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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CADERNOS DA
N. 1/2000
Este Caderno complementa a série de vídeos da tv escolaEste Caderno complementa a série de vídeos da tv escola
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Este Caderno complementa a série de vídeos da tv escola
5OO anos
Um novo mundo na TV
1
O Descobrimento - Brasil Colônia
Isabel Guillen & Sylvia Couceiro
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Milhares de livros grátis para download.
SUMÁRIO
Apresentação
O Descobrimento
Introdução
Dois mundos desconhecidos
Caminhos da riqueza
Encontro no além-mar
Terra cheia de graça
A cor do pau-brasil
Dores de colônia
Bibliografia
5
9
11
17
23
29
35
41
47
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
Secretaria de Educação a Distância
Cadernos da TV Escola
Diretor de Produção e Divulgação
José Roberto Neffa Sadek
Coordenação Geral
Vera Maria Arantes
Projeto
Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj)
Projeto e Execução Editorial
Elzira Arantes (texto) e Alex Furini (arte)
Capa:
Detalhe de ilustração de Roque Gameiro, em
História da colonização
portuguesa
do Brasil
. Porto, Litografia Nacional, 1923.
© 2000 Secretaria de Educação a Distância/MEC
Tiragem: 110 mil exemplares
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou utilizada de qualquer
forma ou por qualquer método, eletrônico ou mecânico, sem autorização,
solicitada via carta ou fax.
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 100 CEP 70047-900
Caixa Postal 9659 – CEP 70001-970 – Brasília, DF
Fax: (0XX61) 410 9158 – E-mail: [email protected].br
Internet: http://www.mec.gov.br/seed/tvescola
CDU 946.9.036
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GUILLEN, Isabel
500 Anos Um novo mundo na TV./ Isabel Guillen, Sílvia Couceiro.–/
Brasília : MEC . Secretaria de Educação a Distância, 2000
80 p. 2v. : il. – (Cadernos da TV Escola 1, ISSN 1518 - 5915)
Conteúdo: v.1. O descobrimento; Brasil-Colônia
.1 História do Brasil 2. Descobrimento 3. Brasil Colônia
I. Título. II. Sílvia Couceiro
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5
Programa 2
APRESENTAÇÃO
AA
AA
A
Brasil Colônia
Gente colonial
Cana de mel, preço de fel
Na companhia dos holandeses
Fontes das ilustrações
51
61
71
79
té há bem pouco tempo, os livros didáticos e a
escola, de modo geral, registravam de nossa
história apenas os heróis, as datas e os fatos.
Sem dúvida, esses aspectos são bem importantes.
Mas existem outras formas de contar a História do
Brasil. A tendência moderna mostra que todos os
momentos e todas os personagens que mereceram
destaque, ao longo do tempo, só ganharam relevo
graças ao trabalho e aos conflitos diários das pessoas
comuns de sua época.
Os processos sociais e seus atores anônimos são
a força que produz os heróis, os fatos e as datas
marcantes. Nessa nova perspectiva histórica foi pro-
gramada a série de vídeos “Brasil 500 anos: um novo
mundo na TV”.
Em uma bem-humorada versão em ficção, a TV
Escola, em íntima colaboração com a Fundação Joa-
quim Nabuco, apresenta essa série a partir da crôni-
ca cotidiana de seus cidadãos, narrando os aconte-
cimentos que representaram marcos históricos im-
portantes: a chegada dos portugueses, no ano de
1500, o período de administração da Colônia, o Im-
pério e a República.
José Roberto Sadek
Diretor de Produção e Divulgação
O descobrimento
9
Descobrimento, um dos tópicos mais tradicionais
do ensino de História, pode adquirir novos sig-
nificados se o ângulo de observação for deslo-
cado, desvendando matizes até então despercebidos.
No momento em que são comemorados os qui-
nhentos anos do Descobrimento muitos se pergun-
tam: temos razões para comemorar? Comemorar o
quê? Estas questões nos levam de imediato a pensar
nos marcos periodizadores da História e em suas
vinculações políticas. Tais marcos resultam de uma
construção, de um processo de atribuição de signifi-
cação cultural, processo esse que não é isento dos
mais diversos interesses.
O descobrimento do Brasil surge como marco
periodizador de nossa história a partir do século XIX,
quando se encetou o projeto de construção da nação,
resultado do movimento intelectual romântico que se
preocupava em delinear a identidade nacional, defi-
nir o povo brasileiro e sua história.
Historiadores como Varnhagen e Capistrano de
Abreu contribuíram para dar uma cientificidade ao
ato fundador do Brasil. Pode-se afirmar que se trata
de uma ‘invenção’: esse marco não foi construído por
ocasião do acontecimento em si, mas ganhou signifi-
cado apenas posteriormente.
No primeiro momento, Portugal não se importou
com as novas terras descobertas, pois estava mais
interessado no comércio com o Oriente; somente na
INTRODUÇÃO
OO
OO
O
11
Programa 2
10
o século XV, a Europa assistia a um renascer
das atividades comerciais, artísticas e intelec-
tuais, enquanto florescia o comércio com o
Oriente. Nos séculos XIV e XV, o crescimento da po-
pulação provocara uma expansão do consumo, crian-
do a necessidade de intensificar a produção, para
abastecer os novos consumidores.
A base do comércio da época eram os produtos
originários do Oriente, alguns deles fundamentais –
pimenta, cravo, gengibre e noz-moscada eram utiliza-
dos, tal como o sal, para a conservação de alimentos,
principalmente carne. Também eram importadas ou-
tras mercadorias, consideradas de luxo ou exóticas na
Europa: perfumes, tecidos, porcelanas e marfim, en-
tre outras. As cidades italianas de Veneza, Gênova e
Pisa lideravam e controlavam esse comércio, que lhes
propiciava altíssimos ganhos e despertava a cobiça de
comerciantes de outras regiões, desejosos de partici-
par igualmente de mercado tão lucrativo.
A tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453,
inviabilizou o comércio por via terrestre e estimulou a
procura de novas rotas para chegar às Índias – e ao
ambicionado comércio das especiarias.
Portugal dispunha de uma posição geográfica pri-
vilegiada, que favorecia em muito a interação maríti-
ma. Por outro lado, acabava de passar por um proces-
so de centralização política e dispunha de uma bur-
guesia disposta a arriscar seus capitais na descoberta
DOIS MUNDOS
DESCONHECIDOS
NN
NN
N
segunda metade do século XVI iria se preocupar efe-
tivamente com a colonização.
O Descobrimento inicia a história brasileira como
marco periodizador do ponto de vista daqueles que se
preocupavam com a origem da nação. Dessa primeira
constatação podemos desdobrar outras questões.
O Descobrimento é o marco a partir do qual nos
inserimos na história da civilização ocidental. Muito tem
se discutido a respeito do eurocentrismo desse marco
pois, ao estabelecê-lo, é como se deixassem de existir
todos os acontecimentos anteriores de sua história. Mas
hoje procuramos pensar a história como um processo
plural e, portanto, não unificar todas as histórias locais
numa história única.
Os descobrimentos iniciaram um processo de
globalização’ que tem sua continuidade até os dias
atuais, que foi subordinando as diversas culturas em
torno da civilização ocidental. Pela ótica dos europeus,
a expansão representou uma grande aventura de des-
cobrimentos’: científico, geográfico, comercial e cultural.
Mas para as sociedades indígenas significou o início de
um genocídio que ainda continua. Assim, é preciso sem-
pre refletir acerca da ambigüidade e da diversidade que
envolvem os marcos históricos.
Sem empanar o brilho da festa que comemora o
Descobrimento, vale a pena estimular as reflexões em
torno dos desdobramentos que o envolveram. Trata-
se, sem dúvida, de um fato que propicia uma série de
interrogações. Podemos abordá-lo não só a partir das
significações culturais e historiográficas, mas também
abrindo espaço para refletir sobre os sentimentos,
anseios, angústias, medos, desejos e interesses que
motivavam os sujeitos que viveram naquele momen-
to. Afinal, eram pessoas de carne e osso. Foram elas
que fizeram essa história e é sobre sua experiência
que devemos nos debruçar.
13
Dois mundos desconhecidosPrograma 1
12
de novos caminhos que incrementassem o comércio
com o Oriente. Esse contexto propiciou o acúmulo de
conhecimentos que dariam suporte às navegações.
O infante dom Henrique foi uma figura chave. Co-
mandou a conquista de Ceuta, no norte da África, pri-
meiro passo na expansão ultramarina, e pouco a pou-
co congregou em torno de si estudiosos, cartógrafos,
físicos, astrônomos, pilotos e navegadores empenha-
dos em desvendar os segredos da navegação no mar-
oceano, até então conhecido como Tenebroso.
À medida que se acumulava o conhecimento da
costa africana (ver quadro abaixo), os portugueses
viam se delinear a idéia de que poderiam contornar
o continente, para atingir as Índias.
Périplo africano
1415 Tomada de Ceuta.
1420 Redescoberta da ilha da Madeira.
1432-1454 Descoberta das ilhas do arquipélago dos
Açores.
1434 Gil Eanes dobra o cabo Bojador.
1488 Bartolomeu Dias vence o cabo das Tormentas
(Boa Esperança).
1498 Vasco da Gama descobre uma rota para as Índias.
Essas expedições partiam geralmente de Lisboa
que, graças às navegações e ao comércio cada vez mais
intenso, era considerada a capital da Europa. Era uma
cidade movimentada, apta a se tornar o pólo
dinamizador em torno do qual se desenrolaria a ex-
pansão marítima e comercial de Portugal. Grandes
obras públicas de modernização do porto (aterragens,
construção de cais e armazéns) faziam a vida da ci-
dade girar em torno do Tejo; com isso, toda sua po-
pulação, que crescia rapidamente, respirava os ares da
expansão marítima.
A imagem da grandeza de Lisboa exercia podero-
sa atração sobre os habitantes de outras regiões do
país e também sobre estrangeiros, que procuravam
a cidade talvez na crença de que lhes sobrasse um
pouco da riqueza movimentada pela empresa da ex-
pansão e conquista” (Miceli, 1994). Não que a vida em
Lisboa fosse fácil; tal como na maioria das cidades da
época, não havia boas condições sanitárias e era co-
mum a disseminação de epidemias, principalmente a
peste, que dizimavam a população.
Portugal, entretanto, não era o único a procurar
novas vias. Também a Espanha, ao cabo de seu pro-
cesso de centralização política, constituíra uma mo-
narquia forte, capaz de sustentar um projeto como o
de Colombo, que afirmava ser capaz de descobrir uma
rota para as Índias navegando na direção contrária à
que iam os portugueses.
Afirmando que a terra era redonda, Colombo defen-
dia a possibilidade de chegar ao Oriente navegando
sempre para oeste. Em 1492, ao regressar da viagem em
que descobrira novas terras, julgava ter chegado às Ín-
dias. Sabemos que se tratava de um novo continente.
Esse fato suscitou disputas entre Portugal e Espanha,
resolvidas com a mediação da Igreja que, na figura do
papa Alexandre II, promoveu a assinatura do tratado de
Tordesilhas, em 1494, estabelecendo uma linha imagi-
nária que dividia entre os dois países as novas terras
que porventura existissem no vasto oceano.
Apesar da notícia da descoberta de Colombo, os
portugueses continuaram a investir na procura de um
caminho para as Índias contornando o continente
africano. Quando Vasco da Gama chegou em Lisboa,
em 1499, com os navios abarrotados de especiarias,
demonstrando que as Índias podiam ser alcançadas
por mar, dom Manoel I fez com que se organizasse
uma grande expedição para tentar consolidar essa
rota de comércio com o Oriente.
15
Dois mundos desconhecidosPrograma 1
14
As instruções transmitidas por Vasco da Gama para
o comandante Pedro Álvares Cabral provavelmente
não se referiam apenas à rota a ser percorrida. Gama
tinha avistado aves e outros indícios da existência de
terras a oeste, e é possível que tenha passado para
Cabral essa informação.
O outro mundo
Ao mesmo tempo que os portugueses se lançavam na
aventura dos descobrimentos, viviam do outro lado
do mar sociedades indígenas de grande diversidade
cultural – realidade pouco explorada nos livros didá-
ticos, mas cujo conhecimento é fundamental para a
construção de uma história plural.
