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DIREITOS FUNDAMENTAIS
SOCIAIS
Estudos em homenagem aos 60 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos
e aos 20 anos da Constituição Federal
Editora UFGD
DOURADOS-MS 2009
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Antonio Baylos Grau
César Augusto Silva da Silva
Francisco das C. Lima Filho
Helder Baruffi (Org.)
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
José Gomes da Silva
Luis Prieto Sanchís
Maria Goretti Dal Bosco
Maria José Romero
DIREITOS FUNDAMENTAIS
SOCIAIS
Estudos em homenagem aos 60 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos
e aos 20 anos da Constituição Federal
Editora UFGD
DOURADOS-MS 2009
Universidade Federal da Grande Dourados
Reitor: Damião Duque de Farias
Vice-Reitor: Wedson Desidério Fernandes
COED
Coordenador Editorial da UFGD: Edvaldo Cesar Moretti
Técnico de Apoio: Givaldo Ramos da Silva Filho
Conselho Editorial da UFGD
Adáuto de Oliveira Souza
Edvaldo Cesar Moretti
Lisandra Pereira Lamoso
Reinaldo dos Santos
Rita de Cássia Pacheco Limberti
Wedson Desidério Fernandes
Fábio Edir dos Santos Costa
Capa: Ana Cristina Baruffi
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central – UFGD
341.481
D597
Direitos fundamentais sociais: Estudos em homenagem aos
60 anos da declaração universal dos direitos humanos e
aos 20 anos da Constituição Federal. / Helder Baruffi
(org.). Dourados, MS : UFGD, 2009.
256p.
ISBN 978-85-61228-41-5
1. Direitos humanos. 2. Direitos sociais. 3. Direitos
fundamentais sociais. I. Baruffi , Helder. II. Título.
Direitos reservados à
Editora da Universidade Federal da Grande Dourados
Rua João Rosa Goes, 1761
Vila Progresso – Caixa Postal 322
CEP – 79825-070 Dourados-MS
Fone: (67) 3411-3622
www.ufgd.edu.br
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948
CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da familia humana e seus direitos iguais e inalienáveis é
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos
do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de
liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor
e da necessidade,
CONSIDERANDO ser essencial que os direitos do homem sejam
protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido,
como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
CONSIDERANDO ser essencial promover o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações,
CONSIDERANDO que os povos das Nações Unidas reafi rmaram, na
Carta, sua fé nos direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover
o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais
ampla,
CONSIDERANDO que os Estados Membros se comprometeram
a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal
aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses
direitos e liberdades,
CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses direitos e
liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse
compromisso,
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a presente
“Declaração Universal dos Direitos do Homem” como o ideal comum a
ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que
cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover
o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os
povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição.
Artigo 1
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade.
Artigo 2
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa,
quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo
próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo 3
Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfi co
de escravos estão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5
Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante.
Artigo 6
Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como
pessoa perante a lei.
Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei. Todos tem direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação.
Artigo 8
Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes
remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe
sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10
Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública
audncia por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir
de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal
contra ele.
Artigo 11
I) Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a
lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias a sua defesa.
II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituiam delito perante o direito nacional ou internacional.
Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento
da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo 12
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no
seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação.
Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques.
Artigo 13
I) Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro
das fronteiras de cada Estado.
II) Todo o homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio,
e a este regressar.
Artigo 14
I) Todo o homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países.
II) Este direito não pode ser invocado em casos de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos
e princípios das Nações Unidas.
Artigo 15
I) Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16
I) Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, tem o direito de contrair matrimônio e fundar
uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua
duração e sua dissolução.
II) O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento
dos nubentes.
III) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito
à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo 17
I) Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo 18
Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela obsercia, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo 19
Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber
e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente
de fronteiras.
Artigo 20
I) Todo o homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacífi cas.
II) Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21
I) Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
II) Todo o homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
III) A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade
será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por
voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo 22
Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social
e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional
e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
econômicos, sociais e culturais indipensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento de sua personalidade.
Artigo 23
I) Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego,
a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego.
II) Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração
por igual trabalho.
III) Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.
IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar
para proteção de seus interesses.
Artigo 24
Todo o homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável
das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo 25
I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar
a si e a sua família saúde e bem star, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito
à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle.
II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da
mesma proteção social.
Artigo 26
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profi ssional
será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no
mérito.
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá
a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuva as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução
que será ministrada a seus fi lhos.
Artigo 27
I) Todo o homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso cientí co e de
fruir de seus benefícios.
II) Todo o homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científi ca, literária ou artística da qual
seja autor.
Artigo 28
Todo o homem tem direito a uma ordem social e internacional em que
os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser
plenamente realizados.
Artigo 29
I) Todo o homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e
pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
II) No exercício de seus direitos e liberdades, todo o homem estará sujeito
apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fi m de
assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de
outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e
do bem-estar de uma sociedade democrática.
III) Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser
exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o
reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de
quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidos.
10-12-1948
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífi ca das controvérsias, promulgamos,
sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[…]
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6
o
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Brasília, 05 de outubro de 1988
15
19
33
59
105
121
147
167
217
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...........................................................................
1 CENTRALIZACIÓN Y DESCENTRALIZACIÓN EN EL
MODELO ESPAÑOL DE FEDERALISMO SOCIAL.
(LA ASISTENCIA SOCIAL COMO EJEMPLO) ............................
Antonio Baylos Grau
Maria José Romero
2 A AFIRMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS E DOS REGIMES INTERNACIONAIS
DE PROTEÇÃO – A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS ..
Cesar Augusto Silva da Silva
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A BOA-FÉ COMO
LIMITES DOS PODERES EMPRESARIAIS .................................
Francisco das C. Lima Filho
4 A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO DO HOMEM ....................
Helder Baruffi
5 REPRESENTAÇÃO E «PRESENTAÇÃO» DOS
TRABALHADORES .....................................................................................
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
6 HUMANIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO DIREITO PARA
DAR-LHE O SEU VERDADEIRO SENTIDO ................................
José Gomes da Silva
7 LOS DERECHOS SOCIALES Y EL PRINCIPIO DE
IGUALDAD SUSTANCIAL ............................................................
Luis Prieto Sanchís
8 NOVO CONCEITO DA DISCRICIONARIEDADE EM
POLITICAS PÚBLICAS SOB UM OLHAR GARANTISTA,
PARA ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS .....................
Maria Goretti Dal Bosco
15
APRESENTAÇÃO
A positivação dos direitos fundamentais nas Constituições
representa, sem dúvida, uma das grandes contribuições da modernidade.
Representa, também, a consciência de que todos os homens são sujeitos de
direitos e, portanto, credores de condições mínimas de existência capazes
de assegurar a sua dignidade.
Em 10 dezembro de 2008, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, assinada pelo Brasil, completou 60 anos. Entretanto, um balanço
entre o que foi prometido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 e o que foi cumprido até agora, mostra o quanto ainda se está por
fazer.
Nessa direção, o relatório da Anistia Internacional destaca que
“Injustiça, desigualdade e impunidade são as marcas do nosso mundo
hoje. Segundo o relatório, 60 anos depois de a Declarão Universal dos
Direitos Humanos ter sido adotada pelas Nações Unidas, pessoas ainda são
torturadas ou mal tratadas, são submetidas a julgamentos injustos e não
tem direito de se manifestar livremente. No plano interno, os movimentos
pela Democracia e pela defesa dos Direitos Humanos exigiam uma nova
Constituição.
A Assembléia Constituinte, presidida pelo então deputado Ulysses
Guimarães, foi instalada no dia 1º de fevereiro de 1987. Após 18 meses de
trabalho, os congressistas promulgaram em 5 de outubro de 1988 a oitava
Constituição Brasileira. A Assembléia foi composta por 559 constituintes
(487 deputados e 72 senadores), representantes dos 23 estados que existiam
à época e do Distrito Federal.
Resultado do amplo movimento da oposição que levou ao fim do
regime militar, à anistia política e às eleições diretas para a Presidência da
República, a Constituição de 1988 tem um forte caráter de proteção dos
direitos individuais e sociais e, originalmente, um capítulo específico sobre
o meio ambiente. Incorporou instrumentos jurídicos como o mandado
de segurança coletivo, o habeas data (direito de o cidadão conhecer as
16
informações que lhe dizem respeito, constantes de registros ou bancos de
dados de entidades governamentais ou de caráter público), o mandado de
injunção (decisão da Justiça que interpreta, com força de lei para as partes,
um direito constitucional ainda não regulamentado por lei ordiria) e a
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que serve para cobrar
da autoridade responsável o envio de norma para ser votada no Congresso,
a fim de cumprir cláusula constitucional. Qualificou como crimes
inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o Estado democrático
e a ordem constitucional. Fixou ainda a eleição direta do presidente da
República, dos governadores e dos prefeitos.
Ao fim destes 20 anos, no Brasil, observam-se avanços, mas perdura
uma grande distância entre as estruturas constitucionais de defesa dos
direitos humanos e os persistentes abusos, assim como a ausência de
garantias efetivas para protegê-los.
Os direitos fundamentais não podem se restringir aos direitos
individuais enunciados pelas revoluções burguesas do século XVIII. A
liberdade não consiste no contratualismo individual que sacraliza o direito
de propriedade e permite ao proprietário a “livre iniciativa” de expandir
seus lucros ainda que à custa da exploração alheia.
Num mundo assolado pela miséria de quase metade de sua
população, o Estado não pode arvorar-se em mero árbitro da sociedade,
mas deve intervir de modo a assegurar a todos direitos sociais, econômicos
e culturais. Assegurar o mínimo necessário à dignidade humana significa
atender às demandas geradas pelos direitos fundamentais das populações,
especialmente as mais pobres, e que se constituem nas principais
destinatárias das políticas públicas para suprir necessidades vitais de
sobrevivência minimamente digna.
O reconhecimento de um direito inerente ao ser humano não é
suficiente para assegurar seu exercício na vida daqueles que ocupam uma
posição subalterna na estrutura social. É necessário mais. É necessário
efetivar esse direito.
Há direitos de natureza social, econômica e cultural - como ao
trabalho, à greve, à saúde, à educação gratuita, à estabilidade no emprego,
à moradia digna, ao lazer etc. - que dependem, para a sua viabilização, da
ão política e administrativa do Estado. Nesse sentido, os direitos pessoal
e coletivo à organização e atuação políticas torna-se, hoje, a condição de
possibilidade de um Estado verdadeiramente democrático.
17
O objetivo central desta obra é trazer à luz reflexões iniciadas em
meados de 2007 sobre direitos fundamentais sociais quando a Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Grande Dourados UFGD se propôs
oferecer um Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direitos Humanos e
Cidadania, tarefa à qual se soma o credenciamento da Faculdade de Direito
para o oferecimento de cursos na área da Segurança Pública e Cidadania.
