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AINÉISAINÉIS
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AINÉIS
Marilda Almeida Marfan
Organizadora
Brasília
2002
Volume 2
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Livros Grátis
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PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello
COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
Jean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira
Edição: Elzira Arantes
Projeto Gráfico: Alex Furini
Editoração: José Rodolfo de Seixas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação
de professores (1. : 2001 : Brasília)
Painéis [do] Congresso Brasileiro de Qualidade na
Educação : formação de professores. / Marilda Almeida
Marfan (Organizadora). __ Brasília : MEC, SEF, 2002.
240 p. : il. ; v.2
1. Formação de Professores. 2. Qualidade da Educação.
3. Educação Básica. I. Título. II. Brasil. Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
CDU 371.13
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado
PAINEL 1 7
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORA
Cíntia Fondora Simão – CEEV/SP
Mônica Andréa Porto Louvem – Escola ligada à Aracruz/ES
Bárbara Heller – Unicamp/SP – MEC
PAINEL 2 17
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORA
Célia Maria Mattos – PCN em Ação – Itatiaia/RJ
Beatriz Cardoso e Regina Scarpa – Cedac/SP
PAINEL 3 33
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORA DOS PROFESSORES
Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro – Escola Estadual SEE/SP
Maria Angélica Alves – Colégio de Aplicação/UERJ
Marília Costa – Fundação Projeto Travessia/SP
PAINEL 4 47
CORRESPONDÊNCIA ENTRE PROFESSORES COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro – Cedac/SP
Euzi Moraes –Ried/ES
PAINEL 5 55
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROJETO SABER EM MOVIMENTO
Caio Martins e Marcelo Barros Silva – Escola Pública/Santos/SP
PAINEL 6 59
ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES
Maria Corrêa da Silva – Seduc/AC
Célia Finck Brandt e Sydione Santos – UEPG/PR
Lourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira – Unitins/Seduc/TO
Eliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz – SME/São Bernardo do Campo/SP
PAINEL 7 79
FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO PROFORMAÇÃO: UNINDO A TEORIA E A PRÁTICA NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Bernardete A. Gatti – FCC – PUC/SP
Tereza Barros Amaral – Seduc/PE
Jandira Medrado – Araguaína/TO
PAINEL 8 91
ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO INFANTIL
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias – UFMG/MG
PAINEL 9 97
AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS DOS ALUNOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Almira Albuquerque Santos – SME/Batalha/AL
Lucia Lins Browne Rego – Seduc/PE
Maria Nilene Badeja – SME/Campo Grande/MS
PAINEL 10 109
ESCOLAS MULTISSERIADAS
Fernando Ferreira Pizza – Escola Ativa/MEC
Francisca das Chagas Souza da Silva – Escola da Floresta/SEE/AC
PAINEL 11 117
ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Emanuela Oliveira Carvalho Dourado – SME/Irecê/BA
Ana Socorro Braga – SME/Vargem Grande/MA
Stela C. Bertholo Piconez – USP/SP
Leôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos – UFMG/MG
3
PAINEL 12 137
AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Cláudia Lemos Vóvio – Ação Educativa/SP
Maria Amábile Mansutti – PCN em Ação/MEC
PAINEL 13 149
O LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA EDUCACIONAL
Jean Hebrard – França
Ralph Levinson – Inglaterra
Luz Philippi – Chile
Nabiha Gebrim – SEF/MEC
PAINEL 14 173
O REFLEXO DA AÇÃO FORMADORA NO PROJETO PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO – EDUCAÇÃO INFANTIL
Sueli A. Campos Silva e Valéria P. Cortez Corrêa – Creche/Associação Obra do Berço/SP
Ana Maria Mello – Creche Carochinha/USP/SP
Stefânia Padilha Costa – Escola Municipal/Belo Horizonte/MG
Olga Regina Siqueira e Silva – Escola Municipal/Natal/RN
PAINEL 15 191
EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO NA AMAZÔNIA LEGAL
Francisca Bezerra da Silva – SEE/AC
PAINEL 16 195
PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMO – EDUCAÇÃO INFANTIL
Cristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos – Creche USP/SP
Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib – Escola Balão Vermelho/MG
Sônia Regina da Silva Souza – Associação Verbo Divino/SP
PAINEL 17 209
PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMO – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Rosângela Pereira – Projeto Kellog/SP
Elizabete Monteiro – Projeto Axé/BA
PAINEL 18 217
PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMO
Ivanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin – PEQV /Fundação Vale do Rio Doce – Cedac/SP
Renata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho – SME/Caraguatatuba/SP e Fundação Orsa
Rosemere da Silva Vieira – SME/Campo Alegre/AL
PAINEL 19 227
LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO
Jacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos – SME/Itapetininga/SP
Eliane Mingues – PCN em Ação/MEC
PAINEL 20 237
A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA SALTO PARA O FUTURO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Rosa Helena Mendonça – Seed/MEC
O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação
de Professores, promovido pela Secretaria de Educação Fundamental do
Ministério da Educação (SEF/MEC), foi realizado em Brasília no período
de 15 a 19 de outubro de 2001.
O Congresso tratou, em seus simpósios, palestras, painéis, oficinas e
atividades paralelas, de uma das principais variáveis que interferem na
qualidade do ensino e da aprendizagem: a formação continuada dos pro-
fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da área, tanto
nas oito séries do Ensino Fundamental, quanto na Educação Infantil, na
Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, na Educação Indí-
gena e na Educação Ambiental, informações e conhecimentos relevan-
tes para subsidiá-los em sua prática. Promoveu um balanço geral dos
principais avanços alcançados nos últimos anos, com a implantação de
políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e
enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-
sional continuado e de formação de professores alfabetizadores, que fo-
ram debatidos sob diferentes óticas e pontos de vista.
O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, além das
representações municipais, um significativo número de autoridades, es-
pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizações
não-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes
dos municípios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino
as políticas de formação continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-
grama de Desenvolvimento Profissional Continuado – “Parâmetros em Ação
e o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA.
Ao promover a organização desta publicação, a SEF faz um resgate de
todos os textos apresentados e entregues, em tempo hábil, pelos especia-
listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da área
que valorizaram o evento e estão em busca de sua memória, ou que, por
diferentes razões, se interessam por reflexões e temas relativos à quali-
APRESENTAÇÃO
5
dade da educação e à formação dos professores, tais como: educação para
a mudança, transversalidade e interdisciplinaridade, educação escolar
indígena, livro didático, inclusão digital, alfabetização, organização dos
sistemas de ensino, educação inclusiva, escola reflexiva, enfim, compe-
tência profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do
aluno, entre outros.
Como o público-alvo é muito diversificado, o volume de textos apre-
sentados muito grande, e como os principais eixos temáticos podem in-
teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-
mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na
Educação – Formação de Professores foram organizados em quatro volu-
mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos à Educa-
ção Fundamental como um todo, e incluem temas específicos referentes
à Educação Infantil, à Educação de Jovens e Adultos, à Política do Livro
Didático e à Educação Especial; o volume 3 trata da Educação Ambiental;
e o volume 4 é dedicado à Educação Escolar Indígena.
Embora incompleta, pela ausência de alguns textos, e observando que
em alguns casos só apresenta os resumos dos participantes, a presente
edição reflete a importante contribuição e a competência de nossos es-
pecialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpósios, quanto pelos
relatos de experiências contidos nos painéis, e incorpora 25 textos apre-
sentados por renomados especialistas internacionais.
Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicação são de in-
teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexões e pontos de
vista de cada especialista envolvido.
Com a presente publicação, a SEF/MEC espera que os resultados do
Congresso de Brasília possam ser amplamente divulgados e cheguem ao
alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-
tal, diretores de escolas, institutos de formação de mestres, pesquisado-
res, universidades, enfim, todos aqueles ligados à produção, à reprodu-
ção, ao consumo e à transmissão do conhecimento, paladinos da cons-
trução de uma escola de qualidade para todos.
Iara Glória Areias Prado
Secretária de Educação Fundamental
7
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AINEL 1AINEL 1
AINEL 1AINEL 1
AINEL 1
DESENVOLVIMENTO
DA COMPETÊNCIA
LEITORA E ESCRITORA
Cíntia Fondora Simão
Mônica Andréa Porto Louvem
Bárbara Heller
8
Desenvolvimento da
competência leitora e escritora
Cíntia Fondora Simão
Centro de Estudos da Escola da Vila – CEEV/SP
Resumo
A painelista apresenta resultados do trabalho
desenvolvido pelo Centro de Estudos da Escola da
Vila a partir do Programa Praticar – Programa de
Formação e Atualização Profissional Permanente,
especialmente para atender às demandas especí-
ficas do sistema público de ensino, com o qual in-
tensificou sua parceria em ações de capacitação
nos últimos oito anos.
O painel em questão enfoca apenas ações de
registro e leitura do professor, ao longo da realiza-
ção do Programa Praticar: os Projetos de Referên-
cia, que são acompanhados e comentados pelo for-
mador antes, durante e após a realização destes nas
próprias salas de aula dos professores participan-
tes; e os Projetos Especiais, etapa do processo de
formação cujo objetivo é tornar o professor oficial-
mente produtor e divulgador da reflexão e da pes-
quisa sobre seu cotidiano, por meio de publicações.
A formação permanente, entendida atual-
mente como o modo mais eficaz e produtivo para
a construção das competências docentes, é rea-
lizada pelo Programa Praticar a partir de um eixo
central e organizador do trabalho: os Projetos de
Referência. Neles, os professores participantes
são convidados a realizar projetos em suas salas
de aula, apoiados por uma série de ações for-
mativas: na presença do formador ou não, em
grupo – com sua equipe da escola ou de toda a
rede – e individualmente. Dessa forma, a produ-
ção escrita do professor participante está relaci-
onada a uma prática de registro permanente,
instrumentalizada por suas leituras e seus estu-
dos de outras experiências e situações didáticas
modelares oferecidas pelo Programa Praticar, ali-
mentada e incentivada pelo formador durante
toda a produção, compartilhada com a equipe da
escola, para que se torne um produto finalizado
a cada seqüência de trabalho proposta e que,
eventualmente, pode ser socializada em momen-
tos especiais, como no caso dos simpósios inter-
nos à própria rede.
Escrever, pesquisar, coletar imagens, falar em
público, sintetizar conceitos, socializar resultados,
compartilhar descobertas – tudo isso faz com que,
por intermédio dos Projetos Especiais, o profes-
sor tenha seu papel ampliado, renovando sua fun-
ção na perspectiva do comprometimento social
que a caracteriza e justifica. Os Projetos Especiais
têm uma idéia-força: a interlocução, pois a pro-
dução é destinada a um público definido e real.
Assim, a tarefa e todo o empenho que a acompa-
nha ganham sentido e significado. Essa é a pro-
posta desses encaminhamentos no sentido de a
publicação: produzir para ser apreciada, produzir
para colaborar com o colega, produzir para reve-
lar percursos e criações de seu grupo, de sua co-
munidade. São encaminhamentos que visam a um
destino para a produção dos professores, com va-
riedade de circunstâncias comunicativas e de
interlocutores – o que significa diversificar desa-
fios, adequar expectativas, ajustar resultados, en-
fim, regular criticamente a própria produção.
8
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 1
Introdução
O Formar (Formação em Rede nos Municí-
pios de Atuação da Aracruz Celulose) é um pro-
jeto financiado pela Aracruz Celulose S.A. e de-
senvolvido pela Rede Interdisciplinar de Edu-
cação (Ried). Teve início em setembro de 1997,
envolvendo seis municípios capixabas: Aracruz,
João Neiva, Ibiraçu, São Mateus, Conceição da
Barra e Pedro Canário.
Trata-se de uma proposta de formação con-
tinuada de professores de Bloco Único (1ª e 2ª
séries) à 4ª série, que opera sobre três eixos fun-
damentais:
• desenvolvimento da competência em leitura
e escrita;
• associação da teoria à prática da sala de aula;
• interdisciplinaridade na prática escolar.
O desenvolvimento do trabalho dá-se em
partes, por meio do diálogo permanente em
rede, a distância, entre a equipe de professores-
formadores (Ried) e os grupos de estudo.
Quando teve início, a proposta era de estu-
do em grupos de no mínimo cinco e no máxi-
mo dez professores. Mas, no decorrer do Proje-
to, o número de participantes chegou a aproxi-
madamente quinze em cada grupo, em razão
da grande procura de professores interessados
(a adesão ao Projeto é voluntária). Dessa for-
ma, os participantes potenciais são professores
que tenham compromisso com a transforma-
ção da escola pública e interesse na atualiza-
ção de seus conhecimentos teóricos e práticos,
demonstrando:
Desenvolvimento da
competência leitora e escritora
Projeto Formar: uma contribuição à
formação continuada de professores
Mônica Andréa Porto Louvem
Escola ligada à Aracruz/ES
1. Preocupação com a continuidade de sua for-
mação profissional.
2. Desejo de aperfeiçoar sua prática pedagógica.
3. Disposição para trabalhar em grupo, discu-
tindo aspectos práticos e teóricos da educa-
ção e redigindo em conjunto textos que re-
flitam suas discussões e sua prática.
4. Intenção de dar à sua prática de sala de aula
um enfoque interdisciplinar.
A proposta de trabalho do Formar é o estu-
do em grupo, em reuniões semanais com dura-
ção mínima de três horas destinadas à reflexão
teórica e à discussão prática, o que é feito cole-
tivamente, sob a coordenação de um professor
escolhido pelo grupo. O estudo se baseia em
textos encaminhados pela equipe de professo-
res-formadores, ou sugeridos pelos grupos de
estudo. Nessas reuniões de estudo, é elabora-
do, por escrito, coletivamente um relatório re-
flexivo, que deve traduzir a discussão do texto
e sua relação com a prática pedagógica dos par-
ticipantes. O grupo escolhe um coordenador
para dar encaminhamento às discussões e um
relator para registrar e organizar os registros.
Para dar apoio contínuo ao grupo, cada
pólo, composto por dois ou três municípios,
tem um coordenador regional, que visita
freqüentemente os grupos, participando das
discussões, esclarecendo dúvidas e mediando
o diálogo entre grupo e professores-formado-
res, além de elaborar relatórios mensais que são
enviados à Ried.
10
“No dia 03/10, iniciamos o estudo lendo o texto
O papel do papel, em seguida discutimos os pon-
tos principais do texto…”, ou elaboravam um
texto que não retratava a discussão do grupo.
Tendo como referência os relatórios elabo-
rados nos primeiros meses de existência do Pro-
jeto, a equipe de professores-formadores levan-
tou as seguintes observações:
• os conteúdos dos textos ou não eram levados
em conta pelos grupos de leitores, ou sofriam
distorções, ou não eram absolutamente
compreendidos;
• os relatórios comprometiam a lógica do pen-
samento e da linguagem;
• registravam-se erros elementares de linguagem.
Nas devolutivas dos professores-formadores
eram colocadas questões que levavam os profes-
sores a refletir sobre o que pensaram e o que es-
creveram, como também sobre a leitura realizada.
Os primeiros meses do Formar causaram
uma angústia muito grande nos professores – o
que eu chamaria de angústia necessária. Foi o
momento em que os professores perceberam
que não eram leitores e escritores competentes.
Eu, coordenadora em formação, também de-
parei com essa situação. Na primeira devolutiva
ao meu relatório, havia o seguinte comentário:
“Seu relatório é meramente descritivo, não re-
flexivo. Não deixa, portanto, margem para uma
discussão mais aprofundada da sua ação e do de-
sempenho do grupo.
À medida que entravam em contato com os
relatórios dos grupos de estudo e das coorde-
nadoras regionais, os professores-formadores
observavam dificuldades específicas e envia-
vam textos produzidos por eles próprios ou por
outros autores, para a discussão de questões
específicas. Uma das primeiras intervenções
enfocava o saber estudar, ou seja, o saber ler um
texto de forma compreensiva. Nessa ocasião, foi
enviado um texto que mostrava a importância
de, ao ler, destacar as idéias centrais, fazer ano-
tações e observações pessoais, levantar ques-
tões e dúvidas, registrando-as. E ainda, ao es-
crever o relatório, fazê-lo de forma reflexiva e
não apenas descritiva. Num outro momento,
foram enviados textos sobre sínteses e alguns
exemplos de sínteses produzidas por alguns dos
formadores, chamando a atenção dos professo-
Minha experiência e meu
olhar como coordenadora
regional
Quando iniciamos o Projeto, em 1997, mui-
tos professores que aderiram ao Formar tinham
expectativas de encontrar respostas para as di-
ficuldades encontradas no processo de ensino–
aprendizagem. A prática do estudo ainda não
fazia parte do dia-a-dia do professor. Estuda-
va-se para obter uma graduação – nesse caso
eram buscados os cursos em faculdades –, es-
tudava-se em capacitações e treinamentos ofe-
recidos pela Secretaria de Educação, em que
eram repassados os conteúdos no período de
um dia ou, no máximo, cinco dias, sendo essa
função de responsabilidade exclusiva do instru-
tor ou palestrante. Sendo assim, o hábito de lei-
tura e de escrita do professor ficava cada vez
mais restrito às atividades desenvolvidas na es-
cola, em geral, limitadas e descontextualizadas.
Diante desse quadro, tivemos um início
muito difícil, em que os professores reclama-
vam do tamanho dos textos, ou seja, muitas
páginas, e das propostas de atividades dos pro-
fessores-formadores, que exigiam um estudo
reflexivo do texto. Além disso, não conseguiam
colocar no papel, ou seja, registrar, escrever as
idéias discutidas nos grupos. As propostas de
atividades incluíam sempre um relato reflexivo
e uma síntese do texto.
Em minhas visitas semanais aos grupos de
estudo, observava que, para estudar os textos
propostos, os professores faziam uma leitura cir-
cular – que muitas vezes era a primeira leitura
do texto. À medida que liam, paravam em algum
trecho do texto para discutir. Em geral, as dis-
cussões conduziam para as dificuldades da sala
de aula e do contexto escolar. Dessa forma, os
relatos reflexivos e as sínteses dos textos apre-
sentavam características diferentes do que se
propunha, pois não se registrava no ato das dis-
cussões. Primeiramente, os professores liam e
discutiam o texto e, depois, tiravam um tempo
para fazer o registro. Ao fazer a síntese, os pro-
fessores tinham de recorrer novamente ao texto,
e faziam outro recorte dele. Na elaboração do
relato reflexivo, ou relatavam a seqüência dos
acontecimentos do momento do estudo, como:
10
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 1
res para as características desse tipo de texto.
Outra intervenção da equipe de professores-
formadores, que considero marcante e positi-
va, foi um texto escrito pela professora Euzi
Moraes, integrante e coordenadora da equipe
de formadores, que propunha uma classifica-
ção dos textos que, até então, tinham sido pro-
duzidos pelos grupos. Os textos, classificados
em uma escala que se inicia com a cópia e cul-
mina com o texto-autoria, recebiam a seguinte
tipologia:
Texto-cópia: é o texto que reproduz lite-
ralmente o original, sem aspas e sem
entendê-lo.
Texto-imitação: é aquele que resulta da intro-
missão do autor no sistema de língua escrita
sem conhecê-lo, gerando um arremedo de es-
crita e baixa inteligibilidade.
Texto discurso alienado: é o texto que se afas-
ta do original, concentrando-se em outros te-
mas.
Texto-lamento: é o texto que se afasta do ori-
ginal e se refugia no sentimento de frustração
profissional.
Texto-colagem: é o texto feito de pedaços do
original, copiados na íntegra ou disfarçados
por pequenas alterações no vocabulário ou na
estrutura das frases sem, contudo, produzir
significado.
Texto-colcha-de-retalhos: é o texto retalhado
em muitos parágrafos curtos e não interliga-
dos pelo sentido.
Texto-montagem: é o texto feito de pedaços
do original, que se articulam de forma a pro-
duzir significado.
Texto-autoria: é o texto que retrata as idéias,
o estilo, o tom, em síntese, a identidade do
autor ou dos autores.
Ao receber as devolutivas dos professores-
formadores, que continham questionamentos
e observações, os professores, como disse an-
teriormente, sentiam-se angustiados. Encontra-
vam inúmeras justificativas para responder às
questões colocadas pelos professores-formado-
res, do tipo: “Eles estão exigindo muito de nós”;
“Nós quase não temos tempo de estudar; as ati-
vidades escolares são muitas”; “Eles querem nos
comparar a eles, que já estudaram tanto, são
mestres e doutores em educação.
Inicialmente, houve uma dificuldade muito
grande para os professores cursistas se coloca-
rem no lugar de pesquisadores e estudiosos e,
nessa condição, refletirem sobre as colocações
dos professores-formadores. Então, respondiam
aos professores-formadores em desabafo, fala-
vam de dificuldades e insatisfações. Mas, com o
diálogo permanente, recebendo orientações e
sugestões da equipe de formadores, os profes-
sores gradativamente foram mudando os seus re-
gistros, a forma de estudar os textos e também a
impressão que tinham sobre as devolutivas. Dis-
cutiam o foco das questões levantadas pelos pro-
fessores-formadores, estudavam os textos, gri-
fando e anotando as idéias centrais, e registra-
vam os pontos principais das discussões, ao
mesmo tempo em que elas aconteciam.
No meu acompanhamento, pude observar
essas mudanças e esses avanços, e a equipe da
Rede Interdisciplinar de Educação pôde
constatá-los por meio dos registros que cons-
tam em seus relatórios anuais de atividades.
Esse ir e vir, ou seja, esse diálogo permanen-
te vem sendo o ponto central do Formar. A di-
ferença entre o Projeto Formar e os treinamen-
tos, “capacitaçõese “reciclagenstradicionais
está exatamente no fato de ser formação conti-
nuada, com diálogo permanente e uma rede de
interações, e não ações episódicas ou contatos
esporádicos em que se discutem temas e ques-
tões descontextualizadas.
Outra contribuição evidente do Formar está
no fato de o professor repensar sua prática na
sala de aula. As propostas de atividades sempre
traziam questões teóricas e práticas. No início,
havia uma grande dificuldade para os profes-
sores cursistas colocarem em prática o que se
estudava e discutia. Em alguns momentos, o
grupo de estudo planejava uma aula em con-
junto com base nas orientações dos professo-
res-formadores, e um professor aplicava aque-
le planejamento em sua sala de aula. Outros
professores participavam da aula observando e
registrando a participação dos alunos e as in-
tervenções do professor. No estudo seguinte, o
grupo discutia o desenvolvimento do planeja-
mento e, no momento do relato da aula, ficava
clara a distorção em relação às atividades de-
12
senvolvidas e o que realmente se pretendia.
Mais uma vez, a equipe de professores-forma-
dores intervinha, levantando questionamentos
e fazendo observações nos relatos escritos das
aulas desenvolvidas.
No decorrer do Projeto, por meio do diálo-
go permanente entre professores e formadores,
era possível, além de desenvolver a leitura e a
escrita, o repensar constante sobre a prática
pedagógica.
Os temas propostos para estudo proporcio-
nam aprofundamento de conteúdos e conheci-
mentos indispensáveis ao educador. É nesse
sentido que o Formar vem contribuindo para
desenvolver a competência leitora e escritora
dos professores, além de promover o compro-
misso e a responsabilidade com o estudo, o ho-
rário, os prazos e os retornos, situações essas
que vêm sendo esquecidas no contexto da edu-
cação pública. Esse resgate do cumprimento do
dever e da necessidade de o professor estar
sempre estudando poderia ser considerado um
dos aspectos fundamentais do Formar.
Percebo que a formação continuada tem
dado um resultado mais efetivo do que as
capacitações” e “treinamentos” acontecidos em
momentos isolados. Pude constatar esse fato
quando ouvi de um grupo o seguinte depoimen-
to: “Formávamos alunos, mas não éramos for-
mados. O projeto Formar está nos formando.
Histórias e histórias
Bárbara Heller
Unicamp – MEC
Resumo
Pretendo comentar, ao longo de minha exposi-
ção, a elaboração do livro Histórias e histórias, que
reuniu dez pesquisadores sob a orientação da pro-
fessora Dra. Marisa Philbert Lajolo. Trata-se, portan-
to, de um trabalho coletivo, cujo resultado – um con-
junto de 111 cartas ficcionais, para 111 livros reais –
tenta prever os mais diversos tipos de leitores e mo-
dalidades de leitura dos livros que o Ministério da
Educação, por meio do Programa Nacional Biblio-
teca na Escola (PNBE), distribuiu, nos últimos dois
anos, a 80 a 100 mil escolas públicas do país.
Os autores dos livros comentados de forma
epistolar são da literatura infantil e infanto-juve-
nil: Lewis Carroll (traduzido por Ana Maria Macha-
do), Hans Christian Andersen (com tradução de
Tomás Rosa Bueno), João Carlos Marinho, Mário
Quintana, Pedro Bandeira, Marina Colasanti,
Graciliano Ramos, Orígenes Lessa, Marcos Ribei-
ro, Bartolomeu Campos de Queiroz, Tommie de
Pola, Cora Coralina, Eliardo França, para citar ape-
nas os nomes de alguns.
Os especialistas da Fundação Nacional do Li-
vro Infantil e Juvenil, que selecionaram o acervo
adquirido e distribuído pelo MEC, tornaram-se
personagens das cartas, por meio da reprodução
de trechos de seus pareceres críticos.
Introdução
Histórias e histórias é o resultado de um traba-
lho coletivo, elaborado por dez pesquisadores, sob
a coordenação da professora Dra. Marisa Lajolo,
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dez pesquisadores, sim, mas antes de tudo
dez leitores, que acreditam nas mais diversas
modalidades de leitura – individual, coletiva,
silenciosa, em voz alta, na sala de aula, na bi-
blioteca, no ônibus, no metrô, no toalete – e de
textos – livros, jornais, gibis, revistas, quadri-
nhos, anúncios, ilustrações, catálogos, manu-
ais de instrução, sites da Internet etc.
12
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 1
Dez pesquisadores espalhados pelo Brasil –
São Paulo, Porto Alegre, Campinas, Santos, Re-
cife, Rio de Janeiro –, por meio de poucos con-
tatos pessoais, mas muitos virtuais, trocaram
suas experiências da leitura dos 111 livros que
compõem o corpus de Histórias e histórias.
Enquanto realizávamos, em 1999, o Histó-
rias e histórias, tínhamos noção de que aquilo
que cada um produzia (isto é, uma carta para
cada livro) seria lido pelos professores, cujas
escolas receberiam o acervo dos livros adquiri-
dos e distribuídos pelo Ministério da Educação
(MEC).
A noção, hoje, transformou-se em números
bem concretos: ao todo, por intermédio do Pro-
grama Nacional Biblioteca na Escola (PNBE/99),
foram atendidas 36 mil escolas, cadastradas no
Censo Escolar/99, que registraram matrículas
em número igual ou superior a 150 alunos nas
quatro primeiras séries do Ensino Fundamen-
tal. Foram adquiridos 4 milhões de livros, ao
custo de R$ 21.427.859,77, dos quais R$
17.447.760,00 para as aquisições e mais R$
3.980.099,77 para a distribuição.
Embora impressionantes, os números não
falam por si. No máximo, revelam a amplitude
do projeto, mas não sua gênese nem as premis-
sas que ele abriga.
Gênese do projeto
Histórias e histórias
Primeira etapa – Seleção do
corpus
Dos 111 livros que fazem parte do corpus de
Histórias e histórias, 106 foram selecionados
pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Ju-
venil (FNLIJ) e os outros cinco pela Secretaria
de Educação Especial (SEESP), do Ministério da
Educação (MEC).
O site <http://www.fnlij.org.br/livros/
indice.htm>, da Fundação Nacional do Livro In-
fantil e Juvenil, explica que na seleção dos títu-
los indicados ao PNBE foram observados os se-
guintes itens:
• adequação e inovação da linguagem (de texto
e de imagem);
• qualidade gráfica;
• variedade de gêneros, de assuntos, de escrito-
res e de ilustradores.
Para cada um dos 106 títulos selecionados
pela FNLIJ, de 43 editoras distintas, foram emi-
tidos dois comentários críticos de diferentes es-
pecialistas em literatura infantil e juvenil.
Os dados abaixo mostram a distribuição dos
livros selecionados pela FNLIJ: 49 livros de nar-
rativas; 15 livros de poesia, 6 livros de imagem
(sem texto); 20 de ficção e não-ficção, compre-
endendo os gêneros já citados.
Descrevendo com maior riqueza de deta-
lhes: são livros que contemplam diversas mo-
dalidades de textos, tais como biografias, clás-
sicos, poemas, lendas, contos de fadas, do fol-
clore etc., de autores nacionais e estrangeiros.
Segunda etapa – Justificando
o gênero epistolar
De posse dos 111 exemplares e dos respecti-
vos pareceres críticos de especialistas, pusemo-
nos a discutir a melhor maneira de instrumenta-
lizar o professor que trabalha nas escolas benefi-
ciadas pelo PNBE.
No lugar de exercícios voltados à interpreta-
ção, que raramente trabalham a multiplicidade de
sentidos de um texto, propôs-se o gênero
epistolar, já que este não só favorece um clima de
intimidade entre narrador e destinatário, como
também permite criar inúmeras situações
ficcionais entre textos e leitores.
Estabelecemos que, em todas as cartas, ha-
veria a reprodução de trechos dos pareceres,
pois eles expõem os critérios por meio dos quais
aqueles livros, e não outros, foram seleciona-
dos para compor o acervo do PNBE/99.
À medida que criávamos em nossos textos
epistolares leitores fictícios, que tinham em suas
mãos livros reais, comunicávamo-nos por meio
do correio eletrônico. Assim, a troca das cartas
ficcionais que elaborávamos, anexadas às nos-
sas mensagens eletrônicas, permitiu-nos uma
vivência epistolar moderna e contemporânea.
Terceira etapa – Elaborando cartas
Os emissores das cartas deveriam ser leito-
res e os destinatários, docentes ou profissionais
14
da leitura. Assim, foram sendo criados os mais
diversos tipos de leitores: homens, mulheres,
crianças, mães de alunos, educadores; e os mais
diferentes professores: jovens, nem tão jovens,
aposentados, residentes em grandes centros
urbanos, em cidades do interior de qualquer
estado do Brasil. Alguns lecionam na periferia,
outros, na zona rural. Há, também, os que tra-
balham na capital. São homens e mulheres
cujas idades, implícitas nas cartas, revelam suas
experiências nas salas de aula. Há professores
de Português, de Geografia, de História, de Edu-
cação Artística, de Educação Física.
A maior parte das cartas destinou-se a pro-
fessores, mas algumas previram diferentes des-
tinatários: editores de material didático, auto-
res de livros para crianças, especialistas de lite-
ratura infantil e juvenil. Projetamos, portanto,
uma comunidade de leitores que, além de ul-
trapassar os limites da escola, prevê outros pro-
fissionais da leitura. Em outras palavras: o[a]
professor[a], principalmente de Português, dei-
xou de ser o único responsável pela divulgação
da leitura.
Premissas do
Histórias
e histórias
1. Em comum, na totalidade das cartas, a idéia
da mediação do adulto diante das situações
de leitura dos escolares. Não se trata de um
adulto qualquer, mas de um que tenha vín-
culos afetivos com os alunos e, principalmen-
te, que goste de ler. Nas escolas, esse papel
costuma ser do professor.
2. Sendo o principal mediador entre o texto e
seus alunos/leitores, é necessário que o pro-
fessor resgate sua história de leitura. Por isso,
é importante que ele recupere quais foram
os adultos que lhe forneceram, na infância,
os modelos de leitura; de quais livros, textos
ou autores gostou (e não gostou); quem lhe
contava histórias; onde costumava ouvi-las;
quando descobriu que podia ler sozinho; de
quais autores passou a gostar menos ou mais
à medida que foi amadurecendo; que hábi-
tos de leitura mantém nos dias de hoje etc.
3. Conhecendo e reconhecendo sua trajetória
como leitor, o professor terá maior flexibili-
dade para compreender as escolhas, as resis-
tências e as dificuldades do aluno que ainda
não pode ser considerado leitor maduro.
4. Por meio do resgate de sua história de leitu-
ra, o professor poderá compartilhá-la com
os alunos e, assim, ajudá-los a construir a
deles. Pode perguntar se gostam de ouvir
histórias, de quais autores já ouviram falar,
quais os hábitos de leitura da família, as his-
tórias preferidas etc. Se as crianças já forem
alfabetizadas, pode questionar quem são os
autores preferidos, os livros mais marcantes,
em que momento do dia (ou da noite) cos-
tumam ler, se gostam de ler em voz alta para
os outros, se lêem revistas, jornais etc. Nes-
se momento, o professor pode esclarecer
que está sendo construída a história de lei-
tura de cada um.
5. Uma vez que também se lê nos espaços pú-
blicos – parques, ônibus, metrô, nas ban-
cas de jornal etc. –, o professor poderá mos-
trar que a leitura permite uma grande va-
riedade de suportes (jornais, revistas, folhe-
tos, livros escolares, bulas de remédio, pres-
crições médicas, avisos, textos literários, de
auto-ajuda etc.) e que, portanto, a leitura é
uma prática social.
6. Observar o que e como os outros lêem à nos-
sa volta é uma excelente oportunidade para
se formar a noção de comunidades de lei-
tores. Na escola, não são apenas professo-
res e alunos que lêem; funcionários, biblio-
tecários, orientadores, coordenadores tam-
bém devem ser reconhecidos como leito-
res, cada qual com sua história de leitura.
Por isso, toda a comunidade escolar deve
se envolver com as atividades de leitura,
promovendo feira de livros, idas à bibliote-
ca, comentários sobre determinados textos
de livros ou de jornais etc.
7. Ao envolver os mais variados profissionais da
escola em atividades de leitura, o aluno passa
a vivenciá-las como sendo uma prática cole-
tiva, em que todos trocam experiências, livros,
modos de trabalhar os textos na aula e fora
dela. Quanto mais rica for essa troca, mais
chances o aluno terá de se tornar leitor.
8. A prática da leitura começa na escola, mas
não se esgota nela. Quando a criança tiver se
transformado em leitora, terá competência
14
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 1
para ler um texto literário, uma imagem, um
enunciado de um problema de matemática,
um mapa, um bilhete, uma paisagem, onde
quer que esteja. Esse leitor não só desconhe-
cerá o comportamento de que apenas lê o
quê e quando o professor quer que ele leia,
como também será um leitor do mundo.
9. Como ninguém lê tudo do mesmo jeito, não
há uma única leitura possível ou a mais au-
torizada. Alguns alunos irão se envolver com
as emoções do texto, com as cores e formas
das ilustrações. Outros, com os valores éti-
cos que perpassam as histórias. O professor
precisa compartilhar esses diferentes modos
de ler dos alunos, sem hierarquizá-los.
10. Só se aprende a ler em ambientes nos quais
se lê. Por isso, o professor deve ser um leitor
maduro, que leia com e para a criança, fa-
zendo-a familiarizar-se com a atividade da
leitura.
Considerações finais
Felizmente, o Programa Nacional Bibliote-
ca na Escola não é uma atividade isolada. A pu-
blicação de Histórias e histórias vem ao encon-
tro de outras iniciativas do governo voltadas ao
fomento da leitura, como a campanha Tempo
de Leitura, promovida em setembro de 2001.
Com o tema “Vamos fazer do Brasil um
país de leitores, a campanha teve o reforço
de um comercial de tevê e de um jingle de rá-
dio, além de cartazes e cartilhas feitos por
cartunistas famosos.
É o próprio MEC que divulga no site <http:/
/www.mec.gov.br/acs/acorda/leit.shtm> a con-
cepção de tal campanha: professores, diretores,
alunos, artistas, esportistas, contadores de his-
tórias e comunidade devem, juntos, reforçar a
importância do hábito da leitura dentro e fora
da sala de aula.
Isso significa que a leitura mediada por adul-
tos com diversas competências, formando uma
comunidade de leitores, proposta no Histórias e
histórias, encontra-se identificada com os pro-
jetos mais recentes do Ministério da Educação.
A já citada campanha Tempo de Leitura
complementa outras ações já implementadas
pelo Ministério da Educação, como os Progra-
mas do Livro Didático e da Biblioteca na Esco-
la, Parâmetros Curriculares e o Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores, en-
tre outros.
Todas essas iniciativas, se bem-sucedidas,
podem começar a destruir uma constatação tão
divulgada nos meios de comunicação e nas
queixas de professores: a de que os jovens de
hoje não têm concentração suficiente para ler
obras clássicas, que têm preguiça de ler textos
longos e canônicos.
17
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
22
22
2
DESENVOLVIMENTO
DA COMPETÊNCIA
LEITORA E ESCRITORA
Célia Maria Mattos
Beatriz Cardoso e Regina Scarpa
18
A Secretaria Municipal de Educação e Cul-
tura do Município de Itatiaia criou um progra-
ma tendo como eixo temático “Construindo a
Cidadania Ativa, com o objetivo de nortear os
trabalhos das escolas do município, para pos-
sibilitar o desenvolvimento de habilidades e
competências dos alunos direcionadas a uma
leitura contextualizada e à interpretação do
mundo, tendo como transversalidade a preser-
vação dos patrimônios ambiental e turístico,
aspectos considerados relevantes na região.
Assim, fundamentada nos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCN), buscando desenvol-
ver a competência leitora e escritora de seu cor-
po docente, a Secretaria Municipal de Educa-
ção criou o Projeto Flai – Feira de Livros e Artes
de Itatiaia –, composta por trabalhos de profes-
sores e alunos, apresentados na Semana de Edu-
cação e Cultura de Itatiaia (Seci).
O pleno desenvolvimento da competência
leitora e escritora dos docentes é um desafio
para os formadores, devendo, portanto, ser
priorizado. Foi com essa perspectiva que nós,
da Secretaria Municipal de Educação de Itatiaia,
direcionamos o foco da formação continuada,
objetivando a atualização profissional de nos-
sos professores e os possíveis reflexos dessas
ações nas salas de aula e no dia-a-dia de nossos
alunos e da comunidade local.
Tais ações encontraram justificativas na ne-
cessidade de preparar a clientela educativa do
município para a perfeita adequação às carac-
terísticas do mundo pós-moderno, pelo desen-
volvimento de suas capacidades leitoras,
interpretativas e escritoras, atividades funda-
mentais nesse mundo globalizado e apoiado na
mídia, em todas as áreas do conhecimento.
Simultaneamente, tais medidas encontra-
ram embasamento no Programa Parâmetros
Curriculares Nacionais em Ação, desenvolvido
pelo Ministério da Educação e implantado no
município desde abril de 2001, programa esse
que vem promovendo a capacitação permanen-
te de todos os professores da Educação Infantil
e do Ensino Fundamental (1º e 2º segmentos).
Esse programa vem possibilitando, ainda,
uma preparação mais adequada e atualizada dos
professores, bem como um melhor acompanha-
mento das atividades escolares, estimulando-os
a mudar suas antigas concepções do processo
ensino-aprendizagem, substituindo-as por uma
nova visão de suas práticas educativas, por meio
da construção dos conhecimentos elaborada
pelos próprios alunos, na qual novas competên-
cias e habilidades são exigidas pelo mundo atu-
al, para o pleno desenvolvimento dos educandos.
Com a implementação de tal competência, pro-
curou-se atingir vários objetivos, considerados de
singular importância, entre os quais destacamos:
• estimular as pesquisas de textos e fontes de
consultas variadas, tais como jornais, livros,
documentos, relatos impressos e outros, pro-
curando contextualizar, de maneira efetiva,
todas as áreas do conhecimento com situações
vivenciadas pelos alunos em seu cotidiano;
• promover a interdisciplinaridade entre as mais
diversas áreas do conhecimento do 1º
e 2º seg-
mentos do Ensino Fundamental;
• introduzir, em todos os ciclos e níveis do En-
sino Fundamental, a transversalidade do eixo
temático de preservação dos patrimônios
ambiental e turístico da região, considerados
as principais vocações do município;
• estreitar as relações entre as escolas munici-
pais e as comunidades locais, por intermé-
dio da participação efetiva dos professores e
alunos nos problemas encontrados nas reali-
dades destes últimos.
Valorização da competência leitora
e escritora na rede de ensino do
município de Itatiaia/RJ
Célia Maria Mattos
PCN em Ação – Itatiaia/RJ – SEF/MEC
18
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
Assim, após a preparação dos formadores
dos Parâmetros Curriculares Nacionais em
Ação, ficou evidenciado que, para garantir a efe-
tiva implementação dos PCN, a primeira medi-
da a ser desenvolvida seria a formação da com-
petência leitora e escritora dos professores da
rede municipal de ensino.
Nos primeiros encontros de formação, veri-
ficamos que, entre os profissionais que atuam
nos diferentes ciclos e níveis do Ensino Funda-
mental, uma parcela significativa de professores
já possuía tal competência desenvolvida, eviden-
ciada nas avaliações dos trabalhos propostos.
A heterogeneidade dos grupos de professo-
res levou-nos a implementar o desenvolvimen-
to da competência leitora e escritora por meio
de um projeto que possibilitasse o envolvimen-
to de toda a nossa clientela de docentes, inde-
pendentemente de suas experiências anteriores
e de suas áreas de conhecimento.
O projeto da elaboração de um livro de re-
ferências sobre o Município de Itatiaia foi o
ponto culminante de idéias compartilhadas
entre os formadores e os professores, fruto de
várias reflexões e debates, aliado à necessidade
de uma fonte de consultas que atendesse às
expectativas dos professores, alunos, comuni-
dade e turistas. Outro fator decisivo foi a
inexistência desse material sobre o município,
em virtude de sua recente emancipação.
Considerando-se a abrangência do projeto,
novos encontros entre formadores e professo-
res foram agendados, com o objetivo de apro-
fundar os estudos. As estratégias de leitura –
decodificação, seleção, antecipação, inferência
e checagem – foram amplamente vivenciadas
por todos os participantes.
Os professores que atuam no 3º e 4º
ciclos
do Ensino Fundamental, nas áreas do conheci-
mento de História, Geografia, Línguas, Matemá-
tica, Ciências, Educação Física, Educação Artís-
tica e Informática, juntamente com os profes-
sores do 1º e 2º ciclos, foram organizados em
grupos de leitores, após pesquisa e seleção dos
materiais pertinentes.
Algumas transformações ficaram evidentes
a partir desse projeto, entre as quais destacamos:
• o envolvimento dos alunos, por meio da
sensibilização dos professores, utilizando as
estratégias de leitura;
• freqüentes visitas dos envolvidos à biblioteca
pública do município;
• valorização da produção de conhecimentos
pela comunidade local, com citações de len-
das, relatos, poemas, histórias etc.;
• elevação da auto-estima dos professores e dos
alunos mais envolvidos com a comunidade
local, ao pesquisarem suas origens;
• implementação da temática “Turismo” nas
escolas, objetivando atender a essa importante
vocação regional e local;
• desenvolvimento de contextualizações em
todas as áreas do conhecimento, com os pro-
fessores inter-relacionando seus assuntos com
o dia-a-dia da comunidade local.
O resultado desse projeto, a edição de um
livro sobre o município de Itatiaia, abordará
aspectos históricos, geográficos, culturais, po-
líticos, ambientais e turísticos, com ilustrações
elaboradas pelos alunos, além de relatos, poe-
mas e outros trabalhos da comunidade local.
A manutenção da valorização da competência
leitora e escritora é feita por meio de oficinas para
professores, oferecidas pela Secretaria de Educa-
ção por uma especialista na Biblioteca Pública de
Itatiaia. Da mesma forma, é oferecida a “hora do
conto” aos alunos da rede municipal de ensino.
A efetivação desse projeto de valorização da
competência leitora e escritora aponta para
novas perspectivas na educação do município.
Verificamos que os reflexos de tal compe-
tência interferiram na visão de nosso professor
quanto ao planejamento das aulas, quanto à sua
auto-avaliação e também quanto à avaliação
dos conhecimentos de seus alunos. Um novo
mundo abriu-se à sua frente. Novas estratégias
foram utilizadas na sala de aula, e seus relatos
demonstram uma compreensão mais clara de
seu papel como educador.
A participação em uma produção coletiva (li-
vro) vem estimulando os professores a desenvol-
ver uma nova concepção de sua prática, o que
certamente promoverá uma nova cultura na edu-
cação do município mais voltada para a produ-
ção do que para a reprodução e centrada nos in-
teresses e nas necessidades da comunidade, por
intermédio dos envolvidos: professores e alunos.
20
Apresentação
A presente investigação analisou uma expe-
riência de formação continuada de professores,
no contexto do Programa Escola Que Vale
(PEQV). O programa consiste em uma série de
ações formativas, articuladas para colaborar de
forma sistemática com a melhoria da qualida-
de de ensino e da aprendizagem em 30 escolas
que atendem a crianças de redes públicas de
Ensino Fundamental (no Brasil, o equivalente
ao segmento de escolaridade que vai dos 7 aos
14 anos). O programa trabalha com 239 profes-
sores, 114 diretores e 116 supervisores, contem-
plando aproximadamente 8 mil alunos.
Interdependência
entre teoria e prática
Pode-se caracterizar as formas de realizar e
de investigar a formação de professores em pelo
menos três perspectivas. Uma delas defende a
formação em termos do ensino da prática pela
prática, isto é, da prática de maneira indepen-
dente da teoria. A outra tendência caracteriza-
se pela subordinação da prática à teoria, ou seja,
valoriza a dependência da prática ao conheci-
mento dos especialistas. A terceira perspectiva
apresenta uma visão de interdependência en-
tre teoria e prática aplicada à formação de pro-
fessores, como uma relação irredutível, comple-
mentar e indissociável.
Irredutível, porque uma não se subordina à
outra, e refletir sobre a prática no aqui e agora
da sala de aula é diferente de tomar a prática
Constituição de uma
metodologia de formação:
caminhos possíveis
Beatriz Cardoso e Regina Scarpa *
Cedac
pedagógica como algo sobre o qual se pode pen-
sar com certo distanciamento e com fundamen-
tação. Complementar, porque no contexto des-
se diálogo ambos os aspectos interagem, coo-
peram reciprocamente e completam-se. Indis-
sociável, porque na análise da prática pedagó-
gica não é possível separar os fenômenos que
se apresentam das teorias implícitas que os ori-
entam. Em decorrência disso, assume-se a idéia
de que o professor pode desenvolver sua com-
petência profissional no próprio processo de
construção e reconstrução de sua prática refle-
xiva e de que a supervisão do trabalho do pro-
fessor e a tematização de situações práticas são
estratégias essenciais para a formação, visto que
permitem e favorecem o exercício da interde-
pendência.
A terceira perspectiva, que será adotada no
presente trabalho, é uma alternativa fortemen-
te influenciada pelas idéias de Donald Schön,
que se dedicou à análise do desenvolvimento
da competência profissional e à relação existen-
te entre a capacidade de um profissional tor-
nar-se apto para enfrentar situações novas, to-
mando decisões apropriadas, além da oportu-
nidade de exercitar a reflexão sobre situações
práticas reais. A partir das proposições de
Schön, diversos autores têm aprofundado a
questão da epistemologia da prática na forma-
ção de professores (Shulman, Elbaz, Clarck,
Alarcão, Perrenoud, Meirieu, Yinger etc.).
Com apoio nos estudos anteriormente men-
cionados, se considerarmos como premissa que
a aprendizagem proveniente da prática é
estruturadora do saber do professor e tem de
* Beatriz Cardoso: coordenadora de projetos do Cedac (Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária) e professora-
doutora pela Faculdade de Educação da USP. Regina Scarpa: coordenadora do Programa Escola Que Vale no Centro de Educação e
Documentação para a Ação Comunitária (Cedac) e mestre pela Faculdade de Educação da USP.
20
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
ser valorizada no processo formativo, resta o
desafio de investigar como esse elemento deve
ser considerado nos programas de formação
continuada de professores.
Essa preocupação norteou simultanea-
mente a concepção e a definição do conjunto
de estratégias formativas do programa, bem
como suas linhas de investigação. No caso des-
se artigo, o foco estará nas seguintes questões:
• Como desenvolver uma metodologia de for-
mação continuada de professores que consi-
dere a prática como elemento formativo e
que seja capaz de interferir positivamente na
aprendizagem dos alunos?
• Como realizar uma formação sob tal perspec-
tiva, levando em conta a dimensão continen-
tal do nosso país?
Para tanto, descreveremos o campo empí-
rico, ou seja, a estrutura e as características do
programa para, em seguida, problematizar as
questões enunciadas.
O contexto empírico:
Programa Escola Que Vale
(PEQV)
O PEQV foi concebido em 1999, ano em que
se estabeleceram as parcerias de trabalho com
as Secretarias de Educação e com os profissio-
nais das redes públicas de ensino de seis mu-
nicípios selecionados para a implementação
da proposta piloto. Atualmente, o programa
atua em oito municípios.
1
O projeto deve ser
desenvolvido em dois anos de trabalhos inten-
sos em cada município, contando com mais
um ano de manutenção. O PEQV tem uma in-
tencionalidade clara no sentido de promover
a autonomia dos profissionais envolvidos, uma
vez que uma intervenção externa ao sistema
escolar costuma ser provisória e ter um tempo
de duração definido. Por essa razão, há uma
preocupação explícita em criar mecanismos
para que as aprendizagens se institucionalizem
de fato.
O maior desafio do PEQV é construir um
modelo de projeto que ofereça de forma coo-
perativa melhores condições de atuação, refle-
xão e transformação do trabalho educacional,
permitindo a apropriação do processo por par-
te de todos os implicados (professores, direto-
res e supervisores). Ou seja, o programa tem
por objetivo criar uma metodologia
2
que fa-
voreça o desenvolvimento de competências
profissionais, mas que, acima de tudo, promo-
va o desenvolvimento da autonomia e a neces-
sidade da reflexão permanente sobre as práti-
cas institucionais vigentes e sobre a qualidade
das situações pedagógicas que estão sendo
oferecidas aos alunos, em contraposição ao
modelo calcado na mera transmissão de co-
nhecimentos.
As ações desencadeadas pela equipe do
programa estão fundamentadas na idéia de
que a formação do professor se dá dentro da
unidade escolar como um todo e não apenas
na sala de aula. Para que haja ensino de quali-
dade, é preciso então que se cuide da gestão
do espaço, dos materiais e do tempo, da infra-
estrutura (melhoria dos ambientes), das rela-
ções institucionais e, obviamente, do proces-
so de ensino e de aprendizagem dos alunos.
O programa procura abranger três dimen-
sões fundamentais no trabalho educativo que
ressaltam sua natureza social:
A ação pedagógica: que tem a ver com as fun-
ções que o professor desempenha dentro de
sua sala com o seu grupo de crianças, orien-
tadas para conseguir a máxima produtivida-
de na relação ensino e aprendizagem.
A dimensão coletiva e institucional: que re-
leva a importância de uma boa infra-estru-
tura e de uma equipe de trabalho que asse-
gure o intercâmbio de idéias e espaços de pla-
nejamento conjunto. Dentro dessa perspec-
tiva, o PEQV desenvolve concomitantemente
1
Os municípios atendidos atualmente são Marabá, Parauapebas, Barcarena e Canaã (Pará), São Luís e Açailândia (Maranhão), João Neiva
(Espírito Santo) e Catas Altas (Minas Gerais). Essa seleção foi feita depois de visitas aos municípios que pertencem à área de atuação da
Companhia Vale do Rio Doce, e depois de entrevistas com seus secretários de educação e de pesquisa sobre a realidade escolar dessas regiões.
2
Emprega-se aqui o termo “metodologia” no sentido de implementar uma prática e analisar as possibilidades das estratégias utilizadas. Não
se trata de formalizar uma proposta fechada, mas de sistematizar o aprendizado alcançado para orientar novas experiências formativas.
22
diversas ações articuladas: trabalho sistemá-
tico com diretores e supervisores; criação da
Casa do Professor, de um site e de um supor-
te para a melhoria da infra-estrutura nas es-
colas de cada município.
O desenvolvimento pessoal e profissional: as
dimensões profissional e pessoal são
indissociáveis. A consideração desse aspecto
deu-se na criação de estratégias que visam
promover: a ampliação do universo cultural
(oficinas de Artes e de Língua Portuguesa), os
processos de autoformação, a reconsideração
de valores e da própria imagem como pro-
fessor, de forma que este encontre sentidos
particulares em seus processos de constru-
ção de conhecimento.
Dessa forma, o programa atua em diferen-
tes frentes, concomitantemente, e luta contra
a idéia de que os problemas da educação se
restringem apenas à formação dos professores.
Neste texto, entretanto, faremos um recorte e
discutiremos especificamente a questão da
formação continuada de professores.
A constituição de uma
metodologia de formação
continuada de professores:
caminhos possíveis
Anteriormente, enunciamos alguns dos
princípios e fundamentos que norteiam esta
análise de uma experiência de formação de
professores. Para aprofundar a discussão, além
de indicar as grandes linhas de atuação do pro-
grama, é necessário apresentar alguns dados
que contextualizem o recorte em questão. A
seguir, faremos uma breve descrição das ações
diretamente ligadas à formação de professo-
res para, depois, podermos problematizar essa
mesma atuação.
A criação do contexto formativo
Ampliar os horizontes dos professores a fim
de facilitar o acesso à informação e criar um
espaço de reflexão permanente sobre a práti-
ca pedagógica são os principais desafios a se-
rem transpostos.
É meta do programa possibilitar o traba-
lho dos professores com questões sociais sig-
nificativas para alunos e para a comunidade,
utilizando a leitura, a escrita e a comunicação
oral como instrumentos para a formação da
cidadania. Para isso, destaca-se a possibilida-
de de uso de recursos tecnológicos, tais como:
computador, máquina fotográfica, gravador,
filmadora, considerados importantes no pro-
cesso de aprendizagem e formação do aluno,
e que o próprio programa torna disponíveis.
O contexto da formação de professores cri-
ado pelo programa consiste no trabalho com
projetos didáticos de leitura e escrita e na su-
pervisão permanente do desenvolvimento pe-
los professores.
Projetos de leitura e escrita:
convite para uma aventura pedagógica
Ao iniciar o trabalho, os professores rece-
bem um cardápio, com diversos projetos didá-
ticos de leitura e escrita, e escolhem um deles
para realizar em classe. “Pequena enciclopé-
dia, “As pessoas e as paisagens do lugar onde
vivo, “Receitas da minha terra, “Quem canta
seus males espanta” são alguns dos projetos
apresentados. Todos obedecem a uma estru-
tura básica, com sugestões didáticas que se-
rão detalhadas e transformadas em seqüências
de atividades específicas junto com cada gru-
po de professores. O desenvolvimento do pro-
jeto é detalhado à medida que o professor rea-
liza as atividades com seus alunos.
3
A idéia de trabalhar com um cardápio de
projetos se baseia na premissa de que não é
possível desenvolver um material único que se
adapte a qualquer contexto. A solução encon-
trada diz respeito à diversidade presente em
cada região e em cada sala de aula e, ao mes-
mo tempo, oferece atividades fundamentais
para que o processo de aprendizagem da lín-
gua possa ocorrer de fato. Com esse trabalho,
os professores aprofundam diversos conteúdos
de leitura e escrita com seus alunos, que, por
3
Na estrutura proposta, os professores envolvidos no programa realizam, juntamente com seus alunos, quatro projetos no período de dois anos.
22
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
sua vez, aprendem de forma contextualizada,
sabendo o quê, para quê e para quem estão
escrevendo.
Uma das vantagens dos projetos é que seu
desenvolvimento se dá em torno da execução
de uma meta clara, como, por exemplo, a con-
fecção de um livro, de um CD, de um vídeo
etc. As situações didáticas oferecidas criam
condições de sentido para o aluno. A apren-
dizagem se consolida para ele, despertando o
seu interesse em permanecer na escola. Mui-
tas vezes, embrenhada em sua tarefa, a esco-
la se volta para a preparação futura do aluno
e deixa em segundo plano o estabelecimento
de sentido a cada passo do processo de apren-
dizagem.
Além disso, os projetos se caracterizam
por uma tarefa coletiva composta de diversas
subtarefas. Para sua execução, é preciso: pla-
nejar; prever; dividir responsabilidades; ad-
quirir conhecimentos específicos relativos ao
tema em questão; desenvolver capacidades e
procedimentos determinados; usar recursos
tecnológicos; aprender a trabalhar em grupo,
agindo de acordo com normas, valores e ati-
tudes esperados; organizar o tempo; dividir e
redimensionar as tarefas; e avaliar os resulta-
dos em função do plano inicial. A caracterís-
tica de partilha do planejamento, inerente ao
desenvolvimento do projeto, favorece o ne-
cessário compromisso do sujeito que apren-
de com sua própria aprendizagem, pois ela é
muito mais produtiva quando o grupo que
realiza tal projeto conta com a participação
de cada um para alcançar a meta comum.
Os professores participantes são supervi-
sionados em seus trabalhos por coordenado-
ras regionais (especialistas na área da educa-
ção – Cedac) que fazem visitas mensais aos
municípios e também utilizam estratégias de
acompanhamento a distância. Além disso,
contam com o apoio operacional de coorde-
nadoras locais (professoras da rede munici-
pal que são selecionadas para assumir essa
função).
O programa optou por eleger o conteúdo
de Língua Portuguesa como eixo norteador da
formação de professores por ser esse conhe-
cimento fundamental e instrumento essencial
para a aprendizagem de qualquer outro cam-
po de conhecimento.
4
Por meio da implemen-
tação de projetos, pretende-se criar para o
professor um contexto paralelo de desenvol-
vimento.
5
Nesse contexto ele poderá, entre muitas
outras coisas, construir conhecimentos peda-
gógicos, desenvolver um novo olhar sobre as
relações entre professor e aluno e reformular
o que entende a respeito dos processos de en-
sino e de aprendizagem. O programa pressu-
põe que, à medida que se apropria desses no-
vos saberes, o professor certamente passará
a utilizá-los em outros momentos de seu tra-
balho cotidiano em sala de aula.
O conteúdo a ser ministrado em qualquer
programa de formação de professores deve
nascer necessariamente da concepção didá-
tica e do projeto educativo que se têm para o
aluno. São os objetivos gerais em relação à
aprendizagem dos alunos que devem nortear
o trabalho com os professores, a fim de lhes
favorecer a apropriação do saber e do saber-
fazer necessários para tanto. Por essa razão,
torna-se fundamental a explicitação da con-
cepção do ensino da Língua Portuguesa como
objeto do conhecimento claramente assumi-
do para o aluno, bem como a expectativa de-
corrente em termos de sua aprendizagem, o
que faremos a seguir.
O PEQV entende que um sujeito prepara-
do para atuar na transformação da realidade
em que está inserido é alguém capaz de utili-
zar as ferramentas e os conhecimentos de que
dispomos hoje. Não basta apenas saber ler e
escrever, é necessário também ser capaz de
interagir com a língua escrita de forma plena.
4
Essa estratégia também tem a intenção de colaborar na implementação das idéias referendadas nos PCN (Parâmetros Curriculares Na-
cionais), que estabelecem uma referência sobre
o que
e
como
se deve ensinar em cada área do conhecimento.
5
Embora esse espaço esteja sendo criado dentro do período escolar existente, a experiência é realizada no horário destinado na grade curricular
às aulas de Língua Portuguesa. Como já dissemos, os conteúdos trabalhados nos projetos atendem às expectativas estabelecidas pelos PCN.
24
É preciso dominar os recursos tecnológicos
que a cada dia estão mais presentes no cotidi-
ano do cidadão, além de desenvolver uma sé-
rie de valores e atitudes condizentes com uma
prática da cidadania.
Junto com os profissionais com quem
atua, o PEQV procura ressignificar o sentido
da escola em nossa sociedade, por meio de es-
tratégias que integrem, de modo dinâmico, a
cultura local e a universal. A escola deve ser
tratada como lugar privilegiado de inserção
dos alunos no universo do conhecimento.
O programa atua em regiões desfavoreci-
das do país, onde a falta de acesso ao mundo
letrado é sem dúvida um fator de exclusão de
grande parte da população. Outro dado
determinante para a definição do trabalho
nessa área é que este, quando bem-conduzi-
do, promove o desenvolvimento de uma sé-
rie de capacidades cognitivas fundamentais
para a formação do cidadão. Ler, escrever, ou-
vir e falar são as principais habilidades lin-
güísticas que permeiam todas as atividades
escolares ou extra-escolares, sejam elas de
produção ou de compreensão da Língua Por-
tuguesa. Pode-se dizer que as atividades
discursivas expressas em textos orais ou es-
critos são imprescindíveis no ambiente esco-
lar, pois todas as ações realizadas individual-
mente ou em grupo envolvem essas quatro
competências. No entanto, apesar da impor-
tância da linguagem em nosso cotidiano, na
maioria das vezes ela aparece na escola
desvinculada dos propósitos que lhe dão sen-
tido no uso social.
É muito comum, na escola, que o aluno te-
nha acesso somente ao livro didático e que as
atividades de Língua Portuguesa acabem sen-
do restritas e não apresentem vínculo com si-
tuações reais de uso nem promovam o conhe-
cimento de outros registros.
Tornar os alunos experientes no uso da
língua implica necessariamente colocá-los em
diversas situações reais de produção de lei-
tura e de produção de texto, como, por exem-
plo, preparar um discurso, fazer uma apresen-
tação para um programa de televisão, escre-
ver um livro de histórias, contar para os cole-
gas uma história que tenha lido ou ouvido, ler
histórias para crianças menores etc. Para pro-
piciar aos alunos o domínio no campo da lin-
guagem, é preciso fazer que essa língua, a que
usamos de fato, “invada” a escola por meio de
situações contextualizadas de leitura e escri-
ta, como uma grande campanha em prol do
saber ler, escrever, ouvir e falar com compe-
tência.
A realização dos projetos, como está pro-
posta no âmbito do PEQV, além de criar um
contexto em que o aluno experimenta de ma-
neira significativa as possibilidades de leitu-
ra e escrita, favorece a concretização de as-
pectos centrais, anteriormente enunciados,
relativos à consideração de uma epistemolo-
gia da prática. Com a fundamentação em pro-
postas desse tipo é possível criar um contex-
to formativo, em que se mobilizem as com-
petências do professor. A realização de proje-
tos sugere problemas concretos, e o formador
atua em função das questões que emergem
desse processo de implementação.
O importante, para os professores, é com-
preender o que eles têm de ensinar e por que
ensinar. Se é isso que faz sentido para os pro-
fessores, torna-se necessário, então, concili-
ar duas classes de propósitos: a dos que ensi-
nam e a dos que aprendem. As situações pro-
fissionais são complexas e os conhecimentos
não têm uma aplicação linear. O professor
tem de agir em situação, por isso precisa ad-
quirir conhecimento disciplinar. Entretanto,
essa é apenas uma parte do seu conhecimen-
to profissional. É necessário também que ele
se capacite para compreender o que está por
trás daquela situação didática. A construção
do conhecimento profissional implica, assim,
a construção de um contexto que ofereça aos
professores, simultaneamente, o acesso aos
conhecimentos disciplinares, à didática e ao
processo de aprendizagem do aluno. Para isso,
é imprescindível que levemos em conta o que
pensam os professores, quais são suas teo-
rias, como realizam seu trabalho em sala de
aula e as conseqüências desse fazer na apren-
dizagem dos alunos (o que sabem, o que des-
conhecem e o que precisam aprender).
Os resultados alcançados no PEQV validam
a utilização do cardápio de projetos como um
24
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
elemento importante na criação de um con-
texto formativo com essas intencionalidades.
A supervisão: “uma ampliação da visão”
A supervisão do trabalho pedagógico carac-
teriza-se como espaços presenciais
6
e a distân-
cia, para que professores e coordenadores (re-
gionais e locais) reflitam sobre o que foi pro-
posto aos alunos e planejem as próximas eta-
pas do projeto.
Essa supervisão constitui um dos grandes
diferenciais que o PEQV oferece. Esse traba-
lho é realizado por um profissional com mais
experiência, que atualmente é formador, mas
já foi professor e, portanto, tem experiência
de sala de aula. Seu encontro sistemático com
o professor, o diretor e o supervisor possibili-
ta que os problemas advindos da prática em
sala de aula sejam nomeados, interpretados
e transformados. Nessa interlocução, o pro-
fessor é ajudado, tanto do ponto de vista da
implementação de uma prática, quanto da
compreensão da teoria que a sustenta. A con-
figuração de um espaço de troca e aprendiza-
gem dessa natureza é muito comum em di-
versas profissões e em muitas escolas que ofe-
recem um ensino de qualidade. Para quase
todos os profissionais, seu desenvolvimento
conta com a possibilidade de diálogo entre
pares, pois estimula a troca de saberes. O fato
de configurar uma arquitetura de funciona-
mento do programa apoiada na idéia de que
a possibilidade de troca, a reflexão comparti-
lhada e o acesso à informação devam ser pi-
lares do processo tem feito que as respostas e
o nível de compreensão dos professores en-
volvidos nessa experiência sejam surpreen-
dentemente rápidos.
Isso representa um enorme avanço, porque
permite superar a situação habitual de solidão
em que se encontram os professores, e cria
uma interlocução que é o motor do crescimen-
to profissional. Aos poucos, os professores vão
se dando conta de inúmeros aspectos da prá-
tica pedagógica que não eram observáveis, e
buscam, a partir da reflexão sobre a ação, iden-
tificar problemas, conhecer os processos de
aprendizagem dos alunos, pensar sobre suas
interferências e, portanto, adequar cada vez
mais o diálogo entre o ensino e a aprendiza-
gem.
O PEQV atua baseado na prática e na
teorização da prática, com o intuito de ajudar
os profissionais envolvidos a aprender a fa-
zer, a compreender esse fazer”, adequando-
o e transformando-o de acordo com uma situ-
ação concreta. Portanto, a estratégia de apre-
sentação de um cardápio com propostas de di-
ferentes projetos a serem realizados ganha
outra força, na medida em que se oferece uma
condição material e conceitual para o seu de-
senvolvimento.
As principais estratégias formativas utiliza-
das nos momentos de supervisão são:
A observação de sala de aula e o registro em
vídeo da atuação do professor
Por sua própria especificidade, a observa-
ção em sala de aula é a estratégia que mais da-
dos nos fornece para a reflexão com os profes-
sores em processo de formação, pois nela não
se verifica o desenvolvimento do trabalho ex-
clusivamente no plano do discurso falado ou
escrito, mas essencialmente no plano em que
ocorrem interações, atitudes, valores, objeti-
vos e intervenções, tendo, por isso, um papel
fundamental no processo de transformação
das práticas.
Os encontros de tematização de situações
práticas, que foram diretamente observadas
pelo formador ou gravadas em vídeo, têm por
objetivo criar nos professores a disposição para
refletir criticamente sobre as próprias atua-
ções, buscando as próprias soluções nas ques-
tões que essas práticas apresentam. Essa es-
tratégia ajuda os professores a identificar pro-
blemas e a pensar estratégias de resolução des-
tes, a investigar, a ver sob outras perspectivas,
a problematizá-las, a levantar hipóteses, a
identificar e a nomear as dificuldades para
6
Os encontros presenciais consistem em reuniões organizadas entre professores e coordenadores, que somam um total de sete horas de
trabalho por mês.
26
buscar alternativas de ação, a elaborar propos-
tas de intervenção didática, a refletir e a dis-
cutir a adequação das mesmas.
No primeiro ano do programa, foram mais
freqüentes as situações de observação de au-
las de outros professores realizadas em outros
contextos (vídeos de acervos particulares ou
direcionados à formação de professores), a fim
de garantir o distanciamento necessário para
a análise de questões específicas sobre o ensi-
no e/ou a aprendizagem e a progressiva cons-
trução de uma atitude profissional de reflexão,
compartilhada com a prática. No segundo ano
de trabalho, quando o vínculo de confiança en-
tre professores e formadores estava estabele-
cido, a observação de aulas realizadas pelos
próprios professores ganhou maior espaço,
dada a importância dessa real proximidade
com a prática pedagógica em todo e qualquer
programa de formação.
As pautas de todas as supervisões desse
tipo são planejadas de forma que favoreçam
a análise de contextos muito familiares para
todos os professores (a atividade discutida é
realizada por todos os professores do grupo
de supervisão), com a atenção voltada para
não transformar a observação das aulas gra-
vadas numa situação de avaliação externa de
erros” e “acertos. Para tanto, tomam-se al-
guns cuidados:
• Elabora-se coletivamente o planejamento da
atividade que será gravada (o formador se co-
responsabiliza pela realização da atividade,
fornecendo ajuda antes”).
• Realiza-se um encontro com o professor da
classe, antes da gravação, com a finalidade de
planejar, antecipar possíveis problemas e dis-
cutir os aspectos que estarão sendo focaliza-
dos na supervisão com todo o grupo.
• Após as gravações, realiza-se, junto com o
professor, uma análise da aula, selecionam-
se trechos dos vídeos e elaboram-se as estra-
tégias para sua apresentação (esclarecimen-
tos sobre os propósitos da observação, con-
signas
7
que guiarão a observação feita pelos
professores, comentários sobre a aula etc.).
• Na supervisão, a análise feita a partir da ob-
servação da aula é guiada por uma consigna
clara, geralmente questões problematizadoras
relacionadas com o propósito da observação,
recortada por comentários dos professores do
grupo sobre situações ou passagens (simila-
res ou não) ocorridas em suas salas de aula.
• Cada professor tem de se remeter à própria
aula para ampliar os aspectos observados.
Dessa forma, portanto, saímos de uma situa-
ção isolada (a aula do professor X) e vamos
para outros contextos (as vivências de cada
professor participante da supervisão). Isso re-
sulta na criação de uma situação-problema:
se a atividade é a mesma, o que faz que os
resultados observados tenham características
tão diferentes?
O fato de se criar essa situação de observa-
ção, mesmo que cercada por todos esses cui-
dados, não garante a apropriação imediata da
idéia de reflexão sobre a ação, como meio para
a auto-observação e auto-avaliação dos profes-
sores em supervisão. Esse é um movimento
gradativo, que depende de atitudes a serem
construídas e que estão relacionadas com o
aprendizado de ouvir outras opiniões, consi-
derar outras alternativas, admitir possibilida-
des de erros, reconhecer as conseqüências de
suas diferentes atuações sobre o desempenho
dos alunos.
O desafio que essa prática coloca para o
formador é o de identificar e isolar determi-
nado aspecto que seja relevante diante das
competências do grupo, da etapa do projeto,
do que se quer destacar das aprendizagens
dos alunos. Dessa seleção, surge a necessida-
de de se pensar as melhores estratégias de
tematização dos conteúdos envolvidos para a
supervisão: esclarecimentos sobre os propó-
sitos da observação, questões que nortearão
a discussão, pausas para comentários sobre a
aula, necessidade de aprofundamento teóri-
co etc. A supervisão potencializa, assim, dis-
cussões significativas sobre determinados as-
pectos da situação de ensino ou da situação
de aprendizagem.
7
Consigna é a instrução dada para a realização de determinada tarefa.
26
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
Após a análise de resultados que represen-
tam diferentes níveis de reflexão, podemos
avaliar que as situações que trazem mais de-
safios aos professores e que estão no âmbito
das supervisões são aquelas que demandam a
utilização de competências relacionadas, em
menor ou maior grau:
• à organização do discurso sobre a própria
prática;
• a um nível de reflexão que passa pela inter-
pretação de episódios da própria prática;
• a um nível de reflexão que leva à reconstru-
ção e à alteração da prática.
Modelos de boas situações didáticas
A criação de contextos de aprendizagem
que sejam similares aos que os professores irão
realizar com os alunos é uma estratégia impor-
tante para se trabalhar com situações que pro-
duzam boas aprendizagens para as crianças e
a partir das quais se possam compreender seus
fundamentos.
Não são atividades idênticas às que os
professores vão realizar com os alunos, mas
atividades que contenham os mesmos prin-
cípios didáticos e, por isso, possam servir de
parâmetro. O objetivo dessa situação é dis-
cutir o por quê” e o “para quê” de cada pro-
posta e o que queremos que os alunos apren-
dam com ela.
Donald Schön tem uma posição clara a
respeito da imitação, que por muitos anos
teve má reputação na esfera educacional. Para
ele, muitas das aprendizagens de novas com-
petências passam pela imitação, que não é
uma simples repetição ou cópia fiel do mo-
delo; trata-se de um processo ativo, por meio
do qual os professores precisam interpretar o
que há de essencial na atividade, de modo que
ela possa ser interiorizada de forma própria e
compreensiva.
A teoria tem um papel insubstituível nesse
processo, pois, para que se aprenda com a ex-
periência, é preciso conceitualizá-la, o quer di-
zer teorizar, sistematizar e validar o que se
aprendeu com a reflexão sobre a experiência,
estabelecendo relações entre os conceitos,
para que a teorização da prática sirva como
referencial para resolver outros problemas pro-
fissionais.
No trabalho com bons modelos de situa-
ções didáticas, os conteúdos apresentam-se
de forma contextualizada, isto é, procura-se
lidar com situações que dêem sentido aos co-
nhecimentos que devem ser ensinados, seja
na atuação do formador com o grupo de pro-
fessores, seja no modelo de atividades presen-
tes nos vídeos que são analisados. Em função
disso, as situações de descontextualização
desses conhecimentos são fundamentais, pois
enquanto os professores participam das situ-
ações propostas não sabem que esses mesmos
conhecimentos poderão ser utilizados em
outras ocasiões. Assim, a criação de uma si-
tuação-problema para que os professores co-
loquem em jogo o que aprenderam e plane-
jem atividades futuras é um momento que
deve ser garantido na formação, para que os
professores, com a ajuda do formador, pos-
sam reconhecer o saber que produziram como
algo que pode ser transferido para outras si-
tuações.
Temos observado que, quando um conhe-
cimento é contextualizado e o professor não
recebe ajuda para construir um projeto de
descontextualização – ou seja, um projeto no
qual ele se questione a respeito do possível uso
desse conhecimento em outra situação –, esse
conhecimento pode ficar circunscrito ao con-
texto específico no qual foi inicialmente traba-
lhado. Assim, o formador ajuda os professores
no planejamento de futuras ações, a partir do
que aprenderam, e faz o acompanhamento des-
sas aprendizagens: os conteúdos tratados são
rediscutidos e reavaliados nos próximos encon-
tros de supervisão (por meio de filmagens, re-
gistros da prática e produções das crianças),
após terem sido colocados em prática. Com
isso, criam-se as condições para que os profes-
sores façam aproximações sucessivas com os
conteúdos em questão num nível de complexi-
dade crescente.
Experiência e análise
de situações homológicas
No caso de situações homológicas, explo-
ra-se na situação formativa o paralelismo com
28
a situação da prática profissional, e isso equi-
vale a dizer que a didática utilizada pelo for-
mador procura ser coerente com os mesmos
conceitos e princípios assumidos para o tra-
balho do professor com as crianças.
Sendo assim, nessa modalidade, os pró-
prios contextos formativos e a relação entre
formador e professor são tomados como si-
tuações exemplificativas de modelos didáti-
cos, atitudes e modos de organização que se
pretende que venham a ser desempenhados
na prática pedagógica com as crianças, de
modo que os mesmos sejam continuamente
analisados com olhares de proximidade e
distanciamento, alternando entre o vivido e
a reflexão sobre o vivido, entre o observado
e a reflexão sobre o observado. Dessa forma,
o professor compreende, por meio do olhar
do formador, o que acontece e quais são as
formas e os fundamentos daquilo que ele
propõe.
Estratégias de formação a distância
Como já foi dito, um dos principais desa-
fios do programa foi a criação de estratégias
de formação a distância, dadas a localização
de cada município participante e a necessida-
de de acompanhar o desenvolvimento dos pro-
jetos e o percurso dos professores em forma-
ção. Para isso, o programa viabilizou em cada
município a criação da Casa do Professor,
8
um
espaço dedicado à convivência, à formação e
ao desenvolvimento pessoal e profissional de
todos os professores. A Casa do Professor re-
presenta, em cada município, um lugar para
encontros culturais, reuniões pedagógicas, ses-
sões coletivas de vídeo com debate, oficinas de
arte, centro de documentação, consultas à bi-
blioteca, acesso a recursos tecnológicos e à
informática, o que permitiu a utilização do
correio eletrônico como importante meio de
interlocução a distância.
Todo mês, após os encontros presenciais da
coordenadora regional em cada município, vá-
rios são os encaminhamentos realizados com
o objetivo de assegurar a continuidade do
acompanhamento do trabalho pedagógico dos
professores. Nessa comunicação a distância, a
coordenadora local de cada município tem um
importante papel, pois é ela quem viabilizará
a realização das ações combinadas e o envio
de materiais para a coordenadora regional, tais
como:
• as fitas de vídeo com filmagens de situações
de sala de aula, acompanhadas de registros
escritos pelas professoras e das produções das
crianças da sala;
• seus próprios relatórios das reuniões de su-
pervisão semanais realizadas com os profes-
sores;
• os relatórios de observações em sala de aula
elaborados pelas supervisoras que acompa-
nham o trabalho.
A leitura e a análise de todo esse material
são realizadas pela coordenadora regional vi-
sando à escrita de retorno, que fará, via e-mail
para a coordenadora local, e ao planejamento
das próximas reuniões de supervisão presen-
ciais, uma vez que, com a análise das necessi-
dades formativas dos professores e das dificul-
dades com que deparam para o desenvolvi-
mento dos projetos, ela pode antecipar ques-
tões que precisarão ser tratadas, selecionar
textos para fundamentação teórica a partir das
reais necessidades dos professores e planejar
estratégias mais adequadas para as próximas
supervisões presenciais.
Reflexões decorrentes
dessa prática
A experiência anteriormente descrita per-
mite problematizar as questões enunciadas no
início deste texto e identificar alguns aspectos
que nos parecem centrais na constituição des-
sa metodologia de formação continuada de
professores.
O contexto formativo criado pelo PEQV va-
loriza como eixo central da formação a mobi-
lização de competências profissionais. A hipó-
8
A Casa do Professor é fruto da parceria com as Secretarias Municipais de Educação e é gerida por grupos de professores e representantes
das equipes técnicas dessas secretarias.
28
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
tese que está por trás dessa experiência é a de
que o professor pode desenvolver sua compe-
tência profissional no próprio processo de
construção e reconstrução de sua prática re-
flexiva.
Todo o contexto, anteriormente descrito,
propicia a análise de diversos aspectos ligados
ao processo de aprendizagem dos professores.
A constituição e a implementação de uma
metodologia de formação de professores, que
tem como objetivo interferir positivamente na
aprendizagem dos alunos no campo da leitura
e da escrita, implicam a consideração de de-
terminados pressupostos e, conseqüentemen-
te, a validação de certas estratégias. A forma-
ção de professores está apoiada em três eixos,
a saber:
aprofunde seus conhecimentos sobre o con-
teúdo que será ensinado, articulando-o com o
como” ensiná-lo e para quem” ensiná-lo. É
só com base nesse tipo de conhecimento que
o professor poderá atuar de maneira pertinen-
te na formulação, no encaminhamento e na
avaliação de situações didáticas. Para isso, o
professor precisa saber como a criança pensa
e aprende, e a teorização de situações práticas
pode ajudar na construção de novos observá-
veis sobre o processo de aprendizagem da cri-
ança, oferecendo-lhe condições de análise crí-
tica de diferentes concepções didáticas.
Entretanto, o grande desafio é que esse
aprendizado não ocorre de maneira descon-
textualizada, desvinculada da prática, e, por-
tanto, não pode ser tratado como conheci-
mentos teóricos a serem simplesmente trans-
mitidos aos professores. É necessário desen-
volver estratégias formativas que permitam o
contato com esses aspectos a partir da práti-
ca pedagógica e da reflexão fundamentada
sobre ela.
O professor é um profissional, e é preciso
estimular o diálogo com ele a partir de situa-
ções nas quais se sinta capaz de avançar e pro-
duzir conhecimentos. O desafio está em en-
contrar situações que criem condições para a
manifestação da competência e do desejo de
estabelecer um vínculo novo com o conheci-
mento e com o seu processo de aprendizagem.
O professor não é tratado como um técni-
co ou um mero aplicador de decisões alheias,
que recebe instruções e coloca-as em prática.
Seu desempenho profissional possui dimen-
sões muito mais sofisticadas, pois depende de
uma constante reconstrução do que está pla-
nejado. Ele tampouco é um teórico, pois seu
trabalho possui também uma dimensão con-
creta que lhe apresenta desafios de ordem prá-
tica a serem enfrentados. Ele é um profissio-
nal da aprendizagem e precisa encontrar es-
paços para construir sua verdadeira identida-
de.
9
A elaboração de atividades adequadas é o
terreno de criação do professor e essa possibi-
lidade se baseia em capacidades muito carac-
Assim, é na articulação e na ação simultâ-
nea dos mesmos eixos que se pode compreen-
der os processos dos professores e garantir, ao
mesmo tempo, um impacto positivo sobre a
aprendizagem dos alunos.
Uma real ajuda na formação do professor
significa criar condições para que ele de fato
amplie seus conhecimentos profissionais, en-
tendendo por conhecimento profissional a
tríade:
• a reconceitualização dos conteúdos de ensi-
no;
• a concepção de aprendizagem da criança;
• a concepção didática.
Com essa perspectiva, é preciso desenvol-
ver, no processo de formação, estratégias com
a intenção clara de permitir que o professor
9
Esse conceito foi tomado emprestado de Philippe Meirieu.
Conhecimento profissional
Aprendizagem
do professor
Didática
da formação
30
terísticas, que têm de ser desenvolvidas por
quem assume tal função: a capacidade de ob-
servar, analisar, mobilizar conhecimentos re-
levantes, avaliar e criar vínculos com o aluno.
Quem efetivamente determina a qualidade do
trabalho em sala de aula é o professor.
A atividade docente demanda a construção
de uma série de conhecimentos e competên-
cias por parte do profissional. Exige uma pos-
tura reflexiva para que possa: compreender as
questões envolvidas no trabalho e desenvolver
competências para identificá-las e resolvê-las;
ter autonomia para tomar decisões; assumir a
responsabilidade pelas opções feitas. Requer
também que o profissional saiba avaliar criti-
camente seu desempenho e o contexto em que
atua, interagindo de forma cooperativa com a
equipe à qual pertence.
As competências que esse profissional
constrói estão relacionadas com sua capacida-
de de utilizar múltiplos recursos – entre os
quais estão os conhecimentos teóricos que
possui e suas experiências profissionais e pes-
soais, para responder às diferentes demandas
das situações de trabalho. Trata-se de compe-
tências que se traduzem em atos, num saber
agir que necessita ser reconhecido pelos pares
e pelos outros, e cuja constituição pode e deve
ser promovida em termos coletivos. Um exem-
plo disso seria desenvolver a competência de
organizar a aprendizagem dos alunos, ou seja,
saber fazer uma programação, saber elaborar
boas situações de aprendizagem, saber anali-
sar os erros dos alunos, saber individualizar
uma resposta etc. Não se trata de instituir um
modelo único de competência. Há muitas ma-
neiras de ser um bom professor, e isso implica
a construção de um estilo próprio e envolvi-
mento pessoal. É necessário promover o de-
senvolvimento de competências que permitam
ao profissional uma relação de autonomia no
trabalho, criando propostas de intervenção
pedagógica, lançando mão de recursos e co-
nhecimentos pessoais e disponíveis no contex-
to, integrando saberes, sensibilidade e inten-
cionalidade para responder a situações reais,
complexas e diferenciadas.
Essa experiência mostra-nos que o foco da
formação continuada de professores deve ser
o de buscar meios de interferir positivamente
em sua atitude perante o trabalho, criando
condições para que possam, cada vez mais,
assumir a responsabilidade de ensinar.
Uma proposta de melhoria da qualidade da
aprendizagem nas escolas deve necessaria-
mente criar espaços de formação em que os
professores possam vivenciar experiências
concretas e se apropriar de procedimentos que
lhes permitam transformar seu fazer pedagó-
gico. Para que isso ocorra, é necessário: confi-
gurar espaços que promovam o trabalho cole-
tivo; fazer o intercâmbio entre pares, propici-
ando momentos de ajuda e troca; estimular o
intercâmbio entre professor e algum agente
externo qualificado, que permita a identifica-
ção de aspectos que ficam “invisíveis” para
quem está fazendo – tudo isso com a perspec-
tiva de ir constituindo gradativamente uma
equipe colaborativa de trabalho.
Um projeto de formação de professores
deve investir na constituição da escola como
um espaço de formação em que se cria e se
recria, e onde se identificam problemas e se
elaboram conjuntamente estratégias para
solucioná-los.
Entretanto, apenas criar um clima favorá-
vel e fomentar o trabalho em equipe não é su-
ficiente para transformar a condição didática
do professor. É primordial que, associado a
isso, sejam dadas ao professor as condições e
as possibilidades de aprender a fazer, fazen-
do. Mais do que criar mecanismos normativos
de explicação sobre o que se deve fazer, a for-
mação continuada tem de ajudá-lo a compre-
ender o que faz e por que faz, à medida que
vá tendo a oportunidade de atuar e de inter-
pretar de forma fundamentada o que foi rea-
lizado.
E é nesse espaço do fazer pedagógico que
se articularão o papel e a ação do formador
com a do professor. A intervenção do forma-
dor só tem sentido se estiver em sintonia com
a possibilidade de compreensão e com as ques-
tões do professor. É nessa interlocução pauta-
da pela prática que será possível a construção
de novos sentidos. O trabalho de formação tem
de gerar situações que propiciem ao professor:
organizar o discurso sobre a prática; adquirir
30
Desenvolvimento da competência leitora e escritora
PAINEL 2
um nível de reflexão que passe pela interpre-
tação de episódios da prática; teorizar sobre o
ocorrido, a fim de a promover uma reconstru-
ção e a alteração da prática sempre que se faça
necessário.
Vale ressaltar, ainda, que uma prática de
formação continuada deve considerar que o
desenvolvimento profissional implica um pro-
cesso no qual o professor vai construindo seus
conhecimentos a partir da própria experiên-
cia e das aprendizagens conquistadas a cada
etapa do trabalho. É um processo gradual em
que, a cada passo, os conhecimentos adquiri-
dos permitirão interpretar, em outras perspec-
tivas, experiências e questões que antes não
eram observáveis. A formação deve ser pensa-
da a partir de uma concepção de níveis de co-
nhecimentos que se vão desenvolvendo por
meio de processos construtivos de ação–refle-
xão–ação, numa espiral.
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33
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
33
33
3
DESENVOLVIMENTO
DA COMPETÊNCIA LEITORA
E ESCRITORA DOS PROFESSORES
Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro
Maria Angélica Alves
Marília Costa
34
Aos quase 40 anos, posso afirmar que ler e
escrever são práticas constantes em minha vida,
não só vinculadas à minha profissão de educa-
dora, mas também à minha vida pessoal; ao meu
ser mulher. Fontes inesgotáveis de prazer e sa-
tisfação. Sou profunda admiradora da literatura
universal, cujos gêneros que mais aprecio são os
contos, as crônicas e as poesias de todas as épo-
cas. Também os textos próprios de minha área
de trabalho me garantem alegria, por mais que
essa expressão possa parecer descabida. Ler e
tomar conhecimento de novas descobertas que
pesquisadores, estudiosos e pensadores vão tor-
nando públicas com seus escritos trazem, sim, a
alegria do saber; do poder transformar palavras
em ações, e ações em reflexão, e reflexão em no-
vas palavras e, por meio desse movimento con-
tínuo e constante, dessa teia de idéias, ideais e
realidade – possível pelo domínio da linguagem
escrita –, transformar meninos em cidadãos.
Mas tudo isso poderia ser bem diferente…
Nascida em uma família muito pobre e total-
mente desestruturada, e tendo sofrido toda a sor-
te de violências e abusos que uma criança pode
sofrer dentro da própria casa, com certeza, pode-
ria ser eu mais uma analfabeta, vitimada pelo
descaso, pelo preconceito e pelo abandono.
Foi a escola que mudou o meu destino. Sim, a
escola, e com certeza graças a algumas profissio-
nais “bem-formadas, que sabiam algumas coisas
que, infelizmente, ainda hoje, muitas não sabem:
que às crianças pobres e desprovidas de tantas coi-
sas, só resta a escola, e esta não pode lhes fechar
mais uma porta. Que crianças pobres e frágeis po-
dem aprender a ler e escrever. Podem crescer “for-
tes” no corpo e na alma. E podem mais! Podem vir
a fazer muita diferença no pequeno mundo onde
vivem, se não no grande mundo onde vivemos.
Desenvolvimento da
competência leitora e escritora
Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro
Escola Estadual Professor Dário de Queiroz – SEE/SP
Resumo
Para o relato que faremos sob o tema supracita-
do optamos por focalizar, entre muitas possibilida-
des, a contribuição que o trabalho muito criterioso e
sério de toda uma equipe escolar vem desenvolven-
do, no intuito de caracterizar uma escola pública
como espaço educativo e formador de leitores e es-
critores. Trata-se de algumas experiências positivas
com a formação de professores e de projetos especi-
ais para a melhoria da qualidade de ensino e apren-
dizagem, com a máxima utilização de recursos ma-
teriais e financeiros, como o PNLD e o “Dinheiro Di-
reto na Escola, e com a busca de parcerias na comu-
nidade, entre outras. Considera-se um espaço para
o reconhecimento e a valorização do PROFA como
um grande facilitador e articulador do nosso traba-
lho de formação, como formandos e formadores.
Solicitada a participar deste evento para fa-
zer um relato sobre “Desenvolvimento da com-
petência leitora e escritora, pus-me a pensar em
dois fatores que julgo importantes: “Por que fui
convidada?” e “Sobre qual aspecto de toda uma
experiência de vida leitora e escritora deveria me
ocupar, ao proferir esse relato?”.
Confesso não estar sendo fácil limitar-me a
um ou dois pontos significativos de uma lista
deveras grande, que, creio, seja não apenas mui-
to importante, mas essencial para a formação e
o desenvolvimento de tal competência.
Contudo, suponho que possa e deva me
aventurar a contar um pouco de minha própria
trajetória na construção dessa capacidade e, por
conseqüência dela, minha postura e meu em-
penho em promover, por meio de ações objeti-
vas, uma tomada de consciência acerca do com-
promisso que a educação escolar deve ter com
esse trabalho.
34
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
Pois é, tive essa sorte! E talvez por isso eu,
hoje, esteja aqui. Não, não foi à toa que me tor-
nei educadora! Eu precisava mesmo retribuir
esse tento! Daí, um trabalho incansável pela
melhoria da qualidade do ensino oferecido na
escola pública. Um movimento constante em
busca de mais saberes. Um empenho honesto e
verdadeiro no trabalho de formação dos educa-
dores vinculados à escola, atualmente, sob a
minha responsabilidade.
A competência leitora e escritora não se dá
ao léu. Muitas foram as gerações subjugadas e
destinadas ao fracasso escolar. Temos hoje, no
ensino público, um considerável número de edu-
cadores que não tiveram a oportunidade de de-
senvolver essa competência e, portanto, não es-
tão aptos a colaborar para o desenvolvimento da
competência de seus alunos. A formação em ser-
viço não é apenas importante, ela é indispensá-
vel. Com a já tão falada velocidade com a qual as
transformações vêm ocorrendo no mundo, é
mesmo impossível crer que um curso de nível
médio ou um curso acadêmico possa atender às
necessidades de formação/transformação de
nós, educadores, e ponto final, bem como não é
possível esperar que essa formação ocorra numa
via de mão única. Não bastará que diretores, co-
ordenadores ou professores, num caminho soli-
tário, tomem para si a luta por esse espaço de
formação. Não bastarão apenas investimentos
em projetos específicos, vinculados a planos
emergenciais, de soluções instantâneas. É neces-
sário investir seriamente na instauração de uma
nova cultura, que cabe às ações de ministérios,
secretarias de Educação, universidades e de cada
uma das escolas; cabe a cada profissional envol-
vido nesse processo. Portanto, essa formação
deve ser garantida a diretores, coordenadores pe-
dagógicos e professores, dentro de seus ambi-
entes e horários de trabalho. E creio que seja esse
o segundo ponto do meu relato.
Estou na Educação há cerca de vinte anos. Tive
a oportunidade de trabalhar em todos os níveis
de ensino, inclusive na coordenação pedagógica
do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.
Hoje, na direção de uma escola de Ensino Funda-
mental e Médio, com cerca de 1.800 alunos e pou-
co mais de cem funcionários, tenho, juntamente
com a equipe que me auxilia na administração de
todo esse povo, muitas preocupações: “Como
ressignificar esse espaço de educação? Como har-
monizar os relacionamentos? Como contar com
o apoio da comunidade? Como promover parce-
rias? Como trazer para a realidade, com a devida
clareza, expressões do tipo exercício da cidada-
nia, ‘pensamento crítico, ‘competência leitora e
escritora’? Como prover e garantir formação den-
tro desse espaço formado?
Esses questionamentos e dezenas de outros
poderiam estar perdidos ou guardados em ga-
vetas, diários ou sessões terapêuticas, se não fos-
sem a crença no trabalho e a ousadia de tentar, a
partir da formação em serviço, aprofundar essas
questões, paradoxalmente, trazendo-as à tona,
tirando-as das profundezas, do que às vezes pa-
rece inatingível. Ou seja, fazer aprendendo a fa-
zer, fazer fazendo.