Manuela Carneiro da Cunha (1998) afirma que
são os descobridores que inauguram e conferem aos
gentios uma entrada – mas uma entrada de serviço –
no grande curso da História. E observa que tratar de
uma história indígena é tratar também das várias
identidades dos grupos indígenas, e não dissolvê-los
num grande magma cultural chamado ‘índio. A his-
tória que emerge dessa diversidade é mais complexa
e rica, e mais real. Esse é o desafio que estamos ten-
tando enfrentar: não entrar na história indígena pela
porta de serviço.
Nos livros didáticos, os índios em geral são apre-
sentados como povos atrasados, que viviam na Pré-
história – andavam nus, utilizavam instrumentos ru-
dimentares como arco e flecha, não dominavam
tecnologias tidas como mais avançadas, como o tra-
balho com metais, não possuíam escrita, nem Estado.
São tratados como se não tivessem história. Em
contraposição, os portugueses são mostrados como
povos civilizados, detentores de uma história na qual
os índios passam a ser inseridos a partir dos desco-
brimentos.
Nas descrições do primeiro encontro sobressaem
as idéias de desigualdade e de superioridade do bran-
co. Ao se contrapor a todo momento índios e euro-
peus, utilizando conceitos do tipo civilização, progres-
so tecnológico e desenvolvimento, aos índios é sem-
pre destinado um lugar inferior na história. No entan-
to, os tupiniquim, com quem os portugueses primei-
ro estabeleceram contato, já possuíam uma história
própria, marcada pelo processo migratório do interior
do continente para o litoral, ao longo do qual expul-
saram outros povos e se envolveram em intensas
guerras tribais.
Assim, é importante desconstruir a imagem homo-
gênea do índio reproduzida nos livros didáticos, em
filmes e em outras mídias, como se a vida dos indí-
genas, independentemente da tribo a que pertences-
sem, fosse sempre a mesma, como se alimentação,
ornamentos corporais, utensílios, língua, aparência
física, lendas e mitos, e toda a organização social, fos-
sem sempre iguais.
América, 1589.
17
Programa 3
16
Conhecer a vida de um grupo indígena não signi-
fica conhecer todos. Isso não quer dizer que apenas
seja possível construir um conhecimento etnográfico
(análise dos costumes e da cultura de modo geral) de
cada grupo. Apesar de todas as dificuldades, princi-
palmente da falta de documentação escrita, é possí-
vel pensar em uma história indígena.
Na análise do que poderíamos denominar desencon-
tro entre índios e europeus’ vale a pena abrir espaço
para que a diferença possa ser pensada enquanto tal,
e não apenas como desigualdade.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
O historiador Paulo Miceli afirmou que muitos via-
jantes da época dos descobrimentos enfrentaram os
mares como alguém que, hoje, entrasse num avião
sem a garantia do aeroporto no final da viagem”. As
viagens dos descobrimentos também já foram com-
paradas com a conquista espacial.
Organize em sua classe um debate relacionando
as viagens dos descobrimentos com as viagens espa-
ciais; estimule os alunos a discutir o imaginário eu-
ropeu do século XIV (terras paradisíacas, animais ma-
rinhos, reinos míticos) e as expectativas contempo-
râneas em torno das viagens espaciais.
aquele dia 8 de março de 1500, uma imponen-
te armada aportada no Tejo se preparava para
zarpar numa grande aventura: percorrer a
mesma rota descoberta por Vasco da Gama, para che-
gar às Índias. Composta de treze embarcações, entre
naus e caravelas, era a maior expedição já organiza-
da por Portugal para se lançar no mar Tenebroso.
No porto, como era dia de festa, a população de
Lisboa assistia com entusiasmo os preparativos fi-
nais. É provável que muitos se perguntassem
quantos regressariam, se não seriam devorados por
monstros, ou se naufragariam simplesmente no oce-
ano assustador.
Até o século XIV, os europeus não se aventura-
vam sem temor pelo oceano Atlântico. Por um lado,
a tecnologia naval limitava as viagens à costa medi-
terrânea; por outro, o receio da presença de terríveis
monstros marinhos maiores que as naus se aliava ao
temor de que, a determinada altura, o oceano des-
pencasse em uma espécie de abismo sem fim. Pou-
cos confiavam no regresso de uma viagem cercada
de tantos perigos.
Apesar dos temores, o imaginário construído em
torno das terras desconhecidas impulsionava esses
homens em busca de aventuras, e também à procura
de reinos mitológicos com cidades cobertas de ouro,
ou ao encontro do Paraíso Terrestre. Ao lado disso
fatores práticos, como o estabelecimento de novos
CAMINHOS DA RIQUEZA
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NN
N
19
Caminhos da riquezaPrograma 2
18
pontos de comércio e a busca de riquezas fabulosas,
contribuíam para que os temores fossem vencidos.
A cautela não era completamente infundada. A na-
vegação pelo oceano Atlântico nada tinha de fácil. Os
navegadores enfrentavam correntes marinhas então
desconhecidas, além do regime de ventos, que se al-
ternava com regiões de calmaria. Os portugueses de-
moraram quase um século para acumular conheci-
mentos que lhes permitissem dominar a navegação
pela costa africana.
A vida em uma caravela
As caravelas não eram usadas apenas nas expedições
marítimas, mas também na pesca e nas guerras con-
tra os mouros. Pequenas e ágeis, aproveitavam bem
a força dos ventos e tornavam mais fáceis as mano-
bras nas sinuosas costas e enseadas de rios. Eram
quase perfeitas para os objetivos pretendidos pelos
navegadores.
No interior dessas embarcações se reproduzia a
ordem social reinante em terra. Gente de todos os
estratos sociais, de nobres a degredados, convivia
numa divisão hierárquica rígida. No caso da expedi-
ção comandada por Cabral, especificamente em seu
navio, sabemos que estavam embarcados cerca de 190
homens – marinheiros, soldados, degredados e pa-
dres, além de funcionários reais, entre os quais Pero
Vaz de Caminha.
A expedição de Cabral, que transportava um ver-
dadeiro quartel, estava muito bem aparelhada de ar-
mamento e munição. Nesse universo não havia lugar
para as mulheres, consideradas indesejáveis e porta-
doras de mau agouro. Ao todo, 1.500 homens toma-
ram parte da expedição de Cabral, dos quais apenas
quinhentos sobreviveram. Muitos morreram em nau-
frágios, outros de doenças que se propagavam no
interior dos navios. A vida a bordo não era só de
aventura, e a alimentação carente provocava doenças
que matavam tanto quanto os perigos do mar.
O que se comia era essencialmente uma espécie
de bolacha, salgada e dura, conhecida como ‘biscoito
de marear’ e que, segundo relatos da época, estava
quase sempre podre e malcheirosa, devido a baratas
e ao bolor. A comida – carne salgada, cebola, azeite,
vinagre e eventualmente arroz, peixe e queijo – era
distribuída uma vez ao mês pelo despenseiro, e pre-
cisava ser preparada diariamente no convés do navio,
oferecendo risco permanente de incêndio. Quando
acabavam os ingredientes, restava aos marinheiros o
biscoito de marear. A água para beber e cozinhar,
fornecida uma vez ao dia, era sempre malcheirosa e
contaminada, ocasionando diarréias e infecções.
Essa dieta era reservada apenas aos mais pobres.
Peixe voador em ilustração de André Thevet (século XVI)
21
Caminhos da riquezaPrograma 2
20
Aos capitães, pilotos e oficiais mais graduados era
permitido transportar suas próprias provisões, in-
cluindo animais vivos, para complementar a ali-
mentação.
A cobiça e a corrupção faziam com que os víveres
embarcados fossem insuficientes, e muitos homens
morriam de fome e sede. Evidencia-se nesse quadro
que nas embarcações persistiam relações de força e
poder, nas quais os capitães recorriam à violência para
manter a disciplina e a rotina de trabalho.
Os mareantes eram acometidos pelas mais diversas
enfermidades: febres malignas e diarréias, além do te-
mido e freqüente escorbuto, resultante da carência de
vitamina C (provocada pela alimentação deficiente).
Outra grande causa de doenças era a falta de hi-
giene. Tanto a higiene pessoal como a das caravelas
eram muito precárias, mas os marujos não relacio-
navam a falta de higiene com o surgimento de do-
enças. Conviviam despreocupadamente com lixo e
restos de alimentos. Não havia espaço para tomar
banho – e tampouco o costume de fazê-lo. O convés,
onde se dormia, estava constantemente cheio de lixo,
restos de comida, vômito, urina e fezes, contribuin-
do para a proliferação de baratas e ratos. Com o
passar dos dias, odores fétidos infestavam a embar-
cação” (Amado & Figueiredo, 1992). Os doentes eram
assistidos pelos religiosos, preocupados também em
cuidar das pobres almas, ministrando aos moribun-
dos os últimos sacramentos. Os mortos eram lança-
dos ao mar.
Muito tem se enfatizado o fascínio que as gran-
des viagens de navegação exerciam sobre as pessoas
daquela época, e que continuam a exercer sobre nós.
No entanto, ao mostrar aspectos da vida cotidiana no
navio, é possível evidenciar para os alunos que essa
grande aventura não foi vivida sem muitos medos e
sofrimentos.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
Promova entre seus alunos uma discussão em torno da
intencionalidade ou não dos descobrimentos. Uma boa
idéia consiste em fazer um ‘julgamento, no qual as par-
tes vão arrolar argumentos em favor de cada uma das
posições. Os principais argumentos podem ser:
A favor da descoberta acidental
Inexistência de recomendações no Regimento leva-
do pelo capitão-mor para que a esquadra se diri-
gisse a qualquer região de terra firme a Ocidente.
Ausência na esquadra de Cabral de padrões – marcos de
pedra com símbolos e legendas que serviam para assi-
nalar a presença portuguesa em novas terras descober-
tas e os direitos de posse assim atribuídos a Portugal.
O fato de a esquadra de Cabral ser muito grande,
diferentemente das pequenas esquadras de desco-
brimento, que em geral contavam com apenas três
ou quatro embarcações.
Não há referências nos autores da época a respeito
de Cabral ter a intenção de visitar terras a oeste.
A favor da intencionalidade
Vasco da Gama teria avistado sinais de terra a oeste
durante sua viagem, e informado Cabral a respeito.
A expedição teria o propósito de oficializar a des-
coberta de uma região já conhecida dos navegado-
res portugueses. Também os espanhóis, como
Vicente Pinzón e Diego de Lepe, teriam navegado
por costas brasileiras entre janeiro e março de 1500.
Portugal pretendia confirmar a existência de terras
sobre as quais teria seus direitos assegurados pelo
tratado de Tordesilhas.
Cabral não teria renovado seu estoque de água nas
ilhas de Cabo Verde, como faziam todas as expedi-
23
Programa 4
22
este momento, quando o Descobrimento
está sendo comemorado, é impossível deixar
de discutir o contato entre europeus e índios
ao longo de nossa história e os diversos significa-
dos a ele atribuídos. Tem sido recorrente a afirma-
ção de que o acontecimento mais fantástico propi-
ciado pelo Descobrimento foi o encontro de duas
humanidades.
Quando os homens da esquadra de Cabral
aportaram em uma das belas praias do litoral, esta-
vam prestes a viver uma experiência inusitada: o en-
contro com um povo cuja cultura lhes era totalmente
desconhecida. Eles não ignoravam a existência de
outras culturas, pois já haviam travado contato com
a Índia, a China e parte do litoral africano. Mas isto
não minimiza o impacto do encontro com os povos
da América, pois “na ‘descobertados outros continen-
tes e dos outros homens não existe, realmente, este
sentimento radical de estranheza, conforme comen-
ta Todorov (1983).
Nesse sentido, têm sido feitas muitas críticas à
idéia de encontro de humanidades, tal como costu-
ma ser empregada, pois ela pressupõe um encontro
amigável e cordial, ou até uma interação, quando na
realidade sabemos que a chegada dos europeus à
América deu início a um processo de desarticulação
cultural e de genocídio dos povos indígenas. Confor-
me afirma Raminelli (1996):
ENCONTRO NO ALÉM-MAR
NN
NN
N
ções, possível indício de um claro propósito de fa-
zer escalas em terras ocidentais, pois de outro
modo estaria sem água a bordo antes mesmo de
chegar às Índias.
Essa atividade tem por objetivo incentivar o debate
entre os alunos, e não provar se o descobrimento de
Cabral obedeceu a um plano preestabelecido ou foi
obra de mero acaso. Não existem argumentos defini-
tivos para pôr fim a essa controvérsia.