Para tanto, contamos com a colaboração dos professores catedráticos da
Universidade de Castilla –La Mancha, Antonio Baylos (UCLM- Ciudad Real)
e Maria José Romero (UCLM- Albacete), que em conjunto escrevem sobre
o modelo espanho de federalismo social como projeto aberto e a Assistência
Social como exemplo, sob título “Centralización y descentralización en el
modelo español de federalismo social. (La asistencia social como ejemplo)”
e do professor Luis Prieto Sanchís (UCLM-Toledo) que escreve sobre os
directos sociais e o princípio da igualdade substancial sob o título: “Los
derechos sociales y el principio de igualdad sustancial.
No conjunto de reflexões sobre os direitos fundamentais sociais
positivados na Constituição de 1988 à luz da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, estão assinalados os artigos “A afirmação do direito
internacional dos direitos humanos e dos regimes internacionais de proteção:
a educação em direitos humanos de César Augusto Silva da Silva;Os
direitos fundamentais e a boa-fé como limites dos poderes empresariais”,
de Francisco das C. Lima Filho; A educação como um direito do homem”,
de Helder Baruffi; “Representação e «presentação» dos trabalhadores”, de
José Eduardo de Resende Chaves Júnior;Humanização da aplicação do
direito para dar-lhe o seu verdadeiro sentido” de José Gomes da Silva e
Novo conceito da discricionariedade em políticas públicas sob um olhar
garantista, para assegurar direitos fundamentais” de Maria Goretti Dal
Bosco.
A leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem
como dos direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal de
1988, na perspectiva aqui apresentada é uma contribuição que se propõe
às novas investigações e pesquisas que estão sendo desenvolvidas e como
contribuição à real efetivação dos princípios fundamentais dos Direitos
Humanos.
Faculdade de Direito
Helder Baruffi
19
CENTRALIZACIÓN Y DESCENTRALIZACIÓN EN EL
MODELO ESPAÑOL DE FEDERALISMO SOCIAL. (LA
ASISTENCIA SOCIAL COMO EJEMPLO)
1
Antonio Baylos Grau
Catedrático de Derecho del Trabajo UCLM (Ciudad Real).
Maria José Romero
Catedrática (EU) de Derecho del Trabajo UCLM (Albacete)
Sumário: 1.- El modelo español de federalismo social como proyecto abierto. 2. La Asistencia
Social como ejemplo.
1. El modelo español de federalismo social como proyecto abierto.
Es un lugar común considerar el modelo político de estructuración del
Estado español a partir de la Constitución de 1978 como un modelo federal.
Aunque hay un extenso debate doctrinal sobre lo que deba entenderse por
federalismo, del examen de los sistemas políticos comparados se deduce
que un sistema federal es aquel en el que “a diferencia de los sistemas
unitarios donde hay una autoridad central única, hay dos (o mas) niveles
de gobierno, de modo que se combinan elementos de gobierno compartido
con las instituciones comunes y autogobierno regional en las unidades
constituyentes”
2
. Entre el amplio abanico de formas políticas no unitarias,
el llamado “Estado de las autonomías” español es un notable ejemplo de
descentralización asimétrica, una “federación en todo menos en el nombre”,
con 17 Comunidades Autónomas habilitadas constitucionalmente para
desenvolver un extenso ámbito de autogobierno
3
.
Sin embargo, la asimetría a la que se aludía no sólo se manifiesta en
1 Intervención en el Seminario coordinado por los profesores Lallana, Landa y Terradillos, de la
Universidad del Pais Vasco, The implementation of Community Employment and Social inclusión
in the models of social federalism, Oñate, 21-22 de junio del 2007. Este texto ha sido tambien
utilizado en el libro homenaje al profesor Vida Soria, pendiente de publicación por la Editorial
Comares (Granada).
2 Por todos, WATTS, R.L., Sistemas federales comparados, Marcial Pons, Madrid, 2006, p. 105
3 De nuevo, WATTS, R.L., Sistemas federales comparados…cit., pp. 130-131.
20
la atribucn de espacios de gobierno diferentes en función de las diversas
Comunidades Autónomas y la correspondiente presión para mantener la
identidad cultural propia de las regiones definidas como “nacionalidades
– una variedad de las “naciones sin Estado”
4
. El poder de autogobierno es
también asimétrico en cuanto a los contenidos. En materia de protección
social, es decir, de la acción protectora pública a través del sistema de
Seguridad Social y del conjunto de acciones asistenciales de inclusión
social, el modelo español mantiene una fuerte componente centralizadora
5
.
El esquema de reparto de potestades entre el gobierno unitario y el
autogobierno regional se sustancia en la técnica de separacn de los niveles
legislativo y ejecutivo, lo que implica un impulso a la centralización en el
nivel normativo y el reconocimiento de un espacio de descentralización en
el nivel de ejecución y administración del sistema de protección social.
La razón que explica esta vigorización del principio centralista
en materia de protección social se quiere encontrar por elevación en el
concepto del Estado Social y en los principios de igualdad y solidaridad
que lo conforman. La estructura potencialmente descentralizada de la
protección social puede entrar en conflicto con dichos principios de igualdad
y solidaridad desde el mismo momento que sea posible establecer diferentes
modelos de protección social, bien desde la perspectiva territorial, bien
desde la perspectiva material, con las consecuentes situaciones desiguales
generadas. Por el contrario, una concepción más unitaria del Estado social
asegura que todos los ciudadanos estén en condiciones de gozar de la garantía
de la protección pública frente a los estados de necesidad sin que existan
diferencias en función del territorio en el que residan. Es así como se justifica
la protección social como una “función estatal” que impone contenidos
homogéneos en todos los territorios que componen el Estado español.
Esta tensión centralizadora en este dominio, alentada por un
i m po r t a n te e i n f lu y e nt e se c t o r do c t r i n a l d e s d e e l c om i en z o de l a i m p l a n t a c i ó n
del sistema democrático en España
6
, ha sido refrendada en gran medida
4 Sobre el tema, GUIBERNAU, M., “Naciones sin Estado: escenarios políticos diversos”, en
BARAÑANO, M. (Dir.), La globalización económica. Incidencia en las relaciones sociales y
económicas, CGPJ, Madrid, 2002, pp.263 ss.
5 Críticamente SUÁREZ CORUJO, B., La protección social en el Estado de las autonomías, Iustel,
Madrid, 2006, p.28.
6 Fundamentalmente, DE LA VILLA, L.E., y DESDENTADO, A., “Delimitación de competencias
Estado-Comunidades Autónomas en la Constitución de 1978 (las relaciones laborales y la
Seguridad Social)”, en AA.VV., Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social en la Constitución,
CEC, Madrid, 1980; DESDENTADO, A., “El régimen económico de la Seguridad Social y las
Autonomías”, Revista Española de Derecho Administrativo nº 38 (1983), línea que se prolonga
en numerosísimos estudios del laboralismo español, que mantienen de forma muy neta esta
21
por el propio Tribunal Constitucional español en una serie de decisiones de
los años 80 y 90 del pasado siglo, interpretando la fórmula competencial
de los arts. 148 y 149 CE en el sentido de confirmar la estatalidad de las
políticas de protección social y el confinamiento de la potestad de las
Comunidades Autónomas en la esfera de la gestión o ejecución de estas
políticas. Igualdad y solidaridad funcionan como principios políticos
uniformadores del alcance de la tutela y, a su vez, integran el propio sistema
de protección social como principios básicos de la seguridad social como
garantía institucional prevista en la Constitución. La solidaridad se realiza
dentro de toda la comunidad nacional sin discriminaciones
7
, y la igualdad
de derechos y obligaciones en materia de seguridad social se extiende
hasta el límite territorial del Estado, lo que obliga a la uniformidad de las
“condiciones de vida” más allá del territorio de las diferentes Comunidades
Autónomas, es decir en el goce o disfrute de los derechos de protección
social garantizados por igual en todo el territorio nacional
8
.
La pulsión a la cent ralización sobre la base de este argumento político -
normativo derivado de la claúsula social de la Constitucn española ha sido
reforzada, desde la perspectiva económica, atendiendo a la noción de unidad
económica de mercado. El tema es relevante por dos razones al menos. En
primer lugar porque se aprecia un cierto deslizamiento de la legitimación de
un modelo centralizado de protección social desde las coordenadas políticas
del Estado Social y su capacidad de ofrecer un tratamiento estandarizado y
homogéneo de prestaciones sociales para todos los ciudadanos del mismo,
hacia la matriz económica que relaciona directamente unidad de mercado y
cohesión social. Los principios de “unidad del orden económico nacional” y
de “unidad de mercado” son los presupuestos de la organización territorial
del Estado y del reparto de competencias en materia económica, de donde
se desprende la afirmación de la solidaridad interterritorial como principio
articulador de la “unidad del Estado y las Autonomías”
9
. El esquema de
distribución de poderes y competencias entre el Estado y las Comunidades
Autónomas, tiene que interpretarse a partir de la unidad del orden económico
postura centralizadora, incluso en polémica con algunas decisiones del TC que se analizarán
mas adelante en este texto, justamente en razón de la competencia autonómica en materia de
asistencia social.
7 APARICIO, J., La Seguridad social y la protección de la salud, Civitas, Madrid, 1988, p. 105.
8 APARICIO, J., La Seguridad social y la protección de la salud…cit., pp. 139-140.
9 El documento mas útil para comprobar el razonamiento de base económica, sobre la unidad de
marcado, se contiene en el Informe que realizó el Consejo Económico y Social de España sobre
este tema y que se puede consultar como CES, Unidad de mercado y cohesión social, Informe
3/2000, Consejo Económico y Social, Madrid, 2000.
22
y social de manera que se imponga la “unidad” del sistema de Seguridad
Social. Esta noción implica una regulación uniforme en todo el territorio
nacional que debe asegurar ante todo launidad de caja y la solidaridad
financiera del sistema mediante la atribución al Estado de competencia
exclusiva sobre el régimen económico de la Seguridad Social, sin perjuicio
de reconocer facultades complementarias y subordinadas por parte de las
Comunidades Autónomas.
