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Caio Galvão de Fraa e Gerd Sparovek (Coord.)
Assentamentos em debate
N E A D D e bat e
8
C o l a b o r a d o r e s
: Antônio M. Buainain, Bernardo M. Fernandes,
Debora Lerrer, Edgar A. Malagodi, Eliane Brenneisen, Gzenaro Ieno Neto,
Hans Meliczek, José C. C. Gomes, José Maria da Silveira, Lauro Mattei,
Luis H. Cunha, Marilda A. de Menezes, Paulo R. Martins, Ramonildes A. Gomes,
Sérgio Sauer, Sônia M. P. Bergamasco e Vera L. S. Botta Ferrante.
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A
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Assentamentos em debate
/
Brasília, 
N E A D D
C
Caio Galvão de França e Gerd Sparovek
C  
Antônio Márcio Buainain, Bernardo Mançano Fernandes, Debora Lerrer, Edgar
Afonso Malagodi, Eliane Brenneisen, Genaro Ieno Neto, Hans Meliczek, José
Carlos Coa Gomes, José Maria da Silveira, Lauro Mattei, Luis Henrique Cunha,
Marilda Aparecida de Menezes, Paulo Roberto Martins, Ramonildes Alves Gomes,
Sérgio Sauer, Sônia Maria Pessoa Bergamasco e Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante.
NEAD D
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R
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Desenvolvimento Rural (
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Social no Desenvolvimento Rural Suentável
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M S R
Ministro de Estado do
Desenvolvimento Agrário
G C
Secretário-executivo do Ministério
do Desenvolvimento Agrário
R H
Presidente do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
V B
Secretário de Agricultura Familiar
E P
Secretário de Reordenamento Agrário
J H O
Secretário de Desenvolvimento Territorial
C G F
Coordenador-geral do Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural
B823a Brasil, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural.
Assentamentos em debate / coordenação Caio Galvão de
França , Gerd Sparovek. Colaboradores Antônio Márcio Buainain ...
[et al]. -- Brasília : NEAD, 2005.
300 p.; 21 x 28 cm. -- (Nead Debate ; 8).
Vários autores.
1. Assentamento rural – pesquisa – Brasil. 2. Assentamento rural – debate
– Brasil. 3. Reforma agrária – Brasil. I. Título II. França, Caio Galvão de.
III. Sparovek, Gerd. IV. Série.
CDD 333. 3181
Apresentação
A
A D -
de acompanhar um debate aberto, diversicado e franco entre
pessoas dedicadas e competentes na conrução do pensamento sobre a
reforma agrária brasileira.
Como pano de fundo eão os dados, métodos, resultados e conclusões
apresentados na pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira. A pesquisa foi considerada a avaliação mais abrangen-
te produzida sobre a situação em que se encontram os beneciários
da reforma agrária no Brasil. Também inovou métodos, reciclou idéias,
deniu indicadores, traçou uma eratégia para levantamentos de dados
expeditos e baratos, percorreu . assentamentos e entreviou .
pessoas, chegando a resultados nais em seis meses.
A pesquisa, em alguns aeos acertou e em outros errou, mas se
expôs à crítica aberta*. A partir dessa crítica, conruída por Antônio
rcio Buainain, Bernardo Mançano Fernandes, Debora Lerrer, Edgar
Afonso Malagodi, Eliane Brenneisen, Genaro Ieno Neto, Hans Meliczek,
José Carlos Coa Gomes, José Maria da Silveira, Lauro Mattei, Luis
Henrique Cunha, Marilda Aparecida de Menezes, Paulo Roberto Martins,
Ramonildes Alves Gomes, Sérgio Sauer, Sônia Maria Pessoa Bergamasco
* Eecialias no tema da reforma agrária foram convidados a analisar a pesquisa A Qualidade dos
assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, a partir de três queões:
1. Quais são as contribuições que os dados na publicação A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira trazem para a compreensão da reforma agrária sob a ótica do seu segmento ou
de seu viés de análise?
2. A metodologia adotada é adequada para a análise da reforma agrária sob o ponto de via do seu
segmento ou de seu viés de análise? Quais são as vantagens e as rerições dos métodos adotados?
3. Na avaliação da qualidade da reforma agrária sob a pereiva de seu segmento ou de seu viés de
análise, quais queões foram esquecidas ou abordadas de maneira insuciente na publicação?
6 NEAD Debate 
e Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, nasceu Assentamentos em Debate,
uma oportunidade de ver a reforma agrária analisada por ângulos e
pereivas diversas numa única obra. Ea obra pode ser considerada
um alicerce para a conrução de métodos e procedimentos que permi
-
tam que levantamentos de dados ágeis, realias em prazos e orçamentos,
sejam desenhados e aplicados para a avaliação da situação em que se
encontram os assentamentos e beneciários da reforma agrária brasileira.
Eas informações interessam a todos. Assentamentos em Debate também
traz a pereiva individual de cada um dos colaboradores. Passar por
Assentamentos em Debate é como percorrer um assentamento com um
grupo de pessoas das mais diintas origens e biograas, ver as coisas
que lá exiem, conversar com as pessoas que lá vivem, que dee eaço
retiram seu suento e dignidade.
Assentamentos em Debate é a conversa que ee grupo teve ao nal da
tarde sentado à sombra de uma árvore. Quem já teve ee tipo de experi
-
ência se recorda do debate acalorado, das divergências e convergências
de opinião, da incrível diversidade de olhares que se pode lançar sobre
o mesmo cenário, e poderá repeti-la. Para quem ainda não teve ee tipo
de experiência recomendamos ler
Assentamentos em Debate numa rede
pendurada à sombra de uma árvore.
C G F G S
Sumário
R A Q A
R A B
1.1 Apresentação
1.2 A área reformada no Brasil
1.3 A disponibilidade dos resultados da pesquisa
1.4 Metodologia adotada na pesquisa
1.5 Resultados
1.5.1 Eficácia da reorganização fundiária
1.5.2 Qualidade de vida
1.5.3 Articulação e organização social
1.5.4 Ação operacional
1.5.5 Qualidade do meio ambiente
1.6 Conclusões
C
. A conrução de índices como inrumentos para
retratar a realidade social: uma análise crítica
Luis Henrique Cunha, Ramonildes Alves Gomes, Marilda Aparecida
de Menezes, Edgar Afonso Malagodi e Genaro Ieno Neto
. O signicado dos assentamentos de reforma agrária no Brasil
Sérgio Sauer
. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária: a
polêmica que nunca saiu de cena – Debatendo o livro
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
nia Maria Pessoa Pereira Bergamasco e Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante
8 NEAD Debate 
. Radiograa da reforma agrária: notas metodológicas
sobre o trabalho
A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira
Antônio Márcio Buainain e José Maria da Silveira
. Impaos socioterritoriais da luta pela terra e a queão da
reforma agrária: uma contribuição crítica à publicação
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
Bernardo Mançano Fernandes
. O jornalismo brasileiro, a queão agrária e o imaginário
Debora Lerrer
. Pesquisa agropecuária e reforma agrária: contribuição
para a análise da qualidade dos assentamentos
José Carlos Coa Gomes
. Reforma agrária e programas de assentamentos rurais:
o dilema atual da queão agrária brasileira
Lauro Mattei
. Reforma agrária e a queão ambiental:
por uma outra concepção
Paulo Roberto Martins
. Comentários sobre
A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira
Hans Meliczek
. Assentamentos rurais: eabelecendo um diálogo
entre duas pereivas de análise
Eliane Brenneisen
Assentamentos em debate 9
C A Q
A R A B
. Os comentários: organização e apresentação
. Motivação e signicância
.. Entre a conança e a desconança
.. Os objetivos norteadores
.. Os signicados
. Acertos e avanços
.. O aceno para a qualidade
.. Um eudo amplo e rápido a ser detalhado
.. Convertendo opiniões em material sólido
.. As diferenças regionais
.. O acesso aos dados
.. Enm, o meio ambiente
.. A contextualização
. Limitações e problemas
.. Omissões
.. Escala, abrangência e caráter quantitativo
.. Ausência de uma realidade externa
.. A imparcialidade nas entrevias
. Índices: acertos
.. Olhares múltiplos, mas objetivados
.. Tranarência
. Índices: erros
.. Os índices como opção de representação da realidade
.. Os mais criticados: IF e IS
.. Omissões na qualidade de vida
.. O índice de meio ambiente
. Áreas descobertas e necessidade de complementações
. Novos olhares e formas de interpretação
. A contribuição particular das colaboradoras
e dos colaboradores
Resumo de A Qualidade
dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira
1
Assentamentos em debate 11
. A
A
consulta ao livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira, organizado por Gerd Sparovek, Editora Páginas e Letras
(), pode ser importante para a compreensão das discussões e infor
-
mações apresentadas nea publicação. Como alternativa à consulta da
publicação original, preparamos um resumo com a extração de partes
do texto original sem nenhuma adaptação aos fatos e acontecimentos
ocorridos após a publicação do livro, no início de .
. A B
A pesquisa de campo, realizada entre  de julho e  de setembro de
, que resultou na publicação A Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira teve como base . entrevias feitas em
. Projetos de Assentamento (PA), criados entre  e , envol
-
vendo todos os eados brasileiros. Ees projetos, que ocupam juntos
uma área de aproximadamente , milhões de heares, têm capacidade
de assentar . famílias e contavam, na época das entrevias, com
. famílias ocupando os lotes. A diribuição das áreas reformadas
pode ser via na Figura . A pesquisa foi considerada a mais abrangente
já realizada no Brasil sobre os assentamentos da reforma agrária.
12 NEAD Debate 
Figura 1 – Área ocupada pelos projetos de assentamento
para os períodos de 1985-1994 e 1995-2001
. A
Os principais resultados da pesquisa foram publicados no livro
A Quali-
dade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira em  reim-
presso em pelo Núcleo de Eudos Agrários e Desenvolvimento
Rural (NEAD). Há dioníveis também versões eletrônicas do livro em
português (cópia da versão impressa) e em inglês (tradução completa da
versão em português) que podem ser solicitadas ao NEAD.
O banco de dados completo da pesquisa eá dionível para acesso
público na página do Consórcio de Informações Sociais (CIS), no
site
http://www.nadd.prp.u.br/cis/index.ax. Nea página também
inruções para o acesso à base.
1985-1994
Brasil
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Norte
Nordeste
UK
1985-2001
As barras equivalem, na escala 
do mapa, ao somatório da 
área ocupada pelos projetos 
de assentamento. A altura da 
barra foi fixada em100 km 
e o comprimento varia em 
função da área ocupada pe-
los projetos de assentamento. 
Ao lado esquerdo do mapa 
foi desenhado o contorno do 
mapa do Reino Unido (UK) e 
da Irlanda (cinza claro) na 
mesma escala do mapa do 
Brasil. A área do UKé muito 
semelhante ao total da área 
reformada (1985-2001)re-
presentada no mapa do Brasil.
Assentamentos em debate 13
. M
Em cada Projeto de Assentamento (PA) foram realizadas pelo menos
três entrevias coletando-se a opinião do i) executor da política agrária e
fundiária pela entrevia com o empreendedor social (ES) do Incra ligado
ao projeto; ii) presidente ou diretor da associação do PA (no caso de haver
mais de uma associação, foram entreviados até cinco associações); e iii)
assentado sem cargo na associação na época da entrevia.
Os formulários utilizados nas entrevias foram compoos por duas
seções. A primeira seção reuniu os dados cadarais dos PA retirados de
sua portaria de criação data de criação, capacidade de assentamento, área
e número de cadaro no Siema de Informações dos Projetos de Reforma
Agrária (Sipra). A segunda regirou a entrevia propriamente dita. Ao todo,
havia  queões e atuaram como entreviadores aproximadamente 
empreendedores sociais do Incra que realizaram as entrevias fora de suas
regiões de trabalho (em PA que não eavam sob sua reonsabilidade).
A maior parte das queões foi organizada de forma a permitir reoas:
i) quantitativas, ii) semiquantitativas, ou iii) qualitativas. Como exemplo,
apresentamos a queão  do formulário na Tabela .
As queões apresentavam três níveis de reoa possíveis. Um
quan-
titativo, representado por uma reoa numérica ou uma que fosse
equivalente à numérica (por exemplo o termo nãofoi considerado
Não
Quantas são?
Poucas Metade Maioria Todas
Mais ou menos
quantas são?
0-20% 21-40% 41-60% 61-80% 81-100%
Em porcentagem,
quantas são?
30) Famílias que ocupam casas definitivas de alvenaria ou de madeira,
independentemente da origem dos recursos para a sua construção
Marque apenas uma resposta
Existem famílias que
já estão nas suas
casas definitivas?
14 NEAD Debate 
igual a valor zero, e todasfoi considerado igual ao valor indicado de
famílias morando no PA). Outro,
semiquantitativo, em que as opções de
reoa foram divididas em cinco faixas de porcentagem. E o terceiro,
qualitativo, sendo as opções de reoas, nesse caso, poucas, “metade
ou maioria. Assim, foi possível coletar formulários integralmente
preenchidos sem induzir reoas e, ao mesmo tempo, regirar a sua
incerteza. Para os cálculos dos índices temáticos e demais totalizações,
as reoas semiquantitativas e qualitativas foram primeiro convertidas
matematicamente em dados quantitativos.
Foram sugeridos índices que integram as queões do formulário ans
com um determinado tema. Esses índices foram apresentados sempre em
conjunto com os valores individuais de cada um dos seus componentes.
Os índices sugeridos aparecem descritos de forma resumida a seguir:
O índice de ecácia de reorganização fundiária (IF) avaliou o impao
que a criação do projeto de assentamento teve na conversão do latifún-
dio improdutivo, considerando a sua reorganização para uma situação
caraeríica de produção familiar. Os seus parâmetros foram baseados
na meta (capacidade) de assentamento. O número de famílias morando
no PA, as parcelas abandonadas ou que sofreram aglutinação e a área
remanescente que não foi parcelada ou deinada a uso coletivo foram
ponderados pela capacidade de assentamento. A porcentagem de área
útil ocupada com produção também compôs o índice.
O
índice de qualidade de vida (QV) reuniu queões ligadas ao acesso
a serviços e condições de moradia no PA. Os maiores pesos foram vin
-
culados ao acesso à educação, serviços de saúde e moradia. A localização
do PA e a forma de acesso (tipo de erada, meio de tranorte), abas-
tecimento de água e energia elétrica, tratamento de esgoto e tranorte
coletivo também foram ponderados no índice de qualidade de vida, mas
apresentaram peso relativamente menor. O fator de ponderação, nesse
caso, foi sempre o número de moradores no PA e não a capacidade de
assentamento. A conseqüência disso foi uma avaliação desvinculada das
metas propoas na criação do PA.
A
articulação e organização social (IS) foram avaliadas principalmente
em relação às parcerias externas do PA para atender às suas necessidades
de serviços de educação, saúde, manutenção de eradas de acesso, auxílio
Assentamentos em debate 15
à prodão e comercialização, lazer e religião. Quanto maior o número de
parcerias e quanto mais elas forem vinculadas a organismos o diretamente
relacionados à reforma agrária, maior será o valor do índice. Com menor peso,
também compõem o índice a participação dos moradores em associações
e cooperativas, a área de produção coletiva do PA e a comercialização em
siemas integrados. A ponderação, nesse caso, também foi feita com base no
número de moradores do PA e o com a sua capacidade de assentamento.
A ação operacional (AO) foi avaliada pelo cumprimento das obrigações
do Incra ou do geor local da política agrária e fundiária com o PA, e pela
fase em que se encontra o projeto. O número de casas denitivas com abas-
tecimento de água, energia elétrica e acesso por eradas, ponderado, nesse
caso, pela capacidade de assentamento foi contabilizado no valor do índice.
A fase de elaboração do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento
(PDA), a titulação e a consolidação, em conjunto com a liberação de créditos
de inalação, de habitação e do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar Linha A (Pronaf-A) também foram considerados,
todos com o mesmo peso. Quanto maior for o cumprimento das obriga-
ções do geor da política agrária e fundiária, e quanto mais próximo o PA
eiver da consolidação, maior seo valor do índice deão operacional.
A qualidade ambiental (QA) foi representada por um índice que
considera o eado de conservação das Áreas de Preservação Perma-
nente (APP) e a Reserva Legal (RL) com o maior peso. A exiência de
atividades ilegais de extração de produtos oreais (madeira e carvão)
e a degradação das terras por erosão também foram consideradas no
cálculo do índice. Com peso também elevado, as ações de recuperação
ambiental (plantio de árvores e recuperação de matas ciliares) também
foram contabilizadas. O eado de preservação das APP e RL e as ações de
recuperação ambiental elevaram o valor numérico do índice, e a exiência
de atividades impaantes ou ilegais depreciaram o seu valor.
. R
.. Eficácia da reorganização fundiária
O índice de ecácia da reorganização fundiária (IF) eá representado
numericamente na Tabela  e gracamente na Figura .
16 NEAD Debate 
Tabela 2 – Valores médios do índice de eficácia da
reorganização fundiária (IF), valores máximos e mínimos,
fonte e tipo de respostas para o Brasil e regiões.
Máx: Máximo índice possível, considerando a resposta mais favorável de todos os formulários. 
Mín: Mínimo índice possível, considerando a resposta menos favorável de todos os formulários. 
Gov: Índice representando a opinião do Gestor da Intervenção Fundiária (Incra ou Agências Estaduais). 
Assoc: Índice representando a opinião das Associações dos Projetos de Assentamento. 
Trab: Índice representando a opinião dos trabalhadores rurais, considerando os formulários das 
entrevistas com os assentados não membros da diretoria das Associações. 
Qt: Porcentagem total de respostas quantitativas. 
SQt: Porcentagem total de respostas semiquantitativas. 
Ql: Porcentagem de respostas qualitativas.
IF
dia diaMáx Máx
dia diaMáx Máx
dia diaMáx Máx
dia diaMáx Máx
dia diaMáx Máx
dia diaMáx Máx
102 96
Min 90 Min 84
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
94 95 96 90 89 91
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
92,3
% 3,5% 4,2% 92,1% 3,9% 4,0%
91 92
Min 75 Min 77
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
82 84 81 84 84 84
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
87,9
% 6,1% 6,1% 88,7% 6,3% 4,9%
105 95
Min 93 Min 83
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
98 99 100 89 89 89
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
92,6
% 2,7% 4,7% 92,1% 3,2% 4,7%
97 95
Min 84 Min 84
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
89 94 90 89 90 89
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
91,6% 4,7% 3,6% 92,0% 4,9% 3,1%
109 101
Min 99 Min 93
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
99 104 105 98 94 98
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
93,7% 3,4% 2,9% 95,4% 2,8% 1,8%
107 101
Min 100 Min 96
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
103 103 104 98 99 99
Tipo Tipo
Qt SQ t Ql Qt SQt Q l
96,6
% 1,3% 2,0% 95,8% 2,2% 2,0%
95
1985-1994 1995-2001
90
82 84
99 89
104 99
91 89
103 97
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Assentamentos em debate 17
Figura 2 – Valor do índice de eficácia de reorganização
fundiária (IF) dos projetos de assentamento do Brasil.
Cada ponto no mapa indica um projeto de assentamento.
Esse índice, ao contrário dos outros, apresentou valores elevados e muitas
vezes próximos ao ideal. Para os projetos criados no período de -,
seu valor médio no Brasil foi de , sendo apenas um pouco superior ao
dos projetos criados no período de -, que foi de  (Tabela ).
Regionalmente, no período de -, pode-se deacar que o Sul
() e Sudee () apresentaram índices superiores a . Esses valores
indicam que o número de moradores nos projetos foi superior ao inicial
-
mente planejado (capacidade de assentamento). A permanência das famílias
nos projetos e mesmo a migração eontânea para as áreas reformadas
parecem ear desvinculadas da variação de outros índices importantes
como a qualidade de vida e eciência operacional do governo. Mesmo em
Eficácia de 
Reorganização 
Fundiária (IF)
Valor do Índice de IF
Sistema de Coordenadas – Latitude/Longitude
Datum de Referência – SAD 1969 – Brasil
20
45
70
95
120
18 NEAD Debate 
áreas em que foram regirados baixos índices de qualidade de vida (acesso
a serviços e moradia), foram identicadas sérias deciências operacionais
(liberação de créditos e implantação de infra-erutura), a organização
social dos projetos foi deciente, a permanência das famílias foi elevada e
a meta de assentamento pôde ser atingida. A combinação desses fatores é
preocupante por ser indicativa de uma realidade ainda mais sombria, ou
seja, a vida preria dessas famílias antes de earem nos assentamentos.
Os assentados de hoje são os acampados de ontem, aqueles que per
-
deram o emprego no campo, tiveram que vender suas terras ou migraram
para a periferia das cidades. O fato dessas pessoas aceitarem condições
precárias em muitos assentamentos reforça a importância do programa
de reforma agrária e a necessidade de ampliação das ações do governo na
intervenção fundiária. Essas famílias vêem no acesso à terra, e o nos be-
nefícios indiretos (créditos e serviços), o equacionamento de seus problemas.
O componente do IF que mais colaborou para a sua redução é o fator
de área útil explorada. A média desse fator, para o Brasil, indicou que nos
assentamentos criados no período de - a área útil não explorada
foi de . No período de -, os valores são mais elevados, com
uma média nacional de . A não exploração de toda a área útil dos
projetos pode ser decorrente de diversos fatores: a) diculdade de acesso
ao montante de créditos e benefícios necessários para a efetiva exploração
de toda a área; b) inclusão de áreas inaptas à exploração agrícola na área
útil do projeto;
c) concessão de área maior do que a dionibilidade de
mão-de-obra das famílias; e d) implantação por parte das famílias de
siemas de produção mais intensivos do que os previos, prescindindo
assim de extensões menores de terra.
Cada uma dessas hipóteses leva a um equacionamento diferente do
problema, e os métodos empregados na análise dos dados dea pesquisa
não permitem identicar quais são os fatores mais relevantes.
Os outros parâmetros que compõem o IF não colaboraram muito para
a sua redução. Isso indica que a ocorrência de lotes vagos, aglutinação
de lotes ou a exiência de áreas não parceladas nos projetos foi muito
pequena. Nesses aeos, apenas casos mais isolados podem ser apon
-
tados:
a) elevada ocorrência de áreas não parceladas no Ama(, no
período de -, e , no período de -);
b) signicativa
Assentamentos em debate 19
aglutinação de lotes no período de -, no Pará () e em Ron-
dônia (); c)  de lotes vagos no Amapá e  no Amazonas, no
período de -, e  no Amapá e  no Amazonas, no período
de -. A variação de lotes vagos e de alterações dos beneciários
originais eá representada na Figura .
Figura 3 – Variação nos estados de a) lotes vagos e
b) lotes em que houve alteração dos beneficiários.
A análise conjunta do IF indica que a eciência com que os latifúndios
são convertidos numa matriz fundiária baseada em agricultura familiar é
evidente em todo o Brasil e os problemas observados, como abandono ou
aglutinação de lotes e áreas não parcelados nos projetos, foram isolados.
O fato da eciência da reorganização fundiária ear desvinculada de outros
índices, como qualidade de vida e eciência operacional, reforça o conceito de
que o acesso à terra, mais do que os benefícios indiretos, é o mecanismo mais
importante do processo de reforma agrária na transformação da sociedade.
.. Qualidade de vida
O índice de qualidade de vida (QV) eá representado numericamente
na Tabela  e gracamente na Figura .
Lotes vagos
Fonte: Pesquisa 
A Qualidade dos assentamentos
da reforma agrária brasileira, 2002
2
25
50
63%
Alteração de ocupante
PA criados entre 1985 e 2001
0
5
10
15
20
25%
20 NEAD Debate 
Tabela 3 Valores médios do índice de qualidade
de vida (QV), valores máximos e mínimos, fonte
e tipo de respostas para o Brasil e regiões.
Máx: Máximo índice possível, considerando a resposta mais favorável de todos os formulários. 
Mín: Mínimo índice possível, considerando a resposta menos favorável de todos os formulários. 
Gov: Índice representando a opinião do Gestor da Intervenção Fundiária (Incra ou Agências Estaduais). 
Assoc: Índice representando a opinião das Associações dos Projetos de Assentamento. 
Trab: Índice representando a opinião dos trabalhadores rurais, considerando os formulários das 
entrevistas com os assentados não membros da diretoria das Associações. 
Qt: Porcentagem total de respostas quantitativas. 
SQt: Porcentagem total de respostas semiquantitativas. 
Ql: Porcentagem de respostas qualitativas.
Q V
68 60
Min 57 Min 48
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
63 61 64 55 52 54
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
76,2
% 7,2% 16,6% 78,1% 7,4% 14,5%
55 48
Min 43 Min 35
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
50 49 48 42 42 41
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
72,1
% 9,0% 18,9% 75,8% 9,0% 15,1%
66 60
Min 56 Min 48
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
63 61 61 55 53 53
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
77,4
% 4,4% 18,2% 80,4% 4,4% 15,2%
74 63
Min 62 Min 51
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
68 68 70 59 57 55
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
70,9
% 14,5% 14,6% 76,3% 10,7% 13,0%
74 68
Min 64 Min 56
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
66 65 70 64 57 65
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
75,9
% 12,3% 11,8% 74,8% 15,0% 10,3%
81 72
Min 69 Min 60
Fonte Fonte
Go
v Assoc Trab Gov Assoc Trab
76 81 74 68 71 65
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
82,2% 3,3% 14,5% 78,2% 5,6% 16,1%
76 67
69 57
67 63
49 42
62 54
63
1985-1994 1995-2001
54
dia dia
dia dia
dia dia
dia dia
dia
dia dia
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Assentamentos em debate 21
Figura 4 – Valor do índice de qualidade de vida
(QV) dos projetos de assentamento do Brasil.
Cada ponto no mapa indica um projeto de assentamento.
O índice de qualidade de vida integra as queões ligadas às condições
de moradia e acesso aos serviços de educação e saúde dos moradores dos
projetos, independentemente de sua condição de assentado ou ocupante.
A condição de vida reporta-se apenas àqueles que eão no projeto, regular
ou irregularmente, desvinculando essa avaliação da eciência com que o
projeto foi implantado ou do seu potencial de atender famílias.
Os valores médios calculados para o Brasil foram baixos, sendo ,
para os projetos criados entre -, e , para aqueles criados no
período de -. Em todos os casos, a tendência de valores mais
elevados nos projetos do período mais antigo se manteve, embora essa
Qualidade de 
Vida (QV)
Valor do Índice de IF
Sistema de Coordenadas – Latitude/Longitude
Datum de Referência – SAD 1969 – Brasil
20
45
70
95
120
22 NEAD Debate 
elevação tenha sido pequena. Com base nesses números, é possível armar
que pouco mais da metade dos fatores ligados ao índice de qualidade de
vida eão plenamente satisfeitos e que, apesar do desenvolvimento dos
PA levar a melhorias, elas vão ocorrer de forma lenta e incompleta. As
maiores diferenças foram regionais, com os valores médios para a região
Sul sendo os mais elevados, seguidos daqueles das regiões Sudee e Cen-
tro-Oee, numa situação intermediária, e as regiões Nordee e Norte
apresentando os menores valores.
Os fatores isolados que mais contribuíram para a redução de QV, nos
dois períodos, foram: a) acesso ao atendimento de saúde em caso de emer-
gências; b) acesso à água de boa qualidade; c) acesso ao ensino médio; e
d) tratamento do esgoto doméico. Descartando a possibilidade desses
benefícios não earem na agenda de reivindicação dos moradores dos
projetos, rea uma hipótese. A sua pouca dionibilidade e a tendência
de não haver melhorias signicativas com o tempo indicam a ausência
ou inecácia das políticas e ações para seu equacionamento.
A variação de alguns fatores do índice de QV por eado eá apre
-
sentada na Figura .
Assentamentos em debate 23
Figura 5 – Variação nos estados de a) acesso a ensino médio;
b) acesso a ensino fundamental; c) acesso à eletricidade; d) acesso
à água de boa qualidade e e) moradia em casas definitivas.
Ensino médio
0
25
50
75
100%
Ensino fundamental
Eletricidade Acesso à água
Casa definitiva
0
25
50
75
100%
0
25
50
75
100%
0
25
50
75
100%
0
25
50
75
100%
24 NEAD Debate 
As conclusões gerais da análise do índice de qualidade de vida foram:
a) os valores médios de QV para o Brasil foram baixos e apenas alguns
fatores eão relativamente bem atendidos; b) ainda um grande nú-
mero de fatores importantes que comprometem a qualidade de vida nos
assentamentos;
c) as variações regionais foram marcantes em todos os
aeos e fatores que compõem o índice. Essa tendência é um indicativo
de que as políticas e ações nesse sentido devem ser regionalizadas. A sua
eciência em regiões naturalmente pouco supridas de infra-erutura foi
menor; e d) a melhoria da qualidade de vida com o tempo não ocorreu
em todos os fatores considerados e foi geralmente pequena.
Ea análise demonra que as políticas de apoio aos assentamentos,
por parte do governo em todos os seus veis, devem ser de longo prazo.
No início, deveriam envolver fases de atuação mais intensiva e voltada
à implantação de infra-erutura básica. Poeriormente, deveriam
ter o objetivo de integrar os projetos no contexto regional visando ao
acesso a serviços e benefícios desvinculados dasões de intervenção
fundiária direta ou da lia de obrigações assumidas pelo governo no
momento da criação dos projetos.
Os fatores isolados que compõem o índice de QV ainda permitem
as seguintes análises:
a) nos projetos recentes, criados entre -,
os maiores problemas com casas denitivas foram regirados na região
Norte ( das famílias não têm casa denitiva). Esse valor foi mais baixo
no período de -, sendo muito baixo em algumas regiões, nesse
período ( na região Sul);
b) o suprimento de água de boa qualidade
nas moradias é preocupante em todo o Brasil. Na região Nordee, no
período de -, apenas  das moradias regiraram o suprimento
de água de boa qualidade, mas valores baixos foram observados em todas
as regiões nesse período ( no Amapá,  no Rio Grande do Sul, 
em Goiás e  no Rio de Janeiro);
c) o tratamento de esgoto doméico,
em fossa séptica, foi extremamente baixo nos dois períodos, em todas as
regiões; d) o tranorte público das áreas dos projetos até a sede municipal
mais próxima é precário na maioria dos casos; e e) as eradas internas,
na sua maioria, não apresentam boas condições de tráfego.
.. Articulação e organização social
O índice de articulação e organização social (IS) eá representado nu
-
mericamente na Tabela  e gracamente na Figura .
Assentamentos em debate 25
Tabela 4 – Valores médios do índice de articulação e
organização social (IS), valores máximos e mínimos,
fonte e tipo de respostas para o Brasil e regiões.
Máx: Máximo índice possível, considerando a resposta mais favorável de todos os formulários. 
Mín: Mínimo índice possível, considerando a resposta menos favorável de todos os formulários. 
Gov: Índice representando a opinião do Gestor da Intervenção Fundiária (Incra ou Agências Estaduais). 
Assoc: Índice representando a opinião das Associações dos Projetos de Assentamento. 
Trab: Índice representando a opinião dos trabalhadores rurais, considerando os formulários das 
entrevistas com os assentados não membros da diretoria das Associações. 
Qt: Porcentagem total de respostas quantitativas. 
SQt: Porcentagem total de respostas semiquantitativas. 
Ql: Porcentagem de respostas qualitativas.
47 44
Min 37 Min 35
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab G ov Assoc Trab
43 43 41 40 40 39
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
88,9
% 3,8% 7,2% 89,7% 3,7% 6,6%
46 43
Min 37 Min 33
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab G ov Assoc Trab
41 42 41 37 39 38
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
89,9
% 4,2% 5,9% 90,3% 4,1% 5,6%
46 45
Min 38 Min 36
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab G ov Assoc Trab
44 42 42 41 40 40
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
87,4% 3,3% 9,3% 88,2% 3,5% 8,3%
51 47
Min 41 Min 38
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
46 47 46 45 43 41
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
86,9
% 6,7% 6,5% 89,0% 5,5% 5,6%
42 38
Min 31 Min 29
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab G ov Assoc Trab
39 40 33 34 37 32
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
89,3% 5,8% 4,9% 92,8% 4,0% 3,2%
48 46
Min 37 Min 35
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
43 54 40 40 51 40
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
91,8
% 1,9% 6,4% 93,0% 1,4% 5,6%
4 2
1985-1994 1995-2001
40
4 1 38
4 3 40
4 3 41
4 6 43
3 7 34
dia dia
dia dia
dia dia
dia dia
dia
dia
dia dia
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
26 NEAD Debate 
Figura 6 – Valor do índice de articulação e organização
(IS) dos projetos de assentamento do Brasil.
Cada ponto no mapa indica um projeto de assentamento.
Os fatores que compõem o IS podem ser divididos em dois aec-
tos: a) ligados à reivindicação por benefícios sociais; e b) organização
visando obter benefícios para os siemas de produção. Os valores de
IS apresentaram caraeríicas diintas daquelas de todos os outros
índices. A variação regional foi pequena, os valores absolutos baixos
e as diferenças entre os dois períodos pouco signicativas. A análise
de seus fatores isolados indicou que a organização e articulação social
nos projetos se concentram nas atividades reivindicatórias voltadas a
serviços e benefícios sociais. São exemplos: as parcerias para equacionar
problemas de educação e saúde, a manutenção de eradas de acesso e a
Articulação e 
Organização Social (IS)
Valor do Índice de IF
Sistema de Coordenadas – Latitude/Longitude
Datum de Referência – SAD 1969 – Brasil
20
45
70
95
120
Assentamentos em debate 27
participação nas associações dos projetos. As associações dos projetos
têm papel importante na negociação de créditos e auxílios com o governo,
bem como na mediação das relações entre os associados. A organização
dos projetos nessas áreas foi elevada em todos os eados.
A organização visando obter benefícios coletivos para a produção
foi bem menor do que aquela observada nos aeos reivindicatórios.
Parcerias buscando conseguir benefícios para a comercialização e/ou
produção agrícola foram regiradas em  dos PA (média Brasil de
projetos criados entre -) e as parcerias ligadas a benefícios sociais
ocorreram em  dos casos. A produção coletiva, com exceção de alguns
eados do Nordee, não apresentou valores signicativos. A participação
em cooperativas teve alguma expressão maior apenas na região Sul e as
parcerias com agroindúrias, com exceção apenas do eado de Goiás,
não foram signicativas.
A análise conjunta dessas tendências indica que, após o assenta-
mento, as famílias optam por individualizar sua produção, evitando
soluções coletivas como cooperativas ou parcerias com agroindúrias.
A individualização não atinge as ações reivindicatórias por benefícios e
serviços sociais, que continuam sendo feitas coletivamente, visando o
projeto como um todo, pelo intermédio das associações. A variação da
participação em associações e em siemas cooperados por eado eá
apresentada na Figura .
28 NEAD Debate 
Figura 7 – Variação nos estados de a) sistemas
de produção cooperados e b) associações
.. Ação operacional
O índice de ação operacional (AO) eá representado numericamente na
Tabela  e gracamente na Figura .
Participação em cooperativas
0
25
50
75
100%
0
25
50
75
100%
Participação em associações
Assentamentos em debate 29
Tabela 5 – Valores médios do índice de ação
operacional (AO), valores máximos e mínimos, fonte
e tipo de respostas para o Brasil e regiões.
Máx: Máximo índice possível, considerando a resposta mais favorável de todos os formulários. 
Mín: Mínimo índice possível, considerando a resposta menos favorável de todos os formulários. 
Gov: Índice representando a opinião do Gestor da Intervenção Fundiária (Incra ou Agências Estaduais). 
Assoc: Índice representando a opinião das Associações dos Projetos de Assentamento. 
Trab: Índice representando a opinião dos trabalhadores rurais, considerando os formulários das 
entrevistas com os assentados não membros da diretoria das Associações. 
Qt: Porcentagem total de respostas quantitativas. 
SQt: Porcentagem total de respostas semiquantitativas. 
Ql: Porcentagem de respostas qualitativas.
AO
71 52
Min 58 Min 41
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
65 60 66 48 44 47
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
80,0% 7,7% 12,3% 82,0% 7,8% 10,2%
48 38
Min 36 Min 27
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
43 42 40 33 32 31
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
70,7
% 10,9% 18,4% 75,4% 10,8% 13,8%
70 51
Min 57 Min 39
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
66 62 64 47 44 44
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
81,5
% 5,0% 13,5% 85,8% 4,5% 9,7%
72 58
Min 57 Min 45
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
66 64 63 52 51 50
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
76,4% 15,5% 8,1% 78,4% 12,1% 9,5%
81 60
Min 69 Min 48
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
75 72 71 56 54 53
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
80,8
% 11,1% 8,1% 80,5% 12,9% 6,6%
92 72
Min 80 Min 61
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
88 86 86 67 71 66
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
90,3
% 2,6% 7,1% 85,0% 5,9% 9,2%
8 7 67
6 4 51
7 3 54
4 2 32
6 4 45
6 4
1985-1994 1995-2001
46
dia Média
dia Média
dia Média
dia Média
dia
dia
dia Média
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
30 NEAD Debate 
Figura 8 – Valor do índice de ação operacional (AO)
dos projetos de assentamento do Brasil.
Cada ponto no mapa indica um projeto de assentamento.
As diferenças entre os índices regionais não foram alteradas com o
tempo. Nas regiões Norte e Nordee, onde se concentra a maioria dos
projetos de assentamento, os índices de AO são mais baixos em todas as
épocas. A região Norte sempre apresentou os valores mais baixos e o menor
incremento com o tempo. Os valores de AO nos projetos mais antigos
da região Norte, criados entre -, caram abaixo dos valores dos
projetos mais recentes do Sul e Sudee, criados entre -. Essas
tendências indicam que a ação operacional apresenta eecicidades
regionais, as quais podem ear vinculadas a diferentes formas de atuação
do Incra nas superintendências regionais. Outra tendência observada foi a
Ação Operacional (AO)
Valor do Índice de IF
Sistema de Coordenadas – Latitude/Longitude
Datum de Referência – SAD 1969 – Brasil
20
45
70
95
120
Assentamentos em debate 31
diminuição do AO à medida que se intensica a intervenção fundiária nas
regiões. A diinção entre essas duas causas não foi feita, mas certamente
é um elemento-chave para a implementação de eratégias que visam à
melhoria da ação operacional por parte do governo.
Os fatores que compõem o índice podem ser agrupados em três
categorias principais: a) infra-erutura (conrução de casas, acesso à
água de boa qualidade e eletricidade e eradas internas); b) liberação de
créditos (inalação, habitação e produção); e
c) titulação e consolidação
dos projetos.
O valor  alcançado pelo índice no Brasil, no período de -,
eá aquém do desejado, pois assentamentos criados mais de oito
anos deveriam ear com a totalidade ou a maioria dos serviços básicos
executados. Os valores dos fatores isolados que compõem o índice no
período de - moram que o fator de maior rerição foi a titu
-
lação e consolidação, seguido da exiência de eradas internas em boas
condições. O item melhor atendido foi a exiência de casas denitivas. A
liberação dos créditos de inalação e habitação também foi executada
na maior parte.
.. Qualidade do meio ambiente
O índice de ação operacional (AO) eá representado numericamente na
Tabela  e gracamente na Figura .
32 NEAD Debate 
Tabela 6. Valores médios do índice de qualidade
ambiental (QA), valores máximos e mínimos, fonte
e tipo de respostas para o Brasil e regiões.
Máx: Máximo índice possível, considerando a resposta mais favorável de todos os formulários. 
Mín: Mínimo índice possível, considerando a resposta menos favorável de todos os formulários. 
Gov: Índice representando a opinião do Gestor da Intervenção Fundiária (Incra ou Agências Estaduais). 
Assoc: Índice representando a opinião das Associações dos Projetos de Assentamento. 
Trab: Índice representando a opinião dos trabalhadores rurais, considerando os formulários das 
entrevistas com os assentados não membros da diretoria das Associações. 
Qt: Porcentagem total de respostas quantitativas. 
SQt: Porcentagem total de respostas semiquantitativas. 
Ql: Porcentagem de respostas qualitativas.
Q A
72 75
Min 55 Min 57
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
62 64 65 64 67 68
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
77,7
% 9,6% 12,7% 80,5% 9,6% 10,0%
70 72
Min 52 Min 55
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
58 63 61 60 65 65
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
77,0
% 11,9% 11,1% 79,6% 12,2% 8,2%
67 71
Min 52 Min 53
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
59 60 61 61 63 64
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
81,6
% 5,7% 12,7% 82,5% 6,3% 11,2%
73 82
Min 52 Min 63
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
54 67 65 68 75 75
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
75,7
% 14,8% 9,5% 79,3% 12,7% 8,1%
79 82
Min 59 Min 61
Fonte Fonte
Gov
Assoc Trab Gov Assoc Trab
67 69 68 70 74 71
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
78,5
% 12,7% 8,8% 79,9% 13,6% 6,5%
82 84
Min 63 Min 63
Fonte Fonte
Gov Assoc Trab Gov Assoc Trab
73 82 71 70 82 76
Tipo Tipo
Qt SQt Ql Qt SQt Ql
71,3
% 10,0% 18,6% 75,6% 10,6% 13,8%
7 3 7 5
6 2 7 3
6 8 7 1
6 1 6 3
6 0 6 3
6 4
1985-1994 1995-2001
6 6
Média Média
Média Média
Média Média
Média Média
Média
Média
Média Média
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Máx
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Assentamentos em debate 33
Figura 9 – Valor do índice de qualidade ambiental
(QA) dos projetos de assentamento do Brasil.
Cada ponto no mapa indica um projeto de assentamento.
O índice como um todo apresentou variação regional signicativa,
com valores mais baixos nas regiões Nordee e Norte, intermediários no
Centro-Oee e Sudee e mais elevados no Sul. Ao contrário de todos os
outros índices, os valores maiores foram observados nos assentamentos
novos, o que dá margem a duas interpretações:
a) a qualidade do meio
ambiente diminui com o desenvolvimento do projeto e com a intensi
-
cação dos siemas de produção; ou
b) as atitudes conservacionias têm
sido intensicadas em tempos mais recentes. Os fatores isolados que mais
contribuíram para que o índice assumisse valores relativamente baixos
em termos absolutos (com exceção de alguns eados da região Sul) foram
Qualidade do Meio 
Ambiente (QA)
Valor do Índice de IF
Sistema de Coordenadas – Latitude/Longitude
Datum de Referência – SAD 1969 – Brasil
20
45
70
95
120
34 NEAD Debate 
a conservação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva
Legal (RL) e a falta de ações de melhoria ambiental. A metodologia da
pesquisa não permitiu avaliar se as APP e RL já eavam degradadas na
época de criação dos projetos, assim surgem novamente duas possibili
-
dades:
a) a degradação ocorreu em decorrência da implantação dos PA,
sendo, nesse caso, uma conseqüência direta da reforma agrária; ou
b) a
seleção das áreas utilizadas para reforma agrária não considera situações
em que o eado de preservação eá comprometido, como parte do
processo de tomada de decisão. Apoiando a primeira hipótese eá o fato
de que a área desmatada após a criação dos PA (legal ou ilegalmente) foi
de  em relação à área total dos projetos, ou de  em relação à sua
área útil, como média para o Brasil (aproximadamente , milhões de
heares desmatados, entre -, de uma área total de projetos de
assentamento de , milhões de heares, com área útil de , milhões
de heares. Esses números indicam que as regiões priorizadas para a
reforma agrária eão nas fronteiras agrícolas, onde a implantação dos
siemas de produção ainda prescinde de desmatamento.
Uma possível explicação para essa tendência são os critérios adotados
na denição de imóvel produtivo índices de Grau de Utilização da
Terra (GUT) e de Grau de Eciência na Exploração (GEE). Caso esses
índices sejam muito baixos, como são muitas vezes considerados, eles
permitem a caraerização de imóveis improdutivos apenas em regiões
remotas, onde o desenvolvimento dos siemas de produção agrícola ainda
é muito incipiente. Se esse, realmente, for o fator que leva a diculdades
de arrecadação de terras por parte do governo nas regiões mais desen
-
volvidas, torna-se imprescindível uma revisão e atualização dos índices
para o cálculo de GUT e GEE.
A insuciência de créditos eecícos para benefícios ao meio ambiente
(reoreamentos, recuperação de matas ciliares, siemas agrooreais)
e a implantação apenas recente de ações de planejamento dos siemas de
produção (PDA) e da licença ambiental para a implantação de projetos
ou liberação de créditos juicam a pouca abrangência das ações de
recuperação ambiental nos projetos de assentamento. Essas ações foram
implementadas em mil heares (, da área total dos PA ou ,
de sua área útil).
Assentamentos em debate 35
Como conclusão da análise geral dos dados, é possível armar que
o processo de reforma agrária é realizado com base num passivo am-
biental signicativo. Esse passivo é fruto da priorização de áreas em que
a qualidade ambiental eá comprometida ou da seleção de áreas em
que o desmatamento ainda é necessário para a implantação dos siemas
de produção agrícola. A falta de ações direcionadas para o equaciona-
mento desse passivo, denidas apenas em épocas muito recentes (PDA
e licença ambiental), associada à priorização absoluta dos créditos para
a implantação de infra-erutura e apoio à produção juicam a pouca
abrangência de ações que poderiam promover o resgate da qualidade
ambiental nos assentamentos.
. C
As conclusões acerca dos dados apresentados dependem da abrangência
com que as ações da reforma agrária são consideradas.
De uma maneira simplicada, a reforma agrária pode ser via consi
-
derando-se a reversão da situação fundiária como parâmetro principal ou
único de avaliação de resultados. Nesse caso, a conversão do latifúndio
improdutivo numa área reformada, onde predomina a pequena proprie
-
dade familiar, passa a ser o principal objetivo. Sob esse aeo, a reforma
agrária pode ser considerada um programa de grande sucesso. Os in-
dicadores apresentados nee trabalho apontam para elevada eciência
e para uma tendência crescente nos inveimentos e na priorização das
ações. Exemplos são:
a) o índice de ecácia da reorganização fundiária
foi elevado e perto de níveis ótimos na maioria das regiões do Brasil;
b) o número de lotes vagos e parcelas aglutinadas foi, de forma geral, muito
pequeno, se comparado ao número de lotes ocupados; c) os inveimentos
por parte do governo vêm aumentando nessa área e nos últimos  anos
o número de falias assentadas e a extensão das áreas reformadas vêm
crescendo; e
d) além da criação de projetos de assentamento por desa-
propriação, o governo vem abrindo novas frentes de atuação na âmbito
da intervenção fundiária, cabendo deacar a utilização de inrumentos
de créditos para a aquisição de áreas para a reforma agrária (Banco da
36 NEAD Debate 
Terra, Cédula da Terra). Também cabe deacar a deinação de créditos
produtivos eecícos, como é o caso do Pronaf-A.
Os indicadores compatíveis com essa denição são todos quantita-
tivos. As eatíicas sobre o número de PA criados, a área reformada, o
número de famílias assentadas e a quantidade de recursos aplicados são
os principais indicadores que devem ser considerados sob ea ótica.
Adotando uma abrangência menos simplicada do conceito de reforma
agrária, serão contabilizados outros fatores além da conversão do latifún-
dio em área reformada. Nesse caso, surgirão duas diferenças relevantes
na análise:
a) os métodos meramente quantitativos e eatíicos não são
mais os melhores inrumentos de avaliação; e
b) há muito menos o que
comemorar em relação às conclusões. Uma visão mais abrangente das
ações de reforma agrária não pode se reringir ao sucesso da conversão
do latifúndio improdutivo em matriz de produção familiar. Novos valores
e inrumentos de avaliação passam a integrar, necessariamente, a sua
avaliação. Alguns deles referem-se a condições locais, io é, a aeos
intrínsecos aos projetos de assentamento, e, outros, a uma esfera maior,
do entorno das áreas reformadas e dos seus impaos sobre a sociedade.
Diversos dados gerados nea pesquisa aplicam-se à análise da reforma
agrária nessa denição ampliada e permitem deacar alguns aeos.
O primeiro, e provavelmente um dos mais importantes, é o fato de o
sucesso da intervenção fundiária ear desvinculado da eciência com
que outras ações são implementadas. O índice de ecácia da reorgani
-
zação fundiária foi elevado, independentemente da eciência com que
as ações operacionais são executadas, da qualidade de vida nos projetos,
e dos critérios que foram adotados na seleção dos locais em que os as
-
sentamentos foram criados (aptidão agrícola, desenvolvimento regional,
qualidade climática). A soma dessas duas conatações é, provavelmente,
a explicação para uma série de queões.
Os métodos que o governo adota na avaliação da reforma agrária
(quantitativos, contabilizando famílias assentadas e deinação de recursos)
têm o poder de analisar a reforma agrária apenas sob uma ótica muito
simplicada. Nessa abordagem, independentemente de diversos fatores
que assumem importância apenas numa análise mais abrangente, os nú
-
meros são favoráveis. Assim, por que inveir em outros aeos se eles
Assentamentos em debate 37
não são contabilizados na avaliação governamental dos resultados? Por
que deender recursos, dedicar energia gerencial, implementar ações em
áreas que eão fora da rerita ótica sob a qual as ões vão ser analisadas?
A tendência natural será inveir na arrecadação de terras (onde ea
for mais fácil ou mais solicitada pelos movimentos sociais), proporcionar
condições mínimas para a inalação das famílias nos assentamentos e
cumprir as metas quantitativas sugeridas pela adminiração central.
Aeos como qualidade de vida, desenvolvimento econômico dos
projetos, impaos ambientais, benefícios regionais e abrangência das
ações na modicação e melhoria das comunidades locais do entorno das
áreas reformadas assumem papel secundário sob essa forma de avaliar o
desempenho. Independentemente disso tudo, a situação fundiária inde
-
sejável é revertida, e a área permanece ocupada por famílias que vão ter
se beneciado das ações implementadas pelo governo.
Numa visão mais abrangente, a análise dos mesmos dados assume
outra dimensão. A primeira, e a mais sombria, é o fato de alguns mi-
lhares de brasileiros verem uma opção de vida em assentamentos nos
quais as condições são precárias (faltam escolas, casas, abaecimento de
água, tratamento de esgoto, atendimento de saúde e tranorte) e a ação
operacional do governo em resolver esses problemas ser pouco eciente.
A única explicação razoável é que, para os trabalhadores rurais sem-terra,
aqueles que perderam os seus empregos, foram subituídos por máqui-
nas e siemas de produção menos intensivos em mão-de-obra, mesmo
essas condições são melhores do que a migração para as cidades ou a
remuneração oferecida pelo seu trabalho. Essas famílias vêem na posse
da terra e no domínio dos meios de produção a solução de parte dos seus
problemas, provavelmente pensando num futuro mais diante e não nas
condições precárias às quais earão submetidas no presente.
Essa visão apenas reforça o conceito de que o domínio sobre os meios
de produção, representado principalmente pela posse da terra, é o prin-
cipal fator de sucesso da reforma agrária. Esse fator é suplantado pelos
benefícios indiretos, como acesso a créditos, moradia e infra-erutura,
que são necessários apenas para garantir condições mínimas de qualidade
de vida aos assentados e permitir que consolidem e desenvolvam mais
rapidamente sua produção agrícola. Essas queões, no entanto, não são
38 NEAD Debate 
as principais e não conituem o objetivo nal. A análise reforça a tese
de que a concentração da posse da terra e a diculdade de acesso aos
meios de produção no setor agrícola são o principal obáculo para o
desenvolvimento do Brasil rural e que a reforma agrária é um programa
essencial para o desenvolvimento da produção agrícola. Os componentes
de assiência social imediata embutidos nas ações de reforma agrária
(créditos para inalação e habitação, infra-erutura básica implantada
nos projetos de assentamento) não são os seus aeos mais importan
-
tes nem aqueles que mais atraem os trabalhadores rurais. Se fosse assim,
haveria correondência maior entre os índices de ação operacional e
qualidade de vida com a ecácia da reorganização fundiária.
Outra conseqüência direta dessa combinação é o fato de os métodos
atualmente adotados para avaliar o desempenho do governo na execução
da reforma agrária e, conseqüentemente, os elementos dos quais se lança
mão para tomar decisões gerenciais e direcionar políticas permitirem
executar o programa à cua de grandes passivos. Esses passivos, identi-
cados apenas numa análise qualitativa, foram signicativos em diversas
esferas, deacando-se a qualidade de vida, a qualidade do meio ambiente
e a ação operacional. O resgate desse passivo não interfere na contagem
do número de famílias que foram assentadas ou na quantidade de projetos
criados. O resgate desse passivo interfere diretamente na forma de vida
cotidiana das famílias, em aeos essenciais como ter os lhos eudando,
ter atendimento de saúde quando necessário, água para beber, ou uma
casa para morar. Também interfere no impao da reforma agrária sobre
os recursos naturais e na seriedade com que os compromissos assumidos
pelo governo são cumpridos. O resgate desse passivo será possível
se forem alterados os métodos que avaliam os resultados, passando os
mesmos a agregar aeos qualitativos. A pergunta quanto?” precisa ser
complementada com as perguntas “como?” e “por quê?.
Eeramos que ea pesquisa sirva como um elemento de agregação
daqueles que vêem na reforma agrária uma alternativa válida para o
desenvolvimento do Brasil. Esse desenvolvimento, além de beneciar os
trabalhadores rurais, traz reexos positivos em outros setores da economia
e para a população que vive na zona urbana.
Colaboradoras e colaboradores
2
A construção de índices como
instrumentos para retratar a
realidade social: uma análise crítica
Luis Henrique Cunha
Doutor em Desenvolvimento SocioAmbiental pelo Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos/Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA) e professor do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia/Universidade Federal da Paraíba/
Universidade Federal de Campina Grande (PPGS/UFPB/UFCG).
Ramonildes Alves Gomes
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFPB/UFCG).
Marilda Aparecida de Menezes
Doutora em Sociologia pela University of Manchester, Manchester, Inglaterra, e
professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFPB/UFCG).
Edgar Afonso Malagodi
Pós-Doutor pela University of Manchester, Manchester, Inglaterra, e professor
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFPB/UFCG).
Genaro Ieno Neto
Mestre em Licenciatura e Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
2.1
Assentamentos em debate 41
N
as duas últimas décadas, muitas pesquisas foram realizadas, tanto no
âmbito acadêmico quanto dos órgãos geores de políticas públicas,
com o objetivo de mensurar ou avaliar os impaos econômicos, sociais,
políticos e ambientais dos projetos de assentamentos exientes no Bra
-
sil. Algumas dessas pesquisas se deacaram pela abrangência nacional
– como o I Censo da Reforma Agrária no Brasil (Schimidt
et alli, ) e,
mais recentemente, a pesquisa que analisou os impaos regionais dos
assentamentos (Leite
et alli, ) ou pelo caráter polêmico de seus
resultados (Caro, ) e das metodologias adotadas (Neves, );
(Veiga, ; ). Nee contexto, a pesquisa A Qualidade dos Assen-
tamentos da Reforma Agrária Brasileira, coordenada por Gerd Sparovek
(), pretende-se inovadora ao adotar uma metodologia de baixo cuo
operacional, com uma abordagem qualitativa, capaz de gerar informações
recentes, siematizadas e abrangentessobre importantes dimensões do
processo de implementação dos projetos de assentamento, organizadas
na forma de índices que facilitem a apreensão dos dados e inuenciem
as políticas públicas no setor.
Ee artigo reete criticamente sobre os resultados dee empreendi
-
mento, em termos dos
objetivos explicitados e do “retratoque é oferecido,
indicando que algumas fragilidades teóricas, conceituais e metodológicas
produzem um quadro diorcido da realidade dos assentamentos no Bra-
sil e da ão do poder público nea área, ocultando os dados primários
gerados pela pesquisa e comprometendo uma iniciativa que efetivamente
pode contribuir com a reexão sobre as políticas públicas voltadas para
resolver a queão agrária no país.
É necessário aceitar o fato de que a realização de um diagnóico da
realidade social dos projetos de assentamentos (seja na dimensão local,
regional ou nacional) é sempre uma experiência incompleta. Evidente
-
42 NEAD Debate 
mente, é sempre possível queionar a validade (técnica e política) de
realização de uma inveigação que utiliza esse inrumento metodoló-
gico. Mas, uma vez que se decide pela importância de realização de um
diagnóico, é necessário assumir que esse será sempre parcial, tanto mais
supercial quanto mais amplo se pretender.
Para que as informações geradas por um diagnóico sejam úteis à
compreensão da realidade social, seus objetivos deverão ear bem de
-
nidos. Um dos maiores problemas do trabalho coordenado por Gerd
Sparovek reside juamente nesse ponto. Se, por um lado, há uma clara
delimitação dos objetos concretos da pesquisa (os projetos de assenta-
mento criados em todo o Brasil no período que vai de  a ), por
outro, os objetivos que nortearam o trabalho parecem imprecisos. Ee
artigo desenvolve a hipótese de que os resultados apresentados (e não
os dados coletados) reetem mais uma avaliação da eciência da ação
governamental na implementação de uma política pública do que uma
análise qualitativa dos projetos de assentamento.
A opção eratégica de apresentar os dados na forma de índices con
-
tribui para alimentar a desconança em torno da realidade revelada pelo
diagnóico. É do confronto entre o retrato que esses índices oferecem
com as imagens que emergem da observação das ações de movimentos
sociais, assentados e agentes governamentais, que buscamos eruturar
nossa colaboração no esforço de criação de uma ferramenta ágil de
acompanhamento da política de assentamento de falias sem-terra no
mundo rural brasileiro.
P
Qualquer diagnóico da realidade social deve partir, primeiramente, do
esforço de compreensão dos processos hióricos que conformam ea
realidade. Muitos autores (Ferreira, ; Alentejano, ; Moreira,
Targino e Menezes, ) têm alertado para o fato de que o poder pú-
blico no Brasil não tem e nunca teve uma política de reforma agrária de
abrangência nacional, voltada para alterar signicativamente a erutura
fundiária do país. O que se tem realizado nas duas últimas décadas são
Assentamentos em debate 43
ações pontuais de assentamento de famílias de trabalhadores sem-terra
em zonas de conito fundiário ou em áreas que passam por processos
de decadência econômica ou de reeruturação produtiva.
As ações que têm sido implementadas pelo governo federal a partir
de , depois da reabertura política, conformam basicamente uma
política de assentamento de famílias sem-terra. Essas ações certamente
têm tido impaos importantes sobre o meio rural brasileiro e sobre o
desenvolvimento da agricultura familiar no país, mas não podem ser
confundidas com reforma agrária.
O eudo A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
problematiza a falta de consenso sobre os impaos dos assentamentos
no Brasil (como se esse consenso fosse possível ou desejável), mas deixa
de reetir criticamente sobre o próprio objeto de sua inveigação. Ea
lacuna diculta a denição dos objetivos do eudo. uma tensão entre
a análise de implementação de uma política (dita de reforma agrária) e
a “avaliação qualitativa” dos projetos de assentamento. Mas, na verdade,
acaba-se por priorizar a análise da intervenção do governo (p.).
Ao priorizar uma análise da eciência da ação governamental, a equi
-
pe reonsável pela realização do diagnóico deixa na sombra aqueles
que talvez sejam os principais reonsáveis pela formulação, denição
de prioridades e pelo ritmo de implementação de uma política pública
de assentamento de trabalhadores sem-terra no Brasil: os próprios tra
-
balhadores organizados em movimentos sociais. Quando se diz que os
principais fatos políticos que inuenciaram a reforma agrária foram a
elaboração da Conituição de  e as transições de governo(p.),
joga-se para segundo plano as lutas camponesas no Brasil e os movimentos
sociais de trabalhadores sem-terra que emergiram novamente a partir
do m da década de , nas suas mais diferentes organizações, em ar
-
ticulação com inituições como Igreja Católica, Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), universidades, partidos de esquerda, reivindicando a
implementação de uma política de reforma agrária com forte presença
na agenda governamental.
Ao se armar que “são as eratégias gerenciais aplicadas no cumpri
-
mento das metas que vão inuenciar a qualidade e eciência das ações
(de governo)” (p.), demonra-se, ainda, um desconhecimento sobre
44 NEAD Debate 
as dinâmicas conituosas e contraditórias relacionadas à elaboração e
execução de políticas públicas, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar
do mundo, em que interesses antagônicos são mobilizados em diutas
e negociações permanentes.
Que retrato sobre a qualidade dos assentamentos a pesquisa revela?
Foi armado que o retrato revelado pelo eudo coordenado por Gerd
Sparovek oferece um quadro diorcido sobre a realidade dos projetos de
assentamentos no Brasil, devido a algumas fragilidades teóricas e meto-
dológicas. Antes de reetir sobre eas fragilidades, é necessário indicar,
mesmo que sinteticamente, que retrato é ee.
Analisando os resultados dos cinco índices propoos pelo projeto, é
possível interpretar que:
A intervenção feita pelo governo federal com vias a alterar a erutura
fundiária, medida pelo índice de ecácia da reorganização fundiária (IF),
foi quase um sucesso absoluto e obteve médias nacionais de  (período
-) e  (-) num índice que vai de  a . Esses valores
indicariam que a eciência com que os latifúndios são convertidos
numa matriz fundiária baseada em agricultura familiar é elevada em
todo o Brasil (p.).
O papel dos projetos de assentamento em garantir boa qualidade de vida
para as famílias assentadas em todo o país é relativamente baixo sendo
a média do índice de qualidade de vida (QV) calculado em  para o pe
-
ríodo - e  para o período - – e de que essa melhoria,
quando ocorre, é lenta e incompleta.
A capacidade de organização dos assentados apresenta os piores resultados
entre as cinco variáveis analisadas pela pesquisa na forma de índices. O
índice de articulação de organização social (IS) alcança valores médios
de  para o período - e  para o período -. A pesquisa
teria revelado que a organização e articulação social nos projetos se con-
centram nas atividades reivindicatórias voltadas a serviços e benefícios
sociais” (p.).
A eciência com que o governo assume seus compromissos na implanta
-
ção dos projetos de assentamento até a sua consolidação nal calculada
pelo índice de ação operacional (AO) é mais elevada que a ecácia dos
assentados em se organizarem internamente. As médias do AO foram de
a)
b)
c)
d)
Assentamentos em debate 45
 para o período - e  para o período -. Esses valores
reetiriam principalmente problemas com a titulação e consolidação
dos projetos de assentamento. Mas que isso poderia ear acontecendo
porque o governo prefere não emitir títulos e consolidar (emancipar) os
projetos, mantendo-os sob sua tutela por longo período de tempo, para
evitar a eeculação imobiliária (p.).
O índice de qualidade do meio ambiente (QA) é mais baixo nas regiões
Norte e Nordee (/ e /, reeivamente, para os períodos -
 e -) do que nas demais regiões, enquanto que a média na
-
cional foi calculada em  (período -) e  (período -).
Uma informação relevante desse índice (que leva em conta basicamente
o eado de conservação das Áreas de Preservação Permanente e de Re
-
serva Legal) é de que, ao contrário dos demais, os valores maiores foram
regirados entre os projetos de assentamento mais recentes.
Chama atenção, particularmente, a imagem que tal retrato delineia
sobre a ação governamental e sobre o papel dos assentados no processo
de implementação dos projetos de assentamento. Enquanto o governo
federal tem desempenho ótimo (reorganização fundiária) e mediano
(ação operacional), a ação dos assentados ca entre mediana e fraca
(organização e articulação social). O eudo não interpreta, em conjunto,
os fatores que levaram à queda nos valores dos índices no período de
- (exceção para o índice de qualidade ambiental) em relação ao
período -. Ee pior desempenho se deve a perdas nos níveis de
eciência da ação governamental ou ao aumento da fragilidade organi
-
zacional dos assentados?
O 
O retrato revelado pela pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira contraa com outros retratos e imagens
conruídos sobre a realidade dos projetos de assentamento e sobre os
processos de implementação de uma política de assentamento de famílias
de trabalhadores rurais sem-terra no Brasil. Algumas dessas contradições
serão aqui indicadas sem que sejam aprofundadas as dimensões das
diferenças percebidas:
e)
46 NEAD Debate 
A erutura fundiária brasileira não parece passar por transformações
tão signicativas como as que são indicadas pelos valores do índice de
ecácia da reorganização fundiária. No livro síntese do eudo eá indi
-
cado que os índices gerais de concentração de terras não vêm sofrendo
alterações que indiquem que o acesso à terra, por parte dos pequenos
produtores familiares, tenha sido facilitado, de forma global” (p.). Essa
armação se baseia, por exemplo, na variação do índice de Gini referente
à concentração de terras no Brasil, que em  era calculado em ,,
enquanto que em  ee valor era de ,. Eudo realizado na zona
canavieira do Nordee (Moreira, Targino e Menezes, ) revelou
um impao diferenciado da política agrária do governo federal sobre a
erutura fundiária dos municípios da região. O trabalho concluiu, no
entanto, que apesar da conquia de frações importantes do território
pela agricultura familiar, a execução da política agrária do governo ainda
eá longe de romper com o monopólio da terra” nessa região.
Pesquisa realizada em  sobre a qualidade de vida em  projetos de
assentamento na Paraíba, criados entre  e , com aplicação de
queionários com  famílias, indicou que  das famílias assentadas
consideravam que sua vida tinha mudado para melhor depois do assen-
tamento (enquanto  achavam que havia mudado para pior). Os dados
sobre saúde, educação, moradia, gênero, organização e participação
social indicaram melhoria em todos esses itens depois de implantado
o projeto de assentamento, ainda que muitos problemas persiissem
(Ieno Neto e Bamat, ). Por outro lado, o acesso à educação, segundo
dados apresentados no diagnóico (p.), por exemplo, não signica
efetivamente melhoria da qualidade de vida. Pesquisa realizada entre
jovens de assentamentos localizados no município de Pilões, no brejo
paraibano, revelou um atraso escolar médio de quatro anos entre os
eudantes matriculados no ensino fundamental e precárias condições
em termos da qualidade de ensino oferecido a esses jovens. No entanto,
os lhos apresentam níveis de escolaridade mais elevados que os de seus
pais (Menezes, Oliveira e Miranda, ). Na saúde, também identicam-
se melhorias no acesso aos serviços, contudo é preciso esclarecer que o
acesso não implica necessariamente um serviço de boa qualidade.
a)
b)
Assentamentos em debate 47
O retrato apresentado a partir do índice de articulação e organização social
é focalizado por uma lente cuja lógica é sempre exterior e formal, não
sendo considerados os interesses, conitos e a hioricidade dos processos
e dos atores. A pesquisa realizada por Caume () sobre o processo de
organização nos projetos de assentamento revelou exatamente que outras
formas de associações não formais são rearmadas, como as eratégias
de resiência cotidianas e as redes de ajuda que se formam no interior
dos projetos. As associações formais reondem mais à necessidade de
racionalização burocrática de diribuição de recursos no marco das
políticas públicas governamentais do que às dinâmicas organizacionais
dos assentados. A capacidade de mobilização e ação coletiva demonrada
por diversos grupos organizados de trabalhadores sem-terra em todo o
país contraa com os resultados negativos contabilizados para o IS.
A demora na implantação do projeto de assentamento, na liberação de
crédito, na demarcação das áreas, associada às diculdades na relação
entre técnicos do Inituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) e assentados (particularmente nos processos de tomada de deci
-
são) têm sido apontadas como entraves importantes à consolidação das
áreas desapropriadas para assentamento de famílias sem-terra (Cunha,
). Pesquisa em andamento sobre a elaboração e implementação
dos Planos de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) em projetos
localizados no eado da Paraíba (Cunha, ) tem revelado dinâmicas
pouco participativas na elaboração desses inrumentos, a ausência de
um diagnóico da viabilidade social dos planos propoos e a pequena
inuência dos PDA como orientadores das eratégias produtivas e de
conrução de um projeto de desenvolvimento para os assentamentos. Não
surpreende, portanto, que entre os assentamentos criados entre -,
o índice de ação operacional (AO) tenha sido tão baixo, primeiro devido
ao maior número de assentamentos criados nee período (aumentando
a demanda de trabalho dos técnicos) e, segundo, devido ao tempo gao
para liberação de créditos e implementação do PA.
