Seção de Cooperação da Família, após interessante inquérito em nossas escolas sobre
livros e autores prediletos, entre crianças de 7 a 14 anos, selecionou-os de acordo com a idade
e o sexo do pequeno leitor. É interessante, merecendo mesmo salientar que os livros mais vota-
dos foram os de edições de baixo custo.
Para um intercâmbio de literatura infantil, o que seria de grande eficácia ao perfeito conhe-
cimento, desde tenra idade, da mentalidade e do valor de outros povos, lembraria a conveniên-
cia de a Liga das Nações patrocinar umbuneau internacional de divulgação gratuita das melho-
res obras nesse gênero, esparsas pelo mundo, facilitando a versão das modernas nos idiomas
mais falados e confiando-as as diferentes associações de educação, hoje trabalhando proficua-
mente em todos os países, para as propagar de maneira que as tomassem acessíveis as crianças
de qualquer nacionalidade e condição social.
TEATRO INFANTIL
Este meio de diversão é que nos tem favorecido o melhor campo a nossa atividade.
Em cinco vesperais realizadas em 1926 evidenciamos, com pleno êxito, o quanto deve ser
aproveitado o teatro infantil como fator educativo. Apresentamos alguns programas nossos,
certos de que eles merecerão o devido exame da forma com que foram traçados, obedecendo
as severas observações quanto ao critério moral, as propriedades dos mesmos e aos elementos
educativos e recreativos que encerram.
Sempre que nos foi possível, interviemos junto aos nossos empresários, fazendo-lhes
sentir o valor que representa o teatro para a moral coletiva, orientando-os neste sentido.
Por ocasião dos festejos carnavalescos do corrente ano, conseguimos que danças tais
comocharleston, maxixe, etc, fossem substituídas por danças clássicas ou regionais em diver-
sas vesperais infantis.
Às crianças desprotegidas da sorte favorecemos entradas gratuitas em nossos festivais e,
em 1926, divertimos mais de seis mil.
Procuramos, sempre que se apresenta a ocasião, melhorar ou orientar a questão das
diversões infantis, sustentando o nosso lema: cultivar a alegria saneando o divertimento
infantil.
PINACOTECAS E MUSEUS
As pinacotecas e os museus nos fornecem um ambiente propício a divulgação de tudo
quanto encerra de útil ao conhecimento do homem.
Para tais visitas, organizamos boletins que são distribuídos a cada criança ao entrar na sala
desejada. O boletim contém o nome, o sexo e a residência da criança, a escola ou o colégio que
freqüenta e uma nota com o espaço suficiente para que aí sejam anotadas todas as suas impres-
soes. Essas turmas de crianças são sempre acompanhadas de mestres competentes, para infor-
mações e pequenas preleções sobre o assunto em questão.
DIVERSÕES AO AR LIVRE
Se não fossem as chuvas, que, as mais das vezes, alteram os programas, seria de todas as
diversões a mais apoiada por nós.
Num clima como o nosso, em que na maior parte do ano goza-se de uma temperatura
amena, estes divertimentos contribuiriam também para a higiene infantil.
Ao ar livre, realizamos algumas festas, como a do dia 18 de maio do corrente ano, aten-
dendo ao apelo das crianças do País de Gales para a confraternização universal.
A festa da Boa Vontade realizou-se com a colaboração da Instrução Pública, que a
revestiu de grande solenidade. Milhares de crianças reunidas no campo do Fluminense
Futebol Clube entoaram hinos a paz, executando números de ginástica rítmica e sueca.
Estiveram presentes o corpo diplomático aqui acreditado e grande número de autoridades
civis e militares.
Trabalhando pelo ressurgimento das nossas tradições, realizamos, em 23 de junho do
corrente ano, a nossa tradicional festa de São João. Foi erguida uma grande fogueira, quei-
maram-se fogos pirotécnicos e, ao som dos violões, moças e rapazes cantaram as nossas
modinhas.
Relembrando esses festejos antigos, hoje quase extintos nas diversas capitais brasileiras,
ensinamos as nossas crianças o sagrado dever de respeitar, revivendo, as poucas tradições
genuinamente nossas.
TESE N
e
8
A ATIVIDADE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE EDUCAÇÃO DURANTE O ANO DE 1927
Relatórios das Seções
ealizou-se em 8 de dezembro uma sessão pública da Associação Brasileira de
Educação, na qual foi exposto o andamento geral dos trabalhos dessa instituição. Presi-
diu a sessão o professor F. Laboriau, que convidou para a mesma o doutor Nestor dos Santos
Lima, diretor do Departamento de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, representante
deste estado na I Conferência Nacional de Educação e atualmente de passagem pelo Rio, de
viagem para Curitiba.
R
Abrindo a sessão, o professor F. Laboriau explicou que era essa a primeira das reuni-
ões gerais estabelecidas pelo novo regimento. Coincidindo essa reunião com o fim do ano de
1927, prestava-se bem para uma exposição geral dos trabalhos realizados pela A.B.E., du-
rante o correr deste ano, com a indicação das diretivas para o ano próximo. Recordou que os
trabalhos essenciais da A.B.E, são feitos nas suas diversas seções, coordenados esses traba-
lhos pelo conselho diretor e pela diretoria. Por isso, para a perfeita exposição dos trabalhos
da A.B.E., nada melhor do que dar a palavra a cada um dos presidentes das diversas seções,
o que iria fazer dentro de alguns momentos. Antes, porém, recordava, afora esses trabalhos
das seções, havia sido feita a instalação da Associação Brasileira de Educação em sua sede,
o que representa a realização de uma antiga aspiração, e tinham sido realizadas algumas
conferências educativas na sede da União dos Empregados do Comércio: uma conferência
pelo doutor Luiz Betim Paes Leme, sobre a Organização do Trabalho, um curso pelo profes-
sor Castro Rebelio, sobre Legislação do Trabalho, e outro pelo doutor Paulo de Castro
Maya, sobre Moeda, Preço e Câmbio, este último curso estando impresso em um interessan-
te volume que se encontra nas nossas principais livrarias.
Funcionando regularmente os departamentos da A.B.E, do Rio Grande do Sul e do Espí-
rito Santo, e tendo essa associação representantes no Amazonas e em Minas, mantinha também
relações internacionais, notadamente com o Bureau International d'Education, com a União
Pan-Americana e com a World Federation of Education Association, tendo sido a A.B.E, re-
presentada por dona Laura Lacombe na Conferência de Educação Moderna, realizada este ano
em Locarno.
Recordando essa atividade, o professor Fernando Laboriau salientou a importância da
organização da I Conferência Nacional de Educação, a se reunir a 19 do corrente, em Curitiba,
promovida pela Associação Brasileira de Educação e sob os auspícios do governo do Estado
do Paraná, dando a palavra ao professor Fernando de Magalhães para expor a organização
dessa conferência.
O professor Fernando de Magalhães, falando sobre a organização da I Conferência Na-
cional de Educação, expôs o grande número de adesões já recebidas, devendo participar do
congresso mais de 600 pessoas, tendo já determinado 15 estados a sua representação oficial. O
grande número de teses recebidas indica o interesse que despertou essa conferência, e tudo faz
crer que será essa uma idéia vencedora.
A seguir, o professor Fernando de Magalhães forneceu diversas explicações sobre a
conferência e terminou a sua exposição sob uma salva de palmas. O presidente completou as
informações do professor Fernando de Magalhães, lembrando que a idéia da realização de
conferências anuais de educação era devida ao professor Fernando de Magalhães e que aos
esforços de Sua Excelência era também, em grande parte, atribuível o êxito que já se pode
prever para a I Conferência Nacional de Educação. Em seguida, o professor F. Laboriau expli-
cou que o professor Álvaro Osório de Almeida, presidente da Seção de Ensino Técnico e
Superior, não pôde comparecer por motivo de força maior, dando a palavra, então, ao profes-
sor M. Amoroso Costa.
SEÇÀO DE ENSINO TÉCNICO E SUPERIOR
O professor Amoroso Costa, que foi no corrente ano o presidente daquela Seção, relatou o
andamento dos trabalhos realizados e o esboço do programa para 1928, lendo o seguinte:
Realizaram-se de maio a novembro, com pequenas alterações do programa organizado, os se-
guintes cursos e conferências:
Cursos
I - Álvaro Osório de Almeida (da Faculdade de Medicina): Estudos sobre o Metabolismo (4
lições).
II - Euzébio de Oliveira (do Serviço Geológico e Mineralógico): Geologia do Petróleo (8 lições).
III - Ferdinando Laboriau (da Escola Politécnica): A Siderurgia (12 lições).
IV-Dulcidio Pereira (das Escolas Politécnica e Normal): A Física e a Vida Moderna (6 lições).
V - M. Amoroso Costa (da Escola Politécnica): As Geometrias Não-euclidianas (6 lições).
VI - Alix Lemos (do Observatório Nacional): Marés e Problemas Correlativos (2 lições).
VII - Miguel Osório de Almeida (do Instituto Oswaldo Cruz e da Escola Superior de Agricultura): A
Regulação Nervosa da Respiração (5 lições).
VIII-Ferna;.do de Magalhães (da Faculdade de Medicina): Elementos de Filosofia Médica (3
lições).
IX - Ignacio Azeredo do Amaral (das Escolas Naval, Politécnica e Normal): Sobre a Indeterrninação
em Matemática (3 lições).
X - Pedro A. Cardoso (do Lyceu de Artes e Ofícios): Filosofia da Historia (8 lições).
Conferências
I - E. Roquete-Pinto (do Museu Nacional e da Escola Normal): A Função Educativa dos Museus.
II - Tristão de Athayde: O Problema Social e o Distributismo.
III - J. A. Padbeig Drenkpol (do Museu Nacional): A Aurora da Arte Humana.
IV -A. J. de Sampaio (do Museu Nacional): As Florestas Brasileiras.
V - Alberto Childe (do Museu Nacional): O Mediterrâneo Oriental e a Ilha de Creta. VI -
Heloísa A. Torres (do Museu Nacional): Migrações na América.
VII -Hahnemann Guimarães (do Colégio Pedro II): Estudos sobre Métrica Latina. VIII-
Paulo de Castro Maya: A Evolução Moderna da Idéia de Democracia.
IX -Cândido de Mello Leitão (do Museu Nacional e da Escola Superior de Agricultura): Os
Companheiros do Homem.
X -Álvaro Osório de Almeida (da Faculdade de Medicina): A Organização Universitária e as
Faculdades Superiores de Ciências e de Letras.
XI - M. Amoroso Costa (da Escola Politécnica): A Estrutura e Evolução do Mundo Sideral.
Todos esses cursos e conferências se realizaram no anfiteatro de Física da Escola Politécni-
ca. Versando sobre assuntos os mais variados, atraíram eles uma freqüência extremamente
animadora, demonstrando o gosto crescente que já vai existindo entre nós pelos estudos
desinteressados.
Sessões
Realizaram-se numerosas sessões consagradas principalmente a elaboração de um projeto da
Faculdade de Ciências, como é de desejar que seja criada na nossa universidade.
Depois de feito um estudo comparativo das organizações universitárias francesas, inglesas, ale-
mãs, norte-americanas, discutiram-se os pontos principais desse projeto: regime do ensino, orga-
nização dos trabalhos de pesquisa, seriação dos cursos, escolha do professorado, etc.
É pensamento da Seção concluir esse trabalho no próximo ano, apresentando em seguida ao
conselho diretor uma memória detalhada sobre o assunto.
Programa de trabalhos para 1928
Estão desde já organizados os seguintes cursos e conferências:
I -Álvaro Alberto (da Escola Naval): Teoria dos Explosivos (5 lições).
II - Luiz Bctim Paes Leme: A Filosofia de Beyson (3 lições).
III - Nereu Sampaio (da Escola Nacional de Belas Artes): Arquitetura Brasileira (6 lões).
IV - Costa Cruz (do Instituto Oswaldo Cruz): Bacteriófago (4 lições).
V - C. Mello Leitão (do Museu Nacional): Hereditariedade Biológica (5 lições).
VI -Ronald de Carvalho: Estética e Poesia (3 lições). VII - Carneiro Felippe (do Instituto
Oswaldo Cruz): [?] (2 lições). VIII - M. Amoroso Costa (da Escola Politécnica): Teorias
Cosmogônicas Recentes (6 lições).
IX - Vicente Licinio Cardoso (da Escola Politécnica): Estudos sobre a Historiado Brasil (6 lições).
X - Mário Paulo de Brito (da Escola Politécnica): As Teorias Modernas de Química (5 lições).
XI - Dulcidio Pereira (das Escolas Politécnica e Normal): A Física do Descontínuo (4 lições).
XII - Ferdinando Laboriau (da Escola Politécnica): Camille e Lucile Desmontins. Ensaio de Filoso-
fia, História e Política (6 lições).
XIV - Padbey Drenkol (do Museu Nacional): A Idade do Gênero Humano (uma conferência).
Prometeram, ainda, cursos e conferências sobre assuntos a escolher os professores Roquete-
Pinto, Paulo de Castro Maya, Adalberto Menezes de Oliveira, A. Childe, Leilo Gama, Roberto
Marinho, Juliano Moreira, Gomes de Faria, Theodoro Ramos, Othon Leonardos e André
Dreyfus.
Terminada sob uma salva de palmas a exposição do professor Amoroso Costa, o presi-
dente deu a palavra a Celina Padilha, presidente da Seção de Ensino Primário.
SEÇÀO DE ENSINO PRIMÁRIO
A professora Celina Padilha leu a seguinte exposição:
Tendo aceitado o convite com que me distinguiu a diretoria desta associação para dirigir a
Seção de Ensino Primário, deram-me a honra de ser meus companheiros de trabalho os profes-
sores Manuel Bomf im, Fernando Nereu Sampaio, Maria dos Reis Campos, Carlos Delgado de
Carvalho, Marietta Possolo Sampaio, Everardo Backheuser, América Xavier Monteiro de Bar-
ros, Honorina Senna de Oliveira Gomes, Odete Regai da Rocha Braga, Judith Rocha, Graziela
Pires Ferrão, Judith Muniz da Costa Moura, Cecilia Muniz, Dulcidio Pereira e Alcina Moreira
de Souza.
Secretariou a primeira sessão a professora Felicidade Pereira de Moura Castro, que, impedida de
exercer esse cargo, foi substituída pela professora Consuelo Pinheiro.
Reunimo-nos pela primeira vez no dia 3 de setembro do corrente ano e, dessa data até hoje,
realizamos mais onze sessões. O primeiro trabalho em que se pensou cuidar foi o de estatística
escolar primaria no Brasil, que ficou suspenso por haver declarado a arquivista já tê-lo em
andamento, visto ser da competência de seu cargo. Abandonado esse primeiro empreendimen-
to, foi organizado um programa de ação com os assuntos sugeridos pelos diversos membros
desta Seção. Nele, os problemas a estudar estão classificados em grupos, segundo se referem a
educação propriamente ou a instrução, para alunos ou professores. Apresento-o anexo a este
relatório.
A distribuição de seus diversos capítulos foi feita entre os sócios da S.E.P.:
I - Discussões sobre Metodologia - professora Affonsina das Chagas Rosa, que, por não ter
mais comparecido as reuniões, foi substituída pela professora Celina Padilha.
II - Modo de Fazer a Inspeção Escolar - doutor Manuel Bomf im.
III - Serviço de Consultas e Informações - professora Odette Regai da Rocha Braga.
IV - Biblioteca de Ensino Primário - professoras Consuelo Pinheiro e Judith Rocha.
V - Preparação de Material Escolar - professor Carlos Delgado de Carvalho.
VI - Visitas de Instrução no Distrito Federal e fora dele - professores Delgado de Carvalho e
Everardo Backheuser.
VII - Viagens de Instrução fora do Distrito Federal, no Brasil e no Estrangeiro - professores
Delegado de Carvalho e Everardo Backheuser.
VIII - Modos de Induzir o Professorado ao Estudo - professora Maria dos Reis Campos.
IX - Problemas de Educação na Escola - professora Honorina Senna de Oliveira Gomes.
X - Escoteirismo - senhora Delgado de Carvalho.
XI - Cinematógrafo Escolar- professora America Xavier Monteiro de Barros.
XII - Caixas Escolares - Marietta Possolo Sampaio.
Estão sendo executadas as seguintes partes:
Capítulo I - Discussões sobre Metodologia.
Já tiveram lugar discussões sobre a metodologia dos seguintes assuntos:
I
a
- Feições características do relevo brasileiro. Encarregou-se dessa primeira palestra a professo-
ra CelinaPadilha.
2- - O método das proporções no desenho. Foi orientadora Marietta Possolo Sampaio.
3
a
- Expansão geográfica no Brasil - entradas e bandeiras. Pela professora Consuelo Pinheiro.
4
a
- Pontos de Geometria do 6
a
ano das escolas primárias municipais. Pela professora Cecília
Muniz.
5
a
- Composição na escola primária. Iniciará a discussão o professor Manoel Bomf im. Discussão
no dia 9 do corrente.
Capítulo III-Consultório Pedagógico.
Está funcionando regularmente, tendo sido já publicadas noJornaldo Brasil respostas a diversas
perguntas feitas. A professora Odette Regai da Rocha Braga, que dirige esse serviço, tem conse-
guido nele interessar professores especializados que, com proficiência, vão amplamente satisfa-
zendo os consulentes. Trabalho intenso de propaganda tem sido feito nas escolas primárias com
o fim de chamar a atenção dos professores para esse meio de tirarem dúvidas, difíceis muitas vezes
de serem esclarecidas pelos compêndios.
Capítulo VI - Visitas de Instrução no Distrito Federal e fora dele.
A primeira visita de instrução para o professorado foi feita ao Museu Nacional no dia 6 de outubro.
Os visitantes, cerca de trinta, acompanhados pelo professor Backheuser, foram recebidos pelo
diretor do Museu, doutor Roquete-Pinto, que, na Sala de Assistência ao Ensino, por ele criada,
brilhantemente explicou as projeções exibidas sobre etnografia. Em seguida, a professora Heloisa
Alberto Torres conduziu-os aos salões, onde exemplares que lembravam a lição ouvida lhes foram
mostrados.
A segunda visita foi ao Museu Comercial, no dia 20 de outubro. Aí, houve ocasião de serem
estudados produtos brasileiros dos três reinos, preparando-se os professores para informarem
seus alunos sobre nossas possibilidades econômicas. Apesar de ter sido realizada num dia chuvo-
so, foi muito concorrida, tendo interessado grandemente aos visitantes.
A terceira visita foi ao Museu Histórico, no dia 10 de novembro. Assim, encerramos o ciclo das
visitas neste ano, pretendendo recomeçá-las em março do ano vindouro e, então, visaremos tam-
bém ao estudo de regiões naturais.
Capítulo X - Escoteirismo.
Tendo, a convite da senhora Delgado de Carvalho, os membros da S.E.P. realizado uma
visita ao Centro de Bandeirantes do Sagrado Coração, impressionou-nos tão vivamente o
valor da obra educativa ali realizada que resolvemos imediatamente interessarmo-nos pelo
assunto, enviando a presidente, logo após, a Escola de Oficiais, duas de suas auxiliares para
receberem a instrução necessária, a fim de poderem dirigir um grupo de meninas escoteiras.
Com permissão do diretor geral da Instrução Pública, foi inaugurado na Gávea, na Escola
Manoel Cícero, no dia 15 de novembro, um centro de escoteirismo feminino, sob a direção
da oficial Graziella Pires Ferrão. Pretendemos, para o ano, instalar outros grupos congêneres
nos diversos bairros, pois julgamos tal empreendimento de grande utilidade na educação
popular.
Capítulo IV - Biblioteca de Ensino Primário.
Está em estudo a sua organização.
Capítulo VIII - Modo de Induzir o Professorado ao Estudo.
Sobre o assunto, apresentou a professora Maria dos Reis Campos ponderadas considerações,
bem como as sugestões apresentadas pela professora Celina Padilha.
Capítulo IX - Problemas de Educação na Escola.
E vasto este capítulo; encerra muitos problemas a serem solucionados. Dentre eles, apresen-
tou a professora Honorina Senna de Oliveira Gomes um código de moral, adaptação do Códi-
go dos Meninos Mexicanos, trabalho que, pelo seu valor e utilidade, nos trouxe a lembrança
de pedir permissão a sua autora para apresentá-lo na Conferência de Educação a reunir-se no
Paraná.
Sobre o mesmo capítulo, estão em elaboração uma tese sobre educação sexual e um estudo de
meios práticos para se fazer a educação da vontade das crianças. Quanto a educação higiênica,
temos, publicada em cartões para serem colocados nas paredes das escolas, uma série de conse-
lhos e máximas que ora lhes entrego.
Capítulo XI - Cinematógrafo Escolar.
A professora América Xavier Monteiro de Barros elaborou sobre o assunto deste capítulo um
estudo digno de apreço, que será também enviado a Conferência de Educação do Paraná.
Capítulo XII - Caixas Escolares.
Está adiantado o estudo da organização das caixas escolares pela professora Marietta Possolo
Sampaio. Por esta Seção, foram trazidos para a A.B.E, quinze novos sócios, em dois meses, e
outros conseguiremos, pois não temos cessado o trabalho de propaganda.
Inaugurada a Sala de Assistência ao Ensino no Museu Nacional, que veio abrir novo caminho ao
estudo, reconhecendo nós a utilidade que dela se pode tirar, procuramos logo fazê-la aproveitar
pelos alunos de curso primário. Conseguimos lá conduzir alunos de uma escola pública e de uma
particular. Como tivéssemos, porém, verificado a dificuldade de transporte, principalmente para
escolas afastadas, fizemos em sessão um apelo aos nossos associados no sentido de obter-se
com a Light qualquer redução no preço da passagens. Tomou a si essa incumbência o
professor Manoel Bomfim, que, dias depois, comunicou-nos haver a Light posto a disposição da
Seção de Ensino Primário da A.B.E., gratuitamente, dois ônibus por semana.
Embora em fim de ano, visitamos então algumas escolas dos 1
a
e 2
a
distritos, com cujos diretores
assentamos quais as classes que deveriam aproveitar-se dessa regalia e em que dias se realizariam tais
excursões, tendo sido enviada uma lista com a indicação dos locais ao senhor Anibal Bomfim, que a
encaminhou a diretoria da Light juntamente com um ofício, dirigido pelo presidente desta associação,
agradecendo tão apreciável favor. No mesmo sentido, oficiou-se também ao senhor Bomfim. Está este
serviço para ser iniciado, dependendo apenas de uma resposta que nos virá da Light.
Além dos livros das atas que têm sido feitas regularmente, possui a nossa Seção um outro onde as
publicações que nos interessam mais diretamente, cortadas dos jornais, são arquivadas e no qual
completamos as notícias escrevendo o que nelas é omitido, ficando assim feito um histórico do
andamento de nossos trabalhos.
Tendo sido publicado o anteprojeto de Reforma da Instrução Primária Municipal, pedimos, por
telegrama, um entendimento com o diretor de Instrução, o senhor Fernando de Azevedo, que nos
marcou uma audiência especial, na qual, entre outros assuntos tratados, pedimos-lhe vênia para
apresentar sugestões sobre a reforma então entregue ao Conselho Municipal, o que ele pronta-
mente permitiu, mostrando-se mesmo interessado em conhecer nossas idéias a respeito, pois tem
alta consideração, declarou, as opiniões da A.B.E.
Foi designada então por nós uma comissão para estudar a reforma, composta dos professores
Dulcidio Pereira, Alcina Moreira de Souza, Consuelo Pinheiro e Celina Padilha.
Concluído e aprovado em reunião da Seção, o trabalho desse grupo foi apresentado a diretoria
desta associação, que o examinou e, declarando-o aprovado, fê-lo passar as mãos do doutor
Fernando de Azevedo.
Rádio
Atendendo ao apelo feito pelo professor Dulcidio Pereira, no sentido de recomeçar-se o Quarto de
Hora Infantil, empenhou-se especialmente esta Seção em reunir um grupo de professores que irão,
segundo uma escala por nós organizada, a Rádio Sociedade, diariamente e a mesma hora, dizer
histórias interessantes e educativas.
Cursos de aperfeiçoamento
Este é outro trabalho já resolvido; não o pusemos em execução neste ano pela proximidade do
período de férias, que o viria interromper. Pensamos no ano vindouro, em março, iniciar dois desses
cursos. Serão talvez de Matemática no ponto de vista do método de Klein, pelo professor Backheuser,
de Física, pelo professor Dulcidio Pereira, e de História Natural, pelo professor Roquete-Pinto.
Museu escolar
Pretendemos também organizar aqui um museu de material escolar, inclusive de aparelhos de
Física, parte esta que já nos está prometida.
Concursos
Temos ainda em mente, para o ano, iniciar entre alunos do ensino público e do privado a realização
de concursos com prêmios, para diversas matérias do programa primário, a semelhança do que o
Club Central de Arquitetos tem feito em relação ao Desenho. Começaremos talvez pela Geografia.
Conferência de Educação
Está projetada uma conferência sobre ensino primário, a reunir-se nesta capital em 7 de setembro
de 1928 (nela se discutirão as teses feitas sobre três ou quatro temas de interesse imediato para o
ensino primário).
Terminando, manifesto meu agradecimento aos que tão brilhantemente têm cooperado nos traba-
lhos desta Seção.
Essa exposição mereceu prolongados aplausos de todas as pessoas presentes.
OUTROS TRABALHOS
Em seguida, foram lidas as exposições dos professores doutor Belisario Penna, Amanda
Álvaro Alberto, Marietta Castro Silva, Dulcidio Pereira, doutor Zeferino de Faria, Maria Luiza
Camargo de Azevedo, de outras seções, as quais publicaremos depois.
Terminada a leitura daquela última exposição, que foi coroada por uma prolongada salva
de palmas, explicou o presidente que, não tendo comparecido o professor Carlos Américo
Barboza de Oliveira, presidente da Seção de Ensino Secundário, o professor Salvador Fróes,
presidente da Seção de Ensino Profissional, e o doutor Pecegueiro do Amaral, presidente da
Seção de Educação Moral e Cívica, deixavam de ser lidos os relatórios sobre os trabalhos
destas seções.
O professor Deodato de Moraes pediu que se consignasse na ata da sessão um voto de
aplauso aos presidentes e aos membros das diversas seções cuja atividade eficiente acabava de
ser relatada, salientando a importante cooperação que têm as senhoras em todas as seções.
Essa proposta foi unanimemente aprovada.
Pedindo a palavra, o professor Fernando de Magalhães solicitou que a assembléia indi-
casse ser feita a publicação dos relatórios lidos, salientando a obra desinteressada e idealista da
Associação Brasileira de Educação. Essa indicação foi aprovada com aplausos gerais. E não
havendo mais quem pedisse a palavra, foi levantada a sessão.
SEÇÀO DE HIGIENE E EDUCAÇÀO FÍSICA
O doutor Belisario Pena, presidente da Seção de Educação Física e Higiene, leu a seguin-
te exposição:
Pouco há o que relatar relativamente aos trabalhos da Seção de Higiene e Educação Física durante
o ano decorrido.
Não foram muitas as sessões a que comparecessem mais de quatro membros, por serem quase
todos os que compõem esta Seção pessoas de grandes e variadas ocupações, a começar pelo
presidente, constantemente ausente desta capital, em trabalho, aliás, de educação higiênica por
todo o Pais. Este ano percorreu grandes trechos do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco,
de Minas, de São Paulo e do Paraná, tendo realizado nas capitais de alguns deles e em várias
cidades e vilas, fábricas e fazendas de outros, 28 preleções sobre assuntos de higiene e profilaxia,
acompanhadas sempre de projeções luminosas, fixas e animadas, seguidas de distribuição de
folhetos ilustrados sobre o assunto da palestra, além de quatro nesta capital, em sede de associa-
ções de operários.
O doutor Savino Gasparini, secretário da Seção, realizou também nesta capital, em fábricas e
associações operárias e escolas, várias conferências sobre alcoolismo, doenças venéreas, tuber-
culose e higiene infantil.
A Seção mandou a todos os colégios particulares e escolas públicas uma circular, pedindo infor-
mações sobre os métodos adotados para a Educação Física, logrando apenas cinco respostas.
Tanto pelo silêncio da grande maioria dos estabelecimentos de ensino quanto pelas poucas res-
postas recebidas, deduz-se ser ainda muito descurada essa parte importante da educação, e sem
uniformidade e cunho científico onde é realizada.
Organizou a Seção um programa para um curso de higiene as professoras primárias, durante
as férias, dependendo a sua realização de entendimento com o diretor geral da Instrução
Pública. Pretende esta Seção, para os trabalhos do próximo ano, organizar um curso de
educação higiênica entre os grupos de escoteiros, nas fábricas e associações operárias, para
o que já se acha em entendimento com os diretores e chefes dessas instituições, encontrando
geralmente completo apoio; durante as férias será organizado o programa, para cuja
execução conta esta Seção com a colaboração dos seus membros e de médicos e técnicos
estranhos a esta associação.
Prosseguirei em excursão pelo Pais, colhendo dados e executando o programa que me impus de
educação higiênica escolar e popular, visando sobretudo ao combate a verminose, ao alcoolismo,
ao impaludismo e a lepra, as maiores calamidades endêmicas do Brasil rural.
Atendendo ao que foi resolvido na última sessão por proposta do professor Mário de Brito,
junto a esta exposição alguns conceitos sobre o momentoso problema da saúde. Sanear o Brasil,
prová-lo e enriquecê-lo é moralizá-lo. A saúde é o fundamento da vitalidade e da energia, estimu-
lantes do trabalho; este é o fator da produção, da qual resulta a riqueza e o progresso. A doença,
seja qual for a sua causa, é sempre um fator de desordem na família e na sociedade. O primeiro
dever do estadista consiste em promover o equilíbrio da mentalidade coletiva para formar a
consciência nacional, o que se não consegue sem a saúde, resultante do saneamento e da
educação biofísica.
Que importa o progressivo aumento da população, onde a grande maioria é constituída de parasi-
tas da minoria? Onde a doença endêmica multiforme, a ignorância e o alcoolismo transformam o
povo num rebanho sui generis, sem o raciocínio esclarecido do homem fisiologicamente normal e
educado, nem o instinto apurado do irracional?
Imensa maioria da população brasileira desconhece rudimentos de biologia e de higiene;
vegeta, por isso, em apavorante estado patológico e de miséria, sem capacidade para exercer
a finalidade biológica do homem, de defesa e melhoramento incessante da vida individual, da
família, da sociedade e da espécie, reduzido a realizar, em péssimas condições, a finalidade
bioinstintiva dos irracionais, limitada a conservação do indivíduo, pela nutrição, e a da espé-
cie, pela reprodução. Ao contrário, o seu concurso de indolentes, de depositários e
propagadores de doenças e de taras patológicas é o de contínua e progressiva degeneração da
família e da raça.
Da incapacidade biofísica do povo brasileiro resulta o trabalho escravizado e improdutivo, a
miséria econômica, a falência financeira, a do caráter das elites e uma mentalidade coletiva caótica,
inconsistente, passiva, sem aspirações, sem ideais, sem rumo e sem aptidão para criar a consciên-
cia nacional.
Impõe-se, portanto, a primazia da educação higiênica e eugênica na escola e no lar, como medida
fundamental para a formação de uma mentalidade coletiva equilibrada e de uma consciência sani-
tária, isto é, de um espírito nacional absolutamente compenetrado do valor inestimável da prática
dos preceitos de higiene e da eugenia, como indispensáveis a prosperidade individual, da família,
da sociedade e da espécie.
Enquanto não educarmos convenientemente o nosso povo, a fim de cumprir a sua finalidade
biológica, não teremos o direito de convidar elementos sadios de outros povos para serem devo-
rados neste sorvedouro de ignorância e de endemias.
O Brasil, pelo descaso que vota a saúde, a educação do povo, é uma imensa fogueira de vidas e
atividades, não só da sua gente, como da que importa a peso de ouro. No Brasil, onde existe a
mania de se valorizar produtos artificialmente, a poder de empréstimos e agravamento das finanças
e das condições físicas e morais do povo, só há uma valorização a fazer-se — a do homem —, pela
educação biofísica, pelo saneamento e retalhamento da terra. Esse valorizará tudo mais natural-
mente, automaticamente, porque valorizará o trabalho, trará o aumento, a variedade, o barateamento
e aperfeiçoamento da produção, a riqueza particular e pública, a alegria e a moralidade. Este é o
problema fundamental.
Programa sobre higiene de um curso de férias para professores primários:
-Importância do Ensino da Higiene na Escola, doutor Belisario Penna.
- Nutrição, doutor Jansen de Mello.
- Doenças Contagiosas, doutor Alair Antunes. -Animais Nocivos -
como deles se libertar, doutor Emigidio Mattos. -Malária, doutor
Savino Gasparini.
- Opilação, doutor Belisario Penna. -Higiene
Infantil, doutor Leonel Gonzaga.
- Higiene Mental, doutor Faustino Espozel.
- Higiene Sexual, doutor Renato Kehl.
- Higiene dos Órgãos dos Sentidos, doutor Savino Gasparini. -
Alcoolismo - suas funestas conseqüências, doutor Belisario Penna. -
Educação Física na Escola, doutor Gabriel Skiner.
- A Saúde Pública na Vida de uma Cidade, doutor Carlos Sá.
- Como Ensinar Higiene na Escola, doutor Gustavo Lessa.
SEÇÃO DE COOPERAÇÃO DA FAMÍLIA
Pela senhora Armanda Álvaro Alberto, presidente da Seção de Cooperação da Família,
foi lido o seguinte:
Com uma atividade ininterrupta de dois anos e quatro meses, com suas sessões quinzenais regu-
lares, esta Seçao conta atualmente com 45 membros inscritos, pela maior parte maes de família
interessadas na educação de seus filhos. O cargo de secretária continua a ser exercido com dedi-
cação por Dina Fleisher.
Para 1927 foi apresentado o seguinte programa:
1) Publicação do resultado do inquérito sobre leituras infantis. Esse inquérito foi o primeiro reali-
zado entre nós, ao que nos consta, e as interessantes conclusões que dele se tiraram serão
comunicadas ao público ainda este mês, em data previamente anunciada pelos jornais.
2) Prosseguimento da campanha pelo bom cinema para crianças, em colaboração com a Seção de
Diversões Infantis. Semanalmente tem vindo publicada nos diários do Rio de Janeiro a relação dos
filmes aprovados pela nossa comissão, chefiada por Laura Xavier da Silveira. Esse tem sido um
dos trabalhos que maior interesse têm despertado entre pessoas estranhas a A.B.E. O Código de
Menores, recentemente publicado, veio nesse assunto ao encontro das nossas idéias, exceto num
ponto referente a entrada de menores de 14 anos em cinemas com programa comum, desde que
acompanhados pelos pais. Nós desejaríamos a proibição pura e simples da entrada de crianças em
cinema cujo programa não fosse rigorosamente infantil.
3) Cursos para mães e professoras. O de Beatriz Rocha, sobre Educação Maternal, já anunciado,
por motivo de saúde não se pôde efetuar; o do professor Edgar de Mendonça, sobre Desenho
Espontâneo, será na segunda quinzena deste mês.
4) Publicação do folheto sobre educação sexual. Esse indispensável manual para o uso das mães
de família, feito nos moldes dos publicados pela Parents Teacher Association, dos Estados Uni-
dos, da boa vontade do doutor Fernando de Magalhães o esperamos ainda.
5) Fundação de novos círculos de pais e professores. É a tarefa mais cheia de dificuldades, o que
diríamos mesmo irrealizável, se não fora a vitalidade de três círculos fundados em 1925: o do
Colégio Burnett, o da Associação Cristã Feminina e o da Escola Regional de Meriti. Dizem-nos
todos os diretores de colégios a quem falamos: quisessem as famílias se inteirar melhor da vida
escolar de seus filhos, quisessem elas trocar idéias conosco e não hesitaríamos em instalar pron-
tamente o círculo. E contam-nos, então, uma série de casos... de desanimar. Mas não desanimamos.
Vamos emprestando, a larga, os livros, folhetos e as revistas em francês e inglês, que constituem
a biblioteca da Seção, esperando dessa lenta propaganda o sucesso dos círculos futuros. Apro-
veitamos o ensejo para agradecer aqui a Miss Naney Holt, mais uma vez, as suas contribuições
para a nossa biblioteca.
6) Publicação de biblioteca para crianças e adolescentes. Este tem sido um longo trabalho, de
perto de dois anos, penoso e agradável ao mesmo tempo, complemento do inquérito a que me
referi. A Revista Bibliográfica já iniciou a sua publicação, que vai ser feita também pelo O
Globo, O Tico-Tico e O Bem-ti-vi (São Paulo). Foram organizadas listas de leitores, em portu-
guês, para três idades: até os 11 anos, dos 12 aos 15 anos e dos 15 aos 18 anos. O inquérito de
leituras valeu-nos muito para a biblioteca, que será renovada a cada ano, a proporção que a
comissão de leitura for conhecendo novos livros. Aí está um serviço que todos os sócios da
A.B.E, poderiam lhe prestar: a indicação de livros que julguem interessantes ao nosso conhe-
cimento. Nesse sentido, escrevemos aos nossos representantes da A.B.E, nos estados, pe-
dindo-lhes catálogos dos editores locais. Atendendo a uma reclamação que nos dirigiu al-
guém, vamos anexar uma pequena parte de cultura brasileira a nossa biblioteca, destinada a
mentalidades mais amadurecidas que aquelas visadas nas primeiras listas de livros. Atual-
mente é a seguinte a comissão de leitura: Maria Amália de Castro Silva, Laura Xavier da
Silveira, Laura Lacombe.Vera Delgado de Carvalho, Maria Lyra da Silva e professor Edgar de
Mendonça.
7) Propaganda junto aos colégios particulares para a instalação de bibliotecas para os seus
alunos e sugestão para que seja criada uma seção infantil na Biblioteca Nacional. Realizamos três
palestras em importantes estabelecimentos de ensino. Estamos recolhendo dados sobre as
bibliotecas existentes, tendo assim oportunidade de verificar a não-existência de tão útil instituição
em alguns colégios em condições de mantê-la, enquanto outros, como o Curso Jacobina, o
Colégio Benett e o Colégio Anglo-Americano, possuem bem organizadas bibliotecas infantis. As
nossas listas de leitura já estão sendo utilizadas, não só naqueles estabelecimentos relacionados
com a Seção, como tamm em outros fora do Rio. Quanto a Seção Infantil da Biblioteca Nacional,
com instalação e pessoal apto a atender aos jovens leitores, o doutor Mario Bhering, entusiasta
da idéia, a promete para 1929. Manifestamos o nosso aplauso ao projeto do senhor Maurício de
Lacerda,
criando uma Biblioteca Infantil Municipal. Apresentamos um memorial a Associação Brasileira de
Imprensa, em que, entre outras sugestões, lembrávamos aos jornais o seguinte: "Concentrar em
certo número de paginas todo o noticiário policial, de modo a permitir a mãe de família ou ao
professor destacá-las antes de dar o jornal aos filhos e discípulos". Será possível a algum nos
atender?
Finalmente, coube a esta Seção o servir de intermediária entre o Conselho Internacional de Mulheres
e a A.B.E, para tradução e divulgação no Brasil do opúsculo Um Novo Mundo pede uma
Educação Nova, mandando publicar no Jornal do Commércio de 13 de novembro último.
Devendo deixar a presidência da Seção no fim deste mês, incumbirá a minha sucessora elaborar o
programa para 1928. De mim, confesso-me gratíssima aos meus companheiros de trabalho, a quem
devo poder, hoje, reler sem grande constrangimento o programa apresentado ao inaugurar-se a
Seção, em 8 de agosto de 1925.
Foi longamente aplaudida essa exposição.
SEÇÀO DE ENSINO DOMÉSTICO
Pela senhora Marietta Castro Silva, presidente da Seção, foi lido o seguinte relatório:
A Seção de Ensino Doméstico completa justamente hoje três meses de vida efetiva sob a minha
presidência.
Ao iniciarmos os trabalhos, foi nosso principal feito procurar propagar o interesse por esse ensi-
no, tao dcscurado entre nós, despertando a consciência feminina e fazendo-lhe sentir o quanto se
necessita e se espera da ação da mulher no importantíssimo posto que ocupa no seu lar. A ela cabe
evitar muitos dos grande males que afligem a humanidade, como principal responsável pela primei-
ra educação física e moral de toda uma descendência, como grande auxiliar da higiene e como
mantenedora do bem-estar e da harmonia na atmosfera familiar.
Para a divulgação das nossas idéias, conseguimos, por intermédio do doutor Fernando de Maga-
lhães, que O Jornal nos desse umas colunas na seção dos Lazeres Femininos.
Encarregou-se devotamente o doutor Amaury de Medeiros de uma série de conferências sobre a
higiene, o conforto e a estética do lar, de um interesse tao grande para a nossa Seção que nunca
poderemos agradecer-lhe suficientemente.
Compreendendo que a educação da mulher deve ter por objetivo principal a maternidade futura,
procuramos organizar logo cursos de puericultura, sendo inaugurado o primeiro na Casa dos
Expostos, do doutor J. Nicolao. Podemos contar hoje com o precioso auxílio destes dedicados
professores para repetir esses cursos em qualquer ocasião, desde que haja um número razoável de
interessados.
Outros cursos e conferências que haviam sido combinados entre eles — um curso de puericultura
pelo doutor Mello Leitão, um curso de higiene alimentar pelo doutor Xavier Pedrosa, outro pelo
doutor Castro Barreto — foram adiados para o próximo ano.
Pelo adiantado da época e por ser o fim do ano a quadra de exames e sempre de grandes atribulações
escolares, não pudemos interessar os colégios como desejávamos, mas esse ponto, importantíssi-
mo para nós, será olhado com cuidado no nosso programa para 1928.
Pensamos ter nos colégios justamente o meio mais propício para influir nos jovens espíritos
femininos e pretendemos executar aí toda uma série de conferências com demonstrações práticas
e interessantes da economia doméstica.
Procuraremos nessa mesma ocasião obter do comércio exposições de aparelhos elétricos para uso
doméstico e o ensino de seu manuseio, insinuando-lhes as vantagens de uma redução de preços
aliada a mais intensa propaganda. Compreendemos que já é tempo de abandonar os processos de
rotina nos trabalhos caseiros e convencer-nos que o progresso e incompatível com a arcaica
aparelhagem doméstica dos nossos lares.
Sabemos que em todos os países de grande adiantamento se está fazendo como que uma
silenciosa revolução na vida doméstica nesse particular. Para nos pormos a par desses adianta-
mentos, encetamos uma correspondência com diversas instituições estrangeiras, em primeiro
lugar com os Estados Unidos da América do Norte, que são sempre os pioneiros do progresso.
Também apelamos para a Bélgica, que com conta uma admirável escola agrícola de ensino
doméstico em Lacken.
Na França existe um excelente curso de economia doméstica por correspondência, no qual já nos
inscrevemos para janeiro, que prestar-nos-á, estamos certos, excelente auxílio, pois divulgaremos
os seus métodos de ensino.
Dirigimo-nos diretamente a nossa embaixada na Itália, para que fôssemos informados dos traba-
lhos apresentados no Congresso Internacional de Economia Doméstica, que acaba de ser realiza-
do em Roma. Ali foram debatidas importantes e novas questões e, entre elas, um ensaio para
estabelecer a filosofia do ensino doméstico com a fórmula adotada para cada país, segundo a sua
mentalidade.
Preocupou-nos também a questão da carteira de saúde para uso dos domésticos; sabemos que,
entre os empregados de restaurantes e do comércio em geral, o seu uso já foi adotado.
Na zona rural, nos trabalhos de saneamento, com grande facilidade, foi empregado o sistema
de fichas, sendo já de mais de 700 as pessoas fichadas, cobrando-se apenas a quantia de
3$000.
Empenhar-nos-emos para obter quanto antes o uso de cadernetas de sanidade para os nossos
domésticos e faremos nessa ocasião um apelo as donas de casa, principalmente nossas consócias,
para que a exijam logo dos seus empregados, facilitando assim esse serviço de uma tao alta
importância sanitária.
Damos por findo o relatório da Seção de Ensino Doméstico, lamentando que o curto espaço de três
meses não nos permitiu dar ao mesmo maior extensão.
Desejamos que o programa para o próximo ano, que em poucas palavras esboçamos, tenha suge-
rido a idéia do incremento que nossa Seção poderá ter. Esperamos, pois, merecer a aprovação do
nosso relatório.
Todas as pessoas presentes manifestaram os seus aplausos a atividade da Seção de Ensi-
no Doméstico.
SEÇÀO DE RADIOCULTURA
Dada a palavra ao doutor Victor Lacombe, este leu a exposição enviada pelo professor
Dulcidio Pereira sobre o andamento dos trabalhos da Seção de Radiocultura, tendo o presidente
justificado a ausência do professor, retido na Escola Politécnica.
É a seguinte a exposição do professor Dulcidio Pereira:
A Comissão de Radiocultura, embora esteja constituída desde novembro p.p., para o que conta
com a adesão de muitos membros da A.B.E., ainda não iniciou a execução do seu programa, já
delineado, mas que só pode ser posto em prática com o início do próximo ano letivo, por isso que
não convém iniciá-lo nas férias.
Como V. Exa. e o Conselho já sabem, os cursos de radiocultura decorrem de um entendimento entre
a A.B.E, e a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, sociedade que irradiou em fins de outubro p.p. a
palavra de V. Exa. anunciando e inaugurando a Seção de Radiocultura.
Esses cursos obedecerão a cinco grupos:
l
u
) Radiocultura infantil. Consistirá no desenvolvimento e na continuação do que a Rádio Sociedade
já fez sob a denominação de Quarto de Hora Infantil. Em quinze minutos, no máximo, diariamente,
uma professora contará uma pequena história aos seus pequenos ouvintes, o que será um
pretexto para dar-lhes uma noção nova do que é preciso que eles aprendam. Quem já esqueceu as
meigas histórias que o Vovô, como entre a petizada era conhecido o saudoso professor Kopke,
contava pelo rádio?
Para execução dessa primeira parte do programa, a Seção de Radiocultura conta com o valioso
auxílio da Seção de Educação Primária, e especialmente com o da sua dedicada presidente, a Exma.
Sra. professora Celina Padilha.
2") Cursos de línguas. Constará inicialmente do ensino de francês e inglês por método intuitivo e
devendo as irradiações serem acompanhadas da distribuição de fascículos contendo as lições
irradiadas. Para isso a Seção de Radiocultura já se entendeu com o presidente da Seção de Ensino
Secundário.
3") Cursos artísticos. Constarão de palestras sobre literatura e música, palestras que terão
um cunho especialmente leve. As de música serão ilustradas com a irradiação de trechos
musicais. A Rádio Sociedade auxiliará essas palestras com o concurso de seu conjunto
orquestral.
4º) Divulgação científica. Constará de palestras cuja duração não excederá de 15 minutos, sobre
assuntos científicos que possam ser divulgados e que possam despertar interesse do grande
público.
5
2
) Seção de radioconsultas. A Seção do Radiocultura se propõe a responder pelo microfone da Rádio
Sociedade a qualquer consulta que for feita referente ao seu programa, bem assim prestar plena divulgação a
quaisquer idéias ou publicações que interessem a A.B.E, ou a educação nacional, desde que, para isso,
receba solicitação de qualquer outra Seção.
É esta a comunicação que eu desejo fazer como presidente de Seção de Radiocultura.
SEÇÀO DE ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA ABANDONADA
Não tendo podido comparecer a sessão, o doutor Zeferino de Faria, presidente da Seção
de Assistência a Infância Abandonada, encarregou a secretária dessa Seção, Beatriz Sophia
Mineiros, da leitura de sua exposição, que é a seguinte:
Quando me foi dada a honra de assumir a presidência da Seção de Assistência a Infância Abando-
nada, apresentei um programa em que fiz algumas considerações demonstrando as dificuldades
que a Seção iria encontrar.
A assistência a infância abandonada não se faz eficientemente sem recursos pecuniários, muito
trabalho, extrema dedicação levada muitas vezes ao sacrifício.
Basta ler o que o Código de Menores, recentemente promulgado, considera no Capitulo IV -
menores abandonados - e refletir sobre as suas necessidades, para concluir pela verdade da
afirmação que acabo de fazer.
Todavia, não é o caso de desesperar, e a impossibilidade de não fazer tudo ou muito não deve
desalentar a esperança de lá chegar.
Ainda não estava devidamente organizada a Seção e já a A.B.E., por intermédio da Seção de
Divertimentos Infantis, a meu convite, prestou reais serviços a causa da infância no dia da
festa da criança, em 12 de outubro de 1926. Maria Luiza Camargo de Azevedo, América F.
Xavier da Silveira e Beatriz Sophia Mineiro promoveram as diversões que se realizaram nesse
dia em 1926.
No ano corrente, em que a Prefeitura Municipal, por uma comissão composta das mais distintas
senhoras da elite social, sob a presidência de Mme Prado Júnior, convidou as diversas instituições
e pessoas dedicadas a causa para associarem-se nos festejos a proporcionar as crianças na data
em que lhes havia sido consagrada, foi nesta Seção que encontrei o eficaz apoio da sua inteligente
e prestimosa secretária, faltando-me, porém, o precioso auxílio das suas dedicadas companheiras,
uma por ausência desta capital, outra por estar enferma.
Seja-me permitido externar neste momento os meus agradecimentos a minha ilustre colega Beatriz
Sophia Mineiro, assim como a Laura Xavier da Silveira, Edina Gabizo de Faria e Maria Adelaide da
Costa Azevedo, pelos bons serviços prestados.
As festas das crianças não constituem somente o meio de proporcionar diversões a infância
abandonada, mas é também um salutar modo de propaganda em bem da causa dos menores. A
aproximação, nessa ocasião, da senhora brasileira, dotada sempre de bondoso coração junto
a criança infeliz e sem carinho, muito tem concorrido para amparar o seu futuro e, quiçá, o lar
sem conforto em que nasceu e vive. A boa vontade com que foi acolhida geralmente a comis-
são de festejos no ano presente demonstra o incremento que vai tomando o interesse pela
criança.
O programa que apresentei em dezembro de 1926 é o que pretendo seguir no ano vindouro. Já
foram iniciadas as conferências ou palestras sobre assuntos atinentes ao objetivo da Seção. O
doutor Pedro Pernambuco, assaz conhecido pelo seu merecimento, fez a primeira conferência,
tendo como tema os "menores retardados". Logo em princípio do ano vindouro, dissertará o
ilustre pediatra Olinto de Oliveira sobre o assunto que muito interessa a Seção, mas que o digno
conferencista quer guardar sigilo. Tenho promessa de que outros competentes açudam também ao
meu convite.
O que, porém, acho mais prático e pelo que vou me esforçar são as palestras nos lugares em
que houver maior número de crianças que virão com seus pais, ou em locais aproximados em
que possam estes comparecer. E sobretudo as visitas as habitações coletivas, onde se encon-
tram muitas crianças que servem de exploração, dando-lhes serviços incompatíveis com a sua
tenra idade.
Eis o que me cumpre dizer. Todavia se as circunstâncias favorecerem a Seção, não duvidará ela
prestar os demais serviços ao seu alcance.
SEÇÃO DE DIVERTIMENTOS INFANTIS
Teve em seguida a palavra Maria Luiza Camargo de Azevedo, presidente da Seção de
Divertimentos Infantis, que leu a seguinte exposição:
No corrente ano, esta Seção, em colaboração com a de Cooperação da Família, intensificou a
campanha cinematográfica, que é para a Associação Brasileira de Educação a seleção de filmes
próprios a infância e a juventude, apelando as autoridades respectivas repressão ao crime de se
intitularemmatinées infantis a passagem de películas imorais e as exibições teatrais inconvenien-
tes, como podemos demonstrar apresentando nosso arquivo de programas e reclames de diversas
casas de diversões desta capital.
Salientamos o quanto nos auxiliaram os importadores cinematográficos nos enviando regularmente
programas seus, entre eles ultimamente o da Fox Film, concernentes a filmes educativos. Procu-
raram sempre facilitar a árdua tarefa de Laura Xavier da Silveira, a qual muito deve a Seção de
Divertimentos Infantis pelo desempenho criterioso e assíduo que vem demonstrando por esse
espinhoso cargo que em boa hora lhe foi confiado.
Diante desses trabalhos, largamente divulgados pela imprensa, o senhor Ministro das Rela-
ções Exteriores, doutor Octavio Mangabeira, a pedido da Liga das Nações, sobre o que no
Brasil já havia sido feito nesse sentido, a nós se dirigiu, colhendo informações necessárias a
sua resposta.
Foi-lhe enviado o critério adotado pela A.B.E, para a seleção dos filmes, em reunião do Conselho
Diretor e Diretoria em 10 de dezembro de 1926, e o resumo do relario apresentado pela presidente
da comissão cinematográfica, a senhora Laura Xavier da Silveira, a quem cabe a honra dessa
grande vitória.
Como complemento desse trabalho, serão ainda enviados os artigos do Código de Menores,
recentemente elaborado pelo juiz de menores Mello Mattos, referentes a freqüência de menores as
casas de diversões e as medidas preventivas adotadas pela polícia.
A presidente da Cruz Vermelha Juvenil, Alice Sarthou, pôs a disposição desta Seção o arquivo de
revistas infantis para a sua colaboração no grande semanário O Tico-Tico. E desnecessário tecer
elogios ao valor desta oferta e a boa vontade da Sociedade Anônima O. Malho, cooperando
sempre conosco para a realização da nossa útil tarefa.
Graças a gentileza do senhor Carlos Magalhães, diretor de O Tico-Tico, contamos aí com meia
página para a divulgação dos nossos trabalhos junto a seus pequenos leitores.
No dia 18 de maio, universalmente consagrado a Boa Vontade e a um apelo das crianças do
País de Galles, realizamos, em colaboração com a Diretoria da Instrução Pública, uma linda
festa ao ar livre com as crianças das escolas públicas, estando presentes altas autoridades
estrangeiras e do País.
O senhor Diretor da Instrução Pública, doutor Fernando de Azevedo, e seus dignos auxiliares
nada pouparam para dar a essa festa todo o brilho, assim como o Fluminense F.C nos cedendo o
seu campo e facultando todos os auxílios que dele dependiam.
Solenizando também esta grande data da Confraternização Universal, a Metro Goldwyn Mayer, a
pedido Ana Amélia Carneiro de Mendonça, nos ofereceu uma vesperal infantil gratuita, no Teatro
Cassino. Desta mesma empresa obtivemos, durante três dias consecutivos, nos cinemas Rialto e
Parisiense, a entrada gratuita a centenas de crianças pobres para exibição do filme Ben-Hur.
Em 24 de junho, a tradicional festa de S. João não pôde ter o resultado desejado diante da imperti-
nente chuva, transtornando nossos planos.
Beatriz Sophia Mineiro foi a nossa representante nos festejos do dia da criança promovido pelo
Conselho de Assistência e Proteção aos Menores. A essa senhora foram confiadas as sessões
cinematográficas dentro dos hospitais e das casas de caridade.
Temos apoiado e oferecido nossos serviços ao doutor Fernando de Azevedo, que alimenta o ideal
de dotar a nossa maravilhosa capital de parques infantis, fatores hoje imprescindíveis a cultura
física e moral das nossas crianças desprotegidas da fortuna.
Possuímos, colecionado com carinho, um pequeno arquivo de revistas estrangeiras e nacionais
sobre o assunto que nos diz respeito, assim como o grande número de notícias divulgadas pela
imprensa, que sempre tem trabalhado por nós.
Lentamente caminhamos, mas com a certeza absoluta de que, no caminho trilhado, temos tido o
consolo de fervorosos adeptos e uma reação sensível ao descaso em que jaziam as diversões
infantis, reação esta, hoje, o nosso único estímulo a continuação desse grande benefício em prol
da moral da criança brasileira.
RELATÓRIO DA COMISSÃO ORGANIZADORA DA 1 CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
A Comissão Organizadora da I Conferência Nacional de Educação dirigiu a Associação
Brasileira de Educação o seguinte relatório de seus trabalhos:
A A.B.E, resolveu, no princípio deste ano, organizar anualmente, em cada capital de estado, uma
Conferência Nacional de Educação. A data escolhida foi a de 7 de setembro, mas circunstâncias
independentes da nossa vontade dificultaram a realização desta na data escolhida. Encontrando,
porém, apoio franco do governo do Estado do Paraná e muito particularmente do seu diretor de
Instrução, o professor Lysimaco Costa, nosso ilustre consócio, resolvemos promover a I Confe-
rência Nacional de Educação em Curitiba, por ocasião das festas comemorativas do 74
2
aniversário
da emancipação política daquele Estado.
Depois de conferenciar com o professor Fernando de Magalhães, partiu para Curitiba o professor
Lysimaco Costa, enviando dentro de um mês os prospectos de propaganda já prontos.
A comissão ficou assim constituída:
Presidente de honra, Washington Luis Pereira de Souza, presidente da República; Caetano Munhoz
da Rocha, presidente do Estado do Paraná.
Comissão Executiva: Fernando de Magalhães, Alcides Munhoz, Azevedo Sodré, Lysimaco F. da
Costa, Barbosa de Oliveira, Victor do Amaral, Fernando Laboriau, desembargador Vieira Cavalcanti,
Alice Carvalho de Mendonça, Plinio Tourinho, Renato Jardim, Itacelina D. de Bittencourt, Branca
A. Fialho, padre Manoel Gonzalez, Paranhos da Silva, Pamphilo de Assumpçao, Nicephoro M.
Falarz, Sebastião Paraná, Nelson Mendes.
Quatro teses oficiais foram distribuídas pela A.B.E.:
1ª - A Unidade Nacional: pela cultura literária; pela cultura cívica; pela cultura moral - Isabel
Jacobina Lacombe (diretora do Curso Jacobina) e Maria Luiza de Almeida Cunha (da Escola
Normal de Belo Horizonte).
2ª - A Uniformização do Ensino Primário nas suas Idéias Capitais - Zélia Braune.
3ª - A Criação das Escolas Normais Superiores em Diferentes Pontos do País para Preparo
Pedagógico — Professor CA. Barbosa de Oliveira (da Escola Politécnica e diretor da Escola
Wenceslau Braz).
4ª - A Organização dos Quadros Nacionais em Corporações de Aperfeiçoamento Técnico,
Científico e Literário — Professor Fernando de Magalhães (da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro).
De posse dos prospectos, dirigimo-nos ao professor Aloysio de Castro, diretor do Departamento
Nacional de Ensino, que prontificou-se imediatamente a fazer tudo que dele dependesse para
maior brilho da conferência, dando logo as primeiras providências.
Enviamos notícias aos jornais e foram feitos ofícios a todos os presidentes e governadores esta-
duais, prefeito do Distrito Federal, ministro da Justiça, ministro da Agricultura, ministro da Guerra,
ministro da Marinha, reitor da Universidade do Rio de Janeiro, diretores da Escola Politécnica,
Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito e Colégio Pedro II, comandantes da Escola de
Guerra, Escola Naval e Colégio Militar, circulares aos departamentos de Pelotas e Vitória e aos
representantes estaduais.
As respostas afluíram, tendo a secretaria recebido ofícios de apoio dos seguinte órgãos: Ministé-
rio da Agricultura, Ministério da Justiça, Diretoria do Departamento Nacional de Ensino, Universi-
dade do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Escola Politécnica, Faculdade de Direito, Escola
Naval, Prefeitura do Distrito Federal, Estado do Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Alagoas,
Sergipe e Paraíba.
Telegramas da Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Estado do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
São Paulo. Muitos particulares, atendendo ao apelo feito pelos nossos representantes, têm se
dirigido a esta secretaria, assim como muitos dos representantes oficiais.
A Associação do Rio Grande do Norte comunicou haver aberto concurso premiando em dinheiro
a melhor tese apresentada.
A comissão organizadora obteve o abatimento de 50% nas estradas de ferro e 30% nas
companhias Navegação Costeira e Lloyd Brasileiro. No Paraná, os congressitas obterão
também redução nas diárias de hotéis. Na sua última estadia aqui, o doutor Lysimaco Costa
comunicou que o número de inscritos para a conferência monta a 600, e as teses aproximam-
se de 200.
Já temos notificadas as seguintes teses, além das oficiais: A Escola Nova, professor Deodato de
Moraes; O Ensino de Geografia, professor Delgado de Carvalho; Os Divertimentos Infantis,
Maria Luiza Camargo de Azevedo; O Desenho Espontâneo nas Escolas Primárias, professor
Edgard Sussekind de Mendonça; A Academia Feminina, Lúcia Miguel Pereira; O Dia da Boa
Vontade, a Educação e a Paz, Laura Lacombe; O Ensino Secundário, Branca A. Fialho; O
Ensino da Economia Doméstica, Maria A. Fialho de Castro e Silva; Radiocultura, doutor
Othon Leonardos; Um Exemplo de Escola Ativa, Armanda Álvaro Alberto;Fú/co e Psicometria
Infantis, Lúcia Magalhães; A Psicanálise e a Educação, Deodato de Moraes; O Ensino Normal
de Física, Dulcidio Pereira; Modo de Resolver a Difusão do Ensino Primário, Fernando de
Magalhães; O Serviço Pedagógico Obrigatório, Conseqüência Natural do Direito Político
Concedido as Mulheres, Fernando de Magalhães; Divulgação pelo Interior do País dos Fil-
mes Instrutivos e das Bibliotecas Populares, Mário Brito; O Ministério da Educação Nacio-
nal, F. Laboriau; A Cooperação da Família na Obra de Educação, Deodato de Moraes; Neces-
sidades de Pedagogias Modernas, Lindolpho Xavier; A Mora! Formal Ética, Alba Nascimen-
to; Pela Educação Estética, Nereu Sampaio; O Método Moderno de Ensino da Física, Salvador
Fróes; Educação Sexual, Celina Padilha; A Unificação Política pelo Ensino da Língua,
Hemeterio dos Santos; Educação Política, Paulo de Castro Maya; A Física no Curso Secundá-
rio, Francisco Venâncio Filho; Educação Sanitária, Belisario Penna; O Escotismo e a Educa-
ção, Victore Américo Lacombe; O Desenvolvimento do Espírito de Colaboração pela Prática
dos Desportos, Consuelo Pinheiro; O Governo Federal e a Instrução Primária, Levi Carneiro;
Educação Sexual, Renato Kehl; Os Testes e as nossas Crianças - Vocabulário Infantil, Manoel
Bomf im; A Caderneta Sanitária nas Escolas, Maurício Muniz de Aragao; O Escotismo, Barbosa
de Oliveira; O Teatro e a sua Influência na Educação, Décio Lyra; O Estado e o Problema de
Educação Moral, Alba Nascimento; Metodologia do Ensino da Educação Física, A. Torres;
Prêmios Escolares, Educação Moral, Mattos Pimenta; O Ensino das Línguas Modernas, João
Brasil Silvado Júnior; Necessidade de Prestar Atenção na Escola a Educação do Caráter
assim como ao Cultivo da Personalidade da Criança, Maria Luiza Cunha Freire; Organização
do Ensino Secundário Feminino, Eva Hyde; A Educação dos Colonos em nossa Terra, Acrísio
Carvalho de Oliveira; Uniformização do Ensino Primário, Melvécio de Andrade;/! Instrução e
a Educação Municipal de Pelotas, Bruno de Azevedo; A Solução do Problema Educacional
no Brasil, Alberto Moreira Júnior; A Imprensa e a Educação, Ferreira de Rosa; O Limoeiro
como Símbolo nas Escolas, Renato Kehl; Rumo ao Campo, Deodato de Morais; O Ensino da
Eugenia nas Escolas Secundárias, Renato Kehl; A Unificação do Ensino Primário no Brasil,
Eugenia como Base da Criação e Instrução da Infância, Gonçalves Júnior; A Difusão do
Ensino Primário, Antônio V. C. Cavalcanti de Albuquerque.
TESE N
2
9
COMUNICAÇÃO SOBRE O BUREAU INTERNATIONAL
D'ÉDUCATION
Laura Jacobina Lacombe
Rio de Janeiro (sócia correspondente do B.I.E.)
A proveitamos o ensejo da I Conferência Nacional de Educação para fazer conhecer, as
pessoas interessadas, a existência do Bureau International d'Éducation.
Foi este organizado a fim de multiplicar os pontos de contato entre os povos, o que é de
uma grande importância para favorecer a cultura pública.
O Bureau é um cérebro de documentação e informações para tudo o que diz respeito a
educação. Quantas vezes fica facilitada a solução de um problema de educação ou instrução
pelo conhecimento de trabalho idêntico resolvido em outro país.
O B.I.E, publicará um anuário com informações sobre o movimento da instrução em
diversos países, o que será uma contribuição valiosa para os que se interessam pelos problemas
de educação. Foi fundado pelo grande educador Pierre Bovet, diretor do Instituto Jean-Jacques
Rousseau, que serviu de base para esse grandioso trabalho.
Já tendo completado o primeiro ano de exercício e tendo já conseguido a adesão de diver-
sos países, fez-nos a diretoria um apelo, afim de que o Brasil tome parte nos trabalhos do Bureau.
Todos aqueles que compreenderem o alcance dessa obra queiram se dirigir a secretária
do B.I.E.: Mademoiselle Marie Butts, 4 rue Charles Bonnet, Genebra, Suíça.
TESE N
e
10
LIGA PARA INSTRUÇÃO POPULAR
João Arruda
á algum tempo, tive a idéia de organizar, com alguns cidadãos patriotas e de boa
vontade, uma liga para a instrução popular e cívica, assunto que hoje ocupa a atenção de
todos e do qual tem tratado o grande professor Miguel Couto, merecendo até um de seus
notáveis trabalhos ser transcrito nos anais do nosso Congresso Legislativo. Dificuldades de
execução fizeram que ficasse em projeto meu plano. Julgo que pode ter utilidade, para as pes-
soas que no futuro cogitarão do problema, o que escrevi ao tempo em que dei meus esforços a
patriótica empresa. Eis por que motivo hoje publico meu modestíssimo projeto nas páginas da
Revista da Faculdade de Direito.
H
ORIGEM DA LIGA
A todo momento ouve-se a afirmação de que o povo brasileiro está sem cultura, que
não conhece nem as artes, tão adiantadas em outros países, nem tem educação cívica. Eis o mal
que, longe de ser negado, é, pelo contrário, reconhecido por toda gente, a cada passo. Qual
porém o remédio? Parece-nos encontrado na difusão dos conhecimentos na massa popular por
meio do livro e da revista. Disseminação de livros e de jornais em todas as classes sociais,
cremos, será o remédio específico da moléstia já tão conhecida. Na educação, a nosso ver, dois
escopos devem ser os da Liga: 1) a habilitação técnica, tornando o cidadão apto não só para
prover a subsistência, mas também para o aperfeiçoamento no ramo a que se dedicar; 2) a
educação moral e cívica, de maneira a tornar o cidadão capaz de influir no destino da Pátria.
ORGANIZAÇÃO
Ocorreu-nos a formação, num centro populoso como é esta capital, de um núcleo de homens
voltados aos interesses de seus concidadãos, podendo ter o grêmio filiais, ou, diversamente, associ-
ações formarem-se congêneres, mas sem dependência da estabelecida nesta capital, conquanto obe-
decendo a mesma orientação. Não só nas cidades mais importantes de nosso Estado seria possível o
estabelecimento de tais núcleos de cultura popular, mas ainda nos mais modestos lugarejos.
O PROCESSO
A idéia fundamental de nossa Liga é a possibilidade da cultura por meio do livro. Desde que se
consiga, pela escola primária, o ensino da leitura, da escrita e das operações fundamentais da aritmé-
tica, ter-se-á alcançado um cidadão apto para se desenvolver em todas as ciências e artes, um
homem capaz também de formar uma idéia do que seja melhor na direção dos negócios públicos.
Assim, e em suma, entendemos que bastam a escola primária e a disseminação do livro ou da revista.
Seja-nos permitido fazer algumas considerações sobre esse gênero de estudo que é
sardonicamente denominado livresco e que representa, no século atual, como de algum modo
já representava no anterior, a única fonte de todo o progresso humano. Na Idade Média,
particularmente na Itália, e até mesmo no século XVII, foram conservados secretos os pro-
cessos industriais. A imprensa veio tornar quase impossível esse segredo, de modo que os
livros e os periódicos vulgarizam todos os segredos dos industriais. É interessante observar
que, enquanto era difícil o processo secreto para se alcançar um produto, todos os homens
lutavam por esse segredo, ao passo que hoje, quando o livro tudo traz, despreza-se esse
veículo comparado por Macleod aos navios que conduzem riquezas as partes mais distantes
do mundo. A instrução meramente primária, sem o complemento da profissional, é compará-
vel, segundo Huxley, em seus discursos sobre a educação, a ministrar a uma pessoa um talher
sem que se lhe forneçam as iguarias. Cumpre fique bem acentuado que seja meramente
propedêutica da educação profissional a que é dada na escola primária e que deve ser redu-
zida a leitura, a escrita e aos rudimentos da aritmética. Impossível é ter um professor apto
para atender a qualquer vocação que manifeste o aluno. É ao aluno que cumpre hoje procurar
os livros em que poderá instruir-se no ramo de conhecimento para o qual sentir inclinação.
Confiar ao professor a educação cívica é tudo quanto há de mais perigoso. Os fatos demons-
tram que se I imitará ele, nem outra coisa é de esperar, a ensinar seu discípulo aquilo que o pai
de Tasso, com tanta infelicidade, obrigou o filho afazer — adular os poderosos.
Comparando-se o livro a escola, não é lícito dizer o que afirmou Victor Hugo, ao compará-
lo aos monumentos: "ceei tuera cela". A escola, sendo superior ao livro, torna muitíssimo mais
fácil a aprendizagem. Quem pode freqüentar uma escola não deverá, é certo, recorrer ao ensino
de livros, inegavelmente muito menos perfeito e em que o estudioso consumirá muito mais tem-
po. Mas o livro tem sobre a escola dois pontos de superioridade. Em primeiro lugar, está ele
pronto para servir ao pobre, aquele que não pode freqüentar as escolas, que não tem junto de
si professores de que necessita. Em segundo lugar, dá ele meios de aprofundar-se o curioso no
assunto em que pretende especializar-se e é acompanhado pelo periódico, que traz o especia-
lista informado do progresso do ramo de conhecimentos a que se dedica.
EXECUÇÃO DO PLANO
Como, porém, colocar entre as mãos do brasileiro pobre os livros de que ele necessita?
Como o esclarecer sobre as revistas que o habilitarão a vir ocupar lugar honroso entre os seus
companheiros? O moço que no sertão deseja estudar não tem hoje outro alvitre senão, com sa-
crifício seu ou de parentes e amigos, procurar um centro de atividade onde encontre escolas e
mestres. É remédio a este estado de coisas que desejamos dar. Nas cidades, fora uma ilusória di-
minuição de horas de trabalho e umas defeituosíssimas escolas noturnas, nada se fez pelo pobre.
Os processos dos enciclopedistas do século XVIIJ, que tão profundamente impressionaram
a nobreza de então, levando-a mesmo a encerrar Morrelet na Bastilha e a açular o infamíssimo
sabujo Palisot contra os grandes patriotas, pouco valor teriam hoje. A enciclopédia, além disto, era
obra burguesa e não de penetração nas últimas e mais humildes camadas sociais, que hoje ocupam
a atenção dos intelectuais. Fez muito a plêiade de D' Alembert e Diderot, mas não foi completa sua
obra. A imprensa desenvolveu-se de modo assombroso no decurso do século XIX, e todos os
ramos de conhecimento tiveram seus segredos arquivados em livros e revistas, verdadeiros depó-
sitos em que se entesouram a sabedoria dos séculos passados, nossa preciosa herança. Já quando
estudava a origem da liberdade americana, fazia Tocqueville sentir que era o jornal lido nas flores-
tas pelos rudes cidadãos que tinham militado sob a bandeira de Washington: era esta instrução
cívica recebida pelos homens que, num momento de repouso, deixavam o machado com que derru-
bavam a floresta para lerem os jornais; era essa disseminação de princípios de educação cívica pelo
precioso veículo, denominado revista ou periódico, que constituía o principal fator da instituição de
self-government da livre pátria de Jefferson,self-government que todos os povos invejam, mas
que não querem conquistar com a pertinácia e com os sacrifícios dos norte-americanos.
Só mesmo com a existência de um centro de intelectuais em um núcleo populoso, como é
a nossa capital, e com o auxílio de grêmios em centros menores, é que o estudioso poderá
encontrar as informações necessárias para a rota que deverá dar aos seus esforços e para a
escolha dos livros e das revistas que deverá ler.
Vamos traçar o nosso programa para tornar uma realidade nosso ideal.
PROGRAMA
Múltiplas são as funções que pode ter o círculo de intelectuais nesta capital, e grande
auxílio receberá, sem dúvida, dos centros menores que o esclarecerão sobre as condições lo-
cais, só conhecidas das pessoas afastadas da capital.
Quanto a fundação de escolas ou a alfabetização do povo, múltipla será a ação da nossa
Liga. Junto do governo, terá de informar, usando do direito de representação, sobre o modo de
ser ministrada a instrução primária ou propedêutica; de indicar os lugares em que podem ser
situadas com vantagens as escolas; de esclarecer acerca das vantagens das escolas ambulantes
e temporárias. Junto dos cidadãos, dos pais de família, será útil, pregando a necessidade da
instrução, mostrando as vantagens dos estudos, patenteando que não são eles investigações
meramente teóricas, sem nenhum alcance prático. Isto poderá ser feito em conferências popula-
res, por meio da imprensa, que penetra nas camadas mais humildes da sociedade, que é o pão
dos operários. Enfim, junto dos professores primários, agirá indicando-lhes, respeitados os pre-
ceitos legais, quais os melhores processos, os mais modernos sistemas para rapidamente habi-
litarem o aluno, por si só, a aperfeiçoar-se quando tiver como único auxílio o livro.
Junto das autoridades locais, trabalhará incitando-as a criação e a subvenção de escolas.
Junto dos particulares, especialmente junto dos industriais, dos fazendeiros, dos chefes de
quaisquer empresas, mesmo das jornalísticas (as que menos devem necessitar de nossas lições),
lutará para que, por um movimento de solidariedade humana, estabeleçam para seus emprega-
dos escolas primárias ou ao menos proponham-se auxiliá-las quando criadas por outros parti-
culares, proprietários de empresas mais rendosas.
Eis quanto a instrução primária.
O ensino técnico é, em nosso país, tudo quanto há de mais rudimentar. O menor inquérito
sobre o modo por que é ministrado causa verdadeiro desânimo em quantos patriotas desejam ver
nossa pátria rica e poderosa. É dessa imperfeição do ensino profissional que provém a inferioridade
de nossa indústria, verdadeira fonte de riso para as outras nações e motivo de pena para quantos
estremecem o Brasil. Força é confessar que os livros, mesmo no estrangeiro, em assuntos de técnica
(fora os de Química Industrial), muito deixam ainda a desejar. Há, entretanto, no pouco que se tem
escrito, suficiente para elevar nossa indústria. Se os livros são poucos e de qualidade inferior, impor-
tantíssimas são as revistas.
Quando impossibilitados de freqüentar escolas profissionais, poderão os estudiosos va-
ler-se desses imperfeitos livros e das revistas, que são muito proveitosas, como acabamos de
dizer. Não estão, porém, os livros de tecnologia e as revistas ao alcance de todas as bolsas. Daí
a necessidade da fundação de bibliotecas e gabinetes de leitura, embora modestíssimos. O
ponto mais embaraçoso é o relativo ao fato de serem escritos em língua estrangeira quase todos
os tratados (aliás, pouco valiosos) sobre tecnologia. Seria ato de patriotismo lembrar ao nosso
governo a vantagem da tradução de livros desse gênero para o vernáculo, feita por profissionais
habilitados. Não faltam em nossas repartições públicas homens para os quais seria isto empresa
sumamente fácil. Há um elevado número de engenheiros brasileiros que poderiam ser incumbi-
dos da tradução das mais importantes obras estrangeiras para o uso popular.
Até agora temos dado nossa atenção ao ponto de vista econômico, considerando mesmo o
homem, o cidadão, como sendo um elemento de produção, uma máquina de fazer riquezas. Mas
non solumpane vivithomo. Cumpre dar a maior atenção a educação moral e cívica, tão descurada
ultimamente. Acabou-se com o ensino religioso em que predominava, é certo, o estudo dos deve-
res do homem para com Deus, mas em que também se dava importância as relações com o
próximo. Hoje a Moral foi mesmo banida dos exames oficiais, e os seus adversários dizem que fica
aos cuidados da família. Mas que familia?... Quem a educa para que ela possa educar os que
amanhã serão cidadãos? Neste particular, é opulenta a literatura livresca. A Moral representa neles
o produto da observação dos séculos. Está estratificada em camadas que o pó dos anos não pode
atacar, mas que conserva como resultado das experiências de nossos avós. Fácil é assimilar nos
livros o que tem sido mais proveitoso ao homem, ao indivíduo e a conservação dos estados. A
Ciência, com um estudo frio da História, com a análise de como certos modos de agir deram em
resultado a conservação das condições de vida dos povos e dos indivíduos, estabeleceu, em bases
solidíssimas, os preceitos que vivificam a aplicação do Direito, levando um grande pensador a
afirmar que a Moral é o lubrif icador do Direito, assim como outrora se perguntou: quidleges sine
moribus? Os clássicos livros de Smiles, por exemplo (já traduzidos para o português), elevam o
caráter do jovem, dão-lhe a necessária coragem para a vida. As obras que contêm a biografia dos
varões ilustres, dos mártires da liberdade, da ciência, do patriotismo, levam, por este sentimento da
imitação (um dos mais importantes), o jovem patriota a deixar o sanchismo que vai dominando na
sociedade moderna, evidentemente em crise de moral e de civismo no momento histórico atual. É
neste assunto que todo o esforço de nossa Liga será proveitoso e eficaz.
Eis, em seus traços gerais, a Liga para a Educação Popular, para a qual pedimos as forças
de todos os bons cidadãos.
TESE Nº 11
A EDUCAÇÃO NO FUTURO
Rachel Prado
Rio de Janeiro, DF
Houve tempo em que os pedagogos, baseados nas teorias de Wallace e Darwin,
julga- vam que as faculdades mentais da criança eram transmitidas por seus
ascendentes.
Era um ponto de vista falso que, felizmente, já vai desaparecendo do domínio da ciência
moderna.
O indivíduo pode ser uma resultante do meio sob o aspecto social, mas nunca um herdeiro
intelectual por lei atávica.
Vejamos: os métodos mais modernos ou sistemas pedagógicos para instruir crianças anor-
mais ou retardadas têm surtido para o educador moderno o melhor resultado.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tem-se a impressão de que a criança de mentalidade acanhada, rude, como vulgarmente
se diz, é um campo por amainar, um terreno pedregoso, quase estéril; mas o educador, pelo seu
dever apostolar, estuda a mente daquele ser, na aparência imperfeita, procura o método mais
elementar para lhe despertar a luz da inteligência, tirando-o pouco a pouco do caos em que
parece mergulhado.
Um dia as idéias surgem naquele cérebro inculto! Ele cria as imagens, observa e raciocina!
O educador rejubila-se, porque foi ele o construtor daquela inteligência!
Educar é uma arte muito sutil! Hoje em dia não se pode educar um grupo de alunos sob
um sistema uniforme! As mentes ou capacidades intelectuais dos alunos variam quase que de
aluno para aluno.
É preciso aliar a análise perspicaz do preceptor a complacência e a doçura. E ele deverá
ministrar a cada um a instrução adaptável ao seu feitio afetivo, as suas faculdades receptivas,
como o médico ministra os seus remédios para a cura de cada enfermo.
No futuro o educador será um psicólogo sutil, desenvolverá essa faculdade para fixá-la
nos recessos íntimos dos seus educandos.
O CASTIGO COMO PUNIÇÃO
Com a evolução pedagógica, pois que felizmente temos evoluído, os castigos corporais
desapareceram, e com eles o mestre de catadura horripilante.
O educador moderno sabe que a sua autoridade não o levará ao ponto de infligir aos seus
discípulos dor ou sofrimento físico. Hoje ele não necessita empregar castigos corporais para
manter na sua classe o respeito e a ordem.
No futuro o professor será considerado o irmão mais velho, o amigo e, como tal, digno
de toda a veneração. A confiança e a amizade, consolidadas pela bondade, trarão para os
educandos o prazer na convivência e não o desgosto.
O MEDO DESORIENTA A CRIANÇA
As crianças, no futuro, não deverão conhecer o medo.
O educador, sob a orientação do valor próprio, da confiança em si mesmo e da convicção
das suas retas, concorrerá para que as gerações futuras sejam bem diferentes das de hoje.
O medo faz fracassar na criança as mais belas iniciativas e dá-lhe um caráter maleável, ao
passo que o destemor e a coragem farão dela um santo ou um herói!
Deve o educador estimular as boas qualidades e banir com sutileza as más, sem nunca
apontá-las publicamente, para que a censura dos condiscípulos não avilte dolorosamente o
censurado, pois isso seria contraproducente. A repreensão ou censura a uma ação má deverá
ser em particular. Complacente e nunca enérgica! A educação futura proporcionará
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
a criança o que for susceptível de desenvolver os germens do bem, eliminará o que possa
avivar o mal.
O PRÊMIO COMO RECOMPENSA
0 prêmio, até o momento atual, é considerado como estímulo a aplicação e a boa conduta.
No meu modo de ver, por observação pessoal, acho uma maneira nefasta de pôr a prova
competições, de fomentar superioridades, de estimular invejas, de fortificar rancores, de decep-
cionar colegas e, por conseguinte, de envenenar corações.
O prêmio nem sempre é proporcionado com inteira justiça. No futuro não existirão mais
prêmios; a criança deverá ser aplicada e ter boa conduta por dever.
Desde os primeiros surtos da inteligência, a criança deverá compreender que o dever é
que forma o caráter e que no cumprimento dele é que se atinge a perfeição moral, que é o mais
belo prêmio a que deve aspirar o homem. As competições deverão desaparecer. Todos deve-
rão se esforçar por ser inteligentes, justos e dignos.
IGUALDADE NA ESCOLA
A fortuna e a pobreza dão, as vezes, motivo para que se não realize o ideal de fraternidade
na escola.
O vestuário uniforme deverá ser obrigatório nas escolas públicas e particulares, pois a
vantagem será de que uma criança mais favorecida pela fortuna não venha a humilhar a outra que
não o é. A desigualdade de condições é o gérmen de grandes torturas morais, cujos ressenti-
mentos criam raízes fundas no coração da criança. E eis aí a origem de ódios e rancores nas
famílias e nas sociedades.
A harmonia e a igualdade de condições, observadas nos bancos escolares, influirão extra-
ordinariamente no futuro social da Pátria.
A INSTRUÇÃO NA ADOLESCÊNCIA
A criança é plástica no seu mental e impressionável no seu moral até os 15 anos.
Na adolescência já as emoções são mais fortes e, então, é necessário vigiar o jovem com
mais atenção. Nesse tempo é que será preciso disciplinar as emoções do rapaz e da rapariga. É
por essa ocasião que se lhes despertam os ideais.
Deveremos, então, ensinar com entusiasmo o amor a Pátria em comoventes lições de
civismo, demonstrando, com exemplos, os atos de maior galhardia dos homens na guerra,
nas ciências e nas artes do País; a história moral dos grandes vultos que se sacrificaram pelo
nosso ideal de independência, que proporcionaram maiores bens a coletividade. São esses
fatos e histórias que inspiram e fortalecem a juventude no desejo de realizar atos
semelhantes.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Qualquer carreira a que se destina o jovem é preciso vigiar a vocação. Ele próprio deve
descobrir a sua. É uma felicidade para o homem quando sente que trabalha para aquilo que
foi talhado.
A RELIGIÃO NA ESCOLA
A criança, em geral, traz do seio da família a sua crença, que o professor deverá respeitar.
Na nossa Constituição não há religião oficializada, e sim, inteira liberdade de crenças; e é
bem possível que o professor depare com alunos de várias crenças ou seitas. E, então, o que
deverá fazer?
Estudar religiões comparadas, para, em caso de argüição dos alunos, dar noções de
todas em geral e de cada uma em particular.
Em matéria de religião ele terá de ser eclético e ensinará aos alunos esta grande verdade!
Todas as religiões são boas, porque todas ensinam o bem, a perfeição, a bondade como virtu-
des que nos conduzirão ao seio do Criador.
EXERCÍCIOS FÍSICOS
Os jogos bárbaros, como o futebol e outros, deverão ser abolidos.
Os exercícios de natação, equitação e, sobretudo, ginástica harmônica, helênica e rítmica
formarão a bela mocidade de amanhã que personalizará o tipo do genuíno brasileiro: varonil e
elegante. Como a raça grega, culminará pela correção de linhas e esbeltez. A raça futura sentirá
essa influência na moldagem do seu físico. Todas as escolas deverão praticar esse gênero de
ginástica ao ritmo da música e, sobretudo, ao ar livre.
PÁTRIA
A alma é um reflexo da divindade.
O patriotismo é o meio mais belo para desenvolver a nossa natureza espiritual.
O homem, amando o seu país, desenvolve a sua consciência emocional.
Dizem os pessimistas que nós não temos nacionalidade, que não somos um povo patriota.
Que o nosso povo, caldeado como está com diversas raças, ainda não produziu o tipo verda-
deiramente nacional e que, por isso, não temos ardor cívico!
Eu penso assim: deveremos incutir nas consciências infantis, que ainda não se eivaram
de paixões partidárias, o amor e a convicção do valor da nossa Pátria! Redobrar com entusi-
asmo a instrução cívica em nossas escolas! Educar o coração da criança para as mais belas
emoções!
O amor a Pátria despertará na criança o desejo de se instruir cada vez mais, sobretudo
no que a eleva e engrandece. Deverá ela ter conhecimentos científicos da sua flora, da
sua fauna, população, indústria, comércio e produções. Deverá conhecer as belezas artísticas
das cidades, os monumentos e seus aspectos geográficos. Enaltecer aos olhos da criança as
belezas do nosso país, as suas possibilidades de progresso, é o maior dever cívico. Despertar
na infância a consciência da sua nacionalidade, eis o que importa!
CONCLUSÃO
A criança deve ser educada sob os aspectos físico, emocional e mental.
A cultura física, em vez de fazer o Hércules, que é um monstro com seus músculos de
aço, fará do jovem um Adônis, que é a perfeição plástica na elegância de atitudes. O aspecto
emocional no desenvolvimento dos sentidos fá-lo-á perceber as manifestações do belo, do
útil e do bom! Sob o aspecto mental, desenvolverá o raciocínio rápido e terá o exato
discernimento das coisas.
A finalidade filosófica da escola é criar um tipo ideal de homem para a família, a Pátria
e a humanidade.
TESE Nº13
SELEÇÀO E ESTALONAGEM DAS CLASSES INFANTIS PELA
PSICOMETRIA E PELA FISIOMETRIA
Lúcia Magalhães
PSICOMETRIA
problema e as vantagens das classes escolares selecionadas já há algum tempo vêm preo-
cupando os educadores e os pedagogos do mundo inteiro. Sistemas e métodos vão surgindo
para responder as necessidades, mas até agora nenhum se firmou, nem se poderá firmar, como
base única e universal a solução do problema. Binet, Simon, De Sanctis, Terman, Descoedres,
Bovet, em ótimos sistemas, atenderam e estudaram crianças diversas pela raça, pelos costumes e
pelo meio de vida, e disso provém justamente a excelência dos seus trabalhos: cada um procurou
adaptar ao seu ambiente as idéias básicas, transformando-as segundo as necessidades locais.
No Brasil, só Medeiros e Albuquerque tratou até agora deste assunto, limitando-se,
aliás, a uma tradução fiel dos testes de Binet. País novo que precisa de inidividualidades de
escola, território imenso que pede braços fortes e vontades firmes, o Brasil, nesta questão
magna da moderna pedagogia, contentou-se com um arremedo fácil de métodos pré-estabe-
lecidos e inadequados a nossa gente e a nossa raça. É fácil compreender que um sistema de
classificação no gênero do de Binet-Simon, padrão e tipo de todos os outros, não pode sofrer
uma simples tradução. Terman, adaptando-o magistralmente as contingências da raça
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
norte-americana, deu o exemplo das modificações de que necessitam os testes universalmente
conhecidos para darem resultados eficientes em países diversos.
Foi essa idéia que nos levou a estabelecer, depois de uma série de estudos compara-
tivos e depois de submetê-la a um número considerável de crianças, uma escala de testes que
nos parece responder as necessidades da criança brasileira. O nosso sistema, baseado na
modificação de Terman aos testes de Binet, afasta-se o mais possível de qualquer prova
pedagógica, pois, no caso, interessa menos o coeficiente de ciência aritmética ou geográfica
da criança do que suas aptidões e inclinações naturais para adquirir essas e outras ciências.
Há evidentemente alguns testes, entre os mais adiantados, que se firmam em conhecimentos
escolares básicos, mas deles não se tirará senão uma dedução geral, sob o ponto de vista do
desenvolvimento mental da criança e não sobre o seu adiantamento escolar. Assim o
fazemos por julgar que a seleção deve ser feita desde a admissão da criança a escola, para
que todos possam freqüentar classes em que o ensino seja adaptado a capacidade intelectual
de cada um. Daí a nossa opinião bem firme de que os testes em geral dificilmente poderão
substituir os exames de promoção, mas poderão, e com grande vantagem, ser preferidos as
provas usuais de admissão aos cursos primários, secundários e, até mesmo, superiores.
Acreditamos que, por meio destes testes adaptados ao nosso meio, será possível fazer
uma seleção racional entre crianças normais, anormais e retardadas, evitando assim os males
incalculáveis que resultam fatalmente da fusão de capacidades diversas numa escola ou
numa coletividade. Longe de extinguir a emulação necessária ao bom andamento dos
estudos, como muitos o querem supor, a seleção de alunos numa classe criará,
evidentemente, para o aluno normal ou supra-normal, possibilidades de adiantamento muito
mais rápido e mais eficiente, pois não haverá na turma o elemento "criança anormal"
atrasando o curso regular das aulas. Esses alunos retardados, por sua vez, não se sentirão
mais desanimados pelos sucessos constantes de seus camaradas mais favorecidos, sucessos
esses tao facilmente obtidos, que convencem cada vez mais a criança anormal da inutilidade
do seu esforço.
Adaptação dos testes de Binet-Simon (revisão de Terman) as
condições de raça e de vida da criança brasileira
5 ANOS
1) Dizer a idade.
2) Executar três ordens (atenção e memória) sem erro.
3) Distinguir quatro cores diversas sem erro.
4) Comparar dois pesos diferentes — duas caixas iguais, uma vazia e outra cheia. Repetir
a experiência três ou quatro vezes, para que uma boa resposta não seja obra do acaso.
5) Compreensão do l
fi
grau — definir o uso de objetos usuais:
a) Para que serve o pão?
b) Para que serve uma boneca?
c) Para que serve uma vaca?
d) Para que serve uma cadeira?
As definições podem ser simples. Exemplo: "uma vaca serve para dar leite". Resolvido o
teste com três respostas certas, pelo menos.
6 ANOS
1) Distinguir a direita da esquerda. Exemplo: mostrar a mão direita, o pé esquerdo, o olho
direito (sem erro).
2) Distinguir quatro moedas diferentes (um erro tolerado).
3) Repetir uma frase simples de 20 sílabas mais ou menos. Exemplo: "Ganhei uma
bola e um arco no dia dos meus anos". "Tenho três bonecas e meu irmão tem uma bola
vermelha".
4) Saber quantos dedos tem a mão sem contar. Perguntar: Quantos dedos tens nesta
mão? E nas duas?
Nota: Terman dá esses testes para 7 anos, mas verificamos que perto de 80% das crian-
ças de 6 anos por nós examinadas puderam resolvê-los facilmente.
5) Compreensão do 2º grau — distinguir a tarde da manhã. Perguntar: Agora é de tarde ou
de manhã? Você se levanta de tarde ou de manhã? Quando chega o sol, de tarde ou de manhã?
7 ANOS
1) Descrição de figuras simples (livro de figuras comuns ou mesmo O Tico-Ticó). Pergun-
tar: O que vês nesta figura? O que está fazendo o menino que vês nesta figura? etc. (duas ou três
vezes sem erro).
2) Repetir quatro algarismos (memória).
3) Copiar um quadrado (atenção).
4) Dizer os dias da semana.
5) Compreensão do 3
a
grau — comparação. Perguntar: Que diferença há entre o ferro e
o vidro? Em que se parece um copo com uma xícara? Que diferença há entre o fogo e a água?
Em que se parece uma mosca com um passarinho?
8 ANOS
1) Contar de 20 até 1 (atenção). Exemplo: 20,19,18,17, etc.
2) Contar seis moedas diferentes.
3) Semelhança entre dois objetos (memória e raciocínio): Chá e café. Ouro e prata. Lenha
e carvão. Banana e laranja.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
4) Definição de pessoas e animais: O que é um soldado? O que é um cavalo? O que é um
pedreiro? O que é um mosquito?
5) Compreensão e vocabulário — definição de 20 palavras do vocabulário organizado
(vide Anexo 1).
Nota: O valor destes testes de vocabulário está, na nossa opinião, na dedução que deles
se pode tirar quanto ao meio e as disposições da criança. Cada uma explicará, evidentemente,
o que conhece ou o que lhe interessa. Um menino de 10 anos que definir, por exemplo, "um
automóvel é um carro sem cavalos que anda devido a um motor que faz que ele se mova por si"
dará visivelmente provas de maior reflexão e de maior observação do que outro que explique
simplesmente "um automóvel é um carro que anda depressa", etc.
9 ANOS
1) Dizer a data certa — dia da semana, mês e ano.
2) Repetir três algarismos, de trás para diante: Exemplo: 4,6,2. Repetir: 2,6,4.
3) Dizer os 12 meses. Três perguntas suplementares (memória): Qual é o último mês do
ano? Qual é o mês que vem depois de julho? Qual é o que vem antes de abril?
4) Comparar cinco pesos diferentes (teste 4 de 5 anos, ampliado e passado da mesma
maneira). Em três experiências, um erro tolerado.
5) Compreensão e vocabulário — 30 palavras.
10 ANOS
1) Reproduzir de memória três desenhos — um cubo, um círculo"e um triângulo. A crian-
ça os vê durante 10 segundos e os reproduz depois de memória.
2) Repetir quatro algarismos de trás para diante. Exemplo: 7,2,1,5. Repetir: 5,1,2,7.
3) Puzzle de Healy Femald. Resolvido se os pedaços forem postos no lugar três vezes em
cinco minutos (vide Anexo 2).
4) Dizer 40 palavras usuais em três minutos.
5) Compreensão do 4º grau — a) Por que é sempre melhor julgar uma pessoa pelo
que faz e não pelo que os outros dizem? b) O que farias se alguém te mandasse fazer
alguma coisa que não fosse direita? c) Por que motivo teu professor deseja que estudes e
sejas aplicado?
Nota: Para essas perguntas há quase sempre respostas muito originais que indicam perfei-
tamente o caráter da criança e suas tendências, e sob esse ponto de vista deve ser bem obser-
vada a sua solução.
11 ANOS
1) Semelhança entre três objetos (atenção e memória): a) cobra, vaca, sabiá; b) rosa,
batata, árvore; c) faca, tesoura, foice.
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2) Frases em desordem (devem ser dadas por escrito): a) Um defende com cão bom seu
coragem dono. Ordenando: Um bom cão defende seu dono com coragem, b) Estudar primeiro
muito quero da ser para eu o classe. Ordenando: Eu quero estudar muito para ser o primeiro da
classe, c) Padrinho bola Ano deu-me Novo meu do uma dia no. Ordenando: Meu padrinho
deu-me uma bola no dia do Ano Novo. (Um minuto para cada frase).
3) Dizer 60 palavras usuais em quatro minutos.
4) Bola perdida num campo. Consiste numa circunferência desenhada com uma só inter-
rupção que marcará a entrada. Por exemplo: explica-se a criança que este desenho representa
um campo coberto de capim no qual está perdida uma bola. Pede-se-lhe que trace o melhor
plano para encontrar o mais depressa possível a bola cujo paradeiro se ignora.
Nota: Terman, que dá a essa prova a maior importância (atenção e raciocínio), colocou-a
entre os testes para crianças de 12 anos. Medeiros e Albuquerque, no entanto, a inclui na série
dedicada as crianças de 8 anos. Grande número de observações permite-nos asseverar que
nenhuma criança dessa idade pode dar uma resposta satisfatória a este problema. Só depois
dos 10 anos é que uma criança normal dará a resposta ideal, istoé, a espiral indo da periferia
para o centro ou qualquer outra que desta se aproxime.
5) Definir palavras abstratas: coragem, inveja, liberdade, justiça, honestidade.
12 ANOS
1) Vocabulário — 60 palavras.
2) Problemas sobre a hora, sem relógio: a) Suponhamos que a agulha grande está no 6 e
a pequena no 4, que horas são? b) E se fosse justo o contrário, que horas seriam? c) Onde estão
as agulhas do relógio quando são 8 horas e 25 minutos?
3) Dar o antônimo de certas palavras usuais abstratas: guerra, riqueza, medo, preguiça,
força.
4) Resumir o sentido de um trecho lido. Pequeno trecho simples de 15 a 20 linhas, lido
pausadamente, e do qual se pede a criança que indique as idéias principais, sem se importar com
as palavras empregadas (memória e atenção).
5) Compreensão do 3
S
grau — dedução. Tomem-se seis folhas de papel de igual
tamanho. A vista da criança, dobra-se a primeira em quatro e faz-se nela assim dobrada um
furo de alfinete. Pergunta-se então quantos furos haverá no papel quando for desdobrado.
Seja qual for a resposta, desdobrar e mostrar. Toma-se outra folha de papel e dobra-se em
oito. Fazer observar a criança que na primeira folha havia quatro furos e perguntar-lhe
quantos haverá nessa que foi dobrada o dobro de vezes. Continuar assim até a sexta folha. O
teste estará resolvido quando a criança deduzir que cada nova dobra duplica o número de
furos.
Nota: Terman coloca este teste na série dos 14 anos, mas 75% de crianças de 12 anos o
resolveram facilmente antes de chegar a sexta folha.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Estes testes da série dos 12 anos estendem-se as crianças de 13 e 14 anos, para as quais
há, todavia, algumas perguntas suplementares e, geralmente, de raciocínio matemático, rapidez
de leitura e compreensão de trechos. Não as incluímos neste estudo por nos interessarem mais
particularmente na questão as crianças em idade pré-escolar (5 a 7 anos) e em idade escolar
propriamente dita (7 a 12 anos, ou seja, cinco anos de escola primária).
Determinação do Quociente Intelectual Q.I.
Tendo adotado, por simplificação e rapidez, apenas cinco testes para cada idade, demos a
cada um dos três primeiros testes de cada idade o valor de 2 pontos, enquanto os dois últimos valerão
3 pontos cada um. Por esse motivo, tivemos cuidado em colocar sempre no fim as duas questões de
mais importância. Será fácil, portanto, fazer o cálculo do Q.I. segundo os métodos estabelecidos:
Idade mental (valor dos testes respondidos)
Idade cronológica (reduzida a meses)
A classificação do valor do Q.I. é a de Terman:
Acima de 140—-Genial ou perto disso
De 120 a 140 — Inteligência muito superior
De 110 a 120 — Inteligência superior
De 90 a 110 — Inteligência normal ou média
De 80 a 90 — Ligeira dificuldade de compreensão
De 70 a 90 — Limite da deficiência, as vezes classificável como dificuldade de compre-
ensão e outras como debilidade mental congênita
Abaixo de 70 — Debilidade mental
Anexo 1
Daremos a seguir um vocabulário de 60 palavras usuais, estabelecido depois de grande
número de observações e de acordo com as condições de vida e de ambiente da criança brasi-
leira de classe média. Seguimos o mais possível a lista estabelecida por Dottrens e Claparède,
adaptada da de Terman, e na qual introduzimos as modificações indispensáveis a nossa língua e
aos nossos costumes.
1. Cão 6. Areia
2. Cenoura 7. Carteiro
3. Martelo 8. Canivete
4. Caminhão 9. Rolha
5. Frio 10. Forro
11. Padeiro 36. Cachoeira
12. Caramelo 37. Automóvel
13. Gravata 38. Aurora
14. Carvão 39. Aparador
15. Girassol 40. Campestre
16. Cerca 41. Genro
17. Morro 42. Calçada
18. Vagabundo 43. Trinco
19. Vidro 44. Espinafre
20. Bandido 45. Floricultura
21. Cadeado 46. Cobertor
22. Furioso 47. Tigre
23. Pires 48. Figo
24. Sopa 49. Multa
25. Livreiro 50. Enfraquecer
26. Guloso 51. Infusão
27. Gengiva 52. Trovoada
28. Acabar 53. Tambor
29. Limite 54. Alegria
30. Ignorante 55. Ar
31. Sobretudo 56. Insultar
32. Caldeirão 57. Narrar
33. Gostoso 58. Juventude
34. Pardal 59. Audácia
35. Gorro 60. Patriotismo
Anexo 2
Se bem que seja bastante conhecido opuzzle de Healy Fernald, daremos a seguir a sua
descrição, pois é de feitura material simplíssima, não exigindo aparelhamento algum.
Costumamos fazê-lo em cartolinas de cores vivas, que agradam as crianças e prendem sua
atenção.
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FISIOMETRIA
A educação — diz Sickinger, propagando o sistema de Mannheim para crianças anor-
mais — deve adaptar a criança a vida social: deve, portanto, ser coletiva. Mas tem de satisfazer
a duas condições: a primeira, de ordem pedagógica, exige que todo indivíduo, qualquer que seja
seu desenvolvimento físico ou mental, aprenda a trabalhar dando o máximo de rendimento que
lhe for possível. A segunda, condição higiênica, permite que a criança evite todo esforço dema-
siado no cumprimento da primeira cláusula. Daí a vantagem das classes selecionadas.
Chegamos assim, com essa última condição, a segunda parte do problema. Não basta que,
numa coletividade escolar, as crianças sejam somente escalonadas segundo o seu Q.I. É necessário
também, e mesmo indispensável, que sejam classificadas segundo seu desenvolvimento físico, pois é
certo que a influência deste sobre o desenvolvimento mental é da máxima importância. Poder-se-ia
quase dizer que o bom índice físico de uma criança permite um prognóstico seguro de Q.I. elevado.
A ficha individual por nós organizada abrange as duas partes da questão. Convém notar no
entanto que, tanto quanto na parte da psicometria, fizemos o possível para evitar o escopo das grandes
instalações e tivemos sempre em vista arredarmo-nos de aparelhagens custosas. Uma e outra seriam
talvez causas de afastamento, especialmente para os professores do interior, que não contam senão com
os próprios recursos e não disporiam do material necessário para estabelecer fichas completas.
Organizando essas fichas, tivemos também a idéia de classificar as crianças segundo a
nacionalidade dos pais. Sendo o Brasil um país vastíssimo, que precisa da imigração estrangeira,
receu-nos que o índice físico e psicométrico infantil estudado debaixo do ponto de vista dos
diversos cruzamentos da raça diria, de modo muito positivo, das vantagens das diversas corren-
tes emigratórias em fusão constante com a raça brasileira. Será portanto, quando se puder
estabelecer uma estatística considerável, um meio de primeira ordem para a solução do proble-
ma de imigração.
Outro ponto por nós abordado foi o da alfabetização paterna e materna. Pareceu-nos que
seria de interesse saber se o índice mental dos filhos de alfabetizados seria ou não superior ao dos
filhos de analfabetos. Isto permitirá avaliar o valor da instrução obrigatória, pois, quando não
houver mais analfabetos no Brasil, as experiências hão de provar, como as nossas provaram, se
bem que em pequena escala, que o índice mental geral do povo subirá extraordinariamente.
A questão dos antecedentes hereditários também é de importância e por isso a coloca-
mos em lugar de destaque, estabelecendo ainda a estatística dos filhos de alcoólicos segundo o
seu Q.I. comparado ao dos filhos de homens sóbrios.
No estudo da fisiometria infantil, assinalamos ainda a importância da notificação do ambiente
em que viva a criança, sobretudo a de classe pobre — vilas operárias, casas isoladas ou habita-
ções coletivas. Foi-nos fácil verificar que crianças nascidas e criadas em habitações coletivas ti-
nham sempre um índice f isiométrico inferior. Faltam as nossas observações o elemento de que não
dispomos numa grande cidade e cujo resultado seria também de interesse: o índice f isiométrico das
crianças que vivem nos campos, em fazendas ou em lavouras. Quem quiser estender o assunto
para esse lado poderá com certeza provar de modo cabal a eficácia e a necessidade das colônias
de férias para os escolares das grandes cidades, dos centros fabris e industriais.
NOME:-
COR:_
NACIONALIDADE PAI: _
INSTRUÇÃO:___________
IDADE: __________ PESO:
FICHA INDIVIDUAL
------------------ NACIONALIDADE: -
NACIONALIDADE MAE:.
INST. MAE:.
.DIAM. BIACROMIAL:
MOLÉSTIAS DA I
a
INFÂNCIA:
ANTECEDENTES HEREDITÁRIOS:
AM BIENTE EM QUE VIVE:
MEIO DEVIDA DOS PAIS:.
APRECIAÇÃO GERAL DO ÍNDICE FISIOMÉTRICO:.
.Q.I.:
OBSERVAÇÕES:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
.FILIAÇÃO:.
INST. PAI:
ALTURA:.
TESE N
a
15
ORGANIZAÇÃO DOS MUSEUS ESCOLARES:
SUA IMPORTÂNCIA
Nicephoro Modesto Falarz
Escola Normal Secundária — Curitiba, PR
fundamento da educação em geral e do aperfeiçoamento intelectual em particular
consiste principalmente na apreensão e discernimento dos múltiplos e diversos objetos
que, por sua natureza, são capazes de avantajar o aluno inteligente e aplicado nos diversos
ramos do saber humano.
Este saber ou conhecimento racional, cuja aquisição o preceptor deve sobretudo facilitar
ao discípulo confiado aos seus cuidados, visa, entre outros muitos, os seguintes utilíssimos fins: o
desenvolvimento da faculdade de observação, a fixação da atenção e da memória, a coordena-
ção das observações ou a experimentação própria, a elaboração das conclusões pessoais e
outras vantagens práticas.
Para que este desenvolvimento tão importante quanto delicado das faculdades intelectuais
nas classes discentes possa atingir a maior perfeição, as condições técnicas exigem que o mestre
tenha ao seu dispor tudo quanto é necessário e preciso para não só facilitar a aprendizagem, mas
também conseguir, em pouco tempo, os melhores resultados possíveis.
Por isso, torna-se uma verdadeira necessidade que cada estabelecimento público de en-
sino possua coleções de diversos trabalhos, laboratórios especiais de aplicação, gabinetes de
experiência. Em uma palavra, que possua, e bem montado, o seu museu escolar.
A ciência, sendo ilimitada como ilimitada é a sabedoria incriada, fonte donde provém
aquela, não pode ser abrangida individualmente em todo o seu conjunto, pois o finito não pode
conter o infinito. Sendo assim, cada qual, nos limites de uma determinada especialidade de
matéria, serve-se de conclusões indiretas sobre as quais baseia a própria experiência.
Para que os enunciados fornecidos pelo professor não sejam uma abstração teórica que
conduza ao limitado enciclopedismo—em pedagogia, verbalismo—, convém tornar acessíveis
as condições mediante as quais os enunciados tenham forma convincente.
Aqui, pois, se tornam indispensáveis as viagens geográfico-científicas, visitas aos centros
de atividade econômica, excursões científico-naturais e os museus.
Estes meios têm relevante valor não só instrutivo, mas também educativo, e, quando con-
venientemente empregados, formam a base da educação cívica e despertam os sentimentos a
que denominamos patriotismo.
Do despertar—sentimos sob um único aspecto—resulta uma educação "chauvinista" ou
fanática, a qual conserva o indivíduo em uma situação reacionária de egoísmo e vaidade.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
O interesse da Pátria exige não só que os seus cidadãos sejam entusiastas cheios de amor
ao seu país, capazes de lhe dedicarem todas as suas energias, a inteligência e a vida, mas sobre-
tudo que, ao conhecerem as lacunas e as necessidades, por amor dela, idealizem uma determi-
nada diretriz para as preencher e satisfazer.
Semelhante patriotismo assegurará a Pátria o progresso e a contínua prosperidade. Os
cidadãos têm por obrigação conhecer a sua pátria, saber delimitar-lhe as relações com os ou-
tros países e almejar que ela, nas suas particularidades, tenha em tudo a primazia.
Na exuberante natureza do Brasil, no seu desenvolvimento espontâneo que produz a
grande obra do Criador e transforma os dons divinos em energia humana, cuja vontade e ousada
inteligência organiza o domínio e o poder futuro, capaz de abrigar e tomar feliz uma sociedade
muito mais numerosa do que a atual, residem as principais inspirações das diretrizes da
educação cívica.
Manter a integridade da nossa pátria, garantir-lhe o progresso, bem como a riqueza—eis
o dever de cada patriota.
Deste dever é fácil delinear um programa, como também deduzir as suas diversas
particularidades.
Entretanto, devemos ter um certo modo de pensar e de julgar.
Aí é que está a pergunta básica: Em que consiste a nossa pátria? Que é que lhe constitui o
progresso e riqueza? Que é necessário para, aproveitando essa riqueza e energia, não per-
mitir esbanjamentos? Como, administrando inteligentemente, nada perdermos dos domíni-
os? Como garantir-lhe as necessárias permutas, a troca equilibrada e o possível aumento de
suas riquezas? Como proceder para, desenvolvendo o valor da missão civilizadora, não
aniquilar os valores naturais, não dissipar os tesouros adquiridos nem substituí-los por ou-
tros completamente diferentes?
Precisamos conhecer aquilo que possuímos; precisamos conhecer o fim ao qual tendemos
e, sobretudo, ser conscientes das nossas ações.
O professor, animado por este espírito, despertará na alma dos seus educandos os
melhores e os mais preciosos sentimentos, que em pouco tempo se refletirão em toda a
coletividade.
Mas como deverá proceder o professor, praticamente?
Discursos empolgantes, declamações, etc, podem interessar, animar e, as vezes, até en-
tusiasmar, contudo não podem ensinar a arte da vida quotidiana.
Valoroso concurso para estes fins poderão fornecer os museus escolares.
Em uma escola isolada, o museu deverá servir para desenvolver as aptidões da criança,
por seu contato direto com as coisas que possam, por sua natureza, ilustrar as lições.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O pequeno museu será então um conjunto de objetos que substitua, tanto quanto possí-
vel, as gravuras dos livrinhos de aula, para que a criança não aplique, nas suas observações, o
sentido da vista, não as próprias coisas, mas as suas imitações.
E não diga o professor que precisa para isso de recursos pecuniários: ele encontrará na
boa vontade dos seus alunos a fonte inesgotável de tudo quanto precisa.
O museu escolar deve possuir uma coleção bem organizada, completa e bem conservada,
de tudo o que nos fale, relativamente, da localidade, da Pátria, do mundo e da natureza em geral
com os seus três reinos.
Aí devem existir coleções de minerais, de animais mamíferos, répteis, peixes e pássa-
ros, plantas (sobretudo as úteis) medicinais e venenosas, aparelhos e meios para o estudo da
Química, da Física, da História, da somatologia, da Higiene, da Geografia e da língua mater-
na. Aí devem achar-se também álbuns fotográficos, quadros históricos e diversas vistas dos
panoramas mais belos do País, modelos de máquinas e aparelhos, como telefone, telégrafo,
automóvel, armas de fogo, etc, enfim, coleções de artefatos das indústrias locais, dos produ-
tos agrícolas, etc.
Estas coleções devem ser conservadas em caixas envidradas e hermeticamente fechadas
em armários colocados em salas isoladas, devidamente abrigadas dos efeitos perniciosos da luz
solar, da poeira e dos microscópicos animais destruidores.
Um museu nessas condições, sobretudo se se achar munido de laboratórios, constitui uma
base educativa idêntica a das bibliotecas e salas de leitura.
Tanto nas bibliotecas como nos museus, é preciso estar sempre em contato íntimo, domi-
nar sistemática e gradativamente todas as seções. É preciso conhecer os pormenores, reunir os
conhecimentos adquiridos com outros já anteriormente conhecidos e passar as particularidades,
revendo as coleções já formadas. É neste ponto que o museu escolar se torna um meio podero-
so de instrução e de educação, quando o aluno deixa de ser um mero visitante e passa a ser um
operoso freqüentador.
As escolas modernas, do tipo mais recente, baseadas no método do trabalho, são verda-
deiros museus ricamente dotados de aparelhos e materiais de toda espécie e onde o estudo é
ministrado em laboratórios e em gabinetes.
Os melhores trabalhos escolares são colecionados, pois representam os esforços e resul-
tados dos discípulos, obtidos durante o ano escolar bem aproveitado.
As escolas primárias nas quais as condições materiais, no presente momento, não permi-
tam a existência de salas adequadas, aparelhos custosos e coleções de valor podem e devem
seguir a mesma trajetória, limitando-se aos meios que possuem.
Nas excursões e passeios, na conversação, com o fornecimento de compêndios e
revistas adequadas a esse fim, na execução dos trabalhos, o professor pode encaminhar os
alunos ao conhecimento do seu país, das suas riquezas, da sua vida e costumes, da sua
história.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Os minerais colecionados, as sementes, os insetos, as conchas, os esqueletos, os ni-
nhos, etc, devem ser cuidadosamente examinados e estudados pelas crianças, sob a direção
do professor, comparados com os similares conservados no museu e já conhecidos, com as
anotações sobre quando, onde e por quem foram colecionados. Uma pequena criação do
bicho-da-seda, um pequeno parque com um aquário, um jardim, podem fornecer e apresen-
tar milhares de observações que ensinam e elucidam os mistérios das formas, as diferenças e
semelhanças.
O professor deve ensinar, pelos métodos de observação, a escolher o material e a forma da
sua conservação, auxiliado pela atividade espontânea dos alunos, que tudo poderão fazer com
grande proveito para a sua instrução e para o desenvolvimento de suas faculdades.
Da mesma forma, devem organizar-se os álbuns com retratos de homens ilustres, de
paisagens nacionais e estrangeiras.
Postais, vistas, estampas de jornais, colecionados sistematicamente e colocados em car-
tões, acompanhados de descrições sucintas, são um meio poderoso para o estudo da história
do passado e do presente e tornarão o ensino muito interessante e atraente.
Estas coleções despertarão na criança o sentimento da alegria, da animação e do orgulho.
Uma das valorosas coleções que caracterizam uma determinada região e que podem ser
de grande proveito para os alunos é a de cadernetas com as observações climatológicas das
estações da vida comum, com as observações diariamente tomadas e que, elaboradas com
método, aproximarão as crianças do mundo que as cerca e criarão uma rica crônica escolar.
Porém, os mais curiosos e, ao mesmo tempo, os mais proveitosos resultados podem
provir da permuta de correspondências, descrições, fotografias de coleções feitas por crian-
ças de diversas localidades, ainda que distantes e situadas em várias condições geográficas
do Estado.
O fato de as crianças transmitirem mutuamente as variadas belezas e curiosidades de sua
região há de fazê-las entrarem comunhão intelectual com os seus iguais de outra região e até do
estrangeiro; um tal intercâmbio intelectual, sem dúvida alguma, influirá beneficamente a convi-
vência quando adultos. Por enquanto, desperta o interesse ao País, a sua integridade, e o
estudo da Geografia há de se tornar ameno, animado, atraente, interessante.
As universidades e os museus estrangeiros ufanam-se com as coleções reunidas e organi-
zadas no Brasil.
Permanecem entre nós numerosos naturalistas, e, mesmo anualmente, aqui aportam,
caprichosamente organizadas, expedições científicas; e, ainda que há muitos anos centenas
de sábios estejam a estudar a nossa natureza, todo aquele que se dedicar a reunir coleções
pode estar certo de que essa sua coleção será ainda enriquecida com novos espécimes
desconhecidos.
É ilimitada e incomparável a riqueza natural do Brasil. Saibamos conviver com ela, observá-
la, entendê-la e, ao mesmo tempo, aproveitá-la.
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Organizemos os museus escolares, porque, por intermédio deles, aprenderemos a conhe-
cer, amar e glorificar o nosso Brasil, guiando os nossos alunos na tarefa de observar e adquirir
experiências em contato com as coisas que nos são caras; desta forma, daremos ao nosso
ensino as mais completas bases objetivas.
Só assim procedendo, desde a escola primária, é que teremos formado homens de ação.
TESE Nº17
PELA EDUCAÇÃO ESTÉTICA
Fernando Nereu de Sampaio
o Brasil, só estudam Estética os que desejam conhecê-la em toda a extensão dos seus
vastos domínios.
São os artistas das artes plásticas, das artes do desenho, são os músicos, são ainda os
artistas da literatura aqueles que penetram os campos dessa arte ou ciência que estuda a gênese
da obra de arte, as leis do gosto e da crítica.
São, porém, os estudiosos das coisas de arte os únicos que se aventuram a percorrer os
ínvios caminhos desse ramo das ciências psicológicas ainda em busca de formação completa.
Os que não se inclinam para as regiões altíssimas das artes não recebem a influência de
qualquer raio luminoso que lhe projete uma luz doce e convidativa, despertando-lhes o interesse
de ao menos abeirar-se dessas perspectivas onde o espírito descansa e goza prazeres inefáveis.
A antiga geração iniciava-se na música como na literatura e nunca nas artes de desenho, e
a nossa apenas sente o influxo de uma aproximação literária.
As artes plásticas e a música ficam reservadas aos pendores, as revelações mais ou me-
nos precoces.
Não há exagero na expressão. Cada um de nós que reveja seu passado acadêmico en-
contrará essa lacuna. Quantos colegas são hoje poetas ou escritores? Quais e quantos pintores
ou músicos? Não tiveram os primeiros um excitante a vocação com a iniciação de boas leituras,
feitas na classe pelos mestres, com as apreciações e comentários destacando com entusiasmo
as belezas de forma e pensamento?
Que veículos tiveram os últimos para despertar-lhes a admiração pelas belezas de uma
harmonia musical ou na contemplação de uma obra de arte, de arquitetura, escultura ou pintura?
Enquanto os primeiros liam trechos seletos de bons autores, os segundos riscavam enfa-
donhas figuras geométricas sob o terror dos desvios milimétricos.
Enquanto aqueles se deleitavam com prosadores e poetas da língua portuguesa, ouvindo
crítica do mestre que os orientava o gosto ou pelo menos preparava-os para sentir, estes nunca
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N
ouviram um comentário acerca da arquitetura de Fórum Romano, das pirâmides, do Templo de
Karnak, do Escriba ou do Moisés, do Juízo Final ou da Rendição de Breda.
Poucas palavras ficavam ao professor de História, que citava essas e outras obras de arte
incidentemente, elogiando-as nas mais das vezes com pomposa adjetivação por não ter senti-
mento artístico capaz de sentir e realçá-las ou criticá-las.
Da modelagem nunca se cuidou com o carinho merecido, pois a orientação pedagógica
adotada não chegava a alcançar-lhe os objetivos, e, dos trabalhos manuais, eram apenas consi-
derados os de agulha.
A iniciação estética foi, portanto, até hoje, lastimavelmente imperfeita, e, agora, reconhe-
cemos que a sociedade não tem cultura estética para sentir as artes de desenho e mal interpreta
a música. A razão está unicamente nessa orientação pedagógica deficiente, que transformou o
ensino do desenho em horas de suplício onde só os néscios se deleitavam e que arredou das
escolas, como inutilidade, até o canto dos hinos (refiro-me aos cursos secundários), o que levou
quase todos a convicção de que só as crianças devem cantar.
Assim, assintotando os esplendores da arte, vive hoje uma geração dentro da civilização
e quase completamente alheia a arte.
A iniciação estética precisa ser feita dentro da escola primária.
Quando a Inglaterra percebeu a necessidade de difundir a educação estética — porque
encarou-a como um problema econômico do Estado, visando a preparação de massas de
produtores e consumidores de indústrias de bom gosto e objetos de arte para embelezamento
dos lares e prazer do espírito —, a primeira atitude tomada foi com respeito aos programas
de desenho e modelagem das escolas primárias e profissionais; refundiu-os integralmente,
baseando-os no objetivo fundamental de despertar o interesse e o gosto pelas coisas de arte.
Foram tão bons os resultados que as demais nações não trepidaram em acompanhá-la na
orientação traçada.
Que esperamos nós, que vivemos até hoje escravizados as indústrias estrangeiras e a arte
da Europa, que ela mesma já procura modificar? Que esperamos nós, para nos libertarmos
dessa rotina comprometedora que formou essa sociedade onde a cultura estética é deficiente
até mesmo entre os artistas?
Enfrentemos o problema praticamente como o divisou o espírito arguto dos ingleses. Par-
tamos da escola primária e das profissionais, não com o intuito de formar gerações inteiras de
artistas, mesmo porque nunca o conseguiríamos, porém, com o objetivo de despertar o interesse
pela contemplação das obras de arte, sejam elas da literatura, da música, da pintura, escultura
ou arquitetura.
Cuide-se da educação estética com a preocupação de educar o gosto da sociedade, para
aformosear-lhe os costumes, embelezar os lares e circundar-se de objetos de bom gosto, mes-
mo que sejam banais utensílios de uso comum.
Prepare-se, pela educação estética, uma sociedade capaz de selecionar o bom do mau
em qualquer ramo da arte, como o faz hoje, mais ou menos, na literatura.
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E, nessa educação, aproveitemos a oportunidade para ressaltar o valor do manancial
inesgotável que apresenta a nossa flora e fauna ao aproveitamento decorativo, seja na pintura ou
na arquitetura, seja na escultura, na música ou, ainda, na literatura.
Criemos a admiração pelas nossas coisas, pelos esplendores da nossa terra, de modo
que a visão artística da nossa gente se ambiente no coração da Pátria e aspire e produza algo
mais brasileiro e construa, para grandeza da terra que a circunda, e exalte, tanto quanto
merecem, as belezas das maravilhas do nosso solo ubérrimo, porque assim, cantando a terra
em prosa ou versos, em música ou massa plástica, cimenta-se a nacionalidade, fortifica-se a
unidade da Pátria.
CONCLUSÕES
Aconselhar os governos dos estados a cuidar imediatamente da reforma dos programas
de desenho, modelagem e trabalhos manuais nas escolas primárias, orientando-os no sentido da
educação do gosto sem, contudo, desvirtuar sua função pedagógica.
Aconselhar o ensino destas disciplinas nos estabelecimentos profissionais com o caráter
rigorosamente técnico e artístico.
Aconselhar os governos e diretores de colégios a manterem, nos estabelecimentos de
ensino secundário, cursos de divulgação:
a) em conferências, com projeções sobre as artes plásticas;
b) em conferências sobre literatura nacional e estrangeira, sob o ponto de vista exclusiva-
mente estético;
c) em audições de cultura musical, em que um músico ou orquestra execute trechos sele-
tos e um professor faça comentários sobre os trechos ouvidos.
TESE Nº 21
EDUCAÇÃO DA CRIANÇA EM RELAÇÃO À ASSISTÊNCIA
AOS LÁZAROS E DEFESA CONTRA A LEPRA
Alice de Toledo Tibiriçá
Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra — São Paulo, SP
A Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra sugere a distinta
Comissão encarregada dos estudos sobre higiene infantil que seja debatida, nos trabalhos
referentes a educação da criança, concomitante com as primeiras noções, a obrigatoriedade do
ensino da profilaxia da lepra. É mister demonstrar a sua transmissibilidade e fácil receptividade na
infância e adolescência, consoante opinião dos mais notáveis leprólogos.
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A difusão do ensino primário, atingindo a todos os analfabetos, se correr paralela com as
leões de higiene, sobretudo as que concernem as moléstias de longa duração — como a Sífilis,
tuberculose, impaludismo, moléstia de Chagas, úlcera de Bauru e, pairando acima, pela
deformação trágica e transmissão ignorada, a lepra —, levao Brasil ao seu pleno
desenvolvimento. A educação do povo, que em tão boa hora se inicia, trará luz sobre diversos
problemas que até
agora ainda não foram ventilados convenientemente.
Divulgadas entre as crianças, certas noções de higiene acordarão entre elas o sentimento
de natural defesa e o dever de solidariedade, prestando assistência aos infelizes que a enfermi-
dade privou de tudo!
Em relação a lepra, ainda há a errônea crença de que essa moléstia seja castigo de Deus,
ou então hereditária, transmitida de pais a filhos.
Os leprólogos professam a tese de que as crianças filhas de leprosos, retiradas dos pais
logo após o nascimento, furtam-se ao contágio e se tornam robustas, sem que haja, em sua
descendência, casos novos.
Em São Paulo, a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra mandou
imprimir 15.000 folhetos nesse sentido para serem distribuídos nas escolas.
O professor fará a leitura de teses de Higiene e, após uma explicação verbal, demons-
trará o perigo que os alunos correm uma vez em contato com doentes atacados do mal de
Hansen. Descritos os sintomas, anunciadas as probabilidades de cura, impressionar-se-ão as
crianças, despertando em sua alma ingênua a consciência do perigo. Voltando a casa, trans-
mitirão aos pais as noções que aprenderam nas escolas. Haverá, portanto, larga divulgação
de regras higiênicas.
O progresso de um povo depende de sua robustez. Quando o Brasil resolver o importan-
te problema de sua vitalidade e seus filhos demonstrarem sólido civismo com pleno conhecimento
dos encargos que lhes competem num país extenso e, ainda, em grande parte, inexplorado;
quando com perseverança difundir-se o ensino primário em todos os estados, uniformemente,
procurando levar o alfabeto e noções de higiene aos pontos mais longínquos, o Brasil dominará
como grande nação — forte entre as mais fortes, grande pela extensão de suas terras e maior
ainda pelo valor de seus filhos!
Pede-se, pois, ao distinto Congresso estabelecer as bases da educação da criança, não
somente quanto a sua instrução e cultura física, mas sobretudo em relação ao conhecimento
exato do perigo que as endemias oferecem. Torna-se necessário afastar a criança dos centros
de lepra, bem como fazer-se cuidadoso exame em seus companheiros de classe que hajam
habitado com pessoas contaminadas, pois muitas vezes não aparentam lesões e, todavia, são
veículos transmissores, agravantes, porquanto não há defesa possível diante da ignorância do
mal oculto.
A imprevidência dos brasileiros, cuja incúria é um crime, facilitou o mal de Hansen, tra-
zendo gerais perigos a economia do País.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Intensifica-se a imigração como elemento de progresso. Pelos sertões selvagens se espa-
lham os estrangeiros na ânsia da abastança, no desejo da independência. Ignorando o perigo,
em país estranho, pouco aclimatados e mais expostos ao contágio, contaminam-se, aumentando
a farândola dos parasitas que a sociedade sustenta.
Os nossos patrícios também, sem meios de defesa, ficam a mercê dos ataques da insidi-
osa enfermidade — completando a trágica cifra dos 30 mil leprosos que colocam o Brasil entre
os países semicivilizados...
Quando a lepra estende as perigosas garras, declinam-se as forças produtivas. Os braços
da vítima, outrora afeitos ao trabalho, perdem a energia, não mais concorrem para o progresso.
Sofre conseqüências a economia social. É mais um que estende a mão a coletividade. Esmolando,
transmite aos sãos o mal que porfia em lhes conservar a vida por decênios... E novas vítimas
desfalecem por sua vez contaminadas, aumentando as fontes de mendicidade que constituirão
outras caudais de misérias...
A falta de cultura é a noite do espírito. É a ociosidade e o crime. O vício entravando a
marcha ascendente. Todavia, se atendermos a intensidade do mal, a lepra ainda ocasiona maio-
res danos, pois destrói a vitalidade da raça, enfraquecendo o gigante que caminha para o futuro
grandioso que o aguarda.
Em hediondez, nenhum mal a supera; ataca em surdina, deforma, mutila, destrói, dupli-
cando suas vítimas pela criminosa comunhão entre sãos e enfermos! Quais seus agentes trans-
missores? Ninguém sabe! Como defender-se? Sabem todos: construindo leprosários modela-
res, asilos-colônias, onde os doentes se sintam atraídos e amparados pelo carinho e respeito
dos sãos, cujas mãos, válidas, devem se estender num gesto de solidariedade aos irmãos enfer-
mos em sua trajetória de lágrimas e esfacelamento!
Nos asilos-colônias, os enfermos poderão prover o sustento da família pelo trabalho re-
munerado, apenas para uso dos internados. Os que ainda puderem trabalhar sustentarão a
família, mesmo a distância, com o salário ganho no leprosário. Evitar-se-ão as cenas de miséria,
decorrentes do afastamento do chefe dos centros ativos do trabalho. E quando mais não pos-
sam prover o sustento dos seus, não sentirão também o desespero lhes obscurecer a razão,
supondo-os na miséria, pois a caixa de socorro das sociedades beneficentes garantirá o pão
nesse lar sobre o qual a adversidade estendeu seu trágico manto.
Um ponto delicado na vida dos infelizes já foi elucidado pelo critério bondoso dos nossos
leprólogos: o casamento dos asilados. Eles têm essa permissão, uma vez concordando no afas-
tamento dos filhos em local onde não possam ser contaminados pelos pais. O casamento repre-
senta, nesse caso, obra de grande assistência moral. Formando vida em comum, podem ainda
gozar relativa ventura, conduzindo juntos a penosa cruz. Casais há, como no Guapira, em que o
marido, cego, é socorrido pela esposa. É a luz na escuridão que o cerca, ampara-o e impede
que desfaleça a míngua pela falta do tato, o que lhe acarreta cegueira dupla.
Os filhos? Como a natalidade é pequena e grande a mortalidade na primeira infância, a
sua criação não pesa tanto a coletividade. Em São Paulo, o Asilo Therezinha de Jesus, organiza-
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do pela generosa iniciativa de dona Margarida Galvão, já resolveu o problema relativo aos filhos
dos leprosos. Retirados dos pais logo após o nascimento, sao entregues ao carinho de sua
grande amiga, que os preserva do mal num asilo amplo e higiênico, propício ao seu desenvolvi-
mento físico, cuida da educação moral e cultura intelectual.
Quando em todos os estados forem construídos leprosários-modelos e creches para cri-
anças não contaminadas, o gasto, embora avultado, será compensado pela economia das fontes
de trabalho, que não mais estarão sujeitas as investidas do mal.
Não será isso difícil, se a educação nacional for orientada em tal sentido. Sem distinção de
credo religioso ou cor política, é mister que contribuam todos, dentro do possível e mesmo do
impossível, para a extinção do mal que avilta e enfraquece o Brasil, pondo seu nome na lista dos
países bárbaros, onde a lepra ainda impera!
A profilaxia deve ser ensinada nas escolas, juntamente com a formação da frase que o
amor a Pátria grava no coração: culto ao Brasil! A criança educada nesses princípios concorrerá
com o seu trabalho para a grande obra do saneamento; auxiliará a construção dos asilos com
espírito de alta solidariedade, patenteando o sentimento de honra dos povos cultos, e demons-
trará, com vigorosa atuação, que ama, acima da tudo, a glória e o renome da grande e esplên-
dida terra que a natureza houve por bem aquinhoar o Brasil!
Contribuindo com estas rápidas explanações no sentido dessa ilustre Associação desenvol-
ver em seu seio a tese que me propus — A Educação da Criança em Relação a Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra —, peço vênia para apresentar os nossos cumprimentos e votos
de grande sucesso na campanha que visa iluminar a nova geração brasileira.
TESE N
s
22
O ENSINO DAS LÍNGUAS MODERNAS
João Brasil Silvado Júnior
Instituto de Surdos-Mudos — Rio de Janeiro, DF
ela utilidade deste ensino não é preciso atualmente gastar palavras. As línguas modernas
estão definitivamente incorporadas as matérias comuns do ensino nacional em todos os países
civilizados e fazem parte dos programas dos ginásios mais clássicos. Entretanto, dois outros
pontos merecem ainda especial atenção: a diferenciação a fazer-se entre o ensino das línguas
modernas e o das línguas mortas, por um lado, e entre aquele e o da língua materna, por outro.
Já Afrânio Peixoto, no seu livro Ensinando a Ensinar, chamou bastante a atenção para este
último ponto, mostrando quão grande deve ser a distinção dos rumos no ensino do português
entre nós e no das outras línguas, mormente no emprego dos clássicos antigos como textos de
leitura e estudo nas classes. Ele citou o caso típico de um professor brasileiro que escreveu
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em inglês um relatório para uma exposição nos Estados Unidos, num inglês correto, porém tao
antigo que se tomava incompreendido pelos visitantes da exposição.
Para usar o inglês na conversação e na correspondência seria isso ainda um erro maior.
Deve-se terem mente que os alunos, ao enfrentarem as novas línguas, já possuem uma
língua própria, tendo dela uma noção gramatical bem adiantada. Mesmo porque "quem não
tem sólidos conhecimentos da língua materna não compreende as línguas estrangeiras", como
disse o professor doutor Otto Lyon na sua Deutsche Grammatik. Mas, se o ensino exclusi-
vamente gramatical da língua materna é condenável, nada justifica que se adote a gramática
para fundamento e método do ensino das línguas modernas. Esse processo reprovável é,
contudo, a base de quase todos os nossos compêndios escolares. Não se admitem nesses
compêndios, por exemplo, que os substantivos que formam o plural de certo modo venham
num exercício antes de outros que o formam de modo diverso, nem que certos verbos ve-
nham antes de outros.
Baseados nestes princípios, os exercícios estão cheios de palavras antiquadas e de raríssimo
uso, só porque servem para exemplificar regras gramaticais ou exceções a essas regras.
Sweet, noPracticalStudy ofLanguages, p.l 10, escreve:
Na gramática alemã comecei com a palavra Hornung, fevereiro, como uma exceção a regra de
que as palavras terminadas em ung são femininas. Por muito tempo nenhuma palavra da língua
alemã me era mais familiar do que essa, exceto talvez Petschaft, chancela, que me veio ao
conhecimento pelo mesmo processo. Apesar disso, não me lembro de jamais as ter encontrado
em um livro de alemão moderno e muito menos de as ter ouvido na conservação. Hornung é
mesmo inteiramente arcaica, exceção de alguns dialetos do alemão. Afinal, quando iniciei o
estudo da gramática superior, encontrei Hornung, pela primeira vez na minha vida, numa poesia de
Walther von der Vogelseide, mas por esse tempo já eu a tinha esquecido completamente. (Citado
por Jespersen, no livro How to Teach a Foreign Language, cap. II)
É ainda com esse intuito de exemplificar regras e exceções gramaticais que os exercícios
dos compêndios mais usados estão eivados de frases e sentenças desconexas. De um deles
tiramos ao acaso este trecho de exercício: The affection of a good mother is prover-bial. How
many feet have two oxen? The geese of the Capitol. The queen of England has many; Brazil
is very rich in minerais. E de outro: Doyou recollect whatday it was he wentaway?Icaught a
coldsitting down on the wetgrass. De um compêndio que procura ensinar o português aos
estrangeiros: Os pés estão molhados. Eu estou pronto. Os dentes estão limpos. Vós estais
satisfeitos? O menino doente está gritando. Nem mesmo adultos, que podem suportar uma
longa provação da paciência, tolerariam tais acrobacias de pensamentos que pulam da
pergunta Quantos pés tem dois bois? a resposta Os gansos do Capitólio.
Quando há nexo na narrativa, o contexto esclarece e firma o significado dos termos.
Com este malabarismo de idéias e de frases fomenta-se a tradução literal e imperfeita, pecha
de que não se livram os próprios compêndios.
Tem-se ultimamente procurado corrigir essa falha. O princípio dominador, porém, é o
mesmo: seguir a gramática, parágrafo por parágrafo. O exercício passou a ter um pequeno
enredo, mas como é preciso ajuntar nele todos os preceitos da gramática no parágrafo em
estudo essa aglomeração artificial torna a narrativa desinteressante. Quem é, por exemplo, que
compõe uma narrativa de prosa comum ou literária só com os verbos de uma certa classe ou só
com os adjetivos e os substantivos que constituem uma exceção na formação dos gêneros?
Diz-se que o emprego dos textos clássicos de sintaxe, já inusitado no estilo moderno, é
devido ao modo de ensinar as línguas mortas. Dentre estas, o latim exerce um grande prestí-
gio, e o método pelo qual é ensinado é tido como modelo didático. Ninguém mais hoje ensina
o latim ou o grego, nem mesmo no ensino extremamente clássico, para falá-lo ou nele se
corresponder. O fim prático do uso efetivo da língua aprendida é o que visa a instrução das
línguas vivas. O preconceito em favor do método do latim está, porém, tão enraizado nos
professores dos cursos secundários que estes repelem, como vexatório, o título de professo-
res de línguas vivas. É verdade que esta denominação foi desacreditada pelos primeiros rea-
cionários, bem intencionados, porém, não professores. Johann Franz Ahn, nascido em Aachen,
Alemanha, no ano de 1790, foi um comerciante. Seu objetivo era preparar os jovens para a
vida mercantil, fornecendo-lhes das línguas estrangeiras apenas o conhecimento indispensável
para esse fim. A respeito do método de Ahn, diz Leopold Bahlsen, professor superior da
Realschulen, em Berlim, no livro The Teaching of Modem Languages, em tradução ameri-
cana: "No início, eles (Ahn e seus companheiros) forneciam aos alunos palavras fáceis e de
emprego comum, bem como sentenças simples. Preveniam os professores contra o uso pre-
maturo da gramática. Pregavam uma certa prática de conversação desde o começo do ensi-
no. Asseveravam com ênfase que era preciso manter durante o curso, bem presente, o fim do
ensino, isto é, a capacidade de exprimir-se na nova língua". A elaboração e execução do
método ficaram, porém, longe de suas pretensões. As dificuldades foram simplesmente evita-
das, e o plano resultou num contínuo traduzir. A crítica tinha ferido a nota contra o método
clássico. Salientou-se bem que os alunos, depois de tanta gramática, tanta tradução e tanta
análise dos textos clássicos antigos, eram totalmente inaptos ao uso atual da língua ou nela se
exprimiam de modo impróprio, quando não ridículo. Kron, imbuído desse novo princípio,
apresentou a sua série de livros,Le Petit Parisien, The Little Londoner, The Little Yankee.
Estes livros são secos vocabulários. Úteis como tais, detestáveis como compêndios. Todos
esses reacionários tinham pressentido a verdadeira direção, faltando-lhe apenas um critério
didático.
Uma outra idéia veio perturbar por muito tempo o ensino das línguas modernas. Deve-
mos aprender uma língua nova, disseram, assim como aprendemos a nossa. Nesse método,
chamado materno, sempre se olvidou um ponto básico. O que aprendemos de nossos pais é
uma linguagem, sem dúvida uma das maiores criações da humanidade. Primeiro, linguagem
falada e, depois, linguagem escrita. É um ponto importante de psicologia, do qual não se
devem esquecer os instrutores de novas línguas. As nossas idéias e os nossos sentimentos
receberam, com a linguagem materna, um cunho indelével. O problema da linguagem é o
problema dos instrutores de surdos. Há muitas conexões com o do ensino de línguas, mas é
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
diverso. Um dos mais importantes enganos daí resultantes tem sido a abolição por completo
da língua no começo do ensino da nova língua. Um outro: a ausência completa de uma prévia
instrução fonética na produção e na acústica dos fonemas estranhos. O aluno já possui um
vocabulário estalão na língua materna. Assiste o aluno a mímica, a ação e a representação do
professor para, por fim, concluir: "Ah! já sei, good quer dizer bom", quando sua inferência
não é errônea e difícil de ser extirpada. Uma vez vimos um professor gastar longo tempo para
ensinar a palavra forma, e tendo por fim recorrido a forma dos sapatos que mostrou, ambos,
professor e aluno, se julgaram perfeitamente entendidos. Mais tarde, recorrendo a um dicio-
nário para deslindar uma esquisitice que encontrou entre o dito vocábulo e o seu contexto, viu
o aluno que forma o significava a footprints, como havia concluído das explicações
em classe. Imagine-se a grande dificuldade de ensinar as conjunções porque, como e outras,
sem traduzi-las. Pelo menos há nisso grande perda de tempo, pois o aluno, quando as tiver
apreendido, referir-se-á imediatamente ao padrão da língua materna. E as horas dedicadas a
este ensino;ja são demasiado poucas. Vem a propósito referir-se a experiência de Carl Schurz,
um teuto-americano, estadista, jornalista e general, nascido na Prússia em 1829. Ele foi para
os Estados Unidos em 1852, tornando-se um membro proeminente do Partido
Republicano, morrendo em 1906.
Nas suas Reminiscences of a Long Life, publicadas no McClure's Magazine, diz o
referido estadista:
O meu primeiro empenho foi aprender o inglês o mais rápido possível. Muitos educadores me têm
dirigido indagações sobre os processos que empreguei para me assenhorear dessa língua e dis-
correr nela com a facilidade que possuo. O método foi muito simples. Não usei nem me lembro de
tê-la jamais tido entre os meus livros. Ataquei logo a leitura de um jornal, o Ledger, de Filadélfia.
Diariamente eu percorria editoriais, correspondências e telegramas, chegando até os anúncios. O
Ledger era ainda uma folha mal impressa, mas publicava contos bem redigidos. Daí passei as
novelas, procurando cedo Walter Scott, Dickens, Thackeray, Macaulay e outros, deixando
Shakespeare para o fim. Nunca li as carreiras, superficialmente. Nunca deixei passar uma palavra
sem compreender-lhe bem o significado. Jamais deixei de consultar o dicionário num caso duvido-
so. (Extraído do The Mt. Airy World, de 26 de fevereiro de 1920, revista escolar do Pennsylvania
Institut for the Deaf)
O jornal é realmente um esplêndido compêndio. O noticiário dos fatos comuns ocorridos
na cidade é redigido pelos repórteres não pretensiosos em literatura, que usam a linguagem
usual. O vocabulário e o fraseado podem ser aprendidos com o auxílio da tradução e do dicio-
nário. O uso da nova língua fará que o estrangeiro crie o hábito de nela se exprimir, pondo de
lado, a princípio parcialmente, depois totalmente, o intermediário da língua materna. Entenderá
e falará diretamente o novo idioma.
Criar esse novo hábito é finalmente ter transposto a última barreira; é ter conquistado o
novo idioma. Só a convivência entre os estrangeiros o consegue, sem a qual o mais que razoa-
velmente se prometerá é um treinamento indispensável e suficiente, a fim de que, na oportunida-
de de convivência, esta exija apenas um percurso de poucas semanas para o bom êxito. É
preciso isolar-se do ambiente da língua nacional, combater a ânsia de falar a língua materna
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
como o atleta combate a angústia dos primeiros momentos, até ganhar o segundo fôlego dos
atletas que o conservam na corrida até o fim.
Adquirida a nova língua, é fácil passar de uma para outra, mas essa passagem não deve
ser brusca. Não só as idéias, mas os próprios órgãos vocálicos exigem uma nova adaptação.
Daí as perturbações das citações em várias línguas e as dificuldades das traduções; daí a neces-
sidade de abolir do ensino as versões.
O grito de reforma dos métodos de ensino das línguas modernas foi dado em diversos
países por volta de 1870. Resultou então em um método em contínuo aperfeiçoamento, ao qual
têm sido dados diversos nomes: fonético, natural, analítico e, mais comumente, método direto,
salientando, todos, um ou outro aspecto do ensino.
Como bem nota Otto Jespersen, no seu já referido livro, "fala muito em favor da reforma
o fato de não se poder dar ao 'novo' método o nome de algum fundador". Grandes lingüistas,
foneticistas e pedagogos cooperaram na sua criação e ainda trabalham no seu aperfeiçoamento.
Basta lembrar os nomes de Sweet, Sievers, Sayce, Lundell, Perthers, Trautmann, Vietor, Rossman,
Kühn, Paul Passy e outros.
Sentiu-se a necessidade de um estudo preparatório da fonética. O poder de imitação
dos fonemas ouvidos vai decrescendo com a idade e é perturbado pelos hábitos dos órgãos
vocálicos na articulação dos sons da língua materna. Dada uma noção suficiente da articula-
ção dos sons, os fonemas estrangeiros podem ser exercitados. Os exercícios devem ser feitos
sobre palavras da nova língua, como nomes próprios de pessoas, de localidades, de objetos
comuns. Evita-se hoje o abuso da combinação de articulações não usuais, como se fazia a
princípio, quando se juntavam duas ou três sílabas em vocábulos sem sentido, com o mero
fito de exercícios de articulação. Textos fáceis para leitura e conversação podem ser dados
logo de começo. Um exemplo pode ser colhido das Kleine Erzahlungen für Kinder, de
Reuschert:
April
Ema stand am Fenster und sah unwewandt hinaus. Das sah ihre Schwester Olga. Neugierig, wie
sie war, lief sie sogleich auch nach dem Fenster. Da war abergar nichts zu sehen. Erna lachte Olga
sus. Es war námlich der erste April. Da machten die Kinder ofters derartige Schertze.
Os pequenos acontecimentos do mundo escolar, principalmente quando dizem respeito
aos próprios alunos da classe, podem ser reduzidos a pequenas composições pelo professor e,
quando postos em rima, ainda se tomam mais atraentes. Do Mt. Airy World de 27 de outubro
deste ano extraímos o seguinte:
William
William's eye is black and blue.
William's eye is shut. William
has a happy smile.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
But his hp is cut.
WilliarrTs cheek is all scratched up.
William's proud though lame. He
played football yesterday. His team
won the game.
A arte de fazer perguntas sobre o trecho lido nem sempre é fácil de ser praticada. Uma
pergunta, uma vez feita, se não compreendida, deve ser esclarecida mas não modificada. É
preferível até esclarecê-la pela tradução, e depois repeti-la em várias oportunidades. Noções
de gramática podem ser dadas concomitantemente com aplicações ao trecho lido, flexionando
os nomes ali encontrados e conjugando os verbos no tempo em que se acham. No texto inglês
acima, por exemplo, os possessivos podem ter um bom exercício: My Up, your lip, William s
lip, his lip, herlip, our lips, your lips, theirlips. Verbo conjugado:Iwon,you won, he won,
she won, his team won, we won,you won, they won. Mais tarde os alunos são convidados a
reproduzir o trecho lido e fazerem-se reciprocamente perguntas sobre ele. Daí a conversação
sobre quadros e a conversação comum, não é difícil a transição. Além destes, há muitos outros
expedientes conhecidos dos professores.
Entre nós, a aplicação deste ensino moderno das línguas vivas já se encontra amparada
em excelentes compêndios. Para o francês, o Curso Prático da Língua Francesa, de Rossmann
& Schimidt, e aSeletaFrancesa, de Kühn, ambos adaptados ao português pelo professor Said
Ali. Estes compêndios e a Seleta Francesa de Rossmann são ainda dos mais usados nos giná-
sios da Alemanha. Para o inglês e para o alemão temos O Primeiro Livro de Inglês e O
Primeiro Livro de Alemão, de O. Nobiling, antigo professor do Ginásio de São Paulo. Este
professor foi um grande estudioso do português e, observador fino, publicou um excelente tra-
balho sobre os sons nasais do português falado no Brasil.
O emprego do método moderno, exigindo que o professor fale a língua estrangeira
durante o ensino, é olhado com prevenção por muitos professores nacionais. Na Inglaterra o
debate era acalorado a esse respeito quando se declarou a última grande guerra, como o
testificam as colunas da revista Moder Languages Teaching. No Brasil, raríssimos são os
verdadeiros professores estrangeiros e muito menos aqueles que se dão ao incômodo de
estudar o idioma nacional, como o fez Nobiling. Nos anúncios de jornais se oferecem verda-
deiros charlataes estrangeiros, trabalhadores braçais em seu país de origem, sem noção de
pedagogia, falando um linguajar da baixa classe, incapazes de explicar com acerto uma pági-
na de Scott ou de Dickens.
Deixamos de parte outros pontos importantes da matéria de que nos ocupamos, por
se relacionarem mais com outros assuntos. Concluímos com uma referência apenas ao tem-
po deficiente que se dedica ao ensino das línguas modernas nos nossos cursos secundários.
Parece-nos que os nossos ginásios chegaram a um grau em que precisam definir-se ou
dividir-se em dois cursos distintos: o clássico e o moderno. No curso moderno, natural-
mente, as línguas vivas estrangeiras podem obter maior espaço nos horários e maior efici-
ência no ensino.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
s
23
O CINEMATÓGRAFO ESCOLAR
América Xavier Monteiro de Barros
cinema é, no momento atual, a arte por excelência e, sem dúvida alguma, o meio mais
perfeito e completo para a representação de seres, fatos e coisas.
Nenhum outro elemento concorre mais eficazmente como guia educativo e instrutivo, por-
que, apossando-se de todos os conhecimentos humanos, desperta o interesse das crianças,
facilitando-lhes o esforço cerebral de maneira sedutora e agradável.
A Geografia, a História, as Ciências Físicas e Naturais, a tecnologia, as lições de coisas e
as indústrias mais se adaptam as projeções cinematográficas, que também devem ser utilizadas,
e com grande vantagem, nos exercícios de vocabulário e composição. Além disso, os alunos
que aprendem pelo desenrolar dos filmes habituam-se a ver tudo com rapidez e vigor, adquirindo
por este modo tal agudeza de espírito que os torna capazes de representar em desenhos as
coisas e os seres em diversas atitudes e ações.
As lições cinematografadas despertarão tão vivo interesse entre os nossos alunos que irão
servir ainda de meio de estímulo e punição para os aplicados e os vadios.
Quão fecundo e deleitoso será o ensino quando o professor puder substituir o livro pela
projeção?! Quando puder levar para a tela todos os nossos tesouros, a começar pelos cauda-
losos rios, as cachoeiras opulentas e tumultuosas, a majestosa tranqüilidade dos lagos, a fauna
de assombro descomunal, a flora variegada e copiosa, o plantio do algodão, do café, do fumo,
a manufatura industrial, o percurso pelos terrenos de lavoura, a extração dos metais e tudo
quanto o engenho humano apresenta de útil e confortativo na prodigiosa atividade moderna.
Como, porém, obter tudo isso?
Que cada estado produza filmes, desencantando as suas regiões; que o governo federal
auxilie e anime esse empreendimento e que os podêres municipais, no esforço de beneficiar o
ensino, dotem os futuros prédios escolares dos requisitos indispensáveis ao funcionamento do
cinematógrafo escolar.
É lamentável, realmente, que até hoje, na capital da República, centro disseminador dos
grandes empreendimentos, as autoridades competentes ainda não tivessem tido a percepção
real da necessidade do ensino pelo cinema, quando o governo de Minas já tem orçamento para
esse fim desde 1926.
Em 1902 e 1903, o Pedagogium fez cursos de história da pintura geral, focalizando os
quadros de pintores célebres por meio da lanterna mágica — a precursora do cinema. Esses
cursos produziram grande animação, e as professoras que os freqüentaram viram, como em
viagens, os museus da França e da Itália e apreciaram as obras portuguesas e os monumentos
históricos da terra dos nossos maiores.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
É corrente como o nosso Rui Barbosa freqüentava assiduamente os cinemas, donde se
abeberava de fatos que lhe avivavam a extraordinária facúndia. As obras imorredouras que nos
legou atestam eternamente a riqueza do nosso opulento idioma.
Atualmente, em todos os centros em que a instrução pública é cuidada com o zelo que
merece, já foi introduzido o ensino ilustrado pelas projeções cinematográficas.
Dentre esses posso citar a França, que desde 1913 tem instalado em várias escolas
aparelhos de projeção. À hora da aula os alunos se dirigem a sala de cinema, o professor
começa a lição, interroga, utiliza-se do quadro-negro, das cartas geográficas, faz sumários,
esboços, etc, e do seu lugar projeta o filme, cuja velocidade é regulada a vontade, fá-lo
parar para os exercícios de observação e, terminada a projeção, faz um resumo do assunto
explanado.
Esses filmes, porém, devem ser apresentados na tela com lentidão, constituindo o que se
chama hoje a cronofotografia.
Os aparelhos registram geralmente 16 imagens por segundo. Se o operador movimentar a
manivela imprimindo uma velocidade tal que a película grave um número de imagens três vezes
maior, essas imagens gastarão três segundos a desfilar sobre a tela, e o movimento aparecerá
três vezes mais lento.
Em 1918, H. Abraham e L. Bloch construíram um aparelho que registra até 50.000 ima-
gens por segundo. E graças a este prodígio pode-se analisar os movimentos das asas dos meno-
res insetos e seguir até a trajetória de um projétil.
Estas palavras já estavam escritas quando se publicou o projeto da reforma do ensino, em
que se pretende introduzir na escola o cinematógrafo, o rádio e todos os meios pedagógicos da
arte moderna de instruir.
Bem hajam, pois, o prefeito e o diretor de instrução municipal.
TESE N
Q
24
A EDUCAÇÃO EA PAZ
Laura Jacobína Lacombe
Associação Brasileira de Educação e Curso Jacobina — Rio de Janeiro, DF
mundo moderno pede paz! Todo aquele que sente dentro de si algum reflexo do
infinito percebe no seu íntimo um desejo dessa paz que fará a harmonia da grande orques-
tra universal.
A humanidade, seguindo a sua marcha de progresso, não pode, sem retrogradar, pensar
em ódio e vinganças.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
O nosso século, que está realizando alguns grandes ideais, trabalha para pôr em prática as
palavras d'Aquele que disse: "Amai-vos uns aos outros".
E a quem compete, mais do que a qualquer outro, a divulgação desse ideal tão nobre?
Cada um de nós, professores, tem a obrigação moral de lançar a semente no vasto campo da
infância, para que outras gerações venham colher a messe benfazeja. Plantemos, como diz Rui
Barbosa, não a couve, porém o carvalho. Grandiosa é a obra daquele que faz o bem tendo em
vista a felicidade alheia.
Vejamos agora o que entendemos por sentimento de paz, quais as correntes que lhe
facilitam a realização e quais as que a perturbam.
Paz é o desejo das almas que aspiram a um ideal de amor e fraternidade; paz, palavra tão
pequena em si mas que resume uma felicidade tão grandiosa; paz foi o voto que Deus enviou aos
homens pelos seus anjos como expressão do que pode haver de mais sublime.
Estudaremos as duas correntes que se contradizem e que, ambas, agitam e dificultam a
marcha plácida e grandiosa da flâmula ai vinitente da paz.
Citemos o internacionalismo e o nacionalismo.
Como diz Foerster, há pessoas cosmopolitas, sem raiz profunda na individualidade do seu
povo. São eles os pioneiros mais ardentes da idéia internacional; mas eles próprios comprome-
tem implicitamente os esforços internacionais, pois pela sua mentalidade fazem crer que o senti-
mento supranacional exclui a individualidade nacional bem marcada.
Comete na verdade um erro grave aquele que supõe ser a idéia de pátria que perturba o
sentimento de paz. Muito ao contrário, todo aquele que refletir sobre a lei da divisão do trabalho
verá que só a diversidade de modos de ver e encarar certas questões tornará possível a realiza-
ção dos grandes ideais. Cada povo, sentindo e interpretando os fatos com as características da
sua raça e dos seus costumes, contribuirá para a solução eficaz dos magnos problemas, e como
cada instrumento, cada um com a sua parte e com o seu timbre diverso, todos, sob o influxo da
inspiração de uma só vontade, realizam a harmonia gradiosa de uma orquestra.
Assim como cada pequeno instrumento traz a sua nota de realce, assim cada nacionalida-
de, por menor que seja, contribuirá com seu modo de sentir para o aperfeiçoamento dos enun-
ciados do código da paz.
É a cooperação que deve trazer a união e nunca a competição. Desde a escola, devemos
desenvolver na criança esta idéia; mais tarde ela compreenderá melhor, quando enfrentar os
problemas sociais e universais.
Quando se sai do seu país e se sente, ao contato de outros povos, os traços morais que
nos diferem, compreende-se melhor o que deve ser esse sentimento de cooperação.
Cultivemos bem os traços característicos da nossa nacionalidade, tendo em vista não um
orgulho vão, mas compreendendo que somos um dos instrumentos da grande orquestra universal.
Vejamos a outra corrente: o nacionalismo.
Cremos ser essa idéia levada ao exagero, o produto de cérebros exaltados daqueles que
nunca estiveram realmente em contato com as grandes correntes intelectuais dos outros povos,
que nunca sentiram o influxo benfazejo que nos pode vir de outrem. Assimilemos e adaptemos ao
nosso modo de sentir o que nos ensinam as outras nações, não só as mais poderosas, como as
outras. Quanta vez alguém mesmo mais humilde do que nós pode dar um exemplo proveitoso!
Patriotismo não deve ser o orgulho cultivado; patriotismo deve ser a noção da responsa-
bilidade que temos, cada um de nós, de preencher a nossa parte, por modesta que seja, obra de
engrandecimento da nossa Pátria e da harmonia do Universo.
E no ensino da História, que responsabilidade tem um professor! Como erra aquele que
crê ser de dever patriótico esconder as faltas do nosso país, lançando a culpa sobre outros. É o
sistema da irresponsabilidade que tanto aflige o nosso século.
Tenhamos a coragem moral de julgar severamente os atos dos nossos antepassados, fazen-
do assim ver aos jovens de hoje como serão considerados os seus feitos de responsabilidade.
Façamos ver os resultados dos erros de outrem; são provas mais evidentes de que não há
erro sem conseqüências tristes para uma coletividade.
Se cada cidadão estiver imbuído do sentimento de responsabilidade, será tão intenso o
sentimento de solidariedade que estará dado o grande passo para a estrada da paz.
Procuremos não alimentar na criança os instintos guerreiros; trabalhemos pela extinção
dos brinquedos que os alimentam. Procuremos distrair as crianças sublimando o seu instinto
combativo, incutindo-lhes o horror daqueles que lembram o sangue derramado. Façamo-lhes
compreender que só tem direito a tirar a vida Aquele que a dá. Se é o crime a morte de um, por
que em massa será permitido?
A América, que está na vanguarda do movimento pacifista, está dando ao mundo um belo
exemplo codificando o seu direito internacional. Foi do solo americano que saiu o primeiro
movimento de união pacífica das nações, pela iniciativa de Bolívar. Estava se tornando real o
sonho de antigos idealistas como Rousseau.
Procuremos um meio de incutir na criança o interesse pelas crianças de outros países,
como o faz a obra genial de Baden-Powell ou, também, a Cruz Vermelha Juvenil por meio das
correspondências interescolares.
Há uma instituição que merece o nosso apoio: a comemoração do Dia da Boa Vontade.
A data escolhida foi o dia 18 de maio, aniversário do I
a
Congresso de Haia, em 1899.
Nesse dia, as crianças do País de Galles enviam, pelo telégrafo sem fio, uma mensagem
de amizade as crianças de todos os outros países do mundo. Essa mensagem de simpatia é
também enviada pelo correio para os países mais afastados. Desde 1922 existe essa instituição.
Só em 1924 foram recebidas respostas da Suécia e da Polônia. Desde aí, estas têm crescido em
número, acentuando-se esse movimento de solidariedade internacional.
Este ano (1927) foi o primeiro em que se comemorou essa data no Rio de Janeiro.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A pedido da A.B.E., o doutor Fernando de Azevedo, Diretor da Instrução Pública Mu-
icipal, organizou uma festa que se realizou no campo do Fluminense Futebol Clube, dela to-
mando parte perto de 5.000 crianças. Foi tocante o momento em que todas aquelas vozes
infantis entoaram um expressivo hino a paz.
Se esta comemoração for introduzida em todos os estados do Brasil, que felicidade para
nós da A.B.E, de sentirmos que em alguma coisa concorremos para a construção desse edifício
grandioso da solidariedade humana, onde tremulará o estandarte alvo da paz.
TESE Nº 25
O TEATRO E SUA INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO
Decio Lyra da Silva
Escola Normal Wenceslau Braz — Rio de Janeiro, DF
Estudando o teatro sob o ponto de vista de sua finalidade educativa,
procuraremos desenvolver nossas considerações para concluir:
—que influi o teatro nos costumes;
que o teatro atualmente é um elemento de perversão;
que pode ser o teatro uma escola de educação individual, social e cívica;
que, no Brasil, o teatro, encarado no seu tríplice aspecto — da educação moral, da
educação estética e do desenvolvimento da cultura —, deve ser aproveitado como
auxiliar precioso da formação da consciência nacional.
É inegável que o teatro, seja qual for o gênero de produção dramática que se considere,
exerce influência nos costumes.
De onde vem esse poder que se faz sentir indiscutivelmente sobre o público? Várias
razões podem explicá-lo.
O teatro explora paixões, e essas são eminentemente contagiosas. É sabido que um ator,
preso em cena de um acesso de fúria, provoca nos espectadores um abalo a que apenas esca-
pam os de maior energia nervosa.
Esse abalo que se propaga, que se generaliza, atinge o máximo quando, sob a influência de um
ator de mérito, toda a atmosfera da sala se carrega de um estado análogo ao daquele homem—ver-
dadeiro condensador de fluido não elétrico, senão nervoso, que num dado momento se descarrega.
Tanto como as emoções, são contagiosos os fatos.
Ora, as peças de teatro são fatos habilmente combinados e, o mais possível, aproximados
da realidade e dos fatos em que o público não pensava mas forçado foi a pensar.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Or, penser a une action, c'est déja commencer a 1'accomplir. (Louis Bethléem)
São as peças de teatro imagens da vida real, e a observação de uma cria na imaginação
quadros da mesma natureza. Compreende-se pois muito bem que, se essa sugestão não acarre-
ta inconvenientes para as pessoas de sistema nervoso equilibrado, com absoluto domínio sobre
si, o mesmo não sucederá as outras, mais impressionáveis. Segundo Bossuet, "le spectateur du
dehors est au dedans un acteur secret".
Os espectadores tomam assim parte, intimamente, no espetáculo que se lhes desenrola
diante dos olhos. É o que deles diz L. Proal (Le Crime et le Suicide Passionels):
lis jouent Ia pièce, ils s'identifient avec les héros et s'aproprient leurs sentiments. Dans Ia
représentation du drame passionel, ils cherchent moins un enseignement psychologique que des
excuses et des encouragements pour leurs propres passions.
Sem negar que exista, sobre essa influência assim se manifesta A. Capus:
Sans être profonde, cette influence est réelle et on doit y avoir d'autant plus garde qu'elle s'exerce
avec autrement de force dans le mal que dans le bien. Un tableau grossier provoquera en effet, chez
les spectateurs, plus de sensations malsaines et de dégradation qu'une ceuvre noble et hardie le
fera de générosité. Telle est, hélas, notre nature, qu'il est plus aisé de créer méthodiquement un
malfaiteurqu'un héros!
Continua o mesmo autor francês:
Des gens assemblés dans une salle de spectacle et qui sont venus la pour se distraire ont une
tolerance illimitée. Ils acceptent exactement tout et sans 1'ombre de protestation. Ils prennent
ce qu'on leur donne. Au commencement de Ia soirée, ils murmurent: "Cest raide"; a Ia fin, ils
sont ravis et le lendemain ils en demandem le double; c'est progression a laquelle nous
assistons.
E mais adiante, para mostrar até que ponto se pode deixar conduzir o público sem resis-
tência, por assim dizer, abulicamente:
Une masse de spectateurs dans cet état particulier est essentiellement malléable si on a soin de ne
pas Ia heurter de front brusquement. Alors elle s'adapte d'une façon presque instantanée aux
conditions de Ia scène: elle est le liquide qui prend Ia forme du vase. Elegante ou vulgaire, cette
forme, pendant trois ou quatre heures, devient Ia sienne et quand elle l'a depouillée, il lui en reste
encore le frôlement. Frôlement, c'est-a-dire, impression légère de bien-être ou de malaise, de bon
sens ou de sottise, qui persiste au dela de Ia soirée et va en s'atténuant d'heure en heure. Cest Ia
limite de 1'influence du théâtre sur les moeurs.
Opiniões essas de fino espírito, como se vê, e dos mais autorizados, por isso que de um
consagrado comediógrafo francês.
Deixando bem demonstrado que o teatro, influindo sobre o público, vai repercutir sobre a
sociedade, sobre o povo em suma, modificando-lhe o seu modo de ser, seus costumes, falta-
nos examinar de que forma — boa ou má —, em que sentido, tal ação se manifesta.
É a influência do teatro, atualmente, perversora.
Sem chegarmos ao pessimismo de um grande escritor (A. Dumas Filho) — "le théâtre ne oeut
qu'être immoral" —, forçoso é que reconheçamos que ele vem concorrendo, cada vez mais, para a
corrupção dos costumes, para a dissolução das instituições sociais.
Os testemunhos que aqui transcrevemos, por serem antigos, não deixam de ter oportunidade.
DizTertuliano:
A obscenidade das alusões e a indecência das expressões ambíguas, que em qualquer parte se
reprovam, perdoam-se no teatro e nele se admitem. Envergonhar-nos-ia em casa justamente o que
no teatro se exalta. Se é das coisas impuras que devemos fugir, como é que se nos permite ver ou
ouvir o que se nos proíbe dizer ou praticar? Deve-nos ser vedado o teatro pelo simples fato da
proibição que se nos faz de qualquer idéia ou ação desonesta.
São de S. Cipriano os conceitos:
Há vícios que são causa da vergonha pública, e é no teatro que nos comprazemos em os ver. Ao
passo que cá fora se ocultam na sombra, no teatro eles se ostentam a escancara. Ensina a tragédia
o adultério, simulando-o diante de vós; expõe-vos aos olhos a comédia, as situações impudicas,
os episódios grotescos, o horrível escândalo proporcionado por pais, ora imbecis, ora libertinos,
mas, quer uns, quer outros, sempre expostos ao ridículo. Não podereis vós, sem pejo, repetir o que
se diz nem narrar o que se faz.
Não nos detenhamos, porém, em opiniões de críticos possivelmente argüidos de
uspeição.
Diz Bay le, em seuDictionnaire Philosophique: "Les pièces de théâtre loin decorriger les
désordres sont capables de les inspirer tous."
Sabemos muito bem que tais conceitos correspondem exatamente a realidade. Quase
todo o teatro contemporâneo, fazendo tábua rasa de convenções e preconceitos sociais e
girando quase exclusivamente em torno do adultério e, não raro, do amor livre, constitui um
elemento de corrupção da família e, conseguintemente, da sociedade que nela assenta.
Ainda mais avultam os efeitos perniciosos de tais espetáculos em se tratando de peças que,
como tantas do moderno teatro francês, têm ainda para lhes aumentar o prestígio sobre o
público o espírito que lhes é peculiar e a leveza com que foram escritas... Nisso justamente
seu maior perigo.
É Nicolle quem diz em seuLes Imaginaires et les Visionaires:
Qu'apprend-on au théâtre? On y apprend a se dégoüter des vrais biens et a n'en avoir que de
faibles idées. On y apprend a juger de toutes choses par les sens, a ne regarder comme bien que ce
qui les satisfait et a ne considérer comme réel que ce qui les frappe. On y apprend enfin deux
choses également funestes, l'une, a s'ennuyer de tout ce qui est sérieux et, par conséquent, de
tous ses devoirs 1'autre, a trouver cet ennui insupportable et a en chercher le remède dans Ia
dissipation. Le premier de ces désordres est un obstacle a toutes les vertus, le second, une entrée
a tous les vices.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Está hoje assente em Pedagogia o princípio de que "um pouco se aprende vendo e,
menos ainda, ouvindo..." (Afrânio Peixoto).
Isso é verdadeiro unicamente no bom sentido; no que se refere, porém, ao mal, as coisas
torpes e repugnantes, mais profundamente e com maior fixidez se grava no espírito fraco dos
assistentes o que se vê ou escuta. Fora do terreno do teatro propriamente, porém a margem
dele, é uma prova do que afirmamos a influência do cinema, que pode ir desde a simples imita-
ção de maneiras e atitudes de determinadas figuras mais em voga na tela até a prática de crimes.
Já se não põe hoje em dúvida o que o autor de Le Crime et le Suicide Passionels,
anteriormente citado, exprime por "Ia contagion du crime par le théâtre".
Sabem disso muito bem os autores de escândalo. Recorrem, para impressionar, a pintura
do crime, sem se lembrarem de que muitas vezes o resultado é transformar-se um espectador
em criminoso. Em se tratando de peças ligeiras, tanto mais perniciosas quanto têm elas, não
raro, o atrativo da graça cintilante do espírito que as concebeu, os espectadores, por um fenô-
meno psicológico idêntico ao que se passa no caso do teatro violento, criam um estado d 'alma
análogo ao em que se acham em cena os artistas e fazem seus os sentimentos das personagens,
e ao que a estas sucede no decorrer dos episódios, segundo a fantasia e o engenho de cada
autor, acabam por desejar para si próprios. E de sentirem então em si mesmos iguais desejos e
idênticas aspirações, de se atribuírem, sem que intervenha desde logo o "controle" da razão,
sentimentos e maneiras de pensar análogos aos que se harmonizam ou entrechocam no palco—
daí a praticarem cá fora o que ali viram, erigido quase em regra para seguir ou modelo para
imitar, vai pequeníssima distância.
Ainda em apoio de nossa segunda conclusão, devemos citar algumas palavras de Paul
Fiat (La Revue Bleue):
Si dans 1'ordre du bien l'art dramatique peut exercer une influence éfficace, combien plus active
encore apparait-elle dans l'ordre du mal. Ce n'est pas a tort que l'Église, qui conaissait parfaitement
bien avant qu'elles fussent formulées par Ia psychologie moderne les lois de 1 'imitation, Ia tendance
humaine et j'ajouterai, animale, a I'imitation, condamnait le théâtre...
E mais adiante:
... et nous arrivons alors a cette conclusion que vous acceuillerez peut-être venant d'un homme qui
durant huit années consécutives a tenu 1'emploi de critique dramatique dans une revue française
et qui, par conséquent, s'est trouvé aux premières loges pour observer un parallélisme entre
I'affaiblissement de Ia production dramatique et une certaine diminution générale de Ia moralité
qu'il nous faut bien constater: c'est le résultat le plus clair que j'ai tire de ma longue expérience.
Algumas palavras de A. Pouzat (1992) acerca do teatro de Henri Bataille: "Les
ménages, les familles du type Henri Bataille se sont multipliés tellement qu'on n'y fait plus
attention".
Vamos concluir. Por que tem abaixado tanto o nível do teatro, sobretudo nos últimos
anos?
Segundo Louis Bethléem, dizia-se em França durante a Grande Guerra que ela havia de
trazer o saneamento da cena francesa, que só atrairiam o público, de então em diante, as tragé-
dias de Corneille.
Terminada a guerra, porém, desceu o teatro ainda mais. Até certo ponto, compreende-se.
Tinha a grande massa de combatentes, de volta das trincheiras, a necessidade de esquecer, nos
teatros alegres, a vida enervante dos redutos, o inferno dos bombardeios, os sofrimentos da-
queles quatro anos de horrível sangueira.
Mas entre nós, por quê? Não faltará quem o explique pelo mau gosto do público.
Nesse caso, se provado está que o teatro influi de modo nocivo na educação, entramos num
círculo vicioso. Para nós, entretanto, é fácil sair dele. Não há dúvida de que o grosso
público, sem cultura, sem educação, não pode freqüentar e aplaudir o bom teatro porque não
o compreende, e procura então o mau, ao seu alcance. A nosso ver, porém, o mal está
justamente nesse teatro que não moraliza, que não eleva, que não instrui, antes corrompe e
degrada sem instruir!
Não é de hoje que se diz ser o teatro uma escola. Com efeito, é preciso que assim o
julguemos. Mas se, como pensamos haver demonstrado, vem sendo o teatro em geral um fator
de corrupção porque nele se cultivam, de preferência, os instintos inferiores, se prega a dissolu-
ção do lar, se faz, por assim dizer, apologia da desordem e da indisciplina social, como será que
há de ele atingir a sua finalidade? Depende de os espíritos superiores que ao teatro se dediquem
quererem dele fazer uma escola sa, que oriente para o bem, para o culto dos nobres ideais, dos
pensamentos puros e elevados, de tudo o que concorre para a formação do caráter.
Que seja também o teatro uma escola onde, além de se exaltar no coração de cada um a
delicadeza de sentimentos, se desenvolva o interesse pela história do seu país, pelas tradições
que lhes legaram os antepassados — tradições de bravura, de desprendimento, de abnegação e
decivismo!
É o teatro uma escola não somente para quem o freqüenta, senão também para os que, no
palco. interpretando as personagens que cada autor ideou, dão vida a essas criações,
estudan-o-as, observando-as, para depois as exteriorizarem. Daí se depreende o enorme valor
educativo teatro escolar.
Há quem considere o teatro o espelho da sociedade e que, como tal, não pode deixar de
patentear aos nossos olhos todas as misérias, todos os vícios e paixões que nela fermentam e
tumultuam.
Assim, porém, limitando-se a refletir fielmente, como espelho, o que estiver nos desígnios
'este ou daquele autor reproduzir em cena, há de continuar o teatro a influir perniciosamente na
alma coletiva da sociedade, que o sanciona com a sua presença e com seus aplausos premia.
Deverá ser o teatro, em vez disso, como a consciência para o indivíduo, o que, apontando
sociedade o mau caminho percorrido, lhe mostrasse a boa estrada; o que, lembrando-lhe os
erros, lhe indicasse os meios de os corrigir; o que o convencesse, enfim, da necessidade da
prática da virtude, do cumprimento do dever.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Objetar-se-á — bem sabemos — que fazê-lo fora afastar da vida o teatro, tornando-o
artificial, sem viabilidade. Absolutamente. Sempre pensamos que o teatro tem de ser inspira-
do na vida, mas não impede isso que, procurando ele focalizar-lhe os aspectos bons ou maus,
sombrios ou alegres, faça-o sempre visando, pela nobreza da inspiração, pela elevação dos
assuntos, pelo tato em expor em cena e pela correção da linguagem, ao progredimento moral
da sociedade.
Para que, hoje em dia, geralmente se procura o teatro? Unicamente "para desopilar o
fígado", como quem vai a farmácia em busca de um colagogo... "O teatro — diz-se — é para
rir..." Mas fora esse o riso inteligente, próprio de um espírito educado no trato das finas letras e
na contemplação das obras de arte, e muito bem estaria.
Le rire qui est une des lois du théâtre n'est pas moins inquietam. Nous nous hâtons de dire qu'il
y a un rire sain qui est le signe d'une bonne santé, physique et morale et mêne d'une bonne
conscience. Ce rire la est utile et bienfaisant et les dramaticiens qui le provoquem rendem a
1'humanité un véritable service. (Louis Bethléem)
Mui longe disso, porém, é o riso grosseiro que apenas traduz uma solicitação aos instintos
inferiores do indivíduo; é a gargalhada alvar, grosseira, quase animal.
Mais il y a aussi un rire qui est malsain. Cest celui qui vient des entrailles plutôt que de 1'esprit.
Cest celui qui s'attaque aux choses respectables, qui tourne en dérision les nobles sentiments, les
croyances, les Institutions sociales. Or, ce rire est a peu près le seul qu'on connaisse au théâtre.
(Louis Bethléem)
Outros há — mais raros — que pedem ao teatro emoções violentas, responsáveis estas
pelo desequilíbrio mental de tantos indivíduos incapazes orgânicamente de resistir aos efeitos
que tais espetáculos lhes determinam.
No dia em que, em vez de descer ao nível do público, fizer o teatro, ao contrário, com que
o público se eleve até ele; quando o teatro-arte substituir o teatro-indústria e já se não "fabrica-
rem" peças, como atualmente, de então em diante poderá exercer eficazmente na sociedade sua
alta missão educativa.
Assim se exprimia Guy Launay emie Matin de 7 de março de 1923, sob o título: Un
théâtre sain.
II est a souhaiter que Ia loi de 1'évolution transforme rapidement les spectacles décadents en
spectacles sains, oú il ne será plus uniquement fait étalage de Ia turpitude. Notre race possède
heureusement de fortes qualités et d'admirables vertus, pourquoi n'exiber que les tares?
Parece não se cumpriram ainda, ao menos satisfatoriamente, tão bons desejos.
Quanto a nós, esperamos que um dia o teatro — no Brasil, ainda inexistente — possa,
organizado sob moldes práticos, atender ao objetivo que deve ter.
Hoje em dia, para bem instruir, é preciso, logo de começo, interessar; e a escola moderna
é um lugar preparado para educar e instruir a criança divertindo-a.
Para nós — invertendo a fórmula —, pode o teatro ter a sua missão perfeitamente sinte-
tizada em duas palavras: divertir educando.
Achando-se porém o teatro no estado em que se encontra, como exigir-lhe que preste a
contribuição a obra ingente da educação nacional?
Não importa que sejam precárias as suas condições atuais. Tudo depende de que o sai-
bamos e o queiramos fazer. É claro que não viemos aqui tratar da debatida questão do teatro
nacional e indicar, a nosso turno, mais um programa para o organizarem.
Move-nos outro intuito, que é simplesmente o de chamar a atenção dos que se acham a
frente do patriótico e mil vezes bendito movimento de educação do nosso povo para o precioso
auxílio que a essa cruzada dê o teatro, desde que o organizem sob um critério elevado, diferente,
portanto, de constituir apenas um passatempo para o público.
Costuma-se confundir, em geral e lamentavelmente, teatro-arte com teatro-indústria,
para o qual se fazem peças não por inspiração, senão por encomenda, como se artigos
fossem de vestuário... teatro enfim, sem moral e, na maioria das vezes, sem idéias e sem
gramática.
Não nos podemos pois referir senão ao primeiro.
Considerando-o sob o ponto de vista da educação moral, como pudera o teatro atingir a
sua finalidade?
Não viemos aqui pregar, em plena era de deseducaçâo ou de má educação moderna,
exclusividade, para meninas ou moças, do teatro outrora chamado "pour jeunes filies".
"estes tempos de masculinização da mulher, quem se atreveria a tal?... Mas entre "théâtre
rose" e o de nossos dias, cheio de atrevimentos — de temas como de linguagem —, há
grande diferença.
É preciso porém que as peças — hoje que as moças tanta liberdade se consente —
sejam, pela elevação dos assuntos, pela honestidade dos processos e pela moralidade das
con-lusòes, de molde a que não firam suscetibilidades e, mais do que isso, sirvam para apurar
ou 'espertar os sentimentos que dignificam o indivíduo — a gratidão, a honra, a consciência
do -ver, o culto da família.
Mas... perguntar-se-á: "Um teatro assim idealista, nestes tempos de grosseiro materialis-
o, quem o suportará? Foi feito o teatro para divertir, seja como for. Depois, é tão desinteressante
virtude!..."
Nada disso procede. Em havendo da parte do escritor compreensão bem nítida do papel
social do teatro, quando ainda intacto, mantém tal autor o respeito a si próprio e o que deve a
sua arte; e se, a serviço de tão preciosas qualidades, ainda dispõe de talento, cultura e vocação
para a arte dramática, está-lhe garantida a vitória. É perfeitamente possível, nessas condições,
fazer de assuntos já explorados — e em rigor o foram todos — peças originais, como de
temas, mesmo morais, comédias interessantes.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tudo vai pois de escreverem os autores as suas obras por inspiração, respeitando-se a si
mesmos como respeitam a arte.
Sob o ponto de vista da educação cívica, um teatro em que se celebrassem os feitos
dos nossos antepassados, se exaltassem os atos de heroísmo, de verdadeiro amor pátrio de
que tantos exemplos há na História do Brasil, numa palavra, o teatro histórico, fora esse —
pela lição fecunda do exemplo — de grande eficiência na formação do espírito de
nacionalidade, de que muito carece o nosso povo, tão ignorante de si próprio!
Preciso é também que, em nosso prisma de brasileiros, não se descure o cultivo do verná-
culo — um dos fundamentos em que se apoia a liberdade de um povo.
Quanto ao lado estético da questão, uma série há de coisas dentro de um bom teatro,
superiormente dirigido, que apuram, senão fazem nascer, o bom gosto de quem o freqüenta.
Um teatro verdadeiramente digno desse nome — e por tal compreende-se desde o edifí-
cio até a encenação — subentende estilo, bom gosto, um ambiente, em suma, em que o espírito
se possa deleitar, educando-se, apurando-se.
Não é preciso encarecer o importantíssimo papel do teatro no desenvolvimento da
cultura geral. Abordando os mais variados assuntos, ventilando teorias, discutindo
problemas sociais ou psicológicos, artísticos ou científicos — em rigor pode ser tudo tratado
em cena, tal seja a habilidade do comediógrafo ou do dramaturgo —, o teatro, levando o
público ao exame livre das idéias que combate ou defende, força-o naturalmente a análise
das que lhe são próprias, e desse confronto, porque abre mão de algumas idéias, recebendo
outras que lhe parecem aceitáveis, dessa troca, desse movimento, vai tirando cada
espectador — desde que a vida é uma constante renovação — elementos para que se
mantenha em contínua vibração, por esse fluir e refluir de idéias, a sua vida espiritual.
CONCLUSÕES
Das considerações que vimos expendendo, julgamos poder tirar as seguintes conclusões:
1) Influi o teatro inegavelmente sobre os costumes.
2) É o teatro atualmente um elemento de perversão.
3) Pode ter o teatro, a despeito disso, importante função educativa.
4) Encarado no seu tríplice aspecto — da educação moral, da educação estética e
do desenvolvimento da cultura geral —, deve ser o teatro no Brasil aproveitado como auxiliar
precioso na formação da consciência nacional.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
Q
26
NORMAS DIDÁTICAS A QUE SE DEVE OBEDECER NO
ENSINO DO PORTUGUÊS AOS FILHOS DE COLONOS
ESTRANGEIROS
Nicolau Meira de Angelis
Escola Normal Primária de Ponta Grossa, PR
Se passarmos em revista o conjunto dos fatos que as
investigações modernas têm juntado de todos os la-
dos, se pesarmos bem a sua importância para o co-
nhecimento do homem, não podemos pôr em dúvida o
fim das idéias antigas e a inauguração de uma outra
concepção da natureza humana.
Schaaffausen (A Doutrina de Darwin e a
Antropologia)
BASE PSICOLÓGICA
A Linguagem
A dinâmica cerebral é uma conseqüência de um agregado especial de reflexos, cuja
complexidade resulta do aperfeiçoamento da vida física com relação ao estado cerebral.
(Consulte-se a Esquisse d'une Pasychologie Fondée sur l 'Experience, de Hoffiding).
Nos seres unicelulares, como as amebas e moneras, os fenômenos de reação e excita-
do são simultâneos e rudimentares — é o que tem comprovado a ciência experimental.
Quando se considera a vida que se inicia nas plastiduras de Haeckel, nas gêmulas de
Haache, na molécula fisiológica de Spencer ou no homem, que ocupa a melhor posição de
levo na escala biológica, verifica-se que o homem apresenta, pelo seu complicado sistema
nervoso, complexas reações a que se deram o nome de reflexos físicos.
Antes de tudo, convém observar que não pode haver manifestação de vida sem que haja
excitações exteriores, energias que se exercem sobre o ser vivo, provocando movimentos,
idéi-, pensamentos, reações químicas, excitações, irritabilidade, dor, etc.
Quando a energia externa perturba as condições de equilíbrio do organismo, a energia
interna procura restabelecê-lo, forçando-se para que prevaleça a identidade da composição
química e as formas de suas funções.
A energia externa, luminosa, por exemplo, pode por vezes determinar uma energia mecâ-
ca ou química; a interna, reagindo, produz fenômenos meramente orgânicos ou físicos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Excitação e reação são sintomas de vida, de acordo com o princípios de Claude Bernard
e Sergi, como se pode verificar emL Origine dei Fenomeni Psychici, num dos trabalhos de
W. Ostwald, L 'Energie, e no esplêndido Traité de Biologie de Le Dantec.
Vejamos uma das muitas espécies de excitações ou impressões, por exemplo, a energia
luminosa, que exerce sua influência sobre a retina, onde se encontram as camadas de bastonetes
e dos cones, ou a membrana de Jacob. A irritabilidade se propaga pelas fibras do nervo ótico
até o quiasma, e pelas bandeletas óticas vai até o corpo geniculado externo, tubérculo quadrigêmeo
anterior, que reflete as excitações aos músculos perioculares ou intra-oculares. Eis aqui o ponto
para os reflexos inferiores.
A excitação do corpo geniculado vai ter ao cérebro, no lobo occipital. E pela face interna
do ventrículo occipital, as irradiações óticas vão trabalhar na face interna do lobo occipital, na
cissura calcarina.
Dá-se então o fenômeno a que chamamos "sensação", fenômeno que não se dará sem
relativa intensidade. E todos os outros fenômemos são conseqüências da influência direta ou
indireta da energia exterior sobre o ser vivo.
As energias exercem-se sobre o homem. Ele é o transformador, o aparelho magnífico que
se encontra em maravilhosas condições para permanecer na vida de relação.
Com a explicação seguinte estas noções tornar-se-ão mais claras.
Seja H o organismo vivo; P, as fontes que perturbam o equilíbrio; R, as reações vitais. H,
sob a influência de P, produz R. P não é o criador, o elemento que tenha propriedade de gerar
fenômenos de per si. Portanto, o organismo é apenas o ser vivo com a propriedade de transfor-
mar as energias exteriores e de se adaptar ao meio. Adquire-se com o estudo da psicologia uma
compreensão mais vasta de todos os fatos físicos, outrora explicados apenas com os rígidos e
dogmáticos princípios metafísicos.
As diversas espécies de reações físicas manifestam-se ora coordenadas, revelando atos
de reflexão, outras vezes, meras exteriorizações mecânicas ou espontâneas, o que pode aconte-
cer sob o influxo da emoção.
Esta tendência atávica de se adaptar ao meio revela um fim utilitário, estados de
consciência, idéias e pensamentos que são manisfestados com a prévia intenção de serem
compreendidos.
Esta exteriorização de atos físicos por meio de vocábulos, de símbolos, chama-se lingua-
gem, o meio mais completo e mais perfeito de que se serve o homem para exprimir os seus
pensamentos; ela depende da experiência individual e social. Num meio onde são intensas e
freqüentes as representações físicas, nesse ambiente mental, o ensino será tarefa de relativa
dificuldade, porque a vida psíquica do homem depende da elevação social da espécie, de im-
pressões e sensações.
É preciso que, nas escolas, não se considere o aluno como um "ser independente", um
organismo isolado de outros seres, organismo que pode produzir tudo por si, sem a
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
influência exterior. Cumpre lembrar que a criança em idade escolar ainda se encontra na
fase perceptiva.
As cores, os objetos, os móveis —em síntese, tudo que rodeia o aluno — constituem o
material que inconscientemente lhe aprimora as faculdades intelectuais. Foi por isso que Comenius
instituiu o método intuitivo. Numa de suas melhores obras, Orbis Sensualium Pictus, o autor
não se esqueceu das gravuras para estabelecer o ensino sensitivo de diversas disciplinas. São
palavras de Comenius: "Ponham-se as coisas sob os olhos em vez de as descrever por pala-
vras. Considere-se o todo, depois as partes e relações. Aquilo que se viu a gente recorda
melhor do que aquilo que foi contado muitas vezes". Os trabalhos de Welb, Gallaudet, Parker e
outros baseiam-se nestes princípios.
Na fase de percepção em que se encontra a criança, a função de pensar não é inerente a
uma faculdade especial, e sim a aquisição natural no curso da experiência. Desenvolve-se
pela -continuação das sensações, das imagens, dos juízos elementares e com as manifestações
isupe-iores da razão. Mas é necessário não perturbar a evolução biológica e do meio social.
Cumpre ajudar o progresso infantil, caminhando-se a par da evolução natural e de acordo
com os princípios e as leis da psicologia, tão certas e tão infalíveis como as leis da mecânica e
da física.
As sensações e percepções determinam fatos recolhidos pelo sensório, que, por vezes, se
relacionam e determinam o conhecimento. No cérebro, onde se encontram duas
substâncias
branca e cinzenta), dá-se a apreensão das imagens que se transformam em noção e idéia,
d'epois em abstrações que se realizam na parte anterior do encéfalo ou pré-frontal. Eis o que
diz Leonardo Bianchi nas suas lições sobre as localizações cerebrais e f isio-psicologia da
lingua-
gem: "Vemos a inteligência aumentar-se todos os dias, associando-se novos elementos as ima-
gens já acumuladas na oficina do sistema nervoso".
rigem da Linguagem
Foram os homens dotados da função da linguagem pela natureza como outros animais?
Era o que pensava Epicuro.
Num dos livros de Renan (L'Origine du Langage, 4
éme
édition, 1864, p.73) encontra-se
te passo:
Ce n'est ni par une vue de convenance ou de commodité, ni par imitation des animaux que l'home
a choisi Ia parole pour formuler et communiquer sa pensée; mais bien parce que Ia parole est chez
lui naturelle et, quant a sa production organique et quant a sa valeur expressive.
Jacob Grimm chama a linguagem um trabalho progressivo, uma conquista do homem; não
é inata nem natural, mas sim que deve aos nossos esforços a sua origem e seus progressos.
Todas as raízes encerram imagens sensíveis, e todas as idéias nascem de uma contemplação do
mesmo gênero.
Segundo J. P. Lesley, a linguagem desenvolve-se pouco a pouco, gradualmente; como
podemos observar ainda hoje nas nossas crianças, ela nasce e muda perpetuamente a medida
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que o espírito dos povos se modifica. Não poderemos nunca estudar a linguagem da idade da
pedra; há muito que ela está extinta e substituída por outra. A linguagem faz parte da história
natural. As palavras, as línguas vivem e morrem, exatamente como os seres vivos; como elas,
também tornam-se fósseis.
Max Müller reproduz a teoria da onomatopéia, sustentando que as 500 raízes atuais ex-
primem idéias gerais e grupos fonéticos derivados de um poder inerente a natureza do homem.
Dado o fim a que se destina esta tese — provar que o aprendizado depende de sensações
e imagens —, passemos a comentar as localizações cerebrais e os fatores da linguagem, sem
mencionar os trabalhos e opiniões de Westropp, William Bell, J. Bleek, Gustavo Jager, Darwin,
Claparède, D'Assier, Whitney, Spencer, Du Challu, Dupont, Le Dantec, Jacob Grimm e o céle-
bre lingüista Schleicher e outros.
Localizações Cerebrais e Fatores da Linguagem
No mecanismo da palavra, os centros sensoriais desempenham um papel de relevo. Visto
isso, acho de importância citar aqui as localizações cerebrais.
O centro verbal acha-se na parte posterior da primeira circunvolução temporal do hemis-
fério esquerdo, em conexão com o centro auditivo na região anterior da mesma circunvolução.
O centro motor está na parte posterior da terceira circunvolução frontal do hemisfério esquerdo,
ou circunvolução de Broca, em conexão com o centro gutural na parte inferior da circunvolução
ântero-central. O centro visual da linguagem acha-se no hemisfério esquerdo. O centro gráfico,
no pedúnculo da segunda circunvolução frontal.
Os que mais se desenvolvem são os centros sensoriais auditivo e visual. Assim, é erro
supor-se que só se aprende a língua ouvindo. O centro visual é um poderoso auxílio, associando
a imagem a idéia.
De acordo com as teorias de Bechterew, assim se esclarece este mecanismo: as reações
verbais auditivas transmitem-se ao centro verbal da linguagem e, daí, ao centro motor da
circunvolução de Broca, advindo a articulação das palavras.
Na expressão gráfica, as impulsòes visuais passam diretamente aos centros gráficos, sem
necessidade da intervenção dos centros auditivos. Eis, portanto, o motivo por que as gravuras
são indispensáveis no ensino da língua.
É sabido que a destruição destes centros, ou das fibras associativas, importa na perda
total ou parcial, permanente ou temporária, das funções que lhes pertencem. É o que nos afirma
J. Van Viervlit nos seus trabalhos La Memoire eLaPsichologie Objetive.
Stricker julga que falamos com o auxílio das imagens auditivas e visuais; as musculares ele
as considera como imagens secundárias. As palavras que se aprendem ouvindo se reproduzem
por meio das imagens acústicas; as que se aprendem por meio da leitura, pela fixação da ima-
gem gráfica no centro visual por intermédio das imagens visuais. Stricker ainda considera a
imagem muscular da palavra como a mais nítida e a que se realiza dentro de um tempo verdadei-
ramente diminuto.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No mecanismo da palavra, as imagens visuais, auditivas e cinestéticas variam de indivíduo
a indivíduo, pois dependem do grau de desenvolvimento intelectual de cada um.
Nas escolas aparecem diversos tipos psíquicos: visuais, auditivos, motores e mistos. É pre-ciso o
lembrar que não é difícil haver deficiência funcional nos centros sensoriais, pois nem sempre
guardam a mesma capacidade, e o desequilíbrio, por insignificante que seja, determina
tenncias distintas. Se o centro acústico da palavra foi o primeiro a desenvolver-se,
preponderara o tipo sual; se o centro auditivo, preponderara este "tipo", e assim por diante.
FASECENTRIPETA
a imagem visual que impressiona A, atinge B e se transforma em sensação: chegando em C, adquire-se o "sentido" ou noção.
Mas, em se tratando de escritos, poderá haver compreensão quando explicado anteriormente a significação das palavras.
Quando se escreve
centro associativo: B
centro de movimento; C — centro grafo-motor. A se exerce sobre o centro associativo,
vindo ao centro grafo-motor e ao de movimento.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Quando se ouve
A — impressão da voz; B — centro da audição: C — percepção e sentido da memória dos sons articulados. A voz provoca ;
sensação no centro da audição, dando-se a percepção no centro C.
FASE CENTRIFUGA
Quando se fala
Quando a criança pensa, entra em atividade o centro associativo; e falando, o centro motor da face e da língua, relacionando-se
com o centro de Broca.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Fatores da Linguagem
Entre os diversos fatores da linguagem, devemos considerar o pensamento, a imagem das
palavras, a máxima tensão psíquico-sensorial com a sua atuação nervosa sobre as células, a
transição da descarga nervosa para os centros periféricos e mecânicos da palavra articulada ou
escrita e, finalmente, a consciência da palavra pronunciada. Como se vê, o último dos fatores
exerce grande influência no ensino de qualquer idioma. Por isso que ensinar sem que o aluno
compreenda é um trabalho improdutivo.
Para encerrar este preâmbulo, com o propósito de entrar logo na metodologia da lingua-
gem aos filhos de colonos estrangeiros no Brasil, deixo de desenvolver mais este assunto, resu-
mindo o que tentei demonstrar:
a) o homem transforma as energias externas;
b) a vida psíquica depende de sensações, imagens e impressões;
c) a evolução da linguagem depende não só do meio social, da espécie, como da associação
de novos elementos as imagens já acumuladas no sistema nervoso;
d) a importância dos centros auditivo e visual no aprendizado da língua;
e) a importância do ensino intuitivo.
BASE METODOLÓGICA
O método é dividido em três partes: 1) processo objetivo; 2) processo intuitivo-comparativo;
3) processo associativo.
Processo Objetivo
O ensino deve ser claro, através de uma processuaçâo intuitiva; deve-se ensinar pela
ação, trabalhando-se com o interesse e a cooperação dos alunos. Compreenderão vendo e
sentindo; as idéias apreendidas serão reproduzidas em português. Não se deve contentar ape-
nas com palavras mal pronunciadas e vocabulário abstrato, portanto, incompreensível. Deve-
rão, desde as primeiras lições, ouvir exclusivamente o idioma pátrio. É lógico que, nas primeiras
aulas, os alunos não hão de entender com clareza tudo quanto o professor lhes disser; mas, os
seus ouvidos se educam e a curiosidade se desperta. O bom senso e a lógica têm demonstrado
que não se pode aprender uma língua quando não se está em contato direto com o uso, ouvin-
do-se para imitar e imitar para se aprender.
A mestra pronunciará as palavras em tom de conversação distinta, com pronúncia perfei-
ta, o que é a parte essencial nestas escolas; o I
a
ano consistirá apenas no ensino amplamente
baseado em frases acompanhadas de ações demonstrativas.
A vida da sentença depende do verbo, pois o primeiro instinto da criança é a ação. O
professor colocará uma cadeira diante da classe, de modo que possa ser vista por todos os
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
escolares. Irá ensinar a seguinte frase: "eu levanto a cadeira". Dirá: "eu" (colocando a mão sobre
o peito para indicar a sua pessoa) "levanto" (executará a ação) "a cadeira" (mostrará o móvel),
tendo o máximo cuidado na inflexão de voz. Fará depois com que um aluno diga a mesma frase
e executando os movimentos necessários para elucidar a sentença. Como se sabe, nesta idade
os alunos estão na fase perceptiva, podendo, portanto, compreender com muita facilidade. Uma
vez que todos tenham compreendido a sentença, ela deverá ser escrita no quadro-negro, para
constituir com outras os primeiros exercícios de leitura, que deverão ser ministrados de acordo
com o método analítico.
O principal fim deste processo é despertar o interesse das crianças, ativar a sua inteligên-
cia, ensinando-a desde a primeira aula a pensar no novo idioma; o mestre jamais deve esquecer-
se de que os primeiros hábitos de pronúncia se adquirem desde as primeiras lições. Não se
deve, portanto, admitir pronúncia má.
Os primeiros exercícios poderão constar das seguintes sentenças:
Eu levanto a cadeira.
Ele derrubou a cadeira.
João atirou o livro.
Antônio escreve no caderno.
O caderno tem 20 folhas.
João vai até a porta.
A porta está fechada?
Sim, a porta está fechada.
Não, ela está aberta.
A ação expressa pelo verbo deve ser praticada pelo aluno e não se deve permitir que este
pratique a ação sem exprimir as palavras.
Depois que toda a classe compreender perfeitamente o sentido destas sentenças, proce-
der-se-á aos exercícios escritos e a leitura, de acordo com o processo analítico adotado nas
escolas.
Ao entrar na classe, no início da aula, deve o professor dizer:
Bons dias, meus alunos. A
classe responderá:
— Bons dias, professor.
Recapitulará as lições anteriores, com os exercícios no quadro-negro, e iniciará o ensino
de novas sentenças. Por exemplo, o professor deseja ensinar a proposição "eu vejo o livro".
Dirá o professor: "eu" (colocando a mão sobre o peito); fechará os olhos, de modo que a classe
compreenda que desta forma ele não pode ver; abrirá os olhos e dirá: "vejo" (mostrando um
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
aluno
gou
Repete-se esta lição com vários alunos, e por esse mesmo processo ensinam-se os pronomes.
Recapitulam-se os exercícios anteriores, tendo todo o cuidado na pronúncia das sentenças.
Mande-se um aluno abrir o livro, fazendo com que ele pronuncie a expressão "eu abro o
livro" a proporção que for executado o movimento. E outra sentença, "nós abrimos os livros",
deve ser proferida por toda a classe. Escreva-se a sentença no quadro-negro e proceda-se a
leitura.
Traga-se uma bola e coloque-a na primeira carteira. Chame-se um dos alunos e, ao entre-ro
objeto, diga-lhe: "eu lhe dou a bola". Os alunos passarão a bola entre si e a frase deverá ser
repetida de aluno para aluno — "eu lhe dou a bola" —, lembrando sempre de esclarecer a ase
por meio de ação e de movimento.
Outras sentenças que se adaptam para esse processo: Abro o livro. Feche a porta. Escre-
va. Eu tomei o livro. Empurrei a mesa. Abri a casa. Tampei a caixa. Levante-se Antônio. Sente-
se Francisco. Vá ao quadro-negro. Vá a janela. Pegue a caneta.
O enriquecimento do vocabulário se fará com a ampliação dos conhecimentos dos subs-
tantivos e adjetivos, que devem ser ensinados simultaneamente com os verbos. Os nomes serão
ensinados com o auxílio de objetos, estampas e as cartas de linguagem. Outras sentenças que
poderão ser utilizadas: Tire o livro da estante. Tire o lápis da caixa. A caixa está sobre a mesa.
Eu ponho a caixa sobre o chão. Você tirou a caixa do chão e colocou sobre a mesa. O mapa
está na parede.
Não se deve esquecer que os alunos terão que dizer espontaneamente todas as ações,
realizando-se os exercícios que, passados ao quadro-negro e processados de acordo com o
todo analítico, constituem os exercícios preliminares.
Deve o professor utilizar-se de: a) objetos; b) modelos; c) instrumentos; d) aparelhos; e)
mapas; f) cartazes; g) estampas; h) desenhos; i) quadros; j) utensílios; k) material didático;
1) ções, gestos e movimentos, acompanhados dos vocábulos que os representam.
Este processo é baseado nos conceitos de A. Frye Phillips, professor norte-americano
destacado para dirigir o ensino em Cuba, onde conseguiu difundir o ensino da língua
inglesa. Por isso que o notável educador afirma que se deve "To awaken the childd interest
and mind and to teach him from the first lesson to think in the new language, and the pupils
should have formed the habit of expressing spontaneously all the actions involved in producing
eexercises".
Processo Intuitivo-Comparativo
Depois de muitos exercícios, os alunos não poderão continuar a receber lições de acordo
com os preceitos do primeiro processo, o que aliás seria deficiente.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
"o livro". Seja a outra expressão "você entregou o livro ao menino". O professor aponta o
aluno dirá "você" (fazendo com que o aluno pratique a ação e pronuncie o vocábulo)
"entre-" (mostrando o objeto) "o livro" (fazendo com que ele pronuncie o respectivo
Nesta parte do ensino, deve-se fazer que os alunos se lembrem de objetos ausentes, já
conhecidos; descobrir com o próprio esforço as semelhanças e diferenças, as qualidades de
um e de outro, as relações que apresentam, as causas e efeitos, obrigando deste modo os
alunos a descobrirem a verdade pelo seu próprio esforço. Neste passo, mais do que em
outros, a criança é por excelência o elemento, o investigador, enquanto o professor é mera-
mente o espírito dirigente.
Processo Associativo
Há palavras abstratas que não podem ser ensinadas com o auxílio de objetos e de estampas.
Recorremos então ao terceiro processo deste todo, que se baseia na associação de idéias.
É preciso lembrar que a potência das teorias matemáticas só se realizou quando o espírito
humano tratou de relacionar e associar as diversas grandezas, conseguindo, sem o processo direto,
atingir uma fase de notável superioridade. Numa equação qualquer, por exemplo, o valor de uma
incógnita se encontra pela relação dos termos conhecidos. Assim também, no ensino da língua, há os
mesmos encadeamentos de idéias, uma relação evidente que se pode estabelecer entre vocábulos
abstratos conhecidos com outros desconhecidos. Esse terceiro processo pode ser ensinado no de-
correr das lições de leitura do compêndio escolhido para ser entregue nas mãos das crianças.
As lições de gramática não devem ser ensinadas senão de um modo essencialmente rudi-
mentar e prático. A criança aprenderá alguns fatos da língua "vendo, ouvindo, imitando, escre-
vendo, lendo em contato direto com o uso vivo da linguagem".
São essas, no meu modo de ver, as normas didáticas a que se deve obedecer no ensino
da língua pátria aos filhos de colonos estrangeiros. Naturalmente, não me foi possível, no
decorrer desta tese, explanar de um modo perfeitíssimo todo o plano do método adaptado.
Contudo, caso as minhas considerações consigam lograr o apoio e a consideração dos meus
ilustres colegas, estarei pronto para organizar um método que coopere para a difusão do
nosso estremecido idioma nas escolas freqüentadas pelos filhos de colonos estrangeiros.
TESE N
e
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UMA PALAVRA DE ATUALIDADE
Amélia de Rezende Martins
Rio de janeiro, DF
alarão, nesta I Conferência Nacional de Educação, mestres especialistas na arte de condu-
zir a infância e a mocidade numa preparação superior para a vida. Falarão cientistas e
filósofos, apontando os luminosos horizontes da ciência. Permiti que uma palavra se faça ainda
ouvida, uma palavra alheia as lides do professorado, a palavra leiga da família brasileira, que vos
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F
vem também apresentar o seu estudo. A meu ver, a questão das escolas, presa intimamente a
outra gravíssima questão, não será resolvida enquanto não se cuidar do problema social.
Sabemos todos, meus senhores, que pelo mundo inteiro a hora que atravessamos é
temerosa. Em nossos dias, todo aquele que pensa não pode deixar de se preocupar com a
situação, não pode lançar a margem a idéia da calamidade que se anuncia e, em se preocu-
pando, não tem o direito de se furtar a prestar o seu concurso, por pequeno que seja; e
conquanto há muito, julgo deveria ser o nosso lema "Agir e não discursar". Mais uma vez, é
sobre o papel, sobre este papel que nesta meia hora será relegado ao esquecimento, que
venho juntar ao vosso o meu estudo.