Os documentos de época reunidos por Paulo
Roberto Pereira em Os três únicos testemunhos do
Descobrimento do Brasil (1999) oferecem um ótimo
apoio a essa discussão.
25
Encontro no além-marPrograma 3
24
A tradição européia buscou em um passado remoto ar-
gumentos para consolidar essa relação pautada pela de-
sigualdade. Os europeus não eram iguais aos ameríndios:
a superioridade dos primeiros respaldava a conquista, a
colonização e a catequese. Os nativos desconheciam o
cristianismo, menosprezavam o ouro e a idéia de traba-
lho tal como concebida pelos colonizadores. Portanto,
eram considerados seres degenerados, decaídos e neces-
sitados da intervenção européia para tomar os rumos de
uma vida melhor, uma vida pautada nos mesmos princí-
pios e valores da cultura ocidental.
A visão do encontro, e até mesmo do Descobri-
mento, tem uma perspectiva eurocêntrica, partin-
do do ponto de vista do conquistador. Pressupõe
que só os europeus descobriram os índios, quan-
do na verdade houve um encontro e um descobri-
mento mútuos.
Foi nesse (des)encontro de brancos e índios que se
construiu nossa história, na qual predomina a cultu-
ra européia; nesse sentido, nossa formação se deu
enquanto periferia, na qual índios e negros aparecem
como figurantes no teatro da história. Mas isso não
significa que essa concepção seja verdadeira, ou que
não possamos pensar índios e negros enquanto su-
jeitos de sua história. Como foram conquistados e
dominados, o lugar a eles destinado na história foi o
de povos que apenas contribuíram’ para o nascimen-
to da nação brasileira, como acessórios para a cultu-
ra nacional.
Em alguns momentos, principalmente nos livros
didáticos, parece que a lista de ‘contribuições’ desses
povos nos exime de discutir com maior profundida-
de sua história. É importante não só que esse proces-
so seja desmistificado, mas que se mostre aos alunos
sua historicidade.
Representações do índio
A partir do contato foram se construindo diferentes
imagens a respeito do papel do indígena na forma-
ção do povo brasileiro. Em um primeiro momento, as
representações dos índios oscilam entre a idéia do
‘bom selvagem’ e a do canibal.
A carta de Pero Vaz de Caminha é um precioso re-
lato de como os portugueses se sentiram diante daque-
la gente, exótica para eles. Está presente na carta a idéia
de que os índios eram de grande inocência, gente
“boa e de bela simplicidade, originando a noção de
‘bom selvagem, desenvolvida principalmente pelos
leitores dos diários de Américo Vespúcio e dos Ensaios
de Montaigne. No entanto, à medida que foram se es-
tabelecendo contatos mais estreitos, firmou-se a idéia
contrária, de que eram bárbaros e selvagens – calcada
principalmente nas práticas de canibalismo.
Muitos livros didáticos mostram um índio ingênuo
e puro no relacionamento com os brancos, deixando-
Índios guaianases
27
Encontro no além-marPrograma 3
26
se enganar facilmente. Destacamos, por exemplo, a
recorrência com que se apresenta o escambo como se
os índios trocassem pau-brasil por bugigangas ou quin-
quilharias. Tal imagem deve ser desmistificada.
De fato, os indígenas se engajaram no escambo
com muita presteza, mas sua motivação era bem de-
finida: buscavam obter objetos como facas e macha-
dos, que lhes poupavam trabalho, expandiam sua base
de subsistência e ajudavam na defesa contra os peri-
gos da floresta.
Na carta de Pero Vaz de Caminha o fascínio dos
índios pelos metais aparece no momento em que os
carpinteiros construíam uma cruz, cercados pelos ín-
dios – segundo o escrivão, eles não estavam ali para
ver a cruz, mas sim para observar as ferramentas de
ferro utilizadas para cortar a madeira.
Em alguns mitos indígenas – por exemplo entre
os Tupinambá do Maranhão – a diferença entre os
homens brancos e os índios surgiu no momento de
sua criação, quando lhes foi dado escolher entre uma
espada de madeira e outra de ferro; os índios esco-
lheram a espada de madeira, deixando para o branco
a de ferro, que achavam mais pesada. Isso explicaria
a força dos brancos e evidencia o impacto da tecno-
logia dos metais. Segundo o historiador Warren Dean
(1996), “é difícil imaginar o quanto deve ter sido gra-
tificante seu súbito ingresso na idade do ferro, o quan-
to isso foi transformador de sua cultura e o quanto
foi destrutivo para a floresta.
Na história da relação entre índios e brancos pre-
dominam sem dúvida as guerras e o genocídio. Mas
em geral não se destaca tanto o convívio estabeleci-
do entre os dois povos, ainda que nem sempre pací-
fico. Os portugueses dependiam desse convívio para
sobreviver em um meio desconhecido, e por isso hos-
til. Foi na relação com os povos indígenas que eles
aprenderam a conhecer o ambiente que os cercava:
distinguir o que caçar e pescar, como cultivar a terra,
identificar plantas medicinais etc.
A aclimatação do português à nova terra foi facili-
tada pelos casamentos com as índias, aspecto normal-
mente tratado pelos livros didáticos de forma estere-
otipada – como por exemplo ao retratar as figuras
históricas de Caramuru e João Ramalho.
É importante ressaltar a ambigüidade que cercou
o contato. Por um lado, ele pode ser pensado sob o
prisma do conflito; por outro, não se pode perder de
vista que se tratou também de um casamento.
A miscigenação na cultura brasileiraA miscigenação na cultura brasileira
A miscigenação na cultura brasileiraA miscigenação na cultura brasileira
A miscigenação na cultura brasileira
Quase sempre os livros didáticos relacionam as con-
tribuições das etnias que formam o povo brasileiro,
entre as quais as dos índios, mencionando hábitos
como a utilização da rede, alimentos como a mandio-
ca ou a origem de algumas palavras. Na verdade es-
ses aspectos são acessórios, e pensamos que é mais
enriquecedor discutir uma história social da miscige-
nação, mostrando como foi o cotidiano do (des)en-
contro entre os povos – que, afinal, se casavam, tra-
balhavam, tinham crenças e festas, ora conviviam
pacificamente e ora lutavam entre si.
A mistura racial era vista pelas autoridades por-
tuguesas de uma forma negativa, sendo responsabi-
lizada por desordens e outros problemas. No século
XIX, no entanto, a idéia da miscigenação passou a ser
vista de forma positiva, atribuindo-se a ela papel de
relevância na construção da identidade nacional. Isso
se observa, por exemplo, na abordagem dada pelos
românticos ao indianismo, como José de Alencar em
O Guarani.
A partir da segunda metade do século XIX essa
perspectiva deixa de existir, pois o desejo de
embranquecer’ o Brasil, com as teorias raciais em
29
Programa 4
28
voga, devolve um viés negativo à mistura de raças. Tal
idéia veio a ser revertida na década de 1930. As obras
Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do
Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, atribuíram um
novo valor à miscigenação como elemento fundador
do povo brasileiro.
A discussão em torno da questão da miscigenação é
muito rica, merecendo ser abordada em seus múlti-
plos aspectos. O professor não pode se restringir a
repassar esquematicamente as contribuições de cada
um dos povos para a cultura brasileira.
Ainda que em nossa formação tenha predominado
a cultura européia, buscamos enfatizar que nossa iden-
tidade está calcada na diversidade étnica. Marcada por
conflitos e ambigüidades, a miscigenação não só faz a
diferença, mas marca nosso jeito de ser.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
Peça para os alunos trazerem materiais a respeito dos
índios (recortes de jornal, reportagens e fotografias
de revistas, livros etc.). A partir dessas informações,
promova um debate acerca da diversidade de cultu-
ras, do encontro ou desencontro entre índios e bran-
cos, da miscigenação, das guerras e do genocídio.
Nesses debates, é importante não se limitar à his-
tória dos povos indígenas, mas tratar também da si-
tuação dos índios na atualidade, e do lugar que as so-
ciedades indígenas ocupam no Brasil atual.
ersiste ainda uma imagem de que Cabral teria
chegado, descoberto o Brasil e ido embora em
seguida. Em geral não se comenta o fato de que
os portugueses permaneceram por aqui alguns dias,
antes de zarpar para as Índias. Essa breve estadia foi
objeto de uma narrativa com a mesma qualidade de
outros grandes relatos de viagem escritos na época:
trata-se da carta de Pero Vaz de Caminha. Tanto no
estilo da narrativa quanto nas informações que vei-
cula, esse documento em nada fica a dever aos de-
mais relatos de descobrimentos, como os de Colombo
e Vespúcio.
A carta reconstitui passo a passo os acontecimen-
tos dos dez dias em que a esquadra de Cabral esteve
aportada. Além de minuciosa, ao descrever tanto a
terra quanto a gente, é um precioso documento so-
bre os sentimentos despertados nos portugueses por
aquele contato. É uma pena que não tenhamos regis-
tro dos sentimentos dos índios, mas a carta permite
pelo menos mostrar aos alunos novas facetas que não
costumam ser divulgadas.
A carta de Caminha reflete duas visões recorren-
tes na época em relação às terras descobertas. A pri-
meira se refere à idéia do ‘bom selvagem. A segunda
diz respeito a uma visão edênica do Novo Mundo, ao
encantamento que os europeus sentiram diante da
natureza tropical. Ela traduz o imaginário europeu
acerca das terras desconhecidas, da existência de rei-
TERRA CHEIA DE GRAÇA
PP
PP
P
31
Terra cheia de graçaPrograma 4
30
nos míticos e até mesmo de um possível paraíso ter-
reno.
Ao longo das décadas seguintes, o encantamento
com a terra americana levou à procura, em seu inte-
rior, do Eldorado, da fonte da juventude, e de muitos
outros lugares fantásticos criados pela imaginação
européia da época. Tais fantasias espelham a reação
desses homens diante da natureza em geral, da flora
e da fauna, de uma realidade inimaginável até então.
Nos trópicos, eles se deparam com uma diversidade
e uma exuberância que contrastam fortemente com a
paisagem européia, despertando imagens de abun-
dância e extravagância, atributos de terras
paradisíacas. Isto transparece tanto nos relatos de
Colombo e de Vespúcio quanto no texto de Caminha.
A gente da terra
Segundo a carta, o primeiro grande impacto foi pro-
vocado pela visão de homens que andavam pela praia
pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas. Foi
um contato amistoso, pois ao pedido de Nicolau Co-
elho para que pousassem os arcos, assim o fizeram.
No entanto, não houve entendimento entre eles, ape-
sar de terem estabelecido uma troca, numa possível
tentativa de um gesto amigável.
Caminha trata então de descrever esses homens
e o que via de diferente neles: as feições, a nudez ino-
cente, os enfeites, a forma de cortar os cabelos e o
hábito de furar os lábios. Diante das mulheres obser-
va uma sexualidade e uma relação com o corpo com-
pletamente inusitadas para ele, pois elas tinham “suas
vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das
cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não
se envergonhavam.
Era impossível para aqueles homens, marcados
Primeira página da carta de Caminha
33
Terra cheia de graçaPrograma 4
32
pela rígida moralidade imposta pelos preceitos da
Igreja Católica, deixar de associar a nudez e a aparente
inocência dos índios com a existência de um paraíso
terreno. A idéia de paraíso é reforçada quando Cami-
nha relaciona a robustez desses homens com o am-
biente em que vivem: porque os seus corpos são tão
limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser
mais! E isso me faz presumir que […] o ar em que se
criam os faz tais.
Na descrição da terra é ressaltada a abundância
de águas limpas e de alimentos ao alcance da mão,
pois esses novos homens “não lavram nem criam […]
e nem comem senão desse inhame, de que aqui há
muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as ár-
vores de si deitam. E com isso andam tais e tão rijos
[…] que o não somos nós tanto, com quanto trigo e
legumes comemos. Ou seja, nesse paraíso não se
precisava trabalhar para comer, pois a existência era
garantida pela própria natureza.
Percebe-se também o deslumbramento de Cami-
nha com a diversidade animal e vegetal. A todo mo-
mento faz referências ao arvoredo que considera tan-
to e tamanho e tão basto e de tanta quantidade de
folhagem que não se pode calcular”, conferindo im-
pressionante formosura àquela terra, que lhe parecia
bem grande, pois se estendia a perder de vista.