El segundo elemento de relieve es que el desplazamiento hacia la
u n id a d d e m e r ca d o c om o fo r m a d e l e g i t i m a ci ó n d e l a c o n c e p c i ó n f ue r t e me nt e
centralizadora de los poderes definidos en materia de protección social la
protagonizan fundamentalmente los interlocutores sociales, es decir, las
asociaciones empresariales y los sindicatos más representativos de ámbito
estatal. El discurso empresarial y el de las confederaciones sindicales de
ámbito estatal, CC.OO. y UGT, convergen en este punto en torno a una
visión unitaria de las competencias en materia de protección social, en
la que la legitimación normativa y de gobierno del sistema de seguridad
social debe pertenecer al Estado, sin perjuicio de que la puesta en práctica
de estas reglas se encomiende a la esfera de acción de las Comunidades
Aunomas. Esta suerte de “jacobinismo social es muy arraigado en el
planteamiento sindical confederal, y ha encontrado un discurso paralelo
en el empresariado español, históricamente estatalista y muy hostil a
los planteamientos políticos nacionalistas. El argumento es doblemente
importante por lo que no dice de forma explícita, y es que los interlocutores
sociales mediante esta reivindicación del nivel centralizado en la protección
social se aseguran la interlocución directa con el Estado en la reformulación
del modelo de Seguridad Social a través de acuerdos político – sociales, lo
que por cierto constituye una característica del modelo español ya presente
desde 1990 cuando se produjo la histórica negociación de la creación de
un segundo nivel de prestaciones del sistema, que dio lugar a la Ley de
prestaciones no contributivas
10
.
Por razones políticas o en función del interés del mercado unificado
a nivel del Estado, esta visión unificatoria – y sometida al acuerdo social
con sindicatos y empresarios - se concentra en las prestaciones económicas
10 La tendencia es mas acentuada a partir del cambio de siglo, y en concreto del llamado Acuerdo
para la mejora y el desarrollo del sistema de protección social de abril de 2001. Ver APARICIO,
J., “La evolución regresiva de la Seguridad Social en el período 1996-2002: hacia el seguro y el
asistencialismo”, Revista de Derecho Social nº 19 (2002), pp. 22-23; MONEREO, J.L., “El derecho
a la seguridad social”, en MONEREO, J.L., MOLINA, C., MORENO. Mª N. (Dirs.), Comentario
a la Constitución socio-económica de España, Comares, Granada, 2002, pp. 1507 ss.
23
que suministra el sistema de Seguridad Social. De forma que no puede
abarcar aquellos servicios que pueden llamarse de asistencia social, ni
tampoco aquellas prestaciones económicas que garantizan un cierto
nimo vital a quienes no pueden acceder a prestaciones – contributivas o
no contributivas – del sistema de Seguridad Social. Estas áreas pueden ser
reguladas y gestionadas por los poderes soberanos regionales, posiblemente
porque el centro de gravedad de las mismas no se encuentra en la noción
de ciudadanía social cualificada por el trabajo, sino que se desliza hacia la
pobreza y la exclusión social como “tierra de frontera” del Estado social.
Un nuevo elemento se añade a la definición de este modelo de
federalismo social escorado hacia posiciones centralizadoras en la definición
de los poderes soberanos para la determinación del contenido y alcance de
la protección social. En el proceso de integración externa de los Estados
en la Unión Europea, con la cesión de soberanía que esto lleva consigo, la
potica social ha venido siendo integrada en un esquema de armonización
legislativa mediante las normas comunitarias – normalmente Directivas –
que imponen un resultado generalizado y común en todos los países que
componen la Unión y que por consiguiente se centra en el poder normativo
del Estado como elemento clave para conseguir la armonizacn normativa
en la UE. A partir del Tratado de Ámsterdam y fundamentalmente de la
Cumbre de Lisboa para fijar la estrategia europea de empleo, se pone en pie
como técnica regulatoria el llamado método abierto de coordinación que,
al menos en lo que se refiere a la regulación social – no así en la regulación
laboral propiamente dicha – tiende a polarizar las formas de creación
del derecho europeo en esa materia
11
. La convergencia en los objetivos
estratégicos de la Unión – en materia de empleo, pero posteriormente
se ha ampliado este procedimiento a muchos otros dominios - en que se
sintetiza esta forma de producción normativa refuerza el rol de los Estados
miembros, y el protagonismo de éstos en la elaboración de sus políticas
internas
12
. El éxito de este procedimiento regulatorio y su aplicación a
materias tan decisivas como todo el tema de la cohesn social, refuerza la
11 Entre tantas reflexiones sobre el MAC, resulta siempre interesante la exposición de SCIARRA,
S.,The convergence of European Labour and Social Rights: Opening to the Open Method of
Coordination”, en BERMANN, G.A., y PISTOR, K. (Eds.), Law and Governance in an Enlarged
European Union, Columbia Law School, New York, Hart Publ., Oxford and Portland, Oregon,
2004, pp. 163 ss. Y ello pese a la relativa “decadencia” de este método de juridificación europeo
con la Comisión Barroso a partir de la Cumbre de Bruselas de 2005.
12 CABEZA, J., “Estrategia Europea, Estado Autonómico y política de empleo”, en AA.VV.., XVIII
Congreso Nacional de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Ed. Laborum, Murcia,
2007, pp.. 22 ss.
24
posición del Estado en su posición de poder soberano definido con amplia
capacidad normativa y regulatoria del sistema de protección social. El
Dictamen del Comité Económico y Social Europeo sobre el tema “Cohesión
Social: dar contenido a un modelo social europeo”
13
insiste en esa idea al
ligar a los Estados la “responsabilidad de promover la cohesión y la justicia
social” y a sus Gobiernos la de proporcionar “sistemas de protección
social que garantizan una cobertura o protección social adecuada contra
los principales riesgos” en niveles que permiten “prevenir la pobreza y la
exclusión social”.
No obstante, no se trata de un modelo cerrado. Desde cada uno de
los vectores señalados se rastrean tendencias de signo opuesto. Así, en el
nivel político, es evidente el cambio de tendencia que se ha ido produciendo
en la configuración de los espacios de autogobierno a partir de la apertura
de un proceso de renegociación de los Estatutos de Autonomía de algunas
regiones, impulsada por el gobierno central como una segunda fundación
de la estructura territorial del Estado español. A lo largo del 2006 y a inicios
del 2007, es el caso emblemático del Estatuto de Autonomía de Cataluña,
aprobado por referéndum el 18 de junio de 2006, que sustituye al viejo
Estatuto de Sau, que data de 1979, y que ha sido impugnado ante el Tribunal
Constitucional entre turbulencias poticas notables
14
. Pero también el de la
Ley que reforma el Estatuto de Autonomía del Pais Valenciano, también en el
2006, la aprobación del Estatuto de Autonomía de Andalucía en referéndum
en el 2007, o los proyectos en marcha para la reforma del Estatuto de
Galicia, entre otros. En todos ellos, la consolidación de perspectivas mas
descentralizadas en materia de política social es una constante.
En lo que respecta al argumento que reposa sobre el principio de
unidad de mercado, posiblemente sea el que haya sufrido un mayor erosn
en función precisamente de la segmentación que ha sufrido el mercado de
trabajo y las consecuencias de esta fractura sobre el principio contributivo
básico en los sistemas, como el español, en el que el sistema de protección
social se construye desde la tutela general de la fuerza de trabajo. Las
desigualdades que genera la precariedad – en todas sus vertientes, también
en la psicológica y en la cultural
15
– pero también las que se dan respecto de
13 Diario Oficial de la Unión Europea C 309/119, de 16..12.2006.
14 Turbulencias centradas en la recusación de uno de los magistrados que debería juzgar la
constitucionalidad del Estatuto de Catala, realizada en medio de un tremendo linchamiento
mediático del mismo, al considerarse una pieza clave de la estrategia de la derecha española para
impedir el proyecto político del gobierno español en esta materia.
15 Cfr. BRESSON, M. Sociologie de la précari, Armand Colin, Paris, 2007.
25
la formación y cualificación de los trabajadores, los obstáculos a la igualdad
de oportunidades y las nuevas necesidades de servicios que lleva consigo
una sociedad post-moderna y envejecida
16
, pone en crisis lo contributivo
como forma que expresa técnicamente la solidaridad que el sistema de
seguridad social articula. Además esta crisis del principio ha generado,
como forma de viabilidad del sistema, la rígida separacn de las fuentes de
financiación en el sistema español desde el Pacto de Toledo (1996-1997) y
su reconfirmación en el 2001, y la exasperación de las características típicas
del aseguramiento, provocando un proceso tendencialmente acelerado de
asistencialización de la acción protectora de la seguridad social
17
. La otra
cara de esta tendencia es el correlativo fortalecimiento de la dimensión
privada – colectiva de la protección complementaria, basada en criterios
de capitalización, a través de los fondos de pensiones y la exteriorización
de los compromisos de mejora en contratos de seguro privados
18
. Este
último rasgo distintivo, ligado a la perspectiva del mercado de manera
fuerte en la medida en que se trata de un proceso de remercantilización
de la protección social que se asienta normalmente en la negociación
colectiva descentralizada o de nivel empresarial, pero que también se
extiende a sectores y servicios en su totalidad
19
. En ese contexto complejo,
las nociones de igualdad y de solidaridad, contempladas desde el prisma
de la centralización o descentralización en un sistema federal, son un
contenedor vacío, puesto que carecen de significado real. En un mercado
por tanto fracturado y dislocado en categorías sociales y con niveles tan
diferentes de acceso a la protección, el principio unitario de organización
de la protección social ha perdido cualquier referencia a un mercado de
trabajo homogéneo definido en el nivel del conjunto del Estado español. La
fundamentación de los principios de igualdad y solidaridad en la unidad de
marcado puede dar un resultado diferente del pretendido, al verificar que
un mercado construido en torno a las fronteras del Estado – Nación permite
en su seno disparidades muy importantes y desigualdades de tutela notables
que se pueden fijar no sólo verticalmente, sino también en determinados
territorios del mismo
20
.
16 LETTIERI, A., “Jonas o della crisi dei sistema pensionistici”, en GIOVANNINI, G. (Dir.), Il
futuro delle pensioni. Demografía, sostenibili, ideología., Hediese, Roma, 2002, pp. 9 ss.
17 APARICIO, J., “ La evolución regresiva de la Seguridad Social….., cit., pp. 41- 43.
18 MONEREO, J.L., blico y privado en el sistema de pensiones, Tecnos, Madrid, 1996.
19 LOPEZ GANDIA, J., “La protección social de los funcionarios públicos. Regulación actual y
perspectivas ante los sistemas privados de pensiones, Revista de Derecho Social nº 25 (2004),
pp. 31 ss.