Com a certeza de estar também aprenden-
do, vimos, eu e toda a equipe gestora que cami-
nha ao meu lado, sem a qual esse trabalho seria
impossível, investindo alegria, energia, entusi-
asmo e, ao mesmo tempo, seriedade, compro-
misso e disciplina; angústias, ansiedades e tro-
peços, naquilo que temos chamado, em princí-
pio, de “capacitação. E, hoje, há grupos de for-
mação de professores dentro de nossa escola,
com maior atenção voltada aos projetos especi-
ais de reforço e recuperação paralela, cientes da
necessidade desses para o sucesso da progres-
são continuada, principalmente no primeiro ci-
clo do Ensino Fundamental.
Grandes foram as dificuldades ao iniciarmos
todo esse processo. As deficiências em nossa pró-
pria formação nos fizeram recorrer a cursos de
extensão universitária, a pesquisas, leituras,
acompanhamento de programas destinados à
formação de educadores veiculados pelas tevês
educativas, abertas ou não. E, é claro que, toma-
das por ocupações de nossa rotina administrati-
vo-burocráticas, questões fundamentais como o
sempre insuficiente tempo, carregam (e sobre-
carregam) nossas metas de entraves e frustra-
ções. Mas não desistimos.
É preciso ficar claro que são experiências
modestas. Pequenos passos diante de tão gran-
de desafio.
Com o advento do PROFA (Programa de For-
mação de Professores Alfabetizadores), em 2001,
36
muitas de nossas angústias vêm se subtraindo.
Tudo o que vimos trazendo desse curso, inclusi-
ve todo o material (apostilas, fitas, tarefas, refle-
xões) vem se somando à nossa iniciativa.
Estamos sendo tomadas por uma clareza de pro-
pósitos, por uma objetividade em nossos encon-
tros, por uma segurança de estarmos descobrin-
do o caminho correto.
Juntamente com os grupos de formação de
professores, que vêm despertando em todos
maior consciência acerca do papel da escola no
desenvolvimento da competência leitora e escri-
tora de todos os envolvidos no processo, mas,
principalmente de cada criança que nela ingres-
sa, ações facilitadoras e viabilizadoras desse de-
senvolvimento também estão ocorrendo, como:
projetos que garantem o empréstimo semanal de
livros literários e paradidáticos a todas as crian-
ças; visitas semanais de todas as classes à sala
de leitura da escola; saraus de leitura, canto, dan-
ça e outras expressões da linguagem no início de
cada período de aula; acervo literário, dicioná-
rios, gibis e periódicos à disposição em todas as
salas de aula; salas-ambientes com rodízio de
professores desde a 1ª série do Ensino Funda-
mental, com o intuito de garantir o maior nível
de experiências e a maior circulação de conteú-
dos de cada uma das áreas do conhecimento;
trabalho com artes visuais, inclusive vídeos, Edu-
cação Física; melhoria nas relações da escola
com a comunidade por meio de ações que es-
clarecem para os pais o que é e qual é a proposta
pedagógica da escola, enfim, todo um trabalho
a serviço de uma transformação desse espaço fí-
sico-social chamado escola.
Aqui encerro meu relato de experiência, com
a esperança e a expectativa de ter conseguido
mais do que ser clara, considerando que nas en-
trelinhas muitas marcas ficaram conotadas. E com
uma expressão que, propositalmente, coloca um
quê qualquer no ar: “feijão e sonho. É que, não
sei bem o porquê, mas me faz lembrar uma
dualidade que sempre adorei em nosso mestre
Paulo Freire, que afirmava ser preciso crer na uto-
pia, porém com muita competência técnica.
Assim, devo crer que é possível “transformar o
Brasil num país de leitores” (e escritores) e de algu-
ma forma, quero ser, também, responsável por isso.
A formação de leitores e escritores
no Colégio de Aplicação da UERJ
Maria Angélica Alves
Colégio de Aplicação/UERJ
Resumo
O que significa ser um verdadeiro leitor? E
um escritor competente? Para o escritor e
ensaísta Stevenson, somente o autêntico leitor
poderia desvendar os segredos das palavras, en-
quanto os falsos leitores se manteriam surdos
aos seus apelos secretos. De acordo com a sua
concepção de leitor e de leitura, é preciso dei-
xar-se ser cativado pelos livros para se tornar
um bom leitor.
O bom leitor e o competente escritor já nas-
cem feitos ou a escola tem condições de cativá-
los, interferindo significativamente em sua for-
mação? No Departamento de Ensino Fundamen-
tal do CAp/UERJ acreditamos que seja possível
formar bons leitores e escritores na escola, fazen-
do com que aprimorem suas estratégias de ques-
tionamento dos mais diversos textos. Entende-
mos que a escola tem como função essencial
entretecer os fios que unem a criança a si mesma
e ao mundo que a cerca. As relações entre a lei-
tura, a escrita e a escola podem ser fecundas e
estimulantes, tornando-se esse um dos lugares de
efetiva contribuição para a formação do bom lei-
tor, ou seja, do leitor que domina a competência
36
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
de ler não somente para reproduzir, mas para
produzir novos sentidos.
Estruturando a nossa prática pedagógica a
partir de uma abordagem construtivista-
interacionista, procuramos promover, em nos-
sas salas de aula, a circulação de textos e a par-
tilha do prazer pelo ato de ler, considerando o
professor como mediador desse encontro. Acre-
ditamos, dessa forma, que a escola deva inves-
tir na democratização do acesso à leitura, privi-
legiando as ações que promovam não o hábito,
mas a paixão de ler.
Neste painel apresentamos as nossas concep-
ções de ensino e de aprendizagem, narrando as prá-
ticas de leitura e de escrita desenvolvidas, ao longo
dos últimos anos, de forma regular, em turmas do
Ensino Fundamental. Procuramos ampliar a dis-
cussão sobre a temática do letramento, desenvol-
vendo um trabalho de formação de leitor calcada
na diversidade textual como eixo da ação escolar.
Introdução
No Departamento de Ensino Fundamental
do Colégio de Aplicação da Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro, CAp/UERJ, acreditamos
que seja possível formar bons leitores e escri-
tores na escola, fazendo que aprimorem suas es-
tratégias de questionamento dos mais diversos
textos. Entendemos que a escola tem como fun-
ção essencial entretecer os fios que unem a cri-
ança a si mesma e ao mundo que a cerca. As
relações entre a leitura, a escrita e a escola po-
dem ser fecundas e estimulantes, tornando-se
este um dos lugares de efetiva contribuição para
a formação do bom leitor, ou seja, do leitor que
domina a competência de ler, não somente para
reproduzir, mas para produzir novos sentidos.
Estruturando a nossa prática pedagógica
a partir de uma abordagem construtivista-
interacionista, procuramos promover, em
nossas salas de aula, a democratização do
acesso à leitura, permitindo a circulação de
textos e a partilha do prazer pelo ato de ler,
considerando o professor como mediador
desse encontro.
Ao apresentar nossas concepções de en-
sino e de aprendizagem e nossas crenças em
relação aos atos de leitura e de escrita e, ain-
da, ao narrar algumas práticas de leitura e
de escrita desenvolvidas, ao longo dos últi-
mos anos, de forma regular, em turmas do
Ensino Fundamental do CAp, desejamos
ampliar a discussão sobre a temática do
letramento e do desenvolvimento de um tra-
balho de formação do leitor e do escritor
calcada na diversidade textual como eixo da
ação escolar.
Concepções de ensino
e aprendizagem no DEF
A escola precisa de três coisas fundamentais.
Uma é que todo mundo – rico, pobre, preto,
branco, homem, mulher – encontre ali seu lugar
para aprender. Outra é que a escola tem que
ajudar a criança a perceber o mundo em que
está vivendo e a ela mesma. O terceiro ponto é
que a escola não é uma instituição que trata
com alunos, mas trata com sujeitos, que têm
biografia, identidade e que estão se preparando
para viver o mundo hoje – e não o mundo
amanhã.
Fernando Hernández
Como pensamos, hoje, no Departamento de
Ensino Fundamental, o ensino e a aprendizagem
escolar? Consideramos que a escola deva, efetiva-
mente, assumir o seu propósito educativo de pro-
mover o desenvolvimento e a socialização de seus
alunos, configurando-se como espaço de forma-
ção e informação, a fim de propiciar a inserção de
suas crianças e de seus jovens na realidade social.
Tal como previsto no texto da Introdução aos Pa-
râmetros Curriculares Nacionais, entendemos a
prática escolar como uma ação “intencional, pla-
nejada e sistemática, com o objetivo de formar
cidadãos capazes de atuar com competência e dig-
nidade na sociedade. E, da mesma forma, enten-
demos que a escola possa e deva ser o espaço ide-
al para o debate, a parceria e a reflexão entre seus
docentes. Concordamos plenamente com Mary
Kato, quando afirma que a escola precisa ocupar
seu verdadeiro lugar de “laboratório de observa-
38
ção do que ocorre no processo da aprendizagem,
abordando a criança como sujeito ativo desse pro-
cesso” (Kato, 1990: 14).
Os princípios fundamentais norteadores de
nosso plano de trabalho prevêem que a sala de
aula deva ser entendida como espaço de interação
verbal entre sujeitos, ou seja, como espaço efeti-
vo de diálogo, sendo que a interação deva ser en-
carada como o locus produtivo da linguagem e,
simultaneamente, como organizadora e formado-
ra da atividade mental. Consideramos o conheci-
mento como algo que não é dado, mas construído,
ou seja, reelaborado pelo sujeito, individual e co-
letivamente, sob a intervenção segura e planeja-
da dos professores. Encaramos o erro como parte
importante do processo de aprendizagem. Ten-
do em vista, portanto, a abordagem construti-
vista-interacionista no planejamento de nossas
ações pedagógicas, acreditamos estar contribu-
indo para o fortalecimento da autonomia, do res-
peito ao outro e da troca de saberes.
Consideramos a leitura como matéria-prima
para o questionamento da escrita e o avançar das
estratégias cognitivas e metacognitivas do leitor
em formação. A língua é encarada como produ-
ção histórica e social, e o texto é, dessa forma,
utilizado como unidade de trabalho em todas as
áreas de conhecimento. É por meio dele que alu-
nos e professores confrontam conhecimentos e
saberes. Recorremos às rodas de leitura e aos
projetos como principais opções metodológicas
a garantir a interação e a inter ou a transdisci-
plinaridade. Procuramos, enfim, manter o olhar
atento e assumir, coletivamente, a tomada de
posição em defesa da diversidade cultural e das
práticas sociais de inclusão como norteadora da
prática do educador.
Ao organizar o planejamento de nossa práti-
ca educativa, no Departamento de Ensino Fun-
damental do CAp/UERJ, enfatizamos as apren-
dizagens essenciais para a formação de cidadãos
autônomos, críticos e criativos.
Nosso Plano de Trabalho estabelece os seguin-
tes objetivos gerais: desenvolver a atividade men-
tal autônoma e criativa no nível intelectual e a au-
tonomia moral; construir a consciência de uma
identidade e a noção de vida em sociedade; reali-
zar interações sociais; tomar decisões coletivamen-
te; e desenvolver uma leitura crítica do mundo.
No planejamento de nossas atividades, con-
sideramos a importância de se criar oportunida-
des de construção de estratégias de formulação,
verificação e comprovação de hipóteses na cons-
trução do conhecimento do aluno. Recorremos,
para isso, à utilização de diversos gêneros de tex-
tos, favorecendo a mais ampla compreensão dos
seus empregos sociais. A criança é, desse modo,
estimulada constantemente a realizar intercâm-
bios sociais, interagindo com os diferentes obje-
tos de conhecimento e com os demais alunos e
professores envolvidos no processo. Utilizamos,
também, os diferentes espaços do colégio – biblio-
tecas, auditório, clube de leitura e sala de vídeo –
para desenvolver situações de leitura, escrita, pes-
quisa, discussões e exposições orais.
Dedicamo-nos, em suma, a investir na com-
preensão dos modos de apropriação dos novos
conhecimentos dos sujeitos da aprendizagem,
fazendo uma escuta” generosa dos depoimen-
tos pessoais, dos comentários, das descobertas
e dos julgamentos emitidos pelos alunos, em
nossos encontros. Alguns momentos específicos,
como a Roda de Leitura, os debates, os jogos,
privilegiam, decerto, essa prática tão positiva
para a afirmação dos sujeitos do conhecimento,
em interação com os demais.
Considerando os aspectos mencionados, re-
lacionamos algumas estratégias básicas constan-
tes de nossas práticas de leitura e de escrita: le-
vantamento de hipóteses sobre a língua escrita
e realização de reflexões metalingüísticas; con-
fronto de representações ortográficas com as
normas; produção de rascunhos de texto, com
elaboração de planejamentos prévios e revisão
do processo de elaboração do texto; audição, lei-
tura e produção de diferentes gêneros de textos:
narrações, descrições, notícias, contos, textos in-
formativos, esquemas, bilhetes e cartas; rees-
critura de textos conhecidos: repetir, fazer alte-
rações, escrever diferentes versões; elaboração
de sínteses e resumos; apreciação e declamação
de poemas; dramatização de cenas e situações
de narrativas; realização de pesquisas e coletas
de informação; elaboração de exposições orais e
entrevistas; participação de discussões e deba-
tes, de rodas de leitura e de jogos em grupo, rea-
lizando intercâmbios sociais e produção de re-
latos, registros e anotações.
38
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
O que queremos que nossos alunos pensem
a respeito de sua vida intelectual? Não quere-
mos pouco. Nossas expectativas confundem-
se com o que desejamos, em suma, para nós
mesmos. Esperamos que tenham vontade de
conhecer e sintam prazer em aprender e que,
dessa forma, saibam concordar, discordar,
relativizar as questões formuladas e, ainda,
saibam buscar novas informações em diferen-
tes meios e possam trocar, por meio de fecun-
das relações interpessoais, o resultado de suas
pesquisas e descobertas. Enfim, desejamos que
nossos alunos assumam seu lugar de cidadãos,
saibam se adaptar às novas situações e sejam
felizes, se possível.
Concepções acerca
do aprendizado da leitura
e da escrita
Magda Soares (1999) afirma que a escolari-
zação da literatura é inevitável, na medida em
que ela é trabalhada na escola. Mas ressalta que
o fator que determina sua negatividade é a má
realização dessa escolarização no cotidiano es-
colar. Defende, a educadora, portanto, a ade-
quação dos procedimentos empregados na es-
cola à realidade social:
[…] o que se quer deixar claro é que a literatura
é sempre e inevitavelmente escolarizada, quan-
do dela se apropria a escola: o que se pode é dis-
tinguir entre uma escolarização adequada da li-
teratura – aquela que conduza mais eficazmen-
te às práticas de leitura que ocorrem no contex-
to social e às atitudes e valores que correspon-
dem ao ideal de leitor que se quer formar – e
uma escolarização inadequada, errônea, preju-
dicial da literatura – aquela que antes afasta que
aproxima de práticas sociais de leitura, aquela
que desenvolve resistência ou aversão à leitura
(Soares, 1999: 24-25).
Apostando na tese da desescolarização da
leitura como reflexo positivo de uma crença na
formação continuada do leitor, Jean Foucam-
bert (1994: 17) afirma: Aprende-se a ler em
qualquer idade e continua-se sempre apren-
dendo. A escola é um momento da formação do
leitor”. Sem desejar, portanto, negar a contribui-
ção da escola para a formação do leitor, o
ensaísta, embora a considere apenas uma das
instâncias educativas estimuladoras da apren-
dizagem da leitura e da escrita, acredita plena-
mente na possível eficácia de sua ação no pro-
cesso de iniciação do leitor. Tal crença leva-o a
enumerar ações fundamentais de formação e de
informação técnica e do manuseio de livros e
de escritos variados, que promovam uma fami-
liaridade com o mundo da escrita, por meio da
utilização de textos “verdadeiros. Compreen-
de, enfim, seus atos de leitura como o espaço
da realização de atividades metaléxicas. As cri-
anças, em atividade reflexiva, levantam suas
hipóteses e avançam suas estratégias de ques-
tionamento da escrita.
Para evitar o fracasso em suas ações, a es-
cola, segundo Mary Kato, precisa estabelecer
objetivos precisos no ensino da leitura. Deve-
se investir, na escola, nos atos de leitura orien-
tados, planejados pelo professor segundo níveis
graduais de complexidade, que possibilitem o
desenvolvimento de uma consciência metalin-
güística. O desempenho do leitor estaria, dessa
forma, diretamente vinculado às oportunidades
de acionar, diante de todo e qualquer texto, seu
sistema de valores, crenças e atitudes, fazendo
uso inteligente e regular das estratégias de
inferência de que dispõe.
Ao enfatizar o papel ativo do leitor em sua
interação com o texto e com o mundo, Maria
Helena Martins ressalta as direções possíveis da
leitura: A leitura vai, portanto, além do texto
(seja ele qual for) e começa antes do contato
com ele. O leitor assume um papel atuante, dei-
xa de ser mero decodificador ou receptor pas-
sivo” (Martins, 1982: 32).
Sua concepção abrangente de leitura não se
reduz ao trabalho de decodificar os sinais
lingüísticos, e sim de dar sentido a esses sinais:
“…a leitura tem mais mistérios e sutilezas do
que a mera decodificação de palavras escritas”
(idem: 38). A ensaísta considera que a leitura
deva ser desmitificada e compreendida como
um processo abrangente, pois envolve um con-
junto de componentes em sua dinâmica. Por
conseguinte, estão em jogo, no momento da
leitura de uma obra, aspectos sensoriais, emo-
40
cionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos,
culturais, econômicos e políticos.
O leitor verdadeiro sabe que um texto – e
mais especificamente o texto ficcional – não
tem apenas um sentido, mas vários. Barthes
afirma a pluralidade do texto, assim como a
necessidade de pluralidade na leitura. “Ler é
encontrar sentidos, afirma. O leitor, por si só,
ao aproximar-se do texto, não se encontra em
estado de inocência, mas já carrega consigo
uma pluralidade de outros textos” (Barthes,
1992: 44). Ao acionar seu olhar plural sobre o
texto, o leitor desencadeia um processo de no-
meação progressiva de uma complexa rede de
significados. A tarefa do leitor, segundo o
ensaísta, está associada à idéia de movimento,
de deslocamento incessante e de articulação,
por meio da leitura, dos sentidos encadeados e
agrupados no espaço do texto.
“Para gostar de ler, devemos ter paixão pela
leitura, afirma categoricamente a ensaísta
Angela Kleiman. A escola, segundo a autora, pa-
rece continuar a não perceber que as atividades
de leitura legitimadas por ela estão distantes do
ideal de atividade que desperte a curiosidade, o
prazer e o desejo de ler. A tarefa de ler em sala de
aula, para Kleiman, perde o sentido para os alu-
nos porque é fácil ou difícil demais. O fracasso
proveniente dos primeiros frustrantes contatos
com a palavra escrita tende a continuar nos anos
seguintes, criando, segundo a teórica, ao contrá-
rio de todas as expectativas, um não-leitor em
formação” (Kleiman, 1993: 16).
Investir no desenvolvimento, na escola, de
práticas de leitura que permitam o desabrochar
do olhar plural do leitor, fazendo que diferen-
tes textos e várias leituras circulem e dialoguem
entre si e com as leituras desse mesmo leitor,
colocando-se o professor como mediador des-
se encontro, resume-se, a nosso ver, no passo
mais natural e acertado. Claro está que se o pró-
prio professor não tiver sido orientado, na es-
cola e fora dela, na construção de sua compe-
tência em leitura, pouco poderá ajudar na for-
mação de outros leitores e, em muitos casos,
poderá até prejudicar a sua iniciação. A histó-
ria de leitor do professor, certamente, determi-
nará o grau de significação das práticas de lei-
tura realizadas na escola. Segundo Marisa
Lajolo, pode-se avaliar a eficiência da tarefa do
professor, nas atividades de leitura escolar, a
partir de sua competência visível de sujeito lei-
tor, demonstrada no diálogo com seus alunos
nas atividades de leitura. Somente dessa forma
será possível contagiar” sua classe e promover
a inserção de seus alunos no mundo da leitura,
favorecendo, sem dúvida, a participação cres-
cente deles como cidadão ativo no mundo. É
bem mais fácil e coerente formar leitores críti-
cos quando se é um deles.
Nossas práticas de leitura e de escrita no CAp
originam-se, sem dúvida, de uma sincera paixão
particular pela leitura e pela escrita. Ao realizar
nossos projetos, somos, naturalmente, guiadas
pelo desejo de despertar essa paixão em cada um
de nossos leitores em formação. Atentas aos nos-
sos propósitos e aos interesses das crianças, de-
senvolvemos, em nosso plano de trabalho, o que
os autores mencionados sugerem como uma ta-
refa de questionamento de diversos gêneros de
textos, propiciando condições para que o aluno
construa seu aprendizado de forma ativa,
interagindo com o objeto do conhecimento e
com os demais participantes das situações de
aprendizagem vivenciadas na escola.
Acreditamos que, também na escola, os alu-
nos podem e devem ser contagiados pelo dese-
jo de ler e de ouvir histórias inventadas ou re-
ais e, ainda, poemas, canções, parlendas, pro-
vérbios, notícias, manchetes, cartazes, docu-
mentos, textos científicos, mitos e lendas e ou-
tros gêneros de texto, ampliando o seu conhe-
cimento da língua e da linguagem e constituin-
do-se como sujeitos leitores competentes, crí-
ticos e criativos.
Acreditamos, ainda, que possam, utilizan-
do a escrita, comunicar-se produzindo textos
que se orientam pelas normas gramaticais e
pela correção ortográfica. Na escola, as crian-
ças refletindo, juntas, permanentemente, sobre
os fenômenos da linguagem buscariam, enfim,
expressar-se, oralmente e por escrito, defenden-
do seus pontos de vista, apresentando argu-
mentos, propondo questões, formulando hipó-
teses e comprovando teorias. Alguns dos proje-
tos desenvolvidos aqui descritos permitem que
se avalie nossa prática diária no aprendizado de
leitura e escrita:
40
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
Descrição de projetos
Roda de leitura, rede de relações
Professores: Celi Silva Gomes de Freitas; Cláudia
Cristina Andrade de Azevedo; Cristina Maria Rocha
Clemente Ribeiro; Maria da Conceição Carvalho
Rosa; Olga Guimarães Germano.
Roda de leitura, roda de conhecimento. A
roda, o círculo, está presente nos mitos de distin-
tas civilizações, em diferentes épocas. Espaço pri-
vilegiado em todas as culturas – de partilhar, cons-
truir, tecer ritos, reverenciar costumes –, no mo-
vimento da roda há espaço para ouvir, falar, calar,
circular idéias. Todos são um corpo na roda.
A prática da roda de leitura é diária na sala de
aula. Crianças e professores sentados em círculo
no chão tecem uma grande teia de textos que se
tocam, se cruzam e se entrecruzam em várias di-
reções, entretecendo várias relações, expandindo-
se para além das paredes: faz-se rede. A roda de
leitura define-se como um trabalho de uma políti-
ca de inclusão (Geraldi, 1998), recuperando a fun-
ção social da leitura: ler para o outro, ler com o
outro, contar o que leu, discutir o que leu, levar e
trazer o lido e o vivido, ouvir opinião, buscar novas
opiniões, expor emoções e sentimentos, concor-
dar e discordar. Como roda, temos a multiplicidade
de sentidos possíveis e a interação entre sujeitos.
Como rede, mantemos a incompletude da lingua-
gem (Orlandi, 1988). A roda constitui o espaço de
discussão e de produção onde o professor compa-
rece como um dos leitores e como mediador: “ár-
bitro, medianeiro, intermediário.
A resenha como uma
das possibilidades de letramento
na 3
a
série do Ensino Fundamental
Professores: Cláudia Cristina Andrade de Azevedo;
Cristina Maria Rocha Clemente Ribeiro; Maria Fa-
tima de Souza Silva.
A escrita configura-se como um dos mais im-
portantes suportes tecnológicos nas modernas
sociedades industrializadas. Sua difusão possibi-
litou novas formas de construção e de apropria-
ção do conhecimento – em suma, novas formas
de poder. Atualmente, esse poder está distribuí-
do, tal qual a riqueza acumulada pelos mais dife-
rentes países, gerando grupos capazes de exercer
o poder por meio da escrita e da leitura e grupos
que não o podem exercer, configurando uma for-
ma de exclusão nas sociedades letradas. Hoje, a
discussão caminha na direção do letramento,
quando buscamos um trabalho de formação de
leitor, de forma que este possa fazer uso das prá-
ticas sociais de leitura e escrita. A prática peda-
gógica que temos adotado busca favorecer essa
formação, usando a diversidade textual como eixo
da ação escolar. Na 3ª série do Ensino Fundamen-
tal, optamos por mergulhar na discussão e na pro-
dução de resenhas literárias, conseguindo, com
isso, uma ampliação do horizonte.
Segundo Magda Soares (1999), a palavra
“letramento” vem do inglês literacy, em que o
sufixo cy significa estado ou condição de quem
tem habilidade de ler e escrever”. Estabelece a
diferença entre aquele que sabe ler e escrever –
alfabetizado – e aquele que vive na condição ou
estado de quem não sabe ler e escrever. Aqui ela
já observa que a palavra letramento carrega em
si uma pluralidade de práticas sociais veicula-
das às ações de ler e escrever. Para Kleiman, tam-
bém, a palavra singular representa o plural, o
conjunto de ações sociais que envolvem o ler e o
escrever. O nosso trabalho busca essa apropria-
ção, ao elegermos textos para aprofundamento,
por meio do desvendar de suas estruturas lin-
güística e semântica.
Na 3ª série/2000, um dos textos eleitos foi a
resenha. Para atingir nossos objetivos, passea-
mos por catálogos de livros de diversas editoras,
pela revista Ciência Hoje das Crianças e pelos
jornais, ampliando, assim, com a leitura de dife-
rentes modelos do texto, o conhecimento das[os]
alunas[os]. O Projeto Resenhas foi apresentado
à turma; o desenvolvimento foi sendo combina-
do coletivamente entre professoras e alunas[os]
e a produção final também foi decidida: um ál-
bum individual para consulta do próprio grupo.
O processo de produção das resenhas con-
templou a análise de alguns aspectos da sinta-
xe e da morfologia e a função social dos tex-
tos, acentuando preocupações que deveriam
42
ser pensadas ao escrever: “Qual é o destinatá-
rio?”, “Para que serve esse texto?”. Tais elemen-
tos foram fundamentais para ampliar o conhe-
cimento sobre esse gênero de texto, suscitan-
do o desejo de sua ampliação, verificado a par-
tir das perguntas que surgiam: “Como conven-
cer a[o] outra[o] a ler o livro? Que palavras usar
para seduzi-la[o]?”. A partir das leituras das di-
ferentes resenhas, pudemos perceber como
as[os] alunas[os] começaram a querer conhe-
cer e ler os livros sugeridos e como o universo
cultural deles se ampliou: agora conhecem
mais autoras[es], ilustradoras[es], editoras e
mais livros.
Projeto Águas do Rio de Janeiro:
os manguezais
Professoras: Maria Angélica Alves, Leila Medeiros de
Menezes, Celi Silva Gomes de Freitas, Olga Guima-
rães Germano, Glória Maria Paes Brito Miranda.
Nosso propósito e desafio: entrar por água
e chão, deixando-nos atrair pelas águas do Rio
de Janeiro, conhecendo, a fundo, os segredos
e os encantos (ou os desencantos) de seus rios,
mares, lagoas. Parece-nos fundamental pro-
mover entre os alunos o gosto pelo conheci-
mento do espaço que os cerca. Crianças, árvo-
res e águas merecem o gosto de se dar. E dar-
se a conhecer é tarefa séria, que requer cuida-
do e empenho.
Ao eleger os manguezais como ecossistema
a ser estudado na 2ª série, desejávamos desven-
dar um ambiente com características bastante
específicas, notadamente os ecossistemas mais
frágeis e de grande capacidade vital, como área
de reprodução, presente em toda a costa brasi-
leira e, particularmente, na Baía de Guanabara.
Considerando os aspectos abordados no es-
tudo sobre os manguezais e as nossas crenças
num trabalho que permitisse a interação com os
diferentes objetos de conhecimento, definimos
algumas estratégias a serem utilizadas:
• listagem coletiva de perguntas e interesses so-
bre o tema;
• investigações realizadas em pequenos grupos;
• excursões às áreas de manguezais;
• apreciação de vídeos;
• entrevistas com especialistas e autoridades;
• leitura de documentos, mapas, notícias, propa-
gandas, folders, folhetos, cartazes, charges, arti-
gos de revista, textos ficcionais, músicas, poe-
mas, verbetes, fotografias e textos científicos;
• observação e caracterização de espécies vege-
tais e animais de mangues;
• realização de pesquisas, experiências científi-
cas, seminários envolvendo outras séries, cam-
panhas educativas e um ensaio fotográfico;
• produção de relatórios e de um dicionário ilus-
trado e listagem de novas perguntas e interes-
ses ao fim do estudo.
Planejamos ações que possibilitassem o cru-
zamento dos olhares dos diferentes sujeitos, pro-
pondo atividades fundamentadas na interação
grupal, a fim de garantir uma leitura mais
abrangente ou mais complexa dos temas cientí-
ficos estudados. Desejamos, enfim, que cada alu-
no procurasse desenvolver mecanismos próprios
de vínculo com o conhecimento adquirido, fa-
zendo suas releituras das problemáticas ambien-
tais analisadas. Interessou-nos, particularmen-
te, avaliar se houve avanço dos alunos no que se
refere ao seu envolvimento com o objeto de co-
nhecimento, à sua participação como investiga-
dores no campo social e científico e à sua auto-
nomia no uso dos diferentes materiais, assim
como na realização das atividades.
O guarani
: a releitura de um romance
clássico da literatura brasileira
Professora: Maria Angélica Alves.
Entre os meses de agosto e outubro de 1999,
crianças de 9 anos de idade ouviram e leram, pela
primeira vez, o romance O guarani, de José de
Alencar. Sabiam que toda aquela história, vivida
no século XVIII, entre índios e fidalgos portugue-
ses em plena mata brasileira, era fruto da imagi-
nação fértil de um escritor cearense, já tratado in-
timamente como Alencar. Entretanto, continua-
vam a pensar que tudo era muito real: “Peri e Ceci
ainda existiam? Existiram de verdade? Mas os diá-
logos são tão reais e tudo é explicado nos mínimos
42
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
detalhes…”. Liam, com curiosidade e emoção, um
clássico da literatura brasileira. De capítulo em
capítulo, discutiam temas complexos, como os ro-
mânticos e o romantismo, o preconceito, a traição,
a fidelidade, o orgulho, o amor, a vida e a morte.
Começavam a imaginar os gestos, as falas, os ob-
jetos e as personagens, brincando de representar
as cenas da narrativa. Por que não ler e reescrever
a bibliografia e a biografia de Alencar? Por que não
adaptar o texto original do romance e criar o rotei-
ro de uma peça de teatro? Pensado, dito e feito. A
peça O guarani encenada no CAp/UERJ foi o re-
sultado de um longo e complexo processo de apro-
priação da língua e da literatura, assim como um
alegre, emocionado e emocionante encontro de
crianças com o livro, da vida com a arte.
Debate, parceria, reflexão:
a organização do trabalho do professor
Interação, partilha de saberes, troca, debate,
discussão, leitura da diversidade de textos que cir-
culam no mundo, reflexão sobre aspectos da nos-
sa realidade, investigação de problemas e enfren-
tamento de desafios são ações fundamentais pre-
sentes no dia-a-dia da sala de aula, das turmas de
Classes de Alfabetização (CA) até as de 4ª série,
pertencentes ao Departamento de Ensino Funda-
mental (DEF). Referimo-nos às trocas de idéias
entre alunos, entre alunos e professores e, como
não poderia deixar de ser, entre professores.
Uma prática pedagógica dessa natureza tem
uma historicidade – é transformadora – e pressu-
põe um grande investimento dos docentes em sua
formação permanente e na produção – e divulga-
ção – de reflexões sobre a sua prática, bem como
um compromisso com o trabalho de atualização dos
docentes das redes públicas de ensino. O ensino, a
pesquisa e a extensão surgem, então, como desdo-
bramento natural de uma prática que aposta no
redimensionamento da figura do professor, conver-
tendo-o em um pesquisador do próprio trabalho.
Para o DEF está claro que a qualidade do tra-
balho pressupõe o planejamento coletivo. Nos-
sa prática confirma essa concepção de organi-
zação do trabalho pedagógico: participação em
quatro Colegiados, visando, exatamente, à am-
pliação dos espaços coletivos de trabalho; encon-
tros sistemáticos por série; produção de relató-
rios de avaliação de cada aluno, assim como de
material didático específico para cada turma,
partilhado, efetivamente, por cada série.
Ao assumir, com essa iniciativa, a autoria da
prática pedagógica, apostamos na ruptura com
modelos cristalizados de relações de ensino. Re-
afirmamos nosso desejo de investir, permanen-
temente, na compreensão da escola condizente
com este nosso tempo, assim como a intenção
de dar continuidade ao nosso trabalho, fazendo
uma discussão responsável com a comunidade
escolar, discussão essa orientada por uma con-
cepção de escola experimental transformadora.
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Texto e leitor:
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A escolarização da leitura literária
: o jogo do li-
vro infantil e juvenil.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
44
Introdução
A Fundação Projeto Travessia é resultado de
uma criação coletiva de parceiros plurais – sin-
dicatos de trabalhadores e instituições – tendo
por missão garantir os direitos de crianças e ado-
lescentes que, circunstancialmente, fazem das
ruas seu espaço de sobrevivência e/ou moradia,
como conseqüência da fragilização de seus vín-
culos familiares e comunitários e de sua exclu-
são das políticas sociais básicas (saúde, educa-
ção, moradia etc.).
A intervenção educativa inicia-se a partir do
período da educação na rua, que promove o pro-
cesso de “saída da rua, culminando com a deci-
são de meninos e meninas por deixar de utilizar
o espaço público como local de moradia e/ou
sobrevivência. Começa, então, o processo de
acompanhamento e orientação visando ao for-
talecimento das relações familiares e comunitá-
rias, assim como a inclusão dos educandos no
sistema de ensino formal e na rede de atendi-
mento (políticas sociais públicas) para a garan-
tia de seus direitos fundamentais. Porém, como
na maioria das vezes o retorno à convivência fa-
miliar não é imediato, muitos educandos passam
por um período de transição que lhes proporci-
ona uma aproximação gradativa de seus famili-
ares ou responsáveis e também dos espaços de-
limitados para educação. Nesses casos, o abrigo
em entidades faz-se necessário como medida de
caráter provisório, dentro de um processo edu-
cacional mais amplo, que visa à inclusão social
de crianças e adolescentes. Para esse período de
transição, a Fundação Projeto Travessia realiza
atividades educacionais em um espaço protegi-
do, com o objetivo de favorecer a estabilização
de vínculos afetivos, desenvolver a disponibili-
dade para a aprendizagem e propiciar adapta-
ção a uma nova rotina de vida, que inclui ter
horários e regras a cumprir. As crianças e ado-
lescentes freqüentam as atividades deste progra-
ma até que possam exercer seus direitos funda-
Experiência Projeto Travessia
Marília Costa
Fundação Projeto Travessia/SP
mentais na escola, na família e na comunidade.
Durante esse processo, é realizado um tra-
balho educativo com suas famílias, por meio de
várias ações integradas e complementares, como
visitas e encontros com grupos de famílias, com
o objetivo de gerar transformações nas represen-
tações acerca dos papéis de cada um na rede fa-
miliar e nas formas de convivência.
A leitura e a escrita como
fator de inclusão
É fato incontestável que a condição de ser
alfabetizado é determinante para o exercício da
cidadania. As condições do mercado de traba-
lho, as formas de produção de conhecimento e a
comunicação humana estão intrinsecamente
atreladas às práticas de leitura e escrita. Um anal-
fabeto encontra atualmente muita dificuldade
para sobreviver em sociedade, visto que o poder
encontra-se associado à cultura letrada. Além
disso, uma pessoa que não sabe ler e escrever não
pode desfrutar de inúmeras práticas sociais de
lazer e entretenimento que dependem do domí-
nio da escrita. Portanto, em uma cultura letra-
da, não saber ler e escrever significa violação de
direitos e exclusão social.
A maioria dos educandos atendidos pela
Fundação tem pouco domínio das práticas so-
ciais que usam a escrita, e muitos são analfabe-
tos. Todos os matriculados na escola estão defa-
sados em relação à idade/série do ensino regu-
lar, encontram muita dificuldade para acompa-
nhar o grupo-classe na escola que freqüentam e
costumam ter uma auto-imagem e uma auto-es-
tima bastante depreciadas.
A Fundação Travessia costuma acompanhar
o processo de inclusão no sistema de ensino for-
mal, realizando visitas periódicas à escola que
os meninos e as meninas freqüentam, com a in-
tenção de estabelecer uma relação de parceria
em prol da inclusão escolar. Mesmo assim, al-
44
Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professores
PAINEL 3
guns educandos que freqüentam regularmente
as atividades escolares não conseguem se man-
ter por muito tempo na escola, abandonando
novamente o ensino formal.
O trabalho educativo tem a intenção de ge-
rar mudanças qualitativas no processo de
construção da própria identidade, ou seja:
transformações em relação à auto-imagem, ao
autocuidado, às relações afetivas, aos vínculos
familiares, à socialização e ao processo de es-
colarização, estimulando o desejo de deixar as
ruas como espaço de moradia/sobrevivência.
O foco do trabalho é a problematização das
práticas sociais, que são quase impossíveis de
realizar na rua, como, por exemplo: convívio
familiar, escolaridade, programações culturais,
esportivas e de lazer etc. Procura-se criar situ-
ações que gerem nos educandos questiona-
mentos, perguntas, inquietações e que desper-
tem a necessidade de transformação. Essas si-
tuações podem ser conversas, atividades de
leitura, criação artística, produção escrita, jo-
gos, brincadeiras, passeios – o que realmente
importa é estimular a vontade de aprender,
mudar, transformar.
A leitura e a escrita nas ruas
Diariamente, uma equipe de educadores
vai até as ruas do centro de São Paulo e realiza
atividades educacionais com crianças e ado-
lescentes em situação de rua. Os vínculos de
confiança construídos nesses encontros com
os educadores são fundamentais para que as
crianças possam elaborar projetos de vida fora
das ruas. Exemplos de alguns projetos desen-
volvidos nas ruas:
Fanzine. Elaboração de uma revista de baixo
custo e com caráter educacional. As várias ati-
vidades realizadas, envolvendo a leitura de li-
vros infantis e gibis, resultaram no Fanzine
número zero, que traz entrevistas, poemas,
personagens e histórias em quadrinhos cria-
dos por crianças e educadores, em parceria.
Expo-Rua. Exposição de atividades realizadas
nas ruas com a intenção de dar destino e visi-
bilidade às produções das crianças e adoles-
centes, como, por exemplo, poemas, músicas
e desenhos.
A leitura e a escrita nas oficinas
Os educandos que já deixaram as ruas como
espaço de sobrevivência e moradia e vivem um
processo de fortalecimento dos vínculos com a
família, comunidade e escola, freqüentam dia-
riamente as oficinas oferecidas no espaço fixo da
Fundação. Nessas oficinas são realizadas várias
atividades envolvendo leitura e escrita, teatro,
dança, música etc.
Alguns exemplos de propostas voltadas para
o desenvolvimento da leitura e da escrita:
Fotonovela. Produção de uma história em
quadrinhos a partir de uma história conheci-
da pelas crianças. Para isso foi necessário
recontar a história na linguagem dos quadri-
nhos, criar cenários e fantasias para serem fo-
tografados, assim como o texto da fala dos per-
sonagens.
Culinária. Leitura, seleção e elaboração de
várias receitas fáceis de realizar e com ingre-
dientes baratos. Nesse projeto, as crianças
pesquisaram muitas receitas em diversos por-
tadores (ou suportes), fizeram orçamento de
ingredientes em supermercados e realizaram
várias atividades de alfabetização com o uni-
verso temático da culinária.
A formação profissional
Os educadores costumam participar de vários
eventos externos que possibilitam o desenvolvi-
mento profissional, e, internamente, realizam en-
contros com profissionais que trabalham na insti-
tuição – uma psicóloga, uma pedagoga e uma arte-
educadora – para discutir a prática cotidiana.
Além disso, a Fundação Projeto Travessia está
recebendo financiamento da Fundação Vitae
para realizar projeto de alfabetização em parce-
ria com uma escola pública, no qual está previs-
ta a capacitação dos profissionais sob orienta-
ção de uma equipe multidisciplinar, contem-
plando questões relacionadas à didática da alfa-
betização, psicologia, psicopedagogia, fonoau-
diologia e antropologia. Esse projeto tem como
objetivo central o desenvolvimento de estraté-
gias eficazes para alfabetizar crianças e adoles-
centes que estiveram expostos a situações de ris-
co social e pessoal, como decorrência de um
complexo processo de exclusão social.
47
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
44
44
4
CORRESPONDÊNCIA ENTRE
PROFESSORES COMO ESTRATÉGIA
DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro
Euzi Moraes
48
Correspondência entre professores
como estratégia de formação
Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro
Cedac
Resumo
O Cedac vem apostando no intercâmbio escri-
to entre professores e capacitadores como uma fer-
ramenta importante por meio da qual se pode es-
timular o professor a rever sua prática e a arriscar
novas maneiras de conduzir o trabalho em sala de
aula. A utilização dessa ferramenta em três proje-
tos distintos tem gerado reflexões instigantes so-
bre o papel da escrita na interlocução com profes-
sores. Por meio do relato dessas experiências pre-
tendemos discutir as seguintes questões:
• A criação de um contexto para uma situação real
de uso da linguagem escrita.
• O vínculo e o reconhecimento como elementos
estruturantes da aprendizagem.
• O como fazer pedagógico como eixo do trabalho
de reflexão sobre a própria prática.
• A possível negociação de pontos de vista por meio
da correspondência.
Correspondência entre professores
como estratégia de formação
Euzi Moraes
Rede Interdisciplinar de Educação – Ried/ES
Introdução
Seja com o suporte do correio convencio-
nal, seja via Internet, a correspondência entre
formadores e professores vem sendo apontada
como estratégia bem-sucedida de formação. A
experiência que passamos a relatar é, basica-
mente, um diálogo permanente em rede, que
se apóia na prática intensiva da leitura e da es-
crita. Esse diálogo vem acontecendo há quatro
anos no projeto intitulado Formação em Rede
nos Municípios de Atuação da Aracruz Celulo-
se – Projeto Formar –, no Espírito Santo, com o
financiamento da empresa Aracruz Celulose e
a coordenação pedagógica da equipe de pro-
fessores-formadores da Rede Interdisciplinar
de Educação (Ried).
Sintetizando, são quatro as características
essenciais dessa correspondência: ser diálogo;
ser permanente; ser em rede; ser por escrito.
Neste texto pretendemos relatar o que apren-
demos, por meio dessa interlocução.
Começamos a fazer parte do projeto em
agosto de 1997, com uma clara sensação de que
dispúnhamos de um conhecimento razoável
sobre os professores e seus problemas. Afinal,
vínhamos trabalhando em formação de profes-
sores havia mais de uma década – tínhamos his-
tória. No entanto, a primeira grande lição que
aprendemos foi que conhecíamos muito pou-
co da relação dos professores com os alunos,
com o conhecimento teórico-prático em peda-
gogia e com a leitura e escrita. Como podería-
mos, então, dialogar com eles?
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Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuada
Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuada
Correspondência entre professores como estratégia de formação continuada
PAINEL 4
O diálogo
Precisávamos fazer um exercício de humil-
dade. No princípio, escrevíamos muito e os pro-
fessores, quase nada. A dinâmica era enviar o
texto para estudo em grupo, receber o relatório
do estudo, dar devolutiva do relatório, enviar
mais texto… e assim, em rede, caminhávamos
– escrevendo e lendo… lendo e escrevendo. Se-
lecionávamos textos, produzíamos textos, tra-
duzíamos textos e elaborávamos instruções so-
bre o que fazer com os textos. As discussões nos
grupos eram também o espaço em que se
tematizava a prática pedagógica de cada pro-
fessor e professora e onde estes planejavam ino-
vações para as suas salas de aula. Datam desse
período os registros a seguir.
A equipe de professores-formadores enca-
minhou aos grupos de estudo um texto tradu-
zido, “O dia integrado na sala de aula, dando
as instruções a seguir.
No texto em referência encontramos princípios
e práticas. A prática pedagógica apresentada acon-
tece numa escola diferente da nossa, em um país
bem distante. Seria interessante identificar os prin-
cípios em que se apóia essa prática e confrontá-la
com os princípios que sustentam a nossa prática.
Será que desse confronto poderão surgir provoca-
ções à nossa concepção de educação e à nossa
sala de aula, dentro da nossa própria realidade?
A esta orientação, as professoras deram as
seguintes respostas:
“O dia integrado” é perfeito para o Primeiro Mun-
do, onde o poder público não tem medo do homem
consciente de seu papel e de seus direitos.
Achamos perfeita a idéia do dia integrado,
mas bem distante de nossa realidade, onde o ci-
dadão consciente é problema para os “políticos”
que fazem da máquina administrativa um meio
de garantir a sua velhice e a de seus amigos.
A nós é cobrado muito, exigido que se ensi-
ne a construção do conhecimento em um tempo
extremamente pequeno, com um currículo inten-
so… Com isso, o professor fica desnorteado, in-
seguro e assustado.
Só que em nosso país é exigido demais do
professor e dado pouco valor ao mesmo.
O ambiente físico é precário, as salas de aula
em péssimas condições, principalmente as da
zona rural.
O material didático é de baixo nível, os livros
didáticos são seqüências de repetições.
A maioria das crianças vai à escola para me-
rendar; as condições de vida são precárias. En-
fim, a condição social brasileira não oferece ne-
nhuma ajuda para a realização do dia integrado.
Era um diálogo de surdos. O conteúdo das
instruções e do texto era o que menos importa-
va a esses leitores em formação. Sentimos que
precisávamos chegar mais perto dos professores.
Com o passar do tempo fomos aprendendo que,
para desencadear o diálogo, as instruções deve-
riam ser muito mais detalhadas, e essa aprendi-
zagem produziu textos como este a seguir.
Roteiro para estudo de textos
1. Estudo individual do roteiro do texto: cada
membro do grupo deverá ler o texto, individual-
mente, antes das reuniões do seu grupo, obser-
vando os seguintes procedimentos:
• destacar no texto o que julgar serem as prin-
cipais idéias: grife à lápis, com caneta ou
marcador de texto;
• escrever nas margens do texto observações
pessoais sobre os pontos que achar relevan-
tes;
• anotar, também na margem do texto, pergun-
tas e dúvidas.
2. Debate sobre o texto:
• cada participante deverá apresentar ao gru-
po de estudo as principais idéias já destaca-
das na leitura individual, suas observações
pessoais e suas perguntas e dúvidas;
• iniciado o debate, deverão ser observados os
procedimentos de praxe, de maneira a per-
mitir que todos possam se manifestar: inscri-
ção, limite de tempo para cada fala etc.;
• um integrante do grupo deverá anotar os pon-
tos principais de cada fala. Essas anotações
serão imprescindíveis para a elaboração do
relatório.
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Observação. De maneira geral, ainda que não
esteja prevista uma aplicação imediata do texto
em discussão a práticas de sala de aula, os pro-
fessores participantes deverão adotar como prá-
tica permanente o registro escrito de toda e qual-
quer ocorrência em sala de aula que possa ter
relação com o texto em estudo.
E os roteiros passaram a fazer parte da roti-
na de nossa correspondência. Segue-se o “Ro-
teiro para avaliação de trabalhos de alunos” (as-
pecto: linguagem), no qual formulamos cinco
perguntas e oferecemos cinco pressupostos
para orientar a discussão dos professores.
Sobre textos expositivos
1. O texto produzido pelo aluno trata do assunto
estudado em aula? Se trata, de que maneira ele
se relaciona com o assunto da aula? Se não tra-
ta, como ele pode demonstrar que houve apren-
dizagem?
Pressuposto:
Há uma tendência na escola
para concluir uma aula pedindo às crianças que
escrevam textos sem contexto, textos que não
comunicam nem expõem o que elas aprenderam
do conteúdo estudado.
2. Onde, no texto, encontramos provas concretas
de que o aluno–autor aprendeu o que foi estuda-
do e é capaz de registrar por escrito os novos
conhecimentos?
Pressuposto:
Geralmente a avaliação de um
texto, na escola, focaliza mais a forma do que o
conteúdo. Os professores corrigem a ortografia
e a gramática e classificam de “bom” o texto com
menos erros ortográficos e gramaticais e de
“ruim” o texto com mais erros ortográficos e gra-
maticais.
3. A forma do texto atrai leitores? É um texto que
vale a pena ser lido? Ou é apenas mais um exer-
cício escolar, uma tentativa de cumprir as exigên-
cias do professor?
Pressuposto:
O texto na escola não é visto
como um ato de comunicação entre um escritor
e um leitor, como um escrito que precisa desper-
tar o interesse do leitor.
4. Que erros de ortografia e gramática foram en-
contrados no texto? Esses erros atrapalham a
comunicação entre o autor e o leitor? Como? De
que forma?
Pressupostos:
Geralmente a escola que muda
seu foco e passa a dar importância ao conteúdo
dos textos dos alunos acaba deixando de consi-
derar o valor da correção ortográfica e gramatical.
5. Agora que o texto foi apreciado pelo grupo, o
que fazer para melhorar o conteúdo e a forma do
texto?
Pressuposto:
Geralmente, a escola abando-
na os textos dos alunos, como se fossem produ-
tos finais.
Com o detalhamento de nossas instruções,
o diálogo entre formadores e professores avan-
çou. Contudo, a leitura compreensiva ainda ca-
recia de maior profundidade. Procuramos, en-
tão, integrar melhor a leitura à escrita, por meio
da elaboração de sínteses. Pensamos que, se
pedíssemos a eles que escrevessem uma sínte-
se do texto lido e discutido em grupo, podería-
mos conhecer melhor sua relação com a língua
escrita. Nesse momento, o “Relatório” passou a
ter o seguinte formato:
• Síntese do texto estudado: resumo das idéias
principais desenvolvidas pelo autor (15 a 20
linhas – aproximadamente 250 palavras).
• Comentários sobre o texto: observações, dú-
vidas, perguntas, críticas, se for o caso.
• Relato de práticas em sala de aula relaciona-
das ao texto em estudo.
• Breve relato da participação da coordenado-
ra regional no grupo e manifestação do gru-
po quanto à devolutiva enviada pela equipe
pedagógica central.
Só que não ouvimos os professores, antes
de mudar de rumo. Não fizemos perguntas do
tipo: “Qual a familiaridade que os professores
têm com a leitura de textos e a escrita de sínte-
ses?”. Apenas bem mais tarde descobrimos que
não se pode partir do nada. E mais: que fazer
síntese não é fácil. Essa descoberta” é confir-
mada hoje pelo que leio em um folder da orga-
nização educacional Avante, com sede em Sal-
vador. O folder divulga um programa de estu-
dos coordenado por Ana Maria Kaufman, pro-
fessora de Letras e Filosofia da Universidade de
Buenos Aires. Eis o que encontro na seção so-
bre os objetivos do curso:
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Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuada
Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuada
Correspondência entre professores como estratégia de formação continuada
PAINEL 4
Abrir um fórum de debates sobre um tipo de tex-
to particular para onde confluem de maneira
especial as práticas de leitura e escrita: o resu-
mo. Comentar investigações recentes sobre a
construção de resumos escritos. Propor alterna-
tivas didáticas para o ensino de resumos. E so-
bre o conteúdo: a complexidade do resumo
como tipo particular de texto. As estratégias in-
fantis para resumir textos expositivos e a quali-
dade dos produtos obtidos.
Sem entrar fundo em minúcias técnicas, re-
sumo é síntese. Tive vontade de voar para Sal-
vador. Não deve ser essa a atitude de professo-
res e formadores? Como diz Perrenoud, para
desenvolvermos competência profissional, pre-
cisamos pôr em jogo tudo o que sabemos e, di-
ante de situações emergentes das quais não
damos conta, sair em busca de mais conheci-
mentos. Conhecimentos que devem ser recur-
sos para agir.
De fato, aprendemos com os desafios da
prática que é difícil escrever síntese. Bem cedo,
os professores, em seus relatórios escritos, mos-
traram-nos suas dificuldades em ler e sinteti-
zar textos. O que fizemos, então? Elaboramos
um conjunto de orientações sobre como fazer
sínteses. A partir daí, acompanhamos a evolu-
ção da escrita dos professores. O estudo do pro-
cesso vivido por um dos grupos de estudo está
relatado no último número da Revista Brasilei-
ra de Estudos Pedagógicos (nº 195).
No início, a síntese” era cópia mecânica de
partes do texto original: cópia de palavras, não
a reprodução de idéias. Trechos inteiros eram
copiados e rearrumados sem preocupação com
a coerência e a coesão textuais, comprometen-
do com freqüência as idéias do autor. Muitas
vezes, o novo escrito apresentava a mesma es-
trutura de parágrafos do original.
Daí até o texto novo, síntese de idéias, pro-
dução autêntica do grupo, foi uma longa ca-
minhada. Segue-se um exemplo, extraído do
relatório de uma das professoras, no qual o
grupo mostra ter apreendido a idéia de que,
numa síntese, fazemos sempre referência aos
textos que estão sendo sintetizados: Beatriz
Cardoso ressalta que um dos possíveis objeti-
vos da escola é criar na própria sala de aula
diferentes tipos de língua escrita […] A autora,
para maior esclarecimento, cita as idéias de
Ana Teberosky [...]”.
Ao longo dessa experiência, repetimos,
aprendemos que não se parte do nada. As ins-
truções ou orientações não criam a possibili-
dade de decolar. Das instruções sobre como
fazer” saltamos para a prática de fazer” e mos-
trar como”: escrevemos nossas próprias sínte-
ses e enviamos esses textos aos grupos. No ar, a
tensão entre partir de uma base conhecida e não
ser diretivo. Em seguida programamos um mo-
mento presencial e fizemos sínteses juntos. A
partir daí, o fazer junto veio complementar nos-
sa correspondência.
Outro tipo de síntese praticada foi aquilo
que chamamos de “Relato de discussão”: uma
síntese das discussões em grupo. O registro es-
crito ganhou mais força ainda nesse momento,
como subsídio para o “Relatório Final” – às ve-
zes coletivo, às vezes organizado pela coorde-
nadora do grupo. Queríamos ter uma partici-
pação vicária na reunião. Interessava-nos “ver
o que estava acontecendo, por intermédio dos
olhos dos autores do relato. Esse trabalho de
síntese, é claro, envolvia fazer recortes na reali-
dade, selecionar e explicitar falas e fatos, fun-
damentar afirmações, para que o leitor pudes-
se ter acesso ao objeto retratado e apreciar com
mais segurança as avaliações e as conclusões
das observadoras participantes. Que tarefa
complexa! Outra vez percorremos o mesmo ca-
minho: instruções escritas, devolutivas, fazer
junto.
O discurso generalizante
dos relatos-sínteses
Com o tempo fomos percebendo que os re-
latos-sínteses eram genéricos, abstratos, sub-
jetivos. Enfim, refugiavam-se em um discurso
generalizante. Para essa questão mobilizaram-
se, então, nossos esforços. Aprendemos, nessa
nova empreitada, que sair das generalidades e
colocar o foco no específico, no concreto, no
detalhe é um desafio maior do que o nosso pri-
meiro olhar poderia distinguir. Seguem-se dois
episódios identificados na correspondência
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entre a professora formadora e os professores
em formação. No primeiro, trechos do discur-
so generalizante do relato de uma professora
são tematizados na devolutiva da professora
formadora.
No primeiro episódio, a professora relata…
Uma discussão significativa houve ainda em
torno da escola […] Os grupos têm crescido de
modo considerável [...] Nossas coordenadoras
vêm buscando alternativas [...] gerando mudan-
ça significativa em nossos professores. Avanços:
segurança na retomada das recomendações,
acrescentando conhecimentos adquiridos e ex-
periências a partir dos encontros subseqüentes,
quando ocorreu o texto das recomendações [...]
O crescimento e o interesse dos cursistas a par-
tir da prática […] mudança na prática.
… e a formadora responde:
Lendo o seu relatório, senti falta de informa-
ções mais detalhadas sobre o andamento do cur-
so em seu município. Suas observações são mais
genéricas do que específicas, mais gerais do que
particulares, mais abstratas do que concretas [...]
não registram depoimentos, exemplos de práti-
cas, posicionamento de professores.
Por exemplo, você diz:
1. que a diferença entre o letramento e a alfabe-
tização foi compreendida, mas não diz qual foi
esse entendimento;
2. que houve uma discussão significativa em tor-
no da escola e que o grupo pôde trocar experi-
ências e sugerir melhorias, mas não diz o que foi
que deu significado à discussão nem que experi-
ências foram trocadas ou quais as melhorias
sugeridas;
3. que os grupos têm crescido de modo conside-
rável graças à ação desenvolvida pelas coorde-
nadoras [...], mas não dá exemplos que mostrem
o crescimento do grupo nem explicita as ações
desenvolvidas;
4. que as coordenadoras vêm buscando alterna-
tivas para desenvolver um bom trabalho, garan-
tindo assim uma mudança significativa, mas não
diz que alternativas são essas nem dá uma idéia
do que é um “bom trabalho”, na concepção do
grupo, e qual a mudança que se pretende.
Quando você diz que a troca de experiên-
cias tem enriquecido os trabalhos, eu imagino que
sua cabeça está povoada de depoimentos, nar-
rativas, fatos, que levaram as professoras a apro-
fundar sua reflexão. Fico curiosa para conhecer
essas manifestações das professoras.
Como avanços, você registra: segurança na
retomada das recomendações, crescimento, in-
teresse, mudanças na prática (em que você ba-
seou essa conclusão?). Essas são palavras mui-
to genéricas e subjetivas. Precisamos de infor-
mações mais objetivas. No item 6, você diz que
os objetivos do Módulo 1 foram alcançados. A que
conteúdos você se refere? E quais são, no con-
creto, os objetivos do Módulo 1? Gostaria que
você fosse mais explícita sobre os resultados da
aprendizagem no seu grupo e ilustrasse suas
afirmações com exemplos concretos.
Seu relatório é bom de ler e suas notícias,
boas de ouvir. No entanto, um relato escrito pre-
cisa ser menos subjetivo, mais específico. Preci-
sa recorrer a exemplos e a fatos concretos para
demonstrar a qualquer leitor atento que a apreci-
ação feita pelo autor do relato tem fundamento
na realidade. Precisa descrever situações, retra-
tar o clima das reuniões, a fim de que o leitor
possa “enxergar” os acontecimentos por meio das
palavras (e dos olhos) do narrador. Essas são
propriedades do texto escrito, em razão de sua
própria natureza: escritor e leitor não comparti-
lham todas as informações.
O escritor faz recortes na realidade para dar
ao leitor, que está distante dos fatos, a idéia mais
completa possível do que ele observou e viveu.
O escritor tem um conhecimento direto do pro-
cesso, o leitor, só um conhecimento indireto. Pre-
cisa de detalhes, de informações precisas, de
descrições, de bons recortes na realidade, para
poder formar um quadro mais fiel do que de fato
se passou. E também para fazer a sua própria
avaliação dos fatos, sem ter de se valer apenas
da opinião subjetiva do escritor.
No segundo episódio, a professora, autora
do relato, delimita, detalha, especifica, explicita,
retrata os fatos com objetividade, mostrando
que superou a tendência generalizante dos seus
relatos iniciais.
A Professora Maria Inês do PC-2 tinha bas-
tante resistência às orientações do Formar/
PROFA. Somente após a leitura e a exibição do
vídeo da U7 “Como ler sem saber ler” mudou sua
maneira de pensar. Propôs a seus alunos que
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Correspondência entre professores como estratégia de formação continuada
PAINEL 4
formassem conjuntos com os nomes dos cole-
gas da sala. Sua aluna de cinco anos e seis me-
ses montou os conjuntos e fez a leitura dos no-
mes Rafael e Rodolfo. A professora pediu que ela
lesse. Ela leu. A professora perguntou: “Como
sabe que está escrito Rafael e Rodolfo?” A aluna
respondeu: “Rafael começa com ‘Ra’, igual ao tio
Raul, e Rodolfo termina com ‘fo’, igual ao meu
urso Fofo. A professora fez outras perguntas re-
lacionadas à atividade, e sua aluna respondia a
partir das intervenções da professora. A partir
dessa experiência, a professora constatou que é
possível, sim, ler sem saber ler.
Esse registro explícito, detalhado, ilustrativo
recebeu da professora formadora o seguinte co-
mentário: “Quero ainda dizer que você conse-
guiu sair das generalidades e ser específica e
objetiva em sua narrativa, ilustrando, exemplifi-
cando. Parabéns!”
A maior descoberta, no entanto, é que nós
mesmos, professores-formadores, não estamos
tão libertos dessa tendência ao discurso genera-
lizante. Precisamos abrir o nosso discurso como
contribuição à clareza do diálogo. Do contrá-
rio, estaremos trocando discursos vazios, sem
idéias. A realidade escolar, que temos como
meta mudar, pode permanecer intocada.
Escrita: discurso e linguagem
Como poderá a correspondência ajudar a
melhorar a escrita dos professores? Até aqui,
procuramos mostrar alguns flashes da aprendi-
zagem do discurso próprio da escrita. Vamos
acrescentar mais um: a reflexão.
Somos herdeiros de uma tradição escolar
mecanicista, mas refletir é preciso, cada vez
mais. O processo de construção de um texto é
um momento privilegiado de reflexão, de apro-
fundamento do pensamento.
Estamos agora envolvidos com o registro
(ou o relato) reflexivo. Notamos que, na hora da
reflexão, o pensamento dos professores trope-
ça em palavras e em esquemas. As perguntas
que eles propõem procuram definições para
síntese, resumo, esquema, um festival de
palavras. O campo semântico que elas cobrem
não chega a despertar interesse. Eles estão agora
estudando as hipóteses que as crianças formu-
lam em seus encontros com a língua escrita: as
hipóteses de escrita. Não lhes interessa muito
saber que hipótese é uma idéia que alguém tem
sobre o modo de ser de alguma coisa. Querem
fazer corresponder os esquemas, as palavras:
As hipóteses de leitura são as mesmas que as
da escrita?”, perguntam. Não importa que se-
jam processos diferentes. Como estão sempre
juntos, os olhos vão transferindo de um para o
outro os nomes aprendidos, sem pensar em
idéias. Por isso, enquanto se alinham com a pro-
posta de alfabetização com textos, os professo-
res ainda pedem técnicas para trabalhar com
professores cursistas para que não aconteçam
mais desistências. E a formadora responde:
Você solicita sugestões de técnicas para tra-
balhar com os cursistas. Se você está se referin-
do à metodologia de trabalho em grupo, poderei
localizar algum texto que trate desse assunto e
lhe enviar. Mas as razões das desistências pre-
cisam ser mais analisadas. Certamente há ou-
tros fatores. Quais seriam os mais determinantes?
Raramente é um só, não é verdade? Suponho
que alguns deles sejam: sobrecarga de trabalho,
falta de compromisso com a mudança, interes-
ses concorrentes, indisponibilidade para o estu-
do e a reflexão… E, é claro, também a falta de
estratégias adequadas de estudo em grupo.
Mais adiante observamos que, no início, o
exercício de reflexão levava o registro para o
lado da pura emoção. E o que poderia ser uma
oportunidade de aprofundamento teórico não
ia além de um diário sentimental. Hoje, o texto
reflexivo já emerge. Seguem alguns trechos do
relato de uma professora:
Quando eu pensava em lecionar em uma sala
de alfabetização, sentia até arrepios, eu me acha-
va incapaz de alfabetizar alguém, isso era um bi-
cho de sete cabeças. Tinha certeza de que as
pessoas nasciam, ou não, com o dom de alfabeti-
zar. Soube, no final de 2000, que o Formar iria
transformar-se em PROFA e que seria um curso
sobre “alfabetização”. Não hesitei e me inscrevi.
Queria descobrir o segredo que havia por trás
dessa palavra “alfabetização” e tinha a certeza de
que iria encontrar a receita certa para alfabetizar.
Juntamente com o início desse curso, resol-
54
vi, em março de 2001, alfabetizar meu irmão
Gabriel de quatro anos e dez meses, que está
cursando o Pré I. E em abril de 2001, comecei a
lecionar em uma sala de estimulação e apoio, na
Apae, onde recebo, entre outras, crianças defa-
sadas que, às vezes, já estão há três anos na 1ª
série, passam então para a 2ª série sem estarem
alfabetizadas e ficam perdidas. A professora logo
diz que a criança deve ter algum problema men-
tal e assim elas acabam parando na Apae, mais
particularmente na sala de apoio.
Abracei essa nova causa com muito gosto (o
Gabriel era minha cobaia e já não tinha tanto
medo do fracasso) e, com a idéia mais amadu-
recida sobre alfabetização, comecei a alfabetizar
essas crianças, reunindo tudo o que havia apren-
dido no PROFA e mais algumas coisas que iam
surgindo, vindo deles. Nossa, eles estão sendo
um sucesso!
Atualmente, no PROFA, aprendi a importân-
cia de trabalhar com textos, e que todo esse pro-
cesso, como os outros, deve ser bem-feito, le-
vando em conta vários aspectos, que não mencio-
narei aqui. Essa é minha nova meta, daqui em
diante. As crianças estão amando e eu, com tudo
isso, percebi que para alfabetizar não se precisa
nascer com dom, basta ter boa vontade para
aprender, nunca se acomodar com o que sabe e
atualizar-se sempre mais sobre o assunto. Devo
tudo isso ao PROFA e aconselho a todos os pro-
fessores que desejam alfabetizar a experimentar
o PROFA, e irão descobrir um mundo novo, onde
alfabetizar é um sonho real.
No Projeto Formar, a adesão é voluntária. O
diálogo em rede desenrola-se a partir de com-
binados. Esse princípio favorece também a ação
dos professores-formadores sobre questões de
redação. Consultados sobre o seu interesse em
receber devolutivas sobre problemas de discur-
so e linguagem nos textos de seus relatórios, os
professores manifestaram-se a favor. Desenvol-
vemos, então, um trabalho sistemático de revi-
são comentada dos seus textos. No estudo pu-
blicado na RBEP, já mencionado, apresentamos
alguns dos problemas verificados e mostramos
os avanços dos professores no uso da língua
padrão. Em poucas palavras, o que aconteceu
foi que, na elaboração da síntese, os professo-
res avançaram da cópia mecânica para o texto
autêntico, novo, de sua própria autoria. O fato
novo, mas previsível, foi o seguinte: o texto co-
piado era sem erros gramaticais. O texto
construído pelos autores era gramaticalmente
problemático. Mas, com o tempo, forma e con-
teúdo foram começando a se integrar.
Em nossa avaliação, a correspondência na
formação de professores é um fator determi-
nante do sucesso no desenvolvimento da capa-
cidade leitora e escritora, e isso significa desen-
volvimento do pensamento.
Devemos ressaltar, no entanto, que os fatos
relatados mostram que é fundamental tratar os
interlocutores professores com respeito. Uma
forma importante de mostrar respeito é nunca
deixar os professores sem resposta: a correspon-
dência deve ser co-respondência.
Além disso, é preciso que o diálogo seja per-
manente. O período de quatro anos que esta-
mos relatando foi contínuo, e é nítida a diferen-
ça entre os que permaneceram e os que apenas
passaram pelo projeto.
Por último, last but not least, é preciso man-
ter uma relação em rede, um trabalho entre pa-
res. Nesses quatro anos de diálogo permanente
em rede aprendemos muito. Mas ainda há mui-
to a aprender.
Bibliografia
MORAES, Euzi R. A evolução da leitura e da escrita de um
grupo de professores: estudo de caso.
Revista Brasilei-
ra de Estudos Pedagógicos (RBEP)
, Brasília, v. 80, nº
195, p. 212-232, maio/ago. 1999.
PERRENOUD, Phillippe. Palestra proferida no Encontro da
Rede PROFA, em Brasília, 8 de agosto de 2001.
PROJETO FORMAR. Textos variados de professores parti-
cipantes (ago. 1997-dez. 2000).
PROJETO FORMAR/PROFA. Textos variados de professo-
res participantes (fev. 2001- ).
55
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
55
55
5
FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO PROJETO
SABER EM MOVIMENTO
Caio Martins e Marcelo Barros Silva
56
Anexo
Descrição sumária dos projetos interdisciplinares
desenvolvidos no ano letivo de 2000
atividades esportivas e culturais no período
extra-escolar, capacitando os orientadores
educacionais das escolas e os técnicos dos pro-
gramas extra-escolares;
• viabilizar a locomoção dos alunos aos centros
esportivos, culturais e comunitários, por meio
de subvenção do transporte e em parceria com
a concessionária de transporte público local.
O Projeto está sendo realizado desde o ano
letivo de 2000, em parceria com a Prefeitura
Municipal de Santos, por meio de suas Secre-
tarias de Educação, Esportes, Cultura e Ação
Comunitária, junto com o Sesi; quatro entida-
des sociais (ONGs); Faculdades de Educação
Física da Unimonte e Unisanta e com o Expres-
so Metropolitano.
O processo de capacitação dos quase oiten-
ta educadores envolvidos no Projeto se realiza
em serviço e vem resultando em:
• construção de instrumentos didático-pedagó-
gicos pelos professores de Educação Física;
• realização de projeto interdisciplinar por cada
uma das escolas (ver anexo);
• 360 alunos inseridos nas atividades extra-es-
colares oferecidas pela cidade.
Informações sobre o Projeto
Saber em Movimento
Caio Martins e Marcelo Barros Silva
Escola Pública – Santos/SP
O Projeto Saber em Movimento, voltado ao
segmento de 5ª a 8ª série, está sendo desen-
volvido em caráter piloto em oito escolas mu-
nicipais de Ensino Fundamental de Santos
(SP), que somam aproximadamente 3.500 alu-
nos, com vista à construção de oportunidades
de acesso dos adolescentes às manifestações da
cultura corporal de movimento – jogos, espor-
tes, danças, lutas e ginásticas – que, na escola,
são oferecidos pela Educação Física e, no perío-
do extra-escolar, pelos programas esportivos,
culturais e comunitários da cidade.
Para tanto, o Projeto tem tratado de:
• qualificar a Educação Física escolar, capacitan-
do seus professores – com base nos Parâme-
tros Curriculares Nacionais do MEC – e mu-
nindo as escolas com os materiais e equipa-
mentos necessários;
• incentivar e orientar a realização de projetos
interdisciplinares, que a Educação Física tem gran-
de potencial de mobilizar, capacitando a equipe
escolar: coordenadores pedagógicos, professores
de Educação Física e de outras disciplinas;
• promover o diálogo e a articulação entre a es-
cola e os programas públicos que desenvolvem
EMEF José da Costa e Silva Sobrinho. O eixo
temático do projeto foi a prática do skate,
cujo desenvolvimento envolveu todas as
disciplinas da 5ª à 8ª séries do Ensino Fun-
damental. Como resultado, além das con-
quistas de aprendizagem em cada área de
conhecimento, a equipe técnica experi-
mentou nova metodologia de trabalho para
a organização e a execução do projeto, in-
cluindo dinâmica de encontros, instrumen-
tos de registro e avaliação permanente, es-
tudo dos PCN para localização de conteú-
56
Formação de professores no Projeto Saber em Movimento
PAINEL 5
uma trama de corda para práticas corporais
e a pintura de mural tematizando as modali-
dades olímpicas, ambos realizados pelos alu-
nos na área externa da escola. O percurso de
trabalho envolveu a apreciação de vídeos de
diversas modalidades esportivas, suas práti-
cas adaptadas às aulas de Educação Física, o
estudo da representação da figura humana
em movimento, as técnicas relacionadas à
pintura de murais e as utilizadas para a con-
fecção de tramas de corda.
EMEF Vinte e Oito de Fevereiro. O projeto
tematizou o basquete. Um filme foi utilizado
para promover a discussão com os alunos e
com a equipe docente que, de pronto, perce-
beu o potencial educativo contido na explo-
ração do tema. A decisão de elaborar uma re-
vista sobre o basquete, como produto final,
possibilitou diversificar os conteúdos a serem
pesquisados e. ao mesmo tempo, sinalizou
aprendizagens específicas a serem adquiridas
nas áreas de Educação Física, Língua Portu-
guesa e Artes. O conhecimento necessário ul-
trapassou as áreas envolvidas inicialmente,
quando os alunos, para entender mais sobre
o que tinham descoberto, buscaram amplia-
ção da informação nas áreas de Matemática,
História e Ciências.
dos a serem trabalhados, formas de enca-
minhamento da participação dos alunos,
assim como favoreceu a concretização dos
produtos finais planejados.
EMEF Mário de Almeida Alcântara. O proje-
to foi inspirado na Olimpíada de Sidney, para
o qual os alunos desenvolveram uma pesqui-
sa repleta de conteúdos nas áreas de Educa-
ção Física, Inglês e Artes. Como produto fi-
nal realizaram um evento aberto à comuni-
dade, composto de sete estandes informati-
vos sobre modalidades olímpicas, jogos
amistosos, projeções sobre a cidade de
Sidney e uma instalação artística construída
em ferro, madeira e tecido. No desenvolvi-
mento do projeto, alunos e professores
aprenderam, para além do conhecimento re-
lacionado à Olimpíada de Sidney, as habili-
dades necessárias à execução de uma feira e,
principalmente, como essas aprendizagens
são facilitadas pela cooperação nas relações.
EMEF Martins Fontes. O foco do projeto foi
o espaço escolar como local de convivência e
de prática corporal. Integrando as áreas de
Educação Física e Artes, as atividades busca-
ram voltar o olhar do aluno para a potencia-
lização do uso do espaço e dos equipamen-
tos escolares. Os produtos do projeto foram
59
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
66
66
6
ARTICULAÇÃO
ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA DE PROFESSORES
Maria Corrêa da Silva
Célia Finck Brandt e Sydione Santos
Lourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira
Eliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz
60
Breve contextualização
O Acre, estado mais ocidental do Brasil,
embora integrando a Região Amazônica, pos-
sui peculiaridades que o tornam distinto no
cenário amazônico, tanto no que se refere às
características geográficas, quanto no tocan-
te às condições para o desenvolvimento hu-
mano e social.
Possui uma população de 557.337 habi-
tantes, com mais de um terço concentrado na
capital, e os demais distribuídos entre 21 mu-
nicípios integrados, em sua maioria, somen-
te por via aérea.
Ao contrário de outros estados da Ama-
zônia, o Acre não conta com hidrovias inte-
grando a maioria dos municípios, uma vez
que os rios são todos paralelos. Além disso, o
solo não tem pedra, dificultando a constru-
ção de rodovias.
Tudo isso contribui para o isolamento das
populações, principalmente a população ru-
ral. Nesse cenário se impõe o desafio de fazer
educação.
Alguns dados sobre
a educação no Acre
O Acre possui uma rede com 1.717 esco-
las, das quais 1.364 são rurais e 353, urbanas.
Destas urbanas, 188 são estaduais, 123 são
municipais, 41 particulares e 1 é federal.
Em 2001, a matrícula inicial (dados preli-
minares) foi de 180.838 alunos, dos quais
124.156 pertencem à rede pública estadual,
45.794 são das redes públicas municipais e
10.888 da rede particular de ensino.
Os indicadores de qualidade em 2000
apontam uma reprovação de 11,2% no Ensi-
Articulação entre formação inicial
e continuada de professores
Maria Corrêa da Silva
Seduc/AC
no Fundamental, 4,8% no Ensino Médio, uma
distorção idade–série de 50,3% no Ensino
Fundamental e de 57,5% no Ensino Médio. O
abandono fica em 16,3% no Ensino Funda-
mental e, no Ensino Médio, em 19,5%.
O estado conta com 7.463 professores,
dos quais 860 possuem 1º grau, 3.755 têm
Magistério de nível médio e 2.345 fizeram
curso superior.
Diante desse quadro, surge a indagação:
Como garantir a qualidade da educação no
estado e reverter os índices de fracasso es-
colar?”
Construindo uma proposta
de formação inicial
de professores
O desafio estava posto: mudar os rumos
da educação no estado enfrentando as limi-
tações de ordem geográfica, econômica e es-
trutural, elegendo como foco principal o pro-
fessor como agente desencadeador de mu-
danças no âmbito da escola.
Entendendo que muito pouco poderia ser
feito pela qualidade da educação sem inves-
tir na formação dos seus professores, a Secre-
taria de Educação do Estado iniciou, em 1999,
as primeiras aproximações com a Universida-
de Federal do Acre (Ufac), no sentido de se
firmar uma parceria para garantir a formação
de seus professores.
Dois foram os objetivos que nortearam
essa parceria:
• garantir a oferta de cursos numa abran-
gência significativa dos docentes e municí-
pios do Estado;
• rever as estruturas curriculares dos cursos
60
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
da Ufac, de modo a aproximá-las das reais
necessidades do sistema, tomando por base
as Diretrizes e os Parâmetros Curriculares
Nacionais, permitindo mais flexibilidade,
além do eixo norteador de associação entre
teoria e prática.
Ao tempo em que construíam os projetos
de formação inicial, a SEE aderia ao Progra-
ma de Formação Continuada do MEC Parâ-
metros em Ação, envolvendo mais de 87,7%
dos professores de Educação Infantil de 1ª a
4ª série, e de 5ª a 8ª séries do Ensino Funda-
mental e da Educação de Jovens e Adultos,
num total de 4.835 professores.
Em 2000 ficou pronto o Programa de For-
mação Inicial de Professores para a Educa-
ção Básica (Prosaber), destinado aos profes-
sores que atuam de 5ª a 8ª séries e no Ensi-
no Médio.
Foram estruturados seis cursos em regime
modular, nas áreas de Matemática, Letras,
Geografia, História, Biologia e Educação Fí-
sica, num total de 37 turmas distribuídas em
9 pólos, atendendo os professores das redes
estadual e municipais de ensino de 16 municí-
pios. Tais cursos foram destinados aos profes-
sores efetivos que, embora atuando de 5ª a 8ª
séries e no Ensino Médio, não possuíam a for-
mação adequada.
Foi firmado um convênio entre o Governo
do Estado e a Universidade Federal do Acre no
valor de R$ 3.458.415,00 (três milhões, quatro-
centos e cinqüenta e oito mil, quatrocentos e
quinze reais). E as prefeituras também firma-
ram convênios específicos com a Ufac.
Considerando as limitações que a univer-
sidade teria para, sozinha, garantir um pro-
grama efetivo de interiorização, à exceção de
Rio Branco, nos demais municípios, além do
atendimento aos professores, foram dispo-
nibilizadas vagas para a comunidade.
O quadro abaixo apresenta o detalha-
mento da oferta dos cursos e sua abran-
gência.
Rio Branco (inclui Bujari e Porto Acre)
Xapuri
Sena Madureira
Plácido de Castro (inclui Acrelândia)
Brasiléia (inclui Epitaciolândia)
Tarauacá
Feijó
Senador Guiomar (inclui Capixaba)
Cruzeiro do Sul
Total geral
N
o
200
27
50
54
51
66
20
43
193
704
Municípios-pólos
6
16
7
3
13
3
7
59
114
Total
Comunidade Total
Professores
Estadual Municipal
200
33
66
61
54
79
23
50
252
818
167
134
90
146
121
128
100
150
1.036
200
200
200
151
200
200
151
150
402
1.854
1
2
3
4
5
6
7
8
9
São cursos com duração de três anos, com
uma estrutura curricular que inclui um tronco
comum de 840 horas e parte diversificada vari-
ando em carga horária conforme o curso, com
um mínimo de 1.215 horas. Estão funcionando
em todo o estado desde fevereiro de 2001.
Paralelamente à discussão que se levava
em âmbito nacional, relativa às Diretrizes
para a Formação de Professores para a Edu-
cação Básica, ia-se delineando também no
estado um outro programa, em parceria com
a Ufac, para formar em nível superior os pro-
fessores que atuam na Educação Infantil e
nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Coincidindo com a aprovação das Diretri-
zes, concluímos um novo programa, dessa
vez para oferecer um curso de Pedagogia mo-
dular voltado para a formação de docentes da
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental, com duração de quatro anos,
carga horária de 3.240 horas e estrutura
curricular detalhada na próxima página.
62
Estudo das áreas específicas
do conhecimento
Fundamentos do Ensino de Língua Portuguesa
Literatura Infantil
Ensino de Língua Portuguesa na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Investigação e Prática Pedagógica em Língua
Portuguesa
Fundamentos do Ensino de Matemática
Elementos de Estatística Aplicada ao Ensino
Ensino de Matemática na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Investigação e Prática Pedagógica
Fundamentos do Ensino de Ciências Naturais
Ensino de Ciências Naturais na Educação Infantil e
anos iniciais do Ensino Fundamental
Investigação e Prática Pedagógica em Ciências Naturais
Corporeidade e Movimento
Jogo e Educação
Investigação e Prática Pedagógica
em Educação Física
Fundamentos do Ensino de História
Ensino de História na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Investigação e Prática Pedagógica em História
Fundamentos do Ensino de Geografia
Ensino de Geografia na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Investigação e Prática Pedagógica em Geografia
Fundamentos do Ensino de Artes
Ensino de Artes na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental
Oficinas Pedagógicas sobre Artes (temas básicos:
teatro, musicalização infantil e desenho)
Investigação e Prática Pedagógica no Ensino de Artes
Subtotal
Trabalho de conclusão de curso
Total geral do curso
Formação básica
Fundamentos da Educação
Fundamentos da Pesquisa Pedagógica
Investigação e Prática Pedagógica
Organização da Educação
Identidade Profissional, Profissão e Cidadania no
Magistério
Organização do Trabalho Pedagógico
Planejamento e Avaliação Educacional
Desenvolvimento e Aprendizagem Humana
Fundamentos da Educação Especial
Tecnologia da Comunicação e Informação
Abordagens Metodológicas no Ensino
Oficina Pedagógica
Subtotal
Formação comum
de professor multidisciplinar
Crescimento e Desenvolvimento Infantil
Abordagens Metodológicas no Ensino Especial
Fundamentos da Educação Infantil
Fundamentos da Alfabetização
Investigação e Prática Pedagógica
Oficinas Pedagógicas
Subtotal
Formação específica
de professor multidisciplinar
Educação Infantil
Organização da Educação Infantil no Brasil
Instituições de Educação Infantil e cotidiano
Investigação e Prática Pedagógica na Educação Infantil
Anos iniciais do Ensino Fundamental
Organização da educação no Ensino Fundamental
Temas Especiais do Ensino Fundamental (Educação Indíge-
na, Ensino Multisseriado, Educação de Jovens e Adultos)
Investigação e Prática Pedagógica
Subtotal
Disciplinas
Carga
horária
45
60
120
45
45
60
120
45
45
120
45
60
60
45
45
120
45
45
120
45
45
120
30
45
1.575
120
3.240
60
60
165
60
60
60
90
60
60
60
60
30
825
60
90
60
75
30
30
345
75
60
45
75
75
45
375
Disciplinas
Carga
horária
62
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
A experiência vem sendo acompanhada pelos
professores da rede de formadores dos PCN, que
promove momentos para avaliação juntamente
com os formadores e a coordenação do curso de
Pedagogia.
Depoimentos dos alunos vêm mostrando que a
inserção do PROFA na graduação levou para o curso
uma nova dinâmica de trabalho, abrindo um campo
de possibilidades para se desenvolver trabalho simi-
lar em outras áreas do conhecimento.
A experiência de aproximação entre a for-
mação inicial e a formação continuada no Es-
tado não se encerra com a inserção do PROFA
na Pedagogia. Mais recentemente, e pelas
mesmas razões, decidiu-se inserir nos cur-
sos do Prosaber a formação continuada rela-
tiva ao meio ambiente. Os cursos de Licencia-
tura também previam a oferta de Educação
Ambiental, permitindo, assim, a realização da
formação continuada de meio ambiente in-
tegrada à formação inicial dos professores de
5ª a 8ª séries e Ensino Médio.
Além da formação continuada associa-
da à formação inicial, a SEE mantém turmas de for-
mação continuada para professores que já pos-
suem curso superior (quatro turmas do PROFA e
oito turmas de PCN – Meio Ambiente).
Algumas conclusões
O desafio de fazer educação com qualidade
para todos no Acre nos permite concluir que:
1. A formação inicial dos professores em nível supe-
rior pode representar um salto qualitativo e de-
sencadear mudanças importantes nos sistemas
educacionais.
2. A formação continuada, associada à formação ini-
cial, pode possibilitar a construção, com as uni-
versidades, de novos desenhos para a formação
de professores, na medida em que ensejam o tra-
balho com novas dinâmicas, associando teoria e
prática e a discussão do que é significativo para
responder às reais necessidades do sistema.
3. A excelência em educação também pode ser bus-
cada por estados considerados periféricos, com
déficits educacionais significativos, mesmo que
para isso ainda não existam as condições ideais.
4. As realidades de cada estado falam mais alto e,
quando levadas em consideração, abrem espaço
para ousar, criar e inovar.
O curso foi pensado para funcionar também
nos nove pólos já definidos, atendendo à clientela
de 16 municípios, num total de 55 turmas, das
quais 27 ficam em Rio Branco. Iniciou-se em Rio
Branco, no final de agosto de 2001, devendo co-
meçar nos demais pólos até novembro. Foram be-
neficiados 2.250 professores da rede estadual e 454
professores das redes municipais de ensino, con-
forme detalhamento no quadro abaixo.
Formação continuada de
professores: um jeito de fazer
Em 2000 e início de 2001, os professores em todo
o estado haviam concluído a formação continuada
nos Parâmetros Curriculares em Ação. Junto às as-
sessorias do MEC nessa área, novas demandas fo-
ram geradas para a continuidade do trabalho com
os PCN. Na ocasião, o Ministério acenava com a pos-
sibilidade de um trabalho voltado para a formação
de professores alfabetizadores por meio do PROFA.
Ao mesmo tempo em que vislumbrávamos um
trabalho nessa área com os professores do estado,
deparávamos com a impossibilidade de oferecer a
capacitação, uma vez que a quase totalidade dos
professores estava cursando Pedagogia e não teria
tempo disponível para a formação continuada.
Isso fez com que buscássemos (MEC, SEE e Ufac)
a alternativa de integrar a formação continuada à for-
mação inicial, já que na estrutura curricular do Cur-
so de Pedagogia havia disciplinas voltadas para for-
mar o alfabetizador. Incluído na graduação, o PROFA
tem uma distribuição de carga horária ao longo de
18 meses, contando com professores que também
são do estado e estão disponibilizando 20 horas de
sua jornada semanal para o programa.
Total
Professores da
rede estadual
Professores das
redes municipais
Total
Municípios-pólos
Cruzeiro do Sul (inclui Mâncio Lima e Rodrigues Alves)
Sena Madureira
Brasiléia (inclui Epitaciolândia)
Tarauacá
Plácido de Castro (inclui Acrelândia)
Senador Guiomard (inclui Capixaba)
Feijó
Xapuri
Rio Branco
1
2
3
4
5
6
7
8
9
387
21
84
126
54
85
77
72
1.244
2.250
144
56
37
15
25
27
20
13
117
454
531
177
121
41
79
112
97
85
1.361
2.704
64
A educação a distância, vista em contraposi-
ção ao ensino presencial face a face, como mo-
dalidade não tradicional, típica da era industrial
e tecnológica, permite o atendimento a milha-
res de pessoas e a utilização de uma gama varia-
da de tecnologias.
É possível perceber que as necessidades
emergentes dos avanços tecnológicos, da
mundialização da cultura e da globalização da
economia produzem uma crescente demanda
social por formação e qualificação profissional,
que não encontra paralelo na história. Cabe res-
saltar também que essa situação se reflete no
mundo do trabalho que está a exigir sujeitos que
possuam capacidade de adaptação a mudanças
rápidas, à execução de novas tarefas e que se-
jam aptos à variabilidade do mercado. Isso re-
quer formação permanente e uma Educação
que atenda, inclusive, à possibilidade de
recolocação profissional”.
A EAD constitui-se numa alternativa edu-
cacional por ser uma opção altamente viável,
do ponto de vista do custo/benefício, ao esten-
der o atendimento a milhares de pessoas e por
se utilizar de uma gama imensamente variada
de tecnologias velhas e novas, nesse processo.
Além disso, nessa visão, há necessidade de uma
completa reestruturação dos sistemas edu-
cacionais em todas as instâncias e em todos os
aspectos: financeiros, administrativos, didáti-
co-pedagógicos. As oportunidades e impasses
deste início de século apresentam à Educação
o desafio de formar cidadãos capazes de assu-
A formação de professores
para os anos iniciais do ensino
fundamental: um desafio na era
das novas tecnologias
Célia Finck Brandt e Sydione Santos *
UEPG/PR
*Professoras do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mestres em Educação. Inte-
grantes do grupo de coordenação do Curso Normal Superior com Mídias Interativas da UEPG.
mir criticamente as mudanças.
Cada vez mais, o professor é visto como eixo
central da qualidade da Educação escolar, inde-
pendentemente do nível de ensino em que atua.
A Educação, considerada como direito de todos
os cidadãos, surge como responsabilidade so-
cial a ser compartilhada pelos diversos segmen-
tos da sociedade brasileira que buscam assegu-
rar uma melhor qualidade de vida a todos.
A melhoria da educação, responsável pelos
diferentes patamares dessa qualidade de vida
desejada, nas diversas áreas de vivência do ser
humano, encontra-se estreitamente relaciona-
da com a preparação dos quadros profissionais
responsáveis pela excelência do ensino e pela
ocorrência de aprendizagens significativas.
Em decorrência disso, surge a necessidade
de modificação da própria concepção do traba-
lho do professor, agora muito mais focalizada
no processo de gestão da aprendizagem de seus
alunos e na dimensão do papel da escola que,
hoje, sofre transformações.
Em face do exposto e buscando atender a
uma demanda social de 35 mil professores que
atuam na Educação Infantil e em séries iniciais
do Ensino Fundamental no Estado do Paraná,
por formação em nível de graduação, a Univer-
sidade Estadual de Ponta Grossa, como institui-
ção pública, instituiu um curso de graduação
com mídias interativas, mergulhado no virtual,
utilizando equipamentos de ponta e uma
metodologia inovadora, buscando a competên-
cia no trato das novas tecnologias, numa dinâ-
64
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
mica inédita, cujas propriedades são: conectivi-
dade, interatividade e transversalidade.
A UEPG entende que a demanda social, prin-
cipalmente no tocante à formação de professo-
res, precisa ser enfrentada por meio de propos-
tas ousadas, e resolve, por isso, aceitar o desafio
de inovar com a competência e a seriedade que
lhes são características. Entende também que,
para inovar, é preciso romper barreiras de ordem
institucional e pessoal. O novo pode assustar,
mas não pode intimidar. O curso conta com do-
centes de universidades e faculdades do Paraná
e especialistas convidados de fora do Estado, ofe-
recendo uma estrutura curricular que leva em
consideração as experiências e a formação já
adquiridas pelos professores cursistas, com a
utilização de um conjunto de mídias interativas.
O curso propõe ampliar os referenciais teórico-
conceituais para uma melhor compreensão de
conteúdos e formas pedagógicas, possibilitando
a produção e a criação de opções mais significa-
tivas de aprendizagem.
O Curso Normal Superior com Mídias Inte-
rativas tem por objetivo:
• Habilitar o contingente de professores em re-
lação à melhoria de sua atuação na rede oficial
de ensino, municipal, estadual ou particular,
nas séries ou ciclos iniciais do Ensino Funda-
mental e na Educação Infantil.
• Cumprir com a responsabilidade social de qua-
lificar professores em formação de grau supe-
rior, pela instituição universitária, no decorrer
desta década, em consonância com a legisla-
ção atual.
• Ampliar os referenciais teórico-conceituais para
uma melhor compreensão e descoberta de con-
teúdos e formas pedagógicas menos convencio-
nais, possibilitando a produção e criação de op-
ções mais significativas de aprendizagens, den-
tro do coletivo das escolas, como parte de uma
grande rede integradora de geração de conheci-
mento no Estado, mediante o uso da tecnologia
de comunicação.
• Possibilitar a experimentação e a avaliação, pela
comunidade acadêmica paranaense, de uma
proposta não-convencional de formação de
professores, mediante mídias interativas, orga-
nizadas e monitoradas pela Universidade Es-
tadual de Ponta Grossa.
O Curso Normal Superior é organizado sob a
forma de um Módulo Introdutório e quatro
módulos interativos. Os módulos interativos sis-
tematizam os referenciais teóricos do curso, por
meio de temas e unidades, presentes na estru-
tura curricular, mediante a modalidade de
videoconferências e teleconferências. As primei-
ras são ministradas pelos docentes do curso, em
duas sessões semanais, enquanto as teleconfe-
rências estão a cargo de especialistas convida-
dos, nacionais e internacionais, sendo realizadas
mensalmente.
No desenvolvimento do curso, realizam-se
sessões de trabalho monitorado, num total de
três sessões semanais, no decorrer dos módulos
interativos, com participação direta de tutores e
assistentes, e, eventualmente, orientadores aca-
dêmicos. Essas sessões são distribuídas nos dias
e turnos previstos, em três modalidades: on-line,
off-line e de suporte,
1
nas quais, em grupos de
dez alunos, são atendidos os integrantes de uma
turma.
