MAQUIAVEL E MAQUIAVELISMO EM NORBERTO BOBBIO
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bio como a defesa do Estado frente à moral e à religião para além de sua
defesa frente ao direito, superando outras teorias similares. Que o Estado
tenha proeminência sobre todas as outras formas de organização social,
de forma absoluta, ou simplesmente, “sem limites”, seria a descrição
do conteúdo essencial da tese do maquiavelismo. Embora rios de tinta
tenham sido gastos construindo a imagem do maquiavelismo, Bobbio –
como um mestre da concisão – a apresenta em seus termos irredutíveis,
sem necessariamente se preocupar em expor sua anuência ou não com
relação à mesma. Preso a um conteúdo lógico (o amoralismo) e outro
histórico (o absolutismo), o maquiavelismo ganha, nas mãos do lósofo pi-
emontês, o elegante contorno de “exposição teórica mais audaciosa sobre
o absolutismo do poder estatal”
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.
13 Embora a comprovação apresentada acima seja em si suciente para atestar a leitura que Bobbio empreende a respeito
do pensamento político de Maquiavel, sintetizada na fórmula do maquiavelismo, inúmeras outras passagens menores po-
dem ajudar a solidicar essa armação, como a seguinte, do já citado texto “Ética e política”, que remete a uma passagem
das Histórias orentinas (escritas entre 1520 e 1525): “Quando Maquiavel atribui a Cósimo de Médici (e parece aprovar)
a armativa de que os Estados não se governam com o pater noster nas mãos, demonstra considerar, e dá por admitido,
que o homem político não pode desenvolver a própria ação seguindo os preceitos da moral dominante, que em uma so-
ciedade cristã coincide com a moral evangélica” (N. Bobbio, Teoria geral..., op. cit., p. 178 [também em Elogio..., op cit.,
p. 50; O lósofo..., op. cit., p. 157; e O nal..., op. cit., p. 12]). Em outra armação, do mesmo texto, em que se aproximam
Maquiavel e Croce, Bobbio assevera o seguinte, iniciando com uma citação do segundo: “‘Uma outra manifestação da vulgar
inteligência acerca das coisas da política é a petulante exigência que se faz de honestidade na vida política’. Depois de ter
dito que se trata do ideal que canta no ânimo de todos os imbecis, [Croce] explica que ‘a honestidade política nada mais é
que a capacidade política’. A qual, acrescentamos nós, é aquela à qual Maquiavel chamava virtù, que, como todos sabem,
nada tem a ver com a virtude da qual se fala nos tratados de moral, a começar pela Ética a Nicômaco, de Aristóteles” (N.
Bobbio, Teoria geral..., op. cit., p. 180 [também em Elogio..., op cit., p. 53; O lósofo..., op. cit., pp. 159-160; e O nal..., op.
cit., pp. 15-16]). Vejam-se ainda outras citações, como esta, retirada do texto “A resistência à opressão, hoje” (de 1973): “Mas
o problema [do poder] pode ser considerado de dois pontos de vista distintos, ou mesmo opostos: ex parte principis ou ex
parte populi. Maquiavel ou Rousseau, para citar dois símbolos [respectivamente]” (N. Bobbio, Teoria geral..., op. cit., p. 252
[também em N. Bobbio, A era dos direitos, trad. C.N. Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 143]); ou esta, do já citado
texto “A política”: “Quando Maquiavel, no famoso capítulo XVIII de O príncipe, descreve as qualidades que deve ter quem
tem em mãos o destino de um Estado, arma que esse alguém deve combinar ao mesmo tempo as qualidades do leão e
da raposa, isto é, a força e a astúcia: são duas qualidades que nada têm a ver com o m do bem comum, mas concernem
exclusivamente ao objeto imediato de conservar o poder, independentemente do uso público ou privado que desse poder
o governante demonstre querer fazer” (N. Bobbio, Teoria geral..., op. cit., p. 219 [também em O lósofo..., op. cit., pp. 146-
147]); ou mesmo a seguinte, encontrada no texto “A democracia dos modernos comparada à dos antigos (e à dos pósteros)”,
que pertence ao mesmo ano do texto anterior (1987): “Quando Maquiavel escreve que onde está em jogo a saúde da pátria
‘não cabe qualquer consideração, nem de justo nem de injusto’, porque o que conta ‘posposto qualquer outro respeito’ é
‘seguir de todo aquele partido que lhe salve a vida e mantenha a liberdade’, refere-se à liberdade do Estado e não à liberdade
dos cidadãos; aliás ‘posposto qualquer outro respeito’ signica também ‘posposto o respeito’ à liberdade dos cidadãos”
(N. Bobbio, Teoria geral..., op. cit., p. 385-386 [também em: N. Bobbio, Três ensaios sobre a democracia, trad. S. Bath, rev.