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Dimensões Do
agronegócio
brasileiro
políticas,
instituições e
perspectivas
A u t o r e s :
Ped ro ra mos ( org.)
ant ônio márci o Bua inain
Walte r Bel ik
B
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seB a
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sé maria f. J. da silv eir
a
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s
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a
Dimensões Do agronegócio brasileiro
n e a d e s t u d o s
15
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Dimensões Do
agronegócio
brasileiro
POLÍTICAS,
INSTITUIÇÕES E
PERSPECTIVAS
a u t o r e s :
Pedro Ramos (org.)
Antônio Márcio Buainain
Walter Belik
Bastiaan Philip Reydon
Sebastião Neto R. Guedes
Rodolfo Hoffmann
José Graziano da Silva
Maya Takagi
Ademar Ribeiro Romeiro
José Maria F.J. da Silveira
Izaías de Carvalho Borges
Maria da Graça D. Fonseca
M D A , B R A S Í L I A - D F, 2 0 0 7
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L I L  S
Presidente da República
G C
Miniro de Eado do
Desenvolvimento Agrário
M C R
Secretário-Executivo do Miniério
do Desenvolvimento Agrário
R H
Presidente do Inituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
A S P
Secretário de Agricultura Familiar
A L D A
Secretário de Reordenamento Agrário
J H O
Secretário de Desenvolvimento Territorial
C M G G
Coordenador-Geral do Núcleo de Eudos
Agrários e Desenvolvimento Rural
A L. L
Coordenadora-Executiva do Núcleo de
Eudos Agrários e Desenvolvimento Rural
N E
Copyright  by MDA
P , 

Márcio Duarte – M10 design
R 
Autores
M D
A (MDA)
www.mda.gov.br
N E A
D
A R (N)
SCN, Quadra , Bloco C, Ed.
Trade Center, º andar, sala 
– Cep: .- Brasília-DF
Telefone: () -
www.nead.org.br
/ Apoio às
Políticas e à Participação Social no
Desenvolvimento Rural Suentável
Dd
D
i
mensões do agronegócio brasileiro : políticas, instituições e
perspectivas / Pedro Ramos ... [et al.]. -- Brasília : MDA, .
p. ; , x , cm. -- (Nead Estudos ; ).
. Agropecuária Brasil. . Política agrícola Brasil. . Política
agrária Brasil. . Distribuição de renda Brasil. . Posse da Terra
Brasil. . Biotecnologia. . Políticas agroambientais Brasil.
. Segurança alimentar – Brasil. I. Ramos, Pedro. II. Série.
CDD .
SUMÁRIO
Prefácio
A D R I A N A L . L O P E S
Apresentação
P E D R O R A M O S
Sobre os autores
primei ra p arte: agropecuári a e ag roindústria
refe rê nc ia s analíticas e ne ce ss id ade de regulamentaç ão
1. Referencial teórico e analítico sobre a
agropecuária brasileira
P E D R O R A M O S
. As eecificidades da Agropecuária 
.
Os referenciais analíticos: as principais análises hióricas
sobre a evolução da agropecuária brasileira 
. A análise das funções no processo de desenvolvimento 
. As análises dualias, a de inovação induzida e o
debate em torno da queão agrária

. O novo referencial analítico: As contribuições sobre
complexos agroinduriais, abordagem siêmica, etc. 
.
A heterogeneidade erutural e as novas denominações: o
agronegócio brasileiro no início do Século  
.
Referências bibliográficas
Nead Estudos 154
2. Modelo e principais instrumentos de regulação
setorial: uma nota didática
A N T Ô N I O M Á R C I O B U A I N A I N
. Eecificidades da agricultura e intervenção do Eado 
.
Regulação eatal e seus inrumentos 
.. Políticas macroeconômicas 
.. Políticas setoriais 
. Principais inrumentos da política agrícola brasileira 
.
Os novos inrumentos da política agrícola brasileira 
.. Política Sanitária 
.. Infra-erutura de desenvolvimento
.. Cédula do produtor rural ()

.. Contrato de opção de venda ()

.. Prêmio para escoamento de produto ()

.. Zoneamento agroclimático,
pedoclimático e seguro agropecuário 
. Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) 
.
Algumas reflexões sobre os limites da nova política agrícola 
Bibliografia 
3. Instituições, ambiente institucional e políticas agrícolas
WA LT E R B E L I K , B A S T I A A N P. R E Y D O N , S E B A S T I Ã O N E T O R . G U E D E S
. Introdução 
.. As eecificidades da agricultura e a abordagem initucionalia 
. A nova Economia Initucional (): elementos
da economia dos cuos de transação 
.. A natureza dos contratos 
..
Caraeríicas das transações e as eruturas de governança 
..
A integração vertical 
..
Inituições e organizações 
. O papel das inituições no planejamento da agricultura 
.. Coordenação dos complexos e políticas setoriais 
..
As inituições da agropecuária brasileira: alguns exemplos 
... Propriedade da terra 
... Nas cadeias agroinduriais 
. Síntese e conclusão 
Bibliografia 
4. Agroindústria e política agroindustrial no Brasil
WA LT E R B E L I K
Apresentação 
O
Conceito de Agroindúria
P
olítica Agroindurial no Brasil 
C
onclusões 
Bibliografia 
segund a pa rte: situação atu al , po líticas
públ ic as r ecentes e perspec ti va s
5. Distribuição da renda e da posse da terra no Brasil
R O D O L F O H O F F M A N N
. Introdução 
.
Diribuição da renda em  
.. A diribuição do rendimento domiciliar per capita
..
Rendimento domiciliar per capita para domicílios rurais 
..
Rendimento per capita na agricultura 
..
O rendimento das pessoas economicamente ativas 
. Crescimento e inércia da desigualdade 
.
A diribuição da posse da terra 
.. Hiória 
..
A diribuição da posse da terra no Brasil de acordo
com os Censos Agropecuários 
... O conceito de eabelecimento agropecuário 
... A diribuição da posse da terra conforme a condição do produtor 
...
O caso do Mato Grosso 
...
O caso do Eado de São Paulo 
Nead Estudos 156
... Diribuição da posse da terra nas Regiões e nas
Unidades da Federação em - 
.. Outras fontes de dados sobre a erutura fundiária 
. Os determinantes do rendimento 
.. Diribuição da renda e diribuição da posse da terra 
. A desigualdade da diribuição da posse da terra
e o desenvolvimento humano 
.. Introdução 
..
Erutura fundiária e indicadores de
desenvolvimento humano nas 

.. A relação entre erutura fundiária e
desenvolvimento humano nas  
Bibliografia 
6. A regulação institucional da propriedade da terra
no Brasil: uma necessidade urgente
B A S T I A A N P H I L I P R E Y D O N
. Introdução 
.
A eeculação e a regulação initucional
da terra: aeos teóricos 
.
O problema agrário e a gênese dos mercados
de terras: a não-regulação 
.
A eeculação como fruto da ocupação urbana não regulada 
.. Um exemplo hiórico na cidade do Rio de Janeiro 
..
O caso da cidade de São Paulo
..
O caso de Campinas 
. A ocupação eeculativa não regulada da terra rural 
.
Conclusões e uma propoa initucionalia
para regular o mercado de terras 
. Bibliografia 
7. Fome Zero: política pública e cidadania
J O S É G R A Z I A N O D A S I LVA e M AY A TA K A G I
Introdução 
.
Diagnóico e concepção 
. Insegurança alimentar não é sinônimo de fome 
.
Diagnóico da fome 
.
Políticas eecíficas emancipatórias 
.
A Necessária Articulação de Programas de
Segurança Alimentar e Nutricional 
.
A Importância da Participação e da Mobilização Social 
. O primeiro ano de implantação 
.
Conruindo o Futuro 
8. Perspectivas para Políticas Agroambientais
A D E M A R R I B E I R O R O M E I R O
. Introdução 
.
Os Impaos Ambientais da Agricultura Moderna 
.
Os Condicionantes Sócio-Econômicos do
Processo de Modernização Agrícola 
.
Meio Ambiente e Dinâmica de Inovações na Agricultura 
. Pereivas de Políticas Agroambientais 
.. Políticas Ambientais e Mecanismos Endógenos
de Mudança Tecnológica 
..
Eímulos e Obáculos à Expansão de Práticas Agroecológicas 
... O Conceito de Agroecologia 
...
Os Siemas Alternativos 
. Considerações Finais 
R
eferências Bibliográficas 
9. Biotecnologia e desenvolvimento de mercados:
novos desafios, novos conceitos?
J O S É M A R I A F. J . D A S I LV E I R A , I Z A Í A S D E C A R VA L H O B O R G E S e
M A R I A D A G R A Ç A D . F O N S E C A
. Introdução 
.
Caraerização da Moderna Biotecnologia: da
tecnologia à análise econômica 
Nead Estudos 158
Breve hiórico: do conhecimento à firma biotecnológica 
T
rajetória Tecnológica ou a Contínua Renovação do Paradigma? 
N
ovos Mercados e um Novo Ambiente Initucional 
C
onrução social dos mercados: introduzindo
a idéia de ambigüidade 
Biodiversidade e biotecnologia 
Biotecnologia e Comércio 
. Biotecnologia Agrícola: difusão acelerada em
um ambiente desfavorável 
Introdução 
C
araerização do Ambiente que condiciona a
difusão da biotecnologia agrícola 
A
Biotecnologia Agrícola Avança 
A
Grande Corporação como protagonia da
mudança de paradigma tecnológico 
Observações Finais 
B
ibliografia 
A
pêndice . O modelo de esgotamento de trajetória tecnológica 
PreFácio
A participação dos atores sociais nos processos de fortale-
cimento e ampliação das políticas de promoção do desen-
volvimento rural sustentável, está entre um dos elementos
centrais para um novo modelo de desenvolvimento pautado
pela transformação do meio rural num espaço ainda mais
produtivo e de qualidade de vida com justiça social.
Nesse contexto a atuação do Miniério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
tem se pautado pela promoção e eímulo à ampliação e qualificação de
agentes sociais envolvidos nos processos de formulação, implementação, mo-
nitoramento e avaliação das políticas sob a reonsabilidade do MDA.
Dentre as principais ações que contribuem nesse processo eão a
implementação de programas de capacitação para o conjunto de atores e
geores das políticas, a valorização de experiências bem-sucedidas e uma
renovada capacidade de comunicação horizontal entre geores e demais
atores envolvidos nas políticas.
A essa eratégia integra-se a intensificação e diversificação da cooperação
técnica e do intercâmbio com inituições públicas, organismos e agências
multilaterais, movimentos sociais e organizões não-governamentais e
uma intensa e variada atividade de pesquisa orientada para a avaliação e a
produção de indicadores.
Essa cooperão aliada a um diálogo permanente com as inituições de
pesquisa e ensino,o permitem o acesso por parte de homens e mulhe-
res, agricultores familiares, assentados, comunidades tradicionais, geores
Nead Estudos 1510
e funcionáriosblicos ao conhecimento acumulado nees eaços, como
também possibilitam o desenvolvimento de redes de colaboração que podem
potencializar as iniciativas de cada um, ampliando o fértil eaço exiente
para a produção de alternativas compartilhadas entre sociedade e eado.
A obra Dimensões do Agronegócio Brasileiro: Políticas, Inituições e Pers-
peivas, organizada por Pedro Ramos, do Núcleo de Economia Agrícola
e Ambiental do Inituto de Economia da Unicamp se apresenta como
uma relevante contribuição a esse processo, na medida em que nos traz os
resultados de uma intensa atividade de pesquisa e reflexão, percorrendo
as mais variadas áreas do conhecimento nos temas que integram o campo
de atuação do MDA.
A riqueza das contribuições trazidas por essa publicação, que integra a
Série Nead Eudos, percorre desde referenciais teóricos e analíticos passando
por inúmeros temas candentes do debate contemporâneo sobre o meio rural,
em abordagens sobre as políticas agrícolas, fundiárias e agroinduriais, as
biotecnologias, a queão ambiental, a segurança alimentar e nutricional, a
diribuição da renda e riqueza, dentre outros.
Tratam-se de contribuições singulares, trazidas ao conante trabalho
de aperfeiçoamento e aumento da eficiência das políticas blicas levado
adiante no âmbito do MDA, o qual se inira em um modelo de desen-
volvimento de pereiva territorial e bases suentáveis, integrando as
políticas de reforma agrária, de reordenamento agrário, de fortalecimento
da agricultura familiar e de universalização de direitos, ao tempo que
coordenadas às diversas ações voltadas para o combate à pobreza rural e à
garantia da segurança e soberania alimentar.
Boa leitura!
A L. L
Coordenadora executiva – Nead/MDA
aPresentão
Este livro é resultado de muitos anos de reflexões e de pesquisas
desenvolvidas pelos autores dos capítulos que o compõem.
Como especialistas nos temas abordados, apresentam aqui
trabalhos que dão continuidade à produção científica que vem
desenvolvendo, sendo que parte dela encontra-se citada nas
referências bibliográficas dos respectivos capítulos.
Ele decorre também do processo de aprendizado e de acúmulo de
conhecimento adquirido em anos de prática de ensino em sala de aula e
de prática de orientação de trabalhos de conclusão de cursos de graduação
e de pós, práticas essas levadas a efeito em sua maioria nas disciplinas que
lecionam no Inituto de Economia da Unicamp, onde trabalha a maioria
dos reonsáveis pelas redações finais dos textos, vinculados ao Núcleo de
Economia Agrícola e Ambiental.
É necessário reconhecer que sua publicação eá sendo feita mais
tardiamente do que inicialmente previo, que alguns dos capítulos eavam
prontos mais de dois anos, embora outros tenham sido concluídos mais
recentemente. Contudo, como é comum acontecer em livros coletivos, é
difícil conseguir que os diversos trabalhos que os compõem, salvo em casos
de rigorosa orientação e disciplina, sejam perfeitamente sincronizados em
termos temporais. Io se deve principalmente ao fato de que a produção
dos textos que se seguem ocorreu simultaneamente – como também é de
praxe – ao exercício das práticas cotidianas há pouco mencionadas.
Nead Estudos 1512
Como pode ser percebido, mesmo com base em uma consulta superficial
ao sumário, são diversos os temas ou assuntos aqui tratados (queão
ambiental, diribuição de renda/riqueza, biotecnologia, política agcola,
política fundiária etc), o que tornou difícil encontrar um nome que pudesse dar
uma adequada ou correta noção do conteúdo do livro. Outra particularidade
é que ees temas aparecem abordados nos diferentes capítulos de maneira
diinta, às vezes com enfoques hióricos e analíticos, às vezes centrados
em abordagens contemporâneas, mais ou menos descritivas, assim como são
discutidas pereivas e são apresentadas algumas sugeões. Foi io que
recomendou a não confecção de uma (pretensa) introdução, assim como
a opção por um título genérico acompanhado de algumas poucas palavras
que, eera-se, indiquem os temas mais discutidos.
Não obante, os capítulos foram organizados em duas grandes partes,
cujos títulos acabaram, em função da mesma dificuldade, ficando relativamente
extensos, mas que buscam dar uma visão um pouco mais adequada dos
conteúdos dos textos que as compõem. Na primeira delas deaca-se uma
preocupação mais voltada ao que pode ser chamado de aeos teóricos
e referenciais analíticos; na segunda delas, uma predominância de
abordagens contemporâneas sobre temas pertencentes ao âmbito do que é
chamado de agronegócio brasileiro, assim como de indicações sobre possíveis
pereivas. Algumas repetições ou sobreposições foram consideradas
inevitáveis, principalmente para garantir tanto a liberdade de redação dos
autores como para permitir que a leitura flua de maneira mais contínua.
P R
Organizador
sobre os autores
A R R possui graduação em Ciências Econômi-
cas pela Universidade Eadual de Campinas (), merado em Ciência
Econômica pela Universidade Eadual de Campinas () e doutorado
em Economia Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (). Pós-
Doutorado na Universidade de Stanford (). Atualmente é professor
no Inituto de Economia da Universidade Eadual de Campinas. Tem
experiência na área de Economia, com ênfase em Economias Agrária e dos
Recursos Naturais, atuando principalmente nos seguintes temas: meio
ambiente, progresso técnico, agricultura e meio ambiente, reforma agraria
e agricultura suentavel, economia ecológica.
A M B possui graduação em Ciências Econô-
micas pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro
(), graduação em Direito pela Universidade do Eado do Rio de Janeiro
(), eecialização em Economia pela University of London Birckbek
College (), merado em Economia pela Universidade Federal de Per-
nambuco () e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade
Eadual de Campinas (). Atualmente é Professor Assiente Doutor da
Universidade Eadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia,
com ênfase em Economias Agrária e dos Recursos Naturais.
B P R possui graduação em Economia e Admi-
niração pela Universidade de o Paulo (), graduação em Economia
e Adminiração pela Universidade de São Paulo (), merado em
Nead Estudos 1514
Agronomia pela Universidade de São Paulo () e doutorado em Ciência
Econômica pela Universidade Eadual de Campinas (). Atualmente é
Professor Assiente Doutor da Universidade Eadual de Campinas. Tem
experiência na área de Economia, com ênfase em Economias Agrária e dos
Recursos Naturais. Atuando principalmente nos seguintes temas: Preço
da Terra, Modernização da Agricultura, Credito Rural
J F G S – possui graduação em Enge-
nharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(), eecialização em Métodos de Pesquisa no Siema de Podução
Agrícola pela Universidade Eadual Paulia Júlio de Mesquita Filho (),
merado em Economia e Sociologia Rural pela Universidade de São Paulo
(), doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Eadual de
Campinas () e pos-doutorado pela Initute of Latin American Studies
University College London (). Professor Titular MS da Universidade
Eadual de Campinas. Atualmente é afaado da Unicamp e Diretor da
FAO Regional para América Latina e Caribe. Tem experiência na área de
Economia, com ênfase em Economias Agrária e dos Recursos Naturais.
Atuando principalmente nos seguintes temas: Bóias-Frias Volantes, Pro-
gresso Técnico, Trabalhador Rural.
J M F J Spossui graduação em
Curso de Engenharia Agrônoma pela Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz (), merado em Ciência Econômica pela Universidade
Eadual de Campinas () e doutorado em Ciência Econômica pela
Universidade Eadual de Campinas (). Atualmente é membro do
Conselho de Informações Sobre Biotecnologia, CIB e professor assiente
da Universidade Eadual de Campinas. Tem experiência na área de mi-
croeconomia e organização indurial e também em Economia Agrícola,
atuando principalmente nos seguintes temas: biotecnologia, biossegurança,
reforma agrária e governança corporativa
P R possui graduação em Ciências Econômicas pela Uni-
versidade Metodia de Piracicaba (), merado em Economia de
Empresas pelo Fundação Getúlio Vargas SP () e doutorado em
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 15
Adminiração de Empresas pelo Fundação Getúlio Vargas SP ().
Atualmente é Professor/Pesquisador da Universidade Eadual de Cam-
pinas. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economias
Agrária e dos Recursos Naturais.
R H bolsia de Produtividade em Pesquisa do
CNPq Nível A. Possui graduação em Agronomia pela Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (), merado em Ciências Sociais
Rurais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (), dou-
torado em Economia Agrária pela Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz (), pos-doutorado pela University of California () e
pos-doutorado pela Yale University (). Atualmente é Professor Asso-
ciado da Universidade Eadual de Campinas. Tem experiência na área de
Economia, com ênfase em Economias Agrária e dos Recursos Naturais.
Atuando principalmente nos seguintes temas: Desigualdade, Diribuição
da renda, Pobreza.
W Bpossui graduação em Adminiração de Empresas pela
Escola de Adminiração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas (), merado em Adminiração de Empresas pela Escola de
Adminiração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas
() e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Eadual
de Campinas (). É professor associado da Universidade de Campinas,
conselheiro Núcleo de Segurança Alimentar. Tem experiência na área
de Economia, com ênfase em Economias Agrária e dos Recursos Naturais,
atuando principalmente nos seguintes temas: fome zero, segurança alimen-
tar, grupo de interesse, eado e Mercosul. Atualmente é coordenador do
Projeto América Latina Sem Fome – FAO-ONU – Chile.
M Tpossui graduão em Engenharia Agronômica pela Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (), merado em Desenvol-
vimento Ecomico pela Universidade Eadual de Campinas () e
doutorado em Economia Aplicada pela Universidade Eadual de Campinas
(). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia do
Nead Estudos 1516
Bem-Ear Social. Atuando principalmente nos seguintes temas: políticas
blicas, política alimentar, segurança alimentar, fome, pobreza
I C B bolsia de Doutorado do CNPq,
possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de
Viçosa () e merado em Ciência Econômica pela Universidade Eadual
de Campinas (). Tem experiência na área de Economia
M G D Fé professora e pesquisa-
dora do IE UFRJ com eecializão acadêmica na área de Economia Indus-
trial e da Inovação e na área de Economia Evolucionia. (//)
S N R G é bacharel em Ciências Econô-
micas pela Universidade Eadual Paulia Júlio de Mesquita Filho (),
mere em Sociologia Rural pela Universidade Eadual Paulia Júlio de
Mesquita Filho () e doutor em Ciências Econômicas pela Universidade
Eadual de Campinas (). Possui larga experiência docente (mais de
 anos) desenvolvida, em sua maior parte, na Universidade Metodia de
Piracicaba (Unimep). Além da docência, ocupou, ainda na Unimep, vários
cargos acadêmicos e adminirativos (coordenador de curso, coordenador
de monografias de graduação, membro da comissão de livros da editora
Unimep, membro do conselho comunitário da Unimep, etc), tendo, desde
, participado do quadro de consultores do MEC para a avaliação de
cursos de graduação em Economia. Desenvolve, ainda, pesquisas cujo
interesse tem se concentrado na aplicação da Economia Initucional às
queões agrícolas e agrárias.
P R I M E I R A P A R T E
agroPecuária
e agroinDústria
REFERÊNCIAS ANALÍTICAS
E NECESSIDADE DE
REGULAMENTAÇÃO
1
reFerencial teórico
e analítico sobre a
agroPecuária brasileira
Pedro Ramos
Este capítulo exigiu um enorme esfoo de síntese. Em or-
dem cronogica tanto quanto posvel faz uma revisão de
contribuições de autores, principalmente brasileiros, sobre
a evolução das atividades agropecuárias no país. Apresenta
tais contribuões buscando indicar seus referenciais teóricos
e as relões que estabeleceram entre aquela evolução e a
crião e implementação de políticas agrícolas e agrias na
hisria recente do Brasil. Sem a preteno de ser exaustivo,
agrega a esses objetivos o de recuperar os principais temas
e debates que se destacaram nessa temática, tendo como
referência o que considera como os principais autores ou
trabalhos representantes das posições em questão. Sempre
que possível ou conveniente, apresenta tamm as críticas a
essas posições, buscando deixar explícito para o leitor o estado
atual da arteou do conhecimento acumulado sobre o tema.
Para tanto, parte de um referencial mais amplo, extraído da hiória do
pensamento econômico, com o objetivo de siematizar o tratamento das
atividades agropecuárias propriamente ditas como uma área eecífica da
inversão de capitais, de produção e consumo de bens, para o que lança mão
de comparações um tanto quanto superficiais com outras atividades
econômicas. Na parte seguinte é feita uma apresentação das análises, temas
e debates que marcaram o pensamento econômico brasileiro sobre aquelas
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 19
atividades entre o final da década de  e início da de . A Parte
dedica-se à mudança de abordagem que marcou as análises entre meados
dea década e final da de . A última parte considera, de maneira
ainda mais sintética e parcial, os aeos que vêm sendo considerados nas
contribuições mais recentes, ou seja, após . Considerou-se diensável
um esforço final de síntese, com a expeativa de que o leitor eabeleça os
elos entre o conteúdo dee capítulo e o dos que se seguem.
1. as esPeciFiciDaDes Da agroPecuária
Um livro que trate do que se convencionou chamar de agronegócio deve
partir de alguns elementos básicos que caraerizam o conjunto de atividades
econômicas nele envolvidas. Parece desnecessário lembrar que numa ponta
da cadeia eá a produção agropecuária propriamente dita, e na outra ponta
eá o consumo de bens finais, sejam ou não beneficiados ou processados.
Como se sabe, a atividade agropecuária pode ser considerada uma parte
do que se convencionou chamar de “setor primário de uma economia.
A outra parte era a atividade extrativa ou a mineração. A diferença básica
entre elas é óbvia: enquanto a agropecuária compoa da produção vegetal
e da produção animal é reprodutiva, ou seja, pode-se afirmar que sua
capacidade de oferta é inesgotável, já que depende fundamentalmente do
trabalho humano, a atividade extrativa é não reprodutível, pois a obtenção
de bens minerais encontra seu limite no eoque dionível, o qual é
passível de exauão. Nesse sentido, a produção de bens minerais depende
principalmente da dionibilidade dos recursos naturais, a qual não pode ser
ampliada/reproduzida pelo trabalho humano, embora possa ser explorada
mais ou menos intensamente. Isso não quer dizer que a terra na qual se
planta ou na qual são criados animais não possa ser exaurida, mas o fato é
que isso é bem diferente do esgotamento de uma mina de bauxita ou de um
poço de petróleo. O recurso natural terra pode ser utilizado para diferentes
produções animais e/ou vegetais, enquanto que os recursos minerais são
eecíficos, pois fornecem determinados materiais.
Na agropecuária, enfim, deaca-se a importância da terra como “fator
de produção, seja quanto à sua fertilidade, seja quanto à sua localização, o
que faz dela um bem que pode ser apropriado por um grupo rerito de
Nead Estudos 1520
pessoas. Suas atividades podem fornecer uma ampla gama de bens, sejam
alimentos, sejam insumos diversos. Pode-se deacar nesse conjunto o
mercado de bens para alimentação humana, mas cabe lembrar os bens que
são matérias-primas induriais e os que se deinam ao consumo animal.
Assim, um mesmo produto agropecuário pode assumir, simultaneamente,
esses três deinos: exemplo é o caso da soja, que ela pode ser consumida
pelo ser humano com nenhum ou pouco processamento (carne de soja),
pode ser matéria-prima para a indúria (óleo), pode ser componente da
alimentação do gado (farelo). Outro exemplo é a cana, que tanto pode
fornecer o açúcar como o álcool combuível, assim como servir para
alimentar o gado (cana forrageira).
O que é caraeríico da produção agropecuária é que ela é baante
influenciada pelas condições naturais, ou seja, depende significativamente da
Natureza, seja no aeo erutural” (dionibilidade de água, fertilidade
do solo, clima predominante, etc.), seja no aeo conjuntural” (variações
climáticas anuais). Reconhecer que uma diversidade nas condições
daquela produção é apenas uma forma diferente de dizer a mesma coisa,
que isso eá relacionado com as eecificidades técnico/produtivas da
produção/oferta de bens agropecuários.¹
Essa primeira particularidade é importante para entender que a produção
de bens agropecuários eá geralmente muito mais sujeita a riscos do que
as atividades tipicamente induriais.
Pelo lado da demanda, o que é caraeríico dos bens agropecuários,
mesmo quando se trata dos processados, é sua dupla baixa elaicidade:
elaicidade-preço da demanda e elaicidade-renda da demanda. Isso quer
dizer que quedas de preços e elevações da renda dos consumidores não se
traduzem geralmente em ampliação significativa do consumo desses bens. Tal
ampliação depende, em grande medida, do crescimento populacional ou de
alterações na erutura de diribuição de renda de uma economia, quando
se considera que uma parte da população não tem suas necessidades básicas
de alimentação e de veuário devidamente satisfeitas devido a insuficiências
de renda. Isso permite entender por que as atividades agropecuárias rio
. Tais eecificidades implicam também um tratamento diferenciado quando se pensa o
progresso técnico na agricultura. Ver, sobre isso, G  S, , Cap. .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 21
sensu apresentam queda de participação relativa na renda nacional, quando
uma economia se expande, o que ficou conhecido como declínio secular do
setor agropecuário no processo de desenvolvimento.
A sazonalidade da produção agropecuária é outro aeo que deve
ser lembrado. Ou seja, o fluxo de bens não é contínuo ao longo do ano,
período de tempo em que se expressam universalmente (quase) todas as
variáveis econômicas. Como a demanda geralmente é contínua, isso coloca o
problema do carregamento de eoques, ou seja, da diribuição do volume
de oferta no tempo para sua adequação à demanda. Isso é válido não apenas
para produtos in natura e tem sérias implicações no comportamento dos
preços e para a comercialização de bens agropecuários. Essa combinação
(sazonalidade produtiva e demanda contínua) facilita os movimentos
eeculativos com os bens agropecuários.
Os diferentes ciclos de produção também são importantes. bens de
ciclo curto (menos de um ano, como as culturas temporárias e a avicultura)
e os de ciclo longo (como as culturas permanentes e a pecuária bovina de
corte). Nee último caso, mais importante do que o problema relacionado
ao eoque é o da exigência de maior capital inicial (seja para aquisição do
ativo fixo, seja para formar o capital de trabalho) até que se iniciem os fluxos
de produção. É bem verdade que nas atividades tipicamente induriais
também exiem diferentes ciclos de produção, mas ees tendem a ser
contínuos e bem menos sujeitos à interferência de fatores naturais.
A diersão geográfica é outra caraeríica da produção agropecuária.
Deve ser lembrado que os bens agropecuários apresentam uma significativa
diversidade quanto aos critérios de medidas e composição física: alguns são
cotados em toneladas, outros em caixas, uns terceiros em arrobas, etc.
De maneira sintética, pode-se afirmar que as atividades agropecuárias
eão sujeitas a dois tipos de riscos: risco de produção (relacionado às
condições naturais) e risco de preço (relacionado às condições econômicas).
Como se pode perceber, eles têm uma forte inter-relação. As perdas decor-
rentes dessas condições podem ser evitadas em casos eecíficos, tal como a
interrupção ou extensão do ciclo de produção (ex. da pecuária eeculativa)
ou com formação de eoques (ex. dos bens não perecíveis).
Finalmente,uma importante eecificidade técnico/produtiva que
deve ser mencionada. Embora sua consideração não seja unânime entre
Nead Estudos 1522
os economias, mesmo os eecializados, o fato é que ela tem implicações
socioeconômicas e políticas fundamentais. Trata-se da não-exiência de
claras e generalizadas economias de escala nas atividades agropecuárias.²
Ou seja, dadas as dificuldades de eecialização produtiva ou aplicação do
princípio da divisão (interna) de trabalho em tais atividades, um maior
tamanho do eabelecimento agropecuário não significa, tal como na
indúria de maneira geral, um menor cuo de produção. Isso é válido
mesmo quando se tem em conta a diinção entre tamanho do imóvel e
tamanho da exploração, pois um empreendimento agrícola pode ser pequeno
enquanto tal, mas ser operado em uma grande propriedade
A dificuldade de aplicação do princípio da divisão do trabalho na agro-
pecuária conitui um dos fatores explicativos das vantagens da produção
conjunta de alguns bens agropecuários, pois com isso se consegue um
melhor aproveitamento de equipamentos e da mão-de-obra que, do contrário,
ficariam parcialmente ociosos durante o ano agrícola. Outras vantagens
decorrem da não-dependência do mercado ou do preço (geralmente ins-
tável, conforme a seguir) de um único bem agropecuário e dos efeitos das
condições meteorológicas adversas sobre uma única cultura (ver sobre isso,
H et al., :). Em outras palavras, pode-se afirmar que, nas
atividades agropecuárias, exceto em alguns casos, as economias de escopo
ou de integração horizontal são mais importantes do que as de escala. Isso
não significa negar que podem exiir economias em outras atividades, tais
como a de compras de insumos em grandes quantidades.⁴
 Na hiória do pensamento econômico, os autores de matriz marxiana acreditam na
exiência das economias de escala nas atividades produtivas agropecuárias; os de matriz
neoclássica não as têm como algo generalizado. Ver, sobre isso, R, outubro/.
Isso remete à importante diinção, que Lenin deixou devidamente explícita na hiória do
pensamento econômico, entre propriedade e exploração capitalia. Sobre isso, ver também
o trabalho citado na nota anterior.
Os obáculos ao uso da forma capitalia típica de produzir (fundamentalmente, o recurso
à divisão do trabalho) nas atividades agropecuárias deram origem a diversas visões sobre as
relações capitalismo/agropecuária. Entre elas, cabe mencionar a de G, S
W, , que cunharam os conceitos de apropriacionismoe de subitucionismo,
para designar os processos de penetração do modo de produção capitalia na agropecuária
e de busca de superação da influência das condições naturais nessa produção.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 23
Um outro aeo que deve ser deacado quanto aos bens agrope-
cuários diz reeito aos seus preços. eá devidamente consagrado na
literatura econômica eecializada que os bens primários, de maneira geral,
têm preços flexíveis, diferentemente dos bens induriais ou mesmo dos
servos, que tendem a apresentar preços rígidos. Isso vale tanto para os
bens comercializados no mercado interno, como para os comercializados
no mercado externo que, assim como os insumos minerais de maneira geral,
são chamados de commodities.⁵
Enfim, são inqueionáveis as particularidades dos mercados de bens
agropecuários, pois elas exiem tanto na produção/oferta (dada a impor-
tância das condições naturais e da terra), quanto na demanda/consumo
(onde se deacam a indiensabilidade dos bens e suas baixas elaicidades).
O Quadro I apresenta um esforço de síntese de tais particularidades, buscando
eabelecer uma aproximação comparativa com as atividades induriais.
QUADRO I ALGUMAS ESPECIFICIDADES E/OU DIFERENÇAS ENTRE
ASPECTOS PRODUTIVOS DAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E INDUSTRIAIS
esPeciFiciDaDes
ou asPectos
atiViDaDes
agroPecuárias
atiViDaDes inDustriais
1. Condições Naturais/
Terra (c. n.)
São importantes Geralmente não
são importantes.
2. D
iversidade
de métodos ou
processos de
produção
Geralmente permanece,
pois se associam às c. n.
e a outros aspectos (ex.:
produção orgânica)
Geralmente reduz-se,
sendo que permanecem
os mais eficientes ou
de menores custos
3. Economias de
escala na prod.
Ocorrência rara Ocorrência generalizada
4.
D
ispersão
geográfica
Relacionada principalmente
às condições naturais
Relacionada aos
mercados de insumos
e de bens acabados
Con t i nua
Uma esclarecedora análise desses dois tipos de preços encontra-se em S, , Cap. .
Nead Estudos 1524
Con t i nuaç ã o
esPeciFi
ciDaDes
ou asPectos
atiViDaDes
agroPecuárias
atiViDaDes inDustriais
5. Perecibilidade e
diferenciação dos
bens produzidos
A
lta a primeira e baixa a
segunda (a qual depende
da variedade ou de
referências naturais)
Baixa a primeira e alta
a segunda (a qual
está associada às
técnicas produtivas e
particularidades dos bens)
6. Elasticidade-preço da
demanda dos bens
Baixa, pois geralmente são
bens de 1
a
necessidade
Alta, exceto no caso de
bens agropecuários
processados
7. Elasticidade-renda da
demanda dos bens
Baixa, idem. V
ariações
sensíveis quando há
demanda reprimida
Alta, idem.
Demanda muito
sensível às variações
do poder aquisitivo
8. Economias de escopo
ou de integração horizontal
Aproveitamento induzido
pelos riscos, seja de
produção, seja de preço
Aproveitamento induzido
pelas oportunidades
de mercado e pelas
sinergias produtivas
9. Especificidade dos
ativos de produção
Não é alta e não é
generalizada (ex.: a
própria T
erra e o trator)
É alta e generalizada (ex.:
linha de montagem)
10.
S
azonalidade produtiva Existe e é generalizada
(ciclos de produção –
curto e longo)
Existe em algumas
agroindústrias
processadoras (ex.:
usinas/destilarias)
11. Preços dos recursos
produtivos (insumos
e equipamentos)
R
elativamente fixos ou
administrados (produção
sob controle de oligopólios)
Relativamente fixos,
exceto no caso de
bens agropecuários ou
matérias-primas agrícolas
12. Preços dos bens
produzidos
Geralmente flexíveis ou
instáveis (principalmente
commodities
)
Geralmente fixos, exceto
nos casos de estruturas
não concentradas
Con t i nua
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 25
Con t i nuaç ã o
13. Processo/tempo de
trabalho e processo/
tempo de produção
Tarefas diversas e fluxo
não contínuo, jornada
diária mutável e tempo
de produção maior
Tarefas especializadas
e fluxo contínuo, tempo
de trabalho igual ao
tempo de produção
14.
D
eterminantes
da elevação da
eficiência produtiva
Inovações biológicas,
mecânicas, e químicas
para elevar produtividade
da terra, do capital
e do trabalho
I
novações mecânicas
e químicas para elevar
a produtividade do
trabalho e do capital
F
onte: elaboração própria, com base na consulta a vários trabalhos/autores.
2
. os reFerenciais analíticos: as PrinciPais análises
históricas sobre a eVolução Da agroPecuária brasileira
Como mencionado, as atividades agropecuárias são consideradas, no
pensamento econômico, um dos três setores que compõem uma economia.
Trata-se de um recurso teórico/analítico, que possibilita a aplicação de uma
metodologia que quantifica a contribuição de cada um daqueles três setores
(primário, secundário e terciário) para o processo de formação e a expansão
do Produto Interno Bruto ou da renda nacional.⁶ Após o início da década
de , surgiram muitos eudos sobre as relações entre tais setores e suas
contribuições para o processo de desenvolvimento de um país.
Nas partes a seguir, é feita uma síntese crítica de tais contribuições,
deacando-se suas origens, suas referências teóricas e suas tranosições
para o caso brasileiro, que elas foram feitas, fundamentalmente, por
autores erangeiros.
2 . 1 A A N Á L I S E D A S F U N Ç Õ E S N O P R O C E S S O
D E D E S E N V O LV I M E N T O
A eecialização do conhecimento científico que, em grande medida, acompa-
nhou a da produção, deu origem no pensamento econômico aos economias
Ver sobre isso, N C, , Cap. .
Nead Estudos 1526
que se dedicaram e se dedicam apenas ao eudo do mercado (produção/
oferta e consumo/demanda) de bens agropecuários. Nessa direção, uma
importante contribuição foi dada por dois economias norte-americanos
no início dos anos , a qual passou a exercer enorme influência nas
análises desde então.⁷ Trata-se da idéia de que a agropecuária desempenha
determinados papéis ou funções no processo de desenvolvimento de um
país. Como poderá ser conatado, tal forma de abordagem ainda hoje é
feita por alguns autores.
Essa pereiva analítica, se considerada em termos atuais, parece indicar
que o setor agropecuário pode ser considerado uma ampla externalidade
positiva (quando cumpre adequadamente as funções) e negativa (caso
contrário) no processo de desenvolvimento de um país. O fato de que
muitos analias contemporâneos incorporam às mencionadas funções
uma outra a da preservação/recuperação ambiental –, por earem as
atividades agropecuárias mais próximas das condições naturais, pode
ser tomado como um indicativo da procedência desse comentário, pois
geralmente não se lembram de deacar que aquilo também cabe às outras
atividades produtivas, assim como às de consumo.
Convém deacar que diversos trabalhos utilizaram essa pereiva
para discutir as relações entre o processo de indurialização da economia
brasileira e o comportamento do setor agropecuário.⁸ A leitura de tais
trabalhos, escritos por economias de diferentes matizes teóricas ou mesmo
ideológicas, permite captar que todos concluíram que nossa agropecuária
cumpriu relativamente bem suas funções – particularmente a de oferecer
quantidades de bens a preços adequados. O deaque fica para a queão
da liberação de mão-de-obra (ou êxodo rural), que, segundo tais análises,
foi excessiva.
Deve ser lembrado que isso foi articulado com o vigoroso processo de
indurialização ocorrido entre  e , o qual eeve associado à rigidez
da erutura fundiária. Aquela liberação pode ser relativamente absorvida
porque houve também deslocamento da fronteira e/ou ocupação de áreas
Ver J M, .
Uma crítica de tais trabalhos encontra-se em R, -.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 27
que aentão apresentavam densidade demográfica muito baixa (ver, sobre
io, S, :).
A conclusão de que o setor agropecuário cumpriu adequadamente a
função de ofertar alimentos e matérias-primas em quantidades e preços
adequados permite uma interrogação: Por que, então, a inflação persiente
e ascendente no Brasil, principalmente depois que a indurialização foi
aprofundada (após )? Uma explicação bem fundamentada é encontrada
na principal obra de Ignácio Rangel: a inflação brasileira era principalmente
um fenômeno decorrente da erutura de comercialização/diribuição
de bens alimentares, processados ou não, controlada por grandes capitais
oligopolias e oligopsonias. Tal explicação era inovadora e se opunha
frontalmente, em , à explicação monetaria (ver R, ).
Se o processo inflacionário não podia ser atribuído à insuficiência de
oferta de alimentos e matérias-primas, e se ea era adequada mesmo com
uma erutura fundiária concentrada, o fato é que ele tinha uma séria
repercussão sobre a queão da terra, pois fazia com que ea fosse deman-
dada como um ativo utilizado como reserva de valor. Em outras palavras,
a imobilização em terras rurais ou urbanas foi explicada, na obra há pouco
citada, como uma busca de proteção contra a corrosão inflacionária, numa
economia onde outros ativos não contavam com tal proteção. Assim, Rangel
contribuiu pioneiramente para uma explicação dos altos preços da terra
vigentes na economia brasileira (ver também R, : e ).
BOX 1 AS FUNÇÕES DA AGROPECRIA NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO E AS CONCLUES DE ALGUNS ANALISTAS
as cinco Funções as conclusões Dos analistas
1ª – Provisão de alimentos
e matérias-primas
Principais produtos: arroz, feijão, milho
batata, mandioca, cana-de-açúcar, fumo,
algodão, amendoim, pecuária leiteira
e de corte, avicultura, laranja, soja.
Antonio B. de Castro (1969):
Concluiu que “a agricultura, grosso
modo atendeu aos requisitos da
industrialização, na forma e intensidade
em que eles foram formulados” (p
.
145).
Con t i nua
Nead Estudos 1528
Con t i nuaç ã o
2ª – Geração e ampliação da
disponibilidade de divisas
Até a década de 1960, poucos
produtos de exportação: no Nordeste,
o açúcar bruto; no S
udeste, o café.
Depois, os complexos da soja, da
laranja, da cana, a avicultura e a
pecuária de corte (ver a parte final).
M. de
Barros, Pastore & Rizzieri (1983)
“Uma análise rápida da evolução
agrícola das últimas décadas mostra
que muitas destas atribuições foram
razoavelmente bem atendidas.
I
sso,
entretanto, ocorreu sem que os níveis
de produtividade do setor crescessem
às taxas desejadas” (p. 258).
3ª – Transferência de capital ou recursos
financeiros para outros setores
As análises concentram-se no caso do
café, principalmente em
São Paulo, que
financiou a industrialização local, mesmo
porque muitos empresários industriais
eram descendentes de imigrantes
italianos que vieram trabalhar no café.
A
lbuquerque & Nicol (1987)
“Conclui-se que, apesar de todas as
deficiências estruturais mencionadas
acima, o setor agrícola brasileiro teve
desempenho satisfatório criando
condições para o desenvolvimento
econômico global e apoio ao crescimento
do setor industrial” (p. 295).
L
ogo após,
destacam que, para isso, foi essencial
a expansão da fronteira agrícola.
4ª – Ampliação do mercado interno
para os outros setores ou atividades
As análises destacam o período pós-1960,
quando se constituiu no
Brasil o parque
produtor de fertilizantes e de máquinas
(tratores e colhedoras) e se ampliou a
produção de implementos agrícolas.
J. H. A
ccarini (1987):
“O setor conseguiu cumprir
satisfatoriamente, até o final da década
de sessenta, as funções…”. Contudo,
observa que “a liberação de mão-de-
obra rural (transformou-se) em problema
de dimensões preocupantes” (p. 63).
5ª – Liberação de mão-de-obra
para outros setores ou atividades
T
ambém se destaca o caso de
São
Paulo, onde ocorreu uma urbanização
maior, junto com a industrialização.
Contudo, tal liberação ocorreu no
Brasil todo, principalmente no período
pós-1950, quando a agricultura
brasileira elevou substancialmente
o uso de máquinas e insumos.
Werner
Baer (1996):
Destaca que a agricultura foi
negligenciada pelos formuladores da
política econômica em todo o período
da “industrialização por substituição de
importações”.
M
as isso não impediu
que “a produção agrícola (tenha mantido)
taxas de crescimento adequadas
durante quase todos os anos desde a
Segunda Guerra
Mundial” (p. 309).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 29
2 . 2 A S A N Á L I S E S D U A L I S TA S , A D E I N O VA Ç Ã O I N D U Z I D A
E O D E B AT E E M T O R N O D A Q U E S TÃ O A G R Á R I A
Uma contribuição analítica que se deacou já desde a década de  foi a
eruturalia-dualia da Cepal/Comiso Econômica para a América Latina,
da qual o economia brasileiro Celso Furtado foi deacado funcionário.⁹
A contribuição cepalina apresentava dois âmbitos explicativos. No
âmbito interno, era chamada a atenção para a necessidade de uma reforma
agrária, seja por seus efeitos diributivos, seja por seus efeitos produtivos;
no âmbito externo era deacada a impossibilidade de um país atingir o
desenvolvimento se ficasse dependente da exportação de bens primários,
vale dizer, de alimentos e de matérias-primas agropecuárias e minerais.
O conruo teórico e empírico fundamental desse segundo âmbito foi a
deterioração dos termos de intercâmbio.
Isso contribuiu sobremaneira para que a busca de desenvolvimento
dos países do Terceiro Mundo em geral passasse a ser confundida com o
processo de indurialização, como se tais termos significassem a mesma
coisa, embora se deva reconhecer que a indurialização faz parte do
desenvolvimento da civilização ocidental.
É importante considerar que a análise da Cepal aprofundava-se na
explicação de âmbito interno ao defender que havia uma dualidade nas
economias latino-americanas: um setor urbano-indurial moderno, que era
comandado por empresários que adotavam inovações técnico/produtivas e,
portanto, era compoo por atividades modernas e dinâmicas, e um setor
rural-agrícola, comandado por proprietários conservadores, refratários
aos avanços técnicos e, portanto, caraerizados por atividades atrasadas e
seculares, sem dinamismo econômico. Esse dualismo era complementado
por um outro, de âmbito interno à agropecuária: a convivência latifúndio/
minifúndio: se entre os grandes proprietários o excesso de terra implicava
Ee dualismo cepalinonada tem a ver com as análises dualias de iniração neoclássica,
que também se tornaram crescentemente dioníveis depois da Segunda Grande Guerra,
conforme observaram F R, :. Tais análises pouco se referiram ao caso
brasileiro, embora tenham se dedicado a casos de outras economias subdesenvolvidas,
principalmente asiáticas.
Nead Estudos 1530
uma obtenção de renda de maneira extensiva, no caso do minifúndio a
insuficiência dea impedia a superação da situação de pobreza e dificultava a
inserção no mercado. Ficava devidamente explicitada, nessa análise dualia,¹⁰
a conveniência e a necessidade da reforma agrária: seus principais efeitos
seriam a alteração do padrão de crescimento, passando-o de extensivo
para intensivo na utilização da terra; e a ampliação da mercantilização da
produção agropecuária.
Deve ficar claro que o reconhecimento do dualismo, seja num sentido
amplo, seja num sentido rerito, como é o caso do dualismo tecnológico,
não implica necessariamente um posicionamento favorável à reforma agrária,
que ea tem desdobramentos mais amplos, inclusive de natureza jurídica,
pois significa a intervenção eatal no direito de propriedade. Entre os autores
em cujos trabalhos se pode detear um tratamento desvinculado dessas
queões, cabe deaque para Rui Miller Paiva, um pensador pioneiro e
eecializado, que exerceu (e ainda exerce) enorme influência no Brasil.¹¹
Entre as contribuições de Paiva eá a do mecanismo de autocontrole
que opera guiado pelo comportamento dos preços dos bens e dos recursos/
fatores de produção utilizados: a elevação da oferta, decorrente das melhorias
técnicas introduzidas pelos agricultores “progressias”, acaba provocando
queda dos preços recebidos, bem como poerior queda dos preços da mão-
de-obra e da terra, o que faz com que a atitude inovadora daqueles não se
generalize, perpetuando o dualismo tecnológico. Isso o levou a deacar a
necessidade de que ocorra, simultaneamente ao desenvolvimento agrícola,
uma expansão do setor não agrícola, vale dizer, do mercado (interno)
demandante de bens agrícolas. Ele deacou o fato de que o mercado externo
acaba sendo a solução de escoamento da produção apenas de alguns poucos
países, pois tão logo aumente o número deles, haverá falta de mercado e
quedas de preços e de eímulo de produção, e chamou a atenção para o
fato de que o mercado externo não pode absorver a mão-de-obra agrícola.
 Pode-se lembrar aqui algumas outras dualidades”, vinculadas ou não a ea, como, por
exemplo, a da agricultura regular x agricultura eeculativa. Ver A, :.
Sobre io, pode-se consultar o número eecial da revia Agricultura em São Paulo, a ele
dedicado (vol. , Tomo , ).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 31
Somente o mercado interno, ou seja, o setor o-agcola do país é que a
pode absorver (P, :-).
A análise cepalina da dualidade básica da economia brasileira (mundo
rural atrasado e conservador x mundo urbano moderno e indurializado)
foi criticada ainda no início da década de , o que não significou que ela
deixou de exercer forte influência sobre muitos economias brasileiros. A
crítica chamava a atenção para o seguinte: ao invés de oposição e mútuos
entraves, o fato é que havia uma perversa simbiose entre o que ocorria
nas atividades agropecuárias e o que se passava com as demais atividades
econômicas. Na expressão do próprio autor: A tensão entre agricultura e
indúria no Brasil não se ao nível das relações das forças produtivas, mas
se ou se transfere para o nível interno das relações de produção tanto
na indúria como na agricultura (O, :). Nessa “integração
dialética, em lugar de uma aparente dualidade”, cumpriam papel fundamental
a mencionada liberação (excessiva) de o-de-obra e o fornecimento de
bens de forma adequada.
Isso eava associado ao fato de que era dominante a idéia de que havia
duas classes sociais a se opor: os proprietários de terra (semelhante aos
senhores feudais” para alguns) e os induriais e comerciantes, portadores
dos intentos de modernização e de progresso. Coube principalmente a Caio
Prado Jr. combater esse equívoco de interpretação da realidade brasileira.
Para ele, não havia diinção significativa de figuras: Todos esses grupos que
conituem no Brasil, em conjunto, a classe econômica, financeira, social e
politicamente dominante, se compõem da mesma categoria de indivíduos,
sejam suas atividades urbanas ou rurais (…) não têm posição de classe ou
categoria social diinta, io é, não se situam diferentemente dentro das
relações de produção, e muito menos, eá vio, em frente à lei e às relações
jurídicas (P J., :).
Pode-se perceber a compatibilidade que há entre essa interpretação e
a de Rangel, no tocante à propriedade da terra como uma proteção contra
a corrosão inflacionária.
Nead Estudos 1532
Em concomitância às explicações que deacavam os dualismos, seja num
sentido amplo (socioeconômico),¹² seja num sentido erito (técnico/produ-
tivo) o fato é que uma outra explicação analítica exerceu grande influência no
país. Essa explicação tinha clara iniração neoclássica, pois fundamentava
sua compreensão do atraso de nossa agropecuária no funcionamento dos
mecanismos de mercado, ou seja, nas relações cuos/preços decorrentes
da dionibilidade interna de fatores de produção.
Tal análise ficou conhecida como de “inovação induzida, elaboração que
eá na conhecida obra de H R, , e cuja primeira edição
em inglês é de . Na concepção desses autores, a adoção de inovações
nas formas de produzir, eecialmente quando implicam a subituição de
um recurso (ou fator de produção) por outro, eá diretamente relacionada
aos cuos comparados, ou seja, aos preços de tais fatores. Essa análise foi
baante explorada por economias eecializados no mundo todo, dando
origem a trabalhos que fizeram ricas comparações internacionais. Como
observou um analia, os modelos de inovação induzida eavam muito em
moda entre os economias agrícolas e assessores de organizações de ajuda
bilateral e multilateral. A criação da Embrapa e da Embrater em começos da
década de  se deveu em grande parte à força dessas correntes ideológicas
e inteleuais (G, :).¹³
Seus adeptos formularam inclusive uma explicação para o paradoxo
do caso brasileiro: uma economia com abundância de mão-de-obra, mas
que a poupou, principalmente no período após . A razão teriam sido
as diorções provocadas nos preços dos fatores, seja porque a política
agrícola de crédito subsidiado barateou o capital conante (incentivando
principalmente a mecanização, mas também o uso de insumos modernos),
seja porque a política de salário mínimo encareceu artificialmente o valor
 Celso Furtado chegou a advogar a tese de que ea dualidade – um mundo urbano rico e
indurializado em face de um mundo rural pobre e atrasado – chegaria a provocar uma
eagnação secular nas economias latino-americanas (ver F, ).

Muitos de tais trabalhos encontram-se dioníveis na coletânea coordenada por Paulo F.
Cidade de Araújo e G. Edward Schuh, denominada Desenvolvimento da Agricultura, em
quatro volumes: sobre os modelos dualias, ver o volume  (A S, );
sobre eudos de casos de países com diferentes dotações de recursos ou de fatores de
produção, ver volume  (A S, ).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 33
do capital variável.¹⁴ Evidentemente, isso não explica por que foi adotada
aquela política agrícola. Quanto ao salário mínimo, a queão é complexa:
tanto se pode contear que se tratava de um nível alto como o fato – não
demonrado – de que ele servia de referência para os salários rurais antes
da década de . O que eá devidamente demonrado é que ocorreu
subancial queda do salário mínimo real a partir de então, exatamente
quando se aprofundou a modernizão da agropecuária brasileira (ver,
sobre isso, R, ).
uma outra contribuição que convém lembrar, pois acabou sendo via
como importante refutação empírica da visão cepalina de que havia uma
correlação positiva entre rigidez da oferta de bens agropecuários e erutura
fundiária concentrada: ela demonrou que a produção agropecuária no país
reondeu sim aos eímulos de preços, o que contribuiu para se contrapor
à supoa irracionalidade do comportamento do agricultor brasileiro. Ou
seja, com preços remuneradores, os produtores rurais reonderam com
produção crescente de bens alimentícios e matérias-primas (ver P,
). Tal tema foi retomado em eudos recentes, sendo que um deles
concluiu que a quantidade ofertada é influenciada de modo significativo
pelos preços dos produtos, assim como deacou corretamente que as análises
e os modelos econométricos devem tomar cuidado com a agregação de
culturas permanentes e temporárias, sem o que se pode chegar a resultados
enganosos (B S, :).
Assim, parece correto afirmar que as análises de iniração neoclássica
fundamentaram e serviram para difundir a idéia de que o problema não eava
na erutura fundiária concentrada ou bipolarizada (latifúndio/minifúndio),
mas sim que o bom funcionamento dos mercados de bens agropecuários era
diorcido por algumas políticas públicas que então exiiam. Ou seja, para
usar termos que surgiram mais recentemente, reconhecia-se que havia tanto
Ver, sobre tal explicação, R, :-. A propósito, esse texto contém uma
cuidadosa crítica do modelo de inovação induzida. Optou-se pelo emprego dos termos
marxias (capital conante e capital variável) porque o crédito rural subsidiado tanto
serviu para a aquisição de equipamentos quanto de insumos produtivos, eecialmente
fertilizantes químicos. Também pode ter sido utilizado, indiretamente, para compra de
mais terras.
Nead Estudos 1534
falhas de mercado como, principalmente, falhas do governo, que impediam
ou criavam obáculos para que o setor agropecuário superasse seu atraso
tecnológico e se tornasse mais produtivo. Essa formulação indicava que a
solução deveria vir de uma adequação do funcionamento dos mecanismos
de mercado, auxiliado e o diorcido pelas políticas agrícolas (fundamen-
talmente a de preços, a de comercialização e a de crédito/financiamento),
devido às particularidades dos mercados de bens agropecuários. Ela acabou
prevalecendo e significou a derrota dos reformias-diributivias, tendo
imperado uma pereiva produtivia, ou seja, a de que o fundamental
era o crescimento da produção agropecuária, vale dizer, que era suficiente
um desenvolvimento agrícola, reringindo-se as discussões à queão da
mudança da base técnico/produtiva, o que obscureceu a queão do contexto
social em que tais mudanças ocorriam.¹⁵
Tal posicionamento eava em correondência com a visão predominante
de que não havia diinção fundamental não apenas entre desenvolvimento
e indurialização, mas também entre desenvolvimento e crescimento
econômico (elevação da renda per capita). Assim, igualmente não era feita
uma diinção entre desenvolvimento agrícola e desenvolvimento rural.
Novamente aqui cabe deacar a particularidade da contribuição de
Ignácio Rangel. Embora tenha sido um dos autores que defendiam a exis-
tência de reos feudais na economia brasileira, o fato é que ele, como leitor
atento de Marx e de Lenin, sabia que havia duas vias de desenvolvimento
do capitalismo no campo: a via democrática ou americana, na qual ocorre
uma expansão e modernização das atividades agropecuárias com mudança
da erutura fundiária pretérita e com ocupação parcelada de novas terras;
e a via prussiana, na qual é mantida uma erutura fundiária concentrada e,
portanto, moderniza-se o latifúndio. Em outras palavras, Rangel percebeu
que poderia haver uma solução para a supoa queão agrícola no Brasil,
sem que houvesse necessidade de se mexer na erutura fundiária, vale dizer,
sem que se implementassem medidas para resolver a queão agrária.¹⁶
 Ver sobre isso o trabalho de D, .
 A diinção entre queão agrícola e queão agrária” pode ser encontrada em G
S, . Uma síntese das interpretações clássicas sobre a queão agrária encontra-
se em K, .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 35
Outro trabalho que relaciona a queão agrária com a agrícola afirmou
que parece haver razoável margem de manobra para a atuação de políticas
cujos efeitos sejam, ao mesmo tempo, produtivos e distributivos”
(C, :). Tal trabalho reconheceu os males da erutura fundi-
ária concentrada e do excessivo deslocamento das populações rurais, em
função principalmente da modernização dos latifúndios e da inviabilidade
econômica dos minifúndios, tendo observado que o não-interesse na
elevação da produtividade por área (“expansão da fronteira econômica’”)
decorria da possibilidade de expansão da fronteira física da propriedade
(p. -). Tal trabalho também deacou que a atividade agropecuária não
deveria ser dependente da expeativa de valorização patrimonial (p. ) e
sua leitura permite concluir que a melhor situação é de predominância de
eabelecimentos de tamanho médio.
Outros analias chamaram a atenção para o fato de que o Brasil eava
passando por transformações significativas, mas, ao mesmo tempo, eava
preservando algumas caraeríicas do seu passado latifundia e excludente.
Entre os trabalhos que ressaltaram a herança hiórica de uma erutura
fundiária concentrada no subdesenvolvimento brasileiro cumpre deacar
o de Celso Furtado (F, ).
Poeriormente, tornou-se devidamente claro que a utilização da política
de crédito rural, que teve taxa real de juros negativa entre  e 
conforme ateam os dados apresentados por B R
(:) –, agravou sobremaneira os problemas diributivos da agropecuária
brasileira, o que contribuiu, junto com processos relacionados às demais
atividades econômicas, para a ampliação da desigualdade na sociedade
brasileira.¹⁷
Nesse processo, cabe observar que a implementação da via prussiana no
Brasil foi por diversos autores denominada de modernização conservadora
da agropecuária brasileira. Esse termo é inirado em M J. (,
eecialmente Introdução e Segunda Parte), que o cunhou para se referir aos
 Um dos trabalhos pioneiros e de significativa repercussão quanto às evidências sobre os
perversos efeitos diributivos da política de crédito rural no Brasil é o de G P,
. Quanto à persiência e mesmo aprofundamento da desigualdade na agricultura
brasileira, ver H, .
Nead Estudos 1536
casos do Japão e da Alemanha, nos quais o fascismo decorreu de revoluções
burguesas abortadas” por revoluções vindas de cima”, diferentemente dos
casos da Inglaterra, França e , nos quais o capitalismo democrático
decorreu de grandes revoluções e guerras civis”, assim como dos casos da
China e da Rússia, onde as revoluções “vindas de baixo desembocaram
no comunismo (o autor trata também do caso da Índia). Portanto, o uso
daquela expressão pelo autor eá remetido e a obra deixa isso claro às
diferentes relações entre todas as classes sociais – trabalhadores do campo
e das cidades, proprietários rurais e urbanos, seja de terras, seja de capital,
em face do esforço de desenvolvimento socioeconômico e político dos
reeivos países.
Três outros aeos tornaram-se amplamente conhecidos no debate
sobre as relações entre a queão agrária e a queão agrícola no Brasil.
O primeiro deles diz reeito à diinção entre bens de mercado interno
e bens de mercado externo. O autor que mais trabalhou e continua
adotando essa forma de abordagem é Fernando Homem de Melo. Para
ele, alguns produtos da agropecuária brasileira são tipicamente ofertados
e consumidos internamente (“culturas doméicas”), enquanto outros
são voltados à demanda externa (“exportáveis”), apresentando ainda uma
terceira categoria: a de bens com preços adminirados, na qual eão
apenas os casos da cana-de-açúcar e do trigo (ver M, ). De maneira
sintética, a principal crítica que se couma fazer a essa abordagem é que a
diinção principal (bens de mercado interno x bens de mercado externo)
foi totalmente superada se é que um dia exiiu que a grande maioria
dos bens da agropecuária brasileira é comercializada nos dois mercados,
com a provável exceção do feijão.¹⁸
O segundo aeo diz reeito à associação da diinção acima com a
erutura fundiária do país. Durante algum tempo foi propagada a idéia de
que os pequenos imóveis ou eabelecimentos eram produtores basicamente
 Cabe lembrar que alguns eudiosos fizeram uma outra diião, inirada na análise
da inovão induzida: segundo eles, pode-se falar de três tipos de bens agropecuários no
Brasil: os modernos, os em transição, e os tradicionais. Ver A et al., Crescimento
e Desenvolvimento da Agricultura Paulia. In A S (Coord.), , p. -
.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 37
de bens voltados ao mercado interno, sendo que os grandes produtores
dedicavam-se a bens exportáveis. Tal posicionamento foi associado a um
trabalho que, embora afirme que a grande maioria dos alimentos era produ-
zida pelos pequenos proprietários e pelos pequenos produtores (parceiros,
meeiros, arrendatários, etc.), o explicita se as culturas de exportação eram
dominantes nas grandes propriedades (ver G S, Coord.,
, Resumo e Conclusões). Já outro trabalho demonrou que havia, em
meados da década de ,concentrão de uma parcela significativa da
produção agropecuária nos extratos de maior valor da produção, tendo o
cuidado de qualificar essa concentração, seja quanto ao grande número de
unidades produtoras (eabelecimentos ou imóveis), seja quanto ao baixo nível
daquele valor médio, eecialmente quando comparados com o da indúria.
Assim, tal trabalho queionava tanto a idéia da supoa maior importância
dos pequenos produtores no conjunto da produção agrícola brasileira como
a idéia da pequena importância geralmente acordada à produção agrícola
organizada em termos capitalias” (ver S, , p. -).
O terceiro aeo diz reeito à queão da liberação de mão-de-obra
pelo processo de modernização da produção agrícola. Tal tema ficou
conhecido pelo debate em torno do trabalho volante ou da figura do bóia-
fria, que se deteava, nos dados dioníveis, um grande crescimento da
utilização de trabalhadores temporários residentes não mais nas propriedades
rurais, mas sim na periferia das cidades, eecialmente das mais populosas.
Assiiu-se a uma profusão de trabalhos sobre isso (geralmente decorrentes
de pesquisas localizadas), os quais analisaram o fenômeno a partir tanto
de referenciais econômicos quanto sociológicos. Naquele que pode ser
considerado o pioneiro, ficavam indicadas as razões fundamentais para tal
fenômeno: atende melhor às necessidades do capital, por ser mais adequado
às demandas irregulares de força de trabalho por parte dos proprietários,
e por permitir-lhes mais facilmente furtarem-se aos compromissos legais
trabalhias” (M, , p. ). O debate poerior foi deixando claros
dois outros aeos da queão: o primeiro é que não é correto associar
aquele tipo de trabalho à promulgação, pelo Congresso Nacional em ,
do Eatuto do Trabalhador Rural (o que não significa negar a importância
dele para o aprofundamento do fenômeno), mas sim ao lento e irreversível
processo de mecanização (principalmente tratorização) da produção agcola
Nead Estudos 1538
brasileira, eecialmente depois da Segunda Grande Guerra; o segundo
é que tal mecanização foi e ainda é parcial, seja em termos de região, seja
em termos de cultura, seja em termos de tamanho do eabelecimento ou
imóvel.¹⁹ O caso mais evidente continua sendo o da cana-de-açúcar, que
muito tem seus tratos culturais mecanizados, mas cuja colheita ainda
é predominantemente manual, principalmente no Nordee.
Muitos outros trabalhos dedicaram-se ao eudo dos aeos positivos
e negativos da relação entre a evolução da agropecuária brasileira e as
políticas agrícolas implementadas ao longo de nossa hiória.²⁰ Não é o caso
de eender os comentários sobre eles, mas apenas chamar a atenção para
o fato de que Rui M. Paiva reconheceu que a falha das “funções eava na
queão diributiva, vale dizer, que aquela relação não eava eliminando
a pobreza do nosso meio rural (ver P, ).o se pode deixar de
eranhar tal conclusão, pois, como vio, entre as mencionadas funções
não conava a de diminuir a desigualdade diributiva exiente. Isso eá
aliado ao fato de que a reforma agrária nunca foi tratada ou considerada
uma “variável endógena” dos modelos de crescimento ou, melhor ainda, de
desenvolvimento, pelos economias, eecializados ou não (sobre isso, ver
R, - e R, , Partes . e .).
3. o noVo reFerencial analítico: as contribuições sobre
comPlexos agroinDustriais, aborDagem sistêmica, etc.
A partir de meados da década de  surgiram as primeiras formulações
ou defesas de novas propoas analíticas para o setor agropecuário brasileiro.
O primeiro autor a mencionar é Alberto Passos Guimarães, que utilizou
o conceito de complexo agroindurial”, inirado, segundo suas próprias
indicações (ver G, ), em um trabalho de dois economias
 Uma análise mais eecífica sobre o processo de mecanização da agricultura brasileira pode
ser encontrada em R, .
 Uma resenha crítica de diversos trabalhos pode ser encontrada em S  R,
, que considera o peodo -; e em R S, , para o
período -. Uma síntese sobre as relações entre as principais políticas agrícolas e a
evolução da agropecuária brasileira no período - encontra-se em C, .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 39
norte-americanos, publicado, segundo ele, naquele mesmo ano, mas que,
na verdade, veio à luz em .²¹
Em , o conceito foi retomado por Geraldo Muller, em sua tese de
doutoramento (“Erutura e dinâmica do complexo agroindurial brasileiro”).
Em trabalho poerior, ele deacou que o conceito refere-se às “relações
entre indúria e agricultura na fase em que a agricultura apresenta intensas
conexões para trás, com a indúria para a agricultura, e para frente, com as
agroindúrias, incluindo outras relações interdepartamentais, além das de
produção, como as de diribuição e consumo (ver M, :).
Em , Tamás Szmrecsányi, também inirado em autores erangeiros,
advogou uma pereiva siêmica. Segundo ele, tal pereiva teria a van-
tagem de considerar as inevitáveis alterações que ocorrem com as atividades
agropecuárias no processo de desenvolvimento de um país, com o que se
poderia deixar de lado a tradicional forma de considerar a agropecuária
como um setor que apresenta declínio secular” ao longo daquele processo.
Tal propoa, segundo o autor, permitiria mais adequadamente captar as
mudanças e tendências que se fazem presentes no siema, tomando-as
a partir dos cinco subsiemas” que considera. Como se pode ver no Box
, a diferença entre tais abordagens é mais de forma de apresentação do
que de conteúdo.
O termo complexo passou a ser mais utilizado e, como toda novidade,
foi objeto de controvérsia. De maneira resumida, foi criticada tanto a idéia
de que a conituição dos complexos agroinduriais era um fato recente
no Brasil, como a contribuição teórica/metodológica do emprego do
conceito. A primeira crítica foi publicada em uma das principais revias de
economia do país (Revia de Economia Política, São Paulo, v. , n. , abril/
junho/, e v. , n. , abril/junho/), e envolveu os dois autores acima
citados. Muller defendeu que a conituição dos complexos agroinduriais
era realmente recente na economia brasileira, algo que teria ocorrido após
a década de . Para Szmrecsányi, alguns complexos agroinduriais
eavam firmemente conituídos muito antes disso, apresentando esferas
 Em artigo poerior (ver G, ), Alberto Passos Guimarães reconhece que o
conceito de complexo agroindurial surgiu na década de ”. Ver no Capítulo  dee
livro um tratamento mais aprofundado sobre esse conceito.
Nead Estudos 1540
produtivas e initucionalidades eecíficas, as quais jamais podem ser
corretamente captadas e devidamente eudadas apenas a partir daquele
período. A segunda crítica chamou a atenção para o fato de que a agregação
que o conceito pressupõe pode impedir que importantes particularidades da
dinâmica econômica das diferentes atividades envolvidas sejam devidamente
captadas (ver P, ).
BOX II O CONCEITO DE AGRIBUSINESS E A ABORDAGEM SISTÊMICA
O CONCEITO DE AGRIBUSINESS: “soma
total das operações de produção e
distribuição de suprimentos agrícolas;
as operações de produção nas
unidades agrícolas; e o armazenamento,
processamento e distribuição dos
produtos agrícolas e itens produzidos
com eles”. Essas operações
podem assim ser consideradas:
A
ABORDAGEM SISTÊMICA – Os
subsistemas com-ponentes.
1. Produção agropecuária
propriamente dita:
gêneros de cultivo e criação.
2. Atividades de suporte ou de
infra-estrutura institucional:
pesquisa, crédito, assistência técnica,
treinamento de mão-de-obra
,
etc.
1. “Antes da porteira”
(suprimentos à produção):
indústrias fornecedoras de insumos
e máquinas/equipamentos,
pesquisa, assistência técnica, etc.
3. Insumos extra-setoriais: fertilizantes,
máquinas e implementos, sementes,
defensivos, corretivos, etc.
2. “Dentro da porteira”
(produção agropecuária):
produção dos bens vegetais e animais.
4. Canais de comercialização:
estocagem, comércio atacadista
e varejista, interno ou externo.
3. “Depois da porteira” (processamento,
armazena-mento, distribuição):
operações de estocagem,
comercialização e, enfim, de
atendimento ao consumidor final.
5. Processamento dos
produtos agropecuários:
ramos industriais que utilizam
matérias-primas agropecuárias.
F
ontes:
ARAÚJO, WEDEKIN & PI
NAZZA, 1990, Cap. 1; SZMRECSÁNYI, 1977:130.
Enfim, as críticas chamaram a atenção para o fato de que se deve tomar
cuidado com as generalizações, que geralmente não permitem a devida
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 41
compreensão dos processos reais. Assim foi que, durante algum tempo, o
conceito foi utilizado no singular, como se exiisse um único complexo
agroindurial no Brasil. Pode-se afirmar que isso se devia em parte à
inconveniência da tradução inicial do termo agribusiness para o português:
na formulação norte-americana, os autores deacaram a importância das
políticas públicas (de preços, de crédito, de subsídios, etc.) que exiiam e
exiem nos , para os negócios envolvidos nas atividades (produtivas
ou não) que compõem o conjunto a que se refere aquele termo e que
movimentam bilhões de dólares e se relacionam com milhões de votos,
implicando forte representação no parlamento norte-americano. Como
a realidade da erutura de produção e de representação de interesses da
agropecuária brasileira é bem diferente da norte-americana (e também da
européia), é óbvio que tal aeo não foi devidamente tido em conta nas
primeiras análises do caso brasileiro.
No final dos anos , um trabalho (K, ) dedicou-se
ao eudo de diversos casos de complexos agroinduriais, com base em um
tratamento particularizado dos elos entre suas partes componentes, tendo
deacado algumas diferenças eruturais e relações internas, o que implica
diferentes configurações matriciais (consumo intermediário, eecializão/
endogenia da indúria fornecedora, etc.). Embora tenha apresentado uma
periodização na qual as conformações dos diversos complexos que eudou
também aparecem como fatos recentes, o trabalho chamou a atenção para a
necessidade de análises particularizadas sobre cada complexo e que tenham
em conta suas diferentes inserções no mercado internacional de bens (pro-
cessados ou não); seus diferentes eágios ou graus de agroindurialização
(a montante e a jusante) e, principalmente, a necessidade de se pensar a
formulação e implementação de políticas agrícolas eecíficas, dadas as
diferentes configurações eruturais de cada um.
4. a heterogeneiDaDe estrutural e as noVas Denominações:
o agronegócio brasileiro no início Do século xxi
A partir do início da década de  consolidou-se o abandono da análise
tradicional por setor. Desde então, a maioria das contribuições dos economis-
tas e de outros cientias e profissionais eecializados vem considerando os
Nead Estudos 1542
complexos agroinduriais. Contudo, outras denominações têm sido utiliza-
das no lugar dessa, com relativamente pequenas diferenças teórico/analíticas.
Entre tais denominações, podem-se citar: siema agroalimentar, siema
agroindurial”, rede, cadeia ou mesmo a palavra francesa filière.²²
Contudo, fundamentalmente na imprensa e nos meios empresariais
e político tem predominado o uso da expressão agronegócio, em grande
medida devido à atuação de uma entidade criada com o propósito de levantar,
divulgar e, principalmente, buscar influenciar os níveis e as inituições de
governo na concepção e implementação de políticas deinadas a alavancar,
melhorar e mesmo resguardar os recursos materiais e humanos envolvidos
nos diferentes agronegócios.²³ Essa entidade foi criada em , com o nome
de Abag/Associação Brasileira de Agribusiness, e do primeiro livro que
publicou (Abag, ) cabe deacar o esforço de aferição da importância
do agribusiness no brasileiro, a preocupação com os componentes do
chamado cuo Brasil (siema de tranorte, siema tributário, etc.), a
crítica ao protecionismo e aos vultosos subsídios que caraerizam o apoio
dado pelos países desenvolvidos aos seus agronegócios, bem como a defesa
de medidas deinadas a se obter segurança alimentar no Brasil, para o
que sugere sete chaves (ver Quadro ).
As análises por complexos têm permitido pôr em evidência a hetero-
geneidade que ainda é traço marcante da agropecuária brasileira. Embora
ela exiisse e aparecesse em algumas das análises mencionadas na parte
anterior, que tomavam a situação dos anos , o fato é que a modernização
da agricultura atingiu de forma profundamente diferenciada as regiões do
Brasil, modernizando-as mas reforçando suas desigualdades hioricamente
eabelecidas (K, :). Esse trabalho também deaca
outros aeos da mencionada heterogeneidade (uso de tecnologia, renda
gerada, níveis e tipos de emprego, etc.).
 Uma revisão crítica dos conceitos mencionados e das controvérsias mencionadas, bem como
o deaque para a queão da orqueração de interesses e da dimensão política que eão
envolvidas no tema, encontra-se em G S, , Cap. .
 A dimensão política da atuação da Abag manifeou-se também no encaminhamento,
aos candidatos à Presidência da República, dos resultados do I Congresso Brasileiro de
Agribusiness, realizado por ela em junho de  em São Paulo. O material concernente
eá dionível no site da entidade.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 43
Já na abordagem siêmica ou de rede tem sido possível chamar a
atenção para o fato de que as produções agropecuárias eão cada vez mais
determinadas por exigências que envolvem aeos que vão muito além
da porteira (ver BELIK, ). Ou seja, todos os elos da cadeia inclusive
os produtores agropecuários – eão mais submetidos às recomendações
e percepções do varejo. Em grande medida isso vem decorrendo das novas
dimensões do consumo de bens pelo ser humano, tais como o reeito
às exigências sociais e ambientais, acarretando novas normas produtivas,
ampliando a diversificação e a diferenciação, aprofundando as segmentações
dos mercados e criando novas oportunidades de negócios.
QUADRO II AS SETE CHAVES OU PRINPIOS PARA
OBTENÇÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL
chaVes ou PrincíPios
PrinciPais requisitos
mencionaDos ou meDiDas
De Políticas inDicaDas
situação
atual:
realiZaDa? (*)
Construir a “Família
Brasil” (“enfrentar
o problema da
dívida social”)
Aumento de gastos sociais, com
alimentação,
saúde/saneamento
Estabilização
econômica e avanço
nas reformas
estruturais
Combate à inflação,
saneamento das finanças
públicas, reform
a
tributária
Aumento do poder real
de compra dos salários
Redução dos tributos incidentes;
aumento real do salário mínimo
Elevação das
oportunidades de
consumo de alimentos
Programas de alimentação
(bônus, merenda escolar
,
cestas básicas, etc.)
V
alorização da
produção e da
agricultura familiar
Garantia de renda nima
para os agricultores familiares,
financiamento subsidiado,
treinamento e formão
Con t i nua
Nead Estudos 1544
Redução dos custos
de comercialização
e distribuição de
alimentos
Criação de mercados
descentralizados, melhoria
da infra-estrutura de
comercialização, formação
de estoques
Descentralização e
eficiência máximas na
execução da política
de segurança alimentar
Garantia de recursos
orçamentários, valorização do
princípio de equidade, evitar
mero assisten-cialismo
F
ontes: ABA
G, 1993, Cap. XV e ABAG, 1o Congresso Brasileiro de Agribusiness, p. 111-115.
(*) Sugestão de preenchimento pelo leitor, segundo sua percepção ou opinião.
Assim, as alterações no comportamento dos agentes econômicos,
sejam produtores, sejam consumidores, considerados individual ou
coletivamente, em organismos governamentais ou não-governamentais,
têm implicado alterações initucionais e novas possibilidades de vantagens
competitivas, tais como a certificação de origem, vendas no comércio juo”,
etc. Isso guarda relação com o conceito de desenvolvimento suentável,
atualmente em uso. Tal conceito, como se sabe, tem em conta as novas
formas de se considerar as relações dos homens com os recursos naturais,
buscando a superação de uma pereiva puramente economicia, que
geralmente não é assumida apenas pelos economias. Ou seja, há uma
preocupação de ir além dos aeos puramente econômicos na concepção
de desenvolvimento (ver R, ). Assim, nas abordagens atuais sobre
o agronegócio tem sido também deacada a dimensão ambiental, entre
outros motivos porque, como vio, os recursos naturais eão na base de
seus processos produtivos.
Outro desdobramento disso é que tem ocorrido um esforço para
superação de antigas dicotomias que marcaram as análises sobre as transfor-
mações ocorridas nos últimos dois ou três séculos de hiória da civilização
ocidental. Isso apenas recentemente vem sendo submetido a novas reflexões,
principalmente porque envolve aeos culturais de profundo enraizamento.
Uma das dicotomias diz reeito à tradicional diinção entre o rural e o
urbano. Como o processo de desenvolvimento capitalia foi, de maneira geral,
associado com um processo de urbanização/indurialização, consolidou-
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 45
se a idéia de que rural” é sinônimo de atraso, de atitudes reacionárias, de
posições conservadoras, de imobilismo e de vínculos com o passado. Isso,
principalmente nos países subdesenvolvidos, foi reonsável por uma
ampliação da diância que marcou a conrução de um mundo urbano em
(supoa) oposição ao mundo rural, como se competissem entre si.
Em decorrência de todos esses aeos, o agronegócio brasileiro vem
passando por um processo de reeruturação produtiva de profundo
alcance. Cabe enfatizar as alterações político-initucionais decorrentes do
esgotamento do padrão de crescimento prevalecente até os anos , que
era muito apoiado no aporte ou na contribuição de recursos públicos (os
quais escassearam sobremaneira com as crises das finanças públicas dos
diversos níveis de governo), assim como as alterações advindas da maior
abertura da economia brasileira ao exterior, o que tem impaos tanto
do lado das importações como do das exportações, inclusive em função
de acordos regionais, como o Mercosul. Evidentemente, o alcance e os
desdobramentos das reeruturações produtivas no interior de cada um
dos complexos agroinduriais, seus impaos e desdobramentos em cada
uma de suas partes componentes tem a ver com a hiória das relações até
então eabelecidas, seja com reeito às políticas públicas, seja no tocante
às transações que mantinham. Aqui também se trata de tomar cuidado
com as generalizações.
A mencionada heterogeneidade da agropecuária brasileira também tem
sido discutida de outra forma por muitos eudiosos, novamente dualia
ou bipolarizada: segundo eles, o Brasil possui tanto uma “agricultura
patronal” como uma agricultura familiar. Como se percebe, a primeira
teve sua exiência preservada e mesmo ampliada com a implementação
da modernizão conservadora na sociedade brasileira, vale dizer, com a
adoção da via denominada por Lenin de “prussiana. O segundo tipo, que
tem merecido maior atenção nos últimos anos, diz reeito a uma agricultura
de pequeno e de médio porte, fundamentalmente praticada por agricultores-
proprietários e seus familiares. Nee segundo caso, cabe alertar para o fato
de que os eudiosos afirmam haver tipos de agricultura familiar, ou seja,
reconhecem que não exie uma única situação, eecialmente em termos
Nead Estudos 1546
de sua suentação/viabilidade econômica.²⁴ Convém acrescentar que
nem sempre são deacadas as vantagens desse segundo tipo no contexto
socioeconômico e político do País.
Desse contexto, também cabe referência a uma nova propoa de
abordagem analítica; a da Nova Economia Initucional”, de cujo âmbito
pode-se mencionar aqui tão-somente a ênfase que tem conferido ao direito
de propriedade, algo que, como se percebe facilmente, tem profundas
implicões quando se lembra a queão da terra agrícola/rural (e de seu
mercado) e a problemática da intervenção governamental ou das políticas
fundiárias (ver, sobre isso, R, ).
