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A «BIBLIOTHECA DE EDUCAÇÃO» destina-se especialmente
aos srs. professores, primários e secundarios, normalistas e estu-
dantes, como aos srs. pães, em geral, interessados em conhecer,
de um modo claro e conciso, as bases scientificas da educação e
seus processos racionaes.
VOLUMES JÁ PUBLICADOS:
I - PSYCHOLOGIA EXPERIMENTAL, por Henri Piéron.
II - A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA EXPERIMENTAL, por Ed. Claparéde.
III EDUCAÇÃO MORAL, por A. de Sampaio Doria.
IV TEMPERAMENTO E CARACTER SOB O PONTO DE VISTA EDUCATIVO.
por Henrique Geenen.
V EDUCAÇÃO E SOCIOLOGIA, por Emille Durkheim.
VI A HERED1TARIDADE EM FACE DA EDUCAÇÃO,
por Octavio Domínenos.
VII - COMO SE ENSINA GEOGRAPHIA, por A. F. de Proença.
VIII A ESCOLA ACTIVA E OS TRABALHOS MANUAES,
por Corynthio Fonseca.
IX A LEI BIOGENETICA E A ESCOLA ACTIVA, por Ad. Ferrière.
X TESTES PARA A MEDIDA DO DESENVOLVIMENTO DA INTELLIGEN-
CIA por Alfred Binet e Th. Simon.
XI - INTRODUCÇÃO AO ESTUDO DA ESCOLA NOVA, por Lourenço Filho.
Livro que está marcando época na renovação pedagogica do paiz.
XII VIDA E EDUCAÇÃO, por John Dewey.
XIII - SITUAÇÃO ACTUAL DOS PROBLEMAS PHILOSOPHICOS,
por André Cresson, traducção de J. Cruz Costa.
XIV - CINEMA E EDUCAÇÃO,
pelos Jonathas Serrano e Francisco Venancio Filho.
VOLUMES A PUBLICAR:
EDUCAÇÃO PARA UMA CIVILISAÇÃO EM MUDANÇA, pelo Dr. W. A. Kilpatriek.
EDUCAÇÃO E RELIGIÃO, pelo Dr. Lucio José dos Santos.
TESTES PARA A VERIFICAÇÃO DA MATURIDADE NECESSARIA Á LEITURA
E A ESCRIPTA (Testes A B C), pelo Dr. Lourenço Filho.
BIBLIOTHECA DE EDUCAÇÃO
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A ESCOLA
E A
PSYCHOLOGIA EXPERIMENTAL
POR
ED. CLAPARÈDE
Professor na Universidade de Genebra
TRADUCÇÃO E PREFACIO DE
LOURENÇO FILHO -
Professor de Psychologia no Instituto Pedagogico de S. Paulo
2ª EDIÇÃO
EDITORIA PROPRIETÁRIA
COMP. MELHORAMENTOS DE S. PAULO
(WEISZFLOG IRMÃO INCORPORADA)
O PAULO - CAVEIRAS - RIO
BIBLIOTHECA DE EDUCAÇÃO
ORGANISADA PEIO DR. LOURENÇO FlLHO
VOL. II
PROF. EDOUARD CLAPARÈDE
CLAPARÈRE E A PEDAGOGIA ACTUAL
Assim se deu, realmente. E dentre os que, de modo mais
feliz, focalisaram o assumpto, nos paizes de cultura latina,
¡orça é destacar Eduardo Claparede.
A « concepção funcional da educação », exposta e defendida
pelo grande psychologo suisso, e uma theoria que envolve o
exame dos «meios» e «fins» educativos, suas relações e ajusta-
mento perfeito. Claparede demonstra que o espirito em forma-
ção não se pode desenvolver, em suas virtualidades, para uma
adaptação qualquer posterior. « Tudo o que se ensina á criança,
diz elle, não tem valor senão quando esses conhecimentos sejam '
integrados no circuito dynamico que une a acção á satisfação
de uma necessidade ou á solução de um problema de adapta-
ção ». E' a condemnação da cultura formal, defendida especial-
mente pelos partidarios da cultura classica. Adoptando o mes-
mo ponto de vista de Dewey, e baseado em idênticas observa-
ções experimentaes, Claparede se recusa a considerar as fun-
ções do espirito como músculos, que se possam desenvolver pelo
simples exercício... O pensamento, a razão, a observação não
são apparelhos feitos, poderes uniformes existindo por si, mas
por simples coincidencia histórica. Ellas se. completam e se
explicam. Uma trazia a outra no bojo. E, se é verdade que á
ultima vieram dar força e sentido as profundas mutações so-
ciaes provindas da guerra, é bem certo também que essa mu-
dança no conceber a educação vinha senão assignalada, como
necessidade theorica, por todos quantos clamavam pela adapta-
ção da obra educa/ira ás necessidades do desenvolvimento nor-
mal da criança.
Estudando melhor a gênese da mentalidade do adulto, pelo
exame das tendencias infantis, e chegando a comprehender mais
a fundo a propria finalidade do psychismo do homem de um
ponto objectivo e humano os psychologos, que se vinham
preoccupando com os problemas genéticos, deviam suggerir, por
isso mesmo, tendencias sociaes mais precisas á obra da escola.
uma equação da capacidade biológica do individuo, em função
da experiencia anterior, adaptada a fine determinados. São vias
múltiplas pelas quaes um desejo se desenvolve em acção; são
formas de adaptação que variam segundo as circumstancias. E,
citando o grande psychologo americano já acima referido, com
elle mesmo conclue: «Pensar ê poder encadear as suggestões
particulares que as coisas particulares suscitam ». Como esta
pedagogia, fica longe da que falava, com emphase, na possibili-
dade de uma educação analytica dos sentidos, na educação par-
ticular da attenção, da memoria ou do raciocinio!
De facto, a nova concepção suggère novos problemas á di-
dáctica. A educação tem que ser uma systematisação da acti-
vidade, visando fins sociaes de adaptação e melhoria do ho-
mem, e, por isso mesmo, o proprio saber lem que ser posto ao
serviço da acção, tem que corresponder a uma necessidade or-
ganica ou intellectual. O conhecimento não tem outro papel senão
o de ajustar os actos humanos aos seus propósitos definidos.
Mas, por essas razões, justamente, são os educadores obrigados
a procurar o nucleo natural da actividade da criança, os seus
interesses naturaes e profundos.
Neste ponto é que a pedagogia de Claparède apresenta
toda a sua originalidade. A concepção «funcional» da educação
consiste em tomar a criança como centro de todo o trabalho
escolar, programmas e processos de ensina, e em considerar esse
trabalho como adaptação progressiva dos processos mentaes a
acções determinadas. A criança não deve trabalhar ou condu-
zir-se bem pela coacção do mestre ou dos pães, mas porque se
desperta nella um « interesse » real e profundo.
E qual é esse « interesse » ?
Claparède responde: « Na alma infantil, uma tendencia ge-
ral domina tudo a tendencia do jogo ou brinquedo, pela qual
a criança faz, por si, a maior parte de sua educação. 0 jogo
deve ser, pois, o ponto de partida da educação funcional ».
O ensino pelo jogo, o ensino attrahente, que leva a criança
a produzir, inspirada por um desejo intimo, tal é o segredo de
toda didáctica, como já o havia entrevisto Herbart.
CLAPARÈDE E A PEDAGOGIA ACTUAL
Na applieação das différentes formas de jogo ao ensino, e
na sua, passagem lenta e progressiva ao trabalho com fim extrín-
seco, está todo o êxito do programma educativo. E' a idèa capi-
tal da pedagogia de Claparède, de que decorrem conseqüências,
que. devemos aqui assignalar.
A primeira é a da actividaãe permanente do discípulo. Cla-
parède não podia deixar de ser um dos mais enthusiastas de-
fensores da « escola-activa ». Se a educação funcional tem como
fim estimular a actividade motivada da criança, ê natural que
ella colloque a acção como centro de toda a didáctica.
Entendamo-nos, porem, a respeito do termo «actividade», diz
elle. Esse termo pode ter duas accepções distinctas. Numa, apre-
senta realmente um sentido funcional. E' « activa », nesse senti-
do, toda reacção que corresponde á necessidade, que tem sua
origem num interesse suscitado no proprio indivíduo que actúa.
Oppõe-se, assim, á idèa de coacção, de obediencia passiva, de
repugnancia pelo trabalho ou de indifferença por elle.
Noutro sentido, pode significar apenas movimentação, expres-
são exterior, trabalho visível. Oppõe-se á immobilidade, ao en-
sino verbal passivo. Note-se que, nesta accepção, a « actividade »
não é condição sufficiente do que verdadeiramente se deva cha-
mar a « escola-activa ». Pode-se obrigar a criança a ser « activa »,
neste sentido mecânico, sem que se lhe deem hábitos educati-
vos e o senso normal do trabalho. Actividade, na significação
que cabe ao termo, na pedagogia actual, é a de acção no sen-
tido «funcional»: acção suscitada pelo interesse, visando fins
conhecidos e desejados pelos discípulos.
Corno conseqüência, alem. de adaptado ás necessidades geraes
das crianças, o ensino deve procurar adaptar-se melhor ás con-
dições particulares de cada educando, segundo suas aptidões. « E'
a individualisação » do ensino, que Claparède chega a pedir sob
formula, bastante expressiva «a escola sob medida», adequada
a cada individuo, como a roupa ou o calçado '¡sob medida».
CLAPARÈDE F. A PEDAGOGIA ACTUAL
CLAPARÈDE. E A PEDAGOGIA ACTUAL
Para que isso seja possível, dentro do ensino simultaneo,
Claparède recommenda que, ao lado de um programma escolar
minimo, commum e obrigatório para todas as crianças, com
as disciplinas indispensáveis, haja também um certo numero de
materias de livre escolha, em que os alumnos possam aprofun-
dar-se, segundo seus gostos naturaes. E' o systema chamado das
« opções ».
Note-se que esta individualisação do ensino não implica uma
sforma de ensino individual». Pelo contrario, Claparède tem um
conceito social da escola, anteriormente assignalado, e que
não se annulla na, « escola sob medida ».
Nas paginas deste estudo, que julgamos util traduzir para a
« Bibliotheca de Educação », verá o leitor, mais desenvolvidamente.
os pontos capitães da, pedagogia de Claparède, que se filia á cor-
rente actual da philosophia pragmatista, representada na educação
americana por uma pleiade dos mais notáveis espiritos. Ella se
inspira por inteiro na applicação scientifica á technica educatica.
Eduardo Claparède nasceu em Champel, perto de Genebra,
a 34 de março de 1873, contando hoje, portanto, cincoenta e
cinco annos de idade. Descende de uma antiga e nobre familia
franceza, emigrada para a Suissa, em virtude das perseguições
religiosas, que noutros tempos se moveram aos protestantes.
Fez os seus primeiros estudos em Genebra, e depois em
Leipzig, Âllemanha, onde se doutorou em medicina, em 1897,
apresentando uma these original sobre, o « sentido muscular ».
Depois de ¡orinado, esteve em Varis, nas clinicas de doen-
ças meniaes de Déjerine, na Salpelrière. Voltando a Genebra,
dedicou-se alguns annos d psychotherapia, especialisando-se no
esimio da psychologia normal e pathologica.. Trabalhou no labo-
ratorio do saudoso professor Theodoro Flournoy, na Faculdade
de Sciencias de Genebra, da qual foi nomeado livre-docente, em
1899, e pouco depois director do laboratorio de psychologia. Em
1908. era escolhido como professor extraordinario da cadeira,
e, em 1915. succedia a Flournoy, no cargo de cathedratico. que
ainda hoje occupa.
Desde 1912, dedica-se Claparède, especialmente, á psycho-
logia da criança e de suas applicações á educação. Data desse
anno a fundação do « Instituto J. J. Rousseau », destinado á for-
mação de verdadeiros educadores, com estudos especialisados de
psychologia infanti!.
A obra desse Instituto tem sido a mais fecunda e proveitosa
possível, irradiando por muitos paizes da Europa e até da Ame-
rica os seus benéficos resultados. Os cursos se distribuem nelle por
seis secções, que são as seguintes: Psychologia infantil; Psycho-
pedagogia das crianças anormaes; Pedagogia geral e experimen-
tal; Educação pre-escolar; Puericultura; Orientação profissional
e Psychotechnica.
Annexa, funciona um jardim da infancia, de typo original.
que se denominou « La Maison des Petits ». Os principaes tra-
balhos de observação e pesquisa, psychologica ahi realisados têm
sido publicados na excellente revista, dirigida por Claparède, « Ar-
chives de Psychologie », e os pedagógicos na « Collection d'actua-
lités pédagogiques », edição de Delachaux e Niestlé.
Copiosa é a obra de Claparède,' esparsa nas revistas iden-
tificas e pedagógicas da Europa e da America. Seus livros prin-
cipaes são os seguintes: L'association des idées, Paris, Doin,
1903; Esquisse d'une théorie biologique du sommeil, Arch, de
Psych. 1904; La psychologie animale de Ch. Bonnet, Genève,
1909; Un institut des sciences de l'éducation et les besoins aux-
quels il répond, Genève, Kundig, 1912; Comment diagnostiquer
les aptitudes des enfants, Paris, Flammarion, 1923; Psychologie
de l'enfant et pedagogie expérimental, Genève, Kundig (11º
edic), 1926.
O ultimo destes livros pode ser considerado sua obra capi-
tal. Recommendamol-o, com sincero enthusiasmo, a todos quantos
queiram possuir uma perfeita introducção ao estudo psycholo-
gico da criança e aos problemas da pedagogia actual.
o Paulo, fevereiro 928.
LOURENÇO FILHO
CLAPARÈDE E A PEDAGOGIA ACTUAL
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA EXPERIMENTAL
INTRODUCÇÃO
«Em que se tem beneficiado a escola com os
estudos da psycologia experimental?
« Que influenciam exercido as pesquisas psy-
chological sobre a pratica do ensino?
« Que applicações pedagógicasm decorrido de
seus trabalhos?
«Até que ponto se transformou a didáctica, sob
a influencia da psychologia experimental?»
Muito feliz me considerarei se puder responder,
de prompto, a todas essas indagações, demonstrando
os beneficios que a escola moderna deve ás inves-
tigações dos psychologos. A tarefao me parece
fácil, porem, e por uma razão muito simples: a de
que a escola de nossos diaso se decidiu ainda
a tirar partido das conclusões dos psychologos ou
dos biologistas, aceitando, de modo integral, a re-
volução que deverá transfigural-a um dia.
De todas as suas irmãs, só a Pedagogiao sof-
freu ainda a revolução das idéas modernas. A Bio-
logia, a Medicina, o Direito, a Philosophia, e até a
propria Theologia, tiveram, cada uma, a sua epoca
critica, depois de que renovaram as concepções de
outróra, ás vezes de modo completo, abrindo ao futu-
ro horizontes cheios de esplendidas promessas. Des-
tas, muitas já seo realisando.
ED. CLAPARÉDE
A pratica da educarão, no emtanto, é ainda hoje
merecedora das criticas que lhe dirigiam, ha bons
quatrocentos ou quinhentos annos, Rabelais e Mon-
taigne; ao passo que a Chimica e mesmo a Medicina
oo hoje passíveis da critica que mereceram os
alchimistas da Idade-media ou os medicastros de Mo-
lière...
Mas, porque motivo a Pedagogia lem escapado,
assim, á sorte que, desde tanto tempo, é de se desejar
para ella?
Seria interessante estudar de perto as causas
desse phenomeno; tal estudo, porem, nos afastaria
muito das theses propostas. Contentemo-nos em notar
que, de um lado, a Psychologia tem sido, de si mesma,
um pouco responsável por esse atrazo: só tardiamente
appareceu no conjunto das sciencias,o tendo po-
dido offerecer aos pedagogos antigos os elementos in-
dispensáveis a uma reforma positiva e fecunda. Por
outro lado, o facto de vir sendo, mais que qualquer
outra disciplina, apanágio das « autoridades » (auto-
ridades civis e ecclesiasticas) explica claramente o
tradicionalismo que caractérisa a Pedagogia.
Já se viu alguma vez uma autoridade fazer uma
revolução?o foi o Papa, certamente, quem fez a
reforma, nem Luiz XIV quem demoliu a Bastilha...
o nego, está claro, que a escola tenha feito
progresso. Do ponto de vista material, ella os fez
consideráveis, e isso com algum proveito do proprio
ensino.o nego, igualmente, que muitos professores
se tenham aproveitado dos conhecimentos psycholo-
gicos ou pedológicos, espalhados nestes últimos annos.
Mas o espirito mesmo do regimeno mudou, e é
esse espirito que urge transformar, se se quizer uma
pedagogia conforme ás exigencias da psychologia in-
fantil, e conforme, também, ás exigencias sociaes das
nossas democracias.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
E' bem verdade que, no dominio pratico da edu-
cação, desde uma vintena de annos, têm-se visto
germinar innovações numerosas que devem ser sau-
dadas com alegria,o tanto pelo que já representam,
Bias pelo que promettent: as « Escolas-Novas », as
«Escolas de Auto-Governo», as «Escolas do Traba-
lho», o «Systema Montessori», as «Escolas ao ar
livre», as «praças de jogos», etc.
A maior parte dessas innovações, senão todas,
devem-se á influencia directa dos trabalhos publica-
dos pelos primeiros pioneiros da sciencia da criança,
o ha duvida. Eliaso estão, porem, sufficiente-
mente difíundidas, permanecendo quasi comò tenta-
tivas individuaes.o se pode dizer que tenham con-
seguido já penetrar, de modo profundo, o bloco do
regimen escolar tradicional.
Convirá então indicar os beneficios que a es-
cola pode tirar dos trabalhos da Psychologia, mesmo
quando aindao se tenham concluido experiencias
de contraprova únicos dados que nos poderiam de-
cidir pelo valor real desses beneficios?
como se verá, nas paginas seguintes,o pode-
remos indicar senão vantagens prováveis.
Em sã consciência, creio que a introducção da
maior parte das reformas propostas produziriam van-
tagens reaes. Em rigor, porem, a experiencia é in-
dispensável, para que ellas sejam verificadas.
o nos é possível, evidentemente, examinar e
discutir aqui tudo o que da Psychologia se pode tirar
para o progresso da educação. Dez volumes, e alen-
tados,o bastariam a uma tal empresa. Devemo-nos
cingir em indicar as diversas categorias de beneficios
que a Psychologia está em estado de suggerir á pra-
tica escolar, illustrando-as com alguns exemplos.
A' Psychologiao cabe propor os fins últimos da
educação. Será ella, no emtanto, que informará o edu-
ED. CLAPARÈDE
cador sobre os melhores meios para attingir esses fins.
Ademais, a Psychologia poderá ajudar a definil-os, de-
monstrando o que é possível alcançar dentro das leis
do desenvolvimento mental, e o que é chimerico e vão.
O que a Psychologia ensina, antes de tudo, ao
educador, é que, se elle quizerr coroados de
êxito os seus esforços, deve subordinar toda a edu-
cação á natureza particular da criança. Porque de
nada adianta querer ir contra as leis naturaes. Mesmo
nos casos em que se queira modificar a natureza,
é preciso ter em conta as suas leis, postas a trabalhar
no sentido de nossos desejos. como já se disse,
muito expressivamente,o se governa a natureza
senão prestando-lhe obediencia.