Estudos independentes estão previstos no
decorrer da formação, à escolha do estudante/
professor, os quais poderão ser desenvolvidos
por meio de estudos complementares, mais con-
vencionais, com uso de biblioteca, ou realizados
via Internet, utilizando-se de biblioteca virtual,
podendo constituir-se em: sistematização cien-
tífica, organização e análise de conteúdos de
sites, produção de recursos de tecnologia apli-
cada à educação, docência em cursos para a co-
munidade; apresentação de trabalhos em even-
tos técnicos ou científicos de interesse profis-
sional, entre outros, a critério do estudante/pro-
fessor e a partir da proposta apresentada.
Há a previsão de um trabalho de síntese ela-
borada do curso, que acompanhará o desenvol-
vimento de todo o currículo, com uma proposta
de sistematização gradativa do conhecimento
acumulado e do saber apropriado nos diversos
1
Sessões
on-line
são caracterizadas pelo desenvolvimento das temáticas com utilização de mídias interativas ou Internet. Sessões
off-line
são presenciais, com acompanhamento e orientação do tutor. Sessões de suporte são oportunizadas para administração da vida acadêmi-
ca pelo próprio estudante/professor.
66
momentos, a partir de reflexão e produção pes-
soal, inspirada na construção coletiva do conhe-
cimento, analisada e comentada em função de
diferentes aspectos, à escolha do cursista.
O currículo proposto para o Curso Normal
Superior com mídias interativas observa o aspec-
to referente à articulação entre teoria e prática,
valorizando o exercício da docência. Os estudan-
tes/professores, que já são profissionais em exer-
cício, têm suas próprias práticas como referen-
ciais. Nesse sentido, objetiva-se:
• Partir de situações concretas para que o estu-
dante/professor busque refletir e compreender
com ferramentas conceituais, voltando à prá-
tica para modificar essas situações.
• Alternar momentos de prática, reflexão, exer-
cício de desempenhos pedagógicos e interven-
ção, tendo em vista a compreensão dos fenô-
menos relevantes numa sala de aula.
• Conduzir a criação de estratégias de interven-
ção mais adequadas às situações de ensino e
de aprendizagem vividas.
• Aproximar o professor do seu objeto de traba-
lho e de estudo, propiciando o retorno à práti-
ca refletida.
• Desenvolver competências orientadas à inves-
tigação docente.
• Assegurar a articulação entre conteúdo e mé-
todo, teoria e prática, objetivando aprendiza-
gens significativas (Projeto do Curso Normal
Superior, 2000).
Nesse currículo, a articulação entre teoria e
prática ocorre pela ênfase dada aos temas dos
módulos interativos, articulados com os traba-
lhos monitorados e as vivências educadoras.
A integração entre teoria e prática também
se expressa na investigação de processos, na pro-
dução de registros e nas sínteses elaboradas no
decorrer do curso. Prioriza-se o desenvolvimen-
to da autonomia cognitiva, o despertar e a ma-
nutenção pessoal e coletiva, a experimentação a
partir do aprender mediante meios não-conven-
cionais e o prazer de aprender nas relações inter
e intrapessoais.
Busca-se a ruptura com a fragmentação do
conhecimento e o reencontro entre a teoria e a
prática. Esse reencontro é estimulado a partir das
falas dos estudantes/professores, do comparti-
lhar de experiências e da problematização das
questões do cotidiano.
Nesse sentido, no contexto do curso, são re-
alizados momentos presenciais, sob a orienta-
ção de um tutor/professor, responsável por trinta
estudantes/professores. Esse momento é deno-
minado de sessão off-line, na qual o tutor/pro-
fessor orienta e acompanha um grupo de dez
estudantes/professores por encontro, conforme
a logística do curso.
O tutor constitui-se num importante supor-
te pedagógico, cognitivo e afetivo, que estimula
a aprendizagem do estudante/professor. Tendo
por objetivo a construção de uma prática refle-
xiva, o tutor promove situações que permitam
ao estudante/professor discutir sua própria prá-
tica e seus referenciais teóricos prévios, na rela-
ção com os conceitos abordados nas temáticas
que compõem os Módulos Interativos, com a fi-
nalidade de estabelecer novas relações teóricas
com a sua ação docente. Insere-se, nesse proces-
so, o trabalho com os Parâmetros Curriculares
Nacionais em Ação.
Os temas e unidades que compõem os mó-
dulos interativos são trabalhados a partir de
referenciais teórico-conceituais e da vivência prá-
tica nas áreas do conhecimento, em consonância
com os Parâmetros Curriculares do Ensino Fun-
damental, da Alfabetização e Educação Infantil.
Os PCN em Ação servem como baliza-
mento para as discussões e análises realizadas
durante as sessões de tutoria. O trabalho com
os PCN abrange momentos de simulação da
prática, estudo de casos, questionamentos
para desencadear a problematização e a refle-
xão docente, a sistematização e a socialização
do conhecimento por intermédio de diversas
produções individuais e coletivas. Criam, ain-
da, oportunidades no sentido de trazer, para o
contexto da formação, as narrativas orais e es-
critas dos professores.
A metodologia problematizadora que norteia
o curso pretende romper com as práticas edu-
cativas que perpetuam a racionalidade técnica e
a cristalização do conhecimento. Busca-se rom-
per com a racionalidade técnica por meio da
interação com a prática. Os saberes da prática
possibilitam o confronto com a teoria estudada,
abrindo-se espaço para questionamentos e para
66
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Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
a produção do conhecimento novo. Assim a prá-
tica torna-se fonte de teoria para o estudante/
professor durante todo o curso.
A articulação entre os referenciais teórico-
conceituais e a prática em construção do estu-
dante/professor efetiva-se durante as vivências
educadoras, que são momentos de reflexão prá-
tico-teóricas que ocorrem durante o curso, com
ênfases diferenciadas e complementares, tendo
em vista as competências previstas na matriz
curricular. Elas são realizadas em diferentes am-
bientes de aprendizagem, dentro e fora da esco-
la, considerando a relação com os conteúdos
desenvolvidos nos módulos interativos e as aná-
lises feitas a partir do trabalho com os PCN. Ao
final de cada vivência, ocorre uma produção es-
crita para sistematização e socialização dos
avanços prático-teóricos.
São propostas seis vivências no decorrer do
curso, a saber:
Primeira vivência educadora: tem como fina-
lidade o levantamento de informações, proble-
mas e necessidades, por meio de diagnóstico
realizado na escola e em classes de séries inici-
ais. Pretende-se também contextualizar a es-
cola, analisando-a na relação com a família e
com a comunidade em que está inserida. O di-
agnóstico é realizado mediante observações,
entrevistas, análise de documentos, estudo do
meio, buscando-se partir da prática como eixo
para a problematização, integrando a teoria
como referência para a compreensão da reali-
dade. Elabora-se, a partir disso, uma reflexão
escrita, que aponta encaminhamentos para a
segunda vivência.
Segunda vivência educadora: visa à docência
reflexiva. O estudante/professor realiza um pla-
no de atividades para atuar numa classe de sé-
ries iniciais, norteando seu trabalho a partir do
diagnóstico anterior. Pretende-se que o estudan-
te/professor desenvolva a interdisciplinaridade
e a problematização, ao planejar, executar e ava-
liar seu processo de ensino. Nesse momento,
estimula-se que o estudante/professor assuma
um processo de reconstrução da sua experiên-
cia docente, ao orientar suas escolhas e decisões
teórico-metodológicas. Após a realização da
vivência, é elaborado um relatório analítico,
explicitando-se, teoricamente, os pontos que
foram modificados na prática de sala de aula.
Terceira vivência educadora: baseado em
questionamentos levantados a partir da sua
prática nas vivências anteriores, o estudante/
professor desenvolve um projeto de investiga-
ção na escola, com opção de realizar também
uma pesquisa em instituição da comunidade.
Pretende-se a problematização, o estudo aca-
dêmico e o debate de situações contextualiza-
das, por meio da investigação científica. Torna-
se necessário, nesse âmbito, aprender a com-
partilhar a reflexão pessoal em diferentes gru-
pos, incluindo a comunidade, buscando-se a
mudança de práticas e a revisão de valores.
Como produção, o estudante/professor deve
elaborar um relatório, descrevendo processos,
discussões e resultados da investigação reali-
zada, além de síntese reflexiva, a partir dos re-
sultados.
Quarta vivência educadora: tem como finali-
dade articular o papel social da escola junto à
comunidade. Compreende uma proposta de
intervenção em uma instituição ou espaço da
comunidade, integrando todos os referenciais
trabalhados nos módulos interativos, além de
envolver alunos e outros professores da escola.
Como produção, espera-se o relatório da inter-
venção, situando-se o contexto da ação, o pro-
cesso realizado e os resultados obtidos, acom-
panhado de reflexão sobre as mudanças da
contemporaneidade. Trata-se de ampliar os re-
ferenciais para compreender e atuar em con-
textos diversificados, valorizando-se a plurali-
dade e a diversidade.
Quinta vivência educadora: nesta vivência, o
estudante/professor deve realizar uma síntese
pessoal entre docência, investigação, relação
com a comunidade e construção do currículo.
É o espaço para analisar e vivenciar o currículo
dentro do projeto pedagógico da escola, medi-
ante troca de informações entre os professores.
O estudante/professor terá a oportunidade de
socializar a experiência que vem acumulando
no decorrer do curso, buscando formas criati-
vas para disseminar o que compreendeu, o que
descobriu, o que produziu e criou durante seu
processo de formação. Pretende-se efetivar a
participação do estudante/professor na sua es-
cola, contribuindo para a solução de problemas
e aperfeiçoamento do currículo. A produção
esperada refere-se à contribuição oferecida ao
projeto pedagógico, envolvendo os depoimen-
68
tos dos professores da escola e a reflexão do es-
tudante/professor.
Sexta vivência educadora: o objetivo desta
vivência é promover a organização de uma co-
munidade virtual, em que todos os atores da
prática educativa poderão participar da cons-
trução coletiva de diferentes formas de produ-
ção, sistematização e socialização do conheci-
mento, que podem ser: sites, portais, artigos,
jornais, fórum de discussão, bancos de expe-
riências, entre outros. Nesse processo, ocorre a
aprendizagem do funcionamento de uma co-
munidade virtual, descobrindo-se as diferen-
tes formas de implementação e de produção
de protocolos de trabalho na Internet. Busca-
se concretizar uma rede colaborativa de conhe-
cimento, denominada Rede Escola Ação e Re-
flexão, criada e mantida pelos professores
concluintes do curso, gerindo-se um processo
de formação continuada.
O trabalho realizado no Curso Normal Supe-
rior com mídias interativas desperta oportuni-
dades para a reflexão sobre o significado que a
relação teoria/prática assume nesse contexto.
Ressignificar a prática não significa privilegi-
ar o ativismo pedagógico ou o praticismo didáti-
co, em que se enfatiza a resolução de questões
imediatas da prática, por meio de receitas e ações
emergenciais que não consideram o conteúdo
teórico, histórico e político das questões relacio-
nadas com essa prática. Significa, portanto, com-
preender a prática educativa como práxis, como
atividade real e transformadora que supera a prá-
tica utilitária, pois a práxis “é uma atitude mate-
rial do homem que transforma o mundo natural
para fazer dele um mundo humano” (Vázquez,
1968: 3). O homem é ser da práxis que, ao trans-
formar o mundo natural, produz objetivos e a si
próprio. Esse processo ocorre historicamente,
numa renovação contínua, por intermédio da
unidade homem-mundo, finalidade subjetiva e
determinismo objetivo, teoria e prática.
Nesse sentido, a práxis é realizada num mo-
vimento dinâmico que expressa autonomia e
dependência, simultaneidade e reciprocidade.
Além disso, a práxis só tem sentido enquanto
prática social, a qual se dá pelo trabalho coleti-
vo, em função de exigências coletivas e necessi-
dades sociais, o que lhe infere qualidade social e
a converte em fundamento do conhecimento,
fonte de teoria.
Dessa maneira, a prática educativa só tem
sentido se não perder os nexos com a prática
social, que o homem produz como ser da práxis.
Daí a necessidade de uma formação que possi-
bilite a compreensão da realidade e estimule a
busca da melhoria das condições de existência
humana, numa sociedade aprendente.
Da mesma forma, é importante ressaltar que
a proposta prevê processos de descoberta a se-
rem realizados pelo estudante/professor no to-
cante a novos referenciais advindos de teorias e
informações das diferentes ciências nas áreas do
conhecimento que compõem o currículo. No que
diz respeito a esse aspecto, para que o professor
se desenvolva como bom usuário de pesquisas,
esses resultados serão veiculados, por meio das
mídias interativas, assegurando o acesso a todos
os cursistas.
No projeto pedagógico do curso, destaca-se
a orientação curricular com aprendizagem ba-
seada em competências, que permitem a articu-
lação entre as diferentes áreas do conhecimen-
to. A aprendizagem por competências expressa
a capacidade de mobilização de múltiplos recur-
sos numa mesma situação, entre os quais, os
conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as
questões pedagógicas e aqueles construídos na
vida profissional e pessoal, para responder às
diferentes demandas das situações de trabalho.
Por competências, entendem-se estruturas
mentais prévias a desempenhos de qualquer
natureza, não se confundindo com eles, pois são
estruturas mais gerais e mais profundas. O de-
sempenho consiste nas ações – são o fazer em
si. As competências geram tais ações. Não há,
portanto, desempenho sem competências, nem
competências sem desempenho.
As competências a serem adquiridas pelos
estudantes/cursistas, propostas pelo projeto do
curso normal superior, tendo em vista os objeti-
vos que expressam o compromisso social por
parte da Universidade Estadual de Ponta Gros-
sa, são mobilizadas a partir dos eixos de trata-
mento dos diferentes conteúdos propostos pelo
currículo.
Estes se expressam nuclearmente pelos pro-
cessos de compreensão, descoberta, produção e
68
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
criação. Os referidos processos são contemplados
por meio das atividades curriculares propostas,
seja no tocante à interação via mídias eletrôni-
cas, com os docentes do curso e convidados, seja
no trabalho monitorado, com suporte dos tuto-
res e assistentes. E, ainda, nos momentos de rea-
lização dos trabalhos acadêmicos, estudos inde-
pendentes e síntese elaborada de curso e, princi-
palmente, nas vivências educadoras a serem rea-
lizadas nas escolas e setores da comunidade.
O processo de compreensão amplia os fun-
damentos e os procedimentos da prática educa-
cional, por meio de suporte conceitual atualiza-
do e significativo para a formação e atuação dos
professores da etapa inicial da educação básica,
compreendendo Educação Infantil e as séries ou
ciclos iniciais do Ensino Fundamental. Ocorre
mediante as videoconferências, teleconferências
e o trabalho monitorado, que desenvolverá as
competências por meio de desempenhos indivi-
duais, em grupo e no coletivo. As vivências edu-
cadoras criam a oportunidade de maior entendi-
mento das realidades contextualizadas, amplian-
do a compreensão, por parte do professor, de seu
trabalho pedagógico, social e cultural.
Já o processo de descoberta ocorrerá, basi-
camente, no currículo, em momentos nos quais
o estudante/professor busca novas referências
para seu desenvolvimento, a partir de prática
refletida, do levantamento de informações e de
experiências veiculadas por outras pessoas. Sua
culminância ocorrerá quando, ao final do curso,
na última vivência educadora, cada um deve ela-
borar um plano de estudos de aperfeiçoamento
pessoal-profissional para orientar seu processo
de educação continuada.
O processo de produção visa ao desempenho
acadêmico e científico, com elaboração de for-
mas diferenciadas de comunicação e de expres-
são, considerando normas metodológicas vincu-
ladas a estas. São registros, projetos, ensaios, re-
latórios, roteiros, sínteses elaboradas, a partir da
sistematização do pensamento. Apóia o desen-
volvimento de competências em Língua Portu-
guesa, essenciais para a formação de um profis-
sional da educação.
O desenvolvimento de um estilo pedagógico
próprio, mediante a reflexão sobre vivências pes-
soais sobre as relações estabelecidas na prática
educativa, ocorre no processo de criação. O exer-
cício de reflexão sobre a prática será sistematiza-
do durante todo o curso. Parte da observação e
reflexão daquilo que é realizado em suas classes
regulares e nas vivências educadoras, para com-
preender e atuar em situações contextualizadas,
buscando a interdisciplinaridade. Esse contato
com a prática real será complementado por re-
cursos a serem utilizados nas sessões de trabalho
monitorado, onde os professores poderão ter
acesso, por meio das tecnologias de informação
– como Internet e vídeo – às narrativas orais e es-
critas de professores, às produções dos alunos, às
situações simuladas e ao estudo de casos. Desse
modo, as novas tecnologias podem ampliar as
possibilidades de discussão da prática, pois ofe-
recem múltiplas formas de registro e de aborda-
gem da experiência pedagógica.
Os quatro processos acima referidos consti-
tuem os eixos do currículo que possibilitarão o
desenvolvimento da autonomia cognitiva por
parte do professor em formação, contribuindo
para que ele adquira um estilo próprio em seu
fazer pedagógico, a partir de um saber consolida-
do na relação de integração entre teoria e prática.
No currículo do Curso Normal Superior bus-
ca-se assegurar a articulação entre conteúdo e
método para que as aprendizagens sejam signi-
ficativas. Os conteúdos serão analisados e colo-
cados em contextos que formem uma rede de
significados para o professor. A compreensão é
um dos eixos processuais desse currículo; assim
sendo, é de extrema importância assegurar cada
conteúdo em suas relações com os demais, e
entre todos eles e a prática, por intermédio das
vivências educadoras.
O ofício de ensinar é caracteristicamente re-
lacional, pois, para coexistir, comunicar e traba-
lhar com outros, é necessário enfrentar a dife-
rença e o conflito. Relações profissionais, como
a de professor, mobilizam não só as competên-
cias, mas também a pessoa que intervém, por-
que as ações desenvolvidas em contextos
relacionais delimitam-se pela influência de um
sujeito sobre outro sujeito, em um tempo e es-
paço dados.
Essa vivência também é contemplada pela
própria forma de conduzir o curso, por meio de
mídias interativas, sensibilizando os professores
70
para uma das transformações de maior impacto
do mundo contemporâneo: as novas relações
que se estabelecem por intermédio de uma rede
cooperativa, anárquica por natureza, e que pode
ser utilizada não só para disseminar informa-
ções, mas também para gerar conhecimento.
A Internet, a videoconferência e a teleconfe-
rência expressam esse caráter relacional: sujeito
a sujeito; sujeito a grupos menores; sujeito ao
coletivo e também entre turmas distribuídas ge-
ograficamente e com características culturais
diferenciadas, por causa das diferentes regiões
do Estado.
É compromisso da presente proposta criar
oportunidades para que os professores, em cur-
so, aprendam a utilizar diferentes tecnologias,
como suporte de seu fazer pedagógico junto com
os alunos e demais atores.
Além da tecnologia, é necessário, num pro-
jeto como esse, oferecer momentos de revisão
atualizada do conhecimento contemporâneo,
em suas múltiplas expressões: ciência, arte, cul-
tura e humanidade.
O professor, com domínio dos objetos de co-
nhecimento de cada disciplina, dos ciclos, dos con-
teúdos, por meio de seus conceitos fundadores e
estruturais, necessita compreendê-los como uma
rede de significações, na relação com os outros sa-
beres, com as outras fases da educação básica e
com as outras culturas. Isso permite uma visão
contextualizada, interdisciplinar e integradora.
Num salto qualitativo, o curso é organizado
numa logística diferenciada: sessões on-line:
aulas realizadas por videoconferência (multi-
cast), pelos docentes; protocolos organizados de
trabalho disponibilizados por meio do learning
space, via Internet, em interação com os assis-
tentes. Assim, estabelecem-se os pontos básicos
do processo de aprendizagem: interação,
interiorização, autonomia cognitiva e mediação
pedagógica entre o sujeito aprendente e sua
aprendizagem; teleconferências que abordam
temas transdisciplinares, que ampliam a relação
entre educação e as demais áreas culturais de ex-
pressão criativa e cidadã.
As sessões realizadas pelo learning space são
oferecidas para o desenvolvimento dos temas que
compõem o currículo do curso normal superior
pelos docentes e assistentes, assim como entre os
diversos tipos de atividades propostas aos estu-
dantes/professores para reflexão sobre conheci-
mentos específicos às diversas áreas de saber. Os
protocolos de trabalho serão desenvolvidos num
tempo de quatro horas, propostos a dez alunos
por sessão, disponibilizados no notes application,
utilizando os recursos da ferramenta do aplicativo
learning space, cujo acesso se dará pela Internet.
A forma de organização da modalidade prevê ses-
sões de trabalho que permitem a interação com
os docentes por meio dos assistentes on-line. As
atividades propostas visam desdobrar os temas
trabalhados nas videoconferências.
Essas sessões caracterizam, nesse sentido,
uma modalidade de Educação a Distância, pois
a comunicação bidirecional é realizada com a
utilização de tecnologias, no caso, a Internet. Os
estudantes/professores devem realizar uma sé-
rie de atividades voltadas à sua aprendizagem,
por meio de materiais previamente preparados.
Outra característica é a forma especificamente
organizada de auto-estudo, na qual o aluno
aprende a partir de um material e com o acom-
panhamento de um grupo de professores (do-
centes e assistentes). Essa característica da mo-
dalidade vai exigir novos papéis dos estudantes/
professores, dos docentes/assistentes, novas ati-
tudes e novos enfoques metodológicos.
O tempo delimitado para as atividades pro-
postas deve possibilitar aos estudantes/profes-
sores a reificação de saberes construídos nas
relações sociais. Deve ser o momento de pro-
cessamento das idéias e dos fazeres que carac-
terizam o ambiente da sala de aula quando os
estudantes/professores interagem com as cri-
anças. Deve também ser caracterizado pelo
processo de simetria invertida, no qual ao es-
tudante/professor são propostas atividades
tais como deveriam ser propostas às crianças
no ambiente escolarizado. A reificação possi-
bilita a metacognição, pois permite rever con-
ceitos e idéias a partir dos saberes elaborados
pela comunidade científica, contrapondo-se
com os conhecimentos do senso comum, ca-
racterizando o processo de transposição didá-
tica. Deverá compreender as novas concepções
do processo de aprendizagem colaborativa, a
atualização do papel do professor e a utiliza-
ção de novas tecnologias, visando à aprendi-
70
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
zagem dos alunos, e não apenas servindo para
transmitir informações (ensino a distância
versus Educação e aprendizagem a distância).
As atividades propostas na modalidade assim
especificada e no ambiente acima delimitado
devem ser objeto de reflexões, que compreendem:
• a quantidade de textos para leitura;
• as questões propostas (em quantidade e natu-
reza);
• a forma de interação dos estudantes/professo-
res com os docentes/assistentes;
• a interação dos docentes com os assistentes no
momento da proposta de trabalho;
• os relatórios de acompanhamento para retor-
no aos alunos e aos assistentes, com comentá-
rios, orientações, discussões, encaminhamen-
tos, debates, entre outros;
• a otimização do tempo para maior excelência;
• o processo de avaliação implícito na natureza
da modalidade, mas a se tornar consciente.
Abarcando esse processo como um todo,
encontra-se a necessidade da utilização dos re-
cursos disponibilizados pela ferramenta que se
torna fundamental.
As diversas características da modalidade exi-
gem a reflexão sobre a forma de interagir com os
estudantes/professores por meio de um material
impresso, num tempo determinado, que esteja
voltado para as aprendizagens significativas. O
acompanhamento da modalidade durante o pro-
cesso de implantação do curso acontece no senti-
do de caracterizar a especificidade das propostas,
a interação entre estudantes/professores e os do-
centes/assistentes, a mediação pedagógica como
categoria presente, tanto no processo de avaliação,
como no uso das técnicas e ferramentas utilizadas
– no caso específico, o learning space.
Como a tecnologia atingiu e envolveu a to-
dos como uma avalanche, é necessário ampliar
e ressignificar o conceito de aula, de espaço e de
tempo, estabelecendo novas pontes entre o es-
tar juntos física e virtualmente.
Se os pontos críticos e cruciais não estiverem
merecendo as considerações e preocupações ne-
cessárias, toda essa questão tecnológica pode se
transformar numa grande panacéia, que não tra-
rá nenhum resultado significativo para o desenvol-
vimento educacional e cidadão de nossa geração.
Os textos elaborados para o learning space
devem ser apresentados no formato de hiper-
textos, nos quais as áreas de sentido são selecio-
nadas, hierarquizadas com zonas interligadas e
nos quais os textos são conectados a outros do-
cumentos. O texto pode ser elaborado de modo
a permitir anotações do leitor, possibilitando a
personalização da leitura. Segundo Lévy, a abor-
dagem mais simples do hipertexto […] não ex-
clui nem os sons nem as imagens, é a de descre-
vê-lo, por oposição a um texto linear, como um
texto estruturado em rede. O hipertexto seria
constituído de nós (elementos da informação),
parágrafos, páginas, seqüências musicais etc., e
de ligações entre esses nós (referências, notas,
indicadores, ‘botões, que efetuam a passagem
de um nó a outro). (1988: 44).
Os tutores poderão também, junto com os
estudantes/professores, desenvolver as ativida-
des, articulando-as ao trabalho desenvolvido com
os PCN em Ação, discutindo ou debatendo du-
rante as videoconferências, levantando as ques-
tões teórico-conceituais na elaboração dos pro-
jetos voltados às vivências educadoras. O tempo
destinado para a realização da atividade deverá
compreender a leitura do texto pelo estudante/
professor, a realização da atividade e a interação
com o assistente para debate, orientações, refle-
xões, compreensões e processos de intervenção
em âmbito macroscópico e microscópico da ins-
tituição escolar: currículo, instituição, legislação,
políticas educacionais, sala de aula, processo de
ensino e aprendizagem, avaliação, entre outros.
As questões propostas deverão privilegiar a
interatividade entre estudantes/professores e as-
sistentes e entre estudantes/professores.
Três tipos de atividades podem ser propos-
tas: atividades individuais (que privilegiam a
interação entre estudante/professor e assisten-
te); atividades em equipes (que privilegiam a
interação entre os estudantes/professores de um
mesmo município) e debates na sala de discus-
são (que privilegiam a interação entre os estu-
dantes/professores dos diversos municípios).
A natureza das atividades propostas deve
compreender os eixos norteadores do currículo:
descoberta, compreensão, produção e criação,
assim como o aspecto da simetria invertida e
72
metacognição já comentados. Elas devem per-
mitir o desdobramento dos conceitos e idéias
tratados nas videoconferências pelos docentes,
numa dimensão teórico-prática reflexiva. Tam-
bém a articulação com os PCN, considerando o
trabalho realizado pelos tutores e as produções
acadêmicas a serem realizadas no decorrer do
curso: estudos independentes, síntese elabora-
da de curso e vivências educadoras.
A interação é valiosa no processo de cons-
trução do conhecimento, se considerarmos que
um primeiro tipo de conhecimento, o senso co-
mum, tem sua gênese nas relações entre os in-
divíduos e na comunicação dos fatos e informa-
ções por eles veiculados. Esse tipo de conheci-
mento, cuja natureza é essencialmente social,
deverá passar por um processo de reificação que
compreende o processo de contextualização e
interdisciplinaridade, marcados pelo processo
de transposição didática.
Os encontros deverão também criar oportuni-
dades para a avaliação do processo como um todo,
permitindo apreciar as atividades propostas, a for-
ma de organização e seleção dos conteúdos e de
encaminhamento metodológico dos mesmos, e
sua relação com as ultrapassagens de conceitos
menos elaborados para noções mais elaboradas,
por todos os participantes no processo.
Os assistentes deverão ter compreensão de
todos os subtemas propostos, pois os estudan-
tes/professores desenvolvem as atividades pro-
postas nas diversas semanas em que o tema se
desenrola. Isso significa que a compartimenta-
lização ou fragmentação não têm lugar nessa
forma de organização de curso, em virtude de
seus pressupostos filosóficos-conceituais.
Esse espaço também serve para interagir
com os alunos ou para propor uma discussão
sobre algum tópico determinado, em horário
previamente combinado. Outro recurso é o chat
para discussões sobre tópicos específicos.
A construção coletiva de conhecimento é
compartilhada pelos internautas interessados,
em forma de artigo, site, portal, jornal, fórum de
discussão, chat e/ou listas de discussão, geran-
do seu processo de educação continuada. A todo
esse processo, que tem como eixo a investiga-
ção e a problematização, corresponde uma ava-
liação abrangente, contínua, multidimensional,
diagnóstica e inclusiva. Por meio de mídias
interativas, todos são sensibilizados para as no-
vas relações que se estabelecem por uma rede
cooperativa, anárquica, e que pode ser utilizada
não só para disseminar informações, mas tam-
bém para gerar conhecimento. Nesse contexto,
como teia de relações, todos os envolvidos, num
esforço coletivo institucional, enfrentam o de-
safio das redes na sociedade aprendente.
Segundo Lévy,
Com certeza, nunca as mudanças das técnicas,
da economia e dos costumes foram tão rápidas e
desestabilizantes. Junto, uma onda de fundo, ul-
trapassa a informação e a comunicação, consti-
tuindo o nó de forças que acompanha uma situ-
ação, um acontecimento, um objeto qualquer ou
uma entidade: é a virtualização. Esse complexo
problemático chama uma atualização. A
interação entre humanos e sistemas informáti-
cos tem a ver com a dialética do virtual e do atu-
al. Todos que se organizam por intermédio de sis-
temas de comunicação, se reúnem pelos mesmos
interesses, pelos mesmos problemas, porém re-
pletos de paixões, sonhos, projetos, conflitos e
amizades (1998).
As oportunidades e impasses deste início de
século apresentam à educação novos desafios.
Por isso mesmo, é importante formar cidadãos
capazes de assumir criticamente as mudanças e
que estejam preparados para a integração da in-
formação e da revolução tecnológica.
O educador precisa estar atento às mudan-
ças, acompanhando os avanços tecnológicos e
lembrando Paulo Freire, que sugeria, como re-
quisitos para tornar-se educador, que o candi-
dato possuísse, entre outras qualidades, rigoro-
sidade metódica, pesquisa, bom senso e convic-
ção de que a mudança é possível.
Atualmente são 2.700 estudantes/professores
envolvidos, que estão se adaptando gradualmen-
te às várias possibilidades do ensino presencial
virtual, integrados numa rede colaborativa, cujos
fios tramam vinte municípios paranaenses, numa
ecologia cognitiva e tecnológica.
Os docentes do curso trabalham de forma
interdisciplinar, na organização das temáticas
das videoconferências, impregnando nelas um
caráter provocativo e reflexivo.
72
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
Os PCN mobilizando a formação
inicial e continuada de
professores no Tocantins
Lourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira
Unitins – Seduc/TO
Geograficamente distantes, mas virtualmen-
te presentes, os docentes do curso estão sempre
atentos às necessidades de seus estudantes/pro-
fessores e buscando a competência no trato das
novas tecnologias.
Esses momentos têm sido de enorme impor-
tância no processo, quando o aprendente usa o
computador como ferramenta de trabalho.
Como feixe de relações, os docentes, assis-
tentes, tutores, orientadores, coordenadores e
estudantes/professores, num esforço coletivo,
em âmbito institucional, enfrentam o desafio da
era das redes na sociedade da informação, na
sociedade do conhecimento, na sociedade
aprendente: a educação virtual.
Lembramos que, hoje, três são os analfa-
betismos por derrotar: o do texto-escritura, o
sociocultural e o tecnológico, e que toda esco-
la incompetente em alguns desses aspectos é
socialmente retrógrada (Mansani, 2000: 20).
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. Texto digitado. Ponta Grossa/PR, 2000.
VÁZQUEZ, Adolfo S.
Filosofia da práxis
. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1968.
A Fundação Universidade do Tocantins
(Unitins), compromissada com a qualidade da
educação, assume como prioridade, nos cursos
de licenciatura, a formação de docentes com
profissionalidade prática e reflexiva, tendo
como referência as diretrizes pedagógicas da
educação básica. Sob essa ótica, reorienta seu
projeto institucional, reconstrói seu currículo
tendo como concepção norteadora a problema-
tização, a reflexão e a análise contextualizada
da prática docente, articulando os processos de
ação/formação e pesquisa.
O MEC, por meio da Secretaria de Ensino
Fundamental, realizou um encontro de capa-
citação, em Palmas, no segundo semestre de
2000, sobre Parâmetros Curriculares Nacionais
e formação de professores, com os docentes
dos cursos de licenciatura. Esse encontro con-
tribuiu para a reorientação da formação inici-
al, passo importante para a construção de
competências profissionais e ressignificação
de conhecimentos em processos contínuos de
aprendizagens significativas nas escolas de
educação básica. Essa proposta é relevante
pois, além de atingir todos os cursos de licen-
ciatura em regime regular (2.629 licenciandos),
contempla também os 2.496 professores/alu-
nos da rede pública estadual dos cursos em re-
gime especial.
A Unitins, além da formação inicial, parti-
74
cipa do processo de educação continuada dos
professores de educação básica da rede pública
estadual do Tocantins, entre outros, como as-
sessora pedagógica do Projeto Parâmetros em
Ação, desde setembro do ano 2000, no Progra-
ma de Desenvolvimento Continuado de Profes-
sores – como ação política do MEC, em parce-
ria com a Secretaria da Educação (Seduc). Nes-
sa assessoria estão envolvidos diretamente 27
docentes universitários, que se reúnem men-
salmente para avaliar, programar e analisar a
sua prática, dos coordenadores-gerais e dos co-
ordenadores de grupos de estudo das escolas,
colaborando para a mudança processual didá-
tica e conceitual da prática pedagógica, que de-
manda a construção de conhecimento em pro-
cessos contínuos de aprendizagens significati-
vas, no interior da escola.
Resumo – Experiência
São Bernardo do Campo/SP
Eliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz
SME – São Bernardo do Campo/SP
A passagem do milênio carrega em útero os mistérios dos tempos, a
esperança de transformações, mas também o enigma do desconhecido.
A capacidade de antever possíveis mudanças pode colaborar para que
o indivíduo se prepare, articule saídas, funcionando como autor.
Ciça Lourenço
Articulando a formação
inicial e continuada:
uma ação necessária
Com o objetivo de constituir em cada escola
um pólo de formação que propicie a construção,
de forma articulada e coletiva, dos projetos edu-
cacionais, e instrumentalizar os educadores para
a garantia de práticas cada vez mais comprome-
tidas com as aprendizagens dos alunos, inicia-
mos a formação dos educadores da rede muni-
cipal em 1997.
Orientada por essa perspectiva, a Secretaria
de Educação e Cultura tem tido como eixo prin-
cipal de trabalho em seu Plano de Formação Con-
tinuada a busca da qualidade progressiva no aten-
dimento educacional realizado no município.
Considerando as necessidades das comuni-
dades locais, entendemos que cabe aos educa-
dores assumir o comando de seu trabalho, pro-
piciando aos alunos as condições necessárias
para seu desenvolvimento global.
O conceito educador aqui colocado conside-
ra como atores desse processo os professores, os
diretores e os especialistas, que constituem equi-
pe multidisciplinar e atuam em todas as inter-
faces do contexto escolar, contribuindo com seus
diversos saberes e competências para o objetivo
comum da construção do projeto educacional de
cada escola.
Nesse contexto, observamos que a grande
dificuldade consiste na vinculação da teoria
aprendida durante a formação inicial com o co-
tidiano complexo das escolas, faltando o saber
agir em cada situação. Essa constatação nos le-
vou a buscar, junto às universidades da região,
parceria para atender às necessidades formativas
comuns, estreitando a relação entre o sistema
educacional e as universidades.
Nesse processo, o Horário de Trabalho Peda-
gógico Coletivo (H.T.P.C.), existente na jornada
do professor, tem possibilitado aos educadores,
74
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
tanto aos novos como aos mais antigos, inter-
câmbios que otimizam a reflexão crítica da prá-
tica pedagógica de forma solidária, construindo
competências e reflexões para a atuação profis-
sional de ambos.
Articular institucionalmente essas duas
agências formadoras, universidade e sistema,
passou a ser um de nossos desafios. Essa frente
de trabalho teve início com um convênio junto
às universidades, pelo qual as estagiárias atuam
nas unidades escolares e podem levar suas re-
flexões e ansiedades para dentro das faculdades
e para os espaços de trabalho pedagógico cole-
tivo das escolas, o que dá forma e sentido às
dúvidas e ansiedades e garantindo concretude
às discussões realizadas, integrando o saber e o
saber fazer.
Essa ação vem paulatinamente dando indi-
cadores para o sistema e para as universidades
sobre a formação inicial e continuada, explici-
tando nossas dificuldades e urgências na busca
de uma formação que acolha as muitas necessi-
dades de nossos educadores e alunos.
Temos certeza de que o caminho é necessá-
rio. Aos poucos essa parceria se consolida, mas
o desafio ainda continua.
Retrospectiva 1997-2001
Histórico
Assumimos a coordenação da rede munici-
pal em 1997. Naquele momento, a rede de ensi-
no era composta pela Educação Infantil, Educa-
ção Especial e Educação de Jovens e Adultos,
num atendimento total de 25 mil alunos. Che-
gamos, em agosto de 2001, a 126 unidades esco-
lares, num atendimento total de 65 mil alunos
(Educação Infantil, Fundamental, Especial e de
Jovens e Adultos).
Observávamos que a formação continuada
desenvolvida até então na rede municipal não
alterava a prática dos educadores. As discussões
estavam desvinculadas das ações, os cursos e
oficinas eram teóricos, levando os professores a
um descrédito das necessidades deles para o
aprimoramento de suas ações.
Nas discussões, o grupo de formadores va-
lorizava demais a teoria, e a queixa freqüente era:
O professor não quer pensar; quer apenas re-
ceitas. Por sua vez, os professores explicitavam
que os cursos não traduziam a necessidade e a
complexidade da escola, ficando no ideal, e não
no real.
Outro ponto importante, naquele momen-
to, era a falta de horário para o trabalho coletivo
dentro da jornada de trabalho do professor, es-
paço essencial para que eles pudessem discutir
suas dificuldades em grupo, realizar combina-
dos e estar constantemente aprimorando suas
práticas.
As principais dificuldades observadas na
prática dos educadores eram:
• Inexistência de projeto educacional orientador
das ações, construído coletivamente.
• Formação extremamente acadêmica, não con-
siderando as reais necessidades e a prática dos
educadores.
• Conteúdos desenvolvidos com visão homo-
geneizadora e generalista, sem se ater às fun-
ções e necessidades dos diferentes atores en-
volvidos no processo educacional.
• Falta de clareza quanto aos resultados a serem
alcançados nas aprendizagens dos alunos e dos
educadores.
• Escola não se constituindo como local privile-
giado para a formação em serviço.
Para transformar esse contexto, era necessá-
rio efetivar o diagnóstico da rede municipal,
identificar as necessidades, redefinir as funções,
estimular os processos individuais e coletivos
que pudessem colaborar conosco nessa emprei-
tada.
Também se fazia necessário refletir de qual”
formação falávamos, explicitando a concepção
que orientava nossas ações.
Para tanto, fomos em busca dos conheci-
mentos acumulados nessa área e aprendemos
juntos: departamento de ações educacionais,
escolas, parceiros externos. E, ainda hoje,
estamos nos aproximando desse fazer formação,
mais pautado em como aprendemos e mais
comprometido com os resultados produzidos,
no qual as alterações das práticas dos diferentes
profissionais da educação são constantemente
reavaliadas, na busca da construção contínua
76
das competências profissionais necessárias para
exercermos nossa função cada vez melhor.
Nesse processo, desenvolvemos o diagnós-
tico sobre as áreas, procurando explicitar as
principais dificuldades, a saber:
• trabalhar adequadamente com a heterogenei-
dade da classe;
• realizar intervenções pedagógicas que poten-
cializem as aprendizagens dos alunos de for-
ma intencional.
Em resumo, a maior dificuldade centrava-
se no fazer, no saber agir no contexto singular
de cada classe, atrelando a teoria ao cotidiano.
Nessa exploração, constatamos que tan-
to os professores recém-formados como os
mais antigos da rede apresentavam as mes-
mas dificuldades. Esse fato nos levou a ob-
servar que tanto a formação inicial como a
continuada não haviam apresentado altera-
ções significativas na forma e no conteúdo,
ao longo do tempo, pois, as dificuldades dos
professores antigos e recém-formados eram
comuns.
Diante do contexto, nosso desafio nas dife-
rentes frentes de trabalho foi realizar uma for-
mação que instrumentalizasse os educadores,
estreitando a relação teoria e prática, garantin-
do espaços de formação aos diferentes educa-
dores (diretores, professores coordenadores e
professores), onde os conteúdos pudessem ser
discutidos, tematizados na busca das compe-
tências necessárias às diferentes funções, com
o único objetivo de garantir sucesso às apren-
dizagens de nossos alunos.
Assumimos como objetivo central:
• Constituir em cada escola um pólo de forma-
ção que propicie a construção de forma arti-
culada e coletiva dos projetos educacionais.
• Instrumentalizar os educadores para a garan-
tia de práticas cada vez mais comprometidas
com as aprendizagens dos alunos.
Como ação, realizamos:
• A criação do Horário de Trabalho Pedagógico
Coletivo (H.T.P.C.), num total de cinco horas
semanais, divididas entre três horas de traba-
lho pedagógico coletivo e duas horas de tra-
balho pedagógico individual.
• A aprovação do Estatuto do Magistério com a
função de Professor Coordenador.
• O grupo de trabalho com diretores e professo-
res coordenadores, para a constituição de equi-
pes de gestão articuladas em cada escola.
• Cursos e oficinas comprometidos com os proble-
mas reais e específicos de cada unidade escolar.
A constatação da falta de articulação entre
as instituições de ensino superior (formação ini-
cial) e a Secretaria de Educação (formação con-
tinuada), colocou-nos o desafio de mobilizar
essa integração para, a médio prazo, instrumen-
talizar o professor recém-formado para as diver-
sas competências necessárias à sua ação profis-
sional, pois apenas o sistema educacional de for-
ma isolada não terá êxito nesse processo.
Buscamos estreitar a relação por meio de con-
vênio de parceria entre os institutos de formação
da região e o sistema educacional com os objetivos.
Cabe à Rede Municipal:
• Otimizar a formação continuada, por meio de
discussões junto às universidades, com os di-
ferentes educadores, especialistas em educação
e outros.
• Identificar com clareza os problemas existen-
tes na prática profissional dos educadores, para
explicitar as demandas de formação e planejar
intervenções adequadas.
• Envolver o professor na atuação, no processo
de discussão da formação de professores e es-
timular o desenvolvimento da competência no
gerenciamento de sua própria formação.
• Participar ativamente do processo de forma-
ção inicial de professores, pelo diálogo freqüen-
te com as instituições formadoras, oferecendo
campo de estágio e dando retorno sobre o de-
sempenho dos professores em formação ou re-
cém-formados, nessas instituições.
• Suprir a carência de professores para faltas
eventuais.
Compete às Instituições Formadoras:
• Possibilitar o reconhecimento e a atuação, de
forma concreta, das instituições de formação
nas escolas, sentindo e conferindo significado
à sala de aula real.
76
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professores
Articulação entre formação inicial e continuada de professores
PAINEL 6
• Fomentar e fortalecer os processos de mudan-
ça no interior dessas instituições formadoras.
• Aprimorar a capacidade acadêmica e profissi-
onal dos docentes formadores.
• Atualizar e aperfeiçoar os currículos viven-
ciados, considerando as mudanças em curso na
organização pedagógica e curricular da educa-
ção básica.
A formalização legal dessa parceria foi realizada
por meio de:
• Lei Municipal e Decreto Municipal que regula-
mentaram o Projeto.
Termo de compromisso assinado pela Esta-
giária, pela Prefeitura e pela Instituição For-
madora.
• Bolsa-Auxílio escalonada – R$ 3,31/hora para
estagiário que se encontra no antepenúltimo
ano; R$ 3,79/hora para estagiário do penúlti-
mo ano; e R$ 4,39/hora para aqueles que estão
no último ano.
• Estágio permitido de até 160 horas/mês, pro-
piciando um ganho médio de até R$600,00/mês
(Bolsa-Auxílio).
Aos estagiários foi disponibilizada toda a
formação continuada desenvolvida para os
nossos professores, como cursos, oficinas, pa-
lestras, Parâmetros em Ação, H.T.P.C., PROFA,
entre outros.
Também foram elaboradas pelo grupo de tra-
balho a avaliação formativa e a auto-avaliação,
com o objetivo de propiciar a devolutiva a essas
instituições quanto às aprendizagens já desen-
volvidas e às necessidades dos futuros professo-
res. Isso possibilita, caso considerem necessário,
que eles revisitem seus currículos, efetivando
reformas curriculares e conhecendo o resultado
da sua formação. Essa avaliação, atualmente,
encontra-se em processo de adequação.
Para o ano de 2002, as seguintes propostas
estão em discussão no grupo de trabalho:
1. Construção do perfil do professor da rede
municipal, quanto à formação e atuação pro-
fissional.
2. Identificação dos principais problemas de
aprendizagem e dos fatores que os originam.
3. Constituição de grupos de estudo a fim de
buscar alternativas para a solução dos proble-
mas identificados.
4. Formação de professores tutores, que serão co-
responsáveis pela formação de alunos estagi-
ários.
5. Realização de seminário para a discussão das
questões mais amplas da formação de pro-
fessores.
Entendemos que, nesse processo, cabe ao
sistema de ensino propiciar às instituições de
formação inicial espaço para o desenvolvimen-
to da competência profissional dos professores,
de modo que, mutuamente, enfrentem o contex-
to educacional presente em nossos dias num ci-
clo contínuo de aprimoramento.
Muitas dificuldades têm sido observadas nes-
se processo. O sistema educacional e as institui-
ções de Formação Inicial ainda precisam se orga-
nizar melhor para acolher esse novo estagiário,
potencializando e tutorando seu desenvolvimen-
to profissional de forma intencional, em que se
considere suas diferenças, conhecimentos, defi-
ciências de escolarização e a relação entre o co-
nhecimento do objeto de ensino e sua expressão
escolar (transposição didática), num sentido úni-
co de colaborar na construção das competências
necessárias a esse professor da educação básica.
Acreditamos que essa construção propiciará
novo paradigma curricular para os dois parcei-
ros, no qual os conteúdos constituirão funda-
mentos para que os alunos possam desenvolver
capacidades e competências que possibilitarão
projetos educacionais que atendam melhor a
nossa sociedade.
Para tanto, caberá aos Institutos de Forma-
ção se desnudarem e redescobrirem o complexo
cotidiano das escolas, trazendo o foco para a re-
alidade e para o Sistema Educacional, além de
se submeterem ao olhar crítico das universida-
des para, como parceiros, traduzirem seu con-
teúdo em ações concretas e comprometidas com
as aprendizagens dos alunos.
Isso fará com que o nosso professor se torne
um aprendiz crítico, que atua e interfere na rea-
lidade presente, como ator que estranha, ques-
tiona e constrói o processo educacional, com-
prometendo-se com a progressiva melhoria da
qualidade educacional de sua cidade.
79
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
77
77
7
FORMAÇÃO DO PROFESSOR
NO PROFORMAÇÃO:
UNINDO A TEORIA E A PRÁTICA
NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA
Bernardete A. Gatti
Tereza Barros Amaral
Jandira Medrado
80
O crescimento populacional, o desenvolvi-
mento e a construção da paz social colocam desa-
fios enormes para as políticas sociais e a educa-
ção, por intermédio dos professores, certamente
tem papel decisivo a desempenhar nesse cenário.
A questão da formação de professores tem
sido um desafio para as políticas educacionais
no Brasil, e um dos fatores desse desafio é a gran-
de quantidade de professores necessários ao
atendimento das crianças e jovens que, em su-
cessivas coortes, adentram a escola, ou a ela te-
riam direito. A formação em número e em qua-
lidade dos professores é ainda um objetivo não
atingido. Nessa perspectiva, programas que te-
nham por meta prover formação de base e con-
tinuada a professores em exercício, especial-
mente aos que não têm sequer a formação mí-
nima pedida pelas normas vigentes, são meri-
tórios e socialmente desejáveis. O Proformação
é um projeto que se enquadra nesse cenário.
O Programa de Formação de Professores em
Exercício (Proformação) é um curso na modali-
dade de ensino a distancia para a habilitação no
Magistério em nível médio. Está dirigido aos
professores em exercício no sistema de ensino,
que não tenham ainda formação desse nível.
Estudos de demografia educacional mostraram
que não são poucos os professores no Brasil, es-
pecialmente nas regiões Norte, Nordeste e Cen-
tro-Oeste, que não têm formação em nível mé-
dio, e muitos sequer terminaram o Ensino Fun-
damental (Gatti, 2000). Isto se coloca como um
desafio a políticas públicas de melhoria na qua-
lidade da educação e chama por ações que pos-
sam oferecer esse tipo de formação, criando uma
base adequada para a posterior formação em
nível superior. O Proformação é uma iniciativa
Formação de professores no
Proformação: unindo a teoria
e a prática num sistema de
educação a distância
Bernardete A. Gatti
Fundação Carlos Chagas – PUC/SP
do Ministério da Educação, que tenta responder
em parte aos desafios colocados pelas comuni-
dades demandantes por educação.
Com duração de dois anos, o Programa é des-
tinado a professores das primeiras séries do En-
sino Fundamental, em exercício, que não pos-
suem a titulação legalmente exigida e lecionam
nas escolas públicas das regiões Norte, Nordes-
te e Centro-Oeste do Brasil.
Encontramos ainda, em muitos meios acadê-
micos, grandes resistências aos processos de edu-
cação a distância, resquício de experiências, em
nossa história, mal-planejadas e executadas e,
portanto, mal-sucedidas. Paira uma desconfian-
ça generalizada sobre a qualidade desses proces-
sos. A questão repousa na vontade política de le-
var avante processos dessa natureza com quali-
dade, o que só é possível com orçamento adequa-
do e pessoal qualificado para planejar, gerenciar,
produzir materiais e atuar junto aos cursistas mais
diretamente. Educação a distância não significa
abandono do usuário. O componente interativo,
seja por mídias, seja por encontros pessoais e
atendimento qualificado, é fundamental para a
qualidade do processo, para a manutenção do in-
teresse e para a própria construção dos conheci-
mentos por parte dos cursistas.
A rede de educação a distância formada no
Proformação abrange atualmente 15 estados,
aproximadamente mil municípios e cerca de 27
mil professores cursistas. Fazem parte de sua es-
trutura operacional 209 agências formadoras,
distribuídas pelos estados participantes, e uma
rede de aproximadamente 2.500 tutores. Tal es-
trutura constitui um sistema de apoio à apren-
dizagem responsável por suporte, acompanha-
mento sistemático e avaliação dos professores
81
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no Proformação
PAINEL 7
cursistas. Além disso, os cursistas e tutores con-
tam com o atendimento de um plantão pedagó-
gico em cada Agência Formadora, para onde
podem telefonar, gratuitamente, para esclarecer
suas dúvidas.O processo formativo dos envolvi-
dos na formação dos professores é desenvolvido
para garantir qualidade nas atividades com os
cursistas, na consciência de que processos de
educação a distância requerem que os quadros
responsáveis pelo trabalho tenham também uma
formação adequada.
No Proformação, a teoria anda junto à prática
de sala de aula dos professores cursistas. À medida
que estudam e realizam as atividades requeridas
no curso, os cursistas têm a oportunidade de ex-
perimentar na sala de aula os novos conceitos e as
novas atividades de aprendizagem sugeridas. Fa-
zem uma reflexão sobre sua prática pedagógica,
seja nos encontros quinzenais com seu tutor e co-
legas, seja no momento da observação da prática
pedagógica acompanhada pelo tutor, seja na ela-
boração do Memorial, um documento escrito,
construído no transcorrer do curso, que relata seus
avanços, dificuldades e experiências com os alu-
nos. Essa formação é provida tanto em situações
presenciais como por diversos materiais de apoio
produzidos para esse fim.
A matriz curricular proposta garante um tra-
balho que une teoria e prática por meio de um
núcleo integrador” que perpassa todos os
módulos do programa. Desenvolve-se em qua-
tro eixos integradores” – Educação, sociedade,
cidadania; A escola como instituição social; Or-
ganização do ensino e trabalho escolar; Teoria e
prática educativa e especificidade do trabalho
docente – e por projetos de trabalho” que visam
às ações de integração escola-comunidade. Agre-
gadas ao eixo integrador acham-se as áreas
temáticas que oferecem conteúdos básicos que
permitam uma reflexão referenciada do traba-
lho educacional na escola e em sala de aula. Es-
sas áreas são: Linguagens e Códigos; Identida-
de, Sociedade e Cultura; Matemática e Lógica;
Vida e Natureza; Fundamentos da Educação; Or-
ganização do Trabalho Pedagógico.
A sistemática do Proformação representa
uma possibilidade viável e com grande potenci-
al para a capacitação docente no país, seja ela
inicial ou continuada. Isso é o que vem mostran-
do o processo de avaliação externa, que está sen-
do desenvolvido sobre esse programa. Além de
demonstrar que é possível desenvolver um cur-
so de educação a distância, com qualidade, para
a formação de professores, o Programa corro-
bora o fato de que a modalidade do ensino a
distância permite democratizar o acesso à qua-
lificação profissional, atingindo muitos profes-
sores que vivem em contextos isolados ou que
não reúnem as condições para participar de
capacitações regulares presenciais. Alguns da-
dos obtidos pela equipe de avaliação externa do
programa, constante de relatórios divulgados,
vêm mostrando vários indícios do sucesso da
proposta nos diversos estados onde se desen-
volve. O modelo de formação é avaliado como
sendo bem estruturado e facilitador do acom-
panhamento do professor cursista. O processo
de formação dos formadores (professores/for-
madores e tutores) é considerado fundamental
para o êxito dos trabalhos. Mudanças em con-
ceitos e práticas pedagógicas são observadas.
Isso não quer dizer que alguns problemas não
estejam sendo detectados. Condições estrutu-
rais, sobretudo ligadas à participação dos órgãos
municipais de Educação, mostram algumas di-
ficuldades que precisam ser contornadas ou re-
pensadas. Aspectos ligados à linguagem de al-
guns dos textos de apoio também merecem uma
readequação. No todo, as avaliações apontam
para um impacto positivo do Programa. Espe-
ra-se, então, que as lições aprendidas na expe-
riência do Proformação sirvam ao desenvolvi-
mento de outros programas que visem à forma-
ção e à capacitação docente em sistemas
estruturados de ensino a distância.
Bibliografia
GATTI, B. A.
Formação de professores e carreira
: proble-
mas e movimentos de renovação. 2. ed. Campinas: Au-
tores Associados, 2000.
Proformação, Avaliação Externa –
Pesquisa de opinião.
Relatório, 2001.
,
Avaliação Externa –
Estudos de caso. 1º Re-
latório, 2001.
,
Avaliação Externa
– Entrevistas.Relató-
rio, 2001.
82
O Proformação:
uma leitura freireana da formação
de professores como prática da
liberdade
Tereza Barros Amaral
Seduc/PE
Eu diria aos educadores e educadoras:
– Ai daqueles e daquelas que pararem com a sua
capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de
denunciar e de anunciar.
– Ai daqueles e daquelas que em lugar de visitar de vez
em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo
engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, se
atrelem a um passado de exploração e de rotina.
Paulo Freire
Resumo
O Curso do Proformação no contexto históri-
co-social de uma educação excludente constitui
um anúncio da função reparadora dos direitos de
todos – professores e alunos do meio rural – a uma
escola pública de qualidade, construída pela refle-
xão da práxis pedagógica (unidade teoria-prática),
objeto de conhecimento, compreensão e transfor-
mação da realidade social (escola-comunidade) e
pessoal (professores, tutores e alunos).
O texto fundamenta-se no socioconstrutivismo
freireano sobre a contextualização e interdisciplina-
ridade dialética e dialógica dos Projetos de Traba-
lho, destacando o resgate da pluralidade cultural, a
integração socioeducacional e a construção da iden-
tidade autônoma e cidadã dos professores que cons-
tituem o coletivo do Proformação de Pernambuco.
O Programa de Formação de Professores em
Exercício (Proformação) representa um esforço
do poder político para assumir e denunciar a fei-
ção excludente e elitista de nosso sistema educa-
cional, que tem ferido duplamente o direito cons-
titucional – o de aprender e o de ensinar – de pro-
fessores e alunos que convivem no isolamento
das escolas rurais de difícil acesso, em turmas
multisseriadas, sem acompanhamento pedagó-
gico e formação continuada em serviço, sem aces-
so aos bens culturais universais e ao reconheci-
mento da pluralidade e da riqueza cultural de
suas raízes, constituintes da identidade desses
anônimos artesãos dos tecidos da história.
O anúncio da função reparadora dos direi-
tos de todos – professores e alunos – a uma es-
cola pública de qualidade, como exercício da
cidadania plena, requer a compreensão de suas
determinações histórico-sociais.
No Brasil, o caráter subalterno atribuído à edu-
cação escolar de negros escravizados, índios re-
duzidos (dizimados), caboclos migrantes e tra-
balhadores braçais (rurais), entre outros, tem im-
pedido o exercício da cidadania plena aos des-
cendentes desses grupos, que ainda hoje sofrem
as conseqüências dessa realidade histórica.
O Proformação, fundamentado nos princí-
pios democráticos da igualdade de direitos para
todos e do dever do Estado, propõe a repara-
ção dessa dívida inscrita em nossa história so-
cial e educacional, criando situações pedagó-
83
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no Proformação
PAINEL 7
gicas equalizadoras e qualificadoras da forma-
ção do professor, integrando os princípios da
educação básica de jovens e adultos, às Diretri-
zes Curriculares Nacionais do Ensino Médio e
da formação de professores na modalidade nor-
mal em nível médio, por intermédio da educa-
ção à distância.
O Proformação profetiza:
o ensino é aprendizagem
Os profetas são aqueles ou aquelas que se
molham de tal forma nas águas de sua cultura
e da história do seu povo, dos dominados do seu
povo que conhecem o seu aqui e agora e, por
isso, podem prever o amanhã que eles mais do
que adivinham, realizam…
Paulo Freire
No Proformação, onde o ensino é aprendi-
zagem, a formação de professores em exercício
toma como objeto de conhecimento, reflexão e
transformação a prática pedagógica no contex-
to escolar e sociocultural das escolas que são
campo de estudo.
Apoiada na legislação vigente, que concebe
a educação escolar vinculada ao mundo do tra-
balho e às práticas sociais, a proposta pedagó-
gica do Proformação restabelece a relação en-
tre o currículo e a vida cidadã, ressaltando a for-
mação do professor em exercício como uma
estratégia de democratização do sistema edu-
cacional e social, na perspectiva de sua trans-
formação, de acordo com os pressupostos do
Programa e os princípios freireanos:
O professor exerce uma atividade de natureza
pública, pautada no compromisso com a in-
clusão e a aprendizagem do aluno.
O professor é sujeito de sua prática, cumprin-
do a ele criá-la e recriá-la pela reflexão sobre o
cotidiano do seu fazer pedagógico, da escola e
do contexto sociocultural.
A formação permanente do educador requer
investigação, teorização e sistematização, por-
que a prática se faz e refaz em práxis – unida-
de teoria-prática.
O Programa de Formação Continuada dos
Educadores é condição para o processo de
reorientação curricular integrado ao projeto
pedagógico da escola.
A prática pedagógica requer a compreensão
da gênese do conhecimento e o diálogo entre
a cultura local e a universal.
O perfil do professor, gestor de sua práxis e de
sua formação, contempla o ser humano em
sua globalidade, identidade profissional e
compromisso social.
Os projetos de trabalho:
a educação é uma forma de
interação com o mundo
No Proformação, a integração escola–co-
munidade é o eixo do currículo diversificado,
organicamente vinculado à base nacional co-
mum e construído pelos projetos de trabalho,
que ressignificam os conhecimentos estuda-
dos interdisciplinarmente, por meio do diá-
logo com a realidade a ser conhecida e trans-
formada.
Os projetos de trabalho qualificam as rela-
ções do professor com a sua comunidade, am-
pliando suas competências como pesquisador
e produtor de conhecimentos socialmente ne-
cessários.
Fundamentados no socioconstrutivismo
freireano, os professores desenvolvem os seus
projetos de trabalho com o método de pesqui-
sa – ação por intermédio de momentos dialética
e interdisciplinarmente articulados:
A investigação temática, pela qual professo-
res e alunos buscam, no universo vocabular
do aluno e da sociedade onde ele vive, as pa-
lavras e os temas centrais de sua biografia.
A tematização, pela qual eles codificam e
decodificam esses temas; ambos buscam o seu
significado social, tomando assim consciên-
cia do mundo vivido e historicamente cons-
truído
A problematização, na qual eles tentam supe-
rar uma primeira visão mágica e o senso co-
mum com uma visão crítica, partindo para a
transformação do contexto vivido.
84
A vivência da investigação temática pelo
coletivo do Proformação de Pernambuco pes-
quisou o universo vocabular e biográfico do
povo pernambucano, a partir da leitura de ima-
gem-texto e contexto em vídeos sobre:
Hino de Pernambuco.
Folclore de Pernambuco – “Leão do Norte, de
Lenine e Paulo César Pinheiro.
Escola Rural de Pernambuco – “Sementes do
Sertão, do Projeto Caatinga.
Povos indígenas de Pernambuco – TV VIVA –
SEC/PE.
O tema central da biografia do povo per-
nambucano foi retirado do Hino de Pernam-
buco És a fonte da vida e da história”.
A análise do universo vocabular revelou as
marcas identitárias, étnicas e culturais, os
marcos históricos e geográficos do povo e
povos pernambucano, suas origens, lingua-
gens, criatividade, sensibilidade estética, suas
diferenças, diversidade e adversidades, lutas
e conquistas.
A tematização, construída coletivamente,
ressignificou os conhecimentos, ampliou os
níveis de consciência, do senso comum à re-
flexão crítica, desenvolvendo a problema-
tização – definição de novos temas de inves-
tigação, na perspectiva da leitura crítica e
propositiva de intervenção no meio em que
vive, ampliando e clareando as visões de mun-
do e de homem situado em seu contexto e
sujeito das transformações pelo conhecimen-
to, passando a “saber o que sabe e não sabia
que sabe; buscando o saber que não sabe e
usando o saber para transformar a realidade
que se é e que se vive.
Assim Paulo Freire explica a gênese do co-
nhecimento e a dimensão social dos projetos
de trabalho, transformando a vida do professor
do meio rural, ressignificando saberes e reinter-
pretando a realidade, situando a utopia no ho-
rizonte da experiência vivida e projetada con-
forme os pilares do século XXI:
Aprender a aprender: a acessar e ressignificar
o conhecimento e exercitar a metacognição.
Aprender a fazer: a valorizar o saber, pes-
quisado na ação e na reflexão da própria
prática.
Aprender a ser: a construir sua identidade na
diferença e diversidade, com alteridade.
Aprender a conviver: a ser solidário, constru-
indo colaborativamente, socializando e cele-
brando coletivamente.
Ninguém educa ninguém,
ninguém se educa sozinho,
os homens e as mulheres
se educam em comunhão.
Paulo Freire
A construção dos projetos de trabalho pela
aprendizagem colaborativa fundamenta-se na
ecopedagogia freireana – integrando os sabe-
res escolares e os saberes comunitários, cons-
truindo novas relações entre os professores e
o meio físico-geográfico em seu contexto
sociocultural, desvelando os problemas tema-
tizados em suas pesquisas e descobrindo os
valores culturais, por meio de seus produtos
e produtores – personalidades da história, mi-
tos e anônimos artesãos de redes culturais –
tão expressivamente apresentados nos vídeos
que introduziram o tema gerador.
Pernambuco: és a fonte da
vida e da história
O resgate da subjetividade e da estética da
sensibilidade promovida pela “leitura da imagem
e texto do vídeo Leão do Norte representa a sínte-
se identitária e a pluralidade cultural do povo
pernambucano, construída pelos professores:
Sou coração do folclore nordestino / Sou
Mateus e Bastião do Boi-Bumbá / Sou um bo-
neco do Mestre Vitalino / Dançano uma ciran-
da em Itamaracá / Sou um verso de Carlos
Pena Filho / Num frevo de Capiba ao som da
Orquestra Armorial / Sou Capibaribe num li-
vro de João Cabral [...] / Eu sou mameluco sou
de Casa Forte / Sou de Pernambuco eu sou Leão
do Norte [...]
Traduzindo a dimensão cultural dos pro-
85
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no Proformação
PAINEL 7
jetos de trabalho e a promoção pessoal de
tantas Vidas Severinas, animadas pelos ver-
sos de João Cabral de Melo Neto e de Carlos
Pena Filho, pelo Movimento Armorial de Ari-
ano Suassuna, pela dança do Toré dos povos
indígenas (alunos do curso), pela Ciranda de
Lia de Itamaracá e, ainda, pelo Auto Pastoril
do Bumba-Meu-Boi, representado nas figu-
ras de barro do Mestre Vitalino de Caruaru,
que tematizaram algumas das pesquisas e
produções de conhecimento desenvolvidas
pelos professores cursistas, tutores e profes-
sores/formadores do coletivo do Proforma-
ção de Pernambuco. A esse coletivo vamos
homenagear, outorgando a Comenda Mérito
Educacional Paulo Freire, do Conselho Esta-
dual de Educação de Pernambuco, já oferta-
da à professora Mindé Badauy de Menezes,
então Coordenadora Nacional desse Progra-
ma junto à SEED/MEC, ato que neste mo-
mento compartilho com todos aqueles e
aquelas a quem Paulo Freire chamou de pro-
fetas: por prever o amanhã que mais do que
adivinham, realizam…”, por sonhar e seme-
ar sonhos possíveis de serem concretizados
porque encharcados do suor, do cheiro da
terra e gente brasileira, deste homem novo e
desta mulher nova, nova geração de ser, pen-
sar, sentir e agir e de produzir o saber, como
tão bem expressa o professor Vicente, ainda
sem titulação, em sua poética reflexão, ver-
sando com autonomia sobre a Escola da es-
perança, missão de seu dia-a-dia.
Precisamos da escola
Igualmente o próprio pão
Mas se vier distorcida
Só vicia o cidadão
Escola tem à vontade
Mas não é nem a metade
Da palavra educação
Para o povo do sertão
Foi difícil aprender
Pois pensava que a escola
Nada tinha o que saber
Só visava o empreguismo
Pois é, e o capitalismo
O que nos tem a dizer?
Mas agora vai haver
O que o povo tanto queria
Escola a partir da base
Formando a cidadania
O povo aponta o defeito
Ainda cobra o direito
Seguro e com garantia
A escola todo dia
Terá uma nova missão
Escutará atentamente
Do povo a opinião
E levando o conhecer
A todos, compreender
A vida e a libertação.
Prof. Vicente de Paula F. Leite
86
Resumo – Histórico
Quando fui convidada para coordenar o
Proformação, em Araguaína/TO, tive um certo re-
ceio, pois estava diante de uma nova situação no
universo educacional. Porém, logo procurei co-
nhecer toda sua operacionalização e fiquei encan-
tada com o desenho do Programa em toda sua es-
trutura, principalmente com o trabalho voltado ao
professor cursista.
Aceito o cargo, procurei formar uma equipe
que fizesse a diferença. Desde os primeiros mo-
mentos de atuação no Programa, a equipe tem tra-
balhado com o mesmo objetivo: concretizar a qua-
lidade no ensino-aprendizagem no Proformação.
Logo na primeira fase presencial, reunimo-nos
para planejar minuciosamente todas as atividades
a serem desenvolvidas durante o encontro. Esse
procedimento é adotado em todas as fases.
As áreas temáticas são trabalhadas com ofici-
nas e dinâmicas que facilitem a aprendizagem. O
resultado é surpreendente.
Além das oficinas, procuramos também ori-
entar e subsidiar o tutor para ter uma atuação mais
efetiva junto ao professor cursista. A Agência For-
madora (AGF) não pára por aí: é constante o acom-
panhamento do desempenho dos cursistas e do
trabalho dos tutores, por meio de visitas a reuni-
ões quinzenais, práticas pedagógicas e
processamento dos dados de desempenho nas
avaliações.
A Agência Formadora de Araguaína, desde a
implantação do Proformação no município, tem
desenvolvido um trabalho em equipe, daí o por-
quê dos resultados bem-sucedidos que a AGF
tem vivenciado.
O material oferecido pelo Programa é riquís-
simo, oferece oportunidade para o professor
cursista desenvolver tanto o lado intelectual
quanto o profissional. No entanto, se não hou-
ver uma orientação e um acompanhamento
efetivos, os resultados podem não ser
satisfatórios. Por isso, a AGF de Araguaína pro-
cura sempre orientar tutores e professores
cursistas nessa caminhada, pois acreditamos
que os esforços valem a pena.
Mesmo sendo uma AGF com um grande
número de professores cursistas, procura-
mos acompanhar o crescimento de cada
um, pelo desempenho nas provas, do regis-
tro do memorial, da atuação na prática pe-
dagógica e do envolvimento com as ques-
tões educacionais no seu município. Aqui
serão relatados alguns procedimentos
adotados pela AGF nos instrumentos que se
seguem.
Fase presencial
A execução da fase presencial na AGF de
Araguaína/TO é um momento de integração
entre os cursistas dos municípios aderidos.
Conhecedora do contexto que envolve o
cursista: o trabalho cansativo na zona rural,
as adversidades que enfrentam e a duração da
fase presencial, a AGF viu a necessidade de
trabalhar as áreas temáticas com oficinas e di-
nâmicas, dramatizações, envolvimento do tra-
balho em grupo e atividades em que o profes-
sor cursista possa ter participação ativa. Tais
procedimentos têm tido excelentes resulta-
dos, pois os procedimentos adotados tornam
as atividades prazerosas e a fase menos can-
sativa, além de fornecer subsídios auxiliares
da prática pedagógica do professor cursista.
É interessante o crescimento gradual nos
encontros modulares. Na primeira fase, a mai-
oria dos cursistas não participava das ativida-
des, preferia ficar escondida na sua timidez e
insegurança.
Experiência do Proformação
em Araguaína
Jandira Medrado
Coordenadora do Proformação – Araguaína/TO
87
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no Proformação
PAINEL 7
Nas fases seguintes, foi visível o cresci-
mento. Os alunos mantiveram uma participa-
ção ativa em todos os momentos. As ativida-
des solicitadas pelos professores-formadores
foram realizadas com disponibilidade e dina-
mismo, levando-nos a crer que os procedi-
mentos didáticos influem na aprendizagem.
Mesmo com um grau de dificuldade no con-
teúdo, a ludicidade favorece uma aprendiza-
gem concreta.
A fase presencial oferece aos professores/
formadores e à AGF a oportunidade de tra-
balhar, não só os conteúdos temáticos, mas
também o incentivo ao professor cursista,
elevando sua auto-estima, fator importante
no crescimento pessoal e profissional do
cursista.
Reunião mensal
Ao falar em acompanhamento do profes-
sor cursista, temos de enfatizar a importân-
cia do trabalho do tutor. Ele é a ponte entre a
AGF e o cursista. Se o tutor não fizer um bom
trabalho, a qualidade dos trabalhos dos ou-
tros pode ruir.
O tutor precisa de suporte, orientação cons-
tante e acompanhamento de suas atividades.
Com as reuniões mensais, a AGF pode acompa-
nhar o trabalho desse tutor e os avanços dos
cursistas.
A AGF de Araguaína tem em sua agenda
de reunião o momento de troca de experiên-
cias, a exposição das dificuldades, bem como
o crescimento dos cursistas. Além desse
acompanhamento por intermédio do tutor,
ao recolher os instrumentos de avaliação, a
AGF procura processar os dados no SIP e ela-
borar gráficos para detectar possíveis regres-
sos e, posteriormente, procurar meios para
corrigi-los.
Outro ponto trabalhado nas reuniões men-
sais diz respeito às sugestões que o tutor extrai
nas reuniões quinzenais para que estas sejam
apresentadas em outros municípios. Esse inter-
câmbio tem dado certo, mostrando que no tra-
balho em equipe, com participação efetiva dos
componentes, só podemos colher resultados
bem-sucedidos.
Encontros quinzenais
A educação, ao longo dos anos, já implantou
muitos cursos voltados para a formação de pro-
fessores, na modalidade a distância. Entretanto,
os resultados não foram plenamente satisfatórios.
O Proformação não é mais um curso dessa
modalidade. Desde a sua implantação, houve a
preocupação do acompanhamento do profes-
sor cursista. O discente do Proformação não fica
isolado. Além do acompanhamento periódico
em sala de aula, a cada quinze dias todo o seu
trabalho é colhido para a verificação da apren-
dizagem. Nos encontros, os cursistas tiram dú-
vidas, trocam experiências de sala de aula e fa-
lam de como têm atuado na comunidade. Nes-
se momento, o tutor procura levar sugestões
para serem trabalhadas na quinzena seguinte,
executa dinâmicas envolvendo os conteúdos
temáticos e procura transformar essas oitos
horas em momentos agradáveis.
Nos primeiros encontros quinzenais, mes-
mo tendo um número grande de cursistas, os
professores/formadores e a coordenadora sem-
pre estavam presentes. No segundo módulo, os
tutores já tinham domínio da condução das reu-
niões, bem como amadurecimento suficiente
para conduzir com êxito essas reuniões, não
sendo necessária a presença constante da AGF.
Prática pedagógica
A prática pedagógica do professor cursista tem
sido um dos melhores instrumentos compro-
batórios da qualidade do Proformação. Em depoi-
mentos dos professores que estão inseridos no Pro-
grama, é unânime a afirmação de que antes de
participarem do Proformação a atuação em sala
de aula era um ato sem sentido. Os conteúdos eram
retirados dos livros e jogados aleatoriamente para
os alunos. Não passavam de meras informações
sem qualquer objetivo. A partir da inserção no Pro-
grama, especificamente na primeira fase presen-
cial, o mundo educacional passou a ser visto sob
outro ângulo, afirmam os cursistas.
Para os professores/formadores e a coordena-
ção da AGF, nada é mais gratificante do que ratifi-
car as mudanças que estão ocorrendo na prática
pedagógica dos cursistas. A AGF reconhece a pre-
88
ciosidade das sugestões para a sala de aula do pro-
fessor cursista, porém sem um acompanhamen-
to e incentivo, as sugestões não sairiam dos gui-
as. O trabalho da AGF, nesse sentido, é constante,
desde o primeiro momento de implantação do
Programa no município. Mesmo com algumas
dificuldades de aquisição de material de apoio em
algumas escolas na zona rural, o professor cursista
já tem o pleno domínio de buscar alternativas
para uma atuação pedagógica eficiente.
Em visita a práticas pedagógicas, a AGF
pôde comprovar mudanças expressivas nas
metodologias dos cursistas.
Para uma execução satisfatória de qualquer
atividade é necessário um planejamento que
corresponda à realidade dos envolvidos. Pen-
sando nisso, a AGF esquematizou um plano de
aula que favorecesse aulas vivas. Daí surgiu um
plano em que a contextualização e a interdisci-
plinaridade são pontos primordiais na avalia-
ção desse instrumento. Inicialmente, por cau-
sa do costume com um plano tradicional, per-
cebemos algumas dificuldades em sua elabora-
ção, mas com o trabalho contínuo junto aos
professores cursistas e o esforço que eles fazem
para crescer profissionalmente, todas as dificul-
dades foram superadas e o resultado são aulas
dinâmicas, atraentes, com articulação entre as
disciplinas, contextualização dos conteúdos,
além de outros procedimentos norteadores da
qualidade no ensino-aprendizagem.
O plano de aula, instrumento vinculado à
prática pedagógica, contempla: conteúdos, ob-
jetivos, recursos didáticos, organização do am-
biente, metodologia, tempo previsto, atividades
a serem executadas, contextualização, suges-
tões do trabalho interdisciplinar, modo de ava-
liação e bibliografia utilizada. Com essas com-
petências a serem observadas no plano de aula,
as orientações dos guias e as sugestões que a
AGF está sempre levando aos cursistas, os re-
sultados têm sido positivos.
Memorial
O memorial funciona como raios X do pro-
fessor cursista nesse processo, cuja engrenagem
não pode apresentar qualquer falha, senão os
resultados chegarão a um ponto não almejado.
A princípio, o memorial foi visto com mui-
to receio pelos cursistas. Isso ocorreu em razão
do pouco hábito de leitura e de escrita cultiva-
do por eles, dificultando muito a redação desse
instrumento avaliativo.
Os diversos tipos de leituras que o progra-
ma oferece e as atividades que o professor
cursista tem de desenvolver oferecem material
suficiente para um texto. Mesmo que os ele-
mentos ali registrados não estejam bem elabo-
rados, o professor cursista tem uma grande
quantidade de informações para registrar. É cla-
ro que, de um momento para o outro, a pessoa
não passa a escrever bem, mas fazendo uma
análise dos textos produzidos no início do pro-
grama e os que estão sendo feitos atualmente,
percebemos um grande avanço na produção
textual. Mesmo porque, na prática pedagógica
há muitos procedimentos e resultados que os
professores cursistas fazem questão que os ou-
tros membros do Proformação saibam. Com
isso, o registro no memorial é uma constante.
Projetos
A princípio, os projetos representavam o des-
conhecido, um desafio ao novo, uma proposta
de trabalho, que aos poucos foi se desvendando,
partindo da realidade conhecida de cada profes-
sor cursista e avançando rumo a um estudo sis-
tematizado de temas que abordam problemas e/
ou dificuldades em suas comunidades.
No módulo I, o projeto esteve voltado para
detectar problemas, delimitação de temas, pla-
nejamento do cronograma e elaboração da pro-
posta do trabalho.
Nos módulos II e III, o envolvimento girou
em torno do relatório parcial, compreendendo:
relatos do módulo I, elaboração de questioná-
rios para pesquisa de campo, construção de grá-
ficos, pesquisa sobre o tema, relato dos traba-
lhos em sala de aula utilizando o projeto e exe-
cução do mesmo.
O IV módulo se deterá no relatório final, no
qual serão relatados todos os passos do proje-
to, acompanhados de conclusão, auto-avaliação
e bibliografia.
O projeto vem sendo motivo de crescimen-
to, de aprendizagem significativa, pois possibi-
89
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no Proformação
Formação do professor no Proformação
PAINEL 7
lita a efetiva participação dos professores
cursistas na vida da comunidade, por meio de
eventos como: feira cultural, seminários, pales-
tras, feiras de ciências, entre outros, levando à
conscientização e a ações em prol da qualida-
de de vida.
A AGF, na qualidade de orientadora, forne-
ce suporte a tutores e professores cursistas para
que desenvolvam seus estudos. Nas reuniões
mensais, os professores/formadores atuam
como mediadores, repassando conteúdos e lei-
turas sobre os temas, orientando na estrutu-
ração do projeto, buscando apoio material em
órgãos que tratam de assuntos ambientais e de
saúde, tais como Naturatins, Naturativa, Ibama,
HDT, Posto de Saúde.
O projeto de trabalho vai além de um ins-
trumento de avaliação, pois abrange a sociali-
zação, na medida em que possibilita a atuação
do professor cursista como sujeito no processo
de desenvolvimento das comunidades das
quais ele participa.
Gráficos
Para o melhor acompanhamento dos resul-
tados obtidos nas provas bimestrais, CVAs,
memoriais, práticas pedagógicas e planos de
aula, a AGF processa os dados e esboça gráficos
que mostram o percentual obtido por área
temática e por cursista, em cada instrumento
de avaliação. Por esses resultados é possível
comparar os percentuais e melhorar o monito-
ramento.
Eventos
Não há dúvida quanto à qualidade do
Proformação, e isso é visível em todos os muni-
cípios que integram a AGF de Araguaína. Os pro-
fessores cursistas têm mostrado um grande
avanço profissional. Além de terem uma práti-
ca pedagógica satisfatória, os professores
cursistas não medem esforços para participar
de eventos educacionais no município em que
atuam, bem como para promoverem feiras, se-
minários, exposições de trabalhos relacionados
aos projetos, com envolvimento de seus alunos.
Em depoimento de uma cursista que atua
na zona rural, foi relatado que antes de entrar
no Proformação, feira, para ela, era um lugar
onde se ia fazer compras de gêneros alimentí-
cios. Hoje, essa mesma cursista já realizou uma
feira maravilhosa, expondo trabalhos realizados
com os alunos, com participação da comuni-
dade. Todos os trabalhos estavam relacionados
ao projeto do trabalho que a professora cursista
está desenvolvendo.
Esse não é o único caso. A AGF já participou
de vários eventos similares, e a qualidade da
exposição tem sido motivo de alegria para a
AGF. Verifica-se com isso que o Proformação
oferece um leque de possibilidades para que o
professor cursista possa mostrar quão grande é
seu desempenho.
Reforço
O reforço tem sido um fio condutor do su-
cesso nas provas bimestrais. No bimestre, o
cursista se envolve com muitas atividades além
dos estudos dos conteúdos, acumulando mui-
tas informações, e a expectativa da realização
de uma prova é diferente das atividades que ele
realiza com consulta. O próprio vocábulo pro-
va” já provoca uma ansiedade na cabeça do
cursista, desencadeando algum esquecimento
dos conteúdos.
Quando realizamos o reforço, procuramos
trabalhar conteúdos que serão cobrados na pro-
va bimestral; além disso, o emocional do
cursista deve estar em equilíbrio. Com isso, pro-
curamos também incentivar e acalmar a tensão
vivida por ele antes das avaliações.
Além do reforço, a equipe da AGF de Ara-
guaína não mede esforços ao desenvolver toda
e qualquer atividade norteadora da qualidade
no ensino-aprendizagem.
Depoimentos
Para avaliar a qualidade do ensino-apren-
dizagem não basta aplicar métodos e técnicas,
processar dados e elaborar gráficos. Quando
sofremos mudanças positivas, temos prazer em
comentar os nossos avanços. No Proformação,
há um momento reservado para os relatos de
experiências, tanto na fase presencial, quanto
90
nas reuniões mensais e encontros quinzenais.
A AGF de Araguaína tem presenciado depoi-
mentos emocionantes dos cursistas e tutores.
Abaixo temos um fragmento do depoimento de
Josimar Pereira da Silva, professor cursista de
Santa Fé, e de Ilzi Maria da Silva, tutora de
Wanderlândia:
Depoimento do professor cursista Josimar
Ribeiro da Silva
Antes de ser um professor, minha vida era
muito sofrida, morava na roça, estudava com
muita dificuldade. Minha família, pobre, não tinha
como melhorar meu grau de estudo.
O início da minha carreira como professor foi
uma coisa não planejada. Certo dia, fui convidado
para substituir um professor em uma escola na
zona rural. Fiquei apavorado. Não tinha experiên-
cia e, para falar a verdade, tinha medo de tudo.
Além do mais, desconhecia aquela profissão que
me esperava. Tinha dificuldades em tudo: diários,
plano de aula, ficava perdido nas explicações do
conteúdo, totalmente inseguro. Eu ficava tão ner-
voso, que não conseguia falar. Era muito difícil,
mas a situação financeira me obrigava a ficar.
Quando, de repente, apareceu o Profor-
mação. Descobri que ali estava a minha chance
de mudar o meu jeito de ser e melhorar minha
atuação profissional. Foi exatamente o que acon-
teceu. Hoje, já tenho segurança em minhas au-
las, sei como trabalhar a interdisciplinaridade e
contextualização e, acima de tudo, tenho consci-
ência do valor da minha profissão.
Graças ao Proformação consegui superar
muitas dificuldades e elevar minha auto-estima.
Depoimento da tutora Ilzi Maria da Silva
O Proformação mudou a minha vida. Apesar
de ser otimista, me sentia uma pessoa vazia e
solitária. Primeiro pela idade. Eu pensava: “Meu
Deus, as minhas colegas na sala de aula são, na
maioria, jovens e, apesar de eu ser uma pessoa
respeitada por todos, me sinto insegura em rela-
ção ao meu futuro. Tudo era vazio. Não tinha so-
nhos nem perspectivas. Mesmo terminando o
Magistério, a história continuou a mesma.
No entanto, a partir do momento que entrei
no Proformação, minha vida mudou. Hoje, estou
cheia de expectativas, conhecimentos e, o mais
importante, de realizações. Sinto-me realizada,
e, como um beija-flor que sai de flor em flor, as-
sim é o meu trabalho como tutora, cuidando de
suas ‘flores’ para que sejam frondosas e radian-
tes. As cursistas estão crescendo e eu também.
Esse é o meu maior prêmio.
91
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
88
88
8
ARTICULAÇÃO ENTRE A
FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA DE PROFESSORES –
EDUCAÇÃO INFANTIL
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias
92
Apresentação
Este relato pretende apresentar o Programa
Emergencial de Habilitação Profissional em Ní-
vel Médio – Modalidade Normal – do Professor
de Educação Infantil em Exercício. Trata-se de
proposta articulada entre a Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (UFMG) e outras oito insti-
tuições de ensino superior integrantes do Pro-
grama Minas – Universidade Presente,
1
a Secre-
taria de Estado da Educação de Minas Gerais –
SEE/MG, a Secretaria de Estado do Trabalho, da
Assistência Social, da Criança e do Adolescente
(SETASCAD/MG) e Prefeituras Municipais, que
visa à habilitação do professor leigo em exercí-
cio nas creches e pré-escolas do Estado. O prin-
cipal objetivo que uniu esses parceiros foi o
empenho na busca de ações que pudessem re-
verter na melhoria da qualidade do trabalho da
Educação Infantil em Minas Gerais.
Respondeu essa parceria, por sua vez, ao apelo
e às orientações do Conselho Nacional de Educa-
ção expressas no Parecer CNE/CEB nº
04/00, so-
bre as Diretrizes Operacionais para a Educação
Infantil, ou seja, para fazer frente a [essas] exi-
gências legais para a profissionalização docente
dos professores para a educação infantil, incluin-
do aqueles que, no momento, são leigos, deverá
haver intensa mobilização das Universidades Pú-
blicas ou Privadas, Institutos Superiores de Edu-
cação, Escolas Normais de nível médio, Secreta-
Habilitando-se professor:
experiência concreta de
valorização do profissional de
educação infantil em exercício nas
creches e nas pré-escolas de Minas
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias
UFMG/MG
rias, Conselhos e Fóruns de Educação na criação
de estratégias de colaboração, entre os vários sis-
temas, possibilitando a habilitação dos profissi-
onais, dentro dos parâmetros legais.
O programa foi aprovado pelo Conselho Es-
tadual de Educação e tem duração prevista até
2007. É viabilizado por meio de cursos minis-
trados pelas instituições de ensino superior e
certificados por escolas normais integrantes do
Sistema Estadual de Ensino.
Justificativa
A Educação Infantil, a partir de uma histó-
ria de lutas e reivindicações de diferentes gru-
pos da sociedade civil organizada, foi incluída
no capítulo da Educação da Constituição Fede-
ral, em 1988, e reconhecida como primeira eta-
pa da Educação Básica pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB, em 1996.
A definição da Educação Infantil como um
nível de ensino, oferecido em creches e pré-es-
colas, exigiu da Lei outras determinações rela-
tivas à formação de seus profissionais. Assim, a
LDB define o profissional da Educação Infantil
como professor, estabelecendo que sua forma-
ção far-se-á em nível superior […] admitida
como formação mínima para o exercício de
Magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal” (art. 62).
1
Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade Federal de Viçosa (UFV); Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Fundação
de Ensino Superior de São João del Rei (Funrei); Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG); Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes); Centro Universitário do Leste de Minas (Unileste); Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Pucminas).
93
Articulação entre a formação inicial e continuada – Educação Infantil
PAINEL 8
O Conselho Nacional de Educação – CNE,
em 29 de janeiro de 1999, definiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais (Resolução n
o
1 CEB/
CNE) que deverão orientar os currículos das
escolas que desenvolverão os Cursos Normais,
apontando para a possibilidade de esses cur-
sos prepararem docentes especificamente para
atuar na Educação Infantil.
Essas determinações inegavelmente reve-
lam avanços da legislação em relação a essa
área: define-se a identidade do profissional da
Educação Infantil, caracterizando-o como pro-
fessor e evidenciando a importância de uma
formação mínima para que esse profissional
desenvolva um trabalho educacional de quali-
dade em creches e pré-escolas. Entretanto, as
definições legais se defrontam com uma reali-
dade que impõe desafios à sua concretização.
Assim, embora os dados sejam ainda precários,
as estatísticas apontam para a existência de
grande porcentagem de educadores que traba-
lham com crianças na faixa de 0 a 6 anos, em
creches, pré-escolas e similares que, mesmo
comprometidos com o seu trabalho, não pos-
suem o nível mínimo de formação exigido por
lei, estando sob o risco iminente de perda de
emprego. Nessa categoria incluem-se tanto os
formados em nível médio em outra modalida-
de que não a Normal, quanto aqueles que não
têm o ensino médio ou nem mesmo o Ensino
Fundamental completo.
Essa situação se agrava quando constata-
mos a escassez de oferta de formação diante
dessa nova demanda que se configura. Defron-
tamo-nos com o fato de não existir historica-
mente em Minas e nem mesmo no Brasil habi-
litação específica de formação desse profissio-
nal, em nível médio, que enfoque em seus cur-
rículos a indissociabilidade das ações de cui-
dar de/educar crianças de 0 a 6 anos, princi-
palmente no que se refere ao trabalho com cri-
anças pequenas em instituições que as acolhem
em tempo integral. Os próprios professores/
formadores que atuam nessas Escolas Normais,
em sua maioria, não têm acúmulo teórico e prá-
tico nessa área. O mesmo se pode afirmar em
relação aos quadros técnicos das instâncias es-
taduais e municipais responsabilizadas, muitas
vezes, pela formação em serviço dos profissio-
nais que trabalham nas instituições de Educa-
ção Infantil.
Os professores que atuam em creches e pré-
escolas não tiveram, portanto, ao longo de sua
história, acesso a instituições formais que se
ocupassem de sua formação. Vêm, na verdade,
forjando seu saber fazer no cotidiano, constru-
indo, dessa forma, sua própria identidade, bem
como a identidade da Educação Infantil. Têm,
assim, um saber a ser considerado, mas que
precisa ser organizado, ampliado e, sobretudo,
certificado por instituições formais para que se
profissionalizem, exerçam seu direito à escola-
rização obrigatória e façam frente às novas exi-
gências legais. Soma-se a isso, a necessidade de
se considerar o fato de que, como várias pes-
quisas nacionais e internacionais vêm apontan-
do, a formação dos profissionais tem sido ava-
liada como fator de maior impacto na melhoria
da qualidade do atendimento. Desse modo,
além de criar oportunidades para a valorização
dos educadores infantis, os investimentos nes-
sa ação fortalecem as políticas já existentes,
otimizam os recursos já investidos na área e cri-
am condições para que os educadores elaborem
e implementem propostas pedagógicas mais
coerentes, conseqüentes e que se pautem pela
intencionalidade, possibilitando uma prática
educativa de melhor qualidade.
O quadro, determinado pelo confronto en-
tre o novo ordenamento legal, a realidade da
formação dos profissionais da Educação Infan-
til em Minas Gerais e as evidências quanto à
importância dessa formação, aponta-nos para
a necessidade de, num período de transição,
marcado pelo que estabelece a LDB quando ins-
titui a Década da Educação a vencer em 2007,
serem criadas e implementadas, ou mesmo ade-
quadas ao pré-existente, estratégias emergen-
ciais de formação, devidamente regulamenta-
das pelo Conselho Estadual de Educação, que
viabilizem a habilitação mínima exigida para
esses educadores que estão em serviço, assegu-
rando-se a qualidade da formação.
Em contrapartida, não se desconhece quão
fundamental e urgente é a formação do corpo
docente das Escolas Normais para que, progres-
sivamente, o Curso Normal possa se configurar
de acordo com o que preconizam as Diretrizes
94
Curriculares Nacionais para essa modalidade de
Ensino Médio.
Essa preocupação é compartilhada pelos
movimentos sociais e por diferentes instâncias
governamentais e não-governamentais. Sob
essa perspectiva, o Fórum Mineiro de Educa-
ção Infantil, em seu boletim EI!, destaca:
Embora indubitavelmente desejável a for-
mação em nível superior, o quadro da realidade
aponta a formação em nível médio na modali-
dade Normal como a meta prioritária na educa-
ção infantil, por se reconhecer que nem esse ní-
vel de ensino está garantido e que o mesmo é
pré-requisito para nível superior.
Sérios e urgentes esforços para garantir a
oferta, revalorização e reformulação estrutural
dos Cursos Normais em nível médio devem ser
articulados entre o Governo Federal/MEC e os
Governos Estaduais/Secretários da Educação/
Consed […] visando à formação mínima exigida
para os professores da educação infantil (EI! ano
1, nº 2, 1999).
Na mesma direção, o documento Programa
de Qualificação do Educador Infantil – Termo de
Referência, do MPAS (2000), que se conceitua
“[...] como um conjunto de ações articuladas
para elevar a escolaridade e melhorar as compe-
tências dos educadores infantis que trabalham
em creches públicas e privadas, prioritariamen-
te voltado para pessoas que estão sob risco de
desemprego, por não terem requisitos mínimos
de escolaridade exigidos em lei”, apresenta pos-
síveis caminhos para concretização da formação
mínima necessária nessa conjuntura.