QUADRO III OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO
CAMPO, SEGUNDO OS PRODUTORES RURAIS
Problema
% De
resPostas
Problema
% De
resPostas
1. Preço alto dos insumos 78 9. Dívidas rurais 22
2. Preço baixo do produto 74 10. L
egislação
previdenciária
17
3. Juros altos 51 11. A
meaça à
propriedade
11
4. Falta de crédito 47 12. Competição
com importados
8
5. L
egislação trabalhista 36 13. I
rrigação 4
6. Mão-de-obra 32 14. Eletrificação 4
7. M
á condição das estradas 27 15. Á
gua 3
8. Condição social do campo 25 16. M
eios de
transporte
1
17. Problemas
ambientais
1
Fonte:
Revista Panorama Rural, edição de maio/2002, p. 65.
 Exiem diversas formas ou metodologias que resultam em diferentes tipologias de agricultura
familiar, as quais se fundamentam em diferentes variáveis, que podem ser: emprego de
mão-de-obra, tamanho do imóvel, renda obtida, etc. Quanto a uma tipologia baseada nea
última, ver G et al., . Recentemente foi decretada e sancionada a Lei da
Agricultura Familiar” (Lei n. ., de  de julho de ).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 47
Finalmente, como ee texto partiu da consideração das atividades
agropecuárias propriamente ditas, convém concluí-lo com uma referência a
isso. O quadro III, obtido a partir de uma pesquisa feita pela Confederação
Nacional da Agricultura junto a agricultores de todo o país, traz uma lia
e a diribuição porcentual das reoas sobre os principais problemas
que eles enfrentam. Como se percebe,um predomínio dos problemas
relacionados a aeos comerciais e financeiros, ficando bem acima de
queões técnico/produtivas (eletrificação, mão-de-obra, água, etc.), de
aeos initucionais (direito de propriedade, legislação trabalhia) e de
problemas ambientais.
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2
moDelo e PrinciPais instrumentos
De regulão setorial:
UMA NOTA DIDÁTICA
Antônio Márcio Buainain
1.esPeciFiciDaDes Da agricultura e interVenção Do estaDo
A questão da intervenção do Estado na economia sempre
suscitou debates e controvérsias. No caso da agricultura,
várias razões são comumente alinhadas para justificar a
necessidade da intervenção e da formulação de políticas
agrícolas para promover o desenvolvimento do setor, deslo-
cando a controvérsia da questão “intervenção versus não-
intervenção” para a “forma e o conteúdo da intervenção”.
Ainda que amplamente conhecidas, vale a pena indicar as
principais razões que pareciam justificar a formulação e a im-
plementação de políticas setoriais ativas para a agricultura.
Uma das caraeríicas marcantes da atividade agropecuária é a sazonalidade
decorrente, ainda hoje, em que pese o progresso tecnológico, da dependência
de fatores climáticos, ambientais e dos ciclos biológicos das plantas e animais.
O progresso tecnológico tem modificado a sazonalidade natural”, encurtando
os tempos de crescimento e maturação das eécies, desenvolvendo eécies
adaptadas a ambientes diferentes daqueles originários, modificando as
épocas de plantios, além de reproduzir as condições climáticas e ambientais
originais, como no caso da plaicultura e da iluminação artificial. Apesar
dos enormes progressos nesses campos, em maior ou menor grau a atividade
agropecuária continua sazonal e, em grande medida, fortemente dependente
de fatores da natureza.
Nead Estudos 1554
Essa dependência da natureza e sazonalidade se refletem em uma acen-
tuada rigidez da produção agropecuária, seja para reonder às mudanças
nas condições do mercado seja para organizar seus fluxos de produção
e financeiros de forma a reduzir a necessidade de capital de giro, melhor
aproveitar as oportunidades ou proteger-se das flutuações dos mercados.
Enquanto na indúria é em geral possível utilizar as receitas correntes
para cobrir pelo menos parte dos gaos correntes, na agricultura deesas
e receitas se realizam em períodos diferentes: ao longo de vários meses o
agricultor deve cobrir os gaos com preparação do solo, plantio, mão-de-
obra, serviços, etc., e depois da colheita é que realizará a receita decorrente
da venda de sua produção. O mesmo acontece com os produtores animais,
particularmente de animais de grande porte criados em paos e não em
eábulos. Isso significa que a necessidade de capital de giro na agricultura
é proporcionalmente mais elevada que na indúria. Daí a importância de
políticas de crédito rural, que coloquem à diosição dos produtores rurais
recursos em condições compatíveis com as eecificidades do setor.
Além disso, a sazonalidade, a forte dependência de fatores climáticos e a
rigidez produtiva fazem com que a atividade agropecuária enfrente maiores
riscos e incertezas do que o conjunto da economia. A concentração da
oferta agrícola em poucos meses do ano, por exemplo, provoca uma pressão
baixia sobre os pros agrícolas precisamente quando os produtores eão
vendendo suas colheitas e necessitam de recursos para cobrir os gaos
realizados durante a fase anterior. Além disso, enquanto a indúria pode
ajuar-se com certa agilidade às mudanças nas conjunturas de mercado,
ampliando sua produção caso tenha capacidade ociosa ou reduzindo a
produção corrente, a agricultura só poderá ajuar-se na safra seguinte.
Esse conjunto de fatores juificou, desde o início do século passado, a
adoção de políticas de preços agrícolas que reduzissem o impao negativo
desses fatores sobre o nível de renda da agricultura. Em praticamente todos
os países essa proteção se deu através de políticas de garantia de preços,
garantia de renda mínima ou intervenções similares. Juificou, ainda, a
implementação de políticas de crédito com o objetivo de prover capital aos
produtores em condições e prazos adequados às eecificidades do negócio
agropecuário, seja na forma de capital de giro (crédito de cueio), recursos
para a comercialização (crédito de comercialização) da safra e finalmente
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 55
para realizar os inveimentos. Apesar da concepção liberal da economia
insiir que a melhor política pública é simplesmente deixar que o mercado
funcione livremente, praticamente em todos os países do mundo as políticas
agrícolas continuam fortes e ativas; na verdade, é possível e recomendável
discutir os inrumentos de intervenção, seus efeitos sobre a alocação dos
recursos e bem-ear social, mas dificilmente se pode colocar em dúvida a
necessidade de políticas agrícolas, que levem em conta as eecificidades
da produção e dos mercados agropecuários¹.
O mercado é, sem dúvida, o principal mecanismo para orientar as
decisões dos milhões de agentes econômicos – produtores, consumidores,
comerciantes, importadores, etc. – e definir a alocação dos recursos entre
as várias alternativas. O mercado livre é uma conrução teórica útil para
analisar o funcionamento da economia sob certas condições. No mundo
real o mercado é uma inituição imperfeita, sujeita a falhas e ao mau
funcionamento. No passado assumiu-se que o Eado poderia suprir e
subituir as imperfeições do mercado. A experiência hiórica, seja dos países
em desenvolvimento, desenvolvidos e socialias, demonrou que o Eado
também é uma inituição imperfeita, também sujeita a falhas e ao mau
funcionamento. Em algumas situações as ações do Eado podem, de fato,
corrigir problemas e melhorar os resultados decorrentes do funcionamento
do mercado; em outras situações, o Eado é impotente, e as intervenções
tenderão a produzir mais diorções do que aquelas produzidas pela ação
do mercado, ainda que imperfeita. Avaliar as diferentes situações e definir
qual a melhor, ou seja, quando e como intervir, eá hoje no centro dos
debates sobre as políticas públicas. Assume-se que o Eado deve intervir
para desenvolver o mercado e corrigir suas falhas, e não para subituí-lo
ou dificultar seu desenvolvimento. As principais falhas do mercado são as
seguintes: informações imperfeitas, externalidade, provisão de bens blicos
e coletivos, mercados inexientes ou incompletos, eruturas de mercado
mono ou oligopolias.
Ver, sobre esse ponto, Fao (), capítulo .
Nead Estudos 1556
2.regulação estatal e seus instrumentos
Nea seção procura-se apresentar uma breve explicação didática do processo
de regulação setorial, seus objetivos, inrumentos e limites. Regulação
pode ser entendida como o conjunto de ões do setor público visando a
direcionar, modificar ou influenciar tanto as decisões dos agentes econô-
micos, o funcionamento da economia, os resultados ou sua diribuição.
Do ponto de via analítico, é possível pensar a regulação em seu plano
mais abrangente regulação macroeconômica –, ou localizada regulação
setorial e subsetorial. Também é possível fazer o corte entre regulação de
curto e longo prazo.
R  . No curto prazo, a regulação refere-
se eecialmente às intervenções do governo no nível e composição dos
fluxos correntes de produção e demanda, com o objetivo de adminirar os
desequilíbrios (D, , ) inerentes à economia de mercado, ou
de procurar ajuar os fluxos aos objetivos políticos do governo. No caso
da produção agropecuária, esses desequilíbrios são, pelo menos em parte,
qualificados pelas eecificidades do setor, particularmente as flutuações
de produção e dos rendimentos físicos associados tanto a fatores climáticos
como à maior rigidez do processo produtivo que dificulta ajues rápidos
às mudanças nas condições dos mercados relevantes².
Delgado indica claramente os limites da intervenção regulatória do Eado: Não se pense
que as intervenções compensatórias do lado da demanda final logram equilibrar as condições
de demanda efetiva e demanda final. A teoria da demanda efetiva… é uma conrução
teórica que dá conta do desajue endógeno entre o caráter privado da produção capitalia
e o caráter social da deesa agregada, em termos de consumo e inveimento. Sendo ee
último essencialmente inável numa economia capitalia, os ajues da demanda efetiva
se traduzem em flutuações da demanda efetiva entre períodos de produção ou de emprego
(D, , ).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 57
FIGURA 1 INTERVENÇÃO E REGULAÇÃO DOS FLUXOS AGREGADOS
Fonte: com base em Delgado (1985).
R. No longo prazo, a regulação refere-se às
intervenções orientadas para promover mudanças nas eruturas produtivas,
vale dizer, na base técnica, econômica e social da produção. Naturalmente
que nem esses dois momentos – curto e longo prazo – nem as ões e os
inrumentos de intervenção utilizados são eanques. Tomados dinami-
camente, exie uma complexa relação de causa e efeito que condiciona
mutuamente os dois momentos, vincula prazos, inrumentos, objetivos e
Mercados do Produtos e Fatores: Nível de
Capitalização dos Produtos
Mercado internacional/mercado Interno
Demanda agregada pelos produtos agrícolas
Oferta Programada
Decisões
Disponibilidade de capitais de giro
para investimento; condições de
acesso aos insumos; nível e
composição da oferta
programada e outras variáveis
que afetam as decisões dos
produtores.
Vetor de demanda
agregada pela
produção agrícola
Política Cambial
e Monetária
Política Monetária
e Financeira
Política Fiscal
Política Salarial
Política de
Crédito Agrícola
Política de Preços
Política Comercial
Outras (subsídios.
insumos.etc.)
Regulação “ex ante” ESTADO Regulação “ex post”
Política
Macroenocômica
e Orçamentária
Política Agrícola
Política Cambial
e Monetária
Política Monetária
e Financeira
Política Fiscal
Política Salarial
Política de
Comercialização
Subsídios ao Consumo
e Exportação
Compras
Governamentais
Outra
Nead Estudos 1558
o timing da política. Dar coerência intertemporal e inrumental às políticas
tem sido um dos grandes desafios que enfrentam os formuladores de
políticas (policy makers).
R. É preciso explicitar que as situações
de desequilíbrio não são definidas em abrato, segundo a concepção
dominante nos manuais de teoria econômica. Na realidade, os desequilí-
brios ou objetivos da regulação são definidos e adminirados em função
dos objetivos prioritários da política; além disso, em muitas situações, a
intervenção provoca, deliberadamente, situações que os bons manuais
classificariam como de diorção econômica e/ou desequilíbrio. Desde o
ponto de via da teoria econômica, uma elevação dos pros agropecuários
não pode ser tratada necessariamente como um desequilíbrio que requeira
intervenção corretiva, já que normalmente é apenas um sinal de desajue
entre oferta e demanda e o mecanismo mercantil de racionamento da oferta
entre os consumidores. Mas, dependendo dos objetivos do governo e da
política econômica, uma elevação dos preços de alimentos, por exemplo, por
afetar o comportamento de variáveis, indicadores e/ou atividades/setores
de forma indesejável, pode ser considerada um desequilíbrio relevante e
juificar a intervenção por parte do governo para coibir/reduzir o aumento
e suas conseqüências. Essa intervenção pode utilizar vários inrumentos e
assumir diversas formas. No passado recente, utilizou-se amplamente desde
o tabelamento de preços pura e simplesmente até concessão de subsídios
que reduzem o preço final do produto para o consumidor. No contexto
atual, caraerizado pela redução das intervenções diretas dos governos no
funcionamento dos mercados e pela liberalização econômica, os controles
de preço eão fora de uso, e os principais inrumentos utilizados são
os tributários, fiscais e comerciais. A regulação também pode privilegiar
resultados no curto prazo ou no longo prazo, o que implicará lançar mão
de inrumentos diferenciados segundo os objetivos.
C . Um exemplo claro das opções entre
prazos e inrumentos é o conhecido dilema dos preços dos alimentos. A
tentativa de reduzir os preços por meio de subsídios, importações e controle
direto dos preços reduz os incentivos dos produtores e inibe inveimentos
e a evolução da produção, a qual no longo prazo levaria à redução do
preço pela via da elevação da produtividade e da oferta. Ver, a esse reeito,
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 59
Streeten (); Fao () e Norton (). Um preço mais elevado no
curto prazo pode ser mais eficaz e suentável para conseguir preços mais
baixos e eáveis se e à medida que eimular os produtores a inveirem e
elevarem o nível de eficiência econômica.
R . Para fins analíticos e didáticos, é
possível pensar, como explicitado na Figura , que a intervenção nos fluxos
ocorre em dois momentos: ex ante e ex po. No primeiro momento (regulação
ex ante), trata-se de intervir nas variáveis-chaves que determinam as decisões
de que, quanto e como produzir; no segundo momento (regulação ex po),
o objetivo é controlar as variáveis que afetam os resultados econômicos
e financeiros das decisões tomadas anteriormente pelos produtores. Ou
seja, os inrumentos de política agcola são utilizados para, através das
decisões dos produtores, afetarem tanto a composição como o nível da
oferta planejada. Dadas as condições de mercado, os incentivos transmiti-
dos através do conjunto de inrumentos de política macro e setorial e as
expeativas em relação à demanda futura afetam as decisões de produção
e de inveimentos que se traduzem, no período, na oferta agregada de
produtos agropecuários.
A regulação ex po trata de compatibilizar a oferta com a demanda
agregada, promovendo e/ou facilitando a absorção dos excedentes e adminis-
trando os déficits tendo em via as relações entre o setor e a macroeconomia,
a rentabilidade das cadeias relevantes e os objetivos eratégicos definidos
para o setor. Nem sempre é viável compatibilizar todos esses objetivos.
Nesse ponto a rerição scal mora os limites e insuentabilidade de
políticas agrícolas que atuam à margem do mercado.
P. O que poderia individualizar um padrão
de intervenção é a combinação de objetivos, inrumentos e modus operandi
da política. No limite extremo, a não-intervenção direta do Eado no
funcionamento dos mercados reflete um tipo de intervenção/regulação, e
não a sua ausência. A caraeríica do modelo de intervenção dominante
nos anos  e  era a intervenção direta do Eado nas condições,
funcionamento e sinais de mercado. Tratava-se de modificar os parâmetros
básicos do mercado que afetam as decisões econômicas dos agentes em geral.
Embora utilizasse também inrumentos extramercado (tabelamento de
preços, por exemplo), a política atuava em grande medida através do mercado
Nead Estudos 1560
(subsídios, créditos, isenções, tarifas, etc.). Desde os anos , o padrão de
regulação é outro: o Eado tem procurado facilitar o bom funcionamento
do mercado, prover incentivos suentáveis no próprio mercado e que não
exigem pesadas transferências fiscais para os produtores. Trata-se, na verdade,
de criar as condições básicas apropriadas para o bom funcionamento da
economia agrária, sem intervir diretamente nos sinais de mercado.
A intervenção do Eado (regulação) atua sobre alguns elementos básicos
forjadores das decisões dos produtores. Essas decisões refletem um conjunto
amplo de condicionantes, desde a dionibilidade de recursos produtivos
e financeiros, a inserção socioecomica dos produtores, a localização
geográfica, as oportunidades e a conjuntura econômica, as inituições e
valores culturais, etc. Para fins didáticos e analíticos, podemos simplificar
os fatores intervenientes e considerar que o desenvolvimento rural é for-
temente condicionado por quatro conjuntos de fatores: () os incentivos
que os produtores têm para inveir e produzir; () a dionibilidade de
recursos, particularmente terras, água, mão-de-obra, capital e tecnologia, que
determina o potencial de produção; () o acesso aos mercados, insumos,
informões e serviços que influi de forma decisiva na capacidade efetiva
de produção e, finalmente, () as inituições, que influenciam as decisões
dos agentes e inclusive sua capacidade, possibilidade e diosição para
produzir (N, , ). A seguir examinaremos cada um desses fatores.
2 . 1 . P O L Í T I C A S M A C R O E C O N Ô M I C A S
As políticas macroeconômicas têm um grande impao sobre as condições
gerais da produção, uma vez que determinam ou influem fortemente na
formação dos preços básicos da economia. Os preços macroeconômicos
afetam, direta ou indiretamente, a formação dos cuos de produção, a
alocação dos recursos entre os diversos setores e subsetores da economia,
as decisões de inveir, as opções tecnológicas, os pros relativos, as con-
dições de venda dos produtos, a rentabilidade de cada segmento, o ritmo
de crescimento da economia, o vel e erutura de diribuição de renda e
as expeativas dos agentes. Até mesmo a dionibilidade e qualidade da
infra-erutura é afetada pela política macroeconômica (principalmente
através da política scal). Em resumo, a política macroeconômica incide
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 61
diretamente sobre os incentivos e a dionibilidade de recursos. Os preços
reais, o grau de proteção efetiva, a dionibilidade e o cuo de oportunidade
para a utilização dos recursos são fortemente influenciados pelas políticas
e preços macroeconômicos.
Pode-se afirmar, portanto, que as políticas macroeconômicas e o
marco initucional, o qual é ereitamente associado à orientação e
concepção da política econômica, têm grande influência sobre o entorno
e os parâmetros básicos que condicionam e orientam as decisões dos
produtores, sua capacidade de implementá-las e os resultados. As políticas
macroeconômicas operam em dois níveis: de um lado, tais políticas afetam
diretamente tanto as condições objetivas de produção como as expeativas
dos produtores através das principais variáveis objetivas e subjetivas que
eles levam em conta no momento de tomar as decisões de produção e
inveimento, particularmente o nível de liquidez da economia, a taxa
de juros, a taxa de câmbio, os impoos e o nível dos salários. Ao mesmo
tempo em que afetam as condições de produção e inveimento no presente,
essas variáveis influem nas condições de realização do ciclo de produção
anterior, em particular a capacidade de absorção dos mercados, os níveis
de preços, as margens de lucro; as condições de realização da produção
têm significativo impao sobre a capacidade e as condições econômica e
financeira dos agentes no presente, condicionando e interferindo em suas
decisões de produção e inveimento.
De outro lado, além de incidir sobre os mercados no presente, pode-se
dizer que as políticas macroeconômicas de hoje dão forma aos mercados no
futuro, ou seja, condicionam não apenas o nível e composição da demanda
final (presente) da economia como também o nível e composição da demanda
efetiva (demanda futura projetada pelos agentes a partir de suas expeativas
em relação ao futuro). Em outras palavras, a partir do comportamento das
variáveis macroeconômicas (e de outras variáveis e indicadores setoriais),
os agentes formam suas expeativas com reeito ao comportamento dos
mercados no futuro e às margens de lucro eeradas.
Os principais inrumentos de regulação macroeconômica são: () a
política cambial; () a política monetária, fiscal e tributária; () a política
salarial e () a política comercial. Não é o caso de discorrer, aqui, sobre as
complexas relações entre as variáveis macroeconômicas e o desempenho do
Nead Estudos 1562
setor agropecuário³. Interessa apenas agregar alguns pontos importantes
sobre esse tema.
P C. O primeiro ponto refere-se ao papel central
desempenhado pela taxa de câmbio real na determinação dos preços reais
e dos incentivos para produzir e inveir. Assumindo que os preços reais
representam de maneira adequada os principais incentivos ao produtor, é
possível demonrar que a taxa de câmbio real⁴ é um dos principais determi-
nantes dos preços relativos da economia, dos preços reais (e rentabilidade)
de cada setor, da competitividade e preços relativos em relação ao reo
do mundo. Isso significa que a taxa de câmbio real é um dos principais
determinantes tanto do crescimento diferenciado como da diribuição de
renda entre os setores da economia. A literatura assume que a agricultura,
cuja produção é compoa majoritariamente de bens comercializáveis, é
particularmente sensível às variações da taxa de câmbio real. Mais do que
isso, para muitos autores, a taxa de câmbio é a variável que exerce maior
influência sobre o desempenho do setor agrícola e da economia como um
todo (Buainain e Rello, editores, no prelo).
Ver Buainain e Rello (editores, no prelo) para uma exposição didática da influência das
políticas macroeconômicas e dos macropreços sobre o setor agrícola, em eecial as Lições
 e . Ver também Norton ().
O conceito mais usual de taxa de câmbio real considera o efeito da inflação doméica e
internacional sobre o preço, em moeda local, de uma unidade de moeda erangeira. Pode
ser expressa da seguinte forma:
onde E
r
é a taxa de câmbio real; E
n
é a taxa nominal de câmbio; P
d
o índice de preços doméicos
e P
*
o índice de pros internacionais (Buainain e Rello, (editores, no prelo), no prelo, lição
). A literatura recente vem utilizando um segundo conceito de taxa de câmbio real, que seria
a relação entre os pros dos bens comercializáveis (tradeables) e o comercializáveis (non
tradeables) da economia (ver Diaz, ; C, ). Esse conceito permite explicitar
os efeitos da inflação e das mudanças de produtividade sobre os preços reais e rentabilidade
dos setores produtores de bens comercializáveis e não comercializáveis. A observação dos
movimentos da taxa de câmbio real medida segundo esse conceito contribui para explicar
as transferências intersetoriais de capital e a atratividade diferenciada entre os setores de
bens transáveis e não transáveis.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 63
Deve-se deacar que no passado os eados contavam com maior grau
de liberdade para definir a política cambial e até mesmo a taxa de câmbio
nominal. Muitos praticavam políticas de fixação adminirativa da taxa
nominal de câmbio (seja por meio de minidesvalorizações cambiais como
o Brasil, seja indexando o câmbio à taxa de inflação ou definindo o câmbio
fixo, como o Paraguai). Até mesmo no período mais recente dos anos ,
vários países tentaram manter taxas de câmbio definidas em leis, como no
caso da Argentina, ou pela adminiração da política monetária, como o Brasil.
A desvalorização do real em  e a crise do siema de convertibilidade
do peso argentino demonraram a dificuldade, se o impossibilidade, de
regimes cambiais e taxas de câmbio compulsórias.
P C. A potica comercial é um dos principais
determinantes do vel de protão ecomica, o qual reflete a relação entre
os pros doicos e os pros internacionais correondentes. As relações
entre o nível de proteção e o dinamismo e desenvolvimento de cada setor e da
economia como um todo o complexas e fogem completamente ao escopo
dee trabalho. Um vel de proteção excessivo pode reduzir a efetividade da
concorrência como mecanismo de indão de inovações e inveimentos, fatores
essenciais para assegurar um crescimento suenvel e duradouro. Por outro
lado, um vel de protão demasiado baixo pode ter efeitos contrários ao
poulado pela versão mais simplia da teoria de comércio internacional: em
vez de assegurar maior eficiência da prodão doméica, a deroteção pode
simplesmente aniquilar parte do aparelho produtivo. A política comercial é
hoje condicionada por acordos supranacionais, tais como o Mercosul, e pelas
regras de comércio internacional eabelecidas no âmbito da .
A política comercial permite atribuir níveis diferenciados de proteção
entre os setores da economia, favorecendo dessa maneira os setores mais
protegidos em detrimento dos menos protegidos. Conjuntamente, a taxa de
câmbio e a política comercial modificam os preços relativos dos diferentes
tipos de bens e provocam uma realocação de recursos entre os setores que
produzem bens importáveis, exportáveis e bens comercializáveis” (Buainain
e Rello, editores, no prelo). Apesar da crescente liberalização comercial,
políticas de proteção ainda têm sido muito utilizadas, mesmo no âmbito
dos acordos de integração regional. No caso do Mercosul, os países usam
a lia de exceção para conceder proteção diferenciada a certos produtos,
Nead Estudos 1564
seja devido à importância dos produtos para as economias de certas áreas
dos países (açúcar no noroee argentino, arroz no sul do Brasil, leite no
Uruguai) seja devido ao forte impao negativo da abertura sobre a própria
atividade em nível nacional.
As políticas comercial e cambial atuam sobre variáveis determinantes
da dinâmica e desempenho dos vários ramos da produção doméica: uma
taxa de câmbio sobrevalorizada artificialmente reduz a competitividade
dos produtores de bens comercializáveis, desalentando inveimentos e o
ritmo de crescimento econômico; uma taxa de câmbio baixa (subvalorizada)
tende a canalizar recursos para a produção de bens comercializáveis (para
o mercado externo e/ou subituição de importações) em detrimento dos
ramos que produzem bens doméicos. O mesmo efeito é exercido pela
política comercial: dada a taxa de câmbio, uma elevação do vel de proteção
tende a elevar os preços dos produtos importáveis em relação aos exportáveis,
induzindo a transferência de recursos para a produção dos primeiros e
reduzindo os incentivos para a produção de exportáveis.
P F. A política macroeconômica (e o marco initucional)
também condiciona o próprio eilo e capacidade de regulação setorial.
A rerição orçamentária é um determinante central das políticas agrícolas.
A possibilidade de usar incentivos fiscais para promover objetivos setoriais
é limitada pela política fiscal do governo. A política fiscal também afeta o
setor através de vários canais, entre os quais: a política de preços e tarifas
de servos públicos; raio de manobra para utilizar o inrumento do
subsídio no processo de regulação setorial; erutura de gaos do setor
público (inveimentos em infra-erutura, gaos correntes, apoio à pesquisa
tecnológica e difusão de tecnologia, etc.); utilização de políticas de rendas;
carga fiscal que recai diretamente sobre o setor e sobre os seus produtos.
A importância dos recursos fiscais transforma o processo orçamentário
e a própria política scal em locus de conflitos pela apropriação dos fundos
dioníveis. A alocação desses recursos reonde a procedimentos e pressões
de caráter político, que podem entrar em contradição com as prioridades
definidas tecnicamente e com o manejo da política setorial em função dos
objetivos e eratégias traçadas para o desenvolvimento do setor. Esses
dois aeos explicam a importância que têm a rerição orçamentária
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 65
e a legislação que regula o processo orçamentário para a formulação das
políticas econômicas e setoriais⁵.
P M. As relações entre a política monetária e o
desempenho e regulação setorial são significantes. De um lado, a eabilidade
monetária, a liquidez geral da economia e as condições gerais de financia-
mento são objetos da política monetária. De outro lado, o financiamento do
déficit fiscal depende da política monetária. Não são pequenas as implicações
do déficit e dos mecanismos de financiamento sobre a economia como um
todo, pois afetam diretamente a eabilidade dos preços, a dionibilidade
de recursos para financiamento ao setor privado e a taxa de juros vigente.
Apenas a título de exemplo, é possível mencionar as relações entre a
taxa de câmbio e a política monetária com os incentivos e dionibilidade
de recursos. Uma taxa de câmbio sobrevalorizada comprime a renda
agrícola, pois a remuneração das exportações em moeda nacional é menor;
os preços internos também são negativamente afetados devido à concor-
rência das importações artificialmente barateadas pelo câmbio. Dessa
maneira, os incentivos para a expansão da produção serão menores do que
seriam com uma taxa de câmbio mais competitiva. Políticas monetárias
fortemente reritivas reduzem a oferta de crédito e elevam o cuo do
dinheiro, comprometendo a capacidade e eficiência produtiva dos agentes,
particularmente daqueles mais dependentes de recursos de terceiros. Em
um contexto de rerição monetária, qualquer política de financiamento
setorial enfrentará problemas: se as condições de financiamento do crédito
agropecuário seguirem as condições do mercado, poderão não atender às
necessidades dos produtores; se, por outro lado, a opção for a de oferecer
condições preferenciais, é provável que o governo enfrente rerições pelo
lado fiscal, que deverá cobrir a diferença entre a taxa preferencial e de
mercado, além de problemas de eficiência e diorções típicos de políticas
setoriais de crédito subsidiado.
Em resumo, as políticas macroeconômicas o apenas afetam diretamente
as condões gerais e parâmetros básicos que regulam as decisões e desempe-
nho do setor como também condicionam os objetivos definidos para o setor
Parágrafo transcrito de Buainain e Rello (editores, no prelo), lição .
Nead Estudos 1566
e a própria regulação setorial, seja através da dionibilidade de recursos seja
definindo o marco (ou modelo de política) initucional vigente.
2 . 2 . P O L Í T I C A S S E T O R I A I S
As políticas e as variáveis macroeconômicas definem as condições gerais
de funcionamento da economia e os inrumentos de política setorial
possibilitam ao setor público intervir nas condições e variáveis eecíficas
ao setor e definir, por exemplo, uma taxa de juros diferente da taxa de juro
de mercado, condições eeciais para acesso aos mercados externos, preços
mínimos e máximos para alguns produtos selecionados, etc.
Por meio da regulação setorial, o Eado busca, de um lado, reforçar ou
mitigar os sinais e condições determinados pela política macroeconômica
e, de outro, afetar o nível e composição da oferta e demanda nos mercados
agropecuários, eimulando determinados segmentos e penalizando outros
segundo as prioridades da política econômica e as pressões dos agentes.
Apesar de a regulação da produção e da demanda se realizarem em momentos
diferentes, trata-se de um processo único, poo que, no nível global, a
demanda futura será, pelo menos parcialmente, o resultado das decisões de
produção e inveimento; e, de outro lado, a regulação ex ante da produção
cria compromissos em relação à absorção da futura produção.
I R S. Os principais me-
canismos de regulação setorial (produção e demanda) são: () políticas
de preços; () políticas de financiamento; () seguro; () política de
comercialização e eoques; () políticas tributária e fiscal e () políticas
de comércio exterior. A seguir indica-se o papel e o alcance de cada um
dos inrumentos, ressaltando-se alguns elementos úteis para a melhor
compreensão da evolução da política agrícola brasileira⁶.
P P: O. As políticas de preços agrícolas
foram, no passado, um dos componentes mais fortes das políticas agrícolas,
principalmente nos países desenvolvidos. Ainda o são em certa medida,
pois tanto na União Européia como nos Eados Unidos os produtores
Ver Accarini () e Buainain e Rello (editores, no prelo) para uma exposição relativamente
completa dos principais inrumentos da política agrícola.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 67
contam com o suporte de vários mecanismos que atuam diretamente sobre
os preços agrícolas. Os objetivos eecíficos das políticas de preços incluem:
reduzir o risco mais elevado que pode comprometer o desenvolvimento
da produção agropecuária; melhorar a diribuição de renda inter e intra-
setorial; incentivar a produção de alguns produtos eecíficos; eabilizar
ou pelo menos reduzir as flutuações dos preços agrícolas.
Nos países em desenvolvimento, eecialmente na América Latina, evitar
preços elevados de alimentos para os consumidores nais e assegurar a
oferta de matérias-primas em quantidade e preço adequados para abaecer
a agroindúria local foram hioricamente objetivos centrais das políticas
de preços agrícolas. Nos Eados Unidos, por exemplo, a suentação da
renda dos produtores agropecuários sempre foi um dos objetivos centrais
da política de preços agrícolas; na Europa, a segurança alimentar e a ea-
bilidade socioeconômica do meio rural têm sido preocupações dominantes
no período do pós-guerra. Nos países em desenvolvimento, o foco das
políticas de preços agrícolas no passado recente não foi eável e nem preciso:
ora a política buscava incentivar a produção de alguns produtos, o que
exigia a fixação de preços mínimos que na verdade eram preços máximos,
bem acima dos preços de mercado; ora o objetivo era reduzir o risco, ora
evitar as acentuadas flutuações dos preços para o consumidor final⁷. A
multiplicidade de objetivos acabou comprometendo a eficácia da política,
que na maioria dos casos nem assegurava preços mínimos nem reduzia o
risco e as oscilações de preços ao consumidor.
G P M C  D.
O inrumento ainda em uso é a garantia de um preço mínimo fixado e
anunciado previamente, antes do início do plantio. Seu funcionamento é
simples: antes do início do plantio, o governo anuncia um preço mínimo
para os produtos que integram a política. Dessa maneira, o governo assegura
aos produtores, independentemente dos preços de mercado, a venda de
sua produção pelo preço mínimo. A política pode incluir todos ou uma
seleção de produtos, a definição dos preços mínimos pode ser feita por
vários critérios técnicos e políticos, os preços podem ser uniformes para
Em sua tese de doutoramento, Fonseca () apresenta uma excelente apreciação da
trajetória recente das políticas agrícolas na Europa e Eados Unidos da América.
Nead Estudos 1568
todos os produtores e regiões ou podem ser diferentes segundo a região
e/ou tipo de produtor.
O critério para a definição dos preços mínimos depende dos objetivos
da política. Segundo a Fao (F, , ),
la selección de eos criterios es un problema difícil y políticamente delicado, porque
son muchos los criterios y las repercusiones económicas de los diintos criterios
varían considerablemente. Algunos de ellos exigen mucha información cuantitativa.
Evidentemente, la elección de los criterios o la importancia que se le dé a uno en
particular, depende también de las finalidades eecíficas de la intervención del
gobierno en los precios.
Os principais critérios para a definição dos preços nimos são os
seguintes: os preços são definidos a partir dos cuos de produção. Esse
critério pode variar consideravelmente segundo os objetivos da política.
Pode-se, por exemplo, tomar apenas o cuo variável como parâmetro, e
não o cuo total; pode-se definir cuos segundo a tecnologia adotada,
segundo a região de produção. Outro critério é definir os preços a partir
de uma relação de troca entre preços agrícolas e não agrícolas. As opções
dentro desse critério também são múltiplas e eão relacionadas à escolha
do índice de preços que serve para avaliar os termos de troca. O terceiro
critério é basear a fixação dos preços mínimos nos preços de fronteira, ou
preços internacionais. O argumento em favor desse critério é evitar que
os mercados doméicos desenvolvam-se de forma isoladas das condições
vigentes nos mercados internacionais. As opções e problemas colocados por
ee critério não são menores que a dos outros dois. Que preço internacional
tomar como base? E como corrigir as diorções dos próprios preços
internacionais? E como evitar os problemas causados pelas flutuações dos
preços internacionais? Diante da grande heterogeneidade das condições
de produção vigentes na agricultura, nenhum dees cortes de cuo de
produção é totalmente satisfatórios. Nee caso, uma opção poderia ser a
de definir como critério o cuo aquela cuja diorção é menos prejudicial
aos objetivos da política agrícola em geral. Mas poderia ser a que tem
menor cuo fiscal, o que levanta a queão da compatibilidade entre a
opção definida para minimizar o cuo scal e os próprios objetivos da
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 69
política. Ee exemplo é suficiente para ilurar a dificuldade mencionada
na citação acima.
Enquanto no passado essa política foi abrangente e procurava cobrir
todo o território nacional, proteger todo tipo de produtor e um grande
número de produtos, hoje é praticada de maneira mais reritiva. Procura
focar em regiões eecíficas, em geral que por várias razões apresentam
mercados locais deficientes; ou em grupos de produtores mais vulneráveis
(no Brasil a prioridade são os assentados e agricultores familiares), e alguns
produtos selecionados.
Os procedimentos e inrumentos da política de preços também podem
variar de país para país: em alguns casos, os produtores comercializam sua
produção e o governo cobre apenas a diferença entre os preços recebidos
pela venda no mercado e o preço mínimo. Ee procedimento pode ou não
incluir algum tipo de limitação para a proteção, seja fixando uma produção
máxima para cada produtor e produto, seja fixando uma área máxima para
o cultivo protegido pela política governamental.
Em outros casos, como o do Brasil até recentemente, um dos objetivos
era reduzir a sazonalidade dos preços agrícolas, tanto para os produtores
como para os consumidores. O mecanismo sico é o financiamento de
eoques privados durante os meses de safra, quando os preços tendem
a cair e a aquisição, pelo preço mínimo definido anteriormente, de parte
da produção.
P C. Muito embora a política de
comercialização apareça muitas vezes como apêndice ou complemento da
política de preços mínimos, trata-se de um inrumento particular, que foi
largamente utilizado de per si, em função de objetivos próprios. No caso da
agricultura, cuja produção é perecível e sazonal, a comercialização adquire
ainda mais importância que nos demais setores. Amesmo pequenos
problemas de comercialização de insumos durante a fase de preparação e
plantio, como falta de sementes ou outro insumo básico, podem compro-
meter seriamente a produção de todo um ano agrícola; da mesma forma,
a ocorrência de “pequenos problemas no momento da comercialização da
safra, como insuficiência de meios de tranorte e armazenagem, pode
comprometer os resultados econômicos de todo o ano de produção. Em
termos gerais, o mau funcionamento dos mercados agropecuários reduz
Nead Estudos 1570
a eficiência produtiva, o potencial de crescimento e até mesmo os efeitos
positivos que um aumento da produção poderia proporcionar para o
conjunto da população e para o próprio sucesso das políticas econômicas
definidas pelos governos. Eecialmente no caso brasileiro, cuja erutura
de comercialização sempre foi apontada como um dos grandes entraves
para o desenvolvimento da agricultura, a política de comercialização sempre
integrou os inrumentos de regulação setorial, e os inrumentos utilizados
incluíram o controle das margens de comercialização, criação de canais
eeciais e empresas para comercializar a produção, redes de diribuição
ao consumidor, conrução de armazéns oficiais e assim por diante.
P F. As políticas de financiamento da
produção e comercialização agropecuária também são largamente utilizadas
para a regulação setorial. Nesse caso, a política opera ofertando vários tipos
de crédito (cueio, inveimento, comercialização), fixando taxas de juros
e prazos de pagamento diferenciados segundo o tipo de financiamento, os
produtos, o tipo de produtor (pequeno, médio, grande; familiar ou não
familiar; assentado ou não) e regiões (mais desenvolvidas; maiores riscos
de seca; zonas de fronteira e outros critérios).
A dionibilidade de recursos para cueio e inveimento é um dos
principais condicionantes da produção agropecuária. O rígido ciclo de
produção torna, para a maioria dos ramos, impossível compatibilizar os
fluxos de diêndios e entradas: enquanto os gaos são contínuos ao longo
de todo o ano, as receitas são concentradas sazonalmente, determinando a
necessidade de maior volume de capital de giro. A insuficiência de recursos
próprios e/ou crédito reringe o nível da produção, deixando ociosos os
demais fatores de produção dioníveis (terra, máquinas, inalações, etc.).
Na presença de um risco mais elevado inerente à atividade, os agricultores
tendem a ser mais conservadores em relação à adoção de novas tecnologias
e à expansão da capacidade de produção. O crédito rural, desenhado
levando em conta as eecificidades do setor, com prazos e condições de
pagamento adequados, é um poderoso inrumento de indução de inovações
e crescimento.
S R. O seguro rural também é um inrumento de regulação
importante. O risco é inerente às atividades econômicas, uma vez que a
inabilidade e a incerteza o inerentes ao siema mercantil. No caso da
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 71
agricultura, o risco econômico é potencializado pelos efeitos de ocorrências
aleatórias da natureza sobre a produção e o rendimento. A ausência de
mecanismos de proteção contra esses riscos tem efeitos sobre a produção e
os inveimentos, sendo possível demonrar que os produtores produzem
abaixo do seu potencial para reduzir o risco. O risco aumenta se o produtor
utiliza crédito, o que leva a uma redução do nível de endividamento. Também
afeta as oões tecnológicas, que os produtores preferirão tecnologias com
menor rendimento e risco mais baixo àquelas com rendimento e risco mais
elevados. A provisão de um mecanismo de seguro agrícola que reduza o risco
elimina esses entraves e contribui para o crescimento da produção.
Em resumo, dadas as variáveis e rerições eruturais, o comportamento
e o desempenho do setor agropecuário refletem os efeitos combinados
dos preços macroeconômicos e dos sinais enviados pela política agcola.
Conjuntamente, esses parâmetros determinam o contexto geral que afeta
as decisões de produção, sua composição e nível corrente, os inveimentos,
o crescimento do produto, a formação e diribuição de renda do setor. As
políticas macro e setoriais traduzem-se, ex ante, em um conjunto de sinais
que sancionam, inibem ou eimulam certas expeativas dos agentes, afetam
suas decisões de produção (o quê produzir, quanto produzir e inveir e
como produzir), e, ex po, em um conjunto de ões que afetam a demanda
final (D, , ).
O desenho da política agrícola escolha e combinação dos inrumentos
e de sua operacionalização muda de país para país e depende dos objetivos es-
pecíficos atribuídos à política setorial, da capacidade operacional e financeira
do Eado e da própria concepção e marco initucional, que em conjunto
delimitam e orientam as relações entre o setor público e privado.
3.PrinciPais instrumentos Da Política agrícola brasileira
Embora baante conhecidos, convém indicar rapidamente os principais
inrumentos da política agcola com base na experiência brasileira. O
objetivo é informar sobre os inrumentos de política agrícola, que com nomes
diferentes e/ou pequenas variações são utilizados em vários outros países. A
apresentação dos inrumentos não significa que eão em uso no momento
atual. A seguir os inrumentos são apresentados resumidamente.
Nead Estudos 1572
P-S. Um importante inrumento de planejamento da
produção agropecuária é o Plano-Safra Anual, que consolida em um único
documento os principais objetivos e medidas de política aprovadas pelo
governo para o próximo ano agrícola. Esse inrumento, de escopo anual, é
em geral publicado à véera do início do calendário agrícola mais importante
do país (no caso brasileiro a safra de verão), tem natureza produtivia e de
curto prazo. As medidas incluídas no Plano-Safra podem ser modificadas
automaticamente pelo governo, não se conituindo, portanto, em compro-
missos seguros que possam orientar as decisões dos produtores.
V B C (). Define, para cada produto, o
parâmetro para a concessão do crédito de cueio. O deve refletir
basicamente o cuo de produção para diferentes categorias de produção
em função do cuo de produção e do nível de produtividade; no entanto,
o pode ser facilmente politizado, sendo definido mais em função da
dionibilidade de recursos, das exigências da política monetária, de pressões
de alguns segmentos, ficando de lado os objetivos da política agrícola e a
consiência da regulação setorial. É sempre possível eimular a produção
de um produto eecífico via crédito, mas o uso do inrumento deve evitar
provocar diorções na alocação de recursos e gerar situações insuentáveis
que acabam minando a credibilidade do inrumento.
L F. Define um teto para o financiamento
em termos de um percentual do (por exemplo, limite de financiamento
da soja é de  do para grandes e médios produtores e  para os
produtores). Trata-se de um inrumento útil que permite discriminar por
tipo de produtos, de produção e de produtores. Sua eficácia como inru-
mento de política diferenciada é, no entanto, limitada, tal como evidencia a
experncia brasileira. No passado, a fixação de um limite de  do 
para financiamento do cueio dos micro e pequenos agricultores, ou de
um limite de  de financiamento para alguns produtos típicos desses
produtores, terminou favorecendo apenas pequena parcela deles, possivelmente
aqueles que não necessitariam de um apoio ainda mais eecial da política
agrícola. Tem-se aqui um claro exemplo do problema de targeting das políticas
blicas: como atingir de maneira eficaz o público-meta com um mínimo de
vazamento para outros grupos e um mínimo de deercio de recursos na
esfera burocrática. A discriminão de taxas, prazos, tipos de financiamento
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 73
pode efetivamente favorecer os produtores familiares caso seja inserida
em um desenho de política com mecanismos de selão e foco adequado.
C . Incluem as taxas de juros e os
prazos do financiamento. A taxa de juros é o inrumento mais importante
de racionamento e diribuição dos recursos entre produtores; os prazos
e formas de pagamento, ainda que secundários, não são irrelevantes,
que devem ser adequados às eecificidades do processo de produção
agropecuário. Embora taxas de juros elevadas excluam um grupo impor-
tante de produtores do siema de crédito rural, taxas de juros reduzidas
não garantem, por si sós, o acesso aos eventuais benefícios do crédito. Na
verdade, essas taxas de juros têm beneficiado muito mais os produtores
patronais que os produtores familiares de pequeno e médio porte,seja
devido a um conjunto de caraeríicas da produção familiar (pulverização,
aversão ao risco, dificuldade de garantias, etc.) já seja devido às rerições
initucionais (falta de interesse do siema bancário em operar com esse
público, cuos de transação elevados, exigências de ordem burocrática e
patrimonial incompatíveis com a situação desses produtores, etc.).
No passado, a juificativa para oferecer taxas de juros diferenciadas
aos produtores rurais eram as taxas de inflação elevadas. Segundo esse
ponto de via, em regimes de eabilidade moneria e de inflação baixa
o se juifica a utilizão de uma política de financiamento eecífica
para grupos de produtores ou setores da economia. É preciso cautela
com esse raciocínio. Em países como o Brasil, em que a eabilização
monetária não se traduziu em redução das taxas de juros reais e nem na
eruturação de mecanismos privados de nanciamento de inveimentos
que alcancem a massa de produtores rurais, mesmo os de porte médio,
isso pode se traduzir em assimetria entre as taxas de juros praticadas
no mercado doméico e internacional, com impaos negativos sobre
as condições dos agricultores de competirem no mercado internacional
com produtores que contam com financiamentos a taxas de juros muito
mais baixas.
V. Dadas as demais condições, a
quantidade de recursos para financiamento agropecuário vai determinar o
alcance da política de financiamento. É preciso considerar que em muitas
ocasiões o racionamento é feito pelas próprias condições de financiamento,
Nead Estudos 1574
e não pelo lado da oferta de recursos. Em alguns casos, os recursos exiem
e não são utilizados devido às condições de financiamento.
I . Em geral os canais de
diribuição do crédito não são considerados como inrumentos da política;
no entanto, dada a evidência inqueionável de que mesmo políticas dese-
nhadas em muitos países para favorecer os produtores familiares fracassaram
devido a uma initucionalidade inadequada, é fundamental considerar esse
aeo em qualquer esquema de incentivos à produção familiar. No caso
brasileiro, ainda que a atuação do Banco do Brasil no passado recente não
escapasse aos vícios gerais da política de crédito (viés em favor da agricultura
patronal, em particular dos grandes produtores, uso ineficiente dos recursos,
inclusive devido à forte inadimplência de grandes credores; interferência
política na utilização dos recursos, etc.), o desempenhou um papel
positivo na diribuição do crédito rural, em particular aos pequenos e médios
produtores. Na verdade, com todas as diorções, o foi praticamente a
única inituição financeira que operava em larga escala com produtores de
menor porte. De toda maneira, sua atuação ficou aquém das necessidades,
e o volume de recursos dionível o parece ter sido o principal problema
enfrentado pelos produtores familiares para ter acesso ao crédito oficial (para
uma avaliação, ver Rocha, ; Oliveira, ). Definir um setup initucional
adequado ao financiamento da produção familiar é uma das principais chaves
para o sucesso de qualquer programa de incentivos a esse setor.
P. O preço para cada produto coberto pelo Programa
Garantia de Preços Mínimos () é anunciado antes do início do
plantio e teoricamente definiria um piso para os preços recebidos pelos
produtores. A política de preços mínimos é operacionalizada por meio de
empréimos para retenção da safra e/ou de aquisição da produção. No
caso brasileiro, esses inrumentos são os Empréimos do Governo Federal
(-cov) e as Aquisições do Governo Federal (). O é um crédito
de comercialização que permite ao produtor reter parte de sua produção
durante o período da safra. A redução da oferta reduz a pressão baixia
dos preços e beneficia o conjunto de produtores, mesmo aqueles que não
participaram diretamente do programa. A  é o inrumento de garantia
propriamente dito: caso o preço de mercado seja inferior ao mínimo, o
Governo Federal deve adquirir a produção pelo preço mínimo eipulado.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 75
O nível dos preços mínimos é variável dependendo dos objetivos da política
e da situação conjuntural dos mercados eecíficos. A força, a utilidade e
os problemas desse inrumento foram amplamente demonrados pelo
desempenho da agricultura brasileira nos anos : apesar de toda a
inabilidade monetária, o funcionou como eabilizador e farol para
os produtores. A política de preços mínimos perdeu sua credibilidade e
hoje, embora ainda vigente, é muito mais um jogo de faz-de-conta entre
governo e produtores, pois ambos sabem que o governo não tem condições
de garantir os preços. No período mais recente vem procurando focar em
objetivos mais eecíficos, podendo ser relevante.
C . No caso brasileiro esse emprés-
timo é o . Trata-se de um crédito para a comercialização da safra cuja
finalidade é permitir que os produtores retenham parte de sua produção
para vender nos meses de entressafra, quando os preços se recuperaram
da queda normal que ocorre durante a colheita. A rationale do crédito para
comercialização é que o conjunto dos agricultores é beneficiado, e não apenas
aqueles que se utilizam diretamente do empréimo de comercialização.
O crédito para comercialização permite que os produtores retenham parte
de sua colheita em eoques, o que reduz a oferta sazonal e a pressão baixia
sobre os preços de mercado em benefício do conjunto dos agricultores. Em
geral esse crédito para comercialização tem como parâmetro o preço nimo
e como garantia a parte da produção eocada em armazéns credenciados
pelo governo. Em alguns países, como o Brasil, caso os preços não se
recuperem, os produtores têm a opção de transformar o crédito em venda
para o governo (-cov em ), entregando ao governo definitivamente a
parte mantida em eoque de sua produção e liquidando assim o empréimo
de comercialização.
A  . No caso brasileiro, o
inrumento de garantia do preço mínimo é a Aquisição do Governo Federal
(), pois, através dessa operação, o governo adquire, ao preço mínimo
eabelecido, a produção. Ou seja, caso os preços de mercadoquem abaixo
do nimo, o governo deve pagar aos agricultores o preço nimo adquirindo
a produção e mantendo-a em seu eoque eratégico. Assumindo que o pro
nimo reflita o preço de equibrio de longo prazo do mercado, o pro
de mercado o ficaria abaixo do nimo devido a desequibrios sazonais
Nead Estudos 1576
entre oferta e demanda, mas sim devido a um excesso eratégico, que pode
ser uma produção excedente em relação à demanda anual e às necessidades
de manutenção de nível normal dos eoques. Nesse caso, o excedente seria
retirado de circulação através das aquisições governamentais e transformado
em eoque eratégico que voltaria ao mercado quando o opoo ocorresse,
ou seja, a oferta casse abaixo da demanda devido a quebras de safra, choque
de consumo, etc. No caso brasileiro a aquisição pode ser direta (quando o
produtor decide vender a produção diretamente ao governo em geral no
período da colheita) ou indireta, quando os créditos de comercialização (-
) são liquidados por meio da entrega ao governo da produção eocada.
P L E (). Para suentar os
preços mínimos, os governos formam eoques eratégicos. No passado
foi muito comum vender os eoques públicos sem nenhuma regra pre-
eabelecida, em geral em reoa à pressão inflacionária causada por
elevação dos preços agropecuários, mesmo quando se tratasse de ajues
sazonais em condições de normalidade de abaecimento. Essas intervenções
criaram o chamado risco initucional”, prejudicando o funcionamento do
mercado de eoques peça fundamental na formação dos preços agrícolas.
O resultado nunca foi positivo, pois afaa o setor privado dessa atividade e
deixa o governo como o grande comprador e formador de eoques. A fim
de evitar essa diorção, países que ainda praticam a formação de eoques
eratégicos utilizam o , que define um nível de preço a partir do qual
o governo pode liberar seus eoques. O é em geral definido como a
média móvel dos preços durante um período determinado, acrescida de um
mark-up definido previamente. Quando os preços de mercado atingirem o
, o governo pode intervir vendendo seus eoques. Trata-se, portanto,
de um preço de intervenção. No entanto, eá cada vez mais em desuso
esse tipo de intervenção, pois é mais efetivo controlar elevações sazonais de
preços via importações do que por meio de intervenção governamental.
B P. Teoricamente, o  e o preço mínimo definem
uma banda para a flutuação dos preços de mercado. Se o preço fica abaixo
do mínimo, o governo deveria comprar a produção pelo preço mínimo,
garantindo assim aos agricultores uma renda mínima equivalente pelo
menos aos gaos de cueio incorridos para produzir; se o preço sobe
além do , o governo liberaria seus eoques eratégicos, evitando assim
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 77
maiores elevações dos preços e assegurando a normalidade do abaecimento
doméico. Ainda países que praticam o siema de banda de preços, mas
esse inrumento já não tem a importância que teve no passado.
P E P (). O objetivo priori-
tário do é garantir um preço de referência ao produtor e às cooperativas
e ao mesmo tempo contribuir para o abaecimento interno. O preço de
referência é definido pelo governo, com base em diversas variáveis, podendo
se situar no nível do preço mínimo. Em geral o governo, por intermédio de
algum órgão ou empresa (no caso brasileiro, a Conab), oferece um bônus
ou prêmio, em leilões públicos, aos interessados em adquirir o produto
diretamente do produtor ou da cooperativa pelo preço de referência. Esse
prêmio equivale, em média, à diferença entre o preço de referência e o de
mercado. Todos os produtos incluídos na Política de Garantia de Preços
Mínimos podem participar do . Dessa forma, o governo, além de
garantir um preço referencial ao produtor, evita uma eocagem onerosa e
problemática enquanto algumas regiões eariam importando.
C P R (). Trata-se de um título de
promessa de entrega futura de produtos rurais emitido pelo produtor,
associação ou cooperativa de produtores, e que pode ser negociado em
mercados de bolsas ou balcão. Para facilitar sua circulação a é um
título padronizado e avalizado por inituição bancária.
C O V (). Trata-se de uma operação
amplamente realizada nas bolsas erangeiras, através da qual o comprador
da opção faz um hedge para assegurar a compra ou venda de determinada
mercadoria (ou algum derivativo) a um preço preeabelecido. Para ter
essa opção, que funciona como um seguro de preço, o comprador paga
um prêmio. A diferença entre um contrato de opção e a venda a futuro
é que no primeiro caso o comprador pode exercer a opção se considerar
a operação vantajosa, ou simplesmente desiir da opção quando assim o
desejar. Nos dois casos, seu cuo é conhecido e correonde ao prêmio
pago pela opção. Já a operação a futuro é um contrato de compra ou venda
a um preço preeabelecido nas bolsas a futuro; essa operação anula os
riscos, uma vez que o produtor/comprador fica sabendo no presente que
preço receberá/pagará por uma operação contratada no presente e que só
será efetivada no futuro. Anula o risco, mas não elimina a possibilidade de
Nead Estudos 1578
prejuízos, que no momento de liquidar a operação os preços de mercado
podem divergir para cima ou para baixo do preço contratado. Caso os preços
de mercado sejam maiores que o contratado, os vendedores vão deixar de
ganhar, pois terão que liquidar seus contratos recebendo preços mais baixos;
caso sejam menores, os vendedores ganharão, pois receberão mais do que
receberiam caso tivessem que vender sua produção aos preços de mercado
correntes no momento da liquidação.
S . A política de crédito rural e de preços mínimos
deve ser complementada por um seguro agrícola para cobertura eecífica das
operações de crédito rural. A atividade agropecuária é sujeita a um elevado
grau de risco e incerteza, que devido a suas caraeríicas intrínsecas tem
maior dificuldade para ajuar-se rapidamente às flutuações conjunturais
dos mercados e sofre diretamente os efeitos de fatores aleatórios associados
às variações climáticas e ambientais. Daí a necessidade de um mecanismo
eecial de proteção que reduza o elevado risco e incerteza. Enquanto
os programas de preços mínimos eão orientados para reduzir os riscos
econômicos, os programas de seguro têm como principal objetivo a redução
de alguns dos efeitos negativos decorrentes de condições climáticas e
ambientais desfavoráveis. Assim, o seguro não reduz a incerteza, mas sim
seus efeitos negativos, dando aos produtores tranqüilidade para tomarem
suas decisões de produção e inveimento.
4.os noVos instrumentos Da Política agrícola brasileira
A seguir, apresentaremos os principais componentes da nova política⁸. Mais
do que analisar o desempenho de cada inrumento, a principal preocupação
é explicar o funcionamento de cada um deles, e proporcionar elementos
para uma breve reflexão sobre o alcance de tais inrumentos, levando em
conta tanto as suas eventuais limitações para enfrentar os desafios propoos
como a situação do país.
Ea seção toma como base documentos oficiais da Conab, inclusive material utilizado por
alguns técnicos em suas paleras. As figuras utilizadas foram reproduzidas de tranarências
repassadas ao autor dea tese pelo técnico Ângelo Bressan. Também utilizamos os Planos
de Safra dos últimos anos.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 79
A Figura resume a evolução recente dos inrumentos da política
agrícola atual. No passado, o Eado não apenas proveu recursos como,
através dos inrumentos de política agrícola, procurou afetar os parâmetros
básicos que os produtores levam em conta para tomar suas decisões. A
política atuava em três etapas ou momentos do processo de produção
agropecuário. Na fase do cueio, a velha política atuava através do
e da fixação das taxas de juros do crédito rural; na fase da comercialização,
os inrumentos prioritários eram as Aquisições do Governo Federal (),
quando os preços de mercado ficavam abaixo do mínimo, e os Empréimos
do Governo Federal (-cov), que permitiam aos produtores, cooperativas
e agroindúrias reter a produção durante alguns meses, evitando dessa
forma vender no imediato pós-safra, quando os preços em geral caem.
FIGURA 2 NOVOS INSTRUMENTOS DE FINANCIAMENTO AGRÍCOLA
Fonte: Conab.
Nova
Política
Política
Antiga
CPR
Crédito Rural
Contrato de Opção
Associações
Programadas
(AGF-CPR-OPÇÃO)
Custeio
Comercialização
Liquidação
VBC
egf/COV
AGF
AGF
Nead Estudos 1580
Finalmente, a mesma poderia ser utilizada para liquidar o ,
caso a evolução dos preços de mercado não se morasse satisfatória para
os produtores. A simples transferência ao governo da produção retida
através do liquidava a operação e transferia para o governo todo o
ônus incorrido pelo produtor.
Esses inrumentos perderam sua eficácia e passaram a entrar em choque
com a nova orientação da política econômica adotada desde o início dos
anos  que rejeita, pelo menos em teoria, a utilização de inrumentos
que interfiram no funcionamento do mercado e sejam controlados pelo
Eado. A propoa é exatamente reduzir o papel do Eado e atribuir ao
mercado, em toda sua extensão, um papel mais relevante para orientar os
movimentos da economia. As intervenções, quando necessárias, não devem
ser contra ou em subituição ao mercado; ao contrário, devem procurar
reduzir as chamadas falhas do mercado e desenvolver e ampliar o alcance
dos mecanismos de mercado.
Os novos inrumentos seguem ea concepção: a Cédula do Produtor
Rural deve subituir o crédito de cueio oficial; o contrato de opção
assumir o lugar dos créditos blicos de comercialização, e as aquisições
programadas através das e dos contratos de opções são subitutos das
aquisições diretas do governo.
Além da introdução de novos inrumentos, o governo vem aplicando uma
nova eratégia para o setor e para a própria política agrícola. O Eado trata
de privilegiar a criação de condições gerais e de incentivos macroeconômicos
adequados para o crescimento da produção agropecuária e concentrar os
recursos na promoção e fortalecimento da agricultura familiar, inclusive
através da reforma agrária. Nessa nova visão, muitas das funções tradicionais
da política agrícola, entre as quais o financiamento, eabilização de preços,
manutenção de eoques, etc., seriam desempenhadas pelo próprio setor
privado, utilizando para tanto os inrumentos de mercado.
Dentro desse contexto, e antes de passar aos novos inrumentos, convém
indicar dois componentes dessa nova eratégia: a Política Nacional de
Defesa Agropecuária e a conrução de infra-erutura.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 81
4 . 1 . P O L Í T I C A S A N I TÁ R I A
No contexto atual, a queão sanitária passou a ser tanto um inrumento
de concorrência nos mercados internacionais, do qual participam agentes
cada vez mais nivelados em termos de cuos e eficiência, como inrumento
de proteção do mercado doméico. Mais do que isso, diante da progressiva
conscientização dos consumidores em relação à queão da segurança dos
alimentos que se traduz em uma crescente demanda por alimentos de
qualidade elevada e saudáveis –, do acirramento da concorrência em todos
os níveis e da elevação dos cuos de produção associados às exigências
de manipulação, conservação e pré-empacotamento, a queão sanitária
não é apenas uma arma de concorrência e/ou proteção. É condição básica
para a própria viabilidade e suentabilidade econômica do produtor e de
um número crescente de atividades agropecuárias. O efeito devaador do
bicudo sobre a produção de algodão nordeina é ilurativo a esse reeito.
Mesmo em São Paulo, o cuo de pulverização elevado e necessário para
combater a praga foi em parte reonsável pela migração dessa cultura para
a Região Centro-Oee. O Mal da Vaca Louca redesenhou a geografia do
comércio mundial da carne.
No passado, salvo exceções, a queão sanitária foi negligenciada pelo
Miniério da Agricultura, e sequer conava entre as políticas agrícolas.
Além disso, as intervenções sempre assumiram caráter curativo, e não
preventivo. Nas condições initucionais e concorrenciais de hoje, ões
curativas não são suficientes. A simples desconfiança de que a produção
de um país pode ear infeada por uma praga ou moléia mais séria é
suficiente para que os concorrentes desencadeiem ações protecionias
com ou sem razão ou para inviabilizar a produção devido à elevação
de cuos de produção.
Portanto, no atual contexto, a definição de uma política de defesa sanitária
da agropecuária brasileira é fundamental para criar e assegurar condições
gerais adequadas para seu desenvolvimento. Um Siema de Segurança,
Proteção e Defesa Agropecuária deve adotar as seguintes diretrizes: visão
siêmica, prioridade para ações preventivas, reforços do serviço de vigilância
e scalização nas fronteiras, rigor na aplicação das regras de quarentena, forte
articulação com o setor privado na execução e acompanhamento da política.
Nead Estudos 1582
Sua eficácia depende, no entanto, de um lado, da própria capacidade de
transformar em política efetiva as boas intenções que muitas vezes ficam no
papel; de outro lado, do engajamento do próprio setor privado, sem o qual é
impossível implementar eficientemente qualquer política séria de sanidade
animal e vegetal. Os repetidos exemplos de brotes de febre aftosa devido à
falta de aplicação das vacinas iluram as dificuldades em queão.
4 . 2 . I N F R A - E S T R U T U R A D E D E S E N V O LV I M E N T O
O segundo componente da nova eratégia é a preocupação em criar condi-
ções apropriadas para o desenvolvimento do setor. Como se mencionou,
no passado os inrumentos concentraram-se em assegurar incentivos via
preços de produtos, insumos, máquinas e dinheiro; à exceção, talvez, da
capacidade de armazenagem, os demais componentes da infra-erutura
ficaram praticamente à margem da política agrícola, tendo sido em grande
medida de reonsabilidade dos Miniérios do Interior, Desenvolvimento
Regional, Irrigação e agências de desenvolvimento regional, como Sudene
e Sudam. O exemplo mais eloqüente dessa visão foi a ausência de ações
com o objetivo de superar as deficiências de infra-erutura na Região
Centro-Oee. O resultado é que hoje a produção regional de grãos, uma
das mais eficientes do país no nível das fazendas, e com grande potencial
exportador, enfrenta sérios obáculos associados à deficiente dotação de
infra-erutura básica.
Os diagnóicos recentes sobre a agricultura brasileira apontam os
problemas de infra-erutura como um dos principais obáculos para o
crescimento do setor. Não se trata de um problema localizado nas regiões
de fronteira. Mesmo nos eados mais desenvolvidos, a infra-erutura vem
colocando entraves ao desenvolvimento, seja elevando os cuos de produção,
reduzindo a competitividade e/ou amesmo inviabilizando totalmente a
produção de alguns produtos.
4 . 3 . C É D U L A D O P R O D U T O R R U R A L ( C P R )
A Cédula do Produtor Rural é um título de promessa de entrega futura
de produtos rurais emitido pelo produtor, associação ou cooperativa de
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 83
produtores, e que pode ser negociado em mercados de bolsas ou balcão.
Trata-se da regulamentação e padronização de operações de venda antecipada,
conhecidas no Centro-Oee como “venda de soja verde e no Nordee
como “venda na folha. Vendendo antecipadamente, o produtor elimina o
risco de preço e obtém recursos para financiar o cueio de sua produção.
A operação de venda antecipada praticada diretamente entre produtores e
agroindúria e/ou comerciantes, mesmo envolvendo garantias, é uma relação
direta e pessoal, o que naturalmente dificulta sua difusão e ampliação. Isso
requer não apenas a regulamentação como também a intervenção de uma
inituição financeira que funciona como avalia do título, para o qual cobra
uma comissão. O título avalizado pode ser mais facilmente vendido. No
final, o produtor recebe o preço eerado para a data de entrega do produto,
em geral o preço a futuro do produto negociado em bolsa, descontado de
um deságio e da comissão paga ao avalia.
Embora o deságio seja influenciado por vários fatores, entre os quais a
oferta e demanda de títulos, as expeativas em relação ao comportamento
da produção e dos preços, a necessidade das agroindúrias de assegurar
matéria-prima, etc., seu piso é o cuo de oportunidade do dinheiro apli-
cado na compra da cédula, determinado pela taxa de juros líquida que o
comprador poderia obter caso decidisse aplicar essa soma no mercado
financeiro (taxa SELIC Siema Eecial de Liquidação e Cuódia).
O cuo financeiro da é um fator que limita sua utilização como
inrumento mais abrangente de política pública.
Nead Estudos 1584
FIGURA 3 RESUMO DO PROCESSO DE EMISSÃO E CIRCULAÇÃO DA CPR
*Transferiencia por meio de endosso.
**Central de Custódia e de L
iquidação Financeira de Títulos
Fonte: Marques, Caffagni e Souza (1997).
A Figura e a Figura  explicam e iluram a operação com . Nota-
se que, independentemente da fonte dos recursos, as condições vigentes no
mercado financeiro e cambial taxas de juros e política cambial definem
o cuo básico das operações com . O cuo da operação é ainda onerado
pela cobrança do aval, o qual deve refletir o risco associado ao tomador e
ao negócio, e outros cuos de transação. No caso das operações lareadas
em recursos captados no mercado doméico, o piso para a taxa de juros
é determinado pelo cuo de oportunidade para a aplicação financeira dos
recursos dos agentes que participam das cadeias agroinduriais e financiam
os produtores. Dado o elevado read entre essa taxa e a taxa de juros para
crédito comercial de curto prazo (desconto de duplicatas e capital de giro),
é possível realizar operações de a uma taxa vantajosa para os produtores,
ainda que o cuo final seja elevado.
Banco
Produto
Produtor
Produtor
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Oferta de
Venda
Garantias
Aval Bancário
RPC
R$
R$ R$
R$ R$
Agroindústria/
Investido (Fundo)
Agroindústria/
Investido (Fundo)
Agroindústria/
Investido (Fundo)
Leilão Eletrônico
(Bolsa de Mercadorias)
Diretamente
Registro no CETIP**
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 85
No caso das operões lareadas em captações externas, a remuneração
deve incluir o juro doméico e o risco cambial, ou seja, a expeativa de
desvalorização da taxa de câmbio somada a um percentual para cobrir o
risco envolvido em geral equivalente ao prêmio cobrado para realizar
uma operação de hedge no mercado futuro. O cuo final da será,
portanto, eecialmente afetado pela taxa de juro internacional, pela taxa
de juro praticada em operações com o Brasil (taxa internacional acrescida
do componente para cobrir o risco do país), pela expeativa de variação
cambial e um prêmio para cobrir o risco cambial.
Além do cuo financeiro direto da operação, a  pode ter um cuo
muito mais elevado caso os preços de mercado no momento da liquidação
sejam superiores aos preços utilizados como base para a venda da cédula.
Nesse sentido, a  reduz a possibilidade de que o produtor venha a se
beneficiar de elevações de pros durante o período de produção e/ou após
a colheita, na entressafra. Na prática, funciona como um redutor do preço
recebido pelo produtor que pode ser mais elevado que o cuo financeiro do
crédito rural, e dificilmente serve como uma alternativa em larga escala para
o crédito de cueio. É um inrumento muito útil e difundido em outros
países para grupos reduzidos de produtores de commodities, com mercados
já fortemente eruturados e presença marcante de agroindúrias e traders.
A é um inrumento que pode ser útil para grandes produtores;
sua possível utilização pelos produtores familiares fica na dependência de
uma subancial redução de seu cuo financeiro e principalmente da ação
das cooperativas e associações de produtores. De toda maneira, não parece
que a  possa vir a desempenhar um papel relevante no financiamento
do produtor familiar; é possível que mesmo os produtores familiares em
condições de realizar operações de prefiram manter o esquema de
venda antecipada.
Nead Estudos 1586
FIGURA 4: LINHA DE CDITO PARA AQUISIÇÃO DE CPR
Fonte: Banco do Brasil.
Ocorre que, se em algumas regiões a concorrência entre as agroindúrias
pode levar ao pagamento de preços mais compensadores e à cobrança de
taxas de juros mais reduzidas, em muitas áreas essa concorrência não exie,
e as condições da venda antecipada são extremamente desvantajosas para
os produtores, em particular os de menor porte, cujo poder de barganha
junto às agroindúrias é pequeno. No entanto, esse tipo de operação pode
servir de embrião para novos inrumentos assemelhados, que sirvam para
larear operações de captação de recursos realizadas diretamente por
pequenas cooperativas de crédito, que seriam repassados aos produtores a
taxas inferiores às praticadas no mercado. Esse tipo de operação é possível
porque os cuos de operação e de transação dessas cooperativas são
Investidor externo
Produtor rural
Leilão eletrônico
de BB-CPR
Mercado
secundário
Captação de recursos
por intermédio de
"Commodities Notes"
BB no exterior
BB no Brasil
"Trading"
exportador
Beneficiador
esmagador
Indústria/Revenda
de insumos
Empréstimo (var. cambial +
juros) para compra de CPR
Compra de CPR com ou
sem Aval Bancário
Internação
Res. 2.148 do Bacen
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 87
menores do que os dos bancos comerciais; mas essa possibilidade depende
da regulamentação de um regime eecial que não lhes retire tal vantagem,
permitindo-lhes pagar mais ao poupador do que o siema financeiro e
cobrar menos do tomador.
4 . 4 . C O N T R AT O D E O P Ç Ã O D E V E N D A ( C O V )
O contrato de opção de venda é uma operação amplamente realizada nas
bolsas erangeiras, por intermédio da qual o comprador da opção faz um
hedge para assegurar a compra ou venda de determinada mercadoria (ou
algum derivativo) a um preço preeabelecido. Para ter essa opção, que
funciona como um seguro de preço, o comprador paga um prêmio. A
diferença entre um contrato de opção e a venda a futuro é que no primeiro
caso o comprador pode exercer a opção se considerar a operação vantajosa,
ou simplesmente desiir da opção quando assim o desejar. Nos dois casos,
seu cuo é conhecido e correonde ao prêmio pago pela opção. Já a operação
a futuro é um contrato de compra ou venda a um preço preeabelecido
nas bolsas a futuro; essa operação anula os riscos, uma vez que o produtor/
comprador fica sabendo no presente que preços receberá/pagará por uma
operação contratada no presente mas que será efetivada no futuro. Anula
o risco, mas não elimina a possibilidade de prejuízos, já que no momento
de liquidar a operação o preço de mercado pode divergir para cima ou
para baixo do preço contratado. Caso seja maior, os vendedores o deixar
de ganhar, pois terão que liquidar seus contratos recebendo preços mais
baixos; caso sejam menores, os vendedores ganharão, pois receberão mais
do que receberiam caso tivessem que vender sua produção aos preços de
mercado correntes no momento da liquidação.
No sentido de promover o desenvolvimento desse mercado de opções, o
governo, através da Conab, vem assumindo o papel do eeculador, ou seja,
do vendedor de opções que assume o risco da operação em troca do prêmio
pago pelo comprador. A venda de contratos de opções é feita através de
leilões realizados pelo siema integrado de bolsa de mercadorias. O preço
em exercício terá como base o preço mínimo acrescido de uma eimativa
de cuos financeiros e de eocagem durante o peodo de vigência do
contrato de opção, além de cuos de frete, se for o caso. A liquidação do
Nead Estudos 1588
contrato dá-se através da aquisição do produto eipulado pela Conab, ou
através da renúncia por parte do comprador da opção.
As vantagens para a Conab são evidentes, que, no ato da venda do
contrato de opção, em vez de desembolsar recursos para a retenção da
safra, passa a receber os prêmios. O produtor adquire um seguro de preço,
mas não resolve seu problema de financiamento da comercialização e, para
isso, continuará dependendo ou de -cov ou de utilizar o contrato de
opção para alavancar recursos na rede bancária ou para adiar o pagamento
do cueio. Nos dois casos, é provável que incorra em elevação dos cuos
financeiros, pois os prêmios e taxas de redesconto de títulos são elevados.
Os contratos de opção são, em geral, rígidos em relação à quantidade de
produto contratada (nas principais bolsas exiem duas ou três opções
em relação à quantidade e duas ou três opções de data), o que tende a
excluir a maioria dos produtores de eventuais benefícios decorrentes da
utilização desse inrumento. Outra vez sua utilização dependerá da ação
das cooperativas e associações de produtores.
4 . 5 . P R Ê M I O PA R A E S C O A M E N T O D E P R O D U T O ( P E P )
O objetivo prioritário do é garantir um preço de referência ao produtor
e às cooperativas e ao mesmo tempo contribuir para o abaecimento interno.
O preço de referência é definido pelo Governo Federal, com base em diversas
variáveis, podendo se situar no nível do preço mínimo.
O governo, por intermédio da Conab, oferece um bônus ou prêmio, em
leilões públicos, aos interessados em adquirir o produto diretamente do
produtor ou da cooperativa pelo preço de referência. Esse prêmio é, em
média, equivalente à diferença entre o preço de referência e o de mercado.
Todos os produtos da Política de Garantia de Preços Mínimos podem
participar do . A escolha do produto e do momento de implementar
os leilões depende das condições de comercialização de cada produto e da
necessidade de garantir o preço de referência.
Para receber o bônus, o comprador deve depositar o valor equivalente
ao preço de referência no banco, que o repassará ao produtor que vendeu
seu produto. Todo o processo passará por um rigoroso controle operaci-
onal e fiscal, para evitar fraudes. Essa é a operação básica do . Cada
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 89
produto e cada região compradora e vendedora terão peculiaridades para
implementação do Prêmio para Escoamento de Produto.
O possibilita ao governo garantir um preço referencial ao produtor
e evitar uma eocagem onerosa e problemática de produtos. Trata-se de um
inrumento relevante e com grande potencial de utilização, particularmente
por reduzir as onerosas aquisições do governo em algumas regiões onde
o preço de mercado eá baixo enquanto em outras áreas o mercado é
abaecido por produtos importados.
4 . 6 . Z O N E A M E N T O A G R O C L I M ÁTI C O , P E D O C L I M ÁT I C O
E S E G U R O A G R O P E C U Á R I O
Um dos problemas que tradicionalmente afetaram o manejo da política agrí-
cola brasileira foi a ausência de um zoneamento agroecológico que orientasse
a alocação de recursos segundo o potencial produtivo de cada área. Em um
país de dimensões continentais como o Brasil, a adoção de poticas comuns
a todas as regiões, sem levar em conta as profundas diferenças de natureza
agroecológica e socioeconômica que caraerizam o país, foi, sem dúvida
alguma, causa de dioões e deerdícios significativos de recursos.
O Zoneamento Agrícola tem como objetivo apoiar o conjunto da Política
Agrícola do Governo Federal, eimular a difusão de tecnologia e auxiliar a
tomada de decisões no âmbito do Proagro.
A metodologia de zoneamento agroecológico adotada carece de uma
consideração das variáveis-chaves da erutura socioeconômica local, in-
formação de grande utilidade para a formulação e a implementação de
alguns inrumentos de política agrícola e de desenvolvimento rural. Em
compensação, o zoneamento não se limita a identificar zonas mais aptas
para a produção das várias culturas, mas indica também os principais
requerimentos e procedimentos técnicos para racionalizar a produção,
aumentar a produtividade, reduzir cuos e riscos e proteger o meio ambiente.
O zoneamento tem aplicação direta em uma política de seguro, mas seu
potencial eende-se a praticamente todos os inrumentos, do crédito ao
preço, da reforma agrária ao Programa de Apoio à Agricultura Familiar.
Devido ao risco e à incerteza mais elevados na atividade agropecuária, e
da reconhecida aversão ao risco e maior cautela dos agricultores, particular-
Nead Estudos 1590
mente dos produtores familiares, definir um programa de seguros agrícola
adequado às eecificidades desses produtores é indiensável para o sucesso
de uma eratégia de promoção da agricultura familiar. Apenas se sentindo
protegida seja através de programas de renda mínima, de seguro de crédito,
de garantia de venda e/ou renegociação automática de dívidas é que a
maioria dos produtores terá condições de tomar decisões de inveimento
e de produção necessárias para aumentar sua competitividade e permitir a
explorão de todo seu potencial.
Programas de seguro são complexos, em geral deficitários do ponto
de via financeiro e enviesados em relação aos beneficiários. Trata-se em
geral de inrumento com eficácia limitada na medida em que não logra
alcançar o conjunto de produtores que teve sua produção afetada por
fatores aleatórios. Por essa razão deve ser desenhado para focar grupos
particulares e eimular a emergência de seguros privados para os produ-
tores inseridos nos mercados internacionais e associados a cadeias mais
dinâmicas e robuas. A boa governança recomenda a adoção do princípio
da reonsabilidade compartida entre os participantes, a fim de interessar
os agentes financeiros em atuar no sentido de reduzir eventuais fraudes. Os
prêmios devem refletir a performance recente dos produtores, punindo os
que receberam indenizações recentes e bonificando os que comprovarem
bom desempenho nas safras anteriores.
O zoneamento oferece orientações técnicas por município e poderá
ser um inrumento valioso de redução do risco para os produtores e dos
siniros para programas de seguro.
5.Programa nacional De Fortalecimento
Da agricultura Familiar (PronaF)
Um dos componentes mais relevantes da nova eratégia é o fortalecimento
da agricultura familiar, o que juifica seu tratamento em uma seção deacada
dos demais inrumentos/programas que integram a nova política agrícola.
A eratégia que vem orientando as definições do governo desde os anos
 em relação à agricultura eá fincada em dois componentes: de um
lado, no fortalecimento da competitividade da agricultura empresarial, e,
de outro, no fortalecimento da agricultura familiar. Enquanto a primeira
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 91
linha de ação prioriza a melhoria da infra-erutura e incentivos através de
novos inrumentos de política agrícola, o fortalecimento da agricultura
familiar eá centrado em dois programas básicos: Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ) e o Programa Nacional
de Reforma Agrária⁹. Infelizmente, a primeira linha, de inveimentos de
infra-erutura, nunca foi de fato implementada e o Pronaf tem sido, em
grande medida, um programa de crédito de cueio.
O laamento do Pronaf pelo Governo Federal e o retorno da reforma
agrária à pauta política e de políticas significaram uma guinada de 
graus na tradicional orientação da política agrícola brasileira. Tratou-se de
reconhecimento da importância econômica e social, presente e potencial,
da agricultura familiar, e incorporou essa ampla camada de agricultores
e trabalhadores rurais como possíveis beneficiários de ações da política
agrícola.
O Pronaf tem como objetivo fortalecer a agricultura familiar e contribuir,
dessa forma, para gerar emprego e renda nas áreas rurais e urbanas e para
melhorar a qualidade de vida dos produtores familiares.
Os beneficiários do Pronaf são os agricultores familiares e suas organi-
zações, desde que atendam, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
Utilizar trabalho familiar, com o apoio de empregados temporários e, no
máximo, dois empregados permanentes;
Possuir ou explorar área que não supere  módulos fiscais;
Residir no imóvel rural ou em vila urbana ou rural próxima ao imóvel;
Ter  de sua renda corrente proveniente da exploração agropecuária,
pesqueira e/ou extrativa.
No caso das organizações de agricultores, eas somente são consideradas
beneficiárias do Pronaf se pelo menos  de seus membros ativos forem
classificados como produtores familiares. São os sindicatos, em colaboração
com os organismos de extensão, que certificam que os produtores são
familiares e que, portanto, podem participar do Pronaf.
Além do apoio direto aos produtores familiares através do crédito, o
Pronaf tem outra linha de atuação orientada a financiar ações conjuntas
A reforma agrária não será tratada nee trabalho.
a.
b.
c.
d.
Nead Estudos 1592
dos municípios e eados para eliminar gargalos que eão retardando ou
impedindo o desenvolvimento rural em áreas em que predomine a presença
de agricultores familiares” (, , ). Essa linha, chamada Pronaf-M,
inclui o financiamento de redes de energia elétrica para atender áreas de
concentração de produtores familiares, canal principal de irrigação, eradas
vicinais, armazém e abatedouro comunitário, habitação rural, unidades
didáticas, assim como serviços de apoio ao desenvolvimento rural preados
por entidades públicas e privadas (, )¹⁰.
6.algumas reFlexões sobre os limites
Da noVa Política agrícola
O velho modelo de política o correonde nem às necessidades do setor
nem às condições macroeconômicas e initucionais vigentes, e um novo
padrão de regulação é necessário. Embora alguns dos novos inrumentos
ainda não eejam em plena operação, as motivações, a concepção e orientação
eratégica que vem orientando as reformas são claras e corretas.
A reorientação é necessária porque, independentemente de outros
argumentos pró ou contra, o Eado não tem capacidade financeira para
bancar as políticas dos anos passados; além disso, o modelo anterior foi
desenvolvido para regular as atividades econômicas em uma economia
relativamente fechada, submetida a forte controle e regulamentação eatal,
sendo inadequado e ineficiente para operar no atual contexto initucional.
