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Integração das
Tecnologias na Educação
Salto para o Futuro
Organização: Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
e José Manuel Moran
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SEED/MEC
SUMÁRIO
Introdução
Apresentação da coletânea pelos organizadores
1. Tecnologias, currículo e projetos
1.1. Pedagogia de projetos Pedagogia de projetos: Fundamentos e implicações.
Maria Elisabette Brisola Brito Prado
1.2. Aprender com o vídeo e a câmera. Para além das câmeras, as idéias. Laura
Maria Coutinho
1.3. Pesquisa, comunicação e aprendizagem com o computador. O papel do
computador no processo ensino-aprendizagem. José Armando Valente
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1.4. Revalorização do livro diante das novas mídias. Veículos e linguagens do
mundo contemporâneo: A educação do leitor para as encruzilhadas da mídia.
Ezequiel Theodoro da Silva
1.5. Prática e formação de professores na integração de mídias. Prática pedagógica e
formação de professores com projetos: Articulação entre conhecimentos,
tecnologias e mídias. Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
1.6. Ciência da Natureza, Matemática e Tecnologia.As novas tecnologias e sua
expressiva contribuição para o ensino das Ciências no Ensino Médio. Vera
Lúcia Duarte de Novais
1.7. Ciência da Natureza, Matemática e Tecnologia. A integração como padrão
comum entre as Ciências da Natureza e a Tecnologia. Beatriz Corso Magdalena
1.8. Articulações entre áreas de conhecimento e tecnologia. Articulando saberes e
transformando a prática. Maria Elizabette Brito Prado
2. Tecnologias na escola
2.1. Internet na escola e inclusão. Marco Silva
2.2. Tecnologia na escola: formação de educadores na ação. Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida
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2.3. Tecnologia interativa a serviço da aprendizagem colaborativa num paradigma
emergente. Drª. Marilda Aparecida Behrens
2.4. Escola inclusiva e as novas tecnologias. Elisa Tomoe Moriya Schlunzen
3. Tecnologias audiovisuais: TV e vídeo na escola
3.1. Próxima atração: a tv que vem aí. Carmen Moreira de Castro Neves
3.2. As tecnologias invadem nosso cotidiano. Vani Kenski
3.3. Desafios da televisão e do vídeo à escola. José Manuel Moran
3.4. Televisão e educação: aproximações. Vânia Lúcia Quintão Carneiro
3.5. A leitura da imagem. Lucília Helena do Carmo Garcez
3.6. Processos de produção de vídeos educativos. Lígia Cirino Girao
3.7. Experimentação: planejando, produzindo, analisando. Maristela Mitie Tanaka
3.8. A televisão e o vídeo na escola. Uma nova dinâmica na gestão educacional.
Carmem Moreira de Castro Neves
3.9. É possível educar para e com a TV?. PROFª SYLVIA MAGALDI
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4. Tecnologias na educação de professores a distância
4.1. A Educação a distância e a Formação de Professores. Carmen Moreira de Castro
Neves
4.2. Critérios de Qualidade. Bernardete A. Gatti
4.3. O que é um bom curso a distância?. José Manuel Moran
4.4. Gestão de Sistemas de Educação a Distância. Alvana Maria Bof
4.5. Características de um bom material impresso para a educação a distância. Maria
Umbelina Caiafa Salgado
4.6. Materiais escritos nos processos formativos a distância. Leda Maria Rangearo
Fiorentini
4.7. Computadores, Internet e Educação a Distância. Alberto Tornaghi
4.8. Apoio à aprendizagem: o orientador acadêmico. Oreste Preti
4.9. O tutor no Proformação. Maria Cristina Tavares
4.10. Avaliação de desempenho do aluno na ead. Sandra Azzi
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4.11. A Avaliação e a Avaliação na educação a Distância: algumas notas para
reflexão. Kátia Morosov Alonso
4.12. Questões pedagógicas e curriculares da formação continuada de professores a
distância. Leda Maria Rangearo Fiorentini
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Apresentação dos organizadores
As rápidas e ininterruptas transformações nas concepções de ciência aliadas à
vertiginosa evolução e utilização das tecnologias, trazem novos e complexos desafios à
educação e aos seus profissionais, evidenciando a necessidade de formação continuada e ao
longo da vida, utilizando para tanto todos os meios e recursos disponíveis.
Nessa ótica, o sistema público vem desenvolvendo programas de formação
continuada na modalidade presencial, a distância ou híbrida, com suporte em distintas
tecnologias. Entre as iniciativas do Ministério da Educação, merece destaque o Programa
Salto para o Futuro, da TVE Brasil do Rio de Janeiro, devido ao pioneirismo da iniciativa
da Secretaria de Educação a Distância, alcance dos educadores de todas as regiões do Brasil
e abrangência temática.
O Salto para o Futuro é um programa televisivo que visa a formação de profissionais
da educação e alunos dos cursos de magistério, propiciando-lhes conhecer experiências
educativas inovadoras, dialogar com especialistas e reconstruir suas práticas e concepções
teóricas. A participação ocorre mediante a troca de idéias e o diálogo por meio de perguntas
que podem ser enviadas ao centro emissor por meio de distintas mídias e recursos, como
carta, telefone, fax, televisão, email via Internet etc.
Os programas do Salto para o Futuro são apresentados em séries temáticas contendo
uma estrutura constituída por pequenos vídeos (experiências de sala de aula, clipes
musicais, reportagens, entrevistas, trechos de filmes etc.), participação ao vivo de
convidados de diversas áreas e diálogo com telespectadores que participam a distância nas
tele salas ou acompanham pela televisão.
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Antecedendo à veiculação da série os consultores que atuam junto à equipe de
produção do programa, produzem textos sobre a temática abordada, fundamentos teóricos,
apresentação de experiências, sugestão de atividades e bibliografia, os quais são
disponibilizados com antecedência no site da TVE e também distribuídos como material
impresso. Dessa forma, o Salto para o Futuro dispõe de um conjunto significativo de textos
de apoio que propiciam problematizar questões, aprofundar teorias e compreender práticas.
Iniciado em 1991, no decorrer de todos esses anos, a equipe do Salto vem
organizando várias publicações impressas com os textos publicados cuja temática apresente
relevância para além do Programa para o qual foi originalmente elaborado.
A iniciativa atual da SEED/Salto no sentido de produzir uma coletânea sobre o tema
Integração de tecnologias na educação, soma-se às políticas de formação profissional
continuada, em sintonia com as prioridades de desenvolvimento da educação pública com
qualidade e eqüidade.
Para facilitar a localização do leitor no conjunto de textos de que trata esta série sobre
Integração de tecnologias na educação, os textos foram agrupados de acordo com os
seguintes capítulos:
1. Tecnologia, currículo e projetos
2. Tecnologias na escola
3. Tecnologias audio-visuais: TV e vídeo na escola
4. Tecnologias na educação de professores a distância
A seleção de artigos para esta coletânea foi motivada pela intenção de proporcionar
ao leitor a reflexão sobre temas e questões essenciais relacionados com a integração de
tecnologias na educação e com a formação continuada ou inicial de educadores para
incorporar tecnologias ao seu fazer profissional, recriando suas práticas e seus espaços de
atuação.
Nossa expectativa é que a leitura desses artigos possa incentivar a incorporação de
tecnologias na educação com vistas à melhoria de qualidade da aprendizagem dos alunos, a
construção da cidadania e a transformação da escola em um espaço de vida, sonhos e
produção de saberes, no qual as tecnologias sejam utilizadas em situações que tragam
efetivas contribuições.
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1. Tecnologia, currículo e projetos
Este tópico traz uma coleção de artigos referentes às novas maneiras de ensinar, aprender e
desenvolver o currículo ao integrar diferentes tecnologias à prática pedagógica voltada à
aprendizagem significativa do aluno, especialmente, quando se trabalha com projetos.
Nessa ótica, o aluno, sujeito ativo da aprendizagem, aprende ao fazer, levantar e testar
idéias, experimentar, aplicar conhecimentos e representar o pensamento. Cabe ao professor,
criar situações que provoquem os alunos a interagir entre si, trabalhar em grupo, buscar
informações, dialogar com especialistas e produzir novos conhecimentos.
Para isso, o fundamental é que o professor possa observar e dialogar com seu aluno para
compreender suas dúvidas, inquietações, expectativas e necessidades e, ao propor
atividades, colocar em negociação as próprias intenções, objetivos e diretrizes, de modo a
despertar no aluno a curiosidade e o desejo pelo aprender.
Evidencia-se assim que o trabalho com projetos inverte a lógica do currículo definido em
grades de conteúdos temáticos estanques, induzindo o professor a colocar em jogo as
problemáticas que permeiam o cotidiano. As questões e os conceitos do senso comum que
emergem no diálogo com o aluno são então transformados em questões e temas a serem
investigados por meio de projetos. Porém, no trabalho com projetos que se ir além da
superação de desafios, buscando desvelar e formalizar os conceitos implícitos no
desenvolvimento do trabalho, para que se estabeleça o ciclo da produção do conhecimento
científico que vai tecendo o currículo na ação.
Portanto, é fundamental que o professor compreenda as potencialidades, implicações e
exigências do desenvolvimento de projetos em sala de aula, nos quais os alunos são sujeitos
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ativos da aprendizagem, procurando propor estratégias e reflexões que contemplem a
autoria dos alunos e preservem a função essencial da escola: o desenvolvimento da
autonomia do ser humano, a produção de conhecimentos e a construção da cidadania.
A concepção educacional norteadora da incorporação das TIC na sala de aula que
fundamenta os artigos deste tópico enfatiza a compreensão e a reconstrução do
conhecimento para a busca de alternativas às problemáticas contextuais e a transformação
da realidade, de modo a propiciar a aprendizagem mobilizadora das dimensões cognitiva,
social e afetiva dos alunos.
Portanto, os artigos não coadunam com o ensino instrumental que se restringe ao espaço
delimitado pelas fronteiras disciplinares, tampouco pode se considerado como agregado a
uma única disciplina ou se direcione ao estudo de tecnologias em si mesma. Da mesma
forma que não se restringe aos limites disciplinares, os artigos focam concepções e práticas
pedagógicas que se apóiam e integram distintas mídias e fontes de informações, tais como
livros, vídeos, revistas, jornais, publicações na Internet, contatos via email, uso de
enciclopédia em CD-Rom, software de referência, programas televisivos e outros.
Nos artigos apresentados a seguir, o conhecimento é tratado em sua unicidade articulando
em si mesmo distintas áreas do saber, e, ao mesmo tempo, evidenciando as especificidades
de cada área, uma vez que se consegue integrar conceitos de distintas áreas quando se
conhece tais conceitos e se identificam suas propriedades, características e especificidades.
Neste tópico, os artigos enfatizam a integração de distintas tecnologias ao trabalho com
projetos em sala de aula, sem perder de vista o currículo que vai se compondo no
desenvolvimento da atividade.
O artigo “Pedagogia de projetos: Fundamentos e implicações”, de Maria Elisabette
Brisola Brito Prado, traz à tona a discussão sobre como conceber e tratar a conexão entre
os distintos cenários em que se trabalham com projetos na escola, mantendo a coerência
conceitual entre os mesmos de modo a reconstruir novas formas de ensinar e aprender que
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incorporem distintas dias e conteúdos curriculares dentro de uma abordagem
construcionista.
Com as lentes e câmeras voltadas em outra direção, Laura Maria Coutinho, no artigo
“Aprender com odeo e a câmera. Para além das câmeras, as idéias”, traz importante
contribuição à pedagógica de projetos, fazendo um zoom sobre a integração entre
linguagens e mídias, propondo um diálogo que ilumine e articule as distintas formas de
expressão propiciadas pelas características de cada uma delas, quando se permite aos alunos
o uso de distintas tecnologias como protagonistas de suas produções.
José Armando Valente, em seu artigo, Pesquisa, comunicação e aprendizagem com o
computador. O papel do computador no processo ensino-aprendizagem analisa as
questões técnicas e pedagógicas envolvidas no uso das TIC na educação, mostrando que o
grande desafio das novas tecnologias que vão ficando velhas sem que tenham sido
devidamente apropriadas pelos professores e que o surgimento de outras tecnologias
poderão causar impactos imprevisíveis. que se investir na preparação de professores
para que possam compreender as características constitutivas das tecnologias disponíveis de
modo a combinar e integrar adequadamente o conhecimento técnico com propostas
pedagógicas inovadoras.
O artigo de Ezequiel Theodoro da Silva, intitulado Revalorização do livro diante das
novas mídias. Veículos e linguagens do mundo contemporâneo: A educação do leitor
para as encruzilhadas da mídia”, mostra a importância da educação para a cultura das
mídias e da re-significação de tecnologias convencionais diante do surgimento constante de
novas tecnologias. Embora a comunicação por meio da escrita se transformando com a
disseminação dos novos meios de comunicação e informação, a prática da leitura criteriosa
continua indispensável e imprescindível para compreender as linguagens veiculadas pelas
distintas mídias e adentrar criticamente as informações que permeiam a vida cotidiana.
Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, em seu artigo Prática pedagógica e
formação de professores com projetos: Articulação entre conhecimentos, tecnologias e
mídias”, explora três aspectos fundamentais para a formação de professores relacionados
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com a compreensão das contribuições propiciadas pela integração de distintas mídias à
prática pedagógica: registro de intenções, processos e produções; integração de tecnologias
e mídias de acordo com suas características constitutivas; identificação de conceitos
mobilizados nas atividades e projetos.
No artigo As novas tecnologias e sua expressiva contribuição para o ensino das
Ciências no Ensino Médio”, Vera Lúcia Duarte de Novais vislumbra no uso das TIC na
escola as alternativas para o professor superar o distanciamento entre as demandas sociais e
sua atuação, explorando as possibilidades de acesso instantâneo a informações atualizadas e
a resultados de pesquisas oriundos de variados locais e instâncias produtoras. Assim, a
escola pode se conectar com o mundo, o professor pode acompanhar a evolução das
ciências e orientar adequadamente o aluno para que atribua sentido aos conceitos em estudo
e compreenda a relevância social dos conhecimentos de distintas áreas da ciência.
Beatriz Corso Magdalena no artigo A integração como padrão comum entre as
Ciências da Natureza e a Tecnologia”, propõe mudança radical nas grades curriculares no
trabalho pedagógico que passa a ter como eixo as dúvidas e indagações dos alunos em
função de hipóteses levantadas sobre a realidade. Neste trabalho o envolvimento do aluno,
sujeito ativo e construtivo, é viabilizado no desenvolvimento de projetos de aprendizagem
cooperativa e resolução de problemas, com o uso de TIC.
Na mesma direção proposta por Beatriz Corso Magdalena, Maria Elizabette Brisola Brito
Prado, no artigo Articulando saberes e transformando a prática”, evidencia que na
resolução de problemas ou no trabalho com projetos, há que se identificar e compreender os
conceitos e as estratégias envolvidos, bem como proporcionar o desenvolvimento de
competências e habilidades. Tais atividades com o uso das TIC permitem explorar as novas
formas de interpretar e representar o conhecimento.
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MARIA ELISABETTE BRISOLA BRITO PRADO
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Pedagogia de Projetos: Fundamentos e Implicações
“Se fizermos do projeto uma camisa de força para todas as atividades escolares, estaremos
engessando a prática pedagógica.” (Almeida, 2001)
Introdução
Atualmente, uma das temáticas que vem sendo discutida no cenário educacional é o
trabalho por projetos. Mas que projeto? O projeto político-pedagógico da escola? O projeto
de sala de aula? O projeto do professor? O projeto dos alunos? O projeto de informática? O
projeto da TV Escola? O projeto da biblioteca? Essa diversidade de projetos que circula
freqüentemente no âmbito do sistema de ensino, muitas vezes, deixa o professor
preocupado para saber como situar a sua prática pedagógica em termos de propiciar aos
alunos uma nova forma de aprender integrando as diferentes mídias nas atividades do
espaço escolar.
Existem, em cada uma dessas instâncias do projeto, propostas e trabalhos interessantes; a
questão é como conceber e tratar a articulação entre as instâncias do projeto, para que de
fato seja reconstruída na escola uma nova forma de ensinar, integrando as diversas mídias e
conteúdos curriculares numa perspectiva de aprendizagem CONSTRUCIONISTA. Segundo
Valente (1999), o construcionismo “significa a construção de conhecimento baseada na
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realização concreta de uma ação que produz um produto palpável (um artigo, um projeto,
um objeto) de interesse pessoal de quem produz ” (p. 141).
Na pedagogia de projetos, o aluno aprende no processo de produzir, de levantar dúvidas, de
pesquisar e de criar relações, que incentivam novas buscas, descobertas, compreensões e
reconstruções de conhecimento. E, portanto, o papel do professor deixa de ser aquele que
ensina por meio da transmissão de informações que tem como centro do processo a
atuação do professor –, para criar situações de aprendizagem cujo foco incide sobre as
relações que se estabelecem neste processo, cabendo ao professor realizar as mediações
necessárias para que o aluno possa encontrar sentido naquilo que está aprendendo, a partir
das relações criadas nessas situações. A esse respeito Valente (2000) acrescenta:
“(...) no desenvolvimento do projeto o professor pode trabalhar com [os alunos]
diferentes tipos de conhecimentos que estão imbricados e representados em termos
de três construções: procedimentos e estratégias de resolução de problemas,
conceitos disciplinares e estratégias e conceitos sobre aprender” (p. 4).
No entanto, para fazer a MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, o professor precisa acompanhar o processo de
aprendizagem do aluno, ou seja, entender seu caminho, seu universo cognitivo e afetivo,
bem como sua cultura, história e contexto de vida. Além disso, é fundamental que o
professor tenha clareza da sua intencionalidade pedagógica para saber intervir no processo
de aprendizagem do aluno, garantindo que os conceitos utilizados, intuitivamente ou não,
na realização do projeto sejam compreendidos, sistematizados e formalizados pelo aluno.
Outro aspecto importante na atuação do professor é o de propiciar o estabelecimento de
relações interpessoais entre os alunos e respectivas dinâmicas sociais, valores e crenças
próprios do contexto em que vivem. Portanto, existem três aspectos fundamentais que o
professor precisa considerar para trabalhar com projetos: as possibilidades de
desenvolvimento de seus alunos; as dinâmicas sociais do contexto em que atua e as
possibilidades de sua mediação pedagógica.
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O trabalho por projetos requer MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO de ensino e aprendizagem e,
conseqüentemente, na postura do professor. Hernández (1988) enfatiza que o trabalho por
projeto não deve ser visto como uma opção puramente metodológica, mas como uma
maneira de repensar a função da escola (p. 49). Essa compreensão é fundamental,
porque aqueles que buscam apenas conhecer os procedimentos, os métodos para
desenvolver projetos, acabam se frustrando, pois não existe um modelo ideal pronto e
acabado que dê conta da complexidade que envolve a realidade de sala de aula, do contexto
escolar.
Mas que realidade? Claro que existem diferenças, e que todas precisam ser tratadas com
seriedade para que a comunidade escolar possa constituir-se em um espaço de
aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento cognitivo, afetivo, cultural e social dos
alunos. Uma realidade em que o professor se depara atualmente é caracterizada pela
chegada de novas tecnologias (computador, Internet, vídeo, televisão) na escola, que
apontam novos desafios para a comunidade escolar. O que fazer diante desse novo cenário?
De repente o professor que, confortavelmente, desenvolvia sua ação pedagógica – tal como
havia sido preparado durante a sua vida acadêmica e pela sua experiência em sala de aula
se diante de uma situação que implica novas aprendizagens e mudanças na prática
pedagógica.
A pedagogia de projetos, embora constitua um novo desafio para o professor, pode
viabilizar ao aluno um modo de aprender baseado na INTEGRAÇÃO entre conteúdos das várias
áreas do conhecimento, bem como entre diversas mídias (computador, televisão, livros),
disponíveis no contexto da escola. Por outro lado, esses novos desafios educacionais ainda
não se encaixam na estrutura do sistema de ensino, que mantém uma organização funcional
e operacional como, por exemplo, horário de aula de 50 minutos e uma grade curricular
seqüencial que dificulta o desenvolvimento de projetos que envolvam ações
interdisciplinares, que contemplem o uso de diferentes mídias disponíveis na realidade da
escola e impliquem aprendizagens que extrapolam o tempo da aula e o espaço físico da sala
de aula e da escola.
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Daí a importância do desenvolvimento de PROJETOS ARTICULADOS envolvendo a co-autoria dos
vários PROTAGONISTAS do processo educacional. O fato de um projeto de gestão escolar
estar articulado com o projeto de sala de aula do professor, que por sua vez visa propiciar o
desenvolvimento de projetos em torno de uma problemática de interesse de um grupo de
alunos, integrando o computador, materiais da biblioteca e a televisão, torna-se fundamental
para o processo de reconstrução de uma nova escola. Isto porque a parceria que se
estabelece entre os protagonistas (gestores, professores, alunos) da comunidade escolar
pode facilitar a busca de soluções que permitem viabilizar a realização de novas prática
pedagógicas, tendo em vista a aprendizagem para a vida.
A pedagogia de projetos, na perspectiva da integração entre diferentes mídias e conteúdos,
envolve a inter-relação de conceitos e de princípios, os quais sem a devida compreensão
podem fragilizar qualquer iniciativa de melhoria de qualidade na aprendizagem dos alunos
e de mudança da prática do professor. Por essa razão, os tópicos a seguir abordam e
discutem alguns conceitos, bem como possíveis implicações envolvidas na perspectiva da
pedagogia de projetos, que se viabiliza pela articulação entre mídias, saberes e
protagonistas.
Conceito de Projeto
A idéia de projeto envolve a ANTECIPAÇÃO de algo desejável que ainda não foi realizado, traz
a idéia de pensar uma realidade que ainda não aconteceu. O processo de projetar implica
analisar o presente como fonte de possibilidades futuras (Freire e Prado, 1999). Tal como
vários autores
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colocam, a origem da palavra projeto deriva do latim projectus, que
significa algo lançado para frente. A idéia de projeto é própria da atividade humana, da sua
forma de pensar em algo que deseja tornar real, portanto, o PROJETO É INSEPARÁVEL DO SENTIDO
DA AÇÃO (Almeida, 2002). Neste sentido Barbier (In: Machado, 2000) salienta:
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“(...) o projeto não é uma simples representação do futuro, do amanhã, do
possível, de uma idéia; é o futuro a fazer, um amanhã a concretizar, um possível a
transformar em real, uma idéia a transformar em acto” (p.6).
No entanto, o ato de projetar requer ABERTURA para o desconhecido, para o não-determinado
e FLEXIBILIDADE para reformular as metas à medida que as ações projetadas evidenciam novos
problemas e dúvidas.
Um dos pressupostos básicos do projeto é a AUTORIA seja individual, em grupo ou
coletivamente. A esse respeito Machado (2000) destaca que não se pode ter projeto pelos
outros. É por esta razão que enfatizamos que a possibilidade de o professor ter o seu projeto
de sala de aula não significa que este deverá ser executado pelo aluno. Cabe ao professor
elaborar projetos para viabilizar a criação de situações que propiciem aos alunos
desenvolverem seus próprios projetos. São níveis de projetos distintos que se articulam nas
interações em sala de aula. Por exemplo, o projeto do professor pode ser descobrir
estratégias para que os alunos construam seus projetos tendo em vista discutir sobre uma
problemática de seu cotidiano ou de um assunto relacionado com os estudos de certa
disciplina, envolvendo o uso de diferentes mídias disponíveis no espaço escolar.
Isto significa que o PROJETO DO PROFESSOR pode ser constituído pela própria prática
pedagógica, a qual será antecipada (relacionando as referências das experiências anteriores
e as novas possibilidades do momento), colocada em ação, analisada e reformulada. De
certa forma esta situação permite ao professor assumir uma postura REFLEXIVA e INVESTIGATIVA
da sua ação pedagógica e, portanto, caminhar no sentido de reconstruí-la com vistas a
integrar o uso das mídias numa abordagem interdisciplinar.
Para isto é necessário compreender que no trabalho por projetos, as pessoas se envolvem
para descobrir ou produzir algo novo, procurando respostas a questões ou problemas reais.
Não se faz projeto quando se tem certezas, ou quando se está imobilizado por dúvidas
(Machado, 2000, p. 7). Isto significa que o projeto parte de uma problemática e, portanto,
quando se conhece a priori todos os passos para solucionar o problema, esse processo se
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constitui num exercício e aplicação do que já se sabe (Almeida, 2002). Projeto não pode ser
confundido com um conjunto de atividades que o professor propõe para que os alunos
realizem a partir de um tema dado pelo professor ou colocado pelo aluno, resultando numa
apresentação de trabalho.
Na pedagogia de projetos é necessário, ter coragem de romper com as limitações do
cotidiano, muitas vezes auto-impostas (Almeida e Fonseca Júnior, 2000, p. 22) e
“delinear um percurso possível que pode levar a outros, não imaginados a priori (Freire
e Prado, 1999, p. 113). Mas, para isto é fundamental repensar as potencialidades de
aprendizagem dos alunos para a investigação de problemáticas que possam ser
significativas para eles e repensar o papel do professor nesta perspectiva pedagógica,
inclusive integrando as diferentes mídias e outros recursos existentes no contexto da escola.
Aprendendo e Ensinando com Projetos
A pedagogia de projetos deve permitir que o aluno APRENDA-FAZENDO e reconheça a própria
AUTORIA naquilo que produz por meio de QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO que lhe impulsionam a
CONTEXTUALIZAR CONCEITOS conhecidos e DESCOBRIR outros que emergem durante o
desenvolvimento do projeto. Nesta situação de aprendizagem, o aluno precisa selecionar
informações significativas, tomar decisões, trabalhar em grupo, gerenciar confronto de
idéias, enfim desenvolver COMPETÊNCIAS INTERPESSOAIS para aprender de forma colaborativa
com seus pares.
A MEDIAÇÃO do professor é fundamental, pois, ao mesmo tempo que o aluno precisa
reconhecer a sua própria autoria no projeto, ele também precisa sentir a presença do
professor que ouve, questiona e orienta, visando propiciar a construção de conhecimento do
aluno. A mediação implica a CRIAÇÃO DE SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM que permitam ao aluno
fazer regulações, uma vez que os conteúdos envolvidos no projeto precisam ser
sistematizados para que os alunos possam formalizar os conhecimentos colocados em ação.
O trabalho por projeto potencializa a integração de diferentes áreas de conhecimento, assim
como a integração de várias mídias e recursos, os quais permitem ao aluno expressar seu
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pensamento por meio de diferentes linguagens e formas de representação. Do ponto de vista
de aprendizagem no trabalho por projeto, Prado (2001) destaca a possibilidade de o aluno
recontextualizar aquilo que aprendeu, bem como estabelecer relações significativas entre
conhecimentos. Nesse processo, o aluno pode ressignificar os conceitos e as estratégias
utilizadas na solução do problema de investigação que originou o projeto e, com isso,
ampliar o seu universo de aprendizagem.
Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de projetos é vista pelo seu caráter de
potencializar a INTERDISCIPLINARIDADE. Isto de fato pode ocorrer, pois o trabalho com projetos
permite romper com as fronteiras disciplinares, favorecendo o estabelecimento de elos entre
as diferentes áreas de conhecimento numa situação contextualizada da aprendizagem. No
entanto, muitas vezes o professor atribui valor para as práticas interdisciplinares e com isso
passa a negar qualquer atividade disciplinar. Essa visão é equivocada, pois Fazenda (1994)
enfatiza que a interdisciplinaridade se sem que haja perda da identidade das disciplinas.
Nesse sentido, Almeida (2002) corrobora com estas idéias destacando:
“(...) que o projeto rompe com as fronteiras disciplinares, tornando-as permeáveis
na ação de articular diferentes áreas de conhecimento, mobilizadas na investigação
de problemáticas e situações da realidade. Isso não significa abandonar as
disciplinas, mas integrá-las no desenvolvimento das investigações, aprofundando-
as verticalmente em sua própria identidade, ao mesmo tempo, que estabelecem
articulações horizontais numa relação de reciprocidade entre elas, a qual tem como
pano de fundo a unicidade do conhecimento em construção” (p.58).
O conhecimento específico disciplinar oferece ao aluno a possibilidade de reconhecer e
compreender as particularidades de um determinado conteúdo e o conhecimento integrado –
interdisciplinar lhe a possibilidade de estabelecer relações significativas entre
conhecimentos. Ambos se realimentam e um não existe sem o outro.
Este mesmo pensamento serve para orientar a INTEGRAÇÃO DAS MÍDIAS, no desenvolvimento de
projetos. Conhecer as especificidades e as implicações do uso pedagógico de cada mídia
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disponível no contexto da escola favorece ao professor criar situações para que o aluno
possa integrá-las de forma significativa e adequada ao desenvolvimento do seu projeto. Por
exemplo, quando o aluno utiliza o computador para digitar um texto, é importante que o
professor conheça o que envolve o uso deste recurso em termos de ser um meio
pedagógico, mas um meio que pode interferir no processo de o aluno reorganizar as suas
idéias e a maneira de expressá-las. De igual maneira em relação a outras mídias que estão
ao alcance do trabalho pedagógico. Estar atento e buscando a compreensão do uso das
mídias no processo de ensino e aprendizagem é fundamental para a sua integração no
trabalho por projetos.
De fato, a integração efetiva poderá ser desenvolvida à medida que sejam compreendidas as
especificidades de cada universo envolvido, de modo que as diferentes mídias possam ser
integradas ao projeto, conforme suas potencialidades e características, caso contrário, corre-
se o risco da simples justaposição de mídias ou de sua subutilização. Isto nos faz reportar a
uma situação já conhecida de muitos professores que atuam com a informática na educação.
Um especialista em informática que não compreende as questões relacionadas ao processo
de ensino e aprendizagem terá muita dificuldade para fazer a integração das duas áreas de
conhecimento informática e educação. Isto também acontece no caso de um especialista
da educação que não conhece as funcionalidades, implicações e possibilidades interativas
envolvidas nos diferentes recursos computacionais. Claro que não se espera a mesma
“expertise” nas duas áreas de conhecimento, para poder atuar com a informática na
educação, mas o desconhecimento de uma das áreas pode desvirtuar uma proposta
integradora da informática na educação. Para integrá-las, é preciso compreender as
características inerentes às duas áreas e às práticas pedagógicas nas quais essa integração se
concretiza.
Esta visão atualmente se apresenta de forma mais ampla, uma vez que o desenvolvimento
da tecnologia avança vertiginosamente e a sua presença na escola torna-se mais freqüente a
cada dia. Uma preocupação com isso é que o professor não foi preparado para desenvolver
o uso pedagógico das mídias. E para isto não basta que ele aprenda a operacionalizar os
recursos tecnológicos, a exigência em termos de desenvolver novas formas de ensinar e de
aprender é muito maior. Esta questão, no entanto, diz respeito à FORMAÇÃO DO PROFESSOR
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aquela que poderá ser desenvolvida na sua própria ação e de forma continuada, pois hoje
com a tecnologia basta ter o apoio institucional que prioriza a qualidade do trabalho
educacional.
Algumas considerações
O fato de a pedagogia de projetos não ser um método para ser aplicado no contexto da
escola ao professor uma liberdade de ação que habitualmente não acontece no seu
cotidiano escolar. No entanto, esta situação pode provocar um certo desconforto, pois seus
referenciais sobre como desenvolver a prática pedagógica não se encaixam nessa
perspectiva de trabalho. Assim, surgem entre os professores vários tipos de
questionamentos que representam uma forma interessante na busca de novos caminhos.
Mas, se o trabalho por projetos for visto tanto pelo professor como pela direção da escola
como uma camisa-de- força, isto pode paralisar as ações pedagógicas e o seu processo de
reconstrução.
Uma questão que gera questionamento entre os professores é o fato de que nem todos os
conteúdos curriculares previstos para serem estudados numa determinada série/nível de
escolaridade são possíveis de serem abordados no contexto do projeto. Esta é uma situação
que mostra que o projeto não pode ser concebido como uma camisa-de-força, pois existem
momentos em que outras estratégias pedagógicas precisam ser colocadas em ação para que
os alunos possam aprender determinados conceitos.
Nesse sentido, é necessário que o professor tenha abertura e flexibilidade para relativizar a
sua prática e as estratégias pedagógicas, com vistas a propiciar ao aluno a reconstrução do
conhecimento. O compromisso educacional do professor é justamente saber O QUÊ, COMO,
QUANDO e PORQUÊ desenvolver determinadas ações pedagógicas. E para isto é fundamental
conhecer o processo de aprendizagem do aluno e ter clareza da sua intencionalidade
pedagógica.
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Outro questionamento que normalmente vem à tona diz respeito à duração de um projeto,
uma vez que a atuação do professor segue um calendário escolar e, portanto, pensar na
possibilidade de ter um projeto sem fim cria uma certa preocupação em termos de seu
compromisso com os alunos de uma determinada turma. Nesse sentido, uma possibilidade
seria pensar no desenvolvimento de um projeto que tenha começo-meio-fim, tratando esse
fim como um momento provisório, ou seja, que a partir de um fim possam surgir novos
começos. A importância desse ciclo de ações é justamente que o professor possa criar
momentos de sistematização dos conceitos, estratégias e procedimentos utilizados no
desenvolvimento do projeto. A formalização pode propiciar a abertura para um novo ciclo
de ações num nível mais elaborado de compreensão dando, portanto, um formato de uma
espiral ascendente, representando o mecanismo do processo de aprendizagem.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, F. J. & FONSECA JÚNIOR, F.M. Projetos e ambientes inovadores. Brasília:
Secretaria de Educação a Distância – SEED/ Proinfo – Ministério da Educação, 2000.
ALMEIDA, M.E.B. de. Como se trabalha com projetos (Entrevista). Revista TV ESCOLA.
Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 22,
março/abril, 2002.
. Educação, projetos, tecnologia e conhecimento. São Paulo: PROEM, 2002
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus,
1994.
FREIRE, F.M.P. & PRADO, M.E.B.B. Projeto Pedagógico: Pano de fundo para escolha de
um software educacional. In: J.A. Valente (org.) O computador na Sociedade do
Conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP-NIED, 1999.
22
HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto
Alegre: ArtMed, 1998.
MACHADO, N. J. Educação: Projetos e valores. São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
PRADO, M.E.B.B. Articulando saberes e transformando a prática. Boletim do Salto para o
Futuro. Série Tecnologia e Currículo, TV ESCOLA. Brasília: Secretaria de Educação a
Distância – SEED. Ministério da Educação, 2001. <http:www.tvebrasil.com.br>
VALENTE, J.A. Formação de Professores: Diferentes Abordagens Pedagógicas. In: J.A.
Valente (org.) O computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP-
NIED, 1999.
. Repensando as situações de aprendizagem: o fazer e o compreender. Boletim do Salto
para o Futuro. TV ESCOLA. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – SEED. Ministério
da Educação, 2002. <http:www.tvebrasil.com.br/salto>
NOTAS:
1
Pesquisadora-colaboradora do Núcleo de Informática Aplicado à Educação NIED-
UNICAMP e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da PUC-
SP.
2
Tais como: Machado (2000); Freire & Prado (1999); Almeida (2002); Almeida &
Fonseca Junior (2000).
23
LAURA MARIA COUTINHO
1
APRENDER COM O VÍDEO E CÂMERA
Para além das câmeras, as idéias
Glauber Rocha, ao cunhar sua famosa frase: “o cinema é uma câmera na mão e uma idéia
na cabeça”, exaustivamente repetida, talvez estivesse também imaginando, como grande
visionário que era, as inúmeras possibilidades de uso de narrativas audiovisuais que as
novas câmeras de vídeo, bem mais amigáveis do que as de cinema, trariam. E as câmeras
chegaram, razoavelmente acessíveis; estão aí, à mão, para serem usadas e, se possível, bem
utilizadas. Portanto, restam as idéias. Penso que numa perspectiva de pedagogia de projetos,
uma delas deveria ser justamente essa: a de integrar todas as linguagens que as diferentes
mídias permitem, e realizar uma grande conversa entre elas. Uma conversa que, ao
acontecer dentro das escolas, permitisse o acesso não apenas às máquinas em torno das
quais, muitas vezes, ficam reduzidas as discussões sobre a tecnologia mas, sobretudo, às
diversas formas de expressão que cada uma delas possa despertar em professores e alunos.
Com uma câmera de vídeo dentro da sala de aula ou da escola, os alunos, ao criarem seus
próprios produtos audiovisuais, tendem a repetir os modelos massificados que estão
acostumados a ver diariamente nas telas da televisão e, em menor escala, do cinema. Foram
alfabetizados dessa forma, aliás como todos os que vivenciam essa sociedade de imagens e
sons reproduzidos de tal maneira a alcançar cada lugar do país (talvez do mundo) onde
exista energia elétrica. De certa forma, o que ocorre com quem pega, pela primeira vez,
numa câmera de cinema ou de vídeo pode estar relacionado com o fenômeno tão bem
pensado por Walter Benjamin no seu texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica
2
”. Tudo, quanto mais se aperfeiçoam as técnicas, sobretudo as digitais, pode ser
24
reproduzido, repetido, repensado, refeito, ao infinito, sem que com isso se perca o sentido
primordial do ato de criar, ou seja a sua originalidade. Tudo fica a depender de como esse
trabalho de criação aconteça.
As escolas podem ser as oficinas que engendram a nova cultura se professores e alunos
aprenderem a superar as intransigências e compreenderem que “a intransigência em relação
a tudo quanto é novo é um dos piores defeitos do homem. E, inversamente, perceber a
realidade pelos meios não convencionais é o que mais intensamente deveria ser buscado nas
universidades [e nas escolas]. Porque isso é capacidade de invenção em estado puro:
cultivar o devaneio, anotar seus sonhos, escrever poesias, criar imageticamente o roteiro de
um filme que ainda vai ser filmado. (...) Inventividade e tradição mantêm entre si uma
relação muito complexa, que nunca foi constante ao longo do tempo: às vezes foi de
oposição e exclusão, outras vezes foi complementar e estimulante
3
. Talvez o grande
desafio para a educação na sociedade telemidiática seja justamente o de estimular a
expressão dessa complementaridade que permanece, muitas vezes, latente entre a educação
e as mídias, em especial a televisão, por ser aquela que, hoje, consegue alcançar o maior
número de pessoas e que compõe, de igual maneira, o cotidiano de professores e alunos,
supera a hierarquia imposta pela escola e transforma todos os envolvidos no processo em
telespectadores dos mesmos programas, das mesmas imagens e sons.
Apreender essa linguagem que é outra e a mesma sempre é, pois, um desafio para todos,
ultrapassando a idéia de aprender e ensinar que marca fortemente a educação. A televisão
expressa uma linguagem pública, por isso mesmo alegórica, feita para uma massa de
pessoas que conhece seus rudimentos e, muitas vezes, adentrou o universo da linguagem
audiovisual sem dominar os códigos da língua escrita. Talvez aqui fosse importante um
desvio para falar de linguagem e alegoria, que é o que vai permitir uma leitura de imagens e
sons para além do que, por meio da tevê, pode tocar olhos e ouvidos. No seu sentido
etimológico, “alegoria deriva da junção de: allos, outro e agoreuein, falar na ágora, usar
uma linguagem pública. Falar alegoricamente significa, pelo uso de uma linguagem literal,
acessível a todos, remeter a outro nível de significação: dizer uma coisa para significar
outra
4
. Isso é elemento fundamental para uma compreensão mais profunda da linguagem
25
audiovisual e da sociedade telemidiática em que essa se insere como um dos componentes
mais fortes de sua constituição.
Essa nova cultura telemidiática, ou seja, essa nova forma de estar no mundo, está a desafiar
professores, alunos, sistemas de ensino. Todos podem aprender com a televisão que, aliada
a outras cnicas, estão exigindo uma nova postura educacional da sociedade. Sobre
televisão, a literatura disponível parece enfatizar a divisão entre educar para e educar com a
mídia. Embora essa oposição possa parecer um tanto reducionista, serve, ao menos, para
ilustrar uma situação que, se não está ainda sendo desenvolvida em muitas escolas, ao
menos, sinaliza duas possibilidades claramente estabelecidas de relações entre mídia e
educação e para efeito desta reflexão entre televisão e escola. Educar para a televisão
envolve ações que procuram, principalmente, formar um telespectador criterioso, que saiba
ver com clareza o que lhe é apresentado, que possa escolher com competência o que deseja,
ou não, ver. Educar com a televisão abrange atividades que lançam mão da linguagem
televisiva para a apresentação e desenvolvimento de determinados assuntos ou conteúdos. E
também aquelas ações, ainda raras, que introduzem o aluno no universo da realização
audiovisual, possibilitando a expressão e a criação próprias por meio dessa nova linguagem.
Como lembra Milton José de Almeida, “as artes em imagens-sons nos distanciam do saber-
fazer, colocam-nos no saber-ver-entender passivo e também nos remetem ao saber-pensar
ativo. (...) As artes para as massas são sempre artes da distância produtor consumidor,
entre os quais uma infinidade de aparelhos eletrônicos e muitos trabalhadores técnicos,
todos ligados por linhas e ondas de transmissão, fato este que potencializa a idéia antiga da
cultura moderna e do conhecimento como algo que se transmite e se distribui. Abre-se mais
a fenda entre cultura e educação
5
”. Nesse sentido, parece ficar mais urgente ainda a
criação de projetos que procurem superar este fosso existente entre o saber-fazer e o saber-
usar, entre as manifestações culturais e as educacionais, entre a tradição e o novo.
Para tanto, talvez seja importante compreender primeiro que novo é apenas o aparato
tecnológico, que parece apresentar sempre um compromisso com o futuro, mas as histórias
contadas por meio dele podem remeter a algo que vem de um tempo remoto, original, e se
conjugam no presente da narrativa atual, sobretudo a da televisão. Assim, uma educação
26
que envolva a mídia precisa revelar o cerne da linguagem e dos produtos dessa cultura
audiovisual, buscando aprofundar a compreensão da forma de expressão televisiva, assim
como é feito muito, nas escolas, com maior ou menor sucesso, com a literatura, por
exemplo, para além da simples recepção e produção.
A narrativa da televisão é feita de imagens e sons, mas também de tempo e espaço. A escola
está tão preocupada com sua própria estrutura feita de conteúdos, de grades curriculares, de
seriações, que se esquece de ver e de sentir outras dimensões das coisas, das narrativas que
utiliza, enfim, da própria vida que pulsa dentro e fora dela. Um filme, por exemplo não
cabe na escola. Para que aconteça uma projeção, são necessários verdadeiros malabarismos,
novos arranjos de turmas, horários extras, acordos apressados. Tudo isso porque a escola
ainda é uma instituição muito restrita a duas linguagens apenas: a escrita e a oral. Os novos
meios, mesmo incorporando os antigos, ao criarem as novas linguagens propõem
igualmente novas formas de estar no mundo e – por que não? – também na escola.
Um filme comercial, do início ao fim, tem aproximadamente duas horas de projeção e
quase todas as escolas segmentam seus horários em cinqüenta minutos para cada aula. Mas
existem outras possibilidades e a própria TV Escola tem procurado compor a sua grade
com centenas de títulos de programas curtos que podem ser utilizados por professores e
alunos. Por outro lado, mesmo os longa-metragens, se o trabalho for bem planejado pelos
professores, podem ser utilizados em sala de aula, realizando neles certos recortes que
permitam tornar visíveis os aspectos mais fundamentais de que trata o filme e o assunto em
discussão. Para muitos, sobretudo os cinéfilos mais convictos, assistir a pequenos trechos
de filmes e também de programas é uma heresia. Mas que, a meu ver, pode ser cometida
sem remorsos, pois, muitas vezes, pode até suscitar, no aluno, o desejo de ver o filme na
sua integralidade, sem a obrigação imposta pela escola, apenas por fruição. E, ainda, exige
uma preparação prévia que, talvez, possa evitar uma prática recorrente nas escolas que é a
da utilização dos produtos da linguagem audiovisual para passar o tempo vago ou liberar o
professor para a realização de outras atividades.
Esses pequenos fragmentos, recortados de filmes e programas, permitem compreender com
mais clareza e refinamento a natureza da linguagem lmica e televisiva. Quando o filme é
27
apresentado por inteiro, é possível identificar logo de saída o enredo, a história que o filme
conta e que se limita a despertar o prazer de rir, chorar, afligir, gostar ou não. E, muitas
vezes, o entendimento do filme e da linguagem cinematográfica e televisiva não vai muito
além disso. Talvez fosse necessária uma compreensão do sentido estético mais profundo
dessa linguagem, que fala mais ao sensível que à razão, mais ao emocional do que ao
consciente. Para Hegel “a vista e o ouvido são, precisamente, os sentidos adequados às
manifestações puras e abstratas
6
”. Assim o audiovisual alcança níveis da percepção
humana que outros meios não. E, para o bem ou para o mal, podem se constituir em fortes
elementos de criação e modificação de desejos e de conhecimentos, superando os conteúdos
e os assuntos que os programas pretendem veicular e que, nas escolas, professores e alunos
desejam receber, perceber e, a partir deles, criar os mecanismos de expansão de suas
próprias idéias.
BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994.
HEGEL, G. W. F. Estética: a idéia e o ideal. Lisboa: Guimarães Editores, 1972.
LEONARDI, Victor. Jazz em Jerusalém: inventividade e tradição na história cultural. São
Paulo: Nankin Editorial, 1999.
ROUANET, Sérgio Paulo. “Apresentação ”. In: Origem do drama barroco alemão. São
Paulo: 1984.
Textos Escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jügen
Habermas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)
NOTAS:
28
1
Professora da Faculdade de Educação da UnB, doutora em educação pela Unicamp.
2
Textos Escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jügen
Habermas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)
3
Leonardi, Victor. Jazz em Jerusalém: inventividade e tradição na história cultural. São
Paulo: Nankin Editorial, 1999, p.57-58.
4
Rouanet, Sérgio Paulo. “Apresentação”. In Origem do drama barroco alemão. São
Paulo: 1984. p.37.
5
Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994,
p.15-16.
6
Hegel, G. W. F. Estética: a idéia e o ideal. Lisboa: Guimarães Editores, 1972, p. 171.
29
JOSÉ ARMANDO VALENTE
1
PESQUISA, COMUNICAÇÃO E APRENDIZAGEM COM O COMPUTADOR
O PAPEL DO COMPUTADOR NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
Introdução
As “Novas Tecnologias usadas na Educação” que estão ficando velhas! deverão
receber um novo incentivo com a possibilidade de junção de diferentes mídias em um
artefato: TV, vídeo, computador, internet. Estamos assistindo ao nascimento da Tecnologia
Digital, que poderá ter um impacto ainda maior no processo ensino-aprendizagem. Será
uma outra revolução que os educadores terão que enfrentar, sem ter digerido totalmente o
que as Novas Tecnologias têm para oferecer. E a questão fundamental é recorrente: sem o
conhecimento técnico será possível implantar soluções pedagógicas inovadoras e vice-
versa, sem o pedagógico os recursos técnicos disponíveis serão adequadamente utilizados?
Embora as sofisticações tecnológicas sejam ainda maiores, existem dois aspectos que
devem ser observados na implantação destas tecnologias na educação. Primeiro, o domínio
do técnico e do pedagógico não deve acontecer de modo estanque, um separado do outro. É
irrealista pensar em primeiro ser um especialista em informática ou em dia digital para
30
depois tirar proveito desse conhecimento nas atividades pedagógicas. O melhor é quando os
conhecimentos técnicos e pedagógicos crescem juntos, simultaneamente, um demandando
novas idéias do outro. O domínio das técnicas acontece por necessidades e exigências do
pedagógico e as novas possibilidades técnicas criam novas aberturas para o pedagógico,
constituindo uma verdadeira espiral de aprendizagem ascendente na sua complexidade
técnica e pedagógica (Valente, 2002a).
O segundo aspecto diz respeito à especificidade de cada tecnologia com relação às
aplicações pedagógicas. O educador deve conhecer o que cada uma destas facilidades
tecnológicas tem a oferecer e como pode ser explorada em diferentes situações
educacionais. Em uma determinada situação, a TV pode ser mais apropriada do que o
computador. Mesmo com relação ao computador, existem diferentes aplicações que podem
ser exploradas, dependendo do que está sendo estudado ou dos objetivos que o professor
pretende atingir.
As facilidades técnicas oferecidas pelos computadores possibilitam a exploração de um
leque ilimitado de ações pedagógicas, permitindo uma ampla diversidade de atividades que
professores e alunos podem realizar. Por outro lado, essa ampla gama de atividades pode ou
não estar contribuindo para o processo de construção de conhecimento. O aluno pode estar
fazendo coisas fantásticas, porém o conhecimento usado nessas atividades pode ser o
mesmo que o exigido em uma outra atividade menos espetacular. O produto pode ser
sofisticado, mas não ser efetivo na construção de novos conhecimentos. Por exemplo, o
aluno pode estar buscando informação na rede internet, na forma de texto, vídeo ou
gráficos, colando-as na elaboração de uma multimídia, porém sem ter criticado ou refletido
sobre os diferentes conteúdos utilizados. Com isso, a multimídia pode ter um efeito
atraente, mas ser vazia do ponto de vista de conteúdos relevantes ao tema. Por outro lado, o
aluno pode estar acessando informação relevante, usando recursos poderosos de busca, e
esta informação estar sendo trabalhada em uma situação fora do contexto da tecnologia,
criando oportunidades de processamento desta informação e, por conseguinte, de
construção de novos conhecimentos.
31
Nesse aspecto, a experiência pedagógica do professor é fundamental. Conhecendo as
técnicas de informática para a realização dessas atividades e sabendo o que significa
construir conhecimento, o professor deve indagar se o uso do computador está ou não
contribuindo para a construção de novos conhecimentos.
Para ser capaz de responder a essa pergunta, o professor precisa conhecer as diferentes
modalidades de uso da informática na educação programação, elaboração de multimídia,
uso de multimídia, busca da informação na internet, ou mesmo de comunicação e
entender os recursos que elas oferecem para a construção de conhecimento. Conforme
análise feita em outro artigo (Valente, 1999a), em algumas situações o computador oferece
recursos importantes para a construção de conhecimento, como no caso da programação e
da elaboração de multimídias. Em outros, esses recursos não estão presentes e atividades
complementares devem ser propostas no sentido de favorecer esta construção. Por exemplo,
no caso de busca e acesso à informação na internet, esta informação não deve ser utilizada
sem antes ser criticada e discutida. No entanto, essa visão crítica, em geral, não tem sido
exigida nas atividades de uso da informática e ela não pode ser feita pelo computador. Esta
reflexão crítica cabe ao professor.
Uma vez o professor sentindo-se mais familiarizado com as questões técnicas, pode
dedicar-se à exploração da informática em atividades pedagógicas mais sofisticadas. Ele
poderá integrar conteúdos disciplinares, desenvolver projetos utilizando os recursos das
tecnologias digitais e saber desafiar os alunos para que, a partir do projeto que cada um
desenvolve, seja possível atingir os objetivos pedagógicos que ele determinou em seu
planejamento (Valente, 2002b).
Assim, neste artigo serão apresentadas três grandes aplicações do computador na educação,
procurando mostrar e discutir o que esta tecnologia pode oferecer como meio para
representar e construir novos conhecimentos, para buscar e acessar informação e para se
comunicar com outras pessoas, ou estabelecer relações de cooperação na resolução de
problemas. No entanto, antes de iniciarmos esta discussão, é importante entender a
distinção fundamental entre alguns conceitos como informação e conhecimento e entre
ensinar e aprender.
32
Aspectos pedagógicos: informação X conhecimento, ensinar X aprender
O que significa conhecimento e como ele difere da informação? A informação será tratada
aqui como os fatos, os dados que encontramos nas publicações, na internet ou mesmo
aquilo que as pessoas trocam entre si. Assim, passamos e trocamos informação. O
conhecimento é o que cada indivíduo constrói como produto do processamento, da
interpretação, da compreensão da informação. É o significado que atribuímos e
representamos em nossa mente sobre a nossa realidade. É algo construído por cada um,
muito próprio e impossível de ser passado o que é passado é a informação que advém
desse conhecimento, porém nunca o conhecimento em si.
Essa distinção entre informação e conhecimento nos leva a atribuir diferentes significados
aos conceitos de ensino e aprendizagem. Um significado para o conceito de ensino pode ser
o literal, definido pela origem etimológica da palavra. Ensinar tem sua origem no latim,
ensignare, que significa “colocar signos” e, portanto, pode ser compreendido como o ato de
“depositar informação” no aprendiz é a educação bancária, criticada por Paulo Freire
(1970). Segundo esta concepção, o professor ensina quando passa a informação para o
aluno e esse aprende porque memoriza e reproduz, fielmente, essa informação. Aprender
está diretamente vinculado à memorização e à reprodução da informação.
Uma outra interpretação para o conceito de aprender é o de construir conhecimento. Para
tanto, o aprendiz deve processar a informação que obtém interagindo com o mundo dos
objetos e das pessoas. Na interação com o mundo, o aprendiz se coloca frente a problemas e
situações que devem ser resolvidos e, para tanto, é necessário buscar certas informações.
No entanto, a informação nem sempre é passível de ser aplicada na mesma forma como foi
obtida. Por exemplo, memorizar o teorema de Pitágoras pode não ser suficiente para
resolver o problema de minimizar o trajeto que um indivíduo faz para ir da sua casa à
padaria. A aplicação da informação exige a interpretação e o processamento da mesma, o
que implica a atribuição de significados de modo que a informação passe a ter sentido para
aquele aprendiz. Assim, aprender significa apropriar-se da informação segundo os
conhecimentos que o aprendiz possui e que estão sendo continuamente construídos.
33
Ensinar deixa de ser o ato de transmitir informação e passa a ser o de criar ambientes de
aprendizagem para que o aluno possa interagir com uma variedade de situações e
problemas, auxiliando-o na interpretação dos mesmos para que consiga construir novos
conhecimentos.
Se o conhecimento é produto do processamento da informação, como será possível
incentivar esse processamento e como ele acontece? Será que ele pode ocorrer
espontaneamente ou necessita de auxílio de indivíduos mais experientes que possam
facilitar o processamento da informação ou a sua organização de modo a se tornar mais
acessível? Tudo indica que a espontaneidade é insuficiente como meio gerador de
conhecimento. Com o auxílio adequado de especialistas poderemos atingir graus de
excelência educacionais cada vez maiores.
A distinção entre uma abordagem educacional que privilegia a transmissão de informação e
uma abordagem que enfatiza o desenvolvimento de projetos e a construção de
conhecimento coloca os educadores entre dois pólos que não podem ser vistos como
antagônicos. Eles não podem ser extremistas no sentido de terem que optar exclusivamente
por uma prática baseada na transmissão de informação ou na construção de conhecimento.
O educador deve estar preparado e saber intervir no processo de aprendizagem do aluno,
para que ele seja capaz de transformar as informações (transmitidas e/ou pesquisadas) em
conhecimento, por meio de situações-problema, projetos e/ou outras atividades que
envolvem ações reflexivas. O importante é que haja um movimento entre estas duas
abordagens pedagógicas de forma articulada, propiciando ao aluno oportunidades de
construção do conhecimento.
O mesmo vale para o uso da tecnologia. Em um determinado momento a busca da
informação é importante, como a comunicação com outras pessoas. É a dança entre as
abordagens pedagógicas e as diferentes aplicações do computador que determina uma
educação efetiva. Porém, para fazer isto, no caso de uso das tecnologias, é importante saber
o que elas oferecem do ponto de vista pedagógico.
34
Construção e representação de conhecimento
O conhecimento que é construído na mente de um indivíduo pode ser representado ou
explicitado por intermédio de uma notação. Por exemplo, os conhecimentos musicais e o
nosso pensar musicalmente podem ser representados por meio da notação musical;
podemos pensar sobre um fenômeno e representá-lo por intermédio de uma equação
matemática. No entanto, o que acontece na educação atualmente é que se assume que, para
ser capaz de representar estas idéias, é necessário, primeiro, ter o domínio da notação. Com
isto, ensina-se a técnica de resolução de equação e não a compreensão do fenômeno e sua
representação por intermédio da equação; ou o domínio do instrumento e da notação
musical e não a representação de idéias musicas. A complexidade da notação passa a ser
pré-requisito para o processo de representação de idéias e não é trabalhada a questão da
representação do conhecimento.
No caso da solução de problemas por intermédio da programação de computadores,
principalmente usando a linguagem Logo, o programa produzido pode ser visto como a
representação, em termos de comandos desta linguagem, da resolução ou do projeto sendo
desenvolvido. No entanto, este programa é mais do que a representação, já que ele pode ser
executado pelo computador, produzindo um resultado. Este resultado, quando confrontado
com a idéia que deu origem ao programa, possibilita ao aprendiz rever seus conceitos e com
isto aprimorá-los ou construir novos conhecimentos. Assim, nasceu a idéia de que a
programação acontece em ciclos, auxiliando o processo de construção de conhecimento.
O fato de o computador poder executar a seqüência de comandos que foi fornecida significa
que ele está fazendo mais do que servir para representar idéias. Ele está sendo um elo
importante no ciclo de ações descrição-execução-reflexão-depuração, que pode favorecer o
processo de construção de conhecimento (Valente, 1993; Valente, 1999a). A aprendizagem
decorrente tem sido explicada em termos de ações, que tanto o aprendiz quanto o
computador executam, as quais auxiliam a compreensão de como o aprendiz adquire novos
conhecimentos: como o aprendiz, durante o processo de resolução de uma tarefa, passa de
um nível inicial de conhecimento para outros mais elaborados.
35
O ciclo de ações pode ser identificado, principalmente, quando o aluno usa a linguagem de
programação Logo para elaborar programas com o objetivo de resolver problemas. O
desenvolvimento de um programa se inicia com uma idéia de como resolver o problema, ou
seja, como produzir um determinado gráfico na tela. Esta idéia é passada para o computador
na forma de uma seqüência de comandos do Logo. Essa atividade pode ser vista como o
aluno agindo sobre o objeto “computador”. Entretanto, essa ação implica a descrição da
solução do problema, usando comandos do Logo.
O computador, por sua vez, realiza a execução desses programas, apresentando na tela um
resultado. O aluno pode usar estas informações para realizar uma reflexão sobre o que ele
intencionava e o que está sendo produzido, acarretando diversos níveis de abstração:
abstração empírica, abstração pseudo-empírica e abstração reflexionante (Piaget, 1995;
Mantoan, 1994).
Esta reflexão pode acarretar uma das seguintes ações alternativas: ou o aluno não modifica
o programa porque as suas idéias iniciais sobre a resolução daquele problema correspondem
aos resultados apresentados pelo computador, e, então, o problema es resolvido; ou
depura o programa quando o resultado é diferente da sua intenção original. A depuração
pode ser em termos de alguma convenção da linguagem Logo, sobre um conceito envolvido
no problema em questão (o aluno não sabe sobre ângulo), ou ainda sobre estratégias (o
aluno não sabe como usar técnicas de resolução de problemas). A depuração implica uma
nova descrição e, assim, sucessivamente, repetindo o ciclo descrição-execução-reflexão-
depuração-descrição.
Sob a ótica do ciclo, cada uma das versões do programa que o aprendiz produz pode ser
vista como uma explicitação do seu raciocínio, por meio de uma linguagem precisa e
formal. Neste sentido, a descrição no ciclo corresponde à idéia da representação do
conhecimento, mencionada anteriormente.
A execução, fornecendo um resultado sobre o que o aprendiz intencionava, pode ajudá-lo
no processo de reflexão e depuração das idéias, permitindo atingir ou não a resolução do
problema. Em algumas situações, o aluno pode não dispor do conhecimento necessário para
36
progredir e isto significa abortar o ciclo. Neste ponto, entra a figura do professor ou de um
agente de aprendizagem que tem a função de manter o aluno realizando o ciclo. Para tanto,
o agente pode explicitar o problema que o aluno está resolvendo, conhecer o aluno e como
ele pensa, incentivar diferentes níveis de descrição, trabalhar os diferentes níveis de
reflexão, facilitar a depuração e utilizar e incentivar as relações sociais (Valente, 1996). O
grande desafio é fazer com que o aluno mantenha o ciclo em ação.
O ciclo que se estabelece na interação aprendiz-computador pode ser mais efetivo se
mediado por um agente de aprendizagem ou professor que saiba o significado do processo
de aprender por intermédio da construção de conhecimento. O professor precisa
compreender as idéias do aprendiz e sobre como atuar no processo de construção de
conhecimento para intervir apropriadamente na situação, de modo a auxiliá-lo neste
processo. No entanto, o nível de envolvimento e a atuação do professor são facilitados pelo
fato de o programa ser a descrição do raciocínio do aprendiz e explicitar o conhecimento
que ele tem sobre o problema que está sendo resolvido.
Além disso, o aprendiz está inserido em ambiente social e cultural constituído, mais
localmente, por colegas, professores, pais, ou seja, pela comunidade em que vive. Ele pode
extrair os elementos sociais e culturais como fontes de idéias e de informação, bem como
identificar problemas para serem resolvidos, via computador. A interação do aprendiz com
o computador e os diversos elementos que estão presentes na atividade de programação são
mostrados no esquema da figura 1.
37
Figura 1 – Interação aprendiz-computador na situação de programação
O ciclo em que se dá o processo de programação pode acontecer também quando o aprendiz
utiliza outros software, como processador de texto ou sistemas de autoria (Valente, 1993;
Valente, 1999a). A diferença da programação para esses outros usos é o quanto esses outros
software oferecem em termos de facilidade para a realização do ciclo descrição-execução-
reflexão-depuração-descrição. A limitação não es na possibilidade de representar
conhecimento, mas na capacidade de execução do computador. Por exemplo, no
processador de texto é muito fácil representar idéias, e a representação é feita por
intermédio da escrita em língua materna. Porém, o computador ainda não tem capacidade
de interpretar esse texto fornecendo um resultado sobre o conteúdo do mesmo. Ele pode
fornecer informação sobre a formatação do texto, ortografia e, em alguns casos, sobre
aspectos gramaticais. Mas não ainda sobre o significado do conteúdo. Isto tem que ser
realizado por uma pessoa que o texto e fornece o “resultado” desta leitura em termos de
significados, coerência de idéias etc.
A idéia do ciclo tem sido útil para identificar as ações que o aprendiz realiza e como cada
uma delas pode ajudá-lo a construir novos conhecimentos sobre conceitos, resolução de
problema, sobre aprender a aprender e sobre o pensar. Porém, como mecanismo para
explicar o que acontece com a mente do aprendiz na interação com o computador, a idéia
de ciclo é limitada. As ações podem ser cíclicas e repetitivas, mas a cada realização de um
38
ciclo, as construções são sempre crescentes. Mesmo errando e não atingindo um resultado
de sucesso, o aprendiz está obtendo informações que o úteis na construção de
conhecimento. Na verdade, terminado um ciclo, o pensamento nunca é exatamente igual ao
que se encontrava no início da realização desse ciclo. Assim, a idéia mais adequada para
explicar o processo mental dessa aprendizagem é a de uma espiral (Valente, 2002a).
Um outro aspecto presente na representação dos conhecimentos explicitado no trabalho
com o computador é o fato de ser possível identificar, do ponto de vista cognitivo, os
conceitos e as estratégias que o aprendiz utiliza para resolver um problema ou projeto. Este
é o lado racional, cognitivo da resolução de um projeto. Porém, neste projeto também estão
presentes aspectos estéticos que não podem ser ignorados. Eles também estão representados
por intermédio de comandos e podem ser analisados de modo idêntico ao que normalmente
é feito com o aspecto cognitivo. Este é o lado emocional e afetivo do trabalho com o
computador que, normalmente, tem sido ignorado. À medida que recursos de combinação
de textos, imagens, animação estão se tornando cada vez mais fáceis de serem manipulados
e explorados, é possível entender como as pessoas expressam estes sentimentos por
intermédio dos software. Representar ou explicitar esse conhecimento estético constitui o
primeiro passo para compreender o lado emocional, que na Educação tem sido sobrepujado
pelo aspecto cognitivo, racional.
Busca e acesso à informação
O computador apresenta um dos mais eficientes recursos para a busca e acesso à
informação. Existem hoje sofisticados mecanismos de busca, que permitem encontrar de
modo muito rápido a informação existente em banco de dados, em CD-Roms e mesmo na
Web. Esta informação pode ser um fato isolado ou organizado na forma de um tutorial
sobre um determinado tópico disciplinar. Porém, como foi dito anteriormente, somente ter a
informação não significa que o aprendiz compreende o que obteve.
39
No caso dos tutoriais, a informação é organizada de acordo com uma seqüência pedagógica
e o aluno pode seguir esta seqüência, ou pode escolher a informação que desejar. Em geral,
software que permitem escolha, as informações são organizadas na forma de hipertextos
(textos interligados) e passar de um hipertexto para outro constitui a ação de “navegar” no
software.
Tanto no caso de o aluno seguir uma seqüência predeterminada quanto de o aluno poder
escolher o caminho a ser seguido, existe uma organização previamente definida da
informação. A interação entre o aprendiz e o computador consiste na leitura da tela (ou
escuta da informação fornecida), no avanço na seqüência de informação, na escolha de
informação, e/ou na resposta de perguntas que são fornecidas ao sistema.
O uso da Internet e, mais especificamente da Web, como fonte de informação não é muito
diferente do que acontece com os tutoriais. Claro que, no caso da Web, existem outras
facilidades, como a combinação de textos, imagens, animação, sons e vídeos que tornam a
informação muito mais atraente. Porém, a ação que o aprendiz realiza é a de escolher entre
opções oferecidas. Ele não está descrevendo o que pensa, mas decidindo entre várias
possibilidades oferecidas pela Web. Uma vez escolhida uma opção, o computador apresenta
a informação disponível (execução da opção) e o aprendiz pode refletir sobre a mesma
reflexão sobre a opção ou a abstração reflexionante. Com base nessas reflexões o aprendiz
pode selecionar outras opções, provocando idas e vindas entre tópicos de informação e,
com isto, navegar na Web. Estas ações são representadas na figura 2.
40
Figura 2 – Interação aprendiz-computador navegando na internet
A internet está ficando cada vez mais interessante e criativa, possibilitando a exploração de
um número incrível de assuntos. Porém, se o aprendiz não tem um objetivo nesta
navegação ele pode ficar perdido. A idéia de navegar pode mantê-lo ocupado por um longo
período de tempo, porém muito pouco pode ser realizado em termos de compreensão e
transformação dos tópicos visitados em conhecimento. Se a informação obtida não é posta
em uso, se ela não é trabalhada pelo professor, não há nenhuma maneira de estarmos
seguros de que o aluno compreendeu o que está fazendo. Nesse caso, cabe ao professor
suprir essas situações para que a construção do conhecimento ocorra.
Comunicação
Computadores interligados em rede e, por sua vez, interligados à internet constituem em um
dos mais poderosos meios de troca de informação e de realização de ações cooperativas.
Por meio do correio eletrônico (e-mail) é possível enviar mensagens para outras pessoas
conectadas na rede e em locais mais remotos do planeta. É possível entrar em contato com
pessoas e trocar idéias socialmente, ou conseguir ajuda na resolução de problemas ou
mesmo cooperar com um grupo de pessoas na elaboração de uma tarefa complexa. Tudo
41
isto acontecendo sem que nenhuma pessoa deixe seu posto de trabalho, de estudo ou a sua
habitação.
Do ponto de vista de construção de conhecimento, a cooperação que acontece entre pessoas
de um determinado grupo é uma das maneiras mais interessantes de uso das facilidades de
comunicação do computador, constituindo em uma das abordagens de educação a distância.
Esta abordagem tem sido denominada de “estar junto virtual” (Valente, 1999b) e envolve o
acompanhamento e assessoramento constante dos membros do grupo, no sentido de poder
entender o que cada um faz, para ser capaz de propor desafios e auxiliá-lo a atribuir
significado ao que es realizando. assim é possível ajudar cada um no processamento
das informações, aplicando-as, transformando-as, buscando novas informações e, assim,
construindo novos conhecimentos.
Na abordagem do “estar junto virtual”, a interação entre aprendizes membros de grupo
pode acontecer por meio de fóruns de discussão, chats, murais e portfólios de modo que a
comunicação via internet possibilite a realização do ciclo de ações descrição-execução-
reflexão-depuração-descrição (Valente, 1999a) via rede. Esse ciclo se inicia com o
engajamento do grupo na resolução de um problema ou projeto. A ação de cada aprendiz
produz resultados que podem servir como objetos de reflexões. Estas reflexões podem gerar
indagações e dificuldades que podem impedir um aprendiz de resolver o problema ou
projeto. Nessa situação, ele pode enviar essas questões ou uma breve descrição do que
ocorre para os demais membros do grupo ou para um especialista. Este especialista reflete
sobre as questões solicitadas e envia sua opinião, ou material, na forma de textos e
exemplos de atividades que poderão auxiliar o aprendiz a resolver seus problemas. O
aprendiz recebe essas idéias e tenta colocá-las em ação, gerando novas dúvidas, que
poderão ser resolvidas com o suporte dos demais colegas ou do especialista. Com isso,
estabelece-se um ciclo que mantém os membros do grupo cooperando entre si, realizando
atividades inovadoras e criando oportunidades de construção de conhecimento. Assim, a
internet pode propiciar o “estar junto” dos membros de um grupo, tendo o suporte de um
especialista, vivenciando com ele o processo de construção do conhecimento. A figura 3
ilustra o “estar junto virtual”.
42
Figura 3 – Ciclo de cooperação que se estabelece na interação aprendizes-especialista,
no “estar junto virtual” via internet
O “estar junto virtual” vai além de uma simples comunicação via rede. Ele propicia as
condições para a comunicação e a troca de experiências dos membros de um determinado
grupo na elaboração de um projeto ou na resolução de um problema. Quando o grupo não
tem condições de resolver o problema, ele pode recorrer à ajuda de um especialista que
pode criar condições não para que o problema seja resolvido, mas para que estas
oportunidades possam gerar novos conhecimentos. Para que isto ocorra, as interações com
os aprendizes devem enfatizar a troca de idéias, o questionamento, o desafio e, em
determinados momentos, o fornecimento da informação necessária para que o grupo possa
avançar, ou seja, o “estar junto”, ao lado do aprendiz, vivenciando e auxiliando-o a resolver
seus problemas.
Conclusões
Estas diferentes aplicações do computador na educação foram apresentadas de forma
separada, embora elas possam ocorrer simultaneamente, quando o aprendiz desenvolve um
43
projeto ou resolve um problema por intermédio do computador. Todas estas aplicações se
dão usando o mesmo recurso e dependem somente da existência de software específicos e
do fato de o computador estar ligado na internet. Quando o projeto está sendo resolvido, o
aluno pode, em uma determinada situação, usar os recursos de representação da solução do
projeto usando uma linguagem de programação ou um software de autoria para a
elaboração de uma página para a Web, ou pode buscar uma informação ou mesmo enviar
mensagens para um determinado especialista (Valente, 2002b). Não existe uma hora
predeterminada ou mesmo um currículo a ser cumprido para que estas aplicações sejam
exercitadas e praticadas.
Essa breve análise sobre as questões técnicas e pedagógicas da informática na educação
mostra que os grandes desafios dessa área estão na combinação do cnico com o
pedagógico e, essencialmente, na formação do professor para que ele saiba orientar e
desafiar o aluno para que a atividade computacional contribua para a aquisição de novos
conhecimentos.
A formação do professor, portanto, envolve muito mais do que provê-lo com conhecimento
técnico sobre computadores. Ela deve criar condições para que ele possa construir
conhecimento sobre os aspectos computacionais, compreender as perspectivas educacionais
subjacentes às diferentes aplicações do computador, e entender por que e como integrar o
computador na sua prática pedagógica. Deve proporcionar ao professor as bases para que
possa superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica, possibilitando a transição de
um sistema fragmentado de ensino para uma abordagem integradora de conteúdo, e voltada
para a elaboração de projetos temáticos do interesse de cada aluno. Finalmente, deve criar
condições para que o professor saiba recontextualizar o aprendizado e a experiência vivida
durante a sua formação para a sua realidade de sala de aula, compatibilizando as
necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir (Prado e
Valente, 2002).
Nesse sentido, o desafio desta formação é enorme. Ela deve ser pensada na forma de uma
espiral crescente de aprendizagem, permitindo ao educador adquirir simultaneamente
44
habilidades e competências técnicas e pedagógicas. No entanto, a preparação desse
professor é fundamental para que a educação dê o salto de qualidade e deixe de ser baseada
na transmissão da informação para incorporar também aspectos da construção do
conhecimento pelo aluno, usando para isto as tecnologias digitais que estão cada vez mais
presentes em nossa sociedade.
Referências bibliográficas
Freire, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
Mantoan, M.T.E. O Processo de Conhecimento tipos de abstração e tomada de
consciência. NIED-Memo 27. NIED-UNICAMP; Campinas, 1994.
Piaget, J. Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das relações
espaciais. Porto Alegre: ArtMed, 1995.
Prado, M.E.B.B & Valente, J.A. A Educação a Distância possibilitando a formação do
professor com base no ciclo da prática pedagógica. Em M.C. Moraes (org.) Educação a
Distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP: Nied-Unicamp, 2002, p. 27-50.
Disponível no site www.nied.unicamp.br/oea.
Valente, J.A. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação:
repensando conceitos. Em M.C. Joly (ed.) Tecnologia no Ensino: implicações para a
aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2002a, p. 15-37.
Valente, J.A. Aprendizagem por projeto: o fazer X o compreender. Artigo não publicado
da Coleção Série Informática na Educação – TV Escola, 2002b.
45
Valente, J.A. (1999a). Análise dos diferentes tipos de software usados na educação. Em J.
A. Valente (org.) Computadores na Sociedade do Conhecimento. Campinas: Nied
Unicamp, 1999a - p. 89-110. Disponível no site: www.nied.unicamp.br/oea.
Valente, J.A. Diferentes abordagens de Educação a Distância. Artigo Coleção Série
Informática na Educação TV Escola, 1999b. Disponível no site:
http://www.proinfo.mec.gov.br.
Valente, J.A. O Professor no Ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Gráfica da
UNICAMP, 1996.
Valente, J.A. Por que o computador na educação? Em J.A. Valente, (org.) Computadores e
Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1993, p. 24-44.
NOTAS:
1
Nied-Unicamp e CED-PUC- SP.
46
EZEQUIEL THEODORO DA SILVA
1
Revalorização do livro diante das novas mídias
VEÍCULOS E LINGUAGENS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO A EDUCAÇÃO DO
LEITOR PARA AS ENCRUZILHADAS DA MÍDIA
Mesmo depois da invenção do livro impresso, ele não era o único instrumento para a
aquisição de informações. Havia pinturas, imagens populares gravadas, ensino oral, etc.
Pode-se dizer que os livros eram os mais importantes instrumentos para a transmissão da
comunicação científica, incluindo informações sobre eventos históricos. Nesse sentido, eles
eram os instrumentos supremos usados nas escolas. Com a difusão dos vários meios de
comunicação de massa, do cinema à televisão, alguma coisa mudou. Anos atrás, a única
maneira de aprender uma língua estrangeira (além de viajar ao estrangeiro) era estudar essa
língua a partir de um livro. Hoje os nossos jovens freqüentemente conhecem outras línguas
ouvindo discos, vendo filmes na edição original, decifrando as instruções numa lata de
refrigerante. O mesmo ocorre com informações geográficas.
“Na minha infância, eu encontrei a melhor informação sobre países exóticos não dos livros
didáticos, mas lendo romances de aventura (Júlio Verne, por exemplo). Meus filhos muito
47
cedo conheceram mais do que eu sobre esse assunto assistindo à televisão e a filmes no
cinema. Pode-se aprender muito bem a história do Império Romano através de filmes, se
esses filmes forem historicamente corretos (...). Um bom programa educacional de televisão
(para não falar de um CdRom) pode explicar a genética melhor do que um livro” (Umberto
Eco, Da Internet a Gutenberg
1
).
Tenho comigo que a educação e mais especificamente o ensino tem a ver com o
aprimoramento das pessoas para a vida em sociedade. Essa intenção maior,
consubstanciada em projetos pedagógicos e currículos específicos, prevê a exposição dos
estudantes a um corpo de conteúdos do conhecimento e, num percurso seqüencial ou
espiralado, o desenvolvimento de competências, condutas, atitudes, valores e
posicionamentos para que esses estudantes se formem cidadãos para viver em sociedade,
participando dos seus rumos e destinos.
Pensando evolutivamente a partir do surgimento e assentamento dos veículos de
comunicação entre os homens e sociedades, percebemos que houve 1º) um aumento do
alcance da transmissão de idéias pela invenção de instrumentos que estendem
espacialmente os nossos órgãos do sentido muito difícil discordar da tese de Marshall
McLuhan de que os meios de comunicação são extensões do homem, visando diálogos e
interações mesmo a distância
2
); 2º) um aumento, pela descoberta inédita ou pela
reinvenção ou síntese inovadora, de sistemas de signos que servem para movimentar as
idéias através desses veículos (parece haver consenso entre os estudiosos de que cada
linguagem verbal ou não-verbal apresenta as suas especificidades, os seus potenciais e as
suas limitações para a efetivação das interações ou interlocuções entre os indivíduos); e 3)
que os veículos e as linguagens, a cada instante que passa, estão dinamicamente se
cruzando e produzindo influências recíprocas, conforme as necessidades e os desafios
comunicacionais postos socialmente (fácil ver isso atualmente por exemplo na transmissão
de um jogo de futebol: o telespectador que o jogo na tela é chamado ininterruptamente a
participar pelo telefone, usando a oralidade, e/ou pela Internet, usando o computador e os
recursos fornecidos pela linguagem digital) a mescla dentro de um mesmo sistema de
signos, misturando gêneros ou configurações, ou entre os sistemas é uma constante no
48
intuito de tornar os atos de comunicação cada mais eficientes em termos de trocas de
mensagens para a construção de sentidos.
As velozes descobertas e mudanças no universo da mídia (entendida aqui como o conjunto
de veículos e linguagens para a realização da comunicação humana para o cumprimento de
diferentes interesses e propósitos) se refletiram no mundo da escola, tornando mais amplo
os conceitos de alfabetização e de letramento ou literacia. Para muitos pensadores, entre os
quais destaco Francisco Gutièrrez
3
, os conceitos de alfabetização e de letramento abarcam
as várias mídias; portanto, uma política bem informada de alfabetização-letramento deve
levar em consideração as potencialidades de todas as mídias existentes em sociedade. Uma
preocupação sadia com os destinos e a qualidade da educação precisa ser estendida à
compreensão e ao manejo da mídia indistintamente, sob o risco de, com a supressão ou
apagamento de um ou outro recurso ou tecnologia no âmbito do trabalho pedagógico,
levarmos adiante uma educação fora do seu tempo, além, é claro, de não aproveitarmos as
características dos diferentes veículos e linguagens para a melhoria dos processos de
ensino-aprendizagem. Quer dizer, a escola e os professores devem selecionar criticamente
os meios ou veículos comunicacionais conforme a natureza do objeto ou conteúdo a ser
ensinado, sabendo justificar os porquês dessa seleção.
Reside talvez aqui os dois grandes desafios da escola brasileira
4
para uma literacia
midiática: 1º) com raríssimas exceções, a contar nos dedos, os instrumentos de
comunicação que não o texto oral ou escrito praticamente inexistem nos ambientes
escolares para efeito de produção e muitas vezes até mesmo para efeito de recepção, com
aquilo que essa produção e recepção demandam em termos de salas, recursos, manutenção,
atualização, pessoal especializado, etc. Cabe-nos pensar em termos gerais de país,
lembrando, inclusive, que mais de 30% das escolas brasileiras de nível fundamental sequer
energia elétrica têm; e ainda, dentro das agruras ou das trágicas carências de infra-estrutura,
são poucas as bibliotecas escolares dignas desse nome em nosso país, evidenciando que a
mesmo na esfera da cultura impressa, dinamizada e democratizada, desde os tempos de
Gutenberg, na grande maioria das sociedades do mundo, temos sérias lacunas para uma
vivência letrada autêntica e produtiva em termos de aprendizado; 2º) o professorado
49
brasileiro, por força das opressões vividas no trabalho (de salário real à possibilidade de
apoio por diferentes profissionais, principalmente técnicos que conhecem o funcionamento
da mídia) e em decorrência de uma formação básica cada vez mais aligeirada, não sabe
como manejar o leque das mídias disponíveis, permanecendo, por isso mesmo, na velha
dependência ou escravidão dos livros didáticos; ou então, quando muito, se as
circunstâncias da escola assim o permitirem, usando outras mídias a esmo, simplesmente
para efeito de recepção, como um mero apêndice de estudos feitos a partir de textos
escritos.
Em verdade, esses dois desafios nada mais são do que carências reproduzidas dentro do
contexto da educação brasileira – carências reiteradamente denunciadas através das décadas
e dos governos, mas sem ecos práticos de transformação, para melhor, da estrutura das
escolas. Outrossim, a tentativa de superá-las sem uma política clara, contínua e eficiente de
ações e de investimentos vem gerando um samba do crioulo doido nos ambientes escolares
ou, se quiser, uma sopa intersemiótica das mais insípidas em termos de qualquer receita,
modelo ou parâmetro pedagógico. Parece que o ensino do manejo dos meios ou o uso dos
meios para efeito de dinamização de aprendizagens não segue e não tem uma
fundamentação coerente no âmbito dos coletivos escolares; com isto, surge uma “atroz”
recaída no tão criticado tecnicismo ou envereda-se pelo modismo de último minuto, até que
o equipamento se quebre e tenha que ficar meses e meses parado por falta de manutenção
ou conserto que necessite verbas para pronto-pagamento.
Faço um breve parênteses nesta reflexão para analisar um elemento que julgo da maior
importância no que se refere a uma educação conseqüente através da mídia. Quando a
escrita manuscrita cabe em um caderno, bastando para a sua produção um lápis ou uma
caneta nas os dos estudantes, a escrita impressa em livros (que não apenas os livros
didáticos, mas os técnicos, de referência, literários, etc.) impõe à escola uma reorganização
espacial, arquitetônica e de serviços de modo que possa circular condignamente a favor do
ensino e da aprendizagem. Isto pode parecer óbvio, porém até hoje, 2003 e início do
milênio, em meio às sociedades da informação e do conhecimento, são raras as escolas que
dispõem de espaços planejados para as suas bibliotecas, que di serviços
biblioteconômicos para a organização e dinamização dos livros porventura acumulados ao
50
longo do tempo. As demais mídias como televisão, computador, cinema, teatro, etc. –,
caso fossem objetivamente levadas para as escolas, deveriam gerar alterações radicais em
termos de arquitetura do espaço e de sofisticação dos seus recursos humanos.
Especificando, então, o livro precisa da biblioteca e do bibliotecário; o computador precisa
da sala de informática e do técnico para mantê-la em ordem e atualizada; a televisão precisa
da sala de projeção ambientada e do responsável pelos audiovisuais da escola; a pintura e
demais artes plásticas precisam do ateliê e de técnicos para organizar-lhe a galeria e os
acervos; a fotografia necessita de laboratórios e de pessoal especializado para tal; o teatro
precisa do auditório e de uma equipe para realizar montagens teatrais e assim por diante.
Não quero que estas colocações sejam entendidas como luxos ou supérfluos dentro de um
espaço escolar; quero, isto sim, que estes elementos sejam tomados como imprescindíveis
para uma educação que se volte objetivamente para a mídia em termos de produção,
circulação e fruição dentro desse espaço. As gambiarras pedagógicas e arquitetônicas
implementadas nesta área vão desde a adaptação apressada de salas de aula para um
segundo tipo de uso até a morte de bibliotecas para acomodar computadores, a fim de
atender políticas caolhas que vêm de cima para baixo ou, então, para seguir um modismo
tecnológico sem o devido preparo dos professores e outros agentes que trabalham na escola.
Nesta discussão a respeito da educação do leitor para uma convivência crítica com a mídia,
convém lembrar que “o computador é um instrumento através do qual pode-se produzir e
editar imagens (...); mas é também igualmente certo que o computador se transformou,
antes de mais nada, num instrumento alfabético. Na tela do computador, correm palavras,
linhas, e para usar um computador o sujeito precisa saber ler e escrever. A nova geração que
usa computadores é treinada a ler a uma velocidade espantosa”
4
. Esta colocação de
Umberto Eco reforça, de certa forma, a importância maior do ensino da leitura e da escrita
na escola, na medida em que o manejo de um outro potente meio, como é o computador,
impõe ao sujeito o domínio das competências do ler e escrever. A escrita e a leitura virtuais
são, na sua origem, antes de tudo, “escrita” daí a necessidade de não desequilibrarmos as
coisas, pensando que a alfabetização e o letramento em linguagem impressa podem ser
passados para segundo plano em termos de ensino-aprendizagem. Além disso, partindo de
uma análise ligeira da comunicação no mundo contemporâneo, mesmo que fosse verdade
que atualmente a comunicação visual supera a comunicação escrita, o problema que se
51
coloca aos professores não é jogar a comunicação escrita contra a comunicação visual ou
vice-versa. O problema da escola e dos professores é como melhorar ambas e as demais
existentes em favor das competências comunicacionais dos estudantes, ao longo de sua
história de escolarização. Além disso, em termos de seqüências pedagógicas em direção ao
aprofundamento de conteúdos ou temas, o professor deve possuir conhecimento e
sensibilidade para decidir quais veículos e linguagens privilegiar de modo a levar os seus
estudantes à melhor compreensão desses conteúdos. O bom senso e algumas investigações
mostram que o uso exclusivo de abordagens visuais em aula, ainda que mais fáceis de
serem implementadas pelo professor (por exemplo, apenas ligar a TV e o vídeo e colocar
uma fita para rodar), pode reduzir a criticidade dos estudantes. Daí, cabe-me insistir mais
uma vez, a necessidade de conhecimento da sintaxe e dos efeitos de cada meio de
comunicação por parte dos professores, de modo que a seleção, manejo e uso não gerem
desastres na formação dos estudantes.
A comunicação escrita, especialmente aquela provocada por livros ou similares, permanece
e permanecerá indispensável não apenas para a fruição da literatura, mas para qualquer
situação em que o sujeito precise ler cuidadosamente, não apenas para “escanear” ou
“receber” informações, mas também especular e refletir sobre as mesmas. Daí a
necessidade de pensarmos na formação de um leitor eclético, cuja maturidade vai se
formando no acesso e na convivência com os diferentes veículos e configurações de
linguagens e, através do entendimento da sintaxe dos mesmos, possa adentrar criticamente
as informações que circulam em sociedade. Cabe sempre lembrar que “hoje o mundo é
trazido até o horizonte de nossa percepção, até o universo do nosso conhecimento. Como
não podemos estar presentes em todos os acontecimentos, temos que confiar nos relatos. O
mundo que nos é trazido pelos relatos, que assim conhecemos e a partir do qual refletimos,
é um mundo que nos chega editado, ou seja, ele é redesenhado num trajeto que passa por
centenas, às vezes milhares de mediações, até que se manifeste no rádio, na televisão, no
jornal. Ou na fala do vizinho e nas conversas dos alunos. São essas mediações – instituições
e pessoas que selecionam o que vamos ouvir, ver ou ler; que fazem a montagem do
mundo que conhecemos (grifo meu)
5
. Nestes termos, a maturidade e a criticidade desse
leitor devem fazê-lo ver que dentro do mundo da palavra, dentro do universo dos discursos
que se cruzam ininterruptamente, existem mentiras, simulacros, fraudes, falsidades, além é
52
claro de relações verbais que fazem justiça aos fatos da realidade. Daí dizermos que um dos
objetivos principais de uma educação voltada para uma leitura das mídias e daquilo que
corre por elas seja o discernimento, quer dizer, a capacidade de separar a verdade da
mentira, de distinguir o certo do errado, de discriminar fatos de opiniões, enfrentar
ajuizadamente o bem e o mal e assim por diante.
Gostaria de encerrar esta reflexão abaixando um pouco a bola e reduzindo um pouco o
entusiasmo dos chamados “tecnólogos da educação” entusiasmo esse que muitas vezes
pode ofuscar o bom senso ou equilíbrio na hora da utilização das dias pelos professores
e, ao mesmo tempo, o que é bem pior, pode elevar as novas tecnologias audiovisuais à
condição de panacéia, servindo como remédios para a cura de todos os males da educação
escolarizada brasileira. E eu diria até que os pensamentos e discursos oriundos da febre
tecnológica servem até para justificar os baixos salários dos professores. Daí alguns
cuidados a serem tomados para que os engodos não venham a ocupar espaço nas discussões
em torno da melhoria do ensino e da aprendizagem da escola. Componho e comento
inicialmente esses cuidados através de uma análise de um poema da poetisa paranaense, de
origem ucraniana, Helena Kolody, cuja obra merece ser melhor conhecida e disseminada
pelos professores brasileiros. Helena é autora, entre outras coisas, de hai-kais lindíssimos,
como estes: “No poema e nas nuvens/ cada qual descobre/ o que deseja ver”; e “Tudo o
tempo leva/ a própria vida não dura./ Com sabedoria,/ colhe a alegria de agora/ para a
saudade futura”.
MAQUINOMEM
Helena Kolody
O homem esposou a máquina
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
e um dínamo no crânio.
53
As hemácias do seu sangue
são redondos algarismos.
Crescem cactos estatísticos
em seus abstratos jardins.
Exato planejamento
a vida do maquinomem.
Trepidam as engrenagens
no esforço das realizações.
Em seu ínfimo ignorado,
há uma estranha prisioneira,
cujos gritos estremece
a metálica estrutura.
E há reflexos planejantes
de uma luz imponderável,
que perturbam a frieza
do blindado maquinomem.
6
Esse poema de Helena Kolody tem tudo a ver com a ideologia do neoliberalismo, que
esparrama pelo mundo globalizado a chamada “razão instrumental” em detrimento da
“razão crítica”. E um dos efeitos mais deletérios da razão instrumental é esquecer que as
tecnologias, a mídia, as descobertas científicas devem ser tomadas como realmente o são,
isto é, como “meios” para a promoção do homem e nunca como fins em si mesmas ou,
54
então, como elementos para a opressão e a manutenção de privilégios, como parece estar
ocorrendo atualmente na nossa sociedade e no mundo. Nita Freire, em prefácio para um
livro de Peter Mclaren, nos o seguinte puxão de orelha: a “(...) capacidade criadora (de
inventar tecnologias) vem se distorcendo, contraditória e generalizadamente, em atos e
ações que negam a eticidade que deveríamos ter dentro de nós para delimitar e reger os
comportamentos sociais. A comunicação verdadeira, que amplia contactos e conhecimentos
imprescindíveis para o progresso e a equalização dos diferentes povos e segmentos sociais
do mundo, está se transformando numa mera extensão, usando categorias freireanas, a
serviço da globalização da economia, que vem tomando a todos nós como reféns de alguns
poucos ‘donos do mundo’. A ‘era da comunicação’ está sendo, na realidade, a era das
fronteiras, dos limites mais marcantes do que nunca da incomunicabilidade humana, do
campo do desamor” (grifos da autora)
7
.
O segundo cuidado que eu gostaria de explicitar em relação à formação de leitores para a
interação com as diferentes dias diz respeito à problemática da solidão. Enfatizo que é
muito curta a distância entre solidão, isolamento, desamparo e exclusão social. De fato, no
caso de excesso de interação com os elementos do mundo virtual, o sujeito pode ser levado
a se esquecer do mundo real e da necessidade de interação com seres de carne e osso. Isso
pode parecer paradoxal, mas pode acontecer que, ao se sentir parte de um universo virtual
intergalático, a pessoa se sinta solitária e desprotegida interiormente, neurotizando-se e
auto-excluindo-se cada vez mais.
O terceiro e último cuidado trata de questões relativas ao excesso de informações (ou
explosão bibliográfica) em circulação no mundo e da incapacidade de uma pessoa em
selecionar e discriminar aquilo que é relevante para a sua vida. Além disso, como eu
mostrei anteriormente, no universo das mídias (impresso, imagético, radiofônico, virtual,
etc.) existem fontes confiáveis e fontes “malucas”, existem mensagens relevantes e
mensagens mentirosas. A educação dos leitores para a vida contemporânea precisa levar em
conta esses fenômenos e essas diferenças no sentido de constituir um quadro de
competências críticas ou, se quiser, uma nova sabedoria ou erudição a ser promovida
através dos currículos escolares.
55
Na esfera de recursos pedagógicos que auxiliem, sem assistencialismo barato, os
professores a contemplar o espectro das mídias na educação dos leitores, não posso deixar
de enfatizar, recomendar e colocar em destaque os Cadernos de Leituras Compartilhadas
8
,
que vêm sendo produzidos pelo Leia Brasil com o apoio da Petrobrás. Trata-se, em
verdade, de uma revista de informação para agentes de leitura, que não somente os
professores. São compêndios de leitura a partir de temas instigantes (viagens, amizade,
medo, diferenças, desejo, os mares, os rios, são alguns temas publicados até o presente
momento), apresentando gêneros diferenciados de linguagem escrita dentro de um lay-out
arrojado, moderno e bonito. Os autores convidados para escrever sobre os diferentes temas
são rigorosamente escolhidos. Acompanha bibliografia e filmografia sobre cada um dos
temas, permitindo ao professor fazer as suas escolhas na hora de organizar o ensino.
Bibliografia
BONAZZI, Marisa & ECO, Umberto. Mentiras que parecem verdades. São Paulo: Summus
Editorial, 1972.
FURTADO, José Afonso. “O livro que perspectivas?”. In: Colóquio Educação e
Sociedade Metamorfoses da Cultura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Revista
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GROSSMAN, Marcia. Como te leio? Como-te livro! São Paulo: Cultura Autores
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IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
LOMBARDI, José Claudinei (org.). Globalização, pós-modernidade e educação. Campinas
(SP): Autores Associados, UNC e Histedbr, 2001.
56
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SILVA, Ezequiel T. A leitura nos oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, 2003.
_. Leitura - Trilogia pedagógica. Campinas (SP): Autores Associados, 2003.
_. Leitura e criticidade. Campinas (SP): Mercado de Letras, 1999.
VALENTE, José Armando. Formação de educadores para o uso da informática na Escola.
Campinas (SP): UNICAMP-NIED, 2003.
NOTAS:
1
ECO, Umberto. From Internet to Gutenberg. Palestra apresentada na Italian Academy
for Advanced Studies in America em 12/novembro/1996. http://www.italianacademy.
columbia.edu/pdfs/lectures/eco_internet_gutenberg.pd
2
McLuhan, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. SP:
Cultrix, 1974.
3
GUTIÉRREZ, Francisco. Linguagem Total. SP: Summus Editorial, 1976.
4
Estou me referindo à escola publica, que é obrigação do Estado e atualmente atende à
maioria dos estudantes brasileiros nos níveis fundamental e médio.
4
ECO, Umberto, op. cit.
57
5
BACCEGA, Maria Aparecida. “Comunicação e Educação: a construção do campo ”. In:
Nas Telas da Mídia. Maria Inês Ghilardi & Valdir Heitor Barzotto (org.) Campinas:
Alínea e ALB, 2002, p.79.
6
KOLODY, Helena. “Maquinomem”. In: Helena Kolody por Helena Kolody. Rio de
Janeiro: Luz da Cidade Promoções Artísticas Ltda, 2000. Coleção Poesia Falada, nº 04.
7
FREIRE, Ana Maria Araújo (Nita Freire). “Apresentação”. In: Utopias Provisórias. As
pedagogias críticas num cenário pós-colonial. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1999, p. 12.
8
Para quem se interessar, fica o endereço da fonte: LEIA BRASIL ONG DE
PROMOÇÃO DA LEITURA, Praia do Flamengo, 100/902 Flamengo. 22210-030 Rio
de Janeiro, RJ . Fone: **21- 2245.7108 Email: [email protected]
MARIA ELIZABETH BIANCONCINI DE ALMEIDA
1
PRÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS
58
Prática pedagógica e formação de professores com projetos: articulação entre
conhecimentos, tecnologias e mídias
Para compreender as contribuições ao ensino e à aprendizagem propiciadas pela prática
pedagógica com projetos, com o uso de tecnologias, é importante considerar três aspectos
fundamentais.
Um deles se refere à explicitação daquilo que se deseja atingir com o projeto e às ações que
se pretende realizar o registro de intenções, processos em realização e produções. Outro
aspecto diz respeito à integração das tecnologias e mídias, explorando suas características
constitutivas, de modo a incorporá-las ao desenvolvimento de ações para agregar efetivos
avanços. O terceiro aspecto trata dos conceitos relacionados com distintas áreas de
conhecimento, que são mobilizados no projeto para produzir novos conhecimentos
relacionados com a problemática em estudo. Este texto pretende explorar esses três
aspectos, explicitando a importância da formação do professor para que ele tenha condições
de desenvolver práticas pedagógicas com projetos que favoreçam a recontextualização do
conhecimento na escola e na vida do aluno, a produção colaborativa de representações que
engajam os alunos como aprendizes, construtores de significados. Para enfatizar essas
idéias são comentados alguns exemplos de práticas de sala de aula em que tecnologias
foram articuladas a projetos para propiciar aos alunos a aprendizagem significativa, por
meio do desenvolvimento de produções com o uso de diferentes mídias.
Mas, afinal, o que é projeto?
A idéia de projeto faz parte da essência do ser humano consciente de sua condição de
incompletude, em busca incessante de transformar-se para atingir algo desejável e encontrar
respostas às suas questões.
Vários pensadores se dedicaram a aprofundar o conceito de projeto como característica
inerente ao ser humano, que o distingue dos demais seres vivos. Heidegger (1999) coloca o
59
homem em inter-relação com o mundo no qual ele projeta suas próprias possibilidades, e ao
mesmo tempo, participa de sua produção.
Na mesma direção de Heidegger, Sartre (apud Cobra, 2001) acentua a liberdade do homem
para construir a própria essência através de suas opções, cuja intencionalidade leva à
produção de projetos. O homem não é concebido a priori ; ele é livre para escolher
conscientemente seus objetivos, valores, atitudes e projetos de vida, mas essa escolha
transcende o indivíduo e engloba toda a humanidade, adquirindo valor universal. Boutinet
(apud Thurler, 2001, p. 118), acrescenta que a idéia de projeto é inseparável da visão e do
sentido da ação e “supõe que ninguém aja sem projeto e ninguém deixa de ter projeto”.
O homem se constitui em sua humanidade à medida que desenvolve sua capacidade de
fazer escolhas e lançar-se ao mundo, transformando-se e transformando-o, em busca de
desenvolver projetos para atingir metas e satisfazer desejos pessoais e coletivos a partir de
valores históricos, culturalmente situados e socialmente acordados (Machado, 2000, p. 2).
Projeto é uma construção própria do ser humano, que se concretiza a partir de uma
intencionalidade representada por um conjunto de ações que ele antevê como necessárias
para executar, a fim de transformar uma situação problemática em uma situação desejada. A
realização das atividades produz um movimento no sentido de buscar atingir, no futuro,
uma nova situação que responda às suas indagações ou avance no sentido de melhor
compreendê-las. Nesse processo de realização das atividades, acontecem imprevistos e
mudanças se fazem necessárias, evidenciando que o projeto traz em seu bojo as idéias de
previsão de futuro, abertura para mudanças, autonomia na tomada de decisões e
flexibilidade.
O projeto se distingue de conjecturas, porque está em constante comprometimento com
ações explicitadas intencionalmente em um plano (esboço ou design) caracterizado pela
plasticidade, flexibilidade e abertura ao imprevisível. É carregado de incertezas,
ambigüidades, soluções provisórias, variáveis e conteúdos não identificáveis a priori e
emergentes no processo, sendo continuamente revisto, refletido e reelaborado durante sua
realização.
60
O projeto é desenvolvido pelas pessoas que pensam e atuam em sua realização. Os autores
são aqueles que participam em todo o desenvolvimento do projeto, concebem e discutem as
problemáticas, descrevem e registram um plano para investigá-las e produzir resultados,
desenvolvem as ações e avaliam continuamente se os resultados que vão sendo obtidos são
aceitáveis em termos de satisfazer as intenções desejadas, responder às perguntas iniciais ou
avançar em sua compreensão e até alterar as perguntas iniciais ou levantar novas perguntas.
Na constituição de um projeto o fundamental é “ter coragem de romper com as limitações
do cotidiano, muitas delas auto-impostas” (Almeida & Fonseca Júnior, 2000, p. 23 e 22) e
“delinear um percurso possível que pode levar a outros, não imaginados a priori ” (Freire &
Prado, 1999, p. 113). Portanto, “supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro”
(Gadotti & Romão, 1997, p. 37).
O que vem a ser essa tal de tecnologia?
A preocupação atual com a invasão de privacidade provocada pela convivência cotidiana
com as tecnologias de informação e comunicação leva a interpretações equivocadas sobre o
conceito de tecnologia. O imaginário das pessoas cria situações em que artefatos
tecnológicos adquirem vida própria com elevado nível de inteligência e tornam-se
salvadores do mundo ou ameaçam aniquilar toda espécie de vida.
No entanto, em nosso dia-a-dia empregamos processos e usamos artefatos de forma tão
natural que nem nos damos conta de que constituem distintas tecnologias muito
presentes em nossa vida, uma vez que estão incorporados aos nossos hábitos, como é o
caso dos processos empregados para cuidar da higiene e limpeza pessoal, alimentar-se, falar
ao telefone, cozer etc. Outras tecnologias com as quais convivemos também não se fazem
notar embora se caracterizem como artefatos tais como canetas, lápis, cadernos, talheres
etc. Outras servem de prótese para estender ou aprimorar nossos sentidos como os óculos,
aparelhos de audição, instrumentos de medida e muitos outros.
61
Evidencia-se que tecnologia é um conceito com múltiplos significados que variam
conforme o contexto (Reis, 1995), podendo ser vista como: artefato, cultura, atividade com
determinado objetivo, processo de criação, conhecimento sobre uma técnica e seus
respectivos processos etc. Em 1985, Kline (apud Reis, 1995, p. 48) propôs uma definição
de tecnologia como o estudo do emprego de ferramentas, aparelhos, máquinas, dispositivos,
materiais, objetivando uma ação deliberada e a análise de seus efeitos, envolvendo o uso de
uma ou mais técnicas para atingir determinado resultado, o que inclui as crenças e os
valores subjacentes às ações, estando, portanto, relacionada com o desenvolvimento da
humanidade.
Complementando essas idéias, Lévy (1997b) salienta que a técnica faz parte do sistema
sócio-técnico global, sendo planejada e construída pelo homem que, ao utilizá-la, apropria-
se dela, reinterpretando-a e reconstruindo-a. Assim, as tecnologias são produto de uma
sociedade e de uma cultura, não existindo relação de causa e efeito entre tecnologia, cultura
e sociedade e sim um movimento cíclico de retroação (Morin, 1996).
Atualmente, com a intensa comunicação entre as pessoas, é comum a transferência das
técnicas de uma cultura para outra, mas é no interior de cada cultura que as técnicas
adquirem novos significados e valores. No entanto, as tecnologias e seus produtos não são
bons nem maus em si mesmos, os problemas não estão na televisão, no computador, na
Internet, ou em quaisquer outras mídias e sim nos processos humanos, que podem empregá-
los para a emancipação humana ou para a dominação.
É possível integrar projetos e tecnologias?
A utilização de tecnologias na escola e na sala de aula impulsiona a abertura desses
espaços ao mundo e ao contexto, permite articular as situações global e local, sem contudo
abandonar o universo de conhecimentos acumulados ao longo do desenvolvimento da
humanidade. Tecnologias e conhecimentos se integram para produzir novos conhecimentos
que permitam compreender as problemáticas atuais e desenvolver projetos, em busca de
alternativas para a transformação do cotidiano e a construção da cidadania.
62
Ao desenvolver projetos em sala de aula, é importante levantar problemáticas relacionadas
com a realidade do aluno, cujas questões e temáticas em estudo partem do conhecimento
que ele traz de seu contexto e buscam desenvolver investigações para construir um
conhecimento científico que ajude este aluno a compreender o mundo e a conviver
criticamente na sociedade. Assim, a partir da busca e organização de informações oriundas
de distintas fontes e tecnologias, valoriza-se a articulação entre novas formas de
representação de conhecimentos através das mídias e respectivas formas de linguagem que
mobilizam pensamentos criativos, sentimentos e representações, contribuindo para a
comunicação, a interação entre pessoas e objetos de conhecimento, a aprendizagem e o
desenvolvimento de produções.
Compreender as diferentes formas de representação e comunicação propiciadas pelas
tecnologias disponíveis na escola, bem como criar dinâmicas que permitam estabelecer o
diálogo entre as formas de linguagem das mídias, são desafios para a educação atual, que
requerem o desenvolvimento de programas de formação continuada de professores.
A mídia audiovisual traz contribuições ao ensino e à aprendizagem?
Mesmo que seus recursos não estejam fisicamente instalados nos espaços escolares, a mídia
audiovisual invade a sala de aula. A linguagem produzida na integração entre imagens,
movimentos e sons atrai e toma conta das gerações mais jovens, cuja comunicação resulta
do encontro entre palavras, gestos e movimentos, distanciando-se do gênero do livro
didático, da linearidade das atividades da sala de aula e da rotina escolar. Criar espaços para
a identificação e o diálogo entre essas formas de linguagem e permitir que os alunos se
expressem de diferentes maneiras são ações que favorecem o desenvolvimento da
consciência crítica sobre a influência da mídia e respectivas estratégias direcionadas a
determinados grupos sociais, num jogo complexo em que se encontram implícitos,
sutilmente, os significados que se pretendem impor a esse público.
63
A televisão e o vídeo são ótimos recursos para mobilizar os alunos em torno de
problemáticas, quando se intenta despertar-lhes o interesse para iniciar estudos sobre
determinados temas ou trazer novas perspectivas para investigações em andamento. Assim,
pode-se buscar temas que se articulam com os conceitos envolvidos nos projetos em
desenvolvimento, selecionar o que for significativo para esses estudos, aprofundar a
compreensão sobre os mesmos, estabelecer articulações com informações provenientes de
outras mídias, desenvolver representações diversas que entrelaçam forma e conteúdo nos
significados que os alunos atribuem aos temas.
Um exemplo de atividade construtiva foi realizado por alunos de alfabetização, com idade
entre 6 e 7 anos, da Casa Escola do Rio Grande do Norte. Reportagem do jornal A Tribuna,
de Natal (29.10.2002)
2
, comenta “Alunos decifram a esfinge da televisão brasileira”. Após
terem participado de uma filmagem na escola, os alunos levantaram questões sobre a forma
de transmissão, a programação da televisão como telejornais, desenhos, propagandas e até
mesmo a atitude dos pais diante da televisão. A pesquisa levou-os a compreender diferentes
aspectos relacionados com essa mídia e a desenvolver o senso crítico diante da
programação dos canais televisivos. Os alunos visitaram a TV Universitária local, onde
observaram de perto a produção de programas e puderam debater sobre como produzir
programas educativos. O projeto foi concluído com uma exposição dos trabalhos
produzidos a respeito de suas descobertas.
No projeto descrito, poder-se-ia dar aos alunos a oportunidade de criar roteiros e tomar a
filmadora nas mãos, a fim de produzir seus próprios vídeos, de modo a que pusessem
representar o significado de suas análises na mídia audiovisual. Além disso, a articulação
entre mídia audiovisual e impressa poderia expandir-se para outras mídias, como o
computador, para aprofundar as pesquisas e elaborar novas produções, trocar idéias e
experiências com alunos de outras escolas e socializar suas descobertas em sites.
No entanto, para que o professor possa expandir o seu olhar para outros horizontes, é
importante que ele esteja engajado em programas de formação continuada, cujo grupo em
formação reflete em conjunto sobre as práticas em realização e tem chances de encontrar
diferentes alternativas para avançar nesse trabalho de integração entre mídias e
64
conhecimento, propiciando as interconexões entre aprendizagem e construção de
conhecimento, cognição e contexto, bem como o redimensionamento do papel da escola
como uma organização produtora de conhecimento.
O que o uso de textos e hipertextos traz de inovador para a aprendizagem?
O advento das tecnologias de informação e comunicação TIC, resultante da junção entre
informática e telecomunicações, gerou novos desafios e oportunidades para a incorporação
de tecnologias na escola em relação a diferentes formas de representação e comunicação de
idéias. A característica de propiciar a interação e a construção colaborativa de
conhecimento da tecnologia de informação e comunicação evidenciou o potencial de
incitar o desenvolvimento de habilidades de escrever, ler, interpretar textos e hipertextos.
Com o uso das TIC “o ato de ler se transforma historicamente” (Kenski, 2001, p. 132). Não
se trata da mesma leitura realizada no espaço linear do material impresso. A leitura de um
texto não-linear na tela do computador está baseada em indexações, conexões entre idéias e
conceitos articulados por meio de links (nós e ligações), que conectam informações
representadas sob diferentes formas, tais como palavras, páginas, imagens, animações,
gráficos, sons, clipes de vídeo, etc. Desta forma, ao clicar sobre uma palavra, imagem ou
frase definida como um de um hipertexto, encontra-se uma nova situação, evento ou
outros textos relacionados.
O uso de hipertexto rompe com as seqüências estáticas e lineares de caminho único, com
início, meio e fim fixados previamente. O autor disponibiliza um leque de possibilidades
informacionais que permite ao leitor dar ao hipertexto um movimento singular, ao interligar
as informações segundo seus interesses e necessidades momentâneos, navegando e
construindo suas próprias seqüências e rotas. Ao saltar entre as informações e estabelecer
suas próprias ligações e associações, o leitor interage com o texto assumindo um papel
ativo e tornando-se co-autor do hipertexto. Para Soares (2001), a leitura do hipertexto na
tela é feita em camadas, iniciando e terminando no ponto que o leitor decide, o qual pode
65
ter liberdade e autonomia para intervir no texto e reconstruí-lo. Assim, a comunicação pela
tela escriando não só novos gêneros da escrita, mas também está inovando o sistema da
escrita (ib, 2001: 39).
Leitura e escrita se mesclam na criação de um texto digital. Ler e escrever significa interagir
para escolher entre um leque de ligações preestabelecidas pelo criador do hipertexto ou para
estabelecer novas ligações não previstas pelo autor (Lévy, 1999), criar percursos próprios,
deixar marcas, reconfigurar espaços e criar narrativas pessoais.
Descrever idéias com o uso da mídias digitais cria um movimento entre o escritor e o texto
que os aproxima, criando vínculos que seduzem o leitor para ler, refletir, reescrever, atribuir
significados, trocar informações e experiências, divulgar fatos do cotidiano, produzir
histórias, criar hipertextos e desenvolver projetos.
Outros recursos tecnológicos também permitem o registro de idéias e de visões de mundo
por meio da escrita. Porém, até o presente, apenas a tecnologia de informação e
comunicação tem como característica o fazer, rever e refazer contínuo, transformando o
erro em algo que pode ser revisto e reformulado (depurado) instantaneamente para produzir
novos saberes.
É importante integrar as potencialidades das tecnologias de informação e comunicação nas
atividades pedagógicas, de modo a favorecer a representação textual e hipertextual do
pensamento do aluno, a seleção, a articulação e a troca de informações, bem como o
registro sistemático de processos e respectivas produções, para que possa recuperá-las,
refletir sobre elas, tomar decisões, efetuar as mudanças que se façam necessárias,
estabelecer novas articulações com conhecimentos e desenvolver a espiral da
aprendizagem.
Nessa aventura, o professor também é desafiado a assumir uma postura de aprendiz ativo,
crítico e criativo, articulador do ensino com a pesquisa, constante investigador sobre o
aluno, sobre seu nível de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, sobre sua forma de
linguagem, expectativas e necessidades, sobre seu estilo de escrita, sobre seu contexto e sua
66
cultura. O professor é um artista que busca projetar as bases de um currículo
intrinsecamente motivador para o aluno tornar-se leitor e escritor. Não é o professor quem
planeja para os alunos executarem, ambos são parceiros e sujeitos do processo de
conhecimento, cada um atuando segundo o seu papel e nível de desenvolvimento. Para
Freire & Shor (1986), o educador faz com os seus alunos e não faz para os alunos.
Assim, novas e diferentes maneiras de produção de saberes e descoberta de conhecimentos,
bem como diversas representações que entrelaçam forma e conteúdo nos significados que
os autores atribuem aos fatos, fenômenos ou problemas em estudo, são propiciadas pelas
TIC e representações em textos, hipertextos e sites (homepages), unindo distintas mídias e
linguagens.
Um exemplo do uso das TIC em projetos vem acontecendo na Escola Estadual Antônio
Canela, situada na periferia da cidade de Montes Claros, MG, na qual diretora,
supervisores, funcionários, professores, alunos e comunidade compartilham problemas e
buscam alternativas para tornar viável a integração das TIC aos espaços da escola. Os
projetos se desenvolvem em sala de aula a partir das problemáticas locais ou temas de
interesse dos alunos. A escola participa do projeto RiverWalk-Brasil
3
e utiliza os espaços
virtuais da LtNet
4
como ambiente virtual de aprendizagem colaborativa e desenvolvimento
profissional. A professora facilitadora do laboratório de informática, Marly Almeida,
orienta continuamente os alunos monitores para que dêem apoio às atividades dos
professores com o computador, ajudem os alunos a criar seu hipertextos e homepages e são
parceiros dos professores de outra escola próxima que ainda não conta com monitores.
A parceria da escola com a comunidade se intensificou com o projeto de Inclusão Digital,
no qual os alunos monitores são orientadores de seus pais nos primeiros contatos com as
TIC, cujo uso está voltado ao trabalho com as problemáticas do cotidiano, em consonância
com as idéias de Paulo Freire sobre alfabetização transportadas para o mundo digital, cuja
problemática faz emergir novos temas, tais como: o domínio do controle remoto da TV, o
acesso aos caixas eletrônicos de bancos para recebimento de proventos, etc. Marly Almeida
aponta como resultados do projeto a participação mais efetiva dos pais na escola, sua
colaboração em diversas atividades e mudanças nas relações entre pais e filhos: “Estes pais
67
agora fazem parte do cenário escolar junto aos filhos e é comum serem vistos junto aos
estudantes nas dependências da escola, como se fossem um deles.”
Assim como a diretora procura estar junto com os demais educadores e alunos da escola,
também as professoras multiplicadoras do Núcleo de Tecnologia Educacional - NTE de
Montes Claros são parceiras, incentivadoras, provocadoras e promotoras de atividades que
integram o uso das TIC com os vídeos da TV Escola, criando um movimento promissor que
toma conta das escolas da região Norte de Minas Gerais. A formação de professores a
distância foi a estratégia encontrada para preparar professores de sessenta e três escolas da
região, situadas tanto na área urbana como rural, localizadas em regiões próximas ou muito
distantes da cidade de Montes Claros.
Alguns fatores são comuns a todas essas escolas atendidas pelo NTE de Montes Claros: a
formação dos professores se realiza sob a responsabilidade dessas professoras
multiplicadoras; os diretores se empenham para superar os obstáculos e prover condições
para a realização de projetos com o uso das TIC; existem um ou dois professores
facilitadores de informática, articuladores das atividades de uso das TIC, os quais apoiam o
trabalho dos demais professores com seus alunos no laboratório de informática e procuram
identificar, no cotidiano das escolas, as temáticas que possam despertar o interesse de
alunos e conquistar os professores para o desenvolvimento de projetos.
Evidencia-se que os avanços nessas práticas são influenciados pela participação dos
profissionais em programas de formação continuada voltados à integração entre
tecnologias, principalmente computador, Internet, televisão e vídeo na prática pedagógica.
É fato que essa incorporação encontra-se em processo, as experiências em desenvolvimento
se relacionam com aspectos intuitivos e a aprendizagem tende ao nível empírico, mas se
observa, sobretudo, que os professores são encorajados pelos multiplicadores a desenvolver
estratégias adequadas. Assim, o multiplicador desempenha papel fundamental para orientar
o professor e este é essencial para a participação e o desenvolvimento do aluno em
atividades destinadas a propiciar o uso e a produção de conhecimento significativo.
Multiplicadores, professores, alunos e comunidade podem constituir uma comunidade de
aprendizagem e conhecimento, em formação ao longo da vida.
68
E como as tecnologias se integram à prática pedagógica?
O professor que atua nessa perspectiva tem uma intencionalidade enquanto responsável
pela aprendizagem de seus alunos e esta constitui o seu projeto de atuação, elaborado com
vistas a respeitar os diferentes estilos e ritmos de trabalho dos alunos, incentivar o trabalho
colaborativo em sala de aula no que se refere ao planejamento, escolha do tema e respectiva
problemática a ser investigada e registrada em termos do processo e respectivas produções,
orientar o emprego de distintas tecnologias incorporadas aos projetos dos alunos, de modo a
trazer significativas contribuições à aprendizagem.
Essa prática pedagógica é uma forma de conceber educação que envolve o aluno, o
professor, as tecnologias disponíveis, a escola e seu entorno e todas as interações que se
estabelecem nesse ambiente, denominado ambiente de aprendizagem. Tudo isso implica um
processo de investigação, representação, reflexão, descoberta e construção do
conhecimento, no qual as mídias a utilizar são selecionadas segundo os objetivos da
atividade. No entanto, caso o professor não conheça as características, potencialidades e
limitações das tecnologias edias, ele poderá desperdiçar a oportunidade de favorecer um
desenvolvimento mais poderoso do aluno. Isto porque para questionar o aluno, desafiá-lo e
instigá-lo a buscar construir e reconstruir conhecimento com o uso articulado de
tecnologias, o professor precisa saber quais mídias são tratadas por essas tecnologias e o
que elas oferecem em termos de suas principais ferramentas, funções e estruturas.
Evidencia-se, portanto, a importância da atuação do professor e respectivas competências
em relação à mobilização e emprego das mídias, subsidiado por teorias educacionais que
lhe permitam identificar em que atividades essas mídias m maior potencial e são mais
adequadas. Para que o professor possa desenvolver tais competências, é preciso que ele
esteja engajado em programas de formação, participando de comunidades de aprendizagem
e produção de conhecimento.
Que formação de professores é essa?
69
O triplo domínio em termos midiáticos com as respectivas linguagens, teórico-educacionais
e pedagógicos, acrescido da gestão das atividades em realização e respectivos recursos
empregados, é adquirido por meio de formação continuada, na qual o professor tem a
oportunidade de explorar as tecnologias, analisar suas potencialidades, estabelecer
conexões entre essas tecnologias em atividades nas quais ele atua como formador, refletir
com o grupo em formação sobre as possibilidades das atividades realizadas com aprendizes
e buscar teorias que favoreçam a compreensão dessa nova prática pedagógica.
No processo de formação, o educador tem a oportunidade de vivenciar distintos papéis
como o de aprendiz, o de observador da atuação de outro educador, o papel de gestor de
atividades desenvolvidas em grupo com seus colegas em formação e o papel de mediador
junto com outros aprendizes. A reflexão sobre essas vivências incita a compreensão sobre o
seu papel no desenvolvimento de projetos que incorporam distintas tecnologias e mídias
para a produção de conhecimentos.
A concepção dessa formação é a de continuidade e serviço, de processo, não buscando um
produto pronto, mas sim a criação de um movimento cuja dinâmica se estabelece na
reflexão na ação e na reflexão sobre a ação (Shön, 1992), ação esta experienciada durante a
formação, recontextualizada na prática do formando e refletida pelo grupo em formação,
realimentando a formação, a prática de formandos e formadores e as teorias que a
fundamentam. Não se trata de uma formação voltada para atuação no futuro, mas sim de
uma formação direcionada pelo presente, tendo como pano de fundo a ação imediata do
educador. Procura-se estabelecer uma congruência entre o processo vivido pelo educador
formando e sua prática profissional.
A partir da convivência com os desafios e outros fatores que interferiam no trabalho
educativo, na busca conjunta de alternativas para sobrepujar as dificuldades, no
compartilhamento de conquistas e fracassos, nas reflexões na e sobre a própria ação, o
educador tem a possibilidade de compreender o quê, como, por quê e para quê (Imbernón,
1998) empregar o computador em sua ação.
70
Cabe aos formadores de educadores proporcionar-lhes essas vivências; acompanhar a
atuação do educador em formação com outros aprendizes; criar situações para a reflexão
coletiva sobre: novas descobertas, o processo em desenvolvimento, as produções realizadas,
as dificuldades enfrentadas e as estratégias que permitam ultrapassá-las; enfim, depurar
continuamente o andamento do trabalho junto ao grupo em formação. Essa formação
centrada no contexto de atuação do professor e na realidade da escola se assemelha a uma
dança que articula distintos passos (Valente, 2003), porém, para proporcionar essa dança, os
instrumentos precisam estar em harmonia, combinando ritmos e articulando os momentos
em que tocam em conjunto ou em que alguns silenciam e outros se sobressaem para que
exista uma produção compartilhada.
Exemplos de projetos que integram distintas tecnologias, com o objetivo de propiciar aos
alunos a aprendizagem sobre imagem fotográfica e vídeo, por meio da produções
desenvolvidas pelos alunos, são descritos a seguir:
O Projeto Foto Escola, realizado em uma escola pública de um pequeno bairro de
município próximo à cidade de São Paulo, foi organizado pelo professor de Educação
Artística, o qual apresenta atitudes de tendência inovadora e arrojada, evidenciando uma
prática pedagógica que se aproxima da ótica de projetos com integração entre distintas
tecnologias: máquina fotográfica, computador (software Como as coisas funcionam,
processador de textos Word e editor de desenhos Paint, ambos do Pacote Office da
Microsoft) e jornal. O professor responsável lembra que tem o projeto registrado, mas a
cada ano este precisa ser adaptado ao nível da turma e somente é desenvolvido caso haja
uma negociação com os alunos e escolha do tema de trabalho por meio de votação. No
início do ano letivo, o professor faz em cada classe uma votação sobre os conteúdos que os
alunos gostariam de aprender e o trabalho se desenvolve a partir do interesse demonstrado.
O projeto partiu de uma curiosidade ou uma questão que o professor lançou para a turma:
vamos aprender fotografia? Os alunos gostaram da idéia, o professor os incitou a pesquisar
sobre o tema, até que levantaram questões relacionadas ao funcionamento da máquina
fotográfica. Num primeiro momento o professor “monitorou” a utilização do software
“Como as Coisas Funcionam”, orientando os alunos para analisar o funcionamento da
máquina fotográfica e para chegarem ao tema do estudo, depois eles puderam navegar
livremente. Em seguida, o professor acompanhou os alunos em expedição na natureza para
71
colher fotos ao ar livre. Caminharam pelo menos duas horas até atingir o alto de uma pedra
onde uma gruta; cada grupo de trabalho escolheu o que era mais apropriado para tirar as
fotos em 1
o
, 2
o
e 3
o
plano. Após a revelação, o resultado foi analisado pelos grupos,
conforme critérios previamente estabelecidos e os autores da melhor foto ganharam um
filme para máquina fotográfica e a respectiva revelação. Em seguida, os alunos voltaram ao
computador para reelaborar os cenários das fotos e criar textos explicativos sobre produção
de fotografia. Os alunos demonstraram satisfação pelas atividades, admiração e estima pelo
professor. Manifestaram fascínio pelo trabalho no computador, interesse pelo estudo de
conteúdos específicos com o uso de tecnologias e facilidade de aprender com os recursos de
animação oferecidos pelo software.
Entrevistei os alunos da 8
a
série que trabalharam no projeto Foto Escola. Seus depoimentos
se prenderam ao prazer de aprender de forma diferente e à compreensão propiciada pelo uso
integrado das tecnologias. Alguns alunos indicaram ter compreendido o funcionamento da
máquina fotográfica em função da animação propiciada pelos recursos do software e,
posteriormente, pela representação que fizeram no computador. Um aluno identificou com
clareza a diferença entre ver o desenho estático de uma máquina fotográfica no papel e
observar no software os movimentos de dispositivos que colocam a máquina em
funcionamento:
“O computador nos ajudou a entender o funcionamento da máquina fotográfica, o
que seria bem mais difícil somente olhando para um desenho da máquina feito no
papel. Vimos também o processo de revelar a foto.”
Além desse projeto, o professor orientou um projeto para a criação do roteiro de um
filme rodado pelos alunos do 1
o
ano do Ensino Médio. A organização das idéias do filme
foi trabalhada coletivamente durante um bimestre e deu origem ao roteiro, à caracterização
dos personagens, ao planejamento das cenas, etc. Os papéis foram assumidos pelos alunos:
editor, diretor de imagem, eletricista (aluno, cujo pai é eletricista), atores, responsável pela
sonoplastia DJ (aluno que ajuda conjuntos musicais), operador de câmera, figurantes,
72
diretor de ensaios. O computador foi empregado para compor a abertura e o fechamento do
filme e para editar textos no PowerPoint.
Outro projeto desenvolvido pelo mesmo professor com os alunos do 1
o
ano do Ensino
Médio trata da montagem de um documentário. O professor diz que lançou a idéia para
várias turmas, mas somente uma encantou-se com a idéia. Os alunos se mobilizaram na
distribuição dos grupos para apresentação do documentário, escrita do roteiro, levantamento
dos recursos necessários (disponíveis e a providenciar). O tema escolhido foi Coleta de
Lixo na localidade que, segundo o professor, era uma problemática séria e polêmica na
cidade porque o lixo era freqüentemente jogado às margens da rodovia e arrastado por uma
cachoeira, correndo pela mata e deixando um rastro de garrafas de plástico e outros dejetos,
o que criava um sério problema para a preservação ambiental.
O documentário envolveu a realização de uma pesquisa de campo, na qual os alunos
visitaram a Prefeitura para obter dados técnicos sobre o lixo, tais como número de vezes
por semana em que deveria ocorrer a coleta, produção de lixo per capita, locais previstos
para armazenamento do lixo etc. Depois verificaram as condições desses locais, o
tratamento dado ao lixo e a rota do caminhão coletor. O PowerPoint e o Excel foram usados
para representar o conhecimento, à medida que os dados eram coletados. Este trabalho se
articulou com outra pesquisa desenvolvida sobre o lixo e publicada no jornal da escola,
orientada pelos professores de Português.
O professor de Educação Artística considerou a clareza das intenções dos projetos como
fator essencial ao sucesso do ensino e da aprendizagem. Para aguçar a curiosidade dos
alunos, criava desafios e, para evitar que desanimassem diante das dificuldades, fornecia-
lhes sugestões de ações para o encaminhamento dos projetos, conforme salientou:
“Os alunos se entusiasmam com qualquer atividade diferente, mas é preciso ter clareza do
que se pretende fazer. Se o professor não tem um projeto, ele pode se perder no meio do
caminho e é difícil recuperar o ânimo do pessoal. Quando os alunos dizem: vamos fazer
isso? Eu digo logo: pensaram nisso? E naquilo outro? Diante disso, os alunos tendem a
73
desanimar, mas eu os estimulo a elaborar o roteiro do projeto que desejam desenvolver.
Então é preciso que tenhamos tudo bem claro para depois fazer.”
Referências bibliográficas
Freire, P. & Shor, I. Medo e ousadia. O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
NOTAS:
1
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo e do Departamento
de Ciência da Computação da PUC/SP.
2
Consulta realizada na Web em 25.07.2003:
http://www.tribunadonorte.com.br/mensal/escola/escola5.html
3
Projeto interdisciplinar colaborativo em que alunos e educadores de seis países trocam
informações e experiências sobre preservação dos rios.
4
Rede de Tecnologias de Aprendizagem EUA/Brasil, Projeto LTNet:
http://www.ltnet.org.
74
Vera Lúcia Duarte de Novais*
As novas tecnologias e sua expressiva contribuição para o ensino das Ciências no
Ensino Médio
Texto 1
A escola, como instituição, e os professores, como os principais responsáveis pelo
desenvolvimento intelectual das novas gerações de brasileiros, m sido alvo de inúmeras
críticas, provenientes de vários segmentos de nossa sociedade. A exigência quanto ao
desempenho da escola é, em grande parte, decorrente da premência que nosso país tem por
se desenvolver, avançando na solução de muitos problemas que há muito nos acompanham,
especialmente no que tange à situação de extrema carência em que vivem muitos
brasileiros.
Qualquer professor, em busca de ver seus alunos se interessarem pelo que aprendem, para
que possam se desenvolver do ponto de vista intelectual e pessoal, ao refletir sobre sua ação
profissional, percebe com clareza uma marca desalentadora de seu trabalho cotidiano: o
descompasso entre a escola e o mundo exterior, seja quanto aos recursos didáticos
disponíveis, seja quanto às formas pelas quais a escola tem mantido sua maneira de
organizar-se como instituição e, por conseguinte, de lidar com o currículo escolar, em torno
do qual o ensino, razão primordial de sua própria existência, se desenvolve. Nesse sentido,
a escola, como instituição, não tem sido capaz de garantir a seus alunos a aprendizagem de
75
uma série de conhecimentos básicos e, ao mesmo tempo, de manter-se conectada ao que
ocorre fora de seus muros.
Até algumas décadas atrás, talvez essa característica do trabalho escolar não fosse tão
preocupante. Mas muitas mudanças ocorreram desde então. Por exemplo, quarenta ou
cinqüenta anos não seria difícil a um professor especialista de uma ciência natural - Física,
Química, Biologia - que tivesse acesso a uma publicação especializada, manter-se
relativamente informado sobre os avanços que estavam sendo feitos pelos pesquisadores de
sua área e das possíveis repercussões na vida cotidiana desses novos conhecimentos;
ultimamente, no entanto, isso se torna impensável, pois, tendo em vista a velocidade com
que os conhecimentos se ampliam, é impossível, mesmo a um pesquisador de um desses
campos do conhecimento, acompanhar tal evolução. O que se dirá, então, com relação à
apropriação de certo conjunto de conhecimentos de uma área por uma outra, ou das
conseqüências que esses avanços possam ter para a vida, em geral, ou para nosso país?
Tudo isto nos remete a mudanças importantes no papel da escola e do professor,
contempladas na LDB/96 1. Depreende-se desse texto que o objetivo da instituição de
ensino é preparar seus alunos para que, ao deixarem a Escola Básica, sejam capazes de
continuar aprendendo continuamente, o que requer de cada um flexibilidade para fazê-lo.
Apesar das dificuldades que mencionamos anteriormente, de mudar e de adequar-se ao
novo, inerentes à própria instituição escolar, os educadores brasileiros que hoje atuam em
nossas escolas vivem uma época singular, que lhes permite vislumbrar saídas para vencer o
descompasso entre as demandas sociais e suas efetivas possibilidades de ação. Se, de um
lado, inúmeros obstáculos a enfrentar, de outro, é possível capitalizar os recursos
advindos das novas tecnologias de comunicação e informação para reduzir, com rapidez,
inimaginável poucos anos, a distância entre a escola e as diversas instâncias da
sociedade, viabilizando o acesso a pesquisas atualizadas e a informações de natureza
diversa, provenientes dos mais variados locais do mundo.
76
Essa facilidade de acessar informações, graças ao uso da Internet, por si só, torna viável o
contato da escola com o mundo exterior. Mas, mais importante do que isso é a
possibilidade que esse recurso traz para que, com orientação adequada do professor, o aluno
se aproprie de conceitos, aprendendo-os significativamente, não por poder perceber a
importância que eles têm, em um contexto mais amplo, mas também na medida em que
possa entender a relevância que eles possuem do ponto de vista social, dando-lhe a
oportunidade de desenvolver sua competência de utilizar-se desses conceitos em um novo
contexto.
No sentido de tornar mais claro o exposto, vamos exemplificar, a partir de alguns dos
assuntos, o que se espera que um aluno aprenda ao estudar Química no Ensino Médio.
Assim, no ensino de Combustíveis - e da reação de combustão, como fonte de energia -
pode-se propor que os alunos pesquisem na rede Internet desde fatos isolados, que possam
ter sido divulgados pouco na mídia e que possam ter sensibilizado os alunos (por
exemplo, uma explosão - de uma mina de carvão, de um imóvel por vazamento de gás) até
fatos de relevância nacional ou internacional, como é o caso da produção de energia a partir
do gás natural. Neste último caso há um sem número de questões que podem ser de extrema
valia não para a aprendizagem da combustão, propriamente dita, como, por exemplo, o
uso do gás em veículos automotores (alternativa menos poluente do que a mistura gasolina-
álcool); o uso desse gás na produção de energia elétrica em usinas termoelétricas, em
construção no Brasil (questão para a qual, por força do momento vivido, todos os
brasileiros estão atentos).
Outra questão significativa, diretamente relacionada ao tema, diz respeito ao Efeito Estufa,
uma vez que o dióxido de carbono, um dos gases responsáveis por esse efeito de dificultar
que o calor abandone a crosta terrestre - a longo prazo, torna-se um dos responsáveis pelo
aumento de temperatura da superfície global -, é produzido na queima da madeira e dos
combustíveis fósseis (caso do carvão, do petróleo). Em relação a esse assunto, muitos
aspectos interdisciplinares, que podem ou não fazer parte de um projeto de trabalho
conjunto com outras disciplinas, se destacam: a pesquisa e a análise sobre as diversas
77
formas de obtenção de energia elétrica (em vários países), a comparação a respeito da
quantidade de dióxido de carbono enviada à atmosfera em várias cidades, a busca de
alternativas de produção de energia menos agressivas à natureza, o papel das florestas (da
Amazônica, em especial) e as implicações do desmatamento sobre o efeito estufa, os
acordos internacionais para impedir o agravamento da questão (Kyoto, Bonn), e assim por
diante. 2
Muitos desses exemplos que acabamos de mencionar são fundamentais do ponto de vista de
um dos objetivos centrais do Ensino Médio: o do desenvolvimento da cidadania. E ele pode
ser incrementado com o estudo de temas relevantes para uma determinada região do país ou
para o Brasil, como um todo.
Certamente, nesse caso e, em outros, o emprego do computador viabiliza o uso de um
recurso muito forte, praticamente ausente até então das salas de aula: o da imagem e do
som. Basta lembrarmos das inúmeras fotos e charges que tomaram conta da mídia no ano
de 2001 a partir da recusa do presidente Bush em manter os compromissos de Kyoto e que,
certamente, poderão simbolicamente dizer muito mais a um jovem adolescente do que os
números envolvidos nessa questão, tão preocupante para a humanidade.
Evidentemente, a possibilidade de os alunos entrevistarem pessoas sobre o tema, de
debaterem o assunto com outros jovens, no Brasil, ou em outros países, recorrendo ao
correio-eletrônico, representam oportunidades novas, que permitem a nós, professores,
recorrendo à nossa criatividade, desenvolvermos novas competências para ensinar, as quais
até pouco tempo, sequer poderiam ser imaginadas.
Neste texto, foram mencionadas apenas algumas, entre as inúmeras oportunidades, que o
acesso de alunos e professores às novas tecnologias trazem à escola. Vale destacar, no
entanto, que a possibilidade de explorar "novos mundos", até hoje inacessíveis ao universo
escolar, representa uma significativa oportunidade de crescimento institucional.
78
NOTAS:
* Doutoranda e Mestre em Educação - Formação de professores - PUC/ SP. Autora
de publicações didáticas voltadas para o ensino de Ciências e Química.
1. No art. 35, especificamente destinado ao Ensino Médio, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, atribui a ele, entre outras finalidades:
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
2.Desta forma, são atendidos aspectos destacados nos PCN, ao abordarem os
Conhecimentos de Química que devem ser priorizados no Ensino Médio:
"(...)é preciso objetivar um ensino de química que possa contribuir para uma visão
mais ampla do conhecimento, que possibilite melhor compreensão do mundo físico
e para a construção da cidadania, colocando em pauta, na sala de aula,
conhecimentos socialmente relevantes, que façam sentido e possam se integrar à
vida do aluno."
79
Beatriz Corso Magdalena *
A interação como padrão comum entre as Ciências da Natureza e a Tecnologia
Texto 2
Introdução
Inúmeras pesquisas desenvolvidas na Europa, Estados Unidos e América Latina
(principalmente no Brasil) têm exposto problemas metodológicos e programáticos
relacionados à compreensão das Ciências da Natureza e da Matemática, tanto em escolas de
80
Ensino Fundamental como nas de Ensino Médio. Esses problemas estão, em sua grande
maioria, relacionados a uma metodologia passível de transmissão, expositiva e
demonstrativa, aliada a um programa obsoleto e não contextualizado de conteúdos,
raramente reutilizável, quer seja na vida diária quer na vida profissional. Se pensarmos que
vivemos em uma época em que a Ciência e a Tecnologia avançam velozmente em
abundância e renovação, os trabalhos nas salas de aula ficam ainda mais defasados.
Podemos dizer que professores e alunos estão sendo soterrados por uma massa caudalosa de
informações, em contínua transformação, da qual retiram apenas porções esparsas e
fragmentadas que constituem em suas mentes uma difusa miscelânea, incapaz de auxiliar
nos momentos de confronto e de tomada de decisão. Uma das conseqüências graves,
constantemente detectada, deste fato é a de dificultar o desenvolvimento, na medida em que
a população não apresenta competências para compreender e propor alternativas de solução
para problemas tanto de sua realidade local como da universal.
Estes mesmos estudos anunciam que é necessária uma mudança radical. Sugerem, para
tanto, que: (1) as grades programáticas sejam rompidas, diminuindo a quantidade e
dispersão e aprofundando a qualidade das informações e conteúdos selecionados; (2) o
trabalho seja centrado em dúvidas e indagações (interesses e necessidades) dos alunos, em
função das hipóteses que levantam sobre a realidade; (3) o processo de aprendizagem seja
desenvolvido mediante processos ativos e construtivos, tais como: Projetos de
Aprendizagem Cooperativa (entre grupos de uma mesma turma, de diferentes turmas da
escola ou de outras comunidades escolares), Resolução de Problemas propostos tanto por
professores como por alunos e ações práticas de simulação no ambiente, físico ou virtual,
de laboratório; (4) as diferentes tecnologias sejam utilizadas como recursos para garantir o
desenvolvimento de ações até então impossíveis; (5) a Internet seja considerada muito mais
como um espaço de comunicação e troca cooperativa, enriquecida pela diversidade que os
grupos humanos apresentam do que apenas de exposição de trabalhos avaliados como
prontos; (6) o professor seja um parceiro desafiador do trabalho dos alunos e um
investigador constante do avanço processual do conhecimento pelos grupos.
No caso específico das Ciências da Natureza é fundamental uma mudança radical na forma
como estes campos de conhecimento são encarados. Esta mudança terá que aparecer nas
81
políticas públicas educacionais, nos trabalhos de pesquisadores e especialistas, nos cursos
de formação de professores, nos livros didáticos, nas propostas pedagógicas das escolas e,
principalmente nas ações pedagógicas nas salas de aula.
Para isso algumas perguntas se impõem:
Que leitura de mundo precisa ser feita para termos possibilidades de atuação local e
universal?
Quais conhecimentos são funcionais à nossa época e à futura, em termos de
desenvolvimento sustentável da vida na Terra?
Que tipos de informações, fatos e fenômenos precisam ser selecionados?
Que competências estão atreladas e precisam ser desenvolvidas?
Como mediatizar as experiências de vida diária e o desenvolvimento de uma
estrutura de pensamentos, na qual os espaços/ lacunas de conhecimento vão sendo
preenchidos?
Como estreitar relações originais e inovadoras entre eventos e fatos da natureza e da
vida das pessoas?
Como se apropriar das Ciências para reformular ou aprofundar o conhecimento
popular do seu grupo cultural ou de outros grupos, colocados em contato cada vez
maior pelos meios de comunicação?
82
Como se perceber com um sistema cognitivo que se auto-organiza pela criação
contínua de novas relações em suas redes neuronais? Como possibilitar a evolução
das suas concepções rumo aos conceitos científicos?
Como se perceber como uma totalidade - indivíduo e como parte de uma rede global
sistêmica?
Estas questões e muitas outras vêm inquietando cada vez mais àqueles que se dedicam ao
ato educacional.
Algumas pinceladas
Entre as Ciências da Natureza, a Biologia foi a pioneira da concepção sistêmica, a partir do
reconhecimento de que os seres vivos eram totalidades interdependentes entre si e o meio.
Para entendermos melhor, tomemos como exemplo a cobra e a águia que a come. A matéria
e a energia que fluem da presa (cobra) para o predador (águia) e depois deles para o meio
( CO2, fezes, H2O) e de novo para eles (O2, H2º) permitem a vida dos dois.
Logo, fica claro que essas totalidades integradas em rede apresentavam níveis de vida em
complexidade crescente, também organizados em rede, em que cada um desses níveis
apresentava propriedades não existentes nos anteriores. Se pensarmos em temperatura, ela
não existirá nos níveis de moléculas e átomos, não servindo como padrão para comparar a
cobra e a águia. no nível de funcionalidade de sistemas, a temperatura é um padrão
existente tanto em um como em outro ser. No entanto, o comportamento funcional de cada
um desses seres é diferente: a águia se caracteriza como homeotermo (temperatura não
varia com a do meio) e a cobra como heterotermo (sua temperatura varia em função da
temperatura do meio). Se os analisarmos, tomando em consideração outro padrão, podemos
ou não encontrar semelhanças. Se o padrão for alimentar, ambos são carnívoros. Se for
locomoção, um rasteja e o outro voa. Mas, de qualquer maneira, eles são interdependentes,
pois se o número de águias aumentar, diminuem as cobras. E, pelo fato de fazerem parte de
83
uma cadeia alimentar, no nível inferior (presa da cobra), vão aumentar os coelhos e os ratos
que, por sua vez, vão causar diminuição de vegetação específica.
Destas nossas incursões, podemos perceber que os padrões e propriedades mais distintivos
estão em todos. Desta forma, quanto mais o mesmo fato (ou fenômeno) for fragmentado,
mais reduzimos a nossa compreensão de mundo. Enquanto virmos apenas uma floresta de
árvores e não um ecossistema, onde muitos morrem para que muitos possam viver, teremos
dificuldades de entender problemas sérios de sobrevivência do planeta.
Em outras palavras, enquanto o estudo da vida for linear, estratificado, do mais simples
para o mais complexo, da parte para o todo, teremos poucas condições de entendermos o
mundo e os diversos movimentos ecológicos pela sobrevivência, por exemplo, do mico
dourado e da Amazônia. Não compreenderemos que o problema da fome não é um
problema biológico (ter ou não ter comida) e sim social, político, econômico (necessidade
de uma distribuição eqüitativa).
É, então, o momento de nos perguntarmos: por onde começamos, se há um padrão comum a
todos os organismos vivos, o qual pode ser o eixo de sustentação do nosso trabalho em sala
de aula? sim, um padrão: é a rede. Desta forma, quanto mais compreendermos que
redes de redes (o homem, por exemplo), que se aninham em redes (meio urbano),
migraremos do estudo dos objetos isolados para o estudo das relações entre eles.
Essa nova abordagem levanta de imediato uma questão: Se tudo está relacionado com tudo
e tudo é interdependente de tudo, como vamos poder abarcar tanta informação e construir
tanto conhecimento, durante nossa escolaridade?
Uma resposta pode ser a de que nas salas de aula, em seus diferentes veis, os alunos
podem desenvolver conhecimentos relativos e aproximados, em função de problemas
levantados pelos grupos. Assim, a uma questão acerca do motivo pelo qual a lagartixa se
deita no asfalto, no sol de inverno, um menino do Ensino Fundamental vai dizer que é para
84
equilibrar a temperatura do seu sangue com a do meio, conseguindo, dessa forma, "se
esquentar". Para um aluno do Ensino Médio a lagartixa, sendo um ser heterotermo, precisa
aumentar sua temperatura para ter energia suficiente para a manutenção dos seus processos
vitais. Ambos estão certos e ambos estão incompletos. São construções teóricas em
diferentes níveis de complexidade, nas quais a segunda completou mais lacunas do que a
primeira. É interessante observar que o saber popular relaciona o costume do homem de se
esquentar ao sol com o comportamento da lagartixa. Até existe o verbo "lagartear ao sol."
O mais adequado, portanto, é partirmos desses conhecimentos que os alunos vão
construindo em relação com os outros, em função de explicações populares. Cabe ao
professor desafiar sempre, para que uma segunda, uma terceira e outras aproximações
sejam construídas. E, a cada construção, novas variáveis intervenham nos fatos, abrindo
novas janela de inter-relações. Pasteur dizia que a Ciência sempre avança por meio de
respostas provisórias que se tornam mais complexas e aprofundam cada vez mais na
essência dos fenômenos naturais.
Uma outra resposta seria a de que temos que selecionar o que queremos aprender. Para que
essa seleção seja feita com sucesso, é necessário que os aprendizes (alunos e professores)
interajam com o meio físico e social, para aflorarem os problemas e/ou questões que vão
gerar projetos de aprendizagem.
Em função dos projetos, a busca se direciona e se organiza, os dados e informações são
coletados e tratados, voltas sucessivas às questões iniciais são feitas a que a síntese
original seja construída. Para enriquecer esse processo, podem e devem ser agregados
problemas lançados pelo professor, simulações interativas e não interativas, software
interativos, filmes e vídeos específicos, filmagens pelos alunos, visitas a instituições de
pesquisa, entrevistas presenciais ou pela Internet de forma síncrona ou assíncrona (correio
eletrônico), enfim, elementos e recursos que, ao invés de reduzirem o foco da atenção,
abram-no, possibilitando que sejam feitas relações inusitadas que exijam o trânsito por
outros campos de conhecimento, facilitando os processos interdisciplinares em cada
aprendiz.
85
Ainda uma outra resposta seria a de utilizar fortemente as redes de comunicação, nas quais
são gerados processos de realimentação, que possibilitam que também se gerem processos
de auto-regulação. Assim, uma comunidade ativa de aprendizes aprenderá com seus erros,
pois estes, uma vez socializados, serão trabalhados, contra-argumentados, produzindo um
movimento de mudança, tanto na forma de mudança individual como na de mudança do
coletivo.
Consideração final
Segundo Piaget, todos os homens são inteligentes e esta inteligência serve para buscar e
encontrar respostas para seguir vivendo. Por isto mesmo, a inteligência apresenta duas
condições inerentes ao ser vivo: a organização e a adaptação em um mundo em constante
transformação.
Frente a esta perspectiva, desenvolver a inteligência em suas múltiplas facetas é tornar mais
fácil o processo de viver a vida. O ser humano pode garantir isto a partir de suas relações
com a natureza, com as outras pessoas, dependendo dos fluxos, cadeias, redes energéticas,
materiais e cognitivas que se estabelecem como elementos de troca entre eles. Assim, o
homem depende necessariamente da interação.
Nesta perspectiva, as Ciências da Natureza e a Tecnologia têm papel primordial. Estas
interações, hoje, são intensificadas pela disponibilização de uma gama crescente de recursos
tecnológicos a faixas mais amplas da sociedade. Possibilitam que a vida de um e de todos -
entendida aqui não no sentido biológico, mas nos sentidos social, histórico, cultural,
psicológico, espiritual e outros - siga seus processos, através de formas construtivas e
interdependentes de conhecer e existir, mais condizentes à condição de seres humanos.
NOTAS:
86
* Bióloga, pesquisadora do Laboratório de Estudos Cognitivos -LEC- UFRGS.
Maria Elisabette Brisola Brito Prado *
Articulações entre áreas de conhecimento e tecnologia
Articulando saberes e transformando a prática
Na sociedade do conhecimento e da tecnologia torna-se necessário repensar o papel da
escola, mais especificamente as questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem. O
ensino organizado de forma fragmentada, que privilegia a memorização de definições e
fatos, bem como as soluções padronizadas, não atende às exigências deste novo paradigma.
O momento requer uma nova forma de pensar e agir para lidar com a rapidez e abrangência
de informações e com o dinamismo do conhecimento. Evidencia-se uma nova organização
de tempo e espaço e uma grande diversidade de situações que exigem um posicionamento
crítico e reflexivo do indivíduo para fazer suas escolhas e definir suas prioridades. Além
disso, o elemento inusitado que nos deparamos nas várias situações do cotidiano,
demandando o desenvolvimento de estratégias criativas e de novas aprendizagens.
Nesta perspectiva, a melhor forma de ensinar é aquela que propicia aos alunos o
desenvolvimento de competências para lidar com as características da sociedade atual, que
87
enfatiza a autonomia do aluno para a busca de novas compreensões, por meio da produção
de idéias e de ações criativas e colaborativas.
O envolvimento do aluno no processo de aprendizagem é fundamental. Para isto a escola
deve propiciar ao aluno encontrar sentido e funcionalidade naquilo que constitui o foco dos
estudos em cada situação da sala de aula. De igual maneira, propiciar a observação e a
interpretação dos aspectos da natureza, sociais e humanos, instigando a curiosidade do
aluno para compreender as relações entre os fatores que podem intervir nos fenômenos e no
desenvolvimento humano. Esta forma de aprender contextualizada é que permite ao aluno
relacionar aspectos presentes da vida pessoal, social e cultural, mobilizando as
competências cognitivas e emocionais já adquiridas, para novas possibilidades de
reconstrução do conhecimento (PCN - Ensino Médio, 1999).
Uma abordagem de educação que propicia o processo de reconstrução do conhecimento
para a compreensão da realidade no sentido de resolver sua problemática, trata o
conhecimento em sua unicidade, por meio de inter-relações entre idéias, conceitos, teorias e
crenças sem dicotomizar as áreas de conhecimento entre si e tampouco valorizar uma
determinada área em detrimento de outra. Neste aspecto, o currículo por áreas evidencia as
especificidades de cada área e, ao mesmo tempo, explicita a necessidade de integrá-las com
vistas a compreender e transformar uma realidade. A compreensão da realidade é
fundamental para que o aluno possa participar como protagonista da história, anunciando
novos caminhos de modo a exercer sua cidadania.
Isto evidencia a necessidade de trabalhar com o desenvolvimento de competências e
habilidades, as quais se desenvolvem por meio de ações e de vários níveis de reflexão que
congregam conceitos e estratégias, incluindo dinâmicas de trabalho que privilegiam a
resolução de problemas emergentes no contexto ou o desenvolvimento de projetos. "As
competências são construídas somente no confronto com verdadeiros obstáculos, em um
processo de projeto ou resolução de problemas" (Perrenoud, 1999, p.69). Sob este enfoque
o papel da tecnologia pode ser um aliado extremamente importante, justamente porque
demanda novas formas de interpretar e representar o conhecimento.
88
Embora, a tecnologia seja um elemento da cultura bastante expressivo, ela precisa ser
devidamente compreendida em termos das implicações do seu uso no processo de ensino e
aprendizagem. Esta compreensão é que permite ao professor integrá-la à prática
pedagógica. No entanto, muitas vezes essa integração é vista de forma equivocada e a
tecnologia acaba sendo incorporada por meio de uma disciplina direcionada apenas para
instrumentalizar sua utilização, ou ainda, de forma agregada a uma determinada área
curricular. Diferentemente desta perspectiva, ressaltamos a importância da tecnologia ser
incorporada à sala de aula, à escola, à vida e à sociedade tendo em vista a construção de
uma cidadania democrática, participativa e responsável.
Mas para isto é fundamental que o professor, independente da sua área de atuação, possa
conhecer as potencialidades e limitações pedagógicas envolvidas nas diferentes tecnologias,
seja o vídeo, a Internet, o computador entre outras. Importa que cada uma delas carrega suas
próprias especificidades, que podem ser complementadas entre si e/ou com outros recursos
não tecnológicos. Por sua vez, uma determinada tecnologia configura-se por uma
multiplicidade de recursos distintos, os quais devem ser considerados para que seu uso seja
significativo para os envolvidos e pertinente ao contexto.
O uso da Internet na escola pode exemplificar a multiplicidade de recursos que podem ser
utilizados em situações de aprendizagem. Um dos recursos bastante conhecido são os sites
de busca que podem facilitar e incentivar o aluno na pesquisa de informações e dados.
Outro recurso da Internet que também vem sendo explorado educacionalmente são as
ferramentas de comunicação, como: Correio eletrônico, Fórum de Discussão e Chats. Estes
novos meios de comunicação favorecem o estabelecimento de conexões entre pessoas de
diferentes lugares, idades e profissões. A troca de idéias e experiências com pessoas de
diversas contextos pode ampliar a visão do aluno, no sentido de fornecer novas referências
para sua reflexão.
Além desses recursos, existe a possibilidade de o aluno usar a Internet como um meio de
representação do conhecimento. Isto pode acontecer no processo de construção de páginas.
Este tipo de uso, enquanto produto, é visto de forma bastante atrativa, propiciando ao aluno
89
envolver-se na atividade e, conseqüentemente, no processo de aprendizagem. Por esta razão
enfatizamos a necessidade de o professor estar atento para que os aspectos envolvidos nesta
situação de aprendizagem possam potencializar o desenvolvimento do pensamento
cognitivo e artístico do aluno. Durante o processo de construção de página, o aluno
representa seus conhecimentos num formato que exige articulação com as diferentes formas
de linguagem e uma organização lógica e espacial diferente daquela habitualmente usada
sem o recurso da tecnologia. A linguagem visual e textual, a estética, a lógica hipertextual
das informações e o dinamismo de eventos e imagens se integram na constituição de uma
atividade de aprendizagem criativa, complexa e, ao mesmo tempo, prazerosa para aluno.
Os recursos pedagógicos da Internet, a pesquisa, a comunicação e a representação podem
perfeitamente ser utilizados de forma articulada. O importante é o professor conhecer as
especificidades de cada um dos recursos para orientar-se na criação de ambientes que
possam enriquecer o processo de aprendizagem do aluno. Igualmente esta visão deve
orientar a articulação entre as diferentes tecnologias e as áreas curriculares. A possibilidade
de o aluno poder diversificar a representação do conhecimento, a aplicação de conceitos e
estratégias conhecidas formal ou intuitivamente e de utilizar diferentes formas de
linguagens e estruturas de pensamento redimensiona o papel da escola e de seus
protagonistas (alunos, professores, gestores).
Daí que surgem alguns questionamentos. Como o professor pode desenvolver uma prática
pedagógica integradora contemplando os conteúdos curriculares, as competências,
habilidades e as diferentes tecnologias disponíveis nas escolas?
Muitas experiências 1 nos têm revelado que o trabalho com projetos potencializa a
articulação entre as áreas de conhecimento de forma integrada com as diferentes
tecnologias. "(...)o projeto evidencia-se uma atividade que rompe com as barreiras
disciplinares, torna permeável as suas fronteiras e caminha em direção a uma postura
interdisciplinar para compreender e transformar a realidade em prol da melhoria da
qualidade de vida pessoal, grupal e global (Almeida, 1999, p. 2).
90
No paradigma educacional que enfatiza o processo de construção e reconstrução do
conhecimento por meio das interações e dos diversos níveis de reflexão, o trabalho por
projetos caracteriza-se pela flexibilidade de planejamento. O ponto de partida do projeto é
claro, mas o mesmo não é verdade em relação ao como e quando o projeto poderá terminar.
Isto ocorre, porque segundo Perrenoud (1999), este tipo de atividade, carrega consigo uma
dinâmica própria. Esta dinâmica é constituída pela elaboração, execução, análise,
reformulação e novas elaborações do projeto. São momentos de um contínuo vivenciado
pelos autores/executores do projeto.
A elaboração de um projeto feita em parceria entre alunos e professores deve ser entendida
como uma organização aberta, que articula informações conhecidas, baseadas nas
experiências do passado e do presente, com as antecipações de outros aspectos que surgirão
durante a sua execução. Estas antecipações representam algumas certezas e dúvidas sobre
conceitos e estratégias envolvidos no projeto. No momento em que o projeto é colocado em
ação, evidenciam-se questões, por meio de feedbacks, comparações, reflexões e de novas
relações que fazem emergir das certezas novas dúvidas e das dúvidas algumas certezas. São
as certezas temporárias e as dúvidas provisórias, o que é abordado por Fagundes et al.
(1999). A ocorrência deste movimento promove a abertura para outras perguntas,
instigando o aluno para a investigações. Este aspecto é fundamental no processo de
reconstrução do conhecimento e no desenvolvimento da autonomia.
De fato, o trabalho por projetos potencializa a articulação entre os saberes das diversas
áreas de conhecimento, das relações com o cotidiano e do uso de diferentes meios
tecnológicos e/ou não. Do ponto de vista da aprendizagem, o trabalho por projetos tem um
caráter extremamente importante, porque possibilita ao aluno a recontextualização de
conceitos e estratégias, bem como o estabelecimento de relações significativas entre
conhecimentos. Podemos dizer que o trabalho por projetos enfatiza a abrangência de
relações entre as várias áreas de conhecimento e o desenvolvimento criativo, para lidar com
os aspectos inusitados que emergem das relações. Além disso, o trabalho por projetos não é
solitário, ele exige uma postura colaborativa entre as pessoas envolvidas. O projeto
constitui-se em um trabalho de grupo, de formação de um time, em que as pessoas, cada
qual com seus talentos, se relacionam em direção a um alvo em comum. Esta visão de
91
trabalho em equipe é fundamental para lidarmos com a complexidade dos problemas
existentes ao nosso redor e com os desafios impostos pelos avanços tecnológicos.
Sob este enfoque, o entendimento para uma prática inovadora baseada em trabalho por
projetos deve conceber o ensino e a aprendizagem de forma interdependente. Esta visão é
extremamente importante para o professor, que atua no contexto do sistema da escola,
poder compatibilizar sua intencionalidade pedagógica com os interesses e necessidades dos
alunos.
No entanto, a escola não pode perder de vista a qualidade de um projeto. Isto significa que o
projeto precisa ser fomentado. Neste sentido, cabe ao professor adotar uma postura de
observação e de análise sobre as necessidades conceituais que emergem no
desenvolvimento de um projeto. Para isto é necessário o professor desenvolver estratégias
pedagógicas que possibilitam o aprendizado tanto no sentido da abrangência como no
sentido do aprofundamento de conceitos (Freire & Prado, 1999). O sentido da abrangência
é representado pelo trabalho por projetos, no qual as diversas áreas curriculares e as
tecnologias se articulam e o sentido do aprofundamento refere-se às particularidades de
uma área/disciplina, a qual pode emergir do próprio projeto em ação. Ambos sentidos -
abrangência e aprofundamento - devem estar inter-relacionados e em constante movimento,
com vistas a propiciar a compreensão da atividade pelo aluno, e a possibilidade de
desenvolver outros níveis de relações, como mostra a figura 1.
92
Figura 1 - Representação dos sentidos da abrangência e aprofundamento no
momento 1 e no momento 2
O momento1 ilustra um determinado nível de compreensão representado pelos dois
sentidos. Como existe o dinamismo nesta atividade, decorrente do projeto em ação, em
alguns instantes podem surgir questões que necessitam de compreensões mais profundas.
No entanto, este aprofundamento mais localizado que trata as particularidades de um
determinado tópico disciplinar ou de uma determinada área não se fecha em si mesmo. Ao
contrário, esta compreensão gera relações mais complexas no sentido da abrangência, tal
como mostra a ilustração no momento 2. Neste processo recursivo, podem ser gerados
momentos n de aprendizagens de patamares superiores.
Esta perspectiva de articulação de saberes exige do professor um nova postura, o
comprometimento e o desejo pela busca, pelo aprender a aprender e pelo desenvolvimento
de competências, as quais poderão favorecer a reconstrução da sua prática pedagógica. No
entanto, não podemos esquecer que o professor foi preparado para ensinar, com base no
paradigma da sociedade industrial, em que os princípios educacionais eram pautados na
93
reprodução e na segmentação do conhecimento. Portanto, não basta que o professor tenha
apenas acesso às propostas e às concepções educacionais inovadoras condizentes com as
sociedade do conhecimento e da tecnologia. É preciso oportunizar este profissional a
ressignificar e a reconstruir sua prática pedagógica voltada para a articulação das áreas de
conhecimento e da tecnologia.
Portanto, o desafio é dar nova vida ao currículo da escola. Para isto a formação do professor
tanto para aqueles que estão em exercício como aqueles que estão se preparando nos cursos
superiores é imprescindível. Mas, não podemos deixar de apontar que existe também, muito
premente, a necessidade de repensar a estrutura do sistema de ensino de forma a propiciar a
concretização dos princípios educacionais fundamentados nos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Referências Bibliográficas:
Almeida, M.E.B. (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. Artigo
publicado no site:
http://www.proinfo.gov.br.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília:
Ministério da Educação, 1999.
Fagundes, L., Sato, L. & Maçada, D. Aprendizes do futuro: as inovações
começaram. Cadernos Informática para Mudança em Educação.
MEC/SEED/ProInfo, 1999.
94
Freire & Prado. Projeto Pedagógico: Pano de fundo para escolha de software
educacional. In: O computador na sociedade do conhecimento (org.) J.A.
Valente. Campinas, SP, NIED-UNICAMP, 1999. p.111-129.
Perrenoud, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre,
Artmed, 1999.
NOTAS:
* Pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação NIED-UNICAMP
Doutoranda em Educação - PUC-SP. Consultora desta série
95
2. Tecnologias na escola
A chegada das tecnologias de informação e comunicação - TIC na escola evidencia desafios
e problemas relacionados aos espaços e tempos que o uso das tecnologias novas e
convencionais provoca nas práticas que ocorrem no cotidiano da escola. Para entendê-los e
superá-los é fundamental reconhecer as potencialidades das tecnologias disponíveis e a
realidade em que a escola se encontra inserida, identificando as características do trabalho
pedagógico que nela se realizam, de seu corpo docente e discente, de sua comunidade
interna e externa.
Esse reconhecimento favorece a incorporação de diferentes tecnologias (computador,
Internet, TV, vídeo...) existentes na escola à prática pedagógica e a outras atividades
escolares nas situações em que possam trazer contribuições significativas. As tecnologias
são utilizadas de acordo com os propósitos educacionais e estratégias mais adequadas para
propiciar ao aluno a aprendizagem, não se tratando da informatização do ensino, que reduz
as tecnologias a meros instrumentos para instruir o aluno.
No processo de incorporação das tecnologias na escola, aprende-se a lidar com a
diversidade, a abrangência e a rapidez de acesso às informações, bem como com novas
possibilidades de comunicação e interação, o que propicia novas formas de aprender,
ensinar e produzir conhecimento, que se sabe incompleto, provisório e complexo.
Os artigos apresentados neste tópico, Tecnologias na escola, têm foco em experiências de
uso das tecnologias na escola e em teorias que as fundamentam.
O artigo 1, Tecnologia interativa a serviço da aprendizagem colaborativa num
paradigma emergente”, de autoria de Marilda Aparecida Behrens, defende a
necessidade de um paradigma inovador que supere a educação centrada na transmissão de
informações, na segregação de alunos e professores a um espaço de aprender e ensinar
limitado pelas paredes de uma sala. Behrens, fundamentada em Lévy, propõe que o
96
encontro da era digital com a escrita e a oralidade propiciado pelo uso de TIC como ensejo
à comunicação interativa, à aprendizagem colaborativa e ao desenvolvimento a criatividade.
O segundo artigo, Internet na escola e inclusão”, de Marco Silva foca a problemática da
escola inclusiva sob o ponto de vista da utilização da interface digital. Esta prática
apresenta-se como exigência para a apropriação do novo ambiente comunicacional-cultural,
que proporciona ao professor superar a pedagogia da transmissão ao permitir planejar
percursos, criando oportunidades para o aluno desenhar suas trajetórias, escolher pontos de
parada e produzir significados.
O artigo a seguir, de Elisa Tomoe Moriya Schlunzen, Escola inclusiva e as novas
tecnologias”, discute a problemática da escola inclusiva sob o enfoque da inclusão de
portadores de necessidades especiais, uma vez que o ambiente escolar possibilita a
interação com o meio, a convivência com experiências socioculturais diversificadas. A
autora propõe princípios básicos orientadores para a criação de ambientes de aprendizagem
construcionistas contextualizados e significativos com a presença do computador em
práticas pedagógicas com crianças portadoras de necessidades físicas especiais.
O último artigo deste tópico, Tecnologia na escola: formação de educadores na ação”,
de Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, trata da formação de educadores orientada
para a mudança e a inovação da prática pedagógica, propiciada por um processo de
formação que tem como eixo a realidade da escola e a prática pedagógica do professor com
o uso das TIC. Essa formação está alicerçada na epistemologia da prática e no currículo
orientado para a ação.
Marco Silva*
97
Internet
1
na escola e inclusão
O uso da Internet na escola é exigência da cibercultura, isto é, do novo ambiente
comunicacional-cultural que surge com a interconexão mundial de computadores em forte
expansão no início do século XXI. Novo espaço de sociabilidade, de organização, de
informação, de conhecimento e de educação.
A educação do cidadão não pode estar alheia ao novo contexto sócio-econômico-
tecnológico, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da
mídia de massa, mas na informação digitalizada como nova infra-estrutura básica, como
novo modo de produção. O computador e a Internet definem essa nova ambiência
informacional e dão o tom da nova lógica comunicacional, que toma o lugar da distribuição
em massa própria da fábrica e da mídia clássica, até então símbolos societários.
Cada vez se produz mais informação online socialmente partilhada. É cada vez maior o
número de pessoas cujo trabalho é informar online, cada vez mais pessoas dependem da
informação online para trabalhar e viver. A economia se assenta na informação online. As
entidades financeiras, as bolsas, as empresas nacionais e multinacionais dependem dos
novos sistemas de informação online e progridem, ou não, à medida que os vão absorvendo
e desenvolvendo. A informação online penetra a sociedade como uma rede capilar e ao
mesmo tempo como infra-estrutura básica. A educação online ganha adesão nesse contexto
e tem aí a perspectiva da flexibilidade e da interatividade próprias da Internet.
Se a escola não inclui a Internet na educação das novas gerações, ela está na contramão da
história, alheia ao espírito do tempo e, criminosamente, produzindo exclusão social ou
exclusão da cibercultura. Quando o professor convida o aprendiz a um site, ele não apenas
lança mão da nova mídia para potencializar a aprendizagem de um conteúdo curricular, mas
contribui pedagogicamente para a inclusão desse aprendiz na cibercultura.
98
Cibercultura quer dizer modos de vida e de comportamentos assimilados e transmitidos na
vivência histórica e cotidiana marcada pelas tecnologias informáticas, mediando a
comunicação e a informação via Internet. Essa mediação ocorre a partir de uma ambiência
comunicacional não mais definida pela centralidade da emissão, como nos media
tradicionais (rádio, imprensa, televisão) baseados na lógica da distribuição que supõe
concentração de meios, uniformização dos fluxos, instituição de legitimidades. Na
cibercultura, a lógica comunicacional supõe rede hipertextual, multiplicidade,
interatividade, imaterialidade, virtualidade, tempo real, multissensorialidade e
multidirecionalidade (Lemos, 2002; Levy, 1999).
A contribuição da educação para a inclusão do aprendiz na cibercultura exige um
aprendizado prévio da parte do professor. Uma vez que não basta convidar a um site para se
promover inclusão na cibercultura, ele precisará se dar conta de pelo mesmo quatro
exigências da cibercultura oportunamente favoráveis à educação cidadã.
1. O professor precisará se dar conta de que transitamos da mídia clássica para a mídia
online
A mídia clássica é inaugurada com a prensa de Gutenberg e teve seu apogeu entre a
segunda metade do século XIX e a primeira do século XX com o jornal, fotografia, cinema,
rádio e televisão. Ela se contenta com fixar, reproduzir e transmitir a mensagem, buscando
o maior alcance e a melhor difusão. Na mídia clássica, a mensagem está fechada em sua
estabilidade material. Sua desmontagem-remontagem pelo leitor-receptor-espectador
exigirá deste basicamente a expressão imaginal, isto é, o movimento próprio da mente livre
e conectiva que interpreta mais ou menos livremente.
A mídia online faz melhor a difusão da mensagem e vai além disso: a mensagem pode ser
manipulada, modificada à vontade "graças a um controle total de sua microestrutura [bit por
bit]". Imagem, som e texto não têm materialidade fixa. Podem ser manipulados dependendo
unicamente da opção crítica do usuário ao lidar com o mouse, tela tátil, joystick, teclado,
etc. (Lévy, 1998, p. 51).
99
Na mídia online, o interagente-operador-participante experimenta uma grande evolução. No
lugar de receber a informação, ele tem a experiência da participação na elaboração do
conteúdo da comunicação e na criação de conhecimento. A diferença em relação à atitude
imaginal de um sujeito é que no suporte digital "a pluralidade significante é dada como
dispositivo material": o sujeito não apenas interpreta mais ou menos livremente, como
também organiza e estrutura, ao nível mesmo da produção (Machado, 1993, p. 180). Essa
mídia tem muito mais a dizer ao professor.
2. O professor precisará se dar conta do hipertexto próprio da tecnologia digital
A arquitetura não-linear das memórias do computador viabiliza textos tridimensionais
dotados de uma estrutura dinâmica que os torna manipuláveis interativamente. "A maneira
mais usual de visualizar essa escritura múltipla na tela plana do monitor de vídeo é através
de 'janelas' (windows) paralelas, que podem ser abertas sempre que necessário, e também
através de 'elos' (links) que ligam determinadas palavras-chave de um texto a outros
disponíveis na memória" (Machado, 1993, p. 286 e 288).
Na tela do computador, o hipertexto supõe uma escritura não seqüencial, uma montagem de
conexões em rede que, ao permitir/exigir uma multiplicidade de recorrências, transforma a
leitura em escritura.
No ambiente online, os sites hipertextuais supõem: a) intertextualidade: conexões com
outros sites ou documentos; b) intratextualidade: conexões com o mesmo documento; c)
multivocalidade: agregar multiplicidade de pontos de vistas; d) navegabilidade: ambiente
simples e de fácil acesso e transparência nas informações; e) mixagem: integração de várias
linguagens: sons, texto, imagens dinâmicas e estáticas, gráficos, mapas; f) multimídia:
integração de vários suportes midiáticos (Santos, 2003, p. 225).
Na perspectiva do hipertexto, o professor constrói uma rede (não uma rota) e define um
conjunto de territórios a explorar. O hipertexto não oferece uma história a ouvir, mas um
100
conjunto intrincado (labirinto) de territórios abertos à navegação e dispostos a
interferências, a modificações. Ele oferece múltiplas informações (em imagens, sons,
textos, etc.) sabendo que estas potencializam, consideravelmente, ações que resultam em
conhecimento. Ele dispõe, entrelaçados, os fios da teia, como múltiplos percursos para
conexões e expressões com o que os alunos possam contar no ato de manipular as
informações e percorrer percursos arquitetados. O professor estimula cada aluno a
contribuir com novas informações e a criar e oferecer mais e melhores percursos,
participando como co-autor do processo de comunicação e de aprendizagem.
3. O professor precisará se dar conta da interatividade enquanto mudança fundamental do
esquema clássico da comunicação
Interatividade é a modalidade comunicacional que ganha centralidade na cibercultura.
Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente
complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor
possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Representa um
grande salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de massa que prevaleceu até o
final do século XX. O modo de comunicação interativa ameaça a lógica unívoca da mídia
de massa, oxalá como superação do constrangimento da recepção passiva.
Na cibercultura ocorre a transição da lógica da distribuição (transmissão) para a lógica da
comunicação (interatividade). Isso significa modificação radical no esquema clássico da
informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor: a) o emissor não
emite mais, no sentido que se entende habitualmente, uma mensagem fechada, oferece um
leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor; b) a mensagem não é mais
"emitida", não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um
mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que a
consulta; c) o receptor não está mais em posição de recepção clássica, é convidado à livre
criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.
101
Na perspectiva da interatividade, o professor pode deixar de ser um transmissor de saberes
para converter-se em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador
de equipes de trabalho, sistematizador de experiências, e memória viva de uma educação
que, em lugar de prender-se à transmissão, valoriza e possibilita o diálogo e a colaboração.
Os fundamentos da interatividade podem ser encontrados em sua complexidade nas
disposições da mídia online. São três basicamente: a) participação-intervenção: participar
não é apenas responder "sim" ou "não" ou escolher uma opção dada, significa modificar a
mensagem; b) bidirecionalidade-hibridação : a comunicação é produção conjunta da
emissão e da recepção, é co-criação, os dois pólos codificam e decodificam; c)
permutabilidade-potencialidade : a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de
conexões e liberdade de trocas, associações e significações (cf. Silva, 2003, p. 100-155).
Estes fundamentos revelam o sentido não banalizado da interatividade e inspiram o
rompimento com o falar-ditar do mestre. Eles podem modificar o modelo da transmissão
abrindo espaço para o exercício da participação genuína, isto é, participação sensório-
corporal e semântica e não apenas mecânica.
4. O professor precisará se dar conta de que pode potencializar a comunicação e a
aprendizagem utilizando interfaces da Internet
Inicialmente o professor precisará distinguir "ferramenta" de "interface". Ferramenta é o
utensílio do trabalhador e do artista empregado nas artes e ofícios. A ferramenta realiza a
extensão do músculo e da habilidade humanos na fabricação, na arte. Interface é um termo
que na informática e na cibercultura ganha o sentido de dispositivo para encontro de duas
ou mais faces em atitude comunicacional, dialógica ou polifônica. A ferramenta opera com
o objeto material e a interface é um objeto virtual. A ferramenta está para a sociedade
industrial como instrumento de fabricação, de manufatura. A interface está para a
cibercultura como espaço online de encontro e de comunicação entre duas ou mais faces. É
mais do que um mediador de interação ou tradutor de sensibilidades entre as faces. Isso sim
seria "ferramenta", termo inadequado para exprimir o sentido de "ambiente", de "espaço" no
ciberespaço ou "universo paralelo de zeros e uns" (Johnson, 2001, p. 19).
102
A Internet comporta diversas interfaces. Cada interface reúne um conjunto de elementos de
hardware e software destinados a possibilitar aos internautas trocas, intervenções,
agregações, associações e significações como autoria e co-autoria. Pode integrar várias
linguagens (sons, textos, fotografia, vídeo) na tela do computador. A partir de ícones e
botões, acionados por cliques do mouse ou de combinação de teclas, janelas de
comunicação se abrem possibilitando interatividade usuário-tecnologia, tecnologia-
tecnologia e usuário-usuário. Seja na dimensão do "um-um", do "um-todos", seja no
universo do "todos-todos".
Algumas das interfaces online mais conhecidas são Chat, Fórum, Lista, Blog, Site e LMS
ou AVA. Enquanto ambientes ou espaços de encontro, propiciam a criação de comunidades
virtuais de aprendizagem. O professor pode lançar mão destas interfaces para a co-criação
da comunicação e da aprendizagem em sua sala de aula presencial e online. Elas favorecem
integração, sentimento de pertença, trocas, crítica e autocrítica, discussões temáticas,
elaboração, colaboração, exploração, experimentação, simulação e descoberta.
Como obter uma interface online? Como o professor pode se apropriar de uma ou mais
interfaces para ministrar aprendizagem semipresencial ou totalmente online? uma
diversidade de endereços na Internet (URL) com acesso gratuito. um texto que reúne
diversas opções: http://www.anped.org.br/26/trabalhos/edmeaoliveiradossantos.pdf .
O Chat é um espaço online de bate-papo síncrono (com hora marcada) com envio e
recepção simultâneos de mensagens textuais e imagéticas. Professor e aprendizes podem
propor o tema e debatê-lo. Podem convidar outros participantes do curso e colaboradores
externos, agendando dia e hora. Os temas podem ser vinculados às unidades ou atividades
do curso, porém muitas vezes tomam rumos próprios numa polifonia favorável ao
estreitamento dos laços de interesses e desbloqueio da participação. O Chat potencializa a
socialização online quando promove sentimento de pertencimento, vínculos afetivos e
interatividade. Mediado ou não, permite discussões temáticas e elaborações colaborativas
que estreitam laços e impulsionam a aprendizagem. O texto das participações é quase
sempre telegráfico, ligeiro, não-linear e próximo da linguagem oral, efervescente e
polifônico. Pode ser tomado como documento produzido pelo grupo e enviado para o
cursista que não pôde estar presente. Não necessariamente como mediador do Chat, o
professor cuida da co-presença potencializada em mais comunicacional. No lugar da
103
obrigação burocrática em torno das atividades de aprendizagem, valoriza o interesse na
troca e na co-criação da aprendizagem e da comunicação. Não apenas o estar-junto online
na base da emissão de performáticos fragmentos telegráficos, mas o cuidado com a
expressão profunda de cada participante. Não apenas o esforço mútuo de participação para
ocupar a cena do Chat, mas a motivação pessoal e coletiva pela confrontação livre e plural.
Não apenas a Torre de Babel feita de cacos semióticos caóticos, mas a teia hipertextual das
participações e da inteligência coletiva. Mesmo que cada participante seja para o outro
apenas uma presença virtual no fluxo das participações textuais-imagéticas, sempre a
possibilidade da aprendizagem dialogada, efetivamente construída.
O Fórum é um espaço online de discussão em grupo. Tal como no Chat, os internautas
conversam entre si. A diferença é que o Chat é síncrono (as pessoas se encontram com hora
marcada) e o Fórum é assíncrono (as participações em texto e em imagens ficam
disponibilizadas nesse espaço, esperando que alguém do grupo se conta e se posicione a
respeito). No Fórum o professor abre provocações em texto ou em outras fontes de
visibilidade e juntamente com os estudantes desdobra elos dinâmicos de discussões sobre
temas de aprendizagem. Em interatividade assíncrona, os participantes podem trocar
opiniões e debater temas propostos como provocações à participação. Para participar com
sua opinião, o cursista clica sobre um dos temas e posta seu comentário, expressando sua
posição em elos de discussões em torno da provocação. O aprendiz também pode iniciar um
debate propondo um novo tema, fazendo da sua participação uma provocação que abre
novos elos de discussões. Ele emite opinião, argumenta, contra-argumenta e tira dúvidas.
Todas as participações ficam disponibilizadas em links na tela do Fórum. O aprendiz pode
atuar sobre qualquer uma, sem obedecer necessariamente a uma seqüência de mensagens
postadas de acordo com as unidades temáticas do curso. A qualquer hora ele se posiciona
sobre qualquer participação, postando a sua mensagem, cujo título fica em destaque na tela,
convidando a mais participações.
A Lista de Discussão é um espaço online que reúne uma comunidade virtual por email.
Cada integrante da comunidade envia email para todos de modo que todos podem interagir
com todos. O participante pode disparar mensagens acionando o livre trânsito pelo coletivo.
Pode abordar o tema que quiser, seja pertinente ao curso, seja em paralelo. Cava parcerias,
faz críticas, provoca bidirecionalidade e co-criação. O professor pode lançar mão dessa
interface para estender discussões iniciadas em aula presencial ou na própria lista. Em lugar
104
de subutilizá-la apenas divulgando ou trocando informações, pode construir conhecimento
na dialógica e na colaboração.
O Blog é um diário online no qual seu responsável publica histórias, notícias, idéias e
imagens. Se quiser, ele pode liberar a participação de colaboradores que terão acesso para
também publicar no seu blog. Como diário aberto, pode ter autoria coletiva, permitindo a
todos publicar ou postar seus textos e imagens, como dialógica, como registro da memória
de um curso. Como diário virtual, o professor ou estudante pode disponibilizar conteúdos
de aprendizagem e postar sua produção pontual. O responsável cuida da publicação do
conteúdo diário e da interação com os comentários postados pelos leitores-interatores. O
Blog abriu caminho para congêneres como o Fotolog, que permite publicar imagens ou
fotos que os visitantes podem comentar. O responsável pelo Blog libera o seu espaço para
mensagens e para inclusão de novas imagens.
Um Site ou Sitio da Internet é um espaço, ambiente ou lugar na WWW (World Wide Web)
que oferece informações sobre determinada pessoa, empresa, instituição ou evento. É
acessado através de um endereço que indica exatamente onde se encontra no ciberespaço,
por exemplo, www.saladeaulainterativa.pro.br. O professor pode ter o seu site e nele incluir
diversas interfaces que permitam seu encontro com os aprendizes. Ele pode disponibilizar
textos, imagens, animações gráficas, sons e até vídeos que irão compor propostas de
aprendizagem, fazendo do seu site uma extensão da sua sala de aula presencial. O professor
que se dispuser a construir seu site ou mesmo a encomendar um deve cuidar para que
supere, de fato, o paradigma da tela da TV. O usuário online pode querer mais do que
assistir e copiar. A maioria dos sites ainda tem inveja da TV, deixando assim de se
constituir como interface. O Site como interface deve reunir pelo menos Chat e Fórum.
LMS (Learning Management System) ou AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) é um
ambiente de gestão e construção integradas de informação, comunicação e aprendizagem
online. Tal como o Site, é, na verdade, uma hiper interface podendo reunir diversas
interfaces síncronas e assíncronas integradas. É a sala de aula online não restrita à
temporalidade do espaço físico. Nela o professor ou responsável pode disponibilizar
conteúdos e proposições de aprendizagem, podendo acompanhar o aproveitamento de cada
estudante e da turma. Os aprendizes têm a oportunidade de estudar, de se encontrar a
105
qualquer hora interagindo com os conteúdos propostos, com monitores e com o professor.
Cada aprendiz toma decisões, analisa, interpreta, observa, testa hipóteses, elabora e
colabora. O professor ou responsável disponibiliza o acesso a um mundo de informações,
fornece conteúdo didático multimídia para estudo, objetos de aprendizagem, materiais
complementares. Uma vez a par do hipertexto e da interatividade, o professor não
disponibilizará apostilas eletrônicas com conteúdos fechados que repetem o falar-ditar do
mestre centrado na transmissão para repetição, subutilizando essa poderosa interface.
Perspectivas para a educação em nosso tempo
Estar online não significa estar incluído na cibercultura. Internet na escola não é garantia da
inserção crítica das novas gerações e dos professores na cibercultura. O professor convida o
aprendiz a um site, mas a aula continua sendo uma palestra para a absorção linear, passiva e
individual, enquanto o professor permanece como o responsável pela produção e
transmissão dos "conhecimentos". Professor e aprendizes experimentam a exploração
navegando na Internet, mas o ambiente de aprendizagem não estimula fazer do hipertexto e
da interatividade próprios da mídia online uma valiosa atitude de inclusão cidadã na
cibercultura. Assim, mesmo com a Internet na escola, a educação pode continuar a ser o que
ela sempre foi: distribuição de conteúdos empacotados para assimilação e repetição.
De que modo traduzir as quatro exigências da cibercultura em prática docente, em
aprendizagem significativa? Cada professor com seus aprendizes podem criar
possibilidades, as mais interessantes e diversas. É tempo de criar e partilhar online soluções
locais. É tempo, inclusive, de reinventar a velha sala de aula presencial “infopobre” a partir
da dinâmica hipertextual e interativa das interfaces online.
A dinâmica e as potencialidades da interface online permitem ao professor superar a
prevalência da pedagogia da transmissão. Na interface, ele propõe desdobramentos,
arquiteta percursos, cria ocasião de engendramentos, de agenciamentos, de significações.
Ao agir assim, estimula que cada participante faça o mesmo, criando a possibilidade de co-
professorar o curso com os aprendizes.
106
Em lugar de guardião da aprendizagem transmitida, o professor propõe a construção do
conhecimento disponibilizando um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem
quando elementos são acionados pelos aprendizes. Ele garante a possibilidade de
significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica
embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos
aprendizes. Assim ele educa na cibercultura. Assim ele constrói cidadania em nosso tempo.
Referências bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
JOHNSON, Steven. A cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira
de criar e de comunicar. Trad. Maria L. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto
Alegre: Sulina, 2002.
LEVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos I. da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
_____ . Inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. Trad. L. Rouanet. São
Paulo: Loyola, 1998.
MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São
Paulo: EDUSP, 1993.
OKADA, Alexandra e SANTOS, Edméa O. A construção de ambientes virtuais de
aprendizagem: por autorias plurais e gratuitas no ciberespaço. Anais da 26a Reunião Anual
da Anped em http://www.anped.org.br/26/trabalhos/edmeaoliveiradossantos.pdf (acessado
em 15/08/2004).
107
SANTOS, Edméa O. Articulação de saberes na EAD online: por uma rede interdisciplinar e
interativa de conhecimentos em ambientes virtuais de aprendizagem. In: SILVA, Marco
(org.). Educação online. São Paulo, Loyola: 2003.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2003.
1 Parte deste texto foi tema de debate online com diversos professores no I Seminário
Virtual da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte “Internet na Escola”
(22/03/2004 a 02/04/2004)
http://www .pbh.gov.br/smed/capeonline/seminario
Sua ampliação foi inspirada nesse debate.
* Sociólogo, doutor em educação pela USP, professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Estácio e da Faculdade de Educação da UERJ.
[email protected] / www.saladeaulainterativa.pro.br
2 Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
108
3 Essas referências constam dos registros da educadora Maria Lúcia de Oliveira
Monteiro, alfabetizadora do PRONERA no Assentamento Pontal do Jundiá - município de
Conceição da Barra, ES.
Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida*
Tecnologia na escola: criação de redes de conhecimentos
O uso da tecnologia de informação e comunicação - TIC na escola carrega em si mesmo as
contradições da sociedade contemporânea. De um lado, dados do IBGE1 (1999) apontam
13,3% de analfabetos com idade de 15 ou mais anos e média de 5,7 anos de estudos para
pessoas de 10 ou mais anos de idade. Ressalta-se, ainda, a preocupação com os altos índices
de analfabetos funcionais considerados pelo IBGE como as pessoas que não completaram
as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Por outro lado, o mundo digital invade
109
nossas vidas e torna-se imperioso inserir-se na sociedade do conhecimento. Como superar
essa contradição? Como participar da sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo,
ajudar a diminuir esses índices que nos deixam abaixo de diversos países, inclusive os da
América Latina?
Inserir-se na sociedade da informação não quer dizer apenas ter acesso à tecnologia de
informação e comunicação - TIC, mas principalmente saber utilizar essa tecnologia para a
busca e a seleção de informações que permita a cada pessoa resolver os problemas do
cotidiano, compreender o mundo e atuar na transformação de seu contexto. Assim, o uso da
TIC com vistas à criação de uma rede de conhecimentos favorece a democratização do
acesso à informação, a troca de informações e experiências, a compreensão crítica da
realidade e o desenvolvimento humano, social, cultural e educacional. Tudo isso poderá
levar à criação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Como criar redes de conhecimentos? O que significa aprender quando se trabalha com
redes de conhecimentos? Como inserir o uso de redes de conhecimentos na escola? O que
cabe ao educador nessa criação?
A metáfora de rede considera o conhecimento como uma construção decorrente das
interações do homem com o meio. À medida que o homem interage com o contexto e com
os objetos existentes, ele atua sobre esses objetos, retira informações que lhe são
significativas, identifica estes objetos e os incorpora à sua rede, transformando o meio e
sendo transformado por ele.
O uso da TIC na criação de rede de conhecimentos traz subjacente a provisoriedade e a
transitoriedade do conhecimento, cujos conceitos articulados constituem os nós dessa rede,
flexível e sempre aberta a novas conexões, as quais favorecem compreender "problemas
globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais" (Morin, 2000,
p. 14)2.
110
Com o uso da TIC e da Internet pode-se navegar livremente pelos hipertextos de forma não-
seqüencial, sem uma trajetória predefinida, estabelecer múltiplas conexões, tornar-se mais
participativo, comunicativo e criativo, libertar-se da distribuição homogênea de
informações e assumir a comunicação multidirecional com vistas a tecer a própria rede de
conhecimentos.
As conexões dessa rede surgem sem determinações precisas, incorporam o acaso, a
indeterminação, a diversidade, a ambigüidade e a incerteza (Morin, 1996)3. Trata-se de
uma constante abertura a novas interações, ao desafio de apreender a realidade em sua
complexidade, em busca de compreender as múltiplas dimensões das situações que são
enfrentadas, estabelecer vínculos (ligações) entre essas dimensões, conectá-las com o que
conhece (nós), representá-las, ampliá-las e transformá-las tendo em vista melhorar a
qualidade de vida.
Na rede, aprender é descobrir significados, elaborar novas sínteses e criar elos (nós e
ligações) entre parte e todo, unidade e diversidade, razão e emoção, individual e global,
advindos da investigação sobre dúvidas temporárias, cuja compreensão leva ao
levantamento de certezas provisórias, ou a novos questionamentos (Fagundes, 1999)4
relacionados com a realidade.
O homem apreende a realidade por meio de uma rede de colaboração na qual cada ser ajuda
o outro a desenvolver-se, ao mesmo tempo que também se desenvolve. Todos aprendem
juntos e em colaboração. "Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si
mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo" (Freire, 1993, p.
9)5.
Aprender em um processo colaborativo é planejar; desenvolver ações; receber, selecionar e
enviar informações; estabelecer conexões; refletir sobre o processo em desenvolvimento em
conjunto com os pares; desenvolver a interaprendizagem, a competência de resolver
problemas em grupo e a autonomia em relação à busca e ao fazer por si mesmo (Silva,
2000)6. As informações são selecionadas, organizadas e contextualizadas segundo as
111
necessidades e interesses momentâneos do grupo, permitindo estabelecer múltiplas e
mútuas relações e recursões, atribuindo-lhes um novo sentido que ultrapassa a compreensão
individual.
O grupo que trabalha em colaboração é autor e condutor do processo de interação e criação.
Cada membro desse grupo é responsável pela própria aprendizagem e co-responsável pelo
desenvolvimento do grupo.
Por meio de interações favorecidas pelas TIC, cada participante do grupo confronta sua
unidade de pensamento com a universalidade grupal, navega entre informações para
estabelecer ligações com conhecimentos adquiridos, comunica a forma como pensa,
coloca-se aberto para compreender o pensamento do outro e, sobretudo, participa de um
processo de construção colaborativo, cujos produtos decorrem da representação
hipertextual, comunicação, conexão de idéias no computador, levantamento e teste de
hipóteses, reflexões e depurações.
Nessa abordagem, a educação é concebida como um sistema aberto, "com mecanismos de
participação e descentralização flexíveis, com regras de controle discutidas pela
comunidade e decisões tomadas por grupos interdisciplinares" (Moraes, 1997, p. 68)7.
Tecer redes de conhecimento na escola significa assumir a ótica da interação e colaboração
entre alunos, professores, funcionários, dirigentes, especialistas e comunidade. Nessa
perspectiva, o professor trabalha junto com os alunos e os incentiva a colaborarem entre si,
o que favorece "uma mudança de atitude em relação à participação e compromisso do aluno
e do professor, uma vez que olhar o professor como parceiro idôneo de aprendizagem será
mais fácil, porque está mais próximo do tradicional. Enxergar seus colegas como
colaboradores para seu crescimento, isto já significa uma mudança importante e
fundamental de mentalidade no processo de aprendizagem" (Masetto, 2000, p. 141)8.
112
Assim, as interações entre as pessoas que se envolvem na criação dos nós de suas redes de
conhecimento propiciam as trocas individuais e a constituição de grupos que interagem,
pesquisam e criam produtos ao mesmo tempo que se desenvolvem. Cada ser retira do
hipertexto as informações que lhe são mais pertinentes, internaliza-as, apropria-se delas e as
transforma em uma nova representação hipertextual; ao mesmo tempo que se transforma,
volta a agir no grupo transformado e transformando o grupo.
Redefine-se o papel do professor: "mais do que ensinar, trata-se de fazer aprender (...),
concentrando-se na criação, na gestão e na regulação das situações de aprendizagem"
(Perrenoud, 2000, p. 139)9, cuja mediação propicia a aprendizagem significativa aos grupos
e a cada aluno. Desta forma, pode-se mobilizar os alunos para a investigação e a
problematização, alicerçados no desenvolvimento de projetos, solução de problemas,
reflexões individuais e coletivas, nos quais a interação e a colaboração subsidiam a
representação hipertextual do conhecimento.
Ensinar é organizar situações de aprendizagem, criando condições que favoreçam a
compreensão da complexidade do mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e da
própria identidade. Diz respeito a levantar ou incentivar a identificação de temas ou
problemas de investigação, discutir sua importância, possibilitar a articulação entre
diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a seguir na busca de sua
compreensão ou solução, negociar redefinições, incentivar a busca de distintas fontes de
informações ou fornecer informações relevantes, favorecer a elaboração de conteúdos e a
formalização de conceitos que propiciem a aprendizagem significativa.
Criar ambientes de aprendizagem com a presença das TIC significa utilizar a TIC para a
representação, a articulação entre pensamentos, a realização de ações, o desenvolvimento
de reflexões que questionam constantemente as ações e as submetem a uma avaliação
contínua.
O professor que associa as TIC aos todos ativos de aprendizagem desenvolve a
habilidade técnica relacionada ao domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio
113
com a prática pedagógica e com as teorias educacionais que o auxiliem a refletir sobre a
própria prática e a transformá-la, visando explorar as potencialidades pedagógicas das TIC
em relação à aprendizagem e à conseqüente constituição de redes de conhecimentos.
A aprendizagem é um processo de construção do aluno - autor de sua aprendizagem, mas
nesse processo o professor, além de criar ambientes que favoreçam a participação, a
comunicação, a interação e o confronto de idéias dos alunos, também tem sua autoria. Cabe
ao professor promover o desenvolvimento de atividades que provoquem o envolvimento e a
livre participação do aluno, assim como a interação que gera a co-autoria e a articulação
entre informações e conhecimentos, com vistas a construir novos conhecimentos que levem
à compreensão do mundo e à atuação crítica no contexto.
O professor atua como mediador, facilitador, incentivador, desafiador, investigador do
conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal. Ao mesmo tempo
em que exerce sua autoria, o professor coloca-se como parceiro dos alunos, respeita-lhes o
estilo de trabalho, a co-autoria e os caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os
alunos constroem o conhecimento por meio da exploração, navegação, comunicação, troca,
representação, criação/recriação, organização/ reorganização, ligação/religação,
transformação e elaboração/reelaboração.
A incorporação da TIC na escola favorece a criação de redes individuais de significados e a
constituição de uma comunidade de aprendizagem que cria a sua própria rede virtual de
interação e colaboração, caracterizada por avanços e recuos num movimento não-linear de
inter-conexões em um espaço complexo, que conduz ao desenvolvimento humano,
educacional, social e cultural.
O movimento produzido pelo pensar em redes de conhecimento propicia ultrapassar as
paredes da sala de aula e os muros da escola, rompendo com as amarras do estoque de
informações contidas nas grades de programação de conteúdo. Desta forma, parcela
significativa desse contingente de analfabetos (de fato ou funcionais) poderá desenvolver a
114
capacidade de utilizar a TIC na criação de suas redes de conhecimento, superando um
grande obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa, ética e humanitária.
Para incorporar a TIC na escola, é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer
continuamente a rede, criando e desatando novos nós conceituais que se inter-relacionam
com a integração de diferentes tecnologias, com a linguagem hipermídia, teorias
educacionais, aprendizagem do aluno, prática do educador e a construção da mudança em
sua prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se possível ao propiciar ao
educador o domínio da TIC e o uso desta para inserir-se no contexto e no mundo,
representar, interagir, refletir, compreender e atuar na melhoria de processos e produções,
transformando-se e transformando-os.
NOTAS
* Mestre e Doutora em Educação, PUC-SP. Professora do Programa de Pós-
graduação em Educação: Currículo e do curso de Tecnologias e Mídias Digitais, da
PUC-SP. Consultora desta série.
1. Dados obtidos na Web, em 04.09.2001: http://www.ibge.gov.br.
2. Morin, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2000.
3. Morin, E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
4. Fagundes, L. C., Sato, L. S. & Maçada, D. L. Aprendizes do futuro: as inovações
começaram. Cadernos Informática para a Mudança em Educação. MEC/ SEED/
ProInfo, 1999. Disponível na web: http://www.proinfo.mec.gov.br
115
5. Freire, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
6. Silva, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.
7. Moraes, M. C. O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, Papirus, 1997.
8. Masetto, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: Moran, J. M.;
Masetto, M. T. & Behrens, M. A . Novas tecnologias e mediação pedagógica.
Campinas, SP: Papirus, 2000.
9. Perrenoud, P. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000
Dra. Marilda Aparecida Behrens1
Tecnologia interativa a serviço da aprendizagem colaborativa num paradigma
emergente
O processo de mudança que a sociedade vem sofrendo nas últimas
décadas tem forte influência dos paradigmas da ciência. A
Revolução Científica trouxe para a humanidade a visão do mundo-
máquina. Na realidade, essa explicação científica do universo
iniciou-se com as proposições de Copérnico e Galileu, ao
defenderem a descrição matemática da natureza. E foi acentuada
pelas contribuições de Descartes e Newton, quando recomendaram
uma ordem lógica e racional para justificar os fenômenos da
natureza. Baseados em pressupostos da Matemática e da Física,
levaram a um processo de fragmentação da ciência em áreas do
conhecimento. Desse movimento decorreram duas conseqüências
importantes que influenciaram o pensamento moderno "Uma se
refere ao fato de que, para conhecer, é preciso quantificar, e o rigor
científico é dado por medições" e outra, relacionada ao pensamento
científico, em que "para conhecer, é preciso dividir, classificar, para
depois tentar compreender as relações das coisas em separado."
116
(Moraes, 1997)
A Sociedade de Produção em Massa, fortemente influenciada pela Revolução Industrial e
impregnada pelos pressupostos do paradigma newtoniano-cartesiano, apresentou-se
sedimentada numa visão de mundo mecanicista e reducionista. A fragmentação, a divisão, a
objetividade, a racionalidade, levaram a proposições dualistas, como a separação entre
mente-corpo, ciência-ética, objetivo-subjetivo, razão-emoção, entre outras. Segundo Morin
e Moigne (2000) "até o inicio do século XX - quando ela entra em crise - a ciência clássica
se fundamentou sobre quatro pilares da certeza que têm por causa e efeito dissolver a
complexidade pela simplicidade: o princípio da ordem; o princípio de separação; o
princípio de redução; o caráter absoluto da lógica dedutiva-identitária" (p.95).
A visão newtoniano-cartesiana que caracterizou o século XVIII e XIX passa a ser
questionada pela comunidade científica durante todo o século XX. As proposições de
Einstein com a Teoria da Relatividade (1900) e o movimento da física quântica
desencadearam uma nova revolução na ciência, especialmente, focada na busca da
recomposição das partes num todo integrado. Esse movimento desafia o mundo científico,
envolvendo investigações de físicos, químicos, biólogos, matemáticos e de profissionais das
mais variadas áreas do conhecimento.
A Revolução Industrial evolui para a Revolução Tecnológica, que traz contribuições
significativas para a humanidade. Acredita-se que o grande avanço da era tecnológica foi
provocar a geração da rede informatizada. Assim, a Era de Informação passa a permitir o
contato rápido entre as pessoas e auxilia significativamente o movimento de globalização.
Se por um lado esta revolução trouxe processos de avanço e desenvolvimento, por outro,
apresentou a tecnologia num sistema capitalista que levou à massificação e a um
comprometimento da visão de homem e da visão de mundo. A Educação, em todos os
níveis de ensino e de modalidades, ainda mantém uma forte impregnação do pensamento
conservador newtoniano-cartesiano, demorando a absorver as mudanças geradas pela
Revolução Tecnológica. Grande número de professores apresenta a tecnologia como a
utilização da técnica pela técnica, na busca da eficiência e da eficácia, das verdades
117
absolutas e inquestionáveis e das evidências concretas. Neste processo, a sociedade
capitalista, com uma visão racionalista e positivista, tem permitido o acirramento das
desigualdades sociais. No dizer de Cardoso (1995), o paradigma cartesiano, ainda presente
em muitas das atitudes da humanidade, levou ao "culto do intelecto e o exílio do coração".
Com o advento da Sociedade do Conhecimento, nas últimas décadas do século XX, a
exigência da superação da reprodução para a produção do conhecimento instiga a buscar
novas fontes de investigação, tanto na literatura, quanto na rede de informatizada. A
Sociedade do Conhecimento, na "Era das Relações" (Moraes,1997), com a globalização,
passa a exigir conexões, parcerias, trabalho conjunto e inter-relações, no sentido de
ultrapassar a fragmentação e a divisão em todas as áreas do conhecimento. Nesse processo,
a tecnologia precisa tornar-se um instrumento a serviço do bem-estar da humanidade. Com
esse desafio imposto, o importante papel reservado para a Educação Tecnológica é o
trabalho para a formação da cidadania, que leve em consideração a oferta de requisitos
básicos para viver numa sociedade em transformação, e que prepare um cidadão
responsável e ético, para enfrentar os novos impactos tecnológicos (Grinspum,1999).
Neste contexto de mudança paradigmática, as universidades, seus gestores e seus
professores precisam refletir sobre as reais necessidades que os alunos irão enfrentar em
suas profissões e em suas vidas. A Sociedade do Conhecimento vem trazendo novos
enfrentamentos para população, pois as exigências na formação de cada área profissional
tendem a mudar e o aluno precisa estar preparado para estas transformações. Portanto, a
formação deve contemplar um espaço aberto para o diálogo, para a busca incessante do
novo, do desejo de pesquisar e tornar-se autônomo e produtivo.
Neste movimento de inovação, o professor como intelectual transformador (Giroux,1997)
precisa tornar-se um investigador crítico e reflexivo para ser criativo, articulador e,
principalmente, parceiro de seus alunos no processo de aprendizagem. Nesta nova visão, o
docente precisa mudar o foco do ensinar e passar a preocupar-se com o aprender e, em
especial, o "aprender a aprender", abrindo caminhos coletivos de busca que subsidiem a
produção do conhecimento do seu aluno. Por sua vez, o aluno precisa ultrapassar o papel
118
passivo de repetidor fiel dos ensinamentos do professor e tornar-se criativo, crítico,
pesquisador e atuante para produzir conhecimento e transformar a realidade (Behrens,
2000).
Em parceria, professores e alunos precisam buscar um processo de auto-organização para
produzir conhecimento significativo e relevante. O volume de informações acumulado
nestas últimas décadas não permite abarcar todos os conteúdos que caracterizam uma área
do conhecimento, portanto, professores e alunos precisam aprender a aprender como
acessar a informação, onde buscá-la, como depurá-la e transformá-la em produção de
conhecimento. O profissional, para ser competente, precisa ser um investigador
intermitente, um cidadão crítico, autônomo e criativo que saiba solucionar problemas,
utilizar a tecnologia com propriedade e ter iniciativa própria para questionar e transformar a
sociedade. Segundo Freire (1997), nesse processo de transformação, o aluno deve buscar
uma formação ética e solidária e assumir seu papel como sujeito histórico. A escola, por sua
vez, precisa oferecer situações que envolvam e responsabilizem os alunos por uma
aprendizagem solidária.
Aprendizagem colaborativa com tecnologia interativa
O paradigma conservador era baseado na transmissão do professor, na memorização dos
alunos e numa aprendizagem competitiva e individualista. O grande encontro da era oral,
escrita e digital (Lévy, 1999), na Sociedade da Informação, enseja uma prática docente
assentada na produção individual e coletiva do conhecimento. Acredita-se que os processos
interativos de comunicação, colaboração e criatividade são indispensáveis ao novo
profissional esperado para atuar nessa sociedade. Para desenvolver estes processos,
necessidade de oferecer nas universidades uma prática pedagógica que propicie ações
conjuntas, e que prepare os alunos para empreender e conquistar esta qualificação, a partir
da sala de aula.
119
As Universidades e as escolas em geral, ao optarem por um paradigma inovador, precisam
derrubar barreiras que segregam o espaço e a criatividade do professor e dos alunos, que em
geral ficam restritos à sala de aula, ao quadro de giz e ao livro texto (Behrens, 1996). No
universo de informações, os alunos deverão ser iniciados também na utilização da
tecnologia para resolver problemas concretos que ocorrem no cotidiano de suas vidas. A
aprendizagem precisa ser significativa, desafiadora, problematizadora e instigante, a ponto
de mobilizar o aluno e o grupo a buscarem soluções possíveis para serem discutidas e
concretizadas à luz de referenciais teóricos e práticos.
A ação docente inovadora precisa contemplar a instrumentalização dos diversos recursos
disponíveis, em especial, os computadores e a rede de informação. Aos professores e alunos
cabe participar de um processo conjunto para aprender de forma criativa, dinâmica,
encorajadora que tenha como essência o diálogo e a descoberta. Com essa nova visão, cabe
aos docentes empreenderem projetos que contemplem uma relação dialógica, na qual, ao
ensinarem, aprendem; e os alunos, ao aprenderem, possam ensinar (Freire, 1997). Os
professores e alunos passam a ser parceiros solidários que enfrentam desafios a partir das
problematizações reais do mundo contemporâneo e demandam ações conjuntas que levem à
colaboração, à cooperação e à criatividade, para tornar a aprendizagem colaborativa, crítica
e transformadora.
Aprendizagem colaborativa num paradigma pedagógico emergente
Existe a proposição de um paradigma inovador na ciência, que venha atender aos
pressupostos exigidos pela sociedade do conhecimento e que tem sido denominado, por
alguns educadores, como Ecológico, Holístico ou Emergente (Capra, 1996; Moraes, 1997;
Santos, 1987). Caracterizar o paradigma emergente não parece tarefa de fácil resposta
neste momento histórico, pois além da multiplicidade de denominações, ele engloba
diferentes aspectos e exige a interconexão de pressupostos de diversas teorias.
120
O paradigma emergente busca a visão de totalidade e o desafio de superação da reprodução
para a produção do conhecimento. Para Capra (1996), o paradigma emergente tem como
função essencial reaproximar as partes na busca de uma visão do todo. A exigência de
tornar o aluno um competente produtor do seu próprio conhecimento implica valorizar a
reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico, a incerteza, a provisoriedade, o
questionamento e, para tanto, exige que o professor reconstrua a prática conservadora que
vem desenvolvendo em sala de aula. Os ambientes educativos devem ter como foco central
a autonomia, a criatividade e o espírito investigativo. Com esse desafio presente, o
professor precisa optar por metodologias que contemplem o paradigma emergente, a partir
de contextualizações, que busquem levantar situações-problema, que levem a produções
individuais e coletivas e a discussões críticas e reflexivas, e, especialmente, que visem à
aprendizagem colaborativa.
Para alicerçar uma ação docente que venha atender às mudanças paradigmáticas da ciência,
a necessidade de se constituir uma aliança de abordagens pedagógicas, formando uma
verdadeira teia de referenciais teóricos-práticos. Behrens (1999), ao realizar pesquisas sobre
a prática pedagógica dos professores, em todos os níveis de ensino, propõe que para atender
ao Paradigma Emergente faz-se necessário construir uma aliança entre os pressupostos da
visão sistêmica, da abordagem progressista e do ensino com pesquisa. Defende que para o
professor oferecer uma ação docente baseada nessa aliança precisa ampliar também os
recursos oferecidos para a aprendizagem dos alunos, em especial com a instrumentalização
da tecnologia inovadora.
A importância da opção por essa aliança implica apresentar as características de cada
abordagem: a) A visão sistêmica ou holística busca a superação da fragmentação do
conhecimento, o resgate do ser humano em sua totalidade, considerando o homem com suas
inteligências múltiplas, levando à formação de um profissional humano, ético e sensível. b)
A abordagem progressista tem como pressuposto central a transformação social. Instiga o
diálogo e a discussão coletiva como forças propulsoras de uma aprendizagem significativa e
contempla os trabalhos coletivos, as parcerias e a participação crítica e reflexiva dos alunos
e dos professores. c) O ensino com pesquisa instiga à produção do conhecimento, com
121
autonomia, espírito crítico e investigativo. Considera o aluno e o professor como
pesquisadores e produtores dos seus próprios conhecimentos (Behrens, 1998).
Uma prática pedagógica competente, que acompanhe os desafios da sociedade moderna,
exige uma inter-relação dessas abordagens e o uso da tecnologia inovadora. Servindo
como instrumentos, o computador e a rede de informações, aparecem como suportes
relevantes na proposição de uma ação docente inovadora. Dentre os recursos que têm
auxiliado processos de contato entre pares, destacam-se: Correio Eletrônico: ferramenta de
comunicação escrita a distância via rede de computadores; Listas de Discussão ou Fóruns:
formadas por pessoas e grupos que têm como objetivo a discussão de um determinado
assunto; Chat: interface gráfico que possibilita conversa com diversas pessoas ao mesmo
tempo; Teleconferência: conferências que envolvem usuários fisicamente distantes,
podendo envolver a transmissão e o recebimento de texto, som e imagem. Acredita-se que
esses recursos devem ser utilizados para subsidiar uma metodologia de ação docente
baseada nas aprendizagens e nas competências e habilidades que o professor quer
desenvolver com seus alunos.
Aprendizagem colaborativa num paradigma emergente baseada em projetos
O paradigma emergente exige conexões e inter-relações dos agentes envolvidos no processo
de ensinar e de aprender. Com essa visão, ao buscar uma aprendizagem colaborativa, o
professor pode optar por diversas metodologias. Em especial, neste momento, recomenda-
se que a metodologia tenha como base fundamental um ensino e aprendizagem por projetos.
A perspectiva de propor uma aprendizagem baseada em projetos leva cada docente a
analisar, refletir e criar sua própria prática pedagógica. Enfatiza-se que o sucesso da
metodologia baseada em projetos e da aprendizagem colaborativa com tecnologia interativa
implica a vivência de situações diferentes das que os alunos estão acostumados numa ação
docente conservadora. Na proposição da metodologia de aprendizagem colaborativa por
projetos, não existem receitas e prescrições a serem seguidas, embora algumas
122
recomendações possam ser apresentadas como: a investigação de problemas, a
contextualização do tema, a tomada de decisões em grupo, as situações de troca, a reflexão
individual e coletiva, a tolerância e a convivência com as diferenças, as constantes
negociações e as ações conjuntas. Ressalta-se que o professor, ao optar por essa
metodologia, instiga a responsabilidade do aluno pelo seu próprio aprendizado e pelo
aprendizado do grupo. A vivência fraterna e solidária nas situações de aprendizagem tende
a se estender às relações do estudante com os demais membros da sociedade, e este
procedimento bastaria para defender a relevância desta metodologia.
Referências bibliográfica
BEHRENS, Marilda Aparecida. A formação pedagógica e os desafios do
mundo moderno. In: Masetto, Marcos (org.). Docência na universidade.
Campinas: Papirus, 1998.
_________. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Curitiba:
Champagnat, 1999.
_________. O desafio da Universidade frente ao novo século. In: Autores
variados. Educação, Caminhos e Perspectivas. Curitiba: Champagnat, 1996.
________. Projetos de aprendizagem colaborativa com tecnologia interativa.
IN: MORAN, José Manoel; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda A.
Novas Tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos
sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.
123
CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. A canção da inteireza. Uma visão
holística da educação. São Paulo: Summus, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais. Rumo a uma pedagogia
crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
GRINSPUN, Miriam Zippin. Educação tecnológica. Desafios e
perspectivas. São Paulo: Cortez, 1999.
LÈVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas:
Papirus, 1997.
MORIN, Edgar e MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade.
São Paulo: Pierópolis, 2000.
SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências. Porto: Editora
Aprofundamentos, 1987.
NOTAS
1 Doutora em Educação. Professora do Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
124
Elisa Tomoe Moriya Schlünzen1
125
Escola inclusiva e as novas tecnologias
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, 9.394/96 apresenta-se como
um marco muito significativo na educação brasileira, uma vez que ela prevê a inclusão e a
ampliação do atendimento educacional, em rede pública, aos educandos com necessidades
especiais nos níveis de Educação Infantil e Superior. Esta lei é fundamental e abre uma
perspectiva para essas crianças. Braga (1996) declara que Vygotsky versava que o futuro
das crianças com necessidades especiais depende muito da possibilidade que elas venham a
ter de interação com o meio social. Para a autora, o meio contribui significativamente no
desenvolvimento da criança com necessidades especiais e o contato com o outro provoca,
na criança, um desenvolvimento intrapsicológico melhor. Russo (1994, p. 37) acrescenta
afirmando que, nas pessoas com necessidades especiais, pode-se formar uma delimitação
secundária para a sua dificuldade, caracterizada pela ausência de experiências socioculturais
que lhes é imposta durante sua trajetória de vida. Essas delimitações podem ser tão fortes
nas características pessoais destes indivíduos, que passam a fazer parte do quadro de suas
patologias.
Logo, acredito que, a escola como instituição que é, seja o ambiente propício para
possibilitar a interação da criança com o meio social. A inclusão pois, deve ser o início para
que a sociedade receba estes seres especiais, oferecendo a oportunidade para que eles
possam relacionar-se com seus amigos, com ou sem necessidades especiais, no contato com
ambientes dos quais eles foram privados pela sua própria condição, oportunizando-lhes
interagirem, experienciarem e vivenciarem situações como qualquer outro ser.
No entanto, apesar dos esforços de pessoas dedicadas das Secretarias Municipais, Estaduais
e Federais, que buscam melhorar as condições das crianças especiais, a tão desejada
126
inclusão não acontece. Esta conclusão ocorreu após ter orientado uma pesquisa (Portela,
2001)2, na qual observou-se a existência de um descompasso entre a teoria/prática no que
se refere à inclusão, ou seja, existe um distanciamento entre a lei que a garante e a prática
que a nega. As principais dificuldades que impedem a operacionalização da inclusão no
ambiente são: a falta de formação e preparo do professor; a necessidade de mudança na
prática pedagógica e, conseqüentemente, no processo educacional; a falta de critério para
selecionar os professores que venham a atuar junto a esses alunos, sem considerar a sua
vocação ou histórico de vida; a prática do professor, que geralmente busca atender à
dificuldade do aluno e não explorar a sua potencialidade; a falta de preparo dos próprios
alunos da sala para receber um aluno especial; a falta de adaptação na estrutura sica do
ambiente. Este fato é completado com o relato de uma ex-aluna do curso de Licenciatura de
Matemática da FCT/Unesp-PP. Ela declara que, em uma das salas que atuava como
professora de Matemática na cidade de São José dos Campos-SP, existia um aluno portador
de necessidades especiais educativas, que permanecia isolado, o participando das
atividades da sala de aula. A professora sentia-se angustiada com a situação, porém
encontrava grande dificuldade em modificar este quadro, pois não havia sido preparada para
lidar com crianças portadoras de necessidades especiais.
Com as experiências teórico-práticas vivenciadas, posso afirmar que uma das grandes
dificuldades de incluir alunos com essas necessidades deve-se à abordagem metodológica
instrucionista praticada nas escolas: todos devem saber tudo, respeitando um mesmo tempo,
ritmo e caminhos, buscando-se promover na escola uma homogeneização de seres
heterogêneos. Portanto, incluir crianças especiais, sob a perspectiva metodológica
instrucionista, é uma atitude a ser repensada. Dessa forma, percebo que a escola deve rever
sua maneira de ensinar e propiciar a aprendizagem, respeitando as diferenças,
oportunizando aos alunos descobrirem suas habilidades, capacidades e potencialidades,
oferecendo assim reais condições para que esses alunos especiais participem do ambiente
escolar.
Vygotsky (1993) sinaliza para uma mudança, enfatizando a necessidade de uma revisão dos
currículos e métodos de ensino, substituindo a abordagem quantitativa por uma abordagem
qualitativa baseada em novos princípios educacionais. Neste sentido, Perrenoud (1999)
127
afirma que uma abordagem para construir competências, tanto de professores como de
alunos, seria a voltada para o desenvolvimento de projetos. Para Almeida (1999), com o
desenvolvimento de projetos cria-se um melhor ambiente de aprendizagem nos quais
professores e alunos são sujeitos participantes de todas as etapas do processo, desde sua
concepção até a reflexão final sobre as vivências desencadeadas, os resultados obtidos e a
avaliação da aprendizagem.
Com este cenário, busquei investigar3 os princípios básicos que orientariam o professor
para construir uma metodologia que usa o computador para criar um ambiente
Construcionista, Contextualizado e Significativo4 para crianças com necessidades especiais
físicas, despertando as potencialidades e habilidades do aluno, usando como estratégia o
desenvolvimento de projetos (Schlünzen, 2000). Logo, em uma formação em serviço,
pretendi, junto com o professor, resgatar um ambiente no qual as crianças pudessem
aprender os conceitos de forma lúdica, conhecerem-se melhor, promovendo contato e
vivência com a sociedade, e que as habilidades e potencialidades de cada um fossem
valorizadas e o uso do computador ganhasse sentido.
Nesta pesquisa, o computador no desenvolvimento dos projetos pôde potencializar a
comunicação, a criação e a produção dos alunos, sendo também usado como um
instrumento de diagnóstico e de avaliação formativa, uma vez que permitia verificar a
capacidade intelectual da criança portadora de necessidades especiais físicas. Além disso,
por meio da formalização e representação, execução e depuração de suas idéias (Valente,
1993), os próprios alunos descobriram e corrigiram os seus erros com maior facilidade,
depurando e refletindo sobre todo o seu processo de construção do conhecimento. Com o
computador, o educando conseguiu realizar as tarefas de maneira independente, sem o
auxílio de outras pessoas, superando ou minimizando as barreiras com o mundo sem que o
seu comprometimento se evidenciasse. O uso do computador foi articulado ao cotidiano da
sala, propiciando a construção do conhecimento e a busca de informações. O aluno pôde
construir algo palpável (Valente, 1997) e significativo dentro do projeto que os alunos
estavam desenvolvendo, ampliando o trabalho desenvolvido para as dimensões afetivas e
valorativas. Assim, o professor articulou o uso desta ferramenta e todos os benefícios que
ela traz para a Educação Especial, na sua prática pedagógica.
128
Neste ambiente, foi possível também trazer o dia-a-dia para a sala de aula, permitindo
aplicações práticas e a aprendizagem com a experiência, com a realidade e necessidade do
aluno (Masetto, 1998). Dessa forma, o professor descobriu uma maneira mais prazerosa de
ensinar, de dar significado à aprendizagem, integrando e contextualizando os conceitos. O
conhecimento foi construído e a Educação deixou de ser a definida por Freire (1970) como
"bancária", na qual o aluno é um ser passivo em quem são depositadas as informações. O
ensino deixou de ser centrado no professor que fala, dirigindo-se para o aluno que precisa
interagir com o mundo a sua volta.
No desenvolvimento dos projetos com os alunos, o professor aproveitou toda a riqueza dos
momentos que surgiram para conseguir contemplar o currículo. Com sua experiência
docente, percebeu os conceitos que podiam ser desenvolvidos e pôde estar atento à sua
formalização, colaborando com a construção dos conceitos a partir dos temas escolhidos,
vividos e abordados.
Logo, o currículo foi organizado e construído a partir dos problemas e preocupações que
interessavam aos alunos. Isto é diferente dos currículos acadêmicos e fragmentados por
disciplinas, como Hernandez (1998) ressalta que estão presentes na maioria das escolas.
Para contemplar o currículo a cada atividade, o professor fazia um levantamento e uma
reflexão dos conceitos que foram abordados junto com os alunos, o que permitiu verificar
que, mesmo não tendo ocorrido de maneira linear, ele conseguiu contemplar os mais
diversos conteúdos, com a vivência dos alunos. Nos momentos de reflexão e
sistematização, verificava-se também o que poderia ser explorado, delineando as novas
atividades por meio de um processo reflexivo.
Além disso, a metodologia favoreceu às crianças terem consciência de seu crescimento e
habilidades, permitindo que o aluno percebesse e verificasse suas capacidades, descobrindo
sua auto-imagem para atuar em sociedade. Logo, foi possível realizar uma auto-avaliação
com os alunos, permitindo-lhes demonstrar suas percepções e com isso, ampliar o
diagnóstico, a avaliação e a atuação do professor.
129
Portanto, o professor conseguiu realizar uma avaliação formativa dos alunos (Perrenoud,
1999) ou mediadora (Hoffmann, 1993), porque pôde analisar as várias manifestações
sociais, emocionais, afetivas e cognitivas deles em situação de aprendizagem. Assim,
conseguiu-se perceber as facilidades ou os problemas de elaboração, de raciocínio, de
proporção, de articulação, de sociabilidade. Isto permitiu ao professor conhecê-los de uma
maneira mais completa, podendo decidir e atuar para ajudá-los a melhorar, a se
desenvolverem e a descobrirem as suas habilidades, competências (Perrenoud 1999),
inteligências (Gardner, 1995), potencialidades e seus caminhos isotrópicos5 (Vygotsky,
1993; Braga, 1996). Os alunos atuavam muito, individualmente e coletivamente, e o que
produziam não estava direcionado apenas para a expectativa do professor, mas estava
relacionado com seus interesses. Nesta avaliação contínua, foram observados os aspectos:
emocionais, sociais e cognitivos. Consideramos o desempenho de cada aluno e sua
evolução individual e coletiva no decorrer do ano letivo.
O ambiente favoreceu ainda mais os trabalhos em grupo, o que contribuiu para que um
completasse as idéias e dificuldades do outro. A aprendizagem não ocorreu apenas com os
professores em uma relação individual e de dependência (Masetto, 1998), havendo uma
grande parceria com os amigos, professores e voluntárias da instituição. Dessa forma, cada
aluno pôde contribuir com suas idéias a partir de sua criatividade, interesses e desejos, não
sendo um espectador das mudanças que estavam ocorrendo (Fazenda, 1995), tornando-se o
ser ativo do processo de ensino-aprendizagem.
Houve também uma mudança na relação do professor com os pais, uma vez que agora eles
compartilham o desenvolvimento do aluno e colaboram com depoimentos. Dessa forma, foi
muito importante a interação das pessoas diretamente ligadas aos alunos, para que o
professor pudesse dialogar e obter informações para avaliar de maneira mais precisa o
desenvolvimento deles também no convívio familiar e social. Nas análises das professoras,
elas declararam que ao observar as grandes evoluções, o progresso e a satisfação que as
crianças apresentavam em cada uma de suas conquistas, vivenciadas no desenvolvimento
dos projetos, é praticamente impossível negar os benefícios do novo ambiente e dos
recursos computacionais.
130
Logo, pude verificar que é possível melhorar o processo ensino-aprendizagem de crianças
com necessidades especiais físicas, as quais construíram conhecimento, aprenderam de
forma contextualizada e significativa. O computador foi o potencializador de suas
habilidades, o currículo foi construído durante as atividades desenvolvidas, houve
mudanças na prática pedagógica do professor e nas relações com os pais, entre outros
resultados expressivos. Neste ambiente, o ritmo e o tempo, as habilidades, as
potencialidades e as dificuldades de cada criança foram respeitados, possibilitando que cada
uma encontrasse seu caminho isotrópico.
Tudo isto permitiu-me vislumbrar que estas crianças poderiam ser incluídas em uma escola
normal que fizesse uso desta nova metodologia, sustentando a tese de Mantoan (1997)
sobre o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais
válidos para todos os alunos, resultando, naturalmente, na perspectiva de uma inclusão
escolar com o uso das novas tecnologias.
Finalizando, acredito que a comunidade educacional deva assumir um compromisso para
que o professor possa apropriar-se da metodologia construída, por meio da qual os alunos,
com necessidades especiais, encontrem seus caminhos isotrópicos, possibilitando-lhes
participar deste ambiente escolar. Logo, após todas estas constatações, sinto a necessidade
de a escola regular mudar seu paradigma educacional e oferecer oportunidade para estas
crianças de se relacionarem com outros alunos, desenvolvendo suas potencialidades,
sentindo-se incluídas e não excluídas. Portanto, nasce um novo desejo, desenvolver um
ambiente Construcionista, Contextualizado e Significativo para ser compartilhado por
crianças "normais" e com necessidades especiais. Minha pesquisa não se encerrou quando
coloquei um ponto final em meu texto/tese. Ela me remeteu a novos caminhos que surgiram
durante o percurso de meu amadurecimento como pesquisadora.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, M.E. (1999). Informática e formação de professores. Brasília:
Ministério da Educação - MEC.
131
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questão. Salvador: Editora SarahLetras.
FAZENDA, I.C.A.(1995). Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa.
Campinas: Papirus.
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GARDNER, H. (1995). Inteligências múltiplas. Porto Alegre: Editora Artes
Médicas.
HOFFMANN, J. M. L. (1993). Avaliação mediadora: Uma prática em
construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Editora Mediação.
HERNANDEZ, F. (1998). Transgressão e mudança na educação: Os
projetos de trabalho. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.
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Contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon:
Editora SENAC.
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Didática e interdisciplinaridade (pp. 179-192). Campinas: Papirus.
PERRENOUD, P. (1999). Avaliação: Da excelência à regulação das
aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.
132
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Especiais no Cotidiano Escolar. Relatório de Pesquisa apresentado à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, São Paulo.
RUSSO, L. (1994). Algumas contribuições do sócio-interacionismo para se
pensar sobre a prática pedagógica na Educação Especial. Dissertação de
Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC.
SCHLÜNZEN, E.T.M. (2000). Mudanças nas Práticas Pedagógicas do
Professor: Criando um Ambiente Construcionista Contextualizado e
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Doutorado em Educação: Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo.
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Valente (org.), Computadores e conhecimento: Repensando a Educação (pp.
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Aplicada à Educação -Nied - Universidade Estadual de Campinas.
VYGOTSKY, L.S. (1993). Problems of abnormal psychology and learning
disabilities: The fundamentals of defectology. New York: Plenum.
NOTAS
1. Professora Doutora do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade
Estadual Paulista - FCT/Unesp - Presidente Prudente.
133
2. Pesquisa sobre a "Inclusão do Portador de Necessidades Educativas Especiais no
Cotidiano Escolar" financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de
São Paulo - FAPESP, sob minha orientação, que visava verificar se de fato cumpre-
se a lei em termos de inclusão de alunos portadores de necessidades especiais.
3. As reflexões apontadas a seguir são resultados da pesquisa de doutorado realizada
por mim na Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD, no período de
maio de 1998 a dezembro de 1999, com crianças portadoras de necessidades
especiais físicas.
4. Construcionista porque o aluno usa o computador como uma ferramenta para
produzir um produto palpável na construção do seu conhecimento e que é de seu
interesse (Valente, 1997);
Contextualizado porque o tema do projeto parte do contexto da criança,
desenvolvendo-se a partir da vivência dos alunos, relacionando-o com a sua
realidade;
5. Significativo quando os alunos se deparam com os conceitos das disciplinas
curriculares e o professor media a formalização dos conceitos, cada aluno deve
conseguir dar significado ao que está sendo aprendido, atuando conforme suas
habilidades, resolvendo o problema de acordo com aquilo que mais se identifica.
6. Vygotsky (1993) afirma que a criança deficiente teria seus próprios caminhos para
processar o mundo. Para ele, a necessidade especial da criança faz com que ela se
desenvolva por meio de um processo criativo (físico e psicológico), definindo-o
como caminhos isotrópicos. Ou seja, a criança portadora de necessidades especiais
pode encontrar seus caminhos por rotas próprias e diferentes.
134
3. Tecnologias audiovisuais: TV e vídeo na escola
“Estamos deslumbrados com o computador e a Internet na escola e vamos deixando de lado
a televisão e o vídeo, como se já estivessem ultrapassados, não fossem mais tão importantes
ou como se já dominássemos suas linguagens e sua utilização na educação”.
“A informação e a forma de ver o mundo predominantes no Brasil provêm
fundamentalmente da televisão. Ela alimenta e atualiza o universo sensorial, afetivo e ético
que crianças e jovens – e grande parte dos adultos - levam a para sala de aula. Como a TV o
faz de forma mais despretensiosa e sedutora, é muito mais difícil para o educador contrapor
uma visão mais crítica, um universo mais mais abstrato, complexo e na contramão da
maioria como a escola se propõe a fazer”. Estes dois parágrafos do texto Desafios da
135
televisão e do vídeo à escolado Prof. Moran são retomados pelos vários autores, de uma
perspectiva mais teórica ou conceitual ou mais prática, mostrando caminhos para utilizar
melhor a televisão e o vídeo na escola.
O texto "As tecnologias invadem nosso cotidiano" de Vani Kenski discute a presença das
tecnologias em nossas atividades cotidianas mais comuns e como integrar a televisão
criticamente na sala de aula.
Na mesma direção vai Vânia Carneiro em "Televisão e educação: aproximações",
ressalta que o professor pode ser mediador entre os alunos e a televisão, tornando-a objeto
de estudo, conhecendo a linguagem, programação, condições de produção e de recepção e
incorporando-a pedagogicamente nas atividades escolares.
Lucília Helena Garcez em "A leitura da imagem", destaca que há muitos procedimentos
que são comuns à análise do texto e da imagem e propõe que a escola elabore, nas diversas
áreas de conhecimento, estratégias concretas para que os jovens desenvolvam a
competência de analisar, compreender e interpretar de forma crítica a avalanche de imagens
à qual estão expostos.
O texto É possível educar para e com a tv?” da Sylvia Magaldi aborda, de forma
resumida, alguns passos essenciais para que os professores desenvolvam uma relação
saudável e produtiva entre educação e televisão.
Carmen de Castro Neves foca dois temas complementares. No primeiro, "Uma nova
dinâmica na gestão educacional" mostra que a tecnologia traz desafios não para os
professores, mas também os gestores da educação nas dimensões administrativa,
pedagógica e social (de envolvimento da comunidade). No segundo, Próxima atração: a
tv que vem aí” destaca que a televisão digital interativa está chegando e vai afetar a escola
e a vida de todos. É mais um desses avanços tecnológicos que surgem, independentemente
das vontades individuais. A TV digital interativa é uma integração do sistema clássico da
136
TV com o mundo das telecomunicações, da informática, permitindo o acesso à internet e à
informação, facilitando a interatividade.
Maristela Tanaka em "Experimentação: planejando, produzindo, analisando", discute
que a produção de um audiovisual se num processo anterior à atividade de produzir. O
querer e saber produzir do professor se inicia quando reflete sobre o uso da tecnologia e
percebe que esta não se configura como um bem ou um mal, mas se preocupa com a
apropriação desigual ou o uso destrutivo e prejudicial que se fizer dela, desenvolvendo as
competências nas escolas do sentir, fazer e pensar.
Lígia Girao no texto "Processos de produção de vídeos educativos", discute o fato de que
a realização de uma peça audiovisual com objetivos educativos, seja um vídeo ou uma
instalação fotográfica com efeitos sonoros, não é tão complicado como parece. Ao
contrário, é saudável e desejável estender a alunos e professores os processos de produção
dos vários meios de comunicação, notadamente o vídeo. Divide o processo de produção em
cinco etapas: a) criação e planejamento; b) roteiro; c) pré-produção; d) direção e gravação;
e) edição e finalização.
Carmen Moreira de Castro Neves
1
PRÓXIMA ATRAÇÃO: A TV QUE VEM
Prepare-se, caro educador. A televisão digital interativa está chegando e vai afetar sua
escola e sua vida. É mais um desses avanços tecnológicos que surgem, independentemente
das vontades individuais. A TV digital interativa é uma integração do sistema clássico da
137
TV com o mundo das telecomunicações, da informática, permitindo o acesso à internet e à
informação, facilitando a interatividade.
Na TV digital, além de melhor qualidade de som e imagem, transmitem-se dados na forma
de vídeo, áudio, gráfico, imagem e texto. Assim, pela televisão, será possível uma série de
vantagens e serviços, como ter acesso a bancos, lojas, supermercados, revistas, sinopses e
grades de programas, discursos de seu político favorito e outros. Mais do que isso, o
telespectador deixa de ser um observador passivo e passa a ter o controle de como quer
assistir à TV, em que horário quer acompanhar determinada novela e, ainda, interage com
os programas transmitidos. As emissoras poderão regionalizar sua programação, enviando,
por exemplo, um mesmo programa com trilha sonora diferente para cada região do país.
Será mais fácil realizar transações comerciais e, claro, manipular mais e melhor corações e
mentes, com a TV digital. Eis o lado inquietante dessa evolução.
No lado bom, a possibilidade de ampliar-se o alcance social das tecnologias,
favorecendo a inclusão digital de camadas mais carentes da nossa sociedade que, hoje,
segundo dados do IBGE, contabiliza 90% dos lares com aparelho de televisão, mostrando o
elevado grau de aceitação de que essa mídia dispõe.
Justamente nesse lado bom da evolução da tecnologia está sua aplicação à educação. Neste
texto não tratarei de questões de infra-estrutura tecnológica e sim de alguns aspectos
relativos a conceitos e conteúdos que estarão na TV digital interativa e que afetarão
diretamente educadores e alunos de nossas escolas. Ignorar esses novos caminhos será abrir
mão de inúmeras e riquíssimas oportunidades educacionais.
Como as discussões ainda são muito novas, é importante que os educadores estejam
sintonizados, participando e influindo. Assim, levanto alguns pontos para que gestores e
professores reflitam e sejam artífices desse momento e não meramente receptores.
138
Em um canal como a TV Escola, totalmente dedicado à educação, a chegada da TV digital
interativa trará três grandes mudanças, envolvendo os seguintes processos:
1°. distribuição e disponibilização dos programas;
2°. produção de programas e de conteúdos pedagógicos;
3°. capacitação - forma de apropriação da TV digital interativa por parte de educadores e
alunos.
O primeiro processo a ser modificado diz respeito à forma como hoje são distribuídos
filmes, vídeos e programas. Os programas ficarão armazenados no set top box, permitindo
ao educador ler informações sobre eles e assistir e gravar somente o que for de seu
interesse. Além da distribuição pela grade, cada filme, vídeo ou programa digitalizado
permanecerá em uma central, permitindo sua utilização em outras ocasiões.
Mas a grande novidade é a disponibilização. Esse novo processo significa uma espécie de
videoteca em que cada programa será armazenado, não na íntegra, mas também em
diversos segmentos (como hoje se vê em um DVD), permitindo ir direto a uma determinada
cena, sem necessidade de acelerar ou retroceder o DVD. Imagine uma tangerina. Você pode
comê-la inteira. Mas pode querer alguns gomos. Cada gomo é um objeto. Você pode
colocá-lo em uma salada, suco, sobremesa ou guardá-lo para comer mais tarde. A partir do
conceito de disponibilização, os vídeos estarão catalogados e armazenados em múltiplos
objetos, facilitando usos variados e combinados.
Além dos filmes, haverá imagens, músicas, sons, textos, permitindo aos educadores e
alunos a montagem de seqüências próprias. Por exemplo, podem ser misturadas imagens de
arquivos da TV Escola com imagens captadas pela própria escola, incluindo uma trilha
sonora composta por alunos ou por artistas locais. Pense a respeito. Faça projeções sobre
como será possível fazer produtos que retratem seus estudantes, sua escola, sua localidade...
Quantas idéias suas e de seus alunos podem ser postas em prática, a partir dessa
realidade? As possibilidades pedagógicas da disponibilização somente serão limitadas por
nossa criatividade.
139
Em conseqüência dessas transformações, o segundo processo que se modifica é o de
produção de programas e de conteúdos pedagógicos. Os vídeos produzidos pela TV Escola
devem sofrer mudanças em todas as suas fases, incluindo concepção, pesquisa, roteiro,
elaboração, sonorização, edição, organização do material "excedente", veiculação e
disponibilização.
Os programas, filmes e vídeos devem ser desenvolvidos em linguagem multimídia,
acompanhados de conteúdos expandidos, ou seja, textos, revistas, imagens, áudios, links,
objetos de aprendizagem para uso em CD Rom e internet, entre outros. O uso desses
recursos deverá subsidiar alunos e educadores em produções escritas, vídeo, rádio, CD
Rom, internet e, em breve, produtos para celulares.
O terceiro processo a ser modificado é a capacitação. Nunca é demais ressaltar que
nenhuma inovação acontece se as pessoas forem resistentes a ela. Quando a inovação se
impõe sem a capacitação dos sujeitos, temos o que Paulo Freire chamava de consciência
mágica, que é o oposto de consciência crítica.
A TV digital valoriza a autoria e favorece o exercício da autonomia. Este é seu grande valor
educacional e, portanto, humano. Concretizar esse desafio exige que a escola assuma como
sua a tarefa de educar para o uso das mídias.
Do ponto de vista dos gestores educacionais (nos níveis nacional, estadual, municipal e das
escolas), quais as principais implicações das mudanças nesses três processos?
Primeiramente, é preciso incorporar a idéia e o conceito de integração de mídias digitais e
montar, nas escolas, laboratórios que incluam equipamentos, hardware e softwares capazes
de permitir a captação de som e imagens bem como o desenvolvimento de produções
personalizadas.
Conseqüentemente, uma segunda implicação é a construção de novos referenciais de
financiamento para laboratórios, produções e capacitações, uma vez que esses processos
passam a ser multimídia. Pegue-se, por exemplo, o custo atual de um programa de 12
minutos para a TV. Qual o novo custo, uma vez que ele inclua todas as expansões
indicadas anteriormente? Paralelamente, deve-se investir nas antenas e set top box da TV
Escola Interativa, modernizando os equipamentos distribuídos, em sua maioria, em 1996 e
140
garantir continuidade ao Proinfo - Programa Nacional de Informática na Educação, ao
Rádio Escola e ao RIVED.
Finalmente e diante de tantos desafios humanos e financeiros –, é necessário sensibilizar
outros setores do Poder Público e a iniciativa privada para que considerem educação como
um compromisso de Estado e da sociedade em geral. A colaboração desses setores com o
MEC e com as secretarias de educação facilitará a implantação de uma infra-estrutura
tecnológica capaz de alcançar e conectar as escolas públicas uma rede de alta
capilaridade, espalhada em todos os 5.561 municípios brasileiros. Se alcançarmos os cerca
de 50 milhões de brasileiros que estudam e trabalham nas redes públicas de ensino básico e
se as escolas abraçarem também os pais e a comunidade em geral, o Brasil será um País
socialmente mais justo e economicamente mais desenvolvido.
Enquanto essas mudanças não acontecem de fato, o que os educadores podem fazer?
muito que pode ser feito. Comece refletindo sobre a importância da TV digital
interativa: a passagem de receptor para produtor, de ouvinte para autor. Promova uma
reunião e discuta com seus colegas de escola sobre como uma pessoa pode ser manipulada
pela mídia, se não tiver um espírito crítico. Peça a um professor de História que conte como
governos totalitários usam a mídia para promover suas idéias. Você pode replicar essa idéia
com seus alunos.
Exercite sua criatividade e a interdisciplinaridade, usando vídeos da TV Escola. Veja alguns
exemplos: (1) tire o som de um programa e deixe que os alunos escrevam os diálogos
(aproveite para ajudá-los no domínio da Língua Portuguesa, porque eles precisam conhecê-
la para ter sucesso nos vestibulares, concursos e empregos); (2) passe o início de um vídeo
e peça que os alunos escrevam o final, comparando as diversas produções dos estudantes
com a do filme; (3) se você, sua escola ou seus alunos tiver câmera de vídeo, incentive-os a
produzirem um roteiro e a realizar o filme, apresentando-o aos colegas (uma produção
dessas pode ser objeto de avaliação, em vez de uma prova); (4) se ninguém tiver câmera,
peça aos alunos que dramatizem o roteiro preparado, apresentando-o como uma peça de
teatro ou novela, incentivando-os na pesquisa, elaboração, iluminação e sonorização da
peça; (5) analise com os alunos vídeos do ponto de vista do conteúdo, iluminação,
141
sonorização, figurino, recursos técnicos, roteiro (2) Veja o Módulo III do curso TV na
Escola e os Desafios de Hoje. Se você não fez o curso, pode encontrar o módulo no site
http://www.mec.gov.br/seed/tvescola ; (6) escolha uma notícia importante e acompanhe a
apresentação da mesma em três telejornais diferentes, observando formas de abordagem e
de aprofundamento em cada um deles.
Invente outras idéias e discuta com seus colegas os resultados alcançados. Você estará
preparando a si mesmo(a) e a seus colegas para uma apropriação crítica da TV digital
interativa.
Fundamentalmente, reflita com seus colegas sobre a intencionalidade e a profundidade do
ato educativo. Não usamos tecnologia por mera brincadeira ou para dizer que somos
modernos. Usamos tecnologia porque, com recursos lúdicos e contemporâneos, podemos
educar crianças e jovens para viver com responsabilidade, criatividade, espírito crítico,
autonomia e liberdade em um mundo tecnologicamente desenvolvido.
Bibliografia:
NEVES, Carmen Moreira de Castro. Critérios de Qualidade para a Educação a Distância.
In: Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, v. 26, n°. 141, abr./jun., 1998.
_. Uma nova dinâmica na gestão educacional. Boletim do Salto para o Futuro. TV na
Escola e os desafios de hoje, junho 2002.
1 Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre em Educação,
Diretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância, da
Secretaria de Educação a Distância/MEC.
142
Vani Kenski1
As tecnologias invadem nosso cotidiano
As nossas atividades cotidianas mais comuns - como dormir, comer, trabalhar, nos
deslocarmos para diferentes lugares, ler, conversar e se divertir - são possíveis, graças às
tecnologias a que temos acesso. Elas estão tão presentes em nossas vidas que nos
acostumamos e nem percebemos que não são coisas naturais. Tecnologias que resultaram,
por exemplo, em talheres, pratos, panelas, fogões, fornos, geladeiras.... alimentos
industrializados... e muitos outros produtos, equipamentos e processos que foram
planejados e construídos para podermos realizar a simples e fundamental tarefa que garante
a nossa sobrevivência: a alimentação.
Da mesma forma, para todas as demais atividades que realizamos em nossas vidas,
precisamos de produtos e equipamentos resultantes de estudos, planejamentos e construções
específicas para serem utilizados, na busca de melhores formas de viver. Ao conjunto de
conhecimentos e princípios científicos, que se aplicam ao planejamento, à construção e à
utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade nós chamamos de
"tecnologia". Para construir qualquer equipamento - seja uma caneta esferográfica ou um
computador - os homens precisam pesquisar, planejar e criar tecnologias.
Nas atividades cotidianas lidamos com vários tipos de tecnologias. As maneiras, jeitos ou
habilidades especiais de lidar com cada tipo de tecnologia, para executar ou fazer algo, nós
chamamos de técnicas. Algumas dessas técnicas são muito simples e de fácil aprendizado.
São transmitidas de geração em geração e integram os costumes e hábitos sociais de um
determinado grupo de pessoas. Outras tecnologias exigem técnicas mais elaboradas,
habilidades e conhecimentos específicos e complexos.
143
Existem muitos outros equipamentos e produtos que utilizamos em nosso cotidiano e que
não os notamos como tecnologias. Alguns invadem o nosso corpo, como próteses,
alimentos e medicamentos. Óculos, dentaduras, comidas e bebidas industrializadas,
vitaminas e outros tipos de remédios são produtos resultantes de tecnologias sofisticadas.
Como podemos deduzir, dificilmente a nossa vida cotidiana seria possível, neste estágio de
civilização, sem as tecnologias. Elas invadiram definitivamente o nosso cotidiano e não
sabemos viver sem fazer uso delas. Por outro lado, nos acostumamos tanto com os produtos
e equipamentos tecnológicos que os achamos quase naturais. Nem pensamos o quanto foi
preciso de estudo, criação e construção para que estas tecnologias chegassem em nossas
mãos.
As tecnologias não são apenas feitas de produtos e equipamentos.
Existem outros tipos de tecnologias que vão além dos equipamentos. Em muitos casos,
alguns espaços ou produtos são utilizados como suportes, para que as ações ocorram. Um
exemplo: as chamadas "tecnologias da inteligência" (Lévy, 1993), construções
internalizadas nos espaços da memória das pessoas e que foram criadas pelos homens para
avançar no conhecimento e aprender mais. A linguagem oral, a escrita e a linguagem digital
(dos computadores) são exemplos paradigmáticos desse tipo de tecnologia.
Articuladas às tecnologias da inteligência nós temos as "tecnologias de comunicação e
informação" que, através de seus suportes (mídias ou meios de comunicação, como o
jornal, o rádio, a televisão) realizam o acesso, a veiculação das informações e todas as
demais formas de articulação comunicativa, em todo o mundo.
As tecnologias de comunicação e informação invadem o nosso cotidiano
144
Estamos vivendo um novo momento tecnológico. A ampliação das possibilidades de
comunicação e de informação, por meio de equipamentos como o telefone, a televisão e o
computador, altera a nossa forma de viver e de aprender na atualidade.
Antigamente as pessoas saíam às ruas ou ficavam nas janelas de suas casas para se
informarem sobre o que estava acontecendo nas proximidades, na região e no mundo. A
conversa com os vizinhos e os viajantes garantia a troca e a renovação das informações. Na
atualidade, a "janela é a tela" diz Virilio. Através da tela da televisão, é possível saber de
tudo o que está acontecendo em todos os cantos - desde as mais longínquas partes do
mundo até as nossas redondezas. Da nossa sala, através da televisão, podemos saber a
previsão do tempo e o movimento do trânsito, nos informarmos sobre as últimas notícias,
músicas, filmes e livros que fazem sucesso e muito mais.
O conteúdo oferecido pelos programas televisivos passou a orientar as nossas vidas.
Pessoas de todas as idades, condições econômicas e níveis intelectuais começaram a viver
"ligados na televisão". Algumas pessoas chegaram "no limite": trocaram de lado.
Assumiram em suas vidas valores, hábitos e comportamentos copiados dos personagens da
televisão. Viraram também "personagens". Não conseguem mais viver distantes da
televisão e assimilam acriticamente tudo o que é ali veiculado.
A televisão, por sua vez, aproxima-se cada vez mais da realidade cotidiana. O sucesso dos
novos programas ("reality shows") como "Casa dos Artistas" e "Big Brother Brasil" mostra
o quanto a vivência cotidiana das pessoas alimenta o "show" oferecido pela mídia. A ficção
confunde-se com a realidade produzida no espaço artificial dos cenários televisivos.
Artistas e pessoas comuns vivem um cotidiano totalmente documentado e exibido e que
desperta a curiosidade geral do grande público. A exibição da "performance" das pessoas
em cenas de intimidade cotidiana explícita (dormir, comer, tomar banho, namorar) diante
da tela confunde os pensamentos, sentimentos, julgamentos e ações dos telespectadores.
A mídia televisiva como tecnologia de comunicação e informação invade o cotidiano e
passa a fazer parte dele. Não é mais vista como tecnologia, mas como complemento, como
145
companhia, como continuação do espaço de vida das pessoas. Por meio do que é
transmitido pela televisão, as pessoas adquirem informações e transformam seus
comportamentos. Tornam-se "teledependentes", consumidores ativos, permanentes e
acríticos de tudo o que é oferecido pelo universo televisivo.
Este é um dos maiores desafios para a ão da escola diante do que é veiculado pela
televisão na atualidade. Viabilizar-se como espaço crítico em relação às informações e
manifestações veiculadas pela TV. Aos professores é designada a importante tarefa de
refletir com os seus alunos sobre o que é apresentado pela televisão, suas posições e
problemas. Reconhecer a sua interferência no modo de ser e de agir das pessoas e na
própria maneira de se comportar diante do seu grupo social, como cidadãos.
Apropriando-se das palavras de Umberto Eco (1997), "nós precisamos de uma forma nova
de competência crítica, uma arte ainda desconhecida de seleção e decodificação da
informação, em resumo uma sabedoria nova" É preciso saber aproveitar a liberdade e a
criatividade do espaço televisivo mas, ao mesmo tempo, aprender a definir os limites, a
consciência crítica, reabilitar os valores e fortalecer a identidade das pessoas e dos grupos.
Desafios de hoje a serem enfrentados por todos nós, professores.
Referências bibliográficas:
ECO, Umberto. From Internet to Gutenberg. 1997. (documento eletrônico:
<http://www.italynet.com/columbia/internet.htm>)
LÈVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.
VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
NOTAS:
146
1 Professora, com mestrado (UnB) e doutorado em Educação (UNICAMP).
Representante do Grupo de Trabalho Educação e Comunicação no Comitê
Científico da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduaçãao em Educação-
ANPED. Pesquisadora do CNPq. Atualmente é pesquisadora-docente da USP e da
UMESP. Coordenadora do grupo de estudos e pesquisas Memória, Ensino e Novas
Tecnologias-Ment. Orienta pesquisas de mestrado e doutorado e é autora de artigos
e livros sobre esses temas.
José Manuel Moran 1
Desafios da televisão e do vídeo à escola
Estamos deslumbrados com o computador e a Internet na escola e vamos deixando de lado
a televisão e o vídeo, como se já estivessem ultrapassados, não fossem mais tão importantes
ou como se já dominássemos suas linguagens e sua utilização na educação.
A televisão, o cinema e o vídeo - os meios de comunicação audiovisuais - desempenham,
indiretamente, um papel educacional relevante. Passam-nos continuamente informações,
interpretadas; mostram-nos modelos de comportamento, ensinam-nos linguagens coloquiais
e multimídia e privilegiam alguns valores em detrimento de outros.
A informação e a forma de ver o mundo predominantes no Brasil provêm
fundamentalmente da televisão. Ela alimenta e atualiza o universo sensorial, afetivo e ético
que crianças e jovens - e grande parte dos adultos - levam a para sala de aula. Como a TV
o faz de forma mais despretensiosa e sedutora, é muito mais difícil para o educador
contrapor uma visão mais crítica, um universo mais abstrato, complexo e na contra-mão da
maioria como a escola se propõe a fazer. Ela fala da vida, do presente, dos problemas
147
afetivos - a fala da escola é muito distante e intelectualizada - e fala de forma impactante e
sedutora - a escola, em geral, é mais cansativa. O que tentamos contrapor na sala de aula, de
forma desorganizada e monótona, aos modelos consumistas vigentes, a televisão, o cinema,
as revistas de variedades e muitas páginas da Internet o desfazem nas horas seguintes. Nós
mesmos como educadores e telespectadores sentimos na pele a esquizofrenia das visões
contraditórias de mundo e das narrativas (formas de contar) tão diferentes dos meios de
comunicação e da escola.
Na procura desesperada pela audiência imediata, fiel e universal, os meios de comunicação
hiper-exploram nossas emoções, fantasias, desejos, medos e aperfeiçoam continuamente
estratégias e fórmulas de sedução e dependência. Passam com incrível facilidade do real
para o imaginário, aproximando-os em fórmulas integradoras, como nas telenovelas e nos
reality-shows como o Big-Brother e semelhantes.
Diante desse panorama, nós, educadores costumamos contrapor a diferença de funções e da
missão da televisão e da escola. A TV somente entretém enquanto que a escola educa.
Justamente porque a televisão não diz que educa o faz de forma mais competente. Ela
domina os códigos de comunicação e os conteúdos significativos para cada grupo: os
pesquisa, os aperfeiçoa, os atualiza. Nós, educadores, fazemos pequenas adaptações, damos
um verniz de modernidade nas nossas aulas, mas fundamentalmente continuamos
prendendo os alunos pela força e os mantemos confinados em espaços barulhentos,
sufocantes, apertados e fazendo atividades pouco atraentes. Quem educa quem a longo
prazo?
Como a televisão se comunica
Os meios de comunicação, principalmente a televisão, desenvolvem formas sofisticadas
multidimensionais de comunicação sensorial, emocional e racional, superpondo linguagens
e mensagens, que facilitam a interação, com o público. A TV fala primeiro do "sentimento"
- o que você sentiu", não o que você conheceu; as idéias estão embutidas na roupagem
sensorial, intuitiva e afetiva.
148
A televisão e o vídeo partem do concreto, do visível, do imediato, próximo, que toca todos
os sentidos. Mexem com o corpo, com a pele, as sensações e os sentimentos - nos tocam e
"tocamos" os outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som
estéreo envolvente.
Isso nos pistas para começar na sala de aula pelo sensorial, pelo afetivo, pelo que toca o
aluno antes de falar de idéias, de conceitos, de teorias. Partir do concreto para o abstrato, do
imediato para o mediato, da ação para a reflexão, da produção para a teorização.
A eficácia de comunicação dos meios eletrônicos, em particular da televisão, se deve
também à capacidade de articulação, de superposição e de combinação de linguagens
diferentes - imagens, falas, música, escrita - com uma narrativa fluida, uma lógica pouco
delimitada, gêneros, conteúdos e limites éticos pouco precisos, o que lhe permite alto grau
de entropia, de flexibilidade, de adaptação à concorrência, a novas situações. Num olhar
distante tudo parece igual, tudo se repete, tudo se copia; ao olhar mais de perto, por trás da
fórmula conhecida, mil nuances, detalhes que introduzem variantes adaptadoras e
diferenciadoras.
A força da linguagem audiovisual está em que consegue dizer muito mais do que captamos,
chegar simultaneamente por mais caminhos do que conscientemente percebemos e encontra
dentro de nós uma repercussão em imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas, com
as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma.2
Televisão e vídeo combinam a dimensão espacial com a sinestésica, ritmos rápidos e lentos,
narrativas de impacto e de relaxamento. Combinam a comunicação sensorial com a
audiovisual, a intuição com a lógica, a emoção com a razão. A integração começa pelo
sensorial, o emocional e o intuitivo, para atingir posteriormente o racional. Exploram o
voyeurismo, e mostram até a exaustão planos, ângulos, replay de determinadas cenas,
situações, pessoas, grupos, enquanto ignoram a maior parte do que acontece no cotidiano.
Mostram a exceção, o inusitado, o chocante, o horripilante, mas também o terno - um bebê
desamparado, por exemplo. Destacam os que detêm atualmente algum poder - político,
149
econômico ou de identificação/projeção: artistas, modelos, ídolos esportivos. Quando o
perdem, desaparecem da tela.3
A organização da narrativa televisiva, das situações, idéias e valores é muito mais flexível e
contraditória do que a da escola. As associações são feitas por semelhança, por contraste,
muitas vezes estéticos. As temáticas evoluem de acordo com o momento, a audiência, o
impacto.
Os temas são pouco aprofundados, explorando os ângulos emocionais, contraditórios,
inesperados. Passam a informação em pequenas doses (de forma compactada), organizadas
em forma de mosaico (rápidas sínteses de cada assunto) e com apresentação variada (cada
tema dura pouco e é ilustrado).
A televisão estabelece uma conexão aparentemente lógica entre mostrar e demonstrar.
Mostrar é igual a demonstrar, a provar, a comprovar. Uma situação isolada converte-se em
situação paradigmática, padrão, universal. Ao mesmo tempo, o não mostrar equivale a não
existir, a não acontecer. O que não se vê, perde existência.4
Estratégias de utilização da TV e do vídeo
uma crescente dificuldade de comunicação entre o professor adulto e as crianças e os
jovens. A forma de organizar a informação e de transmiti-la do professor é mais seqüencial,
abstrata, erudita. Crianças e jovens, que navegam intensamente pela Internet, vêem muita
TV e participam de contínuos jogos eletrônicos, pensam de uma forma mais sensorial,
concreta, plástica, multimídica, "linkada", coloquial. Eles se expressam com muita
intensidade emocional e pouca riqueza verbal erudita. um abismo que nos separa nas
preferências, interesses, formas de pensar, de pesquisar, de interagir. As crianças são mais
rápidas, impacientes, "multitarefas", "multitelas", sempre prontas para fazer, produzir algo
diferente e com dificuldade de sistematizar, de formular novas sínteses.
150
Nós, adultos, precisamos fazer um esforço enorme para agilizar nossa forma de pensar, de
integrar imagens, sons e textos, de organizar ao menos hipertextualmente nossa pesquisa e
comunicação. Temos que aproximar ao máximo nossa linguagem da dos alunos, nossa
abordagem da deles, nossas vivências das deles. Mas sempre haverá uma diferença enorme
de percepção e formas de expressão.
Um caminho mais imediato de comunicação é focar mais a relação afetiva, gostar dos
alunos como eles são, chamá-los para participar, aproveitar todo o potencial para motivá-
los, valorizá-los, incentivá-los, surpreendê-los. Pela interação afetiva creio que
conseguiremos encontrar um atalho de aproximação, que superará o abismo que separa
nosso universo perceptivo, racional e lingüístico.
Diante dessas linguagens tão sofisticadas, a escola pode partir delas, conhecê-las, ter
materiais audiovisuais mais próximos da sensibilidade dos alunos. Gravar materiais da TV
Escola, alguns dos canais comerciais, dos canais da TV a cabo ou por satélite e planejar
estratégias de inserir esses materiais e atividades que sejam dinâmicas, interessantes,
mobilizadoras e significativas.5
A televisão e a Internet não são somente tecnologias de apoio às aulas, são mídias, meios de
comunicação. Podemos analisá-las, dominar suas linguagens e produzir, divulgar o que
fazemos. Podemos incentivar que os alunos filmem, apresentem suas pesquisas em vídeo,
em CD ou em páginas WEB - páginas na Internet. E depois analisar as produções dos
alunos e a partir delas ampliar a reflexão teórica.
A escola precisa observar o que está acontecendo nos meios de comunicação e mostrar isto
na sala de aula, discutindo tudo com os alunos, ajudando-os a que percebam os aspectos
positivos e negativos das abordagens sobre cada assunto. Fazer (re)-leituras de alguns
programas em cada área do conhecimento, partindo da visão que os alunos têm, e ajudá-los
a avançar de forma suave, sem imposições nem maniqueísmos (bem x mal).6
151
Conclusão
A televisão, o cinema, a Internet e demais tecnologias nos ajudam a realizar o que
fazemos ou que desejamos. Se somos pessoas abertas, nos ajudam a comunicar-nos de
forma mais confiante, carinhosa e confiante; se somos fechadas, contribuem para aumentar
as formas de controle. Se temos propostas inovadoras, facilitam a mudança.
Educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com
profundidade. Temos feito apenas adaptações, pequenas mudanças. Agora, na escola, no
trabalho e em casa, podemos aprender continuamente, de forma flexível, reunidos numa
sala ou distantes geograficamente, mas conectados através de redes de televisão e da
Internet. O presencial se torna mais virtual e a educação a distância se torna mais
presencial. Os encontros em um mesmo espaço físico se combinam com os encontros
virtuais, a distância, através da Internet e da televisão.
Estamos aprendendo, fazendo. Os modelos de educação tradicional não nos servem mais.
Por isso é importante experimentar algo novo em cada semestre. Fazer as experiências
possíveis nas nossas condições concretas. Perguntar-nos no começo de cada semestre: "O
que estou fazendo de diferente neste curso? O que vou propor e avaliar de forma
inovadora?" Assim, pouco a pouco iremos avançando e mudando.
Podemos começar por formas de utilização das novas tecnologias mais simples e ir
assumindo atividades mais complexas. Experimentar, avaliar e experimentar novamente é a
chave para a inovação e a mudança desejadas e necessárias.
Caminhamos para uma flexibilização forte de cursos, tempos, espaços, gerenciamento,
interação, metodologias, tecnologias, avaliação. Isso nos obriga a experimentar pessoal e
institucionalmente a integração de tecnologias audiovisuais, telemáticas (Internet) e
impressas.
152
Vivemos uma época de grandes desafios no ensino focado na aprendizagem. Vale a pena
pesquisar novos caminhos de integração do humano e do tecnológico; do sensorial,
emocional, racional e do ético; do presencial e do virtual; de integração da escola, do
trabalho e da vida.
Glossário
Paradigma: forma padronizada ou modelo orientador da pesquisa e da organização de seus
resultados em um campo delimitado de conhecimento.
Arquétipo: referente a modelo ancestral de seres criados, padrão, exemplar, protótipo.
Maniqueísta: tendência de interpretar a realidade a partir de uma valoração dicotômica, ou
seja, que admite apenas dois princípios criadores: um para o bem e outro para o mal,
mutuamente excludentes.
Bibliografia
BABIN, Pierre e KOPULOUMDJIAN, Marie-France. Os novos modos de
compreender; a geração do audiovisual e do computador. São Paulo: Ed.
Paulinas, 1989.
FERRÉS, Joan. Vídeo e Educação. 2a ed., Porto Alegre: Artes Médicas
(atualmente Artmed), 1996.
____________. Televisão e Educação. São Paulo: Artes Médicas (Artmed),
1996.
153
MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1988.
MORAN, José Manuel. Mudanças na comunicação pessoal. 2a ed. São
Paulo: Paulinas, 2000.
MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos e BEHRENS, Marilda. Novas
Tecnologias e Mediação Pedagógica. 4ª ed., Campinas: Papirus, 2001.
PENTEADO, Heloisa Dupas. Televisão e escola: conflito ou cooperação?.
São Paulo: Cortez, 1991.
PORTO, Tânia Maria Esperon. A televisão na escola.... Afinal, que
pedagogia é esta?. Araraquara: JM Editora, 2000.
Publicações da Secretaria de Educação a Distância do MEC sobre
Televisão, entre elas "2 anos da TV Escola", TV na Escola e os Desafios de
Hoje, Educação do Olhar, Revista TV Escola.
NOTAS:
1. Doutor em Comunicação (USP), professor da disciplina Novas Tecnologias, na
Escola de Comunicações e Artes da USP. Professor de Novas Tecnologias da PUC-
SP e Coordenador de Tecnologia da Faculdade Sumaré - SP. Autor de vários livros.
E-mail: [email protected] e página web: <http://www.eca.usp.br/prof/moran.
2. Um livro importante para entender as linguagens e formas de utilização do vídeo
são de Joan FERRÉS. Vídeo e Educação. 2a ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1996
e também Televisão e Educação. São Paulo: Artes Médicas, 1996.
154
3. Maiores informações em MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
4. Para entender as mudanças da cultura audiovisual, recomendo o livro Os novos
modos de compreender de Pierre BABIN e Marie KOULOUMDJIAN. São Paulo:
Paulinas, 1989.
5. No meu artigo O vídeo na sala de aula apresento algumas situações e formas de
utilizar o deo. Pode ser acessado em <http://
www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm>
6. A utilização inovadora da televisão, Internet e outras tecnologias na educação pode
ser aprofundada no livro Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica de MORAN,
José Manuel, MASETTO, Marcos e BEHRENS, Marilda. ed., Campinas:
Papirus, 2001.