A Pedagogia deve, pois, partir da criança. A
escola para a criança e não mais a criança para a
escola, o methodo e o programma gravitando ao redor
da criança, eo mais a criança torturada em torno
de um programma abstracto tal é a revolução « co-
pernicíana » (como justamente já foi chamada) e para
a qual a Psychologia moderna convida o educador.
A Psychologia ministra ao professor suggestões
diversas, que podem ser catalogadas em tres capí-
tulos principaes: umas interessam á comprehensão
do proprio espirito, sobre a função da educação e do
ensino: outraso relativas á technica educativa;
outras, emfim,o concernem nem ao espirito nem á
technica, mas somente aos processos auxiliares de que
o mestre poderá fazer uso na classe, para compara-
ção dos resultados, verificação do rendimento escolar,
apreciação dos alumnos, etc.
Digamos desde logo algumas palavras sobre a
distinção das duas primeiras categorias, entre as
quaes nem sempre é possivel traçar uma linha de
demarcação absoluta, mesmo porque uma se apoia
na outra:
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
Toda e qualquer operação de espirito pode ser
encarada de dois pontos de vista distintos: 1) o
ponto de vista de sua utilidade para o individuo
que o executa, de seu papel na vida, numa palavra,
de sua função; 2) c ponto de vista de seu mecanismo,
de sua technica. 0 ponto de vista funcional nos
leva a pesquisar «porque» um individuo age desta
ou daquella maneira; o ponto de vista technico se
refere ao « como » de sua actividade.
A distinção clara destes dois pontos de vista é
um dos grandes resultados da Psychologia contem-
poranea.
Veremos a seguir as vantagens que delia pôde ti-
rar, directamente, a Pedagogia.
CAPITULO I
Transformação do regimen escolar quanto ao
seu proprio espírito. Conceito funcio-
nal da educação.
Para que se educam as crianças ?
Evidentemente, para que estejam em condições,
mais tarde, de orientar de modo perfeito sua conducta.
Isto é, para que possam ajustar,o adequadamente
quanto possível, seus actos á realisação de seus de-
sejos. A intelligencia só tem valor como instrumento
da actividade humana; e os conhecimentos, com que
a mente se nutre,o valem também senão pela
maior ou menor interferencia que possam ter em
nossa conducta.
Corno se, a significação, a função de uma
operação psychica é a de servir de traço de união,
de ponte, entre o desejo e a acção.
Só quando se ache enquadrada nesse complexo,
formando um todo, uma unidade psychologica, é que
desempenha seu papel natural.
Assim como o pulmãoo pode funcionar, nor-
malmente, seo estiver em communicação, por um
lado com o oxygenio do ar, e de outro, com o sangue,
assim também a intelligenciao pode desempenhar a
função regular que lhe é propria seo relacionar
o desejo com o acto — o ponto de partida com o
ponto de chegada.
Ora, na escola actual, considera-se habitualmente
a intelligencia de todo em todo fora de sua contextura
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
vital. Faz-se trabalhar a criança sem se ter des-
pertado nella, previamente, o desejo do trabalho que
realisa.
Rousseau já havia notado esse profundo erro psy-
chologies que tende a privar a actividade de seu
motor natural. « O interesse presente, dizia elle,
eis o grande movei, o unico que conduz longe e se-
guramente!» «Queréis que a criança procure a media
proporcional entre duas linhas? Fazei de modo que
ella tenha necessidade de achar um quadrado igual
a um rectangulo dado...»
E John Dewey, o eminente pedagogista americano,
insiste com razão no que de degradante representa
o trabalho escolar assim concebido, pois corta em
duas partes a personalidade, quando justamente á
escola deveria caber a formação integral e harmonica
do individuo. « Desde que se separa a actividade do
interesse observa Dewey cria-se uma luta entre
os dois polos da actividade. Formam-se hábitos me-
cánicos, visiveis pela actividade externa, mas de onde
se acha ausente a actividade psychica creadora. Nada
valem, portanto, do ponto de vista educativo. In-
teriormente criam a vagabundagem mental, uma suc-
cessão de idéas sem objecto, porqueo convergem
para uma actividade definida» (
1
).
o será necessario demonstrar aqui que o tra-
balho escolar communio corresponde, na criança,
á realisação de nenhum desejo intimo, de nenhuma
necessidade de ordem pratica ou intellectual. Se o
trabalho estivesse em correlação com o interesse, a
escolao teria tido a necessidade, que teve, de
estabelecer no decurso dos séculos, todo esse arse-
nal de meios de coerção (disciplina, castigos,s
notas, etc.) que servem, precisamente, de succedaneo;;
(1) DEWEY, L'école et l'enfant (Neuchâtel, 1918).
2 ED. CLARAPARÈDE — A Escola a Psychologia Experimental.
ED. CLAPARÈDE
ã esse interesse ausente. E' evidente que a esta per-
gunta : « Que é que determina o trabalho dos escola-
res?» uma unica resposta surge: os programmas dos
exames. A criança trabalha, assim, para a escola,
o para ella.
Perguntar-se-á, porem : « como pode a criança
trabalhar para ella? A criançao tem nenhum in-
teresse natural para o trabalho; fundar seu trabalho
no proprio desejo de trabalhar eqüivaleria ao tra-
balhar, em absoluto, ao fazer nada...» E' essa a
objecção commum levantada contra a noção necessa-
ria da educação funcional.
No emtanto, a psychologia demonstra ser falsa
uma tal affirmação.o ha duvida em que o alumno
o ama o trabalho que o aborrece! Mas, o trabalho
que o aborrece é justamente aquelle queo respon-
de a nada, aquelle queo é ditado ou conduzido
por nenhum interesse. A criança é umr activo por
excellencia: bastará guiar a sua actividade, canali-
sal-a habilmente, relacional-a com um interesse ou
necessidade natural.
Ha quem imagine, bem o sei, que isso seja
irrealisavel na escola. Num estudo, aliás interessante
noutros pontos, Aug. Schmid declara que a escola
o pode realisar a educação do trabalho,o pode
ensinar o trabalho (
1
). A escola estaria, a este res-
peito, em manifesta inferioridade quanto á vida real:
os moveis da actividade sóo suscitados pela vida
real. Meio artificial sem relação directa com a vida, a
escolao pode produzir moveis de acção. «Apren-
demoso para a escola, mas para a vida é
uma phrase, diz o autor, queo possue sentido al-
gum para as crianças. Os fins da educaçãooo
jamais sentidos pelos discípulos como necessários».
(1) SCHMID. Schule und Arbeitsproblem (Zurich, 1912).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
E termina dizendo que só o trabalho em casa (jardi-
nagem, criação de animaes, etc.) será capaz de en-
sinar o trabalho á criança; e que essas actividades
seriam as únicas possíveis e imagináveis numa Ar-
beitschule, ou seja numa « escola do trabalho », que
assim teria um typo inefficiente.
Num ponto, estou completamente de accordo com
Schmid: é quando diz que os fins do educadoro
apparecem ás crianças como urna necessidade inti-
ma.o posso subscrever, no emtanto, as demais
conclusões negativas de seu estudo. Creio que é pos-
sível introduzir, na escola, os moveis de acção pró-
prios á determinação do trabalho.
O pessimismo do autor provém do facto deo
ter tomado em conta, de modo completo, os ensina-
mentos de psychologia infantil.
A psychologia demonstra, com effeito, a conside-
rável importancia do jogo, do brinquedo, na vida
da criança. Ella nos ensina que o jogo preenche, no
espirito infantil, a função que, no adulto, se deve
habitualmente ao trabalho. As noções de obrigação
moral, de dever, de necessidade social, de necessidade
material, queo existem na criança, estão nella
substituidas pela função do jogo. Do instincto de
brincar é que a criança deve extrahir as energias
que o instincto de conservação social offerece ao
adulto.
Ao collocar o amor do jogo ou a tendencia do
jogo, na alma da criança, a natureza a armou admi-
ravelmente contra sua propria incapacidade de in-
teressar-se pelas realidades da vida. Schmid tem ra-
o quando diz que nunca se poderão introduzir na
escola os mesmos moveis que constituem os manan -
ciaes da actividade, na vida real; mas elle esquece
que, com o jogo, se pode substituir vantajosamente
essa impossibilidade e fornecer aos alumnos verda-
ED. CLAPARÈDE
denos impulsos á acçào, mais poderosos até de que
os que o trabalho é capaz de determinar, na maioria
dos adultos.
Bem sei que, quando se trata de fazer do jogo o
fundamento de toda a actividade escolar, provoca-se
logo um verdadeiro alarme, mesmo em nossas mais
adiantadas democracias, naquellas que se prezam de
liberaes (1).
« As escolas se fizeram para trabalhar,o para
brincar!» exclamam todos.
Será bem assim? A meu vêr, as escolas foram
feitas, ou deveriam ser feitas para desenvolver a
criança, para desenvolvel-a do melhor modo possível
dando-se a esta palavra desenvolver o seu mais
amplo sentido.
Dizer que as escolas foram feitas para o tra-
balho, dando ao termo o sentido de trabalho escolar
habitual, é resolver a pergunta pela pergunta, ou
seja commetter uma petição de principio. Porque o
que se quer saber é, exactamente, se o jogo pode
ser uma conveniente introducção ao trabalho.
A natureza nos mostra que, para chegar a um
certo grau de desenvolvimento, o organismo deve pas-
sar previamente por estadios que parecem contradicto-
rios; taes estadioso indispensáveis, porem. Assim.
para que uma criança chegue ao grau de desenvol-
vimento em que possa mastigar carne, é necessario
que passe pelo estadio de alimentar-se exclusiva-
mente com leite. Se começarmos por dar carne á
criança, desde o seu nascimento, sob o pretexto de
que é necessario educal-a para a mastigação, imme-
diatamente apparecerão nella manifestações patholo-
(1) Binon, num artigo ao «Educateur» (dezembro de 1923), procurou
combater de modo radical as idéas de Claparède sobre a influencia edu-
cativa do jogo. A esse trabalho respondeu Claparède, no «Annuario da
Instrucção Publica da Suissa», vol. de 1925, de modo brilhantíssimo.
(Nota do traductor).
A ESCOLA E. A PSYCHOLOGlA
gicas que a levarão á morte, muito antes de que
lhes saiam os dentes. Do mesmo modo, é gatinhando
que a criança se prepara para andar; quando se
pretende saltar esta phase, ensaiando-se o bebé a
andar antes da hora, o resultado é contraproducen-
te: deformam-se as pernas da criança e perde-se o
tempo...
o será nenhum absurdo, pois, imaginar que o
jogo possa ser uma etapa indispensável para acquisi-
ção do interesse pelo traballio. E a observação de-
monstra que o é, effectivamente.o ha, ademais,
nenhuma opposição radical entre o jogo e o trabalho,
como suppõe a pedagogia tradicional.
« Sem approximar de algum modo o trabalho ao
jogo (diz BOUTROUX)o se pode começar por per-
guntar se a opposição que estabelecemos entre elles é
cabivel? Essa opposição era professada entre os ro-
manos, povo serio, sem duvida, mas brutal e gros-
seiro em seus jogos, como rigido e inflexivel na
pratica do dever. De um lado, coacção violenta; de
outro, relaxamento sem freio. Deve ser esse o ideal
da vida humana? Os gregoso concebiam desse mo-
do nem o jogo nem o trabalho. Para elles, os jogos
eram nobres e regulados, e o trabalho conservava
graça e facilidade... Porqueo de ser oppostos tra-
balho e jogo? » (
1
).
Notemos, de passagem, que a palavra scole, de
onde tiramoss a palavra escola, significava ocio,
para os gregos. E, ainda para os latinos, Indus desi-
gnava tanto jogo, brinquedo, como escola; o ludi ma-
gister, o mestre do jogo, era o mestre da escola.
Foi sob a influencia de um christianismo mal com-
prehendido, que condemnava toda alegria como vicio,
que se começou a depreciar a noção do jogo, op-
(1) BOUTROUX, Questioni de morale et d'éducation, Paris.
ED. CLAPARÈDE
posta depois, pouco a pouco, a de trabalho. Dessa
concepção medieval, soffremos ainda hoje tristes con-
seqüências.
Sem embargo, a obra magistral de KARL GROOS,
sobre os jogos dos animaes e dos homens, salientou
o considerável papel reservado ao jogo na formação
do individuo e na evolução da especie; outros tra-
balhos recentesm contribuido para esclarecer essa
importante função, danteso suspeitada(
1
).
A' luz desses estudos, verifica-se que o jogoo
se distingue essencialmente do trabalho. Ha, sem du-
vida, entre certas especies de jogo e de trabalho,
uma distancia considerável; mas, por outro lado, en-
contram-se intermediarias entre uma e outra dessas
formas de actividade e, de tal modo, que se pode pas-
sar do jogo ao trabalho por uma gradação insensível.
Se se quizer que a criançao se desoriente, na
attitude de trabalho que a escola lhe impõe, será
necessario introduzir pouco a pouco no exercicio do
jogo, certos elementos próprios do trabalho serio. Isso
é o que se faz, de um modo amplo, nos jardins de
infancia. Essa pratica cessa, porem, na escola prima-
ria, quando conviria continual-a por muito tempo
ainda.o se obtém da curiosidade innata da criança,
que tanto se approxima do jogo, tudo quanto delia
se poderia colher. Mesmo na escola secundaria, po-
der-se-ia explorar com proveito a tendencia ao jogo,
o só como simples estimulo ao trabalho, mas tam-
m como condição capaz de dar ao trabalho o seu
valor humano e profundo. Porque, repito-o, o trabalho
escolaro apresenta um objectivo immediato que
tenha sentido aos olhos do alumno. Só o jogo pode
(
1
) KARL GROOS, Spiele der Tiere, 1896; Spiele der Menschem,
1899. Ver também 03 trabalhos de Stratchan, Fiske, Hall, Carr, Appleton,
Fanciulli, etc. como resumo desses trabalhos, pode-se ver o livro de CLA-
PARÈDB «Psychologie de l'enfant et Pédagogie expérimentale*, Kundig,
Genève. (Nota do trad).
Verifica-se, assim, que precioso concurso traz a
psychologia á pedagogia, permittindo-lhe livrar-se de
uma das mais acerbas criticas que tem recebido.
Resta saber como teremos que proceder para in-
troduzir, no trabalho escolar, os elementos do jogo
que o vivifiquem.o me posso extender, aqui, sobre
os problemas de applicação, que ultrapassam os li-
mites deste ensaio. A psychologia nos ensina o ca-
minho: os technicos devem adaptar sua pratica ás
exigencias da theoria, na medida da habilidade e do
engenho de que dispuzerem.
Direi somente, para exemplificar, que a escola
o tem tirado ainda o proveito que podia de uma
forma de jogo capaz de produzir grandes esforços de
trabalho, e que teria, por outro lado, o merito de des-
envolver as tendencias sociaes da criança, habituan-
do-as a uma collaboração intelligente e fecunda. Essa
forma de jogo é a representação théâtral, sob os seus
mais deversos aspectos: comedia, pantomima, quadros
vivos, João-minhoca, sombras chinezas, etc. E' ver-
dade que os alumnos das nossas escolas organisam
representações, algumas vezes; fazem-no, porem, fora
do programma, fora da vida escolar propriamente
dita, como se estivessem roubando tempo ás suas
obrigações; e, em qualquer hypothèse,o podem
consagrar a essas manifestações de actividade todo
tempo e amplitude que lhes dariam maior valor edu-
cativo.
Chamo a attenção para os beneficios que uma
actividade desse genero poderia produzir na escola,
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
emprestar-lhe essa significação, de que carece, re-
lacionando-o com um objectivo ficticio, accessivel ao
espirito infantil.
ED. CLAPARÈDE
desde que suscitasse uma serie de problemas techni-
cos, literarios, artísticos e históricos, para serem di-
rectamente resolvidos pelo engenho dos alumnos.
como applicação ao estudo da lingua materna,
quero citar um interessante processo imaginado pela
senhorita TH. PITTARD, professora de uma escola
secundaria feminina de Genebra (
1
). Pede-se aos alum-
nos que descrevam,o exactamente quanto possível,
mas sem designação do nome, um objecto de uso com-
muni, collocado diante delles.
Terminada a descripção, distribuem-se as folhas
que a contêm, aos alumnos de uma outra classe, que
o tenham visto o objecto, thema do exercício es-
cripto. Dá-se a este novo grupo de alumnos, o en-
cargo de desenhar o objecto descripto por seus col-
legas, seguindo simplesmente as indicações contidas
nos exercícios que lheo confiados. Cada desenho
retratará uma descripção particular. Devolvem-se, de-
pois, aos respectivos autores, a folha escripta junta-
mente com o desenho que o inspirou, e cada um dél-
ies pode perceber, claramente, as differenças exis-
tentes entre o objecto real e o objecto que sua des-
cripção evoca em quem a. Este exercício, que
diverte muito aos alumnos, é dos mais instructivos.
Demonstra palpavelmente, a cada um, a utilidade
pratica da precisão do estylo, da escolha de palavra
propria, da observação justa, etc.
Repeti, pessoalmente, esta experiencia numa clas-
se de meninas, entre treze e quatorze annos. 0 ob-
jecto a descrever era um candelabro de cobre, de
estylo antigo.
Transcrevo abaixo duas das descripções a que
deu motivo:
(1) PITTARD Pour enseigner à décrire, intermediarie des Educa-
teurs » Genève, 1912.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
«Este objecto é formado por um tubo
vasio; no alto se encontra uma superficie
furada no meio, que tem a mesma dimen-
o que a circumferencia do tubo; em bai-
xo se encontra uma especie de taça tam-
m fixada ao tubo, e este tubo é termi-
nado por um cone truncado. »
«E' um objecto de cobre, amarello; na
liase, vae-se alargando, e é achatado em
baixo, para poder ficar de, em equili-
brio. uma pequena travessa, no meio, sus-
tenta uma cubasinha para receber alguma
coisa. No alto, tem a forma de um funil -
zinho. »
Pode-se imaginar em quanto ficam longe da rea-
lidade os desenhos executados, conforme descripções
assim defeituosas!
Todos os professores podem verifical-o, repetin-
do a experiencia, que se prestará como ponto de
partida para um curso completo de composição e
estylo.
Ao envez de partir da grammatica, parte-se da
vida, e os alumnos comprehendem, desse modo, que
a qualidade de estylo e de vocabularioo tem por
fim somente a obtenção de boas notas no fim do mez,
mas que é indispensável a quem deseja transmittir
aos outros, por meio de palavras, imagens precisas,
correspondentes ao seu pensamento.
A grammatica perde assim, desde logo, a feição
de inimiga ou de despota implacável, para surgir
como auxiliar dos nossos desejos e dos nossos inte-
resses.
ED. CLAPARÈDE
Já o havia dito Rousseau : « Que extravagante
proposito o de exercitar as crianças a falar sem ter
nada que dizer; acreditar que se lhes faz sentir,
nos bancos do collegio, a energia da linguagem das
paixões, e toda a força da arte de persuadir a alguém !
