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MEC
COM QUANTOS PAUS
SE FAZ UMA CANOA !
A MATEMÁTICA NA VIDA COTIDIANA
E NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR INDÍGENA
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Presidente da República
ITAMAR AUGUSTO CAUTIERO FRANCO
Ministro De Estado da Educação e Do Desporto
MURÍLIO DE AVELLAR HINGEL
Secretário Executivo
ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AGLAÊ DE MEDEIROS MACHADO
Departamento de Política Educacional
CÉLIO DA CUNHA
Assessoria de Educação Escolar Indígena
IVETE MARIA BARBOSA MADEIRA CAMPOS
LUCIANA MORAIS NASCIMENTO
JOSIANE DO CARMO BARBOSA FARIA
CAIO VALÉRIO DE OLIVEIRA
Comitê de Educação Escolar Indígena
MARINEUSA GAZZETTA, NELMO ROQUE SCHER, RUTH MARIA FONNINI
MONTSERRAT, BRUNA FRANCHETTO, MARIA ARACY LOPES DA SILVA, LUÍS
DONISETE BENZI GRUPIONI, RAQUEL FIGUEIREDO A. TEIXEIRA, MARINA
SILVA KAHN, JUSSARA GOMES GRUBER, DANIEL MATENHOS CABIXI,
DOMINGOS VERÍSSIMO, SEBASTIÃO MÁRIO LEMOS DUARTE, SEBASTIÃO
CRUZ, SÉLIA FERREIRA JUVENCIO, ANDILA INÁCIO BELFORT, ALÁDIO
TEIXEIRA JÚNIOR, ADAIR PIMENTEL PALÁCIO.
Colaboração da UNESCO:
ENZA BOSETTI
"Com quantos paus se faz uma canoa! A matemática na vida cotidiana e na
experiência escolar indígena", elaborado por Mariana K. Leal Ferreira, é um informe
do Ministério da Educação e do Desporto, com apoio do Comitê de Educação
Escolar Indígena.
Revisão:
LUÍS DONISETE BENZI GRUPIONI
Apoio:
MARI - GRUPO DE EDUCAÇÃO INDÍGENA / USP
Digitação: André Luiz da Silva
Assessoria de Educação Escolar Indígena
Esplanada dos Ministérios bloco L sala 610
CEP: 70.047-900 - Brasília - DF
TEL: (061) 224-9598 e 214-8630 FAX: 226-8856
MEC
COM QUANTOS PAUS
SE FAZ UMA CANOA !
A MATEMÁTICA NA VIDA COTIDIANA
E NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR INDÍGENA
Mariana K. Leal Ferreira
Ministério da Educação e do Desporto
Secretaria de Educação Fundamental
Departamento de Política Educacional
Assessoria de Educação Escolar Indígena
1994
SUMÁRIO
Prefácio 07
Introdução 13
1 . Educação Matemática entre os Xavante da Área Indígena
Kuluene (1978-79 14
2 . Matemática entre os Suyá, Kayabi e Juruna do Parque Indígena
do Xingu (PIX) (1980-84) 24
2.1 . O Fascínio dos Números 27
2.2 . "Problema" versus "Idéia Matemática" 29
2.3 . O Ensino Conceitualizado da Matemática 34
3 . Cognição e Contexto Cultural 38
3.1 . O Pensamento Científico enquanto Parâmentro de Avaliação. 42
3.2 . A Interdisciplinaridade nos Estudos sobre Etnoclassificações... 45
4 . Estudos Recentes em Etnomatemática 47
4.1 . A Etnomatemática no Contexto Escolar 50
4.2 . A Educação Matemática em Áreas Indígenas 53
Bibliografia 57
Prefácio
Ubiratan D'Ambrosio
A Matemática é conceitualizada como a ciência dos números e das
formas, das relações e das medições, das inferências, e da precisão, do
rigor, da exatidão. Os grandes heróis da Matemática se identificam na anti-
güidade grega, Tales, Pitágoras e Euclides, ou na época moderna, Des-
cartes, Galileo, Newton, ou no mundo contemporâneo, Hilbert, Einstein,
Hawkings.o idéias eo heróis saindo da Europa, ao Norte do Mediter-
râneo.
Portanto, falar em Matemática com índios carrega implicitamente
uma mensagem do que vem de fora, do que lhes é estranho, do que foi
produzido pelo dominador e a ele serve. Devemos encarar a matemática
como uma calça "jeans", que os índios começam a trocar pelas suas vesti-
mentas tradicionais, ou como "Coca-Cola", que passa a ser preferida ao
guaraná? Ou como um deus que se mostra como sendo mais sábio, mais
misericordioso e certamente mais poderoso que Sinaã e outras divindades?
Na verdade, estamos como que tentando misturar óleo e água: matemática
e índio!
Claro que essa mistura se logra. Nos esquemas da educação oficial
conseguiremos, com algum esforço e muita química (isto em termos
pedagógicos significa muita metodologia), fazer a mistura. Mas nem o óleo
manterá suas propriedades nem a água sua pureza. No caso da
matemática, esta será provavelmente inútil e o índio estará ameaçado de
perder sua criatividade. Tudo será feito para satisfazer o cumprimento de
um programa mínimo, de requisitos mínimos para que o índio obtenha al-
guns créditos na sua acumulação de credenciais para atingir o grau de
"civilizado". Seo fosse parte de um processo perverso de aculturação
através de anulação de criatividade, eu diria que tudo é uma farsa. Mas na
farsa, uma vez terminado o espetáculo, tudo volta ao real, enquanto neste
drama a imposição de uma forma culturalo distante e remota, pode levar
a uma irrecuperável castração de criatividade.
Uma pergunta natural depois dessas observações: será então melhor
queo se ensine matemática aos índios? Essa pergunta se aplica a todas
as categorias de saber/fazer e a todos os povos que mostram uma identi-
dade cultural. Poder-se-ia dizer: impedir que índios vistam "jeans" ou que
tomem "Coca-Cola"? Naturalmenteo questões falsas e falso e de-
magógico seria responder simplesmente não. Essas questões só podem
ser formuladas e respondidas dentro de um contexto histórico, procurando
entender a e(in?)volução irreversível da história da humanidade. A contex-
tualização é essencial para qualquer programa de educação de populações
indígenas, em particular para os índios no Brasil.
Contextualizar a matemática é essencial, seja para índios ou não.
Afinal, como deixar de relacionar os Elementos, de Euclides, com o pano-
rama cultural da Grécia antiga? Ou a aquisição da numeração indú-arábica
com o florescimento do mercantilismo europeu nos séculos XIV e XV? E
o se pode entender Newton descontextualizado. Talvez seja possível pa-
pagaiar alguns teoremas, decorar tabuadas e regras para fazer operações e
mesmo calcular algumas derivadas ou integrais que tem nada a ver com
nada, nas florestas, nos campos ou nas cidades. No entanto, continuamos a
insistir em apresentar ao estudante essa mesma matemática, um constructo
do pensamento europeu, absolutamente fora de contexto. Mas o que é mais
grave, a matemática "do branco" se apresenta com o poder de deslocar, de
eliminar, a matemática "do índio" e, o que é mais grave, de eliminar o
próprio índio como entidade cuitural. Em particular nos dois exemplos bási-
cos que mencionamos acima, Geometria e Aritmética.
Mariana Kawall Leal Ferreira mostra isso muito bem, através de ex-
emplos, como o sistema binário dos Xavante que foi substituído, como num
passe de mágica, por um sistema "mais eficiente", de base 10. Mais efi-
ciente porquê? Como se relaciona com o contexto xavante?o é diferente
de se ensinar Português porque é "mais eficiente", isto é, há mais livros em
Português, há jornais e documentos. Sem nenhuma dúvida, sem apreender
Português dificilmente o índio terá acesso à sociedade moderna. E será
igualmente difícil a ele ter acesso a essa sociedade, sobretudo no que se
refere a relações comerciais e econômicas, sem o sistema de numeração
decimal. Eu mesmo, que tenho como língua materna o Português, dificil-
mente teria acesso ao ambiente acadêmico internacional sem conhecer
Inglês. Mas jamais alguém disse ou mesmo insinuou para mim que o Inglês
é uma língua superior, mais importante que o Português e que o melhor
seria que eu esquecesse o Português, quem sabe mesmo ter acanhamento
e até vergonha de falar essa língua primitiva! Mas se faz isso com povos,
em especial com os índios, seja na linguagem seja nos sistemas de conhe-
cimento em geral, particularmente na Matemática. Sua língua é rotulada
inútil, sua religião é crendice, sua dança e seus rituaiso folclore, sua
ciência e medicinao superstições, sua matemática é imprecisa e inefi-
ciente.
o se discute a necessidade e a conveniência de se ensinar aos
índios a língua, a matemática, a medicina, as leis do branco. Chegamos a
uma estrutura de sociedade, a conceitos perversos de cultura, de nação e
de soberania que impõem essa necessidade. Mas o que se pode e se deve
proteger é a dignidade e criatividade daqueles subordinados a esse tipo de
aculturação e minimizar os danos irreversíveis que se podem causar a uma
cultura, a um povo e a um indivíduo se o processo for conduzido leviana-
mente, muitas vezes até com boa intenção. As conseqüências de ingenui-
dade e de perversãooo diferentes em sua essência.
A autora deste importante trabalho mostra através de inúmeros ex-
emplos os conflitos conceituais que resultam da introdução da Matemática
do branco no contexto indígena, que se manifestam sobretudo na formula-
ção e resolução de problemas aritméticos muito simples. Ela trabalhou en-
tre os Xavante, Suyá, Kayabi e Juruna.
Exemplos variados como transporte em barcos, manejo de contas
bancárias e outros mostram que os índios dominam o que é essencial para
suas práticas e elaboradas argumentações com o branco sobre aquilo que
os interessa, normalmente focalizado em transporte, comércio e terra. As-
sim a Matemática se contextualiza, como bem mostra a autora, como mais
um recurso para solucionar problemas novos que, tendo se originado da
outra cultura, chegam exigindo os instrumentos intelectuais dessa nova
cultura. A etnomatemática do índio serve, é eficiente, é adequada para al-
gumas coisas - muito importantes - eo há porque substituí-la. A etno-
matemática do branco serve para outras coisas, igualmente muito impor-
tantes, eo há porque ignorá-la. Saber se uma vale mais, é mais efi-
ciente, é mais forte que a outra?o faz sentido, é uma questão falsa e
falsificadora, muitas vezes até trabalhada, ingenuamente, por responsáveis
pela educação indígena.
O domínio de duas etnomatemáticas, e possivelmente de muitas
outras, obviamente oferece maiores possibilidades de explicações, de en-
tendimentos, de manejo de situações novas, de resolução de problemas.
Mas é exatamente assim que se faz pesquisa matemática - ou na verdade
pesquisa em qualquer outro campo do conhecimento.
O acesso a um maior número de instrumentos e técnicas intelectuais,
devidamente contextualizados,o muito maior capacidade de resolver
problemas novos e de enfrentar situações novas, de modelar adequada-
mente a situação real para, com esses instrumentos, chegar a uma possível
solução ou curso de ação. Isto é aprendizagem por excelência, isto é, a ca-
pacidade de explicar, de compreender, de enfrentar, criticamente, situações
novas.o o mero domínio de técnicas, de habilidades e mesmo a memo-
rização de algumas explicações e teorias.
A educação formal, de índios e de brancos igualmente, é baseada na
mera transmissão (ensino teórico) de explicações e teorias e no adestra-
mento (ensino prático) de técnicas e habilidades. Ambaso totalmente
equivocadas do ponto de vista dos avanços mais recentes de nosso en-
tendimento do que é cognição. Como muito bem diz a autora,o há como
avaliar as habilidades cognitivas fora do contexto cultural. Obviamente, a
capacidade cognitiva é própria de cada indivíduo. Há estilos cognitivos
próprios de uma cultura e, assim, diferenças interculturais vem sendo
aceitas, mas há uma certa relutância na aceitação de diferenças intracul-
turais.
Talvez o pensamento diretor deste trabalho esteja sintetizado na ob-
servação da autora ao dizer que enquanto os diferentes princípios organi-
zatórioso de alguma forma compatibilizados para dar inteligibilidade ao
sistema social do qual fazem parte, istoo é aculturação,o se elimina a
autenticidade e individualidade desses princípios. De fato, ignorar as varia-
ções individuais e intraculturais conduz a interpretar as capacidades e a
própria ação cognitiva como estáveis, lineares e contínuas, obedecendo a
certos princípios de estrutura supostamente inerentes à espécie como um
todo. Será desnecessário destacar as limitações e a fragilidade do estru-
turalismo quando se procura entender a construção intelectual, individual e
social, e a construção social do conhecimento, como um todo integrado,
como a resultante de uma história social e individual em permanente modi-
ficação graças a forças de exposição mútua. A adoção desse estruturalismo
tem sido comum entre antropólogos, psicólogos e pedagogos e tem levado
a inúmeras propostas educacionais equivocadas. Esses equívocoso
mais facilmente identificados no contexto da educação indígena. A prática
pedagógica resultante da etnomatemática, da etnociência e das outras
etno-disciplinas (não conseguimos ainda superar a contradição implícita
nessa denominação) noso uma oportunidade única de identificar esses
equívocos. A autora faz uma breve análise das teorizações mais recentes
que servem de base para as situações formais de ensino, que fundamen-
tam teorias de ensino e aprendizagem.
As discussões precedentes abrem caminho para uma descrição
teórica e prática de Etnomatemática, chamada pela autora de uma nova
área das etnociências. Minha conceituação de etnomatemática é, como
destaca a autora, mais abrangente. Uma etimologia generosa permite re-
conhecer nessa palavra "a arte ou técnica (tica) de explicar, conhecer, en-
tender, lidar com a realidade (materna) em distintos ambientes naturais e
culturais (etno)". Após uma breve apresentação de algumas posições inter-
nacionalmente reconhecidas na etnomatemática, a autora discute sua re-
percussão nas escolas, em particular na educação indígena.
A conclusão leva a uma reflexão sobre o fracasso escolar da
Matemática. Em primeiro lugar, considere-se o choque inicial da própria
escola, mais especificamente sua organização no estilo estratocrático eu-
ropeu, mais aceitável para alunos da cidade e totalmente agressivo para os
índios. Esse estilo se manifesta na sala de aula, com carteiras cartesiana-
mente dispostas, professores na frente, às vezes elevado, quadro-negro
como foco único de curiosidade e atenção intelectual, material de ensino -
livros e cadernos - padronizado, listas de chamada organizadas por critérios
rígidos, testes, tarefas, elogios e críticas públicas, notas com prêmios - es-
trela dourada - ou punições, e outras características mais. O resultado é
praticamente o mesmo: o aluno é massacrado no seu comportamento,
agredido na sua inteligência e tolhido na sua criatividade.
Ao destacar aspectos importantes da "educação do índio", Mariana
Kawall Leal Ferreira traz uma contribuiçãoo apenas à problemática geral
da educação indígena. Mas sua contribuição é igualmente oportuna, única e
eu diria até mesmo inesperada para muitos educadores, para se entender
melhor a "educação do branco". Oxalá seja lida e conhecida por educa-
dores sem qualquer qualificativo.
COM QUANTOS PAUS SE FAZ UMA CANOA !
A MATEMÁTICA NA VIDA COTIDIANA
E NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR INDÍGENA*
Introdução
Neste livro, a Matemática será usada como recurso para se entender
os conflitos entre as formas tradicionais propriamente indígenas de produzir
conhecimento - as etnociências - e as práticas educativas formais,
escolares. Como se verá, as etnociências operam segundo lógicas
diferentes, mas equivalentes àquelas da ciência ocidental.