155
Vânia Lúcia Quintão Carneiro 1
Televisão e educação: aproximações
uma cultura audiovisual eletrônica proporcionando aos jovens informações, valores,
saberes, outros modos de ler e perceber. Para Martin-Barbero (1999), os complexos
processos de comunicação da sociedade difundem linguagens e conhecimentos que
descentram a relação escola-livro, âmago do sistema escolar vigente.
Contemporaneamente, a TV é o meio de comunicação predominante, instrumental de
socialização, entretenimento, informação, publicidade, composto em função dos interesses
dos mercados. Por ela gerações aprendem a consumir e a conhecer a si e ao mundo.
Reuniões públicas, antes nas ruas, têm como cenário e como mediadora a TV: campanhas
políticas e pronunciamentos oficiais substituem interações coletivas. O diálogo ficção-
realidade perpassa fronteiras e mostra a telenovela - o programa mais visto por crianças e
adultos - superar o entretenimento meramente alienatório e discutir temas sérios, oportunos,
que antes eram ignorados ou não admitidos, devido aos preconceitos.
Como preparar o jovem para analisar a televisão, ler um mundo recortado por ela,
compreender-lhe os recortes (essa edição da realidade)? Como analisar sua presença
156
cotidiana em nossa cultura? Como usá-la criticamente a serviço da educação? Como
integrar TV/vídeo à escola? Educa-se pela televisão? Que postura têm os consumidores?
Quais os papéis de produtores e proprietários de TV na educação? É viável produzir
programas interessantes com a intenção de educar?
Espera-se que a escola (en)foque o mundo audiovisual, faça da TV objeto de estudo,
conheça-lhe linguagem, programação, condições de produção e de recepção e a incorpore
pedagogicamente. Estudos garantem que se deve abordar a relação educação-televisão a
partir de três perspectivas complementares: educação para uso seletivo da TV; educação
com a TV; educação pela TV. O consumo seletivo e crítico da TV objetiva desenvolver a
competência dos alunos para analisar, ler com criticidade e criativamente os programas. Na
educação com a televisão se utilizam programas como estratégia pedagógica para motivar
aprendizados, despertar interesses, problematizar conteúdos. E educar pela televisão
significa comprometer emissoras a ofertar mais e melhores programas ao público infanto-
juvenil.
O papel educativo na recepção
Nos estudos sobre televisão, durante anos sobressaiu o modelo mecânico, que considerava a
iniciativa da comunicação toda do emissor, ficando o receptor restrito a reagir aos estímulos
enviados. Martín-Barbero (1995) afirma que a concepção condutista fundia-se à iluminista:
"O processo de educação, desde o século XIX, era concebido como um processo de
transmissão do conhecimento para quem não conhece. O receptor era ´tábula rasa`,
recipiente vazio para se depositar conhecimentos originados ou produzidos em outro lugar".
Não mais se negam os efeitos da TV e se sabe que pais, professores, colegas influem na
recepção de mensagens. Nesse processo ocorrem mediações cognitivas, culturais,
situacionais, estruturais e as ligadas ao meio televisivo, à intencionalidade do emissor. O
receptor é sujeito ativo e pertence a contexto sociocultural específico. Interpreta mensagens
seguindo sua visão de mundo, experiências, valores, a cultura de seu grupo. Recepção não é
157
o momento do assistir ao programa; prolonga-se nos cotidianos e em comunicações
habituais, constitui-se espaço de produção de sentidos, conhecimentos.
A relação juvenil com a TV e as outras mídias tornou mais complexa a socialização. As
crianças acessam ilimitadamente informações adultas, mães e pais trabalham fora e está
decretada a realidade do difícil controle sobre o saber do filho. Adultos não mais detêm
singularmente a informação - propiciadora de status - sobre as crianças, que desafiam a
autoridade adulta.
Currículos escolares tentam ignorar que fora da sala de aula as crianças muito aprendem
sobre o mundo, que a informação que a mídia lhes lega é acessível. A escola é solicitada a
estimular competências não para simplesmente ler, interpretar, mas para compreender
meios e mensagens audiovisuais que os jovens consomem e com que se envolvem
afetivamente. Deve encorajar pais a conhecer a mídia, ativar-lhes o pensamento crítico,
analisar o que a TV veicula. Num telejornal, por exemplo, separar do fato as
representações, as impressões do jornalista.
Dessa perspectiva, a escola prescinde de ser instituição de repasse de informação para
tornar-se lugar formador de pensamento, compreensão, interpretação. Preparar jovens para
consumir com seletividade e criatividade a TV é com eles desenvolver competências para a
análise e a crítica a partir de linguagens, produção e recepção.
Programação educativa na TV?
"Quer que seus filhos assistam a algo educativo na televisão? Então coloque o
despertador para tocar por volta das 5h de sábado e domingo. É nesse horário que
é exibido o que consta da programação das emissoras de TV aberta como
'programa educativo'. Mas a não ser que seus filhos sejam professores do Ensino
Médio ou se interessem por discussões pedagógicas, você terá uma decepção. (..)
Mesmo assim, tecnicamente, nenhum dos canais está descumprindo a Constituição,
158
que no artigo 221 determina que emissoras de TV dêem 'preferência a finalidades
educativas'.(...) De fato, não lei que determine o que é um programa educativo
nem que regulamente a inclusão dessas atrações na programação das emissoras."
(Croitor, 2001)
Por programa educativo entende-se aquele produzido com a intencionalidade de educar,
desenvolver aprendizagens, ter finalidade educacional. Desde o Decreto n. 236/67, a
finalidade educativa cobrada às emissoras de TV é a "transmissão de aulas, conferências,
palestras e debates". A obrigatoriedade de emissoras comerciais transmitirem programas
educativos foi instituída na Portaria n. 408/70. Nesse ano, especificou-se: 5 horas por
semana, sendo 30 minutos diários de segunda-feira a sexta-feira e 75 minutos nos sábados e
domingos, entre 7h e 17 horas. Para efetivar o cumprimento legal e orientar a televisão
educativa, estudo oficial sobre TV educativa concluiu que a prioridade seria de programas
didáticos destinados a adolescentes e adultos.
Em 1980, a Portaria n. 561 flexibilizou a exibição de programas educativos em todas as
emissoras. Horários de transmissão ficam a critério da emissora, embora permaneça a
distribuição semanal. No artigo 221 da Constituição Brasileira (1988), o atendimento
"preferencial às finalidades educativas, culturais e informativas" é o primeiro princípio a
nortear a produção e a programação das emissoras.
A exibição obrigatória de uma quota de programas educativos em TVs comerciais diminuiu
drasticamente em 1991. No acordo emissoras-Abert-MEC reduziu-se a obrigatoriedade de
programação educativa de 5 horas semanais para dois programas de 20 min, nos sábados e
domingos. Em 2001, projeto-lei de radiodifusão do Ministério das Comunicações foi à
consulta pública. No artigo 88, da versão ainda em tramitação no Congresso, emissoras
devem "transmitir percentual mínimo de programas educativos e informativos dirigidos a
crianças - entre 7h e 22 horas - e dispor de pedagogos e psicólogos para avaliar seus
programas educativos".
159
Mas o que é "educativo"? A concepção predominante restringe-se à extensão da sala de
aula. Polemiza-se entre "o que é educação" e "o que é televisão". Televisão como
entretenimento propõe evasão, diversão, emoção. Classicamente, associa-se o educativo a
livro didático, sala de aula, objetivos curriculares, concentração, racionalidade. A que
interesses serve manter tão limitada concepção de educativo? Deve-se cobrar de
proprietários e produtores de televisão a inclusão da finalidade educativa?
Programas pedagógico-didáticos para ensinar são rejeitados pela expectativa da TV
diversão, da TV entretenimento. Correlaciona-se a intenção de educar à subordinação a uma
modalidade expressiva (cinematográfica, televisiva, artística), à conseqüente perda da
especificidade dessa modalidade, categorizando o educativo como gênero inferior,
incompatível com as linguagens do cinema e da TV:
" Produzir tevê diferente para uso diferenciado, pedagógico, parece-nos uma
proposta equivocada, embora tecnologicamente possível. Preferimos partir da tevê
comercial e da escola que temos, pois acreditamos que educar-se pressupõe íntima
relação do ser humano com sua realidade. Só dessa relação matricial podem surgir
as condições de afloramento da consciência crítica. Assegurar a coerência entre a
realidade contextual e a educação exclui o artificialismo de situações pedagógicas
especialmente produzidas." (Rezende, l989)
Reduz-se a conceituação do pedagógico ao que programas educativos de TV adotam como
pedagógico. Critica-se o educativo em TV/vídeo pela sua redução a veículo de discurso
professoral e à não-exploração do expressivo. Sobressai a concepção mecânica de relação
comunicativa professor-aluno.
As raízes para "a resistência à não-utilização do potencial visual e narrativo da
televisão nos programas instrucionais de TV", segundo Cassirer (1961), estiveram
na resistência da educação às emoções. Dentro do processo educacional dito
racional, emoções desequilibram e perturbam, ainda que nelas se reconheça
estímulo essencial à educação. Cabe abrir a educação às dimensões do imaginário,
160
do cultural, do afetivo, e entender ensino-aprendizagem como diálogo, interação,
construção de conhecimentos.
Ampliação da concepção de educativo e mediações pedagógicas
Ao se entender educar como (in)formação numa perspectiva mais ampla que inclui
dimensões do imaginário, do social, do emocional além da cognitiva, nota-se que existem
programas de entretenimento produzidos com intenção de entreter, vender e educar. Isso se
deve à existência de jornalistas, autores, editores, atores, produtores e apresentadores de TV
que se comprometem com a educação, compreendida como divulgar, esclarecer, inserir e
discutir idéias e temas relevantes.
Em casos diversos, o sucesso da interpenetração ficção-realidade na telenovela brasileira
cria entretenimentos educativos. Não se trata de adicionar falas e críticas sobre problemas
desligados da trama, que podem levar a um vazio. Exige-se trabalho criativo, tenso, sob
riscos. O autor entra em conflito com normas ou compromissos ficcionais ou
socioeducativos, arriscando até mesmo uma obra dramática exitosa.
O caráter educativo de um programa de televisão pode-se determinar a partir do que com
ele se apreende na recepção. Vilches (1993) cita pesquisa que revela que o acesso da
criança à idéia do que vai receber é precondição para se desenvolverem atividades mentais
frente a isto. Programas não precisam ser especificamente educativos para a criança
participar, trabalhar. Importa-lhes a ação conjunta com os pais e os educadores.
Eis o valor da mediação. Na escola, em programas televisivos não originariamente
produzidos para ensinar, introduzir-lhes intenções pedagógicas depende do professor. Regra
geral, o educador determina as funções dos programas de TV/vídeo nas atividades
escolares. Pode-se usá-los para ilustrar, motivar, informar suscitar debates. Delineia-se
aqui, uma outra estratégia complementar: tomá-los como objeto de estudo. Dessa
161
perspectiva, TV, filmes, vídeos são objetos de estudo das condições de produção e de
recepção de gêneros e linguagens televisuais.
Referências bibliográficas
CROITOR, C. Professora Eletrônica: Televisão educa quem cedo madruga.
São Paulo: Folha de São Paulo, 22Jul. 2001, Caderno TVfolha.
CASSIRER, H. R. Televisión y enseñanza. Buenos Aires: Solar, 1961.
CARNEIRO, V. L. Q. Castelo Rá-Tim-Bum: o educativo como
entretenimento. São Paulo: Annablume, 1997.
_________________. Programas educativos na TV. Comunicação &
Educação, São Paulo, nº15, maio/ago. 1999, p. 29-34.
_________________. TV/Vídeo na comunicação educativa: concepções e
funções. TV na Escola e os Desafios de Hoje. Brasília: UniRede e
SEED/MEC/Editora Universidade de Brasília, 2000.
JACQUINOT, G. , LEBLANC, G. (coord.). Les genres télévisuels dans l
´enseignement. Paris: Hachette, 1996.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da
recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mauro W. (org.). Sujeito, o
lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
162
LAZAR, J. Mídia e Aprendizagem. In: Mediatamente! Televisão, cultura e
educação. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação a
Distância, 1999.
MARTIN-BARBERO, J., REY, G. Los ejercicios del ver: hegemonia
audiovisual y ficción televisiva. Barcelona: Gedisa, 1999.
VILCHES, Lorenzo. La televisión: los efectos del bien y del mal. Barcelona:
Paidós, 1993.
NOTAS:
1. Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Doutora em Educação(USP). Mestre em Tecnologia Educacional (UFRN).
Licenciada em Matemática (UFMG). Produtora e roteirista de programas
educativos. Coordenadora da área de Tecnologias na Educação do Mestrado em
Educação da Faculdade de Educação da UnB. Linha de pesquisa: TV/vídeo e
mediações pedagógicas. Coordenadora da produção de vídeos do Curso TV na
Escola e os Desafios de Hoje.
163
Lucília Helena do Carmo Garcez 1
A leitura da imagem
O mundo contemporâneo faz com que todos nós estejamos imersos em imagens. A
competição comercial, própria do capitalismo, associada às facilidades da imprensa, da
fotografia, do cinema, da televisão e dos computadores, faz com que sejamos mergulhados
em um universo em que o aspecto visual é preponderante.
Diante dessa evidência, a escola não pode continuar restrita ao texto verbal escrito, embora
ele seja imprescindível. É urgente que a imagem pertença ao contexto escolar, não apenas
para que esse ambiente seja mais coerente com o cotidiano do aluno, mas também para
educá-lo para a leitura crítica das imagens.
Assim como a leitura do texto verbal exige um longo e complexo processo de aquisição e
desenvolvimento, para que o leitor possa utilizar as diversas habilidades para a
compreensão e a interpretação, o contato com o mundo visual também exige novas
competências. Caso o educador adote o pressuposto de que a imagem em si é suficiente
para seu adequado entendimento, pode favorecer uma atitude passiva diante das mensagens
transmitidas, cada vez de forma mais intensa, por meio audiovisual.
Embora a sedução da imagem nos convide a uma certa inércia, ao compararmos a atitude e
os procedimentos de um leitor diante de um texto informativo escrito e os de um
leitor/espectador maduro diante de uma mensagem visual, como um documentário, por
exemplo, observamos que muitos procedimentos que são comuns às duas atividades,
mas há aspectos diferentes.
164
Durante a leitura do texto escrito, o leitor aciona outras funções cognitivas para criar
imagens mentais, de acordo com seu repertório de experiências visuais anteriores. Esse
"envisionamento" mental é diferenciado de indivíduo para indivíduo, mas contém algo em
comum que faz parte da cultura e do imaginário coletivo. Cada pessoa cria, a partir de sua
própria imaginação, os cenários, as paisagens, as cenas, os objetos e as fisionomias que um
romance registra em palavras. Naturalmente, nesse processo de criação há matrizes comuns,
que pertencem à história e à coletividade, mas ninguém imagina de forma semelhante a
outra pessoa. Essa construção mental é importantíssima para o desenvolvimento das
funções superiores da mente.
Aparentemente o texto visual (a propaganda, o desenho animado, os quadrinhos, o filme, a
fotografia, a telenovela etc.) oferece esse aspecto de uma forma mais completa.
Entretanto, sob essa camada de significados imediatamente perceptíveis, muitas outras
ligadas ao mundo das idéias, dos comportamentos, das crenças, dos conceitos, das
ideologias, que é necessário "ler": compreender, interpretar, criticar, responder, concordar
ou discordar. Isso exige diversas habilidades que a escola pode ajudar a desenvolver. São
habilidades relacionadas à observação, à atenção, à memória, à associação, à análise, à
síntese, à orientação espacial, ao sentido de dimensão, ao pensamento lógico e ao
pensamento criativo. Elas nos permitem perceber como os elementos da linguagem visual
foram organizados: formas, linhas, cores, luzes, sombras, figuras, paisagens, cenários,
perspectivas, pontos de vista, oposições, contrastes, texturas, efeitos especiais etc. E
perceber também como esses elementos estão associados a outros, como a música, as
idéias, a história, a realidade, por exemplo.
Além disso, precisamos também associar tudo o que observamos com outras informações e
conceitos provenientes dos conhecimentos acumulados por nós e pela cultura humana
através dos tempos. É um jogo em que, às vezes, mergulhamos na emoção e, às vezes,
tentamos fazer uma análise crítica por meio do raciocínio, da razão. Enfim, nunca podemos
nos entregar passivamente, sem uma participação ativa. Uma atitude de atenção e de crítica
é essencial. A sensibilidade, a inteligência e a vontade são os agentes principais dessa
atividade, ao mesmo tempo intelectual e emocional.
165
Ou seja, para que a percepção esteja bem afinada, não basta um olhar ingênuo, passivo,
submisso, desatento ou distraído. É necessário responder, é preciso ser atuante, participante,
ativo. Nesse processo, colocamos as capacidades de nossa mente e de nossa sensibilidade
em intensa atividade. Esse trabalho é ao mesmo tempo de indagação, de questionamento (a
linguagem visual me propõe perguntas), e de elaboração de múltiplas possíveis respostas
(eu tento responder às perguntas que me são propostas).
Como vimos, a imagem está em nossa vida, faz parte de nosso dia-a-dia e necessitamos
dela como forma especial de compreensão e de conhecimento do mundo que nos cerca. Mas
precisamos de uma educação para o convívio com a imagem.
Elaborar estratégias concretas para que a escola possa contribuir para que os jovens
desenvolvam a competência de analisar, compreender e interpretar de forma crítica a
avalanche de imagens à qual estão expostos é uma questão urgente. Exige criatividade,
ousadia, experimentação, o que, normalmente nos deixa inseguros. Mas trata-se de uma
insegurança produtiva, que nos faz avançar.
Nessa tentativa vamos focalizar o caso específico do uso do audiovisual pelo professor de
Língua Portuguesa, como forma de delinear algumas propostas de trabalho na escola. Em
princípio qualquer material audiovisual pode ser considerado um texto e presta-se ao
trabalho com a Língua Portuguesa, já que permite "leitura" e análise da linguagem utilizada.
Há pelo menos duas possibilidades de seleção desse material:
a) quando o vídeo já foi previamente escolhido para o trabalho interdisciplinar com
outros professores da escola e o professor de Língua Portuguesa vai planejar o seu
trabalho a partir do vídeo;
b) quando o professor de Língua Portuguesa escolhe um vídeo para ilustrar, ampliar,
aprofundar um tema de estudo, um objetivo específico de trabalho.
166
Em qualquer das situações o professor tem possibilidades múltiplas e flexíveis de trabalho.
1. O texto audiovisual pode servir apenas para trazer informações acerca de um
tema, de um assunto, e o trabalho pedagógico vai privilegiar as habilidades de:
ouvir, ver, compreender, relacionar, associar, selecionar informações, fazer
anotações, memorizar, interpretar, argumentar...
2. O texto audiovisual pode servir de base para um trabalho sobre a linguagem que
está sendo utilizada nele próprio. Neste caso, o trabalho focaliza propriamente o uso
da Língua Portuguesa: estruturas específicas da língua oral, gêneros orais,
vocabulário, efeitos pragmáticos de escolhas estilísticas, níveis de linguagem,
dialetos e variação etc.
3. casos em que o material audiovisual se presta simultaneamente às duas
vertentes de trabalho: o tema e a estrutura da linguagem.
Em qualquer um dos casos, o professor estará trabalhando um ou mais de um dos objetivos
das aulas de Língua Portuguesa, que se configuram resumidamente como:
Desenvolver competências e habilidades lingüísticas que conduzam o estudante a
saber ouvir, falar, ler, escrever e analisar a língua nas diversas situações de uso
da linguagem verbal e com diversos objetivos. Essas competências o configuram
como cidadão capaz de agir por meio da linguagem.
No que se refere à habilidade de ouvir/ver é importante observar que:
O aluno deve ser orientado a controlar sua atenção, testar suas hipóteses e sua
compreensão (objetivos específicos ajudam);
167
Os objetivos devem estar claros para todos (são combinados antes do início da
atividade);
As atividades podem ser planejadas em conjunto (a negociação com os alunos
garante o compromisso);
O professor observa as atitudes dos alunos e reorienta a atividade (às vezes é
necessário rever o todo ou partes para esclarecimento de dúvidas);
A avaliação e a auto-avaliação podem ser desenvolvidas durante o processo (Todos
estão compreendendo? Quais as dificuldades? São dificuldades técnicas? É o
vocabulário? Você está se esforçando ao máximo?);
A apreciação positiva dos avanços estimula o crescimento;
Atividades associadas estimulam o envolvimento. Por exemplo: escrever ou falar
sobre o tema depois de ouvir e ver;
Por meio das atividades com TV/vídeo, os estudantes entram em contato com
gêneros orais específicos e podem analisar detalhadamente seu funcionamento e sua
estrutura: entrevistas, debates, conversa semi-informal, reportagens, comentários,
instruções, propaganda, publicidade, teleteatro, telenovela, teleteatro interativo,
narrativas de ficção entre outros.
No que se refere à habilidade de falar é importante observar que:
O domínio da expressão oral desenvolve-se nas atividades em que é possível falar
com objetivos diferentes dos da conversa informal;
168
Todos nós gostamos de falar sobre o que conhecemos;
Os debates e a troca de impressões esclarecem e enriquecem a compreensão;
É preciso orientação para o controle do nível de formalidade (vocabulário, formas
de tratamento do interlocutor e estruturas sintáticas) a ser usado no debate;
As regras de polidez na conversação formal devem ser discutidas e esclarecidas;
A avaliação e a auto-avaliação podem desenvolver-se durante o processo;
A apreciação positiva dos avanços estimula o crescimento;
Atividades associadas estimulam o envolvimento. Por exemplo: elaboração de
relatório escrito, apresentação de trabalhos com resumos dos debates etc.;
A partir das atividades com TV/vídeo, os estudantes podem exercitar gêneros orais
específicos como: entrevista, debate, conversa semi-informal, reportagem,
comentário, instruções, propaganda, publicidade, teleteatro, telenovela, teleteatro
interativo, documentários, narração de acontecimentos (jogos, eventos, acidentes,
catástrofes, fatos políticos), narrativas de ficção, entre outros.
No que se refere à habilidade de ler é importante considerar que grande parte das
habilidades de leitura exigidas para a compreensão e interpretação de textos escritos são
exigidas para textos audiovisuais.
É importante construir previamente algumas perguntas que ajudam a controlar o objetivo e
a atenção, como, por exemplo:
169
Quem conduz a mensagem principal do texto?
Quais são as opiniões divergentes apresentadas?
Que segmentos sociais são representados?
Qual o gênero?
Com quais procedimentos devo interpretar a mensagem?
Qual é o objetivo?
Qual é o veículo utilizado?
De que recursos a mensagem lança mão?
Como esses recursos são utilizados?
Com que objetivo são utilizados?
Que associações permitem que o leitor/ espectador faça?
Quais são as informações novas que o texto veicula?
Como essas mensagens e informações relacionam-se com a vida contemporânea?
170
Que este autor pensa desse assunto? Em que discorda dos que conheço? O que
acrescenta à discussão?
Quais fenômenos estão em jogo nessa mensagem?
Qual é o conceito, a definição desse fenômeno?
Quais são os argumentos em jogo?
Com quais argumentos eu concordo e de quais eu discordo e por quê?
Como ocorreu esse fato? Onde? Quando? Quais são suas causas? Quais são suas
conseqüências? Quem estava envolvido? Quais são os dados quantitativos citados?
Que é mais importante nesse texto ? O que eu devo anotar para utilizar depois?
Quando começamos uma leitura sem nenhuma pergunta prévia, temos mais dificuldade em
identificar aspectos importantes, reconhecer o gênero, reagir adequadamente, distinguir
partes do texto, hierarquizar as informações.
É preciso considerar também que procedimentos cognitivos semelhantes são acionados
nas duas formas de leitura, tais como:
procedimentos específicos de seleção e hierarquização da informação: observar
títulos e subtítulos; identificar fragmentos significativos; relacionar e integrar,
sempre que possível, esses fragmentos a outros; decidir se deve consultar o
dicionário ou adiar temporariamente a dúvida para esclarecimento no contexto;
tomar notas sintéticas de acordo com os objetivos;
171
procedimentos de clarificação e simplificação das idéias: construir paráfrases
mentais ou orais de fragmentos complexos; substituir palavras desconhecidas por
sinônimos familiares; reconhecer as relações entre palavras e entre imagens que
formam segmentos significativos;
procedimentos de reconhecimento da coerência entre as informações apresentadas
no texto: identificar o gênero; ativar e usar conhecimentos prévios sobre o tema;
usar conhecimentos prévios extratextuais, práticos e da estrutura do gênero; associar
informações trazidas pelas imagens às trazidas pela linguagem verbal;
procedimentos de controle e direcionamento da atividade mental: planejar objetivos
pessoais significativos para a atividade; controlar a atenção voluntária sobre o
objetivo; reconhecer erros no processo de decodificação e interpretação; segmentar
as unidades de significado; associar as unidades menores de significado a unidades
maiores; auto-avaliar continuamente o desempenho da atividade; aceitar e tolerar
temporariamente uma compreensão desfocada a que se desfaça naturalmente a
sensação de desconforto.
No que se refere à habilidade de escrever é importante observar que:
A habilidade de fazer anotações rápidas pode ser desenvolvida durante atividades
com audiovisual;
As atividades orais podem conduzir sempre a um trabalho associado, em que a
escrita seja trabalhada posteriormente: resenhas, relatórios, artigos, monografias
etc.;
A transposição da modalidade oral informal para a modalidade escrita formal exige
um trabalho minucioso acerca das estruturas lingüísticas específicas de cada uma
delas, o que depende de orientação do professor;
172
Muitos gêneros orais baseiam-se num texto previamente escrito, que serve apenas
de base: palestras, narração de programas documentários, dramatizações, roteiros
para apresentações de trabalhos de pesquisa etc. Outros utilizam um texto inicial
orientador e dão origem a um texto mais elaborado e editado, como é o caso das
entrevistas impressas.
No que se refere à habilidade de analisar o funcionamento da língua é importante
observar que:
A utilização do vídeo permite retroceder a fita e observar a linguagem oral - que é
rápida e evanescente - de modo mais detalhado e conduzir a uma maior consciência
sobre o seu funcionamento;
Pode-se trabalhar com pausas, retrocessos e comentários específicos;
na TV uma variedade infinita de situações reais de uso da linguagem e isso
permite a comparação do funcionamento nos diferentes contextos;
O professor pode estabelecer o objetivo da análise de acordo com as necessidades da
turma. Alguns pontos interessantes são :
a adequação da linguagem ao objetivo da comunicação;
as características de cada nero (temas, estruturas lingüísticas, estilos) de
comunicação oral;
as características de cada tipo textual: descrição, narração, exposição, argumentação,
diálogo;
173
novos itens do vocabulário acerca de um tema;
os recursos de persuasão e de argumentação;
as diversas variações da Língua Portuguesa realizadas pelos falantes das regiões
brasileiras;
os diversos níveis e registros da linguagem: informal espontânea (entrevistas de
rua); informal planejada (entrevistas de estúdio); formal (telejornais); dos jovens;
dos mais velhos; próprios de cada profissão.
Como vimos, o trabalho com o audiovisual permite uma infinidade de atividades voltadas
para a ampliação do universo lingüístico e cognitivo dos alunos. O professor estabelece
inicialmente os objetivos, empreende a análise prévia das possibilidades do material
audiovisual, seleciona os tópicos que devem ser focalizados no grupo, planeja as atividades
adequadas aos objetivos, sempre deixando uma margem de flexibilidade para que o
trabalho interativo com os alunos possa redirecionar a trajetória de acordo com as
necessidades do momento.
O desenvolvimento das habilidades aqui apresentadas depende de debates, conversas, troca
de opiniões divergentes, discussões, focalização de objetivos que apresentem desafios
interessantes para os alunos. Nesse processo de interação, participação, troca de
experiências um crescimento significativo do senso crítico, o que favorece a
consolidação da cidadania, da identidade e impede a dominação ideológica e simbólica.
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174
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175
Outro no Espaço Escolar: Vygotsky e a Construção do Conhecimento.
Campinas, Papirus.
VYGOTSKY,L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1978.
-----------. Pensamento e Linguagem. Lisboa, Antídoto, 1979.
NOTAS:
1. Professora da Pós-graduação e Pesquisadora associada do Departamento de
Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula do Instituto de Letras da Universidade
de Brasília. Mestre em Teoria da Literatura (UnB). Doutora em Lingüística
Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP. Escritora. E-
Lígia Cirino Girao 1
176
Processos de produção de vídeos educativos
A realização de uma peça audiovisual com objetivos educativos, seja um vídeo ou uma
instalação fotográfica com efeitos sonoros, requer alguns cuidados desde o início da
produção. Não se trata de uma simples justaposição de elementos pedagógicos a recursos
visuais. É sem dúvida um processo complexo, mas não tão difícil como parece ou como
querem nos fazer crer. Ao contrário, é saudável e desejável estender a alunos e professores
os processos de produção dos vários meios de comunicação, notadamente o vídeo. Afinal,
trabalhar com recursos visuais nas diversas áreas do conhecimento tornou-se uma
imposição dos tempos atuais.
Já se disse que, num futuro próximo, as sociedades que não adotarem os meios audiovisuais
para preservação da memória e da cultura do seu povo estarão fadadas à extinção assim
como várias sociedades desapareceram sem deixar registro. Pode parecer exagero, mas se
analisarmos as inovações tecnológicas a que estamos submetidos, veremos que o século
XXI exacerbou uma linha divisória existente entre dois mundos: o mundo dos "países
digitais" e o outro, que está à margem desse processo.
Infelizmente, centenas de milhões de pessoas estão do lado do mundo com pouco ou
nenhum acesso às inovações tecnológicas digitais, principalmente às chamadas novas
tecnologias - termo genérico usado, na maioria das vezes, para se referir às tecnologias da
comunicação e da informação. As conseqüências desta divisão ainda não foram totalmente
avaliadas. Apesar das enormes contradições, mesmo em países em desenvolvimento como
o Brasil, a familiaridade dos jovens e crianças com os meios audiovisuais a que têm acesso
é significativa. Em muitos casos, chega mesmo a intimidar professores na sala de aula. Não
seria exagero afirmar que o futuro é visual e digital. Portanto, a familiaridade com os meios
de produção audiovisuais é mais que necessária para a formação de professores e alunos.
Para efeito desta discussão, vamos nos referir à produção de programas de vídeo como
exemplo de produção de peças audiovisuais. A seguir veremos em detalhes as várias etapas
da produção de um vídeo. De forma geral, podemos dividir o processo de produção em
177
cinco etapas: a) criação e planejamento; b) roteiro; c) pré-produção; d) direção e gravação;
e) edição e finalização.
Em primeiro lugar, é necessário definir o assunto e o objetivo do vídeo a ser produzido,
levando-se em conta que um programa educativo não é, necessariamente, uma aula. Um
vídeo educativo pode viajar por gêneros variados - documentário, novela, telejornal,
reportagem, teatro, etc. Pode relatar, discutir, contrapor, instigar, informar, interagir. É uma
peça "viva" mesmo confinada entre as linhas da imagem eletrônica. Na fase de criação e
planejamento é importante fazer um levantamento dos recursos disponíveis e do que será
necessário para ilustrar o assunto - fotos, pinturas, documentos, locações, imagens em
movimento de arquivo e a serem gravadas, atores, locutor(a), etc. É necessário saber o que
queremos de um vídeo e o que vai ser dito. Muitas vezes, o objetivo da peça audiovisual é
suficiente para escolher o melhor gênero, o tipo de locução, os participantes, etc.
Antes de fazer o planejamento, é bom ter claro que três elementos são fundamentais: a)
conhecimento técnico mínimo; b) uma equipe experiente; c) bons equipamentos. Depois de
definir o assunto e a finalidade do vídeo é hora de dar forma a ele. Inicia-se, então, o
processo mais sutil e, sem dúvida, um dos mais importantes na produção de um vídeo: a
roteirização. É o roteiro que vai dar a "cara" do programa. Com um bom roteiro, o trabalho
do diretor fica muito mais fácil e é meio caminho andado para se ter um bom produto. É
óbvio que um roteiro pode sempre resultar num produto ruim se os recursos forem de
qualidade ou se o trabalho dos profissionais deixar a desejar. Por outro lado, se a equipe for
experiente, estiver afinada e contar com bons equipamentos, o resultado pode ser excelente.
Quando o assunto abordado é muito específico, algumas vezes é necessário contratar um
"conteudista" que vai apresentar um texto de apoio para orientar o roteirista. Na maioria das
vezes ele é escrito por um especialista da área de conhecimento em questão. Esse conteúdo
vai permitir que o roteirista trabalhe com uma margem menor de erros. A maioria dos
programas da TV Escola tem um conteudista. É ele quem sintetiza as principais
informações que merecem entrar no vídeo. Afinal, um livro de História ou de Filosofia com
400 páginas pode acabar virando uma série de quatro programas de 10 minutos cada um,
178
que podem ser excelentes materiais complementares, com possibilidades diversas de
aprofundamento. É necessário que o que vai ao ar tenha conteúdo coerente e sintetizado -
para usar um jargão do meio jornalístico, o texto deve enxuto, sem redundâncias. O
trabalho do conteudista é tentar impedir que imprecisões ou incoerências sejam veiculadas.
Na maioria dos casos, uma boa pesquisa de temas, costumes, documentos e adereços de
época é suficiente.
A precisão da informação na produção de vídeos educativos é outro elemento-chave que
abordaremos ao longo deste texto. Antes vamos falar da transformação da informação numa
linguagem audiovisual - a confecção do roteiro. O processo é delicado, porque é o roteiro
que vai definir o programa. É nessa etapa que decidimos se o programa terá ou não um
apresentador, uma voz em off (quando a pessoa não aparece), se teremos atores, onde e
quando utilizaremos animação, computação gráfica e outros efeitos especiais. É a hora de
liberar a criatividade sem esquecer algumas regras importantes.
Antes de sentar para escrever, o melhor é se familiarizar com os vários modelos de roteiro
existentes. Cada profissional tem um jeito próprio de trabalhar, mas dois modelos mais
usados. O primeiro, que é mais comum ao cinema, descreve seqüências numeradas de
imagens e diálogos ao longo da página, explicando a ação e que imagens serão usadas para
ilustrar o que é dito. O segundo, que é mais usado para vídeo, divide a folha de papel em
duas colunas. A da direita é usada para descrever tudo o que diz respeito ao som ou áudio.
A coluna da esquerda é utilizada para descrever o tratamento visual, imagens e outros
recursos visuais que irão compor o programa.
Temos que ter em mente que a confecção de um roteiro é como ter uma espécie de colcha
de retalhos soltos, ainda na mente do roteirista, à espera de uma costura. Há cenas, diálogos,
textos, ilustrações, documentos e imagens que estão diante do roteirista e que devem ser
costurados. Em muitos casos, fica ainda mais fácil para o roteirista visualizar o roteiro
quando ele desenha as cenas ao lado do texto a ser gravado. Chamamos a isso de
storyboard.
179
Ainda sobre o roteiro, desejo abrir um parêntese para abordar a questão da linguagem,
que não é raro encontrarmos textos absolutamente inadequados a programas educativos.
Muitas vezes deve-se à ausência de uma boa pesquisa, mas na maioria das vezes a falta de
atenção do roteirista na hora de escrever o texto é a principal responsável pela inadequação
da linguagem. As situações mais freqüentes são aquelas em que o roteirista subestima a
capacidade intelectual do espectador e acaba infantilizando demais os diálogos ou situações
cênicas. Em outros casos, pode ocorrer omissão ou interpretação errônea de um
determinado período histórico e o emprego de informações não confirmadas. Às vezes, o
uso de uma gíria em momento inadequado ou uma entonação jocosa são suficientes para
suscitar interpretação preconceituosa, envolvendo determinado grupo social, étnico ou
religioso.
É imprescindível fazer uma revisão acurada do roteiro, por uma ou mais pessoas, antes de
aprová-lo. É recomendável retirar gírias, informações não confirmadas, termos regionais,
elitistas ou que possam adquirir duplo sentido. É também recomendável estar atento a
referências que não sejam rapidamente entendidas por quem assiste ao programa,
independente de grupo social, étnico ou religioso. O ideal é que um programa educativo
possa ser mostrado a pessoas de diferentes segmentos da sociedade e entendido por todos,
sem restrições. Algumas regras devem ser seguidas: frases curtas e na ordem direta, evitar
adjetivos e frases introdutórias longas e sem efeito. Quanto mais objetivo, direto e claro for
o texto, melhor será a compreensão.
Outra coisa importante é checar as ligações entre as várias seqüências do roteiro. Um bom
roteiro precisa ter "fluidez", ou seja, o telespectador não deve ter a impressão de estar
assistindo a programas distintos, estanques. Como sabemos, a televisão é um meio frio e
requer a atenção de quem a assiste para apreender o que está sendo mostrado. Portanto, a
fluidez de um roteiro é importante para manter a atenção do público no programa.
outras formas de se construir uma peça audiovisual eletrônica. Uma delas é seguindo o
estilo reportagem, sem um roteiro prévio, apenas uma idéia na cabeça. Neste caso, a câmera
deve ser ágil e estar presente onde os fatos estão ocorrendo. Pode haver a narração
180
simultânea ou ser sonorizado depois, durante o processo de edição. É possível também
utilizar efeitos sonoros distintos do som original, como músicas instrumentais, harmonizar
as seqüências do vídeo na hora da montagem. Este gênero é muito útil para registrar fatos
corriqueiros, explorar a criatividade das pessoas envolvidas e é, sem dúvida, uma boa forma
de ganhar intimidade com a linguagem do audiovisual eletrônico.
Finalizado o roteiro, temos pela frente o processo de pré-produção. É necessário reunir
todas as pessoas envolvidas e discutir o que se quer do vídeo. É a hora em que decidimos
quem vai fazer o quê e o que é necessário para tornar possível o programa. Esta etapa
requer grande esforço da equipe de produção. É necessário escolher atores, entrevistados,
locais onde as cenas serão filmadas, marcar hora de estúdio, etc. É como montar um
quebra-cabeça. Tudo deve acontecer no momento certo e nada pode falhar, caso contrário,
as peças não se encaixam. Depois vem a gravação do programa, quando tudo o que foi
idealizado ganha forma. É necessário que o diretor esteja absolutamente afinado com a sua
equipe, como numa orquestra. Ao menor sinal do maestro, a orquestra estará pronta para
executar a peça.
Durante o processo de gravação, tudo é importante, da iluminação, atuação e aparência dos
atores/entrevistados, até a gravação propriamente dita. No entanto, é importante ressaltar a
importância da qualidade do som quando a gravação é feita em campo. Nada mais irritante
do que ouvir ruídos de fundo quando tentamos nos concentrar naquilo que é dito em uma
entrevista. O áudio de um programa em vídeo é tão importante quanto a imagem, portanto,
um simples descuido pode comprometer a qualidade do produto final.
O papel do diretor merece comentário à parte. É ele quem vai transformar em realidade o
que foi pensado pelo roteirista e quem vai apresentar soluções criativas para as
incongruências, inadequações ou erro de seqüências das cenas que possam existir no
roteiro. O diretor deve ter uma visão clara das várias seqüências para uni-las de forma
harmônica e estar apto a tomar decisões diante de acontecimentos inesperados. Como
sabemos, nem sempre as imagens de um programa são gravadas na ordem em que serão
181
editadas. É possível, por exemplo, gravar o encerramento antes da primeira seqüência do
programa, por isso são imprescindíveis uma boa pré-produção e um diretor experiente.
Quanto mais longo um vídeo, maior e mais detalhado será o trabalho de pré-produção e
mais complexo o trabalho do diretor. É ele o responsável por tudo que é gravado e, em
última instância, pela qualidade das imagens apresentadas. Com o roteiro pensado e
repensado, o diretor deve gravar vários planos da mesma imagem, de forma a ter um farto
material na hora de editar. O ideal é ter um monitor para acompanhar as gravações no
momento em que estão sendo feitas. É aconselhável sempre repetir a gravação dos planos,
no caso de uma ou outra imagem estar fora de foco ou apresentar imperfeições técnicas. Em
se tratando de vídeo educativo, deve-se evitar imagens que destaquem, mesmo em segundo
plano, produtos ou marcas comerciais. O diretor deve estar atento a isso. Se mesmo assim,
alguma imagem inadequada for gravada, temos ainda o processo de edição para tentar
salvá-la com algum efeito ou substituí-la se for o caso.
A última etapa, de edição e finalização, é tão importante quanto as anteriores. Nesta fase,
será feita a "costura geral" da nossa colcha de retalhos. A ordem das imagens, os planos, a
gravação do(a) locutor(a), a participação de atores, etc. estarão todos diante do diretor que
vai começar a escolher as melhores imagens e seqüências para montá-las. Para isso, todas
as fitas devem ser decupadas, ou seja, deve-se anotar num papel o tempo de gravação de
cada cena que aparece na tela. Desta forma, saberemos localizar rapidamente cada imagem
na hora da edição.
Hoje, a tecnologia que é usada nos equipamentos de edição oferece uma grande variedade
de efeitos, chamados efeitos especiais. É possível utilizá-los em larga escala para ilustrar,
animar, criar marcas, expandir e/ou comprimir imagens, entre outros. O uso indiscriminado
de efeitos, no entanto, pode ser prejudicial quando altera a situação original, dando um
sentido diferente do que foi testemunhado nas gravações. É obvio que alguns efeitos podem
embelezar um programa, disfarçar ou neutralizar marcas comerciais que tenham sido
gravadas inadvertidamente. O uso de computação gráfica, por exemplo, pode ser útil no
detalhamento de uma explicação e levar o espectador a lugares onde o olho humano não
182
consegue alcançar, como numa "viagem" ao centro de uma molécula. Mas há uma regra que
deve ser lembrada sempre: na dúvida, deve prevalecer o bom senso.
A realização de um programa audiovisual educativo é, sem dúvida, uma tarefa complexa,
mas perfeitamente exeqüível. Um pequeno segredo sobre produção é a familiaridade com as
várias fases do processo e os equipamentos. Quanto mais se realiza, mais experiência se
ganha e mais fácil será construir uma análise crítica dos meios audiovisuais, eletrônicos ou
não. Portanto, mãos à obra.
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Mediatamente! Televisão, Cultura e Educação. Brasília: Ministério da
Educação/Seed. Série de Estudos Educação a Distância, 1999.
NOTAS:
1. Jornalista. Mestrado em Antropologia Social pela Goldsmisths College (London
University). Trabalhou nas grandes emissoras brasileiras de TV, foi correspondente
do jornal O Globo em Londres e trabalhou na BBC de Londres durante nove anos,
onde exerceu funções de repórter, apresentadora e editora. Coordenadora de
produção de programas em vídeo da TV Escola - Seed/MEC.
184
Maristela Mitie Tanaka 1
Experimentação: planejando, produzindo, analisando
A produção de um audiovisual se dá num processo anterior à atividade de produzir.
O querer e saber produzir do professor cursista se inicia a partir dos estudos do Módulo 1,
quando reflete sobre o uso da tecnologia e percebe que esta não se configura como um bem
ou um mal, mas a apropriação desigual ou o uso destrutivo e prejudicial que se fizer dela.
Ao analisar um filme cujo enredo tivesse sido lido em um livro, constata-se que a leitura
do livro é analítica e exige a imaginação do leitor enquanto que na televisão as imagens são
construídas a partir de estímulos visuais e falam primeiro aos sentimentos e emoções.
185
A televisão está presente no cotidiano dos alunos e exerce forte influência sobre as relações
familiares e sociais. Nesse sentido alerta ao educador que é preciso desenvolver os sentidos
perceptuais, interando a razão, emoção e ação, na interpretação da linguagem televisiva.
No processo das construções dessas concepções, descobrem pelas pesquisas realizadas em
sala que os alunos utilizam os programas da televisão somente para entretenimento.
Mesmo que parte das programações veiculadas tenha relevância social e qualidade, algumas
geram impactos negativos nas crianças. A televisão cria ilusões que muitos associam à
realidade, as novelas são um exemplo disso, o telespectador se identifica com as situações e
circunstâncias, o que facilita a adoção de "modelos de comportamento" confundindo as
pessoas sobre o que é real e ilusão.
Podemos afirmar que esse momento é bastante significativo para o tutor do curso "TV na
escola e os desafios de hoje", pois o professor cursista internaliza a necessidade de uma
formação de alunos conscientes, capazes de "saber" fazer uma leitura interpretativa e crítica
de imagens.
O professor cursista se conta que a escola pode contribuir para a formação de cidadãos
mais autônomos e conscientes, apreciando, decodificando e interpretando imagens junto
com os alunos em sala de aula. E além de uma necessidade de aprender a ver as imagens e
interpretá-las, é preciso compreender a forma com que as imagens televisivas são
construídas e de que maneiras interferem em nossas vidas.
Para a escola cumprir o desafio e função de ensinar o aluno a ver a televisão com olhar
critico, é exigido um conhecimento mais aprofundado desse meio de comunicação.
Uma das possibilidades de aprofundamento é a formação continuada na forma de educação
a distância, que pode ser feita utilizando os próprios meios tecnológicos. E a necessidade no
espaço da escola do vídeo e da televisão, não como um luxo, mas como uma necessidade.
186
A utilização da televisão pode ser uma oportunidade de democratização do conhecimento e
da cultura, não se pode apenas condená-la, mas é preciso refletir sobre o uso os valores que
veicula.
Vivenciando e aprendendo, o professor cursista analisa nos programas de sua preferência,
nas propagandas e no telejornal, as diferentes linguagens e imagens. Percebendo as imagens
de close, próximo-distante, alto-baixo, direita-esquerda, grande-pequeno, equilíbrio-
desequilíbrio, os recortes da realidade, constatando que os telejornais transmitem um
volume restrito de informação, diferente de um jornal diário ou revista.
O que antes não conseguiam ver como, cores, cenários, câmera fixa passa a ser um
elemento de análise. Os comerciais são um apelo ao consumo, exibidos sempre com muito
apelo e sedução.
Essas atividades mencionadas encadearam uma prática em sala de aula, iniciando uma
análise de comerciais que promovem distorções irreais de imagens de forma apelativa dos
que apresentam o produto com criatividade, senso e humor.
Quando foi realizada a pesquisa em sala de aula - quanto tempo o aluno assiste à televisão -
e ao perceberem que os alunos passam mais de 10 horas em frente da tela, este resultado foi
um alerta: a tecnologia chega independente de nosso preparo ou despreparo para lidar com
ela. Melhor estarmos preparados.
Vivemos num mundo que vai se transformando rapidamente. Os alunos precisam aprender
a resolver os desafios e problemas inesperados que enfrentam e enfrentarão no cotidiano de
suas vidas, com originalidade e criatividade.
Reexaminando os objetivos do trabalho educativo desenvolvido nas escolas, o sentir, o
fazer e o pensar não são competências desenvolvidas nas escolas nas práticas pedagógicas
correntes. É preciso construir um currículo voltado para essas finalidades.
187
Parte do objetivo de formação para uma autonomia de produção é vivenciada quando se
descobre que antes e atrás de cada imagem alguém que cria e que envolve uma grande
ambigüidade de interesses pessoais, políticos e econômicos.
Na reflexão sobre os jogos, a experimentação de uma aula sobre Games, RPG e Pokémons,
ministrado por um grupo de alunos adolescentes, possibilitou a compreensão de que o
conhecimento é aprendido e dificilmente transmitido, professor é também aquele que
aprende.
Os alunos, ao elaborarem a "aula" citada para os professores, fizeram a justaposição e
compararam as imagens do vídeo "Vidas selvagens" à similaridade da magia e força dos
Pokemons. Partes do enredo são fantasias, mas o criador se baseou também em fatos reais,
utilizando conhecimentos sobre a vida dos animais.
Na montagem, os cursistas produziram novos significados, passaram da condição de
consumidores para a de criadores. Além de tudo, eles possibilitaram aos professores
entenderem as mudanças necessárias na sua prática pedagógica, visando à construção de
conhecimentos, em vez da reprodução.
Vale ressaltar que muitos alunos têm uma prática de manuseio das novas tecnologias e
jogos: são as gerações "tecnológicas". A escola precisa urgentemente aliar esses recursos,
utilizando-os para provocar atividades significativas de aprendizagens.
Devemos aprender a aprender.
E como fazer isso?
Aprendendo a utilizar os meios tecnológicos como recursos importantes a serviço da
educação.
188
Outro momento de intensa reflexão se deu quando apresentamos o Projeto TV Escola:
possibilitamos aos cursistas participarem de oficinas coordenadas pelos orientadores de
aprendizagem e amigos da TV Escola, além da interação dos cursistas e tutores num
encontro coletivo presencial.
Numa das oficinas, discutimos sobre os programas de Ensino Médio. Como Fazer, Ensino
Legal e Acervo, atualizando e orientando os cursistas para um trabalho contextualizado e
inderdisciplinar analisando o vídeo "Pequenos Anjos da Colômbia" e "Paisagens da mente".
A finalidade do programa "Vendo e Aprendendo" foi apresentada aos professores cursistas
numa proposta interdisciplinar e transversal, o vídeo escolhido foi o "Rio Amazonas"
contextualizado com o Globo Repórter (Amazonas de 05/04/2002) e complementado com o
livro Amazonas, de Thiago de Melo.
Na terceira oficina, com o objetivo de ampliar o olhar, apresentamos o "Salto para o
Futuro", familiar ao professor, uma vez que fazemos uma formação continuada nos
estudos de grupo, nas escolas da rede pública, debatendo as questões relativas à prática
pedagógica e a "Escola Aberta", um projeto em fase de elaboração para aproximar a
comunidade da escola através do uso do kit tecnológico.
Uma sala ambiente foi construída, onde apresentamos os materiais impressos de apoio às
programações, revistas, cadernos, guias para orientar a utilização do kit, cartazes, grades,
exposição dos projetos criados pelas escolas a partir de vídeos da TV escola. Elaboramos
um varal expondo fotografias, textos com reportagens do nosso estado e reportagens
significativas, relatando experiências de outras escolas do Brasil.
A outra oficina trabalhada, coordenada por um "amigo" da TV Escola, orientou os
professores sobre produções de vídeos, recepção dos programas, manuseio do kit
tecnológico e gerador de caracteres.
189
O processo de produção também vai internalizando-se de maneira imperceptível, quando o
cursista é indagado de que forma assiste e seleciona seus programas, isto o força a analisar
o que são programas educativos, não educativos e deseducativos.
Pouco a pouco, o cursista enxerga o que antes não via, na observação dos programas da
televisão, como mesa-redonda ou entrevistas elaboradas, sabendo identificar quais ficam
presos a um script pré-elaborado; enfim, passa a ter consciência de toda uma produção que
está por trás das imagens.
E o processo de criação se intensifica quando a atividade possibilita a criação de uma
notícia de jornal.
O cursista descobre que as novelas (antes discriminadas), as minisséries, os seriados,
quando utilizados adequadamente tornam-se recursos importantes, podendo descrever,
desenhar, fazer montagens, recorte e colagens: todas estas estratégias possibilitam o uso
pedagógico do vídeo e da televisão, o que aos poucos vai modificando o espaço da escola.
Todas essas estratégias desenvolvem no aluno não apenas o sensorial, mas o cognitivo.
Percebi que neste estágio o professor cursista começa a associar, nas suas intenções
pedagógicas, a reflexão sobre a linguagem audiovisual e integram a TV e o vídeo às suas
atividades curriculares, adotando uma postura crítica e seletiva de bons programas,
acomodando o desafio de utilização pedagógica destes recursos e possibilidade de um
trabalho interdisciplinar.
As transformações durante e após o curso "TV na Escola e os Desafios de Hoje", bem como
os resultados dessas transformações, não são possíveis de relatar em sua totalidade, são
percebidas no acompanhamento de tutoria neste processo.
Quando podemos ler nos memorais relatos interessantes - que pela primeira vez um
programa integra prática e teoria, possibilitando a discussão do processo de construção do
190
projeto político-pedagógico da escola - podemos ter certeza de que iniciamos de maneira
concreta o exercício do processo democrático, bem como o acesso e o uso dos recursos
tecnológicos de forma democrática.
Uma idéia para ser transformada em um vídeo ou filme passa por dois momentos: o da
concepção (criação) e o da realização. A concepção compreende duas etapas: a elaboração
do conteúdo e a tradução deste conteúdo para a linguagem audiovisual.
Os cursistas, no momento da produção, trazem conhecimentos elaborados como noções
de enquadramento, estrutura, dinâmicas de recriação, planos, movimentos, som,
manipulação de equipamentos construídos ao longo dos estudos.
O que não podemos ignorar é o resultado final em todo um processo precedente a partir das
experiências vivenciadas.
Uma experiência vivenciada pelos cursistas que podemos relatar se refere à conclusão do
Módulo 3. Expusemos a finalidade do encontro presencial e pedimos que os cursistas se
dividissem em grupos. Como idéia geradora, oferecemos textos diversificados a cada grupo.
Um grupo criaria a partir do texto filosófico de Rubem Alves, o outro a partir de Contos de
Fadas e um terceiro a partir os gibis. Eram os conteúdos.
Expusemos a necessidade de definir papéis - os produtores, diretores, roteiristas,
personagens - e a de conhecerem a função de cada um.
O segundo passo foi traduzir o texto original para a linguagem audiovisual.
O cenário era a própria escola, cada grupo deveria escolher e organizar seu espaço.
191
Houve os ensaios, escolha de figurinos, caracterização das personagens.
A gravação transcorreu num clima divertido e diversificado. O grupo dos contos de fada
escolheu como enredo a história de Chapeuzinho Vermelho, o cenário, a sala dos
professores. O outro, a sementinha de Rubem Alves, o cenário em cima de uma árvore e o
do gibi, escolheram uma história do Chico Bento, onde o cenário foi a sala de aula.
Na finalização desta produção, assistimos à produção e avaliamos a atuação, fizemos uma
seleção de imagem para gravar o vídeo definitivo.
Como avaliação do trabalho elaborado, faço uma apreciação do resultado: para
aperfeiçoamento deste tipo de trabalho, no momento da apresentação dos grupos e
gravação, era necessário que tivessem dois cinegrafistas, pois muitas imagens não puderam
ser captadas, como a atuação dos diretores, que tiveram a função também de conduzir o
cinegrafista, orientando-o para as cenas. Muitas vezes o cinegrafista, tendo que gravar as
cenas, não tinha como gravar o diretor, que ora se posiciona atrás das câmeras, ora do lado.
Não pudemos avaliar o papel do diretor nesta produção.
Foi um trabalho significativo, aprendemos a explorar com criatividade estes recursos
tecnológicos e desenvolvemos uma atitude crítica em relação a estes recursos. Foi válido no
sentido de que a gravação de um vídeo passa por instância de grande criatividade e
pesquisa.
A produção e gravação de vídeos na escola redimensionam uma prática educativa existente,
da passividade o aluno torna-se sujeito de sua aprendizagem.
Referências bibliográficas
MACHADO, Maria Aglaê de Medeiros. Progestão: guia do tutor. Brasília:
CONSED, 2001.
192
Módulos do Curso "TV na Escola e os Desafios de Hoje" - v.1, v.2 e v.3,
Revista TV Escola, nº 18, março/abril 2000. Brasília: Seed/MEC.
Revista TV Escola, nº 11, maio/junho 1998. Brasília: Seed/MEC.
NOTAS:
1. Pedagoga (Universidade Estadual de Londrina). Especialista em Metodologia do
Ensino Superior e Psicopedagogia. Mestre em Linguagem e Educação, com
especificidade em Metodologia do Ensino da Arte. Coordenadora Regional do
Curso de Professores Alfabetizadores. Professora de Metodologia do Ensino
Fundamental do Curso de Pedagogia. Coordenadora da TV Escola/Município de
Vilhena. Tutora do Curso TV na Escola e os Desafios de Hoje.
193
Carmen Moreira de Castro Neves 1
A televisão e o vídeo na escola
Uma nova dinâmica na gestão educacional
Este texto não pretende esgotar assunto tão vasto como a dinâmica da gestão educacional
em tempos de tecnologia, mas busca trazer aspectos complementares à Unidade 3 do
Módulo II do curso TV na Escola e os Desafios de Hoje. Seu propósito é contribuir com a
discussão tanto pelos gestores que estão matriculados no curso como pelos professores que
- não tendo seus dirigentes como colegas de curso - podem levar às suas escolas outras
idéias para a construção solidária de um projeto pedagógico que conta da complexidade
de um mundo em mudança.
A gestão contemporânea tornou-se um espaço ainda mais dinâmico devido à expansão da
tecnologia e sua disseminação em todas as áreas, setores e ambientes da vida e do trabalho.
Na educação, a inserção das tecnologias - com seus novos modos de aprender e ensinar,
seus equipamentos, linguagens, valores éticos e estéticos - vem sendo abordada quase
sempre do ponto de vista dos professores. E não são poucos aqueles que se queixam da falta
de apoio na escola para uma ação mais eficaz.
194
De fato, a tecnologia traz desafios não para os professores: também os gestores da
educação2 têm um papel essencial e uma responsabilidade social em liderar o processo de
transição para uma educação capaz de formar o cidadão que vive e trabalha no terceiro
milênio.
Gestão é ciência e arte, assim define o professor e doutor em Administração, Paulo Roberto
Motta.
Como ciência, é um aprendizado por meio do qual o dirigente constrói conhecimento,
adquire novos valores, habilidades e competências, reconstrói sua experiência e aumenta o
grau de compreensão sobre si mesmo e a realidade em que vive. Pode, assim, ampliar sua
visão estratégica do trabalho e do mundo e sua capacidade de análise, julgamento, decisão e
liderança, preparando-se para enfrentar os riscos e incertezas de uma sociedade em
mudança.
Mas não basta aprender: é preciso a arte de traduzir todo o conhecimento em ação. E a ação
gerencial é uma expressão de autonomia, de reflexão, de segurança profissional, de
conhecimento de si próprio e de seu papel na organização. É, ainda, capacidade de
negociação entre interesses e demandas múltiplas e de integração de fatores organizacionais
cada dia mais ambíguos e diversos.
Um desses fatores que vem revolucionando e causando rupturas culturais em todas as
organizações são as tecnologias da informação e da comunicação.
Para traduzir a ciência e arte de ser gestor da educação no que se refere à inserção das
tecnologias na escola, podem ser destacadas seis dimensões essenciais.
A primeira é a dimensão pessoal e diz respeito ao aprendizado que o próprio gestor deve
buscar. Todo dirigente precisa compreender porque as escolas - mesmo as localizadas em
locais pobres e distantes - devem ter acesso à tecnologia. Deve saber avaliar os danos
195
individuais e sociais que a exclusão tecnológica e digital causa nos alunos e profissionais
que estão sob sua liderança. Precisa investir no próprio conhecimento, assimilar o novo e
encarar a mudança como um movimento natural para si mesmo e para a instituição onde
atua.
A dimensão pedagógica é a segunda e se refere à capacidade do gestor de superar a
racionalidade tecnológica - que valoriza equipamentos e tecnologia como fim em si
mesmos - assumindo o compromisso ético de inserir as novas linguagens e tecnologias no
projeto pedagógico da escola. A educação deve ser contextualizada, uma vez que o
conhecimento é uma construção humana de significados que têm um sentido para a vida do
indivíduo. Ora, se a vida, o trabalho, a sociedade são permeados pela tecnologia, também a
educação deve abrir-se para essa nova realidade e preparar os cidadãos para serem
competentes, críticos, participantes, livres e solidários nessa sociedade do conhecimento. O
mundo é uma grande sala de aula, contudo, quem foi educado para isso pode usufruir de
todo esse espaço.
A terceira trata da capacitação inicial e continuada de seu grupo de profissionais. Assim
como o gestor precisou aprender novos conceitos pedagógicos, estratégias de trabalho,
linguagens de diferentes meios, formas de organização e desenvolvimento dos trabalhos,
também os professores e o corpo técnico-administrativo devem ter acesso a todo
conhecimento para que, na sua esfera de atuação e de forma interdisciplinar,
transdisciplinar e intersetorial, possam transformar a escola em uma atuante comunidade de
aprendizagem.
Dois pontos merecem ser destacados nessa dimensão. O primeiro diz respeito à autonomia
que a própria tecnologia dá à escola na organização de um processo intencional de educação
continuada. Por exemplo, um acervo como o da TV Escola, com mais de 4.000 vídeos
transmitidos, e as incontáveis possibilidades da Internet permitem ao gestor criativo e com
iniciativa montar diferentes processos de atualização e aperfeiçoamento de seu pessoal, sem
depender dos órgãos centrais. Pode, ainda, com seus professores, preparar projetos de
aceleração e recuperação de estudos para os alunos, além de incentivar o uso em sala de
196
aula, na biblioteca e até mesmo em espaços alternativos, como ginásios de esportes,
refeitórios e outros ambientes mais amplos, capazes de permitir a realização de eventos que
alcancem, inclusive, a comunidade.
O segundo ponto é a busca do equilíbrio entre as necessidades básicas de aprendizagem e o
uso das tecnologias. Muitos se deixam seduzir pelas possibilidades dessas tecnologias e
esquecem que elas devem ser usadas com um propósito educacional. Assim, saber ler,
interpretar, comunicar-se oralmente e por escrito, desenvolver o raciocínio lógico-
matemático, conhecer o ambiente e a história, entre outros, continuam sendo objetivos
fundamentais para todo cidadão ter sucesso ao longo de sua vida escolar e profissional. As
novas tecnologias, quando bem utilizadas, preparam educadores e educandos para não se
deixarem manipular pelos meios, aumentam a autonomia, ampliam as possibilidades de
aprendizagem e rompem as fronteiras do saber.
A quarta dimensão em que o gestor deve atuar é certamente a mais simples, pois trata dos
alunos. Nossos alunos já nasceram em um mundo mediado pela tecnologia e consideram-na
parte intrínseca em suas vidas, mesmo que nas suas casas não haja muitos recursos
tecnológicos. Por não se inibirem diante de televisões, videocassetes, jogos eletrônicos,
computadores, Internet, celulares e quaisquer novidades que porventura surjam,o aliados
dos gestores e professores. Se houver problemas na programação de um videocassete, na
regulagem de uma antena parabólica, no uso de um software novo, os alunos estão prontos
para enfrentar o desafio. Mas é preciso atenção para que os estudantes não se distraiam com
o manuseio e a parte lúdica da tecnologia e deixem de usá-la para aprender, criar e conviver
mais.
A quinta diz respeito à infra-estrutura. Nossas escolas não foram planejadas, organizadas
nem construídas para o uso das tecnologias. Assim, uma infra-estrutura pouco visível
que deve ser providenciada como fios, cabos, tomadas, etc., em salas de aula e em todos os
locais onde são ou venham a ser usados os equipamentos. Podem ser necessárias adaptações
e construção de espaços físicos, bem como a compra de mobiliário adequado. A
manutenção e segurança dos equipamentos, bem como o material de consumo (fitas, tinta
197
para impressora, folhas e tantos outros) são aspectos importantes, quase sempre sob
responsabilidade da própria instituição. Além disso, embora os órgãos centrais façam
aquisições mais volumosas, pode haver interesse da escola em aumentar o número de
equipamentos recebidos, sem esquecer das demandas de atualização na tecnologia - fato
corriqueiro nos dias de hoje. Ou seja, oferecer as bases operacionais que deixam fluir
naturalmente o uso da tecnologia exige do gestor grande dose de autonomia, iniciativa,
criatividade, bem como capacidade de captação de recursos e de negociação com diferentes
atores.
A sexta dimensão é a da articulação com a comunidade. A comunidade é aliada da escola
em diversos aspectos, como, por exemplo, na instalação de fios e tomadas, na recuperação
de espaços, no controle do uso pedagógico dos equipamentos, no conserto de aparelhos
(pais/alunos eletricistas). muitos exemplos de ação conjunta escola-comunidade. Nos
Estados Unidos, foi definido um "Net Day" - um dia em que todos os educadores, alunos,
pais, junto com empresas de telecomunicações, eletroeletrônicos, comércio e outras
prepararam as escolas para serem ligadas à Internet. Em Planaltina, no Distrito Federal, a
coordenadora de tecnologia de uma escola fez acordo com uma fábrica de picolés e, a cada
unidade vendida, ela recebe um percentual que é usado para compra de fitas para gravação
dos programas da TV Escola. muitos outros exemplos dessa integração. É fundamental,
no entanto, que o gestor não se limite a pedir ajuda e saiba, também, oferecer as tecnologias
para capacitar essa comunidade que é sua parceira.
As seis dimensões são inter-relacionadas e sua combinação provoca uma sinergia que
movimenta a escola e faz do gestor o líder empreendedor, capaz de contribuir com a ruptura
de uma cultura pedagógica e gerencial superada pela dinâmica da ciência e do
conhecimento, levando sua instituição a novos patamares de qualidade.
O gestor moderno deve estar preparado para liderar essa transição, consciente de que vive
uma oportunidade ímpar de aprendizado coletivo, aprendizado este que o caracteriza como
um ser histórico ou, como diria Paulo Freire: um ser que é capaz de transformar o seu
contexto e de saber-se transformado pela sua própria criação.
198
Referências bibliográficas
Castro Neves, Carmen Moreira de. Tecnologias na educação presencial ou a
distância: seis lições básicas, In: Pátio - Revista pedagógica. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
Freire, Paulo. Educação e Mudança. 13ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
Motta, Paulo Roberto. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser
dirigente. 7ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1996.
NOTAS:
1. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre em Educação,
Diretora do Departamento de Política da Educação a Distância, da Secretaria de
Educação a Distância/MEC.
2. Gestores aqui são os diretores, coordenadores e supervisores pedagógicos em
escolas e órgãos locais ou regionais e também reitores de universidades e secretários
de educação estaduais e municipais com seus auxiliares diretos.
199
PROF
A
SYLVIA MAGALDI
1
200
É POSSÍVEL EDUCAR PARA E COM A TV?
O objetivo deste texto, dirigido a professores do Ensino Fundamental e Médio, é abordar,
ainda que de forma resumida, alguns passos que considero essenciais para o
desenvolvimento de uma relação saudável e produtiva entre educação e televisão. Os textos
precedentes dão conta de diferentes aspectos, manifestações e efeitos da mídia televisual na
sociedade contemporânea, sobre os quais o professor precisa refletir para construir uma
autêntica compreensão do fenômeno e de como ele atua sobre todos nós, enquanto
telespectadores. Aqui, vamos nos ater a caminhos e possibilidades de atuação dos
professores na busca de uma educação para a televisão.
A mais forte presença da TV em sala de aula
Quer se trate, ou não, de escolas equipadas com televisores, antenas e videocassetes, ou
DVDs, convém reconhecer que a TV está fortemente presente, na esmagadora maioria das
salas de aula, integrando todos os processos de ensino / aprendizagem que diariamente aí se
busca desenvolver. As mensagens da TV comercial alimentam as emoções e o imaginário
do alunado, em todas as faixas etárias. O cardápio preferido constitui-se de novelas e
seriados, reality shows, programas de auditório e desenhos. Por vezes, inclui filmes (tanto
os chamados educativos quanto os ficcionais). Servida e consumida em casa e na escola
pois nutre e conforma, de modo marcante, a sensibilidade e a inteligência de crianças e
jovens –, a presença permanente e atuante dessa alimentação imaterial talvez constitua,
hoje, um dos componentes mais desafiantes das situações com que o professor se depara,
nas salas de aula.
No entanto, ainda está se configurando um movimento articulado para levar a TV à escola
enquanto objeto de estudo. De modo muito especial, que se integre à formação pedagógica
dos professores. Cresce a consciência de que a questão é substantiva, e isso tem se
manifestado no número de artigos, pesquisas, publicações, seminários e teses dedicados a
201
ela. Cursos superiores de Pedagogia a têm incluído nos currículos, ainda que
timidamente. A TV Escola, programa nacional lançado em 1996 pelo MEC, voltado para o
uso da televisão a serviço da educação, está contemplando e discutindo, também, caminhos
para uma formação crítica dos educadores em relação à mídia televisual: nessa linha é que
se inserem os programas desta série do Salto para o Futuro, que ensejaram este e os demais
textos deste boletim.
Equívocos iniciais a evitar
Como lidar proveitosamente com a realidade da TV presente em sala de aula, enquanto
alimento preferencial dos corações e mentes de nossos alunos? Descartemos, de saída, o
equívoco da adoção de um comportamento anti-TV. Ou mesmo de conselhos sobre o tempo
gasto diante da telinha, que seria saudável limitar. Embora muitos professores tenham
compreendido que, por aí, pouco ou nada resulta de proveitoso, ainda é preciso insistir:
pode-se gostar mais ou gostar menos, ou desgostar do que a TV representa nas nossas vidas
e de como ela se tornou participante invisível de nosso trabalho. O que não se pode,
indiscutivelmente, é ignorar a TV e como ela nos afeta a todos. Nem ignorar que ela nos
captura através de estímulos sensoriais e emocionais, antes de mais nada .
Cada professor precisa reconhecer a necessidade de melhorar sua qualificação enquanto
telespectador. E mobilizar-se para superar o nível superficial do gosto / não gosto, em
relação à TV, construindo, pouco a pouco, um novo saber e um novo nível de relação
consciente com ela. Buscar os porquês de seus “gostares e não-gostares”. Cabe ir um pouco
mais fundo: perguntar-se o que são, como atuam, o que desejam esses conteúdos e formas,
essas imagens, sons e textos mixados, que vão formatando mesmo nossas subjetividades.
Um segundo equívoco a evitar é a adoção de receituários tipo “como ver TV” e outros
manuais congêneres. Cabe lembrar que existem muitos trabalhos científicos consistentes
sobre a interface televisão / educação, no Brasil e em outros países. Deles tem vindo
sugestões aos professores sobre diretrizes e metodologias úteis e adequadas. Ou seja,
ferramentas pedagógicas que ajudam a formar professores interessados em educar para a
TV. O importante é que não se colocam como receitas. Joan Ferrés, da Universidade de
202
Barcelona, pesquisador e pedagogo especialista nessa área, adverte: “um método é ... um
instrumento de treinamento para a análise e a compreensão. Como ferramenta, pode ser tão
indispensável numa primeira aproximação crítica ao meio como desnecessária depois,
porque o seu objetivo final é ... (que o esqueçamos) a partir do momento em que seus
mecanismos ... tenham sido internalizados pela prática contínua”. Mais adiante, estão
mencionados os livros desse autor.
O que fazer em relação aos programas que exploram a “baixaria”?
No terceiro capítulo do livro Televisão & Educação fruir e pensar a TV
2
, que escrevi a
convite da autora, Prof.a. Rosa Maria Bueno Fischer, relato e comento algumas das
experiências que desenvolvi e desenvolvo através de cursos-oficinas. O objetivo era (e é) o
de introduzir professores no que considero uma relação mais qualificada com a linguagem e
as mensagens da televisão, para que pudessem, também eles, ajudar a qualificar as leituras
de seus alunos. Daquele contexto, relato abaixo um exemplo singelo, que muito me
ensinou.
Numa das oficinas, já terceira etapa de trabalho com uma mesma turma, um grupo de cerca
de dez professores, logo de início, manifestou seu desejo de que a temática prevista fosse
modificada para incluir a focalização de uma questão que os estava preocupando. A
interrogação deles, bem coloquial, era mais ou menos assim: “o que é que a gente faz com
alunos (9 a 11 anos) que perguntam sobre coisas que acontecem nos programas de baixarias
que assistem em casa, e querem saber o que a gente acha ?” . Não esqueci mais dessa
passagem, porque foi então que me dei conta do pouco ou nada de atenção que eu dedicara,
até aí, a tais programas. Aceitei a sugestão, gravei trechos de um daqueles programas que
quase todo dia gerava as perguntas dos alunos: era o Ratinho Livre, e o apresentador estava
então na Rede Record.
Em casa, sozinha, vivenciei o mal-estar de concentrar a atenção e organizar idéias sobre
tanta exploração do ridículo, tanto desrespeito e apelação – em geral bem grosseira, baixaria
203
mesmo. Com a turma, na sessão seguinte, verifiquei como tinha valido a pena:
transformamos, juntos, impressões, juízos superficiais e rótulos (não isentos de
preconceitos) numa análise razoavelmente serena e objetiva.
Todos nós aprendemos muito, nesse lance. Para iniciar, assistimos aos vídeos e cada um
procurou identificar as emoções experimentadas: nojo, raiva, indignação, pena...
Socializadas as reações emocionais, pudemos tomar distância da gravação e tornar a assisti-
la, mais objetivamente. Buscamos os conteúdos do programa: as diferentes situações
apresentadas (cômicas, dramáticas, tragicômicas). As pessoas/personagens, manipuladas
pelo apresentador, acossadas pelo auditório, vivendo seus conflitos para as câmeras,
chorando, se batendo, trocando ofensas ou fazendo as pazes. O apresentador alternando
provocações quase chulas e falas moralistas, fingindo-se escandalizado com o que via e
ouvia. Num certo momento, uma das professoras comentou que nunca pensara que um
programa como aquele “tivesse conteúdo”. Ela capturara uma acepção mais abrangente e
significativa desse importante conceito.
Atentamos, depois, para características de forma do programa. Sua estrutura em diferentes
quadros. A figura do apresentador, seu carisma, suas roupas, seu modo de falar e de dar
pancadas numa mesa com um grosso cassetete, para reforçar suas opiniões sempre
enfáticas. Numa delas, alardeava aos gritos seu repúdio “a todos os políticos, são todos
corruptos, ou tubarões que nunca passaram fome”. O palco e a equipe de palco, o auditório
pequeno e lotado, a iluminação, a sonoplastia e a trilha musical, criando climas associados
às situações apresentadas. A incitação da equipe à platéia, pedindo aplausos, vaias,
respostas tipo sim-ou-não, culpado ou inocente. Pequena movimentação de câmeras,
tomadas longas, ritmo de cortes menos rápido que o usual.
O que teriam sido os resultados daquela sessão ? Acho que as professoras, mais do que de
outras vezes, perceberam o imenso avanço de compreensão alcançado através do
encadeamento das atividades propostas: assistir/falar das reações imediatas ao
assistido/reassistir direcionando a atenção para diferentes variáveis/discutir concordâncias e
discordâncias das observações/propor conclusões e avaliações. Creio que, mesmo em
circunstâncias caseiras, totalmente diferentes das oferecidas pelo curso, aqueles professores
204
dificilmente poderão assistir a um programa de TV como o Ratinho Livre sem, pelo menos,
um direcionamento um pouco mais qualificado da atenção usual, e sem algumas pitadas de
reflexão, ainda que assistemática. A idéia é que, com alguma continuidade de práticas e
exercícios de leitura de programas, passamos a transferir, com espontaneidade crescente,
nossa atenção direcionada, da sala de aula para as demais situações em que nos deparamos
diante da telinha. Com certeza, não é pouca coisa!
Quanto às indagações e pressões de alunos, querendo manifestações do professor sobre
programas assistidos, cujos heróis e vilões, algozes e vítimas provocam discussões
acaloradas, será uma novidade positiva que o professor conheça os programas que estão
alimentando seus alunos. Que os tenha assistido, com atenção, algumas vezes. Assim,
poderá conversar com os alunos sobre eles, poderá identificar a leitura que fazem deles, e
seus principais equívocos. A ferramenta principal não será corrigir, desmentir, discordar. A
ferramenta básica é perguntar : conversar perguntando, perguntar conversando. Ouvir as
respostas, valorizá-las... e perguntar sobre elas. Se for oportuno, o professor pode
programar numa das aulas a exibição de um fragmento do programa, para um trabalho
análogo ao que realizamos no curso-oficina naturalmente simplificado e adaptado à faixa
etária e a outras circunstâncias.
Duas ou três professoras, no episódio relatado acima, me procuraram especialmente
preocupadas porque, diziam, os alunos brigavam e se dividiam sobre quem deveria ser
considerado culpado ou inocente, quem teria agido certo ou errado, nos vários quadros do
programa. Mas, para todos eles, sem exceção, o bom do programa era mesmo o Ratinho,
porque ele sempre fazia justiça e ajudava os que precisavam. Sugeri que assistissem ao
programa e anotassem duas ou três atuações do justiceiro, para poderem discutir entre si e
compreender melhor que tipos de comportamento e que discurso eram interpretados como
justos, pelos meninos. Uma delas deu-me um retorno sumário, meses depois: na sua escola,
a diretora participara das discussões, se entusiasmara e decidira organizar um evento, num
sábado, com encenação de duas ou três pequenas dramatizações sobre situações de
justiça/injustiça. Ao final, quatro alunos, quatro professores e quatro pais (ou mães) tinham
que dar seu parecer sobre os casos apresentados. Tinham de explicar suas razões, com
argumentos. Diz a professora que os alunos amaram, que repetiriam o tipo de evento duas
205
vezes por ano, e que no consenso dos professores, a atividade fora das mais produtivamente
educativas. Fiquei bem feliz. Quem diria, Ratinho ?
Livros que podem ajudar muito
Gosto muito dos trabalhos do Prof. Joan Ferrés , que já citei acima e recomendo sempre. Há
três livros dele no Brasil, traduzidos e publicados pela Editora Artes Médicas, de Porto
Alegre. Vídeo e Educação, de 1996, trata da utilização do audiovisual na escola através de
vídeos. Discute os diferentes papéis que o vídeo pode desempenhar nos processos escolares
de ensino/aprendizagem e oferece orientação para o preparo do professor que deseja
trabalhar com eles. Sugere roteiros metodológicos para a leitura crítica dos principais
gêneros de programas. Reserva vários capítulos para o processo de realização de programas
didáticos, destacando a reportagem, a entrevista e a mesa redonda. Finaliza com pautas de
avaliação para diferentes tipos de programas e com a questão da obtenção de programas e
formação de videotecas.
Em 1998, foi publicado Televisão subliminar Socializando através de comunicações
despercebidas. Obra substancial sobre o assunto, que é abordado com sólida
fundamentação na psicologia e nas ciências da comunicação, estuda especialmente as
mágicas da TV no campo da sedução, com destaque para os fenômenos que povoam o
campo da publicidade.
Deixei por último Televisão e Educação, editado também em 1996, que gostaria de
recomendar de modo especial. A primeira parte do livro, Chaves para compreender o meio,
focaliza a TV como extensão da pessoa, como agente de consumo, como gratificação
sensorial, mental e psíquica, como vitória do mito da objetividade e como meio de
socialização. Na segunda parte, Ferrés oferece: critérios para educar no meio, mais dois
capítulos sobre educar na escola e educar no lar. Na última parte estão as propostas
metodológicas para a análise de programas, que oferece sugestões em dois níveis o
206
inferior, para iniciantes e o superior, para estágios mais avançados. As propostas
contemplam a análise crítica da publicidade, da ficção – séries e filmes, e dos noticiários.
Por uma nova síntese dos modos de compreender
Os novos modos de compreender é o nome de um livrinho de Pierre Babin, publicado em
1985 pelas Edições Paulinas, esgotado alguns anos, sem prognóstico de reedição. É
pena, pois o trabalho focaliza com clareza e carinho uma questão que se colocava
quase trinta anos, mas hoje ainda, a meu ver, não se desatualizou. Diz respeito ao modo de
compreender introduzido pela televisão e pelo computador, que vem caracterizando as
gerações mais novas que, desde o berço literalmente respiram e se alimentam com
imagens e sons em movimento e em sucessão e cruzamentos de velocidade crescente.
A linguagem da TV e a Internet têm produzido em seus públicos uma estimulação sensorial
hipertrofiada, que oferece aos sujeitos uma visão fragmentada da realidade. Como
conseqüência, tomou forma e presença um tipo de conhecimento dispersivo,
compartimentado, descontextualizado, sem normas de referência de validade universal, sem
hierarquia e sem estruturas definidas. Esse perfil opõe-se ao da cultura tradicional,
organizada, estruturada, coerente, sempre exigindo e cobrando contextualização – ainda que
limitada em conhecimentos e mais ainda em informação. Os dois são encontrados e se
desencontram – na escola.
Ora, a escola nasceu e se desenvolveu sob o signo da linguagem verbal e da cultura letrada,
tendo ao centro o livro, e não ocorreu ainda nenhuma ruptura profunda e duradoura que
transformasse significativamente esse perfil. Estamos, pois, diante de um convívio (ou seria
melhor dizer confronto?) difícil e pouco produtivo, entre diferentes modos de compreender,
entre visões de mundo e culturas que não se articulam.
Atrevo-me a dizer que é óbvia a permanência dessas duas esferas, pois a mais antiga é
alicerce da contemporânea. Mas igualmente óbvia é a necessidade de construir, em termos
207
de escola, uma nova síntese que articule o universo das linguagens verbais,
predominantemente simbólicas, com o universo da expressão e da comunicação através da
linguagem eletrônica, que integra e movimenta imagens, palavras e todos os sons que
possamos imaginar. A cultura letrada e a cultura da Internet e da TV, com toda a sua
fragmentação, podem ser articuladas e hão de articular-se, se decidirmos pôr mãos à
obra.
Mas a ampliação e o enriquecimento da visão dos professores, criando no dia-a-dia
anônimo novas tessituras, novos fios, novos padrões é o único caminho viável para que
emerja, de uma nova escola, uma nova educação, aberta a todas as linguagens e competente
no contexto das diferentes culturas.
É nessa perspectiva ousada, mas não utópica, que cabe colocar nossos esforços de tornar a
TV um objeto de estudo na escola, e, para tanto, formar professores para um mundo que
poderemos compreender se compreendermos as mídias, em todos os seus aspectos e
dimensões.
NOTAS:
1
Sylvia Magaldi é licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP), pós-
graduada em Educação, também pela USP. Coordenou e planejou, de 1977 a 1985, os
primeiros Telecursos da Fundação Roberto Marinho. Nos anos 80, dirigiu a área de
Educação da Fundação Roquette Pinto, na TVE do Rio de Janeiro. Atualmente, é professora
de História da Educação e de Audiovisuais no Ensino Fundamental, na Faculdade
Integração Zona Oeste (FIZO), Osasco, São Paulo.
2
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & educação: fruir e pensar a TV. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
208
4. Tecnologias na educação de professores a distância
Este capítulo aborda algumas questões importantes da educação a distância na
formação e atuação dos professores em serviço; entre eles, os critérios de qualidade da EAD
(educação a distância), a gestão de programas de EAD, os materiais e tecnologias de
comunicação para EAD, o apoio ao aluno e a avaliação de aprendizagem nesta modalidade.
Bernardete Gatti, no texto "Formação de professores a distância: critérios de
qualidade", faz uma reflexão sobre as condições em que ocorre a aprendizagem a distância
e os cuidados que os educadores devem ter para garantir uma boa qualidade formativa. A
autora procura também sintetizar algumas das características e fatores que têm se
evidenciado por propiciarem um nível qualitativo de alto diferencial para a formação a
distância de professores.
José Manuel Moran, em seu texto "O que é um bom curso a distância?", comenta
os elementos que fazem parte de um bom curso a distância, chamando a atenção para os
educadores, os alunos, os ambientes de aprendizagem, a interação entre os participantes, o
planejamento, a flexibilidade e a qualidade pedagógica e tecnológica.
209
Carmen Neves, no texto "A educação a distância e a formação de professores",
apresenta aspectos que sustentam a qualidade de um curso de formação de professores a
distância, comentando a concepção educacional do curso, o desenho do projeto, o sistema
de tutoria, o sistema de comunicação, os recursos educacionais, a infra-estrutura de apoio, o
sistema de avaliação, a ética na informação e a capacidade financeira de manutenção do
curso.
Alvana Maria Bof, no texto "Gestão de sistemas de educação a distância",
apresenta algumas características de sistemas de EAD, discutindo, a seguir, questões
relacionadas à sua gestão e à sua estreita relação com a qualidade e eficiência de cursos ou
programas de EAD.
Maria Umbelina Caiafa Salgado, no texto "Características de um bom material
impresso para a educação a distância", discute os requisitos de um bom material
impresso para EAD, apresentando, em linhas gerais, a estrutura de um texto para EAD e
orientações pra a sua elaboração.
Leda Maria R. Fiorentini, no texto "Materiais escritos nos processos formativos a
distância", faz uma discussão sobre o que cabe ao professor autor de materiais didáticos e
como promover a compreensão de textos.
Alberto Tornaghi, no texto "Computadores, Internet e educação a distância",
complementa a discussão sobre materiais e meios de suporte à educação a distância,
introduzindo explicações e reflexões sobre as chamadas Tecnologias de Comunicação e de
Informação: computadores, internet, computadores em rede, hipertextos, correio eletrônico
(e-mail), fórum e bate-papo ou chat.
210
Carmen Moreira de Castro Neves 1
A Educação a distância e a Formação de Professores
A Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394/96 valoriza a qualificação dos profissionais da
educação e, inclusive, estabelece um prazo 2006 —, a partir do qual poderão ser
admitidos professores formados em nível superior.
Além disso, no artigo 87, reforça a necessidade de elevar o nível de formação dos
profissionais, determinando que "cada Município e, supletivamente, o Estado e a União,
deverá (...) realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício,
utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância".
Em vários artigos, a Lei fala dos profissionais da educação, destacando, entre outros, seu
papel na construção do projeto pedagógico da escola, na gestão democrática, no
211
estabelecimento de estratégias didáticas e no próprio desenvolvimento profissional,
inclusive mediante a capacitação em serviço.
A preocupação do legislador em realçar os profissionais da educação reflete o mundo em
que vivemos, marcado por um contínuo processo de mudança, por avanços científicos e
tecnológicos, pela valorização do conhecimento, das competências, da autonomia, da
iniciativa e da criatividade.
Nesse cenário, crescem as pressões por maior qualidade no processo de ensino-
aprendizagem e por uma educação que aconteça ao longo de toda a vida. A escola
contemporânea deve ser um espaço de aprender a aprender; de criação de ambientes que
favoreçam o conhecimento multidimensional, interdisciplinar; um local de trabalho
cooperativo/solidário, crítico, criativo, aberto à pluralidade cultural, ao aperfeiçoamento
constante e comprometido com o ambiente físico e social em que estamos inseridos.
Se a escola deve mudar, certamente os cursos de formação de professores precisam também
passar por uma mudança profunda e radical. Todas as características da escola
contemporânea antes apresentadas devem estar presentes nos cursos que formam os
profissionais da educação. O cotidiano da formação dos educadores deve ser marcado por
um diálogo interativo entre ciência, cultura, teorias de aprendizagem, gestão da sala de aula
e da escola, atividades pedagógicas e domínio das tecnologias que facilitam o acesso à
informação e pesquisa.
O documento que trata dos Referenciais para a formação dos professores lembra a
homologia dos processos, que significa que o educador tende a reproduzir métodos,
técnicas e estratégias que foram utilizados durante seu processo de formação. Assim, um
curso pedagogicamente pobre pode levar o educador a trabalhar com seus alunos de uma
forma também pobre. Ou a exigir desse educador um enorme esforço para vencer as
deficiências que enfrentou.
212
Essa reflexão nos leva a pensar a educação a distância sob uma nova ótica.
A educação a distância não é um modismo: é parte de um amplo e contínuo processo de
mudança, que inclui não a democratização do acesso a níveis crescentes de
escolaridade e atualização permanente como também a adoção de novos paradigmas
educacionais, em cuja base estão os conceitos de totalidade, de aprendizagem como
fenômeno pessoal e social, de formação de sujeitos autônomos, capazes de buscar, de criar,
de aprender ao longo de toda a vida e de intervir no mundo em que vivem.
Assim, cursos oferecidos a distância destinados a formar e aperfeiçoar professores podem
chegar aos mais longínquos lugares do Brasil (80% dos 27.000 alunos do Proformação
eram da zona rural), o que demonstra seu potencial de democratizar a educação. E podem,
também, ser uma excelente estratégia de ao mesmo tempo construir conhecimento, dominar
tecnologias, desenvolver competências e habilidades e discutir padrões éticos que
beneficiarão, mais tarde, os alunos desses professores. Ou seja, um bom curso a distância
oferece aos seus cursistas não autonomia para aprender sempre, como deixa o
profissional preparado para trabalhar com seus alunos de uma forma mais rica, moderna,
dinâmica.
Isso, no entanto, acontece com uma educação a distância comprometida com qualidade.
E qualidade em educação a distância é como uma rede de pesca: vários nós que se unem
para alcançar um objetivo. A fragilidade em um dos nós pode comprometer o resultado
final.
A seguir, vamos apresentar quais os principais "nós" que sustentam a qualidade de um
curso de formação de professores a distância2.
1. Concepção educacional do curso
213
Um curso de formação de professores a distância está inserido nos propósitos da educação
do país, com ela entrelaça seus objetivos, conteúdos, currículos, estudos e reflexões. Deve
ser elaborado a partir de princípios filosóficos e pedagógicos explicitados nos guias e
manuais e postos em prática ao longo de todo o processo.
Se o curso é apenas um conjunto de materiais xerocados, sem atividades que levem o
professor a aplicar o que está aprendendo no seu cotidiano, se pobreza de recursos e
estratégias didáticas, se não provoca no cursista o interesse de interferir no seu meio, se
pode ser realizado na metade do tempo de uma graduação presencial, é preciso cuidado:
pode ser um projeto sem qualidade.
Do ponto de vista legal, um curso de graduação precisa ser autorizado por Parecer do
Conselho Nacional de Educação - CNE, homologado pelo Ministro da Educação e
publicado no Diário Oficial da União. (Para facilitar, a SEED vem colocando em sua página
na Internet os cursos já autorizados).
É preciso cautela com instituições desconhecidas. Se for estrangeira, é necessário procurar
informações sobre ela na Embaixada do país de origem; se for de outro estado, é importante
se informar sobre os resultados alcançados pela instituição nas avaliações nacionais feitas
pelo MEC.
2. Desenho do projeto: a identidade da educação a distância
Programas, cursos, disciplinas ou mesmo conteúdos oferecidos a distância exigem
administração, desenho, lógica, linguagem, acompanhamento, avaliação, recursos técnicos,
tecnológicos e pedagógicos, que não são mera transposição do presencial. Ou seja, a
educação a distância tem sua identidade própria.
Não há, porém, um modelo único de educação a distância. Os programas podem apresentar
diferentes desenhos e múltiplas combinações de linguagens e recursos educacionais e
214
tecnológicos. A natureza do curso e as reais condições do cotidiano dos alunos é que vão
definir a melhor tecnologia, a necessidade de momentos presenciais em estágios
supervisionados, laboratórios e salas de aula, a existência de pólos descentralizados e outras
estratégias.
3. Sistema de tutoria: cursos a distância têm professores, sim
É engano considerar que programas a distância podem dispensar o trabalho e a mediação do
professor. Nos cursos a distância, os professores vêem suas funções se expandirem.
Segundo Authier (1998), "são produtores quando elaboram suas propostas de cursos;
conselheiros, quando acompanham os alunos; parceiros, quando constroem com os
especialistas em tecnologia abordagens inovadoras de aprendizagem".
Num programa a distância, portanto, eleva-se o nível de exigência dos recursos humanos
envolvidos: além de professores-especialistas nas disciplinas, deve-se contar com tutores,
avaliadores, especialistas em comunicação e no suporte de informação escolhido, entre
outros.
A improvisação, infelizmente comum numa relação face a face, não pode acontecer num
curso a distância: a definição dos objetivos, dos conteúdos, da bibliografia básica e
complementar, a elaboração do material, a escolha da mídia, todos esses aspectos são
definidos a priori e devem estar sob responsabilidade de profissionais altamente
competentes, para garantir o alcance dos resultados educacionais e o custo-efetividade do
programa. A responsabilidade desses profissionais é compartilhada, assim sendo, uma
política de integração de equipes e de educação permanente para esse grupo é
absolutamente necessária.
Pessoal de apoio técnico-administrativo, que cuide de matrículas, expedição de materiais,
registro do histórico escolar, apoio com tecnologia (especialmente em cursos on-line) e
outras questões técnico-administrativas também devem estar envolvidos no projeto.
215
É essencial saber quem são os docentes responsáveis pela elaboração dos materiais, pela
tutoria, pela coordenação do curso.
4. Sistema de Comunicação: a interação é fundamental
O aluno é sempre o foco de um programa educacional. E um dos pilares para garantir a
qualidade de um curso de graduação a distância é a interação entre professores e alunos,
hoje bastante simplificada pelo avanço das tecnologias da informação e da comunicação.
Para permitir o contato entre o tutor e o aluno, deve haver espaço físico disponível, horários
para atendimento personalizado, facilidade de contato por telefone, fax, e-mail, correio,
teleconferência, fórum de debate em rede e outros. Biblioteca, laboratórios, computadores,
vídeos e outros recursos, postos à disposição na sede ou pólos descentralizados, abrem ao
aluno que pode freqüentar esses espaços oportunidades de maior aproveitamento.
Sempre que necessário, os cursos a distância devem prever momentos presenciais, cuja
periodicidade e obrigatoriedade devem ser determinadas pela natureza do curso oferecido.
Facilitar a interação dos alunos entre si também deve ser uma preocupação da instituição
que oferece o curso. Para isso, é necessário saber quais os recursos que permitem dialogar
com o professor ou tutor.
5. Recursos educacionais
Não basta ter experiência com cursos presenciais para assegurar a qualidade da educação a
distância. A produção de material impresso, vídeos, programas televisivos, radiofônicos,
teleconferências, páginas Web atende a uma outra lógica de concepção, de produção, de
linguagem, de estudo e de controle de tempo.
216
O uso da tecnologia na educação a distância tem freqüentemente repetido métodos
ineficazes de instrução ao vivo. Por exemplo: quando uma tecnologia interativa como a
teleconferência é utilizada para apresentação de palestras, nenhuma inovação foi
apresentada. E é falha grave quando uma instituição considera que a presença virtual é o
mesmo que presença real: normalmente o aluno corre o risco de não receber o apoio
didático necessário.
Os materiais didáticos devem traduzir os objetivos do curso, cobrir todos os conteúdos e
levar aos resultados esperados, em termos de conhecimentos, habilidades, hábitos e
atitudes. A relação teoria-prática deverá ser pano de fundo dos materiais, como estratégia de
evitar uma certa centralização que caracteriza cursos a distância. É aconselhável que
indiquem o tempo médio de estudo exigido, a bibliografia básica e complementar e que
forneçam elementos para o aluno refletir e avaliar-se durante o processo. Sua linguagem
deve ser adequada e a apresentação gráfica deve atrair e motivar o aluno. No caso de serem
utilizadas diferentes mídias, elas deverão estar articuladas.
6. Infra-estrutura de apoio
Além de mobilizar recursos humanos e educacionais, um curso a distância exige a
montagem de infra-estrutura material proporcional ao número de alunos, aos recursos
tecnológicos envolvidos e à extensão de território a ser alcançada, o que representa um
significativo investimento para a instituição.
É necessário ficar atento quanto: 1) à infra-estrutura material — equipamentos de televisão,
videocassetes, audiocassetes, fotografias, impressoras, linhas telefônicas, inclusive
dedicadas para Internet e serviços 0800, fax, equipamentos para produção audiovisual e
para videoconferência, computadores ligados em rede e/ou stand alone e outros,
dependendo da proposta do curso; 2) à possibilidade de dispor de centros de documentação
e informação ou midiatecas (que articulam bibliotecas, videotecas, audiotecas, hemerotecas
e infotecas etc.); 3) aos locais de atividades práticas em laboratórios e os estágios
217
supervisionados, inclusive para alunos fora da localidade, sempre que a natureza e currículo
do curso exigirem.
7. Sistema de avaliação contínuo e abrangente
Nos cursos de graduação a distância, a avaliação tem duas vertentes importantíssimas: a do
aluno e a do curso como um todo.
Mais que uma formalidade legal, a avaliação deve permitir ao aluno sentir-se seguro quanto
aos resultados que vai alcançando ao longo do processo de ensino-aprendizagem. A
avaliação do aluno feita pelo professor deve somar-se à auto-avaliação, que auxilia o
estudante a tornar-se mais autônomo, responsável, crítico, capaz de desenvolver sua
independência intelectual.
Por seu caráter diferenciado e pelos desafios que enfrentam, cursos a distância devem ser
acompanhados e avaliados em todos os seus aspectos, de forma sistemática. Assim, deve-se
desenhar um processo contínuo de avaliação quanto: às práticas educacionais dos
professores; ao material; ao currículo; ao sistema de orientação docente ou tutoria; à infra-
estrutura material que suporte tecnológico, científico e instrumental ao curso e quanto à
própria avaliação.
8. Ética na informação, publicidade e marketing
A instituição que oferece o curso deve informar previamente: documentos legais que
autorizam o funcionamento do curso; direitos que o curso confere; pré-requisitos exigidos;
objetivos e conteúdos; preço e condições de pagamento; custos que os alunos deverão
assumir durante o programa (tais como deslocamentos para participação em momentos
presenciais, provas, estágios, etc.); profissionais responsáveis pelo desenvolvimento do
curso; equipamentos, bibliografia, videoteca, software e outros recursos que estarão
disponíveis aos alunos; local e horários de atendimento personalizado; meios de
218
comunicação oferecidos para contato com o tutor; o tempo limite para completar os estudos
e condições para interrompê-los temporariamente.
Os cursos de atualização, aperfeiçoamento, educação aberta em geral, que não conferem
direito a créditos em outros cursos nem a exercício profissional, precisam deixar claro,
desde a publicidade, seus propósitos, de forma a não gerar expectativas vãs. Em suma, vale
o Código do Consumidor.
9. Capacidade financeira de manutenção do curso
O investimento em educação a distância em profissionais, materiais educacionais,
equipamentos, tempo, conhecimento, sistemas de gestão e operacionalização dos cursos
é alto e deve ser cuidadosamente planejado e projetado de modo a que um curso não tenha
que ser interrompido antes de finalizado, prejudicando a instituição e, principalmente, os
estudantes.
Antes de matricular-se, o aluno deve informar-se sobre a solidez da instituição que oferece
o curso.
Considerações finais
O que é essencial observar ao se inscrever em um curso a distância?
Como se viu de uma forma bastante resumida ao longo dessas páginas, preparar um curso a
distância é um trabalho ousado, abrangente e que exige muita competência profissional.
Nem todas as instituições estão preparadas para isso.
219
A área de Pedagogia é uma das mais atraentes para as instituições ofertantes, seja porque há
muitos professores motivados para adquirirem um diploma superior, seja porque muitas
instituições consideram esse um curso "barato".
Assim, ao escolher um curso, investigue a instituição, veja como são avaliados seus cursos
presenciais (não é a mesma coisa, mas se ela não é bem avaliada nos presenciais,
certamente terá muita dificuldade em um curso a distância). Procure saber quem são os
docentes que respondem pelo curso, enfim, faça uma análise do projeto com base nesses
referenciais básicos. Como profissional da educação, você deve ser muito exigente com sua
própria formação.
E lembre-se: para muitos, parece ser fácil estudar a distância. Na verdade não é. Estudar a
distância exige perseverança, autonomia, capacidade de organizar o próprio tempo,
habilidade de leitura, escrita e interpretação (mesmo pela Internet) e, cada vez mais
freqüente, domínio de tecnologia.
Mas, do ponto de vista de formação de professores, um curso a distância de qualidade
concretiza as orientações da moderna pedagogia e ajuda a formar sujeitos ativos, cidadãos
comprometidos, pessoas autônomas, independentes, capazes de buscar, de criar, de
aprender ao longo de toda a vida e de intervir no mundo em que vivem. É muito bom que
os professores possam vivenciar isso na sua formação e educação continuada. Bom para
eles próprios, bom para seus alunos, bom para a melhoria de qualidade da educação.
Bibliografia:
Authier, Michel. Le bel avenir du parent pauvre. In: Apprendre à distance. Le Monde de
L’Éducation, de la Culture et de la Formation — Hors-série — France, Septembre, 1998.
Castro Neves, Carmen Moreira de. Critérios de Qualidade para a Educação a Distância.
In: Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, v. 26, no. 141, abr./jun., 1998.
220
_________ Tecnologias na Educação a Distância ou presencial: Seis lições básicas. In:
Pátio revista pedagógica. V. 5, n. 18 ago./out.2001. Artmed Editora Ltda, Porto Alegre,
RS.
Em Aberto — Educação a Distância. INEP: Brasília, v. 16, n.70, abr./jun. 1996.
Serres, Michel. La société pédagogique. In: Apprendre à distance. Le Monde de
L’Éducation, de la Culture et de la Formation. Hors-série — France, Septembre, 1998.
NOTAS:
1. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre em Educação,
Diretora do Departamento de Política de Educação a Distância, da Secretaria de Educação a
Distância/MEC.
Conheça mais sobre referenciais para cursos de graduação a distância no site do MEC:
http://www.mec.gov.br - links: Educação a Distância - Página inicial Indicadores de
Qualidade.
221
Bernardete A. Gatti *
Critérios de Qualidade
A necessidade de oferecer a professores em serviço, ou pré-serviço, uma qualificação
compatível com as exigências sociais e profissionais para seu nível de atuação foi bem
analisada por vários pesquisadores, durante a década de 90, no século XX. Esses estudos
mostraram as necessidades, tanto em termos numéricos, como em termos qualitativos, de
currículos e condições básicas de formação (Alves, 1992,1998; Brzezinski, 1994;
Cunha,1992; Gatti, 2000; Ludke, 1994; Pimenta, 1994, dentre outros). Ao lado destes
estudos, foram surgindo alternativas de formação que foram desenvolvidas em várias
222
instituições públicas de ensino superior em diversos pontos do país. Algumas dessas
iniciativas passaram a incorporar a educação a distância como forma de poder atingir,
sobretudo, os professores em exercício nas escolas públicas que não possuíssem uma
formação escolar condizente com as exigências para o exercício profissional da docência.
Foram implementadas com base em princípios discutidos e consensuados por vários
grupos, buscando não diminuir as estatísticas de carências na formação dos docentes da
educação básica, mas, sobretudo buscando uma nova qualidade para essa formação. Essas
iniciativas foram acompanhadas e geraram várias reflexões sobre os caminhos tomados
(Gatti, 2000), permitindo avanços em concepções e práticas.
As propostas de formação de professores na modalidade educação a distância ñ por
exemplo, as desenvolvidas no estado de Mato Grosso, envolvendo as Universidades Federal
e Estadual e a Secretaria de Educação, o programa Salto para o Futuro, o Proformação, o
PEC-Universidade, em São Paulo, o Programa desenvolvido pela Universidade Federal do
Paraná ñ trouxeram condições para se sair de discussões sobre "o que aconteceria se ..."
para o plano das reflexões sobre práticas concretas e seus desdobramentos. Com isso, a
questão da qualidade desejável para essa modalidade formativa, postulada teoricamente,
pode enriquecer-se do confronto com as práticas.
Educar e educar-se a distância requer condições muito diferentes da escolarização
presencial. Os alunos em processos de educação a distância não contam com a presença
cotidiana e continuada de professores, nem com o contato constante com seus colegas.
Embora possam lidar com os temas de estudo disponibilizados em diferentes suportes, no
tempo e local mais adequados para seus estudos, num ritmo mais pessoal, isso exige
determinação, perseverança, novos hábitos de estudo, novas atitudes em face da
aprendizagem, novas maneiras de lidar com suas dificuldades. Por outro lado, os
educadores envolvidos com os processos de ensino a distância têm que redobrar seus
cuidados com as linguagens, aprender a trabalhar com multimídia e equipamentos
especiais, maximizar o uso dos momentos presenciais, desenvolver melhor sua interlocução
via diferentes canais de comunicação, criando nova sensibilidade para perceber o
desenvolvimento dos alunos com quem mantêm interatividade por diferentes meios e
diferentes condições.
223
Nestas condições, algumas características devem ser garantidas nesse processo para que
uma boa qualidade formativa, que os alunos têm direito de usufruir em seus processos
educativos, esteja contemplada. Neste texto, tentarei apenas sintetizar algumas das
características e fatores que têm se evidenciado como propiciando um nível qualitativo de
alto diferencial para a formação a distância de professores.
Em processos acompanhados e avaliados por pesquisadores de diferentes instituições e
formação, verifica-se que é importante que programas de educação a distância, e de modo
muito especial aqueles que darão certificações ( Ensino Médio, graduação, etc.),
desenvolvam em seu início um trabalho interativo de esclarecimento sobre seus
pressupostos pedagógicos, seu eixo curricular, os conhecimentos que serão envolvidos e
porquê, sua estrutura de funcionamento, materiais e suportes a serem utilizados, e processos
de acompanhamento e avaliação. O programa não pode ser um salto no escuro para os
participantes. O trabalho interativo entre educadores e alunos, neste momento, que pode ou
não ser presencial, é vital para que os alunos avaliem suas possibilidades de envolvimento,
o esforço que deles será exigido, as condições de apoio com que contarão, o tipo de
material com que lidarão, as formas de avaliação. É um momento importante para elevar a
motivação, uma vez que os participantes estarão se envolvendo em um processo de
aprendizagem que será em grande parte solitário, em que pesem os recursos e momentos
interativos. Os participantes de programas a distância que recebem apenas um pacote
instrucional entendido como totalmente autodidático tendem a apresentar grandes
dificuldades de dominarem os conteúdos e a desistir do programa. Além disto, este tipo de
programa dificilmente poderia ser identificado como educacional, pois não é propiciado ao
aluno nessa metodologia condições de inserção consciente num processo, com visão de
totalidade, de metas, de processos envolvidos, de modo que ele possa fazer escolhas no
sentido de investir em seu próprio desenvolvimento, de se sentir verdadeiramente inserido
num processo educacional valorizado por ele. Estes pacotes instrucionais, em geral,
também não propiciam o desenvolvimento de algumas atividades coletivas, participação de
discussões, contatos, trocas, onde aspectos socializadores são desenvolvidos, e onde
valores, atitudes, formas de argumentação podem ser construídos e tomar sentido. Não
criam condições para a construção de um sentimento de pertencimento, de cooperação, de
partilha, de ser ajudado e de ajudar. Processos educacionais não se atêm apenas à instrução,
224
mas também criam oportunidades de desenvolvimento da comunicação, de valores sociais e
éticos, de formas de pensar. Programas de educação a distância precisam incorporar essas
qualidades sob pena de não serem educativos.
É mais rico o processo educativo a distância para formação de professores quando se adota
uma postura sobre a aquisição de conhecimentos, tratada e concebida como busca
permanente, como reflexão vinculada às práticas sociais e pedagógicas, constituindo-se pela
atividade das pessoas em seus contextos. Esta postura propicia uma articulação mais
adequada das diferentes áreas de conhecimento num processo de interdisciplinaridade e de
redes disciplinares.
Outro ponto a ressaltar diz respeito ao material didático e de apoio. Seu impacto sobre as
aprendizagens e a motivação dos participantes es vinculado a uma produção
extremamente cuidadosa, envolvendo um delicado trabalho com os conteúdos, com a
didática, com as linguagens das mídias, com a organização visual, com os processos
interativos (a distância ou em momentos presenciais). O material didático e de apoio para
educação a distância tem características bem diferentes do material usual para cursos
presenciais. Precisa, por exemplo, ser muito mais bem cuidado no sentido de ser ao
máximo auto-explicativo, oferecendo informações decodificáveis pelos participantes, sem
intérpretes, porém, criando ao mesmo tempo oportunidade de extrapolações, pesquisa,
reconstrução de fatos do conhecimento humano, situações-problema, etc. Não podem ser
materiais informativos simples, textos corridos. A par da informação básica necessária,
devem ocorrer problematizações sobre o tema tratado, instigando o participante a encontrar
caminhos que lhe permitam avançar no assunto, buscar informações e construir
conhecimento. Bem dosados quanto ao conteúdo, construídos com um bom planejamento
didático-pedagógico, utilizando-se de recursos diversos, utilizando soluções de linguagem ñ
visuais, auditivas ou gráficas ñ adequadas e atraentes, servem à criação de condições para
uma aprendizagem estimulante, um desenvolvimento mais integral do participante,
desenvolvimento de hábitos de estudo, crescente melhoria nas habilidades de leitura e
outras, e desenvolvimento de comportamentos de iniciativa, entre outros. Materiais
qualitativamente superiores incorporam aspectos heurísticos em sua concepção, sem
deixarem de ser acessíveis. Um desafio e tanto!
225
Sabemos que nos processos de educação a distância um dos grandes problemas é o
abandono dos estudos, em alto percentual, pelos participantes dos programas. Isto às vezes
vem associado à baixa qualidade dos materiais didáticos, mas verifica-se também que os
programas de educação a distância para professores, mostram-se mais adequados, inclusive
com baixa evasão, quando a implementação curricular é pensada intercalando momentos a
distância e atividades presenciais, com sistema bem estruturado de tutoria dos alunos e
apoio presencial e a distância de especialistas, tanto para os alunos, quanto para os tutores.
Contatos humanos mostram-se significantes. A ação sistemática, continuada e planejada de
um modo de tutoria mostra boa eficácia no atingimento das metas do programa pelos
participantes.
Outra característica com diferencial qualitativo para melhor está associada a processos
avaliativos, quando estes são variados em suas formas ( provas, trabalhos, memoriais,
elaboração de textos refletindo sobre suas práticas, elaboração de textos mais teóricos,
grupos de discussão, observação das práticas, etc.). E ainda, quando são bem programados e
os critérios de valoração dos diferentes meios avaliativos são claros e são utilizados como
meio constante na direção de ajudar o participante a avançar em seus estudos. A avaliação
em processo, integrada aos trabalhos educacionais do programa, dialogada, utilizada
pedagogicamente para a progressão dos participantes mostra-se como fator importante na
formação que se está construindo interativamente.
E está colocada uma das principais qualidades de programas de educação a distância: a
interatividade. Interatividade constante, continuada, atenciosa, cuidada. Ela deve ser
propiciada por diferentes meios no mesmo programa: momentos presenciais coletivos,
internet, telefone, videoconferências, telessalas, teleconferências, etc. Diálogo, trocas,
vivências, relatos: é o humano humanizando o tecnológico, pondo este ao serviço do
humano, e não vice-versa. Processos educacionais são processos de socialização, portanto,
a interatividade com participação igualitária é qualidade indispensável a qualquer programa
de educação a distância de professores, numa perspectiva de sociedade democrática. Eles
serão os profissionais mais diretamente envolvidos na preservação e possibilidade de
transformação qualitativamente superior de nossos processos civilizatórios: os formadores
226
das novas gerações de homens e mulheres. Esses programas também devem ser uma
resposta à questão: que civilização queremos?
Referências Bibliográficas:
Alves, N. Trajetórias e redes na formação de professores. Rio de Janeiro,DPA Editora,
1998.
óóóóóó . Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo, Cortez, 1992.
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São Paulo, PUC-SP, 2001.
Barreto, E.S.S. O programa Um Salto para o Futuro ñ Avaliação Externa. São Paulo, FCC,
1993.
Brzezinki, I. A formação do profissional da escola. In: Revista ANDE, São Paulo, Cortez,
v.13, n.20, p.21-9, 1994.
Cunha, M. I. O bom professor e sua prática. 2a.ed. Campinas, Papirus, 1992.
Gatti, B.A. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação.
2a. ed., Campinas, Autores Associados, 2000.
Ludke, M. Avaliação institucional: Formação de docentes para o ensino fundamental e
médio (As licenciaturas). Série Cadernos CRUB, v.1,n.4, Brasília, 1994.
227
Pimenta, S.G. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática. São Paulo,
Cortez, 1994.
Placco, V.N. Avaliação externa: Proformação ñ Pesquisa de opinião ñ Relatório Técnico,
São Paulo, PUC-SP, 2002.
UEMAT. Projeto de Formação em serviço e continuada para professores em exercício no
magistério: licenciaturas plenas parceladas. Cáceres, MT,1996.
UFMT/SEE/UEMAT. Licenciatura Plena em Educação Básica: 1™ a 4 série do
grau. mimeo., 1995.
Unesp. Textos Geradores e Resumos. IV Congresso Estadual Paulista sobre Formação de
Educadores, Águas de São Pedro, 1996.
USP. Fórum das Licenciaturas. São Paulo, 1992, v. 1, 2 e 3.
NOTAS:
* Fundação Carlos Chagas/PUC-SP.
José Manuel Moran *
228
O que é um bom curso a distância?
Quando olhamos para nossa experiência em sala de aula, um bom curso é aquele que nos
empolga, que nos surpreende, que nos faz pensar, que nos envolve ativamente, que traz
contribuições significativas e que nos põe em contato com pessoas, experiências e idéias
interessantes. Às vezes, um curso promete muito, tem tudo para dar certo e nada acontece.
Em contraposição, outro que parecia servir só para preencher uma lacuna, torna-se decisivo.
Um curso considerado "bom" depende de um conjunto de fatores previsíveis e de uma
"química", ou seja, de uma forma de juntar os ingredientes de um modo especial, que faz a
diferença.
No fundamental, tanto um curso presencial, quanto um curso a distância de qualidade
possuem os mesmos ingredientes:
- Ambos dependem, em primeiro lugar, de termos educadores maduros,
intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que
saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em
contato, porque vamos sair enriquecidos. O grande educador atrai não
pelas suas idéias, mas pelo contato pessoal. sempre algo surpreendente,
diferente no que diz, nas relações que estabelece, na sua forma de olhar, na
forma de comunicar-se, de agir.
- Ambos dependem, também, dos alunos. Alunos curiosos e motivados
facilitam enormemente o processo, estimulam as melhores qualidades do
professor, tornam-se interlocutores cidos e parceiros de caminhada do
professor-educador.
- Para termos cursos presenciais ou a distância de boa qualidade é necessário
termos administradores, diretores e coordenadores mais abertos, que
entendam todas as dimensões que estão envolvidas no processo pedagógico,
além das empresariais ligadas ao lucro; que apóiem os professores
229
inovadores, que equilibrem o gerenciamento empresarial, tecnológico e o
humano, contribuindo para que haja um ambiente de maior inovação,
intercâmbio e comunicação.
- Um bom curso ñ presencial ou a distância ñ depende, finalmente, de
ambientes ricos de aprendizagem, de ter uma boa infra-estrutura física: salas,
tecnologias, bibliotecas... A aprendizagem não se faz só na sala de aula, mas
nos inúmeros espaços de encontro, de pesquisa e produção que as grandes
instituições propiciam aos seus professores e alunos.
Em educação a distância um dos grandes problemas é o ambiente, ainda reduzido a um
lugar onde se procuram textos, conteúdos. Um bom curso é mais do que conteúdo, é
pesquisa, troca, produção conjunta. Para suprir a menor disponibilidade ao vivo do
professor, é importante ter materiais mais elaborados, mais auto-explicativos, com mais
desdobramentos (links, textos de apoio, glossário, atividades...). Isso implica montar uma
equipe interdisciplinar, com pessoas da área técnica e pedagógica, que saibam trabalhar
juntas, cumprir prazos, dar contribuições significativas.
Um curso de qualidade depende muito da possibilidade de uma boa interação entre os seus
participantes, do estabelecimento de vínculos, de fomentar ações de intercâmbio. Quanto
mais interação, mais horas de atendimento são necessárias. Uma interação efetiva precisa
de ter monitores capacitados, com um número equilibrado de alunos. Em educação a
distância não se pode "passar" uma aula pela TV ou disponibilizá-la num site na Internet
e dar alguns exercícios.
Um bom curso de educação a distância procura ter um planejamento bem elaborado, mas
sem rigidez excessiva. Permite menos improvisações do que uma aula presencial, mas
também deve evitar a execução totalmente hermética, sem possibilidade de mudanças, sem
prever a interação dos alunos. Precisamos aprender a equilibrar o planejamento e a
flexibilidade (que es ligada ao conceito de liberdade, de criatividade). Nem planejamento
fechado, nem criatividade desorganizada, que vira só improvisação.
Avançaremos mais se soubermos adaptar os programas previstos às necessidades dos
alunos, criando conexões com o cotidiano, com o inesperado, se conseguirmos transformar
230
o curso em uma comunidade viva de investigação, com atividades de pesquisa e de
comunicação.
Com a flexibilidade, procuramos adaptar-nos às diferenças individuais, respeitar os
diversos ritmos de aprendizagem, integrar as diferenças locais e os contextos culturais. Com
a organização, buscamos gerenciar as divergências, os tempos, os conteúdos, os custos,
estabelecemos os parâmetros fundamentais.
Um bom curso a distância não valoriza os materiais feitos com antecedência, mas como
eles são pesquisados, trabalhados, apropriados, avaliados. Traça linhas de ação pedagógica
maiores (gerais) que norteiam as ações individuais, sem sufocá-las. Respeita os estilos de
aprendizagem e as diferenças de estilo de professores e alunos. Personaliza os processos de
ensino-aprendizagem, sem descuidar o coletivo. Permite que cada professor, monitor,
encontre seu estilo pessoal de dar aula, onde ele se sinta confortável e consiga realizar
melhor os objetivos, com avaliação contínua, aberta e coerente.
Um curso presencial ou um curso a distância que sejam eficientes e produtivos certamente
sempre serão dispendiosos, porque envolvem a necessidade de qualidade pedagógica e
tecnológica. E a qualidade não se improvisa. Ela tem um alto custo, direto ou indireto. Mas
vale a pena. Só assim podemos avançar de verdade.
Um bom curso é aquele que nos entristece quando está terminando e nos motiva para
encontrarmos formas de manter os vínculos criados. É aquele que termina academicamente,
mas continua na lista de discussão, com trocas posteriores, os colegas se ajudam, enviam
novos materiais, informações, apoios. É aquele que guardamos no coração e na nossa
memória, como um tesouro precioso. Professores e alunos, todos precisamos estarmos
atentos para valorizar as oportunidades que vamos tendo de participar de experiências
significativas de ensino/aprendizagem presenciais e virtuais. Elas nos mostram que estamos
no caminho certo e contribuem para nossa maior realização profissional e pessoal.
Bibliografia:
MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos & BEHRENS, Marilda. Novas tecnologias e
mediação pedagógica. 3a edição. Campinas: Papirus, 2001.
www.eca.usp.br/prof/moran
NOTAS:
* Professor da PUC-SP. Assessor do MEC para avaliação de cursos a distância.
231
Alvana Maria Bof *
Gestão de Sistemas de Educação a Distância
Introdução
Cada vez mais, torna-se evidente a importância da gestão em programas educacionais.
Idéias boas podem se perder ou resultar em programas pobres e ineficazes, quando não se
dá a devida atenção a este requisito.
No caso da educação a distância, isso não é diferente. Sistemas de EAD são complexos e
exigem uma gestão eficiente para que os resultados educacionais possam ser alcançados.
Uma vez definidos os objetivos educacionais, o desenho instrucional, etapas e atividades,
os mecanismos de apoio à aprendizagem, as tecnologias a serem utilizadas, a avaliação, os
procedimentos formais acadêmicos e o funcionamento do sistema como um todo, é
fundamental que se estabeleçam as estratégias e mecanismos pelos quais se pode assegurar
que esse sistema vá efetivamente funcionar conforme o previsto.
Este trabalho visa apresentar e discutir aspectos relacionados à gestão de sistemas de EAD,
considerando a gestão como um fator-chave para assegurar a qualidade e o sucesso de
programas e cursos nessa modalidade. Apresentam-se, primeiramente algumas
características de sistemas de EAD, passando, em seguida, para aspectos relacionados à
gestão dos mesmos.
232
Espera-se, com essa análise, contribuir com o debate em torno da viabilidade e qualidade de
sistemas de EAD, bem como oferecer alguns subsídios aos que estão envolvidos no
planejamento ou implementação desta modalidade de ensino.
Sistemas de Educação a Distância
Um primeiro aspecto a ser colocado na discussão sobre a gestão de sistemas de EAD se
refere à natureza dos sistemas de EAD. Ao contrário do que muitos pensam, trata-se de um
sistema complexo, que exige da instituição que o promove não uma infra-estrutura
adequada, mas a definição e operacionalização de todos os processos que permitem o
alcance dos objetivos educacionais propostos.
Os bons sistemas de EAD são compostos por uma série de componentes que devem
funcionar integrados. Trata-se da formalização de uma estrutura operacional que envolve
desde o desenvolvimento da concepção do curso, a produção dos materiais didáticos ou
fontes de informação e a definição do sistema de avaliação, até estabelecimentos dos
mecanismos operacionais de distribuição de matérias, disponibilização de serviços de apoio
à aprendizagem e o estabelecimento de procedimentos acadêmicos.
Obviamente, dependendo da instituição, da abrangência de sua área de atuação, dos
objetivos educacionais propostos, da natureza dos cursos oferecidos, esta estrutura pode
ser mais ou menos complexa.
De um modo geral, pode-se dizer que sistemas de EAD apresentam:
1. Estrutura/mecanismos de planejamento e preparação/disponibilização de materiais
instrucionais ( sejam eles escritos, audiovisuais, ou on-line);
2. Estrutura/mecanismos para a provisão de serviços de apoio à aprendizagem aos cursistas
(Tutoria, serviços de comunicação, momentos presencias);
233
3. Serviços de Comunicação que possibilitam o acesso do cursista às informações
necessárias ao desenvolvimento de suas atividades no curso;
4. Sistemática de avaliação definida e operacional;
5. Estrutura física, tecnológica e de pessoal compatível com a abrangência da atuação da
instituição e o tipo de desenho instrucional dos cursos oferecidos;
6. Estrutura e mecanismos de monitoramento e avaliação do sistema.
Vejamos o exemplo de sistemas de EAD nas Universidades Abertas, como as da Inglaterra
e da Espanha. Estas instituições, que são na verdade universidades que funcionam a
distância, possuem toda uma estrutura que lhes garante o funcionamento sistemático.
Possuem equipes que elaboram os materiais didáticos, mecanismos para que os alunos os
recebam, uma equipe de tutoria que atua no acompanhamento do trabalho dos alunos, um
sistema formalizado de avaliação, serviços de comunicação, uma infra-estrutura física,
tecnológica e de pessoal central e também organizada em centros regionais, secretarias e
mecanismos institucionalizados para os serviços acadêmicos, mecanismos de
monitoramento e avaliação dos serviços prestados, enfim, constituem sistemas completos.
Outro exemplo é o do Proformação, um curso em vel médio com a habilitação no
Magistério que oferece a formação a distância para aproximadamente 25.000 professores,
promovido, em parceria, pelo Ministério da Educação, os estados e municípios. O
Proformação não é desenvolvido por uma instituição, mas sim por um conjunto de atores:
houve uma equipe que elaborou a proposta do curso e produziu os materiais, uma equipe
que é responsável por todo o processo de implementação, incluindo a definição da
estratégia de implementação e sistema operacional, monitoramento e avaliação, e foi
estabelecida uma estrutura operacional que viabiliza a consecução do curso.
234
Nessa estrutura, os cursistas têm o apoio dos tutores e das Agências Formadoras (AGF); as
AGF são apoiadas pelas equipes estaduais de gerenciamento e assessores técnicos, e as
equipes estaduais contam com o apoio da Coordenação Nacional. Formou-se, assim, um
sistema ou uma rede de formação que permite que o curso se desenvolva e atinja seus
objetivos educacionais.
Assim como os sistemas apresentados, existem outros, como os que se organizam nas
instituições chamadas duais, ou seja, universidades que oferecem cursos presenciais e
também a distância. De qualquer forma, os elementos apresentados devem estar
formalizados.
A Gestão de Sistemas de Educação a Distância
Quando falamos em gestão, estamos falando da maneira como se organizam e gerenciam as
partes que compõem um sistema, com vistas ao alcance dos objetivos propostos. Por
exemplo, quando falamos em gestão escolar, estamos falando de como a escola organiza
sua estrutura, sua proposta pedagógica, seus serviços, seu pessoal, etc. para que a
aprendizagem do aluno ocorra com qualidade, de acordo com sua proposta educacional.
No caso da Educação a Distância não é diferente. A gestão é importantíssima, uma vez que
é ela que garante o perfeito funcionamento do sistema e, conseqüentemente, sua qualidade,
eficiência e eficácia.
Para fins de ilustração, podemos separar a gestão de sistemas de EAD em dois grupos: a)
gestão pedagógica e b) gestão de sistema.
a) Gestão pedagógica
Na gestão pedagógica, encontra-se o gerenciamento das etapas e atividades do curso, bem
como do sistema de apoio à aprendizagem e à avaliação. É preciso que as etapas e
235
atividades estejam claramente definidas e que tudo seja planejado e coordenado de tal
maneira que elas ocorram eficientemente, da maneira programada e no tempo previsto.
Também é preciso que, qualquer que seja o sistema de apoio à aprendizagem do aluno
previsto no sistema, este funcione eficientemente. Assim, se o sistema estabelece uma
Tutoria para o acompanhamento dos alunos, esta deve estar claramente definida, com as
funções e as atividades do tutor estabelecidas e todos os procedimentos para o exercício
desta função formalizados. Mais do que isso, é preciso estabelecer mecanismos gerenciais
para o acompanhamento do trabalho dos Tutores.
Se o sistema estabelece um sistema de comunicação, é preciso garantir que ele efetivamente
esteja servindo ao seu objetivo: possibilitar a comunicação efetiva entre os participantes.
Se, de um lado, temos que garantir a possibilidade real do aluno se comunicar com uma
instância do sistema para obter informações ou esclarecer dúvidas, por outro, é preciso
garantir que, da parte da instituição, haja um atendimento eficiente, com respostas precisas
e em tempo hábil.
No Proformação, por exemplo, foi criada toda uma rede de tutores, articulados com as
AGF, e estabelecidos plantões pedagógicos (telefônicos e presenciais) nas AGF para que
este apoio à aprendizagem pudesse ocorrer. Todos esses elementos tiveram suas funções,
bem como seus mecanismos de atuação definidos. Mais do que saber o que fazer, é preciso
que todos os elementos do sistema saibam "como fazer", quais os procedimentos a serem
empregados no desenvolvimento de suas atividades.
Para uma boa gestão pedagógica é preciso ainda que o sistema de avaliação esteja
claramente definido e seja conhecido por todos. Assim, além de determinar qual a
sistemática de avaliação formativa/somativa adotada na proposta pedagógica, é preciso que
se definam indicadores e instrumentos que possibilitem o desenvolvimento desta avaliação
na prática, e quem serão os agentes encarregados desse processo.
236
Assim, em sua gestão, todo sistema de EAD deve prever a definição, a estruturação, o
funcionamento sistemático de tudo aquilo que compõe a proposta pedagógica desse
sistema, bem como prever, como veremos a seguir, a preparação, o acompanhamento, o
monitoramento e a avaliação das equipes para assegurar o bom funcionamento do mesmo.
b) Gestão de sistema
Na gestão de sistema, podemos situar todas as outras necessidades de gerenciamento: de
recursos financeiros, de pessoal, de treinamentos, de produção e distribuição de materiais,
da tecnologia empregada, dos processos acadêmicos, do monitoramento e avaliação. Trata-
se do gerenciamento de processos que são inerentes ao funcionamento eficiente do sistema.
Normalmente, os sistemas envolvem o gerenciamento dos recursos financeiros disponíveis
(que são finitos) e a prestação de contas às entidades ou órgãos associados a eles. Um
sistema de EAD exige recursos e estes devem ser gerenciados de modo a garantir a
eficiência e eficácia do mesmo.
Do mesmo modo, os sistemas envolvem um quadro de pessoal e, dependendo de sua
estrutura, a capacitação técnica específica desse quadro e /ou treinamentos sistemáticos.
Como salientamos, todos os envolvidos devem saber claramente "o que fazer" e "como
fazer". Por outro lado, a boa gestão acompanha o trabalho dos envolvidos para identificar
pontos que ainda não foram bem compreendidos e que devem ser reforçados.
A gestão deve preocupar-se, ainda, com a preparação de bons materiais instrucionais e o
funcionamento das tecnologias empregadas. Se, por exemplo, optou-se pela utilização de
materiais impressos, toda uma organização necessária para a definição de tais materiais,
das pessoas ou equipes que trabalharão nesta elaboração, dos prazos para elaboração,
produção e distribuição dos mesmos.
237
Se, por outro lado, optou-se por tutoria "on line" , deve-se assegurar que a rede de
computadores esteja disponível e em funcionamento, mantendo um sistema de manutenção
constante.
Além disso, como ocorre nos sistemas de educação presencial, cursos a distância
geralmente demandam mecanismos especiais ligados ao registro da vida acadêmica do
aluno. Isso pode incluir desde o modo como o aluno se inscreve nos cursos oferecidos e o
registro de sua efetiva participação, até a avaliação e certificação.
Finalmente, não podemos deixar de salientar a necessidade que todo sistema tem de
estabelecer e operar uma sistemática contínua de monitoramento e avaliação. Somente
estabelecendo mecanismos para obter dados e acompanhar o funcionamento do sistema,
tanto no que se refere ao alcance dos objetivos propostos, quanto no desenvolvimento dos
processos, é que o gestor pode buscar o aperfeiçoamento do sistema. Lembremos sempre
que estamos falando de sistemas complexos, que envolvem uma série de partes que devem
funcionar articuladamente. No momento que uma dessas partes apresenta problemas, o todo
pode ser comprometido. Assim, melhor estabelecer, desde o início, alguns mecanismos que
possibilitem a identificação de problemas, de modo que estratégias possam ser definidas
para a sua imediata resolução.
Considerações Finais
Percebe-se, assim, que muitas variáveis envolvidas num sistema de EAD e que sua
complexidade não deve ser subestimada. Necessita-se, sim, pensar em todas essas
variáveis, estabelecer mecanismos que permitam o gerenciamento das mesmas e a
efetividade nos processos, sempre com vistas à concretização dos objetivos educacionais
traçados.
Torna-se bastante claro, também, que não basta o desenvolvimento de uma boa proposta
pedagógica ou a produção de bons materiais instrucionais para garantir o sucesso de um
238
curso ou Programa de EAD. Embora essas condições sejam absolutamente necessárias ao
desenvolvimento de um programa ou curso, não são suficientes para propiciar que o aluno
possa se engajar num processo de aprendizagem efetivo. A formalização de estruturas,
mecanismos e procedimentos que viabilizem tanto a gestão pedagógica quanto a gestão de
sistema são fundamentais à qualidade e sucesso de qualquer sistema de EAD.
NOTAS:
* Coordenadora Nacional do Proformação/Secretaria de Educação a Distância - Ministério
da Educação.
Consultora dessa série.
Maria Umbelina Caiafa Salgado 1
239
Materiais escritos nos processos formativos a distância
Nos últimos anos, vem crescendo o reconhecimento da importância da EAD como
alternativa para a formação de professores e outros profissionais. A própria Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) incentiva esse tipo de estratégia, e a recente abertura
trazida pela Portaria Ministerial n° 2.253 de 18/10/01 estimulou a apresentação de inúmeros
projetos por diferentes Instituições de Ensino Superior e outros órgãos como Secretarias de
Educação e o próprio MEC.
Nesse contexto, é importante atentar para alguns pontos que, se não forem adequadamente
tratados, poderão resultar em problemas, dificuldades e mesmo no insucesso de um
programa de EAD. Um desses pontos é o material instrucional que, sob a forma de textos
impressos, vídeos, programas de TV ou de rádio, CD rom, hipertextos etc. , pode ser
veiculado por diferentes meios, para chegar ao aluno: correios, fax, telefone, rádio,
televisão, internet.
Algumas vezes se ouve dizer que um curso a distância, para ser atual, deve ser veiculado
por TV, internet ou ambas. Esse é um equívoco que deve ser esclarecido. Nenhum meio
para chegar ao aluno é desprezível, todos têm suas vantagens e limitações, sendo, muitas
vezes, aconselhável combinar vários deles, de acordo com alguns critérios que permitem
julgar sua adequação às condições da população que se quer atingir e aos objetivos visados.
Esses critérios são a sincronia/assincronia de recepção, a disponibilidade de acesso pela
população envolvida, a organização possível da recepção na situação considerada; a
existência de um esquema eficiente e rápido de manutenção dos equipamentos e o custo.
Não se trata aqui de discutir tais critérios, bastando dizer que o material impresso, enviado
pelo correio ou distribuído de outra forma, apresenta muitas vantagens: permite utilização
síncrona ou assíncrona (ou seja, permite trabalhar simultaneamente com grupos de alunos
ou com cada aluno em tempos distintos), é facilmente acessível às diferentes regiões do
país, independentemente da existência de provedores, energia elétrica, telessalas ou
esquemas de manutenção. Seu custo é relativamente baixo e tende a pesar menos no
conjunto do curso, na proporção em que cresce o número de alunos.
Além disso, o material impresso é um complemento importante de outros, tais como os
vídeos e os programas de TV. Mesmo no caso de cursos pela Internet, a observação tem
mostrado que os alunos tendem a imprimir qualquer texto que ultrapasse quatro ou cinco
240
páginas. Podemos, assim, concluir que os materiais impressos têm um lugar próprio,
quando se trata da educação a distância.
Contudo, tem sido comum encontrarmos instituições e profissionais que julgam possível
utilizar textos tradicionais na EAD, apenas mudando o meio de apresentação ao aluno ou
acrescentando algumas atividades soltas, ao final. É preciso notar que um bom material
para educação a distância tem características específicas, decorrentes das peculiaridades do
processo de ensino e aprendizagem mediado por qualquer tipo de dispositivo que substitua
a interação face a face.
Assim, para compreender os requisitos de um bom material impresso para EAD, é
necessário partir da análise do processo de ensino e aprendizagem tal como ele ocorre, na
educação presencial, em que o calor humano e a possibilidade de observação direta
facilitam:
a sensibilização dos alunos para o que vai ser ensinado/aprendido;
a apresentação do conteúdo e sua organização lógica;
a percepção imediata pelo professor de qualquer problema quanto à
compreensão do que está sendo focalizado;
a correção pronta de enganos e erros;
a informação ao aluno sobre seus acertos e dificuldades;
a proposição de atividades complementares ou de reforço.
Além disso, devemos notar que, na educação presencial, o aluno permanece na escola por
um tempo bastante longo e contínuo, entrando em contato com os elementos da cultura
escolar que constituem o currículo oculto.
Na educação a distância, as ações acima não ficam automaticamente garantidas, o tempo do
aluno é geralmente parcelado, e a cultura da escola não é diretamente acessível, devendo
241
haver cuidados especiais para incorporar esses elementos ao processo de ensino e
aprendizagem o que, em grande parte, se faz por meio dos materiais instrucionais, com
estratégias variáveis, segundo o tipo de mídia envolvida. Na televisão e na internet, a
imagem e o movimento favorecem aspectos como a visualização de processos e seqüências,
o desenvolvimento de aspectos afetivos e sociais. no material impresso, o uso de signos
não verbais é restrito, e a imagem desempenha um papel complementar ao texto.
Entretanto, esse material permite o aprofundamento do raciocínio e cria boas oportunidades
para o desenvolvimento da capacidade de produção de textos pelo aluno.
A partir dessas considerações, podemos analisar as características de um bom material
impresso para EAD, partindo da idéia geral de que ele deve suprir a ausência do professor,
possibilitando uma adequada interação do aluno com o conhecimento. Os textos didáticos
ou acadêmicos tradicionais, mesmo quando são de boa qualidade, adotam geralmente um
estilo expositivo, impessoal, mantendo oculta sua estrutura lógica e organizando o conteúdo
em grandes blocos ou capítulos. As atividades de estudo, quando existem, ficam no final do
capítulo. A avaliação fica transferida para uma prova posterior. Nesse contexto, não se
estimula diretamente a aprendizagem ativa e auto-dirigida e não se oferecem ao aluno as
informações sobre seu desempenho necessárias para a auto-avaliação e o redirecionamento
de esforços. O suposto é que tudo isso seja suprido pelo professor na interação face a face
com os alunos.
No material impresso especificamente destinado à educação a distância, é fundamental que
se consiga estabelecer uma comunicação de mão dupla. Para isso, o estilo do texto deve ser
dialógico e amigável: o autor tem de "conversar" com o aluno, criar espaços para que ele
expresse de sua própria maneira o que leu, reflita sobre as informações patentes no texto e
as das entrelinhas, exercite a operacionalização e o uso dos conceitos e das relações
aprendidas e avalie a cada momento como está seu desempenho. Isso significa dar ênfase
mais à aprendizagem do que ao ensino, buscando desenvolver um aprendiz ativo e seguro
em relação ao caminho percorrido.
Entretanto, é preciso alertar para o fato de que um material impresso, por ser dialógico, não
deixa de utilizar a modalidade escrita da língua. Muitas vezes a preocupação com a
dialogicidade leva a uma super-exploração de processos indutivos, resultando em textos
confusos e repetitivos, com excesso vocativos e construções próprias da modalidade oral da
língua, o que certamente prejudica a compreensão do leitor.
242
O material para ensino a distância pode adotar um estilo mais coloquial, mas deve ser claro
e enxuto, tomando-se grande cuidado para apresentar as informações de modo controlado,
articulando-as com atividades e exercícios que devem permear o texto e não ficar soltos no
final. É necessário incluir casos e exemplos do cotidiano, de maneira a mobilizar os
conhecimentos prévios dos alunos e facilitar a incorporação das novas informações aos
esquemas mentais preexistentes. As atividades de estudo, bem como os casos e exemplos,
devem integrar organicamente o texto, funcionando como recursos de tessitura e não como
apêndices dispensáveis. Isso significa que o aluno é levado a raciocinar e refletir com base
nos exemplos, casos e atividades de estudo, de tal maneira que esses elementos se tornam
essenciais para a compreensão do texto.
Contudo, a clareza e a concisão de um material para educação a distância dependem
fundamentalmente de um bom projeto pedagógico para o curso considerado. É
indispensável que se tenha uma clara visão do profissional ou cidadão que se deseja formar,
das competências básicas que se deseja alcançar para que se possa formular claramente os
objetivos desejados, expressando-os como conhecimentos ou desempenhos dos alunos. O
tratamento adequado dos objetivos é que garante a qualidade do material, oferecendo
critérios seguros para a seleção e organização dos conteúdos socialmente relevantes e
atualizados, a elaboração das atividades de estudo e a construção das atividades de
verificação da aprendizagem. Quando bem elaboradas e vinculadas aos objetivos, essas
atividades oferecem ao aluno um feedback constante do seu desempenho, indicando-lhe os
pontos que necessitam de maior atenção, de esforço e de estudo.
Com base nessas considerações, podemos esquematizar em linhas gerais a estrutura de um
texto para educação a distância, ressaltando, contudo, que se trata de uma possibilidade
entre outras. Desde que se atenda aos requisitos essenciais, os elementos da estrutura
podem variar infinitamente, mas é importante que os textos impressos para educação a
distância contenham:
uma introdução que apresente o tema a ser tratado, explicitando-o e
delimitando-o com clareza; procurando sensibilizar o cursista para a
relevância do assunto tratado; situando-o no conjunto do curso
(relação com outras unidades e com outros componentes
curriculares); anunciando a organização do texto;
243
dois a três objetivos específicos, selecionados a partir das
competências que compõem o perfil de saída do curso e formulados
na perspectiva do cursista, ou seja, focalizando conhecimentos e
desempenhos resultantes da aprendizagem, que podem referir-se a
processos ou a produtos;
um corpo de texto organizado de modo a deixar claramente explícita
a estrutura lógica subjacente, com seções vinculadas a objetivos
específicos, bem seqüenciadas, mas razoavelmente autônomas, de
modo que possam ser estudadas em momentos diferentes;
um fechamento do tema, retomando a questão inicial e destacando
conclusões importantes.
Para desenvolver um bom texto para EAD é aconselhável:
explicitar com clareza o objetivo de cada seção, bem como os temas
e subtemas que serão tratados, e explorar cada subtema, clarificando
conceitos difíceis, apresentando exemplos, comentando aspectos
polêmicos, destacando pontos-chave;
partir de um caso, problema, ou atividade relacionada ao cotidiano
do cursista; utilizar diferentes tipos de atividades para mobilizar
conhecimentos prévios; promover a recuperação de informações ou
de experiências; inserir atividades de estudo destinadas a auxiliar a
compreensão do tema e subtemas, e atividades práticas e de auto-
avaliação, propondo questões com o mesmo formato que será
utilizado nas provas presenciais;
244
estabelecer ligação clara entre as diferentes seções, fornecendo
sínteses parciais e pontos importantes a serem sublinhados;
incluir bibliografia, de preferência comentada, para orientar o
aprofundamento de estudos;
usar recursos gráficos (cor, fonte, ícones) para aumentar a
interatividade do material e dar maior visibilidade a: pontos-chave;
citações e indicações de outras fontes; exemplos e casos; resultados
de pesquisas; dados numéricos; reflexões; pontos polêmicos;
detalhamento de aspectos específicos.
Esse tipo de material exige alguns cuidados na preparação do respectivo processo de
produção, que se configura como um trabalho de equipe, no qual colaboram especialistas
em: conteúdos dos componentes curriculares; organização de materiais didáticos; revisores
de Língua Portuguesa; e programadores visuais.
A articulação entre essas diferentes categorias de profissionais é fundamental para o bom
resultado do trabalho. É necessário, inicialmente, organizar um processo de treinamento em
redação de materiais para EAD, principalmente quando se trata de especialistas sem
experiência nesse tipo de trabalho. Mesmo quando são experientes, uma reunião inicial de
planejamento ajuda a direcionar adequadamente os textos. Cada material deve ser objeto de
três tipos de avaliação, considerando: 1) adequação ao projeto pedagógico do curso e ao
formato para EAD; 2) correção, relevância e atualização dos conteúdos; 3) sintonia com a
população-alvo. Assim, é aconselhável que os materiais sejam avaliados por meio de:
especialistas em elaboração de material para educação a distância; pareceristas externos; e
pré-teste com uma amostra de usuários que apresentem características semelhantes às da
população-alvo.
Além de passar por esses crivos, os textos para EAD devem ser objeto de cuidadosa
diagramação que, em muitos casos, tem de ser feita ainda durante o processo de avaliação
dos conteúdos e do formato, uma vez que exerce grande influência na interatividade do
material. De qualquer maneira, os autores devem acompanhar e aprovar todo o
desenvolvimento do projeto gráfico e da ilustração.
245
Com esses cuidados, o material impresso revela-se uma importante ferramenta que, em
muitos casos, ainda representa o principal meio para atingir o aluno situado em regiões
isoladas e sem acesso a recursos mais sofisticados, e que, certamente, não deixou de ser um
indispensável apoio ao uso de meios como a TV e a Internet.
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NOTAS:
1 Coordenadora Pedagógica do VEREDAS Formação Superior de Professores Curso
Normal Superior da SEE MG e consórcio de 18 IES (2001/2002). Assessora Pedagógica
do GESTAR Programa Gestão da Aprendizagem Escolar MEC/FUNDESCOLA e
IQE (Instituto Qualidade no Ensino) 2000/2002. Coordenadora Pedagógica da equipe de
elaboração do material instrucional do PROFORMAÇÃO - Programa de Formação de
Professores em Exercício - MEC/SEED/FUNDESCOLA (1998/2000).
247
Leda Maria Rangearo Fiorentini *
Materiais escritos nos processos formativos a distância
Neste texto procuramos discutir as possibilidades de interferência nas estratégias de
organização, análise e compreensão de textos escritos a partir do aproveitamento de suas
características expressivas e da organização das mensagens. Procuramos também clarificar
o papel ativo do sujeito aprendiz e a conseqüente responsabilidade docente sobre a
aprendizagem de estratégias cognitivas e metacognitivas que favorecem a compreensão e a
aquisição de conhecimentos a partir de textos e que requerem ação consciente, crítica e
teleologicamente orientada.
Todos observamos o modo como as tecnologias vêm afetando a produção, a energia, as
comunicações, o comércio, o transporte, o trabalho, a família, assim como nossa maneira de
viver, de trabalhar, de aprender, de comunicar-nos, de sistematizar o que conhecemos, e
todas as atividades relacionadas com a educação e a formação (Unesco,1998). Nesse
contexto ressalta o fato de que a informação não é estática e está acessível em múltiplos
lugares (open learning) e até mesmo de forma gratuita, obtida por meio de enlaces virtuais
(hiperlinks), além de estar organizada de múltiplas formas: escrita, gráfica, audiovisual, o
que requer novos perfís pessoais e profissionais, num processo contínuo de aprendizagem
ao longo da vida (lifelong learning), provocando um desafio constante e crescente aos
educadores e aos sistemas formativos.
248
As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) introduziram importantes
possibilidades de interação, intercâmbio de idéias e materiais, entre alunos e professores,
dos alunos entre si, e dos professores entre si, o que favorece a formação de comunidades
cooperativas de aprendizagem, presenciais ou virtuais, que influem sobre o aprender.
Que podemos aprender/ensinar?
Essa maneira de conceber a prática social nos obriga a incluir nos temas de estudo, nos
processos de trabalho, na estrutura de apoio pedagógico e nos materiais usados para
aprender, algumas dimensões importantes, como nossas "inteligências múltiplas" (Lévy,
1993) e distintos "saberes" (Morin, 1999): o saber (enquanto conhecimento dos fatos,
conceitos, teorias, princípios, fundamentos, nomenclaturas, personagens, etc.), o saber
fazer (como nível procedimental relativo à construção do conhecimento e ao domínio de
habilidades e destrezas), o ser (como ação propriamente dita, que inclui atitudes, valores,
acepções), o saber ser (que se configura como nível de práxis) e o saber fazer junto (que se
organiza em termos da construção do conhecimento por meio de interações cooperativas e
colaborativas com outros atores sociais).
Na sociedade do conhecimento e da aprendizagem nada mais significativo que trabalhar
com problemas reais, adotar posições variadas de interpretação, estimular a vivência de
múltiplos papéis em contextos realistas, articular o conhecimento declarativo,
procedimental, atitudinal, fomentar múltiplas formas de representação dos conhecimentos, a
consciência do processo de aprendizagem [metacognição]. Podemos estimular a busca de
soluções em grupo, por meio de diálogo entre alunos e professores e do estudo sistemático,
promover o desenvolvimento de habilidades e destrezas cognitivas complexas, como as de
projetar, avaliar, analisar, sintetizar, investir nos processos de memória [armazenamento e
recuperação de experiências e informações] que subsidiam a aprendizagem, ao invés de
estimular a memorização vazia. Desenvolver flexibilidade cognitiva1 na aprendizagem
favorece o pensamento crítico e a metacognição, explorando-se a capacidade espontânea de
reestruturar o próprio conhecimento diante de situações em constante mudança, pela forma
249
de representar o conhecimento ou pelos processos mentais que nela operam, facilitando a
participação social e a inserção profissional.
O que cabe ao professor autor de materiais didáticos?
Decidir como interligar as perspectivas do sujeito aprendiz, da sociedade e a sua própria, no
sentido de que as experiências educativas por ele organizadas possam ser significativas e
relevantes para os aprendizes.
Aproveitar as contribuições científicas sobre o desenvolvimento humano, o ensino, a
aprendizagem, que têm evidenciado a presença de estruturas básicas no ato de aprender, das
quais destacamos duas, a incorporar nos processos e materiais de aprendizagem: a estrutura
cognitiva da tarefa a realizar e a estrutura social de participação, nas quais são claramente
especificados os modos de atuar recomendados, incentivados, reprimidos e ou passíveis de
extinção ["as regras do jogo"; "o caminho das pedras"].
E estar consciente de que, subjacente a elas, se desenvolve uma prática social implícita ou
oculta, tão ou mais forte que a curricularmente prevista, pela poderosa influência
pedagógica que o vivenciar repetido de determinadas formas de relacionamento entre
estudantes, destes com seus professores, exerce sobre as relações com os conhecimentos, o
contexto sociocultural, a transmissão do patrimônio cultural e científico da humanidade e a
construção, sistematização, ressignificação desse mesmo conhecimento por meio de
diversas linguagens, meios de comunicação e ambientes tecnológicos.
É relevante e significativo que as informações e os materiais de estudo sejam usados de
modo intencional e orientado de acordo com os propósitos e metas educativas nas
atividades de ensino-aprendizagem, pois não possuem um valor de per si. Sua possível
relevância e significação apresentam-se em função dos propósitos (intencionalidade), das
concepções norteadoras das ações e da influência que possam exercer para lograr a
250
aprendizagem pretendida, na medida em que mediam os sujeitos (professor-alunos-
comunidade) e o conhecimento, organizando-se num dado contexto.
Como promover a compreensão de textos?
Partindo do fato de que a leitura, em particular de textos escritos, não somente tem sido
meio de entretenimento mas magnífica ferramenta de transmissão de informações,
construção de conhecimentos e de cultura, os professores autores precisam preocupar-se
com a melhora das habilidades para compreender, reter e recuperar a informação contida
nos textos concomitantemente à sua elaboração.
Sabemos que o leitor de um texto elabora uma representação de seu significado articulando
seus conhecimentos prévios, a familiaridade com padrões organizativos de textos, além das
características do texto em si, do que nele se descreve e de suas possíveis relações com o
mundo e circunstância de quem o lê/estuda. A compreensão de um discurso (texto escrito)
pressupõe a transformação de símbolos lingüísticos, icônicos, pictóricos em mentais, num
percurso que vai da linguagem ao pensamento, numa evidência da enorme relevância dos
meios de comunicação e da organização de um texto sobre a aprendizagem do sujeito que
realiza a leitura (Madruga et al., 1994).
Cabe ao professor/formador, enquanto leitor da realidade e organizador de seu próprio
conhecimento [que corresponde a uma leitura cultural a partir de sua própria experiência
vital, baseada em suas concepções, referências e teorias explicativas] organizar o processo
educativo de forma consciente, crítica e compromissada com o desenvolvimento do
aprendiz, de modo que os textos que organiza ou utiliza favoreçam o ato de ler, a apreensão
e construção do conhecimento e a aprendizagem, além da participação ativa e
compromissada com a democracia na sociedade.
Se estudar constitui "um ato de criar e recriar idéias" (Freire, 1969), podemos afirmar a
dialética do ato docente: o professor ensina porque aprende e aprende enquanto ensina
251
(Sacristán, 1992). A observação e análise dessa mesma prática pode ajudar a transformá-la
e a definir consciente e criticamente as estratégias de atuação mediadas por meios de
comunicação e ambientes tecnológicos.
Como os professores autores podem promover a aprendizagem?
Fomentando o protagonismo, a interlocução e o lúdico, baseando suas decisões pedagógicas
em aspectos/fases distintos de mediação pedagógica: no tema, na aprendizagem e na forma
(Gutierrez & Prieto, 1994). Sabemos que o uso de múltiplos esquemas, conceitos e
perspectivas temáticas na abordagem dos conteúdos educativos favorece representar e
apreciar experiências e construir conhecimentos, de sorte que maior variedade de casos
melhora a base conceitual sobre a qual se apóiam, como contextos de vida real (Jonassen et
al., 1997:122).
Um dos procedimentos pode ser a inclusão de ajudas intratextuais, como por exemplo:
questões para reflexão; atividades exploratórias iniciais; de aplicação, de auto-avaliação;
ativar experiências e conhecimentos prévios; usar seqüências dedutivas e ou indutivas;
propor atividades concretas para o estudante realizar; usar frase temática inicial sobre o
assunto tratado; apresentar visão panorâmica do material e do que se vai estudar; indicar
como estão estruturados os conhecimentos abordados no material; especificar outros
materiais que o estudante precisa para estudar; sugerir o melhor caminho para estudar;
especificar os critérios de avaliação do desempenho do estudante; incluir atividades para
fomentar a transferência de aprendizagem; enunciar a informação principal ao início do
parágrafo, apresentando a perspectiva do autor; destacar a informação relevante; orientar
como realizar as atividades e como elaborar suas respostas; estimular a organização de
horários de estudos individuais e coletivos semanais, além de estimular o uso do que forem
aprendendo em sua prática profissional e/ou pedagógica.
Podem ser ajudas extratextuais, como por exemplo, usar capa contextualizada; apresentar
os créditos editoriais; apresentar a equipe; usar fonte tipográfica variada e sinalização
gráfica para indicar e separar atividades; organizar a página em uma coluna; usar títulos e
252
esquemas numerados, objetivos e perguntas; incluir organizadores prévios, esquemas,
sumários, mapas conceituais, gráficos, quadros; diagramas, tabelas, ilustrações, ícones;
utilizar margem direita maior que a usual em cada página para que nela os estudantes
possam anotar suas idéias e observações, revisando, de tempos em tempos as idéias que
forem surgindo na leitura e no estudo, as dúvidas, o que experimentaram em suas
atividades, os avanços, as soluções encontradas, e os comentários pessoais.
Também podem contribuir para desenvolver hábitos de estudo recomendando o percurso
mais adequado para aprender, que pode ser, por exemplo, iniciar pela introdução geral de
cada módulo; conhecer os objetivos geral e específicos e suas unidades; leitura atenta,
procurando compreender o que estiver estudando em cada unidade; realizar todas as
atividades solicitadas, se possível por escrito; fazer resumos sempre que necessitar
organizar a informação estudada; sublinhar palavras que não conhecer e procurar seu
significado no glossário, em outras fontes e em um dicionário, com o que podem ampliar
terminologia técnica, vocabulário, entre outras atividades. Além de prever outros materiais
incluídos no curso, como fitas de audiocassete, programas de rádio e televisão, músicas,
vídeos, Internet, correio eletrônico, usando ícones ou palavras para indicar o momento e o
modo adequado de utilizá-los, com o que também se fomenta o raciocínio intuitivo e a
atividade do aprendiz.
O ideal é que o próprio professor responsável pelo curso/disciplina realize a orientação
acadêmica, seja por meio de sua inclusão nos textos didáticos do curso ("tutoria em papel")
2 seja pelo atendimento individual/coletivo descentralizado, por meio dos meios de
comunicação disponibilizados pela instituição. Se forem necessários professores tutores,
como parceiros no processo de aprendizagem, poderão prestar informações de natureza
científica, orientações metodológicas de como abordar os conteúdos, de como organizar-se
para estudar, estimular o prosseguimento dos trabalhos apesar das dificuldades no caminho,
colher informações sobre o estudante, com o intuito de reduzir a distância acadêmica entre
o estudante e os professores-autores.
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NOTAS:
* Universidade de Brasília- Faculdade de Educação [email protected] http://www.fe.unb.br
1 Teoria formulada por Spiro & Jehng (1991).
256
2 Expressão trabalhada por Derek Rowntree: Cómo escribir una lección de auto-
aprendizaje. In Rodríguez, E.M. e Quintillán, M.A. La educación a distancia en tiempos de
cambios: nuevas generaciones, viejos conflictos. Madrid: Ediciones de la Torre, 1999,
p.85-135.
Alberto Tornaghi 1
Computadores, Internet e Educação a Distância
Se somos progressistas (...) devemos nos esforçar, com humildade, para diminuir ao
máximo a distância entre o que dizemos e o que fazemos.
Paulo Freire, em Pedagogia da Indignação
Introdução
Pretendo aqui fazer algumas breves reflexões sobre o uso das chamadas "Tecnologias de
Comunicação e de Informação - TCI" como suporte a ações de educação a distância (EAD).
Sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, gostaria de refletir sobre possibilidades que
se abrem quando exploramos bem alguns dos recursos inerentes a estes novos meios de
comunicação e de produção intelectual.
Este texto foi escrito assumindo que seu leitor pode ter pouca ou nenhuma familiaridade
com as Tecnologias de Comunicação e de Informação (computadores, Internet etc.). Por
isso a preocupação em explicar com algum detalhe conceitos cuja exata compreensão
considero fundamental para avaliar a contribuição destas tecnologias para a EAD.
Tecnologia, o que nos oferece?
257
O computador
A Internet, a chamada rede mundial de computadores, permite hoje que cidadãos dos
diversos cantos do mundo se comuniquem de forma rápida, ágil e barata. Os requisitos para
ter acesso a esse meio de comunicação não são muitos, nem caros. Mas infelizmente eles
ainda estão pouco disseminados entre nós. Os recursos necessários são um computador e
uma linha telefônica. O conhecimento necessário se constrói rapidamente, bastando saber
ler e escrever de forma razoavelmente fluente.
Computadores são máquinas de produção intelectual. Com computadores se produz textos,
imagens, desenhos, filmes, sons. Com computadores se operam cálculos em grande
quantidade e com rapidez. Com computadores é possível experimentar com números e
outras entidades abstratas como nunca se fez antes.
E como fazer tudo isso? Com uma planilha de cálculos, por exemplo, pode-se mostrar de
forma clara e concreta a correlação entre um gráfico e as quantidades (representadas por
números) que o geram. Usando uma planilha, estudantes podem modificar paulatinamente
os coeficientes de uma função numérica e verificar as modificações que resultam tanto em
seu gráfico como no conjunto imagem da função. Esta experiência pode trazer, digamos,
uma certa concretude ao conceito de função. Chamo a isso experimentar com números. É
claro que a mesma experiência era possível antes, mas cada gráfico exigia um enorme
trabalho de cálculo e, em seguida, de desenho (plotagem) dos pontos sobre um papel
quadriculado. Isso implicava que o número de experimentações era obrigatoriamente
reduzido, restando aos alunos acreditar nas generalizações propostas pelos professores,
nunca descobri-las por si mesmos.
Este é apenas um exemplo de como esta máquina de processar informações pode ser
explorada como instrumento de experimentação, de produção intelectual. Poderia enumerar
uma enorme lista de exemplos, incluindo simuladores, linguagens de programação, editores
de textos, de imagens, de áudio, de vídeo etc. Mas não é o propósito deste texto; a idéia é
apenas ressaltar o papel que pode ter o computador, como instrumento de pesquisa e
258
experimentação para o aprendiz, indo muito além da sofisticada máquina de escrever e de
imprimir que também é.
Computadores em rede
E a educação a distância com isso? Se os computadores, como diz Papert, ampliam a
inteligência dos seres humanos, ligados em rede permitem que as inteligências trabalhem
em cooperação. Um pensador francês de nossos dias, Pierre Lévy, criou o conceito de
"Inteligência Coletiva"2 para se referir ao que ele pensa ser uma ampliação significativa de
nossa capacidade de pensar, criar e decidir, em decorrência de podermos estar conectados
em rede.
A ligação em rede mundial, por si só, indica que estas tecnologias reunidas ñ
computadores e redes de comunicação ñ têm grande potencial para a educação, seja ela a
distância ou presencial. Mas vamos pôr os pés na terra e ver como esta cooperação pode-se
dar concretamente, como se realizam as colaborações e que ganhos podem trazer para a
educação a distância.
faz tempo que convivemos de forma natural com meios de comunicação de massa.
Rádio, jornais, revistas e TVs estão presentes em nosso cotidiano como se existissem desde
sempre, fazem parte da vida. São meios que compreendemos e que nos permitem pensar em
formas variadas de dar-lhes função educacional ou instrucional. Mas são todos meios de
uma via só: a expressão de poucos que chega a muitos. São meios de produção cara, cujo
investimento se justifica porque se distribui para muitos. Isso divide o mundo em dois: de
um lado os que produzem o material intelectual, os formadores de opinião, e, de outro, os
leitores ou espectadores a quem cabe o papel de receptores. Ainda que possam ser
receptores críticos, sua opinião chega a muito poucos.
A telefonia, por outro lado, é um meio em que todos são receptores e emissores. Mas liga as
pessoas uma a uma. É um meio de comunicação bidirecional e barato, mas não é de massa.
259
Pela primeira vez temos a possibilidade de um meio de comunicação que é ao mesmo
tempo de massa ñ isto é, atinge a um enorme número de pessoas de uma vez ñ, de
comunicação bidirecional ñ como a telefonia ñ e de custo operacional acessível ao usuário
comum.
A Internet possibilita que textos, imagens, animações etc., produzidos por qualquer pessoa,
tenham alcance mundial. Hoje, basta que se saiba como divulgá-los. Além disso, essas
produções, quando editadas em páginas na Internet, podem ser atualizadas de forma muito
ágil e sem quase nenhum custo adicional além da geração da informação em si. Em relação
às edições em papel, as produções no computador têm a enorme vantagem de poderem ser
corrigidas, modificadas e ampliadas a qualquer instante, sem necessidade de produzir uma
nova edição.
Isso abre para a EAD uma possibilidade ímpar: os estudantes, estejam onde estiverem,
podem interagir e trocar sua produção, não só com os responsáveis diretos pelo curso como
com seus pares e com terceiros. Podem ter acesso, a custo muito baixo, a farto material
informacional, a fontes de toda ordem e origem. Como decorrência, é fundamental
desenvolver estratégias para criticar e avaliar as informações conseguidas na Internet, este
mar infindável de dados, fatos e versões, alguns bem fundamentados, outros completamente
fantasiosos.
Hipertextos
Mas esta é apenas a faceta mais visível das possibilidades que nos trazem as TCI. Há outras
ainda mais interessantes e que contribuem de forma decisiva para uma nova forma de fazer
e acessar conhecimento.
Entre elas, tendo a acreditar que a maior transformação reside na forma como o
conhecimento é representado na Internet, na forma de hipertextos. Os hipertextos não
nasceram com a Internet, mas se popularizaram com ela.
260
E o que é um hipertexto? Vamos por comparação: um texto tradicional é uma obra que,
tipicamente, deve ser lida começando-se pela primeira linha e seguindo de forma linear,
uma frase após a outra, até a última. Tem-se, em geral, a sensação de se estar lendo na
ordem em que foi escrito pelo autor (a maior parte das pessoas que escrevem com
regularidade sabe que isto está muito longe da verdade; este texto, por exemplo, comecei a
escrever pela bibliografia). Um hipertexto, ao contrário, não tem um ordem preferencial
para ser lido. Um bom exemplo de hipertexto são os dicionários; outro, as enciclopédias.
Em ambos procuramos diretamente o verbete que nos interessa. E se, ao ler a definição do
verbete, encontramos termos que nos são desconhecidos, vamos diretamente a eles. Não
tenho notícia (mas certamente existem) de pessoas que leiam dicionários seqüencialmente,
uma página após a outra, da primeira à última.
Os documentos que vemos pela Internet (também chamados de web-pages) são tipicamente
hipertextos. Na grande maioria deles diversos pontos, que podem ser palavras ou
imagens, sobre os quais podemos clicar com o mouse. Ao fazê-lo, uma nova página se nos
apresenta, uma imagem é mostrada, uma música toca ou uma animação tem início.
Chamamos a isso de hiperdocumento, porque não precisa ser lido de forma linear (em
oposição aos textos e documentos tradicionais). Clicando num ponto que seja vínculo (ou
link) para outro documento, saltamos a ele e a leitura prossegue por esta nova via. A ordem
de leitura depende da curiosidade momentânea do leitor.
E porque considero os hipertextos uma faceta tão especial? Porque são uma forma
inferencial de representar o conhecimento, são uma forma de representação mais próxima
de como pensamos. Pensamos, construímos conhecimentos, construímos significados (e
compreendemos as coisas que nos rodeiam) estabelecendo correlações, fazendo inferências.
O hipertexto permite que estas correlações (ou ao menos parte delas) sejam representadas
de forma concreta e operacional. Ao lermos um hiperdocumento seguindo uma via em
especial, temos uma visão particular, e estabelecemos algumas correlações. Seguindo outras
vias, percebemos outras relações, outras inferências e formas de compreender o
conhecimento ali representado.
261
Citamos dois exemplos de hipertextos que podem tomar forma em meio impresso: o
dicionário e a enciclopédia. Em meio digital (computadores), o hipertexto ganha
interatividade: ao clicar sobre os links, novos textos são apresentados na tela.
Na Internet, os hipertextos podem ganhar uma dimensão planetária. Cada hipertexto pode
fazer conexões com quaisquer outras páginas da Internet. Assim, começa a se esboçar a
inteligência coletiva de que nos fala Pierre Lévy. Cada autor de um hiperdocumento na
Internet pode lançar mão do conhecimento produzido por outros, colocando vínculos no
hipertexto que produz e agregando assim, à sua produção, o trabalho de terceiros.
Para os que quiserem aprofundar esta questão, há uma página na Internet, em
http://penta.ufrgs.br/edu/telelab/10/cm.htm onde se apresenta um programa sobre mapas
conceituais e se discute a relação entre hipertextos e representação do conhecimento. Os
textos estão em inglês, o que restringe significativamente o público, mas coloco aqui a
sugestão porque ela é extensiva e trata de forma clara o assunto, apresentando uma
ferramenta gratuita para a construção de mapas conceituais (representação do conhecimento
por mapas que relacionam conceitos).
Em http://www.pgie.ufrgs.br/webfolioead/mapas.html uma página que trata da mesma
questão em português.
Outros recursos
Os hipertextos são recursos poderosos mas não são os únicos que nos trazem as TCI.
uma coleção de outras ferramentas ou funcionalidades (há quem chame de facilidades) que
dão suporte à interação e à cooperação. Vamos abordar pelo menos as mais comuns.
Correio eletrônico ou e-mail
262
Ferramenta de correspondência pessoal (um para um). A agilidade é sua maior riqueza para
a EAD. Como as mensagens de correio eletrônico chegam ao destinatário quase
imediatamente, são preciosas para manter contato freqüente e ágil com os alunos. É comum
que o estudante da modalidade a distância estude sozinho e de forma solitária. A referência
humana que tem está, em geral, no tutor a distância. É primordial que suas demandas sejam
respondidas com presteza, que ele perceba o tutor tão próximo quanto possível. As
demandas por correio eletrônico devem ser respondidas não com agilidade como com
atenção pessoal. É um meio de contato individualizado onde o aluno pode colocar suas
questões de forma privada e particular.
Fórum
Consiste numa coleção de comentários feitos a partir de uma afirmação ou uma questão
inicial. É como um debate realizado de forma assíncrona. Apresenta-se uma questão inicial,
que é comentada a seguir pelos demais participantes. Cada novo comentário pode merecer
respostas específicas e resultar em toda uma linha de discussões. Os fóruns são uma das
formas mais ricas de cooperação e aprofundamento de idéias. Ao contrário dos debates ao
vivo, os participantes têm o tempo de que necessitarem para elaborar suas contribuições, o
que pode resultar em discussões muito interessantes, se bem mediadas pelos professores ou
tutores.
Bate-papo ou chat
É uma forma de encontro em tempo real. Uma sala de bate-papo é um espaço onde podem
se encontrar duas ou mais pessoas para uma "conversa por escrito". Em geral, como numa
conversa ao vivo, é pouco produtiva quando reúne mais do que cinco ou seis pessoas. Útil
para lançar questões e para contatos informais que humanizam e amenizam as relações de
grupo. Este espaço de encontros informais é fundamental em EAD, para construir coesão
dentro das turmas.
263
Finalmente
Os recursos tecnológicos nada significam em si, nada fazem por si sós. Eles precisam estar
a serviço de um projeto pedagógico claro. Seu uso precisa ser planejado de forma sistêmica
e estar aliado a outros recursos. Seu papel é limitado e, afora atividades de curta duração
e/ou pequena abrangência conceitual, deve estar aliado ao uso de outros meios.
É fundamental entender os limites desta tecnologia. Os textos para serem lidos em telas de
computador devem ser curtos e organizados em blocos pequenos. Textos maiores devem
ser impressos e lidos em papel. Ainda é muito pouco confortável e pouco saudável ler por
longo período de tempo em telas de computador.
Como em qualquer outro meio, o material para EAD deve apresentar objetivos claros,
tarefas objetivas e formas de verificação freqüentes do aprendizado.
Os simuladores podem ser extremamente úteis, mas é imprescindível que os estudantes
compreendam que são simuladores e não substitutos dos fenômenos reais. Simuladores
nunca substituem experimentos em laboratórios. Mas podem ser ricos para representar os
fenômenos lá verificados.
Por fim, cabe dizer que esta tecnologia será útil para projetos de EAD se servir para
encurtar distâncias e contribuir para humanizar as relações. Robôs são as máquinas, os que
sentam em frente a elas são seres humanos. Que sirvam para aproximar corações.
Bibliografia
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
264
____________. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Unesp, 2000.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa, do original francês publicado em 1990.
São Paulo: Editora 34, 1993.
___________. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução de
Luis Paulo Rouanet, do original francês publicado em 1994. São Paulo: Loyola, 1998.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças. Porto Alegre: Artes Médicas.
_______________. Logo: computadores e educação. 2™ ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Webliografia
http://penta.ufrgs.br/edu/telelab/10/cm.htm
http://www.pgie.ufrgs.br/webfolioead/mapas.html
http://www.educacaopublica.rj.gov.br
http://penta2.ufrgs.br/edutools/tutcmaps/tutcmap.htm
NOTAS:
265
1. Coordenador de Extensão do Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de
Janeiro (CEDERJ), Mestre em Engenharia de Sistemas pela Coppe/UFRJ.
2. Vide "As tecnologias da inteligência" e "A inteligência coletiva".
Oreste Preti 1
Apoio à aprendizagem: o orientador acadêmico
Amig@ professor@,
feche por uns minutos os olhos e imagine uma escola sem salas de aula, sem paredes, sem
carteiras, com estudantes indo e vindo, conversando, lendo em diferentes espaços livres,
ora reunidos em equipe, ora desenvolvendo atividades individuais, com horários
diversificados para atendimento individual ou em grupos, com calendário flexível,
acompanhamento personalizado, sob a orientação de um grupo de educadores, etc. Talvez,
você exclamará surpreso: "Esta escola não existe. Quem sabe, num futuro seja possível!"
Não estou falando da educação do futuro. Na realidade, estou falando de uma educação
real e atual, possível e que es acontecendo em nosso país, sobretudo, na modalidade a
distância, graças aos avanços das novas teorias da Física, da Biologia, da Psicologia, da
Comunicação, da Pedagogia, etc. e às novas tecnologias da comunicação.
O que vem a ser esta modalidade?
Não é algo totalmente novo em nosso país, pois vivenciamos experiências em EAD desde a
década de 1960. Lembra do Projeto Minerva, do Logos I e Logos II e, recentemente,
266
Telecurso 2000, Salto para o Futuro, TV Escola e ProFormação? Algumas foram
avaliadas positivamente, outras criticadas; umas desenvolvidas em todo território
nacional, enquanto umas poucas só regionalmente.
O que nós queremos aqui enfatizar e colocar em foco não são essas experiências, mas uma
figura importante nesta modalidade, conhecida internacionalmente por "tutor". Antes,
porém, queremos colocar alguns pressupostos para que nosso diálogo se estabeleça
claramente:
a) Falar de educação a distância é, antes de tudo, falar de educação. Não faz sentido se
fixar nos adjetivos, nos aspectos periféricos e não essenciais do ato educativo, ainda mais
hoje quando a "distância" perdeu seu sentido original frente à penetração cada vez mais
maciça das novas tecnologias da comunicação;
b) Numa concepção dialética e dialógica, não faz sentido, também, querer colocar este ou
aquele sujeito no centro do processo educativo. A educação se constrói continuamente
numa rede de relações, de (re)construções, de transgressões, afirmações e parcerias, em
que todos os sujeitos envolvidos participam, têm responsabilidades e compromissos,
modificam e são modificados. Quem educa é muito mais uma "instituição" e um sujeito
coletivo do que pessoas individualmente.
Por isso, entendemos a educação a distância como uma dimensão de uma pedagogia que
contribui para um novo modo de ser, isto é, com o interesse e a determinação em superar e
transgredir os limites que nos "com(têm)" como seres humanos (Neder, 2000).
E uma dessas transgressões refere-se à ruptura, à separação do processo de ensinar do
processo de aprender. Eles acontecem em tempo e espaço separados. Quem "ensina", o
autor (ou professor) e quem "aprende", o "aprendente"2 não necessariamente encontram-se
no mesmo local e ao mesmo tempo. Assim, o tempo e o espaço passam a ganhar nova
267
significação a partir do sujeito, pois é ele que lhes sentido: é o tempo e o espaço do
sujeito!
Por isso, esta modalidade permite um maior respeito aos ritmos pessoais, às diferenças
sociais e culturais, às trajetórias e histórias de vida individuais, contribuindo no processo de
construção da autonomia intelectual e política e ao resgate da auto-estima pessoal e
profissional.
Mas como é possível o processo de aprender se, segundo as teorias construtivistas, ele exige
não somente processos cognitivos, mas também ambiência humana, do sujeito interagir
com outrem?
Se é verdade que "ninguém educa ninguém", por outro lado, "ninguém se educa sozinho". A
educação a distância, paradoxalmente, impõe interlocução permanente e, portanto,
proximidade pelo diálogo.
É aqui que surge a figura do tutor, do monitor, do orientador, etc. As terminologias são
variadas, diferenciando-se porque diferentes são as concepções que fundamentam as
propostas educativas a distância.
No curso de Licenciatura Plena na formação de professores das quatro primeiras séries do
Ensino Fundamental, na modalidade a distância, iniciado em 1995, pela Universidade
Federal de Mato Grosso3, em parceria com as Secretarias Municipais e Estadual, optamos
pela terminologia "orientadora acadêmica"4. Por quê?
1 - O que entendemos por "Orientadora Acadêmica"
Numa concepção de educação dialógica, construtivista, libertária e transformadora, falar em
"tutor" ("protetor do menor") é considerar o sujeito da educação um sujeito passivo,
dependente do outro que o tutora, o protege, que decide o que fazer, quando e como. E
268
tratando-se de um curso voltado para formação de adultos (que são professores da rede
pública de ensino) seria um contra-senso ainda maior, remetendo-os a uma situação de
"minoridade", por falta de maturidade e autonomia.
Monitor, segundo suas raízes na língua latina, remete a quem adverte, admoesta, repreende;
refere-se ao aluno-mestre "encarregado de repetir as lições aos colegas menos adiantados e
olhar pela disciplina" (Dic. Ilustrado da Ling. Portuguesa). Aqui, também, perpassa a idéia
da "inferioridade" do estudante que necessita, então, do amparo, do acompanhamento e da
correção de outrem que, presume-se, seja "superior" a ele no domínio de conteúdos.
Quando a equipe do Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD/UFMT) iniciou, em
1992, sua formação e a construção do projeto de oferecimento de um curso de graduação a
distância, voltado para a formação de professores da rede pública de Mato Grosso,
questionamos a terminologia consagrada de "tutor". Preferimos falar em "orientadora" ("que
aponta o Oriente", onde surge o Sol), em alguém que indica os caminhos, os rumos fazendo
com que a pessoa se situe, reconheça o lugar onde se encontra para prosseguir a caminhada,
para se guiar no caminho.
Sua função "orientadora" não consiste apenas em possibilitar a "mediação" acadêmica5 com
o material didático (Fascículos6 e CD-rom) ou ser uma "facilitadora" ou uma animadora da
aprendizagem. Ela é um dos sujeitos ativos do processo educativo, que interage com a
aprendente para que ambos busquem (re)significar e (re)construir concepções e práticas
pedagógicas. Daí a necessidade de um constante diálogo, de uma interlocução com a
aprendente e com os demais agentes educativos do curso (colegas, equipe pedagógica,
especialistas, parceiros, etc.). No entender de Pedro Demo (1998), ela se torna uma
"especialista da aprendizagem", uma professora de teor maiêutico.7
No processo de (des)construção do papel clássico do professor a caminho da construção de
um novo profissional da educação, de uma nova maneira de interagir com o aprendente,
muita nebulosidade, muita área intermediária, entre a periferia de práticas anteriores e as
atuais.
269
Isso é normal e salutar, quando a aprendizagem é concebida como um percurso onde todos
se colocam como sujeitos aprendentes, sem que a "verdade" esteja na posse de alguém e/ou
de um grupo que se impõe pela titulação ou pela experiência ou, ainda, pela autoridade que
a instituição lhe confere.
Devemos, por outro lado, reconhecer que a função da orientadora, enquanto sujeito de uma
equipe, partícipe de um projeto político-pedagógico de um curso, a partir das práticas
vividas, das ressonâncias das falas de colegas e acadêmicas, é olhar para o caminho
percorrido, avaliar a trajetória, pesquisar, indagar e provocar a reflexão.
É indispensável sua participação em todo o processo de construção do curso (no
planejamento, desenvolvimento e avaliação do mesmo). Por isso, ela necessita de uma
formação inicial e continuada não somente no que diz respeito aos aspectos teórico-
metodológicos do curso como da modalidade a distância.
2. Processo formativo da Orientadora Acadêmica
Ser orientadora é uma tarefa intensiva que exige tempo, dedicação e compromisso. Por isso,
a orientadora acadêmica é selecionada pela equipe pedagógica entre profissionais da
educação da rede pública daquela região, com "dedicação exclusiva" ao curso e
disponibilidade para trabalhar aos sábados e devendo morar no município onde irá
desenvolver suas atividades. Cada Orientadora atende a um número médio de 25 alunos.
A contratação das orientadoras selecionadas é de responsabilidade das Secretarias Estadual
e Municipais de Educação, na proporção de 50% para o estado e 50% para os municípios.
Após a seleção, as candidatas participam do processo de formação inicial (um curso de
Especialização sobre EAD e sobre o projeto político-pedagógico do curso) e continuada
(nos encontros mensais nos Centros de Apoio).
270
Nos momentos de planejamento, a orientadora participa da discussão, com os professores
especialistas responsáveis pelas áreas de conhecimento do curso e com a equipe
pedagógica, a respeito dos conteúdos a serem desenvolvidos, do material didático a ser
utilizado, da proposta metodológica, do processo de acompanhamento e avaliação de
aprendizagem. São constantemente retomados os princípios norteadores do curso, a partir
das práticas vividas, de situações novas que aparecem, de discussões teóricas no campo da
educação, de questionamentos e incertezas. Esse "mergulho" (ou "afastamento" da prática
rotineira do curso) se dá nos Centros de Apoio de cada Pólo8, nos encontros mensais que
ocorrem.9
3. Organização da Orientação Acadêmica
A educação a distância, embora prescinda da relação face-a-face em todos os momentos do
processo de ensino e de aprendizagem, exige relação dialógica efetiva entre alunos e
orientadores acadêmicos.
Por isso, se estabelece uma rede, uma teia comunicativa e formativa, a criação de ambientes
reais e/ou virtuais que favoreçam o processo de estudo dos cursistas e o processo de
orientação acadêmica, que possibilite o processo de interlocução permanente e dinâmico
entre os sujeitos da ação pedagógica.
De que forma?
No desenvolvimento do curso de Licenciatura, a orientadora acadêmica tem papel
fundamental, principalmente no que diz respeito ao acompanhamento do percurso da
acadêmica: como estuda, que dificuldades apresenta, quando busca orientação, se se
relaciona com as colegas para estudar, se consulta bibliografia de apoio, se realiza as tarefas
e exercícios propostos, se se coloca como sujeito que participa da construção do currículo
do curso, se é capaz de relacionar teoria/prática, se é capaz de utilizar os conceitos de uma
271
determinada área do conhecimento para iluminar sua prática pedagógica, sua vida, seu
envolvimento nos Seminários Temáticos, etc.
A orientadora deve, neste processo de acompanhamento, estimular, motivar e, sobretudo,
contribuir para o desenvolvimento da capacidade de organização das atividades acadêmicas
e de auto-aprendizagem.
Mas, em que consiste seu trabalho?
3.1 Diariamente, nos horários previamente estabelecidos com as acadêmicas (de acordo
com seus horários de aula nas escolas), a orientadora está disponível para atendê-las,
presencialmente ou pelo telefone no núcleo de educação aberta e a distância de seu
município. As mais distantes (professoras das escolas rurais) se utilizam do correio
informal (ônibus, caminhão, vizinho que vai à cidade, etc.) para enviar suas atividades, para
solicitar esclarecimentos ou agendar um encontro. Outras vezes, a própria orientadora
desloca-se para atender a acadêmica em sua escola rural. Muitas acadêmicas têm buscado
uma forma para superar o sentimento de "isolamento" organizando grupos de estudo. Às
vezes, a orientadora é convidada a participar dessa atividade. O estudo em grupo, porém,
faz sentido e é produtivo se a acadêmica estudou antes individualmente e se preparou para
levar sua contribuição.
O atendimento presencial é realizado de forma individual. É permitido em pequenos
grupos, quando a orientadora avaliar ser o procedimento mais adequado naquele momento,
mas sempre atenta para que haja participação de todas nas discussões e seja possível, ao
mesmo tempo, estabelecer um diálogo diferenciado com cada uma das participantes.
Nesta caminhada (que chamamos de Meio I), que dura em média uns 40 dias, o orientador
busca enfatizar a importância do estudo individual, da independência intelectual, da auto-
aprendizagem. É o momento da relação dialógica da orientadora com a acadêmica e das
acadêmicas entre si.
272
3.2 A cada três semanas oportuniza-se à acadêmica uma "verificação de aprendizagem"
(Meio II), que é presencial (com ou sem consulta) referente a alguns aspectos específicos de
uma determinada área do conhecimento (organizada nos Fascículos pelos autores). A
acadêmica é quem decide fazer a "verificação" naquela data ou na "oportunidade" seguinte.
A finalidade desse "meio" é possibilitar à acadêmica explicitar e organizar, por meio da
construção de um texto escrito, análises e reflexões sobre sua prática pedagógica à luz dos
conceitos e da teoria estudada. A própria orientadora, que participou com o especialista na
elaboração desta "verificação" e de seus critérios, faz a "correção", que a submete ao
parecer de uma ou duas colegas, uma espécie de "banca" avaliadora. Essa avaliação é
posteriormente discutida com a própria acadêmica que, caso não tenha dado conta do
percurso estabelecido pelo especialista, será orientada para novas leituras, a re-construir o
percurso e realizar uma posterior "verificação de aprendizagem". Como não existe a figura
da "reprovação", a acadêmica re-faz este percurso quantas vezes necessitar, sempre
contando com o acompanhamento da sua orientadora. Assim, cada acadêmica vai se
colocando em situações e áreas de estudo diferenciadas ao longo do curso.
3.3 Paralelamente ao acompanhamento do estudo do material didático de uma determinada
área do conhecimento (com duração de quatro a seis meses), a orientadora acompanha as
acadêmicas no desenvolvimento de uma pesquisa, em equipe, na escola onde trabalham. O
objeto a ser investigado é referente a um tema da área em estudo naquele momento do curso
(Meio III). O tema e o processo da pesquisa são discutidos pelo especialista com as
orientadoras acadêmicas e estas com as acadêmicas. Ao final deste processo, realiza-se o
Seminário Temático na cidade Pólo ou em outro município que ofereça as condições, para
que as acadêmicas possam expor os resultados de sua pesquisa e discuti-los. A comunidade
escolar é convidada a participar. Uma equipe de "observadores" (composta por orientadoras
e professores da UFMT e da SEDUC) acompanha e avalia o trabalho. É um momento de
ambiência científica e humana dos mais fortes no curso.
3.4 A orientadora também faz todo o registro da caminhada individual de cada acadêmica
para que, ao final de uma determinada área do conhecimento, possa concluir a avaliação
(com a participação da acadêmica), para fins de registro acadêmico, analisando o ponto de
partida e de chegada de cada uma. Todo o percurso da acadêmica é registrado pela sua
273
orientadora em "Fichas de acompanhamento", arquivadas no "Sistema de Gerenciamento da
Educação a Distância" / SIGED, um software elaborado especificamente para isso.
3.5 Além disso, juntamente com os coordenadores pedagógicos dos Pólos, cada equipe de
orientadoras se responsabiliza pela análise e avaliação do curso e da modalidade a
distância, através das seguintes funções (Neder, 1999):
apontar as falhas no sistema de orientação acadêmica;
avaliar, com base nas dificuldades apontadas pelas acadêmicas, os
materiais didáticos utilizados no curso;
informar sobre a necessidade de apoios complementares não
previstos pelo projeto;
mostrar problemas relativos à modalidade da EAD, a partir das
observações e das críticas recebidas das acadêmicas;
participar do processo de avaliação do curso.
Estabelece-se, assim, uma "rede" de informações suficientes e úteis à avaliação processual
do curso. O que, porém, é enfatizado e avaliado é em que sentido o curso está modificando
as práticas pedagógicas das acadêmicas e qual o impacto ou reflexos disso nas escolas e na
rede pública de ensino. Pois, o objetivo principal do curso de Licenciatura é provocar
mudanças cognitivas e da práxis (Preti, 1996).
Em síntese
274
A função da orientadora é a de orientar, de provocar o questionamento reconstrutivo, de
estimular na aprendente sua capacidade de estudo independente, de autoformação e auto-
organização (autopoiesis)10 e sobretudo de respeito e de reconhecimento do outro como ele
é, de seus ritmos, seus desejos e projeto de vida.
A orientadora não deve ter pressa em libertar a mariposa do seu casulo para que ganhe o
espaço e respire o ar do campo. Tem que aprender a aguardar pacientemente que a própria
mariposa se desenvolva, amadureça e tenha as forças suficientes para se libertar por ela
mesma e ganhar a liberdade do espaço e uma nova vida, a de borboleta. Para que isso
aconteça, a orientadora (e a "instituição" responsável pelo curso) deverá oferecer as
condições necessárias, criar ambientes de aprendizagem e de convivência humana. Pois, a
acadêmica aprende muito mais com as práticas educativas vivenciadas pelos sujeitos
envolvidos no curso que com belos discursos ou teorias sedutoras e encantadoras!
Na experiência do Nead/UFMT, a figura da orientadora acadêmica tem se revelado como a
figura chave, "a vertente humana" da educação a distância e do processo de ensino e de
aprendizagem, não simplesmente porque contribui no processo de mediação da acadêmica
com o material didático e com as práticas curriculares do curso, mas porque, ao promover a
comunicação e o diálogo, introduz a perspectiva humanizadora num processo mediado
também pelos meios tecnológicos (Preti, 1996). Assim, através da orientação acadêmica é
possível garantir o processo de interlocução necessário a qualquer projeto educativo.
Vale a pena lembrar aqui a figura do educador Paulo Freire, do homem sábio que com
palavras simples, mas profundas, provoca o re-pensar do educador e da atuação docente,
propondo a relação dialógica do eu com o tu, do mestre com o discípulo, mas não na atitude
de simples escuta, mas de libertação e intervenção, da dimensão política do saber-fazer. Por
isso, a formação da aprendente não pode estar separada das práticas sociais e profissionais
(em que está imersa) e para as quais o curso de Licenciatura se propõe prepará-la.
275
A orientadora que não se abre para aprender, que não aprende continuamente, que não
pesquisa, que não está bem consigo mesma, que não gosta e não se sente compromissada
com o que está fazendo, como poderá orientar e fazer com que a acadêmica aprenda?
Muito mais do que realizar leituras e/ou participar dos encontros de formação, trata-se de
um constante re-pensar e re-fazer da atividade de orientação por meio da atitude de
pesquisar. Se a orientadora pretende formar a acadêmica em sujeito com autonomia
cognitiva e humana, capaz em aprender a aprender para que sua vida e sua prática
pedagógica sejam transformadas, não é suficiente "cobrar" da acadêmica que ela pesquise, é
fundamental que a orientadora vivencie quotidianamente esta atitude investigando sobre a
caminhada de suas acadêmicas como sobre sua trajetória enquanto orientadora. Como pode
orientar alguém na pesquisa se ela mesma não faz pesquisa? Novamente estará
dicotomizando e separando teoria-prática, pensar e fazer. Pela pesquisa deixa-se a atividade
instrutiva de estar somente socializando e reconstruindo conhecimentos para um processo
de construção e produção de conhecimentos, em seu sentido pleno.
Considerações Finais
O que dissemos aqui, na realidade, não se refere especificamente à orientadora acadêmica,
mas à educadora, à professora. Até pouco tempo atrás estava convencido da necessidade de
se institucionalizar a figura da Orientadora Acadêmica, como um nova categoria
profissional. Cada vez mais me convenço deste equívoco, como o querer tratar educação a
distância como algo diferente da presencial.
Temos que lutar por uma educação diferente, atualizada, contemporânea, que reencante a
sociedade e por uma profissional da educação com uma "nova cara", com práticas
inovadoras, criativas e humanas. Surgirá daí uma diversidade de "modalidades" que
deixarão no esquecimento esta divisão improdutiva entre presencialidade e a distância,
entre professora e orientadora.
276
Bibliografia
DEMO, Pedro. Questões para a Teleducação. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1998.
NEDER, Maria Lúcia C. A orientação Acadêmica na Educação a Distância. In: PRETI,
Oreste. Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Plano; Cuiabá:
NEAD/UFMT, 2000.
___________________. Licenciatura Plena em Educação Básica: a séries, na
modalidade a distância. Cuiabá: EdUFMT, 1999. (redatora do Projeto de expansão).
PRETI, Oreste. Educação a Distância: uma prática educativa mediada e mediatizadora. In:
________ (org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá:
EdUFMT, 1996.
NOTAS:
Coordenador do Curso de Licenciatura Plena para formação de professores das primeiras
quatro séries do Ensino Fundamental, na modalidade a distância - Núcleo de Educação
Aberta e a Distância, do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso.
Neologismo introduzido por Hèlén Trocmé-Fabre, no Congresso Internacional de Locarno,
Suíça, em maio de 1997, para expressar o estado de estar em-processo-de-aprender. Passou
a ser usado cada vez mais nos documentos oficiais da União Européia. Sobre ele, ver em:
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis:
Vozes, 1998.
Trata-se da primeira experiência, no Brasil, de um curso superior a distância. Ver a esse
respeito: Oreste PRETI (1996): Educação a distância: inícios e indícios de um percurso.
277
1. Utilizamos, nesse texto como nos documentos do curso, o gênero feminino, pois a
grande maioria de "nossos orientadores" são mulheres (98%). Preferimos seguir a
maioria do que as regras gramaticais ou a utilização difusa do símbolo @ para se referir
a ambos os sexos.
2. Ao nos referirmos aos acadêmicos do curso de Licenciatura a distância oferecido pelo
NEAD/UFMT utilizaremos também o gênero feminino, porque 85% deles são
mulheres.
3. Fascículo: assim denominamos o material escrito. São escritos de tal maneira que cada
um deles pode ser lido e compreendido separadamente, sem necessidade do anterior.
Apesar da diversidade de estilo, seguem a abordagem do curso, calcada nos conceitos
de historicidade, diversidade e construção.
4. Trata-se, no dizer de Sócrates, de um processo de "parturição" (maiêutica), onde é a
mãe que deve parir, cabendo à parteira estar somente para observar, orientar e ajudar
no parto. É a mãe que "faz" o parto e não a parteira, mas a presença da parteira e sua
ajuda não podem ser dispensadas.
5. Os Pólos são organizados agrupando municípios próximos, em função do sistema viário
de comunicação e de processos históricos de ocupação e (re)construção daquele espaço
geográfico e social. Costumam reunir entre 200 a 600 acadêmicos. O coordenador
(pedagógico) do Pólo é um professor da UFMT que compõe a equipe pedagógica do
NEAD/UFMT, enquanto o coordenador do Centro de Apoio (com funções mais
administrativas) é um dos orientadores eleito por seus pares, por um período de dois
anos.
6. Para garantir esse processo de "mergulho", utiliza-se o telefone (plantão), e-mail e, a
partir deste ano, teleconferências e discussões em rede.
278
7. Termo cunhado por H. Maturana e F. Varella (na obra De máquinas e seres vivos -
autopoiesis: a organização do ser vivo), no sentido da capacidade de reagir
construtivamente diante dos desafios e condicionantes externos.
Maria Cristina Tavares *
O Tutor no Proformação
Introdução
Num sistema de educação a distância, o tutor desempenha um papel muito importante.
Aliado a outros recursos tecnológicos, que podem ser impressos, audiovisuais e/ou on-line,
ele faz parte do sistema de apoio à aprendizagem, que oferece condições aos cursistas para
que eles possam desenvolver as atividades previstas no curso e obter sucesso.
279
No Proformação, a tutoria foi estabelecida junto a um sistema de comunicação, que inclui a
possibilidade de os cursistas obterem informações, via telefone, da Agência Formadora. O
papel do tutor foi estabelecido, suas funções definidas, os procedimentos sistematizados e
os mecanismos de suporte ao seu trabalho incorporados à proposta do sistema.
Este trabalho apresenta o papel, atribuições e atuação do tutor no Proformação, bem como
seu treinamento e apoio ao seu trabalho delineado no sistema de EAD organizado no
Programa.
1.1 Papel do Tutor no Proformação
O Tutor possui um papel muito importante no Proformação. Ele é um facilitador da
aprendizagem, um elemento chave no acompanhamento do desenvolvimento do Professor
Cursista, nas atividades individuais e coletivas do curso. Sua principal tarefa é orientar e
motivar cada Professor Cursista, acompanhando suas atividades no curso e na sua prática
pedagógica com seus alunos, procurando sempre orientá-lo quanto ao desenvolvimento de
estratégias de estudo autônomo e à melhoria do processo ensino-aprendizagem, sobretudo a
partir dos conteúdos e experiências desenvolvidos nas unidades de cada área temática. Ele
é, também, um elo de ligação entre os Cursistas e as instituições integrantes do Programa.
1.2 Atribuições do tutor no PROFORMAÇÃO
No PROFORMAÇÃO o Tutor possui as seguintes responsabilidades:
Participar da capacitação específica para o desempenho de sua
função;
Participar da Fase Presencial do Curso;
280
Organizar e promover os encontros quinzenais com os Professores
Cursistas, seguindo as diretrizes da CNP;
Avaliar e comentar com o PC o seu desempenho em todas as suas
tarefas, incluindo as atividades dos Cadernos de Verificação, o
memorial e a prática pedagógica;
Enviar à AGF as Fichas de Acompanhamento Mensal do Professor
Cursista;
Promover a recuperação paralela para os Professores Cursistas que
não obtiverem a pontuação mínima exigida nos instrumentos de
avaliação;
Procurar resolver ou encaminhar para resolução todas as dúvidas e
questionamentos de seus orientados;
Realizar, mensalmente, visita à escola em que leciona o Professor
Cursista para Observação da Prática Pedagógica;
Participar das reuniões mensais na AGF para acompanhamento e
avaliação das atividades de Tutoria;
Fornecer dados a AGF, EEG, CNP, sempre que solicitados;
Auxiliar na solução de problemas que surjam nas escolas, levando
em consideração a realidade específica de cada município;
281
Informar periodicamente o diretor da escola sobre o desenvolvimento
do processo de ensino e aprendizagem e a incorporação à prática
pedagógica das sugestões de atividades;
Colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade.
Elaborar relatórios mensais e circunstanciados dos trabalhos, (Anexo
1) e enviar à AGF;
Participar, como representante ou quando convocado, de reuniões
relativas ao Programa.
1.3 Atuação do Tutor junto ao Professor Cursista
Num curso de educação a distância, boa parte do sucesso do Programa está ligada ao
relacionamento Tutor/Professor Cursista. A atuação qualificada do Tutor como mediador da
relação Cursista/AGF assegura as condições mais plenas de aprendizagem e do trabalho
educativo.
O Tutor representa a presença constante de um facilitador, um orientador do processo de
aprendizagem do Professor Cursista, alguém que pode auxiliá-lo a desenvolver técnicas de
estudo autônomo. Suas visitas à escola onde o cursista atua para acompanhar o
desenvolvimento de sua prática pedagógica e os encontros quinzenais do bado garantem
essa aproximação, encurtam a distância. Por isso, essas atividades crescem em importância
e exigem um bom planejamento e uma execução segura.
O trabalho do Tutor viabiliza o diálogo fundamental entre a AGF e os seus alunos. Apesar
dos Guias de Estudo terem sido elaborados para estabelecer uma ligação próxima e
agradável entre conteúdos, especialistas e os Professores Cursistas, é sobretudo pela
282
mediação do Tutor que se uma interlocução, capaz de desfazer uma possível idéia de
impessoalidade, ou de um curso fechado e "pronto", autoritário.
Também importante salientar que quanto melhor for seu trabalho do Tutor, mais
independente se tornará o Professor Cursista, ampliando o campo de suas competências.
No Proformação, espera-se que o Tutor seja capaz de:
1.3.1 Ajudar o Professor Cursista a dominar os conteúdos das unidades:
explicando, com o auxílio dos professores formadores da AGF,
conceitos difíceis neles contidos, às vezes até antecipando pontos a
serem vistos e cuja dificuldade você já prevê;
desfazendo enganos de conceitos e preconceitos;
indicando recursos e materiais adicionais;
corrigindo pontualmente os Cadernos de Verificação da
Aprendizagem e provendo, em conjunto com a AGF, atividades de
recuperação.
1.3.2 Ajudar o Professor Cursista a desenvolver habilidades de estudo:
procurando descobrir seus problemas específicos de leitura ou de
realização de atividades;
auxiliando o cursista a planejar suas horas de estudos;
283
propondo formas auxiliares de estudo;
facilitando novos exercícios e práticas, individuais ou em grupo;
comentando pontualmente acertos e falhas, ultrapassando
observações vagas, como: "Muito bom!", "Fraco", "Precisa
melhorar".
1.3.3 Favorecer a troca de experiências e conhecimentos em atividades de grupo:
possibilitando com freqüência o trabalho com outro(s);
incentivando discussões, debates, criações coletivas;
criando um ambiente descontraído, de confiança e solidariedade.
1.3.4 Encorajar o processo de aprendizagem do Professor Cursista:
valorizando o estudo e a experiência de cada um, procurando pontos
positivos mesmo nos trabalhos insatisfatórios e nunca, se escritos,
marcando os erros de forma a reforçá-los, ou a desencorajar o
Professor Cursista;
descobrindo o tom adequado para as observações feitas a cada um;
relembrando sempre os objetivos a serem perseguidos e as etapas e o
calendário a serem cumpridos;
284
cumprindo você mesmo os prazos e nunca deixando sem comentário
ou resposta os trabalhos e perguntas do Professor Cursista;
apresentando ao Professor Cursista com antecedência e discutindo
com ele seu planejamento nos encontros coletivos;
levando em consideração e comentando observações, sugestões e
críticas (o que não quer dizer acatá-las sempre);
enfatizando aspectos positivos do curso;
tornando sua presença um ponto de apoio e segurança para todos.
1.3.5 Ajudar o Professor Cursista a alcançar autonomia na produção científica:
procurando desenvolver sua auto-estima e motivação;
dedicando atenção a todos igualmente;
encorajando as iniciativas pessoais;
promovendo a confiança no material auto-instrucional e nas
experiências do curso.
1.4 O Tutor e a Avaliação
Também na avaliação, a atuação do Tutor é fundamental. Ele precisa compreender muito
bem como e por que o Professor Cursista vai ser avaliado para que a sua avaliação seja
285
justa e direcionada sempre a desafiar e incentivar o Professor Cursista e melhorar o seu
desempenho e a sua prática docente.
O bom desempenho do Professor Cursista depende, principalmente do acompanhamento
constante do Tutor e da AGF.
No Proformação, o Tutor é o responsável pela avaliação do Caderno de Verificação da
Aprendizagem, do Memorial, da Prática Pedagógica e do Plano de Aula.
A correção do Caderno de Verificação da Aprendizagem é feita com o auxílio da Chave de
Correção, que é mantida em sigilo pelo Tutor. Como as respostas dadas pelo Professor
Cursista não são exatamente iguais às da Chave de Correção, o Tutor deve interpretá-las e
considerar corretas as respostas com o mesmo sentido, mesmo que a redação ou os
exemplos sejam diferentes. Posteriormente ele devolve o Caderno de Verificação da
Aprendizagem ao Professor Cursista, com as observações sobre seu desempenho e as
necessidades de recuperação ou acompanhamento sistemático de cada um. Em casos de
dúvidas o Tutor pode procurar a sua AGF para orientações.
Como os objetivos avaliados na Prova Bimestral serão os mesmos do Caderno de
Verificação da Aprendizagem o Tutor deve fazer um bom acompanhamento do
desempenho do Professor Cursista também nesse instrumento, de forma que ele possa
oferecer possibilidades ao Cursista para a superação das dificuldades.
No Programa, o Tutor também avalia quinzenalmente o Memorial do Cursista, um
documento que relata o desenvolvimento, as dificuldades, as experiências, as reflexões do
Cursista durante o curso. Tal avaliação é baseada nas "Competências" e "Exemplos de
Resultados Esperados" descritos nos anexos do Manual do Tutor e com orientação da AGF,
observando a capacidade de expressão e de reflexão teórica do Cursista sobre sua prática
pedagógica e seu percurso de aprendizagem.
286
A avaliação da Prática Pedagógica é feita por meio de visitas mensais às escolas dos
Professores Cursistas, onde o tutor faz a observação da Prática Pedagógica de acordo com
as "Competências" e "Exemplos de Resultados Esperados" descritos na Ficha de
Acompanhamento Mensal do Professor Cursista. O Tutor deve buscar orientações na AGF
quando não compreender as orientações relativas às competências registradas na Ficha.
Caberá ao Tutor criar um clima de confiança e descontração por ocasião da visita evitando
fazer comentários intimidadores ao Professor Cursista, para não causar desconforto e
ansiedade. O Tutor deve evitar interferir na rotina de trabalho do Professor Cursista e de sua
escola e deve sempre apontar ao Professor Cursista, em conversa após a observação, os
aspectos positivos observados e os que podem melhorar.
1.5 Treinamento do Tutor
No Proformação, a capacitação do Tutor é feita ao longo dos dois anos de duração do
Programa. A primeira etapa dessa capacitação é realizada antes do início do Programa e
oferece informações sobre o que é o Programa, como funciona, qual a proposta pedagógica,
como é vista a avaliação e quais as funções dos participantes da rede de formação do
sistema, com destaque às funções do Tutor. Além disso, são desenvolvidas oficinas para
que o Tutor possa experienciar o desempenho de sua função, principalmente no que se
refere à avaliação continuada. A partir daí, novas capacitações ocorrem antes do início de
cada Módulo, para a contínua formação. Além disso , o Tutor também participa
integralmente das aulas da Fase Presencial ministradas pelos Professores Formadores da
AGF aos Professores Cursistas.
O enfoque principal da capacitação será sempre o processo de construção do conhecimento
teórico-prático vivido pelos Professores Cursistas, e não o mero domínio dos conteúdos
curriculares, bem como o acompanhamento e avaliação das atividades do curso. É
importante que o Tutor conheça bem as atividades previstas nos Guias de Estudo, pois isso
lhe dará recursos e motivação para orientar melhor os Professores Cursistas.
287
A capacitação dos Tutores é de responsabilidade das Agências Formadoras, de acordo com
as orientações da Coordenação Nacional. As AGF também são encarregadas de oferecer
assistência técnico-pedagógica ao Tutor, ao longo do Programa, seja na forma presencial,
seja a distância, por meio de telefone.
Vale salientar que o Proformação desenvolveu materiais escritos que esclarecem e
exemplificam as principais atividades do Tutor.
1.6 Apoio ao Tutor
Para a execução do trabalho do Tutor, é fundamental um diálogo constante com o
Coordenador e os professores da AGF, com o responsável pelo OME ñ Órgão Municipal de
Educação nos municípios, e com os diretores das escolas, onde ele acompanhará a prática
dos Professores Cursistas sob sua responsabilidade.
A AGF apóia de perto o trabalho da Tutoria de forma presencial, realizando reuniões
mensais com os tutores, marcando encontros individuais e mesmo visitando o Tutor em seu
município, quando necessário, e a distância, por meio do Serviço de Comunicação, que
inclui um plantão pedagógico telefônico, pelo qual o Tutor pode solicitar informações ou
esclarecer dúvidas com os Professores Formadores a qualquer momento.
Com isso, o Tutor não se sente sozinho e pode contar com o apoio especializado da equipe
da AGF para a resolução de qualquer necessidade.
Bibliografia
CUNHA, Maria Antonieta Antunes (2000). Manual do Tutor/PROFORMAÇÃO. 3 ed.
Brasília: MEC/FUNDESCOLA.
288
CUNHA, Maria Antonieta Antunes (2000). Guia Geral do PROFORMAÇÃO. 2 ed.
Brasília: MEC/FUNDESCOLA.
BOF, Alvana Maria , LIGNEUL, Cristina , TAVARES, Maria Cristina , LATOUR, Maria
Luiza (2000). Manual de Operacionalização PROFORMAÇÃO. 2 ed. Brasília:
MEC/FUNDESCOLA.
ALMEIDA, Maria Regina D. Godoy (2002). Como planejar e realizar a Reunião de
Sábado (texto de Apoio 1). 2 ed. Brasília: MEC/FUNDESCOLA.
ARAUJO, Claisy Maria Marinho (2002). Como acompanhar a prática pedagógica (Texto
de Apoio 2). 2 ed. Brasília: MEC/FUNDESCOLA.
ARAUJO, Claisy Maria Marinho , ALMEIDA, Maria Regina D. Godoy (2002). Como
orientar e avaliar o memorial (Texto de Apoio 3). 2 ed. Brasília: MEC/FUNDESCOLA.
NOTAS:
* Gerente de Monitoramento e Avaliação do Proformação.
Sandra Azzi *
289
Avaliação de desempenho do aluno na ead
Quando falamos de avaliação de desempenho do aluno não estamos falando de um fato
pontual ou de um ato singular. A avaliação de desempenho faz parte de um sistema mais
amplo de avaliação de um projeto pedagógico, seja na modalidade de ensino a distância seja
no ensino presencial.Antes de nos atermos na especificidade que um programa de avaliação
de desempenho na modalidade de ensino a distância possa ter, é interessante lembrarmos
que esse se apóia em conceitos básicos da avaliação em seu sentido geral.
A avaliação desempenha funções que a legitimam e tornam indispensável no processo
educativo. Sua função mais evidente e reconhecida é a pedagógica, que visa,
principalmente, à verificação da aprendizagem dos alunos, à identificação de suas
necessidades e à melhoria (regulação) do processo de ensino aprendizagem. Essa função se
complementa com a função social de certificação dos alunos, compreendida como
declaração de domínio das competências curriculares enunciadas em uma proposta
pedagógica. Na função pedagógica temos a explicitação do conceito de avaliação
subjacente a essa proposta.
A avaliação de desempenho escolar é um processo sistemático de obtenção e análise de
informações sobre uma realidade, buscando na compreensão dessa realidade os elementos
que possibilitam uma intervenção consciente daqueles que dela participam, visando aos
objetivos de ensino e aos fins da educação.
Como processo sistemático, a avaliação põe em destaque os fatos, as ações, os resultados
parciais (processo) e finais (produto) do processo ensino-aprendizagem, mostrando não só o
que são, mas também porque são deste ou daquele modo. A avaliação é um dos recursos
que contribuem para a efetividade de uma proposta pedagógica que tenha o sucesso de seus
alunos como um de seus desafios. Ela constitui uma fonte permanente de informações sobre
a realidade do processo ensino-aprendizagem.
290
A avaliação na EAD, como em qualquer outra modalidade de ensino, apóia-se na
interdependência das modalidades diagnóstica, formativa e somativa, com ênfase na sua
continuidade. O denominador comum dessas modalidades é a orientação permanente
daqueles que participam do processo ensino-aprendizagem ñ cursistas, tutores e agências
formadoras ñ , e a regulação desse processo. Elas possibilitam a continuidade do trabalho
pedagógico e o respeito ao ritmo de aprendizagem de cada aluno.
Na EAD a avaliação funciona como um estímulo ao aluno, à sua aprendizagem e ao seu
sucesso, pois favorece a autoconfiança, já que ele é informado durante todo o tempo sobre o
seu progresso. Essa informação constante não acontece somente nos momentos formais de
avaliação (cadernos de avaliação, provas, seminários, monografia, observação da prática
pedagógica). Quando o material didático utilizado na EAD é bem elaborado, de acordo com
as características que lhe são próprias, ele possibilita ao aluno uma avaliação constante de
seu progresso e de suas dificuldades, dando-lhe ensejo de continuar e/ou indicativos da
necessidade de buscar orientação complementar, seja do sistema de tutoria ou de outro
sistema de apoio que esteja disponível. Essa possibilidade de avaliação de seu progresso a
cada passo, a cada atividade de estudo realizada, contribui para uma melhor compreensão
da avaliação como parte integrante do processo ensino-aprendizagem e de suas funções
formadora e mobilizadora da aprendizagem segundo os ritmos individuais e diferenciados
dos alunos. No caso específico de EAD na Formação de Professores, essa vivência da
avaliação como um processo contínuo e formador contribui para uma mudança na prática
avaliativa na escola
A avaliação de desempenho num programa de educação a distância na Formação de
Professores deve, portanto, ser contínua, cumulativa, abrangente, sistemática e flexível, de
modo a permitir: (a) acompanhar o desempenho escolar de cada aluno, identificando
aspectos que demandem atenção especial; (b) identificar e planejar formas de apoio aos
alunos que apresentam dificuldades; (c) verificar se os objetivos específicos propostos estão
sendo alcançados; (d) obter subsídios para a revisão dos materiais e do desenvolvimento do
curso.
291
A prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos pressupõe a realização da
avaliação em momentos formais, distintos e complementares, com instrumentos
especialmente planejados e elaborados, tendo em vista os objetivos de cada momento
avaliativo e das informações que se deseja obter.
Considerando a exigência legal de avaliação presencial para os cursos de educação a
distância é importante destacar dois instantes da avaliação: um que acontece em momentos
diferenciados ao longo do curso, segundo o ritmo de cada aluno, mas, dentro dos limites de
um calendário proposto no plano de trabalho estabelecido para a unidade e/ou o módulo de
ensino, e um que acontece ao final de cada módulo, sob a forma de prova.
O primeiro momento, a avaliação de processo, estende-se por todo o módulo, caracteriza-se
por seus aspectos formativo e diagnóstico e favorece o diálogo constante entre as atividades
didáticas e a aprendizagem. É nesse momento, principalmente, que a avaliação se
caracteriza como um processo contínuo e cumulativo. A continuidade da avaliação está
inscrita na continuidade da ação didática que é construída no movimento continuidade ñ
ruptura - continuidade. É nesse movimento que a idéia de processo contínuo e cumulativo
deve ser apreendida, pois a avaliação cumulativa não é avaliação que soma ou acumula
resultados que se sobrepõem. Cada resultado parcial é a ruptura que brota na continuidade
do processo e possibilita novas ações didáticas, dentre elas, as ações avaliativas.
A avaliação de processo acontece de maneira formal e informal. Formal, quando utiliza os
instrumentos preparados para a obtenção de informações sobre habilidades e ou
competências previstas no projeto pedagógico do curso. Mas, não podemos desprezar, na
educação a distância, fatos e informações não previstos, que emergem durante todo o
processo, e que são reveladores de avanços, progressos e dificuldades do aluno, bem como,
indicadores da adequação e da qualidade do material didático, do plano de trabalho
elaborado para o curso, do sistema de tutoria adotado.
A avaliação de processo é a que se relaciona mais diretamente com o sistema de
recuperação de uma proposta pedagógica que vise a uma aprendizagem efetiva de seus
292
alunos. As avaliações formativa e diagnóstica que acontecem durante todo o processo
possibilitam que as dificuldades encontradas pelo aluno seja percebidas no momento em
que aparecem e tornam possíveis as ações que visam à superação dessas dificuldades. Na
recuperação durante o processo o aluno sente-se mais motivado a buscar os procedimentos
e recursos didáticos que possam lhe ajudar.
A operacionalização de um sistema de avaliação acha-se diretamente relacionada aos
instrumentos utilizados para a obtenção de dados e informações. Assim como na educação
presencial, na educação a distância a escolha desses instrumentos deve ser bastante
criteriosa, tendo em vista os objetivos da avaliação e as características dos dados a serem
obtidos. Como exemplos de momentos e instrumentos para uma avaliação na educação a
distância na formação de professores temos:
avaliação mensal da aprendizagem ou unidade de estudo: prova;
caderno de atividades, seminários (quando possibilidade de
encontros mensais de grupos de alunos); redação de memorial em
seus diversos momentos e versões; elaboração de projeto de
monografia; redação de monografia em suas diferentes versões e
momentos.
avaliação da prática pedagógica: ficha de registro de observação;
entrevista; questionário; análise de planos; memorial; seminários
(quando é possível a reunião de grupo de alunos).
avaliação semestral ou do módulo cursado: prova; memorial como
síntese parcial de curso; monografia (observação dos avanços no
semestre ou módulo).
avaliação final de curso: prova; memorial em sua versão final;
monografia em sua versão final.
293
A avaliação do aluno na educação a distância na formação de professores orienta-se,
portanto, pelo projeto pedagógico do curso em que se insere. Resguardadas as
características próprias da educação a distância, a avaliação do aluno tem como referência
básica a avaliação contínua e final na interdependência das modalidades formativa,
diagnóstica e somativa.
NOTAS:
* Consultora técnico-pedagógica do projeto Veredas ñ Cursos de Formação de Professores
em EAD ñ Secretaria Estadual de Educação / MG.
294
Kátia Morosov Alonso 1
A Avaliação e a Avaliação na educação a Distância: algumas notas para reflexão
Quando falamos de avaliação, falamos de um processo extremamente complexo seja no
âmbito de nossas vidas privadas ou no âmbito profissional. Imaginem a complexidade do
tema quando tratamos dos processos de ensino/aprendizagem. Afinal a partir de que
critérios poderíamos avaliar se um conhecimento é valido, ou ainda, se é importante, ou se
alguém se apropriou de um determinado conceito?
Sem dúvida, que no âmbito mais geral de nossas vidas, a cultura e os nossos próprios
entornos sociais acabam por definir critérios que nos permitem avaliar situações que nos
afetam diretamente.
Da mesma maneira, quando tratamos da avaliação de programas educacionais ou da
avaliação do processo ensino/aprendizagem, determinados critérios devem ser colocados ou
explicitados para sabermos o porquê e o para quê de um processo dessa natureza.
295
Ao trabalharmos com propostas educacionais é possível afirmar que uma de suas principais
características é a de ser uma ação que pressupõe processos de acompanhamento e
avaliação, além de ser uma ação intencional e sistematizada.
Esta afirmação tem, por sua vez, como pressuposto, a idéia de que um processo educacional
tem por base o trabalho com os conhecimentos historicamente acumulados, sendo que sua
transmissão e reelaboração são mediados, no contexto escolar, pelo professor. Para que
estes saberes possam ser apropriados pelos alunos, que se pensar sempre na forma pela
qual se dará a comunicação educativa, entendendo que este tipo de comunicação terá como
fundamento signos e significados constituídos social e culturalmente. Ou seja, se nós
educadores não nos apropriamos também do "mundo" do outro, no caso, o "mundo" dos
alunos, pouca coisa ocorrerá do ponto de vista pedagógico.
Veja que o parágrafo acima, apesar de sua brevidade, nos aponta uma série de elementos:
falamos sobre saberes, contexto escolar, signos, significados, sociedade e cultura. Sem
dúvida que nos referimos a dimensões diferenciadas das práticas escolares, no entanto, não
podemos reduzir esta prática, pura e simplesmente, à sala de aula. Um processo educativo
compreende dimensões que extrapolam, em muito, a relação professor/aluno ou a relação
aluno/saberes.
Assim, os processos de acompanhamento e avaliação são intrínsecos aos processos
educacionais porque é através deles que poderemos levantar indicadores que venham nos
"revelar" se a aprendizagem foi efetiva ou não. Isto implica se ter presente várias dimensões
que compõem um fazer desta natureza.
Desta maneira, é possível afirmar que a avaliação é parte integrante do ato educativo, pois
será através dela que poderemos evidenciar o "como" o processo de ensino/aprendizagem se
desenvolve e, se preciso for, readequá-lo, redirecioná-lo ou reelaborá-lo.
296
A base de toda avaliação do processo de ensino/aprendizagem deveria ser aquela que
possibilitasse, sempre, um conhecimento mais amplo dele gerando, a partir daí, referenciais
para tomadas de decisões quanto à manutenção ou não de determinadas práticas escolares.
Para se estabelecer estes referenciais há uma série de estudos sobre a avaliação que vão nos
explicitar as bases desta ou daquela "prática avaliativa".
O processo de avaliação tem, então, como fundamento um trabalho sistematizado. Ou seja,
é necessário estabelecermos critérios para que ela seja objetivada, considerando as várias
dimensões de um processo educativo.
No campo da produção científica, a discussão em torno desta problemática tem produzido
uma série de teorizações sobre o que seja avaliar, porque se avalia e a partir de que critérios
ela se desenvolve.
Como todo e qualquer campo do conhecimento a avaliação pressupõe determinada visão de
mundo, isto significa que em sua compreensão se explicitará sempre uma determinada
visão de homem, de sociedade e, por conseguinte, da escola.
Estas "visões mais gerais" acabam por trazer implicações metodológicas e práticas para a
avaliação do processo ensino/aprendizagem, elas acabam por determiná-la também.
Tanto é assim que para Abramowicz (1994), por exemplo, a avaliação quando pensada em
seu sentido mais amplo, isto é, quando se trabalha com a idéia da avaliação dos sistemas
educativos, isso implicaria tomadas de decisões que subsidiariam a formulação de políticas
públicas. No entanto, é exatamente por se estar pensando na avaliação de sistemas
educativos, que a avaliação cognitiva, como uma das dimensões desses sistemas, seria
determinada, segundo a autora, pelas concepções que dão forma e conteúdo a esses mesmos
sistemas. Daí, a relação entre a avaliação cognitiva e política, ou políticas públicas. A
autora reconhece que apesar de se constatar que a avaliação é "essencialmente uma
297
atividade política, a relação entre avaliação e política é pouco estudada e compreendida"
(Abramowicz, 1994, p.95). Para nós, o mais importante é perceber a relação entre as
dimensões mais amplas da avaliação que indicam, como o trabalho por Abramowicz, a
implementação de determinadas políticas e o reflexo disso em sala de aula. É nesse sentido
que a avaliação do processo ensino/aprendizagem acaba por exprimir, quer estejamos de
acordo ou não, uma determinada visão de sociedade, homem, escola, ensino, dentre outros
elementos. É, por isso, também, que no texto a autora afirma a necessidade de se ter um
projeto de escola coletivo, autônomo, criativo e democrático (cf. Abramowicz, 1990, p.96).
Toda a reflexão proposta por Abramowicz (1994, p.97) evidencia a necessidade de se
contextualizar a denominada avaliação cognitiva de maneira que pudéssemos superar sua
concepção como "mera constatação do desempenho, como retrato estático de rendimento
em testes e provas". Se compreendemos que o "projeto de avaliação cognitiva" da escola
expressa um projeto de sociedade, a avaliação do que ocorre nesse espaço "passaria pelo
questionamento dos fins e meios, e pela discussão da "real irracionalidade" (Arroyo, 1987)
das ações sociais e educacionais e de suas causas estruturais mais globais" (Abramowicz,
1994, p.98).
Poderíamos trabalhar por muito mais tempo as idéias propostas por Abramowicz e,
atualmente, por outros autores que também refletem sobre a relação avaliação/políticas
públicas, essa é uma discussão bastante esclarecedora quanto aos fatores que determinam
nossas práticas pedagógicas. Porém, melhor do que a "tradução" do texto aqui referido, a
sua leitura poderá ser ainda mais produtiva, uma vez que a autora trata dessas questões de
forma clara e enfática, propiciando, sem dúvida, análises significativas para nós,
professores.
Para continuar com as nossas "notas" sobre a avaliação, gostaria de fazer referência a um
texto de Firme.
Se Abramowicz dá um "sobrevôo" muito importante, tratando da relação avaliação/políticas
públicas, Firme(1996) apresenta uma discussão sobre o que ela denomina de as "gerações"
298
de avaliação. Essa discussão é importante, na medida em que queiramos compreender, um
pouco mais, sobre as práticas que se estabelecem no âmbito, ou na dimensão da "avaliação
cognitiva", que como vimos no texto de Abramowicz (1994), determina a avaliação escolar.
Ainda que esse texto introduza a discussão sobre a avaliação tratando dos "hábitos
avaliativos", a autora propõe uma reflexão importante sobre "modelos", ou como ela
denomina: gerações de avaliação, que indicam práticas avaliativas no interior de nossas
escolas (em qualquer nível de formação, como o explicitado no texto). Isso nos remete, sem
dúvida, sobre "o que fazer" na avaliação, uma vez que os modelos avaliativos se ritualizam
de tal maneira que é difícil transcender determinados "tabus" que se estabeleceram e
estabelecem nesse âmbito. A "prova" é um bom exemplo disso.
Para trabalhar tais reflexões, a autora faz uma análise sobre os avanços e retrocessos do
processo da avaliação, utilizando três categorias: utilidade, viabilidade, exatidão e ética.
Discute as mudanças conceituais ocorridas, agrupando-as em períodos a que chama de
geração, identificando quatro: a geração associada a mensuração, em que não se fazia
distinção entre avaliação e medição, ocorrida principalmente entre os anos de 1920 e 1930;
a segunda que se caracterizou pela busca de melhor entendimento do objeto da avaliação; a
terceira, que surge como decorrência das limitações surgidas em relação à dependência
excessiva dos objetivos. E finalmente, nos anos de 1990, a geração em que a avaliação
passa a ser concebida como um processo interativo, negociado por estar fundamentada num
paradigma construtivista.
No entanto será que nos desfizemos dos "modelos de avaliação" de caráter puramente
quantitativos? Ou daqueles fundados em objetivos, geralmente, com características
comportamentais? Penso que em nossos ambientes escolares, os exames, as provas finais
(prova disso são os vestibulares), os comportamentos, definem em grande medida os
"escores" de quem "passa de ano" ou é reprovado(a). Pobre fim esse de nossos alunos(as)...
299
é importante nos perguntarmos: mas por que a escola não muda? Por que terminamos
por reproduzir determinados padrões avaliativos que, quase sempre, exprimem o quadro
caótico da maior parte das escolas brasileiras?
Para Esteban (2000) essas perguntas podem ser respondidas se analisarmos a produção
do fracasso/sucesso escolar no processo de inclusão/exclusão social. Ou seja, pensar sobre
qual o projeto de escola, para quem ela se destina, porque e para que existe essa instituição
parecem ser pistas importantes para chegarmos a "arranhar" o "véu de chumbo" que paira
sobre as práticas avaliativas de nossas escolas.
Claro está que a relação inclusão/exclusão social implica também a permanência ou não de
determinados grupos sociais na escola, justamente por expressar qual é o tipo de
conhecimento a ser aí "passado ou repassado".
A leitura do texto de Esteban (2000) nos permitirá vislumbrar uma outra dimensão - muito
esquecida em nossos dias - que permeia a avaliação: a dimensão ética. Isso em função
daquilo que a escola valida ou deixa de validar como saber, como conhecimento
historicamente acumulado. E, nesse caso, o conhecimento, as experiências vividas, os
saberes acumulados daqueles que não estão incluídos socialmente têm pouco valor seja
dentro da escola ou fora dela. É, pois, nesse sentido que a autora chama nossa atenção e nos
aponta pequenas possibilidades e situações onde o "outro" começa a ser reconhecido,
constituindo-se ele(a), também, como possibilidade.
Como bem sabemos todo processo educativo/formativo tem por base uma relação. Relação
eivada por valores, lugares sociais, significados culturais, compreensões e projetos,
sobretudo, projetos de vida. É nesta teia que as práticas pedagógicas são forjadas, buriladas
e veiculadas, incluindo aí a avaliação.
300
Para Esteban (2000) justamente por se tratar de uma prática complexa, no sentido das
dimensões que abarca, a avaliação pressupõe conhecer, reconhecer, negociar e, sobretudo,
pressupõe um projeto de escola, por isso a dimensão ética é colocada aqui como importante.
A compreensão dessa outra relação: avaliação/ética, também me parece importante para nós
educadores.
Prosseguindo com estas nossas primeiras anotações, seria importante, além de conhecer as
principais linhas do pensamento sobre a avaliação, compreender o "como" isto se reflete
nos ambientes escolares ou nos processos de ensino/aprendizagem.
Tal tipo de reflexão é importante na medida em que compreendemos a avaliação e suas
implicações na escola, tendo como perspectiva a avaliação curricular.
Por que isso seria importante?
Se retomarmos o começo da nossa conversa, vamos observar que um dos objetivos era o de
"trazer à tona" algumas das dimensões que comporiam a avaliação. Como vimos até aqui,
existe uma dimensão política, segundo o preconizado por Abramowicz (1994), existe uma
dimensão ética conforme o colocado por Esbeban (2000) e existe uma outra dimensão, que
como o apontado por Rodrigues (1993), determina também a avaliação: a dimensão
curricular. Para esse autor o currículo assume uma dimensão importante no processo
avaliativo escolar uma vez que o rendimento dos sistemas educativos terá que,
necessariamente, tomar como referencial os diversos aspectos do ensino nele englobados ou
explicitados.
Além disso, Rodrigues(1993) tratará dos componentes da avaliação curricular, tomando o
controle, a coleta de informações, a medida e a investigação como base para tomada de
decisões.
301
Por que este texto é importante?
Como foi dito anteriormente, a avaliação educacional (bem como em outros domínios) e,
mais precisamente, a avaliação do processo ensino/aprendizagem deverá ocorrer sempre a
partir de determinados referenciais e seus resultados deverão ser confrontados com os
critérios estabelecidos com vistas a determinadas finalidades. Isto significa que todo e
qualquer processo avaliativo não é neutro e, dependendo dos critérios e finalidades
estabelecidos, nossos "juízos de valor" poderão afetar diretamente àqueles que participam
desse processo. Para Rodrigues(1993), o referencial da avaliação escolar deve ser
trabalhado a partir do currículo, uma vez que ele engloba objetivos, procedimentos etc.
Neste sentido, concordamos com Rodrigues, ou melhor concordamos com a idéia de que o
processo avaliativo deve pautar-se em determinados referenciais, pois são estes referenciais
que explicitarão nossa opção política, entendendo a opção política como "o quê" e "a quem"
estaremos priorizando no ato de se avaliar.
Ainda que não aprofundemos nossas notas sobre as opções políticas reveladas no ato de
avaliar, seria importante refletirmos sobre o como os fundamentos que permeiam nossa
opção avaliativa implicam um posicionamento ético frente ao ato de ensinar.
Isto significa que a opção por determinados critérios avaliativos vão redundar,
necessariamente, na valorização de elementos que poderão ou não, evidenciar, por
exemplo, os esforços individuais feitos pelos alunos que participam de um processo
formativo.
O fato é que, a opção por esta ou aquela forma de avaliar, irá revelar, quase sempre, nossa
concepção de mundo. Caso optemos por avaliar um processo ensino/aprendizagem, cuja
base seja classificar os "bons" e os "maus" alunos, estaremos, podem estar convencidos,
optando por uma escola cada vez mais seletiva e excludente.
302
Claro que a instituição escola é determinada pelos fatores sociais, econômicos políticos e
culturais e isto incide sobre seus resultados. Porém, não é por isto que vamos nos eximir de
pensar sobre os fatores intra-escolares que contribuem para o insucesso escolar em nosso
país, incluindo os currículos anacrônicos às realidades vividas pelos alunos, as práticas
docentes autoritárias, as avaliações de caráter classificatório, entre outros elementos.
Tentar trabalhar com processos educativos que venham mudar o cenário da exclusão
escolar na maioria das escolas brasileiras, significa, sim, um posicionamento ético, político
e de engajamento profissional com vistas a mudanças importantes nas práticas docentes.
Nosso próximo passo diz respeito à discussão sobre o porquê da avaliação. Ao avaliarmos
qual seria nossa intenção? Caso não tenhamos como objetivo mudanças concretas nos
processos de ensino-aprendizagem, a avaliação seria inócua como afirma Villas(1999). Para
a autora, a avaliação pode ser entendida como um processo amplo de observações,
intervenções e regulações.
O que se discute, nesse caso, são os elementos que, de uma maneira ou outra, acabam por
influenciar ou a conservação dos sistemas educativos ou suas mudanças. Caso optemos por
mudanças efetivas nos sistemas educativos, temos que pensar não em procedimentos de
caráter formativo, porém, e sobretudo, em atitudes que venham efetivamente possibilitar
mudanças.
Desta maneira, vocês poderiam questionar: a avaliação, ou melhor, o processo avaliativo,
traz, então, em suas bases uma gama de atitudes frente aos problemas que enfrentamos em
nossa prática docente? Podemos afirmar que sim. Isto significa que a avaliação implica o
rompimento de determinados condicionantes que existem em práticas pedagógicas mais
tradicionais.
Quais seriam eles?
303
Antes de mais nada não se trata de aprovar e reprovar alunos. O que se coloca é uma
questão simples: afinal que escola queremos? Esta é a base para o estabelecimento de
qualquer processo avaliativo escolar. Quando falamos de critérios, estamos falando sobre
quais elementos estaremos valorizando no processo avaliativo.
Você pensou sobre isso? Quando você avalia quais são as bases de sua ão? O que
"vale" efetivamente em sua avaliação: os alunos? seu planejamento de ensino? a direção da
escola (seja ela em que nível for)? ou um conjunto de elementos que consideram tanto os
atores alunos/professores e suas inserções nas instituições escolares?
As dimensões e elementos até aqui elencados constituem as bases ou os fundamentos para o
planejamento da avaliação escolar, no sentido de superarmos a avaliação classificatória,
seletiva, autoritária e punitiva. Claro que um tal posicionamento está vinculado a
transformações sociais mais amplas. Porém, como o afirmado por Silva(1990), é necessário
se pensar em pontos intermediários entre as determinações sociais mais amplas (o que
inclui sistema de produção, forças sociais, relações de trabalho...) e a própria produção
escolar. Seria neste "intermezzo" que alternativas poderiam surgir. É nesse sentido, que
coloco a proposição acima.
2.2 Algumas notas sobre a Avaliação e a Educação a Distância
Se as dimensões e elementos trabalhados anteriormente definem as "práticas avaliativas", o
que existiria de particular na avaliação do processo ensino-aprendizagem na Educação a
Distância? Será que ela seria uma "educação em particular"?
Vamos tentar resolver este problema por partes. Primeiro, vamos esclarecer alguns pontos
obscuros com relação à Educação a Distância. Ela é realmente algo particular no processo
educativo?
304
A EAD, para autores como Jonassen (1996), Garrison (1993) e Shale (1990,1996), tem
como pressupostos ou como base de suas propostas, as mesmas bases da educação
presencial.
O que isso significa?
Significa que as compreensões acerca dos processos de desenvolvimento do conhecimento
e do ensino/aprendizagem ocorrem a partir dos mesmos princípios epistemológicos que dão
base ao sistemas presenciais de ensino.
Isto quer dizer que podemos pensar em sistemas de aprendizagem desenvolvidos através da
EAD de caráter inatista, empirista ou interacionista (considerando as matrizes mais amplas
sobre esse assunto)? De que maneira?
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que se confundem muito as possibilidades de uso
da EAD com sistemas de ensino mais interativos e democráticos como se a modalidade, por
si só, pudesse estabelecer novas práticas educativas. Aparici(1999) nos explica que grande
parte desse tipo de percepção tem a ver com a idéia bastante "fetichizada" de que com o uso
mais intenso das novas tecnologias da informação e comunicação boa parte dos problemas
relativos à EAD estariam solucionados, uma vez que nessa modalidade de ensino tal uso é
mais freqüente. No entanto, é possível afirmar que, por exemplo, caso pensemos em
sistemas cuja concepção esteja embasada na idéia de que alunos e professores irão, apenas,
reproduzir os conhecimentos estabelecidos, ainda que mediados tecnologicamente,
teremos como resultado, sem dúvida nenhuma, um sistema de ensino bastante
empobrecido, logo bastante limitador quanto às suas possibilidades de interação,
interlocução e diálogo.
No entanto, se trabalharmos com a idéia de que alunos e professores vivem e experienciam
diferentes formas de relações entre o vivido e o pensado, nossa postura, ou melhor, nossa
305
forma de perceber como o conhecimento é produzido será completamente distinta daquela
apontada anteriormente.
Assim podemos pensar em sistemas de EAD mais ou menos diretivos, ou em sistemas em
que alunos e professores construam, processualmente, conhecimentos.
Onde isto estará expresso?
Nos projetos político-pedagógicos que definem com quem trabalhar, a partir de que
objetivos e quais serão as bases metodológicas de desenvolvimento dos processos
ensino/aprendizagem. Pois, todo e qualquer projeto político-pedagógico define uma
concepção de aprendizagem, o que inclui também uma visão de avaliação.
Na visão de Neder (1996), a avaliação educacional transcende, sempre, os aspectos ligados
ao rendimento escolar, estando vinculada a políticas e programa educacionais.
E a EAD, como se configura neste quadro?
Como bem sabemos, a EAD é uma modalidade de ensino que pressupõe o rompimento da
relação "face-a-face" entre alunos e professores. Como é uma modalidade de ensino que
tem por base este fato, elementos como os meios de comunicação, os materiais didáticos, a
tutoria acadêmica, entre os elementos mais importantes neste tipo de sistema, assumem um
papel central nos processos educativos (em função da necessidade de mediá-los). Isto não
significa que os sistemas constituídos para um processo de ensino/aprendizagem baseado na
EAD, impliquem novas formas de aprendizagem. Significa, simplesmente, que novos
ambientes de aprendizagem podem se constituir de maneira independente da relação
professor/aluno que conhecemos. Assim quando tratamos da EAD, estes novos ambientes
devem ser considerados também no processo avaliativo. Desta maneira, material didático,
meios de comunicação, tutoria e organização de meios, acabam por influenciar os processos
de ensino/aprendizagem, sem no entanto, modificar seus fundamentos epistemológicos.
306
O que defendo aqui é a idéia de que na EAD os "novos" elementos a serem considerados no
processo avaliativo não modificam, substancialmente, os processos de ensino/aprendizagem
que conhecemos. Estes novos elementos, apenas, ressignificam o denominado projeto
político-pedagógico de um curso desenvolvido através dessa modalidade seja ele de que
natureza for, considerando os processos de avaliação. É neste sentido que Neder(1996)
também aborda essa temática em suas reflexões.
No entanto, a EAD apresenta alguns problemas que lhe são específicos. Do ponto de vista
da avaliação da modalidade, um dos problemas mais freqüentes diz respeito às altas taxas
de abandono nos cursos trabalhados através dessa modalidade. Poderíamos afirmar que toda
proposição de sistemas educativos baseados na EAD deverá tomar isso como referência e, a
partir daí, indicar alternativas que venham, efetivamente, mudar isto.
Alonso e Preti(1996) ao "tocarem" nesse assunto, o apontam como um dos problemas mais
frequentes na EAD, daí a necessidade de considerá-lo quando tratamos da proposição de
projetos e programas que se desenvolvam através dessa modalidade de ensino. E, na visão
dos autores, elementos como o acompanhamento sistemático aos alunos, a disponibilização
de meios, o apoio institucional aos estudantes, dentre outros, incidem, fortemente, na
permanência do público que se utiliza da EAD.
Exatamente por ser reconhecido como um dos problemas no desenvolvimento da EAD, as
taxas de abandono são consideradas hoje como um dos indicadores na análise da
efetividade de sistemas de ensino não presenciais, para Paul (1999) o êxito ou o fracasso
desses sistemas estaria centrado nesse tipo de avaliação.
Desde os anos de 1970, quando a EAD é colocada como alternativa pedagógica, suas
concepções mudaram muito. Grande parte dessas mudanças ocorreu, justamente, por se
constatar que os modelos de EAD baseados na economia de escala, no industrialismo
didático, na massificação, redundaram em fracassos bastante significativos, daí a
necessidade de se reconceituá-la (cf. Belloni, 1999). Desta maneira os problemas
307
vivenciados e as proposições para superá-los o aspectos a serem considerados no
momento de pensarmos nossos projetos e programas em EAD.
O que podemos observar é que a proposição de sistemas alternativos de ensino ou a
constituição de novos ambientes de aprendizagem que tenham por base a EAD pressupõem
novos paradigmas educacionais. A "velha escola", aquela onde todos faziam tudo ao
mesmo tempo, partindo do princípio de que todos podiam aprender tudo de maneira
homogênea, já não atende mais às necessidades dos tempos atuais.
Vivemos um momento histórico que coloca em "xeque" a maior parte das "certezas" que se
constituíram a partir do Iluminismo e da Modernidade, incluindo-se a escola. Ou seja, a
escola que conhecemos não responde mais às necessidade de formação que se pretende hoje
e seus métodos, fundados na presencialidade e na autoridade do professor, não permitem
que, por exemplo, profissionais possam continuar seus processos de estudo nas instituições
conhecidas para este fim.
Quando falamos de novos processos de formação fazemos referência à denominada
"educação permanente" ou "continuada". Atualmente, não se compreendem mais os
processos educativos como processos com começo, meio e fim. O que se tem colocado é a
necessidade de se pensar em sistemas educativos que possam atender às novas demandas
por formação que ultrapassem a escola fundamental, o ensinodio e a formação superior,
por isso se discute hoje "como" possibilitar "aberturas educativas" que respaldem diferentes
"anseios formativos". Além disto, como "formar", na atualidade, alunos que não tenham um
mínimo de acesso às denominadas novas tecnologias da informação e comunicação? O que
a sociedade nos propõe hoje, é o repensar e o ressignificar os processos de ensino. Cada vez
mais se afirma a necessidade de trabalharmos processos educacionais que tenham por base
a colaboração e cooperação. Neste sentido o uso das novas tecnologias da informação e da
comunicação poderia contribuir na reconfiguração dos ambientes escolares, na medida em
que seu uso pressupõe a transcendência do espaço e do tempo na forma pelo qual os
conhecemos, inclusive os relacionados à escola.
308
O que isso tem a ver com a avaliação?
Como afirma Jonassen (1996, p.87): importante notar que a aprendizagem construtiva
estará comprometida somente se os alunos entenderem que serão também avaliados
construtivamente e exigirem que os métodos da avaliação reflitam os métodos inseridos nos
ambientes de aprendizagem". Ainda que esta seja a única referência à avaliação que o autor
faz neste seu texto, o que podemos evidenciar é que a avaliação será determinada, em
grande parte pela proposta educativa. Este autor trabalha, basicamente, com a proposição do
uso intensificado das tecnologias da informação e comunicação nos processos de formação.
E, ao tratar da avaliação, ele também traz tona" o problema da proposta pedagógica que
professores e alunos estarão vivenciando. O problema não é pensar a tecnologia, o meio ou
o recurso pedagógico, mas o projeto político-pedagógico que dará sustentação a isso. Parece
que o nosso desafio na EAD será o de romper a "casca" da relação direta professor/aluno,
compreendendo que o processo ensino/aprendizagem pode ser mediado por diferentes
meios tecnológicos e através de serviços tutoriais preparados para este fim. São estes os
elementos que comporão os novos ambientes de aprendizagem, aqueles que ultrapassarão a
sala de aula convencional e cujos processos de avaliação estarão determinados pelos
projetos educativos e os objetivos de formação que se queiram alcançar, determinando,
assim, seus critérios e instrumentos.
As notas aqui propostas não têm o objetivo de "fechar" qualquer questão sobre a Avaliação
e a EAD, afinal acredito que nós, os educadores, temos que resgatar nossos projetos
educativos e, nesse caso, a avaliação do processo ensino/aprendizagem seria uma de suas
dimensões. Deixo o convite para pensarmos a tão "famigerada" e "amaldiçoada" avaliação
do ensino/aprendizagem (ou cognitiva) como uma ação que integra as dimensões política,
ética e curricular, entendendo que na EAD os elementos que compõem um sistema não
presencial de ensino definiriam sua especificidade. E, que antes de tudo, não temos que
pensar a EAD como uma modalidade dissociada de um projeto educativo, mas como uma
forma de se organizar processos de formação, submetidos a finalidades, fins, intenções...
Ou melhor, a um projeto de sociedade, logo, um projeto educacional.
309
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NOTAS:
1. Professora do Departamento de Ensino e Organização Escolar e Coordenadora do
Núcleo de Educação Aberta e a Distância na Universidade Federal de Mato Grosso
312
Leda Maria Rangearo Fiorentini 1
Questões pedagógicas e curriculares da formação continuada de professores a
distância
1. Introdução
Os desafios da concepção de cursos a distância e da elaboração de seus materiais didáticos
são complexos e não podem ser minimizados. As bases conceituais norteadoras das
propostas são determinantes de sua qualidade e podem favorecer avanços na construção de
conhecimentos pelos cursistas, ao invés de lhes oferecer um simples repasse das
informações sistematizadas existentes na sociedade. Podem contribuir para formar pessoas,
a despeito das distâncias geográficas, das dificuldades de afastamento dos locais de trabalho
por longos períodos para freqüentar cursos, atender a demandas sociais emergentes, por
meio de programas de atualização, aperfeiçoamento, formação inicial e continuada de
profissionais.
grandes vantagens advindas da transparência e da publicidade dos atos na educação a
distância, na medida em que permitem conhecer em detalhe as condições do ensino e da
aprendizagem, alcançando esferas e ambientes nos quais anteriormente só se podia
adentrar/conhecer/participar diretamente por meio da presença física na sala de aula, onde
ocorriam os contatos face a face de professores e alunos.
Tal condição "nova" demanda uma postura avaliativa imbricada no próprio fazer, que
fomenta uma dinâmica profundamente pedagógica aos participantes e à sociedade. De um
313
lado, educadores e aprendizes podem e são chamados a participar ativamente, de forma
crítica e ampla, dos processos de auto-avaliação institucional do planejamento e gestão de
projetos, cursos, disciplinas, ambientes tecnológicos, suas ferramentas, materiais didáticos,
atividades de aprendizagem e de avaliação do desempenho - garantia da condição ativa de
ensinantes, aprendizes, orientadores acadêmicos/tutores e gestores. Ao mesmo tempo,
possibilita e demanda o exame e a consideração das contribuições de pessoas externas e
outros pesquisadores, que venham a ter acesso aos processos formativos ofertados.
Compreender o entrelaçamento de tais dimensões, da concepção à avaliação e reformulação
dos cursos, materiais e processos de trabalho, pode ser muito significativo no
aperfeiçoamento das iniciativas de formação a distância, de educação com tecnologias.
Implica assumir a condição de que a instituição toda é educativa (Holmberg, 1985).
2. A influência da memória educativa do sistema presencial
Há que reconhecer, na hora de concebermos cursos e materiais didáticos para aprendizagem
a distância, nossa condição inicial proveniente do fato de que a maioria de nós é originária
do sistema presencial de educação, o que influencia e condiciona nossas concepções, nossas
maneiras de perceber, de organizar, de avaliar os processos, os materiais, os conteúdos, de
maneira bastante inconsciente. Na hora de conceber cursos, seus materiais didáticos e
processos de trabalho, certamente estamos influenciados pela força pedagógica de
conhecimentos existentes, do cotidiano de nossa formação, experiência e trajetória, como
aprendizes e como ensinantes, bem como com os meios, linguagens e suportes de
informação e de comunicação.
Muito se tem pesquisado sobre a força das concepções espontâneas e mesmo as errôneas na
formação de conceitos em várias áreas de conhecimento, bem como sobre a oportunidade
de fazê-las aflorar e reconstruí-las à luz dos novos modos de compreendê-las,
ressignificando-as.
314
Com freqüência, ao longo de nossas experiências educativas e de cidadãos, usamos a
televisão, o rádio, as fitas de audiocassete muito mais como entretenimento do que como
oportunidade de aprendizagem sistemática, regular, formal. Mesmo nossas incursões pelos
computadores, pelas redes eletrônicas, pelo acesso aos programas via satélite, via de regra
podem estar mais impregnadas dos processos de aprendizagem informal, da exploração
espontânea, do que do uso sistemático, orgânico e contínuo para fins de aprendizagem
escolarizada.
O impacto dessas experiências é, com freqüência, implícito, o que nem sempre nos permite
perceber o que ocorre nem sua influência determinante sobre os processos, meios e
materiais, ambientes e sistemas de relações, pois interfere no desenvolvimento e
organização dos cursos que concebemos, dos materiais didáticos que elaboramos, na
consideração do valor da presencialidade, do valor da distância geográfica, do tempo, do
espaço, dos processos de aprendizagem.
E qual o significado disso na hora de trabalhar na educação com tecnologias? O progresso
das práticas sociais educativas, presenciais ou a distância, impregna-se das variáveis e dos
condicionantes, das soluções formuladas e empreendidas pelos educadores e pelos
aprendizes. Na realidade, interessa-nos, a todos, acelerar mudanças mais profundas, que
podemos chamar de mudança de mentalidade, de valores, de atitudes, de posturas, de
práticas, de paradigmas, necessárias em tempos de mudanças aceleradas como a da
sociedade do conhecimento e da aprendizagem. É preciso também levar em conta que não
são simples, nem fáceis, nem rápidas, nem lineares, nem progressivamente sempre
melhores. altos e baixos, avanços e retrocessos, o que exige prudência e constância,
perspicácia e postura de estudo sistemático para garantir seu aperfeiçoamento na direção
desejada.2
3. Questões espaço-temporais e padrões de comunicação
O processo educativo, como ação sistemática da sociedade sobre seus membros,
desenvolve-se por meio de complexa rede de interações sociais que se estabelecem entre os
315
sujeitos que aprendem, os sujeitos que ensinam e as instituições sociais, particularmente as
educativas. Essas interações são viabilizadas por meio de critérios e padrões
organizacionais que definem estruturas sociais de participação, suas modalidades,
conteúdos e formas, a partir da intencionalidade básica de socializar e educar os cidadãos.
Isso permite compreender a visão da cultura que se desenvolve na escola por meio do
estudo das organizações educacionais, do currículo, em suas dimensões manifesta e oculta,
nas condições reais em que se desenvolvem. Pode-se mesmo afirmar que o currículo
configura-se como um campo em que as idéias e as práticas sociais se afetam mutuamente
em sua interação (Fiorentini, 1993). Trata-se de conceito que se estende naturalmente para
os processos de ensino a distância, aos materiais, à estrutura de apoio, à orientação
acadêmica, ao acompanhamento pedagógico do aprendiz.
Nos processos educativos, as variáveis espaço e tempo se combinam em função da
intencionalidade educativa3, da disponibilidade dos meios de comunicação e das
características dos ambientes e tecnologias em que e com que se realizam. O que requer
atenção especial nos processos de ensino "a distância", pois neles nos deparamos com a
separação física habitual entre alunos, professores e administradores, com processos de
comunicação diferida no espaço e no tempo e, em conseqüência, dificuldades de
compartilhar locais ou horários de modo simultâneo, aos quais habitualmente se atribui uma
qualidade negativa implícita. Já nos sistemas "presenciais", nos acostumamos a que essas
mesmas variáveis favoreçam relações diretas, face a face, em turmas e aulas que se
sucedem, com regularidade, a intervalos temporais previamente definidos e fixos, que se
repetem em locais predeterminados, característica a que habitualmente se atribui uma
qualidade positiva implícita.
Entretanto, é necessário estar alerta nessa conceptualização, que mesmo na contigüidade,
na proximidade espaço-temporal, é comum serem observados relacionamentos impessoais e
dificuldades como as de saber o nome dos estudantes e/ou conhecer suas características
individuais (Chaves, 1999) e nos processos de comunicação diferida podem ocorrer
relacionamentos individualizados, intensos e altamente personalizados.
316
A velocidade com que essas diferenciações estão cada vez menos estanques, menos duais,
torna-nos cientes de sua faceta dialética e dialógica e nos sinaliza a necessidade de
reconceptualizar, ressignificar e relativizar os conceitos de presença e distância, pois os
relacionamentos, inclusive os pessoais, independem da proximidade no espaço e no tempo,
que se viabilizam por distintos meios de informação e comunicação disponíveis, que
envolvem a palavra escrita ou oral, sons, cores e imagens (estática e em movimento).
Numa organização educativa, a comunicação que se estabelece entre professor, aluno e
organização assume feições particulares, tornando fundamental estudar em profundidade o
sistema de interações, o processo de formulação/concepção, planejamento, execução e
avaliação do trabalho de ensino e aprendizagem a distância, bem como de sua gestão.
Se, por um lado, se trata de um processo pessoal, já que o estudante toma, ele mesmo, as
decisões adaptativas, equacionando suas possibilidades e necessidades de ritmo, horário,
local e organização do estudo, por outro lado ele não a realiza sozinho. Ele o faz mediante
os processos de interação que estabelece com a organização educacional nas instâncias de
administração e gestão, apoio, tutoria e acompanhamento acadêmico, bem como com os
materiais de ensino-aprendizagem (Fiorentini, 1996).
Pode-se mesmo afirmar que, em qualquer condição, a educação a distância requer padrões
de comunicação bidirecional, mediada socioculturalmente pelas linguagens tecnológicas,
seus canais, ferramentas e suportes, de tal sorte que assume especial relevância o assegurar
competência comunicativa no processo de ensinar pela instituição educativa como um todo,
bem como a constituição de equipes multidisciplinares que possibilitem o intercâmbio de
visões profissionais e científicas que nos permitam abarcar e abordar o currículo de forma
polissêmica.
A comunicação, no ensino presencial, apesar de todas as limitações de metodologias
hierarquizantes, é bidirecional e alunos e professor continuamente recebem estímulos, não
somente do tipo cognitivo mas também afetivo, como receptores de uma série de
mensagens que lhes proporcionam uma retroalimentação quase instantânea, o que lhes
317
permite introduzir fatores corretivos para adaptar o processo de ensino-aprendizagem às
circunstâncias concretas da turma e da aula (Sanz, 1993).
Nosso desafio está em como obter qualidade similar na educação a distância, na educação
virtualizada, em tempo real ou assincrônico. Isso porque nem sempre a proximidade física
garante qualidade ao ensino e à aprendizagem, a despeito da concepção vigente em que ela
é freqüentemente presumida como intrínseca à educação presencial e ausente ou difícil de
conseguir na educação a distância (Pontes,1993). Por isso, embora possa parecer paradoxal,
a distância não pode ser focalizada como obstáculo intransponível. Pelo contrário, a
superação da distância ou a superação das limitações que ela impõe são condições
necessárias ao sucesso de qualquer processo ou sistema educativo, o que exige alterações
no esquema comunicacional, decorrentes das limitações (e às vezes da ausência) impostas à
contigüidade espacial.
A proximidade física assegurada entre professor e alunos tem tornado predominantes a
comunicação oral (voz) e a comunicação escrita (impressos) como meios predominantes de
comunicação educativa. Buscar outros padrões e referências nessa comunicação é outro de
nossos desafios, que o importante não é focalizar a distância em si, mas o esforço de
ressignificá-la, garantindo a presencialidade necessária à aprendizagem pretendida.
Adotar uma perspectiva dualista não nos ajuda no processo educativo a distância,
principalmente quando o desenvolvimento tecnológico nos permite mais presencialidade
pela redução da distância, inclusive por meio da virtualidade. Não se trata, portanto, de
eliminar o presencial, a contigüidade espacial, a interação face a face. Trata-se de rever a
presencialidade e sua proporção, seus principais momentos, incorporando-a aos processos
formativos sempre que o diálogo, as trocas, a colaboração, a cooperação e o contexto sejam
significantes e relevantes para o aprendiz, que muitas atividades que ele pode realizar
individualmente em seu ambiente usual de atuação.
Equipamentos como a câmera de vídeo e o microfone, acoplados ao computador, nos
permitem ver e ouvir, informar e expressar, pelo menos ponto a ponto, sem maiores
318
dificuldades. Momentos coletivos, com audioconferência, videoconferência,
teleconferência, também possíveis, demandam estrutura mais sofisticada de rede, que
viabilize os contatos e sua qualidade. O mesmo se pode dizer do uso de programas de rádio
e o emprego de outros canais de voz. Todos eles podem contribuir muito para as trocas, as
discussões, os aprofundamentos, a análise de pontos de vista polêmicos, a polissemia, além
de amplificar a credibilidade acadêmica dos processos avaliativos de desempenho.
4. Mitos sobre aprendizagem e conhecimento: como superar e avançar
Alguns mitos prevalecem na educação (D´Ambrosio,1994) e precisam ser superados, como
por exemplo: a ênfase conteudista tem sido considerada como garantia da qualidade da
formação proporcionada; as informações e os conceitos são apresentados em sua forma
final de síntese histórica, freqüentemente sem o devido aprofundamento a respeito da
trajetória cultural de sua elaboração, sem a compreensão dos problemas e dificuldades que
permitiram superar, no processo de evolução social e científico, como se a cultura fosse um
objeto acabado e transferível mecanicamente. Outro mito é o que considera que o
encadeamento lógico, linear, seqüencial assegura o conhecimento, hipótese que não se
sustenta frente a teorias que tratam da representação e realidade, construção do
conhecimento e aproximações explicativas sobre a realidade, esquemas de assimilação e
acomodação, psico-socio-gênese do conhecimento. Há que superar também a idéia de que a
aprendizagem se realiza num intervalo prefixado de tempo, como o são as aulas, os
encontros, os períodos escolares, o que condiciona a prática educativa, o planejamento e o
desenvolvimento curricular, ignorando a dinâmica da atividade cognoscitiva do sujeito
aprendiz, que não cessa simplesmente porque "a aula acabou".
Na realidade, é muito mais vantajoso assegurar maior flexibilidade e variedade nas relações
espaço-temporais, nos cronogramas e nas atividades propostas para que os estudantes
possam explorar devida e convenientemente suas percepções, experiências, idéias, atitudes,
para apreender e construir conhecimentos, melhorando a base conceitual sobre a qual sua
compreensão e análise se apóiam, como contextos de vida real. Isso significa incluir nos
cursos o trabalho com problemas reais, a vivência de múltiplos papéis em contextos
319
realistas, articulando o conhecimento declarativo, procedimental, atitudinal, fomentando
múltiplas formas de representação e a consciência do processo de autoconstrução da
aprendizagem [metacognição], pedindo aos estudantes que examinem o pensamento e os
processos de aprendizagem, que busquem, registrem e analisem dados, que formulem e
contrastem hipóteses, que reflitam sobre o que compreenderam, que construam seu próprio
significado, estimulando a busca de soluções em grupo, por meio do diálogo entre alunos e
professores, a constituição de comunidades de aprendizagem, inclusive em rede.
O estudo a partir de questões que impliquem o desenvolvimento de múltiplos saberes e
inteligências, habilidades e destrezas cognitivas complexas - como as de planificar, avaliar,
analisar, sintetizar - permite valorizar e aproveitar nossa memória, sem privilegiar a simples
memorização, explorando-se a capacidade espontânea de reestruturar o próprio
conhecimento diante de situações em constante mudança, pela forma de representar o
conhecimento ou pelos processos mentais que nela se operam, facilitando a nossa
participação social e a inserção profissional (Spiro & Jehng, 1991; Levy, 1993;
Parker,1997:7-84; Jonassen et al.1997:122; Delors, 1997; Morin, 1999).
Esta reflexão se fundamenta na idéia de que estudar constitui "um ato de criar e recriar
idéias" em que o aprendiz assume o papel de sujeito, o que lhe exige uma postura crítica,
sistemática, uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a, como
atitude frente ao mundo (Freire, 1969). Da mesma maneira, estamos afirmando a dialética
do ato docente: o professor é sujeito ativo na ação que realiza, pois ensina porque aprende e
aprende enquanto ensina (Sacristán, 1992).
Estamos certos de que observar e analisar sua prática docente pode possibilitar ao
professor/autor de textos para o ensino e a aprendizagem a distância definir de forma
consciente, critica e compromissada com o desenvolvimento do aprendiz, as estratégias de
atuação, pois como leitor da realidade e organizador de seu próprio conhecimento [realiza
leitura cultural a partir de sua experiência vital, a partir de suas concepções, referências e
teorias explicativas] poderá selecionar experiências e utilizar/elaborar textos que favoreçam
o estudar, o ato de ler, a apreensão e a construção do conhecimento5.
320
No curso de extensão a distância "TV na Escola e os Desafios de Hoje", as atividades de
aprendizagem são propostas por meio de documentos textuais integrados (materiais
impressos e vídeos veiculados pela TV Escola) elaborados em função dos objetivos, na
tentativa de potencializar o acesso dos cursistas ao discurso pedagógico dos professores-
autores e organizar a interação entre eles por meio de padrões de conversação didática
orientada, guiada, sobre os vários temas abordados.
Seus materiais impressos são compostos por textos especialmente escritos para a
aprendizagem a distância, aproveitando contribuições da psicologia cognitiva sobre a
compreensão leitora e a aquisição de conhecimento por meio de textos escritos. A extensão
(número de páginas), característica do impresso, permitiu explorar em detalhe os conceitos,
teorias, princípios, fatos, práticas, figuras, por meio das linguagens escrita e visual. Em sua
elaboração, os impressos levam em conta que o sujeito constrói uma representação do
conhecimento quando utiliza: seus conhecimentos lingüísticos sobre as letras e os
vocábulos, alcançando seu significado léxico; o conhecimento sobre o mundo, que lhe
permite reduzir a ambigüidade das orações e períodos e realizar inferências; o
conhecimento que tem sobre o tema, que lhe permite distinguir idéias principais das
acessórias, além do conhecimento de como estão organizados os textos (como narrações,
descrições, exposições, artigos científicos, textos didáticos, e assim por diante), ativando
seus recursos cognitivos para processá-los e compreendê-los.
Na concepção dos vídeos do curso, Carneiro (2001 e 2002) considera que abordar a
linguagem, a produção e a tecnologia audiovisual impregna seu conteúdo ao buscar que
professores integrem televisão e deo às suas práticas profissionais, destacando que "uma
especificidade da linguagem audiovisual é adequar-se à ficção narrativa e à identificação
emocional. E seria inadequado transferir para o vídeo a linguagem analítica específica do
impresso"(p.70). Assim, é preciso que o vídeo educativo possa ser, ao mesmo tempo, "meio
interessante e desafiador, provocador de aprendizagem, reflexão, indutor à experimentação
(...) a serviço da análise de mensagens, da formação de atitudes, da observação, do
desenvolvimento de trabalhos experimentais de criação de mensagens. E, finalmente que,
no que se refere ao vídeo produzido numa perspectiva integrada de materiais didáticos, se
procure "(...) relacioná-lo dinamicamente com o impresso, o desejo de aprender, de explorar
321
livros, revistas e outras mídias para compreender e dominar o objeto de conhecimento"
(p.70).
5. Referências bibliográficas
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formação de professores. Em Fiorentini, L.M.R. e Moraes, Raquel A.
(coords.) et al. Fundamentos políticos da educação e seus reflexos na
educação a distância. Curitiba: UniRede e UFPR. Módulo 1 do Curso de
Formação em EAD.
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Aprendizagem Mediada pela Tecnologia: Conceituação Básica. Revista
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de Campinas, vol.3, n.7, nov.
Documento eletrônico: <http://www.edutecnet.com.br/textos>
Coll, S. et al. Os conteúdos da reforma. Porto Alegre: Artmed, 1997.
D´Ambrosio, Ubiratan. Os novos paradigmas e seus reflexos na destruição
de certos mitos prevalentes na educação. Em Ciências, Informática e
Sociedade. Brasília: UnB/FE, 1994.
Delors, J. La educación encierra un tesoro. Madrid: Santillana/Ediciones
UNESCO, 1996.
Fiorentini, L.M.R. Educação a distância e comunicação educativa: questões
conceituais e curriculares. Anais do Congresso de Formação do Educador -
322
dever do Estado, tarefa da Universidade. Águas de São Pedro-SP: UNESP,
1996.
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Documental - Eventos-Seminário Nacional de Educação a Distância, n°. 3,
dez, p. 41-55. Brasília: INEP, 1993.
_____________. A experiência do curso "TV na Escola e os Desafios de
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UniRede, 2001. Relatório Técnico de Avaliação da Coordenação
Pedagógica. Documento eletrônico: <http://www.unirede.br/tvescola>
______________. e Carneiro, V.L.Q. (coords.) Experimentação:
planejando, produzindo, analisando. Brasília: UniRede/Seed-MEC,2001 e
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Desafios de Hoje"
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Holmberg, B. Educación a distancia. Situación y perspectivas. Kapelusz,
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jun.,1996, p. 70-89.
Lévy, P. As tecnologias da inteligência - o futuro do pensamento na área da
informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
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Documento de trabalho da Conferência Mundial sobre Educação Superior.
1998.
324
NOTAS:
1. Pedagoga (USP), Mestre em Educação (UFRJ), especialista em Educação a
Distância e doutoranda em Ciências da Educação (Uned-Espanha). Professora do
Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília. Coordenadora pedagógica do curso de extensão "TV na Escola e os
desafios de Hoje". Consultora desta série.
2. Adquire especial sentido nesta discussão uma fábula apresentada por D. Adams
(1960:22), mencionada por George M. Foster no livro As culturas tradicionais e o
impacto da tecnologia, publicado em 1964, pela Editora Fundo de Cultura: "Certa
vez um macaco e um peixe foram colhidos por uma grande enchente. O macaco,
ágil e experimente, teve a boa sorte de trepar a uma árvore e salvar-se. Olhando
embaixo as águas turbulentas, viu o peixe debatendo-se contra a corrente rápida.
Movido por um desejo humanitário, estendeu a mão e tirou o peixe da água. Com
surpresa para o macaco, o peixe não ficou muito agradecido pelo auxílio." (p.13)
3. Essa é uma referência à abordagem longitudinal ou seqüencial em períodos/séries
sucessivos de formação, também denominada diacrônica; da simultaneidade dos
estudos que se realizam num mesmo período/série, também denominada abordagem
sincrônica; e da abordagem transversal ou interdisciplinar dos temas de estudo, que
perpassa diferentes áreas e temas de conhecimento, períodos de formação, em
função dos seus propósitos e metas.
4. Citado por Garcia et al., 2000, pp. 6-10.
5. Desse modo, entendemos que pensar a prática é a melhor maneira de aprender a
transformar a teoria e a própria prática, renovando-se por meio de um processo
325
dialético e contínuo de ação-reflexão-ação, que transforma a consciência pela ação
dos homens sobre o mundo, por meio de uma aproximação crítica da realidade e da
cultura, cujos efeitos se percebe tanto na esfera pessoal como na estrutura social
(Freire, 1969).
326
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