O sentimento de um dever ao qual não posso fugir, porquanto é o dever e o dever se
impõe, é que me anima a tomar parte nos trabalhos que vos interessam, que nos interessam a
todos. Tenho notícia de que no vosso belo Estado é assombroso o progresso da instrução
pública, que tem merecido, dos nossos nobres patrícios do Sul, um carinho muito especial. Não
sei se as minhas palavras quadrarão bem nessa formosa capital, que poderá ser talvez um oásis
no deserto de misérias que tenho encontrado por onde passo e de que me contam dos pontos
que não percorri. Pode ser que esteja esse torrão abrigado milagrosamente do tufão da desgra-
ça que sopra por toda a parte. Se assim for, senhores, ensinai a nós outros de onde vos vem a
força com que vos pudestes manter, e dai-nos luzes para aclarar as trevas que já em grande
parte nos envolvem.
Não visitei escolas nem conferenciei com professores; vou observando o problema pelo
que me apresenta o mundo.
Sublime é, em teoria, o ideal de "instruir para levantar o povo". Mas fora das escolas,
senhores, as provas de educação dos nossos patrícios são, em absoluto, negativas. O nosso
povo não conhece ou não quer pôr em prática os mais rudimentares princípios de educação; e
aqui tudo se confunde — a falta de educação pela nefasta influência do anarquismo, que é uma
verdadeira revolta, e a falta de educação por ignorância. Cada vez mais se torna comum não
haver respeito pela vida do próximo nem pela própria vida; não há respeito pela liberdade
alheia... ninguém cogita onde a própria liberdade vai atingir a liberade dos outros. Por toda a
parte percebe-se o espírito de insubordinação — na família não se respeitam os pais, na socie-
dade não se respeitam as convenções, no Estado não se respeitam as leis...
Nas belas reuniões de espíritos superiores, com ou sem religião, movidos, porém, por um
ideal que eleva, arrebata e arrasta, sentimo-nos animados, sentimo-nos fortes, confiantes... Não!...
tudo não está ainda perdido! Enquanto há chefes, há esperança de organizarem-se as forças. As
frases empolgantes vibram dentro de nós, nós mesmos nos aplaudimos intimamente se nos esca-
pa um rasgo de eloqüência. Os projetos soberbos se desdobram já com foros de realidade, e
toda essa rutilância de planos grandiosos atira no ambiente um véu sob o qual vemos o mundo
como ele deveria ou poderia ser; mas, ao deixar o recinto de boas vontades conjugadas, ali na
porta, meus senhores, começam os desalentos e os desenganos... ali mais longe, diante da
étrica realidade, vemos a inutilidade dos nossos esforços. Se penetrarmos nas escolas e da
"nfância sondarmos os corações, se entrarmos na família e lhes observarmos os laços frouxos, se
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investigarmos a sociedade e lhe vermos os desvarios, cai-nos a alma aos pés. Sem familia,
baldados serão os planos de progresso na escola, e não haverá família sem Deus!
Este é o problema dos problemas! É o problema sem o qual nenhuma das graves ques-
tões, que tão sabiamente serão discutidas nesta solene assembléia, terá êxito feliz... problema
que vai das altas camadas sociais ao povo do mais baixo calibre, que passa pelos salões, pelas
oficinas, pelas escolas, pelas salas de diversão, pelas ruas e pelos campos, que abrange todo o
nosso povo, problema que se resume nestas palavras únicas, meus senhores: Estudai o meio de
salvar a família brasileira que se esboroa e se esfacela e cuja ruína marcará a hora fatal para este
colosso que é a nossa Pátria, para esta maravilha que é o nosso Brasil, para esta terra cumulada
de graças pelo Criador e que tece armas contra o Seu soberano poder!...
Um erro nosso, um erro imenso que nos aniquila o ânimo, é o receio de sermos tomados
por intransigentes. E esse receio nos faz cair no extremo oposto — transigimos aos poucos,
transigimos sempre, e transigindo, e transigindo ainda, nos deixamos cegar, envolvemos a nossa
fé no manto ilusório da largueza de vistas, deixamo-nos levar por inteligências brilhantes que
nada conhecem acima do seu orgulho, por super-homens para os quais não existe Deus... e
aceitamos a escola leiga que preparou, por mão de mestre, a situação que hoje nos angustia.
Acredito, meus senhores, que podemos ensinar, corrigir, aconselhar... e tudo ruirá, mais
hoje, mais amanhã, se não enfeixarmos todos esses esforços numa moral segura. Tudo istojá
tem sido dito e repetido; mas falta, senhores, fazer, falta ver onde está o mal para se lhe dar
remédio. Toda a gente estuda sistemas pedagógicos; todas as inteligências fervilham de orgulho
diante dos progressos da pedagogia moderna. Pedagogia, filosofia e psicologia são palavras
retumbantes que ecoam por toda parte. Os princípios modernos devem ser adotados, mas quais
são estes princípios? Sob que fundamento, sob que filosofia baseamos nossa pedagogia?
Da escola leiga aí está a atualidade, parece, como uma prova pouco favorável, como
um desafio ao bom senso. Há quantos anos andamos as voltas com os problemas da instru-
ção; apregoam-se as inovações, as reformas do ensino... e, de fato, vemos por aí muito saber,
mas o resultado prático, o levantamento da moral, a consciência das responsabilidades...
onde os encontramos? Houve tempo em que se dizia que as escolas abertas corresponderiam
a prisões fechadas, mas o que vemos hoje, senhores? Vemos que a escola leiga vai levando
o mundo todo a ruína. Pelos frutos é que se conhece a árvore. Quais são os frutos da escola
leiga? Não estamos a condenar todos os moralistas leigos; freqüentemente de boa-fé, pregam
eles a sua doutrina, que julgam perfeita. E perfeitos em seu procedimento são muitas vezes os
ateus, quando fracassa, na moral, muito cristão. A natureza é fraca e fracamente se formam
caracteres em nossa terra. Mas julgamos que esses princípios, que são hoje praticados com a
mais firme convicção do bem pelo bem, da moral pela moral, não resistirão nas gerações
futuras; existem ainda por uma força estranha que de longe vem e que até hoje exerce a sua
influência... por uma força que ainda é latente em nós, mas que no decorrer dos anos, no
suceder das gerações, se vai diluindo, se vai enfraquecendo, se vai aniquilando. É a fogueira
que não alimenta o combustível, é o edifício grandioso sem alicerce, é o castelo de cartas que
a menor aragem espalha pelo chão.
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Um ponto hoje muito acatado, em se tratando da educação, é a cultura física. Neste
momento, merecem, entre nós, especial atenção os esportes. Ginástica, dança e outros come-
çam na idade escolar e continuam em voga, com a maior aceitação na sociedade; e os esportes
vão exigindo cada vez menos roupa, para que não sejam tolhidos os movimentos, e a moral leiga
não acha mal em que se banhem juntos todos os meninos, de todas as idades, nus, porque
assim, sendo uma coisa natural e a curiosidade não ficando aguçada, a criança não vê malícia—
moral leiga, moral de princípios pervertedores, sob a capa de muita ingenuidade. A criança
começa não achando mal na nudez e acaba não achando mal em tudo quanto exige a sua
natureza. A natureza é assim, a natureza não é imoral — só tem sublimidade a natureza —, e
vamos atrás desses princípios a ver até onde eles nos levam. Para os esportes femininos, por tal
forma a mulher se habitua a vestir pouco que depois, na sociedade, já não tem o pudor do seu
corpo. Se não há mal na nudez, por que fazem os governos, os próprios governos sem crenças,
vestir os índios? Se não há mal, deixemo-los com a sua liberdade; para eles as vestes constituem
verdadeiro martírio. Se mal existe, sejamos coerentes — faça a polícia vestir os civilizados que
na própria consciência não conhecem o sentimento do decoro. São duras as minhas palavras,
eus senhores, mas vós bem sabeis que a realidade é ainda mais dura. Não sou contra o esporte
seria absurdo não desejar, entre os nossos patrícios, "a alma sã num corpo são" —, mas da
moral depende muito a saúde do corpo, senão completamente o corpo se atirará aos mais tristes
'esatinos, entregue a uma alma doente; é portanto necessário conjugarem-se, para esse ideal de
robustecer a nossa mocidade, as necessidades do corpo e as necessidades da alma. Parece-
me que o esporte moderno se por vezes cogita da saúde mais ainda visa a estética (voltamos
ao
paganismo) e prepara o corpo para todas as seduções... a dança... os bailados... o andar das
moças... Estarei enganada? Estarei encarando a atualidade com pessimismo?
A sociedade de hoje tudo abandonou pelos prazeres dos sentidos; a eles se habitou porque
mundo se encarregou de colocá-los, todos, por mais indignos que sejam, ao alcance geral. A
família não viu o perigo — não viu ou não quis ver—, deixou-se arrastar e arrastou os filhos... e
foi descendo a escada das conveniências, foi gradativamente aceitando o que antes era do domínio
escandaloso, e chegou ao que sabemos todos: tudo é natural. Estamos em pleno realismo, mas
abemos — porque no-lo ensina a história de todos os tempos, se não nos bastasse o bom senso
que a derrocada da moral de pouco precede a derrocada geral de um povo.
Temos que convir, meus senhores, que todos os divertimentos de hoje apresentam graves
sintomas de decadência. Tudo denota a moral doentia: a moda, a pintura, a dança, o teatro, o
cinema, a literatura, o jogo, a cocaína, e não preciso citar mais. As aulas de ginástica vão acabar
os bailados dos palcos... os torneios esportivos inflamam todas as imaginações... Ainda há
pouco a atenção do mundo inteiro prendeu-se a um boxe; a atualidade dá a impressão de Roma
antiga, com suas festas lascivas e seus gladiadores lutando na arena, aí preparando o fracasso
o soberbo poderio.
Tudo quanto vamos gastando em ligas contra isto ou aquilo, organizações de cultura e
"assistência social, parece-me trabalho perdido enquanto combatermos efeitos sem
buscarmos causas. É o formigueiro: ataca-se aqui e ele irrompe mais longe; enquanto não se
encontrar o núcleo, baldado se todo o esforço...
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O princípio da autoridade e a prática do respeito antigamente eram acatados. Vindos de
Deus, a Deus voltavam... E hoje, onde está o princípio da autoridade?
Não são de um vulto da Igreja, que os temos de sobra, são de Jules Simon, Ministro da
Instrução Pública no Governo de Defesa Nacional de 1870, estas palavras magníficas, pronun-
ciadas no Senado em 11 de março de 1822:
Repugna-me a mim, velho professor, verificar uma lei de ensino, especialmente ensino primário,
da qual foi riscado o nome de Deus... isto me fere, me aflige e — deverei dizê-lo? — entristece a
minha vida... Já não me sinto no mundo e na Pátria onde trabalhei e combati durante tantos
anos... No período ativo da minha vida, tinham todos a crença em Deus e considerávamos nosso
dever primeiro ensinar Deus as crianças, como nosso primeiro dever de legisladores escrever
Deus em nossas leis, como nosso primeiro dever de republicanos vingar a República da injúria
que lhe é feita, da acusação de ser uma república de impiedade. Aí residia a fonte da nossa
coragem e não queremos ver essa fonte secar. Queremos o nome de Deus na lei para nós, como
queremos também, senhores, para os simples e para os deserdados... Se ouvirem apenas falar em
aritmética, para eles será dura a sociedade, que lhes fica a dever um pouco de consolo e de
poesia... Queremos Deus para os nossos militares: "Avante por Deus e pela Pátria"... Um povo
que perdesse a idéia de Deus perderia todo o ideal, e não sei sobre que poderia continuar a sua
marcha.
E Flammarion declara:
Os pretensos governos republicanos perdem o rumo, suprimindo sistematicamente a idéia de
Deus nos seus manuais de educação. Seria difícil ser mais insensato do que os nossos professores
de ateísmo. Não há educação possível sem consciência e não há consciência sem um ideal divino.
De há uns 20 anos para cá, especialmente, espalhou-se a semente do materialismo e colhe-se hoje
o reino dos apaches e dos anarquistas.
Uma censura, de pronto, açode nos próprios meios católicos. À Igreja compete essa
parte da moral individual, que deve influir na coletividade. É a Igreja que deve trabalhar nesse
sentido... Mas, senhores, a seara é vasta e os obreiros são poucos. Não temos clero suficiente
e não temos clero porque não temos mães... O mundo rouba-nos os filhos depois de nos ter
roubado as mães... e enquanto as cadeias, as detenções, os presídios regurgitam de criminosos
de toda espécie, muitos vítimas infelizes do meio, vítimas da perversidade que nos envolve, não
há penitenciárias para os ladrões das almas... e o crime monstruoso fica impune.
Meus senhores, tudo está errado entre nós: o que corrigimos aqui é destruído ali adiante...
nossos filhos consideram fora de moda a voz do bom senso. Pouco adiantará a escola se o polici-
amento não ajudar, cá fora, o que se prega lá dentro; pouco adiantará a Igreja se não se garrotear
o espírito do mal que lhe inutiliza a voz do bem. Ensinamos os nossos meninos a bem servirem-se
dos seus sentidos e, pela cidade toda, estão seus olhos a cair sobre quadros, postais, vitrinas,
manequins, tudo exposto, com o maior cinismo, a exaltar-lhes a sensualidade; vedamos aos meno-
res o mau cinema, e continuam a mostra nas portas, nos frontais dos bondes, nos folhetos de
propaganda, todos os títulos imorais, todas as cenas desonestas, todos os comentários repugnan-
tes. Damos conselhos de moral aos nossos meninos, levantamo-lhes o espírito para o ideal, e as
danças e as praias de banhos aí estão a atraí-los para a matéria, acendendo-lhes os mais baixos
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instintos. E passam as crianças da infância para a idade viril com o caráter deslustrado e prepara-
dos para todas as perdições.
A higiene esmiuça por toda a parte, a fim de evitar epidemias; para garantir a melhora
futura da nossa raça, apregoam-se os exames pré-nupciais, e o verme que corrói, que solapa,
que arruína, esse é deixado em plena liberdade a viver ao sol do dia. Enquanto uma parcela
'infima de iniciativa particular tenta remediar a tantos males, os governos, empenhados em altas
questões políticas e alheios as contorsões do polvo que nos estrangula, consentem que a nossa
frágil barreira de boa vontade se oponha a onda temerosa da dissolução!...
No estudo de um problema desta monta, em que avultam as maiores perturbações, os
maiores crimes, as maiores desgraças, todas as convulsões do mundo inteiro, poderá vos pare-
cer pueril a idéia que me açode, de estudar a questão dos divertimentos... as diversões infantis
na escola e no mundo, as diversões sociais, as diversões populares. A quem não lhe investigar
os meandros pode parecer pueril a questão dos divertimentos. Neste momento tão grave, muito
discurso, muito sermão tenta se fazer ouvido... os jornais publicam e transcrevem artigos de
valor incontestável, mas estamos, meus senhores, descrentes de tudo isto. Os sermões, escu-
tam-nos os que deles não carecem; os artigos, não os lêem os que deles poderiam tirar proveito.
E voltei meu pensamento para a questão das diversões, as diversões a atraírem para o nosso
grêmio. Era esta a tese que me tinha proposto defender, mas, sem dados seguros que só no
estrangeiro poderia colher, não me animei a apresentar um trabalho incompleto. Justamente pelo
seu cunho especial, a tal altura deve ser colocado esse estudo que mereça a atenção do governo
da nossa terra.
Muito bem sabemos que há interesses ocultos na desmoralização geral — interesses
inconfessáveis, interesses pecuniários, interesses que arrastam o mundo. Mas se houver quem
se atravesse em qualquer plano de regeneração por interesse próprio, lembrai-lhes, senhores,
que para esses a reação não se fará sentir, para esses a situação não mudará, que de um dia para
outro se regenera um pandemônio. Se estao ainda no verdor dos anos, já a idade madura e a
velhice estão a bater a porta. Para uma regeneração a vida de um homem não é tempo, e a sua
boa vontade, não nos entravando os passos, lhes poderá fazer resgatar muita falta e lhes prepa-
rará para os filhos um mundo melhor...
Há muito que tentar, há muito que fazer, em idéias novas e em idéias antigas. Muita lição
nos poderá dar o passado. Se dos tempos longínquos faz o homem reviver o atletismo para
dar vigor e beleza ao corpo, não é desasado buscar na mesma fonte princípios que, adapta-
dos ao nosso meio e a nossa época, dêem saúde a alma. Da Grécia sublime são até tiradas
oratórias, e os ornatos gregos passam para as nossas construções. E se nos influencia a sua
arte pela rocha talhada ou pela palavra florida, por que não sondar também alguma vantagem
que se possa encontrar em seus princípios de educação? Os espartanos apresentavam aos
jovens, em representações de escravos, os vícios horrendos com suas conseqüências funes-
tas. Nós teríamos meio facílimo ao nosso alcance, pelo cinema que até hoje nos tem sido a
escola da perdição, de apresentar, ao nosso povo, o vício para afastá-lo do mal, a virtude
para incitá-lo ao bem...
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Muitos caminhos levam a Roma, mas só um leva a prosperidade de um povo, o
caminho da moral, o caminho da virtude; e a virtude, meus senhores, está sendo banida do
mundo — poucos redutos lhe sobram ainda. As fortalezas todas vão sendo derrubadas umas
após outras... os mais fortes baluartes se abalam. A Grande Guerra nada foi em comparação
com a guerra nefanda acesa em cada recanto do mundo. Na Grande Guerra caiu ainda por
terra muito sangue generoso; hoje cai por terra o bom senso do homem e o pudor da mulher.
E se não se reerguer a mulher, a mulher donzela, a mulher esposa, a mulher mãe, o mundo
estará irremediavelmente perdido. Meus senhores, salvai a mulher brasileira se quereis ter
pátria, salvai o lar se tendes um ideal na escola; nada alcançará a escola se não se cuidar da
família. Enquanto uma sociedade se deixar prender pelos sentidos, não se poderá interessar
pelo que vem do espírito; enquanto não prevalecer a inteligência, dominará o sensualismo.
Onde não impera o ideal, triunfa a matéria; onde morreu o ideal, a sociedade está perdida...
Parece-me que, neste momento, o mais urgente seria investigar onde se poderia encontrar
uma fonte de equilíbrio, para que não se percam tantas esperanças!...
E já tomei, senhores, mais tempo do que devia. Agradeço a honra do convite que me foi
feito para tomar parte neste congresso de inteligências lúcidas, empenhadas todas no que é
nobre e no que é bom, e peço desculpas se alguma exaltação deixei transparecer nas minhas
palavras.
Não pertenço a geração da mulher moderna, a mulher cientista, a mulher deputado, sus-
pirando por um voto fictício que ainda mais nos virá perturbar. Sou tão-somente uma mulher
cristã, e é com esse título e com o direito que assite a quem deu muitos filhos ao Brasil que vos
suplico, meus senhores, que não arranqueis do coração das nossas crianças o nome de Deus!...
Com ele arrancareis toda a boa semente; sem Deus, só urzes conseguireis semear.
Uma voz de valor que se erga para clamar aos governos a inutilidade da instrução sem
Deus. Uma voz que se erga para suplicar aos governos que seja um fato, e não um mito, o
policiamento pelas ruas e especialmente pelas praias... que seja entregue a altas competências a
censura a má imprensa, ao mau cinema.
Poderá não ser acatada a minha palavra, poderá não ser atendida a minha súplica, mas
permiti, senhores, que não cale o que estua dentro do meu peito, o que irrompe do meu coração
de católica e de brasileira!... Educai com Deus, instruí com Deus, doador da vossa inteligência,
que em fulgurações soberbas nos assombra.
Contra a onda infernal que se avoluma, levante-se uma plêiade de grandes corações,
fortes no mesmo impulso, para alcançar, como primeiro ideal, elo primeiro de uma cadeia rutilante,
a salvação da família brasileira, e um marco de ouro se plantará na história do alevantamento real
da nossa Pátria e do progresso da escola do Brasil.
Que se erga o homem com todo o seu sentimento de responsabilidade para abraçar a
nossa causa, que se erga sobranceiro o homem, o homem que é a cabeça da sociedade, dessa
sociedade de que a mulher é o coração!
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TESE Nº 28
HÁ NECESSIDADE DE SE TORNAR OBRIGATÓRIO O
ENSINO PRIMÁRIO ELEMENTAR NO TERRITÓRIO
PARANAENSE?
Segismundo Antunes Netto
Paranaguá, PR
A educação popular é o único meio científico eficiente para transformar, em poucos anos,
a vida de um povo; é um bem público que está por lei, afeto ao domínio jurídico do Estado,
única entidade capaz de realizar a felicidade do povo paranaense.
Encarando este magno problema de cultura e de educação popular com a consciência
nítida de sua importância, de sua complexidade e da necessidade de se lhe dar uma solução
imediata e integral fundamentada no conhecimento do meio, com a finalidade de um ideal e
coordenação de idéias que se harmonizem e se coadunem num mesmo ponto de vista e numa
unidade de vista, o Estado tem dado grande importância a solução deste magno assunto, que
considero um dos mais importantes deste congresso. Apelo a honorabilidade profissional dos
meus caríssimos colegas, solicitando-lhes cooperação, apoio e o auxílio do saber daqueles que
têm longo tirocínio como veteranos da instrução primária e representam a fina flor do professo-
rado nacional, de maneira que se reúnam todos os esforços necessários para solucionar o pro-
blema da obrigatoriedade do ensino primário, ao menos neste estado.
É esse um idealismo sóbrio e que se depara aos que vivem iluminados pela fé, que o olhar
indiferente do leigo não vê esboçar-se — a imagem futura da Pátria alicerçada na fé e no poder
da inteligência; é esse idealismo que impele o homem a ação e que tem o poder de metamorfosear
todo problema teórico em problema prático; é este poder organizador que nos tem faltado para
pôr as leis do ensino em concordância com o meio, submetê-las, nas suas minúcias e conjunto,
um sistema orgânico de idéias orientadas para uma única diretriz e pô-las em execução imedi-
ta. Se esta diretriz harmoniosa dominar integralmente o problema do ensino primário, por todas
faces, com os conhecimentos exatos das nossas necessidades, imprimirá na lei escolar um
caráter de realização duradoura, de maneira que só no futuro, em outros ciclos, obedecendo a
lei natural da evolução e do progresso, virá sofrer novas adaptações e corrigir as falhas de que
se ressente para melhor ser orientada, sob os influxos de nossas tendências. Formar-se-á então
a mentalidade mais propícia ao elemento nacional.
A questão magna, palpitante e inadiável para o ressurgimento da moral do nosso povo é a
obrigatoriedade do ensino primário, que não viola, em absoluto, a liberdade de ninguém,
~rque em tese o povo é como o indivíduo: vale pela instrução que possui. E o Estado, conside-
rado como função do organismo social, é responsável pela educação da criança, porque dessa
educação dependem os interesses essenciais do indivíduo e da coletividade, e o homem é a
célula do organismo nacional.
A intervenção direta do Estado na instrução e na educação da infância, a fim de a prepa-
rar para a luta da vida, é um fator de progresso, indo vitalizar aquilo que até hoje a natureza
produziu de mais elevado, de mais perfeito e soberano, que é o homem, elemento primordial da
nacionalidade, o qual não pode ficar abandonado a si mesmo para se educar, nem tampouco
sob a autoridade paterna, limitada dentro das exigências legais.
O Estado, tomando rigorosamente obrigatório o ensino primário elementar, não faz mais
do que usar de um direito que lhe assiste para abrir novos horizontes e implantar o regime da
ordem pública, o respeito as leis e a propriedade.
A obrigatoriedade do ensino não viola o regime liberal da nossa Constituição, pois nas
escolas primárias continuará a mesma educação liberal, que habilita o indivíduo para o comple-
xo de suas necessidades e interesses e o torna apto a entrar na sociedade com a consciência
esclarecida pela noção da responsabilidade social.
Proporcionando direta e obrigatoriamente a instrução primária indispensável a toda cria-
tura humana, seja qual for a posição social dos pais ou tutores, suprindo com a educação inte-
lectual o que a família não pode dar, organizando a instrução sobre uma base melhor, valorizan-
do o indivíduo a fim de o tornar elemento de atividade no futuro, o Estado exerce a sua função
de proteger os fracos, garantindo a criança o direito de ser educada com os subsídios necessári-
os para a luta da vida cotidiana, de maneira a situá-la convenientemente no seio da vida coletiva.
A obrigatoriedade do ensino primário elementar e a sua execução são casos resolvidos nos
países mais adiantados do mundo. Esses países organizaram e custeiam a instrução, ministrando-a
gratuitamente, em suas escolas, a todas as crianças que a procurarem com liberdade ampla; po-
rém, os pais ou tutores são obrigados a preencher as exigências legais do ensino oficial.
Ordenando o Estado a execução da obrigatoriedade do ensino primário elementar, concorrerá
para a criação de numerosas escolas públicas e particulares. Entretanto, só a fundação de numerosas
escolas não resolve os problemas do ensino. As escolas particulares, embora prestem bons serviços
ao Estado, constituem, muitas vezes, um sério perigo para a nacionalidade pela falta de uniformidade
no ensino, pois, em sua maioria, são negações de orientação pedagógica e falhas de diretrizes educa-
cionais, na maioria escolas sectaristas e estrangeiras, onde o ensino da nossa língua, da nossa história,
da nossa geografia e de tudo o que se refere ao nosso país é alterado miseravelmente.
Por isso, urge que, em todas as escolas do Estado do Paraná, tanto públicas como parti-
culares, sejam adotados um só programa de ensino, os mesmos métodos pedagógicos, os mes-
mos compêndios, e ser a lei rigorosamente observada. A questão fundamental para a diretriz
única do ensino para formação do caráter nacional está na escola primária, nos seus programas,
nos métodos e subsídios necessários e no grau de instrução que cada educando deve receber.
O Estado tem o direito de exigir o cumprimento integral dos programas nas escolas públicas
c particulares, fiscalizar todos estes estabelecimentos, mensalmente, por meio de inspetores técni-
cos, autoridades na matéria, bem como de examinar as classes e presidir os exames, para restringir
os abusos e punir as infrações com severidade, de sorte que se obtenham os almejados resultados
na unidade da formação da nossa geração futura. De pouca utilidade é ensinar somente o alfabeto,
escrever e contar apenas. O ideal grandioso e magnífico da instrução pública está no critério
interpretativo daquilo que se pode ler e compreender, bem como na norma do que se pode escre-
ver, a fim de que o homem consiga infiltrar-se integralmente, em todas as classes da sociedade, nas
correntes da civilização e se tome o cooperador do progresso, capaz de produzir no futuro com
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ecoonomia de tempo e de força, aumentar os próprios ganhos e a dignidade própria; o fim da
escola colocar o indivíduo em estado de poder completar por si mesmo a própria educação e
instrução, a leitura de livros destinados a difundir no seio da sociedade os conhecimentos das
leis que -regulam a existência e o aperfeiçoamento da educação individual. Tornar os homens
em geral fatores de progresso, fontes de riqueza do Estado, provendo-se, portanto, dos meios
indispensáveis para preservar ou melhorar a própria existência no seio da sociedade,
proporcionar-lhe os meios necessários para usar as forças da natureza em utilidade própria, de
regular a vida da família cooperar nos atos do organismo social, econômico e político do
Estado, eis o supremo ideal.
Encarada sob o ponto de vista histórico, a obrigatoriedade do ensino data da civilização
grega. Em Atenas havia leis que obrigavam os pais a instruírem os filhos, e em Esparta a educação
infância estava a cargo do Estado. Nos países modernos, Áustria, Suécia, Noruega e Dinamar-
ela vem desde o século XVIII; na Suíça, na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na
Argentina, etc, data de longo tempo. Portanto, não se pode, pela lógica dos fatos e pela
verdade
Histórica, instituir na atualidade a educação e a instrução popular sem a obrigatoriedade do
ensino.
Sobretudo em nosso país, onde é tão grande a porcentagem de analfabetos, não se pode
crer que os pais e responsáveis, rudes e ignorantes, estejam na altura de compreender que a
grandeza de uma nacionalidade está na geração nova, e que urge, portanto, prepará-la
conveni-
temente. Exemplo frisante temos na primeira cidade do interior do Estado. Em Ponta Grossa,
5% dos pais e tutores não mandam seus filhos a escola, ficando mais de duas mil crianças
ociosas, sem receber as luzes da instrução. No entanto, temos ótimos estabelecimentos de
sino público e particular, além de numerosas escolas isoladas, grande cópia de material didá-
o fornecido pelo governo. Mesmo assim, ainda persiste o indiferentismo popular; portanto, o
-urso eficiente, único e lógico é a execução rigorosa da obrigatoriedade do ensino.
A execução da obrigatoriedade do ensino primário é a solução do problema dos problemas; a
única que interessa a todos os indivíduos, a todos os municípios, ao estado, a Nação, as nossas
aspirações, as nossas esperanças, aos nossos ideais, aos nossos impulsos para o alto, para o bem,
para o progresso, para o enobrecimento e para a fusão das nossas energias, tudo pela Pátria.
TESE N
Q
29
ALFABETIZAÇÀO E NACIONALIZAÇÃO DO COLONO NO
BRASIL
Acrisio Carvalho de Oliveira
Rio de Janeiro, DF
assunto que tomei para minha tese e que tenho a honra de apresentar a I Conferência
Nacional de Educação é delicado por natureza, árido pela filosofia que encerra. É por
"mais complexo, pois depende da observação dos fenômenos naturais de ordem social e moral,
sujeitos a leis que se subordinam a fatos históricos, independentes da vontade e do critério
pessoal. doto este critério de subordinação do subjetivo ao objetivo, ou ainda, baseio-me no
método indutivo, porque considero a pedagogia além da arte, uma sublime, verdadeira e elevada
ciência.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Compreendendo e amando o maior problema nacional, que é a alfabetização e naciona-
lização do estrangeiro, e também para não ouvir a voz de minha consciência, que me diria:
"empregaste tua atividade e tua energia pela santa causa do ensino durante três anos consecuti-
vos no sertão deste abençoado Paraná; e se agora recuas, ficas indiferente, é porque não tens
sentimentos, és cobarde, és egoísta". Para não ouvir estas palavras que eu dirigiria a mim mes-
mo, porque sendo brasileiro não posso deixar de ser valente e sendo cristão não poderia deixar
de amar ao meu próximo, é que me propus defender esta tese.
Encontrareis imperfeições de frases, pobreza de argumentos, muito idealismo, que para
certos espíritos pessimistas parecerá sonho, e sobretudo amor, muito amor a educação dos
brasileiros meus irmãos.
Se estou alistado no exército dos lutadores contra o analfabetismo é porque desejo ser
amigo e corresponder a generosidade de minha pátria. Se encontro dificuldades, obstáculos e
empecilhos, tanto melhor, mais valor terá a luta e maior também será a recompensa.
Comecemos.
O engrandecimento e o progresso de uma nação está na razão direta da sua situação
econômica: produção e exportação. O Brasil, se bem que jovem, é pobre relativamente a sua
produção, que depende essencialmente da capacidade dos seus produtores. Somos o país mais
rico do mundo; poderíamos impor os nossos produtos e ditar leis as nações, e isto infelizmente
não acontece, porque ainda não compreendemos que o fator econômico, para ser bem regula-
do, é necessário que se subordine ao fator moral. Disse e repito que o Brasil é o país mais rico
do mundo: temos terras fertilíssimas e em grande quantidade, florestas inúmeras e ricas em
madeira, rios caudalosos e de fácil franquia; necessitamos de colonos que as povoem, de braços
que as cultivem, de homens que as explorem e de escolas, muitas escolas, que eduquem não
somente a inteligência, mas o caráter, que está rareando assombrosamente.
Colonização e educação são os dois problemas magnos do Brasil de hoje, que requerem
estudos apurados para a sua feliz solução.
Infelizmente, nada ou quase nada se fez neste sentido em assuntos de especial interesse
para o nosso país livre e independente.
Ainda nestes últimos dias recebi uma carta de um morador de uma colônia federal eman-
cipada, neste Estado, distante do caminho de ferro vinte léguas, em que descreve os horrores
e miséria por que tem passado a população local. Abro um parêntese para fazer um apelo ao
nobre e digno governo deste Estado para que socorra a Colônia Senador Correia, a que me
refiro, onde quase cinco mil famílias estão isoladas do resto do mundo, com todas as suas
pontes caídas e privadas da balsa sobre o Ivaí, estando os pobres colonos na obrigação de
limitar a sua produção somente ao consumo. É grande, é enorme este prejuízo, porém maior
ainda e profundamente lastimável é a existência de quatro escolas que não funcionam. Corre
perigo a unidade nacional, a unidade da língua e, como conseqüência, a unidade do Brasil, com
a fundação de colônias nas condições em que foi a de Senador Correia.
Chamo a atenção desta conferência para o assunto colonização porque afeta diretamente
o problema de que estamos tratando — educação.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Se o fator imigrante é de necessidade urgente e imprescindível a nossa vida de Nação, mbém
constitui um perigo para a nossa nacionalidade. Ele busca em terra estranha que está, dante de
uma natureza tão pródiga que jamais viu, o seu conforto e o bem-estar de sua família, a abastança
e a riqueza. Esforça-se assombrosamente e, com a sua capacidade de trabalho rudimentar, sob
o ponto de vista produtivo, supre no físico o que lhe falta na inteligência. Diferente de nós
brasileiros, na língua, nos costumes, no caráter, na civilização e, na sua quase totalidade,
ignorante,
0
põe-se, dificulta ao apostolado da alfabetização, porque desconhece os seus deveres
direitos e a responsabilidade que lhe cabe na educação dos seus filhos. O professor, para atrair
alunos, tem que fazer milagres. Uma semana antes de abrir a escola, deve percorrer casa por casa,
para impor a sua amizade pessoal e, assim, convencê-los da utilidade do ensino.
O digno presidente Dr. Munhoz da Rocha, que tão bem corresponde as aspirações deste
grandioso Paraná, diz as seguintes palavras em sua mensagem presidencial: "O professor que
luta e vence em meio de estrangeiros avessos a nossa língua e a nossa gente é um herói. Defende
a Pátria com o mesmo valor do soldado, merece as bênçãos da Nação".
O perigo de desagregamento nacional é evidente. Quero alarmar e atrair a atenção dos
dirigentes do País para este problema de grande alcance social, sugerindo algumas idéias a esta
Conferência de Educação, para que a mesma defenda e garanta a nacionalização do ensino primá-
rio. Do imigrante antigo nada ou quase nada se pode esperar; devemos nos limitar em preparar o
terreno para as futuras gerações, que muito melhor compreenderão o alcance da educação nacio-
nal, facilitando a difusão e propaganda deste ideal sublime que tanto engrandece a Pátria.
I
a
) Proponho que se faça uma intensa propaganda direta da educação entre imigrantes,
facilitando a criação de escolas, além das públicas já existentes, particulares, dando-lhes um
subsídio equivalente ao esforço e a dedicação do professor, a critério da autoridade competen-
5, que, neste caso, é a Inspetoria do Ensino.
2
a
) Considerando que não há possibilidade de se adotar nas escolas coloniais o horário e
programa oficial, devido as razões do tempo, do lugar e do meio, proponho que se deixe a
critério do professor, que fará um programa e um horário mais de acordo com as possibilidades
do ensino local e com aprovação do respectivo inspetor.
3
a
) Considerando que a inspeção escolar é de necessidade urgente e que, durante três
anos consecutivos que exerci o cargo de professor em colônia federal subordinada ao Serviço
i Povoamento, não tive a honra sequer uma vez de receber a visita do senhor inspetor, propo-
nho a obrigação da visita regular e permanente do inspetor da cidade ou vila mais próxima e
independentes da categoria da colônia — federal, estadual ou particular —, tendo em vista que o
estado é obrigado a intervir nas questões de educação em defesa dos seus próprios
interesses de país independente e civilizado.
4
a
) Considerando a saúde como o maior dom natural da Providência e que a inspeção
médica de real vantagem é um sonho, depois de três ou quatro anos da fundação da colônia
Federal, e também o benefício que trará ao nosso "jeca" que reside na mesma colônia e que
sofre da tradicional indolência, que não é senão um mal patológico na opinião do abalizado
mestre Dr. Belisario Penna, nome que admiro e respeito, proponho a fundação dos serviços
prof iláticos
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 163
nesses núcleos federais que, além de obra eminentemente patriótica, são de muita utilidade
quando bem orientados e dirigidos.
5) Considerando os fins que se propõem atingir os responsáveis pela educação do colono,
que é a dos sentimentos e o cultivo da inteligência em bases essencialmente nacionais, e que outra
orientação redundará em prejuízo e anulação do esforço empregado, proponho, além da proibi-
ção da abertura de escolas em núcleos federais dirigidas por professores particulares estrangeiros,
o fechamento das ditas escolas existentes, como nocivas e opostas aos nossos interesses.
6
a
) Considerando as dificuldades em que o professor se encontra, muitas vezes pela falta
de uniformidade de livros ou existência de livros que não preenchem as exigências da pedagogia
moderna, proponho a reforma dos livros didáticos de Felisberto de Carvalho e aaCartilha
Nacional, até agora adotados nas escolas federais do Serviço de Povoamento.
7
â
) Considerando que a educação cívica é o alicerce em que se apoia a integridade da Pátria e,
também, incentiva no filho do colono o sentimento de amor a este solo que lhe dá o alimento e a esta
terra que lhe serviu de berço, proponho que o professor envide os maiores esforços neste sentido:
promovendo festas públicas de cunho patriótico; fazendo preleções nos dias feriados alusivas a data;
explicando, três vezes por semana, o livro do primoroso escritor nacional Coelho Netto, intitulado
Breviário Cívico, ou outro em idênticas condições e que preencha o mesmo fim.
8
â
) Considerando que as escolas de núcleos federais foram construídas para preenche-
rem um fim muito nobre e eminentemente social — a educação dos futuros cidadãos e defenso-
res da Pátria—e jamais para se conservarem fechadas, proponho que se envidem esforços, na
maior brevidade possível, no sentido de preencher as vagas de professores das escolas existen-
tes nas colônias emancipadas pelo governo federal e que sejam essas escolas entregues a dire-
ção dos respectivos estados.
TESE N
2
30
QUAL O PROCESSO MAIS EFICAZ PARA O ENSINO
DA ARITMÉTICA NO PRIMEIRO ANO DO CURSO
PRELIMINAR?
Joaquim Meneleu de Almeida Torrez
Escola Normal Primária — Ponta Grossa, PR
ão indagarei aqui da finalidade educativa da Aritmética, nem tampouco do que se
deve ensinar aos alunos do primeiro ano do curso preliminar.
Na presente tese discutirei apenas os meios de que pode e deve lançar mão o professor
para ensinar, com proficiência e eficácia, os rudimentos basilares da Aritmética, para que possa
a criança, nos limites da sua compreensão e idade, ter o conhecimento necessário desta matéria.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
Desejoso, porém, de elucidar bem os pontos capitais, farei acompanhar as explicações
de, modelos de lições que darão, com maior clareza, conhecimento da processuação que
julgo ser a mais racional e útil no ensino desta matéria.
Farei também, ao iniciar esta tese, uma resenha sobre a ação do professor e dos alunos,
evidenciando o papel de cada um no decorrer das aulas, para que a finalidade seja satisfatoria-
Imente conseguida. Da idade do aluno algo também direi, frisando qual a mais propícia
para a iniciação do aprendizado desta disciplina. AÇÀO DO PROFESSOR A missão do professor é
guiar, é esclarecer o que o aluno por si não pode descobrir, e não reduziros seus dispulos a
ouvintes passivos. Infelizmente, a maior parte dos professores, no intuito generoso de lhes
proporcionar um meio fácil e sem trabalho de aprender as verdades que pretendem ensinar,
esquecidos ou ignorando que só se aprende observando, fazendo e raciocinando, mandam os
educandos cruzar os braços numa rígida disciplina alemã e, em preleções exaustivas, procuram
esclarecer-lhes, as vezes com linguagem fora do seu alcance, o ponto que é o assunto da lição.
E quando a criança já sabe ler alguma coisa, para o adimplemento do aprendizado, colocam-
lhe nas mãos livros com definições complicadas. Pobres alunos!... Vão sacrificar a sua
memória num exaustivo esforço para memorizar palavras que nada falam e exprimem a sua
inteligência. E, assim, ficam reduzidos a simples fonógrafos, que registram frases e as
reproduzem sem consciência delas. A atividade educadora jamais poderá ser trabalho exclusivo do
professor: é preciso que o educando seja também um colaborador ativo; é preciso que trabalhe, que
observe, que pense e raciocine. O professor apenas indica o caminho e procura evitar tropeços,
afastando escolhos e aplainando a estrada, para que não haja pauis de vacilaçòes nem
montanhas de dificuldades. Ele deve fazer brilhar, na inteligência dos alunos, verdades já
sabidas e, por meio da indução, verdades que ainda lhes sejam desconhecidas. Por isso a
graduação do ensino terá de seguir uma ordem lógica, do mais simples para o mais
complexo, e o programa terá de ser organizado de modo que os pontos anteriores possam
elucidar os posteriores. Compreenda-se, pois, qual deve ser a ação do professor em aula:
despertar atividades que visem desenvolver o físico, o intelecto e a moral da criança, bem
como a faculdade aquisitiva e o amor ao trabalho, na integralização do homem. Passaremos a
estudar a ação do aluno. AÇÀO DO ALUNO O aluno deve ser, já o dissemos, um colaborador
ativo na obra da sua própria educação, e não um agente passivo, receptor dos conhecimentos
do mestre.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A criança é um ser que pensa: deu-lhe Deus, como derivação de sua existência, a inteli-
gência, o poder de julgar, de querer, de refletir e, sobretudo, o de raciocinar.
Seria, por isso, um crime sem nome deixá-la sem ação, sem liberdade de querer, sem o
poder de criar; seria um crime forçá-la a passividade de ouvinte, quando ela pode ser toda
atividade e trabalho.
O professor não deve, portanto, transformá-la numa espécie de arquivo do seu saber; é
preciso considerá-la como força criadora, capaz de desvendar novos horizontes e alicerçar
conhecimentos adquiridos com a sua própria experiência e trabalho.
A atividade do aluno é, porém, uma atividade subordinada a orientação que o educador lhe der.
É, não há dúvida, só ele, educando, que pode aperfeiçoar a sua capacidade de compre-
ender, na seqüência de atos que visem inveterar-lhe o hábito de proceder com acerto.
A sua inexperiência, porém, seria um obstáculo insuperável se não fosse o providencial
amparo que lhe oferece o guia que o conduz na senda do saber.
É o educador, portanto, quem determina o gênero de atividades a que se deve dedicar o
aluno. Dependendo a atividade escolar da orientação realizada pelo educador, só quando esta
for sadia e boa poderá aquela exuberar em utilidade e valor.
IDADE DO ALUNO
A aprendizagem sistematizada da Aritmética, como a das demais matérias do curso, re-
quer uma idade própria.
Vejamos qual deva sereia.
Não poderemos, a priori e dogmaticamente, determinar seja esta, seja aquela; por isso
que, para cada aluno, levando em conta as suas condições personalíssimas, deveria ser indicada,
pelo seu estudo, a idade mais própria.
entretanto, o que se nota é a prévia determinação de uma idade escolar; e é assim que o
regulamento do ensino das nossas escolas registra a idade de sete anos como sendo a mais própria
para o início do aprendizado, quer da Aritmética, quer das outras matérias do programa.
E o legislador assim o fez, ao verificar a impossibilidade em que se acharia o professor
para determinar em cada caso concreto a época mais propícia, a idade mais conveniente para
incluir na matrícula de sua classe a criança que lhe fosse apresentada para educar.
Mas por que essa preferência? Por que essa e não outra idade preferiu o legislador?
É fácil indagar o motivo dessa escolha a partir de um estudo das idades evolutivas do
organismo.
Por esse estudo, verificar-se-á que só na adolescência é que a criança começa a firmar a sua
personalidade, a observar com curiosidade as coisas que em derredor de si existem e os fenôme-
nos que no seu ambiente se realizam—julga já e raciocina. É o início da sua emancipação.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Parece que esta deve ser a idade preferida para a iniciação do ensino sistematizado, pois na puerícia,
terceiro estágio da evolão orgânica da criança, a que precede a adolesncia, predomina a imitação
ativa, a sugestibilidade, e há como que um interesse por tudo que impressiona agravelmente o
sentido visual e auditivo; mas o desenvolvimento da vida mental não comporta ainda um trabalho
sistematizado de inferências que traga, pelo raciocínio, a percepção clara.
Realmente, a criança dos três aos sete anos somente vê e registra o que vê, ouve o que
ouve, armazena intuitivamente o conhecimento das coisas e dos fenômenos que se realizam na
vida quotidiana — e nada mais.
ó dos sete anos em diante é que vem a curiosidade de conhecer melhor. Raciocina e revela
interesse pelas coisas e pelos fenômenos; indaga e investiga. E quanto mais se aproximar do
estágio imediato, que é a puberdade, mais se acentuará o seu poder aquisitivo, mais se firmará
também a sua personalidade. Há de ser, portanto, essa fase evolutiva da criança a mais propícia
para a iniciação do seu aprendizado. Ora, sendo só aos sete anos que a maior parte das
crianças começa a revelar os fenômenos que caracterizam essa fase da sua evolução
orgânica, acharam acertado os legisladores fixarem nessa a idade mínima escolar. Eu, de
preferência, escolheria os oito anos, fazendo assim distanciar de um ano a idade escolar da
que é atualmente aceita. MÉTODO É vezo entre nós denominar de analíticos os métodos de
ensino hoje em uso nas escolas do Estado. É assim que, sem nenhum exame prévio, chamam
analítico ao método empregado para o ensino de Aritmética. Mas onde está a análise?
Analisar é decompor; é reduzir o todo em suas partes; é partir da idéia genérica as parti-
cularidades. Ora, em Aritmética faz-se justamente o contrário: particulariza-se primeiro,
objetivando e concretizando, para depois generalizar, abstraindo. De fato, só é passível de
análise o que já existe no espírito. Mas o que já existe no espírito há de ter sido anteriormente
adquirido. Não o foi, porém, pela alise; e o o foi porque ela será possível quando o
conhecimento do número existir na consciência. Mais acertado seria, portanto, denominá-lo
sintético-analítico. Se um nome, porém, eu houvesse de dar ao método de ensino da
Aritmética, daria o de método intuitivo. E por que esta preferência?
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Antes de mais nada deverei dizer o que entendo por intuição, e terei então respondido ao
porquê desta escolha.
A intuição é o ato pelo qual a inteligência, em presença das realidades a conhecer, pela
observação direta do sujeito cognoscente, delas se intera conscientemente; isto é, a intuição é a
inteligência em contato com as realidades.
E esse contato se dá por intermédio dos sentidos, quando o sujeito cognoscente se acha
em presença de realidades materializadas e de suas ilustrações, ou diretamente, sem intervenção
dos sentidos, quando as realidades já anteriormente observadas ou obtidas por indução se
apresentam ao pensamento por imagens.
Ora, em Aritmética, já o disse e aqui confirmo, o ensino tem de ser, mormente no primeiro
ano, objetivo e concretizado, vindo só muito mais tarde a abstração de objetos e de nomes
evocativos deles.
É portanto visível, entra pelos olhos, que se deveria denominar o método que atualmente
se emprega no Estado para o ensino de Aritmética método intuitivo, e não analítico. Mas eu
prefiro não empregar nome algum para designá-lo, fazendo apenas a descrição de sua
processuação.
MATERIAL DIDÁTICO
A princípio é necessária uma grande variedade de objetos para o ensino objetivo desta
disciplina: palitos, tabuinhas, tornos, esferas, moedas, frutas diversas, réguas, etc.
No aprendizado dos números, torna-se também muito útil o emprego de cartões com
formas geométricas. O início do ensino das formas é assim, por este processo, feito; as crianças,
no entanto, delas não cogitam especialmente—aprendem por intuição, ligando a forma o nome
que se lhe dá. Esses cartões entram, portanto, nos exercícios como os demais objetos.
Devem existir ainda, na sala, réguas graduadas e, se possível for, uma coleção de pesos e
uma balança.
Um mapa Parker é também indispensável para auxiliar as lições: primeiro, com os qua-
dros ilustrativos; depois, com os numéricos.
Lápis e papel são, porém, os materiais principais do aluno; são como que as ferramentas
do pequeno operário, que aprimora o espírito nessa oficina que é a escola.
PROCESSUAÇÃO DO MÉTODO
Não há professor que não tenha observado, ao iniciar as suas aulas de Aritmética no
primeiro ano, que a maioria da classe já tem uma noção de números até cinco. Acontece mesmo
que alguns conhecem mais, muito mais do que o número indicado.
A primeira lição deve consistir, portanto, em verificar o alcance perceptivo das crianças, a
extensão dos seus conhecimentos, para que se possa, com segurança, dirigir o ensino.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Assim, o mestre, na sua primeira aula de Aritmética, deverá mandar que os educandos, de
um grupo de objetos, tirem três, cinco, dois, sete, quatro, etc, separando-os com presteza, de
golpe, como um todo, uma coleção e não de um em um. E essa tarefa deve ser prolongada até
que se obtenha da maioria da classe um conhecimento mais ou menos exato de números até
cinco, no mínimo.
Não se deve confundir, porém, a idéia de número com a habilidade de contar.
Contar traz, para a criança, a concepção de ordem; e a idéia de número não se coaduna
c0
m esse espírito de ordem.
Cada número deve ser considerado sem relação de dependência, como um todo, uma
coleção determinada de objetos, uma quantidade limitada de coisas.
Verificando o que as crianças já sabem e aperfeiçoados esses conhecimentos com os
exercícios feitos na primeira liçao, e que devem ser prolongados por alguns dias, passar-se-á
para o ensino graduado dos números.
Todas as combinações possíveis deverão então ser feitas com o número que estiver sendo
d'ado, a fim de que o aluno fique com perfeita idéia sobre a matéria.
Não deve porém o mestre usar de linguagem abstrata, mas concretizar e objetivar sempre
i lição, para que a criança possa intuitivamente compreendê-la.
A linguagem abstrata, em se tratando do ensino de Aritmética no primeiro ano preliminar,
aberra dos cânones pedagógicos. E só a força da rotina é que tem podido conservá-la em
muitas das nossas escolas, notadamente nas rurais e nas de aldeia, geralmente entregues a lei--
os, sem preparo científico e profissional.
O conhecimento dos números e as suas relações devem preceder o conhecimento do
algarismo, como a linguagem oral, no ensino do idioma, precede a linguagem escrita: primeiro a
idéia do número, depois a do algarismo tomado como símbolo gráfico representativo daquele.
Preliminarmente, porém, o aluno deve conhecer a sua direita e a sua esquerda. E esse
conhecimento facilmente ele adquirirá por meio de hábil conversação socrática que o professor
deverá manter com a classe nos primeiros dias de aula.
O ensino dos números um e dois, que conjuntamente deverá ser feito, virá completar a
'ção, pela ampliação gradativa desses exercícios socráticos.
Continuando o professor a sua palestra com os alunos nas lições subseqüentes, fará que
eles fiquem com uma idéia mais ou menos perfeita destes dois primeiros números, compondo-os
decompondo-os. Concomitantemente ao ensino do "um" e do "dois", será dada a idéia do
zero, não com essa denominação, mas representado pelas expressões: sem nada, sem
nenhum,
sem coisa alguma, etc.
Para maior clareza, passo a exemplificar com a lição que se segue:
— Pedro, quantos olhos tem você?
(Mostrando aos alunos um lápis)
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Quem será capaz de dizer quantos lápis eu tenho?
Diga você, Antônio.
Mostre-me um livro, Manoel. Dê o seu livro ao Pedro. Com quantos livros você ficou? (O aluno
deverá responder: fiquei sem nenhum livro).
Dê-me a sua régua, Paulo. Quantas réguas você me deu? Dê-me também a sua, João. Com
quantas réguas fiquei?
(Mostrando dois cartões quadrados)
Quantos quadrados eu tenho, Antônio? Olhem bem: eu vou dar um destes quadrados ao João
(dá ao aluno nomeado um dos quadrados); com quantos quadrados fiquei?
Seria conveniente que estes exercícios fossem feitos em torno duma mesa sobre a qual
houvesse uma quantidade variadíssima de objetos para as ilustrações das lições.
Convém também lembrar que, chegado a este ponto do desenvolvimento da lição, o
professor deverá procurar fugir um pouco da objetivação real para a objetivação feita por meio
de desenhos e figuras.
É assim que a lição tomará, nessa palestra socrática, a seguinte orientação:
João, venha mostrar-me nesta figura (mostrando a classe uma das estampas do álbum de Parker)
dois cavalos. Dois canivetes. Um peixe. Uma canoa.
Pedro, diga canoa duas vezes.
João, faça no quadro tantos tracinhos quantos olhos você tem. Quantos tracinhos você fez?
Apague um tracinho. Quantos ficaram? Apague o outro; quantos ficaram?
Eu vou fazer, agora, um desenho no quadro e quero ver quem será capaz de dizer o que eu fiz
(desenha no quadro um ou dois patinhos ou outra coisa qualquer). Vamos ver você, Pedro. Diga o
que eu fiz no quadro?
Convém aqui fazer ligeiras observações em relação ao modo pelo qual devem ser as
perguntas feitas ao aluno e como devem ser respondidas.
Cumpre notar, antes de mais nada, que essas perguntas devem ser dirigidas primeiro a
classe, no conjunto, e só depois ao aluno.
Haverá um sinal convencionado para os que forem capazes de responder as perguntas
dirigidas a todos, de modo que possam revelar a professora o seu conhecimento.
O atualmente adotado nas escolas do Estado é o de levantar o ante-braço, apoiando-o
com o cotovelo sobre a carteira, e tendo distendido unicamente o dedo indicador. Outro, po-
rém, poderá ser convencionado pela professora.
A pergunta deverá ser dirigida a classe, já o disse, e não individualmente. Só depois de a
professora verificar quais são os alunos capazes de responder é que indicará alguns deles para
fazê-lo.
Se a resposta não for, porém, satisfatoriamente dada pelo aluno interrogado, chamará um
dos outros para auxiliá-lo.
E será só no caso extremo de não obter resposta alguma dos educandos que ela, esgota-
dos todos os recursos de que possa lançar mão para compeli-los a uma resposta exata, deverá
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
responder, não dogmaticamente, mas explicando de modo claro e objetivo, numa
linguagem simples que a classe compreenda.
É preceito pedagógico que o professor deve descer até ao aluno, e não procurar elevá-lo,
orno vulgarmente acontece, até ele.
Todas as respostas dadas pelos alunos as perguntas que lhes forem feitas deverão ser -
completas, ter sentido perfeito.
No ensino da Aritmética, como no das demais disciplinas do programa, não se visa so-
mente aprimorar o espírito do aluno com os conhecimentos que ela fornece, mas também
aperfeiçoá-lo no modo de bem expressar o seu pensamento.
Conhecido o número, é preciso que a criança aprenda o seu símbolo gráfico—o algarismo.
Vou explicar como deve ser feito este ensino, dando modelos de perguntas, e o modo
como deve a professora conduzir os alunos:
— Quem será capaz de escrever no quadro um sinal que queira dizer um? Não há quem o saiba
escrever? Então vejam como se escreve um: 1. Este sinal representa o número um.
— Vamos ver quem será, agora, capaz de o escrever? Pedro, venha escrevê-lo. Muito bem; Pedro
já sabe escrever o número um.
E você, Antônio, será capaz também de escreve1º? Vamos ver, venha a pedra. Antônio também
já sabe escrever o número um.
— Agora vamos ver quem será capaz de mostrar entre estes sinais (escreve no quadro uma série
de algarismos onde entra o "um" algumas vezes) o número um?
— Pedro, venha mostrá-lo. Muito bem, são esses os sinais que representam o número um.
Em seguida o professor mandará que os alunos o reproduzam no papel, previamente
distribuído.
Estes exercícios continuam até que o algarismo um fique bem conhecido.
O mesmo far-se-á para o algarismo dois e para o zero, que será chamado nenhum ou nada.
O ensino da Aritmética, conforme a lição que, para exemplificação, acima dei, é nesta
fase do aprendizado inteiramente objetivo.
O aluno adquire a idéia do número pela quantidade de objetos que vê: primeiro, materia-
lizados em suas formas; depois, representados em estampas e desenhos. E nessa graduação,
que tende a libertá-lo do objeto, passaremos a uma outra fase em que o objeto será apenas
lembrado, sem que o aluno o tenha presente.
O professor formulará então pequenos problemas orais, que deverão ser resolvidos men-
talmente pelos alunos. Esses problemas poderão ser assim formulados:
— Eu lenho duas maçãs; dou uma ao Pedro, com quantas maçãs fico? Quem será capaz de dizer?
João, com quantas eu fico?
— Pedro linha uma laranja e ganhou uma de Antônio. Com quantas laranjas ficou? Diga você,
Manoel.
— Lourival tinha um pêssego e comeu o pêssego que tinha. Com quantos pêssegos ficou? Diga
você, Paulo.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
E assim se continua até que o aluno encontre facilidade em resolvê-los, mentalmente.
Este trabalho oral, porém, não deve permanecer por muito tempo desacompanhado dos
exercícios gráficos.
A linguagem escrita em Aritmética é, como no ensino do idioma, um complemento da
linguagem oral.
É por isso que o ensino daquela deve ser feito quase concomitantemente com o desta.
Ora, na linguagem escrita da Aritmética, os elementos que são necessários considerar são
os algarismos — sinais convencionados para representar os números —, os sinais característi-
cos das operações a efetuar e os das relações que as quantidades entre si mantêm.
Em se tratando do ensino do "um" e do "dois", os algarismos, seus representativos, já são
conhecidos nesta fase do ensino; resta, porém, ensinar a criança os sinais que representam as
operações por ela já efetuadas nos exercícios orais anteriores, bem como o que estabelece a
relação de igualdade.
Esses sinais, no entanto, serão ensinados não com as suas denominações clássicas, mas
com aquelas que a criança emprega formulando o problema ou dando-lhe a resposta.
Assim, o + (mais) será ganhei, comprei, achei, etc; o- (menos) será vendi, comi, perdi,
dei, etc; o = (igual a) será fiquei.
Por esta forma os sinais representarão perfeitamente o pensamento do aluno, porque eles
não são mais do que a tradução escrita das palavras orais empregadas para representar o que se
acha em imagem no seu cérebro.
O aprendizado dessa linguagem escrita pode ser dividido em duas fases: uma em que os
problemas formulados oralmente e oralmente respondidos devem ser em seguida efetuados no
quadro-negro por um aluno que será auxiliado pela classe. Os retardatários devem ser
escolhidos pela professora, de preferência para esses exercícios escritos.
Esta primeira fase durará o tempo necessário para que a maioria da classe fique conhe-
cendo bem os sinais empregados. Dois ou três dias são suficientes.
Na segunda fase, os alunos farão os problemas, depois de formulados e respondidos
oralmente, no papel de calculo, que lhes deve ser antecipadamente distribuído.
Um ou dois serão em seguida chamados a pedra para resolvê-los; aqueles que acaso
tenham errado corrigirão o seu erro pelo modelo.
Seguindo-se essa mesma marcha, ensinar-se-a depois o número três e o número quatro.
Neste estágio do aprendizado, a criança já se acha preparada não só para aprender as
operações de multiplicar e dividir, como também para iniciar-se no estudo das frações.
Tudo o que se pode fazer ao estudar um número é reunir as suas partes ou separá-las; é
formá-lo ou decompô-lo.
Mas obtém-se o número pela reunião das suas unidades, que podem ser tomadas uma a
uma, duas a duas, três a três, etc, ou desigualmente agrupadas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Partes de um número, porém, são parcelas dele; assim, as parcelas que o formam podem ser
iguais ou desiguais. No primeiro caso dão origem a multiplicação, que outra coisa não é
senão a adição particularizada; e no segundo, a soma propriamente dita.
A decomposição, ao contrário, é feita ou pela subtração, que consiste em tirar do todo
uma parcela qualquer, ou pela divisão, que consiste em tirar sucessivamente do todo parcelas
iguais e verificar quantas delas entravam na sua composição.
Da soma e da subtração já me ocupei quando fiz o estudo do "um" e do "dois"; por
isso, • e so da multiplicação e da divisão que irei agora tratar.
O aprendizado da multiplicação é feito objetivamente, como o da adição ou da soma.
Assim, o professor mandará que os educandos formem grupos iguais de objetos e pedi
o total deles, formulando problemas que poderão se assemelhar aos seguintes:
Eu tenho dois grupos de duas canetas. Quantas canetas eu tenho?
Numa roseira, com dois galhos, cada galho tem duas rosas; quantas rosas há na roseira?
E esses exercícios continuam até que encontrem os alunos facilidade na solução oral dos
mesmos.
Depois, como nas duas primeiras operações, serão respondidos oralmente; em seguida,
produzidas graficamente no quadro-negro por um dos alunos auxiliado pela classe.
O sinal da operação não receberá o seu nome clássico de vezes ou multiplicado por, e sim
aquele que mais convier, isto é, aquele que estiver de acordo com o problema.
Nas aulas de recapitulação, resolverão os alunos mentalmente os problemas que lhes
orem apresentados; em seguida reproduzi-lo-ão no papel de cálculo, indo um ou mais deles a
pedra escrevê-los para modelo necessário as corrigendas dos trabalhos da classe.
DIVISÀO
A divisão, que deve ser ensinada concomitantemente com as outras operações a partir do
número quatro, vem completar o estudo das operações fundamentais da Aritmética.
O seu ensino deve ser feito como o das outras operações, objetivamente.
Dada uma coleção de objetos, dividir-se-á esta em tantos grupos iguais quantos os pedi-
dos; o número de objetos que cada um contiver será o quociente procurado. Ou ainda, separar-
se-ao da coleção apresentada tantas parcelas iguais de objetos quantas ela contiver; o número
de parcelas será o resultado pedido.
Esses exercícios serão a derivação natural de problemas que poderão ser assim formula-
dos: Quatro laranjas, quantos grupos de duas laranjas têm? Eu tenho quatro lápis e os reparto
entre dois meninos. Com quantos lápis ficou cada um?
Na fase inicial, a criança deverá resolvê-los oralmente, manejando os objetos que devem
auxiliá-la para a objetivação da lição.
Mental e oralmente resolvidos, os problemas deverão ser representados graficamente no
quadro-negro. Na recapitulação, farão os alunos, depois da fase oral, a representação gráfica
no papel, e um ou dois deles, chamados pelo professor, virão reproduzi-los na pedra.
FRAÇÕES
A rotina visceral dos métodos empregados no ensino da Aritmética tem dado lugar a que
muitos professores sustentem que o estudo das frações feito concomitantemente com o das
operações fundamentais deixa a criança confusa e prejudica o ensino.
Puro erro. Basta considerar que o estudo das frações vem integrar o conhecimento do núme-
ro no espírito da criança para que se verifique que não há nada mais falso do que essa afirmativa.
Considerações outras de vulto poderia ainda apresentar para demonstrar o erro em que
incidem esses professores. Não é, porém, de minha intenção fazê-las aqui, pois afastar-me-ia
do fim a que me propus chegar.
Importa, no entanto, verificar se a prática tem sancionado esse sistema de ensino, pois só
ela é que pode se manifestar de modo decisivo, assaz poderoso.
Ela, porém, deu a sua sanção pelos resultados que têm colhido os professores que o
aplicam.
Já fiz sentir anteriormente que o ensino da Aritmética há de ser, no primeiro ano, principal-
mente na sua fase inicial, objetivo, e o estudo das frações não pode fugir a esta norma.
É preciso que a criança veja, apalpe, observe a coisa para ter idéia perfeita do objeto
estudado, ou examine atentamente o fato para compreendê-lo.
Este há de ser o método mais perfeito, porque põe o aluno em atividade ou, pelo menos,
faz derivar da ação o elemento importante e o princípio dos conhecimentos.
Nessa inteligência, há de o professor, ao iniciar o ensino das frações, apresentar a classe
uma fruta, ou uma folha de papel, ou um outro objeto qualquer que possa ser facilmente dividido
em partes.
A folha de papel presta-se melhor ao exercício inicial deste ensino.
Mostrando a folha a classe e dobrando-a ao meio, o professor destacará as duas meta-
des; e aos alunos, então, indagará qual a relação que guardam com a primitiva folha.
É natural que o aluno interrogado responda ser cada uma das partes obtidas metade da
folha primitiva.
Convém, no entanto, fazer ver a este que a expressão metade pode ser substituída pela
expressão "um meio", e que esta deve ser preferida.
Conhecida a denominação que a cada parte deve ser dada, far-se-á ver aos alunos que as
duas metades reunidas reproduzem a folha e que, retirando uma, restará outra.
E a iniciação do aluno nas operações de somar e de subtrair frações.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Esses conhecimentos são dados intuitivamente por meio de palestras socráticas.
Julgo escusado lembrar, para perfeita compreensão do ponto, ser conveniente repetir a
adicão com outros objetos, seguindo os mesmos passos.
Foi considerada na lição indicada somente a fração da unidade, isto é, de um objeto ou
coisa. Mas poder-se-ia considerar também a fração de uma quantidade qualquer; de vinte lápis,
por exemplo. Os vinte lápis seriam então o todo, que, no caso vigente, deveria ser dividido em
duas partes ou duas metades.
O processo para a indução é o mesmo, mutatis mutandis, como o descrito para o da
fração de um inteiro.
Pequenos problemas mentais completam a fase oral.
Conhecida do aluno a idéia que a fração exprime por esse processo intuitivo e conhecida
sua linguagem oral, resta ao professor ensinar a sua linguagem escrita, isto é, o modo como
deve ser ela graficamente representada.
Escusado será lembrar aqui que a linguagem escrita não é mais do que a tradução
fiel da linguagem oral. Para cada símbolo vocal há de haver, portanto, um símbolo
gráfico. E assim acontece. Lançando mão desses símbolos gráficos, o professor
escreverá na pedra a fração estudada e chamará a atenção dos alunos para o modo de
escrevê-la. Depois de reproduzi-la graficamente, irão a pedra alguns dos educandos
a mandado do professor. Para dar uma idéia precisa e uma compreensão segura de
como deve ser a fração escrita, lembro o que acima já disse, que ela pode ser parte
tanto de uma unidade como de uma coleção, isto é, de uma quantidade qualquer. A
forma gráfica terá, portanto, de indicar de que espécie de quantidade é a fração
parte.
Assim, um meio de uma laranja, dois meios de uma pera, um meio de duas maçãs e um
meio de quatro pêssegos serão representados, respectivamente, pelas formas seguintes:
1/2 de 1; 2/2 de 1; 1/2 de 2; 1/2 de 4.
Tratando-se da fração de uma coleção, verificar-se-á quantas unidades, objetos ou coi-
sas da coleção correspondem a parte considerada.
Para considerar a questão objetivamente, formulemos o exemplo:
— Um meio de quatro laranjas, quantas laranjas serão?
l/2de 4 = ?
A resposta dada pelo aluno fará com que a interrogação seja substituída pelo seu real
valor
1/2 de 4 = 2
1 Conferência Nacional de Educação — Curiliba. 1927
Os problemas mentais, por sua vez, passam a ser também graficamente representados,
obedecendo ao mesmo critério.
Consideremos o seguinte exemplo, para clareza do assunto:
—Eu tinha a metade de duas laranjas e ganhei a metade de duas laranjas. Com quantas
laranjas fiquei?
1/2 de 2 + 1/2 de 2 = ?
A resposta que o aluno interpelado der completará a igualdade:
1/2 de 2 + 1/2 de 2 = 2
O que exposto ficou basta para determinar—não só para 1/2 como para todas as outras
frações — o caminho que deve seguir o professor para terem os seus alunos concepção exata
das frações que estudarem neste primeiro estágio do Curso Preliminar.
TABUADA
A tabuada impressa em folhetos é a rotina em circulação. Rotina que enfraquece e aniquila
a inteligência e o raciocínio. É o maior castigo e flagelo que se pode impor aos escolares.
Sem compreender, o aluno decora e recita cantando o que decorou.
Ensinar a tabuada por esse processo é não ensinar. Pior ainda: é apagar na criança o
entusiasmo pelo estudo; é criar nela a aversão a escola.
O ensino, porém, deve despertar no estudante a curiosidade, o entusiasmo, a satisfação
de aprender; deve agradar, em vez de aborrecer; deve, enfim, pô-lo em atividade, despertando-
lhe as faculdades que num treinamento sadio se aperfeiçoam.
O conhecimento da tabuada deve, portanto, ser adquirido de um modo intuitivo, por meio
da objetivação e da concretização das lições.
No aprendizado dos números, tendo que compor e decompor cada um deles, o educan-
do irá objetivamente obtendo as relações numéricas das operações submetidas ao seu estudo.
Mas a tabuada visa, justamente, dar o conhecimento dessas relações por meio de qua-
dros sistematizados, de modo que se possa ter, de pronto e sem esforço, no espírito, os resulta-
dos das operações que serão efetuadas com os números dígitos, guardando-os de memória.
Esses quadros, porém, podem ser organizados pelos próprios alunos nas suas mesinhas
de trabalho, com o auxílio de palitos, de tornos ou de outros objetos.
Reunindo um a um, dois a dois, três a três, etc, esses objetos, e representando grafica-
mente no papel todas as operações efetuadas por esse processo, terá a criança obtido a tabuada
de somar. A de multiplicar obterá reunindo um, dois, três, etc, grupos de dois, de três, de
quatro e de mais objetos em um só e registrando as diversas operações efetuadas.
As de subtrair e de dividir serão obtidas por operações contrárias a essas.
Esses exercícios deverão ser feitos não uma, mas muitas vezes, e nunca desacompanhados
de uma fase oral. Este ensino é, como se vê, condicionado ao da numeração, nos moldes
traçados para a aprendizagem desta. Mas, assim sendo, desnecessário se torna. Basta que,
ao ensinar-se a numeração, todas as operações de composição e de decomposição sejam
dadas de modo completo, fazendo o professor que os alunos não só as resolvam como
também as retenham de memória pela se-riiência dos exercícios. Estudado um número e
feitas todas as operações com ele e com os anteriormente estuda-los, convém, como
recapitulaçâo, fazer os seguintes exercícios, que poderão ser tirados do mapa Parker:
Nos exercícios indicados no primeiro grupo, os alunos, depois de
examinarem os resulta-os das operações, deverão apagá-los e, em
seguida, escrevê-los com presteza; e nos grupos [, III, e IV, substituir as interrogações pelos
valores correspondentes. Retidas todas essas formas no espirito, por meio da objetivação,
deverão ser os mesmos exercícios repetidos sem o emprego de objetos. O cálculo mental e
rápido virá, como fase complementar, aperfeiçoar esses conhecimentos. O ensino da tabuada,
no entanto, terá o mesmo valor instrutivo educativo se, depois de organizada pelos alunos,
de acordo com o modo já indicado, obedecer aos mesmos passos dos exercios acima
explicados. CONCI.USÀO
Dou por finda a minha tarefa. A tese que me propus escrever, é certo, não se acha escoimada
de lacunas e de falhas. Animou-me, porém, boa vontade. Se não alcancei o fim almejado —
o de sindicar o caminho mais seguro para o ensino desta disciplina —, espero que espíritos
mais lucidos venham traçar, com mãos mais hábeis, o verdadeiro caminho.
conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
2
31
METODOLOGIA DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Ambrosio Torres
Rio de Janeiro, DF
EDUCAÇÃO FÍSICA
A Educação Física, matéria por demais complexa, tem merecido especial atenção de
pedagogos e fisiologistas eméritos de todas as épocas. Na França, Inglaterra, Alema-
nha, Suíça, Itália, Suécia, Estados Unidos e em muitos outros países, ela tem sido objeto de
constantes investigações. E os que a investigam têm sempre em vista conseguir a sua difu-
são em todas as camadas sociais, de modo a nacionalizá-la com a adoção de métodos que
satisfaçam as necessidades regionais, como clima, índole, costumes, etc. Assim é que quase
todas as nações já codificaram os seus métodos de ensino da Educação Física.
Entre nós, porém, o pouco que se tem feito se restringe tão-somente a difusão, dei-
xando-se aquilo que é mais importante — o método. Depois da obra extraordinária de
Ling, é incontestável que nada de novo há por fazer em matéria de ginástica fisiológica.
Agora, o que é necessário fazer é adaptá-la ao meio, de modo que os métodos e programas
sejam, em tudo, calcados em moldes puramente nacionais, a fim de se evitar os danos que
possam advir de um ensino errôneo e mal orientado.
Executar movimentos é fazer exercício, mas a simples prática dos exercícios não
constituí Educação Física.
GINÁSTICA EDUCATIVA
A ginástica educativa, como base da cultura física, deve ser dividida em ginástica
respiratória, pedagógica e médica.
A Respiração, o ABC da Educação Física
Ao professor de Educação Física, o que mais deve preocupar na direção dos seus
alunos é a respiração. A primeira coisa a ensinar a criança deve ser a respiração, o que
infelizmente quase ninguém sabe. A respiração é a vida. O oxigênio, ao penetrar no orga-
nismo, produz a combustão de que resulta a troca das matérias consumidas, gera calor e
equilibra a temperatura; em uma palavra, se constitui o dínamo da importante máquina
humana. Se o oxigênio é a vida, nada mais razoável do que lhe reconhecer o maior desta-
que no escalão da vida física e psíquica.
A criança que não sabe respirar é anêmica, fraca, tímida, nervosa e sem iniciativa. Tudo
isso é tão-somente conseqüência da falta da oxigenação dos pulmões. Dê-se movimento a este
importante tecido que, com a força da sua elasticidade, expandindo-se e contraindo-se, não
produzirá somente a dilatação do tórax; o sangue será levado a toda as partes do corpo
com mais força e abundância; o coração baterá com melhor ritmo; toda a ramificação do
ande simpático, muito especialmente do tórax e abdômen, será devidamente atuada, do
que resultará o normal funcionamento das funções da circulação, da nutrição e da excreção.
A respiração que mais convém é a nasal (inspirar e expirar pela narinas), que permite
a passagem do ar pelas narinas, onde não só é aquecido em contato com a mucosa como
filtrado pelos cílios. É também de grande importância o ritmo respiratório cujo tempo deve
ser de dois segundos para inspiração e de igual tempo para expiração. As inspirações feitas
com a elevação dos calcanhares e movimentos lentos ou posições especiais dos braços
produzem maior penetração de ar nos pulmões. A elevação dos calcanhares no ato da
inspiração permite uma maior descensao do diafragma, o qual, fazendo pressão sobre os
órgãos abdominais, aumenta o diâmetro toráxico no sentido vertical; os movimentos e
posições especiais dos braços dão maior atuação aos deltóides, aos grandes peitorais, aos
dentados e aos intercostais, de modo a facilitar o movimento oscilatório e o conseqüente
arqueamento das costelas, do que resulta a ampliação dos diâmetros ântero-posterior e
lateral do tórax.
Só depois que a criança souber respirar, e só depois de se lhe ter feito compenetrar da
necessidade da respiração, deverá o professor começar a ensinar os exercícios, de modo que
o exercitando compreenda que, sem respiração, não poderá haver a prática dos exercícios.
A Ginástica Pedagógica
Como base da Educação Física, a ginástica pedagógica deve ser dividida em ginástica
preparatória e ginástica de aplicação.
A ginástica preparatória deve compreender todos os movimentos livres dos membros,
cabeça e tronco, os quais precisam ser praticados sempre numa ordem progressiva,
começando-se dos movimentos simples para os combinados, até que os exercitandos ad-
quiram a fácil mobilidade das articulações e dos diferentes feixes musculares.
Os exercícios ou ginástica de aplicação só devem vir depois desse treinamento prévio.
A sua prática compreendem-se: os exercícios de equilíbrio no banco e na viga, os
movimentos de extensão dos membros na barra móvel, saltos no cavalo, na pista, em altura,
etc, natação, remo, equitação, marchas curtas, corridas, muitos outros exercícios e jogos
recreativos e esportivos.
Os rapazes, moças e crianças submetidos a exercícios assim orientados pouco tempo
depois se apresentarão verdadeiramente transformados, com um admirável revigoramento
físico e psíquico. Isto se pode verificar com as observações psíquicas e de mensuraçòes
antropométricas. No primeiro caso, observa-se o normal funcionamento do sistema nervoso,
apresentado-se o indivíduo com melhor discernimento, agilidade, destreza, prolação, alma,
reflexão e cheio de iniciativa; no segundo, observa-se o aumento de peso, força
dinamométrica, capacidade pulmonar, ampliação toráxica, etc.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A Ginástica Médica
Como terapêutica, é de grande valia no tratamento de inúmeras moléstias, a exemplo
do que há quase três anos se vem constatando no Heliotherapium, modelar estabelecimento
montado pelo grande pediatra brasileiro doutor Moncorvo Filho, cujos resultados extra-
ordinários temos o prazer de constatar de visu, pois, na qualidade de seu auxiliar, a cada dia
que passa mais nos convencemos de que a sua obra constitui não só uma elevada conquista
do progresso nacional, mas também um feito grandioso dos nossos homens de ciência.
Ali, a ginástica natural de Hebert-Carton — adaptada ao nosso meio, associada aos
banhos de sol e, mais ainda, a ginástica médica de Neumann-Neurode e massagem — tem
produzido verdadeiras maravilhas no tratamento do raquitismo, linfatismo, escrofulose, clorose,
anemia e fraqueza, reumatismo, pré-tuberculose e, particularmente, doenças de nutrição.
Já não é pequeno o número de indivíduos matriculados no Heliotherapium e nos quais
foram verificados ótimos resultados, documentadamente comprovados pelos reiterados exames
clínicos e de laboratório — puerimetria, hemoanálise, cutirreaçao, dinamometria, espirometria,
etc. —, cujos resultados poderão ser contatados por qualquer pessoa que visite aquele modelar
estabelecimento.
EURRITMIA DOS EXERCÍCIOS
No ensino dos exercícios, há três casos importantíssimos a considerar: os exercícios
de ritmo lento, ordinário e acelerado. Geralmente, os últimos são preferidos pela maioria das
pessoas pouco versadas em fisiologia, que supõem ser o melhor exercício aquele que o
aluno executa com tanta velocidade que não se note a menor pausa na passagem de uma
posição para outra. Um exercício assim praticado pode ser tudo, menos educativo, visto
produzir grande dispêndio não só muscular como nervoso.
Quanto maior for a velocidade com que se movimentam os músculos, maior será o
esforço nervoso. Se na prática dos exercícios devemos ter em mira não só o vigor muscular,
mas muito especialmente a educação do sistema nervoso, tudo indica que uma parte não deve
prejudicar a outra.
A lentidão do movimento não só evita o excessivo gasto nervoso como também permite a
correção das atitudes e favorece melhor a própria irrigação dos músculos, cujo afluxo de sangue
será tanto maior quanto melhor for a contração muscular, de que resultará uma melhor troca de
substância em todo o tecido.
Para se obter esta almejada eurritmia dos movimentos e todos os seus proventos, basta
tão-sòmente que o professor, desde o início do ensinamento, tenha a preocupação de procurar
obter do aluno não a rapidez dos exercícios, mas a firmeza e a correção da posição ou atitude.
Os movimentos devem ser decompostos em dois ou quatro tempos, de modo que entre
um e outro tempo de um mesmo movimento se possa contar dois segundos. Não se deve,
porém, repetir um mesmo exercício mais de quatro vezes, a fim de não só evitar o cansaço
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
dos músculos como também a tensão nervosa, que será muito maior para manter o ritmo de
um movimento repetido muitas vezes.
O uso do apito na direção das aulas de ginástica é bastante prejudicial, não só por ser
'irritante como excitador do sistema nervoso, sendo prejudicial ao próprio órgão auditivo da
criança. Crianças há que têm o tímpano tão delicado que não suportam o silvo de um apito.
Além disso, o barulho produzido pelos apitos contínuos faz com que os movimentos fiquem
verdadeiramente automáticos, o que acarretará maior esforço muscular e uma verdadeira
perturbação nervosa para a criança que os executa, dando-se o contrário com o exercício a
voz de comando, que, sendo lenta, agrada ao ouvido do exercitante, dando idéia de uma
verdadeira música. Mesmo a voz de comando um pouco enérgica a princípio deve ser
diminuída a proporção que os exercitandos forem educando o ouvido e a atenção.
Os alunos assim iniciados facilmente passarão a prática da ginástica rítmica com
música ou canto coral, devendo ser esta a maior preocupação do professor de Educação
Física, muito especialmente quando se tratar da ginástica feminina.
Os resultados não se farão esperar, como se poderá ver nos quadros demonstrativos que
acompanham este trabalho, quadros estes colhidos em três estabelecimentos de ensino e nos
quais podemos coligir dados de educandos de ambos os sexos e das diferentes idades escolares.
Na Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, há quatro anos vimos regis-
trando casos extraordinários de revigoramento físico em adolescentes de ambos os sexos
(Tabelas 1 e 2). Iguais resultados temos obtido em outros estabelecimentos de ensino pri-
mário e secundário, destacando-se dentre eles os colégios Santo Antônio Maria Zaccaria
(Tabela 3) e Santa Cecília (Tabela 4).
CULTURA FÍSICA: CULTURA ESPORTIVA E CULTURA ATLÉTICA
Em se tratando de Educação Física, um dos pontos mais vulneráveis e controversos a
ser estudado é justamente este, que diz respeito ao esporte e ao atletismo.
Presentemente, em todo lugar se encontra a prática do esporte ou do atletismo. As
crianças, desde os 6 anos de idade, nas escolas ou nas associações esportivas, não só querem
como, na maioria dos casos, são iniciadas na prática dessa diversão tão a seu gosto.
Entregar as crianças ou aos rapazes de 8, 10, 12, 16 anos um disco, dardo, peso ou
outro qualquer instrumento para arremessar ou suspender é cometer um verdadeiro crime de
lesa-saúde. Do mesmo modo devem ser compreendidas as corridas de 100, 200, 400 e 1.500
metros, os saltos com vara e o futebol como por aí jogam.
Assim como a educação intelectual tem as suas três fases distintas de instrução primária,
secundária e superior, assim como a ginástica tem as fases respiratória, preparatória e de aplica-
ção, também os desportos devem ter estas três fases: a recreativa, a esportiva e a atlética —
compreendendo-se por instrução recreativa os jogos e brinquedos usados pelas crianças de até
10 anos, como sejam, barra-de-bola, barra-manteiga, cabra-cega, chicote-queimado, bola-de-
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
mão, bola-corrida, etc; a esportiva, compreendendo-se primeiro e segundo graus, para os rapa-
zes, respectivamente, de 11 a 15 anos e de 16 a 20 anos, e para os quais ficariam reservados os
jogos associativos, como bola americana, malho peteca, voleibol, basquetebol, water polo
handebol, etc, e com parcimônia, tênis, natação, remo e tantos outros jogos e esportes que os
rapazes poderão praticar sem sacrificar a sua integridade física.
Depois dos 21 anos, quase completado o desenvolvimento físico, é que os rapazes que
tenham passado pelas duas fases preparatórias poderão ingressar na prática do atletismo
como verdadeira cultura, visto ser o grau superior da Educação Física. Eis, pois, completado
o ciclo da verdadeira Educação Física Integral. Só assim teremos construído obra capaz de
tornar a raça forte, viril e intrépida, apta a colocar o Brasil nas culminâncias que deve atingir.
ASSISTÊNCIA MÉDICO-ESCOLAR
Nenhum professor de Educação Física, cônscio da sua nobre missão e da responsabilidade
que lhe pesa sobre os ombros, deverá prescindir do concurso do médico na orientação dos traba-
lhos da aula de Educação Física, sem o que ela não será praticada com utilidade e sem perigo.
No início dos trabalhos escolares, necessário se torna o exame médico de todos os
alunos, a fim de remover as causas que por acaso se oponham a prática da ginástica ou dos
esportes. Neste exame médico será verificado se a respiração do exercitando apresenta os
quatro caracteres fundamentais — nasal, suficiente, completa e resistente —, o que virá
confirmar a ausência das afecções patológicas que mais põem em risco a vida do praticante
de esportes: asma, hérnia, pólipo e vegetações adenóides; serão verificados também os apare-
lhos circulatório e digestivo, os rins, a boca, os ouvidos; enfim, um minucioso exame deve ser
feito e repetido no fim do ano letivo e sempre que o médico ou professor achar conveniente.
ANTROPOMETRIA ESCOLAR
O mapa antropométrico dos alunos deve constituir o termômetro do professor, por
onde ele poderá verificar se os exercícios estão ou não produzindo os efeitos desejados; será
também com os resultados dos dados antropométricos que ele completará a organização das
diferentes turmas de alunos para as aulas de exercícios físicos.
As medidas que se tomam mais usualmente são: a capacidade pulmonar, o perímetro
toráxico, a força dinamométrica — mão direita e mão esquerda —, a estatura, o busto, o
peso, a envergadura, os diâmetros do tórax, o perímetro e os diâmetros da cabeça. Com
esses dados, o professor facilmente não só verificará o aumento de peso, de força, de
ampliação toráxica e de capacidade pulmonar do exercitando, como poderá também, se-
gundo Demey, Tissié, Boigey, Stanley, Binet, Neceforo, Quertelet e muitos outros cientistas
de valor, determinar o coeficiente de robustez ou índice vital.
De todas essas mensurações a que mais tem dado margem a discussão é a do períme-
tro toráxico. Apesar de o Congresso de Educação Física, realizado em Paris em 1910, ter
resolvido tomar-se como linha de referência para determinação do perímetro toráxico a
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linha xifoidiana, muitos outros fisiologistas têm procurado discordar dessa medida, achan-
do uns que se deve tomar por base a linha mamilar, outros a linha axilar.
Como há 12 anos vimos nos dedicando a este assunto com verdadeiro amor, já ha-endo
conseguido medir cerca de 6 mil indivíduos entre crianças e adultos de ambos os sexos,
relatando as conclusões a que chegamos com as nossas despretensiosas observações,
podemos dizer que dois devem ser os pontos de referência para a determinação do
oerímetro toráxico, desde que se tenha em mira verificar a amplitude toráxica ou expansão
pulmonar para as moças de 11 anos acima, deve ser a linha axilar; para as crianças de
ambos os sexos até 10 anos e adultos, a linha xifoidiana.
Quanto as moças, estamos com os que afirmam que, devido aos órgãos da baixa, o
diafragma não tem grande movimento de descensão, por isso que as costelas flutuantes não
têm grande movimento oscilatório, caracterizando o tipo respiratório alto, o que, de resto,
as nossas observações vêm confirmando.
Temos notado que a pretendida respiração média, ou da linha mamilar, não existe nos
indivíduos que têm educação respiratória. Nas pessoas sem educação respiratória, o dia-
fragma e as costelas flutuantes funcionam mal, em conseqüência da falta de boa atuação
dos músculos inspiradores, resultando, assim, a respiração média (mamilar).
A título de estudo, há mais de cinco anos vimos tirando dois perímetros toráxicos nas
crianças de ambos os sexos e nos rapazes iniciados nos exercícios — linha mamilar e
xifoidiana —, notando sempre que a maioria dos exercitandos sem educação respiratória
apresentam maior dilatação na linha mamilar, os quais logo na segunda verificação, três
meses depois, já apresentam o tipo definido da respiração baixa (xifoidiana).
As medidas dos quadros antropométricos que acompanham este trabalho são toma-
das, das moças, na linha axilar; dos rapazes e crianças de ambos os sexos, na linha xifoidiana.
CONCLUSÕES
1) É um dever de patriotismo procurar, por todos os meios e modos, dotar o País de
métodos de Educação Física moldados em padrões puramente nacionais.
2) A Educação Física a ser ensinada nas escolas deve ser sempre com moderação e de
forma racional, não se perdendo de vista os fatores mesológicos, sexo, idade, desenvol-
vimento físico e condições individuais dos alunos.
3) A ginástica educativa, como base da Educação Física, deve ser compreendida
como ginástica respiratória, pedagógica e médica, levando-se sempre em consideração a
coordenação e ordem crescente dos movimentos, os quais devem ser alternados por séries
de exercícios respiratórios.
4) Sendo a função respiratória condição vital para o organismo, a ginástica respirató-
ria deve constituir o ABC da Educação Física.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
5) Aulas de exercícios físicos não deverão passar de 30 minutos para as crianças de 6
a 9 anos, de 40 minutos para as de 10 a 12 anos, de 50 minutos para os adolescentes de 13
anos para cima, devendo-se ainda, em todos os casos, dividir o tempo em duas partes: urna
para os exercícios propriamente ditos e outra para os jogos recreativos e esportivos, que são
de grande valor educativo para a criança.
6) Para evitar a fadiga muscular e o cansaço cerebral, os exercícios devem ser ensina-
dos com moderação e ritmo, tanto quanto possível, devendo ser condenado o uso do apito,
as séries de movimentos muito numerosas e os exercícios de barra fixa, barra paralela,
argolas e trapézio.
7) A cultura esportiva e atlética deve ser considerada como ensino de grau secundário
e superior da Educação Física, só podendo ser praticada por indivíduos que já tenham
atingido a idade correspondente. Precisa ser abolida por completo dos colégios e ginásios a
prática de atletismo pelos rapazes e a dos esportes pelas crianças.
8) A aula de Educação Física deverá ser superintendida pelo médico escolar, para
efeito de observações médicas, não se devendo submeter os alunos aos exercícios físicos
sem a devida prescrição.
9) As mensuraçòes antropométricas devem constituir valioso auxiliar para a verificação
do aproveitamento do aluno, quer determinando o coeficiente de robustez de acordo com a
fórmula de Pinet, quer pelo aumento da força, peso, capacidade pulmonar e expansão toráxica.
10) Para determinação do perímetro toráxico, deve-se tomar por base a linha axilar
para as moças de mais de 12 anos e a linha xifoidiana para as crianças de ambos os sexos até
11 anos, rapazes e adultos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tabela 1 - Alguns casos dos mais importantes, dentre muitos, de revigoramento
físico de alunos do 1", 2" e 3" anos, quanto ao peso, a força dinamomé-
trica. a capacidade pulmonar e ao índice de dilatação toráxica.
Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz
For omètrica (ko) ;a
Dinarr
Capacidade
Nome
Peso (kg)
Mão
Direita
Mão
Esquerda
Ambas as
Mãos
índice da
Ampliação
Toráxica (cm)
Pulmonar (cm
1
)
Idad
e
(anos
)
Mediçã
o
Última
Mediçã
o
1
Mediçã
o
Última
Mediçã
o
1'
Mediçã
o
Última
Mediçã
o
Mediçã
o
Última
Mediçã
o
1ªMe
dição
Ultima
Mediçã
o
1ª'
Mediçã
o
Última
Medição
Mar.
1926
Out.
1926
Mar.
1926
Out.
1926
Mar.
1926
Out.
1926
Mar.
1926
Out.
1926
Mar.
1926
Out.
1926
Mar.
1926
Out.
1926
1'Ano
Maggy Figueredo 13 34 42 14 20 11 20 26 41 3 7 1.000 2.000
Anory Alvarenga 14 41 48 20 30 20 29 40 59 4 8 2.700 3.500
Jeographo Menezes 15 30 39 14 22 13 20 31 42 3 6 1.000 1.900
Zilda Soares 15 38 42.5 13 20 11 20 26 47 4 7 1.000 2.100
Renée Figueredo 16 45 54 14 26 14 24 31 55 3 7 1.300 2.250
Edilh Seixal 17 65 66.5 14 29 11 28 40 61 4 6 2.100 3.000
Mar.
1925
Out.
1926
Mar.
1925
Out.
1926
Mar.
1925
Out.
1926
Mar.
1925
Out.
1926
Mar.
1925
Out.
1926
Mar.
1925
Out.
1926
2" Ano
Eurydice Paiva 14 45 59 21 28 18 27 42 59 4 10 1.300 2.600
Maria Arames 15 43 53.5 14 27 20 32 35 62 3 7 1.800 3.150
Eslher Santos 16 36 46 20 24 17 20 36 42 4 8 1.100 2.600
Raul Cotia 16 32 47 22 34 20 34 40 70 4 7 1.400 2.350
Haydée Azevedo 16 38,5 44 15 22 11 20 30 46 5 9 1.050 2.100
Miguel Ramos 18 55 62 34 52 33 50 67 95 4 12 2.200 3.250
Jun.
1924
Nov.
1926
Jun.
1924
Nov.
1926
Jun.
1924
Nov.
1926
Jun.
1924
Nov.
1926
Jun.
1924
Nov.
1926
Jun.
1924
Nov.
1926
3" Ano
Nair Rosa 17 41 51 20 32 20 28 46 59 3 7 1.050 2.700
Lygia Góes 17 48 56 20 35 20 32 44 64 4 11 1.300 2.800
Maria da Gloria 17 51 60 22 33 21 32 53 62 5 12 1.300 2.300
Nadir Portilho 17 63 70 31 40 32 43 53 70 5 11 1.100 3.200
Yvonne Barbáre 18 50 54 19 33 18 32 33 60 4 10 1.300 2.800
Estellina Pereira 20 47 54,5 21 43 16 40 36 78 5 12 1.350 3.100
Alberto Cherem 19 54 63 40 53 39 49 65 90 6 13 2.300 3.700
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
185
Tabela 2 - Revigoramento físico dos alunos em três anos de vida escolar. Escola
Normal de Artes e Ofícios Wencesiau Braz
Ano Especificação Peso
Força Dinamométrica
Mão Direita
Capacidade
Pulmonar
1924 Média Verificada em Junho 46,085 kg
23,711 kg
1,333/
Média Verificada em Novembro 51,512 kg 29,600 kg 2,333/
Porcentagem de Aumento 11,8% 24,8% 76,3%
1925 Média Verificada em Março 48,828 kg 25,142 kg 2,230/
Porcentagem do Declínio no Período de
Férias
5,2% 15,1% 5,2%
Média Verificada em Outubro 52,057 kg 30,200 kg 2,580/
Porcentagem de Aumento 6,6% 20,1% 15,7%
1926 Média Verificada em Março 30,914 kg 25,400 kg 2,320/
Porcentagem de Declínio no Período de
Férias
2,2% 15,9% 10,5%
Média Verificada em Outubro 52,857 kg 30,428 kg 2,530/
Porcentagem de Aumento 3,8% 19,8% 9,1%
Porcentagem de Aumento Total 14,7% 27,4% 89,7%
Nota: Estas médias foram calculadas entre os alunos que cursaram o 3
2
ano de 1926 e que gozaram do baneficio do
exercício físico e da merenda desde o l
s
ano.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
3 - Dados antropométricôs de alunos de 7 a 12 anos, referentes ao peso, a força, a
expansão e a capacidade pulmonar. Estas medidas foram tomadas na primeira
quinzena de março e novembro de 1926.
Externato Santo Antônio Maria Zaccaria
Peso (kg)
Força
Dinamomélrica (kg)
Perímetro Toraxico (cm)
Capacidade
Pulmonar (cm
1
)
Nome
Mão direita Mão esquerda inspiração Expiração Indice de
Dilauçâo
Idade
(anos)
1"
2'
1"
2'
V
2ª' 1' 2ª'
P
2ª> 1ª'
r
Mediçã
o
Mediçá
o
Mediçã
o
Mediçã
o
Mediçã
o
Medição Mediçã
o
Mediçã
o
Medição mediçã
o
Mediçã
o
Mediçã
o
Medição Mediçá
o
Newton de Andrade 7 22 25 3 5 3 5 65 68 62 62 3 6 600 1.200
Oswaldo Gonçalves 7 21 24 3 5 3 5 57 61 55 56 2 5 500 1.100
Álvaro dos Santos L. 7 21 24 4 8 3 7 60 64 57 58 3 6 700 1.450
Maurilio C. Lima 8 26 30 4 7 3 6 62 66 59 60 3 5 900 1.400
Jorge Cury 8 25 29 4 8 3 6 54 52 58 52 2 6 1.000 1.850
Machado Martinho 8 23 26 4 6 5 9 62 64 60 58 2 6 600 1.450
João Fernandes 8 31 36 7 12 6 10 67 70 64 64 3 6 700 1.550
Sigrift Bulermax 9 24 28 6 12 5 10 62 67 59 60 3 7 1.000 1.800
Aldemar Porto 9 28 32 7 12 6 9 65 69 61 62 4 7 1.000 2.020
Eugênio Carmo 9 28 32 5 10 4 9 63 67 60 60 3 7 1.200 2.300
Roberto Monteiro 9 30 35 6 10 6 10 61 64 58 58 3 6 900 1.750
Watdcmar Fernandes 10 27 30 8 13 7 10 64 68 61 62 3 6 1.000 1.950
Carlos Paker 10 28 32 8 12 7 11 63 67 61 61 2 6 1.200 2.100
Fernando Vas Dias 10 27 30 9 14 8 11 64 67 61 60 3 7 1.100 2.100
Waldemar Maycr 10 31 33 7 14 6 11 64 69 60 61 4 8 1.300 2.100
Victor Pentanha 10 63 66 8 17 8 17 81 90 79 85 2 5 1.200 1.900
Wilson Bezerra 11 28 32 II 18 10 16 65 67 62 62 3 5 1.200 2.000
Jorge Castanhcira II 43 48 II 18 10 16 73 77 70 72 3 5 1.500 2.500
Nelson Garcia II 34 37 10 13 9 12 66 69 63 63 3 6 1.100 2.000
Xavier Queiroz 11 33 37 10 16 9 14 68
73
64 66 4 7 1.300 2.4O0
Mario Pinho 11 27 31 8 15 7 13 62 66 59 60 3 6 1.000 1.900
Rafael Tancridi 11 30 33 12 18 9 12 64 68 62 62 2 6 1.000 2.100
Jorge Carraz 12 32 38 10 16 9 14 67 72 64 66 3 6 1.200 2.300
Luiz Oliveira 12 31 35 11 18 8 10 68 73 65 66 3 7 1.200 2.3S0
Scraphim Barero 12 32 36 12 18 10 17 65 70 63 64 2 6 1.300 2.400
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tabela 4 - Dados antropométricos de alunas de 7 a 12 anos, referentes ao peso, a
força, aexpansão e a capacidade pulmonar. Estas medidas foram tomadas
na primeira quinzena de março e novembro de 1926.
Colégio Santa Cecília
Força Dinamomètrica (kg)
P
irimetro Toraxico (cm) Capacidade
Nome Peso (kg) Mão Direita Mão Esquerda inspiração
Expiração índice de
Dilatação
Pulmonar (cm
1
)
Idade
(anos)
1ª 2' 1ª 2ª 1ª
Medição Medição Mediçãá Medição Medição Medição
1"
Mediçã
o
Mediçã
o
1ª 2ª 1ª
Medição Medição
Medi
ç
ão
2'
Mediçã
o
1ª 2ª
Medição Medição
Ida M. Araújo 7 19.5 24 4 12 4 11 61 65 59 60 2 5 750 1.100
Maria de Lourdes 7 20 24 8 12 7 10 54 58 51 52 3 6 600 1.100
Maria C. Aguiar 7 18,5 22 8 14 7 13 55 57 50 51 5 6 1.050 1.700
Genesse Cunha B 21 25,5 9 16 9 16 63 66 58 59 5 6 1.200 1.800
Clara Eleanor 8 21,5 24 9 17 9 17 59 62 55 56 4 6 800 1.400
Hilda Amorim 8
22,5 25 11 20 10 16
64 67 59 60 5 7 1.100 1.700
Heddy Mosso 8 22,5 26 12 22 11 20 64 67 60 61 4 6 1.100 1.800
Elza da Silva C. 8
21,5 25 10 20 8 17
59 63 57 57 2 6 1.200 1.900
Carllnda Coelho 9 19 26 6 11 6 10 61 66 59 59 2 7 750 1.400
Regina Conmbaba 9
26.5 29 16 24 14 21
67 70 63 63 4 7 1.700 2.400
Mana J. Chagas 9 24,5 29,5 12 20 11 18 63 66
55 57 8
9 1.000 1.500
Maria J. Coelho 10 28 42 10 15 10 15 71 76 68 70 3 6 1.100 2,400
Dora Veiga 10 36.5 40 16 22 13 18 73 78 69 71 4 7 1.200 2.500
Elisa Betbeder 11 28 31 14 20 13 18 64 69 58 61 6 8 1.600 2.200
Oeolinda Bastos 11 33 36 20 27 13 20 70 75 64 66 6 9 1.700 2.600
Fayga Müller
12 35 42 15 23 14 21 76 78 73 73 3 5 1.100 2.300
Nadir Basisio 12 34 39 17 26 13 21 86 89 79 81 7 8 1.000 2.500
Maria J. Barroso 12 21 26 11 18 10 17 62 66 56 58 6 8
1.000 1.500
Isa Carneiro 12 38 42 21 29 18 24 76 60 70 71 6 9 1.150 2.100
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE Nº 32
O ENSINO NAS ESCOLAS FREQÜENTADAS POR FILHOS DE
COLONOS ESTRANGEIROS
Maria Luiza Burtz
lnspetora Escolar em Morretes, PR
este um assunto que merece todo o interesse. Se a responsabilidade do professor é
grande, maior a do professor da escola freqüentada por filhos de estrangeiros.
Aqui não só aparecem sérias dificuldades no ensino do vernáculo, como grande é a de
se lhes despertar o amor a Pátria.
Talvez pareça isto secundário, mas a prática ensinou-me o contrário. Convivi longos
anos com colonos estrangeiros e tive assim oportunidade de ver as coisas de perto.
Em geral, o colono tem certa desconfiança do ensino nas nossas escolas. Faz compa-
rações com as da sua terra, e quase sempre acaba lastimando-se por não poder mandar seus
filhos para uma escola como as que conheceu no seu país.
Por quê? Porque em muitas e muitas de nossas escolas o colono conheceu professores
que não o são de verdade. Mais do que em outras escolas, nestas o professor deve ser o
exemplo. Exemplo em tudo: na vida pública e particular.
Pelo ensino e pela ordem na escola, o colono julga o país; pela conduta do professor,
"tira suas conclusões sobre o caráter do povo.
Fui professora de colônia povoada por poloneses, alemães e suíços. Comecei com meia
dúzia de alunos. Não havia freqüência, porque diziam não estar para perder tempo. Com
paci-encia e tenacidade, obtive freqüência superior a 50%. Creio que fiz o possível para
convencer a todos que só se lucra numa escola bem dirigida, e que aqui elas sãoo boas como
as da Europa.
O colono exige pouco e ele tem pleno direito de pedir. Satisfeitas as suas vontades, o
País ganha admiradores agradecidos de um lado e, de outro, filhos conscientes da sua
nacionalidade, brasileiros de nascimento e de coração.
Para atender a esta necessidade é preciso que:
1) o regente seja normalista, de preferência professora;
2) esta resida no lugar;
3) dê aula todos os dias e não viva de licenças;
4) tenha paciência, muita paciência, porque o resultado só aparecerá depois de um ou
dois anos;
5) em tudo se traduza o sentimento da ordem, impondo assim ao colono estrangeiro
respeito ao nosso trabalho, as nossas escolas, a administração do país, ao Brasil, enfim.
Passemos a tratar da questão do ensino do vernáculo.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Como ensinar o português a crianças que falam somente o polonês ou o alemão, ou
outra língua qualquer? Que fazer com os pequeninos que se apresentam tímidos, sabendo
apenas dizer um acanhado "bom dia"?
O ideal seria que as professoras conhecessem um pouco de uma ou outra lingua,
Poderiam assim entrar em conversação com os pequenos e cativar-lhes a confiança.
Como iniciar o primeiro dia de aula? Não haverá horário e programas oficiais a se-
guir. Durante os primeiros três a seis meses, a professora seguirá o seu horário especial
sendo o seu programa ensinar a falar e escrever; falar, principalmente.
Aproveitando-se do material escolar e demais coisas que a criança possa ver, a pro-
fessora conversará com os pequenos mais ou menos assim:
Paulo, venha cá. Como você se chama? E qual é o Antônio? Onde está a Maria?
Isto é um livro. Pedro, venha cá; como se chama isto? Chama-se livro.
Muito bem. E isto, o que é? Um lápis.
Maria, traga-me um lápis. Paulo, mais um.
Assim a professora continuará com os objetos, até a criança conhecer bem todos pelo
seu nome.
Em palestras idênticas, dá-se-lhe o conhecimento das cores, do tamanho, das diversas
propriedades de tudo que a cerca.
Este lápis é verde. A fita de Maria é verde também. O campo que você vê ai pela janela,
Pedro, que cor tem? A lousa do Paulo é verde; não, Antônio? Ah! O Antônio sabe que a lousa é
preta; muito bem. O Paulo tem uma lousa pequena. A lousa da Maria é grande. Pedro tem uma
mais grande — maior. A de Antônio é mais pequena, é menor. Qual o maior destes dois livros?
O menor?
Estas lições devem ser gradativas. Não deve a professora querer que o aluno saiba
responder com frases completas desde o primeiro dia. A associação de idéias vem aos
poucos e, no princípio, a professora ouvirá como resposta uma só palavra.
No terceiro ou quarto dia, poder-se-á iniciar o ensino da escrita simultaneamente com
a leitura. A cartilha de Mariano de Oliveira, O Ensino Rápido, presta-se com proveito para
este fim.
A bola, o ovo, a uva, o bule, o dedo, representados por figuras, gravam-se perfeita-
mente na memória.
lsio é um ovo. Mostre o ovo no seu livro, João. A bola, Pedro. Onde está a boneca?
— Agora vamos escrever ovo. Leia, Paulo. Antônio vai experimentar escrever ovo. Bem. Faça
mais bonitinho. Isso, muito bem!
Que é isto, Maria? Uma bola.
Bem, vamos escrever bola. Leiam.
As liçòezinhas atraentes que se seguem no mesmo livro citado são boas, ótimas auxi-
liares para a formação de um bom vocabulário.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
É inútil lembrar que naturalmente a professora falará alto e claramente, sem o que os
lunos não poderão conseguir uma boa pronúncia.
No segundo ano de trabalho, a professora poderá executar o programa oficial; e no
terceiro, enfim, verá o resultado almejado.
Quero ainda fazer lembrar a influência de hinos e cantos. Mesmo sem compreender o
sentido das palavras que canta, o menino verá pela fisionomia da professora e sentirá
pela música se a canção é de entusiasmo patriótico ou se um canto alegre e infantil.
Nos recreios é recomendável que a professora brinque com seus alunos; ensine as
brincadeiras brasileiras de roda, da viuvinha, da cabra-cega e muitíssimas outras. Estou
certa e que em pouco tempo, relativamente, a criança falará de preferência a língua do
país.
Prestarão um grande serviço a Pátria as professoras normalistas que deixarem por três ou
atro anos a comodidade da capital e os seus encantos para realizar, com amor e patriotismo, a na-
'cionalização metódica dos pequenos brasileiros, filhos de colonos estrangeiros no interior do Estado.
Colegas que não conheceis a escola de colônia, a escola de sítio e a escola de aldeia,
ide cumprir a vossa obrigação nesses lugares que vos esperam!
Cada um de nós tem a obrigação moral de sacrificar a sua comodidade e a sua conveniên-
cia por algum tempo, dedicando a sua atividade ao povo do sertão, porque não devemos
deixar sem pão espiritual os que nos dão o pão de cada dia, e esses, colegas, são o caboclo e o
colono.
Sem o caboclo e sem o colono, nós, os das cidades, morreríamos de fome.
Dê-se-lhes, portanto, o que é de direito: escolas dirigidas por professores competen-
tes, compenetrados da sua missão e do seu dever.
TESE N
s
33
O ENSINO OBRIGATÓRIO E O CIVISMO NAS ESCOLAS
Maria dos Anjos Bittencourt
Grupo Escolar Telêmaco Borba — Tibagi, PR
pesar da pouca prática que tenho da vida escolar, visto apenas contar seis anos de exercício no
magistério público e ter estado apenas em três localidades do Paraná como professora, notei a
imperiosa necessidade de tomar obrigatório o ensino primário. Incalculável é a influência que a
instrução vem exercendo em cada povo, em cada indivíduo. Cada época da história assinala-se
pelo seu desenvolvimento, mais ou menos relativo. Da deficiência dos primitivos tempos, con-
eguiu a instrução atingir, presentemente, a um grau mais elevado de aperfeiçoamento. Em nosso
Estado, o ensino primário tem sido melhorado gradativamente, graças as medidas aplicadas pela
Inspetoria Geral do Ensino. Todavia, recente-se de certas providências para mais ampla difusão.
Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Efetivamente, a instrução primária tem sido completamente descurada pelos pais, que
preferem para seus filhos outros misteres. Isto muito concorre para tornar, senão prejudicial, ao
menos infrutífero um ensino do qual se deverá tirar magníficos resultados. Há localidades onde
aflui a escola toda a criançada, até mesmo de cinco a seis anos, porém outras há onde é neces-
sário o professor incutir no espírito dos pais a necessidade de mandar ensinar os seus filhos.
Fiz, em certa localidade, o papel de uma verdadeira sacerdotisa, mas foi uma exceção a re-
gra geral, visto tratar com crianças, na quase totalidade, filhas de poloneses. O polonês é, sem dú-
vida, de todos os colonos, o que mais empenho faz em mandar o filho a escola, a ponto de dispen-
sar os seus serviços, mesmo nos meses de maior trabalho, para que não perca tempo e se instrua.
Percorrendo algumas escolas isoladas, verifiquei mais uma vez esta desídia em relação
a instrução primária; encontrei escolas que funcionavam apenas com um quinto da matrícula
existente nos livros.
Interrogando o professor sobre o diminuto comparecimento de alunos, fui informada
de que a freqüência não excedia ao número presente em razão de os pais empregarem os
filhos nos árduos trabalhos da lavoura, em lugar de os mandar a escola.
A imaginação infantil se assemelha a imagens de uma tela cinematográfica, de tãoefêmera
duração! É lógico pois supor que o professor é forçado a recapitular o ensino ministrado na
véspera, visto o aluno estar completamente esquecido da matéria estudada devido a falta de
comparecimento as aulas.
Outrossim, tal irregularidade modifica, como conseqüência natural, a marcha do en-
sino, tornando-o moroso. Na época dos exames verificar-se-á uma ineficiência do ensino
ministrado durante o ano. Mesmo em cidades, tenho observado, com profunda mágoa, a
falta de assiduidade dos alunos que, ao invés de procurarem as aulas, preferem perambular
nas ruas, adquirindo maus hábitos, alicerce de uma educação funestíssima. Donde provém
tal anomalia? Da parte dos pais, que apoiam os atos praticados pelos filhos e que, por serem
nômades, retiram os mesmos abruptamente da escola e os abandonam ao léu da sorte sem
medir as conseqüências de tal ato. É indubitável que a criança, nestas circunstâncias, cônscia
do predomínio que exerce sobre o pai, manifesta-se refratária a escola. E se, porventura, a
criança se matricula em outra escola, tendo em vista o exemplo anterior, procura por todos
os meios enganar os pais, fazendo-os supor que na escola há severos castigos, na expectativa
de fugir aos deveres escolares. Nestas conjecturas, os pais devem olhar o futuro promissor
daqueles que não fogem aos bancos escolares; não devem aquies-cer aos subterfúgios
apresentados, e sim apontar, com a destra estendida, o caminho do dever, em cujo extremo o
viajor encontrará o prêmio dos seus esforços. Enquanto não for decretado obrigatório o
ensino primário nas escolas tal irregularidade persistirá, não obstante o esforço empregado
pelo professor, porque, infelizmente, muitas pessoas ainda não compreenderam
perfeitamente o que representa a instrução na coletividade dos povos.
Com efeito, esquecem que ela prepara o terreno que nos conduzirá galhardamente ao
auge da perfeição moral e intelectual. Para o sertanejo rústico, seus conhecimentos não vão
além do horizonte visual. Para o homem instruído, a natureza não apresenta mistérios; sonda
os arcanos recônditos do solo, dando a tudo uma denominação científica adequada.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O nosso sertanejo olha a instrução por um prisma completamente diferente. Para ele, a
vida reduz-se ao presente, e mandar o filho a escola, só mesmo coagido, porque julga mais
proveitoso aplicá-lo na devastação das matas para o plantio do milho do que deixá-lo nos
bancos escolares.
Há um prolóquio muito popular entre eles. Costumam dizer, quando interrogados sobre
educação dos filhos: "meu pai foi ferreiro, eu o sou, e meu filho por que o não há de ser?"
Geralmente o nosso caboclo é refratário a escola, conforme tenho observado nas povo-
ações do interior, onde os pais desprezam a missão do professor e, se porventura são interpe-
lados sobre esta falta, dão a seguinte resposta: "não é preciso que meu filho aprenda a ler e
escrever. Eu possuo terreno, gado, roça, dinheiro, etc, e no entanto ninguém me logra".
Não obstante o esforço envidado pelo professor no intuito louvável de atrair a escola
maior número de crianças, incutir no espírito dos pais, com meigas e persuasivas frases, a
vantagem extraordinária de mandar educar seus filhos, a fim de se tornarem dignos cida-
dãos brasileiros, esta desídia persiste, e dão como resposta a que acima citei.
Alunos há que têm um verdadeiro pavor da escola. Não que o professor seja mau, pois é
sabido que a aplicação de castigos corporais é proibida em nossos dias, mas por não terem os
pais a devida compreensão dos deveres que lhes assistem na educação dos filhos. Há porém
uma outra causa que avulta em primeiro plano, por isso que dela depende, quase exclusivamen-
te, o bom êxito do ensino primário. Refiro-me a absoluta falta de civismo que tenho observado
em diversas localidadezinhas do nosso Estado. Desconhecem a importância da educação cívica
na sociedade. Constantemente deparam-se-nos escolas isoladas no interior onde até mesmo o
professor ignora o que seja civismo. Ignora que o civismo prepara a criança para ser o futuro
patriota de amanhã para, em cumprimento de um dever sagrado, amar, venerar e até mesmo
sacrificar a sua própria vida pela terra natal.
Semelhante lacuna acarreta males gravíssimos no caráter do nosso caboclo.
Eis o motivo por que centenas de homens rústicos, fortes em toda a plenitude da da,
desconhecendo esta alta cultura moral, quando sorteados para o serviço militar
embrenham-se afoitamente nos ínvios sertões, sendo por isso considerados desertores; o
cumprimento do dever de cidadão brasileiro causa-lhes pavor.
E por quê? Porque na escola não lhe ensinaram o civismo.
E por que não ensinaram o civismo? Porque o próprio professor o ignorava, porque
"O possuía os conhecimentos indispensáveis sobre educação cívica.
Convenho que o governo presentemente não possa dispensar o concurso dos
professoresres provisórios nas escolas isoladas em virtude da grande falta de normalistas, mas
para sanar tal falha mister que os professores pratiquem nos grupos escolares mais próximos, a
fim de adquirirem os necessários conhecimentos. Sem tais requisitos, é natural o fracasso da
escola, mormente nas povoaçòes atrasadas, onde o caboclo já, por índole pessimista, não
reconhece superioridade no professor, crendo que é mais conveniente retirar o filho da escola,
convencido de que é inútil.
A educação cívica deve ser considerada obrigatória em todas as escolas primárias do Brasil
Conferencia Nacional de Educaçao — Curitiba. 1927
Causa lástima notar-se a falta desta educação em muitas escolas do interior, quando é
justamente nesta que ela deve ser instituída, porquanto é um dos fatores da formação do
caráter do homem.
Encarando esta educação sob o aspecto teórico, ela consiste em certas leis
preestabelecidas e que têm por fim dar um caráter, uma orientação, a cada indivíduo. O
civismo é inerente a alma humana. O acatamento as leis e autoridades e a obrigação que
temos de respeitar os nossos superiores são noções que a escola nos ministra, a fim de
podermos cooperar eficazmente para o grande ideal — o progresso de nosso país.
É então desde a escola primária que o professor tem o dever de incutir na mente da
criança o amor a Pátria, dar-lhe a exata compreensão de seus nobres ideais. Devemos
explicar-lhes o Hino Nacional, a Constituição Brasileira, a nossa Bandeira, em suma, tudo o
que possa despertar-lhes o interesse e o sentimento pátrio. Reputo portanto imprescindível
esta educação em todas as escolas disseminadas em nosso vasto Estado, para que possamos,
em dias, aliás, não muito distantes, sentir os benéficos resultados que tal sistema
proporcionará, evitando radicalmente este marasmo observado na maioria de nossas escolas
e promovendo destarte a mais completa difusão do ensino.
Tornar obrigatório o ensino primário e ampliar o civismo nas escolas são as bases
primordiais sobre que deve assentar o gigantesco edifício da instrução pública.
Estabelecidas, por princípio, estas duas necessidades, resta aos dirigentes do nosso
Estado realizar tão útil empreitada, com o discernimento que os caracteriza em todos os
assuntos de magna importância, para que a escola — sopro vivificador das energias do bem,
pedra angular de todo edifício social, semente bendita que perpetua a Pátria dando-lhe cida-
dãos dignos de suas tradições — seja luz intensa para formar inteligências mais capazes, força
irresistível para dominar e vencer nos grandes prélios que fazem a felicidade dos povos, para
o completo gáudio de nossos esforços, orgulho dos pósteros e grandeza da Pátria.
TESE Nº 34
RUMO AO CAMPO...
Deodato de Moraes
Associação Brasileira de Educação
escola nova, respeitando a trilogia da criança — inteligência, sentimento, vontade —,
deve ser essencialmente prática e experimental, um mundo em miniatura. Deve desen-
volver energias, canalizar vontades, criar discernimentos, formar seres pensantes e coerentes.
Educar não é apenas ensinar a ler, escrever e contar. É desenvolver e dirigir as apti-
dões individuais, adaptando-as as necessidades do tempo e as exigências do meio.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Â
O ensino primário deve despertar a idéia da responsabilidade pessoal por intermédio
He trabalhos conscientes, pela resolução das múltiplas questões do dia, pelo estudo, pela
investigação e pelo amor a verdade.
O futuro do Brasil está no desenvolvimento das nossas indústrias agrícolas; assim, não
reparar a criança para compreendê-las, senti-las e amá-las é não prepará-la para a vida nacional.
Grande parte da população rural carece de conhecimentos vários que a riqueza e o
progresso da Nação exigem. Não se prezam, como é necessário, os trabalhos do campo; não
se considera a lavoura uma ocupação honesta e nobre, e esta é, sem dúvida, a causa de o
nosso camponês preferir ainda doutorar o filho a fazê-lo bom agricultor.
Todo mal, como todo bem de um país, vem da escola primária.
É na escola popular que devem nascer a tradição agrícola e o prestígio do trabalho da a.
É ela que tem de dar combate renhido a rotina industrial e comercial, agrícola, pastoril, ex-
trativa e manufatureira, por uma instrução aprimorada e eminentemente prática, que ensine a
explorar os campos, a adubar a terra, a descobrir as águas, a criar gado, ave, abelha, a fazer
queijo e manteiga, a extrair, preparar, armazenar e vender o que a natureza dá ao trabalhador
humilde mas incansável.
Cabe a escola propagar as noções que correspondem as necessidades sociais e econô-
íicas da população rural, levantar o prestígio da profissão agrícola, fazendo ver que a cultura
da terra é um trabalho honroso e de intensa intelectualidade, despertando e fomentando nas
crianças o amor a vida campestre e prática das nobres tarefas de valorização do solo.
Que cada zona tenha a sua escola, escola que satisfaça as exigências do meio. Esta
que seja agrícola ou criadora, aquela que seja industrial ou mineira, uma outra que seja de
pesca e artes marinhas.
E a criança, em pleno ar, em plena natureza, em plena vida, que vá aprendendo a
pantar plantando, a criar criando, a vender vendendo.
E para conseguir isto não é preciso que as escolas primárias se transformem em
escolas de agricultura. Basta apenas que o professor por elas se interesse, combata o urba-
nismo, critique tenazmente a tendência atávica as profissões liberais, descreva com cores
carregadas e impressionantes o êxodo dos campos para as cidades, a burocracia que defi-1a
o intelecto e avilta o caráter, e procure infiltrar no espírito infantil a afeição a terra e as
profissões agrícolas. Basta fazer ver a criança que a agricultura nos rodeia por toda a parte,
que a indústria agrícola é a principal fonte de riqueza do País, que a terra é a galinha dos
ovos de ouro, que os trabalhos rurais, calejando as mãos, santificam a alma.
Toda escola rural deve ter um pequeno campo de experiência, onde o professor possa
ensaiar as culturas regionais por processos agrícolas modernos.
Ali se estudará a natureza do solo; demonstrar-se-á a necessidade do amanho, da
seleçao das sementes, do adubo, da irrigação; a influência da luz, do calor, da umidade
sobre a vida das plantas passíveis de estudo nos terrenos da escola; observar-se-á o fenô-
meno da germinação e se praticará o manejo dos diversos instrumentos agrários.
Conferecia Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Sem dúvida, os conhecimentos de jardinagem escolar, incluindo a horticultura e
pomicultura, não representam um estudo sistemático de agricultura nem tampouco urna
dispersiva e desordenada sucessão de observações incoerentes, mas um ensaio que visa
despertar nos alunos das escolas o interesse pelo trabalho da natureza circunstante.
São hábitos de observações curiosas, leitura agradável e inteligente de páginas interessantes do
grande livro da natureza O método será o da investigação, devendo por isso o professor se afastar dos
livros e ir buscar no trabalho diário da classe, na curiosidade inata da criança em tudo querer saber, as
bases para o ensino do preparo da terra, da escolha da semente, irrigação, poda, enxertia, etc.
O aluno escolhe, semeia, trata, e o professor apenas dirige o trabalho, desperta a sua curio-
sidade, satisfaz o seu interesse. A planta é o motivo, o amor a terra, o fim das noções a ministrar.
Descendo até a criança, o professor tornar-se-á infantil com ela, observando como
uma semente produz uma espécie de planta, quando uma outra, no mesmo solo e sob as
mesmas condições, produz um tipo completamente diverso; como a terra preparada facilita
o desenvolvimento da plantinha, quanto a irrigação é necessária ao seu crescimento.
A característica destas aulas não é ensinar agricultura como ciência, química ou bo-
tânica; é provocar e levantar o interesse pelas coisas que rodeiam o aluno cada dia, cada
hora, cada instante, e assim desenvolver hábitos de observação aplicada e sistemática.
O trabalho do jardim deve pôr o discípulo em atividade física e intelectual, deve
habituá-lo a ordem, a disciplina de agir por si sem interferência estranha.
O museu escolar, as excursões as fazendas, as chácaras, as leiterias, aos engenhos, as
feiras, as exposições, aos postos zootécnicos e industriais; a organização de pequenas bibli-
otecas, as comemorações agrícolas (festa das aves, da semente, da flor e da espiga) são
outros tantos meios de propagar as utilíssimas noções de agricultura.
Organizada assim, a escola popular dará nova diretriz ao ensino das diversas discipli-
nas, tais como a Aritmética, a Geometria, a Geografia, a Leitura e outras, que passarão a se
ocupar, de preferência, dos problemas de imediata utilidade a vida do agricultor.
Rumo ao campo, pois.
TESE Nº 35
UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO
Helvécio de Andrade
Escola Normal Rui Barbosa — Aracaju, SE
o dia imediato ao em que teve lugar na Escola Normal desta capital a festa comemo-
rativa da organização do ensino primário no Brasil, em que fui preletor, li no Diário Ofi-
cial do Estado um telegrama do excelentíssimo senhor doutor Alovsio de Castro, diretor geral
do Departamento do Ensino, ao governo de Sergipe, convidando-o a tomar parte na Conferên-
I Conferência Nacional de Educação - Curitiba. 1927
N
cia Brasileira de Educação, em Curitiba, em dezembro de 1927, e declarando que seriam aceitas
teses relativas aos objetivos da conferência, entre os quais figura: "Uniformização do ensino
primário em suas idéias gerais, mantida a liberdade de programa".
Desde o Congresso de Instrução realizado na Bahia, em 1913, em que tomei parte como
representante oficial deste Estado, venho me externando sobre a necessidade dessa medida
e da federalização do ensino normal no País. Isto posto, não é muito que, atenden-ao apelo
da Associação Brasileira de Educação, sem pretensão de espécie alguma, concorra com este
pequeno e desvalioso contingente a obra patriótica em projeto.
Para aproveitar trabalho feito, transcrevo os pontos principais da aludida preleção, na
qual me ocupei do caso em apreço. Peço, entretanto, vénia para discernir do último tópico
da tese que me serve de epígrafe. Não compreendo como chegar a uniformização do ensino
primário sem uniformidade de programa e de método. A organização interna, o programa e
o método são o "pai, o filho e o espírito santo" da escola. Não tendo o ensino esses Mames
comuns, em que será ele uniforme?
A idéia de uniformizar o ensino primário não é nova.
Creio até que acudisse aos primeiros diretores da República, reconhecido o erro dos constituci-
onais de confiarem a guarda dos municípios o destino da primeira educação pública. Mal se
compreende que homens como Rui Barbosa, Bocaiúva e Campos Sales, conhecedores do País e
das suas maiores necessidades, não colocassem o ensino primário entre as primeiras da Nação e
o entregassem aos municípios, tais como eram e continuam a ser, em sua grande maioria, poli-
ticamente escravizados e mentalmente nulos.
A incultura geral, em matéria pedagógica principalmente, num tempo em que problema da
educação pública sobreleva a todos os problemas, é para lamentar e está a pedir o benefício de
uma organização geral do ensino que ampare os destinos da Nação.
São os ensinos primário c normal as vítimas do estado caótico em que se debate a educação
popular. Como nos tempos de antanho, as atenções1ºdas são para o bacharelato e o doutorado,
só acessíveis aos privilegiados da fortuna e aos protegidos políticos.
Este falo psicológico só por si decide a capacidade organizadora de um povo...
O edifício da educação assim deve estruturar-se: na base, a Escola Normal Superior, destinada a
formar os orientadores do ensino, os professores dos professores, capazes de inspirar e manter o
fogo sagrado nessa luta de todos os instantes, de toda uma vida, que é o trato, o amanho, a educa-
ção , enfim, da puerícia; a seguir, a Escola Normal Secundária, destinada ao preparo dos professores
primários; depois, a escola Primária repartida em graus, cursos distintos, mas coordenados,
abrangendo as crianças de 5 a 12 anos: escolas maternais e escolas primárias propriamente ditas.
No ápice, como um sol iluminando tantas vidas, o Conselho Supremo da Educação — autônomo,
independente e soberano; a alma, o cérebro que imprime o movimento e mostra o caminho a seguir
-- verifica, corrige, aprova ou condena. Quando chegaremos a essa meta?
Um dia será. Tem razão o poeta:
"Não crer ou não ter fé, eis o maior suplício;
todo homem que uma crença acaso não tiver "é
um cego junto a um grande precipício, "sem um
bordao sequer..."
Precaríssima foi a instrução primária até o advento da República; e assim continuaria
talvez, ainda hoje, se São Paulo não se fizesse o pioneiro dessa santa cruzada, recebendo
dos Estados Unidos as primícias de um método capaz de desenvolver a inteligência e pro-
mover a sua divulgação no Brasil. A questão é de organização, para a qual nos tem faltado o
pensamento criador e o centro diretor. O início é a divisão do ensino em fases bem
concatenadas! Escolas maternais para crianças de 5 a 7 anos, fase preparatória em que se
corrijam os vícios de família no falar, no andar, no trato com as pessoas, em todas as suas
atitudes e gestos; em que se imprimam na alma da criança os primeiros princípios morais e
econômicos, de atenção dos fatos da vida, de amor e gosto ao trabalho, as primeiras noções
do dever para com Deus, com a Pátria e com os semelhantes.
Depois, a escola primária, destinada a fornecer a inteligência infantil os conhecimentos básicos da
linguagem, que põe em contato espiritual os seres de uma mesma raça; da gramática, que não orienta,
mas que disciplina o pensamento, dando-lhe forma e flexibilidade; da matemática, que exercita o
raciocínio concreto; da geografia e da história, que aproximam os povos e fomentam a idéia de
solidariedade humana, pelo interesse que despertam seus movimentos, suas tentativas, suas experiên-
cias, alegrias e sofrimentos, êxitos e falhas, na luta incessante pelo progresso, pela civilização.
Vem a seguir a escola secundária, onde se definem as carreiras segundo a escolha de cada um,
escolha que deve ser libérrima, enquanto os primeiros estágios da educação devem, sistematiza-
dos, obedecer a uma coordenação bem estabelecida. São as escolas elementar e primária cadinhos
onde se plasmam os pequenos educandos para a vida social. Sobre estes devem incidir todos os
cuidados e as atenções dos legisladores e dirigentes.
Não se levantam edifícios sólidos e duradouros sem alicerces que resistam ao tempo e suportem
os acréscimos que venham depois.
E mais não cabe a escola primária: deixemo-nos de fantasias sonhadas no silêncio dos gabinetes.
Não nos venham falar do ensino técnico na escola primária, que é o mesmo que não ter algum.
Escritores leigos do ensino enchem de vez em vez páginas de jornais de longas e fastidiosas
publicações abstrusas sobre a finalidade da escola primária, querendo esses que os meninos
aprendam o ofício ou profissão dos pais para auxiliá-los no açougue, no armazém, na sapataria;
outros que aprendam a manejar a enxada, puros romances inócuos quanto aos efeitos, mas
perturbadores do critério que o povo deve formar da escola.
A escola primária deve estar aparelhada, sim, para descobrir, apurar, fortalecer as vocações
livremente manifestadas, não para exercitá-las, mas para informar o departamento supremo da
educação das capacidades reveladas, a fim de que as encaminhe para as escolas profissionais.
Tudo que diz respeito a educação pública está por fazer neste vasto país de tamanhas necessida-
des. A causa disso é a falta de senso organizador, de pensamento diretor, falta que a República
não procurou estudar e remover.
Não assentamos em tempo os princípios, as bases da educação pública, objeto primordial de uma
democracia; deixamos correr as coisas a mercê de caprichos e surpresas, e agora nos encontramos
numa espécie de beco sem saída, sem poder recuar porque seria desairoso, sem poder avançar
porque os preconceitos, as práticas e os hábitos detestáveis se fizeram leis, constituíram direitos.
O ensino técnico nos Estados Unidos está integrado no seu sistema universitário. Mais de qui-
nhentas universidades abrigam o seu território, contendo muitos milhares de alunos, algumas,
como a da Califórnia e a de Harvard, com mais de 5 mil estudantes! Estas universidades eram,
em 1852, simples Colleges e destinavam-se, como ainda hoje, ao ensino da agricultura e das
artes mecânicas! Espanta-nos esse formidável progresso científico, artístico e industrial; melhor
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
fora, porém, que nos estimulasse a recuperar o tempo perdido ... A criação magnífica de Nilo
Peçanha, das escolas de artífices, aí está, exemplo único, a apontar o caminho.
A escola pública primária tem a sua rota, o seu método, os seus fins, claramente, inconfundivel-
mente, delineados; pretender transformá-la em umamontessori, ou em tantas montessoris quantas
são ou vierem a ser em número, é comprometer a sua natureza, é desvirtuar os seus fins, é torná-
la inexeqüível as forças econômicas do estado, senão também da Nação.
Problema nacional de primeira ordem, a educação pública funda-se na instrução ele-
mentar e primária, para a qual devem concorrer o município, o estado e a Nação. Aceita a
preliminar, resta dividir as responsabilidades sem perder de vista o conjunto em seus resul-
tados, quanto possível uniformes, em que toca a formação da mentalidade nacional, que só
o método no ensinar e no aprender pode dar, o método de observação e de análise posto ao
alcance dos pequenos alunos por professores hábeis e dedicados.
É evidente que, de um lado, os princípios de liberdade e espontaneidade concedidos a
infância e, de outro, as dificuldades cada vez mais prementes da vida não consentem aos
pais tempo e lugar para cuidarem dos filhos, dado que a instrução e a educação deles lhes
permitam tomar a si o encargo.
Resulta que as crianças são prejudicadas na primeira educação, que é a do berço, entre-
gues a si mesmas e submetidas ao império de sugestões perigosas. Cumpre ao estado suprir esta
sensível falta de disciplina nos primeiros anos da vida, criando as escolas maternais em concor-
dância com as primárias, custeadas aquelas pelos municípios sob programa e fiscalização do
estado, a quem deve caber também o provimento e a garantia dos respectivos professores.
Mesmo nas cidades mais adiantadas, quantas crianças vivem a vida das ruas e das
más companhias sem um corretivo a esse abandono? Portanto, dos cinco aos sete anos,
escola maternal; dos sete aos dez ou doze, escola primária — três anos para as isoladas e
quatro para os grupos escolares.
E a União, o que lhe deverá caber? À União deve caber a tarefa de instruir os povos
que, pela distância dos centros povoados, vivem privados do benefício de qualquer ensino,
por meio de comissões bem aparelhadas e competentes para alfabetizar e instruir sobre
culturas locais, comércio, higiene e deveres cívicos. É um crime de lesa-pátria consentir que
os vastos sertões brasileiros continuem na absoluta privação de justiça, de instrução, de
disciplina mental, de educação cívica.
Um largo sistema de conquista para a civilização desses nossos povos, tão genuina-
mente brasileiros, deve ser quanto antes estudado, adotado e desenvolvido, levando a essas
paragens longínquas e abandonadas, onde a indiferença da República fortaleceu e espalhou o
banditismo já existente nos tempos monárquicos, a par das estradas de aproximação e dos
açudes, a instrução elementar, o alfabeto, o conhecimento dos terrenos, das culturas, as van-
tagens de comércio, as noções de higiene e dos deveres e direitos de tantos cidadãos, reserva
imensa de energia e trabalho para o progresso da Nação. Essa é a parte que cabe a União na
campanha contra a ignorância, visando a unidade da Pátria — um dos temas da Conferência
Brasileira de Educação —, a fim de integrar num vasto e generoso plano de unidade nacional
esses elementos esparsos e como que descontínuos, sem eficiência na estrutura da brasilidade.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A fundação de escolas em povoados, como auxílio da União aos estados, sob requi-
sição destes, é de uma perfeita inocuidade; na maioria dos estados, Sergipe inclusive, não
povoados sem escolas.
Essas comissões, compostas de um professor, um médico, ou quando menos um fa-
macêutico, um agrônomo, percorreriam os estados, especialmente os centrais e os sertões
dos litorâneos do Norte, no cumprimento da sua ingente missão, bem aparelhados, bem
escolhidos e bem remunerados, cercados, enfim, de todas as garantias pessoais e funcionais.
Completando o plano de educação popular, seriam multiplicadas as escolas agrícolas
e as de ofícios e artes mecânicas, de acordo com a extensão e necessidades regionais.
Eis o que cumpre a República fazer; e nada vejo que se oponha a realização de plano
tão simples quanto equidoso, natural e lógico, nem a despesa, que não excederá de quatro a
cinco mil contos anuais.
São ainda da conferência aludida os seguintes trechos:
A independência, trazendo nas dobras do seu manto auriverde a criação do ensino primário, não
se preocupou dos meios de levá-lo a melhores efeitos. A guerra do Paraguai não inspirou ao
Império progresso algum nos métodos de ensino.
A revolução republicana nada produziu igualmente. "Toda mudança política — diz Richard
que não é acompanhada de uma transformação profunda dos cidadãos pela educação é vã ou nula".
Tem o nosso país uma como dupla feição, dois povos: um luzido, brilhante, fruindo todas as
vantagens do progresso; outro miserável, ignorante, abandonado as inclemências do tempo e
da natureza. Aproximar, reunir essas duas correntes numa caudal de benefícios que conduzam
o Brasil ao mais brilhante e fecundo destino, pelo trabalho e pela instrução, eis, em síntese, a
conduta digna de verdadeiros patriotas!!
CONCLUSÃO
a) A uniformização do ensino primário no Brasil é medida que se impõe pela neces-
sidade de cimentar a unidade nacional em bases sólidas, por meios metódicos e seguros.
b) A uniformização do ensino primário exige a uniformidade de programa e de méto-
do geral no ensino, que deve ser dividido em elementar ou maternal, dois anos, e em primá-
rio propriamente dito, três anos nas escolas isoladas e quatro nos grupos escolares.
c) Para a instrução e educação popular devem concorrer o município, o estado e a
União, cabendo ao primeiro o ensino elementar ou maternal, controlado e garantido pelo
estado; ao segundo, o primário, e a União, o ensino normal superior e o itinerante.
d) Aliviados da despesa com o ensino normal, os estados de menores rendas deverão
melhorar os vencimentos do professorado primário e situar as escolas isoladas em prédios
próprios, adequados.
e) A escola primária não pode desviar-se dos fins que lhe são peculiares; deve, porém,
ocupar-se zelosamente da descoberta das vocações nascentes, desenvolvê-las, esti-mulando-
as e recomendando-as ao Departamento Geral de Educação Popular.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
f) A União e os estados fomentarão quanto possam o desenvolvimento das escolas
praticas profissionais en todo o território nacional, tendo em conta a extensão, população
e necessidade de- cada região.
g) O Conselho Supremo de Educação Pública, criado e instalado rio Rio de Janeiro,
superintenderá todos esses serviços, técnica e administrativamente, com a proficiência
e
independência que a sua alta missão requer.
TESE N
s
36
O MÉTODO DE PROJETOS
Esther Franco Ferreira da Costa
Escola de Aplicação anexa a Escola Normal Secundária do Paraná
em a pretensão de trabalho original, vimos trazer a nossa contribuição a este congresso a
título de divulgação.
O professor deve ensinar durante o ano escolar uma porção de matérias, que as cri-
anças vão aprender com maior ou menor dificuldade e de acordo com o trabalho do mestre.
Essas matérias são em geral recebidas com certa repugnância pelas crianças, principal-
mente quando estas vivem afastadas das cidades e são pobres, filhas dos nossos caboclos ou
esmo de humildes colonos estrangeiros, porquanto os assuntos do estudo da leitura, da arit-
etica, da geografia, da moral, etc, estão muito fora das atividades normais dessas crianças.
EIas entendem de cavalos, bois, cães, carroças, cargueiros, plantações e tantas outras coisas
próprias da vida do campo ou do sertão; sabem trazer o facão a cinta ou manejar uma espingar-
pica-pau, porque de tudo receberam a sugestão viva do exemplo dos pais e dos amigos da
casa. Ora, nada mais natural para estes casos do que aproveitar o professor esses mesmos
elementos, que em seu conjunto encerram o único círculo de atividade dessas crianças, ou
melhor, dos seus próprios interesses, para formar a base inicial do seu trabalho de educar.
Procedendo dessa forma, isto é, não se contrapondo o professor aos interesses des-sas
crianças, naturalmente há de atraí-las para a escola, dominando pela simpatia e pelo prazer
que poderá dar aos alunos na sistematização gradativa dos seus conhecimentos
rudimentares. Excitado o interesse dessas crianças sem sair fora do seu próprio meio, pode
professor ensinar bem e em curto prazo a ler, escrever e contar. Pode ensinar Geografia,
história e tudo quanto quiser, incutir hábitos sãos de trabalhos producentes e realizar a arte
que lhe cabe na tarefa de educar, isto é. promover o desenvolvimento físico, intelec-al e
moral dessas crianças de uma maneira global.
Ninguém desconhece que o menino do campo ou do sertão é quase sempre, quanto a sua
instruçao, um atrasado em relação ao menino da cidade; portanto, pode-se dizer que as suas
atividades físicas e mentais ainda são globais aos 8 ou 9 anos de idade. Não se pode separar
as
conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
S
suas percepções das suas apercepçòes ou das atuações; e, por isso, as suas lições não podem
admitir tantos passos formais como as que são ministradas para meninos que têm já distintas
as fases da elaboração psíquica do conhecimento. Pensamos pois, como Aguayo, que, para
aqueles casos, a lição só admite um passo formal, a atividade que deve ser educada, e urna
preparação para este passo, o interesse da criança, o qual é mister seja posto em jogo.
E como prezamos muito o mestre citado e muito estimamos as lições dos nossos pro-
fessores da escola normal, chegamos a conclusão de que as matérias dos programas primári-
os de ensino devem ser ensinadas com o auxílio de um método mais educacional que instru-
tivo e que esteja em harmonia com a natureza global das diferentes atividades dessas crianças.
Mas se porventura não for possível seguir no ensino para tais crianças o método a que
nos queremos referir, ao menos que seja ele tentado nas escolas durante um certo tempo que
permita uma verificação dos resultados. Esse método é o chamado método de projetos. Com
este a criança dirige a sua própria atividade servindo-se dos conhecimentos e dos recursos
do meio em que vive com seus pais.
O professor leva os seus alunos a executarem um trabalho de valor, de modo que
todos empreguem nele, voluntariamente, a sua atividade, tendo cada aluno o seu quinhão.
Assim, por exemplo, em uma escola freqüentada por filhos de carroceiros, o professor
encarrega os alunos, meninos e meninas, de fabricarem uma carroça de tolda com oito
cavalos — eis o projeto.
Na sala da escola deve haver ferramentas e material apropriado.
As crianças, estimuladas, distribuem-se em grupos de conhecidos ou vizinhos, e o
professor vai intervindo discreta e oportunamente, de modo a deixar que cada uma escolha a
sua tarefa parcial.
Umas se encarregam dos animais; outras, dos arreios; outras, da carroça; outras, da
preparação das peças de madeira, da tolda, etc.
Instintivamente, depois dos primeiros insucessos desanimadores, as crianças são le-
vadas a consultar o professor sobre uma ou muitas dificuldades.
O professor aproveitará então o ensejo para mostrar o mau cálculo das grandezas das
peças da carroça, dos animaizinhos de madeira, etc, proporcionando na pedra cálculos
simples a executar, ou apontando livrinhos de consulta e guiando esta, ou sugerindo riscos,
moldes, uso de instrumentos especiais; as crianças empenham-se na obra geral, consultam
os pais, os entendidos, e, após fracassos e tentativas sucessivas, chegam a realizar uma obra
semelhante a confeccionada por seus pais.
Consumiram nela horas, dias, semanas e até meses, trabalhando uma hora por dia,
mas executaram, nessa situação de brinquedo, um trabalho de valor.
De alto valor educativo, não há dúvida, porque os alunos:
1) exercitaram-se convenientemente na preparação da vida do adulto;
2) experimentaram a sua própria vontade bem dirigida, a sua capacidade intelectual e
a sua habilidade manual;
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
3) freqüentaram a escola com assiduidade e interesse; essa hora diária de trabalho
letivo transformou-se em estímulo para os estudos das disciplinas do horário escolar;
4) concretizaram muitos cálculos simples e foram levados a leitura de assuntos correlatos;
5) desviados dos maus hábitos decorrentes da ociosidade, pensaram no seu trabalho com
satisfação de uma preocupação séria, culminada pelo grande prazer de uma obra concluída;
6) passaram a ter confiança no valor próprio;
7) compreenderam, praticamente, o valor do espírito de associação e cooperativismo.
A um projeto deve suceder outro bem escolhido pelo professor.
Esse método pode ser aplicado ao ensino da agricultura, principalmente nas escolas
ruras do Estado, e em toda atividade vocacional que se deva exercitar com fins didáticos.
Qual foi o papel representado pelo professor na execução do projeto?
Respondemos semelhantemente ao que se acha escrito no folheto Trabalho de Valor
em uma Situação de Brinquedo, publicação n
a
10 da União Pan-Americana:
O professor é a fonte de informações, respondendo as perguntas da criança individual. Limita as
discussões aos assuntos que interessam ao grupo todo. Mostra como se utilizam as ferramentas;
onde se pode encontrar, mediante pedido, um modelo, um molde, uma gravura apropriada, uma
história referente ao trabalho. É parte em cada empreendimento do grupo, agindo por meio de
sugestões e, materialmente, partilhando as dificuldades, animando o esforço infantil, mas dei-
xando as crianças a solução dos seus problemas.
Em resumo, o professor, nesse gênero de trabalhos, realiza o ideal de Froebel: "vamos viver
com as nossas crianças".
Pedimos a atenção do congresso para a adoção do método de projetos nas escolas
primárias do Estado.
TESE N
Q
37
DISCIPLINA ESCOLAR
Roberto Emílio Mongruel
Escola Normal Primária de Ponta Grossa, PR
disciplina escolar representa, antes de tudo, a ordem. Esta é a base sobre a qual .
repousa a boa organização das escolas e o progresso de uma nação.
Desde os primeiros anos de vida escolar, o indivíduo deve ser sujeito a um regime
disciplinar inteligente e delicado, mediante o qual obtenha o hábito da ordem, do respeito
mútuo, do cumprimento do dever, predispondo-o a obediência absoluta as leis, as autorida-
des, e ao respeito do direito alheio, quando adulto e senhor de suas ações.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A disciplina escolar abrange todos os elementos constitutivos da organização pedagó-
gica das escolas, desde a classificação dos alunos, a regulamentação das horas e dos traba-
lhos, os métodos de ensino, o comportamento e a higiene dos alunos, ate as relações íntimas
que despertam entre eles e o entendimento estreito que deve existir entre a escola e o lar.
A escola vale pelo sistema disciplinar nela aplicado.
A primeira preocupação de todo bom professor é estabelecer em sua escola um regi-
me disciplinar o mais perfeito possível e ao alcance não só dos alunos, no seu cumprimento
como dele mesmo, que deve ser o primeiro a dar o exemplo da máxima obediência as
determinações desse regime que representa a lei que os dirige.
O conceito de disciplina é mais vasto, mais extenso do que geralmente se supõe., pois
visa não só ao governo da escola, dos escolares e do professor, corno também preparar esses
pequeninos seres em formação para mais tarde compreenderem e se habituarem a
obediência das leis da sociedade e do Estado, dispondo-os ao governo consciente de si
próprios, que é o objetivo final para que tende toda a abra educativa.
A disciplina escolar, vasta e complexa como é, sob muitos aspectos deve ser observada
e estudada. Entretanto, bem analisada, chegamos a conclusão de que ela repousa sobre a
direção ou a repressão mais ou menos inteligente das inclinações das crianças.
Observando que todos os atentados cometidos pelos alunos as normas da disciplina
escolar não são mais do que atos irrefletidos ou frutos da hereditariedade, toda repressão
violenta e direta reveste-se, na consciência do aluno, de um doloroso aspecto de clamorosa
injustiça.
A punição é um contra-senso. Não é pelo regime das punições violentas que podere-
mos dominar a criança.
O professor não deve ser o austero policial que tudo condena, que tudo reprova,
porquanto essa austeridade e essa vigilância constante tornam-se para a criança um verda-
deiro martírio, coagindo as suas manifestações espontâneas, base sobre a qual o bom edu-
cador deverá fundamentar os seus princípios de educação.
A escola deve ser calma e alegre, iluminada pelo sorriso e pela meiguice do professor,
vitalizada pela sua inspiração enobrecida e estimulada pela prática constante de atos bons.
Devemos despertar no íntimo da criança o sentimento de sua responsabilidade indivi-
dual, habituando-a a praticar atos bons e encaminhando-a na difícil prática da distinção e do
julgamento de sua ação, tornando-a por conseqüência o juiz imparcial de si própria.
Punindo a criança, a educação é feita pela coação, pela intimidação e pelo terror.
A punição, como todo sistema repressivo, quase sempre é contraproducente.
Todo o sistema disciplinar consiste em assegurar o desenvolvimento lento da criança,
observando-a e preservando-a dos desvios que a possam levar a fins condenáveis.
Diz Vasconcellos em seu Tratado de Pedologia: "Sob o ponto de vista psíquico, a puni-
ção é uma violação da personalidade da criança; destrói a sensibilidade, avilta-lhe o caráter;
enfraquece-lhe a confiança em si próprio, habituando-a a submissão passiva, a hipocrisia".
Hermann Lietz diz: "Para que as punições caiam por si mesmas, é preciso um lugar
favorável a obra da educação, uma organização e um plano de trabalho de conforidade com
ela, personalidades sinceramente devotadas a obra da infância, dignas de exercer sua
vocação de educadores. capatezes de compreender a criança, de descer até ela ê de a tratar
com justiça".
É preciso, portanto, que se crie ao redor da criança um meio adequado ao seu desen-
volvimento, para que não haja ruptura de equilíbrio pela qual ela é punida
A criança manifesta em si mesma características extraordinárias, das quais o educa-
lançando mão terá meios seguros para a realização de sua obra.
A alegria, a espontaneidade, a sensibilidade, tão naturais e tão espontâneas na criança,
são poderosos fatores que, inteligentemente aproveitados, concorrerão para a sua
educação.
Deve o professor servir de exemplo a seus alunos nos menores atos de sua vida, quer
'blica, quer privada. Na escola, deve ser o primeiro a chegar e o último a sair, guardando
smpre modelar compostura, quer no trajar como nos gestos e nas expressões, desempenhando
sua obrigação com a máxima ordem, cada coisa a seu tempo e lugar. Assim procedendo, con-
quista o professor a sua autoridade moral, que é a base, por assim dizer, de toda a disciplina,
conquistando o ascendente necessário sobre seus alunos, despertando-lhes o afeto e o carinho,
para o que necessita dispensar-lhes os mesmos sentimentos, tratando-os afetuosamente e dan-
do mostras de acendrado carinho, impondo-se pela persuasão e pela delicadeza.
Para que os alunos estimem e venerem seu professor, submetendo-se documente a sua
vontade, necessita ele não só o que acima dissemos, mas ainda a retidão no proceder, no julgar,
para que as suas decisões sejam a demonstração frisante da mais estrita imparcialidade.
Deve o professor, nos erros e nos defeitos ou nos descuidos manifestados pelos alunos
no estudo, ser o mais tolerante possível, vendo com paciência os desatinos que praticarem e
procurando pela persuasão tirá-los de seus erros, obtendo assim a boa vontade e a
admiração dos mesmos, sugestionando-os e solidificando a sua autoridade moral.
Diz Alcântara Garcia: "Não esqueçam os professores de que a tolerância, sendo uma
virtude social, necessita ser infundida no espírito das crianças, das novas gerações, e repre-
enta um excelente instrumento de disciplina escolar pelo seu valor sugestivo".
Os efeitos da sugestão exercida pelo professor sobre seus alunos serão mais intensos,
mais vivos, se tornar ele o ensino interessante e atraente.
Em toda escola onde o trabalho for interessante e atraente, onde os alunos estiverem
preocupados, não haverá tempo para distrações. O ensino assim feito sugestiona os alunos,
prendendo-ihes a atenção e aumentando o respeito e a veneração que dedicam a seu professor.
Como expoente máximo de todos os requisitos acima referidos está a paciência, virtude
sublime que faz do professor o guia benévolo, carinhoso, complacente e bom dos seus alunos.
A paciência, diz Alcântara Garcia, longe de ser um indício de debilidade, é uma
demonstração cabal do caráter das almas grandes, das que são realmente fortes.
I Conferência Nacional deFducação — Curitiba. 1927
De todas as disciplinas escolares, a que deve ser implantada com toda a energia é a
disciplina preventiva, pela qual o professor, com carinho, justiça e imparcialidade, julga os
atos dos seus alunos e, sem mágoa ou ressentimentos, os faz raciocinar e julgar os males e
as conseqüências de seus atos de irreflexão.
Não nos esqueçamos e pronunciemos como os mestres: castigos raros, escola perfei-
ta; castigos múltiplos, escola má!
A disciplina, diz M. J. Gaillard, deve ser o resultado da estima e do afeto recíprocos
entre alunos e professor.
CONCLUSÕES
1) Deve o professor estudar a criança, a fim de que, bem conhecendo-a, possa repri-
mir todas as manifestações desordenadas de sua natureza.
2) Cultivar a afetividade, fazer que os atos das crianças sejam impulsionados pelos
bons sentimentos.
3) Criar ao redor dela um meio adequado ao seu desenvolvimento.
4) Nunca castigar, sempre aconselhar.
5) Servir de exemplo na ordem, na obediência, na bondade, no julgamento, no res-
peito, no cumprimento dos deveres, na assiduidade, etc.
6) Tornar o ensino interessante e atraente, mantendo assim fixa a atenção dos alunos.
7) Procurar estimular seus alunos pela emulação.
8) Tornar a escola um foco donde irradiem a alegria e os sentimentos puros de bons
costumes e de patriotismo.
TESE N
2
38
A UNIFORMIZAÇÃO DOS PROGRAMAS EM SEUS PONTOS
GERAIS, CONTRIBUINDO PARA A UNIFICAÇÃO
NACIONAL E ALFABETIZAÇÃO DO PAÍS
Myriam de Sousa
Escola Normal Primária de Ponta Grossa. PR
onsidero este assunto de f.rande importância, no movimento ora empreendido, para a
unidade nacional, pelas razões e fatos que se multiplicam e surgem constantemente
contribuindo para o retardamento do progresso intelectual e moral do nosso povo.
I Conferência Nacional de Educação — Curiliba. 1927
C
A criação dos congressos nacionais, onde os professores dos diversos pontos do Brasil
possam externar e discutir suas idéias, creio que virá dar uma nova orientação ao ensino em
nossa terra. Necessário se torna que dos assuntos ali discutidos tenham conhecimento todos
os professores brasileiros, a fim de, conscientemente, cumprirem os seus deveres em
harmonia com todos que labutam para tão nobre fim: a instrução do nosso povo.
A diversidade de programas oficiais em vigor no País constitui um grande e sério
obstáculo a unificação.
Sendo os primeiros estímulos morais e cívicos os que mais duram na vida humana, torna-
se necessário que, em todas as crianças brasileiras, sejam de uma mesma natureza, para congraçá-
las e unificá-las nos mesmos pensamentos e impressões. Irmanadas, assim, na infância, serão no
futuro irmãos verdadeiros, pelo coração, pelo conhecimento das tradições da Pátria, pelas mes-
mas virtudes cívicas, sob cuja influência hão de realizar o aperfeiçoamento moral, intelectual e
físico do nosso povo, o progresso das nossas indústrias, das artes e das ciências.
Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, do ponto extremo oeste ao leste, um só deve ser
o encargo do professor brasileiro: formar o caráter dos pequeninos brasileiros para a
grande obra do engrandecimento da Pátria, graças a uma educação patriótica, aperfeiçoan-
o-lhes os dotes da inteligência e despertando-lhes as excelências da virtude.
Deste trabalho grandioso, a maior parcela de responsabilidade repousa nos ombros dos
professores, a quem o Brasil confiante e os pais esperançosos entregam os filhos queridos e
deles esperam obra perfeita. Esforcemo-nos por satisfazer-lhes as aspirações. A uniformiza-
ção do ensino em seus pontos gerais é uma grande necessidade, diz-me a experiência própria
e a dos que têm se dedicado a educação do nosso povo. A uniformização deve abranger os
dois pontos essenciais no preparo da nossa infância: o professor e a escola.
O PROFESSOR
O agente principal, aquele que personifica a instrução, é o professor; e, por isso mes-
o, ele deve compenetrar-se dos seus deveres. Deve tomar ao seu encargo os pequeninos
brasileiros e, mais tarde, entregá-los a Pátria como cidadãos fortes, unidos, aperfeiçoados os
espíritos, educados no bem, formados os caracteres para glória do nome de brasileiros. Para
tão grande obra, é mister que se preparem convenientemente os professores e que sejam estes
escolhidos pelas suas aptidões e amor ao ensino, porque assim como o bom professor é o
melhor guia da mocidade, também o mau é degenerador da infância que se lhe confere.
O exemplo do professor é sempre imitado, tanto para o bem como para o mal. Muitas
vezes encontramos pessoas dotadas de vocações especiais as quais falta, porém, o preparo
conveniente de que se investiu, não podendo, por isso, desempenhar a sua missão.
Mas o que tratamos aqui não é de professores competentes, e sim dos que, tendo cursado
um estabelecimento de ensino secundário, se acham a frente de uma escola como dirigentes e de
cuja atuação se espera a florescência das letras, das ciências e das artes. Por isso, o mestre é o
grande fator na vida de um povo. Devem os professores dos diversos estados brasileiros co-
I Conferência Nacional de Educação— Curitiba. 1927 207
mungar nos mesmo? princípios de educação, nos mesmos sentimentos, nos mesmos ideais, para
que o ensino consiga o aperfeiçoamento do nosso povo.
DA ESCOLA
O ensino deve ser baseado nos mesmos princípios, a fim de que se alcance, por todo o
País, um só resultado. Sendo, portanto, a escola o grande fator da nacionalidade, cumpre
que vise a uma educação nacional, não satisfazendo apenas a uma cidade ou estado, ou
apegada aos influxos do bairrismo, poderoso elemento destruidor da unidade de um povo.
Somos acima de tudo brasileiros e, como professores, compete-nos ensinar a criança a
amar o Brasil e trabalhar pelo seu progresso material e social; amar e respeitar o que é nosso;
não depreciar as nossas coisas, a nossa gente, como está acontecendo. E porque se tem posto
de lado em nossas escolas esta parte essencial, os resultados aparecem, diariamente: livros
que amesquinham e ridicularizam o nosso caboclo e os nossos costumes; na imprensa, sur-
gem escritos que enaltecem as coisas e os homens dos outros países, expandem-se em co-
mentários espalhafatosos acerca de tudo quanto não é nosso e elogiam os menores atos de
patriotismo de outros povos, quando muitos dos nossos heróicos feitos caem na obscuridade.
O mesmo não se dá nas outras nações. E enquanto em nosso meio cresce o entusiasmo por
outros países, ficamos sendo no mundo um povo obscuro, inculto, sem valor e sem instrução.
Há dias, numa revista, encontrei uma crônica acerca da ignorância que há nos Estados Uni-
dos sobre o nosso povo, e assim finalizava o escritor: "se perguntarmos a uma criança brasi-
leira qualquer coisa com relação aos Estados Unidos, ela responderá com presteza, enquanto
naquela nação existe tão completa ignorância a nosso respeito a ponto de se comparar a
nossa capital com pequenas aldeias mexicanas. Entre eles, existe grande afinidade e conheci-
mento mútuo, isso que faz que o seu progresso desperte nos demais povos grande admira-
ção". E por que este mal? Porque temos contribuído com a nossa negligência e simplicidade.
Milhares de brasileiros não conhecem ainda as nossas belezas e o nosso valor, contudo gran-
de parte deste desconhecimento provém do analfabetismo, mas é fora de dúvida que há outra
causa: a falta de unidade do nosso ensino primário. Pelo que vou narrar, podeis aquilatar algo
com referência aos malefícios que acarreta a desigualdade do ensino no Brasil.
Nascida em um estado do norte do País, fui aos sete anos matriculada em uma escola
pública em que a professora me ensinou as primeiras letras, deu-me noções de história pátria e
de Geografia. Nesta matéria, em vez de iniciar o estudo pelo Brasil, para que se formasse em
meu espírito a imagem de sua grandeza e valor, fui obrigada a decorar os rios, a flora, a fauna, as
montanhas e as riquezas da Europa. Seus diversos países e cidades, com suas indústrias e
belezas, surgiram ante meu espírito infantil como países maravilhosos, que minha imaginação
complicava cada vez mais e dilatava a minha veneração e estima. Fêz-se, então, em meu espíri-
to, a comparação das maravilhas que idealizava com as coisas que via em minha cidade natal;
era-me triste observar a pequenez da cidade em que nasci. Depois, passei para um colégio
particular, dirigido por professores norte americanos, onde o ensino de Geografia se limitava
aos países da América, evidenciando-se o estudo minucioso dos Estados Unidos de que tanto
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
orgulhavam os nossos mestres. O resultado não se fez esperar: a minha admiração ao país dos
dolares cresceu e tomou vulto, e até nas asperezas de sua língua eu encontrava alguma coisa
encantadora que me deliciava o ouvido. Ora, o espírito infantil é volúvel e deixa-se levar pela
imaginaçao, que é, nessa idade, ardente e criadora. Eu tinha então doze anos, e do meu Brasil
e de suas riquezas e cidades nada sabia, pois, até mesmo em assuntos de História eu estudara
nas os fatos que enalteciam o valor do elemento estrangeiro em nossa terra.
Chegada ao Paraná e levada a classe de dona Júlia Wanderley, de saudosa memória,
i submetida a um exame ligeiro, e me perguntaram qual a maior ilha do Brasil. Sem
hesitar, respondi-lhe: a das Cobras — pois eu tinha visto e conhecido a mesma ilha quando,
m viagem, fui para o sul. Como poderia eu amar naquela idade a minha terra, sem ter dela
menor conhecimento? Sabido é que só amamos o que conhecemos e só sentimos prazer
em trabalhar pelo que nós amamos; por isso é de se supor que eu não sentisse a chama do
verdadeiro patriotismo arder em meu peito. Já alguns anos são passados, e penso ser hoje
bem diversa a orientação do ensino em meu estado natal, como tem sido outra a que se
'iniciou no fecundo governo do Dr. Caetano Munhoz da Rocha. Compreendera o ilustre
estadista que o progresso de um povo está na razão direta da sua instrução. Por isso, um
dos seus primeiros atos foi reformar, aperfeiçoar e elevar a educação popular, cujos frutos
deis hoje observar com alegria e com os quais ele certamente se sentirá feliz.
Mas se em alguns estados tem sido remodelada a instrução pública, muitos lugares
ainda existem onde se não conhece a nossa bandeira, onde se julga que os Estados do Pará j
da Bahia são países estrangeiros. Fala-me a experiência.
Muito pouco se estuda de Geografia; nós, brasileiros, desconhecemos os estados do
Pais e pouco conhecimento possuímos com relação aos produtos exportáveis, mesmo nas
lasses comerciais. O nosso caboclo agricultor nenhuma noção possui da grandeza do solo
brasileiro, a não ser a da sua amada querencia; este insignificante conhecimento é coisa
funesta na vida de uma nação.
É verdade que o analfabetismo do nosso povo tem sido a grande causa de nossa nefasta
ignorância, mas, uma vez iniciada a grande campanha contra o gigante imenso, cumpre aos
deres competentes tornar a campanha homogênea, para que sejam os resultados iguais em
todo o Brasil. E o fator principal capaz de produzir esta harmonia é, sem dúvida, a unificação
dos programas nos seus pontos gerais e importantes, naqueles que despertem na criança o
amor ao nosso país, tragam o conhecimento do nosso povo, das nossas riquezas, para que lhe
inspire admiração e entusiasmo o solo de seu nascimento, a fim de que conheça a utilidade e
benefícios das nossas plantas, das múltiplas fontes de riquezas naturais que se encontram no
solo brasileiro sem ser ainda exploradas; não se deverá esquecer o estudo das fibras das
diversas plantas que constituem fontes de novas indústrias e riquezas, completamente desco-
nhecidas. Impõe-se a organização de museus, pelo menos nas cidades mais importantes, para
os quais deverão concorrer todos os estados brasileiros numa permuta harmoniosa de produ-
tos, de modo que em todo o País se tornem conhecidas as diversas plantas, minerais, etc,
existentes na terra brasileira. Neste grande certame, deveriam os governos estaduais concor-
rer com o seu apoio.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No estudo da história pátria, mostrar aos pequenos brasileiros a bravura do nosso
sertanejo, sua hospitalidade e coragem; revelar-lhes sua alma boa e simples; mostrar-lhes o
heroísmo e o valor dos grandes vultos históricos; a grandeza da nossa língua, a necessidade
do seu cultivo, para que em dias não remotos o separatismo não venha dividir e enfraquecer
a Pátria. Assim pensando, creio que a Geografia, a história pátria, a nossa lingua e o
estude*das nossas plantas e des nossos produtos constituirão meios eficazes no aperfeiço-
amento e unificação do nosso povo; e por essa razão deve o quanto possível este ensino
assemelhar-se em seus pontos gerais em todas as escolas brasileiras.
Ouvi, dias atrás, de um aluno do curso secundário, a expressão seguinte: aborreço o estudo
de Português! Disse-lhe então que, como brasileiro, jamais deveria dizer isto, pois a nossa lingua
é o vínculo mais forte que nos une e nos aproxima de norte a sul. Desprezando-a, que laço mais
forte irá nos unir? Que o seu estudo é difícil, sim, poderá dizê-lo. Mas a vontade forte e o amor das
nossas coisas são forças capazes de vencer as maiores dificuldades. Maior é a vitória quanto mais
difícil for alcançá-la. Uma vez vencida esta aversão, o estudo lhe será agradável, pois o conheci-
mento da nossa língua traz belezas e prazeres que encantam e extasiam o nosso espírito. Ser-lhe-
á ameno e mesmo agradável penetrar nas dificuldades da sua sintaxe e apreciar os encantos da
linguagem clássica nessa língua que tem "o arrulho da saudade e o silvo da procela".
Ora, aquele aluno sentia aversão a nossa língua porque ninguém o fizera amá-la em sua
infância. Decorar regras gramaticais é enfadonho e de nenhum proveito. O ensino ameno, agra-
dável e prático ora empregado em diversas escolas do nosso país jamais produzirá a aversão.
Se em alguns estados é este o método seguido, em muitos outros tal não acontece. Por
isso, uma das maiores necessidades é a uniformização do ensino do nosso idioma, a fim de que
toda criança em idade escolar sinta interesse em aprendê-la e gosto para prosseguir em estudo
mais complexo. Preparemos o seu espírito de forma tal que seu coração se afeiçoe a nossa
língua, a fim de que mais tarde procure resolver as dificuldades sentindo prazer no seu trabalho.
Nisto, muito poderão contribuir a imprensa da nossa terra e a permuta de correspondência.
Certa vez, conversando com uma professora dos Estados Unidos que viera ao Brasil
em visita a sua irmã, disse-me ela que entre as crianças das escolas públicas dos diversos
estados americanos era comum haver um intercâmbio de correspondência feita de um modo
interessante e agradável, contribuindo isto não só para o desenvolvimento e aperfeiçoamento
do idioma, como também para despertar a amizade entre os pequenos cidadãos escolares,
sentindo que seria mais tarde um dos mais fortes vínculos da União.
DO CURSO NORMAL
Outra coisa de grande valor neste assunto deve ser a uniformização do ensino normal.
Formar professores é preparar profissionais para uma grande obra no País.
Se os cursos médicos, jurídicos e de engenharia se assemelham em todos o:; estados e são
equiparados e reconhecidos uns aos outros, se o próprio curso ginasial está assim organizado e
reconhecido, por que se não dar as nossas escolas normais secundárias a mesma organização e
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
• privilegio? Ensinar do melhor modo, seguindo orientação geral, e difundir por todo o País
o
mo ensino, eis a grande obra que aos podêres públicos e aos professores compete iniciar
desde hoje, para que a colheita seja boa. De nenhum outro recurso, com maior vantagem,
poderao lançar mãos os nossos dirigentes para a unidade nacional. E a escola a fonte dos
'ores sentimentos, da força do caráter, e onde se traçam as finalidades da raça.
A criação de um curso normal superior, para maior aperfeiçoamento dos bons pro-
fessores, e a equiparação das nossas escolas normais secundárias serão um grande passo no
progresso da nossa instrução.
Para facilitar ainda aos que, possuídos de grandes vontade, não possam cursar este estabe-
lecimento superior de educação, poderão ser estabelecidos os cursos de férias a maneira dos que
são feitos nas grandes universidades dos Estados Unidos. No decorrer dos meses de descanso, os
professores tomam o estudo de certas matérias e métodos para o seu aperfeiçoamento.
A correspondência mútua entre os professores e alunos do referido curso será um
meio inteligente e eficaz para a conclusão desejada.
,CONCLUSÃO
1) A escola e o professor são os dois grandes fatores na vida de uma nação; para que a
mesma atinja o mais alto grau de aperfeiçoamento e união, cumpre tomar em consideração
estes dois fatores, antes mesmo de outros quaisquer.
2) Unificados os programas das escolas primárias e normais e equiparadas as escolas nor-
mais secundárias entre si, de modo que o conhecimento dos métodos e processos pedagógicos
seja um mesmo para todos os professores, estimulados e auxiliados estes pelos podêres públicos
para a grande missão de instruir e educar, o professor brasileiro será o grande unificador do nosso
povo pelos conhecimentos que for ministrando aos seus alunos, os patriotas de amanhã.
3) Os governos estaduais e federal devem intervir neste certame para que a obra
alcance o fim desejado, já incentivando os mestres, já auxi'iando-os em suas dificuldades,
quando desejarem obter conhecimento mais perfeito dos métodos, processos, etc.
4) O ensino da nossa língua, da Geografia, da hitória pátria e o conhecimento dos
diversos produtos e riquezas do nosso solo devem oferecer, na escola primária, os pontos
básicos na instrução e edificação do nosso povo, porque somente conhecendo as nossas
riquezas e as nossas necessidades é que a criança poderá Amar o Brasil e procurar com o
seu esforço, no futuro, realizar a grandeza do País.
5) O preparo do professor deve ser o mais perfeito possível, em todos os pontos; por
isso, urge a criação de um curso normal superior para o qual possam afluir os professores
mais ded içados a causa da instrução popular, de modo que se tornem, depois, os orientadores
da instrução nas diversas cidades e estados do nosso País.
6) O ensino deve ser nacional. Preparar a criança para o Brasil e não para este ou aquele estado,
pois somos brasileiros e, como tal, cumpre-nos o dever sagrado de zelar pela integridade nacional,
jamais consentindo que outro sentimento se intensifique e tome maior vulto no espírito infantil.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
s
39
COMO ENSINAR A LÍNGUA VERNÁCULA AOS FILHOS
DE PAIS ESTRANGEIROS NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Guilherme Butler
Ginásio Paranaense — Curitiba, PR
O começa a pensar sobre o ensino da língua vernácula aos filhos de pais estrangei-ros em
nossas escolas primárias fica impressionado com o problema complicado que o professor
tem de resolver. Há, no Brasil, localidades onde o português não é ouvido, nem na família nem
na rua. Há também milhares de famílias estrangeiras que não falam a língua nacional, mas cujos
filhos a ouvem todos os dias e, por este meio, adquirem algum conhecimento dela.
Alguns destes estrangeiros sacrificam-se para que os seus filhos aprendam o português
com perfeição e gostam de vê-los receber seu alimento espiritual e intelectual por meio de
livros e jornais escritos na língua do País. Há outros que fazem tudo para que a educação de
seus filhos se efetue na língua de seus avós, e, neste caso, a língua nacional fica naturalmente
desprezada. O professor que ensina os filhos destas duas classes de estrangeiros achará seu
trabalho bem diferente quanto a dificuldade e aos resultados.
A complexidade do problema agrava-se com a diferença de idade e de conhecimentos
prévios dos alunos da mesma classe.
Alunos há que começam os seus estudos da língua nacional com 7 ou 8 anos sem saberem
ler e escrever a língua de seus pais, e há na mesma classe outros na idade de 14 ou 15 anos com
o conhecimento da língua materna. Todas essas circunstâncias dificultam e complicam o traba-
lho do professor, mas, quanto ao método, estou persuadido de que em todos os casos deve ser
um só: o chamado método direto ou natural.
Por quê?
Porque não temos pessoas que conheçam bem o português e as várias línguas dos estran-
geiros domiciliados entre nós para servirem de professores aos filhos destes estrangeiros, e, por
isso, o trabalho tem de ser feito pelos professores nacionais e pelo método direto, isto é, sem
explicações na língua materna do aluno. O ensino de uma língua estrangeira tem dois objetivos
em mira: o primeiro, o mais modesto, consiste em habilitar o aluno a conversar sobre os assun-
tos ordinários da vida; o outro, mais elevado, consiste em tomar o aluno capaz de ler obras
científicas e literárias e expressar os seus pensamentos, por escrito, na língua estrangeira.
A minha experiência tem-me demonstrado que, para ensinar a conversação, o método
direto é o que dá os melhores resultados; e que, para habilitar o aluno a ler e entender obras
científicas e literárias no mais curto tempo possível, como, por exemplo, fazemos nas aulas
de línguas estrangeiras no Ginásio Paranaense, é indispensável que o professor conheça bem
não somente a língua que ensina, mas também a língua do aluno e, assim, possa empregar
também o método de tradução e versão.
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
Sendo a conversação o passo inicial no ensino do vernáculo aos estrangeiros nas escolas
primárias e, também, por não terem os nossos professores o conhecimento das diversas línguas
dos alunos, é evidente que só lhes resta o emprego do método direto. Este método de ensinar as
línguas tem tido muitos propagadores zelosos, alguns dos quais se têm tomado célebres, como
Berlitz e Gouin. Não quero fazer uma exposição minuciosa deste método, porque os meus
ilustres colegas de certo já o conhecem pelos seus estudos de metodologia. Quero somente
comunicar algumas convicções adquiridas no ensino de línguas e que julgo aplicáveis ao ensino
vernáculo aos estrangeiros. O processo para aprender a língua materna inclui as quatro
diferentes atividades da te da criança, na seguinte ordem: 1) a criança tem de aprender a
distinguir os sons e compreender a significação das palavras faladas; 2) tem de aprender a
mover os seus órgãos vocais de modo que produza as palavras orais; 3) tem de aprender a
distinguir palavras escritas e associar a forma gráfica a fônica; 4) tem de aprender a
governar a mão na produção de palavras escritas. O método direto ensina que, na aquisição
de uma língua estrangeira, devem ser exercidas as mesmas atividades e na mesma ordem. O
estudante vê o objeto, ouve o seu ne na língua estrangeira e logo procura reproduzi-lo sem a
intervenção da língua mater-O professor escreve, depois, a palavra no quadro para que o
aluno aprenda a sua forma fica e, por fim, vem o ditado. Esta é a ordem natural, a ordem que
temos de seguir. Tenho visto professores que começam a ensinar o vernáculo aos
estrangeiros abrin-do o livro de leitura e ensinando a ler. Método errado! O pobre aluno não
compreende o que está lendo. Desanimado e aborrecido, o traba-do professor será nulo.
Deve, por isso, começar o professor pela conversação, e.a sua primeira obrigação é conhecer
bem a fonética, para que sua pronúncia seja exemplar e para : possa corrigir os defeitos dos
seus alunos. Ensinar as línguas estrangeiras sem o treina-mento cuidadoso do ouvido e dos
órgãos da voz do aluno é o mesmo que ensinar a Quími-ca e a Física sem experiências
práticas. É claro que, neste trabalho, o professor obterá melhor resultado ensinando crianças
que não ouvem em casa nada de português do que as que estão acostumadas a pronúncia
viciada e as construções estropeadas. Quanto ao material para a conversação, deve o
professor começar com o mais simples possível e limitar-se a este material durante
considerável tempo. O material deve ser apresen-tado gradativamente do mais fácil para o
mais difícil. Os alunos não devem passar a exercícios mais difíceis enquanto não estiverem
convenientemente habilitados nos exercícios anteriores. Não faltam assuntos para
conversação. O professor pode obtê-los de duas fontes, ambas importantes:
l) objetos da sala de aula e imediações e, mais tarde, mapas e quadros; 2) o livro
de leitura.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Para crianças pequenas, o uso de objetos e, mais tarde, de mapas e quadros serve de
introdução muito interessante ao estudo da nova língua e pode ser adotado durante consi-
derável tempo. O aluno adquire em pouco tempo um grande vocabulário, que o professor
poderá ordenar sistematicamente e ampliar conforme as necessidades. Os exercícios podem
tornar-se interessantes, embora os objetos da sala de aula e os representados nos vários
quadros sejam bem conhecidos. O fato de estarem os alunos aprendendo os nomes numa
língua nova torna as lições mais interessantes. Acresce ainda que o aluno se interessa
porque sente aumentar o cabedal dos seus conhecimentos.
O trabalho é simples. Compreende-se que ele possa realizá-lo, visto o professor não
exigir dele o impossível. O aluno adquire confiança em si mesmo e, por isso, não é difícil
induzi-lo a falar a fazer perguntas e dar respostas. Quando a aula chegar a tal ponto, isto é,
quando os alunos desejam falar, há atenção e interesse, condições fundamentais de pro-
gresso em todo o trabalho escolar.
Com crianças pequenas, considerável tempo pode ser empregado ensinando os vários
objetos da sala de aula: as portas, as paredes, o soalho, o teto, as janelas, as mesas, as
cadeiras, as pernas, os livros, a tinta, etc, e os atos necessários a execução do trabalho
escolar. Com os nomes destes objetos podem ser usados os adjetivos de forma e de cor,
alguns advérbios de lugar e as preposições mais comuns. O professor pode começar com os
objetos da sala de aula, mas gradualmente o horizonte se alarga, até introduzir nos
exercícios de conversação a vida do aluno na escola e fora dela. Mais tarde, quando os
assuntos da escola, da casa e do jardim forem esgotados, os assuntos da vida exterior
poderão ser utilizados por meio de mapas, planos de cidades e vários quadros. É claro que
semelhante trabalho exige preparo da parte do professor, habilidade para introduzir vida e
variedade no trabalho da aula. É fácil cair no hábito de fazer a mesma espécie de pergunta,
do tipo: "O que é isto?"
Os mapas e quadros oferecem a vantagem e a oportunidade de empregar os diálogos.
Dois alunos podem fazer perguntas um ao outro acerca dos diferentes objetos repre-
sentados nos quadros e, assim, mostrar a sua habilidade em fazer perguntas e dar respostas.
O método Gouin também sugere grande abundância de material para os exercícios
orais. Um dos seus característicos é a disposição de cada lição num grupo de cerca de vinte
e cinco sentenças curtas relacionadas ao assunto e seguindo-se umas as outras em ordem
cronológica. Uma lição "sobre abrir a porta", por exemplo, começaria assim:
1) Eu me aproximo da porta.
2) Aproximo-me ainda mais da porta.
3) Chego a porta.
4) Paro a porta.
5) Estendo a mão.
6) Pego no trinco, etc
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
É fácil ver que os alunos logram produzir grande número de ações de acordo com este
plano e expressá-las em linguagem apropriada, ou pode o professor esboçar um plano em
que haja lacunas que os alunos devem preencher.
Uma outra espécie de exercícios de conversação, que muito sugere o método de
Gouin, é baseada em alguma coisa que se viu. Entrando, por exemplo, o professor na aula,
os seus movimentos são descritos pelos alunos da seguinte maneira:
1) O senhor entra na sala.
2) O senhor sobe a plataforma.
3) O senhor puxa a cadeira para trás.
4) O senhor senta-se.
5) O senhor abre o tinteiro.
6) O senhor toma a pena.
7) O senhor a introduz no tinteiro, etc.
As ações dos alunos são descritas por eles mesmos ou por um de seus companheiros.
Para os alunos mais adiantados, a conversação pode ser baseada sobre a lição de leitura.
"Muito bem — dirá talvez algum professor já sobrecarregado de trabalho —, o plano
parece bom, mas como achar o tempo para sua execução?" Concordo. A realização deste trabalho
oferece grandes dificuldades em turmas compostas de crianças nacionais e estrangeiras.
O pobre professor terá de tomar sobre si ainda esta carga e dividir o seu trabalho de tal
modo que tenha diariamente pelo menos uma hora de conversação para os seus alunos estran-
geiros. O melhor plano será, talvez, dividir esta hora em três partes de vinte minutos cada uma
e, durante os intervalos, conservar os alunos em atividades, copiando palavras e expressões já
conhecidas.
O ensino da gramática e da composição terá de ser ministrado ao mesmo tempo as
crianças nacionais e estrangeiras.
Em resumo, o melhor método de ensinar a língua vernácula aos filhos de pais estran-
geiros em nossas escolas primárias é o direto, natural; e, para que o trabalho tenha bom
êxito, é necessário que os professores conheçam a fundo este método, acumulem abundante
material para conversação e o disponham sistematicamente. As dificuldades na execução
deste trabalho são grandes, mas felizmente há também estímulos e incentivos. O professor
dedicado e preparado achará, como o autor destas linhas pode atestar, que os alunos mos
tram grande interesse e entusiasmo neste trabalho, que será justamente apreciado pela maior
parte dos pais. E, sobretudo, terá o professor a preciosa convicção de que está eficazmente
contribuindo para o elevado trabalho da unificação do País, da pátria querida, do Brasil, que
recebe todos os estrangeiros, oferecendo tanto aos nativos como aos filhos adotivos as mais
amplas oportunidades de trabalho, liberdade e felicidade.
I Conferência Nacional de Educação
—Curitiba, 1927
TESE N
s
40
A UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM SUAS
IDÉIAS CAPITAIS, MANTIDA A LIBERDADE
DE PROGRAMAS
Zelia Jacy de Oliveira Braune
Rio de Janeiro, DF
ara desempenhar a honrosa missão de que me incumbiu a Associação Brasileira de
Educação, venho apresentar este relatório sobre a tese que me foi proposta. Tratarei do as-
sunto estudando quatro circunstâncias que no caso se impõem: a) a origem étnica do nosso povo;
b) nosso meio físico; c) a psicologia de nossas crianças; d) a seriação dos conhecimentos humanos.
A ORIGEM ÉTNICA DO NOSSO POVO
Três raças, em contato no Brasil desde o século 16, foram mutuamente se modifican-
do e sofrendo a influência não só do meio como de outras raças que para cá emigraram em
pequena escala, levando aqui e ali elementos esparsos, ou em grupos mais numerosos para
certos pontos: italianos em São Paulo, alemães no Sul.
Se permaneceram por longo prazo como um conjunto heterogêneo de homens e só a
evolução paulatina operada pela aproximação maior delas, pelo seu cruzamento, deu origem
a um tipo etnográfico — o verdadeiro brasileiro —, claro está que este só então transmitiu a
descendência qualidades características, dando lugar a um todo uniforme e homogêneo,
depois da assimilação dos contingentes diversos, alcançando aí foros de nacional. Surgindo
dessa formação étnica uma raça, um misto de tendências e temperamentos vários, um
produto único de fatores diferentes, é evidente que a transformação operar-se-á em cada um
deles e que o novo não é exatamente idêntico a este ou aquele dos elementos constitutivos, e
sim um complexo de adaptações, aproveitamentos, metamorfoses, acomodações, que vêm
todos finalmente a definir um tipo original jamais conhecido e que, como tal, merece uma
orientação peculiar, própria.
O estudo da nossa origem, como o que fizermos sobre os povos que colaboraram na
nossa formação, trará esclarecimentos a diretriz do ensino primário no Brasil, mas se os
imitarmos cegamente estaremos errando, ainda que eles tenham sido os mais acertados.
Os indivíduos mudaram: não são portugueses nem tampouco africanos ou indígenas,
italianos ou alemães, espanhóis, franceses ou asiáticos; hão podem, pois, ser encaminhados
como eles o foram.
Uma nação nova, que tem soberania política e moral, não poderá fugir de trabalhar por si
e para si, evitando cuidadosamente a imitação de outros aos quais satisfaria aquilo que para ela
é descabido. Precisamos tomar, pois, no ensino primário, orientação conveniente, compatível
com as nossas necessidades e uniforme em suas bases gerais, fixadas pela origem étnica.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
P
O NOSSO MEIO FÍSICO
Além das características vindas dessa mesma origem, ainda para tornar o brasileiro
típico e definido, a natureza potente, imperiosa, quase insuperável de nossa terra imprimiu-
lhe um cunho especial.
A luz deslumbrante em que se engolfou, o azul límpido do céu que o protegeu, a exube-
rância da vegetação que o cercou, a imensidão dos mares, as catadupas das águas correntes, a
altaneria das serras majestosas, o calor das regiões equatoriais e as baixas temperaturas dos
extremos meridionais e das montanhas alcantiladas, a umidade de um extenso litoral e de zonas
lacustres, tudo isso que maravilha e é contingência ou força mas também patrimônio de grande
responsabilidade que as vezes embaraça, com suas prerrogativas e seus contras, determinou tal
feição própria ao homem que lhe impôs a sua nacionalização e a de sua atividade em qualquer
ramo considerado. Assim, indispensável se tornou a nacionalização de sua indústria, de seu
comércio, de sua arte, de sua instrução e educação principalmente. Ora, dessa necessidade de
nacionalização decorre a de uniformização em todo o País.
Em se tratando da educação em seus primórdios, do ensino primário em suas bases, não
poderemos e não deveremos jamais fugir as diretivas nem impedir ou sufocar suas instituições,
e é evidente que elas hão de vir da própria raça e do meio em que ela vive e é mister sejam
tomados esses em consideração, para que se realize a finalidade daquele importante trabalho.
Para o traçado da reta de tal a qual ponto, é regra prática vulgar que, uma vez partindo
do primeiro deles, o desenhista vise ao término para que a direção seja acertada: os médios
se submeterão aqueles dois.
Ora, é do início da tarefa educativa que havemos de visar a seu fim para seguirmos
firmes, sem o que, desviados em curvas e quebradas, perderemos tempo e oportunidade,
desperdiçaremos energia e desistiremos, talvez, do resultado.
Ainda nesse caso, como no do traçado geométrico, os meios impostos pelas diretivas
não perturbarão nosso trajeto, dada a origem delas que é comum e a finalidade que é única,
donde a necessidade da uniformização do ensino no Brasil.
Temos de convir que nossa natureza, decantada em todos os tons, é realmente fabu-
losa e excepcional, mas precisamos conhecer o que nela existe de defeito ou de inconveni-
ente para nós e que estará mesmo, talvez, em sua magnificência!
E aí não poderemos ficar como seus súditos, submissos a suas injunções; lembremo-
nos de que ela é poderosa, mas a inteligência humana é potência maior ainda, que conseguirá
aproveitá-la, dirimir as dificuldades e adaptá-la a seu viver.
PSICOLOGIA DE NOSSAS CRIANÇAS
Para instruir e educar, isto é, cultivar espírito e coração, impõe-se o conhecimento preci-
so e seguro do terreno em que se há de trabalhar, e esse varia bem mais que os outros aráveis e
cultiváveis pelo agricultor, os quais, mesmo assim, mudam daqui para ali, de passo a passo, pela
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
maior ou menor impermeabilidade, pela formação geológica em eras múltiplas, pela diver-
sidade resultante de proporções infinitas em que se combinam as substâncias componentes
E se esses merecem todo o nosso cuidado, que diremos daquele a que se refere Rui
Barbosa como sendo "a alma juvenil, um chão que o lavrador deve amainar de joelhos"?
Em se tratando, pois, dessa alma, complexo maravilhoso de faculdades que constitu-
em escalas infindas de sutilezas incontáveis, a vertigem perturbará a visão da verdade se um
estudo sério de psicologia não presidir a educação do mestre.
É tal a convicção daquela variedade que se afirma dever servir um método a cada
educando, e quem quer que ensine com inteligência e amor há de fazê-lo, irremediavelmente.
Entretanto, atentos as características comuns, claro está que forma-se-ão grupos pela apu-
ração dos contatos e das semelhanças, e não é dessa forma que toda classificação científica é feita,
bem que não haja dois seres idênticos dentro da mesma espécie, classe, gênero, família, etc.
E lembrando a expressão de Tavares Cavalcanti — "Em cada uma das nossas escolas,
dispersas por esses 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, há sempre um discípulo que
não muda, é o nosso amado Brasil" —, reconheceremos que as semelhanças não podem
faltar nos indivíduos de um povo de origem comum, de comuns reminiscências e tradições,
que há de reproduzir em cada um de seus representantes um resumo de todas elas - uma
miniatura da alma da pátria —, donde a necessidade de bases uniformes no ensino primário.
Aí é a Psicologia, com a classificação das faculdades intelectuais, que nos vem em
auxílio esclarecendo a situação dos discípulos, que no-las apresentarão em grau acanhado
uns, latente outros, excessivo alguns.
O estudo teórico da ciência da alma é imprescindível ao educador, mas está muito
longe de ser tudo! Tive sempre por ele predileção acentuada e sinto ainda a impressão
deixada por excelentes mestres dessa matéria em meu curso normal. Leio sobre o caso até
hoje, e, cada vez mais, tudo de que tenho notícia — e essas leituras me arrebatam.
Não posso, porém, deixar de reconhecer que essa teoria seria muito pouco e não
evitaria grandes erros e insuperáveis dificuldades se um campo de observação vastíssimo
não se me tivesse defrontado desde o início da carreira, a escola, colméia sublime de inte-
ligências vivas de seres pensantes, que me favoreceu com a observação meticulosa de
milhares de almas em todos os momentos de mais de 25 anos de magistério.
O conhecimento apenas livresco é sempre condenado e muito pernicioso: envaidece e,
prescindindo da prática, coisa alguma realiza. A humanidade não se salvará com teorias repeti-
das por uns e outros em frases literárias. Ninguém conhece a natureza através dos livros de
História Natural; eles são meros auxiliares do livro sublime da criação, que é a própria natureza.
Como ser explorador sem viajar e penetrar os meandros da jornada? Como preparar
o espírito de um povo sem pesquisar sua capacidade, sem experimentá-lo? Como lançar o
cultivo sem certificar-se dos elementos favoráveis e dos empecilhos que lhe resistirão?
Afirma-se ser elevado o grau de inteligência do brasileiro. Não basta conhecer a
quantidade, cumpre apurar-lhe a qualidade.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Ainda aí, o meio nos trará esclarecimentos seguros ao estudo anímico do homem. É
trivialíssimo conceito que o trabalho desenvolve o órgão e a inércia o atrofia, e é lei natural
a
do menor esforço ou da maior preguiça.
Assim, as faculdades expandir-se-ao incentivadas pelos estimulantes exteriores, e
jamais se viu, em parte alguma, o homem se recusar a luta quando a natureza rude e cruel,
inóspita e estéril provoca suas energias.
Jamais se verificou também que o indivíduo buscasse o trabalho árduo e procurasse
agruras quando uma natureza prodigiosa e gentil lhe ofereceu mimos de toda ordem, o que
quer que ele imagine! É esse o caso do brasileiro. Embalado geralmente pelas auras suaves,
pisando um solo calmo, sem erosões, embevecido no céu que o extasia, recebeu da flora e
da fauna os mais dulçorosos e ricos presentes; e foi então sonhador, dotado de prodigiosa
imaginação, reflexo da opulenta natureza que lhe facultou a escolha de climas e cenários e
que, entre carícias, o dispensou de enormes sacrifícios de atividade refletida.
Clama-se pela indolência do brasileiro, ora atribuindo-a as maravilhas naturais, ora ao
meio desfavorável a saúde, observado em certas zonas do extenso território. Ambas as
circunstâncias acarretam-lhe aquele defeito e até mesmo concomitantemente, pois ali onde o
mau funcionamento do fígado se produz, favores da natureza se fazem sentir.
Precisamos, pois, dar-lhe a compreensão de que os proventos serão mais fartos se ele
os conquistar com a aplicação de sua atividade e que os prejuízos serão menores se uma sábia
imposição do homem a natureza conseguir modificá-la. E o ensino primário em todo o Brasil
deverá incutir uniformemente essa convicção no povo, para ter eficiência acentuada e com-
pleta. A imensidão do território o despreocupou dessas considerações e providências.
Como, porém, as condições de vida tendem a mudar com o aumento de população,
como o aproveitamento dos próprios bens naturais e de sua inteligência e força se impõe
para que ele tome parte profícua nos destinos da humanidade, cumpre eduquemos a criança
no Brasil com o intuito de excitar sua atividade física, de formar-lhe um espírito prático, de
prepará-la para luta, ordem, regime, ponderação, contrariando certa tibieza e frouxidao na
observância dos deveres e até na exigência do cumprimento deles pelos outros.
O entusiasmo momentâneo é natural no brasileiro, mas o abandono da causa se lhe
segue, não raro, pela carência de fortaleza, de perseverança na realização de seus projetos.
Daí certa falta de ordem, indisciplina e imprevidência, pelo que responde tudo quanto o
cerca c mimoseia com seus esplendores!
Tem cada um os defeitos e suas qualidades, e o aperfeiçoamento se verifica quando
há justo equilíbrio e as qualidades estão todas nos limites do bem.
O respeito a individualidade própria, que vem de a compreensão da criatura ser uma
obra divina e parte de uma humanidade magnífica, é excelente; se exagerado, atinge o vício
que cega e infelicita — o orgulho.
Assim, a falta de ordem, que no brasileiro é oriunda de certa instabilidade de espírito, há
de ser alcançada pelo ensino primário, que, em suas bases uniformes, procurará desenvolver a
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
faculdade de reflexão. A indisciplina é filha de um sentimento de liberalismo manifesto em todos
os pontos do Brasil e narrado em toda nossa história, desde a existência dos primeiros brasilei-
ros: na Insurreição Pernambucana, na Revolta de Beckman, em 1817, em Pernambuco, na
Confederação do Equador, na Inconfidência Mineira, na aclamação a Pedro I — em vivas ao
imperador constitucional do Brasil — e outras tantas passagens; é qualidade altamente nobre
que convém seja orientada no sentido de atingir a disciplina inteligente, mas nunca estiolada e
capaz de gerar a subserviência ou disciplina inconsciente. E se aquelas manifestações foram
uniformes no Brasil, o ensino também o deverá ser para a direção do espírito brasileiro, onde
quer que se levante a escola. A própria imprevidência vem de um desinteresse excessivo, por-
tanto, prejudicial. O ensino primário deve levar a criança a prever suas necessidades para pro-
ver, mas não dando lugar a uma ambição desmedida que já se manifesta em alguns adultos em
nossos dias. Entre o imprevidente e o que se garante usurpando vantagens alheias que lhe não
deviam caber, creio, ninguém optará pelo segundo. O ensino primário aproveitará os momentos
de tomar o aluno cauteloso e previdente, mas tendo em vista nossa Constituição, fazendo-o ir
somente até onde "comece o direito do outro". E daí virá a ordem, a calma na ação e o respeito
aos direitos de que tanto se fala com relação a si próprio, mas de que geralmente não se cogita
quando em jogo os do próximo. Agrava-se essa situação de ousadia de uns com a tibieza ou
frouxidão no cumprimento dos deveres e na apreciação deles com relação aos outros.
Geralmente, em nossa sociedade, cometida uma injustiça, muitos se revoltam, outros não
a chegam a compreender. Daqueles, uns, por dignidade própria, fogem cada vez mais a esses
exemplos nefastos; outros em breve vão mudando de opinião, verificando que afinal o que ficou
injustamente bem aquinhoado continuou a viver com vantagens, até considerado pelos incons-
cientes e pelos que tudo esquecem, e resolvem passar para aquelas fileiras.
A força de resistência moral que dará o perdão mas nunca provocará o desejo de entrar na
corrente perniciosa é o que o ensino deverá dar a nossa criança. Quando o caráter de muitos atingir
essa tempera, cada um só procurará o que lhe deve caber, e os distribuidores farão maior justiça.
Do ponto de vista religioso, uma transigência perigosa também se manifesta em nossa
gente. O indivíduo não deve ser intransigente com o adversário ou aquele que não acompanhe
suas opiniões ou crenças, mas isso é bem diverso de transigir com relação ao vício ou a inverdade.
O católico não pode aceitar também o espiritismo ou protestantismo, porque afinal são religi-
ões, como dizem alguns. A transigência com a inverdade perturba e entibia a fé, e o indivíduo
passa a não ter convicções, a ser um fraco.
O ensino primário há de dar a criança brasileira essa fortaleza de alma em suas convicções
científicas e morais, de modo uniforme, por ser a tibieza um defeito generalizado.
A imaginação que lhe constitui um encanto na vida e a bondade proverbial que a nobilita
devem ser dirigidas convenientemente pelo ensino, mas não diminuídas!
Se um ideal arrebata o brasileiro, a realização fica, em geral, aquém desse ideal nos casos
comuns — é onde cumpre fortificá-lo. Mas se um imprevisto lhe estimula a bondade, eis que o
devotamento se manifesta em toda a sua pujança, sendo capaz de levá-lo ao martírio: é o que
nos obrigaremos a conservar, proporcionando-lhe os meios de realizar as empresas.
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba. 1927
Quando tratamos de ensino, não o podemos separar da educação, e por esse motivo
estendi essa parte que julgo a mais importante na escola — a formação de um caráter
propriamente brasileiro e forte como os mais fortes da humanidade.
SERIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS HUMANOS
O apuro das faculdades intelectuais se efetuará pelo seu emprego na aquisição dos
conhecimentos humanos, que obedecem a uma seriação a ser respeitada em suas bases
gerais, no Brasil como em toda parte.
A corrente que acentua a importância da orientação compatível com cada povo, e
até com a mentalidade de cada aluno e com as diretivas resultantes das várias
mentalidades e das condições de meio e momento, leva espíritos menos práticos e
menos refletidos a imaginarem que um caos se produzirá pela falta de concatenação, de
coesão, nos conhecimentos a ministrar. Receio infundado. Há conhecimentos
indispensáveis a toda a humanidade, e procederemos por círculos concêntricos do espírito:
iremos do mais amplo (a capacidade humana) para o mais restrito (a capacidade pessoal) ou
vice-versa, conforme as insinuações.
Assim, dando os conhecimentos de ciências, letras, artes, alcançaremos o justo equilíbrio das
faculdades intelectuais e morais do brasileiro, e cerceando umas, incitando outras, atingiremos
a finalidade visada. Não valerá a pena acumular matéria nos programas; a que aí estiver
deverá ser ministrada com segurança, porque deverá ser a indispensável e aquela que
provocará no espírito reações capazes de torná-lo harmonioso e completo, apto para
realizações convenientes no meio em que há de viver e se manifestar. É, a meu ver, o
principal objetivo do ensino primário e objetivo de magna importância do qual dependem os
outros. Ao concluir tal curso, o aluno terá adquirido todas as noções empregadas como meio
de seu desenvolvimento intelectual, e elas não terão sido poucas, em última análise, e além
disso a aquisição feita com essa diretriz perdurará para sempre. Não haverá coisas inúteis
em seu espírito; tudo lá estará em lugar próprio, ocupando um posto conquistado, uma
região explorada pela própria noção que se estabeleceu firme, inexpugnável. Se assim não
saem sábios das escolas primárias, saem indivíduos bem capazes de se tornarem sábios ou
de, pelo menos, se dirigirem daí por diante sabiamente. Nessa orientação do esrito do
brasileiro, por ser muito extenso o Brasil e dentro de sua unidade variarem as condições de
existência, claro se torna que as noções da vida prática hão de diferir e que os programas em um
centro civilizado, de vida intensa e administrativa, hão de dar as crianças idéias e noções capazes
de laá-las naquele meio e de aproveitar-lhes a energia de um modo diverso de que fariam
em zona rural ou agrícola. Também no interior do País, meio tão diverso da zona litorânea,
forçoso se toma sejam os programas adaptados as circunstâncias ambientes. Hão de
forçosamente variar, não em suas bases, mas em particularidades peculiares as zonas em que
postos em prática. Essas modificações regionais serão impostas pelo meio e pela observação
feita sobre as diretivas dadas pelos
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 221
próprios alunos, que, na escola ativa, encaminham o mestre e determinam até as variantes do
ensino adequado a cada escola de um vasto país como o nosso.
As noções ministradas com o fim de equilíbrio das faculdndes intelectuais precisam ser
aquelas que, em cada ponto, atendam a orientação própria ao local, e nada impedirá a consecu-
ção do plano, uma vez sejam dadas com o conhecimento perfeito das quatro circunstâncias que
explanamos nesta tese.
CONCLUSÕES
1) As bases do ensino primário no Brasil estarão de acordo com a seriação geral dos
conhecimentos humanos.
2) A uniformização do ensino primário no Brasil é inevitável e há de assentar nas
condições de etnografia, fisiografia e psicologia brasileiras.
3) Os programas deverão ser elaborados por competências no assunto de instrução,
que é profundo, e no Brasil, que é imenso.
4) A uniformização do ensino visará excitar a energia do aluno, arrancando-o ao
êxtase provocado pela natureza, que, em suas graças, encerra perigos.
5) O ensino visará ao apuro da observação e, premindo a imaginação, transformá-la-
á em força para a realização dos ideais.
6) O ensino, em suas bases gerais, há de ter o fim de desenvolver no aluno a previdên-
cia, o empreendimento, a reflexão e a persistência.
7) A uniformização recomendada nestas conclusões compreenderá as práticas de
moral e civismo, objetivando a correção das falhas de caráter apontadas nesta tese.
8) Respeitada a uniformidade dos programas em suas idéias capitais em todas as
escolas do Brasil, será mantida a liberdade de atender as imposições do meio.
TESE N
e
41
SITUAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NA BAHIA
Jayme Junqueira Ayres
Representante do Estado da Bahia
E com desvanecimento que apresentamos a I Conferência Nacional de Educação
esta memória, sucinta nos seus algarismos e informações, na qual desejamos fixar o
sentido do movimento educacional na Bahia.
É o depoimento sobre a marcha do serviço num grande estado da Federação, sobre
as realizações obtidas, a dizerem do espírito que preside e anima aquele movimento e que
se propõe serenamente a vencer a enorme etapa que se lhe antolha.
222 I Conferência Nacional de Educação Curitiba,
1927
Cremos ser nosso dever comunicar a I Conferência Nacional de Educação o plano de
educação estabelecido na Bahia, as experiências ali feitas, os frutos colhidos, os obstáculos
vencidos e a vencer, pois os dados que aqui trazemos foram obtidos pelo contato diuturno
problemas educacionais baianos, que são também problemas brasileiros.
Pensa a Bahia que a I Conferência Nacional de Educação centraliza e dirige, neste
momento, o movimento educacional brasileiro. É uma totalizaçao e também uma dinamização
de aspirações. E vem lhe trazer os dados de seu sistema escolar, a súmula dos resultados
alcançados, que bem deixa ver a grande soma de resultados a esperar confiantemente, expor
explicar o sentido e a orientação que adotou no seu plano educacional.
A Bahia julga que esta conferência se propõe altos fins de aclarar e definir diretrizes
da educação brasileira. Sumamente interessada nisso, vem delinear aqui sua situação edu-
cacional, parte que é do Brasil, membro da sociedade brasileira.
ENSINO PRIMÁRIO
Em todo o Brasil, a questão educacional estava relegada a um plano inferior; a Bahia não
fazia exceção a regra. O fato é que aos olhos dos nossos homens de governo, que refletiam a
opinião da massa geral, a educação popular não aparecia ainda na sua verdadeira feição de fator
relevantíssimo e expressivo da nossa equação nacional.
Hoje o horizonte se alarga, foge, recua. A visada pode ir mais longe. O dever dos
governos é seguir insistentemente a linha da sombra, prescrutar todo o campo exposto a
claridade e obrar num maior raio de ação.
Esse fenômeno se observou na Bahia. Evidencia-o o fato bem significativo da eleva-
ção constante, nestes últimos anos, das dotações orçamentárias. Os três alicerces de um
sistema de educação que aspire a ser perfeito o quanto possível são, certamente: dinheiro,
dinheiro e dinheiro.
A Tabela 1 e os Gráficos 1, 2, 3, a seguir, explicam perfeitamente essa elevação de
dotações nos orçamentos baianos para o serviço de instrução pública.
Vê-se, por essas ilustrações, que as dotações de 1926 e 1927 representam, respectiva-
mente,! 7,44% e 15,23% da receita geral do estado aplicados ao serviço da instrução pública
e, particularmente,12,9% e 12,18%, ao serviço de ensino primário, quando em 1924 e 1925
a porcentagem não ia além de 6,98% aplicados ao serviço geral de instrução e 4,33%, ao de
ensino primário.
Em 1924, a receita geral da Bahia era de 34.914:713$000; despendiam-se com o serviço
de instrução 2.439:387$414, sendo 1.715:972$622 para o ensino primário.
Em 1926, subindo a receita para 47.796:950$000, despendeu o estado com todo o
serviço de instrução 8.336:070$000 e, particularmente, com o serviço de ensino primário,
6.169:307$418 (incluídas as quotas municipais na conformidade da Constituição, Lei Or-
gânica dos Municípios e Lei do Ensino).