Foi com a educação matemática que enfrentei, juntamente com
alunos Xavante, Suyá, Kayabi e Juruna, os maiores desafios no processo
de educação escolar. As dificuldades iniciais que enfrentamos em sala de
aula diziam respeito à resolução de problemas aritméticos. Posteriormente,
fomos desafiados a trazer para o ambiente escolar a Matemática que cada
povo usava no seu dia-a-dia, tanto na aldeia quanto nos postos indígenas
ou nas suas visitas às cidades. Fora da sala de aula, percebíamos que os
conhecimentos matemáticos que supúnhamos ter dominado na escolao
eram utilizados, o que nos levou a duas suspeitas: ouo se estava
aprendendo Matemática ou os conhecimentos adquiridoso eram
relevantes para os índios.
Após quase dois anos de trabalho, demo-nos conta de que a
aplicação desses conhecimentos em contextos não-escolares era
reinterpretada e reorganizada pelos índios, revelando diferentes estratégias
na resolução de problemas que variavamo só de povo para povo, mas
dentro de uma mesma comunidade. Essas estratégias eram usadas de
maneira eficaz inclusive por índios queo freqüentavam a escola, mas de
maneira mais elaborada - com o uso de diferentes recursos aritméticos -
por aqueles que participavam das atividades escolares.
' Mariana Leal Ferreira trabalhou como professora na área indígena Kuluene ( hoje A. I. Parabubure) de julho de 1978 a
janeiro de 1980, contratada pelo "Projeto Xavante" através da Ajudância Autônoma de Barra do Garças. Mato Grosso. De
junho de 1980 a maio de 1984, a convite de lideranças do Médio e Baixo Xingu, a autora coordenou atividades escolares no
Posto Indígena Diauarum, Parque do Xingu, com uma breve passagem entre os Xikrin da Área Indígena Cateté, Pará, de
julho a novembro de 1983. Embora contratada pela FUNAI, Mariana Ferreira esteve sempre ligada a entidades de apoio á
causa indígena, como a Comissão Pró-lndio deo Paulo e o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI).
Em 1990 a autora regressou ao Parque do Xingu enquanto pesquisadora do MARI - Grupo de Educação Indígena do
Departamento de Antropologia da USP e do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da mesma universidade.
Esta pesquisa foi financiada por dotações do CNPQ, CAPES e FAPESP. O texto original é uma versão atualizada do capitulo
III da dissertação de mestrado "Da Origem dos Homens à Conquista da Escrita: um estudo sobre povos indígenas e
educação escolar no Brasil", defendida pela autora na USP, em 1992, sob orientação da Profa. Dra. Aracy Lopes da Silva
Atualmente a autora faz doutorado em Antropologia Médica na Universidade da Califórnia, Estados Unidos.
Diferentes estratégias matemáticas eram desenvolvidas, portanto,
por índios pertencenteso somente a povos distintos mas, como afirma
D'Ambrosio, por "grupos culturais identificáveis" (1990:18). No caso, os
grupos culturais que apresentavam diferenças na elaboração de estratégias
para a resolução de problemas matemáticos eram formados por: 1) índios
funcionários da Funai, ou aqueles que residiam nos postos indígenas, em
constante contato com situações que exigiam determinado tipo de
raciocínio matemático; 2) índios que constantemente se deslocavam para
cidades (São José do Xingu, o "Bangue-Bangue"; Brasília, Rio de Janeiro,
o Paulo, entre outras); e 3) índios que freqüentavam a escola.
Isto revela, de acordo com D'Ambrosio (idem:17), que "grupos
culturais diferentesm uma maneira diferente de proceder em seus
esquemas lógicos (...), manejar quantidades e consequentemente os
números, formas e relações geométricas, medidas, classificações, em
resumo, tudo o que é do domínio da matemática elementar, obedece a
direções muito diferentes, ligadas ao modelo cultural ao qual pertence o
aluno. Cada grupo cultural tem suas formas de matematizar". E é
justamente essa associação a formas culturais distintas que chegamos,
segundo o autor, ao conceito de etnomatemática.
Procuro mostrar, através de exemplos concretos, as diferentes
estratégias matemáticas desenvolvidas por determinados grupos culturais
na resolução de problemas, procurando contribuir para a "história
comparada das matemáticas" ou a "matemática antropológica", como
D'Ambrosio (1990:18) a define .
Em seguida, faço uma breve reflexão sobre cultura e cognição, pois
as habilidades cognitivas constituem a base dos sistemas de aprendizado
em qualquer sociedade, desenvolvidas de acordo com as concepções de
mundo e experiências de vida. Isto significa contextualizar culturalmente os
processos cognitivos de cada povo e aqueles desenvolvidos de modo
diferenciado dentro de uma mesma sociedade. Apresento, também, uma
bibliografia crítica sobre as mais recentes pesquisas na área de
Etnomatemática e experiências atuais com o ensino da Matemática em
áreas indígenas no país.
1. Educação Matemática entre os Xavante da Área Indígena Kuluene
(1978-79)
Matemática, para os professores Xavante e jovens que haviam
freqüentado escolas missionárias por vários anos se reduzia, quando
cheguei ao Kuluene, em 1978, a "fazer contas". Os 26 alunos da escola,
meninos e meninas de 11 a 15 anos de idade, dominavam perfeitamente a
técnica das operações de adição e subtração e, com algumas dificuldades,
as de multiplicação e divisão. Apesar dessa habilidade técnica, os alunos
o sabiam que operações efetuar em problemas que exigiam um princípio
único de solução,tais como:
"Meu pai saiu para caçar com 8 flechas. Ele perdeu 2 flechas. Com
quantas flechas voltou para a aldeia?" ou
"Uma caixa de pilhas tem 12 pilhas. Quantas pilhas há em duas
caixas?"
No caso das flechas, somavam 8 + 2 ou 8 + 8 ou, ainda, subtraíam 2
- 8 ou mesmo 8 - 2, a "resposta correta". Quanto às pilhas, as respostas
variavam de 12 + 12, o "correto", a 12 -12, 12 + 2 (duas caixas de pilha) ou
mesmo 12 x 2. Esta suposta "incapacidade" dos Xavante de resolver
problemas mereceu, por parte da coordenadora de educação da Ajudância
Autônoma de Barra do Garças, responsável pelas escolas em áreas
Xavante, a seguinte crítica: "índioo aprende Matemática,o adianta".
Este fracasso no uso da Matemática "real", "universal", atestaria, por sua
vez, incapacidades cognitivas ou a "burrice" dos Xavante.
Por ocasição da visita ao Kuluene da Sucam (Superintendência da
Campanha de Saúde Pública) em setembro de 1978, para borrifar as casas
com DDT, os mesmos jovens queo conseguiam realizar operações
aritméticas em sala de aula ajudaram, com desenvoltura, os técnicos na
contagem das casas, número de moradores por casa, população da aldeia
Ritubre e população total da Área, que incluía outras duas aldeias,
Ubâwãwé e Rituwãwé.o hesitaram em somar, em grupos de dois, o
número de moradores de cada casa para conseguir o total da aldeia, nem
de somar a população das aldeias para obter o resultado de moradores da
Área Kuluene. Isto foi feito de maneira oral, em Xavante, sem o recurso
gráfico da codificação matemática em forma de contas.
O raciocínio empregado pelos índios na ocasião evidenciou aspectos
essenciais do sistema numérico Xavante. Em primeiro lugar, mostrou ser a
numeração tradicional Xavante de base 2. As crianças contavam em
Xavante nos dedos, agrupando-os de dois em dois, unindo também as
mãos através da junção dos polegares. O agrupamento em conjuntos de
dois de moradores das casas, casas das aldeias e aldeias da área,
contados aos pares, indicou o dualismo como princípio estruturante do
pensamento, perfeitamente de acordo com o sistema dual de organização
social e de pensamento que caracteriza esta sociedade Je (Maybury-Lewis
1984; Lopes da Silva 1986; entre outros).
Os próprios "nomes" Xavante dos numerais denotam a diferença de
números pares e ímpares. O número um, mitsi, indica que o elemento está
só (tsi =, sozinho); o três, tsi'umdatõ, inicia-se pelo prefixo tsi, indicando
que é ímpar; o quatro, maparané tsiuiwanâ, é o dobro do número dois,
maparané; o cinco, imrotõ, significa "sem companheiro", número ímpar
(imro = esposo(a); tõ = sem); e o seis, imropo, aquele está junto ao seu par.
Representação Xavante dos números 3, 4, 5 e 6
Em segundo lugar, a utilização em Xavante de números além de seis
mostrou a reestruturação de seu sistema numérico original para atender
novas utilizações geradas pela situação de contato com a sociedade
envolvente. Os Xavante incorporaram à numeração tradicional de base 2 o
sistema de contagem de base 10, predominante no ocidente e difundido na
língua Xavante por um sistema descritivo elaborado por missionários
salesianos.
A partir da grafia dos numerais, os Salesianos atribuíram nomes em
Xavante às quantidades representadas, aproveitando o sistema original
Xavante de 1 a 6. Deram nome aos numerais 7, 8 e 9, seguindo a lógica
dual da numeração Xavante e, a partir do número 10, o "nome" da
quantidade passou a ser descritivo do sinal gráfico. Sendo assim, temos:
10 - mitsi tomai'â (mitsi = um e tomai'â = bolinha)
11 - mitsi mitsi
12 - mitsi maparané (maparané = dois), etc.
20 - maparané tomai'â
21 - maparané mitsi, etc.
30 - tsiumdatõ tomai'ã (tsiumdatõ = três), etc.
100 - mitsi tomai'â dzahu (dzahu = duas vezes)
101 - mitsi tomai'5 mitsi, etc.
200 - maparané tomai'ã dzahu, etc.
1000 - mitsi tomai'â dzahu dure (dure = mais (um), etc.
A inserção dos Xavante na economia de mercado e, portanto, num
mundo que transformou-se, para usar uma expressão de Simmel(1987),
num problema aritmético - dispondo todas as suas partes por meio de
fórmulas matemáticas - fez com que os Xavante adotassem o sistema
desenvolvido pelos Salesianos para "contar até o infinito", como gostam de
dizer. Numa primeira instância, isto significou transformar a numeração
tradicional Xavante em um sistema de base 10, ao invés da original base 2,
implicando em outras regras e formas de abordagem na construção dos
conceitos matemáticos envolvidos. Assim, a regra matemática segundo a
qual "qualquer número multiplicado pela própria base é igual a ele mesmo,
acrescido de zero", implica, num sistema de base 10 que 7 x 10 = 70 e,
num sistema de base 2, que 7 x 2 = 70, também.
O sistema numérico Xavante, no que concerne à construção de
conceitos matemáticos passou, assim, da base 2 para a base 10. No
entanto, o esquema de pensamento dual Xavante continuou a ser usado na
resolução de problemas aritméticos. Este conflito entre os dois sistemas de
contagem foi responsável, em grande medida, pelas dificuldades
encontradas pelos Xavante com a Matemática escolar, como se verá.
A maioria dos sistemas de contagem desenvolvidos em diferentes
partes do mundoom sido estudados. Se "contar" parece ser um
fenômeno comum, os sistemas de contagem, no entanto, variam
consideravelmente. Como exemplo temos o sistema numérico Oksapmin,
povo da Nova Guiné, que é de base cinco e constitui-se por 27 numerais
associados a partes superiores do corpo (Balfanz 1988:153). O que une os
diferentes sistemas é o fato de queo adquiridos através da participação
em atividades de contagem, ligadas, por sua vez, ao desenvolvimento de
diferentes estilos de computação (Bell, Fuson and Lesh 1976; apud Balfanz
1988). Operações matemáticas em sistemas de base 5 ou 20 - os mais
estudados até hoje além do sistema de base 10 - implicam em outras
regras e formas de abordagem na construção dos conceitos envolvidos.
Consuelo Cossio (1987) analisou o sistema numérico do povo
Quichua no Peru, comparando-o ao sistema empregado pelo castelhano,
ambos de base 10. Apesar das correspondências entre os dois sistemas,
Cossio afirma que cada sistema numérico corresponde a um esquema
particular de pensamento, empregando as formas que "traduzem" a
concepção própria da cultura dada.
No caso Xavante, a relação entre o número, em suas diversas
possibilidades de utilização, e as atividades desenvolvidas na sua vida
cotidiana, expressavam-se, como vimos, de maneira dual. Nesse sentido, o
número e as operações matemáticas com ele efetuadas se concretizam,
segundo Cossio (1987:1), "em realidades contáveis ou calculáveis eo
em abstrações puras; em outras palavras, o número vai sempre ligado a
'algo' (objeto) e esse 'algo'o pode ser o número em si mesmo".
A transposição para sala de aula dos mesmos problemas colocados
pelos técnicos da Sucam na contagem da população Xavante baseou-se na
hipótese de que, se transpostos da vida real, tais problemas fariam sentido,
ou seja, constituiriam-se em situações "reais" nas quais os Xavanteo
encontrariam dificuldades para operar. No entanto, para minha surpresa, a
mesma dificuldade na escolha das operações a efetuar permaneceu.
Assim, o problema "Na casa de Aniceto moram 9 pessoas e na casa de
Lauro moram 11. Nas duas casas juntas, quantas pessoas há?" mereceu
respostas variadas: 9 + 9= 18;9+ 11 = 101 ("montagem" da conta
errada); 11 + 2 (as duas casas) = 13; 11 - 9 = 2; tendo a resposta "certa", 9
+ 11 =20, sido acertada por menos da metade da turma, de 26 alunos.
Quando formulados de maneira oral, os resultados, também orais, eram
corretos. Transpostos para o papel, as respostas variavam.
Segundo os alunos dessa turma, os erros eram devidos à dificuldade
da própria disciplina. Nas palavras de Abraão Tomopsé, rapaz de 12 anos
em 1978, "Matemáticao é coisa para índio. É muito difícil.", incorporando
preconceitoso só quanto à incapacidade intelectual dos índios, como
também quanto ao uso da Matemática enquanto um "selecionador social"
(D'Ambrosio 1990:14) ou indicador de "inteligência". Quando afirmei que
eles tinham usado a Matemática para resolver as questões colocadas pelos
técnicos da SUCAM, os Xavante mostraram-se surpresos, ou seja,o
tinham consciência de sua eficiência na Matemática fora do contexto
escolar.
Todas as outras tentivas de interpretar problemas da vida real em
enunciados matemáticos por escrito na sala de aula foram igualmente
frustradas. Trabalhando na horta e no pomar da escola, porém, os alunos
contavam as fileiras de hortaliças e frutas, as sementes por cova, a
quantidade de mudas, o perímetro dos canteiros. Transpostos para o papel,
a notação das quantidades e as operações matemáticas a serem efetuadas
geravam confusão. Como poderia haver 85 canteiros de hortaliças se
havíamos plantado três de cebola, quatro de alho e seis de tomate? Do
mesmo modo, parecia absurdo perguntar sobre 310s de frutas quando
só existiam 15 mudas de abacaxi e 25 de banana.
O sistema descritivo difundido entre os Xavante pelos Salesianos
parece ter dificultado a apreensão do conceito numérico e de quantidades
relativas. O zero - tomai'â - significa "bolinha", como vimos, mas também
dezena, centena, milhar, etc. Se o número 185, por exemplo, segundo a
lógica do sistema Salesiano, poderia ser lido como "mitsi (1) + 2 bolinhas
uma em cima da outra + imrotõ (5; "sem companheiro")", como saber seu
valor relativo frente a, por exemplo, 900 ("uma bolinha com perna + duas
bolinhas")? Na lógica Xavante, o nome dos numerais é estabelecidoo de
acordo com o sinal gráfico - originalmente inexistente, no caso de números
-, mas expresso de acordo com o princípio, característico de sociedades
duais, de que o todo é sempre concebido como a soma de duas partes.