Embora não encontrassem nada com que comer-
ciar, Caminha tem certeza de que a terra será a Portu-
gal muito proveitosa. “Até agora não podemos saber
se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou
ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de
muitos bons ares, frescos e temperados […] Em tal
maneira é graciosa, que, querendo aproveitar, dar-se-
á nela tudo.
Caminha também comenta o cotidiano dos por-
tugueses naqueles dez dias. Eles logo procuraram
descobrir onde podiam encontrar água e lenha para
reabastecer os navios. Foram dias lúdicos, em que
dispunham de tempo para folgar, pescar, lavar roupas
e, nos encontros com os índios, dançar e brincar.
Houve tempo também para escrever para casa e para
El-Rei, dando notícias do achamento’ da nova terra.
E puderam ainda cuidar dos deveres religiosos, rezar
missa, levantar uma cruz, momentos em que procu-
ravam apresentar aos índios os rituais da fé católica.
Puderam além disso convencer os índios a acei-
tar a presença de dois degredados enviados a suas
aldeias, instruídos para lá andar com eles e saber de
seu viver e maneiras. E foram tão bons esses dias, que
dois grumetes fugiram, na véspera da partida, prefe-
rindo permanecer naquele paraíso.
As descrições de Caminha não podem ser tomadas ao
pé da letra. É preciso levar em conta o pouco tempo
que aqui permaneceu, e suas próprias características
pessoais, como homem que vivia em um determina-
do contexto histórico, reproduzindo o imaginário
corrente da época.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
Procure levar os alunos a ler e discutir a Carta de Pero
Vaz de Caminha em sala de aula, atividade que pode ser
lúdica e prazerosa. O texto é de fácil acesso, pois exis-
tem várias edições no mercado e também está disponí-
vel na Internet, em sites a respeito do descobrimento
(www.fundaj.gov.br/500/caminha2.html)
Oriente e comente a leitura, chamando a atenção
para vários detalhes da aventura vivida por aqueles
homens, o encantamento com os índios e com a nova
terra, o cotidiano da viagem, as necessidades de abas-
tecimento de água, a composição da tripulação, a
condição dos degredados etc.
35
Programa 5
34
os primeiros trinta anos após o Descobrimen-
to, Portugal não se interessou em ocupar a nova
terra, investindo todos seus esforços no comér-
cio das especiarias com o Oriente. Mas, ao final desse
período, o comércio já deixara de ser tão lucrativo e, ao
mesmo tempo, tanto franceses quanto ingleses questio-
navam os direitos de Portugal sobre o Brasil.
Ao longo daqueles anos, haviam sido enviadas
expedições de reconhecimento do litoral e de explo-
ração de possíveis riquezas, como a extração e o co-
mércio de pau-brasil. Ao mesmo tempo, iam se estrei-
tando as relações com os índios, ocorriam os primei-
ros conflitos e começavam as investidas dos france-
ses, interessados em se estabelecer aqui.
Expedições exploratórias
As primeiras expedições, que tinham por missão fa-
zer o reconhecimento da costa e cuidar de sua defe-
sa, iniciaram a exploração dos produtos da terra,
como o pau-brasil, estabelecendo aqui feitorias. As
mais conhecidas foram as capitaneadas por Gaspar de
Lemos, em 1501, e as duas de Gonçalo Coelho (1501/
02 e 1503/04), das quais participou Américo Vespúcio.
As expedições chamadas de guarda-costas’ ti-
nham como finalidade combater o contrabando, de-
fendendo a costa das incursões de franceses e espa-
nhóis. As mais conhecidas foram as de Cristóvão
Jacques (1516, 1521, e 1527).
A COR DO PAU-BRASIL
NN
NN
N
Pode ser feita uma dramatização das situações
descritas por Caminha. Outra idéia consiste em pe-
dir para os alunos fazerem redações comentando o
que imaginam a respeito das expectativas e das im-
pressões daquelas pessoas.
37
A cor do pau-brasilPrograma 5
36
Muitos navios piratas franceses circulavam pelo li-
toral e, com a ajuda dos índios, contrabandeavam pau-
brasil. Uma dessas naus, a Pélérine, capturada pelos
portugueses abarrotada de pau-brasil, levava também
tudo que os franceses julgavam exótico, capaz de des-
pertar a curiosidade dos europeus e passível de
comercialização: peles de animais, papagaios, sagüis,
algodão e plantas consideradas medicinais.
A freqüência com que os contrabandistas chega-
vam à costa brasileira preocupou a Coroa portugue-
sa, que se mobilizou para explorar mais efetivamente
as riquezas da nova terra, principalmente o pau-
brasil, com a ajuda de capitais particulares.
A exploração do pau-brasil
A palavra ‘brasil’, de acordo com o dicionário do Au-
rélio, tem sua origem no francês brésil, que é uma al-
teração do italiano verzino, nome atribuído a madei-
ras de coloração vermelha, importada do Oriente e
empregada para tingir tecidos.
Outra possível origem do nome Brasil deriva de uma
ilha imaginária, conhecida como Hy Brazil, que, segun-
do a lenda divulgada na Europa medieval, teria sido co-
lonizada pelo monge irlandês São Brandão. Essa ilha,
que aparece em vários mapas da época em distintas lo-
calizações, teria a característica de se deslocar pelo oce-
ano. Segundo essa vertente, a palavra viria do celta,
bress, origem do verbo inglês to bless, que significa aben-
çoar’. Brasil, portanto, significaria terra abençoada.
Provavelmente, as primeiras amostras de pau-
brasil foram para Portugal já na caravela que levou a
notícia da descoberta das novas terras – ou então em
uma expedição do ano seguinte. A árvore era conhe-
cida pelos indígenas como ibirapitanga, ou arabutã.
Não era uma árvore colossal – chegava a cerca de 15
metros de altura –, mas os nativos demoravam em
média quatro horas para derrubá-la, com seus macha-
dos de pedra. Era encontrada por todo o litoral, do
cabo de São Roque a Cabo Frio, mas a maior concen-
tração era na região de Pernambuco.
Nessa época de intenso comércio de especiarias, as
plantas das quais se podia extrair tinta tinham grande
interesse comercial. Por isso o pau-brasil foi logo de-
clarado monopólio, ou estanco, da Coroa: sua explora-
ção e sua comercialização eram prerrogativas do rei, que
arrendava esse direito a outras pessoas. O primeiro
desses arrendatários foi Fernando de Noronha.
A exploração do pau-brasil
era feita a partir de feitorias,
erguidas em locais convenien-
tes ao longo da costa para
juntar a madeira a ser trans-
portada para os navios. As pri-
meiras feitorias, em Pernam-
buco, Cabo Frio e Rio de Janei-
ro, eram meras paliçadas, que
abrigavam um pequeno grupo
de portugueses. Nelas a derru-
bada era negociada com os ín-
dios e as toras eram estocadas, à espera de naus que
pudessem carregá-las para Portugal. Os europeus
engajados na exploração do pau-brasil ficaram co-
nhecidos como ‘brasileiros’, nome que logo se esten-
deu a todos os nascidos na nova terra.
A derrubada na mata e o transporte para o litoral
eram feitos pelos índios em troca de contas e espelhos,
além, evidentemente, de facas e machados de ferro, no
sistema conhecido como escambo. Nesse início de co-
lonização os índios não eram escravizados.
As naus seguiam para a Europa abarrotadas de
madeira. A nau Bretoa, que esteve no Brasil em 1511
Uma feitoria
39
A cor do pau-brasilPrograma 5
38
com a incumbência de obter a maior carga de pau-
brasil de boa qualidade, com a menor despesa possí-
vel”, transportou mais de 100 toneladas da preciosa
madeira. O lucro de Fernando de Noronha e seus
sócios foi sem dúvida bem razoável – embora vales-
se sete vezes menos que um navio carregado de es-
peciarias, o pau-brasil ainda propiciava lucros de até
300 por cento.
O início da colonização
Os livros didáticos costumam se referir brevemente
aos anos iniciais da colonização, sem levar em conta
os homens que dela participaram e o caráter de aven-
tura envolvido em todo o processo. Vale a pena pen-
sar nas motivações desses exploradores, nos desejos
e sonhos que os levaram a se embrenhar em uma
terra desconhecida em busca de riqueza, de reinos
míticos e de uma vida de liberdade – um mundo
muito diferente daquele da metrópole.
O declínio dos lucros no comércio das especiarias
e a constante presença de franceses e espanhóis no
litoral brasileiro, além das notícias de que os espa-
nhóis haviam encontrado ricas jazidas de prata ao
conquistar o império inca, serviram de motivação para
a Coroa portuguesa empreender a ocupação efetiva
do território.
Em 1530, Martim Afonso de Souza chefiou uma
expedição que, além de seu caráter militar, tinha
também o objetivo de colonizar a nova terra, fun-
dando núcleos de povoamento. O comandante re-
cebeu também instruções no sentido de explorar o
rio da Prata, procurando estabelecer rotas de
interiorização, em direção a possíveis jazidas de
metais preciosos.
Ao chegar ao litoral pernambucano, Martim
Afonso apresou três naus francesas. Dali mandou
duas caravelas para explorar a região norte, enquan-
to o resto da armada seguia em direção ao sul,
aportando na Bahia, no Rio de Janeiro e em
Cananéia (SP). Deste último ponto partiu uma ex-
pedição de oitenta homens, comandada por Pero
Lobo, com a incumbência de adentrar o sertão e
chegar ao império inca – com trágico destino, pois
foi destroçada por índios bravios. Enquanto isso, o
restante da expedição seguia para o sul, em direção
Índios cortando pau-brasil
41
Programa 6
40
ao Prata. Em 1532, ao regressar do Prata, Martim
Afonso fundou o primeiro núcleo de povoamento –
que chamou de São Vicente – e fez instalar o pri-
meiro engenho de cana-de-açúcar.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
Procure explorar alguns textos que relatam as aven-
turas da época. Os livros mais conhecidos são os de
Américo Vespúcio, Cabeça de Vaca, Hans Staden e Jean
de Léry. Alguns cronistas se deixaram levar um pou-
co pela fantasia, outros são mais realistas e objeti-
vos. Seja como for, esses missionários, aventureiros
e viajantes que aqui moraram, ou estiveram apenas
de passagem, constituem uma fonte valiosíssima para
o conhecimento desse período. Há fartas descrições
de costumes indígenas – alimentação, moradia, tare-
fas cotidianas, religião e seus rituais. Entre todos os
assuntos, o que costuma despertar debates mais ani-
mados em classe é o canibalismo.
Vários livros didáticos apresentam trechos desses
relatos. Procure selecionar alguns e distribua entre os
alunos, organizados em grupos, para que leiam o texto
e discutam entre si. Para encerrar, promova uma discus-
são coletiva, fazendo um apanhado geral a respeito dos
primeiros contatos com os povos indígenas.
omo a Coroa portuguesa, afinal, enfrentou o
dilema que se lhe apresentava: ocupar as ter-
ras brasileiras, ou perdê-las para as outras na-
ções? Quais os problemas e as dificuldades encontra-
dos pelos primeiros administradores e habitantes eu-
ropeus na nova terra? Quais foram as soluções?
Para resolver as questões relativas à administração
colonial, a Coroa portuguesa instituiu inicialmente o sis-
tema de Capitanias Hereditárias. Esse sistema, que já ha-
via sido implantado nas ilhas de Açores e Madeira, pre-
tendia atender à demanda de defesa efetiva e de povoa-
mento da terra e oferecia a grande vantagem de transferir
para particulares os encargos da colonização, livrando a
Coroa das responsabilidades financeiras e organizacionais
envolvidas por uma empresa de tal envergadura. Ao mes-
mo tempo, tal sistema permitia a ocupação de vários pon-
tos do litoral, assinalando o domínio português.
Em retribuição, a Coroa oferecia aos capitães
donatários uma série de privilégios e direitos, entre os
quais: plenos poderes para legislar e controlar tudo em
suas terras, com permissão inclusive para distribuir
sesmarias e receber a renda dos produtos da terra.