20 Como se comprueba al analizar los diferenciales del desempleo y de renta en las distintas regiones
26
Por último, también la construcción europea de la cohesión social y
de las políticas de empleo abre un amplio espacio a la acción de los órganos
de gobierno regional. No sólo porque el método abierto de coordinación
sólo puede ser fructífero “en la medida en que se anima la participación en
los ámbitos territoriales descentralizados”
21
, de forma que se atribuyen a
los órganos de gobierno regionales “crecientes competencias en el diseño,
desarrollo y aplicación de las políticas de empleo”, cuestión que converge
además con una cierta “territorialización” de las políticas combinadas
económicas y de empleo
22
. En materia de cohesión social, el eje de la acción
comunitaria y su propia finalidad pasa por las regiones que componen los
diferentes Estados de la Unión Europea, como subraya el propio art. 158
TCE al afirmar que para reforzar la “cohesión económica y social”, se
deben “reducir las diferencias entre los niveles de desarrollo de las diversas
regiones y el retraso de las regiones o islas menos favorecidas”, lo que se
manifiesta en la regulación concreta de los Fondos estructurales, dirigidos
directamente a las instancias infra-estatales que se localizan en el nivel
regional. Este papel por desempeñar en relación con la Unión Europea es
asumido explícitamente por los diferentes Estatutos de Autonomía de los
gobiernos autonómicos españoles. En todos ellos, pero especialmente la
hornada de la reforma estatutaria de los años 2006-2007 sobre la base del
impulso político al que ya se ha aludido, se establece que la Comunidad
Aunoma no sólo se concibe como un ente de autogobierno que actúa en
el ámbito de la comunidad nacional, sino que su espacio “de referencia” es
también la Unión Europea, lo que implica por otra parte la incorporación de
los valores, principios y derechos europeos en la esfera de decisión política
de la región
23
.
La tensión entre la unidad y la diversidad es por consiguiente un
modelo todavía abierto en el ordenamiento jurídico español, en el que se
españolas. En concreto, la rotación entre los parados y los trabajadores precarios y el nexo entre
estas dos categorías se revela como una característica del mercado de trabajo español y se localiza
en determinadas regiones del Estado español – como señaladamente en Andalucía o Extremadura.
21 CABEZA, J.,Estrategia europea, Estado autonómico y política de empleo”…cit., p. 43.
22 CABEZA, J.,Estrategia europea, Estado autonómico y política de empleo”…cit., p. 43.
23 Así, el Estatuto de Andalucía (2007) establece en su art. 1.4 que “la Unión Europea es ámbito
de referencia de la Comunidad Autónoma, que asume sus valores y vela por el cumplimiento
de sus objetivos y por el respeto de los derechos de los ciudadanos europeos”, el Estatuto de
la Comunidad Valenciana (2006) viene a decir lo mismo, pero explicitando que la Comunidad
Valenciana es unaregión de Europa”, y el art. 3.2 del Estatuto de Autonomía de Cataluña (2006),
se afirma que “Cataluña tiene en el Estado espol y en la Unión Europea su espacio político y
geográfico de referencia e incorpora los valores, los principios y las obligaciones que derivan del
hecho de formar parte de los mismos”.
27
observan frecuentes asimetrías en el sentido que se ha indicado. Un ejemplo
que se revela muy significativo de las tensiones regulativas que plantea el
modelo español lo proporciona el tratamiento de la asistencia social y el
reparto competencial que de ella resulta.
2.- La Asistencia Social como ejemplo.
La asistencia social representa una técnica de protección heredera
de la beneficencia pública y de su lucha contra la pobreza genérica, desde
la que ha evolucionado perfeccionándose
24
. Desde ese origen genético, la
asistencia social se diferencia claramente de la Seguridad Social, cuyo
sujeto beneficiario es precisamente el trabajador y está basada en la noción
de profesionalidad, aunque más adelante, el sistema se vuelque sobre
el ciudadano al que se le protege frente a determinadas situaciones de
necesidad. Por eso se ha podido decir que la asistencia como contenido
de la Seguridad Social asistencialno tiene como objeto la lucha contra
la pobreza, sino contra la exclusión, y busca asegurar al individuouna
posición de seguridad e independencia respecto de los efectos negativos
del mercado”
25
. La delimitación entre ambos conceptos no es fácil y así lo
ha entendido la doctrina desde hace décadas, pues tal delimitación se ve
complicada principalmente por el fenómeno conocido de “asistencialización
de la Seguridad Social que incorporan fórmulas protectoras de carácter
universal. En un principio las prestaciones de asistencia social
26
eran de tipo
discrecional, mientras que las prestaciones de seguridad social generaban
para los beneficiarios plenos derechos individuales.
El caso es que en el sistema español, la asistencia social se
corporeiza en dos subsistemas diferentes. De un lado, un subsistema se
entiende independiente o externo al sistema de Seguridad Social, que se
encomienda en exclusiva al poder de autogobierno de las Comunidades
Autónomas. Este subsistema es unmecanismo para grupos de población a
los que no alcanza aquel sistema (de Seguridad Social) y que opera mediante
técnicas distintas de las propias de la Seguridad Social. En el momento
24 VIDA SORIA, J.,Asistencia social en el sistema de la Seguridad Social española, Revista de
Trabajo nº 21 (1968), pp. 23 ss.
25 M ÁRQUEZ , A., Seguridad Social y protección social: un enfoque conceptual, Serv. Publicaciones
Universidad de Málaga, Málaga, 2002, p. 177.
26 DE LA VILLA, LE., DESDENTADO A.: La reforma del sistema espol de Seguridad Social,
2ª de, Fundación IESA, Madrid,, 1985, pág. 97: Asistencia Social se define como “un conjunto
de mecanismos de protección, de financiación no contributiva, que amparan a la totalidad de los
ciudadanos en estado de necesidad y que no otorgan derechos exigibles”.
28
actual () es característica de la Asistencia Social su sostenimiento al
margen de toda obligación contributiva o previa colaboración económica
de los destinatarios o beneficiarios
27
. De forma que parece que existe un
ámbito bien definido, al menos de forma negativa, para definir la esfera
de actuación de esta noción. Las lagunas o deficiencias producidas por el
sistema de Seguridad Social, constituye asistencia social, si bien –añade
el TC- la ausencia de todo elemento contributivo es la nota característica
en este ámbito de asistencia social, siendo este por el contrario el elemento
característico de la Seguridad Social
28
. Por tanto, servicios sociales y
prestaciones económicas no contributivas, sobre la base de situaciones de
pobreza o de carencia de rentas fundamentalmente han de ser el elemento
material sobre el que se construye este sistema. Pero en paralelo, y conforme
a una maduración de los sistemas de seguridad social, éstos incorporan
también en su acción protectora medidas de asistencia social y, a partir de
1990 de forma sistemática, toda una red de prestaciones no contributivas,
en especial en materia de incapacidad y jubilación. Naturalmente que sobre
este tipo de prestaciones rigen los principios unitarios y homogeneizadores
que de derivan de los principios de igualdad y de solidaridad que residencian
las competencias normativas y ecomicas básicas en el nivel centralizado
como competencia estatal. La separación de estas dos esferas ha sido
criticado por una parte importante de la doctrina que parte de un enfoque
unitario de la Asistencia Social que integre la asistencia social autonómica
en el sistema de seguridad social. Esta tesis, sostenida fundamentalmente
a partir del reconocimiento en numerosas Comunidades Autónomas del
derecho a una renta de inserción o mínimo vital
29
, tiene una gran vitalidad
todavía, como se demuestra respecto de la defensa de la integración de
nuevas situaciones de necesidad, como la de la dependencia, en el sistema
de Seguridad Social
30
. Con todo, la situación de partida a través de la
27 El citado Fdo Jco 6º STC 76/1986, de 9 de junio.
28 En 1990, las prestaciones no contributivas obedecen a esta concepción, el legislador a virtud del
art. 41 CE garantiza una asistencia y prestaciones para todos con independencia de la cotización
del individuo. Introduciendo en el sistema de Seguridad Social, un modelo mixto, al introducirse
el elemento asistencial, en HURTADO GONZALEZ L.: “Asistencia Social y Seguridad Social:
sus fronteras actuales” en Actualidad Laboralm,. 25 (1993), pag. 45; GARCIA-NÚÑEZ
SERRANO F.:Los complementos autonómicos: ¿Seguridad Social o Asistencia Social?,
RMTASm. 34, pág. 143.
29 MONEREO, J.L y MOLINA, C., El derecho a la renta de inserción. Estudio de su régimen
jurídico, Comares, Granada, 1999, pp. 191 ss.
30 CABEZA, J., “Cuestiones sobre el seguro de dependencia”, en AESS, La economía de la
Seguridad Social. Sostenibilidad y adaptabilidad del sistema, Laborum, Murcia, 2006, pp. 40
ss.; RODRIGUEZ, E., “El contenido constitucional de la dependencia”, Revista de Derecho
Social nº 36 (“006), pp. 106 ss.
29
interpretación constitucional del art. 41 CE, permite inferir la existencia de
una asistencia social “interna” al sistema de Seguridad Social que obedece
al carácter dinámico y expansivo de dicho sistema, la cual queda delimitada
por las prestaciones de la Seguridad Social ajenas al esquema contributivo y
de aseguramiento de riesgos y destinadas a sufragar situaciones de necesidad
no cubiertas por las pensiones, y una asistencia social “externa” al sistema
de la Seguridad Social, compuesta por otras ayudas cuya prestación no está
prevista por las normas del sistema de Seguridad social y de competencia
exclusiva de las Comunidades Autónomas”
31
.
El caso es que esta separación funciona de forma dinámica, pero
las líneas fronterizas entre las prestaciones de Seguridad Social y las de
Asistencia Social se han difuminado sobre la base de la universalización
de la Seguridad Social, lo que ha provocado que se “mezclen” en los
ámbitos de la seguridad social con criterios o parámetros más propios
de la Asistencia social. A ello, también ha contribuido el reconocimiento
de auténticos derechos en favor de prestaciones y servicios en la esfera
asistencial. Para el TC, la asistencia social es unconjunto de acciones
y técnicas de protección que quedan al margen de la Seguridad Social,
pero las medidas de asistencia social pueden incidir en personas que ya
son beneficiarios de prestaciones de la Seguridad Social. Así ha sucedido
en el caso de la Comunidad Autónoma Andaluza que en uso de su potestad
normativa en materia de asistencia social, dispuso un complemento
autonómico extraordinario para la pensión no contributiva de jubilación
e invalidez del sistema de Seguridad Social. El supuesto se consideró por
ciertos sectores políticos y por los propios interlocutores sociales como un
hecho conflictivo de cacter simbólico frente al que había que reaccionar
con vigor y el tema se planteó ante el Tribunal Constitucional, que dictó
una sentencia – la ya citada 239/2002, de 11 de diciembre – con varios
votos particulares, como manifestación de lo sensible que resultaba ese
tema. La Sentencia del Tribunal Constitucional camina en una dirección
prudentemente descentralizadora, pero fue muy mal recibida por el
gobierno conservador del Partido Popular, el cual, de manera improcedente
a nuestro juicio, decidió reformar la Ley General de Seguridad Social en
sentido contrario a la orientación marcada por el Tribunal Constitucional.
El cambio electoral en el 2004 posibili que el nuevo gobierno volviera a
reformar la ley aceptando de manera coherente las decisiones que sobre
la constitucionalidad del reparto competencial que había realizado en esta
materia el Tribunal Constitucional.