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Tabela 1 — Demonstrativos da Receita Geral do Estado e das verbasorçamentárias
destinadas ao Serviço de Instrução Pública, particularmente de
Ensino Primário
Anos
Receita Geral
Despesa com a
Instrução Pública
Despesa com o
Ensino Primário
Perc. com a
Instr. Pública
Perc. com o
Ens. Primário
1895
9.253:845$935
1.504:118$465
1.165:041$250
16,25
12,58
1896
9.317:997$165
1.529:456$495
1.190:365$000
16,41
12,77
1897
11.390:167$026
1.669:467$000
1.161:502$500
14,65
11,97
1898
11.700:761 $184
1.670:067$000
1.161:502$500
14,27
9,92
1899
14.269:948$332
1.721:617$000
1.205:742$500
12,06
8,44
1900
13.901:161$425
1.753:617$000
1.237:742$500
12,61
8,90
1901
15.021:624$895
1.944:017$000
1.237:742$500
12,94
8,17
1902
12.856:669$494
1.640:537$000
1.147:742$500
12,76
9,94
1903
12.094:399$633
1.562:274$500
1.072:274$500
12,91
8,86
1904
11.776:333$862
1.556:864$500
1.069:150$000
13,22
9,08
1905
11.325:561$304
1.469:794$500
1.069:150$000
12,97
9,44
1906
11.076:458$755
1.459:267$ 168
1.069:150$000
13,17
9,65
1907
11.208:775$346
1.559:080$662
1.207:925$000
13,90
10,77
1908
11.208:775$346
1.559:080$662
1.207:925$000
13,90
10,77
1909
11.208:775$346
1.559:080$662
1.207:925$000
13,90
10.77
1910
12.108:592$572
1.586:984$662
1.237:629$000
12,10
10,22
1911
15.509:278$892
1.614:720$496
1.237:629$000
10,41
7,97
1912
15.509:278$892
1.614:720$496
1.237:629$000
10,41
7,97
1913
16.775:450$798
1.633:619$830
1.229:017$500
9,73
7,74
1914
18.508:582$255
1.644:282$332
1.284:000$000
8,99
6,93
1915
19.479:150$244
1.745:302$322
1.372:400$000
8,95
6,78
1916
17.024:736$028
1.699:882$329
1.322:600$000
9,98
7,76
1917
18.556:170$435
1.672:769$817
1.214:200$000
9,01
6,54
1918
24.267:444$295
1.784:535$161
1.317:039$997
7,35
5,43
1919
24.715:543$663
1.807:921 $793
1.337:859$997
7,31
5,41
1920
28.078:082$234
1.938:169$473
1.450:926$997
6,90
5,16
1921
32.805:306$897
2.010:835$527
1.442:478$997
6,19
4,39
1922
34.128:500$000
2.448:009$600
1.763:975$000
7,17
5,16
1923
34.004:950$274
2.443:509$600
1.763:975$000
7,18
5,18
1924
34.914:713$000
2.439:387$414
1.715:972$622
6,98
4,33
1925
34.914:713$000
2.439:387$414
1.715:972$622
6,98
4,33
1926
47.796:950$000
8.336:070$000
6.169:307$418
17,44
12,90
1927
55.368:950$000
8.437:480$248
6.748:799$882
15,23
12,18
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Em 1927, baixou a porcentagem por efeito da alta constante da receita baiana, sem
que, entretanto, diminuíssem as dotações para o serviço.
Em 1928, com a criação da Escola Normal de Feira de Santana e a localização de
mais 129 escolas feitas este ano, a Bahia alargará as suas dotações, e maior será a porcen-
tagem, apesar da melhoria constante das rendas estaduais.
Há de notar ainda que não estão incluídas no cálculo acima as despesas feitas pelo estado
com a construção de prédios escolares e com o auxílio que presta aos municípios para a cons-
trução de prédios escolares municipais, auxílio no mínimo de 40:000$000 para cada prédio.
Essas despesas correm, entretanto, pela Secretaria da Agricultura, Viação, Comércio e Obras
Públicas e, como dissemos, não estão absolutamente incluídas no cálculo que operamos.
NECESSIDADE DE MAIORES DOTAÇÕES
Maiores dotações hão de vir de ano a ano para o serviço baiano de ensino. As que existem
representam o estritamente necessário, a fim de que sejam atendidas as três soluções parciais,
que não são únicas, do problema baiano de educação: a) coordenação e intensa difusão do
ensino primário; b) melhoria da situação do professor; c) reorganização material da escola.
Coordenação e Difusão do Ensino Primário
Trataremos do plano coordenador do ensino primário quando expusermos as bases de
sua atual reforma.
Para trazer a análise os frutos do plano de difusão do ensino, apresentamos o quadro
abaixo.
Ano Número Escolas
1924 1.127
1925 1.228
1926 1.496
1927 1.626
É este - 1.626 - o total de escolas primárias da Bahia, incluídas aí as municipais.
Temos assim que, de 1924 para cá, a Bahia aumentou o número de suas escolas primárias
de 499 unidades. E é para notar que na soma 1.127 obtida em 1924 há duas parcelas: 639
escolas estaduais e 488 municipais. Esclareçamos que o número de escolas municipais não
sofreu sensível alteração para mais, e concluiremos que é bem significativo, do atual movimento
educacional na Bahia, esse fato de ter o estado criado, em quatro anos, escolas primárias em
número inferior, apenas, de menos de duas centenas ao número de escolas que antes mantinha.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Melhoria da Situação do Professor
A antiga tabela de vencimentos do professorado baiano estabelecia: 2:880$000 anuais
para os professores de escolas de 3
â
classe localizadas nos arraiais e vilas; 3:504$000 para
os professores de escolas de 2º classe localizadas nas cidades. Os professores de ensino
complementar percebiam anualmente 4:956$000.
Aumentados os vencimentos de todo o funcionalismo público e sensivelmente melhorada
a situação do professor, pago rigorosamente em dia, a nova tabela estabelece 3:200$000
anuais para os regentes de escolas rurais de 3
â
classe localizadas em arraiais e povoações;
4:000$000 para os regentes de escolas de 2
a
classe localizadas em cidades e vilas sedes de
termo; e 4:800$000 para os regentes de escolas de l
l
classe localizadas em cidades e vilas sedes
de comarca. Os vencimentos do professor de l
1
classe do interior e da capital estão equiparados.
Funda-se isso na necessidade de fixação definitiva do mestre no interior — condição
essencialíssima do serviço e uma das preocupações mais fortes da reforma baiana de ensino.
Reorganização Material da Escola
Em brilhante discurso cheio de visão pronunciado na capital da República pelo emi-
nente doutor Fernando de Azevedo, dizia Sua Excelência do atentado clamoroso aos nossos
foros de cultura, higiene, conforto e educação que constitui o prédio escolar do Distrito
Federal. A observação parece dirigida a Bahia.
O prédio escolar ali não representava um procurado recurso provisório na frase quiçá
otimista do ilustre diretor da instrução da capital brasileira.
Procurar um recurso já seria um movimento de sinceridade.
Ali, o prédio escolar era um expediente de última hora tomado sem atenção e sem cari-
nho. Máxime na capital.
A Bahia está a braços com esta questão grave e por vezes dolorosa: o prédio escolar. Na
capital, em 1926, quando da avocaçao do ensino municipal, a Higiene Infantil e Escolar fez
inspecionar cuidadosamente os prédios escolares. Resultado: 90% foram condenados. Prédios
de aluguel, sem ar, sem ventilação, sem conforto.
A questão é absorvente.
No interior, tem-se atacado o problema, procurando a Diretoria Geral da Instrução con-
tratar os melhores prédios das localidades, fazendo aí as adaptações necessárias. De outro lado,
uma grande cooperação se efetiva entre o governo estadual e as administrações municipais para
a construção de novos prédios.
Dentro de quatro meses a Bahia terá inaugurado 32 prédios escolares, construídos
todos em menos de três anos. Uma aproximada média de um prédio por mês.
Na capital, porém, as dificuldades surgem, esmagadoras. A capital baiana necessita
pelo menos de cinco grandes prédios escolares.
1 Conferência Nacional de Educaçio — Curitiba, 1927
Por agora estão sendo locados prédios reputados bons, da maior capacidade possível e
higiênicos. É necessário, afinal, dar expressão a escola, conforto relativo ao aluno, um ambi-
ente digno da grande dedicação e admirável fidelidade do professor baiano. Traz isso despe-
sas não pequenas, graças a carestia de aluguéis na capital da Bahia. Mas agora é perfeitamente
inútil pensar em sacrifícios. Com o prédio, dever-se-á dar material idôneo e farto e mobi-
liário adequado.
A Bahia tem em muita conta esses juízos, e as suas autoridades de ensino estão bem
certas de que todo plano falirá e não passará de aspirações sem realizações se toda a orien-
tação atual do seu serviço não for profundamente experimentada, vivida e sentida em
escolas idôneas, tornadas tais pela distribuição que se vem fazendo de mobiliário e
material constantemente adquiridos pelo estado e instaladas em prédios, se não todos
próprios, mas adaptados, no limite máximo das possibilidades. Somente neste último ano,
o estado reparou e reformou prédios escolares na capital e adquiriu na América do Norte
4.000 carteiras e material didático correspondente.
ÍNDICES DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO NA BAHIA
Os índices numéricos são os mais expressivos.
Uma das notas predominantes do movimento de educação na Bahia é a elevação
constante da matrícula e da freqüência nas escolas públicas. A proporção de ano a ano se
torna maior.
O quadro abaixo e o Gráfico 4 sobre a matrícula e freqüência nos últimos anos, de
1923 a 1926 e primeiro semestre de 1927, explicam bem:
Ano Matrícula Freqüência
1923 23.428 17.566
1924 47.589 32.772
1925 50.722 38.154
1926 66.657 50.088
1927 73.033 51.033
Nos últimos cinco anos a elevação é constante. A porcentagem da freqüência sobre
a matrícula foi, assim, de: 1924 — 68,9%; 1925 — 75,2%; 1926 — 75,1%.
Lamentamos não poderem ser analisados aqui os resultados completos de 1927, uma
vez que neste mês de dezembro terminaram os trabalhos escolares na Bahia.
As matrículas e as freqüências nas escolas baianas, até 1926, são maiores nos primei-
ros anos de curso do que as dos anos posteriores, até certo ponto, mínimas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
É o velho vício da simples alfabetização que perdura, mas batido de todos os lados
e prestes a terminar.
Com os deveres da obrigatoriedade escolar aplicada aos já matriculados em 1926, a
estatística de 1927 apurará maior número de alunos nos anos finais.
A Tabela 2 dá idéia do que foi a freqüência nos diversos anos de curso das escolas
baianas em 1926: teve a Bahia 60,3% de alunos freqüentes no 1
Q
ano; 21,7% no 2º; 12,11%
no 3°; e 5,89% no 4º (este quarto ano existe apenas nas escolas urbanas de 1º e 2º classes). E
as Tabelas 3, 4 e 5 deixam indicado o movimento de promoções de 1924 a 1926. A
promoção é o índice excelente da eficiência e do rendimento escolar.
Houve em 1926 mais 8.381 promoções que em 1924, ou seja, mais 226%, e mais 688
alunos prontos, ou seja, mais 86%.
Esses resultados, tão animadores para as autoridades de ensino na Bahia, são, entre-
tanto, ainda bem pequenos. Mas comparando-os com os resultados dos anos anteriores,
torna-se bem sensível a intensidade do movimento de educação na Bahia, refletindo-se
diretamente no rendimento e na eficácia de suas escolas.
E não é mais que a idéia desse movimento que tentamos fixar neste depoimento que
apresentamos a I Conferência Nacional de Educação.
Com esses dados que apresentamos, façamos o resumo do rendimento da escola
baiana nestes últimos anos, no quadro geral abaixo.
Ano Matrícula Freqüência Porcentagem Promoções
Exames
Finais
1924 47.589 32.772 68,9 4.312 793
1925 50.722 38.154 75,2 4.954 1.101
1926 66.657 50.088 75,1 12.693 1.481
COORDENAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO
Em 1924, a situação do ensino baiano e a orientação do seu plano eram insustentáveis ante o
rápido progresso da Bahia nestes últimos tempos. Um movimento coordenador do ensino se impu-
nha fortemente. Desde a organização da unidade escolar até o plano geral, nos seus aspectos pedagó-
gico, social e administrativo, necessária se fazia uma reforma ampla e integral para o momento.
No campo administrativo, atenderam-se de logo, como base, as necessidades da di-
reção especializada do serviço, da avocaçao do ensino municipal e da intensificação da
atividade fiscalizadora do serviço.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Direção Especializada e Única
0 serviço de educação requer direção técnica e especializada; é o verdadeiro serviço de
nacionalização e civilização. Deixá-lo nos estados sem a fortaleza, a autoridade, a
orientação suorema de uma direção única é, talvez, correr o risco de condená-lo a dispersão e a
ineficiência.
A instrução pública é um organismo vivo, distinto da administração pública geral. Faz
parte dela, mas distinta e autonomamente.
A Bahia compreendeu a necessidade de criar uma diretoria especial para a instrução
pública, cujo titular é considerado, por lei, auxiliar direto do governador.
Superintendia antigamente o serviço baiano uma inspetoria de ensino submetida a
Diretoria do Interior, da Secretaria dos Negócios Interiores, Justiça, Saúde e Instrução
Pública.
A atual Diretoria Geral de Instrução foi instituída para conhecer os interesses reais do
ensino, saber de suas necessidades capitais e provê-las, agindo no campo técnico e no
campo administrativo com a maior liberdade e desembaraço possíveis.
Subdividida em seções do ensino primário, ensino normal, ensino secundário e ensino
profissional, chefiadas por diretores, ela é o órgão supremo do serviço da educação.
Avocaçao do Ensino Municipal
Dentro desse plano de unificação, coesão e coordenação do serviço do ensino primário
operou-se a avocação, pelo estado, do ensino a cargo dos municípios. De longa data se
vinha sentindo na Bahia a necessidade de uma orientação única de todo o ensino oficial.
Várias tentativas se fizeram no sentido de maior interferência do estado nos negócios de
instrução a cargo dos municípios, mas o temor de ferir de frente o princípio da autonomia
municipal, proclamada no artigo 68 da Constituição Federal, impediu sempre a realização
da idéia da avocaçao, muito embora a impusessem necessidades eloqüentes.
A interpretação do texto constitucional vai, entretanto, se tornando bem clara; o nosso
grau atual de evolução já permitiu isso. É o velho postulado do Digesto Romano ainda
vigente: o tempo é o melhor intérprete da lei,
Cremos que nenhuma dúvida pode subsistir: o ensino primário não é de peculiar
interesse dos municípios. É assunto de interesse geral de que devem cuidar os estados. Os
municípios, entretanto, não se podem alhear ao problema da educação, e para a solução
devem concorrer com suas rendas. Se eles são governos locais autônomos, nem por isso
perdem o seu caráter de "ramos da administração estadual", de agências locais da adminis-
tração do estado na sua empresa de civilização, progresso e bem-estar geral.
Seria aqui descabido marcar a verdadeira feição moderna do instituto municipal sem o
receio de ferir preceitos doutrinários. Digamos afinal que a autonomia municipal não é princípio
fundamental do regime federativo. A Constituição não a definiu nem limitou, apenas a exprimiu
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
como uma conveniência administrativa e política que o tempo e a evolução se incumbiriam de
dar feição, de utilizar conforme as necessidades.
Neste momento em que se trabalha para fortalecer a unidade nacional pela educação
uma das questões a estudar é a do mais eficiente sistema de colaboração dos município
0s
com os estados. Na Bahia e quiçá em grande parte do Brasil, os municípios não atingiram
grande grau de desenvolvimento e civilização, de modo a deixarmos nos estados o serviço
de ensino fragmentado por centenas de administrações e chefias supremas.
Nem se diga que qualquer inconveniente dessa fragmentação desapareceria — como
na América do Norte — quando se obrigassem por lei os municípios a adotar o mesmo
plano técnico e administrativo estadual.
Na Bahia se fez antigamente essa experiência. Mas a lei, menos que perfeita no caso, na
possuía sanção. E restava insuficiente. Demais disso, não estamos, em tal situação, com tal grau
de evolução, com tal conhecimento exato do nosso meio, que possamos dar a um programa,
por si só, virtude de orientar e coordenar o serviço do ensino. Qualquer programa de ensino nos
estados deve ser constantemente experimentado e renovado, nos seus detalhes mínimos, pelos
seus autores e responsáveis e conforme as diversidades de zonas.
A descentralização do serviço de ensino seria realmente o ideal. Mas estamos a ver
que o nosso estado atual de desenvolvimento não o permite.
Dúvida não resta que na Bahia, como no Brasil, há exceções, e seria pouco sábio, por
amor a facilidade de uma generalização, estabelecer a regra inflexível da avocação geral.
Essa avocação devemos considerá-la como imposta pelas necessidades atuais e aceitá-
la na medida estrita dessa imposição.
A avocação na Bahia, inovada pela lei reformadora, se fez dentro do seguinte plano:
1) Todo o serviço de ensino a cargo dos municípios passou a ser dirigido pelo estado.
2) Os municípios, obrigados que eram pela Constituição Estadual a despenderem, no
mínimo, com o serviço de ensino, a sexta parte de sua receita anual, devem recolher a sua
quota ao Tesouro do Estado, sob as penas estabelecidas na Lei Orgânica Municipal para os
intendentes infratores.
3) Essas rendas são escrupulosamente aplicadas. Tendo as administrações municipais
a faculdade de "criar e manter escolas" conferida expressamente naquela Constituição,
poderão dela usar se verificarem que a sexta parte de sua receita anual é maior que a quantia
necessária ao custeio das suas escolas já existentes. Desse modo, são elas os próprios fiscais
da aplicação de suas rendas.
4) Nos municípios em que decrescer a renda, ou em que motivos superiores (obras
públicas de caráter relevante, como estradas de rodagem, construções de edifícios públicos,
etc.) impedirem que seja atribuída ao serviço o total da quantia correspondente a sexta parte
da receita, fica obrigado o estado a manter com suas próprias rendas as escolas criadas pelas
municipalidades, até a normalização da economia municipal. Assim tem acontecido na quase
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
maioria dos casos. Embora fosse preceito constituicional, os municípios não aplicaram, geral-
mente, ao serviço de ensino, toda a sexta parte de sua receita, e grande número comprometeu
parcelas dessa quota.
A reforma baiana quer chamá-los ao cumprimento do dispositivo constitucional, evi-
tando provocar a mais leve crise nas finanças municipais. Daí arcar o estado com parte
avultada das responsabilidades dos municípios.
5) Os intendentes são vice-presidentes natos dos conselhos escolares municipais,
órgãos instituídos para os fins de fiscalização do serviço escolar, difusão do ensino e me-
lhor adaptação deste as condições locais, presididos pelo juizes municipais dos termos e
juízes de direito nos termos sedes de comarca.
fiscalizaçao Escolar
A fiscalização no serviço do ensino não pode ser a mera inspeção, a simples vigilân-ia,
embora severa, mas, além disso, a constante orientação, conselho, sugestão, cooperação
íntima e interessada entre a autoridade fiscalizadora e os regentes.
A assídua visita escolar não pode visar simplesmente a observação de resultados, as
levar ao professor uma colaboração empenhada e eficaz, a fim de interessá-lo diretamente
no plano educacional adotado, fortalecendo o nexo administrativo, intelectual e moral que o
deve prender seguramente aos órgãos supremos do serviço.
Assim considerada, a fiscalização é o nervo do ensino.
A autoridade fiscalizadora — como o helping-teachers americano — deve ser menos
a polícia que o orientador da escola. Verdadeiro auxiliar dos professores, a sua presença é
sempre indispensável ao regente perdido nos sertões longínquos e que necessita de seu
conselho, orientação e disciplina, como forças preservadoras contra a dispersão e o atraso
do meio a que deve servir.
É essa a feição que se vai imprimindo, na Bahia, a fiscalização escolar.
A constante orientação que se deseja integral ao regente de escola oficial procura-se
também dar ao diretor de colégio particular, submetido agora, pela reforma, a um controle
ave cujo f im é animar e auxiliar, no intuito da coordenação disciplinada de forças educadoras.
O Estado da Bahia está dividido agora em 12 circunscriçòes escolares. Em cada uma
assiste um inspetor escolar — médico ou professor.
A Diretoria Geral da Instrução cogita agora subdividir essas circunscriçòes, dadas as
exigências do serviço.
Além do inspetor escolar, exercem a fiscalização, num campo mais restrito, os dele-
gados residentes (por via de regra membros da magistratura e ministério público) e os
conselhos escolares municipais, compostos, além de membros natos, de pais de família. É
este o quadro de fiscalização vigente na Bahia.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ORIENTAÇÃO DA ESCOLA
A orientação da escola primária, na Bahia, está esboçada nos artigos 64 e 65 da lei
reformadora, que fixam o seu programa e lhe delineiam os métodos de ensino.
Diz o artigo 64:
O programa do ensino elementar compreende as seguintes matérias: A
- Nas escolas urbanas:
Língua Vernácula;
Caligrafia;
Aritmética;
Noções de Geometria;
Geografia, principalmente do Brasil e da Bahia;
Noções de História do Brasil e da Bahia;
Instrução Moral e Cívica;
Noções de Ciências Físicas e Naturais;
Desenho;
Trabalhos Manuais e Prendas;
Trabalhos Domésticos;
Exercícios Ginásticos;
Canto. B - Nas
escolas rurais:
Língua Vernácula;
Caligrafia;
Aritmética;
Noções de Geometria;
Noções de Geografia e História, principalmente do Brasil e da Bahia;
Agricultura ou Indústrias Locais;
Desenho;
Trabalhos Domésticos;
Trabalhos Manuais e Prendas;
Exercícios Ginásticos;
Canto.
Diz o artigo 65:
A escola será sobretudo educativa, buscando exercitar nos meninos os hábitos de observação e ra-
ciocínio, despertando-lhes o interesse pelos ideais e conquistas da humanidade, ministrando-lhes
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
noções rudimentares de literatura e história pátria, fazendo-os manejar a língua portuguesa como
instrumento de pensamento e de expressão, guiando-lhes as atividades naturais dos olhos e das
mãos mediante formas adequadas de trabalhos práticos e manuais, cuidando, finalmente, do seu
desenvolvimento físico com exercícios e jogos organizados, conhecimento das regras elementares
de higiene, procurando sempre não esquecer a terra e o meio a que a escola deseja servir, utilizan-
do-se o professor de todos os recursos para adaptar o ensino as particularidades da região e do
ambiente baiano.
Parágrafo único. As escolas rurais, além disto, farão da indústria local a cadeira central do seu
curso, que será dirigido no sentido de aperfeiçoar o gosto e a aptidão dos alunos para a sua futura
profissão.
A lei procurou refletir a moderna evolução do ensino primário, oferecendo uma edu-
cação integral, embora sumária, com um programa em que a antiga escola de ler, escrever e
contar se vê enriquecida com a Geografia, a História, as Ciências e as Artes.
Além desse enriquecimento do programa, a escola baiana está tentando um ensino
pela experiência, em que se conciliem as atuais aptidões e os instintos infantis com a natu-
reza da cultura a lhe ser transmitida.
O caráter verbal e mecânico da velha escola provém da suposição de que se pode
transmitir a infância a experiência do adulto, na forma condenada e abstrata em que ela se
acha no livro.
Desfeito esse equívoco, todo o esforço deve-se encaminhar para a preparação de um
professor que se ache habilitado a manejar os métodos modernos de ensino, de sorte a
permitir que as crianças realizem na escola a reconstrução da experiência dos adultos e
venham participar da cultura e da vida social adulta através de uma escola verdadeiramente
experimental e vital.
Essa escola primária, assim compreendida, apesar dos seus apertados quatro anos de
curso, poderá oferecer uma educação útil a criança por toda a sua vida.
Estão porém os legisladores baianos longe de julgar esse ensino suficiente para a
formação do homem em uma democracia.
A lei baiana, tornando o ensino elementar obrigatório, lançou as bases para a escola
primária superior, com três anos de curso, nos termos do seu artigo 114:
O curso primário superior será de três anos e compreenderá o ensino de Língua Vernácula,
Matemática Elementar, Noções de Geografia e História, especialmente da Bahia, Noções de
Ciências Físicas e Naturais, Higiene, Desenho sobretudo profissional, Trabalhos Manuais e o
ensino técnico e profissional generalizado, este de acordo com as necessidades do trabalho agrí-
cola, industrial e comercial da região onde for instalada a escola.
Elevando, assim, o ensino primário a sete anos, e intensificando o sentido econômico
dessa preparação escolar com um ensino de trabalho, embora limitado somente ao seu
aspecto educativo e geral, a Bahia deu ao ensino primário uma orientação que não está
longe de ser adaptada as suas condições.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A escola primária superior, guardados os limites de todas as comparações, destinar-se-á
em um plano pouco inferior, a mesma finalidade da júnior high school americana. Os três
primeiros anos do primeiro período da escola secundária, nos Estados Unidos, completarão a
cultura demasiado restrita que seis anos de ensino primário fornecem ao cidadão americano.
A nova escola primária superior baiana, com o plano de ensino mais especificado e
com um eficiente programa de ensino de trabalho, completará o pequeno curso primário
obrigatório de três ou quatro anos (escolas rurais ou urbanas), curso que as relativas restri-
ções dos orçamentos baianos não permitem seja alargado.
Da escola primária superior, o aluno que deseje continuar os estudos poderá prosse-
gui-los nas escolas profissionais, nas escolas normais (depois de dois anos de ensino primá-
rio superior) ou nos ginásios, aos quais, com a instalação dos prometidos cursos profissio-
nais, esse ensino complementar melhor se coordenará.
Dado o caráter meramente acadêmico do nosso ensino secundário e a facilidade da
admissão da criança de 11 anos ao ginásio, o ensino secundário — que deveria suceder a um
ensino primário de seis ou sete anos — sucede, via de regra, ao quarto ano primário. Daí, sem
dúvida, a fraqueza dos nossos cursos secundários, o baixo nível intelectual que neles se nota.
A legislação do ensino secundário, porém, está entregue a União, e os estados não
podem sacrificar seus planos de educação aos critérios que até hoje, infelizmente, têm
predominado na organização do ensino ginasial.
Ao desenhar o plano de educação em que hoje se empenham os responsáveis pela
educação na Bahia, o legislador procurou apenas organizar uma escola que, em seus dife-
rentes graus, busca a finalidade de uma escola democrática: preparar os seus membros para
uma eficiência social tão perfeita quanto possível.
Não lhe podia assim acudir a idéia a criação de uma escola popular — e popular deve
ser o ensino desde as primeiras letras da escola elementar até o último do ensino secundário
— em que não existisse, tao forte quanto qualquer outra, a preocupação de educar a criança
para a vida econômica.
Em uma democracia, a educação não pode, sob pretexto de finalidades supostamente
mais altas do que essa, se preocupar com uma preparação exclusivamente acadêmica. Foi
esse critério que criou para o Brasil essa situação única no mundo: ser doutor ou ser
graduado de quatro anos de escola primária. Não há outro passo. Todo o ensino acima do
elementar primário é exclusivamente acadêmico e preparatório para a universidade.
A lei baiana procurou, na medida do possível, sanar esse mal e espera vê-lo comple-
tamente debelado no dia em que for permitida uma mais rica e mais adaptada organização
do ensino secundário.
Nesse dia, o curso secundário tal como é hoje será uma simples seção dos cursos
ginasiais e — esperemos em Deus — com um reduzido grupo de alunos verdadeiramente em
condições de prosseguir a sua educação pelos campos especializados da universidade.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Da família nacional — no depoimento de Afrânio Peixoto —, a Bahia representí atualmente
o maior esforço no desenvolvimento da educação. Não mede esse esforço, que de fazer sem
grandes sacrifícios. Ela comparece a I Conferência Nacional de Educação com a consciência
de que cumpre serenamente o seu dever. Compreende o esrito nacional que preside este
tentame — a alta significação do movi-mento nacionalizador de nossa educação — e julga que
ele será vitorioso se se interessarem na sua totalidade todas as classes cultas. Os governos
federal e estadual se empenham, é certo, e com vivo interesse, para a solução atual do
problema educacional brasileiro, mas, ao lado da patrtica iniciativa oficial, fortalecendo-a,
propagando-a, deve agir a iniciativa particular. Faltaria o órgão central, diretor e
representativo desse movimento seja não existisse prestigiosa Associação Brasileira de
Educação, que, em hora feliz, promove a I Confe-rencia Nacional de Educação. A ela
devemos reservar um grande papel. Ela pode ser o órgão central e representati-, Para tanto,
bastará que desenvolva e irradie a sua ação pelos estados, onde podem ser taladas
associações estaduais filiadas, sob o paraninfado dos governos, com uma organiza-)
adequada e eficiente. Não é preciso demonstrar como são legítimas as esperanças nos
resultados dessas organizações. Nos Estados Unidos, a Associação Nacional de Educação é
o órgão representativo movimento de educação na América. Encerremos este trabalho com a
sua plataforma, que parece dirigida ao Brasil: 1) Um competente e experimentado professor,
em acordo afetuoso com os ideais americanos, em cada escola pública dos Estados Unidos.
2) Facilidade sempre crescente para o preparo de professores e tal propaganda da profissão
de mestre, que homens e mulheres do mais alto caráter e capacidade sejam atrais a esse
importante campo de serviço público. 3) Um tal despertar do povo para as importantes
realizações da educação que eleve a profissão do mestre a um alto plano na estima pública e
estabeleça para ele uma justa compensaçao e reconhecimento social como condições para a
sua permanente fidelidade as bases eficientes do serviço. 4) Continuada investigação dos
problemas educacionais como a base para a revisão destandards e métodos educacionais, a
fim de que as escolas possam atingir o maior grau de eficiência e fazer a maior possível sua
contribuição para o bem-estar público.
5) A criação de um departamento de educação, com um secretário no gabinete do
Presidente da República, e auxílio federal para encorajar os estados e assisti-los no desenvol-
vimento da educação, com a condição expressa de que a direção das escolas públicas perma-
necerá exclusivamente sob o controle dos estados.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
6) A unificação e a federação das forças educacionais do País em uma grande orga-
nização devotada ao progresso da profissão de mestre e, através da educação, a promoção
do mais alto bem-estar da Nação. Para alcançar esse desideratum, cada mestre deve ser
membro de uma associação local de mestres, de uma associação estadual e da Associação
Nacional de Educação.
7) Assistência solícita as associações estaduais e locais por uma legislação adequada
tendo-se em vista a satisfação dos interesses de cada associação e o bem-estar de seus
membros, de acordo com os estatutos e regimentos desta associação.
8) Estabelecer igual salário por igual trabalho a todos os professores de equivalente
preparo, experiência e bons serviços, bem como promover a cooperação simpática de pro-
fessores e diretores do serviço para que, sob a autoridade e direção responsáveis dos últi-
mos, sejam utilizados todas as sugestões e conselhos baseados nas experiências escolares.
9) Cooperação com outras organizações e com homens e mulheres de inteligência e
visão, convencidos que somente pela educação podem achar solução para muitos dos séri-
os problemas que confrontam nossa Nação.
10) A Associação Nacional de Educação se propõe um programa de serviço:
serviço aos mestres, serviço a profissão, serviço a Nação. Seu supremo fim é o bem-estar
da criança na América.
TESE N
2
42
A UNIFORMIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
M. Bergstrõm Lourenço Filho
Escola Normal de Sao Paulo
ão se discute, em tese, a necessidade da uniformização do ensino primário no País; é
medida que se impõe como condição de boa política nacional em matéria de educa-
ção. Todavia, o problema não é simples. Denuncia-o a própria cautelosa redação da tese
oficial, que propõe seja o assunto estudado nas suas "idéias capitais", sem um esquema
rígido em que não se enquadrariam todos os aspectos do problema educativo brasileiro.
Faz-se mister verificar, pois, que idéias devem ser tomadas como capitais.
IDÉIAS CAPITAIS
Os Fins do Ensino Primário
Havemos de convir, primeiro, que as idéias capitais de uma obra qualquer de educação são
as de sua finalidade, as de seu objetivo próprio e característico. Tudo o mais lhe é conseqüência ou
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
acessório. Quanto mais clara e definida a meta a alcançar-se, tanto mais nítidos e precisos os
meios com que havemos de buscá-la. Instituições que a realizem, escolas que a estendam,
variações do curso que a alonguem ou deprimam, tudo serão efeitos dessas idéias essenciais de
fim.
Mas os problemas de finalidade do ensino admitem dois pontos de vista em seu estudo:
um abstrato ou teórico, aplicável a um povo qualquer, em qualquer época; outro empírico ou
prático, aplicável no caso particular estudado. Por outras palavras, o ponto de vista idealista e
o ponto de vista pragmático. Um, o da doutrina, mesclado sempre de idéias filosóficas e de
reforma humana em demanda do ideal. Outro, o da ação político-administrativa, calcado no
estudo cuidadoso das possibilidades em mão, dos recursos ou elementos disponíveis, visando
a uma realidade próxima, embora provisória, como elemento ainda de renovação.
Parece-nos que o ponto de vista de simples doutrina é o que menos cabe nesta con-
ferência. Ele há de estar presente no espírito de todos, é obvio, como guia e estímulo, seja
no sincretismo dos que inicialmente conceberam o problema, seja nos termos claros com
que a Sociologia propõe hoje. Aqui, nao viemos discutir esse ideal que se pressupõe. Vie-
mos colher, do confronto do estudo meditado sobre esse ideal e do conhecimento vário das
nossas coisas, um plano possível para sua mais rápida e proveitosa realização.
Contudo, nesse ideal que pressupomos de melhoria e aperfeiçoamento constante do
homem, nem sempre se dá o relevo indispensável a certas condições do fato educativo, em
que não será demais insistir. A pedagogia corrente, imbuida ainda de um individualismo à
Rousseau, prega o ideal, em matéria de educação, como um desenvolvimento gradual e
harmônico dos podêres de cada criança, tomada como indivíduo, em abstrato. E essa con-
cepção poderia levar-nos a um plano desastroso de uniformização do ensino primário no
Brasil, onde não há um meio social homogêneo, mas sociedades múltiplas, de variada orga-
nização e desenvolvimento, com exigências e possibilidades que lhes são peculiares. Pare-
ce-nos que este aspecto de diferenciação social não pode ser esquecido.
Claro está que a simples condição de união política nos fará assentar a necessidade de
inculcar em todas as crianças brasileiras, onde quer que habitem e tenham de viver, certas
idéias e sentimentos necessários à própria existência da nacionalidade e à integração de
cada novo indivíduo a um estado médio de civilização, com a sua língua, o seu governo, a
sua arte e as suas crenças. Nem por outro motivo se faz da educação primária uma
necessidade política nas modernas democracias. Mas o que a boa escola deve realizar não é
apenas o homem em abstrato, mas o homem de seu tempo e de seu meio, o homem de que a
sociedade tem necessidade no momento. Ora, o estado social de hoje exige, a esse propó-
sito, nos grandes meios urbanos em especial, hábitos de trabalho em cooperação, de disci-
plina e solidariedade, de que nem sempre se tem lembrado a escola tradicional, montada
noutros tempos, no influxo de outras idéias de compreensão humana e social. A fixação
deste aspecto parece-nos necessária para que a desejada unidade de ensino venha atender
não só ao ideal do indivíduo para o indivíduo, mas ao do indivíduo para a sociedade.
Assim compreendida, a finalidade ideal encerra dois problemas circunscritos: a) o da
adaptação a uma sociedade nacional, o que nos forçará a dar ao indivíduo, que para ela se
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
forma, um preparo também nacional; b) o da adaptação a um meio regional, segundo as
suas possibilidades e necessidades. Esta dupla adaptação subentende necessariamente ne
exercícios suficientes e necessários para garantir o desenvolvimento normal e metódico Ha
criança como uma entidade biopsíquica. Por outras palavras: sobre o plano de desenvolvi-
mento em abstrato da criança, como animal, uma adaptação social necessária ao indivíduo
de seu tempo e de seu lugar, tornado um homem nacional e capaz de maior produtividade
em seu meio próprio. Idealmente, a educação primária, imposta a todos como dever
necessidade do Estado, cabe a homogeneização necessária dos indivíduos como membros
de uma comunhão nacional, mas incumbe-lhe, por outro lado, a diferenciação necessária
aos indivíduos, preparando-os nos diversos meios naturais, segundo as suas aptidões, a mais
rápida e eficiente capacidade de produção. Tal é o espírito da moderna concepção do ensino
primário: formar o homem, formar o cidadão, encaminhar a formação do braço produtor.
Procuremos, pois, adaptar essa finalidade as nossas escolas, fixando assim o objetivo
prático que buscamos.
Analisadas as condições da vida nacional brasileira — condições econômicas, sejam
as de produção, sejam as de organização do trabalho; condições étnicas de formação do
povo e de distribuição pelo vasto território; condições de vida político-administrativa —, a
realidade se nos antolha desconcertante. Não há no Brasil um só meio social nem um só
sistema de meio, mas sociedades paralelas (e algumas até em oposição) nos mais diversos
estádios de desenvolvimento e, até certo ponto, em luta aberta, dada a fatalidade de fatores
geográficos, étnicos e políticos. Um exame perfunetório dos quadros que anexamos, em que
se compendiam os últimos dados estatísticos referentes aos diversos estados, comprova-o
infelizmente de um modo inequívoco.
Consideremos, porém, que por certo aspecto o trabalho educativo deve procurar exa-
tamente disfarçar e amenizar pela cultura cívica, tanto quanto possível, esses choques de
interesses restritos, fazendo compreender e amar os da comunhão nacional. Não padece
dúvida que o problema educativo brasileiro, encarado em toda a sua extensão e profundida-
de, é assaz complexo, não comportando um padrão rígido e único. Será sempre possível,
contudo — e mais, é de urgente necessidade —, que uma campanha de coordenação de
cultura se faça de qualquer modo. Ela terá de apegar-se as expressões naturais do espírito de
comunidade, expresso pelo uso de uma língua comum, no amor a certas crenças e tradições,
no folclore, nos costumes e no conhecimento do País. E se possível não nos parece um
padrão único de ensino primário, em todo o caso haverá possibilidade de se fixar um sistema
de padrões suficientemente amoldáveis as necessidades locais, em função de um plano naci-
onal de cultura definido e estável.
Não cabe aqui, nem sabemos se seria possível fazê-lo hoje, um estudo completo dessa
variabilidade social do Brasil. Todavia, é tao sensível a diversidade do litoral e dos sertões,
do meio urbano e do meio rural em qualquer estado, do meio rural do sul e do norte, que
basta anunciá-la para que se apanhem, de pronto, os dados de complicação do problema. Do
ponto de vista de uma técnica segura, a cada um desses meios corresponderia
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
.finalidade específica, que se não deve iludir, mas, estabelecida que fosse essa diferenciação
e proposto um sistema múltiplo de tendências educativas, teríamos feito obra platônica "tão-
somente. As dificuldades de aplicação, por visível carência de recursos pessoais e manais,
forçar-nos-iam a uma contramarcha. Paradoxalmente, é a própria exigüidade de ursos que nos
vem qui simplificar o problema do ponto de vista prático, impondo-nos ma solução
transitória. Em grande número de estados, muito se fará se atender aos reclamos de uma
opinião — que é muito de discutir-se, mas já empolgou grande número de entendidos — que
pede uma alfabetização extensa das crianças em idade escolar, sem outra finalidade senão a
do aprendizado mecânico da leitura e da escrita.
É evidente que, em várias circunscriçòes da República, muito mais e melhor se poderá
fazer. Nos estados do Sul, a contar do Rio de Janeiro, em Minas, em Pernambuco e mais um
ou dois estados, será sempre possível aproximar-nos do ideal do ensino primário na sua
justa concepção moderna. Nesses estados, ainda assim, dois tipos de escola e de ensino são
necessários: o do meio urbano, nas cidades e vilas; e o do meio rural, nas fazendas, povo-
ações e arraiais. É a prática regulamentar geralmente seguida, sem grande diferenciação de
ensino, porém. A escola da roça, regra geral, é a mesma escola verbalista da cidade, com as
mesmas tendências literárias e urbanistas, que falha, assim, por inteiro, a missão que deverá
cumprir. Qualquer trabalho de unificação deve tender a fixar os pontos característicos desses
dois órgãos, essenciais na reorganização do ensino primário e diferenciados segundo o seu
objetivo próprio de adaptação as necessidades de cada zona de produção. Tudo expresso
consoante um mínimo de realização compatível com os recursos dos estados menos
prósperos. Em resumo: a finalidade perfeita do ensino primário, irrealizável ainda em gran-
de extensão do País, deve ceder o passo a uma finalidade transitória e incompleta. Norteada,
porém, por um espírito de construção nacional, esta finalidade transitória pode ser melho-
rada com o ensino pré-vocacional e com o estabelecimento de instituições pós-escolares,
cuja importância e necessidade não carece de grande demonstração.
Dos Meios de Ensino Primário
O estudo da finalidade prática leva-nos, em conseqüência, ao dos meios, pois é pelos
meios possíveis que ela se define e ajusta. Não será preciso lembrar que o meio natural do
ensino primário é a escola pública, gratuita e obrigatória, mantida como instituição de
caráter eminentemente nacional. Em um país novo, onde tudo está por fazer na organização
da cultura, o papel da escola pública é de importância capital.
Seria de grande utilidade e proveito, no entanto, que se animasse a tendência do
ensino subvencionado, a exemplo de outros países e em franco desenvolvimento em alguns
de nossos estados. Ainda agora, por um projeto de lei em última discussão, São Paulo adota
o ensino subvencionado como um meio de grande alcance para maior extensão do ensino. O
ensino subvencionado sistemático, com o controle do Estado, animará de modo contínuo o
desenvolvimento do ensino privado, aumentada a eficiência das dotações orçamentárias e
tendendo também a maior unificação desse ensino.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
247
Qualquer que seja a categoria das escolas, segundo os seus recursos de vida pública,
privada ou subvencionada —, elas não poderão fugir aos tipos já referidos de escolas
urbanas e escolas rurais, para os quais urge uma propaganda de maior diferenciação
segundo o meio em que estiverem. Nos meios urbanos, onde se torna possivel mais extenso
currículo escolar, deve-se tender a um tipo de escola pré-vocacional encaminhando-se os
alunos para as profissões normais, artes e ofícios, combatendo-se destarte o ensino
verbalista e com tendência literária, quase exclusiva. A escola primária deve encaminhar,
por maior extensão do "manualismo", as escolas profissionais, onde as houver, e as fábricas
e ateliers . Não se diga que tal ensino, assim orientado, viria prejudicar a formação dos
espíritos de inteligência de tipo simbólico ou abstrato, que irão procurar, mais tarde,
impelidos pela força natural que encerram, a carreira das profissões liberais. Mesmo a esses,
o ensino assim orientado nenhum mal causaria, mas antes, como a pedagogia moderna nos
demonstra, daria recursos para desenvolvimento mais seguro e harmônico.
Nos meios rurais, a escola deve tender — onde for possível torná-la mais do que um
órgão de alfabetização — a um aprendizado agrícola, quando mais não seja para aguçar a
curiosidade dos meninos da roça para a técnica agrícola racional. Nas escolas femininas do
mesmo meio, ampliar, tanto quanto possível, o ensino vocacional doméstico, instituindo-se
o aprendizado prático da higiene e puericultura.
Esboçado assim o plano dos meios, uma indagação surge, que é a da extensão do
currículo primário. E ainda aqui, mais do que em teoria, devemos procurar indagar, dentro
de nossas possibilidades, o que de melhor pudermos fazer, fixando-se — se se quiser fixar
alguma coisa — um currículo mínimo de três anos para as escolas rurais e de quatro para as
escolas urbanas. Deve-se, no entanto, fazer a propaganda de um maior curso primário, ao
menos nas capitais e grandes cidades. A fixação do estágio escolar leva-nos a indagação da
idade ótima de matrícula para o curso primário. Ainda aqui, como em tudo o mais, qualquer
fixação seria de todo empírica (desprovidos como ainda estamos de testes mentais), não
convindo aconselhar outra idade senão a tradicional do curso primário em todo o país, que é
a dos sete anos.
E, em complemento, animar por intensa propaganda as obras de educação pós-esco-
lar, que, infelizmente, nos falecem quase por completo. Dada a exigüidade do curso primá-
rio que a maioria dos nossos estados podem fornecer, ao menos por ora, a propaganda pelas
bibliotecas de empréstimo, pelos aprendizados noturnos e pelas associações recreativas de
cultura seria muito de desejar-se. Elas completariam, para muitos espíritos, o ciclo
necessário da reflexão de certas idéias na idade apropriada; despertariam a curiosidade pelas
modernas técnicas do trabalho; dariam o hábito da boa leitura, melhorando e unificando o
trato da língua nacional; evitariam o desperdício de tempo, fazendo por muitos pontos a
profilaxia da vadiagem e do delito. Repetindo um conceito de Dewey, lembraria que, se o
Estado ou as condições de vida dos próprios pais não permitem a freqüência da criança na
escola por um curso primário completo, a escola poderia ir a casa do aluno pelo livro das
bibliotecas de empréstimo, cooperando enormemente na cultura nacional.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Quais os aprendizados fundamentais do curso primário a serem indicados num plano
de uniformização? Este será o ponto mais tangível ao público e mesmo a maioria dos profes-
sores. Depois do aprendizado da leitura, da escrita e do cálculo rudimentar, é patente que a
Geografia e as noções mais comezinhas de História nacional se impõe de um lado, como, de
outro, as noções de ciências físico-naturais, sem as quais está hoje o homem desadaptado ao
seu tempo; os hábitos de higiene e de civilidade, inculcados por todos os meios ao alcance do
professor; os exercícios de desenho educativo e o máximo de manualismo possível, obede-
cendo a tendência pré-vocacional já referida. A língua nacional, a Geografia e a História
devem tender ao culto nacional. O Cálculo, as noções de Ciências Naturais e os exercícios
manuais, Desenho inclusive, a formação humana, como a orientação do trabalho natural da
região por formas menos empíricas. Acrescente-se a tudo isto a iniciação a cultura física e o
gosto pelos desportos. Mesmo os menos preparados dos mestres podem ser arvorados em
chefes de jogos educativos, como futebol ou bola-ao-cesto e outros exercícios.
São estas sugestões a de um mínimo de curso primário a ser propagado. Os que mal
conhecem o Brasil acha-las-ão medíocres ou modestas demais. Mas provera aos fados que
elas se pudessem corporificar nessa mesma mediocridade ou singeleza por todos os sertões
e praias do Brasil, onde milhares e milhares de crianças esperam a redenção da escola.
CONCLUSÕES
1) A uniformização do ensino primário, medida que se impõe como condição de boa
política nacional em matéria de educação, é problema assaz complexo, consideradas as
finalidades sociais da escola popular.
2) Essa uniformização, de caráter menos didático que sociológico, importará princi-
palmente na fixação de uma clara finalidade do ensino, ao mesmo tempo nacional, como
problema político, e regional, como problema econômico.
3) Dadas as condições atuais da maioria dos estados brasileiros, não será possível
imaginar para já uma escola pública primária com essa perfeita finalidade social, diferenciada
para cada meio particular; contudo, urge a diferenciação da escola urbana e da escola rural,
reconhecida implícita ou explicitamente em todas as organizações escolares dos estados.
4) Na escola urbana, haveria a maior conveniência em orientar-se todo o ensino no
sentido vocacional, de acordo com as necessidades e possibilidades econômicas do meio
próprio da região em que estiver a escola, de modo especial para o sexo masculino; para o
sexo feminino, a escola vocacional doméstica.
5) Não importa, para a unificação do ensino primário em suas idéias capitais, a uni-
formização do estágio escolar, tipos de escola quanto a sua organização interna ou admi-
nistrativa, horários e programas.
6) Convém propagar por todos os meios a necessidade das instituições pós-escolares,
como medida de aperfeiçoamento dos fins do ensino primário em sua finalidade social.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
a
43
SOBRE A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA
LITERÁRIA, PELA CULTURA CÍVICA E PELA CULTURA
MORAL
Fernando Luis Osório
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
onte da unidade nacional, da suprema unidade que é o gênio da Pátria, a união brasileira,
para quem desprevenidamente vê o encadeamento dos fatos sociais e a sua coordenação
lógica desprezando os acidentes secundários, essa união de um gigante que tem a décima
quinta parte das terras do mundo, como ser ao mesmo tempo uma exigência primordial da
unidade na variedade da natureza, é o próprio tema, é a própria dádiva da história, da
política e da boa fortuna do Brasil, através de três regimes institucionais desde que se afir-
mou pela fé a Pátria persistente há quatro porfiados séculos de sacrifício e de coragem.
E o pensamento útil contido na presente tese, pensamento que pulsa entre os dois
pólos de uma compreensão filosófica — o condicionalismo da força conservadora e o
determinismo do progresso —, redunda numa questão de vida e de morte da nacionalidade
ou de sua forma de equilíbrio político e social. Porque envolve a chave de tudo para o Brasil,
a elavação da sua mentalidade, simultânea e harmônica, a multiplicação do valor de seus
filhos, principalmente o valor moral, garantida e fortalecida a unidade da Pátria pela mais
poderosa das máquinas de trabalho, pela maior das dívidas de justiça para com o poder de
inteligência e a vibratibilidade da alma do povo brasileiro — a educação, que é a mais bela
das causas nacionais.
Disse, há dias, um velho diário brasileiro da capital da República, falando, em edito-
rial, do patrimônio da Nação, que as nossas responsabilidades e os nossos deveres dele
decorrentes obrigam-nos "a uma atitude que muitos já recomendam, mas que ainda não foi
devidamente definida".
Que devemos entender pela termo cultura e como desempenharmos a tarefa comum
de pesar as forças ativas da Nação e orientá-las e estimulá-las para a realização de um plano
ainda mal desenhado em seus detalhes e, mais ainda, nas suas linhas fundamentais?
Estas grandes linhas irão nos preocupar na prensente tese, pois que, na ordem material
como na ordem moral, "só o espírito regenera, só o espírito cria, só o espírito organiza".
Cogitaremos do sistema sistematizante que terá o Brasil para fortalecer a sua unidade
moral, a sua consciência de constituir um todo sociológico, porque se o Brasil não tivesse
fundamentos morais em que se devem basear as melhores aspirações nacionais, bem se
compreende que não poderia realizar a suamissão cultural, a missão que constitui o seu
natural destino no concerto humano.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
F
E quais os fins culturais do Brasil? Do que resultará, pela cultura, a unidade naci-
onal? São pontos de um programa, diretivas que vamos mover no presente trabalho, que-
rendo marchar com segurança, guiados por indicativos e imperativos sociológicos do teorema
nacional, e sugerindo as soluções, os meios a pôr em ação, que se nos afiguram eficientes e
úteis e não meramente aparatosos, para que, neste momento do Brasil, seja respeitado e seja
fortalecido o segredo do nosso ideal distinto de Pátria.
ONDE OS MEIOS? O QUE DEVEMOS FAZER, FORTALECENDO O QUADRO DA NAÇÀO, PELA ELEVAÇÃO DA
MENTALIDADE BRASILEIRA?
Peças de armadura disciplinar interna, como um sistema cultural "sistematizante" con-
tra o "perigo brasileiro", escudando o Brasil social, a unidade da Pátria, a República baseada
na difusão das luzes e da moral, de males que seus filhos possam provir: míngua de instrução,
depauperamento do caráter, definhamento do patriotismo consciente, organização das elites,
classes dirigentes dos chefes, das populações, das forças ativas da Nação, em preconceitos
centralizadores, em bairrismos vesgos, em federalismo desarticulado, em acúmulo dos erros
das más administrações, em indiferença triste em que vegetasse a maior parte dos nossos
patrícios, em uma palavra, afastando-se os aspectos anti-sociais e anti-humanos da sensibili-
dade dos indivíduos e das multidões.
PLANO SINÉRGICO DE AÇÀO NACIONALISTA
Sem desperdício de palavras, condensaremos em claras proposições esses indicativos
e imperativos do teorema nacional, para o sentido social melhor, com os órgãos que, em
intenção pragmática, passamos a endereçar a todos os ânimos bem intencionados, a todos os
homens cultos e ricos de coração, como emanações da Pátria, instrumentos da sua alma,
palavras e ações do seu pensamento e apenas raios conjugados e inseparáveis da grande luz,
se a não interceptarem, que esclarece o futuro do Brasil. Na afinidade desses órgãos se nos
afigura consistir a unidade com que atingiremos a harmonia funcional da inteligência
criadora e da cultura educadora no Brasil, dentro do regime que é o da máxima
descentralização com a mais forte unidade política; concorrendo e marchando paralela-
mente, como na América do Norte, a cooperação pública e particular, a combinada ação que
devemos apressar dos indivíduos e da sociedade.
I
9
ÓRGÀO
O Conselho Consultivo de Defesa Nacional Interna, informando a atitude, devidamente
definida, do brasileirismo-orgânico, do verdadeiro idealismo cultural do Brasil dentro do patriotis-
mo-humano, escudada a Nação de males que da sua indisciplina social interna possam provir;
conselho de altas capacidades e autoridades morais do País, como, por investidura automáti-ca do
cargo, o presidente e os ministros da República, entre homens de notório saber e notória virtude,
curando das soluções positivas adequadas a elevação mental do escola, que sai do povo, desenvol-
vida a instrução, garantida a saúde, a justiça, a administração, a segurança dos brasileiros.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
2
a
ÓRGÀO
O Ministério da Educação Nacional, em seus adequados departamentos relacionados
com as secretarias estaduais de instrução, realizando o mais eminente dever do Estado __ o
de sistematizar o ensino, republicanizá-lo, nacionalizá-lo, colhidas as informações —, sob a
chefia de um ministro sociólogo ou, ao menos, sociologista, que coordene, no seu comando
o estudo e a aplicação social melhor dos processos biológicos e sociais de adaptação e eleva-
ção da mentalidade nacional, libertada do regime retórico e destruidor, a começar do preparo
do professor brasileiro em escolas normais no País e, desde já, valorizando, estimulando o
atual professor, instituindo e mantendo a higiene escolar, a pediatria nacional (estudo da
criança brasileira), a sociologia da infância (estudo do meio, natural e social, em que se desen-
volve o futuro cidadão), a assistência especial que o Estado deve a infância pobre (patronatos,
maternidades, escoteirismo, etc), influindo junto as fábricas para que tenham, anexos a col-
meia de seu operariado, institutos educadores, tudo isso para a conformação dos costumes
com as idéias cultivadas.
Custeado o ministério tirando-se do vício um bem, isto é, pelos impostos de consu-
mo do álcool, do luxo, das diversões, como o cinema estrangeiro que desbria desnaciona-
lizando os seus freqüentadores, tal uniformização do ensino será feita nos seus pontos
capitais, mantida a liberdade de programas. Outros departamentos afins, desse ministério
nacional, cogitarão de influir, por sua vez, na organização dos quadros nacionais, isto é, na
educação das elites, que estão a precisar, como mostraremos, do aperfeiçoamento literário,
científico, artístico, técnico, profissional, dentro de um idealismo orgânico nacional. As-
sim, além das seções que atendam ao progresso individual nas suas três fases sucessivas —
a estética, a científica, a filosófica — a obedecer numa educação integral, oportuna, ade-
quada, haverá os departamentos que estimulem, que fomentem (é o termo usado na Argen-
tina) a inteligência criadora e a cultura educadora neste País, onde se devia pagar a quem
estuda e não encarecer, dificultar o ensino, amparando os devotamentos das conspirações
do silêncio, da sanha demolidora da literatice jactanciosa, das simulações do talento e das
ciladas dos grupos e corrilhos contra a eclosão da arte, do saber, do patriotismo, da virtude
que é ensinável, na frase de Sócrates, confirmada pela moderna Pedagogia Social. E o
departamento da vida cívica, a apreciar os fenômenos jurídicos e os da política-científica,
conciliadora da liberdade com a autoridade, coordenará o trabalho "comum" dos outros
departamentos, auxiliará a defesa do idioma nacional, adotando medidas para o máximo de
resultados no sentido de manterem os brasileiros o cunho histórico da nacionalidade, fa-
zendo que o assimilem os filhos dos imigrantes colaboradores do nosso progresso, conse-
qüente da ordem, mas assimilando, por sua vez, etnograficamente, além dos diversos ele-
mentos da formação brasileira, afetiva, especulativa e prática, os contingentes das raças
fortes que dispõem da espinha dorsal do caráter que é a vontade, isto é, na re-educação
total do País, sem perder de vista o exemplo japonês de assimilação dos melhores progres-
sos nas ciências e nas artes, transformadores, em meio século, da velha nação asiática para
a impressionante vitória nas indústrias e a glória dessa potência.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ÓRGAO
A Federação do Magistério Nacional, tendo por objeto formar o credo do professor
brasileiro, ressaído da essência da sabedoria brasileira, teórica e prática, diretamente, e
correspondência com as Associações Brasileiras de Educação, para o estudo supradito da
diatria e sociologia infantil, isto é, a que identificará o verdadeiro professor nacionalista
com o meio natural e social em que evolui a criança dentro das realidades que nos cercam.
É a espécie de sociologia da qual nos fala o professor Blaha, da Universidade da Tcheco-
Eslováquia, no último número de agosto da Revista Internacional de Sociologia, de Paris,
como devendo ser a análise técnico-higiênica e também econômico-social e psicossocial do
ambiente em que a criança vive. Não basta esperar pela formação do professor nas escolas
normais a espalhar no País; cumpre religar, num mesmo credo sensato, os grupos de estre-
las atuais, que das escolas difundem as luzes e a moral, numa federação que aproxime o
magistério nacional, metodizando a cultura com a preponderância do coração.
4
g
ÓRGAO
A Federação das Letras, Ciências e Artes Nacionais, congregando as forças dispersas
da intelectualidade brasileira, fazendo que, sem tolas vaidades, elas "se toquem e se reconhe-
çam, na mesma aspiração pelo bem do Brasil"; isto é, trabalhando pela persistência do senti-
mento de Pátria, porque é esta persistência que dá a unidade e justifica a autonomia da nossa
literatura, desde que a podemos definir como sendo a melhor expressão de nós mesmos,
como sendo a literatura a própria consciência nacional, visto que os bons artistas, bons edu-
cadores nada podem valer sem o valor da sua terra, dada a função social e humana da arte e
dado o nacionalismo-idealista ao qual corresponde, na observação das realidades do Brasil
social e na antevisão da realidade ideal-futura, o verdadeiro sentimento do patriotismo-huma-
no brasileiro. Tratará essa federação de afastar os males que nos produzem as literaturas
condenadas no livro de Pompeyo Gener, "as literaturas malsãs" que estreitam o espírito,
secam o coração e degradam o caráter, nada vendo alem do estilo, da gramática, do verbalismo.
quando não da pornografia acadêmica. E, desmoronando as igrejas de elogio mútuo, dois
fins imediatos deverá essa grande união dos homens e mulheres de letras, ciências e arte
nacionais alcançar neste momento do Brasil: a orientação da corrente modernista, que deve
ser o acompanhamento das correntes de progresso social, de progresso da arte brasileira, sem
quebra da nossa tradição cívica, num equilíbrio, por assim dizer, instável, progressivo, equi-
líbrio do gênio sociológico que alie as imagens históricas ao quadro nacional do ambiente
físico e da visão do porvir; o outro objetivo, acima da monstruosidade da arte pela arte, será
alcançado pelos bons artistas, bons educadores, pela eclosão de um livro que seja, no país, o
Diurnal do Brasileiro, a cartilha dos nossos sentimentos identificados com o meio e a gente,
primeiro dever do nacionalista, que nacionalize as idéias ensinando o Brasil e ensinando o
patriotismo, livro feito de luz e de raciocínio para a educação nos lares, nos clubes, nas
escolas, no escola e no povo, como uma espécie de hino nacional ampliado, livro que justifique
com a história e perante a razão o nobre orgulho de ser brasileiro, de sentir o Brasil, de
apreciar a sua contribuição moral para a obra da civilização, exprimindo-se a nossa individu-
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
alidade nacional nas designações de "povo laborioso e manso", "terra generosa e farta", "pais
libertador de povos", brotadas dos lábios de Rio Branco e de Bartholomeu Mitre. Esse livro
de cabeceira, essa síntese "como não há" de que falamos nas páginas do Espírito das Armas
Brasileiras, explicará o chamado "milagre" da unidade nacional, a dádiva primordial do solo-a
variedade sem ser incompatível com a unidade do corpo do Brasil, continuada pela história
pela política e pela nossa boa estrela. Nessa cartilha da brasilidade, o historiador, artista e
filósofo, como se nos afigura e qual sonhou um dia o brasileirismo de emérito crítico, deverá
condensar o assunto, deverá verbalizá-lo como naturalista, etnologista, economista, filósofo
pedagogista republicano, erudito e poeta, respectivamente, para: descrever com exatidão a
terra nacional, determinar-lhe os modos diversos, zonas, climas, aspectos pelos quais os mei-
os colaboram com os homens; compreender e amar as diversas raças que levantaram no País
as suas tendas e agitaram a luz do sol brasileiro seus músculos de combatentes pela luta da
vida e da civilização, para entendê-las em seus cantos, em suas aspirações; rir e chorar com o
povo, segui-lo na sua formação e progresso, acompanhá-lo na vida municipal, nos anelos de
liberdade e segurança; surpreendê-lo no seu trabalho, tomando na mão os fios determinados
da riqueza pública e particular; ter uma idéia nítida da cultura e dos destinos humanos, com-
preender o advento das pátrias, herdeiras de antigas glórias e antigos ideais prestes a transfor-
mar-se, urgidas por necessidades novas; conhecer a fundo todos os fatos, todas as peripécias
do passado nacional; e, finalmente, construir de tudo isto uma obra artística, palpitante de
seiva e de entusiasmo. Era von Martius, era o sábio naturalista, nosso hóspede por muito
tempo, o primeiro a recomendar que tratássemos a história do Brasil como um épos, em
estilo popular, posto que nobre, com zelo patriótico, fogo poético e amor, na missão de
despertar todas as virtudes cívicas.
E, na federação proposta, os bons artistas reunirão e criarão elementos para que, no
fastígio nacional, surja a articulação de um Poema, continuando e rematando, no sentir de
Bilac, o poema de Camões, o da alma coletiva daquela Renascença, a qual nos prende o
ímpeto artístico do cantor lusitano que sublimemente prenunciou a fase industrial moderna
deixando-nos o traço luminoso do espírito latino.
Espírito que forma o gênio da nossa raça, no slancio, na arrancada que deu ao mundo a
arte grega, raça mãe da escultura, o império romano, a moral cristã, essa Renascença, as cruza-
das, a cavalaria do mar desvendando o Brasil. Artisticamente, foi o ímpeto camoneano o legado
da vibração e do sonho a humanidade, ao animar os sentimentos e ideais do cavalheirismo
heróico, do sentido legendário, do respeito poético da mulher. O Brasil nasceu e se criou na
cultura latina; e, sendo latinos, queiramos em nossa descendência as virtudes máximas transmi-
tidas com a essência do helenismo pelos romanos e caídas nas mãos dos celtas que a mesma
essência legaram a povos continuadores de sua missão. Sinônimo de beleza — simbólica no
Oriente, clássica segundo o molde helênico, ou romântica a partir do século XIX —, eis o que
artisticamente é o ideal, cuja expressão tangível, a arte, como ensinou Hegel, define-se no ideal
visado na forma, unidade da forma e da idéia. Eis a realidade no mundo: o domínio da poesia ou
da arte que a idealiza; da filosofia ou ciência que a explica; e da política ou indústria que a
aperfeiçoa. E como é preciso conhecer de antemão para idealizar, espiritualizar a realidade e
aperfeiçoá-la, segue-se que a filosofia ou ciência é a base teórica da poesia ou arte e da política
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
indústria. As vãs puerilidades literárias estorvam a educação brasileira, que reclama o esteio
das aquisições, regras e conselhos da ciência e da sabedoria. Nas ciências, o Brasil procurará
sempre colaborar, honestamente e com acentuado fervor, para o alargamento do saber desinte-
ressado. O pensamento atual, sem abandonar a realidade, agita a alma das coisas "num consór-
cio de que nasce a definição da arte" como emoção social e humana, e não como passatempo de
desocupados, invenção pessoal, egoísta e má. Ibsen mostrou a bancarrota moral do que só foi
artista nos dias da sua paixão pelo modelo.
Para ser feliz, ensinava Goethe, o indivíduo deve ter a coragem de viver no conjunto.
Nada monta arcar contra o destino, ponderava Dante, destino que, para nós, consta de resig-
nação diante das leis naturais, da ordem no mundo, na sociedade e no homem, e de ação
quanto a modificabilidade secundária dessas leis, inalteráveis no seu arranjo e modificáveis na
sua intensidade: quando elas nos são desconhecidas, o destino chama-se acaso. Tal a essência
da verdadeira sabedoria, teórica e prática: conhecimento e submissão a ciência como base do
aperfeiçoamento sobretudo moral. A independência do jovem Brasil, reagindo contra a es-
treiteza da política e o arcaísmo das letras portuguesas, foi a Revolução Francesa que nos
deu, resultando o liberalismo na arte, a repercussão do romantismo, plasmado de beleza, na
América. Os últimos renovadores exageraram e deturparam a escola saneadora: houve de-
pois reação manifestada com os parnasianos no Brasil, no empenho de bem escrever, mas o
Brasil tem o lirismo, inesgotável, de boa seiva, característico de nossa estesia, modelarmente
expresso no gênio de Gonçalves Dias e no idealismo de Castro Alves, poeta social e humani-
tário, coletivando forças, como Bilac tocou o coração brasileiro noutra crise de angústia,
todos interpretando o gênio de amor da nossa raça. Ligue essa corrente sagrada os artistas
brasileiros, enchendo-lhes o cérebro e coração, na época em que se decidem os destinos da
humanidade. A multidão passou, disse Ferri, do coro anônimo da tragédia grega a dignidade
de protagonista no drama grandioso da história civil. E a história é a revelação dos esforços
do mecanismo da cultura, esse mel de que vivem as abelhas humanas e que o gênio de Comte,
distinguindo de civilização, apenas adota o segundo termo atento a etimologia, de mais am-
plo sentido social; termo feliz e poderoso que Léon Dumond caracteriza, reduzindo a civili-
zação a "um acervo de forças na humanidade e para a humanidade". Se enfraquecidos se
acham, no Brasil, os processos biológicos e sociais de adaptação, a economia, o conhecimento,
a religião, a moral, a estética, o direito, a política, fortaleçamos todos eles para que funcionem
na defesa, na indepenncia e na fortuna datria, defendido o encanto e a força da língua
que canta em nossos lábios. E com essa defesa, o intelectualismo brasileiro, pelo exemplo e
pela lição, pregue a decência do pensar e do dizer, as latinas virtudes sóbrias da justeza e da
graça, dominando nas lutas do espírito a nota da dignidade, da elevação e da elegância dos
que trabalham para a resplandecência da verdade.
E se a contemplação íntima e assídua da natureza brasileira, aliada a visão dos tempos
e as prefigurações do porvir, despertar nos talentos poéticos ações reflexas e inspirar obras de
valor, na música brasileira modularão as emoções superiores que a estesia lírica transfigura, e
a emanação da mesma natureza física e moral saberão infundir as artes plásticas sem rasgarem
as páginas das nossas ritmadas fases sociais. E em todos os ramos da literatura nacional, o
estudo profundo do povo, no seu viver e na sua alma, determinará ideais fecundadores da
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
criação, sem precisarmos plagiar modelos estranhos. O regionalismo literário, luz e voz do meio
em que nascemos, não desorganizará a unidade da literatura nacional, contanto que essa auto-
nomia respeite a existência de um laço forte que dê coesão a federação intelectual. Tal será a
Federação das Letras, Ciências e Artes Nacionais que alvitramos para as almas enérgicas que
sabendo conciliar as forças de conservação com as de renovação, hão de estimular na alma
coletiva o entusiasmo e a crença. É necessário que se vão unindo quantos pensam de um certo
modo para que o poder espiritual cumpra o seu dever na educação dos quadros nacionais, na
organização das elites, no aperfeiçoamento popular, científico, artístico, literário, técnico, profis-
sional, cooperando com o poder temporal moralizado e responsável. Já lá se foi o tempo em que
tudo se exigia e se esperava do Estado. Hoje, devemos desejar e estimular no Brasil o concurso
espontâneo dos indivíduos e da sociedade, principalmente na instrução, para que se difundam os
institutos educativos como os da América do Norte, fundados e custeados por associações não
só científicas, religiosas, morais, como industriais e operárias. O remédio é a liberdade de expo-
sição, discussão e reunião, liberdade contra a pior das ignorâncias que é a ignorância letrada, o
monopólio monstruoso do charlatanismo "oficialmente carimbado". Os brasileiros têm o poder
da inteligência e, como dissemos, a vibratibilidade de alma; mas, não nos iludamos, com a
mentalidade retórica e violenta, o Brasil lentamente caminharia sujeito a calamidade de se partir,
rotos os laços morais, orgânicos, divinos que o criaram, que o mantêm e o deverão perpetuar,
assentes na comunhão da raça histórica, do idioma, do fundo cristão, da história e da legenda. É
uma afirmativa de Comte:
O germe da filosofia positiva é tão antigo, no fundo, quanto o da filosofia teológica, sem embargo
de se ter desenvolvido muito mais tarde, não podendo a vida humana oferecer nenhuma
verdadeira criação, mas uma simples evolução gradual.
A seu turno, Spencer fala da unanimidade dos ignorantes, do dissentimento dos in-
vestigadores e da unanimidade dos sábios, dispondo de autoridade moral para afinarem as
cordas da lira humana no poema da vida: amar, pensar e agir.
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8
ÓRGÃO
A Federação da Mocidade Nacional, a chamada alma virgem da República, será a tuba
de ouro abrindo a senda do porvir se contar com os meios que o pensamento da sociologia
esclareceu, apontando os trabalhos das novas gerações libertas da destruição e da retórica:
1) uma orientação filosófica humanitária, chame-se, no Brasil, cristianismo, chame-
se positivismo, plasmando a mentalidade, os ideais da nossa história, os ideais dos nossos
avós, num destino de sangue e de alma, de beleza e de fraternidade;
2) meio que o pensamento da sociologia esclareceu a mocidade: a educação sistemá-
tica, harmônica, integral, baseada na realidade, simultânea, preponderantemente moral;
3) uma ação no conjunto da sociedade guiada pelo estudo da política científica, éti-
co-jurídica, para que as leis se não anteponham aos costumes e a mocidade desperte as
claridades da razão e a lógica dos bons sentimentos, consciente da sua filosofia, isto é, de
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
um destino social, orientados os seus pensamentos, regulada a expressão das suas idéias e
sistematizada a sinergia dos seus atos. Precisamos dizer o passado, o futuro e o presente
lugar de dizer o passado, o presente e o futuro, consoante o célebre aforismo de Leibnitz:
ordem filosófica das épocas não é a sua ordem cronológica". E precisamos dizer, ao
contrário do pessimismo satírico de Juvenal: "Sejam os nossos filhos melhores do que nós,
sejamos melhores do que os nossos pais, se estes quiseram ser melhores que os avós".
Dependerá o futuro do Brasil da "fidelidade ou traição que o homem feito comete conta o
ideal acalentado na escola". Se me perguntassem qual vem a ser o principal característico
nacional do Brasil, disse uma vez Joaquim Nabuco, responderia certamen-te que é o
idealismo, a conta do qual lançam-se movimentos em nossa história, porque nunca poderia a
Nação se escravizar a um cometimento egoístico e baixo. O que é preci-• que o ideal
nacionalista da mocidade brasileira corresponda a realidade atual em que vive, o quadro das
realidades sociais e naturais que a cercam, porque se o seu primei-ro dever é o de
nacionalizar as suas idéias, identificada com o seu meio e a sua gente, não passara o seu
ideal de uma quimera, sem objetivação possível, deixando, porventura, de ser a antemanha,
a antevisão da realidade futura. Só então ela redarguirá proveitosamen-como no século
XVIII o Cavaleiro de Oliveira a princesa Elisabeth: "Agora dirá Vossa Alteza que sou doido
com as coisas da minha terra. Assim é, Senhora, eu o confes-so' Como há mais de vinte
séculos escrevia o maior filósofo antigo, para conservar os estados e assegurar-lhes a
duração é mister educar a juventude no espírito do governo, sobre o pedestal amplo da mais
aprimorada educação cívica, sem o que as leis mais úteis ais aprovadas para nada servirão.
Recebam os moços brasileiros uma educação repu-:ana para viverem em República,
governo em que o poder da educação, segundo firmou Montesquieu, se torna mais
necessário, definida por ele a República, no sécu-lo XVIII, como o regime da virtude, isto é,
do respeito cívico ao direito. E a democrati-ão do ensino é colimada, nos dias que fluem,
pela pedagogia social, diz Stanley Hall, pela school city, pelas junior-republics (William
George), pe\aescolade trabalho (Dewey, schensteiner), pelas escolas livres, pela educação
das próprias multidões contra as epidemias mentais (Gustav Wyneken), sendo um dos ideais
da hora presente a populari-dade do direito, o direito entendido por todos (Max Rumpf).
Floração da vitalidade do o, é a mocidade nacional a expansão renovadora das robustas
gerações da Independa, da Abolição e da Propaganda Republicana, para, com heroísmo e
poesia, se inte-„._! na saúde da Pátria, reproduzida, ainda mais alto, a observação do
deputado Affonso Celso, em 1888, na Câmara: "A mocidade que surge das academias, dos
seminários, do exército ou da armada é francamente republicana". Esplenda o regime da
fraternidade, que é a República, no coração dos moços, lavrando a alma da Nação, sentindo
o Brasil que a combinada ação de forças físicas, biológicas e mentais propulsiona querendo
fatos, odiando a violência, glorificando a vitória do homem e a energia da terra, para o nosso
bem, para o bem da América e o vôo largo da concórdia dos povos, ideal imutável da vida
humana. Se a idade de ouro não ficou para trás está adiante, e devemos caminhar para ela.
Mas toda solidariedade humana é suspeita quando não começa por ser um sentimento de
fraternidade nacional, na penetrante observação de Renan.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
6º ÓRGÀO
Como fatores da unidade nacional, as escolas de Direito criarão, no País, as cadeiras de
Sociologia Geral e Brasileira, de Direito Nacional, de Política Científica (ético-jurídica). Dante
belamente, definiu o Direito: "proporção que, conservada, conserva e, corrompida, corrompe
a sociedade". Assim apanharam a complexidade do fenômeno jurídico, em sua função social,
os Kõhler, os Ardigó, para quem o pensamento dominante no Direito é o da organização da
vida social. Formulando o problema fundamental da sociogênese brasileira, o horizonte
humano nos desvenda o dilema: ou será o poder espiritual do proselitismo religioso o futuro
organizador da família dos povos, ou terá essa organização social de se formar no domínio
temporal como uma organização ético-jurídica, combinados interesses e fins culturais. Erra
fundamentalmente Spengler quando, na obra O Ocaso do Ocidente, desconhece a
continuidade histórica e a filiação ético-jurídica, esse rio de longo curso, na tríplice direção
geral progressiva — adverte o egrégio Clóvis Beviláqua — para a segurança maior dos
deveres e direitos, em maior número ao indivíduo e a maior número de pessoas. E o espírito
republicano repousa sobre as idéias fundamentais de justiça e de segurança: de justiça, cujo
conteúdo é liberdade, felicidade relativa e cultura; de segurança, cujo conteúdo é ordem e paz
— o primeiro critério realizando a adaptação do homem a vida coletiva e o segundo criando,
na síntese de Pontes de Miranda, a previsibilidade social. Penetrados desses rumos, curam os
juristas da elaboração científica do Direito (legislação, interpretação, aplicação jurídica).
E se não caiu nas consciências a unanimidade de crença, o terreno está preparado para
a realidade — ideal que há de, pouco a pouco, congregar os homens na fraternidade, no
amor, na justiça e na paz; desde a mal esboçada fusão das raças nas tentativas de Alexandre;
desde o predomínio não conseguido que os romanos alicerçaram ou do proselitismo, que está
na essência de toda religião; e finalmente, o terreno foi preparado pelos grandes pensadores,
entre filósofos, jurisconsultos, políticos e moralistas, espíritos generosos do passado e do
presente. E hoje, nós temos no coração, bem disse Semi Meyer, o futuro da humanidade.
T ÓRGAO
A formação e ação do Sacerdócio Nacional é relevante. Etnograficamente, influirá na
integração das colônias estrangeiras, na assimilação dos filhos dos elementos ádvenas para
que o Brasil seja um povo forte e homogêneo, mantendo, com o uso do idioma, o cunho da
sua constituição histórica, porque o abrimos a todos os que fecundam e enriquecem a nossa
terra, mas queremos "que o Brasil seja o Brasil, que os filhos desses átomos estrangeiros
sejam nossos". E etnograficamente, por sua vez, o Brasil assimilará, além dos elementos
diversos de sua formação, os contingentes cada vez mais numerosos da imigração das raças
fortes que dispõem da espinha dorsal do caráter, que é a vontade. Não há pureza absoluta de
tipos antropológicos, estremes de mescla e, principalmente na Europa, a mistura foi
intensíssima; e todas as raças são educáveis e aperfeiçoáveis, princípio de Augusto Comte
adotado no primeiro Universal Congresso de raças, onde falou Spiller. O Brasil será uma
síntese, uma fusão da alma européia com a alma que Victor Hugo glorifi-
I Conferência Nacional de Educação —
Curitiba, 1927
cou em carta de 1860 aos brasileiros, dizendo-nos, em nome da França: "Tendes a dupla
vantagem de uma terra virgem e de uma raça antiga, reunis a luz da Europa ao sol da
América". Em meio século, pelo fruto de um sistema de educação, os japoneses renovaram
a velha nação asiática, amalgamando e fundindo os ideais das duas civilizações para darem
um exemplo eloqüente ao mundo de assimilação dos melhores progressos nas ciências e
nas artes, ganhando vitória nas indústrias e abrindo, com glória, a porta das nações. Terão
os brasileiros, agora, amanhã, algum dia, os borbotões da sua elaboração subterrânea, a
água que a terra americana sorveu e agora mina, destila-se da terra e estua; auxiliados pela
unidade da língua, com as misturas étnicas, a sua mentalidade americana não será impene-
trável aos orientais. Bem o sentiu Washington Luís ao escrever: "Somos o país fadado, na
América do Sul, para a realização da fraternidade. Possui o Brasil todos os climas e para a
imensidade de seus oito milhões de quilômetros quadrados pode convidar e escolher todos
os povos da terra. Entre nós não há superstição de raça, preconceitos de cores ou
exclusivismos de origens. Para manter, como devemos, nas relações entre os Estados e a
Igreja, a liberdade de consciência, nem mesmo se deve indagar a opinião de quem nos fala
ou de quem nos ouve".
Sim! E não seremos apenas uma civilização de cais: o sonho de um Brasil esboço da
humanidade futura não apaga o valor do nosso povo, porque se dirá que no Brasil foi onde
primeiro se pôs em prática, largamente, o desígnio de uma "democrática mansão dos
deserdados do mundo". Especialmente como depositário da cultura latina própria do meio-
dia da Europa, que nos continentes do sul deverá continuar a ter os seus representantes, as
gentes brasileiras fulgurarão entre as gentes do porvir, como prefigurou Sílvio Romero,
entre o tipo que há de ser a encarnação do cosmopolitismo futuro, missão fulgurante para
o Brasil, missão de congraçamento e de paz, não sendo esse povo futuro oriundo do
exclusivismo europeu, ou africano, ou asiático, ou americano, mas o povo livre dos pre-
conceitos de castas, de raças, de seitas, de famílias, de grupos, de corrilhos, e tal será a
nossa supremacia incontestada das regiões equatoriais quando, como um apêndice espon-
tâneo do Brasil, tiver de juntar-se naturalmente a esta porção oriental da América o império
luso-africano. Não passara já despercebido ao espírito de Comte semelhante capacidade de
destruir e apagar preconceitos — reservada a civilização sul-americana, quiçá, como a
resultante de mistura das raças, da fusão de idéias, costumes, justiça e crenças dos dife-
rentes povos colonizadores —, alimentando esse filósofo, que glorificou e santificou o
homem na história, esperanças das mais risonhas no duplo elemento ibérico, no meio resul-
tante da expansão americana. O papel doSacerdócio Nacional, empunhando a bandeira do
Brasil, em cujas dobras resplende no Cruzeiro do Sul a lembrança da cruz e da catequese e
a idealização pacífica dos povos ocidentais, é formidável, no sentido que apontamos e, em
geral, no de alcançar o País o máximo de resultados do processo social de adaptação, que
é a religião, de par com as medidas que a moral, acorde com a ciência, adotar como as mais
adequadas a elevação brasileira do povo e do escola: pela sublimidade religiosa de ânimo,
pela convicção que não desfalece, pelo conhecimento construtor e pela arte social e huma-
na, devotamento cívico, dignidade, valor moral.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
8º ÓRGÃO
A Federação das Associações da Imprensa Nacional será responsável na organi-
zação das fontes da opinião pública, uma federação vigilante dos que, diariamente, abrin-
do para a rua as janelas da alma, deverão afastar os aspectos anti-sociais e anti-humanos
dasensibilidadedos indivíduos e das multidões, chamando os homens públicos a satisfa-
ção dos seus extrativos. Movimentos populares têm existido no Brasil, e basta citar que
um parlamento hostil a idéia abolicionista, graças a opinião pública triunfante, se viu
moral e politicamente coagido a tornar-se favorável a essa onda com que debelamos uma
fatalidade, encaminhando tão bendita causa para um desfecho ordeiro. Dar-se-á, com a
alavanca da imprensa orientada, a florescência do progresso brasileiro, o resultado natu-
ral e espontâneo da evolução normal, pela reeducação das classes dirigentes, dos qua-
dros nacionais, pelo soerguimento viril das energias populares, das qualidades predomi-
nantes da força cívica, da generosidade, do amor ao ideal, a disciplina alicerçada no
dever. O brasileiro vence sempre em todas as pugnas, desde que as tome a sério. E,
observou Licínio Cardoso, a nossa história está cheia de vitórias sempre mercê do impul-
so que a vibração de alma imprime ao brasileiro, fazendo do seu corpo, aparentemente
fraco, o corpo de gigante; fazendo do seu cérebro, aparentemente inculto ou apagado, o
cérebro do gênio; fazendo do seu coração, aparentemente apático, o coração ardoroso;
fazendo do seu caráter, aparentemente tíbio, o caráter de fidalguia indômita. O que é
preciso é que exista no Brasil não uma opinião apenas, mas uma opinião nacional organi-
zada, com a consciência dos perigos que nos rodeiam, com o controle do raciocínio, com
as correntes internas de sentimentos que liguem a imprensa nacional, trabalhando no
claro e liso roteiro nacionalista. É inútil insistir. A imprensa esclarecida e moralizada é
que poderá esclarecer e moralizar a opinião, num culto que precede ao da riqueza, con-
soante a mais de meio século o disse Miss Martineau. É repugnante a malignidade de uns
e o pessimismo interesseiro de outros, como é prejuízo da vaidade ou da ignorância
acalentar frases delirantes de grandeza sem a consciência do que valemos e queremos
valer. Mas, na transição que ultimamos, em medida sensata, a glorificação da realidade é
um bem em que as nações estáveis se embalaram.
9º ÓRGÀO
Lembrando-nos que maior título de orgulho da nossa raça é o culto cavalheiresco
para com a mulher, o respeito poético da sua dignidade, recordando-nos do predomínio
afetivo na evolução nacional sob o influxo dos antecedentes cristãos, virá. necessariamen-
te, a Aliança das Mães Brasileiras em benefício dos lares, do zelo pelas tradições de
recato e de pudor da mulher, na sociedade onde afligem a família elementos destruidores
do seu conceito humanista e desgraças que rompem deveres, interesses e recíprocas afei-
ções. Os primeiros bancos da escola sao os joelhos das mães, ensina a pedagogia social. E
a mulher, que pela sua natureza moral, pureza e ternura é superior ao homem, cabe elevar
o nível moral da sociedade, a proteção da raça, da mocidade, o combate a miséria e aos
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
flagelos dos povos, preciosamente cooperando no ensino e na higiene. É certo que trinta e
nove países nos outros continentes já facultaram as mulheres o direito de votar e ser eleitas.
Mas, com direito ao voto ou sem ele, tem a mulher brasileira, nos dias que afluem, uma
responsabilidade enorme no futuro da sua Pátria, quando, na recente frase de uma pensa-
dora brasileira, ostentar nos braços uma parcela viva do porvir: um filho! Para que o pro-
longamento do amor natural seja o amor a terra-máter, é mister que se forme protegido o
herói futuro pela providência dos lares nacionais, a mulher, que nos liga ao passado como
mãe, ao presente como esposa e ao futuro como filha, comunicando ao indivíduo e ao
cidadão os sentimentos de apego, de veneração e de bondade. A marcha de civilização vem
da promiscuidade, da frouxidao, da transitoriedade das reuniões para o ritmo dos lares
brasileiros, onde a felicidade nem sempre é assegurada por culpa da imperfeição humana,
mais do que da forma que resolveu o problema geral da família sem se enlear nas ilusões de
outros povos que se pretendem mais cultos.
10º ÒRGÀO
Todos somos operários da vida social brasileira dentro da atmosfera ético-jurídica das
idéias que fundamentam o espírito republicano, e queremos, nessa obra, que a República vá
dando, em leis, a atenção que em nossos dias lhe merecem os reclamos das classes operárias,
procurando já o Congresso melhorar a lei referente aos acidentes de trabalho, instituindo-se
caixas de pensões e aposentadorias em benefício dos ferroviários e as férias para os emprega-
dos do comércio e da indústria, obra jurídica do trabalho em que se destaca no Brasil o Rio
Grande do Sul, equiparando os seus operários aos seus funcionários públicos. Que as empre-
sas fabris anexem a colmeia proletária institutos de saúde física e moral; que todo operário na
República tenha horas de lazer para cultivar o espírito, recriar e aperfeiçoar o sentimento, o
patriotismo humano, e que todo operário tenha a sua casa de morada. Nem tirania, nem
anarquismo, eis a fórmula do problema em ação. O trabalho coopera com o capital, que é
social na sua origem e no seu destino. Mútuas serão as concessões, conciliados os princípios
da justiça e as aspirações da igualdade com os princípios da utilidade, para que mitigados
sejam os males econômicos do proletariado, sem que se suprimam os estímulos da produção.
Para tanto, será fator da unidade nacional a disciplina do trabalhador brasileiro no seio de uma
federação que, defendendo-o de males de arribação e internos, reduza dissemetrias industrial-
proletárias. O Brasil, gigante que tem a décima quinta parte das terras do mundo, para fazer
a emancipação do seu estômago, precisa aproveitar e honrar a riqueza, cultivando os ramos
de atividade indicados pela variedade de seus climas e suas zonas, precisa produzir "a décima
parte do valor da produção do mundo" em economia, em arte, em ciência, a fim de que
socialmente se mostre cheio de audácias bem encaminhadas, de iniciativas autônomas, de
energias para os grandes empreendimentos.
11 ÓRGAO
A educação do soldado-cidadao, que deve merecer a confiança nacional como o
escudo ambulante da Pátria, assentará nas inflex-veis leis sociológicas. Começará quan-
l Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
do começa a educação geral, no aprendizado do lar, na escola primária do civismo, a do
escoteiro, porque na educação cívica está compreendida a educação moral; e na trans-
formação patriótica do cidadão acabará a constituição ética do indivíduo, que disciplina
as suas paixões, que esclarece os pensamentos, enrija o caráter, tonifica o corpo para que
a paz se mantenha no trabalho. O exército moderno é o produto filtrado da massa naci
onal, e a sua organização no Brasil não é a opressão do País, é a que se faz com as armas
e os corações ao calor do patriotismo sensato: fluindo da instituição das reservas ao
agrado e sem prejuízo das ocupações do povo pelas sociedades de tiro e fluindo da
efetividade da conscrição, organização análoga, sem ser idêntica, a da Suíça, onde a
unidade psíquica da raça é inferior a unidade da nossa. Para que sejamos justos e bons,
devemos, sendo fortes, defender a tranqüilidade do nosso continente, o Brasil sendo o
árbitro e o paladino da paz. Que as forças armadas, em Liga Cultural, ocupem no Brasil
uma linha avançada propagando a missão que lhes compete na diretriz da nossa história,
reunidas com a idéia de força nacional, essencialmente cívica. Reportamo-nos ao nosso
estudo histórico sobre o papel nacional da gente armada do Brasil, que intitulamosEspí-
rito das Armas Brasileiras.
OUTROS FATORES
Levando a termo de execução este trabalho em curto lapso de tempo, as vésperas
da I Conferência Nacional de Educação, sem os vagares necessários para o trato de tão
magno assunto, visto o atraso com que chegou a Seção Pelotense de Educação o chamado
que buscamos corresponder, colheremos as velas sem poder justificar outros fatores da
Unidade Nacional como armazenadas munições de um arsenal nacionalista para defesa
da lei de progressão e possessão moral do patrimônio do Brasil, garantindo as tradições
e, em geral, todas as qualidades nobres selecionadas pela história no coração dos
nossos maiores. A despeito de termos sido presos ao velho mundo pela língua, pela
religião e pelos sistemas institucionais, e apesar da influência secundária dos ritos e das
normas éticas das raças inferiores, a continuidade da nossa vida atesta que somos um
tipo a parte, mestiçado, de inconfundível caráter, graças as condições que cedo possuí-
mos para que uma Pátria se constitua, diferenciando-se a nacionalidade, unida até hoje
em nossas mãos, por entre as lutas do passado, delimitando e mantendo a área da Pátria
consoante os influxos de época e de progresso exterior, refletidos no viver íntimo pela
arte, pela ciência e pela indústria. Não há Pátria sem culto cívico ao forte fator da tradi-
ção. Arcas das Tradições mais Puras do Brasil seriam as agremiações em que se
federassem no País as sociedades comemorativas das datas nacionais e dos grandes ar-
quétipos brasileiros, etc, mantenedoras do rito da Pátria, sem bairrismos vesgos, cultuando
o espetáculo das forças conscientes e subconscientes da nossa alma de povo, projetada
no espaço e no tempo. Que foram as panatenéias gregas, senão a apoteose esto-religiosa
da Acrópole, envolta na sombra de Aglaura, cujas pedras votivas se erigiam em todas as
almas? Quais foram, ainda no dizer de um cristalino espírito, as cerimônias que em Ate-
nas constituíram, em fase de apogeu, a vida sem símile da singular metrópole helênica,
262
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
não as comemorações religiosas do lar e da comunhão? E quando em Roma o incêndio
meaçou o templo de Vesta, Roma, a magnânima, vacilou presa de pânico, perdeu a
serenidade, porque era ali que os deuses protetores da cidade tinham o seu altar, e os
proprios cônsules, respeitosos ante a pureza das virgens que alimentavam o ardor do
fogo sagrado, baixavam, naquele coração da Pátria, os feixes simbólicos da sua magis-
tratura- E não foi senão uma representação do rito da Pátria, o altivo Capitólio como "a
águia de Júpiter dirigindo o remígio triunfante das águias do império". Bem sabemos que
a emoção estética de Pátria, modernamente, se representa numa imagem primaveril, pon-
dera Alberto Torres, imagem conduzida pela esperança. Mas se é a Pátria dos Filhos a
viva realização do ideal humano, se ela está no amor de cada um por seus filhos e pelos
filhos de seus concidadãos, o Brasil tem razões para viver unido por uma profunda co-
moção que o não fará, por ingratidão, por falta de brio nacional, renegar as suas mais
puras tradições.
Uma Estátua da Pátria, ampliando a idéia do monumento em bronze ao Rio Gran-
de do Sul, que, em sua concepção e tentamen, justificamos em Porto Alegre, em 29 de
maio findo, seria aqui por nós justificada, destinando-a a focalizar as consciências brasi-
leiras, se dispuséssemos do prazo para estender os nossos argumentos. A unidade, os
organismos, consiste na afinidade dos órgãos em vista da harmonia do seu funcionamen-
to; e quiséramos falar de um Partido Nacional de Política Científica, fortalecendo, em
soluções positivas, a União brasileira. Nitidamente apanhou José Bonifácio o problema
da fundação da Pátria mantendo a integridade territorial do colosso americano e, quanto
ao povo, cogitando de acelerar a fusão das raças progenitoras sem conceber sequer uma
República com escravos. Fundou-se a República do lema Ordem e Progresso, da liberda-
de espiritual, do banimento da guerra de conquista, tendo um soldado-cidadão, Benja-
min Constant, que, na frase do sociólogo Guilherme Férreo, pôs a sua espada a serviço
de uma filosofia entre os dignos órgãos de uma revolução pacífica sem exemplo, eminen-
temente humanitária. Numa imprecação de patriotismo, os republicanos retomadores da
estrada que o grande Andrada apontara, em torno de um partido nacional orgânico.
condicionariam a força integradora do corpo e da alma nacional, força ao mesmo tempo
de ação e de irradiação mental no Brasil.
HOMENAGEM AO GÊNIO DA PÁTRIA
A nossa alma brasileira de rio-grandense timbra em fazer suas as incisivas pala-
vras de Júlio de Castilhos: "Todos nós devemos combater em nome da grandeza do
Brasil, como idéia fatal, o separatismo" — palavras de quem pedira como condição
eficaz de garantir a nossa homogeneidade política o federalismo, que não traria ten-
dências para a desagregação, nem que se fizesse filiar o reclamo de Castilhos a ideação
positivista das pequenas pátrias, tão incompreendida e malsinada, como asseverou Aristo
Pinto, pela Superficialidade desenvolta, pois, efetivamente, por que razão entender-se
semelhante concepção como egoística e demolidora, uma vez que essa filosofia, perce-
bendo a tendência minoradora do sentimento de Pátria pela extensão dos países, aspi-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
263
rava a expansão gradativa desse sentimento mesmo, a fim de tornar plenamente com
patíveis o amor pátrio e o amor da humanidade, mercê da evolução de idéias pacifistas
... para tempos mais humanos? Sentimento que não permite conceber ordene a Pátria
jamais, a prática de crimes individuais e sobretudo de lesa-humanidade: a atitude dos
verdadeiros libertadores, em suma, dos povos ocidentais — Cromwell e Condorcet
Washington e Danton, Franklin e Bolívar, Toussaint e Domingos Martins, Tiradentes e
José Bonifácio. Somos uma Pátria em gênese, produto recente da história é a Nação
brasileira, mas presa a Renascença pelo ímpeto do poema que prenunciou a civilização
industrial contemporânea. Nascido o Brasil de uma das maiores expansões históricas
da Europa, quando o povo caminhava para se emancipar, começando a declinar os
privilégios, nascido o Brasil e criado na cultura latina, na moral cristã, com cento e
cinco anos só de vida autônoma, tendo recebido no berço, com excepcionais rigores, a
herança do velho mundo, certamente a Pátria brasileira se pode vangloriar de já ter
reunido os fatores de uma grande nacionalidade, a contar de quando se deu sério co-
meço a colonização. E na energia da terra exprime-se a vitória do homem; e, biologica-
mente, o Brasil, não há favor em dizer-se, venceu por adaptação e seleção, surgindo
territorialmente das Bandeiras, dos escoteiros do sertão, e se afirmando pela fé na
guerra holandesa e idealizando a vida que viveu, a natureza indomada que combateu,
em renovação da luta com as feras, com os bárbaros, com a distância deserta; ideali-
zando a história que, porfiadamente, soube tecer de sacrifício e de coragem, na sua
adolescência de povo sonhando a Inconfidência, a República do Equador, a Guerra
dos Farrapos, página de ouro da alma brasileira dos rio-grandenses redimindo-se com
flores da última servidão do ocidente, fazendo duas revoluções sem revolução, a Abo-
lição e a República Federativa, vivendo a experiência e os graves deveres da liberdade;
durante a Monarquia, que foi um elemento da unidade nacional, derramando o seu
sangue no estrangeiro; traduzindo o seu ideal distinto de Pátria, estudando, acentuan-
do, dentro da civilização, virtualidades de sentir e formas de pensar, o seu feitio e os
seus costumes, instituindo a Democracia, a salva de artilharia, consagrando um dia do
ano para celebrar a fraternidade dos povos; engrandecendo-se no espaço e no tempo,
conjugada com a política internacional e, finalmente, aspirando a vasto equilíbrio futu-
ro como nova componente entre as forças da humanidade!
Rendamos homenagem ao gênio da Pátria. Gigante que cresce, o Brasil prescreveu
nitidamente o seu destino!
CONCLUSÕES
A I Conferência de Educação Nacional, reunida no Paraná, resolve promover, junto as
forças ativas da Nação, o funcionamento sinérgico dos seguintes órgãos, de instituição pública
e particular, para fortalecerem, em nossas mãos, a unidade da Pátria, pela elevação da mentali-
dade brasileira:
264 I Conferência N«cionaI de Educação — Curitiba, 1927
1) O Conselho Consultivo de Defesa Nacional Interna
2) O Ministério da Educação Nacional
3) A Federação do Magistério Nacional
4) A Federação das Letras, Ciências e Artes Nacionais
5) A Federação da Mocidade Nacional
6) A Criação das Cadeiras de Sociologia Geral e Brasileira, de Política Científica e Direito
Nacional nas Escolas de Direito
7) O Estudo da Pediatria, da Sociologia da Infância e da Filosofia da Educação Nacional
8) A Formação e Ação do Sacerdócio Nacional
9)A Federação das Associações da Imprensa Nacional
10) A Difusão de Escolas Normais para o Preparo do Professor
11) A Organização das Elites, dos Quadros Nacionais
12) A Aliança das Mães Brasileiras
13) A Defesa do Proletariado Nacional
14) As Arcas das Tradições Nacionais
15) A Federação do Reservista Brasileiro
16) A Federação dos Escoteiros do Brasil
17) O Partido Nacional de Política Científica
18) A Estátua da Pátria, na Capital da República
TESE N
a
44
A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA LITERÁRIA, PELA
CULTURA CÍVICA, PELA CULTURA MORAL
Isabel Jacobina Lacombe*
Rio de Janeiro, DF
assunto complexo e vasto que se entende no enunciado desta tese mais brilhantemente
se trataria a luz da crítica mesológica e das leis da etnologia. Entretanto, confiado a
uma educadora, não lhe pode ser indiferente o estudo da ação feminina como um dos
elementos resolutivos dos problemas.
"Com a colaboração de Maria Lúcia de Almeida Cunha, diplomada pelo Curso Jacobina, da Escola Normal de Belo Horizonte. MG.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
265
O
A meu ver, bastaria que se dissesse "A Unidade Brasileira pela Cultura Moral", por.
que o dever cívico decorre naturalmente da formação moral, e a literatura seria então o
repositório de informações, manifestações, modalidades dessa mentalidade brasileira que
desejamos soerguida e lúcida na compreensão de suas possibilidades.
Não há talvez plaga do Atlântico em que tivessem despontado mais tremendos os
conflitos entre as normas de moralidade e a finalidade dos atos humanos.
Contra o utilitarismo assanhado do colonizador português, que pretendia haurir da-
qui todos os proveitos e gozos e extorquiria da terra e da gente toda a pujança se não fora
a austeridade desassombrada dos da Companhia de Jesus, ricochetava a altivez belicosa do
indígena ludibriado. Mesquinho no braço para amanhar a terra, arrancou o colonizador,
além do Atlântico, raça que melhor colaborasse no seu propósito. E veio o pobre negro,
roído de saudades, desempenhar papel preponderante na novel colônia.
Ao estudar estes primórdios da nossa história, quem não lhe soubesse já a seqüência
tem sensação de que elementos tão díspares nunca se haviam de amalgamar. Como nas
reações químicas desaparecem os caracteres diferenciais dos elementos em choque para
surgir um produto completamente diverso em forma e em acidentes, vem despontando,
vem evoluindo, vem desabrochando a nacionalidade brasileira.
Nada fazia prever que se pudesse conservar unida a colônia portuguesa, dadas as
falhas, aliás perdoáveis, numa mescla de elementos heterogêneos, ocupando um território
imenso, escassamente habitado, de difíceis comunicações e diferenciando-se constante-
mente pela diversidade das regiões naturais.
No entanto, conseguiu o Império manter uma completa unidade política; e essa uni-
dade, que reputamos, sob todos os pontos de vista, de grande vantagem e justo orgulho
para o espírito nacional, traz em constante preocupação a geração atual.
Para obviar aos riscos de uma tendência separatista, julgamos essencial, imediato, pre-
mente, a realização do trabalho que tome fácil e rápida a comunicação entre os pontos afasta-
dos e alguns mesmo desconhecidos da nossa grande terra. Esse benefício material e inestimável
facilitará a difusão de uma cultura que se proponha principalmente a incutir no povo o sentimen-
to de união. E quais são atualmente as feições dominantes desse povo? 1) reação fraca aos estí-
mulos normais; 2) otimismo desolador "camuflando" o derrotismo; 3) versatilidade sonhadora.
A nossa história documenta, claramente, que o brasileiro em tempo normal é quase atônico,
de tendência franca ao comodismo. Mas se uma razão forte o reclama, temos um despertar sur-
preendente de energias adormecidas, e escrevem-se então em denodo, sangue e sacrifício as pá-
ginas palpitantes da Expulsão Holandesa, da Revolução Pernambucana, da Inconfidência Mineira,
da Retirada da Laguna, da Abolição da Escravatura, da Remodelação do Rio de Janeiro, etc.
Essa força está, portanto, latente no coração do brasileiro e deve ser aproveitada e
cultivada. O ensino precisa ser orientado no sentido de captar essa energia. Mais lucrará a
Pátria com filhos fortes na vontade do que grandes no saber. Do heroísmo nacional, nestes
e noutros lances da nossa história, resultou para o brasileiro uma confiança ilimitada em
sua força potencial, que o fascina a ponto de descurar do exercício de suas capacidades e
do aproveitamento intensivo das suas riquezas.
266
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Vivemos a achar que o que é nacional não presta. Mas que o brasileiro, quando quer, é
capaz. Não se traduzirá nestes dizeres a versatilidade do espírito brasileiro em sua linha
geral? Tomo corrigir tais tendências para desviar os males que inevitavelmente daí hão de
nascer, trazendo talvez a desunião? Bastarão conferências, propaganda, cruzadas de
civismo?
Bem sentimos que o que foi tentado neste terreno não logrou a messe desejada! Não
conseguirão esta unidade sonhada de idéias, de arregimentaçao de energias, os meios que atuem
no indivíduo já feito para então instruí-lo e catequizá-lo. É preciso que o gérmen da moralidade,
nue o amor a terra, que o sonho de comunhão nacional, que a prática sincera e perseverante de
sua religião seja tudo instilado no coração inocente do pequenino brasileiro. Assim, quando a
criança despertar para a vida já trará nas veias da alma o influxo vivificador do patriotismo são.
É evidente que as mães compete essa tarefa silenciosa, modesta, abnegada.
Infundirão nos corações dos filhos, no trato diuturno, o amor as lendas, as tradições
da nossa terra. Que divulgam o que tão cristalinamente compilou Afonso Arinos. Divul-
guem-se as obras dos nossos modernos escritores, desperte-se a Pátria pelo amor ao muni-
cípio, aos estados. Espalhem-se os feitos exemplares dos nossos brasileiros, ao invés de
apontarmos heróis do/a/- west.
A escola completará o trabalho do lar. À mestra cabe continuar a tarefa da mãe, cultivan-
do com carinho a semente trazida no coração da criança.
As obras literárias de interesse regional tornar-se-ão largamente difundidas e encon-
trarão nas tenras inteligências terreno preparado para que frutifiquem as aspirações dos
mesmos ideais patrióticos. Fiscalize-se, limite-se a propaganda estrangeira das escolas que
nos trazem, evidentemente, um gérmen de desunião, como as dos alemães no sul do Brasil.
Em suma, a cultura, iniciada no lar, completada na escola, coroada pela comunhão de
sentimentos incutidos pelas obras literárias fartamente divulgadas por todo o território,
com a facilidade atual da radiotelefonia, sintetiza, a nosso ver, as condições primordiais,
imediatas, essenciais para a manutenção da extraordinária força de coesão nacional.
TESE N
s
45
SOBRE UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Ferdinando Laboriau
Associação Brasileira de Educação
ão são idéias novas as que aí vão resumidamente expostas. Não são idéias originais;
pelo autor já foram publicadas em diversas oportunidades, notadamente em um peque-
no volume intitulado À Margem da Organização Nacional. Focalizam, porém, um assunto
que se prende estreitamente aos trabalhos dessa conferência, pois que a educação e a unidade
nacional se referem. Pareceram, por isso, oportunas.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
PARA QUE UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL?
Para coordenar, sistematicamente, os esforços em matéria de educação e organizar o
nosso ensino.
É de tal monta o problema da educação nacional que justifica perfeitamente a criação
de um aparelhamento adequado, ramificado convenientemente por todo o País e centrali-
zado em um Ministério da Educação Nacional. Atualmente, subdividem-se essas atribui-
ções por instituições subordinadas a vários ministérios, o que vale reconhecer-lhes falta de
organização geral. A instrução primária, a instrução profissional, a instrução secundária, a
instrução normal e a instrução superior ficam entre nós a cargo de instituições particulares
e também dos municípios, dos estados e do governo federal. São independentes e pratica-
mente estranhas entre si essas iniciativas, sendo de notar que, no que se refere ao governo
federal, dessas questões se ocupam o Ministério da Justiça, o da Agricultura, o da Guerra
e o da Marinha! Nem ao menos existe uma ligação geral entre tantas e tão diversas ativida-
des. Conseqüência: algum esforço e quase nenhum resultado.
Nessa dispersão de esforços, nessa falta de coordenação e ausência de diretivas há
casos realmente curiosos. Assim, por exemplo, são regidas por disposições inteiramente
independentes a Escola Politécnica (subordinada ao Ministério da Justiça) e a Escola de
Minas (sujeita ao Ministério da Agricultura). Entretanto, a Escola de Minas forma enge-
nheiros civis, tal qual o faz a Escola Politécnica; a única diferença é que os diplomados de
Ouro Preto são "engenheiros civis e de minas", ao passo que os do Rio de Janeiro são
engenheiros civis, industriais, mecânicos ou eletricistas. O Ministério da Agricultura sub-
venciona o curso de Química na Escola Politécnica (subordinada ao Ministério da Justiça),
como o faz em outros estabelecimentos de ensino. O ensino da Química ficou sendo ofici-
almente especialidade do Ministério da Agricultura... A este ministério estão subordinadas
as escolas profissionais, inclusive a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, mas
desse ensino também se ocupa o Ministério da Justiça. E assim por diante.
Na atual Lei do Ensino cogita-se até de um "Conselho do Ensino Primário e Profissional"
(Ministério da Justiça). Mas sob esse título o que há é apenas a representação do Instituto Benja-
min Constant, do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, da Escola 15 de Novembro e mais "um
delegado de cada estado onde exista ensino primário subvencionado pela União". Somente...
Evidentemente, a simples criação de um Ministério da Educação Nacional não resol-
veria coisa alguma, se com essa iniciativa não viessem outras providências. De nada valeria
a existência desse ministério, continuando tudo como antes. Foi o que se deu com a criação
da Universidade do Rio de Janeiro: reuniram-se em universidade as escolas de ensino téc-
nico superior que aqui existiam anteriormente e tudo continuou sem a menor modificação,
além do aparecimento de um Conselho Universitário e de uma Reitoria, com funções insen-
síveis. Repetir a mesma história, em ponto maior, com a criação de um ministério novo,
não poderia servir para coisa alguma. O que se precisa é coordenar, sistematicamente, os
esforços em matéria de educação e organizar o nosso ensino. Para isso é que se torna
necessário um Ministério da Educação Nacional.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
COM QUE FIM UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL?
Com o fim de manter a unidade pátria, por meio de um plano nacional de educação.
De todos os magnos problemas nacionais, o da educação é, sem dúvida, o de maior
alcance, porque é pela educação que se formará a nossa nacionalidade, atualmente ainda
imprecisa e que é mais um aglomerado heterogêneo do que um todo harmônico. Reside na
educação nacional o fator máximo da unidade nacional, uma das questões mais graves para o
nosso país e com que pouca gente se preocupa, apesar das tendências separatistas cada vez
mais acentuadas. Para manter a unidade nacional, nada haverá mais eficaz do que criar uma
verdadeira unidade, com um plano nacional de educação.
Assim como o problema da siderurgia não interessa apenas aos estados onde
minérios de ferro, assim como a questão do café não interessa somente aos estados produ-
tores da rubiácea, sendo ambos, realmente, problemas nacionais, assim
também o problema da educação não é meramente uma questão
pedagógica, e sim um problema nacional. É mesmo o maior dos
problemas nacionais. O lastimável atraso em que vegeta a nossa
população do interior, abandonada e esquecida, é fruto em grande parte
do alheamento em que se tem conservado a União em matéria de
educação popular. Entregue essa questão aos estados e municípios, tem
ela ficado inteiramente de lado, salvo raras exceções. Nem é para admirar
que assim seja. Quem já viajou um pouco pelo nosso interior e conhece
alguma coisa do nosso país, além da fachada brilhante que são as grandes
cidades, bem sabe o que vem a ser a nossa mentalidade municipal. Entregar aos municípios
o problema fundamental para a nossa nacionalidade, o da educação popular, é praticamente
o mesmo que abandoná-lo.
Via de regra, os nossos municípios têm poucas rendas e, sobretudo, as preocupações po-
líticas não lhes deixam sobras de energia para enfrentar convenientemente o problema da educa-
ção. E se tivessem verba e compreensão do problema, resultariam orientações tao diversas por
esse imenso Brasil afora que a nossa unidade como povo nunca mais poderia se conseguir.
Nem mesmo aos estados é justificável que se cometa semelhante missão. Por toda parte, no
mundo civilizado moderno, a orientação é una em matéria de ensino, isto é, em cada país há uma
organização sistematizada para o ensino em seus diversos graus e em seus múltiplos aspectos.
Mesmo nos Estados Unidos, para só citar um exemplo, onde são
tão desenvolvidas as
iniciativas particulares e onde é tao forte o espírito individualista, só 10% da
população escolar freqüenta colégios particulares. Ali, os municípiosm
uma larga interferência na educação popular, mas a orientação decisiva e um
forte apoio econômico são dados pelo governo federal. É claro que a base da
educação nacional tem que ser a instrução primária, mas para que tenha esta
uma diretriz sistematizada é indispensável uma atividade muito diferente da
simples subvenção de escolas estaduais ou municipais pela União, como se
estabelece na atual lei federal do ensino (Decreto n
a
16.782-A, de 13 de
janeiro de 1925). É preciso começar pelo princípio, cuidando das escolas normais para a
formação dos professores das escolas primárias e de, pelo menos, uma escola normal superior,
para constituir um corpo selecionado de professores das escolas normais e secundárias.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Logicamente, a organização das escolas normais superiores deverá ser incumbência
do governo federal; as escolas normais poderão ser subordinadas aos governos estaduais
com auxílio financeiro e a orientação do ensino ficando a cargo da União; as escolas ele-
mentares poderão ser subordinadas indistintamente aos governos municipais, estaduais o
u
da União. Empregamos a designação ensino elementar de preferência a ensino primário
por entendermos que nas escolas populares, ao lado do ensino primário e conjuntamente
com ele, deve ser ministrado o ensino profissional elementar.
Paralelamente ao ensino primário, ao ensino normal e ao ensino normal superior
torna-se indispensável, para que a educação nacional seja uma realidade eficiente, cuidar
do ensino profissional elementar, do ensino profissional médio e do ensino normal profissi-
onal. Vemos, assim, para o ensino profissional uma organização análoga a que ficou acima
traçada: o governo federal cuidando das escolas normais profissionais (ou escolas normais
de artes e ofícios); os governos estaduais conjuntamente com o governo federal estabele-
cendo as escolas profissionais médias (chamadas simplesmente escolas profissionais); e as
escolas profissionais elementares funcionando juntamente com as escolas primárias, pelo
menos onde este ensino seja subvencionado pela União.
Uma estrutura como a que aí fica esboçada nas suas linhas gerais é coisa muito
diversa da que, relativamente ao ensino primário e profissional, existe na atual organização
federal do ensino. Na realidade, a União nada tem feito até hoje, praticamente, pela educa-
ção popular, e a última reorganização do ensino só platonicamente cuidou do ensino primá-
rio e do profissional; do ensino normal nem platonicamente se cogitou. Entretanto, cumpre
não esquecer que, pelo menos, já ficou firmado o princípio de que o governo da União
pode intervir para a difusão do ensino primário nos estados. Já é alguma coisa.
POR QUE UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL?
Porque, em matéria de educação, o que temos pelo Brasil adentro é uma colcha de
retalhos, e urge impulsionar a obra educativa com a visão do problema em conjunto.
Desde que o governo federal entenda a sua função educativa como não sendo
meramente restrita ao ensino secundário e ao superior e resolva, finalmente, tomar a si
a tarefa da educação nacional em todos os seus graus, o aparelhamento administrativo
que tenha de executar o programa nacional de educação tornar-se-á por demais com-
plexo para ficar constituindo apenas um departamento. O ensino primário, o normal, o
normal superior, o profissional elementar, o profissional dio, o normal profissional,
o profissional superior, o secundário, o artístico, o técnico superior e o de ciências e
letras, com todas as suas subdivisões e espalhando-se por todo o Brasil, exigirão, para
ter plena eficiência, uma organização que muito melhor ficará se constituir um ministé-
rio independente: o Ministério da Educação Nacional.
O Ministério da Educação é um aparelhamento indispensável para que não se disper-
sem esforços e para se imprimir a tarefa eminentemente criadora da educação um caráter
nacional. Será uma organização para orientação geral, de coordenação, de sistematização
e, sobretudo, de impulsionamento. Não se trata de anular a competência estadual e a muni-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
•pal, nem mesmo de restringi-las; trata-se, sim, de auxiliá-las, numa obra de colaboração .
União com os estados e os municípios.
Há estados que, sob este ponto de vista, se adiantaram aos demais. Há estados pobres há
estados ricos. A todos deverá acudir a União. Evidentemente, onde o ensino em qual-quer
dos seus graus estiver já adiantado pela iniciativa estadual, municipal ou particular, a União
não irá fomentar rivalidades estéreis com a fundação de escolas inúteis, concorrentes das
que já existem. Trata-se de caminhar para a frente: onde nada houver, iniciar o trabalho de
educação; onde já houver realizações, melhorá-las.
Ao lado do problema da educação, um outro há que interessa fundamentalmente a formação do
povo brasileiro: o do saneamento. Não haveria inconveniente em juntar esforços para combater
a ignorância aos trabalhos para acabar com as doenças, e não ficariam mal entrosadas as
questões de saúde pública e de ensino. Poderíamos ter, assim, o Departamento Saúde Pública
subordinado ao Ministério da Educação Nacional para um trabalho harmô-co. A escola popular
deve ser aproveitada para cuidar da saúde da raça, e nela se devem incutir os hábitos de higiene
na população infantil. A inspeção médica nas escolas é uma necessidade, e haverá toda a
vantagem em aproximar as funções do médico e do professor. Quanto ao ensino elementar, a
nossa situação atual resume-se no seguinte: para uma população em idade escolar de seis
milhões só temos um milhão de matrículas. Precisamos, pois, sextuplicar o nosso
aparelhamento escolar de ensino elementar; e ainda restam os adul-tos que não receberam
instrução alguma e que não se deve e não se pode deixar ao desampa-Nascer e viver aqui terá
que ser, para tanta gente, uma triste condição de inferioridade? Quanto ao ensino profissional,
só existe um esboço. O ensino secundário e o superior, imãs da boa vontade dos podêres
públicos, têm sofrido reformas as mais desencontradas. ensino normal faz-se de forma tão
variada de um estado para outro que, examinando-o, tem-se a impressão de que não são
estados de um mesmo país, mas sim de países diferentes e separam as nossas fronteiras
interestaduais. Colchas de retalhos: eis o que temos, pelo Brasil adentro, em matéria de
educação. E parar um fim a essa desorganização e impulsionar a obra educativa, com a visão
do proble-ma em conjunto, é que se impõe a criação de um Ministério da Educação Nacional.
GE A CRIAÇÃO DE UM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL?
Não há problema mais urgente do que o da educação nacional; não há, pois, como justificar o
adiamento de sua solução de conjunto, com a organização de um Ministério da Educação
Nacional. Há quase meio século Rui Barbosa frisava a urgência da criação de um ministério
especial para o ensino; não será ainda chegada a ocasião de por esta idéia em prática, para
impulsionar decididamente a educação nacional? Mas não tenhamos fetichismo pelos nomes,
que pouco importam: o Ministério da Educação não é um fim, e sim um meio. É um meio para
se conseguir o objetivo de intensificar a educação; não é um objetivo. De nada valerá criar um
ministério ejulgar
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que só com isso estará o problema solucionado. O Ministério da Educação é necessário para que
se resolva, e com o caráter "nacional" que deve ter, o nosso problema angustioso da educação.
Para que o Ministério da Educação possa agir com eficiência, será preciso dotá-lo
dos recursos necessários. Não há como fugir ao dilema: ou o problema educação nacional
é realmente da maior importância, e justifica, perfeitamente, os gastos que se apliquem ao
seu solucionamento, ou não passa de uma questão secundária, sem alcance para o nosso
futuro, e então não cabem despesas com o objetivo de alterar a nossa situação atual. Ou
uma coisa, ou outra. E quem ousará opinar, a pretexto de economias, pelo abandono da
educação nacional, continuando tudo como está presentemente?
Lembremo-nos dos conceitos seguintes do grande Rui Barbosa:
A extinção do déficit não pode resultar senão de um abalo profundamente renovador nas fontes
espontâneas da produção. Ora, a produção, como já demonstramos, é um efeito da inteligência:
está, por toda a superfície do globo, na razão direta da educação popular. Todas as leis protetoras
são ineficazes para gerar a grandeza econômica do país; todos os melhoramentos materiais são
incapazes de determinar a riqueza, se não partirem da educação popular, a mais criadora de
todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as medidas financeiras.
Assim o entendem todos os povos civilizados de hoje, e quanto melhor o executam, tanto
mais rapidamente progridem. Nem nos é preciso sair do nosso continente para verificá-lo. A
República Argentina, desde 1869, criou a educação popular federal; em 1920 o governo federal
empregou ali 130 mil contos (50 milhões de pesos) no ensino popular federal, 65 mil contos (25
milhões de pesos) no ensino secundário federal e 30 mil contos (12 milhões de pesos) no ensino
superior federal. Notemos que a República Argentina tem apenas um terço da população do
Brasil. Aqui o governo federal abandona o ensino primário e consigna nos seus orçamentos
apenas 26 mil contos para todo o ensino federal: militar, naval, profissional, secundário, artístico
e superior. Comparem-se os meios de que se lança mão para a difusão da cultura, na Argentina
e no Brasil, e compreender-se-á porque a Argentina é o primeiro país da América do Sul em
cultura popular, com 43% de analfabetos, tendo nós a cifra vergonhosa de 75% contra 48% no
Uruguai e 60% no Chile.
Se o governo federal resolvesse empreender a educação popular entre nós, consagrando
a essa cultura, que é a mais remuneradora de quantas se possam fazer, 15% de suas rendas,
entrando em acordo com os estados mediante o emprego por esses, para os mesmos fins, de
importância nunca inferior a 15% das rendas estaduais, e acordando os municípios no emprego
de pelo menos 15% das rendas municipais em fundos escolares, teríamos os elementos indis-
pensáveis para iniciar um ataque resoluto a falta de cultura em nosso país. Que formidável surto
de progresso dali resultaria! Progresso estável, seguro, fruto do aumento da capacidade produ-
tiva dos brasileiros, entorpecidos pelas doenças e pela incultura.
Quando teremos a energia e a capacidade de realizar semelhante obra, "a mais cria-
dora de todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as medidas financeiras"?
Percebe-se perfeitamente um espírito novo a animar, no Brasil, a geração atual, que já se
capacitou de que a base de toda a organização nacional deve consistir no solucionamento justo
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
dos problemas de educação. Povo educado é povo capaz de produzir, é povo livre, é povo
progressista.
Até quando ficaremos inertes, sem realizar de verdade a educação popular? Sem ela
nada valem constituições, por mais liberais que sejam, porque nada representam de real: são
meras aparências. Podem se adotar lemas como "Ordem e Progresso"; enquanto a educação
popular não for efetiva, tais proposições não traduzirão uma realidade.
ALGUNS ELEMENTOS A UTILIZAR, COORDENADAMENTE, NUM MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Parques nacionais, jardins zoológicos, museus e jardins botânicos, subordinados a um
Ministério da Educação Nacional, poderão ter um aproveitamento lógico, servindo
harmonicamente a diretivas gerais, tendentes ao solucionamento do maior dos problemas
nacionais: o da educação.
Colimando a conservação de riquezas naturais, há nos Estados Unidos a instituição dos
'parques nacionais" por toda parte onde se encontram formações naturais dignas de preser-
vação. São afamados os parques nacionais de Sequoia, Yosemite, Crater Lake, Mount Rainier,
Yellowstone, Grand Canyon, Wind Cave, Syllis Hill, Hot Springs, Rock Mountains, etc.
Não se consideram os parques nacionais, na América do Norte, como a expressão de um
idealismo platônico. E os Estados Unidos são, inegavelmente, um povo prático: ninguém o
contesta, e muita gente mesmo critica a sua mentalidade sempre em contato muito íntimo com
o senso da realidade, nunca deixando de encarar o lado positivo das coisas.
Por que não imitamos os Estados Unidos, formando aqui alguns parques nacionais? Te-
mos muitos sitios que estão a pedir esta providência. Belos e instrutivos, se não forem preserva-
dos em tempo, acabarão fatalmente perdidos. Tais belezas naturais não deveriam ser abandona-
das, sujeitas a serem, lamentável e irremediavelmente, mutiladas.
Entre outros muitos, dois exemplos se destacam: Vila Velha, no Paraná, e Maquine, em
Minas Gerais. Quem quer que tenha tido o ensejo de conhecer essas duas formosas preciosida-
des proclamará que é uma lástima não se promover, enquanto é tempo, uma inteligente conser-
vação de tanta beleza.
Com uma despesa relativamente pequena poderia ser feita a aquisição de Maquine e
de Vila Velha, e a sua conservação representaria uma insignificância.
Andam, porém, os nossos dirigentes tão despreocupados com o problema da educação
nacional, que não lhes ocorre o interesse por semelhantes iniciativas. Pois se na capital da Repú-
blica não há sequer um jardim zoológico oficial! O que temos, e que é devido a uma iniciativa
particular, ressente-se da falta de recursos e não está a altura da cidade. Aí não há trabalho de
conservação, e o jardim zoológico de Vila Isabel está hoje num triste estado, sem um gramado,
sem um recanto bem cuidado, sem nenhum dos inúmeros atrativos que deveria ter e que certa-
mente teria se para tanto dispusesse dos recursos necessários. Como iniciativa particular, repre-
senta um esforço louvável, mas quem já tenha visto os jardins zoológicos da Europa ou dos
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Estados Unidos, ou mesmo o de Buenos Aires, não pode deixar de ter má impressão ao verificar o
que é o "zoo" do Rio de Janeiro.
Por todo o mundo civilizado, os jardins zoológicos são mantidos com carinho, corno
um elemento de divertimento e de instrução popular. Aqui, porém, tudo o que se relaciona
com o problema da educação fica desdenhosamente relegado para segundo plano.
Quando nos decidirmos a sair dessa apatia e resolutamente metermos ombros a empresa
formidável de conseqüências, da educação nacional, certamente vir-se-á a cuidar dos jardins
zoológicos, dando-se-lhes, então, a atenção que merecem. Parques nacionais, jardins botânicos
jardins zoológicos e museus são elementos de instrução popular que podem servir, também
para pesquisas e estudos diversos, mas que têm o seu principal fim na difusão do ensino, concre-
tamente. Quando se organizar aqui o Ministério da Educação Nacional, estará indicado o apro-
veitamento lógico de todos esses estabelecimentos para, coordenadamente, servirem a esse fim
útil, harmonicamente subordinados a diretivas gerais.
O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL E AS ESTATÍSTICAS DE ENSINO
As estatísticas do ensino são elementos indispensáveis, pelas informações que forne-
cem sobre as necessidades de cada ponto do território nacional, em matéria de educação.
Essas necessidades, muito variadas, precisam ser conhecidas, especificadamente. Não basta
saber o número de escolas de cada tipo, o número de professores e a freqüência escolar. É
preciso mais: recensear a população em idade escolar, saber da distribuição das profissões
e tantos outros elementos, que o doutor Fernando de Azevedo, atual diretor da Instrução
Pública Municipal do Distrito Federal, competente e dedicado, antes de elaborar o
projeto de reforma do ensino que acaba de fazer, resolveu mandar proceder a um recense-
amento escolar no Distrito Federal. Se essa medida foi julgada necessária para o Distrito
Federal, cuja situação é muito mais fácil apreender do que a do imenso território nacional,
fácil é perceber quanto ela se faz precisa para a orientação do ensino por todo o Brasil.
Por ocasião da recente comemoração do primeiro centenário da fundação dos cursos pri-
mários no Brasil, o doutor Bulhões de Carvalho, diretor do Serviço Geral de Estatística, tentou
levantar uma estatística do ensino no Brasil. As dificuldades encontradas foram tamanhas que
não lhe foi possível lograr a realização desse louvável intento. Não conseguiu o diretor do Ser-
viço Geral de Estatística resumir em um quadro os resultados colhidos, que são apenas alguns
dados isolados, incompletos. Significa isso que a obra fragmentária da educação nacional não
pode hoje em dia nem mesmo ser conhecida em conjunto. É a desordem, a desunião, o caos. Ca-
da estado e cada município vai realizando as suas diretivas próprias, isoladamente, independen-
temente, sem uma finalidade comum. A unidade nacional acabará submergida por um tal traba-
lho continuado de dispersão. Daqui a uma dezena ou uma quinzena de anos, talvez seja tarde: já
se terão feito sentir os efeitos de desagregação da mentalidade nacional. Já se terá esta fragmen-
tado. E a tarefa, então, já não será mais a de prevenir, mas sim a de remediar, muito mais difícil.
Só um Ministério da Educação Nacional poderá realizar, proficuamente, a necessária
convergência de esforços, a começar pela reunião de todas as estatísticas necessárias e a
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
terminar pela formação da mentalidade brasileira, orientando-a no sentido da unidade
nacio-I Para o efeito de manter e estreitar os laços que se afrouxam, da unidade nacional, o
Mnistério da Educação Nacional será um elemento de primeira ordem.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL E O PROBLEMA DO LIVRO NO BRASIL
Livros didáticos bons e publicações interessantes relativas a educação nacional não têm,
via de regra, largas possibilidades de desenvolvimento entre nós na desorganização atual, como
se cada estado fosse um pequeno país com um número muito reduzido de leitores.
Coordenem-se, porém, os esforços para a criação de um Ministério da Educação Naci-
onal e será possível dar maiores probabilidades de êxito as boas publicações educativas pela
ampliação do número de leitores. Será essa uma das múltiplas atribuições do Ministério da
Educação Nacional: cuidar do problema do livro no Brasil.
Manter e desenvolver as bibliotecas públicas e fomentar a publicação de livros e trabalhos
educativos são tarefas que dizem de perto com a finalidade direta do Ministério da Educação
Nacional e que lhe deverão logicamente competir entre as suas funções.
O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL E OS INSTITUTOS CIENTÍFICOS E ARTÍSTICOS
Com a criação de um Ministério da Educação Nacional, é de esperar que se organize pelo
menos uma Faculdade de Ciências e Letras, cúpula e remate do conjunto educativo. Às Faculda-
des de Ciências se poderiam anexar os institutos científicos e nacionais, como, por exemplo, o
Observatório Nacional, hoje subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (!?).
Os institutos científicos ficariam assim integrados no conjunto das finalidades do Ministério da
Educação Nacional, onde as suas funções podem ser mais compreensivamente auxiliadas.
Não é somente, porém, a cultura científica que se interessa desenvolver entre nós;
também a cultura artística. Ao Ministério da Educação Nacional deveriam ficar subordina-
das as Escolas de Belas Artes e os Institutos de Música, como as demais instituições que
visam ao desenvolvimento da cultura artística.
EM RESUMO
Assim entendida a atuação do Ministério da Educação Nacional, verifica-se quanto é
diversa de uma simples organização burocrática, com uma denominação (departamento ou
ministério) que pouco importa. Defendendo a criação de um Ministério da Educação Naci-
onal, é no ponto de vista da organização de um aparelhamento eficiente que me coloco,
verificando que não é exeqüível a tarefa, no quadro estreito de uma simples dependência do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, pasta complexa, em que seja dado ao problema
da educação nacional toda a atenção merecida.
O Ministério da Educação Nacional permitirá criar no Brasil uma organização nova, que
encare de frente o problema e não fique, timidamente, a recompor as mesmas velhas peças de
um mecanismo obsoleto. Esse mecanismo, entre nós, tem sido montado — com pouca eficiên-
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
cia__ colimando apenas a instrução. Não é simplesmente da instrução, mas sim da educacão
que se precisa urgentemente cuidar no Brasil, com uma visão nacional do problema. A sua '
solução não pode ser entregue inteiramente as iniciativas particulares, nem confiada exclusiva
mente aos estados ou aos municípios.
Pela unidade nacional, o problema da educação precisa ser orientado de modo uno, por
toda a vastidão territorial do Brasil, e só o governo federal poderá fazê-lo. A solução completa da
questão exige a criação de um ministério dotado de recursos suficientes, que estabeleça com ns
diversos estados e municípios do Brasil os entendimentos que se impõem, pela unidade nacional
Como conclusão, proponho que a I Conferência Nacional de Educação adote a seguinte
proposição:
"A I Conferência Nacional de Educação entende ser a criação de um Ministério da
Educação Nacional uma necessidade urgente para o Brasil, devendo esse Ministério coor-
denar, sistematicamente, os esforços aqui dispendidos em matéria de educação e organizar
o nosso ensino, colimando, por meio de um plano nacional de educação, estreitar os laços
que determinam a unidade pátria e impulsionar a obra educativa por todo o Brasil, com a
visão do problema em conjunto."
TESE N
2
46
O ESCOTISMO E A UNIDADE NACIONAL
Victor Lacombe Américo L.
Jacobina Lacombe
Associação Brasileira de Educação
m todo o movimento que ultimamente se tem manifestado pela reforma dos métodos de
educação, constitui uma das mais belas vitórias a fundação do escotismo. Iniciado na
Inglaterra pelo gênio de Baden-Powell, a novel instituição reuniu todas as características do
novo movimento dando-lhe um cunho agradável e pitoresco. Apoiado pelas grandes sumidades
educativas, como Bovet, tradutor e comentador de Baden-Powell, adotado e aprovado pelo
Santo Padre, que incentiva quanto pode o escotismo católico, seguido e executado por quase
todas as nações e seitas do mundo, o escotismo espalhou-se por toda parte.
Quais as características dessa formidável organização? Quais os perigos de deturpa-
ção que apresenta? É o que vamos tentar resumir nestas poucas linhas, guiando-nos, o mais
possível, pela palavra do fundador da obra.
Antes de tudo destacaremos que:
1) o Escotismo não é uma organização de batalhões escolares;
2) o Escotismo não é uma federação de grupos de ginástica;
3) o Escotismo não é uma instituição escolar, um colégio propriamente dito;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
E
4) o Escotismo é um complemento a instrução escolar que tem como fundamento ' pivot
organização em patrulhas (grupos de meninos que trabalham sob a direção de um chefe-
monitor) que tem por fim estabelecer o equilíbrio na educação da mocidade, aliando
instrução propriamente dita ministrada na escola: a) a prática das virtudes cívico-morais
(Código do Escoteiro, prática da boa ação diária, senti-mento de honra, proteção aos fracos,
lealdade, otimismo, urbanidade, cavalheirismo, cortesia, etc); b) a educação física e esportiva
racional, adaptada as condições de cada um (facilitada essa adaptação pelo sistema das patrulhas) e
com o fim próximo de despertar o amor a natureza (campismo); c) a educação da observação, da
iniciativa, da habilidade manual, por meio das provas (tes- necessárias para a passagem das
diversas classes a que correspondem os distintivos badges. Começaremos por observar que o
escotismo não é uma organização militar. Foi justa-ente observando a ineficácia da educação
militar ministrada em geral nos colégios que Baden Powell organizou o escotismo de modo a
excluir o fim militar da educação física. Assim, começou tirando e banindo completamente dos
grupos escoteiros a espingarda, substituindo-a pelo bastão, símbolo do explorador e amigo do
campo. Tirou a blusa e o quepe militar, substituindo-os pela blusa e o chapéu decowboy.
Acabou com as condecorações militares e instituiu badges escoteiras com a divisa "Sempre
Alerta" (sempre pronto — be prepartd) e, principalmente, colocou como condição essencial
e básica da instituição a voluntariedade. Toda a parte moral da organização está assentada
sobre a idéia da honra, da consciência dos seus atos, declaradas num compromisso solene após
o noviciado. Tirar a liberdade desse juramento é ferir o escotismo na sua raiz, e bem se
compreende a razão por que desapareceram organizações que pareciam definitivas unicamente
por falta de compreensão da verdadeira instituição. Alunos de escolas, coagidos a
freqüentarem grupos, com instrutores militares, fazendo ginástica e marchas com exatidão
formidável, em que se distingue isso de um batalhão escolar?
No entanto, Baden-Powell declara no seu livro básico Scoutting for Boy: "a nossa
organização não é militar", "o nome de escoteiro não tem significação militar", "não temos
a menor intenção de fazer dos nossos rapazes soldados nem lhes provocar sede de sangue"
(p.346 da trad. port.). E ainda declara noutra obra que desconfia do escotismo de um grupo
escoteiro que marcha na perfeição.
O escotismo não é também uma organização de grupos de ginástica.
Muita gente há que considerar o escotismo como uma esplêndida escola de ginástica sueca
e dinamarquesa. O escotismo, porém, tem no seu programa de educação física um plano muito
superior. O fim da educação física escoteira é despertar o culto da saúde do corpo e incentivar o
esporte bem compreendido. Por isto ataca de frente o problema da educação física pela ginástica,
pela higiene pessoal, pela educação sexual, pelo esporte e pelo campismo. Um grupo de escoteiros
está sempre pensando num acampamento e deve realizá-lo o maior número de vezes possível. É lá
que se põem em prática as qualidades essenciais do escoteiro: resistência, atenção, iniciativa. Para
desenvolver a atenção, lembra Baden-Powell, há uma série de jogos que se podem adaptar e
inventar, de um modo incalculável, sobre reconhecimento de pistas, pegadas, etc.
Vistos sucintamente alguns pontos do escotismo, passamos a tratar do alcance interna-
cional e nacional da obra.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Mantendo o cunho nacional de cada tropa, o escotismo é um dos mais poderoso
meios de expandir o sentimento de cordialidade entre as nações. Nas suas reuniões interna
cionais — osjamborees — é interessante verem-se os vários grupos com o uniforme leve-
mente modificado por um costume nacional. É o fez nos egípcios, o turbante nos hindus
o saiote nos escoceses, etc. E tudo isto trabalhando para um fim comum.
Mas não é somente no exterior que o escotismo apresenta esta extraordinária forma de
adaptação. As suas badges são acrescidas e modificadas pelas religiões ou pátrias que o adotam
Assim, os católicos têm em suas tropas as especialidades de apologéticos, catequistas, conferen-
cistas e sacristão. Os americanos adotaram os costumes e tradições dos peles-vermelhas.
Nós ainda nada fizemos neste sentido; temos campo aberto para um trabalho imenso que
é o de inocular no sistema escoteiro as nossas lendas, as nossas tradições, os nossos costumes,
os nossos cânticos e a nossa história. Será assim o escotismo, sábio e criteriosamente difudido
pelo país, mais uma arma eficientíssima para manter e aumentar a força de coesão nacional.
E sendo todos esses sentimentos ministrados sem ódio mas com amor por todos os
povos da terra, contribuirão, sem dúvida, para a realização desse sonho tão belo e longín-
quo mas que cada vez mais se aproxima da realidade — a paz universal.
A primeira Conferência de Educação declara, pois:
1) Que é altamente recomendável a instituição do escotismo nas escolas do Brasil,
livre e voluntário.
2) Que é de grande alcance para a unidade nacional o estudo da nacionalização do
escotismo, isto é, a introdução da nossa história, da nossa tradição, da nossa natureza, dos
nossos cânticos e dos nossos costumes na obra escoteira.
TESE N
2
47
O ESCOTEIRISMO NA EDUCAÇÃO
Amarylio R. Oliveira
Casa Escola Centenário
ão é a pretensão de vos oferecer uma jóia literária de alto quilate que me animou a
tomar parte nos trabalhos deste patriótico congresso. Nem é ainda a pretensão ou
esperança de produzir uma peça oratória de subido valor que me traz a esta tribuna.
Não, senhores congressistas! Muito outro é o meu sentir e mui diferentes as minhas intenções.
Atrevo-me a apresentar a tao seleto auditório o meu humilde trabalho porque trago
como credenciais não um renome literário ou pedagógico, mas tão-somente o desejo ar-
dente de trabalhar pelo futuro da nossa pátria estremecida.
I Conferência Nacional de Educação—Curitiba, 1927
N
Sim, senhores congressistas! E o amor a mocidade brasileira, é a vontade inabalável
de ver o nosso Brasil grande e forte que aqui me trazem!
E deixai que eu vos diga, senhores congressistas, aqui estou pleno, vibrando de fervoroso
entusiasmo, orgulhoso com tão subida honra, sentindo já cantar-me na alma o hino da vitória!...
Mas ... confiado em que? — me perguntais. Confiado, eu vos respondo, no vosso
patriotismo e na santidade da causa que venho defender: o escoteirismo.
ORIGEM
Que é o escoteirismo?
Para bem compreendê-lo é conveniente recordar como nasceu essa admirável instituição.
O general inglês Baden-Powell, quando dirigia a campanha do Transvaal, ficou muito
admirado ao ver como os boers aproveitavam seus filhos nos trabalhos auxiliares da guerra:
reconhecimentos, observação do inimigo, transmissão de ordens, etc. Resolveu imitá-los e
formou um exército de meninos e jovens espertos, vivos, alegres e dedicados que lhe
prestaram valiosos serviços no cerco da cidade de Mafeking. {Promessas do Escotismo
conferência pelo professor Amaral)
Daí por diante seu espírito de homem forte e amante de sua pátria, seduzido pelos
frutos que desde logo pensou em colher da educação viril e enérgica da infância, tomou a
peito a realização do seu nobre ideal.
Terminada a campanha do Transvaal, voltou Baden-Powell a Inglaterra e ficou con-
tristado ao ver o abandono em que vivia a mocidade de sua pátria: falta de energia, nenhum
amor ao trabalho, falta de caridade e lhaneza no trato quotidiano, falta de respeito aos pais e
aos velhos, enfim, um amolecimento do orgulho nacional que asfixiava o patriotismo e
abalava os alicerces do lar e da família.
O velho e brioso militar não desanimou diante deste quadro desolador.
Suas cas não lhe roubaram a esperança de salvar a mocidade, e, então, formou essa
cruzada de amor e patriotismo a que deu o nome de Boy-scout
Isto sucedeu em princípios de 1908, na Inglaterra, segundo Benjamin Sodré em seu estu-
pendo livro Guia do Escoteiro, no qual, aproveito a oportunidade para declarar, fui buscar os
dados e pareceres do meu trabalho, não só por ser Benjamin Sodré o mestre e apóstolo do
escoteirismo no Brasil, como também porque todos quantos se interessam por esta patriótica
instituição devem conhecer aquela obra.
FINS
Como já salientei há pouco, o fim colimado pelo escoteirismo é a educação da mocida-
de, mas com uma pedagogia nova, cheia de viço e livre das peias do carrancismo conservador
que ainda dirige muitos dos nossos educadores.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O fim mais nobre do escoteirismo é formar homens que honrem sua família e glorifi.
quem sua pátria.
O escoteirismo, qual anjo tutelar, afasta a mocidade de tudo o que é nocivo ao corpo e ao
espírito. Sendo este seu intuito, combate a depravação de costumes, a efeminaçâo, a falta de cará-
ter, o uso de bebidas alcoólicas, de fumo, etc, e isto por meio de um programa suave e inteligente
Em confirmação do que assevero, ouvi o que disse o grande Baden-Powell ao dar
início a sua nobre campanha: "O meio de refazer as nossas energias enfraquecidas nos é
ensinado numa escola, nos postos avançados das nossas colônias: a escola da vida selvagem.
Lá, o indivíduo, o jovem, se vê na contingência—quer queira, quer não—de ser um homem
e não um carneiro; abre o seu caminho palmo a palmo, através da natureza inimiga e — se
quer vencer—tem de conquistar o êxito em plena luta." {Promessas do Escotismo — Amaral)
Para conseguir, porém, o seu ideal, para levar a termo feliz o seu grandioso empreen-
dimento, era mister uma diretriz, um programa.
PROGRAMA
Baden-Powell, muito embora não sendo um pedagogo, congregou em sua maravi-
lhosa instituição os mais profundos preceitos de Pedagogia.
Nessa admirável escola, a mocidade educa sua alma, seu caráter, enriquece sua inte-
ligência, seu espírito e fortifica seu corpo e seus músculos.
Com este intuito e para mais eficientemente conduzir os jovens, sintetizou em um
belíssimo decálogo o mais perfeito compêndio de honra até hoje concebido.
Qual outro Moisés, Baden-Powell, com seu código, consegue trazer os jovens ao
caminho do bem. Ei-lo em toda a sua simplicidade:
I
a
- A palavra do escoteiro é sagrada.
2
a
- O escoteiro é leal.
3
a
- O escoteiro tem o dever de ser útil e de ajudar o próximo.
4
a
- O escoteiro é amigo de todos e é irmão de qualquer outro escoteiro.
5
a
- O escoteiro é cortês.
6
a
- O escoteiro é amigo dos animais.
7
a
- O escoteiro sabe obedecer.
8
a
- O escoteiro é alegre e brinca.
9
a
- O escoteiro é econômico.
10
a
- O escoteiro é puro de pensamentos, de palavras e de atos.
Este código tem sofrido algumas modificações sem, porém, perder coisa alguma em sua
essência.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Os jovens se comprometem a seguir esta lei por um juramento, um compromisso de
honra.
Nestes termos:
"Prometo, pela minha honra, proceder, em todas as circunstâncias, como homem
consciente dos seus deveres, leal e generoso; amar a Deus e a minha Pátria, servindo-a
fielmente, na paz e na guerra; obedecer ao Código do Escoteiro."
Diante deste código, diante do ideal que animou o seu fundador, o escoteirismo
dispensa todo e qualquer elogio.
No entretanto, vejamos de relance de que forma ele se põe ao desempenho de educador.
O ESCOTEIRISMO------ ESCOLA DE EDUCAÇÃO COMPLETA
O escoteirismo é uma escola de educação completa, porque seu programa abrange a
educação em todos os seus aspectos, satisfazendo assim aos preceitos pedagógicos, tendo em
vista a definição de Denzel: "A educação é o desenvolvimento harmônico das faculdades físicas,
morais e intelectuais".
E de que modo? Vejamos:
O desenvolvimento físico é conseguido mantendo seus jovens adeptos o mais possí-
vel ao ar livre, dando-lhes uma vida de natureza. As caminhadas longas pelos campos,
pelas matas, a respirar o oxigênio forte que se desprende, trazem-lhes um enriquecimento
do sangue. Os exercícios naturais — marchas, saltos, corridas, escaladas — e os variadíssimos
jogos escoteiros que a esses vêm se ajuntar tornam, em pouco, a criança robusta e vigoro-
sa. Metódica e gradativamente habitua-a as intempéries.
O escoteirismo a ensina a ser cuidadosa com a saúde, a ser prudente sem ser medro-
sa. Ministra-lhe conhecimentos práticos de higiene pessoal e coletiva, inspirando-lhe uma
viva aver-são aos hábitos prejudiciais ao seu organismo, como o álcool, o fumo e todos os
excessos, quer nos exercícios, quer na intemperança.
Despertando uma elevada admiração por tudo quanto nos é dado pela natureza, por
Deus, leva a criança ao mais profundo respeito ao seu próprio corpo.
O desenvolvimento moral é a preocupação suprema do escoteirismo, e isso é conse-
guido pela prática das virtudes sintetizadas pelas leis do escoteiro. Essas leis, conjunto
perfeito de regras de honra e virilidade, que o escoteiro diante da bandeira promete cum-
prir, são a base onde assenta toda a moral do escoteirismo. São um código que lembra o
código dos cavaleiros de outrora, exemplos de nobreza que os escoteiros fazem reviver
depois de séculos. A preocupação contínua do escoteiro é cumpri-lo. Não pode ser senão
muito puro o meio onde o espírito é norteado por tal bússola.
A ação dessas leis seria imperfeita se os escoteiros se limitassem a uma admiração platô-
nica por elas. Mas isso não acontece; são cumpridas praticamente, são realizadas por atos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
As práticas escoteiras não se limitam a desenvolver os sentimentos do coração. Ao la-
do da bondade, da verdade, da pureza, que embelezam a alma humana, firmam as qualidades
de virilidade que desenham o caráter: a energia, a iniciativa, a coragem, a responsabilidade.
O escoteirismo, despertando no jovem um profundo patriotismo, desenvolve ao mesmo
tempo doces sentimentos de fraternidade universal.
Sob o ponto de vista de desenvolvimento intelectual, o escoteirismo, embora não minis-
trando instrução teórica de nenhuma natureza, vem completá-la, dando certos conhecimen-
tos práticos que a escola não dá e permitindo a aplicação de estudos teóricos lá recebidos.
Uma das grandes preocupações é despertar o espírito de observação e o desejo de a
criança aprender por si só.
Para desenvolver essas qualidades, sem as quais o homem não terá personalidade, o
escoteirismo dispõe de vários e interessantes jogos.
Os exercícios de descoberta e seguimento de pista, tirando dos sinais e pegadas encon-
trados no chão positivas conclusões, são uma ginástica incomparável de desenvolvimento
intelectual. O exercício de observação denominado Jogo do Kim, os conhecimentos de
utilidade prática, como a orientação pela bússola e pelos astros, os levantamentos topográ-
ficos, a avaliação, a simples vista, de distâncias, áreas e volumes, a transmissão de sinais
são exercícios de não menor valor no desenvolvimento da inteligência.
Ainda sob esse ponto de vista, o estudo prático da zoologia e botânica, que no
escoteirismo se limita a observações práticas sobre a constituição, vida, hábitos dos ani-
mais, pássaros, insetos e plantas, desempenha um papel proeminente.
Eis, em traços gerais, "o programa educativo do escoteirismo" (Benjamin Sodré,
Guia do Escoteiro, p.1-3).
Sendo, portanto, o escoteirismo uma escola de educação completa, é, ipsofacto, um
poderoso auxiliar dos mestres e educadores.
Por meio do escoteirismo, o professor consegue atrair as crianças e os jovens a
escola, porque os jogos, os passeios e todas as diversões que o escoteirismo, muito de
indústria, oferece, são um engodo milagroso para eles.
Graças ainda ao escoteirismo, o professor consegue interessar os pais, mesmo os
mais refratários, na educação dos seus filhos.
O escoteirismo desenvolve entre as crianças uma sólida camaradagem, o que muito
vem facilitar a missão do mestre.
Servindo o escoteirismo de atração a mocidade, é também um poderoso elemento de
estímulo e emulação. Cada escoteiro se esforça por melhor cumprir os seus deveres na expectati-
va de uma promoção, de uma recompensa, e, assim, a criança se acostuma a praticar o bem.
O escoteirismo coloca ainda nas mãos dos mestres e dos pais meios de castigar e punir as
crianças com reprimendas, observações, proibições de jogos, etc, castigos estes que produzem
ótimos resultados, porque não servilizam as crianças, deixando-lhes intacto o amor próprio.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Assim sendo, é valiosíssimo o auxílio prestado aos professores pelo escoteirismo, por-
que a missão do mestre não se resume em enriquecer apenas o cérebro de seus alunos! Não!
Já vai longe esse tempo! O apostolado do professor é muito mais nobre, vai muito além.
O professor precisa "dar uma alma ao ensino" no dizer de F. Laboriau, presidente da
A.B.E. Portanto, o professor não pode abandonar tão valioso auxiliar. O mestre é um
segundo pai, a escola a continuação do lar, conforme disse o saudoso Olavo Bilac:
Educar não é apenas ensinar. Educar é amar, é comparar, é ser pai. O educador cria almas novas
como o floricultor cria novas flores. Não é educador quem se limita a passar para o espírito do
educando noções de ciências ou de artes. Isso é, por assim dizer, a parte mecânica do ensino, que
o trato dos bons livros o pode dar por si só.
O papel do educador é mais nobre; ele forma o espírito, afeiçoa o coração, transforma a alma e
o corpo, equilibra os nervos, robustece os músculos, aperfeiçoa o cérebro, apura a inteligência,
desenvolve a bondade, ensina a justiça, afervora a coragem, tira, em suma, da criança o homem,
como se tira do carvão negro o diamante e do petróleo asqueroso a luz radiante.
O meu humilde parecer nada valeria, senhores congressistas, se não estivesse, como
está, apoiado na opinião abalizada de educadores de renome mundial.
Com relação ao escoteirismo, assim se expressa Ernest Young, notável professor inglês:
O movimento escoteiro depôs nas mãos dos professores o mais belo instrumento que jamais foi
inventado para a formação do caráter e uma série de métodos bem superiores aos processos
ordinários do mestre-escola profissional. Mas nós, os professores, somos uma corporação muito
conservadora, e muito tempo ainda se há de passar antes que compreendamos o valor do instru-
mento que foi para nós inventado. Não tenho, no entanto, a menor dúvida — seguindo as nor-
mas do escoteirismo é que se desenvolverá a educação moderna.
E não é só. Ouvi como Russel, grande pedagogo americano, deão da Universidade de
Colúmbia, elogia o escoteirismo como auxiliar dos mestres:
É de justiça que se proclame que o programa do escoteirismo completa o trabalho da escola. Ele foi
organizado de tal maneira que quanto mais o estudardes, vós, professores, mais vos convencereis
que o seu aparecimento representa uma verdadeira descoberta.
O programa do escoteirismo é o trabalho do homem adaptado a idade da criança. Ele atrai os
meninos em todos os períodos, até mesmo naquele em que o jovem começa a transpor os umbrais
da adolescência para fazer-se homem.
O programa do escoteirismo, sem quase nada exigir da criança, condu-la, passa a passo, ao ponto
que quer atingir. Não é tanto o plano de instrução dos escoteiros que é notável, é o seu método. E
nesse método há alguma coisa que, ouso dizer, não se viu em parte alguma, ainda. Meus amigos,
como preceptores que sois da juventude, eu vos devo dizer, é minha convicção que as nossas
escolas não estarão a altura da tarefa que delas espera a futura geração, se nós não lhes inculcar-
mos, tanto quanto possível, o espírito e o método escoteiro, e se, além disso, não fizermos de sorte
que o maior número possível das horas de recreio dos nossos alunos sejam preenchidas por esse
programa tão completo.
Outro documento de valor para o escoteirismo é ser ele um movimento mundial.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Em todo o mundo civilizado, o escoteirismo é carinhosamente estudado e difundido
graças aos riquíssimos e incalculáveis benefícios que presta a mocidade.
Em nosso Brasil também o escoteirismo já possui apóstolos incansáveis e adeptos fer-
vorosos. Principalmente no Distrito Federal, São Paulo e Minas, o escoteirismo já vem pres-
tando valioso concurso a educação, porém é conhecido e praticado em todo o Brasil, depen-
dendo apenas de uma propaganda inteligente e fervorosa para produzir melhores frutos.
Agora mesmo, no advento deste congresso, uma plêiade de abnegados tomou a peito
a difusão do escoteirismo no Paraná, e nesta capital já se realizaram várias reuniões para
tratar amplamente do assunto. A eles os nossos parabéns.
Lá estão, com seus milhões de escoteiros, a Inglaterra, a França, a América do Nor-
te, etc, para lhe atestar o mérito.
Aqui temos também, com muitos milhares de escoteiros, o estado leader. O Distrito
Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, enfim, todo o Brasil, usufruindo benefícios de tão
maravilhosa instituição.
Senhores congressistas, caríssimos colegas, diante de opiniões tão valiosas e de tan-
tas provas irrefutáveis de valor, desnecessário se torna insistir neste conseguinte.
Não haverá, estou certo, um só dentre vós que negue ser o escoteirismo uma escola
de educação; portanto, todos vós, unanimemente, concordareis comigo: o escoteirismo é
auxiliar poderoso dos pais e dos mestres.
Assim sendo, todos nós proclamaremos a uma só voz, uníssonos, que o governo deve
bafejar com seu prestígio esta patriótica cruzada, e que cada professor, verdadeiramente amante
da mocidade, tem o sagrado dever de propagá-lo, de trabalhar por ele com toda a sua alma.
Considerando, portanto, o que acabo de expor, proponho que a Associação Brasileira
de Educação promova oportunamente um Congresso Escoteirista, em que tomem parte
todos os estados da União, a fim de ser elaborado um programa de propaganda em todo o
Brasil, solicitando em seguida que o governo torne oficial o escoteirismo e que cada estado
o inclua em seu aparelho escolar.
CONCLUSÃO
Senhores congressistas, quero, ao terminar, dirigir um fervoroso apelo a todos aqueles
que deveras amam o nosso querido Brasil: trabalhemos pelo futuro da nossa pátria estremecida!
Mas trabalhemos, sem esmorecimento, até ao sacrifício: Labor improbus omnia vincit.
Não é preciso dizer que o trabalho mais meritório e proveitoso que podemos prestar ao
Brasil é educar a mocidade em flor, o Brasil de amanhã. Sim. Eduquemos o povo! Eduquemos a
mocidade, e o Brasil ocupará em breve o lugar que lhe compete no concerto das nações cultas.
Seria pleonasmo procurar provar que a educação é a pedra fundamental da civilização e do
progresso de todos os países que marcham na vanguarda das grandes conquistas e concepções, e
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que Brasil ainda está muito atrasado neste conseguinte. Para prová-lo, não é mister recorrer as
turísticas; é suficiente meditarmos nos fatos que diariamente ocorrem em nossa vida política e social.
Contra fatos não há argumentos. "Não temos disciplina, nem exterior nem interior; falta-lealdade; não
temos noção de cumprimento do dever; temos medo de assumir responsabilidades
-
somos de
entusiasmos passageiros, não temos tenacidade nem seqüência na ação". Para estes defeitos de
educação o escoteirismo é um achado genial, um maravilhoso cesso para a remodelação moral de um
povo. É a melhor cura de otimismo, de juvenilidade de energia que se pode aplicar a um povo como o
nosso, onde todas as outras reservas de forças foram atacadas e destruídas pela proliferação tropical do
pessimismo e do desânimo. (Benjamin Sodré — Guia do Escoteiro) Em confirmação de minhas
palavras, ouvi como o grande brasileiro João Alves aponta os defeitos do nosso povo e, para saná-los,
julga poderoso fator o escoteirismo: Por ocasião da solenidade para entrega de uma medalha de
distinção que o governo conferiu a um jovem escoteiro que prestara relevantes serviços na extinção de
um incêndio, o ministro da Justiça de então, doutor João Luiz Alves, pronunciou o seguinte discurso: "O
governo da República resolveu conferir-te uma medalha pela parte que tomaste na extinção do formidável
incêndio que ameaçou destruir importante quarteirão de parte central da nossa cidade. "Assim procedendo,
o governo não teve o intuito exclusivo de reconhecer a tua benemerência pelo auxilio que prestaste,
espontaneamente, ao nosso devotado Corpo de Bombeiros, sempre dedicado ao cumprimento dos seus
árduos deveres. "Não! O governo pretende também, com esse ato, proclamar o seu aplauso e o seu
apoio a fecunda instituição dos escoteiros, escola moral e cívica dos futuros cidadãos da nossa pátria.
"Em uma hora de delinqüência moral, de dissolução dos costumes, de anarquia dos espíritos, de apetites
desenfreados, de desordens sem peias, devemos apelar para as forças vivas do futuro, confiando-lhes a
grandeza da Pátria e a realização dos seus altos destinos.
"É a juventude ainda não contaminada, é a mocidade ainda ardente de fé, é aos cidadãos de
boa vontade que as inspiram, as educam e as dirigem que o governo endereça neste humilde
escoteiro a existência desse substrato moral de virtudes humanas e de virtudes patrióticas,
que
nos hão de salvar e nos hão de construir uma terra feliz, pela felicidade de seus habitantes. "O
sentimento do dever — o propósito de cumpri-lo, o seu cumprimento através de todos os
perigos — é a maior virtude do cidadão, principalmente quando lhe pesa o encargo de dirigir os
seus concidadãos. esse sentimento do dever, esse propósito de cumpri-lo, esse cumprimento,
através de todas as dificuldades e embaraços que se lhe antolhem, que nutre o governo e o leva a
felicitar todos os que se dedicam ao desenvolvimento da obra dos escoteiros e a assegurar-lhes o
seu apoio.
"Sóbrio, paciente, vigilante, destemido, leal, franco, honesto, bondoso para com todos, toleran-
te, trabalhador, abnegado — tal é o tipo ideal do escoteiro, para cuja formação benditos serão
todos os esforços e abençoados todos os obreiros.
"Eis o que, com esta medalha, quis dizer o governo, premiando no ato individual a grande obra coletiva."
Trabalhemos, portanto, pelo escoteirismo! Porque trabalhar por esta patriótica cruzada é pugnar
pelo futuro dos nossos filhos, é preparar o progresso e tranqüilidade da família brasileira.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Fazendo minhas as ardentes palavras de Benjamin Sodré, o Pestallozi na campanha
escoteirista no Brasil, eu exclamo: Homens! Precisamos de homens!
Sim, senhores congressistas: homens de caráter, homens que coloquem a honra aci-
ma do interesse pessoal, homens de civismo ... e é o escoteirismo quem no-los dará.
Coelho Netto, o grande amigo da mocidade, assim fala do escoteirismo em seuBreviário
Cívico:
... O escoteirismo é uma instituição de energia, tendo por base a força inteligente que se chama
Dever, governada pela disciplina.
O escoteiro, assim como se robustece nos exercícios ao ar livre, apura os sentidos, desenvolve as
faculdades e aprimora os sentimentos; torna-se sociável, fraternizando com os companheiros no
convívio que os liga intimamente pela cadeia da solidariedade.
... Acompanhado sempre da Bandeira, cresce junto dela, cantando, como oração heróica, o Hino
Nacional e, fiel ao juramento que lhe prestou, não ousa cometer falta pela qual possa ser argüido
diante do pendão venerável, que é tudo para ele, porque é o símbolo da Pátria.
De tal escola saem os infantes que serão os homens de amanhã; seres de tempera viril, tão úteis na paz
pelo que aprenderam brincando, como serão bravos na guerra pela resistência que adquiriram no
corpo, com os exercícios, e na alma, com a perseverança na disciplina, que é a cadência da ordem.
Assim, essa instituição heróica e generosa é a escola primária do civismo, na qual se devem matricular
todos os meninos brasileiros que, amando o seu país, queiram aprender a bem servi-lo e a honrá-lo.
Senhores congressistas, não restando a menor dúvida sobre o valor do escoteirismo
na educação, façamos nossas as palavras do Rei George, da Grécia:
Eu trabalho e continuarei a trabalhar com entusiasmo pela difusão do movimento escoteiro,
porque tenho uma confiança absoluta na sua força regeneradora, que agirá sempre para obter a
paz e o progresso da humanidade.
TESE Nº48
O QUE SE PODERÁ ESPERAR DA EDUCAÇÃO ESCOTEIRA
PARA O PROGRESSO DO BRASIL
Altamirano Nunes Pereira
Delegacia da U.E.B. no Paraná
A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL
Quem, de relance embora, penetra seus estudos sobre as necessidades nacionais em
relação a preparação das crianças sente as falhas inomináveis que depreciam o mérito de
todos aqueles que, até o presente, vêm colaborando para o engrandecimento pátrio através dessa
preparação.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
No ensino primário, que é feito através dos processos que cada estado entende adotar,
seguindo metodizaçâo diversa de um para outro, a educação primária é, na maioria deles,
apenas a intelectual. Para alguns, já os programas estabelecem determinados minutos para
as instruções cívica, moral e física.
Mas a instrução cívica simplifica-se, atingindo apenas o conhecimento de hinos
meramente decorados, sem uma exposição sucinta dos termos léxicos que fazem seus
enredos, constituindo-os. O campo de aprendizagem nessa instrução fica limitado, não se
conseguindo dar as crianças a noção da alta finalidade cívica que deveria compreender a
instrução cuidadosa. A instrução moral reside nas entrelinhas dos autores adotados, ao
critério didático de cada um deles, restando a criança a convicção que por si mesma venha a
adquirir. Essa aprendizagem não impressiona os reflexos, pois faz-se as pressas,
papagaiando os textos. A instrução física, limitada sua prática aos grandes centros, onde o
aparelhamento e o pessoal para ensiná-la é fácil obter, é inexistente pelo interior do País.
Observa-se que apenas nos grandes centros, sujeita mesmo a notável precariedade de
métodos e de resultados, vai sendo essa instrução processada mais para fins recreativos do
que propriamente educacionais.
Pois bem, com todos os seus defeitos, não há sequer uma face que a possa salvar
quanto a finalidade nacionalista que deveria ser esboçada. Processada ao prazer dos educa-
dores de cada estado, não há pontos de vista comuns que a faça apreciar sob esse aspecto.
Podemos mesmo acentuar que através da sua prática realça-se o primeiro passo para a falta
de unidade entre as crenças dos filhos do Brasil, mal ponderável para a força da nacionali-
dade. Enquanto isso se observa, sente-se que:
A EDUCAÇÃO ESSENCIAL NAO EXISTE
Não admirará a quem quer que se afirme que a instrução essencial não existe no
Brasil. Ela há de ser, por certo, aquela que possa fazer do homem um elemento ativo da
Nação. E não só com a alfabetização se o terá, pois que, largado aos recônditos das caatin-
gas, nos confins das campanhas, o indivíduo brasileiro, entregue a si mesmo pela falta de
contato com os grandes centros, como é certo que vive o grosso de nossa população rural,
nenhum proveito tirará de sua alfabetização. Lá onde não for o correio, que conduz o livro,
o jornal etc, onde as estradas são picadas perdidas, que vantagem haverá aqueles que
passam o dia pachorrentamente ou de enxada a mão no conhecer o alfabeto ou em saber
assinar o nome? Se uma carta jamais será por ele assinada!
A instrução essencial para o indivíduo que de passar sua vida na labuta pelo interior
requererá, contudo, que outras subsidiárias lhe sejam ministradas. A essencial para o nosso
caso de país novo, cujas necessidades primeiras são as que dizem justamente em relação ao
desenvolvimento das indústrias extrativas e agrícolas, há de ser a que faça o lavrador—o homem
que por princípio deveríamos ter e de cuja posse ainda estamos afastados —, que faça o artífice
(carpinteiro, pedreiro, torneiro etc), que deveria completar a função conquistadora que o primei-
ro esboça.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Essa convicção tende a generalizar-se, tendo já alguns estados, como o do Paraná
incluído a cadeira de Agronomia entre as disciplinas dos cursos de suas escolas normais. É o
primeiro passo para conseguir-se o desenvolvimento da educação essencial as crianças ru-
rais, as quais receberão, através das preleções dos professores diplomados, os rudimentos
para encetar na vida prática uma profissão que as torne elementos ativos para o País. Cum-
pre observar, porém, que o ensino não deve ficar limitado as noções teóricas das preleções
em sala, senão que deve ser tratado experimentalmente, nos campos de cultura. Está dado
contudo, o primeiro passo.
Quando poderemos, porém, contar pelo Brasil imenso que essa seja a norma seguida
______________________________________________________________
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a de fazer-se do professor primário o elemento apto a ativar nos homens do futuro o desenvol-
vimento das faculdades realizadoras?
Só agora tenta o professor Fernando de Azevedo, ilustrado diretor da instrução do
Distrito Federal, dar ao ensino primário da capital da República a finalidade ativa, pela
criação de escolas pré-vocacionais e vocacionais. O projeto acha-se em discussão no Con-
selho Municipal do Distrito Federal, onde os legisladores por certo lhe hão de reconhecer
o caráter de seu alto valor, fazendo-o aprovar. Ele acaba com os processos rotineiros em
que temos vivido, fatigando o cérebro infantil sem lhe permitir o desenvolvimento de facul-
dades ativas, para preparar as gerações futuras fortes na confiança de si mesmas.
Mas essa reforma que encerra os termos de grande sabedoria não irá tão cedo ser
conhecida e experimentada pelos demais estados do Brasil. Hão de permanecer, ainda por
muito tempo, nos roçados, nos campos de cultura, nas oficinas, etc, onde o elemento ativo
é o colono, os processos de exploração rotineiros e estacionários.
Para acelerar a sua implantação no País, apresentamos:
A CONCEPÇÃO DE BADEN-POWELL
A experiência de uma guerra cruenta, onde a inteligência bôer deveria pôr a prova a
alta capacidade guerreira de que são dotados os sul-africanos, fez nascer a consideração de
todo o mundo um nome de famoso general: Baden-Powell. Ele foi o chefe das tropas regula-
res inglesas que abateram as florescentes repúblicas do sul da África. Seu nome aureolou-se
pela ação heróica em Mafeking, onde resistiu ao sítio cruel e demorado das tropas indígenas.
Foi ali mesmo que lhe veio a inspiração do que deveria fazer em sua pátria para enrijar a
raça do futuro.
Sua inteligência terminou por concluir que, para ter a Inglaterra tipos de homens robus-
tos, vigorosos, capazes de enfretar a vida dentro de uma educação moral, cívica e intelectual
que assegurasse, adseternam, o valor de sua pátria, deveria criar o escoteirismo. Do que essa
escola de educação integral é, di-lo o próprio general Baden-Powell: "Não há rapaz algum,
suponho eu, que não deseje ardentemente ser útil ao seu País. Pois tem a seu dispor uma simples
maneira de o conseguir: fazer-se escoteiro". Só a palavra abalizada do ilustrado general bastaria
para realçar o valor da instituição a que nos referimos; nós vamos, contudo, fazer as apreciações
sobre os aspectos morais, cívicos, intelectuais, físicos e profissionais do escoteiro.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Do Ponto de Vista Moral
Fundamento moral do escoteirismo reside em seu código, que deve ser sabido e
compreendido pelos jovens escoteiros. Ele encerra, em doze artigos, a mais completa lição
de moral que das crianças se possa exigir.
0 primeiro artigo diz da honra: "A palavra de um escoteiro é sagrada. Ele coloca a
honra acima de tudo". Por aí, inicialmente, passa a criança a saber que a maior virtude é a
verdade, que sua alteração é imoral por permitir ao homem tortuosidades, enquanto
semeia a outros os erros que levam a consciência errônea ou duvidosa Reside nessa regra
a dependência da honra para com o juízo reto que dá a palavra sagrada, porque é verificada
e vai no ensinamento a base da moralidade. Segue-se no segundo artigo do código: "O
escoteiro sabe obedecer. Compreende que a disciplina é uma necessidade de interesse geral".
Aí se resumem os principais deveres da criança em relação a obediência racional devida aos
pais, como aos seus guias , chefes, educadores, autoridades, etc. A disciplina merece a
consideração que é mister, como força necessária a harmonia, sem, contudo, ser tida como
resignação passiva.
"O escoteiro é um homem de iniciativa", diz o terceiro artigo. Por ele surge a convicção
de que o homem equilibrado, são, deve ter um estado de vibração espiritual que o conduza a
atividades realizadoras, para o bem pessoal ou coletivo, sem prejudicar o próximo.
O quarto artigo reza que "o escoteiro aceita, em todas as circunstâncias, a responsabilida-
de de seus atos"; por isso que a sua preparação só há de permitir-lhe a prática de bons atos e
porque ele toma a resolução de executar o que o dever impõe e executa o que resolveu.
"Leal e cortês para com todos, considerando todos os outros escoteiros como seus ir-
mãos, sem distinção de classe social; generoso e valente, sempre pronto a auxiliar os fracos,
mesmo com o perigo da própria vida, praticando todos os dias uma boa ação, por mais modesta
que seja, o escoteiro estima os animais e opõe-se a toda crueldade contra eles. Sempre jovial e
entusiasta, procurando o lado bom das coisas, é o escoteiro econômico e respeitador do bem
alheio, tendo a constante preocupação de sua dignidade e do respeito a si mesmo". É o resumo
dos ensinamentos que contêm os demais artigos do código.
Vê-se por esses ensinamentos que se dá as crianças a noção de honra, obediência, inicia-
tiva, responsabilidade, lealdade, fraternidade, temeridade, piedade, bondade, jovialidade, cor-
tesia, economia, coragem, etc.— uma base sólida para a prática das boas virtudes.
Como complemento aos ensinamentos do código, o escoteiro presta o compromisso
moral que resume em assegurar pública e formalmente: "Prometo pela minha palavra de
honra: I - Proceder em todas as circunstâncias como homem consciente de seus deveres,
leal e generoso;... III - Obedecer ao Código do Escoteiro".
Do Ponto de Vista Cívico
No compromisso, o segundo juramento é: "Prometo, pela minha palavra de honra:... II -
Amar a minha Pátria e servi-la fielmente na paz e na guerra". Só isso bastaria para manifestar a
grandeza da educação escoteira pelo lado cívico.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Mas não para aí. O escoteiro aprende ainda o alto significado da palavra e as razões
por que deve amar a sua pátria. Conhece sua bandeira, seus hinos, suas datas gloriosas
seus heróis, sua extensão, sua organização política, suas instituições, etc. Com isso o me-
nino crê no futuro de sua pátria, sentindo-a em sua grandeza e preparando-se como ele-
mento ativo para o corpo social, que se renova constantemente, mas que fica perene nessa
"associação, sobre o mesmo solo, dos vivos com os mortos e com aqueles que nascerão".
Do Ponto de Vista Intelectual
É o escoteirismo admirável escola. Conduzindo a criança aos jogos recreativos, prepara-
a para receber, sem cansaço, a mais natural das lições de coisas. Por esse processo tem a criança
oportunidade de, paulatinamente, sem nenhum esforço excessivo, amestrar os cinco sentidos, a
consciência exata, a personalidade caracterizada pela virtude. Com passeios ou nos conselhos
em sala, o chefe, que deve ser exemplo de virtudes e ter os necessários conhecimentos, dá-lhe as
noções referentes a utilidade das plantas, as necessidades de higiene individual e coletiva, as
regras para os bons processos de cultura, aos processos racionais de pesca, ao aproveitamento
do terreno, as condições das boas estradas, ao valor das madeiras, como se faz um levantamen-
to do terreno, um esboço panorâmico, etc.
Em alguns centros de educação escoteira ensinam-se os conhecimentos do curso primário.
Vê-se assim que, sob o ponto de vista intelectual, o escoteiro tem os delineamentos
essenciais para fazer-se o homem ativo.
Do Ponto de Vista Físico
"Esta admirável escola ao ar livre abrange todos os pontos que se contêm no progra-
ma da moderna pedagogia. Primeiro, a instrução física: a conservação ou o restabelecimento
da saúde, pela higiene e pela medicina, e o desenvolvimento normal e progressivo de todas
as funções do corpo, pela ginástica e jogos escolares". Disse-o Olavo Bilac.
Sob esse aspecto, aprendem os escoteiros a natação, a marcha a pé sem cansaço, a vida
ao ar livre, os jogos e as competições desportivas, ativando um enrijamento que lhes proporci-
ona uma envergadura sadia que pode comportar facilmente o mens sana. Nessa preparação
física, cumpre notar, não há excessos que a sobreleve em nível as demais preparações. A apren-
dizagem se faz progressiva, encadeada logicamente, fazendo-se parelha sob qualquer aspecto.
Nas provas de concurso para passagem de uma classe a outra, é o jovem escoteiro
submetido a uma série de trabalhos e de experimentações, em que se busca conhecer do
equilíbrio reinante entre seus diversos conhecimentos para com sua preparação física.
Do Ponto de Vista Profissional
Até o presente, bem poucos são os casos em que se tem buscado introduzir a instrução
profissional entre os escoteiros. Já houve, contudo, em São Paulo, grupos que cultivaram
campos bondosamente cedidos pelos seus proprietários, que aos escoteiros compravam os
290 I Conferência Nacional de Educação Curitiba,
1927
produtos. O resultado foi o melhor possível, pois, a título de recreio, os meninos aprenderam
as operações iniciais da agricultura.
Atualmente, raras serão as organizações que possam dispor, com recursos próprios, dos
elementos que permitam aos meninos evidenciar suas tendências vocacionais, ensaiando
esmo aprender as primeiras noções práticas de uma profissão. O ideal seria que em cada
organização houvesse oficinas, campos de cultura, de criação, etc, em que os jovens escotei-
ros pudessem, a guisa de distração, encetar os primeiros passos nos ramos profissionais a que
pretendessem mais tarde dedicar-se. Isso, por ora, é impossível. Nessa parte recai-se nas
mesmas dificuldades em que se debate o ensino primário no País.
UMA SOLUÇÀO ESCOTEIRA
Já notável é a atividade manu e maquinofatora, já adiantados são os processos culturais
que empregam algumas empresas; possuímos regular número de campos experimentais; ofi-
cinas diversas constituem nossos centros manufatureiros. Pois bem, façamos desses centros
de atividade nossas escolas profissionais.
Nenhum gerente, nenhum proprietário se há de opor a receber-nos com nosso grupo de
meninos para permitir a observação de como se processam as operações diversas das ativida-
des industriais, uma vez que saiba a finalidade patriótica que nos anima. Essas visitas constantes
dos chefes com seus grupos as fundições, as fábricas de vidro, aos moinhos, aos engenhos, as
serrarias, as olarias, aos campos de cultura ou de criação viriam resolver, até certo ponto, a
precariedade de instrução profissional em que nos debatemos e, assim, poderíamos permitir aos
vocacionados uma idéia mais completa do que são essas atividades, coordenando-lhes as idéias
e despertando-lhes o interesse que a observação permita.
Ao que parece, a idéia é realizável, sendo indiscutíveis as vantagens que determinaria. As
crianças, conhecendo de perto as interessantes operações industriais, estimulando-se nestas o
gosto pela indústria oleira, naquelas o prazer pelos trabalhos agronômicos, naquelas outras o
interesse pelos trabalhos de fundição, etc, teriam assim oportunidade de suprir as falhas de uma
educação meramente teórica.
Preparar-se-ia dessa forma o homem de amanhã, o qual tornar-se-ia fugidio as divagações da
abstração, para colocar-se em oficinas, em campos de criação ou de cultura, etc. A providência pa-
rece, por isso, que se impõe não só as organizações escoteiras, como aos colégios primários ou se-
cundários mesmo. Essa é a educação escoteira de que muito se pode esperar para o Brasil do futuro.
CONCLUSÃO
Do Código do Escoteiro, a par das regras e dos preceitos de virtude, consta ser o
escoteiro um elemento ativo.
Ora, da iniciação de atividades que teve o jovem nas gradativas aprendizagens que fez
durante sua carreira, deve esperar-se que, ao atingir a fase de homem, por certo não há de
buscar o estiolamento a essa faculdade.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Como no tempo de jovem viu e observou, aprendeu e acompanhou as fases de prepara-
ção de produtos industriais pela atuação de seus centros reflexos, dada a necessidade do viver
honesto em que se iniciou, ele há de buscar consagrar-se ao gênero de atividade que mais o
interessou naquela fase. Vai nisso o aproveitamento das aptidões vocacionais, que valem meia
experiência. Disso, por sem dúvida, há de decorrer o engrandecimento da nacionalidade através
do escoteirismo, preenchendo ele, além das finalidades de preparação moral, intelectual, cívica
e física, mais esta de extraordinário valor — a da predisposição e da preparação profissional.
TESE N
s
49
MISSÕES ESCOLARES
Raul Gomes
Curitiba, PR
s estudiosos dos problemas educativos sabem que está se processando no mundo uma
das mais notáveis revoluções pedagógicas.
Pela sua profundeza, pelo seu alcance e pela subversão completa da metodologia em
vigor, pela rapidez de sua difusão e pela simultaneidade de seu surto no espaço, essa reno-
vação, transformação ou remodelação não tem símile na história da civilização.
Nenhum dos grandes pedagogos da humanidade, de Aristóteles a Comenius, de
Pestalozzi e Herbart aos metodologistas americanos, logrou o êxito dos Ovide Decroly,
Maria Montessori, Ad. Ferrière, John Dewey e do obstinado Jorge Kerschensteiner.
Até a Rússia, retaguardista indefectível de todas as estatísticas de instrução primária,
já está avassalada pela onda reformista. E já encontrou na pessoa de Nadesha Krouspskaia
uma organizadora possante e feliz.
Certo, já ecoou até nós a trepidação dinamizante dessa febre reconstrutiva, ao lema
bendito de que o século XX será o século da criança.
Já em 1922, um grupo de idealistas, entre os quais figuravam Anatole France e Herriot,
anunciava que "já soara a hora da criança".
São reflexo desse interesse pela evolução em marcha no universo as novas doutrinas
de Lysimaco Ferreira da Costa, pregadas em memorável conferência na Escola Normal de
Curitiba, em 1925, sobre a escola ativa, contra a escola medieval ainda imperante; as refor-
mas intentadas em Minas Gerais ao impulso da ciarividência de Francisco Campos e, no
Distrito Federal, Fernando de Azevedo.
Mas é preciso mais. É preciso que, no movimento empolgante que vai pela terra, o Brasil
não seja o eterno retardatário, o velho granadeiro de Offenbach, a adotar organizações abando-
nadas como anacrônicas e gastas por povos sempre em dia nas conquistas pedagógicas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
Ainda há pouco tempo, sob o patrocínio da vitoriosa Associação Brasileira de Educação, o
grandede Miguel Couto consignava a observação de que, quando o Japão abriu os olhos a
necessidade imperativa de sair do escuro medievalismo, soltou, sobre as mais adiantadas
nações do mundo, um bando de inteligências que foram fazer pouso em escolas, universidades e
academias.
Apenas coroado — escreve Miguel Couto —, Mutusahito publicou o seu primeiro
manifesto, onde se depara esta frase: "cultivai as ciências e as artes para desenvolver e
aperfeiçoar os vossos dotes morais"; e depois, em sucessivos editos, "que o saber seja
procurado no mundo inteiro para assegurar a prosperidade do Império".
E o milagre japonês não demorou.
Ainda agora a extraordinária obra de Ovide Decroly, na minúscula pátria de Alberto
I, está servindo de ponto de mira de visitantes dos mais ilustres países do mundo.
Uccle, o subúrbio humilde de Bruxelas onde o excelso pedagogo realizou suas
imorredouras experiências, Uccle, que foi o laboratório experimental do sábio belga como
Neuhoff foi o do gênio imperecível de Pestalozzi, é a meca do professorado mundial.
Dali partiu a mais extraordinária reforma metodológica de todos os tempos, ora
subvertendo velhas e sólidas doutrinas e práticas escolares.
Pois bem. O Brasil precisa se familiarizar com a processuação desse gigantesco trabalho.
Há muito que ver. Não só na Bélgica, mas na Alemanha, onde Kerschensteiner dominou a
nação; na Itália, onde Montessori recebeu já a consagração oficial; na Suíça, onde Ferrière segue
as pegadas de Decroly; nos Estados Unidos, onde John Dewey inova as correntes pedagógicas.
Mesmo perto de nós há o que aprender, senão em modernidades pedagógicas, pelo
menos no que está feito no Uruguai e na Argentina.
Aquele, principalmente, acha-se vivamente interessado pela atual revolução
metodológica e já enviou embaixadores a Bélgica. E está em plena atividade no esforço de
adaptação das teorias e práticas triunfantes na Europa de hoje.
O Brasil mantém, desde muitos anos, prêmios de viagem para estudantes de vários ramos
do saber. Com forte razão, deve estipendiar também permanências demoradas de professores pri-
mários e secundários nos centros onde a cultura pedagógica se encontre realmente em progresso!
Eles irão, no conceito do atilado monarca nipônico, buscar o saber ou a técnica onde
quer que eles se achem no mundo inteiro.
E que melhores veículos da ciência que eles, os professores, os instrumentos diretos
do aperfeiçoamento intelectual dos povos?
CONCLUSÕES
Eis ligeiramente justificada a idéia condensada neste plano, ora submetida ao apreço
deste congresso, para que sobre ele chame a atenção do parlamento nacional:
O Congresso Nacional decreta:
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Art. I
2
— O Governo da República fica autorizado a custear, durante um ano, a
permanência, no estrangeiro, de 105 professores ou professoras primários normalistas,
indicados pelos governos estaduais dentre os membros do magistério com curso normal
feito distintamente e com pelo menos dois anos de exercício em escola ou grupo escolar,
para o estudo da organização do ensino, da técnica e da prática pedagógica nos mais aper-
feiçoados estabelecimentos de instrução preliminar e profissional.
Art. 2
a
— Os 105 profesores constituirão 5 missões de 21 membros cada uma, que
farão estágio nos seguintes países da Europa, América do Norte e América do Sul: a pri-
meira na Alemanha; a segunda na Suíça; a terceira na Bélgica; a quarta nos Estados Unidos
e a quinta na Argentina e no Uruguai.
Art. 3º
i
— Cada missão terá um chefe e um secretário, escolhidos pelo Departamento
Nacional de Ensino dentre os componentes de cada uma delas.
Art. 4
a
— Nos objetivos estipulados no artigo I
a
deve-se incluir a obrigação de os
professores fazerem prática escolar, nos países onde permanecerem, nos melhores e mais
modernos institutos de ensino primário e profissional.
Parágrafo único — Na Alemanha, o estágio será nas escolas regidas pelos programas
do Dr. Jorge Kerschensteiner, se possível na própria Munique; na Bélgica, nas várias
escolas de Bruxelas, etc, que funcionam sob a inspiração das doutrinas do Dr. Decroly; na
Suíça, nos colégios orientados pelas idéias de Ferrière, etc.
Art. 5
a
— As embaixadas brasileiras darão os indispensáveis passos para que os
trabalhos das missões sejam facilitados.
Art. 6
a
— De quatro em quatro meses, cada membro de missão apresentará ao res-
pectivo chefe um relatório minucioso, de que constarão observações:
1) Sobre a organização legal ou particular da escola;
2) Seu programa;
3) A processuação ou metodologia de cada matéria do programa;
4) Crítica dessa metodologia;
5) As aulas ministradas;
6) As observações que fez, etc.
7) Bibliografia, etc.
Parágrafo único — Tudo o que se relacionar com a organização escolar será objeto de
estudos, como a didática, os museus, etc.
Art. 7
a
— Os chefes de cada missão resenharão os relatórios parciais, dando uma
crítica sobre as observações realizadas e procedendo a um inquérito sobre os frutos colhidos
da aplicação da nova pedagogia.
Art. 8
a
— Os relatórios serão acompanhados de atestados de freqüência as aulas, com
a menção do número destas ministrado.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Art. 9
a
— Findo o estágio, que durará um ano, e de regresso ao Brasil, a missão
apresentará ao Departamento Nacional de Ensino um relatório geral, registrando os resul-
tados colhidos. Esse relatório deverá ser amplamente divulgado no País.
Art. 10 — Cada membro de missão terá uma pensão mensal de 200$000, ouro, passagem
de ida e volta, uma ajuda de custa de 100$000 a ida e outra do mesmo valor ao regresso, em ouro.
Art. 11 — O pagamento das pensões será feito nos consulados, mediante folhas
organizadas pelo chefe de cada missão.
Art. 12—Cada chefe de missão disporá de uma verba trimestral de 100$000 para expediente.
Art. 13—O governo da República fica autorizado a custear, anualmente, a permanência de
professores das escolas normais na França e na Alemanha durante dois anos, sendo um ano em
cada uma delas, sob a condição de fazerem cursos nas escolas normais superiores dessas nações.
Art. 14 — Cada professor de escola normal designado para permanecer em estudos
no estrangeiro terá direito a uma pensão mensal de 300$000, ouro, além de passagens de
ida e volta e duas ajudas de custa de 600$000 cada uma, no início da viagem e no regresso.
Parágrafo único — O professor que regressar antes de fazer os cursos referidos no
art. anterior perderá direito a ajuda de custa da volta, só recebendo passagem.
Art. 15 — Os professores de escolas normais serão indicados pelos estados, na razão
de um por ano, escolhidos entre os que tiverem mais de 10 e menos de 20 anos de serviços
e mais vocação e competência houverem revelado no exercício do seu magistério.
Art. 16 — Fica o governo autorizado a incluir, anualmente, no orçamento do Minis-
tério do Interior, o crédito de 500:000$000, ouro, para atender as despesas decorrentes da
execução desta lei.
Art. 17 — Revogam-se as disposições em contrário.
TESE N
e
50
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO
Sara Machado Busse
Grupo Escolar Xarvier da Silva — Curitiba, PR
escola é o professor. Esta definição categórica não é nossa, mas dos mais acatados
pedagogos modernos. Nós a proclamamos verdadeira, quer quanto aos vários e inú-
meros métodos de ensino, quer quanto a capacidade, poder de assimilação e intuição dos
processos para abrir as portas do entendimento de cada aluno.
Cada criança é um caso para ser estudado. Assim como "não há doenças, mas doen-
tes", não há ignorância, mas ignorantes. Geralmente se qualifica um aluno de inteligente e
A
outro de medíocre, ou mesmo de incapaz, cometendo-se, pois, grave injustiça. Por exemplo:
há alunos que conseguem ler pelo método da palavração, outros só pela silabação, e ainda
outros só pelo processo condenado da soletração. Por quê? Porque seus sentidos de
apreensão são instrumentos que precisam ser tocados de forma diferente, a fim de poderem
suas vibrações interessar suas consciências.
Cada criança constitui uma clareira para receber, por essa abertura, todos os
ensinamentos. Depende, portanto, só da inteligência e do tato do professor para descobrir
essa porta, para fazer compreensível a lição e impressionar a consciência do aluno. Ainda
não bastam as descobertas desse meio de penetração para fazer vibrar as células da inteli-
gência e conseguir a necessária impressão, mas também saber empregar o processo hábil no
preparo do "confeito" que se vai distribuir, a fim de despertar a gula.
Não é suficiente fazer projetar a luz no interior do cérebro do aluno. O feliz sucesso do
ensino depende, quase sempre, das cores ou dos tons do raio, da menor ou da maior intensidade da
centelha despedida pelo professor. Luz muito intensa muita vez entontece o aluno. Mais suavidade
e deleite da cor ou da combinação dos vários tons são precisos para que se obtenha a gravação das
imagens e a satisfação da curiosidade, fator este principal e natural em todas as crianças.
Veeiro este, precioso, que o professor deve sempre explorar. Este nosso modo de ver
se acha amparado pelos mais autorizados pedagogos e homens de gênio, entre os quais se
acha o maior expoente das nossas letras e do saber, cujo nome está gravado naturalmente na
memória de todos os brasileiros; e para reforçar e dar valor aos conceitos por nós emitidos,
não nos forramos da influência e do domínio dos magistrais ensinamentos, transladando in-
sensi velmente o que se encontra nos tratados desse gênio privilegiado e das grandes autorida-
des européias e norte-americanas que têm pontificado sobre o magno problema da educação.
Neste sentido, abeberamo-nos dos grandes mananciais do saber desse vulto e de outros
de fama universal, sobretudo no ramo educativo, como: Oliver Wendelll Holmes, Eduard Clark,
Arch Whately, Stuart Hill, Harrington, Michel Breal, François Gouin, T. Ley, Duruy, J. Ferry, H.
Spenser, B. Berger, Quackembos, Braun, Ruskin, Rendu e tantos outros de reputação mundial.
A criança, esse belo organismo, animado, inquieto, assimilativo, feliz, com os seus senti-
dos dilatados pela viveza das impressões, com a sua insaciável curiosidade interior a atraí-la
para a observação dos fenômenos que a rodeiam, com o seu instinto investigativo, com a sua
irreprimível simpatia pela realidade, com a sua espontaneidade poderosa, fecunda, criadora,
com a sua capacidade incomparável de sentir e amar o divino prazer de conhecer, a criança,
nascida assim, sustentada assim pela independência dos primeiros anos, entra para a escola
como flor que se retirasse do ambiente enérgico e luminoso do clima tropical, para sofrer os
efeitos da privação do sol, da falta do ar livre, de todas as condições essenciais a sua natureza.
O primeiro atentado que contra ela, contra a sua existência normal, contra os seus
direitos, cometem o professor e o método é esquecerem que há no aluno a existência de um
corpo onde se agitam as mais imperiosas necessidades. Esquece-se que o homem é um
resultado do meio e da alma que o ilumina, inspira, julga e forma a razão e a consciência.
Tanto é suscetível de educação a razão quanto a consciência.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A razão é a consciência educada por teorias e mesmo pelas filosofias adotadas que erra-
damente podem levar o preceptor a formar nos alunos consciência viciada e muitas vezes perni-
ciosa, tanto para o futuro homem como para a sociedade que tem de recebê-lo em seu seio.
Assim sendo, é da máxima importância haver excessivo rigor nos exames de livros
entregues a Comissão ou Conselho Didático; devem os lentes e professores tomar a sério
este encargo, não condescendendo por influências estranhas na escolha de livros escolares
a serem adotados, como, infelizmente, acontece muita vez.
Não deve haver nenhuma condescendência, nem deve haver, neste caso, transigência
com o sentimentalismo para favorecer o autor do compêndio ou outro trabalho, com grave
prejuízo da infância.
Alguns métodos se acham em luta franca com as exigências desse fator incontroverso
na vida humana.
"O cérebro da criança é submetido, pela escola, a um processo de coação tenaz, de
sistemático atrofiamento".
Qualquer de nós, sem muito esforço, encontrará em si os vestígios indeléveis dessa
influência daninha, que deixa vínculos durante toda a vida. Felizes aqueles que têm a fortu-
na de vir a perceber algum dia o mal e reagir contra ele. O primeiro caráter dessa pedagogia
desnaturada e homicida é exigir tudo da memória.
Ensinar a quem não tem a curiosidade de aprender é semear um campo que não foi
arroteado. Contenta-se o professor inábil de apresentar aos alunos a lição e verificar mais
tarde se a não esqueceram.
Assim, aqueles cuja memória é pronta e permanente conservam o espírito num esta-
do de passividade, como o indivíduo que, andando muito tempo unicamente de carro,
terminasse por perder quase de todo o uso das pernas. Mais tarde espantam-se de pessoas
tão bem ensinadas e de tanta facilidade no aprender a recordar não serem homens hábeis;
coisa tão razoável quanto supor que uma vasta cisterna, porque uma vez se encheu, haveria
de se transformar em fonte perene.
Este vício não deve ser levado unicamente a conta do professor, mas muitas vezes do
método acanhado e medíocre adotado no ensino. Assim sendo, convém arredá-lo. Ele automa-
tiza, a um tempo, o mestre e o aluno, reduzidos a dois relógios de repetição material.
O menino que maior número de páginas gravar "textualmente, que por mais tempo as
retiver na memória, que mais pronto e fielmente as folhear a uma pergunta do questionário
adotado, esse o mais aplaudido, o mais premiado, o mais esperançoso aluno da classe".
A maioria das crianças e púberes em cujo espírito se introduziu muita cópia de noções
não ficarão fortalecidos, mas ajoujados nas suas faculdades mentais, repletos de fatos, opiniões
e frases alheias, que suprem nesses espíritos o poder de formar opiniões próprias: crescem
meros papagueadores do que lhes ensinarem, incapazes de se orientarem fora da trilha que essa
educação lhes traçou. Não é essa educação que se deve continuar, mas desprezar totalmente.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Nunca se deve admitir que instrução degenere em mero exercício de memória. Nada
se deve esclarecer, nada, para que o aluno, por esforço próprio, possa descobrir, deixando-
se-lhe exercitar toda a inteligência para acertar, por si mesmo, o que deve apreender.
Mandam a verdade e a justiça que se diga: com relação ao método e ao professorado,
para honra nossa, do nosso estado, o ensino, de certo tempo para cá, deixou no arquivo da
história da sua pedagogia esses processos errôneos de instrução.
Hoje predomina o método analítico-sintético norte-americano, argentino e de outros
países onde a pedagogia moderna se norteia por orientação mais racional, acompanhando
sempre, com o máximo carinho, os progressos alcançados neste vasto campo de ensino,
mais de ciência que de arte, cuja evolução, de dia para dia, mais aperfeiçoa seu mecanismo.
Também, sem com isto pretender desmerecer as demais seções do ensino de outros
estados, onde tanto a direção como o corpo docente e o professorado, em sua maioria, se
acham a altura de sua finalidade, os nossos institutos de ensino, tanto públicos como de
iniciativa particular, nada deixam a desejar, e podem ser postos em confronto com os mais
adiantados do nosso País.
Se bem que, com medo do nosso preparo sobre língua materna, não nos foi possível
reprimir a tentação de relatar o que julgamos em relação ao ensino da gramática, pela forma
que é ministrada no ensino elementar; causa um sentimento de revolta e de pesar, ao mesmo
tempo, verificar como é empregado o método em doses maciças, por via de injeções
dolorosas, as indefesas crianças.
Abusamos de uma combinação química abstrata, contra-indicada para organismos em
plena formação por demais delicados, ainda inadequados para assimilar preparados tão
irracionalmente receitados. O pedagogo e o médico caminham paralela e harmonicamente;
este cuida do corpo e aquele do intelecto e do sentimento.
A gramática é uma arte que se dirige a razão e as leis da lógica. É uma disciplina do racio-
cínio, uma instrutora e coordenadora das posições e dos movimentos do pensamento expresso. É
a geometria da língua. Ora, sendo assim, como é que se quer exigir de uma criança a compreensão
de regras que precisam ser exercitadas pelo raciocínio, quando é ponto axiomático que a razão
se integraliza e funciona com aptidão e normalidade dos 18 aos 21 anos, pelo menos?
Prelecionar, pois, regras de gramática as crianças — a não ser regrinhas muito elemen-
tares — é o mesmo que tocar um piano ou um violino para ser ouvido por um surdo. Saber
tirar a aridez desta disciplina e dar os simples rudimentos, muito elementares, cabe não só
aos especializados nesta arte, como a inteligência, ao tino e a habilidade do professor.
"Entre os resultados que do ensino elementar da língua se esperava — dizia uma
autoridade norte-americana — discriminaremos alguns que sejam intrinsecamente superio-
res aos outros, que devem ser cuidados de incessante interesse e solicitude atenta do mestre,
como força central de notável poder na educação."
Respondo afoitamente, sim: o conhecimento da língua materna. Nenhum dentre os demais
assuntos se lhe compara, porque a linguagem é não só a compostura como veículo do pensamen-
298 I Conferência Nacional de Educação Curitiba,
1927
to. Uma linguagem correta, abundante, animada, é de incalculável força no mundo, e ensiná-la
constitui um dos principais deveres do mestre, tanto do elementar como do médio e do superior.
A linguagem não é só o meio de educação entre os homens: é a educadora do gênero humano.
Como se vê nesta ordem de apreciação, não somos infensos ao ensino da gramática
bem entendida, na idade em que o aluno possa tolerá-la, aceitá-la sem repugnância, mesmo
diremos, sem horror; mas não nos parece recomendável o ensino da gramática (mesmo no
segundo grau), da gramática formalística dos manuais, da gramática verbalista dos com-
pêndios, da gramática inanimada das páginas dos manuais ou compêndios, tormento dos
professores e agonia dos alunos, que, em vez de inspirar o amor a língua, princípio do amor
a pátria, não incute senão aversão a escola e, com ela, horror ao estudo.
Coisa ainda mais espantosa: esse exercício apavorante é enervante e passa por útil ao
desenvolvimento da inteligência, e não se cessa de gabar a sua influência benfazeja sobre o
espírito.
Desta falsíssima preocupação de ensinar a língua viva do nosso berço como os idio-
mas extintos, dos quais só pelos livros se pode adquirir o cabedal, procede esse monstruoso
sistema, que, torturando a puerícia, não lhe deixa no entendimento uma infinitésima
partícula sequer do saber útil.
Desconhece este maléfico preconceito que o menino principia a falar gramaticalmente
desde que, sob a inspiração maternal, articula a primeira frase vernácula. O fato de que a
língua vernácula não espera pela gramática a cada momento se está revelando, em surpresas
maravilhosas, a todos aqueles que têm a fortuna de tratar com crianças no fecundo verdor de
sua espontaneidade.
Todo menino que vem sentar-se nos bancos de uma escola traz consigo, sem consci-
ência de tal, o conhecimento prático dos princípios da linguagem, o uso do gênero, do
número, das conjugações, e, sem sentir, distingue as várias espécies de palavras.
Que cumpria então fazer?
Não aterrá-lo com o aparato de um ciência que disfarça a sua esterilidade sob a
fantasmagoria das palavras, mas simplesmente induzi-lo a adquirir concepção racional do
que já sabe por hábito e repete maquinalmente.
Muito tempo antes de freqüentar a escola, já o menino exerce a gramática. Declina e
conjuga; pratica o gênero e o número; põe em concordância os adjetivos com os nomes, os
verbos com os sujeitos; determina e adota os regimes diretos e indiretos muito antes de
ajudado pelos livros de gramática. Os métodos fecham os olhos a realidade.
O primeiro passo da gramática usual consiste numa definição; e de definições, de
classificações, de preceitos dogmáticos se entretece todo este ensino. Como se o uso não
fosse anterior as regras, como se a linguagem não precedesse necessariamente as codificações
gramaticais. A criança ao deixar a escola descarta-se quase sempre e para sempre dessa
bagagem. Proclamam os eruditos, categoricamente e com autoridade de mestres, a inutili-
dade das tecnologias gramaticais.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Não param aqui as conseqüências dos métodos e compêndios arruinadores. Felizes
de nós se pudéssemos sacudir, as portas da escola, o pó dos sapatos, sem trazer no espírito
vestígio desse método malfazejo.
A terminologia gramatical esquece-se, mas os maus hábitos contraídos ficam. Emi-
nente mestre da língua proclamava francamente que as nossas escolas, todo o ano, derra-
mam na sociedade cópia larga de moços que sabem ler, mas não lêem. O resultado é ou será
uma nacionalidade de títeres, vítimas da retórica e do palavreado.
"Formai-nos homens antes de nos formardes gramáticos", bradava num movimento
de revolta o representante do poder público de um dos países mais cultos, ante uma assem-
bléia de professores primários. O estudo da gramática, tal qual geralmente se observa nas
escolas, denomina-o. Da terminologia gramatical, com sobejos fundamentos, imprimiu-se
o estigma mil vezes estúpido.
Um estudo prático bem encaminhado conduz, naturalmente e sem esforço, ao conheci-
mento dos princípios e forma no espírito do menino uma gramática natural que, por sua vez,
alumia e pratica e de onde se eliminam todas as subtilezas e todas as abstrações estéreis. A me-
lhor pedagogia, hoje, afasta da escola primária os exercícios torturantes de cacologia e cacografia.
Repetir-se, geralmente, que esse manual começa pela tradicional definição que aponta
na gramática — a arte de falar e escrever corretamente — é apenas mencionar um velho
erro comum entre nós e em quase todas as obras congêneres. No ensino da língua materna,
o primeiro dos deveres da escola consiste em não dar a ler ao aluno senão palavras que ele
possa compreender, palavras que designem objetos situados no seu campo de observação
em que ele se interesse.
Um célebre filósofo inglês exprimiu uma noção de senso comum, quando firmou este
axioma pedagógico: "Antes que o aluno haja compreendido todas as partes dos discursos, não
é lícito dar-lhe uma só regra ou corrigir um só de seus erros". Ao invés, porém, desta máxima
que subordina o ensino da gramática ao ensino da língua, em vez de fazer desta uma criação da
gramática, a pedagogia, em suas linhas gerais, mesmo atualmente, persevera neste erro.
Que diremos agora da mania das classificações e subclassificações das nomenclatu-
ras e subnomenclaturas?
É deste conjunto inútil que se trabalha por fartar a inteligência do menino, submetido
por essa inepta pedagogia por um regime sistemático de fadiga mental, através de defini-
ções e um urzedo inextricável de regras e enumerações, que o espírito rejeitará de si com
aversão, apenas a idade o liberte das violências da escola.
Ao lado da nomenclatura, imprestável como a inutilidade mesma, essa desacreditada análise
gramatical, série de hieróglifos indecifráveis ou de exercícios desacoroçoadores, que a criança
decora e esquece, com a monotonia, a inconsciência e a indiferença absoluta de um autômato.
O menino aprende a proferir as suas primeiras palavras ouvindo falar os pais, como
aprende um brinco vendo brincar os companheiros. O formalismo é alheio e indefeso a esse
resultado; não serve senão só para paralisar a facilidade natural das crianças.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Não teremos, portanto, meio de "racionalizar" a pedagogia enquanto a sua prática não
imbuir no pensamento único de ensinar a criança o idioma vernáculo, induzindo-a a falar, a falar e
a falar. É exercitando a linguagem que se preparará para deduzir ele mesmo a teoria das suas leis.
Do exercício deste processo, temos diante de nós exemplo nas lições ilustrativas da
linguagem, destinadas a ensinar a gramática pelo método objetivo.
Este admirável manualzinho americano evita a formidável legião de inflexões, divisões,
subdivisões e exceções que ainda agora muito pedagogo reputa indispensável, com o que pro-
cura tenazmente desde o começo familiarizar o discípulo no uso da linguagem como realidade
quotidiana de primeira importância, não como composto de abstrações teóricas, mas substitui a
árida rotina da regência verbal, com o seu interminável círculo de definições e regras, por uma
série de exercícios orais e escritos, ensinando insensivelmente a arte de exprimir o pensamento
e desenvolvendo substancialmente o curso inteiro com simples lições de coisas.
A idade de ensinar a gramática deve ser mais na puberdade. A gramática é mais árida
que a aritmética; exige mais madureza de espírito. Deve comparar-se a gramática as pri-
meiras noções de álgebra. Na Escola Normal e na universidade é que cumpriria ensinar o
aspecto filosófico da língua. A ciência lexicológica só nas escolas de segundo grau deve ser
estudada: o aluno até os 14 ou 16 anos é incapaz de compreender as teorias gramaticais.
As teorias e a gramática são a nossa chaga. Reservemos para mais tarde a ciência
lexicológica. Autoridades da língua entendem que a escola de primeiras letras ou elementar
deve contentar-se com a ortografia usual e, como finalidade, o uso correto da língua para
as necessidades ordinárias da vida. Na escola elementar deve ser absolutamente excluído o
ensino teórico da gramática. O alvo incessante da cultura da língua estará em criar no aluno
o hábito de enunciação pronta, desembaraçada, clara, apropriada e fiel.
Ainda mesmo nas escolas do segundo grau dever-se-á excluir inteiramente deste
ensino o conjunto das abstrações ociosas. A teoria será reduzida sempre ao mínimo. As
definições deverão ser conseqüência natural em vez de precederem as explicações. Serão
oportunas quando tiverem os alunos conhecimento cabal do assunto sobre o qual se expla-
nou regras, quando os discípulos as deduzirem dos fenômenos explicados e larga e sufici-
entemente as classificações. Limitar-se-ão aos elementos essenciais: a análise gramatical
será simplificada e restrita, ampliando-se pela análise lexicológica a investigação do senti-
do das afinidades reais da palavra, dos seus agrupamentos e famílias naturais.
Todos os tratadistas de ensino, em sua quase unanimidade, são de parecer que a
infância deve ser dirigida mais racionalmente, isto é, deve-se-lhe dar os manjares mais de
sua preferência. Ora, oferecer-se-lhe drogas mesmo em forma de xarope é criar-se-lhe
aversão a escola, ao invés de lhe aguçar o interesse ao ensino. Está na capacidade e no tino
do preceptor o saber encaminhar e tornar atraente a lição, desviar sempre o aluno dos
temas áridos, abstratos, que não firam, que não prendem a atenção do menino.
Ao contrário, poderão ir inoculando no ânimo da criança o gérmen da repugnância
ao estudo. Parece-nos que o ensino da gramática nas escolas elementares servirá apenas
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
para embotar a inteligência infantil, entravar-lhe a compreensão, fechar-lhe as janelas do
intelecto aos primeiros raios da aurora da instrução. Não nos valha a pouca autoridade,
senão a experiência de longos anos.
Não seria preferível oferecer-lhe iguarias apetitosas, frutos mais saborosos, cuja apa-
rência desafiasse logo a gulodice da criança, com leves noções de física e ciências naturais,
de história pátria e de geografia?