Embora tenham representado o primeiro passo
para o estabelecimento efetivo dos portugueses na
colônia, as capitanias hereditárias não conseguiram,
em sua maioria, atingir os objetivos propostos. Os
capitães se depararam com inúmeros problemas, que
de longe sobrepujavam seus privilégios: insuficiência
DORES DE COLÔNIA
CC
CC
C
43
Dores de colôniaPrograma 6
42
de capital e de pessoal para levar a cabo a empresa
colonizadora, dificuldades de comunicação, transpor-
te e abastecimento, sentiam-se praticamente isolados
e abandonados pela Coroa à própria sorte.
Sem dúvida o maior de todos os obstáculos foi a
constante animosidade dos indígenas. Em cinco das
capitanias, os estabelecimentos foram destruídos por
ataques indígenas, e o capitão donatário da Bahia de
Todos os Santos, Francisco Pereira Coutinho, foi morto
e devorado pelos Tupinambá, depois de um naufrágio.
Apenas duas capitanias, Pernambuco e São Vicente,
conseguiram resultados positivos. Ambas instalaram,
com relativo sucesso financeiro, engenhos de cana-de-
açúcar, estabelecendo assim a base para a colonização.
Mesmo assim, a implantação não se fez sem dificulda-
des. Duarte Coelho, donatário de Pernambuco, escreveu
a El-Rei dando a justa dimensão do que enfrentavam:
“Somos obrigados a conquistar por polegadas as terras
que Vossa Majestade nos fez mercê por léguas”. A rea-
ção dos índios à ocupação de suas terras fez com que
as guerras fossem constantes e violentas, e só a duras
penas os portugueses conseguiram, gradativamente, for-
çar a retirada dos índios para o interior.
O fracasso da iniciativa particular na empresa des-
bravadora, aliado às pretensões de outras nações
européias, evidenciaram que tal empreendimento só
poderia ter sucesso com uma participação mais efeti-
va da Coroa portuguesa.
Com esse objetivo foi criado o Governo-geral,
embora sua implantação não implicasse a extinção
imediata das capitanias. O governador-geral recebeu
a incumbência de centralizar a administração colonial,
reafirmando a soberania e a autoridade da metrópole
na colônia. Esse processo não se deu sem choques: o
donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, questionou
a autoridade do governador-geral e apelou para o rei,
no sentido de preservar sua autonomia.
Em 1549, junto com Tomé de Souza, primeiro go-
vernador-geral, chegaram à colônia mais de mil pes-
soas, incluindo vários funcionários administrativos
que seriam responsáveis pelo estabelecimento da lei
e da ordem. Desembarcaram também os primeiros
jesuítas, chefiados por Manoel de Nóbrega, tendo por
missão principal a conversão do gentio.
O governador mandou trazer de Cabo Verde as
Capitanias hereditárias
45
Dores de colôniaPrograma 6
44
primeiras cabeças de gado, iniciando uma atividade
da maior importância para a manutenção da vida co-
lonial. No ano seguinte chegariam as primeiras mu-
lheres brancas, atendendo à preocupação dos padres
e da administração colonial, escandalizados diante
das uniões ilegítimas com as índias.
Muitos dos primeiros colonos haviam deixado suas
esposas em Portugal e aqui viviam em grande ‘licen-
ciosidade’ com as mulheres índias. Diante da falta de
mulheres brancas, tanto a Igreja quanto as autoridades
eram forçadas a aceitar tal situação, sendo usual se ad-
mitir que “não há pecado além do equador. Como re-
sultado dessas uniões eram gerados inúmeros filhos
mestiços, conhecidos como mazombos.
A instalação na colônia
Inicialmente, Tomé de Souza empreendeu a constru-
ção da vila que daria origem à cidade de Salvador, em
torno da qual prosperaria posteriormente um bom
número de engenhos. Isto só foi possível graças aos
ataques aos índios Tupinambá, que haviam matado
o antigo donatário da capitania. A pacificação’ só se
deu após a destruição de várias aldeias, inclusive com
o enforcamento exemplar de alguns caciques, e após
o trabalho de catequese dos jesuítas, que procuravam
a todo custo combater o canibalismo e a poligamia.
O abastecimento de alimentos era outra grande difi-
culdade. O sustento dos primeiros habitantes europeus
dependia sobremaneira dos índios; consumiam farinha de
mandioca – que apreciavam muito – frutas da região, pes-
cado e mariscos, encontrados com abundância por toda a
costa. Gradativamente foram sendo introduzidas novas es-
pécies, como o coco, o arroz e a cana-de-açúcar que, logo
nos primeiros anos, já produzia o suficiente para o consu-
mo local. Apesar da afirmativa de que nesta terra em se
plantando tudo dá”, os períodos de fome eram uma cons-
tante, assolando periodicamente as vilas coloniais.
O governo de Duarte da Costa (1553-1558), sucessor
de Tomé de Souza, foi marcado por problemas do mes-
mo tipo, exacerbados pelas disputas com os jesuítas, que
condenavam a escravização indiscriminada dos índios.
Mem de Sá, o terceiro governador-geral, chegou
ao Brasil em 1558 e encontrou a colônia à beira de
uma guerra civil. As lutas entre índios e brancos eram
agravadas pela invasão dos franceses, que em 1555
haviam construído uma fortificação na região da baía
da Guanabara, com o objetivo de estabelecer a colô-
nia a que deram nome de França Antártica.
Desde sua chegada, Mem de Sá procurou implantar
a lei e a ordem, tomando medidas rigorosas que inclu-
íram o extermínio de centenas de milhares de índios e
o combate aos franceses onde quer que tentassem se
estabelecer. Conseguiu expulsá-los definitivamente em
1560. Promulgou também leis severas para regulamen-
tar a vida dos colonos, coibindo o jogo, a vadiagem e a
embriaguez. Instalou muitos engenhos e incentivou o
tráfico de escravos negros. Ao final de seu governo, con-
solidava-se o domínio português no Brasil.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
Após discutir com os alunos os primeiros anos da colo-
nização, peça para redigirem um texto a respeito das
dificuldades encontradas pelos portugueses para defen-
der, administrar e explorar a nova terra. Destaque a im-
portância do contato com a cultura indígena para a pró-
pria sobrevivência do europeu, valorizado inclusive pe-
los casamentos entre portugueses e índias. Afinal, foi com
os índios que eles aprenderam o que comer, como cons-
truir suas casas e como identificar plantas medicinais nas
matas, construindo assim um novo modo de vida.
47
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Caminha. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999.
RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização. A repre-
sentação do índio, de Caminha a Vieira. Rio de Ja-
neiro, Jorge Zahar, 1996.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. A questão
do outro. São Paulo, Martins Fontes, 1983.
Filmografia
Como era gostoso meu francês, de Nelson Pereira dos
Santos, 1970.
1492. A conquista do paraíso - Cristóvão Colombo, de
Ridley Scott, 1992.
Hans Staden, de Luís Alberto Pereira, 1999.
51
Gente colonial
ão tem sido uma prática, em nossas salas de
aula, discutir as características mais ‘huma-
nas’ e corriqueiras de homens e mulheres de
outros períodos. Estamos nos referindo às formas
de sociabilidade que envolvem nascer e morrer,
amar e casar-se, ter filhos e constituir família, ad-
ministrar a vida doméstica, relacionar-se com vizi-
nhos e parentes e assim por diante. Enfim, estamos
falando do dia-a-dia em que vive qualquer pessoa,
em qualquer época.
Durante muito tempo, apresentou-se uma imagem
estereotipada da família colonial, tomando como
exemplo a vida dos senhores, senhoras e sinhazinhas
dos engenhos, cuja estrutura familiar tinha por mo-
delo a família patriarcal.
O padrão colonial de boa filha, boa esposa e boa
mãe imposto à mulher exigia que um homem a guias-
se, sob a proteção formal da instituição familiar. Era
a única maneira de ser uma pessoa considerada res-
peitável, à qual estavam destinadas atividades ligadas
ao forno, fogão, agulha” nas palavras de Jurandir
Freire Costa (1989).
Uma característica sempre apontada em relação à
vida das mulheres no período colonial é o isolamen-
to e a reclusão a que eram submetidas. Afirma-se com
bastante recorrência que em apenas três ocasiões lhes
era permitido sair do lar: para se batizar, para se ca-
sar e para ser enterrada. Viajantes como Froger acha-
GENTE COLONIAL
NN
NN
N
53
Gente colonialPrograma 1
52
vam que as mulheres são de dar pena, pois jamais
vêem ninguém e apenas saem aos domingos, ao raiar
do dia, para ir à igreja.
Que significados podemos atribuir a esse isola-
mento? Para tal conduta confluíam vários fatores,
como o casamento por interesses econômicos, nor-
malmente imposto pela família; a inferioridade atri-
buída à mulher enquanto espécie’; sua dependência
econômica em relação ao homem, chefe da família; a
rigorosa divisão social do trabalho; os longos perío-
dos de gravidez e ‘resguardo’; e, enfim, todos os cui-
dados com a moral feminina.
Em resumo, o isolamento em que as mulheres
viviam traduzia, nas palavras de Jurandir Freire Costa
(1989):
[…] o papel instrumental que as mulheres desempenha-
vam na reprodução do regime econômico. Agentes pas-
sivos na multiplicação das riquezas do marido, elas per-
petuavam a máquina de opressão ao mesmo tempo que
a ela se submetiam.
Esse isolamento originou a imagem da mulher reclu-
sa no interior de sua casa, em ócio permanente, dei-
tada na rede e recebendo cafuné das escravas. No
entanto, na intimidade, eram elas as responsáveis
pela organização doméstica e pela subsistência da
família, transmitindo e preservando os conhecimen-
tos com os quais se trançavam os fios das rendas e
dos bordados, se confeccionavam bolos, doces e com-
potas. Guardiãs dos segredos das mezinhas, xaropes
e outras beberagens, cuidavam da saúde do marido e
dos filhos, bem como de um bom número de mora-
dores – avós, primos, afilhados, e muitos outros agre-
gados’ que faziam parte da família.
O rótulo de preguiçosas e indolentes’ foi atribuí-
do às mulheres principalmente por viajantes que as
observavam muito mais do ponto de vista de sua pró-
pria cultura, sem levar em conta o funcionamento da
casa colonial, que se organizava como uma pequena
empresa, constituindo ao mesmo tempo uma unida-
de de produção e de consumo.
A diversidade do mundo feminino
A historiografia mais recente tem feito emergir uma
diversidade de perfis de mulheres do mundo colonial,
que ocupavam outros espaços e desempenhavam
funções distintas. A experiência de escravas e de mu-
lheres livres pobres era bem diferente da vivenciada
nas casas-grandes e nos sobrados das vilas coloniais.
As mulheres livres e pobres que não contavam
com a proteção formal de um marido – sendo portan-
to responsáveis pelo próprio sustento e pelo de seus
filhos – eram muito malvistas pelas autoridades co-
loniais, principalmente pelos religiosos, que contra
elas levantavam a suspeita de vida fácil’.
Desde o início da colonização encontramos mu-
lheres cuidando de pequenos negócios, como
taverneiras, ou que davam de comer em sua casa,
costureiras, padeiras, donas de vendas ou mesmo
vendedoras de comida pelas ruas. Dispunham de uma
liberdade de movimentos impensável para a mulher
do sobrado ou da casa-grande, de tal forma que seu
comportamento era muitas vezes confundido com
prostituição ou desregramento de costumes.
De fato, vivendo em situações de pauperismo, em
uma sociedade que lhes oferecia poucas opções de
subsistência, chegavam no limite a ser obrigadas a se
prostituir. Por outro lado, nas vilas coloniais, se de-
senvolveu progressivamente a função que ficou co-
nhecida como escravos de ganho. Eram principal-
mente negras, mandadas às ruas pelos seus senhores
para conseguir ganhos extras.
55
Gente colonialPrograma 1
54
As escravas de ganho’ inundavam as ruas das vi-
las vendendo toda sorte de quitutes e quinquilharias,
num vaivém constante. Eram obrigadas por seus se-
nhores a entregar ao fim do dia uma determinada
quantia, e por isso muitas acabavam se prostituindo
para completar o estipulado. Há também notícias de
senhores que obrigavam suas escravas a trabalhar
como meretrizes. Essa questão nos remete direta-
mente à imagem da mulher como objeto sexual,
construída principalmente em torno da mulher ne-
gra e escrava.
