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PCN NA ESCOLA
C A D E R N O S D A
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DIÁRIOS
PROJETOS DE TRABALHO
N. 3/1998
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Livros Grátis
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DIÁRIOS
Eliane Mingues e Cláudia Rosenberg Aratangy
O diário de cada um
Relatório e reunião de pais
As formas no mundo
Quem dança os males espanta
Quem conta um conto... conta outros
Quando a gente tem de mudar o rumo
Variações sobre um mesmo tema
PROJETOS DE TRABALHO
Lúcia Helena Alvarez Leite
,
Maria Elisabete Penido
de Oliveira e
Mércia Diniz Maldonado
Técnica de ensino ou postura pedagógica?
A organização do projeto
Aprendizagem de conteúdos acadêmicos
Conhecimento social e processo individual
O tempo e o espaço na escola
A formação do aluno e a realidade
SUMÁRIO
15
22
28
32
41
48
7
58
63
71
78
85
91
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação e do Desporto
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
Secretária de Educação Fundamental
Iara Glória Areias Prado
Secretaria de Educação a Distância
Cadernos da TV Escola
Diretor de Produção e Divulgação
José Roberto Neffa Sadek
Coordenação Geral
Vera Maria Arantes
Edição
Elzira Arantes (texto) Alex Furini (arte)
Consultoras
Cláudia Aratangy e Cristina Pereira
© 1998 Secretaria de Educação a Distância/MEC
Tiragem: 110 mil exemplares
Este caderno complementa as séries da programação da TV Escola
PCN na Escola:
Diários - Projetos de Trabalho
Informações:
Ministério da Educação e do Desporto
Secretaria de Educação a Distância
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, sala 325 CEP 70047-900
Caixa Postal 9659 – CEP 70001-970 – Brasília/DF - Fax: (061) 321.1178
Internet: http://www.mec.gov.br/seed/tvescola
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Diários. Projetos de Trabalho. - Brasília : Ministério da Educação e do Desporto,
CDU 001.81:37.08
Secretaria de Educação a Distância, 1998. 96 p. : il. ; 16 cm. –
(Cadernos da TV Escola. PCN na Escola, ISSN 1516-148X ; nº 3)
1. Diário. 2. Relatório. 3. Conteúdos planejados. 4. O papel da criança e
do professor. 5. Projetos de trabalho. 6. Organização do projeto. 7.
Conteúdos acadêmicos. 8. A experiência vivida. 9. Informação na escola.
I-Brasil. Secretaria de Educação a Distância.
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DIÁRIOS
Programa 1
6
7
átima, incomodada com professores tarefeiros, pro-
cura orientá-los. Conversa com cada um. Observa,
anota, discute, registra, dá subsídios (textos, infor-
mações), planeja junto, avalia o trabalho e faz propos-
tas. Fátima faz seu diário.
Como diretora que coordena o trabalho pedagógico
da escola, há anos tenho estado preocupada com a
melhoria da qualidade do que se propõe aos alu-
nos. Cansei de observar propostas nas quais se gasta
um tempo enorme, muita energia e paciência, mas
pouco se aprende. Aulas em que os alunos não pre-
cisam conectar mais do que dois neurônios, ativi-
dades sem sentido, mecânicas e repetitivas, sem
qualquer relação com o que se faz fora da escola.
Ultimamente, o que mais tem me incomodado é
perceber que, tal como os alunos, muitos dos ‘meus
professores também agem de forma mecânica,
ritualizada, sem refletir a respeito daquilo que pro-
põem. No cotidiano da escola, são poucas as situa-
ções em que o professor é convidado a pensar sobre
sua prática e em formas de transformá-la.
Tenho feito o possível para favorecer o desenvol-
vimento profissional do meu grupo: observo-os dan-
do aula, escolho textos teóricos para discutirmos, se-
leciono vídeos para assistirmos e debatermos, indi-
co bibliografia para os projetos em andamento, aju-
FF
FF
F
O DIÁRIO DE CADA UM
9
O diário de cada umPrograma 1
8
do os professores em seus planejamentos, proponho
que socializem suas experiências de sala de aula,
convido especialistas para dar palestras, levo infor-
mações sobre cursos que possam ajudá-los na sua
formação...
Uma das coisas que acho mais importante é
acompanhar de perto cada professor, para poder
auxiliá-lo melhor, mas isso nem sempre é possível.
O tempo, sempre escasso, não permite que eu con-
verse pelo menos uma hora por semana com cada
um (o que seria ótimo) e temos de ficar improvisan-
do, conversando ‘picadinho’: um pouquinho na hora
do lanche, ou na entrada, ou na saída, colocando
uma substituta na sala de aula e ‘roubando’ o pro-
fessor de sua classe por alguns instantes... Assim,
acabamos por falar apenas das urgências, e o apoio
ao desenvolvimento do professor vai aos trancos e
barrancos.
Pensei que, se os professores passassem a escre-
ver sobre sua prática, eu teria uma forma de acom-
panhar mais de perto o que se passa na sala de aula
e na cabeça do professor, para poder intervir mais,
de forma sistemática e individual.
É claro que eu não estava me referindo àqueles
diários de classe que se conhece – os burocráticos,
de capa verde ou rosa –, que servem para o controle
da secretaria. Mas, como começar essa empreitada?
Por onde?
A primeira coisa que fiz foi, em nossa reunião
semanal de avaliação e planejamento, conversar
com os professores a respeito disso.
Pedi para que todos procurassem descrever por
escrito as atividades desenvolvidas em um dia de
trabalho. Na próxima reunião, os registros seriam
compartilhados e comentados.
Os resultados variaram muito.
Mais razões para fazer um diário
A partir do momento em que coloca no papel aqui-
lo que pensa, o professor entra em contato com
suas próprias idéias e passa a vê-las com mais
distanciamento. Assim, pode reformulá-las. O tex-
to escrito tem permanência, pode ser revisitado e
servir como agente transformador para o próprio
autor.
[...] é a idéia do descentramento [...]: a perso-
nagem que descreve a experiência vivida se
dissocia da personagem cuja experiência se nar-
ra (o eu que escreve fala do eu que agiu há
pouco [...]) (Miguel B. Zabalza, Diários de aula)
Para o professor que sente na própria pele a com-
plexidade do ato de escrever é mais fácil pensar em
boas propostas de escrita para seus alunos. Além
disso, ele é um modelo, e é mais fácil convencer os
outros de que algo é importante quando nós mes-
mos acreditamos nisso.
O ato de escrever requer o estabelecimento
contínuo de conexões e a manipulação da in-
formação. Não se pode escrever, pelo menos
num registro diário, de modo mecânico e in-
consciente [...]. (Idem)
A escrita de um diário registra o percurso de
uma classe: suas dificuldades, suas conquistas,
suas preferências... configurando, assim, sua
história.
[...] O fato de escrever sobre sua própria prá-
tica leva o professor a aprender através da sua
narração. (Idem)
11
O diário de cada umPrograma 1
10
Cada uma de seu jeito
Dirce escreveu resumidamente:
7:30 Cheguei à escola e me encontrei com os alunos no
pátio.
8:00 Fizemos a entrada e encaminhei a correção da lição
de casa.
8:30 Atividade de Matemática.
9:15 Lanche e recreio.
9:45 Leitura silenciosa.
10:00 Ensaio da quadrilha.
11:00 Cópia da Lição de Casa.
11:15 Arrumação da classe.
Luísa escreveu colocando alguns questionamentos,
mas ainda de modo muito confuso, pois não conseguiu
deixar claro quais eram suas propostas:
Roda de conversa = combinar atividades do dia. Mãe do
Nathane pediu a receita do bolo de fubá que fizemos ontem
= o colar de bandeirinhas que será utilizado no dia de nos-
sa festa junina. Por que resolvemos usar o colar? Quais se-
rão as brincadeiras?
Na lousa = escrita de todas as atividades que serão desen-
volvidas no dia ~ numeramos de 1 a 7 = cada bandeirinha
tem uma figura que corresponde a uma brincadeira. (Rapi-
dinho eles sacaram).
= cada criança usou a régua, mediu barbante e cortou para
montar o seu colar.
= problemas que surgiram: colaram bandeirinhas iguais, fal-
taram bandeirinhas; contavam várias vezes, faltou um e não
conseguiam descobrir qual atividade que faltava.
> Se o número de bandeirinhas fosse menor, será que a
atividade teria sido mais adequada? (Nathane: Foi muito
difícil, prô!)
Ana não escreveu.
Leonice escreveu abordando apenas aspectos
afetivos, com pouca reflexão sobre sua própria ação:
Hoje fez frio e muitas crianças vieram sem casaco. Coitadi-
nhos... Sentamos para conversar sobre o fim de semana e
eles contaram o que haviam feito. Todos participaram com
muita animação da conversa.
Depois, pedi que desenhassem o que mais gostam de
fazer na festa junina. Eles adoraram esse tema e fizeram
lindos desenhos. Depois do recreio contei uma história e
Fábio não parou quieto um minuto e tive que ficar muito
brava com ele...
Fiz um ditado com palavras de festa junina, prestaram
muita atenção e fizeram uma letra caprichada. Pamela não
quis escrever e começou a chorar, ela sempre faz isso.
No final do dia, copiaram os problemas de matemática
da lição de casa (incluí o nome de alguns alunos nos proble-
mas e foi uma festa!).
Ao sentir na própria pele a complexidade do ato de
escrever, o professor pode trabalhar melhor a escrita
com seus alunos.
Ivone escreveu, mas não quis mostrar.
Izabel foi quem fez um diário mais reflexivo, pois já
tinha o hábito de escrever:
[...] Na segunda atividade, fiz mais uma tentativa de traba-
lhar problemas em matemática e mais uma vez fiquei mui-
to satisfeita. Pensei em trabalhar problemas com o jogo de
trilha, que é um jogo com o qual são super-familiarizados e
13
O diário de cada umPrograma 1
12
que, portanto, não iriam ter dificuldades em entender os
problemas; uma vez que eu queria fazer um pouco de sub-
tração, achei que a volta da trilha seria um bom modo de
trabalhar.
Todos viraram as mesas para a frente, escreveram nome
e data. Fiz um desenho de uma trilha na lousa, eles sabiam
bem o que era e então lhes disse: Uma pessoa está jogan-
do trilha e ela tira 6, depois 5 e depois 6. Em que casa ela
vai parar?
Alguns foram fazendo de cabeça, outros com os dedos,
outros desenhando pauzinhos e alguns poucos desenharam
a trilha. Continuei, dizendo que havia tirado 6 + 4 + 4, e
continuaram a seguir pelo mesmo raciocínio.
Disse-lhes então que eu os aconselhava a desenhar a
trilha, pois agora iria complicar um pouco. Levei um susto,
pois Erik começou a chorar dizendo que não estava conse-
guindo fazer. Não me assustei com ele, mas comigo mes-
ma, que estava na frente dele e sem perceber a ansiedade
em que ele estava.
Ajudei-o a desenhar uma trilha, fui acalmando-o e fa-
zendo junto com ele. Logo ele estava tão numa boa que
quando acabou de fazer, disse todo sorridente: e qual é pra
fazer agora?
Continuando, depois desse entrevero, expliquei que a
pessoa (do jogo) era muito azarada e tinha caído numa casa
que tinha de voltar 10 para trás. Alguns fizeram de cabeça;
para minha surpresa, João a partir daí desenhou a trilha e
foi indo para trás, muitos fizeram isso e perderam tempo
desenhando a trilha. Outros fizeram com pauzinhos, outros,
como a Marília, com a ajuda dos dedos, contando de trás
para a frente.
Depois pedi mais 8 para trás e utilizaram a mesma
estratégia. Acho que foi uma boa atividade, pois permi-
tiu que cada um resolvesse à sua maneira. Na próxima
vez, vou propor uma trilha de 5 em 5. Será que vai ser
muito difícil?
A hora dos comentários
Não foi fácil socializar os escritos e comentá-los,
mas foi um bom começo. Discutimos as vantagens
e os objetivos desse tipo de escrita. Alguns profes-
sores se mostraram resistentes à idéia, disseram
que era chato, que não se sentiam à vontade para
escrever, pois achavam que não seria útil, não
serviria para nada.
Disse-lhes que faz parte do processo de escrita
começar com um diário bastante descritivo mas que,
aos poucos, conforme fossem praticando e se fami-
liarizando com esse instrumento, a tendência era que
colocassem as idéias por trás das ações e não ape-
nas as ações.
Ressaltei que o fundamental era que a escrita
deixasse transparecer seus pensamentos, suas dúvi-
das, suas questões e idéias, não que fosse um relato
frio, objetivo e preciso dos fatos. “Quanto mais quen-
te, melhor!” Ou seja, quanto mais se deixassem levar
pela própria escrita, mais rico o diário se tornaria.
Sugeri também que poderiam ilustrar o diário
com produções das crianças, com enunciados das
lições, fotos, recortes enfim, tudo que dissesse respeito
à vida da classe.
Dando continuidade a minhas estratégias de se-
dução quanto à importância e à necessidade de re-
gistrar a prática pedagógica, trouxe para o grupo vá-
rios livros escritos na forma de diário, para que pu-
dessem apreciar o gênero e, quem sabe, aprender com
tão competentes escritores... O livro que fez mais su-
cesso foi As janelas do Paratii, de Amyr Klink. Além
das ilustrações maravilhosas, o texto é realmente
muito bonito.
Propus ainda a leitura e a organização de um
seminário de dois textos teóricos sobre o assunto e,
15
Programa 2
14
AA
AA
A
RELATÓRIO E REUNIÃO DE PAIS
professora Izabel, da 1
a
série, decidiu preparar
um pequeno texto para enviar aos pais de seus
alunos antes da primeira reunião do ano. Ela
pensou que, se os pais soubessem de antemão que o
assunto seria alfabetização, poderiam se interessar e
se preparar para a discussão.
No relatório, ela procurou falar das atividades
mais significativas e contar o que as crianças estavam
aprendendo. Considerando que muitos pais têm pouca
familiaridade com esse tipo de leitura, optou por es-
crever um texto curto, claro, em linguagem acessível,
e o enviou uma semana antes da reunião.
RELATÓRIO DAS ATIVIDADES
DE ALFABETIZAÇÃO - MARÇO/97
Aos pais dos alunos da 1
a
série
Quero contar para vocês algo a respeito do trabalho
que estamos realizando com Língua Portuguesa, para que
saibam um pouco o que seus filhos estão aprendendo.
Os nomes próprios são uma importante fonte de in-
formações e conhecê-los é de grande valia no início da
1
a
série; por isso, organizo várias atividades a partir
daí. Cada dia um aluno é responsável pela chamada,
pela distribuição das pastas e dos materiais e pela es-
crita dos nomes, nas situações em que isso é necessá-
rio. Todos, sem exceção, estão craques na escrita de seu
aos poucos, venho ganhando esse meu grupo.
Atualmente, as reflexões têm sido uma constan-
te; encontro nos diários deles afirmações, questiona-
mentos sobre a qualidade das propostas, preocupa-
ções com cada aluno em especial, solicitação de aju-
da, de bibliografia...
Penso que, futuramente, vou pedir para escreve-
rem pequenos relatórios para enviar aos pais, a res-
peito do trabalho desenvolvido com os alunos; sei
que o diário é um bom ponto de partida. Mas, va-
mos devagar com o andor, que o santo é de barro!
Esta viagem apenas começou... Mas avalio que
grandes mudanças estão por vir pois, como recém-
escritores, meus professores começam a navegar por
mares nunca dantes navegados...
BIBLIOGRAFIA
COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhe-
cimento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.
—. Psicologia e currículo. São Paulo, Ática, 1996.
COLOMBO, Cristóvão. Diário da descoberta da Améri-
ca: as quatro viagens e o testamento. Porto Alegre,
L&PM, 1991.
FIFILIPPOVIC, Z. O diário de Zlata. São Paulo, Cia. das
Letras, 1994.
KLINK, Amyr. As janelas do Paratii. São Paulo, Cia. das
Letras, 1993.
17
Relatório e reunião de paisPrograma 2
16
Bilhete de aluno
SÃO PAULO, 27 DE FEVEREIRO DE 1997
AOS PAIS E MÃES
NÃO ESQUEÇAM DE LEMBRAR SEUS FILHOS
QUE MANHÃ TEM AULA DE EDUCAÇÃO FÍSI-
CA E PRECISA VIR DE ROUPA ADEQUADA.
1
A
SÉRIE  TARDE
A maioria dos pais leu o relatório e compareceu à
reunião. Para os que não haviam lido, a professora
relatou o conteúdo do texto. As principais inquie-
tações e dúvidas dos pais eram:
Por que vocês não usam mais a cartilha?
Nas lições do meu filho tem muitas palavras erra-
das! A senhora não vai corrigir?
Quando eles vão aprender a escrever com letra de mão?
A professora Izabel foi conversando com os pais,
procurando acalmá-los e esclarecer as dúvidas.
A conversa da professora
Como aprendemos a andar? Como aprendemos a falar?
Como aprendemos a andar de bicicleta? Como aprende-
mos a ler e escrever? Um bom exemplo para entendermos
como nos alfabetizamos é pensar em como aprendemos a
falar. Desde nenês (às vezes até mesmo antes!) ouvimos as
pessoas falarem a nossa volta, ouvimos as pessoas se diri-
girem a nós, como se nós as entendêssemos.
As mães, principalmente, conversam com seus bebês,
contam o que estão fazendo, o que vão fazer, o que estão
pensando ou sentindo... sem se preocupar em usar palavras
fáceis ou curtas. Elas simplesmente conversam. Assim, aos
nome e já reconhecem e escrevem o nome de muitos
colegas. Por esse caminho, foram conhecendo todas
as letras do alfabeto, seus nomes e valores sonoros —
e podem usar em outras situações isso que aprende-
ram. Se precisarem escrever a palavra ‘mar’, por
exemplo, logo associam com os nomes que aprende-
ram: “É fácil. É ‘mar’ de Márcia, não é?”.