Seria ir-se-Ihe ao encontro de sua instintiva curiosidade e avidez de conhecer tudo
aquilo que lhe fere os sentidos e aguça-lhe a natural indagação. Educar sem aborrecer deve
ser o escopo do bom professor. Cada criança é uma estrela, cujo astrônomo — o professor
— cumpre submetê-la a lente do seu telescópio, observar-lhe todos os movimentos, incli-
nações, natureza e intensidade de sua luz, círculo de sua trajetória, sua composição cósmi-
ca, se é provida de água, de ar atmosférico ou se de matéria incandescente, se emite ou não
os mesmos elementos do hélio; a distância em que se acha da Terra, no sistema em que
gravita, a velocidade de sua luz, a grandeza do seu globo, etc, e tantas outras pesquisas
que despertam no astrônomo a ânsia de devastar o desconhecido.
Esta mesma ânsia deve sempre acompanhar o professor ao cuidar de cada aluno como
de um exemplar sujeito ao seu estudo, a fim de saber quais os instrumentos e qual o processo
que convém empregar para tirar proveito do filão de ouro: a inteligência da criança.
Repetimos: cada criança é um caso que se deve estudar, a fim de o preceptor aplicar-
lhe o processo adaptável para benefício do seu discípulo. Roosevelt axiomatiza "que cada
jovem deve ser aparelhado a fim de conduzir o seu próprio peso".
É assim que a pedagogia deve orientar-se a fim de colher os frutos que pretende. É possível
que haja um defeito de visão de nossa parte. O fato é que de dia para dia mais nos sentimos
apaixonados pelo processo de educação norte-americana, pois verificamos constantemente que
os resultados colhidos naquela modelar confederação têm provado, pela experiência, correspon-
derem perfeitamente ajusta fama de que goza, de povo eminentemente prático e de realizações.
O pendor enfermiço que predomina na classe dos novos letrados, em sua quase totali-
dade, e mesmo na dos homens de ciência, é para "namoro" das belezas rebuscadas do saber e
dos primores da estética literária, com grave prejuízo da educação do jovem na vida prática.
Os nossos compêndios vêm abarrotados desses "artefatos", desses narcóticos, que fa-
zem, logo ao alvorecer da infância, sonhar-se com fantasias irrealizáveis em prejuízo das
realidades úteis. Reflete a nossa imprensa, em sua generalidade, esta tendência — e é natural.
Os jovens que a vêm ilustrar, saturados desses aromas embriagantes, fatalmente têm
que deixar estilar de suas penas as Iucubraçòes retidas em seus cérebros. É difícil vinga-
rem, entre nós, institutos de fins de verdadeira utilidade prática, mas as academias e centros
de letras vicejam vigorosamente de norte a sul do Brasil.
Mesmo em nossa capital tentou-se e fundou-se, entre outras, por mais de uma vez, uma so-
ciedade de agricultura, e teve que desaparecer por falta de freqüência. E, como esta, tantas outras
têm tido a mesma sorte. Pedimos mil perdões por esta nossa inoportuna e impertinente digressão.
I Conferência Nacional de Educação
Curitiba, 1927
É possível que estejamos também sendo arrastados pelo entusiasmo que sentimos da
orientação pedagógica norte-americana, o que nos fez alongar, excursionar em suas coisas
de ensino desta grande República, orgulho de nossso continente; onde não encontra hábitat
próprio para medrarem e florescerem as plantas daninhas da vaidade e da pedanteria de
nossa intelectualidade e da nossa raça. Digo da nossa raça, porque esta expressão adquiriu
os foros de cidade e vê-se repetir a pretexto de qualquer coisa.
Em vez de andarmos a temer os norte-americanos, o senso sadio nos aconselharia que
cada vez mais nós nos aproximássemos desse grande povo e mesmo o imitássemos, sem
nenhum desdouro para nós. Assim alcançaríamos mais rapidamente a meta dos nossos altos
destinos.
Se toda a velha Europa vive de joelhos a bajular esse formidável país, como é que
nós, que fazemos parte deste novo mundo, devemos hostilizá-lo e dar ouvidos aos cantos a
surdina da sereia européia, que vive roída de inveja dos progressos daquele país?
Não. Estamos na América e precisamos, antes de tudo, ser americanos. Caminhemos
sempre para o futuro e não para o passado.
E nesta ordem de idéias, sentimo-nos a vontade para insistir na apreciação do ensino
norte-americano como modelo de saber prático. Não somos só nós que admiramos o siste-
ma, método e administração educacional da América do Norte.
Encontramo-nos em honrosa companhia com os provectos pedagogos argentinos, que,
apesar da ojeriza injustificável que votam todos os hispano-americanos aos americanos do
norte, nem por isso deixam de entoar hinos de louvor ao processo educativo empregado nos
Estados Unidos.
Entre outros assuntos do ensino naquela república vizinha e nossa amiga, evidencia-
remos os grandes luzeiros do ensino argentino, D. Laynes e, especialmente, D. Ramos
Mixia, cujos conceitos sobre o ensino na confederação americana fazemos nossos, tal a
verdade e justeza de suas apreciações. O lema é ali: "Flexibilidade e democracia".
São os traços salientes da organização e administração das escolas na América do
Norte. A política dos governos ali é auxiliar, promover e assegurar a educação, mas não
assumir o seu controle. Cada povoaçâo que contar com 35 meninos tem direito a uma escola.
Nos Estados Unidos, a administração escolar — outra coisa muito louvável — esta-
beleceu o regime de correspondência, no sentido de cultivar vínculos de amizade e entreter
conhecimento entre as diferentes categorias de escolas públicas e particulares, entre as
diversas seções do país, como também no sentido de favorecer a cooperação recíproca dos
lentes, diretores, presidentes do Conselho de Educação. Enfim, procura realizar tudo em
benefício do povo, por isso mesmo a democracia do saber, que abrange homens e mulheres
que vivem em todo o seu vasto território.
Formosa inspiração, que domina as pessoas de cada classe, raça, credo religioso ou
político no sentimento comum de auxiliar toda a iniciativa de educação, especialmente da
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
educação moral, que interessa ao gênero humano. Está se formando a mais ampla, bela
inspiradora e influente fraternidade que o mundo tem conhecido.
A regra de educação, quer do ensino elementar, quer do ginasial ou secundário e
universitário, em simples e gradual correlação, é de porta franca, aberta para todos, sem
nenhuma distinção. A adaptação das escolas a individualidade dos estudantes bem flexível
sistema eletivo consistente de cursos paralelos, essencialmente práticos, liberais, especiais
para jovens que querem ingressar nas escolas do segundo grau e especiais e, também, para
aqueles que não intencionam continuar os estudos.
Nosso país tem sofrido, demasiadamente, as conseqüências de uma mocidade impro-
dutiva, que não quer trabalhar ou que não sabe o que fazer. Não devemos retardar por mais
tempo uma necessária reação.
Na América do Norte, procura-se por todos os meios possíveis reter na escola os
meninos e reduzir o número de incorrigíveis e delinqüentes. Pensa-se que para ser um povo
são e feliz deve-se ter uma sã e alegre juventude, que é mais fácil educar meninos que
reformar adultos.
É sabido que os meninos das escolas formam dois grupos: os normais e os anormais ou
retardados. Os sãos de corpo e espírito, robustos, de vontade ativa, capazes de dirigirem a vida
por si mesmos, com conhecimento cabal dos seus próprios atos, pertencem a primeira divisão.
Fazem parte da segunda todos os meninos semi-anormais ou semi-retardados. São
postos em primeiro grau inferior os que perdem tempo por doenças, irregular assistência,
freqüente troca de escolas, meninos lerdos, desalentados, débeis, indiferentes, mas que são
regulares e não estão predispostos a delinqüência.
Os vagabundos incorrigíveis, que aborrecem a escola, desobedecem a seus regimen-
tos, desafiam as leis e os regulamentos da comunidade em que vivem, veteranos na perni-
ciosa aprendizagem das ruas, arruaceiros, fumadores, embusteiros, jogadores, ratoneiros,
perjuros, de perigoso temperamento, são classificados em terceiro grau.
Por fim, localizam-se os meninos de órgãos defeituosos, de funções irregulares ou
afetados de geral debilidade, aqueles cujo poder mental está, quanto a qualidade e a quan-
tidade, abaixo do termo médio, mas suscetíveis de melhora por meio da escola e de serem
úteis a sociedade na proporção de suas naturais aptidões. Tal é o menino subnormal, que não
deve confundir-se com o mentalmente desequilibrado, violento ou imbecil, que requer o
caridoso e carinhoso cuidado de um asilo.
Daí a causa da imprópria classificação dos dois grupos de meninos, os regulares e os
retardados, que são postos no mesmo grau. O dano que resulta deste sistema é evidente.
Miss Richman, superintendente de um distrito na América do Norte, continua: "Os
alunos de reconhecida inteligência não encontram no trabalho do grau suficiente emprego
para a atividade de seus cérebros. Estão sujeitos a momentos danosos de obrigada parada".
As repetições impostas pelos retardados de classes aumentam sua impaciência. Alguns
perdem a ambição e são retidos atrás porque a classe tem que caminhar a passo
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
moroso. Por outra parte, os retardados, desalentados pelas dificuldades de compreender,
irritados pelas faltas que os professores apontam em seus boletins, incriminados possivel-
mente pelos condiscípulos, que sem aparente esforço alcançaram o que se lhes parece
praticamente impossível, começam a aborrecer a escola, relaxam seus esforços aparente-
mente sem resultado, tornam-se preguiçosos, desordenados, sentem o desejo de vagar nas
ruas e constituem o pior elemento da escola. Outro autorizado superintendente americano
faz a mesma observação: "A prática de conservar alunos não graduados em classes regulares
não deu bons resultados. Os alunos permanecem indiferentes, preguiçosos e, como
conseqüência final, importunos ou desalentados, atrasados, vão deixando a escola".
A separação retardados/regulares e sua educação por processos especiais é um lógico
resultado do adiantamento na vida interna e na natureza da criança; um reconhecimento dos
princípios econômicos e filantrópicos em que se funda esta idéia; um impulso de
patriotismo que reclama com império a salvação desses meninos que se transformarão em
melhores cidadãos.
Isto é real nos países que abrem a marcha da humanidade do mundo, como a América
do Norte, Inglaterra, Suíça, Alemanha, etc.
As vantagens de tal divisão são várias. Continua Miss Richman: "As classes regulares
nas escolas comuns revivem e tomam um poderoso vôo, desde que os professores, libertos
dessa pesada carga de diário tormento, possam fazer justiça aos melhores alunos, dar-lhes
um trabalho que satisfaça a sua atividade, e imprimir em outros mais cuidado, mais
concentração e esforço".
Os exemplos desmoralizadores ou corruptores desaparecem. A disciplina torna-se
boa. O reduzido número de retardados, nos graus especiais, torna possível o estudo de cada
um, sob especial cuidado e atenção.
Nos Estados Unidos, os retardados recebem auxílio individual e estímulo. Cada grau
se ajusta as necessidades do menino: idade, estado físico geral, mentalidade e anterior
educação, complexidade físico-mental e procedimento.
Há classes especiais para semi-retardados e apatetados. Escolas para faltosos crônicos
e incorregíveis, diurnas e de completa detenção, último esforço para salvar ajuventude
desordenada. Classes especiais para meninos mentalmente subnormais. Estes dois últimos
tipos não são de instituições independentes, mas auxiliares das escolas comuns.
Finalmente, as oportunidades dadas aos meninos para sua educação e reforma são a
classe regular, a classe especial e a escola correcional, que pressupõe a ineficácia sucessiva
das precedentes. Tal é a organização geral desse sistema, se bem que sofra modificações em
alguns pontos.
Outra nação que está assombrando o mundo e tornando apreensiva a velha Europa é o
Japão, o país do sol nascente, pelo surto rápido, fantástico, do seu progresso em todos os ramos
da atividade humana. A educação marcha galhardamente na vanguarda. Basta dizer que ela
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
gasta mais da metade da sua receita (60%) com a educação em suas várias modalidades, quando
os países que mais se evidenciam na Europa não vão além de 23% de seus orçamentos.
E esse povo apresenta ao mundo o atestado mais brilhante, mais maravilhoso do
adiantamento da sua civilização, muito embora alguns espíritos apoucados e de escura
observação andem a apavorar a nossa consciência com o avanço do perigo japonês, a taxá-
lo de povo inferior e indesejável ao nosso meio. O que seria para desejar é que representan-
tes desta craveira não estivessem guindados a essas alturas, a derramar trevas em vez de luz
para seus elevados destinos.
Pedimos benevolamente permissão para interromper esta ordem de comentários
para afirmar: a lei ou regulamento de 1909 deveria ser posta em vigor. Além de outras
providências preciosas, também torna obrigatório o estágio dos professores de uma
categoria para passar a outra, gradativamente, até alcançar a quarta ou quinta e última.
Fechar-se-ia assim a porta aos pistolòes e se evitariam as graves e clamorosas injusti-
ças das preterições.
Oxalá fôssemos ouvidos, e o nosso querido Paraná teria lançado o primeiro marco da
conquista democrática da pedagogia brasileira, Achamos que o ensino de declamação nos
trará o aumento das pessoas bem falantes com prejuízo de outros exercícios de mais utili-
dade para a vida prática, especialmente para o sexo frágil.
Diz-se, geralmente, que o brasileiro, povo aquecido pelo sol dos trópicos, de cérebro
ardente, tem pronunciada tendência mais para as coisas de imaginação e pura fantasia do
que para os estudos de coisas reais de utilidade na vida prática.
Ora, cultivar mais ainda esta inclinação que eles já possuem em profusão é desenvol-
ver mais o apetite para os encantos do mundo das fantasias. A vaidade, especialmente em
nosso sexo, é já uma coisa ingênita. Despertar ainda mais este condenado sentimento na
infância, em vez de o desviar desse mau caminho, consideramos inadvertência.
Desde os primeiros anos, aguça-se-lhes mais o gosto a este gênero de elegância, com
prejuízo de outras coisas de proveito na vida.
Não seria preferível incutirmos no espírito da criança o amor a simplicidade das
maneiras, dos gestos, dos movimentos, da beleza doce, suave e encantadora da modéstia,
flor cujo perfume atrai logo a simpatia de todo o mundo?
A menina muito espevitada perde os encantos da simplicidade e da inocência. Quanto
mais simples, menos ataviadas desses prejuízos, mais apreciadas se tornariam.
Os livros escolares, de ano para ano, vêm fartos de literatura, na maioria das vezes de
qualidade inferior, e não raras vezes de toxinas e essências que embriagam a inocência da
infância, sem lhe perfumar e fortalecer a inteligência com leituras sadias.
Cuida-se esmeradamente da instrução e muito pouco ou muito por alto da educação
do caráter, da educação do sentimento, da moral cívica, da moral social, da moral privada
— na família e no indivíduo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
e
51
A LITERATURA E A ESCOLA PRIMÁRIA
Delia Rugai
Escola Complementar — Curitiba, PR
e educar uma criança é colocá-la em condições de cumprir um dia, do melhor modo
possível, o destino da vida, convém despertar nela o sentimento de amor as letras, tesouro
incomparável de saber e de beleza, que espargirá no caminho luzes e flores magníficas.
Como despertar esse sentimento na alma infantil? Tudo o que é bom, tudo o que é
belo exerce sobre a alma infantil um encanto extraordinário, uma magia profunda.
Aproximemo-nos dela, pois, onde tudo é bom e tudo é belo; façamo-la viver numa atmos-
fera de ideal, para que possa refulgir cheia de esplendor e, no futuro, a chamado dos seus
transcendentais destinos, desperte adarvada de altíssimas ambições e de deslize, sem obstá-
culos, harmoniosamente, através das vicissitudes da vida.
A alma infantil é uma alma predisposta a pairar no azul e na luz; é uma alma inclinada
a subiimidade de ideais puríssimos, mas é, como alma adormecida, uma força cega, insipiente
da sua grandeza e do seu esplendor. É a nós que toca embelezá-la de luz, empunhar a
varinha mágica para que ela possa acordar. A criança tem em si, latentes, as mais profundas
disposições artísticas. As suas tendências são as mais belas orientadoras do ensino.
Compete a escola primária a iniciação literária? Certamente que sim. É ela a formadora da
alma do povo, é a ela que toca afinar a fibra sensível que deve, por conseguinte, estremecer mais
depressa e vibrar mais profundamente ao contato das coisas humanas. É ela a mais potente
obreira que beneficia a sociedade em geral e o indivíduo em particular. Não devemos dar tudo
a inteligência; é preciso reservar uma parte ao coração, a cultura das faculdades afetivas.
A infância é como o diamante, contém em si brilho e valor; tudo depende da sua boa
lapidação. Ao entrar na escola primária, a criança já possui uma bagagenzinha literária.
Embora seja diminuto o cabedal de seus conhecimentos, é capaz de manter, numa lingua-
gem encantadora, vacilante, um assunto que lhe seja familiar. Ei-la, com a face a arder, o
olhar brilhante, a falar de tudo o que ama: das historietas contadas pela vovó, do céu, das
flores, da sua casa, dos seus companheiros, dos seus brinquedos.
A observação de tudo o que nos cerca deve ser o ponto escolhido para início da
educação literária. A criança deve ser exercitada a olhar, ver, observar, compreender tudo
o que a rodeia. A observação racional formar-lhe-á a consciência, e a criança habituar-se-
á a prescrutar com os olhos da alma a alma das coisas. Uma folha que tomba, uma estrelinha
a tremeluzir, a cabeça branca de um velhinho, um ninho a embalar-se entre ramos, o
murmurejar de um regato, o tombar de uma lágrima, tudo tem para ela alta significação.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Nada lhe passa despercebido ante seu espírito observador. Tudo cala com profundez em
sua alma. Ei-la já pequenina artista, a literata em miniatura, a delicada amadora do belo e,
portanto, do bem e da virtude, a desvelada cultivadora da língua materna. Sim. Bem orien-
tadas todas as faculdades da alma, burilado o espírito, bem formado o coração, fácil brota-
rá o estilo, que se formará pela cultura do espírito e do coração.
À medida que a criança vai avançando em idade, o professor vai ampliando a esfera de
observações, chamando a atenção dos alunos para os fatos de ordem mais elevada. Deve-se
ascender, lenta e progressivamente, com base no desenvolvimento das faculdades infantis.
É conhecida a predileção que as crianças têm por narrativas e contos. Na idade com que
entra na escola primária, a criança tem uma sede insaciável de narrações animadas. As fábulas,
as histórias de fadas, constituem para ela um mundo encantado. Desta excelente predisposição,
o professor tirará grande proveito nos diversos anos de curso elementar, onde reina verdadeira
paixão por este gênero literário. Os contos e as narrativas, para que sirvam de meio educativo,
precisam ser adequados a idade da criança. É preciso que estejam ao alcance da imaginação
infantil. Ela ama tudo o que é próprio da sua idade. Para sugerir-lhe a inspiração, despertar-lhe
o interesse, é necessário que o assunto encerre, sempre, grande sentimento.
São salutares os temas onde palpitem a ternura de um afeto, a beleza de um sacrifí-
cio, o prêmio do trabalho, a sublimidade de um martírio, onde fulgure a luz da verdade,
onde cante, chore, sorria a uma alegria, uma saudade, uma esperança; onde resplandeça, na
plenitude do seu fulgor, a virtude — luz da alma. A imitação é proverbial na criança, e eis
que surgem os pequeninos heróis, a criança compassiva e boa a chorar com os que choram,
a perdoar aos que a magoam, a consolar os que sofrem, a apaixonada da verdade e da
justiça, a possuidora de maneiras modestas e gentis.
Devemos aproveitar essa incomparável fonte de energia, não para impor determina-
dos tipos ou modelos ideais, o que constituiria um esbulho condenável da sua personalida-
de, e sim para fortalecer ou desabrochar os sentimentos e valores humanos latentes no
espírito infantil. Os contos de fadas, as histórias encantadas, exercem na alma infantil um
verdadeiro feitiço, transportam a criança para um mundo maravilhoso que ela não distin-
gue do mundo real. A sua imaginação exuberante movimenta-se, explode com tal violência
que, abandonada a si mesma, é perigosíssima e trará conseqüências funestas para a futura
direção do espírito. É preciso dirigi-la convenientemente, nunca sufocá-la sob pretexto
algum, porque oprimida de um lado, com mais impetuosidade, convergiria as suas forças
para outro. Ela só é perigosa quando divorciada da razão. Bem dirigida, alimenta os so-
nhos que suavisam a existência, embalando-a num mundo de quimeras.
O belo compreende dois domínios: o real e o imaginário. É preciso fazer que a criança
os distinga do fantástico. Convém, pois, dar-lhe, a par do fictício, as primeiras noções da
realidade. Cumpre observar que a imaginação não sobrepuje a razão, pois, do contrário, os
contos e as narrativas se desvirtuariam das suas verdadeiras finalidades. Os livros de leitura
devem ser inspiradores, estimuladores. O aluno deve encontrar neles motivos para expansão
de suas atividades. Devem despertar o amor a natureza, o desejo de esquadrinhá-la e arran-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
car-lhe os segredos. Tudo depende da sua conscienciosa e inteligente escolha. Os demasiada-
mente simples não prendem; os de muita elevação não interessam.
A boa leitura instrui o espírito, alimenta o coração e forma o caráter. Coloquemos,
pois, nas mãos da infância, bons livros, despertemos o gosto da boa leitura. Nos dias de
amanhã, nas horas de tristeza que talvez virão, ela encontrará um doce refúgio no seio dos
livros, aos quais, por hábito, dedica grande amor. O gosto da leitura avigora-se justamente
no valor literário de cada página. O livro deve cair na alma. Não esqueçamos de por ante os
olhos infantis as páginas cívicas, também como subsídio poderoso da sua educação literária.
A escola deve preparar na criança o futuro cidadão. É preciso, desde cedo, incutir-lhe no
espírito os sentimentos de civismo, o amor a Pátria, o respeito as leis que regem o País, os
direitos e os deveres perante a sociedade de que faz parte.
Ponhamos-lhe nas mãos livros nossos, que falem da nossa gente, das nossas coisas. Só
conhecendo-as é que poderão amá-las, só amando-as é que poderão contribuir para sua
grandeza, para sua felicidade; e, contribuindo para sua felicidade e para sua grandeza, dessa
forma trabalhará para o bem universal, a sombra benéfica de salutares princípios artísticos.
Facultemos a criança hinos e canções patrióticas e pacíficas, que a embalem e a encan-
tem. Não esqueçamos as poesias elevadas e fecundas, que lhe proporcionam prazer imenso.
Contam elas no mundo infantil com uma plêiade de admiradores fervorosos. Tudo o que é
destinado a infância deve encerrar um tesouro de estímulos, de perfeição moral, intelectual e
afetiva, o bastante para burilar caracteres, empolgar corações e almas e disciplinar vontades.
Portanto, a literatura é um auxiliar preciosíssimo da moralidade de um indivíduo.
São ainda excelentes auxiliares da cultura literária as lições de coisas, principalmente
para o I
a
ano, as estampas de variado contexto, as palestras vivas e variadas, os assuntos de
ocasião, como as festas nacionais, os grandes acontecimentos, as conquistas feitas, a nossa
bandeira, a nossa terra. Desta cultura desabrocha, escorreita e elegante, a linguagem cheia
de pujança e esplendor; surge, apenas, escorregadia num estilo virtuoso; brota fácil a
palavra; nasce o estilo. Logo, a escola primária é a formadora do estilo. Muitos dirão: estilo
não se forma; ou se possui, ou não; ou se é inspirado, ou não se é. Mas não é de gênios nem
de vocações que se cogita. Fala-se da criança em geral, do tipo comum. Sim, há vocações,
há talentos, mas esses também poderão fenecer se não encontrarem terreno propício para o
seu desenvolvimento.
A escola primária não pretende fazer da criança um acervo de erudição. A sua ambi-
ção é formar individualidades independentes, capazes de exprimirem por si, de uma maneira
toda sua, o resultado de suas observações, das pesquisas de seu espírito, habituado a
investigar, a pensar diante da "universidade do mundo".
Não há ninguém absolutamente inepto, e a literatura não é uma ciência inatingível, só
reservada aos predestinados. A melhor definição do estilo é esta dada por Chasteau: "Estilo
é a maneira original com que cada um de nós exprime as suas idéias e os seus pensamen-
tos". Nele se afirma o eu dos indivíduos; logo, o estilo é o homem. A formação do estilo é
uma tarefa que requer muito labor, muita paciência. Não é em um dia que se forma.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Preciosíssimos auxiliares são os exercícios de composição escrita, sob seus diversos
aspectos.
O aluno deve habituar-se a colocar no papel, com clareza e certa elegância, os seus
pensamentos, ordenando-os numa maneira natural e lógica, sob uma forma exata. A natu-
ral imperfeição dos primeiros trabalhos não deve preocupar. A linguagem das pessoas que
o rodeiam influi na formação do estilo.
O professor deve fazer uso de um vocabulário familiar, simples, despretensioso, mas
elegante, fugindo das expressões enfáticas, habituando os discípulos a ouvirem a verdadei-
ra língua materna, tão harmoniosa e bela.
Qualquer lição, seja qual for a disciplina, deve encerrar uma lição de linguagem. O profes-
sor jamais consentirá o emprego de solecismos. A criança deve habituar-se a exprimir, com
clareza e correção, os seus pensamentos. Sou de opinião que o dar notas nas composições
escritas é por vezes ineficaz e até prejudicial, pois dificilmente se poderá chegar a uma classifi-
cação rigorosa, em virtude da plasticidade dos inúmeros pontos a que se tem que atender. Às
vezes, o aluno põe no trabalho toda a sua alma, emprega o máximo esforço da sua ação e, para
coroar esse esforço, surge um algarismo de diminuta significação, desanimador e danoso.
Fora melhor, depois de feita a apreciação dos trabalhos desenvolvidos em folhas
soltas, chamar levemente a atenção dos alunos para os erros cometidos, estimulando a
autocorreçao relativamente a grafia, a repetição de palavras, aos adjetivos impróprios, as
expressões vulgares, etc.
A classe toda aproveitaria a lição e auxiliaria a corrigir as imperfeições. Leria,
dentre as composições que se lhe afigurassem melhores, duas ou três, exaltando os auto-
res. Enquanto os pequeninos escritores se sentissem lisonjeados no seu amor próprio, a
classe inteira teria ocasião de saborear as páginas mais belas, o que lhe traria proveito.
Os que menos produzissem sentir-se-iam estimulados a melhorar, a aperfeiçoar os seus
trabalhos, para que também fossem lidos.
Em uma mesma classe, as vezes, é bem heterogêneo o nível literário. É necessário
então muita habilidade e grande prudência. Os que mais produzem não devem ser abando-
nados, sob pena de retrocederem dos postos galgados, e sim estimulados a produzir mais e
mais. Os mais fracos, os morosos, os apáticos ou abúlicos precisam de muito cuidado. É
preciso encorajá-los, animá-los em seus desfalecimentos.
Considerando, pois, que a educação literária devemos, em parte, o aperfeiçoameto
moral do indivíduo e a formação do estilo no mundo infantil...
CONCLUSÃO
Façamos támbem da escola primária um centro de literatura, onde a criança de hoje, ao
fazer-se o cidadão de amanhã, encontre a seiva propulsora das suas energias espirituais, para
que se lhe prepare um porvir de lutas fecundas, porém tranqüilo e suavizado pelas mais sãs
alegrias da vida.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
Q
52
UNIDADE NACIONAL PELA CULTURA PEDAGÓGICA — A
UNIFICAÇÃO DO MAGISTÉRIO NACIONAL
Nestor dos Santos Lima
Escola Normal de Natal, RN
m dos aspectos mais relevantes do problema da unidade nacional a ser examinado
pela I Conferência Nacional de Educação consiste, sem dúvida, na questão —
aliás, não proposta, mas necessariamente digna de ser encaminhada, amplamente
discutida e definitivamente resolvida — da unificação do magistério primário nacional, isto
é, o reconhecimento recíproco da validade dos diplomas conferidos pelas escolas normais
de uns estados no sistema orgânico de ensino dos demais.
Reforma de incontestável alcance sobre o espírito de nacionalidade, já prevista nas
leis e regulamentos de algumas das unidades brasileiras, falta-lhe, porém, o cunho da gene-
ralização, que lhe dará força, estabilidade e conseqüências as mais eficazes e brilhantes.
As minhas freqüentes viagens de observações ao sul do País e do continente conven-
ceram-me, profundamente, da necessidade de um trabalho de unificação no magistério
nacional, integrando-o na generalidade do problema para cuja solução todos nós somos
chamados a colaborar: a educação nacional.
Nunca o Brasil teve fase de mais acentuado interesse pela sorte do ensino do que pre-
sentemente; nunca, porém, esteve tão alheio a esse bem entendido princípio de nacionalismo.
Em todo caso, se a tentativa esboçada na lei de 15 de outubro de 1827, cujo centenário
agora celebramos, quando despertava mais ou menos esclarecida a nossa consciência de
povo organizado, não chegou a produzir seus benéficos efeitos, criando o magistério nacio-
nal. uno, garantido e solidário, foi porque os anseios e as necessidades federalistas do povo
brasileiro, consubstanciados no ato adicional de 12 de agosto de 1834, vieram arredar e
entravar esse movimento que poderia ser hoje vitorioso para o bem da grande pátria comum.
Estabeleceu-se como competência das províncias legislar sobre o ensino primário e
provê-lo de pessoal, regulamentos e material. Eis aí o grande golpe na educação nacional.
E há 93 anos debate-se a consciência dos arautos da Pátria na ânsia de voltar ao
regime do ensino nacional, sem conseguir fazê-lo.
A República, feita para o povo e não pelo povo, prometeu melhorar a sorte do ensi-
no, mas nada fez de útil até agora.
Se os estados, em que ficaram transformadas as antigas províncias, não têm feito
alguma coisa em prol do ensino nacional com maior vulto e proveito, é porque nem todos
eles dispõem dos recursos apropriados ao desejo e, na maioria dos casos, porque os res-
ponsáveis pelos seus destinos cuidam melhor de política e de interesses mais restritos do
que da grande causa nacional.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
u
Este é infelizmente o problema sempre relegado para amanhã, ou para mais tarde... é
o que sempre se deixa de fazer a falta de recursos financeiros!...
As mensagens oficiais estão cheias de declarações dessa natureza, que implicam um
descaso, senão um descuido impatriótico e talvez criminoso, pelo nosso porvir.
Basta-nos, porém, de recriminaçòes: precisamos construir e construir obra duradoura,
sólida e patriótica.
Pouco nos importa a voz dos indiferentes e dos timoratos, porque estamos batalhando
pela honra da nossa nacionalidade, tão capaz de melhores destinos.
Por onde andei observando o ensino, pude perceber o justo desejo de aproximação
entre os estados, entre as corporações ensinantes, entre os profissionais do ensino público ou
particular. Sentia um interesse invulgar pelas coisas do ensino alheio: desejo de permu-tação
de idéias e vistas conducentes a obra recíproca.
Ao mesmo passo, encontrava fechadas as muralhas das fronteiras legais entre os
profissionais do ensino: tudo impede que o ensino nacional caminhe, porque cada estado,
legislando a vontade, prove, a seu modo, a instrução popular.
A diversidade das leis e das organizações não é, todavia, substancial, referindo-se as
minúcias e aos detalhes dos tipos escolares; por toda parte o professorado prepara-se
analogamente, reveste um mesmo caráter e tem um mesmo ideal: servir a Pátria e formar
brasileiros dignos do Brasil.
Foi a consideração desses fatores e de outras circunstâncias que me sugeriu a idéia de
um forte movimento em prol da unidade, ou antes, da unificação do magistério nacional.
A tese é simples: reduz-se a reconhecer a validade dos diplomas expedidos pelas
escolas normais dos estados brasileiros dentro do território dos outros estados e para o gozo
das prerrogativas inerentes ao professorado oficial, mediante a prova cabal da sua
suficiência técnica. Ou melhor, variando os termos: o professor diplomado no estado A pode
ter função oficial no estado B e pertencer ao corpo dos docentes oficiais, se for aprovado em
prova de suficiência pedagógica perante a escola normal ou uma comissão especial
designada pelo governo do estado solicitado.
A apresentação do diploma, visado pelo governo do estado onde foi obtido, deve ser
condição indeclinável do pedido de exame, e, uma vez julgado apto o candidato, na igual-
dade das exigências feitas aos próprios professores do dito estado, será o seu diploma
considerado válido para o efeito de habilitá-lo a funcionar, com os mesmos direitos, na
instrução oficial.
Aliás, isso já está feito e praticado, desde muitos anos, no Brasil, a respeito dos títulos
conferidos pelas escolas superiores de outros países.
Temos tido celebridades no Direito, na Medicina e na Engenharia que não se diplomaram
no Brasil. O nosso egrégio conterrâneo doutor Amaro Cavalcanti, que chegou a ministro do
Supremo Tribunal Federal e foi luminar do direito pátrio, não era bacharel nem doutor por
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
faculdade brasileira, mas era-o pela Universidade de Boston, na América do Norte, sendo
reconhecido o seu diploma no Brasil.
Ora, se as leis de fronteira dos países nâo são obstáculos para os diplomas estrangei-
ros, com maioria e firmeza de razões nâo deve sê-lo a linha de limites entre os estados
irmãos da mesma pátria.
Nossos professores devem ser havidos como tal em qualquer parte do Brasil: podem
dedicar-se ao ensino público ou particular, sem os empeços atualmente existentes, onde quer
que vivam ou os conduza o destino.
Mas surgem as objeçòes: primeiro, as leis vigentes não o permitem e, segundo, há o
perigo das migrações volumosas de professores de uns para outros estados, formando "praga
interestadual".
À primeira objeção oporei o argumento de que nem a Constituição Federal nem o
espírito do regime obsta a modificação das leis ordinárias, que outras leis mais novas revo-
gam, como também porque a multiplicidade das organizações estaduais deve sobrepor-se o
interesse geral e unitário da Pátria e da educação verdadeiramente nacional.
Quanto a segunda objeção, basta lembrar que as faculdades superiores, tanto as fede-
rais como as estaduais, equiparadas ou não, têm fornecido aos estados os elementos úteis ao
seu progresso e as necessidades sociais, mesmo independente de qualquer exame de
suficiência. Nunca houve idéia de considerá-los "praga" ou migração indesejável ou temí-
vel, para se procurar evitá-los ou combatê-los.
Pelo contrário, eles são sempre bem-vindos a qualquer ponto do Brasil, onde, na mai-
oria dos casos, têm sido fatores importantíssimos da grandeza do País e das localidades.
Digo isto pelo caso especial do Rio Grande do Norte, que tem sido servido e até
governado por filhos ilustres de outros estados e tem dado também filhos ilustres para a
grandeza e bem-estar dos seus irmãos da federação brasileira.
Não posso admitir que só o professorado, que hoje em dia é formado cuidadosamente
e, com franqueza, num regime muito mais apertado, sério e moralizado do que o de muitas
das nossas escolas superiores, não posso admitir, dizia, que só o professorado cause medo e
seja temido na procura e invasão das cadeiras do ensino primário dos estados, deixando em
situação crítica os professores aí diplomados.
Nos planos de uma honesta administração, tais receios não têm cabimento nem razão
de ser, porque, primeiro, a seleção dos elementos migrados será feita com o mesmo critério
que preside a dos do "meio"; depois, porque as nomeações dependem só do poder local, que
será sempre capaz de distinguir os bons dos maus elementos, e finalmente porque as leis da
disciplina do professorado serão aplicadas com toda isenção, tanto aos naturais como aos
advindos do magistério de cada estado. Ficarão colocados em posição igual, dentro das leis,
a dos outros professores, mas não em situação inferior e muito menos em plano superior.
Só o mérito, a competência e a operosidade é que devem pesar na balança das ascen-
sões da carreira do magistério.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Mas, no Brasil, é forçoso que desapareça a estranheza de uns por outros sistemas
escolares. Sejamos irmãos de fato e de direito também nesse aspecto a mais, já que em
tantos outros como tal nos reconhecemos, para que os professores hábeis que um estado
diploma possam trabalhar na formação de dezenas e dezenas de brasileiros, qualquer que
seja o estado ou o recanto do pátrio território onde estejam.
A idéia ora justificada foi objeto de explanação no Relatório de Viagem que, em
1923, apresentei ao governo do meu estado e a defendi calorosamente pelas colunas da
revista Pedagogium, órgão oficial da Associação de Professores, sob minha direção
até aquele ano.
CONCLUSÃO E PROPOSTA
Para atingir tão alevantado desideratum, proponho que a I Conferência Nacional de
Educação, constituída pelos delegados dos vários estados brasileiros, emita um voto de
profunda confiança e procure obter o compromisso formal dos seus aludidos membros no
sentido de serem apresentadas as legislaturas estaduais as bases dessa medida de tão rele-
vante importância, segundo a forma proposta ou pela maneira que for julgada mais conve-
niente, oportuna e exeqüível, a fim de ser, na próxima Conferência Nacional de Educação,
celebrado o convênio da unificação do magistério primário nacional.
TESE N
s
53
PARA LUTAR CONTRA O ANALFABETISMO: O SERVIÇO
PEDAGÓGICO OBRIGATÓRIO, DEVER CÍVICO FEMININO
DECORRENTE DO DIREITO DE VOTO ÀS MULHERES
Fernando de Magalhães
Associação Brasileira de Educação
ou pelo voto feminino: a declaração serve para abrandar as idéias subseqüentes. Mas sou
pelo voto feminino por polidez — as mulheres desejam-no, faça-se-lhes a vontade. Não
penso, porém, que a regra salve o mundo ou o País das ameaças possíveis. O sufragismo é
seita velha, vitoriosa ou turbulenta, e nem por isso mudou o rumo dos acontecimentos uni-
versais. Sem dúvida, as mulheres não serão nem benefício nem malefício a política; há, entre-
tanto, o receio de que a política lhes seja prejudicial. A competição eleitoral deteriora os
homens, e pena é que as mulheres suceda o mesmo.
O exemplo dos países onde há sufrágio feminino atesta, em primeiro lugar, a trans-
formação da personalidade das mulheres. Os caracteres sexuais tendem externamente a
modificação; seja pelos hábitos, pelas atitudes, pelos vestuários, vai longe a graça feminina.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
S
A sensibilidade também se dissipa: os debates em torno das reivindicações do sexo têm
aspecto de hostilidade e de luta, porque as aspirações do sufragismo não são uma diretriz,
mas um combate. E tudo se organiza no pressuposto de uma inferioridade jamais articulada,
muito menos modernamente, quando as mulheres governam, como déspotas, pelo afeto ou
pela fascinação.
Depois, o exercício do voto feminino é quase inútil. Povos onde o alistamento das
mulheres supera até o dos homens têm reduzida representação parlamentar mulheril: as
mulheres, e não é preciso indagar a causa, preferem votar nos homens a votar em suas
semelhantes.
Sem dúvida, o interesse da raça dita uma orientação diversa do problema, pois a
fatalidade sexual determina com muito rigor o destino de cada grupo e, ao invés de atrope-
larem as mulheres no torvelinho da política, mais lhes aproveitará a legislação que atenda
aos reclamos da espécie, resguardando, protegendo e enobrecendo a função feminina. Falta,
talvez, a estas impressões pessoais o cunho moderno, mas sobra-lhes a velha sinceridade
muito próxima do culto tradicional e escarnecido dos tempos românticos. Apesar de tudo, as
mulheres pleiteiam o direito do voto. Não é natural que os homens, legisladores, se
oponham.
No programa político feminino, a campanha pela educação nacional ocupará o primei-
ro lugar. Até hoje, nenhum educador eqüivale as grandes mestras que moldam consciências
infantis. Sob esse ponto de vista, a questão particularmente nossa deve lucrar com o voto
feminino, porque, apesar de longo período de atuação, os legisladores brasileiros fogem do
problema, tanto assim que o analfabetismo é ruidosamente evidenciado, e a instrução defici-
ente, lamentavelmente reconhecida todos os dias. Há aí um déficit avultado da atividade
masculina; por isso a propaganda pela educação no Brasil nos quatro últimos anos avulta em
empreendimentos privados, e a sua eficiência decorre da carência que nos definha.
Não é preciso mais reeditar números, tão repetidos são e têm sido. Esses números
contam os analfabetos, referem-se a vastidão territorial desabrigada da escola, a escassez do
professor, ao desamparo intelectual das crianças esparsas e afastadas, enquanto, aumentando
a tristeza do interior primitivo e plangente, na orla do País acotovelam-se, na ambição de
mando e de dinheiro, os que só calculam a vida farta e tumultuaria.
A verdade, bastante conhecida, sofre preterição porque não há quem reclame, mas, se
ela aliciar um grande exército de servidores decididos e desinteressados, o seu domínio
salutar será definitivo. Não estarão longe esses dias. Os industriais do poder acabarão por
não ter onde cevar os seus desejos. Será a hora de construir a nova gente, ou melhor, será a
hora em que a nova gente em formação surgirá para servir o Brasil. Assim, o trabalho de
desagregação das cooperativas administrativas e partidárias é automático: são autófagos os
que transitoriamente dispõem do nosso presente. Só do presente, porque o futuro cabe as
energias latentes da raça e da nacionalidade em começo de levante, em vários pontos e
proveitosamente, até mesmo no silêncio de uma obra de reparação e de transformação de
indivíduos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Os homens falharam ou faliram. As mulheres salvarão? Enquanto não se imagina a
resposta, vale a pena lembrar que, nesses últimos vinte anos, a mocidade masculina, com
esforço visível, foi adjudicado um tributo pesado. O direito político acompanha-se de um
dever cívico: o serviço militar obrigatório. Recordando o movimento dos maiores sábios
do mundo requerendo a Sociedade das Nações a extinção do serviço obrigatório na caser-
na, sente-se que mudou muito a mentalidade universal após a guerra. O século infante
sentiu, transido de dores, o peso todo da maior catástrofe que o sonho armamentista,
deturpando o interesse patriótico, pôde preparar. E as glórias militares, tangidas para o
desconhecido, ao clamor dos brados de vitória e dos atos de bravura, pela cupidez argentária,
nublaram o espírito de uma época e destruíram a sementeira de uma geração.
Pagam os homens, duramente, a vaidade do sufrágio, desvalorizado agora que a
vaga ditatorial faz reverter para o mais ousado a força emanada dos dogmas da autoridade
e da obediência, artigos de fé que revogam as vontades coletivas e reforçam os atrevimen-
tos individuais. Este aspecto talvez não tenha ocorrido as pleiteantes do sufrágio. Dar-lhes
o voto é fácil; respeitá-lo, garanti-lo, obedecendo-lhe as determinações, eis o mistério, ou
antes, o imprevisto da dificuldade.
Alcançado pelas mulheres o direito político, que dever cívico ser-lhes-á cobrado? Não
certamente o trato dos quartéis. Entretanto, admitida a concessão do direito, há que pensar na
criação do dever, bastante a propósito quando se cogita da disseminação do ensino no Brasil.
Ninguém discorda estar o grande obstáculo da instrução do País na disseminação
embaraçada e árdua do ensino. Calculados e organizados os meios de coligir recursos para
tal serviço, conclui-se não poder a Nação enfrentar o formidável orçamento pela extensão
da verba pessoal. Esta verba, porém, pode ser diminuída quando estiver preparado o serviço
pedagógico obrigatório, nos moldes do serviço militar, exigido das mulheres com direito a
carteira de eleitor. Não penso entrar em minúcias, mas lembro um alistamento baseado no
registro civil, informando anualmente, as várias circunscriçòes do País, quais as mulheres
chegadas a maioridade, em condições, portanto, de pretender o voto. Neste alistamento,
entrarão as que sabem e as que não sabem ler. Daí um efeito salutar: o cadastro sis-
tematicamente renovado das analfabetas. As mulheres capazes de exercer o voto, isto é,
sabendo ler e escrever, terão o encargo de alfabetizar durante dois anos um certo número
de crianças nas zonas em que habitam. Então, torna-se mais exeqüível o projeto de disse-
minação descrito no item de Miguel Couto expondo na Associação Brasileira de Educa-
ção: "Creio que a União poderá disseminar escolas públicas em todos os pequenos centros
do interior, vilas, viletas, aldeias, aldeolas, estações de linhas férreas, etc, que reunissem
em torno, num raio de meia légua, uma população mínima de 40 crianças".
Este voto inadiável esbarra diante do dispêndio. Quando o alistamento feminino com-
putar as que podem pleitear o direito de voto, estará imediatamente traçada a lista das que
serão também serventuárias da luta contra o analfabetismo, retribuindo com esse grande
dever cívico o direito político outorgado.
Dirão que ensinar não pode ser uma função taxativa porque pressupõe idoneidade.
Mas quando se diz serviço pedagógico obrigatório, elemento propulsionador na difusão do
I Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
ensino e recurso de combate ao analfabetismo, cuida-se da sua utilidade para reunir o maior
número das mulheres que saibam ler e escrever. O trabalho, então, das conscritas será apenas
ensinar a ler e a escrever, o que não requer grandes conhecimentos pedagógicos e representa
o primeiro impulso a educação e a instrução infantis. Este serviço pedagógico deve ser o
preferido; outro qualquer, no tipo dos serviços nacionais — a enfermagem, as vigilâncias
domiciliares —, fica em segundo plano, a menos que, no exercício das visitas aos lares
desprotegidos, não se crie a obrigação de um sistema educativo pelo conselho e pela persua-
são. Esta modalidade do dever cívico completa a outra, primacial, a alfabetização.
Está visto que a mulher mãe fica isenta desta ocupação; ela dispõe de regalias
invulneráveis.
Não me preocupa saber o que dirão da idéia os legisladores e as interessadas. Creio
que a estas não será indiferente segui-la, e talvez um grande número desejará abraçá-la.
Aproveitando a oportunidade desta Conferência, coincidindo com o momento mais efer-
vescente da campanha pelo sufrágio feminino, trago as mulheres mais um argumento
grandemente generoso e decisivo em favor do que pretendem.
Assim, proponho que a I Conferência Nacional de Educação sugira ao Parlamento
Nacional que, ao lado da outorga do direito de voto as mulheres, fique estabelecido o
serviço pedagógico obrigatório, meio de incentivar a disseminação do ensino no Brasil.
TESE N
s
54
A UNIDADE NACIONAL: PELA CULTURA LITERÁRIA;
PELA CULTURA CÍVICA; PELA CULTURA MORAL.
Manoel Pedro de Macedo
Ponta Grossa, PR
endo as teses apresentadas por este congresso objeto de longos e pacientes estudos, resol-
vi, dada a exigüidade do tempo de que disponho, falar apenas sobre a primeira, por me
parecer também a mais consentânea com a minha profissão.
Esta conferência, cujo fim é nobilíssimo e diz respeito as classes intelectuais, desper-
tou em mim a vontade de participar dela não com o saber, que me falta, mas com o amor
que nutro pelo Brasil e, principalmente, pelo Paraná.
Sou, antes de tudo, um brasileiro, e quero trabalhar pelo porvir da minha Pátria, que
pede, nestes dias, o carinho dos seus filhos.
Já disse Miguel Couto, há poucos dias, que a instrução do povo é um dos maiores
problemas que temos a enfrentar. Realmente, eu a considero também a nossa emancipação
intelectual e política.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
S
País algum jamais poderá representar uma força consciente e digna entre os outros se
não tiver uma população alfabetizada, pronta a desempenhar as magnas funções individuais
e sociais.
Modernamente, não basta o preparo elementar das massas, fundado somente na clás-
sica regra de ler, escrever e contar. Há a divisão do trabalho e os misteres profissionais que
reclamam múltiplas aptidões e mais adiantados conhecimentos para as aplicações que a
ciência vai criando. Tudo se torna cada vez mais complexo, difícil e especializado. Embora a
educação primária seja para qualquer país o eixo primordial do seu desenvolvimento e de
uma necessidade incontestável, como o é para a nossa vida o ar que respiramos, nem por isso
se pode dispensar a cultura literária, cívica e moral.
São estas três questões, pois, que vou analisar, a fim de responder a tese que me
propus explicar.
Para que se tenha, porém, uma idéia exata destes três aspectos da educação, é preciso,
preliminarmente, estabelecer a distinção que há e que os escritores fazem entre moral e saber.
O notável Gustavo Le Bon, autoridade em assuntos pedagógicos, procurou firmar e
explicar a diferença existente entre estes dois fenômenos da Psicologia. Afirmou ele que o
saber é independente da moral, porque muitas pessoas há cultas, porém, completamente
destituídas de moralidade, e vice-versa.
Ora, se a instrução é um meio de educar, genericamente falando, não quer dizer que
aquele que aprende se moraliza. Educação é gênero e instrução é espécie. Educar, no sentido
restrito, é moralizar, é infundir na pessoa princípios altruístas. A instrução tem fins utilitários
e teóricos. O saber atua sobre a inteligência, e a moralidade, sobre o sentimento. Estas duas
faculdades, embora se auxiliem mutuamente, são distintas. Têm o mesmo fundamento, mas
diferem nos resultados e nos objetivos.
Não se pode aderir ao exagerado conceito de que a instrução seja o único meio de
educar, ou seja, exclusivamente teórica e utilitária, como quer Le Bon.
O saber, mesmo que não crie moralidade e virtude em ninguém, como o exemplificam
os grandes gênios, tem, todavia, o dom de esclarecer e determinar o porquê da boa conduta,
tanto individual como coletiva. Deve-se, então, incorporar no problema educacional esses
dois elementos que o integram: moral e instrução.
A sociedade necessita, para a sua conservação e aperfeiçoamento, não só dos Pitágoras,
mas também dos Confúcios. A educação, portanto, na sua verdadeira compreensão, abrange as
três faces da personalidade: a inteligência, que desvenda a verdade; a vontade, que se concretiza
na ação; e o sentimento, que procura o bem. Viver é, então, aprender, sentir e querer.
CULTURA LITERÁRIA
A arte literária constitui parte do programa que visa a elevação do nível mental de um
povo. Ela tem o poder de desenvolver e completar os espíritos afeitos a ilustração, impri-
mindo-lhes o colorido das tendências idealistas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A cultura literária abre para todas as inteligências um horizonte riquíssimo, dos mais
variados conhecimentos estéticos, científicos e morais, cujos perfumes afinam e dão poli-
mento ao espírito. Além disso, ela proporciona a todos reais proveitos que vivificam e
exaltam o sentimento de patriotismo, de solidariedade social e de crença, atraindo-os a
contemplar as coisas do passado e os grandes acontecimentos nacionais que, quando pro-
dutos do heroísmo, são padrões de glória que se imortalizam, porque, como disse Tobias
Barreto, as nações não caminham sentenciadas, como a mulher bíblica, a não voltar os
olhos para trás para não se converter em estátua de sal.
A literatura é ainda o admirável filtro por onde passam a novela, os contos, a história,
os periódicos, as revistas, a filosofia, a ciência, a poesia e muitos outros ensinamentos que
aprimoram e dignificam a espécie humana.
Haja vista, por exemplo, o romance. Nele se descrevem e se focalizam os grandes
feitos e os grandes homens, cujas energias conscientes são lições magníficas, que estimu-
lam para a luta as gerações presentes e futuras. Veja-se, pois, Os Sertões, de Euclides da
Cunha, cuja prosa cristalina e de estilo impecável reproduz, com maravilha, a tempera rija
do nosso sertanejo. Esse livro de Euclides é um precioso repertório histórico-literário, um
conto realista onde se enaltecem e analisam as qualidades sublimes que ornam o valor do
nosso caboclo, capaz de ombrear, em coragem, com aquela bravura com que os antigos
espartanos se batiam nos campos de batalha. Os Sertões caracterizam, com perfeição, a
vitalidade da raça brasileira. Nas páginas estupendas onde o escritor pinta, com rara fideli-
dade, o quadro gigantesco das selvas brasílicas, vê-se que vibram todas as cordas da sua
imaginação prodigiosa, que empolgam a mente de todos quantos as lêem. E é assim que o
estudo da literatura nos identifica com o meio em que vivemos, embriagando-nos das do-
ces passagens que a história registra.
CULTURA CÍVICA
A primeira condição da respeitabilidade de um país é a sua força moral e física. A
educação cívica é, por isso, o adestramento nas armas e o amor as coisas nacionais. Rui
Barbosa, nas suas memoráveis Cartas de Inglaterra, referindo-se ao preparo militar no
Brasil, assim entendia a questão: "Bem sei que estamos rodeados de nações pacíficas, que
não é menos pacífico o ânimo da nossa, e que a paz é a cláusula essencial do nosso progres-
so. Mas, neste seio de Abraão, não esqueçamos que a primeira condição da paz é a respei-
tabilidade e a força".
Estas palavras do insigne mestre, imbuídas da grande experiência e do acendrado
patriotismo com que ele sempre honrou e defendeu o Brasil, quer internamente, quer no
estrangeiro, onde o seu verbo assumiu as proporções de um milagre, devem estar sempre
presentes na nossa alma como um sagrado farol a derramar luzes sobre a política brasileira.
Sejamos bons cidadãos e tenhamos bastante fé nos destinos da Pátria; trabalhemos
todos para o mesmo ideal, entrelaçando, numa maravilhosa combinação de interesses e
sentimentos, os elos benditos de amizade que nos prendem a todas as nações do mundo;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
mantenhamos na ordem dos negócios internos os potentes laços de comunhão social; mas
ao lado de tudo isso e acima de tudo isso, ouçamos os saudosos conselhos que nos deixa-
ram Rui Barbosa e Rio Branco no tocante as relações internacionais, porque eles foram o
modelo e a encamação mesma dos gênios que conduzem a humanidade.
Outro apóstolo da fé e que está no mesmo plano dos mentores da nossa formação
política é Olavo Bilac, um dos mais ardorosos chefes do civismo no Brasil. Foi poeta que
engrandeceu as nossas letras, mas foi ao mesmo passo que empreendeu, com invulgar
desinteresse, a cruzada vitoriosa em prol do serviço militar. Essa instituição por ele prega-
da e que se fez realidade entre nós precisa ser conservada sempre, não só por ser ela a
defesa do território, como ainda por servir de meio eficaz e rápido para civilizar o caipira,
dando-lhe o sentimento de pátria e ensinando-lhe amar e compreender as cores e a história
da nossa Bandeira.
Persistamos nessa tarefa emancipadora e disciplinadora da mocidade. Milhares dos
nossos irmãos que passaram pela caserna têm hoje, graças as escolas de quartel, a noção do
papel que representam perante a sociedade que antes os considerava como seres inferiores.
O militarismo, entre nós, não tem e nunca teve caráter agressivo, dada a índole da
nossa gente. O ideal visado pela instrução militar, aqui, tem sido simplesmente a garantia
dos direitos de soberania.
CULTURA MORAL
A perfeita educação, como fiz notar há pouco, se alicerça na teoria e prática do bem,
na pesquisa da verdade e na vontade de agir. Daí a imperiosidade, entre outras coisas,
recorrer-se a norma ética para a integração do caráter. A moral determina a finalidade de
todas as ações humanas. Tendo o homem o mínimo de instinto e o máximo de inteligência,
urge que trabalhemos por que se lhe amorteçam as inclinações perversas que brotam da sua
animalidade, sempre disposta a seguir os ditames do inconsciente. Todo indivíduo, ao nas-
cer, é mais ou menos aquilo que a sua organização lhe ordena. É extremamente egoísta e
julga tudo pelas aparências. Com o andar dos anos, o consciente vai predominando sobre o
inconsciente, e as leis do atavismo vão pautando os seus atos. É justamente neste período
do desenvolvimento mental e físico que a criança se impressiona com o que a rodeia — e
imita. Nesta fase, a sua renovação e aperfeiçoamento dependem dos sãos princípios em que
ela for se inspirando. Não tendo ainda hábitos, assimilará com facilidade os primeiros que
adquirir, sem muito esforço.
Dizem os filósofos que o costume é uma "segunda natureza", cujas raízes, pequenas
e fracas no começo, tornam-se inabaláveis depois de fixadas. Assim, o adolescente será
mais tarde bom ou mau conforme as influências sob as quais tiverem amadurecidas as suas
idéias, respeitadas, já se vê, as taras hereditárias.
Educado no caminho do bem e do justo, ele será um pai exemplar, um marido estima-
do pela esposa e um cidadão correto que eleva a sociedade e lhe aumenta o patriotismo
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
moral, que é solidez e união de potencialidades. Até com pouca instrução, mas com uma
dose forte de moralidade, o homem, afastando-se do mal, constitui um baluarte contra o
vício, contra o roubo, contra o crime, contra a falsificação e contra a mentira. Muito se
enganam, pois, aqueles que julgam ser o progresso a expansão das riquezas materiais.
Estas dão, sem dúvida, o luxo, o conforto e os prazeres sensuais, que corrompem as cons-
ciências, apagando-lhes o altruísmo. Por isso, uma nação que tenha milhões de moedas-
ouro em seus cofres gastá-los-á insensivelmente e cairá na mais tremenda das misérias, se
não tiver homens que conservem e zelem por todo esse dinheiro. A verdadeira riqueza,
portanto, não está nas coisas, porém nas pessoas, como acertadamente pondera Augusto
Colmo, um dos maiores talentos da República Argentina: "La civilización y el progreso
tienen que estar no en Ias cosas, sino en Ias gentes".
A Inglaterra, como é sabido, é um país de tradições veneradas e que tem produzido
os maiores estadistas que o mundo conhece. As suas finanças lhe dão um prestígio in-
comparável. A sua política é a bússola de todas as nações. As suas liberdades são base-
adas na Justiça. Montesquieu asseverou que os ingleses fizeram de sua pátria a nação
mais livre da Terra. Entretanto, toda essa grandeza britânica, cujas fulgurações se perpe-
tuam e se dilatam através da cortina do tempo, encontra a sua razão de ser na própria
educação inglesa.
Eis um trecho dasBases da Fé, onde Rui Barbosa analisa a Inglaterra: "Dizia, não há
muito, o velho Barthelemy Saint-Hilaire que, ao pisar terra inglesa, se sentia no seio de um
povo essencialmente voraz". Tal deve ser aqui a primeira impressão do moralista, do filó-
sofo, do investigador.
O progresso britânico é profundamente moral e religioso em toda a extensão do seu
curso.
Quanto aos Estados Unidos, cuja prosperidade assombra o mundo inteiro, tem-se a
dizer, emprestando a opinião de Emerson, que os americanos sao a continuação do gênio
britânico, sob o poder de novas condições mais ou menos propícias.
O que concluímos destas considerações é que as melhores civilizações têm por acento
principal o trabalho e a cultura moral.
Não existe melhor força do que a moral. Ela vai de geração em geração, transmitindo
de umas para outras os surtos divinos da probidade e da solidariedade social.
O materialismo passa e leva consigo o turbilhão das decepções que enfraquecem e
arruinam os povos cuja preocupação exclusiva consiste na dilatação do bem-estar individu-
al, desprezando a religião do sacrifício em favor da comunidade.
Só o pensamento eterno e invisível é que transpõe a montanha dos séculos, carregan-
do pelo infinito afora a recordação de todas as idades, de todas as épocas e de todos os
fatos. A maneira das grandes nações que ostentam prestígios imensos no concerto das
competições de toda espécie, intensifiquemos no Brasil a instrução e os ensinamentos mo-
rais, porque eles hão de constituir o máximo sopro de adiantamento que há de dar a moci-
1 Conferência Nacional de Educação — Curiliba. 1927
dade brasileira de amanhã o título de habilitação com que ela há de romper galharda a
marcha sublime antevista ao Brasil pelos corifeus do seu destino: Rui Barbosa, Rio Branco,
José Bonifácio, Tiradentes e muitos outros.
Não esqueçamos, pois, em relação ao porvir da nossa amada Pátria, estas pala-
vras de Civilis e reproduzidas por Tácito: "que os deuses estão sempre ao lado dos
mais fortes".
Esta conferência sobre educação, feita nesta capital, é fruto de uma idéia altamente nobre
do nosso governo, porque ela exprime já o toque de alvorada que anuncia os bons intuitos dos
podêres públicos no sentido de efetivar a bela campanha contra a chaga do analfabetismo.
O Brasil inteiro vai aplaudir com sinceridade e satisfação esta assembléia do ideal,
que escolheu a linda e culta capital curitibana para dignificá-la com estas conferências
sobre o ensino.
E o Paraná, estado que ocupa já um dos lugares mais salientes no seio da federação
brasileira, exulta de orgulho nesta hora, e canta, pela boca dos seus filhos, o hino do seu
triunfo e a divisa do seu semper in excelsis.
TESE N
e
55
O CONCEITO DO NÚMERO
Algacyr Munhoz Mâder
Ginásio Paranaense
INTRODUÇÃO
Se a Matemática é a rainha das ciências, a Teoria
dos Números é a rainha da Matemática
Gaus
ma dificuldade, aliás bem séria, se apresenta em prejuízo da boa divulgação das teorias
científicas, especialmente em relação as do domínio matemático.
É que os autores, em sua maioria, escrevendo para o grande público, em que se
encontram culturas de todos os graus e a mais completa diversidade de inteligências, pre-
ocupam-se em tornar o assunto que explanam francamente acessível, pecando, quase sem-
pre, por certa prolixidade e por um elementarismo de exagero nocivo.
Sob esse particular, especializando para a Matemática, que é dentre todas as ciências
a de maior importância e que mais de perto nos interessa, parece não haver dúvida de que
a Aritmética tem sido a parte mais prejudicada, mesmo tratada com inexplicável descuido,
não porque haja escassez de assunto e muito menos porque lhe falte calor.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
U
Os livros de que geralmente dispomos, nos quais se procura insinuar os reflexos do cará-
ter prático da tendência moderna, são prodigamente reproduzidos, com máximo êxito, distin-
guindo-se pelo exagerado desenvolvimento da parte consagrada aos exercícios, com flagrante
prejuízo das indispensáveis noções teóricas, comumente exploradas com visível imperfeição.
As definições vulgarizadas afastam-se do rigor desejado, trazendo, muitas vezes,
uma noção rudimentar, de aproximação grosseira do seu objeto, sem o caráter indispensá-
vel de generalidade.
A nossa argumentação poderia ser feita através da eloqüente simplicidade dos exem-
plos, que existem em grande número e de proveitosa fertilidade, constituindo o meio segu-
ro para a completa justificativa da presente observação.
Deixaremos, contudo, de citá-los, por isso que são por demais conhecidos e mesmo
porque a crítica profunda, aliás de rara complexidade, distancia-se, pronunciadamente, da
finalidade imediata do presente trabalho.
Entretanto, observaremos que essa forma de encarar a questão por parte dos
tratadistas, defeituosa sob todos os pontos de vista, é de completa desvantagem para os
iniciandos, que se vêem prejudicados pela falta de orientação em que são desenvolvidos os
seus estudos, trazendo, geralmente, como resultado, a aquisição de idéias bem falhas da
ciência a que se dedicam.
Os inconvenientes apontados são estendidos, com freqüência, aos demais ramos da
Matemática.
Em campo bem diverso, outros compêndios aparecem, em número mais reduzido,
em que as diferentes teorias encontram amplo desenvolvimento, encaradas, com maior
rigor, por uma face mais elevada.
A sua exposição, todavia, feita em linguagem científica, a que não estão habituados
os interessados, é dificilmente acessível.
Esse é o principal obstáculo que se antepõe ao estudo da Matemática Elementar,
exigindo, para sua remoção, o coeficiente de habilidade pessoal do professor,
Reconhecida a preponderância do seu papel, diversos estudos têm sido feitos nos
últimos tempos no sentido de aperfeiçoá-lo, indicando-lhe a norma que deve seguir para
que seja diminuída a descontinuidade atual entre o ensino da Matemática Elementar e o da
Superior. Haja vista os resultados obtidos nos trabalhos do Congresso de Naturalistas,
realizado em Dresden, em 1907, e no Congresso. de Filologos e Professores Alemães,
ocorrido pròximamente na mesma época, em Basiléia, nos quais o professor Felix Klein
apresentou importantíssimas comunicações sobre as necessidades da reforma no ensino da
Matemática, tendo publicado, sobre a palnitanfe questão, trabalhos de grande valor dedi-
cados aos professores, onde o ilustre cientista alemão expõe o verdadeiro método para o
ensino da ciência básica dos conhecimentos humanos
1
.
1
KLEIN, Felix. Matemática elementar desde un punto de vista superior. Trad. por Roberto Araújo. Madrid. 1927.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O novo método, de eficácia comprovada pelas experiências a que tem sido submetido,
vem encontrando o eco desejado.
Muitas publicações têm aparecido, inspiradas pela mesma tendência, devidas a diver-
sos autores de grande renome. São insignificantes as divergências apresentadas por um ou
outro, dizendo respeito apenas a detalhes de pequena importância. Todas elas contribuem
seguramente para a restrição das falhas apontadas no início da nossa apreciação, sem poder,
entretanto, anulá-las de momento, em vista da demora exigida pela expansão da nova ordem
de idéias.
Não somente os compêndios da escola moderna, bem como os mais recentes lançados
nos grandes centros, consagrando estudo cuidadoso as noções preliminares, procuram dar o
máximo realce aos fundamentos da Matemática.
Ouçamos, nesse ponto, a opinião de Emile Picard:
Na segunda metade do século passado, a atenção dos matemáticos voltou-se para os alicerces em
que assentam os diferentes ramos do pensamento matemático. Nos últimos vinte anos, apareceram
muitas publicações sobre a filosofia das Ciências Matemáticas, de acordo com as tendências da
nossa época, em que o espírito humano faz uso de uma crítica cada vez mais penetrante. Sob este
ponto de vista, verificou-se que o número inteiro, em que eu falei no começo do capítulo preceden-
te, continha dificuldades que mesmo um grande físico como Helmholtz não desdenhou.
2
Influenciados pelas mais recentes opiniões expendidas pelos maiores da Matemática,
realizamos o presente trabalho.
ORIGEM DO NÚMERO
Duvidar de tudo ou tudo acreditar são as duas solu-
ções igualmente cômodas, pois uma e outra nos dis-
pensam de refletir.
3
Poincaré
O conceito do número, em sua origem, constitui uma das questões mais delicadas a
que se pode abordar no campo da Matemática. Questão de ordem histórica e psicológica,
tem sido amplamente discutido em todos os tempos, atraindo sempre as maiores
discordâncias; "... sua origem é extremamente difícil de descobrir, até o ponto de que se
experimenta uma sensação de bem-estar quando se deixa de lado sua investigação". É Klein
que o afirma, aliás com muita razão.
As conclusões a que têm chegado os investigadores, analisando a questão sob tendências
diversas, segundo as influências da época em que agiram, dificilmente convergem para um
acordo razoável que corresponda aos pontos de vista dos lógicos, etnógrafos e biologistas.
2
Émile Picard, membro do Instituto e Professor da Faculdade de Ciências de Paris (Ciência moderna e o seu estado atual).
3
H. Poincaré, membro do Instituto e professor da Sorbonne (La Science et I 'hypothèse. Paris, 1925. p.2).
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Volvendo as vistas para o problema da origem, desde logo, com uma interrogação bem
séria: a primeira idéia formulada do número será independente da observação?
Respondendo que não, como realmente o fazemos, somos levados a divergir, inicial-
mente, de umas das concepções que iremos interpretar.
Com efeito, a idéia do número provém dos conjuntos de fenômenos observados.
Em objeção a essa afirmativa, nos dirão que, pela consideração de conjuntos limitados,
aliás os únicos com que podemos contar, não chegaremos a conceber o número em toda a
ampliação atual de suas propriedades, e muito menos a concluir de ser ilimitada, no sentido
crescente, a série dos números naturais.
Para afastarmos quaisquer dúvidas a esse respeito, notaremos que, embora a imagem
sensível desapareça pouco a pouco da nossa imaginação a medida que as teorias matemáticas se
desenvolvem abstratamente, não nos é lícito, em sua origem, dispensar a imagem primitiva.
A idéia do número parece ter sido sempre inseparável de sua representação material. Os homens
da mais remota antigüidade, incultos como eram, não podiam ter a concepção abstrata do núme-
ro: não o compreendiam senão colocando-se em presença do objeto ou dos objetos semelhantes
correspondentes ao número em questão.
4
Jules Tannery, tratando da introdução do número, expende opinião análoga quando
estabelece a comparação entre duas coleções de objetos: "A noção do número foi tirada da
idéia de coleção de objetos distintos".
5
Outras citações, igualmente notáveis, poderiam concorrer para o esclarecimento desse pon-
to, a nosso ver de rara evidência, apesar das objeções, aliás infundadas, que temos encontrado.
É que alguns autores, entusiasmados pela grande ampliação que o conceito do número
tem experimentado, procuram ofuscar o acanhamento de sua origem concreta.
Essa ampliação destina-se a permitir a completa correspondência entre as grandezas e os
números.
Se a noção de número, tal como tem sido constituída até aqui, por meio de números inteiros e
fracionários, é suficiente do ponto de vista prático, ela não permite, sob o ponto de vista lógico,
realizar inteiramente a medida das suas grandezas, para a qual se pode quase dizer que foi
construída. A fim de atender a este objetivo e de responder a outras questões que se apresentam,
necessariamente, é indispensável introduzir novos números.
6
Depois desses esclarecimentos, em que nos parecem dissipadas todas as dúvidas
existentes entre o fato de se supor a noção do número destacada de sua origem concreta,
conforme as exigências de ordem teórica, e o de ser a mesma negada radicalmente, passe-
mos a interpretar as mais importantes concepções entre as conhecidas.
4
Augusto Billot, lente, por concurso, do Ginásio Oficial da Capital de São Paulo (Curso de aritmética. São Paulo. 1915).
5
Jules Tannery. membro do Instituto, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris e vice-diretor da Escola
Normal
Superior (Leçons d'arithmétique. Paris, 1911. p.162).
'TANNERY. J. Op. cit., p.416.
1 Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
Kant e Hamilton admitem que a sucessão de fenômenos observados no mundo físico,
trazendo-nos a impressão do tempo, desperta-nos a idéia do número.
A concepção dos ilustres filósofos, estabelecendo a dependência íntima entre o con-
ceito de número e o de tempo, tem encontrado certa aceitação.
Os fenômenos de tempo, sendo menos gerais e mais complexos que os de número,
forma e movimento, só podendo ser apreciados indiretamente com auxílio desses elemen-
tos, evidentemente, não poderão servir de ponto de partida para a explicação da origem de
algum deles.
Além disso, estabelecendo a comparação entre dois fenômenos quaisquer, sabemos
distinguir se um é anterior ao outro ou se são ambos simultâneos, sem, contudo, nos ser
possível classificá-los com aproximação suficiente, em vista da diversidade de causas aci-
dentais de que se apresentam revestidos, circunstância que nos leva a procurar condensá-
las em torno de uma principal.
Pelos motivos expostos, resulta bem patente a completa impossibilidade de ser inter-
pretada com rigor a simultaneidade de dois fatos, em vista das dificuldades, aliás muito
pronunciadas, de que se reveste a sua observação.
A noção de tempo que formulamos, diretamente, é apenas qualitativa, diferindo do
tempo quantitativo dos físicos e astrônomos, que o avaliam com auxílio de instrumentos de
diferentes graus de aproximação, tendo por base as oscilações pendulares, supostas inicial-
mente de igual duração.
A transformação do tempo psicológico ou qualitativo para o quantitativo, apesar das
longas discussões que tem provocado, não nos parece possível.
Consultemos, neste ponto, a opinião de Poincaré;
Nós não temos a intuição direta da igualdade de dois intervalos de tempo. As pessoas que acre-
ditam possuir esta intuição são vítimas de uma ilusão.
Quando eu digo que de meio dia a uma hora decorreu o mesmo tempo que de duas a três horas,
que sentido tem essa afirmação?
A mínima reflexão mostra que em si não o tem. Ela só terá o que eu lhe quiser dar, por uma
definição que comporta, naturalmente, um certo grau de arbitrariedade.
7
Jacques Balmes, em seu tempo, já estava possuído de opinião análoga, conforme se
depreende das linhas que transcrevemos em seguida:
Uma prova de que o tempo nada tem de absoluto é a impossibilidade em que nos achamos de
distinguir, a menos de sermos auxiliados por um relógio ou outra medida qualquer, se foram
decorridas onze horas e meia ou doze horas em um tempo dado. O homem isolado perderia toda
a medida do tempo, portanto a idéia dessa medida é essencialmente relativa.
8
7
POINCARÉ, H. La mleur de Ia science. Paris, 1925. p.38.
ê
Abbé Th. Moreux, diretor do Observatório de Bourges (Pour comprendne Einstein. Paris, 1922, p.203).
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Concluindo a apreciação da presente origem, dela divergimos, apesar da aparência
sugestiva que apresenta, principalmente em atenção a maior complexidade que caracte-
riza o fenômeno do tempo, cuja noção julgamos, a exemplo da grande maioria dos mate-
máticos de todos os tempos, ser uma conseqüência de outras mais simples e gerais, tendo
por base a numérica; "... no Universo há sucessão, há mudanças, e é o número dessas
mudanças que forma o tempo".
9
Realmente, para podermos, com auxílio da sucessão, conceber o tempo, é preciso,
em primeiro lugar, considerarmos os fenômenos que se sucedem, a não ser que se pretenda
desenvolver as indagações, nesse terreno árido, em sentido inverso.
Outros autores preferem relacionar o número ao conceito de espaço, pela observa-
ção simultânea de diferentes conjuntos de fenômenos.
Passemos a interpretar a nova opinião, aliás mais vulgarizada, que julgamos bem
razoável.
Observamos os fenômenos do mundo físico, com auxílio dos nossos sentidos, pelos
característicos sensíveis que apresentam.
As impressões recebidas, entretanto, não produzem em todos o mesmo efeito. Para
alguns, certas aparências são gravadas com mais nitidez, enquanto os demais emprestam
maior atenção a outras tantas.
Parece muito natural que, em vista da grande diversidade de fenômenos ofe-
recidos a nossa contemplação, houvesse certa dificuldade em fazermos sobre eles quais-
quer referências.
Para obviá-la, foi sendo criada uma terminologia conveniente.
Assim, pela abstração de certas propriedades e consideração isolada de outras mais
gerais, convencionou-se, para cada classe de fenômenos, nomes especiais, que constituem,
entre o complexo de característicos que os definem, o menos mutável e de conservação
mais fácil na memória.
Nos tempos atuais, em que o progresso humano atinge nível tão elevado, compreen-
de-se, com muita facilidade, a extraordinária simplificação que o emprego do nome, resu-
mindo um conjunto de propriedades, veio trazer ao desenvolvimento dos diversos ramos
científicos.
Na Matemática, os nomes têm exercido influência incontestável, simplificando, de
maneira notável, os raciocínios empregados nas demonstrações e resumindo outros, feitos
anteriormente, que ficam dispensados de uma repetição completa, geralmente longa.
Depois da consideração de fenômenos isolados, devemos passar aos de conjunto,
procurando os meios de facilitar a sua interpretação.
MOREAUX. Th. Op. cit., p.217.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Em presença de conjuntos quaisquer, constituídos por elementos semelhantes ou de
natureza diversa, para conservarmos uma impressão precisa a seu respeito, somos levados
a procurar distinguir as partes componentes, determinando a freqüência com que aparecem
as da mesma espécie.
Primitivamente, para maior facilidade dessa distinção, procurou-se estabelecer cor-
respondência entre os elementos dos conjuntos e os dedos. Por agregações sucessivas
destes, feitas intuitivamente numa certa ordem, poderíamos realizar a comparação entre os
conjuntos, segundo sua grandeza.
Com esse esboço espontâneo de ordem, surgiu a primeira noção dos números natu-
rais, destinados, em analogia aos nomes convencionais mencionados há pouco, a caracteri-
zar os referidos conjuntos.
Em épocas remotas, atendendo-se aos pequenos conjuntos que eram considerados,
toda a terminologia numérica restringia-se a uma palavra única, que, quando preciso, era
repetida algumas vezes. Com efeito, dizia-se: um, um e um, um e um e um, etc; a evolução
ascendente do progresso veio, gradativamente, aperfeiçoando com a introdução dos novos
termos, dois, três, etc, de que atualmente dispomos.
Em relação as formas ordinal e cardinal porque se originam os números, admitimos
que a idéia de ordem é anterior a de número propriamente dito, aceitando, assim, a primeira
origem. "Os números tornam-se involuntariamente números ordinais".
10
Picard, em rápida apreciação sobre esta face da questão de que nos ocupamos, pro-
cura, em seu recente livro, desviar as dificuldades, propondo a origem cardinal para os
visuais e a ordinal para os auditivos. Seguindo a sua orientação para a nossa escolha,
embora reconhecendo de antemão que não corresponde a uma resposta formal, somos
insinuados a admitir a simultaneidade das duas origens, ou a primazia da primeira, consa-
grada, aliás, pela grande autoridade de Mach.
Examinemos agora a interpretação de outros autores que julgam a noção do número
independente do espaço e do tempo, sendo devida a uma aptidão do nosso espírito, de que
nos fala Minkowski em suas Aproximações Diofânticas.
Não é nas vãs hipóteses, mas no funcionamento dos sentidos e da inteligência, nossos instru-
mentos naturais, que é preciso procurar as origens, os princípios germinativos de toda ciência
positiva, e, particularmente, da que tem por objeto relações entre quantidades. Essas origens nâo
encontraremos senão nas impressões recebidas pelos sentidos, órgãos da descontinuidade, e
elaboradas pela inteligência, que tem a continuidade por essência funcional. Eis aí nosso campo
de exploração."
Os instrumentos naturais citados pelo ilustre autor são realmente os meios de que
dispomos não só para a criação de novos cabedais científicos, como, também, para a inter-
pretação e ampliação dos velhos conhecimentos.
10
E. Mach, weil. professor da Universidade de Viena (Pieprinzipien der warmelehre. Leipzig. 1913, p.67). "
HOEFER, Ferdinand./Histoire mathématiques. 3.ed. Paris [s.n.t.].
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Esses elementos, entretanto, apesar da diversidade de sua natureza, são complementares.
Assim, os sentidos, destinados a permitir a observação do meio, dele extraem os
materiais que são elaborados e coordenados pelas faculdades intelectuais.
As aptidões especiais que possui o espírito humano, sem a excitação dos sentidos,
continuariam, para sempre, em estado latente.
Em oposição a essa concepção de origem, poderíamos recorrer a profunda argumen-
tação histórica.
Sobre este ponto, porém, encaminharemos o nosso raciocínio pela indicação de
Poincaré:
... refletir sobre a melhor maneira de fazer penetrar noções novas nos cérebros virgens é, ao
mesmo tempo, refletir sobre a maneira pela qual essas noções foram adquiridas pelos nossos
ancestrais e, por conseqüência, sobre sua verdadeira natureza. Por que as crianças geral-
mente não compreendem as definições que satisfazem aos sábios? Por que é preciso que se
lhes dê outras?
12
Volvendo as vistas para a marcha natural pela qual a idéia do número se forma nos
cérebros infantis, de acordo com o desenvolvimento de suas faculdades, observaremos a
importância das comparações concretas, de fácil imaginação, feitas, geralmente, com objetos
familiares.
O estudo cuidadoso das faculdades humanas, evidenciando as afinidades entre as
origens matemática e filosófica, fornece os únicos elementos seguros com que poderemos
contar para o desenvolvimento de nossas indagações.
Conclusão:
Acreditamos ter justificado, pela interpretação das diversas origens, a nossa opinião,
que aqui resumimos: A origem do número é concreta, ordinal e dependente da noção do
espaço.
INTRODUÇÃO DO NÚMERO NO CAMPO MATEMÁTICO
A exposição das ciências pode ser feita pelas marchas histórica e dogmática.
Consiste a primeira no exame dos diversos elementos científicos na ordem em que
foram conquistados pelo espírito humano, aliás a única aplicável as ciências nascentes,
enquanto a segunda é feita com pleno conhecimento delas, numa ordem lógica mais natural,
destinada a interpretação das ciências de maior grau de desenvolvimento.
A marcha dogmática tende a predominar como a mais proveitosa, em oposição a
histórica, de impraticabilidade crescente com o progresso científico.
12
POINCARÉ. H. Science et méthode. Paris, 1924.
" A. Corme (Philosophie positive).
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A tendência constante do espírito humano, quanto a exposição dos conhecimentos, consiste em
substituir, cada vez mais, a ordem histórica pela dogmática, única que pode convir ao estado
aperfeiçoado de nossa inteligência.
13
Deve-se a falta de distinção entre essas marchas a confusão, de que muitos se mos-
tram possuídos, entre a origem do número, que tem sido a nossa questão até aqui, e a sua
introdução no campo matemático.
Sem querermos entrar em detalhes sobre a exposição dogmática e histórica das ver-
dades científicas, passaremos a examinar a introdução formal do número, devida a Leibniz,
adotada atualmente por Hilbert, conforme sua conferência no Congresso de Heidelberg,
em 1904, sobre os fundamentos da Lógica e da Aritmética.
Baseia-se o ilustre geômetra na completa redução das teorias matemáticas as regras
da lógica formal, fato, aliás, aceito por outras autoridades na matéria, tendo constituído
sempre motivo para aprofundados estudos e longas discussões em atenção a importância
decisiva da palpitante questão.
Pela concepção presente, que naturalmente só interessa a exposição dogmática, os
números são considerados como símbolos arbitrários, sem significação numérica real, su-
postos, apenas, susceptíveis de ser relacionados, nas diversas operações, pelas onze leis
formais do cálculo.
A sua simples inspeção, entretanto, desperta inicialmente uma dúvida acentuada:
serão contraditórios os resultados a que nos conduzem as operações feitas com os símbo-
los de Leibniz?
O ponto de vista que nos preocupa no momento é exposto, com grande clareza,
por Klein:
Diz-se, ordinariamente, que a intuição indica a existência de números para os quais
são válidas as regras operatórias, e, portanto, nelas não se pode encontrar contradição;
mas, sendo assim, quando se tenha prescindido da significação real dos símbolos numéri-
cos, já não é admissível acudir a intuição, e o problema converte-se neste outro: demons-
trar, logicamente, que em nenhuma operação com símbolos, feita segundo as onze leis
fundamentais, pode-se chegar a contradição, ou, o que é o mesmo, que as mencionadas
onze leis são logicamente compatíveis.
Ao expor o primeiro ponto de vista, dizemos que, segundo ele, a certeza da Matemá-
tica reside na existência de coisas intuitivas para as quais são verificáveis suas proposições;
ao contrário, para o partidário do segundo modo, puramente formal, de ver a questão, "a
certeza da Matemática reside em que suas leis fundamentais, consideradas de um modo
puramente formal, prescindindo de toda significação intuitiva, formem um sistema lógico
não contraditório"
14
.
14
KLEIN, Felix. Op. cit., p.12.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Realmente, a introdução formal do número, longe de comportar exame supérfluo,
pela importância de suas conseqüências, pode conduzir, segundo o ponto de vista em que
nos colocarmos, a extremos diversos, de natureza digna das interpretações de Zenon de
Eléa e dos filósofos da Escola de Mégara.
Antes, porém, de atacarmos em cheio a questão, façamos algumas considerações, a
nosso ver indispensáveis, sobre o papel da intuição e da lógica na Matemática.
Os grandes matemáticos, guiados por espíritos de natureza diversa, não dirigem suas
investigações pelo mesmo método.
Caminhos bem diversos podem conduzir ao enunciado de uma mesma verdade matemática. As
demonstrações diferem segundo a educação, as tenncias, os hábitos do matemático. Elas refle-
tem a personalidade.
15
Alguns, rigoristas por excelência, tendem pronunciadamente para a lógica, procu-
rando, com os seus próprios recursos, derivar todas as proposições matemáticas de certo
número de axiomas admitidos inicialmente, enquanto outros, preferindo avançar com mai-
or rapidez para as suas conquistas, deixam-se levar pela intuição. '
Entre os primeiros, citaremos Euclides.
Baseadas exclusivamente nas leis da lógica formal, sem dispormos de outros recur-
sos, as investigações afastam-se do terreno objetivo, conduzindo-nos a simples tautologias.
A lógica pura, aliás, só fará conhecer verdades novas pela introdução de novos axio-
mas em suas deduções.
A resultado bem diverso, em verdade, chegaremos, dispondo apenas da intuição:
maior freqüência de conquistas novas, caracterizadas por menor rigor.
Parece não haver dúvida de que as construções científicas são devidas ao concurso
mútuo da lógica e da intuição.
Poincaré, aliás, esclarece perfeitamente este ponto:
A lógica pura não nos conduzirá senão a tautologias; ela nada pode criar de novo: não é somente
dela que alguma ciência pode sair.
Para fazer a Aritmética, como para fazer a Geometria, ou para fazer uma ciência qualquer, é
preciso alguma coisa mais do que a lógica pura. Esta outra coisa, não dispomos de outra palavra
para designá-la senão a de intuição.
16
Voltemos a atenção para o ponto especial que constitui a nossa epígrafe.
Admitir a separação completa entre a lógica e a intuição, reconhecendo o predomí-
nio absoluto da primeira, não nos parece razoável.
IS
Edmond Bouty. membro do Instituto e professor de Física na Sorbonne (La veritéscientifique. Paris, 1920. p.129). "
POINCARÉ, H.La valeurde Ia science. Paris, 1925, p.20.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Despojar os símbolos de toda correspondência numérica real, operando sobre coisas
sem significação alguma, parece-nos, ainda, menos plausível, mesmo em completo desa-
cordo com a formação normal de nosso espírito, embora seja verificada dentro da lógica, o
que aliás admitimos, a compatibilidade e mútua independência das leis formais.
É que não podemos garantir que as relações deduzidas das leis correspondam in
totum as operações em sua acepção intuitiva, não nos sendo possível afirmar que os ele-
mentos introduzidos, bem como os resultados obtidos, possam ser relacionados com valo-
res numéricos reais, pois que não conseguimos, pelos recursos exclusivos da lógica, de-
monstrar que as referidas leis lhes são aplicáveis.
É evidente que, por esse meio, não chegaremos a concluir, como fizera Helmholtz
em oposição a afirmativa de Kant, sobre a correspondência entre a nossa representação
íntima e o mundo exterior: "com efeito, pode-se esperar uma concordância completa entre
as representações e as coisas representadas".
17
É preciso não esquecer que, mesmo nas divagaçòes abstratas, não podemos, de iní-
cio, observar um afastamento radical da intuição. No caso presente, aliás, não conseguire-
mos reconhecer os símbolos sem a observação daquela condição.
Procurando abordar o problema, que surge imediatamente como conseqüência da
presente concepção, da possibilidade de ser construída a Aritmética sobre o embasamento
exclusivo da lógica pura, não vemos recursos para o afastamento das dificuldades relativas
a aplicação das conclusões, naquele ambiente, as relações reais de que temos necessidade
no domínio aritmético.
Recorramos, ainda uma vez, a eloqüente clareza das palavras de Klein:
... o problema, grande em sua complexidade e aparentemente insolúvel, de fundamentar a Arit-
mética, compreende duas partes: a primeira, o problema puramente lógico de estabelecer princí-
pios fundamentais ou axiomas e investigar sua mútua independência e compatibilidade, é per-
feitamente abordável; a segunda, que pertence melhor a teoria do conhecimento, representa, de
certo modo, a aplicação daquelas investigações lógicas as relações reais e apenas tem sido toma-
da em consideração, ainda que naturalmente devesse ser abordada ao mesmo tempo que a pri-
meira, se realmente se há de fundamentar a Aritmética com o devido rigor.
Esta segunda parte pleiteia uma questão muito profunda, cujas dificuldades têm suas raízes na
teoria do conhecimento. Poderíamos, quiçá, dar uma idéia exata da natureza deste problema,
mediante esta quase paradoxal afirmação: quem pretenda fazer passar como Matemática pura
investigações lógicas puras, como conseqüência da segunda parte do problema de que nos ocu-
pamos, terá dado aos fundamentos da Aritmética e, portanto, a Aritmética mesma, o caráter de
Matemática aplicada.
18
A crítica decisiva de Klein e a opinião abalisada de Poincaré poderíamos acrescentar
outros argumentos, que aliás julgamos dispensáveis, em oposição a tendência, manifestada
" W. Ostwald. professor da Universidade de Leipzig ílesgrands hommes. Trad. pelo doutor Mareei Dutor, professor suplente da Facul-
dade de Medicina de Nancy. Paris. 1921, p.l 73).
" KLEIN. Felix. Op. cit.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
por uma grande escola, de imprimir a Matemática um caráter puramente formal, conforme
se depreende dos numerosos trabalhos aparecidos nos últimos tempos sobre a filosofia da
Matemática, mencionados por Couturat em seus Princípios das Matemáticas.
Outros matemáticos, impulsionados pelas novas tendências de ordem lógica, preten-
dem fundamentar a teoria dos números finitos nos números cardinais transfinitivos de Cantor.
O ilustre filósofo de Halle procura introduzir na Matemática o infinito atual, quanti-
dade que supõe não só suscetível de ultrapassar a todos os limites como já os tendo ultra-
passado, destinando-se a presente ampliação a servir de base a sua teoria dos conjuntos.
Como exemplo dos diversos conjuntos, citaremos os seguintes: conjunto de pontos de
um plano, de pontos do espaço, serie dos números inteiros, etc.
O limite dos diversos conjuntos constitui os cardinais transfinitos, que Cantor e seus
adeptos tentam comparar.
Consiste a moderna concepção em distinguir, entre os números cardinais transfinitos, a
pequena classe dos números inteiros, reduzindo as propriedades destes e as operações com eles
efetuadas as propriedades gerais dos conjuntos e as relações abstratas entre eles existentes.
Ainda não vemos possibilidade, de acordo com a última palavra expendida nesse
sentido, de aceitar a presente introdução do número sem a utilização de princípios estranhos
a lógica. Ainda mais, divergimos francamente não só por serem muito discutíveis os seus
pontos essenciais, como também pelo grau de dificuldade de que se reveste a sua
interpretação.
CONCLUSÃO
Pelos motivos expostos nas páginas anteriores, não aceitamos a introdução puramente
formal do número.
Aliás, julgamos que a época que atravessamos é de completa transição relativamente
ao desenvolvimento das teorias matemáticas e suas relações com a lógica.
Realmente, nada de definitivo tem sido estabelecido. Ao contrário, nesse terreno
perigoso, avança-se por tentativas, conclui-se por aproximações.
Peano com a sua pasigrafia e Russel com a sua nova lógica, contrariamente ao que
afirma Couturat, ainda não conseguiram demonstrar que a Matemática é inteiramente
reduzível a lógica sem o mínimo recurso da intuição.
Julgamos, ainda mais, que a completa redução mencionada só será conseguida para
uma matemática nova e para uma lógica nova.
Relativamente a origem e a introdução do número, preferimos opinar com Bouty: "As
matemáticas procedem essencialmente por abstração, a partir de realidades concretas".
19
" BOUTY. Edmond. Op. cit., p.l 25.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
e
56
CRISE DE EDUCAÇÃO NA CLASSE MÉDICA
Octavio Rodrigues Lima
Associação Brasileira de Educação
ueixam-se os médicos, mais os jovens do que aqueles entrados em anos, de que a
profissão atualmente decai, tanto nos seus proveitos materiais quanto no conceito da
sociedade. Estudam então os meios capazes de reerguê-la e torná-la mais lucrativa
— e para isso aventam diversas idéias, levantam-se várias campanhas, gastam-se
palavras e desperdiçam-se escritos, sem que, contudo, nada de prático, nada de
materialmente realizado se perceba no horizonte. Continua, ao contrário, pertinaz e
progressiva a decadência da classe e o menosprezo da profissão, não só no julgar dos
leigos , mas, o que se torna mais doloroso, no seio da própria corporação.
Permita-se a um bem intencionado um esforço em favor da melhoria do estado pre-
sente e, também, que encare o problema de maneira não semelhante ao que até agora tem
sido feito. A dureza, talvez cruel, de certos fatos que devêramos reconhecer verdadeiros
será quiçá suavizada pelas conseqüências deles deduzidas. Sejamos sinceros em estimar a
exatidão de valores, deixemos de lado tratamentos paliativos dos sintomas mais alarmantes
e procuremos desvendar as origens do mal que a todos atinge e que despenca o mister de
médico, das alturas em que sempre se manteve, ao nível dos trabalhos braçais em que
querem alguns precipitá-lo.
É velho erro do brasileiro a importação dos remédios estrangeiros para seus males
individuais ou sociais, sem fazer antes a sua necessária adaptação ao nosso meio. Principal-
mente os medicamentos sociais, que se adaptam aos meios gastos, cansados e, o que é
essencial, disciplinadamente educados de certos países, não poderão servir aos nossos acha-
ques de classe em uma terra nova e de povo indisciplinado e sem a necessária educação, no
sentido que a A.B.E, acertadamente lhe dá. Para tais crises poderá um meio ser ótimo em
um país, mas importá-lo sem procurar saber primeiro das causas, tão freqüentemente di-
versas, que produziram mal idêntico entre nós, parece-nos insensatez ou, em hipótese mais
favorável, inutilidade.
Por simples espírito de imitação, foi assim introduzida e pretende ganhar terreno, no
Rio de Janeiro ao menos, a idéia de sindicalizar a profissão como única solução a crise
inegável que atravessa a profissão médica. Mas, reverso interessante de medalha, aqueles
mesmos que destroem no sindicato toda a nobreza da profissão, equiparando-a ao proleta-
riado e suas associações de resistência, reclamam para si honras de chefe de Estado, mate-
rializadas na pretensão de trânsito livre para veículos de sua propriedade!
As dificuldades materiais do médico de hoje nascem, ninguém contestará, da
pletora de diplomados. Mas essa pletora é apenas relativa, se considerarmos a vastidão
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Q
do Brasil e soubermos que milhares de habitantes do interior reclamam da falta de cuidados
profissionais competentes — e está nestas únicas palavras, "profissionais competentes", a
explicação de toda a crise. Não é na quantidade que está o prejuízo, mas é na qualidade do
preparo dos que exercem a medicina que vamos encontrar todos os motivos das aperturas da
clínica, encarada esta como meio de subsistência. E se o produto sai das fábricas, isto é, das
faculdades, em más condições de preparo para resistir aos embates e vencer na vida, parece-
nos mais razoável incriminar não os fabricados, mas os seus fabricantes.
O regime, mal compreendido e funesto, da tolerância nas aprovações tornou o curso
médico uma questão de paciência para o aluno, que, matriculado no primeiro ano, com
alguma despesa e pouco trabalho chegará, quase automaticamente, pela simples inscrição
nos exames finais, a conquista do diploma de médico ao cabo de seis anos. Ter a necessária
pachorra de perder esses anos de estágio em uma faculdade, de pagar as taxas e de adquirir
mui superficiais noções de algumas cadeiras, porque de muitas nem esse trabalho é exigido,
são as únicas condições necessárias para receber, no tradicional pergaminho, a permissão do
exercício da clínica. Saem assim em cada fim de ano, e o mal já data de algum tempo,
turmas numerosas de médicos que tanto têm de medicina quanto de militar possuíam os
coronéis da famigerada guarda nacional!
Vindos assim sem preparo técnico, não poderão, na concorrência leal da competência,
obter o que desejam, e caem alguns nas práticas charlatanescas, outros abandonam a
medicina, e a maioria, desiludida e necessitada, começa a querer buscar remédios para o mal
material que os atinge como o fazem para seus doentes, isto é, sem saber conhecer as suas
causas e pouco sabidos os efeitos terapêuticos de medicamentos decorados em revistas
estrangeiras.
Aqueles que, por esforço próprio, tenham conseguido adquirir na faculdade boas e
sólidas noções não sentirão tanto a crise geral; e a possibilidade de tal aquisição prova bem
que a máquina escolar é de construção eficiente, apenas defeituosa no funcionamento de
certas peças, e que possui, para manejá-la, operários capazes. Esses mesmos alunos instru-
ídos convenientemente serão, contudo, bastante prejudicados, porque o leigo não pode de
pronto avaliar o preparo técnico de um profissional e vai, muitas vezes levado mais facil-
mente pelas fanfarronadas do reclame, procurar o que menos sabe.
É bem conhecida a anedota do célebre professor que, levado pela curiosidade, vai ver
um charlatão em voga prodigiosa e nele reconhece um seu antigo empregado de consultório.
Informado de que praticava o que houvera aprendido no seu convívio, estranha o sucesso. O
charlatão, de uma janela, mostra-lhe a multidão da rua e pergunta quantas pessoas julga ele
que, na população daquela cidade, possuem perfeito equilíbrio intelectual. Não mais de
quarenta por cento, responde o professor. Pois esses quarenta por cento, retruca o charlatão,
são os seus clientes, e os restantes sessenta por cento são os meus.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
É na luta pela posse desses sessenta por cento que se digladiam os profissionais
incompetentes, irmanando-se muitos aos não-diplomados nos processos de propaganda ou
entregando-se a práticas proibidas pela ética profissional. Chegamos assim a falar no ponto a
que damos maior importância neste pequeno e despretensioso trabalho.
A ética profissional é aquilo que se poderia simplesmente chamar de boa educação nas
relações entre os membros de uma classe e entre esses e os seus clientes. Quem for educado
em princípios de boa moral, em qualquer profissão que abrace, atuando de acordo com a sua
consciência, agirá sempre dentro da ética. Quem não possuir esta educação e se deixar levar
apenas pelo instinto não tardará a cair em falta.
No convívio com a geração atual, é triste dizê-lo, somos forçados a reconhecer que se
desconhecem, em geral, os mais elementares princípios de ética. A época é de utilitarismo. Os
maus exemplos pululam em todos os ramos da atividade humana, e por isso o médico jovem
cai, quase que inconscientemente, nos erros mais condenáveis.
A sociedade entre elementos de má educação é insuportável; criam-se atritos, verifi-
cam-se desavenças, reclamam-se prejuízos... Na sociedade melhor educada é mais amena a
convivência, e os maus elementos, não se sentindo bem, serão os primeiros a abandoná-la e
ir viver a parte.
Achamos, pois, da máxima necessidade a codificação desses princípios de ética
médica, sabidos da maioria dos clínicos, mas que convirá sempre, sistematizados e
esclarecidos, lembrar e repetir. Encurtando considerações — o assunto é fértil e levar-nos-ia
além do que pretendemos neste momento —, terminaremos apresentando as seguintes
conclusões:
1) A crise da profissão médica que se verifica atualmente provém, em essência, a
nosso ver, da pletora de incompetentes e do desconhecimento das regras de ética profissional
até por alguns dos competentes.
2) Combater o estado atual sem procurar corrigir suas causas essenciais parece-nos
trabalho comparável ao clássico tonei das danaides.
3) Assim, teremos a eliminação dos incompetentes, não pelo processo lento do juízo
do público leigo, mas pelo meio radical de evitar, no rigor das aprovações e na maior
eficiência do ensino, que atinjam o título que os habilita a prática da profissão.
4) Tornar obrigatória, no curso médico e no último ano, a freqüência a conferências
sobre ética profissional, feitas por professores da faculdade.
5) Se esses remédios não resolvem de modo urgente a questão atual, evitarão que ela
se agrave cada vez mais, trarão a melhoria segura e gradual do exercício da medicina e
manterão a profissão no nível elevado em que sempre esteve.
6) Comparar a profissão médica a do operário braçal ou do negociante será considerar
a vida humana simples mercadoria, o que não nos parece de acordo com o que é geralmente
aceito.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
Q
57
AS UNIVERSIDADES E A PESQUISA CIENTÍFICA
M. Amoroso Costa
Academia Brasileira de Ciências
organização atual dos nossos cursos superiores é inteiramente utilitária e visa apenas a
educação profissional. A essa orientação se deve, em grande parte, a opinião vulgar de
que a ciência só vale pelas suas aplicações, pela maior soma de comodidades materiais que nos
proporciona. Sem contestar a importância fundamental desse ensino técnico, que devemos am-
pliar e aperfeiçoar constantemente, penso que já há lugar para uma organização complementar
destinada a desenvolver o gosto pelos estudos especulativos e, sobretudo, pela pesquisa origi-
nal. A fundação da Faculdade de Letras e de Ciências, sem as quais uma universidade está longe
de merecer esse nome, representa hoje uma necessidade inadiável, se quisermos criar a verda-
deira cultura superior.
Deixando de lado o papel que essas faculdades desempenharão no ensino propria-
mente dito, desejo aqui apenas assinalar o que constitui uma das finalidades do organismo
universitário: formar homens de ciência consagrados exclusivamente a pesquisa,
A este respeito, observaremos desde logo que a reputação científica de um país se
mede exclusivamente pela sua contribuição a essas pesquisas, e de modo algum pelo labor
utilíssimo, mas de interesse temporário e local, daqueles que assimilam, transmitem ou
aplicam os resultados dos trabalhos originais.
É esse, entretanto, o pequeno lado da questão.
O que há de essencial na pesquisa científica é a inspiração idealista que ela é
eminentemente apta a desenvolver. Mais do que descobridores, os que a ela se consa-
gram são mestres da humanidade, para os quais nada existe de comparável ao culto da
verdade e da beleza.
Amparar o seu esforço, pois, é preparar um mundo melhor.
No Brasil, como aliás em todos os países novos, pouco se tem feito até agora nesse
sentido. Pode-se dizer que ainda estamos vivendo a idade heróica da ciência pura. É verdade
que nas ciências naturais têm surgido pesquisadores em número relativamente grande —
mencionemos a obra do Museu Nacional —, o que até certo ponto decorre do fato de pos-
suirmos como campo de estudos um imenso território dotado de fauna e flora próprias. À
medida, porém, que se consideram domínios menos concretos, a produção original escasseia
rapidamente. Muita coisa se tem ainda feito nos laboratórios das ciências experimentais —
Oswaldo Cruz, o Instituto Butantã, o laboratório dos irmãos Ozorio de Almeida; no que se
refere aos conhecimentos abstratos, a contribuição brasileira é, até hoje, quase nula. Isso se
explica sobretudo pela falta de um ambiente propício a tais estudos. Mentalidades de primeira
ordem, como Gomes de Souza e Otto de Alencar, quase nada produziram que se tenha
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A
incorporado a ciência, e isso porque foram espíritos inteiramente isolados, autodidatas, em
cujos escritos se sente a falta de uma orientação inicial. Enquanto o naturalista encontra
diante de si um mundo de fatos que falam imediatamente aos sentidos e numerosas pessoas
que os podem compreender, a descoberta nas ciências abstratas se faz por meio de uma
introspecção cujos resultados terão sempre algo de esotérico; daí a necessidade de se criarem
organismos como os seminários matemáticos das universidades alemãs.
Sem pretender, porém, estabelecer uma distinção, que seria por demais arbitrária,
entre os diferentes ramos da pesquisa científica, pois, no fundo, todos eles tendem para um
mesmo objetivo, podemos reunir nas seguintes conclusões o que foi acima dito:
Conclusões
l
â
) As faculdades de ciências das universidades devem ter como finalidade, além do
ensino da ciência feita, a de formar pesquisadores em todos os ramos dos conhecimentos
humanos.
2
J
) Esses pequisadores devem pertencer aos respectivos corpos docentes, mas com obri-
gações didáticas reduzidas, de modo a que estas não perturbem os seus trabalhos originais.
3
4
) Devem ser-lhes assegurados recursos materiais os mais amplos: laboratórios para
pesquisas biológicas e físico-químicas, observatórios astronômicos, seminários matemáti-
cos, bibliotecas especializadas, facilidades bibliográficas, publicações periódicas para di-
vulgação dos seus trabalhos, aparelhamento para explorações geográficas, geológicas e
mineralógicas, biológicas, etnográficas.
4ª') Deve ser-lhes assegurada uma remuneração suficiente para que eles dediquem
todo o seu tempo a esses trabalhos.
TESE Nº 58
ENSINO AGRÍCOLA NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS RURAIS
João Cândido Ferreira Filho
Escola Agronômica do Paraná
odos conhecem a influência preponderante que o ensino agrícola exerce sobre o progresso,
sobre a riqueza e até sobre a independência de uma nação.
Sem o concurso da ciência agrícola, as grandes aglomerações humanas, as cidades
populosas que deslumbram, que atraem a atenção pelo seu maravilhoso desenvolvimento,
não se poderiam manter e muito menos continuar a sua ascensão na estrada do progresso.
Há mais de meio século já dizia Antônio Feliciano de Castilho, com aquela vidência
assombrosa dos que, privados da luz do dia, têm o cérebro iluminado pelas fulgurações do
gênio, "que a arte variadíssima de obrigar a terra a produzir tudo não é uma arte rude, pois
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
T
todas as ciências a cortejam e a servem; não obscura, pois é a mais antiga e universal; não
vil nem desprezível, pois só depende de Deus, enquanto os homens todos dependem dela.
As cidades que afetam desprezar os campos deles nasceram; por eles vivem e medram, que
só lá têm as suas raízes. Transformam-se elas, envelhecem, amesquinham-se, doidejam,
morrem e esquecem; enquanto eles, os campos, permanecem, riem, amam, dão e prometem
de contínuo; coexistiram desde o princípio, coexistirão até o fim com a raça humana".
Hoje, ninguém pode contestar que o índice da riqueza e do poder de um povo se mede
pelo desenvolvimento de sua agricultura; e mais do que qualquer outra, a nossa pátria
assenta na agronomia a sua pujança e a sua grandeza.
Se a terra bem amanhada e cultivada com todos os recursos da ciência agronômica
produz assim tantas maravilhas e tem até o condão de enriquecer o povo, de engrandecer as
cidades e garantir a independência da Pátria, então praticarão um crime de lesa-patriotis-mo
todos aqueles que, dispondo de qualquer parcela de poder público, deixarem de incrementar
os trabalhos agrícolas.
É, pois, de causar assombro a indiferença da quase totalidade dos nossos governantes no
tocante a certos problemas agrários de importância capital e que só agora começam a preocu-
par alguns estados da Federação. Dentre eles desejamos destacar o que diz respeito ao ensino
agrícola nas escolas primárias rurais. A grande maioria dos meninos que freqüentam essas
escolas são filhos de lavradores que têm os seus interesses intimamente radicados a terra, de
onde eles retiram o pão para os filhos e de onde obtêm o conforto, a tranqüilidade e as reservas
para a velhice. Trabalhando para abastecer o seu lar e para a sua independência econômica, o
lavrador concorre, mais do que a primeira vista parece, para o engrandecimento da Nação.
Se os seus filhos, além da instrução primária que recebem, aprendessem também
algumas noções indispensáveis relativas aos processos modernos de trabalhar a terra, não só
concorreriam para melhorar as condições da lavoura de seus maiores como também ficariam
aptos para explorar com menor esforço e com mais economia as riquezas que esse
inesgotável reservatório encerra. Os seus próprios progenitores poderiam receber utilíssimos
ensinamentos nos pequenos campos de cultura que cada escola deveria manter.
O aferrado espírito de rotina que ainda escraviza a maior parte dos nossos lavradores
poderá constituir um sério obstáculo a disseminação dos ensinamentos da ciência agrícola.
Podemos, entretanto, garantir que o empirismo não poderá resistir por muito tempo as
esmagadoras vantagens dos processos modernos de cultivar a terra, expostos com profici-
ência e devotamento pelos professores, principalmente no que concerne ao preparo do
terreno, as sementes e sementeiras, a adubação, aos tratos culturais, ao melhoramento das
plantas e, finalmente, a colheita e ao beneficiamento dos produtos.
É preciso que os nossos patrícios prestem bem atenção aos novos ensinamentos
agrícolas, que cotejem os resultados das colheitas pelos diversos meios empregados no
cultivo da terra, e facilmente convencer-se-ão da grande vantagem dos novos métodos
ensinados pela ciência agrícola sobre os velhos processos conservados pela rotina. Daí a
grande utilidade de ter cada escola rural a sua pequena área cultivada pelos próprios alunos
sob a direção dos professores.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
No Patronato Agrícola do Estado, instituímos, com magníficos resultados, um pro-
cesso de ensino agrícola prático que consiste em fornecer a cada menino uma certa área do
campo de cultura. Cada um cuida com desvelo de sua parcela, na esperança de obter prê-
mios em dinheiro, que são distribuídos de tempos aqueles que se mostram mais dedicados
e que melhores resultados alcançam no seu labor. É digno de nota a dedicação e o esforço
que eles empregam no trato da área que lhes foi confiada, com o intuito de alcançar o
ambicionado prêmio. A parte da horta que está sob os cuidados dos meninos apresenta tal
aspecto que chama desde logo a atenção dos visitantes. Com tal solicitude e esmero traba-
lham nas suas respectivas leiras que não foi possível destacar a mais bem tratada e, assim,
a todos foi concedido o almejado prêmio.
É preciso, pois, que insensivelmente desabroche no cérebro de cada criança o gosto
pelo trabalho da terra.
Assim como em toda profissão, na agricultura também a aprendizagem persistente
levada a efeito com inteligência e método é capaz de verdadeiros milagres. Para isso é
mister que os alunos recebam os ensinamentos sem grande esforço mental, que os aceitem
como um divertimento, um passatempo agradável. A habilidade, além da competência e
dedicação do professor, é, sem dúvida, o eixo em torno do qual gira todo o bom êxito de
tão delicado problema. É por isso mesmo que em muitos países são premiados os professo-
res que mais se destacam no ensino da agricultura nas escolas rurais. De nada valem as
lições decoradas a papagaio. "O método de ensino deverá revestir-se de caráter essencial-
mente concreto, intuitivo e experimental", como muito bem diz Torres Filho. Mais vale
uma demonstração experimental simples e intuitiva do que mil preleções prolixas sobre um
determinado assunto.
Perlustrando tão importante questão, não podemos deixar de transladar para este
despretensioso trabalho certas instruções pedagógicas — elaboradas na França, no ano de
1897, por uma comissão destinada a estudar o ensino agrícola nas escolas primárias —
que, apesar de muito antigas, têm para nós toda atualidade.
O ensino das noções de agricultura que pode comportar o programa da escola elementar deve
dirigir-se sempre a inteligência dos meninos, apoiando-se na observação dos fatos quotidia-
nos da vida agrícola e na experimentação simples, apropriada aos recursos materiais de cada
escola e destinada a evidenciar as noções científicas fundamentais das operações culturais
mais importantes. Os meninos devem aprender não o detalhe dos processos de execução, mas
a razão dessas operações com a explicação dos fenômenos que as acompanham; devem apren-
der a razão de ser dos trabalhos habituais da cultura ordinária e das regras de higiene referen-
tes ao homem e aos animais domésticos, recorrendo sempre a experiências muito simples e,
principalmente, a observação, em vez de livros ou manuais. O mestre deve pôr o motivo da
lição sob as vistas dos meninos para que aprendam a observar e se estabeleçam em seu espírito
as idéias fundamentais sobre que repousa a ciência agrícola moderna; deve a escola limitar-se
a preparar o menino para o aprendizado inteligente do ofício, que o fará viver e lhe dará o
gosto da sua futura profissão.
Cabe, pois, ao professor o mais importante papel nessa cruzada agrícola; de sua
competência e dedicação depende o êxito dessa missão patriótica.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Daí a necessidade de ser incorporado ao programa das matérias que constituem o
curso das escolas normais o ensino agrícola, como já o fez com muito acerto o ilustrado
mestre doutor Lysimaco Ferreira da Costa, por ocasião da última reforma dos programas
daquelas escolas. É seu propósito também reunir uma série de máquinas agrícolas das
mais usadas pelos nossos lavradores e distribuí-las entre as escolas rurais do Estado.
Além dessas medidas de alto alcance, destinadas a difundir o ensino agrícola entre os
filhos dos lavradores, será proveitoso também que o respectivo professor leve os alunos
das escolas normais, algumas vezes por ano, aos estabelecimentos agrícolas oficiais ou
particulares, os mais próximos da sede da escola, a fim de se familiarizarem com os
diversos trabalhos agrícolas.
Ao organizar este modesto trabalho, não tivemos a pretensão de regulamentar o
ensino agrícola prático nas escolas rurais, mesmo porque é tarefa que deve caber a uma
comissão de técnicos que a levará a bom termo. O nosso intuito visa, somente, a exposição
de algumas idéias gerais sobre tão momentoso assunto, idéias essas capazes de servir de
ponto de partida para uma organização definitiva. Assim, além do que ficou exposto, va-
mos tentar um esboço de programa referente ao assunto:
1) Toda escola primária rural deve manter um curso de elementos de agronomia,
com o fim de instruir os filhos dos lavradores nos trabalhos agrícolas mais simples e mais
necessários.
2) As lições sobre as matérias do ensino devem revestir-se de um caráter essencialmente
prático e intuitivo, de modo a provocar nos discípulos o gosto pelas coisas agrícolas.
3) Os trabalhos práticos poderão ser feitos duas a três vezes por semana, sendo os
alunos guiados pelo professor, o qual deverá procurar, por todos os meios, incutir no
espírito das crianças o amor ao trabalho.
Isso será obtido por meio de lições de coisas interessantes e úteis, capazes de prender
a atenção dos meninos, aproveitando-se para tal o material que a natureza se incumbe de
fornecer por toda parte, como, por exemplo: os próprios vegetais que crescem nas proxi-
midades da escola, as rochas, a terra, os insetos úteis e nocivos a agricultura, as sementes,
os adubos, os meteoros aquosos, etc. Tudo isso servirá para instruir os meninos por meio
de preleções simples e ao seu alcance. O professor explicará, então, o modo de formação
da terra arável, a relação desta com os vegetais e a maneira como estes nascem, crescem e
frutificam. Dirá das relações íntimas existentes entre a atmosfera e as plantas e dos fatores
metereológicos que mais de perto influem na produção. Enfim, todas as operações destina-
das a manter as plantas em bom estado de desenvolvimento serão estudadas em linguagem
adequada ao grau de adiantamento dos alunos.
Uma organização semelhante a que esboçamos, por mais modesta que seja, deve
estar aparelhada com um material rústico de lavoura, isto é, com os instrumentos agrícolas
considerados de maior utilidade para os lavradores, como, por exemplo: um pequeno ara-
do, uma grade de dentes, uma capinadeira, tesouras de podar, podões, canivetes de enxer-
tar, enxadas, pás, cortadeiras e ancinhos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O pequeno campo de cultura, anexo a escola, não necessita ter mais de mil metros
quadrados. Nessa pequena lavoura os alunos cultivarão as plantas mais comuns da região
onde se encontra a escola.
As máquinas agrícolas — arado, grade e capinadeira — serão, nas escolas, reduzidas
a metade ou menos do tamanho normal; nessas condições, elas poderão ser tiradas facil-
mente pelos próprios alunos. A redução de tais aparelhos não implica, entretanto, a modi-
ficação dos tipos vulgarmente empregados pelos lavradores. A esse respeito já tivemos
ocasião de fornecer ao doutor Lysimaco Ferreira da Costa, a seu pedido, alguns modelos
dessas máquinas agrárias que, na nossa opinião, preenchem perfeitamente as condições
exigidas para o caso em questão.
Além das aulas ministradas no pequeno campo de cultura da escola, o professor
deverá promover, ainda, uma vez ou outra, passeios ou excursões pelas lavouras mais bem
cuidadas das redondezas, onde os meninos poderão receber, a par dos divertimentos pró-
prios de sua idade, preciosas lições de coisas e explicações práticas sobre as diversas ope-
rações agrícolas empregadas na fazenda.
Nas escolas do litoral, o ensino das noções de higiene rural deverá ser feito com mais
insistência, procurando o mestre incutir no espírito dos seus discípulos o horror aos vermes
e aos mosquitos transmissores de moléstias, e pintar com cores negras o mísero estado dos
que se deixam contaminar por essas terríveis sevandijas. Infelizmente, poderão ser obser-
vados, entre os alunos, exemplos frisantes de doentes abatidos, que trazem em seu organis-
mo sintomas evidentes da infestação. Esses mesmos meninos serão apontados mais tarde,
quando curados, como esplêndidas provas do quanto podem a terapêutica e os cuidados
higiênicos na debelação das moléstias que os atormentavam.
No litoral, as plantas exploradas são, naturalmente, diferentes das que se desenvol-
vem serra acima, daí a necessidade de o professor adaptar o ensino agrícola ao meio em
que se encontra a escola.
As escolas rurais, além de serem fiscalizadas pelos inspetores do ensino, deverão
receber também a visita dos inspetores agrônomos, incumbidos de organizar o pequeno
campo de cultura anexo a escola e auxiliar o professor em tudo quanto for necessário para
ser levado a bom termo o ensino agrícola.
Para terminar essas nossas despretensiosas considerações sobre o ensino de agri-
cultura nas escolas primárias rurais, desejamos repetir aqui os conceitos referentes ao
assunto que há mais de 40 anos emitiu Grandeau: "Se o mestre da escola primária puder
despertar nas crianças dos campos o gosto para ler mais tarde, com proveito, um livro de
ciências aplicado a agricultura, se lhe inspirar o gosto pela vida dos campos e o desejo de
não abandoná-la para tornar-se funcionário ou empregado de caminho de ferro ou do
comércio, terá prestado imenso serviço a agricultura". E nós iríamos mais longe dizen-
do: imenso serviço a agricultura e a Pátria.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
s
59
INSTRUÇÃO PRIMÁRIA E PROFISSIONAL
Sebastião Paraná
Ginásio Paranaense
um país vasto como o nosso, embaraçado por dificuldades de transporte e até mesmo pelos
óbices da falta de organização definitiva, devem todos concorrer para o desdobramento
integral da instrução popular.
A Nação não pode, não deve prescindir do auxílio, do esforço, da coadjuvação de
nenhum de seus membros na campanha edificante contra o analfabetismo — o maior câncer
que deprime o organismo nacional.
Cumpre a cada um carregar a sua pedra para a ereção do grande monumento.
Forme-se a cruzada benfazeja; organize-se essa nova bandeira destinada a arrancar a
coletividade do obscurantismo que a aniquila.
O Brasil precisa de instrumentos vivos de trabalho e de produção. Precisa dar ao povo,
nomeadamente a mocidade — que é a esperança, a guarda avançada da Pátria —, uma
completa instrução elementar e um perfeito preparo profissional. Precisa mobilizar a sua
mocidade, principalmente para a conquista de seu futuro bem-estar.
Ditoso será o Brasil quando todos os brasileiros puderem oferecer o seu concurso
eficiente a obra grandiosa da evolução nacional.
Indubitavelmente, a instrução primária e profissional constituem agora o magno pro-
blema que requer a solicitude de todos, um esforço fervoroso e entusiástico ao serviço da
causa comum.
Treinado, preparado o povo para enfrentar com arrogância os obstáculos que se erguem
da esfinge do futuro, saberá e poderá avançar, em marcha batida, para o seu definitivo triunfo.
Para isto é mister, sem desfalecimento, dissipar a caligem que ainda paira sobre a
maior parte da nacionalidade. Deve-se atacar todos os redutos onde se acastela o grande mal.
Cumpre romper o véu opaco que envolve a Terra de Santa Cruz. Só assim aparecerá, surgirá
uma nova aurora para nos deslumbrar, após a noite secular em que temos vivido.
"A questão do ensino primário — diz o doutor James Darcy — é, pois, essencialmente
uma questão nacional, diz respeito a nossa unidade como pátria. É a luz do espírito, pelo
conhecimento, que difundirá por toda parte a confiança em nossas forças; é a educação da
consciência que indicará na vontade de querer a fé inquebrantável em um futuro de infalível
grandeza".
Todos, ricos e pobres, devem ter um meio certo de vida, assegurado pela educação
primária e profissional.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Criada a pasta da Agricultura, Indústria e Comércio, no governo do doutor Nilo
Peçanha, foram instaladas, em quase todas as capitais dos estados, as Escolas de Aprendi-
zes Artífices, que bons resultados vão proporcionando.
Levantou-se também a iniciativa privada, preparando estabelecimentos de ensino,
sendo criadas a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, no Estado do Rio
de Janeiro; escolas agronômicas, campos de experiência e demonstrações em todas as
unidades nacionais.
Todas as escolas de comércio apareceram; surgiram os cursos de Química Industrial,
os patronatos agrícolas, obedecendo a um plano sistemático e inteligentemente elaborado.
No setentrião da República está em alto relevo a Escola Doméstica de Natal, única
no Brasil no seu gênero, utilíssimo instituto que honra o Estado do Rio Grande do Norte.
Como se vê, alguma coisa tem-se efetuado no domínio do ensino profissional em
nosso país. E tudo isso produzirá reais benefícios no sentido do progresso econômico da
República.
Porém, muito ainda cumpre fazer. O que está feito, nesse sentido, é ainda vacilante,
visto não estar assente sobre bases firmes e duradouras.
Tem o Brasil cerca de 36.000.000 de habitantes e abastosos recursos naturais, que
devem ser utilizados pelos processos que o saber aconselha.
Os brasileiros, diga-se a verdade, são inteligentes e laboriosos: só lhes falta a neces-
sária instrução para tornarem sua pátria feliz e opulenta.
Por falta de instrução é que não temos podido avançar, avantemente, no domínio
econômico, conservando-nos em situação de inferioridade.
Assim sendo, procuremos salvar o País do naufrágio, pelo ensino primário e profissi-
onal, pela ação coordenada de todos os elementos sociais, pelo auxílio de todos os podêres
públicos federais, estaduais e municipais. Só deste modo poderemos preparar um porvir
grandioso para o Brasil, tão cheio de importantes recursos naturais, que não foram até
agora aproveitados devido a pouquidade de nossa cultura mental.
Volvamos a vista para o interior da República, onde se acha ainda intacto o maior
tesouro nacional e onde se encontra o cerne de nossa raça — o caboclo —, infelizmente
depreciado pelo sezonismo, pelas verminoses e pela miopia espiritual.
É lá, no coração do Brasil, no recôndito do sertão, onde permanecem os verdadei-
ros brasileiros, sempre esquecidos, cruelmente abandonados pelos podêres públicos, que
esbanjam e sacrificam o erário em proveito da imigração estrangeira. É lá que se acha
essa reserva importante com que contamos na penosa labuta rural. É de lá que partem
moços vigorosos para preencher os claros do exército por força do sorteio militar. Para
lá enviemos a escola boa e regeneradora. Para lá transportemos a luz da civilização, que
deverá ser conduzida por legiões de didatas fieis a religião do dever bendito do magisté-
rio, hábeis e diligentes.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
"A pedra angular do Brasil novo é o preparo sistemático das gerações que nos hão de
suceder, a fim de tomá-las cada dia mais aptas a serem conscientes criadoras de sua grandeza".
Espalhe-se, pois, a mancheias, profusamente, o ensino elementar. Difunda-se a ins-
trução profissional que tanto concorre para o florescimento das velhas e cultas coletividades
européias, não se deixando também de preparar as elites intelectuais que engrandecem as
nações.
O futuro do Brasil está na instrução do povo, primária e profissional. A instrução torna
o povo forte e valoroso.
Disse o doutor James Darcy:
Creio no valor econômico das profissões. Creio que a garantia da real emancipação política de
um país está, verdadeiramente, na sua emancipação econômica. Creio que, nos dias que correm,
mais do que nos exércitos e nas esquadras, a segurança e força das nações residem no seu
comércio, nas suas indústrias e nas suas finanças.
Creio que esse outrora displicentemente chamado "mundo dos negócios" requer cada dia —
tanto na direção como na colaboração de menor grau — homens mais preparados, mais comple-
tos, e conseqüentemente que, se tiver de recrutã-los sempre no estrangeiro, uma nação se desapossa
de seus meios essenciais de defesa. Creio, por isso, no valor imenso da educação técnico-profis-
sional e na necessidade urgente de desenvolvê-la e aperfeiçoá-la.
Creio que não podemos, ao mesmo tempo, atacar todos os problemas que nos interessam, nem
sequer todas as subdivisões do mesmo problema, mas as que são de solução imediata e em
matéria de instrução, ou antes, para mais acentuar o meu pensamento, de educação, nenhuma
rivaliza com a da formação técnica do profissional brasileiro, mediante o ensino das realidades
e o preparo para vencê-las. Creio que temos caminhado, mas a passo lento, e ainda é uma triste
verdade a conclusão a que chegou, há mais de quarenta anos. Rui Barbosa, quando, no famoso
parecer sobre a instrução e passando em revista os vícios desta, aludia a "elaboração gradual de
uma nacionalidade sem vigor, nutrida de palavras e abstrações, incapaz de gerir os seus negóci-
os, explorável a benefício de todas as quimeras, dominada pela imaginação, destituída de senti-
mento do real, um povo de palradores e ideólogos, onde todas as extravagâncias, todos os so-
nhos, todas as invenções do espírito de utopia encontrarão matéria adaptável as suas especula-
ções e aos seus caprichos".
Creio que, parodiando a fórmula célebre de Pasteur — a ciência não tem pátria, o sábio tem a
sua poderíamos dizer: o trabalho não tem pátria, mas o trabalhador a tem, isto é, tem deveres
filiais para com ela; com maioria de razão, aos dirigentes de um país assiste não só o direito, mas
o dever de, em qualquer terreno das predileções individuais, intervir no sentido que se lhe afigure
mais útil aos interesses do país, procurando prover as necessidades reais, ainda contrariando
aquelas inclinações e conveniências.
Creio que pouco resta dos antigos preconceitos contra a profissão do comércio, tão útil e
honrosa como as que mais o sejam, mas ainda não está de todo erradicada — vício nacional
renitente__ a sedução pela bacharelice. Creio, porém, que as diferenças de classe, as quais,
com apoio nas leis, geraram no passado as revoluções sociais e, mais tarde, sancionadas não já
pela legislação, mas pelos costumes em países retrógrados, criam um ambiente de mal-estar e
anti-solidariedade nefasta, inconciliável com o princípio básico da vida em comum assente na
cooperação, respondem a preconceitos que o passado nos legou, mas a mentalidade contempo-
rânea repele e abomina.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Creio que quando a sociedade dá mais importância a um bacharel pedante, vazio, ou na melhor
hipótese, entupido de saber livresco, mas inútil e desenraizado no seu meio, do que a um hábil
operário ou chefe de máquinas perito — uma tal sociedade corteja sombras para desprezar os
vivos válidos que a fazem, a seu turno, viver e crescer —, é atrasada, injusta e ridícula; desco-
nhece a importância do seu valor econômico, que é a única razão de ser da existência autônoma
de uma nação; revela-se, em suma, nem só destituída de todo o poder criador e renovador, mas
ainda cultiva no parasita o princípio da sua própria destruição.
Cuidemos, portanto, sem perda de tempo, da elaboração de um plano perfeito de
educação primária e profissional, tomando parte nesse empreendimento todas as classes
sociais, todos os podêres dirigentes do povo.
Nesse trabalho edificante, deve-se colocar em primeiro plano a União, como órgão
central do organismo nacional.
Oxalá a I Conferência Nacional de Educação logre atirar a administração pública a
conveniência urgente de ser estraçoado o analfabetismo pela ação conjunta dos governos
federal, estadual e municipal. Nas operações censitárias realizadas no Brasil, figura este
com alta e vergonhosa porcentagem de iletrados. Cumpre tirar o País dessa situação
humilhante. Instruído, o povo saberá defender a sua saúde e melhorar as suas condições
econômicas e financeiras.
O obscurantismo inutiliza o esforço da maior parte da população nacional; portanto,
é necessário, é urgente, é preciso que os que têm a responsabilidade da gestão da República
trabalhem com intemerata solicitude na cruzada contra o maior mal que nos atormenta —
mal deprimente, mal vexatório, mal causador do embaraço que a Nação encontra em sua
marcha para a frente.
Com a grande e pesada carga de analfabetos, sente-se o Brasil constrangido no concer-
to dos povos cultos e nem assim tem direito de tomar parte nos certamens internacionais.
Afirmou Renan: "A instrução popular é questão de vida ou de morte para as socieda-
des modernas".
O povo que tem as melhores escolas será sempre o primeiro povo.
Em verdade, abrir escolas perfeitas é alargar o caminho do progresso, é levantar
altares ao trabalho, a moral, ao direito, as virtudes que engrandecem o homem perante
Deus e a humanidade.
É sobre estas bases que se erguerá o templo de nossa futura grandeza.
Facilitar, pois, o ensino primário e profissional a todas as camadas sociais, ampliá-lo,
difundi-lo pelas mais remotas paragens do território brasileiro, deve ser a máxima aspira-
ção, o mais intenso desejo de todos os que se interessam pelo futuro da Pátria.
Em boa hora, o governo federal já deliberou sobre o ensino profissional, tornando-o
obrigatório nos estabelecimentos de instrução primária e secundária, mantidos ou subven-
cionados pela União, conforme o seguinte:
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Decreto n° 5.241, de 22 de agosto de 1927
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a resolução seguinte:
Art.1º — O ensino profissional no Brasil será ministrado de acordo com as disposições desta lei.
Art. 2° — Em todas as escolas primárias subvencionadas ou mantidas pela União, farão parte,
obrigatoriamente, dos programas: desenho, trabalhos manuais e rudimentos de artes e ofícios ou
indústrias agrárias, conforme as conveniências e as necessidades da população escolar.
Art. 3
o
— No Colégio Pedro II e em qualquer estabelecimento de instrução secundária mantido
pela União, como também nos equiparados, serão instaladas aulas de artes e ofícios, sendo livre
ao aluno escolher aquele em que se queira especializar, não se dando, porém, o certificado da
conclusão do curso sem essa especialização.
Parágrafo único — Os que pretenderem o certificado de habilitação profissional sem haverem
cursado estabelecimento de instrução secundária oficial serão admitidos a prestar o respectivo
exame para esse fim em qualquer estabelecimento oficial ou equiparado.
Art. 4° — O certificado de habilitação profissional assegurará, em igualdade de condições, o
direito de nomeação ao que o possuir, entre os candidatos a funções públicas quaisquer da
União.
Art. 5
o
— O governo entrará em acordo com os governos dos estados para a fundação de escolas
profissionais nos territórios destes, podendo a União concorrer com metade das despesas neces-
sárias aos custeios e aparelhamento destas.
Art. 6
o
— Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o governo elevará ao número que julgar
conveniente os Aprendizados Agrícolas, Escolas de Aprendizes e de Artes e Ofícios já existen-
tes e fundará os demais estabelecimentos técnicos que entenda necessários.
Art. 7° — Fica o governo autorizado a abrir o crédito de cinco mil contos de réis para execução
desta lei e a expedir os respectivos regulamentos.
Art. 8
o
— Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1927, 106° da Independência e 39° da República.
Washington Luis P. de Souza Augusto Vianna do Castello e Germiniano Lyra Castro
TESE N
a
60
DO DESDOBRAMENTO DO CURSO
DE ENGENHARIA CIVIL
Indicação da Faculdade de Engenharia do Paraná
s institutos técnicos oficiais ou equiparados sentem-se manietados, presentemente, não
podendo atender as necessidades de preparação da mocidade para satisfazer as exigên-
cias regionais que o desenvolvimento de uma ou outra zona do País exija.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
Na verdade, se para quase todos os estados da União o maior problema é o rodovi-
ário, por que não haver cursos especializados para engenheiros de estradas? Que razões
podem justificar, aqueles que se dedicarem a esta profissão, a obrigatoriedade do conheci-
mento de cálculo diferencial e integral, de geometria analítica, de astronomia em seus deta-
lhes, de portos de mar, de mecânica aplicada, de arquitetura, de eletrotécnica, etc? Quais
as aplicações que virão os mesmos fazer desse transcendental conhecimento, metidos no
mato, longe de quaisquer possibilidades de uma outra aplicação de conhecimentos, mesmo
que o queiram?
Se imperiosa necessidade para o País é ter-se engenheiros agrônomos, capacitados
para encaminhar com ordenação lógica e necessária o seu progresso na atividade agrícola,
por que não haver nas atuais escolas de engenharia a especialidade agronômica?
Se de todas as ciências a Contabilidade é aquela que hoje orienta o progresso, pelo
conhecimento exato que dá das relações entre a compra e venda, por que não permitir as
escolas de engenharia diplomar contabilistas ou contadores?
Por que não haver nas escolas de engenharia do País a diplomação de engenheiros
agrimensores, industriais, mecânicos, condutores de trabalhos, construtores de edifícios,
hidráulicos, geógrafos, etc, sujeitos a um curso de limitação proporcionado as necessida-
des de cada ramo de atividade, estudando as cadeiras capazes de, quando os mesmos te-
nham terminado o respectivo curso, permitir-lhes dedicar-se de logo a uma atividade certa?
Indica essa necessidade ainda a observação do que vai no Brasil. A indecisão atordoa
o engenheiro civil, o qual, ao terminar seu curso, não sabe propriamente o que é ... E
quantos tentam ora o serviço em estradas, ora o de portos, ora o de arquitetos, ora o de
eletricistas, etc, para terminar empregados em função fora de qualquer utilidade técnica? É
que há uma virtude no atual programa das nossas escolas de engenharia civil: fazendo
desperdiçar tempo aos acadêmicos, ele lhes estiola as aptidões para determinada atividade,
buscando despertar outras, para formar a consciência técnica duvidosa!
Estas observações hão de despertar o azorrague violento dos teoristas iracundos, que
por certo aduzirão as suas razões que a especialização sugerida concorrerá para a desorgani-
zação do ensino, convencidos de que existe uma metodização racional, pela obrigatoriedade
em que se encontrarão por certo de pensar segundo o senso técnico em que constituíram suas
individualidades. Mas, acostumados as divagações abstrativas que esse próprio senso lhes
permite, façam eles abstração de suas personalidades, para apreciar o que vai pelo Brasil, que
sem dúvida ficarão conosco. Não limitem suas observações aos grandes centros culturais que
possuímos, mas dilatem suas vistas pelo imenso território pátrio, para, sentindo a pulsação
desse gigante, poder levar-lhes assim o concurso da sua sabedoria.
Até agora, é fácil perceber-se, tem a capital federal exercido o papel impressionante
de limitar o campo de observações dos organizadores de cursos, os quais, sentindo as
necessidades maiores do centro de atividades que é o Distrito, pensam em satisfazer ao
resto do País pela regulamentação que a esse centro levam. Ali, ainda, é fácil admirar-se as
vantagens que um ou outro elemento ativo, mais por características pessoais, tem levado,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
o que, na consciência dos que observam, dá a impressão de que a realidade seja essa em toda
parte.
Conseqüência disso é que, contrastando com a alta cultura de que se vestem os nossos
diplomados, existe no País, pela falta de especialização oficial, grande número de práticos de
nenhuma cultura aos quais vai sendo entregue a maior parte dos nossos trabalhos técnicos.
No Brasil, há absoluta liberdade de exercício das profissões chamadas técnicas; as
escolas e faculdades de engenharia são impedidas de criar cursos especializados, de produzir
os elementos com conhecimentos limitados a natureza das atividades essenciais para o
progresso; e os engenheiros que se formam, pelo excesso de conhecimentos que receberam,
cerceados pelos múltiplos motivos que o critério técnico cria, não podem aduzir argumentos
que os façam vencedores em face da concorrência desleal a que estão sujeitos.
Daí, uma convicção se vai firmando no nosso povo: é preferível dar trabalho ao
construtor não diplomado, que faz mais barato. O povo, eterna criança, vê a possibilidade de
levar vantagem sob o ponto de vista econômico. Mais uma razão palpitante que vai ao
encalço ainda de suas considerações é que trata com um especialista de construção, de
estradas, etc...
Assim, o engenheiro diplomado, em virtude de sentir, como de fato existe, um verda-
deiro precipício entre seus conhecimentos técnicos e as necessidades que a aplicação exige,
tem ficado alijado do exercício das funções a que se pensou encaminhá-lo, exercendo o
prático as funções técnicas que se lhe deveria assegurar.
Resulta dessas considerações que, sem a especialização, não poderemos realizar,
construir o Brasil grandioso que almejamos.
Criar este estado de coisas é buscar reabilitar os engenheiros nacionais, permitindo-
lhes que se consagrem as atividades realizadoras, dando margem a que as nossas constru-
ções tenham o cunho acentuado das características da nossa nacionalidade.
Criar este estado de coisas é aproximar o Brasil das grandes nações nas quais o
desenvolvimento industrial tem sido avantajado, pela aplicação, em vários ramos de ativi-
dades, de especialistas cuja sabedoria as vezes é limitada apenas em ser engenheiro de
alicerces em cimento armado, em conduzir o trabalho, em projetar, etc. Para tal, pouco
trabalho seria mister.
As escolas ou faculdades de engenharia já existentes no País ficariam com a faculdade
de instituir cursos especializados, em menor número de anos, diplomando engenheiros
construtores, de estradas, hidráulicos, agrônomos, contabilistas, etc, seguindo programa
especial para cada caso.
Escolas de altos estudos seriam criadas para os engenheiros que se quisessem dedicar
aos estudos transcendentais ou aos enciclopédicos.
Assim atender-se-ia as necessidades de que se ressente o País.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
À grande massa acadêmica, aqueles que tivessem pendor especial para os traba-
lhos da prática, em poucos anos, far-se-iam ativos para o progresso do País; a minoria,
que é vocacionada aos estudos de abstração, poderia seguir o curso das Escolas de
Altos Estudos.
Essas são as razões de apresentação da indicação que faz a Faculdade de Engenharia
do Paraná a I Conferência Nacional de Educação, sugerindo que sejam formulados os
votos da mesma Conferência no sentido de que o problema mereça a consideração dos
responsáveis pela grandeza do Brasil.
TESE N
e
61
DA NECESSIDADE DE TORNAR MAIS PRÁTICO O
ENSINO DE ENGENHARIA NO BRASIL
Indicação da Congregação da Faculdade de Engenharia do Paraná
Congregação indica:
Que o ensino superior referente a Engenharia, na sua parte teórica, seja reduzido ao
estritamente indispensável ao conhecimento das ciências de aplicação.
Na atual seriação de cadeiras, visando a diplomação de engenheiros civis, industriais
ou eletricistas, os assuntos são tratados até as suas últimas minúcias, gastando-se o tempo
em remoer conhecimentos de nenhuma vantagem prática.
Pretende-se criar cabedal científico, que abrange os mais modernos conhecimentos
em seus vários aspectos, sem delimitação das fronteiras até onde se pode levar a teoria.
A que finalidade se visa? A intenção primeira é, fora de dúvida, construir o homem
ativo para a grandeza do País. Mas o excesso de teoria sobreveio, apanagiado pela neces-
sidade de dotar esse elemento com os predicados enciclopédicos que o caracterizassem
erudito, característica essa que hoje no-la apresenta, em via de regra, com as faculdades
realizadoras estioladas.
Os que mentirosamente buscaram a seriação erudita justificaram ainda a aprendizagem
teórica apenas como mero exercício intelectual. Alargaram os horizontes didáticos de Mate-
mática, para ensinar a raciocinar e criar cérebros enrijados pelo formalismo dos esquemas,
incapazes de atividades realizadoras nos campos de experimentação. Obrigaram os acadêmi-
cos vocacionados as profissões liberais as lucubraçòes astronômicas, aos contatos constantes
com o transcendentalismo das abstrações, fazendo-os perder seis longos anos para chegarem
ao termo da jornada, sentindo afinal o contraste enfadonho entre os termos finais de sua alta
sabedoria e as necessidades iniciais em que se debate o País para as suas realizações.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Aqueles que desejam ser técnicos são obrigados a seriação ora adotada nas nossas
faculdades ou escolas de Engenharia, mas durante o curso há lamentável desperdício de
tempo com teoria. Mas se se pudesse contar com cada elemento saído de uma escola como
um fator eficiente para o progresso do Brasil!...
Isso, entretanto, não é o que a experiência e a observação nos realçam. Poucos,
contaveis, são os que, diplomados de pronto, vêm trazer a contribuição do seu valor para
o nosso engrandecimento. É inumerável os que, fatigados pelos excessos a que os sujeitou
o teorismo das explanações didáticas, não têm coragem para enfrentar os problemas da
vida prática. Deixam-se, não por sua culpa, mas pela natureza mesmo do ensino, ficar
submetidos durante os seis anos de curso a envelhecer na expectativa de conseguir um
emprego, onde a função, por vezes unicamente burocrática, vai encobrir o cansaço de um
cérebro empedernido pelo excesso de conhecimentos teóricos.
Observarão os partidários do teorismo que contamos nomes ilustres em diversos
ramos de atividades, os quais concluíram seus cursos da forma por que hoje são feitos no
Brasil. Opor-se-lhes-á que esses, constituindo uma limitada minoria em relação ao número
de diplomados que temos tido, são antes dotados de qualidades pessoais admiráveis do que
expoentes propriamente de nossa inteligente preparação didática. E é fácil verificar-se esta
verdade.
A observação cuidadosa dos jovens que realizam cursos no País permite diferenciar
perfeitamente duas categorias. Uma tem tendência acentuada para os estudos abstratos,
para as altas investigações matemáticas. Outra, não revelando nenhum pendor para essas
cogitações, manifesta gosto acentuado a experiência, entrando com elevado contingente
vocacional para o campo das experimentações.
Apurando as nossas observações, constatamos ainda que os profissionais que de-
monstram tendências a abstração constituem uma limitada minoria, enquanto os espíritos
voltados aos trabalhos experimentais formam a grande maioria.
Ora, o desenvolvimento determinado das cadeiras dos nossos cursos, com ser demasi-
adamente teórico, pretende, em virtude de erro de apreciação, alimentar o aperfeiçoamento
dos que constituem a minoria; mas, mesmo assim, fá-lo deixando brechas na seqüência dos
conhecimentos que se lhe deve dispensar. Nesta, referimo-nos ao preparo do ginasta, que só
estuda álgebra até equações do 2
2
grau e vai receber, nas escolas de Engenharia, preleções de
geometria analítica.
Pois bem, enquanto procura conduzir os espíritos voltados as cogitações matemáticas, a
atual seriação de cadeiras dos cursos de Engenharia, com seu desenvolvimento de programas, é
elemento ponderável para a estagnação das predisposições que apresenta a maioria dos estu-
dantes brasileiros.
Ela busca formar enciclopédicos numa fase em que o industrialismo exige do homem
a maior atividade prática, a melhor coordenação lógica no campo limitado das idéias cons-
trutoras, de fácil realização.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Resulta daí o que se observa no País: enquanto os seus grandes problemas iniciais
continuam sem solução, vai-se constituindo uma mentalidade enciclopédica incapaz de
levar sua atividade realizadora ao progresso das indústrias.
Essa observação não apanha uma porção limitada do País. Ela é conseqüência, natu-
ralmente deduzível, da simples apreciação de como se processa entre nós o progresso pelas
realizações desordenadas, sujeitas muitas vezes a um golpe para estacionamento por só
mais tarde ter compreendido nenhuma necessidade presente delas. E não são raros os exem-
plos desse ilogismo atroante que nos caracteriza: é no Maranhão que uma estrada de ferro
é iniciada e abandonada por várias vezes; é na ordem financeira que se fazem políticas
sucessivas de inflação e de deflação; é nesse ou naquele estado que são iniciadas várias
obras para que os serviços sejam abandonados depois; é no estabelecimento de uma colô-
nia em que não são estudados os aspectos de facilidade de transportes que se tem o traba-
lho de iniciar a colonização para abandonar em seguida, etc.
Em tudo pressente-se que a função do engenheiro, quando não seja o capricho falho
dos diretores, tem fracassado em sua finalidade por excesso de abstração.
Em face dessas considerações, vem a Congregação da Faculdade de Engenharia do
Paraná indicar a I Conferência Nacional de Educação, ora reunida em Curitiba, que formu-
le seus votos no sentido de que mereça atenção do governo federal esse estado de coisas,
para que sejam tornados os cursos das escolas de Engenharia do País a capacidade realiza-
dora, pelo afastamento, das respectivas cadeiras, do excesso de teorias.
TESE N
2
62
REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ENGENHEIRO
NO BRASIL
Indicação da Congregação da Faculdade de Engenharia do Paraná
A Congregação da Faculdade de Engenharia do Paraná indica que a I Conferência
A Nacional de Educação formule seus votos no sentido de que seja regulamentado, pelo
governo federal, o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto, de agri-
mensor, etc, em todo o País, no sentido de assegurá-lo somente aos diplomados, nos
limites de sua especialidade em exercício, negando-se licença aos que se não acharem
habilitados.
Não é nova a sugestão ora apresentada. Já por vezes encarado o assunto pelos go-
vernos, tem sido verificada a razoabilidade de tal regulamento. Assim têm-no entendido os
governos de São Paulo e do Paraná, sancionando as leis votadas pelos respectivos congres-
sos referentes ao assunto.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A questão continua, contudo, a impressionar os que observam as razões de sua utilidade.
O poder central é o gestor dos grandes trabalhos de engenharia no País. Para os seus
trabalhos, não há dúvida de que têm sido procurados os elementos legalmente habilitados, o
mesmo acontecendo com os trabalhos estaduais. Mas, pela falta de regulamentação, os traba-
lhos de natureza particular estão, ainda, ao critério da vontade dos interessados, os quais, por
um erro de apreciação, mais depressa constituem seus empreiteiros os estrangeiros, que vêm
a América e colocam no mesmo dia da chegada tabuletas ou cartazes — de arquitetos, cons-
trutores, etc. —, sem que qualquer lei regulamente o assunto. O nosso diplomado, em melho-
res condições, sem dúvida, realizaria esses trabalhos de natureza técnica.
Não se creia que haja nessa sugestão apenas a intenção de salvaguardar interesses de
classe. Não. A exigência que se faz tem como principal motivo uma razão patriótica, quan-
do não se veja além dela o interesse que se apresenta de proteger o particular desamparado
de leis protetoras que, tendo entregue serviços a indivíduos inábeis, não disporá de quais-
quer recursos legais para indenizar-se de prejuízos que venha a sofrer. Essa afirmativa não
vai como divagaçao aérea. Aqui mesmo, em Curitiba, são conhecidos casos em que parti-
culares, tendo feito adiantamentos para empreiteiros que se diziam construtores, perderam
parte de seu capital pelo desaparecimento de empreiteiros que, em certo dia, resolveram
transferir-se para outras terras .
Quanto a parte de interesse profissional que se possa perceber na sugestão ora feita,
se ela existe, é fora de dúvida que se há de tomar como muito justificada.
A carreira do engenheiro civil, hoje longa de seis anos, sendo talvez a mais trabalhosa
de todas as profissões liberais, sofre a concorrência desleal dos que se não preparam com
estudos e tirocínio acadêmico para seu exercício. Constrasta com esse estado de coisas para
a classe a situação em que se encontram médicos e advogados, para o exercício de cujas
profissões farta é a regulamentação existente, asseguradora dos direitos e vantagens que só
aos diplomados assistem. Os farmacêuticos e os dentistas, em determinados estados do País,
têm o exercício profissional regulamentado. O Estado tem que interessar-se nesse sentido.
E de outra forma não poderia ser. Observa o notável jurisconsulto João Mendes Júnior:
"O Estado é, perante o povo, responsável pela suficiência dos órgãos que funcionam na
distribuição da justiça, na saúde dos indivíduos, na segurança das construções, isto é, o Esta-
do está obrigado, pelo menos, a fiscalizar as condições do exercício desses órgãos".
Ora, já o governo federal tem regulamentadas as profissões dos médicos e dos advo-
gados. Resta, para assegurar o complemento de sua função social e política, que seja ataca-
do o problema referente a difícil arte do engenheiro.
As regulamentações já existentes não visaram somente defender os diplomados contra a
concorrência dos leigos. Exigiu-as a necessidade de salvaguardar a comunhão social. Exercitan-
do-se o Estado nas suas faculdades constitucionais, requer provas de habilitação profissional.
A inexistência dessa regulamentação não há de ser argumento para se acentuar a sua
necessidade. Os trabalhos no País, feitos pelos concorrentes aos profissionais hábeis, não
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
resistem a análise pela precariedade de que muitos se revestem. E, cumpre observar, essa
inexistência vai concorrendo para que todas as espécies de indesejáveis do mundo, entran-
do facilmente no País, venham medrar com sua habilidade, numa concorrência tenaz, que
não conhece escrúpulos, aos nossos estudiosos.
A regulamentação federal não será uma inovação. Ela já existe nos estados adianta-
dos, dos quais evidenciaremos a Inglaterra, onde o exercício só é permitido aos legalmente
habilitados pelo Instituto de Engenharia de Londres.
No Brasil, esboçou-se, com um gesto do atual ministro da Viação, o primeiro passo
para essa medida. Sua Excelência exigiu, em portaria, que todo o funcionário em exercício de
profissão técnica, no mesmo ministério, registrasse seu título na respectiva secretaria. Com
essa providência, não resta dúvida, quis Sua Excelência evitar que trabalhassem em função de
engenheiro quem não se achasse legalmente habilitado. Foi medida de notável alcance, mas,
ainda assim, pouco se fez. Tem-se observado que, nos contratos entre o governo federal e
sociedades industriais que arrendam estradas de ferro da União, tem faltado a cláusula
determinante de que, em lugares técnicos, serão empregados somente profissionais habilita-
dos legalmente; disso resulta, em algumas estradas, que em cargos privativos de engenheiros
sejam colocados indivíduos sem habilitação legal.
Juntando a Faculdade de Engenharia do Paraná seus esforços as várias instituições
que no País têm debatido tal questão, pede a I Conferência Nacional de Educação, ora
reunida em Curitiba, que formule seus votos no sentido de que tao palpitante problema —
qual o da regulamentação das profissões de engenheiros, arquitetos, agrimensores, etc. —
mereça a consideração do governo federal, passando a ter a sua necessária solução.
Ainda mais, pede que seja discutida a preliminar de se propor a criação de uma
comissão permanente na Sociedade Brasileira de Educação, para elaborar o memorial a ser
dirigido ao Congresso Nacional e ao Presidente da República sobre o assunto.
TESE N
e
63
O ENSINO DE TRABALHOS MANUAIS NAS ESCOLAS
PRIMÁRIAS E COMPLEMENTARES
Orestes Guimarães
Florianópolis, SC
ANÁLISE RETROSPECTIVA --- 1890-1927
Desde que me vi pela primeira vez no salão das aulas de desenho e trabalhos manuais
da Escola Normal de São Paulo, tornei-me de indescritível antipatia ao ensino de
tais matérias, ambas dirigidas e regidas, naquela época, por bacharéis em Direito.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
D
Ainda hoje, decorridos 38 anos, recordo-me do ensino de desenho e trabalhos manu-
ais por mim recebido na Escola Normal de São Paulo.
Aulas sem nenhum senso prático, sem nenhuma finalidade imediata ao ensino primário,
segundo preceitos que já então recebíamos do desdobramento de boas lições de Pedagogia.
De 1887 a 1889, a freqüência da Escola Normal (e isto tem muito valor para provar
o que desejo) era a mais seleta possível quanto a idoneidade de seus numerosos alunos.
Só no1º ano existiam 217 discentes, dos quais 104 homens e 113 senhoras, sendo eu
o benjamim da turma, com 16 anos.
A fim de o mais possível ressaltar este depoimento, esclarecendo as conclusões que,
de antemão, me proponho, cito os nomes de alguns colegas: João Lourenço Rodrigues,
Oscar Thompson, José Feliciano de Oliveira, Ramón Rocca Dordal, Romão Puigari, Alfredo
Bresser, todos muito além dos vinte anos, outros abeirando aos trinta e alguns já ultrapas-
sando a média de vida.
Em 1890, ingressamos no magistério. Poucos foram os que fizeram corrida; quase
todos fizeram carreira na grande cruzada que Abelardo Laurindo de Brito ergueu na terra
de Anchieta.
João Lourenço Rodrigues, Oscar Thompson, José Feliciano e outros, depois do cur-
rículo regulamentar pelas etapas do ensino primário, galgaram esplêndidas situações no
magistério paulista.
Apresentada que está a parte testemunhável da prova que pretendo fazer, peço licen-
ça para prosseguir.
No entretanto, a plêiade de paladinos do ensino público de São Paulo muito pouco
pôde fazer, de 1890 a 1906, em prol da orientação do ensino de desenho e trabalhos manu-
ais naquele Estado!
Tal ensino, lá como aqui e no resto do Brasil, em geral, não se enquadrou as nossas
necessidades de povo novo e empreendedor, não se enquadrou a sua grande finalidade,
quer nas escolas primárias, quer nos cursos complementares, como matérias básicas do
ensino profissional.
O porquê do desastre, cuja prova procuro aduzir de modo sui .generis talvez, mas de
maneira franca e leal, dar-vos-ei adiante.
Antes de tudo, cabe-me provar o desastre — portanto, continuo.
Em 1906, Santa Catarina se lembrou de pedir a São Paulo um professor que viesse,
em comissão, reorganizar o Colégio Municipal de Joinvile.
Pela Inspetoria Geral do Ensino e pela Diretoria Geral da Instrução Pública de São
Paulo foram apontados dois nomes como os mais idôneos para desempenhar a importante
comissão: Fernando Martins Bonilha, em 1
o
lugar, que não aceitou, e o meu, em 2°.
Era eu, então, diretor do Grupo Escolar Cardoso de Almeida, na cidade de Botucatu.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A nova caiu alviçareira na imprensa paulistana, cujos prelos gemeram engenhosos a
justa fama do ensino público paulista (jornais de São Paulo, de 27 de outubro a fins de
novembro de 1906).
Antes de minha partida para aquele estado, consciente do meu encargo e desejoso de
acertar, voltei a Escola Normal Secundária, depois de dezesseis anos de ausência (1890 a 1906).
Freqüentei por alguns dias as aulas de desenho e trabalhos manuais daquela saudosa
escola, onde me foram oferecidas abundantes e variadas coleções pertinentes, a fim de
transportá-las para Joinvile.
Exercícios froebelianos, alinhavos em cartões picotados, teceduras policrômicas de
numerosos feitios, dobraduras de formatos poliformes, cartonagem de objetos de uso do-
méstico — como porta-cartões, porta-toalhas, porta-escovas, cestas, jardineiras, etc. —,
modelagem, em argila e gesso, de cubos, cones, cones truncados, pirâmides, etc. Tudo
puríssima tautometria.
Elementos da mais alta eficiência na trama, cada vez mais complexa, da economia
nacional, o desenho e os trabalhos manuais continuavam a ser ministrados, em 1906, com
escopo meramente educativo.
No Colégio Municipal de Joinvile, que há vinte anos deixou nome na organização do
ensino catarinense, procurei correlatar, no 1° e anos, o ensino de desenho com o de
trabalhos manuais, mas tudo debalde, por me faltar a técnica do processo, embora tivesse a
teoria do método.
Mas não nos precipitemos.
Em novembro de 1910, para fins que todos vós conheceis, regressei a este estado.
Antes, porém, tal como em 1906, fui de novo a fonte principal da orientação do
ensino do meu estado, a fim de observar se algo havia de novo relativamente ao ensino de
desenho e trabalhos manuais.
Pura perda de tempo. Não aumentei o meu cabedal pedagógico acerca de desenho e
trabalhos manuais, embora verificasse muita coisa útil e nova, sobretudo acerca do ensino
de linguagem.
Ao iniciar a minha segunda comissão neste estado, tantos foram os trabalhos a
assoberbar-me, que jamais me sobrou vagar para a especialização da didática do desenho e
de trabalhos manuais... Não tive tempo, não era oportuno e me faltava a técnica da
processuação dos métodos a seguir.
Os meus labores relativos a reorganização do ensino de 1911 a 1928 muitos de vós
os conheceis, por tê-los acompanhado in situ ede visu. Eles se acham expostos nas mensa-
gens e nos relatórios de 1911 a 1928, sobretudo no de 1914, página 114 a 167.
Gizei e consegui realizar as bases gerais da remodelação do ensino estadual, que
hoje, sem Iisonja e favor, é igual ao dos Estados Unidos, mais adiantados na matéria.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Campanhas derrotistas não empanarão a consciência de juizes retos, sobretudo da-
queles que se entregam aos misteres do ensino.
A remodelação do ensino público catarinense é um fato axiomático, como a luz
meridiana do sol da nossa terra. Ela, além do vosso valioso testemunho, tem também o
testemunho de governos e governados desse próspero e grande estado.
À vista do exposto e devido a minha incapacidade, já confessada, não pude especi-
alizar o ensino de trabalhos manuais, com a finalidade que lhe é dado nos países adiantados
da Europa e sobretudo na América do Norte.
No entanto, tal defeito existe também, conforme me referi, nas escolas de São Paulo,
as quais sabeis bem minhas conhecidas; existe nas escolas do Distrito Federal, onde por
vezes visitei diversas, algumas ótimas sob o ponto de vista geral, como a Deodoro e
Rodrigues Alves, mas cujo ensino de trabalhos manuais é tal qual o de São Paulo e Santa
Catarina, a saber: ampliado e com a finalidade doméstica nas seções femininas, restrito e
com mera função educativa nas seções masculinas.
Quer nas escolas paulistas, quer nas cariocas, quer nas catarinenses, a entrosagem
dos trabalhos manuais nos respectivos programas é meramente educativa, decorrente do
princípio: "Toda idéia, uma vez manifestada no espírito do educando, tende a exteriorizar-
se em ação". (A. Moulet. UÉducation Démocratiqué)
De tal princípio surge a resultante, talvez, da ingressão quase automática, incondici-
onal, dos trabalhos manuais nos programas das escolas em geral.
Digo em geral porque, também, nas escolas particulares dá-se o mesmo que se dá nas
escolas públicas.
No entanto, continuando a minha delenda, afirmo: o ensino de trabalhos manuais,
aqui como no Brasil em geral, não se enquadrou ainda as nossas necessidades de povo
novo e empreendedor; não enquadrou a sua grande finalidade, quer nas escolas primárias,
quer nos cursos complementares, corno matéria básica do ensino profissional.
Do exposto, sem ambages de linguagem, resulta a minha negativa quanto a ingressão
dos trabalhos manuais nos programas escolares, com a seguinte restrição: sim, somente
como disciplina educativa, sem aplicação pós-escolar.
EM QUE DEVE CONSISTIR O ENSINO DE TRABALHOS MANUAIS NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS E
COMPLEMENTARES?
Acerca desse quesito, vejo-me no dever de fazer uma exposição, sumaríssima, do
ensino de trabalhos manuais em alguns países.
Comenius, no século XVII, traçou, pela primeira vez, um plano educativo popu-
lar: ubi omnes omnia omnino doceantur. Rousseau, no século XVIII, queria que o seu
Emilio aprendesse um ofício, mas já nos tempos heróicos da Grécia e Roma, Ulisses
preparava o seu leito (com madeira de oliveira) e Cincinato conduzia charrua. Perdoai-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 192?
me a tirada; quis com ela dizer que o assunto, além de ser por demais vasto, é também
excessivamente velho.
A necessidade de o homem manusear é, por assim dizer, inata, e só a vaidade e
ignorância o levaram, em dado momento histórico, ao repúdio dessa sua mais eminente
fonte de força e virtudes.
Rousseau disse:
Vous vous fiez a 1'ordre de Ia société, sans songer que cet ordre est sujet a des révolutions
inévitables, et qu'il est impossible de prévoir ni de prevenir celle qui peut regarder vos enfants.
Le grand devient petit, le riche devient pauvre, le monarque devient sujet; les coups du sort sont-
ils si rares que vous puissiez compter d'en être exempt?
Nous approchons de 1'état de crise et du siècle des révolutions.
Qui peut vous répondre de ce que vous deviendrez alors? De toutes les conditions, Ia plus
indépendante de Ia fortune et des hommes est celle de 1'artisan. L'artisan ne dépend que de son
travail, il est libre... (Buisson. Llnstrution Prímaire, 1915. p.1204)
Para provar que o ensino de trabalhos manuais não corresponde, entre nós, a sua
primordial finalidade, passo a expor como ele é ministrado na América do Norte.
Ao usar de baixela estranha serei parcimonioso. Usemo-la porque nos convém, pois
poupamos sacrifício de tempo e economia; usemo-la, examinando-a, no entanto, "com
olhos e lentes brasileiras".
Em nenhum país europeu, mesmo na Alemanha e Suíça, a teoria e prática dos traba-
lhos manuais tomaram desenvolvimento igual ao da América.
Omer Buysse:
La fois dans les vertus de ce mode d'enseignement est générale. Dans les "kindergarten" qui
reçoivent les enfants ages de trois ans a six ans, les travaux manuels interviennent comme des
facteurs dans 1'éducation; ces travaux pénétrent les programmes des écoles primaires et s'appli-
quent dans toutes les branches d'enseignement; ils s'étendent dans les écoles secondaires, pour
trouver leur couronnement dans les Colleges et universités techniques. (Méthodes Américaines
d'Éducation, p.449)
O ensino de trabalhos manuais entrou nas escolas americanas por dois caminhos
diametralmente opostos: pelos jardins da inncia (sistema froebeliano) e pelas escolas
superiores que adotaram o sistema Delia-Voss, de origem russa. Dos jardins da infância,
sistema froebeliano, eles passaram, em escala ascendente, para as escolas primárias, com-
plementares e secundárias; das escolas técnicas superiores, em escala descendente, sistema
Delia-Voss, eles passaram para as escolas secundárias e primárias, lutando nestas com o
sistema sloyd, de origem sueca.
O sistema froebeliano, que ficou incompleto devido a morte prematura do seu autor,
consiste em ocupações destinadas as crianças até seis anos, a saber:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba 1927
Sólidos:
1) Variadíssimas construções com pedaços de madeira;
2) Modelagem com argila;
3) Cartonagem.
Superfície;
1) Corte, recorte, dobradura e colação com papel e papelão;
2) Variadas armações ou construções com tabuinhas;
3) Variadas construções com aplicação de cores.
Linhas:
1) Composição de diversas figuras, usando varinhas;
2) Tecelagem de papel;
3) Combinações policrômicas de tecelagem.
Pontos:
1) Picotar cartões;
2) Desenho, etc.
A engenhosidade dos americanos estendeu, como me referi, os exercícios de Froebel
a todas as escolas primárias: primary grades e grammar grades.
Começaram os pedagogos daquele grande país por estabelecer a mais estreita rela-
ção entre o desenho e os trabalhos manuais.
Para dar uma ligeira finalidade do desenho e trabalhos manuais e da correlação entre
eles existente nas escolas americanas, descreverei a organização de tais disciplinas nalgu-
mas escolas daquela invejável república.
Escolas de Nova York
Nas escolas nova-iorquinas o desenho e trabalhos manuais gravitam em torno de
certas idéias fundamentais, denominadas centre d'intérêt.
Os assuntos centre d'intérêt são:
1) A casa da família, as ocupações dos habitantes do lugar, as ocupações domésticas;
2) A vida do município: meios de transporte, ocupações dos habitantes, etc.
Os pequenos americanos começam os seus desenhos, ou antes, os seus trabalhos
manuais, segundo os anexos 1 e 2.* Por eles, vereis que, antes de tudo, os americanos não
' N. do E. — O texto original não se achava acompanhado dos anexos citados.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
procuram fazer artistas, mas sobretudo despertar idéias e concretizar a imagem mental.
Isto é que é transcendente e o principal.
Nenhum trabalho é iniciado sem que os professores, estabelecendo verdadeiras pa-
lestras com os alunos, estejam conscientes de que eles compreenderam os assuntos propos-
tos, sem que os professores estejam conscientes de que despertaram a imaginação e o
desejo de realização dos seus educandos.
A técnica do desenho é variadíssima, como os fins dos trabalhos manuais.
Os alunos desenham sempre a mão livre, ora nos quadros-negros, ora nas lousas,
para depois, no 3° ano, utilizarem-se do papel.
Realizam esboços e desenho das idéias sugeridas durante as palestras (centres
d'intérêt), para depois concretizá-los nos trabalhos manuais.
Escolas de Newark
Nas classes inferiores das escolas de Newark (do 1
o
ao 3° ano), os exercícios de
desenho e de trabalhos manuais caminham também com tal conexão que é impossível a
separação dos mesmos.
Mas no 3
o
ano preliminar já entram noções de cálculos nos trabalhos, como sejam:
uma caixa de lcm x 1 cm X lcm, outra de 2cm x 2cm x lcm; uma casa com comprimento
de 42cm por 30cm de largura e 20cm de altura, com portas de 12cm e janelas de 6cm.
Os alunos constróem a casa e os respectivos móveis depois de esboçá-los em dese-
nhos rápidos; tudo antecedido de exposições, questionários e palestras entre os professo-
res e alunos, de forma a dar a estes a noção do que vão fazer.
Enfim, de modo geral, pode-se dizer que o ensino americano de trabalhos manuais e
desenho é correlatado, quotidianamente, e que os educacionistas consideram sem o menor
valor as cópias de modelos de desenhos, máxime nas classes elementares (l
s
a 4
2
ano) —
primary grades, para crianças até 12 anos.
Nos anos superiores do curso primário (5
o
, 6°, e 8
o
), freqüentados por alunos dos
12 aos 15 anos (escolas complementares, como as catarinenses), os programas de desenho
e de trabalhos manuais variam muito de forma e de fins.
Escolas de Massachussetts
Nas grammar grades de Massachussets, correspondentes as escolas complementares,
aos exercícios de trabalhos manuais das escolas primary grades (grupos escolares) se-
guem-se os trabalhos suecos de sloyd.
Nos exercícios de sloyd, digamos em resumo, predomina, por assim dizer, o espírito
técnico, quer pela finalidade dos trabalhos, quer pelo variadíssimo emprego de instrumen-
tos. Os educandos recebem madeiras adequadas e preparadas, consoante os fins dos traba-
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
lhos a que elas forem destinadas, sendo que os trabalhos desloyd feitos a faca ou canivete
tomam o nome de whittling.
Finalmente, osloyd, sua doutrina e seus princípios são resumidos da seguinte forma
por Omer Buysse:
1) os professores de sloyd devem ser homens de ensino e não artistas somente;
2) o ensino deve ser progressivo, sistematizado, com a exceção de certas explicações
em classe por ocasião da manufaturação de qualquer objeto;
3) os trabalhos devem ser de forma a proporcionar o desenvolvimento físico dos
educandos, pelos seus movimentos livres e vigorosos;
4) os trabalhos deverão representar unicamente o esforço pessoal dos educandos;
5) a transição do trabalho mais fácil para o mais difícil é indispensável, devendo dar
preferência aqueles cujo uso puder ser compreendido pelos alunos;
6) os trabalhos de sloyd não atingirão somente os objetos que puderem ser realizados,
com exatidão, pelo emprego de instrumentos; eles devem ser executados a mão livre, tendo
em vista, sobretudo, exercitar o sentido das formas, das proporções, pela vista e pelo tato;
7) é de capital importância a exatidão no acabamento dos objetos, bem como o asseio
dos mesmos.
Depois de havermos passado rápido pelas escolas americanas, vejamos o que se faz
nos países do norte europeu (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia), cujas escolas se
destacam em trabalhos manuais.
Os mencionados países, é sabido, se acham em condições econômicas assás diversas
das existentes na América do Norte.
As grandes indústrias, até há pouco tempo, pode-se dizer, não existiam.
O magnífico ferro sueco era exportado, em bruto, para a Inglaterra e Alemanha.
A indústria nos países escandinavos, por longos anos, consistiu em trabalhos manuais
domésticos.
Cada habitante, digamos, fabricava os instrumentos de que necessitava: veículos,
mobiliários, utensílios usuais da lavoura e indústria.
A concorrência estrangeira, de natureza maquinaria, infiltrou-se de tal forma naqueles
países que a indústria doméstica, manual, foi sufocada.
Tal situação preocupou seriamente os patriotas tenazes dos povos do meio e norte
europeu.
Suécia
Em 1877, por iniciativa de associações auxiliadas pelo Estado, foram criadas escolas
de trabalhos manuais em Uppsala, Claestorp e Mass. Saíram, em poucos anos, cerca de 3 mil
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
professores de trabalhos manuais de 31 nacionalidades, sendo 2.300 suecos, 30 ingleses, 100
dinamarqueses, 60 americanos do norte, etc. (Otto Salomão. Escola de Mass, Buisson).
Peço a esclarecida atenção dessa ilustre conferência para a forma por que foi realiza-
do o plano de sistematização dos trabalhos manuais na Suécia, plano que, mutatis mutandis,
foi o mesmo seguido pelos países escandinavos.
Começaram pela fundação de escolas técnicas superiores, cujo fim foi a formação de
professores de trabalhos manuais e desenho. Os professores nomeados para tais escolas tiveram
a incumbência da difusão dos métodos e, sobretudo, da processologia nas escolas primárias.
Os trabalhos sloyd nas escolas suecas (slõj husfild) constam de artefatos diversos
sobre marcenaria; entalhes, esculturas, tonelaria, ferraria (forjas simples), rodas e molas de
carros, carroças, enfim, tudo que mais se aproxime da indústria de madeira e de ferro,
matérias-primas abundantes na Suécia. (Buisson)
Na Alemanha (segundo dados fornecidos pelo professor Curt Boetner, diretor da
Escola Nova, em Blumenau, e traduzidos pelo professor Adriano Mosimann, diretor do
Grupo Escolar Luiz Delfino, da referida cidade), a Conferência das Escolas Alemãs, reali-
zada em 1920, resolveu o seguinte:
1) a adoção obrigatória do ensino profissional em todas as escolas de determinada
categoria;
2) a criação, instalação de oficinas e organização de jardins escolares; aperfeiçoa-
mento do professorado em trabalhos manuais para lecioná-los nas escolas em geral.
A vista do exposto, podemos afirmar, de modo geral, pondo de parte questiúnculas
sem importância, que, quer na América, inclusive entre nós, do Amazonas ao Prata, quer
nos países adiantados da Europa, as questões atinentes ao ensino de trabalhos manuais nas
escolas primárias criaram dois sistemas: o sistema econômico e o sistema pedagógico.
Aqueles que se batem pelo sistema econômico querem que a escola primária encami-
nhe o ensino de trabalhos manuais de forma a dar aos seus educandos um ofício ou profis-
são que lhes assegure um meio de vida. Entendem que esta, organizada segundo o seu
sistema, contribuirá para a formação mais eficaz da economia nacional.
A corrente do sistema econômico filiam-se, geralmente, os educacionais de gabinete,
os letrados e, também, alguns estadistas.
Os partidários do sistema pedagógico consideram o ensino de trabalhos manuais nas
escolas primárias como meio educativo: da vista, dando aos educandos as noções de for-
ma, dimensão, cor, comparação, etc; das mãos, dando-lhes destreza; da democracia, pela
espécie de trabalho em si; da educação em si, por despertar, com segurança, os hábitos da
atenção, percepção e intuição. Para os que assim pensam, a escola primária tem apenas
função sociopolítica.
À corrente deste sistema se aferram, geralmente, os pedagogos e educacionistas de
profissão, os que mourejam ou mourejaram na gloriosa carreira do a-b-c ou b-a-bá.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No entanto, sem grande esforço, as duas correntes podem e devem ser conciliadas,
máxime nos países ou estados onde o estágio das escolas primárias oferece graduação
conveniente, como em Santa Catarina, que poderá seguir nessa matéria o exemplo dos
americanos, povo prático por excelência. Contestada, sob o ponto de vista econômico, a
proficuidade do ensino de trabalhos manuais nas escolas do País, em geral, e exposto o
modo por que tal disciplina é ministrada nas escolas americanas e suecas, países em que tal
ensino me parece modelar, exponho meu ponto de vista.
A meu ver, o plano da remodelação dos trabalhos manuais nos grupos escolares
(primaries grades americanas), assim como nos cursos complementares (grammargra-
des), deverão satisfazer, em parte, as justas aspirações do sistema econômico, sem fugir
aos preceitos do sistema pedagógico.
Assim pensando, opino para que o ensino de trabalhos manuais nos grupos escolares
conste:
1) nos1º, 2°, 3
o
e 4
o
anos, quer para meninos, quer para meninas, de exercícios
froebelianos, adaptados progressivamente e processados segundo os métodos americanos;
2) no 4
a
ano (meninas e meninos), de início de exercícios desloyd ou de whittling;
3) na seção feminina, dos programas atuais.
E nas escolas complementares, conste:
1) no1º ano, de construção de trabalhos pelo sistema de whittling;
2) nos e 3
o
anos, de trabalhos manuais de Froebel e de sloyd e dos instrumentos
necessários em oficinas que poderiam ser instaladas nos próprios galpões dos grupos.
A questão, no entanto, não é de arrazoar ou de arrasar programas.
Os programas de trabalhos manuais das escolas do País, em geral, e do estado, em
particular, poderão ter os seus defeitos, cujo exame vos cabe, mas defeitos que, a meu ver,
constituem meras rugas no conjunto de planos de ensino.
O de que necessitamos, penso eu, é atacar de frente, sem perda de um só mo-
mento, o modo de se formar professores primários que conheçam a técnica, muito
especial, dos trabalhos manuais, como base da processologia do ensino profissional,
da educação nacional.
Excluo a conveniência e a possibilidade do ensino de trabalhos manuais nas escolas
isoladas, devido aos motivos que, em 1924, expus nas Sugestões sobre a Difusão do Ensi-
no, a saber:
O ensino de desenho nas escolas primárias rurais, de reduzido estagio, sem o material necessá-
rio, em lugares onde esse material é de difícil aquisição — ensino sem finalidade imediata
nessas zonas —, repito, parece-me lambem uma inutilidade.
Antes do mais, para que o desenho correspondesse ao seu fim, deveria ele ser dado segundo o
método direto (de Liberty Trade), ou conforme as conclusões do II Congresso Internacional de
Ensino de Desenho, em 1904, em Berna, no qual se fizeram representar: Alemanha, Inglater-
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
ra, Áustria, França, Bélgica, Itália, Japão, Argentina, Rússia, Estados Unidos, Espanha, etc Só faltou o
Brasil.
Ora, tal método não pode ser ministrado por professores que o desconheçam, pois desenhar repito, não é
emplastrar traços e cores sobre um pedaço de papel, mesmo a título de reprodução do natural.
Nas escolas das zonas rurais, onde, por certo, o A, B, C do agricultor prestará melhor serviço do que a
cópia servil de alguns traços de modelos que, ainda por aí, correm pelas escolas públicas, a título de
desenho, entendi conveniente substituir por noções de higiene rural!
Passo, finalmente, a responder o último questionamento.
HÁ POSSIBILIDADE DE TORNÁ-LO MAIS PROFÍCUO NO ESTADO, EM PARTICULAR, E NO PAÍS, EM
GERAL? DE QUE FORMA?
Este quesito, penso, é a pedra angular do edifício; é a alavanca mágica de Descartes,
com a qual os podêres públicos do estado, em particular, e do País, em geral, poderão
instituir seguros alicerces do ensino profissional.
A forma por que, a meu ver, o estado poderá tornar mais profícuo o ensino de traba-
lhos manuais, dando-lhes, como convém, finalidade compatível com o sistema econômico,
é contratar professores que se obriguem a introduzir, em determinado tempo, na Escola
Normal Catarinense e nas escolas complementares, a técnica (toda especial, para ser pro-
dutiva) da aludida disciplina.
Para isto vos ofereço o seguinte projeto:
1) as escolas normais do estado terão por fim principal a formação do professorado
necessário ao ensino primário e a criação das bases indispensáveis ao ensino profissional;
2) o ensino normal será ministrado na Escola Normal Catarinense, externato para
homens e mulheres, e no Colégio Coração de Jesus, internato para moças, equiparado a
Escola Normal oficial;
3) aos alunos que houverem concluído o curso do Ginásio Catarinense será expedi-
do, para todos os efeitos, o diploma de normalista, depois de concluída a prática referente
ao ensino profissional;
4) as escolas normais terão os seguintes cursos:
a - curso normal;
b - curso técnico de desenho e trabalhos manuais;
5) o curso técnico de desenho e trabalhos manuais correrá paralelo ao curso normal
e constará de dois anos obrigatórios para os alunos do e 3° ano do curso normal, para o
que serão correlatados os respectivos horários;
6) a orientação do curso técnico de desenho e trabalhos manuais caberá a profissio-
nal de reconhecida capacidade, contratado no estrangeiro, por quatro anos;
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
7) o contrato poderá ser rescindido ou prorrogado, a juízo do governador;
8) o profissional contratado será auxiliado por dois normalistas, nomeados pelo
governador;
9) extinto o prazo do contrato, as atribuições e regalias do contratado serão conferidas
ao auxiliar que mais se houver distinguido, sendo o segundo nomeado inspetor técnico de
desenho e trabalhos manuais nos grupos e escolas complementares.
10) ao professor contratado caberá organizar o programa do curso profissional, que
será apresentado ao diretor da escola ao qual será subordinado, a fim de que este providencie
as medidas administrativas que se fizerem necessárias;
11) anualmente, poderá ser designado um professor de cada grupo escolar, sem pre-
juízo dos seus vencimentos e do ensino, a fim de fazer o curso normal profissional;
12) a matrícula na Escola Normal só será permitida a complementaristas;
13) o governo adaptará o atual prédio da Escola Normal Catarinense, a fim de nela
funcionarem:
a - o curso normal;
b - o curso técnico de desenho e trabalhos manuais;
14) o governador poderá facultar a freqüência do curso técnico aos professores
normalistas em exercício;
15) para a referida freqüência, o estado pagará dois terços dos vencimentos do cargo
que exercer o professor;
16) findo o curso, o professor que houver recebido auxílio indenizará o estado da
metade, em tantas quotas de um terço dos vencimentos quantas forem necessárias;
17) o Executivo incumbirá o professor contratado de organizar o programa de desenho
e trabalhos manuais dos grupos escolares e das escolas complementares, correlatando-os com
o programa do curso técnico de desenho e trabalhos manuais da Escola Normal Catarinense.
Penso que, por tal forma, mutatis rnutandis, a União deverá realizar o projeto Fidelis
dos Reis, focalizado, de novo, na Câmara Federal, por José Bonifácio.
Missões temos tido para o nosso Exército, Marinha e Fazenda; tenhamo-las também, a
fim de que se torne uma grande realidade o ensino profissional no País, baseado na
aprendizagem de trabalhos manuais nas escolas primárias graduadas.
Como não temos técnicos, e improvisá-los para tal fim é perder tempo e dinheiro,
contratemo-los.
Já o famoso vate lusitano disse:
A disciplina militar prestante Não
aprende, senhor, na fantasia,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.
Elegantes e profundos versos que o utilitarismo americano resumiu na fórmula to
learn by doing, a que eu acrescento — fazendo certo.
A União, para encaminhar o ensino profissional sobre as bases seguras, deverá, se-
gundo penso, estabelecê-lo sobre sólidos alicerces.
Tal alicerce seria, a meu ver, a fundação de uma grande escola técnica, instalada de
preferência em cidade central do País, de vida barata e fora dos grandes centros de diver-
sões.
O curso superior da escola técnica seria precedido de um curso preparatório que,
entre outras disciplinas, ministrasse o ensino de desenho e trabalhos manuais, de conformi-
dade com os métodos americanos.
Quer o curso superior quer o curso de preparatórios seriam regidos por técnicos de
reconhecida competência, contratados em países cujo ensino profissional esteja mais em
evidência.
Foi o que fez São Paulo com a sua instrução pública, com a sua Escola Politécnica e
de Medicina. Foi o que fez o Rio Grande do Sul, se não me engano, com a sua grande
escola de Parobé.
O curso superior profissional seria organizado visando aproveitar industrialmente as
principais matérias-primas brasileiras, entre as quais a madeira, a borracha, as variadas
fibras têxteis, couros e peles, etc; o curso preparatório visaria ao desenvolvimento integral
dos métodos de Froebel, Montessori, Decroly, whittling esloyd.
Os estados enviariam anualmente, segundo as suas forças e as circunstâncias, os seus
normalistas mais distintos a fim de freqüentarem o curso preparatório.
Desse modo, em poucos anos, o ensino de desenho e trabalhos manuais, no País,
aproximar-se-ia dos princípios do sistema econômico e atuaria como elemento indispensá-
vel a educação econômica brasileira.
Eis em traços muito gerais, senhores membros da Conferência de Ensino, o meu
modo de pensar acerca do assunto sobre o qual gravita neste momento, felizmente, a aten-
ção dos nossos patriotas e estadistas, entre os quais, com a maior justiça, se destacam o
eminente governador, Excelentíssimo Senhor Doutor Adolpho Konder, e o preclaro presi-
dente, Excelentíssimo Senhor Doutor Washington Luís, a quem o ensino do meu estado,
São Paulo, muito deve, máxime as suas escolas profissionais.
A vista do exposto, concluo:
1) que o ensino de trabalhos manuais deve ser excluído das escolas primárias rurais;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
2) que nos grupos escolares, do 1
o
ao 3
o
ano, os trabalhos manuais devem consistir
em exercícios froebelianos, adaptados progressivamente e relacionados com o desenho,
segundo os métodos americanos;
3) que no 4
a
ano dos grupos escolares, a par da continuação dos exercícios de traba-
lhos dos anos anteriores, se adotem os trabalhos whittling;
4) que nos cursos complementares se adotem os trabalhos sloyd, em todo o seu
desenvolvimento;
5) que o ensino de trabalhos manuais, nas escolas do estado, em particular, e do País,
em geral, só tem correspondido ao sistema pedagógico, fugindo a finalidade do sistema
econômico;
6) que o estado pode, com grande benefício ao seu futuro econômico, tornar inteira-
mente profícuo o ensino de trabalhos manuais, contratando especialistas de reconhecida
competência para introduzi-los na Escola Normal Catarinense;
7) que a União, por igual forma, poderá fundar uma grande escola técnica, prece-
dida de curso preparatório, versando este, entre outras matérias, sobre desenho e tra-
balhos manuais de Froebel, Montessori e Decroly, para a freqüência dos normalistas
estaduais.
TESE 64
O CARÁTER DO ESCOLAR, SEGUNDO A PSICANÁLISE
J. P. Porto-Carrero
Universidade do Rio de Janeiro
rianças inteligentes, crianças estúpidas; crianças aplicadas, crianças vadias; crianças quie-
tas, crianças travessas — tal a classificação com que costumam os mestres distinguir os
seus pequenos alunos.
Estes são afeitos a matemática; aqueles, exímios na análise léxica ou lógica; outros
preferem a história e a geografia; uns têm boa letra, outros garatujam as escritas; há os
cuidadosos no traje e corretos nas maneiras, há os que entornam os tinteiros ou pintam
bonecos nas paredes.
A todos, porém, a escola antiga — que ainda é muito de hoje — submete-os a mesma
craveira. Cumpre ser inteligente, aplicado, impecável no proceder, não ter preferência por
esta ou aquela matéria e, principalmente, conservar na classe aquela atitude hierática que
só possuem, em regra, os faquires e as estátuas.
Em meio a coletividade, o aluno deve ser apenas indivíduo; não conversar, não olhar
fora do livro, não deixar o assento, até mesmo, as vezes, não tossir nem espirrar.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
C
Ora, já a psicologia clássica (Claparède, Binet, Rasmussen, etc.) havia estudado a
diversidade dos caracteres que a pedagogia dos aperrados se obstina em sujeitar a mesma
bitola. Modernamente, porém, a psicanálise de Sigmund Freud abriu novos horizontes para
o estudo dessas pequeninas almas a quem se tem erradamente buscado meter no sapato
chinês de métodos uniformemente absurdos.
AS CRIANÇAS QUIETAS
Não é do normal da criança a quietude. Sabe-se que o aceleramento da nutrição determina,
na criança, um dispêndio de energia motora excessiva em relação ao adulto, se não é que esse
próprio dispêndio, por contragolpe, estimule a construção e desenvolvimento do esqueleto e dos
órgãos. O metabolismo do cálcio, por outro lado, dirigido em grande parte para a osteogênese,
aumenta decerto a excitabilidade nervosa, tal como se observa na hipocalcemia dos adultos.
A mobilidade da atenção, a rapidez da percepção e da memorização, a ideação
fantasista, a motilidade, pronta e brusca, são apanágio da criança sadia. Mas, a par disto, se
o humor é equilibrado no estado hígido, a emotividade é sempre maior.
Essa maior susceptibilidade para as emoções — o que poderia chamar-se emotibili-
dade — deriva de serem inéditas ou quase inéditas todas as coisas da vida para a afetividade
infantil e da própria tensão instável do quimismo do neurônio nessa fase ativa de cresci-
mento físico e de elaboração da personalidade.
Resulta dessa maior emotibilidade que certos acontecimentos, banais para o adulto, se
fixam de maneira indelével na memória pueril, tão ativa e preensiva, e com eles se fixa
também a carga de afeto que acompanha a impressão.
Ora, como a vida infantil se passa no inconsciente, pela sua maior parte — falamos do
inconsciente na acepção freudiana—, e só aos poucos se vai formando o ego, parte principal
da personalidade, todos os fatos acompanhados de forte carga afetiva e desagradáveis, isto é,
contrários ao princípio do prazer, são recalcados para o inconsciente, tidos como esquecidos,
difíceis de serem novamente chamados a tona do consciente. Mas se não vêm a tona tais quais
são, como que projetam sua sombra no consciente toda vez que uma associação de idéias faz
reviver, ainda que de longe, o fato recalcado, o "complexo". Então, toda a carga afetiva que
acompanhou o complexo por ocasião do seu recalcamento e da sua fixação se demonstra
reproduzida qual era dantes; e o indivíduo, ante um fato atual, sem importância aparente,
repete o estado afetivo do complexo recalcado que esse fato, por ocasião, foi despertar.
Este é, em essência, o núcleo da teoria de Freud. Ele nos explica, maravilha, a gênese
dos tímidos.
Os Tímidos
Bem se compreende que uma criança atormentada de ralhos, premida de ameaças,
como esses pobres infelizes arre-burrinhos do lar, cabeças-de-turco da família, sinta des-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
pertar dentro do inconsciente, em todas as épocas da vida, o estado emotivo que a colheu na
infância, a vista do instrumento inquisitorial das punições domésticas. O olhar do professor,
a palavra em tom mais alto, a própria presença do mestre — representante da autoridade
paterna, que pune e maltrata —, até mesmo, por vezes, a superioridade física ou o instinto
de maldade de um colega, fazem que o pobrezinho reproduza a atitude, a angústia, a emoção
colhida nos primeiros castigos penosos.
Cria a criança para si própria um falso conceito de inferioridade; habitua-se a ser dos
últimos da classe, porque não tem ânimo para recitar corretamente a lição que antes bem
sabia; hesita em defender-se das falsas imputações, cria fama de incapaz, por pouca inteli-
gência; e acaba por tornar-se a chacota da classe e o responsável por todas as faltas de autor
ignorado.
O professor mal-avisado contribui para fixar cada vez mais, no inconsciente da crian-
ça, a lembrança esquecida da primeira chinelada, do primeiro ralho que a fez estremecer e
chorar. Os próprios triunfos eventuais e efêmeros do aluno são celebrados com ironia; uma
nota boa, que podia estimulá-lo, nunca lhe cabe; e a prova apresentada, acaso correta, é alvo
de todas as suspeitas e classificada inferiormente, ou é objeto de pesquisas amesquinhadoras
ou mesmo de punições.
Mas, segundo a concepção de Freud, têm raízes na sexualidade essas emoções capa-
zes de determinar traços de caráter. Tomada a sexualidade no sentido mais lato, no conceito
psicanalítico, sabe-se que o chamado complexo de castração entra quase obrigatoriamente
na gênese dos tímidos. Depois de Freud, sabe-se que já nasce a criança com instinto sexual
esparso, mal definido, cuja localização principal é a zona da boca, órgão que lhe dá o
primeiro prazer — o da sucção do seio lactante. Sabe-se, também, que o tato de toda a zona
cutânea proporciona sensações carregadas de afeto e que a zona genital, onde, para o
púbere, se localiza a maior parte da libido ou instinto sexual, já nos primeiros anos é tam-
bém fonte de prazer; não é rara a ereção, ainda nesse tempo, determinada pelo contato das
roupas, do leito, das mãos, do corpo alheio, assim como os casos de masturbação na pri-
meira infância têm sido anotados na literatura da psicologia sexual.
Ora, a curiosidade infantil cedo se dirige para a diferença dos sexos, percebida na
observação da nudez das outras crianças; e como é raro que os educadores tenham a lealdade
de dar ao pequeno a noção aproximada dessa diferença, a criança forja explicações fantásti-
cas, que residem, geralmente, num falso conceito de castração; é muito comum, ademais, que
os adultos lhe dêem em primeira mão esse conceito mentiroso, dizendo, por exemplo, que se
castram as crianças para fazê-las femininas; outras vezes, por gracejo ou ralho, ameaçam os
pais aos filhos com essa castração, de onde temerem os meninos que a conseqüência de
qualquer falta possa ser a queda do pênis ou a sua mutilação pelo algoz que finge educar.
A experiência psicanalítica nos tem ensinado que, de freqüente, as meninas esperam
que na vida adulta se lhes venha a desenvolver um pênis, quase sempre graças a evolução
do clitóris, não sendo raro encontrar-se, no sexo masculino, crianças que tenham igual
fantasia quanto as mulheres, a quem mais tarde vêm a temer.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Ora, esse complexo de castração é para a criança um verdadeiro duende, uma espada
de Dâmocles iminente ante qualquer falta, máxime ante as de caráter nitidamente sexual.
Tomando o aspecto de punição severa, em breve a emoção desse complexo se generaliza a
todas as punições; e como, pelo processo de recalcamento, o complexo se afunda no in-
consciente, a sua carga afetiva se faz sentir diante de quaisquer ameaças ou possibilidades de
castigo. Daí, a timidez do escolar, que é, apenas em embrião, a timidez do adulto. Ela é
compatível com a inteligência desenvolvida, até mesmo superior; mas corta as asas a toda a
iniciativa.
É por isso que o aluno hesita em dizer o que sabe, ou di-lo de maneira hesitante.
Por outro lado, a consciência de pequenas faltas não punidas fá-lo esperar, a todo
momento, a punição; e como punição é idéia fundamentalmente associada a castração, essa
espera do castigo indefinido por uma falta vaga traz a criança um desassossego contínuo,
uma perpetua angústia, como quem sente pesar acima da cabeça a nuvem tormentosa, na
iminência de desabar.
Esse sentimento de culpa gera, assim, um estado de necessidade de punição e leva a
criança a punir-se, quando não venha o castigo. O tímido torna-se assim desastrado.
O desastrado é diverso do travesso, que estudaremos mais adiante. Ele porfia por ser
quieto; não tem iniciativa para as travessuras; antes, sabendo que não deve cometer a falta,
diligencia por evitá-la, mas uma fatalidade impele-o e ele incide no erro. Não teria iniciativa
para, propositalmente, entornar o tinteiro; mas, ao molhar a pena, ansioso, entorna-o. E
depois, quando vem a punição, já o estado emotivo não se reveste de angústia; e, no fundo,
há certa sensação de alívio. Mas sai da experiência diminuído. Cometeu a falta e sente que
dentro de si há qualquer destino a impeli-lo, qualquer fado irresistível: é o complexo que o
governa, do fundo do inconsciente.
Há poucos anos, voltava da escola uma menina e, no bonde, dizia a companheira:
"Sinto-me, hoje, feliz como nunca; sinto-me tão feliz, que só me parece que vou morrer
hoje". Minutos após, descem ambas; a menina feliz comete a grande imprudência de passar
pela frente do bonde, para atravessar a rua movimentada por grande tráfego de veículos. Um
automóvel que ela não vira, mas que fora de suspeitar, apanha-a, atira-a violentamente a
grande distância, mata-a. É o destino, o fatum, determinado pelo impulso da necessidade de
punição. Por que estaria tão alegre aquela rapariga de quatorze anos, "entreaberto botão,
entrefechada rosa, um pouco de menina e um pouco de mulher"?
Dizei ao tímido que não deixe cair o lápis, que não se deixe apanhar pelo automóvel; o
lápis escapar-se-lhe-á da mão; ele parará indeciso, em meio a estrada, a espera do desastre.
Para a escola antiga, a queda do lápis tem como conseqüência o castigo já esperado,
desejado pelo inconsciente; e se a vítima do automóvel se salva, dirá que qualquer coisa a
fixou e prendeu em meio ao perigo. Essa qualquer coisa é o complexo recalcado.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Os Impassíveis
Mas nem só de tímidos se compõe a classe das crianças quietas. As tímidas sao
quietas porque lhes falta em grande escala a iniciativa, estando exaltada a afetividade; a
outras, falta-lhes iniciativa, mas a afetividade se acha embotada. São os autistas de Bleuler
ou os esquizóides de Kretschmer. O seu tipo é o pequeno "mosca-morta".
Vai aonde o levam, fica onde o deixam. Nada o comove, nada o abala. Punido, sofre o
castigo sem emoção; premiado, não mostra alegria. Repete como autômato os gestos que lhe
ensinaram, as lições que lhe meteram no cérebro. Por vezes, emperra: manda-se-lhe que se
sente, permanece de pé; que fale, permanece mudo; e as punições não o demovem.
Na aula, muita vez, quando interrogado, mostra-se alheio a olhar a mosca que voa, a
escutar o pregão da rua. Estimulado pelos ralhos, como que desperta de um sonho. Distra-
ído, leva, as vezes, largo tempo a tamborilar com os dedos na carteira, ou é surpreendido a
cantarolar baixinho.
Dá-lhe, outras vezes, para rir e talvez mesmo ria quando devera chorar, quando o
punem, por exemplo.
Introvertido, sonha acordado. Há uma idéia cujas associações ele segue, intimamente,
alheado ao mundo exterior; se, por vezes, demonstra alguma iniciativa, fá-lo movido por
essa idéia, que se prende originalmente a um complexo recalcado no inconsciente.
Esse complexo é, geralmente, a expressão da libido dirigida para aquele dos pais de
sexo diverso do seu: é o complexo de Édipo. A tendência afetiva do filho para a mãe e da
filha para o pai tem o seu fundamento na libido; é de caráter sexual. Logo, a censura
imposta ao inconsciente pelas noções de educação baseadas na organização social opõe o
seu veto a essas tendências. Esse veto, análogo ao tabu das sociedades primitivas, que,
ademais, tem a mesma origem, impede que a corrente de idéias se dirija para aquele alvo
proibido, na procura do prazer. Torna, então, o indivíduo ao período anterior da sua evolu-
ção sexual: ao narcisismo, a contemplação do próprio eu, ao amor exclusivo de si próprio;
introverte-se, segundo a frase de Jung, e alheia-se do mundo exterior, fugindo a realidade.
Por isso, segue, automaticamente, todas as sugestões que lhe não perturbem a marcha
do sonho; e opõe-se, negativista, as solicitações mais racionais, desde que possam interferir-
lhe na cadeia de associações da libido narcísica. Mas esse narcisismo não vence de todo o
complexo de Édipo: é antes refúgio, compromisso obtido com a censura das noções de ética
e de organização social que lhe vedam o atingir o alvo da libido — o genitor de contrário
sexo. E aí está porque, muita vez , esses apáticos se abrem em expansões carinhosas com o
pai ou com a mãe, conforme o caso: dão, ao menos por momentos, expansão a libido
refreada.
A um conhecemos a quem na escola deram a antonomásia de Mamãe, porque era esse
um dos vocábulos mais freqüentes nas raras frases que pronunciava. Contudo, era difícil
fazê-lo reagir contra a chacota; e ainda, quando atormentado pelos companheiros, nunca o
vimos chorar. Isolava-se no recreio; negava-se a tomar parte nos jogos, opondo
1 Conferência Nacional de Educação
— Curitiba, 1927
até mesmo resistência a compulsão física; ouvia, com aparente atenção, os contos de fadas e
as narrações dos colegas; mas quando acaso interrompesse o narrador com uma pergunta,
logo se notava que a atenção se lhe fixara em ponto muito atrasado do relato, quando não
em assunto de que já se não cogitava mais. Esse assunto tocava naturalmente o complexo
que o guiava na vida.
Os Sonsos
São quietos, também, os sonsos, os que "tiram a sardinha com a mão do gato".
Diferem dos tímidos e dos impassíveis em que, com afetividade presente, refreiam
periodicamente a iniciativa para poupar-se as emoções. A eles se aplica, exatamente, a
"ambivalência" de Bleuler, que Freud tão bem estuda e explica.
Feitos de ação e de repressão, obtendo o fim com um mínimo de dispêndio da energia
afetiva, pertence-lhes a astúcia, essa capacidade de agir sem sofrer.
A libido tem, para Freud, dupla polaridade afetiva; assim se explica que, na análise de
normais ou de neuróticos, se possa ligar ao mesmo objeto o ódio e o amor, o desejo e a
repulsa. Se o examinarmos bem, a negação do amor não é o ódio, senão o desamor, a
indiferença; amor e ódio, ódio e amor sucedem-se ou alternam-se, visando ao mesmo objeto;
se num a corrente segue o seu curso na esperança da vitória, no outro a resistência aumenta a
intensidade da carga afetiva, e esse excesso de carga transforma a ânsia da posse em ímpeto
de destruição. Tal como em electrologia, a voltagem excessiva queima os fios condutores; a
energia útil se transmuda em fonte de ruína. Exprime-se esse fenômeno pelo símile da
bipolaridade; é como se numa pilha elétrica se trocassem os pólos, continuando a passar, no
entanto, a corrente que, no caso, é ainda a libido.
O sonso ora é ativo, ora simula ser inativo. Como a ação lhe exija grande dispêndio de
afeto, ele se mantém calmo, atento, bem comportado. Mas o impulso que não tem saída pela
ação inverte a corrente e se muda em atividade inferior: ele trama na sombra, excogita,
planeja, fantasia; e quando se expande, fá-lo em condições que não lhe causem emoção, que
lhe não gastem a energia afetiva.
Tal que conheço furtou uma moeda a um colega e, embora arrependido, não teve
ânimo de restituir-lha nem de confessar-se culpado, quando era outrem acusado. Calma-
mente, escondeu a moeda numa anfractuosidade de muro e todos os dias a visitava, até que,
uma semana após, cautelosamente, a recolheu e gastou. Ninguém dele suspeitou, a não ser,
mais tarde, na vida adulta, o analista. O quietinho agiu com um mínimo de emoção;
arrependido, vendo a culpa recair sobre um colega inocente, refreou o impulso de confessar,
para não sofrer a punição da má fama e do castigo; ainda pelo desejo de poupar o afeto,
conteve-se durante uma semana, antes de entrar na plena posse do roubo; e apenas de posse
da moeda, transforma-a em compra, a fim de evitar que a descoberta do furto em suas mãos
lhe viesse causar choque emotivo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O sonso é, assim, bom e mau. Escapa as punições, aparenta um procedimento correto;
cuida das lições pelo temor da má nota, mas empregando sempre o mínimo de esforço;
recorre a cola, mas nega-a aos próprios condiscípulos; afeta doença, para livrar-se dos temas
difíceis; rodeia os obstáculos, para que se não fatigue em vencê-los, e quando, acaso, é
obrigado a enfrentá-los, é tamanho o gasto de energia afetiva que esta excede ao fim e,
polarizada negativamente, se transforma em vindita.
Sei do caso de um rapaz que se escusara de escrever, em aula de Português, uma carta
de repreensão, alegando dor de cabeça; obrigado pelo professor a fazer o exercício, escreveu
a carta, com efeito, mas endereçando-a ao nome de batismo do próprio mestre. Outro,
classificado, num fim de mês, abaixo de um colega com quem competia, rasga-lhe as
escondidas uma folha de livro, para impedir ao competidor o estudo da lição seguinte.
Se pesquisardes os complexos recalcados dos sonsos, dos dissimulados, haveis de
notar que é ele até certo ponto um narcísico, mas haveis de descobrir-lhe emoções remotas
de cuja lembrança ele busca fugir.
No caso do furto da moeda, tratava-se de um complexo de Édipo de grande intensi-
dade: o menino dormia no mesmo leito da mãe, que estava, a bem dizer, separada do
marido. Essa intimidade dera-lhe oportunidade de contatos excitantes e de aspectos não
menos eróticos, diante dos quais era forçado a reprimir a libido infantil. Embora, sob muitos
pontos de vista, fosse ele como que o verdadeiro esposo, pois que era o companheiro de
cama e mesa daquela mulher sem marido, contudo a sua libido esbarrava ante a censura da
idade e da organização social; e a criança, ingenuamente, representava o papel do marido,
sem as vantagens integrais.
Dessa maneira, continha o seu impulso sexual sob a aparência de menino correto; e,
as escondidas, cometia com criadinhas essas pequenas faltas parassexuais em que não raro
se exercitam os meninos.
Transferido tudo isso para as outras atividades não claramente sexuais, repetia ele na
escola as mesmas atitudes. Era-lhe defesa a iniciativa das travessuras, pela grande soma de
afeto que arrastariam, com o despertar do complexo da travessura sexual proibida (Édipo);
era preciso fazer o papel do quieto, embora, as escondidas, cometesse as pequenas perfídi-as
que, sem determinar emoção, lhe davam saída ao impulso íntimo.
Acontece com o sonso o mesmo que se dá com toda a gente, ante as várias proibições
— sociais, políticas, econômicas ou religiosas. O dever de guardar compostura moral,
hierarquia, respeito a fé impede-nos de cometer uns tantos atos a que nos impelem os
instintos; mas, por outro lado, revoltamo-nos contra essas proibições e infringimos todas as
leis, desde que possamos estar a coberto da punição.
O pobre admira o rico e odeia-o; o povo inveja o governo e deprime-o; o crente adora
a Deus e blasfema.
É dessa ambivalência que Freud faz derivar o tabu primitivo, comum a infância das
sociedades e a infância do homem, instituição em que o sagrado se mistura ao impuro. È tabu
o chefe da horda, como é tabu o pai na família: temido e respeitado, invejado e odiado.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Assim como, nas clãs polinésicas, há objetos tabus, assim também, na infância, os
órgãos sexuais são tabus: não devem ser tocados, porque tocá-los é feio e faz mal — são
impuros e são sagrados.
Essas proibições de ordem sexual recalcam a criança e esquece-lhes o objeto; mas,
esquecendo-o, transfere o complexo para objetos outros, generalizando. O sonso, mais do
que outro qualquer, teme a imagem sagrada, mas deseja-a; e podendo estar a abrigo do
castigo, viola o preconceito do tabu.
AS CRIANÇAS TRAVESSAS
As Naturalmente Travessas
A vivacidade é própria da criança, segundo já dissemos atrás; é conseqüência do seu
metabolismo, algo diferente do adulto, pois que as trocas anabólicas preponderam sobre as
catabólicas.
Mais próxima do selvagem do que o adulto civilizado, ainda não se lhe formou de
todo, no pré-consciente, a censura, esse instrumento frenador, composto de todos os tabus
morais, sociais, religiosos, que impede o livre curso a libido, que lhe deforma os impulsos
e lhe transforma o objeto.
No entanto, a pequena dose de censura obtida nos primeiros anos de vida já impõe
a sua tirania sobre o pequeno inconsciente. À sexualidade oral lhe foi oposta a ablactação,
logo ao cabo de um ano de vida; todos os substitutos do seio materno — chupeta, dedo
a sugar — lhe são, pouco a pouco, vedados; vedado o manuseio dos órgãos sexuais,
como a curiosidade de vê-los e entendê-los; vedados os desejos sádicos de morder, gol-
pear, destruir.
Mas todos esses atos se compõem de movimentos, e não podendo executá-los até o
cabo, executa-os abortados a criança, ou, pelo menos, transformando-lhes o objetivo.
Ama os jogos movimentados; e quando a virdes sossegada, a um canto, está
estripando bonecas ou anatomizando os brinquedos mecânicos, a ver o que lhes está
dentro. É, a um tempo, a manifestação da curiosidade sexual, transferida para objetos
outros, e a influência da fase analerótica ou sádica, que, não podendo satisfazer o seu
fim, desloca-o para outros alvos.
Querer impedir que a criança se movimente na carteira, que desvie dos livros a atenção,
que se levante a qualquer pretexto é exigir-lhe que recalque as tendências libidinais, em vez de
transformá-las; e assim outra transformação se dará no entanto, a custa darêverie mórbida e
da neurose. A defecação e a urinaçâo constituem derivativos sexuais para a criança, pois que
outra espécie de prazer não lhe podem dar as respectivas zonas erotogêneas; é natural pois
que, fatigada da posição uniforme da carteira, busque a criança licença para ir ao quarto
privado, ainda quando a necessidade fisiológica não seja premente.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O erro está em proibir-lho, sem mais nada; a maior parte das vezes, a simples movi-
mentação ou uma palavra de carinho bastam para desviar o curso da libido, sem prejuízo
para a pequena psique. É por isso que já a pedagogia clássica, empiricamente, recomendava
entremear de recreios e exercícios ginásticos o tempo das aulas. Freud faz notar a neces-
sidade que tem a criança da atividade muscular, de onde ela tira considerável prazer.
Divertimento, diversão, eis a necessidade da criança sadia e naturalmente travessa,
justamente para desviar-se, para "divergir" do alvo nitidamente sexual. Também para o adul-
to, a "diversão" afasta o mau humor e a angústia, que tem no fundo origem emotiva e sexual.
