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dignidade, sem humilhações ou discriminações em relação a sexo ou etnia. O pluralismo político,
embora refira-se a um nível específico (a política), também pressupõe um valor moral: os homens
têm direito de ter suas opiniões, de expressá-las, de organizar-se em torno delas. Não se deve,
portanto, obrigá-los a silenciar ou a esconder seus pontos de vista; vale dizer, são livres. E, natural-
mente, esses dois fundamentos (e os outros) devem ser pensados em conjunto. No art. 5
o
, vê-se
que é um princípio constitucional o repúdio ao racismo, repúdio esse coerente com o valor dignidade
humana, que limita ações e discursos, que limita a liberdade às suas expressões e, justamente,
garante a referida dignidade.
Devem ser abordados outros trechos da Constituição que remetem a questões morais. No
art. 3
o
, lê-se que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (entre
outros): I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; III) erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não é difícil identificar
valores morais em tais objetivos, que falam em justiça, igualdade, solidariedade, e sua coerência
com os outros fundamentos apontados. No título II, art. 5
o
, mais itens esclarecem as bases morais
escolhidas pela sociedade brasileira: I) homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; (...)
III) ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) VI) é
inviolável a liberdade de consciência e de crença (...); X) são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas (...).
Tais valores representam ótima base para a escolha de conteúdos do tema Ética.
Porém, aqui, três pontos devem ser devidamente enfatizados.
O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de “núcleo” moral de uma sociedade, ou
seja, valores eleitos como necessários ao convívio entre os membros dessa sociedade. A partir
deles, nega-se qualquer perspectiva de “relativismo moral”, entendido como “cada um é livre
para eleger todos os valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira não é permitido agir
de forma preconceituosa, presumindo a inferioridade de alguns (em razão de etnia, raça, sexo ou
cor), sustentar e promover a desigualdade, humilhar, etc. Trata-se de um consenso mínimo, de um
conjunto central de valores, indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto central,
cai-se na anomia, entendida seja como ausência de regras, seja como total relativização delas (cada
um tem as suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a democracia, ou, no caso
do Brasil, impede-se a construção e o fortalecimento do país.
O segundo ponto diz respeito justamente ao caráter democrático da sociedade brasileira. A
democracia é um regime político e também um modo de sociabilidade que permite a expressão
das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, para além do que
se chama de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria de
conviver com o diferente, com a diversidade (seja do ponto de vista de valores, como de costumes,
crenças religiosas, expressões artísticas, etc.). Tal valorização da liberdade não está em contradi-
ção com a presença de um conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, justamente,
a possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe fronteiras precisas para que todos possam usufruir
dela, para que todos possam preservá-la.
O terceiro ponto refere-se ao caráter abstrato dos valores abordados. Ética trata de princípios
e não de mandamentos. Supõe que o homem deva ser justo. Porém, como ser justo? Ou como agir
de forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso, portanto, ter claro que
não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar,
refletir, construir. E a escola deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa construção,
serem livres e autônomos para pensarem e julgarem.
Mas será que cabe à escola empenhar-se nessa formação? Na história educacional brasileira, a
resposta foi, em várias épocas, positiva. Em 1826, o primeiro projeto de ensino público apresentado