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coronel Alípio de Lima Barros. Não ficava em Fortaleza um só de seus soldados, o que tanto
basta para demonstrar a confiança que o governo mantinha no povo.
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De Iguatu, rumou o batalhão para a cidade do Crato, a 15 quilômetros de Juazeiro,
na qual entrou às dez horas da manhã do dia 18. No dia 20, ao amanhecer, sem maior
descanso, seguia para a povoação sublevada. Iam, oficiais e praças, convencidos de que o
núcleo de fanáticos se renderia aos primeiros tiros...
Mas, já em caminho, os “jagunços” perturbaram a marcha, com tiroteios dispersos,
em vários pontos. Numa escala bem menor, por certo, repetiam-se os fatos das primeiras
tentativas contra Canudos. Em grupos esparsos, confundidos nas moitas, dissimulados nas
tocaias, os fanáticos atiravam, seguros, sem ser vistos nem poder ser atingidos. A tropa, afeita
ao meio, dissimulava-se também, respondia àquelas provocações, quase sem conseqüências.
Zombando dos tiros frouxos dos rifles e “pica-paus”, avançava sempre... Animava-a a idéia
de almoçar na praça da matriz do Juazeiro...
Ao enfrentar as primeiras habitações do lugarejo, uma decepção lhe atalhou o
passo, no entanto.
A Meca se achava fortificada! Em toda face de possível ataque, os caminhos
haviam sido interceptados por valados profundos e trincheiras bem guarnecidas, que lhe
opunham defesa inexpugnável...
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Essa obra de fortificação havia sido construída numa só noite, e devia, na se-
mana seguinte, circunscrever todo o povoado num círculo impenetrável.
Só quem tenha visto o Juazeiro em dias de exaltação fanática poderá compre-
ender como em prazo tão curto, sem aparelhamento especial, se pudesse ter realizado tal
maravilha.
Seriam homens, mulheres, velhos e moços, crianças ainda, todos animados de
uma só idéia, galvanizados todos numa só sugestão de defesa do Padrinho, que se lança-
vam desesperados, como um só braço, ao exaustivo trabalho... Planejara-o, rápido, um
chefe. Dirigiam-no, depois, três ou quatro beatos de maior prestígio. Os alviões se embebe-
ram na terra solta, fácil a princípio, ao mesmo passo em que as foices rebrilhantes desbas-
tavam, em ritmo apressado, o matagal de derredor, abrindo aceiro suficiente à compreen-
são da empreitada... Logo chegavam as enxadas, vibrando em cadência, sob músculos de
aço. E logo pás, e logo alavancas, e logo facões, varapaus, utensílios domésticos, machados,
latas, baldes, panelas, tábuas soltas... E aqueles sapadores improvisados se estenderam por
muitos quilômetros...
Prevenidos de que o contingente do governo não era pequeno, redobram o ar-
dor do trabalho. Nado o sol, já as primeiras braças do valado afundam, em vários pontos, os
destemerosos caboclos, metidos na terra cavada e fofa, até a cintura, sujos de poeira por
todo o corpo, semelhando estranhos animais que, por encanto, aflorassem do solo, à voz
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“No dia em que seguiu o Batalhão Militar, a sociedade ‘Deus e Mar’, composta de pescadores e trabalhadores da praia,
mandou ao palácio do governo o seu presidente dizer a Franco Rabelo o modo de sentir da classe. Chegando o enviado à
presença do presidente do Estado, ajoelhou-se, tomou-lhe a mão beijando-a e disse: ‘Duzentos homens do mar, meus
companheiros, estão ao lado de V. Ex
a
na defesa de quem juram morrer.’ Este juramento, todo espontâneo e solene, foi
cumprido com uma lealdade de assombrar. O governo, desse dia em diante, estava mais bem guardado pelo povo do que
por sua milícia. O Tiro 38, sob a presidência do farmacêutico João da Rocha Moreira, um dos chefes do movimento de 24
de janeiro, foi um dos grandes fatores da guarda do palácio. Os operários da Estrada de Ferro Baturité, tendo à frente o sr.
João Gomes, iam à noite, por turmas, guardar o seu querido presidente, como o chamavam. Os artistas, os carroceiros, os
trabalhadores da rua davam também contingentes para aquela guarda nobre. Moços das melhores famílias, empregados do
comércio, negociantes, à noite, lá iam, de carabina ao ombro, fazer sentinela nas cercanias da casa do governo. Era edificante
o civismo daquela gente. Patrulhas volantes, de populares, rondavam depois de dez horas da noite a cidade e os seus
subúrbios. Nunca uma capital foi tão bem policiada” (Teófilo, Rodolfo. A sedição do Juazeiro. São Paulo, 1922. p. 52).
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“O valado, a trincheira inexpugnável do Juazeiro, tinha de altura dez e de largura doze palmos. Toda a terra foi carregada
para a parte de dentro, a alguns metros de distância, formando uma barreira de seis palmos de altura, bombeada a espaços
regulares, pronta para receber o ataque. São três léguas de valado. E cinqüenta mil pessoas, homens, mulheres e meninos,
o fizeram em seis dias...” (Oliveira, Xavier de. Beatos e cangaceiros. Rio de Janeiro, 1920. p. 56).
Capítulo 10 – A sedição – Início da luta