Como usamos o calendário e uma agenda diaria-
mente, já sabem ler o nome dos dias da semana
sem ajuda. Além disso, procuro fazer com que cola-
borem na organização da classe, escrevendo junto
com eles etiquetas nos lugares em que devem guar-
dar os materiais.
Leio histórias todos os dias, e estamos fazendo
um cartaz com o nome dos contos preferidos da
turma. Atualmente estou lendo “O Saci”, de
Monteiro Lobato, um livro em capítulos.
Além disso, diariamente apresento para eles le-
rem poemas, letras de música, adivinhas e outros
pequenos textos que já sabem de memória.
Todos os dias têm oportunidade de ler e de es-
crever e, assim, têm muito que pensar, e aprendem
cada vez mais sobre nossa Língua Portuguesa. Ado-
ram os jogos que proponho, como forca, cruzadinha
e caça-palavras. Como vocês devem ter observado,
meus alunos estão cada dia melhores na produção
dos bilhetes que são mandados para casa.
Tenho proposto muitas atividades em duplas, como
a escrita de listas, de títulos e de parlendas (aquelas
musiquinhas que as crianças cantam nas suas brin-
cadeiras, como “corre cotia, na casa da tia…”), entre
outras coisas.
Para podermos conversar melhor sobre tudo isso
espero todos para nossa reunião de pais, na próxima
semana.
Um abraço da professora Izabel
19
Relatório e reunião de paisPrograma 2
18
entram em contato no dia-a-dia, falam de coisas de ver-
dade, têm função e sentido.
É por isso que, como escrevi para vocês no relató-
rio, fazemos diariamente a escrita e leitura de vários tex-
tos: listas de histórias, legendas de fotos, poesias, con-
tos, músicas, embalagens e rótulos etc. Lendo todos os
dias textos bem escritos, de verdade, e que servem para
resolver coisas, para comunicar ou simplesmente para
nos divertir e emocionar, será que não vão aprender
muito mais e melhor? De verdade, é isso que esperamos,
ao tirar a cartilha de circulação. Acreditamos que assim
formaremos leitores e escritores que necessitem e te-
nham desejo de ler e escrever cotidianamente e que sai-
bam como fazê-lo. Vocês, sinceramente, acreditam que
a cartilha daria conta desse nosso grande objetivo?
Escrever bem e escrever certo
Eles não escrevem tudo certo ainda porque são recém-
escritores e recém-leitores, precisam de tempo para
conhecer a Língua Portuguesa. Não é uma questão de
treino e memorização, mas de entender o que estão fa-
zendo. Além disso, não podemos nos esquecer que esse
aprendizado vai acontecer durante toda a escolaridade.
Não precisam aprender tudo no primeiro ano!
Eu estou, sim, corrigindo as palavras escritas incor-
retamente  mas não todas ao mesmo tempo. Quanto
mais lerem, melhor aprenderão a forma correta das pa-
lavras. Mas eles têm tempo e, como já disse, não acon-
tecerá tudo na 1
a
série.
Tenho também utilizado o dicionário, procurando fazer
os alunos reconhecerem palavras da mesma família (por
exemplo: chuva, chuveiro, chuvoso etc., todas com ch) e se
acostumarem a pedir informação para alguém mais sabido.
Queremos que, além de aprenderem a escrever certo, escre-
vam textos bons, que comuniquem e sirvam de fato para algo.
Letra cursiva ou bastão?
Nesse início de processo de alfabetização, optamos por
adotar a letra bastão, que é mais usada fora da escola,
em manchetes, etiquetas e anúncios. Isso ajuda muito,
poucos esse nenê, que vai se tornando uma criança, vai se
apropriando da fala, vai compreendendo cada vez melhor e
se fazendo compreender cada vez melhor, pois quer se co-
municar, quer entender o que lhe é comunicado.
O processo de alfabetização
Em relação à alfabetização o processo é muito semelhan-
te: não precisamos organizar a língua em pedaços frag-
mentados para simplificá-la e torná-la acessível aos alu-
nos (já imaginou uma mãe que só falasse o som A para
seu filho, deixando para conversar quando ele fosse ca-
paz de emitir cada som separadamente?).
Mesmo antes de ingressar na escola, as crianças vêem
os textos escritos nas placas, nos cartazes, na TV, nos li-
vros, nas revistas, nas embalagens, nos folhetos, em muitos
lugares! E vêem as pessoas escrevendo bilhetes, cartas e
listas, anotando informações, lendo jornais, seguindo as ins-
truções de um manual, procurando na lista telefônica, len-
do receitas e mais um sem-número de situações. Tudo isso
as faz pensar, ter idéias e suposições sobre a escrita, suas
funções, seu significado, seu uso e seu funcionamento.
As crianças têm idéias bem peculiares a respeito da escri-
ta; Lucas, por exemplo, acha que formiguinha se escreve com
menos letras do que boi, é porque ela é pequenininha e o boi
é grande; Marina acha que precisa apenas de três letras para
escrever cavalo: A A O, uma para cada sílaba; para Anderson,
gato escreve-se HTO, pois a letra H já contém o ga.
Estes exemplos dão uma pequena amostra de como as
crianças estão o tempo todo pensando na forma de escrever
as palavras e se alfabetizando. Nós, professores, precisamos
levar em consideração o que elas pensam, para dar-lhes infor-
mações e fazer desafios, permitindo que aprendam sempre mais.
E a cartilha?
Atualmente, não usamos mais a cartilha porque seus tex-
tos e sua estrutura não consideram tudo que as crianças
sabem, não levam em conta o modo de pensar das cri-
anças. Além disso, os textos da cartilha são artificiais e
muito diferentes dos textos que a criança vai encontrar
fora da escola. Os textos de verdade, com os quais elas
21
Relatório e reunião de paisPrograma 2
20
São inúmeros os temas que podem ser abordados
nos encontros com os pais, como por exemplo:
Informar a respeito de algum projeto de estudo
planejado para o bimestre/semestre/ano, para
que a família colabore.
Mostrar trabalhos feitos pelas crianças, com relato
do professor a respeito de como foram realizados.
Por exemplo, uma campanha de coleta de lixo se-
letivo na escola organizada pela classe.
Convidar um especialista em saúde, ou em outra
área, e debater questões que afetem a comunidade.
Pedir aos pais para eles mesmos sugerirem te-
mas que queiram discutir como, por exemplo,
orientação sexual, violência, ou problemas com
drogas.
Discutir questões gerais de ensino e aprendizagem.
A reunião de pais é um importante instrumento para
que escola e pais possam compartilhar a tarefa de
educar seus alunos/filhos. Não pode ser apenas um
espaço de queixas, reclamações e resolução de pro-
blemas de ordem prática, financeira e burocrática.
Quando a comunidade escolar considera os pais in-
tegrantes de seu projeto pedagógico (e vice-versa)
todos podem sair ganhando muito com essa parce-
ria, principalmente os alunos.
BIBLIOGRAFIA
CARRETERO, M. Construtivismo e educação. Porto Ale-
gre, Artes Médicas.
DEHEIZELIN, M. Construtivismo: a poética das trans-
formações. São Paulo, Ática, 1996.
FERRERO, E. & TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua
escrita. Porto Alegre, Artes Médicas, 1985.
pois os alunos a conhecem melhor, a vêem mais e têm
mais informações que podem usar aqui na escola, nessa
difícil construção que é aprender a ler e escrever.
Quanto mais puderem usar tudo que sabem, melhor,
vocês não acham? Além disso, é um tipo de letra que não
confunde: é possível ver cada letra da palavra separada-
mente, com clareza. Nesse momento em que as crianças
estão tentando entender como o sistema alfabético fun-
ciona, é fundamental que possam distinguir quantas e
quais letras estão vendo.
A caligrafia ficará para depois, quando já souberem
ler e escrever; será uma passagem muito tranqüila e sig-
nificativa. Aí, então, poderão se dedicar ao treino e ao
desenho das letras; sua atenção não estará mais voltada
para a letra que precisam usar, ou para como escrever.
Para aprender a ler e escrever não basta, conforme
se pensava, treinar a memória, a mão, os olhos e os ou-
vidos... Aprender a ler e escrever envolve pensar a res-
peito da leitura e da escrita, ter bons problemas para
resolver, tomar decisões, colocar em jogo as informações
que se tem, ter boas perguntas. É um processo que não
começa quando as crianças entram na escola, mas muito
antes. Tampouco acaba no fim do primeiro ciclo. Por isso,
acreditem: todos podem aprender, e essa crença pode
levá-los longe, muito longe!!!
Para aprofundar as informações a respeito do tema
abordado pela professora Izabel, recomendamos que
você assista aos programas de Língua Portuguesa e
leia os respectivos textos.
A professora Izabel decidiu falar de alfabetiza-
ção na reunião de pais porque achou importante
eles saberem como é esse processo, para se senti-
rem parceiros nesse trabalho e ficarem menos an-
siosos em relação aos resultados. Foi o primeiro
contato mais formal com os pais, e serviu também
para que ela os conhecesse melhor — afinal teriam
um ano inteiro juntos.
23
As formas no mundoPrograma 3
22
Não sabia por onde começar o trabalho com meus
alunos. Só sabia que não queria uma aula expositiva, uma
simples apresentação de pontos’ de Geometria. Queria
que estabelecessem relações com as formas que existem
a nosso redor, que colocassem seus conhecimentos e in-
formações, enfim, que tivessem problemas a resolver.
Célia, professora do ginásio, me ajudou a montar um
material referente a sólidos geométricos e a fazer um ro-
teiro de questões e problemas sobre cada figura.
Meu objetivo com essa primeira atividade era in-
vestigar o que os alunos sabiam, levá-los a observar
como algumas formas geométricas se apresentam no
mundo, a estabelecer relações entre os sólidos, a co-
nhecer seus nomes e algumas de suas características.
Planejamos também fazê-los identificar um sóli-
do a partir de sua forma desmontada. Isso permitiria
que colocassem outras capacidades em jogo –
visualizar a partir de outro ponto de vista, prever, le-
vantar hipóteses e testá-las.
Conteúdos planejadosConteúdos planejados
Conteúdos planejadosConteúdos planejados
Conteúdos planejados
a) relações entre os sólidos e objetos conhecidos
esfera
cilindro
cone
b) relações entre forma e função
latinha/cilindro
casquinha de sorvete/cone
bola/esfera
c) comparações entre sólidos
cilindro versus cone
diferentes pirâmides
cubo versus paralelepípedo
d) nomenclatura
nome
unca tive muita familiaridade com Geometria.
Na verdade, não sabia muito bem para que tra-
tar desse assunto. Além disso, meu parco co-
nhecimento da matéria me deixava pouco à vontade
para me aventurar a dar aula.
A Geometria faz parte do currículo de Matemáti-
ca, ou seja, mais cedo ou mais tarde eu teria de me
defrontar com ela. Desde o início, eu pensava que não
queria dar ao trabalho um tom burocrático de pales-
tra, definições e memorizações.
Fui então em busca de informações: conversei
com a professora do ginásio, reli os PCNs de Mate-
mática. Percebi que mal sabia o nome de algumas
formas elementares. Tive de estudar.
Também me preocupei em compreender a impor-
tância da Geometria: Para que serve? Como se apre-
senta no mundo? Para que aprendê-la?
Uma das coisas que descobri é que a Geometria
está no mundo. Tanto nas formas da natureza quanto
naquelas produzidas pelo homem, os elementos ge-
ométricos estão por toda a parte.
Fiquei sabendo também que a Geometria é um
trabalho que contribui para a aprendizagem de nú-
meros e medidas, pois estimula a criança a observar,
a perceber semelhanças e diferenças, a identificar re-
gularidades e vice-versa” (PCN). Além disso, auxilia a
compreender o espaço, amplia e sofistica a maneira
de vê-lo e representá-lo.
NN
NN
N
AS FORMAS NO MUNDO
25
As formas no mundoPrograma 3
24
Algumas das explicações e definições que deram
foram ótimas, como a da diferença entre o cone e o
cilindro. Rapidamente adotaram o ‘linguajar geomé-
trico, utilizando e deduzindo expressões como: base
triangular, hexágono, entre outras.
Tomei o cuidado de deixá-los sempre tentar che-
gar aos nomes das figuras, dando-lhes algumas dicas,
chamando a atenção para alguns pontos, como o nú-
mero de lados, a semelhança com outras figuras etc.
Se não conseguiam, eu lhes informava.
Eu não formulei muito bem algumas questões. Por
exemplo, perguntei para que os cilindros eram bons, e
ninguém entendeu o que eu estava querendo saber. Eu
queria que percebessem a forma ergonômica que ele
tem, ou seja, que seu formato se ajusta bem às mãos.
Mesmo assim, acabaram dizendo algumas das qualida-
des e características desses sólidos.
O aproveitamento da classe
A forma de organizar o espaço, a distribuição das
mesas, dos alunos e dos materiais, funcionou muito
bem. Com quatro alunos em cada grupo, todos pude-
ram participar, observar e testar, sem precisar dispu-
tar os objetos.
A atividade durou um pouco menos do que eu ima-
ginava, mas talvez eu pudesse ter colocado mais pro-
blemas com os sólidos desmontados, que envolviam as
questões mais complexas e mais desafiadoras.
A participação de todos foi muito boa: interagiram
bem com o material e com os colegas, ninguém ficou
de fora, souberam ouvir quando necessário. Às vezes,
com o entusiasmo da descoberta, todos falavam ao
mesmo tempo e eu precisava chamar a atenção e
organizá-los, para que pudessem se ouvir.
Abordei todos os conteúdos que havia me propos-
to e alcancei meus objetivos. Mas creio que minha
pouca familiaridade com a Geometria me deixou um
lados
face
base
ângulos
vértices
e) diferenciação entre formas bidimensionais (mais
conhecidas pelos alunos) e tridimensionais
Achei que o trabalho em pequenos grupos seria
mais produtivo: eles poderiam manipular os sólidos
e trocar informações. Além disso, seria mais fácil para
mim, pois bastaria montar um conjunto de sólidos
para cada grupo de quatro alunos.
As carteiras individuais não seriam adequadas
para o trabalho, pois tornariam difícil o manuseio do
material. Então, optei por fazer o trabalho na sala de
Artes; se eu não dispusesse dessa alternativa, teria
organizado os grupos no chão mesmo.
Programei uma aula de mais ou menos 30 minutos.
Planejei começar com um problema, pedindo para os
grupos separarem, por exemplo, as formas que rolam da-
quelas que não rolam, organizarem os tipos de pirâmide e
outras tarefas que levassem os alunos a identificar as for-
mas e falar a respeito delas. Em seguida, cada grupo apre-
sentaria suas soluções e seria feita uma discussão coletiva.
Imaginei que, para encerrar, poderia colocar proble-
mas mais complexos, como por exemplo identificar um
sólido desmontado.
Avaliação da atividade
Os alunos sabiam mais coisas do que eu imaginava.
Alguns conheciam nomes geométricos’, como esfera,
paralelepípedo e pirâmide. Estabeleciam relações ime-
diatas, dizendo com que se parecia cada sólido, que
diferenças e semelhanças havia entre eles.
27
As formas no mundoPrograma 3
26
par, ver e explicar o que se passa no espaço sensível.
Por outro, o trabalho com a representação dos obje-
tos do espaço geométrico permite se desprender da
manipulação dos objetos reais e passar a raciocinar
sobre representações mentais, o que constitui, enfim,
a própria ação matemática.
Os objetos reais são um simples pretexto de pen-
samento matemático, na medida em que se aprende
a identificá-los e diferenciar suas propriedades. Uma
das possibilidades mais fascinantes do ensino de
Geometria consiste em levar a criança a perceber e
valorizar a presença da Geometria, tanto na natureza
quanto nas criações do homem, com atividades nas
quais ela possa explorar as formas — flores, elemen-
tos marinhos, casa de abelha, teia de aranha, escultu-
ras, pinturas, arquitetura, desenhos em tecidos, vasos,
papéis decorativos, mosaicos, pisos etc.
As atividades geométricas podem contribuir também
para o desenvolvimento de procedimentos de estima-
tiva visual – comprimentos, ângulos e outras proprie-
dades métricas das figuras, sem usar instrumentos de
desenho ou de medida.
São úteis os trabalhos com dobraduras, recortes,
espelhos, empilhamentos, ou a modelagem de formas
em argila ou em massa. Construir maquetes, descre-
ver o que nelas está sendo representado, é também
uma atividade muito importante, especialmente no
sentido de dar ao professor uma visão do domínio
geométrico de seus alunos.
Os trabalhos com dobraduras, quebra-cabeças,
recortes e colagens, nos quais as crianças têm opor-
tunidade de compor e decompor figuras, de perceber
a simetria como característica de algumas figuras e
não de outras, estão entre as diversas atividades geo-
métricas que podem ser exploradas.
pouco presa ao material. Depois da aula fiquei me
perguntando se não existiria um caminho ainda mais
significativo do que esse que trilhei.
Será que eu não poderia ter feito o inverso? Ter tra-
zido objetos e fotos de coisas que tivessem as formas
que trabalhei e pedido para criarem critérios e agrupa-
rem as formas parecidas? Acho que sim…
De qualquer jeito, outros tipos de atividade não
estão descartados, pois pretendo dar continuidade a
esse trabalho de várias maneiras: problematizando as
formas que estudamos, desmontando outros sólidos,
pedindo para encontrarem outros. Pensei também que
podemos investigar as formas presentes na natureza,
como das frutas ou flores, descobrir as relações entre
suas formas e funções, conhecer seus nomes. (Será
que a forma da banana tem nome?)
Espero que, como eu, eles também passem a pres-
tar mais atenção à geometria do mundo e no mundo.