Pretendem formar-nos para a sociedade, e nos
ensinam como se cada um des devesse passar
a vida a pensar somente na sua céla ou a tratar de
assumptos no ar, indifférentes».
Aliás, desde que toquei neste assumpto, devo
dizer que as grammaticas deveriam ser completa-
mente refundidas, ou recompostas, de um ponto de
vista funcional. Ellas conservam ainda hoje um typo
dogmatico, insupportavel. E por isso mesmo, a lin-
guagem que deveriam apresentar como instrumento
de acção, apparece nellas como uma camisola de for-
ça, destinada a embaraçar a expressão do pensamento,
ao envez de servil-o. O «Methodo de lingua fran-
ceza», de BRUNOT, ultimamente publicado, surgiu como feliz
innovação. Esse autor procurou, por exemplo,
grupar as palavraso pelas categorias lógicas ou
grammaticaes, mas de accordo com a sua função
no pensamento, isto é, de accordo com as necessida-
des da expressão (
1
).
A meu vêr, porem, Brunot sacrificou em muito
ainda, á rotina, os planos de seu trabalho. como
já tivemos occasião de vêr, a pedagogia está pouco
habituada a revoluções; e se Brunot tivesse proce-
dido de outro modo, talvez os seus livroso en-
contrassem um só comprador...
Muito haveria que dizer sobre a applicação da
psychologia funcional á pratica escolar.
oo somente os processos de ensino, mas os
(1) CLAPARÈDE, Une méthode functionelle d'enseignement de Ia
lingue, 1913.
A ESCOLA. E A PSYCHOLOGIA
próprios programmas e objectivos da escola que ella
está fadada a transformar. Limito-me a apontar aqui
os programmas funcionaes, compostos por Dewey,
Baden-Powell, Irving King, 0' Shea, Hall, Kerchens-
teiner e Ferrière (
1
).
(1) DEWEY School and Society, 1899, e L'école et l'enfant: BA-
DEN-POWELL Eclaireurs, Neufchátel, 1913; KING, Education for social effi-
ciency, New York, 1913; O'SHEA, Social development and education,
Boston, 1909; STANLEY HALL, Educational problems, New York, 1911;
KERCHENSTEINER. Der Begriff der staatsbürgerlichen Erzichung. 1911; AD.
FERRIÈRE, Biogenetik und Àrbeitschule, 1912, Fondements psychologiques
d'école du travail, «Revue psychol.», junho, 1914, e L'école active, Genè-
ve; HERRERO, La escitela del trabajo, Madrid, 1923; CLAPARÈDB, Psycho-
logie de l'école active, «Interm. dea Educ. », déc, 1923; J. MALLART, La
educación activa, Barcelona, 1925; L. LUZURRIAGA, Escuelas activa, Ma-
drid, 1925.
Para uma visão geral dos novos programmas e das novas technicas,
V. o volume desta coillecção Introducão ao estudo da escola nova.
CAPÍTULO II
Contribuição á technica escolar
1) Mecanismos psychicos estudados em si
mesmos. 2) Mecanismos das operações mais
complexas. 3) Differenças individuaes, typos
mentaes. 4) O desenvolvimento mental e a
idade. 5)0 sexo. 6) Factores diversos. -
7) A fadiga. 8) A influencia collectiva.
9) Alterações pathologicas. 10) Emoções.--
11) O exercício: a cultura formal. —12) A
personalidade do educador.
Dado um interesse, um desejo que se tenha de
despertar no espirito do alumno, quaes serão os me-
lhores meios, a melhor technica para alcançal-o?
Ninguém contesta que a escola terá vantagens
em descobrir e applicar a melhor technica possível,
de modo a obter, por ella, a maior efficacia de sua
tarefa educativa. Assim como numa fabrica se pro-
curam os processos capazes do maior rendimento
industrial, e do melhor aproveitamento dos residuos,
assim também, na escola, se deve ter em conta a
mesma necessidade de efficiencia. E' forçoso procurar
o systema de trabalho que evite todo desperdicio de
tempo e de energia, e que, ao mesmo tempo, permitta
obter, com a maior economia possível, os melhores
resultados.
Para realisar esse ideal de boa technica, faz-se
necessario conhecer os mecanismos psychicos sobre
que o trabalho escolar repousa, porquanto delles é
que se tem de tirar o maior proveito possível, cui-
dando-se, como é natural, de sua perfeita formação
e desenvolvimento. Ora, é evidente que só o estudo
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
do espirito do alumno poderá dar-nos a base technica
que procuramos.
Teríamos, pois, que examinar todos os estudos
de Psychologia Experimental, que tenham contribuido
para mais perfeita informação das funções mentaes
implícitas no trabalho escolar, e mais, os diversos
factores que as podem modificar. Comprehende-se
que issoo caberia no limitado espaço deste estudo;
sou forçado a offerecer, aqui, apenas uma orientação
geral, fornecendo uma vista de conjunto dos diver-
sos gêneros que a experimentação dos psychologos
traz á didáctica e á pratica escolar.
A Psychologia tem estudado os mecanismos psy-
chicos em si mesmos (por exemplo: a memoria, a
imaginação, etc.) ou em suas variedades indiduaes,
apreciando as variações na idade, no sexo, ou em
outras circumstancias determinadas, como a epoca
do anno, os estados de fadiga, etc. Tem estudado
também as modificações que as funções psychicas
podem soffrer sob a variação de influencias sociaes
diversas, sob a influencia pessoal deste ou daquelle
mestre, ou sob a influencia de um estado morbido.
Por fim, quando mais directamente applicada á pe-
dagogia, tem estudado as funções do espirito nas
suas relações com a aprendizagem ou exercício sys-
tematico.
Podemos resumir essas différentes orientações de
estudo, no seguinte quadro:
Mecanismos psychicos estudados:
1. Em si mesmos (memoria, sensibilidade, von-
tade, etc).
2. com relação a operações psychicas mais com-
plexas (leitura, calculo, etc).
ED. CLAPARÈDE
3. Segundo as variações individuaes (psycholo-
gia individual: subnormaes, super normaes).
4. Segundo a idade e as phases de desenvol-
vimento.
5. Segundo o sexo.
6. Segundo factores externos diversos (estações
do anno, horas do dia, variações meteorológicas).
7. Sob a influencia da fadiga.
8. Sob a influencia da psychologia collectiva.
9. Nos seus desvios ou alterações pathologicas.
10. Sob a influencia da disposição de momento,
disposições affectivas, etc. (temor do exame, etc.)
11. Sob a influencia da cultura methodica, exer-
cício, etc.
12. Sob a influencia de tal ou qual pessoa que
dirige o ensino (individualidade do mestre).
§ 1) Mecanismos estudados em si mesmos
Tomemos como exemplo a memoria, cujo empre-
go na escola é indispensável.
A escola tem que tratar com a memoria de duas
maneiras ligeiramente diversas: quando se serve della
para instruir o alumno, e quando procura exercital-a,
para desenvolvel-a. Num e noutro caso, deve basear
seus processos na psychologia da memoria.
A) como se tirará melhor partido da memo-
ria? Quaes os processos mais vantajosos de memo-
risação ?
Para recordar é necessario repetir; mas depois
das experiencias de Jost, de Steffens, de Larguier des
Bancels, ficou provado que as repetiçõesm uma
influencia tanto maior sobre a fixação das imagens
quanto mais espaçadas sejam (
1
), e que mais vale,
quando se aprende uma poesia, por exemplo, lel-a
varias vezes do principio ao firn {processo global)
do que' começar por aprender dois ou tres versos,
para passar aos outros em seguida, e assim successi-
vamente {processo fragmentario).
Apezar destas experiencias terem sido feitas ha
mais de vinte annos (
2
), nenhuma escola, que eu saiba,
tirou dellas proveito directo. A superioridade do pro-
cesso global foi, no emtanto, comprovada e verifi-
cada numa classe escolar, de alumnos de dez annos,
'pelo professor G. Neumann, em Kiel. Este professor
assim resumiu as conclusões de suas experiencias:
«0 processo global demonstrou ser muito mais eco-
nomico que o fragmentario. A vantagem é ainda
maior quando a recitação se dáo immediatamente
depois da fixação, mas alguns dias depois».
Para que a memorisação produza todos os seus
effeitos, é necessario proceder de modo a evitar as
inhibicões, de diversas especies, que podem servir
de obstáculos aos resultados obtidos, ou mesmo des-
truil-os por completo. As experiencias de laboratorio
permittiram assignalar dois gêneros de inhibições pre-
judiciaes á memoria: a inhibição de formação e a
inhibição retroactiva. O estudo de ambas possue sen-
sível valor pratico.
Se se associa uma determinada imagem, A, a um
determinado grupo de outras, B, e se se quizer imme-
diatamente associar a mesma imagem A, a um outro
grupo, C, verifica-se que esta segunda associação é
muito mais difficil de dar-se. 0 facto de A pertencer
já ao grupo B, torna mais difficil a sua associação
(1) Até um limite, que pode ser estabelecido empiricamente para
cada individuo. V. a proposito o I volume desta collecção, « Psychologia
Experimental » de Henri Piéron, pg. 63.
(2)
LABGUIER
DES
BANCELS.
Méthodes de mémorisation, An. ps.,
1904.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPAREDE
ã urn novo nucleo ou systema. Isso explica porque,
quando se tenha contrahido um mau habito, é mais
diffidi nos desfazermos delle do que estabelecer um
novo. Evitar-se-á, assim, ensinar varios alphabetos
différentes simultaneamente, por exemplo, o alpha-
beto latino e o alphabeto allemão (gothico). O facto
de associar um mesmo som a dois systemas différen-
tes de signaes ópticos enfraquece as duas associações.
E' a inhibição de formação (inhibição significa entor-
pecimento, suspensão, detenção).
A outra especie de inhibição é a inhibição re-
troactiva. Tem-se verificado que quando se ensina
uma coisa immediatamente depois de outra, este novo
estudo enfraquece o anterior, causando um prejuízo
retrospectivo. Disso se conclue que, depois de haver
ensinado alguma coisa aos alumnos, é forçoso deixar
descansar o cerebro antes de pretender dar-lhe novas
noções; com isso, a noção anterior tem tempo de, fi-
xar-se e organisar-se.
Os recreios assumem, deste ponto de vista, uma
nova significação; de facto, o seu papelo é só o de
proporcionar descanso, mas também o de prover a
um melhor trabalho de fixação e organisação da me-
moria. Assim como depois de se derramar certa por-
ção de agua, numa pista de patinação, é preciso deixar
que ella se congele, antes de introduzir nova camada
de liquido, assim também temos que dar tempo ás
nossas lembranças para que ellas possam «segurar-
se», antes de juntarmos nova porção.
As lições que se seguem, sem interrupção,o
o favoráveis a um trabalho óptimo de fixação. O
que se aprende de 9 a 9 1/2 por exemplo, age desfa-
voravelmente sobre a conservação das acquisições
feitas no decorrer da meia hora precedente.
Outro factor, que augmenta a rapidez e os-
feitos da memorisação, é a recitação.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
Experiencias realizadas em meu laboratorio (
1
)
demonstram que, quando se deve aprender uma serie
de palavras, por exemplo, ella é retida muito mais
rapidamente se se interrompem as leituras seguidas
com tentativas de recitação. Tentar recitar uma poe-
sia, mesmo se ellao está bem sabida ainda (sob
condição de ir consultando o livro, quando a me-
moria faltar, para queo se fixem erros) é um
processo de estudo bastante favorável e que pode
dar lugar a pesquisas muito úteis á didáctica.
Experiencias recentes (
2
) vieram provar que ha
enorme superioridade por parte das associações es-
pontaneas, do ponto de vista de seu valor de fixação
na memoria, sobre as associações provocadas. Desde
que uma connexão se estabeleça por si mesma, entre
duas idéas, ou entre duas palavras, retem-se muito
melhor a associação assim creada de que outra rece-
bida feita. Achei, por exemplo, em certo caso, que só
51 o/o das associações intencionaes eram reproduzidas
com exactidão, ao passo que, para as associações es-
pontaneas, a porcentagem subia a 87. Noutras series
de experiencias, as associações espontaneas deram
o dobro do resultado das impostas. Conclusão di-
dáctica : cada vez que isso seja possivel, deixemos que
o proprio alumno encontre a connexão que desejamos
que elle fixe, para recordação posterior; a criança
terá, assim, dupla probabilidade de fixar e recordar.
Outras experiencias ilustram a fragilidade de
memoria de fixação. Ouvi dizer, certa vez, a um pe-
dagogo que, se é certo que os escolares esquecem tres
quartas partes do que se lhes ensina, devemos en-
sinar então o maior numero de coisas possiveis; desso
(1) KATZAROFF, Exp. sur le rôle de la recitation comme facteur de
la mémornation (Archives de Psychologie, Genève, Kundig, 1908).
(2) Exp. sur la mémoire des associations spontanées (Archives de
Psychologie, XV, 1915).
3 ED. CLAPARÈDE A Escola e a Psychologia Experimental.
modo, ficando só a quarta parte, ainda ficaria muita
coisa...o pode haver modo menos razoável de
apreciar o caso. E' como se disséssemos: se um es-
tomago delicado rejeita uma parte do que se lhe,
será. necessario atulhal-o de alimento, afim de au-
gmentar a porção que elle é capaz de assimilar. A
observação nos mostra que, com effeito, se se ul-
trapassa o limite de absorpção da memória, nada
nella se fixa. Se a carga é excessiva, todo o barco se
afunda.
Recommendo, a proposito, experimentação fácil
de fazer-se: lede aos alumnos uma serie de tres
cifras, pronunciando-as a razão de uma por segundo
e, assim que tiverdes terminado a leitura, fazei-os re-
petir por escripto a serie ouvida. Todos poderão re-
produzil-a. Se augmentardes, porem, o numero de
cifras, chegareis rapidamente a um máximo que diffi-
cilmente será ultrapassado. Os adultos repelem fa-
cilmente sete cifras e muito difficilmente oito. Quando
se experimenta comsigo mesmo, verifica-se claramente
o effeito desastroso deste ultimo algarismo: é como
um ultimo naipe que se junta a um castello de car-
tas e que derruba tudo...
O limite medio para as crianças de sete a nove
annos é o de cinco cifras; o dos dez aos quinze
annos, seis cifras.
Esse limite varia ainda com a velocidade com que
os algarismoso lidos; e se a leitura se dá rythmi-
camente a memorisação é mais fácil. Esta experien-
cia merece ser realisada;o dura mais do que
um ou dois minutos e é interessante, tanto para o
mestre como para o alumno. Ella demonstra como sao
estreitos os limites de nossa memoria immediata,
servindo de illustração ao conhecido proverbio que
diz : « Quem muito abarca pouco segura ». Proverbio
ED. CLAPARÈDE
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
esquecido nos programmas encyclopedicos de nossas
escolas, em todos os seus graus...
Apezar de tudo, o poder de fixação da memoria
pode ser consideravelmente augmentado. Basta, para
isso, que os assumptos a aprender formem um todo,
estejem associados entre si ou correspondam a um
conceito geral que os domine e englobe.
Será muito difficil repetir, depois de uma unica
audição, a seguinte serie, por exemplo: 45, 27, 65,
34, 89, 15, 78, 23, 56, 95.
Se, porem, ao envez desses dez números digo
estes: 15, 20, 25, 30, 35, 40, etc, poder-se-ão repetir
tantos quantos se quizerem. O sentido, a significação
facilita a memoria em proporção considerável. E o
professor estará sempre seguro de que o que ensina,
para memorisar, foi bem comprehendido?
Consultando minhas recordações de infancia, ve-
rifico que tive de aprender muitas lições sem as ha-
ver comprehendido bem.
Porque a criança, cuja memoria é naturalmente
o boa, esquece emo grande proporção o que se
lhes ensinou na escola?o será justamente porque
se violaram as leis da memorisação? Reflictam so-
bre isto os professores.
Citaremos, emfim, a associação, como meio de
favorecer a memorisação. Estabelecer, entre os di-
versos conhecimentos uma rede de associações, é o
meio mais racional, para fixal-os na intelligencia.
Poder-se-ia crear, na escola, sem duvida alguma, con-
nexões associativas mais geraes e profundas, entre os
diversos ramos do ensino; esses ramos deviam apoiar-
se e suster-se reciprocamente.
Quando eu frequentava o gymnasio, o programma
ED. CLAPARÈDE
se compunha de uma dúzia de materias, ensinadas
por uma dezena de professores, que se ignoravam
uns aos outros e que caminhavam no ensino sem
nenhuma organisação commum, corno seria necessario
para proveito dos alumnos. 0 resultado foi que, ao
envez de um edificio solidamente travado, o que
crearam em meu espirito foi apenas uma columnata,
muito mais frágil. Cada professor levantava a co-
lumna de sua materia, e algumas dessas columnas
chegavam a grande altura; diversas eram bastante
frágeis, precisamente as mais altas,..o me recordo,
porem, de que jamais se tenha tratado de estabelecer
entre todos esses pilares, algumas pontes, arcos e
abobadas que viessem assegurar a sua solidez. Ha-
veria também necessidade de levantar algumas dessas
columnas lado a lado, ao envez de fazel-as longe uma
da outra. Assim, a columna da historia da literatura
franceza fora erguida em lugar muito afastado do da
historia politica da França. Parecia-me que algumas
dessas columnas pertenciam a um universo diffe-
rente e que a Edade media da historia era outra Eda-
de media queo a da literatura... A tal ponto que,
se por casualidade, um personagem que eu tivesse
conhecido no estudo da literatura, fosse encontrado
de novo no curso de historia, custava-se represen-
tal-o como o mesmo individuo. Era possível imagi-
nar que uma mesma pedra pudesse pertencer, ao mes-
mo tempo, a duas columnas diversas,o distantes P
deo diversa altura,o apresentando nenhum ponto
de interseccão? Não; custava-me muito admittil-o, e
vendo-me na impossibilidade de fazer coincidir dois
momentoso distantes no tempo e no espaço, prefe-
ria duplicar esses personagens, a conceder-lhes o dom
da ubiqüidade... Recordo-me muito bem de que, para
mim, Carlos, o Temerario, que viamos apparecer de
vez em quando no quadro da historia suissa, era ai-
A ESCOLA E A PSYCHOLOG1A
guem absolutamente estranho ao duque do mesmo
nome e de que falava a historia de França. Porque
estas duas historias constituíam duas columnas dis-
tinctas...
Um caso especial de associação, como condição
para o sustentamento de lembranças, é a associação
entre imagens pertencentes a sentidos différentes:
imagens visiraes, motoras, auditivas, etc. Este pro-
blema se relaciona com o dos melhores processos
para a acquisição da orthographia, por exemplo. Para
ensinar a orthographia ás crianças, que vale mais:
fazel-as copiar as palavras, fazel-as pronunciar (em
voz alta ou baixa), ou mostral-as escriptas em um
cartaz, ou ainda empregar esses meios todos simulta-
neamente? Fizeram-se certo numero de experiencias
que serviram para demonstrar a superioridade da
collaboração das différentes memorias sensoriaes no
aprendizado da orthographia (
1
).
Entretanto, devem-se fazer novas experiencias
para comprovar certos pontos ainda duvidosos.