Evidencia-se, nesse contexto, o papel a ser
desempenhado pelas universidades, por meio
de suas atividades de ensino, pesquisa e exten-
são, papel esse que ganha maior expressão di-
ante da possibilidade de essas instituições atu-
arem numa perspectiva interdisciplinar. Desse
modo, é possível integrar todas as áreas de co-
nhecimento envolvidas na especificidade do
trabalho da Educação Infantil: a Pedagogia, a
Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Filo-
sofia, a Saúde, a Arte, a Música, o Teatro, a Edu-
cação Física, a Assistência Social, as Letras, en-
tre outras.
Em Minas, a importância quanto a esse pa-
pel das universidades já havia sido reconheci-
da quando se buscou articulá-las, desde 1997,
por meio do Programa Minas Universidade Pre-
sente, atualmente coordenado pela UFMG, com
o objetivo de mobilizar os recursos humanos,
técnicos e científicos dessas instituições para,
em parceria com o poder público e com as co-
munidades, implantar ações de caráter educa-
tivo que estimulem o desenvolvimento de to-
das as regiões do Estado. No que concerne es-
pecificamente à Educação Infantil, vêm sendo
desenvolvidas, por meio desse programa, pro-
postas de Formação de Educadores Infantis.
Muitas dessas propostas têm se caracterizado
por cursos pontuais, isolados, que, embora te-
nham favorecido o aprimoramento do trabalho,
não têm contribuído efetivamente para a
certificação formal desses educadores, o que se
torna essencial diante do novo ordenamento
legal que coloca em risco o contrato de empre-
go dos profissionais não-habilitados. Apesar de,
em 1998, terem sido envidados esforços nesse
sentido, a certificação desses educadores não
foi viabilizada por falta de uma maior articula-
ção entre a coordenação do programa à época,
os setores governamentais envolvidos (Setas-
cad, SEE/MG) e o Conselho Estadual de Educa-
ção (CEE).
Assim, a necessidade de habilitação dos
educadores infantis exige esforços articulados
entre as instituições formadoras, os setores go-
vernamentais responsáveis pela formação des-
ses profissionais e pela legislação pertinente e
os setores públicos e privados historicamente
responsáveis pelo atendimento às crianças de
0 a 6 anos.
Para tanto, considera-se que estratégias de-
vem ser buscadas e regulamentadas, segundo
propostas que se pautem nos princípios da
qualidade, flexibilidade e exeqüibilidade. Ou
seja, que resguardando parâmetros legais bá-
sicos e diretrizes gerais, garantam autonomia
aos estabelecimentos ou sistemas de ensino
para executarem suas propostas curriculares,
visando à certificação de professores em exer-
cício, os quais, trabalhando segundo jornadas
que variam de seis a doze horas diárias, devem
ter oportunidades efetivas para estudar e se
95
Articulação entre a formação inicial e continuada – Educação Infantil
PAINEL 8
habilitar, sendo incluídos também nos siste-
mas de ensino.
Foi nesse contexto que se articulou o Pro-
grama Emergencial para Habilitação Profissio-
nal em Nível Médio – Modalidade Normal, do
Professor de Educação Infantil, em exercício,
aprovado pelo Conselho Estadual de Educação,
em novembro de 2000, com duração prevista
até 2007.
Objetivos gerais
Habilitar na modalidade Normal, em cará-
ter emergencial, por prazo determinado (até
2007), os professores leigos de creches e pré-
escolas em exercício, oferecendo-lhes parte
dessa habilitação por meio de aproveitamento
e complementação de estudos em Educação
Infantil, tendo em vista garantir os contratos de
emprego desses profissionais e a construção de
sua cidadania.
Objetivos específicos
• Complementar a escolaridade básica dos pro-
fessores de Educação Infantil, de modo que
atinjam o nível mínimo exigido pela LDB.
• Propiciar o desenvolvimento de conhecimen-
tos, valores, habilidades e competências bási-
cas, específicas e de gestão, exigidas pelo novo
conceito de Educação Infantil, de creche e da
criança como cidadã.
• Melhorar a qualidade dos serviços prestados
por creches, pré-escolas e similares, de modo
que cumpram sua função de cuidar de crian-
ças de 0 a 6 anos e educá-las.
Clientela
São considerados incluídos nessa proposta
aqueles professores que estejam atuando dire-
tamente no atendimento educacional a crian-
ças de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas e
que possuam, no mínimo, o Ensino Fundamen-
tal completo, mas que necessitam (em caráter
emergencial, por já se encontrarem no exercí-
cio da docência) iniciar, completar ou comple-
mentar formação de nível médio, na modalida-
de Normal.
Organização
Esse programa é viabilizado por meio dos
cursos ministrados pelas Instituições de Ensi-
no Superior e certificados por Escolas Normais
integrantes do Sistema Estadual de Ensino.
Cada curso tem carga horária de 1.600 horas,
assim distribuídas:
• Aspectos teóricos: 400 horas.
• Prática de Ensino Orientada: 540 horas (even-
tos presenciais e estratégias de trabalho
semipresenciais).
• Prática de Ensino Comprovada: 660 horas
(aproveitamento de experiência no trabalho).
O curso está organizado em módulos, a se-
rem desenvolvidos num período de dois anos e
meio e, neles, são abordados os seguintes con-
teúdos:
• Aspectos sociais, históricos, políticos da Edu-
cação Infantil.
• O professor de Educação Infantil.
• Um olhar sobre a infância.
• Múltiplas linguagens – formas de interação
com a natureza e com a cultura.
• Organização e gestão do trabalho de cuidar/
educar crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-
escolas.
• Prática de Ensino Orientada.
Fundamentos
da proposta curricular
Esse curso de habilitação do professor de
Educação Infantil tem como pressupostos
norteadores:
• Considerar os professores/alunos do curso
como sujeitos históricos, criadores de cultu-
ra, que têm direito à ampliação de seu univer-
so cultural, bem como de se apropriarem dos
instrumentos básicos que lhes permitam a ha-
bilitação profissional. Estão inseridos num
espaço geográfico, social, cultural, profissio-
nal que lhes confere identidade própria. Cons-
truíram um saber fazer próprio no cotidiano
das creches e/ou pré-escolas, onde vêm de-
senvolvendo sua prática de cuidar de crianças
de 0 a 6 anos e educá-las, que deve ser levado
em conta nas propostas de sua formação.
96
• Superar a dicotomia entre teoria e prática em
três perspectivas: buscar coerência entre os
discursos dos docentes do curso e sua própria
prática pedagógica; considerar a complexida-
de e a riqueza dos conhecimentos produzidos
na dinâmica da prática cotidiana dos educa-
dores/discentes, tomando-a como ponto de
partida para a reflexão crítica e a busca de no-
vos conhecimentos, que possibilitem ressig-
nificá-la e transformá-la; e buscar o conheci-
mento acumulado das diversas ciências como
subsídio para conhecer, analisar e interpretar
o contexto histórico, político e cultural em que
se situa a prática educativa dos diversos pro-
fessores.
Norteado por esses pressupostos, o curso se
desenvolve em torno de dois eixos básicos:
• Um deles privilegia o educador como cidadão,
sujeito social e cultural, discutindo, por um
lado, sua identidade profissional e, por outro,
possibilitando-lhe vivenciar, ter acesso e am-
pliar seus conhecimentos relativos às diversas
formas de expressão na cultura (teatro, músi-
ca, dança, cinema, pintura, desenho, lingua-
gem virtual etc.).
• O outro eixo busca incidir sobre valores, co-
nhecimentos e competências do professor,
tanto para compreender o contexto em que se
dá sua prática, quanto para nela atuar de for-
ma eficiente e crítica.
A prática de ensino permeia todo o desen-
volvimento do curso, sendo, ao mesmo tempo,
elemento para reflexão e possibilidade de avan-
ço e transformação da prática educativa.
Metodologia
Esse curso prevê a articulação contínua en-
tre as experiências do aluno, sua prática peda-
gógica e o conhecimento científico a respeito
do atendimento à infância.
Nesse sentido, ao longo dos conteúdos e
tópicos trabalhados, são discutidas e analisadas
com os alunos suas representações, interações
e apropriações a respeito de diferentes aspec-
tos do seu trabalho: a infância, a Educação In-
fantil, o lúdico, as linguagens, o próprio traba-
lho e a cultura.
Sob essa perspectiva, em que se torna fun-
damental privilegiar o professor de educação
como sujeito sociocultural, são desenvolvidas
estratégias de formação alicerçadas em vivên-
cias culturais e experimentadas em espaços so-
ciais diversos, como parques, praças, teatros,
museus, cinemas, clubes, associações etc.
O diálogo com as práticas cotidianas nas
creches e pré-escolas em que as professoras atu-
am tem lugar de destaque nesse processo
formativo, na medida em que, articulando-se
com a fundamentação teórica, estimula análi-
ses críticas do próprio fazer e contribui para
avanços na qualidade do atendimento em Edu-
cação Infantil.
Para isso, são privilegiadas estratégias como
seminários, relatos, painéis, discussões, confe-
rências, pesquisas e projetos de intervenção,
além de recursos como vídeos, fotos, jornais,
relatórios, livros e textos, entre outros, diversi-
dade essa favorável às múltiplas compreensões
e expressões das práticas e seus desafios.
Abrangência
Em 2001, foram iniciados 27 cursos em 15
pólos que congregam educadores de 75 municí-
pios das diversas regiões do Estado. Estão sendo
financiados com recursos do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT), contando com a parceria
do Serviço de Voluntários de Assistência Social
(Servas), de Minas Gerais e das Prefeituras Mu-
nicipais. Para sua continuidade e ampliação nos
anos subseqüentes, os parceiros estão se articu-
lando na busca de fontes de financiamento.
97
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
99
99
9
AVALIAÇÃO DAS
APRENDIZAGENS DOS ALUNOS E
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Almira Albuquerque Santos
Lucia Lins Browne Rego
Maria Nilene Badeja
98
Resumo
A formação continuada no município de Bata-
lha/AL despertou em nossos professores o sentimen-
to de auto-estima e, a partir daí, ninguém mais con-
seguiria parar o processo de avanço e transforma-
ção em nossa rede de ensino escolar. A exemplo do
que está sendo feito, baixou o número de repetência,
aumentando o índice de aprovação de 40% para 85%,
no ano de 1999.
Com a formação continuada, que vem sendo
oferecida aos professores, pode se contar, atualmen-
te, com a reconstrução da Rede Municipal de Ensi-
no, como instituição, na qual o professor se encon-
tra num processo contínuo de formação, passando a
ter um comprometimento maior com o seu aluno
na condição de sujeito, e não de objeto, e, conseqüen-
temente, alternando a lógica social, um dos maiores
problemas a serem enfrentados nesse processo de
formação.
Em conseqüência disso, o avaliar mudou. Nesse
aspecto, a visão do professor vem contribuindo sig-
nificativamente para minimizar a reprovação. Vale
ressaltar que avaliar a aprendizagem do aluno é tam-
bém avaliar a intervenção do professor, já que o en-
sino deve ser planejado e replanejado tendo em vis-
ta as aprendizagens, ou não.
Para tanto, os índices alertaram-nos que a op-
ção pelo processo de formação continuada começa
a chegar onde está o nosso alvo central: a sala de aula.
Iniciamos a reflexão sobre a formação conti-
nuada de professores da rede de ensino munici-
pal de Batalha caracterizando os aspectos soci-
ais, políticos e econômicos da cidade, que influ-
enciam a situação educacional.
Segundo dados da Secretaria Municipal de
Agricultura de Batalha (1997), o município situa-
se no sertão alagoano, a 197 quilômetros de dis-
Avaliação das aprendizagens
dos alunos e a formação de
professores
Almira Albuquerque Santos
SME – Batalha/AL
tância de Maceió, e foi governado por coronéis
que defendiam seus interesses, excluindo a clas-
se trabalhadora das vantagens dos sistemas, no
caso específico do nosso relato: a educação.
A cidade em referência tem uma popula-
ção estimada em 14.785 habitantes, sendo
7.256 homens e 7.539 mulheres. Sua extensão
territorial é de 322,5 km
2
, com uma taxa de
crescimento populacional de 2,08% ao ano e
um grau de urbanização de 43,86%. Sua vege-
tação tem característica tipicamente sertane-
ja, como caatinga, cactos, xiquexique e fachei-
ras, que se espalham pelas diversas comuni-
dades que formam o município.
Banhada pelo rio Ipanema, mantém fron-
teiras com Jacaré dos Homens, Belo Monte,
Traipú, Jaramataia e Major Isidoro. É conside-
rado pólo centralizador da chamada Bacia Lei-
teira, e na base da sua economia predomina o
rebanho bovino de corte, quase todo formado
pela raça nelore.
Na agricultura, são consideráveis a produção
de milho, feijão e algodão. O plantio em larga es-
cala da palma forrageira garante a produtividade
pecuária, mesmo durante a estiagem, que chega
a durar meses.
Quanto ao comércio, é bastante desenvolvi-
do. O turismo é pobre, quase inexiste. As mani-
festações folclóricas são folguedos, danças carna-
valescas, juninas e natalinas.
A população que demanda por escolas da
rede municipal em Batalha, no horário diurno,
que só atendem de 1ª a 4ª séries, a partir de 1997
(de acordo com os registros da Secretaria Muni-
cipal de Educação de Batalha), é composta de
crianças, jovens e adultos de baixa renda, situan-
do-se na faixa etária de 7 anos e acima de 17 anos.
Há, portanto, um grande número no processo de
distorção idade/série. Outro dado é que, até 1995,
99
AA
AA
A
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
PAINEL 9
o fracasso escolar (repetência e evasão) era bas-
tante significativo e vinha se perpetuando na his-
tória da nossa comunidade, além do fato de a Se-
cretaria de Educação do Estado de Alagoas ter re-
gistrado como nulo o ano letivo de 1996.
As escolas existentes são, em sua maioria, de
pequeno porte, com duas salas, e uma mais am-
pla que dispõe de sete salas de aula. Com essa
estrutura, o atendimento é de 3.602 alunos, para
um quadro de 172 professores, sendo 6 com cur-
so superior, 12 leigos (em processo de formação)
e 154 com o 2º grau em Magistério.
Em relação aos professores, anteriormente à
atual gestão, eles não eram concursados, eram
mal pagos e não tinham um Plano de Cargos e
Carreira por meio do qual vislumbrassem algu-
ma perspectiva de melhoria. Possuíam uma for-
mação inicial precária e participavam de cursos
geralmente centrados em conteúdos de progra-
mação descontínua. Não tinham orientação pe-
dagógica nem acompanhamento da prática de
sala de aula.
A partir de 1997, com as eleições municipais,
assume o poder em Batalha um grupo político
mais comprometido com a população de baixa
renda, que tenta, inicialmente, uma reforma es-
trutural das Secretarias Municipais, entre elas a
de Educação. Por meio de concurso público, re-
nova o quadro de professores e cria o quadro de
coordenador pedagógico, cabendo aos profissio-
nais que assumissem esse cargo a responsabili-
dade de repensar a educação local, juntamente
com os professores.
Os coordenadores pedagógicos
1
– inicialmen-
te eram três profissionais com licenciatura plena
e habilitação em orientação educacional e super-
visão escolar – tinham clareza quanto ao fato de
que a educação não era suficiente para a cons-
trução de uma nova realidade social, econômica,
política e cultural, mas, como bem enfatiza
Gadotti (1992):
[...] é o ponto de partida, isso significa, ainda que
a sua luta deve ir além dos muros da escola não
deve limitar-se ao seu campus, o que a ideologia
dominante entendeu por muito tempo, querendo
limitar o conflito aos muros dos campi.
A partir de então, o grupo pôde analisar as idas
e vindas dos alunos nas escolas, constatando que,
devido à pobreza em que suas famílias se encon-
tram, eles têm de parar de estudar para trabalhar
precocemente na agricultura, uma das principais
fontes de renda da região, interrompendo infini-
tas vezes o processo de escolarização. Mesmo
retornando após um afastamento de um mês ou
mais, não conseguem acompanhar o ritmo das
aulas, sendo conseqüentemente reprovados no
final do ano. E isso se tornou um círculo vicioso.
Estava posto um grande desafio para a equi-
pe pedagógica, que pretendia melhorar a quali-
dade da formação escolar do aluno, reconhecen-
do ser a escola, para ele, a instância onde vai su-
perar sua visão parcial e confusa, adquirindo cla-
reza da sociedade onde se insere.
A idéia do grupo era encontrar uma parceria
para desenvolver um projeto com o objetivo de
tornar o professor um sujeito ativo, capaz de re-
fletir sobre as contradições sociais, econômicas,
políticas e culturais da realidade onde se encon-
tra e sobre sua prática pedagógica. Para tanto, a
opção foi fazer um investimento na formação pro-
fissional continuada, considerando as variáveis
inerentes à natureza da atuação do professor, a
organização curricular dos programas de forma-
ção, as competências e os conhecimentos profis-
sionais, a metodologia da formação e a avaliação.
Sobre esse assunto, Nóvoa (1995: 17) afirma que
a formação é uma mudança e não uma espécie
de condição prévia da mudança. E completa: A
formação não se faz antes da mudança, faz-se
durante [...]”.
Em 1998, lançamos o embrião da formação
continuada desejada, com recursos próprios, no
entanto sem muito sucesso. O acompanhamento
na sala de aula, junto aos professores, mostrava
que os cursos ministrados não correspondiam às
expectativas do professor e do alunado. O grupo
da educação sentia que o trabalho estava vindo
de fora para dentro, sem a construção coletiva do
1
Os coordenadores pedagógicos formam a equipe técnica da Secretaria Municipal de Batalha, sendo cada um responsável pelo trabalho
pedagógico de várias escolas. Têm formação em Pedagogia, com habilitação em Orientação Educacional e Supervisão, mas atuam na
tentativa de superar a fragmentação da formação inicial que tiveram.
100
pessoal envolvido. Os cursos estavam sendo mi-
nistrados por via externa
2
e apesar de anunciar
uma proposta aparentemente avançada, trazia
para os cursistas pacotes pedagógicos”.
A primeira parceria de fato só surgiu em 1998,
e durou até o ano de 2000, por meio de funcioná-
rios da Editora Abril S/A, que garantiu recursos
financeiros para o pagamento de um grupo de
formadores
3
da cidade de Salvador, sob a coor-
denação das professoras dras. Telma Weisz e Ma-
ria Ester Soub. O projeto dessa formação passou
a ser pensado e discutido com os coordenadores
e professores, com a perspectiva de que a Secre-
taria Municipal de Educação de Batalha, por meio
dos seus coordenadores pedagógicos, assumisse,
a médio e longo prazos, a formação.
O trabalho que se iniciava foi marcado pela
resistência dos professores em enfrentar o novo e
em desafiar as suas certezas”, disponibilidade de
tempo para os estudos e planejamento, abertura
para o acompanhamento em salas de aula e a
quebra da acomodação do uso do livro didático,
como a única leitura autorizada para o aluno.
Tudo isso envolvia novos instrumentos de
ação para a observação de práticas no contexto
de sala de aula, utilizando gravação de vídeos,
reuniões para elaboração de planos de ensino e
recursos didáticos, produção de projetos didáti-
cos, atividades de classe e planos de aula, análise
de documentos da prática como relatórios,
vídeos, diários de classe e produções dos alunos.
A preocupação inicial de todos os envolvidos
foi com a 1ª série do Ensino Fundamental, a qual
a maioria dos alunos não chegava a terminar. Se-
gundo os dados apresentados pela Secretaria, a
evasão e a repetência apresentavam índices altos
de 15% e 35%, respectivamente. A cultura do fra-
casso escolar permanecia, porque, no entendi-
mento do grupo de coordenadores, a formação
continuada realizada até aquele momento não
atendia às expectativas.
Segundo Weisz (2000), se o aluno aprende a
ler e escrever nos dois primeiros anos, ou é pro-
movido, ou vai ficar retido ali, ano após ano, até
desistir da escola. Se mesmo sem aprender é pro-
movido, vai engrossar o número dos que, cada vez
mais, chegam à 4ª série precariamente alfabeti-
zados, sem nenhuma competência para compre-
ender textos mais complexos.
Como conseqüência, e citando ainda Weisz
(op. cit.), classes inteiras de 4
as
séries vão iniciar o
segmento da 5ª à 8ª, para fracassar diante da ne-
cessidade de aprender por meio da leitura. Os
professores, por sua vez, têm dificuldade para re-
conhecer quando seus alunos aprenderam e se
estão ou não em condições de serem aprovados.
A proposta da formação continuada dos pro-
fessores municipais de Batalha contou com a as-
sessoria de Telma Weisz e foi alicerçada também
em seus estudos sobre a psicogênese da língua es-
crita (1999), que destaca que há um processo de
aquisição no qual a criança vai construindo hipó-
teses, testando-as, destacando umas e reconstru-
indo outras. Para ela, o modelo de ensino relacio-
nado ao construtivismo chama-se aprendizagem
pela resolução do problema” e pressupõe uma in-
tervenção pedagógica de natureza própria.
Durante o processo de realização do diagnós-
tico, foi observado que os professores tinham uma
enorme dificuldade de verificar o que os alunos
já sabiam e o que eles não sabiam.
Ao analisarmos os dados, verificamos que, se
considerarmos os alunos que produzem escritas
silábico-alfabéticas e alfabéticas na 1
ª
série, no iní-
cio do ano – 414 alunos, 32,44% dos alunos da 1
ª
série –, e que poderiam perfeitamente acompanhar
uma 2ª série, concluímos que eles ficaram retidos
porque os professores não foram capazes de avaliá-
los adequadamente e acabaram utilizando indica-
dores como “letra bonita” ou “caderno bem feito
para decidir o destino escolar deles.
Notamos que, quando o professor trabalha
com esse tipo de indicador, até avanços na apren-
dizagem acabam prejudicando o aluno. Por exem-
plo, quando o aluno aprende a ler, é comum que
ele comece a errar” na cópia, isto é, deixa de co-
piar letra por letra e começa a ler e a escrever gran-
des blocos de palavras, em geral unidades de sen-
2
Fundação Teotônio Vilela.
3
Os formadores fazem parte também do Projeto Axé, uma organização não-governamental em que os coordenadores de Batalha
tiveram oportunidade de conhecer os projetos nela desenvolvidos.
101
AA
AA
A
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
PAINEL 9
tido, o que faz com que cometa “erros” de orto-
grafia ou escreva palavras segmentadas. Isso que
é, na realidade, indicador de progresso, acaba sen-
do interpretado como regressão, pois o professor
não percebe claramente a diferença entre copiar
e escrever.
Outro dado que merece nossa atenção, ainda
comentando os dados, é a presença de 51 alunos
não-leitores (6,97%) na 2ª série. Esses alunos fo-
ram promovidos porque eram bons copistas e isso
parece ter impedido o professor de perceber que
não sabiam ler e escrever.
Para Ferreiro (1992: 48), esses professores são
produtos de más concepções de alfabetização,
sendo necessário, na formação continuada, a in-
clusão de se realfabetizar” os professores e
estimulá-los a descobrir, junto com seus alunos,
o que não tiveram ocasião de descobrir quando
eles mesmos eram alunos.
Diante da realidade constatada, a formação
continuada em Batalha priorizou o acompanha-
mento pedagógico em sala de aula, reuniões de
estudo e de planejamento. Essas ações sistemáti-
cas que permitiram a reflexão conjunta sobre os
dados observados, tanto por meio de gravação de
fita de vídeo como pelos registros dos próprios
professores, possibilitaram, a partir de então, a
pedagogia de projetos. O professor, nesse proces-
so metodológico, segundo Weisz (1999), é um
mediador do processo de ensino-aprendizagem.
O conhecimento não é concebido como uma có-
pia do real, incorporado diretamente pelo sujei-
to; pressupõe uma atividade de quem aprende,
organiza e integra os novos conhecimentos aos já
existentes. Para ela, isso vale tanto para o aluno
quanto para o professor.
No final de 1999, os resultados apresentaram
índices animadores, como 12,7% em relação à
repetência e 18,2% no tocante à evasão; registran-
do 63,7% de aprovação e apresentando uma dife-
rença positiva de 6,2%, comparativamente ao
exercício anterior. Tais indicadores alertaram-nos
para o fato de que a opção pelo processo de for-
mação continuada começa a chegar onde está o
nosso alvo central: a sala de aula.
A partir dos meados de 2000, iniciamos um
trabalho com os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais – PCN, por proposta do Ministério da Edu-
cação – MEC, sendo Batalha o pólo aglutinador.
Os coordenadores pedagógicos, em face da expe-
riência já acumulada, passaram a atuar como for-
madores do formador, das cidades alagoanas de
Jaramataia, Belo Monte, Jacaré dos Homens,
Monteirópolis, Major Isidoro e Olho D’água.
Assumimos o trabalho com os PCN, com a
clareza de que podíamos ampliar a discussão,
mas provocar nos participantes a necessidade
de buscar outras alternativas de estudos. Ele
deu um suporte sistematizando o processo de
formação já existente. Um ponto positivo é que
nos permitiu conhecer a realidade das cidades
circunvizinhas e estabelecer um processo de
troca de experiências.
Os PCN passaram a ser vistos pelos professo-
res como um programa que os sensibiliza para a
impotência da criação e realização de práticas que
dão suporte para o desenvolvimento das compe-
tências de alfabetizar, assegurando ao aluno o di-
reito de aprender a ler e escrever com eficácia. O
programa trouxe contribuições valiosas para o
professorado da rede municipal, melhorando o
nível de ensino e aprendizagem, oferecendo sub-
sídios significativos no processo de construção do
conhecimento, possibilitando a participação do
indivíduo como cidadão de uma sociedade em
constante transformação científica e tecnológica.
Atualmente, os professores têm um novo
olhar para as crianças, proporcionando as mes-
mas competências e habilidades necessárias para
compreender o aluno como sujeito portador de
cultura e identidade próprias.
Nesse contexto, avaliar a aprendizagem do alu-
no mudou. O professor passou a usá-la para, qua-
litativamente, produzir avanços significativos
como meio para que os alunos consigam um maior
grau de competências, conforme suas possibilida-
des reais, de forma que essa ação avaliativa obser-
ve simultaneamente os processos individuais e
grupais, como enfatiza Zabala (1998). Referimo-
nos também tanto aos processos de aprendizagem
como aos de ensino, já que, a partir uma perspec-
tiva profissional, o conhecimento de como os me-
ninos e meninas aprendem é, em primeiro lugar,
um meio para ajudá-los no seu crescimento e, em
segundo lugar, é um instrumento que nos permi-
tiu melhorar a atuação do professor em sala de
aula, criando, assim, condições para que o aluno
possa exercer ações de aprender participando de
102
situações que favorecem o seu processo de cons-
trução do saber (Weisz, 2000).
Além da responsabilidade assumida como
pólo, o que dobrou as nossas tarefas, permanece-
mos realizando a formação continuada dos pro-
fessores da rede de ensino municipal de Batalha
que, no final do exercício, apresentou dados
compensadores em relação ao esforço qualitati-
vo, ou seja 86,4% de aprovação.
Uma proposta de trabalho tão inovadora e
ousada transforma o professor e sua prática pe-
dagógica. O que na escola se chamaria anterior-
mente de materiais supérfluos, por só se adotar
o livro didático como única alternativa de traba-
lho, atualmente são instrumentos indispensáveis
no aprendizado do aluno e do professor. Estamos
nos referindo aos materiais pedagógicos utiliza-
dos e, hoje, já incorporados à prática pedagógi-
ca, como fitas de vídeo, fitas cassete, papéis, lá-
pis, xérox, biblioteca com acervo tanto para o alu-
no quanto para o professor, gravadores, televisão,
vídeo, entre outros que fazem parte da metodo-
logia utilizada na pedagogia de projetos implan-
tada pelo município.
1ª
série
2ª
série
Assíduos
1.225
100%
602
100%
219
100%
130
100%
2.176
100%
Aprovados
555
45,3%
432
71,8%
172
78,5%
126
96,9%
1.285
59,1%
Reprovados
670
54,7%
170
28,2%
47
21,5%
04
3,1%
891
40,9%
Assíduos
902
100%
650
100%
456
100%
202
100%
2.210
100%
Aprovados
680
75,4%
587
90,3%
426
93,4%
193
95,5%
1.886
85,3%
Assíduos
902
100%
650
100%
456
100%
202
100%
2.210
100%
Aprovados
769
85,3%
587
90,3%
426
93,4%
193
95,5%
1.975
89,4%
Reprovados
133
14,7%
63
9,7%
30
6,6%
09
4,5%
235
10,6%
Estimativa em outubro de 1999
1999
1998
Reprovados
222
24,6%
63
9,7%
30
6,6%
09
4,5%
324
14,7%
Total
4ª
série
3ª
série
Quadro comparativo do desempenho escolar dos alunos assíduos em 1998 e 1999
103
AA
AA
A
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
PAINEL 9
A partir da nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e das Diretrizes Curricu-
lares da Educação Básica formalizou-se, para
os gestores dos sistemas de ensino no Brasil, o
grande desafio de construir um paradigma de
qualidade, segundo o qual a boa escola é a que
consegue lidar com as diferenças individuais,
fazendo que o maior número possível de alu-
nos desenvolva as competências e habilidades
básicas para o exercício pleno da cidadania.
A construção desse novo paradigma de qua-
lidade só será viável quando os professores da
educação básica, os principais atores dessa mu-
dança, conseguirem incorporar à sua prática
pedagógica as novas orientações curriculares.
A concretização dessas inovações curricu-
lares demanda um professor com um perfil di-
ferenciado, um profissional capaz de lidar
com as diferenças individuais e culturais de
seus alunos, assegurando-lhes as aprendiza-
gens necessárias ao exercício da cidadania e
participando de forma criativa e eficaz na ges-
tão pedagógica e administrativa da escola.
O Programa de Qualidade do Ensino, cujo
ponto de partida foi a institucionalização do Sis-
tema de Avaliação Educacional de Pernambuco
(Saepe), é uma das estratégias criadas pela Se-
cretaria de Educação do Estado de Pernambuco
para viabilizar essas mudanças.
Esse programa tem como um de seus prin-
cipais objetivos oferecer a cada escola um di-
agnóstico da aprendizagem escolar de seus
alunos nas dimensões curriculares avaliadas,
estimulando, por meio de um processo exter-
no de avaliação, um amplo debate acerca da
prática pedagógica da escola e dos resultados
de aprendizagem dos seus alunos.
A avaliação educacional
e o desenvolvimento
profissional dos docentes
Lucia Lins Browne Rego
Secretaria de Educação de Pernambuco
Um eixo fundamental dessa proposta foi
a elaboração das Matrizes Curriculares de
Referência para o Estado de Pernambuco. O
objetivo dessas matrizes não é elencar con-
teúdos, mas sim descrever as competências
básicas esperadas para os alunos, em deter-
minadas etapas da escolaridade. Esses docu-
mentos foram elaborados por professores es-
pecialistas da rede pública com a assessoria
de professores especialistas das universida-
des locais, tomando-se como referência as
Diretrizes, os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais e os descritores do Saeb. Tais documen-
tos, além de servirem de base para a elabo-
ração dos itens nas avaliações do Saepe, fun-
cionam também como um dos subsídios para
a elaboração das propostas pedagógicas das
escolas.
As Matrizes Curriculares de Referência, que
servem de base à elaboração das provas aplica-
das aos alunos nas avaliações do Saepe, descre-
vem as expectativas de aprendizagem para as 2
ª
,
4
ª
e 8
ª
séries do Ensino Fundamental e para a 3
ª
série do Ensino Médio, em áreas básicas do cur-
rículo. O que se objetiva, em termos de expecta-
tiva de aprendizagem, é diferenciar de forma
substancial o que tradicionalmente tem sido
considerado como prioritário em várias áreas
curriculares. Nas duas últimas décadas do sécu-
lo XX, por exemplo, muitos estudos demonstra-
ram que o ensino da língua materna, focado na
memorização de correspondências som–grafia e
de regras de gramática, tem se mostrado pouco
eficaz para formar usuários competentes de Lín-
gua Portuguesa, isto é, pessoas que saibam se co-
municar oralmente e por escrito de forma ade-
quada e eficaz.
104
As práticas de leitura e escrita de textos so-
cialmente relevantes e o ensino das estraté-
gias de leitura e de produção textual, desde o
início da escolaridade, são parte essencial
dessa formação. Em outras áreas do conheci-
mento, como na matemática, as pesquisas na
área da psicologia cognitiva e da educação
matemática são contundentes. A memori-
zação de fórmulas pelo treinamento exausti-
vo não garante o conhecimento e o raciocí-
nio matemático necessários aos alunos na re-
solução de problemas.
Partindo-se de uma contextualização dos
conhecimentos matemáticos é preciso que se
possibilite ao aluno desenvolver as competên-
cias necessárias à resolução de novos proble-
mas, à abstração e à formalização do conheci-
mento, viabilizando as habilidades de estrutu-
rar logicamente o pensamento, de generalizar
e de resolver problemas matemáticos.
No final de 2000, foi avaliada de forma
censitária a aprendizagem escolar dos alunos
de 2
ª
, 4
ª
e 8
ª
séries do Ensino Fundamental e
3
ª
série do Ensino Médio, nas áreas de Língua
Portuguesa e Matemática. Essa avaliação re-
velou a distância entre o currículo real e o cur-
rículo desejável. A competência leitora dos
alunos e sua capacidade de raciocinar mate-
maticamente são pouco trabalhadas nas nos-
sas escolas, uma vez que, na maior parte de-
las, o currículo efetivado em sala de aula ain-
da permanece bastante conservador.
Os resultados das avaliações do Saepe fo-
ram devolvidos para cada escola, sob a forma
de relatórios sintéticos e analíticos. No rela-
tório analítico, os professores podiam obser-
var os resultados obtidos pelos alunos em
cada uma das competências avaliadas.
O significado desses resultados foi discu-
tido pelo coletivo dos professores das escolas
avaliadas e estes foram estimulados e apoia-
dos para construir propostas de capacitação
em serviço, que tinham como foco central o
redirecionamento do processo de ensino-
aprendizagem nas áreas curriculares avalia-
das e uma articulação entre teoria e prática.
As Matrizes Curriculares de Referência e
as Avaliações do Saepe funcionam, portanto,
como mecanismos indutores de uma moder-
nização dos currículos escolares, contribuin-
do para viabilizar as reformas educacionais
que visam à construção do novo paradigma
de qualidade para a educação básica.
A atual política de formação continuada
de professores delineada para o Estado de
Pernambuco tem como locus privilegiado
dessa formação a própria escola e as deman-
das emanadas das necessidades de melhoria
do processo de ensino-aprendizagem.
A distância entre os cursos oferecidos aos
professores e a aprendizagem escolar dos alu-
nos é apontada, em vários estudos, como uma
das principais causas da ineficácia de muitos
programas de capacitação de docentes. Para
que esses programas passem a ter um impacto
sobre o que acontece de fato na sala de aula, é
necessário que eles tenham como tema os pro-
blemas de aprendizagem apresentados pelos
alunos e que permitam uma participação ati-
va dos professores na construção e discussão
de novas alternativas pedagógicas. Essa discus-
são precisa ser iniciada na própria escola.
A Secretaria de Educação do Estado de
Pernambuco tem como eixo norteador de sua
política de formação continuada a articulação
entre desenvolvimento profissional e apren-
dizagem escolar. Como parte dessa política
está sendo desenvolvido um conjunto de me-
didas que visam tornar a escola um local de
construção do conhecimento, não só por par-
te dos alunos, como também do seu corpo
docente, tornando cada professor autor de
sua própria prática e gestor de sua formação
profissional.
Espera-se, com a implantação dessa polí-
tica de formação continuada, induzir mudan-
ças na prática educativa, elevando a qualida-
de do ensino nas escolas do Estado.
105
AA
AA
A
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
PAINEL 9
Resumo
A Rede Municipal de Ensino de Campo
Grande (Reme), com 69.694 alunos matricu-
lados no ensino básico, possui 83 escolas,
sendo 75 urbanas e oito rurais; destas últi-
mas, quatro pólos com quinze extensões.
A Secretaria Municipal de Educação
(Semed) tem procurado estabelecer padrões
educacionais de desempenho que evidenci-
em o aprendizado dos alunos da Reme e, para
tanto, implantou o Sistema Municipal de Ava-
liação Educacional, com o objetivo de:
• verificar a eficácia do Sistema Municipal
de Ensino de Campo Grande;
• estabelecer uma cultura avaliativa na
Semed e nas escolas;
• verificar o desempenho dos alunos das
4
as
e 8
as
séries do Ensino Fundamental,
visando apontar para as escolas suas di-
ficuldades e seus ganhos, indicando-lhes
aqueles conteúdos que exigem mais
atenção;
• identificar o perfil dos alunos matricula-
dos na Reme;
• verificar o desempenho dos profissionais
da educação e os serviços prestados pela
Semed.
Avaliação externa
de desempenho escolar –
Rede Municipal de Ensino
de Campo Grande/MS
Maria Nilene Badeja
SME – Campo Grande/MS
Assim, essa Secretaria vem desenvolven-
do a Avaliação Externa de Desempenho Esco-
lar, envolvendo as 4
as
e 8
as
séries do Ensino
Fundamental.
Os resultados das avaliações são utiliza-
dos pelos gestores do Sistema Municipal de
Ensino, pelas equipes técnicas da Semed e
equipes escolares. Em síntese, esses resulta-
dos evidenciam que:
• houve destaque na média por escola na
zona rural;
• o número de alunos em sala de aula não
interferiu no desempenho escolar da
turma;
• os anexos, ou extensões, registraram de-
sempenho melhor do que o da escola-
sede, em excelente estado de conserva-
ção;
• a rotatividade de professores, em algumas
turmas, influenciou o resultado.
Os resultados possibilitaram à Semed
nortear as ações de capacitação, o acompa-
nhamento dos professores e a elaboração de
plano de trabalho com as escolas que apre-
sentaram piores desempenhos.
Em 2001, serão avaliadas as 4
as
e 7
as
séries,
sendo que o enfoque dado à 7
ª
série possibi-
litará um atendimento mais efetivo aos alu-
nos que apresentarem maiores dificuldades,
no próximo ano letivo, quando estarão na 8
ª
série.
N
o
de escolas envolvidas N
o
de alunos avaliados
População atendida com avaliação na Reme
4
a
série
80
83
8
a
série
70
4
a
série
6.016
6.607
8
a
série
5.521
Ano
1999
2000
106
Contexto da rede municipal
de ensino
O município de Campo Grande localiza-se
na Região Centro-Oeste do Estado de Mato
Grosso do Sul, e apresenta uma população de
663.621 habitantes (Censo IBGE/2000).
Parte da população escolarizável de Campo
Grande é atendida em 83 escolas municipais,
sendo 76 na zona urbana e oito na zona rural;
destas últimas, quatro possuem direção própria
e quatro (com 13 extensões), direção centrali-
zada na Secretaria Municipal de Educação.
A Rede Municipal de Ensino teve uma ex-
pansão de 47,37% de 1996 a 2001 em relação
ao número de alunos atendidos na Pré-Esco-
la, Ensino Fundamental e Educação de Jovens
e Adultos, conforme se observa no quadro
abaixo.
Quando da elaboração do Planejamento
Estratégico da Secretaria Municipal de Educa-
ção (Semed), constatou-se a necessidade de cri-
ar, implantar e implementar o Sistema Munici-
pal de Avaliação Educacional (Sima), visando
verificar a eficácia do ensino ministrado na
Reme.
Esse Sistema é composto de quatro progra-
mas específicos:
1. Programa Municipal de Avaliação do Desem-
penho dos Alunos da Rede Municipal de En-
sino – Promover.
2. Programa Municipal de Avaliação do Desem-
penho dos Profissionais da Educação – Proa.
3. Programa Municipal de Avaliação das Esco-
las Municipais – Proame.
4. Programa Municipal de Avaliação dos Servi-
ços Prestados pela Semed.
O presente documento relata a experiência
da Semed, com a implementação do Programa
Municipal de Avaliação do Desempenho dos
Alunos da Rede Municipal de Ensino – Promo-
ver, em seus três anos de existência.
Em todas as atividades humanas a avaliação
é um momento em que se reflete sobre os resul-
tados obtidos no exercício de uma atividade, e,
então, tomar medidas para corrigir os desvios e
reduzir as causas dos problemas detectados, an-
tecipando inclusive necessidades futuras.
Na educação, como em qualquer outra área,
necessita-se, geralmente, de padrões de exce-
lência. E, nesse sentido, o Programa Municipal
tem como principais objetivos:
• verificar os níveis de aprendizagem que os
alunos da Reme dominam, em relação à
proposta curricular estabelecida pela Secre-
taria Municipal de Educação em cada com-
ponente avaliado;
• criar uma cultura avaliativa nas unidades
escolares, bem como, nos diversos setores
da Secretaria Municipal de Educação;
• verificar o desempenho dos alunos das
4ª e 7ª séries do Ensino Fundamental;
• identificar o perfil dos alunos matricula-
dos na Reme.
O resultado do desempenho dos alu-
nos tem fornecido ao Sistema Municipal de
Ensino informações que subsidiem:
• a capacitação dos recursos humanos que atu-
am nas escolas;
• as escolas, sobre o desempenho de seus pró-
prios alunos, apontando suas dificuldades e
seus ganhos, indicando-lhes aqueles conteú-
dos que exigem mais atenção;
• possibilitar às unidades escolares, por meio
de estudos sobre a avaliação, o aumento do
poder de análise e a superação de problemas
fundamentados nos dados estatísticos, produ-
tos da avaliação.
Produtos da avaliação
Até o momento, a Secretaria Municipal de
Educação realizou, por três anos consecuti-
vos, a avaliação de rendimento escolar. Essa
2.176
4.983
5.815
167,23%
43.972
61.981
63.583
44,60%
1.142
4.533
150
47.290
71.497
69.694
47,37%
Pré-escola
Ensino
Fundamental
EJA
Total
de alunos
1996
2000
2001
Expansão (%)
(1996/2001)
Ano
107
AA
AA
A
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
valiação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores
PAINEL 9
Secretaria desenvolveu uma parceria com o
Inep, que forneceu as questões, e a Universi-
dade Federal de Mato Grosso do Sul, que apli-
cou as provas nas escolas em um único dia,
corrigiu e forneceu os resultados para a Se-
cretaria e as escolas, com todas as informa-
ções solicitadas.
O Programa teve início em novembro de
1999, com a realização da primeira avaliação
dos alunos das 4
as
séries do Ensino Fundamen-
tal. Naquele momento, foram avaliados 6.016
alunos das 97 escolas e extensões da Rede Mu-
nicipal de Ensino, incluindo as zonas urbana e
rural, nos componentes curriculares de Língua
Portuguesa e Matemática.
A média de pontos exigida na Rede Munici-
pal de Ensino é de 6,0 (seis). Nessas avaliações,
74,67% dos alunos alcançaram média superior
a 6,0 em Língua Portuguesa e 63,61% em Mate-
mática.
Na avaliação de 1999 – 4ª série, as provas
envolveram as seguintes habilidades:
Língua Portuguesa
• leitura e interpretação de textos;
• identificação das intenções do enunciador;
• comparação e sistematização de informações;
• reconhecimento dos elementos morfossintá-
ticos e semânticos;
• apoio em seus conhecimentos prévios sobre
gêneros poéticos, instrucionais de divulgação
científica e publicitária;
• conhecimento prévio do universo temático e
recursos gráficos.
Matemática
• resolução de situações-problema envol-
vendo contagem e sistema de numeração
decimal;
• significado de operações aritméticas,
grandezas e medidas, com capacidade de
investigação e de criação de estratégias de
cálculo;
• localização espacial de objetos e pessoas;
• reconhecimento de formas geométricas;
• interpretação de gráficos e tabelas.
A análise dos resultados
Os resultados foram analisados, e permiti-
ram à Secretaria Municipal de Educação
nortear as ações de capacitação e de acompa-
nhamento das escolas e professores, cujas tur-
mas apresentaram resultados insatisfatórios,
bem como, efetuar o cruzamento do resultado
da avaliação com o resultado final de ano de
cada unidade escolar.
Esses resultados permitiram também que as
unidades escolares efetuassem, junto ao seu qua-
dro de professores e especialistas em educação
(superiores, escolares e orientadores), uma re-
flexão sobre o trabalho desenvolvido na escola,
junto ao educando. Permitiram, ainda, que fos-
se elaborado um plano de ação a ser desenvolvi-
do com alunos que apresentaram baixo desem-
penho e foram promovidos para a 5ª série, sem
dominarem as habilidades mínimas exigidas.
Efetuou-se também a aplicação de questio-
nários socioeconômicos, que permitiram à
Semed obter informações mais próximas à rea-
lidade do aluno, tais como: idade, sexo, grau de
instrução do pai e da mãe, deslocamento, for-
ma de estudar, com quem reside, tempo de per-
manência na série etc.
Três fatores chamaram a atenção nessas
avaliações:
• a quantidade de alunos por sala não influen-
ciou no desempenho da turma, pois as esco-
las que apresentaram melhor desempenho ti-
nham em média quarenta alunos por turma;
• o desempenho das escolas rurais foi superior
ao das escolas urbanas;
• os anexos, ou extensões, registraram desem-
penho muitas vezes melhor do que o da esco-
la sede, em excelente estado de conservação.
Em 2000, as avaliações foram realizadas com
os alunos das 4
as
e 8
as
séries de toda a rede mu-
nicipal (zona urbana e zona rural), nos compo-
nentes curriculares de Língua Portuguesa e
Matemática. A avaliação da 8
ª
série foi realiza-
da em abril, com conteúdos da 7
ª
série. Foram
avaliados 5.521 alunos de 70 escolas.
Os resultados dessas avaliações revelaram
que os alunos da 8
ª
série, de um modo geral,
em matemática, apresentam dificuldades em
questões que:
108
• tinham conteúdos que não relacionavam situ-
ações práticas com sua aplicabilidade diária;
• envolviam soluções de problemas;
• relacionavam os conteúdos abordados com
situações-problema;
• exigiam conhecimentos aritméticos, desde
que não envolvessem frações;
• exigiam leitura e interpretação de tabelas e
gráficos.
Em Língua Portuguesa, de um modo geral,
apresentaram dificuldades nas questões que
exigiam:
• capacidade de interpretação e reconhecimen-
to das intenções do enunciador (figura de pen-
samento);
• identificação de esquema temporal básico
(presente e passado);
• reconhecimento dos níveis de registros (for-
mal e informal);
• capacidade para comparar opiniões de dois
textos sobre o mesmo tema.
Esses alunos apresentaram facilidades nas
questões que exigiam linguagem oral mais fre-
qüente, valores e atitudes da prática de lin-
guagem.
A avaliação da 4ª série ocorreu no mês de no-
vembro de 2000, e foram avaliados 6.607 alunos
de 94 escolas. Tanto na avaliação da 4ª série quan-
to na da 8
ª
série, observou-se mais uma vez que
as escolas da zona rural obtiveram um desempe-
nho superior a muitas escolas da zona urbana.
Com a avaliação da 4ª série, a Secretaria
Municipal de Educação pôde estabelecer um
grau de comparação entre as avaliações reali-
zadas em 1999 e 2000, além de verificar a
performance das escolas em relação ao desem-
penho dos alunos no ano anterior; analisar, pos-
teriormente, com as unidades escolares os da-
dos obtidos; buscar alternativas para a melho-
ria da qualidade do ensino da Reme.
Várias medidas estão sendo tomadas pela
Semed no sentido de minimizar as distorções
apresentadas pelos alunos, tais como: visitas às
escolas com menor desempenho para análise
dos resultados da escola, junto à direção esco-
lar, à equipe pedagógica e aos professores.
As avaliações realizadas até então evidenci-
aram a importância da avaliação educacional
enquanto instrumento orientador para as to-
madas de decisões, que visassem à melhoria da
qualidade do ensino oferecido pelas escolas, e
a busca de eficiência e eficácia dos serviços que
a Secretaria Municipal de Educação presta às
Unidades Escolares.
A continuação desse processo resultará na
verificação da qualidade de cada instituição
educacional, auxiliando-as também a estabele-
cer fatores explicativos para as diferentes situ-
ações encontradas nos dados obtidos, por meio
dos cruzamentos realizados entre a média ob-
tida pela escola/aluno versus questionários
socioeconômicos aplicados a alunos, pais, pro-
fessores e direção escolar.
No exercício de 2001, no final do 2º semes-
tre, a avaliação acontecerá nas 4
as
e 7
as
séries nos
componentes curriculares de Matemática, Co-
nhecimentos Gerais (Geografia, História e Ci-
ências) e Língua Portuguesa, incluindo-se a
produção de textos.
Optamos por avaliar alunos das 7
as
séries, e
não mais das 8
as
, pois, sabendo, após a avalia-
ção das habilidades, que os alunos apresentam
mais dificuldades, a escola poderá recuperá-los
com atendimentos pedagógicos diferenciados
na 8ª, preparando-os melhor para ingresso no
Ensino Médio.
109
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1010
1010
10
ESCOLAS MULTISSERIADAS
Fernando Ferreira Pizza
Francisca das Chagas Souza
110
Classes multisseriadas
Historicamente, as classes multisseriadas
são consideradas como ensino de segunda ca-
tegoria e, o que é pior, sem alternativa de me-
lhoria. Partindo desse ponto de vista, muitos
educadores e gestores optaram por esquecê-las,
esperando que desaparecessem, talvez como
conseqüência natural de um processo de de-
senvolvimento econômico que deslocou para
as cidades, nas últimas décadas, enorme con-
tingente da população rural.
Escola Ativa
Fernando Ferreira Pizza
Escola Ativa – MEC
Consideradas um mal sem remédio, tentou-
se a alternativa de nucleação – que consiste no
agrupamento das pequenas escolas unidocen-
tes e multisseriadas em uma escola de maior
porte –, tendo como conseqüência natural a
necessidade de deslocamento dos alunos. Essa
alternativa tem se mostrado teoricamente po-
sitiva, mas de operacionalização difícil e que
implica altos custos.
As classes multisseriadas estão muito pre-
sentes na realidade da educação brasileira, con-
forme alguns dados do Censo Escolar 2000.
Número de estabelecimentos
de 1
a
a 4
a
série, por localização
(Brasil – 2000)
ENSINO FUNDAMENTAL
Matrícula de 1
a
a 4
a
série,
por localização
(Brasil – 2000)
Número de estabelecimentos
por tamanho
(Brasil – 1999)
Rural
5.314.853
26%
Urbana
14.896.653
74%
Urbana
31.861
24%
Rural
100.897
76%
Estabelecimentos com 1 sala
69.475
32%
Estabelecimentos
com mais de 1 sala
147.937
68%
Fonte: Inep/MEC – Censo Escolar 2000
111
Escolas multisseriadas
PAINEL 10
92.062
18.372
2.013
1.215
3.347
407
9.530
228
1.632
51.212
8.979
5.107
5.461
1.790
4.092
5.928
1.848
1.054
16.953
11.089
6.341
2.014
1.290
1.444
8.292
2.163
2.071
4.058
3.097
112
1.425
1.493
67
3
3
2
1
5.379
1.520
23
502
4
362
392
134
103
828
86
70
5
236
332
5
40
39
15
2.082
392
738
230
722
853
18
151
684
96
1
5
23
67
86.559
16.849
1.990
713
3.342
45
9.137
93
1.529
50.291
8.885
5.036
5.450
1.553
3.756
5.881
1.790
1.015
16.925
8.992
5.944
1.274
1.054
720
7.428
2.143
1.917
3.368
2.999
111
1.420
1.468
121
3
1
1
1
90
8
1
6
1
4
40
18
12
15
5
2
6
2
11
2
3
6
2
2
Total
Federal Estadual Municipal Particular
Unidade
da Federação
Dependência administrativa
Número de escolas rurais com turmas multisseriadas (Brasil – 2000)
Fonte: Inep/MEC – Seec
BRASIL
NORTE
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
NORDESTE
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
SUDESTE
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
SUL
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
CENTRO-OESTE
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal
112
Alternativas para
a qualidade
Há o desafio de se pensar em alternativas
que conferem qualidade às classes multisseria-
das, tornando o ensino nelas desenvolvido, de
igual ou melhor qualidade do que o das classes
seriadas – desafio pretensioso, mas possível.
Em 1998, o MEC – Projeto Nordeste iniciou,
em parceria com estados e municípios do Nor-
deste, a implantação da proposta pedagógica
Escola Ativa. Posteriormente, com o Programa
Fundescola, a experiência se ampliou para os
dez estados das Regiões Norte e Centro-Oes-
te. Atualmente, está sendo implantada em 19
estados, 264 municípios e 2.084 escolas, além
daquelas escolas nas quais os municípios es-
tão implantando a Escola Ativa por iniciativa
própria e com recursos próprios.
A Escola Ativa
A Escola Ativa é uma proposta metodológica
voltada para classes multisseriadas, que combi-
na, na sala de aula, uma série de elementos e de
instrumentos de caráter pedagógico-administra-
tivo, e cuja implementação objetiva aumentar a
qualidade do ensino oferecido naquelas classes.
As concepções que fundamentam a Escola
Ativa são baseadas na compreensão de que,
para se obter mudanças no ensino tradicional,
para melhorar a prática dos docentes e, con-
seqüentemente, a aprendizagem dos alunos
nessas classes, deve-se levar em conta:
• a aprendizagem ativa e centrada no aluno;
• a aprendizagem cooperativa;
• a avaliação contínua e no processo;
• a recuperação paralela;
• a promoção flexível.
Partindo dessas concepções, a proposta Es-
cola Ativa é estruturada para levar em conta
estratégias vivenciais que objetivam a apren-
dizagem, a participação, estimulando hábitos
de colaboração, companheirismo, solidarieda-
de, participação dos alunos na gestão da esco-
la e melhoria da atuação dos professores em
sala. Essas estratégias são chamadas de ele-
mentos, que são:
Guias de aprendizagem. Livros didáticos es-
pecíficos para utilização na Escola Ativa, ela-
borados de forma modular e auto-instrucio-
nal, permitindo a cada aluno caminhar no seu
próprio ritmo.
Trabalho em grupo. Alunos organizados em
pequenos grupos, trabalhando em conjun-
to ou com o professor, de maneira autôno-
ma, assumindo a responsabilidade por sua
aprendizagem, pesquisando e buscando in-
formações em outros materiais instrucio-
nais e na vida real, orientados pelo profes-
sor, pelos colegas e pelos guias de aprendi-
zagem.
Cantinhos de aprendizagem. Espaços mon-
tados por alunos, professores e comunidade,
com pequeno acervo de livros, algumas plan-
tas e poucos objetos ou animais, relaciona-
dos a cada área do conhecimento: Língua Por-
tuguesa, Ciências, Matemática, História e Ge-
ografia, disponíveis na sala de aula.
Governo estudantil. Constituído pelo proces-
so eletivo, que inclui o voto, viabiliza e legiti-
ma a participação ativa e democrática dos
alunos na gestão da escola, quer na parte ad-
ministrativa, quer na pedagógica.
Participação da comunidade. Estimula e
promove a inserção e a atuação da comuni-
dade na escola e vice-versa.
Capacitação de professores. Promove melho-
ria na prática pedagógica do professor, desen-
volvendo seus conhecimentos em oficinas de
capacitação, em microcentros e por meio da
supervisão pedagógica sistemática. O objeti-
vo é promover a mudança de foco na trans-
missão de informações para a compreensão
e a valorização da construção do conheci-
mento, assumindo, assim, uma nova função
em sala: orientadora e facilitadora da apren-
dizagem dos alunos.
Embora ainda em fase de consolidação,
onde a Escola Ativa foi implantada com res-
ponsabilidade e compromisso, são observados
resultados altamente positivos:
• elevação substancial do percentual de pro-
moção;
• diminuição significativa da evasão;
• aperfeiçoamento da prática pedagógica dos
professores;
• maior atuação e participação da comunida-
113
Escolas multisseriadas
PAINEL 10
de na gestão da escola.
A principal condição para o sucesso da Es-
cola Ativa é o envolvimento e o comprometimen-
to em todos os níveis – Secretarias de Educação,
professores, alunos e pais – para que, num esfor-
ço conjunto, dêem sustentabilidade à proposta.
A qualidade nas escolas multisseriadas é possí-
vel. Existem caminhos. A Escola Ativa é um deles.
Resumo
O presente painel tem como objetivo apresen-
tar, de maneira sintética, a trajetória do ensino ofe-
recido no meio rural, ou para os povos da floresta
no estado do Acre.
Iniciamos com um breve histórico, caracteri-
zando a população residente na floresta, eviden-
ciando os números educacionais no meio rural e
a atual política educacional estadual, e concluímos
com a apresentação das ações planejadas e desen-
volvidas pelo governo em exercício.
Histórico
O Acre é o estado mais ocidental do Brasil.
Situado no extremo sudoeste da Amazônia bra-
sileira, faz fronteira internacional com o Peru
e a Bolívia, e nacional, com os estados de
Rondônia e do Amazonas.
Possui superfície territorial de 153.149,9 km
2
.
Sua vegetação natural compõe-se basicamente
de dois tipos de florestas: tropical densa e tro-
pical aberta. Tem clima equatorial quente e
úmido. A hidrografia, complexa, é formada pe-
las bacias do rio Juruá e do rio Purus, afluentes
do rio Solimões. A população do Estado soma
557.337 habitantes, sendo 280.647 homens e
276.690 mulheres. Na capital, Rio Branco, há
uma população de 252.800 pessoas. Do total de
habitantes, 369.796 moram em áreas urbanas e,
Escola na floresta:
educação rural no Acre
Francisca das Chagas S. da Silva
Escola da Floresta – SEE/AC
187.541, na zona rural. A População Economica-
mente Ativa conta com 178.123 pessoas.
No meio rural, a população constitui-se de se-
ringueiros, agricultores e índios (cerca de 10 mil),
que vivem do extrativismo da castanha, do látex
para a borracha e de outros produtos florestais.
Sabe-se que a Região Amazônica é vista
mundialmente como o pulmão do planeta, e
muito se tem escrito sobre ela: a questão
fundiária, a floresta e suas riquezas, a pecuária,
a biodiversidade, grileiros, posseiros, capitalis-
tas, madeireiros e índios, as reservas indígenas,
enfim, todo um universo econômico, social e
demográfico que configura a Amazônia. Entre-
tanto, pouco se tem falado sobre aquele que se
constitui no fiel escudeiro da Amazônia – o se-
ringueiro –, não por acaso denominado de sol-
dado da borracha”.
A história nos conta que, no início do sécu-
lo passado, o Acre era uma enorme frente de
batalha e de trabalho. A população era consti-
tuída de um grande exército de homens, e qua-
se não havia famílias. Os seringueiros, em sua
maioria oriundos dos sertões nordestinos, vi-
viam isolados, meses a fio, no meio da floresta.
Estavam proibidos de plantar, para que pudes-
sem dedicar todo o seu tempo à extração do
látex para a fabricação da borracha.
Comprado pela indústria da Europa, era o
ouro negro, que atraía milhares de brasileiros
do Nordeste para os afluentes do Amazonas.
Subindo o rio Purus, eles entravam em territó-
114
rio boliviano e viviam um conflito econômico,
diplomático e militar que só terminou em 1903,
com a anexação da região ao Brasil.
No curso desse processo, instalou-se um
tipo de exploração econômica, que teve por
base a ocupação de grandes áreas de terra e,
como unidade de produção, o seringal. E foi no
seringal que se instalou o perverso sistema de
exploração e dependência, engendrado pelo sis-
tema de aviamento, baseado na exploração do
trabalho semicompulsório e condicionado pelo
crescente endividamento do trabalhador e seu
isolamento na floresta. Assim, a educação do
trabalhador seringueiro nasceu das ações de
grupos sociais organizados, juntamente com
sindicatos e partidos, apoiados pelo Movimen-
to Pastoral da Igreja Católica, com o objetivo de
conscientizar o trabalhador para que se contra-
pusesse à exploração. A Igreja apoiava movi-
mentos de reação em defesa dos interesses das
classes oprimidas. Entre eles, os movimentos de
educação popular.
A partir das organizações sindicais dos serin-
gueiros, por volta de 1981, e diante das dificulda-
des ainda encontradas por esses trabalhadores
para negociar livremente sua própria produção,
nasceu o Projeto Seringueiro. Como alternativa,
foi também criada a primeira cooperativa agro-
extrativista, a partir da qual surgiu a primeira ex-
periência de educação popular nos seringais – a
princípio, destinada especificamente a adultos –,
com vistas a promover a alfabetização do traba-
lhador seringueiro e, assim, capacitá-lo a geren-
ciar sua própria produção e buscar alternativas
para a melhoria de sua qualidade de vida.
Iniciado em 1981, o Projeto Seringueiro –
uma experiência pioneira no campo de asses-
soria ao movimento popular e sindical – incor-
porava escolas e cooperativas. A cooperativa
possibilitava aos seringueiros serem seus pró-
prios intermediários, ou seja, em vez de leva-
rem o látex para o barracão do seringal ou ven-
derem-no para um marreteiro, os seringueiros
passaram a levá-lo ao armazém da cooperati-
va. Lá, o látex poderia ser trocado por manti-
mentos oferecidos a preços justos, e não
inflacionados, como os do sistema antigo.
Quando ocorria de o produto ser vendido no
atacado, parte dos lucros retornava aos coope-
radores, sendo distribuídos entre eles, de acor-
do com sua produtividade.
Para que uma cooperativa assim organiza-
da pudesse ser viável a longo prazo, eventual-
mente teria ela de ser administrada por serin-
gueiros, sem a ajuda de conselheiros. Para tan-
to, era-lhes imprescindível adquirir o domínio
da lecto-escrita e da matemática, necessidade
que acabou por gerar a decisão de elaborar um
projeto de alfabetização, o Projeto Seringueiro,
implantado em vários pontos da floresta, e que
se baseava nas propostas de Paulo Freire.
Durante todo o período que antecedeu a
organização dos trabalhadores – seringueiros e
rurais em sindicatos e cooperativas – as experi-
ências de acesso à educação de que se tem re-
gistro foram informais e personalizadas.
A partir das pressões sociais, os governos
estaduais e municipais começaram a dar res-
postas às populações, de maneira aleatória, a
princípio, sem critério, ou sem nenhuma polí-
tica sistematizada. A construção das escolas
obedecia a critérios baseados no clientelismo
ou no favoritismo. Assim, o número de Escolas
Rurais no Estado do Acre, em menos de duas
décadas, cresceu de maneira desordenada e as-
sustadora, gerando um grande descompasso
entre a quantidade e a qualidade.
A partir de 1999, com o objetivo de garantir
a excelência na educação básica, utilizando
como estratégia o combate ao fracasso escolar,
o atual governo do estado traçou como política
para o meio rural e florestal a organização da
rede de ensino, a partir da localização geográfi-
ca de cada uma das escolas, utilizando o GPS
para a correta localização das escolas, algumas
no território amazonense e boliviano.
Posteriormente, foi possível definir todas as
ações na área rural, como o Programa de Forma-
ção para professores (nível médio e superior), o
Programa de Formação Continuada, específico
para salas multisseriadas, os Programas de Cons-
trução/Adequação de Prédios Escolares etc.
Os desafios e os números
No surgimento das duas primeiras escolas na
floresta, o número de alunos atendidos não ultra-
passava 50 (em sua maioria, adultos). Hoje, a oferta
115
Escolas multisseriadas
PAINEL 10
chega a 24 mil, somente no Ensino Fundamental.
Atualmente, de acordo com a Coordenado-
ria de Estatística Educacional da Secretaria de
Estado de Educação do Acre – Censo 2001, o
total de estabelecimentos da Rede Estadual
Rural é de 584 escolas. A matrícula total é de
31.093 alunos em toda a rede, distribuída desta
forma, por nível de ensino:
• Pré-Escolar: 1.158 alunos
• Ensino Fundamental: 24.030 alunos
– 1ª a 4ª séries: 19.357 alunos
– 5ª a 8ª séries: 4.673 alunos
• Ensino Médio: 751 alunos
• Ensino Supletivo: 5.154 alunos
Para o corpo docente da Rede Estadual, con-
tamos com o total de 1.628 professores, distribu-
ídos da forma que se segue, por nível de ensino:
• Educação Infantil: 65 professores
– 1ª a 4ª séries: 978 professores
– 5ª a 8ª séries: 322 professores
• Ensino Médio: 35 professores
• Ensino Supletivo: 228 professores
Dos 1.628 professores em exercício nas esco-
las rurais, ou em área de floresta, 1.057 partici-
pam do curso de formação inicial – Proformação,
buscando assegurar a formação mínima exigida
por lei para o exercício do Magistério. Uma pe-
quena parcela – aproximadamente 90 professo-
res – detém formação em nível superior, estando
os demais situados no quadro de formação em
nível médio, ainda que a grande maioria exerça
suas atividades pedagógicas nas turmas de 5
a
a 8
a
séries do Ensino Fundamental.
O desafio de garantir a formação aos pro-
fessores que se propõem a entrar na floresta ou
nos Projetos de Assentamento rurais é tão gran-
de quanto a tentativa de universalizar o ensino
para as populações tradicionais, localizadas em
áreas muitas vezes inacessíveis, em razão de sua
dispersão geográfica, característica da região.
Fazer educação com qualidade é associá-la
fundamentalmente à formação daqueles que
participam diretamente da construção do pro-
cesso educativo. Assim, além de assegurar a to-
dos os professores leigos das escolas rurais o cur-
so Proformação, buscou-se oferecer aos demais,
que já detinham formação básica, o Programa
de Formação Continuada – Parâmetros em Ação,
proporcionando ainda aos que desenvolvem ati-
vidades pedagógicas em escolas de fácil acesso
(próximo aos centros urbanos) o acesso à uni-
versidade, como conseqüência de uma parceria
firmada entre o governo do estado e a Universi-
dade Federal do Acre. O objetivo disso consiste
em garantir curso superior a todos os professo-
res do quadro efetivo da Secretaria de Educação,
que carecem dessa formação.
O Programa Escola Ativa/Fundescola, como
estratégia de ensino para as salas multisseriadas,
foi implantado em parceria com o Fundescola
em 128 escolas rurais e, posteriormente, em par-
ceria com Estado e municípios, em mais 122,
com o objetivo de melhorar a qualidade do en-
sino de 1ª a 4ª série nas escolas rurais e, conse-
qüentemente, elevar o rendimento dos alunos.
Porém, não basta apenas somar esforços
garantindo formação aos professores e buscan-
do novas formas de ensinar e aprender. Por essa
razão, investir na melhoria das condições físi-
cas das escolas rurais, proporcionando melhor
ambiente de aprendizagem, tem sido uma das
metas perseguidas por nossa administração. É
uma conseqüência da primeira ação executada
no início de 1999 – atividade inédita na educa-
ção rural no Acre –, o Censo para a localização
das escolas rurais de todo o estado – 1999, que
detectou, por intermédio da localização via GPS
e diagnóstico in loco, a realidade das Escolas
Rurais, desencadeando o projeto que visa cons-
truir, reformar e/ou ampliar 259 escolas rurais
em todo o estado, até dezembro de 2002.
Seguindo o curso natural da administração
popular, que o atual governo vem desenvolven-
do, a educação rural passou pelas fases de loca-
lização e mapeamento, diagnóstico físico e hu-
mano e redirecionamento das ações pedagógi-
cas, estando presente em todas as ações da Se-
cretaria de Estado de Educação, como uma das
metas prioritárias para a melhoria do ensino na
zona rural do estado, beneficiando diretamen-
te as populações tradicionais.
Além do esforço conjunto da equipe coor-
denadora do Ensino Rural, o corpo de gestores
das escolas, os professores e alunos têm se iden-
tificado com o programa pensado pela Secreta-
116
ria de Educação, de modo que não se poderia
ter chegado aos resultados atuais sem a sua par-
ticipação efetiva.
As conclusões óbvias diante do salto quantita-
tivo podem ser equiparadas à qualidade que o atual
governo vem implantando nas escolas rurais.
As parcerias que vimos mantendo com ór-
gãos federais, municipais e, sobretudo, com a
comunidade, a partir das Associações de Produ-
tores, demonstram a sinergia de propósitos e
ações práticas, que só podem ter como resulta-
do a melhoria da escolarização e da educação no
estado, e no caso em questão, na zona rural.
Bibliografia
GOVERNO DO ESTADO DO ACRE.
Planejamento Estraté-
gico da Secretaria de Estado de Educação: 1999 – 2002
.
Rio Branco, 1999.
.
Programa Estadual de Zoneamento Ecoló-
gico-Econômico
. Rio Branco: Sectma, 2000.
v
. 1.
.
Censo 2001
. Rio Branco: Coordenadoria de
Estatística Educacional da Secretaria de Estado de
Educação do Acre.
SILVA, Francisca das Chagas Souza da.
Uma escola na
floresta
: o lugar da tecnologia educacional na proposta
pedagógica do CTA. João Pessoa, 1998. Dissertação
de mestrado.
Número de escolas estaduais por município
(Censo 2001)
Acrelândia
Assis Brasil
Brasiléia
Bujari
Capixaba
Cruzeiro do Sul
Epitaciolândia
Feijó
Jordão
Mâncio Lima
Manoel Urbano
Marechal Taumaturgo
Plácido de Castro
Porto Acre
Porto Walter
Rio Branco
Rodrigues Alves
Santa Rosa do Purus
Sena Madureira
Senador Guiomard
Tarauacá
Xapuri
Total geral
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
3
18
30
19
42
3
41
7
18
3
6
42
23
7
109
13
10
87
35
30
38
584
2
2
6
1
1
31
3
7
1
8
3
1
3
1
1
79
2
8
5
8
5
178
5
20
36
20
1
73
6
48
8
26
6
7
45
24
8
188
15
10
95
40
38
43
762
Número de escolas estaduais
TotalUrbanasRurais
Município
N
o
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Número de escolas estaduais
584
178
762
Total
Escolas urbanas
Escolas rurais
Total de escolas estaduais – por zona
117
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1111
1111
11
ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA –
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Emanuela Oliveira Carvalho Dourado
Ana Socorro Braga
Stela C. Bertholo Piconez
Leôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos
118
A idéia de formação continuada é nova para
a maioria dos professores. A experiência, pou-
ca ou nenhuma, que têm com relação à prática
de formação, após a inicial, se restringe a even-
tos pontuais, geralmente no início ou no final
do ano ou do semestre letivos.
Esses eventos são, quase na totalidade, cur-
sos, seminários, oficinas, que ora priorizam o
discurso teórico, ora são exclusivamente prá-
ticos. A produção é geralmente desvinculada
dos fundamentos teóricos que a embasam, o
que ocasiona o desatrelamento entre a teoria
e a prática.
O Programa Parâmetros em Ação tem
como pressuposto teórico os conceitos de
ensino e aprendizagem explicitados nos
Parâmetros, na Proposta e nos Referenciais
Curriculares (MEC, 1998-1999), que definem
homologamente, para alunos e professores, as
condições que permitem a construção de co-
nhecimentos ou processos contínuos de
aprendizagens significativas no interior das
escolas (PCN em Ação, MEC, 2000).
Grande parte do sucesso, da crença e do
empenho dos professores nesse programa atri-
buímos à possibilidade de preencher uma lacu-
na provocada pela ansiedade e pela solidão no
desenvolvimento das atividades pedagógicas.
Encontra-se nele a possibilidade de dividir
as angústias, receber apoio, pensar coletiva-
mente, trocar experiências. Mesmo sem nunca
ter pensado sobre essa questão, os participan-
tes fazem questão de explicitar que era isso que
estava faltando.
É emocionante ver o brilho nos olhos e a
alegria, quando o programa vai sendo apresen-
A articulação entre formação
inicial e continuada
Emanuela Oliveira Carvalho Dourado*
SME – Irecê/BA
tado aos coordenadores de grupo por ocasião
da primeira fase, ou aos professores que parti-
ciparão dos grupos de estudo (o que chama-
mos momento de segunda fase).
O medo da responsabilidade vai se trans-
formando, pouco a pouco, na vontade de mu-
dar o contexto atual com as possibilidades que
o programa traz, por meio da organização de
grupos de estudo regulares e permanentes.
À medida que as atividades são desenvol-
vidas, vai se concretizando a idéia de que é
possível fazer diferente a formação dos profes-
sores. As estratégias metodológicas utilizadas
preconizam uma nova concepção, baseada nas
condições que possibilitam aprendizagens sig-
nificativas a partir da construção de conheci-
mentos de forma sistematizada e sucessiva.
As contribuições que os participantes tra-
zem com suas experiências pessoais possibi-
litam o debate e a reflexão, na medida em que
são confrontadas ou relacionadas às concep-
ções contidas nos documentos oficiais cur-
riculares.
É comum encontrarmos práticas condizen-
tes com os referenciais teóricos que os Parâ-
metros, a Proposta e os Referenciais Curricu-
lares trazem, na sua maioria por intuição dos
professores. Reconhecê-las à luz dos referen-
ciais teóricos é uma experiência emocionante
para o professor e para quem está mediando a
aprendizagem, como também é freqüente o
reconhecimento, ou não, pelo professor de
uma prática não-favorável à aprendizagem dos
alunos, nos momentos de observação–avalia-
ção–reflexão em parceria, na tematização da
prática.
* Coordenadora-geral dos Parâmetros em Ação, Pólo Irecê, e formadora eventual da Rede Nacional de Formadores/BA.
119
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
A organização dos encontros de forma
compartilhada, que possibilita apresentar o
planejamento e reajustá-lo ou elaborá-lo a
partir das sugestões e das necessidades do
grupo, favorece o bom desempenho e a fun-
cionalidade das atividades desenvolvidas. A
promoção da metacognição e do bom uso do
tempo disponível, além de ser uma excelente
estratégia metodológica de formação, torna-
se um bom modelo a ser seguido, gerando
transposições didáticas na atuação dos pro-
fessores em sala de aula.
Nos momentos de avaliação, os professores
e os coordenadores têm dado ênfase à possibi-
lidade de monitorar as aprendizagens no cum-
primento dos objetivos dos encontros, promo-
vendo a reflexão sobre a necessidade de termos
claro o que pretendemos e quais os caminhos
a seguir. Isso favorece a compreensão sobre a
funcionalidade do planejamento, até então vis-
to como obrigação burocrática por grande parte
dos participantes. Um dos aspectos mais posi-
tivos e significativos do estudo compartilhado
na formação continuada é esse exercício para
a autonomia.
A avaliação também é compreendida como
essencial, porém em um caráter novo para a
maioria. Os professores passam a entendê-la, de
fato, como processual, em que tanto ensino quan-
to aprendizagem devem ser levados em conside-
ração, bem como as situações em que esses pro-
cessos ocorrerem e seus condicionantes.
Nesse novo modelo, o professor assume um
lugar diferente, passando da posição de deten-
tor do saber e do poder na sala de aula para o
de guia e mediador de aprendizagens e toma-
das de decisões.
O coordenador de grupo, como formador
do professor, tem a grande missão de assumir
e difundir esse novo modelo. Falar das experi-
ências pessoais como aluno, professor e forma-
dor, relatando passagens de sua história, de er-
ros e acertos, tem sido uma excelente estraté-
gia metodológica para atingir esse objetivo. Tal
demonstração tem contribuído muito para a
aproximação do grupo, para que os participan-
tes não tenham medo de errar, de expor e de
assumir os não-saberes. Compreender que se
colocar como aprendiz é o caminho para o cres-
cimento pessoal e profissional tem sido o gran-
de segredo do sucesso dos grupos de estudo.
Embora planejada e intencional, essa atitu-
de torna-se pouco a pouco internalizada. O gru-
po é unânime em ressaltar esse aspecto como
muito positivo e determinante no envolvimen-
to da maioria dos participantes.
As reações dos participantes dos grupos de
estudos estão intimamente relacionadas às
ações que planejamos e desenvolvemos, embo-
ra seja comum nos grupos de estudo, por me-
lhor que elaboremos os planejamentos, mo-
mentos que trazem um certo cansaço para os
participantes. Destaco este exemplo:
Quando sintetizávamos as discussões acerca das
análises propostas no módulo Memórias e Con-
cepções de Ensino e Aprendizagem, que trazem
as contribuições de Paulo Freire e Emília Ferrei-
ro, senti um certo cansaço no grupo. Atribuo
essa reação por ter desrespeitado o princípio de
agir na zona de desenvolvimento proximal do
sujeito aprendiz (no caso, os professores). Eles
não tinham conhecimentos prévios para aquela
discussão que eu estava propondo. Por algum
tempo, debati apenas com duas coordenadoras.
Fui sensibilizada somente quando uma profes-
sora sugeriu que eu fizesse uma dinâmica, se-
não eles iriam dormir… (Dourado, 2001: 6).
Por acreditar nas concepções trazidas pelo
programa, não perco a oportunidade de fazer
um paralelo entre elas e as de outros programas
de formação ao longo da história, procurando
identificar com eles qual o motivo de aquele
momento estar desinteressante.
A ocorrência desses episódios não é pro-
posital, pois ainda temos resquícios dos mo-
delos de ensino que vivenciamos ao longo da
escolaridade e, depois, como profissionais.
Distanciarmo-nos deles e agirmos de acordo
com os princípios nos quais acreditamos é um
exercício que demanda tempo e deve ser con-
teúdo da nossa formação continuada como
formadores.
Quando é possível, elaboro o planejamen-
to, exclusivamente para aprofundar o estudo
sobre essa questão. A tematização da prática
permite transformar a nossa ação em objeto de
120
estudo. Essa atividade reflexiva promove a apro-
priação do conhecimento e a sua transposição
didática no desenvolvimento das atividades
escolares e fora da escola.
Abrindo espaço para falar das dinâmicas de
grupo, introduzo a discussão sobre outros as-
pectos que julgo importantes para a compre-
ensão dessa nova proposta de formação conti-
nuada de professores, enfatizando as questões
relativas à motivação.
Ruan Delval
1
considera que somos “uma
maravilhosa máquina de aprender” e pontua:
O contato com a realidade produz desequilíbrios
e conflitos que se tenta compensar agindo no-
vamente. Assim, o sujeito resolve um problema
e cria novos esquemas que lhe permitirão resol-
ver novos problemas, em um processo indefini-
do. A motivação do sujeito para agir e, portanto,
para aprender, é intrínseca, encontrando-se nele
próprio e nos resultados alcançados com ela. Se
o conhecimento o satisfaz e responde às pergun-
tas que se colocou, continuará sua busca e con-
tinuará aprendendo; do contrário se deterá
(Delval, 1998: 154).
Em momentos oportunos, sempre provoco
o debate para promover o desequilíbrio cog-
nitivo dos participantes. Seu envolvimento nas
discussões sobre o assunto contribui sobrema-
neira para o entendimento das concepções te-
óricas que trago. O próprio processo desen-
cadeado e vivenciado naquele momento torna
mais claras as concepções que embasam os ar-
gumentos que apresento.
Progressivamente, são os participantes que
trazem contribuições e questionamentos acer-
ca desse assunto para outros debates. Esse exer-
cício ratifica cada vez mais as convicções que
tenho sobre os processos de ensino e de apren-
dizagem. Estou cada vez mais convicta de que
a motivação dos participantes depende da
metodologia utilizada e do respeito do forma-
dor pelos princípios que devem nortear a prá-
tica pedagógica.
Quanto às dinâmicas de grupo, embora
muito utilizadas como principal recurso para
motivar os participantes, questiono o seu uso
nos eventos de formação por duvidar que elas
tragam contribuições para a formação do sujei-
to aprendiz.
Quando questionados sobre os motivos que
os levam a aprovar as dinâmicas, os professo-
res justificam com respostas sempre ligadas aos
momentos de prazer e lazer e à “harmonia” do
grupo que elas proporcionam. Palavras como
descontração, relaxamento, alegria, reflexão
sobre atitudes, amizade, são sempre citadas.
A partir das descrições das “dinâmicas” e
dos efeitos que elas proporcionam, segundo o
depoimento dos professores e da minha expe-
riência pessoal, tenho tentado classificá-las. Até
o momento, consegui distinguir três tipos, que
descrevo a seguir.
1. O número mais citado corresponde a técni-
cas que têm como objetivo desencadear ou-
tras atividades, geralmente de leitura, análi-
se, debate ou produção. Como exemplo, pos-
so citar as estratégias de divisão de grupos
via sorteios, do tipo daqueles que distribuem
fichinhas dobradas com nomes de animais
para que os participantes procurem seus par-
ceiros a partir das mímicas que fazem ou dos
sons que emitem, correspondentes ao que foi
sorteado. Com os grupos já formados, é hora
de dividir as tarefas a serem desenvolvidas,
muitas vezes também a partir de sorteios. É
comum a premiação para o grupo que con-
cluir primeiro ou obtiver melhores resulta-
dos, segundo a óptica do próprio grupo ou
do coordenador da atividade, comumente
denominado facilitador.
2. Outro tipo de atividade é referendado pelo
filme Sociedade dos poetas mortos.
2
Há o de-
senvolvimento de uma atividade como estra-
tégia para favorecer a compreensão de um
ou mais aspectos escolhidos. O objetivo prin-
cipal é proporcionar a vivência de uma situa-
ção como pretexto para provocar uma trans-
posição didática, a partir da discussão
1
Diretor do Instituto de Ciencias de la Educación da Universidad Autónoma de Madrid.
2
No período entre 63 e 65 minutos.
121
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
desencadeada com a realização da atividade
problematizada pelo coordenador do grupo,
também chamado orientador. Geralmente,
esse tipo pode se dar de duas maneiras dis-
tintas. A primeira tem por objetivo discutir
procedimentos, e a outra se destina a anali-
sar atitudes. Como exemplo da primeira for-
ma, cito o desafio popular “Travessia, o qual
sugere que transportemos em um mesmo
barco em um rio imaginário três elementos,
sendo eles: milho, galo e raposa. O desafio
seria levá-los em apenas três viagens, consi-
derando que todos são de uma mesma ca-
deia alimentar. A atividade é proposta como
pretexto para desencadear a discussão acer-
ca da importância do planejamento, em que
são traçadas estratégias considerando todos
os condicionantes de uma dada situação, no
caso a sala de aula, as dificuldades dos alu-
nos, os materiais disponíveis etc. A análise
de atitude é geralmente realizada para evi-
denciar, amenizar ou resolver os problemas
de convivência do grupo ou para promover
o entrosamento quando os participantes não
têm muita proximidade ou não se conhecem.
Mas também é recurso muito usado de for-
ma implícita, como meio para envolver e ma-
nipular o grupo. Geralmente, utiliza-se a es-
tratégia de sensibilização para induzir os par-
ticipantes. Como exemplo de técnicas que
promovem a análise de atitudes individuais
e coletivas, cito a atividade de coleta de au-
tógrafos: solicita-se aos participantes que, a
partir do sinal dado, eles colham o maior nú-
mero possível de autógrafos, até o tempo li-
mite estipulado. Após esse momento, inicia-
se a sessão de exposição dos colegas e julga-
mentos, do tipo: “Fulano de Tal é egoísta, não
consegui que me desse um único autógrafo,
só queria receber…” “É por isso que não con-
seguimos ser um grupo unido. Ficou eviden-
te que vocês não pensam no coletivo…”
3. Um terceiro tipo de dinâmica” diz respeito
às brincadeiras. Elas não fazem relação com
o que vem depois, apenas têm por objetivo o
lazer e a descontração, sendo utilizadas como
recurso para afastar, momentaneamente, o
sono ou o cansaço. Como exemplo desse ter-
ceiro tipo, estão as brincadeiras de pagar
prenda, as pegadinhas e alguns jogos e com-
petições, utilizados geralmente no turno ves-
pertino.
No entanto, em determinadas oportunida-
des, quando provocados nessa discussão, al-
guns professores citam uma estratégia
metodológica dos PCN em Ação – o uso das
memórias como recurso para desencadear a
análise da Educação de Jovens e Adultos, ao lon-
go da história, e os reflexos da sua escolarida-
de, no momento atual – como sendo a mesma
coisa das descritas anteriormente. Considero
que esse tipo de estratégia não é um pretexto. A
memória, nesse caso, é um recurso real de aná-
lise, uma vez que reflete o que está sendo obje-
to de estudo. Ela se torna, assim, uma fonte his-
tórica imprescindível para a construção das
aprendizagens pretendidas.
É possível que algumas atividades plane-
jadas no programa utilizem realmente os pre-
textos. Como já foi dito, não estamos totalmen-
te desprovidos das influências da formação
que recebemos ao longo do tempo. O impor-
tante é não perdermos a dimensão de que um
ensino que favoreça a autonomia e o desen-
volvimento dos envolvidos se opõe em muitos
aspectos não somente aos programas tradici-
onais, mas também a algumas práticas consi-
deradas modernas.
[…] Uma escola que tenta estimular o desenvol-
vimento e a autonomia dos alunos, ao invés de
incutir valores e fabricar indivíduos submissos,
precisa ter características muito diferentes da
escola tradicional que existe atualmente […]
[…] É uma escola que vai se diferenciar da tra-
dicional sobretudo na sua orientação geral. Nela,
o trabalho tentará estimular a atividade do pró-
prio sujeito, que é o fator fundamental na cons-
trução do conhecimento. Para tanto, deve-se
partir dos problemas do próprio ambiente para
que o sujeito veja que o conhecimento não é
apenas algo que aparece nos livros, mas que ser-
ve, principalmente, para resolver problemas e
explicar coisas do seu interesse. Essa é a forma
de motivar o sujeito para a aprendizagem, des-
pertando seu interesse por aquilo que aprende,
e não por meio de prêmios ou estímulos exter-
nos […] (Delval, 1998: 147).
Pelos motivos apresentados, as dinâmicas
de grupo” não se apresentam como uma boa
estratégia metodológica de ensino. Elas podem
122
comprometer a autonomia moral e intelectual
dos sujeitos, além de consumirem, em sua
maioria, um tempo excessivo, deixando às ou-
tras atividades um tempo restrito.
[…] Numa visão exterior, percebemos que os
professores se sentem coagidos e vergonhosos
por suas ações na realização das dinâmicas de
grupo. Elas fazem com que eles se exponham,
cabendo a todos, principalmente aos coordena-
dores, julgar suas atitudes. Alguns demonstram
sentimentos de culpa, incapacidade e inferiori-
dade, causando assim uma indisposição na par-
ticipação dos encontros.
Em outros casos, percebemos que os professo-
res durante a execução das dinâmicas tentam
adivinhar o “fundo moral” da atividade para che-
gar aos resultados, comprometendo a autono-
mia moral, uma vez que os condiciona a agra-
dar sempre, a dissimular…
Além disso, essa atividade causa dependência
intelectual, promovendo a incapacidade do
conflito cognitivo espontâneo, atividade intrín-
seca ao sujeito que proporciona a busca de res-
postas e a resolução de problemas. A reflexão,
nesse caso, passa a ser uma resposta ao estí-
mulo externo – dinâmicas de grupo […] (Dou-
rado, 2000: 5).
Em contraponto à utilização de pretextos
para ler, estudar, produzir textos, discutir os
problemas de convivência de grupo e as práti-
cas expositivas de transmissão de informações,
os Parâmetros em Ação trazem o estudo com-
partilhado, liderado por coordenadores locais.
As estratégias metodológicas da formação
continuada, tal como estão presentes no pro-
grama, possibilitam a participação ativa dos
integrantes, a criação de uma cultura de deba-
te e reflexão pedagógica e a construção de al-
gumas competências mínimas que estão na
base da profissionalização. São elas relativas ao
trabalho em equipe, à administração da própria
formação, somadas às competências de leitura
e de escrita compartilhadas.
Esse trabalho coletivo no interior das esco-
las possibilita encontrar caminhos e fontes para
enfrentar os problemas de natureza cognitiva,
atitudinal e didática.
À medida que vamos nos familiarizando
com o novo modelo de formação, a partir da
realização dos encontros e da compreensão dos
seus pressupostos, vamos identificando melhor
as necessidades e os interesses do grupo e nos
arriscando a elaborar ou a adaptar planejamen-
tos que atinjam, cada vez mais, a participação
do grupo e as aprendizagens significativas dos
envolvidos.
Os mesmos princípios que regem os proces-
sos de ensino e aprendizagem dos alunos, pre-
sentes nos documentos oficiais, também devem
permear esses dois processos na formação dos
professores. Pouco a pouco, os envolvidos vão
se apropriando dos conhecimentos, com refle-
xos na prática docente e em todo o contexto
escolar. E isso só é possível porque os partici-
pantes estão vivenciando situações reais de
aprendizagens significativas, preconizadas pelo
Programa Parâmetros em Ação.
Bibliografia
DELVAL, Juan.
Crescer e pensa
r: a construção do conheci-
mento na escola.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
DOURADO, Emanuela O. C.
Relatório das atividades dos
Parâmetros em Ação de EJA, no município de Irecê-
BA, 2000.
.
Relatório da 1ª fase dos Parâmetros em Ação
de EJA, no município de Xique-Xique-BA, 2001.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
. A dimensão pedagógica dos
Parâmetros em Ação.
Brasília: Programa Parâmetros em
Ação, 15 p. (mimeo), 2000.
WEIR, Peter.
Sociedade dos poetas mortos
. Touchstone
Home Video, 1999. 129 min.
123
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
A experiência na modalidade Educação de
Jovens e Adultos (EJA) iniciou-se em 1999, quan-
do a Secretaria Municipal de Educação (Semed)
introduziu, em regime experimental, dez turmas
para atender a uma demanda acima de 14 anos
que, por algum motivo, deixou a escola ou não
teve acesso à Educação Fundamental na idade
apropriada. As primeiras turmas atenderam a
370 alunos da sede.
De início, foram implementadas algumas
ações, entre elas:
• levantamento dos alunos com distorção de ida-
de/série ou daqueles que não ingressaram em
nenhuma modalidade de ensino e poderiam
estudar à noite;
• levantamento dos professores interessados
em se qualificar para trabalhar com jovens e
adultos;
• elaboração e encaminhamento ao Ministério
da Educação de um projeto para a qualifica-
ção de professores e a aquisição de material
adequado;
• elaboração e encaminhamento ao Conselho de
Educação de uma proposta curricular.
A proposta curricular da EJA teve aprovação
imediata, assim como a aprovação pelo MEC do
Curso de Qualificação Docente em 120 horas.
Essas ações foram fundamentais para o fun-
cionamento das primeiras turmas e para a con-
tinuidade e a ampliação da demanda no ano se-
guinte, atendendo também aos alunos egressos
Articulação entre formação inicial
e continuada na Educação de
Jovens e Adultos no município
de Vargem Grande/MA
Ana Socorro Braga*
SME – Vargem Grande/MA
da Alfabetização Solidária, cujas turmas inici-
ais começaram no segundo semestre de 1998.
1
Em 2001, a Semed, por intermédio da Co-
ordenação de Jovens e Adultos, atendeu 2.827
alunos em 92 turmas (24 turmas na sede e 66
na zona rural), com atuação de 96 professores.
Com exceção de uma turma de idosos, que fun-
ciona no período vespertino na sede, as demais
funcionam no período noturno.
A Coordenação de Jovens e Adultos, ins-
talada em prédio próprio, é composta por
uma equipe de três coordenadores, que se
subdividem nas funções de coordenador pe-
dagógico, acompanhamento das turmas, pla-
nejamento, instalações físicas e distribuição
de material e formação de turmas. Para fazer
o acompanhamento das turmas na zona ur-
bana e na zona rural, a Coordenação dispõe
de uma motocicleta.
Os coordenadores também exercem a fun-
ção de formadores nos grupos de estudo dos
PCN. A articulação entre a função de coorde-
nador de grupo de estudo e de modalidade de
ensino permite não só um olhar mais abran-
gente, mas também a possibilidade de propor
ações adequadas às reais dificuldades do coti-
diano de sala de aula. Daí, nas reuniões men-
sais de planejamento, serem propostas trocas
de experiências positivas e negativas, confor-
me exemplifica o coordenador pedagógico em
relatório:
* Mestre em Políticas Públicas e coordenadora de Programas e Projetos para Formação de Professores da Secretaria Municipal de Educa-
ção de Vargem Grande/MA.
1
Do segundo semestre de 1998 ao primeiro semestre de 2001, o Programa Alfabetização Solidária atendeu 3 mil alunos, em dez turmas por
semestre.
124
Num determinado momento, percebemos que
nos encontros de planejamento mensal ficávamos
muito presos às questões metodológicas e de con-
teúdo, e que a grande dificuldade do professor era
o “como fazer”, isto é, as reais dificuldades em si-
tuações práticas de sala de aula. A partir dessa
reflexão, propusemos aos professores que falas-
sem sobre as suas dificuldades, sobre os pontos
que eles avaliavam que não estavam indo bem.
Tentamos mostrar que não tínhamos soluções
prontas e que a nossa maior contribuição era tro-
car experiências, pensar juntos.
No município, o perfil do professor da EJA não
está diferenciado do do professor do Ensino Fun-
damental regular. Do ponto de vista da formação
inicial e continuada, o quadro é o seguinte:
• nenhum professor possui graduação superior;
• oito cursam Licenciatura em Matemática –
Cefet/MA;
• dez professores cursam o Programa de Forma-
ção de Professores em Exercício (Proformação);
• setenta e seis possuem Ensino Médio-Magis-
tério;
• centro e trinta fazem formação continuada;
• sessenta e dois cursam o Programa de Profes-
sores Alfabetizadores (PROFA).