Por último, várias das políticas usadas no passado entram em choque com
 A participação no Pronaf-M pressupõe a aprovação de um Plano Municipal de Desen-
volvimento Rural () e a prévia seleção do município pelo Conselho Nacional do
Pronaf que dionham de um plano aprovado pelo reeivo Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural (). Os municípios o selecionados com base em três critérios;
() Relação entre o número de eabelecimentos agropecuários com área até  ha e o
número total de eabelecimentos do Município deveria ser maior que a mesma relação no
âmbito do Eado; () População rural em relação à população total do Município maior
que a mesma relação para o Eado; () Valor da produção agrícola por pessoa ocupada
no Município inferior à mesma relação para o Eado como um todo.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 93
parâmetros sicos da atual initucionalidade internacional () e com
o projeto de integração sub-regional (Mercosul)¹¹.
No marco atual, a ação do governo deixa de ser intervencionia e regula-
dora, e passa a se concentrar, de um lado, na criação de um ambiente macro
favorável ao desenvolvimento do setor e, de outro, em garantir, seja direta seja
indiretamente, as condições mais gerais e básicas para o desenvolvimento ao
nível do setor, tais como infra-erutura de tranortes, informação de mer-
cado, regulamentação e controle fito-sanitários, de qualidade e padronização,
desenvolvimento e difuo tecnológicos, treinamento; além disso, as ações do
setor público se concentrariam em promover o desenvolvimento econômico
dos setores mais frágeis e a superação do grave problema da pobreza rural.
O desenvolvimento do mundo rural mobilizaria solidariamente todas as
áreas do governo, desde infra-erutura, saúde até educação.
O papel que cabe à uma política agrícola renovada em sua concepção
e em seus inrumentos não é pequeno, já que a economia (e o setor) tem
que enfrentar os novos desafios sem que os “velhos tenham sido superados.
A queão é saber até que ponto a nova política agrícola capacita o setor
público para reonder adequadamente aos problemas que vêm bloqueando
o crescimento da produção agropecuária e aos desafios de eabelecer um
padrão de crescimento com maior equidade.
Antes de introduzir comentários eecíficos sobre os novos inrumentos,
convém fazer algumas considerões que dão a dimensão das tarefas
que eão implícitas nessa concepção. A regulação dos fluxos de oferta e
demanda, que até os anos  era o pivô das políticas agrícolas, passa a
ser feita fundamentalmente pelos mercados, cujos sinais devem subituir
os sinais da política nas decisões de consumidores e produtores.
Nesse sentido, as novas tarefas do governo são, de um lado, promover
o desenvolvimento dos mercados, em particular de inituições e operões
mercantis inexientes ou cujo funcionamento ainda é muito rerito, e, de
 Buainain e Fonseca () discutem a queão das rerições decorrentes do Acordo de
Marrakesh às políticas agrícolas nos países da América Latina e concluem que o raio de
manobra é muito mais amplo do que suenta o discurso neoliberal. Segundo os autores, a
principal rerição é, na verdade, a capacidade financeira dos Eados para bancar intervenções
que podem ser muito onerosas aos cofres públicos.
Nead Estudos 1594
outro, atuar como supervisor geral para evitar a ocorrência de problemas
que possam comprometer não apenas os objetivos da política como também
o funcionamento normal da economia.
O desenvolvimento do mercado exige complexas regulamentações
de ordem operacional e legal, incentivos, demonrações da relevância
e, principalmente, coerência e consiência entre o conjunto de ações do
governo e o funcionamento desses mercados, baseados em grande medida
na confiança entre agentes e na eabilidade de regras.
No papel de supervisor geral aparentemente eão incluídas as tarefas
de supervisão do abaecimento, evolução dos preços, impaos da política
sobre grupos relevantes de produtores, etc. Também eão arroladas entre
as novas prioridades da política a promoção dos produtores familiares,
que no passado foram negativamente discriminados pela política oficial, e
a realização da reforma agrária quer através de um refoo ao processo de
assentamentos quer através da utilizão de outros inrumentos como o
Impoo Territorial Rural () e outras medidas visando a dinamizar o
mercado de terras, facilitar o redimensionamento sico das unidades rurais
a grande maioria tem tamanho subótimo e facilitar, seja aos produtores
e trabalhadores rurais, seja a outros agentes com potencial de dinamizar a
produção e emprego rural o acesso à terra.
Desenvolver o mercado e criar condições gerais favoráveis ao cresci-
mento do setor agropecuário apresenta-se hoje como condição sine qua
non para redinamizar a agricultura e potencializar os efeitos positivos
da expansão agropecuária sobre a geração de renda, emprego, divisas e
combate à pobreza.
Mas o papel do setor blico e da política agrícola o se limita a essas
funções. O desafio e as oportunidades colocados pela inserção da economia
brasileira em um mercado globalizado, que não podem ser separados do
desafio de superar os problemas associados à pobreza extrema que ainda hoje
assola o país, requerem políticas ativas de promoção do desenvolvimento
que não apenas oportunidades exientes como também a criação de
novas fronteiras a partir das potencialidades do país. A queão é saber se
os inrumentos dioníveis dão conta de tamanha tarefa.
Em relação ao financiamento, o principal problema, na avaliação de
muitos eecialias, não parece ser devido à escassez de recursos, mas
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 95
sim à definição de esquemas adequados que permitam a mobilização de
recursos exientes e sua canalização para o setor.
A queão que se coloca é, de um lado, como compatibilizar a mo-
bilização desses recursos com as exigências da política monetária, e de
outro, como compatibilizar as condições de oferta desses recursos com
as possibilidades de pagamento do setor. A solução dessa equação exige
a intervenção do Tesouro para operar a equalização entre a taxa de
juros preferencial do financiamento rural e a taxa de juros de mercado.
Dificilmente esses dois nós poderão ser desatados no contexto de políticas
fiscal e monetária reritivas, e com a economia em condições de acentuada
fragilidade externa ancorada em taxas de juros elevadas e em baixo nível
de atividade econômica.
O efeito das taxas de juros sobre a agricultura não pode ser menorezado.
Por outro lado, os novos mecanismos de financiamento (adiantamentos de
contratos de câmbio, títulos de contratos futuros como a do Banco do
Brasil) têm seu cuo atrelado à taxa de juros de mercado e não se colocarão
como alternativa viável para o problema do financiamento enquanto as taxas
de juros doméicas não se aproximarem consideravelmente das vigentes
no mercado internacional e continuarem cobrando reads elevados em
suas operações. Sem isso, esses inrumentos não atendem a maioria dos
produtores, e nem mesmo a minoria. Fechar a equação do financiamento
rural continua condição sine qua non para que o setor recupere seu dina-
mismo. Os novos inrumentos não parecem prover reoa adequada
para essa equação.
Os novos inrumentos são úteis, e poderão desempenhar papel relevante
no futuro. É preciso ter claros seus limites: de um lado, eão subordinados
às condições de funcionamento dos mercados; de outro lado, exatamente
por serem subordinados às condições de mercado, esses novos inrumentos
são de fato inrumentos de política pública no sentido de permitirem
ao Eado regular e intervir nas variáveis de mercado para eimular ou
mesmo penalizar ee ou aquele setor, ea ou aquela atividade. Ou seja,
se e quando as condições de mercado forem favoráveis, os produtores
poderão lançar mão desses inrumentos para nanciar sua produção
corrente, expandir sua capacidade produtiva, reduzir riscos, etc. Quando
Nead Estudos 1596
as condições não forem favoráveis, os novos inrumentos terão pouca
serventia para apoiar os produtores.
Por último, é ainda necessário indicar que seu funcionamento depende
do desenvolvimento e consolidação de várias inituições mercantis, tais
como bolsas de mercadorias e a futuro, e do desenvolvimento do próprio
mercado financeiro, cuja erutura rígida e pouco competitiva dificulta a
introdução e massificação de operações necessárias ao aproveitamento do
potencial desses inrumentos.
A verdade é que há certo exagero por parte das autoridades brasileiras
na apreciação desses inrumentos, os quais são importantes, mas em
nenhuma parte foram utilizados em subituição aos canais de fornecimento
de crédito de cueio ou programas de garantia de preços. Além disso, são
inrumentos que nos países desenvolvidos vêm evoluindo várias décadas
(alguns mais de  anos), sendo utilizados por grandes produtores,
agroindúrias e cooperativas altamente capitalizadas e experientes. Imaginar
que nas condições brasileiras esses inrumentos possam vir a subituir
os mecanismos tradicionais em um prazo curto é no mínimo precipitado.
No que se refere à produção familiar, a utilidade desses inrumentos será
limitada; uma política de incentivos a esse setor continuará dependendo
do desenho e implementação de mecanismos adequados de política de
preços e de financiamento.
Em relação ao Pronaf, é preciso reconhecer que não é possível promover
a agricultura familiar apenas através de taxas de juros e limites de finan-
ciamentos diferenciados em favor desse grupo, como ocorreu no passado.
Tanto pelos seus objetivos, eratégia, concepção e desenho initucional o
Pronaf significou, em nossa opinião, um progresso em termos de política
pública que não pode ser desconsiderado:
O Programa tem um foco preciso um segmento dos agricultores familiares
bem delimitado –, tal como vem sendo recomendado pela Fao e pelo
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agropecuário, dois organismos
internacionais eecializados em agricultura e com forte tradição na
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 97
promoção do desenvolvimento agrário, dos setores camponeses e dos
chamados rural poors;¹²
 Bem delimitado” quer dizer que com base nos critérios definidos pelo Programa é
possível identificar, sem controvérsia, seus beneficiários. Não significa que os critérios
sejam adequados. Nosso objetivo nee trabalho não permite entrar na complexa discussão
sobre a agricultura familiar, sua definição, lógica, dinâmica, etc. Permite-nos, no entanto,
expressar brevemente nossa discordância em relação ao critério adotado pelo Pronaf e à
concepção dominante que caraeriza a agricultura familiar com base na predominância
do trabalho da família nas atividades agropecuárias. Tal concepção não considera a
importância, cada vez maior, das atividades de geão do processo de trabalho (exercido
fundamentalmente, mas não exclusivamente, no eabelecimento) e de gerenciamento do
negócio da exploração familiar. Ambas exigem tempo e know-how do produtor para operar
com bancos, negociar e acompanhar contratos comerciais, participar das atividades de sua
cooperativa e/ou associação, etc. O exercício de tais atividades, cada vez mais indiensável
para a viabilidade da agricultura familiar, reduz o tempo para o trabalho agropecuário,
criando problemas para os agricultores. Essa situação tem sido contornada, mesmo nos
países desenvolvidos, onde a agricultura familiar eá bem consolidada, através das inovações
tecnológicas e, mais recentemente, da incorporação de trabalho assalariado, eecialmente
nos países receptores de migrantes oriundos de países em desenvolvimento. Em outras
situações, os lhos dos agricultores familiares migram, e a viabilidade do eabelecimento
passa a depender da participação do trabalhador assalariado. Em ambos os casos, a geão
continua familiar. A queão é saber se as eecificidades e vantagens da agricultura
familiar dependem da uilização do trabalho da família ou de fatores mais complexos,
entre os quais a geão e os valores e tradição cultural que envolvem esses grupos. Por
último, a definição do agricultor familiar principalmente pela utilzação da mão-de-obra
da famíla o condena à eagnação. Os bem-sucedidos, que tenham condições de expandir
seus negócios e para isso contratam assalariados, imediatamente são riscados do rol de
agricultores familiares. No Brasil, essa é uma situação comum. Devido às reconhecidas
limitações do meio rural brasileiro, que não oferece escola, assiência médica, diversão,
etc., o erato superior dos agricultores familiares nos eados menos desenvolvidos tende
a mandar a família para a cidade quando os filhos atingem a idade de frequentar a escola
secundária ou se algum membro da família necessita de cuidados médicos permanentes.
Pelo critério da mão-de-obra familiar, esses produtores deixam de pertencer à categoria
e não têm direito ao Pronaf. Muitos terminam decidindo vender a terrinha e ir para a
cidade, mesmo não eando preparados para migrar.
Nead Estudos 1598
Sua orientação eratégica, refletindo as avaliações sobre os programas de
desenvolvimento rural e combate à pobreza¹³, busca reonder às demandas
e às prioridades definidas pela própria comunidade beneficiária, consolidadas
em Planos Municipais de Desenvolvimento Rural e aprovadas pelos vários
Conselhos de Desenvolvimento representantes das comunidades;
Nesse mesmo sentido, o Programa coloca-se como um núcleo eratégico
de agregação de políticas e ões, em curso ou planejadas, de deferentes
agentes, governamentais ou não, coerentes com seus princípios, diretrizes
e objetivos,… como inância catalizadora dos esforços descentralizados
de inituições públicas e não-governamentais,… como um parceiro do
esforço empreendido por um conjunto de inituições e atores,… (buscando)
integrar-se com outros programas e projetos que venham a contribuir para
o fortalecimento da agricultura familiar. (Pronaf, , -).
Apesar de representar um passo adiante, a viabilidade e a eficácia
do Pronaf eão sujeitas a várias sérias reservas. A experiência recente
tem demonrado que o processo de descentralização sem os necessários
mecanismos de acompanhamento e controle não assegura nem a partici-
pação efetiva da comunidade nem a sinergia e a organicidade das ações. A
descentralização sem controle diersa as ões e introduz fortes diorções
na implementação da política, resultando em baixa eficácia¹⁴.
No que se refere à política de crédito aos produtores familiares, o Pronaf
apenas reproduz a experiência do passado, diferenciando os encargos
 Essas avaliações indicaram que o desenho dos programas, que detalhavam minuciosamente
suas ões, e operavam com eruturas organizacionais centralizadas e verticais, nem
deixava eaço para a efetiva participação dos beneficiários considerada desde então
prioritária na definição das ações prioritárias nem eabelecia canais de comunicação
eficazes entre a burocracia do Eado e a comunidade. Para uma análise panorâmica da nova
geração de programas de combate à pobreza rural no Brasil, avaliações mais detalhadas de
diversos aeos desses programas foram feitas por Delgado () e Fonseca e Gonçalves
().
Essa diersão e baixo retorno é confirmada pela avaliação feita por Abramovay e Veiga
(): Essa diversidade é tão grande que qualquer tentativa de identificação de padrões,
mesmo que regionais, logo se mora infrutífera. Nem mesmo em unidades da federação
que têm poucos Planos de Trabalho conata-se algum grau de homogeneidade.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 99
financeiros em favor do produtor familiar e diminuindo os requerimentos
burocráticos para a concessão do crédito através do Banco do Brasil e bancos
de desenvolvimento. O volume de recursos que vem sendo alocado para o
Programa é significativo, embora insuficiente para atender à demanda de
 dos agricultores familiares. Mas no curto prazo, o problema não parece
ser o da dionibilidade de recursos e sim o de canalizar a oferta dionível
aos produtores familiares. Adiante voltaremos a esse tema.
Embora o Pronaf contenha um framework para a definição de um
programa mais amplo de apoio e desenvolvimento da produção familiar,
até o momento sua atuação na prática eá rerita à concessão de algumas
condições diferenciadas para a utilização dos mecanismos tradicionais de
política de crédito. Esse mesmo tipo de política foi tentado sem êxito no
passado, ainda que sem o guarda-chuva de um programa eecial de apoio ao
produtor familiar. Na política de crédito e preços mínimos, por exemplo, em
muitos anos foram previas condições eeciais para os micro e os pequenos
produtores (tomados como sendo em sua maioria produtores familiares), e
nem por isso eles tiveram mais acesso aos benefícios dessas políticas.
A verdade é que, embora muito importantes, essas condições (taxas de
juros, alíquotas, etc.) não são o principal entrave para a ampla adesão dos
produtores familiares aos programas de crédito, preço e seguro¹⁵. Devem ser
considerados os demais aeos mencionados como a dionibilidade de
recursos produtivos, a inserção nos mercados, a dionibilidade de tecnologia
e informação, os entraves initucionais, as eecificidades dos siemas de
produção adotados pelos produtores familiares e de suas eratégias de
reprodução produtiva, etc.
Em relação ao Pronaf-M, Abramovay e Veiga (, ) chamam a
atenção para o fato de que a seleção dos municípios através dos três critérios
o correonde à intenção de reeitar o protagonismo dos agricultores
familiares no planejamento, implantação e avaliação de projetos de caráter
municipal e comunitário. Ao contrário, grande parte dos municípios
 Há sólidas razões teóricas e evidências empíricas para suentar que os bancos comerciais
encontram grandes dificuldades para operar com pequenos produtores rurais. O Banco
do Brasil vem perdendo sua vocação de banco varejia de desenvolvimento e seu eaço
e funções não foram até o momento subituídas por outros arranjos initucionais.
Nead Estudos 15100
selecionados são juamente aqueles em que os agricultores familiares eão
menos preparados a participar desse tipo de iniciativa e mais facilmente
sofrem a ascendência dos demais membros do : representantes
do poder público (Prefeitura e Câmara) e entidades parceiras blicas
e privadas. E não será a maioria aritmética de agricultores familiares no
Conselho que poderá impedir a preponderância de experientes políticos,
profissionais e técnicos sobre uma das categorias menos favorecidas em
termos educacionais.
Os mesmos autores chamam também a atenção para o fato de que
esse tipo de seleção pode produzir planos que desvirtuam os objetivos do
programa, eecialmente por ficarem quase inteiramente dependentes da
capacidade e da sensibilidade dos técnicos envolvidos em sua elaboração
(A e V, , ).
Os autores concluem que a preocupação em escolher os municípios
que apresentassem os mais significativos índices de pobreza rural foi muito
mais importante que a preocupação de atingir com precisão o segmento
de agricultores familiares que poderia reagir com mais desenvoltura aos
eímulos oferecidos por ea linha de ação do programa (ib., ).
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3
instituições, ambiente
institucional e
Políticas agrícolas¹
Walter Belik
Bastiaan P. Reydon
Sebastião Neto
R. Guedes
1. introDução
O uso do adjetivo institucional para caracterizar uma teoria
ou abordagem não é novo em economia². De uma maneira
genérica, são institucionalistas aqueles economistas para
os quais as “instituições importam”. Mais especificamente,
a expressão vem sendo empregada para identificar uma
nova geração de economistas que, procurando escapar aos
impasses metodológicos da “velha” economia institucional
e insatisfeita com a teoria neoclássica instituída, procura
construir um caminho teórico alternativo, tendo como eixo
a noção de instituição.
Num artigo no qual faz um balanço dos resultados alcançados pela pesquisa
initucionalia recente, Williamson () conata que, apesar do enorme
progresso no eudo das inituições, ainda predomina muita ignorância
sobre elas. Isso faz com que seja impossível, pelo menos no momento, uma
teoria unificada das inituições. Sendo assim, ele recomenda que enquanto
aguardamos uma teoria unificada, devemos aceitar o pluralismo. O mote do
Os autores agradecem a leitura atenta e as sugeões do Prof. Rodolfo Hoffmann.
Para uma discussão interessante a esse reeito, ver Baslé (). Belik (), também de
uma forma resumida, mora como outras ciências dão deaque ao papel que as inituições
jogam nas relações sociais e econômicas.
Nead Estudos 15104
pluralismo parece-nos uma alternativa não apenas momentânea (enquanto
se aguarda uma teoria unificada), mas uma afirmação metodológica que
pode oferecer um campo profícuo para o debate e desenvolvimento teórico
em economia.
Uma avaliação dos resultados da pesquisa novo-initucionalia indica
que as inituições são eudadas em quatro níveis: o primeiro, mais geral e
eável, é chamado de embeddedness, e inclui o eudo de inituições formais
como as religiões, o Eado, e informais, como as normas, as tradições, os
coumes, etc. Pesquisas na área de hiória econômica e da sociologia têm
privilegiado essa dimensão das inituições e seus mecanismos de conserva-
ção/transformação. A segunda dimensão, chamada de ambiente initucional,
leva em conta as regras formais que fazem a mediação nas relações que os
agentes eabelecem entre si. Dada sua natureza, essas inituições o mais
propensas que as anteriores às mudanças que ocorrem na legislação, no
siema judiciário, na burocracia governamental e naquelas inituições que
implementam os direitos de propriedade. Nesse nível é possível identificar
arranjos initucionais que introduzem as chamadas regras do jogo corretas”.
São vertentes que eão à frente nesse tipo de eudo a economia dos direitos
de propriedade e a teoria política positiva. A terceira dimensão, chamada
de governança ou economia dos cuos de transação, lida com a queão
dos cuos associados às transações econômicas. Eas envolvem ativos
e potenciais de comportamentos humanos que combinados de maneira
eecífica reondem pelas eruturas de governança. As inituições que
emergem buscam então propósitos de economizar os cuos de transação.
Essa dimensão, liderada por Coase e Williamson, vem produzindo um
conjunto de pesquisas empíricas de recorte setorial e individual baante rico.
O quarto nível é o da economia neoclássica, na qual o foco incide sobre os
cuos de produção a que a firma incorre na elaboração de bens e serviços.
Essa é a camada na qual se manifeam as relações econômicas de compra,
venda, os preços e as queões ligadas à qualidade.
Feita essa breve apresentação do eado da arte” na economia initucional,
seria interessante inveigar se essa abordagem é útil para o eudo da
agropecuária? Se a reoa for positiva, de que modo uma pesquisa nessa
área usando o aporte initucionalia poderia ser tentada? Os picos que
se seguem procuram auxiliar no esclarecimento dessas queões.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 105
1 . 1 . A S E S P E C I F I C I D A D E S D A A G R I C U LT U R A
E A A B O R D A G E M I N S T I T U C I O N A L I S T A
Muitos autores apontam para alguns aeos que conferem eecificidade
às atividades agropecuárias. Argumenta-se que ela depende de processos
biológicos, os quais, por serem contínuos, impedem um maior aprofunda-
mento da divisão do trabalho durante o ciclo produtivo. De um lado, os
imperativos biológicos produzem a dissociação entre o período de produção
e o tempo de trabalho na agricultura, fazendo-os divergir. Na medida em
que o primeiro segue o ritmo e as etapas do ciclo biológico, momentos em
que a atividade agrícola prescinde do trabalho humano direto. O resultado
é que o tempo de rotação do capital é maior na agricultura, dada a maior
dificuldade aí de reduzir-se o tempo de produção.
A segunda eecificidade diz reeito à maior dependência dea última
das condições naturais (clima, umidade, solo, temperatura, etc.), as quais
não eão, como no caso da indúria, sob controle dos agentes econômicos.
O excesso ou ausência de chuva pode, por exemplo, comprometer a qualidade
do produto agrícola e, em muitos casos, a quantidade colhida.
A última eecificidade refere-se ao papel da terra como meio de produção
fundamental da produção agrícola. Diferentemente da atividade indurial,
onde a terra é simplesmente o eaço sobre o qual se conrói a unidade
produtiva e se organiza o processo de trabalho, na agricultura ela é (i) um
meio de produção fundamental na medida em que é no solo que o processo
biológico das plantas se realiza e, indiretamente, a produção animal; (ii) é uma
mercadoria que embora não seja reprodutível e não se possa atribuir valor, no
sentido marxia do termo, pode ser apropriada privadamente, permitindo
ao seu proprietário o poder de dior dela em favor ou o do aumento da
produção. Nesse sentido, a terra, enquanto ativo, tem seu pprio mercado
e passa a ter grande importância no portfólio de inveimento das firmas.
A identificação dessas eecificidades não implica reconhecer a de-
terminação da natureza sobre a agricultura. Na verdade, é preciso que se
afirme isso: são as relações sociais eabelecidas pelo capital que explicam
as eecificidades da agricultura, e não o contrário. Isso porque há forças
naturais que podem ser apropriadas e processadas pelo trabalho, mas nem
todas podem ser apropriadas e processadas privadamente.
Nead Estudos 15106
Não obante essas eecificidades atribuídas, o avanço do capitalismo
tem sido capaz de envolver a agropecuária e convertê-la numa esfera de
valorização produtiva e nanceira do capital em geral. Na medida em
que isso acontece e se aprofunda, a dinâmica da atividade agropecuária
passa a ser cada vez mais determinada pelo movimento geral do capital,
ensejando os processos de modernização e poerior indurialização da
agricultura (G, ). O conceito de complexos agroinduriais,
cujo balanço é feito nee livro, procura analisar esse processo centrando a
atenção na natureza das relações econômicas eabelecidas pelos diversos
agentes situados a montante ou a jusante, o Eado e os grupos de interesse
que se fazem presentes no agro. Esse processo unifica mercados, integra
capitais e processos produtivos, transformando as unidades produtivas antes
isoladas e relativamente autônomas em pas de uma engrenagem maior
que se movimenta a partir de e sobre elas. O resultado é que a atividade
agropecuária:
. não pode ser analisada do ponto de via individual, como sugerem os
recortes analíticos setoriais;
. tornou-se complexa por causa dos vínculos técnicos, econômicos e financeiros
que mantém a montante e a jusante;
. incorpora eruturas e padrões de organização econômica e de geão cada
vez mais assemelhados àqueles da indúria.
. op
era a partir de complexas relações de coordenação e governança tendo
como base os grupos de interesse.
Desse modo, o uso do inrumental analítico da Economia Initucional
para o eudo da agropecuária tem aparecido em inúmeros trabalhos de
pesquisadores dentro e fora do Brasil.
Belik (:) demonra que também na cadeia de produção de
alimentos crescentemente são os contratos e as inituições que determinam
sua dinâmica (quantidades, prazos e preços) dianciando–se cada vez
mais do livre mercado. A idéia de que exclusivamente a oferta e a demanda
determinariam os pros num mercado chamado ot decorre da elevada
perecibilidade de muitos produtos, o que tornaria quase impossível o ea-
belecimento de contratos. Segundo Belik (:), assim, na medida em
que os produtos hortifrutigranjeiros passam a ter uma eecificidade maior
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 107
definida pelos requisitos de qualidade e pontualidade –, e considerando
também o aumento da freqüência das transações, os pros deixam de
ser definidos em mercados ot e o próprio mercado real passa a ser mais
cooperativo.
A reeito das particularidades presentes na agricultura que juificam o
enfoque initucional, Azevedo (:) afirma que de um lado, elementos
como: a) perecibilidade; b) elevada participação do frete no cuo dos
produtos; e c) importância da qualidade e regularidade dos insumos levam
a uma relação de dependência entre os diferentes elos de um siema agro-
indurial”. Observa-se, portanto, que um elevado grau de incerteza quanto
à variação de preços e da qualidade dos produtos, decorrentes do domínio
imperfeito da natureza pelo homem, traduzindo-se em problemas como
sazonalidade e choques aleatórios de oferta devido a acidentes climáticos.
Finalmente, o longo período de maturação dos inveimentos, mais uma
vez decorrente da subordinação à natureza, não permite ajues rápidos e
sem cuos da oferta de produtos agrícolas. Em um contexto como esse
– de elevada dose de incerteza e dependência entre as partes – o papel das
inituições é ampliado.
Assim sendo, a agricultura, permeada pela lógica e pelas inituições
econômicas do capitalismo, pode ser analisada adequadamente utilizando-
se o referencial teórico initucionalia. Isso porque os complexos agroin-
duriais são áreas nas quais os elementos do ambiente initucional, tais
como os direitos de propriedade da terra, as políticas agrárias e agrícolas, a
política de segurança alimentar, etc., têm efeitos importantes sobre as ões
dos agentes que os compõem.
No tópico será apresentada a teoria initucionalia nas vertentes da
Teoria dos Cuos de Transação () e do embeddedness, e suas possíveis
aplicações na agricultura.
2. a noVa economia institucional (nei): elementos
Da economia Dos custos De transação
Embora recentemente, a partir dos anos , o interesse pelo papel
econômico das inituições tenha se manifeado entre economias e
cientias sociais, sua presença ocorre desde o século como uma reação
Nead Estudos 15108
à conrução simplia e irreal dos neoclássicos de que no mercado são
coordenadas as trocas entre os agentes econômicos. Segundo Belik (:)³,
a concepção inovadora de que as inituições moldam o comportamento dos
indivíduos e, a partir de então, determinam o desenvolvimento dos negócios
e eabelecem parâmetros para as transações, tem sua raiz nos trabalhos na
área de filosofia e sociologia. O passo inicial (…) foi dado, indiretamente,
por oren Veblen e por Max Weber.
Mas apenas no artigo seminal de Coase, publicado em , intitulado
“e Nature of the Firm, essa problemática foi apresentada de forma
integrada dentro da teoria econômica. Essa obra pode ser considerada o
ponto de partida da Nova Economia Initucional (Nei) porque nela o
autor formulou com precisão as queões pertinentes à transação. O quadro
conceitual no qual se move é o neoclássico, como ele próprio admitiu:
Eero morar nee texto que pode-se alcançar uma definição de firma que seja
não apenas realia no sentido que correonde ao que se entende por firma no
mundo real, mas é tratável por dois dos mais poderosos inrumentos da análise
econômica desenvolvida por Marshall, a idéia de margem e de subituição, que
juntas dão a idéia de subituição na margem (C, :).
Munido desse referencial teórico, Coase percebeu que, no mundo
real, uma grande quantidade de transações é realizada dentro da firma,
diensando a coordenação do mercado. Essa maneira de abordar a queão
assumia a exiência de modos alternativos de coordenação: a firma e o
mercado. Conforme explicita Coase (:):
por exemplo, na teoria econômica nós descobrimos que a alocação de fatores
de produção entre diferentes usos é determinada pelo mecanismo de preços. O
preço do fator A torna-se mais alto em X que em Y. Como conseqüência, A
move-se de X para Y até que a diferença entre os preços em X e Y, exceto se for
compensada por outras vantagens diferenciais, desapareça. Contudo, no mundo
real, percebemos que há muitas áreas onde io não se aplica. Se um trabalhador
Em Belik () há uma breve revisão hiórica dos principais autores que deram contri-
buições importantes para a conrução do referencial initucionalia.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 109
muda-se do departamento Y para o departamento X, ele não o faz em razão de
uma mudança nos preços relativos, mas porque recebeu ordem para fazê-lo.
A queão então é reonder por que, apesar da exiência do mercado
e das funções alocativas que lhe atribuem a teoria econômica, uma parte
significativa das transações é alocada internamente pela firma. A reoa de
Coase (:) é que a principal razão pela qual é compensador eabelecer
uma firma parece ser que exie um cuo em usar o mecanismo de preços.
Assim, é cuoso alocar os recursos via mecanismo de preços porque: ) é
cuoso descobrir quais são os preços relevantes; ) há cuos em negociar
e concluir um contrato separado para cada transação.
Se for cuoso transacionar utilizando-se do mecanismo de preço e se
a organização exie porque reduz esses cuos, por que o mercado o é
definitivamente suprimido e a produção realizada por uma única grande
firma? O argumento-reoa desdobra-se em dois. Primeiro, a partir de
um certo tamanho, a firma esbarra em retornos decrescentes de adminiração.
Esse é o caso explicado pelo próprio cuo de transação, io é, quando a firma
cresce e o número de transações internalizadas compromete a capacidade
adminirativa de fazer o melhor uso dos fatores de produção. E, segundo,
num ambiente de baixa incerteza, a exiência de várias firmas pode ser mais
eficiente, nas palavras de Coase: O preço de oferta de um ou mais fatores
de produção pode subir, porque as outras vantagens usufruídas por uma
firma pequena o maiores que as de uma firma grande (C, :).
Uma avaliação da contribuição de Coase não deve ignorar seus méritos,
pois, como observou Pondé (:):
em ‘e Nature of the Firm a percepção de que as relações que os agentes
eabelecem no mercado envolvem cuos concretos foi, pela primeira vez, objeto
de atenção siemática e relacionada a uma abordagem teórica das organizões
empresariais. Em eecial, o artigo de  indicou a propriedade de eudar a
organização das indúrias sem ter que recorrer a determinismos tecnológicos, mas
sim entendendo-a como uma área de inveigações com eecificidades próprias.
Deixada adormecida por mais de trinta anos, a reflexão de Coase voltou a
pertencer à agenda de pesquisa em economia através de vários autores, dentre
Nead Estudos 15110
os quais Williamson. No livro Mercados e Hierarquias (), esse autor
põe nesses termos suas diferenças com Coase e os seus predecessores:
As principais diferenças entre os trabalhos anteriores e o enfoque adotado aqui
são: ) dedico-me muito mais que os autores citados a inveigar os aeos de
racionalidade limitada; ) introduzo explicitamente a idéia de oportunismo e me
interesso pelas formas nas quais o comportamento oportunia eá determinado
pela organização econômica; e ) sublinho que não é a incerteza nem os números
pequenos, na forma individual ou em seu conjunto, o que ocasiona as falhas
de mercado, mas a reunião dees fatores com a racionalidade limitada, por
uma parte, e o oportunismo, por outra, o que traz dificuldades no intercâmbio.
(W,:)
Em outras palavras, sua divergência de fundo reside no fato de que
o insight de Coase, que lhe permitiu perceber a importância dos cuos
de transação e a possibilidade de falhas de mercado, não foi plenamente
aproveitado em razão da inexiência nee último autor de uma articulação
entre comportamento/atributos dos agentes e os cuos de transação, que
lhe permitisse explicar por que os cuos de transação seriam maiores em
certas situões que em outras. É, portanto, somente a partir da atribuição de
hipóteses comportamentais adequadas, e após identificar as caraeríicas das
transações que se pode conruir uma sólida Teoria dos Cuos de Transação.
O objetivo da é compreender as origens e funções das diversas
eruturas da empresa e do mercado, ou seja, das inituições econômicas
do capitalismo (W, ; ). A queão que se propõe
eudar é como essas inituições (mercados, firmas e contratos) lidam com
os problemas vinculados à transação, uma vez que, conforme demonrou
Coase, a utilizão do mecanismo de mercado implica cuos. Por transação
entende-se a transferência de bens e/ou servos entre agentes que eão
separados por etapas de produção tecnologicamente diintas. A transação
torna-se objeto de inveigação porque, de uma maneira geral, temos que
considerar os cuos associados à tarefa de planejar, adaptar e monitorá-
la. Dessa forma, as inituições econômicas do capitalismo têm como
função principal, embora não exclusiva, a de reduzir os cuos de transação
(W,:).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 111
Desde o início, essa abordagem enfatizou a necessidade de interdis-
ciplinaridade, uma vez que o eudo das transações abarca um conjunto
significativo de disciplinas, tais como a adminiração de empresas, o direito
e a ciência econômica. Em relação a essa última, a propoa da  sugere
uma ruptura com a abordagem econômica do mainream. Essa ruptura
situa-se fundamentalmente em dois planos: o tratamento dado à firma e
as hipóteses comportamentais atribuídas aos agentes econômicos.
No primeiro caso, a crítica da à economia neoclássica reside no
tratamento dado por essa escola à firma. A firma neoclássica é representada
fundamentalmente por meio de uma função de produção, a partir da qual
os recursos econômicos dioníveis são organizados e alocados, conforme
objetivos maximizadores. O mecanismo de preços é suficiente para trans-
mitir as informações e os sinais necessários a essa tarefa, de maneira que
as transações supoas impessoais e inantâneas no âmbito do mercado
– são realizadas com baante precisão e sem cuos⁴.
Em contrae, a firma para a  deve ser tratada como uma erutura de
governança, no que prossegue e avança uma sugeão importante presente
em economias pioneiros como Penrose⁵. Numa erutura de governança,
o objetivo é garantir uma coordenação (com ou sem o mercado) que
economize os cuos de transação e reduza a incerteza, compensando os
agentes da racionalidade limitada e do oportunismo.
Esses dois conceitos remetem à segunda dimensão da ruptura da
em relação à economia do mainream, e que se refere às hipóteses
comportamentais. Para os economias neoclássicos, o agente típico possuía
(ou poderia adquirir sem cuo) todas as informações relevantes para seu
processo de decisão e poderia utilizá-las conhecendo a priori o resultado
de suas ações. Ele era dotado assim de racionalidade subantiva. Para os
autores da  essas são hipóteses irrealias porque no mundo real o que
Uma caraerização e crítica baante úteis dos pressupoos da economia neoclássica são
encontradas em Ingrao e Israel ().
A noção de firma adotada por Williamson é, ademais, congruente com a noção presente
nos economias evolucionias e pós-keynesianos. Ver, a reeito dos evolucionias, Dosi
e Nelson (). Quanto aos pós-keynesianos, uma síntese interessante é encontrada em
Feijó () e em Kregel ().
Nead Estudos 15112
se observa é a exiência de racionalidade limitada e de oportunismo. o
esses os determinantes básicos para que exiam cuos de transação nas
relações econômicas intrafirmas.
O conceito de racionalidade limitada (bounded rationality) conitui
um dos pilares da  e eá em oposição ao conceito de racionalidade da
economia neoclássica. A queão fundamental aqui é discutir se exiem ou
não limites à capacidade cognitiva da mente humana e quais as conseqüências
disso para a atividade econômica. O tratamento dessa queão foi mais bem
realizado na obra de Williamson, Mercados y Jerarquías (), na qual o
autor indica o sentido preciso em que nossa capacidade cognitiva é limitada
e introduz a incerteza como componente essencial. Nessa obra, o três os
determinantes da racionalidade limitada:
a incerteza – exie incerteza porque é impossível ou muito cuoso iden-
tificar eventos futuros e eecificar, ex ante, as adaptações adequadas a eles.
Comentando a noção de incerteza em Williamson, Pondé (:) observa
que, embora convergente com a noção keynesiana, ela aparece de maneira
indireta na teoria desse autor, por meio dos problemas potenciais contidos
no comportamento dos agentes.
limitações neurofisiológicas e de linguagem nossa racionalidade é limitada
em razão, também, de que nossa mente possui limitações para receber,
armazenar, recuperar, processar e analisar informações sem erros. A isso
vêm somar-se nossas limitações de linguagem, que consiem, nas palavras
de Williamson (:) na “incapacidade dos indivíduos de expressar seus
conhecimentos ou sentimentos mediante o uso da palavra, de números e
gráficos de modo que os outros possam entender”.
complexidade as complexas decisões que enfrentam as firmas implicam a
impossibilidade (ou, quando possível, cuos proibitivos) de elencar todas
as possibilidades e conseqüências das decisões.
Por outro lado, a  admite que nas relações entre os agentes econô-
micos exie potencialmente eaço para comportamentos oportunias.
A idéia essencial é a de que, na busca do seu auto-interesse, os homens
nem sempre se conduzem de maneira tranarente e honea. Conforme
a definição de Williamson (:);
a.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 113
Por oportunismo eu entendo a busca do auto-interesse com aúcia. Io inclui mas
certamente o eá limitado às formas mais óbvias, tais como a mentira, o roubo
e a fraude. O oportunismo envolve na maioria das vezes formas sutis de engodo.
Tanto na forma ativa e passiva quanto nos tipos ex-ante e ex-po.
O oportunismo é fonte particular de incerteza nas relações transacionais
entre os agentes, na medida em que:
o
) pode envolver uma revelação
escolhida ou diorcida da informação;
o
) enseja a possibilidade de pro-
messas conscientemente falsas no que toca à conduta futura;
o
) exiem
assimetrias de informação entre os agentes, o que torna possível a um deles,
numa transação, conhecer/desconhecer aeos relevantes a bens/servos
negociados.
Na medida em que o problema fundamental são as transações, e não
a alocação de recursos escassos, e aquelas são feitas por meio de contratos,
o dilema dos agentes é garantir a elaboração e execução de contratos
suficientemente adequados às limitações da racionalidade e adaptativos às
incertezas do ambiente e aos comportamentos oportunias.
2 . 1 . A N AT U R E Z A D O S C O N T R AT O S
Uma imensa quantidade de transações econômicas é feita através de contratos,
que são inrumentos de salvaguarda e incentivo contra a racionalidade
limitada, o oportunismo, a incerteza e um certo grau de eecificidade
dos ativos. diferentes tipos de contratos que eelham as diferentes
formas de coordenação para as eecíficas atividades ao longo das cadeias
produtivas. Segundo Belik (: ), as formas de coordenação entre as
diversas atividades da cadeia produtiva trafegam entre a integração total e a
simples troca através do mercado. O que denominamos as formas híbridas
de coordenação são aquelas que se situam nesse eaço entre a hierarquia
(firma) e o mercado. Já a literatura initucionalia define o contrato num
sentido mais erito, considerando porém o seu valor legal.
Na atividade agropecuária a exiência de contratos é a condição de rotina
que predomina em vários ramos e complexos agroinduriais porque:
. predominam relações complexas entre os agentes das agroindúrias e
da diribuição, o que faz com que a coordenação via mercado, que leva
Nead Estudos 15114
em consideração apenas os preços e as quantidades, seja apenas um caso
eecial;
. exiem assimetrias de informação e de poder que podem ser usadas de
forma oportunia pelas partes.
Os contratos procuram antecipar situações desse tipo ou, quando não
é possível, conroem mecanismos de salvaguarda em casos de desvio ou
ruptura de contrato. Conforme observou Hubbard (:), referindo-se
aos contratos em geral e àqueles predominantes no agro:
A noção de contrato sugere uma transação discreta entre partes independentes,
impoa em última inância pelo recurso à lei. Mas a realidade de contratos mais
complexos e arriscados (por exemplo, contratos para a adminiração de grandes
fazendas) é que a transação não é discreta, nem todas as contingências podem
ser previas e a performance não pode ser continuamente medida. O sucesso em
tais contratos envolve necessariamente conruir um relacionamento solucionador
de problemas entre agente e principal para diluir os riscos e conruir a confiança.
Do mesmo modo, a realidade de muitos contratos, grandes ou pequenos, é que
as partes não são independentes, seja porque o poder de mercado é desigual (por
exemplo, o pequeno fazendeiro que lida com um comprador monopolia) ou a
autoridade social é desigual (por exemplo, um pequeno arrendatário acorrentado
pela tradição e pelas dívidas ao proprietário de terras). Em última análise, a imposição
dos contratos pela lei depende da legalidade ou não do contrato, das protelações
e cuos financeiros envolvidos e, às vezes, do atus legal das partes.
Por essa razão, o eudo dos contratos é crucial para a agricultura.
Conforme a ,dois tipos de cuos contratuais, os ex ante e os ex po.
Do primeiro tipo o os contratos que procuram eecificar antecipadamente
todas as condições possíveis e os desdobramentos futuros no relacionamento
entre as partes. Eecificações como qualidade do produto, quantidade
a ser fornecida, prazo de entrega, remuneração, etc. eão presentes em
contratos desse tipo. Ou nas palavras de Williamson (): “São os cuos
de desenhar, negociar e salvaguardar um acordo. Io pode ser feito com
baante cuidado, em cujo caso um documento complexo é desenhado no
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 115
qual numerosas contingências são reconhecidas e adaptações apropriadas
pelas partes são eipuladas e acordadas antecipadamente.
Os cuos contratuais ex po são aqueles associados ao controle, mo-
nitoramento e adaptação dos contratos. Imagine que no contrato as
partes tenham definido como objetivo atingir a situação X, mas descobrem
depois de realizado o contrato que o melhor seria atingir Y. Há cuos na
busca pelo novo objetivo porque ela conterá uma intensa e auto-interessada
barganha pelas partes.
Desse modo, por mais precisos e bem elaborados, os contratos são
sempre inrumentos incompletos porque:
a racionalidade limitada impede que se possa eabelecer ex ante todas as
possibilidades e desdobramento futuro das ações;
no exemplo dado acima, as partes, mesmo reconhecendo a necessidade de
rever a meta de X para Y, podem atingir Y, o que caraeriza uma adaptação
imperfeita.
Nos casos em que a elaboração e o monitoramento dos contratos
são mais caros que a organização pela firma dessas atividades, ocorre a
internalização.
2 . 2 . C A R A C T E R Í S T I C A S D A S T R A N S A Ç Õ E S
E A S E S T R U T U R A S D E G O V E R N A N Ç A
Como foi demonrado, em suas relações econômicas a montante ou a
jusante, as firmas podem optar por, pelo menos, três modos de coordenação
selecionados como aqueles que minimizam os cuos de transação: ) via
mercados; ) formas híbridas; ) hierarquia (integração vertical). A opção
das firmas pela forma de coordenação mais adequada é feita analisando-
se três parâmetros da transação: a eecificidade dos ativos envolvidos na
transação, a freqüência e a incerteza (ver Figura ).
A incerteza nas transações eá vinculada principalmente à exiência
do comportamento oportunia, que torna imprevivel a identificação de
possíveis desvios futuros de comportamentos/compromissos, e difícil a
identificação de falsos sinais e informações por parte dos agentes.
a.
b.
Nead Estudos 15116
Na verdade, a incerteza passa a ter relevância apenas nos casos em que
a transação envolve ativos eecíficos. Nesses casos,
sempre que os ativos são eecíficos em grau não trivial, o crescimento do grau
de incerteza torna mais imperativo que as partes divisem uma maquinaria para
“fazer as coisas funcionarem – uma vez que as lacunas contratuais serão maiores
e a ocasião para adaptações seqüenciais aumentará em número e importância
à medida que o grau de incerteza aumente. Também, de maneira relacionada,
preocupações com a incerteza comportamental referidas acima agora aparecem
(W, :).
A freqüência refere-se ao número de vezes das transações e ao caráter
recorrente das mesmas. Assim, quanto mais freqüentemente uma transação
é realizada, mais dependentes dessa transação tornam-se as partes. Segundo
Pondé (:):
A influência da freqüência com a qual a transação se realiza sobre a complexidade da
relação contratual associada é relativamente óbvia, na medida em que dificilmente
será economicamente juificável desenvolver inituições sofiicadas para interações
que só ocorrem raramente, ou até mesmo uma única vez.
Por fim, a eecificidade dos ativos (asset ecificity). Os ativos são ditos
eecíficos quando eles o podem ser reempregados para outro uso sem
que isso incorra em perda de seus valores. Williamson identifica pelo menos
quatro tipos de ativos eecíficos: a eecificidade locacional; a eecificidade
de ativo físico; a eecificidade de ativo humano; e os ativos dedicados.
No primeiro caso, ele surge quando eágios sucessivos e separados do
processo produtivo eão localizados próximos um do outro. Já a eecifi-
cidade física refere-se aos atributos sicos dos ativos que são exigidos para
produzir determinado componente.
A eecificidade dos ativos humanos, por sua vez, vinculados ao learning-
by-doing ou dificuldades de deslocar ativos humanos na forma de equipes
favorece as relações de emprego em detrimento do contrato autônomo.
Por fim, os ativos dedicados, que representam um inveimento dis-
creto em capacidade de produção generalizada (quando contraada com
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 117
propósitos eeciais) que não seriam feitos a não ser pela pereiva de
vender uma quantidade significativa do produto a um cliente eecífico
(W, :). A Figura procura representar a erutura
conceitual da teoria de Williamson.
FIGURA 1. ESTRUTURA CONCEITUAL DA TEORIA DOS
CUSTOS DE TRANSÃO DE WILLIAMSON
Fonte: Guedes (2000:24).
Hipóteses
Comportamentais
Racionalidade
Limitada
Oportunismo
Atributos
das Transações
Freqüência
Especificidade
dos Ativos
Incerteza
Custos de
Transação
Estruturas de
Governança
Formas de
Governança
Mercado
Formas
Híbridas
Hierarquia
Nead Estudos 15118
2 . 3 . A I N T E G R A Ç Ã O V E R T I C A L
Uma importante contribuição da  eá na reflexão sobre as inovações
organizacionais que levam à integração vertical. Em outras palavras, por
que as firmas optam pela coordenação hierárquica na forma da integração
vertical?
A reoa a essa interrogação toma como ponto de partida a crítica ao
determinismo tecnológico, que afirma a primazia de razões tecnológicas (por
exemplo a indivisibilidade e indissociabilidade tecnológica) para explicar as
formas da erutura organizacional. Conforme Williamson, somente em
casos muito particulares em que: ) houvesse uma única tecnologia que fosse
decisivamente superior a todas as outras e ) a tecnologia implicasse uma
única forma organizacional, essa afirmação seria verdadeira. Obviamente
situações em que essas duas condições concorrem são limitadas, de maneira
que outras explicações devem ser buscadas⁶.
Em primeiro lugar, observa-se que a opção pela integração vertical reduz
os cuos de transação, por permitir à firma ativar uma maior variedade de
processos sensatos de incentivos e controles do que seria possível se lidasse
com unidades autônomas ou semi-autônomas.
Em segundo lugar, a integração vertical reduz os conflitos inrumentais
como aqueles derivados do comportamento oportunia. De fato, uma vez
integrada, a firma pode oferecer uma remuneração jua aos seus membros
e, ao mesmo tempo, promover economias de informação, porque provê
seus membros com informações que o a) autênticas; b) autoritárias; c)
inteligíveis. Ademais, a incerteza associada ao comportamento oportunia
pode ser enfrentada suprimida ou reduzida com mais eficácia dentro de
uma erutura hierárquica porque ea pode através de auditoria coibir
a apropriação ilegal de receitas por parte de subgrupos dentro dela.
O argumento fundamental foi expresso desse modo por Williamson: Eu além
disso afirmo que as decisões para integrar são raramente devidas ao determinismo
tecnológico mas sim são em sua maioria explicadas pelo fato de que a integração é a
fonte de economias de cuo de transação(:). É bom esclarecer que o autor
não desconhece a exiência de outros fatores que influenciam na decisão de integrar.
Sua posição, contudo, é a de que esses fatores são secundários ou coadjuvantes.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 119
Em terceiro lugar, os conflitos dentro da unidade integrada podem se
resolver de maneira mais eficiente porque ela:
. pr
omove ajues de cooperação às circunâncias cambiantes de mercado;
. debilita os perigos morais;
. internaliza as externalidades;
. reaura as proporções eficientes dos fatores de produção;
. facilita o intercâmbio eficiente de informações e
. garante uma maior confiabilidade no fornecimento. Ademais, a natureza da
organização hierárquica permite-lhe dirimir queionamentos ou conflitos
inrumentais através da imposição autoritária das eruturas de direção⁷.
Se for tão vantajosa, por que a coordenação hierárquica não suprime
o mercado? Conforme Williamson, as vantagens da verticalização sobre
a contratação no mercado começam a reverter-se à medida que a empresa
cresce e, todavia, conserva a mesma erutura organizacional. Nesse caso,
ela eá geralmente sujeita a deseconomias de transação, que delimitam a
fronteira para o crescimento da firma. Conforme o autor (:), os
poderes diintivos da organização interna se deterioram e se produzem
deseconomias transacionais à medida que se eendem progressivamente
o tamanho da empresa e o grau de integração vertical, sendo conante a
forma de organização.
No entanto, esse é apenas um caso, pois, como adverte Williamson,
vantagens da verticalização podem ser anuladas à medida que a empresa
cresce. Os probelams observados eão vinculados às queões adminirativas,
de poder de comando e, principalmente, às resiências das eruturas na
organização.
Analisando os resultados das pesquisas empíricas sobre a integração
vertical, Maen (:) conclui, a reeito da contribuição da teoria
dos cuos de transação, que embora o inveimento eecífico não seja
certamente o único determinante da forma organizacional, pode-se agora
afirmar com um alto grau de confiança que a eecificidade dos ativos,
De fato, conforme observaram vários autores (G, ; B-P, ;
P, ), é a relação de autoridade dentro da firma o que garante, para Williamson,
a eficiência.
Nead Estudos 15120
eecialmente em combinação com a incerteza ou a complexidade, é um
importante determinante da decisão de integrar”.
Apesar disso, Maen () identifica duas limitações na teoria: pri-
meiro, a afirmação de que a eecificidade dos ativos favorece a integração
baseia-se na proposição de que os inveimentos em ativos eecíficos
aumentam o escopo para o oportunismo e que a organização interna atenua
o oportunismo melhor que o mercado. Essa afirmação, contudo, juificaria
a integração pela segunda razão (oportunismo), independentemente da
primeira (eecificidade dos ativos); segundo, a teoria relaciona o desem-
penho da organização à escolha da governança, no entanto, “infelizmente,
aquela literatura, que contém literalmente centenas de exames empíricos da
relação entre governança e desempenho, ofereceu poucos incontrovertidos
insights para aquela relação (M, : ).
Ademais, vale recordar que a eecificidade do ativo é uma caraeríica
física e, portanto, é baante complicado extrair relações sociais, como são
aquelas eabelecidas nos mercados, a partir de caraeríicas físicas das
mercadorias. Muito mais correto seria demonrar que as relações entre
os atores é que irão determinar o tipo de mercadoria e os ativos eecíficos
envolvidos nos seus circuitos de produção e diribuição.
Essas observões somente ateam que é necesrio perseverar no ca-
minho já desbravado, avaando com o apoio das pesquisas empíricas que,
segundo Maen, ajudam a determinar explicões proveis para o que
foi observado. Ademais, a queão da integração vertical tem sido particu-
larmente tratada nos eudos agropecuários. Muitos e variados trabalhos
buscaram na  uma oão nova e rica para discutir a lógica que preside a
decisão de integrar-se ou o, observável em rios complexos agroinduriais.
2 . 4 . I N S T I T U I Ç Õ E S E O R G A N I Z A Ç Õ E S
Os complexos agroinduriais são o nosso objeto de análise e para tanto
necessitamos de um referencial teórico e um método de pesquisa que possa
nos auxiliar no seu eudo. North () ajuda nesse aeo porque, ao
examinar o papel eratégico das inituições no desenvolvimento hiórico,
ofereceu uma erutura analítica que permite integrar a análise initucional
à economia e à hiória econômica. Seu ponto de partida é a diferença
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 121
conceitual entre organizões e inituições. As organizações são conituídas
por grupos de indivíduos limitados por algum propósito comum para realizar
objetivos (quaisquer que sejam). Conforme North (:):
As organizões incluem corpos políticos (partidos políticos, o Senado, a Câmara
Municipal, agências regulatórias), corpos econômicos (as firmas, os sindicatos, as
fazendas, as cooperativas), corpos sociais (igrejas, clubes, associações atléticas) e corpos
educacionais (escolas, Universidades, centros de treinamento vocacionais).
Por sua vez, as inituições são as regras do jogo em uma sociedade ou,
mais formalmente, são os conrangimentos humanamente planejados que
formam a interação humana. Essa diinção conceitual é crucial. De fato,
as inituições abrangem um conjunto baante amplo e heterogêneo de
eruturas de interação humanas. As organizações, por seu lado, representam
um subconjunto baante preciso, envolvido e influenciado/influente pelo/
sobre o ambiente initucional mais amplo.
De um modo mais explícito, e recorrendo à metáfora do jogo, as initui-
ções e a erutura initucional que emergem na sociedade funcionam como a
regra do jogo que define o modo como o jogo é jogado. As organizações são
equiparadas, na metáfora, às equipes que participando do jogo buscam
(combinando habilidades, eratégias e coordenação) ganhá-lo⁸. Ademais,
a diinção entre organização e inituição conituirá a base da explicação
do desempenho econômico diferenciado das economias ao longo do tempo.
Ou, como afirma North (:),
a reoa depende da diferença entre inituições e organizações e a interação entre
elas, que formam a direção da mudança initucional. As inituições, junto com os
conrangimentos padrões da teoria econômica, determinam as oportunidades numa
sociedade. As organizões são criadas para tomar vantagens daquelas oportunidades
e, à medida que as inituições evoluem, elas alteram as inituições.
De acordo com North (), as inituições podem ser formais (as leis
da sociedade) ou informais (as convenções e códigos de comportamento da
Ver North ().
Nead Estudos 15122
sociedade). As informais originam-se do legado cultural transmitido por
gerações sucessivas e são predominantes em sociedades menos complexas.
Nesse caso, é a cultura entendida como a transmissão, de uma geração a
outra, via ensino e imitação, do conhecimento, valores, e outros fatores
que influenciam o comportamento o veículo fundamental que explica o
caráter eável e incremental das mudanças initucionais. De fato, o fator
de inércia e continuidade das inituições eá vinculado, em grande medida,
à dimensão cultural que consubancia as inituições informais.
North mora que as inituições formais predominam em sociedades
complexas, pois “o avanço, extenso e desigual, de tradições e coumes
não-escritos para leis escritas tem sido unidirecional e tem avançado das
sociedades menos para as mais complexas e eá claramente relacionado
ao aumento na divisão e eecialização do trabalho associado a sociedades
mais complexas (:).
As inituições formais interagem com as informais na medida em que
podem complementar ou aumentar a eficácia dessas últimas ou, ainda,
modificá-las, revê-las ou subituí-las. A formulação de North, como é
possível perceber, não se reringe a inveigar a relação entre inituições e
desempenho econômico. Ela oferece ainda uma teoria da mudança inituci-
onal. As mudanças initucionais são alterações subanciais nas regras e leis
(formais) e nas convenções e hábitos (informais). Elas são essencialmente
contínuas e incrementais, em decorrência, como se procurou morar,
dos efeitos de inércia e permanência dos conrangimentos informais na
sociedade. De acordo com North (:) a mudança tipicamente consie
de ajuamentos marginais ao complexo de regras, normas e imposição que
conituem a erutura initucional”. Desse modo, as mudanças initucionais
disruptivas e descontínuas tais como as revoluções e invasões são casos
particulares que, mesmo elas, não eão isentas dos efeitos de inércia dos
conrangimentos informais.
Um esquema (Figura ) que permite sintetizar o que foi comentado até
aqui foi oferecido por Williamson em seu livro e Mechanisms of Gover-
nance (). Nesse esquema, as flechas cheias expressam fortes relações
causais entre as variáveis, ao passo que as flechas pontilhadas expressam
relações causais secundárias. Assim, as formas de coordenação econômicas
(governança) são explicadas pela interação entre o ambiente initucional e o
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 123
comportamento individual dos agentes na firma. Conforme ilura a Figura
, uma mudança nesse ambiente initucional altera os cuos comparativos
de governança e impõem uma reconfiguração da organização econômica.
De outro lado, como se viu, no tópico .., as hipóteses comportamentais
assumidas por Williamson – racionalidade limitada e oportunismo são
a fonte dos cuos de transação observados nas relações interfirmas. Por
essa razão, a flecha cheia saindo dos indivíduos e indo para a governança
indica a forte determinação do comportamento humano na escolha das
formas de governança.
Ressalte-se que a força que as eruturas de governança exercem na
determinação do ambiente initucional e no comportamento individual
são representadas de por flechas pontilhadas, ou seja: são baante tênues.
Ea é uma dificuldade que emerge dos modelos de North e Williamson.
Particularmente quando, no caso da agricultura, busca-se compreender a
lógica que norteia as políticas agrícolas e determina a alocação de recursos
públicos para ela. Uma possibilidade de complementaridade pode ser
buscada na abordagem neocorporativia.
FIGURA 2 ESQUEMA EM TRÊS NÍVEIS DAS RELAÇÕES
ENTRE OS AMBIENTES MACRO E MICROINSTITUCIONAL
Fonte: Williamson (1996:223).
Ambiente
institucional
Mudança
paramétrica
Atributos
comportamentais
Governança
Indivíduo
Preferências
endógenas
Nead Estudos 15124
3. o PaPel Das instituições no PlaneJamento Da agricultura
3 . 1 . C O O R D E N A Ç Ã O D O S C O M P L E X O S E P O L Í T I C A S S E T O R I A I S
Partindo dos modelos dos autores initucionalias anteriormente citados,
as políticas agrícolas derivariam ou de uma alteração no ambiente ini-
tucional (por exemplo, na legislação agrícola), que afetaria as eruturas
de governança; ou da ação dos indivíduos, que provocaria reação nas
eruturas de governança objetivando a redução dos cuos de transação⁹.
Essa redução nos Cuos de Transação seria condicionada assim pela lógica
geral das inituições (particularmente do Eado) ou das ações autônomas
dos indivíduos. Ocorre que: ) as políticas econômicas (e em particular as
agrícolas) não dependem da vontade dos indivíduos e; ) o Eado (uma
inituição) pode definir as políticas, mas nem sempre consegue implementá-
las sozinho. Se isso é verdade, cabe um papel ativo e relevante às eruturas
de governança na definição e implementação das políticas econômicas (e
das políticas agrícolas em particular).
Um ponto de partida interessante para trabalhar essa queão é a obser-
vação de Hodgson ()¹
de que as inituições não apenas coagem, mas
moldam as ões individuais. A propoa neocorporativa aplicada ao eudo
das inituições agrícolas incorpora essa sugeão e oferece uma alternativa
teórica baante interessante para interpretar certos aeos da relação
Eado/sociedade civil. Uma das interrogações de crucial importância é a
de saber de que forma se organizam os interesses. A reoa neocorporativa
introduz a noção de grupos de interesse, que são inituições formadas pelos
interesses individuais, ao mesmo tempo que os interesses de grupo moldam
e disciplinam os interesses individuais. Assim, as organizações corporativas
aparecem como inrumentos de controle social (sobre seus membros). Nas
Para alguns autores, contudo, esse o é o único nem o mais importante objetivo das
inituições. Conforme Vieira (: ), as empresas buscam a obtenção do atus blico
para influenciar ou elaborar poticas, modificar regras e normas, compartilhar informações,
etc.
 A caraerização de inituição desse autor é mais ampla e atribui, além da função coercitiva,
um papel criativo às inituições.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 125
palavras de um importante autor neocorporativia, o grupo de interesse
é “uma capacidade de organização tanto para representar os interesses dos
seus membros como para discipliná-los como parte da interação negociada
com outros grupos (C, :). O neocorporativismo sugere que
os grupos de interesse se conituem majoritariamente com base na função
de seus membros na divisão social do trabalho, e não a partir da posição
individual na classe social. Isso permite ao neocorporativismo analisar a
interação de agências públicas e interesses organizados em base setorial.
Nesse enfoque as organizões de interesse não agregam amplos interesses
de classe, mas interesses mais eecíficos de categorias “funcionais.
Outro aeo tratado de maneira interessante por essa abordagem
relaciona-se com a seguinte interrogação: como os interesses se fazem
representar no Eado? A reoa passa pela noção de trocas políticas.
Ou seja, pela relação Eado/grupos de interesse na qual nem o Eado
dirige os grupos nem ees capturam as agências públicas. O Eado é
forte o suficiente para barganhar numa situação na qual seus interlocutores
reconhecem que a alternativa a um acordo é a coerção eatal. Todavia, o
Eado não é forte o suficiente para formular e implementar políticas sem
o acordo dos parceiros. Sendo assim, as organizações corporativas o são
apenas representativas de interesses, mas elementos ativos na implementação
de políticas públicas. O Eado reconhece (atribui atus ao grupo de
interesse) certas organizações de representação corporativa (e exclui outras),
delega-lhes poder cobrando-lhes o controle no sentido de exigir dos seus
membros a aceitação dos acordos negociados¹¹.
Ao eudar o corporativismo na agricultura, Moyano () observa
que ele não é um fenômeno eecífico da agricultura. Na realidade, o
corporativismo agrícola apenas prece temporalmente sua manifeação em
outros setores. Para esse autor, é preciso diferenciar na agricultura entre
 Na definição de Soto (), o corporativismo é um processo sócio-político eecífico no
qual organizações que representam monopoliicamente interesses funcionais empenham-se
em trocas políticas com agências eatais sobre produtos de políticas públicas que envolvem
ea organização em um papel que combina representação de interesses e implementação
de políticas por meio de delegação de autocumprimento.
Nead Estudos 15126
o velho e o novo corporativismo. O primeiro é um padrão de geão de
políticas que:
difunde entre os agricultores uma ideologia que se apresenta de forma
defensiva e unitária;
advoga a necessidade de protecionismo eatal para reproduzir os modelos
dominantes na agricultura;
seus grupos de interesse nutrem desconfiança para com o Eado e os
poderes públicos;
alimentam o sentimento utópico de poder autogeionar as políticas que
lhes dizem reeito, acreditando ser desnecessária qualquer outra forma
de regulação/coordenação que não a do mercado.
O neocorporativismo, conforme analisado anteriormente, aparece
na agricultura como uma nova forma de relacionamento entre Eado e
agricultores e de fazer políticas públicas setoriais cuja origem eá ligada à
ruptura definitiva da ordem tradicional e à penetração na agricultura e no
meio rural de relações mercantis e de siemas de valores típicos das socie-
dades induriais e urbanas. Como conseqüência, aumenta a diferenciação
social na erutura social rural. Causa da transformação do corporativismo
também é o fim do ruralismo, na medida em que os novos agricultores se
converteram em empresários cujos deinos se relacionam com os mercados
e com os setores agroinduriais.
Apesar disso, fatores influentes que, ligados à particularidade da
atividade agrícola, criam conrangimentos para a exclusividade do novo
corporativismo. A diversidade eacial da agricultura, a heterogeneidade
das eruturas das unidades produtivas, as diferentes formas de posse da
terra e a persiência do siema de patronato e clientelismo. O resultado é
que se têm crializado dois discursos concomitantes na agricultura: o do
velho e o do novo corporativismo.
Avanços recentes na teoria têm indicado a necessidade de caminhar
mais alguns passos no entendimento dos determinantes da ação política
na agricultura. Argumenta-se por exemplo que, uma vez que o enfoque do
neocorporativismo opera apesar da preferência pelo recorte meso ainda
num nível elevado de agregação, os seus eudos não conseguem explicar
a.
b.
c.
d.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 127
diferenças locais nas formas de governança dos complexos agroinduriais.
Nas palavras de Paulilllo (:):
Schimitter () buscou no corporativismo um modelo de análise da organização
da sociedade brasileira e de seus atores privados e blicos. Acreditava que o Brasil
era um caso atípico, com novas formas corporativias de organização social, o que
implicava a definição de um novo corporativismo, adaptado para as inituições
sociais e políticas brasileiras, seus atores públicos e privados e suas relações de
poder. No entanto, o modelo neocorporativia o atingiu todas as regiões do país,
mesmo para os casos dos complexos agroinduriais. Alguns exemplos ajudam a
explicar o problema em queão: o complexo sucroalcooleiro paulia foi um caso
típico de neocorporativismo no final dos anos  e início dos anos , mas isso
não se repetiu para o caso agroindurial sucroalcooleiro de Alagoas. É possível
dizer o mesmo dos casos avícolas catarinense e paulia e de outros subsetores
agroinduriais ou agrupamentos mais complexos. (…)
Entretanto, segundo esse autor, a abordagem neocorporatia é também
uma alternativa ao pluralismo porque:
Não é possível enxergar o pluralismo nas sociedades ocidentais atuais, em que todos
os grupos de pressão têm a mesma influência e o Eado, além de ear sempre aberto,
adota uma poura neutra junto a esses grupos. Há uma maior complexidade das relações
entre os grupos de pressão e o Eado. Essa complexidade é bem via nos processos
de tomada de decisão dos atores de um siema de mercado, porque muitas decisões
são excluídas da agenda governamental e o passam pelo controle democrático. Isso
significa que o consenso o é necessariamente resultado de um acordo, como ocorre
no modelo pluralia, mas da manipulação dos desejos dos homens. Ou seja, a forma
organizacional pluralia eá ausente em algumas áreas do processo político, a partir
da separação entre assuntos muito importantes (que afetam demais os interesses das
grandes empresas ou grupos e não entram na agenda política) e menos importantes
(que podem envolver a participação dos demais grupos de pressão e, dessa forma,
entrar na agenda.) (idem, ibidem)
Desse modo, a abordagem que denominamos redes de poder propõe-
se analisar as transformações nas formas de governança no interior dos
Nead Estudos 15128
complexos agroinduriais, recortando seu nível meso e delimitando-o
eacialmente, uma vez que “(…) essas redes podem se formar localmente,
que uma erutura de poder agroindurial pode apresentar uma delimitação
territorial” (P, :). As redes de poder são uma abordagem
interessante porque os encadeamentos típicos dos complexos agroinduriais
possuem como caraeríicas a interdependência e a complementaridade,
ambas essenciais para que ações coletivas ou individuais de coordenação/
governança tenham lugar. A interdependência refere-se ao fato de que
as várias etapas do processo produtivo e diributivo que caraerizam
um encadeamento, embora dissociáveis, eão coneadas, tornando uma
dependente da outra. A complementaridade ocorre quando o desempenho
de um influi positivamente sobre o desempenho do outro (P,
:), conituindo o qualificativo positivamente toda a diferença.
Vieira (:) nos apresenta outra definição interessante, as redes
de poder
seriam o resultado de uma cooperação mais ou menos eável, não-hierárquica,
entre as organizações que se conhecem e se reconhecem, negociam, trocam
recursos e partilham, em medida variável, de normas e interesses. Formadas por
laços initucionais e também por relações interpessoais, essas redes têm um
papel importante na elaboração da agenda, no processo de decisão e na prática
da ação pública.
Elas abrangeriam vários tipos, cujos extremos são as redes políticas e as
redes difusas. De acordo com Vieira (:), para as primeiras,
um consenso quanto aos interesses, a interdependência é elevada, o número de
participantes é limitado e os atores influenciam no processo de regulação. Esse tipo
de rede, por ser mais fechada, eável e integrada, conitui uma forma mais forte
de coação para a definição e a implementação de políticas. Nas redes difusas, as
relações de poder são ináveis, há um amplo número de participantes, interesses
conflitantes e poder desigual refletido por recursos desiguais. As regras não são
consolidadas e mudam conforme a necessidade ou pressão.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 129
O Quadro I procura apresentar as principais abordagens e suas dife-
renças na explicação dos determinantes da elaboração e implementação
das políticas na agricultura.
Quadro I. Abordagens sobre os grupos de interesse e a determinação
das Políticas Agrícolas
Pluralismo
(neo)corPo-
ratiVismo
reDes De PoDer
Número de
participantes
Amplo R
estrito Depende do tipo
de rede de poder
Representação
de interesses
Competitiva Não
competitiva
Depende do tipo
de rede de poder
Ordenação
dos grupos
Não hierárquica
Hierárquica Depende do tipo
de rede de poder
Acesso ao Estado A
mplo Restrito Restrito
Papel do Estado neutro ativo ativo
Nível de A
gregação micro meso meso
Elaboração dos autores.
3 .
2 . A S I N S T I T U I Ç Õ E S D A A G R O P E C U Á R I A
B R A S I L E I R A : A L G U N S E X E M P L O S
Para fins didáticos e também ilurativos do potencial de aplicação do
inrumental initucionalia à pesquisa na agricultura, nee tópico apre-
sentamos alguns resultados de pesquisas que iluram a importância e os
efeitos das inituições na regulação da terra. Adicionalmente, a idéia é
demonrar que a diversidade no enfoque da abordagem initucionalia
permite várias entradas (direitos de propriedade, cadeias agroinduriais,
meio ambiente integrando com diferentes abordagens teóricas: marxia,
eruturalia, pós-keynesiana, neo-schumpeteriana, economia ecológica,
etc.) para uma mesma queão (por exemplo, a terra), com resultados que
podem ser comprovados empiricamente.
... Propriedade da terra
Provavelmente, a inituição mais importante da agropecuária brasileira
e do siema econômico vigente é o conjunto de regras e inituições que
Nead Estudos 15130
regulam a propriedade privada da terra. A sua regulação se dá através de
inúmeros mecanismos, que vão das tradições, passando pela Conituição,
pelas normas e decretos federais chegando até o zoneamento municipal.
O objetivo dessa regulação é definir, proteger e regulamentar os direitos de
propriedade da terra, garantir seu uso ambientalmente suentável e dos seus
produtos/renda. Em última análise, as inituições podem eabelecer os
direitos formais através dos quais os agentes (individuais e coletivos) acessam
e utilizam a terra. Dados a eecificidade da atividade agropecuária e o
caráter dual da terra (ser ativo líquido e de capital), a regulação initucional
influencia tanto a eficiência com a qual se usa a terra, quanto a eqüidade
com que seus produtos são diribuídos.
Vários eudos – principalmente Reydon () e Reydon  La Plata
() têm morado como a legislação e as inituições encarregadas
de regular o mercado de terras acabam por determinar sua erutura e
dinâmica. Um exemplo claro pode ser extraído da análise do caso do Eado
do Acre. Verificou-se nos levantamentos que a relativa indeterminação da
propriedade da terra em função da preponderância da posse como principal
mecanismo de acesso (dado que as atividades extrativas não requisitavam a
propriedade) tem dificultado sobremaneira o dinamismo econômico. Nesse
caso, os inveimentos produtivos esbarram na ausência de horizontes e os
retornos passam a não ser mais garantidos.
Outro exemplo do uso da abordagem initucionalia em eudos
comparativos para a propriedade da terra foi dado por Guedes, ao eudar
o papel e as conseqüências econômicas e sociais dos controles initucionais
sobre a terra nas agroindúrias canavieiras no Brasil e na Aurália. Para
esse autor,
Enquanto na Aurália a forma de coordenação entre as partes agrícola e indurial é
desverticalizada, io é, feita através de formas híbridas, no Brasil, a coordenação sempre
se realizou via hierarquia, io é, através de procedimentos adminirativos dentro
da unidade produtiva integrada. No que diz reeito ao uso da terra, na Aurália
exiem mecanismos initucionais que controlam, através de um severo zoneamento
agrícola, seu uso e diosição impedindo, assim, que as usinas possam adquirir terras e
produzir cana para seu auto-abaecimento. Os controles initucionais sobre a oferta
de terra contiveram essa agroindúria a uma faixa coeira de terras e induziram os
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 131
fornecedores e usineiros a compensarem essa rerição utilizando intensivamente
o progresso técnico. No Brasil, ao contrário, o acesso à terra para produzir cana é
livre, no sentido de que, inexiindo controles initucionais eficientes sobre o uso e
propriedade, os usineiros podem avançar para trás, plantando eles próprios parte da
cana esmagada em suas usinas. Disso resultou uma trajetória de crescimento extensivo,
lareada na expansão da área plantada em detrimento da intensificação do uso do
progresso técnico. (:)
Vieira (:), em seu trabalho sobre o Complexo Agroindurial
da laranja, mora de forma clara a integração entre o quadro initucional
associado a essa cadeia produtiva e a problemática da propriedade da terra.
O autor analisa, dentro do marco da Nova Economia Initucional, como os
processos de negociação entre os produtores agrícolas e agroinduriais são,
em última inância, determinados pelos arranjos initucionais associados à
propriedade da terra e ao poder econômico e político que ea proporciona, não
necessariamente à maior eficiência e eficácia econômica de curto prazo.
Um outro exemplo do papel das inituições sobre a eficiência no
uso da terra foi dado por Azevedo e Bialoskorsky () quando, ao
eudarem a região do Pontal do Paranapanema, no Eado de São Paulo,
identificaram que a indefinição sobre os direitos de propriedade é a razão
principal não apenas dos conflitos fundiários caraeríicos dessa região,
mas também da baixa eficiência potencial das atividades econômicas ali
predominantes. Os conflitos surgem porque a ocupação privada da terra
foi feita hioricamente sobre terras públicas e o regiro de inúmeras pro-
priedades falsificado, caraerizando uma inadequada definição formal dos
direitos e contínuas conteações judiciais. Segundo os autores (A
e B, :).
Uma primeira conseqüência dee problema é o baixo nível de inveimentos na
atividade agrícola, conforme se aprofunda o problema fundiário. No (Regional)
de Dracena, , das terras o utilizadas para as culturas perenes, semi-perenes e
anuais, no de Presidente Prudente ea percentagem cai para ,, enquanto
no  de Presidente Venceslau apenas , das terras são utilizadas para culturas…
Mesmo a atividade pecuária, cujo volume de inveimentos incorporados à terra é
relativamente menor, apresenta diorções no perfil desses diêndios. O maior risco
Nead Estudos 15132
de expropriação da terra deve afetar relativamente mais os inveimentos que são
incorporados à propriedade, tais como inalações, currais e magueiros. Por outro
lado, o nível de inveimentos que é incorporado ao rebanho – gaos em vermífugos
e sais minerais não deve ser afetado, uma vez que não são expropriáveis juntamente
com a terra… Uma segunda conseqüência da indefinição de direitos de propriedade
e dos conflitos dela decorrentes é a utilização inadequada do solo. Embora as
condições edafo-climáticas recomendem o uso de culturas permanentes, observa-se
um predomínio de culturas temporárias, particularmente nos s de Presidente
Prudente e Presidente Venceslau. Uma vez que não há definição precisa dos direitos
de propriedade na região, uma considerável incerteza quanto à apropriação do
retorno de inveimentos de longo prazo (culturas permanentes). Em outras palavras,
como um agricultor pode perder a posse da terra, sua opção é por culturas temporárias,
cujo retorno é obtido em um curto eaço de tempo.
Da mesma maneira, Monteiro (), analisando o caso da recente
ocupação do sudoee do Piauí, mora que ea decorre dos arranjos
initucionais eabelecidos pelas forças políticas do Eado do Piauí com
o objetivo preciso de ocupar essa região. Desde os anos , um conjunto
de inituições criou as condições de ocupação da região de fronteira
agrícola, visando fundamentalmente à eeculação. Entre os inrumentos
utilizados eão as políticas de crédito e incentivos fiscais (Finor e Fiset)
para o refloreamento com caju, não scalizado. Na década de , após a
consolidação do plantio de soja no cerrado brasileiro e nos eados vizinhos
da Bahia e Maranhão, criou-se um outro conjunto de arranjos initucionais,
que se materializaram em um novo Fundo de Incentivos (). Esses
incentivos combinados com a elevada demanda de soja propiciaram a
ocupação altamente produtiva da região.
... Nas cadeias agroindustriais
Em que pesem alguns reparos na utilização da Nova Economia Initucional
como inrumental para analisar os fatores que contam na integração de
empresas induriais, a Nei representou um grande avanço nos eudos
relativos à agricultura e à agroindúria. Assim como nas demais atividades,
podemos afirmar que os atores envolvidos nas cadeias agroinduriais visam
minimizar os seus cuos de transação. Todavia, na produção agrícola as
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 133
caraeríicas físicas do produto e dos ativos envolvidos na produção se
apresentam com grande deaque. Nesse caso, podemos explicar o sucesso
no desenvolvimento de algumas cadeias por fatores ligados à conrução de
uma verdadeira solidariedade produtiva entre os atores com vias à redução
dos cuos de produção e transação. O insucesso em outras cadeias também
se explica por esses mesmos fatores levando-se em conta sempre o papel
do Eado na condução ou coordenação desses movimentos.
Vale deacar nesse particular o pioneirismo dos autores franceses que
utilizaram amplo material empírico para analisar o desempenho das ca-
deias agroinduriais. Valceschini () analisou o papel das inituições
de regulação das regiões agrícolas demarcadas, Green () trabalhou o
papel da diribuão, Green e Schaller () eudaram em profundidade
a organização da cadeia do frango e dos produtos label rouge, Menard ()
aplicou os prinpios da  e da Teoria dos Contratos na organização do
siema de produção de aves na Fraa, Allaire e Boyer () eudaram as
formas de integração da agricultura na prodão indurial modernizada dos
anos , para ficarmos nesses autores. Merecem referência também alguns
outros importantes grupos de pesquisadores europeus como Wageningen e
Erasmus na Holanda, Iiasa na Áuria, Pisa na Itália e Cambridge na Inglaterra,
além do enorme conjunto de autores e centros de pesquisa norte-americanos.
A aplicação da  e da análise das inituições nas cadeias agroindus-
triais ganhou maior relevância e aplicação ao longo dos últimos anos no
Brasil. Concorreu positivamente para isso e os eudos empreendidos por
Zylbersztajn e Farina, no âmbito do Pensa–, para o entendimento da
concorrência e da dinâmica das empresas da agricultura, agroindúria e
diribuição. Uma boa consolidação desses trabalhos se encontra no eudo
Farina, Azevedo e Saes () que, além de apresentar uma didática interpre-
tação teórica, analisa em detalhes o impao da abertura comercial brasileira
e a desregulamentação setorial sobre a dinâmica concorrencial dos setores
agroinduriais do café, leite e trigo. Morou que ambas deseruturaram
baante as cadeias e criaram uma pulverização de inituições e arranjos
initucionais, nem sempre tão eficientes como as anteriores. Nas palavras
de Farina et al (:): Aos poucos os empresários (…) foram se dando
conta que o mercado não é uma organizão onipotente e, conforme ensinado
Nead Estudos 15134
por Coase,que se escolher entre arranjos sociais que são todos mais ou
menos falíveis na busca de organização faível (…)”.
Takagi () buscou identificar novas relações entre Eado e grupos
de interesses vinculados ao setor agroindurial, a partir da literatura da
economia initucional. Analisou as mudanças ocorridas na representação
dos interesses produtivos que passaram pelo predomínio de grandes grupos
organizados e unificados, como sindicatos e associações, influenciando na
política econômica nacional, perdendo eaço para grupos eecializados
em torno de articulações mais próximas dos membros das organizações
(no nível local, por produto, por cadeia produtiva, etc.), mudança que
refletiu a própria evolução das relações sociais e econômicas da sociedade,
com a sua crescente eecialização e diferenciação social e econômica,
gerando uma maior complexidade das suas reivindicações, que tendem
a se tornar mais próximas de suas necessidades. Ao mesmo tempo, tais
transformações resultaram em uma relação diferenciada com o Eado, em
que essas organizações passam a assumir, cada vez mais, um papel mais
ativo na regulação dos diversos setores que representam, caminhando para
a intensificação da regulação privada do eaço público. O eudo buscou
avaliar os limites e potencialidades para formulação de políticas para o setor
agroalimentar de forma mais includente.
Da mesma maneira, Paulillo () trouxe uma contribuição teó-
rica importante ao incorporar elementos de análise do initucionalismo
normativo e político para eudos de casos agro-induriais no país. Ou
seja, a rede de poder como objeto de análise, a negociação como unidade
analítica relevante e os recursos de poder conitucionais, financeiros,
organizacionais, jurídicos e políticos – como variáveis explicativas para os
processos de reeruturação agro-indurial. O caso prático analisado foi
o do cinturão citrícola paulia”.
Oeudo de Paulillo () morou que num primeiro momento (entre
 e ), as relações dos atores citrícolas se eabeleceram em torno de
um contrato padronizado de compra e venda de laranja (matéria-prima
indurial). Num segundo momento (de  em diante), a relação contratual
padronizada entrou em crise e o mecanismo de governança se modificou
lentamente, que os contratos entre empresas de processamento indurial
e citricultores foram se tornando individuais. A mudança contratual foi o
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 135
primeiro reflexo do processo de reeruturação initucional que o setor
citrícola atravessou resultando no crescimento do poder de negociação
indurial. A verticalização da produção de laranja pela indúria, através da
compra de terras e plantio próprio, a redução de seus cuos de transação,
o controle de eoques elevados de suco concentrado e o achatamento que
tudo isso provoca no preço da caixa de laranja do citricultor favoreceram
a capacidade indurial de negociação no território citrícola brasileiro e a
manutenção de vantagens competitivas no comércio internacional.