(1) BAUDKILLART E ROUSSEL, Exp. pédagogique) tur la mémoire de
l'orthographe (Bulletin Soc. pour l'étude de l'Enfant, 1902); MLLE.-
TEAL, Exp. scolaire eur la mémoire de l'ortographe (Archives de Psycho-
logie, VII, 1908).
B) Que pesquisas podem servir de base para
urna cultura da memoria?
Depois das celebres experiencias de WILLIAM
JAMES,o se pode mais admittir que a memoria
possa desenvolver-se simplesmente pelo exercicio, como um musculo que cresça e chegue mesmo á hy-
pertrophia, desde que esteja sempre em actividade.
JAMES demonstrou que a aptidão de mémorisaro
melhorava em nada depois de tres semanas de exer-
cícios diarios.
Deve ficar bem claro que essas lições de memo-
riao consistem na iniciação de nenhum systema de
« mnemotechnica », se bem que cada estudante possa
tirar proveito de certos trucs preconisados por essa
arte. Tratar-se-ia, nessas lições, convém repetil-o, de
convidar os alumnos a se íamiliarisarem com o typo
de sua memoria, considerada como um instrumento
de trabalho e de acção. Elles veriam notadamente
como se chega a reter melhor uma serie de coisas,
quando ellas possam ser objecto de uma representa-
ção unica, representação total que as comprehenda a
todas, como as partes de um bloco. Ensinar isso, seria
o só educar a memoria, mas educar ao mesmo
tempo toda a intelligencia, porque a intelligencia con-
siste principalmente no emprego de signaes, symbo-
los, noções geraes, como meio de économisâr as ex-
periencias concretas e abreviar, em consideráveis pro-
porções, o trabalho que seria necessário fazer sem
esse processo de abreviação.
Um simples exemplo, elucida o assumpto. Para
mémorisar a lista de palavras terminadas em ou
que tomam x, no plural, se fixará melhor a seguinte
historieta de que as sete palavras isoladas quem
causado o desespero de muitas gerações: «Mon chou,
mon bijou, viens sur mes genoux, avec tes joujoux,
et prends ce caillou, pour chasser ces hiboux que sont
pleins de poux» (
1
).
Porque fica mais fácil desse modo? Porque se
unifica uma multiplicidade de noções numa synthè-
se que constitue uma unidade psychologica ; tem-se
(1) Escrevendo em francez, o A. deu um exemplo dessa lingua, que
o pode ser traduzido. como exemplo, em portuguez, podemos citar a
chave de que os estudantes usam para fixar a ordem dos nervos cranea-
nos: (olfaetivo, óptico, motor ocular communi, pathetico, trigemio, motor
ocular externo, facial auditivo, glosso-pharingeo, pneumogastrico, spinal e
hypoglosso). A chave é esta: Olha o moço pateta, tremulo move a face
ouvindo o grosso pneumático espichado no hypoglosso».
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPAREDE
diante dos olhoso já sete coisas disparatadas (cou-
ve, jóia, joelhos, brinquedos, seixos, corvos e joelhos),
mas uma scena unica, a da mama que chama o
filhinho e oe em guarda contra os corvos. A
circumstancia de ser esta scena um tanto burlesca
augmenta a sua força de fixação. Se ella for desenha-
da no quadro negro, reduzir-se-á então a uma só re-
presentação visual, a um só quadro, que poderá ser
apreciado dum unico golpe de vista.
Ensinando deste modo aos alumnos, a resumir a
disparidade dos conhecimentos em eschemas, ou ima-
gens de conjunto, a escola prestar-lhes-ia assigna-
lado serviço.
Ha que se ter em conta, também as differenças
individuaes. Ha individuos pouco visuaes; para es-
tes, a presença de uma imagem é mais um embaraço
do que um auxilio. Tudo nos leva, assim, nas lições
de memoria, ao impor um determinado processo
de fixação, mas a ensinar as crianças a saber ex-
plorar por si mesmas a sua memoria.
Outras pessoaso podem pensar senão com o
auxilio de certas imagens mentaes eschematicas (dia-
grammas para os números, para a serie das estações,
para os dias da semana, etc).
Faz trinta annos, emprehendi entre os estudan-
tes de Genebra um inquérito sobre estes eschemas
visuaes, e também sobre a audição colorida.
FLOUR-
NOY publicou os resultados obtidos num livro muito
interessante (*) que poderia servir de ponto de par-
tida a novas observações de PSYCHOLOGIA escolar.
Que papel representam esses diagrammas, no
pensamento? Essas imagens fantásticas servem de
auxilio ou embaraçam? Deve-se incitar os individuos
(1) FLOURNOY. Des phenomènes de synopsie, Genève. 1893.
A ESCOLA E A PSYCHOLOG1A
predispostos a desenvolver essa visualisação ou, ao
contrario, aconselhar que se desprendam délias?
Tudo isso é ainda difficil de responder, por fal-
ta de observações sufficientes. De minha parte, con-
fesso que différentes diagranimas, intervém a cada
passo em meu pensamento, e tenho a impressão de
que elles me sao uteis.
Tem-se pretendido, no emtanto, que a disposição
a querer representar tudo visualmente seja, ás vezes,
um obstáculo ao pensamento abstracto, que se torna
pesado e difficil por isso. Em seu formoso livro
sobre «A theoria physica», o professor Duhem, de
Bórdeos, depois de examinar as theorias physicas dos
inglezes e francezes, observa esta ingerencia cons-
tante da visualisação, dos modelos mecânicos nos
physicos inglezes, e vê nisso a causa de inferiori-
dade das theorias inglezas.
Eis aqui, por exemplo, o que affirma o celebre
physico W. Tomson: «Não me considero satisfeito,
emquantoo possa construir um modelo mecânico
do assumpto que estudo; se logro conceber esse mo-
delo mecânico, comprehendo ; emquantoo o con-
sigo, nada comprehendo e é por isso mesmo queo
entendo a theoria electro-magnetica da luz ». E o pro-
fessor Duhem ajunta: «Onde quer que hajam ger-
minado, onde quer que se tenham desenvolvido, as
theorias mecânicas devem seu nascimento e seu pro-
gresso á debilidade da faculdade de abstrahir, á vi-
ctoria da imaginação sobre a razão... 0 emprego de
semelhantes modelos mecânicos ao envez de faci-
litar a comprehensão de uma theoria a um leitor
francez, em muitos casos, ao contrario, difficulta;
porque exige um serio esforço, a comprehensão de
funcionamento do apparelho, quasi sempre bastante
complicado, com que o autor inglez se propõe a
illustrar a theoria. Esse esforço é, a meúdo, muito
ED. CLAPAREDE
maior do que aquelle que o francez necessita para
comprehended em toda sua pureza, a theoria abstra-
cta que o modelo pretende encarnar. O inglez, ao
contrario, acha o uso do modeloo necessario para o
estudo da physica, que, para elle, a vista do mo-
delo acaba por confundir-se com a intelligencia mesma
da theoria».
Se reproduzi este trecho é porque elle possue
um duplo interesse pedagogico. De um lado, propõe
a questão de saber se verdadeiramente, como affirma
Duhem, a visualisação é um obstáculo á abstracção.
E, em todo caso, esse* obstáculoo deve sero pre-
judicial na pratica, poiso tem impedido que sa-
bios, como o proprio W. Tomson, façam descober-
tas geniaes.
Por outro lado, e isto é o que me parece mais
instructivo, a discussão de Duhem demonstra admi-
ravelmente quanto é diversa a technica individual
do pensamento e, dahi, a difficuldade de adaptar o
pensamento de um certo typo a outro distinto.
Tem a escola percebido essa diversidade de typos
mentaes ?
Conhece o professor sufficientemente a forma da
imaginação, da memoria de seus discípulos, eo
corre o risco de desanimal-os, impondo-lhes proces-
sos commodos para elle e para os que pensam seguir-
os mesmos processos, mas inaceitáveis para os de-
mais ?
Chabot propõe uma questão semelhante, depois
de uma serie de observações sobre as imagens men-
taes dos números, levadas a effeito nas escolas pu-
blicas de Lyon (
1
).
(1) CHABOT, Enquête sur les images mentales de nombre, Bull. Soc.
Psychol. Enfant, octobre, 1909.
A ESCOLA. E A PSYCHOLOGIA
«Onde quer que solicitemos ás crianças que pen-
sem números diz elle seja na arithmetica, no
calculo mental, ou ainda na geographia ou na histo-
ria, seria util saber como esses números se repre-
sentam a cada uma dellas e com que maior ou menor
facilidade cada um maneja taes representações. No
geral,o ha essa preoccupação : ora se ensina o
calculo mental, estimulando os alumnos simplesmente
a operar depressa e bem,o havendo o cuidado
senão dos resultados; ora se ensinam processos racio-
naes ou empíricos, que podemo ser commodos
senão para o espirito do mestre ou daquelles que
possuem identico typo.
Será precisoo ensinar processo algum para
o constranger ninguém a forçar ou a falsear sua
evolução natural, e deixar que cada um se arrume
como puder? Ou será necessario ensinar todos os
processos para que os alumnos possam escolher, con-
forme o temperamento de cada um? Eo seria bom
que, num como noutro caso, o professor conhecesse
os temperamentos e pudesse dirigir a escolha? Vê-se
que, em qualquer hypothèse, é util saber-se o que
se passa na cabeça dos alumnos. »
como se, novas observações e pesquisaso
indispensáveis para chegar a conclusões praticas de
alguma solidez.
Mas, desde já se pode affirmar que o educador
deve preoccupar-se com o estudo do typo de memo-
ria, de imaginação, de pensamento (esses processos
o difficilmente separaveis) de seus alumnos (
1
).
uma questão, que guarda estreita relação com
a memoria é a do testemunho.
(1) O prof. G. E. M0LLUK consagrou urn capitulo aos diagranimas
mentaes, em sua obra magistral sobre a memória (Zur Analyse der Ge-
dacktnistatigkeit, 111, 1913). V. também sobre a imaginação em geral,
BETTS, Functions of mental imagery. New York, 1909.
ED. CLAPARÈDE
Desde as investigações de Binet, ficou demons-
trado quanto o testemunho humano era pouco fiel.
Poucas pessoas suspeitam desta infidelidade natural
da memoria e das numerosas illusões de que pode
ser victima. Tem-se a tendencia de crer que tudo o
que se encontra na memoria é verdadeiro, corres-
ponde a uma realidade objectiva. Aliás, é uma questão
bem interessante, e ainda pouco conhecida, a de sa-
ber dondes tiramos esse sentimento de certeza
que ligamos a certas lembranças, emquanto que em
face de outras, ao contrario, temos um sentimento
opposto, de incerteza.
A experiencia demonstra que certas coisas, de
que juramos a authenticidade (e com a maior boa
, já se)o radicalmente falsas. Esta tenden-
cia ao erro éo grande que, quando se tomam os
depoimentos de uma porção de individuos sobre o
mesmo facto, pode acontecer que a maioria se equivo-
que, contra uma minoria muito reduzida. Lembro, a
proposito, uma experiencia que fiz, certa vez, na
Universidade de Genebra. Immediatamente, numa de
minhas lições, distribui aos meus auditores papel e
lapis, pedindo-lhes que respondessem a diversas per-
guntas e, especialmente, a esta: «Existe uma janela
interior dando sobre o corredor da Universidade, á
esquerda de quem entra pela porta dos Bastiões?...».
Em 54 pessoas, a existencia dessa janela foi negada
44 vezes; 2 pessoas se abstiveram de responder; somente 8 responderam «sim». Entretanto, essa janela
existe, mede no minimo 3 metros de altura e os estu-
dantes estucionam ou passam todos os dias diante
della (1).
Outras experiencias do mesmo genero, executadas
por varios psychologos,m chegado todas a este
(1) CLAPARÈDE. Exp. collective» sur le témoìgnage (Arch. de Fer-
rimi. v: 1906).
A ESCOLA E A P'SYCHOLOGlA
mesmo resultado: que o testemunho fiel não é regra.
riras excepção.
Será necessario demonstrar a utilidade que advi-
ria de -se inculcar este conhecimento ás crianças, e
tudo o que esse conhecimento, uma vez diffundido,
poderia trazer de beneficio á moral social? Conhe-
cem-se bem as funestas conseqüências da calumnia,
como da tendencia da maioria das pessoas em crer
e em repetir tudo quanto ouvem contar, sem que
duvidem ou verifiquem.
E as « lições de testemunho », ao mesmo tempo
que poriam as crianças em guarda contra os erros
de testar, poderiam, até certo ponto, educar a aptidão
do testemunho. Experiencias feitas em 1903, em meu
laboratorio, pela senhorita Borst demonstraram que
o testemunho tem tendencia a melhorar pelo exer-
cício (
1
).
As lições de testemunho teriam como primeiro
objectivo levar a criança á convicção da infidelida-
de de seu proprio testemunho. Mostrar-se-lhe-ia, por
exemplo, uma gravura durante um minuto, pedindo-
se-lhe depois que a descrevesse de memoria. Em se-
guida, por um interrogatorio, pedir-se-lhe-iam novas
informações sobre minucias a que ellao tivesse
alludido espontaneamente.
Levando a criança a comparar a descripção feita
com a gravura, ella teria occasião de verificar, pol-
si, a exactidão alcançada.
Desde que esse exercício fosse organisado sob
a forma de jogo ou brinquedo (que poderia ser, por
exemplo, o der « quem faz a melhor descripção »)
a attenção das crianças seria estimulada. Aliás, estas
experienciaso interessantes por si mesmas,o só
(1) BORST, Reck. exp. sur l'educabilité et la fidélité du témoignage
(Arch, de Psychol., III, 1904).
aos adultos, mas ás crianças. Sempre que o sujeito
tivesse verificado a fragilidade de sua memoria e o
fantastico de muitas de suas affirmações, recome-
çar-se-iam as experiencias. E' provável que já na
segunda vez se encontrassem melhores resultados.
Essa melhoria pode ser attribuida a duas causas :
ou bem o testemunho é melhor, porque o
sujeito se occupa de menor numero de minucias, limi-
tando-se a talar do que está absolutamente seguro
(por outras palavras, porque se torna mais prudente) ;
ou bem o testemunho melhora, porque o su-
jeito observou melhor ou coordenou melhor suas im-
pressões, e, por conseguinte, fixou melhor.
No primeiro caso, a melhoria do testemunho é
inversamente proporcional á extensão da declaração.
No segundo, a declaração augmenta ao mesmo tempo,
em extensão e veracidade. (Para medir a fidelidade
de um testemunho, divide-se o numero de respostas
exactas pelo total das respostas dadas; se o numero
das respostas exactas é igual ao total das respostas,
é evidente que a fidelidade é maxima. Vale 1, ou
cento por cento. Se as respostas certaso em menor
numero, a fidelidade é inferior a 1. Vê-se que a fide-
lidade pode augmentar, assim, de dois modos: seja
pelo augmento das respostas exactas, seja pela dimi-
nuição do total).
Depois da memoria seria necessario examinar a-i
investigações feitas sobre a sensibilidade, a atten-
ção, a imaginação, a vontade... Isto nos levaria muito
longe. O que ficou dito a proposito da memoria ser-
virá para esclarecer, de modo sufficiente, o capitulo
dos mecanismos psychicos estudados em si mesmos (
1
).
(1) A proposito de outros estudos do psychologia applicada á educa-
ção veja-se o I volume desta Bihliotheca: « Psyohologia experimental », de
H. Piéron.
ED. CLAPARÈDE
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
§ 2 — Mecanismos de operações mais complexas
.Pertencem a este grupo, as operações mentaes
ou aptidões que impliquem o concurso ou a synthèse
de um certo numero de funções psychicas. Assim
a leitura, o calculo, a escripta, o desenho, a lingua-
gem.o será possível, no emtanto, traçar-se uma
linha de demarcação muito clara entre os processos
deste grupo e as funções simples. Toda actividade
psychica, mesmo a da memoria, é altamente complexa.
Tomarei a leitura como exemplo de applicações
pedagógicas a que podem dar lugar as investigações
experimentaes feitas sobre phenomenos desta ordem.
A leitura implica uma serie de processos, cada
um dos quaes é susceptível de estudo particular.
Enumeremol-os :
1. Processos retineanos; acuidade visual.
2. Processos motores oculares; deslocamentos
dos olhos no correr da leitura.
3. Processos psychicos da percepção da palavra.
4. Processos de linguagem interior.
5. Processos de comprehensão das palavras lidas.
6. Comprehensão das phrases, das idéas.
A maior parte destes problemas offerece um al-
cance pedagogico immediato. Tudo o que diz res-
peito á visão retineana, propõe o problema dos cara-
cteres typographicos mais legíveis, menos fatigantes
para os alumnos.
As experiencias feitas sobre os movimentos dos
olhos durante a leitura,m demonstrado que, quando
se, o olharo se desloca de um modo continuo,
pois se isso se desse as letras se fundiriam na retina
e a percepção resultante seria a de uma só linha
cinzenta.
ED.. CLAPAREDE
O olhar se desloca em movimentos bruscos, re-
petidos.
Esses movimentoso entrecortados por peque-
nas pausas, muito curtas, mas sufficientes para a
visão das palavras e letras. Para uma linha de 40
letras, o olhar do leitor habituado faz tres ou quatro
movimentos e pausas. A criança faz mais.
Imagina-se que taes movimentos possam ter rela-
ção com as causas da myopia.
Se a criança lê demasiadamente, esses movimen-
tos continuos e bruscos acabam produzindo uma com-
pressão do globo ocular, o que o deforma pouco a
pouco augmentando-o no sentido do eixo anteropos-
terior. Essa deformação produz a myopia.
No adulto, o exercício da leitura, mesmo conti-
nuado,o tem esse inconveniente, porque as mem-
branas dos olhos, já perfeitamente desenvolvidas, offe-
recem resistencia á compressão de cada movimento.
Mais interessante é o problema da percepção da
palavra.
Em cada uma de suas curtas pausas, o olhar
percebe, de uma só vez, varias letras. Numerosas
experienciasm demonstrado que, quando se, a
visãoo analysa,o vê cada letra individualmente,
mas ao contrario, só percebe a forma geral da palavra.
Perceber esta forma geral é, psychologicamente,
mais simples do que perceber as letras que entram
em sua composição. Baseado nesta verificação, DE-
CROLY tem preconisado um processo de ensino da lei-
tura que parte,o das letras, mas das palavras e
das phrases (1). Desse modo, a leitura se conformaria
com o processo instructivo da linguagem falada, pois
(1) O processo preconisado por DECROLY, a que elle, por signal,
chama de « synthetico » ou da leitura idéo-visual muito se assemelha a cha-
mada leitura-analytica, usaria nas escolas paulistas ha muitos annos com
excellente resultado, quando bem empregaria. (Nota do traductor).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
a ellas nos dirigimos com phrases,o com palavras.
As letraso mais abstractas que as palavras e que
a phrase;o se deve, pois, começar por ellas.