31 FJ 5º STC 239/2002, de 11 de diciembre.
30
El análisis que realiza la STC 239/2002 merece traerse a colación
por su claridad expositiva. El Tribunal constata que el sistema de Seguridad
Social español se fundamenta, en el momento histórico de la promulgación
de la Constitución, “en un doble pilar: el principio contributivo y la cobertura
de riesgos que se hubieran efectivamente producido, tal y como se fijaba
en los arts. 15 y 20 LGSS de 1974 que regulaban la obligatoriedad de la
cotización y la acción protectora del sistema. Pero además, el sistema de
Seguridad Social, se ponía en relación en la fórmula constitucional del art.
41 con “las situaciones o estados de necesidad. Y por ello, se “configura
como una “función de Estado” para atender a situaciones de necesidad
que pueden ir más allá de la cobertura contributiva
32
. En el ámbito de la
Asistencia Social, esta se integraba como prestación complementaria de
las previstas en los art. 20.2, 36 y 37 de la LGSS (1974); tenía cacter
residual y su reconocimiento era discrecional. Además, confluía una
Asistencia Social externa a la Seguridad Social, dispensada por el Estado,
las Diputaciones, Ayuntamientos que se articulaba como instrumento
protector ante situaciones de necesidad especificas a colectivos donde no
alcazaba la Seguridad Social.
A partir de entonces el sistema de Seguridad Social puede incluir
en su ámbito no sólo las prestaciones de carácter contributivo existentes
tras 1978, sino también una protección no contributiva, que es la única que
puede garantizar la asistencia y prestaciones sociales suficientes a todos
los ciudadanos ante situaciones de necesidad. El Alto Tribunal, interpreta
la normativa de forma novedosa al ampliar el ámbito de la materia de la
Seguridad Social. El art. 41 CE consagra “un sistema de protección social
encomendado a los poderes públicos que tiene como eje fundamental,
aunque no único, al sistema de Seguridad Social de carácter imperativo,
el cual coexiste con otros complementarios. Y subraya “la neutralidad del
precepto desde la perspectiva de la distribución de competencias, puesto
que si el sistema de Seguridad Social debe tener en cuenta, para el reparto
de competencias en su seno, las que respectivamente, correspondan al
Estado y a las CCAA en dicha materia, también los restantes segmentos
de protección social que no se incluyen en aquel sistema reconducen a la
distribucn de competencias que resulte propia de la medida de proteccn
32 Precisamente el voto particular se articula en torno a la discrepancia de este argumento, Conde
(fdo 2º) considera incorrecto “el binomio conceptual principio contributivo y cobertura de
riesgos, como síntesis de los elementos estructurales caracterízadores de la Seguridad Social
preconstitucional”
31
social implicada en cada caso”
33
. Por lo que respecta a la asistencia social,
en esta segunda perspectiva, el TC se limita a razonar que la existencia de
una asistencia social interna al sistema de Seguridad Social en el momento
de aprobación de la CE y el propio artículo 41 al hacer referencia a la
garantía de “asistencia y prestaciones sociales suficientes” obliga al sistema
de Seguridad Social a subsanar la incorrección del constituyente al emplear
el término asistencia social de forma general, sobre la base de entender que
la previsión del art. 148.1.20 CE se refería en principio a la asistencia social
externa a la Seguridad Social
34
.
En definitiva, sobre la base de la confluencia entre la Asistencia
Social y la Seguridad Social asistencial, como resultado de la ampliación
de sus respectivos ámbitos materiales, pueden producirse perturbaciones
entre ambos. El carácter universal de la Seguridad Social y la ampliación
de su campo de protección a su asistencialización, se produce mediante
la incorporación al sistema de Seguridad Social las prestaciones no
contributivas –Ley 26/1990-, que presentan elementos esencialmente
asistenciales al estar sujetas al computo de ingresos económicos y financiarse
a través de los impuestos, pero también mediante los complementos de las
pensiones de viudedad, que no dejan de tener elementos asistenciales y se
nutren de cuotas e ingresos de la Seguridad Social
35
. Por lo tanto, la inclusión
subjetiva en el sistema de Seguridad Social, pudiendo ser un elemento a
valorar en cada caso, debe ponderarse con suma cautela, pues difícilmente
puede ser determinante o concluyente del deslinde competencial entre
aquella materia y la de “Asistencia Social”, como tampoco lo es respecto del
deslinde con el “mutualismo no incluido en la Seguridad Social” o con los
“fondos y planes de pensiones, pues nada impide recibir prestaciones de
la Seguridad Social y otras complementarias provenientes del mutualismo
libre o de los fondos de pensiones”
36
.
De esta manera, “nada impediría desde la perspectiva de la legiti-
midad constitucional, que las CCAA con competencia en materia de
Asistencia Social” otorgasen ayudas de esta naturaleza a colectivos de
personas que, aun percibiendo prestaciones asistenciales del Sistema de
Seguridad Social, se encontraran en situación de necesidad, siempre que
con dicho otorgamiento no se produzca una modificación o perturbación de
33 Los entrecomillados pertenecen al fdo jco 6º. En este aspecto, nuevamente hace regencia el voto
particular, niega el sentido innovador del art. 41 CE
34 Vid Fdo Jco 7º.
35 Fdo Jco 8º.
36 Entrecomillado Fdo Jco 6º.
32
dicho Sistema o de su régimen económico”
37
. Aún más, se entiende que es
una exigencia del Estado Social de Derecho que quienes no tengan cubiertas
sus necesidades mínimas por la modalidad no contributiva del Sistema de
la Seguridad Social puedan acceder a otros beneficios o ayudas de carácter
o naturaleza diferente, habida cuenta de que esta zona asistencial interna al
Sistema coincide con el art. 148.1.20 EC.
Por tanto, esta “unión” no puede impedir a las CCAA que actúen
en estazona común cuando ostentan título competencial suficiente,
máxime si se considera que,en determinadas coyunturas económicas, el
ámbito de protección de la Seguridad Social pudiera conllevar limitaciones
asistenciales y prestacionales que, por ello, precisen de complementación
con otras fuentes para asegurar el principio de suficiencia al que alude
el art. 41 CE. El tema es importante, porque mediante esta interpretación
constitucional, la aplicación de un cierto tipo de federalismo social mas
descentralizado a esta nueva fase de la protección social debiera suponer
“abandonar los viejos principios de control y jerarquía administrativa
centralizadora, y partir de verdaderos esquemas de autonomía financiera
y de gestión guiados por los principios de coordinación y leal colaboración
interadministrativa
38
. En la actualidad, los avances legislativos en esta
materia son fruto de la permanente adaptación a las nuevas circunstancias
sociales. Estos cambios, deben conceptualizarse como fruto del dinamismo,
que se extiende por una parte hacia la consecución de la universalidad
subjetiva de cobertura
39
y la universalidad objetiva, entendida como la
protección frente a los estados de necesidad en que los individuos pueden
verse inmersos, cuando se concretan en ellos ciertos riesgos sociales. Estos
riesgos social su conceptualización en nuestra opinión constituyen el centro
del debate, pues los mismos parecen que no tienen fin en su delimitación
y alcance, y ello entronca con el verdadero problema de qué necesidades
deben estar cubiertas por el Sistema de la Seguridad Social y además de
forma suficiente
40
y cuales por la asistencia social y hasta qué nivel de
protección.
37 Entrecomillado Fdo Jco 7º.
38 LANDA, J.P.:”La organización de la sanidadblica ante la jurisprudencia constitucional: una
reflexión sobre este modelo de reparto competencial entre el Estado y comunidades autónomas y
sobre su posible extensión a otros ámbitos de la protección social”, Revista de Derecho Social
6 (1999), pp. 131-133.
39 Todos los ciudadanos e incluso residentes en el territorio del Estado deben estar integrados en el
campo de aplicación del Sistema de Seguridad Social.
40 APARICIO, J: “Sobre la suficiencia de las prestaciones con ocasión de las recientes reformas del
Sistema de la Seguridad Social”, Revista de Derecho Social m. 17, (2002), pág. 235 y ss.
33
A AFIRMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS E DOS REGIMES INTERNACIONAIS
DE PROTÃO – A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
César Augusto S. da Silva
Advogado e Mestre em Direito e Relações Internacionais
pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Coordenador e Professor de Direito Internacional da
Faculdade de Direito da UFGD – Universidade Federal da
Grande Dourados.
Sumário: Introdução. 1. A concepção contemporânea dos direitos humanos e as relações
internacionais. 2. O direito internacional em direitos humanos e os regimes
internacionais. 3. A educação em direitos humanos. Conclusão.
Introdução
Estas anotações buscam dar uma contribuição a respeito da trajetória
e promoção do direito internacional dos direitos humanos no aniversário
de sessenta anos da Declaração Universal de 1948, enquanto novo ramo do
direito internacional no contexto das relações internacionais contemporâneas.
Também se estabelecem as conexões com os outros ramos do direito
internacional de proteção ao ser humano e principalmente com a educação
em direitos humanos em particular, de modo a estabelecer um caminho de
superação dos problemas sistêmicos de violação de suas normas.
Num primeiro momento uma reflexão mais ampla sobre os
fundamentos e as origens da concepção contemporânea dos direitos
humanos como assunto global, assim como a marcha em torno de sua
universalizão, indivisibilidade e integralidade, e seus desafios em torno
da soberania nacional e do relativismo cultural.
Com base no levantamento bibliográfico da doutrina de direito
internacional dos direitos humanos, e também com gênese na teoria dos
regimes internacionais das relações internacionais aplicável à temática
dos direitos humanos procura-se demonstrar as ligações entre os diversos
regimes de proteção da pessoa humana tendo em comum o princípio da
34
dignidade humana e o da alteridade, partindo-se do direito cosmopolita
kantiano configurado desde a Declaração Universal de Direitos Humanos
de 1948 e os instrumentos normativos que a completaram.
Os problemas relacionados à falta de informação do público em
geral a respeito da educação em direitos humanos e do desenvolvimento
do direito internacional dos direitos humanos, bem como o fato de que
tais questões são dos principais objetivos a serem desenvolvidos pelo novo
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – CDH
- inaugurado em 2005, justificam este trabalho na busca pela reversão
paulatina e contínua das violações maciças destes direitos que continuam
ocorrendo de forma sistêmica ao redor do mundo, mesmo com a presença
dos regimes internacionais de proteção desde meados do século XX.
Se procura vislumbrar que a educação em direitos humanos e o
efetivo desenvolvimento nas sociedades nacionais do direito internacional
dos direitos humanos são soluções possíveis para reverter uma mentalidade
de violações maciças que continuam sistematicamente a ocorrer nas mais
diversas regiões do planeta.