Os Perversos
A travessura reveste, por vezes, o caráter de malvadez. São, principalmente, os ani-
mais as vítimas encolhidas pelas crianças perversas e, decerto, os animais que lhes não
podem opor grande resistência, conservando-se passivos ante a ação do algoz. Não escapam
a sanha do perverso os companheiros mais novos e mais frágeis, nem mesmo os adultos,
uma vez que não estejam em condições de resistir (debilidade, surpresa).
Ora, para Freud, a crueldade é fator do instinto sexual. A censura, constituída aí pelos
sentimentos de piedade, respeito ou repugnância, ainda se não formou de todo nas primeiras
idades. "A criança é levada, geralmente, a crueldade, por isso que o aspecto da dor alheia
ainda não lhe detém a necessidade da posse, uma vez que só mais tarde se desenvolve o
sentimento de piedade." (Drei Abhandl.z. Sexualtheorie)
É com razão que se considera, até certo ponto, como precoce sexual a criança que se
compraz em martirizar a outrem; assim como, por meio dos carinhos, elas se satisfazem
com os pródromos do contato genésico, assim também o comportamento sádico representa,
nos pequenos malvados, a expressão de um dos fatores da libido — a crueldade.
Esse sadismo está singularmente ligado a fase de localização anal da sexualidade;
bem se compreende que, nessa fase, após haver deixado o narcisismo, a criança distinga na
sexualidade apenas uma atitude ativa e uma atitude passiva, sem diferença de sexos. A
tendência sexual possui, então, no mais alto grau, o caráter de agressão, e como a censura
lhe veda a satisfação mais nitidamente sexual, desvia-se para outros objetos o impulso, e
reveste, principalmente, a forma de crueldade, isto é, representa-se por um dos fatores
predominantes da atividade libidinal.
A crueldade infantil demonstra-se sob várias formas: umas, as que representam quase
diretamente o impulso sexual, outras que são simples maneiras associadas; entre as
primeiras está o bater nas nádegas, o enfiar alfinetes nas cadeiras, o apertar partes do corpo
da vítima, o subjugá-la, bater-lhe, feri-la ou fazê-la cair; entre as outras, o inferiorizá-la por
meio do ridículo, o danificar-lhe as roupas ou livros, o acusá-la falsamente, o corrompê-la
com histórias imorais.
É interessante notar que a mutilação feita aos animais — a cabeça as moscas, a cauda
aos cães e gatos — lembra necessariamente uma revivescência do complexo de castração;
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como que para fugir ao dúplice sentimento de desejo e temor da castração, o indivíduo
realiza-a mutilando os animais. O próprio gesto de ameaça de castração aos menores pode
ser assim interpretado.
Os Agitados
Os agitados são travessos em excesso, mas raramente com maldade. Na maior parte
do tempo, é impossível contê-los; quase sempre alegres, mas também, as vezes, irritados,
têm o gênio mutável, como se costuma dizer; facilmente passam do gracejo a ironia e desta
a invectiva; o humor é quase sempre exaltado, apenas o tônus afetivo varia: o seu afeto
segue alternadamente as duas polaridades: amor e ódio, alegria e cólera.
Por vezes, no entanto, se mostram reservados e desconfiados; a ira desperta-se-lhe,
então, pelo menor motivo; e cometem tropelias sem poder dominar-se.
Classifica-os a moderna psiquiatria como síntonos ou ciclóides (Bleuler, Kretschmer).
Contrariamente aos apáticos (esquizóides), estes não perdem o contato com o ambi-
ente, ainda mesmo quando se mostrem reservados, como que isolados. Há neles como que
uma caimbra afetiva, uma contratura do humor, toda vez que eles buscam, como de regra,
pautar o sentimento pelo ritmo do ambiente.
Neles se mostra bem a ambivalência dos sentimentos, a polaridade do afeto. A carac-
terística das suas travessuras é o tom alegre de que se revestem. Os movimentos são bruscos,
a fala é rápida, as trocas de vocábulos, freqüentes. São expansivos, por vezes excessi-
vamente francos, mas são, por outro lado, extremamente susceptíveis de irritar-se.
Entram na aula cantarolando, dando piparotes nos camaradas. Com pouca capacidade
de atenção, fazem os exercícios escritos com rapidez e com pouca exatidão. Os colegas lhes
querem, mas eles fazem muitos inimigos nos momentos de mau humor.
Precoces na vida sexual, afeiçoam-se com facilidade a outras pessoas; raramente são
homossexuais; extrovertidos, segundo a denominação de Jung, buscam no mundo exterior a
satisfação da libido, e neles prepondera o complexo de Édipo. Uma mulher — mãe, irmã ou
mestra — domina por completo tais meninos. Mas o ciúme é-lhes apanágio: a menor
desconfiança, encolerizam-se ou retraem-se; e, rancorosos, guardam, muita vez , até a vida
adulta, a revolta contra uma repreensão descabida.
Mais do que outras quaisquer, essas crianças carecem de amor e de carinho, para
serem educadas.
AS CRIANÇAS REBELDES
Os Impulsivos
Se os ciclóides têm suas impulsões na iniciativa, são, fora dessas, alegres e travessos.
Mas há os impulsivos de diverso caráter, que dificilmente se deixam levar pelo amor e pelo
carinho, que antes replicam com um gesto brusco a uma palavra amável.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Crianças de ânimo sombrio, peculiares nas maneiras e nas preferências, como que um
véu espesso lhes cobre a alma, e dificilmente pode o educador entendê-las.
Sao, na sua maior parte, os temperamentos epileptóides, denominados glischroides
por Mme. Minkowska — o que quer dizer viscosos, em virtude da sua afetividade concen-
trada, condensada, viscosa. Essa viscosidade, essa aderência, permite-lhes acentuado re-
tardamento afetivo, de onde resulta considerável aumento da tensão do afeto. É graças a essa
tensão exagerada que se produzem as suas explosões de ânimo, verdadeira descarga do afeto
acumulado.
O temor dessas descargas, que não se fazem sem formidável dispêndio de energia
nervosa, leva-os a evitar as causas de emoções sucessivas, que podem perturbar o equilíbrio
da sua estase afetiva; são, por isso, amantes da ordem, apegados aos seus objetos, ligados a
família, a terra, a profissão, aos preconceitos sociais e religiosos.
Vivem sua vida ansiando pela paz do ambiente e, por isso, odeiam as mudanças, os
progressos, tudo quanto lhes possa perturbar a calma e exigir aumento da tensão tímica.
Distinguem-se dos síntonos pelo caráter súbito dos seus estados irritados e porque a
sua aderência ao ambiente é, antes, fruto de um compromisso para poupança da energia
afetiva. No entanto, mesmo nos períodos de êxtase, não são indiferentes, como os
esquizóides; adaptam-se as anfractuosidades da vida exterior, aderem viscosamente ao
ambiente, contanto que não sejam obrigados a aumentar a intensidade das reações de
sentimento.
Traço característico lhes é o narcisismo, essa forma primitiva da libido voltada para o
próprio indivíduo. Preferem, por isso, ser reverenciados a prestar homenagem a outrem; e se
se mostram secos ou respondem desabridamente aos carinhos, é que desejam poupar-se a
emoção ou que o afeto dirigido para si próprio aumentou de tensão com asblandícias alheias.
Aos poucos, porém, percebe que o meio evolui rápido demais, para que possa ele
acompanhá-lo. Outros recebem mais atenção dos mestres, outros celebram triunfos, pois
que se não poupam as emoções. Tornam-se então intimamente revoltados; a aderência ao
ambiente começa a ser-lhes penosa, e concentram-se, mais viscosos ainda, até que um ato
de rebeldia lhes proporciona a descarga necessária.
É difícil, no momento atual, abstrair das causas orgânicas que possam intervir nesse
temperamento. No entanto, o cultivo do narcisismo e, talvez, os traumas emotivos do
complexo de castração entram — não negá-lo — na gênese desses rebeldes.
Os Emburrados
Entram, na sua maior parte, na classe dos esquizóides de Kretschmer, dos autistas de
Bleuler. Diz este (no tratado de Aschaffenburg): "O autismo é o exagero de um fenômeno
fisiológico. Há um pensamento autístico normal, que não presta consideração alguma a
realidade e que, na sua orientação, é dirigido pelos afetos".
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— Curitiba, 1927
O autismo é o responsável pelo caráter desses meninos emburrados, voltados para
dentro de si, que apenas diferem dos apáticos, já estudados, pela soma de iniciativa que
ainda possuem. Na esfera patológica, lembram a recente criação dos esquizómanos da
escola francesa, mas são normais, tanto quanto é permitido conceber a normalidade.
A eles se aplica o conceito de Jung sobre a esquizofrenia, cujo negativismo se faz
mais de resistência do que de ambivalência. São negativistas, mas o emperro e o emburra-
mento se demonstram mais patentes quando é necessário resistir a solicitação estranha e
desagradável ao Eu.
Narcísicos a seu modo, não raro se descuidam, porém, do traje, do aspecto externo
que possam oferecer ao ambiente; este pouco lhes importa, a não ser para dele tirar a soma
de prazer bastante para o equilíbrio das tendências.
Todos os conhecemos: a primeira contrariedade, a primeira recusa, ao primeiro con-
flito com o mundo exterior, retraem-se na concha, como o caracol. Emperram, calam-se ou
respondem por monossílabos; negam-se a andar, negam-se a comer. Toda violência empre-
gada contra eles é contraproducente; aumenta o conflito com a ambiência e intensifica a
reação negativa.
No entanto, não se isolam fora das crises; e, uma vez que lhes satisfaçam as fantasias,
não se negam ao contato dos circunstantes, antes buscam no meio quanto lhes possa ser
agradável. Chama-lhes Pfister centripetais, abrangendo nessa denominação outros traços de
caráter.
Não é exagerado, porém, esse centripetalismo; não são grandes egoístas, mas o pró-
prio fato de, por vezes, darem alguma coisa de si representa o desejo de maior retribuição.
Cumpre lisonjear-lhes a vaidade íntima, para bem viver com eles; contudo, não têm ex-
plosões de cólera nem atos impulsivos: isso seria um conflito fatal para o afetivo que eles
porfiam em manter.
Os Reclamantes
É a classe mais perigosa dos rebeldes. Cheios de si, amantes do seu Eu, são homos-
sexuais na sua maior parte, ainda quando não tenham realizado essa tendência.
Vê-los-eis rebelados contra ordens recebidas, reclamantes sobre notas e prêmios.
Falam muito de si e, naturalmente, dizendo bem: "contam vantagem", segundo a linguagem
popular.
Corresponde-lhe o caráter paranóide, feito de egocentrismo e fundado na resistência ao
reconhecimento de uma inferioridade derivada do complexo anal e, talvez, do complexo de
castração.
O analerotismo foi bem provado nos paranóicos por Freud, Ferenczi e Maeder e entra,
via de regra, na gênese desses reclamantes egoístas e ególatras, que encontramos até mesmo
entre as crianças.
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O erotismo anal, já o fizemos notar, dá a criança a concepção do instinto sexual com a
dupla polaridade — atividade e passividade, sem distinção de sexos. Essa ambivalência
favorece, de um lado, o sentimento passivo de inferioridade que o paranóide recalca e que,
por outro lado, busca contravir com a exteriorização de uma atividade fictícia.
Como sucede toda vez que o indivíduo resiste a uma fase da sexualidade, dá-se, como
conseqüência, a regressão a fase anterior, que, no caso, é o narcisismo; isso explica a
egolatria e o egocentrismo desses indivíduos.
Contudo, como lhes existe no íntimo aquele sentimento de inferioridade, e como a
homossexualidade, ainda que latente, prepondera, basta uma palavra mais severa para que se
lhes desfaça o aparelho de agressão; reconhecido no contendor o parceiro ativo, abdicam
eles próprios da atividade e entram a representar o papel contrário.
Esse é o segredo da vitória de muita frase enérgica, que representa menos a coragem
da autoridade do que a pusilanimidade do rebelde.
Os Teimosos
A teima representa, muita vez, uma falha da atenção ou da memória. A criança age,
então, automaticamente, a despeito da proibição que acaba de ser-lhe feita. Movida por um
impulso interior, talvez porque um complexo a impedisse de atentar na palavra do mestre ou
lhe impôs o recalcamento da idéia, continua a criança a praticar o ato vedado ou reincide na
falta, arrependendo-se, após, de havê-lo feito.
Os impulsivos, pelas razões expostas a seu respeito, podem ser levados a transgredir a
ordem dada, perseverando no erro.
Entre os emburrados, alguns são teimosos, pelo mesmo mecanismo já descrito; e os
esquizóides, em geral, podem cumprir atos estereotipados, determinados pelo seu próprio autismo.
O autismo normal faz-nos, muita vez, cantarolar um dia inteiro a mesma frase musi-
cal; e é bem compreensível que as crianças sejam vítimas desse mesmo fenômeno, que
desafia, por vezes, toda a censura.
É necessário estudar a origem da teima; nem todos os teimosos são iguais.
Os Distraídos
Da mesma sorte se explicam os distraídos, que em várias classes já descritas se po-
dem incluir.
OS MENTIROSOS
Não estamos convencidos de um caráter mitômano; antes nos parece que a mentira
infantil pode dar-se:
a) por impulsao, b) por timidez, c) por fantasia, d) por cálculo.
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Mentem por impulsao certas crianças, quando nem mesmo há causa aparente para tal
mentira; e se alguém lhes opõe contestação, firmam-se no que disseram.
É comum, na prática psicanalítica, ver o doente negar a idéia associada que lhe veio a
mente. Exprime, então, a idéia sob a forma negativa, ou empregando os advérbios não
nunca, etc, ou dando-lhe denominação oposta a verdadeira. Os analistas estão habituados a
ouvir essas mentiras; sabem que tal idéia tocou o complexo recalcado e que, do inconsci-
ente, veio representar-se no consciente, embora deformada pela ação da censura, sob a
forma antitética ou sob a forma negativa.
São assim as mentiras dos impulsivos, toda vez que, roto o seu equilíbrio afetivo, se
dá uma daquelas descargas tendentes a recuperar o equilíbrio.
Mentem as crianças tímidas, ou porque as emocione um fato associado ao complexo e
se lhes desperte do castigo, ou porque o estado de necessidade de punição as leve a acusar-
se a si próprias.
Mentem quase todas as crianças por fantasia. O autismo infantil, maior do que o do
adulto, leva a criança a invenções imaginárias, proporcionalmente mais ricas do que as
criações de arte do homem desenvolvido. Vede uma criança a brincar com um pedaço de
pau (o exemplo é de Bleuler) e a figurar no bloco informe as imagens mais variadas; um ho-
mem, uma casa, uma locomotiva... É a sublimaçao da libido que, desviada do objeto amado,
assim se transforma, por associações de idéias, em expressões permitidas pela censura.
Essas fantasias podem passar do domínio dos brinquedos para outros domínios, e a
criança conta um fato mentiroso como se contasse um sonho. Da mesma maneira que certos
sonhos causam a impressão da realidade, ao ponto de hesitarmos entre o seu caráter de
sonho e o de fato real, assim também a fantasiosa mentira infantil pode incorporar-se no
inconsciente, tomando aspecto de verdade.
Mentem também por cálculo as crianças, como os adultos. A civilização, "estufa de
neurose", impõe-nos uma série de mentiras, necessárias para transferir o impulso da nossa
libido, demasiadamente animal. Leis e costumes, códigos e convenções criaram essa censura
tirânica que nos produz a repressão, o deslocamento, a deformação, a transferência e quantas
metamorfoses por que passa a idéia, desde o seu nascedouro, no inconsciente, até o
transformar-se em gesto ou palavra.
É bem compreensível, pois, que a criança, embora ainda em evolução a censura, minta
por cálculo deliberadamente para atingir o seu fim libidinal, em obediência a atração do prazer.
OS MEDROSOS
Distingue Freud o medo, o pavor e a angústia {Jenseits des Lustprinzips). "A angústia
— diz ele — pode ser definida como um estado de espera do perigo, de preparo para o
perigo conhecido ou desconhecido; o medo exige a presença de determinado objeto que o
determine; o pavor é o estado provocado por um perigo atual, para cujo advento não se
estava preparado; caracteriza-o, especialmente, a surpresa".
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O medo infantil tem, para Freud, sua origem na ausência da pessoa amada. "Por isso,
aproximam-se dos estranhos com medo; e ficam medrosos na obscuridade, porque não lhes
permite esta ver a pessoa amada; só se lhes abranda esse medo quando podem tomar a mão
dessa pessoa". (Drei Abh. z. Sexualtheorie)
A angústia das crianças medrosas, assimila-a o mestre de Viena a ânsia dos amorosos
cuja libido não foi satisfeita.
Às vezes, o medo infantil toma o caráter de verdadeira fobia, como nos casos dos
pequenos Hans e Kurt, psicanalisados, respectivamente, por Freud e G. H. Graber. Um fato
desagradável ocorrido com um animal (grunhido, agressão), a simples advertência enfática
dos adultos sobre o perigo do contato com os animais ou ainda a assimilação que as crianças
podem fazer de certos animais com os pais (em relação ao complexo de Edipo) — eis o que,
na maior parte dos casos, pode causar essas fobias.
É interessante o paralelismo dessa assimilação com a instituição primitiva do totem,
que é sempre um animal sagrado, temido e venerado, odiado e respeitado e que nada mais
significa, afinal, do que a representação do chefe do clã, ou seja, do pai.
Não pretende este ensaio ser um estudo completo, nem mesmo uma classificação de
temperamentos, como está tão ao sabor da atualidade. Tomamos por ponto de partida vários
dos aspectos pelos quais se apresenta o aluno ao mestre e tentamos estudá-los de acordo
com a prática psicanalítica, com o concurso de obras da escola freudiana e com a referência
de psiquiatras modernos, embora não nitidamente filiados a corrente do sábio vienense.
Nove anos de estudo da psicanálise e quatro de prática do método de Freud autorizam-nos a
alguns juízos próprios.
CONCLUSÕES
l
1
) É necessário interessar o professor no estudo da psicanálise. Lidar com espíritos
infantis, sem lhes conhecer o mecanismo, é perigoso e improfícuo. A psicologia clássica não
basta para esclarecer o mestre.
2ºDada a profunda influência da sexualidade na formação e operação da psique
infantil, não é justo que a educação se furte ao lado sexual da vida e repila simplesmente
como imorais as manifestações e os conhecimentos sexuais. Urge fazer a educação sexual.
3º) A sexualidade já se vem formando antes do período escolar. É necessário que os
pais conheçam a teoria de Freud, de maneira que possam evitar aos pequeninos, tanto
possível, esses conflitos emotivos que vão constituir os complexos, fontes dos desvios de
caráter e origem das neuroses. E necessário vulgarizar a psicanálise.
4ª) Do que está exposto acima, se verifica que a diversidade de caracteres merece
educação diversa. Resumindo os caracteres, segundo o conceito tópico da localização da
libido — narcísica, oral, analerótica, genital —, que se tenha em vista o método psicanalí-
tico na educação desses quatro tipos, manejando-os diversamente.
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TESE N
a
65
A PSICANÁLISE NA EDUCAÇÃO
Deodato de Moraes
Associação Brasileira de Educação
A psicologia clássica tem nos ensinado que a capacidade humana se acha compreendida
nos . limites da consciência; fora dela, tudo é obscuro e intangível. Todos os nossos
podêres
mentais, bem como todas as nossas sensações e todos os nossos sentimentos, de nada valem se
não recebem a aura divina do consciente.
A consciência, juiz interior do bem e do mal, é a alma, contente ou descontente, de nossas ações.
Se nos sacrificamos ao dever, a exultaçâo da consciência nos indeniza; se o violamos, a consciência
triste nos faz de antemão pagar a transgressão...
Ditoso o culpado que atende ao brado salutar da sua consciência! O remorso pode repô-lo na
felicidade, reconduzi-lo a virtude pelo arrependimento. (Descuret)
Mas... a psicologia clássica vai perdendo, pouco a pouco, o seu prestígio. Leibnitz já
emitia e proclamava a idéia de que há energias e atividades mentais num plano estranho a cons-
ciência ordinária. Lewes chega a dizer:
O ensino dos psicólogos mais modernos é que a consciência forma uma pequena parcela do total
dos processos físicos. As sensações, idéias e juízos inconscientes são considerados como repre-
sentando papel importante em suas explicações. É perfeitamente certo que em toda volição cons-
ciente — todo ato é caracterizado como tal — a maior parte dela é totalmente inconsciente. É
igualmente certo que em toda percepção há processos inconscientes de reprodução e inferência
— há uma distância média de subconsciência e um fundo de inconsciência.
Mandsley acrescenta:
Examinai cuidadosamente e sem opinião formada as ordinárias operações mentais da vida, e com
toda certeza descobrireis que a consciência não ocupa a décima parte da função mental que
comumente se presume ocupar. Em todo estado consciente estão em ação energias conscientes,
subconscientes e infraconscientes, as últimas sendo tão indispensáveis como a primeira.
William Hamilton vai além, afirmando que aquilo de que somos conscientes é formado
daquilo de que não somos conscientes — que, com efeito, todo o nosso conhecimento é feito
do desconhecido e incognoscível.
Freud, autor da psicanálise, com a sua teoria tópica (câmara e antecâmara), dá a questão
um aspecto mais compreensível e, com a representação do seu aparelho psíquico, demonstra,
cientificamente e de modo irrecusável, a existência de três mundos mentais distintos: o inconsci-
ente, o pré-consciente e o consciente.
O inconsciente é, ele o diz, o psíquico em si mesmo e sua essência real. A ação do
inconsciente afeta constantemente, por meios múltiplos e sutis, a nossa vida quotidiana, nosso
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caráter, nossos julgamentos e nossa conduta. E notável a falência total de nosso pensamento
lógico e consciente que se manifesta nos fatos tão freqüentes dos nossos esquecimentos,
aparentemente inexplicáveis, nos lapsos de linguagem, nos erros de escrita, nas falhas de memória
e outras bizarrias de nosso espírito.
Em conflito permanente com os preceitos da moral e da lógica, inibida em seus movimen-
tos, regressadas as suas fases primitivas, reprimidas ou recalcadas no seu dinamismo e em sua
topologia, censuradas em seus efeitos, afastadas afinal da consciência sem poderem atingir o seu
fim imediato, as tendências inconscientes desfiguram-se e mascaram-se em processos conscientes.
E a maneira por que se estabelece esse "compromisso" é que depende, em grande parte, o
desenvolvimento e a harmonia mental do indivíduo nas fases ulteriores de sua existência.
Quando a transformação se efetua de acordo com as exigências da realidade exterior e
os ideais conscientes, ela representa um lucro formidável para o progresso da civilização e
da cultura. No estado normal, uma parte limitada das tendências primárias inconscientes sofre
uma modificação relativamente ligeira e aparece no adulto sob a forma de atividades sexuais
e outras; os processos puramente mentais que mostram, da maneira mais notável, as
características do tipo primário são aqueles em que a imaginação representa um papel
preponderante: sonhos e fantasias. Entre estes dois extremos encontram-se todas as transições
possíveis, entre as quais são de salientar os sintomas neuróticos — expressões diretas de
transformações incompletas e insatisfeitas e, sem dúvida, a solução mais inofensiva do conflito
sob o ponto de vista social — e a sublimação, onde os produtos da imaginação compensam
os desejos. No estado anormal, isto é, quando as exigências da realidade tornam-se duras por
demais, a ponto de a vida se transformar em pesado fardo, as atividades mentais da pessoa
manifestam uma tendência a regressar ao tipo primitivo, com todas as suas graves
conseqüências. A animalidade que domina nestes casos o indivíduo força a afastá-lo da
consciência social em benefício da própria coletividade.
Freud já demonstrou, com uma precisão impressionante, que um grande número de pro-
cessos mentais até agora incompreensíveis, tais os sonhos, a inspiração, a fantasia, os erros, os
lapsos, etc, estão diretamente ligados a afetividade inconsciente. O afeto apresenta, assim, uma
noção nitidamente quantitativa na doutrina da psicanálise. Ele não é, como entre os clássicos,
uma simples qualidade ou variedade dos elementos psíquicos; é uma quantidade variável,
deslocável, que pode se aplicar com maior ou menor aderência a tal ou tal sistema particular de
complexos, derramar-se muito desigualmente sobre as principais constelações formadas pela
sua reunião, passar de um a outro.
O que caracteriza, porém, a doutrina do sábio professor vienense é o fato de se verificar,
a medida que se penetra no psiquismo inconsciente, como sendo de natureza primitivamente
sexual a maioria dos complexos, mas de tal forma desfigurados na sua aparente significação que
é impossível compreender, e mesmo supor, o domínio que eles exercem na vida corrente.
Ora, a psicanálise, fazendo deslocar o poder mental da consciência para a inconsciência,
abre campo vastíssimo a indagações infantis as mais extraordinárias, indagações de um valor
imenso, sob o ponto de vista educativo.
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Realmente, a questão sexual, se prendendo a todos os atos infantis, constitui o espelho
onde se reflete o inconsciente, determina um caminho claro e firme a seguir, pelos pais e pelos
mestres, na adaptação do novo ser as exigências do ambiente. As várias tendências manifestadas,
ora num, ora noutro caso, facilitam o trabalho de guiar a criança de acordo com o princípio da
realidade, evitando os choques e contra-choques tão comuns na educação atual e de
conseqüências quase sempre funestas para o futuro.
Longe de serem reprimidas, recalcadas, substituídas, as tendências inconscientes infantis
devem ser orientadas, dirigidas, canalizadas.
Longe de proibirem-se e desviarem-se das crianças as atividades sexuais infantis, na
esperança ilusória de tornar sua vida assexual, longe de se continuar a mentir conscientemente
sobre este assunto, criando no incipiente espírito a dúvida, a ilusão, o desejo, a neurose, cumpre
ser honesto e leal e evitar toda excitação.
Embora de encontro aos preconceitos da época, é necessário dizer: qualquer que seja a
idade da criança, não lhe devemos mentir em matéria sexual.
O prejuízo, direto e indireto, que se causa a criança dando respostas mentirosas as suas
perguntas relativas a vida sexual, sob o falacioso pretexto de que é melhor adiar conhecimentos,
este prejuízo, dizemos, é incontestavelmente grande e deve ser considerado como uma das
principais causas das neuroses da vida ulterior. É bom, contudo, nada dizer sobre este assunto
as crianças enquanto elas não manifestarem o desejo espontâneo de saber, de indagar; mas,
desde que sua curiosidade é despertada e se manifesta por perguntas, mais ou menos desconfiadas,
deve-se invariavelmente ensiná-las com toda simplicidade.
Quando um pequeno, atingida a idade de quatro ou cinco anos, não faz referências es-
pontâneas as questões sexuais, deve-se desconfiar, porque é possível ter eleja logrado compre-
ender, na atitude dos pais, que é este um domínio de aproximação interdita; agora, mais impe-
riosa se torna a revelação, que exige grande prudência e fino tato.
A respeito da iniciação sexual na escola, é de crer, pelos motivos expostos, sereia mais
delicada do que se pensa, salvo fazendo parte do ensino de anatomia e de fisiologia. Sem
dúvida, o educador não deverá perder a oportunidade de fazer explicações individuais, mas
dirigir-se a classe seria de um efeito desastroso. Mesmo na iniciação individualizada, seria con-
veniente entregar o problema ao médico amigo da família, pois nem todo mestre terá o dedo
necessário para tocar em assunto tão delicado.
Freud acha que os sonhos são uma expressão disfarçada de processos psíquicos profun-
dos, extremamente significativos, revelações diretas, mas veladas, de desejos inconscientes.
Resultante de um compromisso entre a tendência do sono e o desejo, o sonho, em vez de ser um
perturbador, é um guarda, um protetor do próprio sono.
O sonho das crianças revela bem o seu duplo caráter de expressão de desejos e garantia
do sono. A criança que dorme com vontade de comer um doce ou uma fruta quase sempre
sonha que está comendo o doce ou a fruta apetecida.
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Os sonhos infantis são breves, completos, claros, coerentes, não equívocos, facilmente
inteligíveis. Verdadeiramente infantis são os sonhos que abrangem a idade até os 4 ou 6 anos, se
bem que, com este aspecto, se apresentem alguns sonhos entre as pessoas crescidas. A
deformação se observa, porém, muito cedo, havendo casos em que sonhos de crianças de 5 a
8 anos se apresentam com todos os caracteres dos sonhos mais tardios.
A nosso ver, não seria tempo perdido aquele em que os educadores fizessem observações
sobre os sonhos dos discípulos, pois estamos certos de que estes orientariam não só o estudo
dos desejos, das inclinações, das vocações, do caráter das crianças, como determinariam uma
aplicação menos empírica dos métodos e processos de ensino, tanto sob o ponto de vista físico
como intelectual e moral.
Outro campo vastíssimo de curiosas observações para a educação em geral é o da
simbologia.
Ligado aos sonhos das pessoas crescidas, constituindo mesmo fator de deformação de
grande monta, o símbolo é a alma da fantasia, dando-lhe vida e graça. O seu conhecimento leva
a conclusões bem mais precisas do espírito humano, conclusões dignas de atenção não só sob
o ponto de vista moral e social, mas estético, político, científico e mesmo religioso.
Nos contos, nos mitos, nas lendas, nas farsas, nas facécias, no folclore, isto é, no estudo
dos costumes, usos, ditos, provérbios e cantos dos diferentes povos, na linguagem poética e na
linguagem comum, o educador encontra fontes poderosas de fixação e de regressão de energias
sexuais que convém, a todo custo, evitar. É por isso que a psicanálise condena o uso milenário
de se darem as crianças os contos de fadas, as lendas, os mitos, tudo aquilo que possa despertar
as fontes hereditárias dos instintos sexuais. Por que, de fato, despertar a fera que dorme? Por
que abrir brecha para a fuga das tendências inconscientes? Não será preferível evitar a tentação
e o renascimento de impulsões já acalmadas pelo próprio princípio instintivo da realidade?
Diz o doutor J. Porto-Carrero:
A intervenção do maravilhoso, já nos fantasiosos contos de fada, jâ nas exóticas lendas do Papai
Noel e quejandas, faz que mais tarde o indivíduo espere muita coisa da parte do milagre, do
imprevisto, da providência divina, dos sortilégios e feitiçarias, dos azares do jogo..."
Todas as impulsões inconscientes podem ser orientadas, dirigidas para fins morais e lógi-
cos, de acordo com as necessidades do ambiente. É a isto que se chama sublimação.
A sublimação é, pois, o processo pelo qual a energia mental é desviada de certos interes-
ses primitivos, associais e indesejáveis, de impulsões sexuais interditas, para ser concentrada
sobre interesses não sexuais e socialmente aceitáveis e satisfatórios.
Se bem que a sublimação seja um processo inconsciente, isto é, se efetue sem que o sinta
o indivíduo, não deixa de ser verdade que ela pode receber influências do ambiente, isto é,
sofrer, em parte, a ação estimulante da educação.
Os instintos primários do inconsciente, embora indesejáveis a primeira vista, devem ser
considerados como os materiais brutos da vida, suscetíveis de darem nascimento tanto ao
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bem como ao mal, segundo a forma do seu desenvolvimento. O que importa é, assim, menos
a natureza da origem de uma tendência dada que a maneira de ser utilizada esta fonte de
energia.
Sob o ponto de vista educativo, a sublimação apresenta uma importância extraordi-
nária, capital: ela é o processo característico mais da mentalidade infantil que da mentalida-
de adulta. Toda sublimação que se produz na vida adulta não é senão uma fraca cópia do que
se passa, em vasta escala, durante a infância, sobretudo durante os primeiros anos da vida.
Longe de suprimir ou substituir tendências, cabe a educação utilizar diferentemente a
mesma energia, canalizando melhor os desejos e os interesses fundamentais.
A psicanálise demonstra que processos análogos aqueles que presidem as questões de
ordem geral, como, por exemplo, a escolha de uma profissão, dirigem interesses mais estreitos
e mais específicos da vida infantil. O gosto com que a criança estuda matérias como a História,
a Geografia, etc, e os resultados que ela obtém destes estudos dependem, em grande parte, do
aspecto por que lhe são apresentadas estas matérias pela primeira vez e da força de associação
destes aspectos aos interesses já existentes em seu espírito. Por outro lado, a dificuldade espe-
cial que um menino encontra em assimilar um assunto dado depende, muitas vezes, contrariamente
a opinião corrente, não de uma certa incapacidade que ele tem pelo assunto em questão, mas
das inibiçòes que, partindo de um interesse mais antigo com o qual o assunto formou uma
associação secundária, fazem com que a afetividade inerente aquele se encontre deslocada
para este, com todas as dificuldades e todos os conflitos que esta afetividade comporta. Daí se
concluir que um conhecimento mais completo dos interesses e das tendências das crianças é
suscetível de nos fazer entrever métodos de educação de vantagens duplas: a de nos permitir
ligar as tendências já existentes e a de permitir analisar os interesses primários, utilizá-los para
fins pedagógicos e sociais com uma eficacidade muito maior que aquela que se obtém com os
métodos empíricos atuais.
Debaixo deste postulado, a psicanálise resolve também o problema tão debatido do ensi-
no coletivo e do ensino individual.
Nosso sistema atual, que consiste em impor a todas as crianças, exceção daquelas mani-
festamente atrasadas, o mesmo adestramento intelectual, é talvez muito menos nefasto que nos-
so hábito, ainda mais inveterado, de impor, sob a ameaça de graves penalidades, uma regra
uniforme de conduta moral e social.
A experiência nos ensina, diz Jones, que as formas que a sublimação de uma tendência
pode revestir apresentam uma certa estereotipia e, como o número de tendências primárias é
limitado, segue-se que os resultados da sublimação devem parecer-se muito entre um grande
número de indivíduos.
Realmente, embora em teoria os efeitos da sublimação possam apresentar variações
infinitas, verifica-se, entretanto, na prática corrente, que vias análogas são seguidas num grande
número de casos, sobretudo quando o ambiente é o mesmo.
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O problema da reeducação é também resolvido pela psicanálise, e de maneira especial,
segundo se trata de um louco, de um pervertido, de um delinqüente ou de um indivíduo atingido
de outra qualquer tara moral ou social.
Três principais fatores intervém para imprimir a sublimação uma orientação boa ou má: a
força das tendências inconscientes originais, a intensidade das forças repressivas e as circuns-
tâncias exteriores.
Com relação ao primeiro, cabe dizer que, apesar de nos considerarmos impotentes para
diminuir a força das tendências primitivas, estamos em condições de impedir seu esforço e sua
intensificação ulteriores. A fórmula aconselhada é a seguinte: evitar a excitação em geral e as
excitaçòes específicas em particular.
Quanto ao segundo, cumpre que o erro, o mais geralmente cometido em nossos dias, é
o da repressão excessiva. Exige-se da criança, muito cedo e de maneira muito rigorosa,
conformar-se as regras de conduta e a maneira de sentir do adulto. Se se desse a criança mais
liberdade, se se tivesse com ela mais paciência, se se confiasse, enfim, mais em sua aptidão
em renunciar por si, progressivamente, aos hábitos infantis incompatíveis com nosso ideal da
vida adulta, seu poder de sublimação se exerceria de maneira mais eficaz e com menos
tropeços que atualmente.
O terceiro fator, constituído pelas circunstâncias exteriores, mais ou menos favoráveis a
sublimação, é o de menor importância para nós, embora aqueles que não se acham familiariza-
dos com a psicanálise o considerem de um valor capital.
Teoricamente, tudo parece fácil, mas sob o ponto de vista prático o caso se complica
extraordinariamente. De fato, é excessivamente difícil, senão impossível, prever a direção par-
ticular, entre tantas direções possíveis, que cada caso pode tomar. A direção vem, por assim
dizer, de dentro e não de fora; todas as vezes que se procura dar a sublimação uma orientação
diversa as suas naturais impulsòes, uma forte barreira se levanta a livre manifestação dos inte-
resses, dos sentimentos ou da energia. As circunstâncias exteriores tornam apenas possível um
grande número de direções; devemos respeitar, porém, as tendências, nos abstendo de uma
interferência ativa. É antes preferível permitir o desenvolvimento natural da sublimação, assegu-
rando-lhe as condições favoráveis, do que provocar esta sublimação por intervenção ativa e
tanta vez extemporânea.
Questões várias se resolvem na escola, levando em conta os princípios diretrizes da subli-
mação, e seria longo o tempo a ocupar em um simples resumo de tese na defesa da psicanálise
como ciência de alta relevância educativa. Longe não está, sem dúvida, o dia em que se exigirá
de cada pedagogo uma certa familiaridade com a estrutura e o modo de funcionamento do
espírito inconsciente; só este estudo dará um conhecimento bem profundo da alma da criança e
resolverá a contento uma série muito grande de problemas educacionais até hoje insolúveis.
Nesse dia se erguerá um monumento a psicanálise; e é para esse monumento que vimos hoje
trazer a nossa modesta contribuição.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
s
66
O ENSINO DA GEOGRAFIA — NECESSIDADE DE UMA
REFORMA DE PROGRAMAS E MÉTODOS
Renato Jardim
m congressos da natureza do que, sob tão promissores auspícios, ora se realiza na bela e
pitoresca Curitiba, idéias novas a serem examinadas, "comunicados" que instruam sobre
fatos não ainda divulgados e "teses" de cunho original devem ocupar as atenções. O "ensino da
Geografia" é assunto velho e por demais conhecido, e tão seguros se acham da excelência dos
seus programas e dos seus métodos os que entre nós o professam, que constituirá estranhável
ousadia, senão rematada estultice, formular, sobre matéria tal, tese com que tomar precioso
tempo a uma rápida reunião de professores a que sobejam assuntos a debater. Os programas
dessa disciplina estão, desde época remota, definitivamente traçados, e mesmo já cristalizados
pelo tempo os respectivos processos didáticos... Não há sobre a terra quem os desconheça e
não se ache habilitado para os bem aplicar; manuais por onde o ensino se oriente, em toda a
graduação escolar, enxameiam profusos em repetidas edições "corretas e aumentadas".
Que, pois, justifica trazer como assunto a esta conferência o ensino da Geografia?... É que
não é Geografia o que por tal se ensina nas nossas escolas.
De algum tempo a esta parte, algumas vozes esporadicamente se têm erguido contra o
erro palmar que longa e sistematicamente vêm cometendo os nossos cursos escolares, públicos
e privados, quanto ao "que" e ao "como" neles se ministra sob o pomposo nome de Geografia.
De nulo ou quase nulo efeito tem sido esse clamor. O próprio conceito — no magistério e fora
dele—sobre o que verdadeiramente seja a Geografia está por formar entre nós.
Sucedem-se os congressos de ensino e os próprios congressos de Geografia; advêm,
umas sobre outras, as reformas de instrução; discutem-se e remodelam-se programas; recrudesce
por toda parte, em refinado zelo, a propósito de todas disciplinas, o interesse pela metodologia;
e a concepção da ciência geografia continua em atraso de meio século; e os programas escolares,
nessa matéria, do mais elementar ao mais graduado curso, são ainda os mesmos com que na
infância ou na adolescência se defrontou o nosso sexagenário de hoje; e os compêndios em
voga, moldados por esses programas, retratam na orientação a que obedecem os manuais com
que os nossos velhos, nos bancos escolares de outrora, enfararam a Geografia; e o método de
ensino—de papaguear inúteis definições e de indigestamente decorar nomes sobre as páginas
de um livro ou sobre a superfície sarapintada de um mapa — é ainda e sempre o precioso
método que faz excelente professor de Geografia um semi-analfabeto.
Daí, dessa cristalica resistência do nosso errôneo conceito sobre a ciência geográfica e
dessa deplorável e pertinaz constância em absolutos métodos de ensino, a necessidade áoclamat
ne cesse, o imperioso dever para congresso da natureza deste, de agitar a estagnação em que há
meio século repousa a nossa Geografia escolar e de, por esse modo, cooperar para uma reforma
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
E
na orientação de programas e de processos didáticos, de promover a propaganda contra um
estado de coisas que, nocivo para o ensino, é, de mais a mais, vexatório para nós. Nenhum país
do mundo, seja Suíça ou Argentina, Estados Unidos ou França, Alemanha ou Japão, Suécia ou
Confederação Sul-Africana, dá guarida nas suas escolas ao que, por ensino da Geografia, nas
nossas se ministra...
DESAPREÇO PELA GEOGRAFIA
É conhecido o desprezo que entre nós existe pela Geografia como disciplina escolar, e é
esse desprezo explicável, senão justificável. Cada brasileiro não analfabeto teve a sofrero ensino
da Geografia nos bancos escolares. Enfartou-se da massa indigesta de nomes rebarbativos e de
indigestas definições. Ficou-lhe da Geografia o conseqüente enjôo pelo restante da vida e uma
falsa noção do objeto que ela estuda.
Apenas alguns espíritos com natural pendor para estudos geográficos conseguem mais
tarde vencer a repugnância que a escola por eles lhes criou e formar deles, então, conceito mais
verdadeiro. É geralmente em contato com outros departamentos da ciência — a Geologia, a
Meteorologia, a Etnografia, a Biologia, etc. — que descobrem eles e reconstituem a Geografia
que a escola lhes sonegou. São, no assunto, autodidáticos puros, em regra diletantes, de cujo
meio provêm os fundadores e mantenedores dos nossos "institutos geográficos", cuja existência
e cuja ação infelizmente não têm tido influência alguma sobre a orientação do ensino da matéria
no País.
Em tais condições, é natural o desapreço em que é tida a Geografia. Começa-se por
ignorar o que a Geografia é, qual o seu objeto, quais os seus métodos. Faz o resto a finalidade
com que se organiza o ensino no País — preparar candidatos as escolas profissionais superiores,
para o que importa pouco uma dose mais, uma dose menos de Geografia. No ensino secundário,
ajustam-se os programas a um antiquado e errôneo conceito do objeto da ciência geográfica.
No ensino primário, moldam-se eles, com redução da medida, pelos da escola secundária. As
próprias escolas técnico-profissionais não têm programa seu. Os nossos cursos comerciais —
que aliás não se livram ao prurido bacharelesco—utilizam na Geografia programas e compêndios
das escolas de preparatórios.
Cumpre, pois, reformar entre nós, sobretudo no magistério, o conceito da Geografia; com
ele, o ensino da matéria—desde o mais elementar—na orientação dos programas, nos manuais,
na processuação das lições. Será a reabilitação de uma das mais úteis e educativas disciplinas,
reduzida entre nós a coisa indigesta e perpetuadora de processos didáticos da escola colonial.
UMA LENTA EVOLUÇÃO
A Geografia, tal como hoje constituída, não surgiu de golpe, feita e acabada, como Minerva
da cabeça de Júpiter. Antes, é fruto de lenta evolução através dos séculos, apropriando-se ela,
para a integração do seu domínio, de fatos de toda sorte, desvendados por outros departamen-
tos da ciência no diuturno avanço das suas conquistas.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Se atentarmos para essa evolução, para determinado e interessante aspecto, teremos aí a
chave da questão, para nós ainda não solvida, da velha e nova Geografia. Referimo-nos ao fato,
visível em todas as etapas dessa evolução, da desassociação em que, lado a lado, se
desenvolveram os dois distintos ramos da ciência geográfica, a "Geografia Geral" e a "Geografia
Regional", entendidos estes termos na sua verdadeira acepção. Somente quando cessa essa
marcha paralela e antinômica e se fundem os dois ramos em um só tronco, surge definitiva a
Geografia, una e coerente, com as características de ciência autônoma, com o seu significado
completo e preciso, com os seus métodos próprios.
Não caberia aqui expor, ainda que em traços ligeiros, a evolutiva formação por que pas-
sou a Geografia através de milênios. Nem me perdoaria que o fizesse a longanimidade do audi-
tório. Digamos apenas o suficiente para tornar clara a distinção entre os dois ramos de
estudos a que vimos aludindo.
Postos de parte estudos de natureza astronômica entre os egípcios e seus predecessores,
relatórios de viagens entre os fenícios, é, tanto quanto se conhece, entre os antigos gregos que a
Geografia aparece. Homero, nas descrições dos seus poemas, Thales de Mileto e Ctesias, nas
suas obras imorredouras, Aristóteles, o gênio sistematizador por excelência, e, mais tarde, os
sábios da portentosa Escola Alexandrina faziamGeografia. Pois bem, desde esses remotos tempos,
duas divorciadas tendências se revelam nos estudos geográficos, concorrendo para a formação
dos dois aludidos ramos, correspondendo um aquilo que mais tarde se convencionaria chamar
"Geografia Geral", outro ao que se denomina "Geografia Regional", a primeira das quais, de feição
especulativa e sistematizadora, encarando o globo terrestre no seu conjunto e os fenômenos da
física terrestre na sua interdependência, e a segunda ocupando-se mais diretamente do homem e
do fruto da sua atividade, mas descritiva somente, de feição literária, por vezes recheada de fábulas.
Assim é que Heródoto, antes historiador que geógrafo, representa a tendência para a
Geografia Regional, meramente descritiva; Thales e Aristóteles, cientistas e filósofos, obedientes
ao senso de causalidade no encarar os fenômenos e tentando prematura sistematização científica,
representam a tendência especulativa e generalizadora do outro ramo.
Entre os romanos, cujo espírito utilitário e ação expansionista deviam influir principalmente
para o desenvolvimento do ramo descritivo, encontram-se, contudo, as duas divorciadas ordens
de estudos. Strabão representa a tendência para a Geografia Descritiva, enquanto que Ptolomeu,
embora quase se atendo aos assuntos de ordem matemática, corresponde a tendência para a
Geografia Geral.
Durante a Idade Média, a Geografia quase desaparece. Substituem-na "guias itinerários"
e narrativas fabulosas sobre estranhas ou mal entrevistas regiões. Apenas os árabes se ocupam
de assuntos dela, concorrendo — como aliás no tocante a toda a ciência — para a ressurreição
geográfica, recolhendo do rico espólio das civilizações passadas e condensando em fusos rela-
tos os conhecimentos colhidos nas vastas expedições através do Velho Continente.
Reaparecem, porém, no século XIII, os estudos geográficos, com eles as duas divorcia-
das correntes — uma representada em Rogério Bacon, outra na célebre narrativa de viagem de
Marco Polo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Nos séculos seguintes, de assinalado progresso nas ciências matemáticas, destas se bene-
ficia a Geografia Geral com a redescoberta da esfericidade da Terra, de conhecimento dos
gregos no século de Aristóteles; é, entretanto, o ramo da Geografia Descritiva que se desenvolve,
favorecida, sobretudo, do fim do século XV em diante, pelos descobrimentos marítimos.
Em meados do século XVI, aparece Sebastião Münster, gênio precursor da moderna
ciência geográfica, o qual, sob título de Cosmografia publica verdadeiro e valioso tratado geo-
gráfico, onde pela primeira vez se esboça, como por virtude divinatória, a fusão dos dois diver-
gentes ramos de estudos, da qual deveria, três séculos mais tarde, sair a Geografia dos nossos
dias.
A partir dessa época, acelera-se o progresso dos conhecimentos humanos, notadamente
nas ciências físicas e matemáticas. Surge o século de Galileu, de Kepler e Newton, de Torrícelli
e Pascal. Desenvolve-se a Geografia Matemática. Retomam-se as tentativas dos gregos de
medir as dimensões da Terra. Desperta interesse a Geografia Histórica. Reconhecimentos sobre
a África, sobre vastas regiões da América e do Pacífico fornecem os espíritos pesquisadores de
material abundante para os mais variados estudos. Deles se beneficia sobretudo a Geografia
Regional, descritiva. Contudo, exercitam-se concomitante e separadamente as duas
supramencionadas tendências. Em 1650, Vernardo Varenio publica o seu tratado Geografia
Generalis, concebido em vasto plano e sob o espírito de síntese, obra em que mais talvez que
na Cosmografia de Sebastião Münster se denuncia o propósito da "unificação" geográfica.
Não logrou, porém, o belo trabalho de Vernardo Varenio, como não lograra o de Münster, a
merecida repercussão, e — na expressão de Martonne — "a obra da renovação da Geografia,
cuja oportunidade parecia dever ser a Renascença, tinha fracassado"...
Mas precipitemos o nosso curto retrospecto.
No século XVIII são ainda a Geografia Histórica e a Geografia Matemática que progridem.
Corrigem-se erros dos "cosmógrafos". Prossegue-se nas investigações sobre forma e tamanho
da Terra. Surge a Geologia, cujos dados viriam trazer novo impulso a formação da nova Geografia.
Esta, porém, só se completaria um século mais tarde. Durante longo tempo ainda perdurará o
paralelismo das duas tendências, literária e especulativa, e a Geografia se desenvolverá
principalmente na sua parte mais abstrata, menos viva e menos "humana".
É no século XIX que se completa a lenta evolução. Organizam-se com amplos recursos
expedições sobre todas as regiões do globo, para pesquisas científicas de toda sorte. As ciên-
cias naturais têm a sua fase de maior e mais rápido desenvolvimento. Delas brotam novos ra-
mos. A Geologia desvenda segredos do passado da Terra e torna inteligível e cientificamente
explicável a fisionomia atual do globo. Ao mesmo tempo — e é de capital importância para a
evolução operada — surgem os ramos científicos que mais direta e especialmente se ocupam do
homem: a Antropologia e a Sociologia.
São agora profusos os dados geográficos de toda natureza, como que a aguardar o espí-
rito coordenador capaz de os erigir em vasta e una construção científica, realizando a obra antes
tentada por Münster e por Varenio. Esse espírito seria Humboldt. É ele quem concebe e aplica
aos estudos geográficos o método que destes faria "um todo coerente" e por qual se individuaria
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
a Geografia entre as ciências, íntegra e limitada no seu domínio. Em um certo sentido, é o sistema
de princípios do método de Humboldt que cria a síntese geográfica, e é com Humboldt que
desaparece o prolongado divórcio entre os dois ramos de estudos e que, pela fusão destes,
surge, acabada e definitiva, uma Geografia que as nossas escolas, em regra, ainda desconhecem.
Entre os princípios desse método se inclui o denominado de "coordenação geral", se-
gundo o qual o estudo geográfico de um fenômeno supõe "a constante preocupação de fenô-
menos análogos, que se podem produzir em outros pontos do globo". A observância desse
princípio coloca a Geografia Regional, até então meramente descritiva, sob o domínio da
Geografia Geral. Cessa com ele a autonomia dos dois ramos de estudos; com ele se completa
a lenta elaboração da Geografia.
A esse princípio se junta o de "extensão". Consiste este em "determinar a extensão dos
fenômenos na superfície da Terra". Por ele se precisa o ponto de vista geográfico no estudo dos
fenômenos, sejam eles da natureza física ou biológica, do domínio da Astronomia ou da Botânica,
da Física ou da Etnografia, da Geologia ou da Economia Social. Por ele se delimita o campo da
Geografia, distinguindo-a das várias ciências que a fornecem de dados.
O restante princípio é o de "causalidade", segundo o qual o estudo geográfico "não se
restringe a constatação de um fenômeno sem tentar lhe remontar as causas e lhe descer as conseqüên-
cias". Esse princípio do método viria dar ao estudo da superfície da Terra, quer se tratando nele de
fenômenos da "natureza morta", quer dos da natureza biológica, um cunho inteiramente novo. Por
ele, como que tudo que perpassa sob a observação, se transmuda em realidades vivas. Com ele,
a Geografia, sobre constituir estudo por excelência educativo, toma-se deleite para o espírito.
Com Humboldt, a Geografia Regional deixa de ser mera descrição literária, enxertada de
curiosidades locais ou enjoativa enumeração de acidentes, para se impregnar do espírito científico
e ser também "explicativa". Por outro lado, a Geografia Geral deixa de confinar-se na abstração
dos fenômenos matemáticos ou no exclusivo campo dos fenômenos físicos para abranger a
natureza viva, e nela, por principal objeto e centro coordenador de todo o estudo, "o homem
nas suas relações com a Terra"...
A obra de Humboldt, de larga repercussão no mundo dos naturalistas, não lograria imedi-
ata e pronta influência sobre os estudiosos da Geografia. Seguiram-se, porém, sob o seu fluxo,
os geógrafos que o secundariam. Ritter, orientado pelo método do mestre e cuja obra reveste
feição didática, embora sem a precisão científica daquele, dá o impulso decisivo para a implan-
tação nos meios geográficos da nova orientação. Seguem-se-lhe esses grandes nomes da Geo-
grafia: Reclus, Peschel, Ratzer e tantos outros.
Sepultava-se para sempre, com o século XIX, a velha Geografia. As escolas brasileiras,
em estranha pertinácia, rondam-lhe a sepultura...
A NOVA GEOGRAFIA
A Geografia hoje não é, pois, mera "descrição da superfície da Terra". Não constitui,
tampouco, mero exercício da memória na decoração de nomes de coisas ou na catalogação
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
delas. É, antes, um frutífero exercício da observação e do raciocínio, em que intensamente se
cultiva o senso de causalidade. Já não é um amontoado incoerente de dados que lhe ministram
vários ramos científicos: tem entre estes — tornada "descrição e explicação científica" — papel
próprio e original, qual o de, na expressão de Lespagnol, "por em contato os fatos que outras
ciências estudaram isoladamente e de recolocar no movimento da vida os fenômenos do mundo
físico e orgânico". Já não guarda ela, entre os vários ramos da ciência, posição secundária e
lateral; antes, constitui-se em necessário centro, e reserva-se-lhe, talvez, na economia deles,
tornar-se o órgão coordenador cuja ausência ora se faz sentir. Pela amplitude do seu objeto,
pelo espírito que reveste, por ser "a ciência da Terra e do homem", como que oferece ponto de
convergência e de apoio a que se venham ligar, em vasta e futura síntese, todos os vários ramos
de conhecimentos. Não repugna mesmo admitir que seja o campo que ela abraça — tal como o
definem e limitam os próprios princípios do seu método — o terreno mais próprio em que
assente bases a iniciação filosófica das futuras gerações de estudantes; e já no curso do liceu
francês alguma coisa desse gênero se esboça como remate do estudo de Geografia, sob o
sugestivo título de A Evolução da Terra e do Homem.
A "nova" Geografia não é o que por via de regra se nos depara sob esse nome nos
programas e nas lições das nossas escolas secundárias ou outras. Algumas definições — e
valham definições para alguma coisa — darão dela idéia bem clara.
Scharader assim a define: "A Terra modelada por um conjunto de forças naturais, o
homem reagindo sobre o mundo exterior, mas limitado em toda a sua atividade pelo desenrolar
dessas forças; tal é o domínio da ciência geográfica".
Ricardo Beltran encontra para esta definir a seguinte expressiva fórmula: "A Geografia é a
ciência que estuda, na superfície da Terra, o solo, o mar e a atmosfera considerados como teatro
da atividade do homem (ou da vida vegetal ou animal), com o fim de chegar ao conhecimento
das leis que regulam as relações do homem (ou do ser vegetal ou animal) com o ambiente físico
que o rodeia".
Lespagnol, em fórmula ainda menos concisa, assim a respeito se exprime: "A Geografia é
uma das ciências da Terra; descreve a fisionomia atual do globo, sob todas as suas faces, fisionomia
geral ou local, de que decorre o harmonioso de seus diversos elementos, físicos e vivos; o
homem nas suas relações com a Terra é o resultado, não o fim único das suas pesquisas. Este
estudo não é mais, como outrora, uma longa e fastidiosa nomenclatura de subprefeituras, de
afluentes, de cabos e baías, ou ainda uma espécie de exercício literário constituído de descrições
mais ou menos pitorescas; tornou-se uma descrição e uma explicação no sentido científico das
palavras; determina a causa dos fenômenos; explica as relações de causa e efeito, e esforça-se
por estabelecer assim as relações recíprocas de toda ordem, cujo encadeamento constitui a vida
da Terra".
Ralph Tarr define a Geografia Física: "O estudo das formas físicas da Terra e sua influên-
cia sobre o homem".
William Davis diz: "A Geografia trata das relações da Terra e os seus habitantes, especi-
almente entre a Terra e o homem". O manual de Schrader e Gallouedec adota definição pareci-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
da: "A Geografia é a ciência que estuda as relações da Terra e do homem". Martonne, na sua
Géographie Générale, assim a respeito se exprime:... "Em resumo, a Geografia moderna se
afirma como a ciência dos fenômenos físicos, biológicos ou sociais, encarados quanto a sua
distribuição pela superfície do globo, as suas causas e as suas relações recíprocas".
Essa é, traduzida nas fórmulas que aí ficam, a nova concepção da Geografia. Não di
ninguém em consciência que essa seja a que determina e orienta o que vai pelo nosso ensino.
PELO NOSSO ENSINO
Seria demasiado longo expor em minúcias todos os erros dos nossos programas e dos
nossos processos no ensino da Geografia.
Inspiram-se ainda aqueles, mais ou menos, na velha concepção que se traduzia na velha
fórmula: "a Geografia é a descrição da superfície da Terra". A metodologia em voga, desde a
escola primária, é a que nos legou a escola jesuíta dos primeiros tempos coloniais.
Faça-se exceção de um ou outro raro caso e é esse o quadro que apresenta a nossa
Geografia escolar. Os poucos professores que tentam romper com a tradição encontram sério
embaraço, senão obstáculos, nesses programas, nos compêndios que eles geram e até nos
regulamentos de exame, inspirados, eles também, no falso conceito da Geografia.
No ensino secundário — oficial ou oficializado, como para nosso mal é hoje todo ele e,
pois, uniformizado—os programas não conseguiram ainda romper de vez com o arcaico con-
ceito. A despeito dos brilhantes espíritos que regem as cadeiras da matéria no instituto "paradigma"
— de onde partem os programas para execução em todo o País —, estamos, no assunto, muito
próximos de onde nos achávamos há quarenta anos. Cumpre a esses moços, aos quais sobra
capacidade, mas dos quais nem tudo depende, resistirem, com mais resoluto ânimo, a força da
tradição e vencerrem-na.
A influência da orientação tradicional é visível nos nossos programas, métodos e manuais.
PROGRAMA, MÉTODOS E MANUAIS
Salta logo aos olhos a revivescência da velha Geografia na edição que entre nós ainda se
faz da Cosmografia a cadeira de Geografia.
Como de outros ramos científicos, a Geografia, é certo, recolhe da Astronomia certo
número de dados, mas para serem tomados no ponto de vista geográfico, passando eles desse
modo, ipso /acto, a fazerem parte integrante do objeto dela.
A Geografia, a despeito da vastidão do seu domínio, atém-se a superfície da Terra. Ocu-
pa-se dos mais variados fatos, mas no enquanto e no quanto interessam a vida de que é teatro
essa mesma superfície. Assim, por exemplo, a posição da Terra no sistema solar, a sua forma, a
obliqüidade do seu eixo de rotação quanto ao plano da órbita, os seus movimentos são fatos
que interessam a Geografia por serem causas de fenômenos que se dão na superfície terrestre e
por afetarem a vida de que é ela teatro, como sejam a diversidade de estações, a alternativa de
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
luz e sombra, a formação de zonas de diversas temperaturas e de diversas floras e faunas, de
diversas condições de vida. Mas por isso mesmo que tais fatos influem na fisionomia do globo e
concorrem para a formação do meio físico a que a vida no globo se subordina, são eles fatos
geográficos, embora a Cosmografia, sob diferente ponto de vista e diferente método, deles
igualmente se ocupe.
Para bem do ensino, essa anomalia recentemente desapareceu do curso do ginásio oficial.
Perdura em outros cursos.
GEOGRAFIA GERAL
Erro pertinaz e grave é o que respeita a Geografia Geral. Em regra, toma-se esta ex-
pressão que não é a própria. "Geral" não quer aí dizer "universal"; não se reporta propria-
mente ao mundo objetivo. Não se dirá com acerto que um estudo é de Geografia Geral
porque nele se abranja toda a superfície do globo ou a inteira superfície de um continente, o
que se verifica quando, com impropriedade, se estabelece em alíneas de um programa a
sinonímia entre "geografia geral do continente" e "descrição geral do continente". Geografia
Geral é justamente a que não é descritiva e sim explicativa, e diz-se "geral" justamente porque
nela se estudam os fenômenos no ponto de vista da "generalidade das leis" que a elas presi-
dem. O estudo designado por essa expressão é o que as vezes, por sinonímia e em se tratan-
do da parte física, se chama também Fisiograf ia.
O desacerto quanto ao objeto da Geografia Geral, isto é, quanto a significação da expres-
são, traz freqüentemente como resultado o eliminar-se dos programas matéria essencial, substi-
tuída por uma mal denominada Geografia Física meramente descritiva ou, antes, "enumerativa",
em que se passam em vista os acidentes físicos da região, em catalogação inútil, estudo em que
profusamente se aprendem "nomes" e não "coisas". Como fruto desse desacerto e por força da
tradição, sob o pomposo título de Geografia Física (a ser estudada em seis lições!) se ostentam
nos programas alíneas como esta: "nomenclatura geográfica", alínea essa que claramente induz
as definições costumeiras ("continente é uma vasta extensão de terra não interrompida pelo mar;
ilha é uma porção de terras cercadas d'água por todos os lados"); ou esta outra alínea: "os
continentes e mares", alínea que, assim expressa, evidentemente indica estudo descritivo. Não
é, como devera ser, a "física terrestre" o que os programas incluem sob o nome de Geografia
Física; não é, como devera ser, o estudo, no ponto de vista geral, dos fenômenos físicos que se
dão na superfície da Terra, na sua interdependência de causa e efeito, e encarados como fatores
do meio em que se produzem os fenômenos de natureza biológica e social, estudo esse que
pode e deve ser empreendido desde o grau mais elementar e com ele proveitosamente entreti-
dos os alunos da escola primária...
A par disso, não se libertam os programas, como não se libertam compêndios e professo-
res, da obsessão das "definições"...
Um autor americano pergunta, e com razão: "Por que será que todas as coisas se apren-
dem sem serem definidas e somente as da Geografia se aprendem pela definição?" E a pergunta
poder-se-ia acrescentar: e só se aprendem definindo-se?...
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A nomenclatura de toda ciência é aprendida sem um prévio catálogo de fórmulas
definidoras. A nomenclatura geográfica, essa, deve constituir um vasto curso em que se absorve
considerável porção do estudo geográfico e em que se põe a dura prova a memória verbal.
Nos mais recentes e melhorados programas do ensino secundário vem expressa a exigên-
cia das definições! Na escola primária, o melhor aluno — e o que mais fica sabendo de Geogra-
fia —é o que mais depressa decora meia página dessas fórmulas indigestas!
"O estudo geográfico — diz Schrader — abrange três ordens de fatos: as coisas, os
nomes das coisas e as relações que as ligam". Tal como geralmente a concebem e prescrevem
os nossos programas—e os compêndios que eles geram —, ensinar-se-á nesse estudo o nome
das coisas — e quando muito a situação delas no mapa —, não as coisas, menos ainda as
relações que as ligam. O ensino restringir-se-á desse modo a nomenclatura e a Cartografia, que
não são a Geografia...
Se essa a crítica de que é passível o ensino da matéria no curso secundário, pior é no
ensino primário. O que aí geralmente se ensina como rudimentos geográficos e o como se ensina
aberram por completo do objeto e do método da Geografia.
Programas ainda há — e professores que os executem — que, por obediência a uma
obsedante ordem lógica, começam pela torturante nomenclatura a aprender por definições;
prosseguem pela geografia matemática, árida e ininteligível, para terminarem pela catalogação
de acidentes e de nomes de países e cidades. Para tormento das crianças, despejam ainda as
livrarias sobre os bancos escolares contínuos milheiros de livrinhos, de ingrato aspecto material,
confeccionados consoante tal plano.
Programas mais recentes, e que se pretendem a última palavra pedagógica, prescrevem
como objeto da primeira lição da Geografia ... a carteira escolar. E absurdo que salta aos
olhos! A carteira em que se senta o aluno não é objeto geográfico. Cumpre este iniciar-se no
estudo da Geografia, mergulhar-se desde logo, sem indigestos preâmbulos, na corrente dos
fatos geográficos, despertando-lhe o interesse, como lhe apresentar um aspecto da Geografia
viva a que se venham mansamente encadear os mais; e não pretender, de arrepio com os mais
comezinhos preceitos pedagógicos, entretê-lo de início com a avaliação de distâncias e a
relação de posições entre pontos, que são coisas abstratas, além de inúteis como ingresso no
estudo rudimentar da Geografia...
A carteira — a frente, atrás, a direita, a esquerda... —, a distância entre os móveis da
sala, o tamanho desta, a localização do prédio da escola no quarteirão, o quarteirão na cidade,
a cidade no distrito, o distrito no município, o município no território do Estado, os limites do
distrito, os do município, os limites do Estado, de tudo, o levantamento de cartas... são as
primeiras alíneas de um programa para execução na escola primária! Dir-se-ia esta destinada a
formação de cartógrafos ou topógrafos...
O exercício de orientação que se quer aí obter — além de que seria prematuro — não
conduz a nada. Começar por avaliar distâncias infringe o preceito, tão em voga, "do concreto
para o abstrato". Distrito e município são criações fictícias, sem analogia com as divisões natu-
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rais geográficas. Entreter a criança com os limites territoriais do município ou do Estado é o
mesmo que lhe falar dos limites de uma província da China ou da antiga Mauritânia. Ela não os
concebe. Talvez não os conceba, de verdade, o professor que a instrui...
O preceito "do conhecido para o desconhecido" que se pretende ter aí seguido induziu
a erro a confecção do programa. Mais legítimos fatos geográficos com que iniciar um curso
infantil, com obediência aos preceitos do concreto para o abstrato, do conhecido para o
desconhecido, do particular para o geral, serão um monte, um ribeiro, uma praia, o vento, a
chuva, um porto, um mercado, uma via-férrea; serão um imigrado — evocando pela língua
que fala, pelo tipo que apresenta —, um país longínquo diferente do nosso, o mundo que se
estende acolá, movimentado, vivo...
Às alíneas a que acima aludimos — que pretendem obedecer ao preceito do conhecido
para o desconhecido —, que implicam a suposição errônea de que a criança vem para a escola
sem uma concepção qualquer de um mundo para além do trato de terra em que pisa, segue-se
a orientação pelo sol, com o reconhecimento dos pontos cardeais, o que incontestavelmente
implica a concepção de um todo geográfico, uma idealização qualquer da terra com tamanho e
forma, coisa que o programa, por princípio, afasta e rigorosamente veda a cogitação do aluno e
contém, assim, um absurdo.
Percebe-se nesses programas—programas evoluídos—o reconhecimento da necessida-
de de um estudo introdutório do curso elementar da Geografia. Tateia-se em busca da respectiva
matéria e respectiva orientação. Estas, no entanto, estão há muito achadas e se impõem, desde que
se mude a nossa errônea concepção da Geografia: são, uma e outra, as do chamado "curso de
lições de coisas" ou, como melhor o chamam os americanos, "estudos da natureza". É esse o
legítimo e hábil preparatório para o estudo geográfico. Fora daí, só erros se praticarão...
Para não nos alongarmos neste exame, digamos, para rematar, que esses melhorados
programas da escola primária diferem dos velhos apenas na parte introdutória. No mais, por
estudo geográfico, o mesmo arrolamento de rios e montanhas, de penínsulas e cabos, rematado
por uma notícia sobre a divisão política do Brasil, suas espécies de riquezas e os nomes das suas
principais cidades. Em regra, neles, o estudo geográfico, com indefensável erro, circunscreve-se
ao Brasil e, em exagerado regionalismo, cuidando quase que só de determinado Estado ou do
Distrito Federal, conforme a situação da escola a que o programa se destina.
Justifique-se com o perfunctório exame que aí fica, a asserção de que se impõe, como
inadiável necessidade, a reforma de programas.
Quanto aos compêndios em voga, obriga-nos o respeito a paciência do auditório a passar
rapidamente pelo assunto.
Não nos deteremos ao excesso de zelo a que, no suprimir o livro de classe, tem por vezes
conduzido a preocupação de combater o ensino livresco. O mal para o ensino — diga-se — não
está no uso do compêndio, senão no seu mau uso. A supressão dele, praticada por alguns profes-
sores e por algumas escolas, traz, além de outros, o inconveniente de cultivar o desabito do livro,
tão nosso e tao verberado. Um bom compêndio nenhum mal faz ao estudo da Geografia; ao
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
contrário, é-lhe indispensável. O compêndio não substitui o professor, nem mesmo no curso pri-
mário. A questão está em achar um bom compêndio. Para nós, seria questão...
Gerados pelos maus programas, os compêndios de que em regra dispomos em Língua
Portuguesa —já não falando da sua má confecção — têm todos os defeitos naqueles apontados:
a mesma errônea concepção da Geografia e dos seus métodos; a má divisão dos assuntos; exageradas
minúcias de dados astronômicos e de dados estatísticos; a ausência neles da matéria da Fisiograf ia,
que vale por metade da Geografia; a mesma catalogação de acidentes, grupados sob o critério de
classe (mares, golfos, ilhas, penínsulas, etc), as vezes sob o critério do tamanho (os mares que
banham a Europa são dezessete, três grandes e quatorze pequenos!!!). A par disso, a mesma
obsessão das definições, indispensáveis—diz-se—para a inteligência da Geografia...
Isso, no ensino secundário. No primário, o que ocorre só é pior. Em regra, o nosso
compêndio para o curso infantil é como que a redução fotográfica do livro destinado as classes
do curso secundário. Um deles há, resumo desse gênero, que tem enriquecido várias gerações
de editores e produzido a inevitável indigestão a várias gerações de crianças.
Em regra, quatro características assinalam os nossos livros de Geografia destinados a
crianças: formato pequeno, tipo miúdo, papel barato, impressão má. Tudo é o contrário do que
cumpria fosse.
O livrinho para o curso infantil deve ser de formato grande, para que neles se contenham,
com o texto, as cartas; impresso em tipo graúdo, para que a leitura se facilite; em bom papel,
para que comporte profusas e nítidas gravuras; de confecção esmerada, artística, para que se
torne atraente aos pequeninos estudantes.
Nesses minúsculos instrumentos de tortura que ora se oferecem a infância das escolas,
são, abaixo de toda crítica, a má escolha dos assuntos e o mau método de exposição. Abrem
pelas "generalidades", recheiam-se de classificações prematuras e de inúteis definições. Impera
neles o método regressivo. Abundam eles de assuntos abstratos, ininteligíveis, em que só a
memória verbal da criança se exercita, e tudo em estilo impróprio a livro de leitura infantil.
Se dos compêndios passamos a metodologia, geralmente seguida aos processos e expe-
dientes didáticos, ao como entre nós se ensina a pobre da Geografia, a impressão colhida não é
mais animadora.
Salvo honrosas exceções—que só confirmam a regra—ensinam-se pela memorização
de palavras de um manual ou mesmo de uma carta geográfica. Ensinam-se não elementos de
uma ciência; ensina-se a decorar. Decoram-se definições; decora-se a descrição de um rio com
todos os afluentes e subafluentes; decoram-se números estatísticos com precisão de frações;
decoram-se inentendidos algarismos de determinação astronômica, decora-se tudo...
No ensino primário, a nomenclatura com acerto se recomenda seja ensinada intuitivamente.
Isso, porém, raramente se dá. O tabuleiro de areia ou coisa equivalente de ordinário não se usa. Os
quadros murais, despreocupados de fidelidade a perspectiva, mas aproveitáveis no estudo das formas
geográficas; as gravuras, que devem ilustrar os compêndios, ou as projeções luminosas, em que cada
acidente se apresenta aos olhos, não são também utilizados. As definições decoradas ensinam tudo...
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Apregoa-se com freqüência — em tom enfático e em preconício de curso — o uso das
cartas. Tem-se mesmo, em regra, por coisa consagrada e por indiscutível doutrina que, se feito
com utilização do mapa, é bom o ensino da Geografia. Grave erro vai nisso. Nem toda a matéria
desta se tem que estudar em um mapa. Boa porção da parte mais nobre dela não se estuda com
o auxílio dele. Além disso, a própria utilização das cartas e, freqüentemente, mal conduzida.
Professores há que promovem a memorização de nomes de acidentes e de nomes de cidades,
não nas folhas do livro, mas na folha do mapa...
Acresce a isso que é necessário nos acautelarmos contra os símbolos; as vezes ocultam
eles as realidades a cuja representação se destinam. Já dizia Rousseau: "Seja em que assunto
for, sem a idéia das coisas representadas, os símbolos representativos não são nada. No entanto
—continua ele—restringe-se sempre a criança a esses símbolos, sem fazê-la jamais compreender
nenhuma das coisas que representam. Querendo ensinar-lhe a descrição da Terra, não se lhe
ensina senão conhecer as cartas; ensinam-se-lhe os nomes das cidades, dos países, dos rios,
cuja existência eles não conhecem senão no papel em que lhos mostram"...
Nada diremos dos exercícios cartográficos (úteis em certa medida e com limitado objetivo):
são, entre nós, com freqüência, meros exercícios de desenho, sem nenhum préstimo como auxílio
a aprendizagem da Geografia; são mera ornamentação do curso ou reclame comercial dele. Já
tivemos mesmo oportunidade de ver, em exposição de trabalhos escolares, belos desenhos
cartográficos executados por alunas que faziam o estudo da Geografia decorando, palavra por
palavra, as páginas arcaicas da geografiazinha de Lacerda ...
Não permitem as circunstâncias dizer mais longamente, em apoio da tese que nos permitimos
oferecer a apreciação, ao douto congresso de professores aqui em tão boa hora reunido: E
necessário, é inadiável, uma reforma de programas e de métodos no ensino da Geografia.
TESE Nº 67
O PROBLEMA DO ENSINO PELO ESTÍMULO
DO TÍTULO ELEITORAL DIGNIFICADO
José Pereira de Macedo
Faculdade de Medicina do Para
maior dificuldade para a solução dos problemas sociais está na maneira de os considerar.
Considerados isoladamente, qualquer dos problemas que atualmente preocupam o pen-
samento brasileiro, avultando o da alfabetização e o do voto secreto, e, como aspiração de
povo que anseia por maiores surtos, o da organização integral do ensino público e o do voto
feminino, qualquer um deles ficará insolúvel ou então, o que será ainda pior, mal solucionado.
Não é caso a precedência deste ou daquele problema. Se tanto fosse, nada mais seria
preciso que ordená-los na escala de maior urgência e, um por um, solucionando-os a medida
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A
das oportunidades. Efetivamente, é assim que temos procedido e é assim que estão sendo
encarados esses problemas. Mas este critério é falho, porque os problemas sociais filiados a
mesma ordem de ideais ligam-se entre si muito intimamente e de tal forma que, mutuamente
subordinados, entretanto, pairam num mesmo nível na seriação de urgência, dependendo muitas
vezes de fatores remotos aparentemente estranhos e que, na evolução dos seus fenômenos,
intervém a feição de força catalítica.
A tese que nos propomos defender refere-se a dignificação do título de eleitor. Parecerá
esta tese matéria estranha, descabida numa conferência de educação, mas é preciso atender que
ela abrange um grupo de problemas de instrução e de educação que lhe interessam muito de perto.
O seu assunto é complexo demais para ser tratado neste ligeiro trabalho com minúcias
que exigem, além de tudo, competência técnica em variados ramos de conhecimentos; por isso,
limitamo-nos as idéias gerais, bem entendido que, submetendo-as a consideração desta douta
conferência, não temos outro intuito que o de fixar um problema que deve ser maduramente
meditado pelos responsáveis das coisas públicas.
Em uma nação o que vale é a média da mentalidade do povo que a constitui. Os doutores
e um ou outro gênio, esporádico produto da natureza, por certo que servem extraordinariamente
para o levantamento moral e intelectual de uma coletividade, mas só com esses e fiados nesses
não pode viver um país.
Também pouco adiantaria o alfabetismo geral se fosse possível conceber-se de um dia
para outro toda a população do nosso vasto Brasil sabendo ler e escrever.
As vantagens da instrução primária não há negar. Mas o homem que apenas cursou uma
escola primária e, em seguida, se desinteressou das letras é quase tão analfabeto como o que
jamais lhe transpôs os umbrais.
Analfabetos e doutores, eis as duas classes em que se divide a população do Brasil.
Escapou de analfabeto é doutor. Ao indivíduo a quem o doutoramento é vedado se deixa ficar
analfabeto. É justamente essa média da mentalidade que constitui a força de uma nação; essa a
temos em grau lastimavelmente inferior em nosso país. Para a elevação dessa potência é que
devem incidir todos os esforços de quem quer que tenha uma parcela de autoridade.
Como, porém, atingir essedesideratum?
É claro que não será com a disseminação apenas de escolas, tampouco com reformas
mais ou menos retumbantes do ensino público e muito menos com a criação de complicados
aparelhamentos burocráticos.
O ensino secundário convenientemente estimulado, eis o problema.
O curso de humanidades, tal como ele existe atualmente, é defeituoso pelo duplo motivo
de ser excessivo para quem não se destina ao doutoramento, motivo pelo qual ninguém o faz
com o fim de se educar para a vida prática, e insuficiente como base para a matrícula nos cursos
superiores, e daí um novo problema tao sério como o do analfabetismo—o da incompetência
diplomada—, ainda mais difícil de solucionar.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Se realmente o mal do curso secundário consiste nesse excesso e nessa falta, no conheci-
do princípio de f ísico-química relativo ao deslocamento do equilíbrio de um sistema, poderemos
buscar um símile para demonstrar que, ampliando o ensino de humanidades e dividindo-o em
duas etapas, ter-se-á, com a modificação de um dos fatores do sistema, um resultado
diametralmente oposto sanando o defeito apontado. Assim, o curso em questão precisaria ser
dividido em duas partes. A primeira, por exemplo, de três anos, compreendendo as matérias
básicas, se destinaria a fornecer ao indivíduo uma cultura geral que o auxiliasse na luta pela vida
em qualquer profissão a que as circunstâncias o impelissem; a última, de mais três ou quatro
anos, completaria a cultura fundamental preparatória para os cursos superiores.
Na primeira parte ou etapa do curso secundário, que, para fixar idéias, chamaremos de
curso preliminar, o ensino seria o mais prático possível, visando sobretudo a educação do caráter
e a disciplina mental pelo desenvolvimento das faculdades de observação e de crítica, e constaria,
distribuídas segundo o critério pedagógico que melhor conviesse, das seguintes matérias: Língua
Portuguesa, uma língua viva estrangeira — das mais usadas, a escolha do aluno, atendendo-se
as circunstâncias dos recursos didáticos, e que poderia até ser facultativa —, Geografia Geral,
Corografia e Noções de Cosmografia, Aritmética, Álgebra, Geometria Plana, Desenho, Noções
de Física e Química, Noções de História Natural, História Universal e do Brasil.
Na segunda parte, seriam ministradas, com desenvolvimento, as matérias do curso
preliminar cujo aperfeiçoamento se fizesse necessário, como, por exemplo, o vernáculo; as
matérias do curso atual, acrescidas das cadeiras de Grego, Lógica, Filosofia, compreendidas
Psicologia e Moral, e Literatura, completando assim a cultura propedêutica necessária para o
prosseguimento proveitoso dos estudos superiores.
O curso completo seria ministrado em estabelecimentos que reunissem os requisitos ne-
cessários ao ensino eficiente, e bastariam, por muito tempo, os atuais — no Distrito Federal, nas
capitais dos estados e nos centros mais populosos.
Para o curso preliminar existiriam, além dos estabelecimentos de curso completo, estabe-
lecimentos oficiais equiparados, disseminados o quanto possível de forma a atender as necessi-
dades das populações mais afastadas. Este curso daria direito a um diploma que seria documen-
to obrigatório para a matrícula no curso completo de humanidades e seria o documento essen-
cial para o indivíduo se fazer eleitor.
E quem é que se daria ao trabalho de fazer um curso de três anos para se qualificar eleitor?
Vem a pêlo, aqui, o ensinamento admirável daquela simples parábola do lavrador que, no
leito de morte, recomendava aos seus filhos procurarem no terreno que lhes deixava o tesouro
nele oculto. Se o bom velho lavrador, reunindo todo o alento de que dispôs em sua vida, naquele
momento tivesse proposto explicar aos seus filhos as vantagens do trabalho insistindo no exemplo
de infatigável labor que lhes legava, não atingiria o magnífico resultado que obteve estimulando-
e«i diretamente a cobiça da vida regalada que daria o encontro da almejada panela cheia de
ouro. No caso desta parábola, o lavrador nada mais fez para assegurar o futuro e a felicidade de
seus filhos do que aplicar, no momento aportuno, os conhecimentos intuitivos que tinha da
psicologia humana, acenando-lhes com o descanso para levá-los ao trabalho recompensador.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A psicologia de um povo não se exalça muito além da psicologia do indivíduo. E é preciso
conhecer a do indivíduo para tirar dela o melhor partido. Mesmo dos seus maiores defeitos é
possível sempre colher alguma coisa de proveitoso.
Não há povo no mundo mais inteligente e capaz que o brasileiro. Não há também gente
mais desprendida e mais conformada com a sua situação. Daí o seu voluntário afastamento da
luta em que os interesses subalternos se chocam. A essa renúncia se podem dar quantas
interpretações se queiram, mas atribuí-la a falta de capacidade ou covardia, nunca. Desinteressa-
se da luta porque ela é desigual, e mais vale renunciá-la do que vencer em prejuízo da dignidade
humana, cuja noção lhe é tão instintiva como o altruísmo do seu incomparável caráter moral.
Vivendo na abundância e a míngua de educação prática, o brasileiro de quase nada precisa,
sendo proverbial o atrativo que para ele tem uma função pública qualquer. E esta em regra a sua
maior, senão única, ambição, como é este o seu maior, senão único, defeito, que urge aproveitar
para despertar para a vida útil esse formidável cabedal de energias latentes.
A parábola a que nos referimos não é brasileira, pois se o fosse seria muito possível que o
expediente do velho lavrador não vingasse. Ao exórdio do parente moribundo, os filhos teriam
provavelmente respondido com o seu definitivo e eloqüente "não paga a pena". O ouro nunca
foi e jamais será o estímulo para despertar a alma grande e valorosa do brasileiro, que não sabe
o que é canseira, sacrifício de haveres e da própria vida, quando está em jogo a sua dignidade
ou se trata de beneficiar a outrem.
Mas, se o interesse material não constitui motivo suficiente para provocar no brasileiro um
esforço para o seu bem-estar na vida, uma razão moral pode dele esperar o impossível.
Faça-se do curso preliminar uma questão de honra, dando-se-lhe uma finalidade que
possa ser compreendida pela massa inculta, e ter-se-á o estímulo, como o do brilho do ouro da
panela da parábola, para despertar as energias latentes da nossa valorosa gente na conquista
espontânea do diploma de humanidades, que não terá, por certo, para quem tome os incômodos
do curso, o objetivo de com ele ser melhor lavrador, melhor sapateiro ou melhor operário,
negociante mais esclarecido ou industrial com outro alcance. Não. O objetivo do curso aos
olhos da massa seria muito outro, o da conquista de uma situação que lhe daria um certo número
de prerrogativas vedadas aos que não o possuíssem, como, por exemplo, o ingresso no
funcionalismo. Não seria considerado capaz o indivíduo que não fosse eleitor. Não ser eleitor
importaria em não poder aspirar ao mais insignificante encargo público. Não ser eleitor constituiria
um vexame que nenhum pai analfabeto consentiria para o seu filho.
A disseminação dos estabelecimentos destinados a esse curso, a simplicidade nos processos
de matrícula, sem limitação de idade e isento das complicações atuais, a barateza, senão a sua
gratuidade, as aulas noturnas nos centros mais populosos seriam condições favoráveis a facilitar
a educação secundária em massa, extensível a todas as classes sociais.
Resolvido assim o problema de estímulo, cuja ausência seria o entrave—e poderoso—
para o resultado objetivado, pois a criação e manutenção dos estabelecimentos para esse fim
não importariam em tanto que escapasse das possibilidades do estado e dos municípios auxiliados
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
pelo governo federal, vejamos os resultados práticos que seriam de se esperar da aplicação
dessa medida:
a) levantamento do nível intelectual da média da população;
b) formação do escola intelectual;
c) interferência consciente do povo na política;
d) disseminação larga do ensino em todas as suas modalidades.
O curso de humanidades, deixando de ser apanágio dos que têm recursos e se destinam
aos cursos superiores, ficaria ao alcance de todos e teria uma finalidade poderosa a obrigar
maior número de cidadãos a beber-lhes os ensinamentos, cuja difusão, além de tornar cada um,
na esfera da sua atividade social, mais apto para a luta pela vida, elevaria o nível intelectual da
grande massa, abrindo, além disso, uma oportunidade a revelação de talentos de escola, que, por
falta de recursos ou mesmo de estímulo na tentativa das primeiras letras, se estiolam em proveito
das mediocridades vencedoras.
O ingresso nos cursos superiores, possível a maior número de indivíduos aptos a prosse-
gui-los, seria uma conseqüência natural dessa oportunidade aberta para maiores surtos a tantas
inteligências perdidas nas camadas inferiores da sociedade, ao mesmo tempo que a maior difi-
culdade na escalada da segunda etapa do curso de humanidades seria uma barreira oposta aos
indivíduos de mentalidade insuficiente e que, noutros misteres, poderiam ser elementos úteis a si
e a Pátria.
Dignificado assim o título de eleitor, o alistamento espontâneo substituiria a repulsa atual
por esse ato a que concorre mais ou menos inconscientemente a multidão analfabeta dependen-
te do oficialismo. Reformada a mentalidade do eleitor, poder-se-ia então cogitar do voto secre-
to, que, nessas condições, seria realmente eficaz, permitindo a interferência do cidadão na polí-
tica, realizando o princípio do governo do povo pelo povo, destinado de outra forma a perma-
necer letra morta no regime político que adotamos.
Para avaliar o número de tuberculosos existentes numa coletividade, está convencionado
multiplicar por seis o número dos falecidos, durante o ano, desse terrível mal. Esse coeficiente
foi adotado, naturalmente, após acurada observação e exprime mais ou menos a realidade
dos fatos.
Para cada indivíduo surgido da massa inculta com o curso preliminar, poder-se-ia avaliar
um coeficiente que exprimisse a disseminação das primeiras letras nessa massa.
Na disseminação da tuberculose, o flagelo tem a opor-se ao seu desenvolvimento a resistên-
cia do organismo e, não obstante, o coeficiente alcançado é desanimador para a humanidade.
Não seria o mesmo para a disseminação da instrução, que, no cérebro admirável de nossa
gente, encontraria o terreno propício ao seu desenvolvimento franco, e aquele coeficiente, aqui, poderia
ser tao elevado que a extinção do analfabetismo, de problema utópico de otimismo teórico, se
transmudaria numa realidade palpável, como uma conseqüência lógica do novo estado da mentalidade
popular, por uma espécied'entminementque os franceses usam para exprimir uma reação provocada
pela repercussão de uma outra anteriormente realizada e de que nos servimos, apesar do nosso
nacionalismo, porque poderia não ser levado a sério o nosso expressivo "no arrastão".
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Surge aqui um embaraço, mas somente aparente como procuraremos demonstrar, para
adoção da medida proposta que constituiria uma verdadeira revolução político-social.
Qual a situação dominante que ousaria desmontar a sua preciosa máquina eleitoral numa
aventura semelhante?
Respondemos. Qualquer uma, mesmo a mais indesejável a simpatia pública, porque a
revolução que sugerimos com esta despretensiosa tese é uma revolução pacífica, sem a menor
violência e sem o mínimo choque capaz de trazer qualquer perturbação na marcha dos negócios
públicos, sem perigo para quem quer que fosse, porque, obra do tempo, se realizaria
paulatinamente, sem o fervilhar das paixões que soem, em regra, macular a conquista liberal
obtida em transição brusca.
A situação que a pusesse em prática poderia, de antemão, ter a certeza de que os efeitos
do novo estado de coisas, por muito remotos, não lhe atingiriam. O espaço de tempo necessário
para a reforma da mentalidade eleitoral, aliás insignificante na vida de um povo, seria muito mais
largo do que a duração normal provável de uma situação que, a despeito de um ato de tamanho
liberalismo, subsistiria a sombra da própria máquina sobre a qual patrioticamente desferirá o
golpe destinado a desmantelá-la para a felicidade e grandeza da Nação.
Se uma situação que soube impor-se tem direitos adquiridos que se não devem ofender,
pela mesma razao se deve respeitar o direito dos cidadãos que, vivendo no regime vigente e
tendo perdido a oportunidade de se habilitar ao alistamento, nem por isso poderiam ser privados
das regalias conquistadas pela sua maioridade, e a estes, então, seria facultado um prazo mais
ou menos longo para salvaguardar os seus direitos, independente da exigência do curso imposta
a nova geração para a reforma da mentalidade popular.
São estas as considerações que ousamos trazer perante o critério da Nação, representada
por tantos e tão eminentes valores neste congresso, confiados de que a sinceridade que as ditou
será levada em conta a favor do humilde congressista que, por viver com o povo, pensou, talvez
mais com o coração, em benefício da multidão inculta da nossa terra, qualquer coisa que não é
propriamente sua, porque é uma aspiração que, em múltiplas formas, vive e palpita na alma brasileira.
TESE Nº 68
O CELIBATO PEDAGÓGICO FEMININO
Nestor Lima
Escola Normal de Natal, RN
muito mais grave e séria do que a primeira vista parece a questão do celibato feminino ou
da condição da mulher casada em face da educação e do ensino como profissão habitual.
Empenham-se atualmente para resolver o caso os mais circunspectos meios profissionais da
Alemanha e da Áustria, onde o problema das repopulações assume importância extraordinária e
muita urgencia.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
E
No Brasil, as soluções dadas pelos regulamentos oficiais não resultam do estudo acurado
das opiniões bem avisadas, mas se vão fazendo ao léu do sentimentalismo ou da aversão dos
redatores ou inspiradores dos decretos governamentais.
A lei da reforma primária de Minas Gerais só dá acesso ao magistério a professoras
solteiras ou viúvas sem filhos.
Estou informado de que outros estados brasileiros proíbem terminantemente as professo-
ras públicas o casamento, sob pena de perda da cadeira ou disponibilidade forçada... A ser
verdadeira a informação, está declarada a guerra ao matrimônio das educadoras oficiais, en-
quanto que, aos profissionais do outro sexo, ninguém se lembrou sequer de pôr-lhes restrições,
quanto mais de proibir-lhes as justas núpcias.
Mas também, se razões de sobra existem para aquela proibição, ao contrário, nenhuma
se invoca em favor desta última.
Alega-se contra o casamento das professoras que se não coadunam bem as atividades
simultâneas da casa e da escola, embora, num certo aspecto, elas se completem e integrem. E
não há dúvida.
O ideal da educação pública seria fazer desta o prolongamento da dos lares; e quem
melhor que as mães poderia educar a infância alheia, por virtude dos seus predicados naturais já
postos em prova na família e pelo exercício do magistério, que lhes dá o necessário traquejo e
perícia educativa?
Mas é que, a esse benevolente idealismo, opõem-se realidades muito fortes e
desconcertantes.
Não se poderá ser boa professora e, ao mesmo tempo, boa dona de casa.
Por mais diligente e laboriosa que a mulher seja, não poderá dar conta dos encargos da
família, cuidar dos filhos e do marido, dirigir empregados, enfim, a própria habitação, provi-
denciando a tempo e a hora acerca de tudo quanto é necessário a regularidade da vida do-
méstica, de que é ela o fulcro e o ponto central, e, por outro lado, preparar bem as lições,
dispor metódica e previamente o seu trabalho, fazer a escrituração da classe, estudar e ilus-
trar-se constantemente, comparecer a hora marcada, esgotar o horário, preocupada tão-
somente com o seu mister pedagógico, sem os sobressaltos e o temor dos chamados urgentes
e dos reclamos aflitos de casa, para ver o menino que caiu, ou que está com febre, ou que-
brou algum objeto...
E o pior é que, nas discussões de além-Reno, aparecem ainda mais graves alegações.
(VerL'Éducation, março, 1921)
O trabalho mental da professora esgota e destrói os nervos; assim, ela não pode contri-
buir para formar uma progênie sadia.
Os eugenistas afirmam que as mulheres que trabalham mentalmente são pouco aptas para
a "profissão maternal".
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Ao argumento da economia política, exigindo solução para a crise da natalidade nos pa-
íses saídos da guerra, cabalmente respondem as estatísticas da Áustria, segundo as quais 37%
das famílias de professoras não têm filhos e 42% só os têm um ou dois.
Por isto é que a Baviera impõe o celibato as suas professoras, muito embora a Prússia,
irmã, admita que a mulher casada, preenchendo certas condições, exerça o magistério dentro
do território prussiano.
De mais a mais, contra o casamento das professoras já se manifestaram a Sociedade de
Professoras Católicas Alemães, a Sociedade Regional de Professoras Prussianas e a Sociedade
Bávara de Professoras Católicas.
Na recente Conferência Estadual de Ensino de Florianópolis, foi ventililada a questão,
bem como no congresso de ensino havido em Belo Horizonte. Não sei, porém, quais as
conclusões a que chegaram esses conclaves pedagógicos estaduais.
No Rio Grande do Norte, não temos nada sobre o delicado assunto.
Ao contrário, a Lei n
2
405, de 1916, no seu artigo 224, autoriza conceder as professoras
em estado de gravidez dois meses de licença, que compreende o último que precede e o primeiro
que sucede o parto.
A Lei n
a
677, de 7 de novembro último, em seus artigos 14 a 17, desenvolveu o instituto
da licença especial.
Todavia, a prática dessa medida vem resultando francamente desfavorável ao ensino
público, sempre as voltas com as ausências das suas regentes, em virtude das licenças espe-
ciais e, a seguir, das comuns, que se requerem para completar a cura ou o restabelecimento
da puérpera.
Só no corrente ano de 1927, foram encaminhadas pelo Departamento de Educação nove
petições de licença especial, que, por sua vez, "independe de portaria, selo e emolumento", nos
termos do artigo 17 da recente Lei n
a
677, de 7 de novembro de 1927.
Teremos dado um passo avante? Ou teremos contribuído diretamente para prejuízos certos
e indeclináveis do ensino oficial?
O legislador potiguar não viu mal, é certo, o problema da proteção ao ventre e colocou-
se no ponto de vista humano e sentimental, embora com sacrifício, talvez, do público interesse.
E agora, que vem de ser concedido a mulher o direito do voto pela legislação eleitoral de
meu estado, e, pois, a perfeita equiparação dos dois sexos na ordem política, o problema deverá
ser novamente examinado, a fim de ser resolvido convenientemente.
O que a prática nos ensina, diária e diuturnamente, é que o exercício simultâneo das duas
funções — doméstica e pedagógica —, se não são absolutamente incompatíveis, são, ao menos,
prejudiciais a perfeição, a regularidade e a proficuidade de cada um deles.
Estará por isso a I Conferência Nacional de Educação?
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE Nº 69
A UNIDADE NACIONAL PELA CULTURA MORAL:
A EDUCAÇÃO RELIGIOSA COMO MELHOR MEIO
DE NACIONALIZAR A INFÂNCIA
Roberto de Almeida Cunha
Faculdade de Medicina da Universidade de Belo Horizonte, MG
enunciado desta tese geral comporta volumoso acervo de considerações. Deixemos a O
outrem, mais hábil, o lançamento das idéias que se referem a feitura moral propriamente
dita. Examinemos tão-sòmente quanto se prende a educação religiosa.
Ainda aqui, o campo é por demais vasto e dele só trilharemos um recanto: a unidade de
educação religiosa.
O caráter traduz, em última síntese, toda a complicada textura da psique humana.
Não preexiste a educação. Ao invés de formá-lo, afeiçoá-Io ao aspecto modelar do homem
bom é o verdadeiro escopo da educação moral.
O caráter se constitui de parcelas perfeitamente analisáveis, entre as quais avultam: a
hereditariedade, o temperamento moral, a saúde ou o temperamento físico, o meio, a educação.
É claro que nada podemos sobre as primeiras, rigorosamente atreladas ao destino de cada um.
O meio só lentamente poderemos influenciá-lo e, ainda assim, depende do aperfeiçoa-
mento da unidade humana que o faz, que o compõe.
A educação é, por conseguinte, no caráter, o que podemos livremente fazer, manipular.
Volvamos, pois, a esse problema o ápice de convergência de nossos esforços conjugados, a fim
de que, modelando uma educação brasileira, cheguemos, pela formação conseqüente do caráter
brasileiro, a uma coletividade homogênea—a sociedade brasileira.
A educação moral comporta a colaboração da família, sobre a qual só indireta e lenta-
mente poderemos agir; comporta o auxílio literário e cívico, que compete a escola primária, que
dele sabidamente faz o seu primordialdesideratum; comporta, entretanto, um terceiro e impor-
tantíssimo aspecto, que é a contribuição espiritual.
A indagação das coisas sobrenaturais não pode ser sopitada no espírito curioso da crian-
ça. Pesam fortemente nesse feitio infantil a hereditariedade e o meio. Desde que a história da
humanidade se transmite de ancestrais e descendentes, transmitem-se também a noção de Deus
e o modo de cultuá-lo. Não se conhece em toda a história do gênero humano um só povo que
se não ocupe de Deus e do culto que lhe é devido. Nos povos primitivos é essa quiçá a única
ocupação perceptível.
A guerra e a conquista revestem sempre o aspecto subalterno de exigências momentâneas,
principalmente de vingança a transgressão das crenças religiosas, centro máximo do interesse humano.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Em volta do mesmo culto formaram-se sempre as nações. A cisão religiosa foi, em todos
os tempos, uma precursora da cisão político-administrativa, como a unidade de crença, o segredo
das fusões de países próximos. A unidade italiana, repetidamente restabelecida após catástrofes
políticas, é excelente quadro para elucidação desta tese.
A unidade nacional espanhola está como valiosíssima prova concomitante. Fêz-se mister
a guerra religiosa dos crentes de Maomé para que as competições políticas, visando ao inimigo
da crença comum, se apagassem, juntando em uma só cabeça as coroas multipartidas da gente
espanhola. Que argumento teríamos para a imensidade territorial da China sem a doutrina
plurissecular de Confúcio, e como compreenderíamos a índia, una sob múltiplos e sucessivos
domínios europeus, se não conhecêssemos o budismo?
A reforma protestante fez, incontestavelmente, mais e mais fundos sulcos no mapa europeu
do que quaisquer outras causas das que vêm desde séculos limitando as nações.
No entanto, esquecidos da lição suprema da História, temos pirronicamente nos agarrado
ao laicismo do ensino primário, conduzindo virtualmente nossas crianças para o dispersivo e
desnacionalizante indiferentismo religioso.
Não é possível exagerar com pessimismo a responsabilidade que fica ao Estado de um tal
procedimento. Nenhum legislador moderno contesta que cabe ao Estado a educação de seu
povo, mormente na infância, quando se anula a capacidade aquisitiva individual. Compreender-
se-ia dificilmente, é verdade, mas poder-se-ia desculpar um governo que negasse escolas
superiores ao povo, deixando-lhe a criação a iniciativa particular? Suponho que, mesmo no
Brasil, há adeptos de uma tal doutrina. Menos passível de indulgência seria por certo o governo
que não provesse ao ensino secundário. Ainda aqui, no entanto, interviria, quiçá, o fator da
inclinação individual e do ai vedrio pessoal de cada adolescente. Não me consta, porém, tenha
sido cogitada sequer a atitude de assembléia governativa que deixasse de mão, ao alvitre de pais
proletários, a educação da infância.
E crime por demais nefando para que imputasse mesmo em hipótese a qualquer dirigente
de nação, semicivilizada que fosse.
Se crime nefando e horresco haveria de ser a ausência absoluta de educação da infância,
como teremos por lícito, já não digo louvável, o propósito deliberado de propinar educação
incompleta e claudicante?
Como formar-se uma inteligência negando alimento ao principal de seus mananciais? A
vida interior da criança é precisamente a que entra em maior porcentagem na amálgama que lhe
faz o caráter. Das cogitações a sós, na intimidade do próprio eu, o infante faz os nove décimos
do acervo heterogêneo de seu espírito. Faz-se mister cogitem os responsáveis por sua formação
em orientá-lo. E como pensar em fazê-lo, se o governo exige que não se toque ao menos no
assunto religião? Haverá educação moral sem religião? Não encontraremos esta afirmativa basea-
da em fatos historicamente incontestes. O inverso é o que deles se salienta. Assim sendo, a
premissa se impõe: ao Estado cabe a educação da infância; da educação é parte primordial o
sentimento religioso.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
É mister aceitar a conclusão que ressalta ao menos avisado: ao Estado cabe orientar o
ensino religioso, se quer preencher o seu papel de educador.
O ensino leigo é uma solução claudicante, astutamente preferida por legisladores incapa-
zes de encarar de frente o problema que lhes barra o caminho.
A um governo agnóstico melhor ficaria a impudente franqueza do governo mexicano im-
pondo uma religião governamental, com a Igreja manipulada a feição, ou a brutal imposição da
deusa-razão conseqüente a renúncia célebre do constitucional Gobel da França de 1893. À
inteligência perversamente penetrante dos legisladores de então não escapou a alavanca
poderosíssima da unidade de crença para meio de se consolidar a unidade da Pátria! Divorcia-
va-se, porém, o governo do seu povo, e escassamente dez anos mais tarde, no altar onde se
pretendera simbolizar em Mlle Aubry a suprema deusa-razão, pontificava solene Pio VII, bus-
cado em Roma pelo gênio incontestável de Napoleao, como selo imprescindível a quem se
quisesse pôr verdadeiramente a testa do povo francês...
A história repete-se, e é ingloriamente inapto para dirigir quem abandona a alavanca po-
tente da educação completa.
Como se fletiu nas mãos fortíssimas dos adeptos de Robespierre a alavanca religiosa
fixada em ponto heterogêneo da pedra angular da consciência dos franceses da revolução, há
de quebrar-se qualquer outra tentativa que se não apoie na alma do povo.
O povo brasileiro é, e ainda por muitas gerações será, católico, profunda e ardentemente
católico!
Faz-se mister, pois, que nesse alicerce se fundamente o edifício nacional!
Impõe-se a consciência dos nossos governos fixe aí a ponta da alavanca rija que, pela
unidade de educação, pela homogeneidade de feitio das consciências, conduza a homogeneidade
de sentir, a igualdade de pensar, a analogia de agir!
Em uma palavra, cumpre unificar a educação religiosa para alcançar a consolidação da
unidade da Pátria!
Não se trata de violar consciências. Em ciência pululam as controvérsias, e o Estado
nunca temeu escolher as doutrinas científicas que lhe apraz nos compêndios que adota. A
inteligência de cada um sobram meios para que, em tempo útil, se desvie no sentido que lhe
aprouver.
Ministrada a educação primeira, o adolescente se afastará da tutela oficial, no sentido que
preferir ou, antes, naquele em que o oriente a própria consciência, aliada aos fatores que a
influenciam. O que não se pode admitir é que o Estado perturbe o seu belíssimo problema
unitário pelo vão escrúpulo de forçar consciências que ainda se não formaram.
Tenhamos a coragem das nossas convicções!
Façamos o Brasil uno, preparando em diretriz segura os brasileiros de amanhã!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
s
70
SOBRE A NECESSIDADE DE PRESTAR ATENÇÃO,
NA ESCOLA, À EDUCAÇÃO DO CARÁTER, ASSIM COMO
AO CULTIVO DA PERSONALIDADE DA CRIANÇA
Maria Luisa da Motta Cunha Freire
Rio de Janeiro, DF
conjunto complexo de nossas tendências e inclinações inatas — patrimônio em grande
parte legado por nossos antepassados — constitui o nosso "caráter psicológico", que os
entendidos na matéria têm classificado e subdividido em numerosos "tipos".
É o que mais correntemente chamamos "o temperamento individual".
Oposto a esta organização natural—que em muitas pessoas não sofre a mínima interferência
da vontade, no decorrer de toda uma existência —, há o que alguns filósofos denominam "o
caráter adquirido", isto é, formado conscientemente debaixo de um influxo mais ou menos
poderoso da vontade, sobre a base das predisposições herdadas. Em resumo: este é obra da
educação, como o outro é fruto da natureza. É esse caráter, orientado para ideais determinados,
que mantém em dependência toda a vida do homem: seus sucessos ou naufrágios, seu credito ou
descrédito perante Deus e a humanidade. Força de síntese de toda nossa personalidade psicológica
e moral, o caráter representa unidade e clareza, onde tudo mais é multiplicidade e confusão: é a
coesão admirável, a íntima fusão e contínua cooperação da sensibilidade e do intelecto com a
vontade. Só com o apoio desta faculdade podemos converter em ação aquilo que previamente
elaboramos pela reflexão e pelo sentimento.
O estudo do caráter deixa infelizmente indiferente a maior parte dos homens; não só os
despreocupados de todo e qualquer problema de aperfeiçoamento, como inúmeros entre aqueles
que dedicam sua vida a pesquisas científicas ou de pretensão estética! Logicamente, não é
admissível o divórcio artificial estabelecido freqüentemente entre a procura da verdade, o culto
apaixonado da beleza e as noções mais rudimentares do caráter! Onde reside então a fonte da
probidade intelectual, do desinteresse do sábio, das grandes realizações artísticas e das mais
puras emoções estéticas?
No entanto, o testemunho eloqüente da História Universal aí está para provar o quanto o
progresso moral, através dos séculos, tem ficado aquém das maravilhosas conquistas do homem
no domínio da ciência! A cultura da inteligência — talvez pelo fato de produzir na criança
resultados mais prontos, revestidos quase sempre de certo brilho ilusório ou real — presta-se
mais para seduzir os espíritos superficiais de gerações inteiras, que lhe vão subordinando
cegamente a formação do caráter.
Esta missão — não obstante a forma de dever categórico que lhe têm conferido quase
todas as religiões existentes—não tem cessado de ser desprezada por pais indignos e professores
ineptos e, de maneira geral, por muitos sistemas condenáveis de pedagogia, ainda hoje em vigor.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
Nossa atual civilização vai se enriquecendo diariamente com magníficas contribuições do
saber e da arte. De tão apreciável benefício para a humanidade, decorre fatalmente um grande
mal para a juventude em particular: a acumulação de matérias nos programas escolares, cuja
elasticidade, pelo menos aparente, é prodigiosa! Qual o perigo dessa contínua inserção de novos
estudos? A mecanização evidente do ensino, afastado, cada dia mais, de um ideal centralizador
e eficiente, capaz de fecundar os conhecimentos transmitidos para a realidade da vida. Cerca-
dos de milhares de atrativos, tendemos hoje, mais do que nunca, para a dispersão do espírito;
possuímos neste século todos os meios imagináveis de especialização: científica, literária, artística,
industrial, comercial, mecânica e até desportiva!
E... a crise do caráter não deixa de ser um fato, um apelo alarmante a todos aqueles que
um interesse legítimo prende ao destino das crianças de sua época.
Na vida de todas elas encontraremos dois terrenos decisivos, onde são plantadas as
sementes que contêm em germe o futuro da criança; são eles: a família e a escola. A influência
preponderante de um ou outro destes fatores, para o bem como para o mal, eqüivale a promessas
infalíveis de vitórias ou derrotas vindouras. Há indivíduos que, até a sua última hora, se deleitam
em recordar a atmosfera benfazeja da casa paterna, ao passo que a mais ligeira reminiscência
colegial lhes causa horror. Outros existem para quem a escola simboliza, através de toda uma
vida. um lugar de refrigério espiritual, de reconforto moral, uma idéia de estabilidade e confiança
nunca experimentada no seio da família. De dados desta ordem, é fácil deduzir a manifesta
deficiência que reina, ora nos lares, ora nos estabelecimentos de ensino, descuidados tantas
vezes da única coisa que importa: o preparo da mocidade para a luta.
Se acontecer que ambos os lados responsáveis desprezem o dever de despertar na criança
a parte mais nobre de seu ser, abandonando-a a seus instintos ou corrigindo-a com brutalidade
e desamor; se a isto ainda se juntar o exemplo funesto da desarmonia ou dos arrebatamentos
incontidos de um professor na aula, o que se poderá esperar do caráter que se forma entre tais
ambientes? Melhor será consultar os juizes de menores, aqueles que se ocupam de delinqüência
infantil, conhecendo-lhe a fundo as causas complexas, tristíssimas e criminosas...
Se, ao contrário, fosse possível fazer uma estatística numa cidade ideal, onde pais e mes-
tres trabalhassem todos de pleno acordo, visando para as crianças os mesmos fins elevados,
deveríamos presumir uma notável elevação na média de caracteres bem formados!
A colaboração inteligente da família e da escola! Eis a condição primordial para alcançar
resultados duradouros em matéria de caráter!
A família, que abrigou a criança até o momento em que começa sua instrução pela escola,
que lhe conhece mais do que ninguém os defeitos atávicos, tem que dar a mão ao professor, sem
o que a obra deste será necessariamente incompleta. A obrigação do pedagogo deve repousar
sobre um conhecimento aprofundado da natureza humana — única base científica para a educação
moral. Cabe-lhe a tarefa de estudar com interesse e compreensão a atmosfera especial onde
vive cada aluno, as boas ou perniciosas influências que o circundam, para entrar mais esclarecido
em plena atividade, confiante na perfectibilidade moral do homem. Tirar desta o maior partido
possível é o fim sublime da educação.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O mestre que não for pessoalmente um caráter pouco ou nada alcançará A lição cristalizada
no exemplo vale por toda uma enciclopédia de conhecimentos teóricos! A bondade real, que não
exclui firmeza nem justiça inflexível em qualquer circunstância, o domínio de si próprio que transparece
na paciência e igualdade de humor; saber ver nas crianças, antes de tudo, a alma imperecível, sem a
mínima consideração de fortuna ou classe social, vencendo preferências ou antipatias arbitrárias: eis a
marca definitiva daquele para quem o professorado não é só ganha-pão, mas declarada vocação!
Quem não fica penetrado desta verdade ao ler o livro tão tocante de Ângelo Patn.Em Caminho da
Escola a"Amanha?i Com que sinceridade e singeleza este grande educador do povo,
emigrado italiano de origem humilde, nos descreve seus trabalhos de longos anos nas escolas mais
pobres de Nova1ºrque, freqüentadas por milhares de crianças: elementos heterogêneos,
descendentes de pais tarados, lançados no mundo sem o menor discernimento entre o bem e o mal!
Com que paciência e incansável labor operou este mestre pelo nobre ideal da cooperação, visitando
os lares mais despre-venidos, atraindo os pais a escola por meio de pequenas reuniões, nas quais
acabavam por ser debatidas as questões mais prementes relativas a criaa! Sua proverbial
bondade tanto sabia castigar como encorajar o menor esforço surpreendido na via do Bem!
Quanto lucraria a sociedade, se todos os que se destinam a educação de criaturas moral-
mente ainda amorfas soubessem compreender integralmente a beleza do seu encargo!
Os sacrifícios do magistério, como os da medicina, vão seguindo seu curso, deixando em
inconcebível indiferença o mundo, espectador ignaro ou, por outro, igualmente pervertido.
A ausência total de ideal torna inúmeros docentes incapazes de fazer desabrochar num
espírito juvenil desejos ou pensamentos dignos de cultivo; é deprimente a idéia de um professor
exclusivamente preocupado de dar conta do programa, como se centenas de crianças a ele
confiadas não passassem de máquinas mnemônicas ou receptaculos passivos de sua própria
erudição livresca!
Que perspectivas ilimitadas nos descortina a criança desde o primeiro despontar de sua
inteligência! Quantas possibilidades de expansão já oferece a sua atividade o jardim da infância
instituído pelo grande Froebel! Num quadro atraente e risonho, substituindo vantajosamente muitos
lares pouco favorecidos, cuida-se aí, em primeiro lugar, de ensinar-lhe a arte preciosíssima de
saber se ocupar! Com úteis e engenhosos passatempos, já ela vai perdendo o gosto de jogos
turbulentos e desenfreados, adquirindo estímulo para o trabalho e, o que é mais ainda, a noção
progressiva de sua utilidade no mundo. Por menor que seja a célula isolada num vasto organismo
produtor, não se deve desprezar sua modesta contribuição. Neste período elementar da formação
do caráter, os ensinamentos devem ter um cunho todo especial de simplicidade, banindo qualquer
sombra de dogmatismo; é preciso evitar tudo o que se assemelhe a lições decoradas ou fundadas
sobre preceitos teóricos. Associar a criança ao movimento prático das salas em que se reúnem ou
do jardim, fazendo-a executar pequenos serviços manuais, confiar-lhe um canteiro para cuidar, um
passarinho para tratar, tudo isto vai lhe incutindo método, interesse por coisas de aparência
insignificante e um sentido relativo de sua responsabilidade. Instigá-la a arrumar cuidadosamente
seus brinquedos e utensílios, zelando-os sem tocar nos que pertencem a seus companheiros, constitui
uma proveitosa lição de ordem que, ao mesmo tempo, vai lançando a semente do respeito mútuo
imprescindível em toda coletividade. Um defeito infantil, que tanto pode provir da ingenuidade
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
como do desejo de prejudicar, é a mania de enredar; já basta que tenha sido alimentada, bastante
tempo, por certos sistemas retrógrados de policiamento escolar, para que numa classe mereça ser
energicamente extirpada. Cumpre ao pastor de tantas almazinhas ainda incultas mostrar-lhes os
limites entre aquilo que vêem e devem repetir e o que não vale a pena de prender sua atenção. A
vida, por sua vez, se encarregará de provar-lhes que na criteriosa subordinação de coisas fúteis e
secundárias a outras, essenciais ao homem, também reside uma dose inconfundível de caráter. A
criança, em vez de espionar os companheiros, precisa tratá-los com simpatia, confessando, porém,
suas próprias faltas sem fugir da verdade. Não era sem razão que os antigos persas plantavam
nesta virtude a raiz de toda educação. Todos achamos que uma criança mentirosa é um monstrozinho
detestável; mas por que mente ela? Sem falar de taras hereditárias, a mentira na infância é muitas
vezes a conseqüência natural do medo. Quantos pais e quantos mestres, saltando as barreiras da
mais rudimentar educação, só sabem falar gritando e ameaçando! Crianças tímidas, nervosas e
impressionáveis requerem, neste sentido, tratamento todo especial... Basta um castigo injusto, uma
palavra má, daquela ironia felina que fere profundamente, para destruir numa alma sensível de
criança a confiança nos entes que a cercam, paralisando (o que á mais triste) suas próprias forças
no que elas tinham de melhor e de mais espontâneo! É, pois, uma direção segura que se impõe
para familiarizar com o amor da verdade o espírito infantil, desde seu primeiro indício de compreensão
moral. A mentira na vida se apresenta sob tantos aspectos habilmente velados: a lisonja sedutora,
as criações desregradas da imaginação, a mentira de circunstância (dita social), que nunca poderá
ser bastante combatida! Se, a princípio, é a feitura concreta do ato censurado que mais impressiona
o pequeno culpado, pouco a pouco ele irá procurando descobrir a verdade naquilo que vê e ouve
em redor de si, podendo até um dia tomar-se campeão militante por alguma grande verdade. Não
foi este o ideal de todos os mártires, os da fé, os da ciência, os do patriotismo? A pureza e a
elevação do pensamento já podem ser, igualmente, desde bem cedo, alimentados na criança; a
exigência do mais esmerado asseio exterior tem se manifestado um excelente meio para ilustrar
este conceito ainda por demais abstrato. O respeito de seu próprio pequenino eu só tenderá a
desenvolver-se sempre mais, se ela aprender a defender seu coração de manchas negras quanto a
mentira, a preguiça ou a má criação...
Uma das falhas típicas da denominada educação antiga é a tendência despótica do pro-
fessor ao nivelamento das classes, cortando, arbitrariamente, qualquer esboço de iniciativa pes-
soal. Ora, se agir é sinônimo de viver, e se a imaginação, faculdade predominante na criança, a
predispõe singularmente a criações de toda espécie, como legitimar a hostilidade de tantos
educadores contra o cunho individual revelado por discípulos diferentes do rebanho comum?
Nova miopia proveniente da rotina; esta tem o fito constante de isolar a escola, tal um campo
entrincheirado, contra qualquer influência extrínseca. O erro de não querer ver na escola (onde
o menino ou a menina passa os anos decisivos para a formação de sua personalidade) o traço de
união necessário entre a família e a sociedade só tem servido para aumentar no mundo a legião
dos náufragos, dos que não possuem vontade própria nem orientação definida! Corrobora, por
assim dizer, a obra de certos pais egoístas, que, confinados ao círculo exclusivo de sua casa,
entendem criar seus filhos não para a vida ativa, mas para si, sonhando para eles uma existência
sem nuvens, sem sofrimento, ao abrigo de todo perigo; pura quimera que, realizada, significaria
a repressão do caráter antes mesmo de ele poder revelar-se.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Se por alguns lados os sistemas modernos têm falido em terrenos insuficientemente prepara-
dos, é justo que colham os mais francos elogios em tudo o que diz respeito a promoção da iniciativa.
Como defender métodos livrescos num século que reclama antes de tudo ação, esforço próprio,
eficiência? Felizmente, muitos esforços já se vão generalizando para afastar o ensino corrente da
teoria árida e estéril. É assim que assuntos variados e exercícios livres vão tomando o lugar de antigos
temas obrigatórios, da mesma forma que o estudo das línguas vivas é completado por aulas de
conversação, o das ciências físicas e naturais por experiências de laboratório e ao ar livre.
Foi nos Estados Unidos, campeão da iniciativa mundial, que teve origem um movimento
interessantíssimo em prol da administração da escola pelos próprios alunos. O exemplo tem
sido seguido na Inglaterra, em partes da Alemanha, da Áustria e da Suíça, mesmo em Cuba,
sempre com evidente proveito moral para os interessados. A inovação mais típica neste regime
da school-city é a consulta a opinião pública, isto é, a toda uma classe ou ao colégio inteiro, em
questões referentes ao interesse coletivo. Ali, onde dantes pontificava o mestre, único representan-
te da autoridade consagrada, vemos um grupo de alunos, eleitos por unanimidade e investidos
de cargos respectivos, velando sobre a moralidade e a estrita observância do regulamento. O
fato de os piores elementos de uma classe também serem admitidos a votar e a dar seu parecer
tem alcançado resultados prodigiosos pela estimulação do amor-próprio. O princípio dominante
não difere em nada, aliás, daquele que serve de lema ao Exército de Salvação: "a reabilitação
dos culpados pelo próprios delinqüentes". Foi o mesmo que fez a grandeza de Roma como
colonizadora na Antigüidade e as lacunas da política alemã na Alsácia-Lorena.
Nos colégios onde vigora este sistema, é freqüente encontrar-se, por exemplo, um
conhecido adversário da limpeza exercendo conscienciosamente o posto de inspetor sanitário,
tal outro, desordeiro e rebelde, responsável pela disciplina de sua classe. Lindsay, um afamado
juiz de menores no Colorado, relata a este respeito incidentes dignos de nota: chegou até a
empregar uma quadrilha de jovens ladrões na defesa da ordem pública de uma cidade. Só quem
por longos anos lidou com meninos ou meninas corrompidos pelo lar ou já por natureza pode
calcular o valor imenso deste apelo dirigido a razão do indivíduo, as suas boas qualidades laten-
tes, ao seu ser superior. O sentimento de responsabilidade, inseparável da idéia de cumprimento
do dever, encontra neste regime estímulo ativo e constante. Nos múltiplos ensejos que a discipli-
na escolar oferece diariamente para provar o ponto de honra de cada um, vai se firmando, cada
dia mais, o domínio pessoal sobre as tentações da língua, da preguiça, da inveja, da cólera, da
insubordinação. É para lamentar que, nos países latinos em geral, ainda estejamos tão afastados
de semelhantes organizações, tao proveitosas a formação de caracteres e de bons cidadãos.
Nosso apego exagerado a antiquados métodos pedagógicos, sacrificando facilmente a atividade
a eloqüência, e nossa tendência social (comunitária, segundo o termo de Desmoulins), que consiste
em apoiar-se mais no grupo, na família, nos podêres públicos, na comunidade, enfim, sem contar
com o esforço individual, muito têm nos prejudicado até hoje em todos os sentidos. O século
XX irrompeu felizmente sob novos auspícios; fundemos, por conseguinte, novas esperanças!
No curso dessas considerações naturais sobre a influência manifesta da escola na vida do
homem, foi intencionalmente evitada a questão delicada das reações recíprocas entre moral e religião...
Não vem ao caso discutir a perfeita moralidade de inúmeros indivíduos que, pelo menos
oficialmente, não parecem religiosos; nem as falhas deveras deploráveis da conduta de muitos
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que professam assiduamente. O problema é o seguinte: qual é a influência do sentimento religi-
oso na formação moral da criança?
O homem que alia tão singularmente o espírito a matéria inclina, por sua dupla natureza, a
crença numa dupla predestinação; ensinar-lhe os meios de atingi-la constitui, de uma parte, o
objeto da moral leiga, de outra, o da moral religiosa. As noções isoladas do Bem, da Verdade,
do Belo e da Perfeição acham-se, pela Religião, admiravelmente sintetizadas na idéia de Deus.
Os atos, ora submetidos a sanção própria, ora a de nossos semelhantes, encontram no Ser
Supremo seu juiz infalível e consagração definitiva. A fé na estabilidade deste Deus infinito confere
a vida da criatura humana uma segurança extraordinária. O que nos autorizaria, pois, a privar a
criança, destinada fatalmente a sofrer e a lutar de mil maneiras, desse reconforto sobrenatural,
que não tem outro senão elevar suas vistas cada vez mais para o ideal absoluto? A célebre
Maria Montessori, apesar de sua atitude bastante neutra em matéria religiosa, reconhece
abertamente, numa curiosa passagem do seu Método de Pedagogia Científica, a inegável
importância do sentimento religioso na vida do homem, que, desde a infância, tem direito a este
precioso alimento espiritual.
Que vantagem não reside para a criança em aprender a admirar e a imitar o modelo vivo,
tão humano quanto perfeito, da pessoa de Cristo, a única que encarnou integralmente todas as
virtudes constitutivas de um caráter!...
CONCLUSÕES
Se, por um lado, a escola necessita absolutamente da colaboração da família na sua dupla
missão de instruir e de educar, tem ela, por sua vez, o estrito dever de promover a valorização
do indivíduo, proporcionando-lhe todas as garantias naturais e sobrenaturais susceptíveis de
armá-lo para a vida prática como para todo conflito interior. Corrigindo, na medida do possível,
as falhas vindas da natureza ou de certos ambientes domésticos, ela não deve esquecer que "o
mestre que só transmite conhecimentos não passa de um simples operário; aquele, porém, que
modela o caráter é um artista", e isto na mais verdadeira extensão da palavra...
TESE N
2
71
A IMPRENSA E A EDUCAÇÃO
Ferreira da Rosa
Colégio Militar e Pritaneu Militar
u bem sei quanto é difícil apresentar a um congresso pensamento que mereça atenção.
Contudo, inúmeros pensamentos se oferecem, sempre; e, em congressos de instrução e
educação, maior é o número de concorrentes que desejam apresentar idéias — cada qual a
mais honesta—e humanitariamente empenhados em ser úteis a coletividade.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
E
Eu devia ou, antes, podia ficar tranqüilo no meu canto final, esperançado nas conclusões
deste congresso em que alta espiritualidade se reunirá, e grandes esforços far-se-ão pela felicidade,
pela dignidade do Brasil. Entretanto, abalanço-me. Afoito-me a intervir, só porque julgo oportunas
e de oportuna vulgarização idéias que sustento com um real e vivacíssimo interesse: o de chamar
a atenção pública para o maior inimigo da perfeita e harmônica educação nacional.
O problema da educação é antigo. É problema permanente. Já teve muitas soluções e
outras muitas terá. As condições da civilização mudam freqüentemente alguns de seus dados,
mas o x é sempre o mesmo: Como educar as gerações de educandos que hão de ser educadores?
Têm se sucedido alvitres, métodos, sistemas, doutrinas, conferências. Uma literatura
vastíssima, respeitabilíssima pelo que representa de amor ao assunto primordial, espalha-se há
muito por livros, revistas e jornais.
É o pai, é a mãe, é o professor, dizem; são os três, alternada ou simultaneamente, dizem, que
educam a criança, o adolescente, o moço, incutindo-lhes noções de afeto, de cordialidade, de
disciplina, de deveres; são eles que ensinam a amar, a respeitar, a brincar, a estudar, a progredir,
guardado acatamento aos direitos do semelhante, educado nos mesmos ditames da mesma moral.
Sim. Serão o pai, a mãe, o lar doméstico. Todas essas entidades têm sua função
proeminente, incisiva no trabalho de formar o caráter do cidadão.
O educando ou educanda recebe desde os primeiros passos, desde o balbuciar das
primeiras palavras, desde as primeiras manifestações da sua vontade, a lição benéfica da
experiência dos seus maiores — criadores, educadores —, interessados pela conservação da
sua saúde, pela graça de seus gestos, pela dignidade das suas atitudes, pela clareza do seu
entendimento, pela multiplicação dos seus conhecimentos, pela moral das suas relações pessoais.
Sim. A esses obreiros tem cabido e caberá, inicialmente, a educação das gerações de
educandos que hão de ser educadores, mas...
Aí, venho pôr diante de vós, senhores congressistas, a incômoda, famosa e fatal adversativa:
mas, admitindo mesmo uma notável capacidade moral nesses obreiros todos, não poderá
conservar se perfeita a sua obra.
As faculdades apreensoras dos educandos, as inteligências que os educadores cultivaram,
ficarão sujeitas ao ambiente social; e este é um ambiente impregnado de maldades, insensatez,
lubricidade, egoísmo, malevolência e maledicência, nada contribuindo para conservar uma boa
educação tudo concorrendo para demolir e arrasar toda a obra educadora.
Isto é o que eu desejo fazer considerar, senhores congressistas. A sociedade está impedi-
da de se regenerar pela educação na família ou na escola, porque há um inimigo formidável que
se opõe abertamente a educação, por falta de educação.
Nós temos esse inimigo diariamente no interior de nossas casas. Ou ele se insinua por
baixo das portas, ou no-lo traz o correio, ou carregamo-lo nós, voluntária, habitual,
imprudentemente, a qualquer hora, pagando até para que não nos falte esse monstro a mesa, no
dormitório, no jardim, onde quer que nos achemos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O educando, assim que sabe ler, familiariza-se com tal monstro e aprende com ele uma
infinidade de coisas que os educadores nunca lhe haviam ensinado e mesmo coisas em oposição
as que lhe ensinaram em casa e na escola. Empolga-o a novidade que nem tem ares de fruto
proibido, pois ninguém lhe proíbe contato com semelhante inimigo. Entretanto, é inimigo e dos
maiores: destrói radical, tenaz e irremediavelmente toda a educação moral e cívica.
O moço vê esse monstro exaltar e romantizar ações de criminosos, desacatar, enxovalhar,
ridicularizar as autoridades que o pai, a mãe e o educador recomendaram a sua veneração. Vê-
lo dar baldões em nomes que pronunciava reverentemente e devassar lares com irreverência de
salteador. Admitamos que o moço tenha recebido uma finíssima educação. Que desordem lhe
produzirá no senso íntimo um novo panorama de crueldades, sarcasmos, brutalidades, arrelias,
disparates, insultos, afrontas e desafrontas — espelho em que se reflete somente a loucura
humana e onde não há espaço para as imagens do Bem, do Amor, do Altruísmo, da Virtude?
O monstro acoroçoa e lisonjeia a mocidade turbulenta; descreve, sem rebuço, ignóbeis
cenas de alcouce e lugares escusos; divulga torpezas e degradações que só a polícia interessa
conhecer para coibir; estampa coisas repugnantes; aplaude atitudes condenáveis dos seus
apaniguados e torce e deforma a verdade contrária aos seus interesses! O monstro preconiza
espetáculos de autores e atores desabusados; retumba vocabulário grosseiro, sem se importar
com o pudor público; desafora-se; revela e propaga ódios, ambições, sentimentos inferiores,
que ao educando surpreendem e impressionam indelevelmente.
O espírito do educando recebe tal choque e capacita-se de que os educadores não lhe
disseram tudo. Acredita que aquele monstro é o necessário e grande mexeriqueiro da vida. Não
deve ser coisa má, pois que nunca o preveniram contra a sua existência.
E não o preveniram os educadores por falta de desassombro ou de lucidez para
classificarem devidamente esse inimigo que é a má imprensa, o falso jornalismo dissolutamente
praticado.
Senhores congressistas! Enquanto criaturas levianas, ignorantes ou ímprobas tiverem
liberdade de publicar o que bem ou mal escrevem, não poderemos contar com êxito na obra de
educação do povo, nem nos lares, nem nas escolas.
Enquanto não forem educados os publicistas, os que dispõem de imprensa para diária ou
semanalmente vulgarizarem seus escritos, não conseguiremos a higiene mental, não poderemos
ter a mocidade orientada, ordeira, estudiosa, obediente, respeitadora, dignamente patriota,
convictamente progressista.
Formule, embora, o pai os conselhos da prudência (se leituras quotidianas lhe não houverem
ainda arruinado o bom senso); dê a mãe exemplo de virtudes (se a não tiverem já envenenado
leituras licenciosas); esforcem-se o professor, o educador em ensinar regras da melhor conduta
(se os não transviar, também, a leitura de maus periódicos), o moço, a moça que houver recebido
todos esses conselhos, exemplos e lições, não possuindo espírito excepcionalmente forte, há de
vira ter, fatalmente corroídas, minadas, subvertidas, a razão, a mentalidade, a moralidade, por
efeito da ação do monstro.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Os preceitos virtuosos ficarão constituindo o forro interno, a memória histórica do prepa-
ro amoroso que o educando recebeu; na vida ativa, porém, na vida de relações, ele ou ela será
o que instantemente divulga, insinua, sugere e apregoa a imprensa.
Ora, havendo nesta órgãos sem critério, sem pejo, sem gramática—dissolutos e dissolven-
tes —, a que ficará reduzida a educação dos leitores dessa má imprensa?
Essencial, pois, para a obra da educação nacional é o desaparecimento do monstro.
Não se pense em restrição ao jornalismo, mas na interdição do jornal torpe. Ele não
pode, não deve continuar com a liberdade inconcebível de infelicitar a sociedade brasileira.
Distingamos entre jornalista e alucinado.
Ojornalismo bem compreendido é, ao mesmo tempo, escola e tribunal; o jornalista digno
pratica simultaneamente o magistério e a magistratura.
Ser jornalista é exercer a profissão mais importante, mais elevada que se pode exercer
entre gente civilizada. Jornalista não é o primeiro que disponha de uma pena e de um prelo. Para
ser jornalista respeitado é indispensável capacidade intelectual e moral e instrução que o habilite
a tratar dos grandes interesses nacionais, elucidando governantes e governados.
A arte de ser jornalista não é arte de escrever insolências, nem de noticiar espurcícias.
Altíssima, nobilíssima é a função do homem que escreve diariamente para um público ávido de
informações e conhecimentos. Os pais falam aos seus filhos; o professor, o educador, aos seus
escolares; o jornalista dirige-se a toda população e a muitos leitores fora do País. Defendamos
o grande e poderoso instrumento que é o jornal das mãos de ímprobos e de incapazes que o
estão aviltando, se queremos que tenha eficácia, durabilidade, consistência e subsistência a obra
da educação nos lares e nas escolas.
É fantasia pensar na educação popular enquanto a imprensa não for rigorosa, espontânea,
fundamentalmente moralizada. O redator de um jornal é obreiro da nacionalidade. É preciso
contar com a sua educação para educador.
A função do jornal como convém a sociedade é instruir, advogar, esclarecer, harmonizar
a gente; pregar a fraternidade e facilitar o bom entendimento entre os trabalhadores que são
patrões e os trabalhadores que são empregados; noticiar preferentemente casos de valor, bondade
e justiça; elevar o nível social; promover a ordem, a paz, a beneficência, a cordialidade entre os
indivíduos. O jornalista deve ser lúcido continuador do espírito de Jesus, não trêfego representante
do espírito do mal.
A que conclusão chega, então, esta minha memória?
Poder-se-á resumi-la nas seguintes ou como melhor entenderem os senhores congressistas.
1) Ainda que os moços saiam educados do lar ou da escola, a má imprensa arrasa-lhes a
educação e os desnorteia no caminho da honestidade.
2) A má imprensa contamina também a mente dos educadores, desorientando e levando-
os a tolerâncias e transigências desastrosas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
3) A ação contínua da má imprensa está degradando a mentalidade nacional. Urge reagir.
4) A má imprensa vem destruindo a autoridade que a imprensa conquistara para exami-
nar, criticar os atos dos governos e dos seus delegados; a desmoralização e o desconceito
chegam ao extremo, não havendo mais governos que a respeitem, porque não lhe respeita
mais a opinião pública.
5) Por amor a educação, apoiemos só a boa imprensa que escolha escrupulosamente os
seus funcionários e restaure os créditos do jornalismo.
6) Por amor a educação, talvez a este congresso convenha pedir ao Congresso Nacional
severas medidas contra a imprensa que se desmoralizou, que só difunde toxinas e degrada o povo.
7) Por amor a educação, estimaria que este congresso firmasse o conceito de que o
jornalismo é sacerdócio e não comércio.
8) Por amor a educação, podia este congresso aconselhar a fundação de uma Escola de
Jornalistas, curso e diploma obrigatório para todos os que exerçam a profissão, com responsa-
bilidade material, e perda do diploma para todos os que se divorciassem da ética profissional.
TESE N
s
72
A EDUCAÇÃO MORAL DOS ESCOLARES
COM BASE NO SENTIMENTO
J. A. de Mattos Pimenta
Rio de Janeiro, DF
O poder intelectual e a formação científica sem a in-
tegridade de caráter podem ser mais nocivos que a
ignorância. A inteligência superiormente instruída
aliada ao desprezo das virtudes fundamentais consti-
tui uma ameaça.
Princípio enunciado pela Suprema Corte
de Justiça de Massachusetts
urgiu-nos no espírito uma idéia, talvez desvaliosa. talvez já aventada, mas que nos parece
útil a educação moral dos escolares. E como uma das grandes causas de fraqueza dos
povos latinos provém do fato de suas universidades cuidarem muito da instrução científica e
quase nada das qualidades de caráter que fazem o valor do homem na vida, conforme o justo
conceito de Gustavo Le Bon, oferecemos aos interessados na educação nacional esse estudo
que, se não for uma sugestão feliz, será pelo menos prova de nossa boa vontade e nossa simpatia
pela obra da Associação Brasileira de Educação.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
S
Henry Poincaré assegurou:
Toute morale dogmatique, toute morale démonstrative est vouée d'anvance a un échec certain;
elle est comme une machine ou il n'y aurait que des transmissions de mouvement et pas d'énergie
motrice. Le moteur moral, celui qui peut mettre en branle tout 1'appareil des bièles et des engrenages,
ce ne peut être qu'un sentiment.
Anatole France deu como derradeira opinião de Jerôme Coignard a seguinte sentença:
Les verités découvertes par l'intelligencedemeurent steriles. Le coeurest seul capable de féconder
ses rêves. I! verse Ia vie dans tout ce qu'il aime. Cest par le sentiment que les semences du bien
sont jetées sur le monde. La raison n'a point tant de vertu.
Poincaré e Anatole France têm razão.
Os dogmas das religiões, as demonstrações da ciência e os raciocínios da filosofia não
conseguiram modificar profundamente o homem. Todos, com efeito, concordam com Le Dantet
de que basta uma simples arranhadura no nosso verniz de homem civilizado para que se descubra
logo o velho homem feroz das cavernas.
É que a energia motora das ações morais reside no sentimento. Sem a educação deste, de
nada valem os sentimentos da religião, da ciência e da filosofia. As verdades são inúteis. A razão
não tem virtude. Só o sentimento é capaz de lançar e fazer as sementes do bem.
"O coração tem suas razões que a Razão desconhece", dizia Pascal. Procuremos, pois, dar
a moral a base sólida do sentimento, habituando-o ao bem, despertando-o no coração dos homens.
Para isto, analisaremos rapidamente essa fonte de energia moral, buscando descobrir
como poderemos educá-la para a prática das virtudes fundamentais.
Entremos, pois, no assunto.
O altruísmo é uma concepção metafísica. O egoísmo, ao contrário, é protoplasmático no
homem.
Todas as ações humanas são inspiradas pelo temor de um castigo ou pela esperança de
uma recompensa. São morais, portanto, na aparência. São egoístas, portanto, no fundo.
Há porém, sem contestação, diferentes graus de egoísmo. Há demonstradamente, por
outro lado, influências capazes de despertar um egoísmo nobre, como há influências capazes de
desenvolver um egoísmo animal, desenfreado.
Por isso Sócrates definia a moral como "o domínio de si mesmo".
Esse domínio, porém, depende menos da vontade, do raciocínio ou da razão do que do
sentimento.
Voltemos, pois, a este.
Preliminarmente, podemos notar que, das duas fontes geradoras dos atos humanos — o
temor de castigo e a esperança de recompensa —, a primeira é menos forte e menos capaz de
boas ações.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O homem, com efeito, que não comete um crime só pelo temor de um castigo não tem
nobreza alguma, dispõe de frágil sustentáculo moral e facilmente cairá em falta.
Daí a relativa inocuidade e desprestígio das repressões penais. Daí a supressão dos cas-
tigos corporais como processo educativo dos escolares.
O castigo não regenera, antes deprime o caráter.
O temor é uma inspiração baixa que não educa, senão que degrada o homem.
Para o êxito da educação convém, pois, muito mais a outra fonte de energia.
Na verdade, o homem que se move pela esperança de uma recompensa, embora isso
seja mera manifestação de egoísmo, poderá, entretanto, ser capaz das mais nobres ações, poderá
chegar a dispor de energias morais incalculáveis.
Daí o uso crescente das recompensas como estímulo dos esforços dignos. Daí a instituição
dos prêmios como processo educativo dos escolares.
Podemos então enunciar o seguinte princípio geral: "Por toda parte e em todas as ocasiões,
devemos nos esforçar por substituir o mais possível os meios coercitivos e deprimentes do
castigo pelo processo livre e estimulante da recompensa".
Mas a natureza da recompensa é essencial na formação do caráter. Estudemo-la, pois.
As recompensas podem ser divididas em dois grandes grupos: materiais e imateriais.
As recompensas materiais tocam os sentidos e por meio destes é que acordam o sentimento.
Nessas condições, elas provocam sempre um interesse subalterno, um egoísmo que chamaremos
de inferior.
O sentimento despertado através da sensibilidade física, subordinado a esta, não é o
sentimento puro.
As recompensas materiais, porém, têm gradações no seu maléfico efeito sobre a educação.
Elas podem, com efeito, ser em dinheiro, em objetos e honoríficas.
É claro que as de ordem pecuniária são aviltantes, não desenvolvem as qualidades sãs da
alma; despertam antes os prazeres materiais da vida. A um inquérito feito pelo Times sobre o
dinheiro, conseguiu o primeiro prêmio um inglês que respondeu: "Com o dinheiro podemos
comprar tudo, menos a felicidade". Nós acrescentaríamos: "e nunca a virtude".
Todo aquele que oferece prêmio pecuniário para provocar em alguém o sentimento do
dever ou a prática de uma boa ação age de modo contraproducente.
A ação do dinheiro sobre o caráter é sempre corruptora. Sobre tal base não pode repou-
sar a educação. Nunca poderá o dinheiro despertar energias morais.
Basta compararmos a ação dos soldados mercenários com os feitos dos combatentes
voluntários de um ideal, para certificarmos quão precário é o recurso do dinheiro nas manifestações
superiores da vida.
A recompensa pecuniária constitui a exceção do princípio geral que enunciamos. O temor
do castigo, com efeito, é menos aviltante para o sentimento que a esperança da recompensa em
dinheiro.
Em relação a recompensa em objeto, é claro que ela tem quase os mesmos inconvenientes
que a de natureza pecuniária; é sempre a cobiça que trabalha por uma satisfação material. São
ambições baixas que se desenvolvem. Toca-se o sentido primeiramente a caminho do sentimento.
Mas, pela utilidade restrita, o objeto não provoca os danos que o dinheiro causa. Este é
transformável em todas as utilidades e, assim, pode satisfazer a todos os desejos materiais. Ora,
quanto mais aguçados forem estes desejos, menor será a capacidade moral do indivíduo.
É da verdade destas noções, pressentidas, que nasceu a idéia dos prêmios honoríficos
como mais consentâneos com a educação moral.
As recompensas em distintivos, medalhas, condecorações, títulos, etc, foram então
instituídas e vão sendo largamente praticadas, principalmente pelos povos latinos.
Incontestavelmente, das três ordens de recompensas materiais — dinheiro, objeto e
honorífica —, esta última, pela sua inutilidade material, é a única capaz de beneficiar e desenvolver
sentimentos elevados. Tem no entanto, um defeito capital: estimula e anima também a vaidade; e
a vaidade hipertrofiada pode conduzir o homem aos atos mais vis.
Contudo, a vaidade é uma força que pode ser orientada para uma finalidade nobre. O
indivíduo, por exemplo, que tem a vaidade de ser querido sente-se disposto a fazer o bem. O
homem de governo que tem a vaidade de ser popular em geral governa a contento, pelo menos
governa de acordo com o povo, pratica a democracia, que, segundo Coolidge, "vale mais que
qualquer outra coisa do mundo".
Em geral, porém, as vaidades dignificantes não são despertadas pelas recompensas
materiais, nem mesmo pelas de natureza honorífica.
Estas despertam ou desenvolvem, quase sempre, vaidades subalternas e contrárias a
educação.
De um dos principais colégios do Brasil, onde as questões de pedagogia são penetradas
a fundo, onde o zelo pela educação moral emparelha-se com a preocupação da cultura intelectual
—o Curso Jacobina —, transcrevemos o seguinte trecho retirado de um seu relatório: "Estava
então em prática o sistema de distribuição solene de medalhas, em assembléias mensais, conforme
as notas do mês. Os títulos conferidos eram: para os primeiros lugares, presidente, vice-presidente
e prefeita, e para as notas de comportamento, conselheiras. Mais tarde, foi esse sistema substituído
pelo dos boletins mensais, mais prático e sem os inconvenientes da rivalidade e vaidade cultivadas
pelas medalhas."
Aí está uma observação autorizada e insuspeita, oriunda de uma experimentação
verdadeiramente científica, porque foi feita sem idéia preconcebida e até com a convicção de
um resultado oposto ao observado, visto que o referido colégio instituiu as medalhas e as
hierarquias visando estimular o caráter dos escolares.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No seu afã de educação moral, acaba o mesmo colégio de publicar a seguinte resolução:
"O Curso não dá medalhas como recompensa: a sua opinião é de que o incentivo deve ser no
estudo e não numa coisa exterior a ele."
É incontestável que a recompensa material estimula o escolar ao estudo, mas avilta o
sentimento.
Chegamos assim a reconhecer a influência nefasta de todas as recompensas materiais,
sejam estas em dinheiro, objetos ou distintivos, como reconhecemos, antes, a nocividade da
ameaça ou temor de um castigo na educação moral dos homens.
Mas se todo ato, na verdade, é praticado pelo temor de um castigo ou pela esperança de
uma recompensa, se não existe o altruísmo puro, se as ações humanas provêm todas daqueles
dois mananciais, será dentro destas condições que teremos de desenvolver nosso esforço em
prol da educação.
Preso nesse círculo, aí encontramos felizmente um bom elemento educativo, justamente o
único que nos resta discutir e que é o da recompensa imaterial, a recompensa que não fere a
sensibil idade física ou os sentidos, senão que toca diretamente a sensibilidade moral ou o sentimento.
A recompensa imaterial é o domínio exclusivo da consciência, e sua expressão mais elevada
é a satisfação íntima do dever cumprido.
Os atos praticados na esperança de tais recompensas são egoístas, sem dúvida, mas são
de um egoísmo nobilitante. Sao egoístas porque visam a um benefício próprio, que pode ser a
gratidão, a homenagem, o respeito, a admiração dos demais homens para com o autor do ato;
ou, o que é mais raro, o simples prazer íntimo.
Eclaro que sem ao menos esse prazer íntimo, sem essa impulsao interior, ninguém praticará
um bom ato só para praticar o bem.
E isso porque o altruísmo puro é uma ilusão: a abnegação e o espírito de sacrifício, que
custam as vezes formidáveis esforços morais, nascem sempre de um prazer íntimo; são como
um grande raid a pé ou uma longa travessia a nado, que custam as vezes formidáveis esforços
físicos e sao praticados freqüentemente por mero prazer íntimo. E assim como podemos treinar
o corpo para estes feitos, devemos educar o espírito para aqueles atos.
Notável é que a recompensa do prazer íntimo satisfeito é a que provoca maiores audáci-
as, é a que gera maiores energias.
Lindbergh não atravessaria o Atlântico, em um vôo e só, pela coação, pelo temor de um
castigo. Ele não cometeria tao grande feito sob o estímulo de uma recompensa material, pecuniária ou
em objetos. Nem mesmo animado pelas recompensas honoríficas das condecorações que recebeu.
Seu arrojo nasceu de um prazer íntimo, de um desejo puro do espírito. Por isso, chegando
a Paris, ele reconheceu que "as energias do espírito haviam dominado a covardia da matéria".
Fossem os interesses materiais que tivessem determinado sua tentativa e ele não encon-
traria no espírito a força de que necessitou para o êxito.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Fossem razões exteriores e materiais, que ferem os sentidos, em vez de uma razão interior
e imaterial, que fala ao sentimento, e Lindbergh não teria sequer tentado a façanha.
Não precisamos, porém, trazer exemplos. É comezinho que as recompensas imateriais
são as únicas verdadeiramente educativas, tanto assim que costumamos chamá-las recompensas
morais, em oposição as outras.
No entanto, muitos colégios e muitos educadores continuam a fazer uso das recompensas
materiais, em objetos utilizáveis ou apenas honoríficos, como se o sentimento — fonte única das
ações morais — pudesse ceder a tais tentações quando não cede inteiramente as seduções
suaves da religião, as demonstrações irrefutáveis da ciência, as razões superiores da filosofia.
Ao homem apaixonado por uma mulher ou por uma idéia, ao homem movido pelo
sentimento, todo o dinheiro do mundo, todos os bens materiais, todas as recompensas honoríficas
valem por nada, porque ele vai ao sacrifício até da própria vida, tendo o instinto de conservação
física superado pelo instinto moral de conservação moral, como se a alma lhe valesse mais do
que o corpo.
A energia provinda do sentimento tem mistérios impenetráveis.
Detenhamo-nos, porém, aqui, nos umbrais da religião e da metafísica.
Nós não sabemos bem o que é a eletricidade. Verificamos que é energia física e
aproveitamo-la para o conforto da humanidade. Nós desconhecemos as raízes reais do sentimento.
Sabemos que é energia moral, devemos utilizá-la para a felicidade dos homens.
Despertar no sentimento suas energias sadias, orientadas para o Bem, eis o trabalho da
educação.
O sentimento, porém, embota-se e degrada-se sob agentes materiais. Ao contrário, apura-
se e eleva-se sob agentes imateriais.
E se "les actes produisent des habitudes, et les habitudes des actes", conforme os dois
princípios de Malebranche, os agentes nobres criarão hábitos de nobres ações.
Aliás, Aristóteles já dizia que a virtude é um hábito.
Pelo exposto, vê-se que, para criarmos bons hábitos morais nos escolares, para educá-
los, enfim, devemos atender a estes princípios:
1) Suprimir todas as ações sobre a sensibilidade física, quer sejam castigos corporais,
quer sejam recompensas materiais.
2) Procurar agir sempre sobre a sensibilidade moral, quer por demonstrações de respeito
e admiração dos mestres e dos colegas em homenagens, sem prêmio material de qualquer natureza,
mesmo honorífica, quer despertando o prazer íntimo do cumprimento do dever pelo raciocínio,
a persuasão e o exemplo.
3) Render sempre maior homenagem aos que revelam virtudes morais, aos que procedem
bem, do que aos que revelam maior aproveitamento no estudo, demonstrando, assim, que a
virtude vale mais do que a instrução, a dignidade vale mais do que o saber.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
4) Estimular o quanto possível o espírito de fraternidade, cooperação e solidariedade,
suprimindo tudo o que possa hipertrofiar o sentimento personalista, como as hierarquias, os
diferentes graus das notas de aula ou de exame, etc, fazendo não um escolar competir com
outro, senão criando competições entre escolas, de sorte que todos se esforcem para o
engrandecimento e elevação da coletividade de que faz parte.
TESE Nº 73
FORMAÇÃO DO CARÁTER DO POVO BRASILEIRO
Lúcia V. Dechandt
Escola Normal Primária — Ponta Grossa, PR
m dos principais fatores para a grandeza do nosso povo e do Brasil deve ser o
aperfeiçoamento moral do mesmo, a formação e o aperfeiçoamento do seu caráter.
De nenhum proveito será para um país toda a grandeza territorial, pujança do seu solo,
riqueza da sua fauna e flora e indústria de seus filhos, se os seus legítimos representantes forem
indivíduos de capacidade moral baixa, homens sem caráter.
É no povo que está a grandeza da pátria, porque o homem é a mais perfeita obra de Deus.
Sendo o caráter o reflexo da alma do indivíduo, a sua ordem moral, as qualidades próprias
e atinentes a cada pessoa, é preciso que se dê a sua cultura a máxima atenção, procurando-se
os meios mais próprios para se alcançar o maior proveito; este deve ser o maior empenho do
professor brasileiro para a grandeza de nossa pátria.
E como a pátria brasileira é vasta e muito grande, necessário se torna que seja o
aperfeiçoamento encaminhado por uma só orientação para a glória e honra de nossa terra.
Vejamos, em pontos gerais, a orientação que apresento e que outros poderão distender e
ampliar, a fim de que seja este um dos pontos mais importantes da união de nosso povo.
Tomemos como base os pontos que se seguem: eduquemos o caráter pelo querer, pois o
querer é agir, é o início que podemos aprimorar; ele, desenvolvido pelo interesse, produz o ideal
— condição essencial na vida do homem —, pois aquele que não tem ideal não pode alcançar
triunfo na vida.
Façamos com que as crianças construam o seu ideal para, animados, prosseguirem na
vida; desenvolvamos o seu desejo e ambição, tendo o máximo cuidado no incentivo de suas
inclinações. É necessário que o professor guie e induza, pelo seu exemplo, a ambição e o desejo
infantil para o bem, para o que é grande, para o que é útil.
A psicologia infantil está em contínua evolução; a imaginação da criança é ardente e de-
masiadamente criadora e, então, as impressões que recebe são as que mais duram em toda a
sua vida.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
U
Estudando os seus sentimentos, vemos que ela é a mais sincera, mais propensa ao bem
que ao mal, pois, como exemplo, vemos muitos indivíduos filhos as vezes de criminosos serem
homens virtuosos e bons, do que concluímos não haver hereditariedade na transmissão de
sentimentos individuais e somente imitação e formação de hábito. É necessário sabermos que
compreender vem do exterior para o interior, e o sentimento, estando na alma, vem de dentro
para fora. Ora, a criança é mais sensível. E somente com o aperfeiçoamento é que se vai
desenvolver a sua compreensão.
Sendo o esforço infantil falho, é necessário que o professor o estimule e o anime.
As influências do desejo podem ter origem no sentimento, portanto o sentimento deve ser
bom para que o seu desejo seja para coisas boas e úteis, e se sucede não serem bons os
sentimentos e o desejo ser mau, é necessária a vigilância do professor para que se desfaça tal
desejo. Sendo o professor o guia, ele deve induzir a criança a ordenar seus desejos e observar
o bem e habituar-se a sua prática, fazendo-lhe ver que do mal provém o castigo, que é sempre
o prêmio da desobediência.
Na educação do caráter infantil, necessário se toma que o professor produza na criança o
sentimento do bem aliado a alegria. O homem de bem, consciente dos seus deveres e com
tranqüilidade de consciência, é um feliz, um homem alegre, porque a alegria é a condição
necesria a felicidade humana.
Formemos na criança o caráter alegre, porque a tristeza é moléstia da alma, e o homem
triste é propenso aos atos maus.
Educar a vontade infantil é um dos grandes deveres do bom professor, porque da vontade
do homem depende seu sentir e pensar, e os exemplos desenvolvem o querer.
Sendo o querer a fonte do desejo e da ambição, necessário se torna que se tome em
consideração esta parte na formação do caráter infantil. Juntamente com a educação da vontade,
tome-se em consideração a paciência, a perseverança, para que essas virtudes robusteçam o
caráter, devendo esta educação tomar um cunho de independência e vontade individuais.
Um outro aspecto na educação do caráter é a do regime: a atividade é condição de saúde
e harmonia; a preguiça, ao contrário, é a fonte de males e de vícios. É necessário combater a
preguiça; para isso se deve aproveitar como arma o trabalho.
Sendo o hábito uma segunda natureza, é preciso habituar a criança a falar alto, devagar,
habituá-la a ser pontual e ter ordem e, desde o primeiro dia escolar, deve ela ter conhecimento
de suas obrigações e de seus deveres.
A criança cujo caráter for bem formado será um bom elemento na classe e na sociedade.
A meiguice é a arma de que se deve utilizar o professor, pois, a rigor, nada jamais conseguirá
vencer o que o amor não conseguir. Os bons exemplos da História Pátria, e mesmo da História
Sagrada, serão os bons incentivos. Quando no lar a educação do caráter for deficiente, a escola
compete corrigir e formar este caráter, já porque o patriotismo o exige e porque o professor está
incumbido desta missão, da qual ele deve, com proveito, se desempenhar; por isso, o seu exemplo
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
e o dos colegas influem grandemente no aperfeiçoamento da criança infeliz, cujos pais não lhe
puderam aperfeiçoar o caráter.
Assim sendo, o professor deve captar a amizade e jamais consentir que seus colegas, ou
mesmo o professor, ofendam seu amor próprio, porque o amor próprio ofendido gera o revoltoso,
e daí a causa de muitos males.
O castigo deve ser inteligente, de modo que a criança reconheça que ele era o prêmio
merecido as suas faltas. A mentira deve ser combatida pela falta de confiança que inspira o
mentiroso, como a preguiça deve ser combatida com o trabalho.
Aliando ao sentimento do verdadeiro, na educação do caráter, deve-se também unir a
simplicidade, a modéstia e a discrição, virtudes estas que servem de alicerce e esteio a formação
do caráter, bem como o sentimento de amor, piedade, delicadeza, desinteresse pessoal e
indulgência
O sentimento de justiça desde a mais tenra idade deve ser incutido no espírito infantil, pois
é aquele que mais assemelha o homem ao seu criador.
Disse Wellington: "O homem justo é portador de todas as virtudes, pois a justiça é a
síntese de todas as mais".
A verdade é a irmã da justiça, e o seu culto é de grande valor; ela é a realidade das coisas
e, como tal, constitui o alicerce básico da felicidade humana.
Educar na criança o horror a mentira e o amor a verdade, eis a missão nobre e digna.
A pessoa sincera inspira confiança e revela boa índole e bom caráter. Ensinemos as crianças
a cultivarem a simplicidade e modéstia, fazendo-as ver que as virtudes têm mais brilho e valor
quando envoltas no manto da modéstia.
Optemos com ufania a figura nobre de D. Pedro II, que, sendo sábio, justo e bom, era um
homem simples e modesto.
Até aqui falamos sobre a educação do caráter na escola e no lar. Mas a sociedade também
educa, e esta educação, baseada em princípios chamados sociais, contribui para a perfeição da
obra inciada no lar e na escola. O homem deve viver na sociedade e, tanto quanto possível,
modelar nela seus costumes e maneiras.
Mas a verdadeira obra educacional baseia-se na casa paterna e na escola bem dirigida.
Como vimos acima, a vontade bem formada eleva o indivíduo a um alto destino. Muitas
vezes poderá sobreviver a morte, mas a glória de haver cumprido o seu dever perdurará para o
estímulo dos outros; o exemplo de Tiradentes, Osório, Caxias, Marcílio Dias, Deodoro e Rio
Branco perdura ainda em nossos espíritos, como despertarão entusiasmo no das crianças a
quem contarmos suas vidas.
São os atos dos grandes e justos que devemos imitar. No trato social, deve o homem ser
amável, dedicado e cortês, evitando o que possa dar de si a desconsideração; nessas virtudes
sociais está a cortesia.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Ela não é aprendida em livros, e sim provém dos exemplos e dos ensinamentos ministra-
dos pelos pais e mestres. E como o espírito está em íntima relação com o corpo, urge que este
seja sadio e perfeito, para que seja completa a obra do aperfeiçoamento humano. Mestres e
pais influem sobre o caráter, e nisto convém que pais e professores cuidem da saúde, da higiene
dos educandos, já lhes aconselhando a prática do bem, já os repreendendo quando não pratica-
rem os princípios elementares da higiene e do asseio.
A honra vale mais que ouro. Façamos a criança conhecer este valor moral e apreciá-lo
mais que o monetário.
A providência é útil a todos; façamos a criança conhecer esta útil idade. Do mesmo modo, o
valor da tolerância aos atos de outrem, para que também seja tolerante para com as nossas faltas.
O feio vício da avareza e suas conseqüências, a inveja e a ambição, quando levadas por
sentimentos maus, só trazem malefícios.
Como complemento da obra acima, vejamos os males que advêm do álcool e do jogo,
grandes inimigos do progresso de um povo, auxiliadores da degeneração do caráter e da degra-
dação moral e a causa de muitos males físicos.
CONCLUSÕES
É no caráter do povo que está a grandeza da Nação; cumpre aperfeiçoar, aprimorar e
enriquecer de virtudes os filhos desse povo.
A escola e o lar são os formadores do caráter das crianças; quando neste a educação for
incompleta, é preciso que aquela reforme a obra do segundo e complete o aperfeiçoamento
para que o pequeno ser não seja um defeituoso moral.
A sociedade completa a obra do aperfeiçoamento do caráter; muitos vícios, porém, pro-
vêm do convívio social, mas a mente esclarecida é capaz de fazer a escolha das virtudes e
aborrecer os vícios; para este tão alto fim é que o professor vai guiar e educar a criança.
O destino da criança está confiado a mãe e ao mestre, precisando este do apoio dos
governos para conseguir a transformação que a escola exige.
TESE N
s
74
SOBRE A EDUCAÇÃO SEXUAL
Celina Padilha
Rio de Janeiro, DF
uitos pensadores estão hoje convencidos de ser necessária a educação sexual. Entre
os pais, porém, esta convicção está restrita a muito menor número de pessoas,
infelizmente mesmo entre os mais cultos. É que quase todos preferem, por preguiça mental,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
M
aceitar os costumes como os encontram a mudá-los, porquanto mudança pressupõe análise,
observação, inquérito sobre o que há assentado e, finalmente, sério estudo das bases novas.
Todos se lembram, entretanto, das dúvidas, das angústias e dos perigos a que estiveram
expostos na adolescência e não desejariam, por certo, o mesmo para seus filhos, mas não se
sentem com forças de alterar a ordem das coisas, e a luta contra os preconceitos é tão perigosa
que acabam resignando-se a praxe: conservar as meninas numa pseudo-inocência, mantendo-
as ignorantes; e aos meninos, permitir-se que se iniciem nos assuntos de sexualidade sem indagar-
se, entretanto, onde nem como se informam.
Não sabem os pais que eles próprios deveriam, nesse particular, ser os primeiros profes-
sores de seus filhos, aos quais se ligariam por mais um laço de confiança e os livrariam de muitos
males, antecipando-se aos que lhes vão dar ensinamentos manchando-lhes a inocência.
E esquecem-se também de que a ignorância de suas filhas, por eles confundida com
inocência, não pode ser mantida, pois na criança, com o desenvolvimento das faculdades
intelectuais, as curiosidades vão se despertando, sendo-o até, prematuramente, pelo próprio
mistério criado em tomo dos fatos mais simples de sexualismo. É ora uma frase que ficou de uma
conversa interrompida pela chegada de uma criança; sao olhares de entendimento trocados
entre adultos, lembrando-lhe a presença, quando alguém dela se esquece e envereda por assunto
que não convém ouvir; é uma ordem de retirada para não perceber a conversa dos grandes,
depois de começada; são, finalmente, ralhos se ela inocentemente se manifesta sobre qualquer
fato comum na vida caseira — um animal doméstico que tem filhotes, por exemplo, o que se
procura esconder cautelosamente das crianças.
Na roça, a meninada cria-se mais em contato com a natureza e não se lhe pode ocultar
umas tantas coisas, mas continua o mistério em torno de sua explicação, que não permitem ser
abordadas. E diz-se: "isso é feio, não se fala"; efetivamente a criança passa a não falar, porém,
somente diante daqueles a quem respeita ou daqueles em cuja discrição não confia; na maior
parte dos casos, porém, vai fazer investigações sozinha ou indagar com os companheiros mais
bem informados e até com os empregados. Os amigos "sabidos" adquirem então um prestígio
que os torna verdadeiramente perigosos. É o que se observa, freqüentemente, nos colégios,
onde os mais influentes entre os colegas não são indicados como modeladores pelos professo-
res, e sim os refalsados e ignorantes das lições ensinadas por seus mestres, mas sabedores dos
assuntos que não lhes são permitidos, possuindo até repositórios de figuras, de anedotas e
verdadeiros dicionários de palavras imorais.
E dizer-se que sao os próprios pais e professores que criam essa situação, fazendo, pelo
segredo, da ciência o fruto proibido, aguçando a curiosidade, a ânsia de saber, e contribuindo
para que se desenvolva o desrespeito pela natureza nas suas manifestações mais sagradas.
Ainda há, finalmente, casos piores e não muito raros, quando os grandes não se preocu-
pam em mandar sair as crianças e, diante delas, sem a menor deferência pela sua pureza, susten-
tam palestras as menos edificantes e dizem pilhérias e contam casos poucos morais, seguidos de
gargalhadas que os pequenos acompanham de risinhos torcidos e disfarçados, pois não têm o
direito de mostrarem-se iniciados.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Entretanto, há pais que conseguem, a custa de inúmeros cuidados, disciplinando-se para
não falar diante dos filhos no que não convém, segregando-os quase completamente do convívio
de outras crianças, fiscalizando-os cautelosamente nas visitas aos primos, trancando livros,
conservá-los numa falsa inocência que é a quase completa ignorância em matéria de sexualidade.
É como procedem também os mestres, temerosos de entrar em assuntos não permitidos.
Mas não está essa gente iludindo a si própria, pois nessas crianças a própria natureza não
gritará? Não se vê uma só, e muitos perigos aparecem logo ao primeiro exame.
Um falso pudor, criado pela educação, impede a franqueza entre pais e filhos, que ficam
privados de conselhos muito úteis na adolescência. E se os mais tendentes ao bem livram-se de
possíveis vícios, não se previnem, entretanto, contra outros perigos a que a ignorância os expõe.
E ao passo que se taxa de pecaminoso o ato genital com que a natureza prove a continuação
das espécies, não se clama contra o verdadeiro pecado, que consiste em, ignorando-o, alterar
seu objetivo e antecipar sua realização.
IGNORÂNCIA E INOCÊNCIA
Não compreendem muitas vezes os que educam a completa diferença entre dois estados
de espírito. O que não sabe ou sabe mal e erradamente é ignorante, mas não é muitas vezes
inocente, pois não tem olhos puros para ver o que o cerca.
Inocente é o que se refere aos fatos da reprodução e aos respectivos órgãos com naturalidade
e a mesma pureza com que trata de qualquer outra função orgânica; estuda-os para melhor respeitá-
los, pois que na natureza nada há de vergonhoso, havendo apenas pessoas imorais. Inocentes são as
crianças cujos olhos se abrem gradualmente para compreender as coisas. E nós, os adultos, em vez
de ajudá-las na sua justa curiosidade, conservando simples suas almas, torcemos seu pendor natural,
injetando-lhes na alma a peçonha da malícia, com nossas reticências, nossos silêncios, nossas mentiras.
Por que, a criança que, presenciando o espetáculo da morte e do nascimento, deseja um dia saber de
sua própria origem, vamos enganar dizendo ter sido trazida pelo Menino Jesus ou pela cegonha, ou
outras invenções no que a imaginação humana é fértil? Por que não empregamos nosso poder imaginativo
em ensinar-lhe de um modo suave, de acordo com sua mente, a verdade, que ela tem de descobrir,
não se conformando com as mentiras ouvidas, se sua observação a conduz a notar umas tantas
coincidências em completo desacordo com as explicações ouvidas?
ONDE COMEÇAR A EDUCAÇÃO SEXUAL: NA CASA OU NA ESCOLA?
A verdade é que muitos pais, por ignorância, são incapazes de dirigir a educação sexual
de seus filhos.
Preparar os de boa-fé, os progressistas, educá-los para que se tornem educadores, não é
impossível; mas a cegueira moral sobre o assunto, as opiniões errôneas formadas a respeito e as
idéias já muito arraigadas nos espíritos são entraves, e quase impossível se torna esperar-se do
maior número que se libertem das peias de preconceitos seculares.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Mas, por outro lado, não se deve cruzar os braços e assistir as gerações se sucederem
umas as outras nos erros e na ignorância de problemas dos mais sérios para a moral e para a
eugenia. Esperar também que os livros e as diversas publicações instruam e convençam? Mas
como será moroso, se grande número de pessoas, premidas pelos afazeres de todos os dias,
nem lêem, e das que o fazem, a maioria procura assuntos mui diversos.
No entanto, o trabalho deve ser começado e sem perda de tempo. Compete, pois, a
escola iniciá-lo e preparar as crianças de hoje para que os pais de amanhã sejam também
educadores de seus filhos.
Nunca se prescindirá, porém, da escola, pois são os mestres os mais capazes de adminis-
trar quaisquer conhecimentos, pelo seu preparo científico, pela sua especialização para ensinar.
Os pais bem orientados auxiliarão grandemente o professor, pela sua atitude reverente diante da
natureza, pela capacidade de dar explicações pedidas, pelo exemplo, cujo prestígio aumenta
com os laços de afeição, sendo finalmente guardas das ações de seus filhos, pois sobre eles
podem exercer vigilância mais contínua, observando-lhes os hábitos e entendendo-se a respeito
com os professores, de modo a ser harmônica a ação educativa.
O ensino sistematizado tem de ser feito, entretanto, na escola, como o é o de todas as
outras funções orgânicas.
EM QUE IDADE COMEÇAR?
Como aulas regulares, aos onze anos, e não será cedo demais, pois melhor é prevenir que
remediar, operando-se tão prematuramente aqui a transição de idade. Mas o educador deve
estar alerta.
Por princípio, não mentir quando interrogado por uma criança; seja de que idade for,
responder-lhe com habilidade para que entenda, mas dizendo-lhe o real. Ser simples diante dos
fatos, livrá-la dos vícios por meios preventivos mas não chamando para eles a atenção, pois não
se deve esquecer dos fracos e dos de más tendências; estes, sabedores de uma coisa pelo
próprio conselho contra sua prática, são induzidos as vezes a executá-la. Finalmente, deixar as
crianças francamente em face da natureza, que pouco a pouco as irá impressionando.
Para essas, quando o estudo for feito como parte das noções de anatomia e fisiologia
necessárias ao conhecimento do corpo para preservação da saúde, não haverá grandes surpre-
sas nem espanto, pois já estarão familiarizadas com a reprodução das plantas, já saberão como
a natureza previne a continuação das espécies, já encarregando os insetos e os passarinhos do
transporte do pólen, já colocando-o na mesma flor dos óvulos, conhecerão o modo de repro-
dução de alguns insetos e os meios auxiliares de que se cercam os seres vivos para garantia da
perpetuidade, como as flores revestindo-se de cores vivas, exalando perfumes e provendo-se
de doces néctares, e as aves cobrindo-se de belas plumagens e ameigando seus cantos.
Enfim, nos seus cérebros, ter-se-á produzido um verdadeiro culto pela obra da criação.
A atenção dos mestres em vigiar para que se conservem puros seus educandos deve ser tanto
maior, pois sabem os que são observadores quanto é comum o vício, desde a mais tenra idade.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
É no primeiro ano de escola onde melhor se pode ver, pois as crianças, ainda inocentes,
não escondem tais práticas, tornando-se menos difícil corrigi-las, mesmo por não estarem ainda
inveteradas nos hábitos viciosos.
A muitas professoras escapam esses fatos por não terem a atenção para eles voltada;
solicitadas, porém, a reparar, verão com surpresa serem mais comuns do que supunham.
Para evitar o vício sem fazer a criança de menos de 10 anos uma exposição clara da
reprodução, o que seria prematuro, é bastante dar-lhe sobre os órgãos genitais conselhos
higiênicos, como lhe damos sobre a boca, os ouvidos, etc, referindo-nos a eles como
destinados a eliminação da urina. Aos já viciados, porém, chamar em particular e dar outros
conselhos.
O resto do trabalho consiste em vigiar e vigiar incessantemente sem ser percebido, impedi-
los de terem as mãos no colo ou no bolso, aconselhá-los a saltar da cama assim que despertarem,
desenvolver neles o gosto pelos esportes e estabelecer que, por medida de higiene, não devem
andar abraçados, conservando sempre livres os movimentos; no recreio, fazê-los brincar, evitando
habilmente que se agrupem para conversar. E todas essas noções devem, para serem eficazes,
repousar em cuidar da educação da vontade e em sólidas bases de moral, sem o que a educação
sexual poderá constituir até um perigo.
DA COEDUCAÇÀO
Um ponto ainda em controvérsia é sobre se a educação sexual deva ser ministrada a
meninos e meninas separadamente ou em conjunto.
Sou favorável, nesse caso como em todos os outros pontos de educação, a que seja
feita em conjunto, pois se um dos objetivos, instruindo-os nas coisas da reprodução, é
conservá-los puros! Se os separarmos por sexos para tais aulas, fatalmente estabeleceremos a
maldade, quando assim não deve ser; devem habituar-se a ouvir com naturalidade, pois o
inocente não cora; só o maldoso se sente envergonhado diante da ciência. E, separados,
quem os ensinaria? A mesma professora? Ou viria um professor para os meninos? Recairí-
amos no mistério condenado. E qual teria de ser a atitude da mestra em face dos meninos
quando, incidentemente, um assunto desses viesse a tona? Calar, enrubecer, mostrar-se
inferior aos próprios alunos?
Desde que iniciei minha carreira de professora, tive a atenção atraída para esta falha da
obra educativa. E isto me feriu, tanto mais quanto, sendo mulher, sinto a falta de naturalidade que
a educação interpõe entre o homem e a mulher, estragando as mais belas amizades, quiçá o
intercâmbio intelectual.
Faça-se, pois, a coeducação de meninos e meninas, e teremos nas gerações futuras indi-
víduos mais capazes de apreciar a vida na plenitude de suas manifestações mais belas, mais
conscientes na escolha do companheiro ou companheira, prevenidos contra a simples atração
dos sexos, quando não for cimentada por afinidades de sentimento e de inteligências.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
CONCLUSÕES
O Congresso de Educação do Paraná resolve:
1) Que se deve fazer a educação sexual nas escolas.
2) Interessar os pais neste assunto, para que se tornem auxiliares dos mestres.
3) Satisfazer, dizendo a verdade, a curiosidade da criança, seja de que idade for.
4) Preparado o estudo pela reprodução das plantas e de alguns animais, iniciá-lo sistema-
ticamente aos 11 anos como parte do programa de anatomia e fisiologia humanas.
5) Fazer-se a educação sexual em conjunto para meninos e meninas.
TESE N
e
75
O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO SEXUAL: IMPORTÂNCIA
EUGÊNICA, FALSA COMPREENSÃO E PRECONCEITOS —
COMO, QUANDO E POR QUEM DEVE SER ELA
MINISTRADA
Renato Kehl
Rio de Janeiro, DF
Como se julga mal o mais sério ato da vida humana!
Tem sido muito debatida a questão se se deve ou não revelar as crianças noções da vida
sexual. A maioria dos educadores, psicólogos e médicos está de acordo sobre a utilidade deste
ensino. As exceções contam-se apenas entre as pessoas que não estudaram ou não compreen-
deram suficientemente a sua alta finalidade, bem assim entre as que supõem que esta instrução
deve compreender conselhos sobre doenças venéreas, o que representa um contra-senso em
relação as crianças.
Não mais se discutem as vantagens higiênicas e eugênicas da educação sexual. Elas são
ultra-evidentes. Para avaliar o seu efeito profilático é necessário examinar a questão sem pre-
conceitos, "fazendo tábua rasa de toda concepção hipócrita" e mantendo o espírito preparado
para um julgamento são.
Opõem-se a esta indispensável educação os que se firmam num dos seguintes pontos de
vista errôneos e arcaicos:
1) Na suposição de que o instinto sexual falta as crianças, só se revelando com a maturi-
dade dos órgãos de reprodução. Entretanto, está hoje claramente demonstrado que muito antes
da puberdade as crianças já são tocadas por evidentes manifestações mentais de amor, de
ciúme e de ternura. Na opinião de Freud, elas revelam, desde tenra idade, o instinto procriador.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O interesse pelo enigma sexual é precocíssismo. As crianças desde muito pequenas sao ator-
mentadas pela curiosidade sobre a geração. Observam os animais, sendo inútil e mesmo perni-
cioso pretender desviar-lhes a atenção dos fatos que precisam, bem como enganá-las ou deixá-
las sem orientação. É falso o critério de que o mistério deve ser desvendado com o correr do
tempo, por acaso ou clandestinamente revelado por qualquer indivíduo que, deformando a ver-
dade, cria na imaginação infantil idéias falsas, de efeitos desastrosos e, muitas vezes, indeléveis.
O desejo de saber a proveniência de um irmãozinho, recém-nascido, é muitas vezes embaraçador
para os pais que procuram explicá-la por meio de subterfúgios ou fantasias, que as crianças
freqüentemente repelem com sinais de incredulidade. Procuram, então, informar-se com crianças
maiores, as quais dão informações quase sempre recheadas de malícia, incentivando mexerico
e, mesmo, intuitos de má conseqüência futura.
2) Outros se declaram contrários a educação sexual alegando as dificuldades, supostas
insuperáveis, de desempenhar esta missão junto aos filhos, por pudor, por ignorância ou falso
escrúpulo, ou pelo preconceito tradicional e errôneo de que se deve deixar as crianças aprende-
rem os assuntos relativos ao sexo "ao seu tempo", do mesmo modo porque elas aprenderam
com o vulgo ignorante e perverso.
Julgam os pais, geralmente, que os filhos desconhecem ou se despreocupam completa-
mente das questões sexuais, esquecidos dos fatos passados na sua infância. Lindsey, a propósito
da precocidade sexual, refere que as perversões, em 90% dos casos, dão-se em conseqüência
dos descuidos paternos das más companhias, tendo verificado, após meticuloso estudo
procedido entre prostitutas, que o desvio e a queda fatal tiveram lugar, quase sempre, aos 12
anos de idade e mesmo antes. Na sua opinião, nove décimos dos meninos e das meninas apre-
sentam na idade escolar aguçada curiosidade pelas coisas sexuais, sendo ela tão intensa entre os
meninos como entre as meninas, entre as crianças das cidades como entre as dos campos.
Representa, pois, dever imprescindível dos pais a fiscalização atenta dos filhos e a educa-
ção persuasiva, para que não se deixem arrastar, instigados por maus companheiros, as perigo-
sas perversões sexuais.Uma mãe poderá criar uma filha na mais completa inocência até 15 ou
17 anos. Bastará, porém, uma criada ou uma amiguinha perversa para desfazer toda a obra que
foi erroneamente edifiçada, de modo lamentável, quando não irreparável. A aprendizagem clan-
destina, a companhia de confidentes depravados desfazem o mistério da geração de modo
vicioso, dando margem as iniciações imorais. São os amiguinhos e as amiguinhas os principais
mestres da dissimulação, da mentira, da imaginação e de outros vícios que se instalam, as vezes
decisivamente, sobretudo em crianças com taras psicopáticas, que não foram suficientemente
educadas pelos pais.
Os pedagogos modernos são favoráveis a educação sexual, bem assim as maiores auto-
ridades médicas que se dedicam aos estudos médico-sociais. Na reunião anual da American
Medicai Association havida em 1903, preponderou este critério. No Congresso realizado em
Berlim, em 1905, do Bund fuer Mutterschutz, foi aprovada, por unanimidade, uma resolução
declarando que é absolutamente necessária a explicação dos fatos da vida sexual as crianças.
No Congresso Internacional de Higiene havido em maio de 1923 em Paris, bem como em
muitos outros certames, não só de médicos, higienistas, como de pedagogos e eugenistas, o
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ensino sexual foi sempre muito debatido, vencendo a corrente que entende ser ele imprescindí-
vel para a defesa do indivíduo, da sociedade e progresso biológico da espécie.
Não existe juízo único quanto a melhor idade para ser iniciada a educação sexual. Sou de
opinião que não se poderá tomar por base a idade, o sexo, a condição social, o temperamento
nem o desenvolvimento. Entendo que deve ser tida a sagacidade em primeiro plano, e que os
primeiros conselhos sejam dados as crianças que, pela sua inteligência e curiosidade, provoquem
a oportunidade para tal.
Entre 4 e 6 anos já são admissíveis os primeiros passos educativos. Convém que as
explicações se limitem as perguntas formuladas, não se estendendo a pontos não inquiridos. Há
toda a conveniência em aproveitar as ocasiões, não convindo, absolutamente, provocá-las. As
respostas devem ser dadas claramente, com seriedade e sem reticências, como se estivesse
explicando os fatos mais banais da vida.
Bastante elucidativa é a primeira explicação, deste gênero, dada por Mme Schmidt Jáger
aseusfilhinhos:
Meu filho de oito anos e suas irmãs mais velhas discutiam, vivamente, a propósito da criação de
galinhas. As duas meninas achavam o galo muito mau e perfeitamente inútil, pois que ele não
punha ovos, enquanto que o irmão, evidentemente ferido no seu orgulho masculino, tomava a
defesa do galo, sustentando que ele era útil para alguma coisa, embora não soubesse bem para
quê. A questão foi posta diante do meu tribunal, e meu filho triunfou, visivelmente, quando eu
expliquei que, sem o galo, que dá a semente as galinhas, estas continuam a pôr os ovos, os quais,
porém, não podem se desenvolver, e que, sem um papai galo, não haveria nunca filhos pintinhos.
Imediatamente, com sua simples e pura lógica infantil, meu filho replicou: "Não é verdade, mamãe,
que entre nós não pode haver crianças sem papai?" Eu confirmei, naturalmente, o fato, e as
crianças reiniciaram, satisfeitas, os seus folguedos.
Outro ponto ainda não firmado, de modo geral, é o de saber-se a quem compete ministrar
os primeiros ensinamentos. Pelo exemplo de Mme Schmidt e pelas observações da vida
doméstica, sou de opinião que esta missão deve caber, indiscutivelmente, a mãe. Pertence-lhe,
de direito, este sagrado privilégio. Na reunião havida em Mannheim, da Sociedade Alemã para
a Luta contra as Doenças Venéreas, ficou estabelecido que "a mãe compete, em primeiro lugar,
iniciar as crianças nos fatos da vida sexual". Do mesmo parecer é Havelock EIlis, uma das mais
reputadas autoridades no assunto.
De modo esquemático, poder-se-ia, talvez, admitir a educação sexual procedida peda-
gògicamente em três séries:
1
a
série — A cargo da mãe ou da tutora.
2- série — A cargo do pai ou do tutor.
3
â
série — A cargo do educador e do médico.
Como disse, a mãe cabe, naturalmente, responder as primeiras perguntas curiosas dos
filhos e, por isso, compete-lhe dar as primeiras instruções. Ao pai incumbe, complementarmente,
prevenir os filhos mais crescidos sobre os perigos das más companhias e dos perigos resultantes
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
das perversões sexuais; compete-lhe, também, concitá-los ao respeito próprio e de seus com-
panheiros, amedrontando-os, talvez, quanto as conseqüências nocivas das leituras, conversas e
práticas obscenas.
Torna-se indispensável, pois, para boa e segura atuação dos pais, que eles estudem estes
assuntos. Como poderão tratar da reprodução dos vegetais e animais? Como estabelecer
exemplos elucidativos e convincentes sem conhecer a questão? Tem grande importância explicar
as crianças o modo pelo qual se processa a reprodução dos vegetais. O pólen e o pistilo servirão
de base e de pretexto para orientá-las quanto as diferenças sexuais nas plantas. Deste modo, a
pouco e pouco, conseguir-se-á, sem despertar idéias maliciosas, fazer compreender as noções
elementares da fecundação. Mais tarde explicar-se-ão as diferenças anatômicas dos órgãos
genitais dos animais e, finalmente, do homem e da mulher.Convém que estes ensinamentos sejam
ministrados isolados e não conjuntamente, a não ser em casos especiais, como no de Mme
Schmidt. Nunca usar, como disse anteriormente, reticências ou explicar como se estivesse
revelando fato misterioso. Falar com naturalidade, como se estivesse explicando o fenômeno da
visão ou da audição.
Aos educadores cabe a importante missão de esclarecer, de modo didático e com certos
detalhes, o importante problema da reprodução. Desde logo, convém assinalar o velho e
condenável hábito de subtrair do programa das classes mais adiantadas dos cursos preliminares
esta parte da fisiologia, por falso e injustificável zelo ou pudicícia, como se ela representasse
coisa imoral, indigna de ser estudada. O ensino tem sido, por isso, hipocritamente truncado; não
consta dos programas escolares o mecanismo de reprodução animal, figurando, porém, o dos
vegetais, como se o primeiro fosse obsceno e o segundo não.
Estas questões poderão ser lecionadas pelo professor de História Natural, desde que se
julgue com força para manter o respeito do auditório. Convém que as lições sejam separadamente
para os meninos e para as meninas, e adaptadas ao interesse dos respectivos sexos. O sucesso
do ensino depende sempre do tato e da habilidade do mestre.
Eis aí, em rápido esforço, o método que julgo viável para a educação sexual a ser executada,
respectivamente, pela mãe, pelo pai e pelo educador as crianças. Ao entrar na puberdade,
toda conveniência de os pais informarem os filhos sobre o perigo dos males venéreos e de
convencê-los quanto as vantagens da continência.
Ao médico inspetor escolar ou ao médico da família compete renovar estes conselhos e
chamar a atenção dos adolescentes para os deveres dos indivíduos em relação a vida matrimonial
e a descendência. Convencê-los de que cada indivíduo é o "depositário efêmero de um legado
eterno", impondo-se a cada um defender, com o maior carinho, tal legado, que representa a
felicidade dos descendentes, evitando, a todo transe, expô-la aos riscos de estroinices e
dissoluções. Devem, pois, todos resguardar-se para o matrimônio, do mesmo modo que é
exigido da mulher.
Em relação ao casamento, convém, tanto ao homem como a mulher, informar-se sobre os
cuidados higiênicos a praticar. A educação sexual é importantíssima para evitar as conseqüências
lamentáveis, a miúdo registradas devido a ignorância completa dos nubentes, mesmo entre os
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que se julgam instruídos neste particular. Não é raro casarem-se jovens ignorando que a mulher
apresenta uma fase menstrual, como não é raro moças entrarem para o matrimônio ignorando as
mais comezinhas medidas de higiene a serem observadas, principalmente durante a gravidez.
CONCLUSÃO
Impõe-se como medida de preservação individual e coletiva, baseada no mais alto interesse
da espécie, que se proceda a educação sexual gradual e paulatina das crianças, dos jovens e
mesmo dos adultos, a fim de que o mais nobre ato, que é o da geração, não continue a processar-
se apenas sob o impulso instintivo, só compreensível e admissível entre os animais irracionais.
TESE N
s
78
PELA PERFEIÇÃO DA RAÇA BRASILEIRA
Nicolau Meira de Angelis
Escola Normal Primária de Ponta Grossa, PR
Não invento, não fantasio, não exagero: venho apenas revelar, neste trabalho, um resumo de
investigações, de verdades que a imprensa do País tem difundido no louvável intuito de
regenerar a raça.
São contingentes os alvitres e sugestões para uma obra de são patriotismo que não pode
ser apenas confiado a classe médica. Devem os meus colegas, e o governo sobretudo, se inte-
ressar por estes assuntos: corrigir os defeitos, debelar os males, anular os malefícios, estimular
os bem-intencionados, modificar este regime de apatia, de indiferentismo, para que num novo
estado de coisas se acredite num país triunfante, digno do século em que vivemos.
O presente trabalho é apenas um resumo, uma ntese; deve por isso mesmo apresentar
deficiência, mas entendi que seria desnecessária obra de excessiva documentação, coisa puxada a
substância no afã de preocupar por longo tempo a atenção dos congressistas. Demais, não sou
médico, apenas educador e um enamorado destes assuntos que se referem ao progresso da minha
e da nossa Pátria. E estando em meio de inteligências aprimoradas, acostumadas ao trato da
ciência e dos mestres, creio, minhas intenções, meus ideais merecerão apoio: apresentarei alguns
alvitres certo de que, aplicados, executados, muito haveremos de contribuir para a perfeição da
raça a que pertencemos, e assim, e só deste modo, dentro de algumas décadas, há de a nossa
estremecida Pátria se integralizarem seus imortais destinos, porque eu não acredito na supremacia
dos exércitos e no triunfo do armamentismo. Lavra-se e campeia-se na raça o germe destruidor
que acarreta a degeneraçao dela, e este povo estará, por isso mesmo, condenado ao desapareci-
mento: será vencido, será subjugado pelas raças mais fortes. E uma lei a que não nos podemos
furtar, e o dilema que se estabelece é de uma clareza idêntica a claridade do sol: ser forte ou deixar
de ser. Daí podemos aquilatar o interesse, a necessidade imprescindível que se impõe ao País: a
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
solução dos problemas de higiene no Brasil, onde a degenerescência assenta o seu reinado, senho-
ra absoluta, criadora de anormais, de tarados, inimiga implacável da raça.
Foram, pois, os sentimentos de amor pátrio que me levaram a dissertar sobre este assun-
to, embora não sendo higienista ou médico.
A INFLUÊNCIA DOS EXCITANTES E O MEIO
Enquanto o coração trabalha, enquanto existe no organismo o sublime mistério da vida, o
mundo nos apresenta as mais diversas impressões. O nosso estado d'alma varia de acordo com
as sensações provenientes do meio em que vivemos. A luz, as cores e a forma trabalham no
cérebro humano: excitam, deprimem, deliciam. Oferecem, cambiantes, as mais extraordinárias
diversidades que se justificam, porque o homem é um transformador das energias exteriores.
Elas produzem efeitos e resultados tão sublimes que causam admiração e surpresa para os que
intencionam compreender-lhes a natureza. E a capacidade que o homem possui de se adaptar
aos meios, de receber os excitantes, as energias externas, de as transformar e compreender o
mundo e o universo é a causa e a razão de ser de várias circunstâncias, de fatos e de
acontecimentos. Não quero entrar nos debates do determinismo, mas sou propenso a acreditar
que o homem e os excitantes determinam a natureza da vida intelectual, moral e física. Fazem e
estabelecem todas estas surpreendentes diversidades de caracteres, de anomalias e aberrações
de virtudes e milagres de perfeição. O mundo continuará sendo o mesmo, e o tempo, imutável,
sem cambiantes, assistirá as transformações das raças. São anomalias hoje e amanhã: umas
para a evolução, outras para o aniquilamento da própria vida. Passam os séculos e, no decorrer
do tempo, que de diversidades para a espécie! Que de transformações sutis! Que de diferenças
no modo de sentir e interpretar a própria vida!
Na atualidade, o meio físico e a civilização oferecem os contrastes mais diversos, as
diferenças mais características de uma raça para outra, de uma população para outra população,
de um lugar para outro lugar. Jamais se poderia comparar o meio físico e intelectual que originou
o gênio de Kant com os povos da Malásia. Não se poderia admitir que num século em que
floresciam as letras e as ciências, ressaltando as maravilhas das estrofes de Castro Alves, o
gênio de Rui não encontrasse meios para revelar os tesouros da oratória estereotipada em
páginas que as gerações hão de conservar como laivos de luz de uma alma de eleito. Medrasse
o autor incomparável daRéplica entre os abissínios, após o seu desaparecimento do mundo dos
vivos a morte não lhe seria ressurreição e imortalidade. Seria antes um apagar de luzes, a cessação
da vida, o esquecimento. Não teria conseguido tantos títulos de glória, tantas conquistas de
talento, de cometimentos de vulto que, sobremodo, conquistaram motivos para o orgulho da
raça a que pertencemos. Seria irrisório e contra-senso o cotejo psicanatômico entre os recém-
nascidos em meio de raças inferiores com os originários de povos civilizados. A ciência tem
demonstrado os caracteres diferenciais, as predisposições intelectuais resultantes do aperfeiço-
amento do indivíduo, o que importa logicamente no desenvolvimento da espécie.
Entre os luminares da ciência está a palavra do erudito Rager a confirmar estes contrastes.
Por isso, a vida de uma raça deve ser encarada sob prismas diversos e obedecer sempre as leis
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imutáveis da evolução humana; contudo, não devemos esquecer a influência poderosa dos exci-
tantes e cogitar do seu equilíbrio. Parecerá paradoxal a terminologia empregada: devo por isso
mesmo frisar que, afora o cabedal de perfeição adquirido pela espécie, para o calvário do bem
ou para os triunfos do mal, os excitantes decorrem da civilização, do florescimento das letras,
das ciências, das artes e, sobretudo, das condições de higiene dos povos, tendo como corolário
característico e inalienável a capacidade do self-control, do self-government, determinada
pela energia da saúde ou, em outras palavras, pelos meios de defesa do organismo, essa pode-
rosa e formidável capacidade de reagir contra as infecções microbianas, de se conservar isento
a ação perniciosa dos fatores de degenerescência.
Acredito, por isso mesmo, numa raça em que os excitantes se equilibrem, sem esses
contrastes que geram os casos teratológicos das anomalias mentais. Naturalmente, em condi-
ções de sentir e de reagir, sem os transtornos e as desordens físicas, a raça estará em privilegi-
adas condições de conseguir as últimas etapas da evolução. Nas espécies em que as moléstias
fazem os seus estragos, os seus danos inomináveis, registrar-se-á um déficit de energias físicas a
refletir no depauperamento intelectual e a determinar, ipsis verbis, as suas condições de inferi-
oridade no concerto de outros povos.
Desalentadas e enfraquecidas, muito embora o verniz da civilização faça os seus apa-
rentes lauréis, essas espécies serão sempre as mesmas, sempre tardias nas conquistas e nas
vitórias do saber. E a influência dos excitantes, longe de concorrer para a perfeita elaboração
das idéias, dos surtos e vôos do pensamento, para as empreitadas das investigações cientificas,
para as criações dos monumentos jurídicos e literários, para a edificação da raça, concorrerá
mais, bem mais, para o povoamento dos manicômios, para a proliferação de anormais, para
a inutilidade da escola e de todas as energias e esforços das cruzadas em prol da felicidade
humana. Sim, as influências dos incitantes hão de cessar o seu inenarrável poder, quando os
olhos se fecharem para a cessação da vida, quando a morte, rondando entre os vivos, levá-
los ao esquecimento dos túmulos. Só ali, na música feral da decomposição, extinguir-se-á o
trabalho das cores, esse batalhar de luz, essa peleja de excitantes a que os vivos não se furtam
na trajetória da vida.
A DEGENERAÇÀO
Se, por um lado, as salutares influências da higiene, do trabalho intelectual, moral,
artístico e físico podem determinar as raças excelentes condições do progresso, os primores, os
encantos e as maravilhas da perfeição, vários fatores de degeneraçâo concorrem para o seu
aniquilamento.
Não se cansam os médicos de apontar, em estatísticas que os jornais publicam, os ruino-
sos e desastrosos efeitos da degeneraçâo. Andam em livros, em artigos de jornais, em revistas,
em compêndios inúmeros, preciosos apontamentos sobre a degeneraçâo. As estatísticas, longe
de diminuírem, continuam numa fase ascendente, a revelar as misérias e os horrores da própria
vida. E, por isso mesmo, como fatores perniciosíssimos a evolução, as moléstias infecciosas
depauperam, aniquilam, deprimem, matam, horrorizam, mutilam e flagelam a humanidade. Daí a
corrupção, o depauperamento, as condições de atraso, de inferioridade.
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No Brasil, afora as capitais onde se cuida dos magnos problemas de higiene, ainda tudo
está por fazer. Talvez por isso Miguel Pereira proferira uma verdade que vale por um postulado
cientifico: "O Brasil é um vasto hospital". Não houve da parte do erudito homem de ciência o
arrojo de uma expressão a descambar numa hipérbole.
A Sífilis, a tuberculose, a papeira parasitária, a opilação, as moléstias infecciosas se alas-
tram, se difundem de braços dados ao alcoolismo. Seus prejuízos, seus danos, seus malefícios,
seus perniciosíssimos efeitos atrasam e martirizam o povo brasileiro. Demais, não encontram
anteparos e freios, diques e barreiras que possam cercear, restringir a degeneração.
Nos centros civilizados, malgrado os esforços dos postos de profilaxia, há milhares de
enfermos. Sob os ouropéis do luxo, quanta gente necessitada dos cuidados médicos e desprovida
de tenacidade e constância no tratamento! Raros os que se curam da Sífilis, como devera ser.
Nas fábricas, a carne humana vive sob os ferrões dos bacilos de Koch; a peste branca é impiedosa,
monstruosamente impiedosa e má. Que falem os médicos, que falem os que vivem nos hospitais,
porque estes podem verificar os horrores de tantos males que nos infelicitam e nos desgraçam.
A SÍFILIS, FLAGELO DA HUMANIDADE
Desde o século XV, a Sífilis vem causando uma série interminável de malefícios para a
humanidade. Pode-se dizer que ela abala o céu e a terra, devasta as populações, enche as
cidades de enfermos, de anormais; aniquila, deprime, avilta, desengonça e mata. Seus malefícios
são inomináveis. Nada pode dar idéia exata das conseqüências perniciosíssimas desse feroz
inimigo dos povos. É um monstro que tudo devora, que se alimenta de calamidades, de horrores
sobre horrores.
Em 1915, Shaudiun descobriu o Treponemapallidwn, o agente de tantas infelicidades.
Era o advento de uma nova fase de esperanças para a ciência, de novas possibilidades de cura.
Seguiram-se alguns progressos, e o tratamento, se bem que demorado, se reduziu a um tempo
mais curto, conseguindo debelar de pronto os primeiros sintomas.
Em alguns países, a Sífilis vai combatida tenazmente. Em vários estados norte-americanos,
todo indivíduo atacado de moléstias venéreas responde criminalmente pelo crime praticado
contra a raça e a humanidade.
Causa assombro e espanto o desleixo e a incúria dos governos sobre esta magna questão
que tanto infelicita o nosso povo.
O combate deve ser mais intenso, visto como a Sífilis produz toda a sorte de imperfeições
e de anomalias. Vejamos os seus horrorosos resultados: perturbação no crescimento,
deformidades ósseas, raquitismo da prole, anomalias dentárias, nevralgias rebeldes, deformidades
cranianas, deformidades dos membros e do tronco, convulsões, incontinência da urina, gagueira,
tiques nervosos, perturbação no desenvolvimento mental, imbecilidade, neurastenia, epilepsia,
demência, endocardites, fealdade, monstruosidades e envelhecimento precoce.
Como se vê, cria esses casos teratológicos, esses monstrengos humanos: filhos degenerados
e estigmatizados pelo ferrão do monstro implacável.
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Renato Kehl, notável autoridade médica que aqui se encontra, tratando do assunto assim
se exprime: "A Sífilis é o mais notável fator iconoclástico que atenta contra a plástica humana.
Quase que se poderia aceitar como exata esta equação: fealdade = Sífilis". São as palavras do
notável higienista.
Realmente, como não há de a Sífilis combater a plástica humana, se ela desengonça, repuxa,
achata, arrebita, disforma, entorta, aleija e procria monstros?
A SÍFILIS NAS MOLÉSTIAS MENTAIS
Eu não direi que só a Sífilis seja a única causadora das moléstias mentais. Entre outras,
devemos ressaltar os casamentos consangüíneos, a prisão celular, etc. São fatores preponderantes,
mas eu quero crer, segundo várias opiniões, que a Sífilis é o maior causador dessas moléstias.
Cria manicômios, hospícios. Segundo algumas estatísticas, 50% das moléstias mentais são
provenientes desse terrível flagelo da humanidade.
Vezes há em que, na Sífilis hereditária, o indivíduo não se revela completamente desequi-
librado: casos de manias, desordens intelectuais. Parece normal, perfeitamente normal. Só o
estudo dos ascendentes, o estudo rigoroso e a observação dos médicos podem esclarecer as
anomalias que o indivíduo sofre. E quantos casos que se furtam as investigações científicas...
Os melancólicos têm alternativas de mudanças físicas, mas quase sempre são tristes e
desanimados. O mundo não lhes causa expansões de júbilo. Revelam uma hipestesia maior ou
menor, de modo que o enfermo não está em condições de se constituir um bom elemento social.
Não revelam apenas uma depressão nervosa, como têm uma falsa representação e significação
dos excitantes externos. A luz que é frouxa lhes parece excessivamente brilhante. Assustam-se
com os barulhos repentinos. Outras vezes, nesses estados depressivos, a comida não lhes tem
sabor. As cores não surgem distintas: é o "gris" patológico. O mundo em que vivem é outro, bem
diverso desse que sentimos. O traço característico d'alma é o desalento, o desânimo, a tristeza.
São naturalmente candidatos a loucura. Quando assim não se revelam, são freqüentemente
improdutivos, homens de pouca ação, de restritos cometimentos.
Quando o indivíduo é são, tipo normal, o processo do pensamento se faz com facilidade;
contudo, suas obras, suas produções variam de pessoa para pessoa, dependendo do talento,
do grau de cultura, do hábito de produzir, da educação, do meio, etc. Uma mais, outras menos,
resistirá a analise da crítica. Mas, em condições patológicas, fica o enfermo sob a influência da
euforia ou de um sentimento de si mesmo exaltado. Terá outras vezes idéias de grandeza, manias
mais ou menos intensas, resultantes da enfermidade. Outros enfermos primam pela distração;
são casos de desordens da memória. Afrouxa-se a tenacidade da atenção. Não está o indivíduo
em aptas condições para ser um perfeito transformador das energias do meio físico. Encontra o
cérebro óbices, dificuldades na elaboração do pensamento. Emperra a máquina. Qualquer
perturbação semelhante ao baralhamento dos fios telefônicos. A vida subjetiva não é normal e,
por isso mesmo, o enfermo não possui possibilidade de vencer na luta da existência. Falta-lhe
lógica; prima pela incoerência. Nos casos em que recebe com êxito os estímulos sensoriais, dá-
se-lhe a fuga das idéias, em grave perigo para a associação delas. Estabelece-se a confusão.
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Vendo um relógio, pensará ou há de falar sobre o objeto que se encontra diante dos seus olhos.
Mas não é constante; varia logo que haja qualquer coisa que lhe solicite a atenção — um armário,
uma mesa —, que de cambiantes, que de volubilidade! Pode-se contudo admitir que as idéias
surjam mais rápidas, sem o emperramento dos condutores dos excitantes, e até com associação,
com lógica e discernimento, como também poderá dissertar com verve, causando agrado. "AH
depends of the developement of the illness" — tudo depende do desenvolvimento da moléstia.
Na maioria das vezes, devido as desordens das percepções, as idéias são incompletas, num
fracasso de associação. Estes transtornos mentais fazem parte das síndromes maníaco-depressivas
mistas. Lipmann trata deste assunto e refere-se as anomalias da atenção. Por certo, os incapazes
de elaborar a associação de idéias apresentam anormalidades referentes aquela faculdade da
alma. Se a causa do mal perturba trabalho da idéia, e dependendo esta das excitações, claro
que a atenção há de apresentar desordens que justifiquem a relação entre os pensamentos.
Nos epiléticos, devido a debilidade congênita e cerebral, a associação de idéias é mais ou
menos idêntica a dos imbecis. Não direi, contudo, que não existam características específicas. É
notável a lentidão no curso das imagens; ressalta-se a dificuldade de elaboração de idéias e
pensamentos que fazem o epilético vacilar e titubear. Há, porém, inúmeras exceções.
O VALOR DO INDIVÍDUO E A IMPORTÂNCIA DO ESTADO
Estes enfermos acima descritos são, pois, elementos ruins para a grandeza de um Estado,
porque o valor do Estado depende da capacidade intelectual, moral e física de cada habitante
do solo. E mesmo não se pode compreender que a sua indústria, comércio, lavoura, artes,
ciências e letras se desenvolvam, floresçam, frutifiquem, quando os seus filhos não se encontram
em condições de revelar a opulência das suas atividades.
E as doenças mentais, resultantes das moléstias infecciosas, do alcoolismo, ocasionam
inomináveis prejuízos individuais, incapacidade para o trabalho, o que logicamente importa num
prejuízo considerável para as rendas do País, prejuízos para a prosperidade da Nação; em
síntese, em resumo: debilitamento da raça, desvirtuamento da nacionalidade.
Mas há de alguém afirmar que nas escolas públicas não aparecem casos de moléstias
mentais, apenas uma porcentagem insignificante delas.
Não é exato. Na Escola de Aplicação de Ponta Grossa verificou-se um caso de alienação
mental de uma menina de doze anos de idade. Seus ascendentes eram sifilíticos. E assim como
este, casos graves outros há que se confundem, que esclarecem as anormalidades. Se fosse feito
um exame criterioso da juventude e da infância escolar, seria ocasião de se registrar casos como
estes: dificuldades de percepção e compreensão, desordens de associação de idéias, idéias
fixas, manias, desordens da memória, desordens da consciência, desordens da afetividade, de-
pressão nervosa, melancolia, neuroses, Sífilis latente, desordens da atenção, debilidade mental,
imbecilidade.
Não exagero, não invento: a prática e o constante contato com as turmas juvenis, o estudo
dos mestres dão-me convicção do que afirmo.
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E como ainda não temos escolas para anormais, os tardios de inteligência jamais poderão
ser bons alunos.
O QUE DEVEMOS FAZER
Nosso dever como professores é difundir nas escolas, as classes mais adiantadas, as
conseqüências da Sífilis, do alcoolismo e outros fatores de degenerescência: é tratar da educação
sexual, mostrar aos jovens as conseqüências de uma vida desregrada, os benefícios da virtude,
de uma vida moralizada, de uma vida cristã.
É difundir os conhecimentos da higiene por meio de livros repletos de ilustrações, gravu-
ras, dizeres frisantes em todos os recantos da Pátria, numa campanha persistente, metódica,
bem dirigida, com intuitos de colher resultados depois de largos anos de trabalho, porque seria
irrisório pretender-se regenerar os costumes ex-abrupto. Só a energia dessa força de vontade
e a tenacidade da campanha poderão trazer frutos benéficos para o povo.
Por outro lado, é preciso imitar o exemplo norte-americano: não deixemos ajeunesse
dorée as eventualidades e aos perigos ameaçadores dos focos sifilíticos e de todas as moléstias
venéreas.
Deveriam ser as casas de tolerância fiscalizadas pela higiene: internadas as "independen-
tes" enfermas em hospitais até completa cura, e nesses centros de desvirtuamento moral entras-
se a campanha contra os agentes demolidores da raça, a advertência da ciência, o conselho da
higiene, a extorsão do bom senso, até que, dentro de vinte anos, estivesse o povo livre dos
males e horrores da Sífilis. Estou de acordo com Afrânio Peixoto.
Mas não é só a Sífilis o nosso mal. Façamos a propaganda contra a tuberculose, o alcoo-
lismo, porque não é dever, é uma obrigação: é a necessidade de zelar pela saúde pública e
cuidar da perfeição da raça brasileira, que amanhã há de integralizar o País em seus imortais
destinos; é o que nos dita a voz da razão, a advertência da religião, o amor ao nosso semelhante,
o amor a Pátria.
UMA MEDIDA DE ELEVADO ALCANCE
O senhor Amaury de Medeiros, médico e higienista, explanou na Câmara a questão do
exame pré-nupcial, revelando mais uma vez ao País o seu grande interesse pela saúde pública e
bem-estar do povo brasileiro. Refere-se ao Instituto Graffé Guinle e trata com proficiência das
chamadas moléstias venéreas, causas da infelicidade dos lares brasileiros.