« Quando se quer ensinar a uma criança o que
é um vestido, diz o Doutor Decrolyo se ensi-
nam nunca separadamente o que sao as mangas, os
enfeites, os bolsos e os botões. Mostra-se o conjunto
e se diz: «isto é um vestido». Do mesmo modo con-
m ensinar palavras antes das letras, e mesmo, cer-
tas phrases. »
A pratica escolar de Decroly tem comprovado o
bom fundamento desta educação theorica(
1
).o só
para os normaes, mas também e sobretudo para os
anormaes, para os retardados, o processo syncre-
tico da leitura se evidencia como superior ao pro-
cesso alphabetico. Verifiquei, pessoalmente, com que
facilidade as crianças mesmo pequeninas, retêm a
physionomia de muitas palavras, associando-lhes o
som correspondente. Minha filhinha, que tinha en-
o dois annos e meio, aprendeu em alguns dias a
physionomia de uma centena de palavras diversas.
Bastava apresentar-lhe o cartão em que havia es-
cripto a palavra para que immediatamente a lesse.
o sei se para o uso corrente das escolas este
processo syncretico terá todas as vantagens; poder-
se-ía, no emtanto, combinal-o com o processo alphabe-
tico. Tem a vantagem de poder revestir-se com o as-
pecto de um jogo, interessando na leitura todos os
que tenham de iniciar-se neste estudo.
0 problema da comprehensão das coisas lidas é
mais complexo e tem sido pouco estudado.
Quasi sempre a criança comprehende muito mal
o que. Muitos manuaes escolares, publicados por
(1) DECROLY. Psychologie et pedagogie de la lecture (Rev. scienti-
fique 1906).
4 ED. CLAPARÈDE A Escola e a Psychologia Experimental.
autores que desconhecem as crianças ou as conhecem
pouco,o redigidos em estilo estranho á indole na-
tural do espirito infantil; a ordem dos assumptos e o
vocabulario apparecem nelles conformados ao modo
de pensar dos adultos, maso ao da intelligencia
da criança. A leitura desses manuaeso produz,
portanto, os effeitos desejados. Dever-se-ia estudar
melhor do que até agora se tem feito, porque razão
certos livroso preferidos pelas crianças, a outros
que tratam do mesmo assumpto ou de assumpto se-
melhante.
O excesso de leitura tem o inconveniente de dis-
trahir o espirito da observação das coisas, em si
mesmas. Certos educadoreso aconselham, por isso,
o ensino da leitura senão depois de certa idade.
Seria de utilidade verificar esta affirmação, á pri-
meira vista racional, por meio de experiencias con-
cludentes. 0 professor Dewey, admirável psycholo-
go e pedagogo americano, é um dos que sem
levantado, em nome da PSYCHOLOGIA, contra o abuso
que se faz do livro em certas escolas. Acha que a
leitura tem distrahido a attenção dos educadores de
uma porção de deveres mais imperiosos: a actividade
manual e social e a reflexão pessoal dos alumno;;,
por exemplo.
De facto, a leitura tem o grave defeito de ser
um dos processos mais commodos para o professor.
O livro dispensa o trabalho de mostrar, explicar, ra-
ciocinar; lendo, a criança está quieta e pode ser fa-
cilmente fiscalisada; a leiturao demanda material
especial nem ambiente particular. Ademais, pode-se
verificar o resultado da leitura por uma simples reci-
tação posterior. Infelizmente, estas vantagens para o
mestre apresentam um inconveniente capital; o livro
mascara ás crianças o aspecto do mundo exterior,
desenvolvendo nellas o verbalismo e a imprecisão do
ED. CLAPARÈDE
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
pensamento. A leitura occupa o lugar que deveria ser
prehenchido normalmente pela cultura do pensamento.
Que eu saiba, a escriptao tem dado occasião
a pesquisas que sejam directamente applicaveis á
pedagogia.
Só agora se começa a estudar a escripta infantil
do ponto de vista graphologico (1). E' certo que a
escripta apresenta relações com o caracter; mas com
que determinados elementos delle? Será difficil pre-
cisal-o.
Creio, no emtanto, que o estudo da escripta in-
fantil, de suas modificações com a idade, poderia
offerecer ao problema graphologico uma contribuição
muito util. E ninguém poderia fazel-o em melhores
condições do que o professor primario.
§ 3 Differenças individuaes; typos mentaes
Os alumnos de uma classe qualquer différera
muito uns dos outros. Todos o sabemos. Mas, em
que medida differem? Em que consistem exactamente
essas differenças? Que importancia terão ellas na pra-
tica do ensino? Aqui também as numerosas investi-
gações dos psychologos deveriam ser corroboradas
pelas observações dos professores.
o ha muito tempo que a PSYCHOLOGIA começou a
interessar-se pelas differenças individuaes. E' ver-
dade que, já em 1883, Galton se occupava em reco-
lher documentos relativos aos typos de imaginação,
de temperamento, etc. ; mas, só depois de 1896, graças
ás iniciativas de Binet, é que se começou a ter
maior enthusiasmo por este interessante capitulo de
PSYCHOLOGIA.
(1)o notáveis, a este proposito, as investigações de DOWNEY,
nas escolas americanas, baseadas especialmente na variação rio typo de
letra em relação á velocidade da escripta. (Nota, do trad.).
ED. CLAPARÈDE
As pesquisasm demonstrado differenças psy-
chologicas, ás vezes muito grandes, entre crianças
da mesma idade e do mesmo meio social. E já se
comprehende hoje, melhor do que outróra, a neces-
sidade de um ensino que tenha mais em conta essas
particularidades individuaes.o se trata de abando-
nar o ensino collectivo, cujas vantagens do ponto de
vista socialoo evidentes, mas de ajustar esse
ensino collectivo ás diversas formas de espirito que
o de recebel-a.
Os individuos differem tanto pela qualidade de
seus processos psychicos, como pela maior ou menor
capacidade de suas funções mentaes. Fazem-se es-
forços para se approximar, tanto quanto possível,
os problemas qualita'ivos dos quanti'ativos, que per-
mitían exprimir as differenças encontradas, sob forma
numerica (^1).
Qual a causa das differenças individuaes? 0
meio ou a hereditariedade?
Pode a educação modificar as aptidões de um
individuo ouo ellas immutaveis?
Percebe-se desde logo a importancia destas in-
dagações. RIBOT achava que a educaçãoo tem
alcance senão sobre as naturezas medias; sobre os
muito intelligentes, como sobre as mentalidades infe-
riores, a educaçãoo tem influencia. Nestes, só a
hereditariedade determinará a natureza e a extensão I
de suas capacidades.
Semelhante modo der parece-me bastante plau-
sível. Aliás, as investigações estatísticas recentemente
concluidas pela escola galtoniana, debaixo da direcção
de Pearson, em Londres, demonstram cada vez mais
claramente a influencia da hereditariedade. A tal pôn-
(1) Sobre este assumpto. V. o I volume desta Bibliotheca, «Psy-
chologia Experimental », de H. Piéron. Toda a II parte desse livro trata
da « Psychometria e os testes.
A ESCOLA F. A PSYCHOLOGIA
to que muitos sabios, retomando a idèa de Galton,
m perguntado se o melhor meio de desenvolver as
aptidões da raçao seria o de operar uma especie
de selecção entre os individuos que a perpetuam. Fun- ¡
ciaram, com esse fim, uma sciencia nova, a Eugenia
cujo objecto é o estudo dos factores que melhorem os
caracteres physicos e intellectuaes da raça. Em lugar
de realisar grandes esforços, educando crianças pouco
intelligentes ou anonnaes, diminuamos as possibili-
dades de nascimento de taes individuos. Tal é o pro-
gramma da Eugenia, que poderia ser reduzido ao co-
nhecido rifão: «mais vaie prevenir que curar»(
1
).
Estas preoccupaçõeso são, a bem dizer, de
ordem escolar. Entretanto, os professores deveriam
seguir o progresso destes trabalhoso interessantes
dos eugenistas, que visam descobrir os factores de
degeneração e as condições para a regeneração da
especie humana. Porque, verificada a parte conside-
rável de herança na constituição intellectual e moral
de uma criança, torna-se o nosso espirito mais in-
dulgente para com as suas falhas e vicios; o nosso
coração passa a olhal-as de outra maneira e, ao envez
de começar por affirmar que uma criança não quer
fazer esta ou aquella coisa, somos levados a verifi-
car primeiro, se ella, realmente, pode fazer.
Mas porque certas criançaso podem fazer o
que outras realisam, de modoo fácil?
Aqui tocamos um problema mais obscuro ainda:
o das aptidões e da individualidade.
Quando uma criança é inapta para uma coisa,
qual é o mecanismo que se deve modificar para trans-
formar em capacidade essa inaptidão? Quaeso os
elementos constitutivos de aptidão para o desenho?
Porque alguns desenham sem esforço, emquanto que
(1) V. a proposito o vol. desta collecção A hereditariedade em face
da educação, pelo dr. Octavio Domingues.
ED. CLAPAREDE
outros só o conseguem com muita difficuldade, ou
o o conseguem nunca? Em que elementos se decom-
e a aptidão mathematica? E o talento literario?...
Para resolver problemas deste genero serão ne-
cessárias observações e experiencias em numero assás
elevado, porque só empregando processos estatisticos
se poderá chegar a resultados apreciáveis, quanto âs
correlações entre os différentes processos mentaes
que compõem uma aptidão particular. Os professores
o os que melhor collocados estão para collaborar
em investigações desta ordem, poism occasião cons-
tante de comparar entre si os seus discípulos, apre-
ciando nelles as aptidões, por suas notas escolares.
0 problema está em determinar quaes as aptidões que
apparecem geralmente juntas e descobrir o factor
communi que engendra essas diversas aptidões.
Em outros termos, e do ponto de vista didáctico
agora, o problema está em saber se é necessario cul-
tivar cada aptidão em separado, ou se existem certos
factores psychologies geraes (como por exemplo, a
attenção) cujo exercício influa sobre todas as apti-
dões do escolar.
Seja como for, as crianças apresentam aptidões
diversas e tudo nos leva a pensar que é, em summa,
mais proveitoso desenvolver as aptidões manifestadas
pela criança do que empenhar-se em exercitar nella
aptidões queo tenha. E' sobretudo no sentido de
suas aptidões naturaes que um individuo é edu-
cavel, e dellas é que o educador deve tirar par-
tido (1).
Mas como determinar as aptidões individuaes?
Para satisfazer a esse desiderato, crearam os
psychologos différentes provas simplificadas, a que
(1) Nisto se funda a « orientação profissional », destinarla a inclinar
cada individuo ao exercício do trabalho ou mister para que mais perfei-
tamente se ache dotado. (Nota do trad.).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
o o nome de testes mentaes. Umteste é uma prova,
urna experiencia que tem por objecto revelar ou me-
dir uma aptidão, um caracter individual. Ha testes
de memoria, de imaginação, de aptidão para calculo,
de intelligencia global, etc. (1).
uma prova que é muito fácil de realisar em clas-
se, de modo collectivo, e que recommendo calorosa-
mente a todos os mestres, é a que consiste em revelar
o typo intellectual dos discípulos por uma simples
descripção de gravura. Ponde, em face da classe,
um quadro queo tenha sido ainda commentado
pelos alumnos, que seja novo para elles, e pedi-lhes
que o descrevam, sem maiores explicações, de modo
a deixar livres as suas inclinações literarias. As com-
posições feitas nessas condições revelarão grandes
differenças mentaes.
Em primeiro lugar, verificar-se-á que os alumnos
podem ser divididos em dois grandes typos geraes,
segundo a attitude que tomaram a respeito da gra-
vura que tinham de descrever. Uns adoptaram uma
attitude objectiva, quer dizer, limitaram-se a enu-
merar ou a contar o que, effectivamente, viram re-
presentado na figura. Outros, pelo contrario, mani-
festaram uma attitude subjectiva: tomaram a gravura
como ponto de partida, como um pretexto para uma
posição de imaginação, ou para reflexões estheticas,
moraes ou de erudição. Esses dois typos, objectivos e
subjectivos, apresentam variedades ou subdivisões:
typo enumerador, typo descriptivo, typo narrador,
typo poetico, etc.
BINET, que imaginou esta experiencia, fez des-
crever, entre outras coisas, um cigarro, por um grupo
de meninos. Eis algumas das descripções que obteve:
(1) V. o vol., desta collecção Psychologia experimental, de H. Piéron,
2.ª parte; também Teste» para a medida do desenvolvimento du intelligen-
cia, de Binet e Simon.
ED. CLAPAREDE
TYPO DESCRIPTOR (observação minuciosa, mas
certa seccura na descripção) :
« Um cigarro : compõe-se de fumo de
cor castanho claro, enrolado em papel fino,
transparente: o todo forma um cylindro
longo e fino. 0 fumo ultrapassa um pouco
as extremidades ee do cylindro de pa-
pel.
»
TYPO OBSERVADOR (tendencia a julgar, a inter-
pretar o que vê) :
« Um cigarro que deve ter estado solto,
numa algibeira, porque parece um pouco
amassado, e porque o fumoe pelas ex-
tremidades. Creio que é bastante forte,
porque o tabaco é escuro; parece ter sido
feito a mão;o lhe vejo a marca; lembra-
me que o fumo é infelizmenteo caro,
em França... »
TYPO ERUDITO (O sujeito diz o que lhe ensina-
ram sobre o cigarro; uma lição) :
«Estamos em presença de um cigarro.
Vejamos de que é formado. Em primeiro
lugar, a envoltura exterior: é de um papel
muito fino, chamado de seda. Depois, no
interior, o tabaco. 0 tabaco ou fumo é
uma planta que cresce em todos os climas
quentes e temperados: colhem-se as fo-
lhas desse arbusto que, depois de uma pre-
paração que dura algum tempo,o of-
ferecidas ao commercio, sob varias for-
mas... etc.» (a lição continua).
TYPO IMAGINATIVO (negligencia, na observação;
predominio das recordações pessoaes, da emotivi-
dade) :
E' um cigarro fino, arredondado, um
pouco enrugado. As rugas lhe emprestam
um aspecto deselegante. Por si mesmo ou
pelas recordações que evoca e de que re-
sulta algo truanesco, esse cigarro assim
abandonado sobre a mesa me faz pensar
no mau collégial, que escapa da aula para
fumar, num canto do pateo, o seu ci-
garrinho... »
Ahi estão alguns exemplos, bem caracteristicos.
Encontram-se também, está claro, exemplos de typo
mixto, que contêm elementos de observação e de
imaginação. Por outro lado, conforme o objecto a ser
descripto,o mais freqüentes descripções de typo
erudito ou, ao contrario, de typo poetico. Um thermo-
nietro suggère mais facilmente uma composição eru-
dita que uma figura que represente uma scena de
luar... Será, pois, necessario que os alumnos façam
varias descripções, para que se possa determinar-
lhes o typo mental. uma só experienciao prova
nada, e só quando um discípulo manifeste repeti-
das vezes o mesmo typo de descripção é que se
pode tirar conclusão de que representa um typo
authentico (
1
).
Do ponto de vista escolar, uma experiencia desse
genero terá a vantagem de informar, rapidamente,
ao mestre, sobre os typos com que tem de haver-se.
E' evidente que a acção do mestre é tanto maior
(1) Para estudo mais minucioso deste assumpto, V. CLAPARÈDE.
Les types psychologiques et l' interpretation des données statistiques (la-
termed. des Educateurs, 1915); e o artigo de PIAGET e ROSSELLÓ, Notes
sur les types de description d'images chez l' enfant (Arch, de Psychologie,
XVIII. 1922).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPARÈDE
quanto mais conhece seus discipulos, e conhece me-
lhor o genero mental de cada um. Realisada no co-
meço do anno escolar, a prova da descripção da es-
tampa ou do objecto, convenientemente interpretada,
abreviará de muito o tempo necessario ao professor
para que, pelos meios communs, conheça seus alum-
nos. Poderá, ademais, offerecer surpresas. Descobrir-
se-á, por exemplo, que um alumno, que se tinha por
desattento ou sonhador, possue qualidadeso sus-
peitadas de precisão; ou, pelo contrario, encontrar -
se-ão reflexões moraes e estheticas numa criança
que se imaginava incapaz de qualquer trabalho de
reflexão.
Seria muito de desejar que se chegasse a co-
nhecer melhor a individualidade e a capacidade dos
alumnos,o só no que refere á sua instrucção e edu-
cação, mas também no que diga respeito á escolha
de uma profissão.
Também é este um assumpto que se relaciona
com a escola ou, pelo menos, deveria sel-o. A es-
cola prepara as crianças para a vida. Mas ao lado
dos ,postulados geraes desta preparação, que a es-
cola certamente deve esforçar-se em satisfazer,o
seria uma chimera esperar que ella pudesse prepa-
rar individuos para as situações sociaes para que
tenham maior somma de aptidões.
E' doloroso verificar-se que dissabores, senão des-
graças, se reservam áquelles que abraçam certas car-
reiras para queo nasceram... Esta questão é, por
certo, muito delicada. Mas a criança, como se diz, é
o pae do homem, e as aptidões que uma criança
manifesta são, geralmente, os germens das que mani-
festará por toda a vida.
Os professores poderiam trazer a este estudo uma
preciosa contribuição, investigando se os gostos e in-
teresses da criança se modificam durante o estagio
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
escolar. Bastaria examinar pelas notas mensaes e de
exames, em que proporção permanecem fieis os esco-
lares ás suas primeiras inclinações. Quantas e que
interessantes conclusões se tirariam do estudo sys-
tematico dos alumnos de uma escola!
Em Boston, foi fundado em 1909, um Vocational
Bureau, que tem como finalidade aconselhar aos ra-
pazes a escolha de uma profissão ou carreira, de
accordo com seus caracteres psychologicos e segun-
do os documentos recolhidos sobre a sua vida ante-
rior e, em especial, sobre a vida escolar.
Esse escriptorio mantém relações constantes com
os estabelecimentos de ensino, e estes, por sua vez,
interrogam os pães sobre as profissões a que desti-
nam os filhos e os motivos pelos quaes preferem este
ou aquelle officio. Alem disso, o Bureau averigua
junto das empresas industriaes, etc., a classe de ope-
rarios que desejam, e as qualidades physicas e psy-
chicas que devem possuir, em vista de seu trabalho
especial. A officina se esforça hoje por collocar tam-
m the right man in the right place (
1
).
A meu vêr, preoccupações desse genero ainda
que, á primeira vista, surprehendam, nadam de
degradante para a escola. Pelo contrario, entrando
assim, em mais estreita relação com a vida social e
obtendo suggestões proveitosas para o seu proprio
trabalho, a escola compriria melhor a missão que lhe
(1) Da data em que o A. escreveu este estudo, até hoje, brilhantes
m sido as iniciativas em prol da « selecção » e da « orientação profissio-
nal», na Europa e na America. Alem dos gabinetes de orientação de
Strasburgo, Bruxellas e Genebra, que foram os primeiros a installar-se e
a apresentar resultados práticos de seus trabalhos, funcionam hoje nu-
merosos outros na Allemanha, na Italia, na Bussia, na Hespanha e na In-
glaterra. Nos Estados Unidos, a applicação dos «testes de selecção» tem-
se tornado até popular, em certos ramos do commercio e da industria.
Em Boston e em Baltimore, existem gabinetes de orientação especialisa-
dos para profissões femininas. No Brasil, algumas tentativaso sendo
levadas a effeito. No Recife, vem funcionando um Instituto de Orienta-
ção Profissional. Em S. Paulo, em 1931, creou-se annexo a Escola Profis-
sional e Industrial, um serviço psychotechniCo. (Nota do traductor).