No semi-árido nordeino, particularmente, a política de assentamentos
de famílias sem-terra não tem eado vinculada a ações que reduzam a
vulnerabilidade das pessoas em relação ao fenômeno da seca. Em al-
guns casos, o assentamento das famílias leva à intensicação no uso do
c)
d)
e)
48 NEAD Debate 
solo e de outros recursos dioníveis, processo que pode ter impaos
ambientais que potencializem o risco de degradação num ecossiema
frágil (Cunha, ). Por outro lado, observações não siemáticas têm
revelado, em assentamentos localizados no brejo paraibano, que a exis
-
tência de áreas de reserva legal e de proteção permanente não é sintoma
de qualidade ambiental, já que muitas dessas áreas foram intensamente
exploradas no passado e se apresentam atualmente baante degradadas.
Eudos empíricos têm morado, ainda, que as iniciativas de conservação
ambiental coumam ser mais consientes juamente naquelas áreas em
que os problemas ambientais são mais graves, revelando que a exiência
de esforços de conservação não pode ser tomado como indicador de
qualidade ambiental.
P
Contrariando a crença de que os índices sugeridos em
A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira são objetivos e tecnicamente
juicadose que podem auxiliar a adminiração pública a pautar a
geão de suas políticas (p.), acreditamos que eles se conituem na maior
fragilidade do trabalho, contribuindo para a conrução de imagens dis-
torcidas e fundamentadas em pressupoos incompletos ou simplesmente
inadequados à luz do conhecimento produzido no âmbito das Ciências
Sociais nas últimas décadas.
O índice de ecácia da reorganização fundiária (IF) deveria avaliar o
impao dos projetos de assentamento na conversão de latifúndios im
-
produtivos em áreas de produção familiar (p.) e revelaria o sucesso da
intervenção governamental em alterar a erutura fundiária (p.). Já in
-
dicamos acima as diculdades em tomar o IF como indicador de alteração
da erutura fundiária brasileira. Mas será que ele é um indicador conável
da conversão do latifúndio em áreas de produção familiar? A pesquisa
revela importantes informações sobre o número de famílias morando
nos projetos de assentamento, percentual de parcelas abandonadas e área
útil ocupada nesses projetos (elementos que comem o IF), mas esses
números não parecem sucientes para avaliar a conversão do latifúndio
improdutivo para a agricultura familiar. E, mesmo sendo possível supor
Assentamentos em debate 49
que os lotes diribuídos entre os assentados eejam produzindo nos
marcos da agricultura familiar, não elementos na composição desse
índice que informem sobre a natureza da ocupação das áreas nem sobre
a organização do trabalho no seio dessas unidades produtivas de modo
a conrmar essa hipótese.
E, de todo modo, rearia ainda em aberto, se queremos falar em
ecácia, a queão da suentabilidade dee novo modelo, que poderia
ser expresso em termos não apenas de rentabilidade e produtividade,
mas das condições de nanciamento e comercialização da produção,
para que pudéssemos avaliar a transformação dos latifúndios em áreas
consolidadas de produção familiar. Queões que são ainda mais rele-
vantes quando sabemos que muitos dos projetos de assentamento eão
localizados em áreas que passam por processos de decadência econômica
ou de reeruturação produtiva.
O índice de qualidade de vida
(QV) seria um indicador do acesso a
serviços (educação, saúde, tranorte, saneamento) e condições de mo
-
radia nos projetos de assentamento. Os resultados revelam indicadores
mais altos para os projetos de assentamentos localizados na região Sul,
enquanto os valores mais baixos foram encontrados nas regiões Norte e
Nordee, seguindo o mesmo padrão do Índice de Desenvolvimento Hu
-
mano (IDH). Mais uma vez, as informações apresentadas sobre o acesso
a serviços e condições de moradia nos assentamentos são importantes,
mas há problemas na concepção do QV. O mais evidente deles é denir
qualidade de vida como acesso a alguns serviços básicos, quando outros
elementos poderiam ser legitimamente reivindicados como essenciais e
necessários na composição desse índice, tais como acesso à alimentação
e segurança. Poder-se ia dizer que é imprescindível numa pesquisa de
cunho qualitativo a contextualização da trajetória de vida dos sujeitos, na
medida em que o acesso à terra (morar e trabalhar) e aos serviços sociais
básicos implica em melhoria concreta da qualidade de vida se comparada
à situação anterior, em geral sem-terra, sem teto e sem trabalho.
Outro problema é a vinculação sugerida entre a criação do projeto
de assentamento e a qualidade de vida das famílias. No mesmo período
analisado pela pesquisa, o governo federal tem levado a cabo políticas
abrangentes nas áreas de educação e saúde, com vias à universalização
50 NEAD Debate 
do acesso a esses serviços juamente dois dos elementos com pesos
maiores na denição do QV. A avaliação sobre a melhoria da qualidade de
vida não se resume ao acesso aos bens privados e públicos, mas necessita
de inrumentos teórico-metodológicos capazes de compreender as in-
suciências, eecicidades regionais e qualidade dos serviços preados
(Nussbaum e Sen, ; Gomes, ).
O índice de articulação de organização social (IS)
é certamente o que
apresenta maiores problemas. A composição do índice privilegia o que
muitos eudiosos têm chamado de relações verticais, ou seja, relações
(normalmente de autoridade e dependência) entre indivíduos com dife-
rentes posições sociais globais, em detrimento das relações horizontais de
reciprocidade e cooperação entre os próprios assentados, como meio de
desenvolver a habilidade das pessoas dentro da comunidade em trabalhar
juntas para alcançar objetivos comuns e das lideranças locais em facilitar a
comunicação e o trabalho coletivo (Putnam et alli, ; O’Brien et alli, ).
As parcerias externas são o elemento com maior peso no cálculo do
indicador. O IS considerou ainda como indicador, a participação dos
assentados em associações e cooperativas e a exiência de produção
coletiva e comercialização integrada. Qualquer índice que busque infor-
mar sobre articulação e organização social não pode deixar de levar em
conta um elemento fundamental: os processos de tomada de decisão.
O número de parcerias com organismos não diretamente relacionados
à reforma agrária não é indicador de organização social, principalmente
quando se desconhece a qualidade das relações entre os parceiros. São
relações paternalias, clientelias? Ou são relações em que os assentados
preservam a autonomia que realmente conta, que é a de ter voz ativa na
tomada de decisões sobre queões que lhes interessam diretamente?
Da mesma maneira, a simples participação em associações e coope
-
rativas é um elemento muito frágil para fundamentar uma avaliação da
organização social de um grupo. Principalmente quando se sabe que as
associações e cooperativas exientes nos projetos de assentamento são
criadas por exigência do Incra e muitas vezes não reetem as inâncias
efetivas de representação e organização dos assentados. Do mesmo modo,
a crença no fato de que a exiência de áreas de produção coletiva ou de
iniciativas de comercialização conjunta de produtos – na prática, impor
-
Assentamentos em debate 51
tantes fontes de conito e de desmobilização possam ser indicadores
determinantes da qualidade da organização social só pode se fundamentar
num conhecimento pouco aprofundado das dinâmicas sociais. Uma alter-
nativa a esses elementos seria a inveigação do hiórico de mobilização
e das ações coletivas empreendidas pelos assentados, indicadores mais
conáveis de organização social que os utilizados na pesquisa.
O índice de ação operacional (AO) deveria avaliar o cumprimento das
obrigações do Incra ou do geor local da política agrária e fundiária com
os projetos de assentamento (p.). De acordo com os valores calculados
para o AO, é possível interpretar que a qualidade da ão dos técnicos e
dos geores públicos da política de assentamentos caiu signicativamente
no período de -, comparado ao período de -. O problema
é que esse indicador não leva em conta uma variável imprescindível para
qualquer análise de eciência dos procedimentos de geão: o tempo.
E, nee sentido, os projetos mais antigos podem apresentar valores mais
elevados nesse índice simplesmente porque eão implantados mais
tempo, mas não somos informados sobre o tempo gao para que as
obrigações” dos órgãos geores fossem cumpridas.
Mas ainda uma outra lacuna importante no cálculo desse índice: a
ausência de qualquer eimativa sobre a qualidade das ações implemen-
tadas. Dizer que os créditos inalação e conrução foram liberados não
informa muito sobre o papel do órgão geor no planejamento dessa ins
-
talação, do núcleo habitacional e da conrução das moradias. Da mesma
maneira que saber que o Plano de Desenvolvimento do Assentamento
eá pronto não revela muito sobre a aplicabilidade desse plano. Com base
nesses elementos ausentes no cálculo do índice de ação operacional, é
possível perguntar: a demora na emissão dos títulos da terra e na eman
-
cipação dos assentamentos é resultado de uma eratégia deliberada para
evitar eeculação imobiliária ou das diculdades em se cumprir prazos
e realizar tarefas fundamentais para que esses processos ocorram?
O índice de qualidade do meio ambiente (QA) considera basicamente
o eado de conservação das Áreas de Preservação Permanente (APP)
e de Reserva Legal (RL), tomadas como áreas de interesse prioritário
na preservação dos recursos naturais. Ainda que seja importante saber
como se encontra a conservação das APP e das áreas de reserva, esses
52 NEAD Debate 
dois elementos não são sucientes como indicadores de qualidade do
meio ambiente, mesmo levando em conta o grande impao dos serviços
ecológicos preados pela cobertura oreal. Esse índice poderia incluir
(e o modelo de levantamento de dados propoo pelo trabalho permite
a coleta) informações sobre conservação do solo (fertilidade, processos
erosivos), práticas agrícolas (siemas de pousio, corte e queima, uso de
fertilizantes), oferta e qualidade da água, entre outros. Mesmo no que
diz reeito à cobertura oreal, é preciso uma análise qualitativa das
oreas protegidas pelas APP e RL (são primárias, secundárias, sofreram
exploração madeireira) e uma análise da exploração extrativa do potencial
de recursos não madeireiros.
O debate acadêmico e o campo de diuta política sobre o que se quer
conruir, portanto, sobre o sentido que se quer dar à reforma agrária
exigem que, ao se denir os critérios de escolha desses índices, se es-
clareça o posicionamento dessa escolha frente a esse debate. Omitir ou
escamotear esse posicionamento não garante uma hipotética neutralidade
da pesquisa e não ajuda o debate avançar.
A
A pesquisa coordenada por Gerd Sparovek assume duas importantes
posições metodológicas: ) que as eratégias metodológicas escolhidas
vão reetir a realidade de forma imparcial e
) que a metodologia usada
permitirá avaliar aeos qualitativos dos projetos de assentamento (p.).
Não parece necessário argumentar extensivamente sobre a impossibili-
dade de qualquer metodologia de pesquisa resultar numa compreensão
imparcial da realidade social. Essa é uma das poucas queões em que
há consenso entre pesquisadores vinculados às Ciências Sociais. O pro
-
blema adicional com o pressupoo da imparcialidade é que ele fecha
a alternativa de uma apreciação crítica das possibilidades e dos limites
oferecidos por nossas escolhas metodológicas. De todo modo, o mérito
da pesquisa social não é avaliado em termos dos retratos imparciais que
possa gerar, mas da contribuição que faz à compreensão e interpretação
de elementos selecionados da realidade social.
Assentamentos em debate 53
Mais relevante, porém, é a discussão sobre o caráter qualitativo dea
pesquisa. E não parece haver dúvida de que o extensivo trabalho de coleta
de dados oferece como contribuição dados quantitativos (mesmo porque
a eratégia metodológica é própria das metodologias quantitativas). Uma
melhor compreensão das diferenças metodológicas entre eratégias
qualitativas e quantitativas resolveria alguns dos equívocos presentes no
trabalho. Dados qualitativos não são aproximações da realidade ou de
quantidades exatas, mas uma outra forma de queionar essa realidade
e de apresentar os resultados desse queionamento.
É importante ressaltar, porém, que uma metodologia quantitativa
pode oferecer dados sobre qualidades de processos. E é nesse campo
que o trabalho apresenta as lacunas mais importantes e em que pode
avançar mais, incluindo no queionário, perguntas que regirem per-
cepções e informações sobre a qualidade dos serviços, das ações, das
eratégias. Buscar saber (e fazer o regiro dessas informações em termos
de quantidades), por exemplo, as razões que levaram algumas famílias
a abandonar seus lotes e migrarem para outras regiões; perguntar o que
os informantes acham da qualidade dos serviços de educação e saúde e
das relações eabelecidas com os técnicos do Incra.
Nee sentido, o queionário que foi elaborado de maneira criativa e
baante competente, com soluções para as vidas, as incertezas poderia
incluir queões que realmente revelassem a opinião dos informantes
sobre alguns aeos da implantação dos projetos de assentamento. A
o momento, e ao contrário do que eá explicitado no livro
A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira (p.-), não foram
coletadas as diferentes opiniões de assentados, organizações e poder
público sobre as experiências que vivenciaram. Mas esse silêncio pode
ser facilmente quebrado em um pximo levantamento.
C
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira representa
um esforço importante na busca por inrumentos mais ágeis de diag-
nóico das dinâmicas sociais relacionadas à política de assentamento de
famílias de trabalhadores rurais sem-terra no Brasil. Ea importância se
54 NEAD Debate 
deve, principalmente, à base de dados que a pesquisa gerou, que poderá
alimentar e inirar muitos eudos sobre a problemática e ser o passo inicial
na organização de séries hióricas que permitam analisar os impaos, as
transformações, avanços e recuos dea política ao longo do tempo.
Por outro lado, não é possível deixar de ressaltar que o eudo assu
-
me alguns pressupoos queionáveis e que não apresenta efetivamente
um retrato da qualidade dos assentamentos nem da implementação da
política blica. Mesmo porque os índices que são apresentados na pu
-
blicação encerram importantes fragilidades, contribuindo para diorcer
a realidade que se pretende retratar. Ainda assim, o esforço já feito pode
ser aperfeiçoado e servir de base para futuros diagnóicos. Os dados
devem ser apresentados no relatório-síntese agregados, mas não na for-
ma de índices. Esses índices podem ser propoos em artigos cientícos,
mas não podem ocultar o mais importante nesse trabalho, que são as
informações coletadas.
Finalmente, é importante dizer que qualquer diagnóico dos assen
-
tamentos brasileiros não pode deixar de tratar seriamente uma queão
fundamental: a multiplicidade de eaços conruídos, em que aeos
sociais, econômicos, políticos, culturais e ecológicos delineiam as marcas
de nossas diferenças regionais e intra-regionais. As paisagensdos as-
sentamentos no Brasil não são diferentes apenas em termos dos olhares
diversos que sobre elas se debruçam, mas também dos próprios elementos
(e dos arranjos entre eles) que as compõem. As implicações ambientais
da política de assentamentos nas regiões Sudee e Norte, por exemplo,
são baante diferenciadas e não podem ser tratadas igualmente em ter
-
mos da criação de áreas de preservação permanente e de reserva legal.
Da mesma maneira, se queremos avaliar os benefícios que uma política
de assentamentos traz em termos da qualidade de vida, não podemos
partir dos mesmos critérios ao analisar os projetos localizados na região
Sul e os situados no semi-árido nordeino. É preciso criatividade para
incorporar as diferenças nas metodologias de coleta e análise dos dados
sobre a política de assentamentos no Brasil. 
Assentamentos em debate 55
B
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O significado dos assentamentos
de reforma agrária no Brasil
Sérgio Sauer
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Filosoa
da Religião pela Universidade de Bergen/Stavanger (Noruega). Trabalha
como assessor parlamentar para a senadora Heloísa Helena (AL).
2.2
58 NEAD Debate 
Cada lugar é, à sua maneira, o mundo.
Cada lugar, irrecusavelmente imerso numa comunhão
com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais.
M S
I
E
e texto é uma reexão crítica, reondendo a uma provocação do
Núcleo de Eudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), sobre
a metodologia e os dados de pesquisa, realizada em , e seus resultados,
publicados no livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira, em . Ee é um exercício procurando eabelecer diálogo
entre a conante preocupação com a efetividade na implementação de
políticas públicas e a importância da reforma agrária para as pessoas que
lutam pela terra.
Nas minhas inveigações sobre as motivações e signicados da luta
pela terra, encontrei muita coragem, sabedoria e corações cheios de es
-
perança e sonhos. Em meio a tantas viagens e jornadas – um verdadeiro
nomadismo geográco e social em busca de trabalho e condições de vida
– regirei hiórias heróicas, expressões vivas do signicado da luta pela
terra. A fala de dona Gloraci, então uma acampada de Goiás, resume
esse signicado: Terra é tudo; terra é paz, é vida! A luta pela terra é uma
coisa muito clara: é o suento da vida!”
Ee texto eá dividido em quatro partes, sendo que as três primeiras
abarcam as discussões e queões propoas pelo NEAD, problematizando
temas relacionados com a metodologia utilizada e com resultados da
pesquisa. O ponto de partida são os assentamentos de reforma agrária e
Assentamentos em debate 59
as diculdades metodológicas para mensurar a importância dees lugares,
únicos e exienciais, na conrução de uma outra ruralidade no Brasil.
Tendo a expressão de dona Gloraci como referencial, a última parte
é uma reexão sobre o sentido da luta pela terra para as pessoas que se
aventuram nessa jornada. A terra ganha um signicado, real e simbólico,
de um lugar de trabalho, moradia e produção, portanto, de reprodução
social camponesa.
O
O assentamento é um eaço, geogracamente delimitado, que abarca
um grupo de famílias beneciadas por programas governamentais de
reforma agrária. A conituição do assentamento é resultado de um de-
creto adminirativo do governo federal que eabelece condições legais
de posse e uso da terra. O assentamento é fruto de um ato adminirativo
que limita o território, seleciona as famílias a serem beneciadas, etc.,
sendo, portanto, articialmente conituído, criando um novo ambiente
geográco e uma nova organização social (Carvalho, ).
A criação do assentamento é, por outro lado, produto de conitos, lutas
populares e demandas sociais pelo direito de acesso à terra. A mobilização
e organização sociais, o enfrentamento com os poderes políticos locais e
nacionais, as diutas com o latifúndio e com o Eado e os queionamen-
tos das leis de propriedade caraerizam o que Bourdieu deniu como as
lutas pelo poder de di-visão, as quais são capazes de eabelecer territórios,
delimitar regiões, criar fronteiras (Bourdieu, , pp. ss).
O eabelecimento de fronteiras geográcas é uma denição legítima e
um resultado das lutas pelo poder de ver e fazer crer” (“produto de uma
divisão a que se atribuimaior ou menor fundamento na realidade,
Bourdieu, , p. ). Ee poder eabelece divisões do mundo social, cria
diferenças culturais e gera identidades (Bourdieu, , p. ), permitindo
1 Nos debates e formulações sobre a importância da luta pela terra e possíveis impaos de uma
reforma agrária no Brasil, os projetos de assentamento têm sido objetos, peculiares e diferenciados,
de diversos eudos. Ver, por exemplo, as discussões de Medeiros e Eerci, 1994; Palmeira e Leite,
1998; Carvalho, 1999, eecialmente a recente publicação de Leite et alii, .
60 NEAD Debate 
tratar as áreas de assentamento como realidades diintas, portanto, como
unidades de análise (uma “di-visão”), um objeto peculiar de eudo.
Ea diinção, no entanto, não signica isolamento das relações so-
ciais e políticas locais e regionais, como são tratados os assentamentos na
pesquisa em discussão. As análises sobre a situação, eecialmente sobre a
suentabilidade dos projetos, devem ser feitas considerando também os
contextos sociais, políticos, econômicos, incluindo processos hióricos
de conituição dos projetos e de inserção no seu entorno.
Ee isolamento não é rompido apenas com esforços teóricos para
resgatar o processo hiórico de concentração da propriedade fundiária e
as lutas sociais pela posse da terra. Os projetos de assentamento devem ser
analisados e avaliados no seu contexto geográco, considerando fatores
sociais, econômicos, políticos, culturais e condições agrícolas, climáticas,
mercadológicas, etc.
A conversão de um latifúndio, de uma grande área de terra improdu
-
tiva em um lugar de produção e vida para dezenas, centenas de famílias
é apenas um aeo da “reorganização fundiária. Ea queão tem im
-
paos, inclusive econômicos, que transcendem as fronteiras dos projetos,
transformando a “ruralidade de eaços vazios” (Wanderley, ).
Um aeo desconsiderado na pesquisa é juamente o impao da
exiência dees projetos no seu entorno. Esse é um aeo central
porque, segundo Leite:
Os assentamentos tendem a promover um rearranjo do processo produtivo nas
regiões onde se inalam, muitas vezes caraerizada por uma agricultura com
baixo dinamismo. A diversicação da produção agrícola, a introdução de atividades
mais lucrativas, mudanças tecnológicas, reetem-se na composição da receita dos
2 Sérgio Leite, defendendo a necessidade de manter os assentamentos como objetos de eudos peculiares,
arma que de um ponto de via mais eritamente sociológico, identi-los, por suas caraeríicas
formais, à pequena produção, implica em perder de via os processos de conito, geração de utopias,
peculiaridades da ação governamental, etc., que os caraerizam(Leite, 2000, p.40).
3 O latifúndio é promotor de deslocamento geográco por meio do êxodo rural, portanto, é ins-
trumento e lugar de exclusão social e marginalização política. Segundo Wanderley (2000), ees
então criam eaços vazios” e lugares ausentes de signicados. A reforma agrária deve eabelecer
novas bases produtivas, sociais, políticas, culturais e organizacionais, rompendo com ee vazio e
criando novas dinâmicas socioambientais no meio rural, uma nova ruralidade.
Assentamentos em debate 61
assentados afetando o comércio local, a geração de impoos, a movimentação
bancária, etc., com efeitos sobre a capacidade do assentamento se rmar politica-
mente como um interlocutor de peso no plano local/regional(Leite, , p. ).
Esses impaos não se resumem a um simples aumento da produção
agropecuária e o conseqüente aquecimento da economia local –, mas a
uma série de mudanças sociais e políticas, muitas vezes mudando o eixo
de poder e a correlação de forças locais e regionais.
O assentamento deve ser compreendido também como uma encruzilha-
da social(Carvalho, , p. ), portanto, é um eaço social e geográco
de continuidade da luta pela terra. É o lugar onde diferentes biograas se
encontram – ou ampliam os encontros iniciados nos acampamentos – e
iniciam novos processos de interão e identidade sociais, gerando novos
atores sociais e políticos. Esses atores terão como principais fatores de me-
dião real e simlica (interna e externa) a terra, o trabalho e a produção.
Além do acesso à terra e à produção, as interações sociais são mediadas
por processos organizativos internos aos projetos, resultando na criação
de mecanismos produtivoscomo associações, cooperativas, grupos de
produção, roças ou inveimentos comunitários, etc. Esses processos e
mecanismos não podem ser preteridos, em nenhum tipo de avaliação
sobre a organização social dos projetos de assentamento, em detrimento
de parcerias externas.
Essas parcerias podem revelar graus de inserção ou de isolamento
dos projetos em relação aos seus contextos, mas a sua exiência não
necessariamente signica independência, ao contrário, pode representar
graus elevados de atrelamento político. As parcerias também não são
isentas (e não podem ser avaliadas como tal) de conitos, eranhamentos,
tensões e diutas, eecialmente no caso dos assentamentos, resultados
de conitos políticos com poderes locais conituídos.
É fundamental, no entanto, não confundir “viabilidade econômica
com necessidades concretas e demandas sociais por ocupação, trabalho
4 Apesar dea opção metodológica, a discussão dos resultados da pesquisa sobre o “índice de
articulação de organização social” não retoma a ênfase nas parcerias externas. O texto apenas
divide os dados em organização para a reivindicação de benefícios sociais e para a produção, com
melhores índices no primeiro caso.
62 NEAD Debate 
e renda. Primeiro, essa viabilidade é geralmente reduzida a uma equação
que procura avaliar retorno econômico, em termos de produção para o
mercado, em função dos inveimentos governamentais. Segundo, essa
viabilidade eá calcada em um nível de exigência (de produção, de au
-
tonomia, de taxa de retorno) que nem a chamada agricultura familiar
consolidada” é capaz de reonder.
A produção e a conseqüente geração de renda é um elemento
central para a sobrevivência e melhoria das condições de vida das
famílias, conseqüentemente um desao para a efetividade das ações de
reforma agrária. A produção assume inclusive um valor simbólico o
acesso à terra cria trabalhadores produtivos e media uma relação ou
interação social com o entorno dos projetos, o que é muito diferente da
tal “viabilidade econômica.
Apesar da importância social e simbólica da produção, os mecanismos
e inituições não produtivascomo igrejas, escolas, centros comunitários
e de lazer e grupos de trabalho têm um peso signicativo na organização
e suentabilidade dos projetos e na interação do grupo social. Esses
mecanismos são importantes não só quando conituídos com parcerias
externas, mas eecialmente quando aglutinam e articulam força social e
política, transformando o próprio assentamento ou os seus mecanismos
internos – em ator – e/ou interlocutor – local e regional.
A autonomia não eá, portanto, baseada na independência dos órgãos
e programas governamentais a famosa discussão sobre a emancipação –,
mas no grau de organização e capacidade de mobilização social e política
das famílias assentadas. Conseqüentemente, emancipação não se rerin-
ge a um momento – ou a um debate sobre –, a partir do qual cessaria o
direito de acesso a políticas públicas, mas diz reeito à conituição de
sujeitos de suas próprias biograas” (Giddens, ).
A 
A controvérsia disseminada na sociedade e na opinião pública brasileira
sobre os alcances e limites da reforma agrária no Brasil demanda avalia-
ções abrangentes, dados e resultados com caráter nacional. Ea pesquisa
Assentamentos em debate 63
censitáriacontribui signicativamente para esse debate, fornecendo um
panorama abrangente dos projetos de assentamento.
A pesquisa tinha como um de seus objetivos diagnoicar a realidade
dos assentamentos para gerir políticas públicas. Esse objetivo levou a di
-
mensionar um levantamento abrangente, de alcance nacional, recolhendo
dados de mais de quatro mil projetos,
o que é muito diferente de outros
eudos qualitativos, exauivos, mas geogracamente delimitados.
É importante ter claro, no entanto, os limites e deciências dee tipo de
levantamento.
Os índices e ponderações resultantes dão um quadro geral
que diz muito pouco sobre a realidade dos projetos em eudo. É, inclusive,
duvidoso o desejo de “criar índices objetivos” capazes de pautar a geão
de políticas públicas. As diversidades regionais e as demandas eecícas
daí decorrentes exigem políticas direcionadas, inclusive em termos da
quantidade de recursos a ser alocada nos diferentes programas.
Condizente com ea opção censitária, o queionário utilizado é bas-
tante objetivo e dinâmico, o que permitiu uma certa precisão nos dados
coletados. As queões fechadas, coletando dados objetivos, permitiram um
pido processamento das informações obtidas,
por meio de entrevias
feitas com representantes do governo federal diretamente envolvidos com
o tema (Incra e geores de políticas públicas), representantes dos movi-
mentos sociais e assentados (lideranças de associações e cooperativas).
O levantamento foi realizado em 4.340 projetos em todo o país, mas a publicação não esclarece
como a equipe deniu ee universo de pesquisa, inclusive não eecica a partir de que eágio
foi considerado como assentamento ou se ee número inclui projetos de assentamento feitos por
governos eaduais. Não ca claro também se ee universo inclui as áreas adquiridas por progra-
mas de compra e venda de terras como o Cédula da Terra e o Banco da Terra, os quais possuem
dinâmicas sociais e políticas baante diferenciadas dos projetos resultantes das desapropriações
para ns de reforma agrária.
A mesma rerição apresentada pela equipe para juicar as diculdades metodológicas para
aferir a renda (diversidade de siemas de produção e diferenciações familiares e individuais)
pode ser eendida para os demais índices e a forma diferenciada com que ees se dão em cada
projeto ou em cada família beneciada.
Alguns aeos problemáticos na aplicação dees queionários são: o tempo para a coleta dos
dados e a utilização dos tais empreendedores sociaiscomo principais reonsáveis pela aplicação
dos queionários na pesquisa de campo. Certamente, a objetividade dos dados pode ter minimi-
zado os riscos de uma “intervenção” de pessoas que são reonsáveis também pela execução das
políticas públicas.
64 NEAD Debate 
Por outro lado, esses queionários explicitam a ausência de qualquer
referência à situação anterior aos assentamentos e impaos sociais, eco-
nômicos e políticos no seu entorno. O inrumento não coletou dados
para eabelecer uma base de comparação (não há dados comparativos
com o entorno, com agricultores familiares próximos), bem como não
coletou informações para avaliar o processo de luta que gerou os pro
-
jetos de assentamento.
Um aeo metodológico importante da pesquisa foi a opção de avaliar
os projetos utilizando índices (e indicadores) como níveis de qualidade
de vida, de organização social, de ecácia da reorganização fundiária e
de preservação ambiental. São elementos extremamente importantes,
rompendo com a freqüente redução da importância (e o sucesso) dos
assentamentos à sua dimensão econômica e produtiva (a já mencionada
viabilidade econômica).
As conclusões do trabalho reetem bem essa opção, inclusive com a
conatação de que as políticas governamentais acabam privilegiando a
alocação de recursos para a aquisição de áreas (arrecadação de terras) e
assentamentos de famílias em detrimento de inveimentos em ações que
contribuem para melhorar as condições de vida ou o desenvolvimento
econômico dos projetos. O resultado dea opção é um imenso passivo
que diculta a vida das famílias, contribuindo decisivamente para o baixo
rendimento de muitos projetos.
A pesquisa, no entanto, o deixa claro pelo menos io não ca
explícito na publicação quais foram os critérios utilizados para denir
os indicadores (ou fatores) capazes de mensurar ou avaliar os índices ou
aeos selecionados. Além do mencionado peso dado às parcerias
externas em detrimento da organização interna (para avaliar a articulação
e organização social), não ca claro porque os pesquisadores optaram, por
exemplo, por critérios como a dionibilidade de escolas e não os veis de
escolaridade das pessoas para medir a qualidade de vida nos assentamentos.
A opção pelo cumprimento de metas de assentamento de famílias
como o principal fator para avaliar a ecácia da reorganização fundiária,
por outro lado, atende mais a uma certa “preação de contassobre os
inrumentos públicos capacidade de execução e implantação do projeto
Assentamentos em debate 65
do que a uma real avaliação da situação dos projetos.
A inclusão do índice
de ão operacional torna essa tendência da pesquisa ainda mais evidente.
Em relação à reorganização fundiária, a equipe inclusive considerou
positiva a exiência de um número maior de famílias do que a capacidade
inicial de assentamento, como aconteceu nas regiões Sul e Sudee nos
projetos antigos (implantados antes de ). Na verdade, a agregação
de mais pessoas e famílias nos lotes pode, ao contrário, signicar um
processo de “minifundizaçãodos projetos, ou seja, mais pessoas do que
a capacidade produtiva da área utilizada.
Sem sombra de dúvidas, a opção metodológica ponto de referência
da avaliação foi valorizar a dionibilidade e a implantação de serviços
públicos de saúde, educação, moradia e infra-erutura básica (água
potável, esgoto, eletricidade) nos projetos. Isso revela uma avaliação da
execução de políticas públicas e não os seus impaos nos assentamentos,
ou seja, centra esforços em uma possível preação de contasdas ações
e programas governamentais.
Como reexo de uma política governamental, os assentamentos
não podem ser avaliados sem considerar os inveimentos públicos. A
realidade dees projetos não é, no entanto, apenas reexo do sucesso
ou fracasso das ações governamentais. Essa diinção não ca clara no
processo de coleta e análise das informações obtidas sobre os assenta-
mentos de reforma agrária.
A pesquisa faz certa confusão entre uma avaliação dos assentamentos
em si (sua dinâmica interna, sua capacidade de gerar renda e melhorar
as condições de vida das pessoas) e uma avaliação das próprias políticas
governamentais (se assentou o número de famílias que a área comporta;
se implantou escolas ou poos de saúde, etc). Prevaleceu um dos objetivos
da pesquisa que era fornecer índices objetivos e tecnicamente juicados
a partir dos quais a adminiração pública poderá vir a pautar a geão
de suas políticas.
8 O próprio recorte hiórico, dividindo os dados em apenas dois períodos (de 198 a 1994 e de 199
a 2001) claramente eabelece a adminiração pública federal (governos nacionais e suas políticas
fundiárias) como referência privilegiada da pesquisa. Mesmo nea pereiva, considerar o
primeiro período como um bloco hiórico único é outro problema dee recorte da pesquisa.
66 NEAD Debate 
Resumidamente, ea preferêncianão se conitui em um grave
problema da pesquisa. Uma vez assumida essa pereiva, no entanto,
deveria levar a busca de dados capazes de realmente avaliar a ecácia e
a eciência das ações governamentais de reforma agrária. Signicaria
incluir, ainda, outros aeos e dados como, por exemplo, montante de
recursos públicos aplicados, formas de aplicação (em que ações, períodos
de liberação dos recursos, etc.), adminiração pública dos projetos, grau
de participação dos interessados nas decisões sobre prioridades (quais
ações implementar, quando e como implementar), etc.
Parte dea preocupação eá contemplada com a inclusão do índice
de ação operacional. Esse índice, no entanto, se confunde com o de quali-
dade de vida porque assume os mesmos fatores de avaliação (conrução
de casas, inalação de infra-erutura, como a conrução de eradas,
fornecimento de eletricidade, etc.).
O
Conforme mencionado anteriormente, uma das principais conclusões
dee levantamento foi a conatação do descompasso entre os inves-
timentos para a aquisição de áreas e o assentamento de famílias e as
demais ações governamentais voltadas para melhorar as condições de
vida ou preservar o meio ambiente nos projetos. Esse descompasso
foi amplamente conatado e é resultado de uma opção governamental
de inveir no cumprimento de metas, realizando ações de visibilidade
pública capazes de serem expressas em números.
Relacionado com a opção governamental de priorizar desapropria-
ções, um dado signicativo da pesquisa é o alto grau de concentração
de projetos na região Norte do país. A amora geral (de  a ) é
compoa por , de área desapropriada, assentando , do total das
famílias beneciadas nessa região. Esses índices foram de , da área
e , das famílias para o período de  a , sendo que as regiões
Sul e Sudee apresentaram os menores índices no período.
A equipe não problematizou esses dados, mas são signicativos por,
pelo menos, dois motivos básicos. Primeiro, corroboram e rearmam as
Assentamentos em debate 67
opções governamentais de desapropriar áreas em detrimento de outras
ações complementares. Ea opção tem sido executada na região com
o maior eoque de terras conseqüentemente terras com preços mais
baixos –, resultando em gaos públicos com um maior retorno(maior
número de famílias beneciadas).
Em segundo lugar, essa região apresentou os piores índices gerais de
qualidade de vida com média de  para os projetos implantados até ,
e de  para os implantados de  a  (contra e , reeivamente,
para o âmbito nacional). A região Norte apresentou baixos índices de acesso
(falta de eradas), de eletricidade, de serviços de saúde, demonrando
a falta de inveimentos em ações complementares à reforma agrária.
Fundamentalmente, os dados revelam uma lógica perversa de con-
centrar as ações em desapropriações de áreas na região que tem terras
baratas, mas que mais necessita inveimentos complementares. Essa
lógica visibilidade às ações governamentais (ações que “beneciam
muitas famílias), mas penaliza as famílias e impede avanços importantes
no processo geral de democratização do acesso à terra, eecialmente
porque mantém intocada a concentração fundiária do Sul e Sudee.
Outro aeo importante da concentração de projetos na região Norte
eá relacionado com os impaos da ação humana sobre o meio ambiente.
A pesquisa não levantou esse dado, mas muitos projetos têm sido ina-
lados em terras exauridas, ou seja, terras abandonadas após a extração
da madeira nobre (com valor comercial). Mesmo assim, a maioria dos
projetos acaba sendo implantada em áreas que a produção agropecuária
depende de desmatamento,
eabelecendo uma relação enganosa entre
democratização do acesso à terra e preservação ambiental.
Apesar da complexidade e das diculdades – muitas inerentes à pró
-
pria lógica produtiva da agricultura familiar e camponesa para aferir
renda, esse é um dado importante sobre a suentabilidade dos projetos.
Infelizmente, a metodologia da pesquisa não permitiu obter dados con
-
áveis sobre os níveis de renda das famílias assentadas. Sem esquecer
9 Diante da falta de inveimentos políticos para promover o desenvolvimento dos projetos, a so-
brevivência das famílias eá diretamente relacionada com o desmatamento, simplesmente porque
áreas já desmatadas não possuem a fertilidade natural que garante a produção agrícola. Io sem
falar na renda gerada pelo comércio de madeira, outro elemento fundamental de sobrevivência.
68 NEAD Debate 
as necessárias relativizações, problematizadas anteriormente, esse é
um componente básico do processo de sobrevivência das famílias e sua
contribuição para a economia local e regional.
Por outro lado, os níveis de organização interna dos projetos, mesmo
que centrados na busca de benefícios sociais, é outro dado importante da
pesquisa. Diante da falta de inveimentos públicos em assiência técni-
ca e crédito para produção, é juicável que não grandes processos
organizativos coletivos voltados para a produção. A tendência, reforçada
por aeo cultural, é privilegiar o trabalho e a produção individualizada,
inclusive porque exige um nível mais baixo de inveimento.
Outro dado signicativo dea pesquisa é a conatação de que, dife
-
rente das eimativas armando altos índices de abandono de lotes, os
projetos possuem ótimo grau de ocupação. A pesquisa não mensurou o
percentual de famílias que foram originalmente assentadas, mas conatou
um alto índice de aproveitamento das áreas desapropriadas com poucos
lotes abandonados e pouca área útil não explorada.
Apesar das diculdades encontradas e dos baixos níveis de qualidade
de vida em vários projetos, a pesquisa conatou um grau elevado de
ocupação das áreas. Infelizmente, não dados no levantamento rela-
cionados às motivações para a permanência ou mesmo para a atração
de novas famílias para os projetos. A equipe acabou concluindo que as
ações complementares (créditos para alimentação, habitação e fomento)
não são os principais fatores de atração.
O simples acesso à terra e seu signicado real e simbólico é o
grande diferencial, eecialmente porque abre novas pereivas de vida
para as famílias sem-terra. Ea conatação deve ser um fator fundante
para relativizar as ações governamentais na avaliação da efetividade (não
inveimentos e retorno, mas mudanças signicativas e duradouras na
qualidade de vida ou desenvolvimento do público beneciário) dos projetos
de assentamento, equilibrando com a inclusão de outros fatores, inclusive
as mudanças na correlação de forças políticas locais e regionais.
Assentamentos em debate 69
D 
O acesso à terra representa um novo momento e um novo lugar na expe-
riência de vida das pessoas acampadas e assentadas. Esse acesso é uma di
-
mensão fundamental da conrução da identidade social, sendo que a terra
se conitui em importante categoria mediadora do processo(Porto, ,
p. ) dea conrução porque representa um lugar de trabalho, de vida
e de produção. O sonho ou realidade da terra prometidaé a pereiva
fundamental, capaz de garantir, por intermédio do trabalho e da produção,
a liberdade, sobrevivência e continuidade da vida (reprodução social).
O trabalho é o valor, real e simbólico, mais importante no processo
de luta e conquia da terra. O direito ao trabalho é parte fundante do
processo de luta e da conrução de representações que explicam e jus
-
ticam a realidade e as ações das pessoas sem terra.
O acesso à terra é, portanto, a concretização do direito ao trabalho,
mas não qualquer tipo de ocupação (trabalho assalariado, por exemplo).
A terra signica mais do que um emprego ou ocupação porque possibilita
o trabalhar para si, portanto, uma condição de liberdade e fartura(pro-
dução para garantir o suento da família), ou seja, um trabalho sem os
mandos de um patrão e uma realidade ausente de privações materiais.
A busca por trabalho é resultado direto das experiências e da realidade
(inclusive urbanas) de desemprego, subemprego e baixa remuneração.
As pessoas buscam formas para superar a condição de desempregadas
ou de exploração (empregados, meeiros, etc.), conruindo alternativas,
inclusive do ponto de via simbólico.
Conseqüentemente, na pereiva das pessoas envolvidas, a conquia
da terra é uma “graça alcançada, mediada pelo trabalho, pela atividade
humana que, junto com a fertilidade da terra, faz ela produzir, gerando
fartura e liberdade. A terra, no entanto, não é representada apenas como
um meio ou inrumento de trabalho ou de produção. O processo de luta
e a conrução simbólica colocam a terra também como um lugar de vida,
uma moradia, capaz de acolher e dar sentido à exiência. Ela representa
10 Eas reexões são fruto da pesquisa, entrevias e contatos com famílias acampadas e assentadas
em Goiás, realizada para a elaboração da tese de doutoramento, defendida em 2002 no Departa-
mento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
70 NEAD Debate 
um local de pertencimento, de conrução real e simbólica do ser, um
vir-a-ser que é ear em um lugar.
Segundo Milton Santos, é o eaço de “exercício da exiência plena
(, p. ). O lugar não se conitui apenas na base geográca para
ações programáticas, mas é conituído por uma identidade, ou seja, um
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence(idem, p. ), gerando
lugares de pertencimento, identitários e exienciais.
A busca de um lugar é fruto de situações marcadas pela falta de um
cantopara viver e morar. As pessoas são forçadas, pela falta de trabalho,
pela inabilidade do trabalho sazonal, pela vontade dos proprietários
de terras (casos de meeiros, parceiros, arrendatários) a conantes des-
locamentos.

As hiórias de vida das pessoas sem terra são verdadeiros
“itinerários biográcos, gerando desejos e reforçando representações em
que a casa e o lugar de moradia são um “porto seguro.
As pessoas se des-locam” em busca de trabalho e a possibilidade de
enraizamentomaterializa segurança, porque eabelece um ponto de
referência (um endereço) e uma localização geográca, dando pereiva
para o pertencimento. Possuir um lugar se transforma (em um lugar exis-
tencial, conitutivo do ser) na referência que contraa com a ausência de
um local para morar ou mesmo com as incertezas de um acampamento.
A luta social pela terra e o seu resultado a criação dos assentamentos,
inclusive como lugares exienciais geram uma nova organização social,
econômica e política. Segundo Martins, os projetos de assentamentos
são “uma verdadeira reinvenção da sociedade” como “uma clara reação
aos efeitos perversos do desenvolvimento excludente e da própria mo
-
dernidade” (, pp. s).

11 Os processos de expropriação e exploração têm forçado migrações conantes em uma perma-
nente luta pela sobrevivência, realidade que levou Turatti a denir as pessoas acampadas como
“migrantes inveterados” (2001, p. 24). Segundo Carvalho, esse “nomalismo” é geográco e social
(1999, p. 9), conituindo identidades multifacetadas porque as pessoas se deslocam em busca de
trabalho, exercendo diferentes atividades e prossões como eratégia de sobrevivência.
12 Martins dene o acampamento como um eaço de sociabilidade inável”, onde “na fase da luta
pela terra, [as pessoas] acabam se ressocializando por força do convívio e dos enfrentamentos
conjuntos com eranhos. Há aí, pois, um alargamento de horizontes e de convivência” (2000, p.
4). Isso permite a recriação de relações e valores, de práticas sociais, de formas de organização
e convívio nos projetos de assentamento.
Assentamentos em debate 71
Ainda segundo Martins, o processo de ressocialização moderniza-
dora nos acampamentos resulta que, nos assentamentos a sociedade
é literalmente reinventada, abrindo-se para concepções mais largas de
sociabilidade e, ao mesmo tempo, fortalecendo as concepções ordenadoras
da vida social provenientes do familismo antigo” (Martins, , p. ).
Nessa mesma pereiva, Carvalho trata os assentamentos como um
processo social inteiramente novo” (, p. ). Segundo ele:
Nesse eaço físico, uma parcela do território rural, plasmar-se-á uma nova
organização social, um microcosmo social, quando o conjunto de famílias de
trabalhadores rurais sem terra passarem a apossarem-se formalmente dessa ter-
ra. Esse eaço físico transforma-se, mais uma vez na sua hiória, num eaço
econômico, político e social (Carvalho, , p. ).
Esse eaço passa a ser a referência para a reconrução de uma repre-
sentação identitária, permitindo interiorizar a noção de ser alguém, visível
na sociedade. Essa visibilidade (alcançada no processo de conquia da
terra) possibilita o eabelecimento de uma nova relação com o outro,
com a sociedade. As relações mudam signicativamente porque não
eão mais baseadas no preconceito e na discriminação (“sem-terra é
vagabundo”). Há um eabelecimento de uma relação igualitária com
o “outro” – por meio do reconhecimento social –, possibilitando a “boa
vizinhança” e o convívio pacíco.

Essa transformação não se reringe a uma mudança de comportamento
e de representações, baseada em um processo de relacionamento face a
face com o exterior, com o entorno. Essa mudança é reexo também dos
impaos econômicos, sociais e políticos que os projetos de assentamentos
13 Segundo Leite et alli, o acesso à terra possibilita aos assentados conruírem e ocuparem novos
eaços sociais também fora dos assentamentos, com reexos sobre os centros urbanos dos muni-
cípios onde se localizam. É nesses eaços que se exprime a nova identidade desses trabalhadores
como grupo social” (2004, p. 132).
72 NEAD Debate 
causam em níveis municipal e regional.

Esse impao contraria ou desfaz
as representações que a sociedade tem do sem-terra, abrindo eaço para
outras formas de relacionamento (não mais mediado pela discriminação),
alterando a percepção das pessoas assentadas em relação a si mesmas
(superação de uma “identidade negativa”) e ao mundo circundante.
As pessoas assentadas explicitam plena consciência dessa mudança
colocando a principal razão no fruto do trabalho, na produção e nas
resultantes relações comerciais. Deixam de ser vios como ladrões e
vagabundos e passam a produtores (e consumidores), eabelecendo
uma relação diferente com a sociedade. A produção (como resultado
do trabalho) passa a ser o elemento central tanto das representações da
sociedade como das próprias pessoas assentadas, inclusive porque se
percebem como capazes de suentar a família (produção para o auto-
consumo que garante a reprodução social).
A centralidade da produção é enfatizada porque as relações de troca
(compra e venda) são as mais imediatas no contato com o mundo exte
-
rior, no contato face a face com a sociedade. A produção é também a
materialização de uma situação diferente da realidade de sem terra, sem
valor e sem trabalho, sendo que agora fartura(produção farta de
alimentos) para a família.
Essa produção é simbolicamente importante porque dá visibilidade
e permite medir o sucessodo assentamento, tanto na farturade ali
-
mentos quanto na produção comercial. A produção é a “prova” material
de que são trabalhadores e trabalhadoras e de que a “reforma agrária dá
certo” porque “produz mais que as grandes fazendas.
Ea ênfase simbólica na produção e na produtividade ou na fartura
–, no entanto, o eá alheia aos problemas reais enfrentados. As dicul
-
dades dos projetos falta de inveimentos, falta de crédito, problemas de
preços dos produtos, etc. – não são esquecidas e há uma conante busca
por renda, uma luta para permanecer na terra e melhorar as condições de
14 Abramovay arma que …uma das caraeríicas centrais das experiências problemáticas eá
na sua precária capacidade de articulação com outros atores da região e sua erita dependência
dos poderes públicos federais. Ao contrário, as experiências bem-sucedidas caraerizam-se
siematicamente pela ampliação do círculo de relações sociais dos assentados no plano político,
econômico e social” (2000, p.30).
Assentamentos em debate 73
vida. Essas diculdades não eliminam os sonhos e são motivações para as
conantes reivindicações por inveimentosblicos nos projetos.
C
Certamente ea percepção da terra como um lugar de trabalho, de vida e
de prodão não é suciente para avaliar a viabilidade dos inveimentos de
recursos públicos nas ações de reforma agrária. São, por outro lado, compo-
nentes fundamentais para rearmar a efetividade de tais políticas, portanto,
devem ser considerados em qualquer avaliação sobre a importância de
políticas governamentais relacionados com os projetos de assentamento.
Os projetos devem ser avaliados tomando em consideração aeos
como seus impaos no entorno, inclusive do ponto de via cultural, social
e político. Conseqüentemente, pesquisas voltadas para avaliar a qualidade
devem adotar metodologias capazes de captar os processos hióricos,
conitos e contextos onde os assentamentos eão inseridos. 
B
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A qualidade dos assentamentos
da reforma agrária: a polêmica
que nunca saiu de cena
Debatend o o livro A Q ualidade d os
Asse n ta m e n t o s da Reforma Ag r ária Brasi l e i r a
Sônia Maria Pessoa Pereira Bergamasco
Engenheira Agrônoma pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/
Universidade de São Paulo (Esalq/USP); doutora em Sociologia Rural pela
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Atualmente,
professora titular de Sociologia e Extensão Rural da Faculdade de Engenharia
Agrícola/Universidade Estadual de Campinas (Feagri/Unicamp).
Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante
Socióloga, bacharel em Ciências Sociais e doutora em Sociologia pela Unesp.
Atualmente, coordenadora do Mestrado em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente pela Uniara – Centro Universitário de Araraquara.
2.3
76 NEAD Debate 
R
É
inegável que uma obra dea envergadura traz obrigatoriamente
contribuições importantes ao debate da reforma agrária brasileira.
Assim, a siematização, apresentada por Ranieri () no segundo capí-
tulo, sobre os impaos positivos (econômicos, sociais e políticos) de um
processo de reforma agrária e sobre as posições divergentes dos governos,
pesquisadores e trabalhadores, ainda que se tente apresentar de forma
neutra e isenta, rearma os benefícios à sociedade, advindos de um amplo
processo de reforma agrária. Reforma agrária que resulte em alteração
da hiórica erutura fundiária do país e não programas paliativos que
não tocam no problema da diribuição da posse da terra.
Essas e outras queões presentes no desenvolvimento dee trabalho
m engrossar as leiras daqueles que pesquisando por caminhos os
mais variados acabam por concluir que o processo de implantação de
assentamentos rurais no Brasil, intensicado nos últimos  anos, não
pode ser vio como círculo fechado. Se trouxe para uma população tra-
dicionalmente excluída possibilidades de acesso à terra, de ocupação, de
melhoria das condições de vida, de inseão regional e municipal com
impaos/mudanças marcantes tanto dentro como fora desses eaços, não
alterou, em nada, o quadro geral de concentração da propriedade fundiária
(Leite, ; Bergamasco e Norder, , além de Homann,  e ).
Nas divergências entre as diferentes categorias (governos, pesquisadores
e trabalhadores rurais), a autora ressalta a discordância do governo que
apresenta em uma publicação do Miniério do Desenvolvimento Agrário
(MDA, ) novos valores para o índice de Gini, o qual regira uma queda
importante. É claro que, nesse caso, houve uma diferenciação na forma
de trabalhar os dados, pois, ao governo interessava morar resultados
Assentamentos em debate 77
positivos de sua atuação, deixando em segundo plano a precariedade e
intermitência da mesma. Daí as armadilhas com as quais nos deparar face
à interpretação dos dados voltados à avaliação de políticas públicas.
Nee sentido, a par de algumas contribuições presentes na obra em
queão, podemos apontar contradições nos resultados apresentados, que
nos parecem ir na direção de manipular dados para morar o sucesso
do empreendimento. Armar, com base nos dados apresentados, que
a reforma agrária pode ser considerada um sucesso sob o aeo da
conversão do latifúndio improdutivo é, no mínimo, uma incoerência,
ou uma “(pré)diosição” para tal. Que possa ter havido uma tendência
crescente nos inveimentos nee campo, não se pode negar, mas que
essas ações tenham mudado o perl fundiário do país, não é verdade. E,
mesmo que o índice de ecácia da reorganização fundiária tenha sido
elevado e perto dos níveis ótimos na maioria das regiões do Brasil”, esse
índice, pela sua formulação, capta a reorganização dentro do próprio
projeto de assentamento. Torna-se importante saber como ocorrem os
processos de abandono e diribuição dos lotes dentro dos assentamentos,
mas é necessário cuidado na interpretação desse indicador.
Regirando-se numericamente o total de famílias atualmente morando
nos lotes, houve preocupação com aeos relacionados à movimentação
dos assentados. Abandono da terra, famílias residentes fora de área do
projeto, alteração de ocupantes ou beneciários, aglutinação de lotes,
porcentagem de ocupação com exploração agrícola foram as variáveis a
compor a base de dados utilizada para o cálculo do índice de ecácia da
reorganização fundiária.
Porta de entrada de avaliação do sucesso da intervenção do governo
em alterar a erutura fundiária, esse índice daria conta do cumprimento
do potencial de ocupação da área, avaliada pela relação entre o número
de famílias morando no projeto e sua capacidade de assentamento.
Como ler o resultado de que o índice de ecácia da reorganização
fundria apresentou “valores elevados e muitas vezes próximos ao ideal”?
(Sparovek, , p.). Como discutir ecácia e idealizações em se tra
-
tando de assentamentos? As hipóteses levantadas pela pesquisa de que o
desenvolvimento dos assentamentos ao suscitar oportunidades de renda
desvinculadas da produção agrícola ativaria outros setores da economia,
78 NEAD Debate 
atuando comolo de atração de novas famílias, de que a capacidade do
projeto poderia ter sido subeimada, por equívocos do órgão executor
ou ainda de que teria havido um eímulo para siemas de produção
mais extensivos, o que geraria a ocupação de áreas maiores por parte de
familiares ou agregados, não podem ser aceitas ou rejeitadas sem o acom
-
panhamento das diferenciações que se fazem presente em tais processos.
P :
Os dilemas teórico-metodológicos de se pesquisar assentamentos rurais
têm ocupado continuamente nossas preocupações. Io porque os as-
sentamentos inserem-se em uma rede de relações, cuja discussão exige
necessariamente a não demarcação de fronteiras rígidas em seu eudo.
Leia-se tal observação com a ressalva que, do nosso ponto de via, a
escolha de enfoques múltiplos pode enriquecer, sem esgotar, a realidade
inveigada. Ainda mais, tomando-a como um dado já inituído, enfrenta-
se outro problema: o de retirar seu conteúdo hiórico, desvinculando-a
de um processo cujo eudo exige um referencial analítico que tenha
como parâmetro a conituição de categorias e não a conrução de
inrumentos de medidas (Ferrante, ). A metodologia adotada no
trabalho
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
insere-se nesse contexto. uma real preocupação com a conrução
de indicadores, convertidos em inrumentos utilizados para medir a
ecácia da reforma agrária. A armativa, em diversos momentos do
trabalho, de que se trata de uma análise com caráter essencialmente
qualitativo perde sentido na conrução e quanticação dos indicadores.
Em termos eatíicos poderíamos concordar que eão sendo analisadas
variáveis qualitativas com um atributo, uma condição, ou seja, foi dada
uma qualicação às variáveis e, a partir daí, uma valoração a cada uma
delas. Nos nossos parâmetros de análise esse procedimento qualica, mas
não se trata de uma análise qualitativa, pois ea implicaria em um maior
aprofundamento das queões a serem pesquisadas.
Não exiem, de fato, variáveis ou categorias que possam ser abso-
lutizadas na análise dos assentamentos. Insie-se em diagnóicos de
Assentamentos em debate 79
sucesso/fracasso de tais processos, pautados, com freqüência por indica-
dores, quando, na verdade, os mesmos devem ser discutidos no interior
de conruções sociais densas e mutáveis. Talvez, no item renda, sejam
mais diretamente explicitados os riscos de se impor à análise dos assen
-
tamentos, categorias contábeis naturalizadas, sem uma reexão sobre a
complexidade desse modo de vida. Não se trata apenas de problemas
de natureza metodológica. Comprovadamente, as informações do nível
renda foram e vêm sendo utilizadas politicamente para atribuir fracassos
ou incompetências aos assentados (Ferrante, ).
No âmbito do recorte privilegiado a denição da qualidade dos
assentamentos da reforma agrária brasileira uma produção anterior
que deve ser referida. Trata-se do eudo da Organização das Nações Uni-
das para Agricultura e Alimentação (FAO) (Romeiro et alii, ) – que
representou, inegavelmente, um marco na literatura sobre assentamentos
sob a ótica econômica cujos resultados publicizados, a par de provocar
impaos e discordâncias, continuam a ser uma referência no campo das
preocupações sobre a avaliação de tais experiências. Uma pesquisa baseada
em uma amora nacional sobre variáveis como geração e diribuição
de renda, capitalização, caraeríicas do processo produtivo, comercia
-
lização da produção apresentou como conclusão que os assentamentos
podem ser considerados ecazes promotores do desenvolvimento rural
e da xação do homem no campo.
Não se pode negar que ao conruir um complicado indicador – de
-
corrente da combinação das diversas fontes de renda e ao concluir que
onde se implantaram os assentamentos foram geradas rendas maiores do
que as obtidas em atividades equivalentes, a pesquisa da FAO signicou
um inveimento ousado.
Nos termos dea pesquisa, a renda não foi limitada apenas ao retorno
monetário resultante da comercialização dos produtos agropecuários dos
assentamentos. Acrescentou-se a ee o autoconsumo, o assalariamento
e a valorização patrimonial. A tese defendida por Guanziroli (),
de que o autoconsumo encerra-se em uma lógica econômica racional,
sendo o elo impulsionador da reforma agrária por permitir alternativas
de superação da marginalização social continua sendo extremamente
controvertida. Argumentos de que a adoção do indicador autoconsumo
80 NEAD Debate 
é expressão de que o assentamento não se integra com êxito na economia
capitalia regional (Caro, ) se contrapõem a outros que consideram
a inclusão das práticas de autoconsumo como uma necessidade para a
compreensão do comportamento de explorações agrícolas familiares
(Romeiro et alii, ).
Para alguns pesquisadores, incluir, dentre os indicadores, o autocon
-
sumo implica em uma supereimação do conteúdo do lucro agrícola. Ou
ainda, que a adoção do indicador autoconsumo pode vir ao encontro da
tese, por outros defendidas, de que o assentamento não se integra com
êxito na economia capitalia vigente, o que é contrariado pela pesquisa da
FAO, segundo a qual, em que pese a conatação da baixa produtividade,
foi identicado nos assentamentos um processo crescente de integração ao
mercado. Em contrapartida, em outra pereiva, a inclusão das práticas
de autoconsumo se faz necessária na avaliação dos assentamentos, até
porque a produção da comida tem importância indiscutível nee novo
eaço produzido. A par das diculdades e das tensões que se repro-
duzem e adquirem novas roupagens nos assentamentos rurais, há uma
dimensão a ser seriamente considerada nas análises sobre qualidade de
vida dos assentamentos.
Referimo-nos ao retrato vivo das necessidades de homens e de
mulheres que o querem terra como ponto de partida da produção de
valores de troca. Querem e precisam da terra para não passar fome, para
ter o que dar de comer a seus lhos, para sobreviver, para não car ao
sabor das selvagens regras capitalias de descarte da mão-de-obra. Nee
circuito, o autoconsumo ganha uma importância vital, não apreendida
em análises que, presas, a uma abordagem mecanicia consideram os
assentamentos como unidades de produção a ser compreendidas unica
-
mente pelo movimento de subordinação à lógica da acumulação capitalia.
Insie-se em diagnóicos de tais processos pautados, com freqüência,
por indicadores eruturados por categorias contábeis naturalizadas
sem uma atenção às múltiplas dimensões que se fazem presentes nee
novo modo de vida, entendido como eaço de articulação de práticas,
valores e tradições e conrução de laços e códigos de (re)conhecimento
social” (Santos, ).
Assentamentos em debate 81
E no interior desses digos que o autoconsumo, como parte das era-
tégias dos assentamentos para permanecer na terra, ganha signicado.
Quem depende do trabalho no campo tem uma noção bem clara do
valor energético dos alimentos. Além da dimensão energética, a comida
tem signicado simbólico e, no caso dos assentados, aparece associada
à luta por manter práticas agrícolas que lhes permitam tirar da terra o
seu suento” (Ferrante e Queda, ). Apesar das soicadas elabora
-
ções teóricas utilizadas para descaraerizar a relação entre produção e
autoconsumo possivelmente expressão das armadilhas por meio das
quais tenta-se desqualicar os assentamentos rurais – temos clareza de
que no âmbito das pesquisas empenhadas na apreensão da qualidade dos
assentamentos da reforma agrária brasileira, dimensões outras, muitas
vezes consideradas preconceituosamente como de menor importância
ganham relevo (Peres e Ferrante, ).
Tais considerações nos remetem, mais uma vez, às alternativas teórico-
metodológicas escolhidas pela equipe reonsável pela pesquisa voltada
à denição das qualidades dos assentamentos.
Esses indicadores, se por um lado, podem apontar resultados satis
-
fatórios na avaliação dos assentamentos pesquisados, por outro, podem
não apreender a diversidade e a dinamicidade dessas experiências. Daí a
exigência de se buscar captar a compreensão desse fazer-se diferenciado,
sem naturalizar unidades, sem cair em procedimentos classicatórios ou
em raciocínios empenhados em catalogar relações sociais conitutivas
de um processo (Bergamasco e Ferrante, ).
Face à semeada desinformação e à utilização dos números da
reforma agrária é importante resgatar metodologias, ainda que diversas,
de acompanhamento desses complexos processos sociais. O banco de
dados gerado na pesquisa que resultou na publicação A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira levanta queões cruciais
para serem avaliadas; e repensados os rumos dos assentamentos rurais
no Brasil. Não baa discutir tais expressões por atributos de sucesso
ou de fracasso. É preciso dissecá-las em suas diferenciações, expressão
das enormes desigualdades que pautam a diribuição de recursos e os
modelos de produção agrícola exientes no Brasil. Há que se levar em
conta igualmente condições regionais e as relações heterogêneas que se
82 NEAD Debate 
fazem presentes na maneira de viver e de produzir no campo. Uma rede
de diversicações em função de fatores externos (como a base natural/
ambiental e a economia regional) quanto de fatores intrínsecos aos as
-
sentamentos, referentes à concepção do mundo dos trabalhadores, a sua
trajetória, sua experiência político-organizativa passa a ser conitutiva
de qualquer avaliação dessas experiências. Além disso, o movimento das
famílias no interior dos projetos, exclusões, abandono, arrendamento dos
lotes, alterações dos ocupantes, irregularidades envolvendo vendas de
lotes expressam uma dinâmica difícil de ser captada por metodologias
suentadas unicamente por indicadores quantitativos.
Uma queão de princípio se impõe em qualquer análise que se dis
-
ponha a discutir assentamentos de reforma agrária.
C 
A pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
(Sparovek, ) proe-se a enfrentar esse desao, com a advertência
inicial de não se tratar de uma abordagem convencional, e de que “métodos,
procedimentos e soluções novas tiveram que ser criados mentalmente,
processados e implementados centenas de vezes de forma virtual nas
mentes de um punhado de pessoas. Após isso, as teorias tiveram que
funcionar numa única chance, não poderiam exiir erros que levassem
ao deerdício de tempo(
op.cit., p.). A diversidade de olhares, a con-
trovérsia e a polêmica como elementos inituintes das abordagens sobre
assentamentos rurais são admitidas como pontos de partida, assim como
criticadas as indevidas generalizações de casos isolados, com desempenho
positivo ou negativo. Ressalvas que nos levam a começar pôr em balanço
os aeos qualitativos dos projetos de assentamento de reforma agrária
com uma posição ou “(pré)diosição” de cumplicidade. Anal, reitera-
damente, temos armado que captar indicadores de geração de renda, de
desempenho econômico dos assentados pode implicar em armadilhas
e riscos, agravados se a ótica de sua apreensão se prender a indicadores
quantitativos. Há que se ressaltar uma diferença nada derezível do
ponto de via teórico-metodológico.
Assentamentos em debate 83
Os autores, na explicação do contexto do eudo, admitem, claramente,
a relação dos levantamentos desenhados para regirar os impaos das
ações de reorganização fundiária na qualidade de vida dos assentados e na
geração de renda dos projetos para a análise das eratégias empregadas
pelo governo. A intenção expressa de aprimorar inrumentos e procedi
-
mentos de monitoramento implantados pelo Miniério do Desenvolvi
-
mento Agrário deve ser acompanhada com uma certa vigilância. Ou seja,
earia o banco de dados levantado pela pesquisa, comprometido com
o interesse pragmático do retorno para raticar as ações do governo na
condução dee processo? Dilemas aos quais não nos furtamos ao aceitar
o desao de repensar o processo e os produtos da pesquisa A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira.
Na geração dos índices conruídos, na metodologia de coleta de
dados, baseada em pesquisa de opinião dos entreviados sobre o projeto
de assentamento e nas múltiplas opções de reoas, um mio de
ousadia e de excessiva simplicação na abordagem adotada para retratar
os processos inveigados. Retomemos fragmentos desse retrato.
A intenção de apreender índices reveladores da ecácia da reorgani
-
zação fundiária, da qualidade de vida, da articulação e organização social,
da preservação ambiental e da ação operacional encontra realdo nos
caminhos trilhados pela pesquisa?
O movimento das famílias compõe-se muitas vezes de arranjos fa-
miliares de que se lança mão como alternativas de reprodução social.
Trata-se de denir mais propriamente o que se entende por reorganização
fundiária. Se tomarmos como parâmetro dimensões regionais, sem dú-
vida, os assentamentos pelo conjunto de relações conituídas provocam
reordenações. Em um processo de ocupação de uma área de terra, ge
-
ram-se lideranças, produzem-se solidariedades e identidades, buscam-se
reoas para uma situação de tensão, o que, em seu conjunto, produz
mudanças, reconhecimento de direitos e expressão de novas relações de
poder. A trama conitutiva desse processo revee-se de novas facetas após
a chegada na terra. A conrução de parâmetros para a vida em conjunto
nesse novo eaço produzido, a busca de eratégias de sobrevivência e
de permanência na terra provocam muitas vezes mudanças na relação
do assentamento com o seu entorno (Leite
et alii, ). No bojo dessas
84 NEAD Debate 
mudanças, pode-se pensar no signicado dos assentamentos no circuito
de iniciativas de desenvolvimento local, embora as mesmas não apareçam
como prioridade nas agendas políticas municipais.
A discussão das mudanças trazidas pelos assentamentos em sua região
– expressas em queões relacionadas à participação, à formação de políti-
cas públicas, à queão ambiental e territorial nos leva a pensar se as
mesmas têm “impao” na dinâmica fundiária da região. No caso do livro
aqui analisado, o índice de reorganizão é apreendido pelo movimento
das famílias, pelo abandono ou não dos lotes, queões importantes no es-
tudo e no acompanhamento dos assentamentos que o o, em si mesmas,
representativas de pereivas de reorganização fundiária. Ao fazermos
tais ressalvas, eamos reforçando a necessidade de se discutir assentamen-
tos nas suas relações com o entorno e queionando os fatores apresentados
no livro como expressão do índice de ecácia de reorganização fundiária.
No índice de qualidade de vida, são analisadas queões ligadas à
moradia, tratamento de esgoto, acesso à água de boa qualidade, energia
elétrica, dionibilidade de escolas, serviços de saúde, tranorte coletivo
e condições de acesso aos projetos de assentamentos. Por meio de um
siema de pontuação e de valorações dioas em uma escala numérica
de  a , obtém-se um determinado dado, considerado representativo
da situação dos assentados no lote. Quais opiniões são consideradas em
tais equações matemáticas? Em reoa à divergência implícita na ava
-
liação da qualidade dos assentamentos foram regiradas, em formulários,
opiniões do executor da política fundiária, das organizações presentes
nos assentamentos e dos trabalhadores assentados.
Aque ponto tais queões não exigem uma avaliação das idealizações e
“irrealizações” contidas no projeto eatal de assentamento? A conclusão da
pesquisa é de que pouco mais da metade dos fatores ligados ao índice de
qualidade de vida eão plenamente satisfeitos e que, apesar do desenvol-
vimento dos projetos de assentamento levar a melhorias, elas vão ocorrer
de forma lenta e incompleta. Há diferenças regionais consideráveis o que
reforça a necessidade analítica por nós defendida da impossibilidade de
se discutir tais índices e mesmo a ecácia dos assentamentos, sem olhar a
sua relação com o entorno, com as diretrizes da agenda política municipal
e regional. Em vários desses elementos, os autores acertadamente ar-
Assentamentos em debate 85
mam a importância de serem consideradas as diferenças regionais. Com
certeza, os elementos pesquisados na avaliação do índice de qualidade
de vida reportam-se a queões que passam pela análise da retórica e da
prática das políticas públicas voltadas a assentamentos.
Apesar das decisões referentes à descentralização da reforma agrária,
o poder público municipal até recentemente teve pouca participação na
qualidade de vida dos assentamentos, cabendo-lhes somente a complemen-
tação de ações em infra-erutura mediante convênios com organismos
federais e eaduais tímidas iniciativas com relação à educação, às vezes
tão somente relativas ao tranorte eudantil e ao atendimento primário
em saúde. O reforço à base local para o desenvolvimento dos projetos de
assentamento é atravessado pela trama de forças sociais conitutivas do
poder local. Pouco se avança efetivamente na discussão do futuro dos
assentamentos e o poder público municipal não chega a priorizar tais
projetos na sua agenda de desenvolvimento. exceções, a exigir um
aprofundamento da rede de relações dos assentamentos com o poder
local, tema que foge aos objetivos priorizados pela pesquisa em debate.
