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CADERNOS TEMÁTICOS Nº 4 FEV. 2005
3 versões sobre 1 mesmo pássaro
Carlos Versiani escreveu "O Anu" em Itaguara, no interior de
Minas. O texto mantém o mesmo ritmo de "O Corvo", de
Edgar Allan Poe, como também o fez Fernando Pessoa em sua
versão do poema do escritor norte-americano.
"É impressionante o humor e a leveza que o poema assume
nesta versão tropical. Seria próprio do jeito brasileiro e
interiorano de falar, esta suavidade?", pergunta-se Versiani no
texto que antecede sua "transcriação". Ele mesmo responde:
"Pode ser, mas, com certeza, o humor e a leveza já estavam lá,
mesmo que ocultos, no poema original de Poe". Compare:
outros círculos de escritores, a coleção Poesia Orbital, que
reuniu poetas de Belo Horizonte em 62 volumes.
A Seção de Atividades Culturais do Cefet de Minas, que agitava
o campus da instituição com múltiplas linguagens, em
conjunto com o Dazibao, passou a estimular, com livros e
recitais, a memória e a imaginação.
Hoje, o selo já tem dois volumes publicados - "Blues" e "O
Corvo" - e um no prelo.
O Corvo
Edgar Allan Poe
Once upon a midnight dreary, while
I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious
volume of forgotten lore
While I nodded, nearly napping,
suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping,
rapping at my chamber door.
"Tis some visitor", I muttered,
"tapping at my chamber door -
Only this and nothing more".
()
Open here I flung the shutter, when,
with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately Raven of
the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he;
not a minute stopped or stayed he,
But, with mien of lord or lady,
perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just
above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my
sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of
the countenance it wore,
"Thoug thy crest be shorn and
shaven, thou", I said, "art sure no
craven,
Ghastly grim and ancient Raven
wandering from the Nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on
the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore".
O Corvo
Fernando Pessoa
Numa Meia-Noite Agreste, quando
eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciências
ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que
parecia
O som de alguém que batia
levemente a meus umbrais.
"É só isto, e nada mais".
(...)
Abri então a vidraça, e eis que, com
muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos
bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não
parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou
sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há
por sobre os meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez
sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares
rituais,
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu,
"mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das
trevas infernais.
Dize-me qual o teu nome lá nas
trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
O Anu
Carlos Versiani
Uma noite lá na roça,
quando eu tocava a viola, assim meio
amuado,
umas moda bem das antiga,
e já quase que tirava uns cochilo,
escuitei o que aparentava
o barulho de argúem que batia
lá na minha porteira,
mais nada.
(...)
Abri antonce a vidraça
e ói que cheio de rompante
entrou todo prosa o Anu,
que conheço né de hoje...
Num disse um a, nem cumprimentou,
folgado, folgado,
pousou no muro de lá de dentro de
casa.
Numa estauta de São Romão
que tem em riba do muro de lá de
dentro de casa
Foi, pousou e nem tchum.
Uai, sô, num é que esse bicho
esquisito
inté aliviou minha aflição,
com a soberba do seu jeitão...
"Ô, ocê parece meio depenado, sô,
mas é poda de rico, né, encomendada.
Ó veio Anu retirante
Lá das terras de Exu,
conta de uma vez
como é que chamam ocê
lá nos quinto dos inferno."
Disse o Anu:
"de jeito nenhum."
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