ED. CLAPARÈDE
cabe. Essa actividade repercutiria beneficamente so-
bre os programmas, adaptando-os melhor ás necessi-
dades sociaes. A escola se converteria desse modo
no que ella aindao o é, de modo completo: um
instrumento de ajustamento social, um factor de pro-
gresso social.
o acho, no emtanto, que a escola deva trans-
formar-se em aprendizado profissional. Ao falar de
adaptação social, ao desejar que a escola se préoccupe
com as qualidades requeridas pelas carreiras commer-
ciaes ou industriaes, o que peço é que se desenvol-
vam as funções mentaes em sua relação com a acti-
vidade, e. que a escola se inspire na pratica da vida,
para organisar um programma de desenvolvimento
do espirito e das qualidades moraes. Numa palavra:
queo accentue mais, como até agora tem feito, o
saber livresco, mas que encaminhe para a vida.
Tenho sob os olhos, precisamente, uma collecção
de respostas dadas ao Vocational Bureau, de Boston,
pela direcção de uma fabrica de calçados. As quali-
dades requeridas para os operarios são, antes de ou-
tras, qualidades geraes, como destreza manual, atten-
ção (para evitar os accidentes nas grandes machinas),
honradez, etc. (
1
).
O principal inconveniente do trabalho de fabrica
é a monotonia. Esta monotonia é que, ás vezes, faz
do trabalho uma occupação odiosa, que deprime os
operarios. Devia-se, talvez, tratar de dotar os opera-
rios de uma vida interior mais rica, para que elles
(1) O desenvolvimento da PSYCHOLOGIA applicada trouxe o estudo di-
recto das profissões e de suas necessidades, pelos physiologistas e psy-
chologos. Ê' possivel orientar hoje, para um certo officio ou carreira.
conhecendo que qualidadeso exigidas nesse trabalhoo por simples
informações, mas pela investigação scientifica. A proposito, v. J. FON-
TÈGNE, L'orientation profissionelle; LÉON WALTHER, La Techno-psycho-
logie du travail industriel; RUTTMAN, Orientación profissional. O livro de
Léon Walther acha-se traduzido em portuguez. publicado pela Cia. Melhora-
mentos. (Nota do trad.).
A ESCOLA E. A PSYCHOLOGIA
pudessem encontrar nos seus pensamentos e evoca-
ções um manancial de occupação e distração capaz
de attenuar o tedio do trabalho automatico.
A PSYCHOLOGIA individual propõe também o pro-
blema dos super-normaes.
Até agora a escola nada tem feito pelos indivi
duos acima da media;o se lhes tem reservado
nenhum regimen especial. Devem seguir os demais,
quando deveriam precedel-os; devem regular o passo
pelo de seus condiscípulos menos bem dotados. E'
um .absurdo evidente.
Agindo desse modo,o favorecendo o desenvol-
vimento dos bem dotados, a escola demonstra queo
tem ainda consciência exacta de seus deveres sociaes.
A formação de urna minoria selecta é necessaria,
sobretudo nas democracias. Nosso collega MILLIOUD
observava, com razão, no Congresso Pedagogico de
1914, em Lausanne: «Deveríamos separar muito an-
tes do que o fazemos, os que podem caminhar rapida-
mente e bem dos queo o podem fazer. A demo-
cracia, mais do que outro regimen tem necessidade
de minorias selectas.o fazemos quasi nada para
formar uma selecção sahida do povo. Queo tenha-
mos de lamental-o muito cedo e cruamente ! »
E' certo também que os governos democráticos,
responsáveis perante seus eleitores,om nenhum
interesse em favorecer a formação das elites; porque
uma elite possue, evidentemente, mais espirito cri-
tico e percebe, assim, mais rapidamente que a mas-
sa, as faltas commettidas por seus mandatarios.
E' preciso confessar, no emtanto, que o estudo
da criança super-normal acha-se apenas iniciado; co-
nhece-se pouco ainda o que caractérisa o verdadeiro
super-normal, aquelle que, por sua precocidade ou
talento, denuncia uma superioridade effectiva que o
futuroo desminta. Trata-se, ademais, de distinguir
ED. CLAPARÈDE
a superioridade geral (supernormalidade em todas as
funções) e a superioridade limitada a um talento
ou aptidão particular (arithmetica, desenho, musi-
ca, etc.)- Mas, quando maiso se faça, procure-
moso cortar as azas, com um regimen escolar
inopportuno, a essas jovens intelligencias, que pe-
dem apenas, para os seus vôos, um pouco de inicia-
tiva e de liberdade.
Nestes últimos annos, varias cidades allemãs, co-
rno por exemplo a de Hamburgo, começaram a occu-
par-se da selecção dos alumnos bem dotados. Em Ge-
nebra (Suissa) uma sociedade, «Pour l'Avenir», ins-
tituiu « bolsas de estudo » para os alumnos mais
distintos das escolas primarias; estes alumnoso
seleccionados, com o auxilio dos «testes»)(1).
§ 4. A idade e o desenvolvimento
As technicas mentaes variam com a idade. Para
resolver certo problema, a criançao opera como
o adulto.
Mas em que consistirão exactamente essas diffe-
renças de utilisação dos próprios recursos da intelli-
gencia? E' o que é mais difficil de responder.
Em conjunto, a grande differença é esta: o adul-
to raciocina, emquanto que a criança tactea, ensaia
até que realise ou descubra o que deseja. Dae um
mesmo «quebra-cabeças» a um adulto e a uma
criança e verificareis facilmente a differença de te-
chnica que ha entre ambos.
Comtudo,o o esqueçamos, se se examinam as
coisas mais profundamente, chega-se á conclusão de
que a differença é mais de forma que de essência;
(1) Em S. Paulo, realisou-se, pela primeira vez, em 1931, um en-
saio de classificação dos alumnos dos grupos escolares por classes diffe-
renciaes. ''Nota do trad.).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
num e noutro caso, ha tacteação. O proprio racioci-
nio nada mais é também do que uma experimentação,
somente é uma experimentação abreviada, de um lado
porque utilisa conceitos, ideas geraes; de outro, por-
que vae guiado por uma experiencia mais rica e
uma attenção mais avisada.
Na criança, o pensamento utilisa, em primeiro
lugar, em vez de ideas geraes,. as representações par-
ticulares das coisas,o expurgadas de seus ele-
mentos contingentes, o que traz o inconveniente de
introduzir no raciocinio elementos sem relação com a
solução que se procura.
A um menino, a que se annuncia que se tornou
tio, responde : «o !o posso ser tio,o tenho
barbas ».
Tal raciocinio, do ponto de vista formal, é per-
feitamente correcto. Seu defeito consiste em que o
menino em questãoo havia ainda expurgado, con-
venientemente, a idèa de «tio» de suas contingencias:
converteu a barba em elemento essencial da quali-
dade de tio. Por outras palavras,o havia ainda
abstraindo a idèa de tio das imagens concretas que
sua observação lhe havia proporcionado.
o me parece que a escola tenha encarado de
frente, como lhe competia, o problema da cultura do
pensamento. Ella se tem preoccupado, sempre, com a
acquisição dos conhecimentos. Aliás, esses dois pro-
blemas se enlaçam, pois ha necessidade de ter conhe-
cimento para pensar com resultado. Nos jardins de
infancia, graças ás lições de coisas e aos interroga-
torios que as acompanham, estimula-se a criança a
pensar. Mais tarde, porem, cessa quasi que por com-
pleto esse modo de agir, para dar-se á criança a
expressão de verdades já feitas. Certamente, a pas-
sagem das formas inferiores ás formas superiores do
pensamento é um processo natural que se réalisa,
ED. CLAPARÈDE
pouco a pouco, com a idade. Mas issoo impedo
que se possa offerecer á criança maiores opportuni-
dades de exercício do pensamento, que a obriguem a
pensar por si.
Por outro lado, o ensino deveria levar mais em
conta a differença da technica mental da criança,
em relação á do adulto. Frequentemente se obriga
a criança a pensar pelos processos de que se ser-
vem os adultos, sem qualquer transição adequada.
O resultado disso é que a criançao chega a pen-
sar, do mesmo modo que uma, em metamorpho-
se,o chegaria a respirar se quizessemos que ella
se servisse de pulmões (queo possue) ao en vez
de suas branchias...
Para usar de outros termos, e para dizer tudo,
de modo resumido: nossa didáctica devia adoptar
o ponto de vista psychologico e genetico, ao envez
do ponto de vista logico, em que se colloca quasi
sempre.
O ponto de vista logico, com effeito, é o ponto
de vista dos conhecimentos já adquiridos e alinhados
segundo um padrão, em ordem que satisfaça as exi-
gencias mais rigorosas do pensamento adulto. 0 ponto
de vista psyehologico é o da acquisição mesma des-
ses conhecimentos, o ponto de vista do espirito que
tende a um fim, que busca, que escolhe, que imagina
e comprova; emfim, que progride, vindo de um es-
tado de inadaptação e de impotencia para um estado
de adaptação e de dominio. Ora, justamente porque
a intelligenciao se desenvolve sósinha, colloquemos
a criança em condições que favoreçam seu cresci-
mento mental. O ponto de vista estatico e dogmatico
tem que ser substituido pelo ponto de vista dynamico
e funcional.
Um erro que se commette com freqüência (preci-
samente porque se abandona o aspecto psyehologico),
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
é o de crer que o que é objectivamente mais simples,
mais eschematico, fica mais facilmente ao alcance das
crianças que a realidade complexa. Mas, o que é
logicamente mais simpleso é o mais simples psy-
chologicamente. Para a criança, um objecto em toda
sua complexidade concreta é realmente mais sim-
ples, isto é, mais facilmente apoderado pela sua con-
sciência; suscita mais o seu interesse, tem mais signi-
ficação do que uma abstracção. Assim, uma loco-
motiva interessará muito mais uma criança do que
as leis da alavanca; e um gato vivo mais do que uma
vertebra de gato, etc.
FROEBEL, ainda que sob certos aspectos conhe-
cesse bem o espirito infantil, commetteu também o
erro a que alludimos, quando propoz como primeiro
«dom» para os alumnos do jardim de infancia, a
esphera e o cubo. Afigurava-se-lhe que a alma infan-
til, porque ainda muito simples, teria mais facili-
dade em perceber formas simples; e, sendo a esphera
a forma mais singela, do ponto de vista malhematico
e logico, devia ser ella o objecto destinado a estimular
o interesse e os processos mentaes da criança. Mas
quemo sabe que, mais do que qualquer solido geo-
metrico, um besouro interessa muito mais á criança!
Em grande numero de escolas, sob o pretexto da
ordem logica, provavelmente, vêem-se as lições de
physica precedendo ás de biologia; a mineralogia
apresentada antes da botanica e, esta, antes da zoolo-
gia; a anatomia ensinada antes dos costumes dos
animaes. Para as crianças, porem, o mundo animal é
uma fonte de interesses e de pensamentos muito mais
ricos do que o mundo inanimado! O ensino do de-
senho commetteu durante muito tempo, também, a
mesma falta, de que agora começa a corrigir-se, feliz-
mente: as lições começavam por desenhos lineares e
geométricos; só depois se passava a copia de mode-
fi ED. CLAPAREDE A Escola e a Psychologia Experimental.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
A escola cuida, no emtanto, da cultura do racio-
cinio. A versão latina, os problemas de arithmetica,
por exemplo,o especialmente destinados a esti-
mular o raciocinio. Pode-se perguntar, todavia, se os
trabalhos desse genero se apresentam aos alumnos de
modo a fazer progredir nelles a capacidade de bem
pensar, e de modo efficiente.
. Na maior parte, esses trabalhos appellamo
somente para a memoria: traduzir é, especialmente,
lembrar palavras; o mestre desculpa o alumno que
o comprehenda um torneio de phrase, mas é impla-
cável quando elle se esquece do sentido de um vocá-
bulo qualquer. O mesmo se dá na arithmetica : trata-se
quasi sempre de fazer lembrar ao alumno certas for-
mulas ou regras decoradas, que elle applica então
automaticamente, sem saber porque.o se cuida
de attrahir a attenção dos discípulos para as technicas
mentaes que elle deve empregar (observação, com-
paração, abstracção, hypothèse, verificação, etc).-
se-lhes uma nota, se fracassam num problema, e
mostra-se porque serie de cálculos esse problema po-
deria ser resolvido maso se lhes ensina porque
passos o espirito chegaria a organisai' essa serie de
cálculos necessários.
Seria, pois, muito importante, para a didáctica,
conhecer o modo de variar as technicas mentaes con-
forme a idade, para accommodar a ellas o processo de
ensino, tornando-oo aproveitável quanto possivel:
por outro lado, para ir introduzindo, pouco a pouco
e de maneira proveitosa, as technicas mais complica-
das, e que o espirito do alumno aceitaria, então,
sem repugnancia.
Um problema interessante e ainda pouco estuda-
do é o da relação entre a idade e as aptidões.
Qual é, para cada idade, o grau natural de des-
envolvimento de cada função mental? Até que ponto,
ED. CLAPARÈDE
pelo exercício ou educação, se pode ultrapassar esse
limite natural? E, emfim, se uma criança é muito
bem dotada para uma determinada actividade, deve-se
dizer que está adiantada para a sua idade ou somente
que é superior á media de sua idade? Essa superiori-
dade poderá ouo poderá ser expressa num certo
numero de mezes ou annos de avanço, sobre a idade
chronologica da criança?
Do mesmo modo, uma criança que esteja abaixo
da media deve ser considerada como menos intelli-
gente ou como atrazada?
Limito-me a propor estas questões na esperança
de que os que praticam o ensino queiram se interes-
sar por ellas e nos forneçam elementos que nos
auxiliem a resolvel-as (
1
).
§ 5. O sexo
Os meninoso possuem espirito identico ao
das meninas; as differenças entre os sexos se ac-
cusam, tanto mais claramente, quanto mais se des-
envolvem os individuos. E a escolao deve ignorar
essas differenças.
Certos processos psychicos progridem do mesmo
modo nas meninas e meninos,o ha duvida. A evo-
lução do concreto ao abstracto e da imitação á espon-
taneidade por exemplo,o duas grandes corren-
tes que se desenvolvem de maneira identica, ao me-
nos em suas linhas geraes.
(1) O A. escreveu isto em 1916. De então para, enorme tem sido
o progresso do psycho-diagnostico, como elle proprio assignala no seu re-
cente livro «Comment diagnostiquer les aptitudes chez les écoliers» (Flam-
marion, Paris, 1923). Depois da primeira tentativa de aferição do teste pe-
la idade, realisada em 1905 por Binet e Simon, os demais investigadores
m procurado sempre publicar os seus testes já aferidos ou graduados, por
ease criterio, justamente. Para isso se tem lançadoo do calculo de cor-
relação e dos recursos da bio-estatistica. (Nota do trad.).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
Ao contrario, verifica-se que certos interesses
variam nos dois sexos, em sentido opposto. Por exem-
plo, os jogos physicos (jogos de corrida, de luta), cujo
interesse vae augmentando continuamente nos me-
ninos até o fim da adolescencia, ficam estacionarios
nas meninas ou diminuem de freqüência, bruscamente,
aos doze ou treze annos.
Num inquérito sobre o desenho dos escolares da
Suissa franceza, que fizemos em 1906, e em que
reunimos provas de 3.000 escolares, um dos dese-
nhos pedidos era um exercício livre: as crianças po-
deriam desenhar o que quizessem. Verificou-se, então,
que os assumptos escolhidoso se apresentam com a
mesma freqüência entre os meninos e meninas. Eis
a estatistica levantada por KATZAROFF (1), assistente
de meu laboratorio, naquella epoca:
ASSUMPTOS
Objectos diversos . .
Animaes
Homens
Scenas da vida. . .
Desenhos geométricos
Meninos
18,5
18,5
16
8
10
11
7,
9,2
1,3
Meninas
28,5
23,5
11
19
7
5
2
1
3
como se, certos assumptos (paizagens, scenas,
vehículos)o preferidos pelos meninos, ao passo
que outros (plantas, flores, objectos de uso commum,
etc.)o os de preferencia das meninas. As differen-
(1) KATZAROFF, Qui est-ce que les enfants dessinent? (Arch, de
Psychol. IX, 1910).
ED. CLAPARÈDE
cas de porcentagem, dado o grande numero de dese-
nhos examinados,o podem ser attribuidas ao acaso.
A differente direcção do interesse se manifesta,
também, quando se dirigem perguntas como estas aos
dois sexos: «Que queres ser?» ou «A quem deseja-
rias parecer? ».
Examinae, por exemplo, algumas das respostas
dadas a esta segunda pergunta, num inquérito publi-
cado por R. TSCHUDI, professor secundario na Basilea:
Ideal on modelo escolhido
Parentes ou conhecidos. .
Politicos
Personagens históricos . .
Heroes de romances. . .
Personagens bíblicos, santos
Diversos ou desconhecidos
Meninos
20,9%
23,3
5
28,4
5,1
7,1
10,2
Meninas
23,2%
26,5
4,1
12,2
6,9
16,2
10,4
Estas cifras se referem a mais de 6.000 escola-
res, de oito a dezeseis annos.
Se se examina como evolve o ideal com a idade,
verifica-se que ha, nessa evolução, uma tendencia
centrifuga: quanto mais cresce em idade, menos o
individuo escolhe o ideal entre os que immediata-
mente o rodeiam; procura-o em espheras cada vez
mais longínquas.
Por exemplo, aos oito annos, 34 por cento dos
meninos e 47 por cento das meninas assignalam como
modelos o pae e a mãe; aos dezeseis annos,o
ha mais de que 4 por cento, em cada sexo, que esco-
lham assim. E' curioso notar também que os rapazes,
crescendo em idade, tomam cada vez menos modelos
femininos; as meninas, pelo contrario, escolhem cada
vez mais ideaes masculinos.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
Aos oito annos, 10 por cento dos meninos apon-
tam modelos femininos; esta porcentageme a 1,4
na idade de dezeseis annos. Entre as meninas, se ha
14,7 por cento para modelos masculinos aos oito
annos, essa cifra se eleva a 23 por cento aos quinze
annos, e a 40 por cento aos dezeseis!
Está claro que os resultados obtidos, por inqué-
ritos semelhantes, podem variar conforme os paizes
em que forem feitos e a natureza de seu ensino. Mas
essas variações serão pouco consideráveis, e a tenden-
cia geral da evolução dos interesses será mais ou
menos a mesma.
Comprehende-se facilmente o partido que a di-
dáctica (que deve fundar-se sobre os interesses na-
turaes da criança) pode tirar de investigações desta
ordem.
Citemos também um volumoso trabalho, publi-
cado por um psychologo allemão, sobre a compo-
sição literaria na criança. Este vasto inquérito, con-
scienciosamente feito sobre 3.000 provas, demons-
tra claramente (coisa de estranhar-se á primeira vista)
que a poesia é muito mais frequente entre os meni-
nos que entre as meninas. Assim, de 1.090 trechos
de poesia, 778 provinham de rapazes e só 312 de
moças; pelo contrario, em 1.076 trechos de prosa,
606 procediam de rapazes e 1.040 de pennas femi-
ninas. A differença é considerável (*).