1. A concepção contemporânea do Direito Internacional dos Direitos
Humanos e as Relações Internacionais
A concepção contemporânea de direitos humanos com pretensões
globais é inaugurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial. Seus trinta artigos
estabelecem solenemente, naquele novo mundo que se inaugurava, direitos
aos seres humanos aos quais os Estados nacionais deveriam se comprometer
e proteger. Se em 1948 eram pouco menos do que cinqüenta nações que
se comprometiam, já em 1993, na esteira da realização da II Conferência
Mundial de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, este
número havia subido para mais de cento e noventa nações, demonstrando o
vertiginoso aumento da internacionalização dos direitos humanos.
Ainda que a Declaração tenha sido preparada em momento histórico
no qual os Estados reafirmavam não terem as Nações Unidas em geral ou a
recém criada Comissão de Direitos Humanos – CDH- em particular, poder
para agir em relação às queixas contra violações de direitos humanos e não
se dispusessem a aceitar obrigações decorrentes de tratados internacionais
nessa matéria, é considerado de forma tal que é um documento ímpar ao
reagir à barbárie produzida pelos regimes políticos totalitários no contexto
da Segunda Guerra Mundial.
35
Se nenhum Estado quis o comprometimento global imediato
com a Declaração ao mesmo tempo nenhum dos Estados votou contra a
aprovação do documento na Assembléia Geral da ONU. Porém muitos dos
direitos foram formulados de maneira imprecisa, dando margem a várias
interpretações nacionais, principalmente à aplicação dos direitos sociais
1
.
Tal instrumento internacional, mesmo com estas limitações, e
considerada uma soft law no ambiente internacional, inaugura o novíssimo
direito internacional dos direitos humanos como um ramo do direito que
estabelece uma dimica jurídica própria já preconizada pelo filósofo
Immanuel Kant, duzentos anos antes, em sua “A Paz Perpétua, ou seja, o
chamado direito cosmopolita
2
.
Para o racionalismo otimista do filósofo alemão, a idéia da obediên-
cia ao direito como um dever moral interno de cada ser humano conforme a
razão e que se torne uma legislação universal, é necessária para assegurar a
paz mundial entre os povos, incrementado pela crescente interdependência,
em especial com a intensificação do comércio internacional. Reflexão
retomada dois séculos depois por outro filósofo alemão, Jurgen Habermas,
considerando que a paz perpétua é um elemento característico importante,
mas que não passa de um sintoma da condição cosmopolita
3
.
Habermas buscando reinterpretar esta passagem do filósofo de
Königsberg, estabelece críticas de que a idéia kantiana de condição
cosmopolita precisa ser reformulada, sob pena de perder o contato com
a atual situação mundial e tornar-se obsoleta. Para Habermas
4
, a essência
deste direito cosmopolita consiste em que ele fique acima e interaja
dialeticamente com os sujeitos tradicionais de direito internacional
público: os Estados nacionais. Nesta condição, os seres humanos, enquanto
cidadãos, seriam membros de uma associão de cidadãos de um mundo
completamente livres e iguais em uma federação de povos e Estados.
Em outras palavras, segundo esta concepção, todo indivíduo seria
ao mesmo tempo cidao do mundo, no sentido jurídico da palavra, e
cidadão de um Estado nacional em particular. O ser humano, portanto, é
considerado um membro de uma sociedade nacional e simultaneamente
membro de uma sociedade de dimensões mundiais, mas com as limitações
1 BARAZAL, Neuza Romero. Yanomami: um povo em luta pelos direitos humanos. São Paulo:
USP, 2001, p.145.
2 KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. Tradução Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 1989, p. 43.
3 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber,
Paulo Astor Soethe, Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p.193.
4 HABERMAS, Jurgen. Op. Cit. p.207-211.
36
delineadas pelo próprio Habermas conforme narra Soraya Nour
5
, de modo
a não haver intervenções de um Estado ou grupo de Estados em outro em
nome da humanidade, e também como descreve John Rawls
6
.
A idéia de Kant parece exigir que a sociedade civil organizada
coincida com a comunidade internacional, de modo que a coincidência
eliminaria automaticamente o estado de natureza entre as nações,
estabelecendo uma federação de povos isenta de coação, dentro do qual
os direitos de cada um pudessem estar assegurados, só sendo possível em
estados democráticos constitucionais. Na filosofia política kantiana um
sentido de hospitalidade e vizinhança amigável substitui a inimizade e a
agressividade entre as nações em direção a uma república de povos livres
confederados.
As instituições internacionais e não-governamentais de direitos
humanos, configuradas com o fim da Segunda Guerra Mundial, parecem
absorver esta filosofia kantiana e desde então procuram colocá-la em
prática ao monitorarem as atividades dos Estados nesta área: relatórios,
classificações e monitoramentos a respeito da cultura e implementação
destes direitos, em uma orientação para uma política cosmopolita dos
direitos humanos.
Como expressa o mesmo Habermas
7
, o desenvolvimento posterior
dos documentos internacionais acabou indo para além de Kant: a Carta
do Atlântico de 1941 e a Carta de São Francisco, fundadora da ONU,
de 1945, obrigam seus Estados-membros a observarem e cumprirem os
direitos humanos e as liberdades fundamentais, do mesmo modo que as
normativas posteriores que regulamentaram a Declaração e incorporadas
ao ordenamento jurídico da maioria dos Estados.
Os direitos humanos em sua idéia contemporânea têm concepção
histórica e moral, e por isso, devem também ser justificados a partir do
ponto de vista moral, e assim se aplicaria o princípio da universalidade.
Neste sentido, leve-se em conta o raciocínio de que os direitos humanos
implicam em direitos básicos mínimos, um chamado mínimo ético
universal propagada pela doutrina dos direitos fundamentais constitucionais
constrdos doutrinariamente dentre outros pelo jurista tedesco Robert
Alexy
8
.
5 NOUR, Soraya. Á Paz Perpétua de Kant-filosofia do direito internacional e das relões
internacionais. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.168.
6 RAWLS, John. O Direito dos Povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 106.
7 HABERMAS, Jurgen. Op. cit. p. 212.
8 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução Ernesto Garzón. Madrid:
37
Na análise de Norberto Bobbio, por outro lado, depois da Declaração
Universal de 1948, pode-se dizer que a proteção dos direitos derivados
da dignidade humana passou a ter ao mesmo tempo eficácia jurídica e
valor universal, diferentemente de outrora. O indivíduo, por sua vez, de
sujeito de direito do Estado nacional passou a ser também sujeito de uma
comunidade internacional, com grande potencial para a universalidade,
ainda que o filósofo italiano considere impossível uma fundamentação
absoluta destes direitos
9
.
A Declaração pode ser vislumbrada, então, enquanto uma
hermenêutica autorizada da Carta de São Francisco, como reveladora dos
princípios gerais do Direito Internacional dos Direitos Humanos ou como
aglutinadora de regras gerais de natureza consuetudiria, terminando por
ocupar uma imporncia ímpar na sedimentação do respeito peremptório
aos valores que abrange e deve perpetuar.
E a inspiração kantiana em torno do cosmopolitismo pode ser
vislumbrada desde a Declaração Universal até a orientação política dos
atuais organismos internacionais em torno dos direitos humanos, encarando-
os como direitos morais derivados da dignidade humana cuja validade
ultrapassa a ordem jurídica dos Estados nacionais na ação humanitária ao
redor do mundo.
Direitos estes que não bastam estar em vigor e de serem realizados
pela força estatal, eles devem ter uma justificação racional para deste modo
ter uma validade universal, ou seja, válidos e exigíveis em qualquer lugar e
a qualquer momento, como buscava a antiga doutrina dos direitos naturais,
ainda que naquele contexto apenas uma idéia metafísica e que não levava
em conta o contexto histórico da situação concreta do homem.
Fora isso, a idéia dos direitos humanos não cabia no pensamento do
mundo antigo, não se encontrando esboço nenhum desse conceito universal
nas Institutas de Gaio, no Corpus juris civilis do direito romano, ou ainda
no Código de Manú. Conforme Michel Villey o termo “jura hominum” teria
aparecido pela primeira vez em 1537, na história diplomática do Rerum
Bataviarum
10
. A data deste texto indica claramente que o termo e a idéia dos
direitos humanos universais pertencem ao nascimento da modernidade e se
inserem na evolução gradativa que acompanha o direito e altera e amplia
seu conceito. Mas não indicava uma programação a realizar para consagrar
Centro de Estúdios Constitucionales, 2002, p. 240-245.
9 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política –a filosofia política e a lição dos clássicos. Tradução
Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.486.
10 VILLEY, Michel. Le droit et les droits de l´homme. PUF, 1983, p.159.
38
determinada idéia de antropocentrismo e de “direitos subjetivos” que lhe
seriam naturalmente inerentes e seriam exigíveis perante os nascentes
estados nacionais.
Por outro lado, modernamente como analisa Soraya Nour
11
,
os direitos fundamentais da pessoa humana, vivendo na estrutura do
ordenamento jurídico estatal, são direitos subjetivos exigíveis e não
se confundem com normas éticas puramente abstratas, ou seja, são
justiciáveis, pois podem ser buscados no poder judiciário dos Estados.
Neste viés, deve-se lembrar, que em Kant os direitos humanos encontram
seu lugar na doutrina do direito, ou seja, antes de qualquer coisa, eles
necessitam de um quadro jurídico normativo para petrificá-los, e não
ser confundido com princípios éticos abstratos ou simplesmente com as
divergências políticas típicas da arena internacional.
Há mais de duzentos anos Kant refletia em favor de um direito
civil universal superior aos ordenamentos jurídicos nacionais; porém,
ele não estabelecia isso ao lado da supressão da miríade de Estados em
favor de um Estado único mundial. O que ele parecia realmente pretender
era dar uma resposta política e jurídica à interdependência complexa que
se considerava inexorável naquele momento histórico de final do século
XVIII, marcado pelo movimento político e cultural do Iluminismo e das
revoluções burguesas.
Mas com o objetivo de estabelecer um limite entre umjus
cosmopoliticum” e um ideal humanitário abstrato, Kant acentua que está
falando de direito e de hospitalidade e não simplesmente de filantropia
12
.
Como lembra Heiner Bielefeldt
13
, Kant afirma que a necessidade de uma
ordem normativa civil universal advém também do relacionamento real
historicamente alcançado pela humanidade, o que justifica a ordenação
jurídica concreta.
Assim, a idéia de uma legislação civil universal não é nenhuma idéia
utópica irrealizável ou exagerada de direito. Mas, no pensamento kantiano,
uma complementação necessária para um código jurídico público ainda não
elaborado de direitos humanos tanto de Estados como dos próprios povos.