C
De início, um alerta. Sem a utilização de eratégias alternativas como
metodologia de análise, o objetivo de apreender a qualidade dos assenta-
mentos corre o risco de ser aprisionado por armadilhas que poderão levar
a avaliações moldadas por prejulgamentos. Daí nossa compreensão de que
a inveigação da qualidade dos assentamentos não pode se transformar
em avaliação, diagnóico ou prognóico. Deve retratar as diferencia-
ções que se fazem presentes nesse eaço social e em seu modo de vida,
pensado como expressão relacional das mudanças que se processam nas
dimensões cultural, econômica e política dos agentes envolvidos na cons
-
tituição dos assentamentos. Para isso, um olhar atento a ee movimento
exige regiros não captáveis somente por índices ou indicadores, já que
os mesmos não têm a exibilidade necessária para a compreensão dessas
experiências. A propoa é de não discutir qualidade dos assentamentos
a par das diferenciações signicativas que se apresentam na conrução
86 NEAD Debate 
desse novo modo de vida que envolve um conjunto de relações, desde as
de vizinhança e com a comunidade inclusiva até as relações com o poder
local e com a agricultura regional. Códigos tradicionais, racionalidades,
o vaivém de formas associativas, a reorganização do eaço produtivo/re
-
produtivo, os rearranjos em busca da cooperação contam na qualidade
dos assentamentos. Do mesmo modo, fazem parte expressões de conitos,
de diferenças, muitas vezes atravessadas por mecanismos de poder, nos
quais clientelismos e expressões da cultura da dádiva se fazem presentes.
Igualmente, faz-se necessário buscar as mediações dos assentamen
-
tos com a dinâmica regional. As pesquisas voltadas à qualidade dos
assentamentos precisam absorver sua diferenciação conitutiva, a des-
conrução/reconrução de eratégias, os conitos internos, os laços de
reconhecimento social que passam pela “reapropriaçãode códigos nesse
novo modo de vida. Olhares internos se imbricam a olhares externos,
entendidos como a compreensão das mediações com o poder local e com
as caraeríicas regionais. Na discussão da qualidade dessas experiências
inovadoras na geão econômica do território entram igualmente tensões
reveladoras de contradições possíveis entre a chamada agricultura familiar
e o grande capital agropecuário e agroindurial.
Assim, a discussão da qualidade dos assentamentos exige não apenas
a valoração da sua positividade, mas implica em que sejam ressaltados
os pontos críticos, os nós górdios” das relações conruídas pelos assen
-
tados e pelos diferentes mediadores, tanto das políticas públicas, como
das possíveis alternativas econômicas. A qualidade aparece discutida no
interior de pontos de tensão enfeixados nos campos econômico e político,
nos quais os assentados aparecem muitas vezes em posição de subalterni-
dade, o que não afaa sua presença ativa e a pereiva de desenvolver
eratégias mais ou menos coerentes com possíveis projetos políticos de
fortalecimento da agricultura familiar. O confronto desses atores nos es
-
paços sociais de diuta e conituição de alternativas de desenvolvimento
pode opor agentes, racionalidades e interesses diversos, sendo a quali-
dade combinada com a diferenciação de compromissos e de eratégias
levadas adiante em tais experiências. Assim, em nossa compreensão, a
discussão da qualidade dos assentamentos deve ser encarada como parte
do fazer-se de uma trama de relações sociais, revelando tensões entre as
Assentamentos em debate 87
práticas e as racionalidades dos diferentes agentes (assentados, técnicos,
agentes políticos e outros) e o campo do poder, campo de forças sociais
que atravessa o futuro da reforma agrária. 
B
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Radiografia da reforma agrária
Notas metod ológicas sob re o trabalho
A Q ua l i dade d os Asse n ta m e n t o s da
R e f orma Agrária Brasi l e i r a
Antônio Márcio Buainain
Bacharel em Economia e Direito pela Universidade do Rio de Janeiro; Doutor
em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas
(Unicamp). Atualmente professor do Instituto de Economia da Unicamp e
pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA), do IE/Unicamp.
José Maria da Silveira
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista; Doutor em
Economia pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp)
e pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA), do IE/Unicamp.
2.4
90 NEAD Debate 
I
A
presente nota eá baseada em algumas considerações metodológicas
sobre o trabalho A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira, coordenado pelo professor Gerd Sparovek, que resultou na
publicação da Universidade de São Paulo/Miniério do Desenvolvimento
Agrário/Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(USP/MDA/FAO), em , com o mesmo título. O trabalho foi contra-
tado, em caráter de emergência, pelo MDA, visando reonder a uma
onda de críticas veiculadas na imprensa sobre o Programa de Reforma
Agrária. As críticas atingiam a ação política do governo, mas atingiam
também, e talvez principalmente, a própria reforma agrária.
Um dos aeos mais interessantes – e inovadores – da pesquisa é a
metodologia, que permitiu realizar uma tarefa gigantesca em um prazo
extremamente curto e, melhor ainda, a um cuo também reduzido.
É interessante reetir sobre a metodologia, pois a possibilidade de utilizá-
la em outras pesquisas reduziria dois problemas recorrentes na relação
entre o setor público e o meio acadêmico: o do tempo e o do cuo. A
reexão deve separar a análise da aplicabilidade do método em geral da
análise da consiência dos indicadores utilizados para desenhar a foto
da qualidade dos assentamentos de reforma agrária.
Os eudos sobre a reforma agrária vêm sendo conduzidos, principal-
mente, por prossionais da área de Ciências Sociais, e nossa tendência é
desconsiderar, ou olhar com desconança, eudos que “reduzem” com
-
plexos processos sociais a indicadores objetivos e frios, que transformam
o processo em foco e não são capazes de desvendar os nexos entre atores,
as rerições enfrentadas, os esforços realizados, enm, a luta cotidiana
das famílias envolvidas na conrução da realidade.
Assentamentos em debate 91
Cada um de nós goaria de ver contemplado, no eudo, procedi-
mentos que adotamos em nossas pesquisas, e não é difícil ceder à tenta-
ção da crítica fácil, e apontar como ‘deciênciaso fato de o eudo não
ter sido conduzido por equipe multidisciplinar – que teria permitido
incorporar aos formulários um conjunto de queões “relevantesque
caram de fora –, ou por utilizar um queionário fechado, que não dei-
xa margem para colher a visão dos entreviados sobre a situação dos
assentamentos, e assim por diante.
Todavia, é nosso ponto de via que esse tipo de crítica ajuda pouco,
até porque não nenhuma obrigação de que cada eudo esgote o tema
e ou o examine de todos os ângulos possíveis. Cada matéria prioriza um
aeo da realidade e utiliza métodos próprios de análise. Portanto, são
pretensiosas algumas tentativas de desclassicar bons trabalhos, rotulan
-
do-os de economiciasou de discursivos, como se fosse possível fazer
análise econômica séria sem usar a teoria econômica e seus inrumentos,
inclusive os quantitativos, ou fazer análise sociológica ou antropológica
com base apenas em modelos matemáticos.
Deixando de lado a chamada crítica externa, propomo-nos a analisar
a metodologia usada, seus pontos positivos e algumas de suas limitações.
Mais do que cobrar dos autores pelo que não foi feito, nosso objetivo é
aproveitar material exiente e indicar possíveis ajues que poderiam ser
úteis para trabalhos futuros.
A iniciativa da equipe de pesquisadores, de oferecer seu trabalho à
crítica, de abrir de forma tranarente o banco de dados (de reo público,
pois gerado com recursos públicos) e de facilitar sua utilização, é elogiável
e merece ser reproduzida em outras áreas. As considerações apresentadas
têm por objetivo chamar atenção para alguns elementos da eratégia
metodológica utilizada pela equipe, como também dar sugeões que
permitam aperfeiçoar e, se possível, desdobrar o eudo. Fazemos ea
breve apreciação de alguns aeos da metodologia utilizada não apenas
com a intenção de morar pontos que consideramos importantes para
discussão da análise da reforma agrária no Brasil, como também de evi
-
denciar a riqueza de possibilidades que se abrem a partir do eudo.
92 NEAD Debate 
A
O principal objetivo do eudo de Sparovek et alii () é analisar a
qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. Para tanto, a
equipe desenvolveu e aplicou uma metodologia inovadora que de certa
forma adquiriu
atus próprio e em muitos aeos ganhou maior evi-
dência do que os resultados analíticos alcançados.
Os comentários eão fundados no Capítulo , elaborado por Sparo
-
vek et alii. Da lia apresentada na página , apenas o primeiro item
– fazer a Avaliação Qualitativa dos Projetos de Assentamento em todo o
Brasil pode ser de fato considerado como objetivo de pesquisa.
Os demais são inrumentais ou procedimentais, ou seja, indicam como
será feita a avaliação qualitativa dos assentamentos: a) geração de índices
que permitam comparar a qualidade dos assentamentos em todo o país;
b) identicar componentes isolados que expliquem as diferentes situações;
c) regirar separadamente as opiniões do governo, assentados e das as-
sociações que os representam;
d) comparar resultados com fontes exter-
nas de informação.
O universo do eudo é praticamente o conjunto dos assentamentos
criados entre  e  em todo o país, atendendo à demanda do
Miniério do Desenvolvimento Agrário/Núcleo de Eudos Agrários e
Desenvolvimento Rural (MDA/NEAD). Os autores apontam que o eudo
tem um caráter essencialmente qualitativo, que se manifea na forma
com que os dados foram tratados (geração de índices), na metodologia de
coleta de dados (pesquisa de opinião do entreviado sobre o Projeto de
Assentamento PA) e nas múltiplas opções de reoa da maioria das ques-
tões do formulário (quantitativa, semiquantitativa e qualitativa).” (p.).
É certo que o eudo não faz contagem como os censos, mas daí não
se deduz caráter essencialmente qualitativo no sentido de que ele se apóia
na narrativa baseada em entrevias resultantes de queionários semi-
eruturados. Além dio, o inrumento de coleta de informações cria
variáveis categóricas que podem ser facilmente utilizadas em métodos
de análise multivariada. Há também variáveis que não eão fundadas
apenas na transformação de percepções em escalas categóricas (Pereira,
Assentamentos em debate 93
; Zackiewicz, ), mas que são fruto de coleta de informações
quantitativas e descrevem de forma direta algumas caraeríicas rele-
vantes dos assentamentos. (ver Sparovek
et alii (), tabelas  e  das
páginas  e , para uma síntese dessas variáveis agregadas). Além dio,
um amplo uso de dados secundários, contextualizando de maneira
extremamente útil a relação entre eaço rural e assentamentos (ver em
Sparovek
et alii, , o mapa da página , por exemplo).
Portanto, um dos pontos fortes do trabalho eá em condensar, por
meio de indicadores simplicados e sintéticos de mensuração objeti-
va e grácos e mapas, um conjunto de variáveis de natureza diversi
-
cada, que reetem muitos aeos das condições materiais de vida dos
assentados, desde habitação até acesso a serviços públicos, e muitas das
rerições eruturais que condicionam a vida e o porvir do assentamen
-
to e dos assentados, entre as quais o acesso aos mercados, dionibilida
-
de de energia elétrica e qualidade do meio ambiente.
O método de coleta da informação necessária para se conruir os
índices, baseado fundamentalmente em pesquisa de opinião de vários
atores que participam da reforma agrária, é um dos aeos mais interes-
santes e inovadores do eudo. A transformação de opiniões em índices
objetivos é um “pulo do gato, e uma vez conrmada a consiência do
procedimento, poderia alargar as possibilidades de pesquisa na área.
A queão central da validade da metodologia diz reeito precisamente
aos procedimentos adotados para fazer essa transformação fundamental
de opiniões de caráter subjetivo em indicadores objetivos que formam a
radiograa da situação dos assentamentos.
Q
O trabalho de Sparovek et alii (), além de amplo, tem a preocupação
com a qualidade da informação. Trata-se de uma precaução baseada no
conhecimento prévio das diculdades em coletar informação de um
-
blico não necessariamente acoumado com esse tipo de procedimento.
Vejamos um pouco mais de perto esse procedimento. O primeiro
ponto refere-se às três opções de reoa: quantitativa, semiquantitativa
e qualitativa. A idéia é boa e tem como objetivo principal não forçar uma
94 NEAD Debate 
precisão quando o próprio entreviado não eá seguro para reonder o
quesito. Nesses casos, no lugar de forçar uma reoa com um número
preciso sobre o número de famílias do assentamento que ocupam casas
denitivas de alvenaria, o entreviado tem a opção de dar apenas uma
idéia do percentual de famílias nessa situação (reoa semiquantivativa)
ou, de maneira ainda mais vaga, se são poucas, a maioria, mais ou menos
a metade ou a totalidade que tem casa denitiva (reoa qualitativa).
Os autores parecem atribuir maior precisão às reoas quantitativas,
pois armam que “o risco de permitir reoas qualitativas é aumentar
a imprecisão dos dados coletados. No entanto, a opção por reoas
semiquantitativas e qualitativas foi pequena na maioria das queões, não
comprometendo a exatidão na avaliação dos resultados (p.).Na verdade,
tratando-se de opiniões, a incerteza paira sobre todas as reoas na
medida em que não se levantou um parâmetro que permita avaliar nem a
direção nem a magnitude dos erros. O fato de obter uma opinião precisa
sobre o número de famílias com casas denitivas não signica que essa
opinião correonda, de forma precisa, à realidade. Minha opinião pode
ear equivocada, assim como a dos outros dois entreviados.
É claro que, tratando-se de casas denitivas, é possível assumir que
muitos dos entreviados conheçam essa informação e a utilizem para
reonder à pergunta. A opinião, nee caso, earia próxima à realidade.
Mas para muitas das perguntas, talvez a maioria, a reoa, mesmo
quantitativa, implica um processamento da informação pelo entrevia-
do, uma avaliação do entreviado sobre a situação. E, nesse processo, a
informação objetiva transforma-se em opinião. Como não conhecemos
a realidade, não temos como saber em que medida as opiniões a reetem
e em que medida dela se dianciam.
Esse é, em nossa opinião, o principal problema metodológico do es
-
tudo: não apresentar nenhum parâmetro para avaliar o erro das opiniões.
Isso poderia ser feito por meio de uma pesquisa amoral menor, que
colheria de forma mais objetiva um subconjunto de informações contidas
no queionário, e as compararia com as opiniõesqualicadas obtidas
pelo método utilizado. Medir o erro signica avaliar a qualicação dos
entreviados para reonder o queionário, a precisão das reoas. Sem
conhecer a medida do erro, pode-se até argumentar que em muitos casos
Assentamentos em debate 95
as reoas semiquantitativas ou qualitativas são menos incertas do que
as quantitativas, pois a imprecisão que as caraerizam (faixas percentuais
ou intensidade) reduz a incerteza ou probabilidade que não correondam
à realidade. Ou seja, é mais conável uma reoa que arme que poucas
famílias m casa denitiva, mesmo não sendo possível mensurar o tama-
nho de ‘poucas, do que uma reoa que arme que em minha opinião
x famílias têm casa denitiva sem saber a precisão da minha reoa.
O segundo ponto refere-se às fontes de opinião. Mais uma vez a idéia
é muito boa e reete o reconhecimento da “importância de analisar o
tema reforma agrária sob várias pereivas, reetindo as opiniões do
executor direto, dos trabalhadores rurais assentados e das organizações
sociais que os representam nos assentamentos(p.). As divergências de
opinião podem reetir tanto a “maneira como cada segmento percebe e
analisa a mesma realidade(p.), mas podem também reetir problemas
de informação que reduzem a própria validade ou conabilidade dos da-
dos. A presença de reoas diferenciadas entre as três fontes de opinião
sobre situações que podem ser retratadas com certa objetividade, como
o número de famílias ocupando casas denitivas, formas de acesso aos
projetos de assentamento, área ocupada, e assim por diante, não pode ser
tomada como reexo de percepção particular do segmento social, mas
sim como indicador de imprecisão. Qual reoa eá mais perto da rea
-
lidade? Mais uma vez, como não temos um levantamento amoral mais
detalhado da realidade, não é possível reonder à pergunta. Tampouco
podemos dizer com segurança que a realidade eá entre os extremos, e
voltamos, assim, à incerteza quanto à validade das reoas.
Também a título de exemplicação, a Figura apresenta um esque
-
ma para ilurar exatamente o argumento acima, tirado do trabalho de
Furtado
et alii (). Apesar de apresentada de forma sutil, a Figura
mora como o dado quantitativo exige uma interpretação do signicado
de sua escala, quando se procura avaliar impaos de inovações. Se
um aumento de  causado por uma inovação, io é pouco ou muito?
A pretensão de que haja objetividade no dado quantitativo cai quando se
mora necessário consultar eecialias para dizer aquilo que poderiam
96 NEAD Debate 
ter dito diretamente: que a inovação causou um impao de pequena
monta, de grande monta, ou mesmo que não causou impao.
Figura 1 – Esquema de avaliações utilizando
dados quantitativos e qualitativos
 Fonte: Apud Furtado et alii (2003)
A convergência de opiniões revelaria uma maior conabilidade da
informação na medida em que se reduz à probabilidade de três pessoas,
com posições diferentes, cometerem o mesmo erro. Para que io seja
verdadeiro, seria preciso assegurar independência entre os entrevia-
dos. Aqui se deve chamar atenção para a possibilidade de dois tipos de
contaminação das reoas. O primeiro refere-se a um viés determi-
nado pela própria posição do ator, problema a que se refere a Figura .
O erro, no caso, é determinado pelo interesse particular do ator, e, para
ser importante, não precisa necessariamente incorrer em desoneidade
ou diorção explícita dos dados. Usando a própria incerteza sobre o valor
1 Ver também Zackiewicz (2002) para uma discussão metodológica sobre critérios de ponderação
de dados qualitativos a partir do critério de consiência.
Especialistas
Atores
estruturas
de impactos
medidas
de impacto
escalas
qualitativas
Modo 1
Modo 2
medidas
de impacto
escalas
qualitativas
interpretação
das escalas
contexto
de avaliação
Assentamentos em debate 97
da “verdadeira informação, o agente apresenta o número que mais lhe
convém. O segundo tipo de erro refere-se à seleção dos entreviados.
O funcionário do Eado, reonsável pelo projeto de assentamento,
poderia ear interessado em esconder” problemas que poderiam revelar
debilidade da sua geão, ou da geão de seu colega de escritório; poderia
também ear interessado em pintar um quadro mais negativo do que de
fato o é se io pode ajudá-lo a captar mais recursos para os projetos sobre
sua adminiração; ou ainda para juicar, no futuro, um possível mau
desempenho, ou para valorizar o desempenho. Nos últimos anos reali
-
zamos vários trabalhos de avaliação de políticas públicas, entre as quais
ações de reforma agrária em vários eados, e enfrentamos esse tipo de
problema de forma recorrente: os funcionários tendem a dourar a pílula
em relação às situações sobre as quais se sentem diretamente reonsáveis
e a carregar nas tintassempre que a reonsabilidade pode ser atribuída
a outros, seja genericamente o governo, do qual não parecem participar,
seja à inituição diretamente reonsável pela política.
No caso do assentado, o viés também pode variar, pelo menos teo
-
ricamente, para os dois lados. É possível imaginar que é melhor “pintar
uma situação mais feia para pressionar por mais assiência, ou que doure
a pílulapara não dar uma impressão tão negativa, com certo receio de
comprometer a própria política. Também temos vivenciado essa situação.
Em entrevias realizadas em  com participantes do dula da Terra,
na sua fase inicial, quando o programa eava sob forte bombardeio dos
grupos que se opunham a essa nova política, percebemos uma enorme
preocupação, medo mesmo, de muitos entreviados em reonder temas
que poderiam comprometer o futuro do Programa. Também percebemos,
em eudo feito em , que muitos assentados em projetos vinculados
ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não goa
-
vam de reonder certas perguntas sobre a utilização das terras e geão
dos recursos dos projetos, indicando que deveríamos conversar com a
liderança. Também, cava claro, receio em desanar” e em prejudicar
o projeto. Mas também encontramos muitos entreviados interessados
em “detonar” os projetos, pois eavam abandonados.
Por último, as opiniões dos representantes das associações também
podem ser contaminadas pelo posicionamento político-partidário, que é
98 NEAD Debate 
muito presente no ambiente da reforma agrária. De fato, nas entrevias
que realizamos em  com  presidentes de associações beneciárias
do Cédula da Terra, e em  com mais de  associações do Cédula
e de projetos de assentamentos do Inituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), o discurso e avaliação sobre a situação do pro
-
jeto variava segundo o posicionamento político-partidário da associação:
umas, muito mais críticas, faziam o discurso do abandono; outras, mais
compreensivas, reclamavam da falta de apoio do Incra, mas procuravam
morar os progressos que as famílias tinham realizado após o assentamento.
Em uma pesquisa com desenho amoral adequado é possível que
esses vieses de opinião fossem anulados, e que todos os matizes eivessem
representados entre os selecionados para a entrevia. Esse não é o caso
na pesquisa dirigida, e exie possibilidade da exiência de pontos focais
e de comportamentos convencionais entre as três fontes de informação,
fato que debilitaria as vantagens metodológicas apontadas (Zackiewicz,
). Qualquer um que acompanha os assentamentos sabe que em geral
exie um ereito vínculo entre os funcionários do Incra reonsáveis
pelos projetos e os representantes das associações. Além disso, ao solicitar
à associação que indicasse um assentado para participar da entrevia,
é também provável que a indicação tenha sido de pessoa ativa na vida
associativa, próxima, portanto, aos próprios representantes da associação.
Aque ponto essa proximidade entre técnicos e representantes das
associações, e entre esses últimos e os assentados por eles indicados para
a entrevia, não implica também uma “proximidade” de opiniões? Ou
seja, embora a idéia de buscar três fontes diintas de opinião seja muito
boa, sua aplicação deve ser cercada de alguns cuidados para evitar os
problemas mencionados. No caso do eudo em foco, não eão claros
os procedimentos operacionais de campo e os critérios de seleção dos
entreviados, o que, infelizmente, reduz, mas não invalida, a importância
de explorar as diferenças entre as três fontes de opinião para o entendi-
mento da qualidade dos assentamentos.
Chama atenção que nas regiões Norte, Nordee e Centro-Oee as
opiniões do governo, associação e trabalhadores tenham sido muito
próximas em quase todos os índices, e que no Sul e no Sudee as diver-
gências tenham sido maiores em vários índices. Por exemplo, no índice
Assentamentos em debate 99
de qualidade de vida, as três fontes foram muito próximas na região
Norte (gov. ; assoc. ; trab. ) e no Nordee (gov. ; assoc. ; trab.
), e apresentaram divergência no Sudee (gov. ; assoc. ; trab. )
e no Sul (gov. ; assoc. ; trab. ). Esse mesmo comportamento eá
presente em outros indicadores.
Qual o signicado dessas diferenças? A maior convergência observada
no Norte e no Nordee signica que a informação é mais conável que no
Sul e no Sudee e que o erro é menor? Ou signica que o mencionado ponto
focal (ou comportamento convencional) é mais forte, talvez até mesmo
devido ao maior isolamento dos projetos de assentamento? De qualquer
maneira, a análise das diferenças de opinião em cada eado poderia, sem
vida, enriquecer muito a fotograa sobre a situação dos assentamentos
e contribuir para apurar o procedimento metodológico adotado no eudo.
A :
Passemos à análise de dois dos quatro índices adotados para sintetizar a
qualidade dos assentamentos e para caraerizar o efeito da intervenção
do governo na atual situação dos projetos de assentamento no que diz
reeito à:
a) ecácia da reorganização fundiária; b) qualidade de vida;
c) articulação e organização social; d) qualidade ambiental e e) ação
operacional (p.).A Tabela apresenta os componentes dos dois in-
dicadores que serão analisados.
2 Cabe lembrar que os indicadores de ação operacional, articulação e organização social e qualidade
do meio ambiente, apresentados por Sparovek et alii (2003) na página 49, foram utilizados nos
eudos da equipe da Universidade Eadual de Campinas (Unicamp) para avaliação do programa
Cédula da Terra. Ver Buainain et alii (1998).
100 NEAD Debate 
Tabela 1 – Componentes dos indicadores de
eficácia e de qualidade dos assentamentos
Eficácia de Reorganização Fundiária
Numerador Denominador Peso
Número de famílias morando no PA Capacidade de assentamento 1,00
Parcelas abandonadas Capacidade de assentamento 0,33
Aglutinação de parcelas Capacidade de assentamento 0,20
Área remanescente Área útil 0,07
Porcentagem da área útil ocupada 100 0,07
Qualidade de Vida
Numerador Denominador Peso
Condições de acesso ao PA Percenti 199 dos dados 0,67
Famílias em casas definitivas Famílias morando no PA 1,00
Famílias com abastecimento de água Famílias morando no PA 0,67
Famílias com tratamento de esgoto Famílias morando no PA 0,33
Famílias com energia elétrica Famílias morando no PA 0,67
Acesso a transporte coletivo Famílias morando no PA 0,33
Acesso por estradas internas Famílias morando no PA 0,33
Acesso à escola fundamental Famílias morando no PA 1,00
Acesso à escola média Famílias morando no PA 0,83
Acesso a serviço de saúde regular Famílias morando no PA 1,00
Acesso a serviço de sde emergencial Famílias morando no PA 0,83
 Fonte: Apud Sparovek et alii (2003)
Deaque-se, uma vez mais, que do nosso ponto de via, a utilização
dos índices é a maior contribuição do eudo. Em um debate marcado
por fortes posições político-ideológico-partidárias, e alimentado por
elevadas doses de wishiful thinking, em que evidências objetivas e até
mesmo os fundamentos da lógica, às vezes, têm escasso valor, a geração
dos índices tem, pelo menos, o mérito, enorme, diga-se de passagem, de
organizar o debate e a reexão em torno de algo mais objetivo. Como
eamos fazendo a partir da iniciativa do NEAD.
Assentamentos em debate 101
Pode-se até discordar de como os índices foram conruídos, mas sua
publicação chama atenção para aeos cruciais da vida dos assentamen-
tos – como situação da habitação, eradas, qualidade dos solos – e eá
produzindo uma reação salutar para, de um lado, melhorar a metodologia
e, de outro, identicar como é possível superar as situações mais difíceis
que os índices revelam.
Deve-se, desde já, aceitar que os índices não têm qualquer pretensão
de poder explicar tudo, ou de representar, com precisão milimétrica, a
situação de cada assentamento. Ainda levando em conta os possíveis
vieses e ou erros de informação apontados, os índices são válidos para
dar uma idéia geral da situação dos assentamentos nos aeos mencio
-
nados e para orientar, sejam pesquisas mais aprofundadas sobre alguns
aeos mais importantes, sejam ações da política pública. Mais adiante,
comentaremos algo sobre os resultados. Pelo momento, vamos nos ater
a alguns aeos metodológicos.
Cada índice é compoo por um conjunto de variáveis relevantes
para explicar a situação. Cada variável recebe um peso na composição
do índice, o qual é denido de forma arbitrária. A eratégia utilizada
para conrução dos indicadores é engenhosa. Tomemos o caso do índice
de ecácia da reorganização fundiária (IF) (p.): a) cria-se um índice
de depleção, em que  correonde a atingir a plena capacidade do
assentamento na variável em queão, por exemplo, o número atual de
famílias;
b) a importância de cada assentamento é, portanto, igual: não
porque considerar um assentamento mais importante que o outro;
c) agrega-se, utilizando-se pesos, os diferentes componentes do índice.
Exie, portanto, a relação entre o que poderia ser obtido e a realidade
exiente. Em essência, essa é a lógica que funda o processo de agregação
dos asssentamentos.
Naturalmente, a denição do peso das variáveis reete a percepção
dos autores sobre a importância da variável e, certamente, incorpora as
discussões com outros atores que participaram da etapa de planejamento
do eudo.
O exemplo mais difundido é o do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), que agrega em um índice variáveis referentes à educação, renda
e saúde. O resultado é extremamente sensível aos fatores de ponderação
102 NEAD Debate 
utilizados, e, para evitar erros, ou até mesmo manipulações, couma-se
reunir diferentes eecialias para denir o fator de ponderação. Por
exemplo, qual seria o IDH caso se atribuísse maior peso à renda e à saúde
do que à educação? Pode-se argumentar que a educação é importante
indicador de desenvolvimento humano na medida em que eá na base
da possibilidade de inserção na sociedade contemporânea e que eá for
-
temente associada a outros indicadores de bem-ear social. Mas também
é possível argumentar que seu peso é menor do que o da saúde e o da
renda, que afetam a qualidade de vida no momento, enquanto a educação,
principalmente a dos jovens, se transformaem desenvolvimento
efetivo no futuro. Esse tipo de argumento levaria a atribuir maior peso
à saúde e à renda do que à educação.
Tal discussão tem impulsionado a difusão da metodologia denominada
multicritério, que não apenas recolhe as opiniões de eecialias como
também permite eimar o mesmo indicador sob critérios diferentes. Em
uma abordagem de multicritério, os fatores que determinam a ponderação
são explicitados e os resultados apresentados sob os diferentes critérios
relevantes. Fica ao leitor/usuário denir aquele que melhor se aplica a
seus objetivos e análise. (Furtado
et alii, ).
Sparovek
et alii () são absolutamente tranarentes em relação
aos fatores de ponderação adotados e apresentam, para cada índice,
o fator de multiplicação utilizado, como cou evidente na Tabela .
A apresentação de uma breve juicativa dos pesos atribuídos ajudaria
os leitores a melhor compreender os resultados, e em particular os efei
-
tos de cada variável sobre o resultado (tratados como depleção), mas,
em linhas gerais, os fatores de ponderação eão alinhados com o senso
comum e, pelo menos a ordenação, não parece ser objeto de polêmicas
(salvo, em nossa opinião, o sinal atribuído à aglutinação de parcelas no
índice de ecácia da reorganização fundiária). Passemos à reexão sobre
dois dos índices – reorganização fundiária e qualidade de vida –, apenas
para ilurar as possibilidades analíticas que se abrem e os cuidados que
se deve ter na utilização dos indicadores.
Assentamentos em debate 103
Í
O índice de ecácia da reorganização fundiária tem como objetivo avaliar
o impao que a criação do projeto de assentamento teve na conversão
do latifúndio improdutivo, considerando a sua reorganização para uma
situação caraeríica de produção familiar (p.)”. Tomando como base
a meta de assentamento (capacidade de assentamento), o índice leva em
conta o número de famílias morando no PA, as parcelas abandonadas,
a aglutinação de parcelas, a área remanescente e a porcentagem da área
útil ocupada.
Um primeiro ponto sobre o qual vale reetir é se a ecácia da reor
-
ganização fundiária pode ser avaliada apenas a partir da conatação de
que o latifúndio improdutivo foi rediribuído em um número maior de
parcelas. Do ponto de via do debate teórico, suenta-se que a divisão
da terra produziria uma utilização mais intensiva e eciente dos recursos
dioníveis. Essa hipótese é baseada em evidências empíricas sólidas, mas
não pode ser assumida como verdadeira ex-ante, até porque em muitas
situações os recursos são melhor utilizados em regime de grandes pro
-
priedades do que sob parcelamento.
No Brasil, o trabalho de Guanziroli
et alii () sobre a agricultura
familiar evidencia que, na média, os recursos terra, capital e trabalho,
alocados nesse regime, são utilizados de maneira mais intensiva que
aqueles alocados às grandes propriedades patronais. Daí não se deriva,
no entanto, que a divisão da grande propriedade produza, por si só, uma
utilização mais intensiva e eciente da terra. Em Portugal, a reforma agrária
realizada após a Revolução dos Cravos produziu uma desorganização da
produção, e os recursos parcelados passaram a render muito menos do
que no regime anterior. A reintegração da posse aos antigos proprietários
marca o início de um uso mais intensivo dos recursos que recolocou
Portugal no mapa de produtor agropecuário na União Européia.
Ou seja, do nosso ponto de via, um índice de ecácia da reorga-
nização fundiária deveria incorporar, em alguma medida, variáveis
que reetissem a utilização dos recursos no novo regime, os resultados
alcançados em termos de geração de riqueza e renda, e que pudessem
ser comparados com uma eimativa dos rendimentos produzidos antes
104 NEAD Debate 
da desapropriação. A diribuição não pode ser tratada como um m
em si mesmo, mas apenas como um meio para melhor ocupar as terras
e para que as famílias beneciárias alcancem melhor nível de vida. Pelo
menos é esse o argumento para juicar a desapropriação das terras
consideradas improdutivas.
Esse ponto eá no cerne do próprio debate sobre a reforma agrária, e
o índice de reorganização, tal como eá concebido, reete a visão de que
o objetivo da reforma é diribuir as terras, e que a ecácia da reorganiza-
ção pode ser avaliada apenas pela performance rediributiva e não pelo
resultado da rediribuição. Claro que é possível argumentar que, após a
rediribuição, a situação será sempre melhor que a anterior na medida
que é melhor que a terra seja mal utilizada por várias famílias que por
um único proprietário. Do nosso ponto de via, a juicativa econômica
da reforma agrária é produzir um uso mais eciente e suentável dos
recursos, e sua nalidade é permitir às famílias beneciárias elevarem
seu nível de vida. Dessa forma, a ecácia da reorganização não poderia
ser avaliada a partir apenas de variáveis que dão conta da rediribuição,
mas que nada revelam sobre a utilização dos recursos rediribuídos.
Um segundo ponto sobre a composição do índice de ecácia da re-
organização fundiária diz reeito ao tratamento dado a algumas das
variáveis. Por exemplo, a aglutinação de parcelas parece entrar como fator
negativo no índice, quando em muitos casos é, juamente, um sinal de
que a reorganização fundiária eá sendo bem-sucedida. No trabalho de
avaliação do Programa Eecial de Crédito para a Reforma Agrária (Pro
-
cera), realizado em , Buainain e Souza Filho () conrmaram que,
em muitos casos, a aglutinação, feita sempre por baixo do pano, corrigia
problemas de seleção de beneciários, de divisão articial de lotes e per-
mitia aos assentados mais empreendedores, e com melhores condições,
expandir sua produção. Da mesma forma, uma maior concentração de
famílias, ainda que possa revelar uma maior pressão sobre a terra, com
risco de reproduzir ou acentuar o grave problema do minifúndio, pode
também indicar que, pelo menos no curto prazo, os recursos eão sendo
mais bem utilizados. A interpretação dada ao mero de famílias morando
no lote também é controvertida. Em assentamentos nas regiões Norte e
Centro-Oee, que são em geral afaados das cidades e povoados rurais,
Assentamentos em debate 105
não morar no assentamento pode, sem dúvida, ser interpretado como sinal
negativo, de abandono, falta de condições e, até mesmo, de pereiva.
Isso não é verdadeiro no Nordee, e menos ainda no Sul e Sudee, onde
muitos projetos de assentamento eão próximos às cidades, ou povoados
rurais. Nesses casos, a decisão de morar fora do assentamento tem um outro
signicado, e não compromete em nada a boa geão da unidade produtiva.
Em pesquisa realizada em  em cinco eados do Nordee, Buainain
et alii () conrmaram que quase  das famílias beneciárias de
assentamentos do Cédula da Terra e do Incra tinham casa própria, em
povoados rurais ou centros urbanos, antes de receber os lotes. As famílias
eavam inaladas, com os lhos freqüentando escolas locais, alguns com
ocupação e por isso não tinham e nem pensavam em se mudar para o
assentamento. Em muitos casos, a conrução compulsória de casa no
PA era um verdadeiro deerdício de recursos, e muitos reclamavam
de forma bem explícita de não poder utilizar os recursos de ajuda para
habitação ou para melhorar a casa exiente, ainda que fora do projeto
de assentamento, ou para nalidade produtiva.
A última consideração é sobre o percentual da área útil ocupada,
única variável que tem alguma relação com o uso do recurso diribuído.
A ocupação, no caso, não pode ser traduzida em utilização de forma au
-
tomática. A falha nee caso é não incorporar nenhuma medida de tempo
ao considerar o peso dea variável. Temos argumentado que a reforma
agrária é um processo de reeruturação de longo prazo, e que as avalia
-
ções são necessárias, mas devem ser cuidadosas e não exigir resultados
imediatos de uma população que chega aos projetos de assentamento
sem recursos e sem condições de colocar inveimentos em marcha. No
caso da área útil ocupada, o tempo é crucial para a ponderação. Uma
baixa área útil ocupada em um projeto de assentamento criado poucos
anos não pode ser tomada como sinal negativo de ecácia de reorgani-
zação fundiária. Além disso, o tempo para a ocupação da área útil não
depende apenas de crédito, mas de outros fatores, tais como a situação da
propriedade antes da desapropriação, região, condições meio ambientais,
número de famílias do assentamento, entre outras. Por exemplo, a análise
dos projetos do dula da Terra revelou que muitas fazendas adquiridas
eavam eruturadas para um tipo de exploração que não era viável
106 NEAD Debate 
para os novos proprietários, em regime individual, e sua “reconversão
exigia inveimentos adicionais, enquanto outras podiam ser adaptadas
mais facilmente aos objetivos e necessidades das famílias assentadas.
A diferença de tempo para incorporar as áreas úteis não pode ser avaliada
como maior ou menor ecácia sem levar em conta esse tipo de fator.
Esses comentários revelam a diculdade de se criar um índice único
para avaliar e medir algo tão complexo como a reorganização fundiária.
No entanto, independente dos comentários, que tem o sentido de qua
-
licar a análise e não de invalidá-la, o fato é que o eudo gerou indica
-
dores sobre cada uma das variáveis, e nos permite utilizá-los segundo
as diferentes concepções e objetivos. A dionibilização dos dados para
uso geral permitirá um conjunto de cruzamentos de informações para
tear, validar ou refutar hipóteses e teses importantes sobre o compor
-
tamento dos projetos de assentamento. Por exemplo, será de fato que a
evidência colhida por Buainain et alii () sobre morar ou não nos
assentamentos é válida? Io poderia ser teado cruzando ea variável
com a variável de localização do PA em uma análise multivariada. Será
que a ocupação da área eá relacionada a fatores locacionais, ou ao tempo
de assentamento?
Os trabalhos de Buainain et alii () tearam e refutaram a hipótese
de que o tempo era uma variável importante na determinação da renda.
A conrmação desse resultado seria baante negativa para a reforma
agrária na medida que earia indicando que as falias não elevam seu
nível de renda com o passar do tempo, e que não eariam em curso pro
-
cessos de consolidação das unidades produtivas. Como os resultados da
eimativa eram pouco robuos do ponto de via eatíico, a queão
cou em aberto e sem reoa. Um cruzamento da utilização da terra
com o tempo de assentamento e alguns dos fatores locacionais poderia
ajudar a separar os projetos de assentamento segundo o tempo exigido
para sua maturação, e ea informação poderia ser útil para xar metas
para avaliações futuras de desempenho (que mais dia ou menos dia terá
que ser introduzida e exigida).
Assentamentos em debate 107
Í
O índice de qualidade de vida eá assentado fundamentalmente em
acesso a serviços e condições de moradia no PA. O fator de ponderação,
nesse caso, foi sempre o número de moradores no PA, conforme Spa-
rovek et alii (, p. )”. Os próprios autores chamam a atenção que o
índice eá desvinculado das metas propoas na criação do projeto de
assentamento, e que se em um assentamento criado para  famílias
viverem  famílias em boas condições, o índice vai ser elevado,
mesmo que isso, comparado à capacidade de assentamento represente
que a meta inicial eeja longe de ser atingida” (p.). Aqui ca evidente
um ponto que de uma maneira sutil eá presente em todo o trabalho.
De um lado, o objetivo é avaliar a qualidade dos assentamentos, mas de
outro esse objetivo acaba sendo confundido com o de avaliar a política
de reforma agrária e seus inrumentos. No caso do índice de qualidade
de vida, desvincula-se o resultado da política, e aí se gera o paradoxo de
um resultado ótimo ( famílias vivendo bem) que reete um fracasso
da política (apenas  e não  famílias vivendo bem). A queão é:
juicar-se-ia o inveimento nee projeto de assentamento hipotético
para beneciar apenas  famílias?
Note-se a presença de dois pesos e duas medidasna conrução dos
índices: no caso anterior do índice de ecácia da reorganização fundiária,
o foco parece ser avaliar a política desde o ponto de via do planeja-
mento, pois os resultados mesmo positivos que não se enquadram
na previsão foram penalizados apenas por divergirem do plano original.
Com o perdão da obviedade, é claro que um índice de qualidade de
vida deve reetir a qualidade de vida das famílias, mas seria baante
interessante cruzar a informação gerada por esse índice com a referente
à capacidade de assentamento, e avaliar se há alguma correlação entre o
comportamento das duas.
Uma das hipóteses levantadas por Buainain et alii () na aná-
lise do modelo de reforma agrária por conito é que as pressões para
assentar o maior número possível de famílias levou à deterioração dos
projetos de assentamento, comprometendo, em muitos casos, a própria
suentabilidade e viabilidade de muitos projetos. O resultado do eudo
108 NEAD Debate 
parece conrmar essa hipótese, que a comparação entre os projetos
de assentamento implantados no período - com os do período
- revelam que a situação dos primeiros é melhor. No entanto, esse
resultado não pode ser tomado ao “pé da letrapela desconsideração do
fator tempo em vários índices, comentado antes. Por isso seria útil cruzar
as informações sobre qualidade de vida e capacidade de assentamento
no mesmo período, e avaliar como é o comportamento da qualidade de
vida em diferentes situações.
Essa avaliação poderia também alimentar o debate sobre a importância
da escala para a viabilidade dos projetos de assentamento. Uma hipótese é
que o modelo vigente produz assentamentos cada vez menores, diersos
eacialmente, dicultando, portanto, as ações do setor público, a provisão
de serviços, a criação e aproveitamento das vantagens que poderiam ser
geradas pela aglomeração. Pode-se inferir que a hipótese tem funda-
mento a partir do trabalho de Leite et alii (), que evidencia que, em
municípios com maior número de assentamentos, os efeitos da reforma
agrária são relevantes. No entanto, o trabalho não foca no tamanho dos
assentamentos, mas no efeito da aglomeração. Qual o comportamento
da qualidade de vida segundo o tamanho do projeto de assentamento?
Exie alguma correlação entre tamanho e qualidade? Qual?
Podem-se levantar dois tipos de “problemasem relação ao índice
de qualidade de vida. O primeiro, mais sério, é não levar em conta duas
variáveis absolutamente fundamentais na determinação da qualidade de
vida: renda e segurança alimentar. A qualidade de vida de uma família
que tem casa denitiva no PA é, sem dúvida, superior à de um vizinho
que ainda vive no barraco de taipa, em chão batido e teto de palha. Ainda
assim, ambos podem ter uma péssima qualidade de vida se não tiverem um
nível mínimo de renda, e viverem em situação de insegurança alimentar.
Foi precisamente essa combinação que presenciamos na pesquisa realizada
em , com mais de  famílias, que viviam em áreas afetadas pela
seca: sem renda, ocupação e alimentos, dependiam quase inteiramente
dos programas de auxílio do governo federal.
A importância da inclusão da renda em um índice de qualidade de vida
também se juica pelo formato da própria intervenção. A transferência
de recursos públicos para populações pobres tende a produzir efeitos
Assentamentos em debate 109
positivos imediatos no bem-ear, mas não asseguram a suentabilidade
desses efeitos. A ajuda para habitação melhora as condições de moradia,
cuja importância não pode ser minimizada, mas se não for acompanhada
da elevação da renda o efeito sobre a própria qualidade de vida tende
a ser diminuído. Em trabalho recente sobre o Programa de Combate à
Pobreza Rural no Nordee (Buainain et aliii, ), ao analisar os efeitos
de subprojetos de habitação e eletricação, conatamos que os efeitos
positivos são muito mais signicativos para as falias com um nível de
renda um pouco melhor, que têm condições de utilizar melhor a nova
habitação e a dionibilidade de energia. Para as mais pobres, por exemplo,
a energia signica apenas um ponto de iluminação na casa; para as que
têm alguma renda, a energia traz a televisão, aparelho de som, geladeira
e assim por diante. O mesmo vale para a casa.
O segundo tipo de problema refere-se a uma certa confusão entre
acesso a serviços públicos e qualidade de vida, que reete um “viés” ur-
bano. Por exemplo, o cidadão pode ter acesso a serviço de saúde regular
(um tanto indenido o signicado desse acesso) e ter uma péssima
saúde. Pode também ter acesso a serviço emergencial de saúde (outra
variável de signicado complicado) e isso não se reetir diretamente
em sua qualidade de vida cotidiana. Eecialmente no meio rural, em
assentamentos diantes dos centros urbanos, com eradas que funcio
-
nam só parte do ano, qual o signicado de acesso a serviço emergencial
de saúde? E o tranorte coletivo? Em muitas áreas de baixa densidade
populacional, o relevante não é ter acesso a tranorte coletivo, e sim a
tranorte. É provável que uma pesquisa desse tipo, realizada no meio-
oee americano, região rica em produção de cereais, revelaria um índice
baixo de famílias com acesso a tranorte coletivo: os fazendeiros usam
tranorte próprio. No caso dos assentados, o tranorte não é próprio
(embora seja crescente o uso de motocicletas como meio de locomoção),
e a queão-chave seria saber se contam com algum tipo de tranorte
regular, e não com tranorte coletivo. O tratamento de esgoto é, sem
dúvida, relevante para a qualidade de vida, mas o risco aqui é de não se
levar em conta à realidade do meio rural. Uma família que tenha fossa
sanitária não tem esgoto tratado, e os programas da Fundação Nacional
de Saúde de conruir banheiros no meio rural não signicam tratamento
110 NEAD Debate 
de esgoto. Têm um enorme impao na qualidade de vida, em particular
na saúde e mortalidade infantil, e teriam cado rigorosamente de fora
do índice de qualidade de vida.
O mesmo tipo de raciocínio pode ser feito para abaecimento de
água. Uma família que tenha uma cierna não pode ser considerada
como tendo abaecimento de água e, ainda assim, a inalação de uma
cierna no semi-árido traz um benefício enorme e têm um forte im-
pao positivo sobre a qualidade de vida das famílias, como conatado
por Buainain
et alii () em pesquisa em  comunidades pobres do
interior nordeino. Isso sugere a necessidade de introduzir algum tipo de
ponderação por região: não é possível atribuir o mesmo peso à presença
de abaecimento de água na região Norte e no semi-árido nordeino. Em
um caso, é provável que a falta do abaecimento de água não tenha tanto
efeito negativo sobre a qualidade de vida de uma família que vive entre
rios e igarapés, mas no semi-árido uma cierna pode fazer a diferença
entre vida e morte, pelo menos no sentido gurado.
Em nossa opinião, o melhor teria sido a conrução de um índice
mais reduzido de qualidade de vida, focando algumas poucas variáveis
relevantes e com comparabilidade com as bases de dados mais gerais,
como a Pesquisa Nacional por Amora de Domicílios (PNAD) e o Censo
Demográco. Isso permitiria situar a qualidade de vida dos assentados
no conjunto da população rural do país. Ninguém parece duvidar que a
qualidade de vida é inferior à desejável, mas, do ponto de via da política
pública, uma queão relevante é comparar a situação dos assentados com
a dos vizinhos não assentados. Um resultado positivo poderia indicar
que, em que pese todos os problemas, eá valendo a pena realizar a re-
forma agrária. Assim como eá, isolado, o índice serve para alimentar a
crítica opoa, de que apesar dos gaos com reforma agrária, a situação
continua muito mal e de que os projetos de assentamento são, em sua
maioria, “favelas rurais.
C
A elaboração do eudo e a abertura do banco de dados para uso público
criam grandes oportunidades para análises futuras sobre queões rele
-
Assentamentos em debate 111
vantes para a compreensão da reforma agrária no Brasil. Uma primeira
linha de trabalho, que deveria ser assumida pelo próprio Eado, é a
realização de eudos amorais para gerar parâmetros de validação da
metodologia. Isso permitiria a reprodução do eudo no futuro, seja na
totalidade ou parte dele, com maior conabilidade e segurança.
Uma segunda linha de trabalho, imediata, que depende apenas da
abertura dos dados, é realizar cruzamentos das informações dioníveis.
O eudo apresenta os índices de forma eanque, e não procura – porque
não era o objetivo do trabalho contratado – explorar as ricas relações
entre as variáveis. Ao longo do texto, demos alguns exemplos, mas vale
a pena indicar outros. Qual a relação entre qualidade de vida nos assen-
tamentos e a sua localização? Qual a importância da qualidade do meio
ambiente para explicar outros aeos, como a renda, no assentamento?
Assentamentos com maior porcentagem de preservação ambiental têm
maior ou menor nível de renda?
Outra linha de inveigação possível é o aprofundamento dos aeos
regionais e locais, atribuindo pesos diferenciados segundo as condições
de cada região.
Finalmente, sugere-se uma reexão sobre os índices, separando cla
-
ramente índices que reetem a ação da política (como o índice de ação
operacional) dos índices situacionais, como o de qualidade de vida e de
articulação e organização social.
B
B, A. M.;
S, J. M. F.; M, M. M; A,
R.; S F, H. M.; N, H. D.; L, F.; P, L. A. Perl
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112 NEAD Debate 
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Unicamp, . p. mimeo
Impactos socioterritoriais da luta pela
terra e a questão da reforma agrária
Uma contribuição c rítica à publicação
A Q ua l i dade d os Asse n ta m e n t o s da
R e f orma Agrária Brasi l e i r a
Bernardo Mançano Fernandes
Geógrafo. Departamento de Geograa da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Presidente Prudente (SP).
2.5
114 NEAD Debate 
I
E
e artigo, solicitado pelo Núcleo de Eudos Agrários e Desenvol-
vimento Rural do Miniério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/
MDA) é uma análise crítica da publicação A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira (Sparovek, ). É uma colaboração com a
discussão metodológica da pesquisa em assentamentos rurais. Na primeira
parte, procuramos reonder às queões referentes às contribuições da
pesquisa para os eudos geográcos, a adequação da metodologia, suas
vantagens e rerições, e algumas considerações a reeito das queões
formuladas para os sujeitos pesquisados.
Na segunda parte, discutimos o conceito de reforma agrária a partir
do debate entre diintos projetos políticos e analisamos os impaos das
políticas de assentamentos na erutura fundiária brasileira, procurando
compreender as diferencialidades territoriais e os diferenciais de territo-
rialização e de deerritorialização.
Analisamos a queão agrária e a reforma agrária a partir do conceito
de território. O território é uma unidade eacial onde se desenvolvem
diferentes relações sociais, por exemplo: capitalias e familiares, que
conitam permanentemente, aumentando ou diminuindo suas extensões.
Essas unidades eaciais são frações territoriais. O aumento do número
de unidades eaciais ou frações territoriais onde se desenvolvem rela
-
ções capitalias amplia o território capitalia. O aumento do número de
unidades eaciais ou frações territoriais onde se desenvolvem relações
camponesas (familiares) amplia o território camponês.
Esse aumento acontece pelo processo geográco de territorialização
e a sua diminuição acontece pelo processo geográco de deerritoriali
-
zação. Nesse sentido, diferencialidade territorial é a participação relativa
Assentamentos em debate 115
dos eabelecimentos por grupo de área. Diferencial de territorialização é
participação absoluta das áreas por grupos. A partir da diferencialidade
territorial conhecemos a participação percentual dos eabelecimentos
pequenos, médios e grandes em um determinado território. Por meio do
diferencial de territorialização conhecemos a participação absoluta dos
eabelecimentos de diferentes tamanhos. Esses conceitos contribuem
para acompanharmos as mudanças na erutura fundiária.
Na terceira parte, discutimos o índice de ecácia da reorganização
fundiária relacionado com os dados referentes à implantação de assen
-
tamentos e ocupações de terra. Também associamos os valores médios
do índice de qualidade de vida com os valores médios do índice de ação
operacional e com os valores médios do índice de articulação de orga
-
nização social, para analisar o reuxo dos movimentos camponeses e a
precarização dos assentamentos rurais.
Procuramos, ao mesmo tempo, fazer nossas considerações a reeito
da metodologia dea pesquisa e apresentar relações com as pesquisas
que realizamos.
C
Os dados apresentados na publicação A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira são uma importante contribuição para
o eudo do processo de territorialização da luta pela terra em todas as
regiões do país. Igualmente, é uma referência que ajuda na compreensão
de parte das condições socioeconômicas das famílias assentadas a partir
de três pontos de vias: a) do técnico prossional ou empreendedor
social, como foi denominado; b) do presidente ou membro da diretoria
da organização associativa dos assentados e;
c) de um líder comunitário
identicado pelo empreendedor social.
Para uma análise geográca, a siematização dos dados nas escalas
nacional, macrorregional e eadual possibilita uma leitura da diferen-
ciação eacial dos resultados da pesquisa, permitindo a realização de
novas pesquisas para comparação de eaços geográcos diintos e/ou
que possuam similitudes.
116 NEAD Debate 
A metodologia adotada na realização da pesquisa inova ao traba-
lhar com as opiniões de três sujeitos que realizam atividades políticas
diintas nos assentamentos rurais. Essas atividades têm em comum o
desenvolvimento territorial, embora tenham como referências diferentes
projetos políticos. Talvez, por essa razão, os resultados das reoas dos
diversos sujeitos foram muito próximos na maior parte das vezes. Por ser
uma pesquisa predominantemente quantitativa, não aparecem as dife-
renças dos projetos políticos em desenvolvimento. Essa é uma rerição
da metodologia. Outro limite é com relação à escala geográca, pois a
metodologia não possibilita resultados conáveis em escala municipal
ou mesmo em escala local (assentamento). A principal vantagem dessa
metodologia eá na possibilidade de realização de uma pesquisa que
conjuga amplitude e rapidez, ou seja, pesquisar em escala nacional em
um tempo breve.
Se considerarmos que os resultados das pesquisas aplicadas devem
servir também para a implementação de políticas públicas de desenvol
-
vimento territorial dos assentamentos, mesmo que em escala eadual,
algumas queões deveriam ter sido contempladas na realização da
pesquisa. Um exemplo é a composição dos membros das famílias, sexo,
eado civil, faixa etária, escolaridade, analfabetismo, etc.
Com relação à educação, para os movimentos socioterritoriais como,
por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
ou a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
o acesso à educação básica não signica apenas o acesso à escola, mas
principalmente à escola no assentamento e com projeto pedagógico da
educação do campo. Nesse sentido, as queões referentes às famílias com
lhos em idade escolar que freqüentam os níveis de ensino fundamental
e ensino médio são insucientes, porque não localizam a escola, nem
a sua política educacional. Falta, também, uma queão a reeito da
participação no ensino superior.
Com relação à produção, foi levantada somente a área deinada à
produção coletiva, que é ínma, como a maior parte dos pesquisadores
da queão agrária sabe. Não foi pesquisada a produção familiar em
sua diversidade social e geográca. Para uma pesquisa em escala nacional,
a queão é essencial.
Assentamentos em debate 117
As observações têm sentido se a metodologia puder comportar esses
níveis de detalhamento, considerando sua principal caraeríica que
conjuga amplitude e rapidez as zemos a partir do pretensioso título da
publicação
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira.
O
Nea parte, discutiremos a queão da reforma agrária na última década
a partir das leituras que eamos conruindo no Núcleo de Eudos, Pes-
quisas e Projetos de Reforma agrária (Nera), vinculado ao Departamento
de Geograa da Une, campus de Presidente Prudente. Na discussão, nos
remeteremos sempre à publicação em queão, de modo a dimensionar o
debate, tentando aprofundá-lo e apresentando nosso ponto de via.
Iniciamos a discussão a partir da queão conceitual de reforma agrá
-
ria. Em Sparovek (, cap. , p. -), uma importante discussão
a reeito do debate conceitual e das experiências de reforma agrária.
Foram apresentadas diferentes acepções do termo reforma agrária, que
variam desde a realização de políticas públicas como créditos agrícolas,
assiência técnica, garantia de preços, etc., ao processo de rediribuição
da propriedade da terra, fundamental para mudanças políticas, econô-
micas e sociais, portanto, territoriais. Esse conjunto de políticas faz parte
do conteúdo do conceito de reforma agrária.
O conceito de reforma agrária expressa processos compoos de dife
-
rentes dimensões. Os modos de realização desses processos transformam
o conceito em territórios teóricos e políticos apropriados por diferentes
inituições. Essas apropriações aplicam diintas eecicidades ao
conceito, que tem sido denido como política compensatória, apenas
para minimizar os conitos por terra, ou como revolução, como uma
possibilidade de transformação da sociedade.
Essas denições eão em debate hoje nas políticas de assentamentos
rurais implantadas por diversos governos desde a década de . En
-
quanto se faz o debate, milhares de assentamentos são criados por causa
da intensa luta popular realizada pelos movimentos camponeses por
118 NEAD Debate 
meio da ocupação de terra. Nesse tempo, o conceito de reforma agrária
foi transformado em territórios em diuta.
A denição de reforma agrária como política compensatória expressa
um processo de controle social dos movimentos camponeses pelo Eado,
sob inuência direta do capital. A política compensatória é uma forma
de tratamento terminal do campesinato. A apoa no m do campesinato
não se efetua como se tem eerado, de modo que a política compensa-
tória mantém os movimentos na UTI. Alguns movimentos camponeses,
que têm como prática as políticas de resultados e de consensos impoos,
aceitam as políticas compensatórias.
A denição de reforma agrária como revolão política de transfor
-
mação socioeconômica expressa um processo de enfrentamentos per-
manentes. Essa compreensão é defendida por movimentos camponeses,
eecialmente os vinculados à Via Campesina. A posição eá fundada
na diferenciação do campesinato pela renda capitalizada da terra. Essa é
a essência da queão agrária e sua solução é possível com a superação
do modo capitalia de produção.
Essas denições são territórios em diuta no cotidiano da sociedade
e são percebidas tanto nos periódicos de circulação nacional como nos
trabalhos cientícos de diferentes correntes teóricas. Esses territórios são
projetos políticos de inituições diversas e se materializam simultanea-
mente nos campos e nas cidades, territorializando-se, sendo deerrito
-
rializados e reterritorializando-se. Compreender esses movimentos no
dia-a-dia é um desao enorme para a ciência e para a política.
Os resultados, os consensos e os enfrentamentos são utilizados por
oportunias para negar as condições de desenvolvimento da agricultura
camponesa, procurando desqualicar as experiências em andamento, ocul-
tando a complexidade desse processo por meio de uma literatura banal.
Os territórios dos projetos de políticas compensatórias e dos projetos
de pereivas revolucionárias eão inseridos no eaço de realização das
lutas pela terra e pela reforma agrária. Nas diutas pelos projetos e terri-
tórios acontecem um processo combinado de ressocialização e exclusão.
É exatamente essa fração de realidade que a publicação
A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira captou. Como são territórios
em diuta, podemos ter diferentes interpretações dessa parte da realidade,
Assentamentos em debate 119
porque ela contém o sucesso e o fracasso, o avanço e o retrocesso, que
são resultados dos projetos políticos em desenvolvimento.
Essas diferentes leituras eão contidas nos projetos políticos e ter-
ritoriais que acreditam na agricultura camponesa como modelo de
desenvolvimento ou que a vêem como uma política de controle social
do capital. Nesse sentido, o trabalho de Sparovek et alii () é uma
importante referência para compreender os assentamentos como uma
forma de desenvolvimento da agricultura camponesa, portanto de rea
-
lização da reforma agrária.
No debate sobre as diferentes leituras, uma grande diculdade en-
contrada é conhecer quais os impaos que as políticas de assentamentos
causaram na erutura fundiária brasileira. Sparovek et alii (, p. -)
apresentam diversas fontes a reeito da queão, bem como as mudan-
ças relativas às metodologias de pesquisa, o que tem dicultado análises
comparativas. Embora a análise presente no livro demonre a persiência
da concentração da terra, apesar do conjunto das denominadas políticas
de reforma agrárias realizadas, não apresenta os impaos das políticas
de assentamentos na erutura fundiária.
No Brasil, é um desao enorme trabalhar com os dados referentes
à queão da propriedade da terra. Procurando enfrentar esse desao e
para contribuir com o debate, apresentamos uma análise na tentativa
de compreender se as políticas de assentamentos modicaram ou não a
erutura fundiária brasileira.
José Gomes da Silva, citado por Sparovek
et alii (, p. ), armou
que um projeto de reforma agrária deve desconcentrar a erutura fundiá-
ria e ser realizado em um período de uma geração. Em nossas pesquisas
(Fernandes, ), observamos que lhos de assentados conituíram
famílias, ocuparam a terra e foram assentados. Eá em formação uma
segunda geração de lhos de assentados sem que a queão da terra tenha
sido resolvida. Portanto, essa premissa caiu por terra. Rea-nos saber se
eá acontecendo a desconcentração fundiária.
Outra queão importante é que desde a segunda metade da década
de , a reforma agrária deixou de ser somente uma política de desa
-
propriação de terras pelo Eado. Passou a ser, também, uma política de
120 NEAD Debate 
mercado com a compra de terras, por meio da criação do Banco da Terra
e, recentemente, com a inituição da política de crédito fundiário.
Mesmo considerando conjuntamente a expropriação e a compra de
terras para a formação de milhares de assentamentos, a erutura fun-
diária brasileira continua concentrada, porque a ocupação do território
brasileiro ainda eá em movimento, como demonramos a seguir.
Uma análise apurada das tabelas , e possibilita uma compreen
-
são mais ampla, porém ainda incompleta desse processo complexo de
reeruturação fundiária, que ocorreu entre -. Nesse período,
ocorreu a transferência (por meio de desapropriação e compra) de mais
de vinte milhões de heares dos imóveis com mais de cem heares para
os eratos de imóveis com menos de cem heares. De  a , foram
incorporados quase noventa milhões de heares, ou uma área equivalente
a três eados de São Paulo e um eado do Rio de Janeiro, em que quase
todos os eratos tiveram suas áreas ampliadas.
Conforme a Tabela , a área média dos lotes dos assentamentos na
região Norte é de  ha. No Nordee não passa dos ínmos  ha, quase
igual ao Sudee com  ha. No Centro-Oee são  ha e, na região Sul,
a área média correonde a  ha.
Tomando esses números como parâmetros e comparando as mudanças
ocorridas nos eratos de área da erutura fundiária brasileira para os anos
 e , observa-se diferencialidades territoriais positivas e negativas
(aumento ou diminuição relativa dos números de imóveis e ou de áreas),
um diferencial de territorialização (aumento da área por erato) e um
diferencial de deerritorialização (diminuição da área por erato).
Assentamentos em debate 121
Tabela 1 – Brasil Número de Assentamentos Rurais – 1995-2002
N°de
Assentamentos
% N
o
de
Famiias
% Área
Total (ha)
%
AC 59 1,2 9487 2.1 558.198 2,5
AP 27 0,6 6.749 1.5 1.226.560 5,4
AM 18 0,4 3.295 0.7 2.011.698 8,8
PA 383 7,9 72.932 16.2 3.853.827 16,9
R0 93 1,9 18.726 4.1 1.139.574 5,0
RR 28 0,6 8.899 2.0 524.331 2,3
TO 181 3,7 14.720 3.2 644.390 2,8
Norte 789 16,3 134.808 29.8 9.958.978 44,0
AL 50 1,0 5.782 1.2 41.537 0,2
BA 395 8,1 28.802 6.4 885.968 3,9
CE 467 9,6 18.627 4.1 670.714 2,9
MA 530 10,9 64.378 14.2 2.335.219 10,3
PB 154 3,2 10.324 2.3 177.558 0,8
PE 256 5,3 15.183 3.4 191.703 0,8
PI 201 4,1 18445 4.1 657.796 2,9
RN 179 3,7 12.603 2.8 308.511 1,4
SE 81 1,7 5.257 1.2 84.056 0,4
Nordeste 2.313 47,7 179.401 39.7 5.353.062 23,0
DF 5 0,1 425 0.1 5.234 0,0
GO 217 4,5 14.047 3.1 563.430 2,5
MT 334 6,9 61.246 13.6 4.115.399 18,1
MS 91 1,9 12.160 2.7 351.054 1,5
Centro-Oeste
647 13,3 87.878 19.5 5.035.117 22,0
ES 33 0,7 2.225 0.5 21.529 0,1
MG 221 4,6 12.842 2.8 534.921 1,3
RJ 16 0,3 2.145 0.5 28.708 0,1
SP 157 3,2 9.145 2.0 224.264 1,0
Sudeste 427 8,8 26.357 5.8 809.422 4,0
PR 229 4,7 12.844 2.8 485.983 2,1
RS 187 3,9 7.596 1.7 173.428 0,8
SC 256 5,3 3.160 0.7 506.356 2,2
Sul 672 13,9 23.600 5.2 1.165.767 5,0
Brasil 4.848 100 452.044 100 22.779.338 100
Fonte: Dataluta - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2003 - Unesp/MST
122 NEAD Debate 
Conforme as tabelas e , o número de imóveis com menos de  ha
teve uma diferencialidade territorial negativa de ,, passando de do
número total de imóveis para ,, mesmo com um aumento de .
imóveis no período -. Por outro lado, o mero de imóveis com
mais de  ha teve uma diferencialidade territorial positiva de ,, pas
-
sando de  para ,, com um aumento de . imóveis.
O diferencial de territorialização dos imóveis com menos de  ha
foi de .. ha, passando de , para  da área total, tendo uma
diferencialidade territorial positiva de ,. O diferencial de territorialização
dos imóveis com mais de ha foi de ..ha, passando de ,
para ,, apresentando uma diferencialidade territorial negativa de ,.
Com exceção do erato de mais de . ha, que teve um diferencial
de deerritorialização de . ha, representando, portanto, uma dife
-
rencialidade territorial negativa de , e uma diferencialidade territorial
positiva de ,, (com um aumento de . imóveis), os outros eratos
tiveram um diferencial de territorialização de .. ha.
Com essa análise, observa-se o aumento das áreas em quase todos os
eratos com a incorporação de quase noventa milhões de heares em
uma década. Esse montante mascara a movimentação entre os eratos
de áreas, que somente pode ser feito com análises mais detalhadas.
O diferencial de territorialização dos imóveis com menos de 
heares contou predominantemente com as políticas de assentamentos
que tiveram como fator determinante as ocupações de terra. Conforme
Fernandes (), em torno de  dos assentamentos implantados
foram resultados de ocupações de terra. Entre esses eratos também
podem ter sido incorporadas terras devolutas que eavam sob controle
de grileiros e terras públicas.
A incorporação de quase sessenta e quatro milhões de heares aos
imóveis de mais de  heares pode ear associada a pelo menos
três processos: a) por causa das ocupações, os latifundiários passaram
a declarar com precisão as áreas dos imóveis (para não correr o risco
de serem surpreendidos com os pedidos de liminares de reintegração
de posse, requerendo áreas maiores do que as declaradas); b) a incor-
poração de novas áreas em faixas de fronteira e ou de terras devolutas;
c) a incorporação de áreas de menos de  heares, o que signicaria
deerritorialização das pequenas propriedades.
Assentamentos em debate 123
Tabela 2 – Estrutura Fundiária Brasileira – 1992
Estratos de área
total em ha
Nº de
imóveis
% dos
imóveis
área total
em ha
% de
área
área
média
Até 10 995.916 32,0 4.615.909 1,4 4,6
De 10 a 25 841.963 27,0 13.697.633 4,1 16,3
De 25 a 50 503.080 16,2 17.578.660 5,3 34,9
De 50 a 100 336.368 10,8 23.391.447 7,0 69,6
De 100 a 500 342.173 11,0 70.749.965 21,4 206,9
De 500 a 1.000 51.442 1,6 35.573.732 10,8 697,5
De 1.000 a 2.000 23.644 0,8 32.523.253 9,8 1.414,0
Mais de 2.000 20.312 0,6 133.233.460 40,2 6.559,3
Total 3.114.898 100 331.364.059 100 106,4
Fonte: Atlas Fundiário Brasileiro, 1996
Tabela 3 – Estrutura Fundiária Brasileira – 2003
Estratos de área
total em ha
Nº de
imóveis
% dos
imóveis
área total
em ha
% de
área
área
média
Até 10 1.338.711 31,6 7.616.113 1,8 5,7
De 10 a 25 1.102.999 26,0 18.985.869 4,5 17,2
De 25 a 50 684.237 16,1 24.141.638 5,7 35,3
De 50 a 100 485.482 11,5 33.630.240 8,0 69,3
De 100 a 500 482.677 11,4 100.216.200 23,8 207,6
De 500 a 1.000 75.158 1,8 52.191.003 12,4 694,4
De 1.000 a 2.000 36.859 0,9 50.932.790 12,1 1.381,8
Mais de 2.000 32.264 0,8 132.631.509 31,6 4.110,8
Total 4.238.387 100 420.345.382 100 99,2
Fonte: Incra, 2003
124 NEAD Debate 
A diminuição da área média dos imóveis com mais de dois mil heares
pode signicar a divisão de grandes latifúndios para evitar a desapro-
priação. Todavia, sendo esse o caso, a pequena diminuição da área total
ainda denuncia o alto grau de concentração de terras, em que .
proprietários controlam a terça parte das terras agriculturáveis do país.