Espaço sensível
e espaço geométrico
O ensino de noções geométricas é um campo fértil
para trabalhar com situações-problema, despertando
grande interesse nos alunos.
O espaço que percebemos é o espaço que contém
objetos perceptíveis através dos sentidos – um espa-
ço sensível. O ponto, a reta e o quadrado não perten-
cem a esse espaço. Podem ser concebidos de manei-
ra ideal, mas, rigorosamente, não fazem parte do es-
paço sensível.
Pode-se então dizer que a Geometria parte do mun-
do sensível e o estrutura no mundo geométrico – dos
volumes, das superfícies das linhas, dos pontos.
É o aspecto experimental que estabelece relações
entre esses dois espaços, o sensível e o geométrico.
Por um lado, a experimentação permite agir, anteci-
29
Quem dança os males espantaPrograma 4
28
Resolvi escolher uma dança diferente daquelas que
os alunos já conhecem. Lembrei-me de Ana, uma gran-
de amiga minha descendente de turcos, que conhece
músicas e danças típicas da Turquia. (Se ela não pudes-
se me ajudar, eu iria aprender a sambar na Águias de
Ouro, cuja quadra fica perto de nossa escola.)
Fui conversar com Ana. Ela me falou de uma dan-
ça chamada shamatya, de características atléticas, em
geral considerada mais adequada para os homens.
Contou-me também que as crianças aprendem a dan-
çar desde os 6 anos, na escola! Além do mais, é uma
dança de roda: achei isso positivo, pois contribui
muito para a integração do grupo.
Pensei em atingir, entre outros, os seguintes ob-
jetivos:
Fazer conhecerem um pouco o papel da dança
naquele país, onde ela é ensinada na escola.
Explorar a questão de gênero, mostrando que a
dança de roda é praticada tanto por homens
quanto por mulheres.
Mostrar como é gostoso fazer novos tipos de
movimento, relativamente complexos, sem medo
de errar e sem perder a alegria de estar dançan-
do. Eu pretendia dar uma boa margem de liber-
dade para cada gesto: mostraria os passos, sem
detalhar muito, de modo que desenvolvessem
um estilo próprio.
Preparando para dançar
Em minha classe, a maioria masculina é esmagadora.
Eu temia um pouco que os meninos – já um pouco
machistas – manifestassem preconceitos.
Também estava preocupada com a possibilidade
de alguns alunos sentirem timidez e vergonha, em-
bora achasse que a maioria não teria problemas. De-
Educação Física é uma das áreas do currículo que
acho mais interessante e as crianças também ado-
ram as aulas. Mas, às vezes, fico meio sem saber o
que fazer. Começo a relembrar brincadeiras de minha in-
fância – amarelinha, pega-pega, esconde-esconde, mãe
da rua... Quando conseguimos alguma bola, procuro or-
ganizar um jogo – futebol, vôlei, basquete (os alunos ti-
veram de me ensinar muitas regras).
Ultimamente, comecei a me questionar: não ha-
veria outro tipo de atividade, além dos jogos e brin-
cadeiras, para as aulas de Educação Física? Consultei
os Parâmetros Curriculares Nacionais e vi que sugeri-
am o trabalho com ginástica, lutas e dança.
Nunca freqüentei aulas de dança, mas sempre
gostei de dançar. Ocorreu-me que um trabalho com
dança seria oportuno, por vários motivos:
Seria uma boa oportunidade para abordar a
questão das relações entre meninos e meninas,
o que são coisas de menino, ou coisas de me-
nina.
Como manifestação cultural típica de cada povo,
ou de cada região, a dança permite enfocar a
questão da pluralidade cultural.
A dança permite abordar conteúdos e desenvol-
ver competências diferentes das que são possí-
veis com os jogos.
AA
AA
A
QUEM DANÇA
OS MALES ESPANTA
31
Quem dança os males espantaPrograma 4
30
Avaliação da atividade
A primeira coisa que devo ressaltar é que houve mui-
to menos resistência dos meninos do que eu imagi-
nava. Apenas em certos momentos precisei chamar a
atenção – alguns, mais preconceituosos, ficavam go-
zando os que estavam dançando. Com firmeza, dis-
se-lhes que homem dança, sim senhor, e que seria
melhor dançarem e descobrirem como é bom, para
não ficarem perturbando os outros.
Levaram um tempinho, mas aprenderam os
passos básicos sem problemas. Ficaram tão entu-
siasmados que, enquanto eu voltava a fita, conti-
nuavam a ensaiar, em duplas, trios, ou individual-
mente.
A aula de dança durou cerca de 20 minutos. Fo-
ram 20 minutos de sorriso estampado no rosto das
crianças e, embora parecesse desorganizado, estavam
concentrados, aprendendo. Mesmo aqueles com mais
dificuldade não desistiram e dançaram, fosse com o
pé errado, na contramão, fosse um pouco fora do rit-
mo. O lugar do treino contribuiu para que não se en-
vergonhassem – tinham um espaço seguro para ex-
perimentar.
Foi apenas a primeira experiência; aprendi que é
viável e vou continuar a desenvolver esse trabalho,
que pode ensinar muito. Em História vamos estudar
imigração e migração; então, pesquisaremos também
as danças, entre outros aspectos socioculturais de
cada grupo migratório.
Quero ver se os próprios alunos ajudam, apren-
dendo as danças ‘herdadas’ de seus pais e avós, ou
vistas com amigos de fora da escola, para ensiná-las
aos colegas — danças brasileiras, como samba, forró,
maxixe, chula e outras (que estão no PCN), ou mes-
mo danças estrangeiras.
cidi então encontrar um espaço no qual pudessem
ficar à vontade, sem se sentir expostos – não dança-
riam na frente de espelhos, não os corrigiria publica-
mente, não destacaria crianças do grupo.
Embora a idéia de dança implique a de exibição,
achei que eles precisavam inicialmente se acostumar
com isso. Depois, poderíamos pensar em apresenta-
ções em pequenos grupos, por exemplo.
Achei que era importante situar histórica e cultural-
mente a dança que íamos treinar. Localizamos a Turquia
no mapa-múndi, levei fotos e textos de enciclopédia que
contavam um pouco da história e dos costumes do país.
A música que Ana gravou para nós parecia nos
colocar em um transe: o ritmo constante e bem mar-
cado era acompanhado por uma melodia que ia e
vinha, ciclicamente.
Optei por fazer essa aula no pátio coberto da es-
cola. Na quadra, além do sol forte, ficariam muito
espalhados e seria difícil ouvir a música. Na classe,
ficaríamos muito apertados.
Os passos e os gestos
Para eu ensinar os passos, os alunos ficaram de fren-
te para mim — ensinar os passos formando a roda fica
complicado, pois a direita de um é a esquerda do
outro. Mostrei-lhes os passos básicos e, depois que
aprenderam, fomos para a roda. Havia mais passos,
mas avaliei que perderia muito tempo com aquilo e
me resumi a ensinar os gestos de corpo e de mãos.
Aproveitei a primeira parte da música (ainda sem
a percussão) para improvisar gestos e movimentos
que eles imitavam na maior farra: giros de quadril,
mãos serpenteantes’, olhares enviesados e outras
brincadeiras expressivas. Além disso, esses momen-
tos serviam para descansar um pouco – a coreografia
era agitada e uma pausa caía bem, para nos recupe-
rarmos (eu, principalmente).
33
Quem conta um conto... conta outrosPrograma 5
32
Cem anos de solidão, do colombiano Gabriel García
Marquez, ganhador do prêmio Nobel de Literatura
(isso ela nos explicou antes de começar a ler). É um
livro fascinante, que fala de várias gerações de uma
família: encontros e desencontros amorosos, guerras,
nascimentos, mortes... tudo em uma linguagem poé-
tica, mágica, que foi nos enfeitiçando.
O livro é longo; quando ela começou, achamos
que iríamos levar o ano inteiro para lê-lo. Nada dis-
so! Depois de três capítulos, ninguém agüentava es-
perar até a reunião seguinte; de propósito, ela parava
a leitura num momento emocionante da história, dei-
xando todos em suspense. Não deu outra: cada um
tratou de achar um jeito de conseguir o livro. Então,
na hora da leitura, todos já haviam lido aquele capí-
tulo (e às vezes também os seguintes). Seguíamos
lendo juntos.
Durante essas reuniões, fui reencontrando dentro
de mim o prazer de ler, que parecia adormecido em
algum canto da minha memória.
Assessoria segura
Fátima começou a ir às nossas classes observar o que
estávamos lendo para os alunos, e como fazíamos
isso. Na primeira vez em que foi à minha classe eu
estava lendo um livro de literatura infantil que pega-
ra na biblioteca da escola. O livro tinha poucas pági-
nas, era bem ilustrado, com texto simples e curto.
Os alunos se mantinham sentados em suas cartei-
ras, voltados para mim, mas não estavam prestando
muita atenção: cochichavam, se cutucavam, alguns até
levantavam. Fiquei brava, dei uma bronca neles e dis-
se para Fátima, em particular:
Viu como não dá para ficar lendo para eles? Não
gostam de ouvir, são dispersos. Só ficam quietos
quando estão lendo sozinhos.
ossa, por quantas transformações está passan-
do a nossa escola este ano! Estamos com uma
diretora ótima, a Fátima, que nos tem feito pen-
sar muito a respeito de tudo que acontece na sala de
aula. Ela sempre freqüenta cursos de formação e traz
novidades. Levanta boas questões e nos ajuda a pla-
nejar o que vamos realizar em cada mês.
Nunca aproveitamos tanto o horário das reuniões.
A cada semana temos uma proposta diferente. Um dia
lemos um texto, no outro comentamos, às vezes as-
sistimos um vídeo e discutimos seu conteúdo, leva-
mos lições dos alunos para analisar; até na classe ela
entra para assistir aula, quando combinamos.
Um dos pontos em que ela insiste muito é em re-
lação à importância da leitura. Desde a primeira reu-
nião, ela começou a ler em voz alta para nós.
No começo, estranhamos muito, achando mesmo
que era perda de tempo. Afinal, ela não trouxe textos
a respeito dos conteúdos que iríamos abordar com os
alunos – Matemática, História, teorias de ensino e
aprendizagem etc. (estes, ela diz sempre para lermos
individualmente e, depois, discutimos em conjunto).
Ela lê livros de ficção!!! Trechos de romances, no-
velas, livros de contos, poemas, biografias e outros
textos literários. Mesmo sem entender muito bem o
porquê, fomos aprendendo a gostar; atualmente, po-
deríamos passar a reunião inteira lendo.
O primeiro livro que compartilhou conosco foi
NN
NN
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QUEM CONTA UM CONTO...
CONTA OUTROS
35
Quem conta um conto... conta outrosPrograma 5
34
Esse enredo serviu de base para grande parte dos
contos de fadas clássicos, como A Bela e a Fera, Cinderela
e Branca de Neve, entre muitos outros. Sua estrutura tam-
bém é utilizada pela psicanálise, para explicar alguns pro-
cessos da alma (Psiquê quer dizer alma, e psicologia
quer dizer conhecimento da alma).
A história é longa, tive de ler em oito capítulos.
Cada vez que eu encerrava a leitura, sempre numa
parte emocionante, as crianças ficavam loucas da vida,
querendo que eu continuasse. Atualmente, elas têm
curtido esse negócio de fazer suspense e degustar a
história vagarosamente. No momento em que eu lia,
todas me ouviam com a maior atenção, sem tirar os
olhos de mim, como se estivessem vendo a história
acontecer ali dentro da sala. Pareciam estar como em
um transe, uma viagem.
Li ainda: Matilda, Os contos do vampiro, As 1.001 noi-
tes, Fábulas italianas, Contos de Shakespeare e Tristão e
Isolda. Além dessas histórias, leio também os contos de
fadas tradicionais e literatura infantil moderna. Não es-
colho as histórias pensando se são de adultos ou para
crianças, mas porque gosto muito delas, porque são
bonitas, bem escritas e, acima de tudo, emocionantes.
A escolha dessas histórias é bem pessoal: são histó-
rias que me comovem. Creio que as crianças comparti-
lham dessas emoções. Durante esses períodos de leitu-
ra, parece que fortalecemos ainda mais nossos laços,
como se algo por trás dessas histórias nos unisse. Será
que estou sendo muito mística? Talvez.
Porém o que sei é da repercussão dessas histórias:
os alunos exigem a leitura diária, vários deles recontam
as mais longas e complicadas histórias para pais e ami-
gos, e a todo momento estão mencionando um ou outro
personagem.
Esse depoimento nos deixou perplexos. Então, as
crianças poderiam sentir as mesmas emoções que nós,
durante a leitura? Podíamos escolher histórias sim-
plesmente por gostar delas? Poderiam ser histórias
Fátima propôs que conversássemos no dia seguin-
te, no horário da merenda.
Fátima: Como você escolheu aquele livro?
Eu: Ah, fui até a biblioteca e peguei este, porque achei
fácil.
Fátima: Você leu o livro antes?
Eu: Não. Só dei uma passada de olhos.
Fátima: Você gostou da história, achou interessante?
Eu:????
Fátima: Será que toda aquela dispersão não foi
porque a história era desinteressante?
Fiquei matutando sobre o que ela me dissera. Eu
achava que poderia ler qualquer história, que o im-
portante era ler. Não importava muito o quê.
Levamos nossas reflexões para o grupo de profes-
sores, considerando que provavelmente esse assun-
to interessaria a todos.
Logo depois da leitura de nosso livro, Fátima pro-
pôs que listássemos os livros que estávamos lendo
para as crianças, dizendo como tinham sido escolhi-
dos e se os alunos estavam apreciando.
A maioria de nós estava lendo o mesmo tipo de
história (curta e fácil) e tendo os mesmos problemas
(desinteresse).
No entanto, Izabel, uma das professoras, nos sur-
preendeu ao falar das leituras que vinha fazendo para
sua turma.
As histórias que tenho lido não poderiam ser chamadas
de histórias para crianças. A primeira história que con-
tei a eles foi Amor e Psiquê, uma história clássica, mara-
vilhosa. Trata-se da saga de Psiquê, que passa por um
sem-número de aventuras e provações para conquistar e
reconquistar o amor de seu Amor.
37
Quem conta um conto... conta outrosPrograma 5
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Clássicos Infantis. Consultoria de Nelly Novaes Coe-
lho. Moderna.
Branca de Neve e outros contos de Grimm. Tradução de
Ana Maria Machado.
Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Grimm. Tradu-
ção de Ana Maria Machado.
Contos escolhidos. Grimm. Globo.
Contos de Perrault. Itatiaia.
Contos de Andersen. Paz e Terra.
Contos escolhidos. Andersen. Globo.
Reinações de Narizinho. Monteiro Lobato. Brasiliense.
O Saci. Monteiro Lobato. Brasiliense.
Seus trinta melhores contos. Machado de Assis. Nova
Fronteira.
Fábulas italianas. Ítalo Calvino. Cia. das Letras.
O Minotauro. Adaptação de Orígenes Lessa. Ediouro.
Tristão e Isolda. Anônimo. Francisco Alves.
Modernos
Duendes e gnomos. Heloísa Prieto. Cia. das Letras.
Fadas, magos e bruxas. Heloísa Prieto. Cia. das Letras.
O teatro de sombras de Ofélia. Michael Ende. Ática.
O pequeno papa-sonhos. Michael Ende. Ática.
A história do unicórnio. Otfried Preussier. Ática.
Como contar crocodilos. Margaret Mayo. Cia. das
Letrinhas.
A pedra arde. Eduardo Galeano. Loyola.
O diário do lobo: a verdadeira história dos três
porquinhos. Jon Suiszka. Cia. das Letras.
longas, em capítulos? Poderiam ter palavras difíceis,
que as crianças não soubessem o significado?
A discussão pegou fogo. Foi um alvoroço. Fátima,
como sempre, deixou o debate transcorrer por algum
tempo e, antes que a reunião terminasse, sintetizou
algumas das principais idéias e dúvidas que haviam
surgido:
Ao ler literatura, um universo novo se abre para nós: pas-
samos a viajar por mundos diferentes, conhecer pessoas
(personagens) interessantes, vivemos aventuras através
do tempo e do espaço. Enfim, a leitura mobiliza emoções
e sentimentos que talvez não experimentássemos de ou-
tra forma.
Na leitura para as crianças podemos levar tudo isso
em consideração. Fazer escolhas que não as subestimem,
que não empobreçam a língua, simplificando-a demais.
Outro cuidado importante é lembrar por que lemos. Não
lemos para preencher fichas ou responder perguntas (ima-
ginem se eu lhes tivesse pedido um resumo de cada ca-
pítulo de Cem Anos de Solidão!). Lemos para poder des-
frutar do prazer que as histórias nos oferecem.
Eu, particularmente, me senti muito seduzida pela
idéia de me arriscar a ler novas histórias. Tenho cer-
teza de que Monteiro Lobato pode comunicar para as
crianças como ler é uma aventura deliciosa!
Sugestões de leituraSugestões de leitura
Sugestões de leituraSugestões de leitura
Sugestões de leitura
Para alunos e professores
Clássicos
Contos de Grimm. Tradução de Tatiana Belinky.
Contos de Grimm. Volumes 1 e 2. Tradução de Maria
Heloísa.
Sete contos russos. Recontados por Tatiana Belinky. Cia.
das Letrinhas.
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Quem conta um conto... conta outrosPrograma 5
38
Contos de artimanhas e travessuras. Ática.
Contos de animais fantásticos. Ática.
João Pobre João. Luís Diaz. Formato.
Contos de assombração. Ática.
Contos de lugares encantados. Ática.
Fábulas
Fábulas de La Fontaine. Itatiaia.
Fábulas de Esopo. Cia. das Letras.
Poesias
Comboio, saudades e caracóis. Fernando Pessoa. FTD.
A arca de N. Vinícius de Moraes. Cia. das Letras.
Ou isto ou aquilo. Cecília Meireles. Nova Fronteira.