A pesquisa de Vian () identificou os novos arranjos ocorridos no setor
sucroalcooleiro após o período de liberalização iniciado nos anos  no
Brasil. O trabalho refoa a necessidade de se introduzir a queão dos arranjos
initucionais e mora como ees são importantes para o entendimento da
sua dinâmica competitiva. Partindo da análise do Complexo Agroindurial
Canavieiro, o trabalho demonra como o Eado molda as eratégias das
empresas, mas ao mesmo tempo faz isso reondendo a demandas do setor
privado organizado. Surge dessa conatação a análise sobre os Campos
Organizacionais como formas mais depuradas de representação de interesses
e de articulação eratégica entre interessesblicos e privados.
Finalmente, o interessante trabalho de Dias () mapeou os contratos
normalmente utilizados pela agroindúria do tomate junto aos seus
fornecedores deacando os obáculos para a integração vertical. O eudo
morou que se, por um lado, a eecificidade do produto eá presente em
todo o mundo devido ao caráter itinerante da cultura e aos problemas de
logíica do fornecimento, por outro lado, exiem conflitos que podem
inviabilizar a expansão da produção. A autora da pesquisa demonra que,
na ausência de uma regulação governamental para o setor nas novas áreas
de produção, os benefícios econômicos e sociais da produção poderão se
reduzir dadas as dificuldades na organização dos atores do desgae do seu
relacionamento contratual.
4. síntese e conclusão
Parece cada vez menos preciso o diagnóico de Hagedorn () acerca
da resiência dos economias agrícolas a incorporar as inituições e o
processo político de tomada de decisões aos seus programas de pesquisa. Na
Nead Estudos 15136
verdade, conforme se procurou regirar em vários momentos nee artigo,
as pesquisas com recorte initucionalia orientadas para a agropecuária
vêm aumentando sensivelmente em praticamente todas as áreas de conheci-
mento em Ciências Sociais, inclusive em Economia. Isso acontece porque a
abordagem initucionalia permite analisar, conforme se procurou morar,
de forma articulada e holíica, a realidade econômica contemporânea, no
sentido que permite uma integração entre os vários níveis e diferentes formas
como as relações sociais de produção se expressam. Esse caminho teórico
pluralia não se apresenta apenas como uma contingência de um momento,
conforme deseja Williamson, mas como o único princípio metodológico
capaz de permitir o diálogo e o avanço das pesquisas econômicas, sociais,
políticas e ambientais. o as inituições, nas suas mais diferentes formas
(desde acordos, passando por contratos, chegando a legislações, entre outros),
que efetivamente regem e determinam a dinâmica do todo econômico. Isso
significa ver que o mercado é socialmente conruído apresentando-se
portanto como um privilegiado objeto de eudo da corrente initucionalia,
cujo leque temático inclui o eudo das organizações, do Eado, das leis e
normas, dos contratos, dos hábitos, etc.
No que se refere eecificamente à agropecuária, a presença de incerteza,
barganha, atrasos, oportunismo, ativos eecíficos, etc. abre possibilidades
enormes para a pesquisa e para a reflexão teórica do arcabouço inituci-
onalia. Os avanços nesses dois aeos revelarão, certamente, imensas
variações nos contratos, nos arranjos initucionais e no desempenho
econômico em muitas atividades agropecuárias, regiões de um mesmo país
e entre países. Em qualquer dos níveis em que a pesquisa initucionalia
vem se desenvolvendo (embeddedness, ambiente initucional, governança
e cuos de transação), a conatação a que se pode chegar é que ela tem
contribuído decididamente para uma melhor compreensão do papel das
inituições na eruturação (e também na mudança) das práticas econômicas
e das relações sociais em economias capitalias.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 137
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4
agroinDústria e
Política agroinDustrial
no brasil
Walter Belik
aPresentação
Neste capítulo vamos analisar os principais instrumentos e
a evolução da política agroindustrial no Brasil. Normalmente
esquecida nos textos de economia agrícola, a política agroin-
dustrial é um importante fator de desenvolvimento econômico
e que provoca impactos ao longo de toda a cadeia produtiva,
influenciando diretamente o desempenho do agricultor ou
pecuarista. Atualmente, as políticas voltadas para a agroin-
dústria se confundem com a política agrícola como um todo,
pois, dado o nível de integração dos produtores com as
indústrias a montante ou a jusante, os efeitos decorrentes
desses incentivos se acumulam beneficiando todos os elos
da cadeia produtiva. Assim, o objetivo deste capítulo é o de
detalhar o funcionamento da política agroindustrial chamando
a atenção para os pontos de contato e os efeitos que decor-
rem da sua aplicação na agricultura.
O texto se divide em três partes, a saber: no primeiro segmento, vamos
descrever os diversos conceitos de agroindúria de modo a refinar o nosso
objeto de análise e enfocar com mais propriedade o tema propoo. Na parte
seguinte vamos nos aprofundar no eudo das políticas públicas voltadas
para a agroindúria a partir de meados do século passado período de
conformação da moderna agroindúria no Brasil. Finalmente vamos analisar
Nead Estudos 15142
os movimentos mais recentes observados na agroindúria, em eecial
na indúria de alimentos, dando ênfase na queão da concentração e
centralização de capitais, abertura comercial e redução da importância do
Eado na determinação das políticas.
o conceito De agroinDústria
Ao contrário do que o senso comum indica, o conceito de agroindúria não
se coloca por si mesmo. Diversa interpretação tem levado a comparações
indevidas e, ao contrário de ajudar, o conceito de agroindúria tem criado
muitos problemas quando tratamos de fazer comparações setoriais.
Tradicionalmente, a macroeconomia trabalha com cortes horizontais a
partir das caraeríicas do processo produtivo. Assim, a agropecuária se
define a partir da produção de matérias-primas dirigidas ao processamento
ou ao consumo “in natura. A indúria, por sua vez, realiza as diversas etapas
do processamento dessa matéria-prima. Finalmente, os serviços deveriam
abranger todas as atividades auxiliares necessárias para a colocação desse
produto no mercado.
Evidentemente, essa divisão das atividades econômicas promove uma
enorme simplificação do siema econômico. Mas para efeito da Contabili-
dade Social de um determinado país ela atinge os seus objetivos e permite
uma relativa aproximação com a realidade. No entanto, deaca Figueiredo
(:), as caraeríicas de eecificidade de oferta, nee tipo de
subdivisão, são eritamente formais: bens e serviços discriminados de
acordo com a forma em que se apresentam. Não se permite nenhum tipo
de análise quanto às variáveis financeiras ou quanto às queões relativas à
concentração ou centralização do capital. Qualquer eudo que incorporasse
essas variáveis demonraria que o limite impoo pela agregação de dados
em grandes setores é absolutamente artificial”.
Tomando-se em conta essas limitações, a conrução de um agregado
com delimitações ainda horizontais, porém com fronteiras ainda mais
reduzidas, corre ainda mais risco de imprecisão, porém tem o poder expli-
cativo um tanto maior. Em outras palavras, ao reduzirmos a abrangência
da tradicional divisão trissetorial, torna-se possível verificar a erutura e
determinadas relações que teriam desaparecido em uma análise dos grandes
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 143
agregados. Nesse caso, a análise do recorte eecífico funciona como uma
lente de aumento sobre o setor, facilitando a identificação de determinadas
caraeríicas.
Hioricamente a agroindúria nasceu a partir das atividades agrícolas.
Já nos antigos complexos rurais, a agroindúria eava presente com o
beneficiamento de matérias-primas e a sua conservação. Mais modernamente,
as atividades induriais realizadas no interior das fazendas passaram a ser
denominadas como indúria rural, um complemento das atividades agrárias.
Mas, no passado, era muito difícil separar as chamadas indúrias rurais
da indúria propriamente dita. As atividades induriais complementares
à agricultura se confundiam com a própria agricultura.
À medida que a demanda por produtos beneficiados ia crescendo,
essas atividades típicas da indúria rural tornaram-se independentes das
suas ligações agrárias, deslocando-se para as áreas urbanas. Vale lembrar,
no entanto, que o que se configura como agroindúria moderna guarda
pouca relação com os velhos capitais agrários. A agroindúria moderna
não é uma extensão da fazenda. Pelo contrário, eamos tratando de uma
agroindúria conituída a partir de capitais provenientes também de
outras órbitas que passam a se articular com a agricultura através de uma
relação direta. Em outras palavras, a agroindúria moderna não é fruto da
integração para frente dos capitais agrários, mas sim através da integração
para trás principalmente do capital financeiro, comercial ou indurial.
Devido a essa dificuldade na separação das atividades entre a produção
agrícola, a sua transformação e a diribuição foram conruídas ao longo do
tempo diversas unidades de análise com maior ou menor poder explicativo.
Entre as mais importantes, podemos mencionar o Complexo Agroindurial
(), o Siema Agroalimentar () e o Agribusiness. Não cabe aqui
utilizarmos mais eaço para descrever as caraeríicas de cada um desses
conceitos; pretendemos apenas comentar sobre as suas origens e sobre a
posição da agroindúria em cada um deles.
O Agribusiness surge a partir do conceito criado por Davis e Goldberg
na Universidade de Harvard. Com a publicação do livro A Concept of
Agribusiness, em , os autores eabeleceram um divisor de águas nos
eudos da agricultura norte-americana. Com a assessoria do próprio
Wassily W. Leontief, o criador da moderna matriz insumo-produto, os
Nead Estudos 15144
norte-americanos desenvolveram uma série de quadros a partir das contas
nacionais dos anos de e  morando que “podemos ver o agribusiness
como o principal componente da nossa economia compreendendo a 
do total nacional, dependendo do tipo de medida que se emprega (D
G, :).
Dentro desse conceito, os autores identificavam dois níveis de agregados.
No primeiro triagregado temos a indúria de insumos para a agricultura, a
agricultura em si e o processamento e diribuição. O segundo triagregado,
mais amplo, representa um outro corte mais largo que inclui servos para a
agropecuária, gaos do governo e o processamento de fibras e de alimentos
em separado. Tomando-se o primeiro triagregado, os autores observam que,
em , o peso das atividades agrícolas era reduzido somando apenas 
do valor adicionado contra  da indúria para a agricultura e  do
processamento e diribuição. Curiosamente, o peso da agricultura como
valor adicionado no agribusiness representava , superando o peso da
indúria para a agricultura em . Para efeito de comparão, tomando-
se ainda os dados de  para a economia norte-americana, vai se verificar
que a agricultura isoladamente era a principal atividade do triagregado
somando  do valor agregado total.
O conceito de Siema Agroalimentar, por sua vez, foi moldado a partir
dos trabalhos de Perroux sobre a queão do encadeamento e a identificação
de indúrias-motriz, realizados na década de . Para o pensador francês,
as relações setoriais traduziriam algo mais que as transações entre firmas.
Haveria um importante componente de dominação setorial que deveria ser
levado em conta. Na interpretação de Prado (:), Perroux encarava o
efeito de dominação como cumulativo, surgindo do desenvolvimento inerente
do mercado ou mesmo acidentalmente, mas reproduzindo-se e reforçando-
se continuamente. Observa-se, portanto, que havia uma preocupação com
a dinâmica e, sobretudo, com a direção desse processo de trocas de bens
e servos. Tal preocupação vai permear a idéia de complexo de indúrias
desenvolvida pelos autores franceses.
No início dos anos , Louis Malassis aprofunda essa abordagem
acrescentando elementos hióricos e desenvolvendo um conceito original
de Siema Agroalimentar, que em partes de sua obra Économie Agro-
alimentaire aparece com a denominação de Complexo Agroalimentar.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 145
Para o autor, o seria dividido em três subsiemas: Agroindurial
(agricultura+indúria), Diribuição (comércio+reauração) e Transfor-
mação-Diribuição (indúria+comércio+reauração). No interior desses
três subsiemas transitariam as “filières, que são cortes verticais referentes
às linhas de produtos utilizadas. Segundo Malassis (), o eudo das
filières comportaria dois aeos fundamentais: sua identificação (produtos,
itinerários, agentes e operação) e a análise dos seus mecanismos de regu-
lação (erutura e funcionamento dos mercados, intervenção do Eado e
planificação)¹. A identificação desses aeos reporta os itinerários seguidos
pelos produtos agroalimentares dentro do aparelho de produção-transfor-
mação-diribuição. Malassis aponta também o declínio da agricultura no
contexto da produção agroalimentar e isso se explica pela modernização e
pela mercantilização das atividades agrárias. Ao mesmo tempo em que se
indurializa, a agricultura se concentra e se internacionaliza.
Como se observa, “uma filière é uma abração, uma representação de uma
parte da realidade econômica que visa medir, comparar e explicar a erutura
e o funcionamento de um certo campo (L, :). Esse campo é
a decupagem de um siema de produção através do itinerário de cada um
dos produtos. O conjunto de filières formaria o siema agroalimentar que,
na realidade, é um siema de siemas, com vários pontos de interseção.
Nesse esquema, o processamento agroindurial, isoladamente, não tem
sentido sem o acompanhamento das variáveis sociais e de dominação
mencionadas anteriormente.
Finalmente temos o Complexo Agroindurial (), muito utilizado
na literatura brasileira. O termo complexo tem sido trabalhado por vários
autores. Inclusive nos trabalhos de Malassis é muito comum encontrarmos
menções ao  miuradas com o  ou com as filières. O pioneiro na
utilização do termo no Brasil foi Alberto Passos Guimarães² que identifica
Uma boa descrição dos elementos conitutivos das filières de produção pode ser encontrada
em Morvan () Filière de produion In: Fondaments d’Economia Indurielle. Paris:
Economica, p. -. Ver também Perez () Introduion méthodologique sur larticu-
lation de filières erategiques In: Economie Indurielle: problematique et methodologie”,
Paris: Economica, p. -.
Guimarães, A P () A crise agrária. Rio de janeiro: Paz e Terra.
Nead Estudos 15146
a formação do complexo a partir da perda de independência da agricultura
camponesa perante a indúria e das pressões impoas pela indúria a
montante e a jusante. Inirado em Kautsky, o autor trabalha com a idéia
de unificação da indúria e agricultura. Com uma profunda noção de
movimento, Guimarães demonra que não apenas a agricultura se indus-
trializa como a indúria indurializa a agricultura. Tanto a agricultura
camponesa como a agricultura moderna se integra ao deixando de
se comportar como setores isolados. Nesse movimento de integração, a
agricultura perde eaço.
Na realidade, a preocupação de Guimarães é a de demonrar que
o sufocamento da agricultura carrega em si a pereiva de crise. Ao
diminuir o poder de consumo da agricultura, subordinando-a à lógica
indurial, eariam se reduzindo as possibilidades de desenvolvimento da
economia³. A partir de então, ea poderia se desenvolver pela expansão
dos mercados. Essa linha de raciocínio nos remete à queão do subconsumo
nas sociedades capitalias.
A partir dos trabalhos de Guimarães surgiram muitos outros tratando
da modernização da agricultura e de seu processo de indurialização; entre
os mais importantes eão Guilherme Coa Delgado, Geraldo Muller,
Bernardo Sorj e JoGraziano da Silva no início dos anos . Mais tarde,
o tema voltou a ser tratado de forma abrangente pela equipe docente do
Núcleo de Economia Agrícola do Inituto de Economia da Unicamp⁴.
A novidade introduzida por todos esses autores é a utilização de uma
nova unidade de análise situada em um nível mesoeconômico dando conta
da dinâmica da transformação da agricultura que tem início no período
desenvolvimentia. Outra diferença marcada com Guimarães é que esses
autores não eão se referindo apenas a uma integração técnico-produtiva,
mas também a uma integração de capitais.
Os trabalhos marxias clássicos de Kautsky, Lenin e Luxembourg tentam demonrar
que a deruição da economia natural e a subordinação do camponês ou produtor rural
de modo geral à agroindúria seria uma contradição importante mas não difícil de ser
superada pelo capitalismo.
Ver Kageyama et alii ().
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 147
Para esses autores, tanto os cortes horizontais por setor de atividade
como também a idéia de um macrocomplexo tem pouco poder explicativo
e, portanto, retorna-se à operacionalização dos s, com os recortes ver-
ticais eecíficos do grande Complexo Agroindurial. A partir de então,
tornam-se correntes as análises que procuram incorporar mais elementos
às relações técnicas colocadas pela matriz insumo-produto, como, por
exemplo, o papel das políticas públicas e das organizões de interesses
(sejam as de cunho empresarial, sejam as dos sindicatos de trabalhadores)
e o processo hiórico de conituição de cada complexo.
Embora tenha havido críticas à “caificação das análises⁵ e também à
queão da recência do ⁶, o conceito passou a ser utilizado moldando
eudos não apenas da área econômica como de todas as ciências sociais.
Mais tarde, no início dos anos , Goodman, Sorj Wilkinson assumem
uma pereiva radical: procuram demonrar através dos conceitos de
apropriacionismo e subitucionismo que, dentro do , a agricultura
passa a ser apenas um resíduo. Em resumo, a agricultura é tudo aquilo que
não se transformou em indúria.
Quando se utiliza o termo Complexo Agroindurial logo se faz a
associação entre ee e os demais complexos induriais. Por esse motivo, vale
mencionar que uma utilização do conceito de mais ampla vai um pouco
mais além das relações de compra e venda determinadas pela matriz insumo-
produto. Os complexos induriais – entre eles o complexo agroindurial
podem ser considerados como datados, io é: referindo-se a uma base
tecnológica e a padrões de concorrência determinados⁷. Embora possamos
identificar relações de interdependência entre as diversas “indúrias do ,
o conceito é mais amplo e se sobrepõe à interação técnico-produtiva, pois
Martine ().
Szmerecsányi (). Sobre essa polêmica, vale mencionar, conforme Kageyama (:)
que é muito comum se confundir o recente processo de aprofundamento da integração
da agricultura com os setores induriais a plena conituição do , que passa a
comandar a indurialização da agricultura, com o próprio processo de indurialização
da agricultura. Ee último, que pode ser exemplificado pela diferenciação e eecialização
das atividades, é secular, mas o seu coroamento deu-se apenas na década de , com a
plena conituição do .
Ver Haguenauer () a esse reeito.
Nead Estudos 15148
incorpora aeos ligados às relações financeiras e de poder econômico
e político exientes entre os diferentes elos. Com isso procura-se sair das
limitações colocadas pela análise eática da matriz insumo-produto. O
é tratado como um conceito uma conrução idealizada derivada do saber
virtual, diferenciando-o do seu tratamento como inrumento de trabalho
para identificar atividades-chave ou trajetórias tecnológicas⁸.
O conceito de também é muito confundido com o agribusiness, ou
agronegócio, em português. Dependendo do recorte que se pretende fazer
pode-se tornar as eimativas do seu peso na economia mais ou menos
abrangentes. Em , a Abag Associação Brasileira de Agribusiness
eimou o peso desse segmento na economia brasileira como sendo da
ordem de  do . Essa eimativa foi realizada tendo como base os
Censos Agropecuário, Indurial e Comercial de  e levou em conta
toda a agropecuária, a indúria processadora de bens e matérias-primas
agrícolas (até o segundo processamento) e a diribuição de alimentos.
Mais tarde, em trabalho recente, Nunes  Contini () desenvolve-
ram para a Abag uma nova metodologia a partir da qual retiraram novas
eimativas para a o do agribusiness. Trabalhando com os dados dos
Censos de , os autores deduziram que a participação do agribusiness
no não passava de ,, considerando inclusive as atividades de
diribuição. Na Tabela  é possível observar a comparação das eimativas
da Abag para  e .
Essas eimativas recentes do desempenho do agribusiness na economia
brasileira moram que uma participação maiúscula talvez tenha sido
supereimada ou ocorreu uma redução nos últimos anos. Como vimos, a
participação do agribusiness no earia em ,, tomando-se como
base os dados do ano . Essa cifra inclui todas as atividades relacionadas
à produção agropecuária. Nesse caso, mesmo a produção indurial não
proveniente da agropecuária, mas que conta com parcelas de matérias-
primas da agropecuária, foi levada em conta. Somaram-se também, nesse
caso, imputações provenientes do setor servos e até mesmo a parcela de
impoos recolhidos pelo governo se onde se subtraíram os subsídios.
Ver, sobre esse ponto, Belik (:).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 149
Vale deacar a participação de cada um dos segmentos no Complexo
Agroindurial. Verifica-se, por exemplo, que, para o ano de , cresce a
participação da Agropecuária (denominada de “Núcleo do  pelos auto-
res) ao mesmo tempo em que se reduz o peso do setor a montante do 
e da diribuição. Sobre a representação dessas eimativas em lares seria
importante levar em conta que os números foram produzidos no período
de  no qual o câmbio da moeda brasileira eava claramente apreciado,
causando enormes dioões quando comparadas com o ano de .
Essas informações se encontram detalhadas no quadro abaixo.
TABELA 1 PANORAMA DO AGRIBUSINESS
BRASILEIRO EM 1980 E 1996 (EM US$ BI)
setores
Valor Da
ProDução
Valor
aDi
cionaDo
ParticiPação (%)
1980 1996 1980 1996 1980 1996
Insumos 8,5 14,3 8,5 6,2 11,4 4,5
Agropecuária 29,3 95,7 20,8 57,6 27,8 42,3
Processamento 52,1 175,2 22,8 49,4 30,5 36,9
Distribuição 74,7
50,2 22,6 22,9 30,3 16,6
TOTAL 74,7 136,1 100,0 100,0
Fontes:
Bittencourt de Araújo et alli (1990:37) e a partir dos
dados brutos de Nunes & Contini (2001).
Como se observa pela Tabela , a participação do agribusiness na economia
brasileira em  eava muito próxima do peso atribuído por Davis
Goldberg para os Eados Unidos em , considerando-se o triagregado
básico⁹; os dados de , por sua vez, não apresentam a mesma proporção
do que foi aferido nos eudos de Davis  Goldberg.
Eimativa realizada por Muller () com base na Matriz Insumo–Produto de  para
o Brasil demonra que os três subsetores do se dividiam da seguinte forma: indúria
para a agricultura , agricultura  e indúria da agricultura . Essa participação
de  no  em  se reduz para apenas , em .
Nead Estudos 15150
Utilizando-se da mesma metodologia, mas levando em conta também
as diorções causadas pelos subsídios governamentais, por um lado, e os
impoos, por outro, Montoya Guilhoto () apresentam eimativas
para o agribusiness calculadas a cuo de fatores, deflacionadas pela taxa
média de câmbio. Com isso, a participação relativa do agronegócio em relação
ao  de  calculada pelos autores atinge , do , reduzindo-se
para , do na eimativa de . No que se refere à diribuição
interna dessa participação entre os diversos segmentos, o processamento
agroindurial e a diribuição apresentam em  os mesmos  obser-
vados pelo eudo da Abag reduzindo-se poeriormente para , em
. No entanto, nesse período analisado, o processamento agroindurial
reduz a sua participação (de , para ,) enquanto a diribuição final
amplia a sua participação no  (de , para ,).
Apesar da exatidão dos números levantados, ainda há muitas dúvidas
quando se impõe a tarefa de medir a movimentação econômica na cadeia
produtiva que vai da fazenda ao consumidor final, dada a sofiicação das
operações envolvidas.
Uma eimativa mais realia do peso do agribusiness na economia deveria
levar em conta algumas das novas atividades vitais para o seu desenvolvi-
mento como a logíica de diribuição, os serviços urbanos realizados para
a agricultura (informática, sensoreamento remoto, informações de mercado,
servos financeiros, etc.) assim como os segmentos da diribuição que
emergiram recentemente com as mudanças no padrão de consumo (o
supermercado, o fa-food e a reauração coletiva).
Por outro lado, essas análises de caráter mais abrangente são um evidente
exagero e colocam em risco todo o seu poder explicativo. Quando trabalhamos
com eudos de casos e a dinâmica competitiva das empresas, sempre é
conveniente examinarmos os aeos mais amplos das cadeias de produção,
mas todo tipo de análise tem uma limitação de ordem prática e o pesquisador
torna-se obrigado a realizar algum tipo de corte, ainda que arbitrário.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 151
Uma forma também interessante de analisar o complexo é tomar como
base as relações contratuais¹⁰ em lugar das conhecidas relações eabelecidas
na matriz insumo–produto. Essa é a propoa colocada pela abordagem do
Agri Chain Management”. Segundo a Agri Chain Competence Foundation,
conhecido órgão holandês de pesquisa do agribusiness, a cadeia agroin-
durial exie onde o valor é adicionado aos produtos agcolas por um
número de companhias em sucessão (:) referindo-se a consumidores,
varejias, processadores de alimentos, arrematadores e atacadias, fazendei-
ros e fornecedores de produtos e serviços (idem, ibidem). Considerando-se
as relações contratuais entre os diferentes agentes envolvidos na produção
agroindurial, pode-se eabelecer as diferentes formas de coordenação
das transações por parte da firma. De acordo com Zylberajn Farina
(), a coordenação pode ser exercida de forma hierárquica – através de
relações diretas entre compradores e fornecedores ou através do mercado,
via mecanismos de preços.
Para efeito dee capítulo, vamos nos ater a um segmento eecífico
do Complexo Agroindurial, que é o processamento. Evidentemente, o
corte vertical em cada complexo do seria o ideal para o entendimento
da dinâmica das empresas como também as suas formas de coordenação.
Ocorre que as eatíicas econômicas são conruídas a partir dos cortes
horizontais. O que deveremos fazer então é segmentar essa informação em
pequenos recortes verticais que tenham como base a autoclassificação das
empresas induriais pesquisadas.
Merece uma menção o fato de no Brasil, assim como em outros países,
procurar-se diferenciar a agroindúria da indúria rural, categoria que
muitas vezes é confundida com a anterior. Vejamos algumas definições
para o caso brasileiro.
O Inituto de Economia Agrícola (), no seu levantamento de junho
de  sobre Indúria Rural, define essa atividade como o beneficiamento
ou transformação, em bases artesanais, de matérias-primas vegetais ou
animais, próprias ou adquiridas de outros produtores, nas propriedades
 Por relação contratual entendemos as relações fortuitas de compra e venda ou de tomadores
e empreadores de recursos nanceiros, assim como as relações de mais longo prazo
embutidas nos contratos de integração ou fornecimento.
Nead Estudos 15152
rurais para a venda externa. Portanto, na pesquisa desenvolvida pelo IEA,
não se considera como Indúria Rural algumas agroindúrias de grande
porte como as usinas de açúcar, deilarias de álcool, extratoras de suco de
laranja, fábricas de laticínios e outras grandes inalações.
Já o Inituto Brasileiro de Geografia e Eatíica () considera a
Indúria Rural como sendo compoa por aquelas atividades de transfor-
mação e beneficiamento de produtos agropecuários (animais e vegetais)
realizadas em inalações exientes nos eabelecimentos ou em inalações
de terceiros (moinhos, moendas, casa de farinha, etc.). O Censo Agrope-
cuário, por exemplo, não considera como produção da Indúria Rural
aquela obtida nas unidades de produção que têm licença para funcionar,
subeimando a contribuição dessa atividade para a geração de renda e
emprego no eaço rural.
Mesmo assim, uma grande presença de atividades da indúria rural
nos eabelecimentos. Fernandes Campos (), analisando os dados
do Censo Agropecuário de -, afirmam que pelo menos  dos
eabelecimentos rurais brasileiros realizam atividades ligadas à Indúria
Rural, o que atea a importância dessas atividades para os mesmos.
Deixando de lado a Indúria Rural e apoiando-nos na metodologia
desenvolvida pelas Nões Unidas e aplicada pela Fao (Food and Agriculture
Organization) e pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina
e Caribe), vamos considerar a agroindúria como sendo compoa pelas
atividades de transformação de matérias-primas provenientes da agropecuária,
em seu primeiro processamento. Ocorre que, em muitos casos, o primeiro
nível de processamento correonde o correonde à primeira esfera de
transformação. Ou seja, a primeira esfera de transformação, seja ela realizada
por uma empresa ou por um conjunto de agentes em uma mesma plataforma
de produção, poderá realizar algo maior que o primeiro processamento. As
decisões sobre como produzir, poderão variar segundo as caraeríicas
locais, período analisado, tecnologia envolvida e ambiente initucional. Ou
seja é ee conjunto de fatores que irá determinar a eratégia dos agentes
e até que nível de processamento se realizará em cada uma das esferas
produtivas. O quadro a seguir ilura eas considerações:
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 153
QUADRO 2: CARACTERIZÃO DAS ATIVIDADES AGROINDUSTRIAIS
Nível de Processamento
níVel oPeração exemPlo
(I)
Limpeza
Desmonte
Classificação
Embalagem
A
rmazenagem
Grãos, Ovos, Chá, Café, T
abaco, Mel,
Algodão, Juta, Sementes Oleaginosas
(II)
Corte
Mescla
S
eleção
Resfriamento
Aeração
Farinhas, Carnes, Nozes, Frutas Frescas, Vegetais
Frescos, Madeiras, Mariscos Frescos
(III)
Congelamento
Refinamento
S
ecagem
Desidratação
Refinação
Enlatamento
Pasteurização
Carnes Preparadas, Açúcar, Produtos
em Conserva, Lácteos e Queijos, Molho
de Tomate, Sucos de Frutas
Fonte: CEPAL (1994:4).
Observa-se pelo Quadro que os níveis de processamento o são
facilmente separáveis segundo a esfera produtiva. É baante comum uma
mesma empresa se encarregar de mais de um vel de processamento. Por
esse motivo, a definição da agroindúria processadora como sendo aquela
que se encarrega do primeiro vel de processamento encontra problemas
quando tranortada para o campo real. Nas palavras de Kageyama (:
), a formulação de um conceito puro de agroindúria pode ser faível
apenas em um plano teórico, porém sem possibilidade de operacionalização
no eudo de casos concretos, eecialmente quando se trata de um eudo
abrangente baseado em dados secundários e abarcando um longo período.
Outro problema baante comum é a inclusão de atividades que não têm
uma base natural juntamente com o processamento agroindurial naquilo
Nead Estudos 15154
que se couma denominar de agroindúria. Isso ocorre porque certas
indúrias trabalham com matérias-primas artificiais em complementação
àquelas extraídas da agropecuária. Em alguns casos, a base não natural é a
maior que aquela derivada da agropecuária, mas mesmo assim a atividade
aparece classificada como agroindúria.
Na classificação de agroindúria adotada pela Fao–Onu aparecem
as dioões acima. Tendo como modelo a International Standard
Indurial Classification –, utilizada pelas Nões Unidas, a Fao chega a
apresentar  setores de atividades agroinduriais, a saber: Alimentos, Be-
bidas, Tabaco, Têxteis, Confecções, Couros, Calçados, Produtos da Madeira,
Papel e Produtos de Papel e Borracha. Evidentemente, essa classificação
miura atividades ligadas ao primeiro, ao segundo processamento e também
à fabricação de produtos que tenham uma base natural com outros que
trabalham a partir de matérias-primas artificiais¹¹.
Na prática, o que vai determinar se uma atividade é uma agroindúria
genuína ou não é o grau de desenvolvimento econômico do país ou região
em análise. A natureza da produção eá relacionada à forma como ea
se apresenta e não ao tipo de produto em si. Para a Fao, hoje em dia… é
cada vez mais difícil chegar a uma demarcação precisa sobre o que poderia
ser considerada uma atividade agroindurial: o impao dos processos de
inovação e as novas tecnologias sugerem um amplo eero de agroindúrias
cuja matéria-prima pode ser proveniente da biotecnologia ou de bases
sintéticas, por exemplo (: ).
Observa-se, portanto, que a classificação da Fao miura o primeiro e o
segundo processamento, como é o caso da indúria de veuário e calçados,
assim como atividades que se utilizam de matérias-primas não agrícolas,
como é o caso de certos tipos de produtos fabricados pela indúria de bebidas
(refrigerantes por exemplo), borracha, têxteis, etc. Para as finalidades gerais
propoas pela Fao, essa divisão é baante útil, pois permite conciliar o nível
tecnológico de países desenvolvidos com outros em desenvolvimento. Nos
países desenvolvidos, muitas atividades que ocorriam de forma integrada,
em processamentos subseqüentes, se eecializaram e passaram a se realizar
 O citado trabalho de Nunes e Contini () chega a incluir a siderurgia e a indúria
química como atividades pertencentes parcialmente ao .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 155
em esferas tecnológicas diintas. No entanto, para efeito de comparação, a
fim de reunir todas as situações produtivas, essas atividades se apresentam
de forma conjunta.
Trabalhando-se com esses  setores de atividade, a Fao eima que a
agroindúria processadora reonda por , do valor adicionado da
manufatura nos países desenvolvidos em . Para os países em desenvolvi-
mento, essa participação atinge , do total da indúria. Em comparação
com  houve uma queda na participação da agroindúria no total da
indúria. Nee ano a participação dos países indurializados e dos em
desenvolvimento era, reeivamente, de , e ,¹².
Política agroinDustrial no brasil
As considerações apresentadas na seção anterior são de grande importân-
cia, pois as ações voltadas para as políticas públicas devem ser focadas e
delimitadas a partir do objeto que se pretende atingir. Dentre o arsenal
de políticas à diosição do governo exiem os inrumentos de políticas
macroeconômicas, como a taxa de juros, o câmbio, o controle de preços,
etc., que afetam a todas as empresas e cidadãos; as políticas regionais, como
os incentivos e subsídios, que têm um efeito horizontal de caráter local; e
as políticas setoriais, que fazem um corte vertical atendendo aglomerados
de unidades produtivas como fazendas, indúrias e eabelecimentos
comerciais ao mesmo tempo.
As políticas setoriais se colocam dentro da tradição de foco e segmen-
tação nos programas de governo. Através das políticas setoriais elegem-se
prioridades de governo e selecionam-se mecanismos de apoio voltados
para o sucesso dos setores escolhidos. Essa tradição teve início no Brasil no
período do pós-guerra com a preparação de Planos de Desenvolvimento,
traduzindo as prioridades colocadas em cada novo governo em relação à
economia. Na década de , com a desregulamentação¹³ e liberalização
da economia, os governos deixaram de lado o planejamento e passaram a
 Fao–Onu e State of Food and Agriculture . Fao Agriculture Series n. . Roma,.
 Muito mais que uma desregulamentação, podemos falar em uma crise de regulação por
parte do Eado ou uma desregulação.
Nead Estudos 15156
adminirar apenas as variáveis sicas da política macroeconômica. Dentro
dessa pereiva, os ganhos na competitividade setorial teriam que passar
apenas por decisões empresariais e não poderiam ser criados artificialmente
por políticas de governo. Mais recentemente, essa visão tem se alterado e
os governos, de forma geral, eão criando políticas e incentivos necessários
para o enfrentamento da competição internacional e geração de emprego
e renda em setores-chave.
No Brasil, a agroindurialização como eratégia de política pública é
relativamente recente. Analisando-se documentos oficiais, observamos que
a política de elevar o valor agregado através do processamento de produtos
agrícolas começa a fazer parte do discurso governamental somente ao final
dos anos . Antes disso, a agricultura era via como um setor voltado
para si mesmo com a finalidade de produzir bens finais para exportação
ou para o consumo interno de alimentos.
Antes disso, tivemos apenas algumas intervenções pontuais que buscavam
atender as demandas da agroindúria, e por tabela da agricultura, ao mesmo
tempo em que se tocava em setores fundamentais para o nosso desempenho
macroeconômico. O exemplo mais acabado dessas intervenções foi a política
para o setor sucroalcooleiro que contava com uma alta dose de intervenção e
regulação eatal por intermédio do Inituto do Açúcar e do Álcool,
criado em . Nesse mesmo período, durante o governo Vargas, foram
criados o Conselho Nacional do Café, o Inituto do Pinho, do Mate e do
Sal. Todos esses órgãos tinham como função regular a produção, incentivar
as exportações, aprovar e controlar empréimos.
Naquele tempo, o era o órgão de atuação mais complexa pois
tinha poderes para eabelecer preços e margens de lucro, influenciando
diretamente o desempenho e as rendas de trabalhadores, fornecedores
de cana-de-açúcar (agricultores) e usineiros (induriais). Com a criação
do Eatuto da Lavoura Canavieira em , o passou a gerir uma
avançada política para o setor que, do ponto de via social, foi até mesmo
precursora da  – Consolidação das Leis do Trabalho – que iria surgir
somente em .
Em , com o surgimento da Creai – Carteira de Crédito Agrícola e
Indurial do Banco do Brasil –, consolida-se o primeiro inrumento de
atuação direta do Eado no financiamento agrícola ou agroindurial. No
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 157
entanto, mais do que os próprios inrumentos inovadores de política agcola
introduzidos pela Creai, emerge uma nova mentalidade de planejamento,
dea vez mais ligada aos grupos de pressão inalados junto ao setor
indurial. Segundo Viana (), a Creai foi o embrião do  depois
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) – que
iria surgir  anos depois funcionando como financiador para inveimentos
agroinduriais e até mesmo para empréimos de longo prazo para indúrias
básicas ou durante toda a década de .
O primeiro plano global de desenvolvimento para a economia brasileira
surgiu apenas no governo Dutra, prevendo inveimentos para o período
-, e ficou conhecido como Plano Salte. Esse plano, cuja sigla significa
Saúde, Alimentação, Tranorte e Energia, encara a agricultura como
um setor cuja meta deveria ser a alimentação da crescente população que
afluía às cidades. O Plano Salte teve uma exiência efêmera, com duração
de apenas um ano, e a sua preocupação com a produção de alimentos era
apenas retórica, pois o seu foco eava mais voltado para as ações assienciais
visando a atender a massa de necessitados das cidades.
Um conjunto de inrumentos mais acabado visando ao desenvolvimento
agrícola e agroindurial vai surgir apenas no Plano de Metas do governo
Juscelino Kubitscheck (-). A preocupação com a produção agrícola
se inseria nesse plano em uma pereiva muito mais no sentido de conter
as pressões populares decorrentes da alta do cuo de vida que uma opção
de política de desenvolvimento. As metas ligadas ao plano de JK que
diziam reeito à agricultura eram em número de cinco: trigo, armazéns e
silos, frigoríficos e matadouros, mecanização da agricultura e fertilizantes.
No entanto, devido ao grande volume de inveimentos, articulado com o
pacote previo para outros setores, foi possível desencadear uma verdadeira
cruzada modernizadora no campo.
Apesar do esforço manifeo no Plano de Metas de resolver o problema
da careia, a alta do cuo de vida na cidade do Rio de Janeiro atingiu, em
, o nível recorde de ,. Dentre as inúmeras causas apontadas, havia
quase unanimidade quanto à inadequabilidade da erutura de produção
e comercialização agrícola e do padrão de financiamento, ensejando a
necessidade das famosas reformas de base” preconizadas pelo presidente
Jo Goulart. Mas, mais do que isso, a agricultura por si não teria
Nead Estudos 15158
capacidade de garantir as divisas necessárias para o processo de subituição
das importações que se aprofundava no período JK.
A grande mudança de orientação vai ocorrer em , após o golpe
militar. Nesse ano era divulgado o Paeg Plano de Ação Econômica do
Governo cujo objetivo principal para o setor agropecuário era o de tirar a
agricultura do atraso. Para resolver esse problema, o governo se propunha
a uma política de produção e uma política de mercados. As políticas de
produção já são por demais conhecidas e se resumem ao fornecimento de
insumos modernos à agricultura. A política de mercados, por sua vez, foi
pouco analisada dada a sua importância. Ela incluía um esforço maior na
abertura de mercados externos com incentivos a ramos de produção onde os
coeficientes de mão-de-obra fossem relativamente altos. O Paeg criava um
verdadeiro pacote exportador prevendo medidas que iam desde a área de
câmbio, até isenções fiscais e financiamentos, passando pela racionalização
do processo burocrático de exportação.
Em , através da Lei n. ., foi criado o Siema Nacional
de Crédito Rural –, que viria a ter uma grande importância na agroindúria.
Juntamente com a criação desse aparato financeiro que realdava a moder-
nização na agricultura, surgiram inruções normativas criando um fundo
eecífico para a agroindúria o Funagri (Fundo Geral para a Indúria e
Agricultura) –, ao mesmo tempo em que vinculavam a aplicação de recursos
eabelecidos pelas exigibilidades do crédito rural não utilizadas pelos bancos
a esse mesmo fundo. Ou seja, os bancos que tivessem interesse ou não
conseguissem aplicar os recursos previos pelas exigibilidades eabelecidas
sobre depósitos à via pelo teriam que depositá-los junto ao Banco
Central que iria redirecioná-los para inveimentos na agroindúria. Para
tanto, os bancos seriam remunerados com taxas equivalentes à metade da
menor taxa de juros praticada para o crédito rural.
Além do Funagri foram criados vários outros fundos de nanciamento
junto ao , visando ao financiamento indurial, passando pela agro-
indúria. Entre esses fundos temos Fipeme, Pagri, Pronagri e todo o tipo
de combinação de letras envolvendo o apoio nanceiro à agroindúria.
Embora o planejamento eivesse presente desde , o Paeg passa a ser
criticado diretamente por dissidências dos militares e por vozes dentro da
academia que viam o reformismo do governo como muito tímido.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 159
Com a ascensão do governo Coa e Silva e seu miniro Delfim Neto,
os planos do governo anterior são deixados de lado e com ele o seu laissez-
faire. Em seu lugar surge um plano claramente intervencionia com
um programa de ocupação de eaços por parte do Eado e de apoio
financeiro pesado ao incipiente empresariado. Em  é divulgado o 
Programa Eratégico de Desenvolvimento para os anos -.
O vai concentrar seus projetos na área agrícola e numa política massiva
de diribuição e abaecimento. É nessa época que se inala a rede de
centrais atacadias, as Ceasas, por todo território o nacional.
No que se refere à agroindúria, o novo governo militar aciona uma
série de recursos eecíficos com o objetivo de reduzir a subutilização
da capacidade inalada da indúria e aproveitar as oportunidades que
surgiam para a exportação. Todavia, a eratégia do eava fundada
principalmente no mercado interno. Os planejadores do governo acreditavam
na necessidade de se criar um mercado de massa para o setor indurial¹⁴.
Em , com o governo Médici, é lançado o documento Metas e Bases
para a Ação do Governo (-) que precedeu o I Plano
Nacional de Desenvolvimento. O Programa Metas e Bases propunha uma
revolução na agricultura e abaecimento tendo como objetivo transformar
o Brasil em importante exportador de carne e outros produtos agrícolas
não tradicionais, modernizando também o abaecimento interno. Essas
tarefas faziam parte das Grandes Prioridades de Governoe ocupavam
o segundo lugar em uma escala de quatro grandes prioridades (ver Brasil,
Presidência da República, ).
O Programa Metas e Bases colocou uma marca na política agropecuária
do governo e essa marca era a ênfase na política de exportação. Com o
programa se propunha a definição de ramos prioritários para expansão do
mercado interno, subituição de importações e promoção das exportações.
Essas propoas foram aprofundadas depois no I , que pretendia asse-
gurar um crescimento das exportações em  a.a. praticamente rompendo
com as preocupações anteriores de diribuir renda. Segundo Macarini
(), anteriormente a promoção às exportações eava presente no discurso
oficial mas era apenas uma peça subsidiária. Com o I , a “eratégia
Macarini ().
Nead Estudos 15160
exportadora passa a núcleo central de desenvolvimento, transformando o
Brasil em uma potência agrário-exportadora.
Em , sob o governo Geisel, lança-se o (-) que pode
ser vio como o documento mais acabado no que se refere ao esforço de
integração agricultura-indúria. Divulgado juntamente com o Plano de
Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, cria um aparato initucional de
crédito, incentivos e núcleos visando ao aperfeiçoamento do pacote tecno-
lógico agroindurial com suas ramificações na fabricação de produtos de
origem animal e vegetal. Devido à comoção causada pela crise do petróleo e
pelo surgimento de elevadas rerições externas, o assume a eratégia
de crescimento-a-qualquer-cuo, o que desencadeava uma enorme carga
de incentivos e subsídios para as indúrias com potencial exportador.
O governo partia da premissa de que haveria mercado para absorver
os produtos nacionais no exterior e que o Brasil tinha competitividade
garantida pela sua imensa fronteira agrícola, terras férteis, dionibilidade
de o-de-obra e de siemas viários. Todavia eava claro que a economia
passava por uma fase de declínio cíclico e, em meados dos anos , não
havia muito incentivo aos novos inveimentos. A solução foi a de garantir
o inveimento em certos setores não prioritários que tinham projetos.
Eram áreas não eratégicas porém importantes, sendo que a principal era o
complexo agroindurial onde se incentivou a entrada de capital erangeiro
através de joint ventures.
Como resultado da política agroindurial do período, temos o de-
senvolvimento acelerado dos setores de celulose e papel, álcool, carne de
aves, suco de laranja e derivados de soja. Duas modalidades de crédito se
deacaram: o crédito para novos inveimentos inclusive de infra-erutura
e escoamento da produção e o crédito para capital de giro. Sobre ee
último valeria fazer algumas observações importantes.
Tendo em via a necessidade natural de dior de matérias-primas
durante o ano todo, embora eas sejam produzidas pela agricultura em
períodos reritos, a agroindúria trabalha com a imobilização de grandes
quantidades de capital. Pode-se dizer que, por se tratar de modo geral de
uma indúria leve os inveimentos em capital fixo assumem uma proporção
mais modea quando comparados ao capital de giro.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 161
Para atender a essas eecificidades foram desenvolvidas nessa época
algumas linhas de crédito que, direta ou indiretamente, beneficiavam a
agroindúria, a saber:
Preços Mínimos a agroindúria poderia se beneficiar da política de preços
mínimos para a agricultura. Os financiamentos eariam dioníveis para
a agroindúria mediante o compromisso de compra através de pagamento
do preço mínimo aos produtores. Esses recursos muitas vezes serviam para
realizar a compra antecipada da safra de agricultores. Outra modalidade
praticada era o financiamento direto de produtos processados através da
política de preços mínimos, como era o caso da seda e do vinho.
Aval agroindurial no início dos anos  surgem algumas modalidades
de aval financiado que permitiam liberar capital imobilizado ou ativos que
eram utilizados na concessão de garantias para outras aplicações. O caso
mais conhecido era o do Proasal Programa de Apoio à Agroindúria do
Setor Sucro-Alcooleiro. Esse programa permitia a suentação de subsídios
de equalização para o açúcar e o álcool, tarefa que antes era feita diretamente
pelo  – Inituto do Açúcar e do Álcool.
Com o esgotamento do padrão de financiamento da agroindúria
baseada em recursos do Tesouro, o financiamento agroindurial entrou
em uma nova fase. Com o Eado em crise, inicia-se o desmonte dos
mecanismos e inituições que permitiram a decolagem da agroindúria
brasileira. Coerente com esse processo de ajues nos orçamentos públicos,
a economia passa por um grande movimento de desregulamentação.
A retirada da forte presença do Eado cria um impasse para a maior
parte dos setores agroinduriais conituídos. Por um lado, muitos desses
setores ou cadeias agroinduriais não eavam em plena maturidade no
sentido de poderem assumir plenamente a eratégia e o planejamento
inerente ao desenvolvimento de seus negócios. Por outro lado, a economia
brasileira enfrentava um momento particularmente difícil, com concorrência
derivada da abertura comercial e a demanda por melhores produtos a
cuos mais baixos.
Assim, a virada da década de  comprova que os setores que lograram
criar um consenso em torno de objetivos únicos e conseguiram iniciar
um processo de reeruturação do seu siema de produção foram bem-
a.
b.
Nead Estudos 15162
sucedidos. De outra parte, setores nascentes ou mesmo aqueles que não
contaram com o apoio do Eado passaram a conviver com dificuldades
para o desenvolvimento dos seus negócios.
Nesse ambiente de mudança, o poder de coordenação da cadeia agro-
indurial passa a transitar da agroindúria para os setores de diribuição.
Na realidade, em muitos casos, a diribuição organiza a produção, impõe
padrões de qualidade e define margens para a agroindúria. Para o setor
processador, ou mesmo para a agropecuária, essa função é de grande
complexidade pois, na maioria dos casos, esses elos da cadeia eão diantes
do mercado dificultando o ajue em relação às mudanças do consumo e à
necessária segmentação de mercado.
Esse novo quadro remete a uma nova diuta entre capitais pelo controle
da informação, acesso aos mercados e, conseqüentemente, melhores margens
de lucro. Para tanto contribui a adoção de novas tecnologias impulsionadas
pela informática e as telecomunicações, como é o caso do Eleronic
Data Interchangee do gerenciamento conjunto dos fluxos de produção
na cadeia de suprimentos. Os resultados dessa mudança nas relações da
agroindúria com os demais elos da cadeia se refletem no crescimento das
fusões e aquisições e na emergência de novas formas de relacionamento
através de parcerias e contratos de longo prazo com fornecedores e diri-
buidores.
Dos inrumentos de incentivo público ao desenvolvimento da agro-
indúria sobrou muito pouco nos anos . O crédito rural, que fluiu
em grande quantidade no período de modernização da agroindúria,
praticamente deixou de exiir. A principal fonte de financiamento para
inveimento de capital de origem blica a partir de meados da década
passou a ser o , operando através de repasses de recursos obtidos
no exterior. Esses recursos, tomados junto ao siema financeiro a taxas
de juros reduzidas, permitiram a relocalização e modernização de plantas
induriais, como foi o caso dos créditos obtidos pelos frigoríficos (aves,
suínos e bovinos), conservas e óleos vegetais. Vale ressaltar também que
o continuou a financiar com toda força as inalações de papel e
celulose e também a modernização da induria têxtil, setor esse correlato
da agroindúria processadora.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 163
Para o financiamento do capital de giro, que como vimos teve um papel
decisivo nas décadas anteriores, as empresas mais sólidas principalmente
as transnacionais, lançaram mão da sua capacidade de captação de recursos
no mercado internacional para o financiamento das suas atividades. As
empresas exportadoras, por exemplo, podiam tomar empréimos em mo-
eda nacional através de s – Adiantamento de Contratos de Câmbio –,
aplicando esses recursos no mercado financeiro para poeriormente pagar
ao Banco Central as suas dívidas em dólares com reais supervalorizados
acrescidos dos altos juros obtidos com o rendimento das aplicações.
Um exame superficial dos recentes movimentos de fusões e associações
na área alimentar no Brasil sugere a exiência de um processo de reeru-
turação nos moldes observados nos países desenvolvidos. De fato, desde
meados dos anos  o ambiente empresarial brasileiro tem sido sacudido
pela entrada de novos competidores erangeiros e também pela saída
de importantes empresas, nacionais e erangeiras, da atividade (B,
). Com certeza podemos afirmar que ee novo panorama competitivo
observado no Brasil a partir de então guarda uma relação direta com as
mudanças observadas mo exterior e também com as novas oportunidades
emergentes no eaço nacional.
Nos países centrais, o processo de reeruturação na indúria de ali-
mentos teve início na década de . A crise financeira internacional e a
redução no crescimento das economias dos países desenvolvidos, ao lado da
introdução de novas trajetórias tecnológicas e novas formas organizativas e
gerenciais, levaram a uma acelerada reeruturação indurial. Uma avalanche
de fusões e aquisições levou a uma nova geografia das empresas e a uma
mudança radical na forma de produzir e comercializar.
Green () denomina as mudanças ocorridas na indúria agroalimentar
internacional a partir dos anos de processo de recentragem. Para o autor,
trata-se de uma volta das empresas ao negócio principal (core business) e a sua
área geopotica de maior influência. A recentragem passou a ser a eratégia
dominante junto às empresas transnacionais dados o baixo crescimento dos
mercados nos países desenvolvidos e a consolidação dos blocos econômicos
ao nível das economias nacionais. De fato, observa-se que as eratégias de
crescimento das empresas baseadas no velho paradigma fordia do pós-guerra
se esgotaram com a elevação da renda nos países desenvolvidos. Formas
Nead Estudos 15164
de produzir que antes eram apenas de grande escala agora permitem mais
flexibilidade tendo em via a introdução de novas tecnologias.
Emerge, assim, um novo padrão competitivo que incorpora as vantagens
da produção em massa, mas ao mesmo tempo privilegia a segmentação
de produtos e de mercados. Essa nova fase produtiva revela também a
falência das políticas macroeconômicas dos eados nacionais abrindo
eaço às novas formas de regulação econômica e social. Nesse contexto
um reposicionamento intra-setorial e ao mesmo tempo inter-regional.
No primeiro caso, ele ocorre entre grandes e pequenas empresas; entre
produtores de matérias-primas, fabricantes e diribuição. No caso do
reposicionamento inter-regional, ee se dá com o ressurgimento ou recon-
versão de atividades regionais, por um lado, e o desaparecimento de antigas
vantagens comparativas regionais por outro.
Como foi mencionado, o movimento observado no Brasil nesse setor
indurial guarda uma relação direta com o novo ambiente competitivo
internacional. Rea saber apenas se esses movimentos apontam para a
reeruturação da indúria nos moldes internacionais ou são apenas reflexos
da desordem competitiva causada pelos novos tempos. Nesse sentido, pode-
se afirmar que as antigas vantagens comparativas brasileiras o passíveis
de reavaliação diante dessa nova realidade.
Vantagens comparativas baseadas no baixo cuo da mão-de-obra e no
acesso a fontes de matérias-primas devem ser vias com reservas. Com a
mudança dos processos induriais proporcionada pela introdução de um
novo paradigma tecnológico, o peso dos cuos da força de trabalho tende a
se reduzir. Nos Eados Unidos, por exemplo, o cuo da mão-de-obra nessa
indúria representa apenas  do cuo indurial (R, :) e tende
a se reduzir podendo se equiparar aos competidores que atuam em países
de cuo de mão-de-obra reduzido¹⁵. Quanto à proximidade das fontes de
matérias-primas, essa vantagem comparativa vem se reduzindo rapidamente
devido às sinergias proporcionadas pela formação de blocos econômicos e
 Vale lembrar que, apesar de o trabalhador receber um salário relativamente baixo no
Brasil, o cuo dessa mão-de-obra se eleva significativamente devido aos encargos sociais
incidentes sobre o salário e as pesadas deesas de treinamento decorrentes do emprego
de trabalhadores pouco eecializados.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 165
pela emergência das biotecnologias. Em que pese a lentidão dos processos
de subitucionismo e apropriacionismo (G, S W,
), muitos países do Terceiro Mundo, produtores de eecialidades, es-
tão sendo deslocados do mercado pela utilização crescente de sucedâneos
desses produtos ou matérias-primas a preços competitivos.
Por outro lado, o Brasil tem atraído empresas erangeiras para a
produção de alimentos dado o seu enorme e emergente mercado. Apesar da
grande massa de miseráveis que soma  milhões de indivíduos abaixo da
linha da pobreza (I C, ) exie um contingente
enorme de famílias consumidoras de classe baixa além de uma classe
média baixa vigorosa que gaa aproximadamente  de sua renda em
alimentação (B, ). Lado a lado com esses consumidores, convive
um erato sofiicado de classe média-alta e alta que detém o grosso da
renda nacional. Ademais, tanto o mercado de baixa como o de alta renda se
situam prioritariamente em uma área geográfica definida, a região Sudee,
que concentra , da renda nacional.
Esse talvez seja o diferencial competitivo mais relevante que poderia
explicar as importantes mudanças observadas na indúria agroalimentar em
geral nos anos . Apesar da desregulamentação e da retirada do Eado do
financiamento, controle de pros e manutenção do siema de abaecimento,
ocorreram importantes mudanças no segmento processador de alimentos
no rumo de uma maior competitividade com concentrão da oferta.
conclusões
Vimos nee capítulo alguns importantes elementos que nos permitem avaliar
as propoas de política agroindurial para o Brasil. Após analisarmos o
alcance dos conceitos mais utilizados como Complexo Agroindurial,
Agribusiness (ou agronegócio), Siema Agroindurial e outros, observamos
que a diferença não é apenas semântica. Dependendo de como fazemos a
abordagem e como incluímos a agroindúria nos nossos cálculos teremos
que analisar e propor diferentes movimentos para a política agroindurial¹⁶.
 Vale lembrar ainda que o eamos sequer mencionando a polêmica que exie com relação
à importância da Indúria Rural.
Nead Estudos 15166
Nesse particular, o texto procurou reforçar a necessidade de analisar os
grupos de pressão e a sua inter-relação com o aparelho de eado de forma
a entender os limites colocados pelo planejamento que tem como base as
relações de compra e venda entre segmentos da economia expressas na
matriz insumo-produto.
Demonramos que nos anos  e  houve claramente uma Política
Agroindurial no Brasil. Essa política foi baseada na necessidade de integrar
a agropecuária no seu movimento a jusante com a indúria processadora.
Assim como o Eado se empenhou diretamente em fazer as ligações da
agropecuária com os segmentos fornecedores de insumos modernos, houve
uma política eecífica visando a agregar valor aos produtos agrícolas ex-
portados e promover a adaptação dos chamados bens salários ao padrão de
consumo urbano das camadas médias da populão. Essa política teve como
expressão maior a criação e expansão do Funagri cujo papel foi fundamental
na indúria de carnes, óleos vegetais, açúcar e álcool e outras.
Nos anos  ocorreu o desmonte geral de toda a erutura de financi-
amento da agroindúria brasileira. Os setores mais bem organizados e que
conseguiram potencializar os incentivos e privilégios obtidos nas décadas
anteriores lograram crescer e se ajuar à abertura de mercado e à desregulação
impoa pela crise scal do Eado. Os demais setores agroinduriais ainda
convivem com a falta de organização, baixa capacidade de inveimento e
pressões por parte de competidores externos.
Muito embora a política agroindurial tenha deixado de exiir sob o
aeo de intervenção e regulação direta por parte do Eado, a década de
 e o período imediatamente poerior ficaram conhecidos como uma
fase de grande crescimento da agropecuária e também dos produtos pro-
cessados de base agrícola. A explicação para esse fenômeno é dupla: por um
lado, o Brasil parece ter aproveitado algumas boas oportunidades surgidas
no mercado internacional, como as crises de contaminação de produtos, a
epidemia da síndrome da vaca louca e da gripe de aves e, por outro lado, houve
uma reeruturação indurial pesada em alguns setores, movimento esse
decorrente da entrada de novos capitais e de um ereitamento das relações
(técnicas e financeiras) com os setores a jusante da diribuição.
Evidentemente essas oportunidades, que foram potencializadas pela
elevação de preços nos mercados internacionais (e pelo real desvalorizado
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 167
a partir de ) puderam ser bem aproveitadas em setores organizados,
com alto grau de concentrão e, talvez por esse motivo, auto-regulados.
De todo modo, o setor agroindurial brasileiro que emerge no início do
século  é muito diinto das décadas anteriores. Em seu favor ele conta
com um dinâmico mercado interno com caraeríicas muito semelhantes
aos mercados para os quais o país exporta e um núcleo de empresas muito
capitalizadas e atuantes no cenário nacional e internacional.
Olhando em retroeo a agroindúria brasileira à luz dos conceitos
apresentados, podemos apontar alguns elementos que serão determinantes
para os pximos anos.
Em primeiro lugar, teremos o reforço de um padrão tecnológico e
produtivo muito semelhante ao que se observa no reo do mundo, inclusive
países desenvolvidos. Ou seja, não se pode dizer que a dicotomia entre
alimentos para a classe de maior renda será significativa no futuro dada a
disseminação de um padrão de consumo comum para todo o mercado.
Para reonder às necessidades de segmentação de mercado, diferenciação
de produto e atender a agilidade impoa pela diribuição, a agroindúria
brasileira deve continuar o seu processo de modernizão. No passado, a
indúria de alimentos era considerada tradicional e tecnologicamente fria.
Hoje esse segmento da indúria combina as tecnologias de ponta desen-
volvidas em outros setores com um monitoramento conante da qualidade.
Essas caraeríicas permitem apontar o processamento agroindurial
como um setor de grande dinamismo na erutura indurial brasileira.
Finalmente, uma clara tendência à concentração na indúria de
alimentos, bebidas, papel e celulose e tecelagem, que são os principais
segmentos da agroindúria. Com o aumento da concentração um
evidente ereitamento da cadeia produtiva, deixando de lado um grande
número de pequenos fornecedores de matérias-primas e serviços que não
puderam rebaixar cuos e elevar a qualidade dos produtos fornecidos. Essa
concentração se torna mais evidente na medida em que os setores à frente
da agroindúria se concentram, como os supermercados e companhias
exportadoras.
O grande desafio para uma futura política agroindurial é conseguir
retomar minimamente alguns inrumentos de regulação de modo a não
permitir que a concentração econômica e a enorme expansão da base
Nead Estudos 15168
produtiva provoquem inabilidade em um setor como o de alimentos, que
é de grande importância para todos os cidadãos.
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S E G U N D A P A R T E
situação atual,
Políticas Públicas
recentes e
Per
sPectiVas
5
Distribuição Da
renDa e Da Posse Da
terra no brasil
Rodolfo Hoffmann
1. introDução
Neste capítulo será analisada a distribuição da renda e da
posse da terra no Brasil, mostrando que a elevada concentra-
ção da posse da terra foi um dos condicionantes básicos da
desigualdade da distribuição da renda no país. Inicia-se com
a descrição da distribuição da renda com base nos dados da
pnad
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2002.
Nas seções seguintes serão examinados os seguintes temas:
as poucas mudanças na desigualdade nas últimas décadas,
a distribuição da posse da terra, os determinantes do rendi-
mento e a importância da distribuição da posse da terra como
condicionante das condições de vida da população.
2. Distribuição Da renDa em 2002
Nea seção o analisados, sob vários ângulos, os dados sobre diribuição
da renda no Brasil obtidos na Pesquisa Nacional por Amora de Domicílios
() de . Inicialmente é analisada a diribuição do rendimento
domiciliar per capita, considerando toda a população e dividindo o país
em regiões: Norte, Nordee, MG+ES+RJ, SP, Sul e Centro-Oee. A
mesma análise é repetida considerando apenas os domicílios da área rural e
apenas os domicílios agrícolas, io é, domicílios com pessoas com atividade
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 173
principal na agricultura. Em seguida é examinada a diribuição da renda
entre pessoas economicamente ativas com rendimento positivo.
A de  não abrange a área rural da antiga Região Norte¹.
Conseqüentemente, a expressão Região Norte, nea seção, refere-se à
população de Tocantins e das áreas urbanas de Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará e Amapá.
O mês de referência da pesquisa foi setembro de , quando o salário
mínimo era  ,.
É importante ter em mente as limitações dos dados sobre renda nas
s. O queionário procura captar tanto os rendimentos em dinheiro
como os pagamentos em eécie, mas não considera o valor da produção
para autoconsumo, que pode ser um componente importante da renda real
de pequenos agricultores. Também o se considera um outro rendimento
“implícito que é o valor de aluguel da casa própria usada pela família. Mas
a principal causa de subeimação das rendas é a subdeclaração dos rendi-
mentos, eecialmente dos mais elevados. Ao examinar as várias medidas de
posição da diribuição da renda no Brasil, apresentadas adiante, é necessário
admitir que o valor verdadeiro possa ser  ou  maior. Como regra
prática, rendimentos médios e percentis obtidos diretamente da
devem ser divididos por , para obter uma eimativa do valor verdadeiro.
Dada a tendência de subdeclaração maior no caso dos rendimentos mais
elevados, os dados das s devem subeimar as diferenças regionais
do país e as medidas de desigualdade da diribuição da renda.
2 . 1 . A D I S T R I B U I Ç Ã O D O R E N D I M E N T O D O M I C I L I A R p e r c a p i t a
Na amora da  de  há . pessoas. Para cada uma delas o
fornece um fator de expansão, que é o correondente número de
pessoas na população. Pode-se verificar, então, que aquela amora representa
uma população de .. pessoas.
Para analisar a diribuição do rendimento domiciliar per capita vamos
nos reringir aos domicílios particulares permanentes e com declaração do
rendimento domiciliar, formando uma população de .. domicílios
A partir de  a  é realizada em todo o território nacional.
Nead Estudos 15174
com , milhões de pessoas. Como pessoas do domicílio são incluídas
a pessoa de referência, o cônjuge, filhos, outros parentes e agregados, mas
não o incluídos moradores do domicílio classificados como pensionias,
empregados doméicos ou parentes de empregado doméico. O rendimento
per capita é obtido dividindo o rendimento domiciliar mensal pelo número
de pessoas do domicílio.
A Tabela  mora as principais caraeríicas da diribuição do rendi-
mento domiciliar per capita no Brasil e nas  regiões consideradas.
TABELA 1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUÃO
DO RENDIMENTO DOMICILIAR pER cApItA NO BRASIL E EM 6
REGIÕES, DE ACORDO COM DADOS DA pnad DE 2002.
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg,
es
e rJ
sP sul centro-
oeste
Domicílios
(1.000)
46.599 2.386 12.030 10.446 10.716 7.622 3.400
Pessoas
(1.000)
167.261 9.890 47.865 35.342 36.951 25.311 11.903
Pessoas/domicílio 3,59 4,15 3,98 3,38 3,45 3,32 3,50
Rdm
to/
pe
ssoa (R$)
327,5 236,1 181,0 356,9 464,6 377,6 373,5
Percentil 10 45,0 40,0 27,5 57,5 80,0 68,7 57,5
20 70,0 60,0 42,8 90,0 121,7 103,7 85,7
25 83,3 68,7 50,0 100,0 140,0 125,0 100,0
30 100,0 80,0 56,4 120,0 162,5 141,4 112,5
40 130,0 100,0 71,4 150,0 200,0 182,5 147,5
50 168,0 125,0 91,0 200,0 255,0 222,5 183,3
60 214,8 160,0 113,2 242,0 326,7 280,0 226,7
70 290,0 200,0 150,0 312,0 425,0 360,0 302,5
C
o N t I N u a
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 175
CoNtINuação
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg,
es
e rJ
sP sul centro-
oeste
75 340,0 240,0 175,0 368,4 500,0 411,7 370,0
80 405,0 286,2 200,0 443,7 599,3 500,0 460,0
90 700,0 493,3 350,0 750,0 1.000,0 783,3 800,0
95 1.125,0 783,3 585,0 1.225,0 1.500,0 1.200,0 1.333,3
99 2.666,7 1.942,5 1.700,0 2.833,3 3.300,0 2.570,0 3.275,0
% da renda
total dos
40% mais pobres 8,6 10,0 9,1 9,8 10,2 11,0 8,9
50% mais pobres 13,1 14,7 13,6 14,7 15,1 16,4 13,3
20% mais ricos 63,0 61,4 63,8 61,2 59,8 57,5 64,2
10% mais ricos 46,8 45,9 49,4 45,2 43,7 41,4 48,2
5% mais ricos 33,4 33,0 37,3 31,8 30,8 28,7 34,6
1% mais ricos 13,3 13,8 16,3 11,9 12,4 11,0 13,4
R
elação médias
10+/40–
21,9
18,3 21,6 18,5 17,1 15,0 21,6
Índice de Gini 0,587
0,565 0,594 0,563 0,551 0,527 0,592
T de Theil 0,705 0,667 0,778 0,631 0,629 0,546 0,722
(1) Exclusive área rural de R
O, AC, AM, RR, PA e AP.
O valor declarado do rendimento mensal per capita no país é ,
de setembro de . Fazendo uma correção para a subdeclaração dos ren-
dimentos, eima-se que o rendimento per capita médio é aproximadamente
, de setembro de .
Há subanciais variações regionais no rendimento médio, sendo o de
São Paulo , vezes maior do que o do Nordee. A diferença é ainda maior
para o rendimento mediano, verificando-se que o valor para São Paulo (
) é , vezes maior do que o do Nordee ( ). Verifica-se que apenas
Nead Estudos 15176
as regiões Norte e Nordee têm rendimentos médios e medianos menores
do que o Brasil como um todo.
A forte assimetria da diribuição da renda se reflete no fato de o ren-
dimento médio ser cerca de duas vezes maior do que o mediano. A relação
média/mediana supera  no Centro-Oee e fica em , na Região Sul.
A Tabela  também mora os valores dos decis, dos quartis e do 
o
e

o
percentis. No Brasil o
o
quartil (ou 
o
percentil) é um pouco maior do
que a média, indicando que pouco mais de um quarto da população tem
rendimento acima da média. Na realidade, pode-se verificar que apenas 
da população tem rendimento domiciliar per capita superior ao médio. No
Nordee e no Centro-Oee o
o
quartil é menor do que a média, indicando
que nessas regiões menos de um quarto da população tem rendimento per
capita superior ao médio.
De acordo com os dados, pessoas com rendimento domiciliar per capita
maior ou igual a  . fazem parte do vigésimo mais rico da população
brasileira, que se apropria de , da renda total. Tendo em via a subde-
claração dos rendimentos, podemos afirmar que pessoas com rendimento
domiciliar per capita acima de mil (em setembro de ) faziam
parte do vigésimo mais rico, que se apropriava de um terço da renda total.
É notório que pessoas nessa faixa de renda geralmente não se consideram
ricas, sendo usualmente incluídas na classe média.
O número médio de pessoas por domicílio é maior (perto de ) nas duas
regiões mais pobres. Nas demais regiões, esse número não ultrapassa ,.
Se a curva de quantis de uma diribuição x nunca fica abaixo e fica,
pelo menos em algum intervalo, acima da curva de quantis da diribuição
y, diz-se que a diribuição x domina, em primeira ordem, a diribuição
y. Pode-se verificar, na Tabela , que a diribuição do rendimento familiar
per capita no Nordee é dominada pelas diribuições nas outras regiões.
O Norte domina o Nordee, mas é dominado pelas outras  regiões. o
Paulo domina as demais regiões. Ocorrem cruzamentos entre as curvas de
quantis para as regiões Centro-Oee, Sul e MG+ES+RJ.
Observa-se, na Tabela , que o Nordee é a região com maior desi-
gualdade e que o Sul é a região com menor desigualdade. No Nordee o
rendimento médio dos  mais ricos é , vezes maior do que o rendimento
médio dos  mais pobres, e no Sul essa relação é igual a ,.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 177
2.2. RENDIMENTO D OMICILIAR p e r c a p i ta PARA DOMICÍLIOS RURAIS
Do total de pessoas consideradas na Tabela , . mil (,) residem
em áreas urbanas e . mil (,) residem em áreas rurais, conforme
delimitação fixada por ocasião do Censo Demográfico de . Uma vez
que o rendimento médio das pessoas residentes em áreas rurais ( ,)
é muito mais baixo do que o das residentes em áreas urbanas ( ,),
as primeiras ficam com apenas , do rendimento total declarado.
A Tabela apresenta as principais caraeríicas da diribuição do
rendimento domiciliar per capita para os residentes em áreas rurais, no
Brasil e nas regiões analisadas. Verifica-se, novamente, que o Nordee é
a região mais pobre, pois sua diribuição de rendimento domiciliar per
capita na área rural é dominada, em primeira ordem, pelas diribuições das
outras regiões. Os percentis da diribuição de Tocantins são sempre um
pouco mais altos do que os do Nordee, mas são superados pelos percentis
de MG+ES+RJ que, por sua vez, ficam sempre abaixo dos percentis das
demais  regiões. Mas não podemos ordenar, pelo critério de dominância
de primeira ordem, as diribuições de SP, Sul e Centro-Oee, pois as suas
curvas de quantis se cruzam.
TABELA 2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUÃO DO
RENDIMENTO DOMICILIAR pER cApItA NA ÁREA RURAL DO BRASIL E
EM 6 REGIÕES, DE ACORDO COM DADOS DA pnad DE 2002.
estatística brasil to(1) nor-
Deste
mg, es
e rJ
sP sul centro-
oeste
Domicílios (1.000) 6.720 81 3.268 1.023 579 1.324 444
Pessoas (1.000) 26.573 324 14.064 3.843 2.134 4.707 1.501
Pessoas/domicílio 3,95 3,98 4,30 3,76 3,69 3,55 3,38
Rdmto/pessoa
(
R$)
133,0 96,7 84,8 145,3 210,9 214,2 195,2
Percentil 10 25,0 28,7 20,0 33,3 50,0 49,2 39,0
20 40,0 40,8 30,0 50,0 70,0 66,7 60,0
C
o N t I N u a
Nead Estudos 15178
CoNtINuação
estatística brasil to(1) nor-
Deste
mg,
es
e rJ
sP sul centro-
oeste
25 45,8 48,3 35,7 56,0 82,5 80,0 70,0
30 50,8 50,0 40,0 65,0 94,4 92,5 78,7
40 66,7 61,7 50,0 81,5 112,5 117,1 100,0
50 83,3 75,0 60,0 100,0 135,0 150,0 120,0
60 101,2 92,9 73,3 121,2 166,7 187,5 147,5
70 133,3 106,8 91,4 150,0 200,0 225,0 188,3
75 150,0 120,0 100,0 171,5 237,5 253,0 200,0
80 183,2 128,6 116,7 193,7 266,7 296,7 240,0
90 262,5 175,0 170,0 261,2 416,7 412,5 383,3
95 381,9 230,0 217,5 355,3 600,0 575,0 566,7
99 846,5 550,0 409,7 913,2 1253,5 1200,0 1500,0
% da renda
total dos
40% mais pobres 11,4 15,9 13,9 13,2 12,8 12,7 11,8
50% mais pobres 17,0 22,8 20,3 19,5 18,8 18,9 17,2
20% mais ricos 55,5 46,1 50,3 51,9 54,4 51,7 57,0
10% mais ricos 39,4 30,8 33,9 37,0 38,6 35,5 41,8
5% mais ricos 27,6 20,7 22,3 26,7 26,8 24,2 30,2
1% mais ricos 11,9 8,0 9,0 12,7 11,1 9,9 13,1
R
elação médias
10+/40–
13,8
7,7 9,8 11,2 12,0 11,2 14,2
Í
ndice de Gini 0,512
0,407 0,452 0,474 0,490 0,472 0,521
T de Theil 0,535 0,317 0,393 0,500 0,498 0,435 0,569
(1) Na
pNaD de 2002, Tocantins é o único estado da Região
Norte no qual foram coletados dados na área rural.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 179
Embora não seja apresentada uma tabela eecífica para a diribuição
do rendimento domiciliar per capita na área urbana, verifica-se que o Índice
de Gini (G) e o T de eil (T) para a área urbana são, em todas as regiões,
maiores do que os valores correondentes para a área rural. Além disso, o
valor dessas medidas de desigualdade para o total de cada região (apresentado
na Tabela ), que incorpora a desigualdade de rendimento entre a área rural
e a urbana, é maior ou igual ao índice correondente para a área urbana da
região. Para o Brasil temos G = , e T = , na área rural, G = ,
e T = , na área urbana e G = , e T = , para o total.
Comparando as medidas de desigualdade nas Tabelas e é interessante
notar a dráica mudança na posição relativa do Nordee. Na Tabela ,
incluindo tanto a área rural como a área urbana, o Nordee é a região
mais desigual, com G = , e T = ,, enquanto na Tabela , rerita
às áreas rurais, se desconsiderarmos o caso de Tocantins, o Nordee é
a região menos desigual, com G = , e T = ,. Já para o caso do
Centro-Oee, verifica-se que sua desigualdade é relativamente elevada
tanto na Tabela  como na Tabela .
2 . 3 . R E N D I M E N T O p e r c a p i t a N A A G R I C U LTU R A
Nea seção vamos examinar a diribuição do rendimento per capita para
pessoas de domicílios agrícolas. São considerados agrícolas” os domicílios
onde pelo menos uma pessoa ocupada cuja atividade principal seja
trabalho com rendimento na agricultura ou pelo menos  horas semanais
de trabalho não remunerado (incluindo a produção para o próprio consumo
e a conrução para o próprio uso).
De acordo com a de , havia no Brasil .. domicílios
agrícolas. Trata-se de uma parcela da população considerada na Tabela ,
mas não se trata de um subconjunto da população considerada na Tabela
, pois muitas famílias agrícolas em áreas urbanas. Ao mesmo tempo,
muitas famílias residentes na área rural sem atividade agrícola relevante.
.. domicílios que o simultaneamente agrícolas e rurais e que
conituem um subconjunto tanto da população considerada na Tabela
como da população considerada na Tabela , que mora as principais
Nead Estudos 15180
caraeríicas da diribuição do rendimento domiciliar per capita para
pessoas de domicílios agrícolas.
O rendimento per capita médio nos domicílios agrícolas ( ,) é
pouco maior do que o rendimento médio nos domicílios rurais ( ,).
Esse valor é mais baixo para o subconjunto dos domicílios simultaneamente
agrícolas e rurais ( , per capita).
Nota-se, na Tabela , que o Nordee é a única rego com rendimentos
médio e mediano inferiores ao valor correondente ao país todo. Verifica-
se, também, que no Brasil e nas regiões Norte e Nordee o rendimento
mediano não chega a meio salário mínimo (que em setembro de  era
,). O rendimento médio no Centro-Oee é quase três vezes maior
do que o valor correondente no Nordee.
TABELA 3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUÃO DO
RENDIMENTO DOMICILIAR pER cApItA PARA DOMICÍLIOS AGRÍCOLAS NO
BRASIL E EM 6 REGIÕES, DE ACORDO COM DADOS DA pnad DE 2002.
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg, es
e rJ
sP sul centro-
oeste
Domicílios (1.000) 7.814 294 3.608 1.229 665 1.411 608
Pessoas (1.000) 32.956 1.453 16.513 4.940 2.588 5.232 2.230
Pessoas/domicílio 4,22 4,95 4,58 4,02 3,89 3,71 3,67
R
dmto/pessoa
(
R$)
151,1 152,2 89,0 166,8 251,0 237,3 257,1
Percentil 10 26,9 34,0 20,0 36,4 61,7 49,1 46,0
20 40,8 50,0 31,2 50,0 80,0 68,3 66,7
25 48,0 52,5 36,2 60,0 93,3 80,0 75,0
30 53,3 60,0 40,0 66,7 100,0 92,1 85,0
40 66,7 76,0 50,0 83,3 124,3 117,1 101,2
50 85,0 90,6 60,0 102,0 147,0 150,0 131,2
60 106,0 106,4 73,0 126,0 175,0 187,5 160,0
C
o N t I N u a
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 181
CoNtINuação
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg,
es
e rJ
sP sul centro-
oeste
70 136,0 128,6 90,9 152,5 210,0 225,0 200,0
75 157,5 148,0 100,0 176,0 240,0 256,0 230,0
80 186,0 170,0 116,0 200,0 290,0 300,0 275,0
90 280,0 250,0 170,0 290,0 435,0 440,0 483,3
95 416,7 366,7 230,0 450,0 650,0 666,7 750,0
99 1.225,0 1.248,0 530,0 1.300,0 2.070,0 1.598,7 2.450,0
% da renda total dos
40% mais pobres 10,6 12,1 13,5 12,1 12,7 11,6 10,0
50% mais pobres 15,6 17,5 19,7 17,7 18,0 17,2 14,5
20% mais ricos 59,5 58,7 52,3 56,5 58,3 56,2 63,8
10% mais ricos 44,7 45,3 36,6 42,3 44,4 41,1 50,1
5% mais ricos 33,5 35,6 25,6 32,0 34,0 30,1 38,8
1% mais ricos 16,4 18,6 11,6 14,7 16,2 13,4 18,4
R
elação médias
10+/40–
16,9
15,0 10,8 14,0 14,0 14,2 20,1
Índice de Gini 0,551
0,535 0,471 0,517 0,524 0,516 0,587
T de Theil 0,697 0,733 0,464 0,600 0,662 0,580 0,843
(1) Exclusive área rural de R
O, AC, AM, RR, PA e AP.
Considerando os percentis apresentados na Tabela , verifica-se que a
diribuição do rendimento per capita nos domicílios agrícolas da Região
MG+ES+RJ domina, em primeira ordem, a diribuição no Norte, que,
por sua vez, domina a diribuição no Nordee. As diribuições dessas
regiões são dominadas pelas diribuições de SP, Sul ou Centro-Oee.
O critério de dominância de primeira ordem não permite ordenar as dis-
tribuições em SP, Sul e Centro-Oee, pois cruzamentos das reeivas
curvas de quantis.
Nead Estudos 15182
É interessante notar que a desigualdade é sempre maior entre os domi-
cílios agrícolas (Tabela ) do que entre os domicílios rurais (Tabela ).
Verifica-se, na Tabela , que a região com maior desigualdade entre
pessoas de domicílios agrícolas é o Centro-Oee, e a região com menor
desigualdade é o Nordee, da mesma maneira que ocorre na Tabela (para
domicílios rurais). Ressalte-se a mudança radical de posição do Nordee,
que na Tabela  é a região mais desigual.
2 . 4 . O R E N D I M E N T O D A S P E S S O A S E C O N O M I C A M E N T E AT I V A S
A Tabela mora as principais caraeríicas da diribuição do rendimento
de todas as fontes de pessoas economicamente ativas, no Brasil e nas regiões
analisadas, em . São consideradas apenas as pessoas economicamente
ativas com valor positivo para aquele rendimento, totalizando cerca de ,
milhões de pessoas.
Como em setembro de o salário nimo era , por
mês, verifica-se que os rendimentos médio e mediano por pessoa eco-
nomicamente ativa no país correondiam a , e , salários mínimos,
reeivamente.
Grande número de pessoas declarou rendimento igual ao salário mínimo.
Essa freqüência é eecialmente elevada em  pelo fato de o salário
mínimo ser um número redondo. Note-se que, no Nordee, tanto o
o
percentil como a mediana (
o
percentil) são iguais a  ,.
Como o terceiro quartil (
o
percentil) é um pouco menor do que a
média, conclui-se que menos de  da população economicamente ativa
com rendimento do país tinha rendimento superior à média ( ,).
De acordo com os dados, quem ganha mais de  ., pertence
ao vigésimo mais rico. Fazendo uma correção para a subeimação dos
rendimentos, pode-se afirmar que quem ganhava mais de ., em
setembro de  eava entre os  mais ricos, que se apropriavam de um
terço da renda total. E quem ganhava mais de ., pertencia ao
décimo mais rico, que ficava com quase metade da renda total.