A certo ponto diz o ilustre médico, e este trecho é de grande importância ao elemento
feminino:
Não são ainda raros os homens fulminados por lesões nervosas e vasculares, invalidados por
lesões viscerais, aleijados por lesões ósseas e articulares, e as mulheres que, além de tudo, ainda
somam as intervenções mutilantes em que a cirurgia salva-lhes a vida, matando o sexo e as trans-
formando em fantasmas vivos, sombras humanas sem expressão, sem alegria, flores murchas e
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tristes. Para esta classe de doença, as mulheres que se casam são as vitimas. Elas sao indenes para
o marido e recebem dos maridos o nome e a doença e, já porque o seu natural pudor dificulta o
tratamento, já porque a sua anatomia abre portas para a glória da maternidade, o fato é que elas se
expõem as vicissitudes das mais largas e devastadoras contaminações.
Defendeu o ilustre médico o projeto de lei sobre o exame pré-nupcial, estando este as-
sunto merecendo os cuidados da Câmara. Deus queira que dentro de pouco tempo se converta
em realidade! Será mais uma conquista para os nossos foros de povo civilizado, um poderoso
anteparo a degeneração da raça, um beneficio não somente a mulher brasileira como uma
necessidade inadiável que há muito tempo se impunha para extinção desses flagelos que tanto
dizimam a humanidade.
Mas o exame pré-nupcial será suficiente?
Não posso admitir que, embora esteja em vigor, a lei que há de regular essa parte referente
ao casamento seja completa, de tal modo que solucione cabalmente o assunto em foco. Mas
não há dúvida que excelente porcentagem dos males serão evitados; já é um grande, um
extraordinário bem.
Muitos jovens deixarão de se casar, e as estatísticas virão revelar não somente o número
considerável de sifilíticos, como de indivíduos atacados de blenorragia. A este propósito não
são descabidos alguns comentários. Difícil, dificílima sua cura, quando não for tratada logo de
começo. Esta incúria é o maior mal que advém. Casa-se o homem supondo estar completamente
curado. Como conseqüência deste ato de irreflexão, sofrerá a esposa de cruéis padecimentos;
sofrerão os filhos. Como hão de ser robustos e fortes, se desde o berço já recebem e passam
pelas torturas deste flagelo?
Demais, a blenorragia causa malefícios inomináveis. Entre outros, são dignos de registro
os seguintes: reumatismo, sinovites, endurecimento das articulações, miocardites e endocardites,
salpingo-ovarites, oftalmia purulenta, cegueira.
Como se vê, não basta o exame pré-nupcial. As exigências para a perfeição da raça
exigem maior número de iniciativas.
Por isso que se impõe como um dogma a moralização de costumes, a difusão dos
conhecimentos da higiene. E não é tarefa de difícil solução; basta a boa vontade e o desejo dos
diretores dos postos antivenéreas de extinguirem estes males, amparados pela boa vontade dos
governos e pelo exemplo dos mestres.
O ALCOOLISMO
Muito se tem falado sobre o alcoolismo. Ninguém medianamente instruído desconhece
que ele ataca o cérebro e todos os órgãos, contribuindo poderosamente para o depauperamento
do organismo e a descendência de anêmicos: filhos disformes, aleijados, cujos dentes revelam
má implantação; anomalias e desproporções que, sobremodo, contribuem para a fealdade do
tipo nacional.
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É o alcoolismo um dos maiores inimigos da perfeição da raça; ao lado da Sífilis, tem
prodígios de destruição.
Não será suficiente a campanha contra o álcool por meio de conselhos. Ela deve ser feita
pelo cinema, dentro das escolas, por meio de estampas sugestivas: campanha assídua, tenaz,
persistente. Além disto, são imprescindíveis o aumento dos impostos sobre as bebidas alcoólicas
e a propaganda das nossas águas minerais nos hotéis, como substituto ao álcool.
AS ENDEMIAS E A EDUCAÇÃO
É vezo antigo, é hábito, é vício: não há quem não critique o pobre e desventurado caboclo,
esse bravo e denodado desbravador dos sertões a quem devemos o avanço da civilização.
Crítica mordaz, remoques e dicacidades toda vez que se oferece ensejo para o aviltar,
para o diminuir.
Na literatura pátria, entra o caboclo como arlequim, motivo de pilhérias, alvo de zombarias
dos eternos critiqueiros, e até de piedade e comiseração.
É uma injustiça que se pratica. No dizer de Euclides da Cunha, o sempre lembrado autor
de Os Sertões, "o caboclo é antes de tudo um forte".
Aniquilam-no, contudo, as malárias e as endemias. É o mártir da incúria e desleixo dos
governos. Vive doente, atacado de todos esses males no meio da riqueza, dos prodígios da flora
e da fauna, das pompas da natureza, da exuberância do solo. Parece um contraste com as
maravilhas da terra nababesca, pródiga de encantos e surpresas.
Não é o sertanejo indigno dessas opulências. A sua inferioridade é conseqüência direta das
doenças que o deprimem. Contudo "são evitáveis, podem e devem ser evitadas, porque são evitáveis".
Oswaldo Cruz extinguiu no Rio a febre amarela; os americanos, o impaludismo na região
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. São Paulo, com a obrigatoriedade da vacina, extinguiu
a varíola; o Paraná, com o Sanatório da Lapa e o Leprosário São Roque, combaterá a morféia
e a tuberculose. A comissão Rockefeller, combatendo a opilaçao, restituiu a sociedade inúmeros
braços para o trabalho dos campos, um dos fatores do engrandecimento nacional. Mas o
saneamento, a profilaxia, a higiene não são elementos suficientes de combate. É preciso a
educação, como o maior recurso para os milagres da regeneração física. A educação higiênica
se impõe, como um postulado da razão, como necessidade inadiável e imprescindível, como um
dilema de sobrevivência ou iluminação. Deve ser a peleja de hoje, a luta de amanhã, o combate
de sempre. E nessa cruzada entrem os professores, os médicos, os jornalistas, os homens de
Estado, os dirigentes da Nação, a fim de se conseguir a educação sanitária do caboclo, após a
qual hão de desaparecer a imprevidência dos recursos e desprezo da saúde, a incapacidade de
trabalho, a injustificada miséria do sertanejo entre as galas e as opulências da natureza.
E esse nobre, alevantado desideratum se há de conseguir pela educação, pela escola,
pela imprensa. Sim, todos os nossos esforços para a prosperidade do Brasil e felicidade dos
nossos patrícios. Tudo para a Pátria e tudo pela Pátria.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE Nº 79
A ESCOLA REGIONAL DE MERITI — UMA TENTATIVA DE
ESCOLA MODERNA
Armanda Álvaro Alberto
Rio de Janeiro, DF
mpossibilitada de comparecer pessoalmente, ou um dos outros membros da diretoria da
Escola Regional de Meriti, a I Conferência Nacional de Educação, tenho, entretanto, a satisfação
de enviar um resumo do que tem sido a vida de nossa tentativa pedagógica.
ANTECEDENTES
Tendo observado de perto, em convivência longa, vários grupos de população brasileira,
do centro e do nordeste do País, sempre interessada pelos problemas de educação no Brasil,
aproveitei, durante uma estada de muitos meses numa praia de Angra dos Reis, em 1919, a
primeira oportunidade que se me oferecia para ensaiar uma escola. Apareceram prontamente
cerca de 50 crianças, para as quais não existia escola pública ou particular por toda a redondeza.
Não tendo coragem de rejeitar nenhum desses alunos, que têm dos 3 aos 16 anos, organizei as
turmas, com a homogeneidade possível em tais circunstâncias, e pus-me a praticar o que estudara
nos livros de Montessori. Era pouco, por causa dos alunos mais velhos. Enfim, experiências,
tropeços, não é mister recordá-los aqui, bastando acentuar que lidava com crianças, adolescentes
mesmo, que não sabiam sequer dar nome as cores, salvo a dos frutos verdes e maduros, que
ignoravam sua condição de brasileiros que, dos engenhos da civilização moderna, apenas
conheciam os vapores costeiros e os navios de guerra, de vez em quando ancorados na baía. Os
desenhos espontâneos, que ainda conservo, são documentos fiéis daquela mentalidade.
Para compreensão de tanto atraso é preciso lembrar que o impaludismo, a opilação e o
alcoolismo degradam a população da Ponta da Cidade — tal e qual a de Meriti. Além da pesca,
ocupação de todos os homens, existia uma indústria, a de aguardente; lavouras, unicamente a da
cana e a da bananeira, em escala reduzida.
Aquela escola ao ar livre, a sombra dos bambus, cujo mobiliário constava de uma mesa,
uma cadeira e esteiras pelo chão, onde as manhãs eram consagradas a distribuição de remédios
e onde muito material escolar era improvisado do que pudesse ser aproveitado, se foi a escola
que iniciou alguns patriciozinhos nas coisas primordiais da vida, foi também a nossa própria
escola, a que preparou essa outra de Meriti, fundada menos de um ano depois de sua extinção.
OBJETIVOS FUNDAMENTAIS
Eram propósitos, ao fundar-se a então Escola Proletária de Meriti, continuar o que fora interrom-
pido em Angra: um ensaio de escola moderna, regional, criada e mantida por iniciativa particular.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
I
FEIÇÕES PRÓPRIAS
Não tendo sob os olhos nenhum modelo a seguir, foi inaugurada em 13 de fevereiro de
1921, sem um só programa escrito; tomou desde o começo, no entanto, a feição de um lar-
escola, embora externato, com número limitado de alunos, a quem não se dão notas, prêmios ou
castigos. A orientação geral apresentava-se resumida em quatro cartazes com os dizeres: Saúde
— Alegria — Trabalho — Solidariedade. Juntamente com a Escola, considero o anexo
indispensável, a Biblioteca Euclides da Cunha, repartida em três seções—para alunos, professores
e moradores de Meriti. Um museu escolar foi-se logo organizando, em parte com as contribuições
trazidas pelos próprios alunos, da natureza local. Muito naturalmente, as funções domésticas,
mais as de auxiliar da Biblioteca e do Museu e outras que a vida do estabelecimento ia exigindo,
foram sendo exercidas pelas crianças. Nunca tivemos um servente ou outro empregado para
tais misteres.
A diretora e os membros do Comitê de Auxílio, doutor Francisco Venâncio e comandante
Coriolano Martins, davam aulas para orientação das professoras e conhecimento individual de
cada aluno. A diretora começou então, ainda seguindo a Montessori, a escrever suas notas no
Livro de Generalidades, sobre a criança, que hoje, bastante modificado, continua a ser feito.
O primeiro programa escrito — isso era de esperar—foi o de Higiene, para o 1 ° grau do
curso (hábitos de saúde). Ainda hoje temos programas em elaboração. Todos são acompanhados
de instruções destinadas as professoras, que suprem os compêndios inexistentes, e de indicações
bibliográficas (livros todos da Biblioteca Euclides da Cunha).
Dadas as condições em que vivem nossos alunos, cedo compreendemos que a sua escola
não devia ter férias completas. Assim, a assistência médica e as aulas de trabalhos manuais não
se interrompem nesse período. "Afeiçoada pelo seu próprio meio é que será capaz de reagir
eficazmente sobre ele", está dito no 1 ° relatório anual da diretora.
FEIÇÕES QUE SE ACENTUAM
Li afeição de Escola Casa de Família, baseada na liberdade, no trabalho individual,
nos hábitos de saúde, na alegria com que se desempenham as funções domésticas; se essa face
evidenciou-se desde os primeiros dias, a outra, de ação na vida local, direta, foi surgindo a partir
do 3
o
ano de existência da Escola, com o1º Concurso das Janelas Floridas, em 1923. São
notórios a indolência e o descaso por tudo o que não seja o estritamente necessário ao seu viver
de incultos, sem uma parcela de intuição na arte de aformosear a vida, entre os nossos roceiros.
Combater a fealdade e o desconforto de Meriti, dar-lhe a alegria e a sombra das flores e das
árvores, tais são os fins visados pela iniciativa da Escola.
A princípio, só os alunos floriam suas janelas; depois, a população foi concorrendo
também, sendo distribuídos, em 1926, 64 prêmios, dos quais 26 aos moradores. Casas
construídas recentemente já apresentam nas janelas jardineiras decimento ou de madeira!
Claro é que a comissão julgadora das janelas floridas não concede prêmios aquelas
desacompanhadas de um quintal bem tratado. E o gosto pelas plantas vai-se desenvolvendo...
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Na mesma ordem de idéias, instituiu-se o Concurso de Criação, o ano passado (1926). Para
começar, 20 moradores foram premiados.
Em 1924 e 1925, realizamos exposições de trabalhos manuais aqui no Rio, a elas
concorrendo, de par com os alunos, os moradores. Da primeira vez expusemos 120 trabalhos e
da segunda, 232. Nossas aulas de trabalhos são franqueadas a pessoas estranhas a casa, a
quem estimulamos nos lavores mais característicos, tais os tapetes de aniagem tecidos a mão,
objetos de bucha, contas, etc. Quem sabe se não veremos nascer um dia uma indústria feminina,
caseira, das mãos rudes destas mulheres? Já temos um plano de cooperativa para elas, dependendo
principalmente de capital. Em 1928, pretendemos efetuar nova exposição. A Escola retira apenas
20% sobre o lucro das vendas na Exposição, quer se trate de trabalhos dos alunos, quer dos
moradores.
Que saibamos, coube a Escola Regional a fundação do primeiro Círculo de Mães entre
nós, o qual, como as outras afirmações de sua atividade, foi-se esboçando desde os primeiros
tempos, para, afinal, surgir em hora oportuna. Daí a sua eficácia. Tem dois anos e meio de
funcionamento, com programa especialmente traçado para aquelas mães, analfabetas em sua
maioria; higiene, educação familiar e economia doméstica são as três partes do programa, destinado
a preparar a cooperação que sonhamos das famílias com a Escola.
Dentre as campanhas em que se tem empenhado a Escola em favor da comunidade,
certo, a do saneamento é a mais importante. Este ano satisfez-nos essa aspiração, a maior do
povo meritiense, a Diretoria de Saneamento Rural.
Ainda incluídas em nossa campanha pelo saneamento devem figurar as conferências
populares, sempre realizadas na sala do cinema. Tem-se incumbido de quase todas o doutor
Belisário Penna, cuja ação apostolar sobre o povo é escusado encarecer.
Atualmente estamos iniciando o movimento escoteiro e bandeirante, dentro e fora da
Escola. Ao grupo de escoteiros já foi dado o nome de "Belisário Penna".
Em outras campanhas de menor alcance social tem-se envolvido a Escola; delas não nos
ocupamos por falta de espaço. Como se vê, a Escola tem lançado raízes profundas no seu meio
social. A doação do terreno para o seu prédio próprio, Nossa Casa, não é o reconhecimento
formal — por parte ao menos dos dois proprietários que a fizeram, doutor Bernardino Jorge e
senhor Manoel Vieira — daquela afirmação?
PROGRAMAS E MÉTODOS DE ENSINO
O curso completo da Escola está contido em quatro graus: três fundamentais e um de
aperfeiçoamento em desenho, trabalhos manuais, economia doméstica, jardinagem e criação.
Devemos advertir todavia que, não tendo até hoje nenhum aluno completado o 3
o
grau (todos
saem antes para ajudar a família), é possível que alguma alteração venha a ser feita imposta pela
experiência. Sendo Meriti um distrito meio rural, meio operário, de população instável (os
assentamentos doLivro de Generalidades provam-no de sobra), ora em caminho de sanear-se,
portanto, de reter os habitantes, futuras alterações podem ser feitas, segundo o tipo que venha a
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
predominar em sua heterogênea população. A proximidade do Rio de Janeiro, se lhe traz inegáveis
vantagens, traz-lhe, em troca, desvantagens sérias. Demais, é preciso confessar aqui, com franqueza,
que tivemos de modificar ou mesmo de desistir de muita coisa praticada com sucesso em meios
estrangeiros. É sabido que o principal, o único fator de eficiência dos métodos modernos de
educação é o professor. Infelizmente, desde que inauguramos a Escola, não temos tido maior
preocupação que a de preparar os professores por meio de aulas, empréstimo de livros, excursões,
etc. É doloroso constatar que, depois de tanto trabalho, quando começam a agir razoavelmente,
deixam-nos, nomeados para as escolas do governo (quase todos são normalistas) ou outro emprego
vantajoso. Outros não podem continuar por inadaptáveis aos métodos adotados.
Está reservado a professora-residente, se a encontrarmos em condições uma vez termi-
nadas as obras de Nossa Casa, um papel preponderante em nosso trabalho educacional.
Não podendo ainda adotar os "horários orgânicos" das escolas novas, praticamos, con-
tudo, o princípio de "não interromper uma atividade interessante", ao mesmo tempo que vamos
entrelaçando a mais e mais os conhecimentos nos exercícios que se executam, das seguintes
matérias: linguagem, desenho (fazem parte de todas as aulas), cálculo, geometria, trabalhos
manuais femininos e masculinos, jogos e cânticos infantis, estudos da natureza, higiene, jardinagem
e criação, geografia (especialmente do Brasil), história da humanidade (especialmente do povo
brasileiro) economia e trabalhos domésticos.
Os programas até agora prontos ou em andamento são os de estudos da natureza,
geografia, higiene ejardinagem, escritos por mim; desenho, pelo professor Edgar de Mendonça;
história (1
o
grau), pelo professor Francisco Venâncio Filho; cálculo, adaptado de Palau Vera
(indicação do saudoso professor Heitor Lyra), e geometria, de Heitor Lyra e Palau Vera, pela
professora da Escola, dona Laura Araripe; o de economia doméstica está sendo escrito por
Miss Maud Mathis.
Para a formação das turmas vigora o grande desenvolvimento intelectual, podendo o
aluno passar de uma para outra em qualquer época, porque não se fazem exames nem se corre
ou estaciona a espera dos colegas. Os anormais, os inadaptáveis ao regime da Escola e os que
faltam sem justificativas são eliminados.
As excursões, como aulas de geografia e estudo da natureza, são semanais. No Rio,
quando o permitem os recursos financeiros, visitam-se museus, fábricas, o Jardim Botânico, etc.
Os álbuns de postais e fotografias, sistematicamente organizados com notas explicativas, e as
revistas ilustradas prestam inestimável auxílio no ensino da geografia, da história e outros.
As salas são adaptadas ao ensino das diversas matérias, inclusive a cozinha e a sala de
jantar; temos um gabinete para os exames médicos e um banheiro, de bastante utilidade. Temos
uma vitrola, com discos escolhidos; o aparelho de rádio e o cinema serão para depois de
inaugurada Nossa Casa.
A educação sexual é iniciada no estudo das plantas e animais (que se cultivam e criam),
continuada na fisiologia humana (3° grau); mas não a consideramos bem feita, porque pensamos
que só aos pais compete fazê-la como deve ser feita, isto é, com oportunidade. O que a Escolafaz,
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
faz, e não é pouco, é habituar o espírito das crianças a considerar com naturalidade, com espírito
científico, podemos dizer, os fenômenos da reprodução. No Círculo de Mães tem-se procurado
prepará-las para o exercício dessa função educativa. Mas há ainda dificuldades a vencer. As visitas
domiciliares, efetuadas por uma professora, são obra complementar a do Círculo de Mães.
Mandamos as famílias boletins mensais, comunicando todas as atividades do aluno, os
exames de saúde, os atos de bondade que praticou (se os praticou), seguindo o seu desen-
volvimento sem compará-lo ao dos companheiros. Nada que se pareça com notas, pelo contrario;
estimulamos em cada um a autocrítica, desejosa, antes de tudo, de favorecer a formação de
homens e mulheres fortes.
Nesta data, freqüentam a Escola 61 alunos: 37 meninas e 24 rapazes. É o mês de menor
freqüência. Oitenta é o número máximo que aceitamos.
ASSISTÊNCIA GERAL
Além da educação gratuita, a Escola Regional fornece merenda, vestuário, calçado,
assistência médica e remédios. Ainda não obtivemos um dentista, nem a enfermeira-visitadora.
O médico e uma professora se encarregam das fichas sanitárias. A pobreza e a doença são a
regra em nossos escolares.
SITUAÇÃO FINANCEIRA
A Escola, em seus primeiros tempos, foi mantida exclusivamente pela firma F. Venâncio e
Cia., fabricantes do explosivo Rupturita, em Meriti; decorrido um ano e pouco, em 1922,
modificamos nosso plano inicial fundando uma caixa escolar, para a qual os moradores de Meriti
poderiam também contribuir. Passados outros dois anos, em 1924, o desenvolvimento da caixa
era tal que resolvemos transformá-la na Fundação Dr. Álvaro Alberto, agora com três seções:
Escola Regional de Meriti, Biblioteca Euclides da Cunha e Museu Regional de Meriti, as duas
últimas destinadas a auxiliar a primeira e a espalhar um pouco de cultura entre os adultos.
No ano financeiro terminado em setembro, a despesa total foi de 8:337$800. A Fundação
conta, hoje, 173 sócios contribuintes e 6 fornecedores de material.
Está funcionando em prédio próprio, não concluído ainda, desde abril deste ano, em cuja
construção se gastaram até agora 32:500$000.0 maior doador tem sido o comandante Álvaro
Alberto, com donativos que sobem a 14:000$000.
O município de Nova Iguaçu ofertou espontaneamente 500$000, único dinheiro do governo
recebido por nós.
NOMES LIGADOS À ESCOLA REGIONAL
Seria injusto atribuir-se a uma só vontade o esforço de que resulta nossa Escola. Os nomes
de Francisco Venâncio, Edgar de Mendonça, Belisário Penna, Heitor Lyra e Otávio Veiga,
colaboradores no passado e no presente, a ela estão ligados pelo muito que deve a cada um.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
CONCLUSÕES
Oito anos de ação e meditação, sulcados de acertos e desacertos, que, todos, redundam
em certa experiência, levam-nos as seguintes conclusões:
—Os métodos de educação, venham eles da Suíça, dos Estados Unidos, da Itália, desde que
se baseiem na liberdade, que consente a plena expansão da individualidade, e no trabalho, que leva a
criança a observar, a experimentar, a descobrir e a fazer por si, são os únicos dignos de serem
adotados hoje em dia. Em nosso meio, poucos são os professores capazes de os empregar com
segurança; faz-se necessário, portanto, antes de tentar a escola ativa, preparar os mestres para ela.
A escola primária tem que ser regional, o que não impede de ser brasileira. Tanto
melhor reagirá sobre o seu meio quanto mais adaptada lhe estiver. Na roça é o único centro,
muitas vezes, de vida intelectual; deve sentir as necessidades de progresso da sua região e tomar
a si as iniciativas em benefício da comunidade a que pertencem os seus alunos.
A cooperação da família na obra da escola é indispensável. Em cada escola deve
existir um Círculo de Mães, que as prepare convenientemente.
Sem a iniciativa particular, o Brasil não resolverá tão cedo o problema da educação do
seu povo, simplesmente porque faltam a União e aos estados os recursos financeiros suficientes.
A Escola Regional de Meriti tem por máxima aspiração ser reproduzida em todo o País. Que os
fazendeiros, os industriais, os capitalistas fundem escolas para os filhos de seus colonos sitiantes,
operários, empregados... Peçam aos podêres públicos ou aos centros de educação, como a
Associação Brasileira de Educação, os programas, mesmo as professoras, no que não haverá
prejuízo para o governo. E aqueles que só dispõem da boa vontade fundem associações como
a nossa, que o ocupar-se da criança ainda é a mais humana das funções de nossa espécie.
TESE N
e
80
ASSISTÊNCIA MÉDICA À INFÂNCIA ESCOLAR —
CADERNETAS SANITÁRIAS
João Maurício Moniz de Aragão
Associação Brasileira de Educação
No atual momento em que o magno problema da correção e soerguimento da raça gira em
torno de uma questão de valor real e preponderante, agitado pelo entusiasmo dos que
procuram, pelo lançamento de uma base sólida e duradoura, a elevação para o futuro de um
monumento firme e gigantesco, transformando os habitantes esparsos e desunidos em uma
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
população compacta e cooperadora, claro e acertado se nos afigura ser somente a educação no
seu conjunto, ou debaixo dos seus aspectos e modalidades, o único alicerce digno e capaz de
suportar este levantamento.
A questão da educação e assistência a infância, de um modo geral ou particular, descendo
aos menores fatos, no momento, é um problema de grande importância e de difícil resolução,
comportando desde a assistência pré-natal até o amparo aos adolescentes.
Ainda que pareça fácil a vida da criança no campo, quando a ignorância ou causas
adventícias não venham prejudicar o seu prosseguir, o problema educativo e de alfabetizar toma-
se difícil e defeituoso, sobretudo nas zonas rurais, falhas de escolas e onde os processos modernos
de educação não chegam senão tardiamente, crivados de erros e defeitos, em virtude de sua
propagação lenta e vagarosa. A estas falhas vem se juntar outra de grande importância — a
assistência médica—que, faltando no interior, traz graves prejuízos, ainda que até certo modo
contrabalançada por clima e vantagem inerentes ao campo, deixando contudo um grande es-
paço para as lacunas provenientes desta falta. Tratando-se das cidades, essa assistência toma-
se preponderante e absoluta, pois as condições climatéricas são desfavoráveis e mesmo
prejudiciais, em virtude do acúmulo excessivo dos habitantes e da ocupação da periferia das
cidades pelas grandes usinas industriais, que lançam na atmosfera seus detritos e excretas.
Voltando a vista para o alojamento das crianças nas cidades, encontramos em sua maioria
a superlotação dos compartimentos em que se alojam, onde falta tudo — ar, luz, conforto, os
mais comezinhos princípios de higiene—e onde vivem na mais ampla promiscuidade.
A necessidade de as mães ganharem para o seu sustento importa no abandono das crianças
durante o tempo mais ou menos longo dos seus afazeres fora do domicílio. Quando pequenos,
ainda não podendo ser entregues a própria direção, em geral são deixados a terceiros que,
mediante pagamento do qual procuram tirar lucro, se encarregam de tomar conta de inúmeras
crianças, de origem e procedência diversas, na mais completa promiscuidade e imundície e onde
facilmente se propagam as doenças que destroçam as populações infantis.
O problema comporta, pois, para melhoria desta situação, fundar "casas" especiais onde,
por preços módicos, fossem recolhidas as crianças, definitivamente ou durante o impedimento
materno. De grande vantagem se nos afigura tenham médicos, de preferência especialistas, que
recebessem as crianças ao entrar, examinando-as e acompanhando-as por largo tempo,
organizando a entrada a caderneta sanitária individual, com todos os dados, e os tendo em
observação quando necessário, para não serem transmissores de moléstias aos já existentes no
recolhimento.
Atravessada esta primeira etapa, chegam as crianças a um período que vai do segundo ao
quinto ano, no qual toma-se necessário favorecer e dirigir o desenvolvimento intelectual e físico de
cada um, o que se faz neste período com grande rapidez. Tem cabimento aqui os chamados jardins
da infância, tradução da palavra kindergarten empregada por Froebel, o criador, na Suíça, deste
método. A caderneta sanitária continua preponderante debaixo da diretriz médica, que acompa-
nhará a prática dos exercícios de ginástica, avaliará as suas vantagens ou os seus prejuízos para
cada indivíduo, o estado de saúde das crianças que, precária ou combalida, importará no pedido
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
do médico para a sua transferência para local apropriado no campo ou em outra organização de
tipo hospitalar. Ficará ainda a observação médica o desenvolvimento psíquico da criança, descendo
a um cuidado mais minucioso nos casos de retardados ou anormais, conduzindo-a a escolas ou
sanatórios especiais, onde, educados convenientemente, se tomem capazes de se dirigirem, evitando
que sejam constantemente um embaraço a sua família e a sociedade.
Apresentaremos em tempo oportuno um tipo de caderneta sanitária por nós organizado,
o qual julgamos preencher os fins desejados.
Atingida a adolescência, geralmente a criança se torna um aprendiz. Aí a assistência se
torna mais difícil, porque impossível é escolher o mestre e o meio em que o adolescente vai
formar a sua personalidade definitiva.
Um ponto a estudar é o que se refere ao salário do adolescente, geralmente tomado pelo
pai, que não organiza para o filho reserva econômica.
De capital importância é a proteção da lei ao jovem trabalhador, no que diz respeito a
idade em que poderá ser admitido como aprendiz, o salário a receber, as condições de higiene
da localidade em que vai trabalhar, a proteção contra acidentes, não sendo permitido o emprego
de crianças em trabalhos que concorram para o deformar do seu físico nem de prejuízo para a
integridade de sua saúde.
Entre nós existem leis que procuram sanar essas falhas, porém falta uma vigilância eficaz e
precisa, rigorosa e implacável, multando em importância onerosa os transgressores destas medidas.
Nesta idade torna-se preciso um preparativo esportivo em que o adolescente, esquecendo
um pouco os seus afazeres, aproveite as suas horas de lazer em coisas úteis que tragam
resultados favoráveis a sua pessoa e ao seu sico. As organizações esportivas, tomando-lhe o
tempo disponível, afastam-no dos centros perversores, das tascas e bancas de jogo, onde se
degradam no vício e baixam a criminalidade. Essas organizações esportivas, em jogos
interessantes e passeios pelos campos, obrigam seus componentes a uma, ainda que curta,
permanência ao ar livre, onde poderá o adolescente respirar um ar puro e sadio que estimulará
as suas forças vitais para a luta em condições desfavoráveis, que é o trabalho nas cidades e
nas aglomerações.
Das organizações esportivas, a que nos parece de maior valor e de grandes vantagens é a
imitação doboyscout, entre nós introduzida sob o nome de escoteiros. Estes agrupamentos
permitem a organização de passeios campestres, uma vida ao ar livre, a formação do caráter,
uma cultura física aproveitável, enfim, a formação de uma individualidade quase perfeita em seus
componentes, apresentando-lhes a vida com um aspecto sadio e virtuoso, onde cada homem
tem leis e deveres a respeitar, um proceder honesto e sincero, um devotamento que atinge o
desinteresse sem tocar no desleixo e no descuido, um altruísmo que toca as raias da abnegação.
Ainda aqui encontramos facilmente o lugar da caderneta sanitária, organizada pelo médico do
agrupamento ou completada por ele quando o associado a tenha trazido de outro centro de
ensino que já tenha freqüentado. De acordo com a caderneta, o médico acompanhará facilmente
o aproveitamento do grupo e de cada um dos seus componentes.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A caderneta, que a nosso ver deverá acompanhar a criança desde sua primeira matrícula
em qualquer estabelecimento público ou de caridade, deverá ser obrigatória em toda e
qualquer organização em que a criança deseje ingressar, quer seja de assistência, quer de
educação. Com essa medida, poderá facilmente ser avaliado o desenvolvimento da criança,
as transformações por que passou, favorecendo as medidas a serem tomadas quanto a sua
educação, sobretudo nos retardados e anormais ou nos que apresentem defeitos físicos
necessitando de correção, facilitando a remoção para centros especiais onde haja aparelhos
apropriados a reeducação e a correção de defeitos corporais. Facilita também a observação
das doenças crônicas ou agudas, impedindo a sua propagação, impondo a transferência do
doente para as organizações hospitalares. Na ocasião da matrícula, com a apresentação da
caderneta, poderá o médico, facilmente, impedir o ingresso de crianças contagiantes na
coletividade e indicar os serviços que deverão procurar para seu tratamento ou para sua
educação.
Com esta medida, fácil se torna a vigilância e observação proveitosa das crianças,
dando-lhes uma assistência perfeita e adequada, aliando-se uma educação favorável,
tornando-as para o futuro fortes e abnegadas, com a compreensão perfeita dos seus deveres.
E quando as condições tal não permitirem, inicialmente, por se tratar de crianças anormais
ou retardadas, essa assistência as tornará capazes de, pelo menos, não impedir o progresso
da sociedade, transformando incapazes destinados ao hospício em indivíduos aptos a uma
vida mediana.
CADERNETA SANITÁRIA
N
a
de ordem:___________________________ Matriculado em________________
Nome: _____________
Filiação: ____________
Cor: _______________
Residência:__________
Tipo de residência:____
Idade:
Peso:
Altura:
Circunferência craniana: Malformação do
nariz? _ Implantação dos dentes? Tríade
de Hutckinson? _
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Circunferência toráxica:
Diâmetro biacromial: _
Defeitos físicos?, ____
índice mental Q.I.: ___
ANTECEDENTES HEREDITÁRIOS ANTECEDENTES PESSOAIS
Pais vivos? _____ Consangüíneos?______ Nutrição:______________________
Gozam saúde? _______________________ Desenvolvimento: _______________
Mortos?_____ Causa mortis? __________ Doenças: ______________________
Doenças físico-mentais? _______________ Idade l
s
dent.: ------------- Veg. aden. .
Infecção?________Intoxicação? ________ Viciado sexualmente: ____________
Tuberculose? ___ Sífilis? ____Álcool? ___ Bebe? ____________ Fuma? _____
EXAMES CLÍNICOS
Sistema nervoso:__________________________
Reflexos: _
Psique: -----
Exame dos dentes:_________________________
Exame dos pêlos: _________________________
Exame das unhas:--------------------------------------
Exame da pele: ___________________________
Infectante? Vacina contra varíola?_____________________
Tomou algum soro?________________________
EXAMES DE LABORATÓRIO
Reação de Wassermann: ____________ Sangue: _____________ Liquor:______
Exame de fezes: ---------------------------------------------------------------------------------
Exame de escarro: -----------------------------------------------------------------------------
Outros exames: _____________________________________________________
Observações: _______________________________________________________
Médico especialista
! Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Aparelho visão:---------
Aparelho olfação: ___
Aparelho audição- ----
Aparelho respiração:—
Aparelho circulação: _
Aparelho digestivo:__
Aparelho gênito-urin.:.
Portador de germe? _
Vacina contra tifo? __
TESE N
s
81
COMO SE PODE FAZER A ASSISTÊNCIA MÉDICA
AOS ALUNOS POBRES DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Leonel Gonzaga
Inspeção Médica Escolar do I
a
Distrito do Rio de Janeiro, DF
A 11 anos, no Distrito Federal, foi instituído o serviço de inspeção médica escolar.
Como médico escolar, vi desde logo que era indispensável o serviço complementar de
assisncia médica aos alunos encontrados doentes, em grande número.
Quando comecei a minha atividade junto as escolas do 1 ° Distrito, quis, como os de-
mais colegas, cumprir o dispositivo legal que nos obriga a organizar as fichas de todos os
alunos. Tal exigência, bem o sei, consta de todos os regulamentos congêneres do mundo,
mas, se me fosse dado expender uma opinião, diria que, no nosso meio, o serviço de assistên-
cia médica ao aluno doente supera qualquer outro e é de possível realização com pouca coisa
mais além do que já temos.
Sem dúvida, a organização da ficha individual do aluno impõe-se como medida de grande
alcance, indispensável mesmo, principalmente para se conhecer com precisão qual o tipo da
nossa criança normal. É, porém, trabalho que demanda muito tempo e, além do mais, muito
discernimento.
Havendo tantas crianças doentes, exigindo tratamento, é fácil imaginar o escrúpulo que
deve ter o médico de tomar os dados antropométricos para a organização das médias normais.
Sem esse escrúpulo, sem esse discernimento, a base será inconsistente e os resultados
perigosos, do ponto de vista do rigor científico que deve presidir a assuntos de tal monta.
Que valor poder-se-á dar, por exemplo, em se tratando de biometria, aos perímetros
toráxicos dos adenoidianos e dos portadores de adenopatias traqueobrônquicas, que se contam
por milhares, ao peso dos pré-tuberculosos, a taxa hemoglobínica dos verminóticos, ao cresci-
mento estatural dos sifilíticos?
Não há de ser com um só médico para cada distrito, sem enfermeiras adestradas, que se
hão de colher convenientemente os dados necessários a organização de tabelas que façam fé.
Um profissional entendido em tais assuntos, não fazendo outra coisa nas escolas, poderá em
consciência organizar, dentro do expediente escolar, no máximo 10 fichas por dia, ou 200 por
mês, ou 1.600 nos oito meses letivos de cada ano.
Ora, cada médico escolar tem sob sua jurisdição de 4.000 a 6.000 e mais alunos!
Feitas as 1.600 fichas no primeiro ano, que fará no ano seguinte? Continuará a fazer
sempre as fichas de novos alunos? Reverá as do ano anterior para acompanhar o desenvolvimento
das crianças já examinadas? Impossível a resposta, e o serviço terá sido falho, incompleto, uma
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
H
vez que reduzido a pequeno número, sem lucro para os alunos, pois que a atividade do médico
muito mais utilmente se poderá exercer em outros sentidos.
Deixei, portanto, de fazer as fichas sistematizadas e passei no meu distrito a executar o
exame parcial de todos os alunos. Encontrada a doença a tratar, o desvio a corrigir, sobrevinham
sempre as interrogações: Tratar como? Onde, se a criança não tem meios, pois os que têm recur-
sos não constituem a maioria?
Continuar a examinar os alunos para organizar porcentagens e no fim informar que, no
distrito a meu cargo, há tantos porcento de amígdalas hipertrofiadas a extirpar, de rinites
hipertróficas ou atróficas a curar, de vícios de refração a corrigir, de portadores de lues hereditária a
depurar, de verminóticos a expurgar, de esqueletos deformados a endireitar, de dentes cariados a
obturar, de tuberculosos ganglionares a preservar da invasão a órgãos mais nobres, de porta-
dores de manifestações cutâneas, de lesões nervosas, de afecções cardíacas? Não, a estatística
é dispensável aqui: basta saber que as porcentagens são suficientemente elevadas, para nos
desafiarem a luta sem desânimos nem pessimismos.
Examinar os alunos para satisfazer a minha curiosidade de pediatra, sem vantagem para o
examinado? Não, tampouco, porque isto me repugnaria a consciência de clínico, que não me
contento com o diagnóstico sem a providência da terapêutica e, além de tudo, iria perturbar o
expediente escolar sem nenhum proveito.
Foi diante dessa situação que resolvi meter mãos a obra e organizar no 1
o
Distrito um
consultório em que pudessem ser tratadas as crianças encontradas doentes nas escolas a meu
cargo. No meu bom amigo e companheiro de trabalho doutor Solano Carneiro da Cunha, digno
inspetor escolar, encontrei logo apoio a iniciativa. No porão da Escola Basílio da Gama, separei
uma sala onde impropriamente funcionava uma classe contra as boas regras da higiene, sem
conforto e, principalmente, sem luz.
Com o prestimoso engenheiro da Diretoria de Obras, doutor Carlos Penna, obtivemos a
divisão da sala em quatro compartimentos e a instalação de lavatórios com água corrente.
Uma das divisões foi destinada a clínica pediátrica, outra a clínica otorrinolaringológica, a
terceira a oftalmológica e a última a sala de espera comum, para a qual se abrem todos os
consultórios. Disposto o local, convidei os meus distintos colegas doutores Júlio Vieira, Mário
de Góes, Iracema de Freitas e Vaz de Mello, o primeiro para se incumbir da clínica de garganta,
nariz e ouvidos e pequena cirurgia, o segundo para a de olhos e os dois últimos para me auxiliarem
na clínica médica propriamente dita.
O doutor Achilles Araújo oferece-se para fazer uma parte de ortopedia, ensaiando, pela
primeira vez nas nossas escolas, a ginástica ortopédica, de melindrosa aplicação, só admissível
quando executada por mãos adestradas como as suas.
Do doutor Amilcar Ferreira da Rosa tenho o oferecimento para se ocupar das moléstias
de pele, e o estudante Sylla Ferraz se propõe auxiliar o serviço clínico.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Mas a idéia não teve logo execução e foi preciso esperar longos anos, até que a remode-
lação da Caixa Escolar Azevedo Sodré e a eleição de sua nova diretora, professora Zélia de
Oliveira, propiciassem, em um admirável esforço final, a realização do que era simples aspira-
ção, a princípio quase sonho.
Não esquecendo a colaboração das duas distintíssimas diretoras das escolas Afrânio
Peixoto e Basílio da Gama, condôminas deste prédio, professoras Alice Figueiredo e Zulmira de
Oliveira, e a todas as demais digníssimas professoras do distrito, que nos têm prestado o seu
auxílio em todos os pontos de vista, não posso deixar de dizer que a d. Zélia de Oliveira, com a
sua atividade incansável, se deve a consecução do nosso desejo de bem servir a infância doente
e pobre do distrito.
A feliz colaboração da Cruz Vermelha Brasileira veio facilitar-nos a tarefa e, incorporadas
as crianças do distrito a Seção Juvenil desta instituição benemérita, nos vemos hoje cooperando
na mesma obra de assistência material e moral, de melhoria de nossa gente e de confraterniza-
ção internacional.
O serviço de clínica dentária, já existente, e a Escola Minas Gerais, transformada recen-
temente em escola para débeis físicos, vêm completar a nossa obra, de que com grande alegria
espero bons frutos.
O consultório é modesto, mas preencherá condignamente os fins que temos em vista, e a
prova terá quem atentar para os dados estatísticos que se seguem, colhidos em menos de três
meses de funcionamento regular.
Movimento do Consultório no período de 12 a 30 de setembro:
Clínica Médica
Matriculados.........................................................................................................60
Consultas ..............................................................................................................66
Ferida incisa na mão direita................................................................................... 1
Clínica Oftalmologia
Matriculados .........................................................................................................35
Consultas ..............................................................................................................39
Receitas de óculos ................................................................................................ 10
Receitas de medicamentos .................................................................................... 1
Diagnósticos:
[ Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Conjuntivitefolicular .................................................................................... 3
Encontrados normais.................................................................................... 21
Miopia......................................................................................................... 4
Miopia e astigmatismo ................................................................................. 3
Astigmatismo ............................................................................................... 1
Hipermetropia.............................................................................................. 1
Hipermetropiae astigmatismo...................................................................... 1
Estrabismo hipermetpico.......................................................................... 1
Clínica Otorrinolaringológica
Matriculados..................................................................................................... 16
Consultas.......................................................................................................... 19
Receitas ............................................................................................................ 1
Diagnósticos:
Encontrados normais.................................................................................... 12
Vetegaçòes adenóides................................................................................. 3
Hipertrofia de amígdalas............................................................................... 2
Rinite............................................................................................................ 2
Rolha ceruminosa......................................................................................... 1
Na falta de local na Escola Basílio da Gama, instalei na Escola Sarmiento um pequeno
laboratório para exames coprológicos, com o intuito de controlar o tratamento sistemáti-
co das verminoses.
O estudante de medicina Sy lias Ferraz já realizou nesse laboratório, nos últimos dias de
novembro, 23 pesquisas, tendo sido 14 com resultados positivos e 9 negativos. Foram
encontradas com ascárides e tricocéfalos 6, com ascárides 5 e com tricocéfalos 3.
Clínica Otorrinolaringológica
Matriculados .................................................................................................... 31
Encontradas normais........................................................................................ 3
Diagnósticos:
Hipertrofia de amígdalas.............................................................................. 7
Amigdalite críptica....................................................................................... 9
Vegetações adenóides e hipertrofia de amígdalas.............................................. 11
Rinite atrófica................................................................................................... 1
Otite média supurada crônica........................................................................... 3
Otite externa .................................................................................................... 1
Otalgia de origem dentária............................................................................... 1
Desvio do septo nasal...................................................................................... 5
Rinite sifilítica.................................................................................................... 1
Otite média aguda com rinofaringite e amigdalite.............................................. 1
Movimento durante o mês de novembro:
Clínica Médica
Matriculados........................................................................................................ 42
Consultas ............................................................................................................. 46
Receitas................................................................................................................. 56
Injeções................................................................................................................. 181
Aplicações de tuberculina (terapêutica).................................................................. 15
Curativos.............................................................................................................. 111
Diagnósticos:
Heredo-lues..................................................................................................... 3
Verminoses...................................................................................................... 8
Bronquite aguda .............................................................................................. 1
Escabiose ........................................................................................................ 1
Verminosee heredo-lues.................................................................................. 2
Verminos e efurunculose ................................................................................ 1
Gripe............................................................................................................... 1
Bronquite asmática e heredo-lues.................................................................... 1
Movimento durante o mês de outubro
Clínica Médica
Matriculados ........................................................................................................ 87
Receitas ................................................................................................................ 39
Injões diversas................................................................................................... 124
Curativos ligeiros................................................................................................... 4
Diagnósticos:
Heredo-lues ..................................................................................................... 27
Verminoses....................................................................................................... 29
Otite média supuração...................................................................................... 1
Hipertireoidismo............................................................................................... 2
Escrofulose....................................................................................................... 1
Ferida incisa no joelho ..................................................................................... 1
Reumatismo articular ........................................................................................ 2
Escabiose......................................................................................................... 3
Coréa............................................................................................................... 1
Traumatismo da perna ..................................................................................... 1
Verrucose......................................................................................................... 3
Endocardite...................................................................................................... 1
Varicela............................................................................................................ 1
Urticária .......................................................................................................... 1
Clínica Oftalmológica
Matriculados ........................................................................................................ 71
Encontrados normais............................................................................................ 41
Diagnósticos:
Conjuntivitecatarral......................................................................................... 2
Conjuntivitefolicular........................................................................................ 6
Ordeolo........................................................................................................... 2
Miopia............................................................................................................. 5
Miopia com astigmatismo................................................................................ 1
Hipermetropia .................................................................................................. 1
Astigmatismo.................................................................................................... 4
Clínica Médica
Receitas................................................................................................................. 44
Injões................................................................................................................. 42
Curativos ligeiros................................................................................................... 10
Diagnósticos:
Heredo-lues...................................................................................................... 20
Verminoses ....................................................................................................... 11
Apendicite ....................................................................................................... 2
Bronquite asmatiforme..................................................................................... 2
Furunculose...................................................................................................... 2
Dismenorréia .................................................................................................... 2
Impetigo ........................................................................................................... 1
Escrofulose....................................................................................................... 1
Vulvo-vaginite................................................................................................... 1
Otite média...................................................................................................... 1
Coréa............................................................................................................... 1
Fimosquimose.................................................................................................. 1
Distrofia da tireóide .......................................................................................... 1
Clinica Oftalmologia
Consultas.............................................................................................................. 25
Receitas de óculos................................................................................................ 6
Diagnósticos:
Conjuntivitefolicular......................................................................................... 3
Conjuntivitecatarral ......................................................................................... 1
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Dacriocistite crônica com fístula
1
Estrabismo convergente com hipermetropia..................................................... 1
Miopia............................................................................................................. 3
Hipermetropia ................................................................................................. 3
Hipermetropia com astigmatismo..................................................................... 1
Palidez da pupila e cores-retinite ..................................................................... 1
As receitas para os alunos pobres têm sido aviadas pela Caixa Escolar Azevedo Sodré.
A Cruz Vermelha Brasileira abriu mão, em benefício do consultório, da contribuição dos
alunos filiados a Cruz Vermelha Juvenil. O Departamento Nacional de Saúde prometeu fornecer
material para o tratamento das verminoses e da Sífilis.
Inúmeros têm sido os oferecimentos de remédios por parte dos fabricantes de prepara-
dos, de médicos e de particulares. É tocante a solicitude com que os alunos ricos ou remediados
se têm oferecido para trazer medicamentos para os colegas pobres, obedecendo assim ao lema
inscrito na bandeira da Cruz Vermelha Juvenil — Servir.
Creio que, em vista do que já se conseguiu nesse resto de ano letivo, pode-se ter esperan-
ça de que a obra continuará, e as crianças pobres do 1
Q
Distrito encontrarão, no consultório
médico a que houveram por bem dar o meu modesto nome, os socorros que reclama o seu
estado precário de saúde, para que, curadas, possam vir a ser unidades úteis para seu próprio
bem e para o progresso da nacionalidade.
CONCLUSÕES
1) A assistência médica é complemento indispensável a inspeção médica escolar.
2) É possível, pela iniciativa particular, sem grande ônus, obter os meios necessários ao
socorro das crianças pobres e doentes.
3) Acaso não se possa estabelecer em cada distrito escolar um consultório com médi-
cos de todas as principais especialidades, como acontece atualmente no que se organizou no
l
e
Distrito, é possível dividir a cidade em cinco ou seis zonas, compostas de mais de um
distrito, e montar em cada zona um consultório semelhante ao da Caixa Escolar Azevedo
Sodré, onde se encontrem médicos especialistas capazes de atender aos diversos casos de
doenças e afecções.
4) Na zona rural, a instituição dos ônibus para o transporte dos alunos ao posto médico
resolverá a questão de modo satisfatório.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
2
82
EDUCAÇÃO E HIGIENE MENTAL
Álvaro Guimarães Filho
Liga Paulista de Higiene Mental
ão poderia de forma alguma a Liga Paulista de Higiene Mental deixar passar despercebida
uma ocasião única como esta, em que, na florescente capital do nosso coirmão e vizinho
Estado do Paraná, reúne-se para tratar de assunto da mais alta importância para o nosso querido
Brasil, ou seja, do magno problema da nossa educação, toda a flor ou a essência puríssima do
professorado brasileiro, representado pelos dignos delegados de quase todos os estados da
Federação, sem trazer para esta assembléia, com a divulgação da sua existência, a lembrança
do papel importantíssimo que desempenha e deve desempenhar o professor em Higiene Mental.
Começaremos estudando em suas linhas gerais a importância que deve ter para o professor
os conhecimentos dos princípios fundamentais em que se esteiam a higiene e a profilaxia mental.
Constitui-se preceito básico o de que as moléstias do sistema nervoso, quer nervosas,
quer mentais, na sua grande maioria, desde que tragam perturbações celulares tais que venham
modificar a estrutura íntima de alguns dos seus principais órgãos, estes não mais se regenerarão
por serem tecidos definitivos.
Sendo assim, vemos logo o objetivo principal do que chamamos Higiene Mental, isto é, a
parte da Higiene que estuda por todos os meios e modos as causas imediatas ou longínquas que
venham perturbar o psiquismo humano; investiga quais os principais meios de o salvaguardar, o
que constitui a profilaxia; e trata, finalmente, de divulgarem todos os meios sociais os frutos de
seus trabalhos, para o bem da saúde mental dos nossos semelhantes.
Estas idéias que, há muito, vêm preocupando a humanidade, teve no Brasil a melhor das
acolhidas, e hoje podemos dizer que andamos em tal terreno a frente de muitos dos povos os
mais civilizados do velho e do novo mundo.
Antevemos desde já, dada a importância do problema, que esta assembléia de profissionais
saberá compreender o nosso intuito e incluí-lo no programa de seus futuros estudos.
O professor é a primeira autoridade que encontra a criança fora do lar paterno, e a influ-
ência que ele passa a exercer em sua personalidade, não apenas nas horas escolares, mas
durante toda a sua infância, se refletirá certamente em toda a sua vida.
Mas para o professor se utilizar dessa situação privilegiada em face dos problemas que
devem interessar a mentalidade da criança, ele deve, antes que tudo, começar pelo estudo
cuidadoso das causas de moléstias mentais.
A Sífilis, tão espalhada em nosso meio, atingindo o sistema nervoso, manifesta-se sob
duas formas: a Sífilis cerebral, produto da sifilizaçao dos vasos que irrigam o tecido nervoso, e o
grupo das moléstias meta ou parassifilíticas, representadas pela tabes e pela paralisia geral.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
Estas moléstias têm zombado de toda a terapêutica moderna, continuando a ser conside-
radas incuráveis, se bem que ultimamente se começa a obter um pouco de esperanças nos
resultados da malarioterapia no mal de Bayle; mas elas nada mais são que o produto último da
infecção sif ilítica, fácil de ser reconhecida a tempo, mesmo pelos que não são profissionais na
arte de curar, dependendo apenas do reconhecimento de certos sintomas que servem de sinal
de alarme de tão insidioso mal.
A lues hereditária ou adquirida, conhecida prematuramente antes das manifestações acima
citadas, é moléstia curável, e quem a cura não só defende o organismo doente, mas ainda, o que
e mais importante, apaga um foco de disseminação da moléstia entre os que lhes são mais caros,
isto é, os que o rodeiam ou os que são seus descendentes.
Se volvemos nossa atenção para um outro grande flagelo da humanidade que é a
tuberculose, lá vamos encontrar as manifestações cerebrais, sob as formas de meningo-encefalite
tuberculosa, tubérculos dos centros nervosos ou simplesmente a excitação devida as toxinas
bacterianas provenientes de outros órgãos.
Aqui são os preceitos gerais da Higiene que nos ensinaram como podemos nos defender
da peste branca, que não contente com o aparelho respiratório, seu ponto de eleição, muitas
vezes traz a sua contribuição na porcentagem dos habitantes dos hospícios.
Como esses, muitos outros fatores, entre os quais salientam-se o álcool, as infecções, as
auto-intoxicações, a hereditariedade, o casamento consangüíneo e muitos outros, que são as
causas das perturbações nervosas.
Se bem que a primeira vista pareça um todo complexo e variadíssimo o problema etiológico
das moléstias mentais, vemos entretanto um ponto importante em que todas se unem, agindo de
maneira única.
Qualquer que seja a causa, ela trará apenas, variando na intensidade, perturbações mais
ou menos graves, mas quase sempre definitivas, para o sistema nervoso.
Só há uma maneira prática de impedir essas manifestações mórbidas: evitar as causas das
moléstias pelos preceitos da profilaxia.
São esses preceitos que devem interessar ao professor, não apenas para seu uso pessoal,
mas administrados quase todos os dias, nos mais diversos assuntos de suas aulas e em todas as
ocasiões oportunas, aos jovens desprotegidos pela idade e pela resistência física nessa época
de transições, quando mais estão sujeitos as influências das várias causas de moléstias.
Passada a primeira infância no lar paterno, onde o psiquismo da criança começa a
desabrochar e mostrar as suas primeiras tendências, é ao entrar na sua segunda infância que
geralmente ela vem ter aos mestres, a princípio nos jardins de infância e depois no curso
primário.
Não é de todo necessário lembrar que a vida da criança passa nesse tempo por várias
fases. Começa por ser bruscamente levada para um meio inteiramente diverso, a que esse ser
tem que se submeter adaptando-se as novas condições.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A Pedagogia nunca deixa de cada vez mais estudar a adaptação escolar, e não é preciso
dizer a importância que teriam neste ponto os preceitos e os conhecimentos da Higiene Mental
para guiá-la em tão difícil tarefa.
O desenvolvimento psíquico da criança começa então a se desenvolver, não mais apenas
estimulado pelas sensações variadas do meio que a cerca, mas guiado pelos preceitos dos
métodos pedagógicos.
Destes, tudo depende. Se a criança é sadia, sica e psiquicamente, poderá, é verdade,
muitas vezes resistir as influências de um método vicioso, mas sempre será prejudicada, pois não
colherá os resultados que o ensino deve produzir; mas se os métodos pedagógicos viciados ou
mal orientados encontrarem crianças débeis, o mal não será apenas o não aproveitamento do
ensino, mas, ainda, agravamento, muitas vezes irreparável, da debilidade de que são portadoras.
No desenvolvimento psíquico, pensamos que é a vontade que mais sofre a influência da
escola. É a obrigatoriedade diária da freqüência, dos temas e exercícios impostos pelos
professores, que devem ser preparados em prazos certos e determinados; são os preceitos de
ordem, que obrigam a calar e a largar as distrações e divertimentos pelos superiores, que mais
vêm modificar ou perturbar a vontade da criança.
Ou ela se adapta e submete a sua vontade ao novo regime, educando-se e aprendendo
normas que lhe serão preciosas na vida futura, ou ela não se adaptará, tornando-se um
elemento pernicioso na escola e, o que é mais importante, sofrendo diária e freqüentemente,
a cada ordem ou reprimenda, um choque que vem, cada vez mais, afastar o seu psiquismo do
meio escolar. Esses são os conhecidos anormais, quase que geralmente portadores de uma
debilidade mental, fruto, na maioria dos casos, exclusivo do alcoolismo e da Sífilis de seus
ascendentes.
Para compreendermos bem o débil mental, é necessário lembrar a classificação, mais ou
menos empírica, que a Psiquiatria estabelece para agrupá-los ou separá-los segundo o grau de
perturbação; é assim que temos: a debilidade mental propriamente dita, a imbecilidade e a idiotia.
Desnecessário se torna dizer que não há um limite nítido entre uma e outra forma de
debilidade, e um doente muitas vezes é classificado entre uma e outra ou em duas das divisões,
de acordo com a orientação daquele que o examina ou que o julga.
O psiquiatra, quando necessita fazer o estudo do anômalo mental, recorre aos variados e
já tão difundidos testes de Binet, que os senhores professores tanto conhecem.
Por esses testes, não só podemos conhecer a debilidade mental geral, mas também as
anomalias mentais parciais; assim, há os que, sendo normais para as várias disciplinas que
compõem o programa escolar, são entretanto incapazes de aprender ou compreender tudo o
que se diz respeito a matemática.
Além desses testes, que muitas vezes só servem para distinguir os que estão pouco
desviados da normalidade, não podendo, por mais simples que sejam, ser compreendidos pelos
grandes anormais, os psiquiatras usam processos mais práticos com os quais podem julgar da
incapacidade do examinado.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Desses, o professor Franco da Rocha muitas vezes se utilizava, mandando o doente ou
transmitir um recado ou reconhecer as moedas ou as cores, classificando os grandes anômalos
mentais, em casos de êxito, em imbecilidade e, em caso de incapacidade para esses misteres,
em idiotia.
Mas qualquer que seja a forma pela qual o professor ou o psiquiatra classifique os anômalos,
estes, sob o ponto de vista pedagógico, dividem-se em dois grandes grupos: 1) os que são
susceptíveis de receber instrução comum, isto é, a instrução dos normais; e 2) os grandes anormais.
Os primeiros são os chamados retardados, cujo desvio mental é pouco acentuado mas
que os impede de seguir a marcha normal em curso comum. Esses, entretanto, podem muito
bem aprender, com os mesmos métodos, tudo que é ensinado no curso oficial, dependendo
apenas de mais tempo que o normalmente utilizado para adquirir aqueles conhecimentos. E o
que os americanos chamam áespecial division, em que cada escola tem uma sala apropriada e
um professor encarregado de administrar lentamente todo o programa oficial, até que seus alunos
sejam capazes de aprender convenientemente.
Os anômalos em grau mais adiantado, os chamados grandes anormais, não aprendem
mesmo naspecial division e merecem um cuidado todo especial, pois saem inteiramente da
norma habitual e devem ser educados por professores especializados, constituindo o curso para
anormais, quase sempre feito em escolas hospitais, onde o trabalho do professor, do psiquiatra
e do psicólogo se reúnem para dar a cada doente direção particular que consiga transformar
aquela criança doente em um ser raciocinante e útil no meio em que vive.
Pedimos vênia aos senhores congressistas para transcrever na íntegra o parecer do nosso
presidente, doutor A. C. Pacheco e Silva, no relatório apresentado ao senhor secretário do
interior do Estado de São Paulo, a 24 de dezembro de 1924, por ocasião da volta de sua
viagem de estudos, sobre a organização de hospitais para alienados no Brasil.
Cerca de 60.000 anormais recebem assistência em institutos especiais nos Estados Unidos.
Nas escolas para anormais daquele país, magníficos institutos científicos, os métodos médico-
pedagógicos são empregados com resultados surpreendentes.
O problema dos deficientes mentais constitui, no dizer de Walter E. Fernald, um dos grandes
problemas sociais e econômicos da civilização moderna. Uma democracia inteligente não pode
descuidar de semelhante questão, que envolve grande número de pessoas, famílias e comunidades
que vivem na maior miséria e passam toda sorte de privações.
Múltiplas razões há, segundo os americanos, para que esse problema seja solucionado de modo
formal e definitivo, obedecendo a um programa previamente traçado. Não é possível resolvê-lo
mercê de uma simples fórmula prevista num único parágrafo de legislação.
Trata-se de um problema extraordinariamente complexo, que importa considerar, de acordo com a
idade e o sexo, o grau e gênero das anomalias, sem desprezar a influência da hereditariedade
mórbida e das condições sociais em que vivem os anômalos mentais.
Não padece dúvida que aos estados da União cumpre facilitar todos os meios necessários ao
desenvolvimento das instituições que se destinam ao tratamento médico-pedagógico dos fracos
de espírito, não só considerando que assim procedendo fazem obra de humanidade e justiça, como
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
também que os resultados obtidos suprem, com sobras, as despesas feitas com uma assistência
bem organizada.
A experiência dos Estados Unidos demonstra que os anômalos, convenientemente assistidos
desde a infância, protegidos contra as influências sociais, orientados e educados de acordo com
a capacidade de cada um, podem, ao atingir a idade adulta, adquirir bons costumes e prestar
serviços na indústria e na agricultura, provendo as próprias necessidades.
O primeiro passo a dar num país como o nosso, onde o problema até hoje não mereceu atenção dos
podêres competentes, consiste em organizar um censo exato dos anômalos mentais existentes em
cada Estado.
Bem sabemos que espíritos vivem a proclamar a ineficiência do tratamento médico-pedagógico
aplicado aos anômalos. Essa idéia está por tal forma arraigada ao nosso espírito, que os próprios
médicos vivem a proclamá-la. Entretanto, ainda nenhuma tentativa nesse sentido se fez no Brasil,
onde uma enorme legião de anormais vive ao desamparo, no maior abandono. Quando os resultados
dessa incúria levam esse infelizes a praticar reações anti-sociais, nas mais das vezes evitáveis se
eles fossem convenientemente assistidos, só então deles se lembra o Estado, seqüestrando-os
nas penitenciárias ou nos hospícios. E é essa a única assistência que por enquanto eles recebem
no nosso meio. O projeto ora em andamento no Congresso do Estado autoriza o governo a criar
uma seção especial para o tratamento médico-pedagógico desses infelizes. Idêntico projeto se
encontra no Congresso Nacional, amparado pela voz autorizada de médicos eminentes, que também
clamam pela assistência aos anômalos mentais.
Estamos certos de que o patriotismo dos nossos legisladores não consentirá que esse problema,
até aqui tão descurado, continue sem solução, para que as gerações de amanhã não venham nos
acoimar de imprevidentes e descuidosos.
Os senhores professores hão de concordar conosco quão importante é o problema da
educação dos anormais, principalmente desses psicopatas incapazes de aprender por si só, por
não terem a saúde mental necessária, tampouco capazes de aprender por outrem, visto não termos
nem escolas nem profissionais especializados que os saibam ensinar, e portanto condenados, por
uma culpa que não têm, a serem os infelizes povoadores das prisões e dos hospícios.
Pelos simples enunciados desses importantes problemas, estamos certos de que eles
volverão a lembrança dos senhores professores para o papel que devem desempenhar na
sociedade e, principalmente na alta classe dos educadores brasileiros, essas questões que a
Higiene Mental vem, todos os dias, debatendo e difundindo, para a obtenção de melhores dias
para a mentalidade nacional.
Vejamos agora uma outra face do problema: o papel que o professor deve desempenhar
em Higiene Mental.
O professor é, antes de tudo, um dos grandes elementos de que dispõe a sociedade para
salvaguardar os seus interesses, principalmente os de ordem intelectual e moral.
Ele recebe os meninos das mais baixas classes sociais para ministrar-lhes, além da instrução
primária ou secundária, também os princípios da educação, a começar dos mais rudimentares; e
também tem entrada nos lares dos nobres e afortunados da sorte para, igualmente, instruir e
levantar o nível intelectual de seus filhos. Entre uns e outros, há todas as classes sociais recorrendo
diária e continuamente ao professor, para dar-lhes, além da instrução, também a educação.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O professor é o educador por excelência, porque sempre que dele nos avizinhamos é
para aprender alguma coisa, mesmo quando estamos bem longe dos bancos escolares.
O principal fim da Higiene, e portanto da Higiene Mental, não é outro que a instrução
sobre a maneira como se propagam, de onde provêm, como devemos combater ou como
podemos evitar as moléstias.
Sem a instrução e sem a educação não há higiene, e podemos dizer que o professor bem
orientado é o braço direito do higienista. Este age no próprio foco da infecçâo; aquele tem o
papel de preparar o terreno para que a moléstia não se alastre, transformando, pela educação,
cada indivíduo em uma barreira que impeça o desenvolvimento do mal.
O professor não deve contentar-se com a instrução de seus alunos, mas deve procurar
incutir-lhes tão profundamente essas idéias de profilaxia, que os transforme em propagandistas
de seus princípios no seio da familia.
Se a obra do professor for perseverante, como sempre o é, em algumas dezenas de anos
aqueles que aprenderam a higiene nas escolas se transformarão em chefes de família que se tornarão,
por sua vez, os baluartes da profilaxia, conseguindo assim a Higiene alcançar o seu fim.
Como um simples exemplo de atualidade da influência que pode ter a educação para a
saúde, e principalmente para o sistema nervoso, temos o problema do alcoolismo, que, apesar
de interessar e preocupar todos os meios sociais, ainda está para ser resolvido.
Entre os muitos processos até hoje usados para combater os efeitos maléficos do alcoolismo,
ocupa a primeira plana, pelo seu vulto e vigor, a já célebre lei seca dos Estados Unidos da
América do Norte.
Esta lei proibitiva, que tem custado não só toda a perspicácia e muitas vidas de seus
executores, mas também milhões de ouro e de energia, não conseguiu pela força a abstinência
do álcool.
Hoje conhecemos os resultados maléficos que ela nos trouxe aumentando o uso do álcool,
principalmente do álcool impuro e tóxico, o que redundou no aumento da porcentagem dos
alcoolistas e na maior gravidade dos casos em quase todos os hospitais americanos.
No Brasil, nem de longe devemos pensar em imitar uma lei como essa, que quase só
trouxe malefícios e discórdias a grande nação americana, dada a impraticabilidade devida as
condições do nosso meio.
O problema do álcool, segundo a maioria dos higienistas modernos, não será solucionado
enquanto o professor não tomar a si o cuidado de resolvê-lo.
Dois são os fatores que devem guiar os dirigentes de uma campanha contra o álcool: o
primeiro é a seleção das bebidas alcoólicas, tendo por fim só serem admitidas no comércio
aquelas de composição adequada, isto é, que tenham baixa porcentagem de álcool ou que
não contenham impurezas, principalmente do grupo dos aldeídos e dos paraldeídos; o segundo
é a instrução do povo: ensinando os efeitos do álcool, quer imediatos — a intoxicação aguda
ou embriaguez —, quer mediatos — lesões do fígado e do sistema nervoso —, demonstrando
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que as intoxicações agudas são causadas pelas altas doses ou por bebidas impuras ou mal
preparadas e que as perturbações crônicas são devidas as doses pequenas, mas freqüentes,
e ditando a norma que devem seguir, isto é, não exigindo a abstinência absoluta, mas
condenando o abuso.
Bastaria a lembrança de que, dos quase mil sentenciados da Penitenciária de São Paulo,
apenas um não era alcoólatra, para que empregássemos todos os nossos esforços para impedir
que o álcool continue a contribuir em tão alta escala para a criminalidade em nosso meio; mas
isto só conseguiremos se o professorado quiser tomar a vanguarda da cruzada, instruindo e
educando os nossos homens de amanhã.
Como o alcoolismo, muitos outros problemas a serem resolvidos pela Higiene Mental
dependem do professor, principalmente as importantes questões que dizem respeito a direção
dos anormais e a orientação profissional. Eles todos dependem de três fatores, como já dissemos
mais acima — do professor, do psicólogo e do psiquiatra —, mas estamos certos de que é ao
professor que está reservada a principal e mais árdua tarefa da realização e execução destas
questões, que achamos de interesse vital para o Brasil.
CONCLUSÕES
Do exposto, verifica-se que seria da maior conveniência e atualidade que a I Conferência
Nacional de Educação chamasse a atenção do professorado brasileiro, pelos meios que entender
mais profícuos, para o problema importantíssimo da Higiene Mental na escola.
Além dessa questão de ordem geral, resultaria de grande conveniência a propaganda
direta e permanente das escolas para anormais, de que não se tem cuidado no Brasil como
se devia.
TESE Nº 83
CONTRIBUIÇÃO PARA A PROFILAXIA DO IMPALUDISMO
NO MEIO ESCOLAR
Carlos Mafra Pedroso
Inspeção Médica Escolar—Curitiba, PR
m dos problemas mais sérios para o serviço de inspeção escolar é a campanha pela prof ilaxia
do impaludismo.
Numerosos são os casos observados no meio escolar, principalmente no litoral, onde a
moléstia é endêmica, favorecida por tantos elementos que a cercam, e ainda mais, pela falta de
conhecimento dos meios de como evitar e pela carestia de recursos, ou para adquirir os
medicamentos ou para pôr em prática as medidas necessárias ao aniquilamento desse mal.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
U
Escolas visitei onde a totalidade dos alunos era impaludada, e até a professora. Quais os
meios de que dispomos para uma campanha patriótica, já iniciada pelo governo do Estado, mas
que precisa do apoio de cada um de nós para seu resultado eficaz?
É necessária a difusão dos conhecimentos relativos a profilaxia dessa moléstia, para que
todos possam cooperar eficazmente ao lado da obra iniciada pelo governo do Estado. Essa difusão
só poderá ser feita na escola, pelos professores, para que os alunos de hoje saibam se defender do
mal e possam também, mais tarde, transmitir aos outros o que conhecem, espalhando o que
trouxeram da escola aos seus filhos, aos parentes e amigos. Se as crianças das escolas estivessem
perfeitamente a par das instruções sobre a maneira de combater as infecções, se soubessem o
modo de transmissão das febres, seria um grande passo dado na vitória da campanha, e não é
difícil obter-se isso por meio de uma campanha insistente, pertinaz, na difusão desses conhe-
cimentos.
Antes de tratar da prof ilaxia, vejamos como se dá a infecção no homem.
O mosquito transmissor do impaludismo é muito conhecido nas regiões onde a moléstia é
endêmica. Ainda existe, em certos lugares, a versão de que não é só a picada do mosquito que pode
transmitir a doença; acham que a margem dos rios pantanosos é suficiente para o perigoso contágio.
A maioria, porém, conhece o inseto transmissor, um culicídeo da subfamília dos anofelinos.
Esta família é grande, pois se divide em 13 gêneros, muitos deles com espécies brasileiras.
O povo conhece o mosquito pelo nome vulgar de pernilongo.
Este culicídeo tem hábitos que variam com as regiões e reproduz-se por meio de ovos que
põe em lugares de água parada, de preferência onde existem plantas aquáticas ou empecilhos
para a correnteza da água.
Os ovos são postos na superfície das águas paradas e seu número varia de 80 a 150,
conforme a espécie de mosquito.
O mosquito fêmeo necessita de sangue para a maturação dos seus ovos, e é esse o motivo
por que aprecia tanto esse elemento.
Geralmente, depois da primeira postura, o mosquito morre, porém certas espécies realizam
várias desovas.
Como dissemos, o mosquito necessita de sangue humano, ou de animais selvagens ou
domésticos, para a maturação dos seus ovos. O sangue é retirado por meio de um aparelho
sugador composto de várias cerdas separadas, que no momento se unem para formar uma
trompa. Logo que o mosquito introduz a trompa, também segrega uma linfa que contém um
princípio irritante. O papel desta linfa é impedir a coagulação do sangue para ser melhor absorvido.
Logo que o mosquito inicia a sucção, a vítima sente um prurido muito perceptível, devido a
substância irritante.
Com o correr das picadas, vai-se formando no organismo da vítima uma antitoxina, de
modo que, mais tarde, a irritação produzida pela picada é muito passageira, e as vezes até
insensível. É por isso que certos indivíduos do litoral não sentem ou são pouco sensíveis as
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
picadas dos mosquitos, enquanto que outros tem reações fortes, que se transformam em verda-
deiras ulcerações de tratamento demorado.
Dos ovos nascem as larvas, de tamanho muito pequeno e de forma vermicular. Essas
larvas são carnívoras e alimentam-se de substâncias orgânicas de outros insetos mortos, de
larvas de coleópteros, etc. As larvas não se desenvolvem na água do mar, porém certas espéci-
es podem se desenvolver nas águas salobras.
As larvas têm uma vida de oito a 15 dias. Findo esse prazo se transformam em ninfas,
cujos movimentos são muito rápidos, dotadas de uma forma semelhante a uma vírgula, devido a
parte superior do corpo ser volumosa e arredondada, enquanto a inferior é delgada.
A ninfa respira por uma espécie de sifão, situado na parte superior do tórax.
Depois de dois a cinco dias a ninfa perde os movimentos, e por uma abertura do seu
corpo sai o mosquito alado, para iniciar o vôo logo que as asas secam.
Os mosquitos criam-se também nas parasitas, nos gravatas e em todas as plantas cujas
folhas côncavas conservam a água por muito tempo ao abrigo do sol.
Eles preferem as horas da manhã e principalmente da tarde para picarem suas vítimas.
A vida alada do mosquito tem a duração de uma a três semanas e a dos machos é muito
efêmera; estes geralmente perecem depois da cópula.
As fêmeas, depois da cópula, preferem os lugares escuros, para ficarem em espécie de
hibernação esperando as condições favoráveis do meio para efetuarem a postura. A hibernação
é que protege a conservação da espécie, senão, após os invernos rigorosos, a destruição dos
mosquitos seria total. Isso não se dá porque certas fêmeas se conservam em hibernação: escon-
dem-se em lugares abrigados do frio e das intempéries e aguardam ocasião propícia para deso-
var, salvando assim o futuro da espécie.
Agora que conhecemos mais ou menos os hábitos do mosquito, vejamos como se trans-
mite o micróbio do impaludismo.
O micróbio do impaludismo é o hematozoário descoberto por Laveran. Este micróbio
pode se reproduzir ou por simples segmentação ou por fecundação. Ele tem formas sexuadas e
formas assexuadas.
Um indivíduo portador de impaludismo é picado por um mosquito. O sangue que esse
mosquito sugou contém o micróbio em sua forma sexuada, que são os gametos. Os gametos são
machos ou microgametócitos e fêmeos ou macrogametócitos. Os gametos machos ou também
flagelos são de movimentos muito rápidos.
Quando o sangue chega ao estômago do mosquito, os gametos machos, rápidos, des-
lizam pela mucosa do estômago ao encontro dos fêmeos, dando-se aí a fusão das partes
cromáticas e protoplasmáticas dos mesmos, ficando, como resultado, um corpo esférico do-
tado de movimentos amibóides. Este corpo, chamado zigoto, move-se e abre caminho atra-
vés da mucosa do estômago do inseto, ficando nas paredes do estômago, enquistado como
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um corpo estranho, durante 10 a 15 dias mais ou menos. Formam-se vários quistos, que são
os zigotos. Esses quistos são visíveis ao microscópio, porque fazem saliência na mucosa do
estômago do inseto.
Dentro desses quistos ou zigotos desenvolvem-se os esporozoitos, que são numerosos
corpúsculos afilados. Quando o quisto está maduro, rompe-se, saem os esporozoitos em gran-
de número. Estes corpúsculos entram na corrente circulatória do mosquito e vão se localizar nas
glândulas que ficam ao lado do aparelho sugador desse inseto.
O mosquito então está pronto para transmitir o micróbio ou esporozoíto. Levado pela
sede de sangue, ele procura a vítima e, depois de introduzir o ferrão, segrega a saliva, cujo papel
é conservar o sangue fluido, embora produza no indivíduo uma coceira acentuada. Com essa
saliva que entrou na picada, entraram também os micróbios ou esporozoitos, que invadem logo
o sangue através dos linfáticos da região.
O esporozoíto alimenta-se da hemoglobina, isto é, a parte vermelha do glóbulo sangüíneo.
Chegando a corrente circulatória, o esporozoíto, levado pela fome, segura-se a um glóbulo
sangüíneo e inicia assim sua tarefa de destruição. Os glóbulos sangüíneos ou hemácias são dis-
cos vermelhos constituídos na maior parte de hemoglobina, que é o alimento de preferência dos
micróbios do impaludismo.
Os esporozoitos, a princípio, seguram-se ao glóbulo do sangue e, presos, são levados
pela circulação; aos poucos se introduzem até ficarem no interior dos glóbulos, defendidos dos
medicamentos, que aí não os vão atacar.
Dentro dos glóbulos continuam a viver os esporozoitos, alimentando-se da parte verme-
lha das hemácias, ao mesmo tempo que se desenvolvem. O indivíduo, a proporção que sua
hemoglobina vai sendo destruída, torna-se pálido e fraco.
Continuando sua evolução, o esporozoíto chega a destruir toda a hemoglobina do glóbulo
e atinge sua maturação, tomando então o nome de esquizonte. O esquizonte é o micróbio adulto
ou hematozoário. O hematozoário divide-se em vários outros corpúsculos, formando uma figura
mais ou menos regular como as pétalas de uma flor. É a rosácea de Leveran. Cada pétala é um
novo ser, um micróbio nascido por segmentação, e chama-se merozoíto.
Quando o micróbio chegou a sua maturação, isto é, quando no interior do glóbulo verme-
lho não existe mais hemoglobina, só existe o esquizonte segmentado em muitos outros formando
a rosácea, rompe-se então o glóbulo e esses corpúsculos são postos em liberdade na corrente
circulatória do indivíduo, que, abalado, sente o tremor de frio e a febre.
Os micróbios, que então se chamam merozoítos, espalham-se pela circulação. Depois de
algumas horas, cada merozoíto segura-se a um glóbulo sangüíneo para alimentar-se, e assim
continua seu ciclo evolutivo.
Resumindo, é o seguinte: temos um indivíduo doente; este indivíduo tem no sangue o
micróbio da moléstia. O mosquito suga esse sangue, levando portanto no seu estômago o mi-
cróbio. Esse micróbio, depois de várias peripécias, sai do estômago do mosquito e vai se colo-
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car nas glândulas do aparelho sugador. Quando o mosquito segrega a saliva, cujo papel já
conhecemos (fluidificar o sangue), com ela vão os micróbios para a outra vítima, que dentro em
breve será atacada do mesmo mal.
O indivíduo acha-se infestado de parasita do glóbulo do sangue, que o vai enfraquecendo,
aos poucos, na sua faina de destruição. A proporção que os glóbulos vão sendo destruídos, o
organismo sente a necessidade de fabricar novos glóbulos. O baço, a grande fábrica, amplia seu
trabalho, aumenta de volume e, mais tarde, cansado, sem matéria-prima, sem força, constitui a
esplenomegalia.
Depois da picada do inseto, o micróbio leva, conforme a espécie, 24, 48 ou 72 horas
para sua evolução, isto é, para chegar ao momento de produzir a moléstia.
Pode o micróbio ficar no organismo em forma de gameto por muito tempo, constituindo
assim uma forma de resistência aos medicamentos; isto acontece nas crianças e nos indivíduos
cuja moléstia é crônica.
As crianças são os maiores viveiros de micróbios do impaludismo. Podem passar anos
sem manifestar nenhum sintoma, porém armazenam as formas resistentes por muito tempo.
Mesmo no indivíduo adulto, quando o tratamento não é bem feito, o micróbio procura
defender-se tomando a forma de gameto, e só muito mais tarde é que esse gameto reproduz-se
por bipartiçao ou cariocinese, iniciando nova evolução. Isto explica as recaídas, depois de muito
tempo, em indivíduos que estiveram atacados dessa moléstia.
QUAIS OS MEIOS DE QUE DISOPOMOS PARA A PROFILAXIA DESSA MOLÉSTIA?
Em resumo, precisamos evitar que o homem doente seja picado pelo mosquito, porque o
doente é um depósito de micróbios. Portanto, temos de pôr o doente ao abrigo da picada dos
insetos transmissores, para que estes não vão aí buscar os hematozoários. Do outro lado,
precisamos evitar que os mosquitos já contaminados levem o micróbio ao homem são.
A prof ilaxia pode ser então dirigida diretamente ao mosquito, procurando-se exterminá-
lo impedindo sua criação, extinguindo seus viveiros; isto é a profilaxia anticulicídica ou contra os
culicídeos. Por outro lado, poderá ser dirigida sobre o hematozoário, procurando exterminá-lo
pelos meios químicos de que dispomos, e será então a profilaxia antigermicida.
Na profilaxia anticulicídica, lançamos mão de meios ao nosso alcance procurando aplicar
o que sabemos sobre a hidrografia antipalúdica, que tão bons resultados deram, principalmente
na Baixada Fluminense, quando se tratou de efetuar os serviços de profilaxia rural.
Os serviços de hidrografia antipalúdica consistem na drenagem do solo, no escoamento
das águas, na retificação dos rios, no dessecamento dos pântanos e dos brejos. Estes processos
de combate pertencem mais a agronomia, cabendo ao médico somente orientá-los. A plantação
de eucaliptos, a abertura de valas, etc, são meios de que lançamos mão com muita eficácia
nestes casos.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
As medidas antilarvárias são de importância capital na prof ilaxia do impaludismo. Consis-
tem elas na destruição de todos os ninhos de larvas, para impedir a criação dos culicídeos nos
lugares endêmicos. Limpar as matas, procurar drenar os lugares úmidos e sombrios, a limpeza
das árvores, dos gravatas, cujas folhas são ninhos de mosquitos, o corte dos capinzais, em cujas
folhas depositam os insetos seus ovos, o arejamento dos lugares de mata fechada, etc, são
providências indispensáveis.
Certos peixes são vorazes devoradores de larvas e, entre eles, salienta-se o barrigudinho,
peixinho da água doce muito útil para esse fim, sendo de grande proveito a criação desse peixe
em certos rios. Certos crustáceos e as larvas dos coleópteros são também inimigos das larvas
culicídicas. Pode-se lançar mão desses peixinhos com o fim de sanear os rios onde as águas são
infectadas de larvas.
Os batráquios são também inimigos das larvas, porém não existem em grande número
nesses lugares e, como passam pequena parte da vida na água, não se podem prestar com
vantagem para esse fim.
Nos pequenos depósitos de larvas pode ser empregada a petrolização. Consiste essa
defesa na aplicação do petróleo, que, formando uma camada na superfície das águas paradas,
impede a respiração das larvas, produzindo-lhes a morte. A petrolização ainda é de difícil emprego,
principalmente nos lugares onde o petróleo custa caro, e necessita de muita técnica para a
aplicação ser de resultado profícuo, porque, se a superfície não for limpa, as larvas irão se
abrigar nas vegetações, sujeiras ou em lugares onde o petróleo não chega. Necessita esse meio
de combate de certos preparos do local, o que somente se consegue em pequenas superfícies.
Os vasos, pequenos depósitos de água estagnada, deverão também ser esgotados, porque
são ninhos de larvas.
A destruição do mosquito em casa não é tão fácil como parece. Podemos lançar mão do
enxofre, do piretro, do tabaco, porém é preciso saber aplicar essas substâncias sem sujeitar-se
aos inconvenientes e perigos por que se expõe. O enxofre queimado desprende um gás de ação
enérgica para o mosquito, porém perigosa para o homem. Para ser aplicado, é preciso que
todas as fendas estejam convenientemente fechadas; não é muito fácil. Outras substâncias têm
ação menos enérgica, porém servem mais para afugentar, como o fumo do cigarro.
A destruição do mosquito alado em casa é de grande valor, porque geralmente aí estão
eles contaminados. O culicídeo, depois de absorver o sangue do enfermo, procura um lugar
escuro para se resguardar, fazendo sua digestão laboriosa, a espera da maturação dos ovos e ao
abrigo do meio hostil.
A prof ilaxia, além de ser ofensiva, visando a destruição dos mosquitos, pode ser ao mesmo
tempo defensiva, procurando livrar as habitações e os indivíduos da invasão e da picada desses
insetos. Para isso é necessária a proteção individual por meio de cortinados, cujas malhas muito
pequenas não dão passagem ao culicídeo. Tem-se usado óleos de cheiro ativo, substâncias
amargas, essência de eucaliptos, substâncias inseticidas para serem usadas em unções sobre a
pele, porém com resultados pouco eficazes.
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A fumaça do cigarro também pouco afugenta esses temíveis insetos.
O uso de véus e cortinados apresenta o melhor resultado, bem como roupas encorpadas,
luvas, meias e sapatos, porque o aparelho sugador do inseto atravessa as fazendas finas. Esses
meios de defesa nem sempre estão ao alcance das classes menos protegidas da fortuna. Um
meio de defesa individual é evitar sair nas horas em que o mosquito costuma picar o homem, de
preferência ao crepúsculo da tarde ou da manhã.
A proteção das habitações por meio de telas de arame, aplicadas as janelas e as portas de
tambores, são defesas eficazes.
Os indivíduos contaminados deverão ser isolados dos mosquitos por meio de cortinados
até o fim da moléstia, a fim de que não possam contaminar novos mosquitos, que serão novos
transmissores.
A prof ilaxia germicida é feita entre nós pelo quinino, com o fim de curar os doentes para
estes não serem fontes de transmissão ou para quininizar o sangue dos sãos, evitando que os
micróbios, trazidos na picada do inseto, aí se desenvolvam.
A aplicação do quinino requer certas regras, cujos resultados são, muitas vezes,
negativos ou pouco producentes. Tomar quinino como geralmente se faz no litoral e no
norte do Estado é jogar o medicamento fora. Com efeito, é melhor tomar 20 centigramas do
medicamento, sabendo que é absorvido pelo organismo, do que tomar 1 grama, do qual
serão absorvidos apenas 10 centigramas. O medicamento nem sempre é absorvido, por
diversas causas que vou citar.
Em primeiro lugar, o quinino é pouco solúvel, e o organismo só absorve os corpos
dissolvidos. O quinino, como geralmente é tomado, com água, onde não se dissolve, perde
sua ação por falta de absorção. Ele é solúvel no ácido cítrico e, portanto, as laranjas azedas e
os limões podem favorecer sua ação, dissolvendo-o por meio duma limonada para ser
absorvido.
Outro empecilho a absorção é o mau funcionamento dos intestinos, a prisão de ventre.
Sabemos da fisiologia que o intestino, quando se acha repleto, evita o mais que pode a absorção.
É uma natural defesa do organismo para evitar a incorporação de substâncias tóxicas resultantes
da decomposição das fezes. Os indivíduos que sofrem de prisão de ventre muitas vezes evacuam
o quinino que tomaram, sem que seja absorvido. Foi, nesse caso, o remédio jogado fora. É
necessário, então, para que haja o máximo de absorção, que o medicamento seja dissolvido
e o intestino não esteja repleto, mas sim seja assegurada a absorção por uma evacuação
intestinal conveniente.
Além dessas condições mais se junta, e é relativa a dosagem e a hora de tomar o medicamento.
Sabemos que as substâncias absorvidas não ficam permanentemente no organismo. Depois
de algumas horas, são elas, aos poucos, eliminadas ou oxidadas, de modo que iremos encontrá-
las na urina ou nas outras secreçòes dos diferentes emunctórios. Assim, uma dose de quinino
introduzida no organismo irá do estômago para os intestinos e daí para a corrente circulatória, e
ainda aí não ficará, pois logo mais desaparecerá por ter sido eliminada.
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Ora, como o micróbio está dentro do glóbulo sangüíneo, é preciso que o medicamento se
ponha em contato direto com ele para poder exterminá-lo, e isso só acontece quando o micróbio
fora do glóbulo, isto é, quando a rosácea de Laveran, rompendo o glóbulo, põe em liberdade os
merozoítos, que podem ser mortos pelo quinino. Fora disso, o quinino passa pelo sangue sem
atuar sobre o hematozoário. É preciso então calcular mais ou menos a hora em que os micróbios
estão livres na corrente circulatória (este momento coincide com o tremor de frio) para empregar
o medicamento diretamente no sangue, ou horas antes.
No momento do tremor de frio ou da febre pode-se então praticar a injeção do medicamento,
porém nada adianta tomá-lo por via oral, porque, quando a absorção se fizesse, já o micróbio
estaria dentro do glóbulo sangüíneo.
Sabemos que o quinino ingerido só chegará ao sangue horas depois, e o máximo de
quininizaçao do sangue será de seis a oito horas após a ingestão. Baseados nisso, fazemos o
doente ingerir certa quantidade de medicamento oito horas antes do acesso, porque oito horas
depois o sangue estará em condições de exterminar os merozoítos causadores do tremor de
frio. Os acessos se repetem diariamente ou com intervalos de um dia ou de dois dias, conforme
o tipo de febre ou o número de infecções. O tratamento deve ser continuado por oito semanas.
A primeira dose deve ser forte, para evitar de o micróbio se tornar ao quinino resistente.
O método melhor consiste em dar ao doente: no 1
o
dia, 1 grama de quinino; nos 2°, 3° e
4
o
dias seguem as mesmas doses; no 5
o
e 6
o
nenhum quinino; 1 grama no e, depois, vai-se
diminuindo a dose para 50 centigramas diariamente, durante oito semanas.
As crianças de idade escolar podem tomar metade desta dose sem inconveniente. Pode-
se, além de quinino, dar também um fortificante que contenha ferro ou arsênico, para auxiliar a
reconstituição do organismo.
Assim, na administração do quinino é preciso não esquecer o seguinte: dar o medicamento
e, depois, mandar ingerir uma limonada para auxiliar a dissolução; dar o remédio oito horas
antes do acesso; dar as primeiras doses fortes; as pessoas que sofrem de prisão de ventre, antes
de tudo, devem curar este mal.
Do conhecimento destas instruções depende o melhor auxílio que os professores das
zonas onde a moléstia existe podem dar aos médicos encarregados do serviço de inspeção.
De que modo poderão os professores auxiliar esta campanha patriótica? De muitos modos:
já transmitindo aos alunos conhecimentos sobre a transmissão e sobre a defesa do indivíduo e
dos lugares, não só do gérmen como do inseto transmissor, já auxiliando e fiscalizando a
administração do medicamento, preparando enfim as crianças para um futuro melhor. Somente
por intermédio dos professores será essa campanha salutar, porque é preciso incutir no homem
do futuro os meios de defesa de que ele vai necessitar, ou torná-lo apto para auxiliar também,
pelos seus conhecimentos, os que o cercam, quando disso necessitarem.
É principalmente pelas crianças portadoras de formas resistentes, fontes de infecção, que
devemos iniciar a campanha de profilaxia, para a qual o professor primário será o mais útil
cooperador.
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TESE N
e
84
A HIGIENE NOS INTERNATOS: ESTUDO DAS CONDIÇÕES
SANITÁRIAS DOS INTERNATOS DE SÃO PAULO
Eurico Branco Ribeiro
São Paulo, SP
presente trabalho é o resultado de uma inspeção que fizemos, no segundo semestre de
1926, em dez internatos da cidade de São Paulo, tomados a esmo.
Presidiu aos nossos intentos o espírito de investigação sobre as condições sanitárias des-
ses colégios, e se não foi mais extenso o nosso inquérito, isso foi devido a premência do tempo,
que nos impediu maior número de visitas.
As apreciações que se vão ler decorrem do estudo das fichas que organizamos para cada
estabelecimento visitado.
Os dados que coligimos sobre cada um e que constituíram uma parte especial deste trabalho,
julgamos não dever divulgar, por uma questão de boa ética.
Entretanto, para que não se percam as informações de interesse administrativo que contêm,
enviaremos cópia deles ao Serviço Sanitário e a Instrução Pública de São Paulo, que certamente
tomarão as providências necessárias para corrigir os defeitos e as falhas evidenciadas.
Cumpre-nos declarar que, trazendo a discussão o presente trabalho, nada mais deseja-
mos do que despertar a atenção dos nossos educadores para uns tantos problemas escolares de
ordem sanitária que ainda não tiveram, entre nós, as atenções de que são merecedores.
RESUMO
I O Meio Escolar
1. Localização e disposição geral
2. Edifício
a) Generalidades
b) Salas de aula
c) Dormitórios
d) Refeitórios
e) Enfermarias
f) Cozinha
g) Instalações sanitárias
h) Asseio e conservação
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O
3. Material escolar
4. Recreios
II O Aluno
1. Assistência médica e dentária
2. Profilaxia
3. Contato entre internos e externos
4. Enxoval
III Programa Escolar
1. Horários
2.0 ensino de higiene
3. Educação sexual
O MEIO ESCOLAR
Localização e Disposição Geral
A localização de um colégio não é escolha indiferente numa cidade como São Paulo. As
condições sanitárias variam muito de um bairro para outro; os fatores pró e contra são inúmeros
e as vezes se associam para impor uma condenativa formal. Nem sempre, porém, se observa
desequilíbrio completo desses fatores a favor ou contra a indicação do local. O mais comum até
é coexistirem ambos os grupos, porque São Paulo, a despeito da posição geográfica que
ocupa, é cidade que necessita de muitos melhoramentos de ordem sanitária.
Assim, não se pode dizer que haja, em algum dos seus diversos bairros, um lugar ideal
para a instalação de um colégio com internato.
Os pontos da capital que, por circunstâncias especiais, atraem a atenção dos interessados
não dispõem ainda do conforto que já não dispensam os higienistas de hoje. Se o local é bem
ventilado, alto, batido de sol, já as comunicações são difíceis, a distribuição de água irregular, o
serviço de limpeza pública deficiente, etc. Só o haverá inconvenientes na hipótese de existir
uma poderosa instituição capaz de manter por sua conta esses serviços.
Desse modo, enquanto não for dotada de todos os melhoramentos indispensáveis para as
grandes cidades modernas, São Paulo não possuirá um local apropriado para a instalação higi-
ênica de um colégio.
Da inspeção que fizemos em dez dos estabelecimentos de ensino da capital paulista que mantêm
internato, tomados a esmo, sem distinção de bairro nem de categoria, bem claro se nos apresenta a
superioridade dos inconvenientes removíveis sobre os determinados pelas condições intrínsecas do local.
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Os mais prejudiciais, esses pelo menos podeo ser afastados lançando-se mão de medi-
das de caráter geral de que está a reclamar a segurança individual e coletiva dos habitantes.
Pelo clima — instável e um tanto úmido — e pelas condições topográficas é que não se
formulará, por tão só, a sentença desfavorável a escolha de São Paulo para cidade de estudantes.
O que ainda não a coloca em condições de bem servir para um centro sadio de instrução
é a maneira deficiente por que se fazem certos serviços públicos. Onde se agrupa a maior soma
de fatores favoráveis, aí falta, justamente, por enquanto, a obra do administrador, suprindo as
carências, remediando os defeitos, prevendo as necessidades futuras.
Na parte mais povoada da cidade é só onde os serviços públicos se fazem mais ou menos
a contento. Mas aí vem logo a questão das ruas movimentadas a constituir vizinhança desfavorável
para um internato. Não só o barulho que choca o sistema nervoso — principalmente quando a
pessoa não está afeita a ele, como as que vêm do interior do Estado —, mas, sobretudo, a
inconveniência dos pontos muito freqüentados no que tange as infecçòes, propagadas de mil e
uma maneiras, quiçá também pela poeira que o grande trânsito levanta e faz espalhar pelos
arredores. Caminhos de ferro, barulhentos e trepidantes, temo-los cortando a cidade em vários
sentidos e delimitando extensas faixas em que não é para se recomendar a instalação de um
internato. Entretanto, dois ou três dos que possuímos se acham nas proximidades de vias férreas.
A vizinhança de fábricas foi impossível evitar para os velhos colégios, ante o extraordinário
desenvolvimento industrial de São Paulo. As suas conseqüências, que podem ser assaz graves,
fizeram-se notar para certos estabelecimentos, senão por outro modo, pela atração de moscas,
quando nas redondezas funcionam fábricas de doces. Mas a mosca, se é atraída pelas emanações
que partem de lugares como esses, tem seu berço predileto nos estabulos e cocheiras, e estes
não faltam nos arredores de São Paulo, embora a tendência da época, com o predomínio do
automóvel a mais e mais avassalador, seja a sua redução no que se refere, pelo menos, aos
animais de tração. Por isso, se é recomendável instalar o internato afastado do centro, a
proximidade de estabulos e cocheiras deve merecer, no juízo atual das nossas possibilidades,
uma atenção que não é para se colocar em plano secundário.
A proximidade de hospitais e de quartéis, focos de moléstias infecciosas, não constitui,
atualmente, um motivo de grande receio para os que se internam nos colégios que visitamos.
Apenas um está situado no bairro dos quartéis, mas um pouco afastado de qualquer deles. Quanto
a hospitais, nenhum está em condições de temer qualquer contágio devido a uma tal vizinhança.
Se o excesso de gases e fumo, a que não se pode furtar uma cidade essencialmente fabril
como se está tornando São Paulo, ainda não preocupa os responsáveis pelos internatos, outro
tanto não se dirá da poeira que em grande proporção se agita no ambiente da cidade, constituindo
um verdadeiro problema cuja solução satisfatória será encontrada quando tivermos um calçamento
digno do nosso progresso e um bom serviço de irrigação que atenue, nesse particular, o incon-
veniente do grande trânsito.
O atraso dos serviços municipais numa cidade como São Paulo, de extasiante desenvol-
vimento, faz com que se não possa estar a salvo, por enquanto, de uns tantos fatores prejudiciais
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para os que procuram os nossos internatos. Terrenos baldios, ruas sem calçamento e sem trato,
vias de deflúvio das águas ao sabor da natureza, etc, existem nas proximidades de colégios, e
bem se pode avaliar quanta coisa abrigam esses recantos descurados. Latas velhas e outros
receptáculos favoráveis a procriação de mosquitos não constituem tudo; as águas da chuva nem
sempre se escoam, e, quando não, ficam retidas, porque faltam valetas que as encaminhem. A
limpeza dos terrenos baldios não é exigida como se devera, de sorte que ali as moscas encon-
tram um bom campo para a sua reprodução.
O ideal de um prédio completamente isolado e com vasta área em derredor — bastante
afastado de outros edifícios—não existe para todos os internatos ora em funcionamento. Alguns
deles ocupam casas que serviram de residências para famílias, casas comuns, situadas entre
outras. Não é somente a iluminação, mas também a ventilação e, ainda mais, a insolaçâo sofrem
com uma tal situação. Mas em bom número de colégios em edifícios próprios e adequados
afasta esses inconvenientes da cogitação do higienista.
Se, por um lado, temos a lamentar o acanhado da localização de alguns internatos, por
outro, podemos afirmar que São Paulo, na força expansiva em que se vai alargando em arrabaldes
novos, permite a instalação desses estabelecimentos em áreas vastas, folgadas, ficando o edifício
em meio de jardins e arvoredos, como já existem exemplos. É desnecessário acentuar a
conveniência de uma tal disposição, lembrando, entretanto, que o benefício se converterá em
desvantagem se o excesso conduzir a afogar o edifício entre arvores altas e frondosas. Na
prática, não se cogitou ainda, entre nós, ao que parece, da orientação do prédio, que se constrói
seguindo apenas as conveniências do terreno e, muito principalmente, a disposição da frente.
Quem visita os nossos colégios tem a impressão de que não se dá apreço a direção dos
ventos, expondo-os as correntes prejudiciais, deixando-os, as vezes, em completo desabrigo
do vento sul, frio, úmido e doentio, no dizer do doutor Vieira de Mello, que recomenda para São
Paulo a orientação nordeste.
Ponto que não deve constituir entrave maior para a capital paulista, em que há facilidade
para tudo, é o da natureza do terreno destinado a um colégio com internato, pois a
impermeabilização do solo, inclusive o dos recreios, não constitui problema para a engenharia
de nossos dias. Contudo, os nossos estabelecimentos de ensino descuidam-se desse particular:
na maioria deles, embora o terreno não seja calcário nem arenoso, os recreios não são imper-
meabilizados e conservam no solo um grau de umidade que não é para se tolerar.
Edifício
Generalidades
Encarados de relance, num golpe de vista geral, os internatos de São Paulo podem ser
divididos em dois grupos: o dos que possuem edifícios especialmente construídos e o dos que
servem de prédios adaptados para o seu funcionamento.
A diferença é grande entre uma classe e outra, mas em ambas a higiene sofre oscilações
as vezes bem acentuadas.
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É certo, porém, que ela se vê menos respeitada nos prédios adaptados, onde, apesar da
melhor boa vontade que acaso tenha havido, as condições sanitárias não são de se aplaudir. Se em
alguns estabelecimentos as recriminaçòes se limitam a pouco, noutros os inconvenientes se somam.
Os edifícios especialmente construídos ressentem-se também de falhas, as vezes fáceis de
corrigir. Muitos deles são prédios que vieram do século passado, eivados de pequenas
particularidades hoje incompatíveis com as boas normas de higiene. Outros, embora de
construção recente, mostram que seus arquitetos se descuidaram da engenharia sanitária, entre
cujos capítulos deve figurar esse das instalações para um internato ou estabelecimento semelhante.
Se para aproveitar um prédio muitas vezes se transigiu a respeito da propriedade das
acomodações, estas nem sempre se mostram com o desejável delineamento nos edifícios
especialmente construídos. Com isso não queremos dizer — é claro — que São Paulo não
possua internatos cujas instalações obedeçam a um critério higiênico.
Há, contudo, estipulação das nossas leis que ainda não foram levadas em conta — a dos
elevadores, por exemplo. O artigo 396 do Decreto 3.876 trata da sua instalação em edifícios
escolares de mais de um andar. Não obstante, nenhum internato paulistano possui elevadores.
Está longe, pois, o dia em que veremos, como em certas universidades norte-americanas, um
chefe de tráfego a determinar a subida e descida dos ascensores de acordo com o horário da
entrada e saída de várias dezenas de classes.
Outra questão descurada é a dos aparelhos contra incêndio. Poucos são os edifícios que
possuem dispositivos apropriados, apesar da exigência da lei (o mesmo artigo 396).
Um reparo agora mais ao legislador que ao diretor de um internato, este naturalmente
interessado em receber o maior número possível de alunos: é quanto a limitação do número de
internados. Para isso (artigo 165 da Lei 1.596), também deve ser levado em conta a capacida-
de, digamos, sanitária do edifício. Há em São Paulo internatos evidentemente superlotados.
Seria conveniente, pois, acrescentar-se ao Código Sanitário um dispositivo atribuindo a determi-
nada autoridade a função de fixar o número de internos que cada internato comporta, de acor-
do, principalmente, com a sua capacidade sanitária.
Salas de aula
Falando sobre internato de colégios, cumpre-nos tratar também das salas de aulas, assunto
largamente debatido e que se estende muito além do terreno em que nos colocamos, para abran-
ger todo o domínio do ensino, constituindo o capítulo mais importante da higiene escolar. Certo
que não vamos discorrer como quem focalizasse essa grande parte da ciência sanitária. A nossa
tese versa sobre internatos, e, se nos alongamos, ainda que de leve, a essa questão de salas de
aula, é porque nos estabelecimentos de ensino de São Paulo, salvo raras exceções, não há sepa-
ração nítida, não há independência completa entre a parte propriamente instrutiva e a destinada a
pensão dos alunos. Mesmo em um dos colégios em que o sistema de internato a parte sempre foi
preocupação da sua diretoria, existem prédios onde há dormitórios e salas de aula.
Assim, não é de estranhar que façamos uma ligeira crítica as salas de aula dos internatos
que visitamos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Se elas, em geral, se acham colocadas de maneira a satisfazer as exigências da boa iluminação
_luz em quantidade suficiente incidindo pela esquerda —, não são poucas as disposições defeituosas
por mil e uma razões. Às vezes é a insuficiência das frestas, impedindo que se faça a necessária
claridade; outras, é a ausência de janelas, entrando a luz por uma larga porta exposta ao sol da tarde,
como verificamos em uma sala improvisada em certo colégio; de outras feitas, é a incidência de luz
pelas costas, senão até pela frente, havendo ou não concomitância de iluminação mono ou bilateral;
de outras, é ainda a colocação que a furta dos raios solares, deixando um ambiente úmido e frio.
Para evitar o inconveniente dos dias demasiadamente claros, em alguns colégios as jane-
las são munidas de cortinas, que permitem fazer-se a vontade a graduação da luz que vem de
fora. Mas são casos excepcionais; na maioria não há proteção alguma contra o excesso de
iluminação, que, aliás, é atenuado pelas cores apropriadas — cinzento, esverdeado, etc. —
com que geralmente são pintadas as paredes.
Nem sempre são favoráveis a boa ventilação as salas de aula dos internatos de São Paulo.
Se em alguns encontramos dispositivos nas janelas que permitem a constante remoção do ar e
podem ser usados sem inconvenientes nos dias de inverno, nos dias de verão, entretanto, eles
não satisfazem as condições de nosso clima: precisavam ser mais amplos ou, melhor, precisavam
ser secundados por ventiladores elétricos que agitassem o ar do alto, sem formar correntes frias
que importunassem os alunos ou mesmo lhes fossem prejudiciais.
Entre nós, algumas salas têm bandeiras movediças; outras, venezianas em um quarto da
fresta reservada para cada janela, prejudicando um pouco a iluminação; outras, ainda, respiradouros
ao alto, pequenas frinchas abertas nas paredes externas, geralmente sobre os portais das janelas
ou, senão, embaixo das mesmas, quase rente ao soalho e protegidas por grade.
O sistema de vidros perfurados e o, ainda melhor, de vidros paralelos, ao que parece, não
constituíram, até agora para os nossos construtores, cogitação que frutificasse no campo da prática.
Quanto a temperatura do ambiente, nenhum dos nossos colégios cuidou de colocar nas
salas, a altura de um metro e vinte centímetros, um termômetro que indicasse ao professor—
20°C no inverno, 24°C no verão — a ocasião em que devia abrir as bandeiras e venezianas.
Aliás, esse sistema, usado em alguns lugares, torna-se desnecessário quando a ventilação, pre-
ferivelmente constante, pode ser feita por meio do sistema de respiradouros colocados ao alto
das paredes e junto do soalho, salvo se o exige a temperatura demasiado baixa do exterior.
Mas, neste caso, seria preferível manter a ventilação constante e proceder ao aquecimento
artificial da sala, coisa que não nos interessa discutir, dadas as nossas condições climatéricas.
As salas de aula dos internatos de São Paulo são todas retangulares, mas a proporção de
três por dois, se não é regra para os antigos estabelecimentos, é a norma que parece estar
orientando os nossos modernos construtores de escolas.
Também entrou em definitivo nas minúcias da arquitetura moderna a questão dos cantos
arredondados, que já se vêem nos novos edifícios recentemente construídos.
Ainda perdura, porém, o velho vezo de atravancar as paredes das salas com quadros, educativos
ou não, mas sempre repositórios de poeira e, conseqüentemente, perigosos para a saúde dos alunos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Os quadros-negros em geral têm uma disposição de acordo com a incidência da luz.
Quando colocados nas paredes, atrás dos professores — essa é a tendência que se nota nos
internatos mais modernos —, não oferecem efeitos de iluminação se se toma o cuidado, quando
preciso, de conservar fechada a janela mais próxima, evitando os raios luminosos muito oblíquos.
Os quadros-negros em cavaletes nem sempre são colocados de maneira a se furtarem de uma
incidência de luz que molesta alguns dos alunos.
Percorrendo nas informações numéricas que conseguimos, podemos fazer uma série de
considerações que não são de todo desinteressantes.
Tomando, por exemplo, o total de todos os alunos de cada colégio e dividindo-o pelo
número respectivo de salas de aula, vamos encontrar números que a primeira vista surpreendem:
53,5 alunos por sala no colégio 8; 52,8 no colégio 10; 45,7 no colégio 4. Parece haver uma
evidente superlotação. Tal não se dá; é que várias classes têm aulas na mesma sala, em horas
diferentes, acomodando-se assim a elevada matrícula com a deficiência do edifício.
Outro fato que também nos levaria a explicação desejada — e é o caso do colégio 4 —
está na existência das grandes salas onde se reúnem os alunos em turmas numerosas. O colégio
9 tem uma sala com lotação para 100 alunos; o colégio 1, para 62; e o colégio 5 possui uma sala
de estudos onde se acomodam 172 alunos. Contudo, a média geral não é despropositada: 39,3
alunos por sala de aula. Representa quase o máximo admitido pelos autores. Melhor conviria a
média do colégio 3 — 30,8 alunos por sala. A do colégio 6 (27,8) e a do colégio 5 (23,7) bem
evidenciam o louvável espirito de que estão animados os modernos construtores de colégios.
A respeito da cubagem das salas de aula, podemos sintetizar no quadro que segue os
dados por nós obtidos:
ESCOLA
VOLUME DE SALA POR ALUNO
Colégio 2
De
2,40m
3
a
6,00m
3
por aluno
Colégio 10
"
10,31m
3
a
13,75m
3
" "
Colégio 5
"
5,64m
3
a
6,27m
3
" "
Colégio 6
"
5,70m
3
a
8,50m
3
" "
Colégio 3
n
5,45m
3
a
6,30m
3
" "
Colégio 8
5,84m
3
a
12,12m
3
" "
Colégio 4
4,90m
3
a
10,00m
3
" "
Colégio 9
6,13m
3
a
13,12m
3
"' "
Colégio 7
4,64m
3
a
16,38m
3
" "
Colégio 1
3,50m
3
a
10,50m
3
" "
Os números aí referidos são quase tão discordes quanto os aconselhados pelos seguintes
higienistas e arquitetos citados por Mauro Álvaro:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
HIGIENISTAS
ARQUITETOS
Erismann 6,65m'
Briggs 7,20m
3
Weigl 5,60m'
Klasen 3,80m
3
a 4,50m
3
Janke
2,50m
Baudin 5,10m
3
a 5,30m
3
Bagisky 2,50m a 4,00m
3
Hintrager 4,00m
1
a 6,00m
3
Bergenstein 3,80m
3
a 4,30m
3
Eulcmbcrg 3,00m
3
a 6,00m
3
Hueppe 4,00m
3!
a 10,00m
3
Números assim tao disparatados, mesmo em se levando em conta o fator clima, dão bem
a idéia de quanto o assunto não é dos que despertam, pela sua importância, o estudo acurado
dos especialistas, com a tendência de convergir para unidade de vistas. De fato, o conceito de
cubagem dinâmica proporcional a ventilação do aposento veio destruir a idéia que se fazia sobre
a quantidade de ar suficiente para manter uma boa respiração, tendo-se apenas em vista a
cubagem estática dos tratadistas.
Mais ilustrativos são os números referentes a superfície por aluno nas salas de aula. Nesse
particular, os autores estão mais ou menos de acordo, fixando um mínimo que é, mais ou menos,
de um metro quadrado quando as carteiras são duplas e de l,35m
2
quando são individuais,
números esses adotados pelas nossas autoridades sanitárias. Tal padrão nem sempre é respeitado
entre nós, como bem atesta o exemplo do colégio 2, onde cai a 0,48m
2
o índice de uma das
salas, talvez pela existência de carteiras triplas, que economizam um pouco o espaço. Também
no colégio 1 há uma sala com o índice de 0,77m
2
e outra com o de 0,83m
2
, mas ambas estão
acima do limite mínimo admitido na Prússia (0,60m
2
), país frio onde talvez convenha aproximar
um pouquinho os alunos uns dos outros.
Resumimos a seguir os dados relativos a essa questão:
ESCOLA
ÁREA DE SALA POR ALUNO
Colégio 2 De 0,48m
2
a l,15m
2
Colégio 10
"
l,87m
2
a 2,50m
2
Colégio 5
11
l,25m
2
a l,39m
2
Colégio 6
"
l,30m
2
a l,60m
2
Colégio 3
N
l,21m
2
a l,57m
2
Colégio 8
"
l,20m
2
a 2,50m
2
Colégio 4
M
l,28m
2
a l,84m
2
Colégio 9
"
l,22m
2
a 2,18m
2
Colégio 7 II l,08m
2
a 2,79m
2
Colégio 1
"
0,77m
2
a 2,33m
2
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A impressão geral que se tem, analisando o quadro anterior, é a de que o espaço é, de
comum, bem aproveitado, independentemente de questões de tipos de carteiras. Números
exagerados não se vêem. É certo que o colégio 7 acusa uma sala com 3,60m
2
por pessoa,
mas essa sala é destinada a desenho e possui cavaletes com grandes pranchetas. No edifício
mais apropriado de quantos visitamos — dependência do colégio 7 — os números variam de
l,10m
2
a l,26m
2
nas salas onde há carteiras duplas, sendo de l,22m
2
numa sala onde existem
sete carteiras duplas e 12 individuais; nas três em que o tipo individual é exclusivo, os
números são de l,24m
2
, l,27m
2
e l,30m
2
, abaixo da mínima, pois, mas a salvo de censuras,
uma vez que se trata de carteiras de pequeno porte para alunos de primeiras letras. No
colégio 3, as salas com carteiras individuais acusam l,48m
2
e l,57m
2
. No colégio 6 não há
perda nem sobra de espaço. Tal não se observa no colégio 8, onde o excesso é que
predomina: além de acusarem até 2,52m
2
por aluno, as suas salas folgadas possuem carteiras
triplas.
Dormitórios
O dormitório ideal não se pode acomodar as conveniências econômicas de um internato.
Um quarto para cada pensionista — quarto de boas dimensões, batido pelo sol, abrigado das
correntes de ar, mas com garantias de boa ventilação, etc. — só seria norma adotada por
estabelecimentos dessa ordem sob pena de elevar-se quase proibitivamente a taxa de admissão.
Conciliando as conveniências de modo que a higiene não ceda grande terreno, a fórmula usual
que merece ser colocada em primeiro plano é a de redução do número de internos para cada
compartimento.
Não é essa, porém, a que predomina em Sao Paulo. Se há colégios onde constitui uma
norma que se pode dizer geral, já a maioria deles adota o sistema dos grandes salões, as vezes
atulhados de camas, as vezes parca e confortavelmente aproveitados.
Talvez na adolescência e na puberdade esse sistema de dormitórios coletivos ofereça
alguma vantagem sobre o dos pequenos quartos, onde não pode pernoitar um vigilante. Mas
quando se trata de jovens que já têm uma orientação sobre a vida, já sabem discernir os seus
deveres públicos e privados, então certamente será preferível o isolamento num quarto senão de
todo individual, pelo menos onde a lotação se compute pelo mais baixo.
Entre o sistema de compartimentos para três ou quatro pessoas e os vastos salões,
outros existem em Sao Paulo que diríamos "intermediário", por ser uma combinação de
ambos: um vasto salão dividido por paredes de meia altura em cubículos onde se abrigam de
três a cinco pessoas. Em um deles, os corredores cortam o salão ao meio, de modo que cada
compartimento tem a sua janela, ficando os da esquina aquinhoados com duas. Em outro, os
corredores são a volta do salao, e os quartinhos, denominados "boxes", constituem um bloco
no centro. Um tal sistema tem, pelo menos, a virtude de impedir o demasiado
aproveitamento do salão, que, se fosse aberto, daria lugar a colocação de um número muito
maior de camas.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Quanto aos móveis dos dormitórios, a supressão do supérfluo devia ser a regra. Mas nem
sempre o é entre nós. Uma cama de ferro facilmente desmontável e acessível a limpeza, um
móvel simples, de cabeceira, para o calçado e pequenos objetos de uso, e uma cadeira para o
roupão, mais nada para cada interno.
Isso de guarda-roupas no dormitório, as vezes simulacro de móveis ao aberto, onde se
atulham as roupas suarentas do dia, que ali ficam a viciar ainda mais o ambiente, nem sempre
bem ventilado, certo que não devem merecer o nosso aplauso, pelo menos quando se tratar de
salões coletivos, onde podem concorrer até para quebra da disciplina a hora de deitar, embora
sejam de uso individual.
O melhor sistema é despir-se fora do dormitório, vestindo a roupa de dormir e abrigando-
se com um roupão até chegar ao leito, como se faz num deles, onde os guarda-roupas se acham
nos largos corredores do edifício, ou ainda, como em outro, onde os rapazes se despem num
vestiário instalado em compartimento especial. O acúmulo de móveis dificulta a limpeza e é
causa de retenção de pó. Deve ser evitado. Mesmo a cadeira que se vê ao lado da cama em
vários intematos é perfeitamente dispensável, pois que o roupão pode ser depositado na guarda
da cama.
A natureza do piso é de reconhecida importância. Embora os tratadistas condenem os
ladrilhos e o cimento pela frieza que lhes empresta o seu grau de condutibilidade de calor,
colégios há onde encontramos, aliás, em caráter provisório, um compartimento aladrilhado
convertido em dormitório. Na maioria dos nossos internatos, porém, o piso é de madeira e
encerado; em um deles, é delinoleum, cujo único inconveniente consiste em não se poder
manter perfeita adaptação entre esse material e o soalho, de maneira que no interstício é possível
coletar-se água ou poeira.
A questão da ventilação é de grande valia. Bandeiras basculantes e numerosas, ao alto,
ou mesmo venezianas nas janelas; o que se quer é a fácil renovação do ar. Num clima como o
nosso, onde a temperatura sofre, de freqüência, de fortes quedas a noite, o sistema de
venezianas não nos satisfaz, porquanto não raro temos que deixá-las desaproveitadas. É
preferível o das bandeiras, ou melhor, um sistema de respiradouros no alto das paredes e
junto ao soalho, por onde a troca do ar se fará convenientemente e que pode ser utilizado em
qualquer tempo.
Sendo de largo uso entre nós a ventilação por venezianas ou folhas meio abertas, cumpre-
nos tomar o maior cuidado para evitar as correntes de ar, tanta vez prejudiciais e que a disposição
do dormitório pode favorecer, como acontece num dos compartimentos destinados ao repouso
noturno num dos colégios para meninas.
Os códigos sanitários baiano e federal determinam a superfície mínima de 6m
2
para cada
leito. Tal limite poucas vezes é ultrapassado em São Paulo. Pelo quadro abaixo se pode avaliar
as condições dos intematos paulistas nesse particular:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
ESCOLA
ÁREA DE DORMITÓRIO POR ALUNO
Colégio 1
De
3,18m
2
a
4,80m
2
Colégio 2
"
2,50m
2
a
5,00m
2
Colégio 3
"
2,66m
2
a
5,33m
2
Colégio 4
"
2,83m
2
a
3,03m
2
Colégio 5
H
4,58m
2
a
4,77m
2
Colégio 6
II
4,50m
2
a
8,50m
2
Colégio 7
"
5,00m
2
a
6,5 Im
2
Colégio 8
"
4,61m
2
a
7,66m
2
Colégio 9
II
7,00m
2
a
8,75m
2
Colégio 10
"
5,33m
2
a
6,77m
2
Como se vê, só um colégio, o 9, apresenta número acima da mínima. A maioria está
em situação que não seria para louvar seja não fosse um tanto demasiada a exigência do
legislador.
No colégio 5, onde os dormitórios se mostram com agradável aspecto, não dando impressão
de superlotação, os números variam de 4,58m
2
a 4,77m
2
. Num dormitório em boas condições
sanitárias, a mínima poderia ser reduzida para 4,50m
2
. E há, em Sao Paulo, intematos, como o
do colégio 4, onde em nenhum só aposento tal número é atingido.
A respeito da cubagem, os números obtidos são os seguintes:
ESCOLAS VOLUME DE DORMITÓRIO POR ALUNO
Colégio 1 ] de 14,00m
3
a
2O,60m
3
Colégio 2 12,30m'
a
32,00m
3
Colégio 3 15,70m'
a
32,30m'
Colégio 4 17,00m
3
a
18,00m
3
Colégio 5 20,00m
3
-
Colégio 6 15,70m
3
'
a
32,30m<
Colégio 7 22,50m'
a
27,90m
3
Colégio 8
16,10m
3
a
39,60m
3
Colégio 9
42,00m
3
a
50,20m
3
Colégio 10 29,30m'
a
37,20m
3
Como bem se vê, esses números apresentam variações muito sensíveis de um colégio
para outro e mesmo num mesmo colégio.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O mínimo verificado foi no colégio 3, onde há compartimentos com cubagem de 9,30m
3
_ o que não constituiria inconveniente se a ventilação se fizesse francamente durante a noite
toda. A quantidade de cubagem de 30m
3
,40m
3
e 50m
3
é considerada hoje como simples luxo,
uma vez, é claro, que a troca de ar se faça livre e ininterruptamente.
Ligada a questão do confinamento do ar está a relação entre as janelas do dormitório e o
número de pessoas que nele dormem. Não deixa de ser curioso o resumo que apresentamos no
quadro abaixo:
ESCOLAS N
2
DE PESSOAS POR JANELA MÉDIA
Colégio 1 De 3,3 a 5,0 3,9
Colégio 2
ii
2,0 a
12,0
4,5
Colégio 4 » 6,3 a 7,2 6,6
Colégio 6 " 1,0 a 3,2 1,8
Colégio 7 " 2,7 a 3,0 2,8
Colégio 8
H
3,2 a 4,0 3,7
A diferença extraordinária que se nota entre o colégio 2 e o colégio 6 é devida ao tipo
diverso de dormitórios: vasto salão dividido em celas neste e, naquele, pequenos aposentos
aglomerados de camas. A média mais elevada é a do colégio 4, que, a julgar-se por esta
estatística, seria o pior servido em dormitório. Mas, como fizemos salientar, a boa ventilação
não depende da quantidade das frestas, mas da natureza delas e seu perene funcionamento.
Não deixam de ser interessantes também estes dados que coligimos acerca do número de
alunos que dormem num só aposento:
ESCOLAS NÚMERO DE ALUNOS POR DORMITÓRIO
Colégio 1 18,7
Colégio 2 12,5
Colégio 3 37,5
Colégio 4 88,7
Colégio 5 37,5
Colégio 6
21,5
Colégio 8 28,5
Colégio 9
70,0
Colégio 10 30,0
Esses dados apenas informam sobre o tipo de dormitório.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Nos colégios 3,4,5, e 9 há predominância dos grandes salões, condenáveis sob o ponto
de vista profilático de moléstias infecto-contagiosas, que não raro fazem seu aparecimento nos
intematos.
Do tipo médio aparecem os colégios 1, 6, 8, e 10, mas desses deve retirar-se o n
2
6,
cujos dormitórios obedecem a uma disposição especial que mais se aproxima dos grandes
salões.
Pareceria, também, que o colégio 2, representando o tipo dos pequenos dormitórios,
seria o mais favorável deles todos. Entretanto, sabemos que essa média de 12,5 alunos é elevada
para as dimensões exíguas dos seus quartos. O tipo mais em voga no colégio 7 — 3 alunos por
compartimento — é sem dúvida o que deve predominar.
Refeitórios
O refeitório é um lugar de que se utiliza durante pequena parte do dia, por intervalos
nunca superiores a uma hora, no caso que nos interessa. No entanto, ele precisa ser
satisfatoriamente ventilado, bem iluminado, vasto, cômodo. E deve estar abrigado das atmosferas
poeirentas e, de si mesmo, continuamente liberto de pó e isento de umidade.
A má ventilação, o excesso de comensais, a disposição demasiado exposta ao sol são
causas de fastio que cumpre evitar-se.
Nem todos os nossos colégios põem em prática essas regras atinentes a boa saúde. Há
internatos em que a utilização do espaço atinge ao máximo possível. Em um deles, certamente,
os copeiros fazem manobras acrobáticas para poder satisfazer a sua missão. Em outro, a largura
das mesas foi de tal modo reduzida que não comporta mais que dois pratos: os vis-a-vis ficam
de cara a cara, baforando-se reciprocamente.
Na maioria dos colégios religiosos são de uso as grandes mesas compridas, tendo cada
interno o seu lugar determinado, onde existe uma gaveta para guardar o seu talher, o seu copo
de metal e o seu guardanapo.
Melhor sistema ainda é o das pequenas mesas, redondas ou retangulares, cada qual
comportando de seis a doze pessoas.
Uma coisa que fere o observador é a colocação da sala de jantar, em todos os intematos,
no pavimento inferior do edifício. Tudo estaria muito bem se esse pavimento não ficasse em nível
inferior ao do solo, como em alguns, de sorte que podem ser comprometidas a ventilação, a
iluminação natural, a incidência solar, etc.
O uso de ventiladores bem colocados ao alto das paredes, do tipo exaustor, preferivel-
mente, seria de recomendar para os dias de verão, quando a diminuição do apetite, pela influên-
cia da temperatura e pela monotonia da cozinha do colégio, se ajunta o fator desagradável do
abafamento do ambiente, trazendo a possibilidade de uma hipoalimentação.
Quanto aos objetos de uso diário nos refeitórios, certo que seria o ideal cada interno servir-
se do que é unicamente seu. A prática impõe algumas restrições para a louça, por exemplo, que
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
sempre deve ser lavada em água fervente; o talher, o copo, o guardanapo, é de conveniência que
sejam individuais —e em muitos colégios o são. Noutros, o indiscutível valor profilático do copo
individual não faz jus a uma disposição regulamentar que o reconheça. Um deles não obriga o
interno a possuir seu copo; outro apenas tentou impor essa medida higiênica aos seus alunos.
Sobre os palitos, a prática retrata a indecisão dos mestres: se em alguns internatos são
usados, e a vontade, como timbra em afirmar o diretor de um deles, noutros entram nas listas
das prescrições. Em 63,6% dos colégios visitados por nós, os palitos figuravam a mesa.
Para não haver troca de talheres num dos intematos, usa-se lavá-los no próprio lugar dos
alunos, passando-os em duas vasilhas de água quente, que correm a volta da mesa. Água fervente
e, melhor ainda, água corrente devia ser a escolhida para remover os restos alimentares.
Não pode deixar de trazer certos inconvenientes o sistema usado por um dos nossos
colégios: servir as refeições em prédios distantes da cozinha onde são preparados os alimentos.
Além de perigos durante o transporte, ajuntem-se os distúrbios de digestão que soem produzir
os alimentos esfriados ou reaquecidos.
O tempo reservado as refeições é suficiente para que não haja atropelos, porquanto a
hora que segue é sempre reservada a descanso e recreação.
O estado de conservação da louça, que nem sempre é agradável as vistas do visitante,
não oferece grande interesse, uma vez que se timbra em lavá-la em água fervente.
A água servida a mesa é a do encanamento geral da cidade, em todos os internatos de que
nos ocupamos: é água clorada. Não obstante essa garantia, em todos os colégios ela é filtrada
e em 50% depositada em recipientes revestidos de uma camada de sal de prata (Salus). Ainda
mais: em dois colégios a água é também fervida.
Enfermarias
É indispensável, em um internato, uma enfermaria higienicamente montada e mantida. Essa
verdade, porém, não impressiona, ao que parece, a maioria dos responsáveis pelos nossos
estabelecimentos de ensino. O internato é uma cidade em miniatura, cuja população não está
isenta de se ver na contingência de recorrer a um hospital capaz de a livrar de um agudo surto
epidêmico, oferecendo aos primeiros doentes os cuidados e isolamento almejados para evitar a
propagação do mal. Para o internato, esse hospital será a enfermaria.
Na enfermaria se algema a parotidite infecciosa, ou o sarampo, que explode. Deve ser lá
o recanto sossegado e limpo onde se recolha o jovem acometido de qualquer moléstia ligeira
que traga indisposição, justamente quando o organismo se mostra propenso a aquisição de
enfermidades sérias de que não faltam transmissores nas grandes massas como a das escolas,
principalmente se é composta de alunos internos e externos.
A obrigação do recolhimento em quarto apropriado para os que não se sentirem bem é,
pois, medida de alto alcance, não só individual como também coletivo, porque os primeiros
sintomas podem vir a evidenciar um caso de moléstia infecto-contagiosa.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Assim, não se justifica o descaso com que alguns colégios tratam da enfermaria, se não
chegam ao cúmulo, como observamos em um, de não possuir semelhante departamento. Em
casos tais, os alunos se recolhem aos próprios leitos, no mesmo quarto onde se abrigam os colegas
sãos, respirando o mesmo ar, comprometendo o asseio e facilitando a implantação de um germe
que a desinfecção concorrente, feita em tais condições, é incapaz de combater convenientemente.
Outros colégios, antes não tivessem enfermaria. Sim, porque dão esse nome a cubículos
mal ventilados, mal dispostos e mal aprestados, em que o doente só pode colher transtornos
para a sua saúde.
A maioria, porém, está no meio termo: a sua enfermaria, se possui falhas bastante não é
contudo de molde a constituir grande receio. São as vezes salas amplas, com camas bem espaçadas,
ou quartos de bom tamanho, muito asseados; mas ao lado se vêem instalações sanitárias deficientes
ou mal dispostas, seja não é a própria disposição da enfermaria que nos leva a condená-la —
janelas para as ruas movimentadas, facilidade de correntes de ar, insolação deficiente, etc.
Poucos são os internatos que têm a sua enfermaria com espaço de sobejo e conveniente
localização. Um bom critério é o que presidiu a construção de um dos mais novos internatos de
São Paulo, onde se reservou para enfermaria um prédio especial, afastado do corpo do colégio,
com diversos compartimentos para doentes, farmácia, sala de curativos, etc. Convém, não há
dúvida nenhuma, que a enfermaria fique distante de salas de aulas, de refeitórios, de dormitórios,
porque assim tanto mais difícil se torna o contágio.
Quanto as instalações em si, elas precisam ser mais apropriadas e mais numerosas do que
as com que se dotam os nossos internatos. Há deficiências em todos eles, e essas falhas precisam
ser suprimidas em prol não só da comodidade, mas especialmente da saúde dos alunos. A
lavagem da roupa dos alunos doentes também precisa merecer um pouco de mais atenção. Ela
deve ser lavada em separado, em recipientes a elas exclusivamente destinados, de maneira a
que não contaminem as roupas, as vezes mal passadas, dos alunos sãos.
Cuidados especiais devem merecer os despejos das enfermarias, a fim de não constituírem
focos de contaminação e de propagação das moléstias em tratamento.
Não deixam de constituir interesse alguns dados que coligimos em relação as enfermarias
dos internatos visitados.
Verificamos que em oito colégios existem 80 leitos para 1.924 alunos internados, o que dá
o índice de 24,05 internos para cada cama, o que não é um número baixo, dadas as nossas
condições sanitárias.
Se essa é a média, os números sofrem variações muito sensíveis quando se encara colégio
por colégio. Assim, em alguns não existe uma só cama; um deles, aliás, dos melhores, tem um
leito para cada grupo de 75 alunos internos, enquanto que outro, não muito caprichoso, dispõe
de um leito para cada grupo de 166 internos, sendo esses os números extremos.
Quanto ao número de compartimentos destinados a enfermaria, temos as seguintes
indicações: um compartimento em três internatos, dois compartimentos em três internatos, quatro
compartimentos em um internato, 8 compartimentos em um internato. Média: 2,62 por internato.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Cozinha
A cozinha é a parte de um internato que merece cuidados especiais de asseio. Nem
sempre é agradável a visita as cozinhas dos internatos de São Paulo, por causa dessa questão
do asseio. Se em algumas a impressão é verdadeiramente de molde a suscitar o apetite, noutras,
porém, é o asco, a repugnância, o enjôo que pode sentir o visitante sensível.
Coisa interessante: pode-se dizer que esses dois grupos de cozinhas, das que produzem
boa e das que produzem má impressão, acham-se em relação muito íntima com as duas classes
em que se dividem os mesmos colégios — a dos religiosos e a dos colégios leigos. Seria
desnecessário acrescentar que as cozinhas mais asseadas são as dos internatos dirigidos por
gente de hábito. Nelas, não só na limpeza como também na ordem que impera em tudo, nota-se
característica digna de aplausos.
Quando a administração cabe a leigos, já as coisas são diferentes. Parece que é uma
questão de disciplina. As ordens religiosas são severas nessas questões de disciplina, estendendo,
naturalmente, ao pessoal de cozinha o regime militarizado a que submete os seus professos.
Para os leigos a disciplina sofre transigências pouco numerosas que se avolumam e não raro
trazem conseqüências lastimáveis.
Quem sair da cozinha de determinados colégios e entrar na de outros certamente tem a
impressão de quem vem de um cortiço e penetra num palacete.
Isto quanto ao asseio e a ordem. Quanto a disposição já não serve a classificação acima.
Há colégios religiosos que têm a cozinha em lugar escuro e mal ventilado. Doutro lado,
estabelecimentos civis destinam a cozinha um compartimento vasto, com boa iluminação, com
boa ventilação, protegido por telas de arame contra a invasão de moscas, etc.
Às vezes a disposição é boa, mas o compartimento é acanhado, como o caso de um dos
estabelecimentos por nós visitados, que converteu a cozinha de uma casa de família em cozinha
para atender a uma centena de pessoas.
No que respeita as instalações, elas são no geral boas, embora as vezes deficientes. Os
fogões grandes quase que só funcionam a lenha. Há colégios que possuem instalações a gás;
outros que dispõem de cozinha a vapor.
Só merece aprovação a medida preventiva que encontramos em um deles, onde a cozinha
tanto pode funcionar a lenha como a gás, e onde, apesar disso—o que constitui melhoramento
digno de imitação —, se estavam fazendo instalações para cozinha a vapor.
Os demais apetrechos de cozinha são em geral apropriados; faz exceção o recipiente dos
despejos, que comumente é um depósito sem tampa e exposto as moscas, foco de irradiações
odoríficas, centro de difusão de germes perigosos.
É obedecida a disposição sanitária sobre a natureza do piso — ladrilho — e sobre o
revestimento das paredes com material resistente até metro e meio de altura, pelo menos.
Uma questão que merecia despertar um pouco mais de cuidados é a da lavagem das
louças e material de cozinha. A limpeza somente deveria ser acrescentada da esterilização, tao
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
fácil com vapor quente, quando a cozinha é a vapor, ou com água fervente, quando não há
caldeiras. É apenas uma questão de aparelhagem e ausência de preguiça. A esterilização
sistemática e obrigatória seria uma valiosa recomendação para o internato que a adotasse.
Outro ponto que ainda se deve tocar é esse que diz respeito aos trajes dos cozinheiros e
demais ajudantes de cozinha e copa. O avental branco é de uso generalizado, mas não basta.
É necessário que o gorro apropriado, já exigido por alguns internatos, seja imposição em
todos eles e que não se fique só nisso, mas se exija também uma roupa adequada, limpa, com
a obrigação de trocá-la um dia sim, outro não, pelo menos, a pessoa que dela faça uso.
Instalações sanitárias
Que dizer, assim de geral, sobre as instalações sanitárias dos internatos de Sao Paulo?
Que sao boas? Que são más?
Não se pode dar uma só resposta que convenha a todos, pois, se há colégios onde, ao
lado de instalações confortáveis em perfeito funcionamente e muito bem cuidadas, se obriga ao
uso recomendável do papel higiênico, outros existem em que as privadas não inspiram o zelo de
que sao merecedoras para a garantia da saúde dos que se utilizam delas.
Não é propriamente a natureza da construção que oferece perigo: sao folgadas, bem
ventiladas, largamente abertas ao alto, ou mesmo com portas suspensas de 20cm a 30cm do
soalho. A disposição é que nem sempre convém; o estado de conservação não desperta elogios;
a limpeza nao se pratica como devia ser.
A situação das privadas é uma questão muito importante.
Nos internatos de Sao Paulo elas geralmente se encontram no corpo do edifício, reunidas
em grupos. Isto não constitui desvantagem enquanto não faltar água para a remoção imediata
dos dejetos, facilmente feita com os aparelhos sanitários de uso entre nós.
Mas é sabido que a capital paulista nem sempre tem água suficiente para o consumo a
larga da população. Não é raro que as torneiras passem a maior parte do dia sem jorrar o
precioso líquido.
Para remediar uma tal deficiência, os internatos precisam possuir depósitos de água de
grande capacidade, e nem todos previram e muito menos proveram essa necessidade. Se a
situação das privadas dentro do edifício pode causar mau cheiro, quando a hipótese acima se
verifica ou quando a limpeza é sacrificada, mais fácil será, por isso mesmo, a sua fiscalização e
conseqüente remoção dos inconvenientes que surgirem.
De fato, da inspeção que fizemos, bem nítida nos ficou a impressão de que as privadas
situadas fora, ao lado dos recreios, se encontram em condições de asseio inferiores as das
situadas no corpo do edifício.
Claro está que a localização deve ser feita apropriadamente. Não se irá construir privadas
com portas que abram para os dormitórios e nem tampouco imitar o exemplo de um dos colégios,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que possui num salão cheio de camas, onde repousam, a noite, meia centena de rapazes, uma
instalação de mictórios com oito aparelhos enfileirados ao longo de uma das paredes.
Para evitar-se que os maus odores eventuais cheguem aos dormitórios ou as salas de
aulas, as portas de comunicação entre os corredores ou vestíbulos destinados as instalações
sanitárias deviam ser providas de fechos automáticos, conforme recomendação higiênica. Mas,
entre nós, tais vestíbulos são as vezes limitados apenas por meias paredes, de sorte que o ar
circula, livremente, por cima. Na maioria dos casos, porém, o isolamento dos grupos de privadas
é completo.
No geral, as dimensões dos compartimentos estão acima do mínimo estatuído pelo Código
Sanitário. Há, entretanto, latrinas isoladas, de dimensões que nos despertam a atenção pela
pequenez, mas essas se encontram em colégios que merecem todos os cuidados de asseio e
conservação.
O piso é de ladrilhos na maioria; as paredes impermeabilizadas, ao menos em parte,
conforme exigência sanitária.
Os assentos das privadas não obedecem, salvo raras exceções, a forma preferível de
ferradura aberta na frente, cuja conveniência nos lugares públicos é desnecessário exaltar.
A falta de um depósito para os papéis servidos é desleixo comum nos colégios de São
Paulo. Usassem todos eles o papel higiênico, seguindo o exemplo de alguns, e não haveríamos
de recriminá-los por esse descuido de conseqüências as vezes lastimáveis.
Sobre as caixas de descarga, nada a incriminar. A não ser em um, que está funcionando
em casa que se construiu para residência de família, não se nota, nos internatos de São Paulo, a
existência de banheiros no mesmo aposento das privadas. Neste ou em suas imediações, sempre
se observa a presença de lavabos. Toalhas de mãos é que se não vêem, demonstração cabal de
que são de uso individual. Mas, para o caso, vantagens sem par apresentam as toalhas de papel,
de que só se utiliza uma vez. Embora conhecidas em São Paulo, onde já as vimos, ainda ninguém
se lembrou de empregá-las em nossos internatos. O sistema adotado pelo Instituto de Higiene,
de toalhinhas em varal para se usarem uma só vez, é certamente bastante oneroso para um
estabelecimento que conte avultado número de alunos.
Em geral, há gabinetes sanitários para os membros do corpo docente, que em toda a
parte, no que respeita a comodidade e ao asseio, obtém privilégios que a eqüidade no ponto de
vista higiênico não justifica.
Quanto a relação entre o número de privadas e o de alunos, podemos dizer, resumindo,
que a proporção de alunos por privadas é: de 90,5 no colégio 2, de 28,3 no colégio 9, de 21,6
no colégio 4, de 16,6 no colégio 8, de 15,6 no colégio 1, de 12,2 no colégio 10, de 9,7 no
colégio 3, de 7,2 no colégio 6, de 6,3 no colégio 5.
Levando em conta que a proporção não deve ser superior a 1 por 50 (Mauro Álvaro) ou
mesmo 1 por 30 (Código Sanitário de São Paulo, referindo-se a meninos), verificamos que só
um colégio está em condições muito inferiores as exigidas. Os demais estão de acordo com os
regulamentos sanitários em vigor.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A média geral é de 14,8 alunos por privada, pois, para 3.970 alunos de nove colégios,
existem 267 privadas.
Asseio e conservação
A limpeza do prédio não é feita com o mesmo cuidado em todos os colégios de São
Paulo. Em alguns passa-se o pano, diariamente, no soalho. Noutros, a lavagem dos aposentos
se faz semelhantemente.
Entre os internatos declaradamente católicos ou sabidamente indiferentes a credos, a
diferença no modo de proceder a limpeza é ainda maior; um deles, que luta contra as dificuldades
a que o expõe, presentemente, a sua situação, possui um serviço que se poderia apresentar
como exemplar; já outro, colocado quase no centro da cidade, apresenta-nos edifícios onde,
além de ser sacrificada a limpeza, não há sinais louváveis de asseio.
No geral, o que se usa em São Paulo é a varredura e o enceramento das salas e o pano
molhado sobre as superfícies ladrilhadas, reservando-se ao espanador a limpeza dos móveis.
Tal sistema, usado com freqüência, talvez conviesse para alguns colégios. Para todos não.
Não, porque muitos estão localizados entre ruas de grande movimento e, por conseguinte, se
acham em ambiente carregado de poeira que se vai depositando por toda a parte. Ora, a varredura
agitaria essa poeira e constituiria, por isso, um perigo sério para os internados. Piores efeitos são
os dos espanadores. As conquistas modernas da civilização oferecem-nos um substituto nos
aparelhos de sucção da poeira. É desnecessário enaltecer as vantagens de possuir cada internato
um desses aparelhos. E, não obstante, nenhum deles cogitou de adquiri-lo, ao que parece. Seria
bom, em falta desse meio (sucção), adotar o envernizamento ou oleação dos soalhos e diariamente
a varredura com pano ou vassoura de pano umedecida. As varreduras a seco são proibidas nas
coletividades e em casas de freqüência pública (Código Sanitário).
A questão de asseio está ligada a de limpeza. Onde esta é mais curada, aquele também o
é, geralmente. Do asseio pode-se fazer uma idéia observando os cozinheiros e copeiros,
porquanto todos sabem quanto é difícil fiscalizar o serviço dessa gente. É por isso que, em tese,
há mais asseio nos colégios religiosos, onde são as próprias irmãs ou irmãos que fazem a cozinha,
ou é sob as vistas imediatas deles que o serviço se executa.
Demais, para isso, a ordem concorre como fator de primeira garantia, e bem podemos
verificar como a ordem impera soberana nos estabelecimentos religiosos. O estado de conservação
é, sem dúvida, corolário disso. Onde há relaxamento, os pequenos estragos não são reparados e
aumentam e avultam. As autoridades sanitárias ou não vêem ou, senão, calam. Resultado: crescem
os focos de poluição de micróbios e, conseqüentemente, os perigos para quem vive em tais edifícios.
Nesse capítulo de asseio e conservação, cabem algumas palavras sobre o suprimento de
água. Já dissemos, de passagem, que São Paulo é mal servido de água e que, para prevenir as"
faltas imprevistas de fornecimento do precioso líquido, necessário se torna que os internatos
possuam depósitos de grande capacidade. Tratada como está, pelo cloro, a água do
abastecimento, não há necessidade de submetê-la a outro qualquer tratamento.
496 I Conferência Nacional de Educação Curitiba, 1927
Contudo, para o efeito de clarificação, é recomendável o uso de filtros, o que em todos
os colégios se faz, e não merece impugnação, antes, pelo contrário, elogios; também o uso
de moringas revestidas com sais de prata, cuja ação microbicida é de comprovação
científica.
Os filtros é que precisam ser lavados e tratados com freqüência, para que não se tornem
inúteis ou prejudiciais.
A existência de bebedouros nos recreios é necessária, mas é preciso saber como são
esses bebedouros. Na maioria dos colégios que visitamos, vigora a torneira. Em alguns existem
esguichos de jato oblíquo, como no internato do colégio 7. Mas, no próprio colégio 7, há um
bebedouro anti-higiênico, desses de um cálice que se enche, em que o paciente coloca os lábios
e que nunca se esvazia de todo.
Do uso do copo individual, tão preconizado pelos modernos higienistas, ainda não foi
compreendido o alcance pelos diretores dos internatos paulistanos. Verdade é que alguns
estabelecimentos obrigam os alunos a possuí-lo, e entre esses estão os colégios 8,10 e 5, que
pedem copos de metal. O copo de vidro não oferece inconveniente, mas melhor seria que se
introduzisse o copo de papel, facilmente esterelizável e de uso para uma só vez, como os que já
se vêem em certas repartições do Serviço Sanitário.
Um hábito que ainda está para se impor é o de se lavarem as mãos nos recreios, antes da
merenda. Para tanto, necessitam os nossos internatos de aparelhagem condizente, e já propôs
distinta educadora sanitária o sistema econômico de um cano longo com orifícios convenientemente
afastados funcionando mediante um registro que seria aberto a hora de todos lavarem as mãos.
Precisaria, ainda, o sabão e a toalha individual.
Material Escolar
Também nos cumpre referir — e o faremos igualmente de relance — essa questão do
material escolar, que, entre nós, se acha muito ligada aos internatos.
Ao dirigirmos a atenção para o assunto, assalta-nos a mente a lembrança das carteiras de
classe. E vem-nos logo a idéia esta pergunta: qual o tipo de carteira usada em São Paulo? A
resposta será vaga, dilatando-se, quiçá, nessa avançada asserção de que existem nos colégios
de São Paulo carteiras de todos os tipos. Encontram-se desde o individual até o de longas
carteiras para meia dúzia de alunos—caso do colégio 2—, com todos os tipos intermediários,
predominando o duplo.
Não que cada estabelecimento adote um tipo exclusivo: colégios há que se assemelham a
um museu de tipos e formas de carteiras e são quase todos os colégios antigos, que se foram
desenvolvendo aos poucos e adquirindo material novo e mais aperfeiçoado, sem a preocupação
de fazer substituição de material já usado, certamente por razões econômicas.
Os estabelecimentos mais recentes e os de mais luxo, estes constituem exceção, adotam
um só tipo de carteiras, geralmente o duplo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A proporção com o tamanho do aluno é observada, não com um rigor cientifico, mas
com os dados que a prática oferece, as vezes contrariados pelas circunstâncias materiais causa-
doras de óbices que a conveniência financeira não manda remover, pois que não existem móveis
cuja altura possa ser graduada. A relação entre as carteiras e o banco obedece, no geral, a
indicação higiênica da distância ligeiramente negativa, a melhor para a escrita e sem graves
inconvenientes para a leitura.
Já quanto a disposição dos lugares nas salas de aula, nem sempre é seguido o critério da
comodidade e conveniência do aluno, tanto que se observa as vezes um acúmulo de carteiras,
sendo ultrapassado o mínimo estatuído nos códigos sanitários.
A questão das lousas é de suma importância, e, não obstante, colégios há que não com-
preendem o mal de que são capazes os quadros-negros quando colocados de maneira a refletir
os raios luminosos ou quando, ao invés de baça, é brilhante a superfície enegrecida.
Dois os tipos que se encontram em São Paulo: o das lousas embutidas nas paredes e o
das lousas montadas em cavaletes.
O primeiro deles é o preferido nos colégios modernos; o outro, talvez mais favorável pela
facilidade com que pode ser acomodado a iluminação, é usado nos colégios mais antigos,
abrangendo, quiçá, a maioria dos estabelecimentos. A poeira do giz, que se espalha pelo ambi-
ente na ocasião de apagar-se o escrito, ainda não mereceu, na prática, o corretivo que a higiene
está a impor. É que as escovas até agora não cederam lugar aos panos umedecidos postos em
uso em certas escolas.
Livros, cadernos, lápis, canetas, penas, cartas geográficas, etc, temo-los mais ou menos
de acordo com os preceitos da higiene pedagógica.
Os quadros que se vêem comumente nas paredes dos colégios de São Paulo nem
sempre constituem material escolar. Particularmente nos estabelecimentos religiosos, são o
lembrete de passagens bíblicas ou de figuras taumatúrgicas. Mesmo para os quadros de puro
escopo instrutivo, a permanência nas paredes é hábito que deviam abolir os nossos colégios.
Tragam-nos a vista dos alunos nas ocasiões oportunas, mas não os deixem a acumular poeira,
a constituir logradouro de germens perigosos. Os quadros de que se auxilia o professor, por
que não guardá-los a parte, ao abrigo da poeira, em armários, de quando em quando repas-
sados por uma substância anti-séptica recomendada, e só trazê-los a sala por ocasião das
aulas? Se há conveniência em apresentar freqüentemente o cartaz aos alunos, coloque-se-o
em outro lugar freqüentado por eles, no recreio, por exemplo, onde os perigos decorrentes
decrescem a uma insignificância.
Recreios
A impressão de quem visita os colégios de São Paulo é a de que nem sempre os seus
recreios são bastantes vastos para conter o número de alunos que a eles afluem nos intervalos
das aulas.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Se colégios como o colégio 5 e o colégio 7 possuem largueza mais que recomendável,
outro tanto não acontece com alguns, como o colégio 4 e o colégio 9, em que são evidentemente
acanhadas as áreas destinadas a recreios.
Não encontramos autor que nos oferecesse base para uma crítica segura a respeito do
assunto.
Como saber qual a lotação de um pátio reservado para recreio, onde os alunos precisam
ter folgado espaço para agitar o seu corpo? Tal cogitação, ao que parece, ainda não preocupou
os tratadistas. Ela é, no entanto, merecedora de carinhosa atenção, já que nas horas de
recreação ao ar livre é que o desenvolvimento físico do indivíduo aufere os maiores proventos,
e não pode haver bom aproveitamento quando há escassez de espaço para se realizar essa
ação benéfica.
Em vista, pois, da importância e do estado da questão, ousamos lembrar uma fórmula que
nos permita ajuizar da capacidade dos recreios.
Não querendo partir de uma base empírica, procuramos estabelecer a relação entre os
espaços de que deve dispor um indivíduo para assistir higienicamente a uma aula e a um recreio.
E parece-nos, pelo que observamos durante a nossa visita aos internatos paulistanos, que essa
relação nunca deve ser menor do que 1 para 10, sendo recomendável de 1 para 15 em diante.
Ora, foram estudados e acham-se numericamente representados os limites da capacidade
de uma sala de aula em função da sua área.
Vejamos os números médios indicados pelos higienistas: Erismann pede 1,48m
2
por aluno;
Baginsky, 1,1 Om
2
por aluno; Burgenstein, 1,08m
2
por aluno; Weigl, 1,40m
2
por aluno; Oesterlen,
0,98m
2
por aluno; Inake, 0,95m
2
por aluno. A média desses números é l,16m
2
por aluno.
Vejamos agora quanto pedem alguns arquitetos: Klasen, 0,87m
2
na média; Faber, l,05m
2
;
Hintrager, l,20m
2
; Baudin, l,45m
2
. A média de todos esses números é l,44m
2
.
As autoridades sanitárias de diversos países pedem uma área cuja média é de 1,14m
2
,
como se poderá verificar levando em conta os números abaixo que indicam a média exigida:
França, l,37m
2
; Bélgica, l,25m
2
; Rússia, 0,67m
2
; Holanda, 0,80m
2
; Suécia, 1,45m
2
; Noruega,
l,20m
2
; Dinamarca, l,28m
2
.
Os códigos sanitários brasileiros exigem 1 m
2
por aluno, abaixo, portanto, das médias
fornecidas pelos autores e pelas autoridades estrangeiras atrás citados, médias essas que podemos
sintetizar na expressão aritmética l,15m
2
.
De acordo, por conseguinte, com a relação por nós formulada, a capacidade mínima de
um recreio é de ll,50m
2
por pessoa, tomando por base a estipulação dos autores e das
autoridades estrangeiras ou, simplesmente, 10m
2
, respeitando o estatuído pelos nossos
sanitaristas. A média recomendável é, assim, respectivamente, 17,25m
2
e 15m
2
.
Passemos agora a verificar a situação dos colégios por nós visitados no que toca a essa
questão de recreios. De parte o colégio 7 e o colégio 5, que possuem espaçosos terrenos ao
lado dos seus edifícios, vamos notar que se aproximam da mínima o colégio 8, com 10,56m
2
por
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
aluno, e o colégio 2, com 11,04m
2
por aluno, enquanto que apresentam coeficientes assaz bai-
xos o colégio 9, com 7,84m
2
por aluno, e o colégio 4, com 6,56m
2
por pessoa.
É preciso dizer que os números sobre os quais se fundam os nossos cálculos nem sempre
apresentam a área exclusiva dos recreios, mas a de todo o colégio, de sorte que, se fizermos o
devido desconto, baixarão ainda mais os índices apontados.
É preciso dizer também que calculamos sobre o número total de alunos, em virtude do
costume de se dar recreio a todas as classes a mesma hora.
Boas áreas reservam para os recreios o colégio 1 (24,20m
2
), o colégio 3 (32,43m
2
) e o
colégio 6 (35,87m
2
).
A média geral por nós verificada — 13,38m
2
por aluno — está acima do limite mínimo.
Além dessa questão da capacidade, outras há que se referem aos recreios. A da
pavimentação é uma delas. Certo que, num terreno úmido, a medida que se impõe é a
impermeabilização do solo, recomendada pelo nosso Código Sanitário. Mas o que se vê
geralmente em São Paulo são os recreios com areão e, as vezes, pedregulho socado. Alguns
existem, como os do colégio 7 e colégio 6, para os quais ainda não se tomaram providências
para evitar o inconveniente da argila vermelha que o sapato dos colegiais carrega para dentro do
edifício.
Outra questão importante é a dos espaços cobertos, onde os alunos possam abrigar-se
em dias de chuva ou de grande mormaço. É claro que, para tal, não se requer área espaçosa.
Convém, porém, que seja amplamente ventilada e que permita aos alunos senão correr pelo
menos andar durante o intervalo de recreio. O colégio 8 possui, nesse particular, uma boa
instalação, mas na maioria dos internatos não se tomou igual cuidado, de maneira que os alunos
são obrigados a ficar nas classes quando chove a hora do recreio.
A duração dos intervalos de aula nem sempre obedece a um critério razoável. Depois de
uma preleção de cinqüenta minutos sobre um assunto que demanda muita atenção, o aluno não
pode se contentar com cinco minutos de espairecimento. Seu espírito reclama maior descanso.
Isto não quer dizer que, em tese, cinco minutos seja tempo exíguo e condenável. Não. Tudo
depende da natureza da matéria e da maneira porque se processa o ensino. Mas, seja como for,
o intervalo de apenas três minutos — tempo que mal dá para a troca de professores ou para a
mudança de uma sala para outra—não é merecedor dos aplausos do higienista, e, não obstante,
um colégio há entre nós, o colégio 7, onde, numa das suas sessões, o intervalo é de três minutos
para seis horas de aula por dia, conforme notas que nos foram fornecidas.
O mínimo de 10 minutos deveria ser estipulado para os intervalos de aulas; em tal tempo,
os alunos podem satisfazer certas necessidades fisiológicas e, o que é mais, descansar o espíri-
to, predispondo-o para um bom aproveitamento na aula a se iniciar.
Outra questão ainda referente aos recreios é a da espécie de desporte a adotar. Entre nós
não se obriga a um determinado brinquedo, deixando os alunos se divirtirem como lhes aprouver.
Há exercícios que, em excesso, tomam vicioso o organismo em desenvolvimento. Deve-se
procurar os mais salutares, a ginástica científica, mesmo.
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O ALUNO
Assistência Médica e Dentária
A assistência médica é mais necessária num internato do que num quartel. Os internos
têm a vida presa; o soldado obedece a um regime de externato. Se nao se admite hoje um
acampamento militar sem a assistência médica, a razão é ainda maior para que os internatos
tenham a disposição de seus alunos um facultativo.
Ora, nem todos os colégios de São Paulo assim pensam e, o que é mais, não há uma lei
que os advirta da conveniência de manter um médico. Não se julgue que estamos a defender o
absurdo da exigência de cada internato possuir um clínico para o seu exclusivo serviço. Não se
trata de casa de saúde. O que basta é ter um médico que dê consultas pelo menos de dois em
dois dias e que, periodicamente, passe em revista as turmas, retirando da atividade escolar os
indivíduos depauperados, volvendo os olhares para os doentes que não se queixam, etc. E que
faça mais isto: organize e reveja as fichas sanitárias dos internos.
A ficha sanitária é inovação entre nós. O colégio 6 adota-a, sistematicamente, sob um
critério prático, que já tem produzido excelentes resultados. O colégio 3 iniciou-a há dois anos,
usando um tipo especial de caderneta que o médico do estabelecimento vai enchendo durante o
exame a que submete o candidato, se este ainda nao a traz firmada por qualquer outro facultativo.
Nesse caso, seria de boa prática exigir o reconhecimento da firma do médico.
Se o valor da ficha sanitária até agora não tem despertado a atenção da maioria dos
diretores dos nossos internatos, outro tanto não se dirá da conveniência de possuir um médico
para visitas periódicas.
No colégio 4 e no colégio 6 as consultas são feitas diariamente; no colégio 2 a visita
médica é dominical.
Na quase totalidade dos internatos, o médico do estabelecimento é chamado quando há
doente que o reclame, espaçando-se, as vezes bastante, as visitas sem solicitações.
Mas há um colégio, o colégio 7, que não possui médico. Os diretores — bacharéis,
engenheiros ou que sejam — é que ajuízam da gravidade do enfermo e quando, no seu
parecer, a que não podemos reconhecer autoridade, a moléstia é digna de cuidados de um
profissional; somente então se faz chamado de um médico que, sem dúvida, nem sempre
atenderá com a presteza com que faria se lhe fosse dada a preferência num contrato com o
estabelecimento.
A assistência médica presta ainda serviços de alta importância, orientando a ginástica que
este ou aquele determinado aluno precisa fazer, diferente dos demais, para conseguir a correção
de defeitos físicos ou vícios orgânicos.
A própria questão das atitudes escolares, se está mais afeta aos regentes das classes, não
escapa a alçada do médico do colégio, principalmente quando o hábito se põe a eternizar as
posições anormais adquiridas não só das atitudes escolares, mas das condições mesmas dos
edifícios, tantas vezes impróprios, como acabamos de demonstrar, que decorrem danos para os
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
alunos, sobre os quais a assistência médica bem conduzida pode exercer a necessária função de
regulador compensatório por meio de uma ação profilática.
Convém pôr em destaque os dados que coligimos com relação ao assunto. Assim, verifi-
camos que nove colégios promovem visita médica periodicamente, mantendo dois deles um
médico que se poderia dizer interno, tanto que, diariamente, atende as consultas no próprio
estabelecimento a que serve. Enquanto isso, um colégio apenas não tem nem ao menos um
médico visitador periódico. Todos possuem salas para curativos e socorros urgentes, mas somente
oito têm enfermaria.
Uma coisa de que ainda não se cuida entre nós—e que, não obstante, é de importância
muito grande — é do exame periódico de sanidade não só do corpo discente, conforme foi
exposto atrás, mas também do corpo docente e dos empregados.
E desnecessário salientar o valor dos exames dos professores, já que o nosso governo o
reconhece, como demonstrou mandando submeter-se a ele normalistas candidatas ao curso de
educadoras sanitárias. O que é preciso é generalizar a medida. O professorado público, e não só
os membros do corpo docente dos colégios particulares, também deveria ser submetido anualmente
a um exame médico, afastando-se das funções aqueles cuja convivência seja prejudicial para os
alunos, pela transmissão de moléstias contagiosas de que acaso estejam atacados.
Quanto ao exame de sanidade dos empregados, esse é ainda mais necessário, porquanto
o contato deles com os internos é maior, acrescendo as possibilidades de difusão de uma
determinada moléstia. O caso de início de epidemia de eczema rubro de Ebra que se verificou
no colégio 6 é muito ilustrativo e confirma os bons efeitos de uma vigilância constante sobre a
saúde dos empregados.
Uma questão intimamente ligada a da assistência médica é a dos requisitos sanitários
indispensáveis para a matrícula dos alunos. O resumo dos dados por nós coligidos dá uma idéia
da orientação que têm, sobre o assunto, os responsáveis pelos nossos internatos. Assim, é triste
verificar que apenas seis dos dez colégios visitados exigem atestados de vacina antivariólica; dos
quatro restantes, apenas dois promovem o exame médico completo do candidato a admissão,
que, se ainda não imunizado, poderá ficar sujeito a aquisição da indesejável moléstia.
Em sete estabelecimentos, excluídos os dois que promovem o exame médico completo, é
exigência estatuída o atestado médico de não sofrer de moléstia contagiosa.
A questão dos defeitos físicos, que expõe o aluno a uma situação humilhante e a perver-
sidade dos colegas, só é levada em consideração por um colégio. Quanto a ausência de requi-
sitos sanitários para a matrícula, um só existe, e já por nós citado, que não sabe avaliar a impor-
tância de um tal descuido.
Pode-se, pois, calcular, de acordo com os dados acima, que, na melhor das hipóteses,
20% dos estudantes de nossos internatos podem ter sido admitidos sem prévia vacinação
antivariólica, porcentagem que talvez decresço de muito, diante dos informes de uma inspeção
de todos os estabelecimentos congêneres, mas que, não obstante, não deixa de ser pouco
lisonjeiro para um centro civilizado como São Paulo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A assistência dentária é medida complementar que não devia faltar. Mas colégios há,
como o colégio 7, onde não existem gabinetes dentários. Na quase totalidade dos internatos por
nós visitados, o gabinete dentário é, porém, aparelhamento que faz parte integrante da instalação.
A conveniência da assistência dentária no próprio colégio não está só em tomar pouco
tempo ao aluno e mantê-lo dentro do estabelecimento; está, também, em forçá-lo a tratar dos
dentes, sabido da ojeriza de muita gente aos dentistas, embora se patenteiem a todos as
conseqüências desagradáveis que sofre quem descura de remover as cáries dentárias.
Profilaxia
Com a manifestação em surto epidêmico da febre tifóide, que é endêmica na capital
paulista, verificou-se em princípio de 1925 a vacinação em massa dos alunos dos nossos intematos.
Um ou outro estabelecimento escapou, e nos demais, como é fácil de compreender, um
ou outro aluno deixou de ser atingido pela medida profilática. Assim, não é de se estranhar que,
se encontramos um internato cujos alunos não foram vacinados — o colégio 8 —, em quatro
outros 100% dos internos haviam recebido a emulação preservadora, sem que ocorresse,
posteriormente, um só caso de moléstia.
Num total de 2.056 internos, 1.612 ou 78,4% estavam vacinados. Quase o total das
vacinações foi praticado pela via bucal: 1.599, contra 13 feitas por via subcutânea em um
internato, onde o número dos vacinados por via gástrica apenas atingiu a 7. Desse modo, enquanto
foi de 99,2% a porcentagem dos vacinados por via gástrica, limitou-se a 0,8% a dos vacinados
por via hipodérmica.
Ao que parece, a vacinação antitífica, tão necessária em nosso meio, não mereceu a
devida atenção por parte dos responsáveis pelos internatos paulistanos, que, se não cuidaram
de renovar a imunização, muito menos pensaram em tomá-la obrigatória no começo de cada
ano, por ocasião da abertura das aulas, como seria de boa prática.
A vacinação antivariólica, de velha prática entre nós, precisa ser controlada com mais
cuidado. Se há colégios que admitem alunos apenas mediante a cicatriz observada por leigos,
também é justo que se diga que outros não permitem a admissão senão mediante atestado
médico recente. Uma questão que cumpre examinar é o texto desses atestados. Às vezes o
médico se limita a declarar que o candidato a admissão já foi vacinado, mas não precisa a data
da vacinação nem especifica se obteve êxito; atestados assim não deveriam ser aceitos. É sabi-
do que a imunização é temporária e a revacinação é medida que se impõe.
Desse modo, a norma a seguir seria a vacinação obrigatória de todos os alunos por oca-
sião da matrícula — serviço que seria feito pelo médico do estabelecimento — ou, se não, a
vacinação global por uma autoridade sanitária, a cada ano, em uma determinada época.
Os atestados médicos autênticos, esses seriam levados em consideração, uma vez que se
referissem a imunização recente. Uma tal fiscalização está incluída nas atribuições do Serviço
Médico Escolar da Instrução Pública, mas todos sabemos o quanto a deficiência de pessoal
impede o desenvolvimento do programa de ação estipulado no Decreto 4.101, de 14 de setembro
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
de 1926, em que se estabelecem, entre outras, as seguintes atribuições para os inspetores mé-
dicos, expressas no artigo 60:
2
a
— vacinar e revacinar os alunos, professores e empregados das escolas;
3
a
— examinar periodicamente os alunos, professores e empregados dos estabelecimentos de
ensino;
6
a
— examinar os prédios onde particulares pretendem instalar colégios e cursos;
7
a
— visitar, periodicamente, os estabelecimentos públicos e particulares de ensino, para aplicação
dos preceitos de higiene, etc."
Ora, é sabido que pouco tempo resta aos médicos desse serviço para cumprirem com
suas obrigações no que tange aos colégios particulares, mal dando eles vencimento a tarefa de
cuidar das escolas públicas. E, de fato, verificamos que a sua visita aos internatos só se faz de
longe, sem a persistência garantidora dos bons resultados visados.
Não tanto por essa deficiência de pessoal como pela dificuldade de, por si só, levar
avante certas medidas de prof ilaxia, esse serviço devia ser feito em íntima colaboração com o
Serviço Sanitário, antes por este, que dispõe de material e instalações mais que suficientes para
estender a imunização além do terreno da varíola e da febre tifóide, ao mesmo tempo que
completaria, com o concurso dos seus centros de saúde, a prof ilaxia encarada sob todos os
seus aspectos.
Entregue, assim, a parte preventiva as autoridades sanitárias, o médico do internato seria
o seu mais precioso auxiliar como sentinela de alarme, ao mesmo tempo que tomaria a direção
da parte referente a medicina curativa, tão indispensável, como a outra, onde quer que viva o
homem em sociedade.
Entre nós, o serviço médico preventivo nos internatos pode, pois, vir a ser completo com
a integralizaçâo do serviço médico escolar no serviço sanitário, o qual, por sua vez, de acordo
com a diretoria e os médicos dos colégios, poderá fazer, sistematicamente, as imunizações julgadas
convenientes para o nosso meio e o exame médico periódico dos alunos, professores e
empregados, aí compreendidos os exames de laboratório.
A colaboração do médico do colégio seria manifesta e de grande valor no encaminhar, com a
devida urgência, para os serviços como os dos centros de saúde, todos os alunos sobre que pesasse
suspeiçao de moléstias de contágio possível—lepra, tracoma, disenteria, tuberculose, etc.
Uma noção nova e de grande importância na prática, merecendo, por isso, a atenção dos
nossos internatos, é a dos portadores de germes de moléstias infecciosas e de verminoses. Ou
porque possui imunidade adquirida contra uma determinada infecçao ou porque o seu organismo
é resistente aos germes dessa mesma infecção, uma pessoa pode ser portadora de tais germes,
espalhando-os, sem que apresente o menor sintoma da moléstia.
A comprovação desse fato, que já criou foros científicos, devia impor, nos internatos,
como medida sistemática, o exame bacteriológico de fezes, muco nasal, secreçòes buco-faríngeas,
catarro, etc, e de sangue para pesquisa de hematozoários.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Estabelecida uma tal praxe, garantia segura contra contaminações por meio de portado-
res teriam todos os alunos, uma vez que a positivação conduzisse o paciente ao afastamento
temporário do convívio colegial, até que não mais abrigasse indesejáveis parasitas contra os
quais os interessados diretos — antes a autoridade sanitária que os responsáveis pelo aluno —
se encarregam de promover o devido combate.
Contato Entre Internos e Externos
Sob o ponto de vista puramente internista, é de interesse saber-se o número relativo de
alunos externos e semi-internos que freqüentam o colégio.
O internato é um meio isento de moléstias. Os que a ele são admitidos passam por um
exame de sanidade e sofrem vacinações.
Uma vez internados e passado o prazo de incubação de certas moléstias infecciosas, toda
doença contagiosa que aparece será por transmissão de quem vem de um ambiente contaminado.
Ora, quem mais se põe em contato com os internos são, primeiro, os semi-internos e,
depois, os externos. Assim, é curioso saber-se o grau de contato entre os internados e os alunos
residentes fora do estabelecimento.
Nos dez colégios que visitamos, o número de internos era de 2.335, avizinhando-se o
total de 4.500, o que dava uma porcentagem de internos igual a 52,87%.
O número de externos e semi-internos quase corresponde, pois, ao de internos, daí se
podendo deduzir, de uma maneira geral, que os nossos internatos não constituem proteção aos
estudantes contra as doenças infecciosas endêmicas na cidade.
O colégio mais protegido, segundo a porcentagem de internos sobre o total da matrícula,
é o colégio 3, onde essa cifra se eleva a 81,08%, mas os 18,92% excedentes, todos semi-
internos, têm maior convivência com os seus colegas do que se fossem apenas externos.
A porcentagem menos elevada é a do colégio 10 (40,54%), em que só o número de
semi-internos é mais avultado que o de internos, crescendo muito, por conseguinte, as
possibilidades do contágio.
Em quase idênticas circunstâncias está o colégio 9, com a porcentagem de 41,19% de internos.
Bem acima da média geral é o número de internos do colégio 5, que assim fica em
segunda colocação relativamente ao ponto que encaramos.
O ideal de um colégio que só tivesse internato é cometimento para ser realizado fora de
um centro populoso cujos inconvenientes se evitem, mas onde não faltem os requisitos higiênicos
hoje considerados indispensáveis.
Mas não é só pelo lado da saúde individual que tem interesse essa questão do contato
entre internos e externos.
A introdução de hábitos da rua, de palavras de gíria, de literatura perniciosa e quejandas, que
o regime de internato não permite, encontra facilidades no convívio dessas duas categorias de alunos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Enxoval
Todo internato colegial costuma exigir do aluno um enxoval de acordo com uma lista que
consta dos seus prospectos. Nessa lista declara-se o que é necessário e que é de obrigação trazer.
Examinando-a, é bem fácil verificar o apreço em que os preceitos comezinhos da higiene
são tidos no conceito dos diretores de cada estabelecimento. É por isso que procuramos nos
prospectos as peças do enxoval que pudessem trazer-nos alguns esclarecimentos relativos a
questões higiênicas.
Nos avulsos do colégio 7, porém, não encontramos pedido de enxoval. O aluno se encarrega
de organizá-lo ao seu bel-prazer, com certeza. Se vem do interior e não tem hábito de usar
escovas de dentes, é de presumir que o colégio não lha exija.
Por aí se vê que tem uma importância capital essa questão de pedido de enxoval. Se ele é bem
feito e a diretoria não transige nas exigências que contém, constitui uma garantia certa para o interno.
Sim, porque será obrigado a ter toalhas individuais em número suficiente, roupa de cama,
lenços, objetos de penteador, etc, que muitas vezes são veículos de moléstias que se propagam
em habitações coletivas.
Guardanapos, talher e copo são peças de que se lembram muitos dos nossos colégios,
mas de que se esquece a maioria.
As autoridades competentes bem podiam rever as listas de pedidos e incluir nelas,
obrigatoriamente, umas tantas peças que nem todos os colégios reclamam. Não seria de má prática
que se impusesse aos internatos a inclusão, no seu rol de enxoval, das seguintes peças: uma dúzia
de lenços; 1/2 dúzia de toalhas de rosto; três toalhas de banho; 1/2 dúzia de guardanapos; um
uniforme de ginástica; um colchão e roupa de cama; um talher de prata ou cristofle; um talher para
sobremesa; um copo de prata ou vidro; duas esponjas para banho; uma escova de dentes; uma
escova de unhas; uma escova de roupa; uma escova de sapatos; uma saboneteira; uma bacia de
50cm de diâmetro (nos internatos de meninas) e uma tesourinha para unhas.
Seria interessante verificar, também, de quantos em quantos dias são mandadas mudar as
roupas do corpo, das camas e da mesa.
Quanto ao talhe da roupa usada pelos nossos colegiais, não há, em geral, particularidades
que afetem a higiene. O gosto individual prevalece. Os uniformes não são a regra.
PROGRAMA ESCOLAR
Horários
As informações que obtivemos a respeito dos horários observados nos internatos visitados
não são tão minuciosos quanto seria de desejar para um estudo definitivo do assunto.
Para que bem exatos e precisos fossem os dados solicitados, melhor conviria a representação
gráfica da vida do colegial numa figura de mostrador de relógio, onde se apostariam os atos principais
do dia, conforme propôs o doutor Nuno Guerner, com quem trocamos idéias a respeito da confecção
do presente trabalho e que nos guiou, principalmente, nas considerações relativas a este capítulo.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Em falta de elementos mais detalhados que a carência de tempo não nos permitiu coligir,
limitemo-nos a encarar tão-só os que resumimos nos dois quadros intitulados Horário Geral e
Horário das Refeições.
As informações contidas no primeiro — Horário Geral — podem ser separadas em dois
grupos gerais: no primeiro grupo, abrangendo as horas de aula e de estudo, e, no segundo
grupo, as de recreio e de dormir, isto é, as de trabalho escolar e as de descanso intelectual.
Assim, temos:
Escolas 1º Grupo 2
a
Grupo
Colégio 2 9,5 13,0
Colégio 6 7,0
-
Colégio 1 6,75
15,0
Colégio 8 6,0 11.0
Colégio 4 9,0 11,5
Colégio 9 8,5 13,5
Colégio 10 7,0 11,0
Colégio 5 8,0 13,5
Colégio 3 8,5 12,0
Colégio 7 9,0 14,0
Média 7,92 12,72
Referindo essas horas ao tempo total do dia, temos:
Escolas 1º Grupo 2º Grupo
Colégio 2 39,58%
54,16%
Colégio 6 29,16%
-
Colégio 1 28,12% 62,50%
Colégio 8 25,00% 45,83%
Colégio 4 37,50% 47,91%
Colégio 9 35,41% 56,25%
Colégio 10 29,16%
45,83%
Colégio 5 33,33% 56,25%
Colégio 3 35,41% 50,00%
Colégio 7 37,50% 58,33%
Média 33,02% 53,00%
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
De posse dessas porcentagens, é fácil verificar, em cada colégio, a relação entre o perío-
do de aulas e de estudo — trabalho total (TT) — e o de recreação e sono — descanso
intelectual (Dl). Ei-la:
ESCOLAS RELAÇÃO TT/DI
Colégio 2
Colégio 1
Colégio 4
Colégio 9
Colégio 10
Colégio 5
Colégio 3
Colégio 7
Colégio 8
0,73
0,45
0,78
0,63
0,64
0,59
0,70
0,64
0,54
Média 0,63
Como facilmente se vê, onde há mais trabalho em relação ao descanso é no colégio 4,
seguindo-se-lhe o colégio 2 e o colégio 3, com proporções bastante elevadas.
A média verificada para o trabalho total representa ótimo consubstanciado na fórmula da
divisão do dia em três fases de oito horas: uma para trabalho, outra para recreação e necessidades
orgânicas (alimentação, exercícios físicos, etc.) e a terceira para o sono. Esta última é, geralmente,
alongada nos internatos de São Paulo.
Todos eles reservam para o repouso noturno um intervalo que vai além de oito horas. A
média é um pouco acima de nove horas, nos dez colégios visitados. Tal média, se representasse
as horas de sono, estaria bem em se tratando de crianças do curso primário, mas é certamente
demasiada para moços de cursos superiores como os de alguns colégios. Entretanto, os números
aludidos não representam, efetivamente, as horas de sono, porém as que se reservam para o
descanso noturno, respeitando-se, dentro desse horário, o silêncio no dormitório.
A média das horas de recreio é de 3 horas e 45 minutos. Isso, bem aproveitado, bastaria.
Os alunos que têm ardente desejo de aprender, ou que sentem prazer com o estudo,
precisam mais que os outros de obedecer os horários de recreio, contentando-se com as horas
reservadas ao trabalho intelectual. É uma grande garantia para a sua saúde e mesmo para o seu
melhor aproveitamento.
O tempo destinado as aulas é, em certos internatos, um tanto avantajado. Mesmo levando
em conta que é costume generalizado dividir o dia em dois períodos — antes e depois do
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
almoço —, cinco ou mais horas de aula por dia constituem, certamente, um excesso de trabalho
intelectual dessa natureza. Que tempo restará para satisfazer as obrigações escolares como as
lições escritas, sem dúvida mais numerosas para uma ânsia de ensinar tão intensa?
Se há demasiado trabalho, há também, em alguns estabelecimentos, um intervalo de des-
canso que toca as raias do desnecessário — onze horas e meia reservadas para o repouso
noturno, como se vê em um dos internatos paulistas.
A relação entre a primeira refeição matinal e a hora de levantar-se merece um pouco de
atenção dos responsáveis pelos colégios onde se dá aos alunos maiores uma liberdade sem
dúvida em contraste com o regime, até certo ponto militarizado, que deve imperar. Entre os
rapazes, principalmente, encontram-se freqüentemente alguns apaixonados por certos esportes
que, mal se levantam, tratam logo de satisfazer sua fúria desportiva, esquecendo-se de que o
estômago necessita de alimentos e, ainda mais, de que o esporte para um corpo sem a conveni-
ente nutrição é-lhe, muitas vezes, prejudicial.
Assim, a presença de todos os internos na refeição da manhã — que deve ser servida
meia hora depois do levantar-se—precisa sempre constituir uma obrigação sobre que não se
admita transigências.
Na maioria dos colégios há cinco refeições; a última, noturna, nem sempre é necessária,
dependendo da hora dojantar. Se este é as 17 horas ou antes, então não haverá inconveniente
em se fazer uma ligeira refeição três horas mais tarde.
A respeito do horário das refeições, passemos uma revista ligeira sobre os colégios por
nós visitados.
No colégio 3 verifica-se um pequeno intervalo entre o almoço e a merenda (duas horas e
meia apenas). Seria preferível fazer a supressão da refeição da noite, colocando o jantar as 17
horas e meia ou 18 horas, intercalando melhor a merenda.
No colégio 5 é bem equilibrada a distribuição, que, entretanto, pode ser beneficiada
com o recuo da refeição matinal — tardia, atendendo ao luxo do colégio e ao excesso de
horas destinadas ao repouso noturno — para as sete horas e meia e o almoço para as 11
horas e meia, ficando para as 15 horas e meia a merenda, e o jantar, última refeição, para as
18 horas e meia.
No colégio 10 nota-se um intervalo curto entre o almoço e o jantar, em virtude da existên-
cia da merenda.
Já no colégio 9 a distribuição é melhor, sendo preferível, porém, esta: 6 horas —10 horas
—13 horas e meia —17 horas, suprimindo a refeição noturna ou mantendo-a as 20 horas,
com a condição de afastar a matinal para as 6 horas e meia.
A distribuição do colégio 4 é a melhor de todas; mas ainda pode ser beneficiada com a
transferência da última refeição das 17 horas para as 17 e meia.
No colégio 8, os intervalos são ligeiramente curtos entre as duas primeiras refeições.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O contrário se verifica no colégio 1: há intervalo excessivamente grande entre as duas
primeiras refeições, enquanto que são pequeninos os intervalos entre a merenda e o jantar e
entre este e a desnecessária ceia.
O colégio 6 teria bom horário se fosse menor o intervalo entre o café e o almoço e se o
jantar (última refeição) fosse as 18 horas e meia.
No colégio 2 há intervalo excessivo entre o café e o almoço (4 horas) e entre este e a
merenda — que deveria ser as 15 horas e meia —, mas aceitável aqui. Em contraposição,
porém, é pequeno o intervalo entre a merenda e o jantar (2 horas e meia) e entre este e a
desnecessária ceia.
No curso primário, o colégio 7, por conveniência do estabelecimento, serve o almoço as
8 horas e 40 minutos, hora sem dúvida muito cedo — 2 horas e 10 minutos apenas após o café
da manhã —, tanto mais que as outras refeições do dia ficam bastante espaçadas para crianças
em pleno desenvolvimento somático.
No colégio 7 — seção dos mais adiantados — há excessivo intervalo entre o café e o
almoço, que pode ser de 4 horas e meia, e entre este e a merenda, donde resulta encurtar-se em
demasia o intervalo entre as restantes refeições.
O Ensino de Higiene
Não se faz ainda entre nós a inclusão do ensino de higiene nos programas dos cursos de
humanidades. Se o exemplo foi dado pela orientação oficial, que criou nas escolas normais
uma cadeira dessa disciplina, não teve ele a desejável imitação nos institutos particulares, nem
tampouco despertou a atenção dos legisladores para essa face interessante e necessária da
instrução.
Não se infira daí que a higiene seja por completo descuidada pelos educadores dos inter-
natos que visitamos. Não. É costume nos colégios de São Paulo fazer-se a instrução higiênica a
medida que as oportunidades se apresentam, as mais das vezes fora de aula, nos recreios,
refeitórios ou onde quer que os professores ou vigilantes se encontrem e conversem com os
alunos.
No geral, é individualmente que se vão ministrando os conhecimentos para a manutenção
da boa saúde. Não se trata, contudo, de obra em que se esmerem os responsáveis pelos nossos
colégios: a maior parte dos conhecimentos higiênicos já foram adquiridos em casa ou são os
resultados da convivência com colegas de aprimorada educação.
Mas se bons exemplos se podem notar na intimidade de um conviver de internato, muitos
outros não recomendáveis, e prejudiciais até, podem evidenciar-se e frutificar, acarretando
conseqüências deploráveis.
É por isso que não basta, da parte do professor, a meia dúzia de conselhos salutares que,
antes por dever que por obrigação, as vezes dá aos alunos reunidos em aula, se calha uma
oportunidade qualquer.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
É preciso que se diga, entretanto, que em alguns estabelecimentos consta do programa
um curso de civilidade, nele incluído, como é fácil compreender, alguns capítulos de higiene,
principalmente de higiene individual. Mas um defeito grave existe em tal curso: visando-se apenas
a civilidade — modo de portar-se para com o próximo e para consigo mesmo —, é natural que
se esqueça de dar razão por que é condenado este ou aquele costume, que não se diga o
motivo exato de condenar qual ou tal prática. O aluno precisa saber que tal costume não é
somente feio, mas também anti-higiênico, perigoso para si e para a sociedade.
Não é fora de propósito citarmos aqui um trecho tomado a esmo do livrinho Compêndio
de Civilidade, para uso das famílias e dos institutos educativos, editado e adotado por um dos
nossos estabelecimentos escolares. Ei-lo:
29. Ama e conserva a limpeza em tudo: nas salas, nas estantes, nos baús, na roupa, nos livros e cader-
nos, etc. A ordem e a limpeza facilitam o trabalho, poupam dinheiro e agradam a todos (1923, p.81).
Como se vê, não há a menor referência a importância da limpeza quanto a saúde. A
orientação de tais cursos de civilidade poderá ser aquilatada por aí.
Torna-se patente, pois, a necessidade de incluir a instrução higiênica nos programas dos
colégios, criando uma cadeira especial para o desenvolvimento da matéria. Indiscutível, hoje em
dia, o valor de uma tal instrução, parece não restar dúvida sobre a oportunidade da sua introdução
entre nós.
E para que isso se dê, de um modo eficiente, a lei da obrigatoriedade constitui medida
primordial. Com ela há de vir a estipulação de um programa oficial, organizado e adequado aos
fins em vista.
São Paulo, que vai marchando na vanguarda dos estados, graças as suas possibilidades e
a alta visão dos seus governantes, não pode continuar silencioso sobre o assunto, mas há de
levar em breve para o terreno da prática essa inovação de grande e incontestável alcance para
a eugenização do nosso povo.
Educação Sexual
Não se compreende mais, hoje em dia, o deixar-se aos próprios adolescentes o
arregaçamento súbito ou paulatino desse véu de misteriosidade que envolve as questões sexuais.
Por isso mesmo, quando iniciamos o nosso trabalhinho, levávamos em mente indagar o
que se faz nos intematos de São Paulo no que respeita a educação sexual dos alunos.
O nosso inquérito, se bem aceito por educadores de visão mais lata, foi recebido por
alguns com a aridez de uma resposta seca, resposta de quem não quer entrar em pormenores
para estudo de assunto que lhe merece, de antemão, uma repulsa decisiva.
Houve até censuras: a expressão que usamos de "educação sexual" devia, por forte demais,
ser substituída pela de "educação moral".
Justifica-se o desatino pelo excesso de pudor teologogênico.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A negativa simples a nossa inquirição, da maioria dos internatos que visitamos, dá bem
mostra do quanto ainda estamos aferrados aos velhos e descabidos costumes da nossa gente,
relativos ao problema que ora encaramos. Os que sabem avaliar a importância da educação sexual,
bem conduzida por uma instrução cautelosamente ministrada, esses, se ainda não deram nenhum
passo para oficializar as medidas que jmputam necessárias, limitam-se a afirmar que, particular e
individualmente, vão fazendo a educação sexual a medida que as oportunidades se apresentam.
Alguns há que, de fato, algo têm feito nesse sentido, aproveitando-se de ocasiões perante
as quais só lhes caberia censuras se ficassem calados.
Não há, pois, nada preestabelecido, nada de regulamentar. Se o aluno vem de casa
desconhecendo completamente os cuidados que precisa tomar para evitar contágios perigosos
e depauperaçao ou preservação funcional do seu organismo, e, mais, se no colégio não se lhe
chama a atenção para esses cuidados, ele ficará entregue a instintos bestiais, a perversidade de
colegas sabidos, ao mal evitável de moléstias venéreas.
É certo que melhor se fará a educação sexual no recesso da família, quando os pais sabem
compreender a sua função orientadora de todos os passos dos filhos, deixando de emprestar a
palavra "respeito" o valor excessivo que antigamente se lhe dava, para instruir o adolescente
sobre os chamados segredos do sexo e a significação do termo castidade.
Mas se, entre nós, do lar não provém o esclarecimento que abate o mistério e faz cessar
a curiosidade, a escola cumpre reparar a falha criada pelos costumes enraizados, promovendo,
sistematicamente, de uma maneira que não escandalize e em tempo oportuno, a divulgação dos
assuntos atinentes a esfera sexual.
O que não convém, o que não raro se torna prejudicial e, portanto, se deve evitar, é que
os adolescentes se vão esclarecendo a custa da própria experiência e da própria observação
(muitas vezes erroneamente interpretadas) e sempre a custa da própria saúde moral e física.
E mesmo que houvesse educação caseira, valeria ser reforçada ou corrigida na escola,
não se podendo ajuizar do seu valor, quer sob o ponto de vista profilático, quer sob o ponto de
vista moral, tais benefícios que podem prestar ao indivíduo.
Assim, é de se recomendar que os nossos internatos cuidem do assunto, procurando um
meio de bem atingir os fins visados.
Em recente trabalho, o doutor Luiz Medeiros lembra que se destine ao menos uma hora
por semana para palestras sobre educação sexual, em que se desenvolvam programas como
este, dedicado, está se vendo, exclusivamente a rapazes:
a) evolução das idéias da criança e da adolescência a respeito das suas origens;
b) a mulher tal como o adolescente pode encontrar;
c) perigos de um tal encontro. As doenças venéreas (descrição sumária e precisa de seus
sintomas e das conseqüências para o indivíduo, a sua descendência e a sociedade;
necessidade de cuidá-las desde o começo até o fim);
d) conselhos para evitar as doenças venéreas;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
e) ser casto; procurar no trabalho e nos divertimentos físicos o derivativo para os arrebata-
mentos da juventude; pensar naquela que vai ser a companheira da vida e casar-se cedo.
Acrescente-se a isso uma parte de fisiologia dos órgãos genitais aplicada a moralidade e resta
apenas encarar o assunto com a elevação de expressões que exigem a sua natureza e finalidade.
Para encerrar este capítulo, lembremos esta citação ainda do autor acima aludido:
John Stoker de uma feita doutrinou: devemos inculcar a virtude, a princípio; a prudência, em
seguida; porém, o que é preciso combater antes de tudo é o mistério feito em torno da vida sexual;
quando as ignorâncias e os preconceitos forem dissipados, a causa será ganha, porque uma
doença que perdeu o seu segredo é doença vencida.
Um apanhado muito exato do modo com que é encarado o assunto em nosso meio é o que se
contém no relatório de 1925, do diretor do Serviço Sanitário, doutor Geraldo de Paula Souza, e que
abaixo transcrevemos:
Repugna geralmente entre nós, quase classificada como prática corruptora da inocência, instruírem
sobre esse assunto (educação sexual, moral e médica) pais e professores, os filhos e discípulos
que assomam a puberdade. A conseqüência dessa omissão é mais deplorável que se pode imaginar,
porque a natural curiosidade que desperta o desenvolvimento do próprio instinto expõe a
adolescência indefesa, pela ignorância dos seus mais sérios perigos, as mais graves infecções,
que comprometem a saúde e as vezes o próprio futuro, precisamente em um periodo de grande
atividade orgânica. Arrebatados pela força do instinto, que a educação sadia não guiou no lar nem
na escola, a autoridade carinhosa dos pais e o prestígio dos professores se substituem pela
influência nefasta dos garotos das ruas e dos companheiros ocasionais pervertidos que se
comprazem na inconsciência de fazer outros depravados.
ANEXOS
Enfermarias
ESCOLAS
NÚMERO E
LEITOS
)E NÚMERO DE
COMPARTIMENTOS
NÚMERO DE
INTERNOS
NÚMERO DE INTERNOS
POR LEITO
Colégio 4 32 8 710 22,1
Colégio 1 6 2 150 25,0
Colégio 2 - - 100 -
Colégio 6 _ - 129 -
Colégio 10 5 1 150 30,0
Colégio 8 9 2 200 22,2
Colégio 9 6 1 210 35,0
Colégio 3 18 4 300 16,6
Colégio 5 2 2 150
75,0
Obs.: Nos colégios 2 e 6, as enlermarias estão em construção. Em oito colégios há 80 leitos para 1.924 alunos, ou seja, 24,05 alunos
por leito.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 513
Natureza da Água de Beber nos Internatos de Sao Paulo
PROVENIÊNCIA PURIFICAÇÃO
ESCOLAS
TORNEIRA
POÇO
FILTRO FERVURA SALUS
Colégio 1
X
-
X
- -
Colégio 2
X
-
X
-
X
Colégio 6
X
-
X
-
X
Colégio 8
X
-
X
-
X
Colégio 9
X
-
X
- -
Colégio 10
X
-
X X
-
Colégio 5
X
-
X X X
Colégio 3
X
-
X
-
X
Colégio 4
X
-
X
- -
Colégio 7
X
-
X
- -
Vacinação Contra Febre Tifóide
Escolas N
a
de
Vacinados
P/Via % P/Via Por Via % P/Via %dos
Internos
Hipodérmica Hipodérmica Gástrica Gástrica Vacinados
Colégio 2 100 20 13 65% 7 35% 20%
Colégio 1
150 150
- -
150
100% 100%
Colégio 8 200 - - - - - -
Colégio 4 710 710 - - 710 100% 100%
Colégio 9
210
210 - -
210
100% 100%
Colégio
10
150 150 - -
150
100% 100%
Colégio 3 300
150
- -
150
100% 50%
Colégio 7 236 222 - -
222
100% 93,2%
Totais 2.056 1.612 13 0,8% 1.599 99,2% 78,4%
514 I Conferência Nacional de Educação Curitiba, 1927
Movimento da Matrícula
Número de Alunos Escolas
Internato Extemato Semi-internato Total % de Internos
Colégio 2
Colégio 6
Colégio 1
Colégio 8
Colégio 4
Colégio 9
Colégio 10
Colégio 5
Colégio 3
Colégio 7
100
129
150
200
710
210
150
150
300
236
70
34
100
120
780
300
30
?
11
60
66
190
40
70
6
181
223
250
320
1.556
510
370
190
370
242
55,24%
57,84%
60,00%
62,50%
45,63%
41,19%
40,54%
78,94%
81,08% ?
Total 2335 1.434 443 4.212 52,87%
Assistência aos Alunos
Situação N
a
de Colégios Porcentagem
Possui médico interno 2 20%
Promove visita médica periódica 9 90%
Não tem médico e nem visita 1 10%
Possui salas para curativos 10 100%
Possui gabinete dentário 8 80%
Não tem e nem promove assistência dentária 1 10%
Área dos Recreios
Escolas Área Global (m
2
) N
2
de Alunos Área por Aluno (m
2
)
Colégio 3 12.000 370 32,43
Colégio 9 4.000 510 7,84
Colégio 4 10.220 1.556 6,56
Colégio 8 3.380 320 10,56
Colégio 1 6.050 250 24,20
Colégio 2 2.000 181 11,04
Colégio 6 8.000 223 35,87
Totais 45.650 3.410 13,38
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 515
Requisitos Sanitários para Admissão
Exigências N
a
de Colégios Porcentagem
Atestado de vacina antivariólica 6 60%
Exame completo pelo médico do estabelecimento 2 20%
Atestado de não sofrer de moléstia contagiosa 7 70%
Atestado de não ter defeito físico 1 10%
Sem nenhuma exigência médica 1 10%
Exigem certos requisitos 9 90%
Não faz exigências 1
10%
Aparelhos Sanitários
Escolas N
2
de Privadas N
fi
de Alunos
Nº de Alunos
por Privada
Colégio 3 38 370 9,73
Colégio 5 30 190 6,33
Colégio 10 30 370 12,22
Colégio 9 18 510 28,33
Colégio 4 72 1.556 21,61
Colégio 8 30 320 16,66
Colégio 6* 31 223 7,19
Colégio 1 16 250 15,62
Colégio 2 2 181 90,50
* 24 mictórios e 50 lavabos
516 I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Lixo
Depósitos Destino
Abertos Fechados Limpeza Pública Queima Chácaras
Colégio 3
X
-
X X
-
Colégio 9
-
X X
- -
Colégio 8
X
- - -
X
Colégio 10
-
X X
-
X
Colégio 6
X
- - -
X
Colégio 2
X
-
X
-
-
Colégio 1
-
X
-
X
-
Colégio 4
X
_
X
_
_
Colégio 7
X
-
X
X
-
Horário Geral
Escolas
Horas de
Aula
Horas de
Estudo
Horas de
Recreio
Horas de
Dormir
Intervalo
Aula a Aula
Colégio 2 5h 4ha5h 4ha5h 8,5h 10min
Colégio 6 4h 3h
-
9,5h a ll,5h 5mina 12min
Colégio 1
3
I,75ha5,5h 2h 5h
10h
5min
Colégio 8 4h 2h 2h 9h 10min
Colégio 4 4ha5h 4ha5h 3h 8,5h 10min
Colégio 9 4h 4ha5h 5h 8ha9h 5min a 35min
Colégio 10 5h 2h 2h 9h ?
Colégio 5 5h 3h 3ha4h 9h 5min a 10min
Colégio 3 4,5h 4h 3h 9h ?
Colégio 7 5ha6h 3ha4h 5ha6h 8ha9h 3mina 10min
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 517
Distribuição dos Alunos por Salas de Aula e Dormitórios
Escolas
N
fi
de salas
de Aula
Nºde
Alunos
N
a
de
Alunos por
Sala de Aula
N
a
de
Dormitórios
Nºde
Internos
N
2
de Alunos
por Dormitório
Colégio 4 34 1.556
45,7
8 710 88,7
Colégio 1 9 250 27,7 8 150 18,7
Colégio 2 5 181 36,2 8
100
18,5
Colégio 6 8 223 27,8 6
129
21,5
Colégio 10 7 370 52,8 5
150
30,0
Colégio 8 6 320 53,3 7 200 28,5
Colégio 9 12
510 42,5
3
210
70,0
Colégio 3 12
370
30,8 8
300
37,5
Colégio 5 8 190 23,7 4
150
37,5
Totais 101 3.970 39,3 57 2.099 36,8
Horário das Refeições
Escolas Café Almoço Merenda Jantar Ceia (?)
Colégio3 6h 30min
10h
12h30min
16h
19h
Colégio 5 8h
12h
15h30min 18h30min ?
Colégio 10 7h30min 11h 13h30min 16h
19h
Colégio 9 6h
10h
13h 16h45min 19h45min
Colégio 4 7h 10h30min 14h 17h -
Colégio 8 7h30min
10h
13h
16h
19h30min
Colégio 1 6h 30min llh 14h30min 17h 7h20h
Colégio 6 6h45mina7h 15min llh30min
15h 18h
-
Colégio 2 7h
11h 15h
17h30min
20h
Colégio 7 6h 30min 8h40min 12h 16h 20h (curso primário)
518 I Conferência Nacional de Educação Curitiba, 1927
Asseio Corporal
Escolas
N
a
de
Chuveiros
Nºde
Banheiros
Total
N
2
de Tanques
para Natação
N° de N
a
de
Intermos Internos por
Banheiro
N
2
de
Internos
por Chuveiro
Colégio 3 ? 3 53 - 300 - -
Colégio 5 15 15 30 - 150 10 10
Colégio 10 - 4 20 - 150 37,5 -
Colégio 9 10 6 16 2
210
35 21
Colégio 4 ? 5 7 - 710 142 -
Colégio 8 2 10 12 - 200 20 100
Colégio 1 ? 4 7 7 150 37,5 -
Colégio
6
*
7 18 7 7 129 7,2 -
Colégio 2 7 5 - - 100 20 -
* 16 banheiros em construção, 24 mictórios e 50 lavabos
TESE N
Q
85
A CRIAÇÃO DE ESCOLAS NORMAIS SUPERIORES, EM
DIFERENTES PONTOS DO PAÍS, PARA PREPARO
PEDAGÓGICO
C. A. Barbosa de Oliveira
Associação Brasileira de Educação
Toute 1'ceuvre éducatrice est suspendue a Ia person-
nalité du maitre: elle vauí ce qu 'il vaut.
Binet
eficiência da organização escolar moderna se concentra, sobremodo, no professor.
O aparelhamento completo da escola ativa será inútil, se o docente não tiver a formação
pedagógica imprescindível ao seu magistério.
O professor é a alma do ensino; da sua competência e do seu amor a grande causa que
abraçou dependem, essencialmente, os frutos de seu trabalho. A formação do mestre é, então,
o ponto primordial de todo o problema educativo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
A escola, no conceito hodierno, não é um simples instrumento de instrução; tem uma
finalidade superior, qual a de preparar o aluno para a vida, desenvolvendo-lhe as faculdades
físicas, morais e intelectuais, conjunto criador da sua própria individualidade.
Esse tríplice aspecto da educação — que deve ser ministrado largamente ao povo, para
fazer de cada indivíduo um elemento útil a sociedade e a pátria—exige do mestre um preparo
pedagógico completo. Sem tal preparo, estará sacrificada a sua brilhante missão e prejudicados
os discentes; não receberão eles, com a cultura geral, o estímulo da sua iniciativa, a orientação
dos seus esforços, a correção dos seus defeitos e tendências nocivas, o apuro das suas qualidades
e do seu caráter, o prêmio do seu trabalho. Esse prêmio é o seu futuro, nobreza de sua vida
pessoal, grandeza de sua atividade social e riqueza de sua terra natal!
Interessa, pois, a educação tanto ao indivíduo como a sociedade, tanto a família quanto a
pátria, e, nesses termos, torna-se um dever imperioso para o poder público ampliar sempre a
obra educativa, sem medir o sacrifício que ela venha a reclamar.
O sacrifício de hoje será a bênção de amanhã, e esse pensamento deve animar os governos
na organização da defesa nacional pelo amparo da sua maior causa, a da educação do povo.
A solução do problema educativo, em seu conjunto, está radicalmente vinculada a melhoria
da qualidade do ensino secundário.
Nesse grau de ensino se faz o preparo pedagógico do corpo professoral primário, se
estabelece a base dos estudos superiores e se integra a educação de numerosas e relevantes
profissões manuais e intelectuais, cujos elementos representam forte maioria nas classes produtoras
de uma nação.
Melhorando, pois, o ensino secundário e fazendo seu professorado pertencer a uma
verdadeira elite social, melhoraremos fartamente os podêres públicos, emanação de uma melhor
opinião geral, conseqüência de uma educação melhor e fruto exclusivo de uma escola e mestre
também melhores.
A educação pela escola, sendo um problema pedagógico, é, assim, um problema político,
econômico e social!
A ESCOLA SECUNDÁRIA ANTIGA
A finalidade do ensino nesse grau, durante muito tempo, foi encher um claro entre a escola
primária e a escola superior. Tinha por exclusivo objeto dar aos alunos conhecimentos gerais
necessários a estudos ulteriores de Engenharia, Medicina e Direito.
O objetivo da escola secundária atual é inteiramente diverso; tem aspirações muito mais
elevadas. Não se contenta, de modo algum, com uma instrução, mesmo desenvolvida; pretende
cultivar todas as faculdades dos alunos e formar individualidades ativas pela auto-educação da
inteligência e do caráter. Também e superiormente, guiar a formação da personalidade no período
da adolescência, precisamente na idade em que a influência do meio é mais decisiva, e mais
eficaz, portanto, a ação do mestre. Dando aos discentes os hábitos salutares do estudo
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
perseverante e do trabalho paciente, prepara a moderna escola secundária as futuras gerações
para enfrentar a vida, vencendo com galhardia as dificuldades sempre crescentes no exercício
de qualquer profissão.
Poder-se-ia aplicar com justiça a educação a frase célebre de Victor Hugo ceei tuera
cela. A escola moderna, realista e experimental, eliminará a escola antiga, abstrata e verbalista.
Como passar, entretanto, desta para aquela? Há questões escolares que não podem ser
resolvidas por pequenas modificações e alguns corretivos!
COMPARAÇÃO SIGNIFICATIVA
Um pedagogo suíço comparou certas escolas secundárias a um trem composto de material
rodante e de tração do tempo da invenção da locomotiva! Com o progresso da técnica foram
acrescidas e suprimidas algumas peças, visando ao desejado aperfeiçoamento do conjunto. O
pessoal foi gradualmente renovado e é formado de funcionários grisalhos — de hábitos antigos,
seriamente contrariados com as inovações, contra as quais não cessam de clamar — e de
funcionários novos, favoráveis aos últimos aperfeiçoamentos. Estes não tardam, porém, a
reconhecer também as complicações sérias e pouco eficientes trazidas as velhas máquinas pelas
modificações feitas, e todos — passageiros e funcionários, comparando esse trem aos novos
meios de transporte — acabam reclamando contra o aproveitamento medíocre da energia e do
tempo despendido em penosa travessia!
A comparação é significativa, e aproveito a imagem para mostrar a necessidade indiscutível
de criar integralmente o ensino moderno e, para tanto, formar, como elemento principal, o mestre.
A NOVA ESCOLA------- MÉTODOS E PROGRAMAS
A higiene escolar, que tem prestado magníficos serviços, transformou o edifício, a sala de
aula e o mobiliário, de maneira a dar ao aluno o espaço, o ar puro e a luz, fazendo-o sentar em
bancos apropriados e pondo em suas mãos manuais impressos em caracteres suficientemente
legíveis. Essa mesma higiene escolar, na parte intelectual e moral, tem também prescrição para
evitar desvios — como disse Millioud — mais graves do que o da coluna vertebral. Tarefa essa
mais difícil, porque geralmente mais tenazes são as resistências a vencer. Dificuldades, porém,
maiores se apresentam em outro domínio, o da metodologia do ensino.
Há quarenta anos havia apenas o método dogmático ao alcance de todas as inteligências,
e adotado na maioria dos manuais, muitos ainda hoje aceitos.
Ao lado desse método, outros surgiram, como o método intuitivo e o experimental. Estes
rapidamente se introduziram na escola primária, mas, na prática do ensino secundário, a adoção
desses métodos obriga os autores de manuais a refazê-los inteiramente, na impossibilidade material
de retocá-los. Daí o fato tão freqüentemente observado: professores moços, partidários
extremados dos métodos experimentais, obrigados a seguir manuais onde impera o espírito
dogmático; mestres venerandos, dominados por obediência sistemática ao método prescrito no
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
início de sua carreira professoral, ora forçados a adotar manuais ultramodernos. E assim encon-
tramos, muitas vezes, no mesmo estabelecimento de ensino, o dogmatismo e os métodos expe-
rimentais em luta declarada, prejudicando, de modo gravíssimo, o desenvolvimento das apti-
dões literárias e científicas e a formação do gosto e da inteligência da mocidade escolar.
Corrigir essa incoerência nos métodos de ensino é medida urgente; e, para isso, formar o
verdadeiro mestre, idôneo moralmente para compreender a sua responsabilidade e capaz
pedagògicamente para organizar os manuais prescritos pela nova metodologia, cuja superioridade
e prestígio ninguém ousará contestar.
Como a higiene escolar tem transformado de maneira certamente notável a parte material
da escola, a Psicologia tem evidenciado, nos seus estudos em laboratórios experimentais, quanto
é rudimentar ainda a adaptação de certos métodos, e sobretudo de alguns programas, a
mentalidade dos alunos.
Muito se tem escrito sobre programas: uns professores pretendem aumentá-los, em face
do progresso da ciência, e pedem, num movimento aparente de zelo, mais tempo para explanar
as disciplinas que lecionam; outros, preocupados com a sobrecarga de conhecimentos científicos
e literários armazenados sobre os alunos, pleiteiam, com louvável intuito, a redução da matéria,
de modo a não sacrificar a parte educativa principal num desenvolvimento exagerado da parte
instrutiva. Com estes está a razão — a qualidade não deve ser prejudicada pela quantidade; esta
deve ser dosada de forma a criar e desenvolver as faculdades sem sobrecarregar a memória de
conhecimentos, possivelmente úteis, mas correntemente nocivos, pelo excesso que eles
representam na individualidade intelectual, ainda em formação, de um estudante.
A FORMAÇÃO DO PROFESSORADO
Aí estão as imperfeições da escola secundária, comuns as três categorias bem distintas: o
ginásio, na sua finalidade de preparar para estudos superiores; a escola normal, no seu objetivo
de formar o pessoal docente de ensino primário; e as escolas profissionais médias, destinadas a
habilitar ao exercício de uma atividade industrial ou comercial.
