20 Contribuição ao Ensino de Arquitetura e Urbanismo
Boullée, Jean Nicolas Louis Durand, professor de arquitetura, como seu mestre, na célebre École de
Ponts et Chaussées. O que poderia soar como uma ironia explica-se pelo fato, como já indiretamente
comentamos, de que todos os tratados de arquitetura, incluindo os tratados de Boullée e Ledoux,
foram escritos para usuários (por isso mesmo, quase sempre foram dedicados a reis, príncipes,
homens do poder) e para arquitetos que quisessem atender às necessidades expressivas desse
mesmo poder. Com Durand, ao contrário, seus dois livros, Précis d’Architecture e Recueil et Parallele
des Fabriques Classiques são verdadeiros manuais dirigidos a estudantes.
O Précis d’Architecture apresenta de forma sistemática, em primeiro lugar, um instru-
mento de trabalho que será incorporado definitivamente ao ensino de arquitetura até os nossos dias.
Trata-se das malhas ortogonais, no caso mais corrente, com as quais se homogeniza todas as áreas
previsíveis de um programa de necessidades, possibilitando, portanto, sua associação e harmonização.
Essa malha permite que se definam previamente figuras geométricas simples, capazes de, sob um
trabalho analítico, definir áreas precisas para cada finalidade. Em seguida, pode-se associá-las de
acordo com as outras exigências e objetivos do programa, para se chegar ao resultado final que nós
chamamos, erroneamente, de “projeto”.
Esse instrumento de projeto é tão simples e adequado ao trabalho do arquiteto (o cha-
mado papiro de Turim, com sua malha ortogonal sugere que os arquitetos egípcios já usavam um
recurso semelhante) que o próprio Durand deixou registrado, segundo um de seus biógrafos, Werner
Szambien, sua estranheza pelo fato de não ter sido proposto, em escolas, antes dele. Também o
sistema de “pavilhões” modulares articulados (e que decorre da associação de funções afins), se de
um lado é uma proposta neoclássica, encontra, entretanto, um precedente na obra do arquiteto
vicentino Andrea Palladio, por isso mesmo eleito arquiteto por excelência pelos intelectuais do século
XVIII (observe-se a esse propósito os “palladianos” ingleses), em especial, pelos dois geniais mes-
tres de Durand, Ledoux e Boullée.
É interessante notar que se o mais respeitado tratado de arquitetura do século passado,
aquele de Leonce Reynaud (1
a
ed., 1850), não expõe a “técnica” das malhas modulares, e nesse
sentido também não é um manual, mas um guia para arquitetos plenamente habilitados, por outro
lado, o arquiteto contemporâneo indiretamente proposto como paradigma é Henri Labrouste, o autor
das bibliotecas modulares de Paris, considerado um discípulo de Durand por Hitchcock. Em adita-
mento, Neil Levine associa a biblioteca de S
te
Geneviève à proposta de Boullée, bem como propõe
malhas modulares para as plantas e alçados do edifício. Giedion, por sua vez, compara Labrouste a
Brunelleschi. As malhas modulares serão retomadas por um manual do século XX, editado pela
primeira vez em 1936. Refiro-me ao livro A Arte de Projetar em Arquitetura, do alemão Ernest Neufert.
Esse livro não parece gozar de grande apreço entre os teóricos e historiadores, mas mesmo assim
suas edições em várias línguas devem estar beirando a centena, e sua reprodução, a esta altura,
deve atingir o milhão de exemplares. Ou seja, é o manual de arquitetura mais impresso no mundo.
Neufert, na realidade, foi suficientemente esperto para compilar os estudos publicados pelos arquite-
tos modernos (também chamados racionalistas), e apaixonados pela “normalização” (standard), como
se pode ver pela coleção da revista catalã Gatepac, ou nos livros de Le Corbusier, em particular, La
Ville Radieuse. Mas Neufert teve, neste século, pelo menos um precursor no livro Costruzione Razionale
della Casa, de Enrico Griffini (1930).
Ora, se examinarmos a obra e os raros escritos de mestres de arquitetura deste século,
veremos que muitos deles utilizam-se do recurso exposto modestamente pelo professor Durand. Por
exemplo, Mies van der Rohe experimentou, ao longo de sua vida profissional, várias malhas ortogonais.
Ou Frank Lloyd Wright, que não só utilizou malhas ortogonais, como também ensaiou malhas com
triângulos equiláteros (que permitem construir malhas mais complexas, hexagonais).
Le Corbusier também se serviu de malhas ordenadoras, mas introduziu algumas revi-
sões. A primeira é que o arquiteto, sempre que puder, deverá contrariar os eixos de simetria bilateral
que se impõem, mecanicamente, no método estrito do professor neoclássico. Esta crítica está regis-
trada no seu livro Vers une Architecture, ao reproduzir a descrição de Choisy para a aproximação da
Acrópole de Atenas, desde os propileus até os templos e sua disposição no cume. Mas também o
arquiteto Franz Heep nos deixou um testemunho sobre isso. Relatou ele em classe que “mestre
Corbu”, folheando uma revista de arquitetura da época (década de 30), deteve-se em um projeto de