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O ensino de Ciências
no Ensino Fundamental:
colocando as pedras
fundacionais do
pensamento científico
Melina Furman
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O ensino de Ciências
no Ensino Fundamental:
colocando as pedras
fundacionais do
pensamento científico
Melina Furman
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MELINA FURMAN, Doutora e Mestre em Educação em Ciências pela Universidade de Columbia, EUA
e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade de Buenos Aires.
Coordenadora Cientíca da Sangari Argentina. Codirige a Pós-graduação do Ensino das Ciências da
Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO). Fundadora de “Expedición Ciencia”, pro-
grama de acampamentos cientícos para jovens. Participa no projeto “Escuelas del Bicentenario”,
IIPE-UNESCO e Universidade de San Andrés. Coordenou o programa de formação docente “Urban
Science Education Fellows” da Universidade de Columbia e foi professora de “Science Methods for the
Bilingual Teachers” nessa universidade. Assessorou escolas na Argentina e nos Estados Unidos. Fun-
dou o sítio de ciência para crianças Experimentar, do Ministério de Ciência e Tecnologia da Argentina.
É autora dos livros
Diseño Curricular de Biología para la Escuela Secundaria de la Provincia de
Buenos Aires, La aventura de enseñar ciencias naturales, Ciencias Naturales: Aprender a Investigar
en la Escuela, La Ciencia en el Aula e Experimentos en la Cocina
, além de diversos materiais para
professores e alunos.
SANGARI BRASIL
Outubro de 2009
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INTRODUÇÃO
Por que é importante que as crianças desenvolvam o pensamento cientíco desde muito cedo?
Como ensinar os estudantes a pensar cienticamente? Que tipo de ensino reete o espírito da investi-
gação cientíca? Como desenvolver essa prática no trabalho cotidiano das escolas?
Neste artigo, Melina Furman, coordenadora cientíca da Sangari Argentina, busca responder essas e
outras questões sobre educação em Ciências referente ao primeiro segmento do Ensino Fundamental
1
.
A partir da comparação de diferentes cenários – situações didáticas de sala de aula – a autora des-
creve e questiona as concepções sobre a ciência e a aprendizagem que os professores utilizam em
suas aulas na hora de ensinar um conteúdo cientíco e propõe uma reexão sobre a metodologia
investigativa. O modelo didático por investigação tem aqui o propósito de dar uma resposta à ne-
cessidade de que o ensino de Ciências seja el à própria natureza da Ciência, que não leva em con-
sideração apenas aquilo que se conhece, mas, fundamentalmente, o processo de como chegamos a
conhecer algo.
Existe um consenso em relação à produção didática da ciência sobre a necessidade de os alunos
aprenderem a resolver problemas, analisar informações, tomar decisões, o que signica desenvolver
competências que possam prepará-los para a vida. Os especialistas concordam, também, que as
ciências são um campo privilegiado para o desenvolvimento dessas competências e conhecimentos.
O verdadeiro desao que temos nas mãos não é saber o que fazer nas aulas, senão como realizá-lo,
especialmente quando se trata de programas que se dão em grande escala e que pretendem oferecer
um alto nível de qualidade educacional para todas as crianças. Este artigo nos propõe um olhar
fresco e, ao mesmo tempo, fundamental, para pensar o ensino de Ciências à luz deste desao.
1 Enquanto no Brasil o ciclo escolar é dividido em 9 anos de Ensino Fundamental e 3 anos de Ensino Médio, na Argentina são
6 anos de Escola Primária e 6 anos de Escola Secundária (tamm chamada de Escola dia).
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O ENSINO DE CIÊNCIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL: COLOCANDO AS PEDRAS
FUNDACIONAIS DO PENSAMENTO CIENTÍFICO
Melina Furman
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Uma menina de 11 anos sorri com satisfação quando consegue que sua lampadazinha comece a
brilhar conectando os cabos à pilha dados por seu professor, e descobre que, se ela colocar duas
pilhas juntas, a lampadazinha brilha mais intensamente do que somente com uma. Um aluno de
10 anos se surpreende quando sua professora lhe conta que as leveduras com as quais preparam o
pão em sua casa são, na realidade, seres vivos; porém, se entusiasma ainda mais quando consegue
vê-las nadando sob a lente do microscópio. Uma garota de 9 anos descobre que os ímãs somente
são atraídos por alguns metais, e não por todos, e que pode usar um ímã para construir uma bússola
que a ajude a encontrar um tesouro escondido por sua professora no pátio da escola.
Os professores de Ciências Naturais têm a oportunidade de serem os artíces daquilo que Eleanor
Duckworth
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, pioneira na didática em Ciências, chamou de “ideias maravilhosas”: esses momentos
inesquecíveis nos quais, quase inesperadamente, nos surge uma ideia que expande nossos horizon-
tes e nos ajuda a enxergar mais longe.
Ensinar Ciências Naturais no Ensino Fundamental nos coloca em um lugar de privilégio, porém,
de muita responsabilidade. Temos o papel de orientar nossos alunos para o conhecimento desse
mundo novo que se abre diante deles quando começam a se fazer perguntas e a olhar além do
evidente. Será nossa tarefa aproveitar a curiosidade que todos os alunos trazem para a escola como
plataforma sobre a qual estabelecer as bases do pensamento cientíco e desenvolver o prazer por
continuar aprendendo.