Possivelmente, se a reestruturação do sistema de contagem Xavante
tivesse sido feita pelos próprios índios, o zero, por exemplo, teria adquirido
um significado semântico, designado, talvez, pelo termo babadi (vazio;
nada).
Problemas orais, simulados, eram, por sua vez, resolvidos com
menor dificuldade, sendo os cálculos feitos "de cabeça". Isto possibilitava o
uso de diferentes estratégias no processo de busca de solução que muitas
vezeso eram as mais econômicas, ou seja, ao invés da multiplicação,
somavam-se os números.
Como exemplo, temos o problema: "Plantamos 5 canteiros de
cebola. Em cada canteiro fizemos 9 covas para as sementes. Quantas
covas fizemos ao todo?" Ao invés de efetuarem a operação 5 X 9 = 45,
somavam 9 + 9 = 18; 18 + 18 = 36; 36 + 9 = 45. Ou então 9 + 9 = 18; 18 +
9 = 27; 27 + 9 = 36; 36 + 9 = 45; evidenciando um agrupamento de
números de acordo com um raciocínio dualista. Poderiam recorrer à
tabuada de multiplicação, maso o faziam, preferindo recorrer à forma
decomposta - e dual - da operação. Tais dados nos permitiram concluir,
inclusive, que os exercícios que envolviam cálculos por escrito eram
significativamente mais difíceis de resolver do que os problemas
apresentados de maneira oral, fossem eles simulados ou extraídos de
situações reais.
A esta última conclusão também chegaram Carraher et al. (1991) em
estudo sobre atividades matemáticas cotidianas de crianças não-índias
comparadas ao seu desempenho escolar nessa disciplina. Em alguns
casos, os alunos Xavante recorriam à comprovação escrita dos resultados
obtidos pelos cálculos mentais. Isto, segundo Carraher et a/.(idem:64),
deve-se ao fato de a Matemática ensinada na escola veicular, além de
estratégias de resolução de problemas, "atitudes e valores relativos ao que
é apropriado em Matemática". Eu mesma, à época, necessitava, muitas
vezes, que os alunos expressassem de forma escrita e ordenada seus
cálculos mentais para que fizessem sentido segundo minha própria maneira
de pensar.
A escrita aparece aqui como obstáculo ao entendimento do problema
matemático que se propõe resolver. Os problemas eram formulados por
escrito em português, devido ao fato de euo dominar a língua Xavante
suficientemente bem e à oposição dos professores Xavante em dar aulas
na sua própria língua. A comunidade resistia a que as aulas fossem dadas
em Xavante: "escola é para aprender a língua do waradzu, Xavante a gente
já sabe".**
As dificuldades com a aprendizagem da Matemática escrita,
utilizando o português e algarismos arábicos na formulação dos problemas,
parecem adviro só da barreira lingüística provocada pelo uso do
português, mas também devido aos condicionamentos a que estão sujeitos
os esquemas formais da Matemática escrita e não-escrita (Cossio 1987).
Contrariamente ao sistema matemático Xavante, essencialmente oral, a
Matemática escrita, ensinada nas escolas, utiliza como parâmetros a
linearidade, de acordo com a concepção ocidental do espaço e do tempo,
que reduz unidades espaciais e temporais a conceitos arbitrariamente
definidos.
O tempo, na concepção ocidental, é organizado em termos
cronológicos em relação ao passado, presente e futuro, correspondendo à
ordem de progressão da reta numérica - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 -, presente em
todo sistema matemático escrito. A concepção do tempo Xavante tem,
fundamentalmente, características cíclicas, expressas por atividades
sazonais marcadas por condições climáticas concretas - o tempo da seca e
da chuva - e por elementos da própria estrutura social, marcada pela
interação de grupos sociais. Nesse sentido, o tempo Xavante é expresso
também pela sucessiva incorporação de indivíduos em classes de idade,
que consistem em "unidades de um sistema de classificação comum a
homens e mulheres" (Lopes da Silva 1986:63). A cada cinco anos,
aproximadamente, meninos e meninas em fase de iniciação passam a
integrar nova classe de idade. Essas unidades de classificação, em número
de oito, delimitam um intervalo de aproximadamente 40 anos entre a
classificação de uma categoria de idade em determinada classe, (como a
Tsada'ro, em que me classificaram) e a posterior classificação de outra
categoria na mesma classe (Tsada'ro também).
Nota do revisor: Waradzu. na lingua Xavante, significa branco
A exemplo do que ocorre entre os Nuer (Evans-Pritchard 1978:107-
150), o tempo Xavante é calculado em conjuntos ou classes. Assim, é
comum os Xavante se referirem à ocorrência de determinado
acontecimento citando o período de iniciação de determinada classe de
idade ou, por exemplo, "quando os Anorowa furaram as orelhas". Este fato,
em 1978, nos remeteria a um período anterior de 15 anos mais ou menos.
Quando passamos a trabalhar com datas na escola, os problemas
matemáticos inventados pelos alunos traziam, na sua maioria, outras
unidades temporais em vez de datas numericamente grafadas, como
09/04/1978. Remetiam às classes de idade a que me referi acima ou às
categorias de idade - as fases do ciclo de vida Xavante - através de
expressões do tipo: "quando Genésio (enfermeiro) era 'ritei'wa" ou "quando
Luiz (professor da escola) era wapté" (morador da casa dos solteiros). Para
trabalhar os problemas numericamente, ou seja, para saber quantos anos
se passaram desde determinado acontecimento, era necessário traduzir
estas unidades temporais em unidades grafadas numericamente, o que
implicavao só no uso de algarismos arábicos mas, ainda, em outra
maneira de classificar o tempo, a partir do calendário ocidental.
A solução que encontrei na época para a dificuldade de resolver
problemas foi investir na interpretação dos enunciados apresentados por
escrito em português, explicitando os conceitos que exigiam, por exemplo,
"conta de mais" ou "de menos". "Quando a gente junta duas ou mais
coisas", eu dizia, "a conta é de mais. Se se juntam dois canteiros de cebola
e dois de alho, a conta é de mais". Do mesmo modo, "se separar ou tirar
uma coisa da outra, como de 15s de abacaxi tirar dois para comer, é
necessário uma conta de menos". À medida que atribuíamos às operações
matemáticas os conceitos de juntar, tirar, separar, dar, vender, comprar,
ganhar, entre outros, os alunos efetuavam as contas de forma correta. Isto
envolvia, porém, a memorização sobre a operação a efetuar caso a caso,
ou seja, consistia mais num treinamento do que no entendimento da lógica
subjacente ao raciocínio implícito nos problemas.
Treinar alunos para a resolução de problemas ou questões quaisquer
é método de ensino e prática pedagógica amplamente difundidos em
escolas até os dias de hoje, sejam escolas para índios ou não-índios. Os
índios Yukon, no Canadá, foram instruídos sistematicamente durante um
ano pelo pesquisador R. King (1967) a resolver testes de inteligência
aplicados pelo governo canadense. A dita incapacidade dos índios em obter
níveis de aprendizagem semelhantes aos de não-índios foi refutada. King
conclui que, devidamente instruídas, as crianças indígenas podem obter
sucesso acadêmico e que o treino na resolução de problemas propicia a
elas maior sofisticação na solução dos testes.
Treinar os índios na escola Xavante garantiria a obtenção de notas
altas em exames e testes, o que levou os professores índios a julgarem ser
este o método apropriado de ensinar, pois era este o método de avaliação
utilizado nas escolas missionárias que freqüentaram.
Percebemos que na vida diária este "treino escolar" era pouco
eficiente, ou seja, os conhecimentos adquiridos na escolao eram, por
vezes, transferidos para os "problemas" da vida cotidiana. Hoje entendo
que a não-transferência estava, no caso Xavante, relacionada também à
concepção do que constitui problema; se é necessário resolvê-lo e a
conseqüente motivação e investimento que isto acarreta. Estudos da
Psicologia e Antropologia Cognitiva (Cole et al 1971; Luria 1990)
demonstram que crianças ou adultos escolarizados apresentam melhor
desempenho que indivíduos não-escolarizados em tarefas variadas, como
em situações que envolvem raciocínio matemático.
Análises mais recentes (Carraher et al. 1991:70) revelam, porém, que
a influência da escolao se dá sempre da mesma forma. A educação
informal é muitas vezes a responsável pelo sucesso de indivíduos no
desenvolvimento de estratégias que envolvam o pensamento matemático.
Adultos Xavante que nunca haviam freqüentado escolas missionárias
efetuavam cálculos matemáticos, exatamente como aqueles feitos por
crianças na contagem da população Xavante junto aos técnicos da SUCAM.
Aqueles indivíduos mais ligados às atividades de administração do posto
indígena e os motoristas, tratoristas e enfermeiros, apresentavam maior
domínio de problemas que envolviam o pensamento matemático, pois o
próprio trabalho propiciava situações concretas para trabalhar com cálculos.
Paralelamente, 37 crianças entre seis e dez anos, aproximadamente,
sem experiência escolar anterior, iniciavam atividades na escola Xavante,
orientadas pelos professores índios. Seguiam, basicamente, na educação
matemática, a orientação das aulas da turma mais adiantada. Contavam
em xavante e em português e resolviam pequenos problemas,
apresentados de forma oral. Formulavam problemas que apresentavam uns
aos outros para resolver. Nestes, os "dilemas" levantados eram muito
distintos daqueles que eu própria ou os professores Xavante formulavam
nos enunciados preparados a priori.
Leandro Dzaiwaono, de oito anos de idade, enunciou oralmente o
seguinte problema: Meu pai (Adelino) vai caçar paca. Ele tem uma caixa de
cartuchos. Quantas pacas vai matar?". Nancy Redzatse, de nove anos,
formulou o seguinte: "Na roça do meu pai (Manuelito) tem muito milho.
Minhae vai fazer bolo de milho. Quantos bolos ela vai fazer?" Nestes
dois problemas fica claro queo existe uma relação estreita entre o
número de espigas de milho ou cartuchos de espingarda, e o número de
22
bolos ou de pacas caçadas, respectivamente. As soluções para esses
problemas envolvem outras relações, que extrapolam os limites de seus
enunciados.
No caso dos cartuchos, Leandro respondeu: "Ele vai matar 3 ou 7
pacas, quantas conseguir matar". Estando a caça cada vez mais rara, é
comum os Xavante saírem com muitos cartuchos para garantir o maior
número de animais possível, ou seja, quantos conseguirem matar. Mais
importante do que o número exato de pacas a serem mortas, era o fato de
se conseguir garantir alimento em quantidade.
Quanto às espigas de milho, Nancy afirmou: "Ela vai fazer 3 bolos
bem grandes, para todo mundo comer". Sendo a generosidade uma virtude
Xavante, inclusive na distribuição de alimentos, os bolos seriam bem
grandes para todo mundo comer. Garantir bolo de milho para todos era
mais importante do que o número de bolos que ae faria.
Em suma, as quantidades usadas nos problemaso eram simples
abstrações, desvinculadas do contexto, mas estavam intimamente
relacionadas a valores da cultura Xavante, expressos, nestes dois casos,
em atividades da vida cotidiana. Além disso, a noção do todo ou da
totalidade parece ser mais importante que as noções de unidade, de
discriminação de pequenas quantidades ou de unidades individualizadas.
Relações entre conjuntos ou entre totalidades (cartuchos versus pacas;s
de milho versus bolos) são, neste sentido, mais significativas. Isto indica
uma apreensão holística da realidade, com ênfase nas relações entre os
termos ou elementos, tal qual ocorre, por exemplo, na nominação Xavante,
que é um sistema de relações eo de classificação, segundo rótulos
individualizadores - os nomes (Lopes da Silva, 1986). Nas sociedades
duais, como já afirmei, o todo é sempre concebido como soma de duas
metades. Toda unidade é sempre pensada como estando bipartida (pacas
versus cartuchos;s de milho versus bolos) em elementos pares que
mantêm uma relação recíproca de oposição lógica (conforme Lévi-Strauss
1970, Maybury Lewis 1984, entre outros).
Os problemas de Nancy e Leandro fogem ao modelo idealizado de
problemas matemáticos, em que uma situação simulada, expressa num
enunciado, nada mais é do que um suporte para relações estritamente
numéricas que devem ser trabalhadas. A prática aritméticao se reduz à
manipulação de algarismos mas, como o mostra Lave (1988:173), é um
produto e reflexo de múltiplas relações entre indivíduos e entre as
condições de produção e reprodução da atividade através do tempo.
A interrupção desta experiência com educação escolar, por motivos
de saúde e devido aos conflitos pela terra em que os Xavante estavam
engajados, impediu que este trabalho com educação matemática
prosseguisse. A não-contratação dos professores Xavante pela Funai
impediu também que estes dessem continuidade à experiência. Acredito
que do ponto de vista dos Xavante, o maior mérito deste trabalho foi o de
termos trabalhado com o modo Xavante de formular e resolver problemas
matemáticos, de acordo com suas próprias estratégias. Contribuiu também
- e isto me foi expresso mais de uma vez pelos alunos da escola- para
desmistificar a concepção que se tem da Matemática enquanto um "bicho-
de-sete-cabeças". Neste sentido, Lino Sêrê'a, de 15 anos de idade, afirmou
em 30 de novembro de 1978: "Nem pensei que eu sabia tanta Matemática
assim".
2. Matemática entre os Suyá, Kavabi e Juruna do Parque Indígena do
Xingu (PIX) (1980-84)
O trabalho com educação matemática no Parque do Xingu diferiu
bastante daquele realizado entre os Xavante. Em primeiro lugar, a "Escola
do Diauarum", fundada em 1980 no Posto Indígena de mesmo nome, tinha
um caráter pluriétnico. Servia principalmente a indivíduos das comunidades
Suyá, Kayabi e Juruna, habitantes do Médio e Baixo-Xingu, mas também a
alguns índios Kren-akore, Trumai e esporadicamente Mekragnoti e
indivíduos de outras comunidades xinguanas em passagem pelo posto. Isto
envolviao só o fato de, por vezes, sete ou oito línguas, inclusive o
português, estarem sendo usadas nas atividades pedagógicas mas,
fundamentalmente, pressupunha a instauração de uma arena de relações
interétnicas, fundada a partir de valores e expectativas das diferentes
sociedades indígenas e de uma professora não-índia.
Nesta arena estavam em jogo variadas concepções de mundo,
próprias a cada povo, o que incluía diferentes interpretações do que
constitui a situação de contato e como a instituição escolar é entendida
nesse contexto. Isto se traduzia, no que diz respeito à educação
matemática de que estamos a tratar, em diferentes formas do pensamento
matemático se expressar no processo de educação escolar, como se verá.
Além da população fixa e flutuante da escola, estudavam por
correspondência índios dos povos citados, além de alguns do Alto-Xingu -
Txicão e Aweti -, que enviavam das aldeias histórias, contas aritméticas e
notícias para o jornal "Memória do Xingu"*. Entre freqüentadores assíduos,
O Memória do Xingu foi produzido no Parque Indígena do Xingu de 1981 a 1984. com nove números editados pelos alunos
da Escola do Diauarum. Inicialmente idealizado para divulgar trabalhos escolares, já a partir do segundo número (agosto de
1981) o jornal passou a receber contribuições de indivíduos de todo o Parque Por ter se tornado um importante instrumento
de denúncias, criticas e. inclusive, sugestões à política indigenista do governo federal e de outras entidades que operavam na
área, o Memória do Xingu foi censurado pela Funai em meados de 1982 Com a administração do Parque a cargo de
temporários e aqueles que se correspondiam das aldeias, a população
escolar girava em torno de 300 índios, na maioria homens adultos.