Os dados demonstram que, na prática, os
professores estão em formação continuada sem
terem cursado a formação inicial. Assim, o mai-
or anseio dos professores é ter acesso à gradua-
ção e, sobretudo, que esta esteja relacionada à
especificidade da sua atuação profissional, no
caso, com jovens e adultos, num reconhecimen-
to de que os dois aspectos da formação são im-
prescindíveis.
Nessa experiência, os principais desafios (e
são muitos no decorrer da trajetória) podem ser
sumarizados em:
• de ordem material – proporcionar as condições
mínimas para o funcionamento das turmas;
• de ordem pedagógica – garantir a formação
continuada e inicial dos professores;
• de ordem prática – superar os altos índices de
evasão.
Embora não seja o foco deste painel, é im-
portante não passar ao largo da inter-relação
entre esses três fatores como condição necessá-
ria para o atendimento de jovens e adultos no
mesmo patamar de qualidade do ensino regu-
lar. E não só isso, mas garantir efetivamente a
superação da reprodução do fracasso em suces-
sivas evasões e, por conseguinte, o fortalecimen-
to da auto-estima de alunos e professores.
Para tratar da articulação entre formação ini-
cial e continuada na formação de jovens e adul-
tos no município, é necessário retomar a trajetó-
ria das ações de formação desencadeada pela
Semed a partir de 1998, que culminou em maio
de 2001 com a implantação do Programa de For-
mação e de Desenvolvimento Continuado de Pro-
fessores – PCN em Ação, cujo pólo reuniu dez
municípios: Belágua, Cantanhede, Itapecuru-Mi-
rim, Mata Roma, Matões do Norte, Nina Ro-
drigues, Presidente Vargas, São Benedito do Rio
Preto, Urbano Santos e Vargem Grande (sede).
Em 1998, quando a implementação do Fundo
de Desenvolvimento e Valorização Profissional
(Fundef) parecia-nos uma possibilidade, iniciamos
um projeto de formação e valorização do trabalho
docente por meio da organização de um seminá-
rio denominado Seminário Participativo da Edu-
cação. O objetivo do evento era possibilitar uma
reflexão acerca da identidade do professor e da
amplitude de conhecimentos prático-teóricos ne-
cessários ao exercício profissional do seu trabalho.
Os objetivos foram elaborados a partir da obser-
vação prática de que, geralmente, os professores
não exerciam o hábito da leitura e da escrita em
seu cotidiano e centravam a sua ação pedagógica
nos conteúdos dos livros didáticos. Em contra-
partida, a posição profissional era determinada, em
ordem decrescente, de acordo com a seguinte clas-
sificação: professores do estado, do município, da
zona rural e leigos. Essa mesma ordem determi-
nava as relações e o tratamento dispensado pelo
poder público e pela sociedade, os salários, o aces-
so às condições adequadas de trabalho e aos trei-
namentos e às capacitações.
Após a primeira experiência, o Seminário
Participativo passou a ser aguardado com ansie-
dade pelos professores, indicando que estáva-
mos processando mudanças no pensamento e
nas práticas docentes e construindo um rico es-
paço de troca de experiências e de diálogo en-
tre professores, diretores, supervisores e demais
agentes da escola.
125
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
A avaliação dos seminários de 1998 a 2000
revelou os avanços e as limitações. Por um lado,
contribuiu para despertar os professores para
aspectos do seu trabalho cujo desempenho re-
quer a construção de um hábito de estudo e in-
formação, além de estudar e aprender com as
próprias experiências e compartilhá-las. Por ou-
tro lado, por ser um evento pontual no início do
ano, as limitações eram grandes no sentido de
oferecer possibilidades de mudanças consisten-
tes nas inúmeras situações no cotidiano escolar,
ao longo do ano e na prática pedagógica concre-
ta dos professores.
De todo modo, as iniciativas da Semed per-
mitiram empatia e empolgação, refletidas na
adesão dos professores à proposta de grupo de
estudo com a implantação do Programa PCN.
Isso é o que denominamos de campo fértil, ou
seja, o programa chegou em boa hora porque
veio ao encontro das expectativas dos professo-
res e em apoio à Semed para dar continuidade
às ações de formação.
Desde então, na perspectiva da formação con-
tinuada, a exemplo do IV Seminário Participativo,
foram articuladas as diferentes ações de forma-
ção de professores, dentre aquelas que se encon-
travam implantadas no município, o Programa de
Formação de Professores em Exercício (Profor-
mação) e a Licenciatura em Matemática, de ma-
neira que a sistemática de estudo em Vargem
Grande e os resultados obtidos a curto e a médio
prazo estão diretamente relacionados aos fatores
mencionados anteriormente. Os encontros de
estudo em grupo são semanais, quatro horas em
horário contrário ao da jornada de trabalho ou aos
sábados. No total, são dois grupos de Educação
Infantil, sete grupos de 1ª a 4ª; três grupos de 5ª a
8ª e três grupos de EJA.
O que diferencia o município dos demais
parceiros do pólo é a periodicidade dos encon-
tros semanais, as iniciativas dos próprios profes-
sores em organizar cursos, a mostra de trabalhos,
os seminários e o fórum, cabendo à Semed e à
rede de formadores SEF/MEC o papel de apoio
aos projetos apresentados, além de parceria. Um
exemplo do exercício da autonomia foi a reali-
zação, no período de 18 a 20 de maio de 2001, do
I Seminário de Educação de Jovens e Adultos,
que conseguiu mobilizar representantes de 29
municípios e teve como característica a iniciati-
va de planejamento e organização de inteira res-
ponsabilidade da coordenação de EJA.
Cabe ressaltar o pioneirismo do pólo. A ini-
ciativa constituiu um marco, não só porque o
pólo Vargem Grande foi o primeiro do Estado do
Maranhão, mas, sobretudo, porque foi uma pri-
meira experiência conjunta de articulação entre
as administrações municipais, seguida de outras
experiências de formação, entre elas o Profor-
mação, que atende 161 professores em cinco
municípios, e, mais recentemente, o Programa
de Professores Alfabetizadores (PROFA), com
nove municípios.
No tocante às prefeituras, é fundamental
lembrar que a municipalização das políticas pú-
blicas é uma experiência em fase de construção.
Por isso, é necessário retomar a história política
dos municípios, a utilização dos recursos públi-
cos, a escolha dos secretários de Educação e a
composição das equipes nas secretarias para
entender que as ações de formação não se dão
de maneira natural e uniforme em todos os mu-
nicípios parceiros, mas requerem um trabalho de
articulação que também deve ser continuado,
sobretudo em função do tempo administrativo
dos prefeitos municipais.
No pólo Vargem Grande, a articulação entre
os municípios ocorre por meio de um calendá-
rio de encontros mensais entre os coordenado-
res-gerais, os coordenadores de modalidade e de
grupo e, quando necessário, com os secretários
de Educação e os prefeitos, ainda, em apoio aos
municípios que têm dificuldades em efetivar ou
dar continuidade aos encontros de grupo.
Todos os municípios do pólo desenvolvem a
formação continuada nas três modalidades: Edu-
cação Infantil, Ensino Fundamental (1ª a 4ª e 5ª a
8ª) e Educação de Jovens e Adultos. Os encontros
têm periodicidade consoante o plano de ação das
respectivas secretarias e são semanais, mensais ou
quinzenais, com duração de quatro ou oito horas.
À exceção de Vargem Grande, que realiza encon-
tros semanais de quatro horas, os demais municí-
pios realizam encontros mensais ou quinzenais.
Da mesma forma, todos os municípios têm
pelo menos uma experiência em formação ini-
cial. No entanto, as iniciativas têm dado conta
de patamar inferior a 30% da demanda.
126
Contudo, uma característica comum aos
municípios é o interesse dos prefeitos em ofere-
cer cursos de formação inicial para seus profes-
sores, tanto aqueles que já instalaram uma tur-
ma e querem ampliar as vagas, como aqueles que
assumiram em janeiro de 2001 e herdaram dívi-
das da administração anterior. Iniciativas prece-
dentes de convênio com universidades e centros
de formação tecnológica demonstraram que três
fatores constituem entraves para a formação de
novas parcerias:
• o reduzido número de instituições formadoras
para atender à demanda (apenas três) – a Uni-
versidade Federal, a Estadual e o Centro de For-
mação Tecnológica (Cefet);
• o custo mensal das turmas;
• a formação fragmentada nos períodos de fé-
rias escolares.
Teoricamente, as instituições públicas de for-
mação superior dispunham de condições exce-
lentes de parcerias: recursos humanos qualifica-
dos, autonomia de trabalho para a constituição
de parcerias, potencialidade de diálogo e traba-
lho interdisciplinar. Na prática, a fragmentação do
conhecimento, refletida na estrutura curricular
dos cursos oferecidos, além da própria organiza-
ção fragmentada do trabalho acadêmico, não vem
oferecendo possibilidades de diálogo, que carac-
terizam as verdadeiras parcerias. A experiência
tem se concentrado no interesse individual de
alguns professores, com os quais estabelecemos
preciosas e caras parcerias, mas raramente con-
seguimos o envolvimento e a sensibilização se-
quer dos departamentos. Não se trata de desco-
nhecer a contribuição social dessas instituições
como fonte de produção de pesquisa e de conhe-
cimento, mas de contribuir para a discussão, cujo
cerne é a parcela de responsabilidade e compro-
misso dessas instituições.
Partindo das experiências já constituídas
para a formação das primeiras turmas de Licen-
ciatura e demais programas de formação docen-
te, o movimento, atualmente, é de articulação
para a constituição de pólos para garantir a for-
mação inicial e o aumento do número de vagas,
considerando que a formação inicial, delegada
ao poder público municipal, por meio dos recur-
sos do Fundef, deve estar de acordo com as ex-
pectativas e os anseios dos professores e os pro-
jetos de formação docente dos municípios. Re-
quer, em contrapartida, a participação dos de-
mais entes da Federação, sob pena de não con-
seguir superar sozinho uma dívida histórica com
a educação das futuras gerações.
A formação de professores em
projetos vivenciados na dinâmica das
relações entre teoria e realidade
Stela C. Bertholo Piconez
Faculdade de Educação – USP
Este é o relato de uma experiência de campo
sobre formação de professores, que se caracteri-
za por preocupações relacionadas ao desenvol-
vimento das competências necessárias à organi-
zação do trabalho pedagógico
1
com alunos das
1
Com abordagem diferenciada ou “andragógica”.
Licenciaturas e da Educação de Jovens e Adultos.
O projeto teve início em 1987, na Universida-
de de São Paulo, sob forma de campo de estágios
para alunos das Licenciaturas interessados em
vivenciar situações reais com o processo de alfa-
127
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
betização dos funcionários do campus. Iniciando
com uma sala de quarenta alunos, atualmente
conta com oitocentos funcionários que cursam o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
2
Os pro-
fessores são alunos-estagiários das Licenciaturas
que, na Faculdade de Educação, freqüentam o
Núcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adul-
tos (NEA) e a Formação Permanente de Professo-
res (ensino presencial e educação a distância).
A formação continuada e em serviço, abor-
dada em termos da complexidade de suas rela-
ções, seus sistemas de valores e suas leituras di-
ferentes, sobre o que deve ser desenvolvido como
competência profissional de um professor, tem
apresentado aspectos prospectivos. Os resultados
configuram-se como reflexões obtidas na apro-
ximação da sala de aula, não para obter dados em
função dos interesses dos professores-estagiários
e de seus projetos de estágio (muitas vezes, ape-
nas para cumprimento de carga horária legal),
mas para a formação de professores, entendida
como um progressivo processo de pesquisa.
A diversidade de valores e leituras da realida-
de escolar na sala de aula possibilita confrontar
os múltiplos estudos teóricos dos cursos de for-
mação de professores, grande parte das vezes
conduzidos por caminhos de homogeneização e
de fragmentação. E a educação escolar é um pro-
cesso global e multidimensional que, ao mesmo
tempo, exige tratamento transdisciplinar.
Assumimos a postura de vivenciar as articu-
lações efetivadas no movimento dinâmico da
teoria e da prática da educação escolar, cuja se-
qüência metodológica posta em prática foi sen-
do realizada à medida que a construção do pro-
blema era efetivada. Este procura compreender
a educação escolar como um todo e seu signifi-
cado para o desenvolvimento dos adultos pou-
co escolarizados. Em segundo lugar, procura re-
fletir sobre as possibilidades efetivas de um aten-
dimento com qualidade, dado o conhecimento
que se tem das especificidades da demanda e de
suas articulações com um projeto político-
andragógico” que atenda aos objetivos previstos.
O percurso foi se organizando a partir da re-
alidade definida por todos os participantes do
projeto. As vozes diferentes de todos os partici-
pantes (alunos, professores, coordenadores) fo-
ram sendo ouvidas, e o objeto de nosso estudo
passou a ser a descoberta de uma maneira de
mostrá-las, evidenciá-las. Muitas perspectivas de
interpretação foram abrindo caminho para as
necessidades de transformação e/ou de supera-
ção das avaliações realizadas. Assim, fomos de-
finindo o perfil de atendimento mais adequado
para a parcela da população que retorna à esco-
la, construindo um projeto conseqüente.
Os funcionários freqüentam atualmente um
curso a distância de Ensino Médio; são avalia-
dos pelo Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), e muitos seguem estudos em cursos de
Educação Superior.
O projeto, atualmente Programa de Educa-
ção de Adultos da Feusp, fixou seu interesse nas
três dimensões da universidade, ou seja: pesqui-
sa–ensino–extensão. Em cada uma delas foram
realizados estudos:
Pesquisa formação inicial de professores e o
significado dos estágios curriculares.
3
Ensino a organização de uma educação esco-
lar para jovens e adultos, geradora de reflexões e
ações sobre a prática profissional do Magistério
(planejamento, elaboração de materiais didáti-
cos, estudos de diretrizes curriculares, avaliação).
2
Ensino Fundamental e Curso a Distância de Ensino Médio aprovados pelo Conselho Estadual de Educação – Pareceres CEE 1947/91 e
CEE 643/99.
3
Pesquisas: Stela C. Bertholo Piconez, A reconstrução de conhecimentos na Educação de Jovens e Adultos e a organização do trabalho
pedagógico.
Série Documental Relatos de Pesquisa
, Brasília: Inep/MEC, 1995. Stela C. Bertholo Piconez,
Educação escolar de adultos
:
possibilidades de reconstrução de conhecimentos no desenvolvimento do trabalho pedagógico e suas implicações na formação de profes-
sores. 1995. Tese (Doutorado) – Feusp. Stela C. Bertholo Piconez,
Extensão universitária
: o compromisso social entre ensino e pesquisa.
1999. Tese (Livre-Docência) – Feusp. Adriana Beatriz Alves Botto Vianna,
O papel do coordenador pedagógico na formação continuada de
professores de Educação de Jovens e Adultos.
Das possibilidades e limites em diferentes contextos. 2000 (Mestrado) – Feusp. Sandra
Murakami Medrano.
Situações didáticas e intervenções pedagógicas na produção de texto dos alunos adultos
. 2000 (Mestrado) – Feusp.
Maria de Fátima Ayres Arruda Camargo.
O trabalho do educador como transposição didática da formação continuada
: desejo ou possibili-
dade. 2000 (Mestrado) – Feusp. Stela C. Bertholo Piconez.
Alfabetização de Jovens e Adultos através do Sistema Transversal de Ensino
Aprendizagem
. 2000 (Pós-Doutorado) – Feusp.
128
Extensão proposta de alfabetização e conti-
nuidade de estudos (elevação progressiva até
os níveis do Ensino Fundamental e Ensino Mé-
dio) para jovens e adultos, e elaboração, desen-
volvimento e acompanhamento de projetos na
área do ensino presencial e a distância de co-
munidades diferenciadas.
4
A partir desse múltiplo percurso, fomos per-
cebendo que nossa intenção nunca foi realizar
uma avaliação global do sistema de ensino ex-
tensiva a um mero rol de críticas e caça aos cul-
pados. O estudo histórico das evoluções do en-
sino em nosso país não nos autoriza a desconsi-
derar cada passo dado. Aproximar-se da comple-
xidade da educação escolar, de forma global,
parece a melhor forma de compreender a repre-
sentação dos valores, das relações e das concep-
ções na prática diária de todos os que se relacio-
nam nesse contexto.
O objetivo principal dessa experiência não
foi, portanto, realizar uma avaliação da Educa-
ção de Jovens e Adultos e, sim, criar conhecimen-
tos novos sobre uma situação conhecida que
permita aos participantes elaborar e adotar de-
cisões para melhorá-la.
Fundamentos do projeto
A história deste projeto, como toda história,
é uma fusão de grandes idéias vinculadas às
questões ideológicas, sociais e econômicas da
conjuntura sobre educação escolar, formação de
professores e cidadania. Nesse percurso, foi pos-
sível observar que os fundamentos de maior in-
cidência tiveram origem no estudo das obras de
Paulo Freire, pois eram suas idéias as que atri-
buíam sentido às respostas alternativas para as
necessidades da escola, da sociedade brasileira
e das mudanças internacionais de comunicação
e de informação.
No final da década de 1980 e início da década
de 1990, o discurso pedagógico clamava por ino-
vações educacionais, denunciando os anos da di-
tadura militar e defrontando-se com os proble-
mas sociais brasileiros, entre eles o analfabetis-
mo. De lá para cá, as reformas educacionais
advindas da Lei de Diretrizes e Bases tentam co-
locar a necessidade de uma instrução científica
tanto para alunos como para professores diante
das enormes adaptações impostas pelas mudan-
ças em uma sociedade tecnológica. As grandes
conferências de educação
5
organizadas pelo
Unicef, pela Unesco e pelo Banco Mundial para
promover a qualificação da educação mundial e
o atendimento às necessidades básicas de apren-
dizagem dos alunos mais desfavorecidos, para
lhes assegurar a igualdade de oportunidades na
educação escolar, desencadearam um processo
de reformas curriculares e de inovações.
Contudo, a Educação de Jovens e Adultos fi-
cou ainda relegada a segundo plano, mesmo ten-
do sido contemplada nos artigos de nossa legis-
lação educacional. Deparamos com estudos so-
bre Educação de Jovens e Adultos muito restri-
tos às questões ideológicas e políticas. Não ha-
via muitos estudos sobre a área, e os preconcei-
tos para publicá-los ou para pesquisar essa área
eram grandes, ficando esses estudos reduzidos
a relatos de experiências. Quanto à formação de
professores, embora os alunos das Licenciaturas
tenham recebido formação em suas áreas espe-
cíficas e para a prática do Magistério, a maioria
não se apresenta capacitada a enfrentar os de-
safios da educação escolar como professores que
possam facilitar o desenvolvimento de seus alu-
nos para uma sociedade “tecnificada, que, no
Brasil, conta com índices alarmantes de pessoas
sem escolarização.
Como conseqüência de nossas preocupa-
ções, aliada ao grande afluxo de alunos estagiá-
rios das Licenciaturas, foi criado um núcleo de
estudos conhecido como NEA-Feusp, cujas pes-
4
Extensão: Participação em projetos de extensão internos (Programa de Educação de Adultos da Feusp para funcionários do
campus
em
Ensino Fundamental e Ensino Médio) e externos (Programa Alfabetização Solidária em quatro estados brasileiros e na Grande São Paulo;
cursos de extensão para professores municipais e estaduais de Jovens e Adultos; Projeto de Educação Fundamental para a Nestlé do
Brasil, a Eletropaulo, a Prodesp, ONGs, entidades assistenciais etc); palestras, fóruns e minicursos sobre Educação Escolar de Jovens e
Adultos etc.
5
Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990. V Conferência Mundial sobre Educação de Adultos, Hamburgo, 1998.
129
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
quisas devem fazer jus à complexidade do pro-
blema educacional brasileiro, da educação esco-
lar, da educação escolar de jovens e adultos e da
formação de professores, além de adotar uma
visão mais detalhada e interdisciplinar de sua
operacionalização que possa construir conheci-
mentos de forma distinta da que ocorre nas es-
colas, ou seja, de cima para baixo.
Não poderia ser ignorada uma série de ques-
tões fundamentais para que uma noção de pro-
cesso de construção e de mudança pudesse ser
vivenciada com resultados prospectivos. Os pro-
fessores desempenham papel relevante nesse
processo de construção e precisam ser ouvidos,
assim como os alunos. Inicialmente, o que pos-
suíamos de material para a educação escolar de
jovens e adultos era adaptado de propostas de
educação escolar regular ou com objetivos es-
pecíficos, tais como os da Fundação Escolar ou
do Telecurso 2000. A idéia de considerar a parti-
cipação do professor na elaboração do planeja-
mento escolar tomou corpo nesse projeto e re-
flete a opinião de Fullan (1982), quando assinala
que a mudança em educação depende do que
os professores fazem e pensam. É tão simples e
complexo como isto.
O projeto apresenta-se como formação continu-
ada e em serviço, e resulta de múltiplas aproxi-
mações cotidianas reais a um sentido socioan-
dragógico” da educação escolar para jovens e
adultos e da formação de professores. Como ino-
vação, pode ser caracterizado como uma tenta-
tiva deliberada de refletir e construir, na práti-
ca, determinados objetivos de perspectiva
tecnológica, política e sociocultural, tanto das
mudanças de uma sociedade em rede quanto do
seu significado para a educação e a formação
dos professores.
Quanto à primeira perspectiva, o projeto li-
gou-se às mudanças que estavam acontecen-
do na década de 1990, acreditando que o pro-
gresso tecnológico produziria melhoria de en-
sino e de formação de professores. A segunda
perspectiva, a política, foi cercada de desafios,
compromissos e conflitos e deu-nos a verdade
sobre o resultado do compromisso com uma
educação escolar que considera o desenvolvi-
mento da cidadania dos alunos e os desencon-
tros da formação de professores inicial e da
nossa política educacional.
Sob a perspectiva sociocultural, trabalhar
com a pluralidade de conhecimentos de distin-
tas culturas e com os seus conflitos de valores
proporcionou significados diferentes em relação
à realidade. O projeto acolheu a necessidade de
construção de mudanças do que se conhecia até
então, tanto pelos estudos de formação como
pelas vivências de escolaridade anterior, muito
fortes na atuação dos professores em sala de
aula. Desse modo, foram estudados e questio-
nados os conteúdos dos currículos do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, em sua sele-
ção, seqüenciação e nos materiais utilizados; a
organização formal e a estrutura física da edu-
cação escolar; a complexidade das funções e das
relações dos participantes envolvidos no proje-
to e o conhecimento e a compreensão da funda-
mentação, dos valores, dos objetivos e das estra-
tégias colocadas em prática.
Surgiu, a partir dessas questões, o estudo das
experiências vividas sobre a possível utilização
de novos materiais e tecnologias curriculares,
sobre o uso de novos enfoques de ensino e de
aprendizagem e, sobre o mais difícil, a alteração
de crenças ou pressupostos pedagógicos para a
andragogia” subjacente às mudanças cons-
truídas no projeto. Foram introduzidos no cur-
rículo o uso dos computadores e da Internet,
assim como a elaboração de uma sistemática de
planejamento com práticas alternativas de en-
sino-aprendizagem (educação para economia,
relações humanas, valorização da arte, da ética
e do convívio social cidadão). Daí vieram os Pa-
râmetros Curriculares e a necessidade de avaliar
a efetividade de suas inovações, paralelamente
às exigências dos poderes públicos sobre as ini-
ciativas de avaliação do ensino, muitas delas fi-
nanciadas pelo Banco Mundial.
No desenvolvimento do processo de avalia-
ção, o projeto procura envolver os professores na
participação da sistemática de planejamento
construída, em vez de impô-la. Todos os envol-
vidos podem analisar, conceitualizar e avaliar as
mudanças produzidas, ou não, depois de devi-
damente esclarecidos sobre os objetivos, os ele-
mentos e os fatores que propiciam perspectivas
distintas vivenciadas num mesmo processo de
130
planejar. Os alunos-estagiários, professores em
exercício nesse projeto, têm compreendido que
não bastam as prescrições e o financiamento das
inovações, tanto na educação escolar quanto na
formação de professores. Parece muito claro que,
dada a complexidade de seus desafios, sem co-
nexões com construções conceituais e com o
modo de os professores atuarem na prática, sem
projeto político-pedagógico com decisões prá-
ticas adequadas e vivenciadas, os objetivos de
qualquer mudança ou reforma acabam perden-
do seu sentido.
Dessa forma, os cursos que formam profes-
sores precisam acertar os ponteiros. Um dado
comum observado por nós nesse projeto é que
há uma crescente necessidade de se aceitar a
idéia de que a análise da própria prática pelos
professores, tanto na formação inicial quanto na
formação em serviço, se torna um precioso
referencial para novos estudos ou reflexões. So-
mente a observação de fundo de sala de aula, de
outros professores, em diferentes escolas supõe
certa dose de cautela por causa da tendência de
generalizações que o futuro professor possa re-
alizar, para algo que pode ser considerado ape-
nas como hipóteses de trabalho ou de atuação
pedagógica, num determinado contexto.
O que foi dito até agora nos dá base para que
possamos definir que esse projeto, sempre em
construção, tem contribuído para constatar a
necessidade de investigação e pesquisa educa-
tiva para a compreensão, pelos professores, do
desenvolvimento da aprendizagem dos alunos,
da melhoria de sua atuação profissional, para a
descoberta de seu RG profissional, para a maior
eficácia no uso de recursos, para a compreen-
são das mudanças ou inovações curriculares
como hipóteses provisórias a serem aprovadas,
na prática, dentro de um contexto de respon-
sabilidade conjunta pela totalidade dos envol-
vidos no projeto.
Encontramos no espaço dedicado aos está-
gios curriculares o eixo necessário para evitar a
separação entre a teoria e a prática educativas.
O que nos continua movendo é a necessidade de
conhecer não apenas a educação escolar em seu
desenvolvimento pleno, ligado à prática e às ca-
racterísticas de atuação dos professores, e sim o
conhecimento que diferentes vozes que partici-
pam de uma formação continuada produzem em
torno dela. O papel do professor é, então, deter-
minado durante sua formação por uma meto-
dologia de trabalho que pretende produzir no-
vos conhecimentos, interpretando, analisando,
organizando a educação escolar para entender
as complexas interações que são geradas entre
as argumentações, os planejamentos e a evidên-
cia empírica vivenciada numa sala de aula, em
situações de ensino e de aprendizagem. É preci-
so fazer da pesquisa sobre ensino e formação de
professores uma pesquisa a partir do ensino e
da própria formação.
Bibliografia
CAMARGO, Maria de Fátima Ayres Arruda.
O trabalho do edu-
cador como transposição didática da formação continuada
:
desejo ou possibilidade. 2000 Tese (Mestrado) – Feusp.
ELLIOT, J. Teachers as researchers: Implications for
supervision and for teacher education.
Teaching, Teacher
Education
, 1990.
FULLAN, M.
The meaning of educational change.
New York:
Teachers College Press, 1982.
FULLAN, M.; HARGREAVES, A.
A escola como organiza-
ção aprendente
: buscando uma educação de qualidade.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
HERNANDEZ, F.; SANCHO, J. M.; CARBONELL, J.; TORT,
A.; SIMÓN, N.; SÁNCHAZ–CORTÉS, E.
Aprendendo com
as inovações nas escolas
. Porto Alegre: Artmed, 2000.
MEDRANO, Sandra Murakami.
Situações didáticas e inter-
venções pedagógicas na produção de texto dos alunos
adultos
. 2000. Tese (Mestrado) – Feusp.
PICONEZ, Stela C. B.
A reconstrução de conhecimentos na
Educação de Jovens e Adultos e a organização do tra-
balho pedagógico
. Brasília, 1995. Série Documental Re-
latos de Pesquisa/Inep.
.
Educação escolar de adultos
: possibilidades
de reconstrução de conhecimentos no desenvolvimento
do trabalho pedagógico e suas implicações na formação
de professores. 1995. Tese (Doutorado) – Feusp.
.
Alfabetização de jovens e adultos através do
sistema transversal de ensino aprendizagem
. 1997. Tese
(Pós-doutorado) – Feusp.
.
Extensão universitária
: o compromisso soci-
al entre ensino e pesquisa. 1999. Tese (Livre-Docência)
– Feusp.
PICONEZ, Stela C. B. (Org.).
A prática de ensino e o estágio
supervisionado
. Campinas: Papirus, 1990.
VIANNA, Adriana Beatriz Alves Botto.
O papel do coordenador
pedagógico na formação continuada de professores de
Educação de Jovens e Adultos.
Das possibilidades e limi-
tes em diferentes contextos. 2000. Tese (Mestrado) – Feusp.
131
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
Nos últimos anos, o sistema educacional
brasileiro tem passado por uma série de refor-
mas, desde o que se refere à gestão dos recur-
sos, à definição de prioridades, à organização
curricular e disciplinar até o que diz respeito a
critérios de formação das turmas no interior da
escola, passando pela definição de estratégias
para a formação docente.
Essas reformas não surgiram por acaso, ainda
que visem à melhoria da oferta da educação, seus
eixos principais convergem para duas lógicas, as-
sim definidas por Feldfeber e Thisted (1998: 69):
[…] uma orientada para a reestruturação do
Estado e a utilização de políticas de ajustes, com
vistas à redução do gasto público; outra que,
partindo da valorização do conhecimento como
fator central da competitividade das nações na
aldeia global, tenta colocar o sistema educacio-
nal à altura de tal desafio, ao mesmo tempo em
que se constitui num elemento importante de
legitimação da nova ordem.
O investimento na educação tem, na maio-
ria das vezes, atendido aos interesses do mer-
cado de trabalho, a fim de otimizar os recur-
sos, qualificar mão-de-obra especializada, for-
mar sujeitos produtivos em detrimento de ci-
dadãos críticos, conscientes de seus direitos e
deveres, capazes de se desenvolver em todos
os seus aspectos: físico, político, econômico,
cultural e psicossocial. A formação docente,
área em que se insere nosso objeto de pesqui-
sa, acaba muitas vezes se sujeitando também
a essa lógica. Mas existem outros aspectos que,
por não se relacionarem aos de ordem econô-
mica, acabam também definindo a natureza da
A formação continuada de
educadores de jovens e adultos
*
Leôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos**
UFMG/MG
formação docente contínua e a natureza dos
conhecimentos que estão em jogo. São alguns
desses aspectos que queremos discutir nesse
primeiro momento de nosso trabalho.
Para ilustrar o que é a formação contínua
(ou em serviço) de professores, podemos utili-
zar a definição dada por Barilli (1998: 43):
De forma geral, trata-se de um processo contí-
nuo e dinâmico, envolvendo cooperação peda-
gógica entre professores-orientadores, professo-
res e demais profissionais do ensino, com asses-
soria permanente (presencial ou a distância) das
agências formadoras, com vistas a uma aplicação
prático-social, elevando o nível de atuação pro-
fissional bem como o nível do ensino escolar.
É uma atividade de extrema importância não
apenas para contribuir para a melhoria do ensi-
no ofertado, mas, sobretudo, para garantir aos
professores um espaço de diálogo, de troca de
experiências e também de construção e recons-
trução de suas identidades, suas histórias – de
vida e profissional. O fazer pedagógico é um pro-
cesso histórico e inacabado que necessita de in-
vestimentos – estruturais e financeiros. A quali-
ficação e a requalificação profissionais têm se
configurado numa exigência do próprio merca-
do de trabalho e pela dinâmica social.
Além disso, em se tratando dos sistemas de
ensino, a evasão e a repetência são também ele-
mentos detonadores de uma nova política de
formação. Diante do fracasso escolar diagnos-
ticado entre as diversas turmas de alunos, uma
das primeiras providências tomadas pelas ins-
tituições de ensino, públicas ou privadas, ou
ainda pelos órgãos governamentais, é a
* A pesquisa recebeu apoio da Fapemig, por meio da concessão de Bolsa de Iniciação Científica.
** Leôncio José Gomes Soares: Professor da FaE – UFMG. Daniela de Carvalho Lemos: Bolsista de Iniciação Científica.
132
reciclagem” dos conhecimentos e da prática
pedagógica dos professores.
Embora o espaço de formação em serviço seja
uma importante conquista dos profissionais da
educação, é preciso estar atento à relação que esse
processo mantém com as deliberações de orga-
nismos internacionais, como o Banco Mundial.
Como as análises do Banco Mundial privile-
giam as relações de custo–benefício, a qualifi-
cação do professor é pensada em termos da me-
lhor forma de se produzir um profissional com-
petente tecnicamente. [...]
O investimento no conhecimento prático,
em detrimento do saber teórico, certamente irá
levar à formação de um profissional capaz de se-
guir diretrizes curriculares, desenvolver propos-
tas que lhe são apresentadas, mas com menor
possibilidade de criar projetos, tomar decisões
e políticas educacionais (Santos, 1998: 8).
Ou seja, é importante que se crie um espaço
de reflexão e análise sobre os eventos de forma-
ção docente promovidos principalmente pelas
instâncias governamentais. Um espaço no qual
se possa detectar se essa estratégia tem, de fato,
promovido mudanças positivas na atuação do-
cente e também no contexto escolar como um
todo ou se apenas está atendendo aos interesses
de uma política neoliberal, pautada no princí-
pio de se produzir mais e melhor, em menos tem-
po. Uma política de formação séria deve ser ela-
borada em parceria com os sujeitos envolvidos,
e não apenas tratá-los como meros executores.
Mazzeu (1998: 63) propõe três eixos básicos
para a formação docente contínua:
• o domínio do saber acumulado, no que se refere
ao conteúdo escolar e às formas de ensiná-lo;
• o domínio da concepção dialética, como meio
de desenvolver uma ação e uma reflexão autô-
nomas e críticas;
• a formação de uma postura ético-política guiada
por sentimentos e valores que possibilitem ao pro-
fessor utilizar esse saber acumulado, como meio
para o desenvolvimento pleno do aluno e para seu
próprio desenvolvimento como ser humano.
Esses eixos, quando bem desenvolvidos,
dariam à formação dos professores um perfil
democrático e comprometido com as deman-
das culturais, políticas e históricas que perpas-
sam as relações sociais no interior da escola.
Collares, Moysés e Geraldi (1999: 216)
alertam para o perigo de se promover uma for-
mação em serviço, que, na realidade, esteja
mergulhada em uma política de descontinuida-
de, de um eterno recomeço, que desconsidera
a história e a trajetória já vividas pelos profissio-
nais da educação:
[…] como a educação continuada” atende a pla-
nos de governo e não a políticas assumidas pelos
profissionais do ensino, cada mudança de gover-
no representa um recomeçar do “zero, negando-
se a história que, no entanto, está lá – na escola,
na sala de aula, nos saberes do professor. O es-
sencial dessa descontinuidade é o eterno reco-
meçar, como se o passado pudesse ser anulado;
repetição constante do novo” para manter a eter-
nidade das relações – de poder – atuais.
É preciso que as três instâncias governa-
mentais (federal, estadual e municipal) não re-
duzam os programas de formação docente à
mera vaidade política ou à ideologia partidária,
utilizadas para homogeneizar e dominar a cons-
trução da aprendizagem e para definir priori-
dades dentro dos diferentes níveis de ensino.
A formação docente não é apenas dotada de
um saber técnico, de uma didática ou de uma
metodologia específica. Muito além de saber
quais os temas e os cursos oferecidos, é necessá-
rio saber como os docentes aprendem, de que
forma aplicam o que lhes foi passado nos cursos,
nas palestras, nos debates e nos seminários.
1
É importante que a formação contínua e, em
particular, a formação dos educadores de jovens
e adultos, sejam vistas em parceria com a for-
mação inicial dos professores. De nada ou pou-
co adianta investir em cursos de capacitação,
se os cursos de Magistério, de Pedagogia e as
Licenciaturas não se comprometem em ofere-
cer a seus alunos subsídios que lhes permitam
desenvolver, em sala de aula, uma ponte entre
1
Hernández (1998) discute essa questão, trazendo para o debate algumas observações de sua experiência como formador.
133
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
os saberes da educação dita universal e os sa-
beres presentes nas esferas regionais, nacionais
e até mesmo nas esferas de experiências e de
histórias de vida de cada educando. A forma-
ção dos professores deve considerar o contexto
sociocultural em que vivem seus alunos. É pre-
ciso lutar contra a pretensa homogeneidade.
A formação em serviço não deve ser conce-
bida, pelos sujeitos que dela fazem parte, como
um mecanismo de desprezo pela prática docen-
te até então adotada e muito menos como uma
estratégia milagrosa, que solucionará todos os
problemas enfrentados no cotidiano da sala de
aula. Deve ser concebida e apropriada como um
importante espaço de reflexão, de diálogo, de
percepção de si mesmo, do outro e do mundo,
de uma forma mais consciente, amadurecida e
aberta às mudanças necessárias. Só assim os
professores estarão de fato construindo um sig-
nificado para essa formação e também para sua
atuação profissional.
A simples indicação de novas perspectivas para
o trabalho docente é capaz de provocar a inquie-
tação necessária, para que outros caminhos se-
jam ao menos considerados por aqueles que se
mostram reticentes, em relação a diretrizes con-
sideradas oficiais. Os caminhos serão trilha-
dos diferentemente pelos profissionais envolvi-
dos, sem dúvida. A busca de respostas para os
problemas que surgirão no percurso dependerá
de uma série de circunstâncias: salários, condi-
ções de trabalho (jornada e infra-estrutura), for-
mação profissional e oferta de formação conti-
nuada, além de interesses subjetivos relaciona-
dos à história de vida (Martins, 1996: 204).
A pesquisa
É no contexto do quadro anteriormente de-
lineado que se insere a pesquisa A formação em
serviço dos educadores de jovens e adultos,
desenvolvida na FaE/UFMG, no período de
março de 1999 a fevereiro de 2001. Pudemos
constatar que a formação em serviço nas três
redes municipais de ensino pesquisadas – Belo
Horizonte, Betim e Contagem – vem amplian-
do cada vez mais a abrangência de suas ativi-
dades, bem como fortalecendo as discussões e
os debates sobre os diversos elementos que
perpassam a atuação docente na sala de aula.
Em Belo Horizonte, isso se refletiu em um
levantamento minucioso sobre as escolas, seus
alunos e seus professores, bem como na siste-
matização das diretrizes político-pedagógicas
que orientam a EJA na rede municipal. Os dados
desse levantamento foram coletados pela Secre-
taria Municipal de Educação, por intermédio da
Coordenação de Políticas Pedagógicas (CPP) e do
Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da
Educação (Cape), e organizados em dois docu-
mentos denominados Cadernos da Escola Plu-
ral (Educação de jovens e adultos e EJA: a cons-
trução de diretrizes político-pedagógicas para a
RME/BH). Esse material, distribuído a todas as
escolas da rede, é a síntese da trajetória da EJA
no município: a especificidade de seus projetos
e de seu público, a organização dos tempos e dos
espaços escolares, o perfil de seus profissionais,
o relato de experiências interessantes desenvol-
vidas pelas escolas. O objetivo primordial des-
ses cadernos é oferecer subsídios para que a EJA
nas escolas municipais de Belo Horizonte tenha,
de fato, condições de viabilizar seu projeto polí-
tico-pedagógico, conhecer a realidade na qual se
insere, desenvolver um trabalho que verdadei-
ramente se comprometa com a educação e a for-
mação dos alunos jovens e adultos, em sua maio-
ria trabalhadores.
Além disso, pudemos perceber um salto im-
portante no que se refere à formação em serviço
dos profissionais da EJA. Em 1999, aconteceram
fóruns regionalizados, momentos de formação
desenvolvidos na Regional Leste, e nos meses de
outubro e novembro, o Seminário Interno de EJA
e reuniões com a Comissão de Trabalho instituída
nesse evento, para discutir a elaboração de uma
política educacional de EJA. Já em 2000, mesmo
com a greve dos professores no início do primeiro
semestre letivo, a rede conseguiu viabilizar um
evento de formação mais amplo, envolvendo de
forma mais global os professores das regionais.
Em Betim, os educadores, não apenas aque-
les que atuam com jovens e adultos, mas tam-
bém os que atuam na rede como um todo, fo-
ram contemplados com um momento de for-
mação muito significativo: o 1
o
Encontro Nacio-
nal da Escola Democrática. Esse evento teve
como objetivos primordiais a criação de um
134
espaço de reflexão e o debate sobre o papel for-
mador da escola, além da possibilidade de so-
cialização de experiências transformadoras no
contexto da educação.
No município de Contagem, um importante
passo dado pela Secretaria Municipal de Educa-
ção foi a sistematização dos princípios, dos obje-
tivos e das estratégias do projeto Escola Dinâmi-
ca, por meio da publicação do caderno Escola
Dinâmica – construindo uma trajetória para o sé-
culo XXI, em junho de 2000. Esse material foi re-
passado para todas as escolas da rede municipal.
A metodologia
Os dados da pesquisa foram coletados por
meio de diversas estratégias. Inicialmente, realiza-
mos um levantamento sobre os diferentes proces-
sos de formação em curso nas redes de ensino
investigadas. Após a identificação de alguns sujei-
tos envolvidos nesses processos e considerados
relevantes para o problema proposto (professores
e responsáveis pela formação em serviço dos edu-
cadores de jovens e adultos das secretarias), reali-
zamos entrevistas semi-estruturadas, que foram
transcritas e analisadas. Além disso, participamos
de algumas instâncias formadoras, a exemplo dos
fóruns mineiros de EJA, de algumas aulas do 3
o
.
Módulo do Curso para Educadores de Jovens e
Adultos, promovido pela SMED/BH, por intermé-
dio do Cape, da “Rede de Trocas, também promo-
vida pelo Cape, e do Seminário Final do Curso para
Educadores de Jovens e Adultos, em Belo Horizon-
te. Participamos também do “Relato de Experiên-
cias” de cinco escolas de Belo Horizonte e fizemos
algumas visitas às Secretarias Municipais de Edu-
cação de Belo Horizonte e Betim.
A seguir, destacaremos alguns dados sobre
cada uma das três redes que consideramos signi-
ficativos para a pesquisa. Por se tratar da maior
das redes pesquisadas, acabamos obtendo mais
informações sobre a EJA em Belo Horizonte.
Belo Horizonte
De maio a novembro de 2000, a Secretaria
Municipal de Educação, por intermédio do Cape,
desenvolveu um curso de formação para educa-
dores de jovens e adultos, financiado pelo Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Esse curso destinou-se a 180 professores
que atuam no Ensino Fundamental da EJA, dis-
tribuídos em seis turmas regionalizadas, com trin-
ta participantes cada uma. A programação do cur-
so, divulgada inicialmente, foi a seguinte:
1º Módulo: Diagnósticos e tendências da EJA no
Brasil.
2º Módulo: Processos cognitivos e contextos de
aprendizagem dos jovens e adultos.
3º Módulo: Construindo um currículo para EJA.
As aulas aconteceram durante quatro sema-
nas, sempre nas noites de quarta-feira. O ele-
mento detonador do processo foi um levanta-
mento feito na turma sobre o que havia sido mais
significativo nos módulos anteriores do curso,
bem como as expectativas dos professores em
relação ao 3º Módulo. Consideramos ser impor-
tante trazer em nosso relatório uma síntese das
opiniões apresentadas pelos professores:
Discussão do conceito de EJA
Abordagem sobre letramento
Relatos das escolas
Oficina de sexualidade
Palestra – professor Luís Alberto
Construção da EJA como um processo contínuo
Diagnóstico da rede
Troca de experiências/Convivência com os colegas
Aspectos significativos abordados
nos módulos anteriores
Expectativas e considerações sobre o 3
o
Módulo
De que forma construir um currículo que atenda ao público da EJA
Desmitificação do currículo
Participação da comunidade escolar na elaboração do currículo
Como elaborar um currículo que não seja considerado inferior
Abrangência maior do currículo
O tempo do adulto contemplado no currículo
Conteúdo/trabalho com os livros didáticos
Um currículo viável/possível
Construção do conhecimento
135
Articulação entre formação inicial e continuada – EJA
PAINEL 11
Em 11 de novembro de 2000, foi realizado
na sede do Cape o seminário final para todos
os participantes do curso. O principal objetivo
desse seminário era criar um espaço no qual os
professores pudessem debater e refletir sobre
os conhecimentos adquiridos fora da escola.
Estavam presentes, para relatar suas histórias:
dona Valdete – líder comunitária no Alto Vera
Cruz; dona Nelcina – educadora de creche; e
Hudson – integrante da Rádio Favela.
Durante o ano de 2000, a rede promoveu tam-
bém um evento denominado “Rede de Trocas”,
que consistia em um relato mensal de experiên-
cias interessantes desenvolvidas em alguma es-
cola. O relato acontecia no auditório do Cape, no
horário de 13h30 a 17h30. No que se refere à EJA,
participaram desse evento as seguintes escolas
municipais: Aurélio Pires, de Ensino Especial de
Venda Nova, Hélio Pellegrino, Nossa Senhora do
Amparo, Sebastião Guilherme de Oliveira, Paulo
Mendes Campos, Governador Ozanam Coelho,
Hugo Werneck e União Comunitária (PET).
Outro espaço significativo de formação em
serviço dos professores da EJA durante o ano
de 2000 foi o Fórum Mineiro de Educação de
Jovens e Adultos. Com realização periódica, o
Fórum proporcionou a professores de Belo Ho-
rizonte e região um espaço de socialização de
experiências e também de informações relevan-
tes sobre a política e os encaminhamentos da-
dos à EJA no Estado de Minas Gerais e também
no Brasil. Os debates eram norteados por ques-
tões como: organização dos tempos escolares;
legislação vigente; movimentos populares, im-
portância da formação docente; reintegração e
inclusão do aluno jovem ou adulto na escola;
EJA como um direito; perfil do público atendi-
do pela EJA; parcerias; valores e atitudes trans-
mitidos na escola e currículo.
Betim
No período de 28 de junho a 1º de julho de
2000, ocorreu no município o 1º Encontro Nacio-
nal da Escola Democrática: Formação Humana,
Currículo e Diversidade Cultural. Esse evento
teve como objetivo atender aos profissionais da
rede como um todo e também a profissionais e
estudantes interessados pela educação. A pro-
gramação constava de conferência, sessões
temáticas coordenadas, minicursos e oficinas.
Além desses cursos e oficinas, a rede muni-
cipal de Betim realizou durante o ano de 2000
oito reuniões do grupo de professores que com-
põem o Movimento de Organização Curricular
(MOC). Esse grupo foi constituído a partir de
outubro de 1999, tendo como principal objeti-
vo agregar um grupo representativo de educa-
dores das 33 escolas do ensino noturno da rede.
Contagem
Como já dissemos, a rede municipal de en-
sino de Contagem sistematizou e implantou
oficialmente, no mês de junho de 2000, o seu
projeto político-pedagógico, denominado Esco-
la Dinâmica. Destacaremos a seguir alguns dos
principais elementos que constituem essa pro-
posta. A matriz da Escola Dinâmica baseia-se
nos quatro pilares do conhecimento, definidos
em um relatório da Unesco em 1995. São eles:
aprender a conhecer, aprender a fazer, apren-
der a conviver e aprender a ser.
Partindo da releitura desses pilares, o pro-
jeto Escola Dinâmica
[...] traz em sua base o pressuposto de que apren-
der e ensinar são práticas sociocognitivas que não
se caracterizam por um início e por um fim, mas
caracterizam-se, sobretudo, por um continuum
que vai se dimensionando e se redimensionando
para e pelas próprias demandas que se impõem
e se propõem, organizadas no contexto escolar,
sejam outras realidades das quais os sujeitos par-
ticipam (Contagem, 2000: 5).
Algumas considerações
A pesquisa possibilitou o contato com dife-
rentes experiências desenvolvidas na área, e
possibilitou também aprimorar o exercício do
ouvir o outro, dar importância às histórias de
vida que se entrelaçam à prática pedagógica,
compreender que a Educação de Jovens e Adul-
tos é um processo muito dinâmico, cheio de
contrastes, falhas, tropeços, mas também de
acertos, ressignificações e partilhas.
O conjunto de todo o material que coleta-
mos, durante os anos de 1999 e 2000, nas redes
136
pesquisadas acabou configurando-se não ape-
nas em um subsídio para o desenvolvimento de
nosso trabalho, mas também em um banco de
dados para futuras pesquisas e consultas sobre
o tema. A quantidade e a diversidade de textos,
relatórios e documentos que nos foram passa-
das constitui um importante suporte para a re-
flexão e a análise da natureza da formação do-
cente desenvolvida nos três municípios.
As Secretarias Municipais de Educação de
Betim, Belo Horizonte e Contagem estão de fato
preocupadas em oferecer aos profissionais da EJA
um espaço que realmente amplie as reflexões e as
trocas de experiência sobre as demandas apresen-
tadas pelos alunos jovens e adultos. E o que é mais
importante: um espaço no qual os professores têm
voz e vez, tornando-se co-autores das diretrizes
que norteiam o trabalho nas escolas onde atuam.
Se compararmos os dados referentes a 1999 e
a 2000, poderemos constatar que a formação em
serviço nos três municípios trouxe alguns avan-
ços importantes. Gostaríamos de destacar o que
se refere ao intercâmbio, à parceria com as outras
modalidades de ensino. Ainda que tenham cons-
ciência das especificidades da EJA, as redes têm
buscado alternativas para que os momentos de
formação sejam permeados pelo debate e pela
reflexão da escola, como um todo, podendo as-
sim desenvolver um trabalho menos fragmenta-
do e mais significativo para a viabilização de cada
uma de suas propostas político-pedagógicas: Es-
cola Plural (BH), Escola Democrática (Betim) e
Escola Dinâmica (Contagem).
Não podemos desconsiderar que alguns pro-
blemas ainda se fazem presentes no cotidiano
docente da EJA: baixos salários, fazendo com que
muitos professores tenham jornada dupla de tra-
balho; recursos que possibilitem a participação
em eventos externos às redes; falta de um com-
prometimento maior por parte de alguns educa-
dores; forte presença da violência e do tráfico de
drogas nos bairros onde estão localizadas muitas
escolas, o que acaba comprometendo a qualida-
de e até mesmo a realização de muitas atividades
de formação em serviço. As palestras, as reuni-
ões, as oficinas e os cursos oferecidos pelas redes,
seja por intermédio da Secretaria de Educação,
das Regionais ou da própria escola, ainda enfren-
tam problemas básicos de organização, partici-
pação e também de aplicação no cotidiano da sala
de aula. É preciso que estejamos atentos a isso,
para não corrermos o risco de esvaziar e mistifi-
car a avaliação dessas atividades.
Mas, sem dúvida alguma, Belo Horizonte,
Betim e Contagem têm conseguido concretizar
de forma abrangente, e até mesmo ousada e
inovadora, as prioridades que definiram para a
formação em serviço de seus professores. Têm
conseguido até mesmo reconstruir a identida-
de profissional dessas pessoas, oferecendo-lhes
a oportunidade de revisão de valores e concei-
tos, de construção coletiva da aprendizagem e
de uma nova percepção, talvez mais humana e
autêntica, de seus alunos jovens e adultos.
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137
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1212
1212
12
AVALIAÇÃO DAS
APRENDIZAGENS E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Cláudia Lemos Vóvio
Maria Amábile Mansutti
138
O presente artigo tem como objetivo discu-
tir a relevância e as diferentes dimensões do
processo de avaliação diagnóstica na Educação
de Jovens e Adultos. Deu-se especial atenção
aos usos que o educador pode fazer de indica-
dores coletados no processo de avaliação e à
sistematização dessas informações para guiar
o planejamento e as escolhas didáticas para essa
modalidade educativa.
Nas sociedades ocidentais, urbanas e burocra-
tizadas, a escola tem como função a transmissão
de uma parte da cultura historicamente cons-
truída, preparando os indivíduos para o com-
partilhamento de práticas sociais valorizadas. A
linguagem escrita, os conhecimentos científicos
e o modo como são produzidos são os conteúdos
mais relevantes de que se ocupa a escola, promo-
vendo, dessa forma, o acesso dos indivíduos à
cultura da qual fazem parte. Pode-se afirmar que
a escolarização e o conseqüente domínio da lin-
guagem escrita, além de serem elementos centrais
na socialização dos indivíduos, promovem a aqui-
sição de um conjunto de conhecimentos, de ins-
trumentos e de habilidades de pensamento que
condicionam a participação plena na sociedade
e o exercício da cidadania.
Muitos pesquisadores
1
se dedicaram ao es-
tudo comparativo entre sociedades letradas e
não-letradas, investigando o funcionamento
cognitivo de pessoas em diferentes culturas,
Diagnosticar o que sabem
os jovens e os adultos:
ponto de partida para a
aprendizagem
*
Cláudia Lemos Vóvio
Ação Educativa/SP
buscando explicações e generalizações sobre as
diferenças interculturais nos processos de pen-
samento. Um consenso entre esses investigado-
res é que a escolarização, mais que qualquer
outro fator, promove transformações no pensa-
mento, gerando diferenças na maneira de en-
frentar as tarefas propostas nas investigações
(Tulviste, 1991).
Uma pergunta subjacente a essas pesquisas
é a de como sujeitos pouco ou não escolarizados
pertencentes a sociedades letradas operam
cognitivamente, já que convivem, em socieda-
des letradas, com situações nas quais a lingua-
gem escrita é central. Nesse convívio, esses su-
jeitos tomam a linguagem escrita como objeto,
refletindo sobre suas características e funciona-
mento, criam representações sobre sua função
social e elaboram estratégias e respostas às de-
mandas que essas práticas propõem.
No caso do Brasil, 15,57% da população com
15 anos ou mais são considerados analfabetos
(IBGE, 1996), e 32,24% freqüentaram menos de
quatro anos de escola (IBGE, 1997). De modo
geral, pode-se afirmar que essa parcela substan-
cial da população não teve acesso aos modos
de operar tipicamente letrados, por não com-
partilhar de práticas culturais próprias da soci-
edade da qual faz parte e, em conseqüência, de
procedimentos, de modalidades de operação
cognitiva e de conhecimentos característicos
* Relato de Experiência. Tema: Avaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores.
1
Ver Luria (1990) que realizou, na década de 1930, uma pesquisa empírica com camponeses da Ásia Central. A constatação, originária
dessa e de outras investigações, de que a alfabetização e a escolarização são responsáveis pelo desenvolvimento de processos cognitivos
abriu um campo estimulante para o estudo da mente humana. Ver também os trabalhos de Goody e Watt (1968), Goody (1987), Ong (apud
Ribeiro, 1998), Olson (1995), Street (1984), Scribner e Cole (apud Werstch, 1988).
139
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA
PAINEL 12
das sociedades modernas. Como conseqüência,
jovens e adultos pouco ou não escolarizados,
mesmo se encontrando imersos em situações
nas quais a linguagem escrita é central, esta-
riam alijados dessas práticas culturais, diferen-
temente daqueles que passaram pelo processo
de escolarização.
Pesquisas realizadas por Oliveira (1995 e
1998) têm trazido importantes insumos para a
compreensão das diferenças no modo de ope-
ração cognitiva de sujeitos não ou pouco
escolarizados, pertencentes a sociedades letra-
das. A autora afirma que jovens e adultos ex-
cluídos do processo de escolarização, portanto
do compartilhamento de práticas culturais so-
cialmente valorizadas, apresentariam diferen-
ças na maneira como realizam operações
cognitivas quando comparados aos modos ti-
picamente letrados de pensamento. Oliveira
(1995) aponta para a dificuldade de esses su-
jeitos operarem com categorias genéricas e com
problemas cujas informações fogem ao contex-
to concreto e à experiência pessoal (pensamen-
to descontextualizado); tomarem consciência
sobre os próprios processos e ações intelectu-
ais (procedimentos metacognitivos) e contro-
larem a produção cognitiva no que tange à ca-
pacidade de seguir instruções e controlar as
etapas envolvidas num processo. Indica tam-
bém que, para além da escola, outras ativida-
des desenvolvidas pelas pessoas poderiam con-
tribuir para o desenvolvimento de habilidades
cognitivas: o trabalho, a participação política
em movimentos sociais e sindicais ou, ainda,
atividades que se desvinculam da experiência
concreta das pessoas, que promovam a refle-
xão e o distanciamento de rotinas.
Sob essa perspectiva, a análise de como
pessoas não ou pouco escolarizadas operam
cognitivamente e participam de situações co-
municativas pode oferecer importantes infor-
mações para que se possa compreender e ex-
plicar as estratégias e os procedimentos que
elas usam, distintos daqueles mecanismos uti-
lizados por pessoas que passaram pelo proces-
so de escolarização e, conseqüentemente, do-
minam a escrita e dela fazem uso. No caso da
Educação de Jovens e Adultos, é o ponto de
partida para estabelecer diretrizes curriculares,
delinear objetivos, selecionar conteúdos e es-
tabelecer formas do fazer docente adequadas
às especificidades dessa modalidade de ensino
e público atendido.
Os jovens e os adultos, antes mesmo de in-
gressarem na escola, possuem uma série de co-
nhecimentos, pontos de vista, procedimentos,
crenças e valores, que se relacionam tanto di-
retamente como indiretamente ao que apren-
derão na escola. A consideração de que jovens
e adultos são portadores de cultura e dominam
uma série de conhecimentos, habilidades, pro-
cedimentos e representações sobre a lingua-
gem escrita e outros domínios do conhecimen-
to não é nova para muitos professores e pes-
quisadores, mas suas implicações para as prá-
ticas que se estabelecem em salas de aula são
ainda pouco sistematizadas. A razão para co-
nhecer o que eles já sabem se deve à consta-
tação de que as pessoas quando deparam com
determinada situação mobilizam aquilo que já
sabem para enfrentá-la. Quando uma pessoa
enfrenta uma nova aprendizagem, arma-se de
uma série de conceitos, representações, valo-
res, procedimentos e conhecimentos adquiri-
dos ao longo de sua existência em experiên-
cias anteriores. São essas chaves de leitura e
interpretação que permitem uma primeira
aproximação ao novo e condicionam, inicial-
mente, o que utilizar e como fazer para apren-
der. Além de permitir esse contato inicial com
um novo conteúdo, esses conhecimentos pré-
vios são os fundamentos destinados à constru-
ção de novos significados e sentidos para o que
se aprende.
Há muito por descobrir sobre como esses
conhecimentos prévios são construídos, que
tipos de relações os educandos estabelecem ao
aprender algo novo e como tomá-los como re-
ferência para a elaboração de currículos e pla-
nos de ensino. Esforços devem ser empreendi-
dos no sentido de explicar como jovens e adul-
tos adquirem conhecimentos, como formulam
suas teorias e crenças em diferentes campos do
conhecimento. Para o professor, esse é um cam-
po investigativo novo, no qual há muito por se
fazer, referindo-se basicamente a uma etapa do
processo de avaliação: a avaliação diagnóstica
ou inicial.
140
Avaliação diagnóstica
ou inicial: o que é e para
que serve?
Durante muito tempo, a avaliação restringiu-
se ao levantamento de informações sobre os re-
sultados de aprendizagem obtidos pelos alunos,
que eram tidos como únicos responsáveis pelo
sucesso ou pelo fracasso escolar. Hoje, sabe-se
que o ato de avaliar pode servir a outros fins que
não se restringem apenas a saber se o aluno al-
cançou ou não certos objetivos de aprendiza-
gem. A avaliação engloba diferentes sujeitos e
objetos e possui diversas funções, especialmen-
te quando é concebida como um elemento do
planejamento e como uma prática que integra o
processo de ensino e aprendizagem.
As práticas pedagógicas englobam sempre
mais que um sujeito: os educandos e os educa-
dores. Assim, devemos considerar que a avalia-
ção tem de focalizar tanto o processo de apren-
dizagem quanto o tipo de ensino que se pro-
move. Quando focalizada no aluno, a avaliação
se torna instrumento de análise do processo de
aprendizagem e verifica o desenvolvimento de
competências (capacidades, habilidades e ati-
tudes, a aquisição de conhecimentos e sua ca-
pacidade de aplicá-los em diferentes situações).
Quando focalizada no educador, a avaliação se
torna instrumento de análise do processo de
ensino planejado e executado, de suas expec-
tativas em relação ao grupo ou a cada aluno, da
adequação dos conteúdos e das estratégias di-
dáticas. Nessa perspectiva, a avaliação se pres-
ta ao acompanhamento do processo de apren-
dizagem de cada aluno e do grupo de alunos e,
ao mesmo tempo, à regulação do planejamen-
to e à verificação de sua adequação às necessi-
dades de aprendizagem.
Outro equívoco freqüente relativo à avalia-
ção é a visão de que é algo que deve ser realiza-
do apenas no final de alguma etapa do proces-
so de ensino e aprendizagem. Na realidade, a
avaliação só terá um valor educativo para o alu-
no e para o educador se for encarada como pro-
cessual, que integra a prática educativa do iní-
cio ao fim. O ponto de partida para a aprendi-
zagem dos alunos implica investigar pelo me-
nos três domínios: a disposição dos alunos para
aprender, os instrumentos e as habilidades de
que dispõem e sua bagagem de conhecimentos
prévios. Uma avaliação diagnóstica ou inicial é
essencial para que se tome conhecimento do
que os alunos já sabem, quais procedimentos
dominam, que atitudes os predispõem ou in-
dispõem para realizar a aprendizagem do con-
teúdo em pauta. Tendo essas informações, o
educador pode ajustar seu plano de interven-
ção pedagógica, adequando-o às condições em
que seus alunos se encontram.
A disposição dos educandos
para aprender
Os jovens e os adultos apresentam uma de-
terminada disposição para realizar as aprendi-
zagens escolares. Essa disposição ou modo
como abordam a situação de aprendizagem é,
em muitos casos, previsível e pode ser explicada
por inúmeros fatores de tipo pessoal e social. A
auto-imagem e a auto-estima, suas experiências
anteriores de aprendizagem, sua capacidade de
assumir riscos, sua persistência diante de de-
safios, sua capacidade de pedir, receber e ofe-
recer ajuda, são alguns aspectos do tipo pessoal,
aspectos subjetivos que influem no desempe-
nho deles diante da aprendizagem.
Relacionados aos fatores de ordem pessoal,
temos fatores sociais, tão importantes de serem
identificados como os anteriores. Reconhecer
as condições de vida e sociabilidade dos
educandos nos dá pistas para planejar situações
de aprendizagem. A idade, as características
socioculturais, a inserção ou não no mundo do
trabalho, o local de moradia, a relação com o
lazer e a produção cultural, entre outros, são
elementos que variam de modo significativo e
podem ser decisivos na seleção do que e como
ensinar.
Além desses, outros elementos, como a re-
presentação inicial dos alunos sobre seu pro-
fessor e seus colegas, sobre o conteúdo e a ta-
refa propostos (e seu interesse por ela) também
influem diretamente no modo como se posicio-
nam diante da aprendizagem e no sentido que
lhe atribuirão.
141
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA
PAINEL 12
Para levantar informações desse tipo, é pre-
ciso saber dialogar, ouvir e observar os educan-
dos – pressupõe uma postura investigativa por
parte do professor. É preciso se deixar levar pela
curiosidade de saber quem são, de ouvir suas
histórias de vida, de identificar os desafios que
enfrentam cotidianamente, e prestar atenção ao
que dizem, de observar como e por que se mo-
bilizam. Entrevistas individuais e em grupos,
dinâmicas de apresentação, fichas de apresen-
tação feitas pelos alunos, produções de textos
podem ser bons instrumentos para identificar
as condições de vida e a disposição para apren-
der dos educandos.
Os instrumentos, as
estratégias e as habilidades
para aprender
Os jovens e os adultos dispõem de determi-
nadas capacidades, instrumentos, estratégias e
habilidades gerais, que colocam em jogo dian-
te de situações de aprendizagem. As capacida-
des cognitivas são ferramentas do pensamen-
to, como a capacidade de abstrair, generalizar,
pensar sobre o próprio pensamento, planejar
etapas para desenvolver determinada ativida-
de, controlar e avaliar o próprio processo de
pensamento.
Além dessas capacidades, contam ainda
com instrumentos, como a linguagem escrita e
a representação numérica, e com habilidades,
geralmente aprendidas no trabalho e em expe-
riências anteriores na escola, como tomar me-
didas, prever e planejar ações, tomar notas, su-
blinhar, resumir, ter estratégias para pesquisar,
entre outras.
Descobrir quais capacidades, instrumentos
e habilidades possuem é também um fator de-
cisivo para a organização de situações de apren-
dizagem. Trata-se de saber se dispõem das fer-
ramentas necessárias para enfrentar a ativida-
de planejada. Os próprios alunos são fontes fun-
damentais para identificar os recursos de que
dispõem e aqueles que o professor precisa de-
senvolver para que realizem determinada tare-
fa. No caso de esses educandos terem passado
por outras turmas ou séries do processo de es-
colarização, pode-se consultar documentos
como:
• os Referenciais Curriculares dos ciclos
anteriores, verificando quais competências
estavam previstas para serem desenvolvidas
pelos alunos;
• os planos de ensino e os registros de ativida-
des dos professores que acompanharam seu
grupo numa série anterior;
• os resultados de determinadas atividades ela-
boradas pelos alunos, como relatórios de pes-
quisa, produções textuais, trabalhos de final
de curso, provas finais, entre outros materiais;
• os dossiês de alunos, relatórios ou boletins,
nos quais se possa identificar seu desempe-
nho diante de situações de aprendizagem;
• os livros didáticos utilizados em séries ante-
riores.
Os conhecimentos prévios
Os jovens e os adultos, antes mesmo de in-
gressarem na escola, possuem uma série de co-
nhecimentos, pontos de vista, crenças e valo-
res, que se relacionam tanto direta como indi-
retamente ao que aprenderão na escola. Esses
conhecimentos são construídos nas experiên-
cias de vida e de trabalho, sendo gerados como
respostas a necessidades e a problemas. Funcio-
nam para o contexto em que foram desenvolvi-
dos, mas não são generalizáveis e, muitas ve-
zes, não são representados segundo normas e
convenções disseminadas pela escola.
Além de permitir o contato inicial com um
novo conteúdo, esses conhecimentos prévios
são os fundamentos da construção de novos sig-
nificados e sentidos para o que se aprende. Uma
aprendizagem é tanto mais significativa quan-
to mais relações o aluno for capaz de estabele-
cer entre o que já conhece e o novo conteúdo
que lhe é apresentado como objeto de aprendi-
zagem.
O ponto de partida para novas aprendiza-
gens consiste nos conhecimentos prévios dos
alunos. Sempre que se inicia uma nova apren-
dizagem, é preciso saber o que os alunos já sa-
bem e partir dessas constatações para regular
as etapas, rever a seleção do que se pretende
142
ensinar, prever o que deve ser enfatizado ou
diminuído, que recursos poderão colaborar
para a aprendizagem (textos, imagens, gráficos,
filmes etc.), entre outras ações.
O professor pode adotar dois critérios bási-
cos para identificar os conhecimentos prévios
dos educandos:
• as competências que se quer desenvolver e os
conteúdos a serem aprendidos, ou seja, o que
os alunos precisam para poder entrar em con-
tato, desenvolver e atribuir significado inicial
ao que se pretende que eles aprendam;
• os objetivos da aprendizagem, isto é, o que se
quer que os alunos aprendam sobre esses con-
teúdos.
Conhecer os educandos demanda do pro-
fessor uma atividade que se realiza pelo menos
em três dimensões. Implica construir instru-
mentos, delinear estratégias e criar mecanismos
de registros mediante os quais se identifiquem
a disposição dos educandos para aprender; as
capacidades, os instrumentos, as estratégias e
as habilidades que possuem para aprender, e os
conhecimentos, as informações e os fatos ad-
quiridos por eles nas atividades sociais de que
participam. Enfim, radiografar e compreender
o que se passa dentro de suas cabeças, o que
sabem, o que desejam, o que os motiva para
aprender é uma estratégia privilegiada para
adequar o ensino às suas necessidades e expec-
tativas de aprendizagem.
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143
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA
PAINEL 12
Resumo
Este texto pretende trazer alguma contribuição
para os educadores que atuam na Educação de Jo-
vens e Adultos e estão preocupados com a questão
da avaliação, reconhecendo que as práticas rotinei-
ras muitas vezes são utilizadas como atos de uso e
abuso de poder e, de modo geral, contribuem para
que o fracasso escolar seja encarado como fracas-
so pessoal do aluno.
Ele apresenta idéias sobre a construção de uma
avaliação democrática, que respeita o direito de os
alunos serem informados sobre seus processos de
aprendizagem e critérios utilizados para avaliá-los
e de serem orientados e ajudados em suas dificul-
dades. Sem informação não é possível promover
participação, reflexão, compreensão de erros e êxi-
tos e, também, não é possível garantir que os alu-
nos assumam responsabilidades perante a própria
aprendizagem e se sintam estimulados para pro-
gredir.
Mais que isso, o texto aponta a necessidade de
que os alunos participem efetivamente dos proces-
sos de avaliação, por meio de negociações e acor-
dos estabelecidos com o professor, nos quais se
definem objetivamente as finalidades, as ações, as
condições de realização, as responsabilidades e a
colaboração na tomada de decisões.
Introdução
As análises e as considerações sobre avalia-
ção tratadas neste texto pressupõem que se to-
mem como eixo central dois aspectos a partir
dos quais elas foram construídas.
Avaliação: aspecto curricular
que garante mudanças na
prática educativa dos
professores e êxito nas
aprendizagens dos alunos
Maria Amábile Mansutti
PCN em Ação – SEF/MEC
1. A perspectiva atual que tem orientado a cons-
trução dos currículos escolares. Nas últimas
décadas, os currículos estão voltados para o
desenvolvimento de capacidades e compe-
tências fundamentais para o exercício da ci-
dadania e colocam em relevância o contexto
social em que se produz a aprendizagem dos
alunos. É essa perspectiva que tem orienta-
do a elaboração dos documentos curricula-
res recentemente produzidos pelo MEC.
2. O reconhecimento de um distinto e singular
perfil da clientela da Educação de Jovens e
Adultos. Essa clientela caracteriza-se pela he-
terogeneidade de experiências, demandas,
necessidades e motivações, pelo domínio de
um amplo e diversificado rol de conhecimen-
tos, construídos a partir da experiência do co-
tidiano, e por peculiares disponibilidades
para novas aprendizagens.
A avaliação como elemento constituinte do
currículo e a tomada de decisões direcionadas
para o aprimoramento das aprendizagens dos
alunos são questões-chave para quem ensina no
segmento de jovens e adultos.
Se, por um lado, somos conscientes de que
mudanças na definição de objetivos, na manei-
ra de conceber a aprendizagem, na interpreta-
ção e na abordagem dos conteúdos implicam
repensar as finalidades da avaliação, por outro
lado, também sabemos que é por meio da ava-
liação praticada que revelamos nossas incoe-
rências pedagógicas.
Por mais que compactuemos com as idéias
inovadoras sobre currículo e afirmemos que
elas orientam nosso trabalho em sala de aula, a
forma como avaliamos os alunos é que mostra
144
o quanto nosso desejo está sendo concretiza-
do. A avaliação põe a descoberto o chamado
currículo oculto dos professores, e é por ele que
se reconhecem facilmente os objetivos implí-
citos, que seguramente foram promovidos de
forma significativa e os alunos perceberam
como mais importantes.
Portanto, a prática pedagógica efetivamente
exercida e a avaliação praticada são atividades
inseparáveis, que se condicionam mutuamente.
Infelizmente, também sabemos que, de modo
geral, a avaliação é o aspecto do trabalho docente
que menos tem motivado o professor e talvez
mais o aborreça, enquanto para os alunos é a
atividade mais temida e menos gratificante.
Se for legítimo o desejo de aprimorar a prá-
tica pedagógica, no sentido de que ela contri-
bua significativamente para a aprendizagem
dos alunos, temos de começar a construir esse
caminho revendo a avaliação.
O caminho percorrido
Aos poucos, estamos abandonando a idéia
de avaliar como prática para medir resultados,
em prol de outra idéia que a considera como
prática de análise do processo e identificação
de obstáculos à aprendizagem.
Isso se deve à forte influência da perspecti-
va construtivista, que preconiza a aprendiza-
gem como uma construção do sujeito, para a
qual concorrem, em igual nível de importância,
as idéias prévias sobre o que se está aprenden-
do, a compreensão da proposta apresentada e
as estratégias mobilizadas para resolvê-la.
No interior dessas novas idéias, surge uma
nova concepção de avaliação. Avaliação como
processo ou avaliação formativa, termo intro-
duzido em 1967 por M. Scriven para se referir
aos procedimentos utilizados pelos professores
com a finalidade de adequar seu trabalho aos
progressos e às necessidades de aprendizagem
dos alunos.
Embora ainda não seja amplamente prati-
cada, a avaliação formativa não é uma novida-
de para os professores, e podemos afirmar que,
no plano das representações, há um certo con-
senso em relação à sua relevância e à compre-
ensão de seus aspectos mais importantes:
• Considerar a aprendizagem um amplo proces-
so em que o aluno vai reestruturando seu co-
nhecimento por meio das atividades que lhes
são propostas.
• Buscar estratégias e seqüências didáticas ade-
quadas às condições de aprendizagem dos
alunos.
• Ampliar os conhecimentos do professor so-
bre os aspectos cognitivos dos alunos. Com-
preender como o aluno aprende, identificar
suas representações mentais e as estratégias
que utiliza para resolver uma situação de
aprendizagem.
• Interpretar os erros não como deficiências
pessoais, mas como manifestação de um pro-
cesso de construção. A construção do conhe-
cimento supõe a superação dos erros por um
processo sucessivo de revisões críticas. Con-
siderar os erros como objetos de estudo, uma
vez que eles revelam as representações e as
estratégias dos alunos.
• Diagnosticar as dificuldades dos alunos e
ajudá-los a superá-las.
• Evidenciar aspectos de êxito nas aprendi-
zagens.
Influenciados por essas idéias, os profes-
sores têm tentado, ainda que em tímidas ex-
periências, modificar suas práticas de avalia-
ção. Assim, procuram identificar os conheci-
mentos iniciais dos alunos sem recorrer a pro-
vas e testes; buscam com mais freqüência
adaptar as programações em função de resul-
tados de diagnósticos iniciais; detectam erros
e dificuldades, reforçam êxitos nas aprendiza-
gens. Enfim, procuram observar não só os re-
sultados, mas também os processos de apren-
dizagem de seus alunos.
Porém, essas experiências também têm co-
locado dificuldades de ordens diversas e bas-
tante complexas para os professores, como, por
exemplo: identificar as causas que provocam
erros na aprendizagem, decidir sobre a inter-
venção adequada para superar determinadas
dificuldades dos alunos, realizar a avaliação
formativa em classes numerosas ou, quando o
professor atua em várias turmas, dispor de tem-
po e instrumentos apropriados para recolher
informações etc.
145
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA
PAINEL 12
Para avançar, no sentido de encontrar res-
postas para essas questões, é preciso inicial-
mente considerar que a avaliação não pode ser
um processo de responsabilidade única do pro-
fessor, uma vez que ela implica uma grande
quantidade de decisões a serem tomadas, em
distintas singularidades de cada situação didá-
tica que se avalia e em supor os contextos hete-
rogêneos em que ocorrem as aprendizagens. É
preciso, portanto, incorporar outros aspectos
que permitam ao professor compartilhar a ava-
liação e poder praticá-la com a função de regu-
lar o processo de ensino e aprendizagem. Isso
implica buscar informações para compreender
como cada aluno atua diante das tarefas pro-
postas e possibilitar os meios de formação que
respondam adequadamente às características
particulares desses alunos.
Aspectos que precisam ser
incorporados pelo professor para
pensar a avaliação como função
reguladora da aprendizagem
• A aprendizagem se concebe como uma cons-
trução pessoal do sujeito que aprende, influen-
ciada tanto pelas características pessoais – es-
quemas de pensamento, idéias prévias, moti-
vação, experiências anteriores etc. – como pelo
contexto social em que ela se desenvolve.
• O êxito na aprendizagem também é garantido
pelas mediações que se produzem entre o alu-
no e o professor, entre o aluno e os demais. Em
função de esquemas de conhecimentos diver-
sos e de contextos culturais diferentes, os alu-
nos nem sempre percebem, da mesma manei-
ra, as demandas do professor. Por isso, é neces-
sário promover processos de negociação que
possibilitem aos alunos compartilhar as mesmas
idéias sobre os objetivos a serem atingidos.
• A aprendizagem pode ser favorecida se os
alunos se apropriarem progressivamente,
por meio de situações didáticas adequadas,
dos instrumentos e dos critérios de avalia-
ção do professor.
• A autonomia dos alunos é promovida quan-
do o professor compartilha com eles o con-
trole e a responsabilidade sobre suas apren-
dizagens, mediante estratégias e instrumen-
tos de auto-avaliação que propiciem a cons-
trução de um sistema pessoal para regular
seus processos de aprendizagem.
Esses novos aspectos imprimem um cará-
ter comunicativo e abrem novas perspectivas
para a avaliação, uma vez que propõem a
interação e a gestão social da aula e possibili-
tam compartilhar responsabilidades sobre a
aprendizagem. Eles direcionam o professor a
buscar estratégias didáticas alternativas que
auxiliem o aluno a aprender a aprender.
Estratégias propostas pelo professor
que podem promover o processo de
auto-regulação da aprendizagem
Comunicar objetivos e comprovar as
representações construídas pelos alunos
Experiências realizadas em sala de aula evi-
denciam que os alunos aprendem de maneira
mais significativa quando conseguem reconhe-
cer o que o professor quer lhes ensinar e de que
maneira ele pensa fazê-lo. Os estudantes preci-
sam ser informados sobre o que vão aprender e
por que determinadas atividades estão sendo
propostas. É preciso fazer que eles construam
uma representação do produto final que se es-
pera de cada atividade e dos resultados que se
pretende alcançar.
Para tanto, é preciso formular os objetivos,
de modo que possam ser compreendidos pelos
alunos. Certamente não basta enumerá-los tal
qual estão formulados no currículo. É preciso
planejar atividades que facilitem, para os alu-
nos, o reconhecimento das intenções do pro-
fessor. As atividades podem ser simples, mas
precisam estar voltadas para os interesses dos
alunos, de modo que eles se sintam envolvidos
na sua realização.
Essa estratégia tem dupla função: situar para
os alunos o que se pretende que eles aprendam,
os conteúdos pelos quais se inicia o estudo, e
permitir a cada um deles construir uma primei-
ra representação do que se quer atingir com a
seqüência didática proposta. Desse modo, o
caráter unidimensional e estático dos objetivos,
que são formulados pelo professor, torna-se
146
multidimensional. Cada estudante percebe os
objetivos de maneira pessoal e evolutiva, uma
vez que suas percepções irão se modificando
durante a aprendizagem e incorporando novos
elementos. Esse processo, que tem por base a
comunicação, é conduzido por negociações
constantes entre professor e alunos e acordos
que visam ao aprimoramento da aprendizagem.
Favorecer aos alunos o exercício da
antecipação e planificação das ações
A antecipação é uma espécie de predição
sobre resultados esperados em razão de ações
e caminhos previstos para chegar aos objetivos
propostos. A planificação é a concepção de um
plano de trabalho que poderá ser modificado
em função dos resultados que forem sendo ob-
tidos no decorrer de seu desenvolvimento.
Planificar implica combinar três elementos:
os objetivos, ou finalidades, as ações e as con-
dições de realização. Na planificação, revela-se
o conhecimento disponível nos alunos e os co-
nhecimentos a serem construídos por eles.
O aluno que sabe antecipar e planificar é ca-
paz de representar mentalmente as ações que vai
realizar para ter êxito na resolução das tarefas.
Na realidade das salas de aula, constata-se,
com freqüência, que os alunos não têm o do-
mínio dessas capacidades, que são decisivas
para se obter êxito nas aprendizagens. Eles pre-
cisam que o professor lhes ofereça situações
didáticas que facilitem o desenvolvimento des-
sas capacidades.
Ao planejar essas situações, é preciso que o
professor esteja atento ao fato de que a lógica
de quem está aprendendo é diferente da lógica
da disciplina ou do especialista. Quem apren-
de precisa construir uma representação da ação
a ser executada, incluindo todas as ações inter-
mediárias necessárias para alcançar o resulta-
do pretendido. Muitas vezes o professor já
interiorizou as ações intermediárias e não pro-
picia aos alunos a oportunidade de identificá-
las, o que pode constituir um obstáculo para os
alunos atingirem os objetivos, uma vez que não
conseguem, sozinhos, preencher essas lacunas.
A capacidade de antecipar e planificar ajuda a
minimizar essa dificuldade.
Possibilitar aos alunos a apropriação dos
critérios e dos instrumentos de avaliação
Não é comum que os professores explicitem
para os alunos os instrumentos e os critérios
que utilizam para saber quem aprendeu deter-
minado conteúdo. De modo geral, parece que
os professores interiorizam esses critérios de
forma intuitiva e não sentem necessidade de
objetivá-los. Na prática, essa atitude pode fa-
zer que, numa situação de avaliação, se avaliem
conteúdos que não são representativos das
aprendizagens promovidas em sala de aula ou
que se modifiquem os critérios de correção di-
ante dos procedimentos utilizados pelos alunos.
Portanto, parece adequado explicitar para
os alunos os critérios que serão considerados
para decidir sobre o entendimento de um con-
ceito, de um procedimento ou de uma atitude
esperada na realização de um trabalho. É pre-
ciso ensinar aos alunos como identificar as in-
tenções do professor e as exigências dele. Além
de comunicá-las, o professor precisa prever si-
tuações que propiciem a legitimação dos crité-
rios e dos instrumentos de avaliação pelos alu-
nos, o que pode ser feito por meio de auto-ava-
liação, da avaliação mútua e da avaliação com-
partilhada pelo aluno e pelo professor.
Para que os alunos aprendam a auto-regu-
lar suas aprendizagens, é preciso criar disposi-
tivos pedagógicos facilitadores, como, por
exemplo, propor unidades didáticas estru-
turadas e seqüenciadas em etapas de aprendi-
zagem, que possibilitem: um bom domínio dos
conteúdos envolvidos; construir uma represen-
tação adequada dos objetivos e dos critérios de
avaliação; realizar com segurança a antecipa-
ção e a planificação das ações. Isso supõe um
planejamento prévio pelo professor, que depois
será apresentado e negociado com os alunos.
Nesse processo, sobressaem-se o diálogo e as
verbalizações, que facilitam a explicitação e a
análise das representações dos alunos e seu
conseqüente aprimoramento.
Com a incorporação dos aspectos comunica-
tivos, completa-se o quadro que permite indicar
as duas dimensões primordiais da avaliação:
• A dimensão social, que é a de fornecer aos alu-
nos informações sobre o desenvolvimento das
147
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA
PAINEL 12
capacidades e das competências exigidas so-
cialmente e auxiliar os professores a identifi-
car os objetivos atingidos, com vistas a reco-
nhecer as capacidades e as competências dos
alunos que favorecem a inserção deles no mer-
cado de trabalho e possibilita maior partici-
pação na vida sociocultural.
• A dimensão pedagógica, que é a de fornecer
aos professores e aos alunos informações so-
bre como está ocorrendo a aprendizagem, so-
bre os conhecimentos prévios e os conheci-
mentos adquiridos, sobre os raciocínios de-
senvolvidos e as representações construídas,
sobre valores e hábitos dos alunos. A partir
dessas constatações, será negociada a realiza-
ção das revisões e das reelaborações de con-
ceitos e procedimentos ainda parcialmente
consolidados.
Estratégias e instrumentos
que podem ser utilizados para
avaliar as aprendizagens
Contrato didático. Texto no qual se registram
as negociações e os acordos realizados entre
professor e alunos, indicando objetivos a se-
rem atingidos, conteúdos a serem estudados,
tarefas a serem realizadas, responsabilidades
a serem cumpridas. O contrato didático tam-
bém pode conter acordos sobre organização,
comportamentos e atitudes, tempo e outros
aspectos importantes para a realização do tra-
balho. A avaliação consiste na análise do cum-
primento desses acordos e na tomada de de-
cisões sobre as ações necessárias para corrigir
erros e melhorar o rendimento.
Observação do professor. Registros abertos de
fatos, acontecimentos, conversas, comentá-
rios, e registros estruturados com pautas de
observação de aspectos predeterminados.
Testes e provas. Rotineiros, desafiadores, pro-
va em grupo seguida de prova individual, tes-
tes-relâmpago, testes cumulativos.
Questões ou situações-problema. Tradicionais,
desafiadoras, abertas, elaboradas pelos alunos.
Atividades que exigem justificativas escritas
orais. Questionários, entrevistas informais e
estruturadas.
Mapas conceituais. Para realizar diagnósticos,
para explorar e aprofundar conteúdos, para
orientar a sistematização de conhecimentos,
para verificar aprendizagens.
Atividades que utilizam linguagem escrita ou
oral. Memórias, diários, redação de cartas,
poesias, crônicas, músicas e jogos, diálogos,
histórias em quadrinho.
Atividades de culminância de uma unidade
didática. Projetos, campeonatos, olimpíadas,
seminários, exposições, portfólios.
O portfólio como estratégia
de avaliação
O portfólio pode ser visto como um recurso
para processar informações por meio da expres-
são oral e escrita, ferramentas indispensáveis
para a aprendizagem. Trata-se de uma coleção
de trabalhos realizados pelo aluno, no decorrer
de uma unidade didática, que evidenciem seus
acertos, habilidades, criatividade, interesses,
esforços, áreas fortes e vulneráveis, melhores
idéias etc.
Para orientar a organização do portfólio,
inicialmente, o professor precisa pensar em al-
gumas questões.
• O que os alunos vão aprender?
• Que atividades são importantes e necessárias
que eles realizem?
• As tarefas propostas são uma mostra válida de
suas capacidades? São representativas dos
processos e dos produtos desenvolvidos no
decorrer do trabalho?
• Como vou avaliar o progresso dos alunos?
• Que oportunidades serão oferecidas para que
os alunos possam fazer perguntas, revisar e
refinar estratégias e procedimentos?
• Minhas expectativas quanto às aprendizagens
dos alunos são adequadas? Quais critérios me
servem de modelo?
O portfólio pode conter: diários, cadernos, co-
mentários sobre trabalhos, reflexões pessoais e de
grupo, expressões de sentimento, idéias sobre pro-
jetos, investigações, gravações, vídeos, fotografias,
disquetes, evidências do esforço dos alunos para
148
cumprirem as tarefas, exercícios, provas, testes, tra-
balhos de grupo, rascunhos e trabalhos revisados.
A análise de portfólios pode ser um recur-
so de avaliação para o professor, na medida em
que permite observar como os alunos escre-
vem em diferentes condições e circunstâncias,
para vários destinatários e com diferentes pro-
pósitos; obter informações sobre o processo e
os produtos desenvolvidos pelo aluno no de-
correr do trabalho. Para os alunos, sua cons-
trução possibilita realizar a planificação do
processo de aprendizagem, desenvolver a
criatividade, a auto-estima e o compromisso
da auto-avaliação.
Conclusão
Em torno da avaliação gira todo o trabalho
escolar. Ela condiciona o que, quando e como
se ensina, e todos os ajustes que se devem in-
troduzir para atender à diversidade de necessi-
dades geradas em aula.
Mudar pontos de vista sobre a avaliação
implica mudar radicalmente muitas das percep-
ções que se tem sobre como ensinar para con-
seguir que os alunos aprendam. Pensar na ava-
liação como ponto central do currículo, e não
como atividade secundária, não é habitual, po-
rém é um dos caminhos que mais favorece mu-
danças na prática educativa dos professores e
no êxito das aprendizagens dos alunos.
Para iniciar essa reflexão, permitamo-nos
responder:
• Por que não...
... compreender a avaliação totalmente inte-
grada no processo de aprendizagem e evitar
confundi-la com momentos particulares em
que se aplicam testes, provas, exames?
... considerar que avaliar, antes de atribuir
uma nota, é conhecer a estratégia utilizada
pelo aluno na solução de uma tarefa e, des-
sa forma, identificar as causas de suas difi-
culdades?
... deixar de crer que as provas com perguntas
de respostas fechadas são mais objetivas que
as de respostas abertas?
... romper com a idéia de que as provas indi-
cam os alunos que fracassam e os que têm êxi-
to na aprendizagem? Em muitos casos, não
serão os próprios procedimentos de avaliação
responsáveis pelo fracasso dos alunos?
... pensar que os próprios alunos podem ser ca-
pazes de reconhecer seus êxitos e dificulda-
des e deixar de crer que a avaliação é somente
de responsabilidade do professor?
... acreditar que todos os alunos, ou a maioria
deles, são capazes de realizar aprendizagens
significativas e mudar a idéia de que em toda
classe sempre há um percentual de alunos for-
tes, fracos e médios?
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Avaliação de aprendizagem e
raciocínio em matemática
: métodos alternativos. Proje-
to Fundão. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática da
UFRJ, 1997.
149
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1313
1313
13
O LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTO
DA POLÍTICA EDUCACIONAL
Jean Hebrard
Ralph Levinson
Luz Philippi
Nabiha Gebrim
150
Resumo
O livro didático tem atravessado numerosas
evoluções desde que se transformou num dos ins-
trumentos obrigatórios da escolarização de massas.
Ele permitiu assegurar uma real eficácia às políti-
cas educativas que, desde o século XIX, têm tenta-
do erradicar o analfabetismo com professores de
baixa qualificação. Quando, a partir dos anos 1970/
1980, o nível de recrutamento e de formação dos
professores cresceu fortemente (mesmo que de ma-
neira desigual), os novos formadores (freqüen-
temente, universitários) têm contribuído para ten-
tar fazer do livro didático um dos representantes
do arcaísmo pedagógico. O sucesso das políticas
educativas em curso (completar o Ensino Funda-
mental de massas, fazer que cada aluno do Ensino
Fundamental, sem exceção, tenha uma formação
qualificativa) implica, certamente, que se reconsi-
dere o lugar do livro didático na prática pedagógi-
ca e, portanto, na formação.
As grandes etapas da
evolução do livro didático
O livro didático da escola de nível funda-
mental, tal como o conhecemos hoje, é um ins-
trumento relativamente recente na história da
educação. Durante muito tempo, os livros utili-
zados nas escolas tiveram outras funções.
Em outros tempos, o livro podia servir de
material para o aprendizado da leitura (que se
fazia, então, apenas via soletração). Nesse caso,
tratava-se de livros comuns e desarmônicos (li-
teratura de cordel, livros de orações e, até mes-
mo, registros de cartórios), que os alunos trazi-
am com eles nas escolas e decifravam na frente
do professor. O livro também podia conter os
conhecimentos que deviam ser memorizados,
e se transformava, assim, numa espécie de livro
O livro didático
de ontem ao amanhã
Jean Hebrard
Ministério da Educação Nacional – EHESS – Paris/França
do professor, que era lido por ele em voz alta
até ser aprendido de cor pelos alunos. Era o
caso do catecismo, que, durante muito tem-
po, só serviu de suporte para um ensino total-
mente oral. No século XVIII, quando, sob a in-
fluência do Iluminismo, o ensino começa a se
abrir para conhecimentos mais enciclopédi-
cos, é sob a forma de catecismos que se impri-
mem os primeiros livros escolares especia-
lizados (História, Geografia, Ciências, Gramá-
tica), que passam a ser utilizados apenas nas
escolas destinadas aos filhos das elites da bur-
guesia e da aristocracia urbana, ou por seus
preceptores.
Na maioria dos países, a verdadeira mo-
dernização do livro escolar se produz quan-
do, sob a influência das congregações que
ensinavam (em particular, os frades das Es-
colas Confessionais), surgem os primeiros li-
vros de exercícios. Eles são a conseqüência de
uma verdadeira revolução da pedagogia. Pela
primeira vez, nas pequenas escolas, junto
com o ensino da leitura e do catecismo, o en-
sino da escrita começa a ir além da capacida-
de de delinear letras e de copiar palavras. Ele
se abre para dois savoir-faire difíceis, que su-
põem um longo treinamento: a aritmética
(aqui entendida como a arte de calcular por
escrito) e a gramática (entendida como a arte
de ortografar corretamente um texto já não
copiado, mas escrito sob um ditado ou redi-
gido pelo aluno).
Assim, durante todo o século XIX, pode-se
encontrar dois livros para a gramática: um li-
vro destinado a transmitir uma descrição da
língua, que é freqüentemente aprendido de cor
(é o caso da gramática de Lhomond, por exem-
plo, para a língua francesa), e um livro de exer-
cícios, que permite conduzir o aluno pela difí-
cil ortografia das concordâncias de gênero e
151
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
de número, bem como à ortografia léxica (es-
ses livros são normalmente chamados de
cacografias, pois se apresentam como textos
cheios de erros que o aluno tem de corrigir).
Em contrapartida, durante muito tempo,
não houve outro livro de aritmética senão as
coletâneas de exercícios: com maior freqüên-
cia, são extensas listas de operações colocadas
em linha junto com os seus resultados (o que
comprova que elas não eram trabalhadas pe-
los alunos, mas utilizadas pelos professores
para dar exercícios que seriam resolvidos no
quadro-negro. Pode-se notar que, na medida
em que o livro escolar é caro, as congregações
que ensinam preferem utilizar cartazes a livros
para colocar à disposição dos alunos os conhe-
cimentos que eles devem aprender: o abece-
dário, o silabário, a coletânea de regras de gra-
mática e até mesmo os preceitos da moral po-
dem, assim, ser lidos coletivamente em voz
alta, a partir de grandes cartazes colocados nas
paredes da sala de aula, e mostrados pelo pro-
fessor por meio de sua varinha.
