emancipação contra os riscos de manipulação de fora para dentro. O
Estado aprecia usar a "participação comunitária" como instrumento de
manobra das necessidades básicas de populações muito carentes, reti-
rando com a direita as migalhas que doam com a esquerda. Para tanto,
comparece o aparato por vezes sofisticado da política social: em lingua-
gem atraente promete-se combate à pobreza, gestão democrática, priori-
dade comunitária etc, mas na prática forja-se o atrelamento subserviente,
com vista a evitar o cidadão crítico, que cobra, reivindica, pressiona,
e a sedimentar o pedinte submisso (Giroux, 1986 e 1987; Stein, 1987;
Freitas, 1989; Baudelot & Establet, 1986; DÁvila, 1985; Silva, 1987).
O papel do educador popular será formular com toda clareza possível
esta autocrítica, para, a seguir, investir na emancipação popular, em
cujo contexto não aparece na cena, mas no bastidor. Isto exige modéstia
fecunda, a mesma grandeza dos pais que sabem sair de cena, para
que o filho tome seu rumo. Mais que isto, é fundamental também colocar,
ao lado das virtudes, os limites do horizonte político-participativo. Emanci-
pação nunca se esgota do lado político, porque o lado econômico é
também sua parte integrante. Assim, a par do sujeito social consciente
e organizado, é mister comparecer o sujeito produtivo e trabalhador,
o que leva a reconhecer a importância essencial da cidadania produtiva,
que junta, num todo, participação e produção/trabalho. Aos educadores
nem sempre esta exigência aparece de modo adequado, sendo mais
freqüente a propensão a bastar-se com ativismos políticos. Educação
que apenas educa, nunca educou nada! O educador crítico e criativo
sabe, ao mesmo tempo, valorizar no devido diapasão seu metier, e cir-
cunscrever seus limites, para descobrir que é um dos atores entre outros.
Assim, faz parte da qualidade política dos movimentos sociais não somente
organização, movimento como tal, ideologia de luta etc, mas igualmente
o modo próprio de produzir, trabalhar, construir, subsistir. Nada do que
é importante na sociedade passa ao largo da infra-estrutura econômica,
por mais que esta nunca determine tudo, nem em última instância. Dificil-
mente um educador popular preocupa-se com a auto-sustentação das
associações, mas se tivesse noção mais interdisciplinar e globalizante
de educação perceberia que associação que não se auto-sustenta, é
farsa, pois nega um dos lados essenciais da emancipação.
Educação Transformadora
Em termos de sociologia crítica, certamente o tópico mais à vista em
educação é sua visão de transformação social, em especial ancorada
nos escritos de Gramsci. É voz corrente o conceito de "educação transfor-
madora", o que já se torna um problema de banalização, porquanto
não existe, — quase sempre — ligação coerente entre teoria e prática
(Gramsci, 1978 e 1972; Coutinho, 1981).
De um lado, busca-se superar a visão estreita da postura reprodutivista,
embasada na percepção monolítica de poder, já não dialética. Na dialética
do poder descobre-se que, sendo sua tendência perpetuar-se na história
quando visto de cima para baixo, provoca neste mesmo movimento o
contrapoder, de baixo para cima. Assim, se, de um lado, poder significa
estratégia de preservação da ordem vigente, que em tudo busca reprodu-
zir-se, de outro lado significa a provocação constante sobre o despossuído
de voltar-se contra a situação vigente, rumo a mudanças possíveis. Mu-
dança real provém dos marginalizados.
Por outra, busca-se caracterizar caminhos factíveis de superação histó-
rica, delineando aí o papel da educação, que, então, aparece como "trans-
formadora" sob inspiração gramsciana. Deixando de lado aprofunda-
mentos maiores, tomamos aqui apenas o conceito de contra-ideologia,
porque pode propor dimensão dialética apropriada da questão. No quadro
da discussão anterior, educação pode dirigir-se à formação do sujeito
social em sentido emancipatório. Um dos pontos fundamentais desse
processo é a formação da consciência crítica própria que frutifica em
projeto próprio. Faz parte desse projeto próprio — se é de mudança
profunda — a formulação da contra-ideologia, como estratégia de inver-
são da relação de poder. Os destituídos pelo poder vigente necessitam
de sua própria estratégia de poder, para construírem uma contraposição
competente. Revoluções precisam de sua própria ideologia, na qual apa-
recem não somente as grandes utopias que movem as massas, mas
sobretudo as estratégias de confronto, com vista a colocar sob controle
dos marginalizados a situação histórica (Cury, 1986; Ribeiro, 1984; Mello,
1986).