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A conquista da terra e da gentePrograma 5
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implicava às vezes a formação de novos núcleos. Em
certos casos, a população era superior ou equivalen-
te à dos maiores centros urbanos da região, como
Assunção ou Corrientes.
O trabalho nas missões era essencialmente comu-
nitário. Não havia a propriedade das terras, que eram
divididas em duas porções básicas: uma sob adminis-
tração dos jesuítas e outra distribuída entre todos os
índios pelos caciques. Esta última área se chamava
Abambaé, ou seja, ‘a coisa do homem’ – a origem des-
sa organização residia na economia tribal, na qual os
índios proviam seu sustento, mediante o cultivo com
trabalho familiar.
O Tupambaé, isto é, ‘a coisa de Tupã, ou Deus’, era
um conjunto de bens e empresas geridos pela comu-
nidade, sob supervisão dos jesuítas. O trabalho era
coletivo, dedicado ao plantio de erva-mate, algodão
ou trigo, criação de gado e cuidado das estâncias, além
de produção artesanal, principalmente de tecidos. O
objetivo consistia em produzir excedentes para o pa-
gamento de tributos, para comprar os bens que não
podiam ser gerados ali, e também para prover o sus-
tento de órfãos, viúvas e incapacitados da comunida-
de, além de manter as atividades religiosas. Os índios
que moravam nas missões jesuíticas não tinham que
prestar serviços obrigatórios aos colonos espanhóis,
prática adotada pelos espanhóis e que era conhecida
como encomienda.
A estrutura urbana obedecia às normas da legis-
lação espanhola. O povoado tinha uma grande praça
central, na qual se erguiam os principais edifícios dos
jesuítas – igreja, colégio, oficinas, cemitério e casa dos
órfãos. Do outro lado da praça ficavam alinhadas as
casas dos índios, distribuídas de forma regular em
ruas de traçado simétrico. A igreja era o ponto de re-
ferência da missão, e todos os afazeres cotidianos
eram pontuados pelas atividades religiosas.
Todas as manhãs na alvorada as notas do Angelus davam o
sinal de despertar. Aos domingos as trombetas e tambores
percorriam alegremente as ruas. A hora de despertar variava
segundo as estações e os trabalhos em curso. […] Logo após
o sinal de levantar os tambores ou sinos convocavam as
crianças para reunirem-se diante da igreja, para as orações
e o catecismo.[…] Entrementes, os pais ocupavam-se à von-
tade dos afazeres domésticos […]. Para o pároco e seu
compañero era o momento de meditação. Após a missa,
seguida pela maioria dos habitantes, servia-se o desjejum
em comum a todas as crianças, que então partiam duas a
duas para as escolas […]. Ao mesmo tempo […] as oficinas
abriam, organizavam-se as turmas destinadas ao trabalho
no campo, música na frente, e entoando cânticos ou mar-
chas. Depois do almoço, por volta das quatro ou cinco
horas da tarde, era dado um sinal do alto da torre sineira
de cada redução para se anunciar o fim do trabalho […]. O
resto da tarde ficava livre para os cuidados caseiros, para
os lazeres e divertimentos de toda a espécie […]. Quando
soava o Angelus vespertino, as crianças reuniam-se por se-
tores ou todos juntos na praça […] cantavam à guisa de
oração um cântico dedicado ao Anjo Gabriel. Um toque de
sinos anunciava o recolher e o repouso. Pouco depois as
patrulhas iniciavam suas rondas e faziam entrar em casa os
retardatários. Nas casas reencontravam-se os adultos e as
crianças. Tinham sempre mil coisas a contar.
A descrição acima, feita por Lugon (1977), mostra que
a vida no dia-a-dia mesclava trabalho e religião. A jor-
nada de trabalho não se estendia além de oito horas
diárias, havendo tempo para a vida familiar, o lazer e
as atividades religiosas. No domingo e em datas fes-
tivas não se trabalhava.
Inicialmente, os jesuítas admitiam a estrutura
poligâmica dos Guarani nas missões, mas aos pou-
cos foram introduzindo mudanças nos padrões de or-
ganização familiar dos índios e progressivamente es-
tabelecerem a família nuclear monogâmica.