O maior problema do gênero humano, escreve Kant, consiste
em chegar a uma sociedade civil que administre o direito em geral. Os
11 NOUR, Soraya. Op. cit. p. 169.
12 KANT, Immanuel. Ob. cit. p. 43.
13 BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos direitos humanos. Tradução Dankwart Bernsmüller. São
Leopoldo/RS: Unisinos, 2000, p. 53.
39
homens como espécie são as únicas criaturas racionais sobre a Terra cujas
disposições naturais apontam para o uso da razão, devendo desenvolver-se
completamente, e a doutrina do direito kantiano aponta para uma história
universal no sentido cosmopolita
14
.
A desistência voluntária das soberanias clássicas por parte dos
Estados não ofereceria nenhuma dificuldade no pensamento kantiano. A
república mundial restringiria apenas a soberania interestatal, mas não
a intra-estatal; é então, um estado mundial extremamente mínimo que
administraria no limite os possíveis conflitos que pudessem existir e os
Estados nacionais manteriam suas soberanias internas.
Na linha de Kant, na ordem cosmopolita os Estados nacionais não
desapareceriam por completo, somente perdendo a condição de centros
exclusivos de legitimidade dentro de suas fronteiras, sendo redefinidos
como elementos do ordenamento democrático global ao lado de outros
corpos políticos da sociedade civil organizada.
Fora isso, a soberania nasceu como um conceito político que
depois se materializou nas constituições nacionais dos Estados na ordem
westphaliana, advindo essencialmente dos trabalhos de Jean Bodin ainda no
século XVI
15
. Passou por uma grande transformação nos últimos trezentos
anos e não apresenta mais as suas características de nascimento, falando-
se, por exemplo, em governança global há algumas décadas
16
.
E voltando a Kant, sua tripartição do direito público chega um ponto
singular no direito cosmopolita, na medida em que se trata de pessoas e
estados em comunhão unilateral enquanto cidadãos de um estado universal
de seres humanos. Criticando o colonialismo e o imperialismo europeu,
Kant coloca que somente pelo direito cosmopolita organizado em uma
grande república mundial confederada poderia se chegar ao estado da paz
perpétua
17
.
O princípio máximo desse direito cosmopolita seria a regra da
hospitalidade pela qual todo estrangeiro deveria ser bem recebido e tratado
como se um nacional fosse. Ou seja, significaria dizer que somente seria
destinatário de hospitalidade caso não contrariasse a ordem pública do país
14 KANT, Immanuel. Filosofia de la historia. Tradução Eugenio Ìmaz. México: Fondo de Cultura
Económica, 1992, p.48.
15 BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:Unimarco Editora,
2001, p. 240- 260.
16 ROSENAU. James N. CZEMPIEL. Ernst-Otto. Governança sem governo: ordem e transformão
na política mundial. Tradução Sérgio Bath. Brasília/São Paulo:UnB/Imprensa Oficial, 2000,
p.11- 46.
17 In: ROHDEN, Valério (coord.). Kant e a instituição da paz. Porto Alegre: UFRGS, 1997, p.92.
40
em que estivesse hospedado. Desse modo, aquele que se beneficiaria com a
hospitalidade estrangeira não pode dela se aproveitar para destruir o Estado
que o recebe e nem ameaçar sua própria existência.
Para Habermas, que dialoga com Kant, o objetivo a alcançar parece
ser este: o desejável seria contar com condições para o desenvolvimento
de uma política no interior dos Estados em nível planetário guiado pelo
prinpio jurídico dos direitos humanos, essência de um chamado “Estado
cosmopolita” dotado de instrumentos normativos de força executiva para
fazer respeitar a lei e punir os delitos aos direitos humanos enquanto “ações
criminais”, em direção a uma democracia cosmopolita
18
.
E os direitos humanos, portanto, como expressão desta nova
dimeno de direito, de inspiração kantiana, cujo conteúdo normativo vem
evoluindo desde a tradição da doutrina do direito natural e da construção dos
Estados democráticos constitucionais, e na modernidade positivados desde
as Declarações francesas e norte-americanas do século XVIII, estariam
consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém com
um novo âmbito de validade de suas disposições, tal qual expõe Bobbio
19
.
Nesta perspectiva contemporânea, os direitos humanos procuram
responder ao antigo desafio de como garantir os direitos individuais e
sociais da cidadania, unindo-os e petrificando-os nas legislações nacionais
dos Estados, minimamente, e oferecendo todos os direitos devidos aos
seres humanos apenas porque são seres humanos. Apontando as possíveis
soluções das incertezas do convívio humano, ou seja, como os seres
humanos deveriam viver conjuntamente com um mínimo de rivalidade
e conflito, enquanto mantêm a liberdade de escolha e a auto-afirmação.
Como aponta Zigmunt Bauman:“como alcançar a unidade na diferença e
como preservar a diferença na unidade?
20
Para este desafio, o direito deve ir além do domínio reservado dos
Estados ou de qualquer outra organização política, buscando proteger
os chamados valores intrínsecos do ser humano, retomando a origem do
direito internacional, ao jus gentium
21
clássico antes de sua concepção
moderna westphaliana criada em 1648. Em outras palavras, o direito
internacional dos direitos humanos consagra o ser humano como titular
18 In: VELASCO E CRUZ, Sebasto C. Globalização, democracia e ordem internacional-ensaios
de teoria e hisria. SP: UNESP, 2004, p. 232.
19 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p. 485.
20 BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar
Editor, 2005, p. 48.
21 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. O Direito internacional em um mundo em
transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 1043.
41
de direitos e obrigações para além do direito nacional ou do direito inter
estatal, resgatando a origem do direito das gentes.
E ainda que Hannah Arendt tenha razão, em sua reflexão a respeito
da condição humana - narrada por Celso Lafer
22
, e que não seja verdade
que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos
como afirma o artigo 1
o
da Declaração Universal de 1948, inspirada pela
Declarão de Virgínia de 1776 (artigo 1
o
) e pela Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789 (art. 1
o
), da Revolução Francesa, e que na
verdade os direitos humanos sejam um “construído histórico, elaborado
pela ação conjunta dos homens através da organização política, tornando-
se iguais, a Declaração da ONU é sem dúvida um divisor de águas no
clássico direito internacional.
Pois, até aquele momento histórico, o direito internacional era visto
como um direito entre nações, e no limite, entre organizações internacionais
derivadas dos próprios Estados. Desde a Paz de Westfália até meados do
século XX era um direito exclusivamente exercido por Estados e para
Estados. O ser humano estava excluído destas relações jurídicas, sendo que
seus direitos seriam protegidos somente pelo direito nacional.
Sempre é salutar lembrar que a visão do direito internacional dos
doutrinadores fundadores da disciplina, tais como Hugo Grotius, (Do Direito
da Guerra e da Paz), Francisco de Vitória (O Direito da Guerra e os Índios),
Albérico Gentili (Do Direito da Guerra) levava em conta um verdadeiro jus
gentium universal
23
, que infelizmente após Westfália não foram seguidos, e
que o Direito Internacional dos Direitos Humanos procura retomar.
Francisco de Vitória, por exemplo, que em alguns aspectos pode ser
considerado mais avançado do que Alberico Gentili ou Hugo Grotius, como
comenta Luigi Ferrajoli
24
, reinventa a doutrina jurídica lançando as raízes
do que seria conhecido como direito internacional moderno. Dentre outras
inovações, estabelece a idéia do “totus orbis, ou seja, da humanidade como
pessoa moral representativa de todo o gênero humano.
Coube a Francisco de Vitória, influenciado pela doutrina da
escolástica, ao colocar uma espécie de ponto final na estrutura medieval
que regia as relações entre reinos e impérios àquela época, expor uma
construção sistemática de direito internacional com o objetivo da paz,
22 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.150.
23 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op. Cit. p. 1040-1109.
24 FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Tradução Karina Janinni. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 9.
42
levando em conta toda a humanidade enquanto uma grande comunidade
universal do gênero humano em um contexto de descoberta do chamado
Novo Mundo aos olhos dos europeus.
Defende uma função instrumental para o Estado nacional, uma
concepção inserida na impossibilidade da divisão origiria e natural da
comunidade dos homens. A divisão feita pelos Estados baseado nas noções
de nacionalidade e soberania foi uma necessidade destinada a amparar a
fragilidade da espécie humana, de modo a providenciar sua segurança e
defesa. Tal movimento não suprimiria a comunidade origiria, e aqui
derivaria o jus communicationes, o direito que cada homem tem de ir de
um lado para o outro em torno do planeta Terra, sem ser molestado.
O professor de Teologia de Salamanca entre 1526 e 1546 fez uma
notável análise da legitimidade que teriam os espanhóis para dominar os
habitantes do Novo Mundo, os índios. Estabeleceu uma corajosa defesa dos
direitos dos indígenas naquele contexto histórico adverso aos habitantes
do Novo Mundo, marcado pela superstição e pelo domínio eclesiástico
25
.
Como analisa James Brierly
26
, o ensinamento de Vitória sobre este ponto
específico representou um passo fundamental para a transformação do
direito internacional em um ordenamento jurídico global.
Ou seja, significou que um direito nascido entre os príncipes cristãos
da Europa não se entendia como limitado a estes ou às suas relações
recíprocas, mas como um ordenamento universalmente válido porque
derivado de uma lei natural e costumeira aplicável a todos os homens e em
todos os lugares.
A idéia de uma ordem jurídica sem uma autoridade política central
ou eclesiástica suprema foi extremamente inovadora naquele contexto
do século XVII e teve conseqüências tão profundas para a história que
imortalizou os nomes dos doutrinadores do direito internacional, citados
anteriormente enquanto os fundadores da disciplina
27
. Porém, esta ordem
que consagraria tais autores não seguiria á risca seus ensinamentos quanto
ao jus gentium universal.
Ou seja, um novo direito que retorna em parte ás suas origens de jus
gentium romano amplificado com as reflexões dos primeiros doutrinadores
25 VITÓRIA, Francisco de. Os índios e o direito da guerra. Tradução Ciro Mioranza. Ijuí/RS:
Unijuí, 2006, p.59-91.
26 BRIERLY, James Leslie. Direito internacional. Tradução M.R. Crucho de Almeida. 4
a
ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1967, p. 25.
27 BOBBIT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da
política na formação das nações. Tradução Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus,
2003,p.484-494.
43
do direito internacional para a formação de um novo direito de modo a
abarcar a toda a humanidade no sentido cosmopolita kantiano, com o
enriquecimento e a dialética dos conceitos de igualdade e liberdade.
É lógico que os ideais políticos consagrados da plena igualdade
e liberdade entre os homens ainda é um objetivo a ser alcançado não
correspondendo ao que se observa hoje na realidade. No pensamento de
Hannah Arendt
28
tal realidade podia ser vislumbrada na questão da negação
da cidadania para os refugiados e apátridas, no contexto da II Guerra
Mundial, situação inédita naquele contexto. Porém, a filósofa debateu este
problema antes do crescimento vertiginoso da agenda social da Organizão
das Nões Unidas a partir da década de sessenta, incluindo deslocados
internos, apátridas e refugiados.