Muito importa o método de ensino, mas muito mais importante é a qualidade do mestre.
O método é inseparável do mestre, este é o método animado, o método vivo. Smith ponderava
que um bom professor com um mau método dá resultados melhores do que o melhor dos
métodos com um mau professor. "It is the teacher that makes the school".
A solução do problema está, então, no professor do ensino primário, no do ensino secun-
dário e profissional.
O doutor Miguel Calmon disse, justificando no Congresso o seu projeto de lei sobre instru-
ção pública: "Forme a União o mestre-escola e será dona da educação do povo brasileiro". Esse
eminente estadista sustentou, em memorável discurso em 1912, a conveniência, numa organização
de conjunto, de avocar o governo federal o custeio do ensino normal nos estados e Distrito Federal,
aplicando a estes as verbas ora despendidas com esse ensino na manutenção de novas escolas
primárias. Compreendia também o seu projeto a criação de uma Escola Normal Superior, com a
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
finalidade de formar professores para as escolas normais, obedecendo este instituto, quanto pos-
sível, a organização dos estabelecimentos congêneres existentes no estrangeiro.
Em 1923, o professor Azevedo Sodré apresentou a Câmara dos Deputados um substitutivo
no qual criava a Escola Normal Superior e Faculdade de Ciências e autorizava a União a criar,
também em todos os estados, como no território do Acre e no Distrito Federal, escolas normais
secundárias. Esse distinto parlamentar, em brilhante discurso justificando o seu substitutivo,
sustentou o seu ponto de vista constitucional contrário a qualquer intervenção do governo central,
mesmo sob a forma de subvenções, em matéria de ensino primário. Pelo seu projeto, as escolas
normais estaduais podiam subsistir se não houvesse acordo entre a União e o governo local. A
idéia de dar ao governo federal a incumbência do ensino normal já havia sido sugerida, em
1907, pelo deputado Manoel Bonfim; e a Conferência Interestadual de Ensino Primário, reunida
nesta capital em 1921, também a adotou, após longo debate.
ALGUMAS SUGESTÕES
Penso, todavia, conhecendo de perto as dificuldades atuais do ensino secundário em suas
várias modalidades, que a idéia deve ser ampliada, abrangendo os cursos ginasiais, para melhor
difundir a instrução geral, tomando-a, pelo seu menor custo, acessível as classes mais modestas,
incrementando assim a riqueza do País pela elevação do grau de cultura dos seus filhos.
A União, dispondo deste modo pelo menos de dois estabelecimentos de ensino secundário
em cada estado, poderia imediatamente regularizar a seriação e sobretudo o serviço vigente de
juntas examinadoras estabelecido pelo Decreto n
a
16.782-A, de 13 de janeiro de 1925.
Várias providências julgo inadiáveis para elevar o nível da educação no Brasil, e todas
seriam facilitadas tomando o governo federal o encargo completo do ensino secundário.
A primeira providência, pela sua relevância, é relativa a unidade nacional, mantida no ensino
primário por professores formados pela União, com superior preparo pedagógico, distribuídos igual-
mente em escolas normais espalhadas do Amazonas ao Prata. Não se pode dissimular a importância
dessa medida, destinada a criar, por um magistério consciente de seu dever, a opinião pública sobre
a integridade da Pátria, condenando imperiosamente as idéias separatistas que por aí andam a
amesquinhar, em um conflito lastimável de interesses, a beleza e a grandeza do nosso querido Brasil.
O professor Afrânio Peixoto, em eloqüente discurso por ocasião da reforma da
Constituição, disse na Câmara dos Deputados:
Todos vamos vendo que a extensão territorial, o progresso regional, a distância e a disparidade
vao fazendo um Brasil fragmentário daquilo que a natureza, a tradição, a língua, o esboço compósito
da gente tendiam a fazer uno e indivisível.
Acrescentando:
Um pequeno sinal sao os vinte hinos e as vinte bandeiras das vinte pátrias provincianas. O
essencial e perigoso é a diversidade dos brasileiros, diferentes pela alma e pela capacidade, isolados
nos seus confinamentos regionais, nortistas e gaúchos, sertanejos e litorâneos, sulistas e
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
nordestinos. Brasil que se desagrega porque a educação fundamental não pode fazer brasileiros,
e vai fazendo goianos, cearenses, mineiros e paulistas.
A segunda providência, respeitando ainda a ordem da importância social, é a da regu-
lamentação do exercício do magistério secundário, exigindo dos candidatos provas de idonei-
dade moral e de habilitação pedagógica, científica ou literária. Para exercer outras profissões,
de menor responsabilidade, essa exigência é legal. Por que não pedir ao mestre mais provas,
quando se reconhece o papel que ele vai ter, pelo seu prestígio pessoal, sobre numerosas
turmas de alunos, talvez fatalmente inutilizados ou pervertidos pela sua incompetência? A
regulamentação se impõe, imperativamente, para aproveitar no Brasil o homem, fazendo-o
digno da sua pátria.
Outra providência merecedora de especial atenção é a de melhoramento da eficiência da
seriação e da obrigatoriedade da freqüência e dos trabalhos práticos. Para isso seria criada a
fiscalização permanente do ensino, com um corpo de inspetores constituído por professores
oficiais. A equiparação poderia, então, ser outorgada a institutos particulares de educação que,
pelo seu corpo docente e instalações materiais, fizessem jus a tal prerrogativa, dada atualmente
pela lei apenas a estabelecimentos de ensino mantidos pelos governos estaduais. Essa fiscalização
seria feita por grupos de disciplinas, de maneira que cada estabelecimento ficasse submetido a
vários inspetores, sem o interesse particular destes na conservação dessa regalia por um
determinado instituto, pois, como professores oficiais, receberiam um pró-labore fixo pelo trabalho
geral de fiscalização. Os inspetores—sem prejuízo, evidentemente, da regência da sua cadeira
— deviam periodicamente ser transferidos de uns para outros estabelecimentos, de forma a
evitar mesmo uma simples condescendência, proveniente de uma convivência mais prolongada
com o corpo docente de um dado instituto particular. Essa organização permitiria, aumentando
o número de casas de educação secundária, realizar com incontestável eficiência, no correr do
ano letivo, os trabalhos práticos previstos no artigo 211 do citado Decreto n
a
16.782-A.
Com essa providência, o serviço das juntas examinadoras deveria ser modificado, dando
aos professores o prestígio que o regime atual lhes tira, impedindo-os de julgar as provas escritas
dos alunos que argúem em prova oral! Exigência estranha da lei, diminuindo o professor no
conceito que dele deve fazer o próprio examinando! É preciso colocar sempre o mestre na
relevância reclamada pela nobre missão educativa por ele exercida sobre a mocidade estudiosa.
O governo federal continuaria a manter, na capital da República, a Escola Normal de
Artes e Ofícios Wenceslau Braz, com uma dupla finalidade: a de dar preparo pedagógico ao
pessoal docente necessário aos estabelecimentos de ensino profissional de todo o País e a de
formar mestres para as indústrias. Esta escola receberá — como vem fazendo — alunos prove-
nientes dos diversos estados, subvencionando, dentro dos recursos orçamentários, os que me-
recessem esse prêmio, pelo aproveitamento revelado nos cursos profissionais elementares fede-
rais ou estaduais.
Organizaria cursos de aperfeiçoamento para dar a cultura geral e especializada aos ele-
mentos das classes produtoras que quisessem assim aumentar o rendimento do seu trabalho
industrial.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Como complemento desse plano geral de ensino, a União reorganizaria as escolas
de aprendizes, de maneira a ser, nesses estabelecimentos, ministrada uma educação básica
profissional, elementar, não especializada, juntamente a um curso de adaptação que corresponda
a um curso complementar convenientemente desenvolvido. Esses estabelecimentos perderiam
o caráter de escola primária, que não deve ser profissional, e prestariam reais serviços
preparando a mocidade para exercer os grupos de oficiais para os quais tivesse revelado
particular aptidão.
A ESCOLA NORMAL SUPERIOR
Como ficou demonstrado, a formação do professorado secundário é a necessidade
culminante no melhoramento geral exigido imperiosamente pelo problema da educação nacional.
Regulamentando o exercício do magistério, resolve-se, em parte, a questão com pessoal
autodidata, mas a solução satisfatória só será obtida com a criação da Escola Normal
Superior.
No Congresso Nacional há dois projetos nesse sentido, brilhantemente justificados pelos
ilustres deputados — ambos professores — que os apresentaram.
Urge criar essa escola, que deverá funcionar sob o regime de extemato, comum a ambos
os sexos, tendo uma seção de Letras e outra de Ciências. Esta escola, anexa a Universidade do
Rio de Janeiro, será um centro de alta cultura, um seminário da educação nacional, viveiro de
professores para todas as disciplinas de ensino secundário. Subvencionados pelo governo, os
alunos dos ginásios e escolas normais estaduais poderão, como prêmio, freqüentar essa Escola
Normal Superior.
Esta providência, criadora de um magistério secundário a altura do seu valor social, reunida
as anteriores, pede, como coroamento da obra educativa, a instituição de um Conselho Geral de
Ensino Secundário.
CONSELHO GERAL DE ENSINO SECUNDÁRIO
Para assegurar a continuidade, fundamentalmente imprescindível ao êxito da
organização apresentada, esse Conselho gozaria de ampla autonomia didática e
administrativa, com absoluta independência a intervenções políticas de qualquer natureza.
Seria constituído pelos diretores dos estabelecimentos federais de ensino secundário e da
Escola Normal Superior, sob a presidência do diretor geral do Departamento Nacional de
Ensino. Reunir-se-ia, ordinariamente, no período de férias de 15 a 30 de julho de cada ano,
no Distrito Federal, para resolver, soberanamente, todas as questões meramente didáticas e
administrativas, propondo ao governo as medidas fora de sua alçada e que exigissem
aumento ou modificação nas disposições orçamentárias. Os cargos de diretores seriam
exercidos por professores escolhidos pelo governo, em cada estabelecimento de ensino, entre
os membros das respectivas congregações.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927 525
As escolas de aprendizes, no tocante a organização da educação geral e técnica nelas
ministradas, ficariam subordinadas ao Conselho de Ensino Secundário, e seus diretores seriam
profissionais da confiança do governo.
Os novos ginásios e escolas normais ficariam, nas condições do Colégio Pedro II, sob a
jurisdição do Ministério da Justiça; a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz e as
escolas de aprendizes continuariam sob a jurisdição do Ministério da Educação Nacional. Essa
medida, cuja excelência dispensa qualquer comentário e novos aplausos, tem sido brilhantemente
justificada por vários educadores, e ainda ultimamente aconselhada e exaltada pela palavra de
grande autoridade e prestígio do professor Miguel Couto, ao assumir a presidência de honra da
Associação Brasileira de Educação, promotora desta primeira conferência, que nos proporciona
o feliz ensejo da presente reunião.
Baseado nos diversos elementos, devidamente ponderados, e nas várias considerações
oportunamente oferecidas nesta breve exposição sobre a relevância da escola secundária e o
seu papel na educação nacional, chego as seguintes conclusões:
1) A União, tendo em vista os seus deveres constitucionais e a alta importância social do
ensino secundário em todas as suas modalidades, deverá avocar a organização geral do ensino
nesse grau.
Para esse fim, criará:
a) cursos ginasiais, na capital de cada Estado, destinados a ministrar a cultura geral e
especialmente o preparo básico para as escolas superiores; estabelecimentos equiparados ao
Colégio Pedro II, sendo este instituto reorganizado no tocante a metodologia e aos programas
de ensino;
b) cursos normais, na capital de cada Estado, equiparados a escola normal a ser instalada
no Distrito Federal, destinadas essas escolas ao preparo pedagógico dos professores de ensino
primário;
c) cursos de aperfeiçoamento para os que, já trabalhando nas várias indústrias, queiram,
todavia, elevar a sua cultura geral e se especializar no domínio da sua atividade industrial.
Com esse mesmo fim, o governo federal manterá:
d) A Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, destinada a dar preparo peda-
gógico ao pessoal docente necessário aos estabelecimentos de ensino profissional de todo o
País e a formar mestres e profissionais para várias indústrias;
e) As escolas de aprendizes artífices, convenientemente reorganizadas de modo a mi-
nistrar uma educação técnica não especializada, juntamente a um curso de adaptação no grau
complementar, formando assim o operariado nacional consciente de seus deveres e capaz,
pelo seu preparo básico, de uma real eficiência no trabalho a quem for levado pelas vicissitudes
da vida.
2) A União, tendo em vista a unidade nacional pela superior formação pedagógica do
professorado primário e a continuidade imprescindível ao êxito de uma obra educativa —
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que cabe ao poder público a responsabilidade de realizar —, deverá criar um Conselho Geral
de Ensino Secundário, nas condições justificadas, com ampla autonomia didática e
administrativa.
3) A União, tendo em vista a necessidade imperiosamente inadiável de dispor — para
ministrar uma educação integral — de bons professores de ensino secundário e de permitir
somente a estes o exercício do magistério, deverá regulamentar essa nobilíssima profissão ao
criar a Escola Normal Superior anexa a Universidade do Rio de Janeiro como medida de
urgência, considerando a missão eminente que cabe a esse professorado na formação da
grandeza nacional, fazendo o pessoal docente das escolas primárias e das escolas profissionais
elementares, dando o preparo básico aos candidatos as escolas superiores e disseminando a
cultura geral por todo o País.
Oportunamente, serão criadas duas outras escolas normais superiores, uma ao Norte e
outra ao Sul, mas somente após a completa instalação da escola anexa a Universidade do Rio
de Janeiro.
Com imensa razão, disse George Dumas, o conhecido professor da Sorbonne, em
conferência feita na Universidade do Chile: "Um país vale o que vale o seu ensino secundário".
A importância e a complexidade da organização do ensino nesse grau excedem as minhas
forças; apresento, todavia, esta pequena contribuição ao seu estudo, e particularmente feliz
sentir-me-ei, se o meu desvalioso trabalho conseguir despertar a atenção dos mais competentes
para esse assunto de tão marcada relevância na educação do povo e, como conseqüência
positiva, na riqueza de uma nação.
Aproveitemos a oportunidade que nos congrega nesta cruzada em prol da educação
nacional -— faço calorosamente este voto — para assentar as bases seguras de uma orientação
capaz de formar, em qualquer ponto da nossa terra, o mesmo brasileiro animado sempre por
uma inabalável confiança no trabalho consciente e perseverante e inspirado sempre por um
grande e sincero amor a Pátria.
"Além da pátria material e tangível, temos a alma desta, o seu espírito vivificante, a pátria
moral, enfim, formada da história, da religião, da língua, das tradições, dos usos e costumes
comuns. É esta pátria moral que nos faz compreender e amar a pátria material..."
"É ela a alma da pátria" — escreveu em estilo lapidar Afonso Arinos — "que toca a
rebate no sino de cada uma das nossas capelas, concitando-nos a reunirmo-nos contra o perigo
comum."
"É ela quem nos diz: Eu tenho um grande território e não sou ainda uma nação. Congregai-
vos, dai-vos as mãos uns aos outros, estreitai os vossos laços de união... fazei, enfim, viva,
palpitante, inquebrantável e fecunda a unidade da Pátria!"
Formemos, por uma perfeita educação, a alma nacional e teremos, sob este céu puríssimo
onde brilha o Cruzeiro, um Brasil pujante, pelo trabalho, pela energia e pelo verdadeiro patriotismo
de seus filhos!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
Q
86
A UNIDADE DA PÁTRIA PELA CULTURA MORAL
Antônio V. C. Cavalcanti de Albuquerque
Associação Brasileira de Educação
De Ia educabilidad volitiva se hallan rastros en Ias
almas de los animales más nobles. Pero Ia educabilidad
de Ia voluntad para Ia moralidad solo Ia reconocemos
en el hombre.
Herbart (Pedagogischer
Schriften)
A PÁTRIA
sentimento de Pátria é uma sinfonia eterna, privilégio de cada Nação, devido a sua própria
origem!
O sentimento de Pátria não é sentimento que se possa generalizar, uniformizar e transfor-
mar num sentimento universal, porque ele se origina das relações íntimas que existem entre as
noções materiais referentes a terra ou país, habitado pelo mesmo povo que fala a mesma língua,
e as noções morais espirituais que se prendem a sua história e religião, as suas leis e tradições,
aos seus usos e costumes.
Cientificamente, a maior parte dessas relações íntimas dependem das características da situ-
ação geográfica. Tomam-se uma questão de Antropogeografia: as características geográficas traba-
lhando o homem, e o homem, por sua vez, vencendo e trabalhando as características geográficas.
É dessa luta constante que surgem os usos e costumes, as tradições e as leis... principais
barreiras a universalização do sentimento de Pátria.
Concluindo: O sentimento de Pátria é, pois, uma sinfonia eterna que não se pode
universalizar. Ele reproduz e faz cantar a alma de cada povo, inconfundivelmente, tornando-se
um privilégio de cada Nação!
Depois... o homem será sempre homem!
O HOMEM
O homem conhece todas as antíteses! A natureza humana, Bilac definiu-a como sendo um
misto de asa e de pata!
Há no interior de cada homem um jardim maravilhoso, onde tudo, misteriosamente, se
reflete: o amor e o ódio, a gratidão e a ingratidão, o perdão e a vingança...
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O
Somente nesse terreno é que se pode fazer germinar e florir a semente do ideal moral.
O RAMO CIENTÍFICO-FILOSÓFICO
O ramo científico-filosófico moderno que deu origem ao "bolchevismo" (o qual contém
uma verdade) tudo pretende universalizar, apagando da consciência humana a idéia de Deus, de
uma alma espiritual, de Pátria e de família. Daí surgirá o homem perfeito — a Paz Universal!
Mas o homem é um misto de asa e de pata! Que exército de titãs empregará os novos
educadores, capaz de esmagar e fazer desparecer da natureza humana o ódio, a vingança, a
inveja, o egoísmo, a vaidade, a injustiça?
Conta para isso e tudo mais apenas com o exército de alguns sentimentos realmente
passíveis de universalização, indicados, porém, e conduzidos pelo deus absoluto — o Acaso?
Quem poderá acreditar na eficácia de ensinar-se alguém que deve sacrificar-se por uma
coisa que será o que tiver de ser, quer queiramos, quer não?
E fruto mesmo dos novos ensinamentos, como tirar da cabeça que o interesse coletivo
universal só vale mais que o individual aritmeticamente?
Tese:
a) Um código de moral não se improvisa nem se pode encomendar as ciências.
b) Um código de moral tem que ter relações íntimas com os princípios universais; em
todos os tempos, constituíram o ápice do psiquismo humano: Deus e uma alma espiritual.
A MORAL E AS CIÊNCIAS
A Paz Universal será garantida pela uniformização da cultura moral de todas as classes em
que se dividem os homens.
Mas qual será esta moral, que precisa ser a mesma nos atos da criança, do magistrado, do
operário e do cientista?
Devemos procurar os seus fundamentos nas ciências e fracassar nas inúmeras tentativas,
como fracassou Gumplowica tentando extrair uma moral da Biologia ou Durkheim da Sociologia?
Não são — como tao bem diz Gonçalves Cerejeira — imorais as morais que têm por
base o fato da luta pela vida? Ou as baseadas no egoísmo, a semelhança da de Stirner, cuja
máxima era só Eu?
Podemos, no século de uma Liga de Nações, aceitar a moral do mais forte, como base
filosófica do Direito?
O ramo científico-filosófico é modernamente o grande responsável pela orientação
educacional, principalmente quando pretende confeccionar um código de moral. Consiga
demonstrar a inexistência de Deus e de uma alma espiritual, acabe por "necessidades
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
sociais" com a idéia de Pátria e com a organização de família, e terá conduzido a espécie
humana a completa animalidade. E, no entanto, um terrível paradoxo sempre martirizou e
martiriza a vaidade do cientista de todos os tempos: quanto mais conquista, mais verifica que
não sabe nada!
As morais inspiradas exclusivamente nas ciências, até hoje, só têm dado como resultado
conduzir a alma humana para o diletantismo, para o ceticismo ou para o pessimismo moral.
Abra-se o li vro deste ano de Charles Richet —L 'Homme Impuissant—e teremos um exemplo.
Basta transcrever os títulos dos capítulos: I — L' impuissance cosmique. II — L' impuissance
individuelle. III — L'impuissance et le bonheur. IV — L'impuissance intellectuelle. V —
L'impuissance sociale. VI — D'impuissance physiologique. VII—L'impuissance morale. VIU
— Encore 1 'impuissance et le bonheur.
O deus absoluto é o Acaso.
Esse perigo, a que conduzem as morais leigas, é reconhecido pelos seus adeptos. José
Ingenieros, em seu livroHacia una Moral sin Dogmas, p.201, diz: "Reconozcamos que esse
perigo existe, nadie podria negar su gravedad desde una cátedra sin eludir Ia responsabilidad
social que acepta ai ocuparia". Porém, como remédio — depois do exemplo pessoal que é
sempre a lição mais fecunda —, aconselha, evolucionista absoluto como foi, desenvolver nova
forma de experiência moral que substitua as que se tomaram impraticáveis, com a mesma facilidade
que se troca um sapato velho pelo novo!...
Concluindo, devemos aceitar como a mais sincera expressão da verdade a observação
de Anatole France, feita num momento em que deixa a mordaz ironia de lado: "Demandez une
morale a Ia science, c'est s'exposer a de cruéis mécontes" (Jardin d'Epicure, p.42,1924).
O PRINCÍPIO MORAL
O princípio em que se baseia a Moral não vai buscar nas enganadoras teorias científicas
modernas o alimento necessário ao seu desenvolvimento; encontra-o no próprio homem, no
mistério de sua origem, na sua razão de ser, no mistério da finalidade das coisas.
Não é simplesmente por viver o homem em sociedade que surge a noção do bem, porque
o bem deve ser feito; e a noção do dever, porque o dever deve ser cumprido. Não: o princípio
moral faz parte da natureza íntima do homem, e é por isso que a "educação da vontade para o
exercício da Moral só nele reconhecemos possível". A fórmula o bem pelo bem, o dever pelo
dever, a Moral pela Moral seria sem significação se o homem não possuísse, no seu modo de
ser, algo que, bem orientado, tivesse a capacidade de fazer o bem e cumprir o dever.
Esse privilégio é apanágio da alma humana!
Muitas vezes o bem e o dever contêm dificuldades insuperáveis para fazê-lo ou cumpri-lo,
e o homem se o faz e se o cumpre é porque tem os olhos voltados para um ente superior, que é
a bondade, a justiça, o amor; para essa Energia Espiritual "a laquelle nous nous rattachons tout
en restant nous", como diz sabiamente Paul Bourget emNos Actes nous Suivent.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
E a moral que se liga a religião a única que pode garantir a harmonia entre os homens. A
única que vence o sofrimento em que se debate toda a alma humana desde que nasce. A única
que vence a própria morte.
A outra, a moral laica, sem nenhum imperativo, negando por conveniência a responsabi-
lidade diante do bem e do mal, degenera facilmente nesta fórmula: o bem, porque o bem deve
ser feito, o dever, porque o dever deve ser cumprido, mas... se puderes... se ou quando quise-
res... se tiveres tempo, ou quando não tiveres outro remédio.
Certo, há ateus morais. Há mesmo moralidade sem religião, porém, o que é certo,
certíssimo, é que, sem religião, toda moralidade tende a dissolver-se.
Reconhecendo essa verdade, o que fizeram as nações pioneiras dos aperfeiçoamentos
educacionais? A Inglaterra, a Alemanha, a Áustria, a Holanda e a Suíça decretaram o ensino
religioso obrigatório nas escolas!
Concluindo, o homem não pode passar sem Deus!
Se nega essa Energia Espiritual e Inteligente que domina o Universo é porque a sua
incomensurável vaidade, atribuindo grandes prodígios ao seu Eu, prefere admitir esse outro
deus cego, sem finalidade, sem significação — o Acaso.
A UNIDADE DA PÁTRIA PELA MORAL
Tese:
No Brasil, por não possuirmos uma consciência nacional geral, a unidade da Pátria só
depende da moral das classes superiores.
Foi Affonso Arinos que, em sua lindíssima conferência a "Unidade da Pátria", dividiu a
Nação brasileira em duas partes distintas — o povo propriamente dito e as classes superiores
—, para depois, verificando a anomalia, concluir com desassombro: no Brasil, as classes
populares são relativamente superiores em moralidade as classes elevadas.
Ale hoje quem mantém a União brasileira não são os homens superiores, mas o povo. É o
baiano, vindo em numerosos bandos a pé, a cavalo, em barcos para trabalhar nos cafezais de
São Paulo, e volvendo aos lares para celebrar, ao som da viola e do caxambu, as festas da
padroeira; é o cearense, partindo dos sertões de Araripe e de Icó, para levar a vida e o trabalho
as florestas misteriosas do Amazonas; é o mineiro, rompendo para o Sul e para o Norte, a
ocupar terras e explorar rios... é o tropeiro, cujas dores é as vezes única testemunha, o seu lote
silencioso, a grimpar morros e descer vales, ou caminhos por onde nunca passou a engenharia
oficial.
Mas, ao esforço desses heróis desconhecidos, que acabam aqui vítimas da úlcera de
Bauru, ali da maleita "braba", mais adiante "chupados" pelo barbeiro e pelos impostos,
corresponde um esforço consciente das classes superiores?
"Não, absolutamente não, o povo faz o que pode e dele nao se pode esperar mais nada"
— responde Affonso Arinos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Todo exemplo tem que vir do alto!
Concluindo, a unidade moral, garantindo a unidade da Pátria, só depende dos exem-
plos de dedicação e patriotismo fornecidos as novas gerações. Esses exemplos têm que ser
dados pelos professores das escolas primárias e superiores, pelos que governam, pelos que
aplicam a Justiça, pelos que administram os dinheiros públicos e pelos que zelam pela
defesa da Nação.
A unidade moral será a corrente de ouro que prenderá a todos, desde a crianca ao
chefe da Nação. Uma moral de abnegação, de sacrifício, de altruísmo, de resignação e de
amor—se possuirmos isso, teremos a unidade moral com a qual teremos garantida, eternamente,
a unidade Nacional.
TESE Nº 87
O ENSINO DA MORAL E DO CIVISMO
Nelson Mendes
Parthenon Paranaense — Curitiba, PR
Ensinar é alguma coisa mais do que repetir compêndi-
os ou fornecer aos alunos preceitos profissionais; o
que importa sobretudo é modelar-lhes. harmoniosa-
mente, a inteligência e a sensibilidade, abrir-lhes os
olhos para as coisas superiores.
Amoroso Costa
á muito que se proclama a necessidade de educar a nossa gente, e, apontando os seus
defeitos e as tristes condições do caráter nacional, os publicistas, os professores, os
governos vêem na educação o único remédio para o grande mal que infelicita a nossa naci-
onalidade em formação. A educação é o magno problema, é o grande problema insolúvel
que reclama as atenções dos governos e que deve, antes de tudo, ser atacado. Vem de longe
o alarme contra a necessidade de algo se fazer em favor da educação popular; porém, todas
as discussões, todas as reformas, todos os alvitres, depois de ventilados, depois de aprovados
oficialmente, na prática, não produziram resultados apreciáveis.
Hoje, como há um século, a educação continua como letra morta nas nossas escolas.
Nada se tem feito, nada se faz no sentido de educar. Instrui-se, sim, e instrui-se bem; dissemi-
nam-se milhares de escolas públicas primárias, fundam-se novos estabelecimentos de ensino
secundário, e um pugilo de ousados conterrâneos ilustres, animados pelo belo ideal de elevar a
cultura da nossa gente
(
funda a Universidade do Paraná.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
H
Pela educação propriamente dita, porém, nada se faz. É verdade que instruir é, até certo
ponto, educar; porém, a instrução não basta para a formação do caráter e, até hoje, só a
inteligência tem preocupado aqueles que têm a seu cargo a solução do grande problema da
educação.
Há alguns anos, foram incluídos nos programas das escolas os ensinamentos de moral e
civismo. Esses programas, porém, são deficientíssimos, e a sua processuação, dificílima; e esta,
dependendo mais do critério do professor, muito deixa a desejar.
É inegável que a escola cujo programa de educação moral e cívica é deficiente não pode
realizar o seu objetivo.
Educar é o fim, e somente educar deve ser a preocupação do mestre.
Não se pode, nos nossos dias, admitir que a educação fique em plano inferior, que nas
nossas escolas se descurem os professores do caráter dos alunos: Sócrates exigia que a educação
moral precedesse a educação intelectual.
Diz M. Guyaut: "Efetivamente, o primeiro lugar na escola pertence ao ensino moral e
cívico, que é mais educativo".
Infelizmente, porém, nas nossas escolas, a moral não constitui a primeira preocupação do
professor e, pelos horários em vigor, somente uma vez por semana, durante 30 minutos, são
ministrados ensinamentos morais e cívicos; no entanto, para as lições de Ciências Físicas e as
aulas de leitura, de cálculo, de Geografia, etc, estabelecem maior período de tempo em dois ou
mais dias da semana.
Não queremos para o ensino outra finalidade: a formação do caráter pela educação moral
e cívica. Para tal conseguir, é mister colocar em primeiro lugar nos programas estas duas disciplinas,
que devem ser ministradas, diariamente, em aula especial, durante maior lapso de tempo do que
o das outras matérias.
No ensino secundário impera o mesmo descaso pelo magno problema da educação. A
última reforma incluiu no curso ginasial o estudo de Moral; mas, a simples leitura do programa
em vigor faz crer que os resultados de sua execução serão nulos.
O ilustre mestre Carlos de Laet pôs a mostra os absurdos do programa de Moral e
Civismo destinado ao primeiro ano, isto é, as crianças de 11 anos. Exigir-se dos alunos que se
iniciam no curso ginasial o conhecimento de todas as noções do programa de Moral e Civis-
mo, incluindo até as relações internacionais e a Liga das Nações, não é educar, é lançar no
espírito da criança o desânimo, o horror ao estudo. No curso ginasial, a Moral veio substituir
a Aritmética, que constituía a barreira intransponível para a maior parte dos estudantes do
primeiro ano.
A criação da cadeira de Moral e Civismo com o programa adotado não resolve, absolu-
tamente, o sério problema da educação; já averiguamos que grande número de estudantes tem
aversão ao estudo da Moral, que os obriga a decorar as lições ditadas em aula ou os pontos que
por aí se vendem em compêndios com o pomposo rótulo de Educação Moral e Cívica.
I Conferência Nacional de Educação — Curiliba, 1927
Do exposto, chegamos a triste conclusão: a educação continua a ser letra morta nas nos-
sas escolas. O primeiro problema nacional, de cuja solução depende o alevantamento do cará-
ter da nossa gente é, hoje como há um século, um problema sem solução.
E como resolvê-lo? Quais as medidas a adotar?
Certo, devendo constituir, como entendemos, a educação integral a finalidade do ensino
de qualquer grau, grandes serao os obstáculos a vencer, múltiplas as dificuldades a dirimir para
alcançar o fim colimado. "As dificuldades da educação moral são, a todos os respeitos, muito
maiores do que os da educação intelectual. As condições a preencher são tão numerosas que
mal se pode indicar, de uma maneira precisa, o melhor método a adotar." (Bain. Ciências de
Educação)
Impõe-se, em primeiro lugar, a seleção do professorado; deste, tudo depende. Sem um
professorado constituído de verdadeiros caracteres, de abnegados sacerdotes, de patriotas
sinceros, é inútil qualquer tentativa. A seleção não deve atender unicamente as competências, ao
valor intelectual; antes, devem constituir a guarda avançada os que têm caráter, os que não são
venais, os que não prevaricam e não se curvam senão diante da verdade.
Estes somente os que merecem o título de educadores; só a estes deve ser confiada a
missão de forjar o caráter da mocidade de hoje, para que, no futuro, se formem as elites que
deverão conduzir o Brasil aos seus altos destinos.
No ensino de Moral como fator de educação, somos de opinião que devem os professores
empregar o máximo dos seus esforços para que os seus ensinamentos produzam resultados
eficazes, que perdurem, que acompanhem os seus alunos até o fim da existência.
Qual o método a seguir?
Primeiramente, propomos a permuta das lições repetidas de leitura e de cálculo por
lições de Moral. As lições de História e Geografia devem ter outra feição; sejam abolidas as
nomenclaturas fatigantes e as supérfluas enumerações de nomes e datas que recordam fatos
sem a mínima importância, com que ainda hoje é sobrecarregado o espírito das crianças. Em
relação ao estudo da Geografia, que nos merece especial atenção, entendemos que o Brasil
deve ser estudado com mais carinho; nos nossos programas, exige-se do aluno, em moldes
idênticos, o estudo da nossa Pátria e o da China, do Japão e da Abissínia.
Convenhamos que este fato constitui, já não diremos falta de patriotismo, mas muita má
orientação no estudo da Geografia. Porventura se interessarão os alemães, os japoneses, os
australianos pela nossa terra? Figurará o Brasil nos programas de Geografia da Arábia, da
Estônia e do Egito? As provas de ignorância das mais elementares noções de Geografia dadas
pelos povos de além-mar nos fazem crer que não!
No estudo da História, o que importa é realçar o valor de nossa gente; estudando o nosso
passado, devemos sempre, na recordação dos feitos dos que nos precederam, dar vulto ao seu
desinteresse, ao seu brio, a sua coragem, ao seu amor a Pátria.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O ENSINO DA MORAL NA ESCOLA NORMAL DE CURITIBA
O objetivo do professor é ensinar a distinguir o bem do mal; fazer os seus alunos fugirem
deste e praticarem aquele; criar hábitos de trabalho honesto, da prática das virtudes, de respeito
mútuo e de altruísmo, mas com a condição fundamental de se erigir em um exemplo vivo desses
predicados, para que a sugestão dos seus atos lembrem a todo instante, as crianças, os
ensinamentos que doutrinou. Todo o ensino da moral que não tiver por base este lema é inútil,
podendo ser até pernicioso.
Aprendem os alunos nas aulas da Escola Normal que a Moral, como ciência dos costumes,
varia de povo para povo. Também o seu conceito variou muito em cada povo através da sua
história. Hoje em dia, porém, a moralidade do homem reside no seu caráter e nos seus sentimentos.
De qualquer maneira, a moral pode ser simplesmente filosófica, definida por Kant como
sendo a moral do dever pelo dever; ou religiosa, quando se firma na fé cristã, isto é, quando se
regula pela sanção divina.
Patrascoiu, que é um dos autores mais intransigentes e imparciais, por não ser religioso,
diz que ambas são necessárias e úteis a educação dos povos, devendo o educador invocá-las,
segundo as circunstâncias, como razão fundamental do ensino dos bons costumes e da virtude.
A moral ainda pode ser teórica e prática. E teórica quando se trata dos princípios científicos
dos costumes; é prática quando trata dos deveres que derivam desses princípios.
O professor, já disse, deve ser um exemplo completo de qualidades de boa moralidade.
Nunca se deve esquecer de que as crianças tendem a fazer o que o professor faz e não o que o
professor diz; portanto, mais do que pregar, deve o professor praticar, a todo instante, atos de
perfeita moralidade. Quando o professor assume uma cadeira deve primeiro dispor-se a cumprir
os seus deveres para com os seus superiores, para com os pais dos seus alunos, para com estes,
para consigo mesmo e para com a Pátria.
Deve ter hábitos de pontualidade, asseio, ordem, disciplina, urbanidade e caridade. Des-
de o primeiro instante, com paciência, carinho e bondade, deve corrigir nos seus alunos todos os
seus maus costumes aparentes, lembrando-se sempre dos defeitos da própria educação do-
méstica. Tudo isso deverá fazer com observação profunda e tino especial.
A inconsciência dos pais e o seu mal entendido amor filial levam, mesmo involuntariamente,
a tomar os meninos mentirosos, voluntariosos e até vingativos. São fatos que se observam todos
os dias e que se vão refletir na escola. O professor é mesmo, constantemente, vítima desses
maus costumes, arraigados nas crianças desde pequenas.
Para corrigir esses defeitos nas crianças, bem como para incutir nelas hábitos de asseio,
ordem, economia e trabalho, não pode haver regras fixas; o professor deve agir a todo instante
e oportunidade com energia, mas, como disse, com tato, sem gritos e sem castigos que deprimam.
Para ensinar a prática e, conseqüentemente, para formar hábitos virtuosos, sirvo-me das
notas de aula, que, me parece, fornecem uma boa marcha para o ensino da Moral.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O ensino da Moral na escola primária apresenta quatro aspectos perfeitamente caracteri-
zados. Nos graus inferiores (primeiro e segundo), o ensino da Moral é atraente. O professor
trabalha sobre a alma do menino mediante práticas constantes, relacionadas com o ambiente do
lar e da escola.
Forma-se assim o hábito da ordem, de disciplina, de trabalho e de cumprimento de certas
obrigações.
O estudo não será sistemático por não permitir a mentalidade dos meninos; todos os
assuntos de caráter moral serão tratados ocasionalmente, aproveitando as lições de linguagem,
de leitura e de ensino intuitivo. No terceiro grau, o ensino da Moral é imitati vo por excelência, e
verifica-se sobre o modo de ação e de conduta do mestre, dos pais e dos companheiros e
demais pessoas com quem vive em sua companhia. No quarto grau, o ensino da Moral é descritivo
e compreende pequenos fatos, narrativas e anedotas, com o fim de despertar os sentimentos
nobres, enaltecer a virtude e condenar o vício. No quinto e sexto graus, o ensino da Moral
assumirá um caráter rigorosamente sistemático, devendo abranger:
a) deveres consigo mesmo, com a família, a Pátria e a sociedade;
b) a bondade, a paciência, a tolerância, a caridade e a justiça;
c) os bons costumes;
d) regras de conduta social.
Por certo, porém, sobre todos os processos recomendáveis, acima dos métodos aconse-
lhados pelos competentes na educação consciente da mocidade, o fator que consideramos de
mais alta importância é o exemplo. Escreveu Kalkis:
Se pretendemos cultivar nas crianças a benignidade, havemos de ser benignos em nossos atos;
dar-lhes o exemplo do respeito, se os quisermos respeitosos; e se tivermos em mente desenvolver-
lhes idéias de justiça, incutir-lhes honestidade, fazê-los homens leais e verazes, não há outro meio
senão azar o maior número de ensejos em que lhe exemplifiquemos essas virtudes pelo trato de
todo dia. De pouco valerá falar ao menino em reverência, justiça, probidade, veracidade, se essas
leis se não praticarem diante dele; é unicamente por atos que as damos a conhecer.
É sabido quanto influem no espírito infantil os exemplos bons ou maus; cremos que a
educação em geral não é mais do que o produto da observação e da imitação do que os outros
praticam. "O bem e o mal que percebemos dos outros são as forças que nos conservam na
órbita do dever." (Bain. Ciência da Educação). Selecionar as impressões que a criança recebe
desde os mais tenros anos, dar vulto aos atos nobres, que revelam elevação de sentimentos e
que devem ser imitados, e, concomitantemente, apontar as conseqüências da prática do mal e
dos vícios, exemplificando com fatos (que nunca faltam) e repetindo sempre, a todo instante,
que para o bem há sempre recompensa e que o mal sempre redunda em prejuízos de toda
espécie para quem o pratica — eis, em síntese, como entendemos que deve ser ministrado o
ensino da moral; dependendo este processo do professor, que deve possuir todas as qualidades
morais, é óbvio que, praticado por um relapso, ou viciado, só maus resultados produzirá. Mas
não se pode admitir que um educador sej'a relapso, muito menos que se entregue ao vício; diz
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Compayré: "Para a disciplina, os regulamentos — como para o ensino os programas e os méto-
dos — não valem senão o que valem aqueles que os aplicam".
Os professores, cônscios de seus deveres, que fazem da sua missão espinhosa um sacer-
dócio que requer abnegação e todo o sacrifício, insistimos, devem ser selecionados; aos aptos,
que se confie a nobre tarefa de educar, de preparar as gerações do futuro, e que sejam afasta-
dos do lugar dos mestres aqueles que prevaricam, que são relapsos, que, não compreendendo
o seu papel, fazem de seu cargo apenas um meio de vida.
O próprio exemplo de boa conduta, de retidão do caráter, de integridade e de amor
pátrio, porém, não basta para dar ao ensino da moral, isto é, a educação, os elementos que
devem produzir os resultados desejados.
Deve o professor reunir o maior número de exemplos, que devem ser colhidos na vida
real; os fatos de que os alunos forem testemunhas, ou cujos personagens sejam por eles
conhecidos, são os mais apropriados. A inverossimilhança não produz resultados apreciáveis;
porém, em certas fábulas de fundo moral, pode ser permitido o inverossímil.
Necessário se torna que o professor saiba com antecedência reunir exemplos e expô-los
em linguagem acessível a inteligência do aluno. Vamos nos referir a um capítulo interessante de
um livro de leitura que nos serviu de exemplo para uma aula sobre a mentira.
Depois de nos referirmos ao degradante e indigno proceder do mentiroso, aos efeitos da
mentira, ao descrédito que ocasiona a falta de lealdade, apresentamos a classe o seguinte exemplo:
Amor a Verdade
George Washington, o principal fundador da grande República dos Estados Unidos, quando era
ainda muito criança, recebeu de presente uma machadinha.
Cheio de alegria, ele se pos a cortar tudo que se lhe apresentava no caminho. Havia, no jardim, uma
laranjeira que seu pai plantara e que era árvore de seus especiais cuidados. O louquinho golpeou-a
dcsapiedadamente de tal modo que tinha ela de secar e morrer.
Quando o pai viu a árvore, que tanto estimava, assim maltratada, ficou desesperado e pôs-se a
indagar quem fora o autor de tão grande maldade. Pouco depois, viu o pequeno George com a
machadinha na mão, e desconfiou que tivesse sido ele.
George — disse o pai — sabes quem maltratou a laranjeira do jardim? Eu quero castigar de tal
modo o autor de tamanha perversidade, que ele nunca mais se esquecerá deste dia.
O menino ficou pensativo um instante e, nobremente, respondeu:
Não, eu não posso dizer uma mentira, meu pai, o senhor sabe que eu não sei mentir. Fui eu que
a golpeei com esta machadinha; castigai-me.
Vem a meus braços, meu filho! — exclamou o pai; fizeste mal, destruindo a árvore útil que teu pai
plantou e tanto estimava. Entretanto, dizendo corajosamente a verdade, tu ma pagaste mil vezes. A
coragem e a sinceridade em meu filho têm para mim mais valor que mil árvores, mesmo se elas
dessem flores de prata e frutos de ouro. Vai, meu filho; que este caso da laranjeira te faça lembrar
durante toda a tua vida que, ainda que te custe muito, deves sempre dizer a verdade!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Exemplos como este pode o professor inteligente e culto reunir em abundância. E é de
notar o interesse das crianças pelos fatos narrados em forma de historietas leves, como a que
acabamos de ler.
Idêntico processo deve ser empregado na educação cívica; as biografias têm para isso um
valor inestimável; estas devem ser interessantes, reunindo o maior número de notas, de atos de
valor praticados pelos biografados.
São exemplos magníficos: as biografias do Duque de Caxias, cuja vida foi toda dedicada ao
serviço da Pátria; de D. Pedro II, de Antônio João, de Benjamin Constant, Patrocínio, Quintino
Bocaiúva, dos dois Rio Branco, de Lopes Trovão e de outros brasileiros notáveis, cumprindo ao
mestre repetir sempre que todos tiveram na sua vida pública o desinteresse por princípio, a
honestidade por norma e a grandeza da Pátria como finalidade de seus atos, de suas aspirações. O
culto a Bandeira, o símbolo amado da Pátria, cuja presença tanto nos enleva, cujo tremular nos
arrebata e nos evoca as glórias que já conquistamos, todo o nosso passado de lutas em prol da
liberdade, deve ser ministrado pelo processo que aconselhamos para o ensino da Moral.
Tivemos a prova do efeito que produz o processo a que nos referimos, por ocasião da
festa da bandeira que realizamos em nosso colégio. Depois de conferência do orador oficial,
dos recitativos e dos números de música, lemos o seguinte:
A Bandeira
(Narrativa Histórica — para ser lida nas escolas)
Naquela manhã, por volta das oito horas, o comandante, um bom francês a quem eu vinha entregue,
mandava chamar-me em meu camarim.
Faltavam ainda seis dias para chegar a águas brasileiras. Eu estava morto de saudades. Há dois
anos que vivia metido naquele colégio da Suíça, a beira de um vale, longe dos meus e da Pátria,
entre crianças que eram de outras pátrias.
E, agora, depois de tanto tempo, voltava ao Brasil numa ânsia por vê-lo, numa grande saudade, que
me punha triste horas inteiras, a pensar no meu pai, nos meus irmãos e nas lágrimas de minha mãe.
E subi ao tombadilho, onde o comandante me chamava.
Veja, voltou-se ele para mim, apontando-me o horizonte.
Não a muitas milhas de distância, rasgando as águas com um penacho de fumo nos canos, um
navio caminha em direção ao nosso.
Um navio, disse eu.
Sim, mas um navio brasileiro, respondeu-me o comandante a sorrir.
Cravei os olhos no mar. Brasileiro? E todo eu tremi, comovidamente.
E aquele navio, que eu tinha visto caminhando como os outros navios, tornou-se de repente de
uma grandeza gloriosa, iluminado de sol, batido pelo vento.
A manhã estava azul e clara, e o céu de uma transparência de gaze. O mar não tinha uma onda, nem
um balouço. Havia pelo ar uma tranqüilidade comovedora de luz.
538 I Conferência Nacional de Educação Curitiba, 1927
E o navio aproximava-se. A cada segundo que ia passando, eu ficava de uma inquietação estranha.
Andava de um a outro lado do tombadilho, punha-me nas pontas dos pés, trepava pela amurada,
estendendo os olhos para o mar, estendendo os olhos para o navio.
Houve um momento em que caí de emoção. É que eu tinha visto a popa, desfraldado ao vento, o
pavilhão de minha Pátria.
Correu-me pelo corpo um arrepio de febre, os cabelos empinavam-se-me, o sangue esquentou-me
a cabeça e senti-me leve, como que suspenso no ar. Lã estava ela, a minha bandeira, a minha vista,
tremulando no mar!
E o Brasil surgiu-me como uma visão: pomposamente aberto ao sol, na glória de sua grandeza, na
majestade de seu solo. E vi os nossos céus estrelados, cobertos de constelações, o Cruzeiro do Sul
abrindo os braços pelo infinito, as manhãs alastradas de ouro, as tardes vestidas de vermelho. Vi
o nosso sol sempre ardente, mais bonito que o sol de outras terras, as nossas palmeiras e os
nossos arvoredos, a terra fecunda, suprema, brilhando na sua grandeza e na sua fartura, os rios
maiores que os outros rios, rasgando atrevidamente os mares, o Amazonas, o Tocantins, o São
Francisco e o Paraíba, as nossas florestas roncando ao vento das tempestades, os campos floridos
em maio, os morros verdejando de janeiro a dezembro.
Vi tudo: a minha casa entre laranjais, a minha mãe, meu pai, meus irmãos, toda a minha Pátria, glória
por glória, herói por herói.
E o navio aproximava-se. Já não distava mais de uma milha.
E a bandeira tremia no mastro da popa como se estivesse a conhecer-me.
A bordo era eu o único brasileiro.
Os passageiros subiram para ver a passagem do navio. Fitei-os. Meus olhos eram um convite para
que eles olhassem para aquela bandeira.
Olharam todos. Senti-me grande, senti-me um deus, ao ver que toda a gente fitava, naquele pavilhão,
o esplendor de minha Pátria.
Chegou o momento supremo. O navio ia passar bem junto do nosso. Parei.
Não tive mais força para dar um passo.
Vagarosamente, o navio veio passando.
O pavilhão abriu-se, inteiramente, e ficou aos meus olhos estendido, sem uma dobra, brilhando de
verde e amarelo.
Um chileno gritou por trás de mim:
— Viva o Brasil!
Fitei-o e, sem dar por mim, caí-lhe nos braços, desabridamente, a chorar de alegria e de agradecimento.
Viriato Corrêa
Ao terminar, com a voz embargada pela comoção, notamos que quase todos os presen-
tes, alunos e convidados, tinham os olhos rasos de lágrimas. A comoção que sentimos todos, as
lágrimas que marejaram por minutos os olhos dos que nos ouviam atestavam que a narração fez
vibrar de entusiasmo a alma de cada um.
E qual o fim do ensino cívico senão essa vibração que eleva o nosso espírito, que nos faz
ver nitidamente o que quase sempre contemplamos sem interesse e que nos desperta o amor ao
que é nosso?
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Saber dar vida aos feitos da nossa gente, tão menosprezada por alguns maus brasileiros,
procurar incutir no espírito da criança de hoje a fé ardente nos destinos da Pátria, a confiança
absoluta nas suas energias, na sua capacidade, e o conhecimento do que lhe cumpre fazer pelo
engrandecimento do nosso Brasil adorado—eis a finalidade que deve ter o ensino, eis a aspiração
que deve animar os bons professores, de cujos esforços, somente, depende o futuro da Pátria.
TESE N
e
88
A CRIAÇÃO DE ESCOLAS NORMAIS SUPERIORES EM
DIFERENTES PONTOS DO PAÍS, PARA O PREPARO
PEDAGÓGICO
Ântonia Ribeiro de Castro Lopes
Escola Normal de Campos, RJ
ão será o meu modesto trabalho a prova da competência dos docentes fluminenses, mas a
prova de que, nesse rincão do estado, onde o Paraíba serpeia espelhando os raios
afogueados do sol, vibra o amor pátrio, insuflando no ânimo dos filhos da terra Goitacaz a
coragem para o trabalho e o estímulo ao estudo.
Não fora o interesse pelo engrandecimento de meu país, não fora o pugnar pelas questões
do ensino, causa a que me dedico de corpo e alma, jamais venceria a timidez, jamais me
apresentaria em centro de cultura tão sólida, onde pululam, em ambos os sexos, inteligências de
escola, cujas fulgurações tive a ventura de sentir de perto quando aqui estive em 1921. Bem
escolhida foi a capital paranaense para a sede da I Conferência Nacional de Educação!...
Felicito-me pelo ensejo de me por em comunhão de idéias com mentalidades privilegiadas
que decerto tomarão parte neste certame. Abordarei assunto que me vem preocupando de longa
data, pela sua importância e necessidade imperiosa — a criação de escolas normais superiores.
Não é meu estilo escorreito, nem minha linguagem ática, mas é a expressão do sentir de
quem pela Pátria trabalha e para a Pátria vive.
Assim como a Escola Normal Primária forma professores para escolas primárias, neces-
sária é e imperiosa se torna a criação de escolas que formem professores cuja instrução e
aptidão pedagógica o elevem a altura do desempenho de sua missão.
Em geral, as cátedras das escolas normais são preenchidas por concurso, quando a lei é
cumprida, e por decreto, em ocasião de reforma, quando o candidato é bem apadrinhado politicamente.
Ocupa muitas vezes a cátedra de uma escola normal um bacharel ou portador de diploma de
curso superior—condição exigida para provimento das cátedras de ginásios —, que tem aptidões
para exercer a profissão que lhe evidencia o diploma, mas que nenhuma capacidade pedagógica
possui—condição precípua e indispensável para que se exerça o magistério com proficiência.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
Não quero com isso dizer que não seja um indivíduo de conhecimentos seguros, vastíssimos
e difusos — um cientista talvez, mas é professor in nomine. Seu preparo pedagógico é nulo,
não sabe transmitir os conhecimentos que possui, faculdade que só dá a vocação nata ou a
cultura pedagógica. Isso tive ensejo de observar quando estudante, pois aos 23 anos, e já viúva,
cursei a escola normal; era já um espírito observador e exercitado, esclarecido.
Um professor pode ser um cientista, mas um cientista nem sempre é professor...
Da falta de escolas superiores e do modo defeituoso de preencher as cátedras das escolas
normais e ginásios, temos, diariamente, a prova no fracasso dos alunos e na organização dos
programas. Na maioria, esses professores não sabem dosar o ensino, supõem o cérebro do
aluno um vaso que se precisa encher e nele entornam, em profusão, ciência mal assimilada, e de
modo empírico, sem conhecer métodos nem processos para isso. Daí o desastre dos estudantes
nos exames: muitos, vítimas dos programas extensíssimos, que o professor, ao organizar, julga
dar um atestado do seu cabedal científico; outros, vítimas do ensino mal feito.
Malgrado meu, não posso, entretanto, deixar de censurar o provimento dos lugares de
regentes de turmas, em escolas normais, pelos alunos recém-formados mais distintos da turma,
classificação que nem sempre é verdadeira, sendo muitas vezes a sugestão de interessados.
São eles portadores de um diploma de professor de ensino primário, sem a prática
necessária que o tirocínio dá e sem o preparo suficiente, pois no curso normal o tempo é
deficiente para o preparo seguro; só se adquirem aí conhecimentos básicos, que se firmarão e
desenvolverão mais tarde pelo estudo de gabinete. Vão, naturalmente, é lógico, transmitir aos
alunos metade do que aprenderam, conseqüentemente, só podem preparar mal os alunos que
lhes ouvem as aulas.
As escolas normais superiores virão sanar esse mal, assim como formarão também diretores
de escolas normais e de ginásios e inspetores escolares, pois não se pode compreender diretor
de estabelecimento de ensino nem inspetor escolar sem preparo pedagógico, indivíduos que não
estão a altura de sua missão. Como poderá o primeiro julgar seus dirigidos e o segundo seus
subordinados? Falo em tese.
Para admissão as escolas normais superiores, dever-se-á exigir, como nas escolas desse
tipo em Fontenay e Saint-Cloud na França, diploma de bacharel, de escola superior, certificado
de curso secundário ou diploma de Escola Normal Primária, sendo a matrícula mediante exame
de admissão; idade mínima de 19 anos e máxima de 30.
O curso poderá ser feito em três anos, inclusive seis meses de prática didática.
Far-se-á nessas escolas o ensino aprofundado das matérias do curso da Escola Normal
Primária, abrindo aos estudantes novos e mais amplos horizontes, e o das ciências pedagógicas.
O ensino poderá ser dividido em três partes: a primeira será feita em curso; a segunda, em
conferências que terão por objetivo "o método a seguir-se em cada ensino especial", apresentando
depois os alunos os seus trabalhos de observação; e a terceira será toda de aplicação didática,
sob a observação do professor.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O aluno que, no fim do segundo ano do curso, não demonstrar aptidão para o magistério
deverá ser excluído; e só se conferirá diploma no final do curso, após aprovação em exame, aos
que se sentirem com forças para abraçar a altruística e espinhosa missão de professor.
Antes da França, já a Espanha sentira a necessidade de escolas que preparassem mestres
de mestres; a prova está na Escola Normal Central criada sob a direção de D. Pablo Montesino.
Muito concorreu a fundação dessa escola para a reforma do ensino nesse país; foi ela a
origem do desenvolvimento dos métodos de ensino e de disciplina, espalhando pela Espanha um
largo hausto de progresso.
A primeira leva de diplomados, cheios de entusiasmo, conhecedores da maneira de dirigir a
criança, se disseminou pelo reino espargindo as doutrinas em que se haviam aprofundado, criando
aqui escolas normais e exercendo ali os cargos de inspetores, dando, destarte, excelentes resultados.
O fim dessa escola, desde então, é preparar professores de escolas normais primárias e
inspetores de ensino.
Só pelo aperfeiçoamento do preparo do mestre dos mestres se poderá melhorar o ensino.
As leis concebidas pelos espíritos mais clarividentes, os programas de ensino mais bem
organizados, os regulamentos mais inteligentemente orientados não darão resultado enquanto o
mestre dos mestres não for capaz; não conhecer o que faz e o que deve fazer, isto é, não tiver o
preparo pedagógico e científico; se ele não sentir amor pelo seu cargo e não executar o seu
programa cheio de entusiasmo, confiante em si mesmo, ungido de fé, sendo a visão da Pátria
grandiosa a preocupação do seu espírito, incutindo assim, em seus alunos, o amor a carreira que
vão abraçar. Só o amor nos leva aos grandes ideais; só o amor nos leva aos grandes sacrifícios.
Quando o aluno se obstina a razão ditada pela lógica cede sempre aos sentimentos.
Oxalá que em breve sejam criados esses centros de aperfeiçoamento pedagógico e que a
arte de educar se divulgue, salvando a mocidade estudiosa dos males de que é vítima e, a Pátria,
dando filhos dignos do seu solo grandioso.
TESE N
2
89
A EDUCAÇÃO MORAL NA ESCOLA PRIMÁRIA
Palmyra Bompeixe de Mello
Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva
proveitando a ocasião, que mais oportuna não poderia ser, escrevo estas linhas sobre
um assunto que talvez fosse já bastante desenvolvido por algum dos meus colegas, mas
tenho a ousadia de apresentá-las ao julgamento deste seleto auditório.
Moral — ciência das ciências, como disse um grande filósofo. Todos os preceitos desta
ciência se resumem nos dez mandamentos da lei de Deus.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A
Do que tenho lido sobre Educação Moral, cheguei a conclusão de que ela é a base da
formação do caráter do indivíduo, e seus inúmeros e benéficos efeitos se refletem no lar e na
sociedade. O famoso pedagogo alemão Herbart disse que a moral não abafa o caráter individual,
afirma-o, dirige-o, nobilita-o, santifica-o, utiliza-o para o bem próprio, bem dos semelhantes e
glória da Nação.
Fazendo este ponto parte integrante dos nossos programas de ensino, convenci-me de
que devia estudá-lo e desenvolvê-lo tanto quanto as demais matérias do curso primário.
Sendo as crianças de hoje o futuro esteio da Nação, sendo as crianças de hoje toda a
nossa esperança de amanhã, devemos prepará-las física, intelectual e sobretudo moralmente,
para que um dia, unidas, formem o mais sólido alicerce de um povo que se quer impor pelo
desenvolvimento das ciências, letras, artes e bons sentimentos.
A escola primária é o primeiro degrau por onde o homem ascende a todas as aspirações
sociais, e é, então, dever sagrado dos professores preparar, desde cedo, o caráter das crianças,
infundindo-lhes uma Educação Moral eficiente, baseada nos princípios dos grandes educadores.
Se, desde o despontar glorioso da primeira escola pública em nosso país, fosse dada ao
ensino da Moral toda a importância que ele merece, e seu ensino fosse ministrado com desvelo
para, a pouco e pouco, ir tirando os maus costumes e maus instintos que herdamos dos nossos
antepassados, os indígenas e os primeiros colonos, talvez pudesse ocupar hoje o Brasil o primeiro
lugar na escala dos países civilizados. Infelizmente, muitas gerações se têm sucedido e só nestes
últimos tempos esta ciência está sendo grandemente cultivada. Ainda assim, fatos e fatos se
desenrolam a esmo ameaçando lançar o País em um mar de ruínas, e é muito provavelmente
devido a falta de uma boa orientação moral que o homem se deixa arrastar pelas paixões,
levando consigo para o precipício a grandeza da Pátria.
Não quero nem penso em fazer detalhes da Moral, porque é ela uma ciência muito elevada,
um ponto vastíssimo, e eu pretendo mesmo ocupar-me, muito particularmente, do ensino desta
matéria na escola primária e da influência do meio no espírito da criança.
Lamento o tempo marcado para as lições desta matéria ser demasiado escasso, não
permitindo explanarmos mais amplamente.
Mas, se houver força de vontade do professor e se este refletir que as crianças que vão a
escola não necessitam exclusivamente de colher ensinamentos de outras ciências e artes,
encontrará ele, em cada ato bom ou mau do aluno, ocasião propícia para uma lição de moral,
desenvolvendo naqueles pequeninos seres um caráter forte, tornando-os escultores de sua alma
e cinzeladores da estátua civilizadora da sociedade.
Nos labores da escola, nao deve o professor curar tão-somente da instrução; deve levantar
um pedestal educativo em que esta assente solidamente. Instrução sem educação nada vale,
porém ambas, reunidas, formam um belo conjunto.
Há razões para que o professor muitas vezes se desvie do programa de Educação Moral,
porque a tarefa de educar é, sem dúvida, muito difícil, devido a heterogeneidade de costumes
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
dos alunos. A criança é o espelho do lar e reflete, as mais das vezes, o que vê e ouve sem uma
noção exata do seu proceder.
Para que o educador chegue a meta desejada quanto ao ensino da Moral, é indispensável
que ele se revista de uma vontade firme, muita paciência, abnegação e, mais ainda, que conheça
psicologia, para penetrar na alma da criança e estudá-la detalhadamente.
Conhecendo, por experiência própria, a falta de consideração de certos alunos para com
os professores, afirmo que não podem e não devem estes deixar de dar suas lições de moral nas
escolas primárias, reprimindo erros e se esforçando para que as crianças saibam que a escola
não é lugar onde se vai continuar a cultura de erros e vícios. Se o professor não atalhar o
caminho, a população infantil irá de mal a pior, até chegar a catástrofe da perdição.
Observa-se, dia a dia, a necessidade urgente de se tratar da educação da criança na
escola primária. Sendo a escola o prosseguimento do lar, quando a criança entra para ela, julga
fruir, nesse templo, de todos os direitos e liberdades que tem no seio de sua família. Assim seria,
de fato, se os pais, em geral, ensinassem aos seus filhos o cumprimento do dever, que é a luz que
resplandece em todas as consciências; se lhes aconselhassem que a escola é como um reflexo
da organização social, onde as crianças têm que compreender seus deveres e reduzi-los a Pátria.
A Educação Moral deve ser dada aos alunos:
Em classe—quando se trata de cumprir a risca o programa e o horário impostos, quando,
inesperadamente, se der um fato que o professor queira aproveitar como exemplo as crianças,
ou então quando, nas palestras sobre o civismo, quiser o professor salientar a moral que quase
sempre acompanha os fatos de bravura dos grandes vultos da História.
O ensino da Moral pode ser também individual, quando, por exemplo, o aluno praticar
uma ação notada apenas pelo professor. Neste caso o aluno deve ser chamado em particular, e
o professor deverá mostrar-lhe as vantagens e desvantagens de sua ação. Um e outro modo dão
ótimos resultados quando sabiamente empregados.
O melhor meio de ministrar aproveitáveis lições de moral é transformando-as em pequenas
histórias, de modo a despertar na criança a curiosidade e o espírito de imitação do bem.
Para o ensino desta matéria, há muitíssimos exemplos de homens que se elevaram pela
abnegação, pelo trabalho, pela força de vontade, pela coragem, pela honestidade, provando
assim fortaleza de caráter; e estes homens não devem ser esquecidos.
Além disto, temos ainda o professor. É certo o provérbio "O exemplo é a melhor escola"
e, portanto, o professor que não tiver uma sólida Educação Moral não poderá formar p caráter
dos seus alunos, porque este não subsiste sem aquela.
Das minhas observações, deduzi ainda que as lições são muito mais assimiláveis quando
têm um caráter inteiramente diferente do que deve ter em se tratando de pontos que devem ser
estudados e bem sabidos.
O educador deve ter o seu caráter bem formado, porque deste depende o valor dos
indivíduos e sua falência na vida.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Enfim, devemos nos esforçar para despertar nos corações daqueles entezinhos, cuja dire-
ção pelo caminho do dever nos é confiada, o desejo de ser bom, paciente, corajoso, sóbrio,
trabalhador e honesto.
É de lastimar que muitos pais sejam os desorganizadores da felicidade de seus filhos, ou
porque desconhecem os princípios da educação ou, por um descaso inconcebível, desviam a
criança do caminho que a levaria a prática do bem. Eles deviam procurar a conservação da vida,
o desenvolvimento físico, a educação e a instrução dos filhos. A educação é como um tesouro
que os pais colocam no coração e na vontade dos filhos.
A instrução é um capital que deposita sobre sua cabeça, porque pode ser o fundamento
de toda a sua grandeza.
Todos eles deviam auxiliar o educador nesta árdua tarefa, porquanto a sua influência no espírito
da criança é sempre superior a qualquer outra. Procedam eles com dignidade, ensinando a seus filhos
os preceitos da moral, e hão de colher os frutos saborosos de uma educação forte e certa.
O meio é grande fator do progresso ou regresso do indivíduo, pois é na sociedade que
esta plantinha nova crescerá ereta, sob a proteção do bom e do belo, ou será derribada pelo
vendaval do vício.
Eis, em poucas palavras, o meu objetivo, que visa tão-sòmente o engrandecimento da Pátria.
CONCLUSÃO
Assim, concito todos os pais que me ouvem e meus distintos colegas para que, em comunhão,
desenvolvamos com ardor a Educação Moral na criança, fazendo delas verdadeiros homens,
verdadeiros pais e verdadeiros cidadãos.
TESE N
e
90
A MORAL NA ESCOLA PRIMÁRIA
Annette C. P. Macedo
Escola Complementar — Curitiba, PR
enunciado da minha tese mostra por si toda a sua vastidão, que encheria grosso volume se
tratada em todas as suas minúcias, com todo o desenvolvimento que ela comporta. A
isso, porém, não me abalançaria, porque reconheço ser obra superior as minhas forças e porque
isso excederia o meu objetivo que não é senão cumprir o dever de apresentar uma tese sintética,
abrangendo em suas linhas gerais a questão mais importante que a escola primária é destinada a
resolver. Não espereis obra de erudição, mas simplesmente uma exposição sucinta do pouco
que sei e que é fruto não só de estudo nos livros, mas também de observação e experiência de
alguns anos de prática de ensino.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
E, sem mais delongas, mãos a obra.
A velha concepção segundo a qual a escola tinha unicamente, ou principalmente, a missão
de instruir foi substituída pela que a considera ministra da educação, não sendo a instrução
senão meio de educar. Nas leis brasileiras e nos atos da administração pública ainda se fala em
instrução pública. No Paraná, houve a Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública, que
desapareceu, recentemente, com a unificação das secretarias. Mas, já desde 1915, no governo
paranaense do ilustre e benemérito doutor Carlos Cavalcante, eis que o Regulamento da Instrução
Pública se passou a denominar Código do Ensino, desaparecendo o diretor da Instrução Pública
para dar lugar ao superintendente do ensino. Essa denominação se impôs pela convicção de ser
deficiente a palavra instrução para exprimir a função educativa do Estado: é evidente que ensino
abrange a instrução como meio e a educação como fim.
Hoje, seria ridículo suscitar a questão de que a Moral deve ou não ser ensinada na escola
primária, pois o ensino da Moral é toda a educação, é toda a formação do caráter. Começa
ministrado pelos pais, e principalmente pela mãe, no lar doméstico.
E a escola tem por missão prosseguir a obra encetada no lar ou suprir o lar para as
crianças infelizes que o não tiverem. Não se instrui senão para educar, não se educa senão com
o fim de aperfeiçoar uma alma, despertando, estimulando e dirigindo as boas tendências e
combatendo sem cessar as tendências más que se manifestarem, visando sempre, em todos os
passos da escola, incessantemente, a formação de hábitos bons, de ação consciente e
perseverante, de ordem, de atenção, de obediência, de dignidade, de verdade, de bondade e de
justiça. Não visa a outra coisa a escola moderna, a escola teórico-prática, a escola do trabalho.
O ensino da Moral na escola primária é ministrado por meios diretos ou indiretos.
Acompanha, a meu ver, todos os passos dos trabalhos escolares no exemplo do mestre, na sua
ação dirigente e vigilante, na ordem e disciplina. Envolve-se no assunto das leituras, das cópias,
dos ditados, das composições, devendo, quanto possível, entrar nas lições de História e até em
cada exemplo de cada fato da linguagem.
Tudo deve constituir elementos harmônicos de sugestões tendentes a formação e cultura
de uma personalidade moral em cada criança que freqüenta a escola. Analisemos mais alguns
desses elementos.
A meu ver, no lar e na escola primária (perdoai que o diga), a mulher é melhor educadora
que o homem; mãe e professora, ela tem a primazia. Mas não discutirei essa questão em que
posso ser averbada de suspeita, mormente em assembléia na qual predominam os homens pelo
peso do seu saber. Rendo-lhes todas as homenagens, mas... as mulheres professoras valem
muito para formar homens.
Daqui em diante, quando falo em professor, saiba-se compreendendo o homem e a mulher,
embora, de acordo com as minhas convicções (perdoai esta franqueza), mais ela do que ele...
O meu mestre de Pedagogia dizia muitas vezes: "a escola primária é o que é o professor".
Efetivamente, não há boa escola que não seja dirigida por um professor sadio de corpo e de
espírito. Aludo a saúde do corpo, convencida de quemens sana in corporesano.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
As moléstias do corpo podem impedir o professor de ser pontual e assíduo, de estudar e
de ensinar, de ser calmo e prudente, de ser bom e justo, sendo inegável que as doenças do
corpo afetam o espírito.
Falando em saúde de espírito, aludo a cultura intelectual e moral de que o professor deve
ser dotado.
O professor que não sabe o que tem de ensinar ou que não sabe ensinar perde, de todo,
o prestígio moral diante dos próprios alunos. Se ele tem os necessários conhecimentos, mas lhe
faltam qualidades morais, como, por exemplo, se tem o hábito de mentir, ou se é orgulhoso ou
vaidoso, ou se é mau e arrogante para com os filhos dos pobres, mas polido e humilde para os
dos ricos, ou é dominado pelo vício da embriaguez ou do jogo, ou se é avesso a prática de atos
contrários aos bons costumes... esse está longe de merecer o nome de professor. A sua autoridade
moral é tanto menor quanto maiores os defeitos do seu caráter.
O professor não é completo se não dispuser da tríplice capacidade física, intelectual e moral:
boa saúde, vasto saber e caráter ilibado. Tem de educar-se para educar. Tem de ser modelo, se
tem a missão de formar modelos de homens. Verdadeiro professor é o professor verdadeiro e
bom, que pode, sabe, sente, quer e age para formar ótimos cidadãos. Sua escola é continuação,
senão suprimento dos lares, e ele é havido pelos alunos como pai ou como irmão mais velho.
O ideal pedagógico é trabalharem na escola professor e alunos, cumprindo programa e
horário, pedagògicamente organizados, todos atentos e satisfeitos, confraternizados, dominados
por nobres sentimentos, e tudo na maior e na melhor ordem. E esse ideal se realiza como um
milagre da disciplina preventiva, que elimina as perturbações e, conseqüentemente, a necessidade
das repressões.
E essa disciplina preventiva só poderá ser conseguida aos poucos, com perseverança e
com habilidade, pelo professor completo que, vencendo dificuldades, pode ter afinal o inefável
prazer de se fazer amado dos alunos que se confraternizam, procurando não lhe ocasionar o
mínimo desgosto.
Está visto que só se admite disciplina preventiva entre alunos normais. Há crianças
ineducáveis, ref ratárias a ação da escola primária, anormais, em relação as quais todos os meios
são improfícuos. A escola comum não é o seu lugar.
Devo ainda acrescentar que a disciplina preventiva depende muito da colaboração dos
pais. Certo é que a estes cumpre defender seus filhos contra professores grosseiros, violentos,
atrabiliários, que castigam sem justiça ou em excesso. Mas há pais que, por quererem muito
bem, fazem muito mal a seus filhinhos, ouvindo-lhes as queixas, não raro mordazes, e pondo
seus lares em conflito com a escola. Há crianças vadias que, assim, mimadas em excesso, vivem
de escola em escola sem proveito algum. Por isso, sempre reconheci a grande conveniência de
se estabelecerem relações entre o professor e os pais dos alunos.
Toda disciplina escolar deve ter cunho educativo. Daí decorre que devem ser banidas
todas as repressões que exponham ao ridículo ou aviltem as crianças. E nem falarei nos castigos
corporais, hoje irremissivelmente condenados.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Decorre, também daí, que o professor deve tirar proveito das perturbações da ordem
escolar para dar conselhos ou lições de moral para toda a classe.
Até aqui, tenho me ocupado dos meios do ensino moral diretos, inerentes a toda a orga-
nização escolar. Devo também cogitar de outros meios, tais como os festivais artísticos em que
tomem parte as crianças, cantando ou recitando produções dos nossos escritores, com referên-
cia a assuntos morais e patrióticos.
E, procurando desenvolver nas crianças o gosto estético pelo desenho, pela música e pela
poesia, necessariamente conseguimos elevar-lhes os sentimentos, preparando-lhes o espírito
para o bem, para a verdade e para a justiça.
Erraria quem supusesse que a escola primária ensina somente as crianças que a
freqüentam, pois a sua ação se irradia, atingindo as pessoas adultas das quais as crianças
dependem.
Nós, os professores, somos, pois, os modestos obreiros do patrimônio moral da nossa
pátria. Pelo nosso trabalho, os brasileiros do futuro serão espíritos iluminados, aptos para a
realização dos mais altos ideais que a mente humana possa conceber.
TESE N
s
91
EDUCAÇÃO POLÍTICA
Paulo Ottoni de Castro Maya
Associação Brasileira de Educação
Législatrice, source des constitutions justes. Démo-
cratie, íoi dont le dogme fondamental est que tout le
bien vient du peuple, et que, partout oú il n 'y a pas de
peuplepour nourrir et inspirer le génie, iln'y a rien,
apprend-nous a extraire le diamant desfoules impures.
E. Renan (Príère sur l
'Acrópole)
multidão assemelha-se ao diamante bruto. Neste, é o lento e paciente trabalho de lapidação que
faz aparecer uma a uma as suas facetas, dá-lhe forma, brilho e revela a sua pureza. Naquela,
cabe a educação semelhante papel.
A instrução, que é tantas vezes confundida com a educação, representa apenas o polimento
de uma das faces da natureza humana. Educar é polir todas elas; é ocupar-se não só da inteligência,
mas também do corpo e da alma; é iluminar a primeira com a Ciência, armar a segunda com a
Saúde, guiar a terceira pela Justiça, a fim de alcançar a divina trilogia do Bem, do Belo e do
Verdadeiro, que transformará a pedra bruta em cintilante gema rara e preciosa entre todas.
548
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Do mesmo modo que o lapidador não segue regra uniforme para o seu trabalho, que deve
ser orientado segundo as qualidades ou defeitos naturais da pedra a talhar, a missão do educador
é muito complexa, pois ele não deve desprezar as virtudes, os vícios ou hábitos próprios a cada
raça, povo ou seita.
Estudar as origens, acompanhar a lenta evolução que produziu as características étnicas e
nacionais, apreciar a influência dos fatores espirituais e religiosos que formam a alma das multidões,
considerar as contingências climatéricas e econômicas que a modificam são bases indispensáveis
a qualquer trabalho racional de educação.
Na conferência que se reúne pela primeira vez no Brasil para examinar as múltiplas faces
da educação nacional, pretendemos nestas linhas apenas analisar a educação política. É matéria
sumamente delicada e complexa entre todas, não só pelas suas dificuldades próprias como pela
maneira pela qual deva ser abordada.
Ocasiões como a presente obrigam a dizer a verdade inteira. Ocultando e encobrindo as
chagas que minam um organismo, pode-se lhe dar, temporariamente, a aparência de saúde, mas
é examinando-as a luz do sol, pondo-as a nu, que se lhes aplica o cautério que as vai curar.
Ora, como falar da educação política do povo brasileiro sem examinar e criticar a
organização política, os processos administrativos e eleitorais que aqui vigoram?
Tal crítica não será considerada, por alguns, ato de política partidária, o que evidentemente
não se enquadraria numa conferência como a atual? Não é justamente esta uma das características
do mal que pretendemos analisar?
Esperamos que os doutos espíritos que esta conferência reúne far-nos-ão a justiça de não
nos atribuir outros intuitos do que os de servir a causa da educação nacional, examinando-a
numa das faces sobre a qual muito tem a pedir o esmeril do educador.
Ouve-se freqüentemente dizer que o analfabetismo é o principal e quase o único de todos
os nossos males.
Sem discordar da sua importância capital, não nos parece, entretanto, que a disseminação
de escolas primárias seja, por si só, suficiente para educar o povo brasileiro. A grande massa de
iletrados que vive no Brasil não toma parte na vida política. Todas as nossas instituições ou
nossos hábitos e costumes derivam da outra parte da população, a pequena minoria que sabe ler
e escrever e que, sendo a única a gozar de direitos políticos, tem, no entanto, revelado
incapacidade em exercê-los.
Transformar a primeira parte na segunda não resolveria, portanto, o problema da educação
política.
A insuficiência desta nem precisa ser demonstrada. Um simples olhar de conjunto sobre
a maneira pela qual são escolhidos legisladores e governantes, sobre os processos empregados
nas lutas partidárias, que se limitam, em regra, ao terreno das competições pessoais, a
intransigência dos chefes, que exigem obediência cega e subserviência completa dos que os
servem, e que se revelam, no poder, o mais das vezes, intolerantes para aqueles que os
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
criticam, evidencia provas de que, em verdade, a educação política, tanto de governantes
como de governados, ainda está por fazer.
Quantos, entre o pequeno número dos que comparecem aos pleitos eleitorais, depositam
nas umas as suas cédulas conscientemente, compreendendo que, ao mesmo tempo que exercem
um direito, estão cumprindo um dever?
Votam muitos por interesse ou conveniências pessoais, na esperança de que o eleito vá
auxiliá-los em qualquer pretensão, outros votam por amizade, e a maior parte, finalmente —
aquela que a gíria popular pitorescamente denomina o "eleitorado de cabresto" —, vota por
obediência não a princípios, mas a chefes, sem saber muitas vezes nem os nomes dos candidatos
impressos nas cédulas que lhes são entregues fechadas a boca da urna. E nem falamos na
multidão de mortos e ausentes cuja votação aparece nos tao usados processos de eleições a
"bico de pena" de atas falsas.
Os candidatos, em face destes processos, não precisam dar mostras de sua competência
ou virtudes, não necessitam apresentar programas ou plataformas; basta que sejam
recomendados por aqueles que detêm a máquina eleitoral. Também, quando escolhidos, não
se julgam obrigados a prestar contas a opinião pública, mas estão em paz com a sua consciência
se servem lealmente aqueles que os fizeram eleger. A incompreensão do dever político é tao
grande entre nós, que esta "lealdade incondicional" é comumente considerada um dever
semelhante aquele que ligava o vassalo ao seu senhor, e que é julgado desleal e traidor político
(raro infelizmente) quem tem a coragem, porque assim lho dita a sua consciência, de divergir
da opinião dos seus chefes.
Diante desta pintura cujas cores não foram sobrecarregadas, do modo pelo qual se
organizam os quadros dirigentes, a grande minoria da população que poderia votar, a melhor e
a mais culta, se abstém por desânimo, descrença, comodismo ou indiferença resignada.
Ora, tudo isto, a servilidade e pusilanimidade da massa eleitoral, a subserviência para com
os de cima e a intolerância para com os de baixo de grande parte dos eleitos e, por fim, a apatia
e o desânimo da maioria são sintomas claros dos vícios de nossa educação política.
Culpam muitas vezes destes males as pequenas minorias que governam e, por isto, alguns
sonhadores têm procurado extingui-los, derrubando-as por um golpe de força. Estes recursos
periódicos a violência, quer partindo de ambições pessoais, quer inspirados em nobres sentimentos
altruístas, observando-se em todos os países que sofrem do mal que estamos examinando, são
dele um dos sintomas mais eloqüentes, e pode-se dizer que o número de revoluções é
inversamente proporcional ao grau de educação política de um povo.
Ora, não é substituindo a fachada que se consolida a ossatura de um edifício.
Renan disse com razão: "não é a força dos governos absolutos, mas a depressão dos
súditos que mantém os povos na servidão".
Se o povo brasileiro está deprimido, se olha com apática indiferença para a causa pública,
habituou-se a considerar como normais e inevitáveis processos condenáveis, a mudança repentina
da minoria que governa por outra mais pura e idealista arriscaria muito ser de pouca duração,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
derrubada pelos maus elementos congregados ou contaminados pelos vícios que já se transfor-
maram em hábitos.
Não é, portanto, nem no analfabetismo, nem nos defeitos dos que governam que está a
origem do mal que examinamos. São antes efeitos do que causas. O mal é mais profundo. Para
buscar as suas origens, nada melhor do que comparar a nossa situação com a de outros países.
Se é verdade que "mal dos outros consolo é", o espetáculo que ora em maior, ora em
menor grau nos oferecem os países da América Latina nos há de reconfortar um pouco. Os que
estão politicamente mais educados do que nós já passaram pelo estado em que nos achamos;
outros, pelo contrário, estão em estágios mais atrasados. Esta semelhança nas pseudodemocracias
da América Latina, em confronto com o espetáculo oposto que nos oferece a democracia norte-
americana, vai nos auxiliar na procura das causas do mal.
De um lado, ordem, continuidade no progresso, apoiada sobre a estabilidade política e
respeito a lei e ao cumprimento da Constituição. De outro lado, uma fachada de ordem cons-
tantemente ameaçada, um progresso caótico caminhando aos saltos, instabilidade política
conseqüente ao desenvolvimento do arbítrio pessoal, que transforma quase sempre as cons-
tituições em letra morta, as quais, quando aplicadas literalmente em aparência, nunca o são
em espírito e em verdade. Em menos de um século, a Colômbia passou por 70 revoluções, e
a Venezuela, por 104; o México só teve 30 anos de tranqüilidade, sob a ditadura de Porfiro
Diaz, para recair logo após no regime das revoluções continuadas. Da América Central, nem
é preciso falar, a triste terminação da recente aventura da Nicarágua, praticamente transfor-
mada em colônia norte-americana, mostra que estas lutas intestinas não ameaçam somente os
interesses materiais, mas a própria independência dos países. A Argentina, o Chile e o Brasil,
embora menos dilacerados, estão longe de apresentar em sua história o quadro tranqüilo da
grande república norte-americana, que só conheceu em toda a sua vida a luta fratricida da
Guerra da Secessão.
Três causas principais parecem ter gerado este contraste, e divergem as opiniões sobre
qual a mais importante: contingências climatéricas e econômicas, diferenças de raças e diversi-
dade de tipos de colonização.
Os Estados Unidos encontraram efetivamente em seu solo e em seu clima bases excepci-
onais para o seu progresso material. Se a Argentina possui terras de excepcional fertilidade,
faltam-lhe os recursos minerais sobre os quais assentarão as suas indústrias. Se o Brasil possui
uns e outros, as grandes distâncias e as cadeias de montanha fazem o seu acesso difícil e custo-
so, e condições climatéricas e sanitárias tornam, em muitos lugares, o trabalho mais penoso.
Existe, em toda evidência, ligação íntima entre a riqueza e a educação. Difícil será dizer
qual precede e qual segue, mas uma coletividade mais rica terá, sem dúvida, mais recursos para
educar o povo e, por conseguinte, as condições naturais que facilitam o desenvolvimento material
estão, ipso facto, auxiliando a tarefa do educador; ao mesmo tempo, a abundância de riquezas
facilita a tarefa dos que governam, diminuindo a repercussão de seus erros e os motivos para
dissensões. A estabilidade das instituições e a educação política do povo norte-americano são,
pois, em parte, conseqüentes as suas formidáveis riquezas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Estamos longe, no entanto, de julgar esta a principal causa de contraste. Julgam alguns
encontrá-la na superioridade da raça anglo-saxônica. É uma tese naturalmente muito cara aos
desta raça e que tem mesmo sido sustentada por alguns latinos. Existe um livro de Demoulins
intitulado/l quoi tient Ia Superiorité des Anglo-Saxons que visa demonstrá-la, e Gustave Le Bon
aceita-a nas suas "leis psicológicas sobre a evolução dos povos". Segundo ele, nenhum exemplo
mais comprovante do que a evolução comparada das duas Américas para mostrar "a que ponto a
alma de um povo rege os seus destinos, e o papel insignificante que desempenham as instituições".
Vejamos como se exprime ainda:
Nao é só em política, naturalmente, que se manifesta a decadência da raça latina que povoa o sul
da América, mas em todos os elementos da civilização. Reduzidas a si mesmas, essas infelizes
repúblicas voltariam a pura barbaria. Toda a indústria e todo o comércio estão nas mãos de
estrangeiros: ingleses, americanos e alemães. Valparaíso tornou-se uma cidade inglesa, e nada
ficaria ao Chile se lhe tirassem os seus estrangeiros. É graças a eles que estes países conservam
este verniz exterior de civilização que ainda engana a Europa. A república Argentina conta com
quatro milhões de brancos de origem espanhola; e não sei se se poderia citar um único, fora dos
estrangeiros, a testa de uma indústria verdadeiramente importante.
Sem precisar refutar as inverdades destas afirmações, examinemos a conclusão:
Devemos aceitá-la e resignar-nos a considerar a nossa raça como inferior?
Devemos renunciar ao progresso político porque os vícios de nossa raça no-lo impedem?
Não! Mil vezes não! Porque isto nos levaria a cruzar os braços aguardando a tutela de
outra raça superior.
Não é o fato de ter publicado muitos livros sobre assuntos variados que forma uma
autoridade, nem se aceitam mais hoje afirmações com o cunho sacrossanto áomagister dixit.
Que base científica, com efeito, tem a conclusão de Gustave Le Bon? Algumas observações
errôneas no presente, como aquelas que citamos, e um desprezo absoluto pelo passado, nao
levando em conta a maneira profundamente diversa pela qual se formaram as civilizações que
ele compara.
Nao são só os caracteres étnicos que regem os destinos dos povos. Mais do que eles
talvez valem as forças da tradição, geradoras dos hábitos coletivos, e das instituições, que não
têm o papel insignificante que lhes atribui Le Bon.
Como explicar-se-ia então a formidável diferença que nos apresenta o Japão e a China,
onde povos da mesma raça tanto se diferenciaram pelo trabalho da educação?
Se as raças que povoaram as duas Américas sao diferentes, muito mais ainda o foram os
processos de colonização.
É aí que o presidente Pellegrini vai buscar a principal causa do contraste que assinalamos
e compartilhamos de sua opinião.
Compare-se, com efeito, os primeiros núcleos de colonização que serviram de berços as
nacionalidades.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Quando o Mayflower, em 21 de novembro de 1620, lançou ferros nas costas orientais
da América do Norte e os cem imigrantes que ele levava fundaram o primeiro núcleo Nova
Inglaterra, era uma nova pátria que criavam para fugir das perseguições que a intolerância
religiosa lhes movia.
Eram severos puritanos que, depois de se refugiarem na Holanda liberal, haviam decidido,
a fim de não perder a sua língua e as sua tradições, partir, como "peregrinos", para a América,
para estabelecer aí um novo Estado de que seriam mestres. Formariam desde logo umself-
government que visava ao benefício da coletividade sob uma forma permanente.
Em outros pontos do território, na região da Virgínia, já uns anos antes, havia-se reunido
com o mesmo intuito a House of Burguesses, de que fazia parte um Jefferson cujo descendente
redigira, 157 anos mais tarde, a Declaração da Independência.
Em volta desses núcleos formaram-se outros, e todos foram tendo rápido crescimento,
alimentados ora pelas perseguições políticas de Cromwell, ora pelas religiosas dos descenden-
tes de Elisabeth. Grande parte dos que assim imigravam era homens de bem, de alta e severa
moralidade, letrados, que olhavam para o futuro como quem pretende fixar-se a si e aos seus
filhos na terra em que viviam.
Formados assim os primeiros quadros sociais dentro de estatutos inspirados em elevada
e severa moral religiosa, puderam eles, de certo modo, resistir a onda de aventureiros de todas
as nacionalidades e seitas que depois se precipitaram sobre a América na sede de fortuna rápida,
porque já encontravam tradições, justiça, ordem e respeito a lei. A moralidade primitiva foi
muito diminuída, sem dúvida, a justiça e a lei muitas vezes vencidas pela força, mas a influência
dos peregrinos do Mayflower continuou a se fazer sentir. Sua alma inspirou os heróis da
Independência e da Guerra da Secessão, que sempre souberam olhar antes para o futuro do
que para a hora presente, e é ela ainda quem guia o idealismo americano, tão controvertido e
sempre em luta com o materialismo, mas que não pode ser contestado diante de obras como a
Missão Rockefeller, a Associação Cristã de Moços, o Templo da Paz e a Liga das Nações.
Enquanto assim se formava a nacionalidade americana, acostumada desde o berço a se
governar por si própria, as colônias de Espanha e Portugal eram retalhadas em imensos feudos
e entregues a ganância de vice-reis e donatários. Povoava-se também a América Latina, mas
com degredados, aventureiros audaciosos, homens de capa e espada, de rudimentar cultura,
que, pelo ferro e pelo fogo, só visavam aumentar os domínios de seu Rei paralelamente a sua
fortuna e ao seu prestígio pessoal. Quando "iam sonhando o seu sonho egoísta" não os preocupara
o futuro da terra onde poisavam. Consideravam-na uma terra de exílio, donde se devia extrair o
máximo num mínimo de tempo, pois a sua maior ambição era voltar enriquecidos e gloriosos
para a metrópole.
Os religiosos que os acompanhavam vinham animados de intuitos semelhantes aos dos
conquistadores. Visavam ampliar os domínios do Cristo, assim como estes os dos reis ibéricos.
Uma vez espalhada ou imposta a sua fé, não os preocupara nem lhes viria a mente cogitar da
educação política do povo, pois o absolutismo do clero espanhol e português não conhecia
outros fatores de ordem do que a obediência, a hierarquia e a força.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Acostumaram-se, assim, as colônias ibéricas ao puro despotismo, ao império da força
assegurando um regime de explorações dos domínios em favor da metrópole, fomentando surdas
revoltas e descontentamentos.
Pero de Góes dizia, em 1546: "Tudo nasce de pouca justiça e pouco temor a Deus e a
V.A. que em algumas partes desta terra se faz e há, por donde e V. A. non he provida e perder-
se-á todo ho Brasil antes de dous annos."
E alguns anos mais tarde, em 1553, o relatório do primeiro governador geral do Brasil
dizia: "Que a Justiça de V.A. entre em Pernambuco e em todas as capitanias desta costa he
doutra maneira non se deve tratar da fazenda que V.A. tiver nas ditas capitanias nem menos da
justiça que se faz."
Se pouco se atendia a estes pedidos de justiça, menos ainda se satisfaziam os justos
anseios de certa autonomia e liberdade das populações estabelecidas nas colônias.
Por isso, enquanto a independência americana era apenas a consagração legal de
uma situação que de fato já existia nas treze colônias norte-americanas e o epílogo de uma
lenta evolução, a independência das colônias de Espanha e Portugal constituía uma
verdadeira revolução que entregava a autonomia povos que não tinham feito nenhuma
aprendizagem da liberdade. Subdividiram-se por isso as primeiras em grande número de
repúblicas e, em cada uma delas, durante muitas décadas, a vida era, na frase de Garcia
Calderón, "uma corrida desenfreada atrás da riqueza, entre a instabilidade das cousas e a
luta ambiciosa dos homens".
O Brasil pôde evitar alguns destes males, sobretudo o principal deles, o separatismo,
graças a clara visão dos que induziram o próprio primogênito de D. João VI a proclamar a
independência, conservando assim coeso e unido, ao abrigo das lutas pelo poder, o imenso
colosso que se acabava de libertar.
A independência da América Latina encontrou os povos que se iam governar por si próprios
não só num atraso de dois séculos relativamente aos colonos dos Estados Unidos, como com
todos os vícios decorrentes dos regimes despóticos.
Não é de admirar, pois, que estejamos tão atrasados em educação política; o que é de
admirar é que pessoas da autoridade de Le Bon desprezem inteiramente estes fatores históricos
para proclamar a falência e a inferioridade de uma raça.
Se assim nos estendemos sobre a herança pesada que nos deixaram os nossos
colonizadores, é porque ela nos mostra que não há motivos para desesperar. Se a educação do
povo foi insuficiente, é sempre tempo de completá-la. Se ela foi viciada, nunca é tarde para
corrigi-la. É tentando, é atirando-se com fé e idealismo a essa obra formidável, como o faz o
pugilo de senhoras e homens que formam a Associação Brasileira de Educação, que daremos o
melhor desmentido aqueles que estigmatizam a nossa raça com o labéu de inferior.
O exame das origens do mal nos aponta os remédios. Nos regimes absolutistas, mais vale
o favor do que a virtude e mais a proteção de um grande do que o mérito ou o apoio da lei. Daí
o desenvolvimento do prestígio pessoal e do personalismo. O homem é apreciado mais pelo que
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
pode conseguir do que pelas suas idéias. As lutas políticas transformam-se por isso em puras
competições pessoais. Como conseqüência surgem o incondicionalismo, pois o apoio a um
chefe exige, naturalmente, disciplina e obediência ao que ele decide soberanamente, e a intole-
rância, porque o chefe que se mostra tolerante receia perder a parte dos seus efetivos.
Enquadrada a política nestes moldes, os espíritos independentes que não querem abdicar
da liberdade de opinar, vendo a política nacional dividida em dois únicos campos, igualmente
incondicionais, um de apoio sem restrições, outro de combate sistemático aos chefes que estão
no poder, preferem abster-se, abandonar o exercício de seus direitos de cidadão, por desânimo
ou comodismo.
De outro lado, as competições pessoais, exacerbando as vaidades, as ambições e os
despeitos, levam muitas vezes uma facção ao recurso da violência, ao qual também conduzem o
desespero e o idealismo dos que sonham com melhores dias e pretendem instaurar, pela força,
um regime de justiça e liberdade.
Aí estão, pois, alguns dos hábitos de nossa vida política que cumpre combater: o
personalismo, o incondicionalismo, a intolerância, o desânimo, o comodismo e a violência, fru-
tos imediatos do absolutismo e do desrespeito a lei.
Bastará, porém, destruir a causa para que desapareça o efeito? Será suficiente mudar o
regime para que imediatamente se eduque politicamente o povo? É a ilusão em que incidiram
alguns sonhadores que derramaram o seu sangue precioso pela causa da revolução, e de que
hoje ainda muitos participam. Parece-nos a nós que as revoluções não trariam a solução do
problema que estamos examinando, mesmo que elas fossem dirigidas pelos mais puros dos
cidadãos e colocassem no poder os mais dignos. Não se modifica radicalmente da noite para o
dia a mentalidade de um povo, formada por hábitos seculares.
Se milagrosamente se conseguisse dos governantes o mais escrupuloso respeito a lei, sem
dúvida o exemplo concorreria a inculcar nos governados o mesmo sentimento, mas a transfor-
mação fatalmente teria de ser lenta, porque a insubordinação a autoridade, mesmo legítima, é
hoje um sentimento natural e inato no brasileiro.
O trabalho educativo deve ser outro. Não o deve assustar a aridez ou extensão da
estrada a percorrer, porque quem se esforça pela educação de um povo deve fazê-lo na
convicção que trabalha para seus filhos, pois raramente tem a ventura de ver amadurecer os
primeiros frutos das sementes que espalhou. É, por isso, essencialmente a mocidade que
deverá dirigir-se, porque nela encontrará terreno mais fértil. Não só a ela, mas também as
elites dirigentes, as classes laboriosas, a massa popular. A todas ensinar as grandes leis da
solidariedade humana; mostrar-lhes que, no seu próprio interesse, ninguém deve isolar-se: o
cidadão deve pensar na sua cidade, o patriota, na sua pátria, o homem, na humanidade;
indicar-lhes que os direitos de que tanto falam e reclamam são inseparáveis dos deveres que
muitos esquecem; fazer ver que uns e outros derivam de princípios e idéias que devem, por
isso, ser postas acima das pessoas; instruir os homens a se agruparem em volta daquelas e
não destas; vencer o personalismo e o incondicionalismo, e colocar em seu lugar a disciplina
consciente aos princípios e as leis que deles emanam; inculcar o respeito a ciência e a virtude,
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
acima de tudo, o culto a liberdade — eis, em suma, tudo o que é preciso para melhorar a
educação política do povo.
A tarefa é grandiosa e não pode ser vencida por poucos. Para realizá-la é preciso o
concurso de muitos. Apelamos por isso para que todos os homens de boa vontade se atirem a
ela com fé, entusiasmo e patriotismo!
Que, sobretudo, professores de todas as escolas, desde as primárias as superiores, escri-
tores, oradores e jornalistas, todos aqueles, enfim, que, pela sua inteligência, cultura ou talento,
se tomem condutores de homens e adquiram preponderante influência sobre a alma da mocida-
de e do povo, que todos estes se compenetrem das responsabilidades que lhes cabem e colabo-
rem pelo exemplo, pela palavra e pela pena na grande obra educativa que tornará o povo
brasileiro senhor dos destinos de que é digno!
Oxalá, finalmente, políticos e governantes não os contrariem, mas antes os auxiliem cum-
prindo fielmente a nossa Magna Carta, respeitando religiosamente os direitos que ela assegura,
praticando, enfim, a verdadeira democracia, educadora por excelência, que, na magistral frase
de Renan, ensina "a extrair o diamante das multidões impuras"!
CONCLUSÃO
As apreciações que aqui foram feitas, no desejo de colaborar a grande obra educativa
que se propõe a I Conferência Nacional de Educação, examinaram as lacunas da educação
política do povo brasileiro, seus graves inconvenientes, suas origens e possíveis remédios.
Resumindo-se em alguns considerando, seu obscuro autor apresenta a seguinte pro-
posta:
Considerando que um programa de educação integral não pode deixar a margem, pela
sua excepcional importância, a educação política;
Considerando que a reconhecida insuficiência de educação política do povo brasileiro—
da mesma forma que a falta de instrução e higiene—é um dos fatores que entrava o progresso
do País, e que, por isso, deve ser removido;
Considerando que os povos politicamente educados são aqueles em que a maioria da
população tem consciência de seus direitos e deveres, interessando-se pela coisa pública, to-
mando parte nas eleições, e que, praticamente, o grau de educação política é revelado pela
porcentagem de votantes;
Considerando ainda que, no regime constitucional em que vivemos, o voto não é simples-
mente um direito, mas um dever cívico de altíssima importância que cumpre exercer com liber-
dade, consciência e sinceridade;
Considerando finalmente que, embora não caiba a uma conferência alheia a política externar
qualquer opinião sobre questões controvertidas, como a do voto secreto e feminino, que servem
de campo as lutas partidárias, nada lhe veda, mas pelo contrário, a sua nobre missão aconselha,
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
sem abordar aquelas questões, a esforçar-se por desenvolver o cumprimento dos deveres cívi-
cos e políticos, dos quais só resultarão vantagens para o País.
Proponha-se que: a I Conferência Nacional de Educação considere o cumprimento dos
deveres políticos e o exercício consciente e livre do direito do voto de grande vantagem e
utilidade ao progresso do País e a educação política do povo. E convicta da importância desta
num programa de educação integral, a conferência resolve incluir a educação política entre os
assuntos oficiais da II Conferência Nacional de Educação.
TESE N
s
92
A FÍSICA NO CURSO SECUNDÁRIO
Francisco Venâncio Filho
Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação
A ciência vai transformando o mundo. O "Paraíso ",
sonhado pela gente de outras idades, começa a
definir-se, aos olhos dos modernos, com as possibi-
lidades que o passado apenas imaginava. O homem
culto chegou a voar melhor do que as aves; nadar
melhor do que os peixes; libertou-se do jugo da dis-
tância e do tempo; realiza na América o que conce-
beu na Europa, alguns segundos antes; ouve a voz
dos que morreram conservada em lâminas com o seu
timbre e as inflexões da dor e da alegria; imortaliza-
se, arquivando a palavra articulada com todas as
•suas características, e as suas formas e seus movimen-
tos com todas as minúcias...
Roquete-Pinto
(Rondônia)
FINALIDADE
e buscarmos uma finalidade ao ensino secundário, não acharemos outra senão a que vem de
sua origem clássica, a de integrar o indivíduo na espécie e dando-lhe uma soma de conheci-
mentos a fim de que, na expressão breve de Pierre Coubertin, "tout homme intelligent possède, au
seuil de Ia vie active, une notion suffisamment nette du patrimoine matériel et intellectuel dont il est
le bénéficiaire présent, 1'usuf ructuaire temporaire et bientôt le comptable devant Ia génération qui le
suit". Por outra, é o velho estudo das humanidades, que toma o indivíduo inteiramente humano. É
um conceito em que o acordo, em teoria, é total. Praticamente, entre nós, o ensino secundário é
apenas degrau, que se procura e se deve vencer com maior rapidez.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
S
Vejamos qual o lugar da Física neste sistema de cultura. Deve obedecer a quatro objetivos:
1) dar um conhecimento integral do mundo físico, mostrando de um lado como é ele regi-
regido por leis naturais e, de outro, a identidade da Física dos livros e a da natureza;
2) dar uma capacidade de observação e experimentação dos principais instrumentos
científicos;
3) dar uma visão das bases gerais das principais indústrias, quase todas de ordem física;
4) dar os conhecimentos necessários aos cursos superiores.
Pode-se dizer que a Física é hoje o pórtico de todas as ciências. Pelo grau de desenvolvimento
a que já atingiu, pela coordenação que já se fez de algumas das suas partes e pela natureza do seu
resultado de investigação, pela associação da análise matemática, em toda a sua fecunda
generalidade, é, de fato, atualmente, na expressão de Mareei Boll, "a ciência tipo".
Permite ainda abranger os fenômenos mais gerais e os agregar numa visão de conjunto,
dando uma ligação filosófica aos fatores que modelam e transformam o mundo.
Por outro lado, é uma escola educativa de primeira ordem. Obrigando a observação, ponto
de partida inicial, aguça e adestra os sentidos. Seguida da experimentação concreta em estado
motor, a atenção se torna, assim, mais ativa, aperfeiçoando e até criando habilidade manual.
Finalmente, pelo número imenso de aplicações que transfiguraram a vida de nossos dias,
desperta a curiosidade em face do grande papel pragmático que desempenha.
Nunca é demais repetir uma profunda reflexão de Lechatelier. Com efeito, diz ele, se a
capacidade comercial nem a habilidade manual dos homens variou, o que fez o surto formidável
da indústria hodierna foram as descobertas científicas do século XIX, sobretudo da Física.
E é a Física a ciência que vai transformando o mundo, dando-lhe foros do paraíso sonhado
pelos primitivos, como se lê nas páginas iniciais deRondônia.
PROGRAMA
Há nos programas de curso secundário de Física de todos os países certa uniformidade.
Embora se encontrem ligeiras variantes, a massa total de matéria é a mesma.
Varia também a ordem adotada, apesar das divisões clássicas, também gerais. Já se pode,
hoje em dia, coordenar as suas diversas partes de forma diferente. O capítulo das vibrações,
por exemplo, reúne, em síntese fecunda, fenômenos de ótica, de calor, de eletromagnetismo e
radioatividade sob o modelo acústico.
As divisões mais recentes de Bouasse, de acordo com as analogias mais profundas, ou a
do professor belga Tillieux, em duas grandes divisões — o ponderável, apesar desta última se
ter moldado, admiravelmente, em um curso—, ainda não apresentam vantagens suficientes a
dirimir a clássica: barologia, acústica, termologia, ótica e eletricidade. Entre nós, costuma-se
preceder este estudo de um preâmbulo abstrato de noções de mecânica, como que a completarem
o estudo da Matemática. Ora, a carência das noções essenciais a mecânica, de analítica e
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
cálculo, noções simples e claras mas que são ainda privilégio dos que se destinam aos cursos de
engenharia ou militares, parece mais natural que aquelas noções sejam dadas, experimentalmente,
acompanhadas de mecanismos, constituindo o que se entende por mecânico-física.
O programa deve abranger toda a matéria, adstrito a um critério fundamental e irrecorrível
— o tempo.
Dispondo de um certo número de aulas de ano letivo, descontadas as que se perdem com
feriados normais e eventuais, além daquelas necessárias as revisões da matéria, deve o programa
se ajustar de modo a que a última semana coincida com o último assunto a ser tratado.
O que geralmente acontece, e não é só entre nós, é que a parte final é comprimida nos
últimos dias e obrigada, pois, a noções sumaríssimas.
E estas noções são, muitas vezes, como sucede com a eletricidade, capitais ao objetivo
do ensino.
É claro que em tudo há sempre coisas fundamentais e coisas acessórias. É possível,
portanto, reduzir o programa aquilo que, sendo essencial, caiba com folga no lapso de tempo útil
disponível. Esta matéria constituirá o núcleo central do curso.
Convém, entretanto, apor ao que é imutável — noção que ninguém pode ignorar—uma
parte móvel, ano a ano, o que constituirá uma diversão a monotonia para o professor e excelente
exercício para o aluno. O exemplo foi dado, inicialmente, aqui, pelo professor Afrânio Peixoto,
no seu curso de Higiene, na Faculdade de Medicina.
Esta parte móvel poderá ser constituída de lições tipo sobre determinado assunto, estudado
com toda a minúcia, para mostrar ao aluno como se deve estudar qualquer ponto, esgotando-o
quanto possível, ensinando-lhe buscar, em diferentes livros, coordenar as informações aqui e ali
colhidas, a fim de lhes dar uma contextura lógica e seriada.
Ainda por memórias originais comentadas, a fim de serem criticadas, mostrando delas o
que constitui patrimônio adquirido, o que foi modificado. Estudar a biografia do autor ou a
fisionomia geral da época. Há, neste sentido, em todas as línguas, excelentes livros, entre os
mais conhecidos em francês o de Coupin e Le Clerc du Sablon e os clássicos da casa Armand
Collin eGauthiers-Villars.
Caberia aí, também, ao fim do programa, rápida exposição das hipóteses e das teorias
correlatas, que se não devem confundir com a realidade objetiva dos fenômenos.
Esta porção variável do programa daria um interesse novo, todos os anos, ao curso,
permitindo ao professor estudos pessoais, e nos alunos, sobretudo os mais capazes, despertar
aptidões que o ensino mecanizado que nos domina muita vez apaga.
PROCESSOS DE ENSINO
Os processos de ensino da Física, de um modo geral, decorrem da sua natureza filosófica.
Sendo, como é, uma ciência precipuamente indutiva, o seu ensino não pode deixar de se
subordinar a este critério.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Todos os fenômenos cujo conjunto lhe constituem o objeto foram adquiridos pelos pro-
cessos do método indutivo. Primeiro, a observação; em seguida, a experimentação. Daí a se-
guinte ordem expositiva parecer ser a mais lógica em curso secundário:
1) coordenação dos fenômenos em torno de nós, relativos ao assunto, de preferência
provocados a percepção do aluno;
2) a realização de experiências qualitativas simples e elementares, com recursos imediatos,
quanto possível de material improvisado;
3) a realização de experiências qualitativas e quantitativas com aparelhos mais precisos,
acentuando as causas de erro aí eliminadas, tomando os fenômenos mais claros, as vezes;
4) a tradução algébrica ou gráfica dos fenômenos estudados, para determinação das leis
que os regem;
5) as conclusões gerais que o assunto comportar;
6) as conseqüências e as aplicações a vida diária, as necessidades industriais e científicas.
Isto constitui, propriamente, o ensino do professor.
A parte cada vez mais importante em todos os países e que já tocava a crítica de Lebon,
apreciando o célebre livro de Omer Buyse sobre o ensino americano, é sem dúvida o trabalho
do aluno.
Como observa o grande propugnador da educação ativa, Dewey, não basta incluir nos
programas os trabalhos dos alunos e dar-lhes ferramentas e aparelhos. É imprescindível que
haja um trabalho coordenado das mãos e da inteligência.
Há duas maneiras de se fazer este estudo: uma é a do aluno ver a experiência em aula e
repeti-la depois; outra, a de preceder a exposição do professor das experiências dos alunos.
Não há uma que seja a ideal. Se a realização prévia em aula tem a vantagem de esclarecer
mais o aluno quando a vai fazer por si, a outra permite adestrar mais o uso dos sentidos e dá
a aula um interesse maior. Mas há como conciliar os dois sistemas. Não é necessário que o
aluno realize todas as experiências do curso. Seria, aliás, impossível para turmas grandes,
pelo tempo. Organizar-se-á um número pequeno de experiências que precedam a exposição
de cada parte do programa e, depois, farão os alunos determinações numéricas relativas
aquela parte.
Hoje, na Europa, estão introduzindo, sobretudo em França e Bélgica, a prática americana
âosupervisedStudy, trabalhos dirigidos, com grande amplitude, visando três objetivos: diminuir
o trabalho do aluno em casa, permitir ao professor uma apreciação mais exata do aproveitamento
dele e desenvolver, sobretudo, a sua personalidade. Não são apenas experiências, senão análise
minuciosa de um fenômeno, as aplicações que ele pode comportar, as experiências que o podem
comprovar, a sua origem histórica, etc.
Não cabem aqui as minúcias relativas aos pontos convenientes, quer das experiências
preliminares, quer das de medidas físicas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Como observação, de passagem, é de toda a conveniência nestes últimos exercícios o
emprego da régua de cálculo e uma noção bem nítida de aproximações numéricas.
SISTEMAS DE EXAMES
A condenação dos exames é hoje formal. Apresenta como inconveniente principal o aspecto
de loteria inevitável.
Atualmente é ele feito em três provas:
1) uma prova escrita, constante de uma dissertação e duas perguntas;
2) uma prova prática, pública, sobre aparelhos e experiências;
3) uma prova oral sobre pontos variados.
Ora, são três vezes que se repete o mesmo sorteio. Pode um aluno fazer bem qualquer das
três provas, e até todas, e não ter as noções necessárias da matéria. Ao contrário, pode conhecê-la
toda e não responder as questões propostas. Há documentação capaz de comprovar este asserto.
Já se corrigira, de alguma sorte, o sistema, alterando as provas atuais. A prova escrita
poderia ser de problemas elementares, que dessem ocasião de mostrar o aluno senhor das leis
e uma idéia da ordem de valor das grandezas. A prova prática, secreta, sobre determinações
numéricas, elementares, constantes de um programa publicado oficialmente e que contivesse o
que há de essencial na disciplina.
Poder-se-ia até conjugar as duas.
Enfim, a prova oral constaria de uma parte vaga de generalidades e de um ponto.
Entretanto, o sistema atual de apuração de preparo é por demais falho, em qualquer
regime legal, sobretudo agora, com duas comissões a julgarem.
É claro que, aceita a fraude dos examinadores, nenhum processo resiste. O que é preciso
é que os meios permitam que se apure de fato se o examinado possui aquele mínimo de
conhecimento necessário.
Outras soluções têm sido aventadas:
1) A do professor Afrânio Peixoto, proposta no Congresso de Ensino de 1922 e mais
tarde em conferência da Liga Pedagógica do Ensino Secundário, que se encontra no seu livro
Ensinara Ensinar, propugna a eliminação total do exame.
Manda que se faça em todas as matérias, mesmo naquelas que Oswald chama "ciências
de papel", em que não é possível nada de experimental, um certo número de exercícios gradativos
e que abranjam ao termo toda a matéria, de exigência obrigatória. Ofecit e o nonfecit é a
sançao. Há, primeiro, em alguns casos, a dificuldade de os organizar. Depois a facilidade a
fraude, pois não custa muito a um professor tolerante escrever oplacet gracioso.
Em Física, não seria difícil a sua aplicação, pela confecção de uma lista de determinação
experimental de complexidade crescente e que contivesse, ao fim, todo o programa. Entretanto,
seria, entre nós, perigoso.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
2) A solução das médias anuais, indiscutivelmente excelente meio, só e aplicável nos
colégios oficiais. Mas estas médias são, em geral, obtidas por provas menos sujeitas a verdade,
mas sujeitas, ainda assim, aos inconvenientes das provas finais referidas.
3) A terceira solução ainda não foi aplicada, ao que se saiba, entre nós, no ensino da
Física — é o sistema dos tests.
A natureza deste trabalho não comporta um largo desenvolvimento do assunto, que o merecia.
Se bem que nascido em França, o sistema se desenvolveu nos Estados Unidos. Não se
poderá discutir as suas vantagens, mesmo porque elas estão nas generalidades do assunto, por
demais conhecido na sua imensa bibliografia, e aqui quer-se, apenas, tratar da aplicação a Física.
A maior vantagem que os tests apresentariam, no caso, é a objetividade da nota, por
qualquer professor, eliminada a equação pessoal década um, hoje inevitável. E agora, com o
regime atual de centralização, tornar-se-ia fácil a sua aplicação no ensino secundário, desde que
fosse guardado o sigilo no seu estabelecimento e se contasse com a seriedade das comissões
que os dessem.
O Colúmbia Research Bureau, dos Estados Unidos, publica a coleção organizada por Farwell
e Wood, constante de 144 testes de sim e não, contendo toda a Física, assim distribuída: 16% de
mecânica, 16% de calor, 16% de luz, 8% de acústica, 32% de eletricidade e 12% de generalidades.
Há, entre outras, as de Ruch-Popenoe, de Riborg Mann.
Evidentemente, seria necessário, a eficiência de sua aplicação, a estalonagem criteriosa.
Há de ser objeto de estudo ponderado e não adoção imediata, a custa de decreto.
O LABORATÓRIO
A organização dos laboratórios é a questão principal e dominadora, porque diz com o
lado econômico. E o que não for resolvido sob este aspecto está sem solução.
Neste terreno é fácil, muito fácil imaginar, em arroubos de sonho, o que pode ser um
laboratório completo de Física para curso secundário. Basta percorrer os catálogos de casas
construtoras alemãs, inglesas, americanas, italianas e francesas para se ter a ambição desperta e
a imaginação desabalada... A visão de Deutsch Museum, museu de ciências técnicas de Munique,
a maior escola de educação popular que já se criou, em que todos os aparelhos funcionam,
tocados pelo público, em que tudo está representado, completa o quadro do sonho...
Mas, ajustada as realidades, uma instalação completa deve constar do seguinte:
1) sala de aulas, provida de tomadas de corrente, alternativa e contínua, de diferentes voltagens;
água, gás, ar comprimido e vácuo; lanternas de projeção, para as experiências de grande
auditório; galvanômetro, para as lições de eletricidade e algumas de ótica e calor;
2) sala de depósito de aparelhos, convenientemente arrumada, de acordo com os assuntos,
facilitando a exposição do curso durante o ano;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
3) sala do professor, pequena, contendo aparelhos de precisão, além de pequena biblio-
teca, com os livros necessários a qualquer consulta;
4) pequena oficina do laboratório, que permita reparar qualquer aparelho do curso e
mesmo fabricar alguns.
Na Europa, hoje, é esta a parte mais importante da organização do ensino. Muitos
instrumentos são feitos, com a colaboração dos alunos, na própria oficina. E não são de simples
demonstração, mas galvanômetros, potenciômetros, espectroscópios. Hoje há, por toda a parte,
pequenas oficinas que satisfazem a esse objetivo, a preço razoável. Não vale encarecer a
importância formidável desta oficina, que adestra o aluno na habilidade manual, com que constrói
o seu material de estudo e lhe mostra que ele é baseado em princípios simples e claros. Além
disso, traz uma grande economia, o que constitui fator de alto peso entre nós, em que, além da
importação, há que contar com o lucro do fornecedor.
Fica, portanto, a aquisição reduzida aos instrumentos de construção delicada, como
termômetros, balanças, máquinas de vácuo e elétricas, etc.
Há muito livro permitindo esta organização, destacando-se como mais conhecido o do
professor H. Abraham.
5) Sala de trabalhos dos alunos.
Para este trabalho, as experiências são organizadas por períodos durante os quais estão
sempre armados os aparelhos, permitindo que a qualquer momento possam eles funcionar. Há
para isso, em geral, meia dúzia de modelos de pouco custo, com que o aluno possa trabalhar a
vontade, sem risco. Esta a organização modelar, aliás, acessível, sem grande dificuldade.
No domínio da grande imaginação poder-se-ia acrescentar pequeno museu contendo
instalação, em miniatura, das grandes indústrias físicas: térmicas, óticas, elétricas, como as do
Museu de Munique, sonho verdadeiro de Luiz II, o construtor de Bayreuth...
Para facilidade do ensino, organizaram-se, principalmente na Alemanha, pequenos
laboratórios escolares de custo reduzido. É conhecida a referência de G. Lebon da casa Mertig
de Dresden.
Entre as coleções deste gênero, a que parece mais convincente é a da casa Hosmos
Baukasteu, de Stuttgard, cujo curso de Física, constante de 3 caixas acompanhadas de instru-
ções, que são um verdadeiro tratado elementar, permite um ensino integral da disciplina e pode
custar, no Rio de Janeiro, menos de 300$000. Houve, entre nós, tentativa semelhante e eficiente
do professor Heitor Lyra.
Haveria muita questão ainda a ser tratada em relação a este assunto, tais como a obtenção
de temperaturas elevadas onde não houver gás, a obtenção de vácuo para diversas experiênci-
as, a transformação das correntes, etc.
Vê-se, pois, que a razão financeira pode ser vencida com recursos relativamente acessíveis.
Tudo está na dedicação e convicção, digamos melhor, no idealismo do professor.
I Conferência Nacional de Educação — Curiliba, 1927
De qualquer forma, é urgente, assustadoramente urgente, modificar as normas por que se
vai fazendo o ensino das ciências físicas e naturais entre nós. Cada vez mais se deve repetir,
repetir sempre: "Ao em vez da educação literária pelo livro, a educação científica pela natureza".
(Roquete-Pinto)
CONCLUSÕES
I — A finalidade do ensino secundário da Física é dar uma noção integral do mundo
físico, nas suas leis (ciência) e nas suas aplicações (indústria).
II — Os programas devem conter toda a matéria que não pode ser ignorada, subordi-
nados obrigatoriamente ao tempo disponível, de modo a serem cumpridos integralmente.
III — Os processos de ensino devem-se subordinar ao método indutivo. Os fenômenos
estudados pela observação e experimentação, quer coletivamente, pelo professor em
aula, quer individualmente, pelo aluno, em trabalhos práticos imprescindíveis.
IV—O sistema atual de exames deve ser modificado. É conveniente estudar criteriosamente
o sistema detest, para adaptá-lo ao ensino secundário da Física
V — O laboratório, parte essencial do ensino da Física, pode ser reduzido a custo pos-
sível e deve ser constituído de aparelhos simples e acessíveis aos alunos.
TESE N
2
93
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO DO
ENSINO SECUNDÁRIO
Branca de Almeida Fialho
Associação Brasileira de Educação
INTRODUÇÃO
tese que ora apresento é uma síntese das conclusões a que chegou a Seção de Ensino
Secundário da Associação Brasileira de Educação, ao tempo em que desempenhei a
honrosa atribuição de dirigir os seus trabalhos, de abril a julho do ano de 1927. Os estudos
dessa comissão ainda não estão terminados; há acordo, porém, sobre as linhas gerais do problema
e é unânime a opinião acerca da orientação a seguir. Nessas condições, pareceu-me interessante
apresentar a I Conferência Nacional de Educação essas diretrizes gerais, como contribuição
para o encaminhamento do estudo do ensino secundário. É um primeiro passo para o conhecimento
desse assunto e, além das idéias gerais e básicas, figura aí um plano concreto, com o fim de
evidenciar a exeqüibilidade dessa organização. Outros planos podem caber no mesmo quadro,
564 I Conferência Nacional de Educação — Curiliba, 1927
A
que comporta, também, um desenvolvimento muito maior. O trabalho que apresento, sem pre-
tensões dogmáticas, tem a elasticidade suficiente para permitir que outras coordenações sejam
traçadas dentro das mesmas diretivas.
LIBERDADE DO ENSINO PARTICULAR
Há uma série de desvantagens em fazer o Estado experiências, nos institutos oficiais,
sobre o rendimento e a convivência dos diferentes métodos educativos, programas de ensino,
seriação das matérias, etc. Além disso, restringir, direta ou indiretamente, aos estabelecimentos
oficiais a incumbência da disseminação do ensino secundário é onerar o governo com uma
responsabilidade acima dos seus recursos financeiros. Por esses motivos, deve ser animada a
iniciativa privada, no sentido de se favorecer a criação de institutos particulares de ensino
secundário, livres de seguir ou não a organização oficial, desde que os resultados representados
pelo grau de aproveitamento dos alunos sejam submetidos a uma honesta e criteriosa verificação
por parte do governo.
As necessidades do Brasil em matéria de ensino secundário, que é o formador por excelência
da mentalidade nacional, indicam que não se asfixie, dentro de normas rígidas, a liberdade de
ensino, antes se anime, por todos os modos, a criação de estabelecimentos particulares de
ensino.
Um dos fatores favoráveis ao desenvolvimento dos colégios particulares, para ministrar o
ensino secundário, é o de estabelecer modalidades de exame para julgar o grau de aproveitamento
dos alunos, como será adiante especificado, sem a imposição rigorosa da obediência rígida a
seriação oficial das matérias.
HARMONIZAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O ENSINO SECUNDÁRIO E OS DIVERSOS GRAUS DE
ENSINO QUE A ELE SE PRENDEM
O ensino secundário deve se harmonizar, de um lado, com o ensino que o precede e, de
outro lado, com o que a ele sucede.
A) Precede-o o ensino primário. E injustificável que um aluno, ao terminar o curso
primário, se encontre embaraçado, como acontece atualmente, para iniciar o curso
secundário. Os tropeços existentes, muita vez vultosos e quiçá invencíveis para o aluno
pobre, devem ser removidos. Para isso, tornam-se indispensáveis entendimentos entre os
diversos órgãos da administração, a quem competem essas modalidades de ensino. Como se
sabe, o ensino primário está normalmente a cargo dos estados ou das minicipalidades, ao
passo que o ensino secundário queda na dependência da administração entregue a União.
Deve haver também uma harmonização que conduza, sem solução de continuidade, do
término do ensino primário para os diversos ramos em que o aluno se pode dirigir então — e
que são: o ensino secundário; o ensino complementar, conduzindo ao ensino normal; e o
ensino das escolas profissionais de artífices.
I Conferência Nacional de Educação Curitiba, 1927 565
Esquematicamente:
Ensino profissional de artífices
0 Ensino primário Ensino complementar (ensino normal)
Ensino secundário
B) Seguem-se ao ensino secundário, na hipótese de serem prolongados os estudos, ra-
mos muito diferentes, exigindo preparo em graus diversos. De modo que não é aconselhável
organização de um plano uniforme e único de ensino secundário, impondo-se, ao contrário, para
atender a essa diversidade de fins, a subdivisão desses estudos. Essa ramificação pode ser
começada a partir do ano, feito em seis anos o curso secundário completo, estabelecendo-se
destarte um curso secundário fundamental de quatro anos, seguindo-lhe um curso complementar
de dois anos.
Concluído o curso secundário básico, estariam os alunos em condições de prosseguir os
estudos dirigindo-se a escolas profissionais médias (de agricultura, química, comerciais, etc).
Para a entrada nessas escolas basta a prévia conclusão do curso secundário básico, não
sendo aconselhável maior demora em estudos preliminares, dispensáveis, que teriam a grande
desvantagem de retardar o início da atividade profissional de uma grande massa que não se
pode permitir prolongar o período de estudos além do estritamente necessário.
Outra vantagem decorrente dessa divisão do ensino secundário em duas fases, permitindo,
ao término da primeira delas, o encaminhamento imediato para uma escola profissional, é a de
canalizar para essas escolas um maior número de pessoas. Ao cabo de seis longos anos de
estudos secundários, é grande a tentação para encaminhar-se o aluno as escolas de ensino
superior, abandonando assim essas outras profissões de tao grande utilidade para o progresso
do País.
Terminando o curso secundário básico, o aluno não deve prosseguir os estudos em plano
único, mas sim em obediência a uma subdivisão, colimando o apuro da formação de uma
mentalidade que já, então, tem suficientes elementos para a escolha de uma orientação. Essa
subdivisão pode ser traçada em dois ramos: ciências e letras.
Esquematicamente:
Escolas profissionais médias: agricultura
química, comerciais, etc.
Ensino secundário básico
Ensino secundário complementar —
ramo de ciências
Ensino secundário complementar —
ramo de letras
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Justifica-se a subdivisão do ensino secundário complementar em dois ramos pela necessi-
dade de ser feito o estudo das diferentes mateiras com o suficiente desenvolvimento que não
seria possível num curso englobando todas elas. O nível intelectual já alcançado então pelos
alunos exige, para a máxima eficiência dos estudos, uma minudência incompatível com um curso
único. Não se deve ter em vista, no ensino secundário complementar, um estudo difuso de
muitas matérias feito de modo superficial, e sim armar o aluno de conhecimentos suficientemente
aprofundados, o que só é conseguível por meio de uma limitação do número das matérias a
estudar.
Terminados os estudos do ensino secundário complementar, ramo de ciências, estará o
aluno apto a prosseguir os estudos em escolas de ensino superior (Faculdades de Medicina,
Faculdades de Engenharia, Faculdades de Ciências, etc). Concluídos os estudos do ramo de
letras, estará o aluno em condições de cursar escolas de ensino superior do tipo de Faculdades
de Letras ou de Faculdades de Direito.
Esquematicamente:
Faculdade de Medicina
Faculdade de Engenharia
Ensino secundário complementar
— ramo de ciências (dois anos)
Faculdade de Ciências
Faculdade de Letras
Ensino secundário complementar
— ramo de letras (dois anos)
Faculdade de Direito
FINALIDADE DO ENSINO SECUNDÁRIO
O ensino secundário deve ser feito sem o caráter de simples fase preparatória, mas de
modo sólido e seguro, tendo a sua finalidade própria. Entre nós, tem sido apenas uma ponte de
passagem para as escolas superiores. Urge restituir ao ensino secundário o caráter que sempre
deveria ter tido, fora dos limites estreitos desse fim especializado. A formação de uma mentalidade
culta sem a estreiteza do profissionalismo é ponto de capital importância na obra da educação
nacional e será o fruto de um ensino secundário que encontre em si mesmo a razão de ser, sem
a preocupação exclusiva de preparo preliminar para as escolas de ensino superior.
A divisão do ensino secundário complementar em dois anos, permitindo mais profundo
estudo das matérias, está de acordo com essa concepção dos objetivos desse ensino. De fato,
somente ganhando em profundidade é possível imprimir ao estudo esse caráter que ele deve ter,
em vez de diluir a massa de conhecimentos, considerando-os como devendo ser posteriormente
completados.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ENSINO CLÁSSICO OU MODERNO?
Deve a organização do ensino secundário se subordinar ao critério do ensino clássico, ou
deve antes ser orientada pelo critério moderno? Nesse terreno, onde tantas batalhas se travaram
entre adversários irreconciliáveis, com gasto imenso de pensamento, palavras e tinta, parece
que já não se encontram mais dificuldades sérias, graças as experiências anteriores.
O ensino clássico convém? Claro que sim. O estudo dos clássicos gregos e latinos,
alargando o espírito, desenvolve o culto pelo idealismo e é uma fonte perene de beleza e de arte.
A primeira condição para a compreensão do pensamento grego ou latino é um estudo menos
superficial dos clássicos. Já se disse (Wells) que "o estudo da língua de um povo deve ser uma
porta aberta para o pensamento desse povo". A ensinar sem esse objetivo, melhor é não ensinar
nem grego nem latim. No ramo de letras, o ensino clássico se impõe.
O ensino moderno convém? Quando aplicado ao ramo de ciências, é uma verdade clara
que dispensa argumentos supérfluos.
Qual dos dois é o melhor? Essa é a tese acadêmica, já demasiadamente discutida, e importa
tanto como saber quem foi o maior, se César ou Napoleão. Os dois critérios são harmonizáveis e
de fato se harmonizam com a divisão do ensino secundário complementar em dois ramos, aplicado
o critério do ensino clássico ao ramo de letras e o do ensino moderno ao ramo de ciências.
MODALIDADES DOS EXAMES
Para os alunos de cursos particulares que não queiram se subordinar a seriação oficial das
matérias será necessário estabelecer exames nos estabelecimentos oficiais (ou em colégios equiparados,
onde não haja estabelecimento oficial), de modo a se aferir, assim, o seu preparo. Tais exames não
poderão ser anuais; por isso mesmo que, por esses examinandos, não é seguida a seriação oficial.
Deverá então haver exames finais, de conjunto, correspondentes a terminação do ensino
secundário básico e a finalização do ensino secundário complementar (ramo de letras ou de
ciências). Para coibir abusos sempre possíveis, poderia ser adotado o critério de só admitir
candidatos ao exame final do curso secundário básico com a idade mínima de 15 anos, elevada
para 17 anos em se tratando de qualquer dos exames finais do ensino secundário complementar.
As idades de 15 a 17 anos assim indicadas derivam da hipótese da terminação do curso
primário aos 11 anos, dedicados quatro anos ao estudo das matérias constitutivas do curso
secundário básico.
JUSTIFICAÇÃO DE ALGUMAS MATÉRIAS A INCLUIR E A EXCLUIR
1) Trabalhos manuais — Omanual training tem produzido os melhores resultados onde
adotado. Com efeito, é um magnífico meio de educação da iniciativa e da observação e contribui
para a formação da individualidade, dando ao aluno confiança em si próprio. Isso sem falar nas
grandes vantagens da habilidade manual assim adquirida. Omanual training realiza o conceito
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
moderno de considerar menos o que o aluno sabe do que a capacidade de aprender adquirida. É
uma correção dos inconvenientes de uma excessiva massa de conhecimentos puramente livrescos.
2) Desenho—Igualmente o desenho, por ser um excelente instrumento educativo, foi colocado
em todos os quatro anos do curso básico, servindo também de auxílio ao estudo de outras matérias.
Nos primeiros anos é o desenho a mão livre; depois geométrico e, finalmente, organográfico, sendo
desnecessário dizer da importância deste último para o estudo das ciências naturais.
3) Música—A música, cujo ensino é incluído no curso secundário básico, com o caráter
elementar, constando precipuamente do canto dos hinos patrióticos e coros, servirá para criar
no ambiente escolar um sentimento estético de harmonia. Não devendo comportar o ensino da
música uma hora seguida de estudo escolar, poderá ser combinado o tempo reservado ao seu
estudo com os trabalhos de ginástica — e assim foi imaginada a sua realização no esboço
organizado a título de exemplificação.
4) Fisiologia e higiene—O estudo elementar do funcionamento do corpo humano e os
preceitos básicos de higiene individual e coletiva foram previstos no último ano do ensino secundário
básico, pela urgente necessidade de se cuidar, entre nós, praticamente, da defesa da raça.
5) Noções de direito usual — Foi abolida a cadeira de "educação moral e cívica", cujo
estudo teórico é perfeitamente inócuo, devendo os seus preceitos se estabelecerem como uma
filosofia natural, sendo substituída essa matéria pelo ensino de noções de direito usual. O ensino
de moral e a educação cívica são feitos através do exemplo dos grandes homens e de seus
feitos; qualquer professor achará oportunidade para essas lições, e, notadamente, o professor
de História. O civismo exige, além disso, o conhecimento dos direitos e deveres do cidadão, o
que determina a necessidade do estudo de noções de direito usual, matéria que, para ser
proveitosamente apreendida, foi colocada no 3° ano, dirigindo-se assim o seu ensinamento a
alunos cujo desenvolvimento intelectual já permite a assimilação desses estudos.
6) História e Filosofia das Ciências e História da Civilização—Seguindo o mesmo critério
adotado hoje em algumas universidades na França, foi incluído nos dois ramos do ensino
secundário complementar (ciências e letras) o estudo da História e Filosofia das Ciências e o de
História da Civilização. São duas matérias da maior importância na formação mental do indivíduo,
trazendo elevação do espírito e alargamento das idéias. Poderosos plasmadores da mentalidade,
esses estudos preparam uma atitude larga e segura em face dos acontecimentos.
OBSERVAÇÃO FINAL
Neste trabalho apresentado a I Conferência Nacional de Educação, procurei esboçar
apenas, em traços gerais, alguns aspectos da questão, indicando a orientação que me parece
dever ser seguida para a remodelação do ensino secundário em nosso país, de acordo com as
conclusões a que, sobre esses pontos, chegou a Seção de Ensino Secundário da A.B.E.
Outros aspectos da questão, apesar de interessantes, como o provimento de professores,
colégios femininos ou mistos, métodos de estudos, etc, foram propositadamente deixados de
parte, para não alongar este trabalho além do quadro que me impus.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
TESE N
e
94
O ENSINO DE HISTÓRIA NATURAL
Henrique Marques Lisboa
Faculdade de Medicina — Belo Horizonte, MG
o meu já longo tirocínio com os alunos que, deixando os ginásios, procuram a Faculdade
de Medicina, verifico, infelizmente, que sou forçado a obrigá-los a um salto brusco entre os
estudos de orientação variável que lhes foram ministrados sobre a História Natural e o curso de
Biologia da 1ª série médica.
Esse inconveniente resulta do fato de se querer ensinar-lhes de um modo abstrato
informações especiais sobre anatomia humana, ou sobre mineralogia, ou mesmo sobre
sistemática, em vez de conhecimentos concretos de síntese biológica, que só especializarão
aqueles que o quiserem.
Que utilidade prática, ou mesmo, que valor puramente educacional pode ter, para uma
criança de grupo escolar, a enumeração de todos os ossos do corpo humano, inclusive os do
carpo e do tarso? Isso se faz, entretanto.
Nos cursos ginasiais, de que tenho informações mais seguras, explora-se: ou um estudo
ultraminucioso de sistemas cristalinos e reconhecimento de minérios, como se estivéssemos em
escolas de minas, ou obriga-se o aluno a sistematização contada de grupos de plantas e de
animais.
Desse ensino de fantasmas das coisas da natureza, árido e pesado, que resulta?
Uma falsa idéia de ilustração, inútil em qualquer ponto de vista, pois só permite a exibição
de nomes pomposos referentes a objetos dos quais os alunos só conhecem o nome. Nomes
gregos ou latinos, sonoros ou rebarbativos, mas que não despertam idéias de relação, de utilidade
ou de vida.
É indiscutivelmente preferível, do ponto de vista educacional estabelecido e prático,
que se lhes ensine menos matéria, muito menos, mas esse pouco deve ser concretizado e
relacionado de modo a se gravar sem esforços, mas indelevelmente, prestando o serviço
puramente educacional de permitir idéias gerais e, também as vezes, o de aplicações práticas
imediatas.
Como os professores de História Natural nos ginásios são de regra engenheiros ou médicos,
os cursos ficam principalmente orientados, respectivamente, a geologia e mineralogia ou para o
estudo do corpo humano, ou, ainda, a sistemática abstrata de Botânica e Zoologia. Ô resultado
é que o julgamento de capacidade do aluno, no exame vestibular, é um problema árduo; os
professores da primeira série médica lutam contra a falta de base dos alunos para compreensão
das primeiras lições.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
N
Mas é difícil, ou mesmo impossível, uma orientação uniforme?
Sim, a primeira vista, porque cada um dos professores tem seu ponto de vista e não
quer abrir mão desse direito. Mas essa dificuldade desaparecerá se os congressos de instrução
deliberarem propor estalões que possam ser seguidos pelos professores, pelo menos os de
boa vontade.
Proponho aqui um modelo; o Congresso não o aceitando deve propor um outro. Aceitarei
esse, reservando-me o direito de criticá-lo perante os meus alunos, mostrando-lhes onde me
parece certo, onde errado.
Outro professor fará crítica diversa, mas os alunos de qualquer procedência terão sempre
um modelo comum que permitirá referências claras sobre qualquer ponto de vista novo que se
1. 3 apresente.
Para mostrar que é possível uma seriação uniforme dos estudos, desde os grupos escolares
até as escolas superiores, fui escolher na Biologia as primeiras fichas das que eu organizaria
para os três cursos: grupos, ginásios e Universidade de Belo Horizonte.
Em primeiro lugar, a idéia de seriação evolucionista, embora considerada como esquema
e sem compromissos de pontos de vista religiosos, presta um enorme serviço na gradação dos
estudos, fazendo aparecer de pouco a pouco os elementos novos ou simplesmente modificados,
quer no sentido de aperfeiçoamento, quer no de degradação. E um fator que não devemos
desprezar, porque reduz muito a aridez e a dificuldade do ensino. Penso que não devemos,
entretanto, cair no excesso de transformar a sistemática em pura genealogia. A classificação
deve apoiar-se na genealogia, mas não é seu papel armar árvores genealógicas complicadas e
sim permitir a fácil procura e colocação dos indivíduos em estudo. Deve ter base filogenética,
mas simplificadaeesquematizada.
Em segundo lugar, a substituição dos livros por fichas, que podem ser seriadas de modo
diverso, conforme o critério de momento, e renovadas quando caducas, será de enorme proveito,
principalmente quando redigidas pelos próprios alunos.
Os alunos praticam ou assistem a uma dissecação de flor, fruto, semente ou de um pequeno
animal; assistem a uma escolha de insetos feita pelo professor com o fim de dispor sobre a mesa
em série natural e, pouco antes de terminar a aula, redigem as suas próprias fichas e juntam-lhes
desenhos pessoais decalcados ou de mão livre, conforme suas habilidades.
Um terceiro fator de interesse e clareza para o aluno é o uso do máximo de figuras e,
melhor ainda, sempre que possível, um exemplar ou pedaço da planta ou do animal, ou micróbios
em estudo.
A apresentação das primeiras páginas dos três álbuns de Biologia mostrará, certamente e
de modo concreto, como, de uma primeira ficha geral, passaremos para quatro fichas ligeiramente
especializadas que nos conduzirão a 12 fichas mais minuciosas no1º ano médico. É possível
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
que, na cadeira de Microbiologia, o método ainda fosse aproveitável, com fichas das espécies
que interessam diretamente ao médico.
Há métodos de conservação de plantas e de elementos característicos de animais (as
vezes, todo o pequeno animal) que permitem fixá-los sobre as fichas e dar maior realidade
ao estudo.
Espero ter podido lembrar ao Congresso a utilidade de se tentar uma metodizaçao, pelo
menos dos estudos de História Natural, com o fim de se prepararem bases que facilitem aos
alunos os estudos superiores.
TESE N
e
95
A CONSCRIÇÀO ESCOLAR
Raul Gomes
UMA LETRA MORTA DE NOSSA LEGISLAÇÃO ESCOLAR
obrigatoriedade escolar figura na nossa legislação há muitos anos. E não teve até hoje
execução sistemática e perdurável em nenhum estado do Brasil.
Umas vezes, esbarrou em obstáculos que vergaram o espírito timorato dos homens de
governo. Outras, interpôs-se-lhe a politicagem para destruir as tentativas feitas naquele
sentido.
No Paraná, tivemos o caso típico da brilhantíssima administração Oliveira Bello, autor de
excelente censo escolar, talvez o primeiro levado a efeito no Brasil. Isso atraiu sobre esse governo
as intrigas de uma oposição sem entranhas.
Despachado para fora daqui o lúcido patrício, a obrigatoriedade continuou como simples
adorno de nossa legislação, respeitável letra morta, espécie de tabu temido de nossos legisladores,
acatada por nossos governantes e de uso exclusivamente literário.
POPULAÇÃO E MATRÍCULA ESCOLARES
Sem embargo da plena vigência do regime coercitivo, a desanalfabetizaçao se vem ope-
rando em todo o País com lentidão enervante, segundo se conclui da leitura da Tabela 1, onde se
mencionam dados relativos a população escolar e matrícula correspondente em 1872 e 1926,
em cada um dos estados brasileiros.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
Tabela 1 — Evolução da matrícula em relação a população escolar
Estados População Escolar Matrícula
Percentuais da Matrícula
sobre a População Escolar
1872 1926 1872 1926 1872 1926
Alagoas 69.601 223.409 5.096 31.446 7% 14%
Amazonas 11.522 81.939 1.217 11.083 10% 13%
Bahia 275.923 771.848 15.202 75.202 5% 9%
Ceará 144.333 304.067 10.390 43.994 7% 14%
Distrito Federal 54.994 272.117 8.433 68.883 15% 25%
Espírito Santo 16.427 117.590 1.695 28.060 10% 23%
Goiás 32.079 128.098 2.143 10.406 6% 8%
Maranhão 73.128 209.841 5.576 8.613 7% 4%
Mato Grosso 12.083 62.532 1.236 8.157 10% 13%
Minas Gerais 420.537 1.380.502 17.905 318.947 4% 23%
Pará 55.047 253.848 5.586 37.113 10% 14%
Paraíba 75.244 238.652 3.648 18.864 4% 7%
Paraná 25.344 174.051 2.250 59.997 8% 34%
Pernambuco 168.307 523.462 10.334 53.428 6% 10%
Piauí 42.304 147.748 1.634 5.327 3% 3%
Rio de Janeiro 163.920 368.860 13.776 70.173 8% 19%
Rio Grande do Norte 46.795 133.380 2.928 27.780 6% 16%
Rio Grande do Sul 89.392 536.736 9.982 197.424 11% 36%
Santa Catarina 31.960 169.531 3.373 52.643 10% 31%
São Paulo 167.470 1.150.364 1.520 349.770 6% 30%
Sergipe 46.928 104.819 5.059 11.455 10% 10%
Todos esses dados são oficiais. Apenas sete estados excederam, num cinqüentênio, o
modestíssimo coeficiente de 20% de inscrição da matrícula sobre a população escolar: Rio
Grande do Sul, que subiu de 11% a 36%; Paraná, de 8% a 34%; Santa Catarina, de 10% a
31%; São Paulo, de 6% a 30%; Distrito Federal, de 15% a 25%; Espírito Santo, de 10% a
23% e Minas Gerais, de 4% a 23%.
O mais, uma desolação!
A Tabela 2 patenteia algum esforço.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Tabela 2 — Percentuais de crescimento da população e da matrícula por Estado
Estados
Aumento da População
Escolarde l872 a l926 (%)
Aumento da Matrícula de
1872 a 1926 (%)
Alagoas 220 517
Amazonas 611 810
Bahia 179 394
Ceará 110 323
Distrito Federal 394 716
Espírito Santo 615 1.555
Goiás 299 385
Maranhão 186 54
Mato Grosso 417 559
Minas Gerais 228 1.681
Pará 361 564
Paraíba 217 417
Paraná 586 1566
Pernambuco 211 417
Piauí 249 226
Rio de Janeiro 125 409
Rio Grande do Norte 185 848
Rio Grande do Sul 500 1.877
Santa Catarina 430 1.460
São Paulo 586 2.936
Sergipe 123 126
Como se vê, a relação do crescimento é maior quanto as inscrições escolares e menor
quanto a população escolar, com poucas exceções. Fica aí consignado nobre esforço.
COEFICIENTES ANIMADORES
Estados houve que realizaram prodígios, como ressaltará se colocarmos os números da
direita em ordem decrescente (Tabela 3).
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tabela 3 — Percentual do aumento da matrícula (ordem decrescente) em relação ao
aumento da população escolar
Estados Aumento de Matrícula (%)
Amento da População
Escolar (%)
São Paulo 2.936 586
Paraná 2.566 586
Rio Grande do Sul 1.877 500
Minas Gerais 1.681 228
Espírito Santo 1.555 615
Santa Catarina 1.460 430
Rio Grande do Norte 848 185
Amazonas 810 611
Distrito Federal 716 394
Pará 564 361
Mato Grosso 559 417
Alagoas 517 220
Paraíba 417 217
Pernambuco 417 211
Rio de Janeiro 409 211
Bahia 394 179
Goiás 385 299
Ceará 323 110
Piauí 226 249
Sergipe 126 123
Maranhão 54 186
É de justiça salientar o doutor Bulhões de Carvalho, em excelente trabalho divulgado quando
das comemorações do centenário da escola primária, haurindo dados sobre as matrículas de 1926,
advertiu que as informações do Piauí e do Maranhão eram incompletas. Daí o fato de eles, no quadro
supra, figurarem com cotas ínfimas comparadas com as do desenvolvimento da população escolar.
Sob este aspecto, isto é, do desdobramento das matrículas confrontadas com as de 50
anos atrás, seis estados brasileiros levam as lampas a Argentina, embora o confronto não se
possa estabelecer em termos rigorosos.
As estatísticas dos pampas sofreram alterações na sua composição a partir de 1920. Até aquele
ano, os cálculos da população escolar eram feitos a razão de coeficientes relativos ao estágio escolar de
7 a 14 anos. Dali em diante, tendo em vista a desigualdade do limite de obrigatoriedade nas diferentes
províncias, adotaram médias inaplicáveis aos cálculos deste meu trabalho. No Brasil não se tem levado
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
em consideração tal circunstância, embora varie o período da idade escolar, ora de 6 a 14, ora de 6 a
12, ora de 7 a 14, e até já vigorou em São Paulo uma lei que o marcava entre os 9 e 11 anos!
Como mostrei, e isto tem iniludível importância, a Argentina elevou suas matrículas de
23,22%, em 1879, para 61,15%, em 1919. E o Brasil, de 1872 a 1926, elevou a porcentagem
das inscrições só de 6% para 20%!... (dados oficiais da Diretoria Geral de Estatística e do
Conselho Nacional de Educação da Argentina, vol. Educación Común, publicação anual).
Sob mais um aspecto, diretamente ligado a minha tese, encararei o problema do ensino no
Brasil: o da área de superfície correspondente a cada escola.
IDEAL INATINGIDO
A generalidade das leis de ensino no Brasil estipulam que o ensino é obrigatório num raio
de três quilômetros para cada escola ou foco de instrução. Pelo menos é o que consta na
legislação de vários estados. Esse raio dá um círculo de 28,26 km
2
. Veremos que superfície
tocava a cada escola em 1872 e em 1926 no Brasil (Tabela 4).
Tabela 4 — Correspondência de área (km
2
) por escola
Estados 1872 1926
Mato Grosso 43.086 5.817
Amazonas 44.063 7.069
Goiás 10.379 3.592
Pará
6.387 1.299
Piaui 4.504 10.059
Maranhão 3.193 14.441
Paraná 2.494 181
Bahia
1.445
237
Minas Gerais 927 83
São Paulo
689
37
Rio Grande do Sul 688 53
Rio Grande do Norte
642
109
Paraíba
638
161
Espírito Santo 521 76
Ceará
459
143
Santa Catarina 359 66
Pernambuco 281 95
Alagoas
248
98
Rio de Janeiro
121
70
Sergipe 18 112
Distrito Federal
6
1
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Ainda sob este aspecto sobressai um esforço do resultado — distante do ideal, mas
nobre e digno de estímulo.
Finalmente, os número logo adiante expostos (Tabela 5) completam as observações ante-
riores. Dar-nos-ão o quantitativo de crianças que corresponde a cada escola, considerada a
população escolar.
Tabela 5 — Número de alunos por escola
Crianças em Idade Escolar Estados
1872 1926
Alagoas 331 375
Amazonas 267 305
Bahia 934 430
Ceará 635 415
Distrito Federal 316 386
Espirito Santo 191 200
Goiás 445 615
Maranhão 500 657
Mato Grosso 377 256
Minas Gerais 678 201
Pará 305 263
Paraíba 643 515
Paraná 250 142
Pernambuco 369 389
Piaui 632 4.924
Rio de Janeiro 287 374
Rio Grande do Norte 514 254
Rio Grande do Sul 259 121
Santa Catarina 264 151
Sao Paulo 396 147
Sergipe 262 302
COMO OS VENENOS VIOLENTÍSSIMOS...
Resumirei agora as observações precedentes, oferecendo um conspecto estatístico do
problema do ensino entre nós:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
População em idade escolar................................................................7.394.194
Alunos matriculados............................................................................. 1.482.765
Porcentagem da matrícula sobre a população escolar.......................... 20%
População escolar sem escolas ...........................................................5.911.429
Quilômetros quadrados por escola...................................................... 269
Crianças em idade escolar, correspondente a cada escola .................. 234
Esses números, na aparência simples, comparam-se aos conteúdos de frasquinhos de
tóxicos violentíssimos—eles são aterradores. Porque o reduzi-los aos limites naturais nos países
civilizados importa sacrifícios e esforços tenazes e sobretudo contínuos.
o REMÉDIO ÚNICO: A CONSCRIÇAO ESCOLAR
Para o Brasil temos que, se a população escolar era de 2.022.412 em 1872 e de 7.394.194
em 1926, e se a matrícula escolar era de 139.321 em 1872ede 1.482.765 em 1926, a porcentagem
das inscrições escolares sobre a massa de crianças em idade escolar era de 6% em 1872 e de
20% em 1926. De 1879 a 1919, a Argentina elevou suas matrículas de 23% para 61%. Quer
dizer, a própria Argentina, cujo desvelo pelo ensino data de Sarmiento, portanto há mais de 50
anos, ainda não conseguiu o ingresso de toda a sua população infantil apta nas escolas!
Lá, como aqui, existe a obrigatoriedade escolar. E não surtiu efeito.
Por quê?
Por ser inexeqüível a obrigatoriedade sobre toda a população escolar de qualquer nação,
principalmente como o Brasil, onde concorrem tropeços de várias ordens.
Os países europeus da raça saxônica, que fizeram baixar a quantidades ínfimas os
coeficientes de analfabetos, não aplicaram obrigatoriedade geral.
Particularizando o caso do Brasil, não receio afirmar que é impossível impor a
obrigatoriedade escolar a 5.911.429 crianças, tal a soma dos sem escola em nossa pátria e na
idade legal dela.
Para atender a esse exército infantil, disseminado por cerca de nove milhões de quilômetros
quadrados, seriam necessárias mais 130 mil escolas, cujo custeio implicaria despesas no valor
de 130.000:000$000 só com professores, a 3:000$000 anuais cada um.
Não haveria dinheiro para semelhante empresa nem professorado habilitado para tal
campanha.
Do exposto, conclui-se que sou contrário a obrigatoriedade escolar?
Não!
Defendo, porém, aconscrição escolar, isto é, a mesma obrigatoriedade restrita a uma
classe, para garantia da sistematização e eficiência da ação.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Só a vantagem da limitação da massa sobre que se terá de agir e a facilidade da determi-
nação mais ou menos positiva dos elementos infantis sujeitos a obrigatoriedade bastariam para
recomendar o meu projeto.
Aliás, ele encontra apoio no admirável ensinamento da conscrição militar, forma inteligente
que o legislador achou para pôr debaixo da bandeira toda a classe de determinado ano.
Não podendo incorporar todos os conscritos, recorreu nossa pátria ao sorteio.
Naquela, na conscrição, e neste, no sorteio, temos excelente lição.
Por que não seguirmos essa trilha de tão belos resultados, do ponto de vista militar?
Quantos milhares de brasileiros fez o Brasil quase insensivelmente passar pelas casernas,
adestrando-os no serviço das armas e no culto da Pátria? Computável em mais de 500 mil
homens já ensinados por esse processo racional e justo.
Por que não adaptarmos a nossa vida escolar o regime da conscrição de uma classe, ou a
inscrição percentual progressiva?
QUE É E COMO SE OPERA A CONSCRIÇÃO ESCOLAR?
É a matricula compulsória e obrigatória da classe dos oito anos, com o estágio escolar de
três anos.
Tomaríamos, por exemplo, a dos oito anos e estabeleceríamos que todas as crianças de
oito anos feitos seriam obrigadas a freqüentar a escola ou provar que nela já estavam.
Para a execução dessa idéia, agir-se-ia assim:
Organizar-se-iam, anualmente, as listas das crianças nascidas oito anos antes, utilizando-se
dos registros civis e dos batizados.
Dessas relações excluir-se-iam os física ou intelectualmente incapazes e os que
demonstrassem já estar recebendo instrução.
O restante incorreria nos deveres da freqüência escolar obrigatória, para o que haveria
matrícula compulsória, seguida de severa fiscalização de autoridades policiais e escolares.
Multas pesadas e efetivas incidiriam sobre os pais, fazendeiros ou tutores que não
houvessem cumprido as exigências da lei.
Para atender os pontos onde a população escolar fosse escassa através de extenso
território, criar-se-iam internatos rurais — como sugeri a Academia Brasileira de Letras em
1923 e tive o prazer também de ver o ilustrado doutor Miguel Couto lembrar na sua memorável
oração "O Único Problema do Brasil é o da Educação".
Em suma, a conscrição escolar de uma classe tem sobre a obrigatoriedade geral de nove
classes as seguintes vantagens:
— delimita a massa dos sujeitos a matrícula e freqüência;
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
— torna possível sistematizar a ação desanalfabetizadora;
— admite o trabalho progressivo de incorporação efetiva a escola;
cria no povo a consciência de um dever iniludível a cumprir em idade determinada
da criança;
—foi o único processo que tornou possível em todo o mundo civilizado o serviço militar
obrigatório e o único meio que ladeou ou removeu as invencíveis dificuldades da obrigatoriedade
escolar generalizada e em massa.
Para assegurar a execução do meu plano, isto é, da conscrição, os governos começariam
sua ação pelas zonas urbanas, depois pelas suburbanas e por fim pelas rurais, a proporção e
medida dos recursos dos podêres públicos empenhados nessa campanha.
Para mostrar as possibilidades de meu projeto, alinharei aqui considerações e números que
trazem datas mais ou menos remotas, mas que servem para esclarecer perfeitamente meu pensamento.
Assinalarei ainda que nesse meu trabalho eu aconselhava a conscrição da classe de seis
anos, muitíssimo mais numerosa do que a de oito anos. Esta fica muito reduzida devido a quantidade
de crianças naturalmente excluídas por já estarem matriculadas em escolas.
Não atualizarei, porém, os cálculos porque, como os apresento, fornecerão um conspecto
mais seguro da praticabilidade de minha sugestão, pois referiam-se a quantitativos muito mais
ponderáveis.
Eis as considerações a que aludi, escritas em 1923:
A PROVA REAL
Tomo como início da execução de meu plano o ano de 1925.
Segundo taxas por mim deduzidas, a massa escolar de seis anos contará no Brasil, de
1925 a 1934, com os seguintes números:
1925 ................................... 268.090
1926 ................................... 281.094
1927 ................................... 309.188
1928 ................................... 340.106
1929 ................................... 374.116
1930................................ 411.527
1931 ...............................452.679
1932................................ 997.946
1933................................ 547.740
1934................................ 575.127
Admitindo a prática do critério de só se chamar a matrícula nas escolas 10% do montante
geral, 20% no 2
2
ano, 30% no 3
a
ano, e assim, de ano para ano, operar o acréscimo na
incorporação de 10%, ter-sá e alcançado, no fim do decênio, 100%.
Em tais condições, verificar-se-á, na conformidade de meu pressuposto, que a inscrição
de infantes de seis anos estará semelhante a Tabela 6.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Tabela 6 — Estimativa do crescimento da matrícula e das unidades escolares
Ano Crianças Inscritas Escolas Necessárias
1925 29.809
671
1926 83.027 2.076
1927 175.883 4.398
1928 285.036 7.126
1929 415.876 10.397
1930 570.036 14.251
1931 750.869 18.772
1932 962.167 24.082
1933 1.207.447 30.182
1934 1.465.699 36.642
Principiando pelo apelo a escola de 29.809 menores de seis anos, o Brasil, atuando na
forma supra indicada, conseguirá em 1934 a linda meta da matrícula total da classe em
apreço!
Desse ano para diante, nao haverá senão perseverar na obra gigantesca e patriótica.
Em 1945, todos os brasileiros maiores de seis anos e menores de 21 anos terão passado
por escolas, não serão mais analfabetos!
Em 1953, isto é, daqui a 28 anos, da totalidade da população em idade escolar, uma parte
nao mais será analfabeta e outra estará freqüentando escola.
Dentro de 70 ou 80 anos, o número de analfabetos achar-se-á reduzido a valores ínfimos.
E o custo da obra?
A pergunta ajusta virá já zumbindo, renitente, incomodativa, importuna, no cérebro do
paciente leitor a espreita de azo para ser formulada. Satisfarei, de pronto, essa curiosidade
mordente. Convém esclarecida a origem das verbas. Calculei a cada professor, no primeiro
qüinqüênio, honorários de 3:000$000 anuais. Fi-lo porque me parece irrisório o ganho
presente dos subvencionados federais, fixados de 120$000 a 150$000pormês.
Não aleguem o exagero dos vencimentos que estipulei. Confrontem-nos com o que
percebem os professores nos países abaixo (Tabela 7).
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Tabela 7 — Quadro Comparativo dos Salários de Professores
País Vencimento Mínimo Vencimento Máximo
França 3:012$000 5:581 $000
Chile 3:271$200 5:724$600
Uruguai 7:440$000 10:230$000
Estados Unidos 17:354$500 29:753$750
Fontes: Los Anales de Ensenanza Primaria, Uruguai; A Educação, Rio de Janeiro.
Consignada a um simples cotejo, aí fica a modéstia do salário que reclamo para o magis-
tério patrício, o obreiro da próxima e soberba campanha. De lustro em lustro, ser-lhe-á acres-
cida as vantagens uma gratificação que lhe elevará os vencimentos até o máximo de 7:200$000,
alcançado após 35 anos de serviços.
O Brasil empreenderá o esforço pela conscrição da classe de seis anos gastando
2.536:000$000, e consumará os seus objetivos, segundo o meu plano, em 1934, empregando
138.908:760$000.
Isto inclui o necessário para custear quanto a material cada escola, bem como o
indispensável ao aluguel de casa. Só exclui a verba para inspeção, que urgirá na prática
juntar.
Isto posto, obtive os seguintes quantitativos:
1925 ......................... 2.536:000$000 1930............................... 54.471:380$000
1926 ........................ 7.847:280$000 1931 ............................... 71.360:800$000
1927 ........................16.499:040$000 1932 .............................. 91.330:500$000
1928 ........................ 26.936:280$000 1933 .............................. 114.205:680$000
1929 ........................39.300:660$000 1934.............................. 138.908:760$000
GASTOS COM A CONSCRIÇÃO E AS RENDAS FEDERAIS
Operando com o mais atroz pessimismo, relativamente a progressão no desenvolvimento
da arrecadação das rendas públicas, cheguei a estimar em 1.310.234:264$000 a receita do
Brasil em 1925 e em 1.698.712:265$000 no ano de 1934.
A população de nossa pátria em 1925 provavelmente será de 35.411.777 e, em 1934, de
45.911.145, aplicada como razão do crescimento a verificada pela Diretoria Geral de Estatística,
segundo o censo de 1920.
A taxa do crescimento de 1900 a 1920 foi de 0,0294.
1 Conferência Nacional de Educação — Curiliba, 1927
Ora, o ônus da incorporação de 10% da classe de seis anos em 1925 orçará em
2.536:000$000, que significa, aproximadamente, 0,2% da renda presumível do erário público,
e em 1934, em 138.908:760$000,ouseja,8%.
Com todas as dificuldades que atormentavam os estados do Brasil, a maioria dos quais
vive oprimida pela pobreza, gastavam eles, em 1921, com a instrução primária, as porcentagens
abaixo em confronto com a arrecadação:
Santa Catarina............. 20%
Ceará .......................... 17%
Distrito Federal............ 17%
São Paulo.................... 16%
Minas Gerais ............... 15%
MatoGrosso............... 12%
Rio Grande do Sul....... 12%
Rio de janeiro...............11%
Paraná.........................11%
Alagoas ...................... 10%
Espírito Santo ..............10%
Pará ............................10%
Piauí............................10%
Rio Grande do Norte ... 10%
Paraíba.....................
Sergipe.........................9%
Amazonas.................... 8 %
Maranhão ..................... 8%
Goiás............................7%
Bahia............................5%
Pernambuco..................3%
Se o minúsculo Estado de Santa Catarina, numa prova admirável da compreensão e do alcance
dos sacrifícios empregados na educação popular, aplicava em 1921 20% de sua renda na instrução,
por que esse Brasil de 1934, cujo grau de evolução e progresso conquistado no interregno não me
atrevo a gizar, não reservará, para a estupenda e redentora tarefa de incorporação da totalidade da
classe de seis anos, a ínfima, a simples porcentagem de 8% sobre a soma da receita geral?
Esse coeficiente, quase irrisório, eqüivalerá a uma gota d'água extraída do oceano...
E, de mais, encarem no desdobramento dos orçamentos militares, inclusive o estipêndio
da Brigada Policial do Rio de Janeiro e do Corpo de Bombeiros.
Pensem os brasileiros nos colossais sacrifícios que o Brasil faz para a manutenção de suas
Forças Armadas. As verbas sobem, de ano para ano, aos saltos, assombrosamente. Examinemos
o assunto.
AS FORÇAS ARMADAS E O SACRIFÍCIO DA NAÇÀO
No decênio de 1915 a 1924, as rendas do Brasil foram orçadas:
1915....................... 657.490:080$664
1916....................... 681.213:399$998
1917....................... 725.143:946$332
1918....................... 826.318:071$600
1919
.........
843.589:302$!
14
1920
.......
872.617:048$320
1921
.......
1.094.972:500$000
1922
.......
1.082.562:215$000
1923
.......
1.170.370:280$000
1924
.......
1.289.553:176$000
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O importe relativo a 1924 eu o tirei do anteprojeto orçamentário, em 30 de maio, subme-
tido pelo Presidente da República ao apreço do Congresso Nacional. A conversão da porte
ouro fi-la ao câmbio do dia.
As somas consignadas nos orçamentos para as Forças Armadas, isto é, para manutenção
do Exército, da Marinha, da Brigada Policial o do Corpo de Bombeiros foram:
1915................................ 110.376:782$421 1920.................................168.190:277$408
1916................................ 110.019:607$350 1921 ................................. 206.925:308$558
1917................................ 111.652:439$327 1922..................................243.113:489$979
1918................................ 131.332:421$524 1923..................................240.304:654$490
1919................................ 142.597:053$969 1924................................. 327.532:785S657
Estas últimas cifras eqüivaliam em:
1915.......................... 16% da renda orçada 1920.............................19% da renda orçada
1916 .......................... 16%................... 1921 .............................18%..................
1917 .......................... 15%................... 1922.............................22%....................
1918..........................15%................... 1923.............................20%...................
1919 ..........................16%................... 1924.............................25%...................
Em 1924, na forma do anteprojeto já citado, o Brasil aplicará em manter seus meios de
defesa 25% da arrecadação prevista. Matriculando toda a classe de 6 anos em 1934, o Brasil
despenderá apenas 8% da renda geral, ou a metade da taxa relativa aos orçamentos.
Pelos meus cálculos, efetivando o plano de incorporação da classe de seis anos, o Tesouro
gastará em:
1925 ...............0,1% da provável receita nacional 1930................3% da provável receita nacional
1926............... 0,5% " " " " 1931................ 4%.....................'
1927............... 1% " " " " 1932................5%......................
1928............... 1% " " " " 1933 ................6% '.............................
1929............... 2% ................................. 1934................8%............................... '
Quer dizer, excetuados Goiás, Bahia, Pernambuco, Amazonas e Maranhão, todos os
demais estados da União gastaram, em 1921, mais com o ensino primário do que o Brasil
gastará em 1934 , quando estiver realizando a incorporação dos conscritos da classe de seis
anos!
Aceito mesmo que meus orçamentos pequem pela poupança; admitindo que o Brasil,
para matricular a classe, necessite gastar o dobro do por mim previsto, ainda assim não terá de
despender mais de 16%!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Em 1921, São Paulo empregou 16% de suas rendas na instrução; o Distrito Federal e o
Ceará, 17% e Santa Catarina, 20%!
Basta. A eloqüência dos números de que lancei mão até aqui é impressionante.
O DECÁLOGO DA CONSCRIÇÀO ESCOLAR
À vista do exposto, peço a este douto cenáculo que proponha aos governos do Brasil a
decretação da conscrição escolar dentro destas bases, cujos termos podem ser ampliados ou
restringidos conforme for necessário:
Art. 1
o
— Para o combate sistemático ao analfabetismo, será instituída a conscrição
escolar obrigatória das crianças de oito anos, que deverão permanecer na escola durante três
anos no mínimo, até receberem a caderneta de desanalfabetização.
Art. —Para execução da conscrição escolar obrigatória da classe dos oito anos feitos, será
levantada em cada distrito dos estados a relação completa das crianças nascidas oito anos antes.
§ 1
a
—Essa lista será fornecida pelos escrivães do registro civil.
§ 2º — As autoridades competentes procurarão obter, por párocos das diversas confissões
religiosas, os nomes das crianças batizadas oito anos antes.
§ 3
a
— De posse dessas relações, as autoridades intimarão os pais a dar esclarecimentos,
devendo provar, quando preciso, que seus filhos já recebem instrução pública ou particular ou
que são física ou intelectualmente incapazes de freqüentar escolas.
§ 4
a
— Procedidas as devidas exclusões de acordo com o parágrafo anterior, as escolas
farão a matrícula compulsória das crianças aptas.
§ 5
a
— Serão divulgados editais e feitas, quando possível, intimações aos pais para
mandarem os filhos as escolas.
§ 6
a
— Constatada a existência de remissos, serão aplicadas multas pesadas sobre os
pais ou responsáveis das crianças faltosas.
§ 7
a
—Se a multa não produzir efeito, as autoridades poderão aplicar penas mais severas,
incluindo até a prisão.
Art. 3
o
— As crianças que completarem o estágio escolar receberão uma caderneta de
desanalfabetização, que lhes assegurará as vantagens especificadas no artigo 9
o
.
Art. 4
o
— Dentro de cinco anos, contados da data desta lei, nenhum chefe de família
poderá ter em seu poder filho ou agregado analfabeto ou sem escola, da idade de oito a 12
anos, sob pena de multa e até prisão no caso de não matricular em escola ou provar que dá
instrução aos mesmos.
Art. 5
o
—Todos os fazendeiros, negociantes ou industriais que tiverem em trabalho nos
seus estabelecimentos mais de 20 famílias deverão montar escola para os filhos de seus empre-
gados, pelo que gozarão de um abatimento de 10% nos impostos a que estiverem sujeitos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Art. 6
o
—Para nenhum cargo público federal, estadual ou municipal poderá ser nomeado
indivíduo analfabeto.
Art. 7
o
—É proibido aos negociantes, industriais ou fazendeiros terem em suas proprie-
dades operários analfabetos depois de dez anos contados a partir desta lei.
Art. 8
o
— Os analfabetos serão obrigados ao dobro do serviço militar a que estiverem
sujeitos os conscritos do Exército.
Art. 9
o
— Os jovens portadores de cadernetas de desanalfabetizaçao, concedidas na
forma do artigo 3
o
: ficarão dispensados de concurso para os cargos onde apenas se exigirem as
primeiras letras; terão preferência em igualdade de condições em serviços a que concorrerem
para a União, estado ou município.
Art. 10—Para a execução deste plano é indispensável a ação harmônica e conjunta dos
governos da União, estados e municípios.
TESE N
2
96
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES À UNIFORMIZAÇÃO
DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
Antônio V. C. Cavalcanti de Albuquerque
Associação Brasileira de Educação
ntes de tratarmos da uniformização do ensino primário, mesmo em suas idéias mais gerais,
devemos focalizar o assunto tendo em vista a realidade brasileira.
Diante da realidade brasileira, o problema do ensino primário torna-se uma questão de
velocidade, de número e de lugar.
A NOÇÃO DE VELOCIDADE
TESE
Num país de grande número de analfabetos e que vai sendo aos poucos absorvido pelos
estrangeiros — mais ricos, mais instruídos, mais experientes, mais sadios e, por isso mesmo,
mais capazes —, os orientadores dessas questões de ensino primário (mesmo secundário e
superior), se observassem a realidade brasileira, compreenderiam facilmente que tudo, dentro
dos primeiros 15 anos, deve cingir-se em primeiro lugar a uma "questão de velocidade".
O sentimento poético e patriótico de Graça Aranha escreveu, no livro encantador que é
A Estética da Vida, algumas páginas que merecem reflexão e exame cuidadoso. Uma delas,
a que tem por título "O Quadro Nacional", é de tal modo palpitante, de tal modo cheia de
anseios, que transcreveremos:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
Refoquemos o quadro da Nação. Não permitamos que dentro dele reine a alma de outros povos
e a nossa própria alma seja expulsa e exilada da terra que a criou, a expressar ainda incerta, mas
ardente e luminosa. Enquanto não tivermos sólidas as fronteiras morais da Nação, enquanto o
quadro que encerra a Pátria não for rijo e inquebrantável, fechemos a porta a invasão, defendamos
a frágil muralha, solidifiquemos a argamassa e seja tudo impenetrável ao sentimento estrangeiro...
E se nesse amálgama de sangue e corpos disparatados, nessa confusão de desejos e realizações
não formos os mais fortes, a terra onde foi o nosso Brasil será mais rica, mais próspera,
espantao mundo, porém já não seremos nós... Tudo se romperá no curso do tempo. O futuro não
entenderá mais o passado...
É verdade que, financeiramente falando, somos uma colônia anglo-americana e que, segundo
opinião de Leroy Beaulieu, há possibilidade de passarmos a sê-lo também politicamente, senão
no todo, ao menos em parte. Porém, tendo mesmo como realidade esse fato, seria impossível
seguirmos o conselho de Graça Aranha. A alma aflita do grande escritor diante da realidade
brasileira, como que perde a faculdade de ver e aconselha uma utopia: "... fechemos a porta a
invasão... e seja tudo impenetrável ao sentimento estrangeiro".
Em fase nenhuma de sua evolução o Brasil poderá aceitar esse conselho!
E qual então o remédio que possa contrabalançar essa influência, por um lado necessária
e útil, porém, por outro lado realmente avassaladora? Um único: resolvermos velozmente o
problema da instrução e da educação, tendo em vista a realidade brasileira.
lª conclusão — 1º modo de agir:
Nos primeiros quinze anos, reduzir ao mínimo os programas.
Um exemplo: ensino de Geografia. Noções gerais. Mais detalhadamente a geografia da
região em que se acha a escola. Menos detalhadamente a geografia do Brasil.
Sobre os países da Europa, bastaria o nome dos estados principais e de suas capitais, assim:
Alemanha, capital Berlim. País muito civilizado. Os seus habitantes são em geral muito
cultos e sadios, porque os seus governos levam a sério a questão do ensino (principalmente o
primário e profissional) e da saúde pública. São muito laboriosos e, como em geral sabem um
oficio, ganham facilmente dinheiro e tornam-se independentes. As crianças brasileiras devem
também cuidar de sua saúde, fazendo guerra as verminoses; aprender um ofício, para quando
adultos dirigirem as suas atividades para todo negócio honesto que permita, depois de alguns
anos de trabalho, a sua liberdade econômica. E somente isso sobre a Alemanha.
Para suprir qualquer necessidade futura, o governo federal mandaria imprimir e distribuir
pelo custo uma geografia-atlas, a qual funcionaria para o resto da vida, como se usa um dicionário.
O mesmo para o estudo da História. O brasileiro de amanhã não pode mais perder tempo
em saber se o nariz de Cleópatra era arrebitado ou não.
2ª conclusão — modo de agir:
Uma circular como propaganda devia ser espalhada pelo Brasil inteiro e dirigida a
governadores, prefeitos municipais e simples particulares:
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O Japão resolveu o problema de educação e instrução da raça no espaço de 50 anos. No
momento, o único sentimento de patriotismo consiste em procurarmos estender pelo Brasil um
grande número de escolas primárias, de modo a constituírem uma rede cada vez mais espessa e
que solucione o nosso problema de educação e instrução em menor espaço de tempo, se possível.
A QUESTAO DO NÚMERO
TESE
No menor tempo, construir o maior número de escolas.
Da realidade brasileira, algumas verdades surgem, porém, infelizmente insofismáveis:
1) Que nem todos os presidentes de Estado encaram com o mesmo ideal, com o mesmo
modo de ver, podemos dizer uniformemente, o magno problema que é a instrução primária.
2) Que o Brasil, por circunstâncias várias, é um país rico de municipalidades pobres e de
chefes políticos que só cuidam... de política.
3) Que o brasileiro, em geral, é pobre, paupérrimo.
I
a
conclusão:
A instrução primária no Brasil tem que ser auxiliada pela iniciativa particular.
2
â
conclusão:
Nos primeiros 15 anos, devemos deixar de lado o luxo de grandes grupos escolares, as
inovações que tragam custosas instalações, em geral aplicadas e construídas por um ou dois
municípios ricos, e construir maior número de escolas simples e alegres, de acordo com a
densidade da população infantil e tendo em vista a realidade brasileira.
A NOÇÀO DE LUGAR
Por mais que cultivemos o espírito de internacionalismo, de humanidade ou coisa semelhante,
no Universo inteiro, em todas as épocas, o lugar natal teve e terá a mais extraordinária influência
sobre o indivíduo, sobre a família, sobre a população rural ou da cidade. Na maioria dos casos,
essa influência constitui uma fatalidade geográfica: o homem, como as árvores, cria raízes no
lugar onde nasceu.
Reconhecendo o valor, a força, o poder, o sentimentalismo invencível contido na palavra
Heimat, Heimatl, os alemães e todos os pedagogos modernos ingleses, americanos e franceses
fizeram-na a base da orientação pedagógica moderna.
Hoje, oHeimatkunde na Alemanha não se pode traduzir, simplesmente, pelo estudo da
corografia. Constitui um método, uma ciência mais geral, que tem por campo de investigação
tudo o que contiver nas circunvizinhanças da escola. O processo é o que há de mais lógico.
Tudo consiste em desenvolver a curiosidade do aluno, partindo do que lhe é mais familiar, do
concreto, do que se acha mais a mão e a vista, para depois, aos poucos, entrar em generalizações
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
e abstrações. Da região visa-se, desprovidos de quaisquer preconceitos, aos seus encantos
naturais, ao conhecimento de suas riquezas exploráveis, de suas indústrias existentes e possíveis,
ao aproveitamento e ao conhecimento de toda e qualquer manifestação artística, as suas tradições
e a sua história. Isso feito de tal forma que a preocupação do lugar natal seja uma garantia para
a unidade nacional, extirpando-se o estreito regionalismo e o insuportável bairrismo.
Dominando, sobretudo na Alemanha, a idéia da escola única, fizeram a fusão da escola
primária assim constituída com a profissional (Arbeitschule), ambas perfeitamente articuladas
no funcionamento geral. Porém, para isso, serão necessários grupos escolares pomposos e
pomposas instalações?
Kerschensteiner e seus discípulos respondem que não: "no que se refere Arbeitschule,
não se trata da técnica completa de um ofício e sim de aprender as noções gerais de acordo com
os melhores métodos".
Relativamente ao curso primário, em todas as matérias, dizemos nós: o que for essencial.
Conclusão:
A maior parte das escolas primárias no Brasil têm que ser quase exclusivamente regionais.
CONCLUSÃO FINAL
Para uniformização do ensino primário, em suas idéias gerais, e tendo em vista a realidade
brasileira, os programas deverão ser organizados de acordo com a categoria das escolas, que
podemos classificar do seguinte modo:
Escolas ricas: mantidas pelos municípios ricos dos grandes centros ou por particulares,
podendo pagar bons professores.
Escolas pobres: mantidas por particulares, subvencionadas ou não, contando com poucos
recursos e tendo como professor a pessoa mais instruída do local.
Pertencendo a esse segundo grupo, sem nenhuma subvenção por parte dos podêres
públicos, temos um exemplo a imitar na Escola Regional de Meriti, organizada pela senhorita
Armanda Álvaro Alberto.
Para esse tipo de escolas é que se devem voltar também os esforços e trabalhos dos
nossos dirigentes e dos verdadeiros patriotas.
Uma comissão de estudiosos de todos os estados deveria reunir-se em congresso ou
conferência para discutir as bases de sua uniformização em suas idéias gerais. Organizar livros,
lições, programas, improvisar professores entre pessoas de boa vontade, moradores em lugares
afastados e de difícil comunicação, indicando-lhes desse modo os melhores métodos.
O ideal seria um professorado uniforme quanto a orientação dos modernos processos de
ensinar, pois que é certo que tudo depende do professor. Porém, esse professorado ideal, as
nossas escolas normais não o fornecerá tão cedo. E depois, quem se sujeita a ir para lugares de
difícil comunicação, de poucos recursos, para ganhar uma miséria?
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Acabávamos de registrar essas idéias, quando nos chegou as mãos o trabalho da senhora
Maria Luisa Almeida Cunha, para os grupos escolares de Minas, referente ao preparo das
lições de coisas pelo método Decroly.
A ilustre educadora, atualmente residente em Minas, onde quer que se encontre, é "um
dissolvente do pessimismo no Brasil", oferecendo o exemplo vivo de dedicação, de amor ao
trabalho e, sobretudo, de competência eficiente.
O método Decroly-Almeida Cunha juntamente com os cadernos tipo Heitor Lyra-Barbosa
de Oliveira resolverão o grande problema de improvisar professores no Brasil, no lugar em que
for preciso.
Nas colônias alemãs é comum ver um lavrador ou um carpinteiro deixar o serviço mais
cedo e ir lecionar o que sabe as crianças.
Portanto, velozmente e por todos os meios possíveis, devemos tirar os nossos patrícios
da ignorância e da miséria em que se acham. Deixemos, mesmo, que o Brasil abra de par em par
as suas portas a todos os povos, porém, sejamos o mais depressa possível, em maior número,
suficientemente organizados e instruídos, para que em todos os tempos se ouça o cântico e a
vibração de uma alma brasileira.
TESE N
e
97
PELA ESCOLA PRIMÁRIA
Gustavo Lessa
autor da presente tese sente discordar do doutor Belisario Penna, quando ele afirma que
os maiores males do Brasil são a malária e a opilaçao. A seu ver, a vaidade é um flagelo
nacional ainda mais devastador. O doutor Belisario pede que tomemos todos os anos uma dose
de erva de Santa Maria, para combater as uncinárias anemiantes. O meu voto seria que todas as
manhãs rezássemos, pedindo aos céus um pouco de força para combater o orgulho, demônio
sutil, que envenena o ambiente e precisa ser exorcismado de dentro de cada um de nós.
Estabeleceu-se aqui o horror a especialização. O especialista é considerado um ser
inferior, um homem de mentalidade estreita. Esse preconceito, congênito na raça, tornou-se
ainda mais arraigado depois que o famoso romancista português desfechou os golpes da sua
terrível sátira contra o doutor Topsius. Esquecia-se ele de que foram os doutores Topsius
obscuros que fizeram a grandeza da Alemanha, como serão eles que farão a grandeza de
qualquer país que a ela aspirar.
A vaidade faz com que todos os problemas pareçam fáceis. É por isso que os problemas
do ensino primário e secundário, que são eminentemente especializados, entre nós freqüentemente
servem ainda para temas literários.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
O
A LIÇÀO DOS POVOS CULTOS
Não é essa, porém, a lição dos povos cultos. Há mais de um século que a escola primária
tradicional vem sendo neles o alvo da atenção e das criticas de um número progressivamente
maior de psicólogos e de homens de ação. O acordo unânime dos investigadores tem sido que
os processos habituais de ensino sao incapazes de preparar a criança solidamente para a vida
social e, ainda por cima, impedem o seu desenvolvimento sadio.
Como, porém, reformar esses processos? É aí que começam as divergências. Nos povos
dotados de uma mentalidade burocrática, procura-se apelar para o expediente sumário de leis e
regulamentos. Nos outros, onde há mais humildade relativamente as questões científicas, verifica-
se que é preciso uma longa e penosa preparação. Não basta descobrir ou importar métodos
novos; é preciso ensaiá-los tenazmente, submetê-los a prova crucial das experiências e, finalmente
(o que é a tarefa mais demorada), divulgá-los entre ao professorado.
Vejamos alguns exemplos. Em 1907, o doutor Decroly fundou uma escola primária em
Bruxelas, a fim de aplicar os seus métodos novos de ensino. Essa escola é hoje famosa; a ela
acorrem educadores de todas as partes do mundo, a fim de aprenderem como o grande
mestre consegue os seus admiráveis resultados. Tivesse isto sucedido no Brasil e logo viria um
quase ordenando que todas as escolas primárias fossem moldadas pelo sistema Decroly. Em
Bruxelas, porém, até 1924, só muito poucas escolas tinham começado a adotar esse sistema,
e, mesmo assim, os ensaios estavam limitados ao primeiro e ao segundo ano do curso. Isso
porque naturalmente as professoras não estavam preparadas para empregarem meios de en-
sino que demandam uma técnica inteiramente nova, assim como um profundo conhecimento
da psicologia infantil.
Na Alemanha, desde a época herbatiana, vem florescendo um intenso movimento peda-
gógico que culminou nas escolas de trabalho de Munich, orientadas pelo grande educador
Kerchensteiner. Ultimamente, a Turíngia iniciou uma reforma radical no preparo do professorado
primário, exigindo que todo ele freqüente durante três anos o Instituto das Ciências de Educação,
anexo a Universidade de Iena. Na Suíça, o Instituto Jean Jacques Rousseau é, há muitos anos,
um foco luminoso donde educadores famosos como Claparède e Ferrière doutrinam para todos
os povos latinos.
O quarto país, que é também teatro de experiências pedagógicas interessantes, são os
Estados Unidos. Em 1896, há, pois, trinta e um anos, a Universidade de Chicago criava, anexa
ao seu ensino, uma escola primária experimental e colocara a testa da mesma nada mais nada
menos do que John Dewey, um dos maiores pensadores contemporâneos e o inspirador dessa
tentativa. Sobre ele, dizia Claparède, em 1913: "Nao devemos, na Europa, tardar mais tempo
em conhecer este homem eminente, cujo pensamento, sutil e profundo ao mesmo tempo, tão
bem soube desvendar os arcanos da alma humana".
Indubitavelmente, os ensinamentos de Dewey e de seus discípulos têm sido a força mais
poderosa no aperfeiçoamento das escolas primárias norte-americanas. Mas, apesar disso, a
maioria delas está longe de adotar os métodos do grande inovador. Disso posso dar testemunho,
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
porque visitei diversas escolas em New York, em Boston, em Baltimore e em Detroit. A expli-
cação que me deram algumas autoridades é que esses métodos exigem uma iniciação psicológi-
ca que não é acessível a todos os professores.
Vejamos o que se passou, em 1916, na Escola Horacio Mann, anexa a Universidade de
Colúmbia, na cidade de New York. Um educador conhecido em todo o país, William Kilpatrick,
é designado para reformar os métodos de ensino nessa escola. Que faz ele? Baixa regulamentos
ou portarias? Não; institui reuniões semanais com as professoras durante todo o ano, discute
com elas os planos novos, distribui-lhes assuntos para estudos e, quando se convence de que o
espírito das inteligentes mestras está maduro para o cometimento, começa em 1917 a reforma.
Começa, porém, tateando na primeira série; passa em 1918 para a segunda; em 1919, para a
terceira, e assim por diante. Quem duvidar dessa calma, dessa perseverança, dessa humildade
honesta de um espírito culto, obtenha o livroHorace Mann Studies in Elementary Education,
no qual a bela e árdua tarefa vem descrita flagrantemente.
Não devo terminar essa alusão, falha e incompleta, aos marcos principais do movimento
educativo contemporâneo em diversos países, sem salientar o seguinte: a tendência geral hoje no
mundo civilizado é fazer com que o ensino primário e o secundário somados atinjam uma dura-
ção total de dez a doze anos. No Brasil, de um lado, anula-se o ensino secundário com as orgias
dos exames parcelados; de outro lado, deixa-se incrementar a idéia funesta de reduzir a duração
do ensino primário, mesmo nas grandes cidades. Desta forma, é o próprio Estado que estimula
a indecorosa exploração do trabalho infantil pelos pais e pelos patrões. Desse recuo vergonho-
so, quem nos salvará?
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO ENSINO
Mas voltemos ao nosso assunto. O problema técnico do ensino primário é tão formi-
dável que, apesar dos institutos de pesquisas que cada país culto possui, nenhum deles fica
contente com os resultados indígenas, e todos, sem exceção, procuram luzes além das
fronteiras. A Dinamarca, por exemplo, tem um sistema especial para educação dos operários
adultos. Pois bem, de todos os países vizinhos e mesmo da longínqua América afluem
educadores enviados para estudarem o método dinamarquês. Bruxelas e Genebra são hoje
pontos de convergência dos romeiros da causa santa. Uma senhora americana, Miss
Parkhurst, concebeu um novo sistema educativo que ficou sendo chamado o Plano Dalton,
por causa do local onde foi engendrado. Pois bem, formou-se na Inglaterra uma Associação
Dalton para divulgar esse método. Em 1924, já havia mil e seiscentas escolas inglesas
estabelecidas nesses moldes. A Holanda enviou uma delegação oficial a Inglaterra para o
estudo deles. Por sua vez, o governo dos Estados Unidos mantém um corpo de especialistas
em educação estrangeira, incumbidos de publicar, de dois em dois anos, extensos relatórios
sobre os progressos mundiais do ensino. O Chile, já em 1908, havia fundado um Instituto
Pedagógico e contratado professores alemães para a maioria das suas cadeiras.
Conseqüência: o Instituto Pedagógico ficou sendo uma das glórias do ensino na América do
Sul, e a Argentina já copiou a sua organização.
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O que está aí é apenas uma palidíssima e fugaz idéia da cooperação internacional em matéria
de ensino. Lembremos, porém, que essa cooperação só tem sido possível porque todo verdadeiro
educador é um homem livre de preconceitos, que não procura estampar nas pesquisas da ciência
marcas nacionais. A velha Europa, dividida fratricidamente por uma política obtusa, vê repontar
uma esperança divina de paz permanente na previsão dos grandes leaders do ensino, que contra-
íram o solene compromisso de criar uma atmosfera melhor a geração que vem surgindo. Tais
homens e tais mulheres são na verdade o sal da terra, e quando, mesmo de longe, sabemos que
eles estão reunidos para aprenderem uns com os outros, temos a antevisão de um mundo melhor.
A SITUAÇÃO NOSSA
Em relação ao Brasil, ninguém contesta que existe entre nós um pugilo de educadores e
educadoras a par dos métodos mais adiantados de ensino e esforçando-se sempre, através de
penosíssimos esforços, para romperem contra a indiferença glacial do meio. A eles, a nossa admi-
ração mais sincera e os nossos aplausos mais ferventes. Mas esse grupo constitui ainda uma insig-
nificante minoria. O País precisa de milhares e milhares que comunguem no mesmo credo.
Pensar em procurar a cooperação estrangeira é considerado aqui um crime de lesa-pá-
tria. Nesse gênero, a única cooperação que é admitida amplamente é o plágio ou a imitação a
distância, através de informes superficiais e pouco seguros.
Diante da barreira formidável desse preconceito, o remédio é apelarmos para os recursos
nativos.
Meditando bem no problema brasileiro, vê-se que a tarefa essencial da Associação Brasi-
leira de Educação é estimular a formação de especialistas em questões de ensino, já que os
governos disso se esquecem lamentavelmente. É preciso que ela convoque os seus membros
mais ativos, e distribua entre eles os assuntos diversos. Assim poderemos aspirar a que, dentro
de algum tempo, haja em seu seio grupos especializados nos métodos Decroly, Dewey, etc.
Mas é preciso notar que a essência desses métodos não está somente no modo de se adminis-
trarem os conhecimentos as crianças, mas sim, também, na qualidade e natureza desses conhe-
cimentos. Exemplifiquemos: uma professora primária pode conhecer perfeitamente o modo por
que Decroly ensina os meninos belgas, mas se, quando for ensinar a geografia de Minas Gerais,
ela só dispuser de compêndios atrasados, contendo uma seca enumeração de cidades, de rios e
de montanhas, o método ficará sendo em suas mãos um instrumento inútil. A higiene, por exem-
plo, vem aproveitando na prática da vida uma magnífica seara de descobertas recentes feitas no
domínio da fisiologia, da química, etc. Entretanto, a quase totalidade dos compêndios brasilei-
ros, franceses e italianos, para uso das escolas primárias, ignora essas descobertas. Ensina-se
ainda erradamente as crianças que o gás carbônico é a causa principal dos malefícios do ar
confinado, e não se acentua a importância da temperatura, da umidade e do movimento do ar.
Toda a importantíssima ciência da alimentação tem sido refundida nos últimos tempos, mas as
crianças brasileiras continuam a ficar privadas dos benefícios das novas descobertas.
É pois a tarefa dessa natureza, humilde, penosa e longa, que os desbravadores se devem
entregar, a fim de forjarem os instrumentos de trabalho que deverão ser colocados nas mãos do
magistério primário e secundário. É a ela que nos incita sem dúvida o espírito do imortal fundador
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
da A.B.E., Heitor Lyra da Silva, cuja vida infinitamente nobre foi uma lição constante de fato e de
humildade diante da causa do ensino.
É ainda a especialização que nos convidava recentemente o professor Fernando de Ma-
galhães, quando sugeria que os congressos de educação se limitassem a determinados temas,
como o meio seguro de poderem disseminar noções úteis.
CONCLUSÕES
1) Nenhuma reforma de ensino deve visar a uma mudança súbita de instituições e de
métodos: a destes, pelo menos, só é exeqüível a longo prazo.
2) A essência de toda a reforma deve ser a renovação dos métodos, e a condição preliminar,
indispensável para esta, é o longo preparo do professorado por meio de técnicos especializados.
3) Obter esses técnicos em número suficiente é a mais urgente necessidade do ensino em
todos os estados do Brasil e no Distrito Federal.
4) À Associação Brasileira de Educação cabe, como dever primacial, o estímulo a formação
dos mesmos.
5) O próximo Congresso Brasileiro de Educação deveria restringir o seu estudo ao ensino
primário e, dentro do mesmo, somente a duas questões: a) métodos de ensino; b) revisão dos
compêndios nacionais de ensino primário, comparação com os estrangeiros e sugestões para o
seu aperfeiçoamento.
TESE Nº 98
A DIFUSÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL
Alfredo Parodi
Colégio Iguaçu — Curitiba, PR
Na instrução do povo para o trabalho está o ponto
deparada da obra formidável que nos cumpre realizar,
para a conquista dos nossos gloriosos destinos no
continente e no mundo.
Fidelis Reis, Deputado da República
O problema da difusão do ensino primário no Brasil tem sido considerado como insolúvel,
pela complexidade das suas aterradoras incógnitas e dúbias relações.
Múltiplos apresentam-se os óbices que dificultam a sua resolução e que devem ocorrer
naturalmente a cogitação do mais banal dos observadores, por pouco que reflita.
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O próprio otimismo, ainda que ingênuo, talvez desfaleça diante de tamanhos entraves,
como dispersão dos núcleos povoados, a carência de professores e de recursos financeiros, a
falta de meios fáceis de transporte e de tantos outros, cujo conjunto constitui o que pode ser
qualificado de "mal externo".
Concorre ainda para agravar o caso o "mal interno", que reside na quase indiferença do
povo pelos seus mais vivos interesses.
Esta indiferença, caracterizada pela palavra paciência, tão comum na boca da nossa gente,
como observa José Veríssimo na sua obra Educação Nacional, vem provavelmente da falta de
participação do nosso povo nos acontecimentos mais representativos da sua vida política e
organização social. E uma vez que ela não foi removida por nenhuma das verdadeiras e triunfantes
revoluções sociais — a Independência e a República —, só o poderá ser por meio de um
intenso movimento que desperte e prepare a consciência coletiva da Nação, interessando-a no
conhecimento e na prática dos seus direitos e deveres e animando-a na luta pela conquista das
suas esperanças de progresso e aspirações de bem-estar.
Cumpre ao governo promover, sem perda de tempo, a melhor sorte das massas,
principalmente sertanejas, assimilando-as aos verdadeiros progressos da civilização, de
conformidade com as novas tendências da educação, para integrá-las definitivamente nas funções
da vida laboriosa e evolutiva do organismo nacional.
Compete ao governo lançar a primeira semente, despertando a confiança popular, excitando
o interesse geral nesta obra de verdadeira nacionalização e de aproximação das massas sertanejas.
Mister se faz um impulso motor e coordenador que conglobe as energias e aspirações
dispersas, centralizando-as em uma norma única para canalizá-las depois com todo o ímpeto de
que são capazes.
Convém, no entanto, evitar toda precipitação arrebatada e entusiasmos efêmeros e proceder
com devotamento e ponderação, para não incidir em erros e imprudências. Para isto, será de
relevante auxílio não só o estudo das nossas necessidades e possibilidades, mas também o
exame dos sucessos e dos fracassos de outros povos em tentativas similares.
A prova convincente dos exemplos e as sugestivas lições da experiência hão de indicar as
medidas aplicáveis ao nosso caso, dentro dos seus aspectos característicos.
Visto se adaptarem a ilustração das conclusões que tenho em mira inferir, passo a transcrever
tópicos daPsicologia da Educação de Gustavo Le Bon, extraídos do capítulo "Educação dos
Indígenas das Colônias".
Começa o capítulo com um tremendo aviso aos povos colonizadores e assimiladores,
dizendo que "os métodos universitários franceses exportados para as colônias produziram, como
primeiro resultado, a transformação de todos os indígenas aos quais se aplicavam em irredutíveis
inimigos". Para comprovar a sua afirmativa, transcrevem-se as palavras de M. Paul Giran,
administrador da Indochina, que previnem "terem fracassado quase todos os povos colonizadores
na sua tentativa de educação de raças estrangeiras, por abstrair aquela, exceção feita do seu
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ideal próprio, do ideal imediatamente acessível aos alunos, isto é, do ideal muito pouco superior
ao que estes podem conceber, sem influência do meio em que vivem".
E entrando na causa desta imprudência, continua Giran: "que, em virtude de certas
disposições particulares do espírito, somos levados a considerar todos os povos como semelhantes
a nós, e assim a educação de um povo inferior sempre tem sido sinônimo de assimilação;
compreendendo nós que educar uma raça significa modificar o ideal social desta raça e lhe
propor como princípio diretor o nosso próprio ideal, exigindo-se dela, pois, que, na realidade,
abandone as suas instituições, que transforme os seus costumes, que modifique a sua mentalidade
—coisas impossíveis".
Discorre Giran sobre a assimilação de um povo a uma cultura cujos fins não compreende
e cujos resultados não lhe aproveitam imediatamente.
A tentativa tomou-se infrutífera e contraproducente por lançar mão de métodos inacessíveis
a compreensão e ao interesse daqueles a que se aplicavam, em contraposição ao conhecido preceito
da Pedagogia que diz ser a ação de um professor ou de um método tanto mais eficiente quanto
mais acessível as inteligências e quanto mais procura baixar ao nível destas para descobrir-lhes os
motivos mais atraentes, aproveitando-se deles para criar os chamados "centros de interesse".
Criado, assim, o ambiente instrutivo, por meio dos centros de interesse, concentrada a
atenção, despertada a imaginação e o raciocínio em estado de tensão, toda semente boa e bem
lançada tende a germinar. Proceder contrariamente é criar, desde logo, um ambiente hostil de
repulsa ou de indiferença.
Nestas condições, o professor rural no Brasil deve ser educado não com o propósito de
levar aos sertanejos as reservas inesgotáveis de conhecimentos supérfluos, taxados por Montaigne
de "ciência 1ivresca"; deve sim ser orientado sob a preocupação constante da sua missão de
portador das luzes do alfabeto, de lições intuitivas de moral e civismo e de conselhos úteis
imediatamente aplicáveis as suas necessidades e aos recursos locais, ensinando-lhes a exploração
de produtos e a criação de indústrias regionais.
Cumpre que o professor se identifique, a princípio, com o sertanejo, para assenhorear-se
da sua psicologia e modificá-la para o bem; conhecedor das necessidades e possibilidades
locais, poderá indicar os meios mais eficazes para a sua exploração proveitosa.
A obra do professor será de uma dupla adaptação, ao ambiente moral e ao ambiente
físico, para modificar a ambos em prol da assimilação da raça e da prosperidade da Nação.
E nem outra coisa insinua Giran, dizendo que "a experiência confirmou a regra, que a educação
não poderá ser eficiente se não se achar em relação com os hábitos hereditários dos alunos e que,
por conseguinte, a instrução só pode produzir frutos quando convenientemente adaptada a
mentalidade destes, e, assim, a um povo inferior só pode convir uma instrução elementar".
Mas a seguir pergunta: "Nestas condições, qual é o campo que nos resta aberto? O das
ciências práticas, que é suficientemente vasto para satisfazer o nosso desejo de difundir a instrução,
sendo elas, de mais a mais, um excelente meio de educação intelectual, visto que é na escola das
realidades experimentais e não com livros que se formam os verdadeiros espíritos."
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
E conclui logicamente: "O nosso ensino será, sobretudo, técnico e profissional. Faremos
assim dos nossos indígenas bons auxiliares."
Sugere então: "A primeira escola a criar em um país novo é, pois, a escola profissional. E
o seu programa deve consistir, a princípio, exclusivamente em melhorar os métodos empregados
no país. Logo, o primeiro esforço da educação direta deve consistir em melhorar a técnica dos
ofícios existentes, das pequenas indústrias locais."
Ora, o primeiro passo já foi dado no sentido de criar o verdadeiro ensino técnico e
profissional em nosso país, com o projeto da autoria do senhor Fidelis Reis, deputado por
Minas Gerais, não só transformando em lei, mas também em realidade concreta, a criação do
Liceu de Artes e Ofícios de Uberaba.
Cumpre, porém, ampliar o campo de ação desta lei, estendendo os seus benéficos efeitos
a todas as escolas primárias rurais, na medida das possibilidades atuais e das vantagens mais
imediatas aos interesses das massas sertanejas.
Como prolongamento desta lei, convinha incluir nos programas das escolas rurais a prática
da lavoura e da criação, organizando os próprios alunos hortas e galinheiros com os seus próprios
recursos — cujos lucros ser-lhes-iam repartidos sob a forma de dividendos em uma sociedade
por ações. O papel do professor seria o de diretor e animador.
Tal é a orientação seguida pela Secretaria de Educação Pública do México, cuja atuação
vem tendendo, há cerca de três anos, no sentido de "anular a distância evolutiva que separa os
índios da época atual, transformando sua mentalidade, tendências e costumes", inspirando-lhes
a disciplina do trabalho metódico e produtivo e incorporando-os integralmente dentro da
comunidade social mexicana.
Para isto, foi delineado um plano de educação rural em dezembro de 1924, o qual vem
sendo executado quase integralmente e tem por base os seguintes pontos:
— Criação de 4 mil escolas rurais em que, além de se transmitir a educação primária
elementar aos meninos das povoações rurais, se lhes ensinará a localizar as matérias-primas
vegetais, animais e minerais que existem em cada região e a transformá-las em produtos comerciais
de venda efetiva e de útil consumo doméstico.
Criação de dez centros de incorporação cultural, fazendo-se a sua localização de
acordo com a distribuição geográfica das diferentes raças indígenas que povoam o país, dando-se
preferência aos lugares que, contando com os recursos e as facilidades para o caso, estejam
próximos dos grandes centros de povoaçâo indígena.
Nesses centros, será ministrado o mesmo ensino teórico-prático, objetivo e elementar
das escolas rurais, procurar-se-á melhorar as raças de gado por meio de reprodutores escolhidos
e generalizar o uso de ferramentas e materiais para as indústrias próprias de cada região, com o
fim prático de conseguir o aperfeiçoamente e desenvolvimento destas. Farão parte do pessoal
dos centros: um corpo de médicos para o estudo preventivo e curativo das enfermidades locais;
carpinteiros, ferreiros, para as oficinas de aprendizado; veterinários, encarregados dos estábulos
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
e destinados a vulgarizar conhecimentos úteis para o aumento do gado e extinção das pragas; e
mecânicos e instaladores de oficinas para a industrialização dos recursos regionais.
Um grupo especial de inspetores, recrutados entre os mais instruídos e distintos professores,
será incumbido do estabelecimento e da fiscalização das escolas rurais e dos centros de
incorporação cultural. E ainda, com o fim de formar núcleos mais perfeitos de incorporação
cultural nestes centros, atender-se-ão as necessidades totais de vida a cem meninos em cada
centro, procurando orientar a sua educação, os seus espíritos, para a formação de professores
normais especiais.
— Será criado futuramente um Centro Modelo de Internato e Incorporação Cultural
Indígena do Distrito Federal, com capacidade para 10 mil educandos de todas as regiões do
país e recrutados entre os índios de 14 a 18 anos de idade, qualquer que seja o seu grau de
instrução, e que apresentem as características de inteligência e de vigor físico necessários ao
caso. Os educandos farão cursos práticos industriais e serão orientados para as indústrias que
aproveitem os recursos naturais da sua região de origem, sendo utilizadas, para os estudos,
diferentes oficinas e instalações das escolas técnicas industriais e agrícolas do distrito, onde se
farão as práticas necessárias.
Estas foram as bases do plano esboçado em cumprimento ao desideratum do presidente
da República do México, ao tomar posse do governo em 1 ° de dezembro de 1924, quando
declarou, como a sua aspiração suprema, o propósito de terminar o seu período governamental
deixando 5 mil professores rurais, os quais, unidos aos que competem aos governos dos estados,
iriam formar "o exército de agentes, não já propriamente instrutivos, mas civilizadores, junto as
massas rurais".
Quanto ao modo pelo qual este plano vem sendo executado, basta ler o recente Relatório
de 31 de agosto de 1927, apresentado pelo doutor J. M. Puig Casauranc, secretário do Estado
e encarregado do despacho do ramo da Educação Pública, ao Congresso da União Mexicana.
Nele, diz o senhor Casauranc que, de conformidade com odesideratum do presidente
da República do México, existem atualmente na Federação 3.433 professores rurais e seis
missões culturais, com peritos em agricultura, pequenas indústrias, educação física, higiene e
propaganda útil de ação social. A essas missões compete levar a regiões diversas do país os
trabalhos civilizadores delineados no plano.
Para atestar o afã por esta campanha, vejam-se estas palavras do Relatório: "Apesar de
ter sido um período que se assinala como um dos mais difíceis com que se teve de enfrentar a
administração atual, não só se manteve a totalidade das instituições existentes no ano anterior e
aumentar 433 professores rurais, como também se ampliaram os serviços educativos em todos
os ramos em que o exigia o notável aumento de inscrição escolar verificada nos princípios do
presente ano, enriquecendo-se e fundando-se, além disso, novos centros e oficinas, para o que
se utilizaram, em sua totalidade, além das quantias de que se pôde dispor, do fixado no Orçamento,
os ingressos próprios obtidos nas escolas secundárias, industriais, técnicas, universitárias, etc."
Para bem se julgar do incremento que têm tido as escolas rurais, compare-se o seguinte:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Quadro Demonstrativo do Número de Professores e de Escolas
Anos Inspetores Professôres Escolas Matrículas
1924 47 1.105 1.044 76.076
1925 65 2.388 1.926 126.850
1926 85 3.000 2.633 183.861
1927 93 3.433 2.952 206.383
A confiança ilimitada na missão das escolas rurais é manifestada com veemência pelo
senhor Casauranc, quando afirma enfaticamente, em um discurso, "que tudo se pode destruir no
México, pode crer-se no fracasso dos regimes revolucionários, das instituições, dos métodos,
dos homens, de tudo, enfim, mas não há quem se atreva a destruir a obra das escolas rurais, que,
neste momento, significa já a aspiração e a vontade gerais".
A escola rural no México representa, assim, uma crença, uma esperança; é a máxima
fórmula da vida social mexicana e que, posta em prática apenas há três anos, já se considera
como a instituição mais arraigada que todas as que, até então, existiram: foi uma revelação.
E a consciência mexicana, no seu arroubo entusiástico, inspirou-se nesta revelação,
organizou um exército e criou uma nova fé, pondo-se em campo para a redenção da Pátria.
Ao primeiro apelo do governo, arregimentaram-se centenas e centenas de voluntários,
dos quais se escolheram os que apresentavam as melhores condições de cultura mental, para
levarem ao seio dos povoados longínquos a voz dos dogmas que abraçaram e nos quais foram
previamente disciplinados por meio de missões especiais.
A escola rural no México não é mais nem nunca foi considerada pelos mexicanos uma
simples experiência, mas uma demonstração prática pela qual se acende já o interesse de outros
povos, repercutindo em diversas nações latino-americanas, como o Peru, cujo governo teve por
bem enviar um representante especial para estudar os institutos existentes, e a República de Gua-
temala, que criou um Departamento de Cultura Indígena com idênticas tendências e aspirações.
É de lastimar que o eco desde acontecimento não tenha chegado ainda bem claramente
até nós, para nos aproveitarmos daquilo que nos convier. País novo, com rotineiros ou incipientes
e vacilantes métodos de culturas, muito malfeitas pelo sertanejo indiferente, no geral, não é tanto
de especulações filosóficas e de estudos clássicos, que não nos faltam, que o Brasil necessita
para a exploração das suas riquezas.
Já sabemos formar doutores, literatos, bacharéis, filósofos e até burocratas e encostados.
Aprendamos agora a formar lavradores, criadores, pequenos industriais, bons artífices.
A ciência livresca de que nos fala Montaigne não resolve as nossas necessidades no
ensino, principalmente no rural, como bem o reconheceu o México para o seu caso, semelhante
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ao nosso, sendo elucidativo um pequeno histórico da escola rural, que teve origem remota em
um decreto de1º de junho de 1911, assinado pelo General Diaz, e pelo qual o Executivo
Federal ficava autorizado a fundar, em todo o território da República, escolas elementares com
os fins de ensinar a falar, ler e escrever o castelhano e a efetuar as operações fundamentais e
mais usuais da Aritmética.