Esses dados possibilitam diferentes leituras. Com a movimentação entre
os eratos de área, é possível armar que a concentração da erutura
fundiária persie, e que houve uma leve desconcentração da erutura
fundiária, mesmo com o aumento colossal de noventa milhões de hea
-
res. A queão é que ainda não temos um cadaro de imóveis conável e
acessível para podermos acompanhar as mudanças na erutura fundiária
brasileira. Também, conforme a Tabela , essa situação vai persiir, pois
ainda exiem  milhões de heares de terras devolutas que poderão
ser incorporadas parcialmente pelos diversos eratos de área.
Tabela 4 – Ocupação das terras do Brasil em milhões de hectares
Terras indígenas 128,5
Unidades de conservação ambiental 102,1
Imóveis cadastrados no Incra 420,4
Áreas urbanas, rios, rodovias e posses 29,2
Terras devolutas 170,0
Total 850,2
Fonte: Oliveira, 2003
Esse intrincamento de dados revela problemas e possibilidades para
a realização da reforma agrária. Se os dados referentes à propriedade da
terra são imbricados, também são os dados referentes à população sem
terra. É outro aeo em que os números são diversos, pois a queão da
reforma agrária atualmente não é apenas uma queão rural. É também
urbana, pois muitas famílias de origem urbana participam de ocupações
de terra e são assentadas. Com o aumento da pluriatividade, o desem-
pregado rural também é desempregado urbano. A reforma agrária não
é apenas uma política para amenizar os problemas do campo. É também
uma forma de moderar parcialmente os problemas urbanos.
Assentamentos em debate 125
A :
Nea parte, discutiremos os índices: ecácia da reorganização fundiária;
qualidade de vida; articulação e organização social; ação operacional.
Esses índices são importantes para uma análise do desenvolvimento
socioterritorial dos assentamentos e apresentam limites que deacamos
nas leituras a seguir.
Uma novidade da pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira é o índice de ecácia da reorganização fundiária (IF).
Segundo os autores o IF:
avalia o sucesso da intervenção do governo em alterar a erutura fundiária
(sic). O principal fator do índice é o cumprimento do potencial de ocupação da
área; avaliado pela relação entre o número de famílias morando no PA e a sua
capacidade de assentamento. Os outros fatores que comem o índice são lotes
abandonados, aglutinação de lotes, áreas remanescentes não parceladas e área
útil para produção não explorada.” (Sparovek, , p. )
Na verdade, o IF não avalia o sucesso da intervenção do governo em
alterar a erutura fundiária, mas sim se com a formação do assentamen
-
to, ocorreu a otimização da reorganização fundiária.Como o próprio
nome do índice diz, trata-se da reorganização do território, ou poderia
se chamar de reordenamento territorial. A alteração da erutura fun-
diária acontece em escalas mais amplas, como demonramos na parte
anterior dee texto.
Os resultados dos valores médios, máximos e nimos do índice de
reorganização fundiária revelam uma superocupação dos assentamentos
das regiões Sudee e Sul. Essas regiões tiveram índices superiores a cem,
enquanto que a região Norte teve índices mais baixos, em torno de .
Em nossas pesquisas temos regirado, para o período -, que
a implantação de assentamentos tem acontecido predominantemente nas
regiões Norte, Nordee e Centro-Oee, sendo que no primeiro governo
Fernando Henrique Cardoso, o número de famílias assentadas chegou a
superar o número de famílias em ocupações nessas três regiões. Nas regiões
126 NEAD Debate 
Sudee e Sul, o número de famílias em ocupações sempre foi superior ao
número de famílias assentadas, como pode ser observado no Gráco .
Gráfico 1 – Brasil: número de famílias em ocupações e
assentamentos por macrorregião e períodos de Governo – 1998-2002
Fonte: Dataluta – Banco de Dados da Luta Pela Terra, 2003
Em nossas pesquisas de campo, temos observado que a superocupação
acontece pela formação de novas famílias com o casamento de lhos e lhas
de assentados. Embora muitos lhos de assentados participem de ocupa-
ções, a demanda por terra é muito maior que o número de assentamentos
implantados. Esses dados também demonram a territorialização da luta
pela terra em todas as regiões do país. A intensicação da luta nas regiões
Nordee, Centro-Oee, Sudee e Sul, onde o agronegócio mais tem se
territorializado também signica uma reação às desigualdades geradas
por esse modelo agropecuário. Por m, os dados demonram também
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
N NE CO SE S N NE CO SE S N NE CO SE S
1990-1994
Collor/Itamar
1995-1998
1º Mandato – FHC
1999-2002
2º Mandato – FHC
Ocupações Assentamentos
Assentamentos em debate 127
que os governos têm implantado menos assentamentos rurais nas regiões
Sul e Sudee, o que reforça a superocupação das áreas reformadas.
Na pesquisa, o índice de qualidade de vida teve como elementos as
condições de acesso à educação, saúde, moradia e infra-erutura social.
Esses são os elementos básicos para uma pesquisa rápida, que identica a
exiência ou não dos serviços. Todavia, se pensarmos a utilização dessa
pesquisa para a realização de políticas públicas de desenvolvimento rural,
pode-se enfrentar problemas. Para o tema assentamentos rurais não é
suciente trabalhar somente com a exiência dos serviços, mas também
com a relação eaços e tempos políticos dos projetos.
Qualidade de vida implica em compreender a diversidade de interesses
dos assentados, suas hiórias e suas culturas. Não há plena qualidade de
vida com projetos impoos por inituições não representativas. As famílias
assentadas comem grupos políticos ou são por eles inuenciadas. Esses
grupos têm seus projetos de desenvolvimento que são conruídos com a
participação das famílias ou que são oferecidos como modelos ideais.
Os assentamentos são territórios compoos de diversos eaços políti-
cos de acordo com as presenças de diferentes movimentos camponeses na
organização socioterritorial. Mesmo as famílias não vinculadas a nenhuma
organização mantêm algum tipo de identicação com as suas propoas
políticas. Portanto, colocamos em queão a exiência de uma ótica mais
neutra e individualizada de um supoo morador comum (Sparovek,
p. ). Quando são tratadas queões referentes à educação, saúde, moradia
e infra-erutura, a opinião dos assentados reete os projetos em discussão.
Como enfatizamos na primeira parte dee texto, essa armação explicaria
a quase similitude dos valores médios das três opiniões.
Nossa hipótese é que essa semelhança ocorreu não porque os proje
-
tos das diferentes inituições são iguais, o que é evidente, mas porque a
pergunta se referia apenas à exiência e não à origem, funcionamento,
suciência e qualidade dos serviços, das condições, dos equipamentos
e das infra-eruturas.
Além dos movimentos camponeses, outras inituições que trabalham
nos assentamentos e também inuenciam as opiniões dos moradores, como
por exemplo os órgãos públicos Incra, Inituto de Terras do Eado de
São Paulo (Ite), universidades e as organizações não-governamentais.
128 NEAD Debate 
Todas essas inituições defendem projetos de desenvolvimento que re-
presentam diferentes modelos no que se refere à localização dos serviços
(campo ou cidade) e o tempo de implantação dos recursos. Portanto, para
a realização de políticas públicas, os dados da pesquisa A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira necessitam ear associados
aos reeivos projetos de desenvolvimento socioterritorial.
Associando os valores médios do índice de qualidade de vida com os
valores médios do índice de ação operacional (que indica a eciência de
realização dos compromissos do governo para a consolidação do assenta-
mento), e com os valores médios do índice de articulação de organização
social (que indica os níveis de organização dos assentados para defen-
derem seus interesses no que se refere à produção e à comercialização),
observamos a diminuição desses valores para o período -.
Esses dados são reveladores. Relacionaremos esses índices com o
conjunto de políticas dos dois governos Fernando Henrique Cardoso e
com os dados de ocupações e assentamentos do Gráco .
Com a eleição do presidente FHC, em , e a promessa de realização
da reforma agrária, no ano , aumentou o número de famílias que
ocuparam terra, tendência que continuou até . O primeiro governo
FHC foi o período com maior número de famílias assentadas da hiória
do Brasil. Três fatos contribuíram para a implantação desse número de
assentamentos: ) o massacre de Corumbiara, em , no eado de
Rondônia; ) o massacre de Eldorado dos Carajás, em , no Pará;
) o governo FHC acreditava que os sem-terra eram aproximadamente
quatrocentas mil famílias e com o assentamento, o número de famílias
tenderia a diminuir (Cardoso, ).
O aumento do número de famílias assentadas signicava o aumento do
número de pessoas que ocupavam terras e vice-versa. A cada assentamento
criado, multiplicava-se o número de sem-terra realizando os trabalhos
de base, criando eaços de socialização política e eacializando a luta
pela terra. Essa realidade não se encaixava na tese do governo FHC, que
defendia não haver tantas famílias sem-terra e nem tanta terra para fazer
a reforma agrária.
De fato, o governo FHC tratou a queão da reforma agrária como
uma política compensatória, como uma possibilidade de atender um
Assentamentos em debate 129
determinado número de famílias que representaria o resíduo do campe-
sinato brasileiro. Sob a pressão do MST e de outros movimentos cam
-
poneses, foram criadas políticas de crédito, de educação para o campo e
de assiência técnica, a partir de modelos propoos pelos movimentos.
Com o avanço das ocupações, as políticas de educação e de assiência
técnica foram extintas e a política de crédito foi subituída por outra,
cujo modelo foi impoo pelo governo.
Na verdade, o governo FHC percebera que o aumento do número
de famílias assentadas e os inveimentos realizados por meio das linhas
de crédito fortaleciam a organização do MST. Muitas ocupações eram
realizadas com o apoio de cooperativas de assentados, que empreavam
caminhões e nanciavam os cuos da ocupação de terra. O governo FHC
denominou esses fatos de aparelhamento político e cortou todas as fontes
de recursos para os assentados.
O segundo governo FHC foi muito diferente do primeiro. Em , o
número de ocupações começou a diminuir e em maio de , o governo
publicou uma medida provisória para criminalizar as ocupações. A Me-
dida Provisória .-, de  de maio de , criminaliza as pessoas
que ocupam terra e privilegia os latifundiários com a condição da não
desapropriação por dois anos, no caso de uma ocupação, e por quatro
anos, quando houver reincidência.
Para reprimir os sem-terra, o governo FHC utilizou-se do Poder
Judiciário. As ocupações de terra eram acompanhadas com rigor pelo
governo e as liminares de reintegração de posse e deejo das famílias
ocupantes eram expedidas em menos de horas, o que resultava, na
maior parte das vezes, na prisão das lideranças. A esse processo político
denominamos de “judiciarizaçãoda luta pela reforma agrária. Ocorreram
casos em que os juízes mandavam prender lideranças como prevenção
às ocupações (Fernandes, ).
Com a diminuição do número de ocupações, o número de assenta
-
mentos regrediu. Para “propagandear” que o número de assentamentos
implantados não teria diminuído, o governo FHC usou uma eatíica
imaginária que contava assentamentos implantados em governos ante
-
riores, pelos governos eaduais e aas famílias que o governo prometera
assentar. Criava-se dessa forma clonesde assentamentos e assenta-
130 NEAD Debate 
mentos imaginários, que exiiam nas tabelas de dados do governo
FHC (Fernandes, ).
A ocupação de terra é uma afronta aos princípios da sociedade ca-
pitalia. Todavia, as ocupações de terra continuavam crescendo, tendo
pela frente as ações na Juiça e as ações dos latifundiários. Na segunda
metade da década de , o governo FHC implantou uma política de
crédito fundiário denominada Cédula da Terra que depois foi batizada
de Banco da Terra.
Pela primeira vez na hiória do Brasil ocorreu uma intervenção direta
na queão da luta pela terra por meio de política econômica, em escala
nacional. Com essa medida, o governo transferia a queão da terra do
território da política para o território do mercado. Essa ação extraordinária
diminuiu o poder de negociação dos trabalhadores sem-terra. Aos que
aceitaram a política do Banco da Terra, o eaço de negociação limitou-se
ao contrato de compra e venda, ou seja, às políticas do mercado.
Nos últimos  anos, desde a fundação do MST, as famílias partici
-
pantes das ocupações têm se diferenciado. Na década de , as famílias
sem-terra participantes das ocupações eram predominantemente de
origem rural. Com a intensicação da mecanização da agricultura e
com o desemprego erutural, na década de , nos acampamentos
das regiões Sul, Sudee e Nordee, a participação de trabalhadores de
origem urbana aumentou.
Na região Nordee, o MST começou a organizar migrantes nordeinos
retornados da região Sudee por causa do desemprego. No eado de São
Paulo, o MST e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Teto (MTST)
começaram a organizar famílias para lutarem pela moradia ou por terra.
Essa ação resultou no aumento do número de famílias de origem urbana
nas ocupações de terra. No Pontal do Paranapanema, regiramos a
de trabalhadores urbanos entre as famílias assentadas (Lima e Fernandes,
). No Rio Grande do Sul, surgiu o Movimento dos Trabalhadores
Desempregados (MTD) que tem ocupado terras nos municípios da região
metropolitana de Porto Alegre com o objetivo de desenvolver atividades
agrícolas e não-agrícolas como forma de sobrevivência.
Esse fato demonra que a determinação do governo, de assentar
apenas as famílias de origem rural, tem sido ignorada pelos trabalha-
Assentamentos em debate 131
dores de origem urbana. Essa é uma das razões do aumento do número
de famílias acampadas em todas as regiões do país. Isso signica que o
processo de criação do campesinato tem contado com a participação dos
trabalhadores desempregados de origem urbana.
As ocupações de terra, o avanço e o reuxo do MST, as conquias e as
derrotas dos movimentos camponeses, o crescimento da participação das
famílias de origem urbana na luta pela terra, todas essas realidades são
indicadores da resiência dos sem-terra no confronto com as políticas
de controle social do Eado e da lógica capitalia.
A “judiciarizaçãoda luta pela terra, o processo de mercantilização da
reforma agrária e a extinção e subituição de políticas públicas determi-
naram o reuxo dos movimentos camponeses e isso teve inuência direta
na precarização da organização interna do assentamento, eecialmente
no que se refere à infra-erutura, ao crédito agrícola, à produção e à
comercialização. Essa realidade foi captada pela pesquisa e aparece em
números na Tabela  em Sparovek
et alii (, p. ).
Ea realidade representa também o não cumprimento dos compro
-
missos do governo para a consolidação do assentamento. Io signicou
a queda da renda, regirada pela pesquisa (Sparovek
et alii, , p. )
e tornou-se um desao para grande parte das famílias sem-terra.
C
A publicação
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Bra-
sileira é uma importante contribuição para o eudo do processo de
territorialização da luta pela terra em todas as regiões do país. Inova
com a elaboração de uma metodologia a partir da pesquisa de opinião e
a forma como apresenta os dados nos possibilita análises comparativas
com outros dados e pesquisas.
A qualidade dos assentamentos de reforma agrária eá diminuindo.
Essa é uma conclusão que a publicação nos apresenta. A qualidade dos
assentamentos pode melhorar. Essa é outra conclusão que a leitura da
publicação nos oferece.
132 NEAD Debate 
B
C, Fernando Henrique. Prefácio. In: G N,
Francisco. A Tragédia da terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil.
São Paulo: IGLU/Funep/Une, .
F, Bernardo Mançano. MST formação e territorialização.
São Paulo: Editora Hucitec, .
F, Bernardo Mançano.
A Formação do MST no Brasil.
Petpolis: Editora Vozes, .
F, Bernardo Mançano
et alli. Insertion socio-politique
et criminalisation de la lutte pour la terre: occupations de terre et assen
-
tamentos ruraux das le Pontal do Paranapanema São Paulo. Cahiers du
Bresil Contemporain, La Riche, n./, p.-, .
L, Solange; F, Bernardo Mançano. Trabalhadores
urbanos nos assentamentos rurais: a conrução de novos sujeitos sociais.
Presidente Prudente: . (Relatório CNPq – PIBIC  – )
O, Ariovaldo Umbelino. Barbárie e modernidade: as trans-
formações no campo e o agronegócio no Brasil. Revia Terra Livre. São
Paulo, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n.
, .
S, Gerd. (org.) A Qualidade dos assentamentos da reforma
agrária brasileira. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráca, .
O jornalismo brasileiro, a questão
agrária e o imaginário
Débora Lerrer
Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), autora de “Reforma
Agrária: os caminhos do impasse”, Editora Garçoni, São Paulo, .
2.6
134 NEAD Debate 
O
A
publicação A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira, que apresenta dados sobre a qualidade dos assentamentos
feitos no Brasil nas duas últimas décadas, traz uma contribuição muito
pertinente para os prossionais da imprensa. Em primeiro lugar, porque,
em sua primeira parte, o livro condensa informações sobre o tema e
aborda alguns dos diversos pontos de via exientes no país, tanto no
debate acadêmico, como no debate público, como o que envolveu governo,
imprensa e movimentos sociais sobre o número exato de assentamentos
implantados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e que provocou
a iniciativa dea pesquisa. O livro contextualiza repórteres no tema,
muitos deles sem conhecimento prévio e mesmo experiência de trabalho
sobre esse campo particular de conitos, coumeiramente opaco para as
camadas urbanas, onde eá situada a maioria dos jornalias. Por ter sido
escrito de maneira clara e objetiva, a primeira parte deveria ser leitura
obrigatória para qualquer prossional da área, pois o torna mais apto a
entender do que as aparentemente intermináveis ocupações e mobilizações
de sem-terras eão tratando de fato, ou seja, em que contexto hiórico,
econômico e político elas se situam.
O outro aeo importante dea pesquisa é seu caráter nacional, por
trazer informações detalhadas sobre alguns dos efeitos de uma política
pública hioricamente tranassada por conitos e polêmicas. Com dados
regionais, eaduais e nacionais, o livro margem para pautas jornalíicas
que podem ampliar o conhecimento sobre esse aeo pouco abordado
da queão agrária brasileira, ao mesmo tempo em que evita um velho
vício da prossão que é tomar o conhecimento do singular e generalizá-lo
com todos os preconceitos e eereótipos possíveis daí decorrentes.
Assentamentos em debate 135
A queão é que, dependendo do ponto de via do órgão jornalíico,
do editor e do jornalia envolvido na reportagem, a pesquisa pode dar
margem a matérias favoráveis ou desfavoráveis à política de reforma
agrária. A hierarquização de alguns dees aeos na preparação das
matérias impressas nos jornais revela a visão de mundo hegemônica na
sociedade brasileira sobre sua queão agrária, mas que eá sendo dis
-
putada palmo a palmo nea luta simbólica na qual ee livro se insere,
presente em qualquer luta política que sempre será ao mesmo tempo
teórica e prática “pelo poder de conservar ou transformar o mundo social,
conservando ou transformando as categorias de percepção dee mundo
(Bourdieu, , p.).
Dependendo, portanto, das categorias de percepção desses mediado
-
res, chamados jornalias, os dados da pesquisa poderiam ter maior ou
menor visibilidade e tornar mais difícil ou mais fácil bater na tecla de
que a política de reforma agrária não teve resultados positivos. De qual
-
quer modo, em termos hióricos, a pesquisa em si é um avanço para a
própria compreensão da opinião pública brasileira sobre essa demanda
tão enraizada na pauta de luta dos trabalhadores rurais, continuamente
deslocados dos projetos econômicos hegemônicos implantados no país.
Sob o ponto de via do jornalismo, que é uma ciência social aplicada,
o método e os procedimentos inovadores desenvolvidos para ea pes-
quisa são adequados por terem se conituído em um inrumento de
levantamento ágil, que radiografa aeos mais detalhados dea política
de modo a aferir índices de qualidade de vida, reordenamento fundiário,
ação do Eado, níveis de organização social dos assentados, impaos
ambientais, etc., que não tinham sido auscultados de maneira abrangente
anteriormente. Além disso, os pesquisadores são cuidadosos em detalhar
e descrever os procedimentos e os critérios de análise utilizados, o que
fornece legitimidade ao levantamento que tem recorte nacional, regional e
eadual. De qualquer modo, o fato de ser uma pesquisa quantitativa que
retira aeos qualitativos da realidade da política fundiária do governo
vem de encontro com as concepções predominantemente positivias
presentes no jornalismo, que procura legitimar-se como conhecimento
do real apoiando-se em uma eratégia de discurso que busca enfatizar o
caráter aparentemente absoluto de sua “objetividade” e tem no discurso
136 NEAD Debate 
cientíco tradicional um de seus suportes. Logo, raramente o jornalis-
mo da prática prossional diária irá discutir os conceitos embutidos em
um determinado método de pesquisa, se eles são reconhecidos como
eminentemente objetivos e divulgados como tal. Em geral, por ear
sempre em busca de dados que possam corroborar hipóteses (pautas), o
jornalismo couma se reringir à divulgação dos resultados, sendo que
somente os prossionais mais criteriosos procuram também descrever
procedimentos pelos quais os dados foram obtidos.
Sob meu ponto de via, considero uma solução interessante coletar as
informações de três atores diferentes, diretamente vinculados à realidade
cotidiana dos projetos de assentamento, revelando uma preocupação
em explicitar as possíveis – e prováveis – divergências de percepção do
local pesquisado, exiente entre os executores do programa de reforma
agrária, vinculados ao Eado, os membros ou dirigentes das organizações
exientes nos assentamentos e os assentados não comprometidos com
essas lideranças formais.
O que falta explicitar na pesquisa de maneira clara é a chamada
alteração de ocupantes ou beneciário dos lotes. Essa queão foi re-
girada pelos pesquisadores, mas não foi apresentada ou mencionada
mais detalhadamente no livro. Não sei se houve diculdades com essa
reoa, mas essa informação mensuraria a venda de lotes. O critério
utilizado, o do “abandono, não inclui as vendas irregulares. Se o faz não
eá claro, pelo menos não no livro. Seria interessante ter esse dado mais
evidenciado até para pautar as iniciativas do Eado em regularizar essas
situações, desencorajando a prática e vericando se ela é signicativa ou
não dentro do contexto geral dos assentamentos no Brasil.
A verdade é que essa prática comum até em assentamentos urbanos
reforça um eereótipo sobre as populações que demandam terra. Por
outro lado, a informação associada ao fato de que o índice de abandono,
cerca de , é ínmo, poderia neutralizar o eigma associado a essa
população e que vive repetido em um certo discurso do senso comum:
esses sem-terras vagabundos pegam terra do governo, depois vendem e
vão para outro acampamento conseguir mais terra. Aliás, esse eereó
-
tipo é ainda arraigado exatamente porque cresce na desinformação. Por
ea razão, esse aeo da pesquisa deveria ter sido melhor deacado e
Assentamentos em debate 137
usado a favor de uma campanha de esclarecimento da sociedade sobre
a política agrária de um governo que considere a reforma agrária uma
ação socialmente pertinente.
A conatação de que a qualidade de vida dos assentamentos é precária,
sobretudo por uma insuciente ão operacional do Eado, não diingue
os assentamentos de outros lugares onde vive a população pobre brasilei-
ra, seja no campo ou na cidade, exatamente pela mesma razão: ausência
do Eado. Mas o fato de que apesar dessas condições, as pessoas cam
nesses locais – e io ser objeto de surpresa dos próprios pesquisadores
– é, digamos, um dos núcleos signicativos da pesquisa e deveria ser me
-
lhor deacado no conjunto do livro, até para não dar eaço para outros
enfoques interessados na manutenção da desinformação.
Também considero insuciente o Capítulo , ou seja, o levantamento
hiórico da queão agrária no Brasil e no mundo. Mesmo resumido,
algumas informações pertinentes poderiam ter sido incluídas. Na página
, quando se menciona as contribuições de José Bonifácio de Andrada e
Silva em debates que resultaram na Lei de Terras de , dá-se margem
a confusões, vio que, embora ele tenha produzido reexões sobre o
assunto, veio a falecer em , bem antes da implantação da lei e já há
alguns anos retirado da vida pública.
O
Um dos grandes desaos de quem luta pela reforma agrária no Brasil
sempre foi vencer a indiferença dos vários setores da sociedade a ea
particular demanda, mesmo porque, além da repressão que se abateu sobre
ela depois do golpe de  e o enorme êxodo rural ocorrido no país nos
últimos  anos, o próprio mundo dos sertões brasileiros foi se diancian-
do cada vez mais das preocupações da maioria da população que hoje se
concentra nas cidades, com muitos desaos políticos e sociais a enfrentar.
É também nas cidades, onde se concentram pessoas com maior grau
de inrução e acesso a diversas fontes de informação, onde se forma
ea entidade curiosa e às vezes tão poderosa chamada opinião pública,
cujos humores e pendores políticos são coumeiramente alimentados
pelo que é pauta dos grandes meios de comunicação de massa.
138 NEAD Debate 
Os usuais reonsáveis pela concretização do material pautado a ser
veiculado por esses meios são os jornalias e quero aproveitar o eaço
que ea publicação oferece para abordar aeos da repercussão da
pesquisa elaborada pela equipe de Gerd Sparovek como um pretexto
para conruir uma reexão sobre a relação do jornalismo com a queão
agrária brasileira.
A visibilidade dea pesquisa na imprensa, e das próximas que vierem
a surgir, é importante para a lenta conrução de uma interpretação mais
qualicada por parte da sociedade sobre a incrível permanência de uma
erutura agrária concentrada em paralelo à concentração de renda e
riquezas exiente no país.
O pressupoo dea reexão é que um país de dimensões continentais
como o Brasil, com possibilidade de ter até três safras por ano, mas com
a propriedade da terra altamente concentrada, descarta um imenso po
-
tencial de desenvolvimento ao não realizar uma reforma agrária voltada
para o atendimento das populações pobres do meio rural que não se
impressionam mais com o canto das sereias das cidades e cuja demanda
por terra sintetiza um mundo de possibilidades para suas famílias.
U
A pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), cujos resultados come
-
çaram a circular discretamente no início de , é considerada, também
no meio jornalíico, o mais abrangente levantamento de dados realizados
sobre a política de assentamentos feita no país até hoje, mas o que a
1 Recente pesquisa coordenada por Marcio Pochmann explicitou números aterradores.Terceiro
volume do Atlas da Exclusão Social, “Os Ricos no Brasil” (Cortez Editora) demonra que ,4%
da riqueza total do país eá concentrada nas mãos de 10% da população brasileira. Esse cálculo
inclui, além da renda concentrada por essas pessoas, que é 4,3% do PIB brasileiro, seu patrimônio
acumulado, como imóveis, títulos públicos e ações. Outra informação trazida à luz pela pesquisa
foi a conatação de que ea concentração se crializou ao longo da hiória brasileira. Ou seja,
esse segmento da população manteve seu patrimônio durante séculos, mesmo atravessando todas
as transformações econômicas, sociais e políticas que permearam a hiória do país.
2 A primeira edição do livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, impressa
em fevereiro de 2003, começou a circular a partir dee mês e suscitou matérias nos jornais Eado
de São Paulo, O Globo, revia Veja e na rádio CBN.
Assentamentos em debate 139
torna peculiar para ea reexão é o fato de ela ter sido provocada por
um conjunto de matérias, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, em abril
de , que evidenciaram que os dados que o governo usava para falar
do número de projetos de assentamentos eram inados. As reportagens,
realizadas por Rubens Valente e Eduardo Scolese, demonravam que
o balanço de assentamentos criados pelo governo Fernando Henrique
Cardoso incluía terrenos vazios, sem sequer demarcação dos lotes, e áreas
sem casas e infra-erutura, o que segundo o próprio critério usado pelo
Incra, na época, não as classicava na categoria de assentamentos.
A matéria principal – a que abre o período que ea denúncia ocupa
eaço no jornal
Folha de S. Paulo foi publicada no dia  de abril. No
m do texto, encontra-se a opinião do então superintendente do Initu
-
to Nacional de Colonização e Reforma Agrária em Alagoas (Incra-AL),
José Quixabeira Neto, nomeado pelas forças que ocupavam o governo
na época, e que, no entanto, reconhece que o conceito de assentamen
-
to do órgão diverge do que vinha sendo praticado pelo Miniério do
Desenvolvimento Agrário e divulgado nos balanços anuais do governo
Fernando Henrique Cardoso. “Realmente o conceito difere da prática,
quanto a isso não a menor dúvida. A técnica é uma e a política é outra.
Eu sou agente do governo e tenho de seguir a política adotada por eles,
declarou Quixabeira aos repórteres.
A declaração do superintendente do Incra na época é particularmente
interessante porque expôs uma concepção da diferença que exie entre
governo” e “Eado, ainda pouco arraigada na sociedade brasileira, que
só começou a conruir um corpo de funcionalismo público eável, me
-
diante concurso público, a partir da década de . Foi só a partir desse
momento que começou a se deacar, de maneira ainda incompleta, o
serviço público da dominação patrimonial e clientelia. Esse aeo da
opinião expressada pelo superintendente é importante porque evidencia
o reconhecimento da diferença exiente dentro de um órgão blico do
que seria o papel técnico” do Eado e do que lhe é determinado pelas
forças políticas que ocupam o governo.
3 A série de matérias, suítes e repercussões abordando ea denúncia começaram no dia 21 de abril
e terminaram no dia 2 de maio.
4 Folha de S. Paulo, 21 de abril de 2002.
140 NEAD Debate 
Diante das denúncias trazidas pela reportagem e apesar dos riscos
políticos para o governo em queão, em ano eleitoral, o então miniro
do Desenvolvimento Agrário, José Abrão, decidiu contratar a equipe
da Escola Superior Alberto de Queiroz, da Universidade de São Paulo
(Esalq/USP), para realizar ea pesquisa, cujos resultados vieram no
apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso e só tornaram-
se públicos no início do governo Lula.
Um aeo interessante dessa diuta entre os números divulgados
pelo governo FHC e os assentamentos efetivamente criados é que a po
-
lêmica foi inicialmente levantada pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST), no início de sua interlocução com o governo,
então em início de mandato, no segundo semere de . Curiosamente,
entretanto, as reportagens publicadas na Folha em  não davam voz
ao MST, ator político que havia se apresentado à mídia queionando sie-
mática e periodicamente os dados do governo. O Movimento, no entanto,
paira como autor” oculto do material publicado na Folha, fenômeno que
revela uma aparente mudança de patamar no debate agrário brasileiro
que ocupava a mídia naquele momento. Ou seja, um jornal, ao assumir
as denúncias, lhes outorgava maior credibilidade do que o movimento
social que, naquela época como explicito mais tarde –, eava com
seu capital simbólico baante abalado dentro da cena midiática” para
desqualicar as informações divulgadas pelo governo.
De qualquer modo, naquele contexto que tinha por horizonte uma
eleição presidencial, um particular debate midiático mobilizou um minis-
tro de Eado a contratar uma pesquisa abrangente de modo a, inclusive,
correr o risco de colocar em queão sua política, por vê-la como alvo de
pressão da opinião pública.
Vindo a público, no início do governo Lula, era de se eerar que os
dados presentes no livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Na época, como assessora de imprensa do MST, participei da divulgação de várias coletivas de
imprensa em que os dirigentes do Movimento entregavam aos jornalias um quadro comparativo
com o número de assentamentos que o governo alegava ter criado em cada eado da União e os
números que o MST obtinha, que contradiziam ea informação.
Em conversa com um dos repórteres, Eduardo Scolese, alguns meses depois, ele demonrou uma
certa fruração pelo fato de que a denúncia realizada por eles não ter sido repercutida por outros
veículos de comunicação, como a TV Globo, o que, no seu entender, lhe daria maior fôlego.
Assentamentos em debate 141
Agrária Brasileira encontrariam um ambiente de consenso favorável a
ea demanda na mídia, semelhante à poura de defesa intransigente
do conceitode assentamento, e portanto, da eciência do Eado em
cumprir com suas ações fundiárias, presentes nas matérias da
Folha de
S. Paulo do ano anterior. Anal, acabava de ser eleito o representante de
uma força política hioricamente vinculada ao MST e compromissada
com a reforma agrária.
A primeira matéria sobre a pesquisa saiu no jornal O Eado de S.
Paulo, no dia de março de , sob o título Assentados vivem pre-
cariamente. Já no olho”, que separa a manchete do texto, uma frase
para “dourar a pílula”: “Reforma agrária acerta ao diribuir terras, mas
falha na assiência aos assentamentos. A matéria de autoria de Roldão
Arruda apresenta a pesquisa, o contexto em que ela foi feita, sem citar
a reportagem da
Folha, e apresenta suas principais conclusões: foi um
sucesso em termos de rediribuição fundiária, mas a qualidade de vida
nos assentamentos seria preocupante (falta de escolas, energia elétrica,
água potável). No nal da matéria, o jornalia comenta o aeo que
mais chamou a atenção do coordenador da pesquisa, Gerd Sparovek, que
observa o fato de que, apesar de toda a precariedade dos assentamentos,
creditada à falta de eciência na atuação do governo em cumprir com
as medidas necessárias para a implantação do projeto, o levantamento
demonrou que as famílias permaneciam nas áreas, dado que indica
que, por pior que fosse o assentamento, o simples acesso à terra lhes
colocava em um melhor patamar de condição de vida. Na conclusão,
o jornalia aproveita para retomar o o da polêmica que originou a
pesquisa: “Frente à acirrada e azeda polêmica que o governo Fernando
Henrique Cardoso e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST) travaram sobre os erros e acertos do programa de reforma agrária,
a pesquisa conrma e desautoriza armações dos dois lados. Deixa claro
que a reforma agrária não foi tão maravilhosa quanto dizia o governo,
mas também não foi o desare alardeado pelo MST”.
Nota da revisora olhoPequeno texto deacado da matéria. Dicionário de Comunicação.
Rabaça e Barbosa 2002, p.22.
8 O Eado de S. Paulo, 4/03/2003, p. A-4.
142 NEAD Debate 
Apesar dessas informações praticamente inéditas, a matéria sobre
a pesquisa ocupava o meio de uma página, cuja manchete enfocava as
declarações de uma líder do MST durante uma ocupação de terra. As
informações da matéria sobre a pesquisa também não geraram chamada
de capa e sim o conito que havia acabado de surgir na região de Sorocaba
(SP). A matéria de Roldão Arruda foi, no dia seguinte, seguida de outra
que enfocou a falta de organização dos assentados com vias a obter be
-
nefícios coletivos para a produção, tendo sido organizadas cooperativas
em somente  dos projetos (de  a ). A partir daí, os dados da
pesquisa originaram algumas reportagens, mas a maioria delas privile
-
giando o recorte que desqualica a política de reforma agrária do Eado
brasileiro, trazendo à tona a compreensão de que em lugar de latifúndios
improdutivos, haviam surgido “minifúndios improdutivos, e o volume
de recursos públicos (R  mil por família) gaos em sua implantação
não se juicavam, vio que além dee parco retorno, muitos assentados
cam anos a o dependentes de crédito do governo.
Independente do fato de ter gerado matérias favoráveis ou desfavo
-
veis à reforma agrária, o fundamental é que as informações da pesquisa
devem ser vias como um avanço na compreensão da sociedade brasileira
sobre ea demanda tão enraizada na pauta de luta dos trabalhadores
rurais, continuamente deslocados dos projetos econômicos hegemônicos
implantados no país.
C
A tendência de se privilegiar, ou seja, abrir” matérias com os aeos
negativos de uma política voltada para uma reforma da erutura agrária
9 Esse modelo de reforma agrária faz sentido?”, Eado de S. Paulo, 1/08/2003, p. A-10; “FHC
assentou 44% a menos do que disse, Folha de S. Paulo, 13/0/2003, p. A-11; “O Beato Rainha, Veja,
18 de junho de 2003; “O esquema dos sem-terra, 2 de abril de 2004; A lua-de-mel acabou, Veja,
12 de março de 2003.
10 Segundo o Incra, gaa-se cerca de R$ 2 mil por família, índice semelhante ao encontrado pela
equipe do ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, que elaborou o Plano Nacional de
Reforma Agrária para o governo Lula, que é R$ 24 mil por família: R$ 13 mil para terra, R$  mil
para conruir casa e inalações e R$  mil para vioria, assiência técnica, capacitação e uma
pequena infra-erutura.
Assentamentos em debate 143
brasileira ocorre porque a permanência erutural da desigualdade na his-
tória do país, e mais eecicamente, da concentração da propriedade da
terra, é um fenômeno naturalizado e enraizado na formação da sociedade
brasileira, e, portanto, raramente sua representação é problematizada.
Apesar da emergência dos movimentos sociais do campo após a
redemocratização do país, que nada mais do que retomaram o o da
meada que havia sido rompida pelo golpe de , o imaginário social do
brasileiro tem a tendência de acomodar a situação fundiária do país na
categoria dos fenômenos imutáveis, portanto, não sujeito à diuta. Um
dos agentes de conrução do imaginário social do brasileiro, o jornalia,
acaba por reproduzir essa interpretação, fruto das interações sociais
da qual ele faz parte. As palavras, matéria-prima do jornalismo, como
demonra Mikhail Bakhtin, são tecidas a partir de uma multidão de
os ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos
os domínios(Bakhtin, , p. ). São elas também os indicadores
mais sensíveis de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que
deontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram ca
-
minho para siemas ideológicos eruturados(idem). Por outro lado,
como o próprio autor ressalta, no processo de relação social, onde se
produzem os signicados, as palavras são marcadas pelo “horizonte
social” da época e de um grupo social determinado. Logo, apesar de
muitas vezes ter até opiniões favoráveis à reforma da erutura fundiária
brasileira, os prossionais da imprensa possuem ainda, arraigado em
seu imaginário, a concepção da naturalidade desse eado de coisas e
uma tendência a reproduzir categorias de percepção, as tais “eruturas
invisíveis que organizam o percebido, determinando o que se e o
que não se ” (Bourdieu, , p.), que favorecem a manutenção do
monopólio da terra.
Para Cornelius Caoriadis, “o que para cada sociedade forma pro
-
blema em geral (ou surge como tal a um nível dado de eecicação e de
concretização) é inseparável de sua maneira de ser em geral, do sentido
precisamente problemático com que ela invee o mundo e seu lugar nele.
Ou seja, de certo modo, apesar do reconhecimento genérico da necessidade
11 Caoriadis Cornelius, A Inituição Imaginária da Sociedade, 2
a
edição, Editora Paz e Terra, Rio
de Janeiro p.12.
144 NEAD Debate 
de se resgatar a dívida social do país, o fato é que o caminho de conru-
ção de uma initucionalidade dioa efetivamente a resolver a queão
agrária, que seria uma alternativa para isso, é inseparável da conrução
de um imaginário central da sociedade brasileira que veja esse fenômeno
como um problema. Se aas próprias esquerdas e mesmo inteleuais
progressias consideravam que não havia mais problema agrário brasi
-
leiro aa emergência vibrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra, que dirá o reo da sociedade. Como o próprio Caoriadis
explicita, os homens chegam precisamente a resolver esses problemas
reais, na medida em que se apresentam, porque são capazes do imaginá-
rio; e por outro lado, que esses problemas só podem ser problemas,
se conituem como ees problemas que tal época ou tal sociedade se
propõem a resolver, em função de uma imaginária central da época ou
da sociedade considerada”.
É importante levar em conta que os jornalias são conrutores dee
imaginário porque mediadores por excelência, ou seja, no dizer de Michel
Vovelle, são correias de transmissão de uma cultura, um saber”. No caso
eecíco da atividade que desempenham nos meios de comunicação, eles
são exemplos do grupo de mediadores “por função, pois a natureza de
sua atividade os coloca entre o universo dos senhores e dos dominados
(Vovelle, , p.).
Esses eaços virtuais exientes nos meios de comunicação de
massa, onde são deagrados os debates sobre a sociedade brasileira, são
ocupados por uma produção eminentemente simbólica (as matérias
jornalíicas) que reetem e refratam a realidade e podem ser idealmente
tomados como eaços públicosdo debate agrário brasileiro. Para
exiir como demanda política e ser reconhecida pelo Eado e, mesmo,
por membros do grupo com quem eá sendo diutada politicamente,
a reforma agrária reivindicada pelos movimentos sociais do campo tem
que ocupar também ee eaço e não só as terras que têm por alvo em
suas mobilizações.
Em suma, a visibilidade da demanda por reforma agrária e da reoa
política do Eado brasileiro para a queão, em termos de ações concretas
ou de repressão à demanda, depende muito do seu acesso à cena pública
12 Idem.
Assentamentos em debate 145
com as mobilizações e do que é poeriormente descrito nos jornais,
revias de circulação nacional, programas de TV e de rádios do país e,
mais recentemente, em
sites da Internet. A produção midiática sobre os
conitos do campo são inclusive incorporadas dentro de processos judi
-
ciais, e seus textos podem aparecer reproduzidos nas peças de denúncia
dos promotores contra líderes do MST.
O
A ocupação da mídia por parte dos movimentos de sem-terras se evi-
denciou sobretudo a partir da segunda metade dos anos , dada a pre-
sença de um movimento social altamente organizado, como o MST, e o
reconhecimento da pertinência de se eabelecer uma interlocução com
ele por parte do governo Fernando Henrique Cardoso, no início de seu
primeiro mandato. A senha dee reconhecimento – ocorrida em julho
de , quando o então presidente recebeu os líderes do movimento, que
faziam seu III Congresso em Brasília foi logo decodicada pela imprensa,
cujos prossionais encontraram sob aquelas bandeiras vermelhas um
fascinante objeto de pautas jornalíicas.
Entretanto, os prossionais, que trabalham em empresas de proprie
-
dade também altamente concentrada, tendem a reproduzir o senso
comum contrário à atuação dos movimentos sociais e às “invasões
a forma como eles até hoje conseguiram obter alguma política de assen-
tamentos no país.
13 Trabalhei eecicamente com ee fenômeno em minha dissertação de merado que aborda o
processo judicial desencadeado depois do episódio conhecido como conito da Praça da Matriz”,
que ocorreu em Porto Alegre, em 1990. Lerrer, Débora. “Os sons do silêncio da Praça. Dissertação
de Merado, Escola de Comunicação e Artes da USP, 1998.
14 São cerca de sete os principais grupos de comunicação do país comandados por um punhado
de famílias: Organizações Globo (família Marinho), Bandeirantes (família Saad), Grupo Eado
(família Mesquita), Grupo Folha (família Frias), Grupo Abril (família Civita), Grupo RBS (família
Sirotsky), TV SBT (família Abravanel; Sílvio Santos). A TV Record, não eá nas mãos de uma
família e sim da Igreja Universal do Reino de Deus. O Grupo JB (originalmente família Nasci-
mento e Brito, hoje arrendado para Nelson Tanure) e a Gazeta Mercantil (família Levy) também
podem ser colocados dentro dee segmento dada a circulação nacional desses jornais, apesar de
sua fragilidade nanceira.
146 NEAD Debate 
Esse senso comum é crializado porque foi moldado em uma memó-
ria assentada neas eruturas sociais que naturalizaram a concentração
fundiária e bloquearam, durante vários momentos da hiória brasileira,
qualquer tentativa de modicá-la, mesmo porque o desreeitoà pro
-
priedade privada é considerado profundamente ameaçador para a ordem
social. Mas apesar de interpretar os fatos que relatam na linguagem técnica
de sua prossão a partir desse molde, ajudando a crializar e reproduzir
ainda mais ea percepção social conservadora, muitas matérias publica
-
das dentro dea erutura de sentido foram fundamentais para avançar
a compreensão da queão agrária na sociedade brasileira.
É inegável que houve uma grande mudança de percepção social sobre
ee tema, pois a legitimidade de se manter grandes propriedades impro-
dutivas passou a perder terreno, tanto é que os representantes dos setores
ruralias, como o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João Almeida
Sampaio, consideraram que o MST, durante o governo Fernando Henrique,
passou a ter apoio da mídia e da população urbana, que criou uma visão
diorcida do setor rural, de que ele era explorador, ineciente, predador
do meio ambiente e de que não empregava ninguém. Para Sampaio, foi
seguindo todo o apoio da mídia” que o governo Fernando Henrique fez
a maior e talvez uma das piores reformas agrárias do mundo”.
Apesar dea visão do líder ruralia e talvez porque hoje a produção
oriunda de grandes propriedades rurais altamente modernizadas seja a
reonsável pelo saldo da balança comercial da economia brasileira –,
os traços negativos da política agrária do Eado foram de fato os mais
enfatizados nas reportagens que usaram dados da pesquisa de Sparovek,
cando, em geral, a cargo da fala do próprio pesquisador a visão de que
mais do que olhar as exceções, ou seja, os  que abandonam os lotes
de reforma agrária, era importante perceber que a grande maioria per
-
manece nesses locais, praticamente sem qualquer infra-erutura, porque
enfrentaria uma realidade “mais cruel se não tivessem acesso à terra”.
1 Entrevia de João Almeida Sampaio dada à autora para o livro “Reforma agrária: os caminhos
do impasse, Editora Garçoni, São Paulo 2003 pp.13-189.
1 “Incra vai à Juiça para reaver ‘lote de luxo, Eado de S. Paulo, 1 de fevereiro de 2004.
Assentamentos em debate 147
A
Exie uma hioricidade, uma memória que, em geral, é fruto de uma
diuta simbólica e que eá sempre por trás de qualquer processo social
de conrução de sentido, do qual o jornalismo é um exemplo peculiar.
Por ea razão, a própria elaboração do que deve ou não ser considerado
fato jornalíico depende muito do repertório de códigos que serão sele
-
cionados e eruturados dentro da linguagem jornalíica e que vão ser
considerados a explicação mais verossímil e natural para determinados
eventos problemáticos. Essa operação de eruturação e representação de
um fato é feita pelo mediador-jornalia, que a faz baseado em repertório
de imagens e referências sobre o meio rural, quase sempre vinculadas à
visão dominante, dada a experiência de vida desse ator, oriundo geralmente
das camadas médias urbanas. Excluindo-se algumas matérias conjuntu-
rais de jornalias mais experientes no tema, o modo como a cobertura
jornalíica trata a diuta exiente no meio rural brasileiro sobre a legi
-
timidade da concentração fundiária do país é feita de forma fragmentária.
Todos os anos, conforme o calendário agrícola e/ou as datas simbólicas
da luta pela terra que é seguido mais ou menos a risca pelos movi-
mentos sociais para organizar suas mobilizações os jornalias vão aos
locais do fato, descrevem o que viram, passam alguns dias acompanhando
os desdobramentos do episódio, até que surja algo mais sensacional que
acaba subituindo o eaço dado para o retrato dessas lutas nos meios de
comunicação de massa, embora, muitas vezes, a resolução dos conitos
eeja longe de acontecer.
Na prática, ao longo dos últimos anos, o processo social e político
de luta pela reforma agrária tornou-se cotidiano, o que diminui sua
singularidade e, portanto, o apelo noticioso que se cola a ele e o faz ser
reverberado pelos jornais. Evidentemente que a conjuntura política
nacional determina um maior ou menor interesse em repercutir deter-
1 2 de Julho, dia do Trabalhador Rural; maio, época em que ocorre anualmente o Grito da Terra,
em geral organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); 12
de agoo, dia do assassinato de Margarida Alves; e, mais recentemente, 1 de abril, data em que
ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, e que a Via Campesina, uma articulação
mundial de camponeses, deniu como o Dia Internacional de Luta pela Terra.
148 NEAD Debate 
minados fatos promovidos pelos sem-terra, mas, em geral, e apesar dos
conantes riscos de signicação que a envolvem por conta da violência
que lhe é imputada ao queionar o direito de propriedade por meio de
invasões/ocupações –, a luta dos sem-terra já se tornou incorporada no
cotidiano da imprensa sem que isso representasse uma visão mais ou
menos abrangente do que esse processo tem de peculiar e profundamente
transformador para a realidade social brasileira.
É importante comparar ee contexto com alguns momentos de ápice
da visibilidade dea luta, que se inicia em  e vai até , tendo por
fatos marcantes os massacres de sem-terras em Corumbiara (agoo de
) e Eldorado do Carajás (abril de ) e a marcha que o MST fez
a Brasília em abril de . Depois desse período, e reetindo também
a política que o governo Fernando Henrique Cardoso adotou em seu
segundo mandato – a representação dos sem-terra na mídia passou por
uma inexão que terminou por minar a credibilidade do MST dentro do
eaço público midiático. Entre as matérias emblemáticas que caraerizam
esse período de m de namoroda mídia com o MST, eá a série de
reportagens, também publicadas, pelo jornal Folha de S. Paulo, de autoria
de Josias de Souza, centradas nos chamados pedágioscompulsórios que
os assentados tinham que pagar à organização, retirados dos créditos de
produção liberados pelo governo, e a edição da revia
Veja, que trazia
na capa a foto do líder do MST, João Pedro Stédile, sob uma iluminação
vermelha, com o título “A esquerda com raiva”.
Ao considerar esse contexto político initucional é que, em termos
jornalíicos, uma pesquisa de abrangência nacional, que detalha dados
de qualidade de vida de praticamente todos os assentamentos criados
no país desde até  deveria ter se tornado um marco, mesmo
porque veio a público no início do governo Lula, do PT. Se, por um lado,
o retrato, feito por pesquisas de assentamento mais localizadas tenda a
18 Esses créditos, em geral, só coumavam sair depois de mobilizações como ocupações do Incra e
de agências do Banco do Brasil. Eas matérias acarretaram o m do Lumiar, convênio eabelecido
pelo Incra com agrônomos, vinculados em sua maioria aos movimentos sociais para prearem
assiência técnica aos assentamentos.
19 Ea edição de 3 de junho de 1998 foi objeto de processo contra a revia, ganho em primeira
inância por Stédile.
Assentamentos em debate 149
ser mais preciso, até o surgimento da realizada pela USP, havia a lacuna
dea visão nacional detalhada do que resultou ea política implantada
de maneira titubeante pelo Eado brasileiro ao longo das últimas dé-
cadas e, mais concentradamente, nos oito anos do governo Fernando
Henrique. O valor desse retrato macro particular transcende as próprias
conclusões retiradas da pesquisa, simplesmente porque ele deu margem
a outros tipos de pauta, que romperam com o senso comum circular em
torno da reforma agrária, mais centrado no conito e nas mobilizações
do que no processo silencioso e relegado a segundo plano de implanta
-
ção de políticas de atendimento para ea demanda, ou seja, a criação
propriamente dita dos projetos de assentamento.
O eudo, em suma, enfocou um aeo ausente das coumeiras
abordagens da luta pela reforma agrária que, na imprensa, passou a ser
rotineiro e esvaziado, resumido a ocupações, pressões dos trabalha-
dores e fofocas políticas envolvendo movimentos sociais e governo (o
troca-troca de declarações bombáicas que dão margem a alguns dias
de eridência midiática), com o agravante de que, em geral, quando os
holofotes se apagam, as ações do governo também coumam empacar.
É, portanto, nesse ambiente que frutica a desinformação, o eereótipo,
e solidica um imaginário inerte porque não avança na compreensão
do problema, e diancia a sociedade de uma visão mais aprofundada
do tema. É importante salientar que a desinformação tem um papel. Ela
é em si um agente que compõe o imaginário sobre o assunto e atende
aos interesses de determinados grupos sociais contrários a uma política
efetiva de reforma agrária.
Por outro lado, a própria exiência de uma pesquisa desse gênero
contratada pelo Eado, mais precisamente, pelo governo Fernando Hen-
rique Cardoso, que não teve suas ações na área propriamente elogiadas
pelos dados divulgados, sinaliza, retomando as idéias de Caoriadis, que
a maneira de ser” da sociedade brasileira avançou, pelo menos, no imagi
-
nário, na busca pela resolução desse problema, pois houve a ascensão a um
novo patamar de discussão, expresso na própria contratação da pesquisa.
20 Houve um censo de assentamentos feito em 199, mas além de ter problemas metodológicos, ele
não incorporava todo o volume de assentamentos criados a partir de 199, mais de 3.00, que
compõem a grande maioria dos projetos exientes hoje.
150 NEAD Debate 
Além disso, a formulação da pesquisa, o método escolhido e a agilidade
com que ela foi feita demonram a possibilidade de que o Eado, por
meio dos órgãos envolvidos com o tema (Miniério do Desenvolvimento
Agrário, Incra e demais Initutos de Terras dos eados da federação),
venha a incorporá-la como rotina. Com isso, ele terá condições de criar
inrumentos de ação mais precisos nos projetos de assentamento. A
implantação de uma rotina de pesquisa sobre os efeitos da intervenção
do Eado na erutura fundiária brasileira promove uma maior per-
meabilidade frente às demandas de seu público-alvo e uma visão mais
qualicada do processo. Mas, o mais importante é que, sendo o Eado,
ele próprio, imbuído pelas contradições de classe que exiem na socie
-
dade brasileira, o fato de que em um momento ter sido possível nanciar
pesquisas desse tipo (e mesmo criar o Miniério do Desenvolvimento
Agrário), evidencia que passou a ser socialmente mais intolerável manter
a tradicional política agrária vigente na hiória brasileira, baseada na
colonização de áreas remotas, repressão ou a poergação pura e simples
de qualquer medida para alterar a erutura fundiária.
Evidentemente que, se por um lado o Eado brasileiro avançou al
-
guns passos nesse sentido, não é menos verdade que as forças políticas
que sempre bloquearam a reforma agrária no país continuam fortes e
organizadas e muito hábeis no que sempre foi sua eecialidade que é a
chamada “política de corredores, na qual sua pressão pode ser feita, se
não no Executivo e no Legislativo, no Poder Judiciário, onde a maioria das
ações de desapropriações empaca e onde se busca criminalizar a atuação
dos movimentos sociais. Por outro lado, não deve ser desconsiderado
que as precárias situações encontradas nos assentamentos presentes nas
matérias que abordaram a pesquisa ocorreram paralelas ao auge das
exportações de produtos agrícolas em , marcado pelo alto preço
da soja no mercado internacional e que, além de segurarem a economia
brasileira, legitimaram o agronegócio, baseado em grandes propriedades
rurais altamente mecanizadas e com uso intensivo de insumos, em de-
trimento da agricultura familiar dos assentamentos, via, dentro dee
modelo agrícola, como economicamente menos eciente.
Outro aeo que juica a implantação de uma rotina de pesquisa,
além da reoa que ela para a sociedade sobre o resultado desse
Assentamentos em debate 151
inveimento público, é a qualicação do gerenciamento do Eado
sobre sua política agrária. Mesmo tomando como pressupoo que são
os movimentos sociais do campo, em eecial o MST, os atores funda
-
mentais da pressão sobre o Eado para a efetivação e até formulação
de sua política de assentamentos, uma reforma agrária propriamente
dita, em um contexto não-revolucionário como o brasileiro, tem que
ser resultante da ão do Eado e não de um governo que, por sua na-
tureza, é transitório. É o Eado que, apesar de todos os seus problemas
gerenciais, adminirativos e políticos, pode criar políticas perenes e não
paroquiais de intervenção no campo, ou seja, que atenda demandas de
todo o conjunto dos sem-terra e não desse ou daquele movimento social.
É em um Eado ideal e não no nosso, ainda marcado pela tradição
patrimonialia, clientelia e pelos interesses de classe de uma elite alta
-
mente envolvida econômica e ideologicamente com a grande propriedade
rural que se poderia encontrar e se encontram servidores (contratados
via concurso), como o então superintendente do Incra de Alagoas, cujo
discurso explicita ações que são voltadas para a implantação de políticas
públicas e não para o atendimento dos interesses dee ou daquele grupo
social e, mesmo do governo.
Evidentemente que se ea situação ideal não é a mais comum nos
órgãos públicos não porque desiir de que ela venha algum dia a
ocorrer nee processo de mudança de paradigma político e ético pelo
qual a sociedade brasileira passa desde o processo de redemocratização
do país e da emergência de forças sociais cuja notoriedade foi conruída
em torno dessas bandeiras.
Para o Eado brasileiro criar inrumentos perenes e efetivos de política
agrária, uma conjuntura política que lhe informa, dependendo das
forças políticas que ocupam o governo, mas é inegável que as lutas sociais
do campo e a visibilidade que conquiaram na sociedade nos últimos
anos foram conruindo lentamente um consenso de que a reforma agrá-
ria pode ser uma saída. Aliás, o curioso nee país, onde ninguém goa
de assumir-se como de direita, é a diculdade de se encontrar alguém
que não apóie a reforma agrária. O que varia é o sentido que cada grupo
social dá a essa expressão.
152 NEAD Debate 
O inexplicável nee contexto todo é que os jornalias, os mediadores
e catalizadores dos processos políticos e da conrução de um imaginá-
rio social sobre o tema ainda, em sua maioria, produzam sentidos que
reetem mais a visão desqualicadora dee processo do que o contrário,
demonrando que a sociedade eá mais à frente do que é captado pelas
antenasdees prossionais, sem desconsiderar, é claro, a pressão que
eles eventualmente devem sofrer dentro das empresas onde trabalham
para reproduzir essa visão.
Mas, é exatamente nee sentido que uma pesquisa de caráter nacional
poderia ter o papel de qualicar melhor o debate público conruído pelo
jornalismo nos meios de comunicação em torno da queão agrária bra-
sileira. Para tanto, parto do conceito formulado por Adelmo Genro Filho
de que o jornalismo é uma forma social de conhecimento crializada
na singularidade, ou seja, a partir daquilo que é mais peculiar, eranho
ou diferente. Evidentemente que o que ee conhecimento considera
singular é produto de uma inexão ideológica modelada de acordo com
a visão dos intermediários dea mensagem, os mediadores, jornalias e
editores e os veículos de comunicação de massa. Ou seja, a visão do que é
um fato singular, cuja peculiaridade o faz tornar-se uma notícia depende
do ponto de via, da visão de mundo dos mediadores reonsáveis pela
reconrução desse fato na linguagem jornalíica.
Logo, o posicionamento ético e político sobre a realidade brasileira
desses jornalias e editores é fundamental na escolha dos fatos que serão
classicados como jornalíicos e nem sempre são resultado da pressão
dos donos dos grupos de comunicação. O jornalia reverbera muitas
vezes os, digamos, “humoresque eão na superfície da sociedade. Sendo
uma ciência social aplicada, a tendência desses mediadores é reproduzir
nos jornais o resultado de uma conexão com a realidade, com o mundo
dos fatos, por intermédio da singularidade. O lugar comum, portanto,
é sempre evitado, mesmo porque é dessa maneira que os prossionais
conseguem vencer a diuta entre seus colegas repórteres para ocupar o
escasso eaço exiente nas páginas de jornais e revias ou na progra
-
mação de TV e de rádio.
Nesse sentido, quando aparece uma pesquisa de caráter nacional, com
métodos e procedimentos explicitados de forma clara, uma de suas prin-
Assentamentos em debate 153
cipais vantagens é que ela reduz a margem de manobra para a conrução
de matérias que queiram generalizar aeos ruins da política de reforma
agrária implantada pelo Eado brasileiro. Em tese, o repórter não pode
mais ir a um assentamento “lascado, onde as famílias ainda vivem em
situações precárias, a produção é baixa e há signicativa evasão de lotes,
como pode ser encontrado nos assentamentos exientes na região Norte,
sem mencionar que os dados da pesquisa explicitam que essa situação
tende a ser caraeríica daquela região, onde, por sinal, a precariedade
tem que ser creditada ao próprio Eado, que deixa de cumprir grande
parte de suas atribuições, como dotação de crédito de inalação, habita
-
ção, produção, ou mesmo implantação de escolas e poos de saúde. Por
outro lado, os dados também ajudam a relativizar uma matéria sobre
um assentamento bem-sucedido, como alguns exientes na região Sul,
que também não podem mais ser considerados exemplos nacionais
caraeríicos dessa política. É, aliás, uma das grandes contribuições da
pesquisa, a fotograa detalhada da enorme diaridade exiente entre as
regiões brasileiras, apontando a necessidade de se desenvolverem receitas
de reforma agrária mais adaptadas às realidades locais.
Em suma, apesar da riqueza de interpretações possíveis sobre os
dados da pesquisa, que deveriam ter sido reverberados com muito mais
impao nos meios de comunicação de massa, é importante deacar
que a maioria das matérias que abordaram a pesquisa singularizou a
precariedade dos assentamentos criados, a ineciência do Eado (que,
no entanto, ainda eá efetivamente desaparelhado para lidar com esse
problema), a improdutividade dos lotes ou o péssimo hábito dos assen
-
tados de abandoná-los ou vendê-los. Ou seja, muito mais do que auxiliar
no aumento da compreensão da sociedade brasileira e mesmo contribuir
para a conrução de consensos sobre medidas que venham a aplacar a
profunda desigualdade social do país, essas matérias reproduzem as for
-
ças hegemônicas da sociedade – altamente vinculadas com os interesses
da grande propriedade rural associadas a uma leitura descolada da
realidade das populações pobres do campo, de suas necessidades e de
suas pereivas limitadíssimas de ascensão social. Desse modo, salvo
154 NEAD Debate 
honrosas exceções, boa parte da produção jornalíica brasileira colabora
para a manutenção de um imaginário social impotente diante das raízes
seculares da desigualdade social, centrada na concentração fundiária, o
que em face da abundância de terras férteis e ociosas exientes no país,
deveria soar como um enorme absurdo. 
B
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21 Edição da revia Carta Capital, de 28 de abril de 2004, que aborda o resultado da pesquisa realizada
por uma equipe coordenada por pesquisadores em regiões de concentração de assentamentos,
publicada no livro “Impaos dos assentamentos: um eudo sobre o meio rural brasileiro, de
Sérgio Leite, Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, Moacir Palmeira e Rosângela Cintrão (coord.),
Incra/NEAD/MDA/Une, Brasília, 2004.
Pesquisa agropecuária
e reforma agrária
Contribuição para a análise da
qualidade d os assentamentos
José Carlos Costa Gomes
Doutor em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa – Clima Temperado).
2.7
156 NEAD Debate 
I
O
texto aborda alguns aeos sobre a qualidade de assentamentos
de reforma agrária na pereiva da pesquisa agropecuária que
pretende ser um dos pilares dea qualidade. A abordagem inclui perec-
tivas metodológicas e tecnológicas. O conteúdo é produto da experiência
no tema e da visão particular de que a pesquisa agropecuária ainda tem
muito a contribuir para a qualidade da reforma agrária.
C
A grande contribuição que o texto oferece para a ótica do viés de análise
que represento, a pesquisa agropecuária, foi a de morar a complexidade
que exie no tratamento de temas também complexos como é a própria
reforma agrária. Tema, assim, num país com a dimensão do Brasil, não
pode ser vio de forma linear. Esse é um ponto que afeta diretamente
pesquisa agropecuária e a produção do conhecimento cientíco.
O texto também pode contribuir para a (re)denição de políticas
públicas, já que torna evidente a urgente necessidade de transversaliza-
ção da ação das diversas agências do Eado para que públicos como os
assentados da reforma agrária possam ser beneciários dessas políticas.
A ação integrada de órgãos como o Inituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), o Inituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de miniérios como o de Minas
e Energia (MME), do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Agricultura,
Pecuária e Abaecimento (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA), entre
Assentamentos em debate 157
outros, poderia contribuir para a solução de muitos dos problemas hoje
enfrentados pelos agricultores familiares, eecialmente nos assentamentos
rurais da reforma agrária.
Eecicamente para a pesquisa agropecuária, o texto evidencia o
muito que ainda por fazer na produção de conhecimento cientíco
para a viabilização de siemas de produção mais suentáveis, incluindo
as queões ambientais, da inclusão social, da segurança alimentar, da
geração de emprego e renda, da agricultura orgânica e da agroecologia,
por exemplo. Nee sentido, a formatação de um macroprograma de
pesquisa eecíco para a agricultura familiar, iniciado pela Embrapa
em , com certeza vai possibilitar que esse tema receba tratamento
diferenciado em relação ao que tem ocorrido hioricamente, inclusive
com a alocação de recursos humanos e nanceiros eecícos.
C
No que tange a metodologia aplicada na pesquisa em análise, em primeiro
lugar, cabe deacar que as falhas eão apontadas no próprio texto. Por
exemplo, na página , ao tratar dos índices de qualidade de vida: os
métodos adotados na análise dos dados dea pesquisa não permitem
eabelecer relações de dependência ou de causa e efeito de forma muito
eciente. Ou na página , quando analisa índice de qualidade do meio
ambiente, relativo a Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva
Legal (RL): como a metodologia da pesquisa não permitiu avaliar se
as APPs e RLs eavam degradadas na época de criação dos projetos,
surgem novamente duas possibilidades....
Ou ainda na página , ao avaliar o mesmo índice agora no que toca
à erosão:
Outras formas de erosão, como a erosão laminar, que podem ear ocorrendo
de maneira menos perceptível, mas contribuindo signicativamente para a
degradação ambiental e comprometendo a produção num prazo maior, não
foram incluídas na formulação da queão. Ee viés da queão da erosão não
foi negligenciado na elaboração do queionário, mas foi suprimido por ser de
158 NEAD Debate 
difícil percepção e quanticação no tipo de entrevia adotado para a conituição
do banco de dados da pesquisa.
Ou ainda quando da análise da renda nos assentamentos, na página :
a entrevia, sendo feita para a totalidade do projeto, decorrência da eratégia
metodológica adotada na pesquisa, fez com que na renda, diferentemente dos
outros temas, seja eerada signicativa perda de precisão e exatidão numérica
nas reoas.
O fato de apontar as falhas metodológicas no próprio texto ajuda a
enriquecê-lo, ainda mais na pereiva de novos eudos, pois, como dizia
Mario Bunge, o pesquisador competente qualica o método, recriando-
o; jamais ocorrerá o inverso: o bom método nunca vai transformar o
pesquisador medíocre num sábio pela correta aplicação das melhores
técnicas e inrumentos de pesquisa.
Do ponto de via da pesquisa agropecuária, mais eecicamente, o
texto não apresenta muitos detalhes sobre os formatos tecnológicos ou
as opções tecnológicas adotadas nos assentamentos, o que ajudaria na
denição de projetos mais eecícos para a consolidação do tema da
suentabilidade em suas várias dimensões.
Também no que toca à queão ambiental, a opção metodológica
de avaliar erosão, sem eudar o hiórico das áreas, por exemplo, não
permite aferir a complexa realidade ambiental dos assentamentos, o que
aliás também é reconhecido no texto (p. ). Io também ocorreu no que
afeta a “biodiversidade, na mesma página. Ainda há que considerar que
para determinadas regiões ou eratégias dos assentados, o item “acesso
a tratorespossa não ser um bom indicador para qualidade de vida (p. ).
Esse pode ser um indicador para patrimônio, mas para processos de
produção que deveriam ser intensivos em mão-de-obra ou que podem
ear localizados em áreas com potencial para outro eilo de agricultura
que não o mecanizado. Assim, o índice não tem o menor signicado.
E como última anotação, na página , no que toca ao índice de ecá-
cia da reorganização fundiária (IF), parece pretensioso avaliar o sucesso
da intervenção do governo em alterar a erutura fundiáriaapenas pelo
Assentamentos em debate 159
cumprimento do potencial de ocupação da área dos assentamentos. Esse
indicador reete tão somente a situação interna dos assentamentos não
tendo a menor expressão como indicador para reorganização fundiária.
C
Ainda que o eudo tenha pretendido uma certa completude analítica,
o tema da tecnologia adequada para os assentamentos, considerando
a multiplicidade de propósitos e a diversidade exiente no âmbito da
agricultura familiar brasileira, eecialmente a da reforma agrária, foi
escassamente abordado. Outro eudo talvez deva contemplar as dife-
rentes eratégias tecnológicas nos diferentes momentos da vida de um
assentamento. Ainda que o tema da suentabilidade dos siemas de
produção seja relativamente recente no âmbito dos movimentos sociais
ligados diretamente à reforma agrária, como é o caso eecíco do MST,
a necessidade de trabalhar na produção de ciência e tecnologia que
consolide ees eilosde agricultura vem tendo importância crescente
nos últimos anos e apresenta-se como um grande desao não só para a
pesquisa agropecuária como para todas as entidades ligadas à agricultura,
em geral, e à agricultura familiar, eecicamente.