Quando falo de estabelecer as bases do pensamento cientíco estou falando de educara curiosidade
natural dos alunos para hábitos do pensamento mais sistemáticos e mais autônomos. Por exemplo,
orientando-os a encontrar regularidades (ou raridades) na natureza que os estimulem a se fazer per-
guntas ajudando-os a elaborar explicações possíveis para o que observam e a imaginar maneiras de
colocar em prova sua hipótese; e ensinando-lhes a trocar ideias com outros, fomentando que susten-
tem o que dizem com evidências e que as busquem por trás das armações que escutam.
Trata-se, em suma, de utilizar esse desejo natural de conhecer o mundo que todos os alunos trazem
para a escola como plataforma sobre a qual possam construir ferramentas de pensamento que lhes
permitam compreender como as coisas funcionam, e pensar por eles mesmos. E, também, de que
o prazer que se obtém ao compreender melhor o mundo alimente a chama de sua curiosidade e a
mantenha viva.
O que acontece se essas pedras fundamentais do pensamento cientíco não forem colocadas a tem-
po? Pensemos, por um momento, em alunos que saem do Ensino Funtamental sem a possibilidade
de (nem a conança para) formular maneiras de procurar respostas às coisas que não conhecem, ou
de dar-se conta se evidências que sustentam o que ouvem. Ou em alunos cuja curiosidade foi
se apagando pouco a pouco por não terem encontrado espaço para expressá-la. Claramente estamos
diante de um cenário muito arriscado, principalmente se pensarmos em construir uma sociedade
participativa, com as ferramentas necessárias para gerar ideias próprias e decidir seu rumo.
2 Adaptação do artigo apresentado no IV Fórum Latino-Americano de Educação. Buenos Aires: Fundação Santillana, 2008.
3 Duckworth, E. Como ter ideias maravilhosas e outros ensaios sobre como ensinar e aprender. Madri: Visor, 1994.
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Infelizmente, as Ciências Naturais no Ensino Fundamental ainda são vistas como a feia do baile. Em di-
versos países da América Latina, como a Argentina, as Ciências Naturais são muito pouco ensinadas (muito
menos do que o previsto pelos planos curriculares). Entretanto, o problema vai am da quantidade de
horas que são dedicadas à área. O modo como as Ciências Naturais são ensinadas em nossas escolas está
ainda muito longe de contribuir para formar as bases do pensamento cientíco dos alunos. E para ilustrar
este fato, convido-os a imaginar que estamos espiando pela janela duas aulas de Cncias:
PRIMEIRO CENÁRIO
É uma aula de sexto ano. Na lousa, lê-se o título da unidade que os alunos vão começar a
estudar: “Soluções e solubilidade”. A professora começa a aula com uma pergunta: “O que
vocês acham que é uma solução?” Os alunos dizem diversas coisas, em sua grande maioria,
diferentes do esperado pela professora. Um aluno responde: “É algo como o que aprendemos
sobre misturas no ano passado?”. A professora assente, satisfeita, e escreve na lousa:
Solução: Mistura homogênea (uma fase) composta por duas ou mais substâncias chamadas
soluto e solvente.
A professora lê a denição em voz alta e repassa a ideia de mistura homogênea. Logo conti-
nua: “O que é um soluto?” Os alunos olham com expressão confusa. “Um soluto é o compo-
nente que está em menor proporção na mistura. O solvente é o que está em maior proporção
e geralmente é um líquido. Por exemplo: dizemos que a água é um solvente universal porque
dissolve muitas coisas. Vamos copiar tudo isso da lousa”.
Logo depois que todos copiaram as denições, a professora dá alguns exemplos de soluções:
café com leite, água com açúcar, água com álcool. Em cada uma identica o soluto e o sol-
vente. Pede aos alunos que deem outros exemplos; alguns respondem corretamente, a profes-
sora copia todos os exemplos na lousa. De tarefa, pede-lhes que tragam novos exemplos de
soluções que encontram na vida cotidiana, ao menos três de cada um.
“E o que será, então, a solubilidade?”, pergunta a professora. Os alunos parecem ter cado
mudos. “A solubilidade é a quantidade de soluto que pode ser dissolvido em um solvente deter-
minado. Quanto mais soluto puder ser dissolvido, mais solubilidade o solvente possui. Também
ocorre que, ao aumentar a temperatura, a solubilidade aumenta, como quando esquento o café
com leite e lhe posso adicionar mais açúcar. Entenderam? Vamos copiar tudo na pasta.
SEGUNDO CENÁRIO
Esta aula de sexto ano se passa em um laboratório. Na lousa, está escrito o título da atividade:
“Soluções de pigmento de beterraba e água”.
Os alunos trabalham em grupos, em diferentes mesas. Cada equipe tem um balde com água
morna e pedacinhos de beterraba cortados. O professor pede a eles que coloquem os peda-
cinhos de beterraba dentro da água e que, com a ajuda de uma colher, esmaguem-nos até
que a água que com a coloração violeta. Ela conta-lhes que, assim, vão formar uma solução
com a água e o pigmento da beterraba. Explica que a água dissolve o pigmento dentro da
beterraba e, por isso, ca tingida.
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Em seguida, cada grupo trabalha com os tecidos que possuem sobre a mesa. O professor lhes
mostra que precisam enrolá-los como um matambre. Podem fazer nós e usar tas elásticas e,
com isso, vão obter “efeitos artísticos”.
No nal, os alunos usam suas tinturas recém-fabricadas para tingir seus tecidos. Estão fas-
cinados. Há um clima de risos em toda a sala de aula e, inclusive, muitos alunos que poucas
vezes participavam das aulas de Ciências o estão fazendo ativamente.