Desde então, o livro didático tornou-se um
objeto complexo, como suporte para duas ati-
vidades principais que estão interligadas:
Livro de leitura, que permite a leitura em aula
de alguns textos portadores de conhecimen-
tos (História, Geografia, Ciências, Religião) ou
de valores (moral, literatura), que são primei-
ro lidos em voz alta (um aluno lê; os outros
acompanham em silêncio) e depois explica-
dos sob a direção do professor (as perguntas
colocadas ao final do texto conduzem o pro-
cesso de explicação que, com maior freqüên-
cia, se desenvolve oralmente).
Livro de exercícios, que oferece ao aluno ba-
terias de exercícios ordenados numa progres-
são que permite um treinamento para os dois
savoir-faire e, portanto, implica um trabalho
individual no caderno de rascunhos (na Euro-
pa, utiliza-se muito a lousa individual).
De forma progressiva, essas atividades ins-
critas em livros separados são reagrupadas num
único livro, que se transforma, ao mesmo tem-
po, em livro de leitura e livro de exercícios. É o
caso da aritmética, quando as páginas de exer-
cícios são completadas por pequenos repertórios
de regras que explicitam os procedimentos de
resolução de problemas ou o sentido das opera-
ções. É o caso da gramática, quando a lição que
tem de ser aprendida de cor se encontra seguida
de exercícios, que permitem transformar o sa-
ber gramatical num savoir-faire ortográfico.
A inventividade daqueles que elaboram os
manuais lhes permite criar diversas situações
de trabalho que são, assim, acrescentadas à li-
ção: exercícios de transformação (preencher
com algumas palavras ou colocar uma frase no
plural, no singular, mudar o tempo dos verbos
ou a pessoa etc.); exercícios de análise gramati-
cal (dizer, para cada palavra de uma frase, a que
categoria do discurso ela pertence e qual é sua
função na frase); exercícios de definição (dar o
sentido de uma palavra, dar um sinônimo, o
contrário etc.). No caso, ainda, do livro de
aprendizagem da leitura, ali já não se encon-
tram separadas a aprendizagem da leitura e a
aprendizagem da escrita.
A partir daí, palavras ou textos para serem
lidos encadeiam-se com palavras ou textos para
serem escritos, numa articulação acertadamen-
te ritmada de exercícios de leitura e de exercí-
cios de escritura.
É na pedagogia da língua materna que o li-
vro escolar se torna crescentemente complexo
com o decorrer dos anos e onde se organiza uma
primeira metodologia integrada para o domí-
nio da língua. Ela concatena um texto para ser
lido, algumas perguntas de compreensão do lé-
xico daquele texto, algumas perguntas de com-
preensão da sintaxe, pequenos exercícios que
servem para fixar as regras de vocabulário ou
da gramática e, bem no fim, alguns exercícios
de redação de textos semelhantes àqueles que
foram lidos no início da seqüência. Esse mode-
lo, muito em voga nos anos 1920–1950, consti-
tui com certeza a culminação de um longo tra-
balho de concepção de manuais escolares, que
são cada vez mais marcados por preocupações
didáticas.
Entretanto, esse modelo, muito aperfeiçoa-
do, que se encontra na base da formação de pro-
fessores nas Escolas Normais, muda nos anos
1970 sob o impacto da transformação dos pro-
cedimentos de formação e da conquista, pela
universidade, do campo da pedagogia.
152
Com efeito, mesmo que uma grande parte
da formação permaneça fora da universidade
(tanto na França quanto no Brasil), é esta últi-
ma que assume a responsabilidade pela pes-
quisa, pela inovação e pelo acervo intelectual
de tudo aquilo que se refere à educação. Nesse
sentido, é interessante ressaltar como a tenta-
tiva de articulação entre Escolas Normais e
ensino universitário, no Brasil, nos anos 1920
e 1930, se revela, no final das contas, um fra-
casso (a USP, apesar de Azevedo, considerará
sempre seu Instituto de Pedagogia como um
enxerto ilegítimo).
A crise do livro didático
(anos 1970–1990)
O que caracteriza a década de 1970, na mai-
oria dos países, é o rápido descrédito de uma
pedagogia considerada como a arte de aplicar
inteligentemente métodos já comprovados,
cujos livros escolares fornecem um modo de
utilização seguro. Certamente, existem antece-
dentes para essa atitude. Ela tem sido freqüen-
temente a dos inovadores: Célestin Freinet, na
França, se expressa de forma muito dura ao se
referir a instrumentos que considera como os
melhores representantes dos arcaísmos peda-
gógicos, mas cria, por sua vez, outros instru-
mentos que os substituem. O que acontece nos
anos 1970 é certamente diferente, e resulta, tal-
vez em primeiro lugar, da conquista do campo
da formação por novos atores. Diante das Es-
colas Normais, nas quais existia, a partir de qua-
se um século antes, uma forte articulação entre
professores modelos (os professores das esco-
las de aplicação), formadores (os diretores e os
professores das Escolas Normais) e diretores de
coleções nas editoras escolares (geralmente os
mesmos), os Departamentos de Educação das
universidades não tinham outra saída senão
adotar uma posição crítica. Inventando novos
modelos de transmissão dos saberes e lançan-
do mão de uma autonomia tão grande por par-
te dos professores que só poderia ser adquirida
numa formação de alto nível, tais departamen-
tos ridicularizavam todos os modelos que, des-
de o início dos tempos, basearam a instrução
em dispositivos simples e repetitivos, fazendo
funcionar, no essencial, a memória. A partir daí,
na opinião deles, nenhum outro manual pode-
ria ser aceito.
O sucesso das múltiplas formas do cons-
trutivismo nos anos 1980-1990 é característi-
co desse movimento. Além dos aspectos polí-
ticos não desprezíveis que fazem dele o mo-
delo educativo da democracia, reencontrada
por diversos países da América Latina, o cons-
trutivismo (que, em suas versões mais popu-
lares ultrapassa largamente os modelos teóri-
cos piagetianos utilizados por Emília Ferreiro
para fundamentá-lo) incorpora a idéia de que
o professor pode apenas ajudar a criança a
construir seus conhecimentos, num encami-
nhamento que é sempre singular. Pela mesma
via, ele nega a possibilidade de basear-se num
livro escolar na sua forma tradicional (o que
nunca foi a posição de Freinet, por exemplo,
abrindo um espaço importante para a auto-
matização dos savoir-faire, numa perspectiva
herdada das máquinas que ensinam, do beha-
viorismo clássico).
Se examinarmos a produção didática des-
ses anos, particularmente rica em invenções
freqüentemente concebidas de maneira apli-
cativa, a partir das disciplinas universitárias (te-
oria da transposição didática), encontraremos,
de forma muito regular, capítulos inteiros de-
dicados à análise crítica dos manuais mais uti-
lizados. Isso é especialmente verdadeiro no do-
mínio da didática da leitura (apoiando-se seja
na fonologia, na gramática dos textos ou na crí-
tica literária), no da matemática (apoiando-se
nas teorias dos conjuntos), na gramática (em
que a lingüística se torna a disciplina de refe-
rência). Mas podemos encontrar essa situação
também em ciências (em que o método experi-
mental é reivindicado para denegrir a lição de
coisas), em história (na qual a Escola dos Anais
serve de apoio para criticar toda história
expositiva em benefício de uma crítica do do-
cumento) etc. Em cada um desses casos,
transparece que a única maneira inovadora de
trabalhar consiste em colocar a criança diante
de situações-problema concretas (que, portan-
to, não podem ser representadas nas páginas
dos livros), permitindo-lhe explicitar suas re-
153
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
presentações espontâneas (portanto, que não
podem ser previstas por um manual) e ajudan-
do-a a construir uma representação mais ajus-
tada do conceito em questão ou, ainda, as su-
cessivas etapas de um procedimento eficaz.
Nem a lição tradicional (como momento de ex-
posição do saber), nem o exercício (como mo-
mento de automatização de um procedimen-
to) terão espaço nessa nova concepção da ação
didática, que vem eliminar o direito de utiliza-
ção de um manual escolar.
Porém, é fácil constatar que a atitude críti-
ca dos novos formadores dos anos 1970–1980
evolui muito rapidamente. A resistência dos
professores permanece intensa. Eles sabem,
pela experiência, que uma atitude constru-
tivista (qualquer que seja o nome assumido por
ela) não pode ser adotada ao longo de toda uma
jornada letiva. A criança, tanto quanto o mes-
tre, tem necessidade de alternar momentos in-
tensos de reflexão e momentos mais rotineiros,
nos quais se continua a trabalhar, porém mais
para reforçar os saberes ou os savoir-faire
encontrados do que para construir novos deles.
Assim sendo, as editoras, atingidas pela cri-
se dos livros didáticos, encontrariam uma res-
posta. Elas inventaram os arquivos, que são co-
letâneas de exercícios pré-impressas, nas quais
os alunos fazem exercícios no meio de dois
momentos de descoberta (em alguns casos, ali-
ás, eles chegam a fazer só esses exercícios). Por
sua vez, as editoras iriam recorrer a novos for-
madores suscetíveis de repensar os livros didá-
ticos e de conceder suas grifes para produtos
que apareceriam como mais modernos. E nu-
merosos universitários deixaram-se tentar (tan-
to assim que, nas Faculdades de Educação, en-
contramos hoje professores que começaram sua
carreira nas salas de aula ou em instituições de
formação não-universitária e, portanto, possu-
em uma boa cultura da velha pedagogia).
Sua produção, que começa em meados dos
anos 1970, tanto na Europa quanto na América
Latina, atinge o apogeu nos anos 1990. Os no-
vos livros didáticos que eles escrevem caracte-
rizam-se pelo fato de se dirigirem aos profes-
sores mais do que aos alunos, sendo, freqüen-
temente, pequenos tratados didáticos que en-
cadeiam seqüências de atividades mais do que
exposições de conhecimentos e baterias de
exercícios.
Na realidade, esses manuais exemplificam
um procedimento, orientam o mestre mostran-
do-lhe como ele pode instaurar na aula uma si-
tuação de descoberta, em seguida explorá-la e,
por último, construir a noção em questão. Na
medida em que a colocação por escrito de uma
progressão didática, isto é, do encadeamento
de três ou quatro seqüências distribuídas numa
semana que visam construir um novo conceito
ou um novo procedimento, tornou-se o exercí-
cio mais importante da formação inicial, o li-
vro didático também se transformou numa co-
letânea de “progressões. Por esse motivo,
reintroduziu-se uma forte homogeneidade en-
tre formação inicial e produção de instrumen-
tos didáticos. Os formadores, assim, reconquis-
taram seu terreno.
É interessante notar que assim que a for-
mação continuada é fortemente institucio-
nalizada (por exemplo, pelo viés das funda-
ções, no Brasil) ela produz o mesmo tipo de
evolução. Contudo, quando ela se torna mais
ligada à vida associativa (com o constru-
tivismo, por exemplo) ou ao funcionamento
ordinário da vida escolar (formação a distân-
cia ou formação dentro da própria escola), ela
se situa mais demoradamente numa posição
crítica radical (como acontece na França, no
caso das animações pedagógicas organizadas
sob a direção dos inspetores, ou como acon-
tece no Brasil, no caso dos dispositivos de for-
mação a distância).
O uso desses novos manuais torna-se parti-
cularmente delicado. Eles se encontram, mui-
tas vezes, fora do alcance dos alunos, pois o dis-
curso didático tem tendência a eliminar a lição
e o exercício. Na França, onde o movimento al-
cançou seu paroxismo, os livros didáticos trans-
formaram-se em simples livros do mestre (o
professor dispõe de três ou quatro manuais di-
ferentes, nos quais ele seleciona uma seqüên-
cia por aqui, outra por ali), ou ainda em fichá-
rios que são fotocopiados e distribuídos para os
alunos. Os manuais desaparecem, então, das
pastas escolares e dão lugar aos classificadores/
fichários, nos quais se amontoam, bem ou mal,
as fichas mal fotocopiadas.
154
É possível uma renovação
do manual escolar?
Numerosas razões nos levam a pensar que
a crise do livro didático não é nem legítima nem
necessária. Se existe um objetivo importante
nas lutas que continuam a confrontar as dife-
rentes categorias de formadores, pela conquis-
ta de sua posição no campo da formação, exis-
te também um produto editorial, cujo merca-
do envolve grandes grupos financeiros, que
consideram o livro didático como um produto
central de sua produção, não estando, portan-
to, dispostos a concordar com seu desapareci-
mento. Enfim, começa a surgir, de forma cada
vez mais clara, quais são os modelos pedagógi-
cos (ou didáticos) sugeridos, e a escola não po-
deria deixar de funcionar sem instrumentos
desse tipo. O professor polivalente da Escola
Fundamental nunca será um especialista em
tudo o que se deve ensinar, e não é desejável,
para os alunos mais jovens, que ele seja substi-
tuído por uma equipe de professores especia-
lizados. Portanto, sempre haverá necessidade
do apoio de instrumentos confiáveis. Se quiser-
mos que o aluno do Ensino Fundamental con-
quiste sua autonomia na aprendizagem, ele pre-
cisa ser confrontado tanto com as informações
escritas como com as informações orais que o
professor lhe oferece. Finalmente, o status de
professor (e as aprendizagens) conhece certa-
mente uma nova evolução, que faz do adulto o
mediador entre a criança e os conhecimentos,
mais que o dispensador de saberes (pedagogia
tradicional) ou mesmo o organizador da mise-
en-scène da didática (pedagogia renovada). As-
sim, o manual pode (e deve) reencontrar suas
novas funções. Ele pode (e deve), ao mesmo
tempo, reencontrar seu lugar na formação.
Em contrapartida, é interessante notar que
os editores, de alguma maneira, anteciparam
essa evolução, inventando, nos anos 1980, nos
momentos mais agudos de queda de suas ven-
das, um novo produto que não destinaram às
escolas e aos professores, mas diretamente aos
pais dos alunos (quer dizer, aos mais susceptí-
veis, dentre eles, de fazer esses investimentos,
que no Brasil sabemos que representam as fa-
mílias que confiam seus filhos mais às escolas
particulares do que às escolas públicas). Essas
publicações, que na França são chamadas de
para-escolares” e, a princípio, foram inventa-
das para a preparação para os grandes exames
(baccalauréat, vestibular etc.), são constituídas
de pequenos manuais previstos para um uso
autônomo, sem a presença do professor. São
publicações que oferecem o que há de essen-
cial, em termos de conhecimentos que devem
ser aceitos, mais alguns modelos de exercícios,
acompanhados de suas correções, capazes de
reconstruir um savoir- faire que poderia ter sido
esquecido. Um autodidata pode utilizá-las sem
nenhuma dificuldade. Os modelos pedagógicos
aos quais obedecem são estritamente tradicio-
nais: oferecem resumos a serem aprendidos, li-
ções expositivas e exercícios de aplicação e ter-
minam por um treinamento direto para os exa-
mes. De fato, por trás de sua característica ar-
caica (visando à conquista de um público de
pais), escondem-se grandes qualidades, e são,
muitas vezes, produzidos por excelentes espe-
cialistas da didática atual. Atualmente, os livros
para-escolares” são pontos de referência im-
portantes para se repensar as funções dos ma-
nuais escolares.
Estes últimos devem ser, certamente, conce-
bidos de formas diferentes, segundo seu desti-
no: crianças na fase de alfabetização (1
a
e 2
a
sé-
ries no Brasil, 2
o
ciclo na França) ou crianças já
alfabetizadas (3
a
e 4
a
séries no Brasil, 3
o
ciclo na
França). Para os primeiros, o manual não pode
ser utilizado de maneira autônoma, pois os alu-
nos ainda não são leitores (ou bons leitores),
portanto deve ser uma coletânea de materiais
para aprendizagem. O procedimento didático
pertence inteiramente ao professor, que deve ter
aprendido, na sua formação, a dominar todas as
sutilezas. Para o ensino da leitura, por exemplo,
seria prudente separar, claramente, o que resul-
ta da construção do princípio alfabético, e por-
tanto, segundo E. Ferreiro, um trabalho de es-
critura próximo da resolução de problemas, da-
quilo que resulta da compreensão de textos, que,
nessa etapa, se faz melhor oralmente (leitura de
textos em voz alta, pelo professor, reformulação
pelo aluno, debate sobre a interpretação em gru-
po etc.). Um manual não é necessário no primei-
ro caso. Álbuns de literatura de juventude são
155
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
mais adequados, no segundo caso, do que os
manuais. Se, definitivamente, o manual ainda
pode ser útil, uma vez construído o princípio al-
fabético, é para fornecer baterias de exercícios
suscetíveis de conduzir o reconhecimento das
palavras e de automatizá-lo (sabemos que isso
supõe um material organizado em função da re-
gularidade da representação fônica, da freqüên-
cia das palavras etc.). Ainda não dispomos desse
tipo de material.
Para os alunos maiores, que começam a sa-
ber ler de maneira autônoma, a relação com a
escrita é diferente. Eles podem começar, util-
mente, a descobrir que a escrita pode guiar a
ação (numa seqüência de aprendizagem autô-
noma feita sobre uma ficha) ou, ainda, contro-
lar a informação (seguida de uma seqüência de
descobertas). Não se pode esquecer que, assim
que estiverem na escola média, deverão, com
freqüência, realizar trabalhos sozinhos, com
seus instrumentos de trabalho, e muitos deles
não terão aprendido.
Isso certamente supõe uma dupla evolução
da engenharia pedagógica. De um lado, ela deve
aprender a fornecer ao aluno informação
estruturada e organizada, suscetível de respon-
der às questões que ele se coloca cada vez que
está realizando um procedimento de pesquisa.
Nesse sentido, é urgente sair da ilusão de que a
criança inventa conhecimentos. Se ela os cons-
trói, o que é diferente, é apoiando-se sobre os
saberes que nossas culturas constituíram. Em
síntese, a escola atualmente tem necessidade
de livros didáticos que sejam pequenas enciclo-
pédias de conhecimento dos programas, não
como no passado, para aprendê-los de cor, mas
para verificar, cada vez que for necessário, o que
se acredita ter compreendido e aprendido. É
preciso, sobretudo, não acreditar que os recur-
sos da web poderão ser suficientes. É precisa-
mente sua dispersão que dificulta a consulta na
perspectiva de uma verificação. Se, por exem-
plo, em história, se deseja informações sobre a
Inconfidência, é importante que se possa en-
contrar, em algumas páginas antes, no mesmo
documento, os elementos econômicos e políti-
cos no âmbito dos quais esse acontecimento se
produziu, e em algumas páginas depois as con-
seqüências desses mesmos fenômenos sobre o
acontecimento considerado. Aqui, a continui-
dade é a regra. Nenhuma ligação de hipertexto
permite reconstituí-la. O livro escolar, pelo seu
didatismo, é insubstituível. Constatamos que
são pouco numerosos os editores que aceitam
essa perspectiva.
Um segundo aspecto do debate é o que se
refere à seqüência didática. Ela deve se apoiar
no livro didático ou deve refletir a arte e a habi-
lidade do professor? Por muito tempo, pensou-
se que a qualidade de um professor estava di-
retamente ligada à sua capacidade de construir
seqüências didáticas particularmente sutis.
Atualmente, sabemos que esse modelo foi her-
dado da pedagogia expositiva utilizada no se-
gundo grau e contribui para reforçar o ensino
frontal: fazer encadear as etapas sucessivas do
procedimento dificulta, em grande parte, a di-
ferenciação que seria capaz de recuperar o alu-
no em dificuldade. Na França, considera-se que
esse tipo de pedagogia funciona sob a condi-
ção de se deixar de lado de 15% a 20% de uma
turma (aqueles alunos que não construíram o
que o procedimento lhes teria permitido cons-
truir, a cada etapa). A preocupação em condu-
zir bem o processo domina sempre a preocu-
pação de não deixar nenhum aluno na beira do
caminho.
Desde então, são numerosos os pedagogos
que começam a pensar que a sutileza da pro-
gressão permite, certamente, levar muito mais
longe os melhores alunos, mas contribui para
aprofundar o fosso entre estes e aqueles que
apresentam mais dificuldades. Na perspectiva
a que se referem seguidamente os modelos de
Vygotsky, se desejamos aumentar as interações
de aprendizagem é importante liberar mais o
professor das tarefas de condução de seqüên-
cia a fim de que conserve toda a liberdade ne-
cessária para acompanhar individualmente, nas
tarefas em curso, os alunos que mais necessi-
tam dele. Talvez seja conveniente substituir o
uso, sempre um pouco vergonhoso, do manual
pelo apoio decidido a tais alunos. Isso equivale
a conceder ao aluno, dentro de um espírito de
uma autodidaxia inteligente, a responsabilida-
de pela condução da seqüência e a reservar para
o professor o monitoramento e o apoio de que
a criança necessita. Assim sendo, podemos ver
156
aqui que, ao contrário da função enciclopédi-
ca, a função propriamente didática do manual
poderia ser assumida pelas máquinas (tal como
ela já o fez em numerosas seqüências não esco-
lares de aprendizagem que se apóiam na simu-
lação de situações-problema): o texto escrito
em papel já não serve como o melhor apoio.
A formação deveria rapidamente extrair das
colocações anteriores todas as conseqüências,
desenvolvendo, muito mais do que ela o faz hoje
em dia, as capacidades de interação dos pro-
fessores (análise do erro, condução do diálogo
didático entre o adulto e a criança, construção
dialogada das representações asseguradas etc.).
O destaque concedido ao oral (e, portanto, ao
diálogo didático) talvez nada mais seja do que
a tomada de consciência sobre essa questão.
Todavia, restará ainda um problema delicado a
ser solucionado: evitar a possível disjunção en-
tre aqueles que elaboram as seqüências didáti-
cas (que poderiam vir a ser parte do pessoal que
trabalha em editoras de publicações impressas
ou on-line) e os especialistas em interação (os
próprios professores). Esse é certamente o de-
safio ao qual as políticas educativas se arriscam
a confrontar nos próximos anos. O livro didáti-
co, ou seus substitutos numéricos, será certa-
mente um dos fatores em jogo em tal desafio.
Resumo
O presente documento destaca os problemas
associados ao livro didático de Ciências e a rela-
ção entre o livro didático e o conhecimento cien-
tífico. Os livros didáticos promovem um modelo
de ciência empírico-indutivo, contrário aos pro-
cedimentos que seriam adotados por uma abor-
dagem histórico-filosófica. Novos modelos para o
ensino de Ciências são apresentados, em conjun-
to com as implicações para a relação entre o livro
didático, ao aluno e ao professor.
Introdução
Desde que freqüentei a escola, há mais de
trinta anos, ocorreram mudanças surpreen-
O professor, o aluno e o livro
didático oficial de Ciências:
será que deveríamos renunciar
ao livro didático?
Ralph Levinson
Instituto de Educação – Universidade de Londres – Inglaterra
dentes nos livros didáticos de Ciências. Os li-
vros didáticos modernos utilizam três cores
em vez de preto-e-branco; há mais quebras no
texto e uma série de atividades; há fotografias
coloridas modernas com jovens e breves le-
gendas explicativas com perguntas, enquanto
os antigos livros didáticos mostravam homens
em casacos brancos por meio de um aparato
complicado; há fotos de meninas e de moças
no livro didático moderno; antes só havia fo-
tos de homens – e isso quando mostravam
pessoas; o livro didático moderno utiliza dia-
gramas coloridos e uma série de imagens para
ilustrar um conceito ou um fato; o livro didá-
tico antigo utilizava predominantemente tex-
tos; o livro didático moderno utiliza imagens
e problemas contemporâneos; o livro didáti-
157
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
co antigo era muito mais abstrato; a linguagem
do livro didático moderno é muito mais ami-
gável para o leitor mais jovem.
No entanto, os livros didáticos modernos
não são populares para George Nelson, dire-
tor do projeto AAAS 2061. “Nossos alunos es-
tão arrastando para casa textos pesados reple-
tos de fatos desconexos, que não os educam
nem os motivam.
Os livros didáticos de Ciências para crian-
ças das séries intermediárias foram conside-
rados inadequados e crivados de erros. Esse
fato provocou furor na imprensa dos Estados
Unidos, no que se refere à educação científica
de gerações futuras. Além de conterem concei-
tos errôneos e imprecisões, os livros estavam
cheios de estratégias diversivas, tais como uma
barra lateral em profissões referentes à confec-
ção de jóias em um capítulo sobre metais, o
que desviava a atenção das idéias centrais e era
irrelevante. Os exercícios pediam às crianças
para fazer coisas impossíveis ou que não ti-
nham nenhuma ligação com o conteúdo da
matéria (Raloff, 2001). A fonte do problema
está localizada no currículo e nos roteiros dele
decorrentes. As exigências dos roteiros eram
expressas em termos de fatos”, e os livros di-
dáticos improvisavam para atender a esses fa-
tos, por meio de uma abordagem transmissiva,
carregada de conteúdo. As preocupações de
Nelson encontram eco nas de outros educado-
res norte-americanos:
Os livros didáticos, de um jeito ou de outro, do-
minam o que os alunos aprendem. Eles definem
o currículo e freqüentemente os fatos aprendi-
dos, na maioria das matérias... e os professo-
res valem-se deles para organizar aulas e
estruturar a matéria. Mas o sistema atual de
adoção do livro didático tem enchido nossas
escolas de cavalos de Tróia – blocos de papel
com capas brilhantes, cujas palavras emergem
para entorpecer as mentes dos jovens de nossa
nação e torná-los inimigos da aprendizagem
(Graham Down, A. 1988).
Embora haja alguns bons livros didáticos no
mercado, os editores são praticamente compe-
lidos por políticas e práticas públicas a criar li-
vros didáticos que confundem os alunos com
falsas ilações que os desorientam e desinfor-
mam, além de entediá-los profundamente com
textos áridos e inúteis (Tyson-Bernstein, 1988).
O professor moderno utiliza o livro didáti-
co como um mecanismo para a instrução em
sala de aula. Nos Estados Unidos e na Europa
Ocidental, entre 75% e 90% do tempo em sala
de aula envolvem algum tipo de atividade com
livro didático (Woodward, Elliot e outros, 1988).
A forma pela qual os livros didáticos são uti-
lizados bem como o grau de autonomia de es-
colas e professores para escolhê-los variam de
um país para outro. Nos Países Baixos, por
exemplo, os livros didáticos de Matemática são
produzidos comercialmente, e as escolas têm
liberdade para selecioná-los, enquanto nos pa-
íses da Orla do Pacífico a produção de livros di-
dáticos é centralizada e está sujeita à aprova-
ção do Ministro da Educação. Na Suíça, os tex-
tos oficiais devem ser empregados no primeiro
e no segundo graus (Foxman, 1999). Indepen-
dentemente do grau de controle político que
orienta a produção e o emprego de livros didá-
ticos, a tendência é a de que aumente o predo-
mínio de livros didáticos nas salas de aula.
Na Inglaterra e no País de Gales, há um alto
grau de colaboração entre as bancas examina-
doras e as editoras para a produção de livros
didáticos oficiais, que seguem os roteiros
prescritos. Esses livros contêm mensagens im-
plícitas sobre a natureza da matéria e o que
pode ou não pode ser considerado correto
(Jenkins, 1999). Nessas circunstâncias, o livro
didático orienta o que é ensinado e a forma de
ensinar (Yager, 1992). A despeito de todos os
esforços técnicos e comerciais envolvidos em
sua produção, como argumenta Yager, em Ci-
ências o alto grau de utilização de livros didá-
ticos não parece haver produzido bacharéis
científica e tecnologicamente instruídos
(Yager, 1983), conclusão endossada quase vin-
te anos mais tarde pelo Projeto 2061. Se o livro
didático dirige a cobertura do conteúdo, esse
fato contradiz o que se conhece da teoria
construtivista, ou seja, que o conhecimento
sobre o mundo é ativamente construído pela
criança (Driver, 1983). Embora pesquisas te-
nham caracterizado os livros didáticos de Ci-
158
ências em termos de concepções errôneas
(Cox, 1996), análises de gênero (Kearsey e
Turner, 1999), apelo visual (Holliday, 1990), fa-
cilidade de leitura (Chiang-Soong e Yager,
1993) e representação de gênero (Bazler e
Simonis, 1991), meu objetivo no presente ar-
tigo é demonstrar que:
1. a utilização excessiva de livros didáticos
desprofissionaliza” e desabilita o professor;
2. o trabalho com textos deve ser abordado na
teoria e na prática em treinamentos que an-
tecedem a profissionalização do professor
e em seu desenvolvimento profissional;
3. os livros didáticos devem ser criados de for-
ma a interagir com as idéias das crianças.
O livro didático como
conhecimento organizado
Embora alguns livros didáticos sejam ofici-
ais e seus autores sejam freqüentemente sinôni-
mo de um corpo específico de conhecimento, os
textos não são simplesmente sistemas de expo-
sição de fatos. Esse conhecimento é seleciona-
do e legitimado por autoridades e grupos de po-
der, e os livros didáticos participam do conheci-
mento organizado da sociedade (Apple e
Christian-Smith, 1991). Os livros didáticos de
Ciências envolvem três grupos com dimensões
distintas de conhecimento – conhecimento ci-
entífico, conhecimento científico adquirido na
escola e conhecimento da vida/do mundo ou
idéias das crianças (Koulaidis e Tsatsaroni, 1996).
Um modelo tradicional de transmissão de
conhecimento veria o conhecimento como
difuso e filtrante a partir da área dos especia-
listas, que é a comunidade de cientistas, dos
professores para os alunos. Nesse modelo, o
livro didático simplifica o conhecimento cien-
tífico autêntico, de forma que os alunos pos-
sam recebê-lo adequadamente.
Se, por um lado, os livros didáticos podem
ser publicados de acordo com esse modelo, por
outro, há fatores problemáticos: a natureza da
comunidade científica, a relação entre conhe-
cimento científico e conhecimento escolar e as
idéias dos alunos. A comunidade científica não
é uma entidade monolítica. Algumas áreas de
conhecimento podem ser tidas como aceitas,
como, por exemplo, a teoria da seleção natu-
ral, a primeira e a segunda leis da termodi-
nâmica ou a teoria atômica. Mas há discor-
dâncias entre cientistas sobre outros aspectos
do conhecimento, a exemplo de debates entre
biólogos sobre a primazia da genética e sobre
qual tipo de conhecimento deve ser priorizado.
Os livros didáticos são seletivos. A ciência
escolar não é um processo de simplificação do
conhecimento científico, mas, sim, como ar-
gumentam Koulaidis e Tsatsaroni, uma rees-
truturação da área correspondente de conhe-
cimento científico por meio de processos de
re-contextualização” (Koulaidis e Tsatsaroni,
1996). A ciência escolar se diferencia do conhe-
cimento científico e geralmente tem pouca re-
lação com os procedimentos e as informações
utilizados pelos cientistas.
Modelos de ciência
Um problema do modelo de ciência cor-
rente que predomina nos livros didáticos é a
promoção de um modelo de ciência empírico-
indutiva, ou seja, as teorias surgem natural-
mente por meio da análise de dados. Matthews
critica, de forma mordaz, a maneira pela qual
livros didáticos de Física, reconhecidos e am-
plamente utilizados, explicam a forma como
Galileu criou as leis do movimento do pêndu-
lo observando passivamente o movimento de
um candelabro na igreja de Pisa.
Se a descoberta do movimento isocrônico do
pêndulo foi tão simples quanto relata a histó-
ria do livro didático, teremos problemas para
explicar por que Oresme, Leonardo, Buridan,
Benedetti e todos os demais estudiosos e ob-
servadores de pêndulos em movimento nos
mundos ocidental e não-ocidental não perce-
beram o que se alega haver sido percebido por
Galileu (Matthews, 1994).
A matemática, o experimento orientado
pela matemática, a filosofia e a história cons-
tituíam aspectos interativos das conclusões a
que Galileu chegou naquele lugar e naquele
momento específicos.
159
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
Uma análise de 31 livros didáticos univer-
sitários de Química sobre o experimento de
Millikan com a gota de óleo, na descoberta da
unidade básica de carga elétrica, mostrou que
aqueles livros não abordavam os aspectos his-
tóricos e filosóficos do experimento (Niaz,
2000). Nenhum dos livros didáticos relata a
controvérsia entre Millikan e Ehrenhaft, na
qual este levantou argumentos contra os da-
dos de Millikan e sugeriu que a quantidade real
de carga seria bem menor. Millikan ganhou o
dia. Mas um estudo das anotações de Millikan
mostrou que ele era, de fato, seletivo em rela-
ção aos dados que empregava. A teoria de
Millikan foi comprovada e forneceu uma base
crucial para trabalhos posteriores nessa área.
A questão é que a teoria de Millikan se basea-
va amplamente na tradição de pesquisa que o
cientista adotava, de modo que ele selecionou
a evidência que melhor corroborava sua teo-
ria. A teoria direcionou os dados. Os livros di-
dáticos, entretanto, apresentam uma visão do
método científico segundo a qual a teoria sur-
ge naturalmente dos dados (Wilkinson, 1999).
Outros estudos demonstram a forma pela
qual os livros didáticos apresentam um relato
historicamente idealista da ciência e sua rela-
ção com a tecnologia. Quando há evidência
considerável para mostrar que a tecnologia é
histórica e ontologicamente anterior à ciência,
os livros didáticos assumem uma visão segun-
do a qual as teorias geradas por cientistas for-
necem, de forma não problemática, uma base
para os produtos tecnológicos (Gardner, 1999).
Os relatos de descobertas científicas não levam
em conta a heurística pessoal dos cientistas,
suas suposições, e o contexto social, político e
histórico no qual surgem as idéias.
Uma objeção a essa abordagem é o fato de
que o envolvimento com o processo da desco-
berta científica é um fardo muito pesado para
as crianças. Não podemos recriar todas as des-
cobertas científicas em sala de aula e testar a
prática e as teorias de cientistas altamente ex-
perientes. Conforme argumenta Millar, há
princípios básicos na ciência que agora são
aceitos, e seria inútil considerá-los inconsis-
tentes (Millar, 1997). Mas há uma diferença
entre apresentar a ciência como uma “retórica
de conclusões” (Yager, 1983) – na qual o aluno
tem pouco ou nenhum envolvimento intelec-
tual, contrariamente a um entendimento do
desenvolvimento e da luta de idéias – e a na-
tureza complexa e tentativa da ciência.
Enquanto escrevo este artigo, numa sexta-
feira, 13 de julho, o rádio noticia a descoberta
de um gene, o Apo-E, que aumenta o risco de
doenças coronarianas em fumantes do sexo
masculino. Nesse caso, o risco implica uma
interação entre genes e o meio ambiente. Você
pode ser portador de genes que indicam uma
suscetibilidade acima do normal a uma doen-
ça, mas isso não quer dizer que você contrairá
essa doença. Palavras como risco” e “susce-
tibilidade” são cruciais, hoje, para o entendi-
mento de debates sobre saúde pública e polí-
ticas científicas. Ainda assim, abra qualquer
livro didático de Biologia e você verá diagra-
mas e explicações que indicam uma relação
direta entre os genes de uma doença, tal como
fibrose cística, e a aquisição da doença. A re-
lação entre gene e doença não é direta e pode
ser mediada por outros genes e por uma série
de fatores ambientais. Até mesmo um consi-
derado livro didático do Reino Unido, que pre-
tende ampliar o entendimento dos alunos a
fim de ajudá-los a desenvolver uma visão mais
harmoniosa e madura de […] importantes ex-
plicações científicas, continua a apresentar
essa relação direta entre gene e doença como
algo não-problemático (Hunt e Millar, 2000).
Se os currículos avaliarem os alunos em ter-
mos de fatos facilmente marcados, as escolas
adquirirão aqueles livros didáticos que mais
facilmente apoiarem essa finalidade. Não cau-
sa surpresa, portanto, o fato de que os livros
didáticos raramente refletem questões con-
temporâneas ou modelos de como a ciência
funciona.
Precisamos de mais evidências empíricas
sobre o efeito dos livros didáticos nas imagens
que as crianças fazem de um determinado as-
sunto. Se os livros didáticos apresentarem uma
imagem distorcida e enganosa da ciência e de
outras matérias, será necessário explorar o pa-
pel do professor em relação ao livro didático. Em
um primeiro momento, o papel do professor
deve ser desacoplado daquele do livro didático,
160
e o aluno deverá ser reconceitualizado como um
construtor ativo de conhecimento, em vez de um
receptor de informações transmitidas.
Novas relações entre o
professor e o livro didático
Um começo seria transformar as aulas, par-
ticularmente as aulas de Ciências. O aluno pas-
saria a ser o intérprete de idéias e não o recep-
tor de informações.
A solução é deixar de considerar as aulas de Ci-
ências como o estudo da natureza. A ciência em
si pode ser um estudo da natureza, mas as aulas
de Ciências deveriam ser o estudo do que as pes-
soas disseram e pensaram sobre a natureza. O
principal objeto da atividade interpretativa de-
veria ser não o circuito em si, mas o que alguém
falou sobre o circuito; não os eventos no tubo de
ensaio apenas, mas a forma pela qual alguém fala
sobre esses eventos… As aulas de Ciências deve-
riam ser o estudo de significados criados por se-
res humanos (Sutton, 1992: 72).
Nesse cenário, os alunos interpretam e ava-
liam idéias, mas não se pode esperar que re-
criem ou elaborem teorias por si sós, um dos
problemas heurísticos na inovadora Ciência
Nuffield da década de 1960. Em vez de proces-
sar fatos para fins de avaliação, os alunos se
tornam intérpretes do fato e se envolvem com
a narrativa independentemente da fonte – quer
escrita ou oral, em palavras ou imagens – e
comparam essa narrativa à sua própria versão
da realidade.
O trabalho prático poderá pedir aos alunos
que testem as discrepâncias entre interpreta-
ções, tal como o relato original e interessante
de Boyle sobre a compressibilidade dos gases,
e relacionar esse relato com as explicações dos
próprios alunos sobre a compressão de uma
seringa de ar e o teste da Lei de Boyle (Sutton,
1992). Um outro exercício poderá pedir aos
alunos que reescrevam uma brochura expli-
cando as vantagens e os riscos de um trata-
mento com raios X para pacientes hospitaliza-
dos. O papel do professor é criar o cenário da
narrativa e utilizá-lo para estabelecer uma
ponte – ou mesmo levantar problemas – entre
as concepções do aluno e as concepções da
ciência.
O livro didático torna-se um recurso para
que o professor contextualize – e não lidere –
o tópico, e pode ser utilizado para apresentar
uma versão condensada e oficial dos fatos,
mais ou menos nos moldes dos livros didáti-
cos tradicionais. O livro didático seria comple-
mentado por material de fonte – como, por
exemplo, breves relatos de cientistas como
Faraday, Millikan, Darwin; notícias de jornal;
trechos de vídeos; notícias de rádio; extratos
de grupos de campanha; e até mesmo relató-
rios científicos – nos quais os alunos pudes-
sem colocar perguntas, como: “O que diz o re-
latório? Qual a conclusão? Qual a evidência da
conclusão?” Recursos como o Satis (Reino Uni-
do), o Plon (Países Baixos) e o Ciência e
Tecnologia para Todos (Israel) possuem esses
elementos básicos.
Os livros didáticos, obviamente, podem
constituir material de fonte para que os alu-
nos sejam encorajados a avaliar qualquer livro
didático da forma como avaliam qualquer ou-
tro material de fonte. Na realidade, os profes-
sores deveriam avaliar os livros didáticos da
mesma forma.
Stinner identificou três tipos de conheci-
mento que os livros didáticos não abordam: as
pré-concepções dos alunos, a imagem con-
temporânea da natureza da ciência e as dife-
rentes conexões entre ciência, tecnologia e so-
ciedade (Stinner, 1995). Ao defender um novo
papel para o livro didático, Stinner propõe uma
forma coerente com um modelo que concebeu
para professores em formação. Nesse modelo,
o professor deve auxiliar o aluno a estabelecer
conexões entre três planos de atividade
cognitiva: os planos da lógica, da evidência e
da psicologia (LEP). O plano da lógica compõe-
se de leis, princípios, modelos, teorias e fatos;
o plano da evidência é a evidência ou o racio-
cínio que apóia o plano da lógica; e, finalmen-
te, temos o plano da psicologia, que implica a
ação sobre o conhecimento anterior dos alu-
nos, a apresentação do conceito de tal forma
que satisfaça as condições necessárias de
inteligibilidade, plausibilidade e utilidade.
161
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
Sugere-se que os livros didáticos corrobo-
rem o modelo LEP, no sentido de que a histó-
ria do texto associe conceitos à evidência mos-
trada na história e na filosofia da ciência, de
forma fluida e natural. O formato e o estilo do
livro didático tornam-se uma história em lu-
gar da subdivisão em discretos capítulos
(Stinner, 1995).
Outra abordagem, coerente com os dois
exemplos anteriores, seria fornecer um texto
que auxiliasse as crianças a entender o mundo
natural e material por meio de tarefas simples,
porém envolventes, que as encorajem a asso-
ciar a evidência às explicações adjacentes. Os
critérios para esse tipo de texto incluem a ex-
posição para o professor, em linguagem sim-
ples e clara, das metas de cada unidade, das
concepções errôneas que os alunos provavel-
mente trarão para o tópico, da forma pela qual
essas concepções errôneas devem ser sistema-
ticamente abordadas, além do fornecimento
de exemplos de fenômenos cotidianos que fa-
çam parte da vida das crianças – o que aconte-
ce com o ar que é bombeado no pneu de uma
bicicleta e para onde vai a água quando as rou-
pas molhadas são colocadas para secar em um
varal (Budiansky, 2001). O problema dos exem-
plos citados é que o professor, e não o livro
didático, é imprescindível para expor as evi-
dências e orientar os alunos na conquista dos
objetivos.
Conclusão
Até o momento, o que se viu foi um qua-
dro bastante pessimista do papel do livro di-
dático: impreciso, irrealista, transmissivo, au-
toritário, capcioso. Mas não seria correto re-
nunciar a ele e sugerir que esse quadro seja
universal ou, ainda, que essas características
sejam comuns a todos os livros didáticos. Pro-
fessores e alunos ainda necessitam de uma
fonte de informações prontamente disponível
e portátil.
Se, por um lado, há excelentes livros didá-
ticos para alunos, por outro, o problema é a uti-
lização excessiva desses livros pelos professo-
res. Uma solução para corrigir as concepções
errôneas e as imprecisões contidas nos livros
didáticos seria atribuir um papel de maior re-
levância aos cientistas na redação desses livros
(Raloff, 2001). O livro didático poderia, assim,
tornar-se uma fonte confiável de informações,
utilizado pelo professor para seus próprios ob-
jetivos pedagógicos. Cientistas e professores
poderiam trabalhar em conjunto na redação de
textos, combinando conhecimento científico
contemporâneo e precisão com o discerni-
mento dos métodos de ensino atuais. Haveria
inevitavelmente tensões, mas ambas as partes
poderiam começar a aprender uma com a ou-
tra, fato que, por si só, poderia transformar a
autoria de futuros livros didáticos e a nature-
za do currículo escolar.
Os dois primeiros modelos apresentados
no presente artigo – os alunos como intérpre-
tes e o LEP – têm como objetivo aprimorar o
pensamento crítico do aluno, enquanto o ter-
ceiro modelo assegura ao aluno, por meio de
experiências apropriadas, a orientação de que
ele necessita para extrair algum sentido dos
conceitos científicos dominantes. No primei-
ro modelo, o papel do livro didático seria for-
necer os antecedentes científicos, e é nesse
ponto que o insumo de cientistas profissionais
poderia ser importante. O livro didático tor-
na-se uma referência e não um guia. Meu pro-
blema em considerar o livro didático um com-
plemento do modelo LEP reside no fato de que
essa abordagem é um convite para que o livro
didático desempenhe um papel mais domi-
nante, levando, assim, os professores a utilizá-
lo excessivamente. O terceiro modelo poderia
ser interpretado como um guia do professor,
uma fonte de idéias, e não algo para ser colo-
cado na frente dos alunos como um texto ofi-
cial e definitivo.
É interessante observar que o Projeto 2061
não detectou tantos problemas no que se re-
fere aos livros didáticos para alunos acima de
16 anos. A necessidade de volumes mais con-
cisos nessa etapa, com informações mais
factuais, é questionável. Para crianças na faixa
etária de 12 a 16 anos, entretanto, poderia ha-
ver mais ênfase sobre o pensamento científi-
co, o entendimento da natureza da ciência,
suas limitações, a formação da base para
decisores potenciais, bem como para aqueles
162
alunos que pretendem se especializar na área
científica. Um exemplo recente e excelente
dessa abordagem é o livro “Ciência para enten-
dimento pelo público” (Science for public
understanding, de Hunt e Millar, 2000), uma
vez que define as questões sociais e fornece a
ciência substantiva para informar os debates.
O treinamento na fase de formação dos pro-
fessores e o desenvolvimento profissional con-
tinuado devem corroborar uma relação de
transformação entre o professor e o livro didá-
tico, na qual o professor assumiria um papel
mais autônomo. O professor, entretanto, ainda
necessita de material de apoio e deve atender
às exigências da escola, dos alunos e da comu-
nidade, de forma que há uma oportunidade
para que professores e cientistas comecem a
produzir esse material para atender às necessi-
dades locais e às preferências de aprendizagem.
O ambiente local, por exemplo, é um recurso
científico importante, e o conhecimento sobre
o mesmo poderia ser integrado a novos textos.
A diversidade de livros didáticos constitui uma
opção e permite às escolas selecionar aqueles
que melhor atendam às suas necessidades.
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O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
Um dispositivo de mudança nas práticas pe-
dagógicas, um tradutor das propostas curricu-
lares (Johnsen, 1996).
Um transformador da relação pedagógica,
permitindo independência do estudante em
relação ao professor. Uma perspectiva alterna-
tiva para se ter acesso aos conteúdos curricu-
lares (uma interpretação e seleção dos autores)
(Apple, 1990; Bernstain, 1985).
Um “[...] instrumento de poder. Orientados
para espíritos jovens ainda manipuláveis e ne-
cessariamente pouco críticos […] garantem em
relação à palavra do professor [...] poderosas
ferramentas de unificação – e até de uniformi-
zação – nacional, lingüística, cultural e ideoló-
gica” (Chopin, 1994).
Um “[...] instrumento barato e mais ampla-
mente acessível para a transferência de conheci-
mentos e competências. Fator-chave no melho-
ramento da aprendizagem […]” (Unesco, 1995).
Um material que não apenas concentra os
planos de estudo vigentes, mas também con-
segue, muitas vezes, melhorar a qualidade das
aulas, graças à sua didática e à estrutura de or-
dem escolhida pelos autores (Bamberger e
Boyer, 1998).
É, necessariamente, seleção e interpretação
dos autores de temas determinados.
Quando os textos escolares
se tornaram necessários?
Breve visão histórica
Pré-História
Na Pré-História, a educação, como a enten-
demos hoje, provavelmente ocorria por imita-
ção direta, pela manipulação de utensílios, pelo
exercício ou pelo costume. Ela estava muito re-
lacionada à sobrevivência e a ações cotidianas
necessárias. Dela, provavelmente participavam
O que é um livro didático hoje?
Luz Philippi
Fundación Chile – Santiago – Chile
crianças, jovens e adultos segundo a necessida-
de ou o que precisava ser feito.
Idade Antiga
Na Idade Antiga, a educação continuou, por
um lado, ocorrendo como vinha ocorrendo ha-
via anos: por imitação, experiência e exercitação,
até que se inventou a escrita. Qualquer forma de
escrita inventada reflete a necessidade de se re-
gistrar a história oral. Para tanto, foram utiliza-
dos diversas formas e vários suportes (pedras,
pergaminhos, madeira, barro, peles). Podemos
pensar que essa necessidade surgiu da consci-
ência da morte que a espécie humana possui e,
diante desse fato inevitável, a necessidade de
registrar, transmitir, ensinar, educar é uma for-
ma garantida de criar a continuidade cultural
(Sünkel, 1981). Um exemplo disso foi a enorme
Biblioteca de Alexandria.
Os primeiros “livros didáticos” foram criados
para recolher e registrar os ensinamentos dos
grandes professores e passá-los aos estudantes,
que hoje seriam os universitários (Venegas,
1993). Essa é a função que diferencia um texto
qualquer de um livro didático. Seu objetivo im-
plícito e explícito é o de ensinar e não apenas
registrar, e tudo o que se escreve e desenha nele
tem o mesmo objetivo (naquele tempo, eram
quase sempre exemplares únicos). Só os gran-
des professores tinham acesso a esses textos, e
somente uma pequena elite de estudantes tinha
acesso à educação.
Mais tarde, Sócrates introduziu uma noção
de ensino por meio do intercâmbio de idéias, que
obrigou os estudantes a refletir e questionar, e
não apenas escutar, aceitar e repetir.
Idade Média
Na Idade Média, os mosteiros ficaram encar-
regados de recompilar e reescrever os conheci-
mentos adquiridos pelos homens, até então, para
164
conservá-los e transmiti-los à humanidade. No
final desse período, os professores das emergen-
tes universidades utilizavam esses textos como
base para seus cursos, e os estudantes tomavam
notas em pergaminhos que passavam a ser seus
“livros. “Leitura, repetição e discussão” era o lema
das universidades desse período (Venegas, 1993).
Nas associações, por sua vez, os professores
ensinavam ofícios a seus discípulos pela imita-
ção, pela exercitação e pela repetição, até que os
orientandos desenvolvessem a experiência ne-
cessária. As crianças só recebiam a educação que
suas famílias lhes pudessem passar. Um filho de
cavalheiro aprendia as artes da cavalaria, e um
filho de camponês aprendia a semear e a colher.
Renascimento
No século XV, começaram a surgir as primei-
ras escolas para meninos e meninas, sob a forma
de instituições privadas dirigidas pela Igreja, cujo
principal objetivo era formar bons cristãos. O la-
tim era a língua dessa educação reservada a uma
elite que, já um pouco maior, se reunia nas por-
tas das igrejas ou em praças públicas para escu-
tar, dialogar e aprender (Brunner, 2000).
Persistia o sistema de educação metódica
centrada na memorização e no método da repe-
tição e do diálogo. O professor era o principal in-
formante. Ele sabia, tinha acesso ao conheci-
mento disponível nos textos antigos e em ban-
cos de dados de registros. A palavra oral impera-
va como principal transmissora do conhecimen-
to. Existia uma comunicação linear” da mente
do professor até a do estudante. Os textos ainda
eram objetos de luxo, aos quais pouquíssimos
tinham acesso.
No final do Renascimento, a educação se
aproximou do conhecimento a partir da experi-
ência sensorial, sem abrir mão da prática da
memorização.
Revolução Industrial
A invenção da imprensa (1453) e seu rápido
desenvolvimento desencadearam uma cultura
do impresso. O acesso ao “conhecimento” demo-
cratizou-se. As palavras fixadas no papel geraram
respeito e uma certa objetividade, dando mais
tempo para a reflexão e a interpretação, permi-
tindo que se tomasse distância em relação ao es-
critor (o escrito é mais duradouro que o oral).
A exclusividade do latim cedeu espaço ao uso
de idiomas locais, permitindo a instalação de um
processo de ensino padronizado. Como não po-
dia deixar de ser, as metodologias de ensino
mudaram. O ensino para a elite versus o ensino
para as massas. A multiplicação de exemplares
de textos idênticos, ao alcance dos estudantes,
foi uma verdadeira revolução.
O objetivo principal foi a alfabetização e o en-
sino de conteúdos específicos. Não se premiava a
criatividade ou a iniciativa pessoal (como ainda
acontece hoje em dia em muitos casos), e sim a
exatidão. Atividades próprias dos postos de traba-
lho de professores começaram a ser exercitadas.
Edifícios especiais foram construídos para esse fim,
coordenados por autoridades centrais. Os profes-
sores” formaram um corpo profissional de docen-
tes, de funcionários públicos (Brunner, 2000).
O conhecimento era considerado limitado e
relativamente estável, e seus principais supor-
tes eram a palavra magistral e o texto escrito em
preto-e-branco (que plasmava as “verdades” e a
informação existente, ou parte dela). As escolas
eram o lugar onde se tinha acesso ao conheci-
mento, e sua eficácia de educar era aferida por
meio de exames (o conhecimento era um corpo
hierarquizado de conceitos, e a avaliação era fei-
ta por meio de provas padronizadas). A educa-
ção era o meio principal para se ter acesso a tra-
balhos remunerados.
Em meados do século XVII, Juan Amos
Comenio, didata checo, escreveu e projetou o
primeiro livro didático em latim, 100% conce-
bido para ser utilizado na sala de aula: o Orbis
Pictus. O texto baseava-se em imagens, com
uma espécie de alfabeto para cada elemento
ilustrado. A idéia era promover uma instrução
viva do latim. A introdução das imagens cons-
tituía uma novidade, mas não era a primeira vez
que elas eram usadas. Quase sempre, os regis-
tros da história eram acompanhados de ilustra-
ções de algum tipo, ainda que isoladas, princi-
palmente se o texto fosse didático.
Até o século XIX, foram usadas lousas em vez
de cadernos, e os textos escolares eram lidos e
relidos até que seu conteúdo fosse memoriza-
do. O número de atividades era muito limitado.
165
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
Século XX
Década de 1980
O fortalecimento da educação baseou-se na
compreensão da leitura. O que, quem e quando
foram perguntas centrais no ensino. A memó-
ria ainda era muito importante, mas existiam
outras didáticas e meios que acompanhavam o
ensino e a aprendizagem. Nos textos escolares,
o desenho, o projeto gráfico, as ilustrações e as
cores tornaram-se mais importantes. Seus edi-
tores procuravam torná-los atraentes e bonitos.
As ilustrações, o projeto gráfico e as fotografias
reproduziam ou apoiavam a informação escri-
ta ou, em alguns casos, substituíam-na. Presu-
mia-se que o estudante podia raciocinar e re-
fletir sobre seu próprio processo de pensamen-
to. Houve preocupação com a interpretação e o
entendimento dos estudantes (Philippi e
Muñoz, 2000).
Décadas de 1990/2000
Atribuiu-se prioridade ao desenvolvimento
dos processos cognitivos e ao envolvimento
afetivo dos estudantes na aprendizagem. Partiu-
se para o desenvolvimento de habilidades do
pensamento superior. O por quê e o como cres-
ceram em importância e foram plasmados em
novos materiais didáticos, nos quais o “visual”
se tornou cada vez mais importante, bem como
a interação com o estudante e dele com os co-
nhecimentos, as descobertas e os processos
cognitivos. A metodologia de ensino e os textos
mudaram. Eles deveriam refletir uma intera-
tividade (relativa), oferecer atividades de refor-
ço ao estudante e meios para ele exercitar o que
aprendeu e, na maior medida possível, questio-
nar, para obrigá-lo a raciocinar por conta pró-
pria etc. No final da década, fala-se de inteligên-
cias múltiplas: o conhecimento é um produto
cultural que pode ser aprendido a partir de dife-
rentes inteligências, o que incide no tipo de
metodologia escolhida para transmiti-lo e pro-
porciona possibilidades de aproximação do co-
nhecimento a um número maior de estudantes.
O livro didático, a biblioteca, o laboratório e,
em menor medida, os meios tecnológicos pas-
sam a ser os pilares centrais da educação.
As novas tecnologias da informação e da co-
municação do século XXI apresentam-se como
processos a serem desenvolvidos” (o usuário
pode assumir o controle e produzir novos bens,
serviços educacionais e aplicativos) e não como
ferramentas para serem aplicadas. Isso acon-
tece num contexto de globalização que reorga-
niza o espaço e acelera a circulação e a comu-
nicação de bens e serviços, pessoas, investi-
mentos, idéias, valores e tecnologias, o que
pressupõe uma maior compenetração inter-
cultural e um mercado global e permanente de
mensagens apoiadas em meios audiovisuais
(Brunner, 2000).
O conhecimento existente atualmente é ili-
mitado e instável – expande-se, renova-se e es-
pecializa-se diariamente. São fluxos de infor-
mações que aumentam a cada hora. É neces-
sário dedicar mais tempo para processar infor-
mações do que para obtê-las. Essas novas con-
dições mudam as formas de produzir e utili-
zar os conhecimentos, que se tornaram aces-
síveis a um número crescente de pessoas, cri-
ando-se, assim, uma gama impensada de di-
versidades e combinações. Trata-se uma cul-
tura plástica, em constante transformação.
Supera-se o espaço e comprime-se o tempo
(Castells). Tanto a escola como os locais de tra-
balho precisam aprender e ensinar num ambi-
ente caracterizado pelo fluxo constante,
ininterrupto, de informações.
A escola perde sua primazia como único ca-
nal de contato com o conhecimento e a infor-
mação. Essa primazia passa a ser compartilhada
com muitos outros meios. A informação e a
aprendizagem estão distribuídas. O contexto e
onde encontrá-las se tornam mais importante do
que obtê-las. Os textos não são os únicos a man-
ter o objetivo do ensino. Surgem novos suportes
com o mesmo fim.
Para que os jovens de hoje se desenvolvam
competitivamente na sociedade que lhes cabe-
rá construir, eles deverão aprender a viver na
mudança, a administrar a incerteza, a pensar em
sistemas, a experimentar, a desenvolver-se com
autonomia, a trabalhar em bases colaborativas,
a usar seus próprios critérios em decisões rápi-
das, a desenvolver e a aplicar seus valores. Eles
estão imersos em mundos de códigos de inter-
166
câmbio de informações que diferem substanti-
vamente dos da geração anterior. Grandes volu-
mes de mensagens são transmitidos por video-
clipes, grafites, Internet (hipertexto, chat, correio
eletrônico), tevê a cabo, telefonia móvel, video-
conferências, pôsteres, histórias em quadrinhos
etc. Palavra e imagem combinam-se fortemen-
te. O zapping (navegação rápida) é a forma mais
freqüente de leitura atualmente, em diferentes
suportes, e a formação de redes ou comunida-
des virtuais, para os que têm acesso à tecnologia
necessária, é uma forma cada vez mais comum
de agrupamento.
Os indivíduos devem se preparar para um
mundo que lhes obriga a usar suas habilida-
des e seus produtos (bens e serviços) univer-
salmente. No mundo atual, precisamos estar
preparados para ser permanentemente com-
parados com nossos pares e cotejados contra
padrões internacionais, para responder com
agilidade e solvência às demandas do merca-
do, para nos manter atualizados, para compre-
ender as inter-relações com outros elementos,
para criar novas competências etc. (Hojman e
Philippi, 2000).
Como se ensina nesse
contexto?
A escola deve ensinar novas competências
e habilidades e conectar-se ao mundo tec-
nológico de nossos dias e às novas exigências
do mundo do trabalho. Para tanto, e para for-
mar estudantes que construam ativamente
uma compreensão do mundo que os rodeia,
são necessários grupos docentes que aceitem
uma mudança do papel de entregadores” (ou
administradores) da informação para o de
facilitadores e guias para o conhecimento. Os
professores devem ser articuladores das habi-
lidades e dos conhecimentos que os estudan-
tes têm de desenvolver. Devem suscitar a cu-
riosidade e estimular a capacidade de pesqui-
sa, valorizando diferenças individuais. Isso
implica a necessidade de atualização perma-
nente e ensinos mais flexíveis, apoiados em
materiais didáticos impressos, digitais ou vir-
tuais, com novas características.
Como devem ser os textos
escolares hoje, pensando no
amanhã?
Apesar da informação assinalada na seção
anterior, nossos países latino-americanos aca-
bam de lançar novas reformas educacionais,
que levam em consideração as novas tec-
nologias a serviço da Educação. No entanto,
esses meios repetem ou acentuam as diferen-
ças econômicas e de estratos sociais, embora o
acesso às informações na Internet seja mais
barato e democrático quando se dispõe dos
equipamentos adequados!
Estamos, sem dúvida alguma, diante de uma
forte transição entre o que os mercados nacio-
nais e internacionais exigem para incorporar for-
ças de trabalho e nossos tradicionais métodos de
ensino, nos quais o docente continua sendo a fi-
gura principal, a figura que tem o acesso ao co-
nhecimento, que entrega gradualmente a seus
estudantes. Se somarmos a isso o fato de que
existem diferentes idiomas dentro dos mesmos
países, e muitas vezes problemas de acessibili-
dade, devemos pensar em termos de materiais
que possibilitem nossa adaptação a períodos de
transição. (No que se refere aos textos escolares,
deveríamos traçar uma distinção entre o que é
necessário nos primeiros quatro anos da educa-
ção básica e no restante dos anos escolares. Os
argumentos apresentados adiante deixam de
lado esses quatro primeiros anos.)
Os textos ou os materiais didáticos para es-
ses períodos de transição poderiam considerar,
pelo menos, os seguintes aspectos:
Ter flexibilidade suficiente para serem úteis às
realidades de diferentes regiões e às diferentes
realidades observadas no interior das salas de
aula (estudantes superdotados, por exemplo).
• Ater-se ao currículo nacional, mas tendo pre-
sente o currículo oculto da região destinatária.
• Apresentar, na maior medida possível, os con-
teúdos aplicados às realidades concretas dos
destinatários.
• Caracterizar-se pela amabilidade, para gerar
receptividade, e não rejeição.
• Servir de apoio para uma aprendizagem autô-
noma dos estudantes.
167
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
• Ser instrumento de trabalho e consulta, conside-
rando a falta de bibliotecas públicas atualizadas,
laboratórios, textos nos lares, bibliotecas escola-
res com suficiente número de exemplares etc.
• Ter uma estrutura e uma proposta gráfica a ser-
viço do pedagógico e referências para uma rá-
pida e adequada localização de trechos especí-
ficos dentro do texto.
• Apresentar atividades diferenciadas por grau de
dificuldade e por trabalho individual ou grupal.
• Oferecer diferentes tipos de auto-avaliação.
• Não ser fechados, e sim servir de plataforma para
a abertura de portas para outros conhecimen-
tos ou para o aprofundamento dos conhecimen-
tos que apresentam (deveriam apresentar bibli-
ografias impressas e digitais, por exemplo).
Velar pela qualidade e pela atualidade dos co-
nhecimentos apresentados e pela profundida-
de de seu tratamento, não pela quantidade.
Ter um texto, ou manual do professor, com
material complementar, aprofundamento teó-
rico, diferentes metodologias, bibliografias etc.
Material para autocapacitação e atualização
permanentes.
Sabe-se, principalmente em cursos superio-
res nas escolas, que os livros didáticos entregues
pelo Estado ou comprados no mercado não sa-
tisfazem plenamente a cada professor em sua for-
ma de apresentar as matérias e na seleção feita
pelo autor, razão pela qual são subutilizados e
materiais valiosos são perdidos. Os livros didáti-
cos devem dar espaço para que os docentes in-
corporem sua valiosa experiência, materiais es-
colhidos e já testados, adequações às diferentes
realidades de cada turma etc. Ainda não se pode
pensar em textos absolutamente auto-suficientes
para os estudantes, que dispensem a orientação,
pelo menos de vez em quando, do docente.
Talvez uma das formas mais adequadas para
alcançarmos os objetivos assinalados anterior-
mente seja pensarmos em textos modulares, tex-
tos que tenham uma coluna vertebral sólida e mais
tradicional nos conhecimentos apresentados (que
até podem ser capítulos separados), e vários fas-
cículos” que abordem diversos temas a partir de
outras perspectivas e com diferentes alternativas
metodológicas, de maneira que o docente possa
escolher quais delas mais se adaptariam à sua si-
tuação de trabalho. Dessa maneira, o docente te-
ria a oportunidade de fazer uma seleção que não
esteja necessariamente correlacionada à ordem
escolhida pelo autor e possa ser facilmente
complementada por outros materiais elaborados
ou escolhidos por ele, sejam materiais impressos
ou digitais. Um texto não pode, por si só, satisfazer
a toda a demanda existente.
Como alcançar esses
objetivos?
Políticas internacionais
para livros didáticos
Segundo Chopin, podemos distinguir pelo
menos quatro modalidades de políticas interna-
cionais para a aquisição de livros didáticos:
Edição do Estado: implica uma censura a priori
da produção de livros didáticos, já que o único
livro permitido para uso por docentes é o livro
oficial”. O Estado exerce um monopólio sobre
a concepção, a redação e, às vezes, a edição, a
impressão e a distribuição dos materiais.
Produção privada com “autorização estatal:
o setor privado produz os livros, mas o poder
político se reserva a prerrogativa de só permi-
tir sua utilização nas escolas mediante autori-
zação prévia.
Produção livre: o mercado produz livros didá-
ticos livremente e os apresenta aos docentes
para que eles escolham. Os professores rece-
bem uma subvenção do Estado para comprá-
los. O Estado, no entanto, aplica alguns meca-
nismos prévios de controle e avaliação e impõe
normas mínimas. A possibilidade de comer-
cialização depende dessas avaliações e, por essa
razão, as empresas se adaptam a elas. Esse me-
canismo exige docentes com graus de forma-
ção e atualização adequados para a aplicação
de critérios consistentes no momento da sele-
ção, sem reproduzir velhos esquemas.
Sistemas híbridos de produção: o mercado e o
Estado produzem livros didáticos que oferecem
aos docentes. No entanto, todos passam por
determinada avaliação estatal que os classifica
e torna explícita a avaliação. Os encarregados
pela escolha conhecem a qualidade e o nível
do material que estão escolhendo.
168
O Estado é responsável pela qualidade e
pela eqüidade da educação, principalmente
em nossos países. Seu dever, então, é velar
pela qualidade, pela adequação e pelo uso
do que chega às mãos de docentes e estu-
dantes, sobretudo, como já mencionado, se
o livro em questão for o único material de
apoio que o docente, o estudante e as famí-
lias de ambos terão em suas mãos (ainda que
por um período de transição). Para conse-
guir que isso seja feito adequadamente e por
se tratar de um tema sensível e importante,
propomos a continuação de uma série de
perguntas que o Estado se deveria fazer, uma
vez que decida adquirir livros didáticos. As
respostas para essas perguntas serão anali-
sadas durante a apresentação a ser feita no
Congresso.
Proposta
Aquisição. Decisões políticas e econômicas. O
que se adquire? / Para quem? / Características
do produto / Tipo de licitação
Seleção. Avaliação. Como se avalia? / Quem ava-
lia? / O que se avalia? / Quantas vezes se avalia?
Compra. Como se adquire o produto?
Distribuição. Como se distribui? / Com que fre-
qüência se distribui? / Quem recebe?
Instalação. Como se transporta? / Como se in-
centiva e garante o uso? / Como montar um sis-
tema de acompanhamento e avaliação?
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A política do livro didático do Ministério da
Educação vem se desenvolvendo de forma contí-
nua, desde 1938, quando foi institucionalizada.
Consolidando-se, ao longo do tempo, a partir de
mudanças na concepção, na gestão dos programas
e na forma de sua execução, a política do livro di-
dático estabeleceu-se como uma política de Esta-
do. Este texto tem por objetivo situar o desenvol-
vimento da política do livro didático no Brasil, ex-
plorando, nos seus aspectos históricos, políticos e
operacionais, os principais avanços e limitações.
Já o primeiro programa ministerial de livros
didáticos deliberava sobre a liberdade de escolha
por parte dos diretores das escolas primárias dos
livros didáticos usados nas escolas, quer públicas
ou particulares, desde que constassem da rela-
ção oficial das obras de uso autorizado. Nesse
momento, a política do livro didático não se refe-
ria à aquisição e à distribuição dos livros por par-
te do governo federal, como se concebe hoje essa
política. Foi apenas a partir da década de 1960
que, progressivamente, a política passou a con-
ceber a idéia da distribuição maciça – ainda que
não universalizada – de livros para os alunos.
Em 1985, com o retorno do país ao sistema
democrático, foi criado o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que estabelecia parte de
suas bases atuais e adotava como principais di-
retrizes: a escolha do livro pela escola, com a
participação dos professores do ensino de pri-
meiro grau mediante análise, seleção e indica-
ção dos títulos; a universalização do atendimen-
to a todos os alunos do Ensino Fundamental; e a
adoção de livros reutilizáveis. Apesar desses
avanços alcançados pelo PNLD, cerca de uma
década após sua criação o programa ainda en-
frentava algumas dificuldades, seja no campo da
distribuição do livro didático, seja, sobretudo, no
campo da qualidade, notadamente relacionada
ao conteúdo das obras. No que se refere à avalia-
ção dessa qualidade, em 1993, foi instituído um
Grupo de Trabalho encarregado de analisar os
conteúdos e os aspectos metodológicos de livros
adequados para as séries iniciais do Ensino Fun-
damental. Por esse grupo foram analisados os
títulos mais solicitados pelos professores no ano
de 1991, nas áreas de Português, Matemática,
Estudos Sociais e Ciências, livros esses que
170
correspondiam a 94% das aquisições do gover-
no federal naquele ano.
O resultado das análises constituiu um mar-
co na política do livro didático, já que a partir
daí a questão passou a ter uma relevância social
suficiente para demandar uma atuação mais efe-
tiva do Estado, não mais apenas sobre sua aces-
sibilidade e disponibilidade, mas também sobre
sua qualidade material, de conteúdo conceitual
e pertinência social. Com base nesse trabalho,
foi possível sistematizar os indicadores qualita-
tivos para subsidiar o início do intenso proces-
so de avaliação do livro didático, que se realiza-
ria nessa gestão, a partir de 1995.
No que diz respeito a essa gestão e à evolu-
ção mais recente do PNLD, há que se destacar a
ampliação do atendimento, a pontualidade na
entrega dos livros no início do ano escolar e a in-
corporação de outras duas etapas, de caráter pe-
dagógico, ao programa: o processo de avaliação
dos livros e, mais recentemente, a orientação dos
professores para sua escolha e uso. É importante
salientar que, até então, a execução do PNLD, em
âmbito federal, se limitava a duas etapas: a com-
pra e a distribuição de livros.
Nosso modelo de avaliação teve início com
a publicação de um edital de convocação que
disciplinava a inscrição das obras. Os livros di-
dáticos de 1ª a 8ª séries e os dicioná-
rios distribuídos pelo MEC são inscri-
tos no PNLD por meio dos detento-
res do direito autoral, cabendo ao Mi-
nistério coordenar, periodicamente, o
processo de avaliação. As etapas da
avaliação até a confecção do Guia de
Escolha, que contém as resenhas dos
livros considerados recomendados,
consistem em triagem e avaliação pe-
dagógica. Uma vez aprovados na tria-
gem, etapa em que se avaliam as
obras quanto a seus aspectos físicos
e à adequação às normas do edital, os
livros são submetidos a uma rigorosa
análise pedagógica. Os livros são en-
tregues aos avaliadores totalmente
descaracterizados, ou seja, sem nome
do autor, sem nome da editora, ou
qualquer outra indicação que possa
identificá-los.
Os critérios estabelecidos para a avaliação
têm por objetivo oferecer, para escolha dos pro-
fessores, obras isentas de erros conceituais, in-
consistência metodológica e de abordagens pre-
judiciais ao exercício da cidadania. Além desses
critérios gerais, cada uma das áreas, de acordo
com suas particularidades, possui critérios es-
pecíficos. Atendendo ainda a uma antiga reivin-
dicação dos professores, o MEC estabeleceu a
obrigatoriedade da inscrição de coleções com-
pletas para cada uma das áreas. Esse critério visa
manter uma coerência teórica e metodológica no
desenvolvimento dos conteúdos, evitando rup-
turas e descontinuidades. Também a inscrição
do Manual do Professor, como parte integrante
da coleção, passou a ser obrigatória, devendo
constituir um instrumento de auxílio em sala de
aula, sugerindo ao docente atividades comple-
mentares, indicando leituras suplementares e
discutindo os procedimentos de avaliação do
conteúdo ministrado. A seguir, são apresentados,
em linhas gerais, os critérios adotados pelo Mi-
nistério nesse processo:
Tendo em vista o constante aperfeiçoamen-
to do material inscrito, a cada processo de ava-
liação, os critérios estabelecidos em edital são
discutidos, reformulados e refinados, evitando,
assim, a aquisição de obras desatualizadas ou
CRITÉRIOS COMUNS
CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS
Incorreção dos conceitos
Informações desatualizadas
Incorreção e inconsistência
metodológicas
Prejuízo à construção
da cidadania
Estrutura editorial
Aspectos gráfico-editoriais
Aspectos visuais
Textos
Ilustrações
Preconceito
Discriminação
Doutrinação religiosa
LIVRO DO PROFESSOR
Orientação ao professor
Explicitação dos
pressupostostos teóricos
Coerência com o livro
do aluno
171
O livro escolar no contexto da política educacional
PAINEL 13
incompatíveis com os objetivos do ensi-
no das disciplinas. O Ministério da Edu-
cação, ao aprimorar, refinar e tornar mais
rigorosos os critérios a cada nova avalia-
ção, busca também permitir e encorajar
editores e autores na reformulação e na
reapresentação de obras já avaliadas,
além da inscrição de novas obras. Uma
vez avaliados os livros, a escolha dos pro-
fessores somente terá vigência até a rea-
lização de um novo processo avaliativo,
disciplinado por novos critérios publica-
dos em edital, que deverão orientar nova
avaliação, escolha e distribuição.
Uma vez realizada a avaliação, é elabo-
rado o Guia da Escolha dos Livros. Esse
Guia é disponibilizado não apenas para as
escolas públicas, como também para as
particulares. Respeitando a autonomia dos
professores, o MEC oferece, por meio des-
se Guia, uma vasta lista de títulos para es-
colha, classificando as obras aprovadas em
RD (Recomendadas com Distinção), REC
(Recomendadas) e RR (Recomendadas com Res-
salvas). São consideradas obras REC aquelas que,
conceitual e metodologicamente, preenchem os
critérios de qualidade estabelecidos. En-
quadram-se na categoria RD as obras nas
quais se percebe um caráter inovador em
relação às demais obras apresentadas,
além de atenderem aos critérios de quali-
dade. Já as obras consideradas RR são
aquelas que vão exigir do professor mais
atenção para preencher lacunas.
Até o momento, foram realizadas cin-
co avaliações, tendo como resultados os
Guias de Livros Didáticos de 1ª a 4ª séries
dos anos de 1997, 1998 e 2001, e os Guias
de Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries dos
anos de 1999 e 2002. Encontra-se atual-
mente em curso a avaliação dos livros di-
dáticos de 1ª a 4ª séries para o ano de 2004.
Como avanços alcançados, a partir de
1995, podemos citar a melhoria da qua-
lidade dos livros, observada ao longo dos
processos de avaliação pedagógica, por
meio do gradativo decréscimo no núme-
ro de livros excluídos, conforme pode-
mos perceber nas tabelas a seguir:
Nota-se, ainda, pelos gráficos a seguir, uma
diminuição das obras excluídas e o conseqüen-
te aumento das obras recomendadas:
Quadro comparativo das obras avaliadas,
por menção, em cada PNLD – 1
a
a 4
a
série
PNLD/1997
PNLD/1998
PNLD/2001
PNLD/2004
Total
Livros inscritos
Recomendados
Não-recomendados
Excluídos
Avaliação em curso
105 (22,53%)
167 (38,46%)
321 (54,41%)
466
454
569
361 (77,47%)
287 (61,54%)
248 (43,59%)
PNLD
Fonte: Comdipe/SEF/MEC
Quadro comparativo das obras avaliadas,
por menção, em cada PNLD – 5
a
a 8
a
série
Total
Livros inscritos
Recomendados
Não-recomendados
Excluídos
218 (49,77%)
260 (62,50%)
438
414
220 (50,23%)
154 (37,50%)
PNLD
Fonte: Comdipe/SEF/MEC
PNLD/1999
PNLD/2002
Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD –1
a
a 4
a
série
Fonte: Comdipe/SEF/MEC
Recomendados
Não recomendados excluídos
400
350
300
250
200
150
100
50
0
105
361
167
287
321
248
PNLD/1997 PNLD/1998 PNLD/2001
172
Pode-se, por um lado, concluir que, como
resultado dessa política do MEC, o país conta
hoje com uma nova geração de livros didáti-
cos que guardam pouca semelhança com
aquela existente no início do processo de ava-
liação. Pelos quadros apresentados, é possível
verificar a melhoria progressiva das obras ins-
critas para avaliação.
A avaliação de livros didáticos, por outro
lado, permitiu aumentar a participação dos
professores no processo de escolha dos livros,
uma vez que as informações contidas no Guia
do Livro Didático favoreceram a discussão so-
bre os livros a serem adotados, com base na
resenha elaborada por especialistas e nas ne-
cessidades reais dos alunos e dos docentes. O
Guia, como instrumento de auxílio ao profes-
sor, propiciou a reflexão e a discussão sobre o
processo educativo e, mais especificamente,
sobre o material didático a ser utilizado em
sala de aula. Visando estimular ainda mais essa
discussão, foram ainda desenvolvidas ações de
formação docente voltadas para a orientação
dos professores na escolha e no uso do livro
didático, em uma ação conjunta entre o Minis-
tério e as Secretarias de Estaduais e Munici-
pais de Educação.
Complementar à ação voltada especifica-
mente para os livros didáticos, um outro pro-
grama do Ministério, o Programa Nacional da
Biblioteca da Escola (PNBE), vem sendo
desenvolvido de forma articulada com o
PNLD, visando ampliar a oferta de materi-
ais de leitura aos alunos do Ensino Funda-
mental.
Em razão dos avanços constatados, en-
quanto perspectiva política, um dos desa-
fios do PNLD é consolidar a avaliação dos
livros, o que constitui uma incontestável
conquista no campo da qualidade da edu-
cação. Para isso, é fundamental a aprova-
ção, no Congresso Nacional, do projeto de
lei em tramitação, que estabelece as novas
bases da política do livro escolar.
Uma outra vertente de atuação, tendo
em vista o aprimoramento do programa,
diz respeito ao desenvolvimento, no âm-
bito das universidades, de estudos e pes-
quisas que fornecerão subsídios constan-
tes para a melhoria dos livros e da própria
política do livro didático. Atualmente, en-
contra-se em fase de execução uma pesqui-
sa sobre a escolha dos livros didáticos pelos
professores, encomendada pelo Ministério,
com cujos resultados se espera poder conhe-
cer melhor os mecanismos que pautam as
escolhas docentes para o aprimoramento de
critérios da avaliação e da apresentação dos
resultados da avaliação, buscando o estabe-
lecimento de padrões de entendimento co-
mum do que seja o livro didático de quali-
dade, tanto para o Ministério quanto para os
professores.
Outra perspectiva relevante dessa política
que não pode ser desconsiderada é o fortale-
cimento das ações permanentes de formação
docente, tendo por eixo a escolha e o uso dos
livros didáticos, estabelecendo, a partir daí,
novos padrões para a relação com o mercado
editorial, como forma de neutralizar o assédio,
por vezes intenso, do setor a escolas e profes-
sores, o que induz muitas vezes à escolha de
obras menos qualificadas.
Sem dúvida, a política adotada em relação
ao livro didático, nos últimos anos, tem con-
tribuído para a melhoria da qualidade do En-
sino Fundamental brasileiro e para a constru-
ção da ética e da cidadania necessárias ao con-
vívio social democrático.
Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD
Fonte: Comdipe/SEF/MEC
Recomendados
Excluídos
300
250
200
150
100
50
0
218
220
260
154
PNLD/1999 PNLD/2002
173
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1414
1414
14
O REFLEXO DA AÇÃO
FORMADORA NO PROJETO
PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO –
EDUCAÇÃO INFANTIL
Sueli A. Campos Silva e Valéria P. Cortez Corrêa
Ana Maria Mello
Stefânia Padilha Costa
Olga Regina Siqueira e Silva
174
Associação Obra do Berço
Fundada em dezembro de 1938, a Associação
Obra do Berço tinha a finalidade de confeccionar
enxovais e distribuí-los a recém-nascidos caren-
tes. Em março de 1981, recebeu da Prefeitura do
Município de São Paulo um terreno onde, com
ajuda de vários doadores, conseguiu construir a
sede atual, que ficou pronta em 1984, quando
foram criados os clubes de mães, de gestantes,
de crianças e o consultório odontológico.
Em razão da disponibilidade de espaço e da
grande procura, inauguramos, em 1987, a Pré-
Escola, que se transformou em creche em 1992.
Desde 1993, a entidade vem atendendo a cri-
anças de 3 meses a 6 anos, em regime de creche,
considerando a grande demanda dessa faixa
etária e a sua proposta de trabalho.
Além do atendimento a crianças (creche) e
gestantes, a entidade possui também atendimen-
to a jovens (Pró-Jovem) e adolescentes (Escritó-
rio-Escola).
Introdução
Esse relato tem como objetivo compartilhar
com outros profissionais o percurso e o processo
de formação dos coordenadores e educadores.
Durante três anos, todos os profissionais das cre-
ches nas quais atuamos passaram por um pro-
cesso de formação em serviço, desenvolvido pelo
Crecheplan – Instituto Avisa lá. Atualmente, po-
demos observar uma prática mais consciente e,
conseqüentemente, mais significativa em relação
tanto às aprendizagens das crianças como à for-
mação dos educadores.
Incorporação de estratégias formativas
na prática da Educação Infantil
Valéria P. Cortez Corrêa e Sueli A. Campos Silva*
Creche – Associação Obra do Berço/SP
Quanto à aprendizagem das crianças, as mu-
danças foram desde concepções de criança, até
as ligadas ao desenvolvimento, ao ensino e à
aprendizagem. Temos como base para a atuação
com as crianças o Referencial Curricular Nacio-
nal de Educação Infantil.
Em relação à formação dos educadores, com-
partilhamos a visão de uma atuação reflexiva com
tematização da prática apoiada por conhecimen-
tos teóricos. Nossos objetivos com os educadores
têm sido:
• formar educadores autores de suas práticas e
capazes de elaborar seus próprios planejamen-
tos de trabalho;
• auxiliar o desenvolvimento de competências dos
educadores que lhes possibilitem uma atitude
crítica, reflexiva, avaliando os resultados do seu
trabalho no cotidiano da creche e as conse-
qüências desse trabalho no desenvolvimento e
na aprendizagem das crianças;
• estimular o uso consciente de instrumentos
metodológicos: observação, registro diário, refle-
xão, planejamento e avaliação;
• auxiliar na criação de expectativas positivas em
relação às crianças, acreditando que todas po-
dem ser bem-sucedidas, e transmitir essa con-
vicção aos educadores;
• construir uma relação de respeito, confiança, co-
laboração e entusiasmo na equipe de trabalho.
Estratégias de formação
São muitas e diversificadas as ações que de-
senvolvemos no dia-a-dia para possibilitar a
* Coordenadoras das creches da Associação Obra do Berço/São Paulo.
174
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
continuidade da formação em serviço. Estas são
as principais estratégias utilizadas:
Autoformação dos coordenadores
Reunião de supervisão com consultores. Tem
como objetivo ampliar o conhecimento dos
coordenadores dentro de sua prática, orien-
tando-os e assessorando-os nas interven-
ções com a equipe de educadores.
Reunião de gerenciamento. Seu objetivo é a tro-
ca de experiências entre os profissionais de
gerenciamento e coordenação. Nessas reuniões,
elaboramos estratégias de atuação com a equi-
pe, buscando a estruturação e a reestruturação
do trabalho de forma integrada.
Reunião de coordenadores. Visa ao inter-
câmbio entre as coordenadoras das três uni-
dades, garantindo a troca de experiências, a
elaboração e a organização de temas para
reuniões de estudo e intervenção nos gru-
pos.
Estágios em escolas particulares. A finalida-
de do estágio é possibilitar ao coordenador
pedagógico ampliar suas estratégias de atu-
ação por meio da observação. Essa prática
permite a construção de novas intervenções
com os educadores e colabora também para
que a organização dos conteúdos das reuni-
ões pedagógicas atenda melhor às necessi-
dades do educador e colabore decisivamen-
te nas aprendizagens das crianças.
Exposição, reflexão e construção da prática
do coordenador pedagógico. Esse recurso
tem como finalidade, por meio de exposição
e relatos sobre estratégias formativas, levar
os profissionais da área a refletir sobre suas
ações, buscando novas atitudes e práticas e
estabelecendo relações de suas experiências
com as de outros profissionais.
Estratégia de formação
com os educadores
Reunião de planejamento. Seu objetivo con-
siste em organizar estratégias de trabalho
enfocando as diferentes áreas do conheci-
mento, ou seja, os conteúdos que serão de-
senvolvidos com as crianças. É um momen-
to de orientação e planejamento de ativida-
des dos projetos ou seqüências didáticas.
Observação em sala. Trata-se de instrumen-
to de exercício permanente para o aprendi-
zado significativo, em que o coordenador
observa o educador e também o grupo de
crianças, para uma atuação mais direta na
prática. São realizadas reuniões posteriores
para que os educadores troquem informa-
ções sobre a observação.
Colaboração nos registros. O registro é uma
forma de trabalhar a memória e a história in-
dividual da atuação pedagógica. Nele trans-
parecem as prioridades, os observáveis, as
dúvidas e as angústias do educador. É uma
forma de comunicação, em que se podem do-
cumentar as informações e, assim, possibili-
tar sua divulgação e troca entre as pessoas. O
coordenador, ao ler, pode intervir, colaborar
na busca de soluções, na reorganização da ro-
tina e, assim, melhorar a qualidade do aten-
dimento às crianças e suas famílias.
Atuação do coordenador pedagógico em
sala. A idéia é que o formador desenvolva
atividades nas salas das crianças para serem
observadas pelas educadoras e discutidas
em reuniões. O formador pode ser também
um bom modelo na atuação direta com as
crianças e, para o educador, é interessante
ter outras referências: como desenvolver di-
ferentes atividades, como se organizar para
uma roda de conversa, como contar histó-
rias etc.
Reunião de pais. Uma das estratégias de
aproximação das famílias com os educado-
res consiste em organizar reuniões para com-
partilhar perspectivas quanto à melhor qua-
lidade de ensino, saúde e administração da
instituição educacional. Isso possibilita às
famílias e aos educadores buscarem, em con-
junto, caminhos melhores para as crianças.
Estágio para educadores em escolas parti-
culares. Esse estágio proporciona ao educa-
dor a possibilidade de comparar, discutir,
avaliar e reformular sua prática. A partir dos
estágios, os educadores se tornam mais ca-
pazes de elaborar ações estruturantes para
o trabalho, como autores de suas práticas, e
podem colaborar com seus pares, tornando-
se membros atuantes da equipe.
176
Integração de membros da equipe
em diferentes espaços de formação
Projeto. Quintal da integração. Esse projeto
consiste em encontros de estudos planejados
pela equipe de coordenadoras e gerentes de ins-
tituições de educação: creche, Emei e Emef,
com propostas do interesse da equipe de pro-
fissionais, fundamentando a prática, buscan-
do, por meio da reflexão e avaliação dos temas
específicos, estratégias comuns para as diferen-
tes organizações.
Passeios culturais. Os passeios culturais possibi-
litam a ampliação do universo cultural e o conhe-
cimento do patrimônio da nossa e de outras cul-
turas. É uma forma de alimentação da prática
pedagógica, que extrapola os muros da creche.
Reunião de estudos. Esse tipo de reunião cons-
titui espaço garantido para os diferentes pro-
fissionais da creche trabalharem temas especí-
ficos ligados à sua profissão. Teoria e prática
devem permear suas atuações vinculadas às
trocas de experiências da equipe, ampliando e
aprofundando o conhecimento de todos.
Participação em seminários, mostras de traba-
lho, cursos. As oportunidades de exposição dos
trabalhos efetuados são muito importantes. São
momentos de sistematização da prática de ex-
plicar aos pares o que, como e por que fizeram.
A discussão sobre creches na Universidade
de São Paulo (USP) iniciou-se em 1965, sem
muita repercussão. Em 1974, foi inaugurada a
primeira creche da USP, em Piracicaba. Só em
1975, houve uma retomada das discussões, que
reorganizou a reivindicação por creches em ou-
tros campi. Marcada pela famosa passeata dos
bebês, em frente ao prédio da Reitoria, em São
Paulo, o movimento foi reativado, ocupou es-
paços importantes na imprensa interna e exter-
na à USP e tornou-se o marco fundamental para
acelerar o processo de construção de creches na
universidade.
O ápice das discussões tanto no campus de
São Paulo, como nos campi de São Carlos e Ri-
beirão Preto, data de 1979/1980. Várias comis-
sões foram montadas com representantes das
entidades de classes e especialistas, que orga-
nizaram projetos, com análise de custos, pla-
nilhas de recursos, como também reflexões so-
bre concepções de creche.
Os fazeres na Educação Infantil
Creche Carochinha – Coseas/USP
Ribeirão Preto/SP
Ana Maria Mello
Creche Carochinha – USP/SP
A Creche Carochinha foi fundada em 1985
e está vinculada a uma coordenadoria da uni-
versidade, a Coseas, com outras três creches da
capital de São Paulo. Em Ribeirão Preto, há ape-
nas a nossa creche. Porém, desde 1987, traba-
lhamos em conjunto com docentes da Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras e do Depar-
tamento de Psicologia, onde posteriormente,
em 1991, fundamos o Centro Brasileiro de In-
vestigações sobre Desenvolvimento e Educação
Infantil (Cindedi).
A Creche Carochinha e o Cindedi têm traba-
lhado, nos últimos anos, construindo projetos
para o cuidado e a educação dos pequenos, co-
laborando em pesquisas e assessorando outras
redes públicas de creches e pré-escolas, de for-
ma a responder, pelo menos em parte, a esse tipo
de demanda.
A Creche Carochinha atende 150 crianças de
4 meses a 7 anos, filhas de funcionários, docen-
tes e alunos do campus de Ribeirão Preto. Todas
176
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
as famílias estão inseridas em mercado de tra-
balho estável. Setenta por cento vivem em casa
própria, nos conjuntos habitacionais da zona
periférica da cidade. O restante – docentes e alu-
nos – vive em áreas centrais da cidade.
Quanto à formação de educadores que tra-
balham na creche, há diferentes níveis de forma-
ção prévia, como também há diferentes módulos
de formação continuada. Depois de 1989, a USP
organizou a carreira desses educadores, exigin-
do o 2
o
Grau completo e definindo piso salarial e
carga horária. Após a edição da Lei de Diretrizes
e Bases, em 1996, a universidade não traçou ne-
nhuma política para aqueles funcionários sem a
qualificação exigida pela lei. No caso de Ribei-
rão Preto, dos 26 educadores, 14 têm Magistério
e/ou Pedagogia e 12 têm o 2
o
Grau completo.
Recentemente, em parceria com a Secretaria de
Educação do Município, 10 educadores partici-
param, formalmente, de um curso técnico que
habilita educadores em serviço.
Para os educadores da Creche Carochinha,
desde de 1994 há um programa de formação con-
tinuada, que se configurou da seguinte forma:
1. Encontros bimestrais (6h): oficinas de produ-
ção e apresentação pelos educadores de três
trabalhos relacionados com crianças de 4
meses a 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 7 meses a
3 anos; e de 3 anos a 7 anos, e um trabalho –
painel – apresentado pela equipe técnica
(supervisores dos projetos). Os melhores tra-
balhos são publicados no jornal semestral
Batata Quente ou em folhetos educativos.
2. Encontros semestrais (18h): especialistas são
convidados para trabalhar em cursos ou dar
palestras sobre diversos temas referentes ao
cuidado e à educação infantil coletiva; pas-
seios pedagógicos (cinemas, museus etc.); or-
ganização do planejamento, espaços e obje-
tos para o semestre seguinte e avaliações dos
projetos e das concepções.
3. Supervisão: exercida pela equipe técnica da
creche (pedagogo, psicólogo, auxiliar de en-
fermagem e nutrição), quinzenalmente, para
duplas de educadores.
4. Grupos de estudos: reúnem-se uma vez por
mês. Por semestre, foram organizados três
grupos de estudos com temas referentes aos
três módulos.
5. Uma vez por ano há um encontro dos edu-
cadores e pesquisadores no Cindedi, em
que todos têm oportunidade de apresen-
tar painéis e comunicações. Desde 1995,
também a Divisão de Creches da USP –
Coseas organiza seminários das quatro cre-
ches ligadas a ela.
6. Trinta por cento dos funcionários já ministram
cursos e organizam oficinas para diversas re-
des públicas. Quarenta por cento participa-
ram, nos últimos quatro anos, de reuniões da
SPB e Copedi. Em 1995, organizou-se um Cen-
tro de Referência de Criação do Educador
(Crece), cuja função principal é catalogar to-
das as idéias dos educadores para servir de re-
ferência. O Crece funciona em uma sala da
Creche Carochinha.
Esse programa é desenvolvido predominan-
temente no espaço da creche. Em algumas situa-
ções utilizam-se salas de aulas da universidade.
Quanto ao trabalho de extensão à comuni-
dade e às demais instituições públicas, há qua-
tro frentes de trabalho:
• visitas das terças;
• orientações a técnicos e/ou coordenadores;
• palestras, cursos e assessorias;
• elaboração de artigos, folhetos, vídeos educa-
tivos e do jornal Batata Quente, coordenados
pelo Cindedi, por meio de projetos financiados
pela Fapesp e pelo CNPq.