P
O foco da análise do livro
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira eá centrado na interface da temática reforma agrária
com a pesquisa agropecuária e na sua tarefa de produção, adaptação e
transferência de tecnologia e conhecimento cientíco.
O primeiro ponto selecionado para ea análise é a falsa contradição
entre agricultura familiar e agricultura patronal, ou mais precisamente
agronegócio, termo que eá na moda, e ainda sobre o que é desenvol
-
vimento. Na página , eá escrito:
160 NEAD Debate 
“Nee sentido, sabe-se que nada impede que uma exploração familiar tenha alto
índice tecnológico e que uma grande exploração utilize tecnologia ultrapassada
e degrade os recursos naturais. O debate travado em vários países e, inclusive,
no Brasil, se em torno da capacidade da agricultura baseada na mão-de-obra
familiar incorporar tecnologia de tal sorte a suportar adequadamente as deman-
das colocadas pelo processo de desenvolvimento. Em contrapartida, há autores
que acreditam que a exploração agrícola, para ser eciente, deve basear-se em
grandes unidades de produção e na economia de escala.
A intensicação tecnológica levada a cabo pelos agricultores fami-
liares quando do início do processo de modernização da agricultura
brasileira foi, exatamente ela, uma das reonsáveis pela exclusão de um
grande número desses agricultores, que mais tarde viriam a formar o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), juamente o
principal público-alvo da reforma agrária. Então, assumir que o processo
de desenvolvimento se pela incorporação tecnológica, sem sequer
discutir que eilo de tecnologia e em que situação, pode representar a
reedição do equívoco.
Io não se aplica somente aos pequenos agricultores, haja via
que também a agricultura empresarial, em alguns casos, foi vítima da
“intensicação tecnológicaimpoa pelas demandas do processo de
desenvolvimento. São notórios e baante documentados os casos de
agricultores empresariais que não puderam quitar as dívidas contraídas
com o siema bancário, chegando até mesmo à penhora de seus equipa
-
mentos e eabelecimentos. Ademais, a incorporação tecnológica pode
apenas aumentar o grau de dependência dos agricultores a insumos
externos a seus eabelecimentos, à região ou até mesmo ao país. Esse é
um tema candente para a pesquisa agropecuária.
A ação plural que permita que tanto a agricultura empresarial quanto a
familiar possam se apropriar do conhecimento cientíco, como a geração
de conhecimentos cientícos e de tecnologias que diminuam a depen-
dência a insumos externos, deve merecer a atenção da pesquisa pública
brasileira. Para o caso eecíco da pesquisa agropecuária direcionada
à agricultura familiar, incluída a da reforma agrária, a busca de formatos
tecnológicos e de matriz produtiva que garantam a segurança alimentar
Assentamentos em debate 161
nos primeiros momentos do assentamento é um tema de primeira ordem,
o que exige projetos eecícos de pesquisa e desenvolvimento. Mas não
baa a segurança alimentar, também é necessário trabalhar para a geração
de renda numa pereiva temporal do curto ao longo prazo. O que cabe
ressaltar é que o desenvolvimento suentável no âmbito do assentamento
começa com a segurança alimentar, mas deve também ser planejado para
a incorporação ao mercado, com a menor dependência possível, mas sem
a pretensão a um desenvolvimento puramente autárquico.
Para as unidades de pesquisa da Embrapa, o desao seria eabelecer
ações de parceria com as agências públicas que atuam na reforma agrária,
utilizando como ponto de partida a visão do eaço territorial. Ações de
desenvolvimento com essa concepção teriam impaos imediatos na
qualidade dos assentamentos, dado o grande eoque de tecnologias ge
-
radas ou adaptadas prontas para o uso, mas que sequer chegou até eles.
Outro ponto para análise é o que trata da exploração da área útil. Na
página , eá regirado:
A não exploração de toda a área útil dos projetos pode ser decorrente de diversos
fatores: a) diculdade de acesso ao montante de créditos e benefícios necessários
para a efetiva exploração de toda a área; b) inclusão de áreas inaptas à exploração
agrícola na área útil do projeto; c) concessão de área maior que a dionibili-
dade de mão-de-obra das famílias; e d) implantação por parte das famílias de
siemas de produção mais intensivos do que os previos, prescindindo assim
de extensões menores de terra.
Esse é um tema complexo que depende também de outros fatores, como
o objetivo das famílias, a proximidade aos mercados de insumos e compra-
dor, dionibilidade de assiência técnica e de tecnologia, conhecimento
sobre o agroecossiema onde ocorre o assentamento, entre outros.
Em eudos futuros, a avaliação sobre área exploradapoderia ser
relacionada com outros dois itens analisados no texto: índice de articu-
lação de organização social (IS) e índice de ação operacional (AO), es
-
pecicamente no que toca ao obrigatório Plano de Desenvolvimento dos
Assentamentos (PDA). É que esses índices, se recebessem mais atenção e
fossem tratados antes da inalação do assentamento, poderiam ajudar a
162 NEAD Debate 
resolver muitos problemas ano que toca a área explorada. A articulação
e a organização não deveriam visar somente à busca de benefícios sociais
e serviços, mas também à denição prévia do compromisso e do papel
de agências públicas que têm interface com a reforma agrária, como é
o caso da pesquisa agropecuária e da assiência técnica, que poderiam,
de imediato, contribuir com diversas queões, inclusive com a denição
da melhor opção tecnológica para o assentamento, o que determinaria
a própria área a ser explorada e sua melhor utilização, por exemplo. Já
o PDA poderia ser realizado antes do próprio assentamento e não de-
pois, correndo o risco de uma boa intenção ser transformada em mera
formalidade. Necessário salientar que ea observação eá orientada ao
futuro e na pereiva do viés de análise da pesquisa agropecuária, não
eando rerita à análise do texto em si.
Uma experiência inovadora ocorreu no Rio Grande do Sul, no marco
de um convênio entre a Embrapa Clima Temperado e o Incra, por meio
da superintendência eadual. Nee caso, se trabalhou na conrução
de uma “câmara técnica, formada por representantes de universidades,
da Emater/RS, da Embrapa e do próprio Incra. Um dos problemas
enfrentados na reforma agrária é o baixo eoque de terras dioníveis,
até como reexo do bom momento da agricultura e do agronegócio no
Brasil. As melhores terras eão praticamente indioníveis nas regiões
mais desenvolvidas, o que é regirado no texto, comprometendo ainda
mais a política de reforma agrária.
O objetivo da câmara técnica foi o de avaliar a possibilidade de implan-
tação de outro eilode assentamento a partir de uma matriz produtiva
diferente e de outro formato tecnológico, baseado na agroecologia, em área
a princípio considerada imprópria para assentamento para um eilo de
agricultura convencional” e que havia sido ofertada para ns de reforma
agrária. Para o caso eecíco, foi montada uma propoa que contempla
atividades complementares entre si, considerando aptidão e capacidade
de uso do solo, aproveitamento de áreas consideradas impprias para
agricultura convencional com reoreamento, fruticultura, rizipisci-
cultura, apicultura, entre outras. Para consolidar um assentamento com
essas caraeríicas, deve ser realizado um trabalho prévio na seleção
de famílias com aptidão e vontade de enfrentar tal desao. Ou seja, se a
Assentamentos em debate 163
denição do planejamento eratégico do assentamento for realizada antes
e não depois de sua inalação, muitos dos problemas de uso inadequado
de áreas, da adoção de formatos tecnológicos insuentáveis ou da opção
por determinados siemas de produção inadequados ou incompatíveis
com o agroecossiema poderiam ser evitados.
Hoje o que se observa em determinadas regiões, como na metade sul
do Rio Grande do Sul, é que depois de quase  anos de inalação dos
primeiros assentamentos muitos agricultores ainda não encontraram
uma propoa ou arranjo produtivo que lhes garanta a tão almejada
suentabilidade.
Um outro aeo digno de observação é o que se refere ao índice
de qualidade do meio ambiente (QA), quando aponta que os maiores
índices foram regirados nos assentamentos novos, dando margem a
duas interpretações:
a) a qualidade do meio ambiente diminui com o desenvolvimento do projeto e
com a intensicação dos siemas de produção ou b) as atitudes conservacionias
têm sido intensicadas em tempos mais recentes” (p.).
Para a análise do ponto de via da pesquisa agropecuária, não im-
porta a conclusão. A manutenção da capacidade produtiva dos recursos
naturais, do meio ambiente em si, é uma condição intrínseca à própria
suentabilidade da relação da sociedade com a natureza, ou seja, da
possibilidade da continuidade da vida sobre a Terra. O aumento do re-
conhecimento dessa necessidade é o que faz a intensicação das atitudes
conservacionias.
Se por um lado as duas possibilidades são concretas, também ambas
merecem ações eecícas da pesquisa agropecuária. O que importa,
no caso, é a evidente necessidade de que esse tema seja denitivamente
incorporado ao rol dos projetos e programas de pesquisa e desenvolvi
-
mento de forma geral e não somente naquela mais direcionada à reforma
agrária. A busca da base cientíca para a consolidação dos formatos tec-
nológicos que garantam a suentabilidade no uso dos recursos naturais é
uma tarefa urgente para todos os que têm qualquer tipo de relação com a
agricultura, o eaço rural e o seu desenvolvimento. Nesse caso também
164 NEAD Debate 
a visão do desenvolvimento com foco no eaço territorial poderá vir a
ser um bom inrumento de trabalho, inclusive porque os indicadores
de suentabilidade para os assentamentos devem incluir aeos eco
-
nômicos, tecnológicos, ambientais, sociais e culturais e essas dimensões
não têm padrão linear, variando para cada eaço geográco.
Outra queão relevante para a qualidade dos assentamentos é a da
biodiversidade. O texto regira que mesmo para um dos componentes
do índice qualidade ambiental, as APP:
“boa parte das áreas deinadas à preservação ambiental não eão com cobertura
oríica natural ou recuperada, ou podem ear sendo cultivadas. As regiões
Sul e Sudee sofreram um processo intenso e contínuo de retirada da cobertura
oreal natural para implantação da agricultura, tendo sido mantidos apenas
pequena parte da Mata Atlântica e fragmentos de orea nativa, diversos deles
transformados em parques (p.).
Isso é resultado, ainda segundo o texto, da maior conscientização
quanto à relevância da preservação dessas áreas oriunda da sociedade, de
organizações não-governamentais e do poder público, incluindo órgãos
de scalização. Mas o texto também aponta:
a carência de informação quanto à importância da recomposição oreal para
preservação e recuperação da biodiversidade, e de assiência técnica voltada
a esse objetivo, também são fatores que podem ear associados à escassez de
iniciativas nessa direção. A situação de urgência em que se encontram as famí-
lias que eão sendo assentadas no que diz reeito à necessidade de produção,
comercialização e/ou beneciamento dos produtos agrícolas, parece deixar em
segundo plano a preocupação com a qualidade ambiental dos assentamentos. As
ações exientes têm caráter isolado e desvinculado de programas initucionais
mais contundentes” (p.).
Um primeiro aeo importante a levantar é o da possibilidade real
de que em muitos casos os assentados eejam tentando a implantação de
eilos de agricultura convencional, ou seja, baseado no mesmo modelo
que ajudou a expulsá-los do campo. Outras vezes, a tendência natural é
Assentamentos em debate 165
a de trabalhar a partir de modelos conhecidos. Io ocorreu na metade
sul do Rio Grande do Sul, onde os assentados ainda têm diculdade de
obter resultados satisfatórios com culturas que faziam parte da tradição
de cultivo em suas regiões de origem e das suas próprias hiórias de vida,
como é o caso da mandioca ou da soja. Como as condições e aptidões
do agroecossiema são diferentes, os resultados negativos aconteceram,
gerando decepção e até mesmo abandono do assentamento. Outra
queão é relativa ao início de atividades sem um planejamento, o que já
foi comentado para o caso do PDA e que poderia ser equacionado pela
realização do planejamento prévio.
Mas ainda exie uma queão de fundo que é a falta de conhecimento e
de tecnologia para fazer frente ao problema da preservação e recuperação
da biodiversidade e não se trata apenas da biodiversidade natural, repre-
sentada pelos remanescentes de Mata Atlântica ou outras formações, mas
também da agrobiodiversidade. Atualmente exiem muitas variedades,
cultivares e até mesmo eécies ameaçadas de desaparecer. A pressão pelo
uso de materiais híbridos, por exemplo, coloca em perigo as variedades
tradicionais de milho e de cucurbitáceas. Outros materiais em perigo são
os feijões, as hortaliças, as frutas nativas, além de eécies oreais e até
mesmo algumas eécies animais, como é o caso das ovelhas crioulas,
hoje objeto de pesquisa na Embrapa Pecuária Sul.
Ainda rea muito a fazer nesses campos, inclusive na pesquisa de
siemas mios de produção, explorando a integração planta-animal ou
na formatação de siemas agrooreais e agrosilvopaoris adaptados
aos diferentes agroecossiemas. Os princípios da agroecologia como
base cientíca para a consolidação desses formatos tecnológicos têm
sido utilizados de forma ainda muito tímida pela pesquisa agropecuária
ocial e esse é um grande desao e uma grande oportunidade.
De forma sintética, a leitura do texto A Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira sob a ótica da interface do tema central com a
pesquisa agropecria, suscitou uma série de queões. Muitos dos aeos
selecionados, senão a maioria, o foi pela visão particular do analia. De
qualquer sorte, cabe salientar que as críticas ou sugeões aqui levanta-
das fazem parte da contextualização de algumas alternativas elencadas
juamente na pereiva de contribuir para resolver alguns problemas
166 NEAD Debate 
identicados pelos autores e com o objetivo principal de melhorar a qua-
lidade das poticas blicas brasileiras, incluindo a de reforma agrária.
Tratando-se de políticas públicas, a primeira grande queão é referente
à ação multiinitucional, o que requer um processo de transversalização
que abranja a todas as agências que atuam nos mesmos temas. Vários
miniérios e muitas inituições públicas do Eado e da sociedade têm
na reforma agrária a interface para seus trabalhos. Ocorre que hiori
-
camente cada um ou cada uma tem tentado cumprir seu papel de forma
isolada, resultando em ação desconexa e perda de energia, para não falar
de pulverização de recursos.
Outra queão pertinente é relativa à pluralidade da ão initucio
-
nal em favor de diintos públicos. Io se aplica mais a própria pesquisa
agropecuária do que às inituições que atuam diretamente na reforma
agrária. É que nos últimos tempos se levantou um falso dilema como se
o trabalho de pesquisa e desenvolvimento, de ciência e tecnologia para
a agricultura familiar fosse excludente do trabalho com tecnologia de
ponta, na busca da vanguarda do conhecimento cientíco, ou até mesmo
resultasse no abandono da busca de soluções tecnológicas para a agri-
cultura empresarial ou para o agronegócio. Exie eaço e capacidade
inalada para várias ações complementares e isso é tarefa das inituições
públicas do Eado. Muitas vezes, simples ações de desenvolvimento,
articulando os diversos órgãos e partindo de conhecimentos e eoques
tecnológicos exientes, é suciente para se promover um grande di
-
ferencial em apoio a públicos que hioricamente pouco ou quase nada
se têm beneciado das políticas públicas. Tanto a ação transversal como
o pluralismo initucional serão mais ecientes e ecazes se o foco for
o território como unidade de referência para a busca de modelos de
desenvolvimento suentável.
Alguns pontos mais eecícos também eão no texto e merecem
reexão a partir do viés de análise da pesquisa agropecuária. A segurança
alimentar e a geração de emprego e renda são temas que garantem a sus-
tentabilidade ou a qualidade dos assentamentos, mas que também carecem
de ações eecícas da pesquisa agropecuária. E para que esses itens sejam
equacionados os projetos e programas de pesquisa e desenvolvimento
necessariamente terão de abordar outros que lhe são correlatos, como é
Assentamentos em debate 167
o caso do manejo e preservação da agrobiodiversidade, da diminuição da
dependência a insumos externos, da busca da qualidade e da segurança
ambiental e do desenho de siemas agrooreais ou agrosilvopaoris.
Esses novos formatos tecnológicos devem levar a denição de nova
matriz produtiva, e para que isso seja possível os princípios cientícos da
agroecologia poderão vir a ser importantes aliados. Se todo esse arcabou-
ço de idéias contribuir para a melhoria da qualidade dos assentamentos,
para a obtenção ou alcance da dignidade e da cidadania no âmbito da
reforma agrária e da agricultura familiar brasileira, se poderá dizer que
as inituições públicas que atuam no setor earão nalmente cumprindo
com o seu papel.
Reforma agrária e programas
de assentamentos rurais
o dilema atual da questão
agrária brasileira
Lauro Mattei
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professor-adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Endereço eletrônico: matt[email protected]
2.8
Assentamentos em debate 169
I
O
debate sobre a queão agrária brasileira eá intimamente ligado
ao processo hiórico de colonização do país. Desde o período das
capitanias hereditárias, passando pelos diversos ciclos econômicos (açú
-
car, mineração, borracha, pecuária e café) até os dias atuais, a queão da
posse da terra eeve presente no cenário político nacional.
Esse quadro, no entanto, foi fortemente agravado no período do Pós-
Guerra quando se adotou a política de “modernizaçãoda agricultura
brasileira, processo ee que causou profundas transformações na esfera
da produção agropecuária, mas que também trouxe sérias conseqüências
ambientais e sociais, devido à enorme mobilidade populacional ocorrida
no país nas últimas décadas do século passado.
Hioricamente, exiem três momentos em que o papel da terra foi
decisivo na conformação da sociedade brasileira: em , quando foi
regularizado, pela Lei das Terras, o acesso privado às terras, impedindo
que parte da população trabalhadora rural também tivesse esse direito.
O segundo momento ocorreu nas décadas de  e , quando o
movimento tenentia queionou o latifúndio improdutivo e iniciou os
primeiros debates sobre a necessidade de reformar a erutura agrária
do país. a terceira fase iniciou-se nos anos do Pós-Guerra, quando
apareceram as Ligas Camponesas e, mais recentemente, quando surgiu
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), movimentos
que transformaram o campesinato em um dos atores sociais mais rele
-
vantes do país, ao indicarem a reforma agrária como um dos principais
inrumentos de luta para transformar a sociedade brasileira.
Nesse novo cenário, o tema da reforma agrária ganhou dimensão na
-
cional e passou a fazer parte, inclusive, da agenda dos governos centrais.
170 NEAD Debate 
No regime ditatorial (-), entretanto, os governos militares não
tinham como objetivo implementar programas massivos de diribuição de
terras, limitando-se, apenas, a implantar os fracassados projetos deColo-
nização Agrícola, cuja eratégia era mais de segurança nacional (ocupar
todas as fronteiras do país), do que propriamente a implementação de
programas que efetivamente reformulassem a erutura agrária brasileira.
Com o m do regime militar e início do processo de redemocratização
do país a partir de , o tema da reforma agrária reapareceu na agenda
blica com grande deaque. De fato, durante o período conhecido
como Nova República (-), a queão agrária eeve quase sempre
no centro do debate político do país. Contribuíram para isso, de forma
decisiva, alguns fatores importantes. Por um lado, os movimentos sociais
organizados, tanto a favor da reforma agrária – caso do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) – como os contrários – caso da
União Democrática Ruralia (UDR) e das grandes cooperativas agrope
-
cuárias alimentavam continuamente o debate que, em muitas situações,
caminhou para confrontos de enormes proporções. Por outro lado, do
ponto de via initucional, a elaboração da nova Conituição do país
(-), aliada à promulgação do I Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA), manteve viva parte das contradições da sociedade brasileira, as
quais ganhavam grande expressão por meio dos segmentos sociais agrários.
Assim, nas últimas cadas, criou-se na sociedade brasileira uma
expeativa muito favorável em relação à realização da reforma agrária,
uma vez que ea passou a ser considerada um dos elementos centrais
do processo de redemocratização do país. Nea lógica, a reforma agrária
não é somente uma queão econômica (aumentar a produção agrícola
e gerar empregos), mas social e política. Para tanto, a queão agrária
brasileira só será passível de solução mediante a integração de esforços
entre as várias esferas de governos e o envolvimento e a participação
efetiva de toda a sociedade brasileira.
É nesse contexto que a obra
A Qualidade dos Assentamentos da Refor-
ma Agrária Brasileira, organizada por Gerd Sparovek, deve ser discutida.
Visando atender às solicitações para a continuidade do debate sobre a
pesquisa coordenada por Sparovek, apresentaremos algumas opiniões
sobre o trabalho, sempre com o intuito de contribuir para o avanço do
Assentamentos em debate 171
processo de reforma agrária do país, inrumento que considero indien-
sável para combater as desigualdades sociais e conruir uma sociedade
mais jua e democrática.
B
Ao longo da década de , e eecialmente durante os mandatos do
governo FHC (-), o debate sobre a reforma agrária, embora ex
-
trememente denso, cou fortemente limitado ao horizonte quantitativo,
resumindo-se quase sempre ao número de famílias assentadas e ao volume
de área de terras desapropriadas. Em grande medida, essa tendência foi
moldada pelo governo federal que disseminava para a sociedade a idéia de
que, no Brasil, earia sendo feita a maior reforma agrária do mundo. Para
tanto, eram apresentados cotidianamente números sobre os dois quesitos
acima, sem qualquer qualicação do processo de reforma agrária.
Nesse sentido, a pesquisa realizada no segundo semere do ano de
 se coloca como uma alternativa aos parâmetros do debate que vinha
sendo travado no país, uma vez que apontou caminhos que podem quali-
car melhor a discussão sobre a reforma agrária brasileira. Sem ignorar a
importância dos indicadores quantitativos, cujos regiros são bem mais
abundantes nas esferas governamentais, o eudo procurou moldar um
conjunto de indicadores capaz de elucidar os caminhos e descaminhos
que o processo de reforma agrária vem trilhando no país.
Assim, avalio que a maior contribuição do eudo foi a siematização
de diversas informações sobre os projetos de assentamentos realizados
entre  e , procurando fugir da prática comum que é morar o
número de famílias assentadas em cada período. Para tanto, o eudo
focalizou suas atenções, entre outros itens, na melhoria das condições de
vida dos beneciários da reforma agrária, tendo em via a inexiência
de informações agregadas nacionalmente sobre a eciência das ações
governamentais nea área, bem como sobre os impaos das mesmas
na erutura fundiária do país.
Nea lógica, foram siematizadas as opiniões de representantes de órgãos
governamentais envolvidos diretamente com a execução da reforma agrária,
172 NEAD Debate 
além dos beneciários desse processo e de suas inâncias de representação,
sempre com a preocupação de apresentar indicadores qualitativos que
rearmem a importância da reforma agrária no cenário político nacional.
De modo geral, pode-se dizer que a pesquisa acabou tendo um caráter
quase censitário, não somente pela sua área de abrangência, mas também
pelo elevado número de variáveis incorporadas aos modelos analíticos.
Para tanto, conruiu-se diversos índices que procuram, por um lado, captar
os efeitos da intervenção governamental nos projetos de assentamento
de trabalhadores rurais e, por outro, denir critérios de comparabilidade
da qualidade da reforma agrária em todo o país.
Sem dúvida, essa é a principal contribuição do eudo porque ele
avança por um caminho até então ainda pouco explorado pela literatura
eecializada. Porém, como todo processo que procura inovar eá su
-
jeito a alguns percalços, o eudo em apreço também apresenta algumas
inquietudes que goaríamos de ressaltar em nossos comentários, com
a intenção de auxiliar no aprimoramento de um processo analítico que
tenha como objetivo aprofundar o conhecimento de aeos cruciais
dos programas de reforma agrária ainda pouco eudados.
Diante da dimensão do eudo e dos desaos inerentes ao tratamen
-
to da queão agrária, é de nosso interesse maior discutir aeos que
poderão ser melhor trabalhados em eudos futuros:
a) A opção metodológica de escolha dos entreviados
A pesquisa fez uma opção metodológica juicada pelos prazos e vo-
lumes de recursos dioníveis, mas também permeada pelos interesses
do contratante (no caso, o governo federal). Daí a razão de se dividir o
período total em dois intervalos diintos: o primeiro englobando os
governos Sarney, Collor e Itamar (-) e o segundo englobando
os dois mandatos do governo FHC (-). Nee caso, o eudo
assume um caráter implícito de preação de contas do governo FHC, em
que era necessário morar à sociedade que efetivamente “se tinha feito
mais no último governo que em todos os demais governos. Mas ea é
apenas uma queão subjetiva que a considero em segundo plano, diante
de queões mais relevantes que tratarei a seguir.
Assentamentos em debate 173
A escolha dos entreviados feita pelo eudo nos parece ser um item que,
no mínimo, deveria ser melhor discutido. Nesse caso, a pesquisa centrou
suas atenções em três grupos de atores sociais: o órgão executor direto da
reforma agrária, os trabalhadores rurais assentados e os representantes
de organizações sociais dos assentados (associações e/ou cooperativas).
A técnica de procurar captar várias opiniões sobre um mesmo tema
e/ou problema sempre é recomendável porque poderá trazer elementos
novos sobre a dimensão de um determinado ponto, mesmo que as pers
-
peivas de cada ator ouvido sejam conitivas. No entanto, as possibili
-
dades de reoas diferenciadas se ampliam muito e, caso não haja uma
amoragem mais representativa, camos sem saber exatamente qual o
grupo de reoas reete mais adequadamente a realidade do processo
de reforma agrária, devido ao viés que o posicionamento do próprio
entreviado possa conter.
No caso do órgão executor, as entrevias foram realizadas com
empreendedores sociais (ES), categoria ocupacional criada pelo Incra
a partir de julho de , sendo que em muitos eados essa categoria
passou a exiir efetivamente somente a partir de . Assim, a pesquisa
pode ter optado por entreviar membros do órgão executor da reforma
agrária que não necessariamente conheciam adequadamente o tema.
Esse aeo, tivemos oportunidade de vericar a campo em pesquisa
realizada no eado de Santa Catarina sobre o crédito do Programa Na-
cional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) deinado aos
assentados, no segundo semere de , mesma época de realização
do eudo em apreciação.
Naquele eado, conatamos que os empreendedores sociais com os
quais tivemos contato, além de serem poucos para atender a todos os as
-
sentamentos exientes em Santa Catarina, ainda não eavam preparados
adequadamente para exercer a função, desconhecendo, inclusive, muitas
queões que considero decisivas para analisar a qualidade da reforma
agrária. Pelo fato de earem iniciando suas funções no órgão executor,
suas atividades se limitavam, basicamente, ao encaminhamento de te-
mas pendentes nos projetos de assentamentos e ao envio de demandas
à Superintendência Regional do Incra. Além disso, conatamos que a
maioria dos empreendedores sociais desconhecia o processo anterior da
174 NEAD Debate 
reforma agrária, o que pode ter inuências importantes sobre a qualidade
das reoas, principalmente no que diz reeito ao primeiro intervalo
de tempo da pesquisa.
Em síntese, entendemos que a qualidade da reforma agrária em todo
o período considerado poderia ter outra dimensão, do ponto de via do
órgão executor, caso a opção metodológica das entrevias tivesse recaído
sobre outras equipes técnicas eecícas das superintendências regionais,
que são as pessoas que efetivamente executam a reforma agrária.
No entanto, mesmo que a opção sugerida anteriormente tivesse sido
utilizada, ainda assim haveria problemas. Em trabalhos de campo que temos
feito e acompanhado observamos que, geralmente, o comportamento do
servidor do órgão reonsável pela execução da reforma agrária tende a se-
guir dois caminhos diintos: por um lado, procura-se dicultar ao ximo
o acesso às informações para evitar que possíveis problemas relacionados
à geão do processo de reforma agrária sejam explicitados e tornados pú-
blicos e, por outro, procura-se enaltecer ao máximo as ações executadas,
de forma a tranarecer ao pesquisador a idéia de que tudo eá “maravi
-
lhosono processo de implementação dos programas de reforma agrária.
Já do ponto de via da opinião dos trabalhadores, optou-se por
entreviar lideranças comunitárias indicadas pelos empreendedores
sociais. Essa opção foi juicada para se ter “uma ótica mais neutra
e individualizada, evitando-se vínculos políticos com os movimentos
sociais. Entretanto, deve-se reconhecer que esse procedimento também
é uma escolha, pois a indicação dos pseudo “líderes comunitáriospor
parte dos empreendedores sociais, diminuiu muito o grau de neutralidade.
Io porque, quase sempre, dentro dos projetos de assentamento, exie
uma luta conante pela hegemonia entre o órgão executor e as lideranças
dos sem-terra. Nee caso, a melhor opção teria sido a realização, pelos
pesquisadores (que não poderiam ter sido membros do órgão executor),
de amoras aleatórias dentro de cada assentamento, procurando captar
toda a diversidade exiente.
Por m, notamos a ausência de entrevias com atores locais, tanto
representantes de setores patronais (sindicatos rurais, associações co-
merciais e induriais dos municípios) como dos setores de trabalhadores
(sindicatos, associações de produtores, etc.), bem como das adminira-
Assentamentos em debate 175
ções públicas municipais. A implantação de um projeto de assentamento
em localidades pequenas, quase sempre em regiões rurais, é motivo de
acaloradas discussões entre os diversos segmentos de moradores e de
representantes das sociedades locais. Nee sentido, captar as opiniões de
outros segmentos sociais sobre a qualidade da reforma agrária, além da
-
queles dois segmentos diretamente envolvidos no processo, seria de grande
relevância porque parcelas importantes da sociedade eariam opinando
sobre um tema crucial que também as afetam, mesmo que indiretamente.
Em trabalhos de campo que realizamos avaliando os efeitos de polí
-
ticas públicas, conatamos a importância de se procurar captar também
o olhar de outros atores locais que não eão diretamente envolvidos
com o tema da reforma agrária, mas que, de alguma forma, o mesmo
lhes diz reeito porque interfere na dinâmica da vida social local, so-
bretudo quando os assentamentos são implantados pelo órgão federal,
sem qualquer mediação com as adminirações municipais e/ou com as
representações e organizações sociais locais.
b) Índices qualitativos priorizados
Segundo o eudo, os índices reetem: a) ecácia da reorganização fundiá-
ria, b) qualidade de vida, c) articulação e organização social, d) preservação
ambiental, e e) ação operacional. A discussão das variações encontradas
nos índices (temporal ou eacial) tem como base a análise separada
de seus fatores de depleção (diminuição) que também foram tabulados.
A renda, como exceção em relação aos temas anteriores, não foi apresentada
em forma de índice, sendo que os índices agrupam uma série de variáveis
relacionadas ao mesmo tema” (Sparovek et alii, , p.).
A idéia de avaliar a qualidade da reforma agrária a partir de um con
-
junto de índices é extremamente salutar e um ponto relevante da pesquisa,
regire-se novamente, uma vez que permite organizar o debate sobre a
reforma agrária a partir de novos patamares. No entanto, o risco de serem
cometidos equívocos aumenta proporcionalmente com a dimensão do
eudo, fato reconhecido pelos próprios pesquisadores.
Não signica, entretanto, que esses índices não sejam válidos do ponto
de via de apresentar uma imagem geral da situação particular de cada
176 NEAD Debate 
assentamento visitado. No entanto, goaríamos de deacar alguns aeos
metodológicos que foram abordados, segundo nossa interpretação, de
maneira insuciente pela pesquisa. Assim sendo, comentaremos a seguir
apenas dois desses índices:
Índice de eficácia da reorganização fundiária (IF)
O índice de ecácia de reorganização fundiária (IF) procurou morar o
sucesso da intervenção governamental no sentido de alterar a erutura
agrária, ou seja, esse índice busca medir os impaos que a criação dos
projetos de assentamento provoca sobre os latifúndios improdutivos,
convertendo-os em unidades familiares de produção.
Os parâmetros do IF contemplam a capacidade de assentamento
denida pela portaria de criação do Projeto de Assentamento (PA) e
incorporam as seguintes variáveis: número de famílias morando no
PA, parcelas abandonadas, parcelas aglutinadas, área remanescente e
percentual de área útil ocupada com produção. Obviamente que o peso
de cada uma dessas variáveis na composição do IF reete a visão dos
pesquisadores sobre a importância desse índice no conjunto de índices
que determinaram a qualidade da reforma agrária brasileira.
Esses pesos eão explicitados na Tabela , página  do livro, o que
revela a tranarência dos pesquisadores quanto aos fatores de ponderação
e de multiplicação adotados. No entanto, chamamos a atenção apenas
que poderiam ter sido esclarecidas as diferenças, por exemplo, porque o
número de famílias morando no PA recebeu peso ,, enquanto o quesito
parcelas abandonadas recebeu peso ,, e assim por diante.
A conclusão geral do eudo é que houve uma elevada conversão de
latifúndios em unidades de produção familiar, sendo poucos os proble
-
mas relacionados a abandonos ou aglutinação de lotes nos projetos de
assentamento. Nesse caso, a reforma agrária poderia ser considerada um
programa de grande sucesso.
Sobre esse índice, eecicamente, goaríamos de fazer três comen
-
tários. O primeiro diz reeito às variáveis que o compõem. Na verdade,
o IF, da forma como foi conruído, acaba sendo um mero indicador de
desempenho do projeto de assentamento, uma vez que não considera o
Assentamentos em debate 177
volume de terras agricultáveis em desuso na localidade onde se encontra
o PA e a porcentagem de redução das terras improdutivas após as ações
governamentais sobre a erutura agrária. Assim, se em um determinado
município com elevada concentração de terra, a implantação de projetos
de assentamento não provoca efeitos sobre os latifúndios improdutivos,
do ponto de via de reduzir os índices de concentração, isso indica que
apenas eão ocorrendo pequenas modicações e não reorganização e,
muito menos, reforma na erutura agrária.
O segundo aeo, que guarda relação com o anterior, diz reeito
à abrangência dessa reorganização agrária. Ao longo de  anos foram
implementadas diversas ações no campo da reforma agrária, porém os
resultados são píos em termos de uma alteração profunda na erutura
agrária do país. Ao contrário, diversos eudos têm morado que os
índices de concentração de terra aumentaram no país como um todo
na última década, o que nos permite armar que talvez um processo
inverso ao dos programas de assentamento eeja em curso, inclusive
com maior eciência.
Finalmente, o terceiro aeo que goaríamos de comentar é a au
-
sência de uma medida diferencial de tempo na composição dea variável,
uma vez que o período considerado (-) apresenta projetos de
assentamentos com realidades totalmente diferentes, ou seja, a ocupação
da área útil parece depender baante do tempo de vida do PA, sobretudo
se levarmos em consideração que a consolidação de um assentamento é
um processo de dio e longo prazos, cujo sucesso o depende somente
do “novo agricultor”, mas também de outros fatores correlatos, como é
o caso da localização geográca, do acesso aos mercados, das condições
eruturais das antigas propriedades, etc. Dee modo, ao não se levar
em consideração o peso do tempo, pode-se ter causado um viés desse
índice no conjunto da análise.
Índice de articulação e organização social (IS)
Segundo os autores, esse índice eá assentado nas parcerias externas
do PA para atender demandas das áreas de saúde, educação, condições
de acesso, lazer e religião, além da participação dos moradores em asso
-
178 NEAD Debate 
ciações, cooperativas, área de produção coletiva e comercialização em
siemas integrados.
Nee caso, adotou-se o critério de que conceitualmente, quanto
mais o projeto de assentamento eiver independente de créditos e ações
eecícas da reforma agrária, inserido formalmente na região por meio
de parcerias e articulado com organizações para atender às suas neces-
sidades, maior será sua independência. Essa situação é desejada para o
seu desenvolvimento e emancipação” (p.).
Sobre esse índice é possível se fazer comentários de diversas ordens.
Em primeiro lugar, goaríamos de relativizar essa dicotomia entre
parcerias externas e organização interna do projeto de assentamento.
Sabe-se que o sucesso da busca por melhorias nas condições sociais dos
assentados (saúde, educação, habitação, condições de acesso, lazer, etc.)
depende baante do nível de organização interna dos assentamentos.
Assim, quanto maior for esse quesito, maiores serão as chances de serem
obtidos sucessos na busca de serviços externos que ajudarão a elevar a
qualidade de vida dos assentados. Portanto, da forma como foram pon
-
derados os pesos das variáveis na composição do IS, poderá ter ocorrido
uma subeimação da importância da organização dos agricultores.
Em segundo lugar, entendemos que as variáveis que compõem o IS
são baante limitadas, fato que se reete na própria importância das
análises do índice no conjunto dos indicadores selecionados para de-
nir a qualidade da reforma agrária. De alguma forma, isso ca explícito
no eaço deinado a esse quesito, que na análise global do eudo não
mereceu mais de duas páginas.
Em terceiro lugar, o IS priorizou a participação em cooperativas e
associações e a produção e comercialização coletiva como indicadores
de organização social. No entanto, não procurou qualicar que tipo de
trabalho essas associações e/ou cooperativas desenvolvem em termos
produtivos, de modo a compreender se a organização social dos agri-
cultores é ou não determinante para a inserção produtiva desse sujeito
transformado em um novo agricultor, ao qual são cobradas reoas
ecientes e rápidas.
Ao dividir o IS em dois aeos, um ligado à busca de benefícios sociais
e outro voltado à obtenção de benefícios para os siemas produtivos, e
Assentamentos em debate 179
ao observar que a organização para o segundo aeo foi bem menos
importante, o eudo acabou conatando o óbvio. Io porque, no hori
-
zonte em que se realizam os programas de assentamentos de agricultores,
os problemas relacionados ao atendimento de serviços básicos (saúde,
educação, condições de acesso, habitação e ceas básicas nos primeiros
anos) sempre aparecerão de forma prioritária, em detrimento dos aeos
produtivos, os quais os agricultores acabam resolvendo individualmente,
quer por suas tradições ou pelas suas relações comunitárias que vão se es-
tabelecendo, sem necessitar de outros agentes como no primeiro caso.
Na verdade, os aeos citados acabam revelando as diculdades
para se avaliar um quesito tão complexo como é o caso da articulação
e organização social dos assentados. Desse modo, nossos comentários
procuram morar, sem a pretensão de invalidar qualquer tipo de esforço
feito nesse sentido, o quanto ainda precisamos avançar metodologicamente
para obtermos bons padrões de análise da interação entre os processos
de assentamento do agricultor (chegada à terra) e suas dinâmicas sociais
(diintas formas de organização social).
Q
A diribuição da propriedade da terra é um dos indicadores mais im-
portantes para se medir o caráter democrático ou não de sociedades
que se conituem a partir de bases agrárias, como é o caso da sociedade
brasileira. Entendemos que esse deve ser um aeo fundamental quando
são avaliados os efeitos de políticas públicas que procuram promover
modicações em uma determinada erutura agrária.
A obra em discussão, após apresentar de maneira consiente os
diferentes pontos de via atuais sobre a reforma agrária no Brasil, em
sua página  arma que “a reforma agrária é um termo utilizado para
descrever uma série de ações que têm como base a reordenação fundiária
(grifo nosso) como mecanismo de acesso à terra e aos meios de produção
agrícola aos trabalhadores rurais sem-terra ou com pouca terra, sendo
que o seu signicado depende do ponto de via que se tem em foco, o
qual eá relacionado ao grupo de interesse representado.
180 NEAD Debate 
Nea pereiva, a reforma agrária ca condicionada a um conceito
reritivo em que uma simples reorganização da base territorial agrária
seria suciente para acomodar possíveis tensões sociais advindas dos
setores que se encontram em conito pela posse da terra. Dee modo,
esses conitos poderiam ser facilmente resolvidos por meio de políticas
públicas de crédito fundiário, não sendo necessárias ações mais abran
-
gentes e de cunho eruturante que poderiam efetivamente
transformar
a erutura agrária do país.
No caso brasileiro, nota-se que a concentração da posse da terra se
elevou fortemente durante o processo de modernização da agricultura,
sobretudo nas cadas de ,  e , e continua extremamente
desigual até os dias atuais. De acordo com os dados eatíicos ociais,
o índice de Gini atingiu seu valor máximo em , quando chegou ao
patamar de ,. No início de , esse valor recuou para , e em 
se situava ao redor de ,. Esses indicadores colocam o Brasil entre os
países com os maiores índices de concentração de terra do mundo.
O próprio texto reconhece o problema quando arma que apesar
dos signicativos progressos que vêm sendo feitos nos últimos anos, os
índices gerais de concentração de terras o vêm sofrendo alterações que
indiquem que o acesso à terra, por parte dos pequenos produtores fami-
liares, tenha sido facilitado de forma global” (Sparovek
et alii, , p.).
No entanto, nas conclusões da pesquisa (catulo oitavo) volta-se ao
mesmo ponto armando-se que a intervenção fundiária (no conceito
simplicado adotado) é um sucesso e que houve signicativos progressos
na intensidade de sua execução nos últimos períodos(p.). Deve-se
reconhecer que o autor menciona que uma visão mais abrangente não
pode se reringir ao sucesso da intervenção fundiária e que o aeo
mais importante é o fato desse sucesso ear desvinculado da eciência
das demais ações que são implementadas.
Mesmo que essas ressalvas eejam presentes no contexto da análise,
camos com a nítida sensação de que o foco do problema agrário sofre
um desvio de sua matriz original, ao se tentar deslocar todo o debate
para aquilo que o autor chama de papel secundário (qualidade de vida,
desenvolvimento dos projetos, impaos ambientais e melhoria das co
-
munidades locais do entorno das áreas reformadas). Nea pereiva,
Assentamentos em debate 181
o principal problema earia resolvido, pois a situação fundiária inde-
sejável é revertida e a área permanece ocupada por famílias que serão
beneciadas pelas ações implementadas pelo governo” (p.).
Diversos trabalhos acadêmicos recentes procuram apresentar uma
realidade um pouco diinta. Eudos de Homann (), com base
nos dados cadarais do Incra, moram que desde a década de  o
problema da concentração de terra no Brasil vem se agravando, conforme
pode ser observado no quadro a seguir:
Quadro 1 – Desigualdade da distribuição da terra entre os
imóveis rurais no Brasil e nas cinco regiões (1992-1998)
Unidades Geográficas
Regionais
Índice de Gini
1992 1998
Sul 0,705 0,712
Sudeste 0,749 0,757
Nordeste 0,792 0,811
Norte 0,849 0,851
Centro-Oeste 0,811 0,810
Brasil 0,831 0,843
Fonte: Hoffmann (1998)
Os dados indicam que durante a década de  o processo de con-
centração da terra continuou no país. Em apenas uma região (Centro-
Oee), o índice de Gini se manteve praticamente eável. Em todas as
demais regiões houve aumentos desse índice, indicando que os efeitos
da política agrária são píos diante do elevado nível de concentração da
terra no país.
Em termos de eratos de área, nota-se que os fazendeiros que possuíam
mais de mil heares de terra passaram de cerca de  mil, em , para
mais de  mil em . O mais importante é que esse segmento passou a
deter aproximadamente  de todas as terras do país. Enquanto isso, do
182 NEAD Debate 
outro lado, as mais de  milhão de famílias de pequenos agricultores, pro-
prietários de áreas com menos de  heares, detêm cerca de  das terras.
Ees são fortes indicadores que moram que as políticas blicas não eão
sendo capazes de romper com a desigualdade da erutura agrária brasileira.
Nesse sentido, ca um pouco difícil falar em reforma agrária no Brasil
no cenário atual. Por um lado, verica-se que o governo tenta equacionar
a queão agrária com uma política de assentamentos que nem sequer é
capaz de abrandar os efeitos perversos do modelo de desenvolvimento
agropecuário que, na última década, expulsou do campo mais de 
mil pequenos proprietários. Por outro, nota-se que a maioria dos as-
sentamentos que são realizados é muito mais fruto da ação direta dos
trabalhadores rurais ocupando terras do que o resultado de uma política
de governo voltada aos interesses das classes agrárias desfavorecidas do
meio rural, por meio de uma intervenção ampla e abrangente sobre a
erutura agrária do país.
Assim sendo, vislumbramos uma pereiva não muito favorável
para o país nee campo, pois a política de assentamentos, além de não
modicar em quase nada a erutura agrária, nem sequer eá sendo
capaz de atender aquelas camadas de agricultores que são expulsos do
setor agropecuário. Ee cenário nos obriga a armar que não exie efe
-
tivamente uma política de reforma agrária em curso no Brasil. Dentre
as razões que suentam ea armação, deacam-se:
a política de assentamento dos últimos períodos eá direcionada, funda-
mentalmente, ao processo de regularização fundiária e ao atendimento
seletivo das regiões de maior conito agrário;
a política agrícola em curso não impede a contínua expulsão de traba
-
lhadores rurais do setor agropecuário, processo que nas últimas décadas
representou numericamente a mesma proporção e/ou até mais que as
famílias assentadas” pelos governos;
a criação de assentamentos rurais, geralmente em áreas extremamente
inóitas e não acompanhada por uma rede de infra-erutura básica,
tem levado ao fracasso muitas iniciativas governamentais;
o incentivo ao uso do mecanismo de compra, em subituição aos ins
-
trumentos conitucionais de desapropriação das terras para ns de
reforma agrária, acaba privilegiando os movimentos eeculativos, que
a)
b)
c)
d)
Assentamentos em debate 183
se expressam na elevação dos preços das terras em praticamente todas
as regiões do país.
Nesse sentido, a reoa à queão se
a reforma agrária é ainda perti-
nente para a sociedade brasileira no início do século XXI parece ser óbvia,
sobretudo se admitirmos a exiência da “queão agrária.
Nossa visão é que, em um país com mais de  milhões de heares
de terras improdutivas e com mais de quatro milhões de famílias de sem-
terras, além de apresentar índices de desigualdades econômicas e sociais
alarmantes, não se pode prescindir do uso de um inrumento ecaz
como é o caso da reforma agrária para tentar reverter esse cenário,
como o zeram a maior parte dos países hoje considerados “desenvolvi-
dos. Entretanto, o caráter da reforma agrária (massiva, econômica, social
ou produtivia), bem como os inrumentos necessários, é que precisam
ser melhor debatidos com a sociedade brasileira.
B
G, R. M. F. O Problema agrário no Brasil: evolução e atualidade.
Pesquisa & debate, v., n., p.-, .
H, R. A Erutura fundiária no Brasil de acordo com o
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Reforma agrária e a
questão ambiental:
por uma outra concepção
Paulo Roberto Martins
Sociólogo, Mestre em Desenvolvimento, Doutor em Ciências Sociais, pesquisador
do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), coordenador
da Rede de Pesquisa Cooperativa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
(Renanosoma), membro da International Sociological Association ISA/RC 
Environment and Society. Representante no Brasil de Sociólogos Sem Fronteiras.
2.9
Assentamentos em debate 185
I
A
temática do meio ambiente sempre eeve ausente das discussões
sobre a reforma agrária no Brasil. Portanto, o primeiro mérito da
pesquisa
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
foi colocar o tema como um dos objetos de análise. Indagar sobre as
queões ambientais imanentes das unidades produtivas ao se eudar os
assentamentos foi, sem dúvida, um avanço nos conhecimentos a reeito
da reforma agrária no país.
Toda ação humana sobre determinado ecossiema acaba por transfor-
má-lo e, em muitos casos, degradá-lo e deruí-lo. No âmbito do modelo
agrícola predominante no Brasil, vários eudos realizados apontaram
para a forma não-suentável (sob vários aeos) dessa agricultura
produzir os alimentos.
E nos assentamentos como isso ocorre? Certamente, a pesquisa A
Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira não resolve
a queão, mas aponta algumas pias importantes e nos uma visão de
quanto os assentamentos interagem com as Áreas de Proteção Permanente
(APP) e áreas de Reserva Legal (RL). Portanto, o olhar da pesquisa, nesse
caso, se encaixa na pereiva conservacionia.
Os resultados obtidos foram preocupantes, embora as causas de tais
situações não tenham sido devidamente explicadas, dadas as limitações
metodológicas da pesquisa. Mesmo assim, a conclusão aponta para que
o processo de reforma agrária é realizado num passivo ambiental signi
-
cativo. Esse passivo é fruto da priorização de áreas em que a qualidade
ambiental já eá comprometida ou da seleção de áreas em que o desma
-
tamento ainda é necessário para a implantação dos siemas de produção
agrícola. A falta de ações direcionadas para o equacionamento desse
186 NEAD Debate 
passivo, denidas em época muito recentes (PDA e a licença ambiental),
associada à priorização absoluta dos créditos para a implantação de infra-
erutura e apoio à produção, juica a pouca abrangência das ações que
poderiam promover o resgate da qualidade ambiental nos assentamentos.
(Sparovek, , p.-).
Só essa conclusão já juica uma mudança na forma como o Eado
vem conduzindo a reforma agrária, sempre pelo lado produtivia e, como
tal, altamente degradador em termos ambientais. Por io, as pesquisas
nesse campo devem continuar, para que se possa modicar a forma de
produzir nos assentamentos, a m de não reproduzir o modelo dominante
na produção agrícola brasileira.
C
O eudo realizado, que resultou no livro em análise, foi eminentemente
de caráter quantitativo. Embora não trate de externalidades, mas sim de
índices de qualidade ambiental, abordar as queões ambientais de forma
quantitativa é um sério problema. Ea poura, no geral, encontra-se
no campo neoclássico da teoria econômica representado pela economia
ambiental e dos recursos naturais. O pressupoo adotado é que toda exter-
nalidade pode ser quanticada e em conseqüência receber uma valoração
monetária. Com io, earíamos internalizando as externalidades.
As críticas a essa poura podem ser feitas sob vários aeos. Um
deles é a metodologia, pois os neoclássicos trabalham fundamentados
no individualismo metodológico, segundo o qual:
todas as inituições, padrões de comportamentos e processos sociais podem
ser em princípio explicados em termos de indivíduos: suas ações, propriedades
e relações. É uma forma de reducionismo, o que quer dizer que nos leva a ex-
plicar os fenômenos complexos em termos de seus componentes mais simples.
(Eler, , p.).
1 As externalidades se caraerizam por não earem presentes diretamente em um dado processo
produtivo, mas são decorrentes dele. No caso da produção agrícola, não se pulveriza agrotóxicos
diretamente nos rios e sim nas culturas, mas uma das externalidades desse processo produtivo é
juamente a contaminação dos rios pelos agrotóxicos.
Assentamentos em debate 187
Para os neoclássicos, os indivíduos são livres, diõem de todas as
informações necessárias à tomada de decisões e as escolhem de forma
racional, baseados em suas preferências. O locus das ações dos indivíduos
é o mercado. As críticas a essa poura explicitam que as preferências
alteram-se hioricamente. O interesse próprio é uma caraerização ina-
dequada das preferências, e, sob determinadas condições, a ação racional
não é possível, mesmo que os indivíduos sejam racionais.
A crítica feita pela economia ecológica à poura da economia am-
biental (neoclássica) é que:
argumentamos contra la posibilidad de internalizacion convincente de las ex-
ternalidades, sendo uno de los argumentos principales el de la ausencia de las
generaciones futuras en los mercados auales, aun se esos mercados se ampliam
ecologicamente mediante simulaciones basadas en la diosicion a pagar, y no
en pagos realmente efeuados. Pensamos que, en el mejor de los casos, los agen-
tes económicos auales valoram de manera arbitrária los efeos irreversibles
e inciertos de nueras acciones de hoy sobre las generaciones futuras. (...) La
crítica ecológica se basa además en la incertidumbre sobre el funcionamento
de los siemas ecológicos que impide radicalmente la aplicación del análisis de
externalidades. Hay externalidades que no conocemos. A otras, que conocemos,
no sabemos darles um valor monetario aualizado, al no saber siquiera si son
positivas o negativas.” (Alier, , p.-)
Já a economia ecológica é entendida como eudo da compatibilidade
entre a economia humana e o meio ambiente em longo prazo. Essa com-
2 argumentamos contra a possibilidade de internalização convincente das externalidades, sendo
um dos argumentos principais o da ausência das gerações futuras nos mercados atuais, ainda
que ees mercados se ampliem ecologicamente mediante simulações baseadas na diosição a
pagar e não em pagamentos realmente efetuados. Pensamos que, no melhor dos casos, os agentes
econômicos atuais valoram de maneira arbitrária os efeitos irreversíveis e incertos de nossas ações
de hoje sobre as gerações futuras. (...) A crítica ecológica se fundamenta também na incerteza
sobre o funcionamento dos siemas ecológicos que impedem radicalmente a aplicação da análise
de externalidades. Dentre eas, exiem as que não conhecemos. Outras que conhecemos, não
sabemos dar-lhes um valor monetário atualizado, pois não sabemos sequer se são positivas ou
negativas.” (trad. por Paulo Roberto Martins).
188 NEAD Debate 
patibilidade não eá assegurada pela valoração de recursos e serviços
ambientais em mercados reais ou ícios.
Aplicando esse tipo de metodologia qualitativa, a riqueza da pesquisa
seria bem maior e as possibilidades de reoas às queões ambientais
exientes nos assentamentos seriam bem mais concretas e poderiam
indicar novas medidas governamentais para retirar os assentados do
processo em que, ao produzirem seus alimentos, depois de tanta luta pela
terra, acabam por reproduzirem as relações insuentáveis entre homem
e natureza, caraeríica do modelo agrícola brasileiro.
Q
Em primeiro lugar cabe ressaltar que o próprio autor fez queão de apon-
tar que “nalmente cabe lembrar que as queões ambientais levantadas
no queionário não abordaram o vao tema da qualidade ambiental na
totalidade. (....)Diversos outros fatores também poderiam ser incorpo-
rados na qualidade ambiental, como o uso de materiais geneticamente
modicados e peicidas.” (Sparovek, , p.-).
Claro que o objetivo da luta pela terra é conseguí-la para realizar a
sua produção de subsiência e depois, se possível, produzir para o mer
-
cado. É por aqui que devemos começar as inveigações sobre os pontos
ambientais no universo da produção. A queão central é identicar qual
o pacote tecnológico aplicado para se produzir alimentos nesses assenta-
mentos. Repete o mesmo pacote da agricultura empresarial dominante
no modelo agrícola brasileiro?
Outro ponto a ser levantado trata-se da concepção que os assentados
têm sobre como produzir nos ecossiemas que passam a ocupar. Serão
esses assentados poulantes e praticantes da lógica de simplicação para
executar a produção agrícola, o que implica produzir apenas as culturas
mais rentáveis e simplicar o processo de trabalho? É evidente que esses
dois aeos se materializam em monoculturas, que têm sua agressividade
ecológica, pelo uso intensivo de fertilizantes, peicidas, mecanização, am-
plamente conhecida. Para a indúria voltada à agricultura, seus produtos
vieram para superar os limites ecológicos desse tipo de produção. Serão
os assentamentos um novo mercado para ea indúria?
Assentamentos em debate 189
Mas a simplicação também tem a ver com o maior controle sobre o
processo de trabalho e melhor desempenho da gerência. A marca da pers-
peiva capitalia eá devidamente ligada a esses pontos. É esse o tipo de
organização de produção que se eá implantando nos assentamentos?
Em oposição à prática voltada à simplicação se coloca a lógica da
complexicação. É claro que nessa concepção o assentado terá que se
dedicar mais, com mais observações e cuidados eeciais no manejo dos
diversos componentes que eão presentes no ecossiema onde se realiza
sua produção. Eão esses assentados preparados para io?
Enm, precisamos captar se do ponto de via da organização da pro
-
dução, os assentados acabam por reproduzir não o pacote tecnológico
prevalente, mas também se se integram ao modelo de desenvolvimento
agrícola dominante, que é um dos suentáculos dea sociedade insus-
tentável em que vivemos.
P
All persons have the right to a secure, healthy and ecologically sound environment.
is right and other human rights, including civil, cultural, economic, political
and social rights are universal, interdependent and indivisible.
H R E T K P.
U N . E.CN.////A (J ,)
O presente texto procura colocar as discussões sobre meio ambiente
e reforma agrária numa dimensão não abordada pelo livro
A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, organizado por Gerd
Sparovek. Embora reconheçamos sua contribuição para a produção de
informações sobre a temática ambiental no âmbito dos assentamentos,
entendemos que a abordagem dessa queão requer uma discussão de
caráter mais amplo, pois, para se superar ea sociedade insuentável que
3 “Todas as pessoas têm o direito a um meio ambiente seguro, saudável e ecologicamente digno.
Ee direito e outros direitos humanos, incluindo direitos civis, culturais, econômicos, políticos
e sociais, são universais, interdependentes e indivisíveis. Direitos Humanos e Meio Ambiente
– Os Princípios de Ksentini, ONU ( de julho, 1994). (trad. por Paulo Roberto Martins).
190 NEAD Debate 
vivemos, tanto a luta pela reforma agrária como as ações dos assentados,
devem contribuir para essa transformação.
O que pretendemos fazer nee trabalho é inserir a reforma agrária
num contexto mais amplo de transformação social visando uma nova
sociedade. O índice de qualidade do meio ambiente produzido no refe
-
rido livro tem como variáveis inveigadas elementos relativos a áreas de
preservação permanente e reserva legal, desmatamento, erosão do solo,
recuperação de matas ciliares e reoreamento.
As conseqüências do atual pacote tecnológico utilizado na agricultura
brasileira têm seus impaos materializados nas variáveis pesquisadas e
em outras tantas não pesquisadas. A nossa propoa de trabalho é discutir
as causas desses impaos.
Assim, o primeiro ponto a ressaltar é que todas as pessoas têm direito
a um meio ambiente ecologicamente digno, seguro e saudável. Ee direito
é universal, interdependente e indivisível em relação aos direitos civis,
políticos, culturais, econômicos e sociais.
Portanto, a nossa reexão trabalha com dois pressupoos. O primeiro
se refere à sociedade insuentável em que vivemos. Ela é insuentável
sob vários pontos de via. O que nos interessa no momento é o aeo
ambiental. Trata-se, então, de superar ea sociedade insuentável.
O segundo pressupoo se refere aos direitos já descritos.
A queão ambiental nos assentamentos deve ser via na pereiva
de que todo o movimento e a luta pela reforma agrária devem buscar a
consolidação desses direitos e da iniciação de um processo que nos leve
à conrução de uma sociedade suentável.
Embora não tenhamos todas as informações dioníveis necessárias
a um acurado diagnóico, podemos armar que, de maneira geral, os
assentados, ao eabelecerem seus processos produtivos, acabam por
reproduzir o pacote tecnológico do modelo de desenvolvimento agrícola
hegemônico, reprodutor do capital agroindurial e deruidor dos ecos-
siemas via monocultura e práticas agrícolas a ela correondentes.
Os assentados não sairão dessa lógica exclusivamente por força pró
-
pria. Trata-se, então, de se conruir um ambiente propício em que os
agentes econômicos no processo de busca e seleção de novas tecnologias
possam ser induzidos a optar por tecnologias que sejam ambientalmente
Assentamentos em debate 191
corretas. Quando as rerições de ordem ambiental se tornarem rerições
de primeira ordem às atividades econômicas, aí sim, não mais earemos
numa sociedade capitalia, e o processo de conrução da sociedade
suentável eará no seu apogeu.
Em relação às atividades ligadas à agricultura no Brasil, o papel
do Eado brasileiro como produtor de novas tecnologias, indutor da
adoção dessas tecnologias, fornecedor de assiência técnica à produção
familiar e aos assentados, comprador dessa produção, regulamentador
das relações entre mercado e consumidores, torna-se importante, ainda,
como o reonsável pelo acesso à terra no processo de implantação da
reforma agrária.
Tendo em via esses argumentos, vamos apresentar nossa reexão
sobre a conrução de uma sociedade suentável em que o movimento
pela reforma agrária e os assentados assumem papéis importantes na
conrução de um outro padrão da relação entre homem, sociedade e
meio ambiente.
P 
O pressupoo do qual partimos é que a sociedade atual em que vivemos
é insuentável tanto para o planeta como para a maioria de sua popula
-
ção. O que temos, portanto, é uma ordem de um mundo a superar. E a
reforma agrária faz parte desse processo.
Nee sentido, a queão da utopia se coloca, pois, não pode exiir
um esforço de inveigação política íntegro sem utopia. Boaventura de
Sousa Santos arma que:
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via
da oposição da imaginação à necessidade do que exie, porque exie, em
nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar
e porque merece a pena lutar. A utopia é, assim, duplamente relativa. Por um
lado, é chamada a atenção para o que não exie como (contra)parte integrante,
mas silenciada, do que exie. Pertence à época pelo modo como se aparta dela.
Por outro lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a
imaginação do novo é compoa em parte por novas combinações e novas escalas
192 NEAD Debate 
do que exie. Uma compreensão profunda da realidade é assim essencial ao
exercício da utopia, condição para que a radicalidade da imaginação não colida
com o seu realismo.” (Santos, , p.).
O roteiro da nossa reexão sobre a ordem de um mundo a superar irá
procurar concatenar uma série de idéias que partem do pressupoo de
que a meta a ser atingida é a sociedade suentável, caraerizada, grosso
modo, enquanto não capitalia, em que a queão ambiental é entendida
como um fator de rerição de primeira ordem às atividades econômicas.
O segundo pressupoo, por nós assumido, é que uma sociedade
suentável será necessariamente democrática, fundada em uma nova
cidadania, de caráter radical, pois ea será o produto da conituição de
sujeitos sociais ativos, que levam a conrução da referida cidadania “de
baixo para cima, com a participação direta dos setores excluídos, exigindo
o “direito de ter direitos”. (Dagnino, , p.)
Cabe assinalar que, de acordo com Evelina Dagnino, a noção da nova
cidadania se fundamenta na experiência dos movimentos sociais, na
conrução da democracia, sua extensão e aprofundamento, e ao nexo
conitutivo entre cultura e política. É o que tem feito os movimentos
organizados que lutam pela reforma agrária no Brasil. Portanto, os fun
-
damentos dea nova cidadania são diintos da noção original dos ns
do século XVIII, de cunho liberal.
Entre os direitos a ter direitos pelos quais os movimentos sociais
lutam e criam novos direitos, encontram-se os relativos à vida, ao meio
ambiente e ao trabalho, que acabam devidamente entrelaçados, pois
não é possível a exiência de vida sadia em meio ambiente degradado,
como também, ambiente degradado signica a impossibilidade de as
populações trabalharem.
Assim sendo, devemos ter claro que todas as ações que comprometem
as condições ambientais de exiência e trabalho das populações como
por exemplo, o modelo de desenvolvimento agrícola hegemônico que im-
plica em diversos tipos de poluição atentam contra direitos ambientais
de indivíduos e da coletividade.
Portanto, trata-se de entender que a crise ambiental produzida por esse
modelo insuentável de desenvolvimento é a manifeação de conitos
Assentamentos em debate 193
sociais que tem a natureza por base, e que, quando a crise se torna explícita,
exprime a consciência de que um direito ambiental foi ameaçado.
Essa nova ordem de valores aponta para a introdução de princípios
democráticos nas relações sociais mediadas pela natureza.
Esses princípios democráticos são assim descritos por Acselrad:
a igualdade no usofruto dos recursos naturais e na diribuição dos cuos
ambientais do desenvolvimento; liberdade de acesso aos recursos naturais,
reeitados os limites físicos e biológicos da capacidade de suporte da natureza;
a solidariedade das populações que compartilham o meio ambiente comum;
o reeito à diversidade da natureza e aos diferentes tipos de relação que as
populações com ela eabelecem; a participação da sociedade no controle das
relações entre os indivíduos e a natureza.” (Acselrad, )
Na medida que esses princípios sejam observados e que tenhamos
claro que o meio ambiente é o suporte natural da vida e do trabalho
das populações, earemos reringindo de forma mais conseqüente a
degradação do meio ambiente e, por resultado, assegurando os direitos
dos cidadãos à vida e ao trabalho.
Por outro lado, é essa nova cidadania que irá interferir na conituição
do ambiente econômico que levará ao interesse pela busca de inovações
e conrução de trajetórias que incorporem a queão ambiental.
Portanto, assume-se aqui que, em concordância com os evolucionias
(Almeida, , p.) para que a preocupação ambiental se torne uma
rerição direcional” ao desenvolvimento tecnológico, o meio social em
queão é que deve ser capaz de imprimir tal direcionamento.
Nós acrescentamos que o processo de conituição dessa nova cida
-
dania, liderado pelos novos movimentos sociais, entre os quais os que
lutam por reforma agrária, deverá ser capaz de imprimir o direcionamento
referido. (Cramer)
Assim, admitimos que a competitividade de um país eá ligada à
competitividade dos empreendimentos nele exientes, e que a compe-
titividade desses empreendimentos eá ligada a inovações e trajetórias
tecnológicas que eão sendo direcionadas pelos novos movimentos
sociais que, por sua vez, corporicam e conroem ea nova cidadania.
194 NEAD Debate 
Podemos, então, armar que a competitividade de nosso país, de nossos
empreendimentos, no que tange às queões relativas ao meio ambiente,
dependerá, em última inância, do processo de conituição dea nova
cidadania.
Com io, entendemos que a futura competitividade de um país,
emerso num processo de conrução de uma sociedade suentável, eará
diretamente relacionada ao grau de radicalização da cidadania concebida
nesse processo, que, em última inância, signica a formação de uma
nova sociabilidade, caraerizada por relações sociais mais igualitárias.
O referido processo, que é político-cultural, conituído pelos vários
movimentos sociais, entre os quais o movimento pela reforma agrária,
conseguirá eabelecer uma nova forma de apropriação da natureza.
Eudos demonraram que o agrobusiness provoca a profunda
realidade de deruição do meio ambiente e da diversidade biológica e
social. Portanto, o modo atual como a sociedade se organiza para pro
-
duzir, na sua forma hegemônica no campo, produz também problemas
ambientais que nem sempre são explícitos para a maioria da população,
mas que signicam e são a manifeação de conitos sociais que têm por
base a natureza.
Mas a sociedade humana suentável não se conrói sem as demais
eécies presentes em nossa biosfera, quer sejam devidamente conhecidas
ou não. Como fazer, então, para que possamos conhecê-las? Em primeiro
lugar, seu habitat deve ser conservado. Em segundo lugar, na medida
em que o exercício e a conrução da nova cidadania pelos movimentos
sociais, em particular os que lutam pela reforma agrária, venham a in
-
duzir a conrução do ambiente econômico que seja favorável à adoção
de tecnologias e trajetórias ambientalmente conseqüentes, earemos
tornando viável expandir o processo de interação positiva entre homem
e natureza, realizado por diversos grupos sociais, entre os quais os
índios, os camponeses e os povos da orea.
Na medida em que se preservem as oreas tropicais e subtropi-
cais, locais por excelência onde se encontram a diversidade biológica e
social, earemos contribuindo tanto para a eabilidade da biosfera e
seus ecossiemas, quanto possibilitando ao país a utilização futura de
Assentamentos em debate 195
uma imensa riqueza, assegurando assim, às gerações futuras, melhores
condições de vida.
É importante assinalar que a conrução presente dea nova cidadania
acaba por inuir naquilo que as gerações futuras herdarão de nós em
termos de meio ambiente. Trata-se portanto de uma luta com conseqüên-
cias intergeracionais, que, por sinal, é o tempo mais apropriado para se
tratar de queões relativas ao meio ambiente.
Sabemos que o tempo para as soluções fundamentais, como por exem-
plo uma nova forma de apropriação da natureza, são intergeracionais e
apresentam diculdades, pois, como arma Boaventura de Sousa Santos:
O problema das soluções intergeracionais e que elas têm de ser executadas in-
trageracionalmente. Por io, os problemas que elas criam no presente em nome
de um futuro tendem a ser mais visíveis e certos que os problemas futuros que
elas pretendem resolver no presente.” ()
Por ea razão, temos trabalhado com a idéia de processo de conrução
de nova cidadania, que além de admitir que seu conteúdo e signicado
serão sempre denidos pela luta política, aceita também que a sua tem
-
poralidade é intergeracional. Portanto, a análise das variáveis socio-eco
-
nômico-ecológicas deve ser realizada em termos de longo prazo.
Também de longo prazo são as ações de diversos grupos sociais que
vêm praticando uma biotecnologia de caráter holíico, conituindo-se,
na verdade, como os reonsáveis pelo descobrimento e melhoramento
genético de uma série de plantas que hoje asseguram a possibilidade de
produção de alimentos e fármacos em escala mundial.
Já foi perfeitamente demonrado o processo de expropriação a que
foi e eão submetidos vários povos do Sul, que além dio eão sendo
deruídos física e/ou culturalmente, agora em novo patamar, mediante
a imposição da lei de patentes e propriedade inteleual.