Após deixarem secar os tecidos por um momento, os alunos mostram para o resto da sala o
que zeram. O professor lembra que formaram uma solução com pigmento de beterraba e,
por isso, puderam tingir os tecidos. Todos os alunos pedem para repetir a experiência.
Os cenários anteriores, embora ctícios e um pouco caricaturados, estão baseados em numerosas
aulas de Ciências reais. Resumem vários dos “pecados” que são cometidos, frequentemente, no
ensino de Ciências e revelam, por sua vez, duas imagens muito diferentes das Ciências Naturais
transmitidas pelos professores. Analisemos cada um desses cenários.
O primeiro deles é mais fácil criticar e, na verdade, é o que vemos mais frequentemente nas escolas.
Nele, temos uma professora denindo conceitos na lousa e os alunos escutando passivamente, sem
compreender direito do que se trata. É obvio que há aspectos para resgatar no trabalho desta pro-
fessora, com orientações como: tentar ser mais clara em suas denições e ilustrá-las com exemplos
da vida cotidiana que resultem familiares para os alunos. Entretanto, nossa professora imaginária
comete um pecado muito habitual nas aulas de Ciências: começar com a denição de termos cien-
tícos, gerando em seus alunos a ideia de que o conhecimento das coisas está em seus nomes.
Ao começar perguntando aos alunos o que entendem por uma solução, parece que a aprendizagem
que buscamos refere-se a compreender o signicado da palavra “solução” que pode facilmente ser
obtida por meio de um dicionário e não na compreensão, por exemplo, de que na natureza muitas
substâncias aparecem misturadas; ou, como podemos perceber, quantos componentes possui uma
determinada mistura. Poderíamos imaginar perfeitamente um aluno que formule de maneira correta
todas as denições que a professora explicou e até possa dar alguns exemplos ou ser aprovado em
uma avaliação sem ter compreendido nada do tema em questão.
Nomear os fenômenos antes que os alunos os tenham compreendido vai contra o que chamamos
de “o aspecto empírico da ciência” (Gellon et al, 2005). Este aspecto da ciência se fundamenta no
fato de as ideias cientícas estarem indissoluvelmente conectadas com o mundo dos fenômenos
que desejam explicar: as explicações são construídas em uma tentativa de dar sentido a numerosas
observações (e se modicam na medida em que surgem observações que não estão de acordo com
as explicações anteriores). Quando esta conexão não está presente em nossas aulas de Ciências,
estamos mostrando aos alunos uma imagem da ciência distorcida.
Uma maneira muito simples de melhorar a aula anterior teria sido, simplesmente, invertê-la: come-
çar ilustrando a aula com uma situação da vida real (por exemplo, imaginar uma família tomando
o café da manhã) e, a partir dela, buscar exemplos de substâncias puras e outras que estejam mis-
turadas e agrupar essas substâncias misturadas em as que são vistas todas iguais e as que podem
ser distinguidas em partes diferentes” (ou seja, em misturas homogêneas e heterogêneas). Logo
aí, quando os alunos compreenderam a ideia de que em algumas misturas não se distinguem seus
componentes, é um bom momento para dar-lhes o nome de “solução”. Chamamos esta sequência
fenômeno-ideia-terminologia (Gellon et al, 2005). Vale a pena esclarecer que respeitar esta sequên-
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cia (e a conexão entre as ideias cientícas e os fenômenos) não requer, necessariamente, trabalhar
em aula com materiais concretos. Neste caso, seria suciente que os alunos se lembrassem de exem-
plos como os da mesa do café da manhã.
Entretanto, o “pecado” desta professora não foi somente privilegiar a terminologia sobre a compre-
ensão conceitual. Sua aula nos dá evidências de um olhar muito extenso sobre as Ciências Naturais
que impacta fortemente o ensino. O modo como ela apresenta o tema a seus alunos revela que o
conhecimento cientíco é um conhecimento acabado, e que saber Ciências signica apropriar-se
dele: conhecer fatos e poder dar informações sobre o mundo (Porlán, 1999). Este olhar sobre as Ci-
ências deixa de lado uma face muito importante: a da ciência como forma de conhecimento. Nesta
aula de Ciências Naturais, portanto, a professora não ensinou nenhuma competência cientíca
4
.
Falaremos desta outra face das Ciências na seção seguinte. Porém, antes, convido-os a continuar com
nosso exercício de imaginação: o que vocês acham que sentirá essa professora ao terminar sua aula?
Certamente ela foi embora com a sensação de que “os alunos não participaram”, “não responderam
suas perguntas”, ou “não estão interessados na matéria”. E os alunos, que sentimento terão? Pode-
ríamos apostar que foram embora com a sensação de que a ciência é bastante chata. E que, se não
entenderam o que a professora explicou, certamente é porque a ciência é muito difícil ou, então, não é
para eles. Infelizmente, é muito simples predizer como continuam ambas as histórias: uma professora
frustrada com sua tarefa e alunos que pouco a pouco deixam de se interessar pelas Ciências Naturais.
Até aqui falamos que a primeira professora começa pelas denições e não mostra a conexão entre as
ideias e os fenômenos. Ela não ensina nenhuma competência cientíca, mas somente informação.
Também mencionamos que tanto os alunos quanto a professora vão se desanimando com as aulas.
Porém, voltemos para o segundo cenário, o dos alunos fabricando tinturas com beterraba. Certa-
mente, ao espiar esta aula, muitos seriam tomados por uma sensação de total felicidade: “Por m,
alunos fazendo ciência na escola! E se divertem com essa tentativa!”