Por motivo de contratempos políticos, só quando no cargo de subsecretário de Departa-
mento da Educação, o senhor Pani tratou de dar execução ao plano, tendo estudado previamente
e reconhecido a inutilidade dos seus fins, nas bases traçadas, ao progresso do país, por visar
unicamente a um ensino meramente abstrato e de caráter instrutivo, completamente elementar.
Antes de pôr em execução o plano, o senhor Pani fez um inquérito a opinião pública e
a autoridade dos competentes sobre as vantagens do referido decreto, pedindo inspirações e
sugestões.
Aí é que se encontram os germens da escola rural, de acordo com a sua missão de que
"não deve ser, absolutamente, um estabelecimento em que se transmita um ensino unilateral,
abstrato e meramente instrutivo. Muito ao contrário, a sua missão tende para os verdadeiros
valores educativos: o valor instrutivo ou informativo, o valor utilitário ou prático, o valor disciplinar
ou moral e o valor socializante da cultura".
A escola rural no México foi, em suma, criada pelo povo e para o povo e veio se
desenvolvendo sempre com o auxílio do povo e com o mais franco e decidido apoio do governo
e dedicação de seus auxiliares.
Será interessante, como um incentivo as nossas aspirações, consignar a participação ativa
nessa cruzada de largos horizontes.
Tomemos ao acaso uma das muitas publicações da Secretaria de Educação Pública, por
exemplo, La Escuela Rural.
Leiamos primeiro os títulos por mera curiosidade:
Conceito da Escola Rural, Formado por um dos Nossos Modestos Educadores
Biografias de Grandes Homens Indígenas
A Criação de Patos é Simples e Remuneradora
— Higiene
Como, Construindo Galinheiros, Inicia o Professor Abel Ortega a Formação de
Cooperativas
Inauguração de um Magnífico Edifício Escolar
Discurso Pronunciado pelo Professor David Peralto, por Ocasião da Inauguração da
Escola Rural de Chimalpa
Melhoras na Escola Rural de San Isidro
Novo Edifício para a Escola Rural de Arcelia
Doação de Terrenos para Outras Escolas
A Casa do Estudante Indígena está Proporcionando Professores Rurais
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Inauguração da Escola Rural Federal de Zocacoyuca
Como em Cinco Meses se Organizou uma Escola com Elementos da Comunidade
Satisfaçamos agora a nossa curiosidade e leiamos atentamente o que mais nos interessa:
INAUGURAÇÃO DA ESCOLA RURAL FEDERAL DE ZOCACOYUCA
O semanário Argos, que se publica em Chilpancingo, diz o seguinte em seu número de 1 ° de
maio de 1927:
Com um entusiasmo transbordante... presenciamos na Cuadrilla de Zocacoyuca... a
inauguração de uma escola rural...
Já em outra página de nossa edição, publicamos uma breve nota dos atos levados a
efeito, mas pecaríamos por injustos se nestas colunas deixássemos passar desperce-
bidos fatos eloqüentemente reveladores do que significa o esforço dos cidadãos, secun-
dado pela boa vontade dos mentores da juventude e da franca e decidida cooperação
das autoridades.
Em Zocacoyuca (muita atenção!) foi levantado um edifício com o dinheiro dos vecinos
(moradores), ansiosos de que seus filhos e eles mesmos possam gozar da vantagem
incomparável de nutrir-se nas fontes da ciência e do saber. O esforço destes humildes
agricultores comoveu os generosos sentimentos do atual diretor da Escola Federal de
Iguala, que conseguiu que a Federação proporcionasse todas as facilidades para converter
em palpável realidade o anelo do nosso povo humilde.
E não se trata de um caso raro, mas, ao contrário, muito comum; senão, continuemos no
mesmo folheto:
Como em Cinco Meses se Organizou uma Escola Rural com Elementos da Comunidade:
1 — A 17 de janeiro último, foi aberta a escola pelo professor abaixo assinado, o qual
começou, desde então, a organizar o estabelecimento escolar.
2 — Desde logo, fêz-se o galinheiro com curral cercado de arame, onde se guardam 42
animais, entre gaios, galinhas, etc. Fizeram-se dormitórios para os animais, tendo sido
feitos pelo professsor e alunos todos os trabalhos de carpintaria.
3 — No mesmo galinheiro se fez uma conejera (madrigueira) em que há cinco coelhos,
cedidos pelo inspetor instrutor da zona.
4 — Solicitou o professor e obteve do Comitê Agrário do Povo dois lotes de terreno, com
a superfície de dois hectares e 1.725m
2
e que, unidos ao de lavoura cedido pela Hacienda de
Gonzalez, dão um total de três hectares e 3.046m
2
.
5 — No dia 3 de março ficou instalado o aparelho de rádio trazido pelo inspetor instrutor.
6 — Estabeleceu-se a oficina de carpintaria com a ferramenta com que o mesmo inspetor
dotou a escola e com a madeira que as autoridades e os moradores proporcionaram ao
professor.
E deste teor são todas estas informações até a 16ª.
Visto ser de eficacíssimo meio de propaganda e de benemerência, não deixemos ainda de ler isto:
Magnífica ação dos comitês de educação organizados em cada um dos povoados da Repú-
blica: principiam a dar os resultados desejados.
O inspetor em Garcia nos informa o seguinte sobre a gestão dos citados comitês:
Como resultado do nosso empenho, os comitês de educação conseguiram, com o auxílio
dos moradores, o seguinte:
— Compraram-se lâmpadas em Salitre, Ahuichote, etc.
Em Santa Rita, fizeram-se 2 mil tijolos e se conseguiu a pedra suficiente para a construção
do novo edifício escolar.
— Em Ermita de los Corrêa conseguiu-se que os moradores semeiem duas parcelas (ignoro
a extensão) em beneficio da sua escola.
Em San Cayetano se prosseguiram os trabalhos de construção do edifício escolar,
faltando o teto.
E continua a lista:
— São donativos, benfeitorias, propagandas, empreendimentos, realizações.
Não se julgue, porém, que somente as classes de modestos recursos é que cooperam
para o desenvolvimento do plano. Há donativos de somas consideráveis feitos por pessoas
abastadas, por grandes estabelecimentos comerciais, companhias, sociedades, etc.
O México reconhece, pela palavra autorizada de um dos seus representantes, que se encon-
trou a si mesmo com a criação da escola rural. O povo a chama, com razão, de escuela del
pueblo, porque é dele, de fato; e pedagògicamente é a escola da ação, porque ensina fazendo.
Disse-o o senhor Moisés Sáens, Subsecretário da Instrução Pública no México, por oca-
sião da Convenção dos Professores do Estado de Texas, reunido em Dalas:
Quando visitei a Europa, estudando problemas educativos, mui especialmente os da instrução
secundaria, fiquei impressionadíssimo com a semelhança dos problemas nas diferentes nações e,
com a maior semelhança ainda, da situação educativa e dos problemas educativos entre os povos
da América. Os Estados Unidos, o México, o Brasil, a Argentina, o Chile e todas as demais nações
do Novo Continente têm problemas iguais e pontos de vista iguais, pelo fato de sermos todos
filhos da América.
E o senhor Casauranc confirma esta identidade perfeita entre as nossas condições, pois
aqui, como no México, "não podemos esperar que a criança vá a escola, mas que é indispensável
conseguir que a escola vá a criança". E isto deve ser tomado ao pé da letra e não metaforicamente.
Só estas palavras constituem um lema, um programa de administração.
O México já o pôs em prática, esperando dentro de vinte e cinco ou trinta anos extinguir
o analfabetismo.
E o Brasil, quando e como traçará programa idêntico?
Um plano semelhante ao do México resolveria, quase in totum, o nosso momentoso problema.
E não se objete na falta de professores, de recursos, de entusiasmo das massas e de
tantos outros anestesiantes da ação eficaz, visto que todos estes obstáculos existem mais na
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
nossa imaginação timorata, e que podem ser removidos, demonstrando-o a energia construtiva
mexicana.
O Brasil, porém, apresenta feição característica, e só em parte resolveria o seu programa
por meio das escolas rurais, o que, aliás, seria muito. Assim como, entre outros obstáculos, teve
o México que lutar com a resistência passiva do meio, infiltrando lentamente o castelhano entre
as povoações indígenas, para coexistir com os diversos dialetos falados, assim também o Brasil
tem que lutar com a fraca densidade de população dos povoados remotos e sem contigentes
suficientes de meninos em idade escolar.
Sobre este empecilho, dou agora a palavra ao doutor Miguel Couto, que assim se
manifestou em brilhante conferência realizada na Associação Brasileira de Educação, a 2 de
julho do corrente ano:
Entretanto, a difusão do ensino pelo nosso imenso território, com três habitantes por quilômetro
quadrado, encontra obstáculos quase insuperáveis, para cuja solução não há nenhum outro país
que nos sirva de modelo. Na nossa grande vizinha amiga, a República Argentina, a densidade
ainda é menor, mas a Argentina é um tabuleiro e o Brasil uma cadeia de montanhas.
Esta, de fato, é a maior de todas as dificuldades.
Examinando outro aspecto da questão e de não menos importância, diz: "Seria oportuno
indagar se o governo central tem títulos que o autorizem a instituir, nos estados, o ensino primário".
E, neste sentido, passa a dar a opinião do doutor Octavio Mangabeira:
Haja, embora, quem proclame que o governo federal é incompetente para intervir no assunto, não
há como escurecer que a grande maioria, senão a quase totalidade das opiniões a respeito, converge
para a doutrina de que a nossa Magna Carta, ao conferir aos estados autorização para prover o
serviço do ensino elementar, não vedou a União que o fizesse, colaborando, se porventura o
entendesse, paralelamente com aqueles, em prol das populações brasileiras.
E a do doutor Manoel Bomfim:
E forçoso criar fortes correntes internas de sentimentos e de idéias que liguem os nossos destinos,
e a base de tudo isto é a escola primária... Que nos resta fazer, se nos queremos conservar como
uma nacionalidade única? Criar, o mais cedo possível, um espírito publico; levar a todos os ânimos
o sentimento de uma pátria única; afinar, de um a outro extremo do País, o amor do Brasil comum.
E o que está naturalmente indicado para isto, como o mais conforme a nossa situação especial, a
nossa divisão política e a nossa crise social, é desenvolver, unificando e nacionalizando, a escola
primaria, questão urgentíssima para a República e para a Pátria.
E conclui:
Da minha parte, peço vênia para acrescentar que, se o termo desta controvérsia, acadêmica e
eterna, sobre o assunto de tanta instância e magnitude depender de outra reforma da Constituição,
a constituinte que se convocar será obra de patriotismo.
Encarados assim de frente estes dois aspectos da questão, sugere um plano:
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Talvez consultasse a nossa modalidade geográfica e melhor dividisse as esferas de atribuições o
seguinte alvitre:
As câmaras municipais forneceriam o ensino primário, em curso de oito anos, aos habitantes em
idade escolar, da sede dos respectivos municípios; os Estados, nas capitais; e a União, em todo o
interior e nos municípios insuficientemente dotados.
Livre aos estados e a União o erigir o ensino secundário e o superior onde julgarem dever
localizá-los.
Todos os escolhos residem exatamente no papel reservado a União.
Como propiciar o ensino a uma população escolar esparsíssima — seis milhões para nove milhões
de quilômetros quadrados —, quase na proporção de uma criança para quase dois quilômetros
quadrados, exigindo, a bem dizer, um professor ao lado de cada uma?
A escola itinerante, ensaiada sem êxito na Austrália, devendo parar em cada lugar oito anos, de
itinerante só teria o nome, sendo que, quando continuasse o seu caminho, deixaria sem ensino a
nova geração escolar que se foi formando nesse trato.
Creio que a União poderia:
1 — Disseminar escolas públicas em todos os pequenos centros do interior, vilas, viletas, aldeias,
aldeolas, estações de linhas férreas, etc, que reunissem em torno, num raio de meia légua, uma
população escolar mínima de quarenta crianças.
2 — Estabelecer em cada Estado, em número conveniente, grandes institutos de ensino primário,
construídos adrede, sob a direção de pedagogos e higienistas, e providos de laboratórios e oficinas;
para eles viriam todas as crianças domiciliadas no interior do País, em lugares não servidos por
escolas. O Estado passaria a exercer, com respeito a estas crianças, verdadeira tutela, e lhes daria,
durante oito anos, além da manutenção e indumentária, a instrução intelectual, física e profissional.
Tais institutos seriam colocados, de preferência, em clima de montanha e áreas extensas que
permitissem o ensino agrícola, segundo o modelo traçado por Arthur Torres; outros, consultando
a saúde das crianças, a ribamar.
No fim daquele prazo escolar, o governo, exonerando-se da sua missão paternal, devolveria a
cada família os seus filhos, devidamente educados e aptos para ganhar a vida e honrar a Pátria
nos seus ofícios.
Para órgão desta função nova do Estado, com as inúmeras ramificações em todo o Brasil,
servindo de centro coordenador de atos e esforços, como uma espécie de comando único a
que se referia Leon Brunschwigg na sua conferência de Strasburgo, seria criado o Ministério
da Educação.
E mais adiante continua:
Como corolário próprio a Associação Brasileira de Educação, porventura de acordo com estas
idéias, que se dirigisse ao presidente da República e ao Congresso Nacional e solicitasse a sua
atenção e o seu saber para o estudo das seguintes proposições:
1 — A União levará o ensino primário e a higiene a todo o interior do Brasil.
2—É destinado exclusivamente ao ensino e a higiene o produto integral do imposto sobre a renda
e o do imposto de consumo das bebidas alcoólicas.
3 — É criado o Ministério da Educação com dois departamentos: do ensino e da higiene.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Ainda que admirador do plano esboçado pelo eminente professor e de aplaudi-lo em
muitos pontos, julgo-o inexeqüível na prática por depender de uma verba enorme, da qual o
nosso país não poderá absolutamente dispor de princípio.
Peço permissão agora para apresentar a apreciação deste ilustre Congresso uma sugestão
única que me parece viável a difusão fácil e rápida do ensino, exigindo, ao contrário do plano
acima exposto, muito menor dispêndio da parte do governo e, posteriormente, alguns anos
depois de posta em execução eficiente, este pouco ou nada terá que despender, facilitando o
povo a instruir-se por meio dos seus próprios recursos.
Proporia, a título de experiência, que se fundasse um ou mais internatos públicos de ensino
primário em regiões prósperas deste ou de qualquer outro estado da Federação, de acordo
com as seguintes normas:
1 — O Estado, com o auxílio do município ou municípios da região e solicitando o da
União, mandará construir um edifício escolar com capacidade para o internato de uns 400
alunos, no mínimo, e para a residência dos respectivos funcionários, em terreno previamente
escolhido.
2 — Neste prédio, será instalado um internato com duas seções: uma para meninos e
outra para meninas.
3 — Este estabelecimento terá duas ordens de funcionários, escolhidos, com o máximo
escrúpulo, entre profissionais que tenham dado provas da sua dedicação e proficiência, e que
são: o corpo docente e o pessoal administrativo.
4 — Neste estabelecimento, será ministrado o ensino elementar, ao lado de práticas de
agricultura, criação de animais domésticos e pequenos ofícios de lucro imediato, feitas pelos
alunos, sob a direção de pessoal experimentado.
5 — Os trabalhos do estabelecimento regular-se-ão por dois horários: um para o ensino
e outro para as práticas, de quatro horas cada um.
6 — Estas práticas, a par de fim instrutivo, terão um fim principalmente utilitário, pois
delas há de depender futuramente a manutenção do estabelecimento, mediante os seus próprios
e crescentes recursos. Assim, ficarão distribuídas de acordo com o sexo, com a aptidão de cada
um, com as necessidades e possibilidades do estabelecimento e do local. Para este fim, o
estabelecimento será aparelhado devidamente com os necessários instrumentos agrários,
ferramentas adequadas aos diversos misteres, máquinas de costura, ferros de engomar, etc.
7 — Os meninos se aplicarão a cultura da terra, a criação de animais domésticos e a
pequenos ofícios: quanto a cultura da terra, praticarão a horticultura, a jardinagem, a fruticultura,
etc; na criação de animais domésticos, tratarão da avicultura, apicultura e da criação do gado
necessário ao estabelecimento; em pequenos ofícios, entregar-se-ão a ocupação de construções
de cercas, galinheiros, consertos ligeiros, serviços de marcenaria, etc. As meninas serão iniciadas
nos trabalhos domésticos, como serviços de cozinha, costura, lavagem e engomagem de roupa,
trabalhos de agulha, fabricação de sabão, etc.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
8 — A produção do estabelecimento servirá para o consumo do mesmo, a qual, sendo
insuficiente no começo, como é de esperar, será suprida pelo governo; e, passado este estado
embrionário, como é de esperar também, o excedente será exposto a venda, em uma espécie de
feira, no próprio estabelecimento ou em lugar mais vantajoso. Além disso, qualquer dádiva dos
produtores locais será utilizada para o mesmo fim.
9—Tratar-se-á de organizar desde logo uma caixa escolar, cujos fundos serão constitu-
ídos, a princípio, de donativos, de produtos de festas escolares e de trabalhos executados nas
dependências do estabelecimento e, subseqüentemente, das sobras das rendas efetuadas na
feira. Essa caixa terá por fim promover o desenvolvimento e o aperfeiçoamente da instituição,
que terá a seu favor muitos fatores de prosperidade, como, por exemplo, para ser mais claro:
uma indústria fácil e mui lucrativa é, sem dúvida, a fabricação de perneiras para militares, sem
requerer instalações dispendiosas nem grande esforço físico da parte dos meninos; a própria
confecção de uniformes para colégios e corporações militares, roupas brancas para homens,
senhoras e crianças, bem como outras peças de vestuário de uso doméstico, não são coisas
difíceis para as meninas, uma vez que sejam criadas as seções competentes.
10—Serão admitidas a matrícula neste internato crianças de 10 a 14 anos, para o estágio
mínimo de três anos.
11 — Antes de mandar edificar o prédio para o internato, o governo fará propaganda
intensa na região escolhida, a fim de obter dos pais de crianças, que estejam no caso, todo o
apoio moral e material e o compromisso prévio e indispensável de matrícula para o estágio
acima estipulado.
Calo outras medidas, não entro na apreciação de hipóteses ótimas mas fundamentadas,
não estudo pormenores, pois o exposto é o que basta para deixar perceber que se trata de uma
obra perfeitamente realizável e capaz de se continuar quase automaticamente.
E será uma obra de grande alcance nacional, quando comprovada a sua eficácia e for
estendida por todo o Brasil, e que contará com o apoio de todos os brasileiros que forem
chamados a colaborar nela, visto que a alma brasileira é grande e tem dado disto as melhores
provas.
Resta que se faça um apelo, que se coordenem as suas aspirações, que se somem as suas
energias, para que elas se patenteiem com toda a sua generosidade natural.
E esta característica é mais notável quando se trata da questão do ensino, como ainda
recentemente acaba de ser demonstrado em Minas Gerais, com a criação do Liceu de Artes e
Ofícios de Uberaba, primeiro resultado da patriótica e vencedora campanha movida no Congresso
Nacional pelo deputado senhor Fidelis Reis, instituindo no País o ensino técnico e profissional.
Transcrevo parte do discurso pronunciado pelo senhor Fidelis Reis, por ocasião da
inauguração do Liceu Uberaba, e que maravilhosamente se aplica ao nosso caso:
Permanecerá como um incentivo e um estímulo (o liceu) para os que virão a ser fundados nas
condições do nosso. Nem de outra forma, aliás, se resolverá o problema da instrução no Brasil.
Indispensável o auxílio, a colaboração de todos. De forma alguma poderá o Estado prescindir do
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
concurso e da iniciativa particular. Só por si, serão os governos incapazes de resolver entre nós
problema tamanho. Assim, desde cedo, o compreendeu o povo americano. Foi o que, em boa hora
e com lustre para o seu nome, percebeu a terra uberabense. Veio do povo e se destina ao povo o
Liceu de Uberaba. Para a sua edificação, contribuíram os mais modestos operários. Há subscritores
de quantias mínimas, e a maior importância subscrita não excede de dois contos de réis, estando a
obra orçada em seiscentos contos de réis.
CONCLUSÃO
Creio que, do exposto, se pode deduzir que este plano atende as duas condições mais
importantes do magno problema, pois que, por um lado, alivia o governo do dispêndio de somas
que ele não pode atualmente dispor e, por outro lado, facilita a disseminação do ensino a todos
os recantos, mesmo aos mais longínquos, do território nacional.
TESE N
2
99
A ESCOLA E A FAMÍLIA
Deodato de Moraes
Rio de Janeiro, DF
cooperação efetiva da escola e da família vem facilitar vantajosamente o trabalho do
professor e resolver o problema da educação social.
O bom educador não perde a oportunidade de orientar a família, de interessá-la pelo que
se faz na escola, de fazer ver aos pais que o auxílio deles é indispensável para o bom resultado
do ensino que ministra, de demonstrar praticamente a todos que a instrução torna os homens
mais completos, mais alegres e mais felizes, que os esforços isolados do mestre, por melhores
que sejam, se tornam improfícuos, que todo zelo e toda dedicação do professor serão muito
prejudicados, desde que a família não coopere para a realização dos mesmos fins educativos.
Todo ensino deve adaptar-se as necessidades gerais do meio e imediatas da criança.
Como ministrar tal ensino sem conhecer as necessidades da região e, muito principalmente, as
dos pais dos alunos?
As relações com a família favorecem extraordinariamente o trabalho do mestre, aumentam
de maneira poderosa o prestígio da escola e do professor e fazem desaparecer as prevenções
dos meios hostis.
Em contato com os pais, o professor informá-los-á do adiantamento dos seus filhos, do
que é preciso fazer para que eles se tornem mais assíduos, mais obedientes, mais respeitosos,
mais prontos, mais ativos e mais úteis.
Muitas crianças enganam os mestres na escola e os pais em casa, dizendo que estes não
querem que aí estudem e que aqueles não passam lições para estudar no lar. O mestre fica, por
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
isso, sempre alheio ao que faz o menino em família, qual o grau de educação e instrução que aí
recebe, como se porta na rua e nas relações extra-escolares.
Nenhum mestre consciencioso, que ame a sua missão e as crianças que lhe são confiadas,
deixará de reconhecer a necessidade de assegurar-se da colaboração da família na obra educativa.
É este o motivo por que é necessário que todos os professores vejam os pais, convivam com
eles, se interessem pela sua vida e pelo progresso dos seus filhos.
Diz o ditado: "Quem meu filho beija, minha boca adoça". Ora, mostrando-se o professor
interessado pelos filhos dos moradores da localidade, interrogando-os seja notaram o progresso
que estão fazendo os pequenos na escola, solicitando-lhes o seu auxílio para corrigir certos
defeitos que possa um menino apresentar, qual será o pai que não lhe ficará reconhecido e não
se prontificará a ajudá-lo?
Uma desgraça fere uma família. Por que não visitá-la e se interessar pela sua dor? A
alegria entra por um lar a dentro. Por que não compartilhar daquela felicidade?
Aqui é um pequeno que está enfermo; ali, um pai que sofreu um desastre quando trabalhava;
acolá, uma mãe chorosa pela perda de seu filho. Cabe ao professor, e particularmente a
professora, aliviar, com as suas palavras de carinho, esta dor, conseguir, com os seus conselhos,
um tratamento melhor aqueles enfermos.
Essas visitas, que demonstram corações bem formados, ser-lhe-ão pagas a altos juros
pelo afeto eterno de uma família reconhecida.
Um excelente meio de que poderá lançar mão o professor para atrair os pais a escola será
o estabelecer serões educativos duas vezes por mês, pelo menos, na sala de aula, onde sejam
discutidos assuntos escolares e onde cada pai possa manifestar-se a respeito da educação que seu
filho recebe. O professor aproveitará essas reuniões para orientar a família sobre o que a escola faz
e lhe é permitido fazer e sobre o que cabe aos pais fazerem para auxiliar o trabalho do mestre.
A escola — dirá o professor — não pode fazer milagres; é necessário que todos se
interessem pela educação das crianças e facilitem a sua assiduidade as aulas.
Aproveitando essas reuniões, dar-Ihes-á o professor, em palestras simples e
despretensiosas, elementares preceitos de higiene — higiene alimentar, higiene de habitação,
higiene corporal e de trabalho — e incutirá, no espírito de todos, o desejo de uma vida melhor.
A cultura cívica deve tomar lugar saliente nos serões da escola. É preciso fazer notar aos
nossos lavradores que o homem, vivendo em sociedade, necessita de preceitos que rejam as
suas múltiplas relações. Daí a necessidade do cumprimento as leis para o bem comum, do
pagamento dos impostos, do respeito as autoridades constituídas, da justiça e do direito.
Dirá que em todas as democracias o povo goza de direitos políticos para exercer a sua
soberania. Que o indivíduo se torna cidadão, capaz de exercer uma certa influência nos destinos
do seu país, quando se torna eleitor. Que o voto é o expoente da liberdade política e que votar
é cumprir um dever sagrado para com a Pátria. Que o Brasil só será grande e respeitado quando
os seus filhos, numa comunhão de idéias e de esforços, cooperarem para o seu poder e a sua
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
grandeza. Que o serviço militar é uma necessidade para a consolidação do nosso poder como
nação organizada e inviolável.
Os nossos camponeses ignoram completamente como funcionam os diversos
departamentos administrativos do País e fazem idéia muito errônea do valor dos homens públicos.
Para eles, o presidente da República é uma espécie de sultão intangível, com direitos supremos
e cheio de vontades; que os ministros são verdadeiros satélites dessa divindade governamental;
que o deputado é onipotente e onisciente e basta querer uma coisa para que esta se realize.
É necessário que o professor lhes faça compreender o funcionamento das câmaras
municipais, estaduais e federal e, bem assim, a missão das grandes administrações e dos diversos
tribunais do País; que lhes explique o funcionamento da justiça, interpretando, se possível for, as
leis que nos regem, quer como organização social, quer como organização política. Nenhum
cidadão deve ignorar as leis do seu país.
Cuidando de assuntos agrícolas, fará ver o professor a vantagem de se acompanharem os
modernos processos de preparo da terra, de escolha da semente, de poda, de enxertia, de
colheita, etc, que vêm relatados nas revistas de agricultura, cujos primeiros exemplares conseguirá
que sejam distribuídos gratuitamente pela redação. Mostrará a conveniência das sociedades
agrícolas, dos sindicatos de auxílio mútuo, que opõem barreira tenaz aos exploradores e baixistas
e permitem atravessar as crises da lavoura sem maiores prejuízos. Informará constantemente—
valendo-se, para isso, dos jornais da capital — os preços correntes, na Bolsa de Mercadorias,
dos principais produtos da região.
Por ocasião das epidemias, a ação do professor se tornará mais eficaz ainda. Ao aparecer
uma doença contagiosa, compete-lhe expor, de acordo com as instruções da Saúde Pública,
imediatamente ao povo, a que perigos cada um es exposto e quais os cuidados higiênicos a
tomar. Aconselhará o isolamento dos doentes e procurará, por todas as formas, extinguir os
focos de infecção. Apelará para o sentimento humanitário de todos, para a solidariedade da
população, a fim de dar enérgico combate ao flagelo, que quase sempre se propaga pela incúria,
ignorância e imundície de um certo número de indivíduos.
Evitando substituir o médico, aconselhará, contudo, os primeiros curativos a tomar antes da
chegada do facultativo. Uma das preocupações mais acentuadas do bom professor deverá ser aquela
de dar combate aos vícios sociais que degradam o homem e degeneram a raça, principalmente o
alcoolismo, que tantos males traz ao nacional e a sua prole. A abstinência ao álcool deve ser não
apenas pregada com interesse e mesmo entusiasmo pelos mestres, mas apresentada como exemplo
digno de imitação. É bom, desde cedo, fazer ver aos nossos homens que a cachaça é o maior
depauperador do brasileiro e que é ela o fator preponderante na porcentagem do alcoolismo nacional.
Onde, porém, a sua ação se tornará de um valor extraordinário é no combate a medicina
roceira, a medicina dos curandeiros, a que se deve o maior número de óbitos do País.
Ao professor cabe encetar esta campanha, porém com fino tato e extrema prudência. É
necessário não ir bruscamente de encontro a velhas tradições já fortemente enraizadas no espírito
de pessoas incultas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Se ao professor cabe esta missão, as professoras está reservada uma outra, mais nobre e
mais elevada, na parte referente a higiene e conselhos domésticos.
E a elas que incumbe propagar, no seio da família, as noções de puericultura e de economia
doméstica, de que muitas famílias necessitam. O arranjo da casa, a limpeza da roupa, a higiene
dos quartos, a escolha da alimentação, o corte, a costura e o remendo, ocrochet, a renda e o
bordado, as conservas e os doces, tudo, tudo deve ser praticamente ensinado.
Uma das coisas que a mulher do campo quase geralmente ignora é a higiene prática de
que tanto precisa, tendo, como tem, de fazer alimentos e criar os filhos.
A alimentação dada a uma criança vem influir não só na sua futura saúde, mas, o que
pouca gente sabe, no seu caráter futuro. Uma alimentação excessivamente forte, em que entrem
matérias condimentadas, azotadas, carnes diversas, álcool, faz daquele coração anjo um caráter
azedo, um temperamento sangüinário, selvagem, amigo das lutas, das diversões brutais e
perversas, um indivíduo de baixos hábitos e de organismo estragado. Ao contrário, uma
alimentação fraca, que se compõe em grande parte de mingaus, chás e caldos, produz organismos
débeis, temperamentos fleumáticos, indivíduos sem energia, apáticos, indiferentes.
Saber, pois, graduar a alimentação do homem, saber combinar os diversos elementos de
modo que todos concorram para o seu bem-estar fisiopsíquico, é dever que se impõe a toda
mãe e, particularmente, a toda professora.
Uma instituição que, criada na escola pública, prestará relevantíssimos serviços é a
associação pós-escolar. Constituída exclusivamente de alunos que deixam a escola depois de
concluído o curso, a associação pós-escolar tem por fim exercer uma ação eficaz, se bem que
indireta, sobre os seus antigos discípulos.
Em geral, a criança que deixa a escola fica entregue a si própria, sujeita as influências perniciosas
das más companhias e entregue aos vícios próprios da idade, alcoolismo, tabagismo e outros.
Cabe ao professor continuar a exercer a sua ação benéfica sobre esses jovens sonhadores,
atraí-los para o remanso da escola e proporcionar-lhes uma educação esmerada.
A associação pós-escolar deve atingir, quanto possível, os três fins seguintes: instruir os
associados; proporcionar-lhes meios de educação e preservação social; e proporcionar-lhes
exercícios e distrações diversas.
Para atingir o primeiro fim, bastam as conferências na sala da escola e a existência de uma
biblioteca pública. Os livros para esta biblioteca poderão ser adquiridos com os auxílios da
municipalidade, dos pais e das pessoas que visitarem a escola Existindo a biblioteca, fará o professor
leituras públicas domingueiras sobre assuntos interessantes e de utilidade imediata e convidará
outras pessoas de merecimento para realizarem palestras em dias previamente determinados.
Estamos certos de que o farmacêutico, o agrônomo, o dentista e muito principalmente o vigário
não se escusarão de prestar o seu concurso nesta obra social de um valor imenso.
A leitura popular exercerá assim uma influência moralizadora do meio. O operário, que
em geral escolhe o domingo para se envenenar fisicamente nas tabernas e moralmente nas casas
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
de jogos, será por este modo desviado desses antros sociais. O professor o convidará, irá
buscá-lo mesmo, se a tanto for preciso, para ouvir os conselhos do pregador do dia.
Habituado a sãs leituras que lhe enchem a alma de paz e de esperança, as conferências instrutivas
e educativas que lhe resolvem os diversos problemas da vida e que lhe mostram como se consegue
um lar feliz e uma prole sadia e forte, o operário não mais se sugestionará por esses panfletos revo-
lucionários que, f alando-lhe numa linguagem que o lisonjeia, envenenam o seu espírito, pervertem o
seu coração, o embriagam com um bem-estar futuro quimérico, o transformam em um eterno des-
contente e revoltoso, num mau trabalhador, num mau chefe de família, num detestável cidadão.
A associação pós-escolar, desviando os mancebos e operários das tabernas e das casas
de jogos, atraindo-os ao seu seio para ouvirem a palavra dos seus conferencistas, terá cumprido
o seu segundo fim — o da preservação social.
Não bastam, porém, as palestras, os conselhos, as leituras, o rádio e as sessões de projeções
luminosas da escola.
O domingo é dia de descanso, e o operário deseja naturalmente recrear-se. A associação
poderá prestar ainda esse beneficio e cumprir assim o seu terceiro fim, mantendo um campo
especial para os diversos jogos, tais como futebol, lawn tennis, malha, pela, peteca e outros
que se usem nas respectivas localidades e que sejam higiênicos. Organizará periodicamente, em
festas públicas, concursos de corridas diversas, canoagem, equitação, ciclismo, tiro ao alvo,
etc, com distribuição de prêmios oferecidos pelos próprios habitantes da aldeia.
A associação poderá também encarregar-se do desenvolvimento das linhas de tiro, do
escotismo e da criação das caixas escolares.
Agindo assim, o professor tornará a sua escola um centro de cultura física, intelectual e
moral, digna dos aplausos de um público sensato e de um governo honesto e previdente.
Não há más escolas—disse J. Carré —, não há senão professores mais ou menos capazes,
mais ou menos zelosos, mais ou menos dedicados: não há meio, por mais modesto ou ingrato que
seja, onde um professor que compreenda a sua missão e que ame não possa fazer um grande bem.
TESE Nº100
A ESCOLA NOVA
Deodato de Moraes
Rio de Janeiro, DF
onta-se que o diabo, descendo certa vez a terra, ficou admirado de que isto por aqui
andasse no melhor dos mundos. Verificou que os homens apresentavam traços de caracteres
comuns: eram bons, visto que acreditavam no bem; eram felizes, porque eram bons; eram calmos
e equilibrados, porque se julgavam felizes.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
C
Não satisfeito, porém, com a sua descoberta, resolveu mudar a face das coisas. Pensou:
"A infância é o futuro da humanidade: comecemos pela infância."
E apareceu aos homens como um enviado divino e reformador da sociedade.
"Deus — disse ele — exige a mortificação. É necessário começar desde pequeno. A
alegria é pecado. O riso é blasfêmia. As crianças não devem conhecer nem alegria nem risos. O
amor de uma mãe é um perigo: ele afemina a alma do rapaz. É preciso distanciar as mães dos
filhos, a fim de que nada impeça a sua comunhão com Deus. A vida é trabalho. A juventude
deve trabalhar. O interesse deve ser banido. Só é bom o trabalho desinteressado. O prazer é
perdição."
Assim falou o diabo. A multidão inclinou-se respeitosa e exclamou:
Queremos salvar-nos; que é preciso fazer?
Criai a escola.
E, sob a inspiração de Satã, criou-se a escola.
Os homens de ciência, os filósofos, os pensadores, fechados em seus gabinetes,
encarregaram-se das leis, das regras e dos preceitos por que se deviam orientar todos os
professores e todas as crianças. Sistemas educativos completos, os mais extraordinários, uns
utópicos, outros exclusivistas, foram elaborados; e a eles ficaram sujeitas as práticas da educação
e as leis reguladoras do espírito humano.
Surgiu o mestre-escola, autoritário e rabugento, sem critério nem orientação pedagógica
ou sociológica, sempre de férula em punho para amedrontar ou castigar.
Esqueceu-se a criança, ou melhor, matou-se a sua atividade, reprimiu-se a sua alegria,
enclausurando-a dentro de quatro paredes nuas.
Criaram-se a ciência livresca e memórica e a disciplina passiva e estéril, que condenam o
livre raciocínio e punem a expansão livre do ser.
Afastada da vida, tomou-se a escola o laboratório de elementos amorfos, completamente
cegos sobre a mais rudimentar necessidade quotidiana. Os conhecimentos que sobrecarregavam
a memória dos indivíduos não lhes serviam para nada, porquanto não os sabiam aplicar nas
ocasiões oportunas.
Tudo era erro e ilusão.
Inerte e artificial, tomou-se a escola um verdadeiro cárcere para a infância. Nela se estiolaram
os mais fortes rebentos de uma centena de gerações.
Satã sorria satisfeito.
Mas não venceu.
Deus condoeu-se da humanidade e iluminou as inteligências sãs.
A reação, tímida a princípio, tomou-se temerária mais tarde; e hoje, o combate a mole do
conservadorismo do passado tem sido sem tréguas e, por vezes, tão eficaz quanto radical.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A contrapor a escola de Satã, surge a Escola Nova, cujo lábaro, de harmonia com as leis
físio-psíquicas da criança, abre campo vastíssimo as observações e experiências.
Perdendo o antigo caráter formalista e abstrato, a Escola Nova abraça todos os atos da
existência, todas as manifestações e formas do pensamento. Amplas e complexas reformas ela
efetua. Imagem da vida, põe em evidência as necessidades da criança, e, de acordo com essas
exigências, renova o sistema de ensino e de educação, distribui, gradua melhor o trabalho e faz
tudo isso com feição prática, aplicando o princípio da observação direta das coisas, substituindo
os métodos empíricos por métodos científicos e racionais.
A obra educativa do mestre complicou-se, portanto. Não basta ensinar apenas a ler,
escrever e contar. É necessário desenvolver energias, canalizar vontades, criar discernimentos,
formar seres pensantes e coerentes.
A Escola Nova não é apenas um meio social experimental, reflexo da realidade, em que a
criança é treinada a ver, a observar a vida, mas um mundo em miniatura, a oficina de gente
prática e consciente, positiva e coerente, sabendo e sentindo o que é a vida.
Ela visa formar em cada ser humano não um indivíduo mutilado, mas uma individualidade
completa, cônscia da sua existência social integral, com uma educação econômica ou profissional,
familiar ou afetiva, artística ou sentimental, científica ou intelectual, moral, jurídica e política.
A Escola Nova tende, pois, a concretizar a frase de Terêncio: "Eu sou homem, e nada que
respeita a humanidade me é estranho".
A ESCOLA NOVA É A ESCOLA CIENTÍFICA E PRÁTICA DAS NECESSIDADES ATUAIS
Aberta para a natureza e para a vida, ela desenvolve a observação e a curiosidade, suscita
o esforço espontâneo e fecundo, habitua a criança, no trabalho, a ser o artífice da sua própria
individualidade.
Fazer para aprender, mas fazer só, assistido, acompanhado, estimulado pelo professor, é
o seu processo; fazer tudo, todas as lições, todos os exercícios, todas as experiências, de maneira
que os conhecimentos adquiridos pelo aluno não sejam mais do que resultados da sua própria
atividade física e mental.
Em regra geral, a criança não gosta da escola. E não gosta porque a escola não condiz
com a sua natureza.
Ela é botão que desabrocha e pede muito ar e muita luz: encerram-na durante quatro a
cinco horas em uma sala escura, acanhada, desprovida de todo e qualquer atrativo; quer cantar,
rir, correr, forçam-na a ficar assentada e imóvel, proíbem-lhe falar e sorrir; quer ver, prescrutar,
raciocinar, conhecer, obrigam-na a ouvir e memorizar; é ativa, tomam-na passiva. O culto dos
programas massudos e dos horários rigorosos e o fetichismo dos métodos e processos antiquados
se encarregam do resto.
Semelhante regime cria-lhe hábitos de indolência, fá-la amorfa e apática.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Perde a curiosidade de saber, cansa-se o seu cérebro, dessora-se a sua inteligência, abor-
rece-se de tudo. E quando se vê emancipada daqueles grilhões que a atormentavam, nunca mais
quer saber de livros, nunca mais dá um passo para se instruir. A escola de Satã atrofiou a sua
vontade e paralisou a sua energia.
Na Escola Nova, não: programas, horários, métodos e processos são adaptados, tão
exatamente quanto possível, a natureza f isiopsíquica de cada um. Programas e horários não são
inalteráveis; a ordem das matérias, tal como neles existe, tem mínima importância. O professor
preocupa-se mais com a qualidade do que com a quantidade, com o saber consciente do que
com o palavreado oco ou erudito. A Escola Nova é intensiva, e não extensiva.
Nela, a criança sente, vê, entende, investiga por si própria; observa, coleciona, sistematiza
conscientemente os conhecimentos, tem discernimento, critério e iniciativa pessoal. O ensino é
sóbrio, prático, vivo, atraente, feito com coisas e não por palavras.
É a escola alegre em que todo o trabalho é executado livre e gostosamente, em que a
atividade criadora da primeira idade se educa no exercício experimental da realidade e no prazer
de vencer dificuldades.
É a escola atraente em que todas as aulas dão uma impressão de vida e de felicidade. Em
que há plantas em vasos, jarros com flores, bustos e estátuas, quadros pelas paredes, aves em
viveiros, peixes em aquários e tanques, coleções de insetos, de pedras, de frutos, de matérias-
primas, aparelhos de demonstração, modelos de arte.
É a escola útil em que a infância brinca de comerciante, de químico, de físico, de agricultor,
de operário, nas suas aulas de matemática, de laboratório, de campo, de oficina.
É a escola dinâmica, que desenvolve capacidades, forma Robinsons Crusoés capazes de
se bastarem a si próprios.
Opush americano (necessidade de avançar na vida) e o stat alla finestra delia vita
caracterizam a função da Escola Nova.
Ensina-se a criança a prática da vida — mostre-se o que ela é cá fora, eduque-se a sua
iniciativa, dirija-se a sua vontade, dê-se-lhe a sua independência e cultive-se, sobretudo, a sua
responsabilidade. A vida é uma eterna conquista, e, só pelo trabalho intensivo e pertinaz, nela se
conseguem vitórias.
O educador moderno não deve ser apenas o mestre-escola, repetidor sistemático de
ensinamentos secos, estreitos, formalistas e indigestos, o incutidor de regras, preceitos e teorias,
mas o elaborador de homens enérgicos e inteligentes, destros nos misteres da vida comum.
O professor que age pelo discípulo, que pensa por ele, que trabalha por ele, que fala para ele
ouvir, exigindo apenas a reprodução de tudo, que não mede o que se deve ensinar com o que se
não deve, que não gradua as lições a capacidade da classe, julgando-a capaz de acompanhá-lo
muitas vezes nas suas divagações ociosas, o professor, enfim, que afere os alunos pelo mesmo
padrão de inteligência, não respeitando individualidades nem potencialidade, deve ser substituído
pelo professor consciente da sua missão, que ouve o que o menino diz, que sonda o seu mais íntimo
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
sentimento, que observa a sua curiosidade, desperta o seu interesse, provoca o seu raciocínio,
respeita as suas tendências, encaminhando-o com clara e firme visão de espírito, que o considera,
enfim, como ser vivo pensante, como unidade sob o ponto de vista físico, intelectual e moral.
E para isso é preciso estabelecer um meio, criar um ambiente que envolva a escola e
domine a criança, inventar casos concretos que criem a possibilidade de converter em fatos ou
coisas nossos pensamentos ou criações.
A ESCOLA NOVA É A ESCOLA DA SAÚDE
A lei biogenética, segundo a qual a criança deve ser antes um bom animal para ser mais
tarde um bom civilizado, é a pedra angular da Escola Nova. Que importam métodos, processos,
livros e aparelhagem ótimos, quando a matéria-prima não está em condições de ser preparada?
Ninguém pode ensinar uma criança doente. Saúde em primeiro lugar e, depois, sabedoria.
Tão essencialmente importante é ensinar aos rapazes e as meninas o cuidado de seu
corpo, as noções fundamentais de uma alimentação bem regulada, o valor da recreação e do
brinquedo, da luz do sol e do ar puro, do descanso e do sono, e a relação destas coisas com a
educação do espírito e da mão, com o desenvolvimento do caráter e da conservação da própria
vida, como é importante ensiná-los a ler e escrever.
A Escola Nova é, assim, a Escola da Saúde.
Nela, a inspeção médica não se limita apenas a fiscalização das moléstias contagiosas e
prevenção das epidemias, mas ao melhoramento das condições físicas gerais pelo ensino de
preceitos de saúde, a averiguação e rápida correção de defeitos físicos, a criação do ambiente
sadio em que vivem as crianças.
Hoje não se faz inspeção médica unicamente para descobrir moléstias e defeitos físicos,
mas para pôr também a descoberto as causas das anomalias mentais e para fins pedagógicos.
Quer isto dizer que toda criança deve ser posta primeiramente na melhor condição de robustez,
de modo a poder auferir a maior soma possível dos benefícios escolares.
Antes de saber o que convém ensinar a criança, é necessário saber o que ela está apta a
aprender.
Nem sempre um escolar, por suas condições especialíssimas, pode receber um determinado
ensino; ora será sua potencialidade física, ora suas faculdades intelectuais que se oporão a
qualquer esforço, por mínimo que seja.
É preciso, pois, na educação da puerícia, ser ao mesmo tempo higienista e pedagogo,
para assegurar, preliminarmente, a evolução regular de todas as transformações anatômicas e de
todas as modalidades funcionais do organismo do educando e não contrariar as suas múltiplas
necessidades físicas, que variam segundo o lugar, o tempo, o sexo, as condições econômicas,
étnicas, climáticas e biológicas.
Dentre as transformações por que passa o corpo de uma criança, e cumpre ao médico e
ao professor ter sempre em vista, salientam-se as que dizem respeito:
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
1 — a estrutura e ao peso, que indicam a relação do desenvolvimento geral;
2 — a perimetria toráxica, que determina a robustez, a compleição, isto é, a capacidade
vital ou respiratória;
3 — a dinamometria, que fornece a medida do desenvolvimento muscular e é índice de
poder físico e intelectual;
4 — aos desvios da coluna vertebral, que orientam as atitudes escolares;
5 — ao diagnóstico mental e a acuidade sensorial, que abrem campo as potências do
espírito.
As exigências alimentares, os valores em calorias, a dosagem das vitaminas e o tratamento
dos dentes constituem também, por sua natureza, delicados problemas que cumpre resolver
com especial carinho.
Manter, pois, os discípulos em estado de saúde, preocupando-se secundariamente de
curar as doenças, é a função do médico. Para isso, é necessário o exame físico cuidadoso e
periódico, registrado em fichas, exame que oriente o pai e o mestre nos cuidados a observar.
O pai, para cuidar das doenças e alimentar melhor o filho; o mestre, para melhorar as
condições do ambiente em que vivem os discípulos, separá-los em grupos homogêneos, em
classes distintas de robustos, doentes, fracos e débeis, e adaptar a cada grupo programas
especiais, exercícios adequados, lições ao ar livre, passeios, banhos, estadias em colônias de
férias, etc.
Se as condições do pai não permitem cuidar da saúde do filho e alimentá-lo melhor, cabe
ao médico recomendá-lo as clínicas infantis gratuitas e ao professor instituir na escola a sopa, a
merenda ou o copo de leite. Só depois de sã e bem alimentada é que a criança pode bem
aproveitar a cultura mental.
Quando, há anos, dirigimos em São Paulo um grupo de escoteiros, o nosso médico, além
do exame geral das crianças, ainda assinalava na caderneta de cada um os cuidados que devia
ter nas atitudes escolares, de pé ou sentado, escrevendo ou lendo, e quais os exercícios físicos
que lhe eram necessários e quais os que, em absoluto, poderia realizar. E esses cuidados iam até
o regime de alimentação e de sono.
De par com os cuidados médicos, a Escola Nova dedica tempo suficiente aos jogos
desportivos moderados, que redundam em beneficio do robustecimento físico do aluno e da
regeneração da raça.
Campos apropriados para os diferentes jogos, piscinas de natação, rinques, parques
públicos com pavilhões de diversões facilitam o recreio proveitoso em todas as épocas do
ano.
O brinquedo é a modalidade característica da atividade infantil. É elemento neural poderoso
e possui um valor intrínseco extraordinário como fator da saúde e do crescimento físico. Criança
que não brinca é criança doente.
Não possui o prédio escolar pátio de recreio e nem existe próximo um parque público
onde possam brincar as crianças?
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Siga-se o exemplo dos Estados Unidos, onde muitas cidades que não estão em condições
de aumentar o número de seus lugares ou centros municipais de diversão fecham com cordas
várias ruas, para impedir o trânsito durante certas horas do dia, a fim de que, sem perigo e sem
interrupções, possam as crianças dedicar-se a seus brinquedos.
Nem todas as cidades podem ter uma piscina de natação, mas todas as cidades podem,
como na América do Norte, abrir a certas horas dos dias calmosos as chaves dos registros de
água das ruas e proporcionar as crianças uma ducha fria.
Em certas cidades americanas são os próprios bombeiros e policiais que administram os
banhos públicos com as mangueiras de água a legiões de meninos.
Ao lado dos jogos, dos banhos e dos exercícios físicos, a Escola Nova recomenda os
trabalhos agrícolas e manuais, as excursões escolares aos bosques, aos campos, as montanhas
e as praias, as danças, os cânticos e os bailados infantis, que dão harmonia e graça aos movimentos,
os festivais e os concursos populares em dias feriados.
Por todos os meios, a Escola Nova fomenta, como se vê, os exercícios saudáveis, que
dão vida a criança e vigor a raça.
A ESCOLA NOVA É A ESCOLA DO TRABALHO
As agitações formidáveis e as transformações bruscas em todos os ramos do saber humano
determinadas pela guerra européia não podiam deixar de influir sobre os métodos e processos
educacionais da escola primária.
Focalizada a difusão das artes e das indústrias e conseqüente preparação do operário
inteligente e capaz, a escola afastou de si tudo quanto é inútil e ilusório e adotou a fórmula anglo-
saxônicaío learn by doing (aprender fazendo) como ideal educativo. Nunca o problema de
ensinar e educar o povo de modo a assegurar-lhe meios honestos de vida e de independência foi
tão necessário e mais difundido que nesses últimos anos.
O trabalho é o meio de acentuar as aptidões econômicas dos escolares e de dar a cada
um a preparação técnica precisa para ocupar o posto que na sociedade corresponde ao seu
valor.
A Escola Nova, adaptando-se as necessidades decorrentes da época, tornou-se a escola
do trabalho, da iniciativa e da virilidade moral. Ela não só adestra a mão do futuro operário
como lhe educa o cérebro e fortalece o corpo. Os seus novos métodos e processos de atividades
produtivas, ao mesmo tempo que se adaptam melhor as tendências espontâneas da criança,
contribuem para democratizar a educação pública e, ainda mais, para aumentar seu valor como
preparação as atividades industriais e agrícolas. O trabalho na Escola Nova constitui um verdadeiro
sistema pedagógico, de cultura geral e integral, exercitando a atenção, a percepção, o raciocínio,
o juízo, provocando o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades.
A orientação educativa do trabalho prendem-se todos os problemas da escola primária: o
das ciências, das letras e das artes.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A Física como a Química, a Aritmética como a Geometria, a Agronomia como a Higi-
ene, a História como a Geografia, o Desenho como a modelagem e osloyd, tudo está tão
intimamente ligado ao problema manual que separá-los será desnaturar o ensino, afastar a
escola da vida, torná-la amorfa e ineficiente.
Nos laboratórios, os próprios discípulos constróem aparelhos, fazem experiências, ob-
servam, comparam, descobrem, deduzem e aplicam leis. Nas oficinas, manejam, montam e
desmontam, preparam e fabricam ferramentas, medem, pesam, trocam e avaliam.
Nos museus, colecionam, classificam, rotulam, catalogam. Nas bibliotecas, consultam,
anotam e deduzem. Nos aquários, observam, estudam, descobrem. Nas aulas de economia
doméstica, varrem, lavam, engomam, cozinham, remendam, costuram. Nos jardins, plantam,
tratam, colhem, preparam, vendem e compram.
Os traçados dos canteiros são problemas de Aritmética e Geometria; as cores das folhas e
das flores são motivos para a combinação de tons, são planos de desenhos, de riscos e de gráficos.
O estudo das épocas em que se semeia, a necessidade das culturas alternadas para não
esgotar os terrenos, os diversos tipos de plantas, as que pedem sol e as que dão melhor a
sombra trazem a criança não só hábitos de previdência e de meditação, como também
conhecimentos de Geografia, tais como de orientação, do andamento do sol, das horas, das
estações, da chuva, do rocio, dos ventos, dos climas, etc.
Na modelagem do barro, no recorte e dobramento do papel, nos trabalhos de carpintaria
aparecem os mais interessantes e variados problemas de Geometria, de Física, de Química, etc.
Construindo balões e papagaios de papel, capeando livros, fazendo embrulhos, cortando
roupas para bonecas, encapando carteiras e enfeitando moringues, armários e mais objetos
escolares, dá o professor noções práticas de quadriláteros e polígonos, tangentes, cordas e
áreas, além de noções de Higiene e Economia Doméstica.
Ao fazer um barco de madeira que a criança tencione lançar ao lago da escola, surge o
problema dos corpos flutuantes, dos transportes, dos usos e costumes dos povos, dos
descobrimentos marítimos, enfim.
Preparando a sopa escolar, distribuindo o copo de leite ou a merenda, há oportunidade
excelente para as questões de Botânica, de Química, de Economia e, sobretudo, de Higiene e
de Moral.
O ensino das diversas ciências surge, como se vê, naturalmente vivo, atraente, palpitante,
a propósito de qualquer objeto fabricado, de qualquer ação que se pratique.
Todas as lições são dadas diante do objeto e, conseguintemente, fora da classe, nas
oficinas, nos museus, nos laboratórios, nos jardins, nas hortas, nos pomares, nos campos, a
beira-mar, em toda a parte, enfim, onde o discípulo possa fazer as suas observações e tenha
alguma coisa a aprender.
A Escola do Trabalho é, assim, a Escola Nova que nos convém.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A ESCOLA NOVA É A ESCOLA SOCIAL
A sociedade é uma organização ética cuja obra de elevação e de maior aproximação de
seus membros deve ser corrigida e completada pela escola.
A estratificação e diferenciação social que se nota separando os indivíduos, quer no modo
de pensar e de sentir, quer no de agir e de julgar, têm como causa principal o fraco poder
educativo da escola.
Congregar todas as vontades num intento comum, desenvolver a concepção geral da vida
e do mundo, fundir numa só tendência todas as oposiçòes, fazer convergir os esforços de todos
para o mesmo f im e assimilar progressivamente as camadas inferiores as superiores, nivelando,
confundindo e apagando as distinções de classes, são funções da Escola Nova.
Bem orientada e bem dirigida, ela pode harmonizar interesses diversos, pode conciliar a
ordem com o progresso, a liberdade com a autoridade, o dever com o direito, a igualdade com
a heterogeneidade e com a diversidade orgânica, psíquica e social, e chegar espontânea e
livremente a formação de um espírito social e de uma cultura geral que seja, no seu fundamento,
comum e igual para todos.
A necessidade da democratização social levou a Alemanha de hoje a criar um novo tipo
de escola primária obrigatória, zgrundschule, cujo fim é estabelecer uma base de educação
comum ao povo inteiro.
Qualquer que seja a condição social dos país, qualquer que seja a carreira para a qual se
deseja preparar a criança, todos têm, durante os quatro primeiros anos escolares (de 6 a 9 anos
de idade), de passar pela escola-base da cidade ou do bairro em que habitam.
A glorif icação do trabalho manual, dignificando o ensino, completa a ação educativa da
escola.
Não basta espalhar o mais possível a instrução, semear por toda parte a boa semente,
nobilitar espíritos, aguçar pensamentos, cultivar gostos. É necessário temperar caracteres, dilatar
sentimentos, formar consciências, inspirar o amor ao dever, ensinar a produzir, habituar a vencer
e, sobretudo, criar um ambiente, uma atmosfera em que a criança respire liberdade, sinta a
necessidade da cooperação, do auxílio mútuo, veja praticar e seja constantemente solicitada a
praticar ações em benefício comum.
Há uma educação social a fazer. Na vida humana não é lícito aproveitar unicamente os
esforços dos contemporâneos, gozar das riquezas acumuladas pelos antepassados. É dívida de
honra conservar, propagar e transmitir as gerações futuras o fruto do trabalho das gerações
anteriores. A escola é a grande família coletiva, o terreno em que deve germinar e desenvolver-
se o sentimento de solidariedade consciente, voluntária e razoável.
Importa que a criança saiba e compreenda, por todas as maneiras possíveis, que os homens,
para viver, têm necessidade do concurso de todos os outros e que o sábio preceito "a união faz
a força" é verdadeiro em toda a linha.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Habituado desde os bancos escolares nos benefícios da organização social, o menino
compreenderá o dever que se lhe impõe de submeter-se as leis ditadas pelo interesse geral e de
trazer a obra comum o concurso de toda a sua vontade.
Um espírito novo de justiça e de paz, de ordem e de direito, de trabalho e fraternidade
porá em evidência a ação fecunda da aproximação dos povos,
A solidariedade não implica o sacrifício e a diminuição da personalidade, mas exige, ao
contrário, como diz Payot, um desenvolvimento assaz enérgico no indivíduo. Aprende-se a
pensar e a agir como se aprende a andar e a falar.
A Escola Nova, desfraldando a bandeira da solidariedade, põe em prática a disciplina
social que modifica a natureza moral dos homens e os toma aptos para se conformarem com as
relações coletivas, quer no mundo dos sentimentos, quer no dos conhecimentos e das idéias.
A ESCOLA NOVA DETERMINA AS APTIDÕES E ORIENTA PARA AS PROFISSÕES
Não é de hoje que se vem firmando, nos meios pedagógicos e educativos, a crença de
que, para se vencer na vida, triunfar na formidável concorrência de atividades diárias, é mister
possuir uma capacidade elevada de trabalho em que entrem como fatores preponderantes as
disposições inatas do corpo e do espírito e uma certeza técnica precisa.
O saber passa, assim, de fim supremo da vida a meio eficaz de se conseguir os recursos
necessários de combate e de vitória.
Longe já vai o tempo em que a escola tinha como função única o ensinar a ler, escrever
e contar.
Seria ingenuidade acreditar que apenas com esses elementos um indivíduo vencesse hoje,
na luta diária, as mil e uma dificuldades que se lhe apresentam.
O ensino moderno, ao lado do livro, do papel e do lápis, deve ministrar aquelas habilidades
e aptidões que permitem ao homem exercer, o mais depressa possível e com a maior eficiência,
uma arte ou uma profissão especial.
Toda educação, pois, que fugir, na época que atravessamos, a esse utilitarismo econômico,
privativo e distinto, onde se alicerçam a grandeza, a cooperação e o estímulo da comunidade, é
mera fantasia.
Por certo, a atividade peculiar do indivíduo na vida social — em que, por virtude das
diferenças individuais e da divisão do trabalho, apresenta uma variedade extraordinária e onde
não se pode dar uma vazia uniformidade que a todos atinje — exige uma adaptação de suas
condições especialíssimas.
Daí o influir para o perfeito desempenho da função futura a disposição orgânica e psíquica
do indivíduo.
Não se deve ser isto ou aquilo apenas porque o professor deseja, a sociedade exige ou
quer o papai. Não; a profissão está ligada a capacidade de cada órgão, a força de cada função
— é a resultante de disposições congênitas.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A escola cabe apenas conhecer a natureza do indivíduo, completar e melhorar suas tendên-
cias, ativar suas energias, orientá-lo, enfim, no desempenho do papel que lhe cabe na vida.
Sem dúvida, o progresso científico cada vez mais extenso e intenso e os conhecimentos
cada vez mais vastos que se exigem dos jovens para os tornar aptos ao exercício das diversas
profissões e dos diversos ofícios sociais fazem que seja cada vez mais difícil a tarefa do mestre
e muito mais ainda a dos dirigentes do ensino.
Determinadas as aptidões individuais de cada aluno e as necessidades de cada profissão,
é preciso, para um trabalho perfeito, saberem-se as exigências e as carências do meio. O valor
econômico das profissões tem, portanto, uma importância capital, porque, por maior que seja a
vocação para uma carreira, desde que ela não tenha futuro, não é possível que seja aconselhada.
É, pois, do conhecimento das aptidões físicas, intelectuais e morais do indivíduo e da boa
ou má escolha da profissão que se lhe inculque que dependerá a obra técnico-social da escola.
A civilização que se esboroa na velha Europa bem está a indicar o caminho a seguir. A
grandeza moral e material da nossa pátria não está no número de suas baionetas nem de seus
canhões, mas na vitória das suas escolas, escolas que lhe forneçam homens e trabalhadores
conscientes e incorruptíveis, enérgicos e inteligentes, destros nos complexos misteres da vida,
capazes de, rasgando o solo, fecundar a terra; cortando o espaço, encurtar as distâncias;
rompendo as águas, melhorar a indústria e o corcio; robustecendo o corpo, melhorar a raça;
enriquecendo o espírito, fruir os encantos de uma vida superior.
È de escola nova que precisamos. Mas de escola nova brasileira, para o povo brasileiro,
com ideais brasileiros e com os recursos brasileiros. De escola nova que prepare, dirija e fortaleça
o nosso povo para a vida brasileira.
Não basta ensinar a ler; é preciso ensinar e habituar o brasileiro a trabalhar. Em regra
geral, a nossa tendência é para a lei do mínimo esforço. Ao comércio e a indústria preferimos o
funcionalismo. Enquanto o estrangeiro que aqui chega procura progredir e mesmo enriquecer
pelo trabalho ativo e constante, o brasileiro se contenta com um emprego público e a doce visão
de um acesso fácil.
A escola, pois, há de ensinar a trabalhar. O comércio como a indústria, as oficinas como
os laboratórios estão a reclamar auxiliares competentes, e nós só podemos fornecer-lhes homens
incompletos.
A Escola Nova brasileira, de ciclo integral completo, deve ser essencialmente ativa,
experimental, prática, utilitária e produtiva, de processo gradual intensivo e progressivo, de fim
higiênico, moral, cívico e social. Deve desenvolver energias, canalizar vontades, criar discernimentos,
formar seres pensantes e coerentes. Deve ser um mundo em miniatura, a imagem da vida.
Só a Escola Nova será capaz de fornecer ao Brasil homens vigorosos e sãos, inteligentes
e bons, não com o cérebro recheado de teorias, de fórmulas e preceitos, mas de conhecimentos
práticos, habituados a trabalhar, a bastar-se a si próprios, a vencer por si as dificuldades e a ter
consciência exata do seu valor e do seu poder.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE Nº 101
POLÍTICA AGROSSANITÁRIA COLONIZADORA E
EDUCADORA
Belisario Penna
Associação Brasileira de Educação
escravidão negra, durante três séculos, causou ao Brasil males formidáveis, entre os quais
sobressaem o latifúndio, escravizador do operário rural, e as duas perniciosas mentalida-
des dele resultantes: de um lado a do senhor ou feitor de escravos, de outro a do escravo.
Estas duas mentalidades refletem-se na política, na administração, nas fábricas, nas caser-
nas, nos colégios, em toda parte, enfim. Com raríssimas exceções, quem quer que ocupe, entre
nós, cargo de hierarquia política ou administrativa, de chefe, de autoridade, não o exerce como
mandatário da comunidade, como coordenador de esforços pelo bem público, mas como feitor
de interesses subalternos de oligarquias regionais, ligados aos de uma oligarquia central.
Daí o haver mais de 4/5 de brasileiros vegetando nos latifúndios, em péssimas condições
higiênicas, escravizados ao salário, pobres párias marcados com a preguiça verminótica, a ane-
mia palustre, a catinga da escravidão, a inconsciência da ignorância, o aviltamento da cachaça,
constituindo um rebanhosuigeneris, de indivíduos sem o instinto dos irracionais nem o raciocí-
nio do homem normal.
Precisamos sair disso, se não quisermos nos suicidar.
Urge adotarmos uma política agrossanitária colonizadora e educadora, visando concen-
trar a nossa gente esparsa nos sertões e escravizada nos latifúndios em núcleos coloniais sanea-
dos que se instalem onde exista relativa facilidade de saída dos produtos e de conveniente
educação e assistência dos colonos.
Ao contrário do que se deverá fazer, temos estimulado o latifúndio com a concessão de
imensas áreas das nossas melhores terras não só a nacionais como a empresas estrangeiras,
com a importação de levas e levas de imigrantes, não para fixá-los em núcleos coloniais, mas
para entregá-los a ganância dos latifundiários escravizadores, além de fomentarmos o urbanis-
mo e o abandono dos campos com a criação de uma indústria extemporânea a custa de um
protecionismo antibiológico destruidor da agricultura, que é, por enquanto, a única legítima fonte
de vida do Brasil.
Esquecemo-nos de que nos campos é que se encontram os órgãos de nutrição e de vida
da Nação, que é no seio da natureza sem artifícios que se enrija o corpo, se fortalece o caráter
e se dignifica a família nos povos biopsiquicamente educados e onde cada família cultiva livre-
mente o pedaço de terra de "sua" propriedade. É como proprietário e cultivador do solo que o
camponês, nacional ou estrangeiro, adquire o espírito nacional e o amor ao País.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
A agricultura estende a sua influência, em todos os pontos de vista, tanto sobre a Nação, a família,
a sociedade, como sobre o próprio indivíduo... É absolutamente necessário que a instrução prepare
para as necessidades da existência, e uma das mais importantes, sob o ponto de vista nacional, é
a vida rural. O habitante da cidade deve compreender que sem a agricultura não poderia viver.
São as palavras do senhor P. de Vuyst, diretor-geral do Ministério da Agricultura da
Bélgica e vice-presidente da Comissão Internacional da Educação Familiar, o qual pronunciou
notável conferência, em 1925, na Escola Politécnica, sobre a agricultura e a família, da qual
transcrevo as seguintes passagens de comparação entre a vida urbana e a rural, ditas com tal
acerto como não poderíamos fazer tão bem.
Na cidade, seja qual for a situação ocupada por um indivíduo, ele precisa sair de casa para exercer
o emprego. Portanto, falta sempre no lar um educador, e as vezes, dois, quando a mãe é também
forçada a trabalhar fora.
A profissão agrícola é uma indústria de domicílio. Na roça, a família fica mais no campo sagrado;
está mais grupada, e a educação pode ser mais bem ministrada; a inteligência desenvolve-se mais
normalmente.
Na cidade, não se vê a obra da natureza; o empregado e o operário fazem sempre as mesmas coisas
num espaço restrito. No campo, o trabalho é mais variado; o espírito de observação dirige-se a
maior número de coisas: as plantas, os animais, os homens, o tempo e as estações com todas as
variações.
Na aldeia, há mais vigilância recíproca. É bem depressa apontado aquele que regularmente se senta
a mesa do albergue durante a semana ou que leva vida desregrada, e a opinião pública é, no campo,
uma educadora cujas acerbas lições se temem.
Na grande cidade, o indivíduo desaparece em meio da massa e, por mais pervertido ou menos
escrupuloso que seja, encontra sempre um meio de iguais ou de desinteressados, onde se encontra
a vontade.
É uma série de coisas reais e evidentes que dispensam comentários, porque penetram
suavemente o espírito de toda gente.
Nessa mesma conferência há as seguintes verdades que, embora ditas em tese, espelham,
admiravelmente, a triste situação do Brasil: "O mal econômico que sofremos provém,
principalmente, da insuficiência da produção agrícola. Quanto ao mal-estar moral, pode ser
atribuído, em grande parte, a concentração das populações nas cidades, ao enfraquecimento da
vida da família e ao esquecimento dos preceitos religiosos".
Esta situação, disse o conferencista, resulta pelo menos parcialmente da orientação
defeituosa do ensino. No Brasil, acrescentamos nós, resulta, além disso, da escravidão do
trabalhador rural ao regime latifundiário; do abandono a que se votou o vital problema agrícola
é do descaso pelos assuntos da educação, saneamento e profilaxia.
Urge promover a emancipação do trabalhador rural pela propriedade de um pedaço de
terra e um teto, para que deixe de ser o pária que vegeta, miseravelmente, em terra alheia; para
não continuai a ser o judeu errante, de fazenda em fazenda, como mendigo expatriado na própria
pátria; para, finalmente, adquirir amor ao trabalho livre, em benefício próprio, na "sua" terra e na
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
"sua" casa, que essa deve ser a mais legítima aspiração do homem livre, o maior fator da vonta-
de, o incentivo maravilhoso da energia e do trabalho.
Um dos motivos do êxodo da população rural está na facilidade de aquisição, nas cida-
des, de um pequeno terreno e uma casinha, graças ao sistema de vendas a prestações módicas
e prazo longo. Não compreenderam ainda os latifundiários que o que lhes cumpre fazer para
impedir o êxodo e evitar a falta de braços na lavoura é imitar os proprietários de terrenos nas
cidades, e dividir uma parte do latifúndio em lotes de 5 a 20 hectares para vender aos colonos
pelo mesmo sistema.
De posse do lote, o colono não mais trocará o campo pela cidade, e ao fazendeiro não
mais faltará o braço para as suas lavouras. Além de beneficiar-se e ao seu indispensável
colaborador, o fazendeiro que assim proceder prestará inestimável serviço a Nação. A difusão
da terra é o melhor meio de intensificar e variar a cultura, o fator mais poderoso da moralidade
familiar e da prosperidade do País.
Há, entre nós, magníficos exemplos desta verdade no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina,
no Paraná e no Espírito Santo, cujas colônias são todas prósperas, porque nesses estados não
se promoveu a imigração para escravizar aos latifundiários o imigrante, que foi logo incorporado
a terra, pela posse, mediante condições perfeitamente realizáveis. Nessas colônias reside a sua
força econômica.
Pois bem, facultemos ao nacional o mesmo que fazemos ao estrangeiro.
Ele que, escravizado ao latifúndio e abandonado a doença, a ignorância e a cachaça,
tomou-se fatalista, conformado com a situação de escravo, criará uma mentalidade nova, revelará
a sua capacidade produtiva e adquirirá a consciência da liberdade, pela posse e pelo trabalho
em terra "própria".
Só assim se implantará no cérebro dos nossos campônios a consciência nacional e o amor
ao País.
Será supérfluo, disse o senhor Vuyst, demonstrar na América do Sul que a agricultura é a
principal fonte econômica das nações; que são precisas famílias fortes e numerosas, não somente
para assegurar a mão-de-obra necessária a cultura dos campos, primeiro, e a indústria, em
seguida, mas para melhorar o progresso moral e social dos estados.
Enganou-se redondamente o ilustre conferencista, pois que há na América do Sul um
imenso país onde não só não é supérfluo como é indispensável e urgente fazer essa
demonstração, onde o progresso moral e social da Nação sofreu lamentável retrocesso pelo
desprezo a que se votaram os trabalhos agrícolas, substituídos pelos de uma indústria artificial,
artificiosa e arteira, escorada num sistema protecionista que só protege os "artistas" que a
exploram e arruinam a Nação.
Essas arapucas armadas nas cidades apanham os melhores elementos dos campos, que
nelas se amontoam em abjetas habitações sem ar e sem luz, onde se aniquilam pela tuberculose,
pela Sífilis, pelo alcoolismo e por todos os vícios próprios das aglomerações urbanas.
I Conferência Nacional de Educação — Curiciba, 1927
Enquanto isso, as terras incultas bradam por braços, e a população rural, insignificante em
relação a imensidade do território e as necessidades do País, vegeta, ignominiosamente
abandonada, sem assistência educativa e sanitária, bestializada pelas endemias e pela cachaça.
Urge a ressurreição agrícola do Brasil, sob aspecto diverso do antigo e do atual, para
que a generosidade da terra não seja provocada, "sem estímulo", pelo braço escravo ou
pelo escravizado ao salário, mas solicitada, "com amor", pelo braço livre e voluntário do
homem consciente e zeloso da "sua" terra, da "sua" casa e da "sua" plantação, que ele
semeará, verá crescer e frutificar para gozo e proveito próprio, não apenas para encher as
arcas do senhor ou do patrão, para que a fortuna não fique concentrada nas mãos de
poderosos senhores de latifúndios, porém dividida, equitativamente, por milhares de famílias,
proporcionando-lhes não o fausto e o luxo perversores, mas a fartura alimentar, o conforto
modesto, hábitos simples, saúde sólida, moralidade familiar, sentimento de solidariedade e
a alegria benéfica do bem-estar.
CONCLUSÃO
Rumo ao campo deve ser a preocupação máxima dos dirigentes. Para isso, é indispensável
emancipar e dignificar o brasileiro, facilitando-lhe a posse da terra; regenerando-o fisicamente,
pelo combate as endemias, ao alcoolismo, por larga assistência médica e prof ilática; reabilitando-
o intelectual e moralmente, pela instrução e educação; preparando-o para obter o máximo
rendimento do trabalho, pelo ensino prático dos modernos processos de agricultura e por meio
de transportes rápidos e econômicos.
A política agrossanitária colonizadora e educadora é que criará no povo brasileiro uma
mentalidade forte, equilibrada e sadia e firmará solidamente o amor ao País e a consciência nacional.
TESE N
a
102
QUAL O MELHOR PROCESSO PARA A EDUCAÇÃO
DA MEMÓRIA?
Belisario Penna
Associação Brasileira de Educação
udo o que do exterior se conhece são impressões sensíveis. O conhecimento resulta mesmo
de duas operações fundamentais: receptividade das impressões e juízo.
A primeira fornece a matéria, e a segunda, a forma do conhecimento. E estas duas
operações, seqüência uma da outra, tão inseparáveis se tornam que se não pode conceber
conhecimento algum que não seja delas resultante.
Intuição e entendimento são, assim, os elementos essenciais do conhecimento, mas a
intuição implica a idéia de espaço e de tempo, pois estas são as suas formas puras.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
T
Isto vale afirmar que só pode ser objeto do conhecimento o que estiver dentro do espaço
e do tempo.
De fato, a extensão, a resistência e o movimento são os atributos essenciais da matéria, e
esta, sob as suas múltiplas formas, é que constitui todo o mundo exterior. Cor, som, calor, sabor
e cheiro não são mais do que movimentos vibratórios ou ondulatórios moleculares que provocam
sensações.
Só, portanto, o que existe como corpo no espaço ou como sucessão no tempo pode
excitar os órgãos receptores dos sentidos, para que se dê a transmissão pelos nervos, em formas
vibratórias, das impressões, e estas se registrem no cérebro pelo ato final do entendimento.
Mas, conjuntamente com o complexo de sensações, que são a cor, o som, o cheiro, a
forma, etc, vão o estado de animo, as volições, os sentimentos de quem as sofre.
Além disso, o objeto cognoscível não é estável, isto é, não se conserva imutável, pelo
contrário, sofre modificações constantes que lhe alteram a forma e a qualidade. Submetidos,
porém, os nossos sentidos novamente a influência das suas impressões, nós o reconheceremos
como sendo o mesmo.
Isto se dá porque há elementos estáveis que predominam sobre os variáveis, fazendo com
que o objeto cognoscível seja identificado. Tudo, porém, que se torna conhecido, que encontra
uma forma representativa no pensamento e na linguagem, recebe um nome. E esse nome se
apresenta a memória concomitantemente com a representação do objeto.
A medida, porém, que vão sendo conhecidas as coisas e os seus nomes, umas e outros se
gravam no cérebro, onde permanecem em estado latente.
Mas, sempre que os órgãos do sensório voltem a ser impressionados pelos próprios
objetos cujas impressões anteriormente receberam ou por outros que a eles se assemelham, as
imagens antigas revivem com os seus nomes, completando a formação das novas, que serão
mais complexas e perfeitas, dando lugar a percepção.
Essa revivescência do conhecimento anteriormente adquirido, que muitas vezes também
se realiza na ausência do objeto, chama-se memória.
MEMÓRIA
A memória é, pois, a faculdade de lembrar os fatos de consciência já passados, que ficaram
latentes no cérebro; ou melhor, é a função psíquica que reconstitui estados de consciência anteriores.
Há um dinamismo nervoso correlato na formação das imagens que ressurgem, as que
registraram no cérebro, como em chapa sensível, as vibrações que deram o complexo de
sensações representativas do objeto e que aí ficaram como que adormecidas.
Mas, no gravar das imagens na côdea cerebral, no revivescê-las, manifestam-se as
qualidades da memória caracterizadas pela maior ou menor intensidade do seu poder de fixar,
reter, reproduzir, reconhecer e localizar, no pretérito, estado de consciência.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Daí o classificar-se a memória em fácil, se tiver o poder de fixar sem dificuldade as idéias
e os conhecimentos; vasta e tenaz, se forte e amplo for o seu poder de retenção; fiel, se, com
todas as suas minúcias, as impressões nela permanecerem por dilatado tempo; e, finalmente,
pronta, se o poder de revivescência se manifestar sem esforço trabalhoso.
Mas, ainda que todas as qualidades postas em relevo para conceituar essas várias classes
de memória se manifestem conjuntamente numa única, muito dependerão da intensidade, duração
e freqüência das sensações a retentiva cerebral e o ressurgimento mais ou menos fiel e pronto
das imagens.
É de ponderar, porém, que há certas influências exteriores de ordem física e outras, como
o estado de saúde e a idade dos indivíduos, fisiológicas, portanto, que atuam favorecendo ou
prejudicando a reaparição do conhecimento.
Mas não se suponha que esta se realize espontaneamente ou provocada pelo esforço
próprio e isolado da vontade, como fazem crer errôneas observações, pois a reaparição do
conhecimento só se pode realizar pela associação de idéias. Mesmo nos casos em que se nos
representa ser espontânea a lembrança, ou que o esforço da nossa vontade é a sua causa,
meticulosa análise provaria o contrário: verificar-se-ia a sua origem não na voluntariedade nem
na espontaneidade, e sim na relação que a idéia reaparecida mantinha com fatos que se achavam,
por circunstâncias várias, presente a nossa mente.
Daí o postulado: "Não há lembrança sem associações de idéias".
ASSOCIAÇÕES DE IDÉIAS
A associação de idéias é a conexão que se forma entre dois ou mais estados de consciência,
em conseqüência da qual o aparecimento de um provoca o aparecimento de outros.
Essa conexão, como deixa claro o conceito, só pode resultar do contraste, da semelhança
e da contigüidade no espaço e no tempo. A associação, pois, se rege por três leis:
I
a
) Lei do Contraste: é coisa manifesta que toda idéia provoca o aparecimento de outra
que lhe é oposta; todo estado de consciência evoca outro que se lhe contrasta. De fato, a idéia
de calor sugere a de frio; a de luxo requintado sugere a da mais extremada simplicidade.
Há em nós uma tendência natural em aproximarmos idéias que são antagônicas; elas,
como que se sucedem, se unem, se ligam.
Sintetiza o adágio popular uma verdade: "Os extremos se tocam".
É por isso que muitos dos psicólogos não a consideram como uma lei autônoma; fazem-
na depender da contigüidade como uma das suas formas.
2ª) Lei de Semelhança: dois ou mais estados de consciência, no todo ou em parte idênticos,
têm a propriedade de mutuamente se evocarem.
Verifica-se pelo conceito expendido que o grau de semelhança entre as idéias que se
associam é muito variável; vezes há que atingem ao mais elevado grau de semelhança e são tidas
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
como iguais. Suponha-se um estado de consciência presente, lembrança dum estado de consci-
ência passada, e ter-se-á o exemplo. É a igualdade por sobreposição.
Outras vezes a semelhança se manifesta apenas entre propriedades que se não identifi-
cam, mas que parecem assinalar uma família. É a associação qualitativa.
Outras vezes ainda a associação se dá entre representações de objetos que mantêm,
entre as suas partes ou propriedades, relações idênticas. É a associação de relação ou analogia.
Casos há também em que estados de consciência diferentes se associam por se associarem
a outros que entre si são semelhantes. É a associação afetiva.
Além dos casos referidos, ainda existem outros em que estados dissemelhantes se associam
por serem análogos os movimentos que os animam. É a associação motora.
Mas, seja qual for o grau de semelhança, o estado de consciência que provoca o
aparecimento de outro que se lhe assemelha teve necessariamente os traços que lhe são idênticos
contíguos, num estado anterior, aos que lhe não são.
Realmente, uma coisa que com outra se pareça lembrará essa outra pelos traços de
semelhança que em ambas existam; mas esses traços semelhantes já coexistiram no nosso espírito
com o conjunto de traços que caracterizam a coisa lembrada. É, portanto, a lei de semelhança
nada mais que uma forma particular da lei de contigüidade.
3
a
) Lei de Contigüidade: um estado de consciência que já se achou contíguo a outro, quer
fosse por simultaneidade, quer por sucessão, adquire a propriedade de lembrar esse outro. A
esta lei todas as outras se filiam; é a lei fundamental.
Agora tratemos dos fatores que reforçam seus laços.
Na formação do liame, poderoso fator é a intensidade com que o excitante impressiona
o sensório.
Mais fortemente as impressões se conservem e mais profundamente se gravem no espírito,
mais fortes hão de ser os laços entre elas estabelecidos, mais pronta a associação, mais fácil a lembrança.
Mas a freqüência acentua, também e fortemente, o poder associativo: a repetição na
mesma ordem de impressões contíguas cria vínculos profundos entre elas.
Espaçadas, porém, devem ser as repetições; acumulá-las seria dispersar esforços, seria
inaproveitar o tempo. A repetição acumulada desinteressa e fatiga.
Nesse entendimento, louvores não merece o professor que exige de seus alunos a repetição
de trabalhos escritos ou orais, sem espaçá-los, para o aperfeiçoamento dos conhecimentos
imperfeitamente gravados.
Averigüemos agora como se realiza a evocação, isto é, como, no campo da consciência,
idéias novas despertam idéias antigas.
Para esse fim, preciso é lembrar que nos centros sensoriais fica de cada estado uma
impressão que lhe é característica.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Em princípio, quando duas ou mais imagens se apresentam ao espírito, simultânea ou
sucessivamente, várias vezes, criam aos poucos, pela freqüência, verdadeiras vias, que
correspondem aos condutores nervosos das sensações que as produziram.
Essas vias ou trajetos reúnem essas imagens em grupos harmônicos; e quando alguns dos
condutos vibram, reproduzindo uma das imagens do grupo, todas as outras se despertam, porque
todos os elementos que o formam são, pelos trajetos, postos em comunicação, vibrando de
concerto. Esse é, em perfuntório estudo, o mecanismo da evocação.
Convém, porém, notar que a evocação é sempre influenciada pelo sentido que serviu para
transmitir as impressões que se associaram. O poder maior ou menor de evocação depende
muito da natureza sensorial dos órgãos condutores e dos elementos que se ligam.
Sempre que um dos sentidos prevaleça sobre os outros e as vibrações que sofram os seus
órgãos sejam mais fortes, as impressões que transmitirem gravar-se-ão com mais intensidade e
permanecerão por mais tempo que os transmitidos pelos sensórios dos outros sentidos.
Claro está que o sentido dominante caracterizará um tipo de memória.
Entenda-se, porém, que em rigor não há uma só memória, e sim memórias: as que gravam
o som, a cor, o cheiro, a forma, o gosto, as palavras, a sensibilidade, etc, mas o domínio de uma
delas sobre as outras dará o seu tipo.
TIPOS DE MEMÓRIA
Os meios para a aquisição dos conhecimentos são os sentidos que, nos seus órgãos
sensoriais, sofrem as modificações que as impressões dos objetos imprimem.
Mas, embora a percepção seja o total das impressões que os sentidos fornecem no seu
trabalho harmônico sobre determinado fato ou objeto, há sentidos que fornecem impressões
mais fortes e que melhor se conservam na memória; mas não é tudo. Observa-se mesmo e com
freqüência que, das impressões fornecidas pelo mesmo objeto e recebidas pelos mesmos órgãos
sensoriais, umas há que predominam com intensidade sobre as outras e permanecem por mais
dilatado tempo retidas no cérebro. Dando-se essa extensão, as espécies de memórias seriam
tantas e tão várias que classificá-las seria impossível, por numerosas.
Tendo-se, porém, em conta que as impressões predominantes foram recebidas pelos
sensórios que caracterizam determinado sentido, poderemos classificá-las pelos nomes dos
sentidos cujos órgãos serviram de tertium quid para o conhecimento.
Nesta inteligência, elas são assim denominadas auditiva, visual, tátil, gustativa, olfativa,
motriz, etc.
É de notar, porém, que, na aquisição dos conhecimentos, aos sentidos da audição e da
vista está afeto o maior trabalho; daí o destacar-se geralmente, dentre os vários tipos de memória,
o visual e o auditivo.
Atendo-nos a esses dois tipos, teremos falado sobre os que mais interessam aos
pedagogistas.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
No tipo visual dominam as impressões de cor e forma. Por isso que o excitante da vista
são os raios luminosos que o objeto reflete sobre o aparelho receptor por vibrações ondulatórias.
Duas qualidades caracterizam as vibrações da luz: a intensidade, que aumenta com a
amplitude das vibrações das moléculas luminosas, e a cor, que é determinada pela freqüência.
Mas a cor, por si, implica o matiz e a extensão; a espécie é conseqüência das vibrações
luminosas que se distiguem nas sensações acromáticas, que variam do claro ao escuro, e nas
sensações cromáticas, que vão do vermelho ao roxo, com os matizes intermédios laranja, amarelo,
verde, violeta e azul.
É de ponderar, porém, que a cor do objeto depende da luz que ele recebe e da luz que
reflete. Vermelho será se refletir as irradiações vermelhas, absorvendo as outras para transformá-
las em calor.
A falta de raios vermelhos na luz que sobre ele incidir fará com que se tenha a sensação da
cor preta.
Isto eqüivale a afirmar que a cor preta é a ausência de raios luminosos refletidos. De fato,
ela sempre se manifesta quando o corpo os absorve, para transformá-los em calorias.
A cor branca é, pelo contrário, a reflexão dos raios componentes da luz sintética, em
proporções iguais, difundidos.
Convém notar que a cor fundamental, aquela que se destaca em vivo, vezes há que é
acompanhada por outras mais fracas, os matizes secundários. Do jogo destes matizes resulta o
reflexo.
É de notar também que não há cor inextensa; os seus limites caracterizam a forma que o
sensório visual registra e a memória guarda. Essa forma, porém, diz respeito a superfície colorida,
onde duas dimensões somente figuram: comprimento e largura.
E a outra dimensão, a que se refere ao relevo, isto é, a profundidade, não será fornecida
pela vista?
Dá-se ensanchas a dúvida. Não, dizem uns; só a interferência dos outros sentidos fornecerá
o conhecimento da espessura e do afastamento do objeto. E, para corroborar o que afirmam,
exemplificam: as crianças muito mal apreciam a distância, pois procuram agarrar objetos que
delas muito afastados se acham; os cegos operados, e que desde a infância não viam, revelam a
mesma inexperiência, embora adultos, das crianças, quando o mundo se lhes desvenda a vista.
Predominante parece, porém, a opinião de outros que conformam o conhecimento do
afastamento e da profundidade com a adaptação do cristalino por efeito do músculo ciliar— que,
certo, imprimirá aos nervos que dele partem vibrações conscientes—e ao movimento convergente
das duas esferas oculares, determinado por músculos especiais, que se aplicam com esforço maior
ou menor para a adaptação da distância e cujo esforço é, sem dúvida, consciente.
Assim entendido, fácil é conciliar as observações feitas de inexperiência da vista, nos dois
exemplos citados, com a teoria proposta. Elucidado este ponto, resta dizer, para implemento do
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
assunto, que os tipos visuais melhor compreendem, gravam e lembram o que vêem do que
aquilo que ouvem.
É defeito, porque o desenvolvimento excessivo deste sentido, que aumenta em acuidade,
redunda em prejuízo dos outros.
No tipo auditivo, as impressões dominantes são os sons, e o ouvido, o aparelho receptor.
Nesta disposição, convém, antes de tudo, fazer uma resenha do mecanismo funcional
do ouvido.
Os fatos assim se passam:
O corpo objeto do conhecimento vibra, oscilando rapidamente em torno da sua posição
de equilíbrio, e essas oscilações agitam o ar atmosférico, meio elástico onde elas se realizam, em
forma ondulatória.
O ouvido recebe, pelo canal auditivo, essas ondas sonoras que vão abalar o tímpano; este
então vibra e transmite a cadeia de ossinhos os movimentos recebidos. O líquido do labirinto
ósseo, a perilinfa, agita-se devido ao movimento que a janela oval recebe do estribo, último osso
da corrente óssea. O abalo que sofre a perilinfa se prolonga a endolinfa, no labirinto membranoso,
e as otocônias que nela se acham em suspensão reproduzem essas oscilações, que vão
impressionar, no sáculo, no utrículo e nas ampolas dos canais semicirculares do vestíbulo, as
expansões dos nervos auditivos pelos seus cílios, na endolinfa mergulhados. Os nervos são,
então, excitados e transmitem ao cérebro as impressões recebidas, que se tornam conscientes e
se gravam na memória.
Três qualidades caracterizam as vibrações sonoras: a altura, que depende da freqüência e
que, em aguda ou grave, se manifesta; o timbre, que depende da forma das vibrações; e a
intensidade, que é determinada pela amplitude das oscilações e pela distância do corpo sonoro.
Quanto a intensidade, forte ou fraco pode ser o som.
É do bom funcionamento dos órgãos receptores e transmissores e das qualidades dos
sons que depende a audição.
O papel saliente que este sentido desempenha no desenvolvimento intelectual é
conhecido. Para se aquilatar devidamente do seu valor, basta lembrar que uma anomalia que
importe em surdez mais ou menos acentuada produzirá o retraimento e emudecimento da
criança; ela, para ocultar o defeito, pouco falará e, na escola, desinteressar-se-á das lições
que dificilmente ouvirá.
Conseqüência disto seria o enfraquecimento dos centros sensoriais correlatos.
Por esse entendimento vê-se que só o ouvido perfeito e funcionando bem pode produzir
o tipo auditivo.
Neste tipo de memória, os sons se gravam melhor e mais prontamente são lembrados, já
dissemos, que quaisquer outras impressões. E por isso assume o caráter de um defeito, pois
prejudica o desenvolvimento das outras memórias.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Isto informado, destaca-se nítida a necessidade da educação sensorial pelo exercício
harmônico e continuado, mas não dispersivo. O sensório, veículo e registrador de conhecimentos,
mais se apura e aperfeiçoa, mais se completa pela ação funcional: "A função faz o órgão", diz o
provérbio.
Surdo fosse o indivíduo de um dos seus ouvidos, ou cego de um dos seus olhos, mas isso
de nascença ou desde tenra idade, examinado que fosse o cérebro adulto, os neurônios da
camada cortical correspondentes ao ouvido surdo ou ao olho cego numa visível atrofia se
apresentariam, isto é, conservariam o seu estado rudimentar de elementos inativos, ao passo
que os que fossem correspondentes ao ouvido são ou ao olho bom se desenvolveriam
grandemente, prolongando os seus dendrites e complicando-os.
Apreciando o exemplificado e fatos outros que citar não vale, vê-se que o desenvolvimento
cerebral depende da atividade funcional dos órgãos dos sentidos.
Haja predomínio de excitações funcionais pelo sensório de um dos sentidos e as im-
pressões por seus órgãos recebidas hão de gravar mais fortemente na memória e mais prontamente
serem lembradas que as fornecidas pelos sensórios dos outros.
É que os neurônios onde se vão terminar os seus condutos transmissores das sensações
se desenvolveram mais que os outros pela excitação funcional mais ativa dos seus órgãos. Essa
predominância resulta de uma tendência; para evitá-la, impõe-se a educação sensorial.
O educador deve, por meio de exercícios bem dirigidos, desenvolver harmonicamente os
sentidos para o correlato desenvolvimento dos seus centros sensoriais. É por isso que se recomenda
o ensino objetivo, que, por meio de objetos, fornece impressões táteis e visuais, ao mesmo
tempo que a lição verbal registra pela audição símbolos orais.
Postos em atividade os principais sentidos por esse processo de ensino, eles não só
desenvolverão harmonicamente os seus centros nervosos, como criarão também elementos mais
numerosos para as associações necessárias a lembrança de imagens gravadas no cérebro.
Às vezes, porém, o predomínio de um dos sentidos é conseqüência de anomalias ou
doenças dos órgãos receptores e dos transmissores de outros. Nesse caso, cumpre ao educador
corrigir os defeitos e curar as doenças, se susceptíveis forem de correção e cura.
DOENÇAS DA MEMÓRIA
As anomalias dos órgãos dos sentidos prejudicam grandemente a retentiva.
O que mais prejudica, porém, a revivescência dos conhecimentos são as perturbações
funcionais que resultam do estado patológico da memória.
As numerosas desordens que se podem observar nesta faculdade classificou-as Ribot em
três tipos: amnésia, hipermnésia e paramnésia.
No conceito dos psicólogos, amnésia é a total ou parcial perda da memória: esquecimento
de determinados fatos, de uma certa época, da existência toda. Ela é congênita, quando de
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
nascença; o cretino, o idiota e o imbecil são tipos característicos. Adquirida quando no decorrer
da idade, várias causas determinam a sua perda: tipos são desta os dementes, nos quais a falta
de memória se acentua progressivamente; os epilépticos, nos quais a amnésia é absoluta no
momento do ataque, com manifestações conseqüentes de dismnésia (debilidade da memória);
os histéricos, nas crises de delírio que se manifestam quase sempre periodicamente, com
desdobramento da personalidade.
É de distinguir na adquirida, além dos casos exemplificados e de outros, as amnésias que
resultam do traumatismo cerebral: anterógrada, quando, depois que se exerce o traumatismo,
cessa ou enfraquece na memória o poder de gravar os fatos que impressionarem os órgãos dos
sentidos; retrógrada, quando os conhecimentos adquiridos anteriormente ficarem esquecidos;
retroanterógrada, quando se manifestarem combinadamente as duas anteriores anomalias.
A hipermnésia, na acepção psicológica, é a anomalia da memória que se manifesta pelo
seu aguçamento, revivescendo mesmo os fatos mais fugidios: é a exaltação da memória.
A paramnésia é um equívoco da memória que supõe reconhecer fatos ainda não
conhecidos; tem-se a ilusão de que impressões idênticas as atuais já foram anteriormente sentidas.
Confunde-se a realidade presente com o imaginário, que se supõe ter sido realidade passada.
Há vezes, porém, que as imagens que surgem recordações são de fatos que se apresentam
a memória alterados por alguma perturbação, dando lugar a uma falsa associação de idéias.
Diagnosticada uma doença mental ou reconhecido um defeito da memória na criança,
impõe-se a terapêutica que a cure ou os conectivos educacionais que a normalizem, desde que
seja ela susceptível de cura ou correção.
Na escola, porém, a maioria das crianças são normais. E se algumas defeitos apresentam,
estes são de fácil correção. As doentes, as que exigem tratamento terapêutico, internadas deveriam
ser em estabelecimentos de ensino especiais, que infelizmente não temos; mas estes raramente
ingressam nas escolas comuns.
EDUCAÇÃO DA MEMÓRIA
Diferentes são as memórias, já o dissemos; diferentes na extensão, diferentes nas
qualidades.
Essa diferença acentua-se muitas vezes por efeito de doenças que caracterizam um
estado anormal.
Há mister, então, a interferência médica para a normalização mental.
Outras vezes, são falhas da retentiva que prejudicam suas qualidades e extensão; o
educador deve então esmerar esforços no sentido de corrigir as falhas e aumentar ao máximo os
podêres mentais.
Esta assistência varia para a espécie, condicionada sempre, para constituir o máximo
aperfeiçoamento, a exercícios educativos sistematizados.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No caso concreto, lembra o educador perguntar a si qual o poder mental que deve ser
desenvolvido para aperfeiçoar a memória.
E a dúvida vem: será o poder de conservação, ou o de evocação? Será o de reconheci-
mento? Enfim, qual deles será?
E, no firmar de idéias, parece que a evocação toma o primeiro lugar, parece que se
destaca como o poder principal.
De fato, lembrar prontamente e sem esforço é qualificativo de boa memória; e é esse o
objeto da educação mnemônica.
Ponderando melhor, porém, verificaria o seu engano, por isso que a evocação resulta da
retenção; a memória que não retém as imagens das percepções não as evoca. A evocação
acha-se assim condicionada a fixação: mais pronta e fácil será quanto maior for o poder de
conservação na retentiva.
Educar a memória é, portanto, tonificá-la de modo que possa reter bem as imagens, para
que estas sejam facilmente evocadas.
Mas pergunta-se: será a memória susceptível de ser educada?
Dúvidas há entre os psicólogos: sim, afirmam uns; não, dizem outros. Entre os últimos está
William James, que assim argumenta:
O que se quer ao desenvolver-se a memória é aumentar o mais possível a sua tenacidade; ora,
a tenacidade é uma qualidade de origem fisiológica e, por isso, se acha condicionada aos
órgãos funcionais da retentiva. Assim, o poder de retenção é natural; nasce com a organização
fisiológica e diminui com a idade. A única coisa que se pode fazer a favor da memória é
somente facilitar a evocação das imagens antigas, aumentando o mais possível o número de
associações.
Incongruente, porém, se toma James, quando afirma que a memória pode sofrer flutuações,
conforme o seu estado de doença ou de saúde, de cansaço ou de repouso, e faz depender da
higiene o seu maior ou menor poder de retenção.
Sim, incongruente, porque se o poder de retenção da memória é susceptível de aumento,
ela poderá ser aperfeiçoada e, portanto, educada.
Reconhece-se, no entanto, na afirmação de James, uma verdade: a tenacidade diminui
com a idade. Isto, porém, não vale dizer que o aperfeiçoamento da memória e impossível,
porque a diminuição da tenacidade não importa na diminuição do poder de retenção.
De fato, com a idade vão enrijando os tecidos do cérebro, que se tornam, assim, mais
elásticos e, por conseguinte, menos moldáveis as impressões que as sensações imprimem; mas,
se isto sucede, é preciso não esquecer que o poder de atenção aumenta, contrabalançando essa
diminuição de tenacidade que se manifesta.
A imagem se aviva, pois, pela atenção que a focaliza no campo da consciência e assim
melhor a fixa, superando mesmo o que em tenacidade perdeu.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Mas reconhecer isso é reconhecer que, pelo treino e pelo conjugar de esforços bem
orientados, possível é a educação da memória.
Sem discutir mais o assunto, que parece cabalmente demonstrado, ao exame dos meios
para o desenvolvimento mental da criança passaremos agora.
Reconhece-se que lei principal (para não dizer fundamental) de conservação do
conhecimento é, sem dúvida, a associação dinâmica das idéias. Mas, se assim é, meio ela será
para tomar mais fácil e rápida a lembrança.
No associar, porém, as idéias, preciso é relacioná-las de acordo com os laços naturais
que as unem, salientando um método.
O método, quando bom, evita escolhos que levariam a dispersividade de esforços; fortalece
os liames das associações; torna-se, enfim, auxiliar poderoso da memória.
De fato, fiel a um sistema, com método e ordem classificando as coisas que se tornam
objeto do conhecimento, podemos dar a nossa memória a maior amplitude.
Nota-se mesmo que mais nítida se torna a idéia, mais fortes as imagens, quando o
aprendizado é feito obedecendo a escala crescente de conhecimentos que se prendem uns aos
outros, num encadeamento natural.
Por isso, nas escolas, o ensino, além de objetivo, deve ser metodizado de modo que a
criança, ao receber os conhecimentos, faça-o gradativamente, numa ordem natural.
Disso dois proveitos teremos: o desenvolvimento da memória e o do juízo.
E é assim que a memória e o juízo, faculdades que se não podem separar, simultaneamente
desenvolvidas, mutuamente se tonificam e se auxiliam. A lei da associação ainda favorece o
desenvolvimento da memória por meio de relações convencionais entre as idéias.
De fato, é processo que se reconhece vantajoso associar idéias que dificilmente se retêm a
outras que se gravam facilmente na retentiva, para que estas, fiéis e prontamente, evoquem aquelas.
Há memórias, e não memória, já o dissemos; mas, delas, uma predomina dando o seu tipo.
Predominante seja a auditiva, e por meio de sons articulados ou não, ou por meio de
assonâncias que se liguem associadas convencionalmente a certas idéias de difícil retenção,
conseguir-se-á que estas sejam chamadas ao campo da consciência. Predomine a visual, e as
recordações deverão estar ligadas por associações a certos lugares. Clássico é o exemplo que
fornece Cicero: era seu costume ligar as várias partes de seus discursos, para lembrá-las, a
diversos pontos da sala onde deveria orar.
Datas e números para as memórias que os gravam com facilidade devem ser associados
convencionalmente a certas palavras que, no futuro, os possam lembrar.
Ao invés disso, se a memória dos números for a dominante, relacionem-se a eles, por
meio de esquemas, os nomes que devem ser lembrados. O esquema é o processo geralmente
usado para as associações deste gênero.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Ao lado da associação, cujo valor largamente ficou reconhecido, estão os exercícios que
visam ao treino da memória para fortificá-la e torná-la tenaz.
Antes dos exercícios propriamente ditos de aperfeiçoamento, convém ao professor medir
o grau de memória dos alunos da classe. Isto ele o fará por meio de textos que darão o seu grau
de desenvoltura e o seu poder de fixação e de evocação.
Reconhecida a força média da memória dos alunos, ainda por meio de textos, começa-se uma
série de exercícios, visando todos ao desenvolvimento gradual e conjunto das memórias parciais.
Em conta, porém, deve ser levado não só o grau de desenvoltura mnemônica, como
também a idade da criança.
Vise-se a memória da vista e consistirão os textos em letras ou palavras impressas, em
desenhos simples ou em objetos.
Na escolha, porém, deve ter o professor muito cuidado; se forem desenhos, que despertem
interesse dentro da sua simplicidade; se objeto, que o seu contorno não seja difícil, e a criança
possa retê-lo e desenhá-lo.
Lembre-se, porém, o professor de variar os textos e alternar os exercícios visuais com os
de audição e articulação. Estas condições são essenciais.
O desenho que não possa ser reproduzido ao fim da terceira ou quarta tentativa deve ser
posto de lado provisoriamente.
Insistir seria fatigar e instilar na alma da criança o desânimo. Em vez de proveito só prejuízos
traria.
Vise-se a memória auditiva e os textos serão constituídos por sons articulados que
simbolizem uma idéia.
Biervliet, pedagogo belga, o primeiro que deste assunto tratou, afastava-se, porém, desta
orientação, formando os seus textos de sílabas em séries agrupadas, compostas ora de uma só
consoante com vogais diferentes, ora variando as consoantes e conservando uma só vogai, e,
ainda, variando consoantes e vogais.
Defeitos parecem haver nesse processo, porque as sílabas nada falam ao entendimento
da criança.
A palavra, sim, pode servir para os textos, porque a palavra é o símbolo de uma idéia. É de
notar, porém, que ela não simboliza o pensamento inteiro; por isso, preferência deve dar o professor
para a organização dos seus textos auditivos a sentenças curtas, claras, diretas e precisas.
As repetições das sentenças devem ser feitas com clareza e sem vacilações e na ordem
em que foram enunciadas.
Estes exercícios repetitórios favorecerão também a memória da fonação.
Convém notar que os textos variam conforme a memória que deve ser desenvolvida.
Dos que devem ser empregados para o desenvolvimento das outras memórias não tratarei
aqui, por não comportar o estreito limite desta tese o seu estudo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Cingindo-me as considerações já feitas, passo a tratar dos deveres do professor.
DEVERES DO PROFESSOR
Houvesse na escola uma aula destinada a educação direta da memória, como há para a
educação física, os resultados que os educandos haviam de colher seriam extraordinários para o
seu desenvolvimento mental.
Mas embora nao seja a memória na escola primária assunto de especial preparo, embora os
programas oficiais não a mencionem, descurar dela não pode o educador, desde que tal título mereça.
Se não for direto o seu cuidado, seja-o por meio das matérias que ensinar.
Nao se exige uma aula especial; pede-se apenas que, no ministrar as várias disciplinas do
programa, o faça de modo a desenvolvê-la.
Que se nao preocupe diretamente dela ainda se admite, mas arruiná-la não; é um crime
tão hediondo como o assassínio, pois mata uma inteligência.
Que deve, porém, fazer o educador, nas aulas das várias disciplinas, a favor da memória
dos seus alunos?
Não arruiná-la é condição primeira; por isso deve extirpar do ensino tudo o que possa de
qualquer forma prejudicá-la.
Mas, desenvolvê-la deve ser o seu objetivo; cerque-a, portanto, de tudo o que lhe
possa aproveitar.
O mal maior que na escola comumente se registra, aquele que mais dano causa aos escolares,
por enfraquecer a sua retentiva e fatigar a sua memória, estafando-a, é o ensino de cor.
Entenda-se: a decoração de que aqui se fala é a de palavras, símbolos escritos ou sonoros,
sem que o escolar tenha delas a idéia exata, a compreensão precisa para entender aquilo que
elas pretendiam significar.
O ensino de cor transforma o aluno em um fonógrafo, em que a memória representa o
disco que simplesmente registra e repete o que registrou.
É a passividade do escolar e, mais ainda, é a ruína da inteligência.
Criminoso é o professor que estimula tal ensino; mais que criminoso, é um monstro.
Defeito é também no ensino, e grande, o mestre tomar o seu aluno um arquivo dos seus
conhecimentos, torná-lo um ser passivo sem açao própria.
A criança é um ser que pensa, uma inteligência em formação com poder de julgar, de
querer, de refletir; ela raciocina.
Seria, portanto, um crime deixá-la sem ação, sem liberdade de querer, sem poder de
criar; um crime forçá-la a passividade de ouvinte, quando ela pode ser toda atividade e trabalho.
Nenhum professor deve esquecer que a atividade educadora deve ser partilhada entre ele
e o educando, e não trabalho exclusivo.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
*
Suceda o contrário, e que prejuízo para a inteligência! E que fracasso para a memória!
Outra condição que se impõe ao professor é ser claro e convincente nas suas aulas. É dever
seu preparar as lições com antecedência, para que haja ordem e encadeamento lógico no ensino.
O educador, pondo a prova seus dons e qualidades, deve dar a maior atração ao assunto
da lição, de modo que a curiosidade e o interesse avivados dominem de tal forma os escolares
que eles, por si, procurem investigar os fatos e as causas que de pronto fizeram objeto.
Será conveniente que, para esse mesmo fim, as lições se sucedam numa ordem natural, de
modo que umas preparem as outras, estabelecendo entre elas relações de continuidade.
Note-se ainda que, em seguida a cada lição, deve o educador entabular com os escolares
animada palestra sobre o assunto explicado, para que estes, na sua linguagem chã, revelem as
suas opiniões e manifestem as suas dúvidas. Siga-se o processo socrático.
Tudo isso será em proveito da memória.
CONDIÇÕES EXIGIDAS PARA O ENSINO
Sem pretender descrever aqui para cada disciplina qual o método mais próprio, pois
assim seria fugir ao assunto principal desta tese, irei tentar uma resenha das principais condições
exigidas para o ensino de algumas.
Seja a Linguagem a primeira delas: gradual e metódica é o seu ensino pelos diversos anos
do curso primário.
Predominam, no primeiro, os exercícios fônicos, que facilitam a aquisição de vocabulários;
no segundo, não só os fônicos como os escritos, que acentuam a mesma tendência; no terceiro,
os de reprodução e composição; no quarto, os de redação.
Esses exercícios ou são orais, ou gráficos, ou mistos.
Os orais, que se exercem pelos sensórios da audição nos centros da linguagem, são
excelentes para o desenvolvimento da memória auditiva, quando bem dirigidos.
Eles consistem em: sinonímia e conhecimento das palavras, formação de sentenças,
reproduções de lição, descrições, composições, etc.
Os gráficos atuam nos centros sensoriais por meio dos órgãos da visão e são excelentes
para o desenvolvimento das memórias visual e motora.
Eles geralmente se exercem obedecendo uma dupla corrente: centrípeta e centrífuga;
consistem em desenhos, cópias, ditados, descritos, reproduções, redação, redação epistolar,
composição livre, etc.
Os mistos trazem a vantagem de ambos: obrigam o aluno a falar com o lápis ou pena e a falar
com a língua; desenvolvem, de concreto, as três principais memórias: a auditiva, a visual e a motora.
O valor de cada exercício como elemento educativo da memória depende do modo como é
processuado.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Para cada ordem de exercícios, um processo especial se impõe; descrevê-los é entrar
pelo domínio da metodologia — não o farei.
É condição, porém, essencial para que produzam os resultados almejados que os escola-
res não os pratiquem de um modo mecânico.
Só a cópia e o ditado, que influência têm quase exclusivamente na memória motora—e
só por uma ação indireta e reflexa na visual ou auditiva, e isso por sua própria natureza —, é que
revestem a forma mecânica. Visa-se por estes exercícios ao hábito da grafia dos vocábulos.
A não ser estes, todos os outros exigem a interferência de quase todas as funções
intelectivas; mecanizá-los é, portanto, desvirtuá-los.
Trabalhe a imaginação, o raciocínio, o juízo, a atenção, a consciência toda, pelo despertar
da memória.
Estampas, modelos narrativos e, sobretudo, a própria coisa ao vivo sirvam para as
descrições, as reproduções, e para esclarecer os significados das palavras e o estudo da sinonímia.
Tratemos agora das Ciências Físicas e Naturais.
Elas também gradualmente se distribuem pelos graus primários.
Predominam no seu ensino o conhecimento do mundo físico, os fenômenos que se realizam
na natureza e a estrutura ou organização dos seres e a sua distribuição em reinos.
O seu aprendizado, para que se tome útil e facilite o desenvolvimento da memória, precisa
ser intuitivo.
Possível fosse apresentar a coisa em espécie aos alunos, estes intuitivamente conhecimento
teriam dela. E vendo a coisa e ouvindo a sua descrição associariam uma a outra. Mas raras,
raríssimas vezes, isso será possível.
A sua representação, porém, em modelos, em pinturas ou em desenhos suprirá essa falta,
embora com alguma deficiência.
É por isso que toda escola moderna deve possuir um museu escolar e um laboratório de
Física e Química.
Para o futuro, o cinema colmará de modo satisfatório e quase completo todas as falhas e
lacunas atuais no ensino desta disciplina.
O aluno poderá então ver a imagem como se realmente visse a coisa. Não poderá, no entanto,
apalpare ouvir; suas observações ficarão limitadas a vista. Apesar disto, bons serao os resultados.
Preocupa-nos agora o ensino de Moral e Civismo.
Os conselhos, as narrativas, o exemplo são os meios para despertar e inveterar no aluno
os princípios da sã moral e amor cívico.
Os exemplos pintam ao vivo: virtudes se destacam; vícios são condenados.
Estampas mostram os dois caminhos: o do bem e o do mal; o do patriota e o do pusilânime.
Tudo o que for trabalho ou assunto escolar seja meio de educação moral e cívica; a escola
tem que formar homens e não tartufos e ficções.
Pela educação cívica e moral visa-se a formação do caráter, mas os meios que se empre-
gam para tal fim concorrem poderosamente para o desenvolvimento da memória.
Tratemos da Higiene.
O seu ensino deve ser feito, no curso primário, por meio de estampas que exerçam suges-
tiva influência no espírito dos escolares, encenando atos e práticas que caracterizem os defeitos,
as deformidades e os males resultantes dos vícios e da falta de asseio, de um lado, e os benefí-
cios que se podem colher de um regime higiênico metodizado do outro.
Ensine-se e exija-se a prática dos preceitos profiláticos; pela higiene é que se tornará
forte e raça.
O cinema poderá concorrer de modo poderoso para a educação higiênica do povo,
mostrando quais os meios para combater os males que o infelicitam.
Objetivando o ensino de higiene e observados os preceitos profiláticos, aproveitará a
memória de um e outro lado.
Passemos a História.
Na escola primária, o seu estudo limita-se a descrição da vida política e social de um
povo, desde a sua formação até os dias que correm; nas nossas escolas, será a do nosso povo.
Recorde-se todo o passado da Pátria: fatos que a engrandeceram, homens que a honraram
sejam lembrados com carinho.
Resulte o ensino da narração viva e entusiástica dos fatos: desperte-se a curiosidade do aluno.
Retratos dos grandes vultos e quadros históricos hão de facilitar o seu estudo
O cinema, porém, seria o melhor auxiliar. Os episódios históricos, por esse meio conhe-
cidos, interessariam tanto os alunos que jamais se apagariam da sua retentiva.
Atenção, imaginação e juízo, harmonicamente exercitados, aumentariam o poder de
fixação e evocação mental.
Há de ser este o processo do futuro.
Objetive-se o ensino, multipliquem-se os liames das associações, para que mais pronta e
fiel seja a lembrança dos fatos que a memória registrar.
Tratemos da Geografia.
Descrever a estrutura exterior da Terra, com todos os acidentes que lhe modificam o
contorno e as relações que mantêm entre si os povos que a habitam, eis no que consiste o
seu estudo.
Descrever, porém, é reproduzir pela linguagem a idéia que se faz de uma coisa examinada
diretamente no todo e nas partes.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Ora, na escola, impossível é esse exame direto da Terra; o educando jamais poderá
descrever vendo o país ou a região que estuda. Dessas regiões ele terá apenas notícias pelas
descrições que ler ou que ouvir: há de resultar, portanto, sempre imperfeito o seu estudo.
Mapas auxiliem essas descrições, de modo que o escolar tenha nessas miniaturas a
concretização do ensino; gravará assim da região a configuração simbolizada na carta
geográfica. A cartografia será o implemento natural desse estudo: para cada país faça-se um
trabalho cartográfico.
Os conhecimentos adquiridos assim melhor se fixarão na memória e mais prontamente
serão chamados ao campo da consciência.
Passemos a Aritmética.
Metódico e graduado deve ser o seu ensino pelos anos do curso primário.
Em compor e decompor os números consiste todo o seu assunto; mas os números
constituídos e concretizados pelas suas unidades. A reunião ou separação destas é que dão
lugar a todas as operações aritméticas, por mais complexas que sejam. Represente-se essa
unidade por um ser, objetive-se o ensino, e a criança compreenderá facilmente as operações
realizadas.
Ensine-se primeiro a idéia do número, depois a sua linguagem.
Permite-se mesmo, no início, que o escolar use da sua própria linguagem imperfeita e
incorreta para expressar o que vê, para exprimir o que observa.
Os termos clássicos de Aritmética empregue-os o professor gradualmente, quando firme
estiver a idéia do número no espírito da criança; empregue-os, mas não exija que ela também
os empregue.
Com o tempo e por imitação, gradativamente, ela irá adquirindo a linguagem própria.
Visa o seu ensino não só a útil idade prática, mas, também e sobretudo, desenvolver o raciocínio.
É por isso que se recomenda a objetivação, sempre que assunto novo seja ao aluno
apresentado.
O objeto desperta a curiosidade e prende a atenção; esta, por sua vez, favorece o juízo e
aperfeiçoa o raciocínio.
Mas tudo isso resultará em benefício da memória: ganhará a retentiva em tenacidade e a
evocação em fidelidade e prontidão.
CONCLUSÃO
De inteligência, conclui-se: a memória é educável. Aproveitem-se os textos para treiná-la
e fortalecê-la.
Siga-se, no ensino, uma ordem gradual e metódica. Derive-se o conhecimento novo por
intuição dos que anteriormente já haviam sido adquiridos. Objetive-se a lição mostrando a coisa
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ou um modelo, ou mesmo uma estampa que a represente. Ensine-se primeiro a idéia, depois a
palavra; primeiro o pensamento, depois a expressão. Favoreça-se o poder evocativo pelo associ-
ar das idéias. Vise-se no estudo não propriamente a ciência, mas sim ao aumento do poder mental.
Dupla será a utilidade do ensino assim processado: fornecerá o conhecimento e desenvol-
verá todas as atividades intelectivas. Aperfeiçoará a memória.
A atenção, despertada pela curiosidade e interesse, focalizará no campo da consciência a
imagem da coisa estudada; gravará melhor no cérebro essa imagem, que se tornará nítida pelo
exame apurado.
O juízo, devido a atenção, julgará melhor.
O racicínio e o encadeamento lógico das idéias para um determinado fim resultará mais
perfeito. E a retentiva assim guardará melhor o que os sensórios transmissores nela registrarem.
Trabalhem todas as atividades intelectuais para o aperfeiçoar da memória.
Neste perfuntório estudo de memória e dos meios que empregar devemos para desenvolvê-
la em benefício das disciplinas escolares nada de novo existe; registrei apenas as experiências
dos psicólogos modernos.
Ribot, Wundt, Patraschoio, Lahr, Geenem, Mach, Henrique Roxo, Sergi, Einet,
Vasconcellos, Farias Brito foram os autores consultados.
Falhas numerosas existem, sei; não se pode, porém, colmar. Não me foi possível fazer
obra de valor. Espírito mais lúcido, com mais segurança e experiência, que a faça em benefício
do ensino.
TESE N°-103
A UNIÃO E A EDUCAÇÃO NACIONAL
Mario Pinto Serva
futuro pertence aos povos mais preparados. Já o presidente Coolidge observou que em
outros tempos podia-se cogitar preferentemente do ensino das elites, mas que, na época
atual, numa democracia, em que todos são iguais e devem merecer iguais carinhos do Poder
Público, cumpre que o povo inteiro receba a mesma educação básica, cada um em particular, e
especializando-se ulteriormente como lhe for possível. A escola básica, igual para todos, foi a
grande criação da última reforma alemã.
A América do Norte se orgulha de que a Nação, com a educação geral levada a todos, sem
distinção, oferece também a todos uma oportunidade igual na vida. O grande dever da humanidade é
esse: reconhecer que todas as criaturas humanas têm igual direito a felicidade e que, por isso, a todos
se deve proporcionar uma oportunidade igual, com a conveniente educação física e intelectual.
A todos por igual a Nação deve procurar dar um corpo são e uma mente sã e culta.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
O problema da educação do povo brasileiro é o mais nacional de todos os problemas. É
o maior problema da história nacional. É quase o único problema nacional, porque a educação
generalizada e ampla, naturalmente por si, resolve todos os demais problemas. É a infra-estrutura
da organização coletiva.
Sem combater o analfabetismo, a União não tem soldados para o serviço militar, porque
os sorteados se apresentam em máxima parte iletrados; não tem marinheiros aptos; não tem
produção no País que lhe sustente os recursos, porquanto só o preparo generalizado produz a
atividade e, conseqüentemente, a facilidade de encontrar o fisco os recursos de que necessita.
O Japão em 50 anos realizou a sua alfabetização integral.
Há perto de trinta séculos, Confúcio dizia que quem leva a guerra um povo sem educação
desbarata-o.
Ora, o povo brasileiro está em condições lastimáveis de educação.
Segundo a estatística oficial levantada em 1920, a população de todos os estados do
Brasil e o número de analfabetos, bem como a porcentagem respectiva, eram os seguintes:
Estados População Analfabetos Porcentagem de analfabetos
Alagoas 978.748 834.213 85,2
Amazonas 363.166 266.552
73,4
Bahia 3.334.465 2.720.990
81,6
Ceará 1.319.228 1.073.262 81,4
Distrito Federal 1.157.873 447.621 38,7
Espírito Santo 457.328 349.400
76,4
Goiás 511.919 433.389
84,7
Maranhão 874.337 735.906 84,2
Mato Grosso 246.612 174.819 70,9
Minas Gerais 5.888.174 4.671.533 79,3
Pará 983.507 695.806
70,7
Paraíba do Norte 961.106 834.155 68,8
Paraná 685.711 492.512 71,8
Pernambuco 2.154.835 1.770.302 82,2
Piauí 609.003 536.061 88,0
Rio de Janeiro 1.559.371 1.173.975 75,3
Rio Grande do Norte 537.135 440.720
82,1
Rio Grande do Sul 2.182.713 1.334.771
61,2
Santa Catarina 668.743 471.342 70,5
São Paulo 4.592.188 3.222.609
70,2
Sergipe 477.064 397.429 83,3
Acre 82.379 64.881 70,2
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Pode o governo nacional permanecer indiferente ante a enormidade dessa calamidade,
assim constatada oficialmente?
O imprescindível, o urgente, o fundamental no Brasil, para solução do problema da educa-
ção do povo brasileiro, é a ação coordenadora e orientadora da União. O governo federal dos
Estados Unidos tem um Bureau de Educação para esse fim. O governo federal argentino também
o tem, sustentando escolas primárias em que se acham matriculados cerca de 300 mil alunos.
O decreto que criou o Bureau de Educação dos Estados Unidos, de 2 de março de 1867,
declara que os seus fins consistem em coligir estatísticas e fatos que mostrem a condição e o
progresso da educação nos vários estados e territórios, difundindo, a respeito da organização e
direção das escolas, sistemas escolares e métodos de ensino, informações que auxiliem o povo
dos Estados Unidos na criação e manutenção de sistemas escolares eficientes, promovendo por
toda forma a causa da educação no país inteiro.
O projeto Monteiro de Souza, apresentado há cerca de 10 anos, adapta essa organização
com muita felicidade ao Brasil.
A ação do governo federal do Brasil, com relação ao problema da educação do povo, deverá
consistirem: a) criar um Bureau de Educação igual ao americano ou argentino, com idênticas funções; b)
fundar umas dez ou vinte escolas normais, principalmente no Norte do País; c) criar escolas noturnas
para adultos; d) fundar escolas primárias nos estados que as solicitem ou não se oponham a elas.
Já Rui Barbosa, em 1883, proclamava a necessidade de um Ministério Nacional de Educação.
Há atualmente cerca de 5 milhões a 6 milhões de menores brasileiros sem escolas para
que se matriculem. O quadro seguinte dá, estado por estado, aproximadamente, o número total
de alunos efetivamente matriculados, bem como o número de menores em idade escolar:
Número de menores Número de menores
matriculados em escolas em idade escola
r
Amazonas 11.084 72.633
Pará 37.113 196.701
Maranhão 8.163 174.861
Piauí 1.811 121.800
Ceará 47.994 263.845
Rio Grande do Norte 21.780 107.427
Paraíba do Norte 18.864 192.210
Pernambuco 53.428 430.907
Alagoas 31.446 195.749
Sergipe 11.455 95.412
Bahia 75.200 666.893
Espírito Santo 19.924 91.465
Rio de Janeiro 70.173 311.874
Distrito Federal 54.585 231.574
Sao Paulo 349.770 918.437
Paraná 52.643 137.142
Rio Grande do Sul 197.424 436.542
Minas Gerais 318.947 1.177.634
Goiás 11.000 102.383
Mato Grosso 8.157 49.322
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Como se vê, é urgente que a União encare esse problema, o maior da história nacional.
Cotejando-se a nossa situação com a de países civilizados, chega-se a conclusões tristes,
como se vê do quadro adiante:
Analfabetismo em Países Civilizados e em Países Atrasados ou Coloniais
Países civilizados
Inglaterra .................................. 1,8%
Alemanha.................................. 0,05%
Dinamarca..................................... 0,2%
Holanda.................................... 0,8%
Prússia.......................................... 0,02%
Suécia....................................... 0,2%
Suíça........................................ 0,3 %
Escócia..................................... 0,6%
Austrália................................... 1,8 %
Estados Unidos.......................... 7,7%
Canadá.......................................... 11,0%
Países atrasados ou coloniais
índia.......................................92,1%
Filipinas.................................. 55,5%
Brasil..................................... 75,0%
Porto Rico.............................. 66,0%
México................................. 70,0%
Costa Rica.............................. 80,0%
União S. Africana .................. 69,7%
Ceilao .................................. 78,4%
Transvaal............................... 69,4%
Terra Nova............................ 45,8%
Honduras.............................. 68,8%
É preciso conhecer o mal em toda a sua extensão, para adotarmos medidas a altura da
situação.
A nossa situação em face do mundo é a mais desoladora. Segundo a publicação america-
na The World, é o seguinte o grau de analfabetização nos países em que há dados mais ou
menos positivos:
O Analfabetismo nos Diferentes Países do Mundo
Países (por continente) Porcentagem
Base do cálculo
Europa:
Áustria 13,7 População de mais de 10 anos
Bélgica 12,7 População de mais de 10 anos
7,9 Recrutas do Exército
Bulgária 65,5 População de mais de 10 anos
" 25,4 Recrutas do Exército
" 58,4 Casamentos
(continua)
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
(continuação)
Países (por continente)
Porcentagem Base do cálculo
Dinamarca 0,2 Recrutas do Exército
Inglaterra 1,8 Casamentos
França 14,1 População de mais de 10 anos
"
4,3 Recrutas do Exército
"
4,1 Casamentos
Alemanha 0,005 Recrutas do Exército
Grécia 57,2 População de mais de 10 anos
"
30,0 Recrutas do Exército
Hungria 33,3 População de mais de 6 anos
Irlanda 9,2 População de mais de 9 anos
"
8,1 Casamentos
Itália 37,0 População de mais de 10 anos
"
31,1 Recrutas do Exército
"
38,7 Casamentos
Ilha de Malta 57,5 População de mais de 5 anos
Holanda 0,8 Recrutas do Exército
"
2,2 Casamentos
Portugal 68,9 População de mais de 10 anos
Prússia 0,02 Recrutas do Exército
"
0,4 Casamentos
România 60,6 População de mais de 7 anos
"
41,0
Recrutas do Exército
Rússia 69,9 População de mais de 10 anos
"
61,7 Recrutas do Exército
Escócia 1,6 Casamentos
Sérvia 78,9 População de mais de 11 anos
"
43,4 Recrutas do Exército
"
36,7 Casamentos
Espanha 45,8 População de mais de 10 anos
Suécia 0,2 Recrutas do Exército
Suíça 0,3 Recrutas do Exército
Reino Unido 1,0 Recrutas do Exército
América:
Argentina 54,4 População de mais de 10 anos
Bolívia 82,9 População de mais de 7 anos
(continua)
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
(continuação)
Países (por continente) Porcentagem Base do cálculo
Brasil 85,2 Todas as idades
Honduras 68,8 Todas as idades
Canadá 11,0 População de mais de 5 anos
Chile 49,9 População de mais de 10 anos
Colômbia 73,0 Homens de todas as idades
Costa Rica 80,2 Todas as idades
Cuba 43,4 População de mais de 10 anos
Guatemala 92,7 População de mais de 12 anos
México 70,7 População de mais de 12 anos
Terra Nova 45,8 População de mais de 5 anos
Porto Rico 665 População de mais de 10 anos
Uruguai 39,8 População de mais de 5 anos
Austrália:
República da Austrália 1.8 População de mais de 10 anos
Nova Gales do Sul 2,0 População de mais de 10 anos
"
1,0 Casamentos
Nova Zelândia 0,9 População de mais de 10 anos
"
0,3 Casamentos
Queensland 2,5 População de mais de 10 anos
••
2,0 Casamentos
Austrália do Sul 1.8 População de mais de 10 anos
"
0.8 Casamentos
Tasmânia 3.3 População de mais de 10 anos
"
2,4 Casamentos
Vitória
1,1 População de mais de 10 anos
"
0.4 Casamentos
Austrália Ocidental 1,6 População de mais de 10 anos
"
0,6 Casamentos
Ásia e Oceania:
Ceilão
Todas as raças 78,3 Todas as idades
Raça européia 11.9 Todas as idades
Raça não européia 78,4 Todas as idades
índia 92,1 População de mais de 10 anos
Ilhas Filipinas 555 População de mais de 10 anos
(continua)
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
(continuação)
Países (por continente) Porcentagem
Base do cálculo
Rússia 87,3
População de mais de 10 anos
Hawai 26,8
População de mais de 10 anos
África:
Algéria 13,0
Recrutas do Exército
Cabo da Boa Esperança
Todas as raças 64,0
População de mais de 10 anos
Raças européias
3,8 População de mais de 10 anos
Raças não européias
82,8
População de mais de 10 anos
Egito 92,7
População de mais de 10 anos
Natal
Todas as raças 86,7
População de mais de 10 anos
Raça européia
1,6 População de mais de 10 anos
Raças não européias
94,8
População de mais de 10 anos
Estado Livre de Orange
Todas as raças 58,0
População de mais de 10 anos
Raça européia
2,7 População de mais de 10 anos
Raças não européias 35,8
População de mais de 10 anos
Transvaal
Todas as raças 59,4
População de mais de 10 anos
Raça européia
2,5 População de mais de 10 anos
Raças não européias 91,1
População de mais de 10 anos
União Sul-Africana
Todas as raças ( 59,7
População de mais de 10 anos
Raças européias
3,0 População de mais de 10 anos
Raças nao européias 58,2
População de mais de 10 anos
Há quem conteste o número relativo ao Brasil. Mas que um incêndio esteja queimando
70% ou 80% de cada casa pouco importa; o que importa é atacá-lo imediatamente. Que um
indivíduo esteja com 70% ou 80% dos pulmões tomados pela tuberculose, pouco faz ao caso;
o que cumpre é atalhar o mal.
Há três ou quatro estados do Brasil que estão começando a combater o analfabetismo e
a educar o seu povo. Mas a quase totalidade pouquíssimo faz, pelo que cumpre a União levantar
o lábaro da educação do povo, estimulando todos ao cumprimento do dever.
Por isso, o governo da União deve encarar de face o problema da educação do povo
brasileiro, fazendo exatamente a mesma coisa que fazem os governos federais dos Estados
Unidos e da Argentina, com constituições iguais a nossa.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
TESE N
2
107
COMO COMBATER O ANALFABETISMO NO BRASIL
W. Muniz
Instituto Rionegrense — Rio Negro, PR
roblema transcendente como esse, o da divulgação do ensino primário ou elementar a nossa
população, tão irregularmente disseminada pelo país, não poderá ser resolvido com simples
sugestões; carece de um estudo demorado, completo, para ser convenientemente esclarecido,
e, assim, poder chegar-se a uma solução satisfatória.
Grandes tentativas de reformas se estão projetando por toda parte, reformas até radicais,
que atingem mesmo os próprios métodos do ensino, para que a escola possa servir como elemento
capaz de contribuir, eficazmente, na obra da transformação social.
Diversificando nas suas modalidades, em relação a um ponto de vista, porém, todos esses
projetos se confundem: o da extensão do ensino — realizar a escola extensa, isto é, estender o
ensino a toda a população em idade escolar. Isto com referência as capitais ou cidades de certa
importância.
Já o nosso ilustrado Sylvio Romero, numa grande preocupação de patriotismo, de há
muito sustentou em sua Sociologia esse mesmo ponto de vista, que julga de não pequena im-
portância ou influência para o desenvolvimento social.
Ora, é sabido que a porcentagem de analfabetos no Brasil, segundo o registro oficial, é de
80% a 85%.
Se considerarmos agora que o Rio de Janeiro, com 1.200.000 habitantes, tem 50% de
analfabetos, podemos chegar a conclusão de que também nas demais capitais dos estados,
onde a instrução está de certo modo desenvolvida e propagada, não mais de metade da sua
população sabe ler e escrever.
Se isto acontece nas capitais e, vamos supor, mesmo nas outras cidades, qual a porcenta-
gem do restante da população disseminada pelo centro e outros pontos?
Vamos antepor este quadro as nossas vistas:
Um município, dos mil que tem o Brasil, digamos, de 15 mil almas, possuindo sua cidade
principal e uns quatro distritos, nos quais o governo estadual tenha criado umas seis escolas,
parece, a primeira vista, estar suficientemente provido do ensino elementar. Assim deveria ser,
mas infelizmente, na maioria deles, isto não sucede.
Qual a causa?
A falta de professores de um lado, a par de uma remuneração pouco compensadora, e o
pouco interesse do governo municipal de outro—eis o busílis do problema. "That is the question".
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
P
Há cinco anos passados, li em um jornal da capital da República uma notícia em que certa
corporação oferecia um prêmio a quem apresentasse a melhor idéia, em um concurso para esse
fim preparado, a respeito do melhor meio de alfabetizar o Brasil, ainda no menor espaço de
tempo. Não por interesse vaidoso ou mesmo no de alcançar o prêmio com que se acenava aos
intelectuais... incentivando o esforço de nossos patrícios para a grande obra nacional que todos
aspiramos ver solucionada, mas por motivo de outra ordem, não fora possível, como desejáva-
mos, nos inscrever também no número dos concorrentes. Ignoramos por isto qual tenha sido o
resultado conseguido.
É possível que já então mantivéssemos mais ou menos o mesmo ponto de vista que
agora a oportunidade deste Congresso de Ensino, sob os auspícios da Associação Brasileira
de Educação, nos permite externar, nesta poética capital do Paraná, digna por certo de receber
em seu seio essa Assembléia ilustre, que terá sem dúvida a feliz ocasião de verificar o esforço
do brasileiro conspícuo que dirige os seus destinos, salientando-se, principalmente, na criação
desses magníficos viveiros de vocações, majestosos templos de saber, onde se formará a
falange intemerata de professores que, comungando um mesmo ideal, serão amanhã os
construtores da grandeza do nome do Brasil e, por que não, responsáveis pela sorte dos
nossos compatriotas; neste progressista estado que tem a frente a benemérita obra cuja
finalidade é a instrução pública, a decidida operosidade de um Lysimaco Ferreira da Costa,
esse espírito de escola quem o Paraná deve inestimáveis serviços, e o Brasil não menos ao
seu reconhecido valor, mais uma vez posto a prova quando levantou a ponta do véu que
encobria os horizontes dos nossos destinos... na magnífica revelação de investigador e sociólogo,
expondo, sob um elevado ponto de vista, em relevante trabalho, a tese desenvolvida com o
título O Espírito Universitário no Brasil.
Melhor adesão, meio mais propício, não teriam os senhores da Comissão Executiva da
Associação Brasileira de Educação para a conferência que se propõem realizar em 19 de
dezembro, nesta capital.
Fechada esta digressão a que nos levaram humildes homenagens, justos conceitos que se
vieram naturalmente interpor ao desenvolvimento do assunto principal, do que pedimos vênia,
volvamos a nossa análise com relação ao tríplice ponto de vista da falta de professores, sua má
retribuição e pouco interesse dos governos municipais a respeito da livre expansão da escola
popular nos municípios.
Ora, a estatística acusa, anualmente, um elevado número de professores que terminam os
seus estudos nas escolas normais, contudo, não querem eles se transferir para escolas no interior,
preferindo aguardar, muitas vezes e durante longo tempo, vagas nas capitais e outras cidades.
Lá nos recantos solitários das matas e colônias, os preceptores, cheios de zelo e amor ao
ensino, minguam apenas o necessário para a parca manutenção da vida, sofrendo toda sorte de
privações que o meio em geral vem mais agravar, em vez de proporcionar-lhes ajusta recompensa
do seu labor honroso.
Não é pois para admirar este fato típico que durante longos anos nos ofereceu a aflitiva
situação do ensino nos meios coloniais, onde, por falta de escolas, a população quase estrangeira
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
se via na dura contingência de recorrer aos governos de seus países para manter professores
subvencionados por eles.
Por esta razão se desenvolveu por aí afora, nesses "quistos étnicos", uma espécie de
corpos diplomáticos ou modernas comunas, representantes da influência de outras
nacionalidades, que atavicamente desdenhavam o espírito nacional, sem culpa direta, fato que
a nós outros se foi afigurando como a implantação de um regime... que bem se parecia com
um desses graves perigos!...
Foi então que, mercê da Grande Guerra, ao estrugir estrepitoso dos canhões, as temíveis
emanações de gases além-mar, que sopravam como o furor dos submergíveis no seio bravio
dos oceanos, estremecemos, despertamos e a postos nos colocamos para enfrentar essa situação
que a força das circunstâncias haviacriado, mas que não podia mais continuar!... Tinha seus dias
contados.
Escolas nacionais estrangeiras foram criadas pelo governo federal, leis sobre o ensino
obrigatório da língua vernácula, da nossa história e geografia surgiram nos estados de população
colonial mais densa.
Se estão elas prestando o serviço que era para desejar, as autoridades competentes convém
uma indagação que seja porém alheia a interesses político-religiosos... pois cremos que a primitiva
situação, em muitos lugares onde a fiscalização não alcança, ainda está com desvantagem para
a nacionalização, apesar de, segundo consta, governos estrangeiros, embora com grandes
sacrifícios, se interessem ainda, de um modo aliás louvável, pela instrução de seus descendentes,
continuando a prestar-lhes favores que os nossos costumam muitas vezes negar aos heróicos
educadores do nosso hinterland.
É um problema cuja solução não pode perdurar por mais tempo, a não ser que sejamos
acoimados de maus governos, quando não impatrióticos e comprometedores do futuro de nossa
nacionalidade!
Povos destemidos, os alemães, por exemplo, educados na vontade preponderante e com
uma nítida compreensão dos desígnios dos seus destinos e da cultura de sua raça, não esmorecem
ante as primeiras vicissitudes que se lhes oferecem, e ei-los coesos, com o mesmo ideal que nem
a diversidade de religiões antagônicas perturbam, vencendo as distâncias ao toque de reunir,
organizando nesta cidade de Curitiba, em meados de janeiro deste ano, poucos dias após a
realização do nosso Primeiro Congresso de Ensino do Paraná, o seu Vieter Deutsch
Brasilianischer Schultag.
Com louvável dedicação, trataram nessa ocasião uma centena de educadores alemães
dos interesses da classe, sob diversos pontos de vista, inclusive do sentimento de amor pátrio,
do espírito de cultura das colônias, constituindo-se em uma espécie de Confederação protetora
do professorado alemão ou teuto-brasileiro, com sede na capital do País. Tudo isto se verifica
pela leitura dos Anais já publicados em brochura impressa, em língua alemã, onde se lê, também,
que a próxima conferência realizar-se-á em 4 de janeiro de 1929, na cidade de Joinvile, em
Santa Catarina.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Fato interessante: tanta coisa discutida e resolvida naquele congresso, sem que a imprensa
da capital, salvo engano, tivesse dito uma palavra sequer a respeito.
Para se avaliar os intuitos e esforços daquela corporação, constituída de professores e
diretores que não pouco devem lutar com as dificuldades que as nossas leis de ensino, relativas
as escolas estrangeiras, vêm-se-lhes modificando a expansão principalmente nos estados do
Sul, basta ler-se o trecho seguinte que traduzimos para o vernáculo: "O povo alemão teve
outrora um exército modelo. Com a percepção desse conhecimento, ouviu-se um dia, no ataque
a fortaleza de Taku, esta voz do marechal inglês: 'Alemães, para a frente!"'
Aquele exército não existe mais, porém um outro poderoso possui ainda o povo alemão,
o dos intelectuais, do professorado, dos nacionalizadores, a respeito dos quais, se não me
engano, já disse um sábio escandinavo: "A escola alemã nenhuma nação poderá imitar".
"Professores alemães, para a frente"!
Que os nossos congressos de ensino sejam pois cheios de vida e os seus frutos abundantes,
não se afastando jamais dos intuitos e propósitos que devem congraçar todos os bons patriotas
para a solução do magno problema da instrução e educação popular!
Voltando ao nosso primeiro ponto de vista, que diz respeito a falta de professores nos
povoados e no interior do País, devemos lembrar o fato da má remuneração que tem essa classe
de servidores da Nação, que aliás fazem merecido jus a que se lhes proporcione um melhor
bem-estar na laboriosa profissão que exercem em meios tão isolados, longe do convívio social,
minorando-lhes assim essa situação por demais difícil.
A deserção de elementos, muitos deles representando a flor do professorado, para outras
carreiras mais lucrativas, como conseqüência desse fato, não tem sido sem importância.
Considere-se ainda que, no Paraná, por exemplo, a maior parte do professorado pertence
ao sexo feminino, enquanto em Santa Catarina [...] podem exercer o magistério. No primeiro
caso, as moças não irão para o interior... e no segundo, as casadas não é conveniente também!...
São outras tantas dificuldades que aí vêm surgindo...
Se aos governos estaduais não é possível atender esse importante serviço público em
condições convenientes, pensamos que ao governo municipal, que é a base primária onde repousa
o grande edifício nacional, cabe o restrito dever de atendê-lo como de seu peculiar interesse, e
aqui, cremos nós, está todo o segredo da solução desse problema, pois nas administrações
inteligentes dos municípios está o segredo da prosperidade nacional, desde que aos mesmos
não falte o espírito de iniciativa e de trabalho. Se os municípios não zelam de seus interesses, se
não produzem, se não se movimentam, realizando a prosperidade a seu alcance, e se lhes falta
descortínio, justiça e prontidão na superintendência dos respectivos negócios, escusado é fiarem-
se no amparo do estado.
Compenetrem-se dessa verdade os senhores superintendentes municipais, e veremos, em
pouco tempo, solucionado o assunto da alfabetização do povo brasileiro, do mesmo modo
como a Alemanha somente pôde conseguir estabelecer definitivamente no seu país a instrução
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
de seu povo no último quartel do século passado. Dez por cento da renda geral, um inspetor
municipal de boa vontade, que constantemente se esforce junto aos chefes distritais, solicitando
destes a intervenção direta no sentido de, com sua influência pessoal e política, conseguir dos
pais a matrícula dos filhos nas escolas que o governo lhes dá, e uma fiscalização constante nesse
sentido, e terá cada município realizado uma grande obra patriótica e demonstrado um ideal
nobilíssimo perante os seus governados.
Os governos estaduais assim em comunhão com os municipais, não dando tréguas ao
descaso dos nosso patrícios, poderão manter efetivamente em tais condições, no mínimo, dez
escolas em cada circunscrição municipal, o que de certa forma já enfrentará poderosamente o
mal que nos aflige.
Essa verba, aliás, já é por algumas municipalidades — e com os mais satisfatórios
resultados — reservada para tão patriótico destino, quer na manutenção de escolas próprias
como subvencionando as particulares.
Um superintendente patriota, uma autoridade escolar zelosa e um chefe político distrital
em cada município, tornamos a repetir, estarão para começar desde já a resolver o problema
nacional da instrução popular.
Parecerão a muitos um paradoxo tais providências e medidas, como que a partirem da
periferia para o centro! Mas entretanto, tudo o que deste se dirige para aquela, dada a extensão
da trajetória, é certo que, para garantia de sucesso, depende de muita fiscalização; o que se
torna mais razoável é o caso contrário, em que ela é mesmo muito mais fácil e de resultados mais
eficazes. Impossível, dirão muitos! Já experimentaram? Perguntamos nós!
O exército, diga-se de passagem, também terá um poderoso influxo nessa obra com a sua
intervenção ainda que indireta, instruindo os candidatos analfabetos que anualmente ocorrem
aos quartéis por obrigatoriedade do serviço militar, ali aprendendo, a par da instrução das armas,
a ler e escrever também.
Entretanto, muitos há que não compreendem esta grande vantagem que o governo
proporciona com o serviço obrigatório, ao qual, de certa forma, muitas vezes procuram
furtar-se, com cumprimento de tão nobilíssima missão, ou indiretamente prejudicar o seu
benéfico resultado, afastando, por meios inconfessáveis, os jovens inexperientes, desse posto
do dever!
São entes prejudiciais, gente sem patriotismo, acoroçoadores do analfabetismo que campeia
desolador, tornando-nos por longo tempo ainda um povo semi-civilizado aos olhos de todos
aqueles que medem o aspecto de cultura de uma nação pelo grau que apresenta o termômetro
na estatística de sua vida intelectual.
E quem ousará negar, por exemplo, que a Argentina, tao jovem ainda, mas onde a
porcentagem de analfabetos é de 30% contra 85% no Brasil, não tenha tido, como fator
preponderante na consecução desse já invejável grau de progresso intelectual, o serviço militar
obrigatório, bem organizado e ao qual a mocidade vem prestando o seu concurso dedicado e
patriótico?!
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Que a Associação Brasileira de Educação tomasse a si a direção desse serviço, cujo
desenvolvimento foi objeto de assunto de nossa modesta contribuição ao presente Congresso
de Ensino, organizando nos estados, por ocasião das Conferências Nacionais de Educação que
anualmente promove na capital de cada um deles, comissões de propaganda, ou suprindo ainda,
com a sua reconhecida competência, a deficiência destas nossas indagações, por outros mais
sábios alvitres, e teríamos a plena garantia de sua viabilidade, o completo êxito da causa da
instrução em nosso país.
TESE Nº112
DA NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO MORAL NO ENSINO
SECUNDÁRIO E SUPERIOR
Raul Bittencourt
Rio Grande do Sul
O PONTO CENTRAL DA EDUCAÇÃO
o conflito entre as ações agressivas do ambiente e a tendência conservadora da vida nos
organismos nasce a reação adaptativa desses últimos, ora modificando o meio em que
vivem, ora a si mesmos transformando em limites variáveis, tudo para a grande "conservação da
vida" na superfície da Terra.
Cumprem esta tarefa essencial as funções psíquicas, desde as mais elementares, sem as
quais periclita logo o exercício da nutrição e, com ela, a conservação do organismo.
A adaptação de cada organismo ao meio ambiente é questão de vida e de morte e o fulcro
em que giram todos os fenômenos biológicos ou deles derivados.
Desprezando as hipóteses racionalistas da metafísica sobre a finalidade da vida do homem,
um fato concreto, de observação direta, domina e resolve todas as indagações filosóficas nesse
sentido: a imperiosa tendência dos indivíduos física e mentalmente hígidos a continuação e
desenvolvimento da vida. Traduzindo a realidade de maneira positiva, pode-se dizer: " Para os
homens normais, o ideal mais genérico da vida é viver mais e ainda com maior intensidade".
Dependendo a vida, não só em seu desenvolvimento, como também em sua conservação,
das funções adaptativas, vê-se logo o papel fundamental das mesmas no desempenho da educação.
Ser mais capaz em adaptabilidade é viver mais e melhor.
Assim, a obra de educação como preparo para a vida é, em ultima ratio, um provimento
de maior bagagem adaptativa.
A educação nada cria nem inventa; desenvolve uma função congênita do homem, a "adap-
tabilidade", e respeita a lei mais genérica de biologia, a "tendência dos organismos aconserva-
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
D
ção e desenvolvimento da vida". Educar é tornar o indivíduo cada vez mais adaptável, isto é,
cada vez mais apto para vitoriar das agressões da ambiência.
As variações climáticas das diversas regiões da Terra e as diferenciações étnicas dos
povos criam naturalmente em cada zona do globo conflitos específicos entre o homem e seu
ambiente, obrigando-o logicamente a variantes adaptativas adequadas a cada caso e, portanto,
gerando normas educativas também diferenciadas e específicas. Havendo sempre uma, de modo
muito geral, que seja a melhor maneira de um homem se adaptar a um determinadohabitat com
um mesmo elemento étnico e num dado momento histórico, conclui-se que o conceito,
abusivamente generalizado, de educar-se o "homem" deve substituir a noção mais restrita e real
de educar o "homem de cada ambiente": a idéia racionalista de educação cosmopolita prefira-se
a certeza positiva da educação nacional.
Foi, sem dúvida, pensando assim que Rousseau escreveu aquela tão sugestiva e célebre
frase: "Aos vinte anos um polonês não deve ser um outro homem: deve ser um polonês".
Fácil é agora, para fundamento desta tese, formular o seguinte postulado: "O objetivo
essencial da educação é dirigir e fortalecer as aptidões naturais da adaptabilidade do homem ao
seu ambiente específico".
VALOR DA AFETIVIDADE E DA VONTADE NA EDUCAÇÃO
Nessa tarefa de adaptação, sobressaem dentre todas as funções psíquicas a afetividade e
a vontade.
A velha psicologia metafísica, vinda dos tempos medievos, dera o primaciado a inteligência,
e não foi sem cruéis conseqüências que os homens do século XVIII confiaram demasiado na
Razão. Mas a psicologia veramente acientífica, de raízes experimentais, provou o contrário: na
obra de adaptação, que é toda a finalidade do psiquismo, existem a afetividade e a voliçâo.
Augusto Comte já previra e pregara doutrinariamente a importância dos sentimentos nos
atos humanos, e Theodulo Ribot bem afirmava, ainda em anos do século passado, que é nos
estados afetivos que se encontra o núcleo íntimo da personalidade. Hoje, ninguém mais contesta:
no concurso das funções que integram a unidade do psiquismo, a inteligência não é primacial. A
alienística, mais que qualquer outra ciência, comprova o acerto.
Tomai dois degenerados atípicos, desequilibrados, de afetividade abortada em fase rudi-
mentar (que a velha escola chamou "loucos morais"), tomai dois desses indivíduos de constitui-
ção mórbida chamada perversa, um possuidor de uma inteligência precária, outro de espírito
claro e penetrante. A despeito da aparente dissemelhança com que o talento costuma diversifi-
car os homens, vereis que eles mais se igualam do que se distinguem. A conseqüência prática de
ambas as vidas será a mesma: inadaptação ao meio social, com grave prejuízo para cada um
deles e maior dano para a coletividade; serão todos dois "anti-sociais".
O primeiro delinqüirá com frieza e nada acrescentará ao crime, senão a bestialidade da
sua incompreensão, ou reincidirá desajeitadamente para esquivar-se a sanção penal. O segundo
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
também será criminoso imperturbável pela sua anestesia moral, mas, ao delito, ajuntará o
dissimulador verbalismo que a sua inteligência inspirar, tentando em vão a legitimação de seus
atos com teorias talvez engenhosas, mas absurdas e negativas, doutrinas filosóficas demolidoras,
fabulações, calúnias... até de um todo se enredar nas malhas de sua pretendida defesa e não
conquistar melhor sorte que o primeiro: os muros de uma penitenciária. A inteligência foi para ele
uma função negativa que nada lhe valeu; e a coletividade coube, igualmente, o mesmo ônus do
crime, num e noutro caso.
Ainda mais. Se a inteligência de um tal anômalo afetivo alcança a genialidade, mais nefasta
será ainda a sua atuação na sociedade, porque a força inventiva do seu gênio fica a serviço dos
desmandos de sua amoralidade.
A história aponta o cortejo sinistro dos psicopatas geniais. Tao maior é a importância da
afetividade do que a da inteligência na tarefa de adaptação!... O mesmo para a vontade. Função
psíquica essencialmente sintética e fiscalizadora imediata dos atos humanos, é ela a fonte derivante
de todas as vitórias do homem. Os incapazes de vontade por apatia ou por excesso de impulso
são "parassociais" (elementos sociais negativos, parasitas, contraventores) ou até "anti-sociais"
(criminosos reincidentes), enquanto os medíocres de inteligência, mas harmonicamente
desenvolvidos, cumprem utilmente a sua missão social de cooperadores do progresso,
modestamente, mas com eficiência.
De que serve o talento, diante do critério essencialmente pragmático do nosso século, aos
abúlicos impulsivos, tornando-os conscientes e arrependidos de seus erros se, apesar disso,
ficam os mesmos inadaptáveis e nocivos a coletividade, eternamente perigosos?
Resumamos o conceito firmado: "a afetividade e a vontade desempenham papel dominante
sobre a inteligência na adaptação do homem ao seu ambiente". É precisamente o preparo e
desenvolvimento dessas funções — afetividade e vontade — que a velha escola chamou de
"educação moral", denominação vaga e, de certa maneira, imprópria, mas já sagrada pela tradição.
Seria agora o momento de indagarmos que providências tomariam as legislações de
ensino no Brasil acerca da educação moral. Antes de o fazermos, porém, cumpre estabele-
cermos uma restrição.
RESTRIÇÃO
Não nos referimos ao ensino primário. Na fase em que as crianças freqüentam as escolas
primárias, a educação moral fica repartida entre a escola e a influência familiar. Os programas
das escolas primárias dispõem geralmente sobre a educação moral e rudimentos de instrução
física, enquanto a própria disciplina obedecia já a criação natural de hábitos morais.
Queremos nos referir limitadamente ao ensino secundário e superior, e assim o fazemos
porque entendemos que a educação superior e a secundária, apesar de atuarem sob uma minoria
de cidadãos, têm qualitativamente um papel importantíssimo e nada inferior, senão predominante,
ao ensino primário, destinado a ser ministrado a todos os indivíduos de uma sociedade e de toda
a Nação, que, mesmo a mais aperfeiçoadamente democrática, está sempre polarizada em dois
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
focos distintos, a grande massa dirigida e os escóis dirigentes, os quais, dentro do governo ou
fora dele, pelo respeito moral que inspiram, exercem uma influência dominante e incisiva sobre
os destinos do povo.
Isto é tanto mais verdade quando tratamos de Brasil, em que a deficiência de opinião
popular proporciona a existência de governos fortes, as vezes, todo-poderosos. Assim, a pró-
pria sorte do ensino primário está entregue, em última análise, ao ensino secundário superior,
porque é na educação colhida nos institutos superiores e secundários que os escóis dirigentes
vão tirar as normas diretrizes de sua atuação. Circunscrito o assunto, perguntamos: Qual a
educação moral existente no Brasil, no ensino secundário e superior?
O QUE É A EDUCAÇÃO MORAL ENTRE NÓS?
A lei vigente do ensino prescreve no curso secundário: cinco anos de estudo de Portugu-
ês, três anos para ensino de língua estrangeira (Francês, Inglês ou Alemão), seis anos de Dese-
nho, quatro anos de Latim (!)...
E de educação moral? Uma única cadeira no primeiro ano ginasial, abrangendo Educação
Moral e Cívica.
Quer dizer que todo estudante preparatoriano fica obrigado a cinco anos de estudo de
Desenho, fora do ensino profissional, forçado a quatro anos de Latim, língua morta cujo estudo
só deveria ser admitido em Faculdade de Letras, como aprimoramento da cultura clássica, e
quase desamparado do pão indispensável da Educação Moral e Cívica, elemento capital na
integração educativa de um homem.
Se existir na escola primária a educação moral e os rudimentos de instrução cívica, por
que limitá-la a insignificância de uma só cadeira em um único ano no ensino secundário?
Na idade escolar primária precisamente é que a criança não pode completar a organiza-
ção de um sentimento complexo como é o patriotismo, nem adquirir o senso acabado do cida-
dão. Tendo em vista a idade infantil com que o homem transita pela escola primária, a Educação
Moral e Cívica que nela se ministra é apenas uma iniciação, utilíssima, básica, indispensável, de
valor fundamental, mas sempre uma "iniciação". E onde vai o brasileiro encontrar o acabamento
dessa educação, quando ingressado num curso secundário? Vejam bem a precariedade da nos-
sa legislação: apenas em um ano de estudo, que é o primeiro do curso ginasial.
A lei prevê a idade mínima de 16 anos para o aluno matricular-se numa escola superior;
quer dizer que aceita a possibilidade de uma criança entrar com 11 anos para o curso ginasial, e
é com esta idade que deve o brasileiro encontrar as últimas reservas da Educação Moral e
Cívica para integração da sua personalidade. No ano imediato, isto é, quando tiver 12 anos de
idade, já não encontrará professor que lhe ensine a cultura do caráter ou adestramento da
vontade, as responsabilidades de brasileiros.
Aos 12 anos ter-se-á como concluída e perfeita a educação moral daquele indivíduo que
só alcançará a cidadania nove anos mais tarde. É uma irrisão!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Mas não queremos ser extremistas; lembremos que muitos estudantes iniciam os seus
estudos secundários com mais idade: 12,13,14 anos... Ainda assim, aos 15 anos estará suspensa
a Educação Moral e Cívica, justamente na idade em que mais ela se torna necessária, advento
da adolescência, crise do crescimento mental, fastigio da imaginação fantasista resvalando pelo
devaneio, despertar da vida para o contato direto com a sociedade, idade singular de todas as
virtudes e de todos os desmandos...
O jovem brasileiro, porém, que se entregue aos azares da vida, com as tendências con-
traditórias da herança étnica de raças ainda não suficientemente caldeadas, com a ação discordante
dos nossos climas, com o meio social pouco orientador de uma democracia incipiente... Tal é o
abandono moral em que ficam os nossos adolescentes, graças a imprevidência da nossa legislação.
Generalizando um pouco metaforicamente, poderíamos dizer: somos um povo com
ilustração intelectual de "homens", responsabilidades de "homens", direitos de "homens" e
educação moral "dos 15 anos".
Terminando o curso secundário, encaminham-se esses moços, que vão formar o desejado
escola nacional, para os institutos superiores de ensino, sem levar para lá e sem lá encontrar um
arrimo seguro as suas claudicações morais e ao seu indiferentismo patriótico. Resultado: médicos
que desconhecem os princípios fundamentais da nossa constituição; bacharéis que não aplicam a sua
cultura em obra de sã política; engenheiros sem a visão clara das nossas possibilidades territoriais e
industriais.
Falemos do ensino superior. Ainda pior. O que até agora era precariedade aqui é carência
absoluta: "não existe no Brasil inteiro uma só escola superior destinada a cultura do caráter e ao
estudo metódico dos nossos grandes problemas".
Isso significa que todos os brasileiros de intenção veramente patriótica têm de praticar o
heroísmo de autodidatas na conquista dos conhecimentos mais complexos para satisfazerem o
seu ideal. Parece até que se conspira contra os que amam intensamente a Pátria e a ela entregam
a sua abnegação.
De toda essa mágoa só há um consolo: é que todos os nossos grandes estadistas, homens
ilustres e patriotas de todo o gênero, do Império a República, foram maiores ainda do que seria
de supor, porque os seus atos e os benefícios por eles prestados a Nação são produtos exclusivo
do seu esforço próprio, pessoal, visto que a coletividade não lhes proporcionava, como ainda
não proporciona, terreno adubado a sementeira das grandes educações nacionais.
E, no entanto, do que muito necessitamos é que se multipliquem e se consolidem essas
"grandes educações nacionais" de que raros brasileiros contemporâneos podem se orgulhar...
Nesta altura podemos sintetizar o nosso pensamento dizendo: "Educação Moral e Cívica
no Brasil é, atualmente, mínima no ensino secundário e nula no superior".
TERAPÊUTICA
A tantos males, algum remédio. Para isso, não vamos expor um programa completo que
pretenda resolver a crise em que estamos de educação cívica e moral no ensino secundário e
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
superior. Não: a tanto se opõe a índole desta conferência e o senso da complexidade do assun-
to, que pede cautela contra precipitações.
Esboçaremos, porém, as linhas mestras de uma reforma, que desçam da análise doutriná-
ria até o terreno concreto da praticidade.
Primeiramente, no que tange ao ensino secundário. Aqui, antes de tudo, é mister que a
cadeira de Educação Moral e Cívica não fique limitada ao primeiro ano do curso ginasial, mas
acompanhe o aluno reiteradamente do primeiro ao último ano, durante todo o curso secundário.
Para que cinco anos de Desenho num ensino que não é profissional? Para que quatro anos de
Latim num curso que não é de aperfeiçoamento, mas simplesmente preparatório?
Substituamos essa inadequabilidade, esse anacronismo, por seis anos de educação moral,
para formação de um caráter viril e ativo, próprio das necessidades do século, de finalidade
essencialmente pragmática. Mas que essa educação moral seja caracteristicamente cívica, para
que o vício elegante do cosmopolitismo não prevaleça, e fique genuinamente nacional, adaptada
ao nosso meio específico, forjando não apenas o "homem" (abstração racionalista e utópica),
mas "o homem brasileiro do século XX".
E agora cumpre fazer uma ressalva a nossa própria indicação.
Somos pelo elastério da cadeira de Educação Moral e Cívica pelos seis anos ginasiais,
mas acreditamos convictamente que isso não basta. Se nos limitássemos a esta sugestão,
correríamos o risco de ver burlados os nossos intuitos, reunindo-se, quem sabe, os seis anos de
Educação Moral e Cívica a um puro verbalismo artificioso.
A instrução adquire-se pela compreensão, mas a educação moral só se conquista
plenamente pela prática repetida de hábitos morais.
É preciso, pois, acrescentar ao ensino doutrinário meios de ação conducentes a aquisição
de hábitos disciplinados e de eficiência prática.
Lembremos para isto a obrigação da parte dos alunos de apresentarem durante o ano
trabalhos de iniciativa própria sobre as diferentes cadeiras do curso e supressão do regime
antipedagógico e imoral dos exames, substituídos pelo critério do aproveitamento global do
estudante em todo o ano letivo.
A permanência do exame em nosso ensino secundário e superior é um elemento
deseducador do nosso povo. O exame fomenta o hábito de simulação, a preferência da astúcia
sobre o trabalho eficiente, trai o estudante e desalenta o professor, desaparelhado de meios
repressivos contra o contrabando da ignorância.
São aqueles quinze minutos fugidios do exame, em que, num momento, se pretende julgar
a aptidão de um aluno e a aplicação de oito meses de estudo, que inspiram ou empenham o
favoritismo e até a venalidade e incutem no estudante a noção enganosa, e de conseqüências tão
duras, de que uma inteligência pronta e vivaz possa dispensar o estudo apurado e meditativo.
A supressão dos exames, obrigando os alunos a sinceridade fecunda do esforço e do
estudo, será uma fonte moralizadora do ensino e eminentemente educativa do povo.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Ainda mais: a obrigação de pequenos trabalhos próprios versando sobre as matérias do
curso é bem o treinamento do esforço de iniciativa, maneira eficiente de educar a vontade.
Quanto ao ensino superior, a tarefa é toda de criação, visto que aqui a educação moral é nula.
Precisamos organizar uma faculdade superior de ciências filosóficas ou qualquer outra
denominação adequada, não apenas para que os homens raros que têm o patriotismo acendrado
até a abnegação possam encontrar ambiente propício ao seu desenvolvimento. Com as cátedras
de Sociologia Política, Ética, Economia do Brasil, Eugenia, Sociologia Brasileira e outras correlatas,
uma tal faculdade seria o viveiro dos nossos maiores, onde se habilitariam de fato e sem perda
de tempo as aptidões vocacionais dos homens públicos.
Então o Brasil continuaria a ter os governos que merece, mas mereceria governo cada vez
melhor, porque haveria onde preparar um escola de dirigentes disciplinados em normas de moral,
capacitados dos grandes problemas nacionais e saturados dos conhecimentos indispensáveis a
sua solução. Haveria assim como aproveitar os nossos melhores valores, e a força da compe-
tência e do caráter imporia sua influência nos altos postos da administração ou nas grandes
avançadas da iniciativa popular, de maneira prática e eficiente, no desenvolvimento da Nação.
Destarte, seria mais difícil relegar ao ostracismo veros construtores, como ainda hoje acontece,
e o Brasil seria grande pelos seus grandes homens.
Eis aí não um programa completo de Educação Moral e Cívica, como já advertimos, mas
as diretrizes gerais dessa obra eminentemente prática e urgente.
Todo brasileiro, em regra geral, é inteligente e arguto. O que lhe falta e o que é preciso
provê-lo é o desenvolvimento sistematizado dos sentimentos sociais, a disciplinação da vonta-
de, o hábito do trabalho demoradamente sustentado, o conhecimento geral das leis nacionais, a
compreensão nítida das responsabilidades da cidadania, o cabedal suficiente para formular um
ideal de patriotismo.
E tal será a obra, paralelamente com o saneamento, da Educação Moral e Cívica do Brasil.
CONCLUSÕES
1ª) O objetivo essencial da educação é dirigir e fortalecer as aptidões naturais de adapta-
ção do homem ao seu ambiente específico.
2ª) A afetividade e a vontade desempenham papel dominante sobre a inteligência, na
adaptação do homem ao seu ambiente (valor da Educação Moral e Cívica).
3ª) Dada a bipolaridade em que se focalizam todas as sociedades — massa dirigida e
escóis dirigentes —, o ensino secundário e o superior, embora atuando sobre uma minoria de
cidadãos, são tão ou mais importantes do que o ensino primário.
4
a
) A educação moral no Brasil, atualmente, é mínima no ensino secundário e nula no superior.
5ª) È indispensável desenvolver a educação moral, ainda insignificante, do nosso ensino
secundário.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
Para isso, entre outras providências, salientam-se como as mais gerais:
a) Desenvolver a cadeira de Moral e Educação Física, já existente no primeiro ano gina-
sial, até o último ano, constituindo preparatório, mesmo em caso de exames parcelados.
b) Estabelecer a obrigação dos alunos de apresentarem durante o ano trabalhos de inici-
ativa própria sobre as diferentes cadeiras.
c) Suprimir o regime antipedagógico e imoral dos exames pelo critério do aproveitamento
legal do estudante em todo o ano letivo.
6ª) É necessário criar a educação moral e cívica no ensino superior pela formação das
faculdades de ciências filosóficas, com cátedras de Sociologia Política, Ética, Economia do Brasil,
Eugenia, Sociologia Brasileira e outras correlatas, para proporcionar a Nação o máximo de
rendimento de sua mais rara e importante riqueza: "A força realizadora dos seus maiores patriotas".
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Pareceres
sobre as Teses
não Localizadas
PARECER DA TESE N
Q
7
No excelente trabalho que me foi distribuído na Comissão de Ensino Superior, o ilustrado
professor de Direito doutor João Macedo Filho sustenta três proposições relativamente ao
regime universitário do ensino superior no Brasil:
1) O ensino universitário é o mais recomendável e tem por si, em nossa Pátria, ser uma
aspiração tradicional, desde D. João VI até o presente.
O autor desenvolve essa tese com cerrada argumentação histórica, largamente docum-
entada. Demonstra "que o regime universitário tem por si, a recomendar-lhe, a adoção nos
estados que ofereçam elementos bastantes de garantia de moralidade e eficiência do ensino,
considerações da maior relevância que condizem de perto com os altos interesses nacionais,
alinhando nas letras de a) ad) sólidos argumentos que sustentam sua proposição".
Na verdade é ela idéia hoje vencedora, solenemente consagrada no Congresso de Ensino
Superior e Jurídico, reunido no Rio de Janeiro a 11 de agosto do corrente ano.
É, pois, digna de aprovação a primeira tese do doutor João de Macedo Filho.
2) As universidades em centros de pequena população produzem os mais benéficos re
sultados.
O autor procura demonstrar essa tese com o exemplo da Alemanha e Itália, onde em
1892 existiam universidades em cidades que contavam, naquela época, com populações de
7.000 a 76.000 habitantes.
Parece que essa proposição não pode ser aceita sem o acréscimo de uma condição, isto é:
"uma vez que nessa pequena população haja meio propício ao desenvolvimento da vida universitá-
ria".
Além das condições de clima, custo de vida, aparelhamento higiênico, os centros em que
se tem de implantar uma universidade moderna precisam ter um meio social que permita, além
do desenvolvimento cultural da mocidade, a sua educação social.
As sociedades literárias e científicas são o complemento do ensino universitário, forman-
do-lhe o ambiente que permite o contínuo aperfeiçoamento e desenvolvimento do ensino minis-
trado nos cursos escolares.
As sociedades recreativas e esportivas constituem o ambiente propício a educação social
dos moços, ao seu aperfeiçoamento físico e ao convívio necessário a solidariedade que convém
a unidade nacional.
A vida moderna exige homens instruídos, educados, enérgicos e fortes.
Só os meios em que essas qualidades nobres podem ser desenvolvidas podem ser propí-
cios a fundação das universidades.
A proposição do doutor João Macedo, a meu ver, deve ser aprovada com o aditivo por
mim proposto, o que, aliás, se acha implícito na primeira proposição, quando o seu ilustre autor
se refere as condições que devem oferecer os estados onde se hão de fundar esses institutos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
3) As três escolas do Paraná reúnem todos os requisitos para constituírem uma universi-
dade pelos moldes da universidade do Rio de Janeiro.
O autor faz, a princípio, um histórico das três faculdades para mostrar a sua gênese e o
seu desenvolvimento.
Depois examina: a) o seu patrimônio; b) seus recursos financeiros; c) o apoio que têm,
quer moral, quer material, dos podêres públicos do Estado; d) o valor do seu corpo docente; e)
o seu regime escolar; f) as condições da cidade em que se acham situadas; g) a forma fraternal
em que vivem, num mesmo prédio, na mais perfeita harmonia e solidariedade.
Cada uma dessas alíneas é demonstrada de modo inconfundível, com clareza e precisão,
de modo a não ser possível levantar dúvida a qualquer das afirmativas do ilustre professor.
E, para documentar os seus acertos, transcreve ele as opiniões emitidas por ilustres
visitantes que têm estado no importante estabelecimento de ensino.
De modo que a terceira proposição do doutor João Macedo deve merecer aprovação de
Comissão de Ensino Superior.
Sala das reuniões da Comissão, em 21 de dezembro de 1927
Ubaldo Ramalhete Maia — Presidente
Pamphilo d'Assumpção — Relator
EMENDA AO PARECER:
A I Conferência Nacional de Educação, aprovando a brilhante tese do doutor Macedo
Filho, lembra a necessidade da criação das Faculdade de Ciências e Faculdade de Letras e Filosofia.
Sala de Sessões, 21 de dezembro de 1927
Lourenço Filho
NOTA — Aprovado o parecer da Comissão de Ensino Superior, com um voto em
contrário. Aprovada a emenda do professor Lourenço Filho, com dois votos contra. Sessão
plena de 21 de dezembro de 1927.
PARECER DA TESE N° 12
atentamente a tese apresentada a esta I Conferência Nacional de Educação pela Exma.
Sra. Lúcia Miguel Pereira sobre a instituição da Academia Feminina.
Vazada em primoroso estilo, a tese poderia, a primeira vista, seduzir pela arte com que a
ilustre autora sabe pôr em relevo as deficiências da formação feminina na quadra presente,
limitando-se tal formação a cultura quase exclusiva do sentimento, sem cuidar deveras das
outras faculdades superiores.
E
Reclama, portanto, a criação de uma Academia Feminina, para a qual chegou a elaborar
um programa viável.
A esta tese cumpre-nos fazer os seguintes reparos:
1) Não será na instituição da Academia Feminina que se encontrará a solução do pro-
blema que a ilustre autora cognomina problema feminino. O problema feminino, tal qual o
descreve a autora supra-louvada, só se manifesta nas grandes aglomerações urbanas; mas aí
justamente existem (ou deveriam existir) Escolas Normais superiormente organizadas, segundo
um programa que muito se aproxima do que foi elaborado e apresentado pela Exma. Sra.
Lúcia Miguel Pereira.
2) Muito mais fulgente do que o pomposo título de bacharel em ciências, o diadema da
maternidade deve resplandecer na fronte veneranda da mulher brasileira. Esta soube formar
nestes quatro séculos de existência que já conta o Brasil e, sobretudo, nestes últimos vinte
lustros de independência política, o caráter de aço dos grandes brasileiros, digamos, do povo
brasileiro, sem o concurso de nenhuma academia feminina. O que ate hoje conseguiu a mulher
brasileira por que o nao conseguirá amanhã e sempre? Nem é rara neste nosso Brasil —
como parece acreditar e entender a mencionada autora — a mulher-mãe. Mercê de Deus, não
está ainda o Brasil infeccionado pelo vírus mortífero da esterilidade, como acontece em
outros países menos afortunados. Retroceda-se aos bons tempos de ontem, e ver-se-á que
bastante raras são as senhoras e senhoritas que ambicionavam trocar o glorioso florão da
maternidade por um pergaminho qualquer de bacharel em Ciências. Nao faltam no País esta-
belecimentos de ensino secundário, faculdades de Direito, Medicina, Engenharia e outras,
que de bom grado acolham as que sentirem especial necessidade de cultivar a inteligência
para converterem em energia as suas forças até agora mal aproveitadas, consoante se expri-
me a supra-referida autora.
Essas as razões que nos induzem a formular parecer rejeitando a tese da criação da
Academia Feminina.
Sala das reuniões da Comissão
Manoel Gonzalez—Relator
Renato Jardim —Presidente
Lindolpho Xavier
Maria de Lourdes Lamas
Nahir Loyola Santos
Sylvia Câmara
A Igacyr Munhoz Mader
João de Oliveira Franco
Luís L. A. César
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
PARECER DA TESE N
e
14
Código de Moral da Escola Prudente de Moraes é admiravelmente confeccionado e bem
intencionado para desenvolver na alma infantil o amor a verdade e o respeito a lei.
No entanto, seja qual for o código de moral escrito, seja ele o mais perfeito, não influirá no
espírito da criança se não estiver por si o fator mais notável da educação, que é o exemplo dado
pelos mestres e pelas classes dirigentes.
A meu ver, a Educação Moral e Cívica não depende de códigos civis nem constitui disciplina
especializada. Ela é conseqüência imediata dos bons costumes das classes dirigentes, dos
exemplos que derem essas classes de respeito a lei, de amor a justiça e a verdade.
A tendência natural da criança e do povo é a de imitar as ações e os gestos dos maiores:
os filhos, os dos pais no lar; os alunos, os dos mestres nas escolas; e o povo, os dos dirigentes
na sociedade.
É o exemplo o fator mais notável da educação, e a imitação a criadora dos maus ou dos
bons hábitos. Este é o caminho a seguir na Educação Moral e Cívica, sem necessidade de
códigos escritos que de nada valem quando é de regra a má conduta dos dirigentes.
Este o meu parecer sobre o Código de Moral da Escola Prudente de Moraes.
Sala das Sessões, 21 de dezembro de 1927
Belisario Penna
A mesa
Leoni Kaseff— Presidente da Comissão
PARECER DA TESE N
e
16
professor Roquete-Pinto apresentou uma indicação sobre Rádio Educação do Brasil,
ora examinada atentamente pela 3ª Comissão de Teses Gerais da I Conferência Nacional
de Educação.
Conquanto pareçam exageradas algumas razões justificativas da idéia proposta, uma vez
que se lhe atribui, quiçá, o mérito de salvar o País dos males que o afligem, o que poderia
parecer uma obsessão (ou, com a devida vênia, a radiomania), têm, entretanto, muita oportuni-
dade e procedência a proposta e o plano em apreço.
Pretende o seu ilustre autor que os estados adquiram poderosas estações de rádio para,
sob os auspícios, a licença e a fiscalização do governo federal, distribuir os respectivos capitais
as estações municipais, que for possível obter, como especiais de escola, todas as lições, notíci-
as e execuções artísticas a serem colhidas pelos tipos receptores locais populares, ao alcance de
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
O
qualquer bolsa, visando instruir e principalmente ocupar, de modo útil, o tempo disponível de
crianças e adultos impossibilitados de freqüentarem os meios onde tal cultura lhes pudesse ser
proporcionada mais diretamente.
Efetivamente, como meio de cultura pós ou extra-escolar, o radiofônico pode prestar
imensos benefícios ao povo, tal como as bibliotecas, as salas de leitura e os museus, sobrepu-
jando-os no modo deleitável e sugestivo porque o faz, pois ministra o conhecimento amenizado
pelas audições de arte que tanto enlevam e educam a alma do simples.
De mais a mais, o rádio pode contribuir com a audição de lições sobre a educação, a
higiene e os deveres dos pais para com os filhos nesses aspectos, para ajudar a solver o maior
e o mais sério problema da escola nacional: a educação dos grandes ou dos adultos, como meio
de realizar a educação dos que lhes são dependentes.
Assim, a 3
a
Comissão de Teses Gerais, aceitando o plano do professor Roquete-Pinto,
propõe que a I Conferência Nacional de Educação emita um voto no sentido da mais ampla
divulgação do rádio como escola por todos os estados do Brasil.
Sala das sessões da 3
â
Comissão de Teses Gerais, em Curitiba, 21 de dezembro de 1927
NestorLima — Relator
De acordo
Lourenço Filho —Relator Geral
Àmesa
Leoni Kaseff— Presidente
PARECER DA TESE N° 18
arecer sobre a tese A Higiene pelo Hábito, do professor Deodato de Moraes, Inspetor
Escolar do Distrito Federal.
Lendo minuciosamente o trabalho supra, que me foi entregue pelo doutor Belisario Penna,
presidente da Comissão de Higiene desta I Conferência Nacional de Educação, a fim de que
sobre o mesmo eu exarasse meu parecer, faço-o com simplicidade pois que a obra, por si só,
fala melhor e mais altamente que quaisquer considerações que se lhe façam.
Tratando-se nesta conferência da educação do nosso povo, sob todos os pontos de vista
necessários ao seu aperfeiçoamento, houve por bem o professor Deodato de Moraes apresen
tar esta obra digna dos mais justos e elevados encomios, pois que visa a um dos pontos funda-
mentais na vida e valor desse mesmo povo.
É antigo e conhecido por todos o provérbio latino que, traduzido, quer dizer "mente sã em
um corpo são" e que encerra a maior das verdades, visto que não se pode conceber a idéia de
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
P
que um espírito se possa desenvolver, atingir ao mais alto grau de aperfeiçoamento, estando ele
encerrado em um corpo doentio e fraco.
E como sabemos que "mais vale prevenir que remediar", e sendo a higiene a medicina
preventiva, cumpre-nos, como verdadeiros patriotas que somos, difundir os princípios de higie-
ne necessários, imprescindíveis e úteis a conservação da saúde, que é o maior dos tesouros, a
fim de que o homem, a mais perfeita obra de Deus, com o desenvolvimento também do seu
espírito, atinja o mais alto desenvolvimento.
Quem se tenha dedicado a causa da instrução no Brasil e haja percorrido algumas locali-
dades, principalmente da marinha, em que as endemias, a helmintose, a anquilostomose e outras
mais, provenientes muitas vezes da falta de higiene, constituem o maior dos obstáculos a vencer
para o progresso intelectual da criança, achará na obra do esforçado professor a arma eficaz
que, usada com acerto, removerá o grande obstáculo.
O hábito é uma segunda natureza e este mesmo hábito nada mais é que a prática repetida
de um mesmo ato que, sendo bom, formará uma natureza boa, útil e proveitosa não só a nós,
como, algumas vezes, aos nossos semelhantes.
Fala o eminente professor, em seu trabalho, na organização dos pelotões de higiene, gru-
pos de crianças as quais os professores, dirigentes dos pelotões, ministrem os conhecimentos de
higiene e as induzam a prática dos mesmos atos até que eles se transformem em hábitos que as
seguirão por toda a vida. Tudo que há em nós é resultado do hábito; por isso, a higiene pelo
hábito dará resultados ótimos.
De organização similar tive eu conhecimento no Rio de Janeiro, quando, por alguns me-
ses, me filiei a Associação Cristã de Moços daquela cidade, seguindo então as instruções
indicadas, algumas das quais vejo agora na lista destinada aos pelotões, das quais auferi os mais
salutares resultados, sendo hoje hábitos bons que aconselho aos meus alunos, quais os de dor-
mir com as janelas abertas e fazer exercícios ginásticos ao menos durante 10 minutos diários.
Completa a obra do ilustríssimo educador um compêndio escolar intitulado Vida Higiêni-
ca, em que, numa linguagem bela, simples e ao alcance de todas as crianças, ilustrado com
gravuras edificantes, ele dá os mais úteis conselhos higiênicos.
É uma obra boa e útil a tese do professor Deodato de Moraes, produto de um grande
desvelo pela saúde dos nossos escolares e amor a causa da educação e aperfeiçoamento do
nosso povo, devendo portanto alcançar o fim desejado pelo seu autor.
Que o presente trabalho seja tomado em devida consideração pela presente conferência
e que o livro Vida Higiênica seja adotado em todas as escolas brasileiras como auxiliar e
conselheiro no mister santo e nobre da difusão do ensino da higiene do nosso povo—eis o meu
fraco e desmerecido parecer sobre a grande obra do professor Deodato de Moraes.
Curitiba, 21 de dezembro de 1927
Myriam de França Souza
De acordo
Luiz Medeiros —Relator
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
Ámesa Belisario Penna — Presidente da Seção da Educação
Higiênica
PARECER DA TESE N° 19
endo escolhida para dar parecer sobre a tese A Higiene na Escola, apresentada
pelo esforçado doutor Heitor Borges de Macedo, digo que a acho útil e, mais do que isso,
necessária, porquanto sendo aprovado o plano de Educação Higiênica na Escola e no Lar está
colimada a finalidade da tese que me coube dar parecer.
Curitiba, 21 de dezembro de 1927
Maria Bassan Buzatto
De acordo
Luiz Medeiros — Relator
Àmesa
Belisario Penna — Presidente da Seção de Educação Higiênica
PARECER DA TESE N° 76
EDUCAÇÃO SEXUAL
Doutor Luiz Antônio E. S. dos Santos Lima
1ª Conclusão — Estou de acordo, achando que a educação sexual é uma necessidade
inadiável em nosso meio, urgindo seja iniciada sem perda de tempo.
2ª Conclusão — Concordo.
3ª Conclusão—Estou de acordo. Julgo, porém, que a educação sexual começada no lar
pelos pais deve ser continuada na escola pelo professor, colaborador precioso, quer nesse
particular, quer no trabalho materno, quer no paterno.
4ª Conclusão — Vejo-me aqui obrigado a discordar do autor da tese. Acho que S.S.,
peço licença para o dizer, não atende bem, ao tratar da idade em que convém seja encetado
tal ensino, a necessidade que se regista nas manifestações, por assim dizer, premonitórias, do
instinto sexual nas crianças, que, desde muito cedo, parecem já se preocupar com a diversi-
dade dos sexos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
S
Resumindo, acho digno de louvor, pela relevância do tema que colaborou, o trabalho em estudo.
Curitiba, 22 de dezembro de 1927
Decio Lyra da Silva
Com restrições
Doutor Luiz Medeiros —Relator
Àmesa Belisario Penna — Presidente da Comissão de Educação
Higiênica
PARECER DA TESE N° 77
tese do doutor Renato Kehl impõe-se por sua clareza da finalidade. Sou do parecer que
a Conferência de Educação aprove as suas conclusões, sem restrições e com louvores a
idéia.
Curitiba, 23 de dezembro de 1927
Lourenço A. Filho — Presidente da Comissão de Educação Higiênica
PARECER DA TESE N° 104
esignado para relatar a tese apresentada a esta I Conferência Nacional de Educação pelo
doutor Hermes Lima, livre-docente da Faculdade e Direito de São Paulo, sob o
titulou Cultura como Fator da Unidade Nacional, procurei desempenhar-me dessa
incumbência fazendo a atenta leitura de que é merecedor não só o trabalho como seu
ilustre autor.
Trata-se de um trabalho revelador não só do espírito de síntese do doutor Hermes Lima,
como também do interesse e cuidado com que foram estudados e expostos assuntos que bem
merecem a preciosa atenção deste Congresso.
A tese ora relatada apresenta, entre outras, como conclusão final, a seguinte:
Para operar como fator da nossa unidade, a cultura literária no Brasil não deve alhear-se
da terra, da gente e do meio, o conhecimento de cujas tradições importa no conhecimento de
nós mesmos.
Entretanto, julgo de acerto seja o mesmo trabalho lido em plenário, dado o espírito de
síntese que nele predomina.
A comissão é de parecer seja aprovada a tese com os melhores votos de agradecimentos
ao seu digno autor, pelos valiosos subsídios que trouxe para este Congresso.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
A
D
Sala da 3
a
Comissão, em Curitiba, 25 dezembro de 1927
João de Oliveira Franco — Relator
Àmesa Leoni Kaseff
Presidente
PARECER DA TESE N
e
105
doutor Fernando de Magalhães, com magnífica argumentação, pede a atenção desta
Conferência para a organização dos quadros nacionais e conclui entregando o problema
ao estudo da I Conferência Nacional de Educação, julgando inadiável:
a) a instrução secundária integral;
b) a instrução superior científica, profissional e técnica em escolas adequadas, centros
também de prática da ciência pura, visando, além da cultura geral, estudo metódico, completo,
especializado das necessidades regionais no que diz respeito ao desenvolvimento demográfico
e econômico de cada zona;
c) a seleção rigorosa dos indivíduos destinados aos estudos superiores pelo concurso de
admissão e pela limitação das matrículas.
A Comissão aprova a organização acima e louva o brilhante trabalho, solicitando desta
Conferência idêntica manifestação.
Sala das sessões, em 23 de dezembro de 1927
Lysimaco Ferreira da Costa — Relator
Lourenço Filho — Relator Geral
Àmesa
Leoni Kaseff— Presidente
PARECER DA TESE N
e
108
capitão Francisco José Dutra apresenta uma tese sobre Educação Física. De acordo com
a decisão uniforme da Conferência de Educação, em casos como o presente, sou de
parecer que a Conferência aceite a tese, sem aprová-la, louvando os esforços do autor, para
incluí-la nos anais.
Curitiba, 26 de dezembro de 1927
Jayme Ayres
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
O
O
PARECER DA TESE N° 109
tese da Exma. Senhora Octacilia H. de Oliveira, estudada no seu conjunto, não é má. Nela
estão emitidos, com muito critério e acerto, ótimos conceitos. Haja vista, por exemplo, o
que alvitra pela diferença de programa entre o ensino primário urbano e rural.
Como, porém, o trabalho contém afirmações a princípio contestáveis, sou de opinião que
a tese, não podendo ser aceita na sua integridade, sejam plenamente aprovadas as conclusões,
que são boas.
Àmesa
Leoni Kaseff— Presidente
Padre Jeronymo Mazzarotto
PARECER DA TESE N° 110
i ponderadamente a tese Unidade Nacional pela Instrução Cívica, apresentada a esta
Conferência de Educação pelo doutor Sebastião Pacheco Jordão.
O trabalho, por estar bem redigido e enriquecido de muita e variada erudição, recomenda
o seu autor e, de um modo geral, é bom e aceitável.
A dissertação está dividida em três partes: A unidade nacional — 1º) pela instrução cívica e
moral, 2°) pelas tradições nacionais, e 3
o
) pela lei. A segunda parte está bem tratada e com
clarividencia de idéias; a primeira e a terceira, porém, por serem questões complexas mais do
que a primeira vista parecem e em grande parte calcadas nos princípios do direito natural, não
podiam ser, como de fato não foram, suficientemente estudadas. Como quer que seja, sou de
parecer que a tese seja plenamente aprovada.
Àmesa
Leoni Kaseff— Presidente
Padre Jeronymo Mazzarotto
PARECER DA TESE Nº111
A 1ª Comissão de Teses Gerais, antes de tudo, quer demonstrar, nesta sessão, o seu grande
apreço para com o doutor Renato Kehl, que se tem evidenciado na literatura médica com
várias e preciosas obras que merecem toda a consideração e todo o acatamento.
Na tese que o doutor Renato Kehl apresenta, a 1ª Comissão de Teses Gerais não
acha razões cabais na conclusão com que finaliza o seu trabalho; contudo deve afirmar que
não
674
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba. 1927
A
L
encontra inconvenientes para que no dia da festa seja plantado o limoeiro como símbolo da
previdência utilitária.
N. Meira deAngelis — Relator
Jayme Junqueira Ayres
Paula Achilles
Raul Bittencourt — Presidente
[ Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
675
ANEXOS
MEMÓRIA FOTOGRÁFICA
O professor Lourenço Filho saudando o Paraná.
Alunas do Grupo Anexo que participaram da festa em homenagem aos congressistas.
A instalação solene da I Conferência Nacional de Educação no Teatro Guaíra,
em Curitiba, a 19 de dezembro de 1927.
Sessão ordinária — fala o professor Dr. Paulo Achiles, do Distrito Federal.
Grupo de congressistas a frente da sede da I Conferência — Palácio Rio Branco.
Festa no Teatro Guaíra em homenagem aos congressistas.
Fala o presidente do Estado do Paraná — Dr. Caetano Munhoz da Rocha.
Fala o Dr. Lysimaco Ferreira da Costa, inspetor geral do ensino do Paraná, saudando os
congressistas e a Associação Brasileira de Educação.
Sessão de abertura — fala o professor Dr. Barbosa de Oliveira, presidente
da I Conferência Nacional de Educação.
Professora Esther da Costa Figueiredo, sendo entrevistada
por Maria José Franco Ferreira da Costa, em fevereiro de 1992.
A SESSÃO SOLENE DE ENCERRAMENTO
O professorado paranaense vibrou de entusiasmo por alguns dias. Entusiasmo justo e
decorrente do brilhantismo que souberam emprestar ao notável congresso algumas das mais
salientes figuras do magistério nacional.
Curitiba, ao receber os delegados dos demais estados da República e contribuindo com a
flor do seu professorado para o êxito da I Conferência Nacional de Educação, ganhou honras e
privilégio que jamais se extinguirão na história pátria. As resoluções aqui tomadas, que não
foram poucas e que tiveram em vista exclusivamente o bem e as tradições do povo brasileiro,
serão de futuro lembradas nas demais capitais dos estados, conjuntamente com o nome da
formosa capital paranaense.
É o caso de se repetir com Raul Bittencourt e com Lourenço Filho, os notáveis delegados
do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que a grande conferência veio trazer novas esperanças,
um formidável estímulo ao professorado nacional, e que podemos crer no futuro e na grandeza
do Brasil, tranqüilizados pela ação regeneradora do professor primário, pois brilhantíssimas
foram as demonstrações claras e precisas da sua eficaz colaboração na formação da cultura e
do caráter do povo, pela instrução e educação.
Para esta convicção, tão proclamada na conferência, concorreu a presença da mulher
paranaense as sessões ordinárias, como legítima representante da mulher brasileira. E os seus
nobres sentimentos e a sua formosura moral dominaram o ambiente das discussões, lembrando
a cada congressista a esposa ou a mãe querida, a noiva ou a irmã adorada, que, no recesso
íntimo da família, estão a zelar pela causa principal da grandeza da Pátria: "A Educação".
Curitiba, 27 de dezembro de 1927
Lysimaco Ferreira da Costa
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
EXPOSIÇÃO SOBRE OS TRABALHOS E
RESOLUÇÕES TOMADAS
Com excepcional brilhantismo, realizou-se em Curitiba este certame promovido pela
Associação Brasileira de Educação.
Concorreram grandemente para o completo êxito da conferência as delegações de 16
estados e o professorado do Paraná, e muito contribuíram todos, pela sua ilustração e pelo seu
amor a grande causa do ensino, para que o resultado conseguido ultrapassasse as melhores
expectativas.
Fizeram-se representar neste certame, além dos governos, o Exmo. Sr. ministro da Justiça,
Dr. Vianna do Castelo, pelo desembargador Euclydes Bevilacqua; o Exmo. senhor ministro da
Agricultura, Dr. Lyra Castro, pelo professor Dr. C. A. Barbosa de Oliveira, catedrático da
Escola Politécnica e diretor da Escola Normal Wenceslau Braz; o senhor diretor do Departa-
mento Nacional de Ensino, Dr. Aloysio de Castro, pelo professor Lysimaco Ferreira da Costa;
e o senhor reitor da Universidade do Rio de Janeiro, Dr. Manoel Cicero, pelo desembargador
Vieira Cavalcanti.
Instalou-se solenemente a conferência no dia 19 de dezembro, aniversário da emancipação
política do próspero estado, que recebeu os congressistas com a sua habitual hospitalidade,
cercando-os de todo o conforto e prestigiando, de maneira notável, a realização da obra educativa
que os levara a visitar a sua bela capital.
AS COMISSÕES, AS SESSÕES PLENÁRIAS E AS TESES OFICIAIS
Foram constituídas oito comissões para estudo das 113 teses levadas a conferência, sendo
duas para o ensino primário, uma para o ensino secundário, uma para o profissional e superior, três
para teses gerais e uma para educação higiênica. Para presidir essas comissões, foram aclamados
os nomes dos professores Deodato de Moraes, Orestes Guimarães, Renato Jardim, Ubaldo Ra-
malhete Maia, Raul Bittencourt, Renato de Alencar, Leoni Kaseff e o Dr. Belisario Penna.
No período de 20 a 27 de dezembro, realizou a conferência, no Palácio do Congresso,
13 sessões plenárias, sendo nelas discutidos os assuntos mais palpitantes do problema educativo
moderno, provocando debates calorosos, mas sempre na altura dos ideais sublimes que con-
gregaram tantos mestres e especialistas nas questões estudadas.
As teses relatadas pelas comissões constituíram um rico manancial de dados, observa-
ções e idéias para os que se interessam pela educação. As discussões suscitadas foram lumino-
sas e demonstraram a superioridade da cultura dos que nelas tomaram parte. Os Anais da
conferência darão conta do brilho extraordinário dos estudos e trabalhos feitos neste certame,
que abriu uma nova era promissora de magníficos frutos, para conseguir a unidade e a grandeza
da Pátria por um ensino bem orientado!
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
As teses oficiais da conferência versaram sobre:
1) A unidade nacional: a) pela cultura literária; b) pela cultura cívica; c) pela cultura moral.
2) A uniformização do ensino primário nas suas idéias capitais, mantida a liberdade de
programas.
3) A criação de escolas normais superiores em diferentes pontos do País para preparo
pedagógico.
4) A organização dos quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, cien-
tífico e literário.
Os trabalhos apresentados sobre esses assuntos — quer pelos relatores oficiais designa-
dos pela A.B.E., professoras Isabel Jacobina Lacombe e Zélia Braune e professores Barbosa
de Oliveira e Fernando de Magalhães, quer por outros congressistas — foram estudados e
aprovados com votos de louvor aos seus autores. São dignas de menção, entre outras, as
contribuições oferecidas sobre as teses oficiais pelos professores Dr. Fernando Osório, Octacília
de Oliveira, doutores Manoel Pedro Macedo e Pacheco Jordão, Lourenço Filho, Helvécio de
Moraes, Myrian de Souza e Dr. Raul Bittencourt.
MOÇÀO DE APLAUSOS E VOTO SOBRE O ENSINO DA MORAL
Resolveu a conferência, na sua primeira sessão plena e com caloroso entusiasmo, votar
uma moção de aplausos ao professorado primário de todo o Brasil, trabalhador obscuro, mas
fator precípuo da grandeza nacional. Resolveu ainda a conferência, relativamente as teses sobre
o ensino da moral, emitir um voto que traduzisse o modo de pensar da assembléia de professo-
res brasileiros que ela constituía.
O voto, aprovado nominalmente por 117 congressistas contra 86, é o seguinte:
"Que o ensino da moral, em todos os institutos de educação no Brasil, tenha por base a idéia
religiosa, o respeito as crenças alheias e a solidariedade em todas as obras do progresso nacional."
EXCURSÕES------ O PROGRESSO DO PARANÁ --------- A PRÓXIMA CONFERÊNCIA — A PUBLICAÇÃO
DOS ANAIS
O governo paranaense ofereceu aos congressistas magníficas visitas a estabelecimentos
de ensino, de assistência, e belíssimas excursões, onde houve oportunidade de se apreciar o
desenvolvimento escolar no Estado e o progresso nos principais ramos do comércio, da indús-
tria e da agricultura.
A obra realizada pelo presidente Dr. Munhoz da Rocha é notável, digna de ser observada
e apreciada por todos que se interessam pela grandeza da Pátria. O Estado gasta com a educa-
ção pública mais de 14% da sua receita: mencionar essa porcentagem é o melhor elogio que se
pode fazer ao seu governo.
A sociedade paranaense cercou os congressistas de amabilidades, oferecendo vários bailes
e festas, encantadoras pelo bom gosto, pela elegância e pela cultura artística que revelaram.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
No Cine República, foi exibido um filme belíssimo sobre os saltos do Guaíra e Iguaçu,
sendo passados ainda quatro filmes de caráter educativo: um sobre a Escola Normal de Artes e
Ofícios Wenceslau Braz, outro sobre a cultura física em São Paulo, o terceiro sobre o Liceu Rio
Branco, também de São Paulo, e o quarto sobre o grande inimigo do Brasil — a opilação.
A segunda conferência, resolvida por unanimidade de votos, terá lugar em 7 de setembro
próximo, na cidade de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte.
Os Anais dessa primeira conferência farão conhecer, com o seu verdadeiro brilho, o êxito
extraordinário deste certame, que deixa na linda capital do Paraná um marco assinalando a
grande vitória alcançada pela Associação Brasileira de Educação neste primeiro certame em
prol da grandeza da Pátria.
1 Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
UM REGISTRO DO EVENTO*
A primeira conferência pedagógica de Curitiba alcançou um sucesso que foi além da
expectativa geral — fala-nos a respeito o professor Lourenço Filho.
A iniciativa da Associação Brasileira de Educação, promovendo em Curitiba, capital do
Paraná, o primeiro dos nossos congressos pedagógicos, começou bem a sua campanha em prol
do ensino nacional, pois o brilho de que o mesmo se revestiu foi muito além da expectativa geral.
É isto, pelo menos, o que nos informam alguns dos delegados que ali foram tomar parte nos seus
trabalhos, os quais quisemos ouvir para uma série de reportagens neste jornal.
O leitor já viu o que ontem nos disse a esse respeito o doutor Raul Bittencourt, delegado
do Rio Grande do Sul, atualmente entre nós. O distinto psiquiatra gaúcho veio entusiasmado
com os fins e o sucesso da conferência. Ouça agora o que nos revela o doutor Lourenço Filho,
lente da nossa Escola Normal.e cuja tese sobre "A Uniformização do Ensino Primário Obriga-
tório" foi, como disse o seu colega do Rio Grande, uma das mais brilhantes e das que maior
interesse despertou entre os congressistas de Pedagogia reunidos em Curitiba.
O doutor Lourenço Filho, que é de um espírito moderno e de uma cultura especializada
em matéria de ensino, recebeu-nos em sua residência na rua D. Veridiana, n
a
5, num calmo
ambiente de estudo e culto estético, onde gentilmente se pôs a nossa disposição para o que
desejássemos saber. Fizemos logo as nossas perguntas:
— É possível dizer-nos as suas impressões sobre a I Conferência Nacional de Educação,
em que tomou parte?
— Pois não. Começarei afirmando-lhe, antes de mais nada, que não fui armado de gran-
des ilusões quanto ao êxito desse congresso. Mas enganei-me. Posso lhe afirmar hoje, com o
maior prazer, aliás, que a iniciativa da Associação Brasileira de Educação foi vencedora em toda
a linha. Na capital paranaense se reuniram elementos dos mais destacados do nosso escola
pedagógico, e uma série de circunstâncias felizes favoreceu, além disso,
extraordinariamente, os trabalhos da instalação. De tudo, resultou alguma coisa útil e eficiente.
— Não quer destacar nenhum dos trabalhos apresentados?
—Os trabalhos foram numerosos e variadíssimos. Difícil apontar, portanto, de momento,
os que mais se impuseram pelo seu mérito real. Só lhe direi que foram vários.
As teses oficiais—prossegue, depois de uma pausa, o doutor Lourenço Filho—ficaram
reduzidas a quatro. O caso deu até motivo para se pôr em dúvida o êxito dos trabalhos, pois a
liberdade de apresentação de outras teses viria prejudicar a marcha da conferência. Tal não
sucedeu, entretanto, alcançando o congresso, como já disse, um êxito magnífico.
— Houve teses alheias no ponto de vista da conferência?
'Publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 30/12/1927, sob o título "Educação Nacional".
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
—Totalmente alheias, não; mas algumas apareceram dispersivas. Felizmente, foi logo
firmado o princípio de que os trabalhos apresentados que tratassem de matéria puramente cien-
tífica não seriam discutidos. A conferência não fora organizada para isso, mas tão-somente para
iniciar a fixação de certos pontos capitais de uma política nacional em matéria de educação, o
que se conseguiu.
—Um êxito completo, então?
—Um êxito completo. Esse êxito se deve em grande parte ao prestígio incondicional de
que o governo do Paraná cercou esse congresso e a atividade multiforme desse homem de rara
energia e formidável capacidade de trabalho que é o doutor Lysimaco da Costa, diretor da
Instrução Pública paranaense.
—E Curitiba?
—Admirável! Curitiba é uma cidade moça, com magníficos aspectos urbanos, num pla-
nalto de surpreendente beleza. Penetrando, cada dia, na vida social, literária e artística, todos
nós tínhamos surpresas constantes, ao mesmo tempo que nos envergonhávamos, os represen-
tantes dos estados, de tão mal conhecermos o Brasil.
Falando da capital do Paraná — diz ainda o doutor Lourenço Filho —, forçoso é não
esquecer as obras de assistência social ali admiravelmente organizadas.
E qual a sua impressão do ensino paranaense?
A melhor possível. Visitei as três escolas normais: de Curitiba, Paranaguá e Ponta
Grossa. Sem exagero, posso lhe afirmar que são modelares nas instalações e no entusiasmo
com que o professorado exerce a sua missão. Professores há, no ensino primário como no
secundário, de grande valor intelectual. Na conferência, onde também compareceram, vários
deles se revelaram brilhantemente.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
MENINOS, EU VI"
A professora Esther da Costa Figueiredo, única remanescente dentre todos os parti-
cipantes que apresentaram tese na I Conferência Nacional de Educação, relembra, em
entrevista a sua irmã Maria José Franco Ferreira da Costa, em fevereiro de 1992, alguns
fatos relacionados ao importante evento:
MARIA JOSÉ — Minha irmã, você foi a primeira professora catedrática, por concurso
público, de Psicologia, Metodologia, Prática e Crítica Pedagógicas da Escola Normal Secundá-
ria do Paraná, tendo participado, ainda jovem, da I Conferência Nacional de Educação, com a
teseMétodo de Projetos. Esther, hoje, você é a única sobrevivente de todos os professores
que apresentaram teses na I Conferência Nacional de Educação. Você fez a sua tese por incen-
tivo de nosso pai, Lysimaco Ferreira da Costa, ou por entusiasmo a educação ou a I Conferên-
cia Nacional de Educação?
ESTHER — Pelos três motivos. Em primeiro lugar, a I Conferência Nacional de Educa-
ção empolgou todo mundo. Os professores e os estudantes ficaram muito animados, e todos
queriam colaborar. Em segundo lugar, porque meu pai me incentivou bastante para que eu fizes-
se o trabalho e, em terceiro, porque eu era também muito entusiasmada e tinha vontade que o
Paraná brilhasse no cenário nacional, nessa Conferência Nacional de Educação.
MARIA JOSÉ — Você era muito jovem naquela época, tinha apenas 20 anos. Como se
sentiu ombreando com os luminares da educação no Brasil, apresentando tese como eles o
fizeram? Suas alunas, entre elas Helena Kolody, contam que você era tão jovem que com elas se
confundia, e sua tese é bastante amadurecida. Daí o deduzir-se que o grau de educação no
Brasil, naquela época e também no Paraná, era bastante elevado. Os professores tinham muita
cultura.
ESTHER — Confesso que me sentia um pouco acanhada, tendo de discutir tese com tão
notáveis educadores, mas ao mesmo tempo me sentia estimulada pela compreensão que de-
monstravam a minha pouca experiência no exercício do magistério, comparada com a profunda
experiência que eles possuíam.
MARIA JOSÉ — Gostaria que você me dissesse de alguma impressão marcante que
você teve nessa conferência.
ESTHER—As impressões foram muitas. A gente procurava participar da melhor manei-
ra possível, o entusiasmo era grande, era geral, e todos se dedicavam a fazer o melhor.
MARIA JOSÉ — Lembro-me que você cooperou intensamente com a professora
Adelaide Mattana Villa nos ensaios da grande festa de encerramento, realizada no Teatro Guaíra.
Minhas coleguinhas daquele tempo tomavam parte nos números ensaiados, participavam das
danças, e eu, enlevada, invejosa até da situação delas, que tanto brilharam naquela festa, princi-
palmente as que participaram da Dança Russa e do Bailado das Borboletas que tanto sucesso
fizeram, eu ficava orgulhosa da minha irmã que, com dona Adelaide, havia preparado parte da
festa que teve repercussão tão agradável.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
ESTHER—Dona Adelaide era uma pessoa extraordinária. Tinha grande talento, grande
disposição, idéias boas e entusiasmava bastante as alunas, de modo que, nós duas, juntas,
procuramos fazer o melhor possível para elevar ao máximo a última impressão que nossos
congressistas iriam levar de Curitiba, do Paraná.
MARIA JOSÉ—E dos professores de fora que compareceram a Primeira Conferência,
que conviveram em nossa casa, qual ou quais deles marcaram maior impressão em você, como
educadora?
ESTHER—Todos empolgaram bastante, porque todos eram muito cultos e muito entu-
siasmados. Era um fato único que estava acontecendo no Brasil. Para mim, os que marcaram
mais, pelo seu grande entusiasmo, foram os professores Lourenço Filho e Barbosa Oliveira.
MARIA JOSÉ — Muito bem, Esther, e você tem lembrança da participação deles na
nossa vida de família?
ESTHER — Lembro-me e fico muito contente por poder recordar. Nós ficávamos
orgulhosíssimos com essas visitas e não sabíamos o que fazer para que fossem bem acolhidos e
tivessem uma boa impressão da hospitalidade do Paraná.
MARIA JOSÉ—Você, lúcida nos seus 84 anos, diga sobre o que você pensa da educa-
ção no Brasil, hoje.
ESTHER — Penso com muita tristeza. Não existe mais entusiasmo, não existem mais
patriotismo e o ideal de bem ensinar. O ensino, com raras exceções, virou profissão. Hoje, a
displicência tira o estímulo dos estudantes. Nós não nos preocupávamos se ganhávamos pouco
ou muito. Nosso ideal era transmitir o que aprendemos, o que sabíamos.
I Conferência Nacional de Educação — Curitiba, 1927
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