Em síntese, a tese aqui defendida é que a possibilidade de romper ee
círculo opressor e explorador de populações deruidor de biodiversidade
e degradador de meio ambiente eá em conruir o processo de um
círculo libertário e solidário, mediante a reação em cadeia, não-linear, mas
dialética, de conrução hiórica, de uma cidadania radical. Esse processo,
196 NEAD Debate 
corporicado nos movimentos sociais, entre os quais, o movimento pela
reforma agrária, irá fazer com que a preocupação ambiental se torne uma
rerição direcionalao desenvolvimento tecnológico, implicando que
o ambiente seletivo aponte na direção da adoção, por parte dos empre
-
endimentos agrícolas (entre os quais os assentamentos), de inovações e
trajetórias tecnológicas que sejam ambientalmente limpas.
Esse processo também representa a inituição de uma outra sociabili-
dade, fundamentada em relações sociais mais igualitárias por um lado, e,
por outro, também reeitadora das diferenças, quer no campo biológico
(biodiversidade) ou social (sociodiversidade).
Quando a megadiversidade do Brasil não eiver sobre pressão de
desaparecimento ou degradação, incluindo as populações exientes,
certamente o país terá a possibilidade de contribuir para a eabilidade
da biosfera, de vários ecossiemas, para a paz mundial, em termos de
evitar conitos de origens ambientais, e satisfazer as necessidades hu-
manas fundamentais.
Os empreendimentos agrícolas, após adotarem inovações e trajetórias
tecnológicas ambientalmente limpas, earão em condições de utilizarem,
de forma mais apropriada, os recursos naturais, a energia e o meio ambiente.
Io signicará maiores possibilidades de colocação de seus produtos nos
mercados internacionais e aumento da sua competitividade.
Nesse contexto hipotético, porém já a caminho, um projeto nacional
de inserção do país de forma ativa no contexto internacional, deverá ear
fundamentado na visão de que seu suporte será a megadiversidade e a sua
competitividade eará ancorada na radicalidade da cidadania exiente
no país. Mas também é preciso deixar claro que, nea nova situação,
haverá a subituição, em termos de importância social e ideológica, da
competitividade pela solidariedade.
Utilizamos a expressão ‘já a caminhoporque concordamos com Boa-
ventura de Souza Santos quando expressa que no presente exiem dois
paradigmas: o capital-expansionia, ainda dominante, e o ecossocialia,
emergente, com as seguintes caraeríicas:
O desenvolvimento social afere-se pelo modo como são satisfeitas as necessida-
des humanas fundamentais e é tanto maior, globalmente, quanto mais diverso e
Assentamentos em debate 197
menos desigual; a natureza é a segunda natureza da sociedade e, como tal, sem
se confundir com ela, tão pouco lhe é descontínua; deve haver um erito equi-
líbrio entre três formas principais de propriedade: a individual, a comunitária e
a eatal; cada uma delas deve operar por atingir seus objetivos com um mínimo
de controle de trabalho de outrem.” ()
Segundo o referido autor, esse paradigma emergente vem se alimen-
tando de uma enorme diversidade de movimentos sociais e entidades
não-governamentais locais e transnacionais. Uma de suas caraeríicas
é de expandir a democracia na direção intertemporal e intergeracional.
Assume-se, então, que a proximidade do futuro é hoje tão intensa que
nenhum presente é democrático sem ele. Nee contexto se entende que a
democracia das relações eatais visa sobretudo a democracia das relações
intergeracionais e é em nome dea que a cooperação dos Eados é mais
imprescindível e urgente.
Na pereiva desse paradigma emergente, poderíamos dizer à so
-
ciedade suentável que o corporicaria se fundamenta numa economia
ecológica que utiliza os recursos naturais renováveis em velocidade que
não supere a taxa de renovação, e usa os recursos naturais não renováveis
em ritmo adequado à subituição desses, pelos recursos renováveis. É
claro que ea sociedade também vai produzir resíduos. Mas, o fará em
ritmo e quantidade em que os ecossiemas podem assimilar e reciclar.
Certamente, outra caraeríica dea sociedade será a rediribuição
dos recursos e da produção tanto entre a geração atual, como entre ea
e as seguintes, pois se sabe que tanto a concentração de riqueza quanto
a pobreza generalizada derói o ambiente. Assim sendo, ea é uma
sociedade que pleiteia a eqüidade com suentabilidade.
B
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Comentários sobre A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira
Hans Meliczek
Economista agrário. Instituto de Desenvolvimento
Rural, Universidade de Goettingen, Alemanha.
2.10
200 NEAD Debate 
A
P
roblemas de posse de terra no Brasil têm sido reconhecidos muito
tempo como uma das principais causas de conitos sociais no campo.
As atividades da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e os relatos da Secretaria Na-
cional da Comissão Paoral da Terra (CPT) têm continuamente atraído
a atenção sobre as conseqüências da diribuição desigual da propriedade
da terra. Os relatos têm expoo conitos violentos envolvendo queões
agrárias e a batalha feroz da população sem-terra para obtê-la.
Por outro lado, fontes ociais têm relatado realizações considerá-
veis na diribuição de terra para os sem-terra. Mais de meio milhão
de famílias têm recebido terras que foram objeto de reforma agrária
nos últimos  anos. Entretanto, o coeciente Gini de concentração de
terras mudou muito pouco e demonra que a diribuição da posse da
terra ainda é altamente desigual. Além disso, foi relatado que a situação
dos beneciados pela reforma agrária eá longe de ser satisfatória, que
o governo contou assentamentos fantasmase famílias abandonadas
após o seu assentamento na terra, que a qualidade da terra diribuída
têm sido marginal (Veiga, , p.) e que mais de  dos assentados
venderam ou abandonaram suas parcelas da reforma agrária.
Em via dessas informações contraditórias e devido à falta de dados
qualitativos conáveis sobre a situação real dos assentados pela reforma
agrária, a pesquisa é uma contribuição eciente para uma análise ob-
jetiva da reforma agrária e suas realizações. Com base em uma ampla
análise de mais de . assentamentos, o eudo chega à conclusão de
Assentamentos em debate 201
que a reforma tem sido bem-sucedida. A maioria dos beneciados eá
em melhor situação do que anteriormente. Eles gozam da dignidade
de viver em sua própria terra e da eabilidade que garante suas neces-
sidades básicas. Um número considerável de famílias tem superado a
linha da pobreza desde que obteve acesso à terra. Ademais, o eudo
revela que os indicadores de abandono e venda ilegal de lotes de terra
são insignicantes. Isso é ainda mais digno de louvor, considerando-se
que os assentamentos têm sido eabelecidos em terras anteriormente
improdutivas e por pessoas que tinham pouca ou nenhuma experiência
em adminirar sua própria produção.
Uma revelação muito signicativa do eudo é o alto valor do índice
de ecácia da reorganização fundiária, se comparado a outros índices
como o de qualidade de vida e o de ação operacional. Os autores chegam
à conclusão que, para os assentados, o acesso à terra é o aeo mais
importante da reforma agrária. É mais importante do que o acesso a outros
serviços adicionais, tais como saúde, educação ou crédito. Esse dado não
deverá, entretanto, levar à complacência por parte do governo. Para facilitar
o eabelecimento de assentamentos viáveis, o Eado deverá assegurar o
acesso dos assentados a outros mercados, incluindo o crédito, insumos
e tecnologia. Os autores enfatizam, com propriedade, a necessidade de
uma ação complementar do governo na implementação de projetos de
assentamento, e enfatizam que a diribuição de terras é apenas o pri-
meiro passo no processo de melhoria de vida da população rural pobre.
Enquanto o governo tem concentrado aagora a sua avaliação do pro
-
cesso de assentamento em aeos quantitativos, o eudo A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira se aprofunda mais e avalia a
situação socioeconômica dos beneciados pela reforma agrária. Ele pro
-
uma avaliação mais objetiva dos assentamentos. Geores de políticas
deverão sentir-se encorajados pelos resultados positivos dessa pesquisa
para dar continuidade e fortalecer o processo de reforma agrária no Brasil.
A
As sociedades rurais são, em sua maioria, comunidades integradas nas
quais os vários componentes da vida (agrícolas, não-agrícolas, econô-
202 NEAD Debate 
micos, sociais, políticos, religiosos e seculares) eão intimamente inter-
relacionados. Esses componentes não podem ser facilmente separados
uns dos outros. Esforços para medir o impao de mudanças induzidas
em tais sociedades, como, por exemplo, por meio da reforma agrária,
confrontam-se com ainda mais diculdades.
Além disso, o impao das políticas agrárias eá sujeito a fatores
externos, tais como condições do tempo e inuências do clima. A situa-
ção econômica geral de um país também tem repercussões importantes
sobre o impao da reforma agrária. Ea se reete na taxa de inação, na
eabilidade monetária, na formação de capital, na taxação, no índice de
inveimento privado, na provisão de subsídios e auxílios; e nos gaos
públicos em bens, serviços e infra-erutura.
Os autores eão cientes dessa situação e armam que foi impossível
isolar um fator eecíco que pudesse explicar a realização das metas
pretendidas. Para captar as imponderabilidades desses fatores, o eudo
utiliza muitos métodos de pesquisa. Com relação aos aeos sociais e
econômicos da reforma agrária, informações primárias são geralmente
coletadas em queionários preenchidos por tomadores de decisões. Essas
ferramentas são normalmente aplicadas aos beneciários da reforma e, às
vezes, também a proprietários de terras que foram afetados pela transfe-
rência de terras. A equipe de pesquisa deu um passo adiante. Ela deve ser
louvada por cobrir em suas enquetes não apenas as opiniões de adminis-
tradores (agentes sociais), mas também as dos beneciários imediatos da
reforma e dos líderes de associações nos assentamentos. Além disso, os
autores subdividiram os resultados de suas descobertas de acordo com
as regiões e superintendências regionais e com dois períodos diferentes
de tempo. Essa abordagem inclusiva amplia o âmbito da análise.
As entrevias foram realizadas por  agentes sociais. A colaboração
dos empreendedores sociais facilitou a comunicação com os entrevia-
dos pela exiência prévia de canais de comunicação entre ees grupos.
Apesar dos empreendedores terem sido selecionados fora de suas áreas
de atuação, não tendo assim contato prévio com os projetos de assenta
-
mento (PA) em que zeram as entrevias, parece haver, pelo menos para
um observador externo, dúvidas sobre a sua isenção e conabilidade de
suas entrevias uma vez que eles são funcionários do Inituto Nacional
Assentamentos em debate 203
de Colonização e Reforma Agrária (Incra), portanto, supoamente mais
inclinados no regiro de aeos positivos.
Além disso, o eudo não revela o número de pessoas em cada um
dos três grupos de entreviados, ou seja, se houve uma representação
signicativa dos empreendedores sociais.
Em relação ao processamento dos dados coletados, os autores usaram
formas diferentes de análise na conrução de cinco índices, abordando
a eciência da organização das terras, o padrão de vida, a organização
social, a qualidade ambiental e aeos operacionais. Esses são adequados
para a avaliação da qualidade dos assentamentos de reforma agrária. Os
parâmetros utilizados na conrução desses índices são muito amplos e
cobrem a maioria das queões importantes.
Com relação à informação sobre fatores indiretos que inuenciam a
qualidade dos assentamentos de reforma agrária e que não podem ser
obtidos satisfatoriamente por meio de queionários como a qualidade
do solo, o clima, o acesso e a densidade populacional –, os autores recor-
reram a fontes secundárias, como os censos agrícolas e demográcos do
Inituto Brasileiro de Geograa e Eatíica (IBGE), dados do Incra e
publicações do Miniério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Assim,
obtiveram sucesso em contextualizar a situação dos assentamentos dentro
da conjuntura mais ampla da situação geral.
Entretanto, a queão referente a se os assentamentos possuem algum
efeito macroeconômico, ocasionando mudanças no Produto Interno
Bruto (PIB), no abaecimento de alimentos para centros urbanos, no
comércio internacional e no inveimento na agricultura, ainda não foi
coberta. Embora uma análise dessa natureza tivesse sido bem-vinda, teria
ultrapassado o escopo do eudo. O mesmo se aplica a um levantamento
da reação de proprietários cujas terras tenham sido expropriadas.
Eu aprecio o empenho dos autores em procurar a objetividade. Ao
conatarem que o índice de ecácia da reorganização fundiária
apresen-
tava altos valores, os quais, em alguns casos, aproximavam-se da situação
ideal, eles se perguntaram se a capacidade dos assentamentos poderia
ter sido subeimada desde o início e se teria sido possível assentar um
número maior de famílias nos projetos.
204 NEAD Debate 
Considerando que as entrevias foram realizadas no assentamento,
e não com indivíduos assentados, os autores decidiram apresentar os
dados sobre renda familiar na forma de valores numéricos e o em forma
de índice. Eles reconhecem, entretanto, as limitações metodológicas de
uma análise de renda familiar para projetos inteiros, por meio de en-
trevias. Com base em minhas experiências na realização de pesquisas
de campo socioeconômicas, tenho dúvidas quanto a dados sobre renda
obtidos por meio de queionários e tendo a me basear muito mais em
indicadores secundários, como moradia, bens doméicos, presença das
crianças na escola, etc.
Enquanto os economias geralmente goam de buscar dados sobre
mudanças familiares para avaliar uma certa atividade, os autores não
caíram na armadilha de coletar dados supoamente acurados sobre a
renda familiar. Além disso, como eles demonram muito claramente,
freqüentemente não é o mero aumento da renda que importa para os
assentados, mas o senso de dignidade e orgulho que vem com a proprie
-
dade de um lote de terra.
Sem tentar diminuir a enorme quantidade de trabalho de pesquisa
com a realização de . entrevias, eu me pergunto por que não houve
uma tentativa de incluir na enquete um grupo de controle muito pequeno
de famílias sem-terra que não se beneciaram da reforma.
Q
A pesquisa é muito ampla e cobre muitos aeos de uma vericação de
impao da reforma agrária. Entretanto, de acordo com a minha opinião,
uma queão foi omitida. O eudo não deu a devida atenção às queões
de gênero. Não ca claro, a partir do eudo, até que ponto as mulheres se
beneciaram, se têm recebido terras da reforma agrária em seu próprio
direito e se elas podem dior (vender, doar, transferir ou hipotecar a terra
proveniente da reforma agrária). Enquanto o trabalho trata da importante
queão de conferir dignidade aos beneciados pela reforma, isso parece
aplicar-se implicitamente a todos os membros das famílias, uma análise
do atus das mulheres, quer sejam casadas ou solteiras (divorciadas,
separadas ou viúvas), parece ear faltando.
Assentamentos em debate 205
Um indicador suplementar do impao da reforma agrária teria sido
a percepção dos assentados com relão ao seu futuro. Considerando-se
que o eudo enfatiza a importância do aeo qualitativo, reoas a
essa queão relevante teriam dado um sabor adicional a esse excepcional
trabalho.
B
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of the Brazilian Agrarian reform proces
s. Land reform, land settlement
and cooperatives, n., p.-, .
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Land reform, land settlement and cooperatives, n. ,
p.-, .
Assentamentos rurais:
estabelecendo um diálogo entre
duas perspectivas de análise
Eliane Brenneisen
Doutora em Ciência Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
e professora de Sociologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
2.11
Assentamentos em debate 207
I
O
tema dos assentamentos rurais da reforma agrária vem recebendo a
atenção de diversos pesquisadores, sobretudo daqueles vinculados
ao campo das Ciências Sociais, os quais, por meio de esforços individuais
e coletivos, têm procurado, por meio de múltiplos ângulos e perei-
vas, desvendar aeos de uma temática que se apresenta controversa e
complexa. A título de exemplo, entre os esforços coletivos podemos citar
a coletânea organizada por Leonilde Medeiros
et alii (), que reuniu
os trabalhos de pesquisa discutidos no seminário “A problemática dos as
-
sentamentos rurais: uma visão multidisciplinar”; o conhecido trabalho de
pesquisa realizado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO, ) e o resultado de um seminário organizado para a
discussão desses dados (Romeiro et alii, ); o trabalho organizado por
Leonilde Medeiros e Sérgio Leite (); a pesquisa intitulada A vivência
da reforma agrária por populações assentadas: a pereiva do sujeito,
realizada sob a coordenação de José de Souza Martins (a) e, por m,
o eudo sobre os impaos dos assentamentos realizado por Sérgio Leite
et alii (). No que se refere aos trabalhos individuais, na impossibili-
dade de nominar todos esses esforços, apenas cito o trabalho de pesquisa
desenvolvido por Navarro () e as teses de doutoramento desenvolvidas
por Souza (), Pereira (), Brenneisen () e Caume ().
O trabalho de pesquisa coordenado por Gerd Sparovek, intitulado
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, soma-se
a essa empreitada que tem uma trajetória de quase  anos, desde os
1 Agradeço a Maria Aparecida de Moraes Silva e Leonilde Sérvolo de Medeiros pela leitura atenta
e comentários feitos à versão preliminar dee artigo. Contudo, a versão nal, incluindo interpre-
tações adotadas ou erros remanescentes, é de minha inteira reonsabilidade.
208 NEAD Debate 
primeiros assentamentos rurais inalados, mais precisamente a partir da
segunda metade da década de . Em via disso, faço uma observação
inicial, complementando o que fora informado na apresentação do livro
(Sparovek
et alii, , p.) de que “foi ncado um marco no meio da es-
trada, mas um marco a mais nessa erada que vem sendo percorrida por
outros pesquisadores, a partir de enfoques diversos, ao longo desses anos.
O trabalho de pesquisa acima referido é também considerado o mais
abrangente sobre a tetica
assentamentos rurais realizado a o presente
momento, uma vez que envolveu todos os assentamentos rurais inalados,
exceto aqueles que o haviam completado um ano. Não retirando os ritos
e os esforços empregados pelos pesquisadores, procurando apresentar uma
visão ampla da problemática em queão (e reondendo sucintamente
às três queões que nos foram colocadas), considero que os métodos ado-
tados metodologias quantitativas de pesquisa social embora ofereçam
um panorama geral da situação em que se encontram os assentamentos
rurais, por si só, não apresentam análises que abarquem a complexida-
de da tetica. Passa-se, assim, ao largo dos detalhes fundamentais à
compreensão dos processos sociais. As caraeríicas dessa modalidade
de pesquisa, fundamentada em dados quantitativos, não leva ainda em
consideração a grande diversidade cultural do país e os signicados dos
processos sociais para os atores envolvidos. Em função de seu cater
amplo, não conta, ainda, de reonder a dois aeos fundamentais
à compreensão da complexidade dos processos sociais: o
como e o porquê.
Considerando os aeos brevemente apontados e partindo da pers
-
peiva de análise que tenho adotado nas minhas pesquisas, aentão reali-
zadas, de metodologias qualitativas de pesquisa social, fundamentadas em
eudos de caso (pereiva a qual é importante frisar não a considero
a única a dar conta dos processos sociais, tampouco a mais relevante, uma
vez que também apresenta também limites dos mais diversos), procurar-
se-á, com as informações colhidas nessas pesquisas, cujas referências são
cinco eudos de caso realizados em assentamentos rurais localizados no
oee do Paraná, em épocas diintas, mais precisamente entre os anos de
-, e um eudo em andamento, também em assentamento rural em
processo de inalação, eabelecer um diálogo com o trabalho de pesquisa
intitulado A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira.
Assentamentos em debate 209
Contudo não se tem a pretensão de esgotar o assunto nos aeos que
aqui serão abordados. Procurar-se-á, tão somente, no eaço concedido,
à luz das pesquisas empíricas mencionadas e também de outros trabalhos
de pesquisa realizados, como os de Maria Aparecida de Moraes Silva
() e Sônia Barbosa Magalhães (), discutir aeos dos dados
obtidos na pesquisa citada no que se refere à reorganização fundiária;
apresentar, ainda, evidências empíricas da simbiótica relação que se tem
eabelecido entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST) e o Eado e, por m, discutir aeos relacionados aos índices
de articulação de organização social e de qualidade de vida.
R :
Os índices obtidos pela pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da Refor-
ma Agrária Brasileira no tocante à reorganização fundiária demonram
a ecácia governamental, quanto a esse aeo do programa de reforma
agrária desenvolvido até o ano de  Entretanto, os autores conata
-
ram a exiência de obáculos nesse processo (embora não signicativos
em termos numéricos) quanto ao dimensionamento da capacidade do
assentamento, à permanência de lotes abandonados, à ocorrência de aglu-
tinamento de lotes, à ocorrência de áreas remanescentes não parceladas
e à permanência da área útil para produção não explorada.
Os dados colhidos pelos autores apontam, em primeiro lugar, para a
possibilidade de erros de avaliação no dimensionamento de projetos, por
2 Paralelamente aos mecanismos de reorganização fundiária, por meio da realização de assentamentos
rurais, é mier ainda ressaltar as igualmente ecazes medidas que têm sido tomadas pelo Eado,
durante as últimas décadas, objetivando a retomada da geão do território nacional, como apro-
priadamente demonradas por José de Souza Martins (2000, p. 13-218), a partir de uma análise
que leva em consideração a compreensão hiórica daquilo que se convencionou chamar queão
agrária brasileira. Essas medidas de ampliação de retomada da geão do território, por meio de
regulamentações sobre a maneira de se utilizar a terra, da qual o Eado abrira mão com a Lei de
Terras de 180, eendem-se, como demonra o autor, das adotadas ainda no governo Getúlio
Vargas, legislando-se a reeito das terras da Marinha, passando pela criação do Eatuto da Terra
no ano de 193, às adotadas na vigência dos dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso,
como o cancelamento dos títulos de terras que não fossem passíveis de comprovação legal.
210 NEAD Debate 
parte do Inituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),
ocorrendo, em alguns casos, a alocação de um número de famílias além
da capacidade do assentamento, sobretudo no primeiro período eudado
(-). ainda uma variação nos números, dependendo da região.
Essa conatação conduziu os autores (Sparovek et alii, , p. -)
a uma tentativa de interpretação desses dados, o que os levou à busca
das possíveis causas para tal ocorrência entre elas, a atração exercida
sobre outras famílias com a inalação do assentamento, o mencionado
dimensionamento do projeto realizado de maneira equivocada pelo ór-
gão reonsável e a exiência de infra-erutura do assentamento como
fator de atração de outros parentes ou agregados. Contudo, a pesquisa
concluiu tendo em via o seu objetivo, que era o de gerar uma aná
-
lise preliminar dos dados que esse trabalho eecíco não permitiria
isolar um ou outro dado explicativo sobre a superação da capacidade de
assentamento nos projetos.
É nesse ponto eecíco que os eudos de caso ou eudos represen
-
tativos de uma dada realidade regional poderiam reonder de maneira
mais satisfatória a essa queão.
A título de exemplo, podemos citar o eudo de caso realizado por
Sônia Magalhães () em um assentamento rural localizado na região
sudee do eado do Pará. Nessa região encontram-se  dos projetos de
assentamento inalados no país, os quais, conituem, segundo a autora,
situações legítimas de reconhecimento de uma situação de reforma agrária
promovida pelos próprios agricultores quando ocuparam aquelas terras
ainda nas décadas de  e . Portanto, a hegemonia de um modelo de
processo de inalação de assentamentos de reforma agrária (acampamento
– desapropriação – assentamento), segundo a autora, não correonde a
essa realidade eecíca e tem contribuído para obscurecer a situação
social, de milhares de camponeses, cuja luta pela terra tem outros marcos
sociais, hióricos e eaciais” (Magalhães, , p.).
Nesse caso eecíco, a ação por parte do Eado não eava sendo
vivenciada por eles como reforma agrária, mas como mais uma ação no
âmbito da conquia dos direitos (uma concepção de direito à terra, ge
-
rada pelo trabalho sobre a terra nua) e os benefícios creditícios advindos
desse processo, como mais um projeto implantado no local, como tantos
Assentamentos em debate 211
outros que ali ocorreram anteriormente, seja por parte dos sindicatos
ou organizações não-governamentais (ONG), que desenvolveram ações
dessa natureza naquele local, quando esses agricultores ainda eram efe
-
tivamente posseiros da área.
Um outro aeo apontado nessa pesquisa, e relacionado às men-
cionadas regras consuetudinárias próprias dessas populações, refere-se
juamente ao fracionamento de lotes ocorrido nesse local, detalhadamente
demonrado pela autora. Segundo documentos do Incra datados de ,
havia, no local,  lotes familiares de  heares. Documentos poeriores,
do ano de , informavam a exiência de  lotes familiares. em
, no levantamento realizado pela autora, conatou-se a exiência de
 lotes familiares, oito fazendas e dois lotes não-familiares, indicando
tanto a subdivisão de lotes entre os próprios agricultores como também
entre outros grupos sociais externos ao assentamento, por meio do que
se convencionou chamar de processo sucessivo de “venda de direitos.
Essas transações, como se sabe, são eabelecidas de acordo com regras
próprias, sem nenhum documento comprobatório de compra e venda
de uma parte dos lotes pelos agricultores beneciários de políticas de
reforma agrária, ocorrendo, em decorrência disso, o não reconhecimento
desses lotes pelo Incra, mesmo porque se tratam de procedimentos ilegais.
A esse reeito a autora assinala: “Pode-se concluir, pois, que boa parte da
guerra dos números […] não é resultado apenas da data do levantamento
e/ou dinâmica demográca, ou mesmo da ineciência do levantamento
realizado por aquele Inituto, mas, também, da forma pela qual a inserção
daquelas famílias é reconhecida naquele universo. O processo de regula-
rização fundiária ocorrido naquele local, como antes citado, eava sendo
compreendido por aquela população como um direito a mais um projeto,
à semelhança dos que foram experienciados anteriormente. Assim o fra-
cionamento antecipado dos lotes entre os membros da unidade familiar,
como observado pela autora, pode ter se dado por uma busca de ampliação
daquilo que é considerado um direito: o acesso aos benefícios creditícios,
como fomento e habitação concedidos aos beneciários do programa de
reforma agrária. Considerando os aeos culturais apontados, a autora
levanta ainda a hipótese de que os próprios camponeses, a partir do seu
universo, tentem assegurar não apenas a melhoria das condições de vida
212 NEAD Debate 
no presente, mas também prevenir o futuro dos lhos, e até dos netos, que
já antevêem como difícil, em um contexto de esgotamento da terra livre.
Nesse sentido, atualizam a propriedade da terra, por meio do recurso da
partilha” (Magalhães, , p.).
Outro aeo a se considerar, associado ao observado por Magalhães,
refere-se à maneira como o órgão reonsável pela reforma agrária, bem
como os agentes de mediação concebem o beneciário da reforma agrária,
ou seja, a partir de uma ótica que tem por referência a família nuclear. Nos
assentamentos rurais a realidade é outra: a referência hiórica e cultural
para esses grupos tem sido a da família extensa. Em síntese, como apro
-
priadamente observa Martins, o sujeito mesmo da reforma agrária é outro:
O sujeito, portanto, da reforma agrária brasileira tem um núcleo basicamente
familiar, e de família extensa. Abrange mais de uma geração e de modo algum
pode ser pensado como família nuclear conituída pelo casal e pelos lhos
menores, como curiosamente eimam amesmo agentes de mediação profun-
damente envolvidos na luta pela reforma agrária. A família que eá na cabeça
de acampados e assentados é uma inituição ampla e complexa e nem mesmo
se limita a parentesco de sangue. É uma rede de direitos e deveres referidos às
obrigações dos vínculos de sangue e também dos vínculos sagrados da anida-
de e do parentesco simbólico. Inclui até mesmo a velha Figura do agregado e
protegido.” (Martins, b, p. )
O conhecimento das eecicidades hióricas e culturais reonde
de maneira mais satisfatória a aeos relativos aos índices de ecácia
da reorganização fundiária, além de servir de orientação para a ação
dos agentes governamentais ou mediadores do movimento. Ou seja, os
números precisam ser interpretados à luz de outras metodologias de
pesquisa, que, levando-se em consideração o contexto sociocultural em
que se encontram inalados esses assentamentos, permitam uma inter
-
pretação mais abrangente desses dados.
Um segundo dado utilizado para a vericação do índice de ecácia
de reorganização fundiária foi o levantamento da área útil o explorada.
Os dados colhidos demonram, nos dois períodos eudados, que esse
foi o fator de maior contribuição para a depleção do referido índice,
Assentamentos em debate 213
levando os autores à hipótese de que houve inclusão de áreas inaptas à
exploração agrícola na área útil do projeto. Em pesquisa realizada no
oee paranaense (Brenneisen, ) em um assentamento rural inalado
no ano de  (assentamento Vitória), foi conatada a exiência de
lotes impróprios à atividade agrícola. A ocorrência desse fato deve-se à
própria pressão do MST à época, tendo em via a demanda, para que
um número maior de famílias fosse inalado naquele local. Passados 
anos da criação do assentamento, na tentativa de equacionar a queão,
o Incra eava realizando a transferência dessas famílias para outros
projetos de assentamento em processo de inalação na região. A menção
a esse dado, não isentando o Eado de sua reonsabilidade, uma vez
que deveria pautar suas ações não por pressão, mas por uma avaliação
criteriosa e racional, demonra que somente eudos fundamentados
em outras metodologias permitiria, de fato, reonder de maneira sa
-
tisfatória à real motivação da ocorrência de áreas úteis não exploradas
nos assentamentos rurais. Tais reoas por certo o seriam únicas,
dadas as apontadas diferenciações regionais e eecicidades locais.
Um outro dado apontado pela pesquisa
A Qualidade dos Assentamen-
tos na Reforma Agrária Brasileira que também contribui para a depleção,
embora não considerado signicativo, refere-se à aglutinação de lotes,
fator que, mesmo não sendo expressivo em termos numéricos, trata-se
de aeo que precisa ser considerado pelo Eado, pois coloca em xe
-
que o próprio signicado da reforma agrária – o da desconcentração da
propriedade da terra. A pesquisa realizada por Magalhães (, p.),
mencionada acima, realizada no Pará (juamente o eado em que a
pesquisa A Qualidade dos Assentamentos na Reforma Agrária Brasileira
demonrou a ocorrência no período - de um índice de  no
que se refere à aglutinação de lotes), conatou, naquele assentamento,
embora a regra tenha sido a do fracionamento de lotes, a exiência de
oito fazendas e dois lotes não familiares, obtidos por meio do mecanismo
de compra dos direitos, além de uma chácara, cujo lote havia sido adqui-
rido por um vereador. Fatos como esse, lamentavelmente, não são uma
exceção e escapam aos objetivos da reforma agrária, demandando uma
intervenção rápida e ecaz por parte do Incra, o que, infelizmente, não
vem ocorrendo, ou pelo menos, não com a agilidade e precisão eeradas.
214 NEAD Debate 
Um outro aeo não incluso na pesquisa sobre a qualidade dos
assentamentos e que igualmente descaraeriza a reforma agrária é
a prática, obviamente ilegal, de arrendamento de terras, observada em
determinados assentamentos rurais, inclusive em assentamentos do oes
-
te e sudoee paranaenses, para car no âmbito das conatações feitas
a partir de pesquisas nesses locais, embora tratando-se ainda de casos
isolados, como ocorre no assentamento Ireno Alves, localizado em Rio
Bonito do Iguaçu, aentão o maior assentamento da América Latina,
com cerca de  famílias inaladas.
O eudo realizado por Maria Aparecida de Moraes Silva () no
assentamento Bela Via, oee de o Paulo, cujas terras pertenciam
anteriormente a usineiros (família Morganti), de maneira mais con-
tundente, evidencia práticas dessa natureza, ou seja, o arrendamento de
terras deinadas à reforma agrária. A pesquisa demonrou que, num
universo de  lotes,  deles desenvolviam a cana-de-açúcar, uma cultura,
conforme se referiu a autora, proibida e ao mesmo tempo consentida,
em virtude da poura até então adotada pelo Incra, de total omissão em
relação a atos ilícitos como esse (Silva, , p. ). A adesão à cultura
da cana por parte de alguns assentados e a recusa veemente de outros,
desencadeando a ocorrência de conitos internos, que se relacionam à
maneira como se deu o processo de incorporação das famílias à área,
pertencentes a três grupos diintos; processo esse marcado por uma
hiória conituosa com reexos na organização do assentamento na
atualidade. Os que se opunham à presença dos usineiros no local com
a cultura da cana compreendiam o seu real signicado: o da descarae
-
rização da reforma agrária, cujo objetivo primordial, segundo eles, era
o do desenvolvimento da agricultura familiar. Esse aeo apresenta-se
relevante embora não considerado no índice de reorganização fundiária,
uma vez que é demonrativo da maneira como o capital agroindurial
se apropria dos mecanismos de reorganização fundiária, ampliando
assim seus lucros, via arrendamento de terras, mecanismo que vale
frisar ocorre porque conivência do Inituto reonsável pela
inalação dos assentamentos.
Um quinto aeo que também contribui para a depleção do índice de
ecácia da reorganização fundiária de acordo com a pesquisa A Qualidade
Assentamentos em debate 215
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira é a ocorrência de lotes
vagos, embora tal ocorrência tenha se revelado mínima, com incidência
mais signicativa nos eados do Amae Amazonas. No oee do Paraná,
nos assentamentos inveigados ao presente momento, não se vericou
a ocorrência de lotes vagos. Por outro lado, um outro aeo veri-
cado, mas não contemplado na pesquisa
A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira, que é o da desenfreada prática da “venda
de direitossobre o lote. Essa prática associada ao arrendamento de
terras ainda que considerada pouco signicativa em termos percen-
tuais, deveria, de alguma maneira, ao se tratar da ecácia da reorgani-
zação fundiária, ter sido levada em consideração na pesquisa realizada.
É importante, porém, assinalar que a prática da “venda de lotesobser
-
vada nos assentamentos do oee do Paraná é diversa da ocorrida no sul
do Pará. Na pesquisa realizada por Magalhães (), como vio anterior
-
mente, embora tenham sido vericados casos de venda para terceiros, a
recorrência ali era mesmo a da subdivisão dos lotes no interior do grupo
familiar. No oee do eado do Paraná, lamentavelmente, a venda era para
terceiros e realizada integralmente. Mais que isso, em todos os assenta-
mentos eudados vericaram-se pticas dessa natureza, sendo, inclusive,
motivo de conitos entre assentados e direção do MST, que se opunha a
elas, juamente por serem contrárias aos objetivos da reforma agria.
No assentamento Sávio Dois-Vizinhos, um dos primeiros inalados
no eado, no ano de  (Brenneisen, ), mesmo a direção do MST
3 No momento que escrevo essas linhas, a Folha de São Paulo publica uma matéria revelando que
% das famílias assentadas em 2003, portanto, durante o primeiro ano do governo Lula, eavam
sendo assentadas em áreas desapropriadas em geões anteriores, ou seja, das 3,8 mil famílias
assentadas no ano de 2003, 2, mil foram acomodadas em lotes vagos, desses, %, num montante
de 24 mil famílias, foram assentadas na Amazônia Legal, juamente nas áreas de maior ocorrên-
cia de lotes vagos evidenciados pela pesquisa A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira. Embora seja queionável incluir medidas como essas no cômputo dos assentamentos
rurais realizados no ano de 2003, fator queionado pelo jornal e também pelo MST (razão das
manifeações que ora ocorrem nesse mês de abril, ou seja, ocupações coordenadas em todo
território nacional em decorrência do número ínmo de assentamentos realizados até o presente
momento), essa não deixa de ser uma medida racional por parte do Eado, contribuindo para
uma melhor ecácia no que se refere à reorganização fundiária. Cf. Scolese, Eduardo. Lula faz
assentamento em projetos antigos, Folha de São Paulo,  de abril de 2004.
216 NEAD Debate 
opondo-se à ocorrência de fatos dessa natureza, a maioria dos agricultores
assentados concordaram com esse procedimento, argumentando que
os que compraram os direitos também eram sem-terra, também encon-
travam-se derovidos de meios de trabalho pelas atividades exercidas
anteriormente.
A pesquisa de campo realizada no local, no ano de , conatou
que, das  famílias, nove haviam comprado o direito sobre os lotes. Esses
direitos compreendiam principalmente não só as benfeitorias realizadas,
mas também o direito adquirido originalmente por parte do assentado por
ter conquiado aquela área; um direito, conforme argumentavam, adqui-
rido pelo sofrimento experimentado ao viver debaixo de lonas meses a o.
Munidos dessa lógica, enfrentaram as lideranças do MST quando essas
procuravam meios de coibir a prática, retirando do local os novos ocupantes.
Por outro lado, a acolhida desses, por parte de um número signicativo
de agricultores assentados, deve-se ao fato de serem pessoas conhecidas
e pertencentes à mesma região. Conituem-se valores fundamentais para
essas populações tanto as relações previamente eabelecidas quanto as
relações de conança dela decorrentes; por isso, há uma certa resiência
com relação à vinda de famílias de outra localidade, imbuídas, conse-
qüentemente, de pereivas ou referências culturais diversas das deles.
Em parte, essa resiência fundamenta-se no fato de que, quando
ocuparam aquelas terras, foram considerados invasores pela comunidade
local e indivíduos que agiam à margem da legalidade. Em virtude disso,
não possuíam algo que lhes é valioso: crédito nas casas de comércio, nas
vendas, localizadas na vizinhança. Após a efetivação do assentamento
tiveram que, a muito cuo, “provar” sua honeidade, até serem aceitos
no seio da comunidade local. A conquia da conança dos agricultores
vizinhos e comerciantes locais lhes era muito cara. A vinda de desco-
nhecidospoderia colocar em risco a coesão, fragmentada e embrionária
do grupo, e, principalmente, a “imagem” conruída durante esses anos
perante a comunidade local.
4 Dos que compraram os direitos, cinco deles haviam exercido anteriormente a função de arrenda-
tários; um havia sido bóia-fria; um, comerciante de madeiras e carpinteiro; um outro, pequeno
proprietário agrícola e outro, motoria de ônibus urbano. Esse último continuou exercendo a
função paralelamente à atividade agrícola.
Assentamentos em debate 217
No assentamento Ireno Alves, inalado em , citado, a situação
é mais grave. Além da ocorrência de arrendamento de terras, verica-se
a prática desenfreada da “venda de direitossobre os lotes. Segundo
minucioso levantamento feito no local pelo Incra, dos  lotes exis-
tentes, encontravam-se irregulares. Desses, correondiam a
permutas irregulares,  foram adquiridos por meio de compra por
famílias vindas de outras localidades, cinco lotes foram comprados por
ex-beneciários da reforma agrária provenientes de outros Projetos de
Assentamento (PA), e sete comprados por parceleiros que tinham lotes
dentro do próprio assentamento. Esses números, entre outros fatores,
são reveladores da incorporação, na época do assentamento, de famílias
desvinculadas do signicado e sentido mesmo da reforma agrária, de-
monrando deciências no próprio processo de seleção dos candidatos
a parcelas de terra nesse programa.
O levantamento feito pelo Incra objetivava regularizar a situação penden-
te dos que haviam adquirido o lote por meio de compra no assentamento
Ireno Alves. Segundo informações colhidas nesse órgão, apenas cerca de
 famílias, das  que haviam adquirido terras por esse meio, não se
enquadrariam como beneciárias. Embora se trate de uma situação de
difícil solução, com esse procedimento, que vem sendo adotado de longa
data o de regularizar a situação dos que adentraram ao assentamento por
meios ilícitos – o Eado acaba juamente por legitimar uma prática, que,
em última inância, depõe contra o processo de reforma agria, além,
evidentemente, de depor contra o próprio Eado, reonsável pela política
de assentamentos rurais. A atual executora do Incra, Unidade Avançada
Iguaçu (UAI), ao ser queionada sobre os procedimentos que seriam to
-
mados por esse órgão quando à situação ali inalada, reondeu:
O Ireno Alves é o raio x da reforma agrária no Brasil […] Fizemos um diagnóico
no Ireno Alves e earemos na próxima semana levando algumas decisões. Na
semana que vem eu vou lá, vou fazer uma reunião, com a comunidade e vamos
ser bem claros com eles: A partir de hoje mudamos algumas regras e vocês
Dados obtidos em consulta ao documento “Diagnóico do projeto de assentamento Ireno Alves
dos Santos, municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Nova Laranjeiras, setembro de 2003.
Entrevia concedida pela executora dessa unidade, no dia 19 de março de 2004.
218 NEAD Debate 
vão colaborar com esse processo. Porque as famílias que eão lá hoje também
querem que pare […] então vamos fazer um pao lá com eles. Nós vamos criar
um grupo geor dentro de cada comunidade para que essas pessoas possam
assumir, assim cada vez que alguém novo vai chegar no lote ou vai vender, que
sejam consultados e que essas famílias possam orientar. Nós não vamos permi-
tir mais a venda de lotes a partir do momento que nós vamos regularizar.[…]
Primeiro vamos deixar claro a nova forma, o que nós pensamos da reforma
agrária, que forma que nós queremos trabalhar e depois quem se indior com
as determinações do Incra nós vamos tirar. Nós vamos tirar, isso é uma decisão
discutida com os funcionários do Incra, com essas pessoas que têm uma
ligação com o campo, discutida já com o MST e nós precisamos dar esse realdo
para a sociedade. Nós precisamos melhorar a imagem da reforma agrária para
com a sociedade e precisamos dizer que a reforma agrária dá certo!”
Infelizmente, uma queão complexa como essa não será resolvida
apenas por meio de paos entre assentados e geores do Incra. Uma
vez ocorrida a regularização dos lotes, embora saiba, reitero, tratar-se de
uma situação difícil de ser equacionada, muito provavelmente o Incra não
conseguirá coibir novos casos, o nesse assentamento, mas nos demais
assentamentos da região. Como se sabe, de boca a boca, a notícia corre.
Os aeos apresentados anteriormente evidenciam, por parte do
órgão geor da reforma agrária, diculdades na condução desse processo
e no cumprimento de suas atribuições, aeos esses que se encontram,
muitas vezes, para além do índice de ecácia de reorganização fundiária
passíveis de serem computados. Mais que isso, a atuação decitária desse
órgão, associada a uma eranha simbiose eabelecida com o principal
movimento social de luta pela reforma agrária, tem trazido para os as
-
sentamentos rurais, e para os sujeitos sociais envolvidos nesse processo,
conseqüências de matizes diversos, assunto que se abordará a seguir.
O MST E:
A emergência do MST no cenário político brasileiro conitui um fenômeno
inusitado impondo, no que se refere à reforma agrária, novas relações
Assentamentos em debate 219
entre sociedade civil e Eado. Na verdade, esse processo vem ocor-
rendo, não só no âmbito eecíco da reforma agrária, mas também em
outros campos de atuação, principalmente com o m da ditadura militar,
o fortalecimento da sociedade civil e os processos de modernização que
têm sido experimentados pelo Eado brasileiro nas últimas décadas. No
entanto, essas mudanças, como demonrado por Martins (), não
têm sido assim compreendidas ou dimensionadas pelo principal prota
-
gonia dessa causa, ou seja, pelo MST. A esse reeito, o autor, embora
reconhecendo a importância desse movimento social mobilizando os
demandantes de terra para reforma agrária, e até mesmo atuando junto
aos assentamentos rurais (atuação essa infelizmente permeada por am
-
bigüidades como se verá abaixo) arma:
“[…] é lamentável que haja tantas diculdades para que os movimentos sociais
e o Eado se completem nesse papel de transformação social que pode, de fato,
trazer a nossa sociedade para o mundo moderno e fazê-lo como juo benefício
para todos. Lamentável, também porque ao subeimar a tese da relação dinâ-
mica e criativa entre sociedade e Eado, trabalham com a pressuposição de que
ao Eado se opõe um Eado partidário, ício e potencialmente outro. […]
Abrem mão, assim, juamente daquilo que são e daquilo que mais inovador
representam nessa quadra hiórica. (Martins, , p.)
Se, por um lado, o há uma compreensão, em sentido mais amplo, das
novas oportunidades abertas na relação, sobretudo de complementaridade
entre sociedade civil e Eado, por outro, no nível microssocial, esse movi-
mento tem eabelecido uma relação simbiótica, no âmbito mais rerito
(ali de fato onde acontecem os processos de inalação dos assentamentos
rurais), com o principal órgão reonsável pelos processos de reforma
agrária ou por meio da relação eabelecida com os funcionários desse
órgão, embora não se saiba, como tenho armado (Brenneisen, , p.)
quais as reais motivações para as atitudes tomadas. Ao longo desses  anos
realizando pesquisas no oee paranaense, tenho conatado situações de
conito em assentamentos rurais, situações cujo acirramento é proveniente
da poura adotada pelo Incra, senão no papel de inituição, pela poura
de parte de seus funcionários, cuja atuação, pela complexidade mesmo
220 NEAD Debate 
desses processos sociais, acontece muito antes da efetiva inalação do
projeto de assentamento, ou seja, acontece quando ainda se trata de uma
ocupação, momento em que, via de regra, se dão as denições quanto
à seleção dos beneciários e denições propriamente organizacionais.
Exemplo disso foi a conatação feita em pesquisa de campo da transfe-
rência realizada pela direção do MST, mediada pelo Incra ou funcionários
do Incra, ainda que extra-ocialmente (pois na época tratava-se ainda
de uma ocupação), de sete novas famílias já assentadas em outra locali
-
dade para dirigirem uma Cooperativa de Produção Agropecuária (CPA)
no atual assentamento Verdum, localizado no município de Lindoee.
Essa transferência se deu em decorrência de conitos surgidos frente às
tentativas naquele local de desenvolvimento de formatos organizacio-
nais coletivias. Com a vinda das novas famílias houve a tentativa de
expulsão daqueles que haviam rompido com o projeto cooperativia e
delimitado área individual para si e suas famílias. A medida tomada no
sentido de salvar o empreendimento, como era de se eerar, não logrou
êxito. Em vez disso, acirrou os conitos exientes, conduzindo, por
m, à dissolução da CPA ante às resiências dos agricultores da base a
um modelo organizacional avesso às suas hiórias culturais. Uma vez
dissolvida a cooperativa, novos problemas surgiram. Com a vinda das sete
novas famílias, o número excedia o que a área comportava ( famílias).
Por ocasião da inalação efetiva dos agricultores na área, o Incra decidiu,
então, pela realização de uma seleção por sorteio. Um agricultor não
contemplado nas duas seleções realizadas no local desabafou:
Teve duas seleções e eu rodei perante o Incra, perante o movimento (…) Eram os
dois, o Incra fazendo o que o movimento queria…porque exie manobra dentro
de um assentamento, dentro de uma organização e eu caí nessa, em duas seleções
eu rodei, dando lugar para quem não tinha direito. eu enfrentei! Porque o
movimento somos nós mesmos e aí eles vêm com as leis deles lá […].
Denições organizacionais dessa natureza, ocialmente somente se dariam por ocasião da elaboração
do Plano de Desenvolvimento Suentável do Assentamento (PDA). Na prática, mesmo porque a
realidade apresenta-se mais dinâmica, para além dos planejamentos ociais, não é isso que tem
ocorrido. Os projetos têm sido denidos de antemão ocorrendo tentativas de enquadramento de
agricultores da base, sobretudo no tocante à modalidade organizacional já previamente denida.
Assentamentos em debate 221
O enfrentamento por parte desse agricultor garantiu sua permanência
na área, porém outros agricultores tiveram que deixar o local. Ocuparam
seus lugares, conforme seus relatos, famílias sem direito à área, que
vieram de outras localidades à revelia deles.
Por motivações como essas é que se pode entender o porquê da resiên-
cia dos agricultores da base do movimento ao Incra e, conseqüentemente,
aos representantes desse órgão, ou seja, aos funcionários que atuam nos
assentamentos. Maria Aparecida de Moraes (, p.) em pesquisa
citada anteriormente, também conatou pouras similares: o Incra era
vio como inimigo dos assentados juamente pela conivência desse órgão
com as irregularidades ali cometidas no tocante ao arrendamento de terras.
Um outro aeo também evidenciado em pesquisas realizadas em
assentamentos rurais, dea feita no assentamento Sepé Tiaraju, localizado
no município de Santa Teresa do Oee (Brenneisen, , p.-), refere-
se aos processos de seleção dos beneciários da reforma agrária. Como
tenho assinalado, o reonsável ocial pelo processo de seleção é o Incra,
mas na prática tem sido a direção do MST. Nesse local, eecialmente em
decorrência de decisões organizacionais semicoletivas e também de uma
escolha produtiva (suinocultura), também de antemão denida para
aquele local, as  famílias ocupantes da área foram minuciosamente se
-
lecionadas pela coordenação regional do MST. O Incra apenas conrmou,
após conferir se os ocupantes se enquadravam nos pré-requisitos exigidos,
permitindo, inclusive, que um menor fosse assentado, utilizando-se de
nome de terceiro. Na área, foram ainda assentados cinco agricultores
solteiros, três deles de uma mesma família, lhos de uma liderança do
MST assentada em outra localidade e, na época, presidente da Coopera
-
tiva de Comercialização e Reforma Agrária do Oee do Paraná (Coara).
Além dos aeos próprios de reprodução do clientelismo, que benecia
a parentela, juamente no interior de um movimento social que deveria
combater práticas dessa natureza, o conhecimento desse procedimento
(além do queionamento como um todo do processo de seleção ocorri
-
do ali), nos levou também a reetir (Brenneisen, , p.) sobre quais
eariam sendo as prioridades nos processos de seleção dos beneciários,
uma vez que, segundo dados do próprio movimento, naquele ano, exiiam
cerca de  mil famílias acampadas em todo o eado do Paraná.
222 NEAD Debate 
Procedimentos ilícitos, sejam por parte da direção do MST, sejam por
parte do Incra, não se limitam a esse aeo. Outros, se não ilícitos, de
credenciais democráticas duvidosas, eendem-se à modalidade organi
-
zacional denida
a priori para aquele local e às mudanças nas “regras do
jogoocorridas no decorrer do processo. Dea feita, a direção regional do
MST, e a direção eadual, redeniram o planejamento inicial, optando
por deinar toda a área à organização coletiva (não mais semicoletiva
como havia sido propoo) juntamente com a inalação no local de uma
agrovila. Deniram ainda a produção (suinocultura) e passaram a exercer
pressão sobre os agricultores para que se ajuassem às novas denições.
A participação do Incra nesse processo é negada pelos entreviados no
órgão, seja por aqueles que ocupam cargos de chea, seja por aqueles que
exercem atuação direta nos projetos de assentamentos, ocorrida somente
após imissão de posse da área, pelo menos ocialmente. Porém, essa par-
ticipação é reiterada pelos agricultores. Demonrando o que armo, vale
aqui reproduzir o depoimento de um agricultor sobre de onde partiam
pressões para que se ajuassem às novas denições:
O Incra vinha e dava pressão […] que quem não queria o coletivo dava h para
desocupar a área […]. Eles eram vendidos pra turma do movimento. Eles então
vinham e colocavam todos nós contra a parede. Nós seis, no caso, então nós seis
cávamos na parede, meio obrigados porque eu vim pra cá na realidade pra ser
 no coletivo e  no individual. Daí quando eu cheguei aqui era !?”
A armação de que eles eram “vendidos para a turma do movimentoé
reveladora de aeos desse complexo quadro ou dessa simbiótica relação
eabelecida entre MST e o Eado, por intermédio do organismo eatal
reonsável pela inalação dos assentamentos rurais. Relação, como tenho
8 Essa escolha produtiva, suinocultura, deve-se às tentativas de se colocar em funcionamento um
frigoríco para abates de suínos conruído com recursos eecícos do Incra para esse m e
recursos de uma ONG belga. Para que o frigoríco seja colocado em atividade, torna-se necessário
um volume de produção que juique economicamente seu funcionamento. Por outro lado, os
agricultores assentados têm se recusado a essa atividade, tendo como juicativa a baixa rentabi-
lidade da suinocultura na atualidade. Mais que isso, sentem-se desobrigados a arcar com o ônus
de planejamentos equivocados.
Assentamentos em debate 223
demonrado, de difícil apreensão (Brenneisen, , p.-), no sentido
de saber qual a real motivação dos agentes governamentais quando optam
por atitudes como as demonradas. Atuação essa que, reitero, não se limita
aos funcionários considerados subalternos, como se poderia supor, mas
atingindo geores desse órgão. Aliás, nesse caso, embora se saiba que as
denições organizacionais, como as aludidas, partem mesmo do MST,
segundo uma liderança regional entreviada, a propoa semicoletiva
teve origem na sugeão do executor do Incra, Unidade Avançada Paraná
(UAP), sediada no município de Cascavel. Seja qual for a motivação real
dessas escolhas, econômicas ou ideológicas, ou de acintosa complacência
com o que deseja a direção do MST (ea sim, muito mais clara, para
além de escolhas econômicas, mas político-ideológicas, na busca de um
socialismo, cujos contornos são muito pouco explicitados e de controle
mesmo sobre as áreas reformadas), demonram, de qualquer maneira, o
cabal desconhecimento do universo sociocultural em que atuam, provo-
cando, com esses intentos, conitos dos mais diversos, esfacelando, como
tenho demonrado, a já tão frágil coesão social dos grupos.
No que se refere eecicamente aos funcionários (empreendedores
sociais) que, a partir da reeruturação do órgão denominada “O novo
Incrapassaram a reonsabilizar-se pela inalação dos projetos de
assentamento, torna-se necessário situá-los nesse contexto para melhor
compreender o quadro referendado por pesquisas empíricas, sucinta-
mente aqui apresentado.
Essa nova função técnica foi criada em , portanto durante o segun-
do mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (mais precisamente,
no dia  de julho de , quando foi lançado, pelo governo federal, o
Programa Empreendedores Sociais). No entanto, a criação dessa nova
função não se fez acompanhar de novas vagas ou vagas eecícas para o
seu exercício (por sinal, o último concurso realizado por esse órgão data
224 NEAD Debate 
do ano de ), tampouco exigiu-se dos candidatos o preparo adequado.
Esses foram recrutados no próprio quadro de servidores desse órgão, por
meio de um tee seletivo interno, em que o único requisito exigido dos
candidatos, segundo informações colhidas junto a esses técnicos, era o
de que possuíssem certicado de conclusão do ensino médio. Com esse
procedimento foram selecionados  servidores no eado do Paraná. De
acordo com os documentos consultados, e entrevias realizadas com
esses técnicos, as atribuições dos empreendedores sociais são amplas
e correondem ao acompanhamento do projeto de assentamento em
todas as suas fases – inalação, consolidação e emancipação.
Caberia a eles a adminiração de aeos burocráticos de inalação
do projeto de assentamento, orientação e adminiração das linhas de cré-
dito e o trabalho propriamente político como elo entre o PA e a prefeitura
do município em que se encontram inalados os assentamentos sob sua
reonsabilidade. Segundo documentos do Incra, o empreendedor social
atuará potencializando e dando suentabilidade às ações do Miniério
e do Incra, fazendo a articulação político-initucional em nível local,
vericando e avaliando os fatores críticos dos projetos de assentamento
e fazendo geões para solucioná-los. Ou, segundo um outro documento,
os empreendedores sociais “são funcionários do Incra treinados para o
desempenho das atividades eecícas. Eles fomentarão a integração das
ações do desenvolvimento agrário nas localidades, sensibilizando e arti-
9 A Confederação Nacional dos Servidores do Incra (Cnasi) lançou recentemente um manifeo
exigindo do governo federal reeruturação dos serviços e carreiras e a realização de concurso
público para suprimento das vagas exientes. Cf. Cnasi. Manifeo da Confederação Nacional dos
Servidores do Incra, Brasília, 2 de março de 2004. Obviamente que essas contratações devem ser
muito bem eudadas e não se aplicam indiintamente para todo o território nacional, devendo
ser canalizadas para regiões onde efetivamente exia a possibilidade de desapropriações de terra
para ns de reforma agrária. Outra denição torna-se necessária antes da referida decisão, ou seja,
a condução da política de reforma agrária permanecerá centralizada no âmbito do governo federal
ou optar-se-á pela descentralização, dividindo reonsabilidades com eados e municípios?
10 MDA/Incra Empreendedor social. Trabalhando lado a lado, o Incra e o homem do campo vão
plantar parceria e colher cidadania. s/d.
11 Entrevias, realizadas em julho de 2001, com três técnicos que exerciam a função de empreendedor
social no Incra/Unidade Avançada Paraná, município de Cascavel – Paraná.
Assentamentos em debate 225
culando inituições governamentais, não-governamentais, movimentos
sociais, órgãos técnicos e sociedade civil.
Embora os documentos armem que esses funcionários são ou seriam
treinados ou que passariam por um processo de recapacitação, na prática
isso não ocorreu ou, digamos assim, não ocorreu satisfatoriamente. No
caso dos funcionários do Sul do país, uma vez selecionados, passaram
por um processo de treinamento de apenas duas semanas, conforme
me informou um dos empreendedores sociais entreviado na Escola
de Adminiração Fazendária, localizada no município de Porto Alegre,
Rio Grande do Sul.
Em síntese, embora munidos de muita boa vontade, o que se conata
é que esses funcionários não eão preparados para uma função dessa en
-
vergadura, função que demanda sobretudo conhecimentos sociológicos,
antropológicos e políticos. Nessa condição, encontram-se frente a uma
realidade que se impõe e exige encaminhamentos e soluções imediatas.
Encontram-se, ainda, encurralados face a uma legislação que precisam
cumprir, à morosidade dos processos burocráticos, às pressões do MST, às
demandas dos agricultores assentados (que nem sempre, é mier ressaltar,
são as mesmas demandas das lideranças locais ou da direção do MST)
e, também, frente à difícil tarefa política de negociar com as prefeituras
municipais, muitas delas tomadas pela prática do clientelismo incruada
hioricamente na cultura política brasileira, sobretudo nos rincões da socie-
dade brasileira, além de avessas à inalação de assentamentos em sua área
de abrangência, juamente pela perda de poder político que isso representa.
Enm, esses funcionários encontram-se frente a uma realidade com-
plexa, possuindo pouco aporte teórico e técnico para a solução dos
problemas que surgem cotidianamente, muito além daqueles denidos
regimentalmente, encontrando-se, em decorrência disso, agrantemente
dereparados para o exercício dessa função, tornando-se, muitas vezes,
reféns da direção do movimento ou das lideranças locais. O exemplo mais
evidente disso são os atos irregulares ou ilícitos que ocorrem nos assenta-
mentos rurais, muitas vezes com a conivência dos agentes governamentais
(não somente dos empreendedores sociais, diga-se de passagem), como a
venda de lotes, troca de lotes entre beneciários de assentamentos dife-
rentes ou, até mesmo, a utilização de nome de terceiros para a inalação
226 NEAD Debate 
de um beneciário em um assentamento rural por pressão das lideranças
do MST, que esse beneciário era menor de idade, como conatado
em pesquisa de campo.
Para esses técnicos, o que importava era o que conava ocialmente,
embora soubessem tratar-se de ato absolutamente irregular. Poeriormen-
te, esse mesmo menor comercializou seu lote, ocupando o local um parente
de outros assentados, possuidor de um pequeno sítio em seu nome, embora
tenha armado já tê-lo vendido. Sendo esse um aeo impeditivo para
a regularização, a eratégia então utilizada eava sendo a de “negociar”
com o Incra para que ocialmente o lote casse no nome de um genro
que morava nas redondezas. Mesmo tratando-se de casos isolados, são
situações que depõem contra o projeto de reforma agrária, contra o próprio
MST e contra o Eado, reonsável legal pelos projetos de assentamento.
São fatos que não escapam aos olhos da comunidade local, dos
agricultores vizinhos que, como pude conatar em pesquisa de campo,
com razão queionam fatos dessa natureza. Esses funcionários, além
de adminirarem uma realidade que se impõe sem o aporte técnico
necessário, muitas vezes, em razão de acertosou acordos de baido-
res feitos anteriormente, por outros agentes governamentais, não raras
vezes ocupando cargo de chea nesse órgão, comportamento portanto
muito próprio das relações personalizadas e da lógica clientelia nas
suas mais diversas variações (como a troca de favores entre dirigentes
governamentais e dirigentes do MST) quando chegam aos projetos de
assentamento, encontram uma realidade eabelecida e irregularidades
inaladas, sem, contudo, possuírem meios para dirimi-las. Diante de uma
realidade dessa natureza, já eabelecida, um dos técnicos entreviados,
quando perguntado qual sua atitude diante disso, assim se expressou: Já
eá feito, não é? Fazer o quê!?.
Ainda que se compreendam aeos como o de prazos e de opera
-
cionalização de uma pesquisa dessa envergadura, como foi
A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, o conhecimento desses
fatos aqui apontados, os quais foram proporcionados pela inveigação
cientíca pautada por eudos microssociológicos, muito provavelmente
teria levado os autores a ponderar sobre a utilização dos empreendedores
sociais para o levantamento de dados, ainda que usando de precauções
Assentamentos em debate 227
como a troca da região de atuação do agente. A própria utilização dos
empreendedores sociais, portanto, representantes do Eado, já é, em si,
um fato queionável. Se esse aeo não inviabiliza a pesquisa, poo
que eá baseada em dados quantitativos, por certo, podem colocar sob
sueita a conabilidade dos dados coletados. Além disso, foram os
próprios empreendedores sociais que indicaram os demais entreviados,
presidentes de associações e líderes comunitários que não eivessem
ocupando cargos dessa natureza por ocasião da pesquisa de campo. Rece-
bendo indicação dos empreendedores sociais, e sabedora das imbricadas
relações que se eabelecem no interior de determinados assentamentos,
cujas divergências
não são apenas conceituais, esse não me pareceu um
procedimento correto, pois nada garante que os indicados representem de
fato a base do MST, ou seja, nada garante que os entreviados foram de
fato pessoas não comprometidas com as lideranças formais dos projetos,
aeo pretendido pela pesquisa. Fica, ainda, uma última observação:
as funções para as quais os empreendedores sociais foram contratados
não incluem levantamento de dados para pesquisa cientíca, assim se
sujeitam, obviamente, porque as
ordens vieram de Brasília.
Í
Os dados relativos ao índice de articulação de organização social indica
-
ram uma organização maior no que se refere às ações reivindicatórias, e
menor no que se refere à realização de parcerias para se obter benefícios.
Foram também pouco signicativas no que se refere à produção coletiva
e participação em cooperativas, conatando-se, por m, que as famílias,
de uma maneira geral, optam pela produção individual (Sparovek
et alii,
, p.-). Ou seja, os dados indicaram aos autores “pequena par
-
ticipação dos assentados em cooperativas e a pequena parte da área dos
projetos deinada à produção coletiva(Sparovek
et alii, , p. ),
levando-os a recomendarem, com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida nos assentamentos, o incentivo a ações cooperativas e de apoio
à produção. Mesmo tendo eecicado quais seriam esses incentivos,
como créditos eecícos, campanhas de esclarecimento, cursos de
228 NEAD Debate 
capacitação gerencial, fortalecimento da assiência técnica e social nos
assentamentos e priorização de parcerias locais(Sparovek
et alii, ,
p. ), assim colocado, não esclarecendo o que entendem por ações
cooperativas vinculadas à observação feita de que apenas pequena parte
da área é deinada à produção coletiva, ou seja, sem mais informações
sobre a maneira como se poderia dar esse incentivo, poderia induzir a
equívocos por parte dos agentes de mediação envolvidos (seja do Incra,
seja do MST). Poderia, inclusive, levar até mesmo à legitimação da
poura que vem sendo adotada por eles, de coação mesmo, para que
os agricultores assentados se sujeitem a uma organização em formatos
coletivias (fundamentados, portanto, na posse coletiva da terra), como
as denidas e implantadas em diversos assentamentos rurais.
O desconhecimento da cultura do homem do campo, da diversidade
hiórico-cultural dee país, de conhecimentos antropológicos e socioló-
gicos mínimos, associados a uma poura autoritária, tem levado a uma
sucessão de equívocos, que, mais do que não levarem a cabo o formato
organizacional pretendido, provocam, nos locais em que se dão essas ten-
tativas, enfrentamentos e cisões das mais diversas ordens, impossibilitando
ou dicultando qualquer tipo de organização associativia nesses locais.
No assentamento Verdum, em decorrência do ocorrido, formaram-se no
local dois grupos: os de dentroe os de fora. No assentamento Sepé
Tiaraju, em decorrência dos embates aludidos anteriormente, formaram-se
também dois grupos, os vinculados ao MST (isso nem sempre por moti-
vações político-ideológicas, mas por débito político e de lealdade, como
apontado na pesquisa) e os que romperam com as lideranças do MST.
Poder-se-ia pensar que esses fatos se deram numa outra época, mais
precisamente na década de , quando o MST optou pelos formatos or
-
ganizacionais coletivizados, com ênfase para a formação de cooperativas
de produção agropecuária, desenvolvidas largamente nesses anos. No
entanto, no momento em que escrevo essas linhas, abril de , novos
conitos pelas mesmas motivações eão sendo fomentados na ocupação
da fazenda Araupel, localizada na região centro-oee do Paraná. Como
tenho observado por pesquisas realizadas, as denições organizacionais
para os assentamentos rurais ocorrem muito antes da desapropriação
denitiva da terra (ou da aquisição da área por meio de compra como é
Assentamentos em debate 229
o caso de parte da Araupel, cuja área, correondendo a  mil heares,
encontra-se em processo de negociação junto ao Incra) quando a di
-
reção do MST (com a participação do Incra), em conformidade com os
referenciais político-ideológicos que têm pautado as ações desse movi
-
mento, opta por desenvolver, nesses locais,
experiências-modelo, diga-se
de passagem, desvinculadas do contexto sociocultural dos sujeitos sociais
para os quais os projetos são elaborados, e à revelia dos seus desejos e
expeativas quando aderiram à luta pela terra.
Nesse local, a pretensão do governo Lula e do MST é a de desenvolver
uma experiência-modelo de assentamento rural, diferente, portanto, segun-
do eles, das experiências anteriores, caraerizadas pela baixa qualidade
dos assentamentos inalados. Essa experiência-modelo, embora não
apresentando ainda contornos muito bem denidos, envolveria aeos
organizacionais, ambientais e de qualidade de vida. As denições quanto
aos aeos organizacionais começam a se delinear.
Segundo informações colhidas com lideranças locais e chea do
Incra/Unidade Avançada Iguaçu (UAI), no primeiro ano de inalação
do assentamento as famílias trabalhariam de forma coletiva, não haveria
fracionamento da área, cuja produção seria deinada ao atendimento
do Programa Fome Zero do governo federal. Esse período deinar-se-ia,
principalmente, ao ajuamento das famílias a uma modalidade orga-
nizacional pretendida para aquele local, ou seja, a de uma organização
semicoletiva, acompanhada da formação de pequenos grupos conituídos,
cada um deles, por  famílias (processo que eá sendo chamando de
formação de agrovilas), cabendo a cada família uma parte pequena da
12 A compra de 2 mil heares da fazenda Araupel chegou a ser anunciada pelo Incra, mas dois
queionamentos zeram com que as transações fossem poergadas: a) o preço a ser pago pela
área no valor de R$ 132 milhões, considerado oneroso aos cofres do Eado, uma vez que o cuo
de cada família assentada caria em torno de R$ 80 mil; b) a necessidade de realização de novos
eudos de impao ambiental, requerido pela Rede ONG da Mata Atlântica. Essa organização,
inclusive, reivindica a não-implantação de assentamentos em áreas remanescentes de Mata Atlântica.
De acordo com o Atlas dos Remanescentes Floreais da Mata Atlântica, os dois assentamentos
já realizados em área da Araupel, o Ireno Alves e Marcos Freire, foram reonsáveis pelo desma-
tamento de 20 mil heares de vegetação primária.
13 Entrevia concedida pela atual executora dessa unidade, no dia 19 de março de 2004.
230 NEAD Debate 
área, correondendo aproximadamente a um heare, sendo o reante
da área deinado à organização coletiva.