Observa-se, na Tabela , que a desigualdade do rendimento por pessoa
economicamente ativa é maior no Nordee e no Centro-Oee, e é relati-
vamente baixa no Sul e no Eado de São Paulo, de maneira semelhante
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 183
ao que foi conatado na Tabela , quando examinamos a diribuição do
rendimento domiciliar per capita.
É interessante observar, na Tabela , que nem sempre as diferentes
medidas de desigualdade ordenam as regiões da mesma maneira. Uma
comparação entre o Norte e o conjunto MG+ES+RJ indica que o Norte
é mais desigual conforme o T de eil, mas é menos desigual conforme o
L de eil; isso ocorre porque o T de eil é mais sensível a modificações
na cauda direita da diribuição (note que os  mais ricos ficam com ,
da renda no Norte e com apenas , em MG+ES+RJ), ao passo que
o L de eil reflete mais o que ocorre com os relativamente pobres (note
que a proporção da renda apropriada pelos  mais pobres é , no
Norte e é , em MG+ES+RJ).
TABELA 4 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUÃO DO
RENDIMENTO DAS PESSOAS ECONOMICAMENTE ATIVAS COM RENDIMENTO,
NO BRASIL E EM 6 REGES, DE ACORDO COM DADOS DA pnad DE 2002.
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg, es
e rJ
sP sul centro-
oeste
Pessoas (1.000) 71.488 3.838 18.295 15.451 16.635 11.923 5.346
Rdmto. médio 665,7 551,5 396,4 673,8 921,6 707,8 755,2
Percentil 10 100 100 55 150 200 170 150
20 200 200 100 200 290 200 200
25 200 200 120 200 300 250 200
30 210 200 150 236 350 280 245
40 280 240 200 300 400 320 300
50 350 300 200 350 500 400 360
60 405 360 250 430 600 500 450
70 560 450 300 600 800 600 600
75 650 500 366 676 1.000 744 700
C
o N t I N u a
Nead Estudos 15184
CoNtINuação
estatística brasil norte
(1)
nor-
Deste
mg,
es
e rJ
sP sul centro-
oeste
80 800 600 400 800 1.200 900 804
90 1.442 1.100 750 1.500 2.000 1.500 1.600
95 2.200 1.800 1.225 2.300 3.000 2.300 2.800
99 5.420 4.800 4.000 5.300 6.800 5.200 6.500
% da renda total dos
40% mais pobres 10,1 11,5 10,5 11,0 11,6 11,7 10,2
50% mais pobres 14,7 16,4 15,6 15,7 16,5 16,9 14,4
20% mais ricos 62,2 60,9 62,6 61,0 59,3 58,8 64,4
10% mais ricos 46,6 45,9 48,9 45,3 43,2 43,1 49,2
5% mais ricos 33,3 33,4 36,9 31,9 30,3 30,4 35,4
1% mais ricos 13,2 14,3 16,3 12,0 11,9 11,8 14,1
R
elação médias
10+/40–
18,5
16,0 18,6 16,5 14,9 14,7 19,4
Índice de Gini
0,569 0,548 0,575 0,551 0,534 0,530 0,583
T de Theil 0,670 0,654 0,753 0,618 0,580 0,573 0,724
L de Theil 0,600
0,536 0,628 0,546 0,505 0,508 0,609
(1) Exclus\ive área rural de R
O, AC, AM, RR, PA e AP.
Do total de pessoas economicamente ativas consideradas na Tabela ,
apenas , (. mil pessoas) têm atividade principal na agricultura.
Uma vez que seu rendimento médio declarado ( ,de setembro de
) é quase  mais baixo do que a média geral, as pessoas ocupadas
na agricultura ficam com apenas , do rendimento total (considerando o
rendimento de todas as fontes). Esse é o resultado de um processo persiente
de perda da importância relativa da agropecuária na economia brasileira.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 185
3. crescimento e inércia Da DesigualDaDe
De  a  ocorreu um extraordinário aumento da desigualdade da
diribuição da renda no Brasil. Esse aumento foi muito menos intenso
no setor primário do que no setor urbano (definido como o conjunto dos
setores secundário e terciário). De acordo com Langoni (, p. ), entre
 e , o Índice de Gini da diribuição do rendimento das pessoas
economicamente ativas () com rendimento cresce de , para ,;
para pessoas ocupadas no setor primário o Índice de Gini passa de ,
para ,, enquanto no setor urbano esse índice salta de , para ,.
O crescimento do rendimento médio é maior no setor urbano (+) do
que no setor primário (+), aumentando a desigualdade intersetorial.
Cabe ressaltar que a participação do setor primário na com rendimento
cai de  em  para  em .
De  a  ocorreu o inverso: a desigualdade e o rendimento médio
crescem mais para a população economicamente ativa () na agricultura
(incluindo pecuária, extração vegetal e pesca) do que para a no setor
urbano. O crescimento mais pido do rendimento médio na agricultura faz
com que diminua a desigualdade intersetorial. Uma análise da diribuição
da renda na  agrícola com rendimento e classificada como empregado,
autônomo ou empregador, em  e , mora que o rendimento médio
real dessas pessoas cresceu mais de  na década, enquanto o rendimento
mediano aumentou . Todos os indicadores moram que ocorreu
fortíssimo crescimento da desigualdade nessa parcela da  (Hoffmann,
b). Nessa década a proporção da  ocupada no setor agrícola caiu
de , para ,.
Para o Brasil como um todo, verifica-se que entre  e  a desi-
gualdade cresce quando se considera a diribuição da renda entre pessoas
economicamente ativas, mas permanece praticamente inalterada quando
se considera a diribuição da renda entre famílias. Isso se deve, essencial-
mente, ao crescimento do número de pessoas economicamente ativas por
família, devido à crescente participação das mulheres na força de trabalho
(Hoffmann e Kageyama, ).
No período - houve subancial diminuição da pobreza
absoluta. A proporção de pessoas economicamente ativas com rendimento
Nead Estudos 15186
real inferior a um salário mínimo (SM) de agoo de ² diminui de 
em  para  em . Cabe ressaltar que essa redução da pobreza
absoluta seria subancialmente maior se não houvesse ocorrido aumento
na desigualdade da diribuição da renda. Se a renda de todos tivesse
crescido tanto quanto cresceu a média, sem alterar a desigualdade da
diribuição, a proporção de pessoas com menos de  SM em  seria
apenas .
Após  houve, sem dúvida, várias alterações na diribuição da
renda no Brasil. Algumas foram temporárias, como os efêmeros efeitos
benéficos do Plano Cruzado, captados pela de , ou o pico de
desigualdade alcançado em , associado ao descontrole inflacionário
do final do governo do presidente Sarney (H, ). Outras
são associadas com modificações de longo prazo na erutura demográfica
ou econômica, como a diminuição do número de pessoas por família, a
redução na participação dos jovens e o crescimento do número de idosos
(associados à redução da taxa de natalidade e crescimento da eerança de
vida), a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e o
crescimento da importância relativa do setor de servos. Apesar disso, a
desigualdade da diribuição da renda no Brasil tem morado extraordinária
eabilidade nas duas últimas décadas³. Analisando o período de  a ,
Barros, Henriques e Mendonça () moram que o Índice de Gini da
diribuição do rendimento domiciliar per capita permanece próximo de
,, os  mais ricos ficando com cerca de  da renda total e os 
mais pobres ficando com aproximadamente .
4. a Distribuição Da Posse Da terra
Nea seção será examinada a concentração da posse da terra no Brasil.
Inicialmente são lembrados os fundamentos hióricos dessa concentrão,
citando os trabalhos que permitem um aprofundamento do tema. Em
Cabe ressaltar que a linha de pobreza é fixada no valor real do maior salário mínimo vigente
em agoo de , e não no salário mínimo corrente.
De  a  as s indicam que houve redução siemática da desigualdade da
diribuição no rendimento domiciliar per capita. Ver Ipea ().
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 187
seguida são analisados os dados sobre a erutura fundiária dos últimos
Censos Agropecuários. Finalmente serão sumariamente comentadas outras
fontes de dados sobre a erutura fundiária.
4 . 1 . H I S T Ó R I A
O trabalho clássico sobre a concentração da propriedade fundiária no Brasil,
desde a diribuição das sesmarias, é o livro de Alberto Passos Guimarães
intitulado “Quatro séculos de latifúndio.
Embora a forma legal básica de conituição da propriedade rural no
Brasil, até , fosse a sesmaria, essa não era a única via de acesso à posse
da terra, pois multiplicavam-se as posses e, com elas, ganhava largas
dimensões e consiência a nova classe dos pequenos cultivadores de terra
(Guimarães, , p. ). A Resolução de  de julho de , extinguindo
o regime de sesmarias, apenas sancionava um fato consumado.
A partir de , sucedem-se as doações das terras públicas que se iriam
converter em imensos latifúndios, mas também prosseguem as ocupações
de lotes menores, por parte dos pequenos cultivadores, intensificando-se os
litígios, as contendas entre sesmeiros e posseiros confinantes, os esbulhos
dos lavradores sem recursos pelos senhores dos latifúndios (Guimarães,
, p. -).
Um marco importante é a Lei de Terras de , que representa uma
nítida opção da classe que detinha o poder político em favor da consolidação
da grande propriedade rural. De acordo com Guimarães (, p. ) a Lei
de Terras visava a três objetivos: proibir as aquisições de terras por outro
meio que não a compra, elevar os preços das terras e dificultar sua aquisição
e deinar o produto das vendas de terras à importação de colonos.
É interessante contraar a legislação fundiária brasileira com a correon-
dente legislação norte-americana no século . Enquanto a Lei brasileira
de  dificultava o acesso à terra pelo trabalhador livre, o Homeead A,
de , nos Eados Unidos, eabelecia a diribuição gratuita de terras
à razão de  acres (cerca de  ha) por família [Ver G (,
p. ) e H (, p. , ,  e )]. Coa () faz uma
comparação entre a política de terras no Brasil e nos Eados Unidos naquela
época, afirmando que os membros da elite brasileira assemelhavam-se, em
Nead Estudos 15188
alguns aeos, aos fazendeiros sulias do Velho Sul norte-americano, com
a diferença essencial de que controlavam a nação (p.).
A abolição da escravatura não alterou a erutura fundiária. Abolido
o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve modificações
de real significação na forma de organização da produção e mesmo na
diribuição da renda (F, , p. ).
Assim, o Brasil chegou ao século com uma erutura fundiária
altamente concentrada, caraerizada pela coexiência de latifúndios e
minifúndios. As exceções mais deacadas são as áreas onde houve um
processo de colonização baseado em propriedades familiares, com imigrantes
europeus. Esse siema de colonização teve relativo sucesso e importância
apenas em algumas regiões do Eírito Santo, do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul.
4 . 2 . A D I S T R I B U I Ç Ã O D A P O S S E D A T E R R A N O B R A S I L
D E A C O R D O C O M O S C E N S O S A G R O P E C U Á R I O S
Nee item será analisada a diribuição da posse da terra no Brasil utilizando
os dados dos Censos Agropecuários de , ,  e -.⁴
... O conceito de estabelecimento agropecuário
O define como eabelecimento agropecuário todo terreno de área
contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou rural), formado
de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se
processasse uma exploração agropecuária,…. Excluíram-se da inveigação
os quintais de residências e hortas doméicas” (, a, p.).
A partir do Censo Agropecuário de , as parcelas não-confinantes
exploradas em conjunto, por um mesmo Produtor, foram consideradas
como um único eabelecimento desde que eivessem situadas no mesmo
Setor e utilizassem os mesmos recursos técnicos (máquinas, implementos
e inrumentos agrários, animais de trabalho, etc.) e os mesmos recursos
humanos (o mesmo pessoal), eando subordinadas a uma única adminis-
tração (do Produtor ou de um Adminirador)” (, , p.).
São transcritas partes do trabalho de Hoffmann e Graziano da Silva ().
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 189
Uma das novidades do Censo Agropecuário de - foi a mudança
no período de referência, que passou a ser o ano agrícola, em lugar do ano
civil; outra foi a mudança na época de coleta dos dados, que foi feita no
segundo semere, a partir de agoo de . O adverte que, por
causa disso, os resultados do Censo de - não são eritamente
comparáveis aos dos Censos Agropecuários anteriores. (, a, p. ).
Assinala que há, no Brasil, um número não derezível de eabelecimentos
agropecuários com natureza precária e transitória, sendo facilmente
identificáveis apenas durante o período entre o plantio e a colheita da safra.
Na entressafra, muitas vezes são poucos os veígios da atividade agrícola
que se desenvolveu na área na safra anterior, e freqüentemente o reonsável
pela produção não pode ser encontrado na região em que se localiza o
eabelecimento, pois terminou seus trabalhos e deixou o local. Isso pode
acontecer, por exemplo, com eabelecimentos operados por parceiros e
arrendatários, que recebem um pedaço de terra para cultivar mas que, depois
da colheita, devolvem essa terra ao dono, desfazendo seu vínculo com a
mesma…. Em zonas mais remotas, aproprietários que exploram a terra
muitas vezes residem longe do eabelecimento e regiram presença apenas
ocasional no período da entressafra… Em suma, embora a coleta de dados
feita a partir de agoo de  tenha captado informações referentes a uma
única safra, o que por si só representa um avanço em relação ao que ocorreu
nos censos anteriores, o período de coleta correondeu à época em que
aqueles eabelecimentos de exiência temporária, que tiveram produção
na safra de -,o mais exiiam (, a, p. ).⁵
Ao comparar o Censo Agropecuário de - com os anteriores, é
necessário sempre ter em mente a possibilidade de mudanças nos resultados
serem devidas, no todo ou em parte, à alteração no período de coleta
dos dados. Uma maneira de obter conclusões mais seguras é examinar a
seqüência dos censos de , ,  e -. Se a série de dados
morar uma tendência de variação sempre com o mesmo sentido, podemos
Também no Censo de o período de coleta foi alterado de setembro para julho, tendo
causado diorção nos resultados obtidos do número de eabelecimentos, pessoal ocupado
e área cultivada. (Informação verbal de Manoel Antonio S. da Cunha, técnico aposentado
do ).
Nead Estudos 15190
ficar mais confiantes de ear captando um fenômeno real. Por outro lado,
mudanças bruscas no último censo, particularmente quando possam ser
associadas com a não-captação de eabelecimentos de natureza precária,
provavelmente são devidas à alteração no período de coleta dos dados.
Cabe esclarecer que as medidas de desigualdade da diribuição da posse
da terra apresentadas a seguir foram calculadas a partir das tabelas divulgadas
pelo com o número e a área total dos eabelecimentos agropecuários
em  eratos de área, mas incluem eimativas da desigualdade dentro desses
eratos. Essas eimativas o obtidas admitindo que a diribuição dentro
dos eratos com limite superior finito tem função de densidade linear e
que a diribuição no erato sem limite superior definido (. ha ou
mais) é a de Pareto com dois parâmetros. Essas mesmas pressuposições
são utilizadas para interpolar os percentis (inclusive a mediana).
... A distribuição da posse da terra conforme a condição do produtor
Uma maneira de avaliar os efeitos da mudança no período de coleta dos dados
do Censo Agropecuário é analisar o que ocorre para cada uma das quatro
condições do produtor (proprietário, arrendatário, parceiro e ocupante).
Eera-se que os dados sejam mais afetados no caso de arrendatários e
parceiros, pois nesses casos seriam mais freqüentes os eabelecimentos de
natureza precária, que deixam de exiir na entressafra.
A Tabela mora a evolução do número de eabelecimentos (em
milhares) por condição do produtor, com base nos dados dos Censos
Agropecuários de , ,  e -. Observa-se que o número
de arrendatários se mantém próximo de  milhares nos Censos de
,  e  e cai, bruscamente, para menos da metade em -.
O número de parceiros, que nunca foi inferior a  milhares no período
-, e que inclusive mora tendência crescente, cai para  milhares
em -; a redução de  para - é de ,. O número
de ocupantes se reduz de / entre  e -, assumindo em -
 um valor subancialmente menor do que em qualquer um dos três
censos anteriores. O comportamento do número de eabelecimentos de
proprietários é muito diferente. Embora haja uma pequena redução entre
 e - (,), o número de eabelecimentos no último censo
supera subancialmente os valores observados em  e .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 191
O contrae entre a evolução dos eabelecimentos controlados pelos
próprios proprietários e dos eabelecimentos adminirados por arrenda-
tários e parceiros fica claro na Tabela . A participação dos primeiros no
número total de eabelecimentos agropecuários do país permanece entre
 e  de  a  e salta para , em -. Por outro lado, a
participação de parceiros e arrendatários no número total de eabelecimentos
permanece acima de  de  a  e cai para , em -.
Pode-se verificar que os eabelecimentos que deixam de exiir (ou
não são captados) no Censo Agropecuário de - não são uma
parcela aleatória da população. Vamos considerar, particularmente, os
eabelecimentos de arrendatários. A Tabela mora que a área média
para essa condição do produtor permanece entre  e  heares de 
a , mas é de , heares em -.
TABELA 5 MERO E ÁREA TOTAL DOS ESTABELECIMENTOS
AGROPECUÁRIOS COM DECLARÃO DE ÁREA, CONFORME CONDÃO
DO PRODUTOR E TS ESTRATOS DE ÁREA. BRASIL, 1975 A 1995-1996.
conDi-
ção
Pro
-
Dutor
e ano
menos
De 10 ha 10 a menos
De
100 ha
100 ha e mais total
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
Proprietário
1975 1.181.651 5.024 1.592.798 51.760 424.630 231.992 3.199.079 288.777
1980 1.241.209 5.246 1.682.147 55.136 466.415 264.252 3.389.771 324.633
1985 1.431.270 5.773 1.813.879 59.790 500.913 274.785 3.746.062 340.348
1995-96 1.396.271 5.577 1.722.972 57.119 484.388 268.958 3.603.631 331.655
A
rrendatário
1975
481.839 1.120 68.132 1.968 19.911 6.610 569.882 9.698
1980 475.057 1.114 86.816 2.497 23.520 9.226 585.393 12.837
1985 466.777 1.039 85.049 2.651 22.683 8.067 574.509 11.758
1995-96 200.245 448 52.827 1.657 14.864 6.544 267.936 8.649
CoNtINua
Nead Estudos 15192
CoNtINuação
conDi-
ção
Pro
-
Dutor
e ano
menos
De 10 ha 10 a menos
De
100 ha
100 ha e mais total
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
n
o
área
total
(1.000
ha)
Parceiro
1975 232.606 924 63.871 1.307 2.581 886 299.058 3.118
1980 247.288 908 67.650 1.431 3.466 1.492 318.404 3.831
1985 365.262 1.187 73.056 1.570 5.549 2.163 443.867 4.920
1995-96 238.912 585 34.240 836 3.879 1.753 277.031 3.175
Ocupante
1975 705.769 1.914 174.148 5.136 40.516 15.254 920.433 22.304
1980 634.465 1.736 180.161 5.431 42.961 16.386 857.587 23.553
1985 801.513 1.987 188.356 5.554 38.697 10.358 1.028.566 17.899
1995-96 566.946 1.271 106.448 3.081 16.191 5.781 689.585 10.133
Total
1975 2.601.860 8.983 1.898.949 60.172 487.638 254.742 4.988.447 323.896
1980 2.598.019 9.004 2.016.774 64.494 536.362 291.356 5.151.155 364.854
1985 3.064.822 9.987 2.160.340 69.565 567.842 295.373 5.793.004 374.925
1995/96 2.402.374 7.882 1.916.487 62.694 519.322 283.035 4.838.183 353.611
Fonte: IbgE, Censos Agropecuários.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 193
TABELA 6– DISTRIBUIÇÃO PORCENTUAL DO NÚMERO DE
ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS E DA SUA ÁREA TOTAL PELAS
QUATRO CONDIÇÕES DO PRODUTOR. BRASIL, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
1975 1980 1985 1995-1996
n
o
área n
o
área n
o
área n
o
área
Proprietário 64,1 89,2 65,8 89,0 64,7 90,8 74,5 93,8
Arrendatário 11,4 3,0 11,4 3,5 9,9 3,1 5,5 2,4
Parceiro 6,0 1,0 6,2 1,0 7,7 1,3 5,7 0,9
Ocupante 18,5 6,9 16,6 6,5 17,8 4,8 14,3 2,9
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
TABELA 7 ÁREAS MÉDIA E MEDIANA POR ESTABELECIMENTO AGROPECRIO,
CONFORME A CONDÃO DO PRODUTOR. BRASIL, 1975 A 1985.
conDição
Do
ProDutor
área méDia (ha) área meDiana (ha)
1975 1980 1985 1995-
96
1975 1980 1985 1995-
96
Proprietário 90,3 95,8 90,9 92,0 15,9 16,1 15,3 15,2
Arrendatário 17,0 21,9 20,5 32,3 1,9 2,1 1,9 2,3
Parceiro 10,4 12,0 11,1 11,5 4,7 4,3 3,4 2,2
Ocupante 24,2 27,5 17,4 14,7 2,9 3,2 2,6 2,1
Total 64,9 70,8 64,7 73,1 8,9 9,7 8,4 10,1
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
Os resultados apresentados até aqui sugerem que várias modificações
observadas entre os Censos Agropecuários de  e - eão
associadas a eabelecimentos de parceiros e arrendatários, não havendo,
previamente, uma tendência de variação no sentido e com a dimensão em
Nead Estudos 15194
que ela ocorreu. Tudo indica, portanto, que aquelas modificações se devem,
essencialmente, à modificação no período de coleta dos dados do Censo. É
provável que a maior parte da redução no número de eabelecimentos de
arrendatários e parceiros se deva ao fato de que eles não foram captados
na coleta de dados do Censo Agropecuário de -. Os dados não
permitem afirmar que tenha ocorrido, efetivamente, uma diminuição no
número desses eabelecimentos.
Como conseqüência, é necessário analisar com cuidado todas as modi-
ficações nas caraeríicas da diribuição da posse da terra no Brasil entre
 e -, tentando avaliar até que ponto as mudanças podem ser
devidas à não-captação de eabelecimentos de natureza precária no último
Censo Agropecuário.
A Tabela mora que a área média dos eabelecimentos agropecuários
recenseados aumentou de , heares em  para , heares em
-, um crescimento de . Mas a área média dos eabelecimentos
de proprietários (para os quais a não-captação é, certamente, menos fre-
qüente) cresceu pouco mais de  (de , para , ha). A maior parte do
crescimento da média geral pode ser explicada pela mudança no período
de coleta dos dados. Note-se que enquanto a área mediana de todos os
eabelecimentos recenseados aumenta de , para , heares, a área
mediana dos eabelecimentos de proprietários mora ligeira redução.
É importante ressaltar, por outro lado, que pode ter havido, também, uma
efetiva redução no número de arrendatários e parceiros, e aumento da sua
área média, pelo menos em algumas regiões do país. No Eado de São Paulo,
por exemplo, tanto para parceiros como para arrendatários, a área média por
eabelecimento tem crescido continuamente desde o Censo Agropecuário
de . Os dados referentes a esse eado serão analisados poeriormente.
A Tabela apresenta o Índice de Gini da diribuição da posse da terra
no Brasil e para cada uma das quatro condições do produtor. Para toda
a população recenseada, o índice eá próximo a , desde . Para os
proprietários, o Índice de Gini permanece próximo de , nos últimos
três censos agropecuários. Nesses casos, parece que a mudança no período
de coleta dos dados não tem nenhum efeito relevante, não afetando a
eabilidade, em nível elevado, da desigualdade da diribuição da posse
da terra no país.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 195
TABELA 8 ÍNDICE DE GINI E ÍNDICE DE ATKINSON (TRANSFORMAÇÃO
DO L DE THEIL) DA DISTRIBUIÇÃO DA POSSE DA TERRA CONFORME
A CONDÃO DO PRODUTOR. BRASIL, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
ínDice De gini ínDice De atkinson
1975 1980 1985 1995-
96
1975 1980 1985 1995-
96
Proprietário 0,830 0,835 0,834 0,836 0,818 0,826 0,830 0,834
Arrendatário 0,871 0,882 0,878 0,890 0,850 0,870 0,869 0,897
Parceiro 0,651 0,718 0,752 0,830 0,566 0,654 0,694 0,792
Ocupante 0,861 0,863 0,833 0,850 0,844 0,853 0,818 0,831
Total 0,855 0,857 0,858 0,857 0,856 0,860 0,865 0,867
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
As maiores alterações no valor do Índice de Gini, na Tabela , são
observadas para os parceiros. Entre e -, o índice dessa categoria
aumenta conantemente de , para ,. Mas sabemos, da Tabela ,
que o mero de parceiros recenseados cresceu de  até , e depois
diminuiu ,. Não se trata, portanto, de um fenômeno homoneo ao
longo dos  anos. Entre os dois últimos censos, ocorre redução dráica no
número de parceiros com áreas “intermediárias (entre e ha) e aumento
nas caudas da diribuição (menos de ha e mais de  ha), de maneira que
a desigualdade aumenta baante quase sem alterar a área média (ver Tabela ).
Sabemos que o Índice de Gini é uma medida de desigualdade mais
sensível a alterões na diribuição nas vizinhanças da sua mediana. A
relativa eabilidade do índice de Gini da diribuição da posse da terra entre
proprietários pode ear deixando de revelar modificações em outras partes
da diribuição, sendo aconselhável o uso de outras medidas de desigual-
dade. A Tabela  mora que, para os eabelecimentos de proprietários, a
proporção da área total correondente aos  maiores permanece próxima
de  desde , mas a proporção da área total correondente aos 
menores mora uma persiente tendência de diminuição. Por isso, o Índice
de Atkinson, que é uma medida de desigualdade particularmente sensível
Nead Estudos 15196
a modificações na cauda inferior da diribuição, mora uma tendência
persiente de crescimento no caso dos eabelecimentos explorados pelos
proprietários (e também para o total de eabelecimentos agropecuários),
como mora a Tabela . É verdade que o índice muda muito pouco nos
três últimos Censos, permanecendo igual a ,se considerarmos um valor
arredondado na segunda decimal. De qualquer maneira, o nenhuma
indicação de tendência de redução da desigualdade da diribuição da posse
da terra nesse período.
TABELA 9 PORCENTAGEM DA ÁREA TOTAL CORRESPONDENTE AOS
50% MENORES (50−) E AOS 5% MAIORES (5+) ESTABELECIMENTOS,
CONFORME A CONDÃO DO PRODUTOR. BRASIL, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
50− 5+
1975 1980 1985 1995-
96
1975 1980 1985 1995-
96
Proprietário 3,6 3,4 3,3 3,2 65,7 66,5 66,2 66,3
Arrendatário 2,8 2,3 2,3 1,6 74,9 75,7 73,0 73,8
Parceiro 11,3 8,4 7,3 4,5 45,3 53,8 58,7 69,7
Ocupante 2,9 2,6 3,4 3,3 70,7 69,5 63,5 69,0
Total 2,5 2,4 2,3 2,3 68,7 69,3 69,0 68,8
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
Note-se que as medidas de desigualdade apresentadas se referem à
diribuição dos eabelecimentos agropecuários de acordo com sua área,
não levando em consideração as famílias ocupadas na agropecuária que não
possuem qualquer área de terra. Atribuindo a essas famílias eabelecimentos
com área igual a zero, verifica-se que o Índice de Gini da diribuição da posse
da terra no Brasil se torna praticamente igual a , (Hoffmann, ).
... O caso do Mato Grosso
Sabemos que a diribuição da posse da terra no Brasil mora diferenciações
regionais muito importantes. Como não há eaço, nee texto, para uma
análise pormenorizada por Unidade da Federação, vamos analisar apenas
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 197
dois eados, começando com o Mato Grosso, que é um caso onde o efeito
da mudança no período de coleta dos dados é notório.
A Tabela  mora que no Mato Grosso o número de eabelecimentos
agropecuários cujo reonsável é proprietário quase triplica entre  e
-. Esse número aumenta  entre  e  e ocorre novo
aumento de  entre  e -. O comportamento do número
de eabelecimentos de arrendatários e parceiros é radicalmente diferente.
O número de eabelecimentos de arrendatários eá próximo de  mil
em  e , crescendo nesse período; em - esse número se
reduz a menos de um sexto do valor observado em . O número de
eabelecimentos de parceiros cresce  entre  e  e em -
se reduz a menos de um quinto do valor observado em .
A Tabela  mora que a natureza dos eabelecimentos de arrendatários
e parceiros regirados no Censo Agropecuário de - é muito
diferente do tipo médio observado nos Censos anteriores. Note-se, por
exemplo, que a área média por arrendatário em - é mais do que
dez vezes maior que em .
Em uma análise cuidadosa e competente de uma versão anterior dee
texto, Antonio Florido, gerente do Censo Agropecuário do , chamou
nossa atenção para o fato de que a interpretação das mudanças observadas
nos dados do Mato Grosso é dificultada pelo fato de se tratar de um eado
que em  ainda tinha caraeríicas de fronteira agrícola. Mas, mesmo
com essa ressalva, nos parece que a causa principal das mudanças dráicas
observadas no número e na natureza de arrendatários e parceiros entre 
e - é a mudança no período de coleta.⁶
Dados referentes a outros eados podem ser encontrados em trabalho dionível na home page
do Inituto de Economia: www.eco.unicamp.br, clicando, em seqüência, cleo de Economia
Agrícola, Projeto R, Textos, Textos para Download, Diribuição da Posse da Terra no
Brasil e nas Unidades da Federação, conforme a Condição do Produtor,  a -.
Nead Estudos 15198
TABELA 10 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS
COM DECLARAÇÃO DE ÁREA E SUA DISTRIBUIÇÃO PELAS QUATRO
CONDIÇÕES DO PRODUTOR. MATO GROSSO, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
1975 1980 1985 1995-1996
n
o
% n
o
% n
o
% n
o
%
Proprietário 23.980 42,8 35.725 56,4 48.832 62,7 68.213 86,6
Arrendatário 13.158 23,5 9.820 15,5 10.328 13,3 1.641 2,1
Parceiro 2.066 3,7 3.887 6,1 5.001 6,4 968 1,2
Ocupante 16.839 30,0 13.886 21,9 13.753 17,7 7.927 10,1
Total 56.043 100,0 63.318 100,0 77.914 100,0 78.749 100,0
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
Na seção .. dee trabalho reproduzimos as advertências do
para as limitações decorrentes da mudança no período de coleta. Entretanto,
ao comentar os resultados observados e comparar dados do Censo de
- com Censos anteriores, o próprio parece esquecer aquelas
advertências. No volume do Censo Agropecuário referente a Mato Grosso,
por exemplo, não se faz nenhuma menção ao problema da mudança no
período de coleta dos dados ao comentar a dráica redução na proporção
de eabelecimentos de arrendatários (, b, p. ).
TABELA 11 ÁREAS MÉDIA E MEDIANA DOS ESTABELECIMENTOS
AGROPECUÁRIOS DO MATO GROSSO, CONFORME A
CONDIÇÃO DO PRODUTOR, DE 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
área méDia (ha) área meDiana (ha)
1975 1980 1985 1995-
96
1975 1980 1985 1995-
96
Proprietário 874,7 899,2 746,6 707,5 46,8 69,9 60,5 67,9
Arrendatário 15,3 43,5 40,1 456,9 4,1 4,7 5,1 41,7
Parceiro 10,6 44,8 30,3 162,6 4,0 5,0 5,4 7,8
Ocupante 44,6 131,8 59,0 85,8 5,1 7,4 7,3 55,3
Total 391,6 545,7 485,6 633,0 9,1 21,8 28,4 64,0
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 199
O Índice de Gini da diribuição da posse da terra de Mato Grosso é ,
em  e , em -. Como a área média cresce de ,para ,
heares, poderíamos dizer que os eabelecimentos desse eado se tornaram
maiores e menos desiguais. Mas grande parte dessa aparente mudança se
deve, certamente, ao fato de que o último Censo Agropecuário não captou
grande número de pequenos eabelecimentos de natureza precária.
... O caso do Estado de São Paulo
No caso do Eado de o Paulo não ocorrem mudanças tão bruscas como
no Mato Grosso, mas uma diminuição muito intensa no número de
eabelecimentos de arrendatários e parceiros entre e -, que
certamente também eá associada à mudança no período de coleta de dados.
Note-se, na Tabela , que o número de eabelecimentos de arrendatários
eá próximo de  mil em ,  e  e em - esse número
cai para .. O número de eabelecimentos de parceiros, que foi sempre
superior a  mil nos Censos Agropecuários de  a , cai para .
em -.
TABELA 12 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS
COM DECLARAÇÃO DE ÁREA, CONFORME A CONDIÇÃO DO
PRODUTOR. ESTADO DE SÃO PAULO, 1975 A 1995-1996.
conDição Do
ProDutor
ano
1975 1980 1985 1995-1996
Proprietário 199.152 187.005 195.854 179.022
Arrendatário 29.408 29.143 30.469 18.609
Parceiro 32.273 40.227 37.227 10.762
Ocupante 17.298 16.670 18.308 9.367
Total 278.131 273.045 281.858 217.760
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
A intensa redução no número de eabelecimentos cujo produtor é
arrendatário, parceiro ou ocupante, no período de  a -, faz
com que a participação dos eabelecimentos de proprietários no Eado de
Nead Estudos 15200
São Paulo atinja , em -, embora nos Censos Agropecuários
anteriores analisados tenha se situado ao redor de , como se pode
verificar na Tabela .
TABELA 13 DISTRIBUÃO PORCENTUAL DO NÚMERO DE
ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS E DA SUA ÁREA TOTAL PELAS QUATRO
CONDIÇÕES DO PRODUTOR. ESTADO DE O PAULO, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
ProDutor
1975 1980 1985 1995-1996
n
o
área n
o
área n
o
área n
o
área
Proprietário 71,6 91,6 68,5 89,6 69,5 86,9 82,2 90,2
Arrendatário 10,6 4,6 10,7 5,8 10,8 7,4 8,5 6,7
Parceiro 11,6 1,8 14,7 2,7 13,2 3,4 4,9 2,1
Ocupante 6,2 2,0 6,1 2,0 6,5 2,3 4,3 1,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
A Tabela  mora que a área média dos eabelecimentos de arrendatá-
rios e parceiros no Eado de o Paulo cresce monotonicamente desde .
É pouco provável, nesse caso, que o crescimento dessas áreas médias de 
a - seja devido apenas à mudança no período de coleta de dados
do Censo Agropecuário. Note-se que a área mediana dos eabelecimentos
de arrendatários também cresce monotonicamente desde . Quando
se examinam as áreas média e mediana de todos os eabelecimentos
agropecuários paulias, observa-se que elas são baante eáveis no período
- e apresentam subancial acréscimo em -. Isso é causado,
essencialmente, pelo aumento da participação dos proprietários no total
de eabelecimentos, já que a área média dessa categoria é bem maior que
a área média de arrendatários, parceiros ou ocupantes. Nota-se que tanto
a área média como a área mediana dos eabelecimentos de proprietários
diminuem de  a -. Assim, o crescimento da área média geral
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 201
pode ser explicado pela não-captação de eabelecimentos de arrendatários
e parceiros no último Censo Agropecuário.⁷
TABELA 14 ÁREAS MÉDIA E MEDIANA POR ESTABELECIMENTO
AGROPECUÁRIO, CONFORME A CONDÃO DO PRODUTOR.
ESTADO DE SÃO PAULO, 1975 A 1995-1996.
conDição
Do
área méDia (ha) área meDiana (ha)
ProDutor 1975 1980 1985 1995-
96
1975 1980 1985 1995-
96
Proprietário 94,5 96,6 89,8 87,5 25,7 26,4 24,5 23,9
Arrendatário 32,3 39,9 49,2 62,9 8,7 10,6 13,9 17,6
Parceiro 11,7 13,4 18,3 33,7 7,6 7,3 7,0 4,5
Ocupante 23,6 23,7 25,6 18,2 6,3 5,4 5,3 4,8
Total 73,9 73,8 71,8 79,8 17,4 17,3 17,3 20,7
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
O Índice de Gini da diribuição da posse da terra no Eado de São
Paulo na última linha da Tabela  pode sugerir uma ligeira diminuição
da desigualdade em -. Entretanto, da mesma maneira que no
Mato Grosso, essa aparente redução da desigualdade pode ser devida à
não-captação de eabelecimentos de natureza precária no último Censo
Agropecuário. Nota-se que o Índice de Gini de diribuição da terra entre
eabelecimentos de proprietários, quando arredondado na segunda decimal,
permanece igual a , nos últimos três Censos.
Informações adicionais obtidas junto à Secretaria da Agricultura de São Paulo dão conta
de problemas de cobertura geográfica no Censo de -em algumas regiões do
eado (como a de Campinas, por exemplo) em função do deseímulo dos recenseado-
res recrutados pelo decorrente da baixa remuneração do trabalho de coleta dos
queionários em campo.
Nead Estudos 15202
TABELA 15 ÍNDICE DE GINI DA DISTRIBUÃO DA POSSE DA TERRA CONFORME
A CONDÃO DO PRODUTOR. ESTADO DE SÃO PAULO, 1975 A 1995-1996.
conDição Do
ProDutor
ano
1975 1980 1985 1995/96
Proprietário 0,755 0,751 0,752 0,749
Arrendatário 0,754 0,741 0,744 0,752
Parceiro 0,512 0,591 0,703 0,841
Ocupante 0,752 0,786 0,799 0,764
Total 0,775 0,774 0,772 0,760
F
onte:
IbgE, Censos Agropecuários.
... Distribuição da posse da terra nas Regiões e
nas Unidades da Federão em -
A Tabela  mora as principais caraeríicas da diribuição da posse da
terra em - nas Grandes Regiões e nas Unidades da Federação.
A área média por eabelecimento é relativamente baixa no Nordee e
no Sul e é extraordinariamente elevada no Centro-Oee. Alagoas e Sergipe
são as Unidades da Federação com menores áreas médias. As áreas medianas
são baixas em todos os eados do Nordee e superam os  ha apenas no
Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Roraima.
Santa Catarina e Eírito Santo são as únicas Unidades da Federação
com Índice de Gini abaixo de ,, Índice de Atkinson abaixo de , e
mais de  da área total correondendo aos eabelecimentos abaixo da
mediana da diribuição. Já o dual do T de eil, que é uma medida de
desigualdade relativamente mais sensível ao que ocorre na cauda direita
da diribuição, apresenta valores relativamente baixos (abaixo de ,) em
Tocantins, Goiás, Santa Catarina e Eírito Santo.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 203
TABELA 16 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUIÇÃO
DA POSSE DA TERRA NAS GRANDES REGES E NAS UNIDADES DA
FEDERAÇÃO, CONFORME DADOS DO CENSO AGROPECRIO DE 1995-
1996: MERO DE ESTABELECIMENTOS E SUA ÁREA, ÍNDICE DE GINI (G),
DUAL DO T DE THEIL (U) E DE ATKINSON (A) E PORCENTAGEM DA ÁREA
CORRESPONDENTE AOS 50% MENORES (50
) E AOS 5% MAIORES (5
+
).
uniDaDe
geográFica
número
estabel.
áre
a
(1.000
ha)
áre
a (ha) g u a 50– 5+
méDia meDi
ana
Brasil 4.838.183 353.611 73,1 10,1 0,857 0,905 0,867 2,3 68,8
Norte 443.570 58.359 131,6 28,8 0,821 0,892 0,830 3,6 65,6
Nordeste 2.309.085 78.296 33,9 3,4 0,859 0,895 0,866 2,1 67,6
Sudeste
840.881 64.086 76,2 19,0 0,768 0,783 0,757 4,9 53,2
Sul 1.002.427
44.360 44,3 13,4 0,744 0,781 0,686 7,5 56,8
Centro-Oeste 242.220 108.510 448,0 64,9 0,832 0,855 0,840 2,8 62,4
RO 76.954
8.890 115,5 39,1 0,766 0,893 0,735 6,4 61,6
AC 23.788
3.183 133,8 56,4 0,723 0,804 0,715 8,4 54,6
AM 83.022 3.323 40,0 7,7 0,809 0,909 0,789 4,2 62,4
RR 7.395 2.977 402,5 76,7 0,815 0,840 0,830 5,1 65,0
PA 206.199 22.520 109,2 26,6 0,815 0,926 0,828 3,9 65,8
AP 3.275
700 213,8 52,6 0,835 0,927 0,857 3,3 68,3
TO 42.937 16.766 390,5 114,2 0,728 0,710 0,701 6,4 47,2
MA 353.937 12.561 35,5 1,4 0,904 0,926 0,929 1,0 73,5
PI 206.998
9.660 46,7 3,0 0,874 0,910 0,898 1,3 68,1
CE 339.217 8.964 26,4 3,0 0,846 0,860 0,843 2,7 64,4
RN 90.976
3.734 41,0 4,2 0,853 0,868 0,868 2,0 66,2
PB 146.455
4.109 28,1 3,6 0,835 0,846 0,829 3,0 64,0
PE 258.483 5.581 21,6 3,4 0,822 0,845 0,809 3,6 62,6
CoNtINua
Nead Estudos 15204
CoNtINuação
uniDaDe
geográFica
número
estabel.
áre
a
(1.000
ha)
áre
a (ha) g u a 50– 5+
méDia meDi
ana
AL 115.038 2.142 18,6 2,1 0,865 0,899 0,853 2,6 71,7
SE 99.058 1.703 17,2 2,0 0,848 0,858 0,856 2,3 65,4
BA 698.923 29.843 42,7 6,7 0,835 0,889 0,823 3,2 66,2
MG 496.258
40.812 82,2 19,8 0,773 0,789 0,763 4,6 53,3
ES 73.208
3.489 47,7 18,0 0,692 0,725 0,632 8,6 46,6
RJ 53.655
2.416 45,0 9,0 0,791 0,775 0,818 3,4 53,4
SP 217.760
17.369 79,8 20,7 0,760 0,765 0,741 5,6 52,7
PR 369.807
15.947 43,1 12,8 0,743 0,780 0,687 7,1 54,7
SC 203.237
6.613 32,5 13,4 0,673 0,719 0,597 10,6 49,1
RS 429.383 21.801 50,8 13,8 0,763 0,793 0,712 6,9 59,7
MS 49.248 30.943 628,3 67,3 0,823 0,798 0,878 1,6 55,3
MT 78.749
49.850 633,0 64,0 0,871 0,899 0,880 2,1 70,0
GO 111.764 27.473 245,8 66,6 0,741 0,717 0,721 5,6 47,7
DF 2.459 245 99,6 17,5 0,802 0,818 0,799 3,3 55,8
4 . 3 . O U T R A S F O N T E S D E D A D O S S O B R E A E S T R U T U R A F U N D I Á R I A
O cadaro de imóveis rurais do Incra é outra fonte importante de dados
sobre a erutura fundiária no país.
Enquanto o eabelecimento agropecuário do é uma unidade de
prodão agropecuária com uma única adminirão, o imóvel rural é
uma unidade de propriedade. Imóvel rural, para os fins de cadaro, é o
prédio rúico, de área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terra,
pertencente a um mesmo dono, que seja ou possa ser utilizada em exploração
agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agro-indurial, independente de sua
localização na zona rural ou urbana do Munipio, com as seguintes rerões:
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 205
. Os imóveis localizados na zona rural do município cuja área total for inferior
a . m
não são abrangidos pela classificação de Imóvel Rural’ e o são
objeto de cadaro.
. Os imóveis rurais localizados na zona urbana do município somente serão
cadarados quando tiverem área total igual ou superior a ha e tiverem
produção comercializada (Incra, ).
O primeiro cadaro de imóveis rurais do Brasil foi feito em 
pelo Ibra (Inituto Brasileiro de Reforma Agrária). Depois vieram os
recadaramentos realizados pelo Incra (Inituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária) em ,  e .
As Tabelas  e  moram alguns indicadores básicos da erutura
fundiária no país de acordo com os dados do cadaro de  e dos recadas-
tramentos de , e , e também os dados da situação do cadaro
em //. Para  são apresentados tanto os indicadores obtidos
a partir dos dados publicados em Eatíicas Cadarais Emergenciais
Recadaramento ” como os resultados baseados nas novas tabelas
obtidas na Unicamp.
TABELA 17 NÚMERO DE IMÓVEIS RURAIS COM INFORMÃO DE
ÁREA, ÁREA TOTAL, ÁREA MÉDIA E ÁREA MEDIANA. BRASIL, 1967-1998.
ano número De
imóVeis
área total
(1.000 ha)
área méDia
(ha)
área meDiana
(ha)
1967 3.638.931 360.104 99,0 17,3
1972 3.387.173 370.275 109,3 18,7
1978 3.071.085 419.902 136,7 20,6
1992(1) 3.066.390 331.364 108,1 18,6
1992(2) 2.924.204 310.031 106,0 18,5
1998(3) 3.587.967 415.571 115,8 18,5
F
onte dos dados básicos:
IbgE (1969) e Incra.
(1) Conforme “Estatísticas Cadastrais Emergenciais – Recadastramento 1992”.
(2) Conforme tabelas elaboradas na Unicamp.
(3) Conforme tabelas elaboradas na Unicamp considerando
a situação do Cadastro em 03/04/1998.
Nead Estudos 15206
Verifica-se que muita semelhança entre os indicadores em  e ,
morando a grande eabilidade na erutura fundiária do Brasil nesses 
anos. A área média por imóvel rural diminui apenas , passando de ,
ha em  para , ha em . A área mediana apresenta mudança
insignificante, caindo de , ha para , ha. O Índice de Gini permanece
um pouco acima de , e a porcentagem da área total ocupada pelos 
maiores imóveis permanece entre  e . Um dos motivos para a grande
eabilidade da erutura agrária brasileira é, certamente, a imensidão do país,
que faz com que mudanças localizadas tenham pouco efeito no total. É claro,
por outro lado, que não houve, nesse período, intervenção governamental
ou movimento econômico-social que tenha alterado de forma notória a
erutura agrária em qualquer Unidade da Federação.
Quase todos os indicadores moram que um crescimento da desigual-
dade entre  e . Nota-se, entretanto, que a desigualdade observada
em  é menor do que em . Ao fazer essas comparações é importante
lembrar que os dados de  não se referem a um novo recadaramento,
mas sim à situação atualizada do cadaro em abril de , com base no
recadaramento de .
TABELA 18 DESIGUALDADE DA DISTRIBUIÇÃO DA TERRA
ENTRE OS IMÓVEIS RURAIS DO BRASIL, 1967-1998.
ano ínDice
De
gini
Dual
Do
t De
theil
ínDice
De
atkinson
Porcentagem Da área Pertencente aos
50%
menores
10%
maiores
5%
maiores
2%
maiores
1%
maiores
1967 0,836 0,894 0,827 3,5 77,8 65,3 52,7 44,6
1972 0,837 0,906 0,814 3,8 77,9 68,1 55,3 46,0
1978 0,854 0,933 0,837 3,3 80,3 71,6 59,7 50,4
1992(1) 0,833 0,917 0,810 3,9 77,4 67,5 54,5 45,3
1992(2) 0,831 0,909 0,807 3,9 77,1 67,1 53,9 44,6
1998(3) 0,843 0,918 0,825 3,5 78,6 68,9 55,9 46,3
F
onte dos dados básicos:
IbgE (1969) e Incra. Notas: ver Tabela 17.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 207
Nota-se, na Tabela , que o recadaramento de  se deaca pelo
valor relativamente elevado da área total e das áreas média e mediana. Pode
ser que isso seja reflexo da política fundiária do governo militar no período
-, mas é necessário considerar, também, a possibilidade de que
naquele recadaramento tenha ocorrido maior superdeclaração de áreas
(incluindo declarão duplicada de áreas em diuta).⁸
Cabe ressaltar que a área do imóvel é uma medida muito imperfeita da
riqueza correondente, que varia muito com sua localização e caraerís-
ticas do solo e do clima. Uma maneira de avaliar essa queão é analisar a
diribuição dos imóveis conforme o reeivo número de módulos rurais,
como é feito em Hoffmann (), usando dados do Cadaro do Incra em
. Enquanto o Índice de Gini da diribuição dos imóveis conforme sua
área total era ,, o Índice de Gini da diribuição dos iveis conforme
o número de módulos era ,, subancialmente menor, mas confirmando
a exiência de grande desigualdade.
Uma terceira fonte de dados sobre a erutura fundiária no Brasil
são as áreas dos empreendimentos agrícolas obtidas na  (Pesquisa
Nacional por Amora de Domicílios) a partir de . A pergunta sobre
área do empreendimento foi feita para toda pessoa da amora que eivesse
ocupada na semana de referência da pesquisa e que na atividade principal
fosse empregador ou conta-própria na agricultura, silvicultura ou criação
de bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos ou suínos. A análise desses dados
para o período  a  pode ser encontrada em Hoffmann (b).
Para uma análise dos dados do Cadaro no período -, ver Graziano da Silva e
Hoffmann (). Resultados por região e Unidade da Federação no período -
podem ser encontrados em Hoffmann ().
Nead Estudos 15208
5. os Determinantes Do renDimento
5 . 1 . D I S T R I B U I Ç Ã O D A R E N D A E
D I S T R I B U I Ç Ã O D A P O S S E D A T E R R A
Na agricultura brasileira, a terra é, em geral, o principal componente do
capital agrário.Assim, eerava-se encontrar uma associação positiva entre
a desigualdade da diribuição da renda na agricultura de cada Unidade
da Federação e a correondente desigualdade da diribuição da posse da
terra. Entretanto, não se obteve uma relão eatiicamente significativa
entre o Índice de Gini da diribuição da renda familiar per capita para
famílias cujo chefe tem atividade principal na agropecuária (dados do Censo
Demográfico de ) e o Índice de Gini da diribuição da posse da terra
(dados do Censo Agropecuário do mesmo ano) (ver H, b, p.
-). A dificuldade de comprovar eatiicamente a relão entre as duas
desigualdades utilizando os eados como unidades de análise se deve, em
parte, à pouca variação da desigualdade da posse da terra, que é sempre elevada.
Uma maior variabilidade do grau de desigualdade da diribuição da
posse da terra pode ser conseguida utilizando dados para as Microrregiões
Homogêneas () definidas pelo . Utilizando dados do Censo
Agropecuário de  foram calculadas medidas de tendência central e
desigualdade da diribuição da posse da terra em  da Bahia, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e
Mato Grosso. Com base em tabulações eeciais do Censo Demográfico
de , foram calculadas, para as mesmas  , medidas de tendência
central e desigualdade da diribuição da renda entre pessoas de famílias
cujo chefe tem atividade principal na agropecuária, classificadas de acordo
com seu rendimento familiar per capita. Sejam m e G a média e o Índice de
Gini da diribuição da renda. E seja G
o Índice de Gini da diribuição da
posse da terra em cada . Adotando o número total de pessoas daquelas
famílias em cada como fator de ponderação, e aplicando o método de
mínimos quadrados ponderados, foi eimada a seguinte equação (valores
do tee t entre parênteses) (H, b, p.).
Usando a palavra capital” no sentido usual em adminiração de empresas.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 209
T
G
mmG
)62,3()54,4()17,9()36,7(
143,00777,0322,0265,0
2
++=
com R
= , e todos os valores de t significativos ao nível de .
Hoffmann (b) experimentou ajuar vários modelos diferentes,
mudando a medida de desigualdade e introduzindo variáveis binárias para
captar diferenças regionais. Os resultados obtidos confirmam que a desigual-
dade da diribuição da posse da terra é, no Brasil, um dos condicionantes
básicos da desigualdade da diribuição da renda na agropecuária.
5 . 2 . E Q U A Ç Õ E S D E R E N D I M E N T O
O problema discutido na seção anterior se insere em uma queão mais
geral: o que determina o rendimento de uma pessoa? Uma metodologia
básica para analisar essa queão é a eimação de equações de rendimento,
io é, equações de regressão onde se procura explicar o nível de rendimento
pessoal em função de caraeríicas da pessoa (educação, idade, sexo) e da
sua inserção na economia (setor de ocupação, região).
Tendo em via eimar equações de rendimento no Brasil, vamos utilizar
os dados da de , considerando agora as pessoas ocupadas com
informação de valor positivo para o rendimento de todos os trabalhos,
excluindo as pessoas sem informação de idade, escolaridade, posição na
ocupação, cor ou tempo semanal de trabalho. São excluídas, também, as
pessoas com tempo semanal de trabalho inferior a  horas ou superior
a  horas, aquelas cujo ramo de atividade foi classificado como outras
atividades, atividades mal definidas ou não declaradas” e aquelas cuja
posição na ocupação é “trabalhador na produção para o próprio consumo,
trabalhador na conrução para o próprio uso e “não remunerado. o
foram excluídas pessoas cujo rendimento na ocupação principal é nulo, desde
que o rendimento de todos os trabalhos seja positivo. Na amora da 
de  . pessoas satisfazendo essas rerições, correondendo a
uma população de .. pessoas.
Verifica-se que para essas pessoas o rendimento do trabalho principal
correonde a , do rendimento de todos os trabalhos. Ee, por sua
Nead Estudos 15210
vez, representa , do rendimento de todas as fontes (para pessoas com
declaração do rendimento de todas as fontes).
A diribuição do rendimento de todos os trabalhos entre aquelas
pessoas também é fortemente desigual, com Índice de Gini (G) igual a ,
e os  mais ricos ficando com , do total desse tipo de rendimento.
Trata-se de uma diribuição apenas um pouco menos desigual que a
diribuição do rendimento de todas as fontes por pessoa economicamente
ativa (considerando apenas pessoas com rendimento positivo), que em
 tinha G = ,.
Classificando aquelas pessoas ocupadas conforme o setor de ocupação,
verifica-se que apenas , têm atividade principal agrícola, , trabalham
na indúria e , eão no setor de serviços. Atribuindo um índice  à
média geral do rendimento de todos os trabalhos, os índices correondentes
aos setores agrícola, indurial e de serviços são, reeivamente, ,,
, e ,. O setor indurial é o que apresenta menor desigualdade, com
G = ,e a porcentagem da renda apropriada pelos  mais ricos igual
a ,. Para o setor agrícola, essas medidas de desigualdade o G = ,
e ,, e para o setor de servos são G = , e ,. Note-se que o
setor agrícola é o mais pobre, com rendimento médio inferior à metade
do rendimento médio no setor de serviços, e com maior concentração da
renda em favor dos relativamente ricos do setor.
A variável dependente (Y) nas equações de rendimento é o logaritmo
neperiano do rendimento de todos os trabalhos das pessoas ocupadas. O
ajuamento das equações é feito por mínimos quadrados ponderados,
usando o peso ou fator de expansão associado a cada pessoa da amora
como fator de ponderação. Em todos os modelos são consideradas as
seguintes variáveis explanatórias:
Uma variável binária para sexo, que assume valor  para mulheres.
A idade da pessoa medida em dezenas de anos, e também o quadrado dessa
variável, tendo em via que Y não varia linearmente com a idade. A idade
é medida em dezenas de anos apenas para evitar que os coeficientes sejam
muito pequenos. Se os parâmetros para idade e idade ao quadrado forem
indicados por ß₁ e ß₂ reeivamente, deve-se ter ß₁
>
e ß₂ < e então
o valor eerado de Y (e do rendimento) será máximo quando a idade da
pessoa for igual a −ß₁ ⁄( ß₂).
a.
b.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 211
Escolaridade, variando de (no caso de pessoa sem inrução ou com
menos de um ano de eudo) a  anos de eudo e com valor  no caso de
pessoas com  anos ou mais de eudo. Ao ajuar a equação apenas para o
setor agrícola atribui-se valor  para essa variável no caso de pessoas com
 anos ou mais de eudo.
O logaritmo neperiano do número de horas trabalhadas por semana em
todos os trabalhos. O coeficiente dessa variável é a elaicidade do rendimento
em relação ao tempo semanal de trabalho.
Quatro variáveis binárias para diinguir cinco posições na ocupação:
empregado que o seja funcionário blico ou doméico (tomado como
base), trabalhador doméico, funcionário público eatutário (incluindo
militar), conta-própria e empregador.
Quatro variáveis binárias para diinguir cor: branca (tomada como base),
indígena, preta, amarela e parda.
Uma variável binária que é igual a quando a observação se refere à pessoa
de referência da família e é igual a zero nos demais casos.
Cinco variáveis binárias para diinguir seis regiões: Nordee (tomado como
base), Norte, MG+ES+RJ, Eado de São Paulo, Sul e Centro-Oee.
Uma variável binária para diinguir áreas urbanas (base) e áreas rurais.
Duas variáveis binárias para diinguir os setores de atividade (agricultura,
indúria e serviços). O setor agrícola é tomado como base.
Além disso, em vários modelos é introduzida uma variável para captar a
mudança na taxa de retorno da escolaridade quando essa variável supera
anos. Indicando a escolaridade por E e sendo Z uma variável binária que é
igual a para E e é igual a  para E >
,
definimos a nova variável como
F = Z (E−). Dessa maneira earemos admitindo que a variável dependente
Y cresce com E conforme uma poligonal com vértice no ponto de abscissa
E = ; para escolaridade abaixo de , a inclinação da relação entre Y e E é
o coeficiente de E na equação de regressão, mas a partir da escolaridade 
a inclinação passa a ser a soma dos coeficientes de E e F.
Na última equação para o setor agrícola é introduzida uma variável
deinada a captar o efeito da área do empreendimento onde a pessoa
trabalha. Essa área é informada, na , para pessoas cuja posição na
ocupação é empregador ou conta-própria. Assim, essa variável é definida
c.
d.
e.
f.
g.
h.
i.
j.
Nead Estudos 15212
como sendo igual a zero para os empregados e igual ao logaritmo da
área do empreendimento para empregadores e conta-própria. Tendo em
via o uso dessa variável, ao ajuar equações de rendimento para o setor
agrícola foi necessário eliminar as observações sem declaração de área de
empreendimento. Além disso, devido à exiência de áreas inverossímeis,
optamos por manter apenas as observações com área entre , e .
heares.
A partir do coeficiente eimado de uma variável explanatória binária
podemos obter a diferença porcentual entre o rendimento eerado na
categoria tomada como base e o rendimento da categoria para a qual aquela
variável binária assume valor . Se, por exemplo, o coeficiente para a binária
de Região Sul” for b, então o rendimento eerado das pessoas dea região
supera o rendimento eerado das pessoas do Nordee em [exp(b) ],
descontados os efeitos das demais variáveis explanatórias incluídas na
equação de regressão.
A Tabela  mora duas equações eimadas para todas as pessoas
ocupadas da amora da com as informações necessárias e também
duas equações apenas para o setor agrícola. Graças ao grande número
de observações nas amoras utilizadas, quase todos os coeficientes são
eatiicamente diferentes de zero ao nível de significância de .
Os coeficientes de determinação (R
) eão sempre abaixo de , mas
podem ser considerados bons em comparação com os resultados normal-
mente obtidos no ajuamento de equações de rendimento. É importante
lembrar que o rendimento das pessoas é condicionado por caraeríicas
pessoais de mensuração muito difícil (como ambição, tino comercial, etc.)
e também tem um grande componente aleatório. É usual, também, que
o coeficiente de determinação de equações de rendimento para o setor
agrícola seja subancialmente mais baixo do que para os setores secundário
e terciário ou para a economia como um todo.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 213
TABELA 19 EQUAÇÕES DE RENDIMENTO PARA PESSOAS OCUPADAS NO
BRASIL, CONSIDERANDO O SEU RENDIMENTO DE TODOS OS TRABALHOS,
PARA TODA A ECONOMIA (MODELOS I E II) OU APENAS PARA O SETOR
AGCOLA (MODELOS III E IV), DE ACORDO COM A PNAD DE 2001.
VariáVel coeFiciente no
moDelo i moDelo ii moDelo iii moDelo iV
Constante 1,2317 1,3916 1,5084 1,6482
Sexo feminino −0,2997 −0,3008 −0,1744 −0,1410
Idade/10 0,6822
0,6407 0,2945 0,2900
(I
dade/10)² −0,0665 −0,0641 −0,0282 −0,0301
Escolaridade (E) 0,0964 0,0627 0,0595 0,0522
Z (E – 9) (1) 0,0811 0,0791 0,0571
ln (horas trab./sem.) 0,5298 0,5400 0,6723 0,6627
Posição na ocupação
trab. doméstico −0,2393 −0,2483
conta-própria −0,0764 −0,0759 −0,0801 −0,3728
militar e func. públ. 0,2629 0,2284
empregador 0,6538 0,6473 0,8874 0,2966
Cor
indígena −0,0699ns −0,0642ns −0,0711ns 0,0022ns
preta −0,1175 −0,1150 −0,1187 −0,0808
parda −0,1311 −0,1282 −0,1314 −0,1006
amarela 0,2460 0,1999 0,5667 0,5613
Pessoa de refer. na fam. 0,1681 0,1701 0,1871 0,1875
C
oNtINua
Nead Estudos 15214
CoNtINuação
VariáVel coeFiciente no
moDelo i moDelo ii moDelo iii moDelo iV
Região
Norte 0,2208 0,2416 0,3985 0,2358
M
G+ES+RJ 0,2631 0,2873 0,2376 0,1811
S
P 0,5094 0,5317 0,5883 0,5457
S
ul 0,3074 0,3369 0,4007 0,3189
Centro-Oeste 0,3503 0,3684 0,5674 0,4415
Área rural. −0,1283
−0,1406 −0,0653 −0,0930
Setor
I
ndústria 0,2820 0,3316
serviços 0,2819 0,3351
ln (área) (2) 0,1787
R ² 0,5745 0,5837 0,3746 0,4161
n 137.297 137.297 15.923 15.923
Nota:
A
sigla ns assinala os coeficientes que não são estatisticamente diferentes de
zero ao nível de significância de 10%. Todos os demais são significativos ao nível de 1%.
(1) Essa variável capta o aumento do retorno da escolaridade (E) a partir de
9 anos.
A
variável Z é igual a zero para E ≤ 9 e é igual a 1 para Z > 9.
(2) Essa variável é definida como igual a zero para os empregados.
Vamos nos limitar a comentar apenas alguns dos coeficientes apresen-
tados na Tabela 
O coeficiente para sexo feminino no Modelo  indica que, depois de
considerados os efeitos das demais variáveis explanatórias, o rendimento
eerado das mulheres é , mais baixo do que o dos homens. A dife-
rença é da mesma ordem de grandeza quando não se desconta o efeito das
demais variáveis: a média geométrica dos rendimentos das mulheres é ,
menor do que a média geométrica dos rendimentos dos homens ocupados.
A introdução da escolaridade contribui para aumentar o efeito de sexo,
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 215
pois as mulheres têm, em média, , ano a mais de escolaridade. Entre os
homens ocupados, considerados na análise, , têm escolaridade igual ou
maior do que  anos, enquanto entre as mulheres ocupadas essa proporção
atinge ,. Por outro lado, a introdução da variável pessoa de referência
da família contribui para reduzir o efeito de sexo, uma vez que , dos
homens e apenas , das mulheres pertencem a essa categoria.
Ainda de acordo com o Modelo , funcionários públicos eatutários
e militares tendem a ganhar , a mais do que a categoria de em-
pregados tomada como base, depois de descontado o efeito das demais
variáveis incluídas na regressão. Como seria de eerar, a diferença a favor
dos empregadores é muito maior: ,. As diferenças são bem maiores
quando não se desconta o efeito das outras variáveis. A média geométrica
do rendimento de funcionários blicos eatutários e militares é ,
maior do que na categoria-base. No caso dos empregadores a diferença é
de ,. Uma das razões para isso é, certamente, o nível médio de anos
de eudo completos: , para a categoria-base de empregados, , para
funcionários blicos eatutários e militares e , para empregadores. A
escolaridade média é mais baixa para empregados doméicos (, anos) e
para os conta-própria (, anos).
A eimativa da elaicidade do rendimento do trabalho em relação ao
tempo semanal de trabalho é , no Modelo I e , no Modelo .
As equações eimadas indicam que o rendimento eerado atinge
um máximo em torno dos  anos de idade. Mais precisamente, pode-se
verificar que, para os Modelos I,, e  essa idade é, reeivamente,
,, ,, , e , anos.
A única diferença do Modelo , em comparação com o Modelo I, é a
introdução da variável deinada a captar o aumento da taxa de retorno
da escolaridade a partir de anos. No Modelo I, essa taxa de retorno é
única: um acréscimo de , no rendimento eerado para cada ano
adicional de escolaridade. Já no Modelo , a taxa é menor até os anos
de escolaridade (,), e passa a ser , por ano a partir dos  anos de
escolaridade, pois
exp (, + ,) −  =, ou ,%
Nead Estudos 15216
Como o aumento de , no coeficiente da escolaridade a partir dos
anos é eatiicamente significativo e subancial, parece inadequado
pressupor que a taxa de retorno da escolaridade seja única. Os resultados
indicam que o acesso às atividades com melhor remuneração exige um nível
de escolaridade mínimo que já supera o primeiro grau completo.
Os coeficientes para o efeito de regiões indicam que o rendimento
eerado é sempre maior fora do Nordee, que é a região tomada como
base. Cabe lembrar que na região Norte a de  coletou dados
na área rural de Tocantins, fazendo com que o coeficiente para essa região
represente, essencialmente, o que ocorre na sua área urbana. O coeficiente
para o Eado de o Paulo no Modelo  indica que os residentes nessa
região tendem a ganhar , mais do que os residentes no Nordee, mesmo
depois de descontados os efeitos das demais variáveis incluídas na regressão.
Sem descontar esses efeitos a diferença é muito maior, verificando-se que a
média geométrica dos rendimentos em SP é , maior do que no Nordee.
Uma das razões para isso é, novamente, a diferença na escolaridade média,
que é , anos no Nordee e , anos em SP.
Os coeficientes para cor no Modelo moram que o rendimento
eerado para uma pessoa que se declara preta é , menor do que o
rendimento eerado de um branco, mesmo depois de descontados os
efeitos das demais variáveis incluídas na regressão. Mas os efeitos das
demais variáveis, inclusive o fato de a escolaridade média dos pretos ser ,
anos menor do que a dos brancos, contribuem para aumentar a diferença,
fazendo com que a média geométrica dos rendimentos de pretos seja ,
menor do que a mesma média para brancos.
Verifica-se, no Modelo , que pessoas que se declararam amarelas têm
rendimento eerado , maior do que os brancos, fixadas as demais
variáveis incluídas na regressão. A média geométrica do rendimento dos
amarelos supera a dos brancos em ,, entre outras razões, pelo fato
de a escolaridade média de amarelos e brancos ser de, reeivamente, ,
e , anos.
Uma interpretação simplia dos coeficientes de cor na equação de
rendimentos é que eles representam o efeito da discriminação. Note-se
que para os resultados apresentados na Tabela  essa interpretação implica
reconhecer a exiência de uma discriminação positiva para os amarelos, em
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 217
comparação com os brancos. O coeficiente negativo para pretos certamente
subeima a discriminação se incluirmos nesse conceito a maneira como
seus ascendentes foram inseridos na economia ao longo da hiória do país.
Por outro lado, aquele coeficiente deve captar efeitos que não se limitam à
discriminação rio sensu, io é, ao fato de os pretos serem prejudicados
pelas atitudes e decisões de seus atuais concidadãos.
O Modelo é eimado considerando apenas as pessoas ocupadas
no setor agrícola, incluindo, sempre que possível, as mesmas variáveis
do Modelo . Note-se que os coeficientes referentes à escolaridade são
semelhantes nos dois modelos, sendo apenas ligeiramente menores na
equação para o setor agrícola.
A mudança do Modelo para o Modelo consie apenas na introdu-
ção da variável referente à área do empreendimento (para os conta-própria
e os empregadores). Note-se que a introdução dessa variável causa um
subancial aumento no coeficiente de determinação da equação, morando
a importância da área na determinão do rendimento das pessoas ocupadas
na agropecuária. O coeficiente dessa variável é a elaicidade do rendimento
em relação à área possuída por empregadores e conta-própria: um aumento de
 na área eá associado a um aumento de , no rendimento eerado.
Verifica-se que a introdução da variável referente à área reduz a taxa de
retorno da escolaridade acima de anos de , para ,, morando
que provavelmente ela eá supereimada no Modelo  (e também nos
Modelos  e ).
Também se pode observar que, nas equações para toda a economia
(Modelos e ), a variável que mais contribui para explicar as variações do
logaritmo do rendimento (Y) é a escolaridade da pessoa. No Modelo , se
retirarmos as duas variáveis relacionadas com a escolaridade, o coeficiente
de determinação diminui ,.
Nos Modelos e , por outro lado, as variáveis que mais contribuem
para explicar as variações em Y são as referentes à área e à posição na
ocupação.várias razões para essa diferença entre os modelos ajuados
para os três setores e os ajuados apenas para o setor agrícola. Na agricultura,
as pessoas ocupadas eão concentradas nos níveis relativamente baixos
de escolaridade, reduzindo o poder explicativo dessa variável no setor.
A proporção das pessoas ocupadas com escolaridade zero atinge , na
Nead Estudos 15218
agricultura. A proporção de pessoas com escolaridade até anos é ,
na indúria, , nos servos e , na agricultura.
A posição na ocupação é uma variável mais importante na equação de
rendimentos no setor agrícola porque nesse setor ela eá mais associada
com a riqueza da pessoa. O fazendeiro, o empresário típico da agricultura,
provavelmente se declara empregador, ao passo que na indúria e nos serviços
muitos dos grandes empresários serão classificados como empregados
(executivos) das empresas.
Finalmente, é necessário reconhecer que ao eabelecer modelos de
equações de rendimento eamos limitados pela dionibilidade de dados.
A  nos fornece, para os empregadores e conta-própria na agricultura,
uma proxy (variável representativa) razoável para o capital da pessoa, que é
a área do seu empreendimento. Infelizmente não se diõe de uma variável
análoga para os outros setores. É provável que, por causa disso, o efeito da
escolaridade eeja supereimado no Modelo .¹⁰
É importante assinalar que, apesar da eventual supereimação do efeito
da escolaridade em modelos que o incluem uma medida da riqueza das pes-
soas, ela é, sem dúvida, um dos determinantes fundamentais do rendimento
das pessoas. Além disso, não podemos esquecer que uma boa escolaridade
é condição importante até para o exercício pleno da cidadania.
Os resultados apresentados nea seção moraram a importância da
posse da terra como determinante do rendimento das pessoas ocupadas na
agricultura. Na próxima seção veremos que, além disso, a diribuição da
posse da terra foi um condicionante do eilo de crescimento econômico, que
se reflete no nível de desenvolvimento humano nas microrregiões do país.
6. a DesigualDaDe Da Distribuição Da Posse
Da terra e o DesenVolVimento humano
Nea seção são analisadas relações entre caraeríicas da erutura fundiária
e indicadores de desenvolvimento humano nas microrregiões geográficas
do Brasil. Verifica-se que a desigualdade da diribuição da posse da terra
tem uma associação eatiicamente muito significativa com a taxa de
 Para uma discussão mais aprofundada desse tema, ver Ney e Hoffmann ().
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 219
mortalidade infantil (relação positiva) e com a eerança de vida ao nascer
(relação negativa).
6 . 1 . T R A B A L H O S A N T E C E D E N T E S
O boletim Reforma Agrária (da Abra, a Associação Brasileira de Reforma
Agrária) de nov./dez. de  trouxe vários trabalhos associando a qualidade
da vida da população com o grau de desigualdade da erutura fundiária.
O boletim reproduz o trabalho de Cesar Gomes Viora e Nelson
Blank sobre “Mortalidade infantil e erutura agrária no Rio Grande do
Sul”, publicado anteriormente na Revia Ciência e Cultura de setembro de
. Em artigo intitulado Terra e qualidade da vida rural”, José Gomes da
Silva procura morar como um acesso mais amplo à posse da terra favorece
a remuneração do trabalho, a produção de alimentos e, conseqüentemente,
a qualidade da vida. No Editorial, Carlos Lorena comprova a correlação
negativa entre Eerança de Vida e desigualdade da erutura fundiária,
considerando a divisão do Brasil em  regiões.
Viora e Blank utilizam dados sobre mortalidade infantil e várias
caraeríicas da erutura fundiária nas Microrregiões Homogêneas
() do Rio Grande do Sul em . As relações entre as variáveis são
analisadas por meio do cálculo de coeficientes de correlação e ajuamento
de regressões múltiplas. Os autores concluem: Pode-se atribuir à erutura
agrária um papel fundamental na determinação das diferenças observadas
no coeficiente de mortalidade infantil entre as várias do Eado do
Rio Grande do Sul” (V e B, , p.).
Com iniração nesse trabalho, foram analisadas as relações entre a taxa
de mortalidade infantil, a eerança de vida ao nascer e as caraeríicas
da erutura fundiária nas Microrregiões Geográficas () do Brasil,
conatando-se, como veremos adiante, a forte relação entre a desigualdade
da diribuição da posse da terra e a taxa de mortalidade infantil ou a
eerança de vida.¹¹
 Uma análise limitada às  do Rio Grande do Sul, Paraná e Eado de São Paulo pode
ser encontrada em Hoffmann (a).
Nead Estudos 15220
6 . 2 . E S T R U T U R A F U N D I Á R I A E I N D I C A D O R E S D E
D E S E N V O LV I M E N T O H U M A N O N A S MRG
O cálculo das medidas de tendência central e desigualdade da diribuição
da posse da terra nas  foi feito com base em dados do Censo Agrope-
cuário de -. Trata-se de tabelas de diribuição de freqüências para
 eratos de área, dioníveis no Cd-Rom que acompanha o volume do
Censo Agropecuário referente a cada Unidade da Federação.
A eimação da desigualdade dentro de cada erato e a interpolação de
percentis foram feitas admitindo que dentro dos primeiros eratos a
diribuição tem função de densidade linear e que no último erato (sem
limite superior) a diribuição é a de Pareto com dois parâmetros. Dessa
maneira foram calculadas medidas de desigualdade da diribuição da
posse da terra em   do Brasil, incluindo o Índice de Gini (G), o T
de eil (T) e o L de eil (L).
A população de cada e os indicadores de desenvolvimento humano
foram obtidos diretamente do Cd-Rom que acompanha a publicação
Desenvolvimento humano e condições de vida: indicadores brasileiros
(, , com colaboração do Ipea, da  e do ).
As variáveis obtidas dessa fonte e utilizadas adiante são:
População da  (N);
Índice de desenvolvimento humano da (), calculado com base na
eerança de vida ao nascer, renda familiar per capita, taxa de analfabetismo
e número médio de anos de eudo;
Índice de condições de vida (), obtido a partir de  indicadores (ver
, , p. );
Eerança de vida ao nascer (), em anos;
Taxa de mortalidade infantil ();
Taxa de analfabetismo entre pessoas com  anos e mais de idade
(Analf );
Número médio de anos de eudo das pessoas com anos e mais de idade
();
Porcentagem das pessoas com  anos e mais de idade com menos de
anos de eudo ().
a.
b.
c.
d.
e.
f.
g.
h.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 221
Todos esses indicadores têm por base as informações do Censo Demo-
gráfico de . Explicações adicionais sobre a maneira como foram obtidos
podem ser encontradas em  ().
Para evitar a influência eúria de áreas metropolitanas onde a im-
portância relativa da agricultura é derezível, optamos por excluir as
com população acima de  mil pessoas, limitando a análise a 
Microrregiões.
6 . 3 . A R E L A Ç Ã O E N T R E E S T R U T U R A F U N D I Á R I A
E D E S E N V O LV I M E N T O H U M A N O N A S MRG
Tendo em via que o objetivo da análise é compreender os condicionantes
do desenvolvimento humano em cada microrregião, é razoável fazer uma
análise eatíica ponderada das  observações, levando em consideração
o tamanho da população de cada . A Tabela  mora os coeficientes
de correlação (r) entre três índices de desigualdade da posse da terra (G,
T e L) e vários indicadores de desenvolvimento humano nas  .
O programa de computador utilizado () fornece a probabilidade
caudal do tee da hipótese de que o verdadeiro coeficiente de correlação
é igual a zero, io é, a probabilidade de que, sob essa hipótese de nulidade,
o valor de r em uma amora desse tamanho seja, em valor absoluto, maior
do que o calculado. Para todas as correlações apresentadas na Tabela  a
probabilidade caudal é inferior a ,.
Nead Estudos 15222
TABELA 20 CORRELAÇÕES ENTRE MEDIDAS DE DESIGUALDADE
DA DISTRIBUÃO DA POSSE DA TERRA E INDICADORES DE
DESENVOLVIMENTO HUMANO EM 515 MRG DO BRASIL, COM
PONDERÃO PELA POPULAÇÃO DE CADA MRG.
inDicaDores
De DesenVolVimento
humano
DesigualDaDe Da Distribuição Da Posse Da terra
g t l
IDHM −0,500 −0,487 −0,468
ICV −0,517 −0,525 −0,499
EVN −0,552 −0,489 −0,498
TMI 0,550 0,505 0,506
AN
ALF 0,550 0,520 0,508
ES
CM −0,458 −0,461 −0,421
ESM
Q 0,527 0,494 0,467
Foram ajuadas regressões múltiplas ponderadas visando a explicar as
variações da taxa de mortalidade infantil () e da eerança de vida ao
nascer (), nas  , em função de uma medida de desigualdade da
erutura fundiária e uma medida da escolaridade das pessoas. Em seguida
são apresentadas duas das equações eimadas (entre parênteses, abaixo do
coeficiente, eá o reeivo valor de t):
ESMQ242,114,6584,63TMI
)00,21()23,6()42,9(
++=
G
com R
= ,, e
com R
= ,. A probabilidade caudal de todos os tees é inferior a ,.
Os resultados moram uma associação eatíica fortíssima entre
as variáveis. A literatura sobre saúde pública é muito rica em referências
sobre a influência da escolaridade na saúde das pessoas. Assim,o causa
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 223
surpresa a conatação de que (porcentagem das pessoas com 
anos ou mais de idade que têm menos de anos de eudo) explica grande
parte das variações de e . Por outro lado, parece surpreendente
a forte relação da desigualdade da erutura fundiária com os indicadores
de saúde, principalmente quando se considera que ees se referem a toda
a população de cada , e não eecificamente às pessoas diretamente
dependentes da agricultura ou residentes na área rural.
Cabe ressaltar, também, que G é uma medida baante imperfeita da
desigualdade econômica no acesso à terra, pois não leva em consideração
variações na qualidade do solo ou na sua localização.
Uma explicação razoável desses resultados é que a atual desigualdade
da erutura fundiária em cada é uma boa proxy para a desigualdade
dessa erutura fundiária ao longo de muitas décadas passadas, a qual
condicionou a formação de toda a erutura socioeconômica na microrregião,
eabelecendo caraeríicas (inclusive a qualidade e a diribuição da
educação) que até hoje têm forte influência na taxa de mortalidade infantil
e na eerança de vida ao nascer.
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6
a regulão institucional Da
ProPrieDaDe Da terra no brasil:
UMA NECESSIDADE URGENTE
Bastiaan Philip Reydon¹
1. introDução
Historicamente a realidade fundiária brasileira, quer rural
quer urbana, foi marcada pela existência de regulação for-
mal, mas não aplicada integralmente, fazendo com que as
regras do acesso à terra sejam bastante frágeis e incipientes.
A Lei de Terras aprovada em 1850 e regulamentada em 1854
teve os seguintes principais objetivos: ordenar a apropriação
territorial no Brasil; acabar com a posse; fazer um cadastro
de terras; financiar a imigração; criar um setor agrícola de
pequenos proprietários; tornar a terra uma garantia confiável
para empréstimos e funcionar como um chamariz para a
imigração.
Contudo, não foi isso que aconteceu: a terra quer rural quer urbana per-
manece até o presente apenas com controles que garantem a propriedade,
mas que não regulam o seu uso. Se até o presente não nem cadaro dos
imóveis privados nem das terras públicas (devolutas ou outras) quanto mais
alguma forma de regulação social adequada. Sendo a terra, portanto, passível
de qualquer tipo de utilização pelos proprietários, desde a eeculativa,
Professor Assiente Doutor do //Unicamp. Endereço eletrônico: basrey@eco.
unicamp.br. Contou com contribuições em versões anteriores de Juliano Coa Gonçalves
e de Ana Karina Bueno.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 227
passando pela produtiva até a predatória. Até hoje não se tem noção das terras
pertencentes ao Eado pelos vários mecanismos exientes; nem mesmo as
terras devolutas definidas na Lei de Terras não foram discriminadas.
Osório Silva () afirma que partiu dos grandes proprietários a maior
resiência à aplicação da Lei de Terras. Essa resiência se explica porque
ao se recusarem a demarcar suas terras (definindo legalmente seus direitos
de propriedade) os fazendeiros ficavam livres para manter reservas de
terra para apropriação futura (ou seja, o poder de fato sobre os direitos de
propriedade). Essa atitude denotava o quanto o processo de apropriação
fundiário predatório era extenso e, ao mesmo tempo, quão fracos eram o
Eado e o ambiente initucional para imporem rerições à obtenção de
terras públicas através da figura da posse.
As conseqüências desse processo são baante abrangentes, desde es-
tabelecer fronteiras entre ricos e pobres, determinar o desenvolvimento
tecnológico setorial, a organização da produção, até definir regiões urbanas
mais ou menos valorizadas e/ou preservadas.
O principal objetivo dee artigo é morar que parte significativa dos
problemas crônicos de uso e ocupão do solo rural e urbano na realidade
brasileira decorre da falta de regulação adequada nesses mercados. E essa falta
de regulação, efetiva e o de regras, decorre e é determinada pelas possibi-
lidades de se eecular com terras – io é, ganhar dinheiro com a compra,
manutenção e poerior revenda de terras em qualquer de suas formas².
Também se mora que as regras que visavam à efetiva regulação desses
mercados através de legislações acabaram sendo sempre burladas ou não
fiscalizadas, gerando condições mais propícias à eeculação para alguns.
Portanto, a regulação ideal seria aquela na qual a sociedade pudesse definir o
uso adequado do solo quer do ponto de via produtivo, quer para habitações,
preservando simultaneamente o meio ambiente: no meio rural, seria através
Em Reydon () apresentamos que toda e qualquer decisão de inveir, quer na forma de
aquisição de ativos quer na produção, segundo Keynes (), leva em conta uma apoa
no retorno futuro dessa aquisição. Como o futuro é incerto, o ambiente initucional,
nas palavras de Keynes a convenção io é, as regras eabelecidas (explicitamente ou
implicitamente) –, é que parâmetros melhores para essa apoa. O que se verifica é que
o ambiente initucional criado para a propriedade da terra no Brasil sempre gerou ganhos
elevados para os eeculadores nesse mercado.
Nead Estudos 15228
do efetivo controle da ocupação das terras devolutas e das transformações
nelas operadas, assim como através de zoneamentos; no eaço urbano,
criando eaços de eeculação, normalmente com loteamentos para classes
de renda elevada, para os capitais aplicados nessa esfera, e, simultaneamente,
preservando o meio ambiente e criando eaços de formação de loteamentos
de classe média e baixa.
Esses assuntos serão tratados teoricamente nos itens dois e três que,
reeivamente, moram o papel das inituições na organização econômica
e o processo de eruturação initucional do mercado de terras rural e
urbano do Brasil. O item quatro mora, a partir dos casos das dinâmicas
dos mercados de terras urbanos (das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e
Campinas) e rurais nos Eados de o Paulo, Piauí e Amazônia, exemplos
de formas de eecular com terras mais presentes na realidade brasileira.
Nas conclusões, além de se procurar sintetizar o conjunto do eudo,
faz-se uma propoa de intervenção nos mercados de terras brasileiros
para reduzir o seu uso eeculativo através de uma efetiva regulação do
mercado de terras.
2. a esPeculação e a regulação institucional
Da terra: asPectos teóricos
A terra é um meio de produção essencial, na medida em que é sobre ela
que os processos produtivos (agrícolas e não agrícolas) se desenvolvem e
que os assentamentos humanos (urbanos ou rurais) se eabelecem. Ela
é também fonte de vida para uma enorme população rural, cuja erutura
de representação simbólica garante a continuidade das tradições e valores.
A terra é, ao fim e ao cabo, a própria natureza, ou seja, o ambiente natural
no qual os homens exiem.
A possibilidade de se utilizar a terra para fins eeculativos decorre
do fato de os mercados de terras fazerem parte de economias de mercado,
como chamou Polanyi. Para ele, a economia de mercado é o siema eco-
mico controlado, regulado e dirigido apenas por mercados; (…). Uma
economia desse tipo se origina da expeativa de que os seres humanos
se comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários
(P, :).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 229
Nas economias de mercado, os proprietários de riqueza adquirem dife-
rentes tipos de ativos³, com diferentes níveis de liquidez para se protegerem
das incertezas exientes nas economias. Ees procuram antever a psicologia
do mercado de diferentes ativos e decidem comprar aqueles que, segundo
as suas expeativas, lhes proporcionarão maior retorno líquido.
A terra como um ativo apresenta três caraeríicas importantes: a)
é escassa, só exie em quantias fixas e o pode ser facilmente criada; b)
não é móvel; e c) é durável,que não pode ser deruída facilmente. Essas
caraeríicas fazem da terra um ativo atraente como fator produtivo, como
garantia para o crédito e como reserva de valor.
A terra, além de possuir caraeríicas gerais de um ativo, ainda conta
com as seguintes condições eecíficas:
tem um mercado secundário conituído; e
é economicamente escassa. Assim, tanto a geração de tecnologia para a
elevação do seu rendimento físico quanto medidas adminirativas, por
exemplo, regulação efetiva dos mercados de terras, podem alterar o grau
de escassez da terra.
Nesse contexto, o pro da terra enquanto ativo é o resultado das nego-
ciações entre compradores e vendedores no mercado de terras. O negócio é
sempre feito quando o comprador tem expeativas mais elevadas sobre os
ganhos futuros daquela terra do que o vendedor. Mas um poder diferenciado
nesse mercado: como os proprietários eeculam sobre os preços futuros dos
seus eoques de terras, vendendo-as quando pensam ser o melhor momento,
a terra pode ser tratada com sendo negociada num mercado de pros ex’⁴.
Isso significa que os proprietários de terras, os ofertantes no mercado, apenas
a vendem quando um demandante que ofereça um preço que supere sua
expeativa de ganhos com a propriedade da terra.
Qualquer bem adquirido com o fim de produzir rendas ou para o qual exia a expeativa
de que seu valor se eleve em relação ao seu preço de aquisição é considerado um ativo. Nesse
sentido, todos os bens podem ser tratados como ativos.
O mercado pode se tornar ot’ quando os proprietários, normalmente por razões extra-
econômicas, necessitam de liquidez imediata (por exemplo, necessidade de saldar dívida).
Se essa circunância se torna generalizada, o preço da terra pode cair acentuadamente.
a.
b.
Nead Estudos 15230
Os proprietários têm, portanto, um grande poder nesse mercado, po-
dendo manter eoques de terras e vendê-las quando entenderem ser o
momento adequado para maximizar seus ganhos. Porém, quando por
qualquer razão o proprietário se encontrar fragilizado, necessitando vender
sua propriedade, o seu preço de oferta poderá ser relativamente mais baixo.
Aqui, por exemplo, a regulação eatal pode ter um papel preponderante
ao eabelecer limites ou organizar o mercado.
Um mercado de terras somente se forma a partir da aceitação generalizada
da propriedade da terra, independentemente de sua forma, assim como das
garantias da manutenção dessa forma. Portanto, se ocorrem mudanças na
legislação ou nas garantias dadas à propriedade da terra, a sua condição
de ativo se relativiza, fazendo com que o risco associado à sua aquisição se
el
e
ve, diminuindo a sua liquidez, reduzindo seu preço.
Portanto, é a regulação initucional que, ao garantir a propriedade
da terra, tem um papel fundamental na determinação de seu preço e na
possibilidade de se exercer alguma eeculação fundiária⁵.
Para compreender o papel da regulação initucional no mercado de
terras pode-se recorrer a Polanyi () que observou que no capitalismo,
ao ocorrer a conversão da terra numa mercadoria fiícia, houve uma
tendência de transferir a regulação sobre a terra (ou seja, a natureza) ao
mercado, subordinando a vida ao siema econômico de mercado. É dele
Internacionalmente, também evidências de que esse tipo de processo ocorre, mas
com algum tipo de regulação para que não se inviabilize a própria eeculação, conforme
Hobsbawm (:): “Mesmo no ocidente, o velho lema do homem de negócios do
século Onde tem lama, tem grana‘ (ou seja, poluição quer dizer dinheiro) ainda era
convincente, sobretudo para conrutores de eradas e ’incorporadores‘ imobiliários, que
descobriram os incríveis lucros a serem obtidos numa era de boom secular de eeculação
que não podia dar errado. Tudo o que se precisava fazer era eerar que o valor do terreno
certo subisse até a eratosfera. Um único prédio bem situado podia fazer do sujeito um
multimilionário praticamente sem cuo, pois ele podia tomar empréimos sob a garantia
da futura conrução, e mais empréimos ainda quando o valor dea (conruída ou não,
ocupada ou não) continuasse a crescer. Acabou, como sempre, havendo um crash – a Era
de Ouro acabou, como os booms anteriores, num colapso de imóveis e bancos –, mas até
então os centros das cidades, grandes e pequenos, foram poos abaixo e ’incorporados
por todo o mundo, incidentalmente deruindo catedrais medievais em cidades tais como
Worceer, na Grã-Bretanha ou capitais coloniais eanholas como Lima, no Peru.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 231
a idéia de que os três mercados, do dinheiro, de trabalho e de terras, por
serem fiícios, requerem uma regulação eatal erita. São mercados que
jamais serão auto-regulados, como os mercados das demais mercadorias.
Conforme Polanyi (:):
A hiória social do século dezenove foi, assim, o resultado de um duplo movimento;
a ampliação da organização do mercado em relação às mercadorias genuínas foi
acompanhada pela sua rerição em relação às mercadorias fiícias. Enquanto, de
um lado, os mercados se difundiam sobre toda a face do globo e a quantidade de
bens envolvidos assumiu proporções inacreditáveis, de outro lado uma rede de
medidas e políticas se integravam em poderosas inituições deinadas a cercear
a ação do mercado relativa ao trabalho, à terra e ao dinheiro A sociedade se
protegeu contra os perigos inerentes a um siema de mercado auto-regulável, e
ee foi o único aeo abrangente na hiória desse período.
O êxito maior ou menor em reringir os determinantes de mercado no
uso da terra, bem como o modo como isso foi feito, parece diferenciar as
experiências internacionais em termos de bem-ear e eficiência na agricul-
tura e nas cidades. Na verdade, as inituições e o ambiente initucional⁶
conruídos para regular o mercado de terras procuram definir, regular
e limitar os direitos de propriedade sobre a terra, em favor de objetivos
socialmente definidos.
Por direitos de propriedade entendem-se os direitos que os indivíduos
têm sobre bens e serviços. Esses direitos conformam o direito de vender (ou
alugar) um ativo; o direito de usar e derivar renda de um ativo e o direito
de legar (transferindo os direitos para os outros) um ativo. Conforme
Alon (:):
Os direitos de propriedade são impoos de três modos. Os próprios indiví-
duos impõem seus direitos, por exemplo, nós colocamos travas em nos-
sas portas e protegemos nossa propriedade. Sanções sociais tais como o
oracismo podem impedir os indivíduos de violar os direitos dos outros.
Por Ambiente Initucional entendem-se as regras do jogo que definem o contexto no qual
a atividade econômica acontece (Williamson, :).
Nead Estudos 15232
O poder coercitivo do Eado é também usado para impor direitos de propriedade,
por exemplo quando a polícia expulsa invasores de propriedade.
A partir dos direitos de propriedade impoos, são North () e Alon
() que moram que a forma e a natureza dos direitos de propriedade
influenciam o desempenho econômico porque determinam os cuos de
transformação e transação⁷. E que, portanto, jogam um papel preponderante
na definição das formas de coordenação econômica nas várias esferas da
atividade humana.
Pode-se concluir do dito acima que:
. N
a
s economias de mercado há a utilização de ativos para eecular;
. A terra, quer rural quer urbana, é passível de ser utilizada para fins ee
-
culativos;
.
necessidade que o Eado regule o mercado de terras, pois ee não é
um mercado auto-regulado;
. A forma, os inrumentos, enfim, o padrão da regulação dos mercados
de terras interferem diretamente nos processos eeculativos, produtivos,
ambientais e sociais determinando suas dinâmicas rurais e urbanas.
No caso brasileiro, o próximo capítulo morará como foi geada
a legislação e quais as suas principais caraeríicas. E que, apesar de
exiirem legislação e atribuição de reonsabilidades initucionais, eas
ou são ambíguas ou passíveis de não-cumprimento sem maiores ônus,
beneficiando sempre os eeculadores com terras em prejuízo das classes
menos favorecidas e do meio ambiente.
3. o Problema agrário e a gênese Dos
mercaDos De terras: a não-regulação
Desde a descoberta do Brasil, mas mais intensamente desde a ocupação nos
anos , até a Lei de Terras, as regras de ocupação do solo urbano e rural
Eggertsson (; ) argumenta que o ambiente initucional influencia o desempenho
econômico e o bem-ear social porque age sobre a erutura de incentivos das firmas, ei-
mulando ouo a incorporão de progresso técnico e uma melhor diribuão de renda.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 233
eram definidas a partir do poder do rei, da Igreja e do poder político e físico
dos ocupantes. Da fase de ocupação inicial, através do poder outorgado pelo
rei até o surgimento de agentes eecializados na eeculação fundiária foi feita
grande parte da ocupação do eaço urbano e rural próximo ao litoral.
A Lei de Terras brasileira (), cuja regulamentação se deu apenas em
, deve ser entendida num contexto mais geral de eabelecimento de leis
que colocavam rerições ao acesso à terra em todo o mundo colonial⁸. No
caso brasileiro, as controvérsias e diferenças de interesses, principalmente
entre proprietários do Centro-Sul do país e do Nordee, dificultaram e
adiaram a sua regulamentação. Seus principais objetivos eram:
Organizar o acesso à terra;
Inviabilizar o acesso à terra não ocupada;
Eabelecer um cadaro de terras para definir áreas devolutas (do Es-
tado);
Transformar a terra em um ativo confiável para uso como garantia para
empréimos (colateral).
Mas em função dos interesses dos proprietários do país, a Lei de
Terras manteve a possibilidade de regularização das posses, possibilitando
a ocupação de terras devolutas e inviabilizou o eabelecimento de um
cadaro. Io é, sempre a possibilidade de serem regularizadas as posses
que eram fruto de ocupações de terras devolutas. Além do usucapião (que
eabelece que após alguns anos o posseiro pode regularizar sua proprie-
dade), os próprios eados (ou províncias) em alguns momentos hióricos
concederam propriedades com ou sem títulos. Esse é o mecanismo básico
que fez e faz com que nunca fosse eabelecido um cadaro efetivo que
inclusive permitiria definir as áreas devolutas, passíveis de utilização por
outros tipos de políticas fundiárias.
Até a Lei de Terras, o regiro das propriedades era feito basicamente
junto aos Regiros Paroquiais de Terra, sob reonsabilidade do vigário
local. Esse tipo de regiro foi utilizado por muito tempo após a promulgação
da Lei de Terras. As mudanças initucionais poeriores a , como, por
exemplo, a abolição da escravidão () e a Proclamação da República (),
Como na Aurália, por exemplo.
a.
b.
c.
d.
Nead Estudos 15234
longe de queionarem a dinâmica de apropriação de terras do período
anterior, fizeram eimulá-la, principalmente no ambiente initucional
erigido pela República Velha.
Mas em  uma nova obrigação initucional acaba por eabelecer
uma tradição que perdura até os dias de hoje e que acaba gerando uma
maior indefinição e incapacidade de se regular efetivamente o mercado
de terras: a necessidade de se regirarem as posses e as propriedades nos
cartórios. De alguma forma o regiro no cartório ares de legal ao imóvel
sem que haja qualquer mecanismo que garanta isso⁹. Segundo Osório Silva
(:), a partir de  foi inituída a transcrição do título de domínio
em cartório, o que tornou mais difícil aos grileiros obterem uma ante-data
nos livros, por isso eles falsificavam documentos com data entre  e ”.
O processo de falsificação de posses e de propriedades pelo setor blico e
dentro dos cartórios brasileiros é comum e generalizado.¹⁰
A Proclamação da República em  e, com ela, a inituição da autono-
mia dos eados também geraram a possibilidade para que ees demarquem
suas terras devolutas e concedam títulos. Isso ocorreu com mais intensi-
dade em alguns eados do que em outros, mas independentemente disso
A irregularidade mais comum nos Cartórios de Regiro é a superposição de várias áreas,
ou seja, vários proprietários se dizem donos da mesma terra. Quando isso ocorre, diz-se
que a terra possui andares, para cada proprietário com título irregular para aquela área
acrescenta-se mais um andar. O governo federal eá dando um passo decisivo na regulação
do mercado de terras rurais e urbanas ao conseguir aprovar a Lei ./, na qual os
cartórios são obrigados, quando houver qualquer mudança na propriedade, a repassá-la
ao Incra numa planta com os seus limites em forma cartográfica (latitude e longitude).
 No passado mais diante, isso é verdadeiro para o Rio de Janeiro, segundo Friedman
(:): Vimos que a grilagem fez parte da evolução urbana carioca desde a época
colonial, quando as ordens religiosas, nobres e funcionários da Câmara falsificavam
escrituras e documentos…
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 235
criou mais uma ambigüidade na concessão de títulos e conseqüentemente
incapacidade de regular o mercado de terras¹¹.
A initucionalização do Regiro blico de Terras, em , é, possivel-
mente, o principal passo para o siema hoje vigente de regiro de imóveis
em cartórios. Nessa regra, todos precisam demarcar e regirar seus imóveis,
quer rurais quer urbanos, mas sem qualquer fiscalização, e sem que haja um
cadaro. O Eado, como também precisaria demarcar e regirar as suas
terras (devolutas), o que é impraticável pois eas são definidas por exclusão
–, age, portanto, ilegalmente. Essa obrigatoriedade acaba por potencializar as
possibilidades de fraudes nos regiros nos cartórios públicos.
Mas foi a promulgação do Código Civil de  que gerou a incapacidade
de se regularem efetivamente os mercados de terras no Brasil, tanto por
reafirmar o cartório como a inituição de regiro como por possibilitar
que as terras blicas fossem objeto de usucapião. Nas palavras de Osório
Silva (:), com isso completava-se o quadro para a transformação
do Eado num proprietário como os outros. E assim ficava suentada a
doutrina da prescritibilidade das terras devolutas. Ou, em outras palavras,
a possibilidade do usucapião das terras devolutas”.
Portanto, o Código Civil, por motivos não necessariamente atrelados
aos interesses dos proprietários de terras, acabou por eabelecer os grandes
marcos da initucionalidade do acesso à terra no Brasil ao definir que o
regiro em cartórios de imóveis era necessário (às vezes também sufici-
ente) para comprovar sua titularidade. Nas palavras de Holon (:),
analisando a realidade atual dessa aberração jurídica, todas as transações
relacionadas com a propriedade devem ser regiradas a fim de serem obtidos
os direitos legais relevantes. Atualmente esses regiros são regulados pela
Lei dos Regiros Públicos (/) a qual define as formalidades que
conituem o siema brasileiro de cartórios – siema privado, labiríntico
 Apesar disso a preocupação de regular ateada na tentativa fracassada de regulação
da propriedade através do Regiro Torrens () na qual os posseiros e proprietários
poderiam obter o título definitivo através de petição não conteada. E, por outro lado, a
possibilidade de legalização das posses em  e em  (referentes às posses entre  e
) acaba por criar as condições para que as posses perdurem e se enfraqueça a regulação
do mercado de terras como expresso na Lei de Terras de .
Nead Estudos 15236
e corrupto. Seu enorme poder burocrático vem do Código Civil (art. ),
o qual afirma que as transações envolvendo bens imóveis não transferem
o direito de propriedade, ou os direitos sobre ela, a o ser a partir da data
na qual são regirados nos livros dos cartórios; ou seja, como diz o ditado,
quem não regira, não possui’ .
Tentativas mais recentes de mudança initucional objetivando reringir
os direitos de propriedade da terra, tais como a Conituição de  e o
Eatuto da Terra de , moraram-se inócuas como inrumento de
intervenção efetiva na dinâmica de apropriação fundiária e na alteração
da erutura de uso e posse da terra no Brasil, e portanto da regulação dos
mercados de terras (O S, ).
A hiória da legislão agrária sobre os direitos de propriedade da terra no
Brasil tem se desenvolvido conforme duas tendências. De um lado, o Eado,
legislando e procurando exercer (com mais ou menos veemência) seu poder no
sentido de definir e reringir os direitos de propriedade no Brasil e, de outro,
os interesses da grande propriedade fundiária, resiindo a qualquer forma
de rerição ao direito de propriedade da terra, seja opondo-se à legislão
fundiária, seja sabotando sua efetiva aplicão. Nesse confronto, reproduzido
ao longo de nossa hiória fundiária, os interesses privados levaram a melhor
e tornaram efetivamente plenos para si os direitos de propriedade privada
não reeitando os seus usos sociais e/ou ambientais.
Isso não significou a democratização do acesso à terra para a maioria.
Na verdade, a grande propriedade agrícola, itinerante e predatória, avança
sobre terras públicas e ocupadas, expulsando, à medida do seu avanço, os
pequenos proprietários, posseiros, etc., incapazes de resiir ao poder (político
e econômico) da grande propriedade. Nas cidades, apesar de o movimento
ser um pouco diinto, a lógica é a mesma, io é, as classes proprietárias
mantêm terras ociosas que vão se configurando como as áreas de expansão
das cidades sobre as quais podem obter elevados ganhos eeculativos, em
detrimento dos mais pobres e da preservação ambiental.
A dimensão econômica desse processo é freqüentemente menorezada,
os ganhos econômicos produzidos pela apropriação privada das terras
públicas ou a transformação de terras agrícolas em urbanas sem que a
sociedade se beneficie disso é inconcebível num país com tanta pobreza,
em grande medida produzida por esse processo.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 237
Assim, a terra é livre por classe, io é, eá dionível para apropriação
para os grupos sociais que têm poder político e/ou econômico. Mesmo
quando se tenta eabelecer normas que regulem o acesso à terra, por
exemplo o Zoneamento, quer rural quer urbano, o Eado não é capaz de
fazer as regras valerem, pois sempre outras regras que acabam permitindo
o direito último do proprietário.
O acesso primário à terra é dificultado pela força política que sempre
a controlou, gerando grande concentração da propriedade e da posse da
terra. Essa concentração viabiliza outro processo eeculativo: na ilegalidade
dos assentamentos urbanos os incorporadores que se beneficiam da
combinação entre pobreza, exclusão social e regulação da terra inadequada.
E é esse mesmo conjunto de processos e de regras que criou, tanto no campo
quanto nas cidades, simultaneamente, concentração fundiária, ociosidade
do uso das terras e dinamismo nos vários mercados de terras.
Portanto, em termos econômicos, a propriedade da terra permite ao
seu proprietário além da valorização autônoma do seu preço¹², de maior
dificuldade de regular, duas principais possibilidades de obter ganhos
eeculativos¹³ com a terra:
ocupação através de posse de terras públicas ou privadas com possibilidade
de valorização;
transformação no uso da terra: principalmente da rural à urbana.
 Em Reydon et alii () moramos que, em alguns períodos, a terra se valoriza mais
que qualquer outro ativo. Mas que no conjunto de um portfólio ela pode representar um
ganho baante significativo para seu portador.
 Eecular aqui é entendido como o processo no qual o agente econômico percebe a
possibilidade de obter ganhos no futuro com a aquisição ou obtenção de um ativo. Deve-
se deixar claro que nem sempre a eeculação gera os resultados eerados. Para o caso
da terra, é importante frisar que como há poucos cuos associados à sua manutenção no
portfólio, essas perdas são mínimas pois com freqüência ou a urbanização ou surtos
de ganhos produtivos com a terra. Portanto, a manutenção de terras no portfólio depende
mais da liquidez do agente econômico. Ea decorre da capacidade de prescindir da riqueza
aplicada na terra ao longo do tempo. A necessidade de utilizar a riqueza aplicada na terra,
ou a real possibilidade de realizar os ganhos eeculativos, é que determina o momento
de venda e, conseqüentemente, se a eeculação foi bem-sucedida.
a.
b.
Nead Estudos 15238
Aqui serão analisados apenas casos de ocupação e de transformação
no uso. Qualquer dos dois mecanismos pode gerar benefícios adicionais
se se conhece ou se participa da definição dos inveimentos públicos
(ou até mesmo privados), que valorizem áreas eecíficas. Pois, como os
interesses dos empreendedores da conrução civil eão articulados com
os imobiliários e com o poder conituído, os benefícios das obras públicas
ou privadas podem ser apropriados por esses conhecedores. O esquema da
Figura  procura sintetizar esse conjunto de inter-relações.
FIGURA 1. INTER-RELAÇÃO DO MERCADO DE TERRAS NO BRASIL
4. a esPeculação como Fruto Da ocuPação urbana não regulaDa
O processo de formação das cidades brasileiras é um exemplo claro de
como a inexiência de regulação, ou a regulação adequada aos processos
eeculativos com a terra, presidem as caraeríicas da ocupação e a
conformação dos eaços. Principalmente nos processos de articulação
entre os grupos de eeculadores imobiliários e o Eado, nas suas diferentes
formas: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Especulação significa
estocar algo na esperança
de realizar uma transação
vantajosa no futuro.
Transformação no uso ou
se apossar de terras
públicas ou privadas
regularizando ou não.
Regulação significa as
instituições que criam leis e
fiscalizam o uso da terra.
Transformação no uso
ou posse de terras
Regulação
Especulação
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 239
Gonçalves (), citando Kandir, mora como as interfaces dos
interesses imobiliários com a participação no Eado, com ou sem regulação,
garantem obtenção de ganhos econômicos importantes com a eeculação
com terras: Para Kandir, exiem dois elementos que reforçam a eeculação:
a taxação inadequada dos rendimentos advindos da eeculação com terras
e a corrupção. Kandir (:) lembra que o acesso às informações de
como e quando o inveimento eatal será realizado é um elemento-chave
na eeculação com imóveis, sendo assim,
a eeculação imobiliária tem sido também a parteira da corrupção nos órgãos
públicos. Ea tem-se desenvolvido não só em função do valor’ das informações
referidas acima, mas também, e o que é pior, com o objetivo de influenciar as
próprias decisões governamentais no sentido de inveir nas regiões de interesse
dos eeculadores, aniquilando qualquer iniciativa na direção de realizar um
planejamento racional dos inveimentos públicos, devidamente ancorado nas
necessidades sociais.
Portanto, pode-se aceitar que genericamente a criação ou expansão das
cidades é parte do processo eeculativo com terras e, portanto, sua con-
formação é por ele determinada. Nos casos das cidades, não fica muito
clara a fronteira entre os processos de eeculação com a ocupação de áreas
desocupadas ou devolutas e as decorrentes de transformação no seu uso.
Além disso, os inveimentos eatais para infra-erutura urbana acabam
tendo um papel crucial para a definição do seu sentido, mas também
para os interesses dos eeculadores. Portanto, é da combinação desses
interesses do poder (Executivo e Legislativo) e dos eeculadores que
se conituem as cidades sem que a regulação consiga fazer prevalecer os
interesses coletivos (sociais, econômicos e ambientais).
4 . 1 . U M E X E M P L O H I S T Ó R I C O N A C I D A D E D O R I O D E J A N E I R O
O exemplo do Rio de Janeiro, analisado por Friedman (:), ilura bem
o processo de transformação da terra rural em urbana não regulada, como
fonte de eeculação. Io é, desde a ocupação do país e em particular da
cidade do Rio de Janeiro, a transformação de terras sem uso em urbanas
Nead Estudos 15240
se fez eruturando e conformando a cidade e adequando as regras aos
interesses dos eeculadores:
Ao descrever o patrimônio religioso, eabelecemos relações com os marcos refe-
renciais citadinos, pois discutimos a hipótese da acumulação da propriedade santa
como um importante vetor de expansão e fator de valorização do solo urbano.
Friedman (:) reforça a idéia de que a eeculação fundiária já
eá presente no clero que vem ao Brasil e mora sua importância para o
caso do Rio de Janeiro para a própria conformação do eaço e o potencial
de expansão da cidade:
No Rio colonial verificamos, com o exemplo dos beneditinos e jesuítas, que havia
eeculação com a terra e a obtenção de uma renda de aluguel. A eocagem de
terra, além de uma herança feudal, fazia parte da eratégia de acumulação de
riqueza pelas ordens. (…) Seus patrimônios territoriais interferiram nas formas
de organização do eaço e na expansão urbana. Sua localização, de acordo com
as leis eclesiáicas e as necessidades de segurança, era um elemento fundamental
na formação do preço fundiário.
O
s loteamentos, iniciados no século , consolidaram a mercantilização da
terra. Ainda hoje a intervenção física é mínima, entretanto seu valor é multiplicado
e a renda, um ganho mercantil, é apropriada pelos proprietários das grandes glebas
se localizadas em áreas diutadas pelo mercado imobiliário.
Após a promulgação da Lei de Terras, o seu caráter capitalia se inten-
sificou fortemente. Conforme mora Friedman (:):
A promulgação da Lei de Terras em  consolidou legalmente a propriedade
privada da terra, o que implicou modificações no uso e no desenho do eaço urbano.
O acesso à terra, que até então ocorria através de doações de terras devolutas da
Coroa e da compra do domínio útil dos aforamentos, a partir dea lei passou a se
dar unicamente através da compra e venda da propriedade plena. (…) É a partir
dee período que foram organizados os loteamentos.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 241
Já no final do século , segundo a autora, o determinante maior da
eeculação passa a ser a capacidade de eocagem das terras aliada às cam-
panhas milionárias de marketing. Nas palavras de Friedman (:):
Verificamos também o aparecimento de novos proprietários fundiários em-
presários ou empresas não necessariamente do ramo imobiliário – que passaram
a comprar terrenos e a eecular com seu preço. Na Barra da Tijuca, não havia
escassez de terra e, no entanto, seu preço sofreu uma intensa valorização. Para ee
mercado imobiliário, a terra tem preço de monopólio e de oligopsônio.
Mas essa regulação também não é plena, os poderes Judiciário, Legislativo
e Executivo participam da regulação ilegal quer antes ou depois da Lei de
Terras como mora Friedman (:), nas suas conclusões:
Vimos que a grilagem faz parte da evolução urbana desde a época colonial, quando
as ordens religiosas, nobres, e funcionários da Câmara falsificavam escrituras e
documentos por falta de demarcação. Verificamos a perda gradativa do território
público que, por pertencer ao Rei sob jurisdão eiritual da Igreja, foi doado em
sesmarias, nunca pertencendo ao povo.
No caso da formação da cidade do Rio de Janeiro, os dois processos, de
ocupação de terras devolutas” e de transformação no uso – de rural para
urbana –, se deram de forma conjunta, como ocorre com freqüência nas
cidades em formação. Além disso, é importante ressaltar que nesse caso
coincidência nas figuras do Eado regulador, do definidor dos inveimentos
públicos e do eeculador que são as várias ordens da Igreja Católica.
4 . 2 . O C A S O D A C I D A D E D E S Ã O P A U L O
Aqui são apresentados alguns eudos referentes à cidade de São Paulo
que moram como o tipo de regulação exiente nessa cidade propiciou
uma eeculação fundiária que normalmente é apropriada pelos capitais
imobiliários, em vez de beneficiar as classes menos favorecidas.
Nead Estudos 15242
O eudo que melhor sintetiza a articulação entre os interesses ee-
culadores e a regulação no mercado de terras para o caso de o Paulo é o
de Rolnik (:) quando afirma que:
Além de eabelecer fronteiras, demarcando e dissolvendo territórios, as normas
que regulam a conrução e o loteamento intervêm diretamente na eruturação
do mercado imobiliário. Juntamente com os inveimentos em infra-erutura, a
legislação configurou eixos de valorização do solo hierarquizando e indexando
mercados.
Repetido infinitas vezes ao longo da hiória da cidade de São Paulo, esse
processo sintetiza o movimento de um mercado cuja rentabilidade e ritmo de
valorização são definidos por uma dupla gica. Por um lado, são mais valorizadas
as localizações capazes de gerar as maiores densidades e intensidades de ocupação;
por outro, valorizam-se os eaços altamente diferenciados ou os exclusivos.
Outro autor que trata da problemática fundiária urbana é Holon
(), ao analisar o loteamento do Jardim das Camélias, da periferia de São
Paulo, objeto de longas diutas judiciais entre dois proprietários, que fez
com que os compradores de lotes não obtivessem os títulos a que tinham
direito. Essa situação perdurou por muitos anos e nunca foi efetivamente
solucionada, apenas parcialmente após inúmeros acordos entre a associação
de moradores do bairro, novos moradores e grileiros. Para ele, esse é um
caso que permite conclusões baante interessantes para compreender o
papel da lei e do legal no que se refere à regulação da terra.
Na busca das origens da propriedade, o autor descobriu que na realidade
essa propriedade era um apossamento de uma reserva indígena (santuário
legalmente inviolável eabelecido com sesmaria pelos jesuítas em ) e
que o fato de ter sido ocupada e legalizada por diferentes grileiros levou a
essa situação de irresolução. Nas palavras de Holon (:):
Apesar dea irresolução jurídica certamente promover e beneficiar a corrupção, creio
que traz conseqüências mais profundas para a sociedade brasileira: a irresolução
é também um inrumento de dominação atualizado pelo siema judico; ou
seja, os princípios da lei no Brasil produzem, siematicamente, irresoluções para
uma sociedade na qual a irresolução é um princípio de ordem (…). Todavia no
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 243
caso brasileiro, quanto mais importante é a diuta, eecialmente quando
terras envolvidas, menor é a possibilidade de tais soluções. As classes dominantes
utilizam-se da lei para evitar as decisões dos tribunais, sempre sujeitas às incertezas
da juiça.
A conclusão a que chega Holon (:) é baante ilurativa dos
processos anteriormente descritos, a partir da análise da realidade do Jardim
das Camélias, que pode ser eendida para o conjunto do país, de que é
sempre possível legalizar a posse de qualquer tipo que seja. Nas palavras
de Holon (:):
É importante acrescentar que essa relação se crializou no começo da colonização
brasileira como uma eratégia das elites fundiárias e dos eeculadores imobiliários,
que dela se serviram para arrancar ganhos incalculáveis. Durante séculos eles a
usaram não somente para ampliar seus negócios comerciais, mas também para
consolidar uma enorme concentração de propriedades. Na verdade, um dos
objetivos dee ensaio é demonrar que a lei de terras brasileira foi montada para
ser cúmplice dessa prática, e não um obáculo a ela. Assim, por toda parte no
Brasil, e eecialmente entre as melhores famílias, encontramos propriedades que,
apesar de serem legalmente aceitas, são no fundo, usurpações legalizadas.
As evidências de Holon () para o eírito e o caráter da legislação
fundiária eabelecida devem se somar às de Rolnik (:) de que
apenas com a organização e a negociação são atendidas as necessidades
dos interesses públicos. Nas palavras da autora:
Ao longo do tempo e diante dos vários agenciamentos eaciais e maneiras de
inserção na cidade, as formas de moradias e bairros definidas pela ordem jurídica
como irregulares teceram formas de legitimação, resultado das negociações entre
os atores envolvidos no processo da conrução das regras do jogo locais. Ea
eécie de acordo coletivo eabelecido entre as partes foi sendo adotada tanto
pelos moradores/ocupantes como pelos funcionários e políticos encarregados da
aplicação das normas aos assentamentos irregulares. Passaram a funcionar como
direitolocal, inscrito nas relações econômicas, sociais e políticas efetivamente
praticadas pelos atores que fabricam territórios. Dessa forma se eabeleceram
Nead Estudos 15244
paos territoriais paralelos à própria ordem jurídica-normativa oficial, sem no
entanto, parar de dialogar com ela.
Em nenhum momento ao longo de um século de legislação urbaníica, esses
paos deixaram de ser paralelos. Em virtude disso, uma eécie de direito não
oficial foi criada para amparar a infração da lei.
Nos casos da cidade de São Paulo ficam claros os dois tipos de ee-
culação com ocupação de áreas não ocupadas ou eatais (caso da reserva
indígena) e de transformação de uso agrícola em urbano (mananciais).
4 . 3 . O C A S O D E C A M P I N A S
A tese de Santos ()¹⁴ mora de forma muita clara como se deram os
processos combinados de eruturação e desenvolvimento da cidade de
Campinas a partir da articulação dos interesses dos empreendedores da
conrução civil, articulados com os imobiliários presentes na prefeitura, a
partir de uma propriedade agrícola. Nas palavras de Santos (:):
Dea forma, o eudo de caso apresenta o mecanismo teórico da valorização
fundiária a ser observada, pois congrega capital blico e privado inveido dentro
e fora da propriedade, capital ee contextualizado na evolução das legislações
municipais de controle urbaníico da apropriação, produção e uso do solo naquele
determinado momento hiórico.
Santos (:) mora que o aparato initucional associado ao
fundiário urbano e rural vai sempre sendo conruído de forma a gerar os
maiores retornos para os fazendeiros/capitalias/comerciantes/banqueiros
agrícolas e urbanos. Para ele, a Lei de Terras de  fez com que apenas se
consolidasse a propriedade da terra rural e urbana nas mãos dos grandes
fazendeiros. Nas suas palavras:
 Ee é Toninho do PT, prefeito eleito de Campinas assassinado emde setembro de .
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 245
O fazendeiro agora também poderia ser capitalia, comerciante, banqueiro, e
manter suas grandes propriedades agrícolas orbitando ao redor do centro da cidade,
capitalizado materialmente por eles mesmos.
Ora, empresas privadas, dirigidas pela mesma fração da elite de parentelas,
baronato e coronelismo, concessionárias de privilégios para a realização de obras
e serviços de água e saneamento, iluminação e tranorte elétrico configurariam a
reforma da cidade de acordo com os interesses capitalias de localização de suas
próprias propriedades.
Ao longo de todo o século esse processo perdura e os diferentes
prefeitos e secretários de obras vão garantindo que esse esquema também
perdure. Não apenas localmente, mas também articulado com os governos
da província e federal.
Santos (:) mora um outro episódio no início do século
que deixa claro como funcionam tais articulações. Um acordo entre os
derrotados do Movimento Conitucionalia de , contrário a Vargas,
fez com que um montante expressivo de recursos arrecadados na região
de Campinas retornasse aos cofres públicos. Com esses recursos, fez-se o
Plano de Melhoramentos Urbanos (-) que eabeleceu as diretrizes
básicas de desenvolvimento da cidade até os dias de hoje. Esse Plano era
uma propoa de reforma urbana para o redesenho da planta da cidade,
ampliação da rede de abaecimento e saneamento, eabelecendo nova
legislação para ampliar seu perímetro urbano.
Parte dessa reforma acabou, após muita controvérsia, sendo desenvolvida
apenas na década de , a partir de um projeto alternativo que não levava
em consideração o desenvolvimento hiórico da cidade e as necessidades
públicas e coletivas. Ee manteve o município sem um planejamento global
e com lacunas na legislação que permitiram que os interesses dos grupos
imobiliários pudessem prevalecer com a intensificação da urbanização,
através de, segundo Santos (:),
trocas políticas e negócios urbanos, interessantes às frações de capital local
voltadas para a produção, apropriação e consumo do eaço, notadamente aquelas
de caráter eeculativo imobiliário…
Nead Estudos 15246
Partes importantes desse projeto inicial foram desenvolvidas nas décadas
de  a  com grandes obras de modernização urbana¹⁵ e do siema
viário¹⁶ onde as desapropriações¹⁷ também tiveram um papel importante.
Seu corolário ocorre na década de , com uma política nacional de
habitação ( e ), com grandes inveimentos na área urbana.
Nessa fase, na qual também ocorre o milagre brasileiro, a expansão
urbana de Campinas é muito grande com um adensamento populacional
e uma verticalização das habitações. Segundo Badaró () apud Santos
(:), a prefeitura encontrava-se derovida de legislação adequada
que lhe permitisse controlar a ação da iniciativa privada, tanto no referente
à ocupação vertical da área central quanto no tocante à expansão horizontal
da área urbana.
Para Santos (:), nesse período ainda a hegemonia dos
interesses imobiliários locais que valorizam seus capitais naquela articulação
previamente apresentada onde: A alavancagem do mecanismo de eeculação
imobiliária em marcha passava pelo direcionamento dea urbanização
através de alterões legais na sua condução initucional e na própria
reorganização da erutura funcional do poder público.
Para Santos (:), nas décadas de  e , as obras desenvolvidas
em Campinas se darão sob um novo jogo de interesses fundiários, baseadas
nos Planos dos anos , a execução de um conjunto de obras blicas
de saneamento, drenagem e articulação viária das bacias hidrográficas,….
Santos deixa claro, portanto, que o capital imobiliário nas figuras
dos fazendeiros e proprietários de terras encontra uma combinação de
possibilidades de eecular com terras rurais e urbanas a partir de regras e
inituições a serem ou não cumpridas, de acordo com seus interesses, ainda
alavancados por inveimentos públicos. No caso de Campinas, o principal
mecanismo de eeculação foi decorrente do processo de transformação no
 Introdução em alguns eaços urbanos de normas provisórias de Zoneamento.
 Entre elas a avenida Aquidabã.
 Segundo Maricato (coord., ), a maior parte das desapropriações urbanas ou rurais
decorrentes do uso social da terra tem, pelos mesmos caminhos jurídicos que privilegiam a
elite brasileira em outras áreas, gerado indenizações aronômicas, normalmente apropriadas
em última inância por bancas de advogados. Não evidências de que isso ocorre na
cidade de Campinas.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 247
uso, inicialmente de rural para urbano e depois de gleba para lote e sempre
contando com o apoio do poder público e articulado com os inveimentos
públicos.
Ainda sobre Campinas, a tese de Miranda (:) sobre o parcelamento
do solo no processo de incorporação de áreas rurais às cidades mora que
ea vem se dando como uma urbanização ambientalmente insuentável
e socioeacialmente segregada, via ocupações irregulares para abrigar as
populações de baixa renda, e/ou via condomínios fechados para abrigar
população de alta renda. Sua pergunta básica era: por que esse processo
se deu dessa forma, na medida em que exie um aparato initucional
e legal que possibilitaria um desenvolvimento urbano mais adequado e
equilibrado?
A principal reoa da autora é que a regulação pública de certa forma
é conivente com os processos eeculativos com as terras e que acabam por
conformar o pior tipo de urbanização. Nas palavras da autora Miranda
(:-).
a regulação e o controle relativos ao parcelamento do solo sempre eiveram mais
centrados na queão de como parcelar, do que em aeos que digam reeito à
queão de quando e onde parcelar, problematizando o efetivo controle da expansão
urbana e da eeculação imobiliária (…). De um modo geral, a ineficiência na
fiscalização, a impunidade e as práticas de regularização adotados pelo Poder
blico acabaram favorecendo a ilegalidade.
Mas o próprio aparato normativo, além de contar com uma infinidade
de inrumentos para a regulação pública, é que com freqüência utiliza o
que melhor atende aos interesses do empreendedor. Mas também Miranda
(:) identifica
que deficiências no conjunto desses inrumentos, deixando lacunas, como
as representadas pela total ausência de inrumentos capazes de deter a ação
eeculativa da terra.
Concluindo-se a análise do processo de ocupação e formação das cidades
brasileiras, as regras e os mecanismos de controle para o mercado de terras
Nead Estudos 15248
exiente são inadequados para a efetiva regulação nos mercados de terras
urbanas não impedindo a eeculação fundiária nem o uso inadequado
do solo. A regulação, quando exiente, atendia em grande medida aos
interesses dos eeculadores imobiliários através de:
inexiência de cadaros, o que inviabiliza a regulação e propicia a contínua
apropriação de terras públicas e devolutas;
legislação limitando o acesso e elevando os preços da terra e, portanto,
impedindo o acesso aos menos favorecidos;
quando a legislação colocava limites aos interesses eeculadores ea era
suficientemente ambígua ou omissa não impedindo sua ação;
inveimentos públicos e Zoneamento adequados para a ocupação das áreas
pertencentes aos proprietários do capital imobiliário;
fiscalização pouco eficiente associada ao Poder Judicial muito moroso e
ambíguo.
5. a ocuPação esPeculatiVa não regulaDa Da terra rural
uma consciência baante generalizada de que pouca regulação
dos mercados de terras rurais no Brasil. Apresentam-se inicialmente dois
autores, que, por caminhos diferentes, moram isso de forma nua e crua.
A primeira, Hunebelle, uma francesa que escreve um artigo para dar um
quadro mais geral da situação brasileira para inveidores internacionais no
final dos anos  e acaba descrevendo como a falta de regulação viabiliza
a eeculação no mercado de terras. Sua apresentação gira em torno da
ocupação de terras novas, mas também daquelas ocupadas precariamente
ateando uma vez mais a fragilidade da propriedade. Hunebelle (:)
também mora que menor interesse em criar mecanismos para a regulação
do mercado de terras, pois as elites brasileiras também se beneficiam da
eeculação com terras:
Mas a eeculação fundiária não é um negócio para principiantes; é preciso ter
apoio jurídico para superar os numerosos obáculos legais. Tudo é um jogo em
torno da noção de ‘título de propriedade. Um tulo de  anos tem muito mais
valor que um título de  anos, que pode ser anulado (sobretudo se os invasores/
posseiros podem adquirir títulos). Certos eeculadores prevenidos preferem
a.
b.
c.
d.
e.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 249
comprar a terra ocupada, que eles pagarão no eado do Acre e de Rondônia
uns  para  num terreno livre. No outro extremo, os inveidores
requintados utilizam os advogados mais eecializados para adquirir terras. Mas
o golpe grande, utilizado por certas multinacionais como por pequenos grupos
privados, é o seguinte: compra-se por qualquer bagatela a terra ocupada, logo
depois, como no Oee americano no século , vêm bandidos armados que
acossam (ou massacram….) os ocupantes. De repente a terra eá valorizada em
 até . …
Outro autor que precisa ser citado com uma posição baante radical é
Jones (), que em função da particular forma de regular o acesso à terra
no Brasil, através da aquisição ou da posse, assume que toda a propriedade
no país foi adquirida ilicitamente apenas com o objetivo eeculativo. Para
Jones (:), todas as propriedades são queionáveis ao afirmar que:
O processo de saque de terras (públicas e de pequenos posseiros e indígenas)
assumiu a feição radical da grilagem eecializada, conceito que eruturamos
para definir uma forma particular de assalto às terras e aos cofres blicos, pra-
ticada siematicamente e de forma organizada por grileiros eecializados. Io
é, apoiados em assessoramento jurídico e intimamente articulado às eruturas do
poder autoritário e da sua burocracia, eecialmente, no Incra Inituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária –, nos Initutos de Terras dos Eados, nas
Superintendências de Desenvolvimento Regional, dos cartórios e nanciados por
Bancos oficiais. A área ilegalmente transferida para particulares, naquele período
(-), segundo eimativas que fizemos em nossa tese de Merado (J
) foi de aproximadamente  milhões de heares ou  da área agrícola do
País na época. O Incra, em eimativas mais precisas que as nossas, admitia ser de
 miles, ea área. Tratava-se de áreasblicas ou ocupadas legitimamente por
pequenos posseiros e indígenas. Observe-se que o objetivo dessa grilagem não era
apenas a ocupação das terras, como reserva de valor (que, efetivamente, não tinham na
época), mas um meio fácil, e necesrio, para o acesso aos subdios e financiamentos
incentivados, o que explica as grandes fortunas que se conituíram no período.
Ambos eão corretos, mas se o problema for encarado dessa forma, as
soluções serão baante complexas. O que deve ser deacado é que a ocupação
Nead Estudos 15250
das terras no Brasil passou por diversos processos nos quais a ocupação
eeculativa de terras cumpriu um papel decisivo. E que a sua recuperação
hiórica, que se fará a partir de agora de forma analítica, possibilitará uma
compreensão mais adequada da problemática, o que por sua vez criará as
condições de se proporem alternativas viáveis reais.
No caso do Eado de São Paulo, hioricamente o processo de ocupação
fundiária sem regulação ocorreu a partir da produção cafeeira. O autor
que melhor descreve esse processo de ocupação combinado com a falta de
regulação é, sem sombra de dúvidas, Monbeig.
Monbeig (:), em sua obra sobre a ocupação do oee de São
Paulo, colocava que: “O movimento de conquia do solo entre  e
 foi uma vaa eeculação financeira. É importante perceber que os
processos de ocupação das terras, de formação das fazendas e de entrada
em regiões novas ocorrem em função da expeativa de valorização dessas
terras a partir da expansão do café.
Monbeig (:) mora que no final do século a inflação,o
dinheiro fácil criava ambiente próprio à eeculação (…) uma fazenda
comprada por  contos de réis, revendida por  e transferida a um
terceiro por  contos, tudo em alguns anos. Com os lucros de tais
eeculações, compravam-se terras virgens e plantavam-se milhões de pés
de café. O rápido movimento de ocupação que vem da região do Vale do
Paraíba, passando por Campinas, Ribeirão Preto, o José do Rio Preto,
e mais tarde adentrando as regiões de Ourinhos e Araçatuba, decorre do
desgae das terras antigas com a conseqüente queda de sua produtividade,
mas é viabilizado pelos ganhos com a eeculação com terras.
A ocupação do norte paranaense foi uma outra fronteira onde a es-
peculação com terras se deu com grande intensidade desde os anos ,
perdurando até os anos . Nesse caso, o processo eeculativo ainda
se deu com base na expansão da cafeicultura. Padis (:) mora que
diversas empresas colonizadoras se eabeleceram na região e a entrada de
novos imigrantes viabilizava a revenda a pros acessíveis, mas com elevados
ganhos para os colonizadores. A Companhia de Terras Norte do Paraná
adquiriu as suas glebas do governo do Eado à razão de  mil-réis por
alqueire paulia, em . Quinze anos depois, ela os vendia à razão de
 mil-réis”.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 251
A partir do golpe de se inicia uma nova forma de se obterem ganhos
com as terras, além da própria eeculação: os incentivos fiscais e a política
de crédito agrícola subsidiado¹⁸. Os primeiros consiiam na concessão
de redução no pagamento de impoo de renda para os proprietários de
terras que implementassem projetos agropecuários na região da Sudam
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). Numa primeira fase,
até final dos anos , a maior intensidade dessa ocupão ocorre, como
mora Ianni (:), no Mato Grosso e no Pará. A partir da ocupação
dessa região um deslocamento, primeiramente para o Maranhão e o
Amazonas e, poeriormente, para Rondônia e Acre. A potica de crédito
agrícola subsidiado que durou de aproximadamente a , ao ser pouco
fiscalizada permitia a apropriação de seus benefícios quer com uso produtivo
quer apenas eeculando no mercado financeiro. A propriedade da terra ao ser
a garantia ao crédito, possibilitava aos seus proprietários ganhos expressivos.
Ianni (:) mora como esse processo ocorreu: “Sem esquecer a prática,
muito corrente na Amania, por parte de grileiros, latifundiários, fazendeiros
e empresários, de comprar terras para utilizá-las como reserva de valor’, contra
a depreciação da moeda, para futuras atividades econômicas ou eeculações.
A literatura eecializada na problemática ambiental da Amazônia iniciou
a crítica à ocupação/devaação a partir da ineficiência dos projetos que
tinham na pecuária a sua atividade principal. Em Hecht et alii (), que
é um eudo da viabilidade econômica da pecuária de corte na Amazônia,
os autores concluem que “os resultados econômicos da simulação das
fazendas de pecuária na Amazônia são lucrativos para as corporões por
causa dos incentivos fiscais, empréimos a juros baixos, benefícios fiscais,
hedges inflacionários e eeculação com a terra. O conjunto das políticas
de eado para a região, desde as apontadas acima até à conrução de infra-
erutura (rodovias, etc.), faz com que as expeativas dos agentes sejam de
possibilidades de ganhos com as terras¹⁹.
 Os impaos dessa política são apresentados, entre outros, por Rezende () e Reydon
().
 Aq
ui se evidencia como o Eado tem viabilizado elevados ganhos patrimoniais, com a
inalação de infra-erutura e/ou concessão de incentivos e subsídios, apenas acessíveis a
alguns, da forma apontada por Lessa e Dain.
Nead Estudos 15252
Hall (:), por outro lado, mora que, nessa eeculação, os
pequenos e médios agricultores têm uma participação expressiva ao longo
de toda a hiória. Dá-se através da aquisição de lotes por parte de pequenos
e médios agricultores, vindos do reante do país, principalmente em
decorrência da modernizão da agricultura e da crise econômica que o
país atravessa. Essa ocorre com a revenda de parte das áreas ocupadas pelos
grandes empreendimentos em pequenos lotes, semelhante àquela ocorrida
no eado de o Paulo e no norte do Paraná: Nos anos  os esquemas
de colonização privados tornaram-se crescentemente um veículo popular
para tornar grandes áreas da Amazônia dioníveis a preços nominais para
empreendimentos comerciais do sul. Após a colocação de infra-erutura
básica e da demarcação das terras, a rma vende lotes para qualquer pequeno
fazendeiro que tenha o capital para pagar pros de a  por
heare.(…) Em Tucumã as terras compradas pela Companhia Conrutora
Andrade Gutierrez (Consag) por uma média de , por heare eram
revendidas a pequenos fazendeiros por montantes entre   a 
por heare.
O que esses eudos também moram é que a devaação da florea e a
ocupação com pecuária ocorrem em função da necessidade de se sugerir que
os projetos agropecuários são produtivos e eão sendo implementados, e
que portanto não são passíveis de desapropriação. Segundo Mahar (:),
em Rondônia os preços reais da terra têm se elevado em anos recentes
de forma assuadora, basicamente em reoa à contínua migração e às
melhorias nas eradas e outras obras de infra-erutura financiadas através
do Polonoroee. Mesmo nos projetos de colonização, Mahar () mora
que é possível para os eeculadores obter o equivalente a , se
eles desmatarem  heares da florea e plantarem paagem e culturas
de subsiência por dois anos, e depois venderem os direitos de posse
adquiridos por ea prática.
Apesar da inexiência de incentivos fiscais para ocupação de novas áreas
na Amazônia, como exiia nos anos e , hoje no Acre o potencial
de ganhos com a eeculação com terras continua muito elevado. O próprio
desmatamento é uma forma excepcional de se ganhar com a valorização da
propriedade. A eeculação com terras, primeiro no processo de apropriação
de terras devolutas e depois no processo de transformação de floreas em
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 253
paos. Nea além dos ganhos com a extração da madeira há uma grande
valorização da terra na sua conversão de florea em pao como mora
a tabela . Na atualidade certamente ea não atividade econômica
passível de competir com a combinação de ocupação de terras devolutas, a
extração de madeira e a inalação da pecuária de corte fundamentalmente
pela completa falta de regulação do acesso à terra e ao seu uso. A Tabela
, mora inicialmente uma homogeneidade baante grande nos preços
da terra nos diferentes municípios para as seguintes categorias: mata sem
madeira de lei, pao não mecanizado e pao mecanizado. As maiores
diferenças aparecem para a mata com madeira de lei, certamente porque
os diferentes agentes econômicos têm diferentes expeativas quanto aos
ganhos futuros oriundos dessa atividade.
TABELA 1 PREÇO DA TERRA COM MATAS E SEM E PREÇOS DE PASTOS
COM DIFERENTES QUALIDADES. VARIAÇÃO PERCENTUAL DE SEU VALOR EM
FUÃO DO DESMATAMENTO ANOS DE 2000 E 2001 ESTADO DO ACRE.
regiões
acre
terras e atributos – r$/ha
Variação %
Variação %
Variação %
mata
com
maDeira
De lei
mata
sem
maDeira
De lei
Pasto
não
mecani-
ZaDo
Pasto
mecani-
ZaDo
(A) (B) (C) (D) (D/A) (C/A) (C/B)
RIO BRANCO 90 - 120 375 316,67 33,33 -
BRASILE
IA 19 - 120 - - 531,58 -
SEN
A
MADUREIRA
82,5 - 120 350 324,24 45,45 -
TARAU
ACÁ 30 10 190 - - 533,33 1.800,00
ELV
IRA 35 15 190 - - 442,86 1.116,67
JUR
65 20 200 400 515,38 207,69 900,00
Fonte:
BASA – vários anos.
Nead Estudos 15254
Mas a conclusão mais importante que se tira da tabela, é que em todas
elas o desmatamento sempre valoriza a propriedade. Nos casos onde
informação sobre mata sem madeira de lei (nas regiões de Tarauacá, Elvira
e Juruá), a valorização decorrente da transformação da mata em pao não
mecanizado é da ordem de  a . por heare de terra, segundo
os diferentes municípios.
Outra realidade que evidencia a falta de capacidade do Eado brasileiro
de regular a propriedade da terra é observada no sudoee do Piauí. Segundo
Monteiro ()²⁰, nea região vem ocorrendo nos últimos anos um
intenso processo de ocupação ilegal de grandes áreas de terras devolutas
por grandes proprietários (com imóveis de até . ha). Ees adquirem
pequenas posses adjacentes à terras devolutas e as integram em grandes
imóveis através da figura do uso-capião. A total incapacidade do Eado
em regular o acesso e o uso da terra também são percebidos nee processo
quando por um lado são feitos inveimentos imensos para desapropriar
fazendas improdutivas para assentar famílias de sem-terra e por outro se
ea permitindo a ocupação de vaas áreas de terras devolutas como no
caso do sudoee do Piauí.
Talvez a evidência mais clara da incapacidade que o Eado brasileiro vem
tendo de efetivamente regular o mercado de terras é decorrente da Portaria
/ do Incra que impôs a todos os proprietários de imóveis com mais de
. ha a necessidade de apresentar a documentação comprobatória de
seus imóveis. Essa incapacidade se evidencia por dois aeos da Portaria:
a) o próprio ato de ter que requerer a documentação, pois o Eado deveria
deter as informações necessárias de todos os imóveis; e b) o fato de .
(,) dos . imóveis o terem reondido, e que somam milhões
de ha (conforme se observa na Tabela ).
Esses que não reonderam, que são tratados como sueitos de grilagem,
se apropriaram de  da área dos imóveis do país. Os dados da Tabela
também evidenciam que, entre os imóveis com área total entre . e
. ha, mais de  deles não apresentaram a documentação necessária.
Ou seja, quanto maiores, mais ilegais. Deve-se ter claro que entre os que
reonderam podem exiir outros que se apossaram de terras públicas.
 Além dee vide Reydon e Monteiro () in: Reydon e Cornélio()
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 255
Isso mora uma vez mais a necessidade de desenvolver políticas públicas
que efetivamente controlem a terra no país.
TABELA 2 IMÓVEIS RURAIS NOTIFICADOS E OS QUE NÃO
RESPONDERAM (SUSPEITOS DE GRILAGEM). POR TAMANHO. BRASIL.
classes De
área total
(1000 ha)
total
notiFicaDos
não
resPonDeram
(susPeitos De
grilagem)
não resP./
total not.
no imoV. área
(1.000
ha)
no
imoV. área
(1.000
ha)
%
imoV.
%
área
NÃO INFORMADA 7 0,0 0 0,0 - -
MENOS DE 10 19 63,2 0 0,0 - -
10 A
MENOS DE 20 1.846 25.270,3 863 11.780,4 46,7 46,6
20 A
MENOS DE 50 882 25.854,0 413 12.158,1 46,8 47,0
50 A
MENOS DE 100 184 12.616,8 94 6.400,0 51,1 50,7
100 A
MENOS DE 200 85 11.786,5 46 6.343,2 54,1 53,8
200 A
MENOS DE 500 34 9.964,5 19 5.757,0 55,9 57,8
500 A
MENOS DE 1.000 6 4.996,2 2 1.667,7 33,3 33,4
1.000 E MAIS 2
3.251,9 1 2.050,0 50,0 63,0
TOTAL 3.065 93.803,3 1.438 46.156,6 46,9 49,2
Fontes:
Incra, Banco de dados dos imóveis abrangidos pela
Port. 558/99, de 08/01/2001 e Listagem dos imóveis que não
atenderam à notificação da Port. 558/99, de 21/12/2000.
6.
conclusões e uma ProPosta institucionalista
Para regular o mercaDo De terras
Mas deve-se ter em mente que os que eeculam com terras atuam ou
dentro da lei ou no seu vácuo, io é, na incapacidade que o Eado vem
apresentando de efetivamente regular o seu mercado. Ou ainda na forma
Nead Estudos 15256
como a regulação tem sido desenvolvida a m de propiciar uma maior
eeculação com as terras. Com freqüência evidências de que as regras que
se tentou criar sempre o foram para beneficiar os eeculadores fundiários,
rurais ou urbanos.
No Brasil, mesmo com legislação e atribuição de reonsabilidades
initucionais regulando o acesso à terra, eas ou são ambíguas ou passíveis
de não-cumprimento sem ônus, beneficiando sempre os eeculadores com
terras em prejuízo do seu uso coletivo.
Como evidenciado, três eécies básicas de eeculação no mercado
de terras, que geram ganhos para seu proprietário ou apropriador:
na apropriação privada de terras públicas, devolutas e não ocupadas, urbanas
ou rurais; principalmente através da posse;
na transformação do uso e do tamanho da propriedade:
de rural para urbana (indurial, comercial e habitacional);
de glebas em lotes (rurais ou urbanos);
da valorização da terra por seu caráter de ativo líquido.²¹
Normalmente, essas formas podem inclusive ser combinadas: o primeiro
tipo de eeculação é, sem sombra de dúvidas, o mais rentável, e é também
o que mais facilmente pode ser controlado com uma regulação efetiva dos
mercados de terras na forma de cadaros e regiros dos imóveis públicos
e privados. Claro que isso implica mudanças efetivas no arcabouço legal
federal, eadual e municipal. Mas refere-se basicamente à conrução e
dionibilização ao público de cadaros e regiros de imóveis rurais e
urbanos e uma efetiva fiscalização.
O tipo subsequente é diretamente regulado pelos municípios (Poderes
Executivo e Legislativo) e pelo governo federal (Incra), mas como bem
morado não se efetivou.
A terceira forma de ganhos eeculativos pela incapacidade de se regular
a propriedade da terra é a decorrente das caraeríicas de ativo líquido
 Na formulação de Reydon (), esses são os valores eerados associados a sua liquidez
(l) que decorrem entre outros da liquidez geral da economia e de sua liquidez eecífica
decorrentes: das garantias initucionais da terra, do comportamento dos demais mercados
de ativos líquidos e de outros ativos reais.
a.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 257
que a terra assume. Dado que é impossível coibir a eeculação com terras
num país como o Brasil, pois a maior parte dos que têm alguma riqueza a
mantêm a terra entre outros ativos. Isso decorre do fato de que nee país
a eeculação com terras é algo imanente tanto no setor rural quanto no
urbano, toda uma economia que gira em torno dessa atividade e, por
outro lado, não tradição nem meios para fiscalizar. Ea caraeríica
apresenta um desafio mais complexo e difícil. Mas certamente diminuiria
significativamente se o Eado brasileiro implantasse um efetivo Impoo
Territorial Rural (). Ee impoo analisado em Reydon et al. ()²²,
se devidamente fiscalizado²³, cumprirá em parte o papel de regulador do
uso eeculativo da terra.
Daí a necessidade de se pensar, de forma criativa, políticas que possi-
bilitem regular a forma de ocupação e o uso do solo, fazendo com que seu
motor deixe de ser prioritariamente decorrente da maior eeculação, de
forma a buscar melhorias sociais, econômicas e ambientais.
Portanto, o que se faz necessário é regular para orientar parte da eecu-
lação, pois ea sempre exiirá, o que não pode ser permitido é que, em nome
da não-intervenção, apenas poucos se beneficiem de seu uso eeculativo e
além disso criem problemas econômicos, sociais e ambientais.
A partir dessas conatações há necessidade de se regular efetivamente
o mercado para seu melhor funcionamento e para coibir os excessos nos
processos eeculativos. Para o e World Bank () e para Burki e Perry
(), a regulação dos mercados deveria ser o tema central da atuação de
todos as agencias de desenvolvimento do mundo. No último eudo do
Banco Mundial, e World Bank (:), propõe-se que as inituições
formais do Mercado de Terras incluam o regiro dos imóveis, serviços de
 Nee artigo, compara-se o comportamento do pro da terra de o Paulo ao longo das
décadas de  e  com o de outros ativos. Verifica-se, entre outros, que a terra quando
parte de portfólio teórico compoo de ações durante crises da BOVESPA é um ativo
compavel à poupança e que valoriza o portfólio. Evidenciando que a terra pode ser um
importante ativo no portfólio dos agentes econômicos, como propoo em Reydon ().
 A sua não efetividade decorre da falta de scalização por sua vez decorrente da baixa
capacidade dee impoo de gerar receitas para o Eado. Mas ee impoo é em várias
partes do mundo concebido não como um gerador de receitas, mas um regulador do
mercado de terras.
Nead Estudos 15258
titulação e o mapeamento dos imóveis. Na conrução deas inituições
são quatro as caraeríicas que não podem ser deixadas de lado:
definição e adminiração límpida dos direitos de propriedade;
mecanismos simples para identificação e transferência dos direitos de
propriedade;
compilação cuidadosa dos títulos de propriedade e livre acesso a eas
informações;
mapeamento dos imóveis.
As inituições que regulam o mercado de terras através dee conjunto
de regras são fundamentais para implementação adequada das seguintes
políticas: reforma agrária, crédito fundiário, tributação efetiva até o plane-
jamento territorial rural, urbano e ambiental.
Nesse sentido, para viabilizar o efetivo controle sobre a terra, que
se initucionalizar de forma mais clara a propriedade da terra, através
de mudanças legais, criação de cadaro, entre outros, em suma, criar no
Eado brasileiro uma inituição que efetivamente tenha controle sobre a
propriedade da terra. Portanto, uma das facetas da nova inituição passa
pela criação das condições para isso. O primeiro passo fundamental é sem
sombra de dúvidas o mapeamento da realidade agrária brasileira, com
indicações de áreas de terras devolutas, identificação dos imóveis, cadaro
das dívidas do e outros²⁴. Io requer mudanças efetivas de mentalidade
e do uso da tecnologia dionível. A maior parte das informações exiem
em imagens de satélites, nos cadaros do Incra e em outros órgãos públicos.
Os passos a serem dados são:
organizar as informações dioníveis;
mapear as informações com a moderna tecnologia;
criar um mecanismo simplificado local de confirmação ou retificação das
informações exientes;
 Isso implica o aprimoramento da Lei ./, que é um primeiro passo na criação
do Cadaro ao eabelecer que qualquer mudança efetivada no regiro dos imóveis deve
ser acompanhada de memorial descritivo com coordenadas dos vértices da propriedade.
Essa documentação deve ser encaminhada pelos cartórios ao Incra para a consolidação
das informações.
a.
b.
c.
d.
a.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 259
criar os mecanismos para convalidação legal das informações;
criar mecanismos para atualização e socialização das informações.
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7
Fome Zero
POLÍTICA PÚBLICA
E CIDADANIA
1
José Graziano da Silva²
Maya Takagi³
R
O artigo expõe as principais concepções e conceitos do Programa Fome
Zero do governo federal, faz um balanço de um ano de sua implantação e
conclui com uma avaliação de alguns desafios para sua consolidação como
Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil.
A
is paper makes clear the conception and the main concepts of the federal Zero
Hunger Program, analyses its implementation in the fir year and the challenges
to the Food and Nutritional Security Policy consolidation in Brazil.
introDução
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou o
problema da fome no centro da agenda política brasileira e
internacional, com um compromisso claro: pretende erradicá-
la do cenário nacional por meio de ações integradas que
estruturem uma política permanente de segurança alimentar
e nutricional.
Texto apresentado no Encontro Nacional de Economia Política, em Uberlândia–MG
em junho de .
Prof. Titular da Unicamp/IE, coordenador executivo do Projeto Fome Zero do Inituto
Cidadania, miniro de segurança alimentar e nutricional do governo Lula em , assessor
eecial da Presidência da República.
Mere em desenvolvimento econômico, eaço e meio ambiente e doutoranda em Economia
Aplicada na Unicamp/IE.
Nead Estudos 15264
A implantação do Programa Fome Zero e a criação do Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e de um órgão executivo
e articulador o Miniério Extraordinário de Segurança Alimentar e
Combate à Fome⁴ –, ambos vinculados à Presidência da República, já no
primeiro ato legislativo do governo então recém-empossado⁵ explicitam
claramente que a segurança alimentar e nutricional retomou um eaço
perdido ao longo da última década⁶.
Esse é um fato hiórico da maior relevância, que, tanto no Brasil
como fora dele, a exiência da fome é escamoteada, omitida, negligenciada
como um fato do qual os governantes se envergonham.
Se esse fato foi positivamente recebido pela sociedade civil em geral,
considerando-se os crescentes apoios recebidos, pela maioria dos formadores
de opinião e pelos pesquisadores e militantes do tema, não houve consenso
quanto às formas para realização dessa meta ambiciosa, podendo-se iden-
tificar nesse debate dois grupos principais:
aqueles que consideram não serem necessárias políticas eecíficas voltadas
para o combate à fome por diversos motivos, como: por ser uma situação
irrealizável a erradicação plena da fome; por considerar que a fome eá
vinculada fundamentalmente ao problema de geão da política macroe-
conômica, vinculando a sua exiência ao problema do desemprego e do
subemprego; por considerar mais eficazes programas de combate à pobreza
em geral e não à fome eecificamente; por não conceber a importância de
políticas blicas federais, considerando que a mobilização da sociedade
civil e a articulação das ações já exientes nos governos federal, eadual e
municipal seriam suficientes.
Atualmente incorporado ao Miniério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
– .
Medida Provisória n
o
, de 
o
de janeiro de , convertida na Lei n
o
., de  de
maio de .
Ee período foi marcado pelo enfraquecimento da articulação das ações e do debate,
pelas diferentes esferas de governo com a sociedade, no que diz reeito aos problemas de
insegurança alimentar. Em resumo, foi um período caraerizado pela ausência de uma
política de segurança alimentar, ocasionada pela falta de prioridade política à queão. Ver,
a reeito, Flávio Valente (texto no site www.fomezero.gov.br).
a.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 265
aqueles que criticaram o programa pela sua concepção e formato de im-
plementação, que seria incompleto ou equivocado, incluindo visões como:
sua supoa concepção assiencialia, resumindo o programa à doação de
alimentos; aqueles que consideram que não se deu a devida importância
para a política de segurança alimentar, no sentido que diz reeito a todos
os cidadãos, reringindo-se às políticas que dizem reeito apenas aos mais
pobres; e ainda aqueles que criticaram-no por não ser possível entendê-lo,
ou seja, considerando a sua formulação muito complexa.
ainda aqueles que, incluídos ou não nos grupos a e b, consideraram
insuficiente o que foi realizado no primeiro ano e, na nossa opinião, essa
poura eá relacionada à excessiva expeativa criada e muitas vezes
fabricada sobre o programa, que sempre foi colocado como de implantação
em médio prazo, refletindo amiúde a diuta político-partidária da qual
o programa foi objeto.
Essa falta de consenso no âmbito nacional, por seu turno, o teve eco
no cenário internacional. Organizões multilaterais internacionais, como
Fao Organização das Nões Unidas para a Alimentação e Agricultura –,
Unesco, Unicef, Banco Mundial e Bird têm elogiado o a prioridade, mas
a concepção do programa. Isso o é fortuito. As organizações das Nações
Unidas eão promovendo uma eratégia de redução da fome e da pobreza
em nível mundial. Para a redução da fome, por exemplo, a meta, da qual o
Brasil é signatário, é reduzi-la pela metade até o ano de . E a conclusão
recente dessas organizações é a de que as metas não serão alcançadas se
as eatíicas continuarem no atual ritmo e sem uma ação planejada dos
governos nacionais, citando o Brasil como um exemplo a ser seguido pelos
outros países.
Passado mais de um ano de implantação do Programa Fome Zero,
revee-se de grande importância fazer um balanço das suas concepções, do
que foi implantado e do que falta implantar em direção à meta anunciada
pelo presidente.
Ee texto divide-se em três partes: a primeira faz uma breve explanação
da concepção que norteou o programa desde a sua formulação, passando
pela transformação do projeto em um programa de governo. A segunda
faz um balanço dos avanços obtidos no primeiro ano; e a terceira, uma
b.
Nead Estudos 15266
avaliação dos caminhos necessários para se trilhar à frente na consolidação
do Programa Fome Zero.
1 Diagnóstico e concePção
É natural que a concepção de um programa ou projeto eeja ereitamente
relacionada com o diagnóico das causas do problema sobre o qual se quer
atuar. É o que se pretende expor a seguir.
1 . 1 I N S E G U R A N Ç A A L I M E N TA R N Ã O É S I N Ô N I M O D E F O M E
O primeiro aeo a se ressaltar é a importância de diinguir insegurança
alimentar de fome. O conceito de segurança alimentar envolve pelo menos
quatro dimensões. A primeira, que é mais visível, é a dimensão de quantidade.
É necessário um consumo mínimo de calorias, proteínas e vitaminas para
uma vida ativa e saudável. A segunda, não menos visível, é a dimensão de
qualidade. A população deve ter acesso a alimentos nutritivos. A terceira
dimensão é de regularidade: comer pelo menos três vezes por dia. É tomar
café da manhã, almoçar e jantar todos os dias. E a quarta, não menos im-
portante, é a dimensão de dignidade. Uma pessoa que se alimenta de reos
de reaurantes ou de lixões não possui segurança alimentar, embora possa
até não se enquadrar na categoria de subnutridos pelo critério biológico.
A insegurança alimentar possui diversas facetas, todas baante graves.
Engloba aqueles que comem pouco por falta de renda; os que comem
inadequadamente porque não ingerem os nutrientes necessários para
uma vida saudável, embora possam até ingerir a quantidade necessária de
calorias e proteínas (muitos, eecialmente crianças, podem ter doenças
associadas que impedem a absorção dos nutrientes); e também os que
comem demasiadamente, necessitando de uma reeducação alimentar.
O problema da fome crônica é o mais visível, o mais premente. Afeta
biológica e psicologicamente o indivíduo e suas gerações. O conceito de
insegurança alimentar engloba-o, mas é mais amplo e permite vislumbrar
políticas preventivas para evitar que as famílias cheguem a tal eado.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 267
1 . 2 D I A G N Ó S T I C O D A F O M E
A fome é a dimensão extrema dos desequilíbrios eruturais do país e
assim deve ser compreendida para que possa ser eficazmente enfrentada. A
concepção do programa tal como foi formulado é de que não exie solução
assiencial para esse desafio. Ainda que medidas emergenciais sejam
necessárias para amenizar a herança dos graves problemas que nos cercam,
a fome será vencida com políticas públicas eruturais e a inclusão de
seus protagonias no processo de desenvolvimento.
O programa reconhece que alcançar de fato a segurança alimentar no
Brasil exige um modelo de desenvolvimento econômico que privilegie o
crescimento com diribuição de renda, de modo a ampliar o mercado
interno do país com geração de empregos, melhoria dos salários pagos e,
mais eecificamente, recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo
que funciona como uma eécie de “farol” para as rendas desses segmentos
mais pobres da população. Ee conitui o primeiro eixo de atuação da
Política de Segurança Alimentar: a integração das políticas eruturais para
geração de emprego e renda.
No entanto, o diagnóico mais objetivo da queão da fome no Brasil
presente no programa é o de que ea envolve pelo menos três dimensões
Fome
Extrema
pobreza
Insegurança
alimentar
Desnutrição
Obesidade
Nead Estudos 15268
fundamentais: a insuficiência de demanda, decorrente da hiórica concen-
tração de renda exiente no país e do baixo poder aquisitivo de grande parte
da população brasileira associado aos ainda elevados índices de desemprego
e ao subemprego; a incompatibilidade dos preços dos alimentos com o
baixo poder aquisitivo da maioria da sua população; e a terceira, mas não
menos importante, a exclusão daquela parcela da população mais pobre
do mercado e da rede de proteção social, muitos dos quais trabalhadores
desempregados ou subempregados, idosos, crianças e outros grupos carentes,
que necessitam de um atendimento emergencial.
Para romper esse ciclo perverso é necessária a intervenção do Eado,
de modo a incorporar ao mercado de consumo de alimentos aqueles que
eão excluídos do mercado de trabalho e/ou que têm renda insuficiente
para garantir uma alimentação digna a suas famílias. Trata-se, em suma, de
criar mecanismos alguns emergenciais, outros permanentes no sentido
de facilitar o acesso à alimentação por essa população de mais baixa renda,
em situação de vulnerabilidade à fome, de um lado; de outro, incentivar
o crescimento da oferta de alimentos baratos, mesmo que seja através do
autoconsumo e/ou da produção de subsiência; e, finalmente, de incluir os
excluídos, dado que o acesso à alimentação básica é um direito inalienável
de qualquer ser humano, para não se falar do direito de um cidadão, que
deveria ser garantido a todos os brasileiros. Ee conitui o segundo eixo,
das políticas eecíficas de acesso à alimentação de qualidade.
O terceiro eixo fundamental é o aeo educativo do programa, pois
não baa ter acesso à alimentação em quantidade, mas é necessário ter
consciência daquilo que se come, da sua qualidade e da sua origem. Vários
eudos evidenciam que o problema nutricional da população brasileira é
resultante da aquisição insuficiente de alimentos, mas também da escolha
inadequada dos mesmos; portanto, o problema é tanto quantitativo como
qualitativo⁷.
Mas, também, é mais evidente nas famílias de renda mais baixa, sendo,
portanto, conseqüência do baixo poder aquisitivo. E esse não é um problema
rerito à população de baixa renda, mas a toda a população.
Monteiro, C.A. A Dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil: implicações
para políticas públicas, , mimeo.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 269
1 . 3 P O L Í T I C A S E S P E C Í F I C A S E M A N C I PAT Ó R I A S
Por que são necessárias políticas eecíficas de combate à fome no Brasil?
A nosso ver, elas são necessárias por duas razões principais: em primeiro lugar,
programas eecíficos conseguem conscientizar a população do Direito
Humano à Alimentação Adequada como parte dos direitos fundamentais do
ser humano. A alimentação deixa de ser considerada uma obra de caridade
ou ser utilizada por motivações políticas, como ainda é muito comum, e
passa a ser entendida como um dever do Eado de garantir esse direito.
No Pao Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das
Nações Unidas, conforme reproduzimos na primeira pagina da Introdução
do Projeto Fome Zero, pode-se ler que:
O Direito a alimentar-se significa o direito a todo cidadão de ear livre da fome,
o direito a um padrão de vida adequado para assegurar alimentação, veuário e
moradia adequados e o direito ao trabalho.
É tarefa do Eado assegurar esse direito, de forma que a alimentação
não seja fornecida apenas como fruto de caridade, de favores pessoais e
nem inrumento de uso político.
Esse direito só poderá ser atendido a partir da criação de uma Política
Nacional de Segurança Alimentar, conruída de forma participativa com os
diversos segmentos da sociedade. E essa política foi concebida para integrar
as políticas eruturais, voltadas para combater as causas da fome, com as
políticas de ampliação ao acesso à alimentação, orientadas para atender
todos aqueles que não têm acesso a uma alimentação saudável.
Políticas eecíficas de combate à fome são necessárias para quebrar o
círculo da pobreza e da fome. A fome é conseqüência da pobreza, mas é
também sua causadora, pois compromete a conrução da cidadania e das
gerações futuras, que sofrem as mazelas de um desenvolvimento humano
prejudicado. O combate à fome, assim, traz resultados positivos para a
conrução da cidadania, e, por outro lado, para a dinamização da economia,
pois mais alimentos serão consumidos e produzidos. Logo, os recursos
devem ser canalizados para favorecer a produção e o comércio local de
alimentos, bem como a vinculação com ações eruturantes (incentivo à
Nead Estudos 15270
produção local de alimentos através de associação com políticas de compra
de alimentos e de conrução de canais de comercialização, conrução de
pequenas obras hídricas como ciernas para captação de água da chuva
no semi-árido, conrução e reforma da habitação).
Políticas diretas de segurança alimentar e combate à fome e outras
políticas sociais devem ser adotadas de forma que forneçam os meios
básicos para a sobrevivência das famílias sem condições econômicas, mas, ao
mesmo tempo, criem mecanismos dinâmicos em outras áreas da economia,
como a produção e a diribuição de alimentos, conituindo-se assim,
concomitantemente, em mecanismos para a liberação da dependência
dessas políticas eecíficas.
Em outras palavras: o maior consumo de alimentos eimula uma maior
produção local de alimentos. Além de dar garantias de uma população bem
alimentada, que gera trabalho e renda, essa nova concepção eimula a
agricultura e movimenta a economia local.
Essa concepção se diferencia muito da visão corrente, associada a
organizações como o Banco Mundial, de que o acesso à educação pelas
crianças é a principal forma de superação da pobreza e que, associado a
programas de transferência de renda, seria a melhor forma de diribuição
de renda. Ao contrário, considera-se que o acesso à educação de qualidade é
um dos aeos de médio e longo prazos para superação das condições de
pobreza, mas não é suficiente para gerar dinâmicas emancipatórias junto às
localidades. Isso se juifica porque o diagnóico da pobreza não eá rerito
aos limites exclusivos da família, mas eá fortemente vinculado ao baixo
dinamismo da economia do município e do entorno regional. Portanto, é
imprescindível a articulação com ações eruturantes de caráter territorial.
A implantação de um amplo programa de transferência de renda para
que a família compre alimentos, consubanciada no Programa Cartão-
Alimentação, foi poeriormente unificada no Programa Bolsa-Família. A
intenção é que esses recursos adicionais possam ser utilizados nos super-
mercados, armazéns e nas feiras para compra de alimentos, em subituição
a programas de diribuição de ceas básicas. Essa é uma das diversas ações
previas no Programa Fome Zero, visando a garantir o acesso à alimentação
e também dinamizar a economia local.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 271
Em síntese, as políticas emergenciais de acesso à alimentação devem
incluir em si mesmas condições para superação da sua dependência, com
efeitos dinamizadores para a economia e para a organização da comunidade
local. Ou seja, elas foram concebidas para ser:
educativas, em relação a hábitos e práticas alimentares;
organizativas, para a defesa dos direitos de cidadania;
emancipadoras, visando a promover a autonomia e não a dependência dos
beneficiários.
Isso implica superação da visão de que políticas que se limitam às
medidas emergenciais e as que admitem trabalhar medidas de natureza
erutural se excluem mutuamente.
1 . 4 A N E C E S S Á R I A A R T I C U L A Ç Ã O D E P R O G R A M A S
D E S E G U R A N Ç A A L I M E N TA R E N U T R I C I O N A L
Como as causas da fome são eruturais, o desafio da articulação das ações
governamentais remete a um processo mais amplo de iniciativas públicas,
com eímulos ao desenvolvimento local, fomento à produção familiar,
incentivos à geração de emprego e renda, etc.
É necessário promover a articulação das políticas eruturais com as
políticas emergenciais de combate à fome. Entre as políticas eruturais
prioritárias do governo deacam-se as políticas de geração de emprego
e renda, como a expansão do microcrédito, a qualificação profissional, o
eímulo a microempreendimentos, a realização de uma ampla reforma
agrária para tornar mais eqüitativa a erutura fundiária do país, a expansão
da previdência social para as pessoas em regime informal de trabalho, assim
como ocorrido para as famílias rurais, e uma política agrícola de incentivo
à agricultura familiar. Tudo isso deve pressupor um modelo de desenvol-
vimento que favoreça a geração de emprego e o crescimento do país.
Por ser um conjunto amplo de ações, a Política de Segurança Alimentar
e Nutricional não subitui, mas engloba e integra muitos dos programas
exientes, o que implica uma forte articulação interminierial para a garantia
de seu sucesso. Essas ações envolvem desde políticas eruturais, como
programas de geração de emprego e renda, até políticas eecíficas realizadas
a.
b.
c.
Nead Estudos 15272
pelos miniérios setoriais e pelo próprio Miniério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome – .
Essa é uma eecificidade initucional da Política de Segurança Ali-
mentar e Nutricional. Trata-se, ao mesmo tempo:
de uma política de implementação de ações e políticas eecíficas de
segurança alimentar;
mas também de uma política articuladora de iniciativas de competência
de outras paas, de outras esferas de governo e inituições da sociedade
civil, na área social.
Esse é o maior desafio, diante da fragmentação e da forte setorização
das políticas do governo.
Dessa forma, fica claro que a meta do programa é mais do que acabar
com a fome: como disse o presidente Lula, deve garantir aos brasileiros três
refeições de qualidade em todos os dias do ano. Por isso, o Fome Zero não
pode ser reduzido a um programa de transferência de renda à população
carente, muito menos a um programa de combate à pobreza. É um programa
universal, para toda a população.
1 . 5 A I M P O R TÂ N C I A D A PA R T I C I P A Ç Ã O E D A M O B I L I Z A Ç Ã O S O C I A L
A pobreza não é apenas um fenômeno eatíico ou biológico, mas também
político.o é apenas um atraso no acesso aos bens de consumo, mas de
privação da cidadania. Ela é a conseqüência erutural de um modelo de
desenvolvimento perverso, que gera privilégios e privações.
Em muitos lugares dee país, trata-se literalmente de dar a luz à soci-
edade civil. Sem ela, não se vence a luta contra a dramática desigualdade
brasileira. Por isso, o terceiro aeo do programa é a geão participativa.
Tornar a comunidade, e o apenas o indivíduo, protagonia de sua própria
emancipação.
Por isso, a primeira ação do governo, ao lançar as bases do Programa
Fome Zero, foi a inalação do Consea. Como é de conhecimento de todos,
acoplado ao MESA, foi criado, por Decreto de  de janeiro de , o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea.
a.
b.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 273
Compoo por  conselheiros designados pelo presidente da República
mais  miniros de Eado o Consea é presidido por representante da
sociedade civil e secretariado pelo titular do . Cabe ao Consea, entre
outras atribuições:
propor e pronunciar-se sobre diretrizes da Política Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional; e
ainda: mobilizar a sociedade civil e eimular a criação de conselhos ea-
duais e municipais de segurança alimentar e nutricional requisito para a
implantação do Programa Fome Zero.
Também para dar voz à comunidade, foram criados comitês geores
nos municípios do semi-árido, com ampla participação da sociedade civil
organizada e das famílias beneficiárias.
Outro aeo notável é o de que, por meio do chamamento do pre-
sidente, a sociedade em geral, incluindo as empresas, têm contribuído
diretamente, como cidadãos do Mutirão contra a Fome, recriando uma
rede de solidariedade, tal como vio na campanha da Ação da Cidadania
contra a Fome e a Miséria e pela Vida, conhecida como a “Campanha do
Betinho, no início da década de .
2 o Primeiro ano De imPlantação
A ênfase das ões de segurança alimentar implementadas pelo Governo
Federal, no seu início, recaiu sobre um importante conjunto de programas⁸:
a complementação de renda para o acesso à alimentação; a ampliação
da merenda escolar; a diribuição emergencial de alimentos; o apoio a
programas criados por governos eaduais, municipais e pela sociedade
civil organizada que busquem combater a fome por meio de reaurantes
populares, bancos de alimentos, hortas comunitárias; e a implantação da
compra da agricultura familiar.
Dentro desse conjunto de ões, a maior ênfase foi dada à ampliação do
acesso à alimentação das famílias situadas no Semi-Árido e na Região Norte,
regiões que concentram a carência no país, às crianças em idade escolar e
às comunidades eecíficas: acampados, quilombolas e indígenas.
Para mais detalhes, ver site: www.fomezero.gov.br
Nead Estudos 15274
O Programa Cartão-Alimentação () transferiu , por mês às
famílias em situação de insegurança alimentar com renda familiar mensal
per capita inferior a meio salário mínimo e que vivem em regiões carentes
de todo o país, visando a garantir-lhes o acesso à alimentação diária, em
quantidade suficiente e com a qualidade necessária.
Inicialmente, o programa foi implantado nos eados do Nordee e
no norte de Minas Gerais, antecipando a meta de atingir um milhão de
famílias em  nessa região no mês de outubro, e atingindo mais de 
da sua população extremamente pobre. Logo se expandiu para as Regiões
Norte, Sul e Sudee do país. Para acompanhar e fiscalizar a implantação
do programa, no ano de , foram implantados . Comitês Geores
em todo o país⁹.
O programa teve o mérito de promover a participação das comunidades
na validação das famílias beneficiárias, a movimentação das economias
locais através do comércio, a reciclagem profissional e o acompanhamento
em saúde dos seus beneficiários.
No modelo dos pequenos municípios, foi possível amarrar” a ponta
do consumidor pobre (ou seja, com renda insuficiente para comprar os
alimentos necessários) à outra ponta do agricultor familiar que eá indo
à falência porque não tem quem compre sua produção. Em outras palavras,
esse programa de transferência de renda permitiu direcionar o esforço
de combate à fome para os dois pólos mais graves hoje exientes no
país: a falta de poder aquisitivo dos pobres urbanos com a capacidade
ociosa da agricultura familiar. E promoveu mudanças significativas nos
pequenos municípios esquecidos pelo poder blico, tendo como maior
Os comitês foram inâncias locais de controle social criadas nos municípios do semi-
árido e em outras localidades, com a participação de voluntários da sociedade civil, das
famílias beneficiárias e do poder público local, visando ao acompanhamento das famílias
e à fiscalização do programa de transferência de renda. Envolveram a mobilização de mais
de  mil voluntários que tiveram a tarefa de mobilizar a sociedade para o Programa Fome
Zero e avaliar a qualidade do cadaro de famílias preexiente.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 275
emblema o município piloto de Guaribas, que se autodenominou cidade
redescoberta”¹⁰.
E
mbora os resultados não sejam os mesmos em todos os municípios,
o potencial transformador é grande, considerando-se que mais da metade
dos muito pobres residem em pequenas e médias cidades e outros 
em áreas rurais. Isso significa que quase  da população que hoje eá
fora, total ou parcialmente, do mercado de consumo de alimentos básicos
mora fora das regiões metropolitanas do país e em municípios com menos
de  mil habitantes.
Desde outubro de ocorreu a migração dos beneficiários do
Cartão-Alimentação para o programa unificado de transferência de renda,
o Bolsa-Família. Ee beneficiou, em dezembro, , milhões de famílias
em . municípios, atingindo a meta eabelecida inicialmente pelo
governo. O Programa Cartão-Alimentação contribuiu para incorporar ,
milhão de famílias ou , milhões de pessoas no Bolsa-Família, em .
municípios, eecialmente do Nordee e Norte do país para recebimento
do piso de ,.
Além dessas famílias, foram atendidas também, de forma diferenciada e
emergencial, por meio de ceas de alimentos, populações indígenas, famílias
acampadas que aguardam programa de reforma agrária e populações rema-
nescentes de quilombos em eado de insegurança alimentar. Diribuíram-se,
ao todo, , milhão de ceas básicas para  mil famílias.
Ao mesmo tempo, eão sendo desenvolvidas ações eruturantes para
esses grupos. Foram assinados dois convênios com esse propósito, um
com o governo do Mato Grosso do Sul para atender a grupos indígenas e
outro, em nível nacional, através da articulação com a Fundação Cultural
Palmares, do Miniério da Cultura, com vias ao incentivo à produção
para autoconsumo em  comunidades remanescentes de quilombos.
 Vale regirar um fato emblemático dessa mudança. Além da conrução do poço que
abaece a cidade com água tratada pela primeira vez, uma mudança que marcou a cidade
foi a abertura do primeiro salão de beleza” da cidade, após a implantação do programa.
Ee passou a ser o símbolo da mudança e da melhoria das condições de vida na cidade,
fato que repercutiu, na época, em várias matérias de jornais.
Nead Estudos 15276
O Programa de Aquisição de Alimentos, criado pela Lei n
o
., de
de julho de , em seu parágrafo , com o objetivo de incentivar a agri-
cultura familiar por meio da compra da produção de pequenos agricultores,
foi uma iniciativa inovadora. O produto comprado a preços de mercado
pode ser diribuído a pessoas em situação de insegurança alimentar ou
para formar eoques eratégicos.o três subprogramas:
. C
o
mpra Antecipada e Direta da produção para manutenção de eoques
de segurança;
. Co
mpra Local de alimentos pelas prefeituras para serem diribuídos em
creches, asilos, hoitais, etc.; e
. Programa de Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite, onde eão
sendo atendidos produtores que ordenham até  litros de leite por dia.
Cada produtor recebe no máximo ., por ano, para priorizar
efetivamente os agricultores de baixa renda que não têm acesso aos demais
programas oficiais devido aos critérios dos mesmos.
Em foram beneficiados , mil agricultores familiares, sendo
adquiridas . toneladas de alimentos de . produtores na modalidade
Compra Direta no valor total de , milhões. Foram beneficiados,
também, . produtores na modalidade de Compra Antecipada, sendo
 deles na Região Nordee; foram inveidos  , milhões, de onde
foram adquiridos de forma inédita produtos como caanha-do-pará,
hortigranjeiros, sucos, doces e polpas de frutas, leite de cabra, carne de bode,
mel, queijo, rapadura, sementes crioulas, açúcar mascavo e vários outros
produtos de valor regional, além de produtos tradicionais como arroz, feijão,
milho e farinha de mandioca.
Os impaos diretos desse programa são: o eímulo à produção de
alimentos nas localidades (que agricultores que antes não tinham acesso
a recursos para plantio e também para venda o tiveram), com ênfase em
produtos regionais; a elevação de eoques de alimentos que eavam
praticamente zerados no início do ano; e, eecialmente, a melhoria da
renda de um número bem maior de agricultores devido à recuperação dos
preços a patamares juos, em função apenas do anúncio de que o Governo
Federal earia comprando a safra.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 277
Quanto ao subprograma do leite, foram assinados convênios e re-
passados os recursos para dez eados, totalizando , milhões. A
expeativa é de que sejam comprados diariamente cerca de  mil litros
de leite de vaca e de cabra até maio de . Com isso, eera-se a criação
de  mil poos de trabalho.
Como resultado do Grupo de Trabalho envolvendo as paas de Educação,
Saúde e de Segurança Alimentar (atual Miniério do Desenvolvimento
Social), foram implementadas três ações para melhoria da qualidade da
alimentação escolar: ) o aumento de  do valor do repasse para crianças
da pré-escola, de  , per capita diários para  ,, beneficiando ,
milhões de crianças matriculadas; ) a elevação de  do valor per capita
diário repassado para a alimentação dos eudantes de escolas indígenas,
de , para ,, alcançando . eudantes em . escolas
indígenas; e ) foi implementada a inédita inclusão das creches no programa,
que possibilitou o atendimento a todas as crianças de a anos matriculadas
em creches públicas e filantrópicas ( mil). Ao todo, , milhões de
crianças em idade escolar são hoje beneficiadas por essas medidas. que
se avançar ainda na capacitação dos municípios para melhoria da qualidade
da alimentação nas escolas.
O fenômeno da seca tem sido hioricamente um inrumento de
dominação na região do semi-árido brasileiro. O Governo Federal, através
do Programa Fome Zero, ao longo do exercício de , desenvolveu um
importante conjunto de ões, cujo objetivo foi orientar e subsidiar as
famílias para conviverem com o fenômeno de forma suentável. Entre
essas ações podem ser deacadas:
o apoio à conrução de ciernas, que são reservatórios que captam e
armazenam a água da chuva para um consumo suficiente de uma família
por meses, a partir de parceria com a Articulação do Semi-Árido (Asa) e
com o apoio da Febraban, totalizando recursos para a conrução de  mil
ciernas, tendo sido . conruídas até dezembro e o reante previo
para o primeiro semere de ;
a diribuição emergencial de água por intermédio de carros-pipa fornecidos
pelo exército e a conrução/reparo de pequenas obras hídricas, em parceria
como os Miniérios da Defesa e da Integração Nacional, numa ação que
Nead Estudos 15278
até o final do exercício beneficiou .. pessoas com a diribuição
emergencial de água;
o Governo Federal, através do Miniério do Desenvolvimento Agrário (),
também implementou o Programa Garantia Safra, contemplando mil
agricultores de  municípios nordeinos, que tiveram perda da safra;
além disso, para o atendimento emergencial de agricultores familiares que
perderam a safra por conta da seca e não haviam sido beneficiados pelo
Programa Cartão-Alimentação ou pelo Programa Garantia Safra, foi
fornecida a transferência emergencial de renda de , mensais por
um período de  meses, numa ação que atendeu . famílias.
Avançou-se no desenho para a implantação das políticas locais de
segurança alimentar, como a conrução de Siemas Municipais (e Micror-
regionais) de Segurança Alimentar visando a fomentar e financiar programas
integrados de abaecimento e segurança alimentar e nutricional nos planos
municipal, microrregional ou eadual por meio de ões que interferem nas
etapas do fluxo de produção, diribuição, preparo e consumo de alimentos.
As diversas ações compõem um conjunto integrado, com caraeríicas
diferenciadas segundo o porte dos municípios. São ações de: incentivo à
criação de reaurantes populares públicos e privados e cozinhas comunitárias
nas grandes e médias cidades; apoio à conrução e ampliação de redes de
bancos de alimentos e colheita urbana, visando a combater o deerdício
de alimentos; programas de compra local de alimentos para fornecimento a
programas municipais de alimentação (merenda escolar, creches, hoitais,
reaurantes populares e entidades beneficentes e assienciais); implantação
de hortas urbanas e viveiros, associados a programas de educação alimentar e
nutricional; implantação de rede de abaecimento de produtos alimentares a
preços acessíveis, como varejões, sacolões, feiras do produtor; fortalecimento
do papel das centrais regionais de abaecimento nas ões de abaecimento
alimentar, compra da agricultura familiar e redução do deerdício. Esse
arcabouço permitiu a realização de  convênios entre eados e municípios
para implantação desses projetos e servirá de base para a expansão desses
siemas nas grandes cidades.
Outra initucionalidade criada é a implantação de Consórcios Inter-
municipais de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local Consads
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 279
–, que são arranjos microrregionais que reúnem, em média, municípios
situados em regiões menos desenvolvidas dos eados onde são implantadas
ações eruturais interligadas para garantir a segurança alimentar e incentivar
o desenvolvimento local, como microcrédito, inclusão digital, inituciona-
lidade da associação dos municípios, elaboração de diagnóico e do plano
de desenvolvimento regional e incentivo à agricultura familiar. Foram
capacitados os Consads e sua implantação será efetivada em .
Enfim, em um ano, foi possível implantar ações diretamente ligadas a
públicos baante diferenciados, e criar as bases para a expansão do programa
tanto nas pequenas quanto nas médias e grandes cidades.
Quanto ao Mutirão Nacional contra a Fome, foi uma ação induzida
pelo Governo Federal e encampada pela sociedade. Ao longo de , 
entidades eabeleceram parcerias com o Programa Fome Zero, sendo
que todas apresentaram projetos de inclusão social, a maioria deles com
as atividades iniciadas em . Além disso, mais de . inituições
foram autorizadas a utilizar a logomarca do Fome Zero em apresentações
artíicas, exposições, jogos de futebol e outros eventos que arrecadaram
alimentos ou recursos deinados ao programa. As doações em dinheiro
chegaram a .., em , e esse valor eá sendo totalmente
deinado à conrução de ciernas.
3 construinDo o Futuro
A prioridade no processo participativo e emancipatório, a territorialidade
das ões e a combinação das ações eruturais com ações emergenciais o
as marcas inovadoras da eratégia de implantação do Fome Zero em relação
a outros programas anteriormente implantados. Consolidar e internalizar
o conceito de segurança alimentar e nutricional como um direito ainda é
um processo em conrução na sociedade. Implantar efetivamente uma
política abrangente de Segurança Alimentar requer planejamento, políticas
públicas e a determinação de reciclar a matriz do crescimento econômico
para subordiná-lo ao combate à exclusão.
Foi juamente isso que falhou nos últimos anos. Sem esses requisitos, tudo
o que se consegue é o simples atendimento à pobreza, perpetuando-a. Algo
Nead Estudos 15280
como enxugar o co com a torneira aberta com recursos públicos, com boa
intenção, com acertos localizados, etc. – mas não se vai além do pontual.
Caminhando para as considerações finais dee artigo, levantam-se
alguns desafios que merecem uma reflexão visando à consolidação futura
do programa.
O primeiro desafio colocado é de que tal programa será possível
através de uma forte articulação interminierial e entre os três níveis de
governo (federal, eadual e municipal) e da sua consolidação como o centro
do planejamento de governo nesses níveis.
Para efetivar essa articulação, é necessário fazer da implantação de uma
política de segurança alimentar um eixo integrador da política blica
brasileira. A segurança alimentar é o ponto de convergência de um leque
de ações eruturais e de natureza interminierial. Seu objetivo é garantir
que nenhum brasileiro passará mais necessidade para ter acesso diário
a, pelo menos, três refeições na quantidade necessária, com a qualidade
nutricional requerida, todos os dias do ano e tendo o direito de desfrutá-las
num ambiente de dignidade e segurança.
Para isso, é fundamental uma initucionalização capaz de imprimir a ação
transversal do governo, de forma a que as ações de cada setor que tenham
forte impao na superação erutural e emergencial da vulnerabilidade
alimentar das famílias sejam articuladas, evitando a diersão.
A criação do Grupo de Trabalho do Programa Fome Zero, com a
participação de  miniérios e secretarias com ações fortemente vinculadas
aos objetivos do Programa Fome Zero possibilitará a consolidação dessa
propoa de ação.
Tal propoa contará com uma maior integração das ações e recursos de
cada miniério, atuando de forma planejada e articulada. A sua implantação,
ao longo do mandato do governo, visa a garantir acesso à alimentação,
cidadania, geração de emprego e renda, expansão da produção e do consumo
de alimentos, melhoria dos padrões educacionais e de saúde, abaecimento
de água, expansão da rede de proteção social, infra-erutura municipal e
direitos humanos.
A diersão e a concorrência política no âmbito dos municípios e eados
dificulta essa possibilidade de integração. Por outro lado, a disseminação
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 281
dos Conselhos Eaduais e Municipais de Segurança Alimentar, com caráter
articulador das políticas, pode fortalecer a integração entre as três esferas.
O segundo desafio é a expansão do modelo de implantação para as
grandes cidades, desafio esse colocado desde o início para o programa.
A criação dos Siemas Municipais de Segurança Alimentar é a forma
encontrada para essa expansão. A transferência de renda às famílias, com
os mesmos valores dos benefícios das pequenas cidades, tem um impao
infinitamente inferior nas grandes cidades. O caráter erutural da exclusão
é muito mais dominante nas grandes cidades, onde prevalecem aeos
como o desemprego, o subemprego, as precárias condições de moradia e
saneamento, o esfacelamento do núcleo familiar, entre outros. Outro aeo
limitante é que, nos pequenos municípios, o controle social se realiza mais
diretamente pelo conhecimento efetivo das famílias mais necessitadas. O
anonimato da miséria das grandes cidades dificulta a identificão das famílias
mais carentes e diminui o caráter disseminador e integrador das ações.
Além disso, os bolsões de pobreza das grandes metrópoles possuem
muitos vazamentos, a maioria dos quais impossíveis de serem consertados
em curto e médio prazos. Por exemplo, o fato de residirem em um local e tra-
balharem em outro muito diante e em direções, muitas vezes, opoas.
Um terceiro desafio ressaltado fortemente na Conferência Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em março de , é o da
initucionalização da Lei Nacional de Segurança Alimentar, cujo objetivo
maior é garantir o cumprimento do direito humano à alimentação adequada
através da conituição de um Siema Nacional de Segurança Alimentar. É
fundamental que todas essas iniciativas sejam consolidadas e garantidas na Lei,
cabendo ao Governo Federal, juntamente com o Congresso Nacional, inituí-
la. Para sua formatação, é importante considerar os seguintes pontos:
Acesso à alimentação: garantir mecanismos para que todas as pessoas
tenham acesso à alimentação adequada, seja através da ação governamental
federal, eadual ou municipal (todas as inâncias de governo devem ser
envolvidas) através, por exemplo, de programas de transferência de renda,
diribuição de alimentos e outros de acesso à alimentação, seja através da
sociedade civil organizada por meio dos comitês do Programa Fome Zero.
Para isso, devem-se inituir mecanismos permanentes de identificação de
famílias elegíveis, e de informação e capacitação dos conselhos e comitês
a.
Nead Estudos 15282
exientes para garantir o controle social e evitar a manipulação política
dos programas.
Fortalecer o vínculo da expansão da demanda por alimentos para a agricultura
local, através de incentivos direcionados à agricultura familiar, contribuindo
para a geração de ocupação e renda e a diminuição da desigualdade na
diribuição da renda.
Eabelecer inrumentos de regulação sobre a segurança e qualidade
dos alimentos ofertados, através da correta rotulagem dos alimentos e
da orientação da sua publicidade, eecialmente para crianças e grupos
vulneráveis.
Incentivo às doações de alimentos e outros bens para terceiros.
Todos esses aeos contribuem para uma leitura: o Programa Fome
Zero é uma marca inovadora do governo e mobilizadora na sociedade.
Trata-se de não perdê-la sob o risco de não se ter outra oportunidade para
resgatar nossa imensa dívida social.
b.
c.
d.
8
PersPectiVas
Para Políticas
agroambientais
Ademar Ribeiro Romeiro¹
1. introDução
O objetivo geral do trabalho é iluminar as alternativas de po-
líticas agroambientais a partir de uma análise da situação do
setor agrícola face à problemática ambiental. Para começar,
é necessário não perder de perspectiva o fato de que os
caminhos seguidos pelo processo de modernização agrícola
foram condicionados de modo decisivo pelas demandas dos
agricultores melhor colocados no sentido da simplificação do
sistema de cultivo – a monocultura. A lógica econômica que
impulsiona este processo é aquela da busca da maximização
do ganho através da aposta na produção apenas do produto
mais rentável e da minimização dos custos de supervisão e
controle do processo de trabalho através da simplificação
do sistema produtivo.
Outro ponto importante a ser considerado é que, na agricultura, ao contrário
do que ocorre nos demais setores produtivos, os impaos ambientais
provocados pelos processos produtivos adotados afetam sua própria base
de produção, o ecossiema agcola. A prática da monocultura em si
mesma é uma fonte maior de desequilíbrios ambientais, cujos efeitos
sobre a produtividade agrícola têm que ser enfrentados. É possível mesmo
Professor Associado do Núcleo de Economia Agrícola do Inituto de Economia da Unicamp.
Nead Estudos 15284
afirmar que a necessidade de se enfrentar os efeitos desses impaos sobre
a produtividade condicionou, em grande medida, o esforço da pesquisa
agropecuária. Nesse sentido, o padrão tecnológico moderno é largamente
o fruto de um contínuo esforço para contornar os efeitos da degradação
do ecossiema agrícola sobre a produtividade.
Entretanto, a avaliação de alguns dos principais impaos ambientais
provocados pelas práticas agcolas modernas mora que, frequentemente,
esses impaos não são percebidos em sua plena extensão, em função dos
subsídios às práticas compensatórias. Por essa razão, à medida em que esses
subsídios são retirados ou diminuem significativamente, os agricultores
tornam-se mais atentos às alternativas, geralmente ecologicamente mais
equilibradas, que poupam o uso de insumos e equipamentos. A plena
incorporão dos cuos ambientais das práticas agrícolas ditas modernas
nos preços dos produtos revelaria uma agricultura bem menos eficiente.
O texto foi eruturado em quatro seções, além dea introdução e das
considerõs finais. Na seção  é feita uma breve avaliação dos principais
impaos ambientais causados pela chamada “ agricultura moderna, resal-
tando-se as eecificidades das situações nas regiões de clima temperado
comparadas com aquelas das regiões de clima tropical. Na seção seguinte
são avaliados os principais condicionantes sócio-econômicos do processo de
modernização agrícola. A seção , por sua vez, examina os condicionantes
tecnico-ecológicos dee proceso de modernizão, reonsáveis pelas
caraeríicas tecnológicas sicas do padrão de modernização dominante.
Finalmente, na seção  são discutidas as pereivas mudança de padrão
tecnológico e o papel das políticas agro-ambientais em duas subseções: na
primeira são cotejados os mecanismos endógenos de mudança tecnológica
e as necessárias políticas agro-ambientais complementares; na segunda
são avaliados os eímulos e obáculos a uma mudança radical de padrão
tecnológico em direção a siemas agroecológicos, cujo conceito é brevemente
explicitado; são apresentados brevemente também dois casos de siemas
alternativos de base agroecológica.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 285
2. os imPactos ambientais Da agricultura moDerna²
Os impaos ambientais provocados pelas práticas agrícolas modernas,
eecialmente a mecanização pesada e o uso intensivo de agroquímicos, são
conhecidos: perdas do solo devido à erosão e degradação de sua erutura
física, poluição química das águas, do solo e dos alimentos. São impaos que
transcendem o setor agrícola e afetam o conjunto da sociedade. Entretanto,
a percepção da extensão real da degradação dos ecossiemas agcolas e seu
impao econômico é dificultada pelos subsídios de técnicas deinadas a
recuperar ou manter até certo ponto as condições de produção. Além disso,
um bom solo profundo pode suportar durantes anos a erosão sem que seus
efeitos se façam sentir nos rendimentos das culturas.
Entre os eudos mais importantes sobre a degradação dos solos agrícolas
visando a comparação internacional eão a Avaliação Global de Degradação
do Solo (Glasod) conduzido por Oldeman, Hakkeling e Sombroek ()
e o eudo comparativo sobre terras semi-áridas de Dregne e Chou ()³.
O eudo Glasod define a degradação como um processo que reduz tanto
a atual como a futura capacidade do solo de produzir bens e servos. O
eudo de Dregne e Chou inclui a vegetação além da degradação do solo.
O eudo Glasod eima que de cerca de , bilhões de heares de terras
agrícolas, paagens e floreas, cerca de , ( bilhões de heares) foram
degradadas desde meados do século. Cerca de , dee total foram tão
severamente degradados que sua recuperação, se possível, teria que ser
tentada através de cuosos métodos de engenharia. Em torno de  é a
eimativa para a quantidade de terras moderadamente degradadas, passíveis
de recuperação mas a cuos significativos para os agricultores. Os reantes
 foram levemente degradados e seriam facilmente recuperadas através
de boas práticas agrícolas.
O eudo de Dregne e Chou mora que do total global de terras semi-
áridas cerca de  são paagens (das quais  se encontram degradadas);
 são áreas cultivadas que dependem das chuvas (das quais  eão
degradadas); e  são áreas irrigadas (das quais  eão degradadas).
Ea seção e a próxima foram baseadas em texto preparado para manual da Fao.
Citados por Scherr,S.J. and Yadav,S. ().
Nead Estudos 15286
Várias outras fontes eimam que entre e milhões de heares são
perdidos anualmente devido a severa degradação. Entre as regiões mais
afetadas eão a Africa com cerca de  da área agrícola afetada e a América
Latina com . Ees dados, entretanto, não permitem eimar a proporção
das terras que foram degradadas pelas práticas agrícolas modernas. Ea
degradação se concentra nas regiões onde os fatores erosivos são mais
fortes, como as grandes planícies norte-americanas, sujeitas a fortes ventos,
e nos trópicos.
Nas regiões tropicais os problemas são mais graves do que nas regiões
temperadas devido às chuvas torrênciais e o sol forte que as caraerizam, o
que requer o emprego de técnicas diintas, algumas vezes diametralmente
opoas àquelas recomendadas para as regiões frias. Ee é o caso, por
exemplo, da técnica de preparo do solo. Nas regiões frias a exposição do solo
arado e desnudo ao sol na primavera é necessária para acelerar o processo
de descongelamento, ativando sua micro vida interna. O risco de erosão
praticamente não exie, pois as chuvas são amenas e bem diribuidas ao
longo do calendario agricola.
Nos trópicos, ao contrário, a exposição do solo desnudo além de desneces-
saria é extremamente prejudicial. O sol forte é capaz de elevar a temperatura
do solo superficial até  graus centigrados, queimando toda a micro vida
exiente na camada superficial fértil (ver P, A. ). Além disso,
a chuva forte tem um impao devaador em termos de erosão. No Brasil,
pesquisas levadas a cabo pelo Inituto Agronômico de Campinas concluíram
que as perdas por erosão ultrapassam  ton/ha/ano, sendo que os limites
máximos de perda de solo aceitos internacionalmente se situam entre  a
 ton/ha/ano. No Eado do Paraná, medidas efetuadas pela equipe do
projeto Noroee moraram niveis de perda de solo variando entre  e
até  ton/ha/ano, dependendo do tipo de cultura, solo e declividade do
terreno. Na década de , período de grande expansão das práticas modernas,
eimava-se que em grandes áreas do eado as perdas anuais atingiam em
média cerca de  ton/ha/ano, o que equivale a cm de solo por ano. Ee
dado é tanto mais impressionante quando se sabe que a profundidade da
camada fértil dos solos varia entre  a  cm (M, J.Z. ,
F, A.  e S, J.L. ).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 287
Nee periodo, as sete das principais culturas comerciais (algodão, ar-
roz, cana-de-acucar, café, milho, soja e trigo), foram reonsáveis por 
do total do consumo de fertilizantes no país no periodo. O consumo de
fertilizantes por heare em relação à década anterior havia se multiplicado
por sete. No Eado de São Paulo o consumo médio de fertilizantes por
heare atingiu um montante superior à média americana. Embora muitos
sejam os fatores reonsaveis pelo incremento do rendimento agricola, e a
influência de cada um seja dificil de ser medida isoladamente, normalmente,
segundo os eecialias, a fertilização química contribui com cerca de 
para o aumento dos rendimentos.
Entretanto, apesar dee forte aumento do consumo de fertilizantes por
heare a partir da década de , os rendimentos cresceram relativamente
pouco ou mesmo decresceram em alguns casos: algodão +; cana-de-
açucar +; arroz –; café –,; milho +; soja +; trigo +.
Se considerarmos apenas as regiões agrícolas mais avançadas (São Paulo,
Parana, Rio Grande do Sul), o quadro se apresenta do seguinte modo:
algodão +; arroz +; cana +; café – ; milho +; soja +;
trigo +. Ees dados moram que a reoa, em termos de aumento
do rendimento, ao aumento da fertilização química foi muito lenta, o que
pode ser atribuido em grande medida à erosão que carreava boa parte dos
nutrientes químicos adicionados ao solo através da aplicação de fertilizantes
(ver R,A.R. e A,F.J. ).
Nea época, portanto, ea forte degradação dos solos nas principais áreas
de agricultura moderna do país poderia ser apontada como um dos fatores
explicativos dos baixos rendimentos por heare das principais culturas
comerciais quando comparados com os alcançados nos países capitalias
desenvolvidos, para níveis semelhantes de utilização de agro-químicos.
Do ponto de via econômico eas perdas foram mascaradas pelos fortes
subsídios concedidos para a compra de insumos agrícolas. Nee sentido,
pode-se dizer que os subsídios excessivos prejudicaram a conscientização
dos agricultores sobre o problema naquele momento. A erosão dos solos
agrícolas cua, a nível mundial, cerca de  bilhões por ano, dos quais
 bilhões nos países em desenvolvimento (S e Y, ).
O outro problema ambiental que tende a ser mais grave nos trópicos
é a poluição química por agrotóxicos. Nas regiões de clima frio, o inverno
Nead Estudos 15288
gelado é um fator importante na manutenção da eabilidade de ecossiemas
relativamente simplificados. Nos trópicos sempre quentes somente a diver-
sidade garante a eabilidade do ecossiema. Nesse sentido, a monocultura
neas regiões representa uma ruptura mais grave das condições naturais do
que nas regiões frias. O uso mais intensivo de peicidas, por sua vez, afeta
uma diversidade muito maior de eécies vegetais e animais, necessários
para o equilíbrio do ecossiema. Desse modo, além de contaminar os seres
humanos e o meio ambiente, o uso siemático de peicidas químicos tem
repercussões negativas sobre a própria produtividade agcola, pois afeta o
equilíbrio do ecossiema deruindo inumeros elos da cadeia de presas e
predadores dando origem, portanto, ao surgimento de novas pragas.
De fato, desde o inicio do processo de modernização agrícola vem sendo
conatado um aumento conante do número de pragas atacando as
principais culturas (P,A. e G,E. ). Ee
crescimento coincide com a intensificação do consumo de peicidas. Em
 ee crescimento atingiu cerca de  mil toneladas de agrotóxicos, o
que equivale a deejar na natureza cerca de  mil toneladas de princípios
ativos cujas consequências de longo prazo são imprevisíveis. A curto
prazo, entretanto, seus efeitos são bem visíveis. De acordo com o Siema
Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) o número de
casos de intoxicações por agrotóxicos vem crescendo na mesma proporção..
Entre  e  os  centros de assiência toxicológica que compõem
a rede Sinitox regiraram . casos. Como apenas entre  e  dos
casos são notificados pode-se eimar em pelo menos  mil casos por
ano de intoxicação por agrotóxicos (G,E. Fundacentro, MT, citado
Agrofolha //).
No entanto, ao longo da década de  a baixa eficiência no uso de agro-
químicos e a redução dos subsídios levaram a certas mudanças na atitude dos
agricultores em relação à conservação dos recursos fundiários. A elevação do
preço dos insumos químicos deertou o interesse dos agricultores em adotar
tecnologias alternativas menos exigentes em insumos. A conservação do solo
passou a ter um significado econômico claro, pois sua erosão traduzia-se em
prejuizos. A eetacular expansão do plantio direto nos ultimo  anos em
parte se explica por ea nova consciência de que a erosão também implica
em perdas econômicas de curto prazo. Entretanto, as possibilidades de
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 289
uma mudança radical do padrão de modernização, no sentido da adoção de
práticas efetivamente equilibradas do ponto de via ecológico, são limitadas
pela ação de condicionantes sócio-econômicos que continuam sinalizando
em outra direção. Na próxima seção são examinados os principais desses
condicionantes do processo de modernização agrícola.
3. os conDicionantes sócio-econômicos Do
Processo De moDerniZação agrícola
Na literatura as explicações para o processo de modernização agrícola em
geral se enquadram em duas abordagens dominantes: neoclássica e marxia.
Para a primeira o elemento indutor fundamental é a modificação dos
preços relativos dos fatores de produção. As tecnologias que caraerizam a
agricultura moderna teriam teriam sido a reoa mais eficiente à crescente
escassez de terra e trabalho. Para a segunda o elemento indutor seriam as
exigências do processo de acumulação de capital, que tem no setor agrícola
uma fonte de extração de mais-valia e um mercado importante para os setores
de bens de capital e bens intermediários. Em ambas a trajetória percorrida
é via como a mais eficiente: a melhor reoa à escassez relativa dos
fatores de produção para a primeira; e a que melhor atendia aos interesses
do processo de acumulação de capital para a segunda.
A primeira abordagem não considera os condicionantes técnicos e
econômicos que não apenas induziram o esforço científico e tecnológico
no sentido de poupar o uso dos fatores de produção que se tornaram mais
escassos (aumentando a produtividade da terra e do trabalho), mas que
explicam também as caraeríicas eecíficas de um determinado padrão
tecnológico. A segunda, por sua vez, considera o agricultor um agente
passivo que é mais ou menos obrigado a adotar um “pacote tecnológico
quando, na verdade, ee “pacote foi desenvolvido precipuamente para
atender os interesses dos agricultores melhor posicionados. Ees interesses
que se configuram como os principais condicionantes sócio-econômicos
do processo de modernização agrícola contemporâneo são dois: a busca da
maximização do ganho através do cultivo apenas do produto com maiores
pereivas de retorno e a busca da simplificação do siema produtivo de
modo a facilitar a organização e o controle do processo de trabalho.
Nead Estudos 15290
Ao final do século  na Europa, a monocultura podia ser prati-
cada em solos excepcionais ou próximos a fontes abundantes fertilizantes
orgânicos (material orgânico das cidades com siema de coleta de esgoto).
Na maioria dos casos os agricultores eram obrigados a criar animais para
a obtenção de eerco, cuja alimentação era obtida através da rotação de
culturas de grãos com culturas forrageiras (siema de rotação Norfolk).
Embora apresentasse certa exibilidade na combinação de culturas, ee
siema de rotações contrariava a lógica que induz os agricultores em direção
à monocultura: produzir apenas o produto mais rentável, principalmente
os cereais. Ee passo exigia a eliminação da criação animal e do plantio de
forrageiras, o que comprometia seriamente a manutenção da fertilidade do
solo. Além da escassez de fontes naturais de fertilizantes minerais (como
o salitre), a própria idéia de que se poderia diensar o uso dos orgânicos
e utilizar apenas os fertilizantes artificiais chocava-se com a concepção
predominante sobre nutrição vegetal – a teoria do húmus⁴.
Apesar das rerições, desde muito cedo se multiplicam os casos de
agricultores que abandonam a criação animal para se dedicar apenas ao
cultivo das culturas mais rentáveis, utilizando somente o fertilizante artifi-
Ea concepção, ancorada sobre uma tradição multisecular, permanece inclusive nos
trabalhos dos primeiros quimicos modernos, como eodore De Saussure (-),
reonsavel pela siematização dos principios de química formulados por Lavoisier. Do
mesmo modo Jean-Baptie Boussingault (-), outro dos gigantes do comeco da
química moderna, assumiu uma posição intermediaria no conflito que opunha partidarios
e adversarios da teoria do humus. Cabera a Juus von Liebig (-) dar o golpe final
nea teoria, apos vigorosa polemica com o principal defensor dea na época, Gerardus
J. Mulder (-).Na realidade Liebig foi antes aquele que unificou num conjunto
oerente as ideias e descobertas de outros, que se encontravam diersas. Liebig reconhecia
io e aplicava sem modeia a ele proprio o que Macaulay havia dito a proposito de Francis
Bacon: He was not the maker of that road; he was not the discoverer of that road; he
was not the person who firsurveyed and mapped that road. But he was the person who
fir called the public attention to an inexhauible mine of wealth, which had been utterly
negleed, and which was accessible by that road alone. By doing so he caused that road,
which had previously been trodden only by peasants and higgless, to be frequented by a
higher order of travellers. Liebig, J.(,p.).
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 291
cial”⁵. As Eações Experimentais, uma inovação initucional que surge na
Alemanha em meados do século , vão se encarregar de tear a qualidade
das diferentes fórmulas de fertilizantes, que começavam a ser fabricados em
larga escala⁶. Uma vez resolvidos os problemas, baaram apenas vinte anos,
como observa Malden (), para por fim ao secular siema de rotação
de culturas de tipo Norfolk na Inglaterra. Uma nova lei (the Agricultural
Holding A, january ), ao tornar sem efeito efeito as antigas normas
sobre o método de cultura contidas nos contratos de arrendamento, removeu
os últimos empecilhos legais à pratica da monocultura.
A formidável acolhida dada as idéias de Liebig, decorreu não somente de
sua notável capacidade de convencer, com base em demonrões científicas
irrefutáveis, mas também do seu erro em negar completamente qualquer
papel à matéria orgânica. Ele afirmava que os fertilizantes orgânicos eram
inúteis e que os rendimentos das culturas aumentavam ou diminuíam na
proporção exata da quantidade de nutrientes minerais adicionados sendo
possível calcular a fertilidade dos solos através da análise das cinzas, de
modo a manter indefinidamente os níveis ótimos de fertilidade. Ees
propósitos, embora conteados vigorosamente por Lawes e Gilbert em
Rothamed⁷, soavam como um canto de liberdade para todos aqueles
Na Inglaterra as experiências pioneiras sobre o cultivo continuo de cereais (continuous
corn growing), levadas a cabo desde  por Lawes e Gilbert na Eação Experimental
de Rothamed, tinham morado que era possivel praticar a monocultura de cereais
durante anos sobre a mesma terra empregando apenas fertilizantes químicos. Reava
o problema da degradacao da erutura física do solo. Examinando os resultado deas
deas experiencias de Rothamed, Prout and Volcker (), concluem que para tornar
a monocultura viavel seria necessario quebrar de tempos em tempos as sequencias de
cereais com uma cultura de leguminosas. No entanto, segundo Watson () os solos
de Rothamed eram excepcionais. McConnell () lamenta o abandono das rotacoes
de culturas, prevendo que os solos iriam, como aconteceu, se degradar, apesar dos meios
mecanicos de reeruturacao que poderiam ser utilizados.
Eram frequentes os problemas de qualidade provocados por fraudes perpretadas por
fabricantes, mas também decorrentes da insuficiência de conhecimentos.
Eles criticavam Liebig nao somente pelo fato de que a analise das cinzas nao revelavam o
nitrogênio, mas tambem pelo fato de que ele nao considerava a acao de multiplos fatores no
solo, os quai tornavam impossivel a precisao pretendida do calculo dos elementos minerais
necessarios. Ver Lawes,J.B. () e Lawes,J.B. e Gilbert,J.B.().
Nead Estudos 15292
agricultores, sobretudo na América do Norte, para os quais os métodos
tradicionais de fertilização orgânica se conituíam no obáculo maior à
pratica da monocultura.
Nos , onde o peso da tradição camponesa era bem menor, as idéias
de Liebig se popularizaram rapidamente. Tendo em conta as práticas
agrícolas predatórias que adotavam, a química agricola surgia como a única
alternativa para resolver o problema do esgotamento dos solos de maneira
simples e eficaz sem força-los a abandonar a monocultura. Como assinala,
Rosenberg (), eles tinham a ilusão de que através de simples tees de
laboratório seria possível manter indefinidamente a fertilidade da terra;
uma vez identificados no tubo de ensaio os nutrientes a serem repoos, o
fazendeiro tinha apenas que aplicar as dosagens prescritas e a terra esgotada
se tornaria novamente uma fonte de lucro.
Para os imigrantes a agricultura na América era menos um modo de
vida do que um meio de fazer dinheiro. Eles vinham dioos a abandonar,
como o fizeram, as relações entre homem e terra, marcadas por um profundo
reeito, típicas da tradição camponesa européia⁸. A caraeríica maior
da agricultura americana, que a diferenciava fortemente da agricultura
camponesa européia, era seu caráter altamente comercial e eeculativo.
Isso é incompatível com práticas agrícolas que impliquem qualquer tipo
de rigidez do siema de produção face as flutuações do mercado, tal como
o siema de rotação de tipo Norfolk. Eu não sei o que é uma rotação; eu
trabalho minha terra para fazer dinheiro, proteava M. Hall, um fazendeiro
americano entreviado por Dumond (,p.) num momento em que
os preços do milho eavam em alta.
A monocultura apresenta também outra vantagem importante, sobretudo
para os grandes agricultores que dependem de trabalhadores assalariados:
facilita a organização e o controle do processo de trabalho. Na agricultura,
devido suas eecificidades naturais, não é possível dividir e parcelizar o
processo de trabalho de modo a simplificar as tarefas executadas por cada
Daubeny () comenta as noticias que chegavam sobre a enorme fertilidade das terras na
America e a capacidade deas em suportar a monocultura durante longos periodos, para
advertir que apesar dio ea fertilidade nao era inesgotavel, sendo perigoso abandonar a
pratica de rotacao de culturas.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 293
trabalhador e com io facilitar seu controle pela gerência. A diersão
do campo de trabalho, o caráter sequencial das operações agrícolas, a
dependência da natureza, tudo io impede um controle adequado do
processo de trabalho, ficando com o trabalhador a reonsabilidade maior
pela qualidade do trabalho executado. Assim, para o grande produtor que
depende de trabalhadores assalariados, quanto mais simplificado o processo
de trabalho, melhor. A monocultura colocava-se como praticamente a
única alternativa para ter o processo de trabalho organizado e controlado
com cuos de supervisão suportaveis⁹. Essa análise hiórica mora que
os agricultores melhor situados (as elites agrícolas) ou mais dinâmicos
foram ativos agentes de modernização direcionando os esforços da indúria
nascente de máquinas e insumos agrícolas para resolver os problemas
ecológicos que enfrentavam com a monocultura. Na seção seguinte serão
examinadas quais as consequências da generalização da monocultura sobre
as caraeríicas tecnológicas do processo de modernização agrícola.
4. meio ambiente e Dinâmica De inoVações na agricultura¹0
No inicio, a dionibilidade de fertilizantes químicos era condição necessária
e suficiente para a difusão da monocultura. No entanto, os desequilíbrios
ecológicos que decorrem dea prática vão exigir o desenvolvimento de novas
técnicas e insumos deinados a contornar os impaos negativos dees
desequilíbrios sobre a produtividade. É preciso ter claro que a monocultura
contraria uma regra sica na natureza, segundo a qual diversidade é
sinonimo de eabilidade.
Uma terceira vantagem da monocultura é a maior renda diferencial que ela propcia para
os agricultores com terras melhores. Io se deve ao fato de que, por ser ecologicamente
agressiva, a monocultura exacerba as diferencas naturais entre os solos. O siema de rotações,
ao contrario, diminui eas diferencas. Na Europa, muitas regiões com terras consideradas
fracas antes da difusão do siema de rotações de culturas (na Franca chamada também
de cultura melhoradora), acabaram por se tornar importantes produtoras agrícolas. Com
a difusão da monocultura, as rendas diferênciais voltaram a aumentar beneficiando os
grandes agricultores situados nas boas “terras de grãos.
 Ver Romeiro,A.R.(). Meio Ambiente e Dinâmica de Inovações na Agricultura.
Op.cit.
Nead Estudos 15294
Quanto mais simplificado for um determinado ecossiema, maior
a necessidade de fontes exógenas de energia para manter o equilíbrio¹¹.
Um ecossiema agrícola implica forçosamente a simplificação do ecos-
siema original. Por ea razão é necessário que o agricultor intervenha
permanentemente para mante-lo eável. Contudo, ea intervenção deve
ser feita de acordo com as próprias leis da natureza. Em primeiro lugar,
é preciso evitar simplificações extremas como no caso das monoculturas.
A monocultura provoca um profundo desequilibrio, tanto do ponto
de via da cobertura vegetal (infeações de pragas) como daquele da
atividade física, química e biológica do solo.
Ea simplificação extrema pode ser evitada através da rotação de
culturas. Ea pratica é um notável meio de manutenção eabilidade do
ecossiema agricola. Além de reduzir draicamente o risco de infeação
de pragas na cobertura vegetal, as rotações contribuem eficazmente para
a manutenção de uma boa erutura física do solo. O eado do solo em
determinado momento resulta de sua hiória cultural. E as rotações de
cultura tem por objetivo primordial modelar ea hioria num sentido
favorável, io é, no sentido de favorecer as condições de abaecimento de
água e nutrientes para as plantas, bem como no de manter a fertilidade
do solo a longo prazo (ver S, M. e B, A. ).
Nos siemas agrícolas simplificados, sobretudo a monocultura de cereais,
os fatores deseabilizadores ganham força e obrigam o agricultor a recorrer
a tecnicas intensivas em energia para manter as condições favoráveis ao
desenvolvimento dos vegetais. Entretanto, eas soluções técnicas não buscam
eliminar as causas do desequilíbrio, mas apenas contornar seus efeitos sobre
os rendimentos. Pode-se dizer que as práticas agcolas ditas modernas
repousam cada vez mais na capacidade de moldar uma determinada parcela
do solo, para em seguida refaze-la, através de uma diversificada panóplia de
possantes meios mecanicos e quimicos, e implantar uma outra monocultura
sem se importar se o efeito da cultura precedente é desfavorável ou não (ver
 Gabel (,p.) tem razao quando afirma que o trabalho realizado pela diversidade ou
complexidade do ecossiema e subituido pelo combuivel fossil no moderno siema
alimentar”.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 295
S, M. ). A eficácia inicial dees meios químicos e mecanicos
tornou a grande maioria dos eecialias extremamente otimia, levando-a
a supor que os agricultores modernos o mais teriam que se submeter aos
princípios básicos da agricultura tradicional, eecialmente a rotação de
culturas. Muitos chegavem mesmo a recomendar a eliminação das culturas
forrageiras de raizes da rotação sob o argumento de que os efeitos nefaos
dea eliminação sobre o solo poderiam ser compensados sem problemas
com os novos meios mecanicos e químicos à diosição dos agricultores,
tais como tratores mais possantes, novos equipamentos de trabalho de solo,
herbicidas, etc. (Ver M , p.).
A experncia morou, entretanto, que não é correto falar propriamente
em compensão dos efeitos nefaos atras de técnicas e equipamentos. Ao
contrário. Em Remy e MarinLafleche observavam que na França, devido
à baixa geral da taxa de matéria orgânica, a erutura física dos solos tornara-se
cada vez mais suscetivel à ação de fatores climáticos, bem como a passagem
de maquinas e equipamentos pesados. Por outro lado, devido a ee dese-
quilibrio erutural dos solos, uma série de procedimentos de reeruturação
mecanica haviam sido introduzidos, os quais exigiam a passagem cada vez
mais frequente de engenhos possantes e pesados! Por exemplo, a baixa do teor
de materia orgânica torna necessario um esforço maior de tração (máquinas
mais possantes e pesadas) para trabalhos profundos de descompaação que,
por sua vez, tinham forte impao negativo sobre o solo¹².
Em outras palavras, a degradação da erutura física do solo provoca
uma contradição permanente ao nivel das intervenções que visam modificar
favoravelmente as condições de abaecimento de água e nutrientes para as
plantas: quanto mais o solo se degrada menos se pode contar com fatores
naturais para se obter as condições necessárias para o cultivo, as quais
tem que ser obtidas por meio de intervenções químico-mecânicas que
também contribuem para a degradação. Toda uma série de inovações foram
introduzidas com o intuito de aumentar o numero de dias de trabalho
dioníveis, permitindo o agricultor enfrentar melhor a diribuição menos
equilibrada do trabalho ao longo do calendário agrícola e diminuindo os
 De acordo com Pimentel () a baixa do teor de materia orgânica no solo pode ate dobrar
a quantidade de energia necessaria para arar em profundidade.
Nead Estudos 15296
riscos de trabalhar solos cujo eado erutural é cada vez pior (Ver R,
F. e ML , T, F.  e R,C. ). No
entanto, é preciso ter claro que eas inovações o resolvem ea contradição,
na medida em que se deinam a contornar os efeitos da degradação do
meio sobre os rendimentos, sem tocar nas causas dos problemas. Papy (,
p.), ilura ea contradição:
As possibilidades de trabalho se ampliaram. Foi possivel adaptar melhor os itinerarios
tecnicos as aptidões dos solos: assim, o aumento da rapidez do trabalho permitiu
acabar mais cedo as arões de inverno na argila e aumentar as areas trabalhadas
na primavera em solos mais arenosos. As enxadas rotativas, as grades alternadas
ou rotativas que permitem de iniciar logo o trabalho em solos argilosos humidos;
o rotovator e o croskill leve esboroam os torrões secos. Se consegue mais rapida-
mente afinar os horizontes superficiais graças à diminuição da diância entre os
dentes dos cultivadores, as possibilidades de utilização do efeito de fracionamento
provocado pela velocidade sem diminuir a profundidade do trabalho, enfim aos
inrumentos animados e combinados…No entanto, eas novas possibilidades não
são sem perigo. Elas podem eimular a afinar o solo mais do que seria desejavel.
Mas, sobretudo, ao permitir trabalhar os horizontes superficiais desde que o trator
possa passar, elas aumentam o risco de compaação provocada pela passagem de
maquinas cada vez mais pesadas. Antigamente a dupla Equipamento-Tração de
baixa potência continha sua propria regulação face as condições de uso. Hoje em
dia não exiem ees limites, e os riscos são grandes. As exigências de controle
de qualidade são maiores devido a ees antagonismos mais marcados do que
antes entre as possibilidades de transformar o horizonte superficial e os riscos de
degradar o horizonte mais profundo.
No que concerne os meios químicos introduzidos para contornar os efeitos
nefaos da degradação do ecossiema agrícola, o problema da aquisão de
resiência aos tratamentos pelos diversos agentes patogênicos e pragas levou,
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 297
até recentemente, a uma trajetória de busca contínua por novos produtos¹³.
Na medida em que ee caminho vem sendo inviabilizado, seja pelos cuos
crescentes da pesquisa vis-a-vis os resultados obtidos, seja pela crescente
consciência ambiental da população, tem-se buscado novas soluções: a
subituição de peicidas químicos por biológicos; o desenvolvimento de
eécies vegetais resientes à maior parte das pragas e doenças, possibilitado
pelo avanço da engenharia genética; ou ainda, a evolução do conhecimento
sobre a fisiologia e genética dos insetos-praga e dos microrganismos fito-
patogênicos pode permitir manter o método químico de controle como a
principal ferramenta de combate às pragas, através da pesquisa de novas
drogas químicas desenhadas ex ante (a exemplo do que se propõe para a
gerão de fármacos) e que apresentem maior eficiência e menor risco.
São trajetórias tecnológicas concorrentes, mas não necessariamente
excludentes, podendo, na prática, chegar-se a uma situação onde elas co-
exiam. Presentemente, as duas primeiras opções têm sido privilegiados,
com uma tendência mais favovel para o desenvolvimento de variedades
resientes. Ee favoritismo se apóia no maior potencial tecnológico que
tal via apresenta (crescente, com a evolução das técnicas de manipulação
genética de plantas) e pelo fato de muitas das firmas líderes da indúria
de peicidas earem inseridas na  deas novas variedades resientes.
Todas eas alternativas, entretanto, são desenvolvidas de modo a atender os
interesses dos agricultores em termos de eficiência (e de redução da poluição),
mas sem exigir-lhes uma mudança radical nas práticas culturais.
Além de poluir e contaminar, as matérias ativas dos agrotóxicos perturbam
enormemente a atividade biológica no interior dos solos, em geral afetada
pela baixa da taxa de materia orgânica e o excesso de trabalho mecanico o
 Levou também a um intensificação no uso por parte dos agricultores. Lappe e Collins
() eimam que trinta anos atrás os agricultores americanos empregavam .
toneladas de peicidas e sofriam uma perda de  em média antes da colheita. No final
da decada de  o consumo de peicidas havia se multiplicado por  e as perdas quase
dobrado. Baseado em eudos realizados por pesquisadores da Universidade de Cornell
em /, Krummel e Hough () afirmam que o fim repentino do uso de peicidas
provocaria um aumento de apenas  nas perdas por pragas, tal o nivel de ineficácia dos
tratamentos quimicos.
Nead Estudos 15298
que provoca, entre outros problemas, dificuldades para a realização de uma
fertilização equilibrada, particularmente no que se refere ao nitrogênio.
Ee elemento mineral por ser um anion não é retido pelo poder ab-
sorvente do solo, de modo que seu emprego excessivo provoca vários
problemas, entre os quais a poluição das águas. Sebillotte () eima
que o agricultor, mesmo o mais cuidadoso, coloca mais nitrogênio do
que seria necessario porque ele não tem como controlar as sobras de
nitrogênio em fim de inverno. Se ee agricultor fizesse rotações de culturas,
incorporasse os reos de cultura, cultivasse adubo verde e outras praticas
ecologicamente equilibradas, não haveria problemas, pois o nitrogênio
sobrante seria capturado pela microvida. O paliativo químico consie em
adicionar inibidores da desnitrificação e, principalmente, o emprego de
compoos nitrogenados protegidos, de modo a que sua liberação seja lenta
(fertilizantes a retardamento”).
Além dees paliativos a induria de fertilizantes desenvolveu novas
fórmulas e formulações (amononitratos, fosfato de amonia, polifosfatos,
etc.), novas formas sicas (granulados, líquidos, gaseificados, em suensão,
etc.), bem como novas técnicas de fertilização (fracionamento das dosagens,
profundidade, etc.). Eas inovações, como observa Bonare (), fazem
parte das eratégias de diferenciação de produtos dea induria. Mais
recentemente, os progressos nas áreas da informática e de siemas de
sensoriamento remoto através de satélites permitiram o desenvolvimento
do que convenciou-se chamar de agricultura de precisão”: os tipos e
dosagens de nutrientes podem ser calculados para cada parcela de terra
por um computador inalado no trator, que processa os dados sobre o
solo enviados pelo satélite. Desse modo, o dierdício é reduzido e com
ele a poluição.
Em resumo, pode-se dizer que a evolução do padrão tecnológico que
caraeriza as práticas agrícolas modernas foi condicionada, em grande
medida, pela necessidade de contornar os impaos ecológicos negativos
da monocultura. Nee sentido, as praticas agrícolas modernas não foram,
como tem sido afirmado por seus defensores, a reoa mais eficiente
para aumentar a produtividade da terra e do trabalho agricola. Foram sim,
a reoa mais eficiente para aumentar a produtividade em determinado
contexto socio-econômico e initucional. Do ponto de via eritamente
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 299
tecnologico teria sido possivel modernizar a agricultura com base em outro
padrão, mais equilibrado do ponto de via ecológico.
É o que tem sido recomendado por cientias agrícolas trabalhando
no interior das principais inituições de pesquisa agronômica no mundo
inteiro. A ideia básica é a de recuperar a racionalidade das praticas agrícolas
camponesas tradicionais a partir de outra base de conhecimento científico e
tecnológico. A aplicação da informática e da biotecnologia permite organizar
e gerir siemas de produção mais complexos sem redução significativa da
produtividade do trabalho. O que gerações de camponeses praticaram de
modo intuitivo e empírico se revela a luz da ciência um formidável conjunto
de técnicas ecologicamente balanceadas, desenhadas para fazer a natureza
trabalhar em beneficio dos agricultores a partir do manejo inteligente das
complementaridades e simbioses aí presentes.
5. PersPectiVas De Políticas agroambientais
5 . 1 . P O L Í T I C A S A M B I E N TA I S E M E C A N I S M O S
E N D Ó G E N O S D E M U D A N Ç A T E C N O L Ó G I C A
Não é possível uma mudança radical do modelo predominante de moder-
nização agrícola sem uma forte pressão da opinião blica. A elevação dos
cuos de produção provocada pela degradação do ecossiema agrícola e uma
certa pressão da opinião pública já tem induzido algumas mudanças, mas
não uma ruptura da lógica da monocultura¹⁴. Grandes empresas do setor
agro-alimentar já oferecem linhas de produtos que são promovidos como
mais saudáveis porque balanceados em termos de nutrientes e vitaminas
ou porque elaborados à base de produtos integrais, contendo fibras, etc.,
mas ainda não entraram para valer no mercado de produtos considerados
naturais porque não são elaborados com alimentos cultivados com técnicas
 É verdade que, no que se refere à opinião pública, a queão ambiental na atualidade
assumiu uma abrangência inédita, o podendo mais ser eludida como ocorreu em vários
momentos da hiória recente. Mesmo de um ponto de via da natureza apenas como
fornecedora de insumos há um consenso de que a era das commodities baratas terminou.
Ver Revia Economi, Set .
Nead Estudos 15300
alternativas que reduzam e/ou eliminem o uso de agroquímicos, eecial-
mente peicidas. Mas nada impede que io passe a ocorrer à medida que
eas empresas sintam sua legitimidade conteada pela expansão dee
mercado alternativo.
Uma empresa pode se antecipar a qualquer legislação ou imposição
externa buscando incorporar uma inovação com a qual ela imagine que
conquiar uma vantagem competitiva. Se por parte da firma uma
expeativa de reoa positiva de consumo a uma inovação que explore o
lado ecológico da preferência do consumidor, então a firma pode desenvolver
uma certa trajetória tecnológica, amigável do ponto de via ambiental,
por uma determinação essencialmente endógena. O aproveitamento das
demandas ambientais como oportunidade tecnológica é reforçado pelo
momento de transformações dos padrões tecnológico e de consumo. Novas
tecnologias ampliam o eero das oportunidades, assim como novas
demandas alimentam ainda mais esse processo. A eecialização flexível que
hoje caraeriza a produção em alguns setores, cuja maior conseqüência é a
diversificação dos mercados, abre eaço para a internalização da queão
ambiental como fonte de diversificação. De automóveis a alimentos, passando
por papel e celulose e produtos de química fina, demonrar caraeríicas
positivas em relação aos impaos ambientais passa a ser um elemento de
concorrência cada vez mais importante.
No caso do setor agrícola riu sensu, os efeitos cumulativos dos dese-
quilibrios ecológicos causados pelas práticas modernas se tornaram progres-
sivamente mais evidentes, mobilizando a opinião pública, ao mesmo tempo
em que reduziam a eficácia econômica deas práticas. Ees fatos, por sua vez,
se compuseram com o fim do ciclo de expansão ecomica do pós-guerra
para levar a um queionamento geral do que convencionou-se chamar de
paradigma produtivia. Ee paradigma, voltado para ganhos de quantidade,
teria que ser subituído por um paradigma qualitativia e diversificado. A
que ponto eas novas tendências levariam a uma mudança radical do regime
tecnológico atual, em dirão ao eabelecimento de siemas de produção
mais complexos, ecologicamente mais equilibrados (envolvendo rotações
de cultura e integração com a criação animal), é dificil dizer. A pressão dos
grupos de consumidores com maior sensibilidade ecológica tem se traduzido
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 301
num crescente mercado alternativo, mas ainda de alcance limitado devido
a diversos fatores que examinaremos no próximo subitem.
Esse contexto geral tem induzido não somente uma busca eontânea
de alternativas ecologicamente mais amigáveis por parte dos produtores,¹⁵
como também tem legitimado ões coercitivas mais incisivas por parte
das autoridades públicas. Nesse sentido, é muito importante que, além de
um maior inveimento em pesquisa de siemas alternativos de produção,
a ampliação e o aprofundamento das políticas ambientais que sinalizem e
eimulem a mudança. Os inrumentos de política ambiental podem ser
classificados em dois tipos básicos: os baseados em incentivos econômicos
e aqueles, classificados como de comando e contrôle, que são de caráter
normativo, fixando limites, impondo proibições de uso, etc.
Com relação aos primeiros, conata-se que muitas poticas governamen-
tais não somente não levam em conta os cuos de oportunidade do uso dos
recursos, como encorajam a degradação mais rápida dos solos, da água, etc.,
do que o fariam as próprias forças de mercado operando livremente. Eas
poticas, que incluem subsídios, taxas e intervenções no mercado, aumentam
artificialmente a lucratividade do uso de determinadas cnicas que degradam
o ecossiema agrícola. Desse modo, é muito importante comar por eliminar
eas diorções do mercado provocadas por políticas públicas equivocadas.
Os subsídios aos fertilizantes químicos, por exemplo, foram durante
muito tempo juificados como um meio de incentivar seu uso e com isso
elevar a produção de alimentos em países em vias de desenvolvimento.
Entretanto, após décadas de experiência ficou evidente que não é necessário
subsidiar pesadamente os fertilizantes químicos para induzir seu uso pelos
agricultores. Ficou claro que quando a adoção era lenta isso se devia a
problemas de diribuição e/ou à inexiência de insumos complementares, e
não ao preço. Por outro lado, o subsídios contribuiam não somente para seu
 Embora em sua maior parte as alternativas selecionadas não impliquem a mudança radical
das práticas agrícolas, de certo modo elas lhe preparam o caminho. Assim, por exemplo,
tanto as novas tecnologias de tratamento e transmissão de informações (telemática), que
permitem a prática da agricultura de precisão, como os avanços da biotecnologia, que
potenciam a capacidade de controle biológico de pragas, podem ser empregados para
tornar econômicamente viável a geão de siemas mais complexos como o exigem as
regras de geão ecológica.
Nead Estudos 15302
uso ineficiente práticas agrícolas descuidadas, desreeito às prescrições
técnicas sobre a época e o lugar de aplicação -, como serviu para mascarar os
efeitos da degradação do solo sobre os rendimentos das culturas retardando,
por conseguinte, a introdução de práticas de conservação.
No caso dos agrotóxicos, devido aos riscos que oferecem, faz-se ne-
cessário combinar o uso de inrumentos econômicos com inrumentos
de comando e controle mais incisivos. Segue abaixo algumas sugeões de
política contidas no documento preliminar preparado pelo Protocolo Verde
tendo em via a elaboração de um Programa Nacional de Racionalização
do Uso de Agrotóxicos ():
acautelar os fabricantes da necessidade de assumir a reonsabilidade por
seus produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, o que implica considerar
desde o problema das embalagens até aquele da persiência dos resíduos
no meio ambiente;
monitoramento e notificação siemática da presença de resíduos de agro-
tóxicos nos alimentos;
fazer valer a legislação exiente que proíbe o uso no país de produtos
condenados em outros países;
limitar ou mesmo proibir o uso de agrotóxicos em áreas consideradas
sensíveis;
elevar o impoo sobre os produtos em fuão do nível de periculosidade,
seguindo o princípio do poluidor-pagador, ao mesmo tempo em que se
isenta a produção de produtos alternativos;
eabelecer direitos de uso de agrotóxicos (licenças), por área ou por
produto, podendo ser negociados no mercado, e que seriam diminuídos
progressivamente;
criar um seguro para a cobertura dos riscos a ser contratado pelo produtor;
reduzir os cuos de capital para inveimentos ligados a empreendimentos
conservacionias;
criar mecanismos de compensação por perdas na produção que normal-
mente ocorrem quando da transição para alternativas ecologicamente
suentáveis;
Em síntese, tanto políticas coercitivas, de comando e controle, quanto
poticas de incentivos econômicos, devem ser utilizadas na geão da proble-
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 303
tica ambiental. É imprescindível que eas políticas sejam acompanhadas
por políticas mais amplas que visem dar corpo initucional ao problema,
sensibilizar (educar) o consumidor e apoiar a capacitação tecnogica e a infra-
erutura de pesquisa para tecnologias limpas e conservadoras dos recursos.
5 . 2 . E S T Í M U L O S E O B S TÁ C U L O S À E X PA N S Ã O
D E P R ÁT I C A S A G R O E C O L Ó G I C A S ¹ 6
... O Conceito de Agroecologia
É preciso, inicialmente, clarificar o que se entende aqui por agroecologia. Ea
pode ser considerada uma ciência¹⁷, que resulta do esforço para eabelecer
uma base teórica para diferentes movimentos de agricultura alternativa que
ganharam força a partir da segunda metade da década de ¹⁸. É uma ciência
que busca o entendimento do funcionamento de agroecossiemas¹⁹ complexos,
bem como das diferentes interações presentes nees, tendo como princípio
a conservação e a amplião da biodiversidade dos siemas agrícolas como
base para produzir auto-regulão e conseqüentemente suentabilidade.
Na busca de agroecossiemas suentáveis, a agroecologia adota como
princípios básicos a menor dependência possível de insumos externos e
a conservação dos recursos naturais. Para io os siemas agroecológicos
procuram maximizar a reciclagem de energia e nutrientes, como forma de
minimizar a perda dees recursos durante os processos produtivos. Ea
 Baseado em Assis,R. e Romeiro,A.R.().
 O uso contemporâneo do termo agroecologia data dos anos , mas a ciência e a prática
da agroecologia tem a idade da própria agricultura.”(H,  – p.).
O maior contribuinte inteleual à agroecologia foi o movimento em prol do meio ambiente
nas décadas de  e . Assim como o ambientalismo foi absorvido pela agroecologia,
algumas partes do discurso agroecológico com posições críticas sobre produção orientada
passou à agronomia, aumentando a sensibilidade às altas taxas de exportação de recursos
(H,  – p.).
 Um agroecossiema é um local de produção agcola uma propriedade agcola por
exemplo compreendido como um ecossiema. O conceito de agroecossiema proporciona
uma erutura com a qual podemos analisar os siemas de produção de alimentos como
um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as interconexões
que os compõem(G,  – p. ).
Nead Estudos 15304
eratégia é viabilizada com o desenho de siemas produtivos complexos
e diversificados que pressuponham a manutenção de policultivos anuais
e perenes associados com criações. Com a diversificação, ees siemas
tornam-se mais eáveis por aumentarem a capacidade de absorver as
pertubações inerentes ao processo produtivo da agricultura (sobretudo as
flutuações mercadológicas e climáticas), aumentando assim sua capacidade
de auto-reprodução.
A produção suentável em um agroecossiema deriva do equilíbrio entre plantas,
solos, nutrientes, luz solar, umidade e outros organismos coexientes. O agroe-
cossiema é produtivo e saudável quando essas condições de crescimento ricas e
equilibradas prevalecem, e quando as plantas permanecem resilientes de modo a
tolerar eresses e adversidades. Às vezes, as pertubações podem ser superadas por
agroecossiemas vigorosos, que sejam adaptáveis e diversificados o suficiente para
se recuperarem passado o período de eresse. Ocasionalmente, os agricultores
que empregam métodos alternativos podem ter de aplicar medidas mais dráicas
(io é, inseticidas botânicos, fertilizantes alternativos) para controlar pragas
eecíficas ou deficiências do solo. A agroecologia engloba orientações de como
fazer isso, cuidadosamente, sem provocar danos desnecessários ou irreparáveis.
Além da luta contra as pragas, doenças ou problemas do solo, o agoecologia
procura reaurar a resiliência e a força do agroecossiema. Se a causa da doença,
das pragas, da degradação do solo, por exemplo, for entendida como desequilíbrio,
então o objetivo do tratamento agroecológico é reabelecê-lo. O tratamento e a
recuperação são orientados por um conjunto de princípios eecíficos e diretrizes
tecnológicas. (A,  – p.-)
Na década de , Rudolf Steiner, ao formular os poulados da
agricultura biodinâmica, e Sir Albert Howard ao eabelecer a concepção
teórica que serviria de base para a agricultura orgânica, moravam a
importância da conservação da fertilidade do solo para o crescimento
de plantas sadias e o desenvolvimento de uma agricultura permanente,
afirmando que para io era fundamental o aprendizado dos princípios
básicos de como ocorre na natureza, o manejo da fertilidade do solo. Em
outras palavras tratava-se de aprender com a própria natureza a melhor
forma de intervir sobre ela ao aplicar os conhecimentos técnico-científicos
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 305
adquiridos ao longo da evolução humana, minimizando o impao da ação
antrópica sobre o meio ambiente com a atividade agrícola. A agroecologia
resgata esses conhecimentos derezados pela agricultura moderna com base
no que de mais avançado exie em matéria de conhecimentos científicos,
para criar modernos siemas agroecológicos onde se integram princípios
ecológicos, agronômicos e sócio-econômicos.
... Os Sistemas Alternativos
Os siemas alternativos de produção de base agroecológica caraerizam-
se pela utilização de tecnologias que reeitam os princípios ecológicos
básicos de reciclagem de nutrientes, de biodiversidade, etc. Com base nees
princípios foram desenvolvidas diversos métodos de produção, entre os quais
a chamada agricultura orgânica. Entre as práticas alternativas, baseados em
princípios agroecológicos, a agricultura orgânica tem sido a mais difundida,
sendo reconhecida junto ao mercado como sinônimo de todas as outras. A
agricultura orgânica tem por princípio eabelecer siemas de produção com
base em tecnologias de processos, ou seja, um conjunto de procedimentos
que envolvam a planta, o solo e as condições climáticas, produzindo um
alimento sadio e com suas caraeríicas e sabor originais, que atenda as
expeativas do consumidor (P, ).
Entretanto, do ponto de via do mercado uma rerita definição de agricul-
tura ornica é utilizada para proteger tanto o agricultor quanto o consumidor,
incluindo a proibição do uso de alguns insumos e a imposição de uma gama
de práticas a serem seguidas (Fonseca, ). As caraeríicas de mercado
e as demandas dos consumidores influenciam diretamente a tecnologia de
prodão na agricultura orgânica. Prevalece a busca do produto limpo em
detrimento das demandas ambientais, da racionalidade ecológica global. De
acordo com Lampkin (), mundialmente ee mercado atingia em 
cerca de  bilhões de dólares, projetando um crescimento de  a  ao ano,
enquanto Willer  Yussefi (), a partir de dados de ,  e ,
apresentam uma eimativa mundial para o mercado de produtos orgânicos
em de , bilhões de dólares (Figura ). o manejados organicamente
cerca de , milhões de heares, com deaque para Aurália (, milhões
de heares), Argentina ( milhões de heares), Itália ( mil heares) e
 ( mil heares) (W Y, ).
Nead Estudos 15306
FIGURA 1: EVOLUÇÃO DO MERCADO MUNDIAL DE
PRODUTOS ORNICOS (BILHÕES DE DÓLARES).
O Brasil ocupa a décima quinta posição em área cultivada com produtos
orgânicos, com cerca de  mil ha, que representam apenas , da área
total cultivada do país (W Y, ). O mercado de produtos
agro-ecológicos no Brasil apresenta um potencial de crescimento eimado
por Campos () em  ao ano. Ee mecado é formado por um público
não eecífico do ponto de via sócio-econômico, sendo a motivação a
oportunidade que vêm de favorecer sua saúde pessoal e da família.
Entretanto, exiem obáculos impedindo que ee potencial seja
plenamente realizado, através da conversão de siemas convencionais
para siemas orgânicos de produção; em eecial obáculos econômicos
e políticos que condicionam a adoção da agricultura orgânica junto a
diferentes eratos sócio-econômicos de agricultores, e que precisam ser
considerados quando se pensa na difusão em larga escala dea forma de
produção. Diante de uma demanda crescente, considera-se que a exiência
de barreiras à entrada explica a defasagem que se observa na reoa do
40
35
30
25
20
15
10
5
0
B I L H Õ E S D E D Ó L A R E S
1994
Valor das vendas
5,5
12,5
20
40
1999 2000 2004*
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 307
siema produtivo a ea demanda. Eas barreiras eão relacionados à perda
inicial de produtividade devido ao tempo para recondicionamento do solo
e às incertezas geradas pela erutura ainda precária de comercialização.
Como ilurão deas dificuldades, considera-se aqui dois casos de
mercados alternativos para produtos agroecológicos: hortigranjeiros e café
orgânico. No que concerne os hortigranjeiros, ees foram hioricamente
os primeiros a serem produzidos organicamente. Ee segmento, também
chamado de  (frutas, legumes e verduras) frescos, foi a alavanca das
iniciativas pioneiras. No que tange a comercialização de hortaliças orgânicas,
ea teve origem em dois siemas principais: as feiras livres e a entrega de
ceas a domicílio, os quais, apesar do sucesso inicial, têm representado
dificuldades para a expansão da olericultura orgânica para um grande
número de agricultores (A, ).
Diante dee quadro, algum tempo, os supermercados aparecem cada
vez mais como um caminho para uma efetiva expansão dee mercado. No
Brasil, seguindo uma tendência mundial, grandes redes de supermercados
têm morado um interesse crescente na comercialização dees produtos,
apresentando-se para muitos agricultores orgânicos como importante
alternativa para comercialização de seus produtos (M, ).
Em relação ao potencial de mercado para a produção de orgânicos,
Assis et al. (), analisando o mercado fluminense, apontam para a exis-
tência de uma demanda ainda em aberto nee sentido. Na cidade de São
Paulo, pesquisa de opinião pública realizada na zona sudoee (bairros de
classe média e alta), sobre o mercado de legumes e verduras () orgânicos,
concluiu também sobre o potencial de crescimento dee mercado, na
medida que os compradores dees produtos já possuem consciência dos
problemas de contaminação das hortaliças produzidas com agrotóxicos.
A mesma pesquisa coloca ainda que a grande maioria prefere  orgânicos,
admitindo pagar entre  a  mais caro por io, desde que a venda seja
feita em condições atraentes e garantidas (I G, ).
Um dos principais obáculos à expansão correondente da oferta é o
tempo de conversão das práticas convencionais para as práticas orgânicas.
Ee tempo, que tem um cuo, varia de acordo com situação eecífica de
cada produtor, tanto em termos ambientais como sócio-econômicos (nível
de capitalização do produtor). A eratégia adotada pelo produtor refletirá
Nead Estudos 15308
eas eecificidades. Esse tempo varia de meses a , anos. Outro elemento
de cuo no processo de conversão refere-se à perda inicial de produtividade
durante o período de conversão para a agricultura orgânica. Acrescente-se
a ee o aumento do cuo de mão-de-obra, que para alguns pprodutores
pode chegar a . Finalmente, cabe mencionar os obáculos ligados à
ausência de assiência técnica pública, que deixa os agricultores dependente
do que pode ser oferecido pelas associações de agricultura orgânica e, mais
recentemente, grandes cadeias de supermercados.
No caso do café orgânico, trata-se da segunda maior commodity agrícola
brasileira, e os cafés eeciais, entre eles o orgânico, são os únicos produtos
que eão com crescimento expressivo em todos os principais países consu-
midores mundiais (, Japão e Europa), sendo uma ótima oportunidade
competitiva para o Brasil de melhorar sua imagem de cafés de qualidade
no mercado internacional (C, ). Pedini (), assinala que
a comercialização de café orgânico brasileiro tem se reringido quase que
exclusivamente à exportação, em função de falta de demanda interna por ee
tipo de produto. Caixeta (), por outro lado, aponta para a necessidade
de uma atuação voltada também para o mercado interno, que considera
em condições de absorver quantidades expressivas de café orgânico, pois
os valores são ainda muito pequenos diante de um mercado consumidor
de  milhões de sacas de  kg.²
A conversão do siema convencional para o orgânico envolve as queões
técnicas e educativas que a mudança tecnológica de per si pressupõe, mas
também queões normativas na medida que eá intimamente ligada ao
processo de certificação. As queões técnicas, segundo Khatounian ()
envolvem aeos biológicos que conituem a parte mais agronômica da
conversão, e incluem o reequilibro das populações de pragas e doenças e das
condições do solo, enquanto que as queões educativas dizem reeito ao
aprendizado, por parte dos agricultores, dos conceitos e técnicas de manejo
que viabilizam a agricultura orgânica. Para ee autor então, o período
de conversão não deve ser entendido apenas como uma quarentena para
 Segundo Raíces (), o mercado externo paga pelo café orgânico pelo menos o dobro
da cotação de um café tradicional, e que o mercado interno também não deixa de ser
interessante com uma remuneração  maior pelo orgânico.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 309
eliminação de resíduos de agrotóxicos, mas como um período necessário para
a reorganização, sedimentação e maturação dos novos conhecimentos.
No que se refere as queões normativas, eas eão ligadas ao en-
quadramento nas normas de produção, sem o que o produto não eará
habilitado a receber o selo orgânico de qualidade. Ee selo se torna cada
vez mais importante à medida que o mercado de produtos orgânicos se
amplia, e os vínculos entre produtores e consumidores deersonalizam-se
(K, ), surgindo a figura da certificação.
O tempo é um fator importante para qualquer conversão, sendo neces-
sário eabelecer limites de tempo para que sejam efetuados alguns ajues
na rotina e no aprendizado de técnicas utilizadas na agricultura orgânica
(V, ). A a
forma como io irá ocorrer no entanto, irá depender
da eratégia de conversão a ser adotada. Ea, por sua vez, será definida em
função das caraeríicas da área, bem como das aptidões e experiência do
agricultor, do tipo de mão-de-obra utilizada e do mercado.
No caso do café, o sobre-preço praticado no mercado tem papel im-
portante na difusão da cafeicultura orgânica. também outros fatores
favorecendo ea difusão, como a maior consciência ecológica dos produtores,
sobretudo entre aqueles com maior nível de escolaridade. Além dio,
problemas observados ao longo do processo de conversão para a agricultura
orgânica, como perda inicial de produtividade e de inserção no mercado de
produtos orgânicos, expressam-se de forma diferente em função do erato
sócio-econômico que o produtor envolvido pertence, bem como do padrão
tecnológico no momento da mudança de siema de produção.
Assim, agricultores familiares que não adotaram intensivamente tecno-
logias do pacote da Revolução Verde, tendem a o observar perdas de
produtividade com a adoção da agricultura orgânica. Esses agricultores têm,
por outro lado, problemas de organização e de obtenção de informações, que
dificultam o acesso a mercados de produtos orgânicos e reringem a difusão
de forma ampla da agricultura orgânica junto a eles. Por sua vez, agricultores
que adotaram intensivamente tecnologias do pacote da Revolução Verde”,
caraerizam-se por não terem dificuldades de organização e obtenção
de informações, mas por apresentarem perdas iniciais de produtividade
com a mudança para a agricultura orgânica que representam importante
componente do cuo dea conversão.
Nead Estudos 15310
6. consiDerações Finais
A trajetória tecnológica seguida no processo de modernização da agricultura
foi principalmente condicionada pela lógica comercial da monocultura, io
é, produzir apenas os produtos com melhor pereiva de mercado sem
levar em conta as consequencias ambientais deas práticas monoculturais
para o ecossiema agcola. A criação das condições agronômicas necessárias
para a viabilização dessas práticas marcam todo o esforço da pesquisa
agropecuária. que tem que fazer face aos conantes problemas decorrentes
da degradação do ecossiema agrícolas provocados por eas práticas.
Criou-se um eécie de circulo vicioso, onde as técnicas de combate aos
desequilíbrios provocados pela monocultura provocam novos desequilíbrios,
cujos efeitos sobre a produtividade tem que ser contornados novamente,
e assim sucessivamente, uma vez que a causa primaria do praguejamento
excessivo, a monocultura, permanece. Um exemplo clássico dee circulo
vicioso é o uso siemnático de agrotóxicos para controlar o praguejamento
provocado pela monocultura e o processo de aquisição de resiência das
eécies envolvidas.
A possibilidade de uso de controladores biológicos, manipulados gene-
ticamente, em subituição ao controladores químicos, abre a pereiva
enganosa de solução de um problema sem atacar suas causas fundamentais,
decorrentes de desequilíbrios siemicos. Não saída para uma agricultura
mais equilibrada ecologicamente que não seja através de uma relativa
diversificação dos ecossiemas agcolas, de modo a manter um mínimo de
biodiversidade capaz de assegurar a homeoase do siema. A rotação de
culturas, o uso equilibrado de fertilizantes, a integração com remanescentes
bióticos (bosques e aguadas), permitem a reprodução controlada deas
condições mínimas de equilíbrio ecológico, que garantem uma produtivi-
dade elevada no longo prazo com um mínimo de interveções radicais para
controlar o praguejamento.