Para as funções mentaes especialisadas, as dif-
ferenças de technica mental, em relação ao sexo,o
menos conhecidas do que a direcção geral do interesse.
A memoria é mais forte nos meninos ou nas
meninas? E a imaginação? E a destreza manual?...
Faltam ainda provas concludentes. .
(1) GlESE, Das freie literarische Schaffen bei Kindern, Leipzig,
1914.
ED. CLAPARÈDE
Acredita-se, no emtanto, que o poder de abs-
tracção, factor capital na producção do pensamento,
seja mais considerável nos rapazes que nas moças (1).
Se as autoridades escolares submettessem a uma
rigorosa comparação as provas das escolas, masculi-
nas e femininas, poder-se-ia determinar, com conhe-
cimento de causa, as differenças psychicas em questão.
O problema da coeducação, aceito nalguns pai-
zes, mas ainda em discussão noutros, só poderia
tirar vantagens de um perfeito estudo sobre a psycho-
logia dos sexos.
§ 6. Factores diversos
Tem-se verificado que a energia mental está su-
jeita a oscillações diversas, mais ou menos periódicas,
durante o curso do dia, da semana e do anno.
o me detenho sobre esses estudos, porqueo
se logrou chegar ainda, por elles, a resultados suffi-
cientemente exactos para fazer intervir na pratica
escolar (
2
).
Elles terão a sua importancia. Mas como a das
influencias da temperatura, das variações barométri-
cas ou atmosphericas, por mais interessantes que
sejam,o assumiram ainda valor decisivo para a
pratica do ensino.
(1) HARBICH, Ubar die Entwicklung der Abstralctionsfahigkeit von
Schülerinnen, 1914.
(2) Nalgumas Universidades Americanas, como na de Clark e na de
Stanford, tem-se feito estudos systematicos sobre as variações da energia
mental no decurso do dia. Mau grado as variações individuaes (indivíduos
cujo trabalho rende mais á noite que de dia, mais depois das refeições,
etc.) esses estudos servem de base a uma distribuição menos empirica do
trabalho escolar. (Nota do trad.).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
§ 7. A fadiga
O conhecimento da fadiga intellectual, em suas
causas, sua marcha, condições de sua reparação, apre-
senta para o educador uma importancia tal, que me
parece inutil demonstral-o. A duração das lições, o
lugar e a duração dos recreios, a ordem em que con-
m collocar as diversas lições, o momento do dia
mais favorável ao trabalho eis as questões de mais
interesse e em mais estreita relação com o estudo
da fadiga.
o é fácil apreciar exactamente a fadiga de
um escolar,o só porque os processos para me-
dil-ao demorados e delicados, mas também porque
a fadiga pode ser facilmente simulada, e complicar-se
com outro estado que a simula e que produz effei-
tos análogos, embora tenha causas completamente
diversas. Este estado é a lassitude ou, se se quizer,
o aborrecimento.
Creio que a maior parte dos alumnoso se
fatigam demasiadamente no correr do dia escolar;
ao menos sua fadigao será o resultado do ardor
no trabalho.
Se a criança está fatigada é porque tem de-
masiado trabalho em casa, ou é obrigada a deitar
tarde, ou vive num ambiente de ar rarefeito, etc, mas
o geralmente por esgotamento cerebral. Se ao cabo
de algumas horas de aula a criança se torna somno-
lenta e, se sua capacidade de attenção e de trabalho
diminue, é simplesmente porque se lhe impõe tra-
balho demasiadamente extenso.
Existe, ademais, entre o aborrecimento e a fadi-
ga, uma relação directa, difficil de separar. Um traba-
lho aborrecido é muito mais fatigante do que um
trabalho agradável, attrahente. Por isso, o jogoo
ED. CLAPAREDE
fatiga (1), por mais intensos que sejam os esforços
que elle suscite.
Até que se prove o contrario, sou de opinião
que se resolveria o problema da fadiga escolar, acei-
tando os postulados, desenvolvidos no começo deste
estudo, sobre o conceito funcional de educação: tor-
nar o trabalho mais attrahente, dando-lhe uma fi-
nalidade e actividade definidas. Trabalhando muito
mais vivamente, os escolares concluiriam as suas
tarefas diarias em muito menos tempo. Poder-se-ia
encurtar de muito o horario da semana, deixando
livres, por exemplo, todas as tardes.
Issoo impediria, porem, de se ter em conta
também o que ensina a PSYCHOLOGIA com relação á
marcha do trabalho e a fadiga.
As investigações dos psychologosm demons-
trado que dois factores principaes, de sentido opposto,
influem sobre o trabalho cerebral: de um lado o
treinamento, que tende augmentar o trabalho; de ou-
tro, a fadiga, que tende a diminuil-o.
0 problema está em beneficiar o escolar, com
a acção positiva do treinamento, sem fazer durar de-
masiadamente o trabalho, para que elleo venha a
sentir a depressão da fadiga. Trata-se, portanto, de
o interromper precipitadamente o trabalho, por-
que então se perderiam os beneficios do treinamento;
mas tambémo demasiadamente tarde, porque então'
se trabalharia certo tempo com perda de rendimento.
Limito-me a indicar este principio que domina
toda a economia do trabalho, seja escolar, seja de
qualquer outra natureza. Concebe-se facilmente que
(1) Ao menoso fatiga psychicamente. Toda actividade produz
uma certa fadiga, isto é, uma certa diminuição de excitabilidade. Mas se
esta hypoexcitabilidade ê compensada por um reforçamento da excitação,
a fadigao se revela. E se esta fadiga é restauraria por um repouso suf-
ficiente, tudo se passa sem que ella manifeste seus effeitos; é como se
o tivesse existido.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
se as horas de lição forem muito curtas, perturbam o
treino; o signal soa no momento exacto em que alum-
nos e professor começam a estar « aquecidos » para
produzir bem. Se, ao contrario, o tempo das lições é
muito longo, os alumnos acabam bocejando eo
fazem mais nada: tempo perdido.
Observam-se variações individuaes sensíveis
quanto á fatigabilidade. Um mesmo individuo é mais
fatigavel em certas épocas ou phases de crescimento
que noutras occasiões; em certas horas do dia, que
nas outras.
Aliás,o sendo excessiva, a fadiga nada tem
de perigosa, mesmo para a criança. E' necessario,
porem, que o cansaçoo se accumule: é absoluta-
mente indispensável para a conservação da saúde que
a fadiga do dia desappareça completamente durante o
sonino da noite. Toda fadiga, que se mantenha de um
dia para outro, acaba por tornar-se pathologica. E'
a estafa.
Mencionemos agora, a titulo de curiosidade, um
processo lembrado na Allemanha, para combater a
fadiga dos escolares. Tratava-se de pulverisar nas sa-
las de aula, durante certa parte do dia, uma substan-
cia — a « antikenotoxina » do dr. Weichardt cujos ef-
feitos, presumia-se, deviam neutralisar as substancias
ponogenicas que o sangue fosse accumulando no cor-
rer do trabalho. Diversos pedagogos publicaram re-
sultados de observações favoráveis a esse processo (1).
Experiencias mais cuidadosas, porem, levadas a termo
por um joven psychologo muito illustre (infelizmente
morto na guerra), o dr. Hecker, demonstraram que
os resultados eram nullos (
2
).
(1) LORENZ, Zeitsch. f. padagog. Psychologie, 1912; LOBSIEN, Ein-
fluss des Antikenotoxins, Zeitsch. f. Kinderforschung, XVII, 1912, u. Arch.
f. Padagogik, 2ª parte, 1913.
(2) HACKEE, Die Wirkung d. Antikenatoxins, Fortschritte der Psy-
chol. II, 1914.
ED. CLAPARÈDE
Em experiencias desse genero, a suggestão pode
falsear as observações e comprometter todo o trabalho.
§ 8. A influencia collectiva
No seio de uma multidão ou de um grupo, o ho-
memo tem o mesmo comportamento que quando
isolado. 0 mesmo occorre com a criança. 0 simples
facto de achar-se rodeado de seus semelhantes vae
modificar a direcção ou a energia de suas technicas
mentaes. Essas modificações serão favoráveis ou des-
favoráveis á influencia educativa?
A educação collectiva exerce uma influencia ni-
veladora; é, por conseguinte, excellente para os peio-
res alumnos, que impulsiona para a media da classe.
Mas tende também a baixar, para essa media, os
individuos superiores do grupo. E' um facto conhe-
cido o de que toda collectividade tende a uniformi-
sar os individuos, que se imitam inconscientemente
uns aos outros. Vejamos uma experiencia muito de-
monstrativa, feita por W. MOED em uma escola (1).
As crianças tinham que fazer com um lapis, sobre
uma folha de papel, durante trinta segundos, o maior
numero possível de pontinhos. A prova foi feita iso-
ladamente para cada alumno, e depois em conjunto,
para toda a classe. Verificou-se que os oito alumnos
melhores no trabalho isolado baixavam o total de
pontos quando a prova se fazia conectivamente; ao
contrario, os nove alumnos que deram o menor nu-
mero de pontos quando isolados, melhoraram o resul-
tado na prova collectiva. Effeito uniformisador do
trabalho collectivo.
(1) \V. MOED, Der Wetteifer (Zeitsoh. f. padag. Psychologie, 1914).
Pode-se perguntar por isso mesmo: que trabalho
será melhor, o de classe ou o realisado em casa,
pelo alumno?
Duas series de experiencias fizeram, a proposito,
dois professores de Würzburg, para responder a essa
questão (
1
).
Elles encontraram patente superioridade no tra-
balho feito na propria escola. Mas essas experien-
cias deviam ser renovadas, em circumstancias diver-
sas. Seria imprudente tirar conclusões praticas de
experiencias realisadas em meio diverso do nosso, com
regimen escolar differente.
A proposito do trabalho isolado ou collectivo,
verificam-se também differenças individuaes notáveis.
Os intelligentes trabalham relativamente melhor
quando a sós; os pouco intelligentes, ao contrario.
A estes aproveita a suggestão do ambiente, pois, ro-
deados de condiscípulos que trabalhem,o arras-
tados a trabalho mais attento. Experiencias deste ge-
nero só podem ser organisadas por professores ou
inspectores escolares. Seria interessante comparar o
trabalho feito conectivamente e individualmente, iso-
lando o alumno na escola mesmo, eo em sua ca-
sa, onde influencias diversas podem falsear a expe-
riencia.
§ 9 e 10. -- Alterações pathologicas. Emoções
Cito estes dois grupos de factores apenas como
um lembrete. Examinal-o, detidamente, seria sahir fo-
ra dos nossos propósitos ao traçar este ensaio.
(1) MAYER, Uber Einzel- und Gesamtleistung des Schulkindes, e
SCHMIDT, Experim. Untersuch. über die Hausaufgaben des Schalkindes
(Arch. t. die ges. Psychologie, 1903 e 1904).
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPARÈDE
Limito-me a recordar o que a PSYCHOLOGIA já
tem feito pela pedagogia dos anormaes(
1
).
Entre o anormal e o normal, encontram-se ca-
sos intermediarios, para os quaes nem o medico nem
o pedagogo sabem o que fazer. Para esses casos, só
o psychologo; a elle competirá descobrir as falhas e
os remedios.
Faço aqui allusão a crianças que manifestam
lacunas restrictas a um grupo de operações mentaes.
Por exemplo, uma criança, sadia e intelligente, mas
queo consegue terminar o aprendizado da leitura;
uma criança que segue todas as materias do ensino,
excepto a arithmetica, de queo entende absoluta-
mente nada. A' consulta do «Instituto J. J. Rous-
seau» tem apparecido varios casos como esses. Até
agora, porem,o pudemos fazer ainda um estudo
continuado délies, de modo a chegar a conclusões
positivas.
§ 11. O exercício; a cultura formal
Chegamos á questão principal da didáctica:
Qual é a influencia da educação e da instrucção
sobre a criança? Até que ponto se pode manifestar
essa influencia? Qual a sua natureza?
(1) O progresso na educação dos anormaes, de todo o genero, tem
sido surprehendente nos dez últimos annos. Muitos paizes criaram Institu-
tos medico-pedagogicos, como o de Truper, em Iena (Allemanha); o de
Heller, em Vienna; o de Decroly, em Bruxellas; o de Vinelanã, nos Esta-
dos Unidos, dirigido por Goddard; o de Walliin, em Chicago; o Instituto
Pedagogico-forense, em Milão, etc. Outros mantém classes especialisadas,
annexas ás escolas communs. E' o systema da França e da Dinamarca,
aperfeiçoado na Allemanha, pelo que se veio a chamar o systema de Man-
nheim, ideado por Sickinger. Por este systema, ha nas escolas, de todas
as cidades, classes de tres typos: classes principaes (Hauptklassen) para
alumnos de capacidade normal, classes de aperfeiçoamento (Forderklassen)
para alumnos débeis, e classes auxiliares (Hilfklassen para anormaes pro-
priamente ditos (epilépticos, imbecis profundos, etc). Para a organisação
dessas escolas é indispensável o subsidio da PSYCHOLOGIA applicada. (Nota
do trad.).
A escola tem por objecto evidente modificar a
criança, e ninguéme em duvida que a modifica.
Mas qual a natureza psychologica dessas modifica-
ções? Quaes as modificações possíveis? Tudo o que
a escola faz, com o fim de modificar a criança, é
realmente efficaz? Em que casos os esforços didácti-
coso efficazes, em que casoo de rendimento
nullo e em que casoo contra o fim desejado?
Só uma analyse profunda, fundada sobre nume-
rosas experiencias, poderia dar-nos a solução destes
problemas, da mais elevada importancia.
A escola tem duas funções principaes:
1.» Ensinar determinadas coisas á criança;
enriquecel-a com conhecimentos úteis e hábitos par-
ticulares (1er, escrever, contar, desenhar, saber a geo-
graphia, etc).
2.a Desenvolver, cultivar as suas funções men»
taes (cultura da intelligencia, dos sentidos, da atten-
ção, da consciência social e moral) etc.
Jáo temos que tratar aqui do primeiro ponto,
indicado acima, porque elle foi o objecto dos paragra-
phes anteriores.
O estudo das diversas technicas particulares e
dos principios da educação funcional devem servir
de base a toda essa didáctica especial.
Devemos encarar, portanto, o segundo ponto do
programma escolar, isto é, o de desenvolver o espiri-
to, cultivar a intelligencia e o coração.
Desde logo, surge este problema: A intelligencia
pode ser desenvolvida pelo exercicio? (Deixo de lado
a cultura das tendencias moraes, cuja PSYCHOLOGIA é
menos conhecida).
A escola tem admittido sempre, como dogmas
fundamentaes, que a intelligencia e as funções men-
taes podem ser desenvolvidas pelo exercicio. No ern-
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPARÈDE
tanto, numerosas investigações, feitas nestes últimos
annos,m demonstrado que a coisao é assimo
evidente. A pedagogia escolar tem conservado para
seu uso particular a velha theoria das « faculdades da
alma», que já Herbart refugava e que, hoje, para
os psychologos,o representa senão uma antiqualha
de museu. A escola se comporta ainda, como se as
faculdades tivessem uma existencia independente e
autonoma, e como se pudessem crescer, crear substan-
cia com o exercício mental, como o biceps se hyper-
trophia por meio da gymnastica.
A PSYCHOLOGIA modernao pode admittir con-
cepções dessa ordem; para ella, o funcionamento
do espirito se liga ao de uma serie de processos que
se succedenti, concorrendo todos para provocar uma
reacção. Cada pensamento, cada movimento, implica
processos de différentes categorias, implica a memo-
ria, a sensação, o juizo, o controle do consciente e
do subsconsciente, dos sentimentos, etc. A concepção
monarchica ou feudal das faculdades da alma, foi
assim substituida por uma concepção republicana, se
se pode dizer. Desde então,o se pode aceitar cla-
ramente que o exercicio possa desenvolver certos po-
deres geraes, como a memoria, a reflexão, pois que
esses poderes se reduzem ao funcionamento duma
serie de processos diversos.
E' verdade que o funcionamento desses pro-
cessos depende do desenvolvimento do individuo. A
criançao é capaz do mesmo trabalho mental do
adulto. Ha, pois, evidentemente, no espirito alguma
coisa que se desenvolve. E' certo que esse desenvol-
vimento se estimula pelo exercicio. Creio, porem, que
se trata de um desenvolvimento natural, sobre o qual
nada de artificial se pode fazer. Tudo o que se pode
fazer éo prejudicar esse desenvolvimento, collo-
cando a criança nas melhores condições possíveis
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
para que ella se dê sem embaraços. Assim comoo
se pode accelerar o crescimento corporal com o exer-
cido, e que nunca se transformará por elle uma
criança de pequena estatura numa de estatura eleva-
da, também pelo exercicioo se logrará transformar
uma intelligencia de typo mediocre numa de typo
superior.
O que muitas vezes se faz é suspender o desen-
volvimento natural, com medidas intempestivas. E do
mesmo modo que se pode impedir que uma criança
attinja a sua estatura natural, por uma nutrição defei-
tuosa, assim também se poderá suspender o desen-
volvimento natural da intelligencia por um regimen
educativo antinatural, antipsychologico.
Dir-se-á, então, que seo se pode desenvolver
(fazer crescer) artificialmente o espirito da criança,
está fallida a pedagogia! Realmente, a verificação
deste asserto é a ruina de uma certa pedagogia, que
sempre pretendeu essa finalidade impossivel. Mas tam-
m é verdade que seo se pode desenvolver o
espirito artificialmente, pode-se cultivar a intelligen-
cia e as funções mentaes, dando-se á palavra culti-
var um sentido especial, radicalmente diverso do de
desenvolver, fazer crescer.
Antes de ir mais longe, desejava fazer compre-
hender como se pode provar experimentalmente que
o exercicioo permitte o crescimento de uma «fa-
culdade ».
Descrevo aqui uma experiencia feita muitas vezes
em meu laboratorio de PSYCHOLOGIA, e que demonstra
como a attençãoo se desenvolve com o simples
exercicio.
Tomae uma pagina impressa e cancellae com
um lapis, todos os e que se encontrarem nessa pa-
gina. Marcae o tempo empregado nesse trabalho. De-
pois, durante varias semanas, exercitae-vos a can-
G ED. CLAPARÈDE A Escola e a PSYCHOLOGIA Experimental.
ED. CLAPARÈDE
cellar os a de um texto. Podeis observar, facilmente,
que trabalhaes cada vez mais depressa. Terminado
esse treinamento, retomae uma pagina impressa, se-
melhante á primeira, e ensaiae de novo a riscar os c.
Se o exercicio anterior tivesse desenvolvido vossa
attenção, vossa « faculdade de cancellar », deverieis
riscar muito mais rapidamente os e do que na pri-
meira tentativa. Maso é isso o que se. O pe-
riodo de exercicio pode ter-vos exercitado a marcar
os a, maso vos fez ganhar nada quanto ao can-
cellamento dos e. Ao contrario: o habito de marcar
os e prejudica a rapidez de marcar os a, em virtude
duma dessa inhibições de que tratamos no para-
grapho dedicado á memoria.
Por outras palavras, a attenção, em si mesma,
o foi desenvolvida. Tem-se feito innúmeras expe-
riencias deste genero, durante annos seguidos, sem-
pre com resultado negativo. Um trabalho de conjunto
muito bom foi publicado por Heck e Sleight (1).