Nesta aula, não aparecem muitos dos problemas do cenário anterior: o professor coloca os alunos
em contato com o mundo dos fenômenos ao pedir-lhes que formem uma solução com pigmento
de beterraba e água morna. Sua aula não se fundamenta somente em dar informação. Os alunos
colocam mãos à obra, participam ativamente e se divertem muito. Há uma tentativa explícita (em-
bora não compartilhada com os alunos) de conectar um fenômeno cientíco, como a dissolução, a
uma aplicação cotidiana. Os alunos saem fascinados da aula e pedem para repeti-la, e o professor
vai para sua casa satisfeito.
Tudo isso é verdade. Mas imaginemos, agora, um questionamento aos alunos sobre o que aprende-
ram na aula. Provavelmente dariam respostas assim:
Aprendemos a tingir tecidos e caram muito bons!
Aprendemos que a beterraba tem dentro um pigmento avermelhado.
Eu aprendi que para fabricar tintura é preciso misturar beterraba com água morna.
E o que acreditam vos que diria o professor se lhe perguntássemos quais eram os objetivos de sua aula?
Possivelmente responderia que em sua aula quis trabalhar o conceito de solução e que os alunos apren-
dessem a realizar experncias práticas no laboratório. Evidentemente, aqui algo que o funciona: os
professores acreditam estar ensinando uma coisa, e os alunos aprendem outras muito diferentes.
4 Quando falo de competências cientícas” rero-me àquelas capacidades relacionadas com as formas de conheci-
mento da ciência que outros autores chamam “aprendizagens procedimentais”, “procedimentos de investigação”,
capacidades”, “habilidades” ou, simplesmente, “modos de conhecer”.
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Quais serão os “pecados” deste segundo cenário? Em primeiro lugar, a aula revela um olhar particu-
lar sobre o conhecimento cientíco: esse conhecimento está na realidade, e os alunos, em contato
com ela, podem ter facilmente acesso a ele. Neste caso, o professor assume, ingenuamente e com
certeza com boas intenções, que os alunos vão aprender sobre o conceito de solução ao preparar
uma tinta com beterraba e água morna. Esta visão sobre a ciência e sua aprendizagem é conhecida
como “modelo por descobrimento espontâneo” ou, em inglês, “discovery learning” (Bruner, 1961).
Surge no auge das ideias construtivistas e como reação ao modelo de ensino tradicional que repre-
sentamos no primeiro cenário. Mas cam em evidência as respostas dos alunos e de pesquisas sobre
programas baseados nesta metodologia (Mayer, 2004) de que o simples contato com os fenômenos
não é suciente para aprender ciência: é preciso fazer algo mais.
Um segundo problema desta aula tem a ver com o que se entende por “fazer ciência” na escola. À
primeira vista, os alunos aprendem mais do que uma simples informação: manipulam materiais, tra-
balham no laboratório, preparam soluções... Entretanto, quais competências cientícas pensam vocês
que estão aprendendo? Certamente, quase nenhuma. O papel ativo dos alunos nesta aula não passa
pelo intelectual, é um mero fazer” sico. Quando falo emfazer ciência”, por outro lado, me rero a
um fazer mental, relacionado com aprender a pensar cienticamente. Falaremos disso a seguir.
A CIÊNCIA É UMA MOEDA
Se trabalhar no laboratório não é suciente para que os alunos aprendam a pensar cienticamente,
então o que é? Como poderíamos ter transformado a atividade anterior em uma oportunidade de
aprendizagem genuína?
Responder a esta pergunta requer um passo prévio: ter claro o que é que estamos ensinando ou,
em outras palavras, responder à pergunta “o que é essa coisa chamada ciência?” (Chalmers, 1988).
Uma analogia que me parece muito útil é pensar a ciência como uma moeda. Qual é a característica
mais notória de uma moeda? Acertaram: ter duas caras.
O que representam as caras? Uma delas é a ciência como produto. Esta é a cara mais privilegiada na
escola, e refere-se às Ciências Naturais como um conjunto de fatos, de explicações que os cientistas
vieram construindo ao longo destes últimos culos. O que são estes produtos? Sabemos, por exem-
plo, que o som necessita de um meio material para propagar-se. E que, ao longo da história da vida
na Terra, os organismos foram sendo modicados. Sabemos, também, que as plantas fabricam seu
alimento utilizando a energia do sol, e que esse processo é chamado fotossíntese. E a lista continua...
Ensinar Ciências como produto implica ensinar os conceitos da ciência. Vale armar que, longe de
estarem isolados, os conceitos cientícos se organizam em marcos que lhes dão sentido e coerência.
As observações adquirem lógica à luz de explicações, e as explicações estão integradas em leis e
teorias sempre mais abrangentes, que tentam dar conta de maneira cada vez mais generalizada de
como funciona a natureza.
A segunda cara da moeda representa a ciência como processo. Em Ciências, o mais importante não
é tanto aquilo que sabemos, mas o processo pelo qual chegamos a sabê-lo. Esta cara é a que me-
nos se encontra na escola, e tem a ver com a maneira com que os cientistas geram conhecimento.
Como sabemos as coisas que sabemos? Como foram descobertas? Que evidências sustentam cada
conhecimento? Como poderíamos averiguar se são certas? Voltando para os exemplos anteriores,
sabemos que o som precisa de um meio material para se propagar porque, por exemplo, se pusermos
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algo que emite som de uma redoma, na qual foi feito vácuo em seu interior, não escutamos nada.