Poemas malandrinhos. Almir Correa.
Berimbau e outros poemas. Manuel Bandeira.
Antologia poética de Manuel Bandeira.
A poesia é uma pulga. Sylvia Orthof. Atual.
Di-versos hebraicos. Tradução de Tatiana Belinky.
Scipione.
Di-versos russos. Tradução de Tatiana Belinky. Scipione.
Para as crianças lerem sozinhas
A casa sonolenta. Audrey e Don Wood. Ática.
O rei bigodeira e sua banheira. Audrey e Don Wood. Ática.
A bruxa Salomé. Audrey e Don Wood. Ática.
Enquanto seu lobo não vem. Edmir Perroti e Cláudio
Martins. Paulinas.
Vou te pegar! Jony Ross. Martins Fontes.
João preguiçoso. Jony Ross. Martins Fontes.
Quero meu penico. Jony Ross. Martins Fontes.
A mulher que matou os peixes. Clarice Lispector.
Siciliano.
O menino maluquinho. Ziraldo. Melhoramentos.
Flicts. Ziraldo. Melhoramentos.
Rip Van Winkle. Washington Irving. Ática.
A bolsa amarela. Lygia Bojunga Nunes. José Olympio.
Os colegas. Lygia Bojunga Nunes. José Olympio.
A casa da madrinha. Lygia Bojunga Nunes. José
Olympio.
O gênio do crime. João Carlos Marinho. Moderna.
O livro da Berenice. João Carlos Marinho. Moderna.
Sangue fresco. João Carlos Marinho. Moderna.
O conde de Frutreson. João Carlos Marinho. Moderna.
Contos da Rua Brocá. Martins Fontes.
Matilda. Roald Dahl. Martins Fontes.
Raposas e fazendeiros. Roald Dahl. Martins Fontes.
Os Minpins. Roald Dahl. Martins Fontes.
As bruxas. Roald Dahl. Martins Fontes.
Série O pequeno Nicolau”. Sempé. Martins Fontes.
Luas e luas. James Thurber. Ática.
Série “O pequeno vampiro. Angela Sommer. Martins
Fontes.
A vassoura encantada. Chris Van Allsburg. Ática.
Populares
Askeladden e outras histórias. Organização de Francis
H. Aubert. Edusp.
Contos populares para crianças da América Latina. Ática
Contos, mitos e lendas para crianças da América Latina.
Ática.
Contos de piratas, corsários e bandidos. Ática.
41
Programa 6
40
NN
NN
N
QUANDO A GENTE
TEM DE MUDAR O RUMO
o ano passado, a classe que me coube era aque-
la’ classe. Antes de mim, nenhum professor havia
permanecido durante mais de dois meses: uma
professora saiu de licença, a outra foi ser supervisora, a
outra se casou e mudou, enfim, os alunos passaram boa
parte do ano em adaptação. Infelizmente, o ensino ficou
relegado a segundo plano. Eu sabia disso e, confesso,
estava um pouco apreensivo.
Para conhecer a turma
Nos primeiros dias, decidi propor uma atividade de Ma-
temática na qual precisariam recorrer a seus conhecimen-
tos para resolver um novo problema. Eu pretendia diag-
nosticar como estavam se saindo em cálculo mental.
Coloquei na lousa algumas contas. Os valores numé-
ricos eram relativamente altos; no entanto, se as crian-
ças estabelecessem relações entre os números e olhas-
sem a conta em sua totalidade veriam que era possível
recorrer a estratégias de cálculo e/ou a estimativas. Pa-
receu-me que, com tais recursos, seria fácil chegarem ao
resultado (pelo menos era assim que eu pensava).
Escrevi as sentenças no quadro, sem armar a conta, para
evitar que resolvessem automaticamente, sem refletir.
100 - 98 =
Embora seja uma subtração, esta conta pode ser resol-
vida de modo eficiente recorrendo à adição; mas, para
Da Pequena Toupeira que queria saber... Werner
Holzwarth. Cia. das Letrinhas.
Olha o bicho. José Paulo Paes. Ática.
Uma letra puxa a outra. José Paulo Paes. Cia. das
Letrinhas.
Poemas para brincar. José Paulo Paes. Ática.
Histórias em quadrinhos
Calvin e Haroldo. Bill Watterson. Cedibra.
Turma da Mônica. Maurício de Souza.
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, Fanny (org.). Meu professor inesquecí-
vel. São Paulo, Gente, 1997.
—. Professor não duvida! Duvida? São Paulo, Gente,
1998.
TEBEROSKY, A. & TOLCHINSKY, L. (org.). Além da al-
fabetização. São Paulo, Ática, 1996.
TEBEROSKY, A & CARDOSO, B. Reflexões sobre o ensi-
no da leitura e da escrita. Campinas, Unicamp, 1989.
43
Quando a gente tem de mudar o rumoPrograma 6
42
Deixei que conversassem entre si e socializas-
sem os caminhos encontrados.
Por não estarem habituados com esse tipo de encami-
nhamento, tiveram muito mais dificuldade do que eu
imaginara. Com algumas exceções, os caminhos que
acharam foram representar as quantidades com boli-
nhas ou pauzinhos e riscá-las, apagá-las, agrupá-las, ou
usar os dedos que, no caso, eram insuficientes.
Resultados da proposta
Resolvi discutir coletivamente a primeira conta. Ficaram
muito surpresos ao perceber que, embora fosse uma
subtração, era válido o raciocínio aditivo – somar 2, em
vez de subtrair 98. Uma aluna não conseguia acreditar
que aquele 2 que encontrara partindo do 98 para che-
gar ao 100” era o resultado certo, ainda mais com duas
parcelas tão altas (100 e 98).
Pulei para a terceira conta (50 + 5 =); essa, quase
todos fizeram de cabeça, provavelmente utilizando as
estratégias que descrevi acima. Mas um ou outro ape-
lou para os dedos e alguns destes chegaram em 54!
Esse tipo de erro explicitou dois problemas:
na contagem, partiram do 50, e não do 51;
provavelmente não compreendiam um dos prin-
cípios do sistema de numeração decimal: que o
primeiro 5 do 55 vale 50 e o segundo vale 5
mesmo.
Dei um tempo para que fizessem a quarta conta (2 +
3 + 25 =) e novamente pude constatar que não tinham
construído procedimentos básicos como, por exemplo,
conservar o 25, que é o número maior, e acrescentar
o 2 e o 3. Algumas crianças nem mesmo sabiam ler o
25. Houve uma discussão sobre trocar ou não o 25 de
lugar, sem saber se isso alteraria o resultado final.
Essas dificuldades indicam a falta de conhecimento das
isso, os alunos precisam compreender a inter-relação
entre as duas operações.
90 - 10 =
Se o aluno tiver uma boa compreensão do sistema
decimal, pode relacionar 90 - 10 com 9 - 1 e chegar
rapidamente ao resultado.
50 + 5 =
Aqui, o aluno pode se apoiar no conhecimento de que, ao
adicionar unidades a dezenas redondas, o resultado é a
dezena com a mesma unidade no final.
2 + 3 + 25 =
Sabendo fazer decomposição dos números (principal-
mente do 10), é possível, por exemplo, somar o 5 (do 25)
com o 5 resultante do 2 + 3, ou vice-versa.
99 + 99 =
Neste caso, uma estratégia simples consiste em so-
mar 100 + 100 e subtrair 2.
1.000 - 100 =
Aqui, a relação é semelhante à da segunda conta.
7 + 2 + 3 + 5 + 3 + 8 + 6 + 9 + 1 =
Embora sejam apenas unidades, contar nos dedos
não é o melhor caminho; agrupar os números de 10
em 10 é um bom começo.
Li as sentenças e expliquei que não poderiam armar a con-
ta: eu queria que resolvessem seguindo por outros cami-
nhos. Para eles, a situação era nova em muitos aspectos:
Tirei o chão’ deles, ao impedir que fizessem a
conta armada. Em vez de aplicar uma fórmula,
precisariam enxergar as relações entre os núme-
ros, para encontrar uma estratégia de resolução.
Pedi para tentarem uma solução própria, arris-
cando e fazendo escolhas.
45
Quando a gente tem de mudar o rumoPrograma 6
44
ro 10, que é uma estratégia básica para o cálculo, e opera-
riam com os múltiplos de dez, que também são básicos.
Em uma parte do problema poderiam usar os dedos mas,
nas demais etapas, teriam de operar mentalmente.
Aline explicou como uma autêntica professora,
procurando fazer com que seus alunos’ chegassem a
suas próprias conclusões. Perguntava, por exemplo:
Que número, mais este aqui, dá 10? Precisei intervir al-
gumas vezes, pois todos falavam ao mesmo tempo,
querendo dizer a Aline quais números usar. Embora
estivessem agitados, estavam conseguindo entender
e operar com os números; era um problema com o
qual podiam lidar.
Percebi que estavam cansados e decidi continuar
em outro dia.
Uma das coisas que constatei foi que, mesmo saben-
do fazer a conta armada, nem sempre eles estavam com-
preendendo como funciona o sistema numérico, ou quais
são as relações entre a adição e a subtração. Não acho que
tenham encontrado dificuldade diante dos números al-
tos. Na verdade, eles provavelmente haviam tido poucas
oportunidades de operar com os números, pensar sobre
eles e utilizar seus conhecimentos.
Sugestões
Concluí que deveria investir em atividades que per-
mitissem a eles construir conhecimentos. Juntamen-
te com outra professora, fiz um levantamento de si-
tuações que poderiam contribuir para a aprendizagem
acerca do sistema numérico e das operações.
Jogos
Trilha: um percurso traçado em um tabuleiro
deve ser percorrido com uma pecinha (peão,
botão, pedrinha), de acordo com o número tira-
do em dois dados. Nesse jogo, as crianças pre-
propriedades da adição. É bem provável que tenham falta-
do a esses alunos oportunidades de operar com os núme-
ros, de modo a construir idéias acerca da ordem das par-
celas ou da possibilidade de decomposição, por exemplo.
Esperei copiarem as contas; só para isso, alguns
levaram um tempão, e não achei isso bom. Sem dúvi-
da, já que meu objetivo era levá-los a pensar, o tem-
po deveria ter sido usado só para isso; teria sido me-
lhor entregar as contas já escritas em um papel.
A classe ficou agitada, barulhenta e ansiosa. Percebi
que, embora a situação ajudasse a iluminar um pouco
suas idéias, eles não possuíam conhecimentos suficien-
tes para levar a cabo aquela tarefa de maneira significati-
va. Decidi mudar a atividade. Antes mesmo de termina-
rem (levariam séculos fazendo bolinhas e risquinhos), fui
direto para a última conta.
Tinha visto Aline tentar resolver aquela sentença ma-
temática somando combinações de 10 e ajudei um pou-
co, para que montasse a conta em forma de ‘árvore, pois
poderia mostrar sua estratégia aos outros.
Imaginei que essa conta deixaria os alunos menos as-
sustados, pois estariam operando com números mais bai-
xos. Além disso, trabalhariam com a composição do núme-
7 + 2 + 3 + 5 + 3 +8 + 6 + 9 + 1 =
10 10 14 10
20
30 10 4
40
40
47
Quando a gente tem de mudar o rumoPrograma 6
46
Simulações de compra e venda
Atividades envolvendo situações de contagem, cálcu-
lo de preço e troco – mercadinho, padaria, banco,
banca de jornais etc. – proporcionam ricas oportuni-
dades de trabalho com o sistema numérico.
Os alunos são levados a pensar nos valores, cal-
cular seus gastos, dar troco, escrever e ler números
(preços), entre outras inúmeras ações matemáticas.
Álbuns e coleçõesÁlbuns e coleções
Álbuns e coleçõesÁlbuns e coleções
Álbuns e coleções
Fazer coleções, montar, organizar e controlar os ál-
buns são atividades que levam os alunos a catalogar,
enumerar (lendo e escrevendo números), contar quan-
to falta para completar uma página ou o próprio ál-
bum, dividir (em páginas ou nos pacotinhos) e ou-
tras relações numéricas.
Problematização de situações cotidianas
Situações corriqueiras – como a consulta ao calendá-
rio, o uso da agenda, o registro de medidas e a reali-
zação de operações com dinheiro – sempre oferecem
muitas oportunidades para o treino de operações de
cálculo.
Exemplos de situações que favorecem a leitura e
a escrita dos números, a contagem, os cálculos e as
operações:
calcular quantos dias faltam para a festa junina;
anotar números de telefones dos colegas;
preencher fichas de peso e altura dos alunos;
comparar preços para compra de material.
cisam somar os números dos dados, calcular
quantas casas faltam para chegar a determina-
do ponto, contar quantas casas devem percorrer,
reconhecer os números desenhados e assim por
diante. É possível fazer variações, tornando o
jogo gradualmente mais complexo (por exemplo:
lançar vários dados ou traçar uma trilha com in-
tervalos de 10 em 10).
Baralho: jogos como batalha, vinte e um, escopa
de 15, buraco, entre muitos outros, possibilitam
o trabalho com a decomposição dos números,
conhecimento da escrita e inúmeros cálculos
com as quatro operações.
Dados: jogos de soma, subtração e multiplicação
com dados comuns e com dados modificados
(com dezenas, com sinais matemáticos, com ou-
tros números) permitem explorar as operações, os
valores numéricos e a leitura dos números.
Cruzadinha de números: é uma brincadeira equi-
valente a palavras cruzadas, mas com parcelas
combinadas que devem resultar em um deter-
minado número. Também é conhecida como
quadrado mágico. Exemplo:
Nessa atividade, os alunos precisam decompor os
números em parcelas, somar, subtrair, combinar e
calcular de várias maneiras.
2
5
2
=12
3
4
=12
7
2
2
=12
1
4
2
5
=12
=12
=12
=12
=12
49
Variações sobre um mesmo temaPrograma 7
48
lizadas e dotadas de relevância social do ponto de
vista dessa área do conhecimento.
Assim, as crianças realizam tarefas com nomes
próprios, fazem listas, copiam bilhetes para os pais a
respeito de eventos na escola, escrevem parlendas e
trava-línguas, ouvem boas histórias diariamente, es-
crevem contos, lêem gibis, cartas, poemas etc.
O papel das crianças
e o do professor
Torna-se cada vez mais evidente que é preciso se pre-
ocupar com a qualidade do que se propõe às crian-
ças, para que elas possam desenvolver com maior
competência sua capacidade leitora e escritora, bem
como seu papel de estudante. A escolha dos modelos
oferecidos é de fundamental importância no resulta-
do de suas produções. Para modelos pobres, há pro-
duções pobres...
Apesar dessa mudança qualitativa em relação às
produções realizadas pelos alunos, e também da
maior preocupação quanto à seleção dos conteúdos
a trabalhar, há ainda um grande investimento a ser
feito, principalmente em relação à atuação das crian-
ças e às interferências do professor.
Não basta, por incrível que pareça, pedir para es-
creverem... Não basta abrir o livro e ler contos... Não
basta pedir para inventarem histórias... Não basta
mandar corrigirem ou revisarem seus próprios textos,
para que estes ganhem melhor forma escrita... Não
basta apenas solicitar que leiam...
É necessária uma atuação explícita do professor
para que as crianças avancem, aprendam e desenvol-
vam uma boa competência leitora e escritora. Atua-
ção explícita significa que o professor:
planeja o que vai trabalhar, com clareza de ob-
jetivos;
uitos são, ainda, os mitos acerca de uma prá-
tica pedagógica construtivista (entendida como
um marco explicativo que integra diversas teo-
rias coerentes e úteis e que contribui com instrumen-
tos que guiam, fundamentam e justificam a atuação
de muitos professores).
Contudo, o que mais parece chamar a atenção é a
crença de que as crianças aprendem sozinhas e não
se pode nem se deve corrigi-las, orientá-las, ajudá-las
ou ensiná-las.
Quando falamos em construtivismo, é fundamen-
tal reconhecermos, entre outros princípios, a impor-
tância da atividade significativa e ativa dos alunos
para a realização de suas aprendizagens, a necessida-
de de boas interferências por parte dos professores e
o papel dos conteúdos no processo de ensino e
aprendizagem.
Atualmente, é possível observarmos que, em mui-
tos casos, têm ocorrido modificações principalmente
nos conteúdos referentes às propostas de ensino da
Língua Portuguesa. Esses conteúdos não mais têm
como referência apenas os exercícios de coordenação
motora, a memorização de palavras soltas, a realiza-
ção de tarefas que envolvem o simples conhecimen-
to de letras, palavras, frases, pequenos parágrafos e
histórias inventadas, ou os exercícios de fixação e gra-
mática propostos nas cartilhas e nos livros didáticos.
Agora eles incluem também propostas contextua-
MM
MM
M
VARIAÇÕES
SOBRE UM MESMO TEMA
51
Variações sobre um mesmo temaPrograma 7
50
NOME
DATA
DITADO DO PROCURE E PINTE
O REI LEÃO
A BELA E A FERA
BRANCA DE NEVE
A BELA ADORMECIDA
A CASA SONOLENTA
A BRUXA SALO
MEUS PORQUINHOS
O REI BIGODEIRA
O PEQUENO PINGÜIM
CHAPEUZINHO VERMELHO
A proposta: o aluno deveria procurar o título ditado
pela professora e pintar ou circular o nome com uma
caneta colorida. A professora começou o ditado:
Profa.: A primeira história é Branca de Neve!!!
Imediatamente as crianças marcaram o título. En-
quanto todas grifavam ou circulavam a história pedi-
da, muitas responderam ao mesmo tempo:
Crianças: É a três !...
Profa.: A próxima é Chapeuzinho Vermelho!!!
Crianças: É a dez! [Quase todos sabiam a numera-
ção da lista de cor.]
Profa.: Agora vou ditar outra, atenção: O Rei Leão!
Crianças: Um, esta é muito fácil...