Taes experiencias, chamadas de transferencia
porque se trata de verificar se o exercicio, adquirido
num dominio, se transfere para outro queo haja
sido exercitado tem dado resultado de duas es-
pecies :
1. Não ha transferencia. E' o caso geral.
2. Verifica-se a transferencia: o exercicio adqui-
rido passa, em certos casos, para outro dominio.
Esta segunda verificação parece uma contradi-
ção ás nossas affirmações anteriores. Maso ha
contradição alguma. Analysando o caso mais de per-
to, observa-se que a transferenciao se deve ao
aperfeiçoamento de uma «faculdade», mas ao facto
(1) HECK, Mental discipline and educational values. New York,
1911; SLEIGHT, Educational values and methods, Oxford. 1915.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
de pertencerem certas technicas que se põem em jogo
aos dois exercícios ou actividades da experiencia.
Por outras palavras: quando ha transferencia de
um dominio a outro, é porque ha certos elementos
communs a esses dois dominios.
E quaes sao esses elementos communs?
o sempre technicas mentaes. Exercitadas num
dominio, deram ao individuo certas attitudes mentaes,
certos hábitos de pensamento, certos conceitos directo-
res da attenção, certos methodos e ideaes de trabalho
eo essas technicas e hábitos que se transferem.
Estas experiencias esclarecem, com novas luzes,
a questão da cultura formal, da «mental discipline»,
como dizem os inglezes. Emquanto a pedagogia tradi-
cional admittia implicitamente que as faculdades se for-
tificavam pelo exercício, em virtude da propria expe-
riencia, a PSYCHOLOGIA nos demonstra queo ha gym-
nastica do espirito nesse sentido. (Deve-se reservar o
termo gymnastica para a acquisição de technicas par-
ticulares, como a leitura, o calculo, etc.). A gymnas-
tica mentalo fortifica as funções da intelligencia ;
por ella,o melhoramos nossos utensilios cere-
braes: aprendemos apenas a empregal-os com me-
lhor resultado.
Em resumo: a cultura mental consiste essencial-
mente na acquisição de certas technicas geraes do
pensamento, na acquisição de certos processos geraes
de trabalho, isto é, na acquisição de certos hábitos de
espirito.
o ha necessidade de demonstrar a mudança
radical que esta nova concepção veio trazer á metho-
dologia do ensino.
Jáo se pode pensar que um trabalho qual-
quer que se dê aos alumnos tenha para elles o valor
ED. CLAPARÈDE
de uma gymnastica geral do espirito; igualmente,o
se admittirá mais que basta dar aos alumnos, para
fortificar os seus poderes mentaes trabalhos aborre-
cidos e fatigantes como seo grandes pesos aos
athletas para fortificar-lhes os músculos.
Qualquer exercícioo terá valor cultural, ou
formal, senão quando faça adquirir, por parte do alum-
no, consciente ou inconscientemente, certas technicas
geraes de trabalho, que elle possa depois applicar na
execução de outras tarefas (1).
Ora, o que é facto — e nisto reside um grande
defeito do nosso systema escolar é que a escola
o ensina estas technicas mentaes. Damos aos alum-
nos différentes trabalhos para fazer, applicamos-lhes
notas baixas, quandoo os concluem correctamente;
mas esquecemo-nos de ensinar-lhes como deveriam
proceder, psychologicamente falando, para que se sa-
hissem bem.
o posso entrar em minucias, porque isso se-
ria penetrar já no terreno da didáctica. Bastava de-
monstrar aqui quantos pontos de vista novos tem a
PSYCHOLOGIA trazido á arte de ensinar. Cabe aos pro-
fessores estudal-os mais de perto e servir-se délies,
com proveito.
(1) O mesmo se da na cultura moral.o ha uma «faculdade mo-
ral » que se desenvolva pelo exercício. Se se logra associar a uma tarefa
bastante dura um ideal que lhe facilite a execução, é-se levado a explorar
esse mesmo ideal na execução de outras tarefas difficeis. William James
o quer dizer outra coisa quando recommenda (Palestras pedagógicas, pag.
61) que se faça diariamente um pequeno sacrificio para nos habituarmos ã
faculdade do esforço. Jameso admitte a existencia de uma «faculdade
do esforço », autonoma, capaz de se desenvolver pelo exercício.
« Ha esforço, diz elle, cada vez que se appella para um motivo raro
e ideal afim de neutralísar as nossas impulsées habituaos e instintivas ».
(Compendio de PSYCHOLOGIA, pg. 589). A theoria de William James, ex-
posta em termos que, á primeira vista, podem causar confusão, harmoni-
sa-se perfeitamente, no emtanto, com a concepção a que nos levam as ex-
periencias sobre a transferencia.
O facto de associar o trabalho a sentimentos positivos, que lhe fa-
voreçam a execução, dispõe favoravelmente o individuo a adoptar a atti-
tude do .trabalho ; ao contrario, o facto de associar o trabalho ao aborre-
cimento e ao desgosto acaba inutilisando o individuo para o trabalho.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
§ 12. A personalidade do professor
0 educador exerce uma notável influencia sobre
o desenvolvimento da criança.
Professores ha que favorecem a expansão de to-
das as forças e poderes do alumno. Tudo nelles con-
vida a criança a ensaiar, a affirmar-se, a ter con-
fiança em si mesma.
Outros exercem influencia opposta. Sua simples
presença molesta a criança, que se intimida, se reco-
lhe, e toma o habito deo exteriorisar-se.
Esta questão do valor pessoal do mestre tem
sido pouco estudada. Seria um bom campo de inves-
tigação para os inspectores escolares, por exemplo,
quem em mãos todos os elementos para poder
fazer frutifical-a (
l
).
(1) O A.o faz menção aqui ao valor do conhecimento da psy-
chologia ao educador, como elemento de auto-governo e de auto-estudo,
para melhor adaptar-se á sua missão, e isso se comprehende por estar
tratando especialmente da psychologia experimental. Convém frizar, com-
tudo, o extraordinario alcance desses estudo;-, ainda por este aspecto. Ca-
da professor possue qualidades pessoaes irreductiveis, nao ha duvida, e o
conhecimento secco das leis psychologicas em pouco o irá modificar, como muito bem
accentuou William James. Mas o seu auto-estudo, dando-lhe
mais perfeita consciência dos seus valores e dos seus defeitos, do seu pro-
prio apparelho psychico. em muito poderá concorrer para o aperfeiçoamen-
to do educador. Há hoje toda uma literatura nesse sentido, muito recoiu-
mendavel, como fonte de inspiração. Lembraria, por exemplo, os livros de
PAYOT, Educação da vontade, e de DUBOIS, Educação de si mesmo.
CAPITULO III
Processos auxiliares. Diagnostico da intel-
lígencia. Verificação dos resultados do
ensino.
o é só a didáctica a arte de ensinar pro-
priamente dita que recebe os beneficios do traba-
lho experimental dos psychologos.
As pesquisas psychologicas offerecem também aos
professores processos experimentaes que lhes permit-
tem, de uma parte, o diagnostico do typo mental e do
nivel de intelligencía de seus alumnos; de outra, a
comprovação rigorosa do rendimento escolar, seja o
rendimento particular deste ou daquelle processo, des-
te ou daquelle livro, seja o do progresso total alcan-
çado pelos discípulos, durante o mez ou durante o anno.
Estes dois objectivos se confundem na pratica
escolar, até certo ponto; porque comprovar o rendi-
mento de um processo de ensino equivale a diagnos-
ticar o progresso mental dos alumnos a elle sub-
mettidos.
Essa verificação, como o diagnostico da menta-
lidade implicam, porem, a existencia de uma medida.
como medir o espirito ou os productos do es-
pirito?
A PSYCHOLOGIA moderna nasceu justamente dos
esforços que se fizeram para realisar essas medidas.
E porque conseguiu applicar a medidas aos phenome-
nos physicos é que ella se elevou á dignidade de
verdadeira sciencia.
Medir é, com effeito, indispensável para poder
analysar e comparar. Só os números, representando
grandezas que se podem avaliar,o susceptíveis duma
comparação objectiva e, por conseguinte, indiscutível.
Aliás, desde os mais remotos tempos de sua orga-
nisação, a escola mede o resultado do trabalho dos
alumnos; para isso tem empregado o systema das
notas escolares. Essas notas trazem porem, o incon-
veniente de medir menos a aptidão real do que a
applicação ao trabalho ou o esforço da memoria. E,
por outro lado, essas notas não são objectivas. Cer-
tos professoreso sempre notas muito altas; outros,
notas muito baixas. Ha nellas uma equação pessoal
evidente.
Ora, unia medida digna desse nome implica uma
unidade objectiva, um padrão que sirva de lei, e
ao qual se devam referir as medidas dos diversos
observadores. Os resultados da avaliação de escalas
ou medidas différenteso podem ser, está claro,
comparáveis entre si.
Ha vinte e cinco annos, a PSYCHOLOGIA vem tra-
balhando para estabelecer provas mentaes ou testes,
destinados a apreciar ou mediro só os caracteres
psychicos de um individuo, mas os resultados de
seu trabalho ou actividade.
Os mais conhecidos, e com razão, no mundo es-
colar,o os testes de Binet e Simon, para medida
da intelligencia. Esta escala á demasiadamente conhe-
cida para que seja necessario descrevel-a aqui. Di-
gamos somente, a respeito della, que salvo algu-
mas rectificações conforme o paiz em que é empre-
gada tem resistido a todas as criticas e cada dia
demonstra mais a sua utilidade escolar (
1
).
(1) V. a trad. e adaptação brasileira dessa escala no vol. Testes
para a medida do desenvolvimento ãa intelligencia, desta collecção.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
ED. CLAPAREDE
A escala de Binet-Simon nos informa sobre a
idade da intelligencia, em geral. Permitte ao cabo de
alguns minutos, diagnosticar se uma criança está
adiantada ou atrazada em relação á sua idade, e
quanto. Comprehende-se o enonne valor desta ava-
liação. Seria de desejar-se, porem, que se pudesse
ir mais longe, e diagnosticar, de modo preciso, quaes
as funções mentaes mais acanhadas e quaes as mais
desenvolvidas; numa palavra, o conhecimentoo só
do nivel global da intelligencia, mas o de suas apti-
dões particulares.
A organisação de escalas desse genero exigirão,
naturalmente, uma larga estatistica que estude os tes-
tes mais diversos.
Os psychologos americanos, queo incansáveis,
propuzeram recentemente o estabelecimento de esca-
las objectivas, para facilitar a classificação do tra-
balho escolar e procurar esse padrão a que ha pouco
alludiamos. Um delles, THORNDIKE, organisou, por
exemplo, uma serie graduada de desenhos, correspon-
dendo cada um delles a um valor determinado. Tal
serie representa o padrão.
Para julgar um desenho qualquer, busca-se na
serie-padrão a que ponto da escala corresponde, em
relação á sua factura. Está claro queo possíveis
ainda certos erros de apreciação. No entretanto, a
escala teria a vantagem de ser a mesma para todos
os professores, limitando, por conseguinte, os des-
vios de apreciação.
Para construir a serie-typica, ou padrão, appel-
lou-se para um grande numero de pessoas, cada uma
das quaes classificou as provas em determinada or-
dem. De accordo com a media dessas classificações
individuaes, foi organisada a gradação definitiva. Se-
ria muito extensa a descripção completa dos recursos
de que lançouo THORNDIKE para attingil-a (
1
).
Ha outros processos de gradação, em uso nas
sei encías biológicas desde uma quinzena de annos,
e dos quaes a pedagogia pode tirar partido: proces-
sos de correlação, destinados a explicar as dependen-
cias mutuas entre certas funções e caracteres; me-
thodos estatísticos, com processos diversos de clas-
sificação dos individuos (curvas de freqüência, ogiva
de Galton, etc.) (
2
).
(1) Depois dos trabalhos de THORNDIKE. muitos outros semelhan-
tes appareceram nos Estados Unidos, para o «standard» no ensino de ou-
tras disciplinas. Citamos, por exemplo, os testes de Ayres, para calligraphia;
de Courtis, para arithmetical de Cross, para leitura; de Godsey e White.
para latim; de Wilkins, para línguas novi-latinas, em geral; de Kuss-
Cossmann, para biologia; de Ruch-Popenoe, para sciencias physicas, etc,
todos ateridos para os programmas das escolas americanas. (Nota do trad.).
(2) V. a proposito o I volume desta Bibliotheca « PSYCHOLOGIA ex-
perimental», de H. Piéron, pg. 83 e pg.
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
CAPITULO IV
Conclusão
A excursão, a um tempo rapida mas longa, que
acabamos de fazer atravez da PSYCHOLOGIA contem-
poranea, para descobrir em que ella pode influir no
aperfeiçoamento do ensino, leva-nos a différentes con-
clusões, que podemos assim resumir:
1.) Para cumprir a missão que lhe cabe, de
modo mais perfeito, a escola deve inspirar-se numa
concepção funcional da educação e do ensino,
tomando a criança como centro dos programmas e
dos methodos escolares e considerando a propria edu-
cação como uma adaptação dos processos mentaes a
certas acções (ou possibilidades de acções), determi-
nadas por certos desejos.
2.°) A didáctica deve transformar os fins fu-
turos, visados pelos programmas escolares, em in-
teresses presentes para as crianças. O melhor mo-
do de dar razão de ser immediata ao trabalho esco-
lar, junto aos olhos da criança, é o de relacional-o
com um systema de interesses naturaes. Esses inte-
resses libertam na criança a quantidade de energia
necessaria para que ella se entregue inteiramente
ao trabalho, como se a envolvesse uma atmosphera
de jogo.
3.°) como a vida que espera a criança, ao sahir
da escola, é a vida no seio de um ambiente social,
apresentar o trabalho sob forma vital é apresental-o
sob o seu aspecto social, como instrumento de
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
acção social (o que se dá na realidade). A escola
tem esquecido demais este aspecto social e, despre-
zando a sua contextura natural, tem trabalhado sem-
pre artificialmente.
4.°) A escola deve preservar o periodo da
infancia, que com tanta freqüência se restringe, sal-
tando etapas que devem ser respeitadas.
5.°) A didáctica deve ter em conta as te-
chnicas mentaes proprias da criança, e substituir
o ponto de vista logico pelo ponto de vista psycho-
logico e genetico.
6.°) A didáctica deve inspirar-se no estudo das
technicas das diversas funções mentaes, notadamente
no da memorisação.
7.°) A escola tem interesse em organisar a dis-
tribuição do trabalho da maneira mais economica
e vantajosa; o estudo dos factores que influam so-
bre o trabalho e das leis da fadiga deve ser a base
dessa distribuição optima.
8.°) A gymnastica intellectual é uma chimera,
se se entender por ella uma gymnastica que, pela
virtude propria do exercicio bruto, fortaleça ou di-
late as capacidades mentaes. Este modo de vêr, ins-
pirado na velha theoria das «faculdades da alma»,
deve ser rejeitado. A cultura mental consiste na
acquisição de determinadas technicas mentaes, de
determinados hábitos geraes de trabalho, para a
natureza e importancia dos quaes a escola devia cha-
mar a attenção dos alumnos.
9.°) Dando aos alumnos trabalhoso vivifica-
dos pelo interesse, a escola lhes offerece o risco
de contrahir hábitos negativos de trabalho. A conse-
qüência será a de que todo o trabalho, qualquer que
seja, acabará suscitando um sentimento de desgosto
ou aborrecimento, por haverem os alumnos associado
esse sentimento á attitude de trabalhar.
10.°) Alem da acquisição dessas technicas,o
se pode desenvolver o espirito, senão favorecendo a
sua evolução natural.o se pode impulsionar artifi-
cialmente o desenvolvimento de uma função men-
tal simples, alem do limite que lhe traçou a natureza,
em cada individuo considerado. Proceder de modo
contrario, é correr o risco de deter o desenvolvimento
normal de uma função, com exercícios inadequados.
11.°) A PSYCHOLOGIA experimental offerece á pra-
tica pedagogica processos apropriados á comprovação
do valor de novos systemas de ensino, e do rendi-
mento do trabalho escolar.
12.°) A PSYCHOLOGIA fornece igualmente proces-
sos de diagnostico mental (testes mentaes).
***
Talvez estejam estas conclusões redigidas de mo-
do um pouco categorico. Lembro a proposito, o que
tenho dito em muitas occasiões: as conclusões que
a PSYCHOLOGIA autorisa exigem uma comprovação no
meio escolar para que adquiram todo o seu valor
pratico. E' evidente.
Comtudo, diga-se desde, claramente, que a effi-
ciencia de um regimen fundado nas exigencias da
PSYCHOLOGIA da criança se esboça como intimamente
mais provável do que a de regimen fundado em
certas opiniões, de que se ignora a procedencia exa-
cta, muitas procedendo da idade media, regimen em
que se pode verificar aliás, cada dia, que o rendimento
o é proporcionado á somma dos esforços e do
tempo que consome. Isso parao falar já dos. ris-
cos que nelle correm muitos individuos, que, por
ED. CLAPARÈDE
A ESCOLA E A PSYCHOLOGIA
se acharem abaixo ou acima da media normal, soffrem
mais compressão do que beneficios.
Seria muito de desejar que os professores, ou
pelo menos que um grupo escolhido delles, se ini-
ciassem nos estudos da PSYCHOLOGIA moderna, em-
prehendendo assim, nos meios escolares, o comple-
mento das investigações indispensáveis á construcção
da pedagogia de amanhã. Ao fundar, ha treze annos,
o «Instituto J. J. Rousseau»,o nos propuzemos
diffundir uma doutrina, porqueo temos doutrina,
mas armar os nossos discípulos com methodos pró-
prios de observação e controle, com os quaes elles
viessem collaborar na formidável tarefa que se apre-
senta á nossa geração: a de ajustaro exactamente
quanto possivel o regimen educativo á alma e ao
cerebro da criança, de maneira a produzir os melho-
res resultados possíveis para o individuo e para a
sociedade. (1).
(1) Varias questões, apenas aqui. indicadas, estão desenvolvidas no
livro desta collecção: Introducçâo ao estudo da escola nova, em que se dá
uma visão mais ou menos completa das novas tendencias da didáctica com
base na PSYCHOLOGIA moderala. (Nota da ed.).
INDICE
Claparède e a pedagogia actual (prefacio do Dr. Lourenço Filho) 5
Iniroducção do Autor 11
CAPITULO I
Transformação do regimen escolar quanto ao seu proprio
espirito. Conceito functional de educação .... 16
CAPITULO II
Contribuição á technica escolar. 1) Mecanismos psy-
chicos estudados em si mesmos. Mecanismo das
operações mais complexas. 3) Differenças individuaes,
typos mentaes. 4) O desenvolvimento mental e a
idade. 5) O sexo. 6) Factores diversos. 7) A
fadiga. 8) A influencia collectiva. 9) Alterações
pathologícas. 10) Emoções. 11) O exercicio, a
cultura formal. 12) A personalidade do educador . 28
CAPITULO III
Processos auxiliares. Diagnostico da intelligencia.
Verificação dos resultados do ensino 86
CAPITULO IV
Conclusão 90
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