É figura recorrente no imaginário brasileiro que
os senhores utilizavam suas escravas não apenas nos
trabalhos do eito ou nas tarefas domésticas, mas tam-
bém para a prestação de serviços sexuais. O tripé so-
bre o qual se apoiavam as relações sexuais na colô-
nia era constituído por sexo pluriétnico, escravidão e
concubinato. Não se pode, no entanto, construir uni-
camente a imagem de que os encontros sexuais des-
se tipo eram episódicos e se resumiam à busca ime-
diata de prazer. Também se pode pensar que as es-
cravas preferidas dos senhores deveriam ter um cer-
to prestígio, que as fazia sobressair entre os outros
cativos da casa.
Embora seja bastante forte a imagem das escra-
vas como instrumento sexual, elas também exer-
ciam as mais diversas funções na sociedade colo-
nial – amamentavam as crianças e delas cuidavam,
teciam e bordavam com as senhoras, carregavam
água, cozinhavam, tratavam da higiene dos mem-
bros da casa e abanavam seus senhores, aliviando-
os dos impertinentes insetos e dos rigores do calor.
No entanto, não eram vistas como pessoas, pois a
relação dos senhores com elas se aproximava de
uma completa coisificação. É nesse sentido que
transcorria a convivência com os escravos no inte-
rior da casa.
Vendedoras de milho
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Gente colonialPrograma 1
56
O jantar no Brasil
A sociabilidade colonial
Quase todos os viajantes afirmam que no interior das
casas-grandes e dos sobrados se vivia cotidianamen-
te com uma certa simplicidade; não se mostrava pre-
ocupação com o que se vestia, nem tampouco com o
mobiliário, simples e despojado. No entanto, por oca-
sião de eventos públicos, se exibia ostentação e luxo.
A vida nas vilas se distinguia por um sem-número de
comemorações. Tudo era motivo para festejar. Os via-
jantes se impressionavam com as excessivas festas,
afirmando que essa sociedade se dedicava mais a
celebrações que ao trabalho.
A grande maioria das festas do período colonial
girava em torno de eventos religiosos: os dias santos
eram celebrados com missas e procissões; festejava-
se o padroeiro, a semana santa, o translado das ima-
gens de uma igreja para outra, a chegada de autori-
dades eclesiásticas e assim por diante. Também ha-
via festas nos aniversários e em outras datas impor-
tantes da vida da família real ou, num âmbito mais
restrito, em casamentos e batizados. Até mesmo o iní-
cio da moagem era motivo para comemorar.
Nas festas, os senhores da terra mostravam todo
seu poder e riqueza. Fernão Cardim, jesuíta que em
meados de 1580 visitou Pernambuco, observa:
Vestem-se, e as mulheres e filhos de toda sorte de velu-
dos, damascos e outras sedas, e nisto têm grandes ex-
cessos. As mulheres são muito senhoras, e não muito
devotas, nem freqüentam as missas, pregações, confis-
sões etc., os homens são tão briosos que compram
ginetes de 200 e 300 cruzados, e alguns têm três, qua-
tro cavalos de preço. São mui dados a festas. Casando
uma moça honrada com um vianês, que são os princi-
pais da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de
veludo carmesim, outros de verde, e outros de damas-
co e outras sedas de várias cores, e os guiões e selas
dos cavalos eram da mesma seda que iam vestidos.
Aquele dia correram touros, jogaram canas, pato,
argolinha, e vieram dar visita ao colégio para os ver o
padre visitador; e por esta festa se pode julgar o que
farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São so-
bretudo dados a banquetes, em que de ordinário andam
comendo um dia dez ou doze senhores de engenho jun-
tos, e revezando-se desta maneira gastam quanto têm,
e de ordinário bebem cada ano 50 mil cruzados de vi-
nhos de Portugal; e alguns anos bebem oitenta cruza-
dos dados em rol. Enfim em Pernambuco se acha mais
vaidade que em Lisboa. (in Araújo, 1997)
Nesses dias de festa, a população das vilas assistia
grandes espetáculos, ou até participava deles, pois as
procissões eram acompanhadas de cortejos magnífi-
cos, com carros alegóricos, alas fantasiadas, dançari-
nos e mascarados, e muita música. Há quem afirme
que nessas procissões estaria o elo mais longínquo
dos desfiles carnavalescos”.
Nessas ocasiões, a cidade se travestia, apresentan-
do uma movimentação e um colorido que contrasta-
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Gente colonialPrograma 1
58
vam fortemente com o cotidiano: bandeirolas, fogos
de artifício, luminárias, flores perfumadas cobrindo as
ruas e colchas adamascadas adornando as janelas e
os balcões das casas.
Conforme testemunha Luís dos Santos Vilhena, nas
procissões as mulheres ricas exibiam-se:
[…] com suas mulatas e pretas vestidas com ricas saias
de cetim, becas de lemiste finíssimo e camisas de
cambraia ou cassa, bordadas de forma tal que vale o
valor três ou quatro vezes mais que a peça; e tanto é
o ouro que cada uma leva em fivelas, pulseiras, cola-
res ou braceletes e bentinhos que, sem hipérbole, bas-
ta para comprar duas ou três negras ou mulatas como
a que o leva; e tal conheço eu que nenhuma dúvida se
lhe oferece em sair com quinze ou vinte assim orna-
das. Para ver as procissões é que saem acompanha-
das de uma tal comitiva. (in Araújo, 1997)
Em contrapartida, nas grandes festas, negros, pardos
e mulatos manifestavam suas práticas culturais, de
origem africana, tais como cocos, lundus e congos,
danças que mesclavam tradições africanas e elemen-
tos das representações populares luso-espanholas –
e que as autoridades consideravam danças indecen-
tes e imorais, além de pecaminosas e fetichistas.
As irmandades que congregavam ‘homens de cor
promoviam suas próprias festas, com freqüência
dedicadas a seus santos protetores, como São Gon-
çalo; eram celebrações ricas, que seguiam o modelo
das festas das irmandades de brancos. La Barbinais,
viajante francês do início do século XVIII, assim des-
creveu a festa de São Gonçalo em Salvador:
[…] fizeram-nos também dançar, quiséssemos ou não, era
uma coisa muito singular ver, numa igreja de padres,
mulheres, monges, cavalheiros e escravos dançarem e
saltarem lado a lado, gritando em altas vozes: – Viva São
Gonçalo do Amarante! Depois pegaram uma pequena
imagem do santo que estava sobre o altar e começaram
a jogá-la à cabeça uns dos outros. (in Araújo, 1997)
Nesses momentos, a ordem e as normas rígidas que
comandavam o comportamento eram até certo ponto
subvertidas. As festas não deixam, entretanto, de repro-
duzir no seu interior as contradições da sociedade e as
diferenças sociais e econômicas, preservando-se como
território do lúdico, no qual os homens constroem uto-
pias e fantasias. Nas palavras de Mary del Priori (1994):
A alegria da festa ajuda as populações a suportar o tra-
balho, o perigo e a exploração, mas reafirma, igualmen-
te, laços de solidariedade, ou permite aos indivíduos
marcar suas especificidades e diferenças.
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividadesSugestão de atividades
Sugestão de atividades
1. Condição feminina: peça para os alunos fazerem
uma redação com o tema “Uma mulher de minha
família. Oriente-os, mostrando que devem descre-
ver a vida, as atividades diárias e as funções que a
mulher desempenha na sociedade. Diga para com-
pararem a vida das mulheres contemporâneas com
a das mulheres do período colonial.
2. Sociabilidade: Proponha a organização de um ca-
lendário das festas comemoradas em sua cidade.
Peça a seguir para os estudantes pesquisarem as
origens dessas festas e as transformações pelas
quais passaram. Oriente a consulta de livros ou
dicionários de folclore, como o de Câmara
Cascudo. No final pode ser feito um painel ou
uma exposição com as informações coletadas,
com fotografias, desenhos, letras de músicas,
roupas e outros elementos característicos. Essa
atividade pode ser desenvolvida conjuntamente
com outras disciplinas.
61
Programa 2
60
cultivo da cana-de-açúcar, planta nativa do sudeste
asiático (mais precisamente, da região de Bengala,
na Índia) foi difundido no Ocidente pelos árabes. A
palavra açúcar’, segundo o dicionário de Aurélio Buarque
de Holanda, vem do sânscrito e significa grão de areia.
Até meados do século XIV, o açúcar era valoriza-
do na Europa principalmente por suas propriedades
medicinais, sendo empregado na fórmula de diversos
xaropes e beberagens. Era mais necessário nas boti-
cas que nas cozinhas, pois até então os povos do
Ocidente só conheciam uma substância para adoçar
seus alimentos: o mel de abelha.
Artigo raro, de alto valor no mercado – a ponto de
figurar no dote de rainhas –, o açúcar só passou a ser
produzido em escala comercial a partir do século XVI.
Nessa época, o cultivo da cana-de-açúcar se difundiu
nas ilhas portuguesas de Madeira, São Tomé e Açores
e depois foi trazido para o Brasil, provavelmente pe-
las primeiras expedições que aqui estiveram.
Martim Afonso de Souza foi responsável pela implan-
tação do primeiro engenho na colônia – na região de São
Vicente. Em pouco tempo foram se estabelecendo enge-
nhos em várias regiões, principalmente no Recôncavo
baiano e na capitania de Pernambuco. Em 1584 havia
aproximadamente 115 engenhos, que exportavam para a
Europa algo em torno de 350 mil arrobas de açúcar.
A grande maioria dos livros didáticos trata dos as-
pectos econômicos do engenho, vinculados ao antigo
CANA DE MEL, PREÇO DE FEL
OO
OO
O
Bibliografia
ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios. Transgressão e
transigência na sociedade colonial. Rio de Janeiro/
Brasília, José Olympio/UNB, 1997.
CARDOSO, Irede. Os tempos dramáticos da mulher bra-
sileira. São Paulo, Centro Editorial Latino-Ameri-
cano, 1981.
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma fami-
liar. Rio de Janeiro, Graal, 1989.
PRIORI, Mary del (org.). História das mulheres no Bra-
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Brasiliense, 1994.
SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida priva-
da no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
63
Cana de mel, preço de felPrograma 2
62
sistema colonial. Poucos, no entanto, abordam a com-
plexidade do ambiente sociocultural criado por essa
atividade – o funcionamento da casa-grande, a religio-
sidade, as formas de sociabilidade, a vida cotidiana, a
vila colonial e sua relação com os engenhos.
É importante mostrar aos alunos que, por trás das
análises econômicas, houve pessoas como nós mes-
mos vivenciando um cotidiano permeado por dificul-
dades quase inimagináveis hoje, em relação a abas-
tecimento, comunicação, transporte etc.
O dia-a-dia no engenho
Um breve olhar para o interior das casas mostra como
a vida daquelas pessoas era bem diferente da nossa: na
cozinha, a brasa do fogão a lenha estava sempre acesa;
não faltavam cacimbas, cisternas ou grandes potes para
guardar a água; a iluminação era feita com velas de sebo
ou candeeiros; havia penicos para recolher os dejetos
corporais; e muitos outros detalhes se distinguiam.
O ritmo da vida cotidiana era marcado pelos tem-
pos da natureza: levantava-se com o nascer do sol e
dormia-se quando ele se punha. Os raros momentos
de convívio social aconteciam normalmente na igre-
ja ou capela, onde as pessoas da comunidade se reu-
niam aos domingos, nos dias santificados, ou em ce-
rimônias de batismo, casamento, ou funeral. A presen-
ça de hóspedes rompia eventualmente o ritmo do-
méstico – a carência de pousos e estalagens tornava
praticamente obrigatória a hospedagem de viajantes.
O engenho colonial era um conjunto formado ti-
picamente por:
casa-grande, na qual moravam o senhor e sua
família, centro de irradiação de toda atividade
econômica e social da propriedade;
capela, que congregava a vida religiosa e social;
engenho propriamente dito, descrito por Antonil
no início do século XVIII como uma máquina e
fábrica incrível”;
senzala, moradia dos escravos.
É interessante imaginar um pouco como transcorria a
vida nesse ambiente. Na casa-grande, o senhor determi-
nava ao feitor as ordens do dia ou verificava suas contas.
As senhoras e sinhazinhas dedicavam-se aos bordados e
rendas, ao mesmo tempo que comandavam o serviço das
escravas; estas se ocupavam das tarefas domésticas e, na
cozinha, preparavam a comida trivial e se dedicavam a
conservar as frutas, fazendo compotas.