Ou que os seres vivos sofreram transformações porque existem fósseis que nos permitem reconstruir
a história da vida sobre o planeta. Poderíamos averiguar se é certo que as plantas necessitam da luz
do sol para produzir seu alimento provando o que acontece se as colocarmos em um lugar escuro.
Se pensarmos no ensino, esta segunda cara da ciência refere-se ao que chamamos de competên-
cias”: aquelas ferramentas fundamentais que estão em conjunto com o pensamento cientíco. Estas
competências têm a ver com o aspecto metodológico da ciência (Gellon et al, 2005), o que nos leva
ao conhecido método cientíco que ainda é ensinado nas escolas. Entretanto, pensar em um méto-
do único e rígido não somente é irreal, longe do modo com que os cientistas exploram os fenôme-
nos da natureza, como também resulta pouco frutífero na hora de ensinar a pensar cienticamente
(Furman e Zysman, 2001). Por quê? Porque o pensamento cientíco é um pensamento sistemático,
mas, ao mesmo tempo, criativo, que requer olhar além do evidente.
Diversos autores concordam que, no lugar do método cientíco, se resulta mais valioso ensinar uma
série de competências relacionadas com os procedimentos de investigação da ciência (Fumagalli,
1993; Harlen, 2000; Howe, 2002). Alguns exemplos de competências cientícas são:
Observar com um propósito (procurando padrões ou raridades);
Descrever o que se observa;
Comparar e classicar, com critérios próprios ou dados;
Formular perguntas investigativas;
Propor hipóteses e previsões;
Planejar experimentos para responder a uma pergunta;
Analisar resultados;
Propor explicações para os resultados e elaborar modelos que se ajustem aos dados obtidos;
Procurar e interpretar informações cientícas de textos e outras fontes;
Argumentar com base em evidências;
Escrever textos no contexto das Ciências.
Até aqui dissemos que a primeira característica notória de uma moeda é que ela tem duas caras.
Qual é a segunda? Acertaram novamente: que essas caras são inseparáveis.
Por que isso é importante? Justamente porque, se as duas caras da ciência são inseparáveis, ambas as
dimenes m que aparecer nas aulas de maneira integrada. Utilizar as experiências de laboratório
para corroborar algo que os alunos aprenderam de modo puramente teórico, por exemplo, é separar as
duas caras da ciência; ou, então, fazer atividades nas quais se aborde puramente o procedimento (as
competências cientícas) sem uma aprendizagem conceitual agregada. Ao dissociar estas duas caras,
mostramos aos alunos uma imagem que não é el à natureza da ciência.
MÃOS
VERSUS
MENTE À OBRA: O ENSINO PELA INVESTIGAÇÃO
No centro do modelo de ensino tradicional e no modelo por descobrimento espontâneo existe um
terceiro modelo didático. Esse modelo, conhecido como ensino por investigação
5
, baseia-se na
integração de ambas as dimensões da ciência: a de produto e a de processo e na implementação do
método investigativo na sala de aula.
5 Também chamado por indagação”, metodologia investigativa” ou, em inglês, “inquiry-based (Rutherford e
Ahlgren, 1990).
13
Muitos países adotaram (ao menos nos documentos) o ensino por investigação como modelo
didático para a área de Ciências Naturais. Os padrões para a educação em Ciências dos Estados Uni-
dos
6
, por exemplo, são denidos da seguinte maneira:
A investigação escolar é uma atividade multifacetária que envolve realizar observações, pro-
por perguntas, examinar livros e outras fontes de informação para ver o que se conhece a
respeito, planejar pesquisas, rever o que se sabia em função de nova evidência experimental,
usar ferramentas para compilar, analisar e interpretar dados, propor respostas, explicações e
predições e comunicar os resultados. A investigação requer a identicação de hipóteses, o uso
do pensamento crítico e lógico e a consideração de explicações alternativas.
Na Argentina, os Núcleos de Aprendizagens Prioritários
7
especicam diferentes situações de ensino
emolduradas no modelo por indagação:
A escola oferecerá situações de ensino que promovam nos alunos e alunas [...] a atitude de
curiosidade e o hábito de se fazer perguntas e antecipar respostas, [...] a realização de explo-
rações sistemáticas orientadas pelo professor sobre os seres vivos, o ambiente, os materiais e
as ações mecânicas em que mencionem detalhes observados, formulem comparações entre
dois ou mais objetos, deem suas próprias explicações sobre um fenômeno, etc. [...] a realiza-
ção e reiteração de singelas atividades experimentais para comparar seus resultados e inclusive
confrontá-los com os de outros companheiros [...] a produção e compreensão de textos orais e
escritos [...] a utilização destes saberes e habilidades na resolução de problemas cotidianos sig-
nicativos para contribuir ao alcance de uma progressiva autonomia no plano pessoal e social.
O modelo por investigação parece ser um bom candidato na hora de fundamentar as bases do pensamen-
to cientíco nos alunos do Ensino Fundamental. Isso porque e o foco no ensino integrado de conceitos
e de competências cientícas. Dessa forma, tudo parece simples. Entretanto, do estado de situação que
descrevi ao princípio, surge imediatamente uma pergunta: como levar este enfoque à prática?