E assim prosseguiu o ditado. Os alunos usavam a
memória que tinham da numeração da lista e iam pin-
tando e circulando as palavras sem nenhum problema.
antecipa os problemas decorrentes da realiza-
ção da tarefa;
propõe desafios;
organiza bons grupos de trabalho;
prevê tempo suficiente para a realização da ati-
vidade; e, principalmente,
faz boas perguntas.
Se esses cuidados e princípios de trabalho não forem
observados, corremos o risco de ver a classe toda re-
solvendo uma boa atividade elaborada pelo profes-
sor da maneira mais descompromissada possível e
gastando tempo para realizá-la, mas sem aproveitar
nada, nem aprender com o que foi proposto.
As duas cenas descritas abaixo aconteceram a
partir de uma mesma atividade. Foram observadas
pela diretora na mesma sala e com a mesma pro-
fessora, em dois momentos distintos. Em ambos os
casos, as crianças participaram e realizaram a mes-
ma tarefa... Mas é substancial a diferença em rela-
ção à aprendizagem, aos desafios e aos avanços
nos dois momentos.
1
a
série A – 10 de abril
Na classe, o clima era de trabalho. As crianças esta-
vam sentadas em grupos de três ou quatro e a pro-
fessora explicou o que iriam fazer:
Hoje vamos fazer um ditado diferente. É um ditado
de procurar e pintar as palavras da lista que vou en-
tregar.
A professora entregou a cada aluno uma lista com
o nome de dez histórias conhecidas por todos (havia
na parede um quadro idêntico ao que ela entregou,
mas no quadro os títulos estavam numerados de 1 a
10). Todos conheciam bem o conteúdo da lista. A fi-
cha entregue pela professora era assim:
53
Variações sobre um mesmo temaPrograma 7
52
pois precisavam estabelecer outras relações para en-
contrar a história pedida, procurando indícios que não
eram os números dos títulos dos contos, como ocor-
rera na primeira vez.
Profa.: Quero que encontrem o nome da história: A
Bela Adormecida.
Enquanto todos trabalhavam, ela sentou com um gru-
po de quatro crianças que estava com dificuldade e
começou a ajudar:
Profa.: De todas estas histórias que estão aí, quais
vocês já conhecem? [Aguardava as respostas e pe-
dia para justificarem].
Mariana: Eu conheço a Chapeuzinho Vermelho,
porque já vi o livro muitas vezes.
Tiago: É, e começa com CH.
Gabriel: Branca de Neve é esta, porque eu sei.
Mariana: Tem outra que eu conheço, Meus
Porquinhos. Porque não começa nem com O, nem
com A [referindo-se aos outros títulos que come-
çavam sempre com as mesmas vogais], começa
com M, do meu nome, né?.
Nem sempre o que começa com A, E, I, O, U é o mais fácil
do ponto de vista de quem tem de pensar na escrita...
Ana: A Bela e a Fera eu conheço, porque começa com
A e tem o B.
A professora pôs em ordem três nomes de histórias
que têm no início as mesmas letras em comum:
Enfim, a proposta não sugeria desafio, nenhum
bom problema a ser resolvido. As crianças não preci-
savam pensar na escrita, mas apenas recordar o nú-
mero da lista e marcar o título. Se a memória falhas-
se, bastava apelar para o cartaz, bem à vista!
Todos estavam muito envolvidos, interessados nas
canetinhas que iam escolher, nas cores que iam usar, nas
respostas dos que sabiam sem titubear o número da his-
tória ditada, e com a facilidade de acertar todo o ditado.
A professora circulava pela classe, sem ter muito
controle de quem grifava o quê, mas ela cumpria o
ritual de dar uma ‘boa atividade’ para seus alunos...
No final do dia, a diretora e a professora conver-
saram a respeito da atividade e refletiram:
Por que o cartaz continuou afixado na classe?
Por que os números não foram retirados da fren-
te dos títulos das histórias?
O que os alunos precisaram pensar sobre a es-
crita, para decidir qual história marcar?
Que relações entre os nomes das diferentes his-
tórias poderiam usar para tomar decisões, já que
não lêem convencionalmente?
Quem poderia ajudar quem?
1
a
série
A – 12 de maio A – 12 de maio
A – 12 de maio A – 12 de maio
A – 12 de maio
O clima também era de trabalho. Os grupos recebe-
ram a lista das mesmas dez histórias lidas e já tão
conhecidas. Mas, desta vez, os títulos estavam recor-
tados em tiras e fora da ordem do cartaz, que fora
retirado da parece no dia anterior.
A professora foi ditando os títulos das histórias,
pedindo para cada criança pôr em ordem sua lista.
Não havia numeração nos títulos e o cartaz não esta-
va disponível.
Os alunos trocavam muitas informações entre si,
A BRUXA SALOMÉ
A BELA E A FERA
A BELA ADORMECIDA
55
Variações sobre um mesmo temaPrograma 7
54
E assim por diante... Os alunos foram pensando,
estabelecendo relações, comparando nomes, enfim
resolvendo problemas.
A professora foi passando entre os grupos e fazendo
outras tantas perguntas. O importante não era só que
acertassem, mas que pudessem recorrer a todos os co-
nhecimentos que possuíam a respeito dos conteúdos
abordados e que pensassem, pensassem muito...
Para concluir
A lista dos contos lidos e preferidos pelos alunos pode
servir de fonte de informações para a escrita convencio-
nal e de organizadora do trabalho feito com as histórias.
Nessa classe, a professora lê diariamente, está
preocupada com a qualidade dos textos literários e
com o planejamento de situações de escrita em que
esta apareça dotada de significado.
Qual a diferença entre a atividade realizada no dia
10 de abril e a de 12 de maio? Nos dois momentos, a
professora se mostrou preocupada em ampliar signi-
ficativamente o repertório de contos das crianças.
Quais seriam os objetivos em um momento e no ou-
tro? Que procedimentos se destacaram em uma e na ou-
tra situação?
A observação da diretora e a discussão das questões
levantadas por ela contribuíram para que a professora
revisse suas posturas, suas crenças e seus valores. Avaliar
a atividade e o trabalho das crianças permite que se re-
pense os encaminhamentos. Às vezes uma boa ativida-
de é desperdiçada porque o professor não consegue, so-
zinho, distinguir aquilo que promove a aprendizagem
daquilo que é meramente mecânico, tarefeiro.
A reflexão, a análise e a transformação são compo-
nentes dos quais não podemos prescindir, pois defi-
nem práticas pedagógicas de qualidade.
Profa.: Estas também começam com A e têm o B.
Gabriel: Tem que terminar com A: A Bela e a Fera.
Então, esta não pode. [Retirando A Bruxa Salomé].
Profa.: Estas duas terminam com A, e agora?
Gabriel pensou, pensou... E comentou:
Gabriel: Tudo parece. Tem: a, b, e, l, a [mostrando A Bela
Adormecida e A Bela e a Fera]. Só que na segunda tem
E e outro A. Eu acho que é a Bela E A Fera.
Profa.: Perfeito! Então, é só colar. Agora, onde está O
Rei Leão?
Tiago: Onde tem uma cobrinha em cima que faz ão!!!
Profa.: Esta ‘cobrinha aí que você conhece é um
acento chamado til.
Lucas: Achei! [Mostrando O Rei Leão]. É o único que
tem ‘um tio em cima dele!!!
Profa. E este? [Aponta O Rei Bigodeira].
Lucas: Não sei...
Profa.: Compare [Vai assinalando a palavra ‘rei’,
em O Rei Leão e O Rei Bigodeira].
Lucas: Se o primeiro é O Rei Leão, então este outro
que tem uma parte igual é O Rei Bigodeira.
Profa.: Quem acha aí A casa sonolenta?
Gabriel: Confunde, porque tudo que sobrou come-
ça com ‘a, ou com o. [Mostra, mas logo associa].
Mas casa é com ‘ca, da Carolina, não é?
Profa.: Exatamente! Ficou fácil, agora?
Gabriel: A casa sonolenta!!! Achei.
A BELA E A FERA
A BELA ADORMECIDA
PROJETOS DE TRABALHO
59
Técnica de ensino ou postura pedagógica?Programa 1
58
Significa romper com um modelo fragmentado de
educação e recriar a escola, transformando-a em es-
paço significativo de aprendizagem para todos que
dela fazem parte, colada ao mundo contemporâneo,
sem perder de vista a realidade cultural específica de
seus alunos e professores.
Palavra de professora
Lúcia, professora de 2
a
série, reflete sobre seu trabalho:
Tenho buscado trabalhar com projetos com meus alunos.
Vejo que sua participação e seu envolvimento têm melhora-
do bastante, mas ainda tenho muitas dúvidas sobre a forma
de conduzir esse processo. Algumas questões:
Quem leva o tema do projeto? Eu posso propor temas, ou
devo sempre partir do interesse dos alunos?
Como envolver todos os alunos no trabalho? E se algum
não se interessar? O que fazer?
Qual o papel do grupo de professores no projeto?
Qual a duração do projeto? Quando ele termina?
Como planejar o projeto com os alunos?
Como avaliar o que os alunos aprenderam com o projeto?
Como relacionar o conhecimento social com o trabalho
individual dos alunos?
Como trabalhar com a cultura do aluno sem cair em uma
prática vazia de conteúdo?
Como propiciar a reflexão dos alunos acerca de temas
transversais, como o da pluralidade cultural presente em
nossa realidade?
Todas as áreas de conhecimento devem aparecer em um
projeto? Ou é um projeto para cada área?
Em que momento trabalho os conteúdos? Como sistema-
tizar os conteúdos das áreas? E o conteúdo programático
da série?
Bom, parece que tenho muito mais dúvidas que respostas.
Mas, uma coisa eu consigo perceber: as aulas estão mais in-
teressantes, mais desafiadoras para mim e para os alunos.
Por isso, apesar de tantas dúvidas, continuo apostando nessa
proposta.
s estudos atuais feitos pelos educadores indicam
que o modelo clássico de escola, com tempos rígi-
dos atribuídos a cada disciplina, parece não mais
dar conta da complexidade do mundo moderno. Essa
constatação demonstrou a necessidade de mudar a es-
cola, de aproximá-la mais da sociedade e de envolver
mais os alunos no processo de aprendizagem.
É nessa perspectiva que, nos anos 90, o trabalho com
projetos, voltado para uma visão mais global do proces-
so educativo, ganhou força no Brasil e no mundo.
Não se trata de uma técnica atraente para transmi-
tir aos alunos o conteúdo das matérias. Significa de
fato uma mudança de postura, uma forma de repen-
sar a prática pedagógica e as teorias que lhe dão sus-
tentação.
Significa repensar a escola, seus tempos, seu es-
paço, sua forma de lidar com os conteúdos das áreas
e com o mundo da informação.
Significa pensar na aprendizagem como um pro-
cesso global e complexo, no qual conhecer a realida-
de e intervir nela não são atitudes dissociadas.
O estudante aprende participando, formulando pro-
blemas, tomando atitudes diante dos fatos, investi-
gando, construindo novos conceitos e informações e
escolhendo os procedimentos quando se vê diante da
necessidade de resolver questões.
OO
OO
O
TÉCNICA DE ENSINO
OU POSTURA PEDAGÓGICA?
61
Técnica de ensino ou postura pedagógica?Programa 1
60
tudo. Os alunos, por sua vez, abandonam o papel pas-
sivo de quem recebe tudo pronto e passam a dar sua
contribuição efetiva. Em resumo, os projetos são de-
senvolvidos com os alunos, e não para os alunos.
A autenticidade é uma característica fundamental de
um projeto.
Cada processo é único, singular, pois é construído coleti-
vamente por aquele grupo determinado. Nessa perspec-
tiva, um projeto não pode ser copiado, nem montado
como se fosse uma unidade de livro didático. Mesmo que
duas turmas da mesma série desenvolvam projetos so-
bre o mesmo tema ou problema, com certeza cada um
será diferente: cada turma é única e vivencia seu próprio
processo de aprendizagem. Portanto, não há como orga-
nizar fórmulas ou modelos para trabalhar com projetos,
nem fazer um planejamento fechado e definitivo.
Um projeto busca estabelecer conexões entre vários
pontos de vista, contemplando uma pluralidade de
dimensões.
Os caminhos do aprendizado não são únicos, nem ho-
mogêneos – há várias formas de chegar a um conheci-
mento e o projeto é uma proposta que garante a flexi-
bilidade e a diversidade da experiência educativa. Ao
se ver diante de um problema significativo, instigados
a compreender esse problema, os alunos se defrontam
com várias interpretações e com pontos de vista diver-
sos acerca da mesma questão.
A partir dessa reflexão, podemos concluir que os projetos
não se reduzem à escolha de um tema para trabalhar em
todas as áreas, nem a uma lista de objetivos e etapas.
Eles refletem uma visão da educação escolar, na
qual a experiência vivida e a cultura sistematizada
interagem, na medida em que os alunos vão estabe-
lecendo relações entre os conhecimentos construídos
em sua experiência escolar e na vida extra-escolar.
Esse tipo de situação descrita pela professora Lúcia é
vivida com freqüência por educadores e educadoras que
buscam compreender e transformar sua prática, com o ob-
jetivo de atender melhor às necessidades de seus alunos.
Não se trata apenas de adotar propostas inovadoras:
precisamos entendê-las, perceber em que concepções se
baseiam, quais são seus referenciais teóricos e suas impli-
cações práticas. Trata-se de fugir dos modismos e assumir
uma nova prática pedagógica, sabendo fazer escolhas, to-
mar decisões, propor inovações coerentes com nosso pro-
jeto educativo e com nossas concepções de educação.
Para que possamos assumir os projetos de trabalho
como postura pedagógica, há alguns aspectos fundamentais:
Um projeto envolve complexidade e resolução de
problemas, possibilitando a análise, a interpretação
e a crítica por parte dos alunos.
A questão da problematização é fundamental no de-
senvolvimento dos projetos. Problematizar, aqui, não
significa fazer uma lista de perguntas do tipo ‘que
queremos sobre o tema...?”. Problematizar corresponde
a construir coletivamente uma questão que irá acom-
panhar o grupo em todo seu percurso e servirá de re-
ferência para debates, discussões e reflexões.
O envolvimento, a responsabilidade e a autoria dos
alunos são fundamentais em um projeto.
Os alunos são sujeitos ativos, participando de todos
os momentos do processo – do planejamento à di-
vulgação, passando pela pesquisa. O trabalho com
projetos deve atender ao interesse dos alunos, mas
demanda também envolvimento, responsabilidade
e compromisso. Essa atitude desenvolve a coopera-
ção e a solidariedade entre alunos e professores.
Com freqüência, o professor pode não saber resol-
ver muitos problemas colocados pelo grupo; assim, ele
se coloca também no lugar de aprendiz, deixando de
ser a única fonte de informação, a pessoa que sabe
63
Programa 2
62
uitas das preocupações da professora Lúcia
se relacionam com a questão da organiza-
ção do projeto com os alunos. Ela questio-
na, por exemplo:
Quem leva o tema do projeto? Eu posso propor te-
mas, ou devo sempre partir do interesse dos alunos?
Qual a duração do projeto? Quando ele termina?
Como planejar o projeto com os alunos?
Para responder a tais questões, nada melhor que dis-
cuti-las a partir de uma experiência concreta, como a vi-
vida pelo professor Haroldo, com sua turma de 4
a
série.
A experiência vivida
O Instituto Educacional Integração, uma escola que
funciona em sistema de cooperativa, se situa em São
Félix do Araguaia, no Mato Grosso. O professor
Haroldo, que leciona para a turma da 4
a
série, desen-
volveu com seus alunos o projeto “Crianças de São
Félix do Araguaia.
O projeto foi proposto pelo professor. Como pon-
to de partida, ele pediu aos alunos para assistir a uma
reportagem sobre “Crianças que trabalham, que iria
passar em um programa de televisão, para depois
debaterem o tema na sala de aula.
O debate levantou uma série de questionamentos
e de hipóteses acerca das causas dessa situação, como
por exemplo:
MM
MM
M
A ORGANIZAÇÃO DO PROJETO
Perspectiva dos projetos
de trabalho
Enfoque globalizador, centra-
do na resolução de problemas
significativos.
Conhecimento como instrumen-
to para a compreensão da reali-
dade e possível intervenção nela.
O professor intervém no processo
de aprendizagem ao criar situa-
ções problematizadoras, introdu-
zir novas informações e dar condi-
ções para que seus alunos avan-
cem em seus esquemas de com-
preensão da realidade.
O aluno é visto como sujeito
ativo, que usa sua experiência
e seu conhecimento para re-
solver problemas.
O conteúdo estudado é visto
dentro de um contexto que lhe
dá sentido.
A seqüenciação é vista em ter-
mos de nível de abordagem e de
aprofundamento em relação às
possibilidades dos alunos.
Baseia-se fundamentalmente
em uma análise global da rea-
lidade.
Há flexibilidade no uso do
tempo e do espaço escolares.
Propõe atividades abertas, per-
mitindo que os alunos estabele-
çam suas próprias estratégias.
Perspectiva
compartimentada
Enfoque fragmentado, cen-
trado na transmissão de con-
teúdos prontos.
Conhecimento como acúmulo
de fatos e informações isola-
das.
O professor é o único infor-
mante, com o papel de dar as
respostas certas e cobrar sua
memorização.
O aluno é visto como sujeito
dependente, que recebe passi-
vamente o conteúdo transmiti-
do pelo professor.
O conteúdo a ser estudado é
visto de forma compartimenta-
da.
Há uma seqüenciação rígida dos
conteúdos das disciplinas, com
pouca flexibilidade no processo
de aprendizagem.
Baseia-se fundamentalmente em
problemas e atividades dos livros
didáticos.
O tempo e o espaço escolares
são organizados de forma rígi-
da e estática.
Propõe receitas e modelos
prontos, reforçando a repeti-
ção e o treino.