As crianças muito pequenas eram amamentadas
pelas amas-de-leite, enquanto as maiores brincavam
sob os olhares das amas-secas. As que chegavam à
idade escolar aprendiam as primeiras letras e a fazer
Engenho de Serinhaém, em Pernambuco, século XVII
65
Cana de mel, preço de felPrograma 2
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contas com o capelão, também responsável pela edu-
cação religiosa.
Na senzala se aglomeravam os escravos, que em
alguns engenhos chegavam a 150 ou 200 peças. Lá o
burburinho era grande, em certos momentos do dia: os
que haviam trabalhado durante a noite dormiam em
suas esteiras, enquanto as crianças corriam ao redor,
outros cozinhavam ou cuidavam dos doentes ou aciden-
tados no trabalho. Também lá estavam os escravos que
haviam recebido determinados tipos de punição. À noi-
te, quando o trabalho terminava para alguns, e o senhor
permitia, era a hora dos batuques e das danças.
O engenho funcionava ininterruptamente, dia e
noite, durante oito a nove meses, enquanto durava a
safra. Pode-se imaginar o movimento das carretas de
boi descarregando cana ou lenha; a moenda girando
impulsionada por animais ou por rodas de água; os
escravos alimentando as fornalhas fumegantes, às
quais Antonil se referiu como “viva imagem dos vul-
cões […] do Purgatório ou do Inferno.
Também se pode imaginar a atividade dos escravos,
supervisionados pelo mestre de açúcar, nas várias eta-
pas de produção: os caldeireiros mexendo o caldo e re-
tirando a escuma, os purgadores responsáveis pelo bran-
queamento do açúcar, que posteriormente seria coloca-
do a secar ao sol e encaixotado para comercialização.
Etapas da produção do açúcar
Moenda: a cana era moída e o caldo recolhido.
Casa das fornalhas: o caldo era cozido e apurado, em
caldeiras e tachas – era o domínio do mestre de açúcar.
Tendal das formas: o caldo cozido era posto para
condensar e esfriar.
Casa de purgar: o açúcar era cristalizado e branqueado.
Por último, o açúcar era quebrado, secado ao sol e
embalado para exportação.
Afora as atividades ligadas à lavoura da cana e ao
refino do açúcar, o funcionamento de um engenho de-
pendia de barqueiros e canoeiros para o transporte flu-
vial do açúcar; carreiros para guiar os carros de boi, que
tanto transportavam lenha como cana; carpinteiros, olei-
ros e vaqueiros, que cuidavam dos estábulos; e outras
pessoas que se ocupavam de atividades subsidiárias.
A cana tanto podia ser cultivada no engenho quan-
to ser fornecida por plantadores de fora. Alguns eram
donos de sua terra e levavam a cana para moer no
engenho, pagando com uma parcela do açúcar pro-
duzido. Outros lavradores, apesar de serem donos da
terra, tinham obrigação de entregar toda a cana pro-
duzida para ser moída no engenho; ficaram conheci-
dos como lavradores ‘de cana obrigada. Havia tam-
bém os arrendatários e meeiros, com diferentes tipos
de obrigação para com o senhor, sendo o traço comum
a todos a dependência das terras do engenho.
Assim, a grande propriedade, com a concentração
de considerável extensão de terra em mãos de uma
só pessoa, constituía a base do poder; em torno do
senhor de engenho girava uma vasta clientela. Entre
os dois extremos – senhor e escravo –, muitos homens
desenvolviam graus variados de dependência ao se-
nhor, configurando a base de seu poder patriarcal.
Antonil afirma: “O ser senhor de engenho é título a
que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servi-
do, obedecido e respeitado de muitos”.
No entanto, o engenho não era uma unidade auto-
suficiente: dependia da aquisição de uma série de mer-
cadorias. Eles eram construídos de preferência próximo
ao litoral, ou a rios navegáveis, por onde era possível
escoar as safras de açúcar e receber as encomendas. Os
barcos traziam a madeira derrubada na floresta para ali-
mentar as fornalhas e transportavam também mercado-
rias adquiridas nas vilas: tecidos de vários tipos, linha,
agulha, papel e tinta para escrever, anzóis e linha para
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Cana de mel, preço de felPrograma 2
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pescar, pratos e jarros de estanho para uso dos escra-
vos, enxadas e foices para o trabalho na lavoura, copos
de vidro e louça para servir aos trabalhadores mais gra-
duados, azeite, vinho, vinagre, sardinha, bacalhau, pei-
xe, toucinho, carne de vaca ou de porco etc.
Os engenhos que não dispunham de rios nas pro-
ximidades dependiam fortemente dos carros de boi e
das estradas, sempre em péssimas condições.
A vila colonial
As vilas surgiram, em sua grande maioria, ao redor de
fortes, feitorias, ou mesmo nas proximidades de al-
gum grande engenho. Sempre se construía uma igre-
ja e no largo diante dela se erguia uma grande cruz;
perto dela o edifício da Câmara, onde funcionava a
administração geral, e a cadeia.
Em geral eram vilas pequenas, com arruados
simples, sem calçamento e com um cotidiano de
pouco movimento. As pessoas viviam mesmo em sí-
tios, chácaras e engenhos, indo para as vilas apenas
em ocasiões especiais. Algumas dessas vilas prospe-
raram devido à atividade econômica desenvolvida
em torno delas, ou porque funcionavam como cen-
tros políticos e administrativos, a exemplo de Olinda
e Salvador.
Nestas últimas a vida era mais movimentada. O
autor de Diálogos das grandezas do Brasil (1618) afir-
ma que em Olinda existiam muitos e bons edifícios
e famosos templos, sendo uma vila assaz grande,
onde “habitam inumeráveis mercadores com suas
lojas abertas, colmadas de mercadorias de muito pre-
ço, de toda sorte, em tanta quantidade que semelha
uma Lisboa pequena.
A Companhia de Jesus mantinha uma escola pú-
blica, na qual os padres ensinavam a ler e a escrever,
além de ministrar educação religiosa. Havia igrejas de
diversas ordens: da Companhia de Jesus, dos padres
de São Francisco, da ordem Capucha de Santo Antô-
nio, o mosteiro das carmelitas, o mosteiro dos
beneditinos etc.
Recife e Salvador eram os principais portos de
embarque do açúcar para a metrópole. No de Reci-
fe, segundo o mesmo autor, sempre se acham an-
corados, em qualquer tempo do ano, mais de trinta
navios, porque lança de si em cada ano, passante
de cento e vinte carregados de açúcares, pau do
brasil e algodões.
Na maioria das vilas coloniais, as condições de
vida eram precárias: doenças e epidemias atingiam
com freqüência seus habitantes e a falta de gêneros
alimentícios provocava períodos de fome generaliza-
da. Referindo-se à cidade de Salvador, o historiador
João José Reis (1991) observa que:
Serinhaém, em Pernambuco, século XVII
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Cana de mel, preço de felPrograma 2
68
[…] as ruas eram estreitas, irregulares, mal calçadas,
sujas, com esgotos abertos, dentro dos quais se lança-
va todo tipo de dejetos. Eram também mal iluminadas,
por lampiões de azeite de baleia que freqüentemente
apagavam, deixando os habitantes na escuridão das
noites sem lua.
Por essas ruas transitavam cotidianamente senhores
em direção ao mercado e outros locais públicos em
busca das novidades, senhoras que se dirigiam às
igrejas, e eram transportadas por escravos nas cadei-
rinhas de arruar, mascates, negras e negros de ganho
que vendiam toda sorte de quitutes e quinquilharias,
moleques levando recados, realizando pequenas ta-
refas corriqueiras, ou mesmo brincando num vaivém
constante.
Na área do porto se amontoavam caixas, tonéis de
aguardente, barris e fardos de algodão, enquanto os
carregadores transportavam açúcar e outras mercado-
rias, dos navios para os mercados e vice-versa. Nes-
sas vilas também era comum a existência de um mer-
cado de escravos e de um pelourinho, que de símbo-
lo da autonomia político-administrativa se transfor-
mou em local de suplício para os negros escravos.
Quase todas as casas seguiam um mesmo padrão
de construção. Visando preservar a intimidade de seus
habitantes, a vida era toda voltada para o interior. O
cotidiano doméstico girava em torno do quintal, mas
os visitantes e viajantes ficavam restritos aos cômo-
dos que tinham comunicação com a rua.
Os pobres moravam em casas de um único pavi-
mento, enquanto os ricos em geral faziam questão de
construir grandes sobrados. No entanto, a grande
maioria da população talvez morasse mesmo em cons-
truções acanhadas, improvisadas com materiais locais
e cobertas de palha.
Muitos viajantes registraram o luxo e o fausto dos
grandes senhores de engenho, transmitindo uma ima-
gem de certa forma deturpada, sem levar em conta
que esses senhores queriam impressionar as visitas,
com a ostentação de comidas, iguarias e vinhos finos,
servidos em porcelana e prata. Mas a alimentação
cotidiana tinha como base a farinha de mandioca,
produto mais barato. Também faziam parte do cardá-
pio as rapaduras, o feijão, o toucinho, e eventualmen-
te a carne seca, uma dieta pobre em nutrientes.
Trabalhar com os elementos da vida cotidiana no
engenho e na vila colonial torna mais dinâmico e
mais vivo o aprendizado de História. Ao aproximar os
alunos do cotidiano dos homens do passado é pos-
sível chamar a atenção para as diferenças e as seme-
lhanças com a vida do homem atual, desmonumen-
talizando o ensino da História.
Sugestão de atividadeSugestão de atividade
Sugestão de atividadeSugestão de atividade
Sugestão de atividade
Organize com os alunos a encenação de aspectos da
vida num engenho, como a relação entre senhor e
escravos, ou a vida na senzala em contraste com a
da casa-grande, ressaltando as dificuldades do dia-
a-dia dessas pessoas, suas pequenas alegrias e con-
quistas e as soluções encontradas para superar o
peso da vida.
Bibliografia
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil
[1710]. Introdução de Alice Canabrava. São Paulo,
Nacional, 1966.
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grande-
zas do Brasil [1618]. Recife, Fundação Joaquim
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Programa 3
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Nabuco/Massangana, 1997.
CANABRAVA, Alice P. A grande propriedade rural, in
Sérgio Buarque de Holanda, História geral da Ci-
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Companhia das Letras, 1991.
ntre 1580 e 1640, período conhecido como
União Ibérica, Portugal esteve sob o domínio da
Espanha. Os Países Baixos – constituídos por
Holanda, Flandres, Zelândia, Utrecht e algumas cida-
des como Antuérpia e Bruxelas – haviam se declara-
do independentes da Espanha em 1579, iniciando um
período de hostilidades contra os espanhóis e os ter-
ritórios controlados por eles.
Desde o século XV, os holandeses comercializa-
vam o açúcar produzido pelos portugueses nas ilhas
do Atlântico e emprestavam os capitais necessários
para a produção no Brasil; em troca, detinham os di-
reitos sobre a refinação e a distribuição no mercado
europeu. Mas essa aliança comercial acabou sendo
rompida quando a Espanha, ao assumir o trono por-
tuguês, proibiu o comércio dos holandeses com as
colônias lusitanas.
Os holandeses reagiram, intensificando as ações
de contrabando e pirataria – principalmente contra os
navios espanhóis – e fundando, em 1621, a Compa-
nhia das Índias Ocidentais. O objetivo da nova em-
presa consistia em organizar o comércio e fortalecer
os negócios com as colônias espanholas e portugue-
sas no Novo Mundo. A Companhia detinha direitos de
monopólio do comércio, do tráfico e da conquista em
todo o Atlântico.
Em 1624, a Companhia organizou um ataque à
cidade de Salvador, procurando dominar uma área de
NA COMPANHIA
DOS HOLANDESES
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73
Na companhia dos holandesesPrograma 3
72
cios nas terras conquistadas, aportou em Recife uma
verdadeira corte, composta de muitos artistas, sábios
e intelectuais de excelente formação renascentista.
A produção artística e científica dos recém-chega-
dos inaugurou um novo olhar sobre a natureza tropi-
cal. O grande humanista Georg Marggraf realizou um
amplo levantamento topográfico da faixa litorânea
entre o Rio Grande do Norte e Sergipe e organizou
uma excelente coleção de amostras da flora e da fauna
do mundo tropical. Além disso, fez observações astro-
nômicas a partir do primeiro observatório do hemis-
fério sul, construído por Nassau para que o cientista
pudesse observar um eclipse solar.