CONSTRUINDO SOBRE O QUE JÁ EXISTE
Um argumento que quero sustentar aqui é que o ensino por investigação não implica começar tudo
do zero. O que lhes proponho é justamente o contrário: construir sobre as atividades que os pro-
fessores já vêm realizando e, mediante pequenas, porém estratégicas mudanças, transformá-las em
oportunidades de aprender conceitos e competências cientícas.
Uma pequena amostra disso foi a ideia de inverter a sequência da primeira aula sobre soluções. Partir
de fenômenos conhecidos pelos alunos, como os da mesa do café da mane, com base neles, cons-
truir o conceito de solução, como uma mistura na qual não se podem distinguir os componentes. Aqui,
o que zemos foi respeitar a sequência fenômeno-ideia-terminologia tentando ser éis ao aspecto
empírico da ciência, que fala da conexão entre as ideias cientícas e os fenômenos que procuram ex-
plicar. Depois, a professora poderia ensinar os alunos a classicar diferentes misturas que encontram
em suas vidas cotidianas utilizando estas novas categorias (soluções
versus
misturas heterogêneas).
6 Os “padrões para a Educação em Ciências são os contdos que se espera que os alunos aprendam nos diferentes anos da
escola. National Research Council (2001), Science Education Standards.
7 Os cleos de Aprendizagem Prioritários (NAPs) são acordos sobre os conteúdos de aprendizagem para todas as proncias da
Argentina, aprovados no ano de 2005 pelo Conselho Federal de Educação.
14
Mas voltemos para o segundo exemplo, o das tinturas de beterraba. Como transformá-lo em uma
atividade de investigação?
Nesta atividade, como em qualquer outra, deve-se primeiro identicar o que queremos ensinar. Ou,
mais importante ainda, o que queremos que os alunos aprendam. Os educadores Grant Wiggins e
Jay McTighe (2005)
8
propõem uma série de perguntas como primeiro passo para desenhar qualquer
atividade ou unidade didática cujo foco seja a compreensão dos alunos: “Quais são os saberes que
quero que os alunos ‘levem’ desta Unidade? Quais aprendizagens duradouras quero que obtenham?
De que coisas quero que se lembrem (e possam usar) dentro de muitos anos?
Pensar no que queremos que os alunos aprendam signica, também, poder imaginar que evidências
nos fariam perceber que os alunos aprenderam o que queríamos lhes ensinar. O que deveria ser
capaz de dizer ou de fazer um aluno que aprendeu? E o que diria ou faria outro que não assimilou
tais aprendizagens? Essas evidências são o que nos ajudará a orientar as atividades, monitorando o
que e quanto os alunos estão compreendendo em cada etapa e avançando a partir disso.
Colocar o foco na aprendizagem dos alunos nos obriga a pensar muito cuidadosamente em como
lhes vamos ensinar. Essas aprendizagens serão sempre nosso roteiro, a luz no nal do túnel que não
devemos perder de vista.
Sendo éis ao modelo por investigação, identicar nossos objetivos de aprendizagem implica levar
em consideração as duas dimensões da ciência a de produto e a de processo –, traduzidas em
conceitos e competências. Proponho-lhes alguns exemplos, também para o sexto ano:
CONCEITOS COMPETÊNCIAS
Os solutos o se dissolvem da mesma maneira
em todos os solventes: em alguns, dissolvem-se
muito (possuem uma solubilidade alta), em
outros, pouco (possuem uma solubilidade
mais baixa), e em outros, nada (são insolúveis).
A temperatura do solvente inuencia na sua
capacidade de dissolver um soluto (quanto
mais quente for um solvente, mais é capaz de
dissolver maior quantidade de soluto).
Elaborar um experimento para responder a
uma pergunta.
Registrar os resultados de um experimento e
compará-los com os de outros companheiros.
Interpretar os resultados do experimento: nes-
te caso, comparar a solubilidade de um soluto
em diferentes solventes, e em um mesmo sol-
vente, a diferentes temperaturas.
Explicar suas conclusões verbalmente.
Identicar as competências que queremos ensinar quando realizamos uma atividade com os alunos
é fundamental para que as aulas práticas deixem de ser simplesmente momentos de colocar “mãos
à obra” para se converterem em oportunidades de colocar as “mentes em ação
9
. Em geral, é mais
simples começar a identicar os conceitos que queremos ensinar e, a partir deles, começar a imaginar
maneiras de ensiná-los e denir as competências. O importante, aqui, são duas coisas: que em todas
as atividades sejam ensinadas competências cientícas, e que, ao longo do ano (e da escola), haja
oportunidades de ensinar as diferentes competências, avançando progressivamente das mais simples
(como observar e descrever) às mais sosticadas (como elaborar experimentos e argumentar).
8 No livro “Understanding by Design” (Compreendendo pelo desenho), os autores falam de inverter a ordem dos plane-
jamentos, identicando o que espero que os alunos aprendam (e como vou perceber se não o zerem) antes de pensar
em quais atividades realizar.
9 Em inglês, esta frase se popularizou como hands on
versus
“minds on.
15
Aqui vale uma elucidão muito importante: Por que falo de ensinar compencias cientícas? Justamen-
te porque estas competências não se desenvolvem espontaneamente. É preciso aprendê-las. E, embora
pareça uma verdade muito óbvia, para isso algm tem que ensi-las, destinando tempo e estratégias
especas. Insisto nisso porque esta é uma ideia muito pouco difundida nas escolas. Ensinar a observar,
por exemplo, o resulta em colocar os alunos frente a um femeno e lhes pedir que “observem, como
se faz em muitas aulas, com resultados obviamente frustrantes para os alunos e para o professor. Ao
contrário, requer que o professor oriente os alunos a colocar o foco em certos aspectos do femeno em
questão (no caso das soluções, por exemplo, para notar se são distinguidas as “partes ou fases dentro
da mistura) e estimulá-los para que atentem no que m de similar e no que se diferenciam. O mesmo
acontece com todas as competências ciencas: precisam ser ensinadas deliberadamente.