Discordando da poura até então adotada pelo MST, denominada
por eles de autoritária, sobretudo no que se refere à maneira como eá
sendo denida a organização do eaço e da produção (aeo que
ocialmente seria denido por ocasião do Plano de Desenvolvimento
Suentável do Assentamento) naquele futuro assentamento, um grupo
de  famílias, das  que se encontram acampadas na área denomi
-
nada silo, romperam com as lideranças do MST e ealharam-se pela
área, delimitando eaço próprio individual para cada família, à revelia
das determinações do Incra para que permanecessem todos num mes
-
mo local. Em via disso, o superintendente eadual advertiu-os para
que retornassem ao
silo. Não tendo sido atendidos, a executora do Incra
(UAI) eeve no local e concedeu  horas para que retornassem ao
silo,
ou deixassem a área naquele prazo. As famílias dissidentes optaram pela
resiência e procedimentos eavam sendo tomados junto ao governo
do eado visando à expulsão dessas famílias de agricultores. Sobre isso,
a executora do Incra argumenta:
A queão das pessoas que eão ealhadas pela área é uma queão baante
séria. Um grupo se desagregou durante o período do Carnaval. O que a gente
reconhece dentro da área, o que o Incra reconhece em função em que o gover-
nador também falou, o Requião falou na audiência pública, e o miniro Miguel
Ros setto, nós reconhecemos o grupo que eá no silo e o grupo que eá na bacia
como pessoas ligadas ao MST e que eão conquiando aquela área. Somente
esses dois grupos, os demais que eão em outra ponta da área, inclusive na área
que não vai ser reconhecida, nós não reconhecemos.
Esse depoimento, além de ser um demonrativo de que, na concepção
desses, somente são sem-terra os vinculados ao MST, vem corroborar
com as conatações que temos feito dessa eranha simbiose entre MST
e Incra, agravada no governo Lula quando as superintendências e cargos
de executores (em detrimento dos funcionários de carreira, o que seria
14 O número de famílias dissidentes do MST vem aumentando em todo o Paraná. Consulte-se:
Jornal Hoje. Aumenta o número de dissidentes do MST no Paraná. 2/03/2004.
Assentamentos em debate 231
próprio da burocracia eatal) foram concedidos aos quadros do Partido
dos Trabalhadores (PT) e representantes do MST, ou, em última inância,
entre aqueles que receberam sinalização positiva por parte do MST.
Essa eranha simbiose não se limita às relações eabelecidas com o
Incra. Eende-se às relações eabelecidas com o governo do Paraná, que
inclui a produção de um vídeo publicitário sobre os assentamentos rurais
inalados no eado. Face a geos dessa natureza e da armação pública
feita pelo governador poeriormente, de que o “MST é uma benção de
Deus, é que se compreendem as motivações da ocupação realizada pelo
MST de  praças de pedágio, no mês de fevereiro desse ano, quando, au-
torizada pela juiça, as concessionárias das rodovias paranaenses reajua-
ram os valores de suas tarifas. As reivindicações e pressões do MST eram
referentes apenas ao preço de pedágio, portanto, alheias à luta pela terra.
Isso nos leva a sueitar de uma mobilização da militância em prol da
causa que, obinadamente, tem mobilizado o governo Requião, por sinal,
uma promessa de campanha: a encampação das rodovias paranaenses,
cuja adminiração foi concedida a seis concessionárias por seu ante-
cessor. Se o governo Jaime Lerner se caraerizou pelas desocupações
violentas e desnecessárias no eado do Paraná, com fatos lamentáveis
como abordei em pesquisas anteriores (Brenneisen, , p.-), as
atitudes do governo Requião, diantes das atribuições de um chefe de
Eado, de leniência e aquiescência com os excessos cometidos, vias por
outro ângulo, não serão menos nefaas. Em decorrência disso, muito
recentemente, foi decretada pelo Superior Tribunal de Juiça interven-
ção federal no eado, caso o governador não cumprisse reintegração de
posse de uma fazenda ocupada sete anos. As armações que aqui
faço, partem de uma compreensão de que em um Eado democrático as
1 Consulte-se: Freire, Silvia. Neocompanheiro: Governo do PR produz vídeo pró-MST. Folha de
São Paulo. 10 de fevereiro de 2004.
1 MST/Informativos. Requião arma que MST é benção de Deus. Dionível na página www.m.
org.br/informativos, acessado em 29 de abril de 2004.
1 Não se faz aqui apologia ou defesa prévia da cobrança de pedágios nas rodovias paranaenses,
tampouco eá em discussão a legalidade dos contratos celebrados pelo governo Jaime Lerner,
apenas acredita-se, que decisões judiciais, num Eado democrático, devem ser cumpridas.
18 Cf. Tortato, Mari. Paraná ignora ordem contra MST e STJ manda intervir. Folha de São Paulo,
20/0/2004.
232 NEAD Debate 
decisões judiciais devem ser cumpridas, logicamente de forma pacíca,
por meio de negociações e remanejamento das famílias para outro local,
até que sejam providenciadas as condições legais para o assentamento
denitivo dessas famílias.
Voltando ao caso da provável expulsão dos dissidentes acampados
na fazenda Araupel e adentrando um pouco mais à referida eranha
simbiose eabelecida entre governo do eado, Incra e MST, reproduzo
o depoimento da executora do Incra quando perguntada sobre o que
aconteceria com as famílias que haviam rompido com o MST. “Há uma
discussão entre
a Secretaria do Eado, o próprio MST e as entidades
parceiras, de que eles vão ser deejados (grifo meu). Não atenderam, foi
dado prazo… Porque nós precisamos ter controle, né? (…).
Observa-se aqui uma soicação nos métodos. Fatos como esse an
-
teriormente não ocorriam tão facilmente, embora se tenham observado
tentativas dessa natureza. Na ocupação da fazenda Mitaco(atualmente
assentamento Antônio Tavares Pereira), ocorrida no ano de , também
no oee do Paraná, das  famílias selecionadas para aquele futuro
assentamento,  delas, no decorrer do processo, romperam com o MST
(juamente pela determinação de se organizar naquele local uma coope
-
rativa de produção agropecuária), delimitando eaço próprio dentro da
área. Houve tentativas de expulsão. Porém, ante a resiência, acabaram por
permanecer no local, nos seus lotes individuais como almejavam. O mesmo
ocorreu em relação aos agricultores dos assentamentos Verdum e Sepé
Tiaraju. Inclusive, no que se refere a esse último, curiosamente, o prazo con-
cedido foi o mesmo dado aos agricultores dissidentes da Araupel:  horas.
Assim como os agricultores da Mitacoré, os dissidentes dos assentamentos
Verdum e Sepé Tiaraju resiiram às pressões e permaneceram na área.
No que se refere aos agricultores da Araupel, rea apenas acompanhar
os novos acontecimentos. O certo é que vivemos tempos obscuros (a
julgar pelos encaminhamentos que eão sendo dados para o equacio-
namento das divergências apresentadas), agravados por essa eranha
relação eabelecida entre direção do MST e o governo do eado do
Paraná (reonsável legal pela desocupação de áreas com reintegração
de posse, o que não se aplica a essa queão). E tudo indica, consideran
-
do o depoimento acima, caso não consigam demovê-los da decisão de
Assentamentos em debate 233
separar-se do grupo, que os agricultores dissidentes acabarão, de uma
maneira ou de outra, compelidos a deixar a área e, segundo a executora,
excluídos do cadaro do Incra.
No que diz reeito à formação de agrovilas acompanhadas da posse
coletiva da terra, a executora do Incra revela as motivações, nesse caso
eecíco, para tal opção: A queão da agrovila é juamente para coibir
a venda de lotes, né? Como é que você vai vender o lote se o seu lote é
coletivo? Então isso é uma forma que impediria, né?. Trata-se de uma
preocupação legítima, no entanto, o caminho escolhido não é o mais
acertado para resolver deciências do próprio órgão reonsável pela
reforma agrária, que é o de simplesmente cumprir e fazer cumprir a
legislação vigente.
Esse tem sido também um dos motivos pelos quais se tem protelado
a emancipação dos assentamentos, ou seja, evita-se, assim, a eeculação
imobiliária. Embora se reconheça que exie uma morosidade na liberação
dos créditos e na realização da infra-erutura, condições necessárias à
emancipação dos assentamentos, de se convir, que isso não ocorre
também por pressão do MST, tanto por essas juas motivações, como
também, obviamente, do receio de perda de controle sobre os territórios,
aeo que se tem revelado crucial para os planos eratégicos do mo-
vimento. A menção a esses aeos, muitas vezes velados, demonra a
exiência de outras motivações que contribuem para o baixo índice de
qualidade nos assentamentos rurais, cuja reonsabilidade não é somente
do Eado, é também daqueles que realizam a mediação da luta pela terra
e, em eecial, do próprio MST.
É nesse sentido que os índices de qualidade de vida nos assentamentos
precisariam ser ponderados. Certamente há uma deciência, facilmente
verivel quando se visitam esses locais, como diculdades de acesso,
morosidade no crédito, famílias habitando por meses sob lonas pretas.
Mas, por mais paradoxal (sobretudo ao nosso olhar urbano de classe
média, portanto, um olhar pautado por referências e valores diferentes
dos das populações rurais) que isso possa parecer, esses agricultores, nas
pesquisas que tenho realizado, diziam-se satisfeitos com a nova vida, prin-
234 NEAD Debate 
cipalmente porque vislumbravam a possibilidade de um futuro melhor.
Utilizando-se da metodologia hiórias de vida, quando solicitava que
comparassem a vida no assentamento com suas vidas pregressas, eram
unânimes em armar que houve melhora signicativa em suas vidas após
o assentamento. Com um passado de perdas e enganos de toda sorte, dei-
xavam entrever o signicado que eava tendo para eles o acesso à terra e a
possibilidade de reconrução da agricultura familiar, tal como almejavam.
Metodologias como as citadas permitem a vericação de que qua-
lidade de vida tem implicações subjetivas. Caso fosse perguntado para
esses sujeitos sociais o que seria para eles qualidade de vida, por certo,
as reoas surpreenderiam. Além, obviamente, de moradia, renda,
acesso à saúde e à educação, qualidade de vida, para essa população, é
ter autonomia sobre a produção e sobre seu deino, não ser coagido
a morar em agrovilas, é desenvolver a agricultura familiar nos moldes
hioricamente habituados, é poder oferecer ajuda a parentes e amigos e
recebê-los em suas casas quando e pelo tempo que julgarem necessário
(o que não ocorria quando inseridos em modalidades cooperativias,
como nas Cooperativas de Produção Agropecuária). É possuir um bem
(a terra) que signique um começo de vida para os lhos, para que esses
não passem pelo mesmo que esses sujeitos sociais passaram nas suas
vidas de andanças em busca de terra para trabalho.
Além dos aeos apontados, é preciso ainda evitar interpretações da
qualidade de vida nos assentamentos descoladasdo contexto em que
eão situados. Assentamentos não são ilhas. As mesmas deciências
conatadas nos assentamentos eendem-se aos demais agricultores
familiares situados nas proximidades desses assentamentos. A precária
erada de acesso aos assentamentos é a mesma precária erada de acesso
19 Conatações semelhantes foram vericadas em pesquisa nacional realizada recentemente (Leite
et alii. 2004). Nessa pesquisa, na qual foram considerados aeos de inserção política e social dos
assentados, 91% dos entreviados armaram que suas vidas melhoraram após o assentamento e
8% deles acreditavam num futuro mais promissor.
Assentamentos em debate 235
dos demais agricultores familiares. A moradia dos agricultores familiares
não é também, via de regra, melhor que a do assentado.
Além disso, parte dos índices de depleção não devem somente ser
creditados à ineciência do Incra. Por exemplo, a ausência de eletricação
rural pode ocorrer por morosidade nas inalações por parte da com-
panhia fornecedora de energia após contrato rmado, como observado
no Paraná (Brenneisen, ). O mesmo se poderia dizer do acesso à
educação e à saúde. São casos que dependem de outras variáveis. O for
-
necimento da educação básica e fundamental, por exemplo, é atribuição
das prefeituras municipais e depende da boa vontade do prefeito local.
Políticas adotadas nos últimos anos, como as de nuclearização das escolas
rurais ou a transferência delas para os núcleos urbanos – ee último o
mais recorrente têm agravado essa situação, principalmente quando as
eradas são decitárias ou quando os prefeitos não colocam à diosição
da população do campo, assentados ou não, veículos de boa qualidade
para o traslado dos eudantes.
Em síntese, aeos como os apontados por certo são de conhecimento
do MST e do próprio PT. No entanto, ambos não eão tendo o pudor de
fazer uso político-partidário de uma pesquisa cientíca (isentando aqui
obviamente seus autores de qualquer reonsabilidade), identicando os
assentamentos realizados anteriormente como de baixa qualidade e os que
seriam efetuados daqui para a frente como os de qualidade. Aliás, o uso
político-partidário da queão agrária é assunto amplamente discutido por
Martins (; c). É exemplo disso, a acirrada oposição, por parte
principalmente do MST e da Comissão Paoral da Terra (CPT), à política
de reforma agrária do governo FHC (embora se reconheça equívocos nessa
política, apontados) e, evidentemente, Lula foi amplamente beneciado
por essa oposição. Na atualidade, esse governo colhe o resultado daquilo
que ele mesmo plantou, ou seja, diante da sua total inércia no que se refere
à realização de assentamentos rurais (com ou sem qualidade), encontra-
se encurralado pelo “abril vermelho” prometido por João Pedro Stédile,
20 Já de longa data, a exiência de uma linha de crédito eecíca para habitação para os assentados
e a ausência de algo similar para os agricultores familiares têm sido objeto de queionamento
por parte desses últimos. Essa jua e antiga reivindicação foi contemplada recentemente pelo
governo federal por meio do lançamento do Programa de Habitação Rural.
236 NEAD Debate 
sendo contabilizadas, no mês de abril de , um total de  ocupações
de terras em diversos eados do território nacional.
Finalizo, regirando aqui o geo deemido dos autores do livro
A
Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, colocando a
pesquisa desenvolvida por eles sob o olhar crítico de outros pesquisadores,
munidos de outras referências e pereivas diversas de análise. Rea
torcer para que atitudes similares de diálogo, franco e aberto, sejam pos
-
sibilitadas por aqueles que realizam o importante trabalho de mediação
da luta pela terra. Certamente ganharíamos todos: o Eado, o MST, a luta
pela reforma agrária e os trabalhadores rurais sem-terra, que arriscam
incessantemente suas próprias vidas na conquia de uma exiência mais
digna. Sairia, enm, vitoriosa, a causa que mobiliza a todos nós – a luta
por uma sociedade mais jua e democrática.
B
B, Eliane. Luta pela terra no Oee paranaense. Do movimento
ao assentamento: limites de um projeto coletivo de produção. São Paulo:
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Comentários dos autores de
A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira
3
Assentamentos em debate 239
. O :
O
s comentários sobre as contribuições dos colaboradores não foram
organizados com a intenção de defender A Qualidade dos Assenta-
mentos da Reforma Agrária Brasileira. Procuramos – o mais que a nossa
razão permitiu não apresentar juízo de valor em relação aos pontos
positivos, negativos ou complementações sugeridas. Cada ponto reete
a opinião particular do seu autor e não cabe a nós julgar essas opiniões.
No entanto, em relação a algumas críticas foram acrescentados contextos
e comentários, morando a nossa visão (dos autores de A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira).
Ressaltamos pontos importantes do conjunto das contribuições (as
colaborações foram produzidas independentemente), possibilitando assim
sua comparação e observação agrupada. Dea observação de conjunto,
permite-se à identicação de convergências e divergências. Elas foram
agrupadas por temas, desmontando completamente A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira em partes minúsculas que
vão da motivação que originou a pesquisa, a qualicação de sua equipe, o
cenário político da época, passando pelos métodos e eratégias adotados
e forma de apresentação dos resultados. Seria como um mecânico que
desmontou um motor e eá avaliando o eado de cada parafuso, biela,
retentor, cilindro, separadamente. Mas, diferente do mecânico, que terá
que montar o motor novamente de maneira exatamente igual, apenas
subituindo as peças que não lhe agradaram, num exercício imaginário,
montamos a pesquisa novamente em novo formato e concepção.
Nesse exercício, as condições de contorno foram idealizadas, não
havendo rerições de orçamento ou prazo, reuniões entre pessoas exaus-
tas tomando decisões com poucas informações a reeito do que eão
240 NEAD Debate 
tratando, pressões de toda ordem. Essas condições provavelmente nunca
vão exiir na realidade de execução de uma pesquisa abrangente, mas
vale o exercício.
. M,
.. Entre a confiança e a desconfiança
As inovações metodológicas adotadas na pesquisa
A Qualidade dos As-
sentamentos da Reforma Agrária Brasileira geraram, em alguns casos, a
pereiva de abertura de novas oportunidades (conança) e, em outros,
a sensação de que as novidades vieram para moldar os resultados com
nalidades e propósitos pré-denidos.
Buainain e Silveira (Capítulo .) chegam a sugerir que os objetivos
da avaliação da qualidade dos assentamentos se confundem com o tee
de novas metodologias:
Os objetivos do eudo de Sparovek et alii () se confundem, até certo ponto,
com a metodologia e inrumentos utilizados: trata-se ao mesmo tempo de um
eudo metodológico e sobre A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira.” (Buainain e Silveira)
Armam também que as opções metodológicas e objetivos devem ser
considerados no contexto de cada pesquisa, não havendo um procedi-
mento ou método melhor em termos absolutos:
Cada um de nós goaria de ver contemplado, no eudo, procedimentos que
adotamos em nossas pesquisas, e não é difícil ceder à tentação da crítica fácil,
e apontar como deciências’ o fato de o eudo não ter sido conduzido por
equipe (…) Todavia, é nosso ponto de via que esse tipo de crítica ajuda pouco,
até porque não há nenhuma obrigação de que cada eudo esgote o tema e ou
o examine de todos os ângulos possíveis. Cada matéria prioriza um aeo da
realidade e utiliza métodos próprios de análise.” (Buainain e Silveira)
Assentamentos em debate 241
A desconança em relação aos reais objetivos da pesquisa, a inde-
pendência e a imparcialidade na análise dos dados foram ressaltadas
por diversos colaboradores. Ela aparece na introdução apresentada por
Cunha
et alii (Capítulo .) com a seguinte observação:
“Nas duas últimas décadas, muitas pesquisas foram realizadas (Cunha et alii
citam diversos autores e obras). A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira, coordenada por Gerd Sparovek (), pretende-se inovadora
ao adotar uma metodologia de baixo cuo operacional, com uma abordagem
qualitativa, capaz de gerar informações recentes, siematizadas e abrangentes”
sobre importantes dimensões do processo de implementação dos projetos de
assentamento, organizadas na forma de índices (…) Ee artigo reete criti-
camente sobre os resultados dee empreendimento, em termos dos objetivos
explicitados e do retratoque é oferecido, indicando que algumas fragilidades
teóricas, conceituais e metodológicas produzem um quadro diorcido da realidade
dos assentamentos no Brasil e da ação do poder público nea área, ocultando
os dados primários gerados pela pesquisa e comprometendo uma iniciativa que
efetivamente pode contribuir com a reexão sobre as políticas públicas voltadas
para resolver a queão agrária no país. (Cunha et alii) Grifos de Sparovek.
A desconança em relação ao posicionamento dos autores de A Quali-
dade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira aparece novamente
em Cunha et alii (Capítulo .) quando eles concluem um capítulo que
analisa a fragilidade dos índices sugeridos:
O debate acadêmico e o campo de diuta política sobre o que se quer conruir,
portanto, sobre o sentido que se quer dar à reforma agrária exigem que, ao se
denir os critérios de escolha desses índices, se esclareça o posicionamento
dessa escolha frente a esse debate. Omitir ou escamotear esse posicionamento não
garante uma hipotética neutralidade da pesquisa e não ajuda o debate avançar.
(Cunha et alii) Grifos de Sparovek.
Observação semelhante é oferecida por Bergamasco e Ferrante (Ca-
tulo .), que se manifeam mais aberta e diretamente sobre a queão
nas considerações iniciais de seu capítulo:
242 NEAD Debate 
“Nee sentido, a par de algumas contribuições presentes na obra em queão,
podemos apontar contradições nos resultados apontados, que nos parecem ir na
direção de manipular dados para morar o sucesso do empreendimento. Armar,
com base nos dados apresentados, que a reforma agrária pode ser considerada
um sucesso sob o aeo da conversão do latifúndio improdutivo é, no mínimo,
uma incoerência, ou uma (pré)diosição para tal.(Bergamasco e Ferrante)
Grifos de Sparovek.
Na discussão das maneiras de aprofundar o debate, em sentido mais
genérico, Bergamasco e Ferrante (Capítulo .) observam:
“De início, um alerta. Sem a utilização de eratégias alternativas como metodo-
logia de análise, o objetivo de apreender a qualidade dos assentamentos corre o
risco de ser aprisionado por armadilhas que poderão levar a avaliações moldadas
por prejulgamentos.” (Bergamasco e Ferrante)
Acreditamos que a queão central que alimenta a desconança é o
fato da pesquisa ter sido contratada pelo governo. Com io, é presumí
-
vel que possa ter havido interesse por parte do governo de “interpretar”
os resultados a seu favor, ressaltando os aeos positivos e ocultando
aqueles que não fossem. Seria possível também presumir que ee inte
-
resse fosse (ou tivesse que ser) considerado pelos autores na forma de
análise dos dados, ou que essa abordagem tivesse passado por alguma
adaptação poerior a m de que se enquadrasse nos interesses do gover
-
no. Um julgamento objetivo dessa queão só pode ser feito por aqueles
que viveram o dia-a-dia da pesquisa, avaliação que não seria oportuna
de ser considerada nee eaço. Se houve manipulação de dados, ocul
-
tação de dados primários ou diorções intencionais, teriam sido muito
mal feitas. Foram sugeridos índices integradores gerando um panorama
geral, uma visualização única, pláica e rápida de uma realidade muito
mais complexa e inter-relacionada da qual as variáveis consideradas
para a composição dos índices captam apenas uma parte. Confundir
ou subituir esses índices pela realidade (ou com as variáveis isoladas e
os pesos a elas atribuídas), poderia representar manipulação de dados.
Apresentar índices morando claramente as variáveis desagregadas e
Assentamentos em debate 243
não-ponderadas que os compõem, apresentar o queionário utilizado
na coleta primária dos dados nos assentamentos e colocar à diosição
de quem quiser o banco de dados primário (o mesmo utilizado para a
elaboração do livro) possibilitando o (re)trabalho dos dados, validando os
números ou procedendo a novas análises, não nos parece uma eratégia
muito eciente para ser adotada por alguém que queira intencionalmente
manipular dados ou resultados. Pode ter havido infelicidade na escolha
das variáveis que comem os índices, incompetência na discussão de
seu signicado, procedimentos imprecisos na coleta dos dados e muitas
outras deciências, mas a manipulação intencional ou ocultação de dados
primários (apresentando apenas dados agregados ou ponderados) não
nos parece suentado por aquilo que veio a público a partir dea pesquisa
(o livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira e
a sua base de dados original).
Por outro lado, uma pesquisa encomendada pelo governo certamente
deve atender a seus interesses eecícos que podem incluir rapidez de
execução, facilidade de interpretação dos resultados por não-eecialias,
utilidade como forma de preação de contas e aplicabilidade como fer-
ramenta de geão. Esses aeos precisam ser considerados no desenho
metodológico e na forma de interpretação e apresentação dos resultados
por quem quer que faça o trabalho, seja ele um pesquisador acadêmico
ou de uma empresa privada preadora desse tipo de serviço. Atender
a essas eecicidades não signica que os resultados também tenham
sido encomendados, nem desqualica os dados para serem utilizados
em outros contextos ou para atender a outras eecicidades. O fato de
alguns resultados, da forma como foram apresentados, terem sido favo
-
ráveis à posição do governo e, eventualmente, desfavoráveis à posição de
outros atores, não deve ser imediatamente associado à manipulação de
dados ou à falta de neutralidade na sua análise. Esse juízo de valor deve
ter como fundamento não os resultados apresentados em si, mas sim a
clareza, visibilidade e abrangência de acesso que a pesquisa oferece aos
métodos adotados e suas bases de dados.
O caráter inovador dos métodos e procedimentos, que se por um lado
proporcionou agilidade, tranarência e viabilidade para a pesquisa, por
244 NEAD Debate 
outro alimentou dúvidas sobre precisão, aplicabilidade e consiência.
Mattei (Capítulo .) sintetiza:
Porém, como todo processo que procura inovar eá sujeito a alguns percalços,
o eudo em apreço também apresenta algumas inquietudes que goaríamos de
ressaltar em nossos comenrios, com a intenção de auxiliar no aprimoramento
de um processo analítico que tenha como objetivo aprofundar o conhecimento de
aeos cruciais dos programas de reforma agrária ainda pouco eudados.(Mattei)
.. Os objetivos norteadores
Os objetivos da pesquisa foram descritos e qualicados de diintas ma
-
neiras: Buainain e Silveira (Capítulo .) descrevem o cenário do início
do segundo semere de , época em que se iniciou a pesquisa:
O trabalho foi contratado, em caráter de emergência, pelo MDA, visando reon-
der a uma onda de críticas veiculadas na imprensa sobre o Programa de Reforma
Agrária. As críticas atingiam a ação política do governo, mas atingiam também,
e talvez principalmente, a própria reforma agrária.” (Buainain e Silveira)
Lerrer (Capítulo .) vai diretamente ao mesmo ponto:
A pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), cujos resultados começaram a
circular discretamente no início de , é considerada, também no meio jor-
nalíico, o mais abrangente levantamento de dados realizados sobre a política
de assentamentos já feita no país até hoje, mas o que a torna peculiar para ea
reexão é o fato de ela ter sido provocada por um conjunto de matérias, publi-
cadas no jornal Folha de S. Paulo, em abril de , que evidenciaram que os
dados que o governo usava para falar do número de projetos de assentamentos
eram inados.” (Lerrer)
Cunha et alii (Capítulo .) sugerem e suentam em sua argumentação,
que os objetivos e a motivação do trabalho (que incluíram a avaliação da
eciência da ação governamental) são problemas que comprometem a
conabilidade nos resultados:
Assentamentos em debate 245
“Um dos maiores problemas do trabalho coordenado por Gerd Sparovek reside
juamente nesse ponto. Se, por um lado, há uma clara delimitação dos objetos
concretos da pesquisa (os projetos de assentamento criados em todo o Brasil no
período que vai de  a ), por outro, os objetivos que nortearam o trabalho
parecem imprecisos. Ee artigo desenvolve a hipótese de que os resultados apre-
sentados (e não os dados coletados) reetem mais uma avaliação da eciência
da ação governamental na implementação de uma política pública do que uma
análise qualitativa dos projetos de assentamento.” (Cunha et alii)
Buainain e Silveira (Capítulo .) conrmam a percepção de que a
pesquisa preocupou-se em analisar a ação do governo:
Aqui ca evidente um ponto que de uma maneira sutil eá presente em todo o
trabalho. De um lado, o objetivo é avaliar a qualidade dos assentamentos, mas
de outro esse objetivo acaba sendo confundido com o de avaliar a política de
reforma agrária e seus inrumentos.” (Buainain e Silveira)
Mattei (Capítulo .) também ressalta e qualica a motivação e o
período político em que a pesquisa foi concebida:
A pesquisa fez uma opção metodológica juicada pelos prazos e volumes de
recursos dioníveis, mas também permeada pelos interesses do contratante (no
caso, o governo federal) (…) Nee caso, o eudo assume um caráter implícito
de preação de contas do governo FHC, em que era necessário morar à so-
ciedade que efetivamente “se tinha feito mais no último governo que em todos
os demais governos. Mas ea é apenas uma queão subjetiva que a considero
em segundo plano” (Mattei)
O caráter emergencial, o cenário político de um ano de eleições presi-
denciais, as – na época – recentes alterações no Miniério do Desenvol-
vimento Agrário (MDA) – inclusive com troca de miniro –, a sugeão
pelo Inituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) da
inclusão na pesquisa de queões que permitissem a avaliação da eciência
da execução de suas ações e programas acertadamente zeram parte do
cenário em que os métodos, propósitos e objetivos da pesquisa foram
246 NEAD Debate 
delimitados. Esses elementos, no entanto, não deveriam ser utilizados
para julgar o mérito do trabalho, servem apenas para impor-lhe condições
de contorno. Seria como armar que todas as pesquisas encomendadas
pelo governo (usando métodos clássicos ou inovadores) não servem para
outros propósitos senão aos interesses do próprio governo.
Ainda sobre as motivações políticas envolvidas na pesquisa, referindo-
se agora não ao período de governo que a realizou (FHC) mas daquele
que a publicou e reimprimiu (Lula), Brenneisen (Capítulo .) arma:
Aeos como os apontados (deciências na qualidade dos assentamentos) por
certo são de conhecimento do MST e do próprio PT. No entanto, ambos não
eão tendo o pudor de fazer uso político-partidário de uma pesquisa cientíca
(isentando aqui obviamente seus autores de qualquer reonsabilidade), identi-
cando os assentamentos realizados anteriormente como de baixa qualidade e os
que seriam efetuados daqui para a frente como os de qualidade.” (Brenneisen)
.. Os significados
Alguns colaboradores ressaltaram um signicado particular da pesquisa.
Fernandes (Capítulo .) ressalta a importância da possibilidade que
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira oferece
para eudos de territorialização:
Os dados apresentados na publicação A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira são uma importante contribuição para o eudo do processo
de territorialização da luta pela terra em todas as regiões do país.” (Fernandes)
O papel da pesquisa agropecuária como agente e catalisador de mudan-
ças nos assentamentos nem sempre é reconhecido. A assiência técnica,
que lida com a transferência de tecnologia, é muitas vezes apontada como
tábua de salvação, como se as tecnologias exientes fossem perfeitamente
adaptadas aos siemas de produção adotados nas áreas reformadas (ou que,
à luz do conhecimento cientíco, deveriam ser adotados). Coa Gomes
(Capítulo .) ressalta a importância de
A Qualidade dos Assentamentos
Assentamentos em debate 247
da Reforma Agrária Brasileira no pensar de uma abordagem da pesquisa
agropecuária voltada para a complexidade da reforma agrária:
A grande contribuição que o texto traz para a (…) pesquisa agropecuária(…) foi
a de morar a complexidade que exie no tratamento de temas (…) como (…)
a reforma agrária. Um tema como ee(…) não pode ser vio de forma linear.
Eecicamente para a pesquisa agropecuária, o texto evidencia o muito que
ainda há por fazer na produção de conhecimento cientíco para a viabilização
de siemas de produção mais suentáveis, incluindo as queões ambientais, da
inclusão social, da segurança alimentar, da geração de emprego e renda, da agricul-
tura orgânica e da agroecologia, por exemplo. Nee sentido, a formatação de um
macroprograma de pesquisa eecíco para a agricultura familiar, iniciado pela
Embrapa em , com certeza vai oportunizar que esse tema receba tratamento
diferenciado em relação ao que tem ocorrido hioricamente, inclusive com a
alocação de recursos humanos e nanceiros eecícos.” (Coa Gomes)
. A
.. O aceno para a qualidade
A base de negociação entre o governo e os movimentos sociais pautada
em números (chamada também de guerra dos números’) e seus reexos
foram abordadas por Mattei (Capítulo .) e Meliczek (Capítulo .):
Ao longo da década de , e eecialmente durante os mandatos do governo
FHC (-), o debate sobre a reforma agrária, embora extrememente denso,
cou fortemente limitado ao horizonte quantitativo, resumindo-se quase sempre
ao número de famílias assentadas e ao volume de área de terras desapropriadas.
Em grande medida, essa tendência foi moldada pelo governo federal que dis-
seminava para a sociedade a idéia de que, no Brasil, earia sendo feita a maior
reforma agrária do mundo. (…) Nesse sentido, a pesquisa (…) se coloca como
uma alternativa aos parâmetros do debate que vinha sendo travado no país, uma
vez que apontou caminhos que podem qualicar melhor a discussão sobre a
reforma agrária brasileira. (…) Avalio que a maior contribuição do eudo foi
a siematização de diversas informações(…) focalizando suas atenções, entre
248 NEAD Debate 
outros itens, na melhoria das condições de vida dos beneciários da reforma
agrária, tendo em via a inexiência de informações agregadas nacionalmente
sobre a eciência das ações governamentais nea área, bem como sobre os
impaos das mesmas na erutura fundiária do país.” (Mattei)
“Em via dessas informações contraditórias (sobre números e qualidade dos
assentamentos citados anteriormente) e devido à falta de dados qualitativos
conáveis sobre a situação real dos assentados pela reforma agrária, o presen-
te eudo é uma contribuição eciente para uma análise objetiva da reforma
agrária e suas realizações (…) Enquanto o governo tem concentrado até agora
a avaliação do processo de assentamento em aeos quantitativos, o eudo
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira se aprofunda mais
e avalia a situação socioeconômica dos beneciados pela reforma agrária. Ele
provê uma avaliação mais objetiva dos assentamentos. Formadores de políticas
deverão sentir-se encorajados pelos resultados positivos dessa pesquisa para dar
continuidade e fortalecer o processo de reforma agrária no Brasil.” (Meliczek)
A inclusão na pauta da discussão da qualidade dos assentamentos
certamente não é mérito dea pesquisa uma vez que é prioridade para
os beneciários da reforma agrária, os movimentos sociais, os pesquisa
-
dores e outros segmentos da sociedade muito tempo (principalmente
aqueles que convivem com a realidade cotidiana das áreas reformadas).
Eventualmente, a decisão de criar um título muito focalizado nea ques
-
tão, considerado pretensioso por Fernandes (Capítulo .), e que ressalta
apenas um dos aeos da pesquisa (que envolveu uma avaliação da ação
operacional do Incra, uma contextualização hiórica e temática dos as-
sentamentos e os impaos ambientais, por exemplo) pode ter contribuído
para atrair ainda mais a atenção para a importância da inclusão desse
aeo na pauta de negociações e no dia-a-dia das ações que procuram
viabilizar a reforma agrária no Brasil.
As observações têm sentido se a metodologia puder comportar esses níveis de
detalhamento, considerando sua principal caraeríica que conjuga amplitude
e rapidez – as zemos a partir do pretensioso título da publicação A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agria Brasileira.” (Fernandes)
Assentamentos em debate 249
.. Um eudo amplo e rápido a ser detalhado
Nas considerações nais, Cunha et alii (Capítulo .) ressaltam a im-
portância de uma base ampla de dados e, principalmente, ao fato dea
car dionível, como ponto de partida para eudos mais detalhados e
precisos focando temas eecícos:
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira representa um
esforço importante na busca por inrumentos mais ágeis de diagnóico das
dinâmicas sociais relacionadas à política de assentamento de famílias de traba-
lhadores rurais sem-terra no Brasil. Ea importância se deve, principalmente,
à base de dados que a pesquisa gerou, que poderá alimentar e inirar muitos
eudos sobre a problemática e ser o passo inicial na organização de séries his-
tóricas que permitam analisar os impaos, as transformações, avanços e recuos
dea política ao longo do tempo.” (Cunha et alii)
A abrangência também é apontada por Sauer (Catulo .), Bergamas-
co e Ferrante (Capítulo .) e Mattei (Capítulo .) como essencial para
a organização do debate, evitando o risco de generalizações indevidas
ou a desconsideração de eecicidade regionais:
A controvérsia disseminada na sociedade e na opinião pública brasileira sobre
os alcances e limites da reforma agrária no Brasil demanda avaliações abrangentes,
dados e resultados com caráter nacional. Ea pesquisa censitáriacontribui
signicativamente para ee debate, fornecendo um panorama abrangente dos
projetos de assentamento.” (Sauer)
É inevel que uma obra dea envergadura traz obrigatoriamente contribuições
importantes ao debate da reforma agrária brasileira. (…) O banco de dados gerado
na pesquisa que resultou na publicação A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira levanta queões cruciais para serem avaliadas e repensados os
rumos dos assentamentos rurais no Brasil. Não baa discutir tais expressões por
atributos de sucesso ou de fracasso. É preciso dissecá-las em suas diferenciações,
expressão das enormes desigualdades que pautam a diribuição de recursos e
os modelos de produção agrícola exientes no Brasil.(Bergamasco e Ferrante)
250 NEAD Debate 
“De modo geral, pode-se dizer que a pesquisa acabou tendo um caráter quase
censitário, não somente pela sua área de abrangência, mas também pelo elevado
número de variáveis incorporadas (…) possibilitando denir critérios de compa-
rabilidade da qualidade da reforma agrária em todo o país. Sem dúvida, essa é a
principal contribuição do eudo porque ele avança por um caminho até então
ainda pouco explorado pela literatura eecializada.” (Mattei)
As pereivas abertas pelo caráter expedito da metodologia empre-
gada em
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
são também ressaltadas por Buainain e Silveira (Capítulo .), Fernandes
(Capítulo .) e Lerrer (Catulo .):
“Um dos aeos mais interessantes e inovadores – da pesquisa é a metodologia,
que permitiu realizar uma tarefa gigantesca em um prazo extremamente curto
e, melhor ainda, a um cuo também reduzido. É interessante reetir sobre a
metodologia, pois a possibilidade de utilizá-la em outras pesquisas reduziria dois
problemas recorrentes na relação entre o setor público e o meio acadêmico: o
do tempo e o do cuo.” (Buainain e Silveira)
A principal vantagem dessa metodologia eá na possibilidade de realização de
uma pesquisa que conjuga amplitude e rapidez, ou seja, pesquisar em escala
nacional em um tempo breve.” (Fernandes)
Sob o ponto de via do jornalismo, que é uma ciência social aplicada, o método
e os procedimentos inovadores desenvolvidos para ea pesquisa são adequados
por terem se conituído em um inrumento de levantamento ágil, que radiografa
aeos mais detalhados dea política de modo a aferir índices de qualidade
de vida, reordenamento fundiário, ação do Eado, níveis de organização social
dos assentados, impaos ambientais, etc., que não tinham sido auscultados de
maneira abrangente anteriormente.” (Lerrer)
Considerando que não (e não é possível haver) a padronização
de métodos de pesquisa, tentar alcançar abrangência pela somatória de
diversas pesquisas locais detalhadas irá sempre esbarrar na diculdade
(ou impossibilidade) de comparar resultados, épocas e regiões diintas
Assentamentos em debate 251
sem (re)trabalho das bases originais (que pode gerar imprecisão). Além
dio, dicilmente a reunião de esforços locais e detalhados de pesquisa irá,
num dado momento, permitir a visão do todo (sempre haverá áreas não
cobertas ou com dados defasados). Assumindo io, o ganho de abrangên-
cia, quando ee for necessário, sempre virá em compromisso do detalhe.
Será preciso escolher um ou outro. No caso da abrangência, é desevel
haver uma certa continuidade e padronização dos métodos (como nos
levantamentos censitários) para que as diversas edições sejam comparáveis
e para que as variáveis selecionadas para os levantamentos façam sentido
e sejam úteis em toda a amplitude regional considerada. Prioriza-se assim,
agilidade, simplicidade, integração e padronização. O detalhe teque ser
conruído de outras formas, mas pode também se beneciar (ou intera
-
gir) com a visão prévia de um panorama geral simplicado. Entre detalhe
e abrangência não (ou não se deve procurar) concorrência, um não
subitui o outro. A busca deve ser de integração e complementaridade.
.. Convertendo opiniões em material sólido
A conversão de opiniões, que são relativamente fáceis de serem coletadas,
em índices, que são por sua vez facilmente visualizados e compreendidos,
recebeu o seguinte comentário de Buainain e Silveira (Capítulo .):
A transformação de opiniões em índices objetivos é um ‘pulo do gato, e uma vez
conrmada a consiência do procedimento poderia alargar as possibilidades
de pesquisa na área.” (Buainain e Silveira)
Buainain e Silveira (Capítulo .) ressaltam ainda a importância em se
coletar as informações associadas a um certo nível de certeza na reoa
(como foi feito na pesquisa):
O primeiro ponto refere-se às três opções de reoa: quantitativa, semiquan-
titativa e qualitativa. A idéia é boa e tem como objetivo principal não forçar
uma precisão quando o próprio entreviado não eá seguro para reonder o
quesito.” (Buainain e Silveira)
252 NEAD Debate 
Acreditamos que as possibilidades apontadas de conversão de opiniões
vindas de diferentes pereivas, coletadas e associadas a níveis de in-
certeza eão longe de earem totalmente conhecidas e esgotadas. Com
certeza, facilitam a coleta de dados primários, empream amplitude para
a análise possível analisar pereivas e incertezas simultaneamente),
ampliando, assim, a possibilidade de métodos e ferramentas das quais
pode-se lançar mão na análise e interpretação dos dados. Confrontar de
maneira reonsável e profunda essas possibilidades, comparando-as com
eudos detalhados, percepções mais concretas da realidade e com outras
abordagens metodológicas ainda são tarefas que precisam ser feitas para
a sua validação e aprimoramento.
.. As diferenças regionais
A reforma agrária nas dimensões territoriais do Brasil e na intensidade de
sua execução exige diferenciação territorial. Captar as variações regionais
e desenhar métodos que possibilitem comparações territoriais objetivas foi
um fator essencial captado pela pesquisa. Observações nesse sentido eão
presentes nos comentários de Bergamasco e Ferrante (Capítulo .):
“Em vários desses elementos, os autores acertadamente armam a importância
de serem consideradas as diferenças regionais.” (Bergamasco e Ferrante)
Observação semelhante, ampliada para a coleta de diversas opiniões
e cortes temporais, foi feita por Meliczek (Capítulo .):
O eudo utiliza muitos métodos de pesquisa. Com relação aos aeos so-
ciais e econômicos da reforma agrária, informações primárias são geralmente
coletadas em queionários preenchidos por tomadores de decisões. Essas fer-
ramentas são normalmente aplicadas aos beneciários da reforma e, às vezes,
também a proprietários de terras que foram afetados pela transferência de terras.
A equipe de pesquisa deu um passo adiante. Ela deve ser louvada por cobrir em
suas enquetes não apenas as opiniões de adminiradores (agentes sociais), mas
também as dos beneciários imediatos da reforma e dos líderes de associações
nos assentamentos. Além disso, os autores subdividiram os resultados de suas
Assentamentos em debate 253
descobertas de acordo com as regiões e superintendências regionais e com dois
períodos diferentes de tempo. Essa abordagem inclusiva amplia o âmbito da
análise.” (Meliczek)
Lerrer (Capítulo .) ressalta a abrangência e a divisão dos dados em
recortes territoriais representando as Unidades da Federação (UF) para
os prossionais da imprensa:
O outro aeo importante dea pesquisa é seu caráter nacional, por trazer
informações detalhadas sobre alguns dos efeitos de uma política pública hiori-
camente tranassada por conitos e polêmicas. Com dados regionais, eaduais
e nacionais, o livro dá margem para pautas jornalíicas que podem ampliar o
conhecimento sobre esse aeo pouco abordado da queão agrária brasileira,
ao mesmo tempo em que evita um velho vício da prossão que é tomar o co-
nhecimento do singular e generalizá-lo com todos os preconceitos e eereótipos
possíveis daí decorrentes.” (Lerrer)
A preocupação de cercar de maneira eciente as possibilidades de
proceder análises territoriais e regionais deve ear presente no desenho
de levantamentos abrangentes. A inclusão no banco de dados de codi
-
cação precisa dos municípios onde se localizam os assentamentos e suas
coordenadas geográcas permite a sua integração com outras bases (como
mapas temáticos de cobertura vegetal, solos, posição de eações de re-
giros climatológicas ou levantamentos censitários). Ainda muito por
desenvolver para aumentar a versatilidade, eciência e possibilidade de
integração desses tipos de levantamentos com bases geográcas e outras
bases de dados. No entanto, essa preocupação precisa exiir na fase ini
-
cial de concepção dos métodos de pesquisa e coleta de dados. Depois de
consolidada a base, será muito mais difícil (e menos eciente) adaptá-la
para operar análises territoriais se ela não foi concebida para tal.
.. O acesso aos dados
Todos que já trabalharam com pesquisas abrangentes (em termos temá
-
ticos e territoriais) sabem como o acesso a bases de dados é difícil. Pelo
254 NEAD Debate 
lado do pesquisador, pode haver a vontade de reter os dados aque
eejam esgotadas as possibilidades de análise e publicações. Pelo lado
do governo, pode haver receio em relação à segurança (possibilidade de
interpretações desfavoráveis ou interferência nas suas ações gerenciais)
ou mesmo uma tentativa de valorização e fortalecimento initucional
(os dados são cedidos a quem interessar computando-se dívidas em
forma de favores). Esses fatores vêm muitas vezes associados à falta de
documentação, organização, ausência ou deciência de crítica que podem
comprometer a integridade ou a conabilidade dos regiros. Permitir
acesso irrerito à base de dados imediatamente após a publicação da sua
primeira referência foi uma condição solicitada pelos coordenadores da
pesquisa. Ea atitude frente a dados que foram gerados com recursos
públicos mereceu observações. Sobre a adoção desse procedimento em
outras áreas, Buainain e Silveira (Capítulo .) comentam:
A iniciativa da equipe de pesquisadores, de oferecer seu trabalho à crítica, de
abrir de forma tranarente o banco de dados (de reo público, pois gerado
com recursos públicos) e de facilitar sua utilização, é elogiável e merece ser
reproduzida em outras áreas (…) A dionibilização dos dados para uso geral
permitirá um conjunto de cruzamentos de informações para tear, validar ou
refutar hipóteses e teses importantes sobre o comportamento dos projetos de
assentamento.” (Buainain e Silveira)
.. Enfim, o meio ambiente
Apesar da área reformada no Brasil ser equivalente ao tamanho da Ingla
-
terra, o processo de criação de assentamentos prioriza regiões nas quais os
recursos naturais (principalmente, os oreais) ainda eão relativamente
bem preservados e diversos biomas sensíveis ou ameaçados envolvidos
(Florea Amazônica, Caatinga, Florea Atlântica e Cerrado, como exem-
plo). Os eudos que relacionam a criação dos assentamentos com queões
ambientais são muito raros. Martins (Capítulo .) aponta ee aeo
de
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira:
Assentamentos em debate 255
A temática do meio ambiente sempre eeve ausente das discussões sobre a refor-
ma agrária no Brasil. Portanto, o primeiro mérito da pesquisa A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira foi colocar o tema como um dos
objetos de análise. Indagar sobre as queões ambientais imanentes das unida-
des produtivas ao se eudar os assentamentos foi, sem dúvida, um avanço nos
conhecimentos a reeito da reforma agrária em nosso país.” (Martins)
.. A contextualização
Há dois capítulos em A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira que procuram, mesmo que de maneira tímida e incompleta,
emprear uma moldura para os dados primários coletados nos assenta-
mentos. Os capítulos  (Retroeo da reforma agrária no mundo e no
Brasil, de Ranieri, S.B.L.) e (Os assentamentos inseridos no contexto
nacional, de Steeg, J.
et alii) são dedicados a ea nalidade. Sobre eles,
ressaltamos os seguintes comentários:
A publicação A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, que
apresenta dados sobre a qualidade dos assentamentos feitos no Brasil nas duas
últimas décadas, traz uma contribuição muito pertinente para os prossionais
da imprensa. Em primeiro lugar porque, em sua primeira parte, o livro con-
densa informações sobre o tema e aborda alguns dos diversos pontos de via
exientes no país, tanto no debate acadêmico, como no debate público (…)
O livro contextualiza repórteres no tema, muitos deles sem conhecimento pré-
vio e mesmo experiência de trabalho sobre esse campo particular de conitos,
coumeiramente opaco para as camadas urbanas, onde eá situada a maioria
dos jornalias.” (Lerrer)
Com relação à informação sobre fatores indiretos que inuenciam a qualidade
dos assentamentos de reforma agrária e que não podem ser obtidos satisfatoria-
mente por meio de queionários como a qualidade do solo, o clima, o acesso e
a densidade populacional os autores recorreram a fontes secundárias, como os
censos agrícolas e demográcos do Inituto Brasileiro de Geograa e Eatíica
(IBGE), dados do Incra e publicações do Miniério do Desenvolvimento Agrário
256 NEAD Debate 
(MDA). Assim, obtiveram sucesso em contextualizar a situação dos assentamentos
dentro da conjuntura mais ampla da situação geral.” (Meliczek)
. L
.. Omissões
Nas considerações iniciais, Cunha et alii (Capítulo .) apontam omis-
são de não considerar a opinião das organizações dos trabalhadores em
movimentos sociais:
Ao priorizar uma análise da eciência da ação governamental, a equipe reon-
sável pela realização do diagnóico deixa na sombra aqueles que talvez sejam os
principais reonsáveis pela formulação, denição de prioridades e pelo ritmo
de implementação de uma política pública de assentamento de trabalhadores
sem-terra no Brasil: os próprios trabalhadores organizados em movimentos
sociais.” (Cunha et alii)
Ea omissão é extensiva para outros segmentos nos seus níveis mais
centralizados como governo (a opinião coletada com o empreendedor
social não representa necessariamente a opinião do governo central),
setor patronal, entidades e movimentos ambientalias, apenas para
citar alguns com interesse direto na queão agrária. Ea omissão é, no
entanto, intrínseca aos objetivos e métodos empregados. Dos objetivos,
pela preocupação ter sido retratar a realidade interna dos projetos de
assentamento. Dos métodos, por não permitirem nos prazos e recursos
dioníveis considerar as opiniões dos diversos segmentos envolvidos
de forma mais abrangente.
Lerrer (Capítulo .) comenta omissões no Catulo de A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira que regira um retros-
peo resumido da reforma agrária no Brasil e no mundo:
Também considero insuciente o Capítulo , ou seja, o levantamento hiórico da
queão agrária no Brasil e no mundo. Mesmo resumido, algumas informações
pertinentes poderiam ter sido incluídas.” (Lerrer)
Assentamentos em debate 257
O não tratamento da queão de gênero foi apontada por Meliczek
(Capítulo .) como uma das omissões da pesquisa:
“De acordo com a minha opinião, uma queão foi omitida. O eudo não deu a
devida atenção às queões de gênero. Não ca claro, a partir do eudo, aque
ponto as mulheres se beneciaram, se têm recebido terras da reforma agrária
em seu próprio direito e se elas podem dior (vender, doar, transferir ou hi-
potecar a terra proveniente da reforma agrária). Enquanto o trabalho trata da
importante queão de conferir dignidade aos beneciados pela reforma, isso
parece aplicar-se implicitamente a todos os membros das famílias, uma análise
do atus das mulheres, quer sejam casadas ou solteiras (divorciadas, separadas
ou viúvas), parece ear faltando.” (Meliczek)
Apesar de algumas das omissões apontadas terem sido intencionais,
por não ter sido considerada na época a viabilidade de sua inclusão, os
pontos elencados são todos relevantes e reforçam a necessidade de esforço
no sentido de não omitir aeos importantes por diculdades de prazo
ou rerições metodológicas.
.. Escala, abrangência e caráter quantitativo
A focalização do eudo apenas nos assentamentos e numa única época
impõe rerições de abrangência. Na descrição dos assentamentos apre
-
sentada por Sauer (Capítulo .), ele ressalta que:
“Ea diinção (do eaço geográco do assentamento), no entanto, não signica
isolamento das relações sociais e políticas locais e regionais, como são tratados
os assentamentos na pesquisa em discussão. As análises sobre a situação, ee-
cialmente sobre a suentabilidade dos projetos, devem ser feitas considerando
também os contextos sociais, políticos, econômicos, incluindo processos hióricos
de conituição dos projetos e de inserção no seu entorno.” (Sauer)
“Por outro lado, esses queionários explicitam a ausência de qualquer referência
à situação anterior aos assentamentos e impaos sociais, econômicos e políticos
no seu entorno. O inrumento não coletou dados para eabelecer uma base
258 NEAD Debate 
de comparação (não dados comparativos com o entorno, com agricultores
familiares próximos), bem como não coletou informações para avaliar o processo
de luta que gerou os projetos de assentamento.” (Sauer)
Observação semelhante é apresentada por Bergamasco e Ferrante
(Capítulo .):
“Esses indicadores, se por um lado, podem apontar resultados satisfatórios na
avaliação dos assentamentos pesquisados, por outro, podem não apreender a
diversidade e a dinamicidade dessas experiências. Daí a exigência de se buscar
captar a compreensão desse fazer-se diferenciado, sem naturalizar unidades, sem
cair em procedimentos classicatórios ou em raciocínios empenhados em cata-
logar relações sociais conitutivas de um processo.” (Bergamasco e Ferrante)
Fernandes (Capítulo .) também aponta problemas de abrangência
temática e escala:
“Por ser uma pesquisa predominantemente quantitativa, não aparecem as di-
ferenças dos projetos políticos em desenvolvimento. Essa é uma rerição da
metodologia. Outro limite é com relação à escala geográca, pois a metodologia
não possibilita resultados conáveis em escala municipal ou mesmo em escala
local (assentamento).” (Fernandes)
Brenneisen (Capítulo .) arma que o caráter quantitativo da pes-
quisa, mesmo com sua abrangência, impõe rerições que não permitem
a reoa a queões fundamentais:
“Não retirando os méritos e os esforços empregados pelos pesquisadores procuran-
do apresentar uma visão ampla da problemática em queão (…) considero que
os métodos adotados metodologias quantitativas de pesquisa social embora
ofereçam um panorama geral da situação em que se encontram os assentamen-
tos rurais, por si só, não apresentam análises que abarquem a complexidade da
temática. Passa-se, assim, ao largo dos detalhes fundamentais à compreensão
dos processos sociais. As caraeríicas dessa modalidade de pesquisa, fun-
damentada em dados quantitativos, não leva ainda em consideração a grande
Assentamentos em debate 259
diversidade cultural do país e os signicados dos processos sociais para os atores
envolvidos. Em função de seu caráter amplo, não dá conta, ainda, de reonder
a dois aeos fundamentais à compreensão da complexidade dos processos
sociais: o como e o porquê. (Brenneisen)
Certamente os dados apresentados precisam ser complementados
com eudos detalhados do contexto hiórico, social e político para a sua
discussão mais aprofundada, completa e ampla, visando uma compreensão
melhor da realidade dos assentamentos. Mas ee é um caminho de duas
mãos: sobre eudos detalhados são impoas rerições de abrangência
que limitam a sua extrapolação. Não vantagens em considerar as
abordagens detalhadas, qualitativas e hióricas concorrentes dos mé-
todos quantitativos, expeditos e inantâneos. Seria melhor ressaltar os
aeos de sua complementaridade. As conclusões de ambas devem ser
relativizadas e não devem extrapolar os limites impoos pelas rerições
implícitas de cada uma.
.. Ausência de uma realidade externa
Na pesquisa
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasi-
leira não foi criado um subconjunto de dados que reita uma realidade
externa (um conjunto de projetos amorados de maneira mais detalhada)
ou um grupo de controle (agricultores familiares não beneciados pela
reforma agrária). Io poderia ter sido feito por meio de uma pesquisa
amoral convencional. As conseqüências dio, em relação à eimativa
da conabilidade (ou do seu inverso, que é o erro), foram apontadas por
Buainain e Silveira (Capítulo .):
“Esse é, em nossa opinião, o principal problema metodológico do eudo: não
apresentar nenhum parâmetro para avaliar o erro das opiniões. Isso poderia ser
feito por meio de uma pesquisa amoral menor, que colheria de forma mais
objetiva um subconjunto de informações contidas no queionário, e as compa-
raria com as opiniões’ qualicadas obtidas pelo método utilizado. Medir o erro
signica avaliar a qualicação dos entreviados para reonder o queionário,
a precisão das reoas.” (Buainain e Silveira)
260 NEAD Debate 
Meliczek (Capítulo .) aponta também a necessidade da avaliação
de um grupo de controle, compoo por famílias que não foram bene
-
ciadas pela reforma agrária, mas que vivem em condições (agricultores
familiares) dos beneciários. Por meio do grupo de controle, é possível
tentar isolar o efeito da intervenção fundiária de outras políticas blicas
ou processos que eejam atuando na região.
Sem tentar diminuir a enorme quantidade de trabalho de pesquisa com a reali-
zação de .entrevias, eu me pergunto por que não houve uma tentativa de
incluir na enquete um grupo de controle muito pequeno de famílias sem-terra
que não se beneciaram da reforma.” (Meliczek)
. A imparcialidade nas entrevias
Em pesquisas de opinião, não deve haver uma relação ou vínculo es-
treito entre o entreviado e a pessoa que coleta os dados. A opção de A
Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira foi utilizar
a erutura logíica (carros, motorias e pessoal de organização) e os
empreendedores sociais do Incra para a coleta das informações e como
fonte da opinião do governo nas entrevias (assim o empreendedor
social assumiu o papel de entreviador e entreviado). Os empreende-
dores utilizados foram deslocados dos projetos sob sua reonsabilidade
(mantendo-se, no entanto, na sua região) para a realização das entrevias.
A indicação dos líderes comunitários partiu também dos empreendedores.
Essa eratégia foi adotada (ao invés da contratação de entreviadores e
coordenadores externos) visando atender dois aeos importantes: prazo
e cuo. Buainain e Silveira (Catulo .) comentam sobre eas decisões:
Qualquer um que acompanha os assentamentos sabe que em geral exie um
ereito vínculo entre os funcionários do Incra reonsáveis pelos projetos e
os representantes das associações. Além disso, ao solicitar à associação que
indicasse um assentado para participar da entrevia, é também provável que a
indicação tenha sido de pessoa ativa na vida associativa, próxima, portanto, aos
próprios representantes da associação. Aque ponto essa proximidade entre
técnicos e representantes das associações, e entre esses últimos e os assentados
Assentamentos em debate 261
por eles indicados para a entrevia, não implica também uma proximidade
de opiniões? Ou seja, embora a idéia de buscar três fontes diintas de opinião
seja muito boa, sua aplicação deve ser cercada de alguns cuidados para evitar
os problemas já mencionados. (Buainain e Silveira)
Fernandes (Capítulo .) também queiona a imparcialidade e a forma
de coleta das três opiniões (empreendedor social do Incra reonsável
pelo assentamento, presidente de associação e trabalhador rural não
ligado à associação) e sugere que as reoas foram semelhantes por
caraeríicas intrínsecas à formulação das perguntas que avaliou o
acesso a serviços e não a sua qualidade:
“Mesmo as famílias não vinculadas a nenhuma organização mantêm algum
tipo de identicação com as suas propoas políticas. Portanto, colocamos em
queão a exiência de uma ótica mais neutra e individualizada de um supos-
to morador comum (…)
Nossa hipótese é que essa semelhança ocorreu não
porque os projetos das diferentes inituições são iguais, o que é evidente, mas
porque a pergunta se referia apenas à exiência e não à origem, funcionamento,
suciência e qualidade dos serviços, das condições, dos equipamentos e das
infra-eruturas.” (Fernandes)
Semelhante comentário, com a sugeão de alternativas que pudesse
evitar a criação de um viés na análise pela escolha dos entreviados foi
apresentado por Mattei (Capítulo .):
A escolha dos entreviados feita pelo eudo nos parece ser um item que, no
mínimo, deveria ser melhor discutida. (…) A técnica de procurar captar várias
opiniões sobre um mesmo tema e/ou problema sempre é recomendável (…) No
entanto, as possibilidades de reoas diferenciadas se ampliam muito e, caso não
haja uma amoragem mais representativa, camos sem saber exatamente qual
o grupo de reoas reete mais adequadamente a realidade (…)” (Mattei)
“No caso do órgão executor, as entrevias foram realizadas com empreende-
dores sociais (ES)… Em Santa Catarina, conatamos que os empreendedores
sociais com os quais tivemos contato, além de serem poucos para atender
262 NEAD Debate 
a todos os assentamentos exientes em Santa Catarina, ainda não eavam
preparados adequadamente para exercer a função, desconhecendo, inclusive,
muitas queões que considero decisivas para analisar a qualidade da reforma
agrária (…) Entendemos que a qualidade da reforma agrária em todo o período
considerado poderia ter outra dimensão, do ponto de via do órgão executor,
caso a opção metodológica das entrevias tivesse recaído sobre outras equipes
técnicas eecícas das superintendências regionais, que são as pessoas que
efetivamente executam a reforma agrária. (…) Já do ponto de via da opinião
dos trabalhadores, optou-se por entreviar lideranças comunitárias indicadas
pelos empreendedores sociais. (…) Esse procedimento também é uma escolha,
pois a indicação dos pseudos “líderes comunitários” por parte dos ES, diminiu
muito o grau de neutralidade (…) porque, quase sempre, dentro dos projetos de
assentamento exie uma luta conante pela hegemonia entre o órgão executor
e as lideranças dos sem-terra. (…) a melhor opção teria sido a realização (…)
de amoras aleatórias dentro de cada assentamento, procurando captar toda a
diversidade exiente.” (Mattei)
Meliczek (Capítulo .) também alerta para o fato dos empreende-
dores sociais do Incra terem uma tendência de manifear opinião com
viés favorável à posição do governo:
A colaboração dos empreendedores sociais facilitou a comunicação com os en-
treviados pela exiência prévia de canais de comunicação entre ees grupos.
Apesar dos empreendedores terem sido selecionados fora de suas áreas de atuação,
não tendo assim contato prévio com os PA em que zeram as entrevias, parece
haver, pelo menos para um observador externo, dúvidas sobre a sua isenção e
conabilidade de suas entrevias uma vez que eles são funcionários do Inituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), portanto, supoamente
mais inclinados no regiro de aeos positivos.” (Meliczek)
Brenneisen (capítulo .) descreve a função do empreendedor so-
cial, sua relação com os movimentos sociais e com os beneciários dos
assentamentos. Relata também casos eecícos de sua vivência com
empreendedores sociais em suas pesquisas de campo:
Assentamentos em debate 263
Ainda que se compreendam aeos como o de prazos e de operacionalização de
uma pesquisa dessa envergadura… o conhecimento desses fatos aqui apontados,
os quais foram proporcionados pela inveigação cientíca pautada por eudos
microssociológicos, muito provavelmente teria levado os autores a ponderar
sobre a utilização dos empreendedores sociais para o levantamento de dados,
ainda que usando de precauções como a troca da região de atuação do agente.
A própria utilização dos empreendedores sociais, portanto, representantes do
Eado, é, em si, um fato queionável. Se esse aeo não inviabiliza a pesquisa,
poo que eá baseada em dados quantitativos, por certo, podem colocar sob
sueita a conabilidade dos dados coletados. Além disso, foram os próprios
empreendedores sociais que indicaram os demais entreviados, presidentes
de associações e líderes comunitários que não eivessem ocupando cargos
dessa natureza por ocasião da pesquisa de campo. Recebendo indicação dos
empreendedores sociais, e sabedora das imbricadas relações que se eabelecem
no interior de determinados assentamentos, cujas divergências não são apenas
conceituais, esse não me pareceu um procedimento correto, pois nada garante
que os indicados representem de fato a base do MST, ou seja, nada garante que
os entreviados foram de fato pessoas não comprometidas com as lideranças
formais dos projetos, aeo pretendido pela pesquisa. Fica, ainda, uma última
observação: as funções para as quais os empreendedores sociais foram contratados
não incluem levantamento de dados para pesquisa cientíca, assim se sujeitam,
obviamente, porque as ordens vieram de Brasília.” (Brenneisen)
Não queremos eender o debate eecíco das queões apontadas,
uma vez que a decisão de utilização dos empreendedores sociais não
foi técnica e sim circunancial. Optamos pela alternativa, das diversas
que foram consideradas, a maioria delas não envolveria funcionários
do Incra na coleta de informações. A única decisão cabível na época era
encerrar o projeto como um todo ou proceder a coleta, como foi realiza
-
da. A escolha pelo empreendedor social como pesquisador, pesquisado
e informante foi feita com conhecimento das implicações que io teria
no trabalho, em sua conabilidade e dianciamento do recomendado
em condições ideais (de prazo, qualicação de equipes e orçamento). Ao
invés de abortar a pesquisa, optamos por deixar muito claras as opções
que zemos (sem julgamento de mérito). Cabe a quem deseja utilizar os
264 NEAD Debate 
dados avaliar se eles são ou não conáveis, úteis ou dignos de comparação
com outras bases.
. Í:
.. Olhares múltiplos, mas objetivos
A capacidade de índices de integrar e concentrar informações é importante
para análises nas quais os múltiplos olhares revelam mais do que os deta-
lhes. A observação de Sauer (Capítulo .) reporta para esse aeo:
“Um aeo metodológico importante da pesquisa foi a opção de avaliar os
projetos utilizando índices (e indicadores) como níveis de qualidade de vida,
de organização social, de ecácia da reorganização fundiária e de preservação
ambiental. São elementos extremamente importantes, rompendo com a freqüente
redução da importância (e o sucesso) dos assentamentos à sua dimensão econô-
mica e produtiva (a já mencionada viabilidade econômica).” (Sauer)
As conclusões do trabalho reetem bem essa opção, inclusive com a conatação
de que as políticas governamentais acabam privilegiando a alocação de recursos
para a aquisição de áreas (arrecadação de terras) e assentamentos de famílias
em detrimento de inveimentos em ações que contribuem para melhorar as
condições de vida ou o desenvolvimento econômico dos projetos. O resultado
dea opção é um imenso passivo que diculta a vida das famílias, contribuindo
decisivamente para o baixo rendimento de muitos projetos.” (Sauer)
Dicilmente eudos detalhados com a apresentação descritiva de
variáveis isoladas permitiriam uma visão panorâmica (mesmo que su-
percial e enviesada pelas premissas usadas na conrução dos índices)
que subsidiasse a análise rápida e conjunta de um grande número de
variáveis que devem ser consideradas nos processos de tomada de decisão
das políticas públicas.
Os índices sintetizam informação e deixam para um segundo plano os
detalhes. Na geão das políticas públicas, informação é essencial e deve
ear dionível no momento em que as decisões precisam ser tomadas.
Assentamentos em debate 265
A forma de apresentação deve priorizar aquela com que os geores con-
sigam trabalhar melhor, que eventualmente difere daquela com que o
cientia acadêmico mais se identica. Sauer (Capítulo .) ressalta esses
aeos dos índices, seu poder relativo de explicação da realidade, mas
utilidade na geão pública:
A pesquisa faz certa confusão entre uma avaliação dos assentamentos em si (sua
dinâmica interna, sua capacidade de gerar renda e melhorar as condições de vida
das pessoas) e uma avaliação das próprias políticas governamentais (se assentou
o número de famílias que a área comporta; se implantou escolas ou poos de
saúde, etc). Prevaleceu um dos objetivos da pesquisa que era fornecer “índices
objetivos e tecnicamente juicados a partir dos quais a adminiração pública
poderá vir a pautar a geão de suas políticas. (Sauer)
A integração de informação (no caso a sua apresentação na forma
de índices) pode também objetivar as discussões mais gerais, tirando o
foco dos detalhes, evitando a ruptura dos temas eecícos com o todo.