As políticas agroambientais devem sinalizar nee direção, procurando
progressivamente criar as condições de rentabilidade para a adoção de
práticas agroecológicas compatível com uma redução progressiva de seus
preços, de modo a aproximá-los dos preços praticados pela agricultura
convencional. A eas políticas agroambientais, sobretudo de redireção do
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 311
esforço da pesquisa agropecuária, deve se somar um esforço de conscien-
tização da população sobre os benefícios para a saúde de uma alimentação
baseada em produtos agroecológicos, que certamente compensam a médio
e longo prazo seus preços relativamente mais elevados.
No setor agrícola, por suas eecificidades, o papel do Eado tanto
na pesquisa como na difusão tecnológica, tem um papel preponderante.
Entretanto, hioricamente o Eado eeve a margem do processo de difusão
de práticas agrícolas alternativas no Brasil, que ocorreu inicialmente baseadas
em iniciativas de produtores, em eecial neo-rurais, com forte convicção
ideológica e erutura financeira que lhes permitiu suportar uma longa
fase inicial de experimentação baseada na tentativa e erro, e representou
mesmo o eabelecimento de uma cultura de “independência” em relação ao
setor blico, por parte dos movimentos de agricultura orgânica no Brasil.
Atualmente, apesar do progresso considerável que ees movimentos
conseguiram alcançar, nota-se a necessidade de eímulos que permitam
avanços na difusão de práticas agroecológicas. Entretanto, até agora as
iniciativas têm sido ainda muito limitadas e isoladas.
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9
biotecnologia e
DesenVolVimento De mercaDos:
NOVOS DESAFIOS, NOVOS CONCEITOS?
José Maria F.J. da Silveira
Izaías de Carvalho Borges
Maria da Graça D. Fonseca
1. introDução
cerca de 50 anos, uma descoberta fundamental, com base
na Genética, possibilitaria o surgimento de novo paradigma
tecnológico: a formulação do modelo do código genético, por
Watson e Crick (D
OSI
, 1982). A idéia de que seria possível
trabalhar com o código genético dos seres vivos, a ponto
de obter novas combinações, com novas características
algumas delas impossíveis de serem obtidas por métodos
tradicionais abriu as portas para inovações radicais. Novos
campos de pesquisa foram criados, gerando uma ampla
gama de serviços tecnológicos, um ramo da indústria de
equipamentos, novos insumos e novos produtos, além de
processos que passaram a competir com os processos
convencionais, principalmente nas áreas de agricultura e
saúde humana.
No início dos anos noventa havia a crença arraigada, principalmente
por parte dos representantes das organizões envolvidas em Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação () na Uno Européia (), de que
os avanços da biotecnologia se dariam fundamentalmente no campo da
saúde humana, criando novos produtos, principalmente em segmentos
de classes terapêuticas, em que a produção pela via de síntese química ou
mesmo semi-síntese fosse muito cara, caso de certos hormônios, cujas
9
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 319
moléculas são complexas, como a insulinaTodavia, o desenvolvimento na
agricultura não ocorreu de forma vertiginosa, como trouxe à baila novas
queões, para além daquelas relacionadas à complexidade do padrão de
desenvolvimento da biotecnologia.
O objetivo do presente texto é apresentar alguns enfoques relacionados
à economia da biotecnologia, convergindo para a discussão sobre a
biotecnologia agrícola na atualidade, seu elevado grau de complexidade,
com desdobramento conceitual nos seguintes temas:
Relação entre complexidade e ambigüidade, em biotecnologia;
O papel do esgotamento de trajetórias tecnológicas no surgimento de um
novo paradigma e vice-versa;
A evolução recente da biotecnologia agcola e o desenvolvimento de
inituições.
Os dois primeiros pontos são tratados principalmente na seção do
trabalho e, de certa forma, iluram como a biotecnologia e eecificamente a
biotecnologia agrícola são tratadas por diferentes visões teóricas em economia.
Antes de abordar esses pontos, cabe uma discussão mais ampla sobre a
evolução recente da biotecnologia em geral e de algumas caraeríicas da
firma biotecnológica.
Na seção e nas observações finais o foco é colocado nos problemas
e caraeríicas da biotecnologia agrícola. O Apêndice apresenta um
resumo de um modelo de convivência de tecnologias aplicado à queão
da emergência de novos paradigmas.
Sem os avanços da moderna biotecnologia, tais produtos teriam que ser obtidos por extração.
Por exemplo, a insulina é extraída do pâncreas do porco, apresentando problemas para sua
purificação. Na verdade, a tecnologia de biofármacos combina os avanços de clonagem de
células com os desenvolvimentos realizados no cultivo celular e de obtenção de transgênicos.
Consegue-se com essa tecnologia fazer com que células de hamer chinês expressem Fator ,
para tratamento de hemofílicos, evitando assim o risco de contaminação que surge quando
se tenta extrair esses fatores de sangue obtido de doadores.
a.
b.
c.
Nead Estudos 15320
2. caracteriZação Da moDerna biotecnologia:
Da tecnologia à análise econômica
A biotecnologia é o campo em que se observa a importância crescente
da interação entre os universos da ciência, da pesquisa tecnológica e da
produção indurial e agrícola. Mais do que em qualquer outra atividade
produtiva moderna, a natureza da pesquisa sica em biotecnologia é
orientada pela busca do tipo de inovação que faz erodir as fronteiras entre
ciência e tecnologia.
Devido à sua ereita ligação com a atividade cientifica, a biotecnologia
é classificada pelos economias como science based seor (B e P,
). A diferença com outras indúrias intensivas em ciência, como a de
informática, pode ser explicada pelo fato de que o chão da fábrica é o próprio
laboratório de pesquisa. Mais ainda, no caso da biotecnologia, a descoberta
e o desenvolvimento de processos, produtos e serviços são resultado de
diferentes combinações de blocos de conhecimentos científicos puros
muitos ainda em eágio inicial com um conjunto de ferramentas derivadas
da biologia e genética tradicionais.² Nesse sentido, a biotecnologia pode
ser definida como um bloco de conhecimentos e informações tecnológicas
combinando protocolos e metodologias de pesquisa utilizadas no eudo
da biologia da célula, da genética, da bioquímica, entre outras matérias,
com novos conceitos científicos, derivados de disciplinas que não exiiam
alguns anos atrás como biologia molecular, genômica funcional e
proteômica e, também, com as ciências da computação e da informação³
(F et alii, ).
Uma empresa de biotecnologia pode atuar como:
Preadora de servos eecializados, como as empresas de diagnóicos;
Essas ferramentas tradicionais também envolvem pesquisa e desenvolvimento de produtos
através da manipulação de organismos, siemas e processos em humanos, animais e plantas
(modificação de genes, células de sangue, proteínas e outras subâncias vivas).
A biologia molecular é a área disciplinar em torno da qual se articula todo o grupo de
conhecimentos básicos e tecnologias denominado como biotecnologia e que leva cientias
a manipularem e replicarem os genes e células.
a.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 321
uma firma que desenvolve produtos segundo a demanda do consumidor
(geralmente outra empresa, de outro setor ou também uma empresa de
biotecnologia), como as empresas de bioinformática ou de diagnóicos;
firma inovadora que compete com produtos tradicionais, subituindo total
ou parcialmente os preexientes, como as vacinas de  recombinante; e
empresa radicalmente inovadora, que cria produtos e cria mercados, como a
produtora de novos fármacos, como antivirais ou produtos contra câncer.
A idéia central que se segue é que a combinação entre uma intensa
gama de oportunidades biotecnológicas e a configuração de processos
competitivos engendra novas eruturas complexas de relacionamento de
rotinas de produção, inveimento e de busca das firmas, ampliando de
forma recorrente não o eaço de decisões, mas o âmbito dos akeholders
(ou daqueles que se consideram como tal). Tal situação é relevante tanto
para a definição de um ambiente de negócios quanto para a formulação de
políticas de incentivo ao desenvolvimento da biotecnologia.
B R E V E H I S T Ó R I C O : D O C O N H E C I M E N T O
À F I R M A B I O T E C N O L Ó G I C A
A palavra biotecnologia não foi criada na esfera científica. Foi inventada
em Wall Street, para expressar o conjunto de conhecimentos, técnicas
e ferramentas que podem ser usados para produzir produtos úteis ou
avançados experimentos científicos desenvolvidos, em geral, por empresas
jovens e tecnologicamente dinâmicas (T, ). Na sua origem
científica, a biotecnologia eá ligada a duas descobertas importantes:
recombinante, pesquisa desenvolvida conjuntamente por Stanley
Cohen, da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, da Universidade
da Califórnia, em ;⁴
Procedimentos científicos e tecnológicos para produzir anticorpos
monoclonais, desenvolvidos por César Milein e Georges Kohler, na
Universidade de Cambridge, em , poeriormente reconhecida como
tecnologia do Hybridoma.
 Também chamadas de gene licing, engenharia genética ou recombinação genética.
b.
c.
d.
Nead Estudos 15322
O potencial inovativo dessas duas descobertas não levou muito tempo
para ser reconhecido, o que acontece em , quando a Genentech é fundada
pelos mesmos descobridores do recombinante. As duas invenções
forneceram o conhecimento básico em torno do qual se desenvolveram
outras inovações biotecnológicas importantes, ao lado de atividades de
engineering de proteínas.
O aparecimento da biotecnologia na academia é simultâneo ao
surgimento do chamado bionegócio, ou biobusiness. O potencial comercial
da biotecnologia se revela em meados da década de  e inícios dos anos
, quando são fundadas as primeiras empresas privadas com o objetivo de
comercializar os produtos da engenharia genética (Cetus, Genetic Syem,
Genentech e a Biogen). As novas empresas, como será discutido a frente,
são formadas por associações entre cientias e empresários inovadores,
apoiados por capital de risco (venture capital) e, em geral, são realdadas
por políticas governamentais. Em alguns casos, eecialmente na Europa,
são abertamente subsidiadas. De modo geral, são conituídas por cientias
oriundos de laboratórios de pesquisa públicos ou de universidades.⁵
A partir da década de , embriões de empresas de biotecnologia
farmacêutica e química são formados por cientias de universidades e
laboratórios públicos e com a ajuda de agentes e capitalias de risco. Nos
Eados Unidos, milhares dessas empresas transformam-se em empresas de
capital aberto, através de ofertas públicas, representando, elas próprias, uma
nova força competitiva capaz, inclusive, de desafiar o poder de mercado das
indúrias tradicionais, como indúria farmacêutica e algumas indúrias
oriundas da química e química fina. Outras são absorvidas por empresas
maiores do setor farmacêutico ou do ramo de agronegócio.
Dessa forma, a primeira geração de empresas de biotecnologia morou
ser capaz de mobilizar conhecimento científico e tecnológico gerado nas
universidades e que buscava transformar comercialmente tal conhecimento
em produtos e serviços para a indúria farmacêutica. No entanto, com
A Genentech foi fundada pelo próprio criador da engenharia recombinante, Prof. Boyer, para
atuar no desenvolvimento de produtos biotecnológicos para o agronegócio e ferramentas
de diagnóico. poeriormente passou a comercializar produtos para o mercado
farmacêutico, o seu empreendimento mais bem-sucedido.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 323
notáveis exceções, elas ainda não tinham a experiência necessária para
atuar sobre tees clínicos e em atividades de marketing ou não possuíam
ativos complementares para desenvolver essas atividades (A
S, ).
Essa primeira geração de empresas de biotecnologia farmacêutica
desenvolveu importante conhecimento científico para entender o processo
envolvido nos mecanismos da proteína e para identificar os efeitos tera-
pêuticos associados à sua produção. No entanto, depois de três décadas de
exiência dessas empresas, pouco mais de  inovações, drogas, vacinas
e diagnóicos conseguiram ser aprovados pelos órgãos reguladores norte-
americanos. Por essa razão, um agente de inveimento da Bolsa de New York
disse que uma empresa de biotecnologia é uma companhia farmacêutica
sem vendas” (e Economi, //).
TABELA 1. INDICADORES PARA CARACTERIZAÇÃO
DE EMPRESAS DE BIOTECNOLOGIA (2004)
inDicaDores eua canaDá euroPa asia
Número de Companhias 1457.00 416.00 1879.00 532.00
Receita média por empresa (US$ mil) 25319.00 1021.00 7533.00 1001.00
Ga
sto em P&D por empresa (US$ mil) 11532.00 474.00 4244.00 175.00
Rec
eita quida por empresa (US$ mil) -4799.00 -507.00 -608.00 -19.00
Empregos diretos 141 000.00 7005.00 341 80.00 6518.00
Gasto em P&
D
/Receita da Região 0.46 0.46 0.56 0.17
Receita
Líquida /Receita da Região -0.19 -0.50 -0.08 -0.02
Receita média da região/
receita média geral
2.90
0.12 0.86 0.11
Porcentagem do Total de empresas 0.34 0.10 0.44 0.12
Porcentagem dos Gastos de P&D 0.67
0.01 0.32 0.00
Fonte: Ernst&
Young, 2004. Cálculos dos autores.
Nead Estudos 15324
Nota-se pela Tabela  que as Firmas Eecializadas em Biotecnologia
(F) são pequenas (a receita total em torno de us , milhões) e
dependentes de recursos externos àqueles gerados pela comercialização de
seus produtos. Os gaos médios em Pesquisa e Desenvolvimento () por
empresa foram de us , milhão em  e as receitas líquidas negativas.
Portanto, são empresas cuja receita de vendas não é capaz de cobrir seus
cuos e os gaos em , resultando em receitas líquidas negativas.
Tanto os gaos em como as receitas líquidas variam muito de
região para região. Os , Canadá e Europa gaam elevadas porcentagens
da receita total com , algo em torno de . O padrão asiático é muito
inferior. Maior variabilidade é encontrada na relação entre receita líquida
e receita da região: as empresas dos , em média, têm que financiar
cerca de  dos seus gaos de para além do que arrecadam com
vendas de produtos e serviços. No Canadá, tal porcentagem chega a 
e na Ásia essa cifra é irrelevante. Tal indicador revela tanto que algumas
empresas fracassaram em comercializar seus produtos suas pesquisas
não tiveram sucesso em chegar ao mercado quanto o tipo de pesquisa
que eá sendo realizada. No caso da Ásia e mesmo da Europa, volta-se o
esforço de pesquisa para aplicações, produtos que usam biotecnologia mais
próxima do mercado final. Nos  e, talvez, no Canadá, a pesquisa eá
mais próxima de inovações baseadas em descobertas científicas recentes,
menos consolidadas.
Ao considerar-se a contribuição de cada rego no conjunto da
biotecnologia apresentada na Tabela , percebe-se que, apesar de o número
de empresas dos ser menor que na Europa,  dos gaos em são
realizados na primeira região, contra apenas  na última. A diaridade
eá relacionada ao fato de que a empresa média dos  é , vezes maior
que a empresa média de biotecnologia, mais bem representada pela empresa
da Europa. Tais cifras revelam o poder de alavancagem de empresas de
alta (bio)tecnologia, dentro do segmento de empresas de alta tecnologia
nas bolsas com a National Association Securities Dealers Automated
Quotation, Nasdaq.
Comprovando, portanto, a informação de que o termo biotecnologia”
nasceu em Wall Street, a Tabela permite observar as caraeríicas
inusitadas das empresas de biotecnologia, em um período poerior ao
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 325
eouro da bolha Nasdaq” (F, L e S, ): empresas
que podem ser consideradas de porte médio em países como o Brasil, com
faturamento pximo a  milhões por ano, são financiadas de forma
recorrente pelo mercado financeiro e, no caso dos , como foi colocado
acima, de forma centralizada, pelo mercado. Para alguns analias, trata-se
de um conjunto de inveimentos típicos de uma fase pré-paradigmática⁶
(R, ). Todavia, como tal processo dura mais de  anos, e
alguns produtos eão se tornando maduros ao mesmo tempo que novos
produtos gerados por outros enfoques técnico-científicos vão sendo
lançados, a idéia de bionegócio como uma atividade que engendra novos
desafios demanda tentativas de interpretação que vão além da idéia de
trajetória biotecnológica.⁷
T R A J E T Ó R I A T E C N O L Ó G I C A O U A C O N T Í N U A
R E N O VA Ç Ã O D O PA R A D I G M A ?
A ampliação do eaço correondente ao paradigma tecnológico da
biotecnologia, ou seja, a contínua criação de novas oportunidades tecnológicas
com baixo nível de aprendizado produtivo (C, D e
O ) contribuiria para aumentar a incerteza que, de partida,
caraeriza as atividades econômicas intensivas em . A discussão que
Pode ser definida como uma fase em que os elementos do paradigma tecnológico aparecem
apenas sugeridos no eudo das relações entre a aplicação do conhecimento científico
e tecnológico e a definição de áreas-problema” principalmente no relacionamento do
mercado. A crítica à utilização do termo pré-paradigmático eá juamente na dúvida
com relação à aplicação do conceito de paradigma à biotecnologia. Como será discutido,
talvez a idéia de blocos em conrução se ajue melhor às caraeríicas desse ramo da
tecnologia/indúria.
produtos da biotecnologia cuja inserção competitiva nos mercados passa pela capacidade
de produção em escala, com qualidade e cuos compatíveis, ou seja, como resultado de um
processo de exploitation com base em competências de manufatura. Um bom exemplo é
dado pelo interferon e pela eritropoitina, proteínas que passarão a ser produzidas no Brasil
pela Biomanguinhos/Fiocruz já no ano de , via transferência de tecnologia de Cuba.
Por outro lado, novas técnicas de recombinação baseadas nos resultados da bioinformática
permitem a obtenção de genes programados por computador que aproveitam a proximidade
de certas eécies, como, por exemplo, gramíneas, como cana-de-açúcar e arroz.
Nead Estudos 15326
se segue nea seção do texto visa a fornecer uma primeira aproximação ao
problema. Sua relevância se reflete de forma clara na dificuldade de definir
prioridades em biotecnologia, principalmente por parte dos programas
públicos de pesquisa (ver A e A, ). Todavia, reflete-se
também na idéia de que o detentor do monopólio de uma determinada
tecnologia por um agente inovador teria pouca capacidade de aproveitar-se
dessa situação por um período prolongado, por meio da elevação de margens
de lucro combinadas com rerição na produção ou do acesso à tecnologia:
sua inovação seria conteada pelos concorrentes inovadores, inclusive por
seus parceiros de atividades de . O presente trabalho não trata dessa
queão, que merece um eudo detalhado à parte.
Os enfoques com base na corrente neo-schumpeteriana ou evoluci-
onia tratam principalmente das inovações em curso, da caraerização
e desdobramento das trajetórias tecnológicas. Um esboço dos processos
eocáicos de alargamento das tipologias que fundam um paradigma
tecnológico foi apresentado em Chiaromonte, Orsenigo e Dosi (),
enfatizando, todavia, a inadequação do novo ao processo de aprendizado
em curso pelas empresas inovadoras reonsáveis pelo avanço da trajetória
tecnológica. Como explicitamente menciona Ronde (), pouco
conhecimento da situação em que emerge um paradigma, mas muito se
avançou no conhecimento dos processos em curso.
A falta de uma maior densidade no tratamento econômico dessa
queão resulta na dificuldade em identificar em que ponto se encontraria
o desenvolvimento da biotecnologia, caso o conceito de trajetória tecnológica
fosse utilizado como referência. A leitura da seção anterior sugere que, no caso
da biotecnologia, uma vez identificadas as potencialidades do conhecimento
científico, partiu-se para o desenvolvimento simultâneo da ciência, da
tecnologia e, com atraso de pouco mais de  anos, das aplicões comerciais.
Esse paralelismo não mais se desfez, o que reforça a idéia da complexidade
da biotecnologia. Nessa linha de argumentação poderiam ser incluídas uma
ampla gama de vacinas recombinantes, inclusive a vacina contra tuberculose,
resultante da combinação de conhecimentos de biotecnologia avançada e
fracionamento de partículas com base na nanobiotecnologia. Como se pode
perceber, dee exemplo emerge a idéia de blocos em conrução, ou seja,
de que desenvolver tecnologia significa ser capaz de combinar os blocos
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 327
de conhecimentos dioníveis gerando algo novo e que demanda novos
conhecimentos para a geão de mercado.
Um contra-argumento seria que exiem produtos farmacêuticos
consolidados obtidos pela biotecnologia, como o interferon ou a insulina
recombinante. No primeiro caso, o produto cumpriria uma função nova,
ou seja, criaria um mercado novo, tornando mais segura a realização de
tranlantes de órgãos e sua trajetória seguiria um padrão clássico de ciclo
de produto: mais escala, menor cuo, menor preço, maior mercado. Já a
insulina recombinante, também chamada de insulina humana, seu principal
papel seria o de subituir a insulina de pâncreas de suíno, gerando um
produto de qualidade superior e com maior segurança produtiva. Nada
mais clássico e tradicional.⁸
A deeito do desafio de formular uma economia da biotecnologia, que
evidencie os elementos de uma “indúria em formação operando sobre
bases inusitadas de organização empresarial e de financiamento que será
tratado mais adiante de forma detalhada –, os desenvolvimentos teóricos
em torno dos mais de  anos de exiência da biotecnologia moderna
são pontuais, tratando de situações ou arranjos initucionais eecíficos
(F e Á, ).⁹
N O V O S M E R C A D O S E U M N O V O A M B I E N T E I N S T I T U C I O N A L
A complexidade da biotecnologia e a dificuldade de comercialização de boa
parte de seus produtos e serviços levaram os empreendedores a buscarem
novas formas de organização, cujo modus operandi acabou por alterar os
próprios fundamentos de conituição das firmas, redesenhando seus limites
e o de seus mercados e reeruturando-os sobre novas bases econômicas
Todavia, sabe-se da exiência de outros tipos de produtos e de formas de liberação de
insulina que em poucos anos passarão a contear o mercado de insulina recombinante
baseado na aplicação de injeções periódicas.
Por exemplo, os trabalhos referentes aos impaos decorrentes da implantação de siemas
de preservação de identidade na agricultura (M e L,). Lazzarini e
Zylbertajn () tratam da eabilidade de contratos na inria de sementes. Para uma
exceção, ver Phillips, Smyth and Kerr (), que apresentam um enfoque mais próximo ao
do presente artigo, utilizando elementos da argumentação initucionalia e evolucionia.
Nead Estudos 15328
e initucionais. De forma mais radical do que aconteceu na década de
, com a então emergente indúria de informática, as pesquisas básica
e aplicada, o processo de fabricação e as atividades de desenvolvimento da
biotecnologia passaram a se encadear. Desenvolveu-se um processo em que
essas firmas se condicionam reciprocamente.
Essas novas formas de organização configuram o que se pode chamar
de siema setorial de inovações biotecnológicas, do qual fazem parte
as empresas de biotecnologia, seus fornecedores, clientes, o conjunto de
laboratórios de pesquisa governamentais e outros agentes individuais e
organizações com os quais as rmas de biotecnologia mantêm relações
contratuais de longo prazo.¹⁰ Esse siema setorial de inovações é eruturado
de forma a possibilitar a transferência de ativos financeiros, capital humano
e de ativos complementares, em escala planetária e não apenas nacional.¹¹
Além de representar solução initucional às dificuldades de realização
de seus produtos e serviços no mercado, o siema setorial de inovações
permite solucionar a complexa articulação do conhecimento científico e
tecnológico por blocos de competência (E E, ).
São também elementos conitutivos desses siemas a presença de redes
initucionais de apoio à mobilidade de recursos financeiros e os ativos de
capital humano, bem como a infra-erutura de laboratórios e equipamentos.
No entanto, é fundamental para o desenvolvimento das atividades de
biotecnologia e a sua organização initucional e econômica a exiência de
uma erutura de direitos de propriedade relativa aos ativos transacionados
através dessas redes.
 A idéia de siema setorial de inovações é desenvolvida basicamente por Malerba ().
 A exiência desse siema não implica que ele seja claramente delimitado no âmbito
nacional ou por outros setores que dele participam. A indúria eletroeletrônica, por
exemplo, é fornecedora de equipamentos para esse siema. Todavia, seus produtos são
desenvolvidos com base em conhecimentos aprofundados de biologia molecular e não
apenas nos conhecimentos eecíficos e tradicionais da área. Por outro lado, a bioinformática
é cada vez mais uma atividade de informática e não apenas o resultado da aplicação de
conhecimentos de programação às necessidades de usuários da área biológica. Portanto,
medidas convencionais de apoio a setores eecíficos, que caraerizam a política indurial,
são pouco efetivas em impulsionar a biotecnologia.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 329
Os dois desenhos initucionais sicos apresentados pela literatura
de siemas setoriais de inovações o: o siema de mercados, do qual os
Eados Unidos e a Inglaterra são citados como exemplos, e o siema de
mercados coordenados, onde se deacam Alemanha e Suécia. Nos sie-
mas de mercados coordenados, o Eado eabelece o suporte básico para
o desenvolvimento tecnológico, embora possam se eabelecer associações
entre os negócios privados, universidades e fundos de financiamento.
O financiamento à inovação é basicamente ancorado no siema de
crédito extramercado, embora também se desenvolvam modalidades de
financiamento através de capital de risco, em geral amparadas pelo Es-
tado, como mora o exemplo recente de alguns países da Europa. Nessa
modalidade initucional, o padrão de desenvolvimento das inovações é
fortemente influenciado pelos eados nacionais e por suas prioridades
(MK, ).
Já as economias de mercado – cujas caraeríicas foram sintetizadas
na Tabela , tendo os e o Canadá como representantes detêm um
desenho initucional mais flexível, baseado no apoio a empresas inovadoras
emergentes e na descontinuidade da inovação radical. Essa flexibilidade é, em
geral, complementada por um aparato de regulação, cuja importância varia
de país para país.¹² Os seus padrões de decisões empresariais são baseados
em modelos avançados de governança corporativa e o financiamento das
atividades empresariais se ancora em capital de risco, eecialmente em
venture capital.
Além disso, a erutura de propriedade das empresas é diversificada e
o seu controle pode ser negociado publicamente nos mercados de ações.
As decisões eratégicas dessas companhias abertas são influenciadas pela
necessidade de obtenção de retornos pidos. Na realidade, mais do que
a entrada, a capacidade dos países de economia liberal em proporcionar
boas opções de saída para os inveidores, eecialmente em se tratando
de empreendimentos inovadores de alto risco, conitui uma precondição
 Ea queão será aprofundada na seção do trabalho. Ver Dal Poz, Silveira e Fonseca
() para uma comparação entre os regimes de direitos de propriedade inteleual nos
 e nos países da .
Nead Estudos 15330
para a exiência de formas de financiamento de risco e do próprio capital
de risco (venture capital).
Apesar dessa supoa leveza participativa, observe-se a necessidade de
se ter uma bem definida erutura de incentivos, baseada em direitos de
propriedade inteleual, de forma a garantir a remuneração do conhecimento
gerado, ajudando a criar ambiente favorável à obtenção de capital de risco,
facilitando inclusive as transferências de direitos de propriedade.
Coerentemente com análise feita na Tabela , nos Eados Unidos,
praticamente todas as empresas de biotecnologia farmacêutica foram
fundadas através desse tipo de empreendimento. No caso dos países
europeus, a oferta de recursos para a inovação direcionada para grandes
inituições blicas de pesquisa, geralmente coordenadas pelo Eado e
em cooperação com grandes laboratórios privados, não tem se morado
competitiva. Os diagnóicos e relatórios de desempenho apontam, em geral,
para um hiato de dinamismo, quando comparado ao siema de mercado,
como o norte-americano e o canadense, ainda que haja diferenças notáveis
na dimensão e desempenho das empresas desses dois países.
Para alguns autores, o capital de risco desempenha o papel de amálgama
entre tecnologia, academia e finanças (T, ). Ele atua, antes
de tudo, fornecendo recursos financeiros para os futuros empreendedores
acadêmicos. Vale repetir, o venture capital tem sido a forma preferida
de financiamento dos empreendimentos inovadores de informática e
biotecnologia, na América do Norte e na Inglaterra, tendo se eendido
recentemente para a Alemanha, França, Nova Zelândia, Israel e Coréia. Essa
forma de financiamento tem cumprido o papel de, primariamente, atuar como
alavanca para a obtenção de recursos e, secundariamente, fortalecer os novos
empreendimentos, trazendo apoio gerencial e capacidades organizacionais.
Nessas funções, os capitalias financeiros ajudam a eabelecer pontes entre
a ciência e os mercados e acabam, também, desenvolvendo seu conhecimento
sobre ciência e tecnologia.
Os variados arranjos que suentam a alavancagem financeira das empresas
inovadoras em biotecnologia sugerem sua intensa ligação não somente com
o mercado acionário (principalmente na forma de inveimentos de risco)
mas também com as corporações, que, como foi colocado, monitoram
os avanços por meio de associações em variados graus com essas novas
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 331
empresas (ver Silveira, , para uma discussão semelhante em outro
eágio da biotecnologia). O acesso ao mercado, portanto, em uma fase
eecífica da vida dessas Firmas Eecializadas em Biotecnologia, deve se dar
mais pela via das aquisições as seriam compradas por corporações
eecializadas do que por um processo de crescimento próprio, por
lucros acumulados da venda de produtos inovadores. Como pano de fundo,
ressalte-se a importância do technology foresight (S F et alii,
), realizado não somente por empresas de consultoria eecializadas,
mas pelas próprias corporações que suportam as empresas de biotecnologia.
O acesso à informação torna-se fundamental para melhor controlar a gama
de oportunidades exientes e que se anunciam para o futuro próximo (ver
Apêndice I, para um modelo de antecipação em situações de esgotamento
de trajetória tecnológica).
Entretanto,controvérsias sobre essa hipótese. Argyres e Liebeskind
(), ao discutirem as empresas de biotecnologia que se fundam no
modelo das Bay and Boon Areas, apontam para as parcas evidências
de integração vertical e de aquisições das , pelo menos nos . Sua
análise se baseia em um conceito de “inseparabilidade da governança, que em
resumo significa que quando uma eabelece contratos em algum ponto
de sua vida, ela tem dificuldade em redefinir contratos que caraerizem
uma nova fase. Além disso, uma firma bem-sucedida que vai ao mercado
por meio de uma oferta pública (inicial ou follow up) corre o risco de ter
seu controle acionário nas mãos de uma grande corporação, que em vez de
assumir um claro comportamento desviante, prefira monitorar empresas
de biotecnologia ao alcance do braço.
Segundo os autores, tal situação representaria um desconforto
para o corpo técnico-científico da empresa, incapaz de aceitar os novos
mecanismos de governança caraeríicos do siema de incentivos de
uma empresa de grande porte. Em muitos casos, a solução encontrada
é a de aumentar a independência das rmas controladas, deixando para
seus dirigentes a definição dos mecanismos adequados de controle. Essas
divergências dificultariam uma clara percepção do papel dos incentivos,
criando empecilhos às eratégias de integração vertical. Mesmo que haja
um acordo bem-sucedido, a facilidade com que inveidores adquirem
suas participações e, ao mesmo tempo, se desfazem delas, aumenta a
Nead Estudos 15332
inabilidade que o fenômeno de ‘inseparabilidade da governança indica
como caraeríico desses arranjos.¹³
Resumindo, os pontos que suentam a hipótese de bionegócio (como
uma novidade) são:
A exiência de empresas mantidas pelo siema financeiro com base
em uma avaliação de seu valor muito superior ao que seria seu cuo de
reposição, compoo, em grande percentual, por gaos com .¹⁴ Tal é
a eecificidade dessas empresas, que um dos indicadores de desempenho
utilizados para elas é a chamada burning rate, que mede a parcela da renda
líquida financiada pelo mercado a cada ano;
A presença de um processo de seleção de caráter evolucionia, cujas variáveis
relevantes seriam o montante de inveimento em  e taxa de inovação
da empresa (ver M, ; C e D, );
A exiência de um padrão variado de adoção que dificulta a formulação de
planos de negócios e torna menos visível o impao da biotecnologia.¹⁵
Juntando esses pontos, tem-se um quebra-cabeças que não pode ser
montado apenas com o conhecimento que se tem sobre a convergência
tecnológica de setores inovadores no passado e tal caraeríica manifea-
se na dificuldade em definir claramente uma política de incentivo ao
 Tais dificuldades se agravam em países em que o ambiente initucional é mal definido. No
caso do Brasil, sabe-se que, apesar da eruturação em rede das atividades de pesquisa de
ponta em biotecnologia, eecialmente das redes de pesquisa genômica, há evidente falta
de oportunidades de negócios em função da falta de recursos públicos e privados. Além
disso, faltam importantes peças initucionais na definição das regras do jogo de proteção
à apropriação dos recursos inveidos em atividades científicas e tecnológicas. Apesar de
alguns eudos contabilizarem mais de  empresas de biotecnologia no Brasil, sabe-se
que esse montante é muito menor quando se computam empresas que não são apenas
usuárias da tecnologia e sim inovadoras. Quando esse cálculo é feito, o número reduz-se a
menos de , localizados em poucas regiões e pólos científicos tecnológicos, como em Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e Porto Alegre (F et al., ;
S et al., ).
A empresa bem-sucedida, portanto, é aquela que consegue recursos para dar continuidade
a suas atividades de pesquisa, findo um período contratual, por vezes, superior a  anos.
 O caso da biotecnologia agrícola, tratado na seção , todavia, contraria frontalmente ea
afirmação.
a.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 333
desenvolvimento da biotecnologia (como será comentado na são final
do texto).
No eaço criado pelas variáveis definidas no item b, pode-se representar
um eero amplo de eratégias, desde aquelas que vislumbram retornos a
mais longo prazo até as eratégias de aplicação de ferramentas biotecnológicas
desenvolvidas por outras empresas, obtidas por licenciamento ou pela
via de acordos de cooperação (por exemplo, para o desenvolvimento de
um kit diagnóico). Com isso, o processo de seleção, que indica a cada
período o subconjunto de empresas sobreviventes, as novas entrantes e
as que saem do mercado, opera de forma complexa, condicionado pelo
ambiente de financiamento (que foi descrito acima com um siema), pela
dionibilidade de recursos internos (principalmente, por certas formas
de capital humano) e pelo grau de inserção conseguido pelas empresas
no biomercado.¹⁶
Nem sempre a firma de menor cuos é a selecionada pelo processo, nem
mesmo aquela com o produto considerado mais inovador. Ainda assim, o
sucesso da inovação é o fator principal para o desempenho dessas empresas,
que operam no mais elevado nível de risco e incerteza no eero de risco
das atividades econômicas da atualidade.¹⁷ Além dessa incerteza inerente
ao processo inovador, em vez de ocorrer uma convergência, derivada de um
processo de seleção, amplia-se a variedade tecnológica de forma recorrente,
 Reafirma-se portanto, que a acumulação de uma firma é função da capacidade de renovar
contratos de financiamento de pesquisa. Todavia, mesmo firmas cuja permanência no
mercado se deve à venda de produtos inovadores têm no eabelecimento de contratos de
variadas naturezas uma condição fundamental para sua sobrevivência. Assim, o paradoxo
apresentado por Metcalfe () em que o atrator” em um eaço representado por firmas
heterogêneas em cuos e em sua capacidade de financiamento (e de acumulação) não se
dá em um ponto de menor cuo, torna-se ainda mais evidente nesse caso.
 A criação de um eaço para representar a dinâmica de crescimento das empresas – indicando
empresas que crescem, decrescem ou ficam eagnadas envolve, em um modelo mais
simples, a exiência de assimetrias de cuo e capacidade de acumulação das empresas,
ou seja, o impao das inovações é tomado como parte das condições iniciais. No caso
do bionegócio, envolve empresas cujas assimetrias, de partida, referem-se à capacidade de
inovar e de atrair inveidores.
Nead Estudos 15334
o que dificulta a definição de prioridades, o que é grave em siemas com
menor dionibilidade de recursos.
um elemento adicional, relacionado à dificuldade em definir
claramente um padrão predominante de demanda por produtos e serviços
biotecnológicos: a demanda por biotecnologia pode ser desenvolvida por
meio de um padrão semelhante ao que ocorre na química de eecialidades,
ou seja, pela relação próxima entre fornecedor (firma de biotecnologia) e
usuário; também se difunde pela criação de um produto que subitui o
anterior, como uma vacina recombinante contra febre aftosa ou uma semente
de variedade transgênica, com impaos não apenas no segmento de usuários,
mas em um amplo eero da cadeia produtiva; ou pela geração de um
produto novo, ampliando o eaço do paradigma biotecnológico.¹⁸
Do ponto de via do processo de deruição criadora, a difusão da
biotecnologia pode eliminar subitutos tecnológicos próximos, como parte
da produção de agroquímicos ou o uso de certos métodos de preparo do
solo. Ela poderá também reforçar trajetórias e segmentos produtivos, como
o uso de dissecantes no combate às ervas daninhas, em geral produtos de
tecnologia madura, cujas patentes eão vencidas há muito.
Finalmente, o surgimento de novas tipologias que renovam os
paradigmas da biotecnologia, como um fenômeno erutural e o como
um evento ocasional. Um claro exemplo disso deu-se com o surgimento dos
chamados “Genoma (D P, S e F, ). Apenas para
citar um exemplo envolvendo o Brasil, o resultado positivo da idéia desses
projetos deu oportunidade para uma nova rodada de financiamentos, como
o inveimento de risco realizado pelo grupo Votorantim em empresas de
biotecnologia agrícola, resultantes do projeto Onsa-Fape (ill overs).
 Pode-se argumentar que o setor químico-petroquímico padece da mesma indefinição no que
tange à configuração da demanda de seus produtos. Se do lado produtivo seus segmentos
são fortemente encadeados, no lado da demanda os padrões variam e são desarticulados.
Tal situação é em parte reonsável pelas mudanças nas configurações de grandes grupos
eecializados na química e petroquímica. Na década de  o índice de diversificação dessas
empresas era elevado. Na década de  passou a ocorrer um fenômeno de recentragem
em torno do core business das empresas, o que foi feito por meio de intensa troca de ativos
entre grupos do setor. Ainda assim, a variedade de comportamentos da demanda é grande,
só que na atualidade é mais forte entre do que intragrupos.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 335
De maneira eilizada, a decisão de criar uma nova empresa eecializada
em biotecnologia depende da expeativa de sucesso acima do parâmetro
médio da indúria e do tamanho da inovação (ver A H,
). Implica também a antecipação sobre os futuros acordos de cooperação,
associações e contratos que a firma deve eabelecer ao longo de sua
trajetória, de forma a minimizar problemas como os apontados por Argyres
e Liebeskind (). Aos seus tomadores de decisão cabe também se
antecipar às reoas de rivais que passem a sofrer de forma discreta os
efeitos da deruição criadora, originada da biotecnologia e também, via
technology foresight, mapear as inovaçõesou blocos de inovações – que
lhes reduzam o tempo de vida, pela obsolescência tecnológica. Finalmente,
deve levar em consideração os problemas relacionados com os “novos
akeholders, como os representantes de movimentos sociais e consumidores,
que, como será discutido adiante, trazem uma nova dimensão de incerteza
para a biotecnologia.
C O N S T R U Ç Ã O S O C I A L D O S M E R C A D O S :
I N T R O D U Z I N D O A I D É I A D E A M B I G Ü I D A D E
A complexidade da biotecnologia é ampliada quando se introduz a
pereiva dos chamados participantes tomadores de risco ou akeholders.
A introdução dessa noção por Hall e Martin (), apesar de pouco
rigorosa, tem grande apelo, uma vez que condena o avanço de uma tecnologia
à permanente interferência de um tipo de agente (ou ator) que, no jargão
evolucionia, earia racionalmente apoiado em meta-rotinas, visando a
reduzir a incerteza.
Ampliando o eaço de incerteza como aponta Metcalfe () a firma
não conhece sequer os cuos de seus concorrentes e talvez nem seja capaz
de formular expeativas sobre sua participação de mercado. Uma empresa
produtora de biotecnologia, além de permanentemente inovadora, enfrentaria
a incerteza no mercado pelo próprio impao inovador de seu produto, que
traz novos valores culturais e até simbólicos, contrariando o ativismo de
certos grupos econômicos, sociais e até políticos, que dependem do processo
produtivo tradicional, que eá sendo afetado pelas mudanças.
Nead Estudos 15336
FIGURA 1. COMPLEXIDADE, AMBIGÜIDADE E INCERTEZA EM BIOTECNOLOGIA
A Figura , acima, mora que ao se caminhar” ao longo de um raio de
º a partir de sua origem, aumentam a complexidade e a ambigüidade. Tal
situação seria adversa para a definição de eratégias pela firma e mesmo por
parte de outros tomadores de risco, cuja causa eá juamente na dificuldade
de coordenação das ações entre agentes (ver B, ). O conceito
de ambigüidade earia associado à idéia de incerteza radical, mas aceitando
que seria possível definir situações de maior ou menor grau de incerteza,
que é atributo do processo atual (pós-moderno) de inovação.
Uma situação ambígua seria caraerizada pela dificuldade em definir os
interesses e o qual seria o papel dos envolvidos na discussão, os tomadores
de risco em vários graus. Normalmente, os akeholders coumam apresentar
objetivos claros e propoas assemelhadas a seus pares no que tange ao
aparato regulatório.¹⁹ divergências, no entanto, no que se refere
ao desenho organizacional, à erutura de governança de empresas, às
 Tal situação envolve biodiversidade, biossegurança e direitos de propriedade inteleual.
Ver Dal Poz, Silveira e Fonseca ().
Alta
complexidade
das cadeias
Baixa
Incerteza
organizacional
• Muitos participantes
envolvidos, mas
grande parte deles da
cadeia de negócios
(baixa ambigüidade)
Incerteza social
• Vários tipos de participantes
com diferentes visões potencial
disruptivo elevado
Fornecedores e
clientes industriais:
baseado no mérito;
baixa ambigüidade
relativa
Consumidores
finais:
subjetivo e
baseado em
participantes
secundários
Viabilidade comercial
Baixa ambigüidade Alta ambigüidade
Incerteza
tecnológica
• Poucos stakeholders
• Ambigüidade
localizada: estado do
paradigma tecnológico
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 337
associações e mesmo sobre os grupos de interesse. Envolve, portanto, um
nível de complexidade e de incerteza maiores que aquele das atividades
técnico-científicas. Os corpos técnico-científicos das organizações (não
de pesquisa, mas também das firmas e quase-firmas) são capazes de
definir rotinas de busca que reduzem a complexidade, o que, entretanto,
não lhes garante o sucesso do esforço de pesquisa, que continua sujeito a
processos eocáicos.²
C
abe mencionar alguns exemplos de ambigüidade e complexidade.
Biodiversidade e biotecnologia
Sabe-se que a biotecnologia moderna é imprescindível para a identificação,
catalogação e mesmo valoração da biodiversidade em um país megadiverso
como o Brasil. Todavia, os mesmos grupos defensores da exploração da
biodiversidade posicionam-se por um regime regulatório severo, com base
na Convenção de Diversidade Biológica, que ampara essa exploração.²¹ Tal
regime implica a redução da rentabilidade eerada corrente das inovações
biotecnológicas (que aumenta com a extensão com que a inovação é difundida
na natureza). Essa situação introduziria o dilema de escolher entre eratégias
de exploitation/exploration, na medida em que a primeira abriria o eaço
para o mundo dos negócios, gerando uma plataforma para financiamento
da biotecnologia baseada no uso da biodiversidade, enquanto a segunda
sinalizaria para a conituição de siemas de inveigação e mapeamento
das possibilidades de sua exploração.
 Por exemplo, o Programa Recursos Públicos para a Propriedade Inteleual em Agricultura
(Pipra), organizão de  universidades lideradas pela Universidade da Califórnia, é capaz
de resolver os problemas colocados pela atribuição de direitos de propriedade às tecnologias
de base para a biotecnologia (enabling technologies), deixando para o campo dos conflitos
o que seria o core, baseado nos interesses que não podem ser atendidos pelo processo de
cooperação. Por exemplo, o caso de uma firma de biotecnologia que detenha a patente de
um processo de transferência de genes muito mais eficiente que qualquer outro à diosição
dos pesquisadores.
Ver Rejeb, Guessoum  M’Halla () para a discussão do dilema exploration/exploitation
em agentes que seguem um processo de racionalidade adaptativa. Para a queão do uso
da biodiversidade, ver Assad e Aucélio () e também Canhos e Manfio ().
Nead Estudos 15338
Note-se que a ambigüidade eá no fato de que a conituição de empre-
sas de biotecnologia da biodiversidade criaria a base para o conhecimento
de como regular e como repartir os ganhos da atividade de exploitation.
A atividade de exploration das possibilidades da biotecnologia seria compatível
com o regime regulatório mais rígido, mas não geraria economias de
aprendizado que reduzissem a incerteza associada ao processo regulatório
nesse tipo de atividade.²²
Nesse exemplo, a exiência de ambigüidade não implica que as duas
eratégias não possam ser adotadas por diintos agentes. Todavia, a
combinação de um regime regulatório rígido criaria um viés na direção de
atividades de exploration que teria duplo efeito: a) como foi mencionado,
reduziria a lucratividade eerada das atividades econômicas possíveis
de serem engendradas a partir do conhecimento e do eado-da-arte da
biotecnologia atual; b) ampliaria ainda mais o eero de oportunidades
biotecnológicas, o que demandaria mais conhecimento biotecnológico
aplicado ao mapeamento da biodiversidade.
A opinião de que tal dilema seria resolvido pela caraerização da atividade
de exploração da biodiversidade como um bem blico seria contraditória
com o objetivo de transferência de conhecimento tecnológico/científico
tendo como moeda de troca o acesso à biodiversidade regulada. É fato que
até o momento não se logrou definir parâmetros adequados para regular
essa queão de forma satisfatória para os akeholders.
Biotecnologia e Comércio
A preocupação com possíveis efeitos da transgenia sobre a saúde humana
e sua associação com os direitos do consumidor transforma uma simples
queão de difundir o uso de sementes melhoradas em um problema
carregado de incerteza social, de acordo com a Figura , acima. Criam-se,
assim, assimetrias no padrão de difusão das inovações biotecnológicas que
decorrem do elevado nível de ambigüidade envolvido. O deino da produção
para fibras e não para consumo humano faz com que a taxa eerada de
difusão da inovação em algodão seja mais rápida que a que se eera para
 As duas empresas mais importantes na área são Maxigen e Diversa, ambas dos ; ver
www.bio.org.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 339
os cultivos  voltados para o consumo humano, como parte da produção
de soja e milho, ou de frutas, como mamão papaya. Não se trata de uma
queão de escolha do consumidor. um complexo siema de mediações
envolvido, em que os hábitos alimentares são um dos componentes, com
relevo principalmente nos países da .
Os efeitos no comércio, portanto, dependem de um complexo (e em
permanente mutação) arranjo initucional envolvendo mais partes que
aquelas que atuam diretamente no processo de geração e difusão dessas
inovações. A manifeação da ambigüidade em alto nível cria um paradoxo:
tem-se a percepção de que em muitos países mais recursos públicos para
a pesquisa em biossegurança que para a geração de inovações biotecnológicas.
No caso do Brasil, com apenas dois eventos aprovados (soja transgênica e
algodão resiente a insetos) todo um debate e uma imensa mobilização
em torno da queão de biossegurança, a ponto de tal problema interferir
nas preferências dos eleitores por certos candidatos em função de sua
posição em relação aos .²³
Um exemplo de arranjo initucional complexo e carregado de ambi-
güidade é dado pelo Protocolo de Cartagena (). Sendo um protocolo
de biossegurança (amparado pela Convenção da Diversidade Biológica),
seu objetivo precípuo é evitar que o fluxo transfronteiriço (ou seja, as
exportações) de variedades possa afetar a biodiversidade e a biossegu-
rança do país importador. Aplica-se à difusão dessas variedades o mesmo
princípio utilizado para a doação de peicidas: a imposição de siemas de
identificação diferenciada de cargas, a criação de um siema centralizado
de informações (Biosafety Clearing House, de acesso pela internet) e, para
alguns casos, siemas de aviso prévio consentido.
 Para uma visão com foco sobre a importância da queão regulatória, ver Pelaez ().
A idéia central do artigo é que o siema regulatório vai sendo desenhado segundo um
processo de governança determinado principalmente pelo poder econômico do agente
inovador, que se apóia na importância palpável, de curto prazo da tecnologia que
supera as possíveis conseqüências de longo prazo de sua adoção. Assim, três grupos seriam
reonsáveis por um conante embate: neoliberais, apoiando a difusão da biotecnologia;
reguladores, enfatizando o aparato técnico-científico exiente e ambientalias, apoiados
em visões de longo prazo e objetivos mais amplos de defesa ambiental, no caso, em defesa
da implantação de princípios agroecológicos.
Nead Estudos 15340
Como moram Silveira et al. (), tal siema cria assimetrias entre
países, uma vez que seus cuos recaem mais fortemente sobre os países e
regiões produtoras de commodities agcolas, como Brasil, , Argentina e
Aurália, ainda que o primeiro deles tenha aderido ao . A ambigüidade
eá no fato de que quanto maior a área produtora, maior o interesse na
adoção de cultivares e maior a dificuldade em atender aos requisitos
impoos pelo .
Outro fator determinante de ambigüidade: quanto mais complexo é o
(por exemplo, uma variedade com dois ou mais transgenes), maiores o
as dificuldades para conciliar a visão eratégica de competição no mercado e
as exigências do . Ao confinar a biotecnologia a um padrão mais simples, o
processo regulatório relativo ao Protocolo de Cartagena acentua o efeito da
queda de preços, processo denominado como treadmill na literatura eecializada
sobre inovão na agricultura. Com isso, o atua como uma barreira à difusão
da biotecnologia, ou seja, supondo que os reguladores atuem como eabelecidos
em jogo do predador, certos níveis de exigência por eles definidos correondem
a aceitar a entrada (adoção e difusão de variedades ), mas sem se
acomodar, o que pode, em certas situações, resultar na sda dos inovadores.
Concluindo, o que se percebe na observação da Figura é que a am-
bigüidade torna-se ativa em situações de elevada complexidade, que não
são e não podem ser resolvidas no campo técnico-científico. No limite,
uma situação de elevada incerteza (elevada complexidade e ambigüidade)
levaria à paralisação (mesmo que temporária) do esforço de pesquisa e de
comercialização das inovações, o que, de certa forma, caraeriza a situação
brasileira em relação aos .
Os problemas apontados até ee ponto no trabalho não são caraeríicos
de nenhum tipo eecífico de desenvolvimento ou aplicação da biotecnologia,
ou seja, ocorrem em todos. O desenvolvimento de fármacos a partir da
biodiversidade é, como foi apontado, um dos campos em que complexidade/
ambigüidade eão presentes de forma muito evidente. Todavia, no eaço
do presente trabalho, optou-se por enfatizar a aplicação da biotecnologia
voltada para a agricultura, sabendo-se que a deeito do conhecimento
comum exiente em várias áreas da moderna engenharia genética, exiem
queões setoriais de relevo para a discussão microeconômica que eá
sendo desenvolvida no texto.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 341
3. biotecnologia agrícola: DiFusão aceleraDa
em um ambiente DesFaVoráVel
I N T R O D U Ç Ã O
Aceitando-se a hitese de que a situação descrita na seção anterior o é
transiente e que o bimio complexidade/ambigüidade se ime de forma
persiente à firma e ao aparato regulatório, a pergunta que se segue refere-se
ao tipo de firma que se envolve em biotecnologia, principalmente nos campos
como agricultura e explorão da biodiversidade.²⁴ Antes disso, cabe apresentar
de maneira breve o ambiente que condiciona a ação dessas organizações.
C A R A C T E R I Z A Ç Ã O D O A M B I E N T E Q U E C O N D I C I O N A
A D I F U S Ã O D A B I O T E C N O L O G I A A G R Í C O L A
Desde o início dos anos , algum ceticismo marcou a visão sobre as
possibilidades da biotecnologia aplicada à agricultura, com base em vários
motivos:
A nova tecnologia não se ajuaria aos padrões de evolução da política
agrícola da , baseada em fortes subsídios e em uma visão que privilegiaria
a influência do eaço rural e se manifearia não só na academia, como na
burocracia da ;²⁵
Os ambientalias fariam severas rerições à liberação em larga escala
de organismos manipulados pelo homem, alguns deles com potencial de
transferência de genes para eécies nativas, criando novos tipos de plantas,
até então inexientes na natureza. Suas rerições envolveriam o fato de
que o uso de biotecnologia moderna poderia afetar o padrão alimentar,
interferindo nas queões de saúde e até nos valores culturais;
Acredita-se, portanto, que a situação de complexidade/ambigüidade descrita não é resolvida
nem no campo científico-tecnológico, nem no campo dos acordos initucionais.
 É o caso do hormônio de crescimento bovino, obtido por técnicas de  recombinante, ou
seja, por técnicas da moderna biotecnologia. Seu maior defeito é aumentar a produtividade
de um rebanho subsidiado, cujo principal objetivo não é claramente a eficiência da produção,
mas auxiliar pequenos agricultores na tarefa de preservar as caraeríicas do território.
a.
b.
Nead Estudos 15342
Essas inovações se originaram do sucesso de corporações com base nos ,
propiciando o monopólio de uma tecnologia veiculada por um insumo
básico da agricultura: as sementes melhoradas²⁶.
A essa lia de argumentos contrários à difusão da biotecnologia agrícola²⁷
correondeu um conjunto de ões regulatórias, com o deliberado intuito
de adiar decisões, mais do que conruir um corpo de regras e normas
adequadas ao tratamento dos possíveis impaos das inovações. O chamado
Princípio da Precaução, parte da Convenção de Diversidade Biológica
(), pode ser considerado o guia” dessas ações, ao levar em conta que não
havendo certeza (sic) de não haver risco de uma nova tecnologia, devem-se
concentrar esforços para evitar seus possíveis impaos negativos (versão
livre dos autores).
Opor-se ao desenvolvimento científico e tecnológico é vio como
anacrônico, mas também como inconveniente e muito difícil, em pleno
século  (ver H e M, ). Por isso, impor obáculos à
tecnologia, usando aparatos regulatórios exientes e prescrevendo a criação
de novas inituições, passou a fazer parte de uma eratégia chamada
popularmente de moratória branca, uma forma de ganhar tempo para
os mais cautelosos e/ou de inviabilizar a pesquisa para os opositores
mais aguerridos. Nesse processo aparecem também como protagonias
 Trata-se da exploração de uma idéia muito simples: é possível fazer agricultura sem utilizar
peicidas agrícolas e até mesmo sem aplicar adubos, o que em linhas gerais caraerizaria
o cultivo orgânico. Todavia, seria impossível prescindir do uso de sementes. O monopólio,
segundo a visão de grupos sociais posicionados na queão, ocorreria em virtude da seleção
tecnológica realizada pelas corporações (vide Pessanha e Wilkinson, ). A falha do
raciocínio é querer que a empresa inovadora continue inveindo em  para gerar novas
variedades mais produtivas sem que esse esforço possa ser remunerado. Seria possível
não comprar sementes, mas isso significaria a dependência integral da agricultura ora do
conhecimento tradicional, ora da pesquisa pública.
 O caso da biotecnologia agrícola ilura bem o fato de que o processo de difusão de inovações,
mesmo na agricultura, não depende apenas das decisões individuais dos adotantes diante
do lucro eerado, sua impaciência e os correondentes cuos de adoção. Os processos
de geração e difusão de inovações, exceto em casos particulares, não devem ser tomados
como independentes. Caberia aos inovadores antecipar as rerições e obáculos impoos
pela aceitação da tecnologia em vários níveis (ver H e M, ).
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 343
(akeholders na linguagem atual) os representantes dos consumidores,
visando à introdução de mecanismos de rotulagem que forneçam a seus
protegidos uma garantia a mais de direito à informação.
Pode-se apontar também para a dimeno foro social” da oposição
à difusão de , ou seja, para o fato de alguns movimentos sociais
aproveitarem da oportunidade para minar a competitividade das grandes
corporões, principalmente aquelas identificadas com o agronegócio.
Muitas dessas organizações do chamado movimento social” conhecem
razoavelmente os movimentos eratégicos das corporões e sabem que
essas, tendo realizado consideráveis inveimentos em pesquisa,²⁸ dependem
de forma crucial do regime regulatório adotado para obterem um retorno
aceitável por seus acionias.²⁹
Finalmente, cabe apontar para a dimensão eratégica de longo prazo
envolvendo o processo de competição dos oligopólios que são e serão
reonsáveis pela configuração do mercado biotecnológico, principalmente
na agricultura. Para além da oposição à discutível idéia de monopólio das
sementes melhoradas por uma empresa queão que merece um trabalho à
parte a corrida de patentes e de mercado que permitem não o controle
das sementes, mas de genes que são introduzidos nas variedades de alto
rendimento utilizadas na agricultura moderna (D P, F e
S, ).
Reforçar as evidências de problemas relacionados a possíveis impaos
ambientais e na saúde humana derivados da adoção de sementes
geneticamente modificadas também faz parte da eratégia de late comers
cujos mercados maduros são diretamente afetados pelo processo de
 No caso da Monsanto, a líder mundial, a eimativa é de   milhões em /ano,
para um grupo cujo faturamento global não ultrapassa   bilhões/ano.
 Ver o exemplo da Ecogen, um consórcio de universidades de países da , liderados pela
Dinamarca, cujo foco é inveigar os possíveis efeitos do uso de em siemas de cultivo
comerciais vis-à-vis os siemas convencionais. A motivação do esforço de pesquisa, a priori,
é conatar problemas, ainda que até o momento nada de relevante tenha sido apontado.
Ver www.ecogen.dk.
Nead Estudos 15344
deruição criadora derivado da difusão e adoção de variedades .³⁰
O Apêndice fornece algumas pias sobre a poura desses agentes no que
tange ao desenvolvimento da biotecnologia agrícola vis-à-vis as tecnologias
maduras do setor agroquímico.
A B I O T E C N O L O G I A A G R Í C O L A AVA N Ç A
Tal cenário, descrito a partir da curta hiória da regulação, contraa com
um fato evidente: apenas quatro inovações relacionadas a organismos
geneticamente modificados (), lançados desde , lograram enorme
sucesso de difusão, alcançando, em pouquíssimos anos, mais de  milhões
de heares cultivados, diribuídos de forma baante desigual em  países
(Silveira, Borges e Buainain ).
A difusão dos cultivares transgênicos é muito mais acelerada que aquela
ocorrida nos anos  pelas variedades híbridas de milho, ocorridas no Meio
Oee dos (comparação feita por T et al., ). A Tabela permite
observar as elevadas taxas de crescimento geométrico anual (superiores a
 ao ano) da área com transgênicos em várias regiões do globo. A rápida
difusão dos cultivos eá associada a fatores initucionais, o que fica
evidente pelo fato de que países exportadores de produtos agcolas, com leis
adequadas de biossegurança, saíram na frente. Os Eados Unidos maior
inveidor em biotecnologia moderna também criaram mecanismos
initucionais adequados em relação às leis de propriedade inteleual e às
leis de biossegurança.³¹
 A saber, os mercados de peicidas agrícolas e de fertilizantes. Também são afetadas práticas
biológicas como o uso de controle biológico para combate à infeação de lagartas, sendo
que, nesse caso, são afetadas pequenas empresas de base local, preadoras de serviços e
não as líderes dos chamados setores agroquímicos, como Bayer, Syngenta, Dow, Dupont,
Mi
llenia, Mosaic, entre outras…
 Ver Zarrilli () para um balanço atualizado da legislação de biossegurança no mundo.
Os  se deacam juamente pela aplicação do princípio da equivalência subancial,
que em síntese significa que um produto derivado de técnicas de transgenia não tem suas
caraeríicas alteradas: ele continua subancialmente equivalente ao produto original. O
caso da soja transgênica é um bom exemplo: a diferença se refere unicamente à tolerância
aos herbicidas.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 345
Percebe-se também um processo de convergência das taxas de cresci-
mento: até o ano  os  puxavam o processo de expansão das áreas
com transgênicos. De  para , as taxas anuais dos países em desen-
volvimento superam a média, projetando um processo de expansão em
direção àqueles países com competitividade agrícola que lograram superar
barreiras, principalmente de natureza initucional: Brasil, China, Índia,
África do Sul. Já nos Países Desenvolvidos, a continua mantendo um
conjunto de rerições ao cultivo, que variam de país para país: a Eanha,
por exemplo, em , permitiu o cultivo de Milho Resiente a Insetos
(Bt), enquanto Suíça e Bélgica mantêm a moratória que atrasa a difusão
desses produtos.
TABELA 2. EXPANSÃO DA ÁREA PLANTADA COM CULTIVOS
TRANSGÊNICOS (MILHÕES DE (HECTARES)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 taxa De
crescimento
geométrico
atual
Total 2,8 12,8 27,8 39,9 44,2 52,6 58,7 67,7 46,42%
Países
Desenvolvidos
1,6
9,5 23,4 32,8 33,5 39,1 42,7 47,3 47,7%
Estados Unidos 1,5 8,1 20,5 28,7 30,3 35,7 39 42,8 48,7%
Países em
Desenvolvimento
1,2
3,3 4,4 7,1 10,7 13,5 16 20,4 45,5%
Argentina 0,1 1,4 4,3 6,7 10 11,8 13,5 13,9 80,0
Fonte: Elaborado a partir de James (várias anos).
De qualquer forma, tal rapidez ganha relevo por três motivos:
O melhoramento genético convencional continua sendo alvo do esforço de
pesquisa dos Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola ealhados pelo
mundo, assim como nas Universidades e Initutos de Pesquisa e também
das empresas produtoras de sementes e agroquímicos (isso reforça a idéia
do modelo a ser apresentado mais a frente, de esgotamento de trajetória);
a.
Nead Estudos 15346
Os transgênicos são alvo de intensa campanha contrária à sua liberação
no mercado e até para pesquisa por parte de ambientalias, grupos
de defesa dos consumidores e grupos de interesse atuantes em várias áreas,
como do setor de varejo de alimentos (supermercados com marcas próprias),
assim como de empresas líderes do setor de alimentos;
A oferta tecnológica é limitada, seja em fuão das limitações tecnológicas
de uma tecnologia em desenvolvimento, seja em função das eratégias
das empresas líderes, multinacionais que lideram o processo de difusão
do produto.
Com o objetivo de ilurar o leitor sobre o conteúdo das inovações
reonsáveis por essas elevadas taxas de difusão, a Tabela mora a
predominância da cultura da soja tolerante ao herbicida gliphosato (há
também a soja resiente a insetos, mas com menor importância) e a
ampliação em importância do milho Bt,³² tolerante a insetos (lagartas).
TABELA 3. PRINCIPAIS CULTIVOS GM COMERCIALIZADOS ATÉ 2003.
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Soja Tolerante a
Herbicida
0,5 5,1 15 21,6 25,8 33,3 36,5 41,4
Milho Bt 0,3 3 7 7,5 6,8 5,9 7,7 9,1
M
ilho TH 0 0,2 2 1,5 2,1 2,1 2,5 3,2
M
ilho TH/Bt 0 0 0 2,1 1,4 1,8 2,2 3,2
A
lgodão Bt 0,8 1,1 1 1,3 1,5 1,9 2,4 3,1
A
lgodão TH 0 0,3 0,9 1,6 2,1 2,4 2,2 1,5
A
lgodão TH/Bt 0 0 0,6 0,8 1,7 2,5 2,2 2,6
Total Cultivos G
M 1,7 11 27,8 39,9 44,2 52,6 58,7 67,7
F
onte: Elaborado a partir de James (vários anos).
 Assim denominado por expressar uma toxina originalmente produzida pela baéria Bacillus
uringiensis, que também é utilizada em formulações para combate a lagartas que atacam
eécies cultivadas de interesse econômico, como soja e milho.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 347
Como explicar esse aparente paradoxo? A reoa inicial eá na
combinação vencedora entre o interesse de empresas que captaram a
fragilidade do processo de inovação anterior e os efetivos impaos observados
no curto período de adoção da tecnologia (ver S, B e
B, ).
Uma síntese dos eudos de impaos resume cinco tipos de impaos:
Redução dos cuos de Produção;
Aumento da Produtividade;
Expansão da Área Cultivada;
Expansão das Exportações (Argentina) e;
Redução do Uso de agroquímicos de nível mais elevado de toxicidade.
Portanto, até o presente momento, os principais impaos econômicos
desses cultivos para os produtores o as mudanças na erutura de cuos
variáveis e melhoria no menu de métodos de controle de pragas, aumentando
a flexibilidade dos agricultores.
Em linhas gerais, a redução de cuo vem pelo menor número de aplicões
de agroquímicos nos casos de variedades resientes a insetos (algodão, milho,
soja e canola). Reduzem-se, portanto, problemas de saúde dos trabalhadores
agrícolas (T, ). No caso dos cultivares resientes a pragas,
o impao devido aos menores gaos com inseticidas e com mão-de-obra,
além dos ganhos produtivos. Segundo Silveira, Borges  Buainain (),
a consideração das repercussões em toda a economia e a diribuição dos
benefícios causados pela introdução de variedades  deve incluir também
o fato de que os agricultores podem aumentar a produção devido à redução
de cuos provocada pela nova tecnologia com impaos na cadeia. A redução
dos pros beneficia também os consumidores de alimentos, fato confirmado
em várias eudos de impaos, como o realizado por Traxler ().
A G R A N D E C O R P O R A Ç Ã O C O M O P R O T A G O N I S TA
D A M U D A N Ç A D E P A R A D I G M A T E C N O L Ó G I C O
A biotecnologia aplicada à agricultura apresenta algumas caraeríicas que
condicionam seu desenvolvimento e a diferenciam dos demais campos de
aplicação da biotecnologia. Parte dessas caraeríicas é fruto do desenvolvi-
a.
b.
c.
d.
e.
Nead Estudos 15348
mento tecnológico e das eratégias das firmas inovadoras e não um resultado
de algum tipo de determinismo biológico. Eas caraeríicas são:
A biotecnologia agrícola, até o presente momento, apresenta poucos produtos
novos que deertem imediatamente o interesse do consumidor; o seu
papel fundamental tem sido o de subituir antigas tecnologias, afetando
os processos produtivos no interior da agricultura (S, D P
e F, );
Seu principal inrumento de difusão são as sementes melhoradas cujas
caraeríicas principais são divisibilidade, baixo cuo de produção e
diribuição e baixo cuo de adoção;
As empresas de biotecnologia adquirem empresas de sementes em função
do poder de mercado da indúria de sementes em cada país; países mais
pobres poderiam “importar” sementes;
As tecnologias de ponta dioníveis, através da biotecnologia, eliminam
insumos químicos, principalmente herbicidas e inseticidas, ainda que
parcialmente, o que influi no ritmo e extensão da trajetória, ou seja,
um efeito de deruição criadora e também de redução da clientela dos
segmentos tradicionais.³³
Portanto, o modelo de descrito na seção relativa à caraerização
da biotecnologia não se aplicaria à biotecnologia agrícola, uma vez que as
grandes corporões continuam a adquirir pequeníssimas empresas de
semente, tornando-se, para seu infortúnio, produtoras do insumo e não
caçadoras e comercializadoras de genes e tecnologias afins. o um
eudo aprofundado sobre ee ponto até o momento, mas algumas pias
(ver T, ) apontam para a fragilidade dos mecanismos de
apropriabilidade, principalmente em países como Brasil, que não reconhecem
patentes de genes (F, D P e S, ).
 No sentido dado por Tirole (): um inveimento na produção de sementes
rouba o mercado de agroquímicos, pelo efeito direto sobre as compras de insumos dos
agricultores, mas também pelo efeito indireto da adoção biotecnológica sobre as decisões de
produção e de inveimento do setor tradicional. Pode-se dizer que as rmas inovadoras
de biotecnologia agrícola têm um tamanho grande o suficiente para agirem como top dog
sobre as eabelecidas do setor de agroquímicos: quanto mais inveirem, mais roubam
mercado dos oponentes, que, por seu turno,o têm outra alternativa que acomodar.
a.
b.
c.
d.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 349
Ao contrário das empresas de biotecnologia descritas pela Tabela ,
acima, a biotecnologia agrícola é gerada por poucas empresas eecializadas
como a Monsanto (líder), Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, além do esforço
público de universidades (principalmente dos ), da China, Índia e
Brasil (em muito menor dimensão). As duas primeiras empresas podem
ser tomadas como resultado do processo descrito na Figura . Em vez de
earem confortavelmente aninhadas em grandes corporações diversificadas,
tornaram-se grandes empresas eecializadas, depois de processos de in off
determinados pelo receio dos acionias de que seus inveimentos fossem
confundidos com atividades de produção de .
Nesse caso, a percepção de risco de outros akeholders, muito menos
diretamente envolvidos no uso, manipulação, difusão da biotecnologia
agrícola, afetou a percepção de inveidores, tomadores de risco. Dessa
forma, seria relevante entender o apenas o esforço dos inveidores em
biotecnologia, mas o processo de reconversão de inveimentos de uma
atividade – a produção de insumos agrícolas tradicionais para outra, a
biotecnologia moderna (ver Apêndice ).
A ruptura originada pelo uso de na agricultura também envolve a
redefinição do marco regulatório, gerando incertezas do tipo ilurado pela
Figura , acima. Na realidade, as funções dos na agricultura subituem
a compra de peicidas pela compra de sementes transgênicas, mais caras
que as sementes comuns (ao menos em tese) por terem embutidas novas
tecnologias poupadoras de insumos modernos.
Em resumo, apesar de exiir uma ampla pesquisa em biologia molecular
em vários países sendo o Brasil um deles, com deaque, como aponta
Traxler () foram as empresas chamadas Life Sciences (divisões
de Bayer, Basf, Dupont, Dow ou mesmo desmembramentos, in offs, de
grandes companhias farmacêuticas, como Syngenta, Monsanto) aquelas
que tiveram sucesso no lançamento de cultivares comerciais transgênicos,
com impao na produtividade agrícola e na redução de risco da atividade
agrícola (principal impao do progresso tecnológico na área de manejo e
controle de ervas daninhas, pragas e doenças).
Do ponto de via da eratégia dessas empresas, é relevante atuar
nos cultivos plataforma dentro da lógica de atuação globalizada que
orientava a Revolução Verde nos anos . Por outro lado, mantendo a
Nead Estudos 15350
lógica de Trajetória Tecnológica na Agricultura (P, S-F
e S, ), os produtos de biotecnologia referem-se ao efeito de
um gene sobre o cultivar, sendo a manipulação genética um caminho mais
curto, ainda que não exclusivo (por exemplo, o cultivar mutagênico de arroz
tolerante ao herbicida Only, produzido pela Basf e que combate a principal
praga de arroz irrigado, o arroz vermelho).
obserVações Finais
O presente trabalho caraerizou a biotecnologia atual em termos econô-
micos e apresentou algumas formulações teóricas sobre alguns pontos de
interesse no assunto, além de tratar com um pouco mais de detalhe o caso
da biotecnologia agrícola, de eecial interesse para o Brasil.
Mora-se que da formulação mais geral, abrata, da percepção da
complexidade, ambigüidade e incerteza que caraerizam a biotecnologia
para o efetivo tratamento analítico dos problemas uma enorme diância
a percorrer, principalmente pela dificuldade de teorizar o bionegócio, cuja
dinâmica tem se caraerizado por eourar” os limites dos modelos voltados
para a emergência e desdobramento das inovações tecnológicas.
O trabalho evidenciou a exiência de várias dimensões superpoas que
interagem, começando pela aproximação entre ciência e negócios, passando
pela discussão regulatória, novamente envolvendo as dimensões técnicas,
econômicas, sociais e de política.
Todavia, dois pontos de partida claros. O primeiro é científico-tecno-
lógico, centrado na biologia molecular: trata-se da apropriação econômica
e social desse conhecimento; o segundo, relacionado à percepção do esgo-
tamento das trajetórias mais aguda em certos segmentos do agronegócio
do que na indúria farmacêutica que suentaram a criação dos siemas
de inovação em biotecnologia mencionados acima, dos quais participam
ativamente divisões de corporões, Firmas Eecializadas em Biotecno-
logia, Organizações Públicas e Privadas de Pesquisa e, mais recentemente,
Organizações Privadas de Interesse Público, buscando utilizar a tecnologia
para resolver problemas eecíficos de populações carentes.
A deeito da complexidade da biotecnologia e de seu sucesso de
mercado na área da saúde, é no caso da biotecnologia agrícola, carregado
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 351
de incerteza que chamamos social, que a tecnologia dos parece ter
apontado para uma forte convergência, ainda que na forma de quatro
eventos de enorme impao econômico (S, B e B
). Esse aparente paradoxo demanda a contribuição tanto dos enfoques
evolucionias quanto as explicações derivadas da Nova Economia Ini-
tucional. Trata-se de um setor eratégico que demanda ações articuladas
de forma conjunta. Não sobrevive o país que tratar a biotecnologia como
um segmento de interesse corporativo em oposição às possibilidades de
desenvolvimento do setor público. Caso seja definido como um setor a
ser desenvolvido, a articulação entre seus segmentos deve ser permanente
e contínua, comandada para um processo de regulação ao mesmo tempo
sábio, econômico (no sentido de parcimonioso) e calcado em incentivos
para o desenvolvimento suentável.
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aPênDice 1. o moDelo De esgotamento
De traJetória tecnológica
Para efeito de iluração, tomaremos alguns pontos enfatizados por Ronde
(), aqui diretamente adaptados à queão da biotecnologia agrícola, a
saber. Tal modelo procura explicitar as condições para que as empresas
eabelecidas do setor agroquímico mudassem de paradigma tecnológico,
direcionando suas atividades para a biotecnologia agrícola. Em linhas muito
gerais, o modelo pode ser descrito como a seguir:
Considerando o esfoo de pesquisa de uma firma, representado por gaos
de pesquisa xi, que se acumulam por uma função g(x
i
), bem-comportada
(derivada primeira positiva, derivada segunda negativa, limite quando x tende
a infinito com valor definido e processo de crescimento não explosivo);
Define-se uma função de esforço acumulado z(t), em que
1
0
( ) [ ( )]z t g x s ds=
();
Com io, tem-se uma função de repartição que fornece a probabilidade que
uma inovação ocorra em t ou depois, correondendo ao esforço acumulado
definido em (). Tal função permite o cálculo de uma taxa de sucesso,
a.
b.
Nead Estudos 15356
( )
( )
(1 ( )
dF
dz
h z
F z
=
que define a probabilidade de sucesso de um pequeno esforço suplementar
dz. A função apresentada em () permite captar o efeito da presença do
paradigma alternativo na decisão do esforço de pesquisa no setor corres-
pondente ao paradigma eabelecido.
No desenvolvimento do modelo, algumas situações podem ser
antecipadas.³⁴ Na ausência de efeitos externos, ill overs entre empresas
eabelecidas, a decisão de inovar assume três possibilidades:
As firmas desiem de inovar. Nee caso, seria racional não recuperar jamais
o inveimento em pesquisa, o que implica uma obsolescência progressiva
dos ativos das empresas (caso de firmas hoje com menor porte no setor de
peicidas), que sobrevivem em função da desigualdade exiente entre os
níveis tecnológicos da agricultura;
As firmas inovam abaixo do nível em que o gao ficaria conante. Ea
trajetória convergiria para a parada do inveimento. Vale notar que o efeito
do gao xi em z passa pelo viés da função g(x
i
), de forma que mesmo um
gao conante resulte em z’=, um ponto em que o conhecimento não
se acumula mais. Tal trajetória correonderia a uma situação em que o
esforço progressivamente perderia sua eficiência em termos de sucesso da
inovação;
Poderia exiir uma situação em que, mesmo deixando de lado a rivalidade
entre os participantes do processo, em um período inicial, a antecipação
do esgotamento de trajetória motivasse uma corrida aos inveimentos de
pesquisa, como que acreditando que o ponto em que a taxa de sucesso
passasse a ser decrescente eivesse ainda por aparecer, mas conscientes
de que isso viria a ocorrer no futuro. Assim, o problema earia rerito à
identificação da melhor trajetória (de redução) do inveimento em pesquisa
no setor tradicional.
 Tais hipóteses podem ser tratadas pelo uso de técnicas de controle ótimo, por exemplo.
a.
b.
c.
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 357
Todavia, a presença de efeitos de transbordamento (ill overs) faria os
agentes descartarem a hipótese de parada de inveimento em pesquisa,
no momento inicial da trajetória. A presença de efeitos externos faria com
que a variável z, de esforço acumulado, passasse a ser afetada pelo tempo,
e não apenas fosse indexada temporalmente. Nesse caso, inveir em 
significaria a possibilidade de aproveitar o efeito comum de transborda-
mento, gerado pelas firmas participantes da trajetória em esgotamento. Tal
percepção geraria gaos crescentes, o que é confirmado pela experiência
atual da indúria de peicidas, em que algumas corporações de certa forma
levam em conta o elevado nível de incerteza da biotecnologia agrícola para
juificar inveimentos em pesquisas cujas taxas de sucesso diminuem
progressivamente³⁵.
Portanto, a hipótese definidora do modelo é que a perda de confiança
no paradigma (no caso, da obtenção de novos insumos de origem não
biotecnológica, insumos químicos) conduz os agentes à previsão de maiores
esforços necessários para uma nova descoberta. Em vez de aceitar passiva-
mente tal situação – em parte usando seu poder de mercado para repassar
esses cuos para os agricultores ea motiva comportamentos desviantes,
representados aqui pelo esforço gigantesco de pesquisa da Monsanto e sua
principal seguidora, Syngenta.
Infelizmente, o poder de previsão de tal teoria é extremamente limi-
tado, ainda que haja casos em que, caraerizando a convivência das duas
tecnologias, o mesmo processo ocorra dentro da biotecnologia agrícola.
A percepção de que a taxa de inovar, em uma determinada subtrajetória
da biotecnologia, earia perdendo fôlego, motivaria comportamentos
desviantes, ainda que nee caso, a mudança não fosse radical, propiciando
ao inovador usar grande parte do conhecimento comum originado da
trajetória próxima (o que correonderia ao resultado de inveimentos
crescentes, mencionado acima).
 Na prática, tal taxa pode ser medida pelo período médio para obtenção de um sucesso
na forma de um novo produto. A noção de efeitos externos materializa-se nas “famílias”
de produtos em torno das quais as empresas definiram suas classes fitoterapêuticas”. Tal
convenção é rompida no período de “final de trajetória, como apontam Silveira, Dal Poz
e Fonseca ().
Um novo projeto de desenvolvimento para o país passa pela transformação do
meio rural em um eaço com qualidade de vida, acesso a direitos, suentabili-
dade social e ambiental.
Ampliar e qualificar as ações de reforma agrária, as políticas de fortalecimento
da agricultura familiar, de promoção da igualdade e do etno-desenvolvimento das
comunidades rurais tradicionais. Esses são os desafios que orientam as ações do
Núcleoa de Eudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead), órgão do Minis-
tério do Desenvolvimento Agrário (MDA) voltado para a produção e a difusão
de conhecimento que subsidia as políticas de desenvolvimento rural.
Trata-se de um eaço de reflexão, divulgação e articulação initucional com
diferentes centros de produção de conhecimento sobre o meio rural, nacionais e
internacionais, como núcleos universitários, inituições de pesquisa, organizações
não-governamentais, centros de movimentos sociais, agências de cooperação.
Em parceria com o Inituto Interamericano de Cooperão para a Agricultura
(IICA), o Nead desenvolve um projeto de cooperão técnica intitulado Apoio
às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Suentável,que
abrange um conjunto diversificado de ações de pesquisa, intercâmbio e difusão.
eixos articulaDores
Conrução de uma rede rural de cooperação técnica e científica para o desen-
volvimento
Democratização ao acesso às informações e ampliação do reconhecimento social
da reforma agrária e da agricultura familiar
Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas 359
O Nead busca também
Eimular o processo de autonomia social
Debater a promoção da igualdade
Analisar os impaos dos acordos comerciais
Difundir a diversidade cultural dos diversos segmentos rurais
ProJeto eDitorial
O projeto editorial do Nead abrange publicações das séries Eudos Nead, Nead
Debate, Nead Eecial e Nead Experiências, o Portal Nead e o boletim Nead
Notícias Agrárias.
Publicações
Reúne eudos elaborados pelo Nead , por outros órgãos do
MDA e por organizações parceiras sobre variados aeos
relacionados ao desenvolvimento rural.
Inclui coletâneas, traduções, reimpressões, textos clássicos,
compêndios, anais de congressos e seminários.
Apresenta temas atuais relacionados ao desenvolvimento
rural que eão na agenda dos diferentes atores sociais ou
que eão ainda pouco divulgados.
Difunde experiências e iniciativas de desenvolvimento
rural a partir de textos dos próprios protagonias.
Portal
Um grande volume de dados é atualizado diariamente na página eletrônica www.
nead.org.br, eabelecendo, assim, um canal de comunicação entre os vários setores
Nead Estudos 15360
interessados na temática rural. Todas as informações coletadas convergem para
o Portal NEAD e são difundidas por meio de diferentes serviços.
A difusão de informões sobre o meio rural conta com uma biblioteca virtual
t
e
tica integrada ao acervo de diversas inituições parceiras. Um catálogo on line
também eá diovel no Portal para consulta de textos, eudos, pesquisas, artigos
e outros documentos relevantes no debate nacional e internacional.
boletim
Para fortalecer o fluxo de informações entre os diversos setores que atuam no meio
rural, o NEAD publica semanalmente o boletim Nead Notícias Agrárias. O
infor-
mativo é diribdo para mais de dez mil usrios, entre pesquisadores, professores,
eudantes, universidades, centros de pesquisa, organizações governamentais e
o-governamentais, movimentos sociais e sindicais, organismos internacionais e
óros de imprensa.
Enviado todas as sextas-feiras, o boletim traz notícias atualizadas sobre eudos
e pesquisas, poticas de desenvolvimento rural, entrevias, experncias, acompa-
nhamento do trabalho legislativo, cobertura de eventos, am de dicas e sugeões
de textos para fomentar o debate sobre o mundo rural.
Vi
s
ite o Portal www.nead.org.br
Telefone: ()  
E-mail: nead@nead.gov.br
Endereço: SCN, Quadra , Bloco C, Ed. Brasília Trade Center,
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andar, Sala 
Brasília/DF CEP -
O texto dee livro foi compoo em Adobe Jenson Pro e
Helvetica Neue Pro, e impresso sobre papel offset em julho de .
Dimensões Do
agronegócio
brasileiro
políticas,
instituições e
perspectivas
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