E assim mesmo, ainda que possuída de profundo ceticismo em relação
ao universalismo normativo dos direitos humanos e sua implementação,
considerando-os uma abstração apolítica, Arendt acaba reconhecendo
no limite o direito humano de pertencer a uma comunidade política e o
chamado “direito a ter direitos, baseado em uma nova situação histórica,
reconhecendo a inevitabilidade da união da humanidade como uma próxima
realidade a ser vivida
29
.
Pois, é preciso lembrar os diferentes significados que podem ser
dados a liberdade e igualdade e de que o conflito proposto pelos blocos
socialistas e capitalistas durante a Guerra Fria, quando os direitos humanos
foram usados como plataforma de política externa
30
, não corresponde a
uma dicotomia absoluta: como lembra Bobbio
31
, estão em aparente conflito
a liberdade negativa e a igualdade material nas sociedades humanas, mas
não a liberdade positiva e a igualdade política.
Estão certamente em harmonia e não são excludentes a liberdade
positiva e a igualdade política. E como estão redefinidos os conceitos
da liberdade e da igualdade a partir da experiência humana neste último
quarto de século e nos documentos normativos que completariam os
regimes internacionais de proteção do ser humano, de fato, não há nenhuma
contradição em particular na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 em afirmar a unidade de direitos que podem exigir um comportamento
intervencionista ou não do Estado na vida privada dos indivíduos.
28 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989, p.324-336.
29 ARENDT, Hannah. Ob. Cit. p. 330.
30 SCHLESINGER JR, Arthur. “Los Derechos Humanos y la tradición estadounidense” In: Foreign
Affairs – en espanhol. V. 3, n. 3, 2003, p.227- 245.
31 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 496.
44
Mas, independentemente da fundamentação teórica dos direitos
humanos, a iniciativa da criação da Declaração Universal iniciou uma
campanha política que conseguiu efetivamente inscrever de maneira
indelével os direitos humanos na agenda da política internacional e na
consciência coletiva dos povos, um notável feito considerando que ocorreu
em um dos séculos mais “desumanos” da história como bem observa
Arthur Schlesinger Jr
32
.
A Assembléia Geral das Nações Unidas adotaram pela resolução 217
A (III) a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de
1948, que procurou romper com a tradição jurídica do direito internacional
advinda desde Westfália na medida em que procura reconhecer o ser
humano como titular de direitos e obrigações no plano internacional.
E como lembra o mesmo Bobbio
33
, desde então, o problema
fundamental contemporâneo em relação aos direitos humanos não é
justificá-los ou procurar princípios absolutos, mas o de protegê-los e realiza-
los efetivamente, enquanto o salto qualitativo da humanidade em direção a
um comportamento de boa convivência e respeito ao próximo. Em outras
palavras, o debate alcança o mundo político das sociedades e dos Estados,
e não se fixa apenas no campo da fundamentação filosófica.
E então, este novo regime jurídico, paulatinamente no campo da
política internacional, criou regimes internacionais tanto em nível global
como em nível regional, de modo a tutelar a proteção do ser humano
e monitorar as violações mais graves perpetuadas nas sociedades,
principalmente aquelas praticadas pelos agentes públicos dos Estados
nacionais contra sua própria população.
2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e os regimes
internacionais
A teoria dos regimes internacionais, proposta inicialmente pelo
cientista potico John Ruggie
34
, mas consagrada por Stephen D. Krasner
35
,
é aquela que se refere ao conjunto de princípios, normas, regras e
32 SCHLESINGER, Jr. Os ciclos da história americana. Tradução Raul de Sá Barbosa e Múcio
Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992, p. 97.
33 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
34 In: DOUGHERTY, James E. PFALTZGRAFF Jr., Robert L. Relações internacionais – as teorias
em confronto. Tradução Marcos Farias Ferreira, Mônica Sofia Ferro e Maria João Ferreira.
Lisboa/Portugal: Gradiva, 2003, p.669.
35 KRASNER, Stephen.D. International regimes. New York: Paperback, 1983.
45
procedimentos de tomadas de decisões implícitas e explícitas em torno dos
quais as expectativas dos atores das relações internacionais convergem.
E os direitos humanos, a partir de 1948, iniciaram seu processo de
universalização e a criar instituições que os promovem, gerando mútuas
expectativas nos Estados e organizações internacionais.
Assim, podemos dizer que uma série de normas, regras e
procedimentos dos direitos humanos, convencionais e extraconvencionais,
criaram um regime ou uma série de regimes sobre direitos humanos em
geral. Os Estados vêm tentando cumprir e honrar seus compromissos
nesta matéria principalmente desde que o assunto passou a um tema global
entrando no centro da agenda da política internacional, sobretudo com o
término da Guerra Fria como lembra José Augusto Lindgren Alves
36
.
Nesta concepção, os direitos humanos podem ser compreendidos
dentro da teoria dos regimes configurando-se em regras e procedimentos
aos quais os estados precisam cumprir. E mesmo que momentaneamente
tenha razão Michael Freeman ao afirmar que sua implementação enquanto
regime seja ainda relativamente fraca
37
, pelos desafios persistentes da
soberania dos Estados e do relativismo cultural, eles parecem caminhar para
um consenso universal na busca de um direito comum da humanidade.
Na expressão de Antonio Augusto Cançado Trindade
38
, este novo
ramo do direito internacional é um “corpus juris d e pr ot eç ão do se r hu m an o,
possuindo especificidade, dimica e regras próprias, regulando relações
entre desiguais com o objetivo de proteção última da pessoa humana.
Possui normas, convenções, princípios e conceitos elaborados nos
tratados e resoluções internacionais com o desiderato comum de proteção
do ser humano, do mesmo modo que na esfera processual, mecanismos
dotados de base convencional e não convencional,que agem pela sistemática
de petições, produção de documentos e perquirições produzidas por
organismos internacionais na esfera global ou regional.
No limite, são capazes de produzir constrangimentos sistêmicos
ao conjunto de países no maior ou menor respeito aos direitos humanos e
acabam por influenciar a tomada de decisões governamentais em relação a
implementação e efetivação do arcabouço jurídico de proteção.
36 LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos como tema global. 2
.
ed. São Paulo:
Perspectiva, 2003, p.2.
37 FREEMAN, Michael. Human rights-an interdisciplinary approach. 2. ed. Cambridge/U.K:
Polity Press, 2003, p.131.
38 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. “O futuro do direito internacional dos direitos
humanos” . In: CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antonio Paulo (Org.) Desafios do direito
internacional contemponeo. Brasília: IPRI, 2007, p. 210.
46
Ainda que não possuindo eficácia completa no que tange ao processo
decisório dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (o
que aumenta a necessidade de reforma deste Conselho), nos últimos anos os
regimes de direitos humanos foram capazes de produzir efeitos em relação
à mudaa de regime político na África do Sul, salvar milhares de vidas ao
denunciar os abusos e socorrer muitas vítimas por meio da ação coordenada
de seus organismos, convergir com a fé espiritual das maiores religiões
monoteístas do mundo, e pressionar os países latino-americanos à transição
das ditaduras militares para democracias representativas, particularmente
no Brasil, ao criticarem o país por ter uma política de Estado de violação
aos direitos humanos nos anos 70, e o obrigarem a se posicionar em relação
ao tema nos sistemas da ONU e da OEA
39
.
Como expõe o mesmo Cançado Trindade
40
, o âmbito de validade e
aplicação do direito internacional dos direitos humanos se estende também
em relação a terceiros (não apenas na relação jurídica de cidaos com
seus Estados), tais quais organizações paramilitares, grupos clandestinos
ou organizações não-governamentais, podendo nesta hipótese invocar-se
a responsabilidade internacional objetiva dos Estados por não protegerem
seus cidaos contra tais ameaças.
E praticamente todas as normativas que compõem o direito
internacional dos direitos humanos no nível global e regional colocam em
seu preâmbulo o reconhecimento de que esses direitos decorrem do princípio
da dignidade humana, confirmando a intenção original da Declaração
Universal de 1948 e confirmada na Declaração de Viena em 1993.
O princípio da dignidade humana, protegido por direitos políticos e
jurídicos petrificados em documentos normativos, por outro lado, também
pode ser entendido teologicamente como expressão de um movimento
divino que age antes de qualquer obra ou mérito humano, como lembra
Bielefeldt
41
; sendo que grandes tradições religiosas monoteístas consagraram
o ser humano como imagem e semelhança do chamado Criador, tornando-
se parte irrenunciável da tradição cristã ou judaica, por exemplo.
E a indivisibilidade e unidade dos direitos humanos derivados do
princípio da dignidade da pessoa humana também aparecem na teoria
da justiça de John Rawls, ainda que não fosse este o foco de discussão
39 MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 3
a
ed. Petrópolis/
RJ: Vozes, 1985, pp. 200- 224. FICO, Carlos. Além do golpe – versões e controvérsias sobre 1964
e a ditadura militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2004, p. 85.
40 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op.cit. p. 211.
41 BIELEFELDT, Heiner. Op. Cit. p 231.
47
do autor
42
. A teoria de Rawls com foco no debate do conceito de justiça
ambiciona encontrar um meio que permita superar o impasse entre as
tradições que acentuam a importância das liberdades privadas e dos direitos
civis em relação a outras que priorizam as liberdades políticas e os valores
da vida pública.
E sua teoria ainda incorpora a dimensão social e econômica dos
direitos humanos, por meio do seu segundo princípio de justiça, que tende
para a constituição de uma ordem social e política mais justa e igualitária.
E por fim, ainda engloba a dimensão humanista kantiana quando considera
a dignidade como auto-respeito enquanto um dos bens primários mais
importantes destinados a estar no centro de sua obra, além de fundamentar
os direitos humanos numa concepção de justiça cosmopolita liberal
43
.
O que realmente parece pretender Rawls é estabelecer uma
combinação ou afinidade entre diferentes tradições filosóficas representadas
pelo jusnaturalismo de John Locke, pela teoria da vontade geral de Jean
Jacques Rousseau e pelo cosmopolitismo de Immanuel Kant de modo a
elevar sua reflexão ao mais alto grau de abstração, levando em conta a
metafísica e o empirismo.
Como comenta Fernando Quintana
44
, a liberdade e a igualdade no
conceito de Rawls funcionam como condições ou requisitos formais para
que o consenso entre os seres humanos se opere de modo imparcial, e
também cooperativo. E estes princípios ao lado dos direitos civis, políticos
e sociais adquirem uma dimensão concreta na chamada justiça substantiva
ou material.
No pensamento de John Rawls, enfim, os direitos humanoso uma
verