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SUMÁRIO
enfoque
A Sociologia da Educação entre o Funcionalismo e o Pós-Modemismo: os Temas e os
Problemas de uma Tradiçao
Tomaz Tadeu da Silva
pontos de vista
A Sociologia Crítica e Educação Contribuições das Ciências Sociais para a Educação
Pedro Demo
3
Durkheim e a Sociologia da Educação no Brasil
Fernando Correia Dias
A Sociologia da Educação do Final dos Anos 60/lnício dos Anos 70: o Nascimento do Paradigma
da Reprodução
13
33
Maria Alice Nogueira
A Pluralidade dos Mundos e das Condutas Sociais: a Contribuição de Bourdieu para a Sociologia
da Educação
Carlos Benedito Martins
Sociologia do Currículo: Origens, Desenvolvimento e Contribuições
Antonio Flávio Barbosa Moreira
49
59
73
resenhas
Educação, Tecnocracia e Democratização
Maria de Lourdes Manzini
Educação, Saber, Produção em Marx e Engels
Maria Alice Nogueira
bibliografia
Contribuições das Ciências Humanas para a Educação: a Sociologia
85
87
89
painel
Congressos e Seminários
Livros e Periódicos
Notícias
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr, jun. 1990
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ENFOQUE
A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO ENTRE O FUNCIONALISMO E O
PÓS-MODERNISMO: OS TEMAS E OS PROBLEMAS DE UMA TRA-
DIÇÃO
Tomaz Tadeu da Silva*
A Sociologia da Educação é hoje um campoo fluido eo indeterminado
que qualquer tentativa de apreender-lhe as principais perspectivas de
análise e temas de pesquisa torna-se bastante difícil. Embora boa parte
dos estudos e pesquisas em educação reivindique a utilização de alguma
perspectiva sociológica, poucos pesquisadores, sobretudo no Brasil, real-
mente se identificam como fazendo Sociologia da Educação. Que campo
científico, então, é este, ao mesmo tempoo onipresente eo pouco
assumido como tal? É objetivo deste artigo traçar-lhe alguns dos contor-
nos, mapear algumas de suas principais rotas, detectar seus temas de
preferência, sem pretender descrever o desenvolvimento e a evolução
da disciplina (para isto remetemos o leitor ao artigo de Maria Alice Noguei-
ra, neste mesmo número do Em Aberto e a alguns dos artigos que
aparecerão no número 3 da revista Teoria & Educação, especialmente
dedicado ao tema Sociologia da Educação. Estaremos limitados aqui
a uma síntese de como se apresenta a situação neste campo hoje.
Sociologia da Educação: uma ou várias?
Aquilo que hoje consideramos como sendo Sociologia da Educação está
o identificado com um referencial crítico dos arranjos sociais e educa-
cionais existentes, principalmente no Brasil, que se torna difícil pensar
que este nem sempre foi o paradigma dominante e que aindao o
é em países como os Estados Unidos, por exemplo. É muito difícil traçar-
lhe a origem e a consolidação. Mas seja lá onde as situarmos, vamos
encontrar uma disciplina acadêmica altamente envolvida numa aceitação
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
e numa justificação da ordem existente Este é o caso, se remontamos
sua fundação a Durkheim, por exemplo, que tinha uma avaliação alta-
mente positiva da relação entre educação e sociedade. Ocorre o mesmo
se preferirmos fazer coincidir sua institucionalização com o auge do predo-
mínio do paradigma funcionalista em Sociologia nos Estados Unidos.
cujos exemplos paradigmáticoso o ensaio de Parsons, The School
as a Social System: some of its function in American Society e
o livro de Dreeben, On what is learned in school.
E mesmo hoje ainda convivem, lado a lado, uma Sociologia da Educação
extremamente cética com relação à ordem existente, baseada em geral
em algum modelo marxista (maso exclusivamente), e uma outra, ainda
fortemente inspirada pelo paradigma funcionalista e baseada em metodo-
logias de pesquisa declaradamente empiricistas, isto parao falarmos
de perspectivas que rejeitam ao mesmo tempo uma e outra abordagem.
como as Sociologias da Educação de inspiração interacionista, fenome-
nológica ou etnometodológica. Para se ter uma idéia da distância entre
estes dois principais modelos basta comparar, por exemplo, dois perió-
dicos da área: o British Journal of Sociology of Education e o norte-
americano Sociology of Education. Como disse um dos fundadores da
"nova sociologia da educação", Michael Young, por ocasião de um Encon-
tro Internacional de Sociologia da Educação, realizado alguns anos atrás
no Rio de Janeiro, diante da apresentação de alguns dos trabalhos de
pesquisadores norte-americanos: "Na Inglaterra dificilmente reconhece-
ríamos isto como sendo Sociologia da Educação".o por acaso, nos
Estados Unidos, as principais contribuições ao que ficou sendo identifi-
cado como Sociologia da Educação de orientação mais crítica vieram
de estudiosos de fora do campo da Sociologia da Educação institucio-
nalizada (Bowles e Gintis, Apple, Giroux, Carnoy, Lewin).
De uma forma similar, quando se fala em Sociologia da Educação
pensa-se imediatamente no estudo das grandes relações entre processos
' Comunicação pessoal
Em Aberto. Brasília, ano 9. n 46, abr. jun. 1990
sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais, como,
por exemplo, entre certas características da economia capitalista e a
produção de desigualdades sociais via escolarização. Existem entretanto
setores no campo da SE cuja preocupação principal e exclusivao
tem nada a ver com esses processos sociais mais gerais, mas com
processos sociais produzidos no nível de pequenas unidades sociais,
como a sala de aula, e seus efeitos neste nível, como o demonstra
toda uma linha de estudos de inspiração interacionista ou fenomenológica,
de resto muito presente na gênese da própria "nova sociologia da educa-
ção".
Isto mostra como é difícil falar de uma Sociologia da Educação. As diferen-
ças entre os referenciais teóricos, os temas tratados e a orientação política
oo grandes, que talvez fosse mais correto falarmos de Sociologias
da Educação, o que implicaria caracterizar cada uma destas perspectivas
e discutir os problemas de pesquisa postos por cada uma dessas tradi-
ções. No âmbito mais modesto deste trabalho, entretanto, esta adver-
tência serve apenas para situar o campo no qual estarei me movendo.
No que se segue, estarei circunscrito àquela Sociologia da Educação
que de certa forma se tornou dominante e que se caracteriza por uma
perspectiva eminentemente crítica com relação aos arranjos sociais e
educacionais existentes e por uma ênfase na busca de explicações cau-
sais situadas na ordem de processos sociais mais amplos e gerais. A
descrição dos importantes temas de pesquisa e preocupação dessa tradi-
ção, tentada abaixo, servirá para tornar mais clara esta restrição.
Movendo-se no campo: as referências principais
Pode-se dizer que o grande tema desta Sociologia da Educação é o
dos mecanismos pelos quais a Educação, ou mais concretamente, a
escola, contribui para a produção e a reprodução de uma sociedade
de classes. Este é o tema unificador desta tradição teórica e empírica,
o fio de ligação entre estudos que, de resto, podem se mostrar bastante
divergentes. Seria mesmo em torno deste tema que se poderia tentar
uma definição da Sociologia da Educação hoje. Mas o que é mais impor-
tante é que os estudos que marcaram e delimitaram o campo da Socio-
logia da Educação nos últimos 20 anos centram-se em torno dessa proble-
mática: o Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado de Althusser
(1970), o Schooling in Capitalist America de Bowles e Gintis (1976),
a Reprodução de Bourdieu e Passeron (1970), oÉcole Capitaliste
en France de Baudelot e Establet (1971), e o Knowledge and Control
de Michael Young (1971), muitas vezes englobados sob o título, impróprio
e depreciativo, de reprodutivistas. Naturalmente elesm muita coisa
a separá-los eo estas diferenças que noso permitir fazer um desdo-
bramento deste tema geral.
Antes de entrar nessas diferenças, entretanto, é preciso mencionar
uma outra característica que os une. De uma forma ou de outra, esses
estudos fundadores postulam que a contribuição específica e decisiva
da Educação para a produção e reprodução das classes reside na sua
capacidade de manipulação e moldagem das consciências. É na prepa-
ração de tipos diferenciados de subjetividade, de acordo com as diferentes
classes sociais, que a escola participa na formação e consolidação da
ordem social. Para isto é decisiva a transmissão e inculcação diferenciada
de certas idéias, valores, modos de percepção, estilos de vida, em geral
sintetizados na noção de ideologia (resguardadas as evidentes diferen-
ças entre os diferentes estudos na definição deste conceitoo central,
como veremos).
Mas para além desta problemática unificadora, há muitas diferenças con-
ceituais metodológicas. Temos, por um lado, os ensaios declaradamente
marxistas como os de Althusser, Bowles e Gintis, e Baudelot e Establet,
para os quais a divisão social decisiva é aquela entre classes econômicas
e para os quais o papel da escola consiste em preparar as pessoas
para os diferentes papéis de trabalho nessa divisão. E por outro,
o famoso estudo de Bourdieu e Passeron, para os quais a divisão social
é centralmente mediada por um processo de reprodução cultural. Num
outro eixo, temos de um lado esses quatro estudos mencionados, centra-
dos nos mecanismos amplos de reprodução social via escola e os estudos
da "nova sociologia da educação", preocupados em descrever as minú-
cias do funcionamento do currículo escolar e de seu papel na estruturação
das desigualdades sociais. É para a descrição dos argumentos centrais
de cada um desses estudos que nos voltamos agora, tentando fazer,
através disso, um mapeamento mais preciso dos principais temas da
SE.
medeiam entre a estrutura social e econômica mais ampla e o contexto
escolar para produzir os processos aí descritos.o por acaso essas
teoriasm sido acusadas de funcionalistas. De acordo com essas críticas,
elas partiriam do axioma da existência de um requisito, uma demanda
do sistema, como, por exemplo, a necessidade que tem o sistema de
produção capitalista de uma mão-de-obra com certas características téc-
nicas e atitudinais e de uma população em geral dócil e favorável e
deduziriam disso a necessidade da existência de uma instituição como
a escola que produza esse resultado.o, de acordo com essas
críticas, uma consideração de como essas necessidadeso produzidas,
em primeiro lugar, nem uma descrição de quaiso os mecanismos
pelos quais essas necessidades e as ações realizadas para satisfazê-las
se transmitem ao longo da cadeia de instituições, grupos e pessoas
envolvidos ou, se quisermos, ao longo dos diferentes elementos da estru-
tura. Ou seja, dadas as necessidades do sistema, uma instituição tal
como a escola só pode funcionar dessa forma. Ou, de forma inversa,
a escola funciona assim porque o sistema assim o exige. Há pouco
lugar aqui para uma consideração dos fatores que em algum ponto inter-
mediário contribuem para produzir os resultados em questão.
Bourdieu e Passeron: os processos culturais em evidência
De uma forma ou de outra, para esses autores que enfatizam a determi-
nação dos processos escolares pelas características da produção econô-
mica capitalista, o papel da escola consiste em transmitir a ideologia
dominante àqueles aos quais processa. Com Bourdieu e Passeron, temos
uma descrição fundamentalmente diferente do processo de reprodução
cultural e social. Para esses, a escolao inculca valores e modos de
pensamento dominantes. Ela se limita, ao usar um código de transmissão
cultural no qual apenas as crianças e jovens da classe dominante já
foram iniciados no ambiente da família, a permitir a continuação desses
no jogo da cultura e a confirmar a exclusão dos filhos de pais das classes
subordinadas
É naturalmente central nesse processo a transmissão da idéia de que
essa exclusãoo se dá por nenhum ato de imposição bruta e visível,
mas por incapacidade de alguns de vencer numa corrida meritocrática,
a da carreira escolar, que é fundamentalmente justa e igualitária. O pro-
cesso ideológico fundamental em ação é o de ocultação das reais relações
de força que estão na base da imposição da definição de uma cultura
particular como sendo "a" cultura. Excetuando-se isso, entretanto,o
é impondo os valores da classe dominante que a escola chega a cumprir
sua função. Ao contrário, seu êxito está exatamente na medida do êxito
do processo de exclusão que ela realiza.
Podemos apenas imaginar como este processo de exclusão cultural acaba
por contribuir para a reprodução das classes sociais, definidas como
posições distintas no processo de produção, pois Bourdieu e Passeron
noso poucas indicações a respeito disso. Sua ênfase está no processo
e transmissão entre-gerações do capital cultural, vale dizer, no proces-
so de reprodução cultural da classe dominante. Supõe-se que o fracasso
das classes subordinadas em ter acesso ao capital cultural faz com que
elas se resignem a ocupar os postos mais baixos da hierarquia social.
Mas em virtude de um corte conceituai pelo qual a sociedade fica dividida
em torno de culturas diferentes (a cultura dominante e a cultura domina-
da), pouco ficamos sabendo sobre o processo pelo qual se dá a aceitação
de um papel subordinado na ordem social.
De qualquer forma, vemos presente, também aqui, o tema central da
SE: o da reprodução das desigualdades fundamentais de uma sociedade
de classes. A teorização da estrutura social é distinta, a descrição do
papel da escola é diferente, mas o problema permanece o mesmo, o
de explicar como se produz e reproduz a estrutura social e qual o papel
da educação nesse processo. Mas ainda falta vermos como lidou com
este problema uma outra corrente dentre aquelas fundadoras da atual
SE.
A problematização do conhecimento escolar
Embora tenha tido muito pouca repercussão no Brasil, a corrente que
ficou conhecida como "nova sociologia da educação" teve uma influência
decisiva sobre o perfil que tem hoje a SE. O marco inicial dessa importante
abordagem é constituído pela publicação em 1971 do livro Knowledge
and Control, organizado por Michael Young. Embora sua influência prin-
cipal tenha se dado na Inglaterra, onde se iniciou, ela se estendeu depois
a outros países, sobretudo aos Estados Unidos, e um pouco tardiamente,
à França, através do trabalho de divulgação de J-C Forquin (1989).
Já muito se escreveu sobre as condições sociais de surgimento da "nova
sociologia da educação", sobretudo sobre seu aspecto de reação à cha-
mada "sociologia aritmética da educação" que se fazia então na Inglaterra
e em outros países. Para o que nos interessa aqui, entretanto, importa
destacar aquilo que a distingue fundamentalmente dos outros ensaios
e estudos fundadores (para uma descrição mais detalhada ver o ensaio
de Antonio Flávio Moreira neste mesmo número de Em Aberto). Embora
acabe havendo mais tarde uma convergência e uma reacomodação entre
essas diversas correntes, e é exatamente essa recombinação que vem
a dar na atual SE, a NSE se distingue dos outros estudos centrais em
importantes aspectos.
Em primeiro lugar, a NSE coloca no centro da análise sociológica da
Educação a problematização dos currículos escolares. Em vez de tomar
aquilo que é considerado como currículo escolar como um dos fatos
aceitáveis da vida, um dado natural, a NSE coloca em questão o próprio
processo pelo qual um determinado tipo de conhecimento veio a ser
considerado como digno de ser transmitido via escola. Aquela divisão
e organização do conhecimento escolar que nos acostumamos a ver
como natural constitui o resultado de uma sedimentação temporal ao
longo da qual houve conflitos e lutas em torno da definição que devia
ser adotada. Ao contrário das outras orientações, nas quais o que é
central é o processo de estratificação social, aqui o processo fundamental
a ser examinado é o da estratificação do conhecimento escolar. Qual
é a hierarquia entre as diferentes disciplinas escolares? Como essa hierar-
quia veio a ser estabelecida, através de quais processos de luta e nego-
ciação?
Metodologicamente, essas manifestações sociais da NSE, estão também
um tanto distantes de nossos outros estudos centrais, embora partilhem
uma mesma rejeição de certas suposições positivistas. Aqui o pano de
fundo teórico é o interacionismo simbólico e o da fenomenologia, com
sua ênfase nos processos de construção social da realidade, e da nego-
ciação. Daí a importância que adquire o estudo dos processos de intera-
ção em sala de aula e dos processos pelos quais atores sociais tais
como professores e alunos vivem uma realidade social que é construída
e negociada na interação social. A implicação prática e política desta
conceptualização teórica era de que a mudança educacional e social
ficava bastante dependente do fato de alunos e professores (sobretudo
esses últimos) compreenderem este processo de construção social e
a forma pela qual ele contribuía para produzir identidades sociais dentro
da sala de aula e da escola que levavam à desigualdade e à estratificação
social.
Ironicamente, uma das promessas da NSE, a da análise pelo qual as
disciplinas escolares vieram a se constituir socialmenteo chegou a
ser cumprida. Com sua ênfase demasiada nos processos de interação
na sala de aula, a NSE mostrou-se incapaz de analisar os processos
mais amplos pelos quais o conhecimento escolar se apresenta na configu-
ração existente eo noutra, uma importante tarefa que parece começar
a ser realizada por uma "história das disciplinas" (ver os importantes
artigos de Chervel e de Goodson no número 2 de Teoria & Educação.
O legado dos fundadores e os temas centrais hoje
Apesar do desenvolvimento da SE nesses vinte anos que transcorreram
desde o aparecimento desses estudos pioneiros, a problemática central
continua fundamentalmente a mesma e mesmoso os temas sendo
pesquisados. Numa espécie de síntese do que revisamos acima, podería-
mos dizer que o paradigma da SE tal como estabelecido por aqueles
ensaios gira em torno do papel da Educação na produção e reprodução
de uma sociedade de classes. Este grande tema, por sua vez, desdo-
bra-se nos temas do papel da ideologia nesse processo, da natureza
do Estado capitalista e de sua participação central na institucionalização
e continuação de um sistema educacional que mantém uma relação
estreita com as exigências da produção capitalista, da contribuição deci-
siva da organização da distribuição do conhecimento escolar no processo
de construção das desigualdades educacionais, da estreita relação entre
Em Aberto, Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
os processos de reprodução cultural e de reprodução social, da contri-
buição da escola para a reprodução da divisão social do trabalho.
Mas muitas das temáticas introduzidas pelos fundadores permanecem
pouco desenvolvidas. Entre os temas cujo desenvolvimento ainda está
para ser feito podemos listar o da relação entre uma teoria do Estado
e a Educação, o da conexão entre os níveis micro e macrossociológico,
o das conexões entre agência e estrutura, o das complexas relações
entre ideologia e cultura, o das relações entre a divisão social do trabalho
e Educação e, finalmente, o da questão das relações de gênero e de
raça, sobre os quais me estendo um pouco mais no que se segue.
Um esboço de uma teoria do Estado que levasse em conta o papel
da Educação estava evidentemente presente em pelo menos dois desses
trabalhos, no de Bowles e Gintis e no de Althusser, sobretudo nesse
último, mas de uma forma muito pouco desenvolvida. Em Althusser,
por exemplo, istoo vai além da famosa fórmula dos aparelhos ideoló-
gicos de Estado,o entrando nunca na análise de todas as implicações
do fato de a educação, em todos os países, ser hoje totalmente contro-
lada pelo Estado.
A ausência de uma maior teorização sobre as conexões entre Estado
e educação é tanto mais inexplicável quanto esta conexão é exatamente
um dos fatos mais notáveis a respeito da educação moderna. Os educa-
dores (e os sociólogos da educação?) talvez tenham estado demasia-
damente envolvidos com o Estado para poderem teorizar com uma certa
distância a esse respeito. Mas parece evidente que será muito difícil
compreender o funcionamento da Educação, quanto menos transformá-
la, sem uma teorização adequada do papel do Estado nesse processo.
Algumas tentativas, como a de Dale (1988), por exemplo, podem servir
de ponto de partida, mas é preciso muito mais.
Desde há muito a SE vem buscando superar uma aparente negligência
dos primeiros e principais estudos em relação àquilo que acontece no
interior da escola e das salas de aula. É o famoso problema da caixa-preta.
De acordo com a avaliação que se faz daqueles estudos, eles deixaram
de descrever e explicar as minúcias do cotidiano das escolas e das salas
de aula. É evidente que istoo se aplica à "nova sociologia da educa-
ção", que tinha como um de seus objetivos justamente explorar esses
detalhes, mas é verdadeiro nos outros ensaios principais. Desde então
muitas tentativas foram feitas de preenchimento dessa suposta lacuna.
Certamenteo há dificuldade alguma na descrição dos eventos do
cotidiano escolar e nem mesmo em encontrar algum tipo de explicação
para essa ocorrência. As dificuldades começam quando a explicação
pretendida se centra na busca da relação entre esses eventos e processos
sociais mais amplos, tais como o da reprodução da estrutura social.
É fácil de ver que esta dificuldadeo existe para quem trata das relações
entre a estrutura social mais ampla e os processos educacionais também
mais amplos, tal como, por exemplo, o fizeram Baudelot e Establet ao
analisarem o papel da divisão do sistema escolar francês na reprodução
das classes sociais (o fato de terem para isso examinado os programas
escolares das duas redeso prejudica o argumento: tratava-se, de
qualquer forma, dos programas escolares das redes,o de uma sala
de aula ou de uma escola). Mas isolar uma sala de aula ou escola.
selecionar aí certos eventos e tentar fazer a partir daí uma ligação com
processos tais como o da permanência da estratificação social tem-se
constituído na grande busca a que sem dedicando muitos sociólogos
da educação.
Uma dessas tentativas foi a realizada por Paul Willis, num estudo que
se tornou um dos mais citados em SE desde sua publicação em 1977:
Learning to labour Emborao explicitamente planejado para buscar
esta conexão entre processos micro e macrossociológicos e embora seja
notável também por outras características, a pesquisa de Willis clara-
mente tentava estabelecer uma conexão entre aqueles dois níveis. Nesse
estudo, Willis procurou mostrar como involuntariamente, mas de forma
decisiva, um grupo de adolescentes masculinos originários da classe
operária e concluindo um ciclo da educação secundária, determinavam,
através da rejeição dos valores escolares e do trabalho intelectual, seu
próprio encaminhamento para o trabalho manual. O resultado final é
naturalmente a reprodução da classe operária como classe operária e,
como conseqüência, das relações sociais existentes. Mas o que interessa
aqui é menos descrever os detalhes do estudo de Willis e mais fornecer
Ideologia nos currículos escolares e nas mensagens e atos dos profes-
sores. A frase "a ideologia que perpassa...", onde o complemento do
verbo poderia ser quase qualquer coisa tornou-se um dos clichês de
maior circulação no campo educacional.
Entretanto, de forma paradoxal, numa época em que mais do que nunca
presenciamos o reinado da ideologia, as análises em torno do conceito
se desvaneceram. Parece que se aceitou a decretação (ideológica) do
fim da história e do fim da ideologia. Mas a dificuldade das esquerdas
de entenderem como os populismos de direita conseguem empolgar
o imaginário popular mostram quão distantes estamos de ter esgotado
uma análise de ideologia. O problema talvez esteja no fato de que nesses
anos todos tenhamos nos detido nos aspectos menos importantes da
ideologia, ao enfatizarmos a ideologia como uma fabricação das classes
dominantes, em vez de nos concentrarmos no aproveitamento por parte
das classes dominantes daqueles elementos de mistificação presentes
na cultura popular (contando, nisto, com uma pequena ajuda daqueles
que preferem santificá-la). Embora essa conexão entre cultura e ideologia
tenha se realizado em outros campos das ciências sociais, ela foi pouco
aproveitada no campo da Educação. Ao proclamada influência de
Gramsci nas análises educacionais na realidade tem sido pouco efetivada.
Suas lições sobre as conexões entre folclore, senso comum e ideologia
estão longe de ter sido plenamente aproveitadas. A utilização do conceito
de ideologia numa análise sociológica da Educação está longe de ter-se
esgotado. O que precisamos é de uma revitalização e uma reorientação
desse conceito, desenvolvendo sobretudo sua articulação com os aspec-
tos culturais. Nisto o estudo de Willis já referido aponta algumas direções
nas quais uma tal reorientação poderia ser tentada.
Aoo reduzir os aspectos reprodutivos do milieu cultural dos adoles-
centes de classe operária à ideologia recebida, Willis chama a atenção
para a importância da capacidade de criação e reelaboração existente
no próprio nível cultural. Mas ao mesmo tempo, Willis surpreende esse
momento de criatividade e de elaboração como um momentoo total-
mente lúcido, um momento de mistificação e, ao fim e ao cabo, reprodu-
tivo. Estamos longe daqui da nação imposta de ideologia que nos acostu-
mamos a ver. É nesta direção que poderíamos retomar a utilização do
conceito de ideologia.
Uma outra área que esteve quase sempre no centro da problemática
central dos estudos fundadores, mas que também acabou por receber
um tratamento inadequado, é a da relação entre Educação e trabalho.
Nessas formulações, essa relação é apresentada quase sempre com
a Educação constituindo o local apropriado para a preparação apropriada,
técnica e atitudinal, da força de trabalho para a produção capitalista.
Mas como tentei apontar em outros locais (Silva, 1988; Silva, mimeo),
o estabelecimento da natureza precisa da conexão entre a divisão social
do trabalho e a organização da Educação tem sido deixado um tanto
de lado (constitui uma brilhante exceção o pouco valorizado ensaio de
Poulantzas na Introdução de seu livro As classes sociais no capitalismo
de hoje. Esta negligência deve-se sobretudo a uma certa resistência
por parte dos analistas a se centrarem na natureza do trabalho capitalista,
concentrando-se, em vez disso, no reino idealista e idealizado do educa-
cional. Isto explica, por exemplo, porque praticamenteo há estudos
sobre desemprego, subemprego, sobre a escassa relação entre qualifi-
cação e remuneração, sobre a gama de qualificações, e a relação disso
tudo com a educação. Fala-se muito, entretanto, sobre o "trabalho com
princípio educativo", deixando-se de examinar, contudo, que trabalho
é esse, em primeiro lugar., obviamente, exceções mas no geral
uma exploração mais profunda dessa relação fundamental ainda está
para ser feita.
Finalmente, maso de menor importância, nesta lista de temas e proble-
mas centrais da SE está a questão das relações de raça e de gênero.
Quase que totalmente ausentes da literatura pioneira, esses temasm
ganho uma importância crescente nos últimos anos. Mas, sobretudo no
Brasil, apesar dos esforços importantes de algumas pesquisadoras e
pesquisadores, esses temas estão longe de ganhar a importância que
merecem, carregando um status inferior na hierarquia da pesquisa. Numa
área fortemente dominada por uma análise de classes, geralmente de
orientação marxista, há uma forte resistência contra a introdução de
perspectivas que concedam uma igual importância às relações de raça
e de gênero. Em geral quando se admite introduzir alguns fatores relacio-
nados a essas dinâmicas, isto se limita a procurar deduzi-las da dinâmica
de classes.
Esta é uma situação tanto mais estranha se pensarmos na importância
empírica que essas dinâmicas adquirem no Brasil. Quanto às relações
de gênero, é um dado evidente que a educação é feita majoritariamente
por um dos sexos, o feminino, sendo este, portanto, um fato central
da constituição da Educação moderna, um fato a ser explicado e cujas
implicações precisam ser exploradas. Numa época em que tanto se fala
na volta do "ator", é inexplicável que um dos atores principais da cena
educacional seja deixado de fora. Talvez ainda mais estranho é o fato
de termoso poucos estudos sobre as relações de raça no Brasil e
suas conexões com a Educação. De novo, as exceções existem, mas
sua raridade está em flagrante desproporção com a importância que
tem o tema. Como acontece com outros temas de pesquisa, é muito
possível que o estabelecimento de um status adequado para esses temas
ainda dependa de muita luta por parte das pesquisadoras e pesquisadores
com eles envolvidos. A própria reformulação do título dessas áreas possa
talvez fazer parte dessa luta.o seria "estudos sobre gênero" ou "estu-
dos sobre relações de gênero", por exemplo, um nome melhor que "estu-
dos sobre mulher e educação"? Obviamente, uma tal reformulação passa
por considerações conceituais queo desejo levantar aqui. Em síntese,
a situação é tal que a própria marginalização do tema deveria talvez
ser submetida a um escrutínio analítico. Por que o campo da pesquisa
em SE (e o da pesquisa em Educação em geral) éo machista eo
racista?
O fim da história, o Pós-Modernismo e a Sociologia da Educação
Com a derrocada dos regimes do Leste Europeu, proclama-se o fim
da história, marcado pelo triunfo do capitalismo. Em cima disso, embora
com alguns anos de atraso em relação a seus símiles britânicos e norte-
americanos, presenciamos, finalmente, no Brasil, o predomínio da nova
direita, aqui encarnada numa versão mais jovem de Ronald Reagan.
No domínio mais propriamente simbólico e cultural, anuncia-se o fim
da modernidade e a entrada no período da pós-modernidade. Decla-
ram-se em crise as ciências sociais e os métodos tradicionalmente aceitos
de análise da realidade. Estamos em pleno reino da mistificação pós-mo-
derna.
A Sociologia da Educaçãoo poderia ter ficado de fora desta suposta
"crise". Ao menos na versão que aqui tentei caracterizar, a Sociologia
da Educação tem-se constituído numa disciplina com vocação eminente-
mente crítica, sendo esta vocação, inclusive, um de seus traços centrais
Mas repentinamente parece que essa crítica tinha estado centrada sobre
um alvo errado: o das relações entre os pérfidos aspectos da Educação
capitalista e a perversa organização da economia capitalista. Dizem-nos
agora principalmente duas coisas. Por um lado, que afinalo há nada
de perverso no capitalismo, coincidindo este tipo de organização econô-
mica com a própria modernidade, com o próprio fim da história, com
o desenvolvimento máximo das possibilidades humanas. Por outro lado,
somos advertidos de que tudo aquilo que havia de mais sólido em nossos
referenciais de análise e em nosso mapeamento da realidade e da vida
social desmanchou-se no ar. No reino do pós-modernoo há nenhuma
dinâmica central, nenhuma estrutura fundamental a explicar o funciona-
mento global da vida social. O eixo da dinâmica social está em toda
parte e em parte nenhuma. Nossos referenciais habituais, aí incluídos
aqueles que nos acostumamos a desenvolver em SE anunciam-nos
sem aviso prévio deixaram de ser válidos. Esses dois processos apa-
rentam ser independentes, mas é impossível deixar de ver uma ligação
entre o anúncio do triunfo do neoliberalismo e a proclamação do advento
do pós-moderno.
Como fica a Sociologia da Educação nessa encruzilhada? É talvez a
hora de se reafirmar sua vocação crítica e, por queo iluminista, moder-
nista, começando por tentar desmanchar oss mistificadores da onda
neoliberal e da onda pós-modernista. A Sociologia da Educação, na ver-
o que focalizamos neste trabalho, deve sua vitalidade e fecundidade
à denúncia dos aspectos de injustiça e desigualdade constitutivos da
sociedade em que vivemos. Apesar do proclamado triunfo do capitalismo
e do neoliberalismo, esses aspectos estão longe de terem desaparecido.
Na verdade,o estamos presenciando o triunfo do neoliberalismo e
do capitalismo, mas de sua ideologia. É esta talvez uma oportunidade
única para a Sociologia da Educação reafirmar sua vocação crítica, denun-
Em Aberto. Brasília, ano 9. n 46, abr. jun 1990
ciando a mistificação representada pela voga liberal e por este dernier
cri ideológico travestido de vanguarda cultural que atende pelo nome
de pós-modernismo. Essas mais recentes versões dou ideológico
apenas demonstram que a tarefa de uma Sociologia da Educação está
longe de ter sido esgotada: é possível, ao contrário, que tenha apenas
começado.
Bibliografia
ALTHUSSER, L. Ideologie et appareils idéologiques d´État. La Pensée,
Paris, n. 151, 1970.
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PONTOS DE VISTA
A SOCIOLOGIA CRÍTICA E A EDUCAÇÃO CONTRIBUIÇÕES DAS
CIÊNCIAS SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO
Pedro Demo*
Para introduzir
Poderia Educação ter a mesma autonomia acadêmica de outras Ciências
Sociais, como Sociologia, Psicologia, Antropologia etc?
De modo geral, Educação é apresentada como conjunto de peças recolhi-
das nos canteiros das Ciências Sociais, sobressaindo Sociologia e Psico-
logia, o que lhe empresta certo vezo subsidiário. Algumas matérias
pretendem especificidade, como didática, pedagogia
;
mas quando se
põem a teorizar tomam os fundamentos emprestados de outras discipli-
nas. Seria Educação uma ciência social "aplicada", no sentido de "operar"
conteúdos de outras disciplinas de maneira própria, ou poderíamos imagi-
nar, como querem muitos, uma "Ciência da Educação"? (Demo, 1989b).
Apesar das últimas evoluções, que visivelmente fazem Educação evoluir
em termos científicos, pelo menos quanto a ocupação de espaço,o
seria temerário dizer que, no campo das ditas Ciências Sociais, acusa
níveis mais discutíveis. Há muitas razões, internas e externas (Brandão,
1982).
Internamente, o fator mais prejudicial é a falta de quadros próprios de
referência, ainda que fossem inicialmente colhidos em outras hortas,
que evitassem a constituição de uma disciplina através da acumulação
de partes, geralmente desconexas. Aprender um pouco de Sociologia,
Psicologia, Filosofia, História etc, pode ser bom para o educador, mas
dificilmente garante sua especialidade, por mais que esta deva ser inter-
' Técnico de Planejamento do IPEA.
disciplinar. Ao contrário, agindo por adições desconexas, o resultado
é a mediocridade multiplicada.
Por outra,o se chegou ao equilíbrio entre teoria e prática, em termos
de importância igual dos dois lados. Às vezes, temos professores de
educação quem prática, maso lesos em teoria. Outras vezes, fica-se
apenas na teoria.
Externamente, o fator mais prejudicial é a imagem sedimentada de disci-
plina facilitada, tendente a recolher os "restos" do vestibular, além de
representar uma das faculdades mais abundantes nos interiores do país
e nas ofertas privadas lucrativas. O mercado de trabalho, em si aberto
por conta da demanda institucional, condensa o estigma, juntando no
mesmo todo baixos salários e baixo nível acadêmico, ainda que ultima-
mente a organização política dos educadores tenha obtido condições
melhores de trabalho.
Todavia, seria possível a nosso ver construir algo pelo menos
aproximável de "ciência da educação", se fosse viável compor os horizon-
tes principais de uma disciplina científica social, reduzidos aqui a três
momentos mais densos:
Objeto teórico relevante Educação, compreendida como o pro-
cesso de formação das novas gerações e como móvel essencial da
estruturação política dos sujeitos sociais, possui certamente objeto
fundamental, estrutural, permanente, que em nada ficaria a dever às
outras disciplinas sociais;
Adequação metodológica como outras disciplinas sociais, Educa-
ção admite tratamento científico conveniente, por mais queo se
tenha ainda demonstrado de modo mais convincente, via acumulação
de pesquisas sobretudo, a menos que se queira negar estatuto cienti-
fico às ciências sociais;
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
Capacidade de operação prática Educação representa prática
histórica essencial, sem a qual nenhum povo consegue elaborar pro-
jeto próprio de desenvolvimento ou construir a noção de sujeito social,
a par da importância histórica da sobrevivência cultural de geração
em geração.
Sem maiores aprofundamentos, parece bastante evidente a relevância
do objeto, seja em termos de formação das novas gerações, seja como
processo continuado de investimento na emancipação social. De um
lado, apanha-se a centralidade de fenômenos como: caráter intrinseca-
mente preventivo do período formativo da infância e da adolescência,
no qual se elabora o patrimônio mais decisivo dos povos e países; impor-
tância do desenvolvimento integral e integrado, de cunho biofísico, psíqui-
co e social; valor social da equalização básica de oportunidades em
termos políticos, principalmente no processo de formação do sujeito so-
cial; impacto fundamental da socialização da informação e do saber siste-
mático.
De outro lado, apanha-se o significado da educação continuada, como
alavanca indispensável de processos emancipatórios, na sua face política.
Poderia passar pela exigência de investimento constante e ilimitado na
competência da população, para que seja possível projeto próprio de
desenvolvimento. Muito embora tal reclamoo possa tornar-se exclu-
sivo, pois a interdisciplinaridade é marca de todas as disciplinas, permitiria
construir vias próprias de análise teórica. O aproveitamento de peças
de outras disciplinaso viria em desabono, desde que se soubesse
desdobrar a ocupação de horizontes discerníveis tendentes a formar
espaço próprio. Seja como for, sem objeto próprio estrutural (não-con-
juntural), toda disciplina cambaleia e vive de empréstimo,o adiantando
refugiar-se na prática, que já seria "ativismo". Desenvoltura teórica adqui-
re-se garimpando no espaço de um objeto com suficiente relevância
histórica, de preferência perene (isto é,o típico de certas sociedades
ou a partir de certas fases, como administração, contabilidade, serviço
social etc), o que existe em dimensões perceptíveis, como as propostas
de Piaget, por exemplo (Garrido, 1982; Rama, 1980; Ferrandez & Sarra-
mona, 1975; Castro et ai, 1980).
Quanto ao método, educaçãoo carece inventar a roda, mas penetrar
profundamente na discussão metodológica, para poder garantir seu esta-
tuto científico.o quer dizer apenas domínio empírico, embora sequer
isto se faça a contento, mas sobretudo o questionamento persistente
de caminhos de captação e construção da realidade, até apresentar
acúmulo histórico visível como demonstração de capacidade em quali-
dade e quantidade. Bastaria participar das discussões mais relevantes
metodológicas nas Ciências Sociais, fazendo sempre a digestão própria,
parao resvalar na mera absorção. De certa maneira, isto aconteceu
nas polêmicas em torno da "Pesquisa Participante", oriunda dos educa-
dores, com pretensão de renovar métodos de captação e construção
da realidade. Tal intento teve a marca de uma onda efêmera, até porque
revelou mais fraquezas de seus cultivadores, do que consistência cientí-
fica, mas valeu como tentativa meritória e em si viável e poderia tornar-se
marco metodológico próprio da Educação. E pode ainda tornar-se.
Quanto à prática, Educação levaria vantagem fácil sobre outras discipli-
nas, porque sua "taxa de utilidade social" é evidente. Poucas coisas
oo reconhecidas entre os povos como o direito à educação básica
(sobretudo ao 1? Grau), que, ao lado da seguridade social, perfaz os
fundamentos do desenvolvimento sócio-econômico e político da popula-
ção. Ao mesmo tempo, descreve um dos desafios mais pertinentes no
aconchego da família e na sociedade em geral, que é a arte de construir
novos tempos com atores novos. O problema está nas práticas precárias
ou contraditórias, seja por pobreza teórica, seja por incoerência metodo-
lógica, seja por incompetência profissional.
Assim vistas as coisas, parece-nos que é muito factível a construção
da ciência da educação, com suficiente autonomia, a saber: de um lado,
demonstração de originalidade própria; de outro, participação nas discus-
sões comuns das disciplinas congêneres (Guadilla, 1987; Charlot, 1979;
Berger, 1975).
É nesse espírito que faremos a seguir algumas considerações sobre
Sociologia crítica e suas contribuições para a Educação, contrapon-
do-nos sempre a subserviências de qualquer lado. Tomamos o enfoque
da sociologia crítica porque representa hoje um dos mananciais mais
visíveis do educador, em termos de teoria e de prática. Além disso,
ressalta o horizonteo atual da educação política, sob cujo ângulo
tem-se procurado valorizar o papel do educador e sobretudo o papel
da Educação na sociedade, nunca pode tudo, mas é insubstituível como
instrumentação da cidadania popular (Giroux,1986; Schaefer & Schaller,
1978).
Sociologia crítica: alguns tópicos
Sociologia crítica confunde-se, de modo geral, com as propostas da teoria
crítica da Escola de Frankfurt, por ser o lugar eminente de seu cultivo,
embora possa medrar em todos os círculos que se queiram críticos.
Tambémo é correto dizer que a única maneira de se fazer sociologia
crítica seria no contexto do marxismo, ou da dialética materialista, ainda
que possivelmente seja o caso de afirmar que dificilmente poderia ser
feita fora dos quadros metodológicos da dialética antagônica (Freitag
& Rouanet, 1980. Bauman, 1977; Birnbaum, 1973; Bottomore, 1976
Ferrarotti, 1971; Rusconi, 1969; Smart, 1978; Loewy, 1988; Siebeneichler,
1989).
Uma das idéias-força mais fecundas foi a "dialética do esclarecimento",
comprometida com o processo emancipatório do homem (Freitag, 1986,
34 ss), ainda que, transformando-se o saber em "razão instrumental"
técnica, tenda a produzir o contrário: ciência a serviço da dominação.
"A sociologia críticao se reduz a uma autocrítica interna da disciplina,
ela estende a sua crítica ao próprio objeto de análise: à sociedade contem-
porânea e também às hipóteses, conceitos e teorias desenvolvidas para
representá-la, analisá-la. A crítica passa a ser o elemento que permeia
todo processo de conhecimento,o somente pondo em questão uma
hipótese explicativa de um problema específico como quer Popper, mas
suscitando uma atitude de desconfiança face ao conhecimento como
tal, cujos objetivos e resultadoso permanentemente questionados. A
crítica, compreendida como o princípio da negatividade, vem a ser o
elemento constituinte do método e da teoria crítica que se fundem com
o objetivo político e social a ser alcançado (Freitag, ib., 47-48; Rouanet,
1982).
Habermas introduziu ultimamente a discussão em torno da "razão comu-
nicativa", de extraordinária fecundidade, alterando o paradigma científico,
antes centrado na consciência individual, monológica, e agora voltado
para a comunidade intersubjetiva comunicativa (Habermas, 1989; Freitag,
ib; 58 ss). "A concepção de uma razão comunicativa implica mudança
radical de paradigma, em que a razão passa a ser implementada social-
mente no processo de interação dialógica dos atores envolvidos em uma
mesma situação. A razão comunicativa se constitui socialmente nas inte-
rações espontâneas, mas adquire maior rigor através do que Habermas
chama de discurso. Na ação comunicativa cada interlocutor suscita uma
pretensão de validade quando se refere a fatos, normas e vivências,
e existe uma expectativa que seu interlocutor possa, se assim o quiser,
contestar essa pretensão de validade de uma maneira fundada, isto é,
com argumentos. É nisso que consiste a racionalidade para Habermas:
o uma faculdade abstrata, inerente ao indivíduo isolado, mas um proce-
dimento argumentativo pelo qual dois ou mais sujeitos se põem de
acordo sobre questões relacionadas com a verdade, a justiça e a autenti-
cidade. Tanto no diálogo cotidiano como no discurso, todas as verdades
anteriormente consideradas válidas e inabaláveis podem ser questio-
nadas; todas as normas e valores vigentesm de ser justificados; todas
as relações sociaiso consideradas resultado de uma negociação na
qual se busca o consenso e se respeita a reciprocidade, fundada no
melhor argumento" (Freitag, ib. 59-60). Dito de outra maneira, aponta-se
para a discutibilidade como critério fundamental de cientificidade, em
termos formais/lógicos, e políticos democracia da comunicação proble-
mática (Demo, 1988a).
Sem maiores pretensões diante de problemáticao extensa e rica, ressal-
tamos apenas alguns tópicos da discussão, sempre com as vistas volta-
das para a Educação.
Do ponto de vista da teoria, um dos horizontes mais marcantes é a
idéia de que críticao é somente discurso sobre a realidade, mas
o modo de ser dela. Toda realidade histórica é intrinsecamente crítica,
normalmente de maneira antagônica, ou seja:
de um lado, é crítica porque toda fase histórica gesta em si mesma
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
a próxima; neste sentido é sempre problemática, prenhe, provisória;
o carece de ser compulsoriamente de fora para dentro levada
a mudar, porque a mudança faz parte de sua estrutura;
de outro lado, é crítica no sentido de que, além de subsistir critica-
mente, supera-se pela via da crise, que, quanto mais estrutural for,
tanto mais é levada a transformações históricas profundas.
Quase sempre faz parte de tal postura o conceito de utopia, no sentido
de Bloch, como componente irrealizável da realidade concreta. Esta de-
signação "o irrealizável da realidade realizada" já denota sua tessi-
tura dialética antagônica, marcando a superação como algo estrutural-
mente normal. As fases históricaso por definição provisórias, e cada
uma nas suas contradições gesta a seguinte, levando a aceitar
como definitivo na história apenas sua provisoriedade, ou seu vir-a-ser
(Demo, 1989a, 37-40: Loewy, 1989).
A passagem é inevitável e necessária, porque passandoo encon-
tra um lugar definitivo de descanso, mas suscita a nova passagem, que
jamais passa. Utopia desenha a esperança de uma sociedade melhor,
incubada no ideal da perfeição impossível. No contexto da contradição
e da provisoriedade estruturais, nenhuma sociedade pode representar
a satisfação total. A revolução produz sociedades novas, que no dia
seguinte começam a se tornar velhas.o por defeito, mas por história.
Diante disso, podemos formular dois conceitos de "revolução perma-
nente":
revolução permanente para a dialética não-antagônica (soviética) sig-
nifica a consecução de situação histórica definitiva, dita comunista,
já destituída de contradições radicais;
revolução permanente para a dialética antagônica significa a perma-
nência da utopia irrealizada em qualquer fase concreta, indicando
que toda sociedade, em qualquer espaço e tempo, se supera intrinse-
camente.
A primeira posturao é crítica, por mais que possa alimentar-se de
certos escritos marxistas, em especial da Contribuição para a Crítica
da Economia Política, que sugere o término da história antagônica após
o capitalismo (Marx, 1973, 29). De modo geral, é vista como ardil do
poder vigente, sempre interessado em pintar-se comoo contraditório,
e por conseqüência digno de obediência e sustentação indefinidas. Entre-
tanto, a história concreta mostra o contrário: todo poder acaba, graças
a Deus! A segunda postura é crítica no sentido intrínseco, porquanto
apanha a normalidade problemática de toda formação social e capta
nela a gestação interna de dentro para fora da mudança inevitável
e necessária.
A teoria crítica privilegia a análise das contradições sociais, na expectativa
de que elas perfazem seu conteúdo mais importante. O que "faz" a
históriao seus antagonismos constitutivos, mais marcantes que con-
sensos, funcionalidades e harmonias. Esta característica tem levado a
projetar sobre ela a tempera de "esquerda", dada a convenção discursiva
que define esquerda como mudança de baixo para cima, a partir das
vítimas das discriminações sociais. Na escola de Frankfurt tornou-se
notória a coerência da teoria crítica, no sentido de vituperaro somente
as contradições capitalistas, mas igualmente do socialismo real e mesmo
do marxismo original. Tal postura é coerente, sobretudo no que diz res-
peito ao inventar" sociedades imunes à crítica, como quer a dialética
não-antagônica (Habermas, 1983).
Todavia, nem tudo é coerência entre seres sociais historicamente incoe-
rentes. A incoerência mais pungente é a da crítica teórica desacom-
panhada da respectiva prática. A sociologia marca-se talvez muito mais
pela verve crítica discursiva, do que pela capacidade prática de móvel
da mudança. Falar de mudança e fazer mudança,o duas coisas que
podem andar afastadas ou mesmo se desconhecerem.o faltam cientis-
tas sociais queoo críticos quanto enclausurados em suas próprias
idéias, reeditando o mesmo hegelianismo de sempre na prática. Acontece
que a prática crítica é algo mais complexo e desafiante, embora devesse
ser apenas o reverso da mesma medalha. Na prática, a teoria é outra;
e a prática sempre "trai" a teoria. Deixando de lado que em nenhuma
teoria cabe toda a realidade, nem na dita teoria crítica esta também
é uma das maneiras de compreender a realidade, temos aí pelo menos
dois casos típicos de incoerência:
de um lado, a crítica que aspira à impunidade, negando ao criticado
o mesmo direito da crítica a intransigência crítica (patrulhamento)
é característica de algumas esquerdas;
de outro lado, a crítica que apenas indigita as contradições, mas
o se relaciona com e|as como ator social o cientista seria apenas
um observador perspicaz,o um cidadão historicamente compro-
metido.
Neste contexto, é problema para a teoria crítica a própria Escola de
Frankfurt, cujo definhamento histórico talvez se explique pelo distancia-
mento frente aos apelos da prática. Apesar do discurso reconhecidamente
competente talvez se trate da sociologia mais criativa de todos os
tempos, a crítica destituída da respectiva prática produz rebatimentos
autodestrutivos, a começar pelo fato de que se tornou "troféu capitalista",
pois sustentada pelo sistema capitalista. Este sistema, de certa forma,
"comeu" a Escola, à medida que soube manter e fomentar a crítica
inócua, que, além de nada mudar, serve de prova democrática do próprio
sistema. Um dos gandes riscos da teoria crítica é de tornar-se enfeite
da corte, sob cuja sombra se desenvolve e por trás dela se esconde
(Slater, 1978; Therborn, 1972; Demo, 1982). Em termos formais, a teoria
crítica, no contexto da dialética, sempre apelou para a "prática", inclusive
para mostrar sua diferença frente ao positivismo (Popper); mas tal "prá-
tica"o foi além da "prática teórica" (Freitag, 1986, 51).
Todavia, no outro lado a questão, é mister acentuar a relevância ímpar
da teoria crítica, que está na base dos processos históricos emancipatórios
e do que hoje é definido como "politização"; o cidadão "politizado" é
aquele que supera o analfabetismo político e consegue elaborar cons-
ciência crítica de si e do mundo, podendo arquitetar projeto próprio de
desenvolvimento.
Do ponto de vista metodológico, um dos horizontes mais marcantes
é a busca incessante de caminhos alternativos para as Ciências Sociais,
que aprendendo, no que cabe, das Ciências Naturais, a estaso se
subjugam. O método dialéticoo serve para qualquer coisa, mas restrin-
ge-se à compreensão das realidades históricas, ainda que estas também
nunca possam ser reduzidas a condições subjetivas. Mais recentemente,
este intento chegou a frutificar em "metodologias alternativas", também
com abusivas banalizações, mas capazes de alargar as maneiras de
tratar e de mudar a realidade histórica (Habermas, 1982 e 1981; Siebe-
neichler, 1989, Habermas, 1989).
Pode-se dizer que faz parte do patrimônio sociológico, bem como de
outras Ciências Sociais próximas (Antropologia, Psicologia, Economia)
forte reflexão metodológica, seja no sentido de fundamentar sua cientifi-
cidade contra adversários céticos ou contraditantes, seja no sentido de
propor vias constantes de renovação e originalidade. Praticamente todos
os grandes teóricos de Sociologia foram eminentes metodólogos, menos
na qualidade de mensuradores de dados, do que na qualidade de questio-
nadores das possibilidades e limites das Ciências Sociais. Outra vez
merece destaque a Escola de Frankfurt, em particular Habermas, que
até hoje se mostra incansável na persecução de fundamentações adequa-
das das pretensões científicas das Ciências Sociais, que desbordam
os quadros clássicos do positivismo (Habermas, 1981 e 1989).
A ciência como tal é fenômeno social e também político, mesmo ou
talvez ainda mais aquela que se quer neutra, mas isto cabe de modo
mais direto às Ciências Sociais, que lidam com ideologia de modo intrín-
seco, ou seja, no próprio objeto, além de no sujeito. No fundo persiste
a perspectiva crítica que aponta para condições subjetivas da mudança
histórica, nas quais ideologia é móvel substancial. Unindo conhecer e
mudar o que seria histórico e lógico, aparece o problema da funda-
mentação científica de opções possíveis, para além da mera análise
dita objetiva. A ciência passa a refletiro somente qualidade formal,
em seu aspecto lógico, sistemático, analítico, mas também qualidade
política, como fenômeno e instrumento de intervenção na realidade.
Para o ser social como inevitável ator políticoo é factível ser
neutro, a menos que tomemos a neutralidade como um tipo de engaja-
mento. Neutralidade, socialmente falando, é uma posição assumida,o
é falta de posição, até porque "falta de posição" seria algo não-histórico
(Demo, 1988a).
Modernamente, a contribuição mais notável é sem dúvida a proposta
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
de Habermas do agir comunicativo ou da ética do discurso, capaz
de abranger no campo da ciência também a consciência moral. As
questões práticas de conteúdo normativoo passíveis de argumentação
e consenso, no contexto de uma "comunidade comunicativa ideal" (1989,
p. 64, 68 ss). O rigor formalo basta eo se basta, necessitando
do horizonte do Lebenswelt (mundo das vivências básicas), impregnado
o só de fatos, mas igualmente de normas e utopias. A cientificidade
é cultivada através do discurso desimpedido, dialogai, único capaz de
montar consensos possíveis, sempre passíveis de revisão.
É facilmente visível que as Ciências Sociais se desempenham melhor
no trato formal-quantitativo da realidade, porque cabe nas propostas me-
todológicas dominantes, no contexto formalizante. Na dimensão da quali-
dade ainda nos falta até mesmo linguagem adequada, a começar pela
inadequação analítica: na dimensão da intensidadeo há partes de-
componíveis, porqueo se trata de quantidades mensuráveis. Uma
ideologiao é maior ou menor, mas mais forte ou menos forte
A rigor, é impossível dizer onde começa, onde acaba, onde está o meio
dela etc. Entretanto, todos cremos firmemente que ideologia é fenômeno
essencial da realidade social, e há mesmo quem morra por uma ideologia
(Demo, 1987, 1985a, 1985b).
Esta questão se torna tanto mais estratégica quando lidamos com proble-
máticas caras à educação e outras práticas políticas históricas como partici-
pação, movimentos sociais, formação da contra-ideologia etc. É pelo
menos artificial dividir o campo científico como um espaço que chega
somente à análise, sendo-lhe estranha a história do vir-a-ser. As Ciências
Sociaiso se esgotam em virtudes lógicas sempre importantes, mas
o ainda reflexo social, a começar pelo grupo específico que as cria.
Elas mesmas já indicam condições subjetivas de formação, que apontam
para tendências elitistas e conservadoras. Ao fim, torna-se claro que
por trás das Ciências Sociais há um "projeto de sociedade" condizente
com as utopias dos cientistas sociais e suas vantagens históricas, e
divergente certamente das necessidades essenciais das populações mar-
ginalizadas. Talvez isto explique, pelo menos até certo ponto, que a
pesquisa sobre pobreza que já sabe uma enormidade sobre o pobre
conviva tranqüilamente com o agravamento relativo da pobreza. Co-
nhecer afasta-se de mudar, tornando-se o hiato algo óbvio aparente-
mente. Todavia, a realidade subjacente revelao o hiato, mas o conluio
de uma ciência pretensamente isenta com a manutenção da ordem vigen-
te. Nada se sabe mais do queo mudar. Coibir mudanças, controlar
a população, desmobilizar as massas, isto as Ciências Sociais ensinam
magistralmente e para tanto nada é mais funcional que o "idiota especia-
lizado", definido como o cientista formalmente competente, mas politica-
mente tapado. Analfabeto político, ainda que superalfabetizado em ter-
mos formais, literais.
A sociologia crítica tem estigmatizado com veemência a limitação dos
métodos formais exclusivos ou abusivos, que paralisam o cientista como
ator histórico, reduzindo-o a instrumento útil para qualquer fim, que se
nega a discutir. De modo geral, propende-se a adotar alguma forma
de dialética, pela razão de caberem nela as condições subjetivas da
intervenção e da mudança. Há dialéticas para todos os gostos, certa-
mente, desde as mais objetivistas, que já retiram o homem como ator.
relegando-o a elemento determinado por fatores externos necessários,
até as mais subjetivistas, que reeditam o hegelianismo sob diversas for-
mas, exclusivizando ou exagerando subjetivismos, veleidades e volunta-
rismos.
À sombra desta discussão, florescem métodos alternativos, alguns mais
clássicos, como a hermenêutica, que busca perscrutar o sentido oculto
de textos e comunicações, a fenomenologia, que valoriza a ambiência
subjetiva da realidade social, ao lado de sua cotidianidade, até pesquisa
participante, que assume de vez a conexão indissolúvel entre conhecer
e mudar, a avaliação qualitativa e emancipadora, que se dedica a com-
preender processos participativos em seu âmago político-educativo. For-
çoso é reconhecer que pululam banalizações de toda ordem:
há quem pretenda abandonar a lógica, como se fosse inimiga da
vida real, recaindo na ingenuidade de subjetivismos pretensamente
destituídos de qualquer forma;
há quem se diga dialético, apenas porqueo sabe tratar dados
empíricos com alguma desenvoltura;
há quem venda a dialética como apanágio para tudo, sobretudo exclu-
siviza uma delas, em particular a materialista, como se fora delao
houvesse salvação;
há quem abandone a teoria, e confunda prática com ativismo, substi-
tuindo um fanatismo por outro;
há quem interponha entre quantidade e qualidade dicotomia estanque,
em vez de compreender como faces do mesmo todo (Brandão, 1982
e 1984; Demo, 1985b; Ezpeletta & Rockwell, 1989; Thiollent, 1986;
Barbier, 1985; Gajardo, 1986).
Este rosárioo teria fim. Mas, ao lado da crítica para ser coerente
, é mister mostrar a face positiva de um tipo de ciência que tem o
mérito formidável de querer elaborar sua própria consciência crítica, para
começar com a autocrítica. Coerência fundamental esta,o só porque
vislumbra ciência também como fenômeno social,o como algo desen-
carnado, mas igualmente porqueo descamba nas impunidades ardilo-
sas do crítico sem prática ou do crítico sem diálogo (Luedke & André,
1986;Haguette, 1987).
Tal postura representa patrimônio substancial das Ciências Sociais críti-
cas, porque passam a fazer parte de todo e qualquer processo emanci-
patório: no início da emancipação está a atitude de pesquisa, questio-
nadora, desafiadora para conhecer criticamente as condições objetivas
e subjetivas da realidade, principalmente para compreender pobreza
como injustiça social. A partir dessa consciência elaborada, passa-se
a construir maneiras próprias de solução, que exercitam a cidadania
dos atores no contexto das circunstâncias dadas e impostas. Conhecer
para mudar, ainda que umo se reduza ao outro.
Embora simplificando as coisas, pode-se aventar que o desafio emanci-
patório é o que deu origem ao projeto científico da sociedade, porque
via na ciência um caminho promissor para superar as limitações objetivas
e subjetivas da história. Ciências Sociaiso seria apenas deleite intelec-
tual, passatempo ilustre, mas oportunidade de instrumentar processos
de formação de sociedades pelo menos mais toleráveis. Aliás, ao bom
senso isto seria de todo coerente: estuda-se Educação, para podermos
educar melhor,o apenas para analisar fenômenos pedagógicos. Entre-
tanto, há nesta expectativa uma frustração repetida, porquanto o produto
mais consistente das Ciências Sociaisom sido mudanças para me-
lhor, persecução das utopias caras ao homem, mas instrumentação do
controle social e da desmobilização, ou seja: ciência "neutralizada" a
serviço da ordem vigente.
Todavia, é inegável na contramão que as Ciências Sociais podem ser
alavanca notável na direção da emancipação social, dependendo isso
em grande parte da competência formal e política do cientista social.
Ao mesmo tempo, o tema da emancipação leva naturalmente a valorizar
o horizonte educativo, geralmente muito envolvido com sociologia crítica
em nossos tempos.
Algumas contribuições para a Educação
Ressaltaremos aqui tão-somente alguns tópicos mais evidentes em ter-
mos de contribuições que a Sociologia crítica propõe à Educação. Entre
as ditas Ciências Sociais, talvez se possa afirmar que duas estão mais
próximas da Educação: Psicologia e Sociologia, sem com isto pretender
diminuir a conexão com outras. No contexto nacional atual, é bastante
discernível que a contribuição por parte da Sociologia é eminente, tornan-
do-se em muitos círculos quase exclusiva nos temas principais de debate
como Educação e Gramsci, Educação e a escola reprodutivista, a questão
da Educação ligada a conteúdos críticos curriculares. Educação polí-
tica etc.
Tomando-se tal referência, podemos colocar em foco alguns tópicos prin-
cipais, aqui resumidos nas seguintes dimensões: educação política; edu-
cação e participação (cidadania); educação transformadora; metodolo-
gias alternativas; educação e comunicação social e educação e política
social.
Educação Política
Por educação política toma-se, de modo geral, a perspectiva através
da qual se obtém a maneira mais sólida de "valorizar" Educação na
Em Aberto, Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
sociedade. Para começar, define-se Educação como sendo intrinseca-
mente ato e atitude política, mais do que referência técnica ou relação
de autoridade instrutiva.
Voltando a uma distinção anterior, da qualidade formal e política. Educa-
ção pode valorizar-se pela via formal, ou seja, como competência em
termos de escolarização, instrução, informação, o queo deixa de apre-
sentar sempre faceta relevante. Tal postura liga-se ao fenômeno da apren-
dizagem, na distinção clássica entre um agente que ensina e outro que
aprende, estabelecendo-se entre os dois uma ambiência tipicamente téc-
nica. Tende-se a marcar a competência do "professor" pela capacidade
de instruir e informar, investindo-se nesta função através de instrumen-
tações próprias: didática, planejamento curricular, atualizações, técnicas
de integração social etc.
Sem desmerecer a importância desses componentes, que fazem parte
da cena, educação política busca valorizar também outra dimensão, volta-
da para os fins da Educação, ou seja, a formação histórica do ator
social capaz. A técnica é instrumento necessário, mas ocupa o lugar
de meio,o de fim. Qualidade política éo fundamental quanto quali-
dade formal, embora umao se reduza à outra, nem se deduza da
outra (Saviani, 1987; Oliveira & Duarte, 1986; Faria, 1986; Rodrigues,
1987).
Ao mesmo tempo, busca-se uma relativa resposta às tentativas cons-
tantes de pretender valorizar Educação pela sua inserção econômica,
ou pela designação de "preparação de recursos humanos" para o desen-
volvimento.o parece difícil mostrar que Educação se relaciona obvia-
mente com necessidades econômicas, pelo menos de modo indireto,
mas seu impacto econômico é menos relevante que sua marca política.
Tomando-se a referência da escola, parece evidente que aío resolve-
mos propriamente questões econômicas, por exemplo, a pobreza material
das crianças. De modo muito característico, educação básica inicial volta-
se para a instrumentação política da sociedade e das pessoas, lançando
o de instrumentos técnicos, como a alfabetização e a instrução funda-
mental. Ou seja, volta-se ao combate da pobreza política tomando-se
Educação como instrumentação substancial no trajeto de formação his-
tórica de um povo consciente e capaz de definir e de conduzir seus
destinos (Demo, 1988b).
Entretanto, tal dimensãoo se verifica apenas em "níveis" de ensino
estereotipados, mas faria parte de todo ato e de toda atitude educativa,
no sentido de voltar-se à ativação de condições subjetivas de interven-
ção na realidade histórica e física. Educação representa um dos móveis
sociais mais aptos a trabalhar esta esfera da construção da competência
política, aparecendo em todos os momentos onde possa ser discernida:
na universidade (queo se reduz à reprodução de recursos humanos
sofisticados), nos meios de comunicação (queo se bastam com infor-
mar/divertir), nos ditos "treinamentos" (queo se fecham apenas no
"adestramento" instrumental) etc.
Educação adquire ai dimensão fundamental para sua definição como
Ciência Social autônoma: a arte de motivar, através de um relacionamento
fecundante e estimulante, o surgimento de dentro para fora do sujeito
social consciente e atuante. Esta tarefa é mais visível na formação das
novas gerações, mas em si perfaz fenômeno universal ao longo da vida
de cada um, das sociedades e ao longo da história da humanidade.
De um lado, aparece a missão de repassar o que as gerações vigentes
amealharam ou detêm para as novas gerações, como patrimônio cultural,
e de outro, aparece o desafio de colocar istoo como reprodução
imitativa para as novas gerações, mas como móvel de superação histó-
rica, rumo a futuros conquistáveis.
Todavia, na outra face, educação política também denota que, sendo
fenômeno intrinsecamente político, seu norteo pode mecanicamente
ser libertação. Como todo fenômeno dialético contém suas contradições,
e uma delas está na constatação repetida da tendência reprodutiva, no
quadro do relacionamento autoritário entre educadores e educandos,
entre oligarquia e classes populares. Educação política coloca descoberta
e desafio essenciais, mas istoo quer dizer que os cumpra automatica-
mente. Na tendência típica, Educação se faz pela via da imposição,
da pré-formação das consciências, da exigência de obediência e servi-
lismo, da manipulação dos educandos reduzidos a objeto.
Esta autocrítica é simplesmente essencial para chegarmos a pleitear
maneiras alternativas de educar, que recuperem o signo de dentro para
fora, motivando no educando o surgimento do sujeito social (Gadotti,
1980 e 1984).
Educação e Participação
Mais como decorrência da postura anterior, Educação facilmente desco-
bre que um dos lugares eminentes de sua teoria e de sua prática está
no interior dos movimentos sociais. Os próprios documentos legais insis-
tem nesta parte, ligando Educação com cidadania.
Talvez se possa dizer que o conteúdo mais relevante desta relação está
na descoberta de que o cerne da participação é Educação, se a compreen-
dermos como arte maiêutica de motivar a construção própria do sujeito
social. Com isto chegamos também a juntar Educação com emanci-
pação. Em processos emancipatórios, a peça-chave é sempre o sujeito
social que assim se entende e como tal realiza sua própria emancipação.
Agentes externoso importantes, por vezes indispensáveis, maso
instrumentais. É o caso do Educador, frente ao educando. Na relação
reprodutivo-autoritária, fabrica-se o "discípulo" para copiar e imitar; na
relação crítico-construtiva, emancipadora, motiva-se a formação do "novo
mestre", capaz de dotar-se de projeto próprio de desenvolvimento (Demo,
1988c).
o há como "substituir" a iniciativa própria de quem pretende emanci-
par-se. Ninguém emancipa ninguém, ao ser que este alguém se
emancipe.o se dispensa o "educador", mas este tem como papel
essencial subsidiar, apoiar, instrumentar, motivar; nunca impor, decidir,
comandar. Com isto. Educação aloja-se no interior do que chamamos
muitas vezes de planejamento participativo, caracterizado como aque-
le processo que começa pela tomada de consciência crítica, evolui
para a formulação de projeto próprio de enfrentamento dos problemas
conscientizados, e sublima-se no reconhecimento da necessidade de
organizar-se de modo competente. Tudo começa com a descoberta
própria, consciente das condições concretas de existência e das circuns-
tâncias que nos cercam, ou, em outra linguagem, com a leitura crítica
da realidade. Mais que superar o analfabetismo literal, é fundamental
superar o analfabetismo político, que é a marca da massa de manobra.
Tomando consciência crítica disso, principia o primeiro passo para a
constituição do sujeito social, que, de objeto das definições impostas
de fora para dentro, passa a querer definir-se. Descobre, entre outras
coisas, que pobrezao é um dado encontrado, uma sina, um mau
jeito, uma vontade divina, mas resultado forjado no contexto de uma
história concreta, portanto, uma injustiça social (Vianna, 1986).
Reconhecendo-se vítima de circunstâncias históricas impostas, o sujeito
social descobre ademais que possíveis soluçõesoo dadas, doadas,
permitidas e muito menos impingidas, mas precisam ser construídas por
ele mesmo. No enfrentamento da pobreza, o que há de mais insubstituível
é a atuação do próprio pobre, queo dispensa todos os tipos de apoio,
inclusive do educador popular. Urge, pois, construir projeto próprio de
enfrentamento dos problemas criticamente conscientizados, passando
da teoria para a prática. Com isto, descobre-se também que é fundamental
plantar a cidadania organizada, porque é a cidadania competente (Buffa
et al, 1987; Bordenave, 1985; Dallari, 1984; Roio, 1986).
Educação perpassa todo esse processo, e de certa forma perfaz sua
alma. O educador popularo tem como função "capitanear" as coisas,
decidir pelos outros, antecipar-se às iniciativas dos populares. Sua função
é de "educador" stricto sensu. ou seja, motivador insinuante. Com isto
podemos colocar melhor a questão comunitária no contexto da Educa-
ção, porque comunidade deixa de representar o lugar preferencial de
assistências pobres para os pobres, passando a representar o lugar
próprio da organização da cidadania consciente e produtiva. Participação
comunitária é o nome que se pode dar ao controle democrático organi-
zado pelas bases, de baixo para cima, o que exige sujeitos sociais plenos
no exercício de sua cidadania. E este é o signo mais próprio dos movi-
mentos sociais de base: conquista emancipatória e organizada que fruti-
fica sobretudo na competência histórica de controlar democraticamente
o Estado e as oligarquias.
O desafio mais notável e aí aparece educação em cheio está
em arregimentar todas as forças no sentido de preservar e cultivar a
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emancipação contra os riscos de manipulação de fora para dentro. O
Estado aprecia usar a "participação comunitária" como instrumento de
manobra das necessidades básicas de populações muito carentes, reti-
rando com a direita as migalhas que doam com a esquerda. Para tanto,
comparece o aparato por vezes sofisticado da política social: em lingua-
gem atraente promete-se combate à pobreza, gestão democrática, priori-
dade comunitária etc, mas na prática forja-se o atrelamento subserviente,
com vista a evitar o cidadão crítico, que cobra, reivindica, pressiona,
e a sedimentar o pedinte submisso (Giroux, 1986 e 1987; Stein, 1987;
Freitas, 1989; Baudelot & Establet, 1986; DÁvila, 1985; Silva, 1987).
O papel do educador popular será formular com toda clareza possível
esta autocrítica, para, a seguir, investir na emancipação popular, em
cujo contextoo aparece na cena, mas no bastidor. Isto exige modéstia
fecunda, a mesma grandeza dos pais que sabem sair de cena, para
que o filho tome seu rumo. Mais que isto, é fundamental também colocar,
ao lado das virtudes, os limites do horizonte político-participativo. Emanci-
pação nunca se esgota do lado político, porque o lado econômico é
também sua parte integrante. Assim, a par do sujeito social consciente
e organizado, é mister comparecer o sujeito produtivo e trabalhador,
o que leva a reconhecer a importância essencial da cidadania produtiva,
que junta, num todo, participação e produção/trabalho. Aos educadores
nem sempre esta exigência aparece de modo adequado, sendo mais
freqüente a propensão a bastar-se com ativismos políticos. Educação
que apenas educa, nunca educou nada! O educador crítico e criativo
sabe, ao mesmo tempo, valorizar no devido diapasão seu metier, e cir-
cunscrever seus limites, para descobrir que é um dos atores entre outros.
Assim, faz parte da qualidade política dos movimentos sociaiso somente
organização, movimento como tal, ideologia de luta etc, mas igualmente
o modo próprio de produzir, trabalhar, construir, subsistir. Nada do que
é importante na sociedade passa ao largo da infra-estrutura econômica,
por mais que esta nunca determine tudo, nem em última instância. Dificil-
mente um educador popular preocupa-se com a auto-sustentação das
associações, mas se tivesse noção mais interdisciplinar e globalizante
de educação perceberia que associação queo se auto-sustenta, é
farsa, pois nega um dos lados essenciais da emancipação.
Educação Transformadora
Em termos de sociologia crítica, certamente o tópico mais à vista em
educação é sua visão de transformação social, em especial ancorada
nos escritos de Gramsci. É voz corrente o conceito de "educação transfor-
madora", o que já se torna um problema de banalização, porquanto
o existe, quase sempre ligação coerente entre teoria e prática
(Gramsci, 1978 e 1972; Coutinho, 1981).
De um lado, busca-se superar a visão estreita da postura reprodutivista,
embasada na percepção monolítica de poder, jáo dialética. Na dialética
do poder descobre-se que, sendo sua tendência perpetuar-se na história
quando visto de cima para baixo, provoca neste mesmo movimento o
contrapoder, de baixo para cima. Assim, se, de um lado, poder significa
estratégia de preservação da ordem vigente, que em tudo busca reprodu-
zir-se, de outro lado significa a provocação constante sobre o despossuído
de voltar-se contra a situação vigente, rumo a mudanças possíveis. Mu-
dança real provém dos marginalizados.
Por outra, busca-se caracterizar caminhos factíveis de superação histó-
rica, delineando aí o papel da educação, que, então, aparece como "trans-
formadora" sob inspiração gramsciana. Deixando de lado aprofunda-
mentos maiores, tomamos aqui apenas o conceito de contra-ideologia,
porque pode propor dimensão dialética apropriada da questão. No quadro
da discussão anterior, educação pode dirigir-se à formação do sujeito
social em sentido emancipatório. Um dos pontos fundamentais desse
processo é a formação da consciência crítica própria que frutifica em
projeto próprio. Faz parte desse projeto próprio se é de mudança
profunda a formulação da contra-ideologia, como estratégia de inver-
o da relação de poder. Os destituídos pelo poder vigente necessitam
de sua própria estratégia de poder, para construírem uma contraposição
competente. Revoluções precisam de sua própria ideologia, na qual apa-
recemo somente as grandes utopias que movem as massas, mas
sobretudo as estratégias de confronto, com vista a colocar sob controle
dos marginalizados a situação histórica (Cury, 1986; Ribeiro, 1984; Mello,
1986).
Esta visão dialética da história e do poder é normalmente menos valori-
zada pelos educadores, do que o prestígio gramsciano conferido ao inte-
lectual que, finalmente, se reconhece peça essencial da transformação
histórica. Aí aparece o conceito de intelectual orgânico, que todo educa-
dor imagina ser, à imagem e semelhança de Gramsci. De fato, cabe
tal valorização, pois do lado das condições subjetivas para transforma-
ções históricas, é mister a construção da respectiva ideologia, e isto tem
dono; o intelectual é a figura-chave da formulação ideológica, compreen-
dida também na sua face positiva, estratégica de fundamentação científica
de caminhos de mudança, a par de justificação de utopias idéias-força.
Um dos produtos dessa atuação marcante será precisamente a "contra-
ideologia". Se quisermos exemplo nacional à mão, temos no PT (Partido
dos Trabalhadores) um partido que quer organizar sobretudo os traba-
lhadores marginalizados o concurso vasto de intelectuais que se dis-
põem a trabalhar pela mesma causa, muitas vezes com dedicação, heroís-
mo e práticas notáveis.
Todavia, a educação transformadora tem servido muito mais a banaliza-
ções recorrentes, do que a práticas convincentes, de modo geral. Caberia
dizer:
educadoro "nasce" intelectual orgânico; pode tornar-se à custa
de intensa autocrítica e sobretudo de prática coerente, com respectivos
riscos e desafios;
transformar é verbo que pede mais que educação, principalmente
quando se encontra em contexto do materialismo histórico; imaginar
que ações políticas sozinhas bastem para fazer a revolução, é viver
hegelianamente de condições subjetivas;
a dialética do poder há de lembrar sempre que o poder que buscamos
também gesta seu contrapoder, a menos que nos refugiemos na
dialética não-antagônica; ou seja, se a nossa contra-ideologia um
dia virar ideologia dominante, provocará sua contra-ideologia tam-
bém, porque a história continua;
extermina-se a educação transformadora, se permanecer apenas dis-
curso político de esquerda, recaindo na armadilha da crítica radical
sem prática; grande parte dos educadores que se dizem transfor-
madores apenas "falam" de transformação;
dentro do sistema escolar vigente da escola púbica é tanto mais
difícil acenar com educação transformadora, porque o educador público
aindao elaborou suficientemente sua própria cidadania; urge tam-
m transformá-lo.
Assim, pode-se afirmar que, com a mesma pressa e subserviência com
que "engolimos" a educação reprodutivista, estamos "engolindo" a edu-
cação transformadora, por mais que contenha dimensões essenciais da
prática pedagógica. O mínimo que se poderia dizer é que o desafio
da educação transformadora, além de correto e urgente, coloca neces-
sidade de revisão radical da formação do próprio educador, parao
banalizar questãoo vital. Competência técnica e política é algo substan-
cial. Educação transformadora tem provocado mais atração, surpresa
e mesmo entusiasmo, do que aprofundamentos teóricos e práticos conve-
nientes. Basta lembrar a leviandade com que se toma o conceito de
transformação, já rebaixado a rótulo meramente discursivo, sem noção
de suas implicações infra-estruturais, para dizer o mínimo (Libâneo, 1986).
Entretanto, a educação transformadora, uma vez bem colocada, só faz
sentido se por ela compreendermos estratégia essencial de enfrenta-
mento da pobreza política da população, em dimensão interdisciplinar.
Na prática, educação tem como tarefa formar agentes de mudança.
Embora mudança jamais seja apenas questão de educação, esta é com-
ponente central no lado das condições subjetivas. Isto é tanto mais rele-
vante, quando se constata facilmente que instituições ditas educativas
a começar pelas universidades se alocam entre as mais conserva-
doras da sociedade. De casas da criatividade na teoria, passaram na
prática a casas da resistência, talvez da mediocridade, e muitas vezes
da imbecilização (Severino, 1986).
Metodologias Alternativas
Em Ciências Sociais,o os educadores quem mais empurram esta idéia.
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partindo do princípio de que conhecer e mudar, embora constituindo
facetas próprias,o no fundo o mesmo fenômeno. A separação é artifi-
cial, elitista, e serve sistematicamente a finalidades conservadoras.
A pesquisa participante — e a ela anexamos a pesquisa-ação, sem
maiores discussões parte da crítica correta de que a realidade subsu-
mida nos métodos tradicionais dominantes (positivismo, empirismo etc.)
o representa a totalidade da realidade, e geralmente sequer a parte
principal. Dimensõeso fundamentais como participação, educação,
identidade culturaloo captáveis de maneira mensurada, maso
deixam de constituir horizontes essenciais.
A neutralidade científica é truque tendencioso para encobrir ideologias
escusas,o escapando de ser uma posição explícita ou camuflada.
Refugiar-se na mera teoria, na simples análise, na observação distanciada
o é colocar-se em posição favorável para fazer ciência, mas cair no
ardil da "prática teórica", funcional à ordem vigente. Faz-se,, um tipo
de ciência,o a ciência. Reduzindo-se apenas a questões formais,
pretensamente neutras,o nos distanciamos dos fins, mas assumimos
outros, tornando nossos compromissos a priori inomináveis. Imaginar-se
isento é maneira de marcar posição, porque ninguém pode sair de sua
própria pele, para observar-se de fora. Somos ideológicos de todas as
maneiras, porque somos seres sociais históricos, marcados pelo espaço
e pelo tempo. Também ou sobretudo somos ideológicos quando negamos
ter qualquer ideologia.
Pesquisa participante assume o compromisso de unir teoria e prática,
em contexto de participação explícita, conjugando os papéis dos agentes
externos (cientista, pesquisador, técnico, professor etc.) e dos agentes
internos (comunitários), e aceitando o desafio ideológico (contra-ideo-
lógico), que repercute na fundamentação científica de projetos de mu-
dança organizada.o trabalhadas condições objetivas e subjetivas,
cabendo à educação movimentar sobretudo as subjetivas, na linha da
formação do sujeito social. A comunidadeo pode ser reduzida a objeto
de pesquisa, e, sob o signo da participação, busca-se um conhecimento
consorciado.
Este tipo de pesquisa, que jamais pode ser isolado de outros, inclusive
de levantamentos empíricos e quantificações cabíveis, coloca exigências
científicas ainda mais rigorosas, porque, além de pretender conhecer bem
a realidade, ainda quer intervir nela de modo profundo e decisivo. Unir,
pesquisar e participar é obra difícil, que demanda muito tempo e se
insere no fundo em projeto de vida a longo prazo.o vale recair em
banalizações da rejeição incompetente de qualquer método (como se
fosse possívelo possuir qualquer noção de como fazer), ou da lógica
(como se fosse algo espúrio diante da dialética), ou da sistematização
cuidadosa dos dados e depoimentos (como se bagunça fosse condição
de criatividade) (Demo, 1985b).
A avaliação qualitativa encerra a proposta de cultivar, sem exclusi-
vismos, dimensões qualitativas da realidade social, em particular da esfe-
ra educativo-participativa, tomando-se em conta a questão dos conteúdos
e fins. Quer saber até que ponto, por exemplo, se poderia garantir que
na escola de fato se gesta cidadania: como seria possível avaliar isto,
que condições seriam necessárias, de que fatores depende...
Em particular, perscruta a dimensão da qualidade política, tendo em
vista nosso vazio metodológico, geralmente apenas capacitado a expres-
sar-se no campo formal-quantitativo. Mais concretamente, debruça-se
sobre a aferição da pobreza política de nossas associações, de nossas
escolas e universidades, de nossas instituições democráticas, e assim
por diante. No fundo, gostaria de saber, se emancipação é necessária,
até que ponto existe, como poderia existir, o que falta para que exista.
quem a motiva, quem a atrapalha etc...
Como a pesquisa participante, avaliação qualitativa é factível em termos
incipientes apenas em pequenos grupos, onde o fenômeno da discussão
crítica conjunta é viável. Embora seja sempre possível ensaiar aproxima-
ções de todas as ordens, stricto sensuo metodologias que fogem
dos grandes números, para cultivar a intensidade do relacionamento
direto. O sentido fundamental deo separar sujeito de objeto, porque
todoso sujeitos, exige trabalho educativo corpo-a-corpo (Demo, 1987).
Isto talvez se torne ainda mais visível no que se tem chamado de avalia-
ção emancipadora, em particular voltada para processos avaliativos
inspirados na libertação contra a manipulação e na gestação do sujeito
autônomo social. Muitas vezes direcionada para a questão curricular,
busca compor o contexto de uma escola da vida, capaz de instrumentar
a cidadania popular de modo efetivo. Consciência crítica e capacidade
organizada de agiro componentes do mesmo processo e pilares da
emancipação Certamente, é importante nunca esquecer que emanci-
pação ultrapassa a dimensão educativa (Saul, 1988; Trivinos, 1987).
O povoo pode sobreviver apenas com "teatro político", "arte compro-
metida", "leitura crítica da realidade" e assim por diante. Educação é
o insubstituível, quantoo substitui outras dimensões da realidade
histórica.
Educação e Comunicação Social
Reportando-nos à Escola de Frankfurt, uma de suas perspectivas mais
ricas está no horizonte cultural da educação, em particular na crítica
à indústria cultural. É fundamental tal visão, até parao incorrermos
de partida em supervalorizações formais já superadas (Bastos, 1988;
Schaefer & Schaller, 1982; Enzensberger, 1978; Freitag, 1987; Adorno/
Horkheimer, 1985).
O contexto moderno da comunicação social tem trazido conseqüências
radicais para a Educação, a começar pela função desvanecente da esco-
la. Esta ainda cumpre função essencial de socialização do saber sistema-
tizado, nem que seja apenas ler e escrever, mas isto jáo tem a impor-
tância de outros tempos. Se pudéssemos falar de "influência educativa",
esta é veiculada mais e melhor pela comunicação social, sobretudo pela
televisão, do que por aulas (Cohn, 1978).
Programas infantis, veiculados com competência formal, dentro das técni-
cas mais modernas de comunicação, "fazem a cabeça" das crianças
mais do que a própria família, e certamente mais do que a escola. Princi-
palmente, é preciso ver que o acesso à informação passa hoje por,
menos pela transmissão estereotipada escolar, o que tem trazido outras
conseqüências ao conceito de analfabetismo. E menos graveo saber
ler ou escrever, do queo ser "informado", mesmoo sabendo ler
e escrever. O voto do analfabeto — à parte as politicagens possíveis
encontra nisto alguma base, porque a pessoa pode informar-se sobre
os candidatos eleitorais vendo e ouvindo, sem ler e escrever. O grave
é o analfabetismo político, que jáo se caracteriza tanto pela igno-
rância da lecto-escritura, como pela manipulação via informação. Cada
vez mais vivemos numa sociedade pervadida pela informação eletrônica.
Cada vez menos existe a chance deo estar informado. O fenômeno
central é a informação manipulativa, que produz a imbecilização política
(Chauí, 1987; Freitas, 1989).
Aí cabe a pergunta: os programas infantis propendem ao despertar da
cidadania da criança, ou a imbecilizam através da manipulação da propa-
ganda comercial, da seleção informativa tipo "moral e cívica", da impreg-
nação dos "enlatados importados" da indústria cultural externa, da disse-
minação de "pão e circo" em troca da alienação coletiva? O mundo
das novelas, dos telejornais, dos programas de diversão e passatempo
etc. contém fortes ingredientes manipulativos da consciência popular,
cuja influência nunca conseguimos aquilatar bem, até porque escapa
a quantificações acessíveis, mas que é muito real.
O acesso à educação, compreendida como instrumentação da cidadania
e disponibilidade da informação estratégica social, passa pelo "modelo"
de comunicação social dominante. Se nos colocássemos como desiderato
a longo prazo a formação de um povo capaz de elaborar e executar
projeto próprio de desenvolvimento, o modelo de comunicação social
é instrumentação das mais estratégicas. Nele é possível ver até que ponto
somos penduricalho de outras culturas e economias, e até que ponto
somos capazes de alma própria.
o há democracia sem democratização da comunicação social, porque
a emancipação do sujeito social depende em grande parte do acesso
desimpedido à informação estratégica. Ler e escrever já é pouco, embora.
nem por isso. se deva postergar. Se levarmos em conta que um dos
conteúdos eminentes da educação é a socialização do saber, esta
passa hoje em grande parte pela comunicação social democratizada.
A assim dita indústria cultural, quando se aproxima de monopólios da
consciência nacional, detém grande poder de fogo em termos de coibir
Em Aberto. Brasília ano 9. n 46. abr jun 1990
ou promover mudanças na direção dos grupos dominantes. Embora possa
ser alavanca extraordinária de mobilização, além de instrumento funda-
mental da educação continuada, descamba facilmente em cultivo da po-
breza política através da manipulação atraente e competente da informa-
ção estratégica: faz de versões, fatos, ou de fatos, versões; filtra apenas
o que interessa ao grupo dominante; investe em ideologias conserva-
doras; comercializa tudo, inclusive a identidade cultural, e assim por
diante. Refaz a condição de massa de manobra, mas sob outras circuns-
tâncias, em particular sob o devaneio da diversão eletrônica (Freitag,
1987; Coelho, 1981).
A sociologia crítica tem vituperado com insistência esta face do mundo
moderno e já totalmente irreversível, sobretudo levando-se em conta a
potencialidade evidente que a comunicação social detém em termos edu-
cativos e culturais. Bastaria falar em educação continuada, para se
ter uma idéia de sua relevância decisiva, ao lado do enfrentamento do
analfabetismo adulto, da oferta mais ampla de supletivo para populações
muito numerosas, do reforço estratégico à escola formal, e assim por
diante. De modo especial, a crítica como tal relaciona-se hoje diretamente
com a comunicação social, seja porque, de um lado, pode aí alimentar-se
fortemente, à medida que promove a formação do sujeito social, seja
porque, de outro lado, pode aí ocorrer fantástico analfabetismo político,
via colonização das consciências e do saber (Mattelart et ai, 1987; Can-
cüni, 1983;CIESPAL, 1983).
A ciência usualo tem instrumentos para avaliar a influência dos meios
de comunicação até que ponto os "enlatados" americanos para progra-
mas infantis "fazem a cabeça das crianças", mas istoo serve de
argumento para minimizar sua força e agressividade (Bastos, 1988).
Educação e Política Social
Política social está sob suspeição sistemática em nossas sociedades,
porque representa o engodo bem feito e sempre sustentado pelos cientis-
tas sociais de fazer promessas inverossímeis, para, por trás delas, praticar
controle social e desmobilização. Este resultado decorre já de todas
as ofertas assistencialistas, paternalistas e compensatórias, que, através
de doações conjunturais enganosas, encobrem problemas estruturais
que exigem outras vias de solução (Faleiros, 1986; Demo, 1988c; Bour-
dieu & Passeron, 1975).
Entretanto, a relação entre educação e política social coloca questão
relevante em vários sentidos atuais:
em primeiro lugar, lembra a necessária interdisciplinaridade da educa-
ção, dentro de visão de totalidade: nada do que é importante na
sociedade é apenas questão de educação; além da relação clássica
com a dita infra-estrutura (sem determinismo), é fundamental perceber
que os educandos representam um todo em termos de necessidades
humanas básicas, em cujo seio Educação aporta um tipo de contri-
buição substancial; o mínimo que daí decorre é a imprescindível revi-
o da formação profissional do educador, hoje encerrado no universo
tacanho das pedag&gias de segunda mão;
em segundo lugar, aparece sempre o desafio da relação com pobreza,
no contexto da equalização de oportunidades; educaçãoo apre-
senta móvel importante para enfrentar a pobreza sócio-econômica,
mas é insubstituível no enfrentamento da pobreza política; aí se torna
instrumento decisivo de equalização de oportunidades, sobretudo na-
quela parte universalizável, senão por outras razões, já porque passa
a ser uma das únicas políticas com condições de alcance geral; com
isto valoriza-se sobremaneira a dita educação básica, entendida como
instrumentação comum da cidadania popular;
na mesma linha, emerge a relevância da escola pública, porque é
o instrumento mais apto ao intento de equalização de oportunidades
como direito de todos; é claro que escola pública de qualidade depende
menos do Estado, do que do controle democrático popular organizado,
mas aí temos um argumento cogente para sua defesa;
um passo mais além nos conduz a aceitar a idéia de que educação
só teria a ganhar se fosse concebida no quadro da política social
para a infância e a adolescência, evitando-se a compartimentação
de ofertas e a disputa de donos; com isto obteríamos outro argumento
fundamental, que é o caráter intrinsecamente preventivo de tais politicas,
ao lado de sua função própria emancipatória, do que decorre sua
universalização desde o pré-escolar ao 1º Grau de todos os modos
e de preferência até ao 2º Grau; em termos orçamentários esta postura
é fundamental também, porque se desfaz de imediato a idéia de
"gastos" em troca da idéia de "investimento" e mesmo de "poupança"
(Werthein & Argumedo, 1985; Chahad & Cervíni, 1988; Assis, 1989;
Carraher, 1988; Colombier et ai, 1989).
A teoria crítica trouxe contribuições relevantes, sobretudo na perspectiva
de Offe, que admite o papel crescente do Estado na sociedade, com
decorrentes oportunidades e riscos (Offe, 1984). Segundo ele, "as políti-
cas sociais do Estadoom outra função senão controlar o fluxo
e refluxo da força de trabalho no mercado, a fim de atender plenamente
às necessidades conjunturais e estruturais do capital privado" (Freitag,
1986, p. 102). Ainda assim, está no Estado desde que devidamente
controlado pela base organizada — a chance mais pública de equalização
de oportunidades, através de políticas sociais preventivas e emancipa-
tórias.
Decorre disso que as políticas sociais mais equalizadoras provenham
da sociedade civil organizada, por exemplo, dos sindicatos e partidos,
queo podem confundir-se com órgãos públicos. Assim, a escola pública
deve ser mantida pelo Estado, mas sua qualidade está muito mais nas
maõs dos movimentos sociais organizados. A participação comunitária
o pode ser entendida como "liberação das obrigações do Estado",
e muito menos como muleta de um Estado capenga, mas competência
política organizada para fazer o Estado funcionar, a serviço do bem co-
mum.
Ainda no contexto da política social, educação aloca-se na face político-
participativa,o na face sócio-econômica, como muitas vezes se preten-
deu afirmar. Educação é muito mais do que "preparação de recursos
humanos", em cujo horizonte é variável do mercado de trabalho e aproxi-
ma-se de sua utilização instrucional-adestradora. Sua energia própria
está na instrumentação da cidadania de base e guarda esta característica
também na dita formação superior.
Para concluir
Ressaltamos aqui, de modo preliminar, algumas contribuições da socio-
logia crítica para a educação, na tentativa de circunstanciar muitas das
discussões que dominam o cenário nacional. Sem desmerecer outras
colaborações, sobretudo oriundas de outras Ciências Sociais, é visível
que sociologia crítica tem sido manancial decisivo no quadro das lutas
dos educadores por uma educação mais crítica, pela defesa da escola
pública, pela revisão da formação profissional, pela superação de emper-
ramentos curriculares, pela relevância política da formação educativa.
pela colaboração com movimentos populares, sem falar do confronto
com a indústria cultural.
Em que pesem todas as possíveis banalizações, talvez se possa afirmar
que muitos dos avanços históricos dos educadores beberam dessa água
e dela se nutrem, como inspiração da contra-ideologia e sedimentação
do educador político, no contexto de uma sociedade destituída ainda
de projeto próprio de desenvolvimento. Falta-nos qualidade formal e quali-
dade política, na população, mas também nos educadores. A luta por
melhores condições profissionais apenas desvenda ou de uma pro-
posta mais ampla que pretende encaixar educação no âmago da formação
política popular e mostrar que a equalização de oportunidades nunca
se esgota apenas na educação, mas é impossível sem ela. Ondeo
há sujeitos sociais conscientes e organizados,o há desenvolvimento
auto-gerido e auto-sustentado,o há projeto próprio de sociedade,o
há democracia,o há Estado de direito.
Quanto à teoria crítica, continua sendo o patrimônio maior da sociologia
crítica, mas seria acrítico indicá-la como imume a retoques, obviamente.
Já apontávamos para o tropeço fácil de "formalizar" a prática, recaindo
na crítica radical sem prática coerente, obstruindo a dialética antagônica
por outras vias. Outra preocupação em Habermas é a formulação "ideali-
zada" da comunidade comunicativa, queo parece levar em conta de
modo suficiente o ardil do poder. O saber une-se muito mais facilmente
ao poder, do que ao emancipar, como procurou demonstrar Foucault
(Foucault, 1979; Freitag, 1986). Em Educação parece o caso: sabe-se
muito mais do que se "quer" mudar, embora disso nunca decorra que
Em Aberto. Brasília, ano 9. n 46. abr. jun. 1990
sabemos o suficiente. Também por trás da teoria comunicativa há um
projeto de sociedade, queo se coaduna com a dureza diária das
desigualdades sociais. A dialética antagônica diria que a "descomuni-
cação" éo ou mais possível que a comunicação. Democraciao
é uma situação consensual, mas uma conquista processual, que precisa
ser recuperada e reinventada a cada dia. Educação política prepara o
homem para isso,o para consensos enganosos, que escondem artima-
nhas de repressão.
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Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
DURKHEIM E A SOCIOLOGIA DÁ EDUCAÇÃO NO BRASIL*
Fernando Correia Dias**
Introdução
Este texto objetiva lembrar os traços primordiais da concepção expressa
por Emile Durkheim (1858-1917) a respeito da realidade educacional.
Analisa como o tema se insere no conjunto da obra do sociólogo francês,
e também as motivações que o levaram a cuidar do condicionamento
social da Educação. Nesta parte, serão expostos os principais resultados
de uma leitura crítica do livro Educação e sociedade, assim como se
dará notícia do conteúdo e das circunstâncias do aparecimento dos dois
outros livros sobre Educação, escritos pelo sociólogo em foco.
No tópico seguinte, centra-se a atenção sobre as marcantes influências
durkheimianas no pensamento social brasileiro e, em particular, nas práti-
cas educativas aqui vividas. Lembrar-se-ão desdobramentos realizados
por discípulos de Durkheim, o uso das respectivas categorias analíticas
como suporte para pesquisas e a presença das referidas idéias em salas
de aula. Circunscreve-se a análise a essa influência, sem cogitar, ao
ser de passagem, de outras correntes que hoje dominam o campo educa-
cional brasileiro, e cuja detida consideração tornaria muito extenso o
artigo.
No final, indaga-se sobre a atualidade da contribuição durkheimiana no
Brasil de hoje.
' Versão escrita de palestra proferida a convite do Grupo Educação e Sociedade, da
ANPOCS, na reunião de outubro de 1987 Atuou como debatedora a professora Aparecida
Joly Gouveia.
' Pesquisador associado da UnB; bolsista do CNPq.
A iniciativa de suscitar semelhantes questões justifica-se duplamente:
pela perceptível retomada do interesse intelectual pelo pensamento clás-
sico, no mundo acadêmico das Ciências Sociais; e pelo fato de que
muitos sociólogos estão se empenhando prioritariamente em compreen-
der os processos educativos no Brasil. O método histórico de Durkheim,
nesse terreno, aspecto geralmente desprezado pelos analistas, poderá,
a nosso ver, indicar horizontes aos estudiosos brasileiros.
Este trabalho é deliberadamente informativo, com isso tentando abrir
uma trilha para o próprio autor e colegas interessados no tema.
A questão educacional
Ao longo de intenso trabalho intelectual, por algumas décadas, Durkheim
esforçou-se de modo notável para construir a especificidade sociológica
e esclarecer os fundamentos sociais da educação. Além da cátedra e
do livro, usou, para tanto, L'Année Sociologique, fundado em 1896,
e em torno do qual se agruparam os discípulos que comporiam a Escola
Francesa de Sociologia.
O contato com a biografia desse autor leva-nos, simultaneamente, a
algumas convicções e a determinadas perplexidades quando se trata
de entender o duplo percurso de educador e sociólogo por ele realizado.
É certo que se preparou, desde muito jovem, para o magistério. Orientan-
do-se para a Filosofia, cursou a Escola Normal Superior de Paris, ali
convivendo, entre mestres e colegas, com as mais brilhantes figuras
da intelectualidade da época; preservou, entretanto, o espírito de rigor,
a seriedade e uma oposição aberta à "atitude diletante", que percebia
no mundo acadêmico. Ao brilho retórico e à busca obsessiva de origina-
lidade, preferia a aplicação constante na procura do conhecimento exato
da realidade
1
.
' Para o estudo da tormação intelectual do sociólogo, ver o livro de Alpert (1945).
Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46. abr. jun. 1990
A carreira docente foi contínua e ascensional. A primeira mensagem
escrita, como educador, se encontra no discurso proferido, aos 25 anos
de idade, no Liceu de Siens. Era ele o'orador encarregado de saudar,
em cerimônia de premiação, os ginasianos que mais se haviam desta-
cado. Antes de transmitir seus conselhos aos jovens, discorre sobre
o tema de interação dos "grandes homens", os de gênio, com os homens
comuns. Contesta opinião elitista de Renan, para quem os primeiros
"seriam a própria finalidade da humanidade". Durkheim acentua a impor-
tância da formação adequada e da difusa presença do homem comum
como decorrência da natureza das relações sociais vigentes nas socie-
dades modernas.
2
Entre 1887 e 1902, leciona Pedagogia e Ciência Social na Faculdade
de Letras de Bordéus, época em que dedica considerável parte do tempo
em formar mestres primários. Admitido como professor da Sorbonne,
inicialmente como auxiliar do famoso educador Buisson e depois como
efetivo, começou pela Ciência da Educação; só mais tarde ganhou a
disciplina que lecionava o status também de ensino sociológico. Quando
se fez a reforma do ensino francês (1902), encarregou-se de organizar
um "estágio pedagógico teórico" na Universidade de Paris, destinado
aos candidatos à agregação, degrau correspondente a substituto do cate-
drático.
É fora de dúvida, do mesmo modo, que se ocupou, prioritariamente
do aspecto institucional, isto é, da boa organização do sistema nacional
de ensino na França. Verifica-se que atividade pedagógica e reflexão
no plano da teoria se conjugavam na pessoa do sociólogo. O interesse
que mantinha pela situação educacional do país derivava de diferentes
fontes, relacionadas estas quer com sua formação intelectual, quer com
as conjunturas políticas em que viveu. Decorria esse empenho do conheci-
mento histórico, que dominava, tanto da vida social francesa, como das
idéias pedagógicas; de uma atitude crítica e, simultaneamente, aberta
face à sociedade urbano-industrial nascente; do desejo de construir uma
2
O texto de Durkheim, Discours aux lycéens de sens (pronunciado em 6 de agosto
de 1883), foi descoberto por um professor da Duke University (Durham) em 1966. conforme
Tiryakian (1967).
ética secular, fundada na razão e distante de qualquer legado religioso
tradicional; da identificação cívica com a França republicana, a nação
da III República, subseqüente à trama da derrota na guerra franco-prus-
siana, às agitações da Comuna e ao arbítrio do II Império.
3
Apresentados tais fatos evidentes, pensemos nas singularidadeso
isentas de contradição e estranheza de que se revestem a obra educa-
cional de Durkheim e a trajetória da respectiva influência.
Embora tenha se dedicado, como é patente, com a mesma intensidade,
à Educação e à Sociologia, o certo é que os livros fundamentais de
teoria, pesquisa pioneira e metodologia obscurecem o restante da produ-
ção intelectual durkheimiana, inclusive na área educacional. Pela ordem
cronológica, estaso as obras consideradas mais relevantes, ressaltan-
do-se que os demais livroso quase todos póstumos: De Ia division
du travail social (1893); Les règles de Ia méthode sociologique (1895);
Le suicide (1897) e Les formes élementaires de Ia vie religieuse
(1912).
Alguns dos mais eminentes historiadores do pensamento sociológico
ou intérpretes da obra de Durkheim omitem por completo qualquer refe-
rência às contribuições que ele ofereceu à Sociologia da Educação.
4
Em contrapartida, existem, por parte de outros sociólogos, estudos precio-
sos para que se compreenda o sentido e a relevância dessa parte da
produção intelectual do autor ora focalizado.
Consideramos o ensaio de Paul Fauconnet (1978), que serve de texto
explicativo do livro Educação e sociologia. Estão ali interpretadas as
idéias e as distinções básicas defendidas, nesse terreno, pelo autor do
livro, tanto nos escritos publicados, como nos cursos ministrados e que
se mantinham inéditos à época desse ensaio introdutório (1922). Cha-
ma-se especialmente a atenção para o prisma sociológico adotado nesses
3
Para informações biográficas e a contextualização histórica da obra de Durkheim, ver
o excelente trabalho de Rodrigues (1988).
4
Por exemplo, Aron (1987).
estudos, e consistente no entendimento da Educação como fenômeno
social, a ser examinado pelo processo positivo.
o de particular importância os textos que procuram correlacionar os
temas pedagógicos com o restante da obra de Durkheim, especialmente
onde ele exprime o modelo de sociedade que adota. Um pequeno livro
de Giddens (1981) é ilustrativo dessa orientação crítica.
5
Coube a discípulos próximos a Durkheim organizar seus livros póstumos
e explicá-los. Aqui aparece outra peculiaridade. O sociólogoo teve
continuadores, pelo menos de modo imediato. "Os franceses foram agra-
ciados com uma tradição: a do patriarca, do fundador que qualquer soció-
logo francês venera de alguma forma, mesmo os que se lhe opõem",
diz Viviane Isambert-Jamati. Acrescenta que houve um eclipse dos estu-
dos sociológicos com a morte de Durkheim (1917) e de vários de seus
discípulos, durante a I Guerra Mundial, inclusive o filho desse mestre,
André, morto no campo de batalha. Nas décadas seguintes, estuda-se
Educação, mas nem sempre pelo ângulo sociológico. O surto desse
ramo da Sociologia, por pressão dos conflitos sociais concretos, só se
dará a partir das décadas de 60 e 70 (Isambert-Jamati, 1986).
O mesmo raciocínio é exposto por Fernando de Azevedo, o principal
discípulo brasileiro do sociólogo francês. Lembra o aparecimento tardio
de uma Sociologia da Educação, quando outros setores sociológicos
já se encontravam perfeitamente consolidados. Com um "pequeno e
excelente livro" (Educação e sociologia) firma-se um ponto de partida
para a disciplina (Azevedo [19 --]).
Antes de passarmos à análise dos três livros diretamente ligados à educa-
ção, iremos expor uma apreciação genérica sobre o significado dessa
obra, entre as correntes da Sociologia da Educação.
Em escrito publicado pela primeira vez em 1963, Antônio Cândido distin-
gue três linhas de pensamento, definidas em razão do ângulo de análise
5
Especialmente o capitulo Autoridade moral e educação, p 46-58.
predominante: a filosófico-sociológica, a pedagógico-sociológica e a
sociológica propriamente dita. Elucida o teor das manifestações em cada
uma delas e conclui que a terceira tendência representa, nos melhores
casos, uma espécie de confluência das anteriores, no sentido de "deter-
minar, com o devido rigor analítico, os critérios para estudar a estrutura
interna da escola e a posição da escola na estrutura da sociedade".
Tal objetivo representa a superação, por um lado, do mero exercício
especulativo e, por outro, do imediatismo interessado em aplicar o ponto
de vista sociológico no aprimoramento do sistema escolar ou das relações
entre a escola e a comunidade (Cândido, 1963).
De qualquer forma, o enfoque filosófico-sociológico, aquele de queo
paradigmas Durkheim e Dewey, expressamente mencionados por Cân-
dido, constitui, a despeito de qualquer limitação que se lhe possa atribuir,
o ponto de partida para o exame sociológico da Educação, debruçando-se
sobre o "caráter social do processo educativo, seu significado como
sistema de valores sociais, sua relação com as concepções e teorias
do homem" (Cândido, 1963, p. 7).
John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano, foi con-
temporâneo do sociólogo francês, porém, tendo alcançado longa vida,
pôde acompanhar transformações sociais ainda mais profundas do que
as verificadas no começo do século XX; em contato com esses fatos,
pôde aprofundar suas convicções democráticas.
Cabem aqui duas observações a propósito do vínculo histórico entre
os dois pensadores.
A primeira é a de que os trabalhos de Dewey despertaram a atenção
de seu colega francês; LAnnée sociologique registra alguns desses
escritos. Como se sabe ainda, Durkheim lecionou um curso sobre o
Pragmatismo, pouco antes de falecer; as exposições foram compiladas
em livro, décadas depois, com base nas anotações dos alunos e graças
à iniciativa de Armand Cuvillier.
Mauss tem, a esse respeito,
lembrança de que Durkheim procurava situar-se e à sua própria filosofia
face a autores como Bergson, William James, John Dewey, assim como
outros pragmatistas americanos. Tinha em conta, sobretudo, a figura
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
de Dewey, "por quem possuía viva admiração" (Durkheim, 1955; Mauss,
1925)
Pode-se especular que dentre os motivos dessa aproximação intelectual,
encontrava-se o mesmo modo de ver a ética social como processo essen-
cialmente secular.
A outra observação se refere à coincidência d© que os dois autores
citados por Antônio Cândido hajam tidoo decisiva influência na renova-
ção educacional que se processou no Brasil, durante as décadas de
20 e 30: nos tempos da Escola Nova.
Pela ordem cronológica, aparece o primeiro livro póstumo em 1922: Edu-
cação e sociologia (Durkheim, 1922, 1966). Além da já mencionada
Introdução de Paul Fauconnet, o livro contém quatro capítulos (A educa-
ção sua natureza e função; Natureza da Pedagogia e seus métodos;
Pedagogia e Sociologia; A evolução e a função do ensino secundário
na França) que foram redigidos em épocas diferentes. O texto "Peda-
gogia e Sociologia" aparecera, pela primeira vez, em 1903, na Revue
de Methaphysique et Morale, n. 11, Os dois primeiros foram lições
inaugurais na Sorbonne. O quarto capítulo é a aula inaugural do curso
sobre o ensino secundário na França (texto de 1905). Somente em 1966
surge uma nova edição desse livro, naquele país, com prefácio de Maurice
Debresse, professor da Sorbonne, que tinha sido aluno de Fauconnet.
6
O primeiro capítulo divide-se nos seguintes tópicos: As definições de
educação exame crítico; Definição de educação; Conseqüência da
definição precedente: caráter social da educação; A função do Estado
em matéria de educação; Poder da educação e meios de seu exercício.
Procede o autor a sistemática análise crítica das concepções do processo
educativo, formuladas principalmente por pensadores e filósofos moder-
6
A Escola Francesa de Sociologia apresenta muitos casos de "sucessão apostólica",
sempre a partir de Durkheim, para usar uma interessante expressão divulgada por Albert
(1945. p. 31). segundo o qual Renouvier pretendia ser "sucessor apostólico de Kant".
nos.
7
Critica, às vezes, a abrangência das propostas; noutros casos,
o pouco alcance ou o caráter subjetivo das formulações. O que há de
comum nesses questionamentos é a negação do caráter individual desse
processo (especialmente quanto a suas finalidades) e de uma natureza
fixa e imutável, dotada de virtualidade à espera de se tornarem explícitas
pela ação educativa.
Os sistemas educacionais, com a definição dos respectivos fins,o
criados pela sociedade,o abstratamente, mas por sociedades concre-
tas, historicamente determinadas. Constitui-se o homem e constitui-se
o cidadão. Este último é moldado pelas expectativas dos diversos meios
(representados por diferentes grupos sociais) em que se divide determi-
nado povo. Durkheim multiplica os exemplos de exigências criadas pelas
várias civilizações, desde a Antiguidade (tanto orientais como ocidentais)
para integração dos indivíduos na vida social. No mundo moderno, a
referência predominante é a moldura nacional.
Depois de "limpar o terreno", examinando os antecedentes, isto é, as
concepções individualistas, o autor propõe sua definição própria:
"A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas,
sobre as gerações queo se encontram ainda preparadas
para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver,
na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e
morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto,
e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se
destina" (Durkheim, 1978, p. 41).
Ressaltam dois aspectos: o da homogeneidade ("fixando de antemão
na alma da criança certas similitudes essenciais") e o da diversidade
de meios sociais (profissões, classes, grupos). Destaca, especialmente,
os grupos profissionais. Como conseqüência da definição, propõe-se
distinguir o "ser individual" constituído dos estados mentais "queo
' A edição americana Education and sociology faz um levantamento das "referências
pedagógicas" em número de 26 (Durkheim, 1956).
se relacionam senão conosco mesmos" e o "ser social" que engloba
"as crenças religiosas e as práticas morais, as tradições nacionais e
profissionais, as opiniões coletivas de toda espécie (Durkheim, 1978,
p. 82-83). A Educação se presta a constituir esse segundo ser em cada
um de nós.
O segundo capítulo é dedicado a estabelecer claras distinções entre
conceitos usuais nessa matéria. Assim, Educação, enquanto ação exer-
cida por pais e mestres junto às crianças, diferencia-se da Pedagogia,
consistente esta em teorias, "maneiras de conceber a educação". Distin-
gue ainda Ciência da Educação e Pedagogia; para o exercício da primeira,
propõe uma série de requisitos epistemológicos. Desce depois a impor-
tantes indicações a respeito da formação histórica das propostas pedagó-
gicas e a respeito da arte de educar, a ser desempenhada na prática
cotidiana.
O terceiro capítulo trata das relações entre o campo educativo e a Socio-
logia. Insiste no caráter social da Educação, uma vez que "os processos
educativosoo organizados para os indivíduos". Os fins da Educação
constituem objeto de estudo da Sociologia, que os detecta em cada
época e em cada sociedade. Cabe à Psicologia fornecer subsídios para
definir os meios pelos quais se exerce a Educação.
O quarto capítulo cuida da natureza do ensino secundário e de como
ele evoluiu dentro do sistema escolar francês em diferentes etapas históri-
cas: é a aula inaugural e a proposta do desenvolvimento do tema durante
todo o curso, que o autor pretendia reunir em outro livro.
A apreciação de Educação e sociologia deve partir da lembrança das
circunstâncias em que se redigiu. Todos os capítulos foram escritos no
começo deste século, abrangendo o intervalo de oito anos (1903-1911).
Era, inegavelmente, um momento de crise social e educacional, em cujo
debate o próprio autor interveio constantemente. Exprimia, ademais, a
experiência docente do sociólogo, iniciada em Siens, prosseguida em
Bordéus e consolidada em Paris.
o se pode separar o estudo dos fatos educativos, tal como aí se
formulam, do conjunto teórico-metodológico da obra do autor. Recor-
demos apenas três exemplos. É evidente que a idéia da dicotomia homo-
geneidade-heterogeneidade, assim como as freqüentes alusões à neces-
sidade de especialização no mundo contemporâneo, constituem temas
visceralmente ligados às concepções de divisão do trabalho social susten-
tadas pelo autor do livro clássico sobre o assunto. Ao tratar de constituir
uma Ciência da Educação, estabelece condições "os estudos devem
recair sobre fato que conheçamos" e "é preciso que esses fatos apre-
sentem entre si homogeneidade suficiente para que possam ser classi-
fiados numa mesma categoria" (Durkheim, 1978, p. 58-59) que derivam
de As Regras do método sociológico. Também se encontra neste
último livro a definição de fato social, que inclui as características da
exterioridade e da coerção, que o autor aponta, por sua vez, como caracte-
rísticas da Educação (ou dos sistemas educativos).
Estamos convencidos de que Educação e sociologia,o obstante
ser um livro bastante datado, contém contribuições apreciáveis à Socio-
logia da Educação. Em primeiro lugar, destaquemos a argumentação
cerrada e convincente sobre a natureza social do processo educativo.
A apreciação dos papéis da Sociologia e da Psicologia, nesse campo,
certamente deve ser menos rígida hoje em dia: a Psicologiao se
ocupa apenas do indivíduo enquanto tal. Mesmo assim, a distinção entre
fins (de caráter social) e os meios (de caráter psicológico) continua válida.
Muitas das trivialidades que hoje podemos ler sobre a dupla herança
no processo de socialização (os legados biológico e cultural) aparecem
embrionariamente no denso e sóbrio texto durkheimiano. A negação de
uma rígida natureza humana imutável representa outro ponto positivo.
Por fim, para dizê-lo sinteticamente, algumas das distinções conceituais
continuam insuperadas.
Durkheim, entretanto, nos apresenta o processo educativo como regula-
mentação social estática em cada momento de equilíbrio da evolução
social, isto é, em cada vigência do sistema educacional definido pela
sociedade através da escolha dos fins. Há pouca possibilidade de mobili-
dade social: as pessoaso preparadas para viver, de modo conformista,
no meio social a que se destinam, nunca para deslocar-se a outro meio.
Em Aberto. Brasília, ano 9. n 46. abr jun 1990
o se visualiza, na definição transcrita, um processo dialógico, mas
apenas o rito de inculcar sobre as crianças os conteúdos da mentalidade
adulta.
Valeria a pena, na releitura de Educação e sociologia, verificar o que
mudou e mudou radicalmente no mundo, desde o começo do
século. A indústria cultural rompeu as fronteiras dos sistemas educativos
estritamente institucionalizados nas diversas nações; a tecnologia educa-
cional transformou os meios da Educação, dando novas tarefas, por
exemplo, à Psicologia da aprendizagem. Sugerimos apenas essa releitura
como um desafio, poiso há aqui espaço sequer para esboçá-la.
O segundo livro póstumo a aparecer, nessa área, é Léducation morale,
editado em 1925. De acordo com a Advertência, assinada por Fauconnet,
organizador do volume, tratava-se do primeiro curso que Durkheim lecionou
na Sorbonne, no ano letivo de 1902-1903. Entretanto, durante a perma-
nência em Bordéus, já havia esboçado a matéria ministrada. Compu-
nham-se os originais de vinte lições, mas o organizador eliminou as
duas primeiras, que versavam sobre "metodologia pedagógica". A pri-
meira dessas lições cortadas corresponde ao terceiro capítulo de Educa-
ção e sociologia.
O livro editado se abre com um capítulo sobre moral laica. A primeira
parte compreende "Os elementos da moralidade", respectivamente dividi-
dos nos tópicos "o espírito de disciplina", a "adesão ao grupo" e a "auto-
nomia da vontade". A segunda parte, denominada "Como desenvolver
na criança os elementos da moralidade", é simétrica à primeira, na análise
dos processos de aquisição da disciplina e dos vínculos grupais. Faltou
a terceira seção dessa parte do livro. "É que a autonomia", esclarece
Fauconnet, "representa o assunto de O ensino da moral na escola primá-
ria', tema ao qual Durkheim consagrou, por várias vezes, notadamente
em 1907-1908, um curso anual completo. O manuscrito desse curso
8
Para uma crítica dos aspectos conservadores da concepção de Durkheim, ver Freitag
(1984a, p. 15-24).
o se encontra organizado em condições de ser publicado" (Durkheim,
1974, pt.4).
9
Como terceiro livro póstumo, na área educacional, aparece Lévolution
pédagogique en Françe, editado em 1938 e dividido em duas partes
(Das origens à Renascença; e Da Renascença a nossos dias). Organi-
zou-o Maurice Halbwachs, que além de lúcida introdução, publica uma
nota sobre os trabalhos de Durkheim em torno de assunto de Pedagogia,
quer os publicados, quer os inéditos, com esclarecimentos sobre as cir-
cunstâncias em que foram redigidos.
Havia duas redações do manuscrito; o organizador preferiu a mais com-
pleta, a primeira, escrita entre 1904 e 1905. Halbwachs ressalta que
o autor, mesmoo sendo "historiador de profissão", conhecia bem
a metodologia histórica, aprendida com Fustel de Coulanges na Escola
Normal Superior.
"Quando aceitara desenvolver esse curso, havia especifi-
cado queo se trataria dos problemas pedagógicos de
maneira doutrinária, ou psicológica ou moralista. Mostraria,
sobretudo, como os fatos se apresentam, sob pressão das
circunstâncias e do meio social, quais as soluções que preva-
leceram, quais as que tiveram conseqüências, e que ensina-
mentos devemos delas tirar no presente. É assim que a
história foi para ele matéria para reflexão sobre certo número
de experiências pedagógicas, cujo quadro de grandes linhas
ele nos oferece." (Durkheim, 1969, p. 3)
10
.
Mareei Mauss lamenta que as obrigações institucionais, no campo peda-
gógico, tenham desviado Durkheim de seus projetos pessoais, interrom-
pendo "seus estudos preferidos, aqueles em que era o único responsável
9
Há quem considere esse livro de Durkheim o coroamento de seus estudos sobre o
fato moral. Para o exame da evolução da idéia da moralidade, no pensamento durkhei-
miano, ver Wallwork (1972).
10
Estuda a organização dos sucessivos sistemas escolares e as idéias pedagógicas a
que correspondiam; examina o surgimento e a trajetória da Universidade.
e antes de todos, em benefício de trabalhos menos urgentes ou menores";
reconhece, entretanto, que o mestre se orgulhava do desempenho dos
professores primários que havia preparado profissionalmente (Mauss,
1925, p. 17-18). De seu lado, Maurice Halbwachs (1969, p. 1) lembra
que a Sociologia foi introduzida na Sorbonne "pela porta estreita da
Pedagogia". Ambos reconhecem a profunda competência de Durkheim
em matéria de Educação.
As queixas partem da afeição dos colaboradores. Ao mesmo tempo em
que Durkheim se sentia cerceado pelo modelo institucional da escola
de seu país, sentia-se também solidário com esse modelo e co-respon-
sável por ele.
Tais circunstânciaso diminuem o valor de sua obra no campo educa-
tivo. Eleo conseguiu, nos últimos anos de vida, em virtude dos múltiplos
compromissos institucionais e de cidadão, escrever os textos pedagó-
gicos por completo, como o fizera antes. Apesar de inconclusa e fragmen-
tária, essa parte de sua produção acadêmica permanece como referência
obrigatória no pensamento sociológico.
11
Durkheim e a educação no Brasil
Pretende-se agora oferecer um panorama da influência que exerceu sobre
o pensamento social brasileiro, notadamente na área educacional. A
tarefa encontra-se bastante facilitada por existirem valiosos trabalhos
anteriores: estudos e resenhas críticas a respeito das etapas da Sociologia
no país, da relação entre Educação e sociedade, do cultivo da Sociologia
Educacional e das perspectivas desta última em termos de abordagens
metodológicas. Temos em mente escritos de Aparecida Joly Gouveia
(1979, 1985), Antônio Cândido (1958, p. 510-521; 1967, p.2107-2122),
Cândido Gomes (1985, p. 1 -14) e Luiz Antônio Cunha (1986-1987, p.9-37).
Em nossos comentários, mesclaremos essas referências com outras fon-
tes e com observações pessoais.
" Para um estudo comparativo da obra pedagógica de Durkheim e das demais correntes
da Sociologia da Educação, ver Gomes (185, cap. 2, especialmente p. 24-28).
Quanto a um dos trabalhos de Antônio Cândido, o de análise da constru-
ção da Sociologia no Brasil, deve ser ressaltada uma louvável caracte-
rística. Sem descurar do contexto histórico em que se produziram as
obras clássicas nesse ramo do conhecimento, o autor as submete à
mais cuidadosa análise imanente, de modo a transmitir ao leitor o que
elas possuem de essencial.
Cabe uma observação de ordem geral. Evidencia-se que "foi pela via
do ensino da Pedagogia e pelao ou pela fala dos educadores que
a Sociologia veio a ter status universitário, tendo esse ensino sido institu-
cionalizado, no fim da década de 20 e início da de 30, nos cursos normais,
em Recife, no Rio de Janeiro e emo Paulo (Cunha, 1986-1987, p.13).
O intercâmbio entre educadores e sociólogos, na atualidade,o éo
intenso como seria desejável e como já foi no passado. Cândido Gomes
(1986, p.517) assinala, a propósito do Seminário Internacional de Socio-
logia da Educação, realizado na PUC-RJ em 1984, que, "significativa-
mente, dentre os inscritos no Seminário, a grande maioria possuía forma-
ção básica em Educação (...) Mais uma vez, foi notório o interesse dos
educadores e reduzida a participação de sociólogos. O perfil desta compo-
sição reflete de perto a trajetória histórica dos estudos sociológicos da
Educação no Brasil. Conforme trabalho que elaboramos, ao contrário
do que ocorreu nos demais países da América Latina, a Sociologia se
institucionalizou no Brasil pelao do educador".
12
Apesar disso, sabe-
mos, por observação pessoal, da existência, em alguns cursos de Ciên-
cias Sociais, de professores muito interessados no estudo sociológico
da questão educacional. E é possível que, por influência do Grupo Educa-
ção e Sociedade, da ANPOCS. a situação tenda a modificar-se a médio
prazo.
Voltando a pensar na influência de Durkheim no pensamento brasileiro,
lembremos dois momentos expressivos em que o sociólogo francês des-
pertou, por suas idéias, controvérsias nos meios intelectuais do país.
Ambos os casoso recordados por Antônio Cândido.
12
O n. 157 da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos foi quase todo dedicado a análises
e relatos de experiência da Sociologia da Educação em vários países.
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
O primeiro foi na passagem deste século. Um respeitado jurista deo
Paulo, Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, havia tomado conhecimento
das Regras do método sociológico; impressionou-se, especialmente,
com o capítulo III, que trata dos conceitos e das inter-relações do normal
e do patológico. Aplicando-os à norma jurídica, Paulo Egídio levanta
uma série de dúvidas à luz das concepções tradicionais do Direito. Ter-
mina por fazer uma competente leitura crítica dos textos durkheimianos.
A divulgação desse trabalho interpretativo provoca, da parte de juristas
e outros intelectuais, questionamentos e observações irônicas a Paulo
Egídio. Segundo Antônio Cândido, esse pioneiro oferece contribuições
de relevo, em época pouco receptiva a inovações. Seu esforço, todavia,
o produziu conseqüências práticas quanto à aceitação da Sociologia
como forma de interpretação da realidade.
O segundo choque causado por Durkheim deve-se à publicação, em
1935, dos Princípios de Sociologia, de Fernando de Azevedo, compên-
dio substancialmente fundamentado nas contribuições da Escola Fran-
cesa, e, em particular, nas de seu fundador. Era um tempo de polarizações
ideológicas, pouco propício à aceitação de propostas de análises objetivas
do real. O livro é criticado por pessoas de diferentes e até opostos
credos políticos e religiosos. Mas, como bem acentua Antônio Cândido,
o ambiente intelectual havia sofrido transformações positivas, até mesmo
por força dos desafios e dos conflitos sociais emergentes na sociedade
brasileira. As Ciências Sociais tornam-se valorizadas. Era impossível ig-
norar ou negar, por exemplo, a importância de Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. (Cândido, 1985, p.512-513).
O contato de Fernando de Azevedo com os livros de Durkheim se deu
antes de 1920, consoante certas indicações. Por volta de 1917, conseguiu
o emprego de conferente do LLoyd Brasileiro, no Rio; almoçava, então,
nas proximidades do local de trabalho, em restaurantes freqüentados
por estivadores. Considera que o convívio com esses operários foi para
ele muito marcante; associava essa experiência com as leituras de Durk-
heim, cujas obras mandara buscar na Europa. Interessou-se, então, pela
Sociologia como instrumento para interpretar a realidade, cujo anseio
de conhecer fora despertado pelo contato com a condição operária. Nou-
tro trecho de suas memórias, afirma que, ao sair da Ordem Religiosa
(Sociedade de Jesus, na qual completara o noviciado), pusera-se a ler
tanto Marx e Engels, que lhe propiciavam uma "posição política", como
Durkheim, que lhe oferecia a visão científica própria de uma disciplina
em formação. Distinguia explicitamente, no caso de forma discutível,
ciência e ideologia (Azevedo, 1971, p. 51 e 210).
Coube aos fundadores da Universidade deo Paulo, dentre os quais
figurava com destaque Fernando de Azevedo, o trabalho de instituir o
curso de Ciências Sociais, no âmbito da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras (surgida em 1934), com o apoio de pessoas (professores e
alunos) oriundas do Instituto de Educação. Sociologia e Educação conti-
nuavam a andar juntas.
Para o ponto de vista em que nos colocamos neste artigo, releva registrar
a presença dos mestres franceses que vieram colaborar com a USP
por esse tempo.
Num parêntese, recorde-se, conforme comenta ainda Antônio Cândido,
a anterior passagem poro Paulo, em 1926, de Paul Fauconnet, o
já citado discípulo de Durkheim. Em conferência, realizada sob os auspí-
cios do jornal O Estado deo Paulo, concitou os ouvintes ao estudo
sistemático das realidades sociais nacional e regionais; concluiu por afir-
mar que só depois disso é que poderia se constituir, ao longo de período
de duas ou três gerações, a Sociologia no Brasil...
Pelo menos um dos professores franceses, quando da constituição do
Departamento de Ciências Sociais e da delimitação de "sociologias espe-
ciais", vinculou-se à área de Educação, assim como à de Política. Referi-
mo-nos a Paul Arbousse-Bastide (1937), historiador do positivismo com-
teano, e autor de longo e informativo ensaio sobre Durkheim, publicado
como texto introdutório a uma das traduções das Regras do método
sociológico editadas no Brasil.
Inexiste uma ligação profunda entre a concepção sociológica durkhei-
miana e as fontes do positivismo tal como expostas por Comte.
13
Na
13
"Desta maneira, a influência de Comte sobre Durkheim, que, como este. reconheceu
com freqüência queo deixa lugar à dúvida,o foi na realidade,o decisiva como algumas
vezes se supõe" (Alpert, 1945, p. 29).
tradição intelectual da burguesia brasileira existe, contudo, esse vínculo.
Claude Levi-Strauss teve plena consciência do fato. Convidado a lecionar
Sociologia
;
na perspectiva de um positivismo modernizado, à moda
durkheimiana estava principalmente interessado, na época, em uma
etnologia de campo. Alegava, para esquivar-se da tarefa, que Durkheim
o era um homem de campo". A contradição entre a expectativa de
seus amigos brasileiros e os interesses intelectuais efetivos, que alimen-
tava. criou para ele certas dificuldades, que acabou por superar, obtendo
recursos para suas excursões científicas (Levi-Strauss, Eribon, 1990,
p.31).
Edita-se, em 1939, um livro que obteria boa fortuna junto ao público
brasileiro: Educação e sociologia, de Durkheim.
14
A tradução, feita por
Lourenço Filho, baseou-se na edição francesa de 1922. A edição brasileira
continha modificações a assinalar. Logo após o título de cada capítulo
havia uma espécie de sumário, com os subtítulos que separavam os
segmentos do capítulo. Esse sumário deixa de aparecer em edições
posteriores. Na edição original, apenas o primeiro capítulo "A educação
sua natureza e função" tinha subtítulos. O tradutor os acrescentou
nos demais capítulos. A modificação maior, contudo e esta negativa
consiste na supressão de duas partes da edição francesa: o quarto
capítulo, "A evolução e a função do ensino secundário na França", e
do trecho inicial do terceiro capítulo, constituído por uma saudação de
Durkheim a Buisson, na aula inaugural em que assume o posto de su-
plente do velho mestre.
A segunda edição francesa do mesmo livro só aparece no segundo
semestre de 1966. A editora Presses Universitaires de France toma a
iniciativa de editá-lo, "porque se tornou inencontrável em livraria desde
há muito", como se diz no prefácio (Durkheim, 1922, p.vii). Nesse mesmo
intervalo (1922-1966), e especialmente depois, o livro teve numerosas
'' Dentre os vários exemplares desse livro existentes na Biblioteca da UnB (quase sempre
fartamente anotados à margem), há um pelo qual se pode deduzir o ano da primeira
edição, mesmo sem a data impressa. Esse exemplar é o ofertado pelo tradutor a Fernando
de Azevedo, cuja biblioteca particular foi adquirida pela UnB. Diz a dedicatória: "Ao meu
querido Fernando de Azevedo, o realizador da mais bela obra de educação, no Brasil.
lembrança de coração do Lourenço Filho.o Paulo, 1939".
edições no Brasil. Dos três livros diretamente pedagógicos do autor,
é o único existente em português e o único citado em manuais brasileiros
de Sociologia da Educação, com exceção do de Fernando de Azevedo.
Pode-se perguntar pelas razões do relativo sucesso dessa obra. A princi-
pal parece ser esta: a forma clara da exposição. Por ser livro eminente-
mente didático (no sentido de compreensível), é indicado por professores
de Sociologia Educacional nos cursos normais e nos cursos superiores
de Pedagogia.
Pode-se conjecturar também se o caráter conservador da obrao corres-
ponderia a uma tendência perceptível na escola brasileira. Há outra con-
jectura: cremos que a racionalidade proposta nesse livro representa um
avanço no tocante ao caráter patrimonialista da sociedade e, portanto,
do sistema escolar brasileiro. Cremos que essa racionalidade aproxima
Durkheim de Dewey no Brasil ao tempo da Escola Nova. A democra-
tização, defendida pelo pedagogo americano, era também um avanço
face ao patrimonialismo (a propósito da inclinação democratizante de
Dewey, vejam-se as considerações, mais adiante, sobre um texto de
Barbara Freitag)
Seria injusto pensar que a permanência da indicação de um livro se
devao somente à rotina escolar ou a motivos extra-acadêmicas. Deve-
se também à iniciativa de professores conscientes de que um clássico
(mesmo quando dele se discorde) precisa ser levado em conta, para
que seja conhecido pelos alunos em sua dimensão correta e confrontado
com autores proponentes de idéias opostas ou mais atuais.
15
Em 1940, ocorreria fato decisivo para o desenvolvimento dos estudos
educacionais no Brasil (e na América Latina): edita-se o livro Sociologia
educacional, já citado, de Fernando de Azevedo com o subtítulo de
"Introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e de suas relações
com outros fenômenos sociais".
15
O ponto de vista exposto neste parágrafo deriva de uma troca de idéias do autor com
Isaura Beloni, professora de Sociologia Educacional da Faculdade de Educação da UnB.
Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46. abr. jun. 1990
Depois de discorrer sobre outras facetas da atuação de Fernando de
Azevedo, Antônio Cândido (1967, p. 2115) assim se manifesta sobre
esse livro:
"A sua principal contribuição teórica se encontra em Socio-
logia educacional (1940), onde procura dar a essa disciplina
uma fundamentação sociológica coerente, escapando às ten-
dências demasiado pragmáticas dos americanos no sentido
de uma sociologia aplicada à educação, que melhor se diria
pedagogia sociológica. Trata-se neste livro de inverter de
algum modo a posição, considerando a educação como um
dos campos de investigação sociológica, armada de um siste-
ma de conceitos, procurando definir o processo educacional
no que tem de socialização, para, em seguida, estudá-lo em
conexão com as instituições sociais, tanto genéricas como
a família e o Estado, quanto específicas, como a escola.
Surge assim a necessidade de analisar a emergência dos
papéis sociais ligados a ele, a partir dos tipos primitivos de
transmissão da experiência cultural. Para isto, Fernando de
Azevedo desenvolve as sugestões apontadas por Durkheim,
utilizando os dados da antropologia moderna e a sua própria
experiência".
A idéia de que o autor desse compêndio tomou a concepção de Durkheim
como um prefácio (ou plataforma) ao mais alto e atualizado é também
expressa por Roger Bastide, em carta comentada no prefácio da segunda
edição do livro. Nesse mesmo prefácio. Fernando de Azevedo dá um
balanço da repercussão de seu trabalho. Comenta o interesse menor,
por parte dos sociólogos, pelo setor Educação, comparativamente a ou-
tros campos de estudo. Cita alguns professores da USP que consagravam
parte de seu esforço de pesquisa a temas educacionais, ressalvando
a dedicação de Antônio Cândido (Azevedo, [19 --], p.1-5).
Nos anos subseqüentes, porém, multiplicaram-se as pesquisas na área
da Sociologia da Educação. A este respeito, anota Aparecida Joly Gou-
veia:
"Como objeto de investigação empírica, questões como as
que convencionalmente se inserem no âmbito dessa disci-
plina primeiro se colocaram em estudos efetuados por pes-
quisadores formados no Departamento de Sociologia e Antro-
pologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Uni-
versidade deo Paulo, criado em 1947. Apontados implícita
e explicitamente em teorizações de Durkheim, Weber ou
Mannheim e pautados pelos padrões de trabalho cientifico
cultivados naquela instituição, várias pesquisas sobre estu-
dantes universitários e escolas de nível primário e secundário
foram realizadas nas décadas de cinqüenta e sessenta
Menciona, nesse caso, os trabalhos de M. S F. Moreira, M. A. Forachi
e Luiz Pereira (Gouveia, 1985, p.63-64). A autora dessa resenha foi
precursora no uso do survey como técnica de coleta de dados, linha
em que desenvolveu relevantes pesquisas. Mencionem-se ainda os en-
saios de Florestan Fernandes; deve-se a esse autor, ademais, uma exce-
lente abordagem da metodologia de Durkheim (Fernandes, 1972
p.70-83).
O padrão organizacional das Faculdades de Filosofia, iniciado pela USP
e consolidado em 1939, em termos de legislação federal, pela Faculdade
Nacional de Filosofia, espalhou-se por outros centros, formando licencia-
dos em várias modalidades de conhecimento, inclusive as Ciências So-
ciais. Estes diplomados dirigiam-se mais ao magistério do que à pesquisa.
Emo Paulo, tiveram maior oportunidade de trabalho, por causa da
difusão da Sociologia nos cursos normais.
Na USP, assim como nos melhores cursos de graduação em Ciências
Sociais ou em Sociologia e Política, os sociólogos clássicos sempre foram
lidos e comentados. Essa prática se generalizou, desde o início dos
anos 70, nas instituições que criaram programas de pós-graduação. Pas-
sou a ser prática obrigatória, nos dois níveis de ensino, o estudo de
teoria social clássica e moderna. Dentre os clássicos, sempre se desta-
cam as obras de Durkheim, Karl Marx e Max Weber; às vezes, Simmel,
Veblen e poucos mais. Mesmo na graduação, a leitura dos textos originais
desses autores passou a substituir o uso de manuais e apostilas.
16
Ao discutir a alternância da hegemonia dos diversos modelos metodo-
lógicos, Aparecida Joly Gouveia afirma que "o celeiro da pesquisa nesse
ramo da Sociologia encontra-se atualmente nos programas de pós-gra-
duação em Educação. Nestes programas, queo bem mais numerosos
do que os de Sociologia, a disciplina Sociologia da Educação é freqüente-
mente obrigatória; por outro lado, naqueles programas, docentes e alunos
o encontram pólos de atração alternativos em outros subcampos da
Sociologia" (Gouveia, 1985, p.66). Embora a afirmação corresponda à
realidade, em termos gerais têm-se notícia de diversos sociólogos, fora
dos programas de Educação, interessados no referido ramo do conheci-
mento sociológico. É o que acontece, por exemplo, na Universidade
de Brasília, que conhecemos mais de perto. As disciplinas, nos programas
de Sociologia,o lecionadas sob o título de Educação e Sociedade
ou semelhantes.
Retomando nosso tema, pensamos que Durkheim continua vivo na escola
brasileira, quer diretamente, pelos seus textos, quer indiretamente, pelos
trabalhos de seus seguidores e intérpretes.
Gostaríamos de encerrar esta parte do artigo aludindo a contribuições
da socióloga Barbara Freitag, que tem analisado a parte educacional
da obra de Durkheim sob ângulos pouco explorados no Brasil. Ela promo-
ve o retorno ao pensamento durkheimiano às vezes em conjunto
com o de outros autores ao considerar temas atuais; pelo modo como
o faz, reforça-nos a convicção de pioneirismo do referido pensador tam-
m nesse terreno.
Nas linhas abaixo, com intuito informativo, nos limitamos a indicar o
sentido das referências, sem discutir ou aprofundar os respectivos con-
teúdos.
16
Nesse sentido, um livro como o organizado por Gabriel Cohn (1977) representa a nova
mentalidade.
A autora nos propõe uma tipologia das atuais tendências da área em
apreço:
"A reflexão sociológica em torno da educação e de sua institu-
cionalização nas modernas sociedades capitalistas concen-
trou-se, nos últimos tempos, em torno de três temas: as
formas de organização das instituições de ensino, ou seja,
suas estruturas; o funcionamento dessas instituições de ensi-
no, ou seja, sua dinâmica; e, finalmente, seu caráter ideoló-
gico, incluindo sua função ideologizadora, ou seja, seu efeito
prático" (Freitag, 1984 b, p.11).
Especifica os tipos de estudo que se enquadram em cada uma das
duas primeiras áreas temáticas, para observar que os aspectos estrutural
e dinâmico só podem ser separados por motivos analíticos; da mesma
forma, causas e efeitos do processo educativo devem ser percebidos
no conjunto do processo social. Acrescenta que essa integração fora
assinalada por Durkheim, tanto nas Regras do método sociológico
(1895), como em Educação e sociologia (1922).
Também os estudos incluídos na área propriamente ideológica neces-
sitam balizar-se por coordenadas macrossociais. Lembra os trabalhos,
nessa direção, realizados recentemente, inclusive no Brasil, ressalvando
a ausência da abordagem sociológica em estudos sobre a criança escolar
e a aprendizagem.
Tais considerações encontram-se na introdução de livro dedicado a esse
último aspecto. "Com o presente estudo", afirma, "tentarei preencher,
em parte, essa lacuna, focalizando o problema da constituição de estru-
turas formais de consciência de crianças em idade escolar, num contexto
concreto, e estudando, para isso, a competência lingüística, moral e lógica
isto é, o estágio psicogenético (Piaget) de crianças paulistas (em
parte escolarizadas, em parte sem escolarização alguma) de diferentes
classes sociais e de diferentes faixas etárias" (Freitag, 1984b, p.13).
Noutro livro, que dedicou à análise da política educacional brasileira,
especialmente no período 1964-1975, Barbara Freitag utiliza as idéias
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
de Durkheim, ao formular o quadro teórico do trabalho. Começa a autora,
a nosso ver, por atribuir-lhe a primazia como sistematizador do enfoque
da Educação dentro do contexto social. Supõe-se uma doutrina pedagó-
gica, baseada "implícita ou explicitamente em uma filosofia de vida, con-
cepção do homem e sociedade"; e supõe "uma realidade concreta, o
processo educacional" que se manifesta por meio de instituições próprias
(família, igreja, escola, comunidade), as quais "se tornam porta-vozes
de uma determinada doutrina pedagógica" (Freitag, 1984a, p.15).
Afirmao ser objetivo seu a revisão de todas as posições existentes,
bastando-lhe, para justificar o ponto de vista adotado, "recapitular os
limites e as vantagens das teorias mais conhecidas". A posição de que
mais se aproxima é a gramsciana, que empresta decisivo papel à socie-
dade civil, "lugar de circulação das ideologias e do exercício da função
hegemônica". Gramsci, comenta, foi mais longe do que os althusserianos
na consideração dos aparelhos ideológicos do Estado (Freitag, 1984a,
p.15).
17
O percurso das teorias arroladas se inicia com Durkheim, levando-se em
conta os textos de Educação e sociologia e o conceito de fato social,
conforme já exposto neste trabalho.
A autora discute a perspectiva durkheimiana da socialização das novas
gerações, pelas antigas, detentoras de valores e normas a serem interna-
lizados pelos educandos. Discute ainda ao definição dos conteúdos
dos sistemas educacionais, com o que se privilegiam as finalidades de
ordem, integração e continuidade societárias.
Estabelece afinidades entre Durkheim e Parsons, sendo que este assi-
milou parcialmente as formulações do primeiro. Parsons estabelece equi-
valências funcionais de interesse recíproco da sociedade e do indivíduo.
Acentua a idéia de equilíbrio, procurando harmonizar o sistema de perso-
nalidade e o sistema social. A crítica mais severa feita a ambos é no
sentido de que, "negando a dimensão histórica e com isso a possibilidade
de mudança do contexto societário em que vivem os indivíduos, negam
Para uma síntese da posição de Gramsci, cf. Freitag (1984a, p. 126).
também a concepção do homem histórico que seria produto dos condicio-
namentos sócio-econômicos, ao mesmo tempo que ator consciente den-
tro das estruturas que o condicionam" (Freitag, 1984a, p.23).
Tanto Durkheim quanto Parsonso colocados em contraste com dois
outros teóricos, Dewey e Mannheim; estes "parecem, ao contrário, ver
na educação um instrumento de mudança social, já que é através dela
que se imporá e realizará a sociedade democrática. Educação, em verda-
de, é concebida como agente de democratização da sociedade". Dewey
pretende realizar os ideais democráticos por meio das vivências no âmbito
escolar; Mannheim por meio do planejamento mais racional possível da
ação (e reconstrução) social, inclusive no campo educativo.
Daí para frente, examinam-se as teorias que destacam a relação do
processo educativo com o sistema econômico, área de estudos em que
a Sociologia esteve ausente; e mais aquelas que denunciam a natureza
ideológica da escola em suas relações com o sistema capitalista (Freitag.
1984a, p. 18-43).
Textos mais recentes de Barbara Freitag se referem a normas sociais
e moralidade; consideraremos dois deles. No primeiro caso. trata-se de
discutir uma definição sociológica de norma, considerada esta em sua
gênese e conscientização. Apela para três autores clássicos: Max Weber,
Émile Durkheim, e Jean Piaget, os quais tratam o conceito "a partir de
três ângulos distintos mas complementares".
De Weber, toma os comportamentos regulamentados pela sociedade
e que fluem sucessivamente, o uso (repetição de práticas de forma incons-
ciente), a tradição (formada por hábitos que se reiteram eo percebidos
conscientemente, como padrão) e a convenção, que difere do direito
no modo pelo qual se aplicam sanções aos transgressores. De Piaget,
recorda os passos, pela via psicogenética, que a criança, desde o
estágio pré-moral até a autonomia moral, passando pela etapa da morali-
dade heterônima. Esses dois processos se complementam (Freitag, 1987,
p.53-55).
O comentário acrescenta:
"Foi Durkheim em sua Education morale (1925) quem mos-
trou a necessidade de integração desses processos genéti-
cos. A norma, enquanto 'fato social' só tem poder coerci-
tivo e vigência na medida em que for aceita e seguida
pelos membros que integram a sociedade (Freitag, 1987,
p.54; grifo da autora).
Daí os pré-requisitos da moralidade, já lembrados quando se fez o registro
do conteúdo do referido livro. "Piaget retomou sob bases dinâmicas e
emancipatórias os três pré-requisitos da moralidade destacados por Durk-
heim, mostrando queoo elementos' de uma realidade social e
reformuláveis da ordem social". A correção do ponto de vista sociocêntrico
se estende também a Weber. "E Piaget", acrescenta, "corrige também
a visão conservadora de Durkheim, mostrando (o que Weber já havia
demonstrado filogeneticamente) que a normao é um 'dado', 'uma
coisa', mas algo dinâmico, negociável e antecipável pelas partes
(Freitag, 1987, p.55; grifo da autora).
No restante do trabalho, lembra aplicações que realizou das teorias de
Piaget, em pesquisas feitas no Brasil. Por elas se verifica que a cons-
ciência da norma, além das condições de maturação e reconstrução
interna pela criança, depende ainda "das condições sócio-econômicas
em que viva a criança e da sua escolarização plena ou não".
A análise da trama das idéias sobre moralidade, no sentido de "princípio
que orienta a ação", foi retomada, pela mesma autora, em ensaio recente
de maior amplitude. O conteúdo desse novo escrito, pela densidade
que apresenta, dificilmente poderia ser transmitido ao leitor no espaço
limitado de que dispomos. Somente a leitura atenta possibilitará que
se capte toda a sutileza do tema.
A contribuição do estruturalismo genético sobre o assunto constitui a
grade que o delimita ou o fulcro em torno do qual giram as concepções
filosófica (Kant), sociológica (Durkheim), psicológica (Kohlberg) e da éti-
ca discursiva (Habermas). Estamos diante de uma abordagem interdis-
ciplinar e de bem fundamentada resenha crítica do estágio atual dos
estudos acerca da moralidade (Freitag, 1989).
Para situar Durkheim, na seqüência das concepções analisadas, será
necessário transcrever, inicialmente, este trecho:
"Todo o esforço (filosófico e epistemológico) de Kant em
distinguir entre o reino da necessidade (natureza) e o reino
da liberdade (sociedade), entre leis naturais e sociais, entre
o ser e o dever ser, o determinado e o indeterminado, o
inconsciente e o consciente, sucumbe à obsessão positivista
da sociologia, preocupada em estabelecer-se como ciência"
(Freitag, 1989, p.17).
Procura mostrar que, seguindo várias linhas, essa é a constante do pensa-
mento sociológico nos séculos XIX e XX; conclui por afirmar que Durkheim
encarna do modo mais puro a tendência de deslocar a ótica do sujeito
para a ótica das estruturas sociais.
Em sua recuperação dos aspectos positivos das idéias de Durkheim
para o estudo da moralidade, Piaget se vale da distinção entre solidarie-
dade mecânica e solidariedade orgânica (Divisão do Trabalho Social)
e dos três elementos da moral (Educação Moral), queo vistos de
outra forma pelo psicólogo de Genebra.
Na discussão que estabelece, Barbara Freitago se limita a esses
textos, mas acompanha, em seus fundamentos, a construção do modelo
de sociedade de Durkheim, em queo relevantes, por exemplo, o estabe-
lecimento das regras sociológicas para o conhecimento dos fatos sociais,
as noções de consciência e de representações coletivas, além da Socio-
logia do conhecimento contida em As formas elementares de vida
social (Durkheim, 1989).
18
18
Dos livros fundamentais de Durkheim, faltava esse para ser traduzido para o português.
Os outros são: As regras do método sociológico (1960); O suicídio (1977b); A divisão
do trabalho social (1977a).
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
Se insistimos nesse imperfeito relato de trabalhos mais ou menos recen-
tes, foi com o intuito de apresentar o que nos parece ilustrativo de uma
etapa nova na utilização das categorias analíticas de Durkheim no pensa-
mento social que se produz, no Brasil, na área educacional. Vimos o
reconhecimento da primazia com que o sociólogo francês tratou das
características societárias da Educação.
Balanço e proposta
Fica-nos a impressão de que Durkheim mantém uma difusa influência
no pensamento brasileiro (há cerca de um século vem sendo lido e
comentado aqui!), porém menos extensa no campo educacional do que
já foi em outras épocas. O fatoo significa terem suas reflexões perdido
a validade ou o poder de convencimento. A razão é que outras perspec-
tivas teórico-metodológicas foram surgindo e se impuseram na condição
de mais adequadas ao entendimento do conflito educativo em nosso
tempo.
Como resíduo associado a um momento criativo da Educação brasileira
o da Escola Nova, resta a reiterada leitura do pequeno livro Educa-
ção e sociologia, feita por gerações de normalistas e de estudantes
de Pedagogia. Esses leitores muitom lucrado com a clareza, a boa
lógica e as distinções impecáveis que caracterizam o texto. O livro conti-
nua sendo citado nos manuais modernos, os que substituíram o de Fer-
nando de Azevedo, ou com ele competem.'
9
L'éducation moraleo é geralmente adotado e, como se acentuou,
é pouco citado. Lévolution pédagogique en France tem sido completa-
mente desconhecido por parte do meio intelectual brasileiro.
20
Resta-nos ainda a boa lembrança da atuação de Fernando de Azevedo,
figurao presente neste trabalho ligado também à Escola Nova e à
implantação da Universidade.
9
Exemplos de manuais recentes: Toscano (1986) e Piletti (1989).
20
Em 1989. em contato com o prof. Theodor Schanin, da UFRGS, tomamos conhecimento
de seus estudos, em nova perspectiva, sob Durkheim, inclusive sua metodologia histórica.
Trata-se de tese de doutorado a ser apresentada à Universidade de Wisconsin, EUA.
Nos cursos de pós-graduação, os alunos produzem trabalhos sobre Durk-
heim.
21
Retoma-se, nesses programas, o gosto pelos estudos teóricos,
depois de uma saturação, por vezes repetitiva, de trabalhos de campo.
Parece que se supera, igualmente, a dicotomia maniqueísta funcionalismo
versus dialética, na qual nosso autor tem sido encaixado, inapelavel-
mente, no primeiro termo.
Como se percebe, nas "considerações finais" acima, algumas delaso
apresentadas com certa margem de segurança; outras, com quase ne-
nhuma segurança.
Consideremos este artigo como um "começo de conversa". Ao realizá-lo,
o autor se sentiu motivado por recente aproximação com alguns temas
educacionais e por um antigo interesse pela evolução do pensamento
social no Brasil.
A pesquisa prosseguirá. A continuação inclui o rastreamento dos volumes
de L'Année Sociologique e de outros periódicos antigos, em busca
de outros textos e de novas informações; inclui o melhor esclarecimento
das afinidades entre Durkheim e Dewey; inclui a leitura crítica de L'édu-
cation morale e de Uévolution pédagogique en France; inclui a tradu-
ção dos textos queo constam da edição brasileira de Educação e
sociologia; inclui, enfim, contatos, por entrevistas e outros meios, com
os programas de pós-graduação em Educação, para saber como neles
se considera a tradição durkheimiana.
Essa disposição de trabalho queremos estendê-la aos leitores. É um
convite na linha do retorno crítico aos clássicos.
Será o Durkheim dos livros sobre Educação menos clássico do que
o Durkheim dos quatro livros fundamentais?o o cremos. Jamais produ-
ziu escritos descartáveis, como os diluidores o fizeram. Em tudo o que
nos legou permanece o toque clássico- o das sementes que sempre
se renovam.
21
Apenas dois exemplos ao acaso: Pereira (1984), que compara Tocqueville e Durkheim
eSena (1979).
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A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DO FINAL DOS ANOS 60 / INÍCIO
DOS ANOS 70: O NASCIMENTO DO PARADIGMA DA REPRODUÇÃO
Maria Alice Nogueira*
Este artigoo pretende fazer uma análise ou avaliação
do conjunto de pressupostos, conceitos metodológicos, con-
clusões e interpretações que se abrigam sob o rótulo de
"paradigma da reprodução"
1
. Minha intenção aqui, e por ora,
é apenas a de descobrir e examinar as condições históricas,
por um lado, e teórico-metodológicas, por outro, que presi-
diram o aparecimento desse modelo explicativo que em
suas diferentes variantes dominou a Sociologia da Educa-
ção ocidental dos anos 70. Ele se insere dentro de um projeto
mais vasto de reconstituição da história social dessa disci-
plina.
Introdução
O fato, dificilmente recusável, é que a problemática da reprodução domi-
nou amplamente a pesquisa e os debates da Sociologia da Educação
a partir do final dos anos 60 e início dos anos 70, e ainda hoje encontra
seu vigor em diferentes correntes do pensamento sociológico
2
embora,
' Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
' Entendendo o termo paradigma como o 'conjunto de crenças, valores reconhecidos
e de técnicas queo comuns aos membros de um dado grupo" (da comunidade cientifica),
segundo T. S Kuhn. Structures des revolutions scientifiques, citado por Tanguy (1986,
p.108).
2
o se deve contudo esquecer que nesse mesmo período alguns pesquisadores como
Boudon (1973), na França, e Jenckes (1972), nos Estados Unidos, chegavam a resultados
divergentes e colocavam em dúvida o peso atribuído aos sistemas de ensino na criação
manutenção das desigualdades sociais. Entretanto, segundo Bénéton (1975), tais estudos
na atualidade, se veja mitigada pelas tendências mais recentes de recusa
do determinismo (social e econômico) rígido na compreensão da organi-
zação e do funcionamento social da instituição escolar, e de busca de
uma postura mais interpretativa que evita as abordagens globalizantes
e se interessa mais de perto pelas situações concretas construídas e
vividas pelos atores sociais no cotidiano das instituições, e pelas interpre-
tações que eles fazem delas.
Petitat (1982) levanta algumas hipóteses, sem contudo investigá-las mais
a fundo, para o sucesso e larga impregnação (extrapolando até mesmo
os círculos científicos) dessa visão dos sistemas de ensino como meca-
nismos sociais de perpetuação e de legitimação de hierarquias e divisões
sociais, e como instrumentos de integração ideológica e de inculcação
de saberes "dominantes"
3
; em síntese, como agentes de produção das
condições de reprodução das relações de dominação entre as classes
sociais. Porém as razões que levaram a umao acentuada predomi-
nância tambémoo me ocupar aqui. Estudos sociológicos futuros
incumbir-se-ão certamente de esclarecer esse ponto. Tentarei apenas
recompor em linhas gerais o quadro social e a conjuntura teórica em
que emergiram as chamadas "teorias de reprodução".
o lograram abalar a "sociologia dominante da educação", ainda que rompessem com
essa "forma de imperialismo freqüente nos sociólogos da educação". Além disso, é
preciso lembrar ainda que no início dos anos 70 na Inglaterra, uma nova escola de
pensamento surgia na Sociologia da Educação: a New Sociology of Education" (NSE).
Embora em sua primeira fase (de 1967 a 1976), a NSE tenha sido refratária às idéias
da reprodução (tendo-se inspirado, nessa etapa, sobretudo na fenomenologia), a partir
de 1976 ela sofre uma reorientação em seu curso que aproxima-la-á das abordagens
reprodutivistas (Trottier, 1987).
3
Para os representantes das teorias da reprodução, os conhecimentos veiculados pela
escolao sempre portadores de um nítido caráter de classe. Seja na versão bourdieuniana
de uma cultura escolar que reconhece e impõe certos estilos de se relacionar com o
mundo do conhecimento, seja na versão de um certo "marxismo sumário" (Prost, 1970)
que identifica a cultura escolar com a cultura dos grupos sociais dominantes.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
Mas antes disso, julgo necessário fazer um esclarecimento. O plural
acima empregado tem sido usual entre os pesquisadores cuidadosos
de estabelecer uma distinção entre as teorias da reprodução cultural
(representadas sobretudo pela obra de Bourdieu e Passeron. 1964,
1970. etc, e de seus seguidores) que conferem à escola, em seu funciona-
mento reprodutor, uma certa margem de independência em relação à
esfera da vida material, e. as teorias da reprodução de filiação marxista
(Althusser, 1970; Baudelot e Establet. 1971: Bowles e Gintis, 1976) cuja
ênfase é posta na participação do aparelho escolar na reprodução das
relações sociais de produção.
As décadas de 50 e 60 presenciaram a constituição da Sociologia da
Educação como campo de pesquisa, e sua afirmação como um dos
principais ramos da Sociologia nos países industrialmente desenvolvidos.
As razões mais gerais desse fenômenoo comuns aos países ocidentais
que se tornaram os principais centros produtores de pesquisa: França,
Inglaterra e Estados Unidos.
Em primeiro lugar, a ampliação do aparelho escolar e, em particular,
a universalização do ensino secundário (com as transformações que
daí decorrem no plano do recrutamento de alunos e professores, dos
conteúdos e processos de ensino etc.) colocavam para o Estado proble-
mas para administrar as grandes máquinas em que se transformavam
os sistemas de ensino, demandando um maior conhecimento da popula-
ção escolar e do funcionamento desses sistemas (condição inclusive
para o planejamento). Os financiamentos para a pesquisa educacional
multiplicam-se, notadamente, nos países anglo-saxões, onde a tradição
fabiana de se respaldar as reformas institucionais em grandes levanta-
mentos de dados empíricos tem sólidas raízes. Karabel e Halsey (1977,
p.5) ilustram:
"A penetração com força dos pesquisadores das ciências
sociais no campo da educação coincidiu com um período
de enorme crescimento dos gastos públicos com escolas
e universidades. Entre 1950 e o fim dos anos 60, os gastos
educacionais dos países-membros da OCDE cresceram a
uma média de mais de 10°o ao ano, o que representava
o dobro da taxa de crescimento do PNB e uma vez e meia
a taxa de crescimento do total dos gastos públicos".
E Petitat (1982, p. 361) confirma:
"Não foi por acaso que a sociologia da educação ganhou
impulso no momento em que um vasto desenvolvimento da
escolarização abalava as velhas instituições do ensino sen-
cundário inferior e superior e da universidade".
Em segundo, em associação com esse fenômeno, um novo ideário rela-
tivo ao papel social da escola surge com força. É que as discussões,
controvérsias e conflitos políticos acerca das desigualdades sociais em
geral que marcaram o período do imediato pós-guerra, refletiam-se de
modo percuciente nos domínios da educação, dando origem a um fervi-
Ihante debate sobre as desigualdades educacionais e as condições para
uma democratização das oportunidades escolares. Novas problemáticas
se instalam e passam a interrogar as primeiras gerações de sociólogos
da educação (Young, 1986; Isambert-Jamati, 1986), cujo foco de atenção
se volta para o estudo das disparidades entre os grupos sociais face
aos sistemas de ensino. Conforme Petitat (1982, p.361), "O pequeno
exército cada vez mais numeroso de sociológos da educação, que tirava
suas problemáticas das grandes ideologias da igualdade e de oportuni-
dades e da igualdade de condições, atacou-se desde o fim da segunda
guerra mundial à descrição e interpretação de uma realidade histórica
em pleno movimento"
4
. Assim, toda uma "sociologia das desigualdades
escolares" (desigualdades de acesso, de desempenho, de trajetórias
escolares) foi produzida (Forquin 1979a, 1979b, 1980, 1982a, 1982b),
a qual tratarei mais adiante.
Era este, em linhas gerais, o cenário da Sociologia da Educação
do imediato pós-guerra que será sacudido pela maré contestadora das
4
Young, (1986. p. 532-533) relata que na Inglaterra Na década de 50 e início dos anos
60, havia pouco mais de dez profissionais neste campo, dentre os quais os mais conhecidos
foram Banks. Bernstein, Douglas. Floud, Halsey e Glass".
teorias da reprodução. É evidente que este quadro teórico merece uma
análise mais detalhada e cuidadosa. Tentarei fazê-lo a seguir, após o
exame do contexto histórico (social e educacional) que deu lugar ao
aparecimento do novo paradigma.
As condições históricas de emergência do paradigma da reprodução
O Contexto Econômico, Social e Político
Um conjunto de fatos configurou as condições socias dos países ociden-
tais nos anos 50 60 ou, em outros termos, a conjuntura do pós-guerra.
Les 30 glorieuses é a expressão com que Comumente os economistas
de língua francesa designam o longo ciclo de prosperidade por que passou
a economia mundial nas três décadas que se sucedem imediatamente
a partir do final da segunda guerra. Essa fase de cerca de trinta anos
de crescimento econômico "excepcionalmente longo e forte" só sofrerá
uma inflexão, em meados dos anos 70, com o início de uma recessão
econômica mundial assinalada pelos choques do petróleo, aumento da
dívida, diminuição das trocas internacionais etc.
Um dos resultados mais concretos desse estado de abundância foi a
montagem de aparatos estatais de serviços e de proteção social, englo-
bados sob a designação do welfare state ou do Etat-providence. O intento
dominante era o da promoção da igualdade social através da luta contra
as desigualdades. Políticas de combate à probreza (war on poverty) e
programas de reforma social foram concebidos e implantados nesses
países, com resultados, diga-se de passagem, nem sempre satisfatórios.
As políticas de desenvolvimento econômico e de modernização tecnoló-
gica colocavam na ordem do dia o problema da demanda de mão-de-obra
qualificada, requerida pela rapidez dos avanços técnicos, incluindo-se
aí as necessidades em matéria de formação de quadros administrativos,
burocráticos, científicos, técnicos etc. suscitadas pelos processo de tercia-
rização das atividades produtivas que se desencadeava desde então.
De fato, era todo o perfil da população ativa que se transformava em
ritmo acelerado, com o setor primário regredindo, o secundário estabili-
zando-se e o terciário ultrapassando os dois primeiros (Prost, 1968).
De modo que uma grande preocupação com a "prospecção de recursos
humanos" caracterizou o período, agravada pela conjuntura de guerra fria
em que se envolveram Estados Unidos e União Soviética em disputa
pela supremacia militar Quando se tem em mente que tal supremacia
passa inevitavelmente pela superioridade tecnológica, compreende-se
com facilidade que os dois grandes blocos tenham se engajado numa
verdadeira "batalha da produção".
Por outro lado e concomitantemente com isso, uma forte retomada da
natalidade a partir de 1946 (com taxas bem superiores às do pré-guerra)
ocasionou uma verdadeira explosão demográfica, à qual nos referimos
usualmente como o baby-boom do pós-guerra.
Mas apesar do clima de otimismo trazido pelo entusiasmo desenvolvi-
mentista e produtivista e pela crença na mudança (e democratização)
social próprios da época, a década de 60 terminou-se, como se sabe,
com um pipocar de revoltas sociais em que estiveram em jogo conflitos
raciais, culturais, de classe e entre nações.
Nos Estados Unidos, a insatisfação com a persistência das disparidades
econômicas e a desilusão causada pelos insucessos dos programas
de reforma social estavam levando a revoltas esporádicas de determi-
nados grupos sociais. Mas esses movimentoso se circunscreviam
às lutas contra as desigualdades econômicas. Problemas sociais decor-
rentes da guerra do Vietnã, conflitos raciais, lutas feministas, desenca-
deavam um período de radicalismo político. Os estudantes rebelavam-se
também contra as relações sociais autoritárias na Educação; as minorias
étnicas contra a discriminação racial; as mulheres contra a divisão
sexual do trabalho e outras formas de dominação masculina.
Já na Inglaterra, a experiência do radicalismo estudantil parece ter assu-
mido formas mais culturais do que propriamente políticas (Karabel e
Halsey, 1977), acarretando um forte movimento de contracultura. Em
todo o caso, o importante para o que me interessa aqui é que em ambos
os países desenvolveu-se uma nova esquerda (NewLeft), particularmente
ativa no mundo universitário.
Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46. abr. jun 1990
Na França, o ponto de partida da crise (econômica, política e cultural)
que culminou no Maio de 68 foi o movimento estudantil. Em meio a
reivindicações sociais diversas (notadamente no movimento operário),
os estudantes questionaram principalmente a organização e as funções
sociais da Universidade. A despeito dos desfechos desse acontecimento,
e sem prejuízo de suas outras conseqüências importantes, o Maio de
68 francês assinalou o fortalecimento da politização da juventude e o
crescimento de diversos grupos de extrema-esquerda.
A estabilidade social dos anos 50 cedia lugar assim a um período de
crise cultural e de turbulência política que se inicia ao final dos anos
60, e se prolonga até meados da década de 70.
O Quadro Educacional
Já havia me referido anteriormente à expansão massiva das taxas de
escolarização dos países industrializados que se seguiu à Guerra. Em
todos os graus do sistema de ensino, registrou-se um crescimento subs-
tantivo e acelerado dos efetivos escolares:
5
"Jamais tinha-se visto um
movimentoo geral, de tal amplitude e de ritmoo rápido. Foi uma
mutação brusca e global, e a expressão explosão escolar' se impõe,
com efeito, para designá-la", nas palavras do historiador da educação
(Prost, 1968, p. 436).
Por certo que a fase de prosperidade por que passavam essas sociedades
responde em larga medida por esse fenômeno de "explosão escolar",
através da ação política do Estado financiando generosamente os gastos
públicos com instrução. Suas necessidades de formação de mão-de-obra
qualificadao estavam evidentemente alheias a isso, e colocavam em
pauta a questão da modernização dos sistemas de ensino, em particular
5
O fenômeno éo conhecido que me dispenso aqui de fornecer cifras. Remeto porém
o leitor à Introdução de A. Girard (INED, 1970) para o que concerne às comparações
internacionais e aos diferenciais de crescimento segundo os graus e ramos do ensino.
da escola secundária.
6
"Vistas sob esse prisma, a expansão e a crescente
diferenciação do sistema educacional foram o resultado inevitável das
mudanças tecnologicamente determinadas na estrutura ocupacional, que
requeriam habilidades cada vez mais complexas" (Karabel e Halsey,
1977, p. 9). Nesta "civilização do saber e da competência", tratava-se
de detectar o potencial disponível de talentos com que contava cada
país, de bem gerenciá-lo e deo desperdiçá-lo, enfrentando assim
a concorrência internacional
7
; e os sistemas de ensino foram então cha-
mados a colaborar na satisfação das necessidades da sociedade tecno-
lógica.
Além disso, é preciso lembrar que em razão da guerra fria entre os
países do leste e do oeste, a corrida por um sistema educacional eficiente
do ponto de vista científico e tecnológico, intensificou-se, notadamente,
após o lançamento do Sputnik pela União Soviética em 1957.
8
Por outro lado, é certo que o crescimento da população escolarizada,
ao nível do segundo grau e do superior, correspondeu também ao cresci-
mento da população. As crianças do baby-boom nascidas a partir de
1946, atingem a partir de 1957 — a idade de entrada para os estudos
secundários e constituem, assim, uma nova demanda social a forçar
os portões das escolas. Entretanto, o aumento demográficoo pode
ser consierado como a principal explicação para a expansão dos efetivos
escolares. O alerta parte do próprio demógrafo: "As causas profundas
do movimento [de explosão escolar]oo portanto primordialmente
demográficas, é preciso buscá-las antes nas grandes transformações
da civilização que há um século ou dois transformaram, a um só tempo,
as condições demográficas de existência e as formas de vida social.
" Datam desta época a implantação das comprehensive Schools na Inglaterra e do collège
denseignement secondaire (CES) na França
' A respeito da corrente de pesquisas tipicamente anglo-saxã sobre as "reservas de talen-
tos" (incluindo aí o próprio Project Talentúe 1964), ver Petitat (1982).
8
o resisto à comparação entre a comoção causada por este fato nos meios educacionais
norte-americanos nos anos 50 60 e as discussões travadas (e medidas tomadas pelo
governo Bush cf Folha deo Paulo, 2 10 89 e 28 3 90) atualmente nesse país
a respeito da "superioridade" do sistema escolar japonês na formação da força de trabalho.
Aliás, o crescimento populacional é, em grande parte, resultado das pró-
prias circunstâncias que produziram o desenvolvimento da instrução"
(INED, 1970, p. xxii).
É preciso reconhecer também que as modificações ocorridas na compo-
sição social do público escolar, garantiram alguns avanços (entre eles
a extensão da obrigatoriedade escolar) no processo de democratização
do ensino. "O crescimento dos efetivos escolares explica-se assim pela
conjugação de dois fenômenos, um, conjuntural, o movimento demográ-
fico, o outro, estrutural, os progressos da escolarização", conclui Prost
(1968, p. 438).
Além da expansão quantitativa, um outro componente importante afetou
a situação educacional sobretudo norte-americana desses anos 60: os
programas de educação compensatória. É que no quadro da guerra
contra a pobreza, pretendia-se, entre outras coisas, corrigir as desigual-
dades escolares mediante a implantação de medidas assistenciais e
pedagógicas visando compensar as desvantagens materiais dos grupos
socialmente desfavorecidos e as supostas carências culturais resultantes
de um ambiente familiar pouco estimulante. Inúmeros projetos de ensino
compensatório foram assim implantados nos Estados Unidos
9
, buscando
através de uma intervenção precoce (a partir dos 5 ou 6 anos) desenvolver
a capacidade de aprendizagem das crianças consideradas como porta-
doras de déficits culturais.
Porém, de um modo geral, as avaliações a posteriori desse conjunto
de experiênciasm sido negativas. Costuma-se mesmo falar em fracasso
dessas iniciativas para equalizar as oportunidades escolares, principal-
mente em virtude de seus resultados efêmeros. Segundo Forquin (1979
b, p. 93), "esse fracasso anunciava o fim de um certo credo otimista,
reformista e liberal em matéria de educação que havia embasado os
esforços de democratização dos anos 60".
9
Dentre os quais o Head Start de 1964-65, citado sempre em primeiro lugar por seu
porte e grau de difusão. Para uma análise detalhada desse conjunto diversificado de
programas, inclusive seus conteúdos e métodos, ver Little e Smith (1971).
Na verdade, o desapontamento vai muito além dos insucessos das peda-
gogias compensatórias. É todo o conjunto de medidas educativas dos
anos 50/60 (expansão dos efetivos escolares, extensão da escolaridade
obrigatória, mudanças no perfil social da clientela escolar, criação de
novos gêneros de instituições educativas) que será posto em questão,
ao final dessa última década. E de formao veemente quanto a frase
que A.H. Halsey escrevia, em 1972, para resumir o fenômeno: "O fato
essencial da História da Educação do século XX é que as políticas iguali-
tárias falharam" (Karabel e Halsey, 1977, p. 45).
E a razão disso é que a realidade atestava que à expansão/transformação
do aparelho escolaro havia correspondido uma modificação das estru-
turas sociais, nem sequer uma redução significativa das desigualdades
de oportunidades educacionais ou uma alteração importante das relações
que cada grupo social mantém com a cultura escolar. Com efeito, o
crescimentoo beneficiava igualmente a todos, e o mito da igualdade
de oportunidades e da democratização do ensino passou, então, a ser
fortemente contestado a partir do final da década de 60, bem como
a visão da educação como investimento produtivo própria dos econo-
mistas partidários da teoria do capital humano. O clima de otimismo
cedia lugar ao desencanto...
A conjuntura teórica: Sociologia e Sociologia da Educação
Ao período de prosperidade econômica dos anos 50-60, correspondeu
um avanço sem precedentes das Ciências Sociais em geral, e da Socio-
logia em particular, impulsionadas entre outras coisas pela penetração
dos Estados nacionais no setor das ciências sociais, e pela criação dos
grandes organismos internacionais como a UNESCO, a OCDE etc.
(Drouard, 1982). Nesse momento, a produção sociológica se deu por
tarefa responder às indagações que se colocavam para uma sociedade
em processo de reconstrução, em plena mutação social e em vias de
modernização. O tema da mudança social será portanto o tema-chave
dessa Sociologia.
Entretanto, com a crise da ideologia modernizadora, a partir do final
dos anos 60, juntamente com a ruptura do processo de crescimento,
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr jun. 1990
uma nova era vem se abrir na paisagem sociológica: a "era da suspeita",
como a denominou Alain Touraine (1986b), numa alusão ao desencanto
deixado pelas reformas sociais liberais dos anos 60, e à idéia emergente
de que "o homem é o produto de estruturas que o determinam eo
o sujeito de sua ação" (Furet, 1986). Para essa Sociologia, "a vida social
o é projeto, debate, criação, conflito; ela é discurso, ideologia domi-
nante, mecanismos de inculcação e de legitimação do poder absoluto..."
(Touraine, 1986a). Em seu balanço da situação da Sociologia à época,
A. Touraine acrescenta ainda que "esta imagem propagou-se com tal
força que se tornou, nos meios universitários e para universitários. a
ideologia dominante no decorrer dos anos 70" (1986b, p. 135). É indiscu-
tível que o desenvolvimento das esquerdas (na esteira dos movimentos
políticos do final dos anos 60) teve um papel importante nesse processo.
O peso do pensamento e da ideologia marxista particularmente em
sua variante estruturalista
10
se fez sentir de modo mais ou menos
intenso nas diferentes vertentes das novas construções teóricas. Aqui
é o tema da "reprodução das estruturas sociais" que ocupa o lugar
de honra.
Ainda segundo Touraine, no terreno da Sociologia esta representação
do funcionamento social repercutiu de modo particularmente intenso em
três áreas: "em primeiro lugar na sociologia urbana (...). Em segundo
lugar, na sociologia da escola e do trabalho social (...). E num terceiro
domínio enfim, triunfou essa sociologia da suspeita e da perseguição
ao ator; o estudo das sociedades do Terceiro Mundo." (1986b, p. 136;
grifo meu).