Visitas das terças. Semanalmente, a creche re-
cebe a visita de técnicos e educadores de cre-
ches e pré-escolas de redes públicas de vários
municípios do Brasil. Nessa oportunidade, a
creche apresenta a estruturação e organização
do seu espaço físico (que é ocupado por inú-
meros objetos construídos pelos educadores,
com aproveitamento de material reciclado –
ver vídeo Fazendo arte na creche) e também
orienta quanto à concepção que define as di-
retrizes do trabalho, ao conteúdo dos proje-
tos, à organização da rotina, à formação de
pessoal etc. A Creche Carochinha, desde 1995,
fundou o Crece.
Orientações a técnicos e/ou coordenadores.
Dada a inexistência de um currículo sistemá-
tico e de curso específico para a formação de
educadores que trabalhem com crianças, prin-
178
cipalmente menores de 3 anos, a creche tem
sido freqüentemente procurada por profissio-
nais da área, no sentido de responder a essa
demanda. Assim, as orientações realizadas
têm sido no sentido de compartilhar as expe-
riências, no que se refere tanto ao trabalho de-
senvolvido diretamente com as crianças, como
também ao trabalho de formação dos funcio-
nários. Os temas trabalhados envolvem as di-
versas áreas de atuação das creches e pré-es-
colas, em relação tanto ao cuidado quanto à
educação das crianças.
Palestras, cursos e assessorias. Os membros
da equipe técnica, como alguns educadores,
têm cumprido o importante papel de divul-
gar conhecimentos técnicos-práticos por
meio de cursos, palestras e assessorias para
instituições da rede pública que trabalham
com crianças de 0 a 7 anos. Alguns técnicos
também têm participado, como assessores,
de discussões sobre políticas para a Educa-
ção Infantil, em conselhos, secretarias muni-
cipais e ministérios.
Elaboração de artigos, folhetos, vídeos e do jor-
nal Batata Quente
Folhetos:
a. Série Carochinha: Mordidas: agressividade
ou aprendizagem?; Adaptação; Arroz, feijão,
batata e macarrão…; Controle de esfíncter;
Vamos pra caminha: sono nas creches; Se-
xualidade na primeira infância; Bolinha de
sabão… O banho na creche.
b. Série Comunidade em Ação: Como mamar
sem ocasionar cáries.
Jornal Batata Quente:
É um órgão semestral elaborado por técni-
cos, educadores e funcionários da creche,
fundado em 1992.
Os folhetos e alguns artigos do jornal foram
reescritos para o nosso livro Os fazeres na
Educação Infantil, publicado, em 1998, pela
Editora Cortez.
Vídeos:
Vida em grupo na Creche Carochinha; Quan-
do a criança começa a freqüentar a creche;
Letramento na creche; O fazer do bebê; O con-
to que as caixas contam; O lobo que virou bolo
– práticas educativas alimentares na creche;
Fazendo arte na creche.
Esse material é o resultado da sistematiza-
ção da formação dos educadores da creche,
como também dos estudantes de graduação e
pós-graduação ligados ao Cindedi – FFCL/RP.
O vídeo Fazendo arte na creche é a nossa pro-
dução mais recente e ilustra a participação dos
educadores e técnicos como protagonistas e co-
autores do processo de construção de conheci-
mento na creche. Esse trabalho apresenta a pro-
dução dos educadores na organização dos ambi-
entes. Destaca a cultura da infância. Os arranjos
espaciais e o seu uso pelas crianças são apresen-
tados por um jornalista excêntrico, que utiliza a
narrativa para contar histórias desse projeto.
No livro Os fazeres na Educação Infantil
(1998), o artigo A formação nossa de cada dia
também conta, com mais detalhes, como a cons-
trução da proposta pedagógica fez parte da for-
mação dos educadores dessa creche. A proposta
pedagógica é apresentada por nós como algo que
muda conforme as possibilidades da instituição,
o momento histórico, a população atendida e a
dinâmica das relações que ali ocorrem. A forma-
ção que defendemos, portanto, acontece por
meio de planejamento, ação, avaliação e replane-
jamento.
Atualmente, sabemos que não basta ter uma
estrutura de formação, organizada com reuniões
e estratégias. Essa estrutura é necessária para
construir hábitos em relação ao estudo e refle-
xão sistemática sobre Educação Infantil. Porém,
nossa experiência tem demonstrado que conse-
guimos resultados de qualidade nos programas
de capacitação, quando nos preocupamos com
a formação do cidadão e quando consideramos
o contexto ideológico, histórico e cultural espe-
cífico em que o educador está inserido.
Ana Paula Soares (Cindedi, 2001), em artigo
recente, apresentou nossa concepção sobre o tema:
Temos assumido que o desenvolvimento humano
só se dá por meio da apropriação da cultura, por-
tanto, a pessoa torna-se humana a partir de sua
imersão em um mundo simbólico e de um pro-
cesso de contínua significação e ressignificação do
mundo, dos seus parceiros de interação e de si
mesma. A natureza humana é essencialmente his-
tórica e cultural e, daí, tanto os pensamentos como
as atitudes e sentimentos de uma pessoa têm uma
178
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
origem social. Assim, as questões relacionadas ao
humano, à sua constituição, ao seu desenvolvi-
mento e à sua profissionalização devem ser lidas
em relação às vivências do indivíduo e ao seu mo-
mento de vida, dentro da realidade concreta em
que está inserido.
Assim, ao organizarmos programas durante
esses dezesseis anos na Creche Carochinha, ou-
vimos, discutimos diferenças, enfrentamos di-
vergências e oposições e, muitas vezes, altera-
mos percursos que acreditávamos construídos.
Assim, vivemos intensamente nossas frustra-
ções, diante de dilemas muitas vezes não solu-
cionados naquele dia de formação. Enfim,
construímos nosso “jeitinho de fazer, que sem-
pre teve, tem e terá falhas, faltas, buracos, con-
forme descreve Adriano Gosuen, em seu artigo
bem humorado “Só que…”, o qual conclui nosso
livro Os fazeres na Educação Infantil (1998: 187).
Bibliografia
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Diá-
rio Oficial
. Poder Executivo, Brasília/DF, 23 dez. 1996.
OLIVEIRA, M.R. Zilma et al.
Creche
: crianças, faz de conta e
cia. Petrópolis: Vozes, 1993.
ROSSETTI-FERREIRA et al. (Orgs.).
Os fazeres na Educa-
ção Infantil.
São Paulo: Cortez, 1998.
Sendo uma professora que está, no dia-a-dia,
em uma sala de aula com 20 crianças e sentindo
o peso da responsabilidade de cuidar da forma-
ção delas, inicio dizendo da minha alegria em
participar deste congresso. Alegria por entendê-
lo como oportunidade de diálogo sobre um gran-
de desafio da educação deste país – a formação
dos professores –, que nos toca tão direta e pro-
fundamente. Assim, estar aqui, sendo considera-
da interlocutora, nesse pensar junto” a respeito
da minha formação, parece óbvio, mas sabemos,
todos, que é novidade.
Nesse sentido, pensei muito sobre o que pri-
vilegiar neste raro momento. Poderia tentar re-
petir aqui as discussões mais atuais sobre forma-
ção. Isso seria importante para minha defesa de
que também temos um saber que precisa ser con-
siderado, mas não foi essa a minha opção. Con-
Relato de experiência:
o reflexo da ação formadora
no projeto pedagógico
da instituição
de Educação Infantil
Stefânia Padilha Costa
Escola Maria Salles Ferreira – SME – Belo Horizonte/MG
siderei fundamental trazer aqui a voz da profes-
sora. Não das milhares deste Brasil, porque não
poderia. Cada uma é uma, com uma história
muito singular, e esse é mais um princípio a ser
pensado nas políticas de formação: não somos
uma massa homogênea. Como elemento desse
coletivo, dessa categoria, fiz a opção por perso-
nificar ao máximo, contando uma experiência
muito particular, mesmo correndo todos os ris-
cos de inadequação e/ou pobreza na exposição.
Tentarei desenhar, na cabeça de vocês, uma
Stefânia professora. E, assim, discutir por que e
por onde passam o meu sonho e as minhas ne-
cessidades relativas à formação continuada. São
inúmeras as marcas e os aspectos que precisa-
vam ser trazidos à tona para desenhar a pessoa/
professora que sou, mas tive de fazer opções e
privilegiar alguns aspectos. Aliás, essa tarefa per-
180
manente de fazer opções, escolhendo, num con-
junto de importâncias, o que, no momento, é o
mais importante é o maior desafio da profissão.
Pretendo dividir minha abordagem em três
aspectos:
1. A percepção que tenho da trajetória da minha
profissão e quais traços dessa trajetória iden-
tifico como constituindo a professora que sou.
2. O meu ponto de vista sobre a articulação en-
tre a velha discussão – compromisso político
versus competência técnica – e a nova discus-
são – o professor como sujeito sociocultural,
responsável por seu processo de formação, e
a formação como direito.
3. O cotidiano da pessoa Stefânia no papel de
professora e a relação entre essa realidade e
os limites e as necessidades de um processo
de formação.
A opção de personificar minha abordagem na
pessoa que sou pretende realçar minha crença
em políticas de formação que nos considere
como sujeitos concretos, temporais. No entan-
to, existe de minha parte a clareza de que somos
habitados pelo outro. O outro de um tempo di-
ferente, o outro idealizado, o outro que a con-
venção aconselha, o outro com o qual convivo,
o outro que pesquisa e escreve sobre meu fazer,
o outro e o outro. Parece, mesmo, que somos um
indivíduo habitado por um conjunto de outros.
Nesse primeiro ponto, quero remontar à tra-
jetória da minha profissão, mesmo que de ma-
neira bem recortada e superficial, para identifi-
car o que penso permanecer em mim desses
outros distantes no tempo. Do professor dos pri-
meiros tempos, cuja origem esteve ligada às de-
mandas particulares das famílias poderosas,
pouco sei e não poderia identificar traços de
identidade.
Do professor já com um projeto de educa-
ção mais coletiva, relacionado com a Igreja, dan-
do à nossa profissão características de dom, vo-
cação, sacerdócio, penso que trago uma certa
vivência idealizada da profissão e, vira e mexe,
muita culpa. Culpa pela criança não atingir os
tais padrões desejados, culpa por uma interven-
ção desajeitada, culpa pelo tempo não render,
culpa por não ter todas as soluções nas minhas
mãos, culpa por fazer greve, culpa pela criança
sair da escola. Com todo esse sofrimento, há uma
certeza: “É isso que quero para a minha vida, ou
seja, em tudo há um ar de “vocação.
A professora mais próxima do nosso tempo,
minhas irmãs viveram: Dona Yara, Dona Sara,
Dona Iraci. Penso que tinham um pouco mistu-
radas as características dos dois professores an-
teriores. Elas ainda contaram com status e reco-
nhecimento social e foram a “segunda mãe” de
muitas crianças. Esse tempo, mesmo com seus
limites e equívocos, marcou, na minha opinião,
um período em que o nosso papel era carregado
de respeito, que nos dava orgulho e compromis-
so. Penso ser fundamental resgatar esse respeito,
esse orgulho e esse compromisso pela profissão.
Lembro que minhas irmãs levavam seus alunos
para passear na nossa casa e no sítio do meu pai.
Eu também visitava suas salas de aula e, nas duas
situações, pude testemunhar uma relação de
afetividade e de severidade. Tanto a disciplina
como a aprendizagem de cada um dos alunos
eram levadas muito a sério, mas o mais visível era
o orgulho que se tinha da turma e da profissão.
Essa experiência familiar foi marcante e está
presente na professora que sou. Quero chamar a
atenção para o fato de que minhas irmãs, duran-
te o exercício da profissão, não tiveram treina-
mentos, atualizações, nem o tempo pedagógico.
A formação inicial era considerada suficiente
para 25 anos de serviço. No entanto, minhas ir-
mãs, pelo menos, que eram três na mesma casa,
viviam conversando sobre o trabalho, planejan-
do e corrigindo atividades de maneira comenta-
da, o que certamente devia possibilitar reflexões
e trocas entre elas. Quero destacar também que,
por vivenciar tudo isso e até ajudar nas corre-
ções das atividades, a minha formação profissio-
nal iniciou-se aos 8 ou 9 anos de idade.
Agora considero que nossa profissão vive
pelo menos três faces de uma mesma moeda.
Somos as tias, com todo o desprestígio social
desse título, aquela boazinha que faz as vonta-
des, que pode ser útil para várias tarefas, mas é a
mãe quem decide as questões importantes.
Aquela que, não sendo a dona, a grande respon-
sável pela formação/educação da criança, não
define nada, mas ganha a recompensa da flexi-
bilidade. Não precisa de muito preparo, não pre-
cisa ser muito competente e ganha um título que
carrega doses de afetividade. As “tias” são boazi-
180
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
nhas, como se o título desse, a priori e de graça,
uma relação afetiva que deveria ser construída
no dia-a-dia. Mas, junto com essa realidade, exis-
te outra. Mãe é uma só e tias” podem ser mui-
tas, e passamos a ser entendidas no plural.
Talvez, como instinto de sobrevivência, hoje
somos plural, tias ou mercenárias; somos plu-
ral, somos categoria, organizamo-nos em sindi-
catos e tentamos fazer ouvir a nossa voz, os nos-
sos direitos. Somos também objeto de pesquisa
e estudos de nós mesmas e de outros, preocu-
pados com nossa identidade, e nos percebendo
como sujeitos sociais políticos. Um sujeito cons-
tituído na relação com outros, fazendo e se fa-
zendo na cultura.
Neste tempo em que vivo, a professora que sou
tenta negar o papel de tia nas ações e atitudes in-
dividuais, mas sei que a carrego comigo, principal-
mente no olhar do outro sobre minha profissão.
Com relação ao sujeito sociopolítico pertencente
a uma categoria, tento me colocar a serviço da
construção dessa identidade numa constante e
doída articulação entre o individual e o coletivo.
Mas, com toda a certeza, participar da aber-
tura política de nosso país em 1979, ir para as
ruas abrindo a caixa-preta da educação e presen-
ciar o surgimento de uma nova concepção de
sindicato, mesmo ainda sendo uma aluna do
Normal, foi e é uma marca determinante na pro-
fessora que sou. Penso que nos anos de 1980,
escorregamos por uma etapa da história, e as
mudanças ocorreram a mercê das ideologias e
legislações. Começamos a nos descobrir como
sujeitos da história e das mudanças, negando
antigas imagens.
Vou passar rapidamente pelo segundo aspec-
to só para pontuar que toda aquela discussão da
década de 1980, sobre competência técnica e
compromisso político, também influenciou mi-
nha formação. Penso que a importância maior
foi o fato de, pela primeira vez na minha vida, eu
estar diante de um debate, diante de pontos de
vista diferentes, e me sentir tentada a fazer, pela
primeira vez, a pergunta que não me abandonou
mais: “E você, Stefânia, o que pensa sobre isso?
Qual a sua opinião/posição?”. Lembro que
Guiomar Namo Mello defendia que a competên-
cia técnica levaria ao compromisso político e
Paolo Nosella defendia que competência técni-
ca carregava significados diferenciados, em di-
ferentes concepções de cultura e, nesse sentido,
o compromisso político é que deveria ser o
detonador de uma determinada competência
técnica e o seu horizonte. Depois veio o Der-
meval Saviani, elegendo-se para fazer a síntese
desse debate. Talvez não fosse bem isso o que os
autores diziam, e com certeza eles diziam mui-
tas outras coisas, mas não é meu objetivo deter-
me nesse debate. Só pretendo chamar a atenção
para o fato de que, naquele momento, tomei a
primeira posição com relação à minha profissão
e defendia, apaixonadamente, que primeiro vi-
nha o compromisso político e, em nome dele, do
resto a gente corria atrás.
Hoje, revisitando esse momento, à luz das
discussões atuais sobre formação, principalmen-
te as de autoria do professor António Nóvoa,
percebo que nem era um posicionamento bem
fundamentado, era quase visceral. Vivendo todo
aquele fervilhamento das greves de professores
nas ruas, tive de jogar fora a imagem cor-de-rosa
construída sobre o Magistério, perdida no jogo
das diferentes imagens que nos eram impostas:
missão sublime; professora como um ser delica-
do, frágil; espera-marido; opção segura para
moça de família por ser tarefa fácil, de meio pe-
ríodo, possibilitando a dedicação ao lar. Nas ruas,
eu via companheiras fortes, determinadas, que
corriam por três turnos de trabalho, em sala de
aula. Eu não estava achando nada fácil ser pro-
fessora. Alguma coisa estava errada comigo?
Mas, surpreendentemente, diante da clare-
za de que a minha formação inicial era insufici-
ente para os desafios que enfrentava, de que a
imagem que tinha da profissão era irreal, não me
senti sem chão debaixo dos pés, porque, junto
com esse movimento de desconstrução, havia
também a construção de uma visão de mundo e,
aí, de um compromisso político que me faria
correr atrás do que me faltava.
Assim, a posição de que o compromisso po-
lítico era impulsionador para a competência téc-
nica foi a verdade do meu percurso pessoal. Era
uma identificação, mais que uma posição. Hoje,
poderia citar uma colega que, na minha opinião,
percorreu um caminho inverso ao meu, mas a
conclusão é a mesma da década de 1980: o fun-
damental é que compromisso político e compe-
182
tência técnica estejam presentes em cada ação
do professor. É nesse sentido que hoje me iden-
tifico, me posiciono em defesa e me transformo
com as contribuições de António Nóvoa e Inês
Teixeira:
Os professores exercem sua atividade e se
constituem, como tal, em contextos sociais e his-
tóricos, dimensionados em estruturas, institui-
ções e processos resultantes das escolhas e con-
tingências da ação humana [...]
Sujeitos socioculturais são, finalmente, seres
de ação, realizando-se como seres livres e de vida
ativa, inseridos no mundo por suas palavras e
atos que são comunicação e revelação (Inês
Teixeira, 1996).
Esta profissão precisa de se dizer e de se con-
tar: é uma maneira de a compreender em toda a
sua complexidade humana e científica. É que ser
professor obriga a opções constantes, que cruzam
a nossa maneira de ser com a nossa maneira de en-
sinar, e que desvendam na nossa maneira de ensi-
nar a nossa maneira de ser (António Nóvoa, 1992).
Aceitei, entusiasmada, esse convite do Nóvoa
e passo para o terceiro ponto da minha aborda-
gem, descrevendo algumas características mi-
nhas que têm influência na minha atuação, o que
tento fazer num exercício de articulação com a
formação que se dá na escola.
Começo com a opção por uma profissão que
se pauta na relação de gente com gente. Tarefa
complicadíssima! Basta pensar nas relações ma-
rido/esposa e nas relações pais/filhos. Só que para
essa relação familiar ninguém estudou, ou apos-
tou num retorno. Nosso caso é ainda mais com-
plicado, porque essa relação se dá num lugar com
uma função específica: educar/formar, e temos
uma formação” que presumiria uma aposta e,
daí, uma responsabilidade em acertar mais. Essa
questão já nos coloca, nesse lugar, com o descon-
forto do peso dessa responsabilidade.
Então, vamos dizer desse corpo que carrega
essa responsabilidade. O meu corpo e a minha
estatura são facilitadores da tarefa de professora
de Educação Infantil (talvez fosse complicado na
relação com os grandões”). Meu tamanho me
aproxima das crianças e elas adoram dizer que
estão quase me pegando.
Mas vocês já imaginaram o quanto o nosso
corpo fica exposto, nessa profissão? Sabem o que
significa pegar piolho, custar a acabar com eles
e, no outro dia, aceitar aquele abraço, agarrado,
grudado no pescoço, da Aninha e até sentir a
transfusão” de piolhos? Qual formação, ainda
mais a distância, daria conta do controle que
devo ter quando ganho aquele pisão na unha?
Nas minhas reflexões, é dilema, é sofrimento
pensar: “Efetivamente, eu os estou formando
para a iniciativa, para a independência, para a
autonomia, quando organizo com eles todo o
espaço da sala e a dinâmica do trabalho? Ou
quando, ao reorganizar as mesas para uma ati-
vidade, uma criança cheia de iniciativa, queren-
do ajudar, empurra a mesa e esmaga os meus
dedos e, com dor, recrimino: Vê se não me aju-
da, se eu não pedir!’?”
Por isso, vira e mexe, nas reflexões coletivas
da escola, o desafio é especificar o que cada uma
de nós entende como autonomia e como postu-
ras coerentes com tais concepções. Já, nas refle-
xões individuais, fiquei, por muito tempo, angus-
tiada, pensando que, como professora, vamos
ficando competentes em muitas coisas, mas a
tolerância, com certeza, vai diminuindo. Até que
resolvi que nada é dado e acabado, e estou
priorizando e policiando o meu grau de tolerân-
cia, na relação com as crianças, e a meta é per-
correr o caminho inverso. Ainda, na questão da
tolerância, existe um outro aspecto: como forta-
lecer uma relação de encantamento com o dife-
rente, com o novo, se o que é padrão e o que não
traz estranhamento é tão cômodo e, aí, sedutor?
Como construir e manter uma postura de
alteridade? Outra grande contribuição do cole-
tivo de uma escola pública é que é preciso sem-
pre conviver e negociar nossas diferenças.
O tempo passa e envelhecemos. Vamos para
a idade. Tenho 40 anos e minha relação é com
crianças de 5 anos. Talvez, aqui, o Papai do Céu
tenha falhado. Não guardamos, na memória, o
nosso ser criança e a experiência vivida não con-
segue nos ajudar na relação com as crianças. Ali-
ás, acho que elas são muito mais compreensi-
vas, que têm uma fase que ainda não viveram,
do que nós, que já fomos crianças. Na Educação
Infantil, é fundamental perceber a perspectiva da
criança, para ajudá-la no seu processo. Então, nas
182
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
reflexões do coletivo da escola, também é uma
luta definir até onde a interminável contação
de caso das crianças nos ajuda a entendê-las,
como lidar com o tempo, sempre insuficiente
para tantas prioridades, e onde buscar os funda-
mentos teóricos que ajudariam a entender aque-
la atitude, tão específica da minha aluna.
Outro conflito que vivo é que a minha pes-
soa é autoritária, mas sofro ao pensar que a pro-
fessora o seja. Convenhamos, posso não ser au-
toritária como professora se a pessoa que sou é?!
Fico me enganando, pensando que, com as cri-
anças, construo uma relação mais democrática
ou, pelo menos, autêntica.
Ser mulher também marca muito minha re-
lação com as crianças, é claro, mas tenho uma
colega cuja imparcialidade é flagrante demais
para com as meninas, e isso acaba por me aju-
dar nas reflexões internas.
No papel de informadora, tenho dificuldades
porque é bastante frágil a minha própria forma-
ção, tenho defasagens grandes em várias áreas
do conhecimento, mas sou muito esforçada, cor-
ro atrás o tempo todo e penso que acabo cum-
prindo o papel de sistematizadora do conheci-
mento universal. Nisso também sou ajudada
pelo coletivo da escola, pois essa questão é sem-
pre discutida e valorizada por todos.
Com relação à estética e à tecnologia, sou
analfabeta, mas a consciência disso me fez orga-
nizar o trabalho deste ano, para investir nessa di-
ficuldade, e têm sido satisfatórias as possibilida-
des que venho oferecendo às crianças na questão
artística. Na escola, também têm sido muito pau-
tadas as dimensões estética e ecológica no nosso
trabalho, o que tem sido importante para mim.
E, só para não ficar um perfil muito ruim,
encerro dizendo que tenho um dinamismo e
uma habilidade de leitura das crianças e uma
capacidade de devolução com intervenções di-
ferenciadas, que são interessantes. Isso faz com
que a minha auto-estima como professora seja
positiva – o que é fundamental para eu me aven-
turar, como dona do meu percurso, tanto ao fa-
zer como ao refletir e transformar esse fazer.
No coletivo da escola, cada uma de minhas
colegas, ao se colocarem, também trazem a mar-
ca de suas histórias de vida, seus percursos pro-
fissionais, suas características pessoais, o que
implica constantes trocas, negociações e cons-
trução de acordos possíveis. Assim, o projeto
político-pedagógico vai se constituindo e o seu
registro vai tendo o lugar do vivido, e também
das metas desejadas, dos acordos vislumbrados.
Como podem perceber, são muitos os fato-
res que constituem o meu fazer, o fazer político-
pedagógico de cada escola. A tarefa de auto-
conhecimento, ao construir identidades, reco-
nhecer e desafiar limites, é muito complexa, mas
cada professor é quem deve assumi-la. Para pen-
sar qualquer processo de formação que consi-
derasse a professora que sou, de início precisa-
ria entender o significado do sacrifício dos meus
pais, para garantir o diploma de professora para
todas as suas oito filhas, e como esse fato e a ex-
celência do trabalho dessas minhas irmãs deter-
minam o valor que dou à minha profissão. As-
sim, por maior que seja o compromisso político
e a competência técnica dos elaboradores de
políticas de formação, acho impossível alcançar
todas as nuances colocadas no fazer político-
pedagógico de um professor.
Nesse sentido, depois de aceitar o convite de
Nóvoa, também faço o meu convite, principal-
mente aos senhores, que têm o poder e a respon-
sabilidade de elaborar políticas de formação,
para que também o aceitem.
Os professores têm de ser protagonistas ati-
vos nas diversas fases dos processos de forma-
ção: na concepção e no acompanhamento, na
regulação e na avaliação. [...]
Toda ação encerra um projeto de ação. E de
transformação. E não há projetos sem opções. As
minhas passam pela valorização das pessoas e
dos grupos que têm lutado pela inovação no in-
terior das escolas e do sistema educativo (António
Nóvoa, 1992).
Minha identificação é tão grande, e penso
que nada mais precisa ser dito. É hora de ações
que concretizem a formação dentro dessa con-
cepção, que pressuponham o professor como
sujeito de seu processo de formação e a escola
como espaço privilegiado dessa formação.
Nesse ponto, é importante contar do meu
processo de formação continuada. Nos movi-
mentos sociais e nas campanhas da minha cate-
184
goria, aprendi muito, mas vou dizer do meu pro-
cesso de formação como ação da Secretaria Mu-
nicipal de Educação de Belo Horizonte.
Com certeza, a minha experiência tem sido
muito positiva. Foram muitas as oportunidades de
cursos, palestras, e seminários, promovidos pelo
Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da
Educação (Cape), que se constituíram em momen-
tos ricos de aprofundamento ou de desequilíbrio.
No entanto, considero muito mais efetivas as dis-
cussões realizadas na escola. Considero um privi-
légio a oportunidade de contar com a contribui-
ção de vários profissionais, como Vitória Faria, Fá-
tima Sales, Inês Teixeira e outros, na discussão con-
creta, palpável, de nossas dificuldades e descober-
tas. Digo privilégio porque, contar com essas con-
tribuições, foi busca e conquista da minha escola
e não de uma política da SMED, apesar de já ter
conhecimento de algumas iniciativas, lá, nesse sen-
tido, o que é fundamental, porque, se é verdade
que a escola é o espaço privilegiado de formação,
também é preciso reconhecer o quanto podem ser
deformadores” o cotidiano e a estrutura de uma
escola. Não porque somos bruxas malvadas, mal-
intencionadas ou incompetentes, mas porque a
vontade de acertar não garante o acerto. Nesse sen-
tido, nossas reflexões devem ser acompanhadas,
problematizadas e enriquecidas pelo olhar e pelo
saber do outro, compartilhando a responsabilida-
de e a alegria de construir práticas mais significati-
vas e humanizadoras.
Aqui sou obrigada a abrir um parêntese para
falar do Projeto Político-Pedagógico Escola Plu-
ral. Digo obrigada, porque inegavelmente tem
sido uma experiência doída. Muitos discordam,
mas, de fato, na minha opinião, esse projeto tem
sido, claro que aliado a várias outras questões das
nossas condições de trabalho, motivo de adoeci-
mento dos professores.
Por quê? Esse projeto é ruim? Não, muito pelo
contrário. Lendo suas diretrizes, a adesão e mes-
mo o entusiasmo são imediatos. Ele é todo bem
construído e articulado, mas dar conta de toda a
sua aposta, na prática, é muito difícil. Talvez esse
seja o motivo do adoecimento: “Quero tanto, por
que não dou conta?” Por maiores que tenham sido
os investimentos na capacitação do professor, fal-
tou, na minha opinião, o principal: uma relação,
de fato, dialógica com o processo de construção/
formação do professor e da escola. Houve muita
angústia e muito choro nesse processo e faltou
uma leitura mais precisa dos diversos choros, e
os rótulos resistência e desejo de receita pronta
não contribuíram em nada. O sentimento que
acabou se instaurando foi o da solidão.
Nesse processo, a formação precisava ganhar
a centralidade, mas não qualquer formação, e, sim,
a defendida por António Nóvoa e Inês Teixeira. Se
os esforços foram muitos, infelizmente ainda fo-
ram insuficientes. Apesar dessa constatação, escla-
reço que também fui responsável pela formação
dos professores, já que estava no Departamento
de Educação na época da implantação. Também
destaco que fui e sou defensora dos princípios da
Escola Plural, mas continuo precisando de ajuda
para construí-los na prática.
Por fim, para terminar o que pretendia ser uma
contribuição, insisto: não podemos mais partici-
par das discussões ou ações de formação como
pobre em festa de rico nem como um penduricalho
para compor um modismo politicamente correto.
É no nosso hábitat que as discussões têm contex-
to, cheiro, cor, sabor e até dor. Fora de lá é sempre
um estar se expondo com recortes, podendo
ocorrer constrangimentos, mal-entendidos, super-
ficialidade, além de sentirmos nossa contribuição
como o prato menor do banquete.
Gostaria muito que essa questão do menor
valor não fosse entendida como queixa, ou como
baixa estima, ou algo nessa linha. O que gostaria
de dizer é que seria desnecessária a nossa presen-
ça nesta mesa, neste congresso, se todas as ou-
tras falas já fossem impregnadas das angústias,
dos desafios e da caminhada das Stefânias, das
Marias. Relatos não supostamente imaginados,
nem pesquisados pontualmente, esporadicamen-
te e por amostragens. Ou seja, para mim, hoje, o
prato principal, no banquete da formação conti-
nuada de professores, é a caminhada da profes-
sora Ana e de seus companheiros, naquela esco-
la, lá nos cafundós do Amazonas. Como estão
construindo suas identidades de professores de
Educação Infantil do Amazonas? Como vem se
constituindo, no dia-a-dia, sua relação com seu
aluno, ao cuidar de sua formação? E aí, mais que
grandes banquetes esporádicos, haverá uma per-
manente refeição de qualidade, com as delícias e
a adequação da comida caseira.
184
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
O programa de formação
continuada de Educação Infantil:
Parâmetros em Ação
Olga Regina Siqueira e Silva
Escola Municipal Professora Emília Ramos – SME – Natal/RN
Espero ter sido compreendida nas discussões
que trouxe, pois não gostaria, de maneira algu-
ma, de parecer deselegante, mas reforço a mi-
nha alegria de ser considerada nesse diálogo, e,
justamente, querendo legitimar esse convite,
considerei ser minha contribuição dizer que, se
é consenso uma nova visão de formação conti-
nuada, é preciso alterar a ordem das coisas. Es-
pero estar dizendo com respeito e com cuidado,
mas é preciso dizer: chega de conversa, meus
Senhores. É urgente que haja uma inversão real
nas ações formadoras, considerando o nosso ser
e o nosso saber, justamente para que ele não seja,
eternamente, um saber frágil, menor.
Bibliografia
Se me fosse permitido, gostaria de transgredir
nesta bibliografia. Peço licença, primeiro, porque nada
do que está dito no texto é originariamente meu. São
muitos “outros” dizendo por intermédio de mim. Se-
gundo, porque as contribuições dos teóricos nesse
meu pensar são frutos de palestras e/ou apostilas,
dificultando a maneira convencional de se registrar
uma referência bibliográfica. Assim, só informo que o
texto é habitado por Guiomar Namo Mello, Paolo
Nosella, Dermeval Saviani, Paulo Freire, Miguel
Arroyo, Sônia Kramer, Vitória Líbia Faria, Fátima
Sales, Inês Teixeira, António Nóvoa et al. Também é
habitado por muitos “outros” ilustres desconhecidos,
que foram igualmente importantes.
Conforme consta no documento Parâme-
tros em Ação de Educação Infantil, o programa
se destina a apoiar o desenvolvimento de pro-
postas pedagógicas de qualidade, na perspec-
tiva de uma educação para a cidadania. Essa
meta exige impulsionar o desenvolvimento
profissional dos professores no âmbito das Se-
cretarias Municipais e Estaduais de Educação
(Brasil, 1999: 7).
Pela afirmação anterior, entendemos que o
processo de formação continuada dos profes-
sores constitui-se em necessidade emergente
no atual contexto sociopolítico-educacional.
Nesse sentido, a iniciativa de construção de um
programa dessa natureza configura-se como
referência a ser utilizada como apoio às discus-
sões do fazer pedagógico, dentro das institui-
ções escolares da rede pública. Embora enten-
dendo que o programa, por si só, não assegura
mudanças na prática docente, defendemos a
sua relevância, uma vez que possibilita a refle-
xão na ação pedagógica e sobre ela.
Convém ressaltar que a aceitação do pro-
grama Parâmetros em Ação não se constitui em
obrigatoriedade, mas adesão voluntária, o que
implica a questão da vontade política de cada
Secretaria de Educação em comprometer-se
com a formação de profissionais competentes
e com a busca da eficácia no ensino.
Dentre as finalidades apresentadas pelo
programa, destacaremos três, as quais estão
mais diretamente relacionadas à temática aqui
discutida, ou seja:
• contribuir para o debate e a reflexão sobre o
papel da escola e do professor, na perspectiva
do desenvolvimento de uma prática de trans-
formação da ação pedagógica;
• criar espaços de aprendizagem coletiva, in-
186
centivando a prática de encontros, para estu-
dar e trocar experiências, e o trabalho coletivo
nas escolas;
• identificar as idéias nucleares presentes nos
referenciais curriculares e fazer as adaptações
locais necessárias, atendendo às demandas
identificadas no âmbito do estado/município
ou da própria escola.
As finalidades anteriormente citadas com-
plementaram e/ou sedimentaram as ações
formativas, que já vinham, de certa forma, sen-
do desenvolvidas no âmbito da Escola Munici-
pal Professora Emília Ramos.
Antes de nos determos na descrição do Re-
flexo da ação formadora no projeto pedagógico
da instituição de Educação Infantil”, situaremos
o contexto em que se deu a realização do Pro-
grama de Formação Continuada para os profes-
sores de Educação Infantil.
O contexto do programa
O programa Parâmetros em Ação sediado no
município de Natal teve início em 1999 e en-
volveu a participação de 32 municípios no re-
ferido pólo. A realização do Programa de For-
mação Continuada “Parâmetros em Ação de
Educação Infantil” foi possível por meio da
formalização de parcerias estabelecidas entre
as Secretarias de Educação Municipais, o Sesi e
o MEC, sob a coordenação da Professora
Cristina Leandro.
Inicialmente, o programa contou com uma
turma de aproximadamente 50 professoras, que
tinha o desafio de desenvolver competências de
formadoras. O grupo tinha encontros mensais
por módulos de estudo dos temas abordados,
nos Referenciais de Educação Infantil, com a
duração de quatro dias seguidos. Nos dois pri-
meiros, a formação se dava por meio de um es-
pecialista local e, nos dois últimos, com a parti-
cipação de formadores da rede nacional do MEC.
Uma característica singular do nosso grupo
de estudo era contar com a participação de 24
especialistas/formadores, que suscitavam a dis-
cussão teórica, colocando em evidência os co-
nhecimentos do grupo sobre o tema a ser tra-
balhado, de modo que, quando as formadoras
da rede nacional assumiam a coordenação dos
estudos, já encontravam o campo fértil para a
mobilização do pensamento acerca da prática
reflexiva e da busca de autoformação.
A realização do trabalho citado, com a par-
ticipação das professoras de Educação Infantil,
teve início em 2000, cujo processo de imple-
mentação deu-se após a espera da contratação
das novas professoras concursadas para atuar
nesse segmento, pois de nada adiantaria dar
início a um processo de formação continuada
sem quadro permanente de professores.
Dessa forma, o início do Parâmetros em
Ação ocorreu no momento da Semana Pedagó-
gica, ao iniciar o ano letivo (fevereiro de 2000),
evento promovido regularmente pela SME, em
que foram abordados os módulos Artes e Brin-
car. Desde o princípio, o programa conseguiu
conquistar e envolver as professoras, pois a sis-
temática desenvolvida pelas formadoras tratou
de aproximar e enfatizar a relação teoria-práti-
ca, enfocando não apenas a organização de ati-
vidades no espaço escolar, mas também a re-
flexão sobre os objetivos que as norteiam.
Os eixos norteadores
da formação
A formação de professores dá-se, normal-
mente, em duas frentes: a formação inicial,
que qualifica o professor para atuar nas fun-
ções docentes; e a formação continuada, que
potencializa a atualização/construção de co-
nhecimentos, de novas abordagens e novos
paradigmas (Perrenoud, 2000). O programa
Parâmetros em Ação situa-se na segunda ca-
tegoria de formação, uma vez que não tem
como objeto específico a qualificação para a
docência, mas o redimensionamento da ação
pedagógica.
Do ponto de vista da formação que estáva-
mos iniciando, encaminhamos com êxito os
objetivos propostos pelo Parâmetros em Ação,
dos quais destacamos:
1. O investimento pessoal das professoras em
sua própria formação, uma vez que conse-
guimos conquistar o grupo e ganhar a confi-
ança, a credibilidade, ou melhor, estabelece-
mos um vínculo recíproco a partir do mo-
mento em que elas se sentiram valorizadas
186
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
e, tendo respeitado os seus saberes profis-
sionais, buscaram a ampliação desse repertó-
rio de saberes (Gauthier, 1998), que poderia
torná-las profissionais mais competentes.
2. A valorização e a necessidade de um traba-
lho coletivo entre as professoras e demais
segmentos no espaço escolar, mais nota-
damente nas situações de planejamento para
o desenvolvimento de uma proposta peda-
gógica que contemplasse as especificidades
da Educação Infantil e da criança pequena
em sua cultura local.
3. A tematização da prática, que se iniciou a par-
tir das atividades desenvolvidas e das trocas
de experiências favorecidas pelos relatos que
surgiam no grupo. A partir desses relatos e dis-
cussões, as professoras externavam suas con-
cepções, conceitos, práticas etc. e, assim, con-
frontavam-nos com o que estava sendo pro-
posto nas atividades (a cada encontro os pro-
fessores avaliavam o produto do seu trabalho
de modo positivo).
Até o momento, o Parâmetros em Ação de
Educação Infantil vem atendendo a, aproxima-
damente, 130 professoras de 40 escolas muni-
cipais, que se mantêm desenvolvendo a forma-
ção continuada por meio da participação nos
encontros periódicos de estudos e no próprio
local de trabalho.
O Parâmetros em Ação
na Escola Municipal
Professora Emília Ramos
Cabe destacar, no desenrolar da formação
promovida pelo Parâmetros em Ação, a histó-
ria da Escola Municipal Professora Emília Ra-
mos, situada na Avenida Central, S/N, no bair-
ro Cidade Nova, Zona Oeste da cidade de Na-
tal/RN.
O bairro ao qual nos referimos é formado
por pessoas de poder aquisitivo baixo. Uma boa
parte delas sobrevive de biscates, serviços do-
mésticos, construção civil e como operários,
enquanto a outra parte se encontra fora do
mercado de trabalho. O bairro é caracterizado
como violento, pelas próprias condições exis-
tenciais daquela comunidade.
A escola, fundada em outubro de 1988, ini-
cialmente recebeu o nome de Centro Munici-
pal de Educação Infantil Professora Emília Ra-
mos (Cemeiper) por atender, exclusivamente,
a Pré-Escola (termo usado na época). Sua pro-
posta pedagógica foi construída com a partici-
pação de pais, professores e técnicos da Secre-
taria Municipal de Educação, e seguiu a uma
orientação teórica baseada nas idéias constru-
tivistas de Emília Ferreiro e Teberosky.
No início da década de 1990, o Cemeiper
passou a atender as séries iniciais do 1º Grau,
uma vez que os pais, acostumados com a parti-
cipação efetiva nas decisões escolares, começa-
ram a reivindicar a continuidade dos estudos
de seus filhos numa escola que acreditava no
potencial deles, respeitava o ritmo e a constru-
ção do conhecimento do alunado, de acordo
com a abordagem construtivista, fundamenta-
da nos seguintes princípios norteadores da prá-
tica pedagógica:
1. Que a escola seja o lugar de vida e alegria para
todos que a freqüentam e que brincadeiras,
festas, passeios, recreações, enfim outras for-
mas de expressão e linguagem – não só a es-
crita – façam parte da rotina de nossa pro-
posta pedagógica.
2. Que a Pré-Escola seja entendida como ambi-
ente alfabetizador e facilitador da escolari-
zação efetiva das crianças das camadas po-
pulares.
3. Que o respeito às crianças, jovens e adultos
se constitua em base do nosso trabalho, le-
vando em conta os conhecimentos por eles
trazidos para a escola, seus interesses, suas
formas e seus ritmos de aprendizagem.
4. Que o eixo da proposta pedagógica propicie
à criança uma manipulação com escritas e
leituras funcionais, que possibilite o enten-
dimento da linguagem escrita, por meio de
atividades, como leitura e produção de tex-
tos; leituras e escritas de nomes; estímulo à
consciência dos sons e desenhos livres.
5. Que a avaliação seja entendida como um ele-
mento integrado entre a aprendizagem do
aluno e a atuação do professor no processo
de construção do conhecimento.
6. Que a avaliação não seja apenas uma instân-
cia de julgamento de sucessos e fracassos do
188
aluno, do professor e da escola, mas compre-
endida como um conjunto de atuações que
têm função de alimentar, sustentar, orientar
e ajustar a intervenção pedagógica e verifi-
car o grau de aprendizagem que foi atingido
pelo aluno, isto é, o quanto este se aproxima
ou não da expectativa da aprendizagem que
se tem em determinados momentos da es-
colaridade.
7. Que o professor e a equipe técnica que fa-
zem a mediação entre o não-domínio das
ferramentas culturais e o processo do seu
domínio pelos alunos não possam prescin-
dir da competência técnica (aqui entendi-
da em seu sentido amplo, tanto na sua di-
mensão teórica, domínio de conhecimen-
tos, como técnica, domínio das formas de
transmissão e assimilação dos conheci-
mentos).
8. Que os educadores tenham a clareza de
que a competência se constrói e que, por-
tanto, é provisória e deve ser sempre re-
feita, pois deve estar constantemente de-
safiada pela prática do ensino e pela ne-
cessidade de aprimorá-la sistematicamen-
te, aprofundando o domínio dos conteú-
dos relativos a cada área do conhecimen-
to e das formas de seu encaminhamento
metodológico no ensino.
9. Que a valorização dos educadores passe pela
busca da competência e que se dê conteúdo
às lutas dos profissionais da educação por
melhores condições de trabalho e pelo apri-
moramento profissional contínuo.
10. Que o estabelecimento de “vínculos afeti-
vos” positivos entre professor/aluno possibi-
lite o exercício da auto-estima, como aspec-
to fundamental para o sucesso escolar.
11. Que a gestão democrática seja uma luta
constante e compartilhada por todos os
segmentos da escola, por meio da eleição
direta dos dirigentes escolares, da dina-
mização do Conselho e da participação
ativa dos pais e das comunidades nos des-
tinos da escola.
12. Que o Conselho da escola constitua-se em
fórum de debates, encaminhamentos e deli-
berações das questões pedagógicas, adminis-
trativas e financeiras da escola, de forma a
colaborar na assistência e formação do edu-
cando, por meio da aproximação entre pais,
alunos e professores, e a promover a integra-
ção entre poder público, comunidade, esco-
la e família.
Ao longo dos anos, a escola absorveu, entre
suas ações, a prática do planejamento e do es-
tudo sistemático. Esse estudo propicia a ampli-
ação do conhecimento dos educadores, bem
como permite a troca de saberes, fator prepon-
derante para uma prática que visa à formação
de sujeitos autônomos e conscientes de sua ci-
dadania.
A premissa básica dos estudos do grupo es-
tava relacionada à aquisição da leitura e da es-
crita, muito embora fizessem parte dessa siste-
mática outros temas, como a Matemática, os
conhecimentos das Ciências Naturais e Sociais.
A partir da participação dos estudos prove-
nientes do Parâmetros em Ação, houve um im-
pacto no âmbito das discussões outrora reali-
zadas, que levou o grupo a repensar suas ações
referentes aos temas educar e cuidar, brincar,
movimento, artes e da própria concepção
subjacente ao ensino da Matemática. Entretan-
to, o grande salto qualitativo ocorreu nas formas
de intervenção realizadas pelos professores no
processo ensino-aprendizagem, tendo em vista
potencializar os avanços na aprendizagem dos
alunos com relação à leitura e à escrita (antes os
professores só faziam identificar e, conseqüen-
temente, classificar as crianças por níveis de re-
presentação da escrita).
Percebemos, ainda, que outro ponto pre-
cisava ser tratado como dinamizador do pro-
cesso de rever a prática, tematizando-a de for-
ma mais estruturada: a nova abordagem so-
bre o registro, o qual era visto na escola ape-
nas como documento que favorecia a avalia-
ção dos alunos, portanto não contemplava a
devida reflexão do professor sobre o seu fa-
zer e sobre os modos de intervenção em sala
de aula, para atender às necessidades de
aprendizagem do aluno.
Os aspectos citados passaram a ter uma
outra dimensão na proposta da instituição, ou
seja, o registro atualmente apresenta-se como
excelente recurso didático tanto para avaliar,
quanto para promover a reflexão e, especial-
188
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil
PAINEL 14
mente, para desenvolver a competência de
escritor.
Atualmente, o grupo de professores procu-
ra consolidar o hábito de estudo a partir da
tematização da sua prática e toma as suas fra-
gilidades como instrumentos para minimização
de suas necessidades educativas.
Pelo exposto, consideramos relevante o Pro-
grama Parâmetros em Ação para a melhoria da
qualidade do ensino, pelo fato de que ele vem
possibilitando a revisão dos conhecimentos per-
tinentes ao trabalho docente e potencializando
o desenvolvimento de competências necessárias
ao ensino (Perrenoud, 1999, 2000a, 2000b).
Bibliografia
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil
. Brasília, 1998.
.
Programa de desenvolvimento profissional
continuado:
Educação Infantil. Brasília, 1999.
GAUTHIER, Clermont.
Por uma teoria da Pedagogia
: pes-
quisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí:
Unijuí, 1998.
PERRENOUD, Philippe.
Construir as competências desde
a escola
. Porto Alegre: Artmed, 1999.
.
10 novas competências para ensinar.
Porto
Alegre: Artmed, 2000.
.
Pedagogia diferenciada
: das intenções à
ação. Porto Alegre: Artmed, 2000.
191
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1515
1515
15
EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO
NA AMAZÔNIA LEGAL
Francisca Bezerra da Silva
192
Resumo
A apresentação do Programa de Desenvolvi-
mento Profissional Continuado – Parâmetros em
Ação, do Estado do Acre, contempla um pequeno
histórico, que informa sobre a implantação e a exe-
cução do programa; a avaliação que a Secretaria
de Estado de Educação do Acre (SEE) faz do referi-
do programa, abordando as causas do envolvimen-
to dos professores no programa e as suas contri-
buições para o sistema público de ensino; os nú-
meros de professores participantes do programa;
a experiência das turmas multidisciplinares e as
prioridades de continuidade referentes à forma-
ção continuada de professores.
Histórico
O Programa de Desenvolvimento Profissio-
nal Continuado – Parâmetros em Ação, do Es-
tado do Acre, iniciou suas atividades em agos-
to de 1999, na capital, Rio Branco, e nos seguin-
tes municípios próximos: Acrelândia, Bujari,
Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre e Se-
nador Guiomard. Em março do 2000, estendeu-
se aos demais municípios: Brasiléia, Assis Bra-
sil, Epitaciolândia, Xapuri, Sena Madureira,
Manuel Urbano, Santa Rosa, Cruzeiro do Sul,
Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Tarauacá, Feijó
e Porto Walter.
Durante a execução dos dez módulos do
programa, ocorreu oscilação quanto à partici-
pação dos professores, especialmente do seg-
mento de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamen-
tal. Ao todo, participaram 4.835 professores.
Destes, 3.761 eram da 1ª à 8ª séries do Ensino
Fundamental.
Programa de Desenvolvimento
Profissional Continuado –
Parâmetros em Ação
Francisca Bezerra da Silva
SEE/AC
Avaliação da SEE sobre
o programa
Fatores que influenciaram a participação
dos professores no programa
Havia cerca de 15 anos que a rede de ensino
pública do Acre não contava com um progra-
ma de formação de professores que contives-
se uma proposta clara e definida, exceto ações
isoladas e pontuais. No caso desse programa,
trata-se de ações continuadas e sistemáticas
de grande alcance, que atinge até os municí-
pios mais longínquos.
O Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS)
vigente desde 1999 contempla a avaliação, na
qual se incluiu o item formação continuada.
A proposta do programa reflete e questiona a
atualidade educacional, bem como expressa
as angústias e as perguntas que os profissio-
nais vêm colocando, de diferentes maneiras,
sobre o que é ensinar e aprender, qual é o pa-
pel da escola e do professor e sobre o mundo
atual, com as estabilidades e instabilidades
que marcam este início de milênio. O espaço
do programa é formado, também, para am-
pliar as opções culturais do professor. Como
exemplo, citamos o momento em que assisti-
mos ao filme O auto da compadecida, de Guel
Arraes, com os professores do interior, que se
constituiu em objeto de reflexão, entreteni-
mento e descoberta (parte dos participantes
nunca tinha entrado num cinema).
Contribuições do programa
para a rede de ensino
O programa contribui da seguinte forma
para o ensino da rede pública:
193
Experiência de formação na Amazônia Legal
PAINEL 15
• promove a discussão coletiva, sensibiliza para
o prazer de estudar e de refletir sobre a prática
pedagógica cotidiana;
• amplia a visão e o compromisso dos professores;
• ajuda a vencer resistências quanto à postura peda-
gógica e à concepção de mundo e da Educação;
• questiona a falta de coerência entre discurso
e prática;
• permite a constituição de um grupo de pro-
fessores, coordenadores pedagógicos e direto-
res, formadores compromissados com a for-
mação continuada e com a gestão escolar;
• estimula o uso das novas tecnologias para as
práticas educativas;
• possibilita a ressignificação do planejamento
e da avaliação da aprendizagem;
• favorece o órgão gestor do sistema, a Secreta-
ria de Estado de Educação (SEE), na prática
de um feedback constante, por meio do con-
tato com os professores, levantando questões,
dúvidas e demandas.
os coordenadores de grupo utilizarem junto
com os volumes I e II, próprios do programa.
Módulos multidisciplinares:
I Módulo. Escola, adolescência e juventude: o
estabelecimento de uma relação mais har-
moniosa e significativa – 12 horas (conforme
proposto nos Parâmetros em Ação).
II Módulo. Ética: raiz e fruto da vida social – 16 horas
(conforme proposto nos Parâmetros em Ação).
III Módulo. Novos desafios para ensinar e
aprender cada área nas séries finais do Ensi-
no Fundamental – 16 horas (o III e o V
módulos transformaram-se em um curso de
40 horas por área).
IV Módulo. Tratando de questões sociais em
cada área, abordando conteúdo de forma sig-
nificativa para o jovem – 16 horas (específi-
co, que se tornou multidisciplinar).
V Módulo. O que, por que e como ensinamos e
aprendemos em cada área – 24 horas (o III e
o V módulos transformaram-se em um cur-
so de 40 horas por área).
VI Módulo. Que coisas nossos alunos já sabem:
evitando rupturas e dando continuidade ao
processo de ensino e aprendizagem de cada
área nas séries finais do Ensino Fundamen-
tal –12 horas (específico que se tornou
multidisciplinar).
VII Módulo. Passou a ser contemplado nos de-
mais módulos.
VIII Módulo. Como avaliamos em nossa escola
e nas áreas das séries finais do Ensino Fun-
damental:
• Avaliação em cada área – 8 horas (confor-
me proposto nos Parâmetros em Ação)
• Como avaliamos em nossa escola – 8 horas
(específico, que se tornou multidisciplinar)
IX Módulo. Projetos de trabalho: dando vida aos
conteúdos das áreas finais do Ensino Funda-
mental – 16 horas (específico que se tornou
multidisciplinar).
X Módulo. Enfim: escola para quê e quais ca-
pacidades esperamos que os alunos desen-
volvam? – 16 horas (conforme proposto nos
Parâmetros em Ação).
TOTAL: 142 horas
PCN em Ação:
experiência multidisciplinar
O modelo de organização proposto pelo
PCN em Ação para professores de 5ª a 8ª série
do Ensino Fundamental adequou-se à realida-
de da capital, Rio Branco, e do município de
Cruzeiro do Sul. Nos municípios menores, o
programa foi reorganizado para turmas multi-
disciplinares, pois esses municípios têm insu-
ficiência de professores para a formação de tur-
mas por disciplinas.
O trabalho com as referidas turmas exigiu
reorganização, também, do material. Para isso,
a Secretaria elaborou um pequeno manual para
Segmento
1ª a 8ª série do Ensino Fundamental
Educação Infantil
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Total geral
Total
3.761
860
214
4.835
Número de professores participantes do programa
194
Formação continuada:
o que fazer após os módulos
do PCN em Ação?
Durante o desenvolvimento dos módulos do
PCN em Ação, ficaram ressaltadas as principais
dificuldades e resistências da maioria dos pro-
fessores. A partir de então, definiu-se a conti-
nuidade da formação continuada com as se-
guintes ações:
• Potencialização do espaço da formação ini-
cial. A SEE, em convênio com a Universidade
Federal do Acre e em parceria com municípios,
está promovendo cursos superiores para 4.658
professores. As reflexões pedagógicas, como
são entendidas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, deverão se fazer presentes no inte-
rior desses cursos.
• Execução do Programa de Formação de Pro-
fessores Alfabetizadores (PROFA). O PROFA
está inserido nas turmas de Pedagogia e conta
com 2.700 professores, distribuídos em 55 tur-
mas no estado. Fora do curso de Pedagogia,
funcionam quatro turmas com professores de
1
a
a 4
a
séries do Ensino Fundamental, de Edu-
cação Infantil, coordenadores pedagógicos e
uma turma com professores de zona rural.
• Execução do Parâmetros em Ação – Meio Ambi-
ente na Escola. Esse programa é uma priorida-
de que se justifica em função das especificidades
da região. É comum as escolas promoverem
ações de prevenção ao desmatamento, às quei-
madas, levantar questões a respeito do uso da
água, da poluição ambiental, do destino do lixo,
entre outros. É o momento para subsidiar as re-
feridas ações. Também, esse programa está sen-
do inserido nas licenciaturas que fazem parte
do convênio: Matemática, Letras, Geografia,
História, Biologia e Educação Física, no total de
1.854 participantes.
• Aprofundamento da reflexão de avaliação.
• Aprofundamento dos estudos de Língua Por-
tuguesa, Matemática e temas transversais.
• Execução do Programa Ética e Cidadania no
Convívio Escolar. A SEE entende que é a oca-
sião oportuna para a escola refletir sobre a co-
erência do seu discurso com as práticas e ro-
tinas presentes no dia-a-dia escolar e criar es-
paços para reflexões que ajudem a gerenciar
e mediar conflitos.
• Execução do Programa PNLD em Ação.
• Elaboração e/ou reelaboração das propostas
curriculares de 5ª a 8ª séries do Ensino Fun-
damental (Português, Matemática, História,
Língua Estrangeira, Geografia, Ciência, Edu-
cação Física e Arte).
195
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1616
1616
16
PROJETO PEDAGÓGICO:
POR QUÊ, QUANDO E COMO –
EDUCAÇÃO INFANTIL
Cristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos
Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib
Sônia Regina da Silva Souza
196
A partir da segunda metade do século XX, foi
preciso repensar o atendimento institucional às
crianças de 0 a 6 anos, em razão de alguns fatos,
tais como: a incorporação das mulheres de clas-
se média no mercado de trabalho, o crescimen-
to rápido e desordenado das grandes cidades e
a falta de espaço para brincadeiras de crianças
nesses grandes centros. No Brasil, após o regi-
me militar, o atendimento às crianças pequenas
é pensado como uma necessidade para crian-
ças carentes, numa atitude especialmente com-
pensatória. A partir dessa concepção, ganharam
incentivo do governo as entidades filantrópicas
que atendiam as crianças em regime basicamen-
te assistencialista.
Na década de 1970, as teorias de privação
cultural contribuíram para explicações sim-
plistas da marginalidade das camadas sociais
mais pobres, reforçando, assim, o caráter
assistencialista e compensatório das propos-
tas de atendimento às crianças pequenas,
oriundas de camadas sociais desfavorecidas.
Por causa desse contexto, as propostas de
trabalho, tanto para as crianças em creche,
como para as em pré-escolas públicas, cen-
travam-se basicamente nos cuidados higiêni-
cos e alimentares. Paralelamente a isso, hou-
ve alguma ampliação do atendimento pré-es-
colar privado não baseado nas mesmas con-
cepções daquelas orientadoras das institui-
ções públicas. Assim, as propostas de uma
educação voltada para a criatividade, a socia-
lização e o desenvolvimento infantil orienta-
vam quase que exclusivamente as condutas
para o atendimento das crianças de classes
sociais favorecidas. E eram propostas que se
pautavam por estudos e pesquisas da psicolo-
gia do desenvolvimento, bem como por novas
estratégias pedagógicas.
Considerações sobre a organização
do Projeto Educacional
na Creche Central da USP
Cristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos
Creche USP/SP
Também, durante esse período, os movimen-
tos populares ganharam expressão como meca-
nismos de pressão política. Uma das reivindica-
ções presentes nesses movimentos referia-se à
creche como um direito do trabalhador. Foi nes-
se cenário que o movimento de luta por creches
ganhou força dentro da Universidade de São Pau-
lo, iniciado por um grupo de mães funcionárias.
Em 1982, foi inaugurada a primeira das quatro
creches existentes hoje na universidade. Desde
a sua criação, a creche teve como pressuposto o
trabalho centrado na criança e nas relações fa-
mília/creche, criança/criança, adultos/crianças.
Com o objetivo de promover o desenvolvi-
mento afetivo, físico e intelectual das crianças,
a creche da USP foi planejada como espaço de
interação e respeito à criança e à família, con-
siderando os direitos destas à atenção de qua-
lidade, que conjugava o cuidado e a Educação.
O espaço físico foi construído e organizado
para atender às necessidades das crianças, num
ambiente agradável e aconchegante. Outra ca-
racterística dessa creche sempre foi a hetero-
geneidade da população, com vagas destinadas
a funcionários, docentes e alunos da universi-
dade. Além disso, sempre foi função da creche
acolher investigações de pesquisa de alunos
matriculados nos cursos de graduação e pós-
graduação das diversas faculdades.
Um aspecto igualmente importante, desde
a implantação da primeira creche, foi a defesa
do livre acesso dos pais ao ambiente da insti-
tuição, o que se evidencia na proposta de aco-
lhimento/inserção da criança, feita sempre
com a presença dos pais ou de adultos signifi-
cativos para os pequenos. No que diz respeito
à formação da equipe de trabalho, atuam des-
de o início, dentro das creches, profissionais
de Saúde, Nutrição, Psicologia e Pedagogia.
196
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
Mesmo tendo sido organizada dessa manei-
ra, nos primeiros anos de atuação, notava-se que
o trabalho acabava por acontecer de forma que o
atendimento às necessidades das crianças, prin-
cipalmente os cuidados, eram os que orientavam
a rotina na creche, sendo que os trabalhos desti-
nados às atividades pedagógicas ocorriam, na
maioria das vezes, sem intencionalidade. As for-
mações do grupo de funcionários aconteciam es-
poradicamente e participavam delas somente as
educadoras, na época denominadas recrea-
cionistas, segundo a carreira da universidade. Em
geral, as discussões se concentravam nas relações
com as crianças, em casos individuais ou nas ca-
racterísticas de uma determinada faixa etária.
Apesar de não existir um espaço para pla-
nejar e registrar o trabalho desenvolvido com
as crianças, alguns educadores, por iniciativa
própria, cultivavam o hábito de trocar expe-
riências e informações a respeito do trabalho
e da rotina do grupo ao qual pertenciam,
usando para isso os momentos de sono das
crianças ou mesmo momentos fora de seu
horário de trabalho.
Com a ampliação da creche e o início do
atendimento a crianças maiores de três anos,
sentiu-se a necessidade de organizar o traba-
lho. Muitas dúvidas foram surgindo, e, com
elas, veio a necessidade de um projeto edu-
cacional que pudesse interligar as diferentes
áreas que atuavam na creche, bem como da
definição de uma política de formação de to-
dos os sujeitos implicados na educação das
crianças. Além disso, parecia necessária uma
organização equilibrada da rotina, que tradu-
zisse melhor a concepção de criança, Educa-
ção e família já presente na creche.
No momento em que se deu a estruturação
do projeto educacional, levaram-se em conta o
compromisso da instituição com a formação in-
tegral da criança de 0 a 6 anos, o número de ho-
ras que elas passam na instituição e quantos
anos ficariam ali. A partir dessas considerações,
foi necessário algo que organizasse o tempo, o
espaço, as necessidades quanto aos cuidados
das crianças e as ações que identificavam a cre-
che como espaço educativo.
O atendimento em horário integral impli-
ca a responsabilidade pelo desenvolvimento
dos cuidados e da aprendizagem, integrando-
se, assim, as áreas de Saúde e Nutrição. Tor-
nou-se também necessária a seleção dos con-
teúdos a serem trabalhados com o objetivo de
garantir experiências diversificadas a todas as
crianças que freqüentam a instituição. A for-
ma como foi estruturada a rotina reflete a con-
cepção que se tem da criança, como ser capaz
e competente, e do educador, como profissio-
nal capacitado para intermediar as relações
entre as crianças e destas com o conhecimen-
to. Além disso, garantia-se o direito de acesso
ao conhecimento. A rotina tem como objetivo
oferecer às crianças um equilíbrio entre ativi-
dades dirigidas, brincadeiras, higiene, alimen-
tação e tem como intenção garantir a interação
das crianças do grande grupo (todas as crian-
ças do módulo) no pequeno grupo (cada um
dos quatro grupos de um módulo) e a integra-
ção de faixas etárias diferentes.
Várias ações deram formato ao projeto
educacional. Uma delas foi a implementação
do que se chamou Estudo da Realidade (ER),
que, na época, compreendia discussões a res-
peito das necessidades identificadas no coti-
diano do trabalho, no que dizia respeito tan-
to às suas organizações práticas, como às
interfaces entre os diversos grupos da insti-
tuição. Durante o tempo em que foi realiza-
do, o Estudo da Realidade permitiu identifi-
car essas necessidades e propor encaminha-
mentos, garantindo a participação coletiva na
organização do trabalho. A partir de então, o
entendimento sobre o trabalho com crianças
pequenas ficou mais claro para todos os seg-
mentos da creche.
Uma das conseqüências dessas discussões
foi a organização de metas de trabalho ao lon-
go dos anos, entre as quais está a formação
de um espaço de conversa entre educadores
e grupos de apoio. Surge, então, o projeto de
Oficinas, desenvolvido com os grupos de lim-
peza, cozinha e lactário, que tinha como pro-
posta não somente a confecção de materiais
e brinquedos, mas um espaço para a forma-
ção desses funcionários. Durante os traba-
lhos, havia troca de experiências, discussões
sobre o desenvolvimento infantil, bem como
o resgate da memória desse grupo em relação
198
às suas brincadeiras de infância, que podiam
depois ser transmitidas às crianças.
Assim, a construção do projeto educacio-
nal foi um processo coletivo e o Estudo da
Realidade, ou seja, o levantamento de dis-
cussões com a comunidade da creche, para
elaborar, discutir e desenvolver esse proje-
to, foi um grande aliado. O tempo para a for-
mação dos educadores foi uma das condições
apontadas, tendo sido implementado ao lon-
go dos anos.
Em razão do horário de atendimento às
crianças, existe troca de turnos de educado-
res entre os períodos da manhã e da tarde, e o
planejamento das atividades é feito em con-
junto entre as equipes desses dois turnos. A
formação dos educadores acontece durante
reuniões semanais e mensais. Atualmente, a
rotina está organizada em momentos de co-
letivo dirigido (ateliês) e de coletivo livre (pá-
tio), pequenos grupos (atividades dirigidas
em sala com a mesma faixa etária), alimenta-
ção, sono e higiene. O eixo condutor dessa
rotina é a interação, garantindo o contato das
crianças entre diversas faixas etárias e da cre-
che com as famílias.
Os ateliês são organizados com diferentes
propostas, que acontecem nos horários de en-
trada (manhã e início da tarde) e saída da cre-
che. Seus objetivos são a interação, a coope-
ração e a livre escolha das crianças. Além dis-
so, favorecem a recepção das crianças, pois
são propostas oferecidas pelo educador, mas
não dirigidas por ele, o que permite que ele
fique atento à circulação das crianças e dis-
ponível para a recepção das famílias, tanto na
chegada quanto na finalização das atividades.
No momento de coletivo livre, as crianças de
diversas faixas etárias brincam no pátio. Du-
rante esse período, há revezamento de lanche
das educadoras e a troca e higiene das crian-
ças. A presença de um número mínimo de
educadores no pátio deve permitir que eles
possam interagir com as crianças, bem como
observá-las em suas brincadeiras. Durante o
pequeno grupo, acontecem as atividades
dirigidas pelo educador e planejadas previa-
mente para cada faixa etária. São desenvolvi-
dos, aqui, os projetos e as atividades seqüen-
ciadas, considerando as diversas áreas do co-
nhecimento, bem como os objetivos de tra-
balho para cada faixa etária.
Consideramos que a estruturação da roti-
na foi um dos eixos importantes para o de-
senvolvimento do projeto educacional na cre-
che, pois trouxe equilíbrio entre as atividades
propostas e o entendimento de seus signifi-
cados, considerando nossa concepção de
Educação. Vale dizer que a forma como está
organizada a rotina não é estática, está sem-
pre em constante avaliação e sujeita a mudan-
ças. Exemplo disso foi a alteração, há poucos
anos, do momento de sono, que antes era ofe-
recido a todas as crianças, sem opção de es-
colha. Entendemos, ao longo de discussões,
que o sono não era uma necessidade de todas
as crianças, o que gerou a possibilidade de
ofertas diferentes. Atualmente, há na creche
o que chamamos de descanso, com espaços
organizados para o sono ou para brincadei-
ras tranqüilas.
O processo de estruturação do projeto
educacional ocorreu nos diferentes segmen-
tos da creche, resultado de um trabalho cole-
tivo. Agora, temos diferentes espaços organi-
zados para diálogo, discussões, planejamen-
to e construção desse trabalho.
Bibliografia
DUTOIT, R. A.
A formação do educador de creche na dinâ-
mica da construção do projeto educacional.
1995. Tese
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo.
OLIVEIRA, Z. M. R.
Para o educador de creche.
Ribeirão
Preto: USP/INEP/MEC, 1991.
198
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
Introdução
Fundada em 1972, a Escola Balão Vermelho
tem como marca o exercício da reflexão sobre a
sua prática, o que lhe proporciona um ganho
muito significativo na melhoria de seu ensino,
na medida em que antigas certezas do fazer pe-
dagógico podem ser flexibilizadas e dar lugar a
novas formas. E é investindo na formação de seus
educadores, promovendo encontros e congres-
sos de ação pedagógica e estabelecendo um
constante diálogo com outros saberes, tanto
acadêmicos quanto de outras instâncias, que a
escola vem conseguindo realizar esse processo.
Como parte desse trabalho reflexivo, a esco-
la reuniu seus educadores, no início do ano de
1994, para discutir a respeito da necessidade de
tornar seus alunos ainda mais participativos no
processo de aprendizagem, desde o planejamen-
to. Apoiados, naquele momento, nos estudos de
Josette Jolibert, deu-se início ao que podemos
chamar de “Pedagogia de Projetos.
Após seis anos de prática e de reflexão apoia-
da em discussões sustentadas por estudiosos,
como Fernando Hernández, Sacristán, entre ou-
tros, em 1998, o novo desafio que nos envolveu
foi delimitar diretrizes curriculares para a escola
e explicitá-las melhor aos alunos, pais e educa-
dores. A necessidade veio da prática com proje-
tos. Desde que a escola assumiu essa pedagogia,
muitas mudanças e escolhas foram sendo feitas.
Após quatro anos de percurso, já era possível to-
mar distância e buscar os eixos que estavam ori-
entando o trabalho naquele momento.
Atualmente, a escola vem prosseguindo seu
trabalho com projetos, porém numa concepção
Do formal ao cultural:
a experiência da Escola Balão
Vermelho com os Projetos de Trabalho
*
Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib
Escola Balão Vermelho/MG
cada vez mais ampla de seu significado. Enten-
demos que, mais do que ensinar os conteúdos
das disciplinas, a escola é um espaço de cultura
viva, que acolhe toda a diversidade de relações
presentes na realidade em que está inserida. As-
sim, trabalhar por projetos, hoje, mais que uma
opção metodológica, é uma postura assumida na
forma de conceber e concretizar a Educação,
numa nova possibilidade de organização do es-
paço e do tempo escolares.
Com a intenção de promover essa nova or-
ganização, reestruturamos a forma de agrupar as
crianças, de coordenar o trabalho pedagógico, de
facilitar a formação dos educadores, bem como
a reflexão contínua sobre os eixos curriculares
que nos orientam.
Dessa maneira, passamos a agrupar nossos
alunos por ciclos de formação, cada um deles
com dois anos de duração. Tomamos essa deci-
são em 1996, por acreditarmos que o processo
de formação exige um tempo maior e mais flexí-
vel que aquele induzido pela organização dos
estudos por série.
Organizamos as atividades escolares por
meio dos projetos de trabalho coletivos, proje-
tos individuais e módulos de aprendizagem. Essa
organização do trabalho tem garantido a possi-
bilidade de abordagens globalizadas dos diferen-
tes conteúdos e a participação ativa das crian-
ças no seu processo de aprendizagem.
Para esse contexto, modificamos, também,
nossa forma de organização do trabalho da equi-
pe pedagógica, buscando torná-la ainda mais co-
letiva. A experiência atual conta com a coordena-
ção de ciclos, que atua juntamente com a direção
pedagógica da escola. Essa função é ocupada, a
* Texto elaborado por Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib, em agosto de 2001.
200
cada seis meses, por um professor da escola, que
é eleito por seus companheiros do ciclo. Assim,
acreditamos atender melhor às necessidades de
formação e de reflexão sobre o trabalho realiza-
do. Estão previstos, ainda, assessorias e grupos de
trabalho para atender às necessidades de forma-
ção e de reflexão sobre o trabalho realizado.
Nossos atuais eixos curriculares buscam
definir as dimensões de formação dos edu-
candos que estamos priorizando. Esses eixos
curriculares se estendem da Educação Infantil
à Educação Fundamental e são, também, refe-
rências para a avaliação do processo e do ren-
dimento do trabalho. Como tais, eles não são
estáticos e podem ser reformulados a partir da
experiência vivida.
Os eixos curriculares são os seguintes:
• tratamento da informação;
• diversidade cultural;
• inserção na vida da cidade;
• experiências culturais e artísticas;
• instrumentalização para o estudo.
Entre as muitas práticas realizadas nessa
perspectiva, escolhemos relatar o “Projeto Lixo
– trabalho que envolveu toda a comunidade es-
colar e seu entorno na busca da construção de
uma nova atitude no que diz respeito ao trata-
mento dado ao lixo. A partir da proposta pelos
educadores de reflexões a esse respeito, as cri-
anças puderam identificar a necessidade de en-
tendimento da relação entre coleta seletiva e
reciclagem/reaproveitamento de materiais. Vi-
sando resolver o problema levantado, os educa-
dores instrumentalizaram as crianças, organi-
zando com elas estratégias de pesquisa e propos-
tas de ação que poderiam mobilizar a comuni-
dade para a necessidade de se atentar para essa
importante questão ambiental.
Esse projeto foi realizado no primeiro semes-
tre do ano letivo de 2001, na escola Balão Ver-
melho, pelas turmas da Educação Infantil, com
crianças entre 5 e 7 anos de idade. Ele será, aqui,
relatado por meio de um recorte do trabalho
desenvolvido em uma das turmas, com 19 cri-
anças entre 5 e 6 anos de idade.
É indiscutível, nos dias atuais, a necessidade
de uma intervenção direta da escola na forma-
ção de sujeitos capazes de se relacionarem com
o meio ambiente, buscando sempre a aquisição
de conhecimento, de valores, de atitude, de com-
promisso e de habilidade necessários para a pro-
teção e melhoria do meio ambiente; a criação de
novos padrões de conduta orientados para a pre-
servação e melhoria da qualidade do meio am-
biente” (MEC, 1991: 7).
Por esse motivo, já há algum tempo a escola
vinha investindo na colocação de lixeiras para a
coleta seletiva e, mais recentemente, aderiu ao
projeto Circuito Ambiental, que é uma parceria
da agência de promoção Asas Produções” com
a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e
de Material Reaproveitável (Asmare).
1
No entanto, o trabalho que vínhamos fazen-
do em torno da conscientização da necessidade
da coleta seletiva não vinha sendo suficiente para
que, efetivamente, ocorresse a coleta. Foi a par-
tir dessa constatação que o grupo de professo-
ras decidiu realizar um projeto durante o 1
o
se-
mestre de 2001, em que esse tema pudesse ser
trabalhado.
Portanto, a intenção do nosso grupo era ini-
ciar um processo de mudança de atitude com a
comunidade escolar e seu entorno, no que diz
respeito ao tratamento dado ao lixo na escola e
nas residências. Pretendíamos que as crianças:
• conhecessem o que é o trabalho de coleta sele-
tiva e reciclagem;
• estabelecessem a relação entre a coleta seleti-
va e a reciclagem;
• desenvolvessem boas estratégias para viabilizar
a coleta seletiva, tanto na escola quanto em suas
residências;
• conectassem o problema” do tratamento que
tem sido dado ao “lixo” com uma esfera mais
ampla, relacionada à preservação do meio am-
biente e a formas de sobrevivência;
• tivessem um papel de multiplicador, divulgando
1
O projeto conta com a participação de diversas escolas, que receberam, cada uma delas, um contêiner para a coleta seletiva de lixo. O lixo
é enviado à Asmare, onde são feitas tanto a triagem e a posterior venda de material, quanto a reciclagem de uma parte dele. Estima-se que
mais 200 famílias se beneficiaram com o trabalho gerado pelo aumento da quantidade de material coletado.
200
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
a necessidade da coleta seletiva e compartilhan-
do o conhecimento adquirido durante o projeto
com a comunidade escolar e extra-escolar.
A partir dessa decisão, cada professora de-
senvolveu o trabalho com sua turma. Durante
todo o percurso, tivemos vários encontros em
que foram discutidas as estratégias de interven-
ção no processo de conscientização das crian-
ças sobre o tratamento do lixo, oportunidades
em que cada uma de nós compartilhava o mate-
rial utilizado no estudo e os avanços que a tur-
ma havia realizado.
Problematização
O primeiro momento do projeto foi uma con-
versa com as crianças. Nessa conversa, fiz uma
série de perguntas às crianças a fim de saber
quais informações elas tinham a respeito do
tema (coleta seletiva e reciclagem do lixo).
Constatei que muitas delas tinham algumas
informações, principalmente no que diz respei-
to à reciclagem, que, segundo elas, “é transfor-
mar coisa velha em nova. No entanto, quando
questionadas sobre a coleta seletiva, todas re-
velaram nunca a haver feito. Também, quando
perguntei sobre o objetivo daquele coletor que
havia na escola, todas disseram que era para se-
parar o lixo, mas quando insisti perguntando
para que” separá-lo, nenhuma delas estabele-
ceu conexão com a reciclagem.
Então, ao final dessa primeira conversa, in-
formei às crianças que aquele lixo coletado na
escola era destinado à Asmare e propus que es-
tudássemos sobre o “lixo, pois percebia que elas
poderiam compreender melhor por que se faz
coleta seletiva e o que é a reciclagem.
Organização do projeto
Num segundo momento com as crianças,
retomei a conversa inicial e propus que, para re-
alizarmos o nosso projeto, organizássemos uma
lista com tudo aquilo que não poderíamos es-
quecer de fazer. Durante a confecção da lista,
tanto eu quanto as crianças apresentamos suges-
tões e discutimos a importância de cada ação.
A lista, que foi afixada no mural e serviu como
referência durante todo o percurso, tinha os se-
guintes itens:
• estudar a reciclagem;
• marcar um dia para trazer lixo de casa;
• colocar duas lixeiras na sala;
• assistir ao filme da Asmare;
• visitar a Asmare;
• aprender a reciclar;
• contar o que aprendemos para outras pessoas.
O desenvolvimento do projeto
A partir de agora, relatarei cada um dos itens
da lista como momentos importantes no decor-
rer do projeto, fazendo uma abordagem das es-
tratégias utilizadas para tratamento da questão
com as crianças e da relação delas com a pro-
posta curricular da escola.
Reciclagem
Questionadas sobre as coisas novas” nas
quais se transformavam as “velhas” na recicla-
gem, as crianças informaram que viravam brin-
quedos. Então, informei-lhes que diferentes
materiais, quando reciclados, eram matéria-pri-
ma para diferentes produtos, e que alguns livros
contavam isso.
A essa altura, outra professora, com sua tur-
ma, já havia solicitado à bibliotecária da escola
que separasse todo o material relativo a “lixo
disponível na biblioteca.
2
De posse desse material, separei, com a par-
ticipação das crianças, aqueles livros que trata-
vam da reciclagem de diferentes materiais: plás-
tico, papel, metal, vidro. Combinei com elas que
leríamos cada um deles e anotaríamos as infor-
mações relativas ao destino dos materiais, no
processo de reciclagem.
As informações anotadas foram também afi-
xadas no mural. Esse estudo, além de esclarecer o
destino de cada material, informou às crianças a
diferença entre reciclagem e reaproveitamento.
2
Esse material permaneceu disponível na biblioteca (separado em uma caixa) para todas as turmas envolvidas com o projeto.
202
Instrumentalizar as crianças para o estudo e
o tratamento dado às informações
3
foram pon-
tos abordados nesse momento do projeto, em
que trabalhei, com as crianças, estratégias de
busca e seleção de informação, bem como de seu
armazenamento para futuras recorrências.
Marcar dia para trazer lixo de casa
Faz parte da cultura da escola a elaboração,
por turma, de um calendário semanal, em que são
registradas as principais atividades de cada dia.
Um destes é o “dia do brinquedo” – dia escolhido
pela turma e no qual cada criança pode levar para
a escola um brinquedo de casa. Estabelecendo
uma relação com esse dia, propus às crianças a
escolha de um dia para trazer lixo de casa.
Para que os pais pudessem ajudar as crian-
ças e compartilhassem da nossa empreitada,
sugeri que lhes escrevêssemos um bilhete. Nele,
além de falar sobre a importância da coleta sele-
tiva, seria necessário informar o dia em que o
lixo deveria ser levado à escola.
Em conversa com outra professora envolvida
no projeto, ela me informou sobre a estratégia de
sugerir aos pais que tivessem duas lixeiras em
casa: uma para os recicláveis (estes deveriam ser
lavados antes de colocados na lixeira)
4
e outra para
os não-recicláveis. A sacola com os recicláveis se-
ria levada para a escola, e as crianças se encarre-
gariam de fazer a triagem para as respectivas par-
tes do contêiner. Contei às crianças a idéia e es-
crevemos essa sugestão em nosso bilhete aos
pais. E ressaltei para as crianças a importância do
uso de um instrumento adequado (no caso, o bi-
lhete) para conseguirmos atingir o nosso objeti-
vo: que os pais pudessem, de fato, ajudá-las.
Colocar duas lixeiras na sala
Sugeri que também levassem para o contêiner
o lixo produzido em nossa sala. Para isso, ele não
poderia estar todo misturado nem sujo. A primei-
ra proposta foi de uma lixeira para plástico e outra
para papel, por serem os materiais mais utilizados
por nós. No entanto, ficamos sem ter onde colocar
o não-reciclável. Após alguns dias de incômodo,
fui até a sala de outra professora, que havia feito
da seguinte forma: uma lixeira para os recicláveis
e outra para os não-recicláveis (como na sugestão
feita aos pais). Levei as crianças até a outra sala para
verem a boa idéia que tiveram e fizemos o mesmo
em nossa sala. Diariamente, ao final da aula, uma
criança leva o lixo até o contêiner.
Assistir ao filme da Asmare
Ao organizarmos o roteiro com as principais
ações do projeto, contei às crianças sobre a pos-
sibilidade de irmos até a Asmare, onde podería-
mos ver o que, de fato, se fazia lá.
O filme, com uma matéria sobre a fundação
da associação e o trabalho realizado por ela, fa-
zia parte da nossa caixa na biblioteca. Propus às
crianças que assistissem ao filme para conhece-
rem o lugar aonde iriam e entenderem como ele
funcionava, preparando-se para a visita. Ao pla-
nejar a aula, assisti ao filme e programei saltos
(das partes que continham longas entrevistas) e
paradas (para chamar a atenção das crianças
sobre algum detalhe ou antecipar o que veriam
na cena seguinte). Essa estratégia foi usada vi-
sando à maior adequação daquele material para
o uso com crianças.
Assistir a esse filme colocou as crianças di-
ante de uma realidade muito diferente
5
daquela
na qual vivem e, além disso, explicitou, de uma
forma contundente, o caráter solidário da ação
de separar o lixo para que este, levado à Asmare,
fosse fonte de trabalho para aquelas famílias li-
gadas à associação.
A partir dessa constatação pelas crianças,
procurei trabalhar com elas a importância das
atividades realizadas na Asmare para a preser-
3
Ambos os pontos são parte do currículo da escola, estruturado a partir de cinco eixos: experiências culturais e artísticas, instrumentalização
para o estudo, diversidade cultural, tratamento da informação e relação cidade–escola.
4
Nos livros em que estudamos, as crianças obtiveram a informação de que todo material a ser reciclado ou reaproveitado deveria ser lavado,
já que a sujeira poderia danificá-lo (mofo, ferrugem), inviabilizando seu aproveitamento.
5
Em nosso currículo, esse ponto tem relação com a diversidade cultural, em que procuramos trabalhar a construção de uma identidade tanto
a partir do contraste com o diferente, quanto do reconhecimento desse diferente e do respeito a ele.
202
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
vação do meio ambiente. Portanto, não eram
apenas elas que ajudavam a Asmare, mas o tra-
balho feito lá ajudava a todos nós, na medida que
dava um tratamento adequado ao lixo, evitando
seu acúmulo e o desperdício de matéria-prima.
A esse respeito, havia lido para elas uma repor-
tagem da “Folhinha” do jornal Folha de S.Paulo,
afirmando que, a cada dia, produzíamos mais
lixo e o planeta continua do mesmo tamanho;
portanto, se isso continuar assim, um dia o pla-
neta estará completamente coberto de lixo.
Visita à Asmare
Permanecemos por duas horas nas depen-
dências da Asmare. Nossa visita foi monitorada
por uma das pessoas que trabalhavam com a tri-
agem do material coletado.
Mais do que ao assistir ao filme, as crianças
se surpreenderam com aquelas pessoas traba-
lhando em meio a montanhas de material.
Janete, a monitora da visita, explicou todo o pro-
cesso de triagem, além de mostrar a reciclagem
do papel, o reaproveitamento da madeira e a loja
onde a produção era vendida.
Enquanto nos mostrava o espaço e falava
sobre o trabalho lá realizado, a monitora chama-
va a atenção das crianças para o quanto era bom
poder trabalhar ali, e contou-lhes sobre um
“lixão” que havia visitado, onde as pessoas vi-
viam catando lixo no meio da sujeira.
Registrei a visita com fotografias. No dia se-
guinte, já com as fotos na mão, reconstruí, com
as crianças, o percurso da visita e as informações
que tínhamos obtido lá.
O processo que utilizei foi o seguinte: mos-
trava a fotografia, e as crianças se lembravam,
com a minha ajuda (por meio de perguntas e
comentários do que eu própria me lembrava),
do que tinha sido fotografado e do que a Janete
havia dito sobre aquele lugar ou aquela tarefa
específica.
Esse registro (fotografias acompanhadas de
texto) foi afixado na parede externa à sala para que
outras turmas pudessem conhecer o trabalho da
Asmare. O texto também foi digitado e distribuí-
do para as crianças, para que fosse guardado em
uma pasta com outros registros do projeto.
É necessário ressaltar que esse momento do
projeto tem relação com outro eixo curricular: a
relação cidade–escola, em que é revelada a nossa
intenção de levar as crianças ao reconhecimento
da possibilidade de inter-relação entre a escola e
outras tantas instituições e espaços da cidade. Por-
tanto, é importante, para nós, que as crianças te-
nham oportunidade de aprender a reconhecer
outros espaços, além da escola, como possíveis
fontes para a construção do conhecimento.
Aprender a reciclar
Na Asmare, ao conhecer o lugar onde era fei-
ta a reciclagem do papel, as crianças puderam
observar todo o processo de reciclagem e acom-
panhar as explicações de uma das pessoas que
lá trabalhavam.
Para o registro da explicação, foi feita uma es-
crita no formato de receita, e esta foi anexada à
pasta de cada criança. Ao propor que guardassem
o registro, deixei claro que iríamos recorrer a ele
quando, no segundo semestre, fôssemos realizar
uma oficina de reciclagem de papel na escola.
A busca de um formato adequado para a es-
crita do que haviam memorizado sobre como
se recicla o papel” foi um importante momento
de aprendizado. Nesse momento, o confronto de
diferentes gêneros textuais proporcionou uma
escolha consciente pelas crianças do texto tipo
receita” como o mais adequado para o registro.
Contar para outras pessoas
o que aprenderam
A essa altura, as crianças já tinham muitas
informações sobre reciclagem e já conseguiam
estabelecer uma relação entre ela e a coleta se-
letiva. Portanto, voltando ao mural onde estava
o roteiro do projeto, retomei a discussão sobre a
necessidade de contarem para outras pessoas a
respeito do que haviam aprendido.
O primeiro público-alvo da nossa divulgação
foram as crianças e professoras de outras turmas
da escola. Para isso, dividi a turma em equipes,
para que cada uma delas fosse até uma das salas.
A tarefa seria falar sobre a importância de se fazer
a coleta seletiva, para que a reciclagem fosse pos-
sível, e marcar um dia para que a turma trouxes-
se o lixo de casa para a escola. Depois, já em nos-
204
sa sala, construímos uma tabela em que estavam
marcados os dias de cada turma trazer o lixo. Essa
tabela foi afixada no corredor da escola.
No entanto, já feita a divulgação interna, era
preciso cuidar da externa. As crianças, quando
questionadas sobre a melhor maneira de divulgar-
mos a necessidade da coleta seletiva, disseram que
bastava que contássemos a nossa experiência para
as pessoas com as quais nos encontrássemos.
Então, eu lhes disse que contar” não era sufi-
ciente, pois as pessoas acabariam se esquecendo,
já que era preciso memorizar muitos dados (como,
por exemplo, a cor da lixeira destinada a cada ma-
terial). Sugeri a confecção de um panfleto que, além
de propagar a importância da coleta seletiva, po-
deria ajudá-las a ensinar como fazê-la.
Recolhi e analisei com as crianças uma série
de panfletos para que elas pudessem produzir o
seu próprio. Durante a análise, chamei a aten-
ção para os aspectos característicos do tipo de
linguagem utilizada e como as informações eram
organizadas. Todas as observações feitas eram
anotadas para que, ao produzirmos o panfleto
referente à coleta seletiva, pudéssemos recorrer
a elas. As características anotadas foram:
• uso de ilustração;
• uso de escrita com letras grandes e com letras
menores;
• uso de muitas cores para as pessoas enxerga-
rem melhor;
• uso de números para mostrar o endereço, o te-
lefone e o preço;
• uso de mapa para indicar caminhos;
• uso de símbolos (logomarcas);
• uso de palavras para mandar” nas pessoas:
compre, venha, não perca, venha agora, coma,
experimente;
• uso de textos afirmando que o produto ou o
serviço seria o melhor, o que nem sempre é ver-
dade, sendo apenas uma forma de induzir as
pessoas a comprar;
• uso de asteristo (*), seta ( ) ou splash ( )
para mostrar coisas importantes.
A produção do panfleto foi coletiva, numa
situação em que todas as crianças davam palpi-
tes e eu, além de realizar o registro por escrito,
fazia intervenções no sentido de aproximar a lin-
guagem utilizada àquela própria de um texto
publicitário, naquele suporte específico.
Feitos os panfletos, iniciamos sua distribui-
ção pelas ruas e prédios em torno da escola. Para
que essa tarefa fosse viável, contei com a ajuda
de uma funcionária da escola, que, a cada dia,
permanecia com parte das crianças na escola,
para que eu pudesse sair com um pequeno gru-
po. Esse trabalho de panfletagem é feito até hoje,
semanalmente.
Além do panfleto, produzimos um cartaz que
foi afixado numa feira de verduras e legumes que
fica em frente da escola. Para a sua confecção,
da mesma forma como foi feito o panfleto, levei
para a sala diferentes cartazes que, depois de
analisados, serviram de referência para a produ-
ção do nosso próprio cartaz.
Portanto, aprender a fazer panfleto e cartaz
não foi uma situação descontextualizada de
aprendizagem. Pelo contrário, ocorreu em um
contexto real de uso, em que uma comunicação
fazia-se necessária e, para que fosse de fato efi-
caz, era preciso que as crianças o fizessem de
forma adequada. Dar acesso às crianças a esses
objetos sociais de escrita faz parte do que acre-
ditamos ser indispensável para a formação de
nossos alunos.
Avaliação
Ao final do semestre, quando já cuidávamos
da divulgação da coleta seletiva e aquele proble-
ma inicial de saber o que era reciclagem e qual a
sua relação com a coleta seletiva já havia sido
resolvido, conversei com as crianças sobre o fi-
nal do projeto. Ressaltei que esse final não signi-
ficaria o fim do nosso investimento na conscien-
tização da importância da coleta seletiva, e que,
por isso, continuaríamos com a panfletagem e
com o dia de trazer lixo de casa.
A avaliação final foi feita tanto em termos
coletivos quanto individuais. Primeiramente,
houve uma conversa e um registro coletivos,
momentos em que as crianças falaram sobre o
que haviam aprendido, e, depois, uma entrevis-
ta individual em que cada qual respondeu o que
considerou mais importante no nosso projeto.
Além dessa avaliação final, o processo de
avaliação esteve presente durante todo o per-
204
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
Projetos pedagógicos
de linguagem oral e escrita
na Educação Infantil
Sonia Regina da Silva Souza*
Associação Verbo Divino/SP
curso. Exemplos: ao elaborarmos o panfleto, as
crianças avaliaram o que haviam aprendido à
medida que organizavam o conteúdo para ser
contado a outras pessoas; quando colocamos
duas lixeiras na sala, uma para plástico e outra
para papel, percebemos que o resultado não
estava adequado à nossa necessidade e, após
uma avaliação, recorremos à solução encontra-
da por outra turma. Portanto, avaliar é instru-
mento necessário para a construção de sentido
e para a continuidade do processo, e não ape-
nas uma situação estanque, localizada no final
do processo.
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Trad. Jussara Rodrigues. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
SANTOMÉ, Jurjo Torres.
Globalização e interdisciplinarida-
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: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1997.
Introdução
Durante muito tempo, nosso trabalho es-
teve totalmente voltado para os cuidados fí-
sicos e as práticas assistencialistas. Procurá-
vamos fazer o que sabíamos em relação ao
atendimento das crianças, mas não havia uma
proposta pedagógica nem mesmo espaço
onde poderíamos pensar sobre isso. Sentía-
mos falta de uma proposta mais consistente,
que nos permitisse olhar as crianças de uma
forma diferente.
Em 1994, surgiu a oportunidade de transfor-
mar nosso cotidiano. Recebemos um convite para
participar do Programa Capacitar 1, organizado
pela Cooperativa de Entidades (Cooperapic), fi-
nanciado pelo Instituto C&A de Desenvolvimen-
to Social e posto em prática pela ONG Creche-
plan, hoje, Instituto Avisa Lá! Nesse programa,
todos os profissionais da nossa instituição pas-
saram a receber formação em serviço. A partir daí,
as mudanças foram acontecendo.
A cada encontro de formação, descobría-
mos a importância de se pensar na creche como
* Coordenadora pedagógica da Creche da Associação de Mães Unidas do Novo Osasco (Amuno) e formadora da Creche Verbo Divino,
associada à Cooperapic/SP
206
espaço educacional. Foi se criando um olhar
diferente para todos aspectos que envolviam
as crianças. Começamos a elaborar um proje-
to institucional mais consistente, do qual par-
ticiparam todos os funcionários da creche.
Além de todas as mudanças que envolvia re-
pensar a concepção de criança, desenvolvi-
mento, aprendizagem e ensino, as práticas pe-
dagógicas foram modificadas. Dentre elas, gos-
taria de destacar a incorporação dos projetos
pedagógicos em nosso cotidiano. A experiên-
cia com projetos trouxe mais significado ao
trabalho e nos permitiu ter outra visão em re-
lação ao trabalho com Educação Infantil.