Uma vez que identiquemos nossos objetivos, resta-nos planejar a aula. Pensar em como iniciar a
discussão, em quando mostrar (ou em se mostrar ou não) um fenômeno real, em como organizar o
trabalho dos alunos, quais tarefas pedir que realizem, em como moderar a discussão, o que dizer ou
não e, muito importante, em como realizar o fechamento da aula.
Como exemplo, um terceiro cenário, adaptado da atividade das beterrabas, que responde ao modelo por
investigação e aos objetivos de aprendizagem propostos. Trata-se de uma aula real de sexto ano
10
:
TERCEIRO CENÁRIO
No começo da aula, o professor conta aos alunos que o fabricar tintura usando papel crepom
11
e usá-la para tingir tecidos. Mas, que para isso, vão ter que elaborar um experimento para en-
contrar qual é o melhor solvente para preparar a tintura
12
.
“Para que nos servirá este papel para tingir tecidos?”, pergunta o professor antes de começar o
plano experimental. Os alunos concluem que há algo “colocado” no papel que lhe dá cor, que
pode ser “tirado” para fabricar tinturas. E que, para isso, é preciso usar um líquido que o dissolva
(um solvente). O professor conta que algo parecido pode ser feito usando as cores escondidas
em algumas verduras, como a beterraba e que, assim, se fabricavam as tinturas antigamente.
O primeiro ponto a trabalhar é chegar a um acordo sobre o que signica dizer que uma tintura
é melhor do que outra: como vão decidir qual solvente é o ganhador? Entre todos decidem
que a melhor tintura será a mais escura. “O que signica ser a mais escura?” pergunta o pro-
fessor. A conclusão do grupo é que a escuridão” tem a ver com a quantidade de corante (o
soluto) que tem a solução.
Os alunos trabalham em equipes, elaborando seus experimentos. O professor lhes entrega uma lista de
materiais disponíveis, como tubos de ensaio, papel crepom e diferentes solventes: água morna, água fria,
álcool e azeite. Cada grupo tem que apresentar seus planos experimentais antes de receber os materiais.
10 Agradeço a Milena Rosenzvit e Juan Hurtado, dois professores de Ciências da escola Toratenu, em Buenos Aires, por me em-
prestarem sua atividade sobre soluções para contá-la aqui.
11 O professor substituiu as beterrabas pelo papel colorido por dois motivos: para ter maior quantidade de cores de
tintura e porque a manipulação de materiais é mais simples.
12 Nas aulas anteriores, os alunos aprenderam o conceito de solução e nomearam seus componentes: solutos e solventes.
Esta aula coloca o foco no conceito de solubilidade.
16
Depois de alguns minutos, é realizada a apresentação comum dos planos. Nela, discutem-se questões
metodogicas. Os alunos estabelecem que manterão algumas condições constantes, como a quantidade
de solvente e de papel crepom (que conm o soluto) em cada tubo de ensaio, e também a maneira de se
extrair a cor do papel, porque, se o, a comparação o vale. E chegam a um mesmo plano experimental
para todos os grupos.
Só então o professor distribui os materiais. Os alunos fazem o experimento, colocando pedacinhos de
papel crepom nos diferentes solventes e comparando a intensidade da solução que se forma.
Os grupos apresentam seus resultados aos demais. Todos concordam que o melhor solvente é a água, ainda
mais quando está morna. O azeite, por outro lado, o dissolve o corante, e o álcool, muito pouco. O pro-
fessor retoma esta conclusão: O corante o se dissolve da mesma forma em todos os solventes. Em alguns
ele se dissolve mais, e se diz que neles maior solubilidade (escreve a palavra na lousa). Como vocês viram,
a solubilidade do corante é maior na água do que no resto dos solventes. “O que mais pode fazer com que
um soluto se dissolva mais ou menos?”, pergunta ele, mostrando os tubos com água morna e água fria.
Os alunos respondem que quando o solvente está mais quente dissolve mais o soluto. O professor retoma
essa ideia e a conecta com uma experiência cotidiana: É verdade. A solubilidade de um soluto torna-se
maior quando aumentamos a temperatura do solvente. Notaram alguma vez que quando o chocolate não
dissolve no fundo da xícara, ao esquentarmos o leite, dissolvemos tudo?. Também lhes conta que, embora
a água dissolva muitas coisas, há outros solutos que se dissolvem melhor em determinados solventes como
o azeite, por exemplo e a naftalina. E lhes diz que vão fazer a experncia na aula seguinte.
Como “sobremesa”, os alunos usam a fórmula ganhadora de água quente e papel crepom para fabricar
tinturas de diferentes cores e, com elas, tingem seus tecidos. No nal da aula, todoscam fascinados. E
pedem para repetir a experiência.
Este terceiro cenário nos mostra que é posvel transformar uma atividade que era um mero jogo divertido
em uma oportunidade de ensinar aos alunos não somente um conceito importante, como o de solubili-
dade, mas também competências cientícas chave, como o planejamento experimental, a interpretação de
resultados ou a apresentação comum de ideias. O que antes era uma simples “receita culináriase conver-
teu em uma oportunidade de aprendizagem na qual os alunos procuraram a maneira de responder a uma
pergunta, discutiram as melhores formas de fazê-la, puseram em prática suas ideias, interpretaram seus
resultados e trocaram experncias sobre o que tinham encontrado com outros alunos (Furman, 2007).
