mais da constituição de Estados que estão muito além de seu status quo. Acaso, por exemplo, há no
mundo algum país que partilhe tão simplesmente como a chamada Alemanha constitucional todas as
ilusões do Estado constitucional sem partilhar de suas realidades. Ou não teria que ser necessariamente
uma ocorrência do governo alemão o fato de associar os tormentos da censura aos tormentos das leis de
setembro na França, que pressupõem a liberdade de imprensa. Assim como no panteão romano se
reuniam os deuses de todas as nações, no sacro império romano germânico se reúnem os pecados de todas
as formas de estado. Que este ecletismo chegará a alcançar um nível até hoje inimaginado, o garante, de
fato, o enfado estético-político de um monarca alemão que aspira desempenhar, se não através da pessoa
do povo, pelo menos em sua própria, se não para o povo, pelo menos para si mesmo, todos os papéis da
monarquia: a feudal e a burocrática, a absoluta e a constitucional, a autocrática e a democrática. A
Alemanha, como a ausência do presente político constituído num mundo próprio, não poderá derrubar as
barreiras especificamente alemães sem derrubar a barreira geral do presente político.
Para a Alemanha, o sonho utópico não é a revolução radical, não é a emancipação humana geral, mas, ao
contrário, a revolução parcial, a revolução meramente política, a revolução que deixa de pé os pilares do
edifício. Sobre o que repousa uma revolução parcial, uma revolução meramente política? No fato de
emancipar uma parte da sociedade burguesa e de instaurar sua dominação geral, no fato de uma
determinada classe empreender a emancipação geral da sociedade a partir de sua situação especial. Esta
classe emancipa toda a sociedade, mas apenas sob a hipótese de que toda a sociedade se encontre na
situação desta classe, isto é, que possua, por exemplo, dinheiro e cultura ou que possa adquiri-los.
Nenhuma classe da sociedade burguesa pode desempenhar este papel sem provocar um momento de
entusiasmo em si e na massa, momento durante o qual confraterniza e se funde com a sociedade em geral,
com ela se confunde e é sentida e reconhecida como seu representante geral, que suas pretensões e
direitos são, na verdade, os direitos e ai pretensões da própria sociedade, que esta classe é realmente o
cérebro e o coração da sociedade. Somente em nome dos direitos gerais da sociedade pode uma classe
especial reivindicar para si a dominação geral. E, para atingir esta posição emancipadora e poder,
portanto, explorar politicamente todas as esferas da sociedade em benefício da própria esfera, não bastam
por si sós a energia revolucionária e o amor próprio espiritual. Para que coincidam a revolução de um
povo e a emancipação de uma classe especial da sociedade burguesa, para que uma classe valha por toda a
sociedade, é necessário, pelo contrário, que todos os defeitos da sociedade se condensem numa classe, que
uma determinada classe resuma em si a repulsa geral, que seja a incorporação do obstáculo geral; é
necessário, para isto, que uma determinada esfera social seja considerada como crime notório de toda a
sociedade, de tal modo que a emancipação desta esfera surja como autoemancipação geral. Para que um
estado seja par excellenee o estado de libertação, é necessário que outro seja o estado de sujeição por
antonomásia. O significado negativo geral da nobreza e do clero franceses condicionou a significação
positiva geral da classe inicialmente delimitadora e contraposta, da burguesia.
Todavia, todas as classes especiais da Alemanha carecem de conseqüência, rigor, arrojo e intransigência
capazes de convertê-las no representante negativo da sociedade. Além do mais, todas carecem da
grandeza de espírito que pudesse identificar uma delas, ainda que momentaneamente, com o espírito do
povo; todas carecem da genialidade que infunde o entusiasmo do poder político ao poder material, da
intrepidez revolucionária que lança o desafio ao inimigo: Nada SOU e tudo deveria ser. Esse modesto
egoísmo que faz valer e permite que outros também façam valer suas próprias limitações é o fundo básico
da moral e da honradez de indivíduos e classes na Alemanha. Por isto, a relação existente entre as
diversas esferas da sociedade alemã não é dramática, mas épica. Cada uma delas começa a sentir e a fazer
chegar às outras suas pretensões, não ao se ver oprimida, mas quando as circunstâncias do momento, sem
intervenção sua, criam uma base social sobre a qual, por sua vez, possa exercer pressão. Até mesmo o
amor próprio moral da classe média alemã repousa sobre a consciência de ser o representante geral da
mediocridade filistéia de todas as demais classes. Portanto, não são apenas os reis alemães que ascendem
ao trono mal à propos [Inoportunamente], mas todas as esferas da sociedade burguesa, que sofrem sua