Concepção de projeto
pedagógico
Historicamente, o trabalho com projetos
tem atravessado vários momentos da história
da Educação e vem se transformando ao lon-
go do tempo. A concepção que adotamos en-
tende o projeto como um trabalho pedagógi-
co o mais próximo possível das práticas soci-
ais. O projeto é um conjunto de situações con-
textualizadas, em que há um objetivo compar-
tilhado com as crianças desde o início. As cri-
anças são envolvidas em uma seqüência de
atividades com vistas a produzir um evento ou,
então, um ou mais objetos, que dão visibilida-
de ao processo de aprendizagem. Há um forte
vínculo com uma área de conhecimento, mas,
dada a sua natureza, os projetos pedagógicos
integram sempre diferentes áreas que colabo-
ram com o produto final.
As crianças podem ser engajadas em uma
seqüência de atividades para produzir um
baile de carnaval, uma fita cassete com músi-
cas escolhidas, um livro de receitas etc.
Por que o trabalho
com projetos?
Para as crianças, há um grande ganho, pois
se sentem atraídas e motivadas a participar
das atividades, quando compreendem sua fi-
nalidade e podem relacioná-las com as coi-
sas que já conhecem.
Compartilhar com os outros também é
importante para as crianças, pois eles sabem
que o seu trabalho terá outros leitores e apre-
ciadores. Para isso, colocam em jogo tudo o
que sabem, tomando decisões e dividindo ta-
refas. Enfim, o comprometimento é maior, o
que garante que as aprendizagens sejam mais
efetivas e o resultado, o melhor possível.
É grande o envolvimento do educador,
pois geralmente ele é o responsável pela es-
colha do tema. Precisa desenvolver um estu-
do prévio e organizado, pois, o tempo todo,
está se confrontando com questões e desafios
que as crianças vão trazendo. Seu papel é o
de promover situações de aprendizagem de
forma significativa. O projeto nos permite
uma organização seqüenciada dos conteúdos
mais importantes para cada faixa etária. A
princípio, ele requer mais tempo por parte do
educador, mas, a partir de sua implantação,
o trabalho flui, facilitando nossa ação, permi-
tindo uma visão melhor de quanto e como as
crianças aprendem.
Resumindo as vantagens, podemos dizer
que a prática de trabalho com projetos pos-
sibilita:
• a promoção de aprendizagens significativas;
• o desenvolvimento de uma atitude favorá-
vel para o conhecimento;
• a garantia de uma seqüência organizada de
conteúdos;
• o acompanhamento mais fácil do que as cri-
anças estão aprendendo;
• o aprendizado da busca de informações pe-
las crianças;
• avaliação constante;
• maior envolvimento de educadores e crianças.
Quando e quanto trabalhar
com projetos
Projetos didáticos são mais adequados
quando as crianças já entendem a relação en-
tre as atividades e o produto final. A partir dos
3 anos, é possível pensar em organizar um tra-
balho como esse. Em geral, desenvolvemos um
projeto por grupo, a cada três ou quatro meses.
206
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação Infantil
PAINEL 16
A organização do tempo didático envolve,
além dos projetos, as atividades permanen-
tes e diferentes seqüências. Se, por exemplo,
estamos desenvolvendo um projeto de recon-
to de histórias conhecidas, teremos muitas
ações envolvendo tanto a linguagem oral
quanto a escrita. Portanto é preciso pensar em
atividades permanentes e seqüenciais que
envolvam outras áreas, como movimento, ar-
tes visuais, música etc., para que, em outros
momentos do dia, as crianças tenham expe-
riências diferentes.
Conteúdos possíveis
na Educação Infantil
O mais importante é que, na Educação In-
fantil, podemos diversificar muito, pois não
há um currículo rígido a seguir. Isso permite
boas escolhas em relação aos projetos. É im-
portante lembrar que todo trabalho pedagó-
gico envolve conteúdos conceituais, proce-
dimentais e atitudinais. Assim, ao produzir
uma fita cassete de poesias para doar a um
grupo de crianças menores, por exemplo, es-
taremos trabalhando não só a linguagem
oral e escrita, mas também a auto-estima, a
valorização da cultura, a socialização etc.
Com as crianças de 4 a 6 anos, podemos ou-
sar um pouco mais. Há possibilidade de tra-
balharmos com mais conteúdos, pois espera-
mos que elas avancem no conhecimento do
código alfabético e da linguagem escrita. As-
sim, são inúmeros os produtos ligados a dife-
rentes gêneros textuais, como a produção de
textos informativos, folders, livro de adivinhas
ou rimas etc.
A concepção que adotamos entende o pro-
jeto como um conjunto de situações contex-
tualizadas. Há um objetivo final, que é com-
partilhado com as crianças desde o início. As
crianças são envolvidas em uma seqüência de
atividades com vistas a produzir um evento
ou um ou mais objetos, que dão visibilidade
ao processo de aprendizagem. Há um forte
vínculo com uma área de conhecimento, mas,
dada a sua natureza, os projetos pedagógicos
integram sempre diferentes áreas que colabo-
ram com o produto final.
Quando esperamos que as crianças avan-
cem no conhecimento do código alfabético e
da linguagem escrita, podemos pensar em
produtos ligados a diferentes gêneros textu-
ais, como a produção de textos informativos,
folders, livro de adivinhas ou rimas, fita cas-
sete com músicas etc.
209
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1717
1717
17
PROJETO PEDAGÓGICO:
POR QUÊ, QUANDO E COMO –
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Rosângela Pereira
Elizabete Monteiro
210
Por quê
Esse trabalho foi realizado em uma sala de
aula de jovens e adultos da empresa Método
Engenharia, em convênio com a Fundação
Kellog e o Centro de Estudos Escola da Vila. O
grupo era constituído, em sua maioria, por ho-
mens que desempenhavam diversas funções na
construção civil.
Nosso projeto pedagógico na Educação de
Jovens e Adultos consiste em utilizar o texto
como unidade básica e sua diversidade no uso
social, pois os educandos jovens e adultos, em-
bora não tenham freqüentado a escola, entram
em contato diário com diversos tipos de texto.
Esse trabalho proporciona aos educandos
melhorarem sua competência comunicativa, pois
amplia seu repertório no mundo letrado, tanto
lendo como produzindo textos para se comuni-
carem por meio de mais de uma linguagem.
Nessa modalidade de trabalho, os educandos
comprometem-se com o conteúdo trabalhado,
já que esse conteúdo parte de seus conhecimen-
tos prévios, e, por meio do aprofundamento dos
estudos, ampliam esses conhecimentos.
Quando
O primeiro projeto que desenvolvemos foi
o “Estudo da Migração, pois era latente, na
classe, o sentimento de solidão do alunos por
terem deixado suas famílias em outras cidades
e estarem morando em São Paulo. Trouxemos
para a sala de aula livros, revistas e artigos de
jornal sobre o tema para trabalharmos em clas-
se. Estabelecemos, como produto final desse
projeto, a confecção de um almanaque. A idéia
desse tipo de portador surgiu por ser um ma-
terial muito comum em algumas regiões do
Projeto pedagógico:
por quê, quando e como
Rosângela Pereira
Projeto Kellog/SP
Brasil e possibilitar a inclusão de diferentes ti-
pos de texto no mesmo material.
Após produzirmos esse primeiro material,
fizemos uma noite de autógrafos” em que os
educandos declamaram poesias de sua auto-
ria e contaram como foi a experiência de pro-
duzir um almanaque.
Outro projeto foi sobre a Aids, pois era uma
preocupação nossa e deles saber mais sobre o
assunto e divulgar os conhecimentos aprimo-
rados em sala de aula, o que é um dos objeti-
vos do estudo por projetos: ter um produto fi-
nal que possa transmitir os assuntos estudados
em sala de aula para a comunidade em que a
escola ou os educandos estão inseridos, com a
finalidade de debater o assunto e, se possível,
até modificar os hábitos e as atitudes dos mo-
radores, por meio do conhecimento.
Ao concluirmos esse material, demos con-
tinuidade ao estudo da reprodução humana e
produzimos um atlas desenhado pelos próprios
educandos.
Como – A escolha do tema
A partir das primeiras conversas com os
educandos, foi possível detectar temas que se-
riam de interesse da classe e, também, incluir
o estudo de diversas áreas do conhecimento.
Depois de escolhido o tema, utilizamos di-
ferentes tipos de textos: jornalísticos, contos,
receitas, poesias, cartas.
Leituras feitas pela professora
para apreciação da classe
O primeiro livro escolhido para ser lido
pela classe foi Vidas secas, por se tratar do
tema da migração e ser um texto bem escri-
210
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJA
PAINEL 17
to, pois o trabalho com bons textos serve
como modelo e dá a possibilidade aos
educandos de se apropriarem da organização
textual e de uma linguagem diferente, na hora
de produzirem textos de autoria. Depois, le-
mos os livros As mil e uma noites e Estrela so-
litária.
Houve também a leitura de diferentes con-
tos (sem que estivessem, necessariamente, li-
gados ao tema), para que a classe pudesse se
apropriar da estrutura narrativa e da caracteri-
zação dos textos.
As notícias de jornal trazidas tinham maté-
rias relacionadas ao tema do projeto. Às vezes,
trabalhávamos com todo o jornal para estudar-
mos sua organização (divisão por cadernos), a
inferência sobre o assunto da notícia por meio
das fotos ou das manchetes. Depois organiza-
mos um mural em que os educandos escolhi-
am uma notícia e faziam um pequeno comen-
tário sobre ela.
Cartas
Era um grande anseio deles escrever e man-
dar cartas, assim como poder ler as que recebi-
am. Escrevemos algumas cartas em classe e per-
cebemos que os modelos utilizados eram fixos
e nem sempre expressavam a mensagem que
eles gostariam de enviar. Um dos educandos
levou para a classe um livreto com modelos de
cartas de amor. Percebemos, então, que pode-
ria vir daí uma escrita muito parecida entre as
cartas. Passamos, então, a reescrevê-las, indi-
vidual e coletivamente. A correção individual
tratava do sentido daquilo que queriam trans-
mitir e a coletiva dizia respeito à ortografia e
concordância.
Receitas e textos instrucionais
Esse tipo de texto é direto e objetivo e pos-
sibilita a inferência do resultado por meio dos
materiais ou ingredientes usados ou da descri-
ção da execução do prato ou objeto. Lemos tex-
tos instrucionais para confeccionar objetos; le-
mos ingredientes de receitas para descobrir
qual prato seria confeccionado, e, pelo estudo
do texto A sopa de pedras, criamos a receita e
o modo de fazer esse prato.
Poesias
Estudamos diferentes poesias, exploramos
sua finalidade (despertar sentimentos), decla-
mamos e reescrevemos algumas delas, troca-
mos ou completamos algumas rimas que foram
subtraídas das poesias e, para o almanaque,
publicamos versões feitas pelos educandos da
poesia “Cidadezinha qualquer”.
Trabalho com os textos
Ao trabalhar os diferentes textos, utilizamos:
Reescrita. Era feita a leitura de um texto várias
vezes, até que eles o tivessem na memória.
Depois, era solicitado que o reescrevessem,
trabalho que possibilita que os educandos se
preocupem somente com a organização do
texto e até com a ortografia, pois o texto eles
já têm na memória.
Revisão textual coletiva. Ao produzirmos tex-
tos em sala (mesmo os reescritos), selecioná-
vamos alguns e, com autorização do autor, re-
visávamos o texto com a classe toda, avalian-
do a ortografia e a concordância e fazendo as
modificações, quando necessário.
Revisão textual individual. Na produção de tex-
tos utilizados nos produtos finais, os educandos
escreviam e nós fazíamos as revisões, discutin-
do com cada educando. Ou digitávamos os tex-
tos na forma como eles haviam escrito e discu-
tíamos se estavam bons. Eles, então, percebiam
as palavras, as frases e as concordâncias que pre-
cisavam ser corrigidas e, normalmente, alega-
vam que os erros deviam ser da digitação, pois
não acreditavam tê-los cometido.
Roda de leitura. Semanalmente, deixávamos
expostos todos os livros da classe para que os
educandos escolhessem um e o levassem para
casa. Na semana seguinte, um dos estudantes
comentava a história que tinha lido e indica-
va, ou não, o livro para os colegas.
É importante ressaltar que as atividades
eram as mesmas para toda a classe, indepen-
dente da hipótese que os educandos tinham
sobre a língua escrita. O que diferenciava o tra-
balho era a intervenção feita pela educadora
com cada um dos educandos e o nível de exi-
gência para cada um deles.
212
Contextualização
Um pouco da história
A idéia de fazer uma escola para crianças
e adolescentes atendidos pelo Projeto Axé vi-
nha sendo discutida há cinco anos. Nasceu de
uma forte demanda dos educadores em razão
da observação e constatação das dificuldades
pelas quais grande parte dessas crianças e
adolescentes passava nas escolas públicas
que freqüentavam.
Essa população costumava chegar ao Pro-
jeto Axé com uma história de evasão e repe-
tência escolar, história essa semelhante à de
muitas crianças e jovens das comunidades
pobres de Salvador.
A freqüência na escola é condição para par-
ticipar das atividades do Projeto Axé, mas, com
raras exceções, os educandos não ultrapassa-
vam a 3ª série do 1° grau, ou estavam fora da
escola. Esses dados, obtidos do relatório anual
do Projeto Axé (1998), revelam que grande par-
te desses alunos, com defasagem de idade/sé-
rie, passou por múltiplos fracassos na escola.
Geralmente, esses alunos têm uma auto-esti-
ma muito baixa e não acreditam que são capa-
zes de aprender. Por causa disso, realizou-se
uma parceria entre o Projeto e a Secretária Mu-
nicipal de Educação e Cultura (SMEC), com o
objetivo de oferecer Educação formal do Ensi-
no Fundamental de qualidade para as crianças
e adolescentes atendidos pelo Projeto Axé e da
comunidade na qual a escola estava inserida.
No início do ano letivo (abril de 1999), a es-
cola funcionou em uma casa alugada pelo Pro-
jeto Axé e, em razão de limitações das instala-
Projetos didáticos e a
prática de letramento:
experiência de uma escola
pública de Salvador
Elizabete Monteiro
Projeto Axé/BA
ções, atendemos nove classes, sendo seis no
turno matutino, com alunos que apresentavam
grande defasagem de idade/série, e três classes,
no turno vespertino, de ensino regular.
Em 2000, ampliamos a capacidade de aten-
dimento da escola para 29 turmas (dez pela
manhã, dez à tarde e nove à noite), com nú-
mero de matrículas próximo a 800 alunos. Atu-
almente, funciona num prédio bastante amplo,
com instalações modernas e bem equipadas.
A escola hoje
Inserida num contexto socioeconômico pou-
co privilegiado, no bairro de São Cristóvão, que
apresenta alto índice populacional, a escola está
localizada, estrategicamente, na rua principal,
que delimita duas áreas empobrecidas,
marcadas pela miséria e pela marginalização.
Apesar desse contexto muito próximo da
realidade das crianças e jovens atendidos pelo
Projeto Axé, percebem-se manifestações de
preconceito e discriminação da comunidade
em relação aos alunos, meninos e meninas do
Projeto Axé, que freqüentam a escola.
Tanto os alunos que vêm de outros bairros
da cidade quanto os da comunidade de São
Cristóvão estão expostos aos mesmos sintomas
da patologia da nossa cidade (que coincidem
com os de outras metrópoles brasileiras): altas
taxas de desemprego ou subemprego, moradias
sem condições mínimas de habitabilidade e de
suprimento dos serviços de água e luz, equilí-
brio familiar fragilizado, convívio com a violên-
cia e a miséria generalizada.
Um aspecto adicional que emerge das ori-
gens históricas da cidade, importante também
na construção da proposta pedagógica da Es-
212
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJA
PAINEL 17
cola Municipal Barbosa Romeo, é a articulação
entre raça e pobreza como variáveis que defi-
nem a participação precoce da criança no mer-
cado de trabalho de Salvador. No interior des-
sa conjuntura, os vínculos já frágeis dos nú-
cleos familiares dificilmente resistem.
Nesse contexto, a definição da identidade
do Projeto IIê Ori, desenvolvido na Escola Mu-
nicipal Barbosa Romeo, foi construída a partir
da idéia da sociedade como uma totalidade na
qual nossos alunos estão inseridos. Isso impli-
cou pensar numa proposta pedagógica que pu-
desse atender a essas crianças integralmente,
não só no âmbito de conteúdos conceituais,
mas, principalmente, em relação aos conteú-
dos procedimentais e atitudinais, em que éti-
ca, valores e estética estejam impregnando
toda a prática da escola.
Acreditamos que o movimento próprio do
processo de construção do conhecimento deve
permear a sala de aula, possibilitando ao alu-
no aprender pensando.
O papel da teoria nesse processo é o de for-
necer subsídios para que o professor observe
e reflita melhor sobre sua prática e perceba em
quais pressupostos ela está respaldada. A in-
tervenção do professor no processo educativo
é fundamental, no sentido de orientar a busca
de soluções, por meio da apresentação de no-
vas informações e desafios a partir de estraté-
gias pedagógicas.
Esse ponto de vista dá grande ênfase ao va-
lor da atividade grupal, ressaltando-se a coope-
ração em lugar da competição, como princípio
básico. A troca entre alunos é fator indispensá-
vel para a construção do conhecimento. Den-
tro dos grupos envolvidos em atividades signi-
ficativas, há necessidade de expressar pontos de
vista, trocar idéias e discutir meios e modos
para a resolução de problemas. Dessa forma, a
Pedagogia de Projeto, opção metodológica da
escola, atendeu a esses princípios.
Por que pedagogia de projetos
Numa sociedade em constante transforma-
ção, o conhecimento é cada vez mais volátil e fle-
xível. Como educadores deste novo milênio, pre-
cisamos desenvolver uma pedagogia em que
professor e aluno possam dialogar problemati-
zar e atualizar as questões e os desafios do co-
nhecimento.
Segundo Fernando Hernandez:
A função do projeto é favorecer a criação de es-
tratégias de organização dos conhecimentos es-
colares em relação: 1. ao tratamento da informa-
ção; e 2. à relação entre os diferentes conteúdos
em torno de problemas ou hipóteses que facili-
tem aos alunos a construção de seus conheci-
mentos, a transformação da informação proce-
dente dos diferentes saberes disciplinares em
conhecimentos próprios (Hernández, 1998: 61).
Sendo assim, o trabalho com projetos cons-
titui-se em excelente situação de uso social dos
conteúdos, que são desenvolvidos de forma sig-
nificativa.
Os projetos favorecem o necessário compro-
misso do aluno com sua aprendizagem. O fato
de o objetivo ser compartilhado desde o início
e de haver um produto final em torno do qual
o trabalho de todos se organiza, contribui mui-
to mais para o engajamento do aluno nas tare-
fas, como um todo (MEC, PCN, v. 2, 1997).
Optou-se pela organização do currículo por
meio de projetos didáticos por disciplina. Essa
perspectiva de trabalho não pressupõe a fragmen-
tação do conhecimento, muito pelo contrário.
Está pautada na multirreferencialidade do currí-
culo, que tem sua epistemologia na complexida-
de e no movimento, defendida por Edgar Morin.
Ela implica pensar complexo, dialogicamente,
indo além da visão interdisciplinar, e entende as
ações didáticas como criação de instrumentos
para a compreensão da realidade e do conheci-
mento nas múltiplas relações.
A prática de letramento
na escola pública
É possível desenvolver práticas de letra-
mento dentro da escola pública? E nas clas-
ses de EJA, como essa proposta pode ser as-
segurada?
As respostas a essas questões parecem ób-
vias. No entanto, considerando os rumos que
214
as práticas leitoras e escritoras tomaram den-
tro da escola, fomos levados a refletir sobre a
necessidade de repensarmos o nosso fazer pe-
dagógico, no sentido de tornarmos o ensino da
leitura e da escrita menos escolar, buscando
nos aproximar das situações reais do uso da
língua. Isso implica deixar de tratar o ensino
da língua da forma que só a escola o trata: me-
canicamente, sem propósito comunicativo real
e com interlocutores fictícios ou, na maioria
das vezes, inexistente.
Aqui relatamos dois dos vários projetos que
foram desenvolvidos na Escola Municipal Bar-
bosa Romeo, que tem como um de seus objeti-
vos fazer com que crianças, jovens e adultos que
por ela passem sejam verdadeiros usuários da
língua, leitores e escritores proficientes.
O primeiro projeto (Língua Portuguesa) foi
desenvolvido em uma classe de Aceleração II
(equivalente à 3
a
e 4
a
séries do Ensino Funda-
mental). O segundo, cuja área de concentra-
ção era a de Ciências, foi realizado em uma
classe de Alfabetização de Adultos (noturno).
O projeto “Era uma vez…” tinha como ob-
jetivo geral: “Ler e escrever contos, garantin-
do os elementos macroestruturais caracterís-
ticos do gênero e o destinatário real das pro-
duções” e foi aplicado numa classe com 25
alunos, com idades variando entre 13 e 19
anos, que chegaram à escola em 1999, em sua
maioria com a hipótese de escrita silábica ou
silábico-alfabética. No início de 2000, já alfa-
béticos, apresentavam ainda grande dificul-
dade de produção textual, sem fluência de lei-
tura. Muitos escreviam sem a segmentação
convencional das palavras e com muitas difi-
culdades ortográficas.
O projeto teve como empreendimento fi-
nal a produção de um livro de contos para ser
presenteado às classes de Educação Infantil e
1
o
ciclo.
Fica a pergunta: por que contos? O projeto
foi pensado a partir da surpreendente consta-
tação de que os alunos, apesar de terem idade
avançada, ficavam embriagados” com a leitu-
ra de contos infantis, especialmente os mais
tradicionais. Inicialmente, selecionamos para
a leitura contos menos infantis, partindo do
pressuposto de que os alunos, já adolescentes,
teriam mais interesse por estes e não por aque-
les. Grande engano! No levantamento dos co-
nhecimentos prévios dos alunos, observamos
que apenas um já ouvira falar da história de
“Chapeuzinho vermelho. Nenhum outro con-
to era conhecido da turma!
Optaram pela leitura dos contos “O patinho
feio, “Cinderela, “João e Maria, “Os três
porquinhos, O gato de botas.
Essa foi a nossa primeira aprendizagem:
definir previamente o que ler, sem um pro-
fundo conhecimento da turma, dos seus de-
sejos latentes e das necessidades imbricadas
na história de vida de cada criança, jovem ou
adulto, pode comprometer um grande pro-
jeto de leitura, elaborado com a melhor das
intenções!
As intervenções durante o desenvolvimen-
to do projeto foram centradas nas estratégias
de leitura e em situações de leitura por prazer.
Em relação às intervenções de leitura voltadas
para a escrita, enfatizamos os aspectos macro-
estruturais característicos do gênero conto,
especialmente aqueles que definimos como
indispensáveis para serem assegurados pelos
alunos: marcadores cronológicos, seqüência
narrativa, zonas de descrição com utilização de
adjetivação.
Por fim chegamos à produção dos contos.
Os alunos e a professora esperavam ansiosos
por esse momento. A proposta de escrita – em
duplas – possibilitou a escrita de textos ricos em
recursos lingüísticos, ambientação, trama e des-
fecho bem definidos, seqüência narrativa bem
articulada, além do uso da intertextualidade,
sem comprometer a autoria.
As escritas dos contos possibilitaram um
espaço privilegiado de articulação das práticas
de leitura, produção escrita e reflexão sobre a
língua: a revisão textual.
Foram desenvolvidos vários procedimen-
tos de revisão até o ponto em que se decidia
que o texto estava suficientemente bem escri-
to. Para isso eram feitos rascunhos, alterações
no conteúdo e na forma. A última etapa foi re-
alizada com o apoio do computador, por meio
da digitação dos textos e revisão ortográfica.
O mais surpreendente é que todos os alu-
nos faziam, revisavam, refaziam os seus textos
214
Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJA
PAINEL 17
sem queixas. Pelo contrário, permaneciam en-
volvidos e extremamente motivados. Alguns
objetivos não só conceituais, como procedi-
mentais e atitudinais, foram alçados e um as-
pecto ficou assegurado: o entendimento de
que, quando escrevemos para alguém, preci-
samos escrever de forma que sejamos enten-
didos e, em se tratando de um conto, que nos-
so texto provoque o deleite. E os contos dos
nossos alunos, com certeza, nos encantaram!
Basta lê-los.
Quanto ao segundo projeto, “Tartarugas ma-
rinhas”, foi desenvolvido nas classes de PEB I
(Programa de Educação Básica – EJA – equiva-
lente à 1
a
série) e tinha como objetivo geral:
“Valorizar a vida em sua diversidade e a pre-
servação dos ambientes, por meio do estudo
sobre as tartarugas marinhas – animal amea-
çado de extinção. Os alunos tinham idade que
variava entre 17 e 59 anos.
Por um lado, os estudantes possuíam um
repertório de representações proveniente de
conhecimentos intuitivos, adquiridos pela
vivência, pela cultura e pela história de vida de
cada um. Por outro lado, desenvolveu-se um
trabalho em que os alunos confrontaram seus
conhecimentos prévios com os conhecimentos
científicos que foram construídos ao longo do
projeto. Incentivados a expor suas idéias para
explicar determinado fenômeno e confrontá-las
com outras explicações, os alunos puderam
perceber a necessidade e a importância de vá-
rias leituras que tiveram de realizar.
Esse processo, construído com interven-
ções intencionais e sistemáticas dos professo-
res, que criavam situações interessantes e sig-
nificativas e forneciam informações, permitiu
a reelaboração e a ampliação dos conhecimen-
tos prévios dos alunos. Foram desenvolvidas
leituras de textos das mais variadas fontes (jor-
nais, revistas, folhetos, enciclopédia etc.) pes-
quisas na Internet, excursões (incluindo o Pro-
jeto Tamar).
Por fim, chegou o momento da sistemati-
zação das informações, para socializar os co-
nhecimentos construídos: alunos e professo-
res optaram pela realização de um grande se-
minário, aberto à comunidade, a todos os alu-
nos e aos funcionários da escola.
Nesse ponto, quero salientar os conteúdos
procedimentais desenvolvidos por meio dessa
atividade (seminário), como também a interdis-
ciplinaridade naturalmente alcançada, na me-
dida em que os alunos elaboraram um folder,
convites, ofícios, usaram retroprojetor, apren-
deram a usar o microfone, a falar em público, a
ouvir seus interlocutores, a responder pergun-
tas, enfim, a fazer uso de todo um repertório de
conhecimentos, de forma significativa.
Essa atividade de fechamento do projeto
(empreendimento final) teve a intenção de
reunir e organizar os dados, respondendo ao
problema proposto inicialmente.
Podemos concluir, portanto, que é possí-
vel desenvolver práticas de letramento na es-
cola pública, seja ela de Educação Infantil,
Ensino Fundamental ou de Educação de Jo-
vens e Adultos. Tudo depende, evidentemen-
te, da concepção de ensino que está por trás
do que se faz.
217
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1818
1818
18
PROJETO PEDAGÓGICO:
POR QUÊ, QUANDO E COMO
Ivanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin
Renata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho
Rosemere da Silva Vieira
218
As supervisões de
acompanhamento dos projetos
didáticos realizados em aula
Ivanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin
Programa Escola que Vale – Fundação Vale do Rio Doce – Cedac/SP
Resumo
Este projeto está sendo desenvolvido no Cen-
tro de Educação Infantil Municipal (CEI) Profª
Honorina Pacheco Corrêa, no bairro Rio do Ouro,
em Caraguatatuba/SP. A Secretaria Municipal de
Caraguatatuba e a Fundação Orsa são parceiras na
gestão pedagógica desse CEI, que respeita a políti-
Resumo
O Programa Escola que Vale tem como eixo do
processo de formação de professores a realização de
projetos didáticos em aula, e seu desenvolvimento
é acompanhado por meio de reuniões mensais e
semanais com as coordenações regional e local.
Esses projetos necessitam de planificação de-
talhada, avaliação permanente e reorientação das
ações, em razão dos propósitos didáticos e dos ob-
jetivos compartilhados com os alunos. É nesse con-
texto que as supervisões cumprem papel funda-
mental, pois criam situações de análise que são, ao
mesmo tempo, favoráveis às transformações nas
práticas usuais e à construção de conhecimentos,
a partir dos quais pode-se refletir sobre elas e fazê-
las avançar.
Em situações de planejamento e de análise e re-
flexão sobre a prática documentada, por meio de vídeos
e relatórios, os professores que participam do progra-
ma discutem coletivamente sobre suas dúvidas e difi-
culdades e sobre os propósitos que guiam suas tare-
fas, antecipam possíveis situações que podem ocor-
rer na salas de aula, decorrentes de decisões tomadas
pelo grupo, trocam informações sobre as aprendiza-
gens das crianças a partir da análise de suas produ-
ções e passam a construir gradativamente novos ob-
serváveis sobre a relação ensino–aprendizagem.
Neste relato, serão destacadas algumas mu-
danças provocadas por essas estratégias forma-
tivas: a produção e a reflexão coletivas, a formação
de equipes colaborativas de trabalho nas escolas
que participam do PEQV e as possibilidades de
apropriação dos planejamentos como instrumen-
tos metodológicos de formação, pelos técnicos da
Secretaria de Educação de Açailândia/MA.
ca de Educação Infantil do município por meio da
presença de um programa de formação continua-
da e do atendimento à demanda para a faixa etária
de 0 a 3 anos.
A proposta pedagógica que está sendo imple-
mentada no Centro de Educação Infantil tem, como
As linguagens expressivas
no cotidiano das crianças de 0 a 3 anos
Renata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho
SME – Caraguatatuba/SP e Fundação Orsa
218
Projeto pegagógico: por quê, quando e como
PAINEL 18
referência, as diretrizes curriculares para o atendi-
mento às crianças e, como eixos norteadores, a cri-
ança de 0 a 3 anos, a família e a comunidade, a esco-
la e a família. Para o desenvolvimento do projeto
pedagógico, que tem como tema “Colorindo o nos-
so tempo – as crianças descobrindo cores, materi-
ais e o nosso espaço, toda a equipe do CEI idealizou
e vem realizando planos de ação compostos por ati-
vidades de caráter interdisciplinar, que procuram
atender às necessidades, às expectativas e aos inte-
resses das crianças. Na concepção da criança como
cidadã, sujeito com direitos, a participação ativa é
um marco na seleção dos temas e das atividades pro-
postas. Descobrir, explorar, experienciar, perguntar,
interagir com o meio social e físico são atitudes pre-
sentes no cotidiano do CEI.
Situação
O Centro de Educação Infantil Municipal
Profª Honorina Pacheco Corrêa surgiu da par-
ceria entre a Secretaria Municipal de Educação
e a Fundação Orsa, com 26 crianças. Esse nú-
mero foi aumentando gradativamente e, atual-
mente, o centro apresenta a seguinte situação:
Área geográfica atendida. Bairros: Rio do
Ouro, Jaraguazinho, Horto Florestal, Ponte
Seca, Caputera, Indaiá, Jardim Pimavera, Gai-
votas, Estrela Dalva, Centro.
Clientela. Crianças de 3 meses a 3 anos e 11
meses.
Proposta pedagógica. A proposta pedagó-
gica irá se nortear pela concepção de cri-
ança como ser humano completo, integran-
do as dimensões afetiva, intelectual, física,
moral e social, que, embora em processo de
desenvolvimento e, portanto, dependente
do adulto para sua sobrevivência e seu cres-
cimento, deve ser ativo e capaz, para assim
poder ampliar seus conhecimentos e expe-
riências e alcançar progressivos graus de
autonomia, frente às condições do meio,
como um sujeito social e histórico. A pro-
posta está de acordo com a política de Edu-
cação Infantil do município, na qual está
inserida.
Cotidiano
Os horários previstos para
as atividades de alimentação,
higiene, descanso e brincadei-
ras são organizados de acordo
com as necessidades das cri-
anças, estando previstos tam-
bém períodos de atividades
lúdicas, de maior e menor
concentração, em grupos e in-
dividuais. Existe flexibilidade
em relação aos horários ofere-
cidos às famílias, garantindo
formas adequadas de receber
as crianças em seus grupos e
de organizar a saída.
As crianças recebem quatro refeições diá-
rias, seguindo cardápio elaborado pela nutri-
cionista. O descanso varia de acordo com as ne-
cessidades individuais. Assim, os que não dor-
mem são envolvidos em atividade mais rela-
xante, para a qual é utilizado um dos cantinhos
existentes nas salas.
Diariamente, desde que as condições climá-
ticas o permitam, todos têm oportunidade de
brincar em área livre, desfrutando do sol e de
contato com água, areia e terra.
Projetos são desenvolvidos de forma a
abranger todas as turmas, respeitando a espe-
cificidade de cada faixa etária, e com atividades
dirigidas e semidirigidas.
Cantinho das Conchinhas
Estrelinha-Azul
Cavalo-Marinho
Peixinho Dourado
Golfinho
Aquário
3 a 11 meses
12 a 15 meses
16 a 23 meses
2 anos a 2 anos e 11meses
2 anos a 2 anos e 11 meses
3 anos a 3 anos e 11 meses
15
18
20
27
27
26
03
3
2
2
2
2
2
Turmas
Idade
N
o
de
crianças
N
o
de
adultos
N
o
de
adultos
volantes
Centro de Educação Infantil Municipal Profª Honorina Pacheco Corrêa
220
A rotina é organizada em tempos de traba-
lho, de recreio ao ar livre, de higiene, de refei-
ção, de descanso, de pequenos grupos, grande
roda, intercalados com o tempo de arrumar, pre-
visto durante todo o dia, após cada atividade.
Referenciais
Utilizamos, como referencial para o atendi-
mento às crianças, as diretrizes curriculares que
tratam do educar e do cuidar engajados no de-
senvolvimento do cidadão em potencial, sujei-
to com direitos e digno de cuidados educacio-
nais. A proposta se baseia nas diferentes formas
de ver e compreender o mundo, unindo cuida-
do, valores e conhecimento num ambiente em
que as formas de expressão ocupem lugar pri-
vilegiado, e crianças, famílias e educadores con-
vivam prazerosa e criativamente da arte de cui-
dar e educar.
A família tem atendimento individual, em
que se procuram entender suas individualidades,
seus anseios e suas necessidades, engajando-a
progressivamente no ambiente interno da esco-
la e tornando-a cada vez mais parceira na arte
de educar, sem se esquecer de que o desenvolvi-
mento é um processo integrado, que reúne di-
versos aspectos da vida: biológico, motor, cultu-
ral, emocional e social.
A comunidade também é envolvida no coti-
diano do Centro de Educação Infantil, sendo in-
formada dos principais acontecimentos e das
dicas de cuidados com as crianças de 0 a 3 anos
em seus boletins bimestrais. Também buscamos
na comunidade ajuda referente à participação
voluntária esporádica, por meio do Amigos da
Escola, e à participação na confecção de mate-
rial e brinquedos.
Objetivo geral
Educação e cuidados básicos para o desen-
volvimento das crianças, respeitando suas in-
dividualidades, entendendo a criança como um
ser total, completo, indivisível, e fornecendo-
lhes os meios de desenvolver suas capacidades
fundamentais, ampliando-lhes as possibilida-
des de acesso ao patrimônio cultural da socie-
dade em que vivem.
Experiência em andamento:
Projeto “Colorindo o nosso
tempo” (as crianças
descobrindo cores, materiais e
o nosso espaço)
Esse projeto está sendo desenvolvido no
Centro de Educação Infantil Municipal Profes-
sora Honorina Pacheco Corrêa, Bairro Rio do
Ouro, Caraguatatuba/SP. A Secretaria Munici-
pal de Caraguá e a Fundação Orsa são parceiras
na gestão pedagógica deste CEI, que respeita a
política de Educação Infantil do município por
meio da presença de um programa de forma-
ção continuada e do atendimento à demanda
para a faixa etária de 0 a 3 anos.
A proposta pedagógica que está sendo
implementada no Centro de Educação Infantil
tem, como referência, as diretrizes curriculares
para o atendimento às crianças, e, como eixos
norteadores, a criança de 0 a 3 anos, a família e
a comunidade, escola e a família. Para o desen-
volvimento do projeto pedagógico, que tem o
tema “Colorindo o nosso tempo – as crianças
descobrindo cores, materiais e o nosso espaço,
toda a equipe do CEI idealizou e realiza planos
de ação compostos por atividades de caráter in-
terdisciplinar, procurando atender às necessi-
dades, às expectativas e aos interesses das cri-
anças. Na concepção da criança como cidadã,
sujeito de direitos, a participação ativa é um
marco na seleção dos temas e das atividades
propostas. Descobrir, explorar, experienciar,
perguntar, interagir com o meio social e fisico
são atitudes presentes no cotidiano do CEI.
Quando acreditamos no potencial das cri-
anças e deixamos que elas optem e criem am-
bientes e formas de aprendizagem, respeitan-
do o momento das crianças e propondo ativi-
dades dirigidas e semidirigidas, deixamos li-
vre o caminho para a criatividade.
Foi assim que se originou esse plano de ação
do projeto pedagógico intitulado “Colorindo o
nosso tempo – as crianças descobrindo cores,
materiais e o nosso espaço, já que buscamos
nas ações propostas promover a aprendizagem
ativa das crianças, que nada mais é do que o ex-
220
Projeto pegagógico: por quê, quando e como
PAINEL 18
perimentar, direto e imediato, dos objetos, das
pessoas e dos acontecimentos.
O CEI do bairro Rio do Ouro tem sua rotina
dividida em tempos, e um deles é o da grande
roda, em que as crianças conversam sobre as-
suntos variados e compartilham experiências.
Nossa proposta para aquele dia eram as co-
res do mundo, que inicialmente deixaram as cri-
anças pensativas, mas logo desencadeou-se uma
série de observações a respeito dos objetos da
sala, das roupas dos amigos, dos espaços exter-
nos da escola e também da natureza. Nessa con-
versa, as crianças concluíram que, em tudo no
mundo, havia cores. Foi fascinante ver aqueles
olhinhos, que, apesar de já conhecerem as co-
res, nunca haviam parado para observá-las, para
observar a sua organização e presença em nosso
mundo. Aqui utilizamos a música “Arco-íris, da
Xuxa, que fala das cores presentes em nosso co-
tidiano, incentivando as crianças para que acom-
panhassem o ritmo com o material da bandinha
e depois registrassem, por meio de desenhos, o
que mais lhes chamou a atenção na música.
Mais uma vez, pudemos perceber a importân-
cia e a relevância das cores no cotidiano de nossas
crianças, o que nos conduziu a buscar em revistas
o que mais lhes chamava atenção. Confecciona-
mos um mural com todas as figuras escolhidas
pelas crianças e recortadas pelas professoras, e um
mundo de cores surgiu diante de nossos olhos.
Pedimos a colaboração dos pais para que
mandassem uma fruta para o CEI, a fim de fa-
zermos uma deliciosa salada. Como sempre,
fomos atendidos, e as crianças empenharam-
se em fazer uma enorme salada de frutas com
as cores que estávamos observando.
Foi então que uma criança observou que nem
todas aquelas cores estavam presentes nas tintas
usadas por elas em pinturas a guache. A profes-
sora, então, conduziu-as para o espaço das artes
e questionou como elas poderiam ter mais cores,
usando apenas aquelas que tinham no momen-
to. Imediatamente, quase um coro, algumas cri-
anças disseram: Vamos misturar as tintas”. E foi
o que aconteceu. Experimentaram e descobriram
as cores que faltavam e prepararam tintas para
que as outras turmas pudessem utilizá-las.
A alegria gerada pela descoberta não parou por
aí. As crianças são como mágicos e sempre têm algo
mais para nos mostrar. Pensando nisso, resolvemos
aguçar esse potencial, questionando sobre o arco-
íris, se sabiam o que era, se já tinham visto. Perce-
bemos que algumas demonstravam algum conhe-
cimento. Resolvemos, em um dia ensolarado, nos
dirigir ao pátio externo com uma mangueira na
mão, para que elas pudessem experimentar mais
essa alegria de ver surgir um arco-íris.
O dia estava perfeito, ensolarado, e nossa ex-
periência deu certo. E agora, o que fazer? “Não
podemos nem devemos parar por aqui” – comen-
tavam as professoras envolvidas. Surgiu, então, a
idéia de confeccionar um arco-íris com as crian-
ças. Resolvemos integrar, mais uma vez, a família
e a escola. Enviamos um convite para os pais que
quisessem participar de uma tarde com seus fi-
lhos no CEI. Aproveitamos o momento para que
a massa de modelar fosse elaborada com ajuda
deles. Inicialmente foram feitas as massas nas
cores do arco-íris, utilizando-se uma receita ca-
seira e os conhecimentos adquiridos anterior-
mente na mistura das cores, para conseguirem
todas as tonalidades. Foi uma parceria e tanto. Os
pais aproveitaram para aprender e ensinar, na re-
lação com seus filhos, e desfrutar de mais um
momento de integração escola–família.
Essa história, nesse momento, não nos pare-
cia ter fim. Para isso, novas idéias precisavam sur-
gir. Recordamo-nos da música Aquarela, de
Toquinho e Vinícius de Morais, que foi mais uma
alavanca para a nossa imaginação. Começamos
escutando a música com as crianças e tentando
reconhecer o vocabulário desconhecido para ser
trabalhado. Dividimos o grupo, que já contava
com 26 crianças, fora os adultos envolvidos, e nos
debruçamos sobre mais uma aventura. Um gru-
po ficou responsável por dramatizar a música.
Para isso deveríamos confeccionar o material a
ser utilizado; o outro acompanharia, durante a
apresentação, com a bandinha da escola, o ritmo
da música. Foi uma experiência e tanto!
Em outro dia, dirigimo-nos à nossa sala para
o momento da conversa, que foi a respeito do mar,
peixes, aquários, conchinhas. Esses nomes são
utilizados em cada grupo como identificação dos
espaços do CEI e foram escolhidos pelos alunos
de cada grupo, por meio de votação. Nossa turma
do GII, inicialmente assim denominada, perten-
cia ao grupo do aquário. Pensamos na importân-
222
cia do contato com a natureza e com os seres vi-
vos e concluímos que deveríamos experimentar
a sensação de cuidar de um animalzinho – e nada
melhor do que um peixinho! Montamos um aquá-
rio em nossa sala, aprendemos a cuidar de nosso
novo amiguinho” e a dividir as tarefas.
Posteriormente, criamos o dia da visita. Pen-
samos que essa vivência deveria extrapolar o es-
paço da escola e adentrar o espaço da família.
Para isso enviamos um comunicado aos pais,
explicando sobre nosso novo companheiro e
pedindo autorização para que o filho pudesse
levá-lo para casa e ficar com ele por um dia. Fi-
zemos um sorteio em sala e colocamos, em um
grande cartaz, o roteiro do peixinho, para que as
crianças pudessem tomar conhecimento e saber
quando seria a vez de cada uma levá-lo para casa.
O dia em que a criança saia com ele da escola
era uma alegria só: peixe, comida, alegria, res-
ponsabilidade, e todos ao caminho de casa!
Acreditávamos que ainda tínhamos muito por
fazer com as cores e nos preparamos para a nossa
próxima etapa, que envolveu um pintor famoso:
Volpi. Por ele ter, em seus trabalhos, a presença
das cores e ser um artista brasileiro, consideramos
conveniente um primeiro contato com suas obras.
Fizemos a reprodução parcial da obra intitulada
As bandeirinhas, que foi de fácil visualização para
nossas crianças, já que fazem parte da cultura bra-
sileira e puderam, assim, ser confeccionadas por
nossos alunos. Nessa fase, pretendíamos – e nos
foi possível – contar também com a ajuda dos pais
na criação de um ambiente apropriado para pin-
tura, com cavaletes, avental etc.
Resumo
O Projeto Gonzagão foi desenvolvido no Ensi-
no Fundamental (3ª e 4ª séries) pela Escola Muni-
cipal de Ensino Fundamental e Médio Miguel
Matias, vinculada aos Parâmetros em Ação, visan-
do resgatar e valorizar nossas tradições, assim como
promover a aquisição de conhecimentos sobre a
origem, as curiosidades, os cancioneiros, as dan-
ças típicas das festas nordestinas e ampliar o voca-
bulário dos envolvidos.
O trabalho foi direcionado para o desenvolvi-
mento da leitura, da escrita e da produção de texto
de maneira interdisciplinar, integrando conheci-
mentos nas diferentes áreas de ensino, numa visão
crítica ao preconceito social e lingüístico que
permeia o Nordeste brasileiro.
Com esse acervo cultural, objetiva-se divulgar
a arte e o saber do nosso povo, conciliando-o com
os trabalhos escolares e envolvendo a comunidade
e o poder público nessa realização.
Projeto Gonzagão –
Experiência PCN em Ação
Rosemere da Silva Vieira
SME – Campo Alegre/AL
Relato da experiência
Com sua sanfona, Luiz Gonzaga descobriu,
há décadas, um país diferente, com uma emo-
ção enraizada em seus costumes e em seus mo-
dos de vida. Uma paixão que era colocada para
fora em forma de música, de versos de pé-que-
brado e literatura de cordel. Em suas andanças,
Luiz Gonzaga viu o futuro do Brasil em suas
entranhas, com paisagens e povos que ainda
estavam por ser descobertos.
No Nordeste, as pessoas que sofrem com a
estiagem não têm recursos para investir em alta
tecnologia e, com isso, enfrentam o fenômeno
da emigração, que causa sofrimento e angústia
nos que partem e nos que ficam. Junto com eles
seguem a insegurança do desconhecido e a es-
perança de um futuro melhor, como retrata tão
bem o cantor e compositor brasileiro Luiz
Gonzaga, conhecido como o “Rei do Baião.
No ápice dessa contextura, essa região so-
222
Projeto pegagógico: por quê, quando e como
PAINEL 18
fre com o contínuo preconceito social e lin-
güístico. Portanto, decidimos explorar esse uni-
verso cultural, que divulga tão bem a vida do
nordestino, com suas dificuldades, seus senti-
mentos e seus talentos, que comove todo o ter-
ritório nacional.
Pretendemos, então, proporcionar aos nos-
sos alunos, principalmente aos que não tiveram
acesso ao cancioneiro de Luiz Gonzaga, a opor-
tunidade de conhecer, perceber e resgatar o
valor cultural que ele representa para o Brasil,
promovendo a aquisição de conhecimentos so-
bre a origem, a linguagem, as curiosidades, as
canções e as danças típicas das festas nordes-
tinas, ampliando o vocabulário e associando-
o aos trabalhos escolares de maneira signifi-
cativa e prazerosa.
Com esse acervo cultural, objetivamos es-
pecificamente:
• explorar a biografia de Luiz Gonzaga e esti-
mular a apreciação de seu cancioneiro;
• entender e respeitar o dialeto regional do
sertão;
• discutir problemas sociais do Nordeste;
• estimular a consciência crítica e despertar
para a importância de preservar o meio am-
biente;
• apreciar textos musicais, analisando-os a
partir da aplicação real da gramática e pro-
duzir novos textos;
• trabalhar a ortografia inserida nos textos;
• organizar um coral para interpretar os gran-
des sucessos de Luiz Gonzaga;
• desenvolver um programa de caça-talentos;
• envolver a comunidade e o poder público
na realização dos trabalhos.
O projeto foi desenvolvido em etapas su-
cessivas e obedeceu ao processo descrito a se-
guir.
Inicialmente, foram detalhados os conhe-
cimentos prévios dos alunos sobre o cantor e
compositor Luiz Gonzaga e as questões colo-
cadas por ele sobre os problemas sociais en-
frentados pelo nordestino. Os professores con-
cluíram que esse conhecimento se limitava a
algumas músicas tocadas no mês de junho. Os
alunos sabiam que o cantor e compositor era
sertanejo, mas não conheciam a sua história e
a sua importância na cultura nordestina. Re-
lataram que, em casa, tinham fitas cassete, mas
não gostavam de ouvi-las, porque tinham pre-
ferência por outros ritmos, como axé, pagode
e reggae, que eram mais tocadas no momento.
Em seguida, foi realizada uma reunião de pais
e professores para divulgar o tema do projeto,
sua importância e a necessidade da ajuda da
família com recortes de jornais, revistas, livros,
CDs, vídeo etc.
Após esse contato, os professores selecio-
naram material informativo como subsídio de
pesquisa para os alunos e lançaram as propos-
tas de construção do conhecimento, por meio
das atividades solicitadas no decorrer do de-
senvolvimento do projeto, ou seja, à medida
que eram solicitadas informações, os alunos
pesquisavam no banco de dados. Alguns tex-
tos oferecidos foram retirados dos sites <http:/
www.mpbnet.com.br/musicos/luiz.gonzaga/
index.htm> e <http://www. bhnet.com.br/
~expaco/oreiluizgonzaga.htm>, que informam
toda biografia do cantor e compositor, suas di-
ficuldades e conquistas, até ser consagrado
como o “Rei do Baião.
No site <http://www.tocasite.hpg.com.br/
origem.htm>, conseguimos textos sobre a his-
tória do forró e a mistura de ritmos, princi-
palmente o baião, aliado ao xote, ao xaxado e
também ao coco. No site <http://www.
vicepresidenciadarepublica.gov.br. português/
ARTIGOS/luizgonzaga.htm>, oferecemos al-
gumas publicações importantes de Marco
Maciel, vice-presidente da República, que re-
lata a contribuição das composições de Luiz
Gonzaga para a política e a cultura e destaca
que foi na composição da música Asa Bran-
ca” que Luiz Gonzaga criou o hino do Nordes-
te, o Nordeste na sua visão mais significati-
vamente dramática, o Nordeste na aguda cri-
se da seca.
Além desses textos, foi consultada a Enciclo-
pédia Ilustrada do Conhecimento Essencial, 1998,
by Readers Digest Brasil Ltda.; a revista Nova
Escola, p. 34, 35 e 39, de abril de 2001, e dicioná-
rios da Língua Portuguesa, na busca do signifi-
cado de algumas palavras apresentadas. Com as
informações adquiridas, organizou-se uma ex-
224
posição de gravuras, relatos e textos informati-
vos no mural da escola. Partindo dos textos ofe-
recidos, os alunos da 4ª série fizeram uma rees-
crita individual da biografia de Luiz Gonzaga,
que foi transformada em reescrita coletiva. Fo-
ram expostos também trabalhos de produção e
reescrita de textos sobre a seca no Nordeste, rit-
mos, danças, entre outros, acervo cultural a que
todos que circulavam tinham acesso.
Além das apresentações e da entoação
das músicas cantadas e tocadas por ele e por
outros intérpretes, também foram apresen-
tados instrumentos musicais utilizados nas
diferentes modalidades rítmicas, como forró,
baião, xote e xaxado. Os instrumentos apre-
sentados e explorados foram zabumba, san-
fona e triângulo, sobre os quais, antecipada-
mente, se fez pesquisa para saber o signifi-
cado de suas denominações. Os alunos apre-
ciaram e até mesmo treinaram o toque des-
ses instrumentos.
Durante a exposição dos textos musicais,
o trabalho com gramática e ortografia foi efe-
tivado por meio de debates, reescrita e pro-
dução de textos. Com a música Asa branca” e
“Triste partida, os professores mostraram o
dialeto regional de Luiz Gonzaga, aproveitan-
do para trabalhar a ortografia e a gramática
por meio do texto lacunado. Os alunos, aos
poucos, preencheram as lacunas obedecendo
às normas ortográficas da linguagem formal.
Com a letra da música Assum preto, fo-
ram debatidos os crimes contra a flora e a
fauna e, nesse momento, as crianças relata-
ram algumas maldades que presenciaram e
praticaram. E quanto às que praticaram, pro-
meteram não mais fazê-lo. Após esse traba-
lho, foi feita a produção de texto sobre a mal-
dade dos homens contra a natureza. Entre as
músicas trabalhadas, a que mais comoveu foi
“Fogo-apagou”, que conta a história do me-
nino que matou uma rolinha para saciar a sua
fome e, assim, prolongar sua própria vida. Isso
gerou uma grande discussão. A música consi-
derada de maior interesse pelos alunos foi “O
xote das meninas, pelo ritmo e pela letra, que
agradam as crianças e os adolescentes, visto
que ela fala da chegada da adolescência e do
despertar para o namoro.
Observamos que, durante a exposição das
músicas e as discussões sobre as letras, hou-
ve sensibilização dos alunos. Eles se mostra-
ram comovidos e solidários com os problemas
que a miséria causa ao povo nordestino, quan-
do ouviram, principalmente, a música “Triste
partida, que conta a situação dos emigrantes
da região, e quando alguns alunos expuseram
a situação de seus pais, que estão em outras
regiões, como Mato Grosso, São Paulo e Goiás,
trabalhando para o sustento de sua família.
Quanto a essa situação, uma criança disse:
Aqui não tem emprego para todos, estávamos
passando fome e meu pai foi arranjar dinhei-
ro em outro lugar.
Consideramos que houve uma participa-
ção ativa dos envolvidos, inclusive dos alunos
que, nessa oportunidade, conheceram o Nor-
deste, explorando-o de forma interdisciplinar,
apresentando uma aprendizagem significati-
va, que muito contribuiu para crescimento
social, cultural e intelectual, questionando
fatos e sugerindo alternativas de melhoria na
qualidade de vida do povo nordestino.
O Projeto Gonzagão teve sua culminância
no dia 22 de junho e, como se tratava também
do estudo das tradições especificamente nor-
destinas, nosso projeto destacou que, além dos
problemas que enfrentamos no dia-a-dia, te-
mos também a alegria das festas juninas, com
desfile pelas principais ruas da cidade, mos-
trando em alas a vida de Luiz Gonzaga, que é
um exemplo vivo da vida do nordestino.
Os alunos e professores, caracterizados,
carregavam faixas e cartazes que, além de
contar a história, destacava também os pro-
blemas sociais mais graves, como a fome, a
sede, a exploração do trabalho braçal, o pre-
conceito e a tristeza da incerteza do amanhã.
Após o desfile, já na escola, pais, professores,
alunos e comunidade participaram da festa e
apreciaram as danças, os pratos típicos, as
vestimentas e os fogos que embelezam e atra-
em multidões. Realizamos uma grande festa
com a participação do sanfoneiro da cidade,
que estava caracterizado a rigor.
Ao final do projeto, concluímos que nada
seria possível se não houvesse a participação
coletiva de diretores, professores, alunos,
224
Projeto pegagógico: por quê, quando e como
PAINEL 18
como também a participação da família, o en-
volvimento da comunidade e até mesmo de
pessoas influentes na cidade, como o prefei-
to, os vereadores, a secretário de Educação, o
gerente do Banco do Brasil e os comerciantes
que contribuíram financeiramente e se fize-
ram presentes no encerramento do projeto.
Consideramos esse projeto como um
grande avanço na formação continuada dos
professores, que vem mostrando, de forma
clara e objetiva, a importância de um traba-
lho sistemático e coletivo, gerando situações
de conhecimento, ao mesmo tempo, reais e
diversificadas, e proporcionando, assim, uma
aprendizagem ativa, interessante, significati-
va, real e atraente para os alunos.
Os professores envolvidos no estudo dos PCN
em Ação já entendem que ninguém começa a ter
iniciativa e autonomia sem ter tido a oportuni-
dade de escolher, opinar, criticar e dizer o que
pensa e sente. E o projeto pedagógico oferece o
caminho mais curto para o saber, como destaca
Dewey, quando diz: “Todo conhecimento verda-
deiro deriva de uma necessidade. A humanida-
de desenvolveu-se tratando de obter conheci-
mentos que satisfizessem às suas necessidades.
227
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
1919
1919
19
LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO
Jacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos
Eliane Mingues
228
Resumo
O objetivo deste relato é apresentar o traba-
lho que vem sendo desenvolvido pelas professo-
ras da Educação Infantil e Ensino Fundamental de
1ª a 4ª séries, na rede municipal de ensino de
Itapetininga–SP, com o uso das práticas de leitura
na alfabetização.
Essas práticas de leitura são desenvolvidas em
atividades permanentes, asseguradas por um
organograma curricular semanal, com as seguin-
tes estratégias: “Roda da biblioteca”; “Reconto” (lei-
tura de conto infantil, de livre escolha do aluno, que
expõe à classe a sua compreensão do texto lido e
estudado em casa); “Momento da poesia, que tem
por objetivo o prazer e o gosto pela poesia; “MPB”
– audição e leitura de repertório de compositores
brasileiros; “Hora da curiosidade, que consiste na
leitura de textos científicos trazidos pelo professor
e pelos alunos; Caderno de textos, inicialmente,
com textos de memória, ao qual, no decorrer do
ano letivo, vão sendo agregados textos literários, ou
não, lidos com a ajuda do professor, que desper-
tam na criança o gosto pela leitura.
Além dessas, outras práticas vêm sendo desen-
volvidas pelos professores, contando, primeira-
mente, com a participação dos pais. Exemplo dis-
so é a Leitura comunitária”: a criança leva o livro e
um caderno, no qual os pais relatam como foi o
momento de leitura feita para o filho. Depois, há a
participação da comunidade (radialistas, parentes,
professores, coordenadores, escritores regionais
etc.), que são convidados para a “Roda da leitura.
Com o objetivo de despertar o gosto pela lei-
tura, o professor lê para seus alunos notícias e re-
portagens em evidência ou de interesse da classe,
de jornais e revistas, podendo ser, posteriormente,
comentadas pelo grupo. Esses suportes são colo-
cados no acervo da biblioteca da classe e lidos na
Roda da biblioteca.
Leitura, a alma da alfabetização:
práticas de leitura nas escolas do
município de Itapetininga/SP
Jacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos
SME – Itapetininga/SP
O objetivo deste relato é apresentar o trabalho
que vem sendo desenvolvido pelos professores da
Educação Infantil, Ensino Fundamental de 1ª a 4ª
série e da Educação de Jovens e Adultos, com o
uso das práticas de leitura na alfabetização.
Não há a intenção de ensinar nada, apenas
de confirmar que é possível ensinar a ler e alfa-
betizar segundo alguns teóricos, que é possível
realizar ações que pareciam utópicas.
Essas práticas de leitura são desenvolvidas
em atividades permanentes, asseguradas por um
organograma curricular semanal, com as seguin-
tes estratégias: “Roda da biblioteca”; “Reconto”;
“Momento da poesia”; “MPB”; “Leitura de cader-
no de textos”; “Leitura de jornais e/ou revistas”;
Curiosidades” e “Roda da leitura.
Reunir-se para ouvir alguém ler nas escolas
da rede municipal tornou-se uma prática co-
mum e prazerosa. Como exemplo, a Escola Mu-
nicipal de Educação Infantil (EMEIF) Professo-
ra Nazira Iared, que vem conquistando a comu-
nidade, tornando-a participativa e comprome-
tida com o processo ensino-aprendizagem.
Toda a semana, na sala de aula da profes-
sora Ana Maria, há a presença de pessoas que
pertencem a diferentes segmentos da socieda-
de, como jornalistas, radialistas, professores,
escritores, pais, coordenadores, que são con-
vidados para compartilhar um texto com as
crianças.
A grande conquista é a participação dos
pais. Eles vão à escola, escolhem livros, estu-
dam” e, no dia marcado com a classe, pedem
dispensa do trabalho e fazem a leitura. Lêem à
sua maneira. Muitos se emocionam junto com
as crianças. O grupo, atento, ouve cada pala-
vra. Após a leitura, alguns pais contam suas im-
pressões espontaneamente e buscam ouvir o
que as crianças acharam da história. A profes-
229
Leitura na alfabetização
PAINEL 19
sora, nesse momento, também é uma ouvinte
atenta e compartilha, juntamente com as crian-
ças, a “Hora da história.
Os alunos vivenciam leituras, testemu-
nhando o leitor como autor, ouvem as palavras
com sons e gestos diferentes dos da professo-
ra e de seus amigos.
O objetivo da professora Ana Maria, com
seus alunos de 3
a
série, além de despertar o gos-
to pela leitura, de promover a escuta atenta,
ouvir diferentes pessoas da comunidade conhe-
cidas ou desconhecidas das crianças, para que
elas aprendam os diferentes modos de ler, tam-
bém motiva as crianças com idade avançada a
prosseguir em seus estudos para aprender a ler
e escrever de maneira diferente das que já fo-
ram por elas vivenciadas.
Como justificativa, a professora diz que há
diferentes maneiras de ouvir ou ler um texto, e
a escolha do livro a ser lido não é feita ao acaso:
é socialmente aceitável, tanto para o leitor,
como para o público. A compreensão da fun-
ção social da escrita só pode ocorrer se a crian-
ça tem múltiplas oportunidades de interagir
com diversos tipos de suportes de textos, pro-
duzidos em diferentes situações discursivas.
A partir do conceito formado, a professora
de 2ª série, Fabíola, da EMEIF do bairro da
Varginha, zona rural, investiu para conquistar
sua turma, no intuito de alfabetizá-la. Apostou
na leitura. Levou para sua sala revistas, jornais,
livros. Entre os livros apresentados, o que mais
chamou a atenção das crianças foi Matilda, de
Road Dahl. A classe ouviu atentamente cada
palavra do livro. Empolgada com a turminha
que falava e escrevia sobre a história lida, a pro-
fessora levou o filme de mesmo nome. As cri-
anças puderam fazer um paralelo entre o texto
escrito e o filme, relatando que nem tudo o que
estava escrito passou no filme e vice-versa. De-
ram opiniões a respeito do livro e do vídeo. No
momento, o que mais marcou foi a fala de uma
aluna: “Gostei muito do vídeo, mas gostei mes-
mo foi de ouvir a professora lendo a história,
porque, enquanto eu ouvia, parecia que eu es-
tava dentro da história. Eu senti’ a história.
As crianças puderam falar e expressar-se livre-
mente, escrever sobre o livro e o filme, porque a pro-
fessora não ficou apenas cumprindo uma função
burocrática. Ela propôs um momento prazeroso e
significativo, em que seus alunos tiveram a oportu-
nidade de testar as suas hipóteses, de começar a
entender que a ação de ler e escrever segue um
mesmo caminho, possibilitando-lhes, por um mo-
mento, verem-se como escritores e leitores.
Sabe-se hoje que só é possível aprender a
ler, lendo, e a escrever, escrevendo. Portanto, a
linguagem concebida como atividade e meio de
interação deverá ser considerada em uso em
situações concretas e significativas. E como ela
se manifesta sob a forma de textos (orais e es-
critos), eles serão tomados como unidades do
ensino de língua, destacadas suas funções,
especificidades, seus modos de construção, os
portadores (ou suportes) em que aparecem etc.
Como uma criança aprende a ler? Ou é pos-
sível ler sem saber ler? Muitos são os que fazem
tais perguntas. Ainda há muita dúvida em rela-
ção à segunda questão.
O trabalho que a professora Vera, da EMEIF
Valter Aliberti Júnior, faz com sua turma de Pré,
não responde objetivamente às dúvidas, porém,
faz a professora refletir sobre a sua prática, le-
vando-a a acreditar, sim, e a provar que é pos-
sível ler mesmo sem saber, trabalhando com
folheto de propaganda, por exemplo, de prefe-
rência um que não seja do conhecimento da
criança, mas pertença ao seu mundo. A classe,
usando das estratégias de leitura, além da boa
intervenção da professora, vai identificando o
conteúdo do suporte de texto. Os alunos vão
reconhecendo o valor dos números dentro do
contexto social (telefone, endereço, peso, me-
didas etc.); identificam as letras dos nomes e,
aos poucos, os pequenos conseguem fazer aqui-
lo que parecia impossível: a leitura.
O que há por trás da ação da professora é o
fato de ela acreditar que é possível, sim, ler
mesmo sem saber e, que, avaliando, observan-
do, com conhecimento é possível saber como a
criança aprende a ler.
Conceber um ato de leitura em que são dadas
as oportunidades de acionar as estratégias de lei-
tura determina um acionar pedagógico particu-
lar, que, por certo, não vai consistir em ensinar
as letras” e os sons correspondentes, mas, sim, em
oferecer às crianças situações que estimulem a
antecipar, inferir, decodificar e avaliar.
230
Utilizando o folheto de propaganda, a pro-
fessora deu oportunidade às crianças para que
coordenassem a informação da imagem com as
características do texto, a fim de anteciparem o
que estava escrito no papel. Elegeram letras
como índice para antecipar o conteúdo do tex-
to, questionaram-se e corrigiram dados que não
conferiam com suas antecipações; coordena-
ram os dados gráficos – letras e sua configura-
ção – com outros elementos (gráficos ou não),
de modo a obterem significados.
Sabemos que o modelo cumpre um papel
fundamental no processo de aprendizagem e
garante muitas possibilidades de ampliar o uni-
verso cultural e de entrar em contato com o
maior número de informações, tanto na lingua-
gem oral, como na linguagem escrita.
Portanto, é muito importante que os profes-
sores criem momentos e planejem situações em
que a interação com a escrita, em processos de
leitura e produção, possibilite a construção pela
criança da escrita, da linguagem escrita e de
suas propriedades, o que significa garantir que
as relações entre o conhecimento que a criança
tem sobre a escrita (hipóteses) e a escrita como
ela é sejam relevantes, e não arbitrárias.
É importante também saber que ler e escre-
ver como atividade de linguagem são faces de
um mesmo trabalho, ainda que sejam proces-
sos diferentes.
Foi de fundamental importância para o nos-
so trabalho de coordenação o envolvimento com
os programas do MEC, PCN em Ação e PROFA,
com a finalidade de apresentar alternativas de
estudo, promovendo o debate e a reflexão sobre
o papel da escola e o do professor na perspecti-
va de uma prática de transformação da ação pe-
dagógica, pois foi possível complementar o pro-
cesso de formação que a Rede Municipal de Edu-
cação de Itapetininga vem desenvolvendo, há
muito tempo, com os professores da Educação
Infantil e, hoje, se estende ao Ensino Fundamen-
tal e à Educação de Jovens e Adultos.
Muitos professores já adotaram em sua prá-
tica pedagógica o uso de textos para alfabetizar
e incorporaram a prática de leitura, tornando-
se leitores. Entre tantas, além das já menciona-
das, citamos aqui aquelas que contribuíram de
uma forma ou de outra com nosso relato: Leni,
Bete, Silvana, Giseli, Tereza e Vanessa, da EMEIF
Profª Nazira Iared; Lucilene e Ana Joaquina, da
EMEF do bairro do São Roque; Tereza, da EJA.
O que significa mesmo ser um sujeito alfa-
betizado, nos dias de hoje?
Será que o trabalho de alfabetização, com
jovens e adultos, pode ter como pano de fundo
a variedade de textos que circulam socialmen-
te para que estes pensem sobre a leitura e a es-
crita? Como? De onde retirar essa diversidade?
O que propor que façam com tais textos? Como
não transformá-los em cartilha, repetindo com
esses escritos aqueles mesmos exercícios me-
Mostrando a língua – possibilidades
de trabalho com a escrita e a leitura
com jovens e adultos
Eliane Mingues
PCN em Ação/MEC
cânicos e sem sentido, que pressupõem que o
sujeito nada sabe sobre esse objeto com o qual
ele interage, cotidianamente, por meio dos es-
critos espalhados pelo mundo e tão na frente
de seus olhos e ao alcance de suas mãos?
Mas o que podemos afirmar e pensar que
esses indivíduos não sabem? Não sabem jun-
tar as letras? Desenhá-las? Não sabem como
elas se chamam?
E se pensarmos no contrário, ou seja, na expe-
231
Leitura na alfabetização
PAINEL 19
riência que eles têm com a escrita que está no
mundo? O que podemos afirmar e pensar que sa-
bem? Será que sabem o que é um jornal e o que
encontrar nele? Será que sabem, só de olhar, se um
escrito pode ser uma receita ou uma carta? Será
que conseguem ler nos grandes painéis, espalha-
dos pela cidade onde vivem, o nome dos produtos
que consomem? E o nome dos bancos onde po-
dem ter conta, será que sabem identificar os dife-
rentes estabelecimentos que existem lendo seus
nomes, e entrar e resolver seus problemas na agên-
cia certa? E as contas de consumo que costumam
receber em suas casas? O que será que podem re-
tirar de informações dessas contas? Será que iden-
tificam a escrita de seus nomes? São capazes de
pegar o ônibus certo para determinado lugar onde
precisam ir? E comprar um disco do cantor que
gostam? Será que podem fazê-lo sem errar, ou tro-
cam todas as bolas, ou seja, todos os nomes?
Essas e outras questões costumam aparecer
com freqüência, quando o assunto tratado diz res-
peito ao como é possível alfabetizar com textos.
Pensar no conceito, ou seja, o que se enten-
de por alfabetização, é determinante nesse con-
texto. Se entendermos que, para aprender, o su-
jeito deve pensar e ter bons problemas para re-
solver, deve poder ter acesso a informações e a
um bom modelo da língua que se lê e que se es-
creve, e que o objeto a ser conhecido deve man-
ter suas características de objeto social de conhe-
cimento, faz todo sentido organizar situações e
trazer para dentro da sala de aula os textos de
verdade, aqueles retirados do cotidiano e que
costumamos usar para obter informações, co-
municar, nos divertir, fazer pensar.
São os textos extraídos dos jornais, das le-
gendas de fotos, os poemas, os textos informa-
tivos, as piadas, as receitas, as regras de jogos,
enfim, aqueles com os quais, mesmo sem sa-
ber ler e escrever, os estudantes jovens e adul-
tos têm contato, acesso e conhecimento prévio.
Se, por outro lado, o que ainda se acredita é
que o sujeito nada sabe e precisa começar do
zero, aprendendo primeiro o desenho de letras,
o som que elas possuem e seus nomes, aí fica
inviável pensar em situações de verdade, ou seja,
situações em que os textos apareçam inteiros,
carregados de significado, e com os quais já se
construiu uma boa experiência durante a vida.
Por onde começar,
ou possíveis conteúdos
A partir dessa concepção, algumas sugestões de
conteúdos para esse trabalho são:
• Leitura diária, pelo professor e pelos alunos,
dos textos de circulação social para aprecia-
ção e diversão, para a busca de novas infor-
mações, para aprender mais sobre um assun-
to, para revisar os textos, para observar como
um autor resolve suas questões em relação à
escrita etc.
• Escrita diária, do professor e dos alunos, dos
textos de circulação social para saber escre-
ver considerando a função e a estrutura dos
diferentes tipos de textos, para saber utili-
zar a escrita como recurso no desempenho
de suas funções, para aprender a resolver
questões impostas no ato da escrita (orto-
grafia, pontuação, gramática etc.), para de-
senvolver o papel de revisor, por meio do
estudo de bons modelos de textos, da escri-
ta em duplas, individual ou em grupos, da
revisão coletiva, individual ou com o apoio
da professora.
• Participação em eventos de oralidade para
aprender a ouvir e aprender a participar, ex-
pressando opiniões de forma crítica.
Como avaliar nesse contexto?
A avaliação, nesse processo de ensino e
de aprendizagem, torna-se constante a par-
tir das produções dos alunos; da observação
em relação à participação, ao interesse e ao
desempenho na realização das atividades; da
postura como membro de grupo, consideran-
do-se sempre os avanços individuais e do
grupo.
Os instrumentos mais utilizados são: as
tabulações das aprendizagens ocorridas nas
seqüências de atividades, feitas por meio de um
quadro em que se pontua o que é mais signifi-
cativo na produção de cada aluno; provas que
sistematizam conteúdos aprendidos; bilhetes
individuais que apontam problemas a serem
resolvidos ou salientam as boas soluções encon-
tradas; observação e registro do desempenho
dos alunos.
232
Traduzindo em miúdos…
A partir de tudo que já foi dito, como, en-
tão, o trabalho pode ganhar forma, contorno,
vida? É no dia-a-dia, encontro após encontro,
nas atividades, discussões, leituras e produções
que os alunos vão tendo problemas a resolver.
Pode-se estruturar uma rotina que compre-
enda, em Língua Portuguesa:
• Atividade permanente: leitura compartilhada
da obra de um autor consagrado, feita pelo
professor.
• Leitura individual: diversidade textual.
• Escrita individual ou em pequenos grupos:
diversidade textual.
• Análise e reflexão sobre a língua: revisão textual.
Exemplo de trabalho com a leitura
Em que situações, além daquelas vivenciadas
por leitores particulares, pode-se ouvir em voz
alta e acompanhar o texto, numa situação de lei-
tura compartilhada dos livros O conto da ilha
desconhecida, de José Saramago, prêmio Nobel
de literatura; Alexandre e outros heróis, de
Graciliano Ramos, conhecido autor regionalista;
Morte e vida severina, do consagrado João Cabral
de Melo Neto; As janelas do Paratii, escrito por
Amyr Klink; O Xangô de Baker Street, de Jô Soa-
res, entre outras histórias?
Com muita sorte, isso pode ocorrer em al-
gum momento da escolaridade, quando, cons-
cientes do papel da leitura de autores consagra-
dos, professores, bibliotecários ou outros com-
partilham com os alunos suas experiências lei-
toras, fazendo rodas” ou seções de leitura em
voz alta. Com jovens e adultos que retomaram
seus estudos, essa oportunidade poderá ser
única; portanto, os responsáveis por esse tra-
balho não deveriam deixar de fora a literatura.
Aquela que o professor aprecia, gosta e que se
não for pela voz dele, o professor, esses alunos
jamais terão a oportunidade de conhecer, gos-
tar e mergulhar no mundo das letras.
Dispor de bons livros na sala de aula, ter
acesso a eles e poder conhecer alguns clássicos
é sem dúvida uma situação privilegiada de tran-
sitar pelo mundo dos livros e aprender com eles.
Os textos citados acima são apenas algumas
possibilidades de concretizar esse trabalho. Es-
sas leituras, realizadas pelo professor, se diárias
e de boa qualidade, podem comunicar aos alu-
nos comportamentos leitores muito importan-
tes, além de servir como matéria-prima para
produções futuras. Um aluno que tem um mo-
delo pobre de língua que se escreve, normal-
mente tende a apresentar uma produção pobre
como resultado do que vivenciou. Já um aluno
que tem contato com o que há de melhor no
mundo da escrita poderá, quando solicitado,
produzir textos de melhor qualidade.
Sobre a escrita, que sugestões de
atividades podem ser propostas?
A elaboração de murais para o refeitório da
escola, seus corredores, sua porta de entrada, ou,
ainda, de um mural ambulante, que coloca à dis-
posição das outras pessoas que freqüentam a es-
cola parte do que estão aprendendo, pesquisando,
descobrindo, podem propiciar ótimas situações
de produção de escrita e de uso desta.
Organizar um caderno de receitas ou uma
coletânea dos poemas mais apreciados pela tur-
ma, elaborar um baralho com dicas culturais da
cidade, um livro de o que é, o que é” ou de pia-
das, montar um jornal ou um álbum de família,
entre outros, podem ser situações de uso da
escrita bastante interessantes.
Os jogos, como as cruzadinhas, a forca, o caça-
palavras, podem ser situações interessantes de
aprendizagem para se pensar nas letras, em seus
sons e nas suas posições nas palavras, e não dei-
xam de ser situações de verdade do uso da língua.
Mas como propor tudo isso, se esses jovens
adultos não ainda não lêem e não escrevem? O
papel do professor, como aquele que vai aju-
dando, colocando problemas, dando forma ao
que os alunos pensam, é fundamental. Ele será
uma peça básica, pois dele dependerá, em mui-
tas ocasiões, a escrita do que os alunos podem
produzir oralmente, a leitura que eles sozinhos
ainda não podem fazer, enfim, a organização de
tudo que for proposto.
O que não se pode perder de vista é que o
cardápio que se vai oferecer não muda nunca,
ou seja, vamos continuar a propor que os estu-
dantes leiam, escrevam, copiem, façam ditado,
233
Leitura na alfabetização
PAINEL 19
interpretem o que estão lendo. O que vai mudar
é a qualidade do que será proposto, ou seja, tex-
tos bem escritos e de verdade, a interferência
constante do professor durante todo o proces-
so e a consciência de que se aprende a ler len-
do, e a escrever escrevendo, tendo como pano
de fundo bons problemas para se resolver e boas
questões para pensar.
Anexos
Exemplos de produções escritas de um
grupo de jovens adultos estudantes
A produção de autobiografias inspiradas no
texto Auto-retrato” de Graciliano Ramos, rea-
lizada pelo grupo, possibilitou uma brincadei-
ra divertida com a língua escrita: a leitura dos
textos para que se adivinhasse quem eram seus
autores. Os alunos leram o texto original do
autor várias vezes e puderam consultá-lo na
hora da produção.
Os alunos que ainda não escreviam conven-
cionalmente produziram uma primeira versão
ditando o texto para a professora. Outros produ-
ziram o texto oralmente e depois, com a ajuda de
um gravador, o professor foi dando forma escrita
a ele. Os que já escreviam produziram autono-
mamente seu próprio texto. Uma outra proposta
foi a de que aqueles que já escreviam irem ano-
tando o que ditavam os que não escreviam. De-
pois dessa etapa, os textos foram lidos em voz alta
pela professora, para que todos os alunos comen-
tassem o seu conteúdo. Todos passaram a limpo
o texto revisado, que só posteriormente ganhou
a formatação digitada que foi para um livreto
intitulado Adivinhe quem é quem…
A seguir, trechos do livreto.
Se você acha que conhece todos os que es-
tão nesta turma, teste seu conhecimento. Abai-
xo de cada auto-retrato, existe um espaço para
ser preenchido com o nome do personagem
autobiografado.
Se tiver dúvidas e não conseguir resolver o
enigma, vá até o final da sessão e recorte os no-
mes que estão na ordem correta de apresentação
dos textos no livro e cole-os no lugar indicado.
Boa sorte, e aproveite para conhecer mais
detalhadamente quem se apresenta, então, a
seguir…
Auto-retrato aos 38 anos
(texto produzido em parceria)
Nasceu em 1960, em Lagedão, Bahia
Casado duas vezes, tem quatro filhos
Altura: 1,68
Sapato nº 40
Pesa 58 quilos
Gosta de andar
Gosta de vizinhos, sendo cada um na sua casa
Gosta muito de rádio e televisão
Detesta quem fala alto
Usa óculos
Gosta de comida mineira
Adora frutas
Gosta muito de música sertaneja
Ama muito seus filhos
É católico não-praticante
Primeiro livro que leu: “O Xangô”, de Jô Soares
Fuma cigarros “Free”
Gosta muito de praia e de mar
Gosta de pescar
Tem uma gastrite nervosa que o incomoda muito
Espera morrer quando Deus quiser.
Autor:
Auto-retrato aos 33, quase 34 anos
(texto produzido autonomamente)
Nasceu em 1965, em São Carlos do Ivaí, Paraná
Casado uma única vez, tem dois filhos
Altura: 1,80
Sapato nº 40
Colarinho não sabe
Gosta da cor azul
Gosta de andar
Gosta de vizinhos a distância
Tem horror às pessoas que falam alto
Não usa óculos, não é calvo, mas tem os cabe-
los bem grisalhos
Não tem preferência por nenhum tipo de co-
mida
Gosta de frutas ácidas
Adora saladas verdes
234
Só come coisas doces em raras exceções
Gosta de todo tipo de música, principalmente
as sertanejas antigas
Gosta de ler e os livros que mais gostou foram
“O Pássaro Pintado”, mas não se lembra do
autor, e “Ilusões”, de Richard Bach
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam:
Jorge Amado, Jorge Amado e Jorge Amado
Detesta palavrões escritos e falados
Deseja a morte da violência, da corrupção e
do ódio
Escreve poucas coisas à noite bebendo e ou-
vindo música mas somente quando se sente
sufocado
Fuma cigarros “Derby” ou de qualquer outra
marca
Já foi office-boy, militar do E.B., guarda de car-
ro-forte, ajudante de tecelão, porteiro e, atual-
mente, supervisor de produção
Apesar de o acharem pessimista, prefere dizer
que é realista
Está sempre na defensiva e é extremamente
desconfiado
Detesta se sentir enganado ou ver os outros se-
rem enganados
É altruísta, idealista e sonhador
Gosta de roupas sociais, mas ainda não tem ne-
nhuma
Lê e relê o que sempre escreve, buscando uma
perfeição que nunca consegue
Nunca esteve preso
Gosta de polícia na maior distância possível
Seus maiores amigos: Pai, Mãe, Irmãs, Irmãos,
Tios e Primos
Tem muitas dívidas, a maioria de gratidão
Não espera morrer, pois só pensa na vida
Seu maior prazer é pescar com seu maiores ami-
gos
Gosta de cutucar a onça com vara curta, para
se fortalecer
Gosta de falar através de frases feitas
Gosta de falar, mas conserva o medo de não
ser bem compreendido
Sabe o que quer e vem abrindo portas a vida
inteira à procura das portas certas
Encerra observando a esposa, porque na sua
mente já entra o forte do seu ser, que é o de
buscar respostas para tudo.
Autor:
Auto-retrato aos 41 anos
(texto ditado para a professora)
Nasceu em 1957, em Indaiatuba, São Paulo
Casado, tem duas filhas lindas
Altura: 1,74
Peso: 79 quilos
Sapato nº 39
Gosta de carro
Gosta do trabalho que executa
Gosta da família
Não gosta de muito barulho nas horas de lazer
Gostava muito de seu pai, falecido há pouco tempo
Gosta de música, desde que seja em volume
baixo
Gosta de futebol, mas só assiste quando é de-
cisão de final de campeonato
Gosta de viver todos os momentos, pois acha
que a vida é curta.
Autor:
Outro importante trabalho com a leitura e a
escrita consistiu em aprender a selecionar infor-
mações relevantes de um texto, que se traduziu
e materializou em textos informativos em forma
de “você sabia. Aqui, os alunos tiveram acesso a
muitos textos sobre animais; cada um escolheu
um bicho para saber mais e, a partir dos escri-
tos, selecionaram as informações que acharam
mais importantes. Assim como no exemplo aci-
ma, a produção foi marcada por uma variedade
de procedimentos escritores, de acordo com a
competência de cada um (produção autônoma,
produção ditada para a professora ou parceiro
mais experiente, gravada e posteriormente trans-
crita, ou, ainda, cópia de trechos do texto origi-
nal – todas seguidas de revisão).
Seguem amostras de algumas produções:
Exposição
Animal
Você sabia que o tatu peba é um dos poucos ani-
mais que continuam sendo caçados apesar da legis-
lação que proíbe a matança dos animais silvestres?
Geciel Viera Cassiano
Você sabia que o gambá foi o primeiro bicho
americano conhecido na Europa?
235
Leitura na alfabetização
PAINEL 19
O navegante Vicente Pinzón levou uma fê-
mea no navio, e ficou encantado com a bolsa que
ela tinha na barriga, onde apareciam as cabeças
dos gambazinhos curiosos.
Você sabia que o gambá mede 47 cm, mais
37 cm de rabo?
Judivan
Você sabia que, pelo tamanho, o leão parti-
lha com o tigre o primeiro lugar entre os grandes
felinos?
Um macho adulto pode medir até três metros
de comprimento do focinho à ponta do rabo, e
pesar mais de 230 quilos?
Cícero Fernandes
Você sabia que o veado mateiro é castanho?
Vive na América do Sul?
Pesa até 25 quilos?
Mede 90 cm de altura?
Come folha e capim?
Tem uma gestação de 217 dias?
O veado é castanho tendendo para cor fer-
rugem, mas quando filhote é todo pintadinho.
Essas manchinhas brancas sobre o pêlo mar-
rom ajudam o veadinho a se camuflar no meio
da mata.
Você sabia que o veado mateiro perde o chi-
fre a cada ano e cada vez que o chifre nasce ele
é maior?
Nadi
Exemplo do trabalho com poemas
que resultou num livro
Apresentação do trabalho feita pela
professora
É com muito orgulho que apresento o pro-
duto final de escrita do nosso trabalho de Lín-
gua Portuguesa.
Em síntese, ele é parte da história deste gru-
po que, durante um ano, leu muitos poemas,
devorou crônicas, apreciou romances e, portan-
to, pôde se dedicar com afinco à tarefa, mais do
que árdua, de produzir textos escritos.
Espero, realmente, que apreciem os poemas
inventados!!!
Só tenho elogios a fazer a quem, com de-
dicação, freqüentou as aulas e pôde descobrir
ou redescobrir os prazeres de conhecer…
Foi um ano em que pudemos, além de es-
crever, visitar outros mundos por intermédio da
leitura, e tenho certeza que muitos adoraram e
aproveitaram muito a viagem.
A companhia de Graciliano Ramos, João
Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de
Andrade, Luís Fernando Veríssimo, Jorge Ama-
do, Jô Soares e tantos outros nos foi muito
oportuna!
No entanto, esse tempo de trabalho foi só
o começo, e é preciso seguir avançando. E isso
significa continuar lendo, se preocupando
com a escrita correta das palavras, com a pon-
tuação, com a apresentação final dos textos,
observando, enfim, como escrevem nossos
mestres para que se possa aprender ainda
mais com eles.
Agora, é hora de colher os frutos das con-
quistas e uma delas é poder apreciar este livro.
Espero que gostem do resultado, que sem dú-
vida representa muito de tudo que foi concre-
tizado.
Parabéns, alunos!
Poemas para apreciar…
Os poemas que vocês lerão a seguir foram
feitos a partir da leitura e análise deste lindo
poema de Carlos Drummond de Andrade.
Cidadezinha qualquer
Carlos Drummond de Andrade
Casas entre bananeiras,
Mulheres entre laranjeiras,
Pomar, amor, cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham…
– Êta vida besta, meu Deus!
236
Exemplos dos poemas dos alunos:
Gente
Cléo
Gente sem trabalhar
Gente sem estudar
Estudar, trabalhar, avançar
Homem precisa trabalhar,
Pois, sem trabalho, não tem
Como de sua família cuidar
Criança precisa estudar
Pois, sem estudo,
Não tem como trabalhar
– Êta vida sofrida sem estudar!!!
Aves no meio das árvores
Valdemir
Aves no meio das árvores
Que passam o tempo a cantar
E que não precisam pensar
Um carro vai devagar
Levando gente para passear
Sem beber e sem fumar
E sempre a cantar
Devagar as pessoas olham e dizem:
– Êta vida corrida, cansada e sofrida,
Meu Deus!!!
Claro que as aprendizagens desses jovens
adultos ou adultos jovens não se encerram aqui.
Por trás da língua que lhes foi mostrada, eles
puderam ampliar, e muito, seu conhecimento
de mundo. Mudaram atitudes, aprenderam pro-
cedimentos, mas, sobretudo, foram contamina-
dos pelo gostar de ler e puderam navegar em
mares de palavras nunca dantes navegados ou,
melhor dizendo, nunca dantes enfrentados…
237
PP
PP
P
AINEL AINEL
AINEL AINEL
AINEL
2020
2020
20
A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA
SALTO PARA O FUTURO
NA FORMAÇÃO CONTINUADA
DE PROFESSORES
Rosa Helena Mendonça
238
Interatividade é uma palavra que está em
voga. Há muitos sentidos para esse termo. Aqui,
vamos nos apropriar da seguinte noção, expres-
sa por Bartolomé Pina: “[...] se entende por
interatividade o fato de que ambos os extremos
do canal de comunicação participam, emitin-
do mensagens que são recebidas e interpreta-
das pelo outro extremo e que, de alguma ma-
neira, influem no modo como o diálogo conti-
nua a se desenvolver” (Bartolomé Pina, 1998).
É a partir dessa citação que queremos falar
do programa Salto para o Futuro, da TV Esco-
la. O Salto para o Futuro é mais do que um pro-
grama de televisão: é um programa de forma-
ção continuada a distância, que utiliza diferen-
tes mídias, como material impresso, tevê,
Internet, além de fax, telefone e correio eletrô-
nico. A idéia é estabelecer um diálogo, que co-
meça antes do programa de tevê e que consti-
tui o debate, prolongando-se após a sua
veiculação em cada telessala, em cada escola,
em cada sala de aula.
Quais são os limites e as possibilidades de
um programa de tevê educativo, que pretende
ter como marca a interatividade, estabelecen-
do um diálogo entre professores de todo o país?
O que podemos destacar de um projeto de for-
mação continuada de professores que se cons-
titui como um processo dialógico? Como essa
participação tem interferido na concepção dos
programas? E de que forma a discussão que
acontece ao longo dos programas se reflete na
prática dos professores?
A experiência do programa
Salto para o Futuro
na formação continuada
de professores
Rosa Helena Mendonça*
Seed/MEC
Essa prática, não faz muito tempo, era pau-
tada na transmissão de conteúdos, previamen-
te definidos pelos sistemas de educação. Mui-
tos professores foram assim reprodutores” de
um saber cristalizado, respaldado nos rígidos
rituais da escola.
No entanto, sempre houve quem se insur-
gisse contra essa ordem, quer do ponto de vis-
ta da reflexão teórica, quer da prática. Freinet,
Makarenko, Paulo Freire, para citar alguns no-
mes, e muitos, anonimamente, nas suas es-
colas e salas de aula, ousaram e ousam bus-
car alternativas para uma aprendizagem ver-
dadeira.
E a escola não é só um espaço de aprendi-
zagem para o aluno. É o locus privilegiado para
a formação do professor.
O que hoje parece consenso no campo te-
órico da educação, apontando para a constru-
ção e para a autonomia, tanto do projeto es-
colar, quanto de professores e alunos nos seus
processos de aprendizagem, é fruto dessa his-
tória longa, complexa e certamente mutável,
que os professores, esses eternos aprendizes,
vêm registrando com seus erros e acertos.
Há aprendizagens que se vêm mostrando
essenciais, na contemporaneidade, para o
exercício permanente e crítico do Magistério:
aprender a aprender e criar condições para que
os alunos aprendam, ou seja, uma formação
continuada que tem na escola e no trabalho em
equipe as condições essenciais para o seu de-
senvolvimento.
* Mestre em Educação pela PUC-Rio; professora das disciplinas Estratégias de Educação Continuada e Novas Tecnologias e Educação na
Faculdade de Pedagogia da Unesa e Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro – TV Escola – Seed/MEC.
238
Salto para o Futuro na formação continuada
PAINEL 20
Orientar os alunos no sentido do cresci-
mento e, portanto, do conhecimento é um de-
safio que exige do professor competências es-
pecíficas, que são desenvolvidas, sobretudo,
no processo de formação continuada, a qual
se dá ao longo do exercício profissional, em di-
ferentes espaços. Na própria escola, nas tro-
cas que nela acontecem, por meio de progra-
mas específicos, na interação com a comuni-
dade, no estabelecimento de parcerias e por
meio de projetos e programas voltados para a
formação do professor.
O Salto para o Futuro, sendo ao vivo e com
recepção organizada, permite também uma
interlocução com os outros programas do ca-
nal e com outros projetos, tanto do próprio
MEC quanto de outras instituições voltadas
para a educação.
Esse é um processo em permanente cons-
trução. O Salto pretende ser uma contribuição
nesse processo. Nas telessalas, em diferentes
estados, são múltiplas as trocas que se estabe-
lecem a cada dia e prolongam-se em outros es-
paços de atuação do professor: a comunidade,
a escola, a sala de aula…
Dessa forma, o Salto para o Futuro, ao lon-
go de cada um desses dez anos, vem estabele-
cendo esse diálogo com os professores de todo
país, buscando caminhos para discutir a edu-
cação no Brasil. E esse diálogo com os profes-
sores tem as mais diversas motivações.
O que deixam entrever as falas dos profes-
sores? Questões de ordem meramente meto-
dológica? Ou suas histórias profissionais, os
conhecimentos de vida, as angústias e as ale-
grias? O que os tem motivado na sua partici-
pação ao longo de uma década? O que os pro-
fessores esperam desse programa? O que suas
dúvidas, suas inquietações, suas hesitações e
seu desejo de obter respostas deixam perceber?
O que os leva a participar de um projeto de for-
mação continuada, por opção?
Podemos pensar em uma comunidade de
professores, que trocam informações, experi-
ências? Há também o desejo de ter voz e vez,
por meio de questões que muitas vezes denun-
ciam situações de trabalho que precisam ser
melhoradas, como a falta de tempo para o es-
tudo, a questão salarial, o número muitas ve-
zes excessivo de alunos por turma. Há uma
expectativa permanente por respostas pontu-
ais, que envolvem o cotidiano do professor.
Existe, também, um freqüente entusiasmo de
falar de experiências exitosas. Como pano de
fundo, percebe-se uma vontade de exercer o
direito à formação profissional continuada,
buscando uma sintonia com as tendências
atuais da educação. Em busca de um entendi-
mento desse processo, procurando conhecer
melhor quem é o professor e como acontece o
trabalho nas escolas, continuamos, a cada ano,
a partir das avaliações e da análise dos progra-
mas, a renovar esse diálogo. Investimos na
constituição de uma rede que vai sendo tecida,
explicitando diferentes concepções de escola.
As trocas, tão ricas quanto imprevisíveis, são
os fios que tecem os discursos e deixam entre-
ver as práticas.
Bibliografia
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Fundamental.
Referenciais para a formação de profes-
sores.
Brasília, 1999.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da autonomia.
São Paulo: Paz
e Terra, 1997.
MORAN, José Manuel et al.
Novas tecnologias e media-
ção pedagógica
. Campinas, SP: Papirus, 2000.
NÓVOA, António.
Os professores e sua formação.
Lisboa:
Dom Quixote, 1995.
PINA, Bartolomé. Sistemas multimídia. In: SACHO, Juana
M. (Org.).
Para uma tecnologia educacional
. Porto Ale-
gre: Artmed, 1998.
SANCHO, Juana M.
Para uma tecnologia educacional
. Por-
to Alegre: Artmed, 1998.
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