Buainain e Silveira (Capítulo .) reforçam esse aeo em dois trechos de
sua colaboração e Meliczek (Capítulo .) aponta a mesma vantagem:
“Portanto, um dos pontos fortes do trabalho eá em condensar, por meio de
indicadores simplicados e sintéticos de mensuração objetiva e grácos e
mapas, um conjunto de variáveis de natureza diversicada, que reetem mui-
tos aeos das condições materiais de vida dos assentados (…) Deaque-se,
uma vez mais, que do nosso ponto de via, a utilização dos índices é a maior
contribuição do eudo. Em um debate marcado por fortes posições político-
ideológico-partidárias, e alimentado por elevadas doses de wishiful thinking,
em que evidências objetivas e até mesmo os fundamentos da lógica, às vezes,
têm escasso valor, a geração dos índices tem, pelo menos, o mérito, enorme,
diga-se de passagem, de organizar o debate e a reexão em torno de algo mais
objetivo. Pode-se até discordar de como os índices foram conruídos, mas sua
publicação chama atenção para aeos cruciais da vida dos assentamentos… e
eá produzindo uma reação salutar para, de um lado, melhorar a metodologia
e, de outro, identicar como é possível superar as situações mais difíceis que os
índices revelam.” (Buainain e Silveira)
266 NEAD Debate 
“Em relação ao processamento dos dados coletados, os autores usaram formas
diferentes de análise na conrução de cinco índices, abordando a eciência
da organização das terras, o padrão de vida, a organização social, a qualidade
ambiental e aeos operacionais. Esses são adequados para a avaliação da
qualidade dos assentamentos de reforma agrária. Os parâmetros utilizados na
conrução desses índices são muito amplos e cobrem a maioria das queões
importantes.” (Meliczek)
A importância de índices para objetivar as discussões em relação à
reforma agrária foi ressaltada por Mattei (Capítulo .):
A idéia de avaliar a qualidade da reforma agrária a partir de um conjunto de
índices é extremamente salutar e um ponto relevante da pesquisa, regire-se
novamente, uma vez que permite organizar o debate sobre a reforma agrária a
partir de novos patamares. No entanto, o risco de serem cometidos equívocos
aumenta proporcionalmente com a dimensão do eudo, fato reconhecido pelos
próprios pesquisadores.” (Mattei)
.. Tranarência
A sugeão de trabalhar com índices como meio de integrar informações
deve sempre vir acompanhada da descrição detalhada dos critérios ado-
tados. Io emprea credibilidade, demonra os pressupoos adotados
e permite que o índice seja acomodado (recalculado) a novas situações
ou pereivas de interesse. Sobre io, Buainain e Silveira (Capítulo .)
e Mattei (Capítulo .) comentam:
Os autores são absolutamente tranarentes em relação aos fatores de ponderação
adotados e apresentam, para cada índice, o fator de multiplicação utilizado(…) A
apresentação de uma breve juicativa dos pesos atribuídos ajudaria os leitores
a melhor compreender os resultados, e em particular os efeitos de cada variável
sobre o resultado (tratados como depleção), mas, em linhas gerais, os fatores
de ponderação eão alinhados com o senso comum e, pelo menos a ordenação,
não parece ser objeto de polêmicas(…)” (Buainain e Silveira)
Assentamentos em debate 267
“Ees pesos eão explicitados na Tabela , página  do livro, o que revela a
tranarência dos pesquisadores quanto aos fatores de ponderação e de multi-
plicação adotados.” (Mattei)
Em diversas partes do texto de A Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira os seus autores apontaram limitações e res-
trições que os índices poderiam ter na sua interpretação. Coa Gomes
(Capítulo .) ressalta esse aeo:
“No que tange a metodologia aplicada na pesquisa em análise, em primeiro lugar
cabe deacar que as falhas eão apontadas no próprio texto. Por exemplo (…)
nas páginas , ,  e  (…) O fato de apontar as falhas metodológicas no
próprio texto, ajuda a enriquecê-lo, ainda mais na pereiva de novos eudos,
pois, como dizia Mario Bunge, o pesquisador competente qualica o método,
recriando-o; jamais ocorrerá o inverso: o bom método nunca vai transformar o
pesquisador medíocre num sábio pela correta aplicação das melhores técnicas
e inrumentos de pesquisa.” (Coa Gomes)
. Í:
A sugeão dos índices em si, a maneira com que foram juicados e
as variáveis que os comem receberam a atenção da maioria dos cola-
boradores e, com exceção dos comentários favoráveis apresentados no
Capítulo ., apontaram diversas inconsiências e fragilidades.
.. Os índices como opção de representação da realidade
Parte da desconança em relação aos dados e às juicativas usadas para
apoiar a tese de manipulação de dados em favor do governo baseiam-se
na discussão da opção metodológica por índices. Cunha et alii (Capítulo
.) ressaltam em sua introdução:
A opção eratégica de apresentar os dados na forma de índices contribui para
alimentar a desconança em torno da realidade revelada pelo diagnóico.
(Cunha et alii)
268 NEAD Debate 
E concluem mais adiante:
Contrariando a crença de que os índices sugeridos em A Qualidade dos Assenta-
mentos da Reforma Agrária Brasileira são objetivos e tecnicamente juicados”
e que podem auxiliar a adminiração blica a pautar a geão de suas políti-
cas (p.), acreditamos que eles se conituem na maior fragilidade do trabalho,
contribuindo para a conrução de imagens diorcidas e fundamentadas em
pressupoos incompletos ou simplesmente inadequados à luz do conhecimento
produzido no âmbito das ciências sociais nas últimas décadas.” (Cunha et alii)
Sauer (Capítulo .) também impõe limitações intrínsecas aos índices
como forma de retratar a realidade:
“É importante ter claro, no entanto, os limites e deciências dee tipo de
levantamento.Os índices e ponderações resultantes dão um quadro geral que
diz muito pouco sobre a realidade dos projetos em eudo. É, inclusive, duvido-
so o desejo de criar índices objetivoscapazes de pautar a geão de políticas
públicas. As diversidades regionais, e as demandas eecícas daí decorrentes
exigem políticas direcionadas, inclusive em termos da quantidade de recursos
a serem alocados nos diferentes programas.” (Sauer)
Partindo de alguns pressupoos: a) a quanticação faz necessaria-
mente parte de retratação da realidade, principalmente nos casos de
grande abrangência (não é possível descrever e comparar com métodos
qualitativos todos os assentamentos do Brasil);
b) a quanticação deve
ter como base sólida fundamentação teórica, informações detalhadas e
qualicadas das quais se conhecem as relações;
c) há um compromisso
entre detalhe a abrangência. Aumentando o número de variáveis e indi
-
cadores que compõem a quanticação (via índice, fator ou agrupamento),
mais difícil se torna levantar, criticar e dionibilizar as informações pri-
1 A mesma rerição apresentada pela equipe para juicar as diculdades metodológicas para
aferir a renda (diversidade de siemas de produção e diferenciações familiares e individuais)
pode ser eendida para os demais índices e a forma diferenciada com que ees se dão em cada
projeto ou em cada família beneciada.
Assentamentos em debate 269
márias necessárias. Com io, o indicador quantitativo ca mais inável
pelas inter-relações ou propagação de erros. Assim, há vantagens para a
abrangência (e é com grande abrangência que a análise quantitativa se
torna realmente necessária) em utilizar um número rerito de variáveis
(muito bem conhecidas) para apresentar uma simplicação da realidade.
Abaixo dea visão geral e abrangente vão ear escondidos os inúmeros
detalhes. Enxergar os detalhes compromete a visão do todo, o todo só
pode ser vio se for simplicado; d) a quanticação pode seguir dois
caminhos: i) índices, e nee caso, a relação com a realidade é denida
a priori por um modelo teórico que parte de pressupoos ou ii) por
meio da relação eatíica das diversas variáveis explicativas que podem
ser associadas a um conceito (também expresso
a priori) que se queira
eimar. Se considerarmos um grande número de variáveis (como é o
caso do banco de dados da pesquisa A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira), a seleção das variáveis eatíicas que
poderão compor o modelo a ser teado, parte necessariamente de um
conceito inicial (pressupoos denidos
a priori).
Nesse caso, não podemos denir uma matriz de dados de entrada e
deixar” os procedimentos de eatíica multivariada (análises de agrupa
-
mento, fatores, componentes principais, regressão…) denir a sua con-
cepção de realidade. A análise eatíica irá apenas conrmar ou rejeitar
hipóteses lançadas previamente. Assim, os pressupoos e a denição
conceitual a priori, fazem parte das duas abordagens ndices e eatíica).
A opção pelos índices para quanticação entendendo-se com io a
simplicação de uma realidade com base em pressupoos e fundamenta-
ção teórica das variáveis explicativas dos principais temas que compõem a
realidade que se pretende retratar apresenta a vantagem de deixar mais
claros e evidentes os pressupoos, marcos teóricos e conceituais. Com io,
amplia-se a possibilidade de sua crítica e, acima de tudo, não se permite
a possibilidade de ocultar decisões atrás dos inúmeros ajues, ltragens
e transformações de dados que são necessários nas análises eatíicas.
Concordamos plenamente com o fato dos índices retratarem uma
simplicação da realidade (que é o seu objetivo) e que as sugeões apre-
sentadas no livro
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira eão longe de ser ideais e ainda precisam ser aprimoradas
270 NEAD Debate 
e revias para serem utilizadas de maneira segura e eciente como
ferramenta para tomada de decisões. Vemos com cautela as armações
de que os índices não são úteis na retratação da realidade (simplicada
e padronizada) porque essa forma de tentar se aproximar dela pode ser
a única possível em determinados níveis de abrangência de dados. Ela
pode também ser a mais acessível para determinados serviços aos quais a
pesquisa se deina. Não conseguimos ver fundamentação nas armações
de que os índices sugeridos servem para alimentar desconança sobre a
pesquisa, e que eles tenham como objetivo manipular resultados. Io teria
realdo se as equações que resultaram nos índices não fossem claramente
indicadas, os ponderadores omitidos ou se as variáveis desagregadas que
os compõem não fossem reveladas. Diorcer a realidade por índices feitos
na forma de conta de chegada, ou pela ocultação de procedimentos e
bases primárias de dados, com certeza pode ser feito (as mesmas possi
-
bilidades eão abertas nos métodos eatíicos). Mas essa possibilidade
(ou a percepção de que ela já foi utilizada em outras situações similares
de avaliação de políticas públicas) não deve servir de argumento para
desqualicar todas as pesquisas que utilizaram ee método.
.. Os mais criticados: IF e IS
O índice de ecácia da reorganização fundiária (IF) foi o mais criticado
e queionado. A maioria dos colaboradores apontou deciências, que
vão de queionar a conabilidade da pesquisa (tendo como base a forma
sugerida para esse índice), passando por dúvidas sobre a sua imparciali-
dade, a exemplos que retratam sua fragilidade conceitual e teórica. Diante
disso, é evidente que há problemas na sua concepção.
Cunha et alii (Capítulo .) arma que diferenças entre o IF e
a situação global apenas conrmando dados da própria publicação
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira que em
seu Capítulo (Retroeo da reforma agrária no mundo e no Brasil, de
Ranieri, S.B.L.) contém informações que indicam claramente a evolução
hiória da concentração de terras no Brasil:
Assentamentos em debate 271
A erutura fundiária brasileira não parece passar por transformações tão
signicativas como as que são indicadas pelos valores do índice de ecácia da
reorganização fundiária.” (Cunha et alii)
Fernandes (Capítulo .) apresenta a mesma observação de maneira
mais clara e problematizada:
“Na verdade, o IF não avalia o sucesso da intervenção do governo em alterar
a erutura fundiária, mas sim se com a formação do assentamento, ocorreu a
otimização da reorganização fundiária.Como o próprio nome do índice diz,
trata-se da reorganização do território, ou poderia se chamar de reordenamento
territorial. A alteração da erutura fundiária acontece em escalas mais amplas,
como demonramos na parte anterior dee texto.” (Fernandes)
Coa Gomes (Capítulo .) argumenta no mesmo sentido:
“(…) No que toca ao índice de ecácia da reorganização fundiária (IF), parece
pretensioso avaliar o sucesso da intervenção do governo em alterar a erutura
fundiáriaapenas pelo cumprimento do potencial de ocupação da área dos
assentamentos. Esse indicador reete tão somente a situação interna dos as-
sentamentos não tendo a menor expressão como indicador para reorganização
fundiária.” (Coa Gomes)
Mattei (Capítulo .) apresenta comentário enfático:
Sobre esse índice, eecicamente, goaríamos de fazer três comentários.
O primeiro diz reeito às variáveis que o compõem. Na verdade, o IF, da forma
como foi conruído, acaba sendo um mero indicador de desempenho do projeto
de assentamento, uma vez que não considera o volume de terras agricultáveis
em desuso na localidade onde se encontra o PA e a porcentagem de redução
das terras improdutivas após as ações governamentais sobre a erutura agrária.
Assim, se em um determinado município com elevada concentração de terra, a
implantação de projetos de assentamento não provoca efeitos sobre os latifún-
dios improdutivos, do ponto de via de reduzir os índices de concentração, isso
272 NEAD Debate 
indica que apenas eão ocorrendo pequenas modicações e não reorganização
e, muito menos, reforma na erutura agrária.” (Mattei)
Os dados primários de A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira a partir dos quais foram calculados todos os índices
retratam apenas os assentamentos. Não foi objetivo do IF retratar a es
-
trutura fundiária brasileira. Ela foi descrita, como moldura no Capítulo
do livro (Retroeo da reforma agrária no mundo e no Brasil, Ranieri;
S.B.L.) e, nesse capítulo, a análise apresentada concorda com a armação
de que, em grandes números, a erutura fundiária brasileira ainda não
passou por transformações signicativas. No IF, a ecácia da reorgani
-
zação se remete evidentemente aos projetos de assentamento avaliados
(de maneira amoral baante ampla e privilegiando os projetos criados
pelo Incra) e não à totalidade da situação fundiária brasileira. O nome
sugerido, se retirado do contexto das explicações metodológicas, pode
dar margem a esse tipo de interpretação.
Io aparece inclusive, de certa forma, evidenciado no próprio livro
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira. No prefá-
cio do ex-miniro José Abrão é utilizada a seguinte citação: “No que diz
reeito à queão fundiária, o eudo arma, em suas conclusões: Sob
ee aeo (IF), a reforma agrária pode ser considerada um programa
de grande sucesso.
O IF, pelas variáveis que o compõem, avalia a conversão do latifúndio
improdutivo (ou outra categoria de origem que o imóvel arrecadado
tenha) num imóvel em que predomina a matriz produtiva familiar con-
forme planejada pelo governo. Seu nome completo poderia ser: índice de
ecácia da reorganização do imóvel arrecadado numa matriz fundiária
baseada em agricultura familiar conforme o projeto inicial ou revio
do governo – uma vez que seus principais componentes são: alcance da
capacidade de assentamento, exiência de ações que indicam a rever-
são da matriz produtiva baseada em agricultura familiar (abandono ou
aglutinação de lotes, áreas remanescentes não parceladas) e utilização
plena do imóvel. Na abreviação que descreve o IF de índice de ecácia
da reorganização do imóvel arrecadado numa matriz fundiária baseada
em agricultura familiar conforme o projeto inicial ou revio do governo
Assentamentos em debate 273
cou índice de ecácia da reorganização fundiária. O índice de ecácia
da reorganização do imóvel arrecadado numa matriz fundiária baseada
em agricultura familiar conforme o projeto inicial ou revio do governo
poderia (e hoje acreditamos que deveria) ter cado índice de reorgani-
zação do imóvel arrecadado.
A reversão da elevada concentração de terras é desejável e necessária
num plano maior (fora do alcance e objetivos do livro
A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira). A infelicidade foi do nome
e não do conceito. Isso aliado ao fato (de certa forma ineerado) de que
o valor do IF foi baante elevado, permitiu eeculações indevidas e fez
com que, se retiradas do contexto do trabalho, as declarações e conclusões
apresentadas soassem um tom mais alto e com certa complacência com
a posição do governo. Não se deve confundir os objetivos e a poura de
quem excluiu o contexto do que eá escrito no livro com a poura e os
objetivos de seus autores.
Ainda sobre o IF:
“No caso do livro aqui analisado, o índice de reorganização é apreendido pelo
movimento das famílias, pelo abandono ou não dos lotes, queões importantes
no eudo e no acompanhamento dos assentamentos que não são, em si mesmas,
representativas de pereivas de reorganização fundiária. Ao fazermos tais res-
salvas, eamos reforçando a necessidade de se discutir assentamentos nas suas
relações com o entorno e queionando os fatores apresentados no livro como
expressão do índice de ecácia de reorganização fundiária.(Bergamasco e Ferrante)
“Um primeiro ponto sobre o qual vale reetir é se ecácia da reorganização
fundiária pode ser avaliada apenas a partir da conatação de que o latifúndio
improdutivo foi rediribuído em um número maior de parcelas (…) Ou seja, do
nosso ponto de via, um índice de ecácia da reorganização fundiária deveria
incorporar, em alguma medida, variáveis que reetissem a utilização dos recursos
no novo regime, os resultados alcançados em termos de geração de riqueza e
renda, e que pudessem ser comparados com uma eimativa dos rendimentos
produzidos antes da desapropriação. A diribuição, do nosso ponto de via, não
pode ser tratada como um m em si mesmo, mas apenas como um meio para
melhor ocupar as terras e para que as famílias beneciárias alcancem melhor
274 NEAD Debate 
nível de vida. Pelo menos é esse o argumento para juicar a desapropriação das
terras consideradas improdutivas. Esse ponto eá no cerne do próprio debate
sobre a reforma agrária, e o índice de reorganização, tal como eá concebido,
reete a visão de que o objetivo da reforma é diribuir as terras, e que a ecácia
da reorganização pode ser avaliada apenas pela performance rediributiva e não
pelo resultado da rediribuição.” (Buainain e Silveira)
Os fatores utilizados no cálculo do IF, e em todos os outros índices,
reetem apenas a realidade dos assentamentos (todos ligados ao Incra).
As relações desses projetos com o seu entorno, bem como com outras
variáveis que assumem importância quando o interesse eiver voltado
para a erutura fundiária global, não eão incluídas no IF. Novamente
cabe a observação do nome do índice ser retirado do seu contexto ee
-
cíco utilizado no livro.
O índice de articulação e organização social (IS) propoo em
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira recebeu os
seguintes comentários relacionados a omissões, falta de embasamento
cientíco e inconsiências teóricas:
O índice de articulação de organização social (IS) é certamente o que apresenta
maiores problemas. A composição do índice privilegia o que muitos eudiosos
têm chamado de relações verticais, ou seja relações (normalmente de autori-
dade e dependência) entre indivíduos com diferentes posições sociais globais,
em detrimento das relações horizontais de reciprocidade e cooperação entre
os próprios assentados, como meio de desenvolver a habilidade das pessoas
dentro da comunidade em trabalhar juntas para alcançar objetivos comuns e
das lideranças locais em facilitar a comunicação e o trabalho coletivo (Putnam
et alii, ; O’Brien et alii, ).” (Cunha et alii)
Qualquer índice que busque informar sobre articulação e organização social
não pode deixar de levar em conta um elemento fundamental: os processos de
tomada de decisão.” (Cunha et alii)
A articulação e a organização não deveriam visar somente à busca de benefícios
sociais e serviços, mas também a denição prévia do compromisso e do papel
Assentamentos em debate 275
de agências públicas que têm interface com a reforma agrária, como é o caso
da pesquisa agropecuária e da assiência técnica, que poderiam, de imediato,
contribuir com diversas queões, inclusive com a denição da melhor opção
tecnológica para o assentamento, o que determinaria a própria área a ser explo-
rada e sua melhor utilização, por exemplo.” (Coa Gomes)
Sobre esse índice (IS), é possível se fazer comentários de diversas ordens. Em
primeiro lugar, goaríamos de relativizar essa dicotomia entre parcerias externas
e organização interna do projeto de assentamento. …Portanto, da forma como
foram ponderados os pesos das variáveis na composição do IS poderá ter ocorrido
uma subeimação da importância da organização dos agricultores. Em segundo
lugar, entendemos que as variáveis que compõem o IS são baante limitadas…
Em terceiro lugar, o IS priorizou a participação em cooperativas e associações e
a produção e comercialização coletiva como indicadores de organização social.
No entanto, não procurou qualicar que tipo de trabalho essas associações e/ou
cooperativas desenvolvem em termos produtivos, de modo a compreender se
a organização social dos agricultores é ou não determinante para a inserção
produtiva desse sujeito transformado em um novo agricultor, ao qual são co-
bradas reoas ecientes e rápidas. Ao dividir o IS em dois aeos, um ligado
à busca de benefícios sociais e outro voltado à obtenção de benefícios para os
siemas produtivos, e ao conatar que a organização para o segundo aeo
foi bem menos importante, o eudo acabou conatando o óbvio. Io porque,
no horizonte em que se realizam os programas de assentamentos de agricultores,
os problemas relacionados ao atendimento de serviços básicos (…) sempre apa-
recerão de forma prioritária, em detrimento dos aeos produtivos, os quais
os agricultores acabam resolvendo individualmente, quer por suas tradições ou
pelas suas relações comunitárias que vão se eabelecendo, sem necessitar de
outros agentes como no primeiro caso. Na verdade, os aeos citados acabam
revelando as diculdades para se avaliar um quesito tão complexo como é o caso
da articulação e organização social dos assentados.” (Mattei)
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira inovou
em considerar opiniões sobre o assentamento como um todo (e não de
uma amora de famílias que vivem no local). Fazendo isso, ganhou-se
agilidade na coleta e na análise dos dados primários, condição essencial
276 NEAD Debate 
denida pelo Incra (demandante da pesquisa) para a sua realização.
Infelizmente, essa opção metodológica, inviabiliza (ou torna muito im-
preciso) o regiro das queões particulares ou individuais (como perl
familiar, migrações, renda familiar), nas quais podemos incluir as relações
horizontais (entre os assentados) e os processos de tomada de decisão.
Novamente, o nome do índice pode ter sido infeliz, por não representar
adequadamente a organização social. Um nome mais adequado poderia
ter sido índice de articulação initucional do assentamento, por focar
predominantemente as parcerias e a forma trabalho no assentamento.
.. Omissões na qualidade de vida
A queão de qualidade de vida nos assentamentos deve levar em conta
aeos gerais e outros eecícos das áreas reformadas. O índice de
qualidade de vida apresentado foi considerado incompleto e inadequa-
do para retratar os assentamentos devido a um viés urbano contido nas
variáveis que o compõe. Buainain e Silveira (Capítulo .) observam:
“Podem-se levantar dois tipos de “problemasem relação ao índice de qualidade de
vida. O primeiro, mais sério, é não levar em conta duas variáveis absolutamente
fundamentais na determinação da qualidade de vida: renda e segurança alimentar
(…) O segundo tipo de problema refere-se a uma certa confusão entre acesso a
serviços públicos e qualidade de vida, que reete um “viésurbano. Por exem-
plo, o cidadão pode ter acesso a serviço de saúde regular (um tanto indenido
o signicado desse acesso) e ter uma péssima saúde. Pode também ter acesso a
serviço emergencial de saúde (outra variável de signicado complicado) e isso
não se reetir diretamente em sua qualidade de vida cotidiana. Eecialmente no
meio rural, em assentamentos diantes dos centros urbanos, com eradas que
funcionam só parte do ano, qual o signicado de acesso a serviço emergencial
de saúde? E o tranorte coletivo? (…) Em nossa opinião, o melhor teria sido
a conrução de um índice mais reduzido de qualidade de vida, focando algu-
mas poucas variáveis relevantes e com comparabilidade com as bases de dados
mais gerais, como a Pesquisa Nacional por Amora de Domicílios (PNAD) e
Censo Demográco. Isso permitiria situar a qualidade de vida dos assentados
no conjunto da população rural do país.” (Buainain e Silveira)
Assentamentos em debate 277
.. O índice de meio ambiente
A queão ambiental ligada à reforma agrária é, provavelmente, o seu aeo
mais vulnerável em relação à oferta de conhecimento sico necessário para
a avaliação de passivos e impaos, bem como na geão das soluções para o
seu equacionamento. Os marcos legais são importantes inrumentos na ges-
tão dos recursos naturais. Queremos ressaltar apenas dois marcos recentes:
i) a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n
o
,
de de outubro de , que regulamenta o licenciamento ambiental dos
projetos de assentamento de reforma agrária, e ii) o Termo de Compromisso
de Ajuamento de Conduta (TAC) entre MDA/Incra e MMA/Ibama, de 
de outubro de , que regulamenta a execução das regras e princípios do
licenciamento por três anos (a partir da assinatura) e rege, inclusive, a recupe-
ração dos passivos (em termos de licenciamento) dos assentamentos antigos.
As observações apresentadas pelos colaboradores serão discutidas
no contexto da falta de informação dos marcos legais e do crescente
queionamento do impao ambiental da reforma agrária:
Cunha
et alii (Capítulo .) argumentam:
O índice de qualidade do meio ambiente (QA) considera basicamente o eado de
conservação das Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL),
tomadas como áreas de interesse prioritário na preservação dos recursos naturais.
Ainda que seja importante saber como se encontra a conservação das APP e das
áreas de reserva, esses dois elementos não são sucientes como indicadores de
qualidade do meio ambiente, mesmo levando em conta o grande impao dos
serviços ecológicos preados pela cobertura oreal.” (Cunha et alii)
O índice propoo para o meio ambiente considera prioritária (e não
basicamente como armado) a porcentagem de preservação das Áreas
de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). São também
contabilizadas a extração ilegal de produtos oreais, a erosão do solo e
as ações de recuperação ambiental (entenda-se recuperação dos recursos
oreais) nos assentamentos.
Nee capítulo, diferente dos demais, foram apresentadas tabelas com
variáveis auxiliares (não incluída na composição do índice, mas inseridas
278 NEAD Debate 
na discussão do tema), contendo caça e captura de animais, salinização
do solo e área desmatada (ilegal ou legalmente) após a criação dos as-
sentamentos. Priorizar recursos oreais, considerando os marcos legais,
parece juicável, uma vez que a exiência de legislação eecíca (Có-
digo Floreal) agiliza ações na sua recuperação. Outros aeos também
relevantes na qualidade ambiental dos assentamentos, mas que não são
objeto de leis eecícas (como solos), são de geão mais difícil. Os as
-
sentamentos vão ser queionados, inicialmente, quanto ao cumprimento
da lei (exemplo do TAC) e, poeriormente, por aeos também (ou
mais) relevantes como suentabilidade, interferência na biodiversidade
e erosão genética (referente a eécies cultivadas tradicionalmente).
Informações capazes de posicionar os passivos e impaos da reforma
agrária em relação aos marcos legais exientes nos parecem prioritárias
quando o objetivo for direcionado à geão e execução de programas de
governo. O índice de meio ambiente procura sintetizar essa preocupação
e as informações complementares aprofundar alguns temas correlatos,
como a áreas desmatadas nos assentamentos.
Martins (Catulo .) impõe rerições no tratamento das queões
ambientais na forma de índices e de maneira quantitativa, sugerindo
métodos qualitativos para as queões ligadas ao meio ambiente:
Os resultados obtidos foram preocupantes, embora as causas de tais situações
não tenham sido devidamente explicadas, dadas as limitações metodológicas
da pesquisa… Aplicando esse tipo de metodologia qualitativa, a riqueza da
pesquisa seria bem maior e as possibilidades de reoas às queões ambientais
exientes nos assentamentos seriam bem mais concretas e poderiam indicar
novas medidas governamentais para retirar os assentados do processo em que,
ao produzirem seus alimentos, depois de tanta luta pela terra, acabam por re-
produzirem as relações insuentáveis entre homem e natureza, caraeríica
do modelo agrícola brasileiro.” (Martins)
O eudo realizado… foi eminentemente quantitativo. Embora não trate de
externalidades, mas sim de índices de qualidade ambiental, abordar as queões
ambientais de forma quantitativa é um sério problema.” (Martins)
Assentamentos em debate 279
. Á
As áreas não cobertas e necessidades de complementação de eudos como
as apresentadas em A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira revelam as suas limitações como metodologia que se morou
eciente para gerar um retrato dos assentamentos de maneira rápida e
de cuo relativamente baixo. As principais sugeões aparecem liadas e
foram algumas vezes acompanhadas de comentário dos autores do livro
sobre possibilidade de integração com os métodos propoos.
Nos aeos descritos na qualidade de vida Cunha
et alii (Capítulo
.) ressaltam a importância de:
“Poder-se ia dizer que é imprescindível numa pesquisa de cunho qualitativo a
contextualização da trajetória de vida dos sujeitos, na medida em que o acesso
à terra (morar e trabalhar) e aos serviços sociais básicos implica em melhoria
concreta da qualidade de vida se comparada à situação anterior, em geral sem
terra, sem teto e sem trabalho.” (Cunha et alii)
A trajetória de vida das famílias não pode ser apreendida por nenhuma
pesquisa que avalie os assentamentos como um todo. Uma possível com-
plementaridade pode vir de um desenho de geração de dados primários
com dois queionários. Um deles reservado para as queões em que
é possível o regiro das informações para o coletivo do assentamento.
Por exemplo, não é necessário percorrer todas as casas de um assenta
-
mento para avaliar quantas famílias moram no projeto. Para isso, baa
perguntar a uma (ou algumas) pessoa(s) bem informada(s). O esforço
de amoragem (reetido diretamente nos cuos e no tempo da pesqui
-
sa) para coletar essa informação família-a-família é muito grande e não
garante maior precisão. A família pode ear ausente do lote na época da
sua visita ou pode haver problemas na localização de todas as casas, por
parte dos entreviadores.
Há vantagens e rerições metodológicas na geração de informações
agregadas para a totalidade dos assentamentos. Regirar o que for pos
-
sível no coletivo alivia aquilo que precisa ser levantado individualmente.
280 NEAD Debate 
Contabilizar casas, energia elétrica, forma de acesso ao projeto, parcerias
initucionais no coletivo evita que seja necessário um levantamento in-
dividual (família-a-família) para inventariar a situação global do projeto,
reduzindo as perguntas a serem feitas e reservando para ee queionário
um menor número de perguntas capazes de regirar o que é limitado
pela metodologia agregada. Nessas perguntas cabem temas como traje
-
tória de vida, renda, perl familiar e situação anterior ao assentamento.
A metodologia propoa em
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira pode, sob esse aeo, ser considerada complementar
a eudos mais detalhados, aliviando o número de queões que precisam
ser resolvidas em abordagens (família-a-família), mas detalhadas. A pos-
sibilidade de integração é total, é possível trabalhar com a mesma equipe
dois queionários simultaneamente, um complementando o outro, um
validando (criticando) as informações do outro. Vale lembrar que os cus-
tos logíicos são enormes em pesquisas nos assentamentos. Aproveitar o
fato de ear lá é essencial. Aplicar um ou dois tipos de queionário não
irá agregar signicativamente cuos ou tempo à pesquisa.
Quanto ao acesso às informações coletadas, Cunha
et alii (Capítulo
.) armam que:
Mesmo porque os índices que são apresentados na publicação encerram im-
portantes fragilidades, contribuindo para diorcer a realidade que se pretende
retratar. Ainda assim, o esforço feito pode ser aperfeiçoado e servir de base
para futuros diagnóicos. Os dados devem ser apresentados no relatório-síntese
agregados, mas não na forma de índices. Esses índices podem ser propoos em
artigos cientícos, mas não podem ocultar o mais importante nesse trabalho,
que são as informações coletadas.” (Cunha et alii)
Em relatos como A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária
Brasileira realmente há necessidade de agregar os dados para a sua apre-
sentação. Arriscamos o palpite de que io será necessário em qualquer
meio de divulgação (relatório, livro, artigo cientíco) para trabalhos que
utilizem um banco de dados com cinco milhões de regiros, como o que
foi utilizado. A agregação, ponderação, crítica e ltragem dos dados dão
chance a sua manipulação ou moldagem a certos objetivos ou expea
-
Assentamentos em debate 281
tiva de resultados pré-denidos. A maneira de afaar essa hipótese (de
manipulação inescrupulosa) é deixar absolutamente claros os critérios
utilizados na agregação, ponderação, crítica e ltragem, além de permi
-
tir acesso às bases originais. Todos esses cuidados foram tomados em
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira inclusive
o acesso à base original. Diversos grupos de pesquisa tiveram acesso à
base de dados, mesmo considerando a demora do NEAD em fazer com
que esse acesso seja possível diretamente de servidor. Atualmente, o banco
de dados completo da pesquisa eá dionível para acesso público na
página do Consórcio de Informações Sociais (CIS), no
site http://www.
nadd.prp.u.br/cis/index.ax. Nessa página também inruções para
o acesso à base.
Acreditamos que ea seja a melhor maneira de tratar dados gerados a
partir de pesquisas feitas com recursos públicos, mesmo que io interra
nos interesses dos pesquisadores de manter as bases por mais tempo sob
sua análise exclusiva ou do governo de evitar a possibilidade de crítica
por análises das bases que não passaram por sua intermediação. Infeliz
-
mente, não é assim que a maioria dos pesquisadores trata as informações
primárias nem o governo abre suas bases. O banco de dados da pesquisa
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, nesses
aeos, ainda eá dentro das exceções à regra.
No aeo da utilidade da pesquisa como forma de avaliação das
políticas governamentais, Sauer (Capítulo .) arma:
“Resumidamente, ea preferência” não se conitui em um grave problema da
pesquisa. Uma vez assumida essa pereiva, no entanto, deveria levar a busca de
dados capazes de realmente avaliar a ecácia e a eciência das ações governamen-
tais de reforma agrária. Signicaria incluir, ainda, outros aeos e dados como,
por exemplo, montante de recursos públicos aplicados, formas de aplicação (em
que ações, períodos de liberação dos recursos etc), adminiração pública dos
projetos, grau de participação dos interessados nas decisões sobre prioridades
(quais ações implementar, quando e como implementar), etc.” (Sauer)
2 Os arquivos referentes às fontes do banco de dados gerados nea pesquisa serão dionibilizados
pelo MDA por meio do NEAD (página 39 do livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira).
282 NEAD Debate 
As informações complementares apontadas podem dar uma nova di-
mensão para a análise, permitindo inferir sobre o impao e os resultados
das diintas opções gerenciais feitas pelo governo (como, onde, quanto e
quando liberar créditos; forma, período e geores dos projetos e formas
de participação dos beneciários nas decisões). Ea possibilidade, no
entanto, depende exclusivamente da forma e tranarência com que o
próprio governo trata as suas bases de dados e siemas gerenciais.
Integrar o eaço do assentamento com o seu entorno é essencial para
a sua análise sob diintos aeos. Nee sentido, Bergamasco e Ferrante
(Capítulo .) e Fernandes (Capítulo .) observam:
“Igualmente, faz-se necessário buscar as mediações dos assentamentos com a
dinâmica regional. As pesquisas voltadas à qualidade dos assentamentos preci-
sam absorver sua diferenciação conitutiva, a desconrução/reconrução de
eratégias, os conitos internos, os laços de reconhecimento social que passam
pela “reapropriação” de códigos nee novo modo de vida. Olhares internos se
imbricam a olhares externos, entendidos como a compreensão das mediações
com o poder local e com as caraeríicas regionais.” (Bergamasco e Ferrante)
Se considerarmos que os resultados das pesquisas aplicadas devem servir também
para a implementação de políticas públicas de desenvolvimento territorial dos
assentamentos, mesmo que em escala eadual, algumas queões deveriam ter
sido contempladas na realização da pesquisa. Um exemplo é a composição dos
membros das famílias, sexo, eado civil, faixa etária, escolaridade, analfabetismo
etc. Com relação à educação, para os movimentos socioterritoriais… o acesso
à educação básica não signica apenas o acesso à escola, mas principalmente
à escola no assentamento e com projeto pedagógico da educação do campo…
o índice de qualidade de vida teve como elementos as condições de acesso à edu-
cação, saúde, moradia e infra-erutura social. Esses são os elementos básicos para
uma pesquisa pida, que identica a exiência ou não dos serviços. Todavia, se
pensarmos a utilização dessa pesquisa para a realização de políticas públicas de
desenvolvimento rural, pode-se enfrentar problemas. Para o tema assentamen-
tos rurais não é suciente trabalhar somente com a exiência dos serviços, mas
também com a relação eaços e tempos políticos dos projetos.” (Fernandes)
Assentamentos em debate 283
As preocupações são procedentes, mas fora do alcance da abrangência
dos métodos empregados em A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira devido a queões de competência, prazo e orçamento.
O importante é ressaltar que houve uma movimentação muito positiva
nea direção capaz de revitalizar os olhares sobre os assentamentos num
futuro muito próximo. Os assentamentos foram incluídos como setor
censitário nas próximas pesquisas do Censo Demográco, Censo Agro-
pecuário e Censo Escolar. Esse recorte irá abrir pereivas de análise
importantes e abrangentes, expondo novas realidades e proporcionando
uma visibilidade das áreas reformadas (e agora comparadas com seu en-
torno ou com os agricultores familiares não beneciados), como nunca
foi possível. Esses novos olhares podem servir para objetivar as discussões
diminuindo a subjetividade eeculativa, sempre muito presente na mesa
de negociação do tema reforma agrária.
A possibilidade de continuidade de pesquisas com métodos expeditos
e de cuo baixo como sugeridos em A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira foi condicionada por Buainain e Silveira
(Capítulo .) a sua comparação com eudos detalhados:
A elaboração do eudo e a abertura do banco de dados para uso público criam
grandes oportunidades para análises futuras sobre queões relevantes para a
compreensão da reforma agrária no Brasil. Uma primeira linha de trabalho, que
deveria ser assumida pelo próprio Eado, é a realização de eudos amorais
para gerar parâmetros de validação da metodologia. Isso permitiria a reprodução
do eudo no futuro, seja na totalidade ou parte dele, com maior conabilidade
e segurança.” (Buainain e Silveira)
A falta de detalhamento também foi apontada por Coa Gomes (Ca-
tulo .) como reritiva para que
A Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira possa apoiar programas deinados à geração
de pesquisa e desenvolvimento na área agropecuária:
“Do ponto de via da pesquisa agropecuária, mais eecicamente, o texto não
apresenta muitos detalhes sobre os formatos tecnológicos ou nas opções tec-
nológicas adotadas nos assentamentos, o que ajudaria na denição de projetos
284 NEAD Debate 
mais eecícos para a consolidação do tema da suentabilidade em suas várias
dimensões. Também no que toca a queão ambiental, a opção metodológica de
avaliar erosão, sem eudar hiórico das áreas, por exemplo, não permite aferir
a complexa realidade ambiental dos assentamentos… Io também ocorreu no
que afeta a “biodiversidade” (…)” (Coa Gomes)
Coa Gomes (Capítulo .) também aponta a falta de inclusão de
multiplicidade nas análises que pudesse representar a adoção de eratégias
eecícas de produção nas áreas reformadas nos diferentes momentos
e contextos dos assentamentos:
Ainda que o eudo tenha pretendido uma certa completude analítica, o tema da
tecnologia adequada para os assentamentos, considerando a multiplicidade de
propósitos e a diversidade exiente no âmbito da agricultura familiar brasileira,
eecialmente a da reforma agrária, foi escassamente abordado. Outro eudo
talvez deva contemplar as diferentes eratégias tecnológicas nos diferentes
momentos da vida de um assentamento. Ainda que o tema da suentabilidade
dos siemas de produção seja relativamente recente no âmbito dos movimentos
sociais ligados diretamente à reforma agrária, como é o caso eecíco do MST,
a necessidade de trabalhar na produção de ciência e tecnologia que consolide
ees eilosde agricultura vem tendo importância crescente nos últimos anos e
apresenta-se como um grande desao não só para a pesquisa agropecuária como
para todas as entidades ligadas à agricultura, em geral, e a agricultura familiar,
eecicamente.” (Coa Gomes)
Os impaos que os assentamentos produzem também foram ressal-
tados como tema importante na sua avaliação. As áreas reformadas não
são vias de uma única mão, ou seja, ao mesmo tempo em que são afetadas
pelo avanço das fronteiras e do interesse do agronegócio ou pelos humores
da conjuntura social e política de seu entrono de centrais, elas também
modicam e produzem impaos na diversidade e quantidade de oferta de
alimentos, na oferta de empregos e nos mercados fornecedores de insumos
e serviços. Captar ees impaos certamente faz parte da avaliação dos
assentamentos como sugerido por Meliczek (Capítulo .):
Assentamentos em debate 285
“Entretanto, a queão referente a se os assentamentos possuem algum efeito
macroeconômico, ocasionando mudanças no Produto Interno Bruto (PIB), no
abaecimento de alimentos para centros urbanos, no comércio internacional
e no inveimento na agricultura, ainda não foi coberta. Embora uma análise
dessa natureza tivesse sido bem-vinda, teria ultrapassado o escopo do eudo.
O mesmo se aplica a um levantamento da reação de proprietários cujas terras
tenham sido expropriadas.” (Meliczek)
Por meio de um exemplo apoiado em resultados de pesquisas microsso-
ciológicas, Brenneisen (Capítulo .) demonra as vantagens da integração
de eudos expeditos e abrangentes com eudos detalhados e pontuais.
Ambos se beneciam, o
porquê e o como podem ser melhor denidos e
a abrangência dos eudos de caso pode car melhor delimitada:
Os dados (que compõem o índice de reordenação fundiária) apontam, em
primeiro lugar, para a possibilidade de erros de avaliação no dimensionamento
de projetos, por parte do Inituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), ocorrendo, em alguns casos, a alocação de um número maior de famílias
além da capacidade do assentamento, sobretudo no primeiro período eudado
(-). Há ainda uma variação nos números, dependendo da região. Essa
conatação conduziu os autores (Sparovek et alii, , p.-) a uma tentativa
de interpretação desses dados, o que levou à busca das possíveis causas para tal
ocorrência entre elas, a atração exercida sobre outras famílias com a inalação
do assentamento, o mencionado dimensionamento do projeto realizado de
maneira equivocada pelo órgão reonsável e a exiência de infra-erutura do
assentamento como fator de atração de outros parentes ou agregados. Contudo, a
pesquisa concluiu tendo em via o seu objetivo, que era o de gerar uma análise
preliminar dos dados – que esse trabalho eecíco não permitiria isolar um ou
outro dado explicativo sobre a superação da capacidade de assentamento nos
projetos. É nesse ponto eecíco que os eudos de caso ou eudos represen-
tativos de uma dada realidade regional poderiam reonder de maneira mais
satisfatória a essa queão(segue um relato de diversos eudos de caso)…
O conhecimento das eecicidades hióricas e culturais reonde de maneira
mais satisfatória a aeos relativos aos índices de ecácia da reorganização
fundiária, além de servir de orientação para a ação dos agentes governamentais
286 NEAD Debate 
ou mediadores do movimento. Ou seja, os números precisam ser interpretados
à luz de outras metodologias de pesquisa, que, levando-se em consideração o
contexto sociocultural em que se encontram inalados esses assentamentos,
permitam uma interpretação mais abrangente desses dados.” (Brenneisen)
. N
Diversos colaboradores lançaram novos olhares sobre os dados. Esses
novos olhares – quando críticos ou quando queionaram aqueles apre-
sentados em A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira
foram tratados nos capítulos anteriores dees comentários. No caso de
trazerem à luz novas informações, foram liados a seguir.
A escolha das variáveis que compõem o índice de reorganização fun
-
diária (IF) e seu peso na avaliação da conversão dos latifúndios foram
complementados por Buainain e Silveira (Capítulo .):
“Um segundo ponto sobre a composição do índice de ecácia da reorganização
fundiária diz reeito ao tratamento dado a algumas das variáveis. Por exemplo,
a aglutinação de parcelas parece entrar como fator negativo no índice, quando
em muitos casos é, juamente, um sinal de que a reorganização fundiária eá
sendo bem-sucedida. Em muitos casos referência ao Programa Eecial de
Crédito para a Reforma Agrária (Procera) –, a aglutinação, feita sempre “por
baixo do pano, corrigia problemas de seleção de beneciários, de divisão arti-
cial de lotes e permitia aos assentados mais empreendedores, e com melhores
condições, expandir sua produção. (Buainain e Silveira)
A análise da qualidade do acesso aos serviços de educação e saúde é
ressaltada por Cunha
et alii (Capítulo .):
“Por outro lado, o acesso à educação, segundo dados apresentados no diagnóico
(p.), por exemplo, não signica efetivamente melhoria da qualidade de vida.
Pesquisa realizada entre jovens de assentamentos localizados no município de
Pilões, no Brejo paraibano, revelou um atraso escolar médio de quatro anos
entre os eudantes matriculados no ensino fundamental e precárias condições
em termos da qualidade de ensino oferecido a esses jovens. No entanto, os lhos
Assentamentos em debate 287
apresentam níveis de escolaridade mais elevados que os de seus pais (Menezes,
Oliveira e Miranda, ). Na saúde, também identicam-se melhorias no acesso
aos serviços, contudo é preciso esclarecer que o acesso não implica necessaria-
mente um serviço de boa qualidade.” (Cunha et alii)
Sobre a concentração dos assentamentos nas regiões Norte e Nordee,
Sauer (Capítulo .) arma que:
A equipe não problematizou esses dados, mas são signicativos por, pelo menos,
dois motivos básicos. Primeiro, corroboram e rearmam as opções governamentais
de desapropriar áreas em detrimento de outras ações complementares. Ea opção
tem sido executada na região com o maior eoque de terras conseqüentemente
terras com preços mais baixos –, resultando em gaos públicos com um “maior
retorno” (maior número de famílias beneciadas).” (Sauer)
“Em segundo lugar, essa região apresentou os piores índices gerais de qualidade
de vida com média de para os projetos implantados até , e de  para
os implantados de  a  (contra  e , reeivamente, para o âmbito
nacional). A região Norte apresentou baixos índices de acesso (falta de eradas),
de eletricidade, de serviços de saúde, demonrando a falta de inveimentos em
ações complementares à reforma agrária.(Sauer)
“Fundamentalmente, os dados revelam uma lógica perversa de concentrar as
ações em desapropriações de áreas na região que tem terras baratas, mas que
mais necessita inveimentos complementares. Essa lógica visibilidade às
ações governamentais (ações que “beneciammuitas famílias), mas penaliza as
famílias e impede avanços importantes no processo geral de democratização do
acesso à terra, eecialmente porque mantém intocada a concentração fundiária
do Sul e Sudee.” (Sauer)
A pressão sobre quantidade exiiu e, provavelmente, continuará exis-
tindo. Os acampamentos, ocupações e uma organização social de base forte
impulsionam nee sentido. Conciliar (ou não ceder incondicionalmente)
a pressão quantitativa por meio da arrecadação de terras, onde é mais
fácil, pode envolver mudanças profundas na forma com que o governo
288 NEAD Debate 
e a sociedade organizam suas ações. A forma de geão do orçamento,
o aparato legal, a capacitação de seus quadros funcionais, os siemas
gerenciais podem prescindir adaptações que permitam incluir (e avaliar,
monitorar, tornar ecientes) metas de qualidade ou impao. Deve-se, no
entanto, tomar o cuidado de não deixar de contar famíliase passar a
simplesmente contar “orçamento, “inaugurações” ou “programas.
Lerrer (Capítulo .) analisa de maneira conclusiva a trajetória de
A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira nos meios
de comunicação, expondo uma opinião corajosa e embasada em sua
experiência de jornalia, militância nos movimentos sociais e pesquisas
de cunho acadêmico:
“Em suma, apesar da riqueza de interpretações possíveis sobre os dados da pes-
quisa, que deveriam ter sido reverberados com muito mais impao nos meios
de comunicação de massa, é importante deacar que a maioria das matérias que
abordaram a pesquisa singularizam a precariedade dos assentamentos criados,
a ineciência do Eado (que no entanto ainda eá efetivamente desaparelhado
para lidar com esse problema), a improdutividade dos lotes ou o péssimo hábito
dos assentados de abandoná-los ou vendê-los. Ou seja, muito mais do que au-
xiliar no aumento da compreensão da sociedade brasileira e mesmo contribuir
para a conrução de consensos sobre medidas que venham a aplacar a profunda
desigualdade social do país, essas matérias reproduzem as forças hegemônicas
da sociedade – altamente vinculadas com os interesses da grande propriedade
rural associadas a uma leitura descolada da realidade das populações pobres do
campo, de suas necessidades e de suas pereivas limitadíssimas de ascensão
social. Desse modo, salvo honrosas exceções, boa parte da produção jornalíica
brasileira colabora para a manutenção de um imaginário social impotente diante
das raízes seculares da desigualdade social, centrada na concentração fundiária,
o que em face da abundância de terras férteis e ociosas exientes no país, deveria
soar como um enorme absurdo.” (Lerrer)
3 Edição da revia Carta Capital, de 28 de abril de 2004, que aborda o resultado da pesquisa realizada
por uma equipe coordenada por pesquisadores em regiões de concentração de assentamentos,
publicada no livro “Impaos dos assentamentos: um eudo sobre o meio rural brasileiro, de
Sérgio Leite, Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, Moacir Palmeira e Rosângela Cintrão (coord.),
Incra/NEAD/MDA/Une, Brasília, 2004.
Assentamentos em debate 289
Coa Gomes (Capítulo .) analisa de maneira crítica os avanços
que a pesquisa e desenvolvimento voltados para a agricultura familiar,
demonrando a preocupação com o modelo propoo e seus impaos
na suentabilidade dos siemas produtivos:
A intensicação tecnológica levada a cabo pelos agricultores familiares quando
do início do processo de modernização da agricultura brasileira foi, exatamente
ela, uma das reonsáveis pela exclusão de um grande número desses agricul-
tores, que mais tarde viriam a formar o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST), juamente o principal público-alvo da reforma agrária. Então,
assumir que o processo de desenvolvimento se pela incorporação tecnológica,
sem sequer discutir que eilo de tecnologia e em que situação, pode representar
a reedição do equívocoUm primeiro aeo importante a levantar é o da
possibilidade real de que em muitos casos os assentados eejam tentando a
implantação de eilos de agricultura convencional, ou seja, baseado no mesmo
modelo que ajudou a expulsá-los do campo.” (Coa Gomes)
Martins (Catulo .) ressalta o mesmo aeo sob a ótica ambiental:
Os assentados não sairão dessa lógica (pacote tecnológico deruidor dos
ecossiemas) exclusivamente por força própria. Trata-se, então, de se conruir
um ambiente propício em que os agentes econômicos no processo de busca e
seleção de novas tecnologias possam ser induzidos a optar por tecnologias que
sejam ambientalmente corretas. Quando as rerições de ordem ambiental se
tornarem rerições de primeira ordem às atividades econômicas, sim não mais
earemos numa sociedade capitalia, e o processo de conrução da sociedade
suentável eará no seu apogeu.” (Martins)
Coa Gomes (Capítulo .) também ressalta a importância de um
urgente equacionamento da queão ambiental nos assentamentos e do
papel da pesquisa cientíca na busca de soluções:
“Um outro aeo digno de observação é o que se refere ao índice de qualidade
do meio ambiente (QA), quando aponta que os maiores índices foram regis-
trados nos assentamentos novos, dando margem a duas interpretações: a) a
290 NEAD Debate 
qualidade do meio ambiente diminui com o desenvolvimento do projeto e com
a intensicação dos siemas de produção ou b) as atitudes conservacionias
têm sido intensicadas em tempos mais recentes (p.). Para a análise do
ponto de via da pesquisa agropecuária, não importa a conclusão. A manu-
tenção da capacidade produtiva dos recursos naturais, do meio ambiente em si,
é uma condição intrínseca à própria suentabilidade da relação da sociedade
com a natureza, ou seja, da possibilidade da continuidade da vida sobre a Terra.
O aumento do reconhecimento dessa necessidade é o que faz a intensicação das
atitudes conservacionias. Se por um lado as duas possibilidades são concretas,
também ambas merecem ações eecícas da pesquisa agropecuária. O que
importa no caso é a evidente necessidade de que esse tema seja denitivamente
incorporado ao rol dos projetos e programas de pesquisa e desenvolvimento de
forma geral e não somente naquela mais direcionada à reforma agrária. A busca
da base cientíca para a consolidação dos formatos tecnológicos que garantam
a suentabilidade no uso dos recursos naturais é uma tarefa urgente para todos
os que têm qualquer tipo de relação com a agricultura, o eaço rural e o seu
desenvolvimento. (Coa Gomes)
A análise de Mattei (Capítulo .) sobre o conjunto de dados apre-
sentado revela uma preocupação mais geral, superior à escala adotada
na pesquisa das áreas reformadas:
Assim sendo, vislumbramos uma pereiva não muito favorável para o país
nee campo, pois a política de assentamentos, além de não modicar em quase
nada a erutura agrária, nem sequer eá sendo capaz de atender aquelas camadas
de agricultores que são expulsos do setor agropecuário. Ee cenário nos obriga
a armar que não exie efetivamente uma política de reforma agrária em curso
no Brasil. Dentre as razões que suentam ea armação, deacam-se:
a política de assentamento dos últimos períodos eá direcionada, fundamen-
talmente, ao processo de regularização fundiária e ao atendimento seletivo das
regiões de maior conito agrário;
a política agrícola em curso não impede a contínua expulsão de trabalhadores
rurais do setor agropecuário, processo que nas últimas décadas representou
numericamente a mesma proporção e/ou até mais que as famílias assentadas
pelos governos;
a)
b)
Assentamentos em debate 291
a criação de assentamentos rurais, geralmente em áreas extremamente inói-
tas e não acompanhada por uma rede de infra-erutura básica, tem levado ao
fracasso muitas iniciativas governamentais;
o incentivo ao uso do mecanismo de compra, em subituição aos inrumentos
conitucionais de desapropriação das terras para ns de reforma agrária, acaba
privilegiando os movimentos eeculativos, que se expressam através da elevação
dos preços das terras em praticamente todas as regiões do país.” (Mattei)
Martins (Capítulo .) avalia o impao de A Qualidade dos Assenta-
mentos da Reforma Agrária Brasileira ter revelado passivos ambientais
signicativos ligados à criação dos assentamentos:
essa conclusão (da exiência de passivos ambientais signicativos) jui-
ca uma mudança na forma como o Eado vem conduzindo a reforma agrária,
sempre pelo lado produtivia e, como tal, altamente degradador em termos
ambientais. Por io, as pesquisas nesse campo devem continuar, para que se
possa modicar a forma de produzir nos assentamentos, a m de não reprodu-
zir o modelo dominante na produção agrícola brasileira. …Enm, precisamos
captar se do ponto de via da organização da produção, os assentados, depois
de muita luta para conseguirem suas terras, acabam por reproduzir não o
pacote tecnológico prevalente, mas também se se integram ao modelo de de-
senvolvimento agrícola dominante, que é um dos suentáculos dea sociedade
insuentável em que vivemos.” (Martins)
Alguns resultados chamam a atenção de Meliczek (Capítulo .)
que aprofunda observações feitas em A Qualidade dos Assentamentos
da Reforma Agrária Brasileira:
O eudo chega à conclusão de que a reforma tem sido bem-sucedida. A maioria
dos beneciados eá em melhor situação do que anteriormente. Eles gozam
da dignidade de viver em sua própria terra e da eabilidade que garante suas
necessidades básicas. Um número considerável de famílias tem superado a linha
da pobreza desde que obteve acesso à terra. Ademais, o eudo revela que os
indicadores de abandono e venda ilegal de lotes de terra são insignicantes. Isso é
ainda mais digno de louvor, considerando-se que os assentamentos têm sido ea-
c)
d)
292 NEAD Debate 
belecidos em terras anteriormente improdutivas e por pessoas que tinham pouca
ou nenhuma experiência em adminirar sua própria produção. (Meliczek)
“Uma revelação muito signicativa do eudo é o alto valor do índice de ecácia
da reorganização fundiária, se comparado a outros índices como o de qualidade
de vida e o índice de ação operacional. Os autores chegam à conclusão que, para
os assentados, o acesso à terra é o aeo mais importante da reforma agrária.
É mais importante do que o acesso a outros serviços adicionais, tais como saúde,
educação ou crédito. Esse dado não deverá, entretanto, levar à complacência por
parte do governo. Para facilitar o eabelecimento de assentamentos viáveis, o
Eado deverá assegurar o acesso dos assentados a outros mercados, incluindo
o crédito, insumos e tecnologia. Os autores enfatizam, com propriedade, a ne-
cessidade de uma ação complementar do governo na implementação de projetos
de assentamento, e enfatizam que a diribuição de terras é apenas o primeiro
passo no processo de melhora de vida da população rural pobre.” (Meliczek)
As diculdades de determinação da renda familiar, as rerições de
sua utilização como medida do bem-ear das famílias e procedimentos
alternativos foram discutidos por Meliczek (Capítulo .):
Considerando que as entrevias foram realizadas em nível de assentamento, e
não com indivíduos assentados, os autores decidiram apresentar os dados sobre
renda familiar na forma de valores numéricos e não em forma de um índice.
Eles reconhecem, entretanto, as limitações metodológicas de uma análise de
renda familiar para projetos inteiros, por meio de entrevias. Com base em
minhas experiências na realização de pesquisas de campo socioeconômicas,
tenho dúvidas quanto a dados sobre renda obtidos por meio de queionários e
tendo a me basear muito mais em indicadores secundários, como moradia, bens
doméicos, presença das crianças na escola, etc.” (Meliczek)
Os assentamentos conituem um eaço geográco claramente deli-
mitado, mas não eão isolados do seu entorno. Brenneisen (Capítulo .)
comenta a importância de não particularizar demais as áreas reformadas,
polarizando a discussão de pobreza rural para esse foco e assim desconsi-
derar outros agricultores que vivem em condições similares ou piores:
Assentamentos em debate 293
Além dos aeos apontados, é preciso ainda evitar interpretações da qualidade
de vida nos assentamentos descoladas” do contexto em que eão situados. As-
sentamentos não são ilhas. As mesmas deciências conatadas nos assentamentos
eendem-se aos demais agricultores familiares situados nas proximidades desses
assentamentos. A precária erada de acesso aos assentamentos é a mesma precária
erada de acesso dos demais agricultores familiares. A moradia dos agricultores
familiares não é também, via de regra, melhor que a do assentado (por sinal, a
exiência de uma linha de crédito para habitação eecíca para os assentados
e ausência de algo similar para os agricultores familiares, tem sido objeto de
queionamento por parte desses últimos, já de longa data).” (Brenneisen)
. A
Os colaboradores foram convidados a apresentar complementações, em
discurso livre, ressaltando dados, experiências e relatos derivados de sua
trajetória ou pereiva. Esses catulos acabaram gerando um retrato
rico e diversicado de diversos aeos da reforma agrária brasileira,
de forma resumida e condensada pelo pequeno eaço oferecido a cada
colaborador. Ressaltamos o que cada colaboração signicou para nós:
Cunha
et alii (capítulo .) apresentam dados de eudos detalhados
feitos em assentamentos da Paraíba. Esses eudos ajudaram a demonrar
as limitações que pesquisas abrangentes e expeditas têm na compreensão
da realidade sob a ótica local, bem como a diculdade da extrapolação
dos dados produzidos localmente na geração de um panorama global.
Sauer (Capítulo .) enriquece, com base em seu nomadismo geográ-
co e socialpelas áreas reformadas, o conceito de delimitação geográca
dos assentamentos, da motivação e do signicado do acesso à terra. Ee
depoimento reforça a reforma agrária como política focalizada em exclu-
são e de forma não-compensatória, por realmente marcar a trajetória de
vida dos beneciados. Valores como liberdade de escolha, pereiva de
vida, auto-eima, unidade familiar e tantos outros de difícil quanticação
aparecem deilados na fala de Gloraci (GO) citada por Sauer: Terra é
tudo; terra é paz, é vida! A luta pela terra é uma coisa muito clara: é o
suento da vida!.
294 NEAD Debate 
Bergamasco e Ferrante (Capítulo .) contribuem com uma reexão
sobre o uso de indicadores e índices nas pesquisas sobre assentamentos.
Fica evidente que se por um lado eles não resolvem todas as queões e a
sua concepção e interpretação necessita de eudos detalhados, é difícil
imaginar que a geão de uma política com a abrangência da reforma
agrária brasileira possa ser feito sem eles. A queão é achar a melhor
complementaridade entre as escalas e métodos, procurando sinergia e
não concorrência.
Buainain e Silveira (Capítulo .) exploram as possibilidades e pers
-
peivas que a metodologia propoa (expedita e de baixo cuo relativo)
abrem para a análise e geão no contexto da execução da reforma agrária
como política de governo. As observações são enriquecidas com diversas
referências a dados e pesquisas próprias que avaliaram áreas reformadas
em outros contextos.
Fernandes (Capítulo .) apresenta uma ótica dos assentamentos em
relação à sua evolução hiórica posicionando as diferentes opções tomadas
pelo governo frente à evolução dos movimentos sociais. O relato deixa
muito claro que a queão de acesso à terra eá longe de ear resolvida
no Brasil: “
Filhos de assentados conituíram famílias, ocuparam a terra
e foram assentados. Eá em formação uma segunda geração de lhos
de assentados sem que a queão da terra tenha sido resolvida, mas não
deixa de ter eerança para o futuro:
A qualidade dos assentamentos de
reforma agrária eá diminuindo. Ea é uma conclusão que a publicação
nos apresenta. A qualidade dos assentamentos pode melhorar. Eá é outra
conclusão que a leitura da publicação nos oferece..
De forma sintética, siemática e ordenada em poucas páginas, Lerrer
(Capítulo .) conseguiu traçar usando a trajetória de A Qualidade dos
Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira nos meios de comunicação
como pano de fundo um panorama atual da prossão de jornalia, dos
interesses e erutura de poder que movem a abordagem do tema reforma
agrária nos meios de comunicação. A coragem embutida nas armações
que queionam as motivações e a imparcialidade na prossão e nas
empresas que detém o setor impressiona. Que exemplo!
Coa Gomes (Capítulo .) ressalta a necessidade de transversalidade,
parcerias e integração initucional na abordagem do tema reforma agrária.
Assentamentos em debate 295
Demonra que as políticas públicas voltadas para a queão fundiária
não pertencem a um ou a outro miniério ou entidade, ressaltando os
desaos que a geração e transferência de pesquisa e desenvolvimento
ainda têm pela frente:
“Para as unidades de pesquisa da Embrapa o desao seria eabelecer ações de
parceria com as agências públicas que atuam na reforma agrária, utilizando como
ponto de partida a visão do eaço territorial. Ações de desenvolvimento com
essa concepção já teriam impaos imediatos na “qualidade dos assentamentos,
dado o grande eoque de tecnologias geradas ou adaptadas prontas para o uso,
mas que sequer chegou aeles (…) Vários miniérios e muitas inituições
públicas do eado e da sociedade têm na reforma agrária a interface para seus
trabalhos. Ocorre que hioricamente cada um ou cada uma tem tentado cumprir
seu papel de forma isolada, resultando em ação desconexa e perda de energia,
para não falar de pulverização de recursos.” (Coa Gomes)
Mattei (Capítulo .) enriquece o debate com sugeões objetivas de
como melhorar os métodos e procedimentos adotados em
A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira. Sua reexão sobre a
queão agrária e as políticas de assentamentos reforça a necessidade
atual de se manter o tema em debate, que deve ser qualicado objetivo e
focalizado no benefício daqueles que podem assumir uma nova trajetória
de vida se tiverem acesso à terra e aos meios de nela produzir:
“Nesse sentido, a reoa à queão se a reforma agrária é ainda pertinente para a
sociedade brasileira no início do século XXI parece ser óbvia, sobretudo se admitir-
mos a exiência da queão agrária. Nossa visão é que, em um país com mais de
 milhões de heares de terras improdutivas e com mais de quatro milhões de
famílias de sem terras, além de apresentar índices de desigualdades econômicas
e sociais alarmantes, não se pode prescindir do uso de um inrumento ecaz
– como é o caso da reforma agrária – para tentar reverter esse cenário, como o
zeram a maior parte dos países hoje considerados desenvolvidos. Entretanto,
o caráter da reforma agrária (massiva, econômica, social ou produtivia), bem
como os inrumentos necessários, é que precisam ser melhor debatidos com a
sociedade brasileira.” (Mattei)
296 NEAD Debate 
A queão ambiental é o cerne da argumentação apresentada por
Martins (Capítulo .). Concordamos com ele que o desao atual (ou o
próximo desao dada a quase insignicância de ações efetivas já imple
-
mentadas) é conruir um modelo, uma maneira de beneciar milhões
de famílias com terra, meios de produção, uma vida digna e segura sem
aumentar a pressão sobre os recursos naturais ou presentear as futuras
gerações com vergonhosos passivos ambientais. Esse é o assunto menos
debatido no âmbito dos eecialias, executores e militantes da reforma
agrária. Perdem com io as futuras gerações, das quais eamos reduzin
-
do as opções de escolha e o direito a um meio ambiente ecologicamente
digno. Apesar da magnitude do problema, todos nós, ligados de alguma
forma à reforma agrária, temos o dever de tratar o meio ambiente com
mais seriedade, prioridade e profundidade.
Meliczek (Capítulo .) nos emprea o olhar de um observador ex
-
terno. Sua experiência vem de trabalhos realizados na Turquia, Filipinas,
África do Sul, Afeganião, de muitos anos de academia em Goettingen
(Alemanha) e como consultor da Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO) para reforma agrária. Sua análise obje
-
tivou eecicamente o livro A Qualidade dos Assentamentos da Reforma
Agrária Brasileira com importantes sugeões que podem possibilitar ga-
nhos de abrangência e qualidade em pesquisas semelhantes que poderão
ser realizadas no futuro.
Brenneisen (Catulo .) naliza a sua contribuição, que deixa
evidente o caráter complementar de diversos métodos e eecialidades
necessários para retratar os assentamentos, com a seguinte armação:
“Finalizo, regirando aqui o geo deemido dos autores do livro A Qualidade
dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira, colocando a pesquisa desen-
volvida por eles sob o olhar crítico de outros pesquisadores, munidos de outras
referências e pereivas diversas de análise. Rea torcer para que atitudes si-
milares de diálogo, franco e aberto, sejam possibilitadas por aqueles que realizam
o importante trabalho de mediação da luta pela terra. Certamente ganharíamos
todos: o Eado, o MST, a luta pela reforma agrária e os trabalhadores rurais
sem-terra, que arriscam incessantemente suas próprias vidas na conquia de
Assentamentos em debate 297
uma exiência mais digna. Sairia, enm, vitoriosa, a causa que mobiliza a todos
nós – a luta por uma sociedade mais jua e democrática.” (Brenneisen)
Eas últimas palavras conrmam a convicção que nos motivou a
sugerir ao NEAD a organização de Assentamentos em Debate, tarefa que
foi mais difícil e graticante do que prevíamos a princípio.
U
passa pela transformação do meio rural em um eaço com qualidade
de vida, acesso a direitos, suentabilidade social e ambiental.
Ampliar e qualicar as ações de reforma agrária, as políticas de for
-
talecimento da agricultura familiar, de promoção da igualdade e do
etnodesenvolvimento das comunidades rurais tradicionais. Esses são os
desaos que orientam as ações do Núcleo de Eudos Agrários e Desen-
volvimento Rural (NEAD), órgão do Miniério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) voltado para a produção e a difusão de conhecimento
que subsidia as políticas de desenvolvimento rural.
Trata-se de um eaço de reexão, divulgação e articulação ini-
tucional com diferentes centros de produção de conhecimento sobre
o meio rural, nacionais e internacionais, como núcleos universitários,
inituições de pesquisa, organizações não governamentais, centros de
movimentos sociais, agências de cooperação.
Em parceria com o Inituto Interamericano de Cooperação para
a Agricultura (IICA), o NEAD desenvolve um projeto de cooperação
técnica intitulado “Apoio às Políticas e à Participação Social no Desen
-
volvimento Rural Suentável”, que abrange um conjunto diversicado
de ações de pesquisa, intercâmbio e difusão.
E
Construção de uma rede rural de cooperação técnica e cientíca para o de
-
senvolvimento
Democratização ao acesso às informações e ampliação do reconhe
-
cimento social da reforma agrária e da agricultura familiar
298
O NEAD busca também
Estimular o processo de autonomia social
Debater a promoção da igualdade
Analisar os impactos dos acordos comerciais
Difundir a diversidade cultural dos diversos segmentos rurais
P
O projeto editorial do NEAD abrange publicações das séries Estudos
NEAD, NEAD Debate, NEAD Especial e NEAD Experiências, o
Portal
NEAD e o boletim
NEAD Notícias Agrárias.
P
Reúne estudos elaborados pelo NEAD, por outros ór
-
gãos do MDA e por organizações parceiras sobre varia
-
dos aspectos relacionados ao desenvolvimento rural.
Inclui coletâneas, traduções, reimpressões, textos clás
-
sicos, compêndios, anais de congressos e seminários.
Apresenta temas atuais relacionados ao desenvolvi
-
mento rural que estão na agenda dos diferentes atores
sociais ou que estão ainda pouco divulgados.
Difunde experiências e iniciativas de desenvolvimento
rural a partir de textos dos próprios protagonistas.
299
P
Um grande volume de dados é atualizado diariamente na página eletrô
-
nica www.nead.org.br, estabelecendo, assim, um canal de comunicação
entre os vários setores interessados na temática rural. Todas as infor
-
mações coletadas convergem para o Portal NEAD e são difundidas por
meio de diferentes serviços.
A difusão de informações sobre o meio rural conta com uma biblio
-
teca virtual tetica integrada ao acervo de diversas instituições parceiras.
Um calogo
on line também es dispovel no Portal para consulta de tex-
tos, estudos, pesquisas, artigos e outros documentos relevantes no debate
nacional e internttacional.
B
Para fortalecer o uxo de informações entre os diversos setores que atuam
no meio rural, o NEAD publica semanalmente o boletim NEAD Notícias
Agrárias. O informativo é distribuído para mais de  mil usuários, entre
pesquisadores, professores, estudantes, universidades, centros de pes
-
quisa, organizações governamentais e não governamentais, movimen
-
tos sociais e sindicais, organismos internacionais e órgãos de imprensa.
Enviado todas as sextas-feiras, o boletim traz notícias atualizadas so
-
bre estudos e pesquisas, políticas de desenvolvimento rural, entrevistas,
experiências, acompanhamento do trabalho legislativo, cobertura de
eventos, além de dicas e sugestões de textos para fomentar o debate sobre
o mundo rural.
Visite o Portal
www.nead.org.br
Telefone: ()  
Endereço: SCN, Quadra , Bloco C, Ed. Brasília Trade Center, 
o
andar, Sala 
Brasília/DF CEP -
300