Guilherme Piso, médico particular de Nassau, de-
senvolveu importantes pesquisas em relação às do-
enças que afligiam a população, identificando ervas
e remédios nativos utilizados para combatê-las. Dei-
xou registros a respeito das efermidades terríveis que
atacavam os colonos e da mortandade provocada por
epidemias como a varíola e a cólera.
Frans Post e Albert Eckhout, responsáveis pelas
primeiras imagens da paisagem nativa, imprimiram
em suas pinturas e estampas toda a riqueza e a exu-
berância dos animais e das plantas da região, além de
retratar diversos tipos humanos da colônia.
Outros artistas, como Zacharias Wagener, Pierre
Gondreville e Cornelis Golijath, descreveram a vida
nesse período e realizaram trabalhos nas áreas de
pintura e cartografia. Isto sem falar nos arquitetos,
engenheiros, construtores e outros sábios, que impri-
miram um novo modo de vida ao cotidiano da cida-
de de Recife.
Olinda, incendiada logo nas primeiras lutas de
conquista, ficara praticamente arrasada. Em Recife, por
sua vez, localizada em uma ilha, os problemas habi-
tacionais eram graves, em conseqüência do cresci-
mento populacional gerado tanto pela invasão quan-
rica produção açucareira que, ao mesmo tempo, era
também um centro de decisões políticas. Mas a resis-
tência conseguiu expulsá-los no ano seguinte. Orga-
nizaram então um novo ataque em 1630, dessa vez a
Olinda e ao porto de Recife (além de não dispor de
uma defesa eficiente, a região da capitania de Per-
nambuco era a principal produtora de açúcar).
A despeito da tenaz resistência, que persistiu du-
rante todo o domínio holandês, os invasores conquis-
taram progressivamente as capitanias vizinhas. Con-
seguiram avançar graças ao apoio de Calabar e ou-
tros informantes locais, vencendo aos poucos a resis-
tência dos colonos.
Assim, a conquista das principais vilas foi feita com
relativa facilidade; mas a ocupação da zona rural e dos
engenhos foi extremamente dificultosa. Embora se
concentrassem no litoral, chegando a dominar a costa
entre Sergipe e Rio Grande do Norte, os holandeses
pretendiam adentrar o sertão para se abastecer de
gado. Sua preocupação central era a provisão de gêne-
ros alimentícios; em muitos momentos, a resistência
brasileira isolou os holandeses em vilas e faixas lito-
râneas, levando-os a depender exclusivamente do
abastecimento direto feito pelos Países Baixos.
A partir de 1645, a resistência dos colonos se for-
taleceu e conseguiu pouco a pouco, após muitas e
grandes batalhas, expulsar os holandeses definitiva-
mente, em 1654.
A vida dos colonos
sob domínio holandês
Durante praticamente duas décadas, os homens e
mulheres da colônia entraram em estreito contato
com uma cultura muito diversa da ibérica. Junto com
o conde Maurício de Nassau, escolhido pela Compa-
nhia das Índias em 1637 para administrar seus negó-
75
Na companhia dos holandesesPrograma 3
74
tância, foi considerada a mais notável cidade da cos-
ta atlântica das Américas do século XVII”.
A tolerância religiosa posta em prática por Nassau
não era novidade apenas para os reinóis e colonos:
irritava os próprios calvinistas de sua corte. Exceção
seja feita aos judeus, alvo de protestos tanto de
calvinistas quanto de católicos. Detendo parcela sig-
nificativa do comércio de açúcar e de escravos, dos
empréstimos a juros e da cobrança de impostos, os
judeus praticamente monopolizavam quase todos os
negócios – e daí advinha a hostilidade contra eles. No
Recife, moravam em uma rua conhecida como rua
dos judeus, na qual havia uma sinagoga.
Não podemos nos deixar dominar por uma visão
dadivosa da administração de Nassau. Os motivos
que impulsionaram a conquista holandesa obede-
ciam a regras distintas das que comandavam o pacto
colonial empregado por Portugal e Espanha nas ter-
ras americanas.
A ocupação holandesa visava a dinâmica do capi-
tal mercantil, que necessitava de uma estrutura urba-
na e um modo de vida diferentes daqueles que vinham
se desenvolvendo sob o monopólio colonial ibérico.
Nesse sentido, os novos senhores não se envolveram
diretamente com o setor
produtivo, dando priori-
dade ao comércio, à
usura e a outras ativi-
dades ligadas à circu-
lação das riquezas.
Tal política transfor-
mou Recife em um
centro de comércio e
facilitou a aliança com
os senhores de engenho.
to pela migração dos moradores de Olinda. Tornou-
se necessário construir uma nova cidade, que pudes-
se abrigar a crescente população e que, ao mesmo
tempo imprimisse na região os signos da Nova
Holanda.
A ilha de Antônio Vaz, vizinha ao porto do Recife,
foi o local escolhido por Nassau para a edificação de
uma nova cidade, destinada a ser a sede do governo
holandês. Projetada seguindo planos urbanísticos
bem determinados, a chamada Cidade Maurícia tinha
ruas calçadas, de traçado regular, canais para escoa-
mento das águas e transporte de mercadorias, pon-
tes, diques, praças públicas, residências luxuosas e
igrejas para o culto reformado, já que a maioria dos
holandeses era calvinista. Enfim, tudo à moda de
Holanda.
Nassau fez construir os palácios de Vrijburg e Boa
Vista. O primeiro se destinava a servir de moradia ao
príncipe e também de centro administrativo. Possuía
vastos e belíssimos jardins, que abrigavam grande va-
riedade de espécies vegetais e animais trazidas de di-
versas partes do Brasil e da África. Em seu interior eram
mantidas valiosas coleções de curiosidades da terra,
como utensílios e ornamentos indígenas, rico mobiliá-
rio e grandes telas a óleo pintadas pelos artistas de sua
comitiva, representando animais e plantas da região. Um
batalhão de serviçais cuidava para que tudo funcionas-
se ao gosto do conde. O segundo palácio, mais afastado
do centro movimentado da capital, e bem menos sun-
tuoso, era usado como local de repouso e recreio.
A cidade, englobando também Recife, abrigava
uma população de aproximadamente 6 mil pessoas,
predominantemente holandeses calvinistas. Mas era
habitada também por católicos e judeus, mercadores,
escravos, senhores de engenho e suas famílias, pe-
quenos comerciantes, soldados, padres e prostitutas.
Gonsalves de Mello (1987) afirma que, por sua impor-
Selo do governo do Brasil holandês
77
Na companhia dos holandesesPrograma 3
76
nação, mesmo que embrionária. Esse aspecto ainda
é perceptível nos livros didáticos quando se aborda,
por exemplo, a questão do sentimento nativista que
teria guiado André Vidal de Negreiros, Felipe Cama-
rão, Henrique Dias e João Fernandes Vieira. Eles pas-
saram a representar no imaginário a união das raças
em prol da defesa do território.
A Restauração teria representado, nas palavras de
Evaldo Cabral de Mello (1997):
A experiência fundadora da identidade pernambucana
[…]. As guerras holandesas ocuparam o lugar central na
ideologia nativista no Nordeste, desde sua gestação na
segunda metade do século XVII até meados do século XIX
[…] com o malogro da Revolução Praieira, encerrando
o ciclo de revoluções antiportuguesas.
As repercussões da história dos holandeses no Brasil
vão além do episódio em si, e se desenrolam tanto
no plano do imaginário social quanto no político.
Sugestão de atividadeSugestão de atividade
Sugestão de atividadeSugestão de atividade
Sugestão de atividade
As imagens produzidas no período holandês, princi-
palmente por Frans Post, são recorrentes nos livros
didáticos para ilustrar a história do Brasil colonial.
Invariavelmente aparecem obras de pintores holan-
deses representando os engenhos, a paisagem natu-
ral, as vilas e mesmo os índios. Experimente explo-
rar essas imagens com os alunos, analisando-as e de-
compondo-as em seus vários aspectos (o que apare-
ce em primeiro plano – pessoas, casas, engenhos; o
que aparece em segundo plano, ao fundo, compondo
a paisagem, em geral elementos da flora e da fauna
tropicais).
Discuta com os alunos, mostrando como nosso olhar
para a história colonial é, em grande medida, o olhar da
A cultura era típica da aristocracia da época, quan-
do se atribuía aos príncipes a função de mecenas das
artes e das ciências. O conhecimento acumulado pe-
los artistas e cientistas também pode ser pensado
como um instrumento fundamental para a conquista
e a colonização, pois constituíam um saber necessá-
rio para o governo das terras conquistadas.
As diferenças entre o estilo de administração ibé-
rico e o holandês foram fundamentais, entre outros
fatores, para que se construísse ao longo dos séculos
um imaginário sobre o domínio holandês.
O imaginário referente
ao domínio holandês
Gilberto Freyre afirmou: as marcas que a ocupação ho-
landesa no norte deixou no Brasil são das que dificilmen-
te desaparecem não só do corpo como da consciência –
e do inconsciente – de um povo” (Mello, 1987).
Embora a maioria das marcas físicas da presença
holandesa tenham desaparecido, é ainda recorrente
em Pernambuco, diante de ruínas ou prédios antigos,
a afirmação de que se trata de obra do tempo dos
flamengos. Também a eles se atribui a herança gené-
tica que imprime um vivo azul aos olhos de muitos
sertanejos, ou um forte tom dourado aos cabelos.
No século XIX, não houve intelectual que não bus-
casse pensar nos significados da resistência aos ho-
landeses sobre a construção da nacionalidade brasi-
leira. Segundo essa perspectiva, muitos dos ideais que
marcaram o caráter do brasileiro – tolerância religio-
sa, liberdade de consciência ou espírito de indepen-
dência – adviriam do contato com os batavos, ou da
resistência a eles oposta.
Durante a Restauração, período em que os
pernambucanos lutaram contra os holandeses – e os
venceram – teria emergido uma certa consciência de
79
78
iconografia holandesa. Com freqüência essas imagens re-
presentam, em muitos aspectos, o imaginário holandês
sobre as terras do novo mundo. Por outro lado, também
trazem um bom registro de como era a vida colonial.
BibliografiaBibliografia
BibliografiaBibliografia
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São Paulo/Belo Horizonte, Edusp/Itatiaia, 1988.
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Pernambuco no Brasil. Rio de Janeiro, Index, 1998.
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—— . Olinda restaurada. Rio de Janeiro, Topbooks,
1999.
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos
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vida e na cultura do norte do Brasil. Recife, Funda-
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van der Straet (del.). In Ana Maria de Morais
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Brasil dos viajantes, p. 84. São Paulo, Fundação
Odebrecht, 1994.
18 Xilogravura de André Thevet. In idem, ibidem, p. 41.
25 Jean Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histórica ao
Brasil [1834], tradução e notas de Sérgio Milliet. Vol.
1, p. 68. São Paulo, Círculo do Livro, s/d.
31 Reprodução a partir de Pedro Calmon, História do
Brasil, vol. 1, p. 68. São Paulo, José Olympio, 1963.
37 Ilustração de Belmonte (1954). In Eduardo Bueno,
Náufragos, traficantes e degredados, p. 56. Rio de
Janeiro, Objetiva, 1998.
38 André Thevet, Les singularités de la France
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Portugal, São Paulo. Reprodução a partir de Docu-
mentos do Descobrimento – Agenda 2000, p. 69.
Curitiba, Posigraf, 2000.
42 Mapa de Luís Teixeira, 1574. Acervo da Biblioteca
da Casa de Portugal, São Paulo. Reprodução a par-
tir de Documentos do Descobrimento – Agenda 2000,
op. cit., p. 145.
55 Debret, op. cit., vol. 1, p. 217.
56 Idem, ibidem, p. 176.
80
63 Gravura publicada em Arnoldus Montanus, De
Nieuwe en Obekend Weereld, 1671. Reprodução a
partir de Laura de Mello e Souza (org.) História da
vida privada no Brasil, vol. 1, p. 23. São Paulo, Com-
panhia das Letras, 1997.
66 Gravura publicada em Gaspar Barléus, Rerum per
Octenium in Brasilia, 1647. Reprodução a partir de
Laura de Mello e Souza, op. cit., vol. 1, p. 52.
75 Selo publicado em Luís da Câmara Cascudo, Geo-
grafia do Brasil Holandês. Reprodução a partir de
Calmon, op. cit., vol. 2, p. 528.
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