Vejamos então, em linhas gerais, como se deu esta evolução no âmbito
da Sociologia da Educação. Como já havia mencionado anteriormente,
o quadro geral acima descrito de mudanças educacionais do pós-
guerra, provocou o aparecimento de toda uma corrente na pesquisa
educacional nesse momento "invadida" pelos cientistas sociais
que Karabel e Halsey (1977) chamaram de empirismo metodológico (me-
Talvez. para os meus propósitos, o mais esclarecedor seja caracterizar o pensamento
estruturalista |ustamente pelas críticas que lhe reservou a década de 80: desprezo pelo
ator social, ênfase excessiva na dependência da parte em relação ao todo. desatenção
para com o movimento histórico.
thodological empiricism) por tratar-se de investigações impíricas fre-
qüentemente quantitativas cujo esmero metodológico quase sempre
conotou rigor, à época. As preferências, quanto ao objeto da pesquisa,
recaíam como bem convinha à época sobre as desigualdades
educacionais e sobre a problemática da democratização do ensino. Calcu-
lava-se assim as taxas de escolarização segundo as categorias sócio-eco-
nômicas; estabelecia-se correlações entre o desempenho escolar e uma
série de fatores sociais tais como: idade, sexo, habitai, profissão e nível
escolar dos pais, tamanho da família etc; buscava-se identificar os ele-
mentos responsáveis pela carência cultural das crianças e jovens prove-
nientes dos grupos sociais desfavorecidos para se chegar a soluções
compensatórias. É quase desnecessário lembrar que tais estudos situam-
se num nível macroscópico de análise, em que o que se focalizao
as grandes relações entre o sistema educacional e as outras instituições
sociais;o se entrando, portanto, no interior dos processos de ensino
(estabelecimento escolar, sala de aula etc).
Nos países anglo-saxões, notadamente na Inglaterra, a forma tomada
por esses estudos empíricos ficou conhecida com o nome de aritmética
política, que é como se designa um certa tradição intelectual britânica
que vem desde a primeira metade do século XIX. No que concerne
à Sociologia da Educação, a origem dessa tradição situa-se nos estudos
de estratificação/mobilidade sociais desenvolvidos, nos anos 50, na Lon-
don School of Economics sob a direção de D. Glass. "Os dois maiores
sociológos ativos na pesquisa educacional de meados da década de
50 e início de 60": Jean Floud e A. H. Halsey, eles próprios originários
da London School (Bernstein, 1974), e outros sociólogos como J. W.
B. Douglas, procedendo ao desdobramento dos trabalhos do professor
Glass, dedicaram-se a análises quantitativas das chances de indivíduos
de diferentes origens sociais atingirem os diferentes graus e segmentos
do sistema de ensino, dos fatores sociais determinantes da seleção esco-
lar e das repercussões das oportunidades escolares sobre as oportuni-
dades ocupacionais."
" Ao tratar dessa corrente de pesquisas inglesa, Karabel e Halsey (1977, p.17) lembram
que "a desconfiança para com as teorias metafísicas e a preferência por metodologias
positivistaso profundamente enraizadas na cultura anglo-saxã e impregnam a história
das ciências sociais na Grã-Bretanha e Estados Unidos".
A célebre coletânea organizada por Halsey, Floud e Anderson (1961),
reunindo diversos trabalhos da mesma natureza, parece ser a melhor
ilustração desse gênero de estudos.
12
Quanto às suas características
principais, os estudiosos apontam: "predileção pelas vastas enquetes
sociais e coleta de dados descritivos" (as fontes institucionais das desi-
gualdades educacionais ficam demonstradas maso explicadas); "certa
desconfiança para com as grandes construções teóricas" e "constante
preocupação de inserção social e política numa ótica reformadora" (For-
quim, 1989). Já Bernstein (1974), de modo mais sintético, assim define
esse conjunto de trabalhos: "a-teórico, pragmático, descritivo e politica-
mente orientado". Essa última característica esclarece a respeito do quali-
ficativo da aritmética política. Já mencionei anteriormente a tradição
fabiana da pesquisa inglesa de servir aos interesses da administração.
Pois bem, esta geração de sociólogos ingleses permaneceu ligada à
social-democracia, e sob as auspícios do Estado (patrocínio de agências
oficiais ou semi-oficiais) buscou pragmaticamente subsidiar as politicas
públicas de equalização de oportunidades.
Por último há que acrescentar-se que essa tradição da aritmética política
manifesta-se também, evidentemente, na longa série de relatórios nacio-
nais ingleses e norte-americanos encomendados e financiados pelos
poderes públicos nas décadas de 50 e 60, com a finalidade de conhecer
o funcionamento dos sistemas escolares (ROBINS-1963 e PLOW-
DEN-1967 na Grã-Bretanha; COLEMAN-1966 nos Estados Unidos, etc).
Na França, essas práticas dominantes de estudos empíricos na Sociologia
da Educação assumirão a forma de uma demografia escolar que tem
origem nos trabalhos desenvolvidos pelo INED (Institut National d'Études
Démographiques) criado em 1945 sob a direção de Alfred Sauvy. Apesar
deo ter sido criado com a missão expressa de tratar das questões
escolares, desde seus primeiros momentos, o INED voltou-se para a
2
Ela "permaneceria ao longo dos anos 60 — a principal obra de referência sociológica
para os pesquisadores e estudantes em ciências da educação" (Forquim, 1989). E Isam-
bert-Jamati (1986) complementa: "os sociólogos franceses da época lêem sobretudo a
coletânea de Floud e Halsey, Education. Economy and Society"...
investigação das características e da evolução das populações esco-
lares.
13
Demógrafos e sociólogos bastante conhecidos como Alain Girard, Henri
Bastide, Paul Clerc e o próprio Alfred Sauvy, inauguravam, assim, nos
anos 50, o campo da demografia escolar empreendendo um recensea-
mento da população escolarizada em que se tentava responder basica-
mente a duas perguntas: "quantos eles são?" e "quemo eles?".
14
Através de descrições estatísticas (à maneira dos demógrafos), objetiva-
va-se conhecer as condições de seleção e de freqüência ao sistema
escolar, e os mecanismos de orientação no interior dele. Para isso, tratou-
se de relacionar o lugar ocupado pelo educando no aparelho escolar
(grau, tipo de estudos, estabelecimento etc.) com uma série de variáveis
tais como: idade, sexo, tamanho da família, ordem de nascimento no
conjunto dos irmãos, ocupação e nível de escolaridade dos pais, habitat,
desempenho escolar anterior etc), estabelecendo pioneiramente na Fran-
ça um estudo da "estratificação social das escolaridades" (Isambert-
Jamati, 1974).
Partindo do princípio de que essa descrição estatística, se refeita a interva-
los regulares, retraçaria a evolução temporal dos efetivos escolares, os
pesquisadores do INED desenvolveram uma longa série de estudos longi-
tudinais que passaram a ser sua marca registrada, e dentre os quais
o mais famoso é a enquête de 1962-72. Através de uma grande amostra
(17.461 alunos) representativa em escala nacional, acompanhou-se o
itinerário no interior do sistema escolar de um conjunto de indivíduos
(que concluía a última série da escola primária em 1962) durante dez
anos, ou seja, até o ano de 1972.
Os resultados dos trabalhos do Instituto foram geralmente publicados
na revista Population ao longo da década de 50. Mas foi uma célebre
13
Sobre os primeiros trabalhos do INED no campo da educação escolar e seu ponto de
partida, ler Isambert-Jamati (1984).
" Para um maior detalhamento desse campo de estudos: objeto, fontes, procedimentos
metodológicos, perspectivas etc, ver Clerc (1974).
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
coletânea de textos, intitulada Population et Enseignement. publicada
em 1970 (com introdução de A. Girard). reunindo os trabalhos do INED
realizados na década de 60. que veio dar- visibilidade a esses estudos.
15
Está assim fora de dúvidas a importância desses trabalhos para a Socio-
logia da Educação francesa que seria produzida nas décadas seguintes.
E os sociólogos contemporâneoso unânimes em reconhecê-lo.
16
A problemática das desigualdades educacionais segundo os grupos so-
ciais dominava portanto, como acabamos de ver, a Sociologia da Educa-
ção desse período nos principais países produtores de pesquisa Um
último indício significativo dessa tendência geral pode ser identificado
na composição da coletânea Education, Economy and Society organi-
zada por Halsey, Floud e Anderson (1961); além, obviamente, dos pró-
prios autores, pode-se aí encontrar textos de D. Glass, J. S. Coleman
e de A. Girard.
Em resumo, eu diria que todo esse estoque de pesquisas (surveys, relató-
rios. enquêtes etc.) apresentavam um fato estatístico irrecusável: as dis-
paridades sociais quanto às oportunidades de acesso e de sucesso na
escola. A partir daí, o estudo das desigualdades educacionais passaria
a ocupar um lugar central na Sociologia da Educação. Temos aqui uma
excelente ilustração de como fatos sociais e políticos conduzem a uma
problemática sociológica.
Foi nesse "contexto desencantado" do final dos anos 60 para usar
a expressão de Forquim (1980) que emergiram e ganharam corpo,
a um só tempo, os movimentos de protesto político e cultural, e o conjunto
de teorias explicativas das relações entre escola e estrutura social que
5
Dela, Isambert-Jamati (1974) afirma: "Esta obra é capital para se conhecer o funcionamento
real do sistema escolar francês contemporâneo".
" Mesmo se um deles, ironizando os seus excessos, tenha um dia sugerido com muito
bom humor, uma questão a ser assim formulada para uma hipotética prova a ser aplicada
a futuros professores: "calcular a probabilidade que tem um filho de operário cujae
e empregada, a avó padeira e o irmão diabético, de repetir a primeira série primária" .
(cf. Baudelot, 1983. p.50).
se convencionou designar de paradigma da reprodução. É que a desilu-
o com a democratização do ensino tinha arrefecido por completo o
otimismo das décadas anteriores para com os supostos poderes da educa-
ção, tanto no âmbito da formação de recursos humanos para o desenvol-
vimento econômico, quanto no terreno da equalização das oportunidades
sociais.
Como já afirmei no início do presente texto, preferio estender meu
intento aqui à análise ou à avaliação crítica dessas teorias em si mesmas,
o que de resto já vem sendo feito há algum tempo por autores procedentes
de áreas diversas das ciências da educação. Mas a compreensão de
sua gênese exige que se evoque ao menos os grandes contornos daquilo
que reúne as várias vertentes dessas teorias sob uma mesma classi-
ficação.
Em primeiro lugar, o caráter fragmentário dos dados empíricos coletados
pelas pesquisas de tipo survey. pelos grandes levantamentos ou pelos
estudos demográficos; a natureza sobretudo descritiva dos resultados
a que chegaram; tudo isto estava a pedir uma integração numa análise
mais abrangente e uma teoria mais globalizante capaz de dar conta
da complexidade das relações entre o sistema educacional e as outras
instituições sociais (notadamente a divisão social do trabalho), e de inter-
pretar os fracassos dos ideais de democratização do ensino. E aqui
a penetração do pensamento estruturalista no interior das ciências sociais
vinha responder a esses anseios de construção de um modelo explicativo
mais completo, sempre numa perspectiva macroscópica.
Em segundo, as novas teorias vinham se contrapor à ideologia reformista
da pesquisa e das políticas de combate às desigualdades escolares.
E aqui a predominância do pensamento marxista nos meios intelectuais
de então (nessa era da suspeita ), desempenhou um papel importante
na formulação dessa sociologia crítica. Referindo-se sob a expressão
de neomarxismo — à corrente estruturalista que reinterpretava o marxis-
mo à época, o sociólogo R. Boudon (1986) escreve: "O neomarxismo
caracteriza-se pelo fato de tentar explicar todas as instituições por seus
supostos efeitos macrossociais. Explicar é, para essa corrente de pensa-
mento, responder à questão para que serve?'. Para o que servem a
prisão (Michael Foucalt), a escola (Louis Althusser, Pierre Bourdieu),
a cultura, a cidade, o Estado etc? Resposta: para a reprodução da
classe dominante".
17
Entretantoo se pode deixar de reconhecer — e este é um dos propósitos
explícitos deste texto a importância da pesquisa empírica dos anos
50/60 para a elaboração desta sociologia da reprodução. Sem os latos
estatísticos estabelecidos nesses anos, a existência dessa última seria
mesmo impensável. E a prova mais contundente disso é o uso significativo
desses dados, feito pelos principais representantes das teorias da repro-
dução: Bourdieu e Passeron bem como Baudelot e Establet recorrem
largamente aos dados do INED; Bowles e Gintis, por seu turno, fazem
uso, entre outros, de dados do Project Talent e do Coleman Report,
para ficar apenas nesses exemplos. Karabel e Halsey (1977), em sua
retrospectiva da pesquisa sociológica em educação, chegam mesmo a
afirmar com base nas teses de Goudner sobre as mudanças nas
ciências sociais que o paradigma da reprodução mais do que uma
inovação científica, propriamente dita, consistiu-se numa "nova maneira
de olhar velhos dados" (new ways of looking at old data), isto é, numa
reinterpretação radical, é bem verdade de fatos já anteriormente
estabelecidos.
Para finalizar, gostaria de assinalar ao leitor que o caráter ensaístico
do presente texto, que pretende ser mais um levantamento preliminar
de hipóteses do que a exposição de algo demonstrado, impede-me
de estabelecer um juízo a respeito dessa interpretação dos autores ingle-
ses. Por certo que um trabalho mais a fundo no interior das análises
da linha reprodutiva permitiria uma avaliação mais criteriosa do significado
desse momento de inflexão, sofrido pelas ciências sociais da educação
na década de 70.
" A critica ao hiperfuncionalismo das teorias da reprodução tem se tornado freqüente
nos escritos dos sociólogos da educação a partir do final dos anos 70 (Karabel e Halsey.
1977: Isambert-Jamati, 1983: Berthelot. 1983, para citar apenas alguns).
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A PLURALIDADE DOS MUNDOS E DAS CONDUTAS SOCIAIS: A
CONTRIBUIÇÃO DE BOURDIEU PARA A SOCIOLOGIA DA
EDUCAÇÃO*
Carlos Benedito Martins**
Em seu escrito sobre a Teoria das Ciências Sociais, Marx Weber chama-
va a atenção para o fato da dimensão finita e limitada do espírito humano
diante da realidade histórico-social, que lhe aparecia como infinitamente
complexa e inesgotável. Mostrava-se francamente cético com a possibi-
lidade da construção de um modelo explicativo capaz de captar de forma
exaustiva a realidade, mesmo que um pesquisador tomasse como objeto
de estudo um ínfimo fragmento desta realidade. Os sistemas mentais
que elaboramos, expressos em teorias, hipóteses ou conceitos, jamais
esgotam a imensa riqueza do real. Essas construções intelectuaiso
passavam, em sua visão, de tentativas para ordenar a realidade caótica
e multifacetária da vida que nos rodeia.
Salientava, também, naquele escrito, que a realidade só poderia ser
ordenada pela circunstância de que apenas uma porção dela possui
importância para um investigador, posto que só esse fragmento se encon-
tra em relação com as idéias de valores culturais com as quais aborda
a realidade. Em sua visão, um investigador, estudando o mesmo fenô-
meno que ocupara anteriormente a atenção e as energias de um outro
pesquisador, poderia descobrir novas facetas do fenômeno estudado,
uma vez que ordenou o real a partir de distintas significações culturais.
Salientava, também, que as relações intelectuais, sob as quaiso abor-
Versão modificada e ampliada do artigo Estrutura e ator: a teoria da prática em Bourdieu.
publicado na Revista Educação e Sociedade n 27 setembro de 1987.
** Professor-Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília.
dados e compreendidos cientificamente os fenômenos, mudavam cons-
tantemente. Neste sentido, para Weber, as ciências da cultura, entre
as quais incluía as Ciências Sociais, estavam condenadas a uma condição
de eterna juventude, uma vez que em sua dinâmica, gravitavam em
torno do caráter transitório de suas construções teóricas.'
Este ponto de vista weberiano serve como um antídoto à tentação e
à ilusão de buscar, no atual estágio de conhecimento alcançado pelas
Ciências Sociais, uma teoria verdadeira, que dê conta por si só de
explicar de forma exaustiva e definitiva, a totalidade da vida social ou
de algumas de suas dimensões particulares. Por mais abrangentes ou
delimitado o escopo explicativo de uma teoria, as manifestações concre-
tas da vida social tendem a mostrar-se mais complexas e refratárias
à sua representação intelectual. Dando continuidade a esta postura
teórica, Mannheim (1968, cap. 2 e 3), salientava que toda construção
teórica deveria ser considerada como uma perspectiva parcial para o
conhecimento da vida social.
Este artigo tem como objetivo destacar alguns aspectos do esquema
analítico que vem sendo elaborado por Pierre Bourdieu que, direta ou
indiretamente, fornece elementos teóricos e conceituais para a análise
dos diversos campos constitutivos da vida social, entre os quais inclui-se
o educacional. As apreciações sobre os trabalhos que este autor vem
desenvolvendo, seja individualmente, ou com os seus colaboradores,
tendem a indicar que os resultados já alcançados ocupam uma posição
relevante no contexto da sociologia contemporânea. Tal empreendimento
é entendido no presente artigo como uma das contribuições possíveis
A respeito desta questão afirmava Marx Weber que: Aspiramos ao conhecimento de
um fenômeno histórico, isto é. significativo na sua singularidade. E o que aqui existe
de decisivo é o fato de só adquirir sentido lógico a idéia de um conhecimento dos fenômenos
individuais mediante a premissa de que apenas uma parte finita da infinita diversidade
de fenômenos possuirá uma significação" (1974. p.56).
Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
no campo das Ciências Sociais contemporâneas, sujeitas, como as suas
concorrentes, a alcances e limites.
2
Embora a reflexão sobre o sistema de ensino ocupe uma posição desta-
cada no conjunto dos trabalhos deste autor, principalmente em sua fase
inicial, a sua intençãoo é de construir uma sociologia do sistema
escolar. Seu projeto científico encaminha-se cada vez mais para a eluci-
dação dos mecanismos de funcionamento dos diferentes espaços sociais,
tais como o Estado, a Igreja, o esporte, a moda, a linguagem, a literatura,
o sistema de ensino, etc., para a genêse desses espaços, suas hierarquias
e lutas internas, assim como as estruturas mentais dos agentes que
estão situados no seu interior e a lógica de suas condutas. Tudo leva
a crer que um dos núcleos dos trabalhos de Bourdieu seja a preocupação
em analisar a mediação existente entre indivíduo e sociedade, o complexo
circuito entre estrutura e ator,o de forma abstrata, mas a partir de
suas dimensões concretas, vislumbradas na trama dos diferentes espa-
ços sociais.
Valeria a pena destacar, inicialmente, que a constituição do projeto de
conhecimento, em Bourdieu, ainda em curso, guarda, de modo geral,
uma determinada continuidade em relação a alguns traços constitutivos
do desenvolvimento do pensamento sociológico francês.
Assinalemos, a este propósito, que a formação da sociologia francesa
ocorreu em um espaço social bastante preciso, vale dizer, no interior
do campo universitário, o que contribuirá para lhe imprimir uma feição
acadêmica, voltada para uma busca de legitimidade científica. Ao de-
senvolver-se em um contexto universitário, os agentes envolvidos com
a consolidação do status científico da Sociologia puderam contar com
o apoio institucional que os dirigentes da Terceira República procuravam
fornecer para a renovação e expansão das instituições de ensino univer-
sitário
3
.
2
A respeito de uma apreciação da contribuição de Pierre Bourdieu, consultar, por exemplo:
Ansart (1987): III Congresso Nacional de Sociologia: Alexander (1987): Rancière (1984).
3
Quanto ao desenvolvimento da Sociologia na sociedade francesa, ver os trabalhos de
V. Karady (1974. 1976 e 1979).
O projeto de conhecimento sociológico elaborado pelos durkheimianos
ilustra de maneira exemplar os esforços de legitimação científica. Mas
chama atenção, também, neste projeto, a habilidade por parte dos inte-
grantes de seu grupo em ocupar os espaços que se abriam nas institui-
ções universitárias em busca sob a inspiração dos dirigentes da Ter-
ceira República da difusão de concepções científicas, a fim de orientar
a condução da vida social. Assim, passavam a usufruir do respaldo institu-
cional que o campo do poder político procurava oferecer ao desenvol-
vimento das Ciências Sociais.
4
Se bem que no século atual a organização das atividades de ensino
e pesquisa, subvencionadas pelo aparelho estatal, tenham passado por
certas descontinuidades, em termos de financiamento,o se pode deixar
de ter em conta que o essencial da pesquisa sociológica, na sociedade
francesa, ocorre no interior do campo universitário e de organismos manti-
dos por fundos públicos (CNRS. INRA, INSEE, etc). Neste sentido, a
produção sociológica de Bourdieu desenvolve-se no interior do campo
acadêmico e da proteção institucional oferecida a este espaço social
5
.
Entre outras dimensões, o seu projeto sociológico representa a disposição
de reatualização, de imprimir ao trabalho de pesquisa uma conduta contro-
lada por padrões científicos. Esta busca expressa-se numa disposição
em produzir determinadas técnicas de rupturas contra o saber imediato
Em seu trabalho Le Métier Sociologue assinala que: "a familiaridade
com o universo social constitui para o sociólogo o obstáculo epistemo-
lógico por excelência, uma vez que produz continuamente concepções
provenientes da imaginação. O sociólogo jamais cessa de se opor à
Sociologia espontânea. Ele deve se impor uma polêmica incessante contra
as evidências enganadoras provenientes do saber imediato. Ele encontra
mais dificuldades para estabelecer a diferença entre a percepção e a
* Com relação a esta questão, consultar G. Weisz (1979): com relação às reformas educa-
cionais empreendidas pela Terceira República, destacadamente no plano do ensino
superior, ver J. Mayuer (1973. p. 145-153).
5
A este propósito, ver A. Drouard (1982). C. de Montlibert (1982) e M. Guillaume (1986.
p 441-455).
ciência, separação que para o físico se exprime na oposição marcada
entre o laboratório e a vida cotidiana, enquanto o sociólogoo pode
encontrar em sua tradição teórica os instrumentos que lhe permitiriam
recusar radicalmente a linguagem e as noções do senso comum" (Bour-
dieu, 1968, p.35; 1982, p.8-9).
Ao opor a sociologia espontânea ao saber sociológico, Bourdieu retoma
de forma enfática o princípio formulado por Bachelard. de um corte episte-
mológico entre as representações do senso comum e a elaboração do
discurso científico. Esta ruptura pode ser realizada, em sua visão, entre
outros meios, através das aquisições teóricas da Sociologia, da utilização
de procedimentos estatísticos, da criação de uma linguagem artificial,
capaz de romper com os automatismos do saber familiar e imediato,
inscritos na linguagem comum.
A sociologia da Sociologia, apresenta-se-lhe como um dos instrumentos
fundamentais na elaboração de um discurso científico do mundo social.
Ela possibilita ao pesquisador tomar consciência da posição por ele ocu-
pada no campo científico e no espaço social. Em sua apreciação, cada
sociólogo é um bom sociólogo de seus concorrentes, isto é, capaz de
identificar as determinações sociais, os interesses materiais e simbólicos
que orientaram a produção do conhecimento de seus adversários, procu-
rando, com isto, desqualificá-los. A utilização da sociologia da Sociologia
deve propiciar ao investigadoro somente o conhecimento das estraté-
gias de seus adversários no campo cientifico, mas também a elucidação
de tudo aquilo que a sua própria prática intelectual deve à sua inserção
no mundo social e no próprio campo científico, como, por exemplo, a
escolha do seu objeto de estudo e a forma de abordá-lo.
Ao lado desta busca de legitimidade científica, os trabalhos desenvolvidos
por Bourdieu guardam uma outra continuidade com a forma pela qual
se desenvolveu o pensamento sociológico francês, que valeria a pena
mencionar, ainda que brevemente. Apesar de procurar manter determi-
nadas diferenças em relação a uma crítica dirigida a um certo atomismo
individualista, tudo leva a crer que Bourdieu reafirma ao longo de seus
trabalhos o postulado metodológico recorrente na Sociologia francesa
do primado da sociedade sobre o indivíduo. Como se sabe, uma das
características do pensamento social do século XIX é a rebelião intelectual
contra o individualismo desenvolvido pelos filósofos do século precedente.
Em oposição às formulações iluministas que ressaltavam o poder da
razão individual, alicerçada em formas científicas de conhecimento, como
instrumento para remodelar os sistemas sociais, vários pensadores do
século XIX salientariam que o homemo adquire o conhecimento me-
diante a razão individual, mas sim como um ser social, isto é, devido
ao fato de viver em contextos sociais.
Investindo contra a fé otimista do século XVIII, no poder conferido à
razão individual, os críticos do pensamento iluminista procuraram erigir
uma teoria na qual o indivíduo auto-suficiente e racional, construído pelos
filósofos do século XVIII, fosse substituído por um indivíduo que, em
larga medida, seria o produto de relações e de instituições sociais. Ao
atomismo iluminista, este estilo de pensamento social oporia um realismo
social, assumindo como postura metodológica o princípio de que a socie-
dadeo apenas precede o indivíduo como também é eticamente superior
a ele.
6
A perspectiva sociológica elaborada por Bourdieu pressupõe que é a
sociedade, e somente ela, que elabora, de diferentes formas, justificativas
e razões para os indivíduos existirem. Em sua visão, é a sociedade
que, produzindo as posições que reputamos como importantes, produz.
também, os agentes sociais que julgam importante a conquista destas
mesmas posições. Em sua aula inaugural no Collège de France afirmou:
"Com efeito,o diria como Durkhein a sociedade é Deus', no entanto,
afirmaria que Deuso é senão a sociedade. O que se espera de Deus
o se obtém senão da sociedade, pois somente ela possui o poder
de consagração social... O julgamento dos outros é o julgamento definitivo
e a exclusão social a forma concreta de inferno e de condenação. É
6
Com respeito à caracterização desta forma de pensamento, ver K. Mannheim (1968.
p 253-262). I. Zeitlin (1973. p 47-94) e R Nisbet (1980. p 118-165 e 1984. p.20-36)
Quanto à influência deste pensamento no desenvolvimento posterior da Sociologia Fran-
cesa, ver Trindade (1979. p.119-161).
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
por isto que o homem é um Deus para o homem assim como o homem
é um lobo para o homem" (1982, p.52).
O modo de conhecimento fenomenológico possui como objetivo, se-
gundo o entendimento de Bourdieu, refletir sobre uma experiência que
por definiçãoo se presta à reflexão, qual seja, a relação primeira
que o agente social possui sobre o ambiente familiar. Para ele, este
modo de conhecimentoo consegue ir além de uma simples descrição
do que caracteriza a experiência vivida do mundo social, isto é, a apre-
ensão do mundo social como mundo natural e evidente. Se
tal coisa se produz, isto se deve, segundo ele, ao fato de que tal modo
de conhecimento exclui a questão das condições da produção desta
experiência da familiaridade com o mundo social, isto é, a coincidência
entre as estruturas objetivas e as estruturas incorporadas nos agentes,
o que contribui para criar a ilusão da compreensão imediata do mundo
social, assim como exclui toda interrogação sobre as condições desta
percepção natural do mundo social.
7
No interior desta forma de abordagem do mundo social, Bourdieu incor-
pora várias tradições metodológicas da análise sociológica, identificada
por ele através do pensamento weberiano, na medida em que toma-se
, como ponto de partida, o sujeito da ação para a elaboração de uma
sociologia da compreensão. Enquanto orientações metodológicas con-
temporâneas, ele se aproxima, nesta abordagem, dos interacionistas
simbólicos, da etnometodologia e do existencionalismo sartreano.
Em seu trabalho Le sens pratique, surgido no início dos anos oitenta,
Bourdieu passará a denominar o modo de conhecimento fenomenológico
como subjetivista. O alvo das críticas que tece em relação ao subjeti-
vismo é o existencialismo sartreano, que denominará de antropologia
imaginária do subjetivismo. Segundo sua apreciação, é preciso reco-
nhecer a Sartre o mérito de ter elaborado uma formulação conseqüente
A este propósito, ver P Bourdieu (1980c. p.44). Quanto à maneira através da qual
a "atitude natural aparece na fenomenologia, consultar A. Schultz (1979, p.72-76). Quanto
à apresentação geral do pensamento fenomenológico na abordagem sociológica, ver
B. Smart(1978. p.95-141).
da filosofia da ação que descreve as práticas dos agentes como estraté-
gias orientadas para determinados fins explicitamente formulados pelos
sujeitos, através da elaboração de um livre projeto.
Investindo contra o subjetivismo sartreano, principalmente da fase do
L'Etre et le Néant, Bourdieu observará que o voluntarismo ativista,
contido na fenomenologia existencialista leva a representar cada ação
do indivíduo como uma espécie de confrontação sem antecedente do
sujeito e do mundo. Por desconhecer o que ele denomina de as dispo-
sições duráveis dos agentes, produtos de um processo de interiorização
das estruturas, considera que a visão sartreana, conduz a uma concepção
da ação como um universo imaginário de possíveis dependente inteira-
mente de uma resolução ditada pela consciência dos sujeitos. A esse
propósito, assinala Bourdieu que "semelhante o Deus de Descarte para
o qual a liberdadeo pode encontrar seu limite ao ser na decisão
da liberdade, o sujeito sartreano individual ou coletivo constitui
o seu projeto de liberdade através de uma promessa solene na qual
manifesta uma fidelidade a si mesmo" (1980c, p.72).
Ao contrário do subjetivismo, que de acordo com a apreciação de Bourdieu
privilegia a consciência e as vontades individuais, o modo de conheci-
mento denominado por ele de objetivista formula, enquanto projeto,
o estabelecimento de regularidades que se expressam em termos de es-
truturas, leis, sistemas de relações e assim por diante. Desta forma,
tal modo de conhecimento recusa o projeto de identificar a ciência do
mundo social a uma descrição científica da experiência pré-científica
da realidade social, vale dizer, da utilização que os cientistas fazem
das apreensões naturais e evidentes que os atores constroem, ou dito
mais precisamente, da utilização daquilo que Schutz denomina de cons-
truções de segundo grau. No entendimento de Bourdieu (1980c, p.
45) uma das questões básicas que o objetivismo irá introduzir na explica-
ção sociológica é a das condições particulares que tornam possível o
mundo social, aspecto relegado pelo subjetivismo.
8
O modo de conheci-
8
Quanto às construções de segundo grau, Schutz afirmava: "Os objetos de pensamento
construídos pelos cientistas sociais se referem a objetos construídos pelo pensamento
do senso comum, do homem que vive sua vida cotidiana entre seus semelhantes. As
construções usadas pelos cientistas sociais são. pois. construções de segundo grau,
mento objetivista tem a sua expressão teórica, na sociologia clássica,
na figura de Durkheim, na medida em que este postula, enquanto princípio
metodológico, a sociedade como uma entidade exterior e transcendente
aos indivíduos, enquadrando-os coercitivamente através dos costumes
ou das normas sociais. Mencionemos, aqui, em relação a esta caracte-
rística da sociologia durkheimiana, uma célebre passagem do seu trabalho
Les règles de Ia méthode sociologique (1983, p.3-4) na qual ele
afirmava:
"Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo
ou de cidadão, quando me desincubo de encargos que con-
traí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de
meus atos, no direito e nos costumes, mesmo estando de
acordo com sentimentos que meo próprios, sentindo-lhes
interiormente a realidade, estao deixa de ser objetiva pois
o fui eu quem os criou, mas recebi-os através da educa-
ção... Estes tipos de condutaoo apenas exteriores ao
indivíduo,o também dotados de um poder coercitivo em
virtude do qual se lhe impõem quer queira ou não"
9
.
A orientação que reduz o indivíduo a um epifenômeno das manifestações
da vida coletiva, é identificada por Bourdieu na ciência social contempo-
rânea, na postura estruturalista, tanto em sua vertente lingüística quanto
cultural, assim como num certo marxismo de conotações estruturais.
Ao tecer alguns comentários, por exemplo, sobre a abordagem lingüística
de Saussure, Bourdieu chamará a atenção para o sistema de comuni-
cação aí construído, que se estabelece e se mantém independentemente
do contexto no qual se manifesta. Segundo ele, quando Saussure constitui
a língua enquanto objeto autônomo e irredutível às suas atualizações
concretas, isto é, desvinculando o discurso da situação na qual ele se
manifesta, acaba por reduzir o sujeito a um mero executor das estruturas
ou a compromissos ecléticos", ver Bourdieu (1980b, p.24-26); e seu texto Trabalhos
o investigador observa e procura explicar de acordo com as regras de sua ciência"
(1974, p.37-38).
' Com relação a esta mesma questão, ver também Durkheim (1975a, p.114-118 e 1975b
p.13-36).
lingüísticas, sem levar em consideração as intenções e a consciência
dos sujeitos em relação ao ato que executam.
Ao privilegiar a lógica da estrutura, apreendida de maneira sincrônica,
sobre a história individual ou coletiva, o objetivismo, na concepção de
Bourdieu, condena-se apenas a registrar a produção de regularidades
da vida social, ou a reificar abstrações, o que consiste em tratar os objetos
construídos pela ciência, como por exemplo a cultura, as classes so-
ciais, os modos de produção ou outras categorias, enquanto realidades
autônomas, dotadas de uma eficácia social, capazes de agir por si pró-
prias, substituindo, desta forma, os agentes sociais. Com isto, em sua
apreciação, constrói-se uma concepção da prática de maneira negativa,
uma vez que os agentes sociaiso concebidos como executantes de
estruturas e relações que lheso exteriores. Ao deixar de levar em
consideração a relação entre o sentido que o sujeito atribui a sua ação
elemento que recebe uma posição privilegiada na análise fenome-
nológica e o sentido objetivo construído pela postura positivista, o
modo de conhecimento objetivista, ao omitir a relação entre estas duas
dimensões da vida social, deixa-se de enfocar as condições da produção
e do funcionamento do sentido da vida social que consiste em viver
como natural o caráter objetivado das instituições.
10
De acordo com Bourdieu, torna-se necessário superar a oposição criada
em torno da polêmica do subjetivismo e do objetivismo. Assinala, a este
propósito, que as aquisições que ela produziu em termos de conhecimento
o indispensáveis a uma ciência do mundo social que, no entanto,
o pode se reduzir nem a uma fenomenologia social e nem a uma
física social. Reconhece que estas posturas possuem em comum o
fato de constituírem modos de conhecimento que se opõem ao modo
de conhecimento prático que informa a experiência ordinária do mundo
social.
Com o propósito de superar a polêmica entre o subjetivismo e o objetivismo,
Bourdieu procurará formular e desenvolver um outro modo de conheci-
10
Ver a este propósito Bourdieu (1980c, p.46)
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun 1990
mento que é por ele denominado de praxiológico, cujo objetivo consiste
em articular dialeticamente a estrutura social. Para tanto, o modo de
conhecimento praxiológicoo anula as aquisições do conhecimento
objetivista, mas as conserva e ultrapassa, procurando integrar o que
a postura objetivista teve que excluir para produzir as suas formulações
teóricas. Em seu trabalho Esquisse d' une théorie de Ia pratique
(p. 174), afirma que o conhecimento praxiológico possui como objetoo
somente o sistema de relações objetivas mas também as relações dialé-
ticas entre estas estruturas e as disposições duráveis dos agentes nas
quais elas se atualizam. Com isto, Bourdieu procura ressaltar enquanto
foco de sua preocupação o duplo processo de interiorização da exterio-
ridade e da exteriorização da inferioridade."
O que se percebe de certa forma é que Bourdieu reintroduz a problemática
sartreana da mediação entre sujeito e mundo objetivo, desenvolvida
na Critique de Ia raison dialectique, procurando oferecer uma outra
alternativa da que é sugerida pela postura existencialista. Como se sabe,
o mencionado trabalho representa um momento na produção de Sartre
em que ele, através de um marxismo existencialista, procurava criticar
uma concepção ortodoxa do materialismo histórico. Através da noção
de projeto, Sartre procurava resolver a questão da mediação entre o
sujeito e as estruturas objetivas. Assinalava ele, naquele trabalho, que
a conduta humana se determina com relação aos fatores reais e presentes
que a condicionam e, ao mesmo tempo, em função de um certo objeto
futuro que o sujeito tende a conceber, queo é outra coisa senão
a noção de projeto.
12
A problemática de Bourdieu, mutatis mutandis, se aproxima num primeiro
momento da formulação sartreana. No entanto, a resposta que ele procu-
'' Assinalemos, aqui. que tudo leva a crer que a elaboração da teoria da prática em Bourdieu
constitui um espaço epistemológico privilegiado por ele para operar a sua busca de integra-
ção de diferentes posturas teóricas, tanto clássicas quanto contemporâneas. Com respeito
ao seu projeto de estabelecer esta integração sem recorrer a conciliações retóricas
ou a compromissos ecléticos ', ver Bourdieu (1980b. p.24-26); e seu texto Trabalhos
e projetos, incluído na coletânea de sua autoria organizado por R Ortiz (1983. p.38)
eJ Caro (1980).
2
Quanto à noção de projetos ver Sartre (1960. cap 3).
rara apresentar para enfocar a mediação entre o sujeito e as relações
objetivas do mundo social, se afastará da solução ali apresentada. É
nesse contexto que ele introduz um conceito estratégico em seu esquema
explicativo para articular a mediação entre estrutura e ator social, que
é a noção de habitus. Diga-se de passagem que tal conceito constitui
uma apropriação, uma vez que foi formulado originariamente pela filosofia
escolástica, que o utilizava para designar uma qualidade estável e difícil
de ser removida, que tinha por finalidade facilitar as ações dos indivíduos.
No entendimento dos escolásticos, o habitus por si próprioo executa
nenhuma operação, mas no entanto ele a facilita. Segundo eles o habitus
é adquirido através de execuções repetidas de determinados atos, o
que pressupõe a existência de um aprendizado passado.
13
Uma das ambições do projeto intelectual de Bourdieu é integrar teorias
sociológicas que tradicionalmentem sido consideradas como antagô-
nicas e inconciliáveis. Em seu entendimento, o obstáculo que impede
a comunicação entre teorias, conceitos e métodos, deve-se menos a
problemas lógico-científicos que a lutas de concorrência existentes entre
elas, visando a conquista de posições de legitimação no interior do campo
das ciências sociais. Em sua opinião, os que se identificam com uma determi-
nada postura analítica tendem geralmente a ignorar os resultados obtidos
pela teoria concorrente,o se apropriando dessas descobertas que
poderiam abalar as bases de suas convicções. Esta sua atitude tem
implicado uma interação constante com as aquisições das tradições clás-
sicas e contemporâneas da Sociologia.
Como já foi assinalado anteriormente, um dos eixos centrais da Sociologia
desenvolvida por Bourdieu consiste numa reflexão sobre a problemática
da mediação entre a estrutura e o ator. O mundo social, afirma em
seu trabalho Esquisse d'une théorie de Ia pratique, tem sido abordado,
a grosso modo, em termos de uma polarização, que tem oscilado ora
sobre o primado do ator, ora dando enfâse desmesurada às estruturas
sociais, enquanto fator explicativo. Torna-se pois necessário reconstruir,
ainda que de forma abreviada, a maneira pela qual Bourdieu representa
3
Com relação ao conceito de habitus formulado pela filosofia escolástica ver Mora (1971,
p.795-797).
permitem à realidade objetiva, em suas várias dimensões, a atuação
sobre o indivíduo, produzindo, através dele, o processo de interiorização
da exterioridade. No entendimento de Bourdieu, o habitus forjado no
interior de relações sociais exteriores, necessárias e independentes
das vontades individuais possui uma dimensão inconsciente para o
ator, uma vez que esteo detém a significação da pluralidade de seus
comportamentos e nem dos princípios que estão na gênese da produção
de seus esquemas de pensamentos, percepções e ações.
16
Por outro lado, confrontado com situações conjunturais nos diversos espa-
ços sociais, o habitus torna possível a criação de novas modalidades
de conduta dos atores sociais, possibilitando-lhes, de certa forma, a pro-
dução de determinadas improvisações regradas. Se o ator social desfru-
ta, no confronto com estas situações conjunturais, de um certo grau
de liberdade para ajustar as suas práticas às contingências surgidas, estas
o se confundem com uma criação imprevisível de uma novidade,
uma vez que a prática social encontra sempre como limite condições
históricas específicas.
Enquanto produto de um trabalho de inculcação, constituído no curso
de uma história particular de um indivíduo que se reporta a uma história
particular de seu grupo e/ou classe social, o habitus contribui para que
os agentes participem das realidades objetivas das instituições, permi-
tindo mantê-las em atividades, mas também permite impor a estas institui-
ções revisões e transformações, ou seja, sua reativação. Nas palavras
de Bourdieu (1980c, p.96), "é através do habitus que a instituição encontra
a sua plena realização. A sua incorporação permite ao indivíduo levar
a sério a magia da vida social, o que faz com que o rei, o banqueiro,
o padre, sejam respectivamente a monarquia hereditária, o capitalismo
financeiro ou a Igreja feitos homem".
A identidade das condições da existência de um grupo e ou classe social,
'* Segundo observações de Caro (1980) a célebre passagem do Prefacio da "Contribuição
para a Critica da Economia Política' de Marx (1971). onde ele afirma que os homens
estabelecem relações "determinadas", "necessárias" e "independentes de sua vontade".
constitui um dos panos de fundo das pesquisas desenvolvidas por Bourdieu. A este
propósito, ver por exemplo, algumas passagens do trabalho de Bourdieu (1965. p 18).
segundo seu entendimento, tende a produzir sistemas de disposições
semelhantes àqueles dos quais compartilha. A homogeneidade do habitus
que daí resulta está no princípio de uma harmonização das práticas
dos agentes pertencentes a um mesmo meio social, conferindo-lhes uma
regularidade e uma objetividade, fazendo com que o modo de existência
de um grupo passe a ser percebido pelos seus participantes como neces-
sário e evidente. Os membros de um grupo e ou classe social, ao com-
partilharem um conjunto de condições objetivas semelhantes, acabam
passando por um processo de homogeneização, distinguindo-se, a partir
daí, dos integrantes de outros grupos. Tal situação contribui para produzir
uma espécie de solidariedade entre os indivíduos dotados de um habitus
de grupo, podendo ajustar as suas ações recíprocas independentemente
da obediência a um conjunto de normas estabelecidas pelo grupo e ou
classe social.
Se o habitus orienta a prática dos agentes, esta somente se realiza
na medida em que as disposições duráveis dos atores entram em contato
com uma situação. Desta forma, a prática é entendida por Bourdieu
como produto de uma relação dialética entre uma situação e um habitus.
Em seus trabalhos mais recentes, o que ele anteriormente designava
por uma situação, passou a receber a denominação de campo que
constitui uma outra categoria central em seu esquema explicativo.
Segundo ele, o campo é um espaço social que possui uma estrutura
própria, relativamente autônoma em relação a outros espaços sociais.
isto é, em relação a outros campos sociais. Mesmo mantendo uma
relação entre si. os diversos campos sociais se definem através de objeti-
vos específicos, o que lhes garante uma lógica particular de funciona-
mento e de estruturação. É característico do campo possuir suas disputas
e hierarquias internas, assim como princípios que lheo inerentes cujos
conteúdos estruturam as relações que os atores estabelecem entre si
no seu interior.
Com o propósito de ressaltar que os agentes localizados em um determi-
nado campo procuram se ajustar à sua lógica específica, ele compara
o funcionamento do campo à organização de um determinado jogo, cujos
princípios de orientaçãoo compreensíveis apenas para aqueles que
participam de tal jogo. De acordo com suas palavras:
"Um campo se define, entre outras coisas, estabelecendo
as disputas e os interesses específicos que estão em jogo,
queo irredutíveis às disputas e aos interesses dos outros
campos. Estas disputasoo percebidas ao ser por
aqueles que foram produzidos para participar de um campo
onde se realizem estas disputas. Cada categoria de investi-
mentos implica uma certa indiferença em relação a outros
interesses, a outros investimentos, específicos de um outro
campo. Para que um campo funcione é preciso que haja
lutas, ou seja, indivíduos que estejam motivados a jogar o
jogo, dotados de habitus implicando o conhecimento e o reco-
nhecimento das leis imanentes do jogo" (Bourdieu, 1980b,
p.113-114).
Os diversos campos sociais surgem, no seu entendimento, como produtos
de um longo e lento processo de especialização e de autonomização,
o que lhe permitirá falar de campo econômico, campo político, campo
universitário, etc. A sua perspectiva analítica procura apreender a espe-
cificidade do funcionamento de cada um deles, buscando detectar as
relações de aliança e/ou conflito, de concorrência e/ou de cooperação
que os agentes desenvolvem no seio de cada um desses campos.
O conceito de campo começou a ser formulado por Bourdieu por volta
dos anos setenta. Constitui o resultado da convergência de suas reflexões
em um seminário de pesquisa sobre a sociologia da arte, por ele dirigido
na École Normale Supérieure, naquele período, assim como de uma
(re)leitura realizada sobre o capítulo da sociologia religiosa, contido no
trabalho Economia e sociedade, de Max Weber. O que se percebe
é que seus trabalhos orientam-se cada vez mais para a análise das
diferentes estruturas objetivas, ou seja, dos diferentes campos, principal-
mente os situados na esfera da vida simbólica (campo da moda, das
instituições de ensino, da literatura, da filosofia, do esporte, etc). A aborda-
gem destes campos é, em sua visão, inseparável da análise da gênese
das estruturas mentais dos atores que neles participam, que são, de
certa forma, produtos da interiorização destas estruturas objetivas.
Seria oportuno assinalar, brevemente, que, segundo Bourdieu, na medida
em que a Sociologia passa a incorporar em sua perspectiva analítica
a noção de campo, além de poder "entrar no detalhe mais singular de
sua singularidade histórica", toma-se capaz de abordar fenômenos dife-
rentes, como por exemplo o campo científico e o campo artístico
como semelhantes quanto à estrutura e ao funcionamento. Ao mesmo
tempo, torna-se possível transferir, em termos de conhecimento teórico,
que foi estabelecido a respeito de um objeto construído, por exemplo
em relação ao campo religioso, a toda uma série de objetos novos,
ou seja, à compreensão de outros campos. Esta espécie de indução
teórica, derivada da utilização do método comparativo, torna, de certa
forma, possível a apreensão de um número cada vez mais extenso de
objetos com um número cada vez mais reduzido de conceitos
Como se sabe, Bourdieu postula a existência de diferentes tipos de capital,
como por exemplo o capital econômico, fundado na apropriação de
bens materiais, o capital social, baseado em relações mundanas que
constituem fontes estratégicas de apoios para a atuação dos agentes
sociais, o capital cultural, que tem na posse dos títlos escolares uma
de suas manifestações institucionais. Se bem que estas espécies de
capital sejam distintas umas das outras, elaso cessam de manter
relações estreitas e, sob certas condições, a posse de um tipo de capital
constitui a condição para a obtenção de um outro distinto.
Cada campo social, em sua perspectiva, implica uma forma dominante
de capital. No campo econômico, por exemplo, o capital fundamental
apóia-se na possessão de bens materiais; no campo da produção cultu-
ral, a forma privilegiada de capital é o cultural, nas diferentes modalidades
em que este se manifesta. Desta forma, para obter as posições mais
destacadas no campo da produção cultural, a posse do capital econô-
micoo implica necessariamente a conquista das posições mais desta-
cadas em sua hierarquia interna.
17
17
Com relação a esta questão ver P. Bourdieu (1980b, p.114).
Em Aberto, Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
Tomando como referência empírica a sociedade francesa, procura salien-
tar que as frações das classes dominantes mais favorecidas com relação
à posse do capital econômico e do poder,oo necessariamente
as mais bem dotadas em termos de capital cultural. As frações mais
ricas em capital econômico tendem a privilegiar os investimentos econô-
micos, em detrimento dos investimentos culturais, comportamento, se-
gundo ele, expresso enquanto tendência pelos empresários industriais
e grandes comerciantes. Ao contrário disto, as frações mais ricas em
capital cultural, como por exemplo os professores,o inclinados a investir
mais na educação de seus filhos, assim como em práticas culturais propí-
cias a manter e aumentar a posse do capital específico que detêm.
Algumas profissões liberais que, de certa forma, possuem as duas espé-
cies de capital, embora estejam situados um pouco à margem de posições
destacadas na vida econômica, procuram investir na educação de seus
filhos, assim como na aquisição e posse de certos bens materiais (e
culturais), capazes de distingui-las socialmente.'
8
Uma das características importantes do campo é que ele constitui um
espaço onde se trava, entre os agentes, uma luta concorrencial decorrente
de relações de poder existentes em seu interior. Estas relações assimé-
tricas derivam da distribuição desigual da espécie de capital dominante
em cada um dos diversos campos sociais. A partir disto, a estrutura
dos diversos campos sociais é hierarquizada em pólos distintos. Os deten-
tores do maior volume de capital específico de um determinado campo
ocupam as posições dominantes no seu interior. Por outro lado, aqueles
que possuem pouco volume, e/ou encontram-se despossuídos de forma
legítima de capital do campo em questão, encontram-se destinados a
ocuparem as posições dominadas.
As diferentes estratégias que os atores sociais desenvolverão no interior
dos diversos campos sociais encontram a sua explicação em função
das posições que eles ocupam nesta polarização. Aqueles que monopo-
lizam o capital específico de um determinado campo, fundamento do
18
Quanto a este assunto ver o artigo de Bourdieu Reprodução cultural e reprodução
social, em Miceli (1974).
poder e da autoridade que desfrutam em seu meio, estão inclinados
a tomadas de posições ortodoxas, ou seja, de defesa dos princípios
de estruturação do campo. Desta forma, adotam em suas condutas estra-
tégias de conservação da posição dominante que nele ocupam, assim
como dos fundamentos sobre os quais repousam a sua legitimação.
Por outro lado, os que possuem menos volume, e/ou encontram-se des-
possuídos da espécie de capital exigido pelo campo, tendem a tomar
posições de contestação em relação à estruturação das relações de
poder e, em decorrência disto, a desenvolverem estratégias de transfor-
mação.
Todo ator social que age no interior de um campo específico, segundo
Bourdieu, procura ajustar o seu esquema de pensamento, percepção
e ação às exigências objetivas daquele espaço social. Os campos sociais,
os mais diversos entre si,o podem funcionar ao ser que existam
agentes que realizem investimentos no seu interior, engajando seus recursos
disponíveis e participando de suas disputas fundamentais, contri-
buindo, através disto, para a reativação das lutas que neles se desen-
rolam. O motor da ação para eleo repousa nem na busca material
ou simbólica da ação, nem resulta das pressões provenientes da organi-
zação do campo, mas na relação entre o habitus e o campo. Em decor-
rência desta relação, o habitus contribui para determinar aquilo que
o determina, ou seja, a preservação do campo, dos seus princípios
de funcionamento e de organização, assim como a reatualização dos
antagonismos nele existentes (Bourdieu, 1982, p.47-48).
O princípio da ação, nesta forma de pensá-la,o encontra o seu impulso
na consciência dos agentes, como ela aparece no modo de conhecimento
subjetivista, nem na conduta derivada da coercitividade dos fatos sociais,
como a concebe o objetivismo, mas na relação entre a história objetivada,
tal como esta aparece nas instituições sociais e a história incorporada
sob a forma de disposições duráveis. A respeito desta relação entre o
campo e o habitus, afirma Bourdieu: "para constituir em crônica lógica
a cronologia das relações entre Monet, Degas e Pissaro ou entre Lenin,
Trotsky, Stalin e Bukarin, ou ainda entre Sartre, Merleau-Ponty e Camus
é necessário construir um conhecimento destas duas séries causais
parcialmente independentes que são: por um lado, as condições sociais
de produção dos protagonistas ou, mais precisamente, de suas dispo-
sições duráveis, e por outro lado é necessário conhecer a lógica específica
de cada um dos campos de concorrência nos quais eles engajaram
estas disposições; o campo político ou o campo intelectual, sem esquecer
naturalmente as determinações conjunturais ou estruturais que condicio-
nam estes espaços relativamente autônomos" (Bourdieu, 1982, p.39).
Um dos interesses que tem levado Bourdieu a se preocupar com o estudo
do sistema de ensino relaciona-se com a contribuição específica que,
em sua visão, esta dimensão da vida social fornece para a formação
de habitus. A cultura escolar, enquanto uma das agências formadora
de habitus, (ele destaca, também a importância do habitus transmitido
pela família, enquanto elemento ordenador da experiência do real) propi-
cia aos indivíduos a ela submetida, um corpo comum de categorias de
pensamento, de código comum, de percepção e de apreciação, que
tendem a funcionar como forma de classificação dos homens e das
coisas. O saber escolar separa os indivíduos que estiveram expostos
à sua ação daqueles que, por diversas razões, foram excluídos de sua
influência sistemática e contínua. Em seu entendimento, o sistema escolar
proporciona aos agentes que estão sob o seu raio de ação muito mais
que esquemas de pensamentos particulares e particularizados, mas um
sistema complexo de disposições, capaz de funcionar como estruturas
classificatórias, possíveis de serem aplicadas em situações as mais diver-
sas.
Ao serem formados numa mesma escola, os indivíduos que se subme-
teram a procedimentos escolares homogêneos, materializados em pro-
gramas de estudos, indicações de leitura, num acervo comum de temas
considerados como legítimos de serem discutidos, tendem a manter com
os seus pares uma certa relação de afinidade e cumplicidade. Tomando
como referência algumas divisões existentes entre instituições do ensino
francês, observa que: "o que separa, por exemplo, no interior da grande
família de formação literária', o antigo aluno da Escola Normal Superior
do antigo aluno da Escola Nacional de Administração, ou então os de
formação científica', o politécnico do aluno da Escola Central, é tanto
a natureza dos conhecimentos, aí adquiridos, como o modo de aquisição
destes conhecimentos, ou seja, opõem-se tanto pela natureza dos exercí-
cios que lhe foram impostos, pelas provas a que foram submetidos.
como pelos critérios segundo os quais foram julgados, em relação aos
quais organizaram a sua aprendizagem. A relação que um indivíduo
mantém com a sua cultura depende, fundamentalmente, das condições
nas quais ele a adquiriu".'
9
Em seus trabalhos mais recentes, Bourdieu procura situar a Sociologia
da Educação como um capítulo fundamental da Sociologia do Conheci-
mento. Com isto ele deseja salientar a contribuição que a análise socioló-
gica pode emprestar para o conhecimento da forma como uma estrutura
objetiva específica o sistema de ensino produz estruturas mentais
queo profundamente interiorizadas pelos atores sociais.
Quanto mais estes esquemas intelectuais encontram-se incorporados
nas mentes dos professores e dos estudantes, tanto mais tendem a
escapar a um domínio consciente por parte desses. A Sociologia da
Educação, combinando distintas tradições teóricas, é um esforço para
o entendimento da constituição dos sujeitos que produzem o conheci-
mento, assim como das categorias selecionadas como pensáveis que
estão na gênese do próprio processo de conhecimento.
20
Mas a Sociologia da Educação, em sua visão, liga-se também a uma
sociologia do poder, na medida em que centra a análise nas condições
sociais que norteiam uma das formas de distinção social e fonte de
poder nas sociedades que passaram por um processo marcante de dife-
renciação dos campos sociais, qual seja a distribuição cultural.
Neste sentido, ela deve fornecer instrumentos intelectuais que possi-
bilitem a compreensão do papel da instituição escolar na dinâmica da
reprodução do capital cultural e, através deste processo, da manutenção
e/ou alteração das relações de força e das relações simbólicas entre
as classes. Em vários de seus trabalhos, Bourdieu tem salientado uma
19
Ver o artigo de Bourdieu, Sistema de ensino e sistema de pensamento, em Miceli
(1974. p.218-219).
20
A este propósito, consultar Bourdieu (1984 e. especialmente, 1989a)
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
relação entre o nível de instrução e o consumo cultural. A utilização
e a posse dos bens culturais tendem a pertencer aos indivíduos que
detêm os meios para deles se apropriarem, isto é, que possuem os
códigos que permitem decifrá-los. A apropriação da cultura escolar depen-
de, em sua visão, da posse prévia dos instrumentos de apropriação
cultural que é transmitida pela educação familiar. De maneira geral, perce-
be-se que a Sociologia, tal como vem sendo praticada por este autor,
está impregnada por uma certa visão weberiana, que consiste numa
recusa sistemática de oferecer respostas totais a questões totais, de
formular uma teoria sobre a totalidade social, abordada a partir de uma
perspectiva profética. Seu projeto intelectual está voltado para questões
mais pontuais, passíveis de receberem um tratamento empírico, como
por exemplo a da constituição e funcionamento dos diferentes campos,
local privilegiado por ele para abordar a complexa mediação entre ator
e estrutura. A sua produção teórica e empírica indica que esta proble-
mática da estruturação dos distintos espaços e de suas lógicas de conduta
correspondente tem sido percebida e tratada como uma complexidade
inesgotável. A função da Sociologia, em sua perspectiva, é de compreen-
der o mundo social, ou melhor, os distintos espaços sociais, desvendando
os mecanismos de poder que estão subjacentes a cada um deles, assim
como a produção dos agentes que a partir de suas condutas buscam
alterar e/ou conservar estes espaços sociais.
Na visão de Bourdieu, a adesão de um ator ao funcionamento de um
determinado campo social é tanto mais total ou incondicional quanto
o grau de desconhecimento que ele possui dos princípios de estruturação
deste espaço social, assim como dos sistemas de disposições duráveis,
vale dizer, o habitus, que lhe permite desenvolver a sua conduta no
interior de um campo específico. O desconhecimento da relação das
exigências provenientes de um campo particular e do habitus a ele
ajustado contribui, em sua visão, para a manutenção das formas de
dominação e das diferentes formas de violência decorrentes da manu-
tenção das relações de dominação. Desta forma, o conhecimento da
prática constitui uma das condições da produção de uma prática da
liberdade. Estao repousa nem num voluntarismo individualista ou cole-
tivo e muito menos num fatalismo cientificista, mas no conhecimento
dos fundamentos da produção da prática, ponto de partida para a constru-
ção de um utopismo racional capaz de fazer a travessia deum provável
a um possível histórico.
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SOCIOLOGIA DO CURRÍCULO: ORIGENS, DESENVOLVIMENTO E
CONTRIBUIÇÕES
Antonio Flávio Barbosa Moreira*
Introdução
A Nova Sociologia da Educação (NSE), iniciada por Michael Young, na
Inglaterra, nos primeiros anos da década de setenta, constituiu-se na
primeira corrente sociológica primordialmente voltada para a discussão
do currículo. O grande marco de seu surgimento foi a obra Knowledge
and control: new directions for the Sociology of Education, editada
por Young (1971), na qual encontramos alguns artigos hoje considerados
clássicos. Dentre os principais colaboradores da obra, além do editor,
destacam-se: Basil Bernstein, Pierre Bourdieu, Geoffrey Esland e Nell
Keddie.
Tanto a NSE como suas reformulações permanecem até hoje pouco
conhecidas no Brasil (Silva, 1990). Poucas análises dessa abordagem
m sido publicadas em nosso país e somente na segunda metade dos
anos oitenta alguns artigos de Young começaram a aparecer em nossas
revistas especializadas.
No entanto, foi significativa a influência da NSE em autores como Michael
Apple e Henry Giroux, que hoje começam a ser familiares aos estudiosos
brasileiros de Sociologia e de currículo. Considerando-se que muito ainda
nos falta aprender sobre os processos de construção, seleção, organi-
zação e avaliação do conhecimento curricular, especialmente sobre como
tais processos relacionam-se com a sociedade mais ampla e sobre como
podemos orientá-los para que favoreçam as crianças dos setores popula-
' Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
res, julgamos que o foco em uma abordagem voltada para essas preocu-
pações pode apontar caminhos para o esclarecimento de algumas de
nossas dúvidas.
Assim buscaremos, no presente artigo, examinar a contribuição da NSE.
particularmente de Young, para a elaboração de uma sociologia do currí-
culo. Em nossa opinião, sua obra apresenta potencial, aindao suficien-
temente explorado, para a compreensão de questões curriculares atuais.
É esse o ponto de vista que buscaremos defender.
Abordaremos inicialmente as condições da emergência da NSE na Ingla-
terra. Destacaremos, a seguir, a participação de Young nessa emer-
gência, acompanhando a evolução de sua teoria até o momento atual
Discutiremos, por último, a possível contribuição dessa teoria para o
desenvolvimento do campo do currículo no Brasil.
A emergência da Nova Sociologia da Educação (NSE)
A Sociologia desenvolveu-se na Inglaterra a partir dos anos cinqúenta.
quando seu ensino expandiu-se, tanto nas escolas secundárias como
nas universidades. Em termos teóricos, o campo passou a receber a
influência de Parsons, Merton, Garfinkel, Douglas, Goffman e de novas
interpretações do marxismo. Moveu-se do funcionalismo para o interacio-
nismo simbólico e fenomenologia. vindo, com o apoio teórico do neomar-
xismo, a focalizar questões de cultura e conhecimento. O afastamento gra-
dual do funcionalismo estrutural pode ser interpretado como decorrência
da incapacidade dessa corrente de explicar o aparecimento e a persis-
tência de crises econômicas, políticas e sociais no Estado britânico a
partir da segunda guerra mundial.
A Sociologia da Educação britânica percorreu caminhos similares. Seus
primeiros momentos foram dominados pelo que se denominou tradição
da aritmética política, fundamentada no funcionalismo americano. Os
Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46. abr jun. 1990
Em termos metodológicos, enquanto o primeiro enfoque baseava-se em
levantamentos e questionários fechados aplicados a grande número de
indivíduos, a NSE voltou-se, fundamentalmente, para estudos etnográ-
ficos.
É ao principal autor da NSE. Michael Young, que dedicaremos nossa
atenção a partir de agora, buscando, através da apresentação dos diferen-
tes estágios de seu pensamento, caracterizar e criticar os princípios do
enfoque da Sociologia da Educação britânica que se constituiu no primeiro
esforço de criação de uma sociologia do currículo.
Os primeiros estágios do pensamento de Michael Young
As raízes teóricas do pensamento de Young podem ser localizadas, quan-
do da emergência da NSE, na fenomenologia, na etnometodologia.
no interacionismo simbólico e na sociologia do conhecimento (Forquin,
1983).
De 1967 a 1971 Young tentou elaborar, junto com outros professores
e com seus estudantes, uma sociologia do currículo nos cursos do Depar-
tamento de Sociologia do Instituto de Educação da Universidade de Lon-
dres. Em 1971 editou Knowledge and control (KC).
Tomando o currículo como foco das análises, Young procurou reorientar
a Sociologia da Educação, desviando-a da preocupação com estratifi-
cação social para discussão do conhecimento escolar. Em suas palavras:
"Era esta tentativa de definir o campo intelectual da Sociologia
da Educação em torno do problema do conhecimento escolar,
sua definição e transmissão, que unia o conjunto de artigos
extremamente diversos e, em alguns casos, teoricamente
contraditórios reunidos no livro KC" (1989, p.31).
Dentre tais artigos, os mais comentados e os que maism recebido
o rótulo de representativos na NSEo os de Keddie, Esland e Young,
correspondentes a uma abordagem antipositivista da sociologia do conhe-
cimento. O texto de Bernstein também tem sido bastante analisado, embo-
ra de forma mais independente, isto é. mais em relação à própria obra
de seu autor que em relação aos princípios da NSE. Os demais artigos
haviam sido publicados anteriormente eo bastante heterogêneos, ten-
do em comum apenas o rompimento com as concepções etnocêntricas
dominantes de conhecimento e cultura (cf. Forquin, 1983).
O foco central do artigo de Young, An approach to the study of curricula
as socially organized knowledge, é o conhecimento escolar, que passa
a ser visto como socialmente construído. Segundo Young, educação
é "uma seleção e organização do conhecimento disponível em um deter-
minado momento, que envolve escolhas conscientes ou inconscientes"
(1971, p. 24), o que significa dizer que um currículoo tem validade
essencial e que reflete a distribuição de poder na sociedade mais ampla
Para Young, encontram-se, nos currículos, conhecimentos mais ou menos
estratificados, mais ou menos especializados e mais ou menos relacio-
nados entre si. Young preocupa-se, especialmente, com a estratificação
do conhecimento e a relaciona à estratificação social. Pergunta ele: que
critériosm sido usados, em uma dada sociedade, para atribuir diferentes
valores e a diferentes conhecimentos? Como relacionar esses critérios
e a estratificação deles resultantes às características da estrutura social?
Algumas conclusõeso apresentadas. Em primeiro lugar, para o profes-
sor, maior status é associado ao ensino de conhecimentos que são:
(a) formalmente avaliados; (b) ensinados às crianças mais capazes; e
(c) ensinados em turmas homogêneas e que apresentem bom rendi-
mento. Em segundo lugar, os conhecimentos socialmente mais valori-
zados parecem caracterizar-se por: (a) apresentarem caráter literário;
(b) serem fundamentalmente abstratos; (c)o se relacionarem com
a vida cotidiana e a experiência comum; e (d) serem ensinados, apren-
didos e avaliados de modo predominantemente individualista. Em terceiro
lugar, o currículo acadêmico corresponde a uma seleção de conheci-
mentos socialmente valorizados que responde aos interesses e crenças
dos grupos dominantes em dado momento. É a partir dessa seleção
que se definem sucesso e fracasso na escola. Uma seleção diferente
implicaria, diz Young, uma redefinição desses rótulos.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
Além de levantar questões sobre as relações entre a estrutura de poder
e o currículo, sobre a estratificação do conhecimento e sobre as funções
do conhecimento em diferentes tipos de sociedade. Young propõe ainda
que os dogmas da ciência e da racionalidade se tornem alvos de inves-
tigação.
Lawton (1975) sumariza com bastante clareza os diferentes níveis do
que julga ser o enfoque central de Young em KC. Segundo ele, em
um primeiro nível. Young preocupa-se com a distribuição social do conhe-
cimento e argumenta que esta tem contribuído para preservar o status
quo. Em um segundo nível, volta sua atenção para o que se considera
conhecimento em determinado momento e para a forma como esse co-
nhecimento é estratificado, problematizando, então o conhecimento esco-
lar. Em um terceiro nível, afirma que as fronteiras entre as disciplinas
o artificiais e arbitrárias, existindo para a conveniência dos que contro-
lam a Educação. Em um quarto nível, acredita que todo conhecimento
é construído socialmente. Por último, em um quinto nível, propõe que
a própria racionalidade seja encarada como mera convenção
Os três últimos níveis apontam para uma postura relativista, que foi alvo
de acirradas críticas (cf., por exemplo, Ahier, 1977; Demaine, 1981: Hand,
1977; Pring, 1972; White, 1975 e 1976). Conceber todo conhecimento
como construído socialmente, dizem os críticos, é desconsiderar que
ele também precisa ser entendido em termos da lógica do próprio pensa-
mento. É fundamental, diz Pring (1972), distinguirmos "entre questões
sobre a validade do pensamento humano e questões sobre sua gênese;
caso contrário, o próprio pensamento torna-se totalmente ininteligível"
(p. 27).
Acrescentam os críticos: se todo conhecimento é relativo, também
o é o conhecimento produzido pelos novos sociólogos da educação.
Como, então, julgá-lo o mais adequado para desvelar aspectos ideoló-
gicos da prática pedagógica e orientar o trabalho do professor?o
se está supervalorizando a importância do conhecimento sociológico,
reforçando-se uma hierarquia que se deseja extinguir? A contradição
torna-se evidente e a Sociologia da Educação acaba por colocar-se em
xeque.
O pensamento de Young reformula-se um pouco a partir das críticas
que recebe. Inicia-se um segundo estágio, que compreende o período
de 1972 a 1976 (Sharp, 1980). Nele, Young (1978) responde às acusa-
ções dizendo que o relativismoo leva ao desespero: é necessário
conviver com ele, ao mesmo tempo em que é necessário comprometer-se
com o homem e sua libertação. Baseando-se em Merleau-Ponty, Young
afirma queo há por que pretender certeza em um mundo incerto:
todo agir envolve risco, o que impõe escolhas e engajamento com o
outro na construção de uma história comum. Acrescenta ele:
"Eu consigo entender relativista como a descrição que uma
pessoa, que tem uma noção particular de critérios de verdade,
faz de alguém que considera tais critérios como caracte-
rísticas contextuais de investigação ou argumentação. Mas
euo consigo entender relativista' como uma posição que
alguém adotaria (ou poderia adotar) para si. Afinal de contas,
todos temos que nos situar em algum lugar e onde e com
quem nos situamoso pode ser relativo para nós, sem
que nos anulemos." (1975c, p.8)
Ainda nesse mesmo período, Young volta sua atenção para a prática
curricular, para a interação pedagógica na escola e na sala de aula,
procurando questionar as categorias utilizadas pelo professor e buscando
entender o processo de negociação pelo qual o conhecimento é produzido
e distribuído. A preocupação com os fatores macroestruturais dilui-se,
enquanto o foco nos aspectos do nível micro de interação intensifica-se.
Young propõe ainda queo se estimule a dicotomia entre o professor
e o sociólogo e que se rejeite o pressuposto de superioridade do conheci-
mento acadêmico em relação ao conhecimento do professor.