A maior parte destes alunoso havia passado, como era o caso dos
Xavante, por uma experiência de educação escolar. Os poucos índios
alfabetizados (5%) haviam aprendido a ler e a escrever sozinhos,
freqüentado a escola do Posto Indígena Leonardo - ao sul do Parque - de
1974 a 1976, ou, ainda, como é o caso de Canísio Kayabi, freqüentado a
escola de missionários antes de ser transferido para o Parque. No entanto,
muitos adultos, apesar de analfabetos, tinham bom desempenho em
situações que exigiam o domínio de conhecimentos matemáticos, como na
venda de "artesanato", produtos agrícolas e mel, ou na compra de bens
industrializados e na divisão e distribuição de mercadorias que chegavam
ao Parque - gasolina, óleo diesel, querosene, material de construção e
gêneros alimentícios.
À primeira vista, esse conhecimento matemáticoo era evidente e
parecia se restringir àqueles índios funcionários da Funai que
desempenhavam diversas funções no posto indígena. Desde o chefe de
posto do Diauarum, Mairawê Kayabi, até pilotos de barco, motoristas,
auxiliares de enfermagem, auxiliares de contabilidade e mesmo
trabalhadores braçais Kayabi e Suyá, na maioria, estavam constantemente
lidando com números, fosse em situações particulares de compra e venda
ou nas próprias atividades de administração do posto.
Uma viagem de barco envolvia, por exemplo, o cálculo de
combustível, considerando o peso da carga, a distância a percorrer e a
direção da correnteza das águas ("subir" ou "descer" o rio). Todos os
funcionários índios possuíam, por sua vez, contas bancárias para depósito
de salários em Brasília ouo Paulo e estavam sempre às voltas com
extratos bancários e talões de cheques, efetuando operações aritméticas
para saber quanto tinham recebido, gasto e quanto dispunham ainda para
gastar. Era muito comum o envio de radiogramas para o escritório do
Parque do Xingu, na época emo Paulo, pedindo saldos, extratos
bancários e talões de cheques, bem como pedidos de compras a serem
efetuadas com os rendimentos dos índios.
Logo que cheguei ao Diauarum, em julho de 1980, fui requisitada por
vários índios funcionários da Funai para checar suas contas bancárias.
Alguns deles, como Ipó Kayabi, apesar de dominarem operações
aritméticas de somar e subtrair,o conseguiam interpretar extratos
bancários pelo fato de envolverem conceitos como débito, crédito, saldo
Megaron Metuktire, um último número foi editado em junho de 1984. Os nove números do Memória do Xingu estão incluídos,
na integra, no volume 2 da tese de mestrado da autora (Ferreira, 1992),
bloqueado e disponível, etc. Desconfiavam estar sendo roubados, já que,
segundo eles, quem tomava conta de seu dinheiro emo Paulo eram
funcionários não-índios do escritório do Parque, com acesso a suas contas,
assinando cheques, inclusive, em nome dos índios. Estudar, para estes
índios, significava, num primeiro momento, saber Matemática "para o
brancoo roubar dinheiro da gente".
Foi através deste tipo de orientação aos índios do posto - informal no
sentido deo estarmos operando num contexto estritamente escolar - que
iniciamos na Escola do Diauarum atividades de educação matemática.
Estas foram estendidas posteriormente às aulas formais na escola, como se
verá, através de discussões sobre a economia de mercado da sociedade
nacional que envolvia, por sua vez, a explicitação de conceitos
matemáticos e sua correspondência com as operações aritméticas
utilizadas .
A partir destas atividades matemáticas desenvolvidas durante alguns
meses com índios-funcionários do posto, pude concluir que:
1.o havia uma relação estreita entre a alfabetização e o domínio
de operações aritméticas, havendo índios analfabetos (o caso de Ipó
Kayabi) que operavam com a mesma desenvoltura que indivíduos
alfabetizados;
2. o contexto do posto indígena, por exigir domínio satisfatório de
conhecimentos matemáticos, propiciava, por sua vez, situações de
aprendizagem informais que capacitavam os índios a desempenhar de
modo eficiente o pensamento matemático;
3. as estratégias utilizadas pelos Suyá, Kayabi e Juruna na resolução
de problemas matemáticos surgidos no contexto do posto indígena
variavam. Ora elaboravam cálculos de maneira oral, ora faziam uso da
escrita e de algarismos arábicos e, em determinados casos, utilizavam
materiais como sementes ou pedrinhas nos cálculos.
Num primeiro momento, atribuí a escolha das estratégias utilizadas
pelos índios exclusivamente a variantes como freqüência anterior à escola
do Posto Indígena Leonardo, anos de trabalho no posto ou à tentativa de
determinados índios de expressarem por escrito suas contas matemáticas.
Atribuir estritamente à escolarização ou a atividades coletivas de trabalho o
desenvolvimento de habilidades cognitivas, como a resolução de
problemas, é a tendência, aliás, de estudos sobre cognição (Cole et ai.
1971; Luria 1990) em que o contexto sócio-histórico é determinante.
Posteriormente, o contato prolongado com as sociedades em
questão, o acesso a monografias antropológicas sobre os grupos e as
atividades de tecelagem Kayabi e Juruna em que me envolvi deixaram
claro que as estratégias utilizadas na resolução de problemas aritméticos
incluíam conhecimentos matemáticos tradicionais das próprias sociedades.
Estes dados fazem parte da discussão que ora inicio sobre educação
matemática no Parque Indígena do Xingu.
2.1 O Fascínio dos números
A urgência estipulada pelos Suyá, Kayabi, Juruna e outros índios que
freqüentavam o Posto Indígena Diauarum para aprender Matemática
orientou a definição dos temas tratados inicialmente na escola. Mais do que
ler e escrever, o domínio da Matemática se impunha como pré-requisito
para praticamente todas as atividades desenvolvidas no âmbito do Posto
Indígena. Esta urgência foi expressa nos vários depoimentos dos índios na
inauguração da escola, quando procedemos a uma discussão coletiva sobre
a filosofia que deveria orientar as práticas educativas:
"É importante aprender os números para mexer com dinheiro e para
contar alguma coisa: peças de artesanato, quantos paus precisa para fazer
a farmácia" (Wenhoron Suyá, 11/fev/81).
"índio tem que saber Matemática para entender o mundo dos
brancos, o dinheiro, os dias do ano, as horas, os litros de combustível, os
mapas da terra" (Maku Kayabi, 11/fev/81).
"Quando eu viajo (de barco), levo o combustível no tanque, nos
galões ou no tambor. Tem o tanque pequeno de 25 litros, o galão de 50 e o
tambor de 200. A gente sempre precisa estar calculando os litros que vai
gastar. Pessoal das aldeias também quer gasolina, óleo diesel, óleo 'dois-
tempos' pra ter sua reservinha no caso de alguém adoecer, então sempre
tem que levar pra eles. Outra coisa, subir o rio gasta mais, com o barco
cheio mais ainda. Dia de chuva tem que ir devagar, aí demora mais e o
motor puxa com mais força e a gasolina vai acabando. (Atu Kayabi,
11/fev/81).
"Se a gente quer vender uma coisa, comprar no Bangue (povoado de
o José do Xingu) as coisinhas que a gente precisa, tem que saber fazer
conta" (Lafuciá Juruna, 11/fev/81).
"Na farmácia eu preciso saber mexer com os números para saber se
o remédio está vencido e para medir as doses dos remédios que eu dou
para o pessoal tomar" (Tamariko Juruna, atendente de
enfermagem, 12/fev/81).
Dos depoimentos colhidos nos primeiros dias de aula, a recorrência
de certos temas como as operações de compra e venda, o dinheiro, as
datas, os mapas e o consumo de combustível delimitou áreas de interesse
dos índios nas quais a Matemática deveria ser trabalhada. Escolhemos a
princípio três grandes áreas em que estavam incluídos grande parte dos
temas que os índios gostariam de trabalhar: transporte, comércio e terra.
Como veremos, estas três áreas passaram a ser trabalhadas de forma
conjunta, pois os temas abordados por cada uma delas se remetiam
constantemente uns aos outros.
O transporte mostrou-se uma área importante em função da questão
da compra e distribuição de combustível dentro do Parque ser um problema
crítico. A locomoção entre as aldeias, feita principalmente através de
barcos e de balsa a motor, exigia que as comunidades tivessem cotas de
combustível - gasolina e óleo diesel, principalmente - disponíveis,
principalmente para o transporte urgente de doentes graves aos postos
indígenas. A malversação de verbas pela administração do Parque, em
mãos de não-índios à época, e a política de privilegiar, na distribuição de
combustível, certos povos em detrimento de outros, fazia com que a
questão do transporte, inclusive para fora do Parque, fosse vista pelos
índios como problema.
O comércio estabelecido entre índios e não-índios, dentro ou fora do
Parque, também apresentava-se como área geradora de conflitos. Os
índios sentiam-se sempre enganados nas transações, por estas envolverem
prioritariamente o uso de dinheiro. Através da venda de "artesanato" -
cocares, colares, anéis, cestaria, etc -, produtos da roça - arroz, feijão,
milho, banana, mamão, amendoim - e de coleta - mel, pássaros e flores
exóticos -, as comunidades arrecadam dinheiro para comprar sal, sabão,
ferramentas, tecidos, anzóis e munição. O problema, aqui, consistia em
receber preços justos pelas mercadorias vendidas e comprar a preços
também justos os produtos almejados, o que envolvia, naturalmente,o
errar nas contas.
A questão da terra apresentou-se particularmente rica para se
trabalhar conceitos matemáticos. Sua escolha deveu-se à tensa situação
em que se encontravam as sociedades xinguanas em relação aos limites do
Parque do Xingu, principalmente a partir de 1971, com a construção da
estrada BR-080. Os índios perderam a porção setentrional do Parque
cortada pela estrada.
Desde essa época, inúmeros incidentes envolveram as comunidades
xinguanas, fazendeiros, posseiros e representantes do governo federal, na
luta pela posse do território desmembrado. Em agosto de 1980, pouco
antes do início formal das atividades escolares, os índios mataram onze
peões numa fazenda à margem direita do rio Xingu, ao norte da estrada,
quando o grupo derrubava a mata do território reivindicado. Em junho de
1983, retiveram o avião de um fazendeiro que pousou no P.l. Diauarum,
reivindicando o afastamento do então presidente da Funai e de vários
coronéis do órgão. Em fevereiro de 1984, teve início uma série de
movimentos pedindo o território desmembrado pela BR-080 e acusando o
descaso do presidente da Funai em resolver a questão.
As negociações com os brancos exigiam a interpretação dos mapas
da região e de documentos com as propostas da Funai, via Ministério do
Interior, e de documentos, mapas e papeis de fazendeiros e não-índios em
geral. A planta de demarcação de terras indígenas traz dados numéricos
relativos à sua área, perímetro, a escala utilizada, data de execução, etc. O
problema aqui consistia no entendimento de: 1. projeções e conceitos
matemáticos utilizados na confecções de mapas; 2. localização do Xingu
dentro de um território mais amplo - o brasileiro; e 3. direitos indígenas
sobre as terras.
Trabalhar a Matemática de maneira contextualizada fez com que
reconhecêssemos que os problemaso se restringiam a dilemas
essencialmente matemáticos. A Matemática era mais um recurso para
solucioná-los. Trabalhar com questões relativas ao transporte, comércio de
"artesanato", contas bancárias, limites e áreas de um território implicava em
aliar à Matemática conhecimentos de outras disciplinas como a Geografia,
História, Língua portuguesa, Biologia e, fundamentalmente, investir em
pesquisas etnográficas entre os diferentes povos, trazendo para a escola
etnoconhecimentos dos diversos povos participantes do processo escolar.
Temos, por exemplo, as concepções de espaço expressas em mapas
através de unidades espaciais distintas que variavam de povo para povo e
também entre indivíduos de um mesmo grupo.
Estas considerações nos remetem a duas questões importantes:
1. para discutirmos a habilidade cognitiva de resolver problemas,
precisamos primeiro definir o que entendemos por problema;
2. abolir a compartimentalização do saber em disciplinas estanques,
abordando de forma interdisciplinar esses problemas, com recurso
simultâneo às diversas áreas de conhecimentos, inclusive indígenas, exige
a redefinição do processo ensino/aprendizagem.
2.2 "Problema" versus "Idéia Matemática"
A habilidade para resolver problemas é concepção-chave na teoria
cognitiva, abordada, como veremos mais adiante, por diferentes estudiosos
da Antropologia e Psicologia. Mais recentemente, matemáticosm se
detido sobre o contexto cultural da resolução de problemas, questionando o
próprio conceito de "problema" (Lave 1988; Carraher et al. 1990).
Inicialmente, a tendência dos alunos da escola foi traduzir as áreas
de interesse - transporte, comércio e terra - em problemas estritamente
numéricos. Assim, os problemas trabalhados se reduziam a enunciados
29
simplificados dando suporte a dados matemáticos usados para sua solução.
Vejamos os exemplos:
1) "Temos 2 tambores de gasolina com 200 litros cada. Se gastarmos
50 litros para irmos ao Posto Indígena de Vigilância e 65 para voltar,
quantos litros sobrarão?"
2) "Vendi 3 cocares por Cr$ 25,00 cada. Quero comprar 3 barras de
sabão por Cr$ 3,00 cada. Quanto dinheiro vai sobrar?"
3) "A Funai quer devolver só uma faixa de 15 X 70 quilômetros, a
partir da margem do rio Xingu, do total que perdemos com a construção da
BR-080.s queremos uma faixa de 40 X 100 quilômetros. Qual a
diferença entre o que a Funai quer dar e o nosso direito?"
As dificuldades para resolver esses dilemas, evidenciada pela
indecisão sobre a operação aritmética a utilizar, é agravada pela busca de
uma resposta única, correta.o condizia com o desempenho matemático
dos alunos fora do contexto escolar. A Matemática trabalhada em
contextos informais, extra-escolares, em vez de ter o objetivo de encontrar
soluções corretas, visa chegar a soluções viáveis, sob diferentes pontos de
vista e de acordo com distintas estratégias matemáticas.
Isto vinha redefinir a concepção do que constitui um problema, quais
os mecanismos que motivam os alunos a resolvê-los e que estratégias
utilizar para encontrar essa solução viável. Na concepção mais comum, um
problema é tudo aquilo que, de uma maneira ou de outra, implica na
construção de uma resposta, solução ou ação que produz efeito
determinado. Matematicamente falando, problemas envolvem a resolução
de equações e demonstrações de teoremas.
Os dilemas que se apresentam na vida diária dos índios do Xinguo
o matemáticos e nem traduzíveis, em muitos casos, em termos
numéricos. Mesmo quando podem ser representados por númeroso
exigem, necessariamente, resposta ou solução única. Existem alternativas
variadas para solucioná-los, expressas por estratégias culturais distintas
queo se restringem a respostas certas ou erradas. É uma questão que
envolve valores muitas vezes conflitantes com princípios rígidos de
enunciados matemáticos. Como nos mostra Lave (1988:139), a mudança
na concepção do que seja problema exige que se considere a Matemática
o como uma tecnologia descontextualizada e livre de valores, mas como
experiência à qualo atribuídos valores e conceitos específicos e
diferenciados. E a cada problema que surge, por mais "novo" que seja, o
tratamento cognitivo que lhe é dispensado é fundado por um sistema
cognitivo antigo e solidamente apropriado por cada sociedade.
A medida que os alunos foram reconhecendo, nos temas abordados
na escola, situações a serem trabalhadas com recurso à Matemática, foram
30
representando esses dilemas através de problemas formulados
simultaneamente ao processo de construção das soluções. As categorias
analíticas de problema e respostao ocorriam, neste sentido, em ordem,
ou seja,o se enunciava um problema para depois investir na resolução.