O mais interessante de tudo é que os alunos aprenderam conceitos e compencias muito essenciais sem
deixar de aproveitar a aula. Como esperado, os alunos foram embora muito contentes, pedindo para re-
petir a atividade. Porém, neste caso, o prazer não era somente por fazer uma atividade prática com tintas
coloridas, mas também pela felicidade de encontrar, por eles mesmos, a resposta de um problema.
PERCORREMOS UM CAMINHO AO CAMINHAR
Incentivar os alunos a fazerem atividades de indagação na sala de aula gera notícias boas, mas
também muitos desaos.
A primeira boa notícia é que não é preciso ter um laboratório (muito menos um sosticado) para
fazer atividades de indagação. Por um lado, a maior parte das experiências pode ser realizada com
materiais caseiros e em sala de aula, que resulta em um espaço adequado para fazer a maioria das
experiências. Por outro lado, a análise de experiências feitas por outros ou apresentadas em casos
históricos, ou simplesmente experimentos mentais que convidam os alunos a imaginarem “o que
17
aconteceria se...”, são oportunidades de ensinar conceitos e competências ciencas sem necessidade de
fazer experiências “de carne e osso.
Vale esclarecer aqui que não estou endeusando os experimentos como o único (nem o melhor) recurso
para o ensino. Embora seja importante colocar os alunos em contato com o mundo dos fenômenos,
pensar que a sua simples exploração orientada seja suciente para que os alunos aprendam um tema em
profundidade revela um olhar ingênuo da cncia, em certo modo parecido com o do modelo pelo des-
cobrimento espontâneo.
Os experimentos e as observões nos permitem construir algumas ideias a respeito dos fenômenos, mas
deixam numerosas lacunas que precisam ser preenchidas e aprofundadas com informações que os experi-
mentos sozinhos não são capazes de oferecer, mas que podem ser fornecidas por um professor, um texto
ou um especialista. O desao, aqui, é que os alunos consigam se apropriar ativamente dessa informação,
por exemplo, analisando textos e procurando as evidências existentes por trás das armações; aprendendo
afazer perguntas” ao texto ou a um especialista; comparando informações de diferentes fontes e expli-
cando, com suas próprias palavras, o que compreenderam. Trata-se, em última insncia, de propiciar a
compreensão de informações novas e sua integrão ao que já conhecem.
A segunda boa notícia é que o é tão difícil achar experiências práticas para abordar diferentes conceitos
do currículo de Ciências. Elas estão por toda parte: em livros de texto ou de experimentos e em numerosos
sites
da internet.Receitas culirias, felizmente, não faltam. O primeiro desao é aprender a escolhê-las
em razão dos conceitos-chave que queremos ensinar (e não usar uma atividade somente porque é atrativa).
O segundo é transfor-las em oportunidades de investigação, incorporando momentos nos quais são
ensinadas compencias cientícas. O terceiro, o mais complexo de todos, é poder organizar as experiências
em propostas coerentes de ensino para todos os temas do ano e que o sejam sóboas aulas isoladas.
A terceira boa notícia é que é possível avançar para o ensino por investigação aos poucos, introduzindo
algumas melhoras no marco do que já foi feito em anos anteriores. Em outras palavras, na investigação,
como em quase tudo, percorremos um caminho ao caminhar... No primeiro ano, poderão ser introduzidas
só algumas poucas inovões por unidade temática. E, no ano seguinte, outras mais. Paulatinamente, a
conança e a familiaridade com esse tipo de trabalho tornará mais simples a inclusão de novas atividades,
com o olhar colocado o em atividades soltas, mas em uma abordagem geral para o ensino.
Quero terminar este texto com uma ideia importante: a investigação bem entendida coma em casa.
Dar os primeiros passos neste tipo de ensino requer, em primeiro lugar, que nós mesmos nos animemos a
bisbilhotar e a pensar, com a mente fresca, por que as coisas acontecem de determinadas maneiras. Essa
é a atitude que queremos transmitir aos alunos e, para isso, será preciso que nossas ões sejam coerentes
com ela. Por exemplo, será necessário testar as experiências antes de fazê-las com os alunos e antecipar
as perguntas que poderão surgir em relão a elas, que coisas são mais atrativas para se observar, ou como
poderíamos perceber o que acontece. Essa é, também, uma maneira de estarmos seguros na hora de tra-
balhar, minimizando imprevistos.
Finalmente, a capacidade de moderar as discussões que surgirem com os alunos terá muito a ver com
qo modos nos sintamos com o tema que estamos ensinando. Aqui o muitos segredos para que
as coisas saiam bem. Como nas prossões de advogado, médico e tantas outras, a prossão de professor
requer formão contínua. Em outras palavras, é preciso estudar, aprofundando e atualizando aqueles
conceitos nos quais necessitemos de reforços. Sem conhecer bem os temas, as atividades de investigação
podem resultar em uma experncia frustrante, isso porque muitas perguntas são laadas pelos alunos.
Mas o esforço é recompensado quando vemos que eles saem de nossas aulas com vontade de saber mais
e felizes por terem pensado por si mesmos. , sim, poderemos também ir para casa com a satisfação pro-
veniente de um trabalho cumprido e com um sorriso de orelha a orelha.
18
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19
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