Julgamos que o pensamento de Young, em seus primeiros estágios,
apresenta aspectos contraditórios. Podemos identificar certo toque de
determinismo na afirmativa de que os poderosos definem o que é conheci-
mento válido. Ao mesmo tempo, um considerável grau de ingenuidade
é visível na crença de que os professores transformam facilmente sua
atuação, trazendo, como conseqüência, a redução de desigualdades na
educação e na sociedade. Ainda de modo ingênuo, Young parece acre-
ditar que mudanças na organização e na hierarquização do conhecimento
podem provocar mudanças significativas na sociedade mais ampla. O
poder dos educadores radicais, bem como do currículo é, então, superva-
lorizado.
Mas Youngo nos oferece muitas pistas em relação às transformações
que gostaria de ver ocorrer nos currículos. Fica-nos claro que, em sua
visão, o currículo acadêmico é permeado pelos interesses e pela ideologia
dos que detêm o poder,o sendo, portanto, adequado para uma prática
pedagógica radical. Fica-nos também claro que Young deseja um currí-
culo não-hierárquico, uma maior colaboração entre professor e aluno,
bem como uma avaliação mais justa e democrática. Fica-nos também
evidente sua intenção de articular o currículo com a cultura de origem
das crianças das camadas subalternas. Faltam nos, porém, ao menos
nas fases iniciais, indicações mais precisas, além de diretriz central de
que precisamos nos engajar na construção de uma sociedade mais justa
e suportar o relativismo. A ênfase nos aspectos ideológicos do currículo
tradicional faz com que seu poder de aumentar a compreensão da reali-
dade acabe secundarizado por Young, que, aliás, tambémo nos diz
com clareza que tipo de sociedade e que programa político quer ajudar
a desenvolver.
Ainda quanto ao relativismo, alvo deo ferozes ataques, consideramos
que uma das mais acuradas críticas é a feita por Ahier (1977). Segundo
ele, a afirmativa de Young de que os que detêm o poder determinam
o que é conhecimento e definem como este será organizado e distribuído
é, acima de tudo, mecanicista e leva à falsa conclusão de que é a burgue-
sia ou uma elite que produz o saber, ao invés de toda a sociedade.
Além disso, desconsidera o fato de que a disseminação de idéias só
ocorre concretamente quando elas apresentam certo grau de efetividade
em tornar a realidade inteligível e em orientar a prática. Ainda, continua
Ahier, a correta constatação de que há estratificação no currículoo
permite a dedução de que professores e especialistas estão decidindo
o que deve ser considerado como conhecimento. Em suas palavras:
"Precisamos ser capazes de distinguir claramente entre a
possibilidade de certos tipos de conhecimento encontraram
seu caminho para o currículo por causa do apoio de grupos
poderosos e a confusa noção de que alguns homensm
o poder de definir o que é verdade." (p. 68-69)
Deve-se acrescentar à crítica de Ahier que Young utiliza, ainda nas pri-
meiras etapas de seu pensamento, uma noção vaga de poder, na qual
este é visto como algo possuído por determinados grupos, que o impre-
gam para impor a outros certos conhecimentos e, assim, defender seus
privilégios. Poder parece ser concebido como uma capacidade,o como
uma relação. Os aspectos de conflito, manifesto ou latente, envolvidos
no exercício do poder encontram-se ausentes da análise.
Finalizando nossos comentários das primeiras fases, gostaríamos de
destacar dois aspectos da crítica de Sharp a Young que, em nossa opinião,
merecem destaque. Em primeiro lugar, Sharp ressente-se da falta de
uma teoria de estratificação social;o basta o reconhecimento da exis-
tência de diferentes grupos de interesse e de divisões hierárquicas na
sociedade. Seria necessário explicar tais diferenças e suas relações e
mudanças ao longo do tempo. Em segundo lugar, Sharp assinala a falta
de uma teoria da ideologia; a intenção de relacionar questões de poder
e estratificação social à seleção e à organização do conhecimento escolar
requer uma teoria da ideologia (Sharp, 1980).
É oportuno destacar que a noção de ideologia usada inicialmente por
Young é simplificada, já que é limitada às idéias, valores e crenças que
um grupo tenta impor para preservar seus interesses. Apoiando-nos em
Giroux (1983), ressaltamos que tal conceitoo dá conta do caráter
dinâmico da ideologia e de sua relação dialética com a realidade. Ideologia
envolve tanto um conjunto de idéias como a forma com que estaso
produzidas no próprio processo da vida real e incorporadas na arte,
na literatura, nos artefatos culturais e nas práticas sociais (cf. também
Williams, 1985).
Examinaremos, a seguir, o período em que Young reelabora os pressu-
postos e idéias da época da NSE.
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun, 1990
A reformulação do pensamento inicial
Em 1976, ainda segundo Sharp (1980), inicia-se novo estágio no pensa-
mento de Young, no qual o sociólogo afasta-se da fenomenologia, da
etnometodologia e do interacionismo simbólico, que lhe ofereceram a
moldura teórica nos primeiros estágios, e aproxima-se da perspectiva
neomarxista. Tal transformação, para Geoff Whitty (1985),
"Foi uma combinação de circunstâncias, moda e propósito
político que empurrou muitos daqueles associados com a NSE
na direção do marxismo, já que se tornava acentuadamente
claro que sua orientação inicial era tanto teórica como pratica-
mente falha." (p. 22)
Young edita com Whitty dois novos livros, Explorations in the politics
of school knowledge (Whitty e Young, 1976) e Society, state and
schooling (Young e Whitty^ 1977), nos quais é claro o empenho em
superar a separação entre trabalho teórico e trabalho empírico e em
relacionar ambos a uma prática política transformadora.
O foco no currículo persiste. Os dois autores insistem no ponto de vista
de queo basta aumentar o acesso à educação: é indispensável que
se examine cuidadosamente a que tipo de educação se pretende dar
mais acesso. Ressaltam que negligenciar, em estudos sobre educação,
o significado cultural do conteúdo da educação, faz com que tais estudos
acabem deixando de ser sobre educação.
Ainda no terceiro estágio, há uma reafirmação da importância da categoria
classe social para análise do currículo. Young e Whitty (1977) propõem,
porém, que a expressão seja entendida como uma relação,
"...apontando para conflitos e contradições entre classes, que
podem ser expressos, no contexto da educação, nas varieda-
des de resistência oferecida à escola pelas crianças da classe
trabalhadora (não-cooperação, absenteísmo e destruição de
bens materiais)", (p.3)
A preocupação com questões relacionadas a gênero e raça, entretanto,
continua ausente dos estudos.
o também evidentes, nesse período, a valorização da cultura das crian-
ças das camadas subalternas e a insistência em sua utilização como
fonte de referência para a prática curricular. Tal postura valeu a Young
e a Whitty a acusação de supervalorização dessa cultura. Para Whitty
(1985), a crítica revela uma leitura distorcida: o que se pretendeu foi
que a prática curricular se relacionasse à cultura de origem dos alunos
das camadas subalternas e que explicitasse e criticasse seus aspectos
repressivos.
Observa-se ainda, na segunda metade dos anos setenta, o abandono
da ingenuidade dos primeiros escritos, nos quais se encontrava a crença
de que a mudança da consciência do professor provocaria a mudança
de sua atuação, em favor do reconhecimento de que a prática pedagógica
sofre restrições estruturais próprias da ordem capitalista em que ocorre.
Os primeiros estudos da NSEo até mesmo criticados, por localizarem
currículo e escola em um vácuo social. A sociedade capitalista é nitida-
mente questionada por Young e Whitty, que sugerem que os professores
progressistas unam seus esforços em prol da construção de uma ordem
social mais justa aos esforços radicais de outros setores da sociedade
mais ampla (cf. também Young, 1975b).
A relação educação-sociedade é, então, reexaminada pelos dois autores,
que rejeitam, nesse momento, tanto a visão de que a educação determina
a sociedade, como a visão de que a sociedade determina a educação.
Defendem uma perspectiva dialética dessa relação, chamam a atenção
para o caráter contraditório da prática escolar e insistem na necessidade
de superarmos tanto o pessimismo das teorias da reprodução como
a crença por demais otimista no poder da educação, encontrada nas
teorias pedagógicas liberais e, oscilando com uma postura determinista,
nos primeiros trabalhos da NSE.
Destaca-se ainda, na fase em pauta, a denúncia do caráter a-histórico
da NSE. A importância dos aspectos políticos, econômicos e históricos
da educação para qualquer análise de questões curriculares é, então,
enfaticamente reiteirada. Somente a consideração desses aspectos pos-
sibilita a elaboração de propostas alternativas. Nas palavras de Young,
"...um modo crucial de reformular e assim entender e trans-
cender potencialmente os limites dentro dos quais trabalha-
mos é verificar (...) como tais limitesoo dados ou fixados,
mas sim produzidos através das ações e interesses confli-
tantes dos homens na história". (1975a, p. 51)
A reformulação do pensamento inicial também recebeu críticas. Segundo
Robbins (1978), por exemplo, a acusação de que os artigos de Knowledge
and control tratem de questões curriculares sem considerar as restrições
estruturais que as envolvem é injusta. Para ele encontram-se em KC
ensaios, como os de Bemstein e Blum, que procuram relacionar o sistema
educacional com o sistema social, bem como ensaios que buscam estabe-
lecer relações entre a Sociologia e a Filosofia do Conhecimento. Ainda
conforme Robbins, seria cedo para a NSE abandonar sua preocupação
com o conhecimento e voltar sua atenção, primordialmente, para a prática
política.
Em nossa opinião, porém, a crítica de Young e Whitty aplica-se ao texto
de Young publicado em KC, bem como aos de Esland e Keddie, que
são, exatamente, os considerados mais representativos da NSE. Julga-
mos, ao mesmo tempo, que a ênfase na necessidade de uma ação
política, mais acentuada após 1976, constitui um avanço e contribui para
tornar a teoria mais elaborada. Se desejarmos uma prática curricular
progressista, o caráter político dessa prática precisa ser examinado e
devidamente esclarecido. Achamos mesmo que, apesar desse avanço,
Young aindao nos oferece uma discussão suficientemente profunda
da sociedade na qual a escola se situa, deixando de considerar, portanto,
com mais rigor, a complexidade de seu funcionamento e as relações
desse funcionamento com o currículo. A questão do trabalho e do pro-
cesso de produção, por exemplo, é ainda ignorada nos estudos. Também
o é a questão do papel do Estado na seleção e distribuição do conhe-
cimento.
Segundo Young (1989), os dois livros editados com Whitty representaram
o fim da NSE. No entanto, algumas de suas idéias acham-se presentes
na produção recente de sociologia do currículo na Inglaterra, bem como
nos trabalhos de autores americanos como Michael Apple e Henry Giroux,
Hammersley e Hargreaves (1983) realçam a contribuição da NSE para
a abordagem sociológica de questões curriculares e mencionam as três
principais linhas de pesquisa que ela originou: estudos históricos das
disciplinas escolares, estudos etnográficos da construção do conheci-
mento na sala de aula, e estudos das restrições que bloqueiam o processo
de inovação curricular. A NSE, portanto, pareceo só ter deixado frutos,
como ter ainda lições a oferecer.
O momento atual
Mais recentemente, talvez a partir da segunda metade da década dos
oitenta, a atuação profissional e os artigos de Youngm revelado novas
preocupações. Um novo estágio parece ter começado. No instituto de
Educação da Universidade de Londres, Young coordena, desde 1984,
o Post-Sixteen Education Centre, estabelecido para promover e enco-
rajar pesquisas no campo da educação vocacional e do treinamento.
As atenções de Young (1987c) voltam-se para a discussão do significado
de vocacionalização e para a análise das recentes políticas britânicas
quem procurando ajustar o sistema educacional às necessidades in-
dustriais do momento. A Educaçãoo é mais vista, pelos que detêm
o poder, como contribuindo para o crescimento e para a produção, mas
sim como um custo na produção e como inibidora de crescimento econô-
mico. O currículo tradicionalo é mais considerado como o único padrão
de julgamento do desempenho educacional, sendo mesmo acusado de
o favorecer maiores competitividade e produtividade. Urge adequá-lo
às necessidades industriais e ao desenvolvimento tecnológico, clama
o discurso contemporâneo.
Young critica as reformulações curriculares que estão sendo propostas
e as vê reforçando a divisão entre trabalho manual e intelectual; ou
se tem um currículo modernizado pela inclusão da tecnologia (para os
bem-sucedidos academicamente) ou de programas pré-vocacionais e
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
vocacionais (para a maioria). As novas relações de poder localizam-se
hoje nessa divisão, acrescenta ele
Young sugere que se abandone a dicotomizaçâo acadêmico X vocacional
e propõe que novas metodologias e novos currículos, informados por
nova visão de educação, sejam utilizados para o estabelecimento de
uma relação mais abrangente entre escola e trabalho. Baseia-se em
Dewey e Gramsci para propor que a educação vocacional inclua a discus-
o do valor do trabalho e a apreciação de suas implicações sociais e
econômicas, contribuindo para a emergência de um compromisso político
com o trabalho.
Young quer imprimir à educação vocacional um caráter crítico. Para isso,
argumenta, as disciplinas acadêmicas devem ser utilizadas de modo
a favorecer uma compreensão acurada do mundo do trabalho, o que
significa deixar de vê-las como meras vias de acesso ao ensino superior.
Impõem-se, então, um diálogo dessas disciplinas com a vida produtiva,
assim como uma articulação de conteúdos e metodologia com a expe-
riência concreta do aluno. Além da reorientação das disciplinas acadê-
micas, Young acentua a necessidade de criação de novas formas de
especialização que reflitam os novos desenvolvimentos econômicos, tec-
nológicos e sociais (cf. Young e Spours, 1988; Campos, Wundheiler e
Barros, 1989).
Outra preocupação de Young, em sua fase contemporânea, é o uso
de microcomputadores na educação. Para ele, o ensino de computação
o pode reduzir-se a mero treinamento de habilidades, devendo incluir
a discussão do papel das novas tecnologias nas mudanças quem
ocorrendo na divisão do trabalho. A presença do microcomputador na
escola é parte de um processo de modernização. Para que tal processo
o contribua para acentuar desigualdades é preciso que se tenha claro
que a expansão da tecnologia e o crescimento da especialização envol-
vem tanto tendências democráticas como tendências divisionistas. Isto
se dá porque o aumento da especialização cria condições, através das
necessidades de integração que se produzem, para evitar a solidificação
de novas divisões na sociedade.
Cabe ao educador, no processo, diz-nos Young (1987b), agir como media-
dor e articular a integração entre especialistas e não-especialistas. O
educador pode contribuir para democratizar o processo de modernização
tanto tornando o especialista em tecnologia consciente de suas funções
integradoras, como identificando que conhecimento tecnológico e que
relação com a tecnologia se fazem necessários para que os não-espe-
cialistas possam participar de decisões relativas ao design e ao uso de
novas tecnologias. Young acentua ainda que tais tecnologias, sendo
parte da transformação do trabalho e da vida diária, permitem que novas
conexões entre escola, trabalho e vida diária se estabeleçam, a partir
de novas formas de conhecimento e pedagogia.
Mas Young também está preocupado, na segunda metade dos anos
oitenta, em reavaliara NSE. Em trabalhos recentes (1984,1987ae 1989),
destaca que os atuais debates sobre Educação, na Inglaterra, aos quais
já nos referimos, diferem bastante dos que caracterizaram a Sociologia
da Educação nos anos setenta. No entanto, ainda defende a centralidade
do currículo em uma Sociologia da Educação crítica, embora em termos
diferentes do que expressou no início dos anos setenta. Os currículos
hojeoo mais vistos como mecanicamente definidos pelos que detêm
o poder; apesar de incorporarem valores e interesses dominantes, repre-
sentam os resultados de lutas específicas por autoridade cultural, por
liderança intelectual e moral da sociedade. Tal concepção refina a visão
anterior e reflete a crescente influência de Gramsci.
A proposta de um currículo acriticamente centrado na cultura do aluno,
organizado a partir de experiências, implícita em alguns escritos da NSE
dos anos setenta, é hoje renegada. Young insiste na necessidade de
uma análise sociológica dos interesses, pressupostos, princípios, organi-
zação e hierarquização das disciplinas tradicionais, maso nega, porém,
a importância das mesmas na promoção e na sistematização da aprendi-
zagem.
Young afirma ainda que a NSE atacou o problema correto, mas fracassou
na apresentação de propostas, que careceram de apoio popular tanto
por causa de uma linguagem desnecessariamente complexa, como por-
que lhe faltavam estratégias e alternativas práticas viáveis. Por fim, julga
que se a Sociologia da Educação pretende recuperar a credibilidade
e o potencial que teve na década de setenta, deve tornar claro que
uma sociedade socialista democrática é ainda uma opção política realista.
Em síntese, nos anos oitenta, a teoria de Young avança ainda mais
e passa a discutir a articulação, no currículo, entre conhecimento escolar
e trabalho. Porém, o conhecimento continua tomado como dado eo
há grande progresso na direção de uma compreensão mais profunda
dos elos entre produção de conhecimento, produção econômica e Educa-
ção, que, como bem acentuou Silva (1988), é a conexão que falta ser
analisada.
O quanto as idéias de Young podem contribuir para o desenvolvimento
de uma teoria curricular critica no Brasil é o que abordamos nas conclu-
sões que se seguem.
Conclusões
Apesar das críticas que apresentamos, julgamos que a teoria de Young
pode oferecer uma importante contribuição para o campo do currículo
no Brasil.o temos ainda uma tradição consolidada em estudos sobre
currículo. Como então ignorar idéias pioneiras, que abriram caminhos
e que se renovaram ao longo das duas últimas décadas? Como ignorar
análises quem buscando elucidar questões que hoje nos preocupam?
Levando-se em conta a profundidade dos ensaios de Young e de outros
autores envolvidos na construção de uma sociologia do currículo, conside-
ramos que é essencial conhecé-los, embora já nos comecem a ser familia-
res tanto os focos como as metodologias dos estudos. Ainda, determi-
nados princípios e pressupostos da teoria de Young indicam perspectivas
que noso atuais e oportunas.
Young realça-nos a centralidade do conhecimento escolar, por muito
tempo secundarizado face à grande preocupação com métodos e técni-
cas, em uma Sociologia da Educação crítica. Chama-nos a atenção para
a necessidade de compreendermos as interações que ocorrem nas salas
de aula. Insiste em que analisemos sociologicamente as questões curricu-
lares e que as consideremos sempre em relação ao contexto sócio-his-
tórico e econômico em que se situam. Destaca-nos a importância de
problematizarmos categorias aceitas sem questionamento. Preocupa-se
hoje em explorar uma nova estrutura para o currículo que permita realizar
as possibilidades educacionais do trabalho. Alerta-nos para os cuidados
necessários na introdução de novas tecnologias na escola. Sugere uma
reavaliação das disciplinas acadêmicas tradicionais. Propõe que evitemos
a dicotomização entre o educador teórico e o educador de sala de aula.
O último ponto acima é também destacado por Silva (1990), em seu
importante estudo das lições e das dúvidas decorrentes de duas décadas
de desenvolvimento do pensamento curricular no Brasil. Em suas pala-
vras:
"...temos ainda que descobrir como romper o isolamento da
esfera teórica e acadêmica, se quisermos que nossas teorias
e elaborações sobre educação e currículoo se limitem
a descrever círculo em torno de si mesmas, num movimento
de auto-satisfação. Essa integração deveria envolver uma
cooperação mais estreita entre pesquisadores e professores
universitários, professores de primeiro e segundo graus, e
organizações populares tais como sindicatos e associações
de moradores", (p. 66)
Gostaríamos de ressaltar, aliás, que também nas outras dúvidas mencio-
nadas por Silva, em seu artigo, há elementos que se encontram presente
explícita ou implicitamente, nas análises elaboradas por Young (e pelos
demais autores da NSE) sobre o currículo, o que reforça nosso ponto
de vista de que seu pensamento nos é relevante, por abordar e discutir
temas que ainda constituem desafios que precisamos enfrentar.
Por último, achamos oportuno realçar a preocupação de Young expressa
na citação que se segue:
"É somente quando o trabalho acadêmico crítico é ampliado
para propor alternativas reais que ele pode ganhar apoio
popular e ser a base para a mudança democrática". (1989,
p. 36)
Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46. abr jun 1990
Apresentamos, finalmente, algumas sugestões. Consideramos que estu-
dos de sociologia do currículo precisam ser mais desenvolvidos em nosso
país. Consideramos também que precisamos conhecer mais o que se
faz em outros países. É preciso queo só as publicações de Young,
como as de outros autores estrangeiros, sejam mais divulgados. É bem
verdade, porém que um número crescente de artigos de sociologia do
currículo vem sendo traduzido e publicado por nossas revistas especia-
lizadas. Essas publicações precisam intensificar-se.
O aumento da produção brasileira, assim como o estudo e a análise
crítica da produção estrangeira de boa qualidade,o de apontar-nos
caminhos para esclarecimento de algumas de nossas dúvidas, bem como
contribuir para que venhamos a ter uma sociologia do currículo adequada
às especificidades do contexto sócio-histórico e econômico brasileiro.
As potencialidades dessa área para ajudar a construção, em nosso país,
de uma escola pública de qualidade,o inestimáveis. A opinião de
Gomes, emitida há dez anos atrás, continua, então, atual, resumindo,
a nosso ver, o que vimos procurando argumentar:
"A sociologia do currículo pode dar uma interessante contri-
buição para o entendimento do passado e do presente da
educação brasileira. Ela pode iluminar vários aspectos da
realidade, sobretudo para os planejadores e implementado-
res de currículos. Como um elo entre os níveis macro e mi-
croeducacionais, ela pode oferecer-lhes condições para esta-
rem mais conscientes das implicações de cada alternativa
que escolhem e/oum de seguir." (1980, p.67)
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Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, abr. jun. 1990
RESENHAS
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. Educação, tecnocracia e democra-
tização.o Paulo: Ed. Ática, 1990. 86p.
O livro Educação, tecnocracia e democratização tem por objetivo
fazer uma reflexão e análise crítica da educação na sociedade brasileira,
a partir das reformas educacionais de 1968.
O conteúdo essencial do trabalho está dividido em quatro partes. Na
primeira, a autora expõe sobre "educação e divisão social do trabalho",
esclarecendo que se a educação é um "bem universal" para a construção
da vida,o se pode dizer que sua distribuição o seja. Na realidade,
o acesso à educação e ao conhecimentoo desiguais, pois apresenta
como universal um valor que beneficia apenas a uma classe. Isto, no
seu entender, está intrinsecamente vinculado às desigualdades sociais
estabelecidas pela divisão do trabalho.
Para explicar melhor este aspecto, Maria de Lourdes afirma que "o cerne
da divisão social do trabalho é, num primeiro momento, a divisão entre
trabalho manual e trabalho intelectual".
Expõe sobre a relação concomitante entre homem e natureza (onde
na verdade se concretiza a divisão social do trabalho), bem como sobre
duas formas distintas de educação: a comunitária (na medida em que
o acesso ao conhecimento e aos bens econômicoso mais ou menos
equivalentes) e a societária (na medida em que a educação serve basica-
mente ao poder, e é distribuída desigualmente em diferentes modos
de produção, como nos sistemas escravista, feudalista e capitalista).
Quanto à relação entre saber e poder, a autora procura fazer uma reflexão
sobre democracia a partir da apreensão idealista, de a República, em
Platão, e da apreensão positivista, em Durkheim.
Na segunda parte, intitulada "Capitalismo: restrição, controle e ritualismo
da educação", Maria de Lourdes mostra que, "se a divisão social do
trabalho implica tarefas distintas para os grupos sociais, também diferen-
ciada é a distribuição do produto do trabalho global". E que, nesta
linha de raciocínio, a educação sofre o mesmo processo enquanto consi-
derada um bem. Mostra-nos como nas sociedades antigas, de regimes
escravocrata e feudal, se dava a relação de poder a partir da divisão
do trabalho e da distribuição do saber, com "uma rígida divisão entre
trabalho manual e intelectual, que expressa uma íntima ligação entre
saber e poder".
Portanto, segundo Covre, "a educação é arma de liberdade, de sair
da inferioridade e da subalternidade completa (...) Daí estar sempre pre-
sente nos programas reivindicatórios dos operários a demanda por educa-
ção."
Percebe-se que a classe dominanteo consegue controlar o saber,
em sua especificidade como matéria-prima da educação, e como através
de um ritualismo próprio se processam a defasagem e a degradação
do ensino, sobretudo quando se trata de um sistema capitalista.
Na terceira parte do trabalho é enfocado um nível de luta, ou seja, o
caráter ideológico da educação sob o monopolismo brasileiro. A este
respeito, ficou evidenciado que a pretensa abertura de "educação para
todos" sob o monopolismo brasileiro, será muito eficiente para o capital.
Neste sentido, a autora questiona: "como reverter isso, de modo a termos
uma educação eficiente para os trabalhadores uma educação real-
mente de orientação para todos?"
Maria de Lourdes faz uma reflexão crítica sobre a questão da ideologia
na educação, em que aparece a educação como um direito de todos.
mas analisando a gênese da produção e usufruto dos bens, descobre-se
que de fato a educação está restrita a uma classe dominante.
Em Aberto, Brasília, ano 9. n. 46, abr. jun. 1990
Assim, a preocupação que norteia este capítulo, esclarece a autora, é
de refletir criticamente sobre a visão idealista da educação presente
no pensamento dominante e suas conseqüências, principalmente no
s 1964.
Como afirma Covre, é importante ter em mente o caráter ideológico
da educação, para poder se contrapor a ele e tentar construir uma educa-
ção que seja eficiente para os trabalhadores como um direito de todos.
Finalmente, na última parte, foi feita uma análise de âmbito político, ou
seja, o que pensar da gestão da educação: democrática ou tecnocrática?
Para esclarecer esta questão, a autora mostra que o processo para
encaminhar uma administração da educação, numa direção mais demo-
crática, depende da possibilidade e da orientação se contraporem à ges-
o tecnocrática.
Com referência a este aspecto, faz uma ampla exposição sobre as possibi-
lidades e limites da gestão da educação em nível interno e externo,
bem como da política educacional voluntarista para o primeiro, segundo
e terceiro graus.
Concluindo, reafirma que "se a educação, em seu estatuto de bem univer-
sal, é parte da construção da vida, tudo que delineamos até aqui, da
apropriação particular desse bem, significa apropriação de parte da vida
dos subalternizados. ...
No final, o livro é complementado com um vocabulário crítico dos termos
usados com maior ênfase no trabalho, e com uma bibliografia comentada.
Samuel Aureliano da Silva
NOGUEIRA, Maria Alice. Educação, saber, produção em Marx e En-
gels.o Paulo: Cortez, 1990. 220p.
Neste livro, Maria Alice Nogueira busca a contribuição de Marx e Engels
especificamente para a Educação, e desenvolve seu trabalho em dois
eixos de interpretação. Primeiramente, analisa as idéias educacionais
dos autores, a partir de seus próprios textos, onde se esboça a história
da infância operária no século XIX. Em seguida. Nogueira dedica-se
à explicitação das concepções educacionais de Marx e Engels, surgindo
como pólo central da análise a relação ensino e trabalho.
Na primeira parte da obra, intitulada "As condições de trabalho e de
instrução das crianças trabalhadoras do século XIX, segundo Marx e
Engels", a autora discorre sobre o contexto do período que se abre
a partir do século XVIII, sobretudo no que se refere à atividade infantil,
nas fábricas nascentes, estabelecendo uma linha histórica desse trabalho
num sistema capitalista. Assim, no capítulo 1, aparecem as interpretações
gerais que os dois autores deram ao fenômeno da ocupação da criança
pela indústria do século passado, e o porquê da utilização dessa força
de trabalho. Na verdade, o trabalhador infantil é utilizado, primeiramente,
no sentido de diminuir os gastos, em função dos baixíssimos salários
pagos às crianças, que segundo Engels, como cita a autora, era "a
terça parte ou a metade do salário do operário adulto".
Fora isto, a baixa remuneração do menor é um fator que favorece também
a baixa do salário do adulto. Assim, diz Engels: "a burguesia tirou ampla-
mente proveito da possibilidade de utilizar e de explorar mulheres e
crianças, com a finalidade de baixar os salários".
De acordo com Marx e Engels, esclare Maria Alice, os dois fatores explica-
tivos essenciais de emprego da criança na indústria mecanizada são:
economia de capital variável e mutação nas técnicas de fabricação.
No capítulo 2, a autora mostra as diferentes formas de mobilização do
trabalho infantil, como força de trabalho barato e submissa à indústria
capitalista. A este respeito, afirma Marx: "o nascimento da indústria é
calibrado pelo grande rapto herodiano de crianças". Para ilustrar a forma
de tratamento desumana e injusta, depoimentos daquela época demons-
tram que "um bando de crianças de fábrica foi anunciado e arrematado.
em leilão público, como parte de propriedade..."
A autora esclarece que "a assimilação do trabalho infantil no capitalismo
é bastante freqüente na obra (principalmente em Marx) e se fundamenta
em duas ordens de argumentos: de um lado,o se trata de uma força
de trabalho juridicamente livre no mercado; de outro lado. em virtude
das conseqüências disso, a saber, que a posição do patrão virtual da
criança lhes confere vários poderes sobre suas condições de vida e
de trabalho".
Na primeira parte do séc. XIX, o Estado impõe limitações, através de
leiso capitalistas sobre esta questão, ficando, desta forma, normatizado
o uso do menor como força de trabalho.
Maria Alice observa que autores contemporâneos, como Landes (Euro-
pa), Fohlen (Inglaterra) e Sandrin (França), fazem referências às crianças
das classes populares nos séculos XVIII a XIX, que eram usadas na
aprendizagem do ofício de manufaturas ou enviadas para povoar as
colônias. Essas crianças eram em sua maioria órfãs e abandonadas
nos hospícios daquela época.
Observa, também, que essa força de trabalho (a infantil) constitui a pri-
meira forma histórica de gestão da força de trabalho pelo Estado no
capitalismo, e ilustra com Plenel: "[...] foi regulamentando o uso dos
trabalhadores infantis que o Estado esboçou suas primeiras políticas
de mão-de-obra". Em seguida, no capítulo 3, a autora faz um histórico
da regulamentação do trabalho de criança na Inglaterra, enfocando a
descrição de Engels e a interpretação de Marx sobre a exploração capita-
lista das crianças operárias, e no capítulo 4, retrata as condições de
trabalho das crianças, os postos de trabalho e os feitos do trabalho
sobre a saúde. Em síntese, foram as seguintes conseqüências do regime
de fábrica sobre a saúde das novas gerações: crianças extenuadas de
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46. abr. jun. 1990
tanto trabalhar, privadas de repouso e de ar livre, estropiadas, marcadas
pelo resto da vida por graves deficiências e enfermidades.
Prosseguindo sua análise, a autora procura ressaltar, no capítulo 5, as
condições de trabalho e o nível de instrução das crianças. Sob este
aspecto, vê-se que as condições sociais, reservadas pelo sistema de
fábricas à criança, determinaram a concepção de Marx a respeito de
instrução e trabalho, material, sendo essas próprias condições que in-
fluenciaram o pensamento de Marx sobre o que seria o "germe" da
educação do futuro.
Na segunda parte do trabalho Maria Alice focaliza as concepções de
Marx e Engels a respeito de educação e ensino, colocando o princípio
da união entre ensino e trabalho, através do qual eles ressaltavam
a ligação estreita entre a participação do educando na produção e a
formação intelectual. Estas idéias configuraram segundo a autora, "o
núcleo central em torno do qual gira toda a visão que tiveram da gestão
da educação e da formação, baseada na combinação do ensino (em
todos os seus níveis) com o "trabalho produtivo pago", para todas as
crianças acima de certa idade.
Assim, Nogueira se empenha em demonstrar o sentido político da união
do ensino com o trabalho destacando que, na opinião de Marx, é uma
realidade germinada a partir das contradições do capitalismo.
E isto, como nos deixa ver a autora, caracteriza o ponto central da contri-
buição de Marx e Engels para o estudo das questões educacionais,
ou seja, "a associação dos estudos teóricos com o trabalho produtivo",
o que, também, implica a originalidade de enfoque de análise e interpre-
tação.
Samuel Aureliano da Silva
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Em Aberto. Brasília, ano 9. n. 46. abr. jun. 1990
MENINOS E MENINAS DE
RUA DO BRASIL
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas psicotrópicas CEBRID e o Departamento
de Psicologia, da Escola de Medicina, promoveram, no período de 23 a 25 de maio de
1990,0 ENCONTRO SOBRE ABUSO DE DROGAS ENTRE MENINOS DE RUA DO BRASIL.
O evento contou com quatro conferencistas e com relatores do Movimento Nacional de Meninos
e Meninas, bem como de entidades afins de 08 (oito) estados brasileiros, que estabeleceram
discussões importantes sobre crianças de rua.
Naquela ocasião foi expedido telex para a Comissão Especial para Apreciação do Estatuto
do Menor, da Câmara dos Deputados (Brasília), informando como prioridade do Encontro
a urgência na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, por considerá-lo instru-
mento imprescindível para garantir os direitos constitucionais daquele segmento da sociedade
brasileira.
No final do Encontro foram discutidas e aprovadas as Recomendações sobre abuso de
drogas entre meninos de rua do Brasil, assim sintetizadas:
execução prioritária de projetos de pesquisa para obter a real dimensão do problema;
organização e publicação de um catálogo com informações sobre as instituições, públicas
ou privadas, envolvidas com a problemática dessa população;
estímulo ao' intercâmbio entre a Universidade e as Instituições que atendem as crianças
de rua, como forma de garantir as informações necessárias aos educadores de rua;
apoio e incentivo a cursos de formação específica com conteúdo apropriado à atuação
dos educadores de rua com reconhecimento da importância do trabalho destes profis-
sionais;
alocação ágil e suficiente de recursos públicos aos programas de assistência a esses
menores, com avaliação periódica dos resultados obtidos;
prioridade dos programas de prevenção tratamento de abuso de drogas no País para
as crianças de rua, mais facilmente atingidas do que outros segmentos da população;
criação de programas brasileiros que ofereçam alternativas válidas de lazer e atividades
estruturadas, sem ênfase na repressão ou exclusividade na abordagem das drogas em
si;
o perder de vista que o problema da criança de rua tem suas raízes no injusto sistema
econômico-social existente;
criação de uma imagem positiva dos policiais que lidam com o problema, através de
seleção e preparo adequados destes profissionais;
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como instrumento imprescindível
para garantir os direitos constitucionais desse segmento da população brasileira;
o usar os trabalhos com crianças de rua para autopromoção ou propaganda política
de qualquer espécie e a qualquer beneficiário.
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