A própria construção do problema gerava a resolução, criando articulações
específicas entre dados enunciados e vários conceitos e elementos
envolvidos no contexto que originou o dilema.
Como exemplo, temos a seguinte formulação, apresentada por
escrito em 19 de maio de 1982 por Paiê Kayabi:
"No dia 15 (de maio) eu desci com Canísio para ele comprar 80 litros
de gasolina. Ele aproveitou (para) levar 108 cachos de bananas, para ele
vender para o pessoal do Bang-Bang. Ele vendeu (por) 500,00 cada um.
Ele conseguiu vender só 50 (cachos de) bananas. Saiu por 25.000,00, o
resto ele fez por 200,00 cada um. Só conseguiu vender 30 (cachos de)
bananas. Ele recebeu mais 6.000,00. Total de dinheiro deu 31.000,00. O
resto da banana ele deu para caraíba."
Paiê articula, neste enunciado, o problema e sua resposta em uma
construção simultânea, dialética. Os dados relativos à venda de bananas
o trabalhados matematicamente e as respostas a cada subproblema
apresentadas no decorrer do enunciado. Como nos problemas Xavante
apresentados anteriormente, a concepção de totalidade parece ser mais
importante do que a de unidade. Os dados referentes à compra da gasolina
servem para contextualizar a situação em que se deu a venda de bananas,
masoo apresentados como dilema que requer solução. Vemos que
Canísio tentou vender seus cachos por Cr$ 500,00 cada e,o
conseguindo, abaixou o preço, recebendo mais Cr$ 6.000,00. O resto da
banana, ou seja, os 28 cachos restantes, "ele deu para caraíba".
Este enunciado de Paiê pode ser analisado à luz dos critérios de
distribuição de alimentos pelos Kayabi, cuja generosidade ultrapassa os
limites das aldeias, incluindo nos seus circuitos indivíduos de outras
comunidades xinguanas e não-índios também. Como mostra Travassos
(1984:56-62), o sistema de distribuição de alimentos Kayabi tem como
princípios básicos a vergonha de pedir e a obrigatoriedade de dar. Neste
sentido,o existem restos, ou seja,o lhe atribuem a conotação
pejorativa de sobra desprezível, porqueo é "prejuízo", coisa que deveria
dar "lucro" eo deu. Era comum perguntarem-me o que fazer com os
"restos" das contas de dividir. A noção de problema está, neste caso,
diretamente ligada à economia de uma sociedade basicamente igualitária.
Trabalhando com o tema "mapas", dentro da área de interesse
"terra", formulamos alguns enunciados para elucidar as projeções e
conceitos matemáticos- escala, área, perímetro, proporção, distância, etc. -
31
envolvidos nas propostas de delimitação de áreas indígenas. Cada índio
Suyá, Juruna e Kayabi desenhou um mapa do Xingu a partir dos quais
trabalhamos as noções de distância. Em primeiro lugar, cumpre ressaltar
que essas noções foram determinadas a partir dos conceitos de espaço de
cada sociedade, expressos graficamente de maneira diferenciada no mapa.
Os Suyá, por exemplo, seguindo tendência dos grupos Je, que
expressam concretamente seus conceitos cosmológicos e sociais no plano
espacial (Seeger 1981; Maybury Lewis 1984; Lopes da Silva 1983, entre
outros), desenharam sua aldeia como o ponto espacial de referência a partir
do qual todas as distâncias seriam determinadas. Traduzido em "idéia
matemática", como passamos a chamar enunciados com recurso à
Matemática, Wenhorõ Suyá escreveu:
"A aldeia Suyá fica longe do Diauarum, a umas 2 horas de motor ou
um dia de viagem a remo. Se a gente viajar mais 3 horas de barco pelo
Suyá-Missu, chegamos à divisa do Parque. É lá que o pessoal pensa em
construir a aldeia nova, para vigiar fazendeiro parao invadir. Viagem
para o Leonardo é que demora mais. Você pode sair bem cedo da aldeia de
motor e dormir no caminho, que você só chega lá no dia seguinte. De
canoa então, pode ficar uma semana viajando, por, é muito longe.
Quando a canoa tá cheia então, para subir o rio é muito difícil, tem que
remar duro mesmo. Mas aí chega mais rápido. Na descida é mais fácil, a
gente chega mais rápido na aldeia. De balsa demora demais, pode sair da
aldeia cedinho de canoa e esperar a balsa na boca (encontro dos rios Suyá-
Missu e Xingu) que só vai chegar no Leonardo depois de três dias. Isso
quando o rio está cheio, senão a balsa pode encalhar".
Já os Kayabi, por tenderem a morar em pequenos núcleos à beira do
rio Xingu, em vez de uma aldeia única, como os Suyá, remetiam às
distâncias entre suas aldeias, tendo como unidade padrão a distância entre
a própria aldeia e o Posto Diauarum. Assim escreveu Tuyat Kayabi em
março de 1982:
"Da minha aldeia até o posto (Diauarum) leva um dia de canoa,
descendo o rio. Para subir até o Leonardo, leva duas vezes mais, dois dias
de canoa, remando forte mesmo. Mas às vezes leva mais (até o Diauarum),
porque a gente vai parando na aldeia dos parentes. Se a gente pára na
aldeia do Macia, já é quase a metade do caminho, então pode descansar,
dormir até amanhã e já pode seguir bem cedo para o posto (Diauarum). Aí
é melhor".
Trabalhamos, num caso como este, com os conceitos de metade,
dobro e frações. A medida entre dois pontos no espaço era calculado pelo
tempo gasto para percorrê-la. As variáveis como o ritmo dos remadores, a
força da correnteza, o peso da embarcação eram computados, em todos os
casos, pelos índios, porque significavam cálculos de eventos reais. À
exatidão dos cálculos (distância velocidade x tempo, por exemplo) -
exigência do pensamento matemático científico, racional - somavam-se
variáveis nem sempre facilmente computáveis, mas fundamentais na
prática. Assim, respostas aproximadas eram mais reais e viáveis do que
cálculos exatos, abstratos. As soluções construídas pelos índios eram
bastante variadas e muitas vezeso eram as mais econômicas,
principalmente no que diz respeito à multiplicação e divisão, preferindo o
desmembramento sucessivo dos números.
Nos mapas produzidos na escola estavam indicados, além dos rios,
caminhos entre as casas das aldeias, roças, portos (onde ficam as canoas e
onde se banha, apanha água, lava roupa) formando uma rede de circuitos
representativo dos sistemas de parentesco e de alianças (quem visita
quem). As distâncias entre as casas foram calculadas em "passos" e, como
estes variavam em tamanho, entendemos a necessidade de se usar, em
muitos casos, medidas padronizadas como centímetros, metros e
quilômetros. Trabalhamos com escalas, fazendo mapas de diferentes
tamanhos.
Como se pode notar, as aulas de Matemáticao se restringiam, em
absoluto, a atividades de cálculo. Como mostra Lave (1988:169), reduzir
cognição à resolução de problemas matemáticoso dá conta da natureza
da prática aritmética e de sua constituição enquanto parte da atividade
contextualmente situada. Os indivíduos em ação em determinado contexto,
num dado momento histórico, geram dilemas e formas de resolvê-los de
maneira simultânea. A ênfase dada a problemas relativos à terra, a
dedicação com que trabalharam com mapas e os dilemas matemáticos
surgidos na sua interpretação devem ser entendidos pela situação crítica
em relação à defesa do território das comunidades xinguanas.
A noção de tempo expressa nas narrativas dos índios e representada
nos problemas que formulavam mostra, também, que este é socialmente
construído ao invés de universalmente compartilhado. Um dos dilemas dos
índios era fazer cálculos envolvendo unidades temporais ocidentais, como
horas, dias, meses e anos. Isto se aplicava tanto a questões relativas à
terra (quando vai ser demarcado o Kapoto ou quando o Xingu foi
demarcado; quantos anos faz ques chegamos ao Xingu), quanto ao
transporte (quanto tempo leva para chegar ao Leonardo; quandos vamos
viajar para o Posto de Vigilância) e mesmo à questão do comércio (quando
eu fui no Bangue em janeiro, custava X, agora (junho) custa X+X; a
inflação, portanto, foi de X% em seis meses...).
A etnologia de grupos sul-americanos nos mostra hoje que as
funções classificatórias destas sociedades também se estendem à
classificação de espaço e de tempo. O calendário Suyá, por exemplo, é
social eo astronômico. O ano é dividido em uma estação seca e outra de
chuva, anunciadas por músicas específicas a cada estação (Seeger
1987:70). Ao passado fazem referências vagas, pouco específicas e são,
hoje, muito mais exatos ao se referir ao futuro. Articulam, para tanto,
unidades temporais tradicionais aos Suyá - remetendo a estágios
específicos da vida de indivíduos, como os ritos de passagem - a critérios
do calendário ocidental. Isto impedia, por vezes, o trabalho com números
exatos para determinar a data de um acontecimento, como a chegada dos
Suyá na região do Xingu.
Mostrar que existem diferentes maneiras, entre não-índios inclusive,
de contar, demarcar tempo e marcar o espaço parece ter contribuído para o
entendimento do sistema numérico decimal, do calendário que usamos, das
unidades de medidas padronizadas e tidas como universais.o chegamos
a trabalhar com os sistemas numéricos de nenhum grupo xinguano
específico, pois participavam da escola povos de oito sociedades distintas e
a língua franca era o português. Além disso, os freqüentadores da escola
mais assíduos e em maior número, os Suyá, Kayabi e Juruna, contavam
até no máximo 7 (caso dos Suyá),o tendo expandido sistemas
numéricos como os Xavante foram levados a fazer. Trabalhamos, no
entanto com problemas matemáticos simulados em outras bases, além da
decimal, para propiciar melhor entendimento do que significa multiplicar um
número por sua própria base, no caso do sistema decimal, ou seja, porque
7x10 (a base) = 70.
2.3 O Ensino Conceitualizado da Matemática
A prática dos índios xinguanos de formular dilemas inclusive na
forma de "idéias matemáticas", como vimos acima, impedia que a
educação matemática fosse reduzida a um utilitarismo escolar extremo, ou
seja, à atividade de resolver problemas formulados a priori, .simulados.
Segundo D'Ambrosio (1990:28), a tendência utilitarista da educação
Matemática oferecida na grande maioria das escolaso atende à nova
ênfase que se tem atribuído a essa disciplina, ou seja, sua aplicação a
problemas reais do mundo.
Era necessário, porém, que trabalhássemos também com situações
simuladas, uma vez que os mesmos problemas "reais" referidos acima
colocavam dilemas aos índios, que eles tinham de saber resolver de acordo
com os conceitos matemáticos do modelo econômico capitalista. A
Matemática moderna, de acordo com D'Ambrosio (idem), tem forte vínculo
com esse modelo econômico que está, por sua vez, profundamente
enraizado em nosso sistema sócio-cultural. Certas situações exigem
recurso à Matemática e esta, por sua vez,o pode ser pensada fora de
determinados modelos e isto vale tanto para povos indígenas quanto para
outras sociedades, inclusive àquela, dita ocidental, de que fazemos parte.
Neste sentido, o modelo capitalista a que a Matemática moderna está
vinculada determina que comprar, ganhar, achar, tomar emprestado e
mesmo roubar, implica em se ter ou ficar com MAIS. Inversamente, vender,
dar, perder, emprestar, doar, implica em se ficar com MENOS. Os
conceitos de mais e menos orientam a formulação de problemas
matemáticos e determinam respostas a partir da escolha da operação
aritmética utilizada. Isto posiciona a Matemática, segundo D'Ambrosio
(1990:24), enquanto uma "promotora de um certo modelo de poder através
do conhecimento".
Nas sociedades regidas por princípios de reciprocidade, como as
sociedades indígenas de que estamos a tratar, "dar" e "ganhar", por
exemplo,o implicam, necessariamente, em ficar com "menos" e "mais",
respectivamente. Como nos mostra Lévi-Strauss (1982:94), a transmissão
de bens entre essas sociedadeso é regida por vantagens essencialmente
econômicas e, muitas vezes, das trocaso se retira qualquer benefício
material verdadeiro. "Dar", nessas sociedades,o significa "ficar com
menos"; pode, ao contrário, ser equivalente a "receber" ou "ganhar", já que
coloca o receptor do bem transmitido em posição de devedor, obrigado a
retribuir e, portanto, a "dar" de volta o que recebeu.
Para exemplificar os conflitos, num contexto escolar, entre os
componentes ideológicos da Matemática moderna e os princípios de
reciprocidade de povos indígenas, temos as dificuldades enfrentadas pelos
Suyá, Juruna e Kayabi na resolução de problemas formulados na Escola do
Diauarum, em 1980 e 1981. A despeito da tentativa de adequá-los, mesmo
simulados, aos contextos culturais em que seriam trabalhados, tais
problemas apresentaram "soluções" que podem ser interpretadas à luz da
lógica de transmissão de bens destas sociedades. Outros padrões de
respostas foram desenvolvidos, baseados em interpretações semânticas
dos enunciados, dando sentido e inteligibilidade aos conceitos utilizados.
Isto acarretou, como veremos, o uso de estratégias alternativas que, por
vezes,o geraram os resultados esperados, "corretos". Vejamos como
Arupi Juruna procedeu para resolver este problema matemático do tipo
clássico:
"Ganhei 10 flechas de pescar peixe dos Kayabi. Perdi uma na
pescaria e dei 3 para meu cunhado. Com quantas flechas fiquei?"
R: Fiquei com nove flechas.
O resultado a que chegou Arupi seria considerado errado seo
procurássemos entendê-lo à luz do sistema de prestações Juruna em que
jamais se recusa uma oferta. Dar implica sempre em trocar, obrigando o
recebedor a retribuir o bem ou serviço (Lima 1986:45-48). Esta é, aliás, a
lógica que rege o princípio de reciprocidade de que trata Lévi-Strauss
(1982).
Arupi explicou seu raciocínio da seguinte maneira:
"Meu cunhado vai me pagar as três flechas de volta. Então se Kayabi
deu 10, eu fico com 13. Depois tiro aquelazinha que perdi e fico com 12.
Mas acontece que eu vou pagar Kayabi, dar 10 flechas para ele também,
então eu vou ficar com 2. Aí eu junto as 7 que eu já tenho em casa e fico
com 9 flechas".
Perguntei a Arupi se eleo podia "pagar" Kayabi com outra coisa
queo fossem flechas. Ele disse que sim, mas daí seria "difícil fazer
conta". Flechas foram usadas, neste caso, como unidade de medida de
troca. Vê-se, neste exemplo, que dar e receber implicam em outras
concepções e relações num ato de troca. Na maior parte dos casos, a
interpretação semântica dos enunciados dos problemas matemáticos
trabalhados na Escola do Diauarum foi a responsável pela variação das
respostas.o se pode atribuir a erros de cálculos, portanto, a obtenção de
resultados que divergem daqueles esperados. Erros nas operações
aritméticas raramente eram cometidos pelos estudantes.
O sucesso associado à resolução de uma série de problemas que
m um único princípio de solução - do tipo "Comprei 5 quilos de sal por Cr$
50,00 o quilo. Quanto gastei? - somente ocorre se o sujeito aprende de uma
maneira dimensionalmente ou conceitualmente baseada. Isto requer que o
sujeito da aprendizagem responda a subproblemas como instâncias de um
problema maior, ou seja, que saiba, por exemplo, que no mundo dos
brancos, quando se compra algo, gasta-se dinheiro e isto significa ficar com
menos dinheiro.
Aprender conceitualmente contrapõe-se à aprendizagem que faz uso
exclusivo da memorização. A maioria dos programas escolares implantados
em áreas indígenas no Brasil, via FUNAI ou missões religiosas, maximiza,
na resolução de problemas, o padrão da memorização. Nas atividades que
requerem esta habilidade cognitiva, o desempenho dos alunos é bom em
geral, já que se utilizam de diferentes recursos mnemônicos, em geral
classificatórios (Cole et al. 1971), para proceder à organização de dados ou
regras memorizadas. A longo prazo, no entanto, a maior parte dos dados
armazenados passa pelo processo homeostático de esquecimento, poiso
dizem respeito às expectativas e necessidades que a educação escolar
deveria corresponder. As informaçõeso são, neste sentido, relevantes
para as comunidades envolvidas nos eventos educativos.
Estes dois tipos de aprendizagem, a conceituai e a memorizada,
foram identificados por Cole et ai. (1971) na sociedade africana Kpelle. Os
autoreso conseguiram compreender o que determina que um padrão
seja evocado em detrimento de outro na resolução de problemas. A
educação matemática que desenvolvemos na Escola do Diauarum nos
permite afirmar que aprender conceitualmente envolve muito mais do que
simples treino em resolver problemas e muito menos ainda em memorizar
regras. Implica, isso sim, em ter como os patrocinadores do processo de
educação escolar os próprios sujeitos da aprendizagem. Estes, ao
elaborarem os próprios dilemas em forma de idéias matemáticas próprias a
cada povo, deram sentido e inteligibilidade aos conceitos com que
trabalharam.
Por fim, cabe dizer que os conhecimentos, inclusive o matemático,
expressos pelos Xavante, Suyá, Kayabi e Juruna em situações que
envolveram cálculos, como a contagem da população, a distribuição de
combustível, o comércio e a elaboração de mapas,oo condizentes
com a imagem genérica que se tem do índio enquanto ser incapaz de
pensar racionalmente e de aprender Matemática.
A falta de articulação das diferentes ciências no contexto escolar
parece ser a principal responsável pelos conflitos gerados pela educação
formal oferecida em áreas indígenas. A imposição da ciência ocidental
como paradigma da verdade, a partir da qual a inteligibilidade do universo é
expressa e cujos conceitoso usados para avaliar as habilidades
cognitivas dos "outros", tem feito com que a dicotomia "mente primitiva" -
"mente civilizada" continue a ser evocada pelo senso comum. Como vimos,
as etnociências operam segundo lógicas diferentes mas equivalentes
àquelas da ciência ocidental.
A Etnomatemática, da maneira como foi trabalhada pelos Xavante e
sociedades do Parque do Xingu, e corroborada pela extensa bibliografia
analisada a seguir sobre o assunto, nos permite concluir queo se pode
avaliar a competência matemática de um indivíduo ou de um grupo fora de
seu contexto sócio-cultural, pois as práticas matemáticaso
qualitativamente diferentes de um contexto para outro. E foram justamente
as Etnomatemáticas Xavante, Kayabi, Suyá e Juruna que nos permitiram
inferir que outros cálculos e valores podem ser usados para a resolução de
problemas matemáticos e, ainda, que as diferenças nas estratégias
utilizadaso indicam "limitações da mente" ou "falta" de determinada
habilidade cognitiva.
Estas considerações põem em cheque as concepções clássicas
sobre o que é ensinar e aprender, já que sugerem o pensamento e o
conhecimento como domínios socialmente construídos, de acordo com
determinações históricas e culturais, e temperados por contingências
políticas.
Procedo, a seguir, a uma breve introdução ao debate teórico sobre
cognição e cultura e a uma análise crítica sobre a bibliografia disponível
sobre Etnomatemática. Finalizo este trabalho com algumas considerações
a respeito de experiências com educação matemática em áreas indígenas
no Brasil.
3. Cognição e Contexto Cultural
As habilidades cognitivas de um determinado indivíduoo podem
ser avaliadas fora do contexto cultural, já que cada cultura desenvolve
certos potenciais da mente humana. É preciso buscar, no ambiente cultural,
as explicações para os comportamentos intelectuais que as diferentes
sociedades manifestam. Refletir sobre cognição é estudar, portanto, o
comportamento cognitivo numa situação particular e a relação desse
comportamento com outros aspectos da cultura, conforme vários autores,
entre lingüistas, psicólogos, matemáticos e antropólogos o demonstraram
(Tyler 1969; Cole et ai. 1971; Lave 1988; Carraher et alii 1991; D'Ambrosio
1990; Luria 1990; entre outros).
O modelo cognitivo de uma sociedade é evidenciado pela maneira
como se organiza o conhecimento. Ao estudar processos de ensino-
aprendizagem nativos, os diferentes saberes, culturalmente construídos,
o podem ser comparados de acordo com critérios pedagógicos de
eficiência. Ao invés disso, as diferenças cognitivas devem ser vistas
enquanto modos coletivos de entender o mundo (Leavitt e Stairs 1988:30).
Mas variações cognitivaso ocorrem somente de cultura para
cultura, mas também em uma mesma cultura, expressando, assim, além de
diferenças cognitivas interculturais, diferenças intraculturais. Tais variações
significam, segundo Tyler (1969:4) que culturasoo fenômenos
unitários, ou seja,o podem ser descritas por somente um único conjunto
de princípios organizatórios, já que podem existir, numa mesma cultura,
diversas alternativas para colocar ordem no universo, tornando-o inteligível.
A escolha entre uma ou outra alternativa depende de uma série de fatores,
como exemplificarei mais adiante.
O que me parece importante ressaltar é o fato de a existência de
diferentes princípios organizatórios e as escolhas sobre quais lançaro
o significa um desvio na forma de organização básica de determinada
sociedade. As alternativas que se apresentam aos indivíduos para dar
inteligibilidade ao sistema social do qual fazem parteo a própria
organização (Wallace 1961; Hymes 1964a, apud Tyler 1969).o
significam "aculturação", ou a assimilação de traços e valores exógenos à
cultura em detrimento de seus traços "originais".
o considerar as variações intraculturais significa tratar a cultura
como se fosse constante, estática, o que afasta, segundo Lave (1988:10),
questões maiores sobre diversidade social, desigualdade, conflitos,
complementaridade, cooperação, diferenças de poder e conhecimento, e o
meio pelo qual eleso reproduzidos e transformados em variados
contextos da vida diária, inclusive através da escolarização. Tanto a
Antropologia Cognitiva quanto a Psicologia Cognitiva sempre tenderam a
avaliar a atividade cognitiva como estável e contínua, tendo como
pressuposto o conceito de uniformidade cultural. De acordo com essa
perspectiva, a sociedade apresenta-se enquanto ordem consensual e a
transmissão cultural enquanto processo de reprodução cultural homogêneo
entre e através das gerações.
No campo da escolarização, essa posição é refletida através do
pressuposto básico da transferência de aprendizagem, segundo a qual
qualquer forma de disciplina mental é capaz de desenvolver a mente de
alunos e capacitá-los a usar em outros contextos da vida diária os
conhecimentos adquiridos na escola (Lave 1988:24).
O mecanismo psicológico da transferência de aprendizagem,
desenvolvido com vigor pela Psicologia Cognitiva nas décadas de 50 e 60,
parece ser o fundamento que orienta, até os dias de hoje, a elaboração da
maioria dos currículos escolares. Estes se reduzem a programas
conteudísticos feitos a priori, em como objetivo a assimilação de
conhecimentos, principalmente através da memorização, que devem ser
transpostos posteriormente para as necessidades da vida diária. A
habilidade de transferir conhecimentos está, como indica Simon (1980;apud
Lave 1988), no centro dos princípios que orientam os processos
educacionais em vigor até hoje e também na habilidade dos profissionais
de colocarem esses conhecimentos em prática ao longo de suas vidas.
É por esta razão que este tema interessa à discussão que se propõe
nesta dissertação. Como se viu acima, os conhecimentos matemáticos
adquiridos na Escola do Diauarum por índios xinguanoso eram
automaticamente transferidos para situações práticas quando estas o
exigiam. A não-transferência dos conhecimentos adquiridos em contextos
escolares tem se revelado uma constante nas experiências com educação
escolar em áreas indígenas. Por outro lado, os conhecimentos tradicionais
dos povos indígenas tambémoo automaticamente transferidos para
situações formais de ensino.
A partir do momento em que antropólogos e psicólogos passaram a
levantar questões sobre os conhecimentos culturais e a prática cultural dos
atores envolvidos em determinados contextos sócio-históricos, a questão da
uniformidade cultural cedeu lugar a discussões sobre variações
intraculturais (Tyler 1969; Lave 1988; Oliveira Filho 1988; Luria 1990; entre
outros).
Vygotsky (1962) e Luria (1961; apud Luria 1990) enfatizam a idéia de
que o desenvolvimento mental deve ser encarado como um processo
histórico eo interpretado enquanto fenômeno limitado ao indivíduo.
Através de exemplos como o uso des em cordas para ajudar a memória
entre povos da América do Sul e o uso de varetas em rituais por
sociedades australianas, os autores passaram a considerar a possibilidade
do desenvolvimento individual ter paralelos no campo do desenvolvimento
sócio-cultural. Tais considerações tiveram algum peso nas idéias de Lévy-
Bruhl (1930, apud Luria 1990) sobre os processos primitivos do
pensamento,como veremos abaixo. Luria concentrou todos os seus
esforços posteriores em demonstrar as raízes sócio-históricas de todos os
processos cognitivos básicos, a partir de idéias de Vygotsky.
Num estudo interdisciplinar realizado por antropólogos e psicólogos,
Cole et ai.(1971) fazem uma reflexão sobre como os processos de
pensamento de diferentes povos se relacionam com sua cultura. O
interesse dos autores sobre o tema surgiu de um problema prático: as
crianças de povos nativos da Libéria apresentavam grandes dificuldades
com a Matemática ocidental. Ao investigar o tipo de conhecimentos
matemáticos tradicionais dessas crianças, Cole et ai. perceberam que, sob
certos aspectos, esses conhecimentos eram mais desenvolvidos do que
aqueles apresentados por crianças ocidentais escolarizadas. Procuraram
identificar, então, o comportamento gerado por diferentes tipos de tarefas
intelectuais e buscaram no ambiente cultural explicações para o fato de
diferentes povos manifestarem comportamentos intelectuais diferentes. A
aprendizagem, segundo os autores, envolve três classes de fenômenos: a)
o papel da classificação e da aprendizagem na memória; b) o processo
através do qual atributoso combinados para formar conceitos; e c) a
maneira pela qual os vários problemas, inclusive os matemáticos,o
resolvidos.
Cole et ai. (idem) procuraram desvendar também as condições em
que ocorre a transferência de aprendizagem. Demonstraram a capacidade
do povo Kpelle, nativo da Libéria, desenvolver diferentes estratégias na
resolução de problemas matemáticos, através do uso de outros padrões de
respostas. O progresso associado a uma série de problemas quem um
único princípio de solução somente ocorre se o sujeito aprende de uma
maneira conceitualmente baseada. Os autores concluem que as diferenças
culturais que dizem respeito à cogniçãoo devidas mais às situações nas
quais os processos cognitivos particulareso usados do que à existência
de um processo em um grupo cultural determinado e sua ausência em
outro. Enfatizam, ainda, a necessidade de se estudar a razão da não-
utilização dos conhecimentos e habilidades cognitivas tradicionais dos
povos em um contexto escolar, questão esta que foi recentemente
trabalhada por Lave (1988) e Carraher et alii (1991), como veremos a
seguir.
Em interessante trabalho sobre cultura e cognição, Lave (1988)
procura elucidar os pressupostos básicos de quatro experimentos
envolvendo transferência de aprendizagem, principalmente aqueles
relacionados às relações entre cognição, atividade e o mundo social. Os
experimentos, envolvendo prioritariamente a resolução de problemas
matemáticos, só demonstraram parcialmente a transferência de
aprendizagem. Certos tipos específicos de instruçãoo produzem
transferência, concluíram. A aplicação prática de conhecimentos adquiridos
em situações escolares exige que se esclareça aos sujeitos da
aprendizagem a relação entre o problema colocado no processo de
instrução formal e sua utilidade na vida diária. A cognição seria, nesse
sentido, um transporte literal e uniforme de ferramentas para pensar de
uma situação a outra (Lave 1988:37).
Lave tece, no entanto, fortes críticas a esses estudos por eles
abstraírem o conhecimento adquirido, como aquele transmitido pela
escolarização, da experiência. Na escola, o próprio conhecimento é o
"contexto" da resolução de problemas, o que separa o estudo de problemas
da análise da situação em que eles ocorrem. A escola é tratada como um
local descontextualizado de aprendizagem onde os "domínios do
conhecimento"o constituídos por disciplinas escolares, currículos, livros
didáticos, campos acadêmicos, certificados e profissões. O "domínio do
conhecimento", enquanto contexto da atividade cognitiva, é uma categoria
de análise inerte porqueo tem propriedades interativas, geradoras ou
que motivem a ação (Lave 1988:41-42).
As investigações experimentais sobre a resolução de problemas e de
transferência de aprendizagem devem levar em consideração os motivos
que fazem indivíduos reconhecer problemas onde muitas vezes eles
parecemo existir e a decidir investir na sua resolução. Isto se traduz,
segundo Lave (1988:42), na elaboração de uma "teoria da motivação", pois
cabe àqueles que se empenharão na resolução a decisão sobre o que
constitui problema ou não. Em seguida, é necessário questionar como a
atividade de resolver problemas dá significado a situações em que essa
habilidade é exigida.
Os dados que apresento neste capítulo sobre educação matemática
no Parque Indígena do Xingu corroboram as idéias de Lave no que diz
respeito à transferência de aprendizagem, envolvendo questões como a
transformação do problema e da sua solução pelos índios e o uso do
ambiente enquanto um instrumento de cálculo. É preciso situarmos esta
reflexão, porém, no âmbito das discussões travadas, desde o início deste
século, sobre a natureza do pensamento humano e as tradicionais
dicotomias estabelecidas entre as diferentes formas desse pensamento se
manifestar.
3.1 O Pensamento Científico enquanto Parâmetro de Avaliação
Até a virada deste século, os processos mentais humanos eram tidos,
segundo Charles Darwin e seu sucessor Herbert Spencer, como produtos
da evolução. O desenvolvimento das formas complexas de atividade
mental seriam determinadas pela adaptação biológica às condições
ambientais. O enfoque evolucionista levou pesquisadores como Tylor
(1874) a acreditar que o pensamento dos povos ditos primitivos era privado
de determinações lógicas e contrário à razão; ou seja, um pensamento
alógico e irracional. Barnes (1973:182, apud Lave 1988:79) atribui o
estabelecimento da dicotomia entre "pensamento primitivo" versus
"pensamento racional" à base histórica da filosofia antiquada e empiricista
da ciência. Isto levou antropólogos a comparar sistemas de crença de
povos ágrafos ao ideal do modelo "racional".
Seguindo uma nova vertente da Psicologia fundada na virada do
século XX - segundo a qual os fenômenos mentais mais complexos como o
pensamento lógico, a memória ativa e a atenção seletiva, estariam na base
de todas as formas de pensamento (Luria 1990:17), Durkheim recusa a
interpretação evolucionista e atribui a origem do desenvolvimento dos
processos básicos da mente à sociedade. Esta, enquanto esfera das
convicções e representações coletivas, daria forma a vida mental do
indivíduo (Mauss e Durkheim 1955). As idéias de Durkheim lançam as
bases para novos estudos sobre os processos mentais humanos nas mais
variadas disciplinas.
Lévy-Bruhl, também representante da escola francesa de Sociologia
como Durkheim e Mauss, sai em busca da "mentalidade primitiva" partindo
da premissa de que tal pensamento seria produzido pelas "representações
coletivas" predominantes numa sociedade do tipo "primitiva" (1960). O
"pensamento primitivo" seriao lógico quanto o "pensamento racional",
diferindo deste apenas pela funcionalidade prática e aspecto místico. Lévy-
Bruhl é, porém, fortemente criticado por Mauss (1922), segundo o qual o
homemo pensa sempre da mesma maneira em todos os lugares. A
história do pensamento é, para Mauss, a história da sociedade e Lévy-Bruhl
o teria levado em consideração as contingências históricas em sua
análise. Estudos comparativos, segundo Mauss, o teriam levado a
encontrar mais semelhanças entre os pensamentos "primitivo" e "racional"
do que as que ele realmente admitiu (Montero: 1986:43).
Paralelamente à Psicologia e à Sociologia, a Antropologia inaugurava
também, no início deste século, uma nova abordagem à questão do
desenvolvimento dos processos mentais humanos. Em "The mind of
primitive man", F. Boas (1926) defende a idéia de que os processos
mentais humanos de culturas "primitivas" e daquelas mais "avançadas"
seriam idênticos, bastando para o entendimento de ambos a análise das
condições históricas de vida de cada povo.
Trabalhos posteriores de Lévi-Strauss desenvolvem profundamente
este tema. O autor argumenta que o pensamento humano faz uso de
diferentes lógicas -o necessariamente a lógica formal, ocidental - que
recorrem, em diferentes contextos culturais, a variados tipos de
vinculações. Destaca a "natureza polivalente" (1976:84) de sistemas lógicos
e a "falsa antinomia entre a mentalidade lógica e pré-lógica" O
"pensamento selvagem" ou "primitivo" seria "lógico, no mesmo sentido e da
mesma forma que o nosso" (idem:304). Discorda de Lévy-Bruhl no que diz
respeito à orientação essencialmente prática do "pensamento primitivo". O
"pensamento selvagem", no que tange às taxonomias nativas, classifica os
seres e fenômenos por um vasto meio de correspondências queo se
restringem à utilidade prática. Ao tratar da lógica das classificações
totêmicas, Lévi-Strauss afirma que "as classificações indígenasoo
apenas metódicas e baseadas num saber teórico solidamente constituído.
Acontece também serem comparáveis, sob um ponto de vista formal,
àquelas que a zoologia e a botânica continuam a usar" (idem:65).
A equivalência entre o pensamento primitivo, selvagem, mágico,
concreto e aquele civilizado, racional, abstrato, científico, é estabelecida
pela Antropologia. Permanece, porém, a dicotomia entre os diferentes
modos de pensar. Goody (1977:148), por exemplo, apesar de criticar as
categorias dicotômicas que diferenciam as modalidades de pensamento,
o extingue a grande divisão entre elas. Apenas "domestica" a divisão,
dizendo que ambas as modalidades, tal qual Lévi-Strauss o faz (1976),
estão presenteso só nas mesmas sociedades, mas nos mesmos
indivíduos.
Os argumentos apresentados por todos esses autores partem do
pressuposto básico, segundo Sahlins (1976), de que a racionalidade da
cultura ocidental é o princípio básico através do quals fechamos e
tautologizamos nosso próprio sistema de pensamento. Dentro de suas
fronteiras está, por definição, tudo aquilo que faz sentido para nós. O que
sobra, ou a categoria residual, é atribuído ao "pensamento primitivo" e,
mais recentemente, nas palavras de Lave (1988:83), ao "pensamento
cotidiano".
O "pensamento cotidiano", ou aquela modalidade do pensamento
orientado para situações da vida diária, sempre foi visto por psicólogos e
inclusive antropólogos, como um modo de pensar simples e menos
exigente do que aquele exigido para a racionalidade científica. Os
experimentos com cognição desenvolvidos pela Psicologia e Antropologia
Cognitivas sempre se valeram, segundo Lave (1988:79-80), de modelos
normativos estabelecidos a priorí, enquanto fonte e inspiração para o
desenvolvimento de tarefas experimentais e para a interpretação da
atividade nesses experimentos. Podemos afirmar o mesmo com relação à
instituição escolar, cuja filosofia de ensino foi fundada a partir da instrução
e construção de tarefas que refletem normas do "pensamento científico".
Essa idealização de um certo tipo de pensamento é responsável, em
muitos casos, pelos fracassos escolares, dado que se enfatiza a construção
de "respostas adequadas" pelos sujeitos da aprendizagem, rejeitando o
valor de suas respostas alternativas. Tal qual os estudos cognitivos
convencionais, as práticas escolares estão em afinidade com práticas e
filosofias colonialistas, impregnadas de conotações ideológicas da
civilização ocidental. O mundo social é visto somente na forma de
ocupações profissionais e a cognição só faz parte do indivíduo concebido
num papel profissional, enquanto um sujeito que deve resolver problemas
que surgem no decorrer de sua vida pessoal e profissional, de maneira
"racional". Cultura e conhecimentoo equacionados um com o outro e a
cultura é tida como atributo exclusivo da memória, concebida enquanto
depósito de conhecimento acumulado através das gerações. A memória,
segundo Lave (1988:90), se torna um lugar onde as aquisições culturaiso
guardadas e onde o desenvolvimento em direção de um conhecimento
geral, integrado e "racional"o esperados.
Reconhecer que a cognição faz parte do mundo social exige, ainda
segundo Lave (1988:91), que situemos o contexto social da atividade
cognitiva fora do domínio do conhecimento. Desta perspectiva, a cultura é
expressa nas relações entre indivíduos em ação e o mundo social que os
rodeia. Lave trabalha, justamente, com o caráter situacional da atividade, o
que inclui a cognição, para formular uma conceitualização mais consistente
da relação entre cultura e cognição. Defende a criação de uma Antropologia
Social da Cognição ou de uma Teoria da Prática, desafiando, inclusive, as
teorias convencionais sobre o impacto da escolarização na prática diária.
Tal teoria parte de uma concepção de "mundo cotidiano", ou aquilo que as
pessoas fazem nos ciclos comuns de atividades que podem ser diárias,
semanais, mensais ou orientadas de acordo com outras maneiras de
conceber o tempo e inclusive o espaço. É o caráter rotineiro da atividade,
as ricas expectativas geradas através do tempo sobre sua forma, e os
contextos criados para essas atividades e organizados por elas que formam
a classe de eventos, ou seja, os próprios objetos de análise das teorias da
prática.
Esta nova abordagem da relação entre cultura e cognição é também
a base de trabalhos recentes sobre os etnoconhecimentos ou etnociências,
como veremos adiante.
3.2 A Interdisciplinaridade nos Estudos sobre Etnoclassificações
A partir da afirmação de Mauss e Durkheim (1955(1903]), de que
diferentes povos fazem uso de distintos princípios classificatórios na
ordenação do universo, a questão das etnoclassificações passou a ser tema
amplamente discutido pela Antropologia Cognitiva. Este campo da
Antropologia se dedicou, de forma sistemática a partir dos anos 50, a
estudos interdisciplinares entre a Antropologia e as mais distintas
disciplinas, como a Lingüística, a Psicologia e a Biologia (Tyler 1969). A
própria Psicologia Cognitiva dedicou-se a estudar as maneiras como os
indivíduos pensam, tomando como base, entre outras coisas, a natureza da
cultura, o mundo social e suas relações com a cognição.
A Antropologia Cognitiva, por sua vez, procura descobrir como os
diferentes povos organizam e fazem uso de suas culturas (Tyler,1969:3).
Todos os povos desenvolvem teorias explanatórias para entender o mundo.
A cosmologia de cada sociedade representa a ordenação do universo,
ordem esta que está vinculada a todos os aspectos da vida societária.
Através de investigações a respeito das cosmologias dos diferentes grupos
indígenas, podemos entender a maneira pela qual os membros de uma
sociedade constróem o universo e pensam a si mesmos e a outros seres
nele incluídos (Seeger,1981:21). Procurar um conhecimento objetivo do
universo, ordenando, classificando e sistematizando informações, é uma
característica do espírito humano, como diz Lévi-Strauss. O que difere de
sociedade para sociedadeo os diferentes modos de classificar, usados
em seus sistemas de comunicação.
A importância de aliar conhecimentos antropológicos àqueles
produzidos por outras áreas do saber já havia sido detectada por
Malinowski no início do século. O homem, segundo Malinowski, deveria ser
estudado em todas as suas dimensões, através de seus aspectos sociais,
psicológicos e biológicos. Lévi-Strauss (1976) também ressalta a
importância da interdisciplinaridade. Uma das dificuldades enfrentadas pelo
etnógrafo no trabalho de campo é justamente a falta de formação em outras
disciplinas como a biologia e a astronomia, o que o impede de identificar
corretamente espécies animais e vegetais, bem como fenômenos naturais.
O etnógrafo está "raramente preparado" para a tarefa múltipla de
"identificar com precisão cada animal, planta, pedra, corpo celeste ou
fenômenos naturais evocados nos mitos e rituais" (idem:76). Esta
identificação é, ainda segundo Lévi-Strauss, fundamental na análise
estrutural para que se chegue à função que determinada planta, animal ou
corpo celeste exerce dentro de um sistema de significações.
Conhecimentos antropológicos aliados àqueles das ciências
biológicas abriram a vários estudiosos um vasto campo de investigações.
Merecem aqui destaque, entre outros, os trabalhos abaixo relacionados.
Berlin, Breedlove e Haven (1969) mostram, em trabalho referente à
Etnoclassificação e Etnobiologia, os diferentes tipos de correspondência
entre as categorias taxonômicas folk e as científicas. Allen Jasen (1988,
apud Giannini 1991) constata a elaborada identificação e classificação das
aves pelos Waiãpi. Descola (1986) demonstra a existência de três sistemas
taxonômicos na etnobotânica Achuar. Oliveira da Silva (1988), em pesquisa
sobre a etnoclassificação dos seres vivos entre trabalhadores da pesca em
Piratininga, RJ, conclui também pela equivalência das classificações
nativas e científicas. Giannini (1991), em estudo que aborda a classificação
Xikrin do mundo animal, em especial das aves, defende também a
existência de traços comuns entre os princípios da classificação científica e
os da etnoclassificação. Conclui por uma classificação Xikrin do mundo
animal que "recorta o universo em categorias morfológicas,
independentemente de qualquer utilização prática" (idem:18).
Outrora considerada como a única fonte de saber, universal e
inequívoca, a ciência moderna têm, de maneira tímida e incipiente, aberto
espaço para outras formas igualmente válidas de entender o universo. As
etnociências abrem novas perspectivaso só para a própria ciência
moderna, enriquecida pelas diferentes visões de mundo, como também, e
principalmente, para aquelas sociedades sempre sujeitas a parâmetros
ocidentais de avaliação. Etnobiologia, etnomatemática, etnoeducação,
etnomedicina, etnoarte, etnogeografia, etnohistória, etnomusicologia e
etnoastronomiam sido os temas de diferentes pesquisas acadêmicas,
marcando uma nova tendência da Antropologia contemporânea e de
disciplinas que só recentemente voltam sua atenção sistemática para estas
novas formas de produzir ciência.
4. Estudos Recentes em Etnomatemática
Os primeiros autores a encontrar indícios de que povos nativos
desenvolveram aspectos do pensamento matemático, tido até então como
fonte de saber exclusivamente ocidental, foram Saint-Lague e A. Bernard
Deacon (1926 e 1934b respectivamente, apud Ascher 1988). Tais indícios
foram revelados através da análise de desenhos produzidos por traços
contínuos como os quebra-cabeças de folk-cultures dinamarqueses do
século XIX e os traçados contínuos em areia dos Malekula na Nova Guiné.
O traçado contínuo de figuras foi indicado por Ludwig Wittgenstein (1956,
apud Ascher 1988:203) como representativo de um problema
essencialmente matemático.
Pesquisas sistemáticas nessa área remontam apenas ao final da
década de 70. A partir dos anos 80, a Antropologia e a Sociologia passam a
ser disciplinas cada vez mais presentes em congressos internacionais de
Educação Matemática, dadas as preocupações de natureza sócio-culturais
que permeavam as discussões sobre o tema. Inaugura-se formalmente o
aparecimento de uma nova área das etnociências: a Etnomatemática
(D'Ambrosio 1990:12).
A Etnomatemática vem, desde então, se desenvolvendo
internacionalmente, conquistando pouco a pouco espaço como disciplina
acadêmica. Diferentes expressões do pensamento matemáticom sido
reveladas, equivalentes àquelas tidas como universais, desenvolvidas pela
Matemática moderna.
Um dos maiores expoentes dessa nova disciplina no Brasil é
Ubiratan D'Ambrosio, queo restringe o campo da Etnomatemática -
como querem outros pesquisadores (Ascher 1988; Gerdes 1987; entre
outros) - ao estudo de sistemas ou idéias literalmente matemáticos de
diferentes povos. D'Ambrosio (1990:5) refere-se, de maneira ampla, à "arte
ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos contextos culturais",
concepção esta que está, ainda segundo o autor, "próxima de uma teoria do
conhecimento ou teoria da cqgnição". Isto deriva da adoção de um conceito
mais amplo de ciência, que permite analisar práticas comuns de diferentes
povos que, aparentemente,o formas desestruturadas de conhecimento.
Envolve o reconhecimento de "técnicas ou habilidades e práticas utilizadas
por distintos grupos culturais na busca de explicar, de conhecer, de
entender o mundo que os cerca, a realidade a eles sensível e do manejo
dessa realidade em seu benefício e no benefício de seu grupo" . Foi
justamente a nossa maneira de contar, medir, classificar, ordenar e inferir
que permitiram a Pitágoras (filósofo grego do século VI a.C.) identificar o
que seria a disciplina científica que ele chamou de Matemática (idem,
ibidem).
O "Programa de Etnomatemática" que D'Ambrosio defende parte de
um enfoque holístico da construção de conhecimentos, para o qual se faz
necessária a análise histórica do contexto (idem:7). O conhecimento
apresenta-se cognitiva e historicamente como um todo e a "fonte primeira
de conhecimentos" é a própria "realidade na qual estamos imersos: o
conhecimento se manifesta de maneira total, holisticamente, eo
seguindo qualquer diferenciação disciplinar" (idem:8).
Os recentes trabalhos na área da Etnomatemática mostram que a
Matemática desenvolveu-se de maneira distinta entre as várias culturas e é
expressa por modos particulares de raciocinar logicamente traduzidos por
distintos modos de quantificar, calcular e medir.
O traçado contínuo de figuraso analisados por Ascher, retomando
os trabalhos de Saint-League e Deacon (Ascher 1988), examinando a
ocorrência desse procedimento de desenhar em regiões da África e na
Oceania, com especial atenção para os contextos culturais nos quais
emergem. A autora conclui que idéias matemáticas como os processos
algébricos usados na confecção dos traçadoso expressas nesses
desenhos. Essas idéiaso parte da vida diária de diferentes povos e sua
utilizaçãoo se restringe a necessidades práticas. Pertencem, tanto
quanto as nossas idéias matemáticas, à história global e contemporânea
dessa disciplina.
Balfanz (1988) procura decifrar as habilidades e conhecimentos
matemáticos que crianças oriundas de distintos "ambientes" trazem para
dentro da escola. O autor compara a "experiência matemática-ambiental"
de crianças provenientes de sociedades tradicionalmente agrícolas e de
grupos inseridos numa economia de mercado na Nova Guiné. Analisa os
efeitos que as diferentes oportunidades trazidas por essas experiênciasm
sobre o desempenho escolar. Para tanto, ele examina: 1) o conhecimento
matemático explicitamente adquirido fora da escola; 2) o conhecimento
matemático implicitamente adquirido ou implicitamente disponível através
da participação em atividades ambientais; e 3) as influências da
experiência ambiental sobre a cognição matemática.
Segundo esse pesquisador, os diferentes níveis de desempenho
numérico de diferentes grupos estão relacionados com o tipo de ambiente.
Crianças de povos mercantis e agricultores da África desenvolveram
diferentes estratégias para resolver problemas matemáticos. As estratégias
das crianças provenientes do grupo mercantil para resolver problemas de
adição, por exemplo, envolviam memorização e reagrupamento, enquanto
que crianças do grupo de agricultores contavam. As crianças da sociedade
mercantil, mais expostas a números, demonstraram maior conhecimento
numérico, comparadas às crianças de povos tradicionalmente agrícolas da
Nova Guiné.
Ao afirmar que crianças vivendo em centros urbanosm maior
exposição e compreensão de situações que envolvem o uso de
conhecimentos matemáticos do que crianças que vivem em áreas rurais,
Balfanz reduz o que ele chama de "conhecimento matemático" àquele
produzido pela Matemática moderna. Lave (1988:4) nos alerta para o perigo
de usarmos o "pensamento científico" como medida adequada para
diagnosticar e prescrever soluções para o "pensamento diário" observado
nos experimentos e na escolarização. E Balfanz, ao diagnosticar o "menor
nível de conhecimento matemático" das crianças agrícolas parece valer-se
estritamente de parâmetros ocidentais de avaliação. Cole et alu (1971)
também incorrem neste erro em seus experimentos entre os Kpelle ao
atribuir às variáveis ocidentalização e escolarização a responsabilidade
pelo sucesso ou fracasso do uso de habilidades cognitivas em contextos
variados. Estas variáveiso também usadas por Luria (1990) ao analisar
as alterações dos processos mentais associados com a atividade cognitiva,
em diferentes etapas do desenvolvimento sócio-histórico.
Balfanz (1988) admite que certas atividades como a própria
agricultura, a pesca e a construção de casas, expressam conhecimentos
matemáticos, porém de forma "implícita" e adquiridos através de processos
de aprendizagem e desempenho das atividades em questão (idem:166). O
queo fica claro, segundo o autor, é se o entendimento matemático
implícito, envolvendo o uso de princípios e conceitos matemáticos, facilita o
desenvolvimento do conhecimento matemático explícito.
É justamente o conhecimento matemático implícito que exige
maiores estudos, por ser difícil definir e por ser complicado também
entender seu impacto no desempenho escolar. O autor conclui (op. cit.:
174) que esse tipo de conhecimentoo afeta automaticamente o
desempenho matemático na escola, mas é um conhecimento acumulado
cujo uso deve ser encorajado através de esforços pedagógicos.
4.1 A Etnomatemática no Contexto Escolar
Em países pluríétnicos como o Brasil, o fracasso escolar
(principalmente em relação à Matemática e às Ciências exatas de um modo
geral) de crianças provenientes de grupos minoritários - expresso pelos
altos índices de repetição, evasão escolar e má formação para o ingresso
em níveis superiores de ensino - tem mostrado a necessidade de se
reavaliar os sistemas de ensino vigentes. As próprias minoriasm
reivindicado que os currículos escolares reflitam a natureza multi-cultural
das escolas, incluindo nos programas conhecimentos provenientes de
diferentes povos. Sociedades indígenas no Brasil defendem, hoje,o só a
inclusão de seus saberes tradicionais nos programas escolares, mas a
autoria da formulação desses programas, erigidos e orientados a partir de
suas concepções de educação. Há grupos negros na Bahia com a mesma
posição e com experiências de currículos diferenciados em andamento já
há alguns anos.
Paralelamente a esse processo reivindicatório e, inclusive, em razão
dele, pedagogos, psicólogos, antropólogos, biólogos, físicos, matemáticos,
entre outros profissionais,m mostrado, como vimos acima, a riqueza dos
conhecimentos tradicionais de diferentes culturas.
Se o avanço nos estudos sobre etnoconhecimentos nas áreas de
Biologia, Astronomia, Medicina e Geografia, entre outras, pode ser
associado a pressões ambientais, o fracasso escolar de crianças com a
Matemática tem despertado o interesse e difusão da Etnomatemática.
Segundo D'Ambrosio, "A preocupação maior, do ponto de vista de
educação, e o passo essencial para a difusão da etnomatemática, é levá-la
para a sala de aula" (1990:87).
A Matemática é a disciplina de foco nos sistemas educacionais,
sendo matéria obrigatória e universal constante de todos os currículos, em
todos os graus de instrução e em todos os países do mundo. O peso que
desempenha nos programas curriculares e a intensidade e universalidade
de seu ensinom razão de ser. A Matemática, tal qual é pensada e
transmitida através da escolarização, se deve ao fato do saber servir, de
acordo com D'Ambrosio (idem:14) de:
"base para a tecnologia e para o modelo organizacional da sociedade
moderna. A matemática e o processo de dominação que prevalece nas
relações com o Terceiro Mundo estão intimamente associados (...) Em
resumo, a matemática está associada a um processo de dominação e à
estrutura de poder desse processo".
Os constantes fracassos em Matemáticao interpretados, porém,
como incapacidades pessoais. Burrice e preguiçao termos
freqüentemente usados para qualificar insucessos de crianças e jovens
nesta área. Até mesmo critérios racistas como "determinações genéticas"
o evocados para explicar fracassos, principalmente no caso de minorias
étnicas, revelando um ranço evolucionista que persiste no senso comum.
A falta de material didático para o ensino da Matemática em áreas
indígenas me foi justificado por técnicos do Departamento de Educação da
Funai, em 1980, com o clichê "índioo aprende Matemática". "Não
adianta que eles nuncao conseguir, eu tenho experiência nisso", me
dizia, convicta, uma professora que trabalhava em área indígena Xavante.
Relatórios que elaborei em 1982 para a Funai com índices de excelente
aproveitamento em Matemática dos alunos Suyá, Kayabi e Juruna foram
devolvidos pelo órgão com a seguinte observação: "A professora quer,
mediante a prática de superestimar a capacidade dos índios, justificar sua
permanência na área. Refazer e mandar as provas em anexo". Os
preconceitos são, como vimos, infundados.
A implicação e uso de etnoconhecimentos no contexto escolar
constitue, porém, um desafio. No caso da Matemática, as habilidades e
conhecimentos trazidos pelas crianças para a escola aumentam o
desempenho das crianças em sala de aula? É viável utilizar estes
conhecimentos na educação matemática formal?
De acordo com Brenner (1985, apud Balfanz 1988:164-165), crianças
da sociedade Vai na Libéria faziam uso em sala de aula de métodos de
contar tradicionais dos Vai, aliados ouo aos métodos ensinados nas
escolas. Os alunos inventavam diferentes estratégias, combinando
procedimentos Vai àqueles da Matemática moderna. Isto ocorria, porém,
porque os professores incentivavam o uso de diferentes estratégias na
resolução de problemas matemáticos, gerando diferentes soluções para um
mesmo problema. Isto levou Balfanz (idem.ibidem) a concluir que o uso de
procedimentos matemáticos tradicionais em contextos escolares depende
da natureza do processo escolar. Em outras palavras, se os alunosm a
liberdade de resolver problemas matemáticos em sala de aula de acordo
com diferentes estratégias, a probabilidade de sucesso é aumentada.
Os possíveis usos de idéias matemáticas em um contexto escolar
o demonstrados através de exemplos concretos por Gerdes (1987), em
seu estudo sobre traçados em areia efetuados pelos Tchokwe, povo nativo
da Angola. A partir de esquemas de pontos equidistantes dispostos na areia
para a confecção dos traçados, pode-se induzir estudantes de Matemática,
tanto Tchokwe como aqueles provenientes de outros povos angolanos, a
descobrir diversas relações aritméticas, como progressões aritméticas e
propriedades geométricas.
Os exemplos usados por Gerdes incluem a análise da representação
simbólica do provérbio Tchokwe "creeper is the firewood of old people"
(idem:3), expresso graficamente da seguinte maneira:
Outras propriedades aritméticas podem também ser trabalhadas em
sala de aula a partir dos traçados Tchokwe, como idéias geométricas de
simetrias bilaterais, e a determinação geométrica do maior múltiplo comum
de dois números naturais (idem:7-16).
A incorporação da tradição artística-matemática Tchokwe no
contexto escolar pode contribuir, segundo Gerdes, para a valorização da
prática entre esse povo e para uma educação matemática mais produtiva e
criativa porque evita a "alienação sócio-cultural e psicológica" (idem:17).
Contribui também para o processo de reconstrução da nação angolana no
momento em que integra diferentes formas de conhecimento matemático
ao currículo nacional do país. Consolida também a idéia, entre esse e
outros povos da África, que a Matemáticao é uma criação exclusiva do
homem branco, mas que todos os povos (grifo do autor)m sido capazes
de desenvolver Matemática (idem:18).
Este trabalho de Gerdes demonstra possibilidades do uso da
Etnomatemática num contexto escolar para o entendimento, por parte dos
alunos, da Matemática moderna. Fica claro, porém, que para se chegar a
essa constatação a partir de conhecimentos matemáticos expressos de
maneiras diferenciadas àquelas que a Matemática moderna faz uso
(escrita, símbolos gráficos), é necessário ter uma mínima formação na
O processo de construção desse traçado envolve relações
aritméticas que podem expressar o seguinte caso de progressão aritmética
(idem:3-7):
disciplina. Os conhecimentos, como diz Balfanz (1988),oo explícitos e
torna-se necessária uma interpretação a partir das idéias da Matemática
moderna. Fica evidenciada a importância de uma abordagem
interdisciplinar à construção de conhecimentos que possam integrar os
programas de educação escolar, sendo necessária a participação de
especialistas para decifrar os conhecimentos matemáticos implícitos (à luz
da Matemática moderna) nas diferentes manifestações culturais das
diferentes sociedades.
4.2 A Educação Matemática em Áreas Indígenas
Experiências com educação indígena no Brasil, como aquela
desenvolvida no Acre pela Comissão Pró-índio do Acre (CPI/AC), com
apoio do Projeto "Interação entre a escola e os diferentes contextos
culturais no Brasil" desde 1983 (Cabral et al. 1987), colocam questões
semelhantes sobre a educação matemática. Discute-se a maneira de fazer
a passagem da habilidade matemática desenvolvida no cotidiano à
introdução de conceitos matemáticos novos em sala de aula, partindo do
pressuposto de que a atividade matemática é parte integrante da cultura de
cada sociedade. Segundo E. Sebastiani (1987:48), assessor na área de
Matemática para o III Curso de Formação de Monitores organizado pela
CPI/AC (1985), é necessário "mostrar aos monitores que a educaçãoo
está desvinculada do seu cotidiano. Fazer medições, contagens, desenhar
ou construir figuras geométricas é hábito de seu dia-a-dia e esses hábitos
podem ajudar na escola quando se trata da aquisição de novos conceitos".
O conhecimento matemático dos monitores presentes ao curso foi
explicitado através do exemplo da construção de uma casa indígena. A
partir das codificações matemáticas presentes na construção, os
assessores transmitiram a técnica de como fazer uma planta, usando os
conceitos de proporção, figuras geométricas e áreas dessas figuras.
Seguindo esta orientação, Carvalho (1987:79-84) procurou fazer um
levantamento da Matemática no contexto das aldeias indígenas do Acre
para evidenciar as relações e estruturas geométricas e aritméticas
presentes nas situações produtivas, como na agricultura e na extração de
borracha, para utilização no contexto escolar.
Os dados levantados por Carvalho (idem) apontam, porém, para a
necessidade dos conhecimentos matemáticos dos povos indígenas serem
levantados com o maior rigor possível, dado que ao fazermos,s
mesmos, este levantamento, corremos o inevitável risco de partirmos de
parâmetros e conceitos da Matemática moderna na avaliação dos
resultados obtidos. O autor conclui, por exemplo, pela não-utilização de
"nenhum tipo de operação" matemática, "própria da cultura indígena, por
meio da oralidade", pelos Yawanawá, Kaxinawá do rio Purus e Katukina do
igarapé Olinda, Acre.
Ora, os próprios termos usados pelas sociedades citadas nos seus
sistemas de contagem, apresentados por Carvalho (idem), denotam a
utilização de operações de, no mínimo, somar e talvez as de subtrair,
multiplicar ou dividir. Afirma, de maneira apressada, que as dificuldades
encontradas pelos índios na resolução de problemas de aritmética se
devemo somente à terminologia empregada nos enunciados, mas à
falta de correspondência da "lógica" do raciocínio aritmético na cultura
(idem:83), quando os estudos na área da Etnomatemática demonstramo
só a correspondência mas também a equivalência de lógicas utilizadas por
diferentes povos em seu pensamento matemático.
Carvalho (idem) defende, ainda, ser a alfabetização e a pós-
alfabetização em língua portuguesa "condição pragmática para o ensino da
matemática", o que é questionável, sabendo-se que a Matemática se
concretiza diferentemente conforme o contexto, expressando-se por meio
de outras representações, gráficas ou não, e que dela fazem uso de
maneira muito mais eficiente, inclusive, povos sem o domínio da escrita
(Lave 1988; Carraher et alii 1991, entre outros). Carvalho parece fazer uso,
em suas avaliações, de critérios difundidos pelo "pensamento científico"
enquanto medida adequada para diagnosticar e prescrever soluções para o
ensino da educação matemática.
A "Apostila de Matemática para o Índio/Seringueiro", organizada por
E. Sebastiani (s/d) para os índios do Acre, é tentativa pioneira e concreta de
se ensinar Matemática através de unidades de medida e noções de
geometria utilizadas por índios da região em seu cotidiano. Parte-se do
contexto sócio-econômico do qual os índios fazem parte, que é expresso na
apostila pela comercialização do produto da atividade seringueira. Utilizam-
se padrões geométricos da cultura material Caxinauá para introduzir noções
de Geometria a partir das quais os alunos podem fazer mapas, plantas e
desenhos, facilitando a compreensão matemática e geográfica sobre o
lugar em que vivem.
A Etnomatemática tem sido discutida também em encontros de
professores não-índios que atuam em áreas indígenas, como aqueles
organizados pela Operação Anchieta (OPAN; Emiri e Monserrat 1989).
Escolas urbanas e ruraism adotando, de modo experimental, a
Etnomatemática desde a década de 70. Sebastiani (1987:78) sugere para
as escolas indígenas do Acre o método de ensino baseado na
Etnomatemática usado em escolas da região de Campinas. A "Escola da
Vila", deo Paulo, vem também seguindo nova orientação em relação à
educação matemática, levantando problemas semelhantes àqueles
encontrados na aprendizagem desta disciplina em áreas indígenas. Como
exemplo, a resolução de problemas, os diferentes sistemas de contagem e
a multiplicação através da decomposição (Haddad 1991).
Questiona-se, da mesma maneira para as escolas indígenas, se o
fracasso de crianças na Matemáticao seria um fracasso da própria
escola, ou dos métodos de ensino da disciplina. As dificuldades
encontradas por crianças não-índias no contexto urbano com aprendizagem
da Matemática (Lave 1988; Carraher et alii 1991; Haddad 1991)
assemelham-se àquelas enfrentados por índios na mesma situação. As
propostas alternativas buscam, de maneira semelhante - guardadas as
especificidades de cada caso - construir um programa de ensino (a própria
Etnomatemática, de acordo com D'Ambrosio 1990) a partir dos
conhecimentos e habilidades expressas pelos próprios sujeitos da
aprendizagem, com especial ênfase ao papel do contexto no desempenho
matemático. O pensamento matemático desenvolvido por diferentes
sociedades emerge hoje como rica fonte de conhecimentos com os quais
os professores podem trabalhar, se partirem dessa premissa fundamental e
compartilharem, com os sujeitos envolvidos, o processo coletivo e holístico
da construção de conhecimentos.
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