Diferenças de perspectiva
65
A organização do projetoPrograma 2
64
Que tal se fizéssemos uma pesquisa de campo para
saber como vivem as crianças de São Félix do
Araguaia?
Os alunos foram unânimes em aceitar o desafio.
O professor orientou os trabalhos, sugerindo que
entrevistassem outras crianças, na rua e em suas ca-
sas, para procurar algumas que trabalhassem.
No planejamento da pesquisa, decidiram que pro-
curariam conhecer vários aspectos da vida dessas
crianças: se trabalham; se estudam; como é sua ali-
mentação; como é sua família; onde moram; o que
vestem; como é sua saúde.
A turma se dividiu em grupos, para realizar o pro-
jeto de pesquisa. Cada grupo ficou responsável por
dois ou três aspectos, que depois seriam socializados
com a classe. Delimitaram o campo da pesquisa, dis-
tribuindo entre os grupos os bairros a visitar. Ficou
decidido que, além do registro escrito, fariam fotogra-
fias e usariam uma filmadora.
Enquanto um grupo fazia o trabalho de pesquisa de
campo, os outros ficavam na sala, elaborando novas
questões para perguntar aos entrevistados. Quando o
grupo retornava da pesquisa, tratava de organizar os
dados, produzir um texto, revisá-lo e passá-lo a limpo.
O professor Haroldo filmou as entrevistas, acom-
panhando o trabalho de campo com uma câmara de
vídeo. Os alunos foram os repórteres desse vídeo
artesanal, com roteiro discutido e organizado coleti-
vamente.
Um vídeo e um livroUm vídeo e um livro
Um vídeo e um livroUm vídeo e um livro
Um vídeo e um livro
Decidiram fazer um livro com o material coletado,
usando como referência os dois livros com os quais
haviam trabalhado no início.
Estudaram a forma de diagramação usada nas
duas publicações, para decidir como iriam organizar
Por que algumas crianças precisam trabalhar desde
cedo?
Será que elas estudam?
Está certo uma criança trabalhar e não estudar?
Como é a vida de uma criança que trabalha?
Como é sua família? Sua saúde? Sua casa? Elas
brincam?
Como se vestem?
Com o debate, todos se interessaram por fazer um estudo
mais aprofundado da vida das crianças trabalhadoras. Para
ampliar e enriquecer a discussão, o professor Haroldo le-
vou dois livros que tratam da vida das crianças no mundo
e no Brasil: Crianças como você (Unicef/Ática) e Serafina e
as crianças que trabalham (Ática).
O estudo do tema
Os livros geraram muitas discussões. A turma se dividiu
em grupos; cada grupo escolheu um texto a respeito de
um país, para depois apresentar o que aprendesse aos
outros grupos. O livro Serafina e as crianças que trabalham
foi dividido em capítulos; cada grupo estudou a situação
de uma criança trabalhadora de uma região do Brasil.
Depois do estudo, os grupos apresentaram as his-
tórias que haviam lido nos livros em forma de teatro,
de teatro de bonecos e com cartazes.
Ao final da apresentação dos trabalhos dos gru-
pos, ficou evidente a tomada de consciência de que
nem todas as crianças têm condições de estudar e de
viver uma infância sadia. Muitos alunos citaram exem-
plos de crianças de sua cidade, São Félix do Araguaia,
que trabalham e por isso não estudam.
Trabalho de campo
O professor aproveitou a situação para propor a se-
guinte questão:
67
A organização do projetoPrograma 2
66
O trabalho com projetos não se restringe ao estu-
do de um tema: o ponto central é a resolução de pro-
blemas. Os problemas, ou a temática, podem surgir
do professor, do grupo de alunos ou do próprio con-
texto social. O importante é garantir que essa temática
se transforme em uma questão para a turma, e isso
depende basicamente do professor.
Na experiência relatada, o professor Haroldo fez
a proposta, organizou o debate, apresentou material
e organizou o estudo. Seu papel foi fundamental para
o sucesso do trabalho. Mas sua intervenção não di-
minuiu a participação dos alunos. Eles opinaram, to-
maram decisões, planejaram o trabalho e influíram no
processo.
O relato torna evidente que o fato de o profes-
sor ter feito a proposta não impediu que os alunos
também se sentissem responsáveis pelo projeto.
Eles encontraram uma questão significativa para
pesquisar, e toda a turma se envolveu na definição
dos objetivos, no planejamento das estratégias, no
desenvolvimento da pesquisa e no processo de
avaliação.
Momentos de trabalho
Para a organização e o desenvolvimento de projetos,
são fundamentais três momentos:
Problematização. É o ponto de partida, o momento
detonador do projeto, a partir do qual o grupo levan-
ta questões significativas para investigar. Sem essas
questões, não há como falar em projeto.
É importante salientar que problematizar é mais
do que fazer uma lista de perguntas sobre um tema.
É necessário que haja um fio condutor para o gru-
po seguir. Aqui, mais uma vez, o papel do profes-
sor é fundamental. Foi a intervenção do professor
Haroldo – propondo o debate, levando os livros,
o texto nas páginas de seu livro. Optaram por uma
organização mais próxima do livro Crianças como
você, colocando em cada página a foto da criança
entrevistada e os dados a seu respeito. Cada grupo
organizou uma página.
O material produzido – vídeo e livro – foi divul-
gado para a escola. Assim, os alunos puderam socia-
lizar com as outras turmas e com os pais tudo que
haviam aprendido nessa pesquisa. Rhana, uma das
alunas, comentou:
Eu achei legal, porque aprendi que as pessoas têm
vidas diferentes. Assim: umas têm casa de palha, ou-
tras têm de tijolo; uns comem bem, outros comem
mal; uns comem peixe porque o pai vive na beira
do rio. E educação, tem uns que estudam, outros não.
Eu achei legal porque eu descobri tudo isso.
Também por iniciativa da turma, foi organizada
uma campanha para levar de volta à escola as crian-
ças trabalhadoras de São Félix.
O projeto se desenrolou desde o primeiro semes-
tre de 1997 até parte do segundo semestre. Mas a cam-
panha e a mobilização dos alunos continuou, mesmo
depois do término desse trabalho.
As lições da experiência
Experiências como a do professor Haroldo com sua
turma dão margem à reflexão acerca de vários aspec-
tos da organização de projetos com os alunos.
Em primeiro lugar: como um projeto surge den-
tro da sala de aula? Trata-se de um assunto polêmico
entre os educadores. Alguns acham que o tema deve
partir do interesse dos alunos, enquanto outros acre-
ditam que o professor deve propô-lo. Essa polêmica
não leva em conta que a principal característica do
trabalho com projetos não é a origem do tema, mas
sim o tratamento que se dá a ele.
69
A organização do projetoPrograma 2
68
Esse processo de organização e desenvolvimento
do projeto pode ser representado assim:
É importante salientar que esse quadro esquemático não
pode enrijecer o projeto. Cada etapa é um momento do
processo, encadeado com o seguinte; não se trata de uma
série de etapas estanques.
O processo de síntese, por exemplo, deve perpas-
sar os momentos de problematização e desenvolvi-
mento, não se restringindo ao final do projeto.
Seguindo o exemplo da experiência relatada, a or-
ganização do projeto deve ser flexível e responder às
demandas do trabalho, mantendo-se aberta a ajustes.
Novas aprendizagens
ao longo do proceso
Conceitos, procedimentos
e atitudes
Questões esclarecedoras
Novos problemas
SÍNTESE
Realização do projeto
Entrevistas
Debates
Pesquisas
Estratégias para res-
ponder às questões
DESENVOLVIMENTO
Organização do projeto
Conhecimentos prévios
Questões significativas
Detonador
PROBLEMATIZAÇÃO
Avaliação do projeto
instigando a discussão – que possibilitou essa
problematização.
Desenvolvimento. Nessa fase são criadas as estraté-
gias para buscar respostas às questões formuladas
pelo grupo. Como se observa no relato, os alunos fo-
ram se defrontando com vários pontos de vista, de-
senvolvendo habilidades e atitudes e aprendendo a
aprender.
Para compreender melhor a realidade das
crianças trabalhadoras, eles desenvolveram uma
série de ações: pesquisaram em livros; saíram a
campo, entrevistando crianças e adultos; tiraram fo-
tografias; falaram diante de uma câmara; organiza-
ram debates e exposições. Não se limitaram à sala
de aula: o espaço da rua também se tornou espaço
de aprendizagem.
Síntese. Durante a execução de um projeto, as con-
vicções iniciais vão sendo ampliadas e novas
aprendizagens vão sendo construídas. Os alunos
do professor Haroldo puderam construir novos
conceitos, adotar novos procedimentos e novas ati-
tudes, tornando-se mais curiosos e questionadores.
Entre outras coisas, aprenderam a fazer pesquisa,
entrevistar pessoas, falar em público, organizar um
livro, ler mapas e calcular distâncias. Complemen-
tando tudo, passaram a respeitar mais as diferen-
ças entre as pessoas e entre os grupos, ampliando
sua compreensão de mundo.
O processo de avaliação acompanhou todo o pro-
jeto e ganhou formas variadas: produção de poemas
para o livro, organização das idéias em forma de es-
quema, debates, defesa de pontos de vista e auto-ava-
liação. O professor Haroldo não precisou criar situa-
ções artificiais de avaliação. Dentro do próprio pro-
jeto, pôde avaliar o processo de formação de seus
alunos e criar situações específicas propícias.
71
Programa 3
70
utra série de questões trazida pela professora
Lúcia diz respeito ao lugar das disciplinas aca-
dêmicas dentro dos projetos:
Todas as áreas de conhecimento devem aparecer em
um projeto? Ou deve ser feito um projeto para cada
área? Trabalho os conteúdos em outro momento?
Como sistematizar os conteúdos das áreas?
Para ajudar a esclarecer essas questões, é útil
conhecer a experiência da escola Balão Vermelho,
uma escola particular de Belo Horizonte.
A experiência vividaA experiência vivida
A experiência vividaA experiência vivida
A experiência vivida
Uma turma de 3
a
série da escola Balão Vermelho, com
28 alunos, desenvolveu em 1996, juntamente com a pro-
fessora Vera, um projeto sobre o espaço e o cotidiano
da escola. Alguns dos temas colocados que serviram de
eixo para o projeto:
Quantos alunos? Quantos professores? Quantas pes-
soas em cargos administrativos? Como funciona a
comunicação entre todos? E como é utilizado o es-
paço físico?
Para ajudar a pensar no espaço escolar, a professora
propôs a construção de uma maquete da sala de aula.
Que tal construir uma maquete representando nossa
sala de aula para a exposição de fim de ano?
OO
OO
O
APRENDIZAGEM DE
CONTEÚDOS ACADÊMICOS
O uso do tempo e do espaço, bem como a organiza-
ção do grupo, são partes integrantes do projeto.
A palavra do professor Haroldo
Quando eu comecei a desenvolver esse projeto estava cheio
de dúvidas, principalmente em relação à condução do pro-
cesso. E ficava pensando que, se levasse minhas dúvidas para a
sala, estaria sendo autoritário. Tinha a idéia equivocada de que
tudo deveria partir dos alunos. Uma discussão com colegas de
trabalho me mostrou a importância de nós, professores, atuar-
mos no processo. Hoje, tenho clareza de que o projeto aconte-
ceu com êxito porque eu assumi a coordenação do trabalho, sem
que isso significasse a imposição de uma única lógica, ou a anu-
lação do papel dos alunos.
Também vejo que, com esse projeto, eu ousei mais, eu tive
condições de sair mais da sala de aula, de interagir melhor com
a comunidade. E um dos fatores que ajudou foi o fato de ter
clareza de minhas intenções, de meus objetivos. Essa clareza,
no entanto, não significou rigidez. Tive que, em vários momen-
tos, ser flexível e modificar meu planejamento inicial.
Durante todo o tempo, o projeto contou com a partici-
pação dos alunos como autores, e não como meros execu-
tores. Constatei que o projeto me permitiu fazer um traba-
lho mais integrado  as crianças aprenderam Português,
Matemática, Ciências Sociais e, ao mesmo tempo, aprende-
ram a respeitar e a acolher as diferenças, graças ao contato
com a pluralidade cultural. Meus alunos ampliaram sua re-
presentação de mundo, aprenderam a conviver e a compre-
ender melhor o mundo em que vivem, utilizando, para isso,
tanto sua própria experiência cultural como os conteúdos
das áreas de conhecimento.
Pude perceber também que as crianças se tornaram
mais sensíveis às questões sociais da cidade e do país e
mais conscientes da realidade brasileira; começaram a
pensar em formas de atuação para intervir nessa reali-
dade. Depois desse projeto, o grupo ficou mais
conectado com seu entorno, exercendo realmente sua
cidadania. Tal atitude se estendeu para outras situações fora
da escola e foi percebida inclusive pelos pais.
73
Aprendizagem de conteúdos acadêmicosPrograma 3
72
Vocês não querem fazer uma nova maquete, que seja
uma miniatura real de nossa sala, para a exposição? O
que seria preciso para construir uma maquete assim?
A partir dessa questão se desenvolveu uma conver-
sa muito rica. Os alunos constataram que seria preciso
medir tudo, olhar bem a posição de cada objeto e até
contar os azulejos das paredes. Discutiram a necessida-
de de reduzir as medidas, planejando como fariam isso
– que instrumentos utilizar e como utilizá-los. Com a
situação já problematizada pelos alunos, Vera explicou:
Para começar o novo projeto e construir uma maquete
do jeito que combinamos, vocês vão precisar apren-
der alguns novos conteúdos. Vão estudar medidas de
comprimento e perímetro, aprender a escrever e a
operar com números decimais, saber o que são múlti-
plos e submúltiplos, aprender a reduzir as medidas,
entender uma escala e trabalhar com ela.
Os alunos desenvolveram o trabalho, utilizando
metro, trena e outros instrumentos de medir. Essa ativi-
dade encaminhou para a pesquisa da função de pedrei-
ros, arquitetos e construtores e para o estabelecimento
de relações entre a construção da maquete e o conheci-
mento sociocultural já adquirido pelos alunos a respei-
to do trabalho de construção e da função de medir.
O projeto se desenrolou durante dois meses, mas a
aprendizagem dos conteúdos matemáticos correlacionados
não ficou por aí. O estudo da sistematização da escrita de
números decimais, bem como a solução de situações-pro-
blema para aprofundar a compreensão das operações com
decimais, prosseguiu até o final do ano.
O trabalho com escala
Um dos conhecimentos novos requerido pela realização
da maquete era saber o que é escala e como trabalhar
com ela. A professora organizou uma série de ativida-
des para o estudo sistematizado desse conteúdo.
Sentindo-se desafiada pela proposta, a classe se or-
ganizou em grupos e logo se empenhou no trabalho.
O projeto caminhou bem, com o envolvimento de
todos, durante cerca de quatro semanas.
Avaliação das maquetes
No dia da análise dos trabalhos, todos os grupos exibi-
ram boas maquetes, mostrando que haviam respeitado a
forma, a quantidade e a posição dos objetos. A professo-
ra ficou atenta a aspectos que os alunos não haviam ob-
servado e, a partir disso, foi fazendo perguntas acerca da
proporção dos objetos entre si e em relação às paredes,
bem como em relação aos ângulos e aos alinhamentos.
Os alunos fizeram também sua avaliação e, depois,
a professora discutiu os resultados com a classe.
Olhem agora para a porta. É mais alta ou mais baixa do
que o quadro? Ela vai até perto do teto? Vejam se está
mais no meio ou no canto da parede. Agora, vamos fazer
uma votação: em qual maquete a porta ficou mais pare-
cida com a da nossa sala?
A professora prosseguiu a análise, levando os alu-
nos a observar a proporção e o alinhamento das ja-
nelas, da mesa, do armário e das carteiras, em rela-
ção às paredes e entre os próprios objetos. Sob cada
aspecto, variava o grupo vencedor da votação, até a
professora intervir:
Estou achando difícil saber qual destas maquetes se-
ria o retrato mais real de nossa sala. Vocês acham que
é possível construir maquetes que sejam realmente um
‘retrato’ daquilo que queremos representar?
As crianças acharam que seria possível. Algumas
já tinham visto uma maquete profissional; descreve-
ram detalhes para o grupo e combinaram a ida a um
shopping da cidade, no final de semana, para obser-
var uma maquete que estava em exibição. Na primei-
ra aula da semana seguinte Vera propôs:
75
Aprendizagem de conteúdos acadêmicosPrograma 3
74
mural etc. Trabalharam com entusiasmo, e a escala foi
uma ferramenta importante para construir a maquete.
Até os desenhos e textos que estavam no mural da
sala foram reproduzidos com suas medidas reduzidas,
na proporção correta.
As lições da experiência
No desenvolvimento de um projeto, a execução das ta-
refas e a busca de solução para as situações-problema
põem em destaque aquilo que os alunos sabem e reve-
lam o que eles precisam aprender para realizar o traba-
lho. No início do projeto da turma de Vera, por exem-
plo, ela observou que os alunos sabiam lidar com for-
mas e posições, mas não estavam levando em conta a
proporção e a relação espacial entre os objetos.
Em qualquer projeto, as observações do professor
geram intervenções que contribuem para ampliar as
situações de aprendizagem.
Ao fazer essa constatação, ela viu que precisaria in-
tervir: analisou as maquetes e encaminhou o olhar dos
alunos para esses aspectos, propondo a nova maquete.
Módulos de aprendizagem
Quando Vera explicou aos alunos que, para fazer a
segunda maquete, precisariam absorver alguns conhe-
cimentos matemáticos que ainda não dominavam, sua
intenção era mostrar que o estudo seria indispensá-
vel para desenvolverem seu projeto e, assim,
mobilizá-los para a necessidade de aprofundar seus
conhecimentos. Ao planejar essa parte do trabalho, a
professora organizou o módulo de aprendizagem re-
ferente a escala.
Mas, o que são módulos de aprendizagem?
São como parênteses’ que podemos ir abrindo ao
Vera levou para a sala de aula um atlas geográfi-
co, gráficos e mapas de Belo Horizonte. Organizou a
turma em grupos e distribuiu o material, para que
procurassem a palavra ‘Escala’ e tentassem descobrir
o que era. Em seguida, fizeram uma roda para discu-
tir as conclusões de cada um. As crianças repararam
que a escala aparecia em todos os mapas, marcando
o tamanho do mapa, ou o tanto que havia encolhi-
do. Logo concluíram que os mapas jamais poderiam
ser de tamanho natural.
Conversaram bastante a respeito da função das es-
calas, do uso dela pelos geógrafos e de seu papel tanto
na redução quanto na ampliação das medidas. O assun-
to se estendeu para a função dos microscópios, para co-
mentários acerca de gravuras e filmes de insetos, enfim,
foram ampliando os conhecimentos acerca dos usos e
das funções da escala.
Após promover a socialização desses novos con-
ceitos, a professora resolveu conversar a respeito de
um gráfico que haviam construído anteriormente, para
representar a população da escola. Haviam construído
o gráfico em papel quadriculado, colorindo 1
quadradinho para cada grupo de 10 alunos. Ela mos-
trou como haviam então utilizado a proporção 1 para
10, e escreveu no quadro: 1:10.
O assunto continuou em pauta, com atividades va-
riadas. Trabalharam com ampliação e redução de figu-
ras simples em papel quadriculado, viram plantas de
casas, entrevistaram um arquiteto e leram vários tipos
de gráfico. Assim, aprofundaram o estudo de escala e de
seu uso com medidas de comprimento.
Para continuar o projeto da maquete, precisavam
medir a sala. Mas, então, já lidavam mais facilmente
com a noção de escala. A classe inteira fez uma só
maquete; cada grupo se encarregou de uma parte.
Alguns mediram e construíram as paredes, outros fa-
bricaram carteiras, mesa, armários, estantes, lixeira,
77
Aprendizagem de conteúdos acadêmicosPrograma 3
76
eles são instrumentos culturais valiosos e necessários
para a formação dos alunos.
Dessa forma, os projetos geram a necessidade de
aprendizagem de novos conteúdos que, a partir da
análise do professor em relação ao processo da tur-
ma, podem ser aprofundados e sistematizados em
módulos de aprendizagem. Esses conteúdos, por sua
vez, vão ampliando as possibilidades de compreen-
são e de intervenção dos alunos em outras situações
educativas, dentro e fora da escola.
A palavra da professora Vera
Sempre fiquei muito preocupada com a sistematização de con-
teúdos e tinha medo que os projetos acabassem por prejudicar
a qualidade do ensino. O projeto de maquete me mostrou o
contrário. A partir desse projeto, pude trabalhar vários conteú-
dos matemáticos de forma significativa.
Meus alunos compreenderam bem o conceito de escala (um
conteúdo teoricamente difícil para essa faixa etária), bem como
sua função social. Percebi que as áreas de conhecimento que
aparecem no projeto são as necessárias para resolver as ques-
tões propostas pelo grupo; por essa razão, não há como deter-
minar que em cada projeto precisam aparecer todas as áreas,
ou que se deve ter um projeto para cada área de conhecimento.
Essa definição vai depender da natureza do projeto.
O fato de trabalhar os conteúdos das áreas a partir de
projetos não dispensa o professor de ter clareza acerca de suas
intenções educativas, ou de ter parâmetros para nortear suas
escolhas. O que mudou, em meu modo de ver, foi a postura
que passei a ter diante desses objetivos. Hoje, não enxergo
meus objetivos como pontos terminais de um processo que,
ao cabo de dois meses, todos deverão alcançar. Sei que são
como um fio condutor de meu trabalho, dando parâmetros para
minha prática.
Percebi que, com os projetos, os alunos não entraram
em contato com os conteúdos das áreas a partir de concei-
tos abstratos e de modo teórico. Isso fez com que a apren-
dizagem fosse mais significativa e duradoura.
longo do percurso de qualquer projeto. São espaços pri-
vilegiados de aprendizagem, porque permitem ao pro-
fessor trabalhar os conteúdos das disciplinas dentro de
um contexto que lhes dê sentido.
O relato acima, comentando o módulo “O traba-
lho com escala, mostra como ele representou um
mergulho no conteúdo escolhido. Para que os alunos
se apropriem de fato do novo conhecimento, o pro-
fessor precisa planejar intervenções objetivas, como
foi feito por Vera que:
provocou o contato dos alunos com variados
contextos em que se usa escala;
orientou a leitura de diversos gráficos analisan-
do a escala;
retomou o trabalho feito pelo grupo, para que
assumissem um novo olhar;
pediu a leitura da escala nas plantas apresenta-
das pelo arquiteto;
propôs ampliações e reduções em papel quadri-
culado.
O trabalho da professora Vera mostra que não basta
os alunos depararem com um determinado conteúdo
em um projeto para garantir a aprendizagem desse
conteúdo.
A intervenção do professor, criando situações e inter-
vindo no processo, é fundamental para uma aprendi-
zagem significativa.
A experiência revela também que, ao contrário do
que muitos educadores julgam, o trabalho com pro-
jetos não significa o fim das áreas de conhecimento,
ou a desqualificação delas. Na verdade, ocorre o rom-
pimento com uma concepção de neutralidade’ de de-
terminados conteúdos, graças à compreensão de que
79
Conhecimento social e processo individualPrograma 4
78
Ao retomar as aulas no segundo semestre, Mércia, a
professora de Artes, percebeu que o Bumba-meu-boi ain-
da instigava algumas crianças. Em uma oficina de argila,
muitos alunos quiseram moldar o Boi, enquanto os cole-
gas optavam pela modelagem de outros objetos – telefo-
ne celular, computador, carro, boneco, xícara, cinzeiro etc.
Ao observar o interesse por essa representação e
percebendo o uso restrito que as crianças faziam do
barro, Mércia imaginou que o contato com produções
artísticas de outras pessoas poderia trazer novos ele-
mentos para as reflexões e as produções do grupo.
Constatação da diversidade
Ao planejar suas aulas, Mércia reservou um tempo
para projetar imagens relativas ao Bumba-meu-boi e
para conversar com a classe a respeito do tema; além
disso, manteve programado um tempo de oficina, para
dar continuidade aos trabalhos de criação pessoal.
Na primeira roda que organizou, ela projetou
imagens do Bumba-meu-boi feitas por dois artistas:
Luiz Antônio, de Pernambuco, e Nhozim, do Maranhão.
Para desencadear os comentários, projetou as
duas imagens simultaneamente, sem falar do que se
tratava. Na primeira, reconheceram imediatamente
uma cena de Bumba-meu-boi. Em relação à segunda,
as crianças perguntaram:
Foi a mesma pessoa quem fez?
Mércia devolveu: O que vocês acham? A partir daí,
os palpites se multiplicaram:
Eu acho que não, porque um usou fita, o outro não.
Eu acho que não, porque um é pequeno e o outro
é grande.
Eu acho que é, porque tem as mesmas cores.
Eu acho que não, porque um é o Bumba e o outro não.
professora Lúcia levantou também algumas
questões a respeito do processo individual dos
alunos dentro dos projetos:
Como relacionar o conhecimento social com o tra-
balho individual dos alunos?
Como trabalhar com a cultura do aluno sem cair
em uma prática vazia de conteúdo?
Como possibilitar que os alunos reflitam sobre te-
mas transversais, como o da pluralidade cultural
presente em nossa realidade?
Mais uma vez, vamos nos apoiar no relato de uma
experiência para refletir sobre essas questões.
A experiência vivida
O projeto Arte Popular Brasileira” foi desenvolvido
com um grupo de crianças da 2
a
série do Centro Edu-
cacional Leonardo da Vinci, em Lagoa Santa, uma ci-
dade do interior de Minas Gerais.
No primeiro semestre, o grupo havia conversado a
respeito do Bumba-meu-boi, na aula de Artes; as crianças
conheciam a representação em barro dessa festa folclóri-
ca e se preparavam para uma encenação em uma festa da
escola. Mesmo conhecendo o enredo, queriam saber em
quais outros lugares havia essa tradição, a forma como
era encenado, por que os artistas repetiam’ a festa no
barro, por que nem todos personagens são gente etc.
AA
AA
A
CONHECIMENTO SOCIAL
E PROCESSO INDIVIDUAL
81
Conhecimento social e processo individualPrograma 4
80
por que representavam em outra linguagem elemen-
tos de sua vida cotidiana?
Embora fosse uma pergunta difícil de responder, ela
contribuiria para colocar em evidência um dos elementos
da arte popular: o talento do artista em captar cenas do dia-
a-dia de um povo e transpô-las, como expressão viva e
criativa, para o barro, o tecido, a madeira etc.
Para encaminhar a observação desse aspecto da
arte popular, Mércia propôs a organização de grupos
temáticos ligados a aspectos do cotidiano: profissão,
dia-a-dia, festas, brincadeiras etc. Fariam isso tanto
em relação às obras de artistas quanto em seus pró-
prios trabalhos, produzidos nas oficinas de Artes.
No desenvolvimento dessa proposta, a professo-
ra procurou também discutir as relações entre o ar-
tista popular e seu cotidiano, a partir da observação
de obras de arte popular:
Os artistas populares retratam cenas de seu cotidiano.
Vocês reconhecem as situações retratadas nessas obras?
Como são essas cenas aqui na cidade? Se vocês fossem
retratar cenas que acontecem na praça Dr. Lund [uma
praça da cidade], o que produziriam? Como seria retra-
tada a cena de lavar a roupa da casa de vocês?
A partir das reflexões a respeito de diferentes rea-
lidades, o grupo foi se organizando para produzir tra-
balhos artísticos que expressassem seu cotidiano. E
passaram a escolher, entre os diversos materiais dis-
poníveis na oficina, os mais adequados a seu projeto
de criação.
Para aproximar ainda mais a idéia de arte popular,
Mércia fez a leitura de textos que retratavam o cotidia-
no de artistas do vale do Jequitinhonha (MG) e do Alto
do Moura (PE), chamando a atenção para o fato de
aquelas representações plásticas revelarem a realidade
do povo, em diversos aspectos culturais e regionais.
O que se pôde perceber, no final do projeto, foi
Eu acho que é, porque é de barro.
Mércia foi fazendo comentários, procurando desper-
tar a atenção das crianças em relação ao uso dos
materiais:
O que mostra que o trabalho não é da mesma pessoa
é o material que ele usou? Em nossa oficina de argila,
o que você usou para fazer o celular? E o Henrique
para fazer o carro? Não foi o mesmo material? Você
tem certeza que os dois são de barro? Se você não ti-
vesse visto a miniatura do Bumba que eu trouxe, dava
para saber de que material era, só olhando a imagem?
De que outro material poderia ser feito?
Quando souberam que as duas imagens eram do
Bumba, as crianças duvidaram e começaram a fazer
comparações. Também ficaram em dúvida quanto ao
uso do barro na produção de Nhozim. Essas questões
levantaram a necessidade de conferir as informações,
lendo as legendas.
Após a leitura das legendas, constataram que um
Bumba era do Maranhão, e o outro de Pernambuco – esta
era uma das razões de os estilos serem distintos. Mércia
orientou a observação dos alunos para outras caracterís-
ticas. A diversidade dos materiais utilizados por Nhozim
chamou a atenção do grupo, que elaborou então uma lis-
ta de materiais que poderiam usar nas aulas de Artes.
A escolha dos temas
A partir do momento em que se viram diante de um
leque de possibilidades de uso de materiais, as crian-
ças começaram a rejeitar o uso restrito do barro, bus-
cando alternativas para suas produções pessoais.
Mércia estava satisfeita, pois percebeu que levara
os alunos a ampliar o uso de materiais em suas pro-
duções. Mas ainda não trabalhara uma questão tam-
bém levantada no semestre anterior: por que os ar-
tistas repetiam cenas do dia-a-dia no barro? Ou seja,
83
Conhecimento social e processo individualPrograma 4
82
peito do sujeito criador, tanto na perspectiva do ar-
tista profissional como na perspectiva delas próprias,
como aprendizes.
Não houve uma reprodução passiva do conheci-
mento, uma cópia dos trabalhos analisados. Ocorreu
de fato uma mudança de atitude dos alunos diante de
seu próprio fazer artístico.
A seriedade com que encaravam suas produções
– fazendo escolhas, tomando decisões e relacionan-
do as informações recolhidas com o que procuravam
desenvolver nas oficinas – revela um movimento au-
tônomo e ousado de criação.
Na perspectiva do trabalho com projetos, a aquisição
da cultura acumulada socialmente não se dá a partir
de um movimento de substituição ou justaposição.
É sempre um processo de reconstrução, no qual a
função do professor consiste em possibilitar a cria-
ção de um campo de compreensão comum na sala de
aula e em apresentar instrumentos para ampliar esse
espaço de conhecimento partilhado.
A professora Mércia conseguiu promover uma ex-
periência de aprendizagem com sentido para seus
alunos porque foi capaz de observar e analisar o de-
sempenho e a atitude deles na oficina de Artes e in-
tervir para ampliar esse olhar, fornecendo novos ele-
mentos para que desenvolvessem a compreensão.
O projeto não se restringiu a dar um modelo
pronto para ser copiado, nem se limitou a uma série
de oficinas de argila e barro. Os alunos lidaram com
a questão da diversidade cultural, entenderam melhor
o cotidiano das pessoas de várias regiões brasileiras
e aprenderam a utilizar novas técnicas e novos mate-
riais em suas produções.
Tudo isso transcorreu dentro de um contexto com
significado, sem ser de forma fragmentada ou artifi-
que as crianças ampliaram suas possibilidades de
criação nas oficinas de Artes. Passaram a utilizar uma
série de recursos – panos, serragem, tintas naturais,
papéis, vidrilhos –, e não só o barro. Construíram um
sentido maior para seu trabalho, que não mais se li-
mitou a confeccionar objetos amassando barro, mas
passou a procurar retratar, por meio da arte, aspectos
da vida cotidiana.
As lições da experiência
Na experiência da escola Leonardo Da Vinci há ele-
mentos que levam a refletir como, em um projeto,
se entrelaçam o conhecimento social e o processo
individual dos alunos. O trabalho com projetos
permite estabelecer o contato dos alunos com o
conhecimento acumulado pela humanidade ao
longo dos séculos. No contato com esse conheci-
mento, no entanto, não pode ocorrer uma postura
passiva: é indispensável que seja criado um espa-
ço de diálogo com a cultura acumulada.
A relação estabelecida entre as produções artísticas
das crianças e a produção social da arte, por exemplo,
foi fundamental. Mas não teria o mesmo sentido se a
experiência transcorresse fora do contexto, sem que as
crianças pudessem articular esse conhecimento com
suas representações da arte popular.
Considerar a escola como espaço cultural significa
criar possibilidades para que o aluno participe, de
forma crítica, da reelaboração pessoal da cultura acu-
mulada pela humanidade.
Na experiência relatada, o contato com produções
de artistas populares reconhecidos nacionalmente
possibilitou às crianças ampliar seu repertório de ma-
teriais e desenvolver sua capacidade de refletir a res-
85
Programa 5
84
professora Lúcia também se preocupa com al-
gumas questões relacionadas com o envolvi-
mento coletivo da escola e com as mudanças que
isso acarreta:
Como envolver todos os alunos no trabalho? E se al-
gum não se interessar, como fazer? Qual o papel do
grupo de professores no projeto? Ocorre alguma mo-
dificação no uso do tempo e do espaço escolar?
Da experiência com o Festival de Folclore em uma
escola pública podemos retirar alguns elementos que
contribuem para essa reflexão.
A experiência vivida
A escola municipal da Vila Pinho, em Belo Horizonte, aten-
de cerca de mil crianças e jovens de camadas populares,
na periferia da cidade. No último ano realizaram o 2
o
Fes-
tival de Folclore.
Na escola da Vila Pinho, o folclore não é visto apenas
como uma data comemorativa. Mais que um conteúdo abs-
trato ou distante, o folclore é encarado como um saber vivo,
presente nos rituais, nas danças, na linguagem, nas expres-
sões, nas brincadeiras e nos costumes alimentares. Repre-
senta também o saber, passado de geração em geração, que
dá identidade ao grupo social.
Estudar o folclore, na escola, é estudar os costumes e
as tradições presentes na vida cotidiana dos alunos. O 2
o
AA
AA
A
O TEMPO
E O ESPAÇO NA ESCOLA
cial. O fazer e o compreender se integraram a um só
processo, no qual a ação e a reflexão se deram de for-
ma orgânica. O individual e o coletivo se
complementaram e puderam dar vida e criatividade
ao processo. Houve uma real interação entre a cultu-
ra acumulada socialmente, a cultura dos alunos e a
cultura presente no cotidiano dos diversos grupos
sociais.
O trabalho com projetos traz, como um de seus ele-
mentos centrais, a incorporação da pluralidade de
conhecimentos presente na dinâmica social, transfor-
mando a escola em espaço de vivências culturais re-
ais e significativas.
A palavra da professora Mércia
Quando iniciei esse projeto, não havia me dado conta de
sua riqueza e de sua amplitude. Eu estava pensando em
um trabalho mais restrito, lidando apenas com o uso de
materiais. Foi a partir da observação do que estava acon-
tecendo que me dei conta da necessidade de ampliar a
representação dos alunos a respeito de arte popular.
Fui então aprendendo a observar, a interpretar o pro-
cesso vivido e a tomar decisões. Isso foi fundamental para
que o projeto ganhasse uma dimensão mais aprofundada,
além da simples constatação de semelhanças e diferenças
entre obras artísticas.
Também observei que, ao ter maior clareza da relação
entre a cultura social e o processo individual dos alunos,
permiti que eles se tornassem mais atentos, mais capazes
de observar, aceitar e compreender as diferenças. E essas
competências se estenderam para outros aspectos de sua
vida escolar e extra-escolar.
Com esse projeto, percebi que trabalhar a cultura social-
mente acumulada é mais que apresentá-la aos alunos: é
criar um campo de significado compartilhado entre essa
cultura e a cultura individual dos alunos.
87
O tempo e o espaço na escolaPrograma 5
86
alunos em parceiros de trabalho. Foi um espaço de
troca, de socialização e de encontro e motivou um
intenso processo de organização coletiva.
Os professores de cada ciclo precisaram se reunir,
tomando em conjunto as decisões e fazendo os enca-
minhamentos. A organização requereu também o
reagrupamento de alunos de modo que, em vários
momentos, alunos de turmas diferentes se encontraram
e trabalharam juntos. Os professores se transformaram
em costureiros, os pais ajudaram a organizar o cenário,
os alunos maiores cuidaram das fantasias dos menores.
Logo após o festival, as paredes e os murais da es-
cola se transformaram em espaços públicos, nos quais
os alunos de todos os ciclos colocaram suas avaliações,
fixaram fotografias e depoimentos de pais, de alunos e
de professores sobre a experiência vivida.
As lições da experiência
A experiência de alunos e professores na Vila Pinho
contribuiu para a compreensão da relação entre os
projetos e a vida coletiva da escola.
O tempo dentro das escolas em geral é organiza-
do de forma fragmentada: séries, bimestres, ativida-
des em salas específicas, tempo de brincar etc.
Os espaços, por sua vez, também são configura-
dos de maneira fragmentada: cada turma em sua sala
e cada espaço com uma função. No espaço de Educa-
ção Física se mexe com o corpo; no espaço de sala de
aula se ‘mexe’ com a cabeça; o espaço do pátio é para
brincar e o da sala é para estudar.
O trabalho com projetos leva a repensar o uso do
tempo e do espaço na escola.
A escola da Vila Pinho reorganizou seu tempo e
seus espaços, ora mesclando turmas, ora usando o
Festival de Folclore da Escola Municipal Vila Pinho repre-
sentou um momento no qual toda a escola pôde sociali-
zar suas descobertas, suas experiências e seus projetos.
Na escola há três ciclos de formação, cada um com
a duração de três anos e abrigando em média doze
turmas; um coletivo de professores trabalha em cada
ciclo. Cada ciclo selecionou alguns projetos que já es-
tavam em andamento e que, de alguma forma, envol-
viam as tradições folclóricas. O Festival representou
um momento de culminância desses projetos.
As atribuições de cada ciclo
O 1
o
ciclo prepararia uma apresentação, a partir do
projeto que estava sendo desenvolvido com brinca-
deiras em torno de histórias, cantigas, danças e ou-
tras atividades lúdicas populares. Algumas dessas ati-
vidades já faziam parte da experiência das crianças,
dentro e fora de sala de aula; outras foram sendo in-
corporadas ao longo do processo.
No 2
o
ciclo se desenrolavam dois projetos que trariam
boas contribuições para o festival: “Os índios” e “Os
afrodescendentes. Ao programar sua participação, o 2
o
Ci-
clo optou por apresentar números que refletissem a influ-
ência das diferentes etnias na vida cultural brasileira.
O 3
o
ciclo vinha desenvolvendo uma pesquisa
sobre as regiões do Brasil e decidiu fazer no Festival
Folclórico uma apresentação ligada à questão da
pluralidade cultural do país.
Ao trabalhar em seus projetos, os alunos dos três ci-
clos pesquisaram, fizeram entrevistas com os pais, ouviram
e registraram relatos de alunos, realizaram visitas a grupos
folclóricos e a rezadeiras do bairro. Envolvendo a comuni-
dade local, convidaram contadores de história para se apre-
sentar na escola e artesãos para realizar oficinas com os
alunos, além de entrevistar grupos de rap do bairro.
O Festival de Folclore deu vida nova à escola,
transformou alunos em companheiros, professores e
89
O tempo e o espaço na escolaPrograma 5
88
lação ao processo de aprendizagem. Eles se envolveram
mais e ampliaram seu interesse ao encontrar um senti-
do para seu estudo.
Nesse projeto, cada um deles foi educando e educa-
dor, informante e pesquisador. Assim, se estabeleceram
como sujeitos pertencentes a um grupo e, como tal, de-
senvolveram sua perspectiva de se tornar autônomos e
responsáveis, características tão desejáveis em nossos
objetivos educacionais.
Os professores da escola de Vila Pinho tiveram a opor-
tunidade de repensar seu papel e de avançar na cons-
trução de uma proposta coletiva de educação.
Rompendo com a tradição individualista de traba-
lho docente, na qual cada professor se responsabili-
za pela educação de uma determinada turma, os pro-
fessores se organizaram em coletivos e passaram a
trabalhar em grupo.
O trabalho deixou de ser individual e solitário. A
cooperação e a interação substituíram o isolamento
e a competição. Ao trabalhar em grupo, esses profes-
sores trocaram experiências, aprenderam com os co-
legas, dividiram dúvidas e partilharam inquietações.
Descobriram-se aprendizes e pesquisadores. Ao viver
tal experiência, perceberam a riqueza desse tipo de
trabalho e descobriram que é possível, na prática,
construir um projeto coletivo de educação.
Os pais têm o que dizer na escola
A experiência da Vila Pinho mostra que os pais tam-
bém podem ser parceiros da experiência escolar. Dei-
xando o lugar de meros espectadores, os pais se co-
locaram como informantes privilegiados, como deten-
tores de um saber que tem importância e valor para a
escola.
pátio como espaço de estudo ou a sala de aula como
espaço para brincadeiras.
Com o Festival do Folclore, os alunos tiveram um
envolvimento significativo em um projeto coletivo que
recriou os espaços, transformou o tempo e abriu a esco-
la para a participação da comunidade. E esse espaço
passou a ser visto como espaço coletivo, pertencente a
todos, que passaram a se sentir responsáveis por ele.
Os portões abertos, o encontro de alunos de várias
turmas e os ensaios para o festival não tiveram a caracte-
rística de um tempo fora do cotidiano, ou de atividades
extracurriculares, nem de espaço para bagunça. O que a
Escola Vila Pinho viveu foi um rico e intenso processo de
produção e organização coletivas da experiência escolar.
Os alunos como sujeitos do processo
É interessante observar que a experiência da Vila Pi-
nho transformou professores e alunos em parceiros
de trabalho. Os alunos deixaram de ter um papel pas-
sivo na escola. Sugeriram encaminhamentos, partici-
param da tomada de decisões, organizaram e plane-
jaram o trabalho. Todo esse processo fez também com
que assumissem responsabilidades, se comprometes-
sem com o trabalho e com o coletivo.
Pouco a pouco, as mudanças ganharam corpo: alunos
até então calados passaram a opinar e alunos
descomprometidos passaram a assumir responsabilidades.
A escola passou a ser também dos alunos. E isso fez com
que eles cuidassem mais do prédio, se preocupassem mais
com a conservação dos materiais e com a limpeza.
Essa experiência revela que a responsabilidade e o
compromisso dos alunos não são construídos em cima
de um vazio, ou à custa de lições de moral e de bons
hábitos. Essa responsabilidade é construída a partir do
envolvimento em um trabalho no qual eles se sintam
realmente autores, e não meros executores.
Além de tudo, ocorrem mudanças de postura em re-
91
Programa 6
90
pesar de suas dúvidas, a professora Lúcia afir-
ma que o trabalho com projetos mudou sua
prática na sala de aula: Não sei explicar bem, mas
observo que as aulas estão mais interessantes e desafia-
doras, para mim e para os alunos.
Assim como Lúcia, muitos professores e professoras
que trabalham com projetos conseguem perceber que a
escola ganha uma dinâmica nova, mais viva, mais sinto-
nizada com as demandas do mundo contemporâneo.
A escola e a informação
Até recentemente, a escola era a grande agência de in-
formação dentro da comunidade. Mas esse papel pas-
sou por profunda transformação. Este mundo em que
vivemos é o mundo da informação, da globalização, da
informatização. A escola não consegue, nem deve ten-
tar, se comparar aos meios de comunicação, em relação
ao volume de informações que transmite.
Mas, embora não seja o veículo privilegiado de
transmissão de informação, a escola não deixa de ter
um papel central no que se refere ao tratamento des-
sa informação. Formar criticamente o cidadão não é
papel dos meios de comunicação.
Em geral, a informação que chega a cada um é trans-
mitida de forma fragmentada, nem sempre compreensí-
vel. Desenvolver a capacidade de compreender essa in-
formação, selecioná-la, criticá-la e se posicionar diante
AA
AA
A
A FORMAÇÃO
DO ALUNO E A REALIDADE
Com o projeto desenvolvido, a escola passou a
ser, naquele bairro de periferia, um espaço de encon-
tro e de difusão de cultura. Os portões, que em mui-
tas escolas são barreiras para não deixar o mundo
entrar, se transformaram em ponte entre a vida da
escola e a vida do bairro.
A experiência com projetos não interfere apenas nas
questões de ensino/aprendizagem. Traz mudanças
profundas no cotidiano escolar: no uso do espaço e
do tempo, na relação com o bairro e com a cidade e
na forma como seus sujeitos – pais, alunos e profes-
sores – se integram nessa dinâmica.
A palavra de professores
e professoras da Vila Pinho
Com esse projeto, pudemos perceber a diferença entre fa-
zer simplesmente um Festival de Folclore e organizar um
projeto coletivo de trabalho. No primeiro caso, toda a orga-
nização fica na mão dos professores, enquanto os alunos
apenas executam tarefas. Não se cria um vínculo entre o
festival e o cotidiano da escola. É como se todos precisas-
sem parar de estudar para cuidar apenas do festival.
No projeto coletivo, alunos e professores têm papéis
bem atuantes, pois o fato de os alunos ajudarem a planejar
não descarta a necessidade de os professores intervirem e
coordenarem o processo.
Outra mudança importante se refere às relações entre
as turmas e os professores. A atitude de disputa e compe-
tição acirrada para fazer a melhor apresentação deu lugar
ao espírito de cooperação e à interação. Nós, professores,
tivemos de aprender a trabalhar em grupo, assim como
nossos alunos. Todos nós, professores, alunos e pais, passa-
mos a nos sentir mais como sujeitos de um coletivo.
93
A formação do aluno e a realidadePrograma 6
92
temporânea. Compreender significa ser capaz de ir além
da informação dada, estabelecer relações entre vários
pontos de vista, analisá-los e se posicionar diante deles.
A compreensão e a interpretação da realidade pelo
estudante estão vinculadas a sua experiência cultural,
a seus conhecimentos prévios, à cultura acumulada
historicamente pela humanidade e à cultura contem-
porânea.
Características de um projetoCaracterísticas de um projeto
Características de um projetoCaracterísticas de um projeto
Características de um projeto
É um processo educativo desencadeado por uma
questão, que favorece a análise, a interpretação e a
crítica, como confronto de pontos de vista.
A aprendizagem acontece a partir da interação entre o
aprendiz e o objeto de conhecimento, dentro de um
contexto com sentido e significado.
No projeto predomina a cooperação: professores e
alunos assumem o papel de pesquisadores.
Estabelece conexões entre as informações, questio-
nando a idéia de uma versão única da realidade.
Trabalha com diferentes tipos de informação.
Leva alunos e professores a perceber que há dife-
rentes formas e caminhos para o aprendizado.
Leva alunos e professores a agir com flexibilidade,
a acolher a diversidade e a compreender sua reali-
dade pessoal e cultural.
Fonte: Aula de Inovación Educativa n
o
59, p. 80 (tradução adap-
tada)
Assim, o trabalho na perspectiva de projetos parte de
uma visão segundo a qual o conhecimento da realidade
constitui um processo ativo, no qual os alunos vão con-
seguindo interpretar a realidade e dar-lhe significado,
compreendendo-a cada vez mais profundamente. Trata-
se de um processo ativo e participativo.
dela passa a ser de responsabilidade basicamente da
escola. No mundo moderno, a escola aparece como es-
paço de formação crítica dos estudantes.
Mas a maneira de uma pessoa compreender as in-
formações e lidar com elas depende de vários fatores.
Essa capacidade é influenciada pela classe social, pelo
espaço geográfico e pela cultura de origem do indivíduo
em seu grupo social. Por isso, também é papel da escola
acolher a diversidade cultural presente na sociedade
brasileira e trabalhar com ela.
O trabalho de formação
Outro aspecto do papel da escola contemporânea diz
respeito à natureza da informação. Os temas contem-
porâneos ultrapassam as clássicas disciplinas escola-
res e não podem ser enquadrados em uma só área
específica de conhecimento.
A questão ecológica, por exemplo, não é um proble-
ma exclusivo de Ciências Naturais: envolve questões
geográficas, históricas, sociológicas, econômicas e outras.
Por isso, a antiga lógica das disciplinas fechadas em si
mesmas não se enquadra nessa nova perspectiva.
A rapidez com que os novos conhecimentos são
construídos não permite que sejam apreendidos como
conhecimentos imutáveis e a-históricos. Não é mais
possível tratar os conteúdos como verdades absolutas.
Hoje, o foco principal da atuação da escola está na
formação dos estudantes, no objetivo de torná-los
capazes de conviver com um mundo em profunda
transformação, perceber as causas das mudanças e se
posicionar diante delas.
A intenção educativa dos professores ao trabalhar na
perspectiva de projetos é possibilitar que os alunos com-
preendam os problemas colocados pela realidade con-
95
A formação do aluno e a realidadePrograma 6
94
Com o trabalho de projetos, a gente observa que as cri-
anças se sentem mais envolvidas e interessadas pelo traba-
lho, porque também são responsáveis por ele. Com isso, há
realmente uma aprendizagem e é uma aprendizagem signi-
ficativa. Esses meninos passam a estender todo esse com-
portamento de investigação e observação para outras situa-
ções fora da sala de aula, e até com outros professores.
(Juliane)
A palavra dos alunos
Os alunos também vão percebendo mudanças em seu
processo de formação quando passam a estudar a
partir da perspectiva dos projetos de trabalho. Os
depoimentos de alunos e alunas da Rede Municipal
de Belo Horizonte refletem essas mudanças:
Quando a gente aprende alguma coisa, eu passo todas aque-
las coisas para a minha mãe; por exemplo, do câncer de
mama, fazer o auto-exame, ela faz. A gente se relaciona
muito com aquilo que a gente está estudando.
(Ronaldo, aluno do 2
o
ciclo)
O aluno pode dar mais opinião, assim, se não tivesse esse
projeto Escola, a professora direto dava aquela matéria [...].
Agora, a gente tem o direito de estudar mais.
(Davidson, aluno do 1
o
ciclo)
A gente não tinha muito interesse pra fazer aquilo que a
gente queria. Agora não, agora é diferente. Os alunos, eles
trazem aquilo que a gente tem em casa, a gente procura
nos livros, procura nas casas das pessoas.
(Talita, aluna do 2
o
ciclo)
A gente é que buscou esse saber. A gente buscou através de
pesquisa, de entrevista, filmes que a gente assistia; é, a gente
tinha sede de saber, a gente se sentiu importante, assim, a gente
se sentiu gente, a gente que tava buscando esse saber, não era
ninguém que tava trazendo pra gente.
(Alaíde, educadora de creche e aluna de Supletivo)
Essa perspectiva enfatiza a problematização de
situações e a busca efetiva de soluções como cami-
nho para envolver os alunos em um processo rico e
dinâmico, no qual vão aprendendo, de forma não frag-
mentada, a compreender e a intervir no mundo em
que vivem.
A seguir, alguns depoimentos de professores e de
alunos em relação ao trabalho com projetos. Os de-
poimentos constam do vídeo “Os projetos de traba-
lho, da SMED/PBH.
A palavra dos professores
Alayde e Juliane são professoras da Rede Municipal de
Belo Horizonte que vêm orientando sua prática na pers-
pectiva dos projetos de trabalho. Elas dão aqui seu de-
poimento a respeito do significado desse processo.
O trabalho com projetos permitiu que os alunos tomassem
maior consciência do estudo e do processo de investigação,
na medida em que eles acompanharam, desde o início, o
plano, o processo e a síntese do trabalho. Puderam também
socializar todas essas informações para outras turmas e
estender o conhecimento adquirido para outras situações es-
colares e extra-escolares.
É claro que eles não deram conta de apreender to-
dos os conceitos, todos os procedimentos e atitudes en-
volvidos. Eles deram conta de fechar algumas situações,
mas outras questões ficaram abertas para desenvolvimen-
to em novos projetos de trabalho. (Alayde)
Quando a gente pára para refletir acerca de nossa prática,
percebe como o trabalho com projetos provoca mudanças
em nós mesmos. Observei que comecei a escutar mais o
grupo, a trabalhar mais dentro do interesse dos meninos e
a problematizar esses interesses. Com isso, acabei me trans-
formando em uma pesquisadora, já que eu também preciso
ser fonte de informação para a solução dos problemas le-
vantados.
Programa 6
96
Uma palavra para Lúcia
Lúcia, esperamos que essa série de programas possa
ter ajudado você a refletir mais sobre sua prática, for-
necendo novos elementos para compreender a pos-
tura pedagógica em que se fundamentam os projetos
de trabalho.
Sabemos que as inquietações vão continuar, pois
elas são inerentes a todo processo de aprendizagem
e revelam a busca de fundamentação para sua inter-
venção pedagógica.
Acreditamos que, assim como você e como todos
que aqui relataram suas experiências, muitos profes-
sores estão aprendendo com a análise e a reflexão de
sua prática pedagógica. Por isso, esperamos que a
análise dessas experiências possa ser uma referência
a mais nesse rico e intenso processo de formação que
você e muitos educadores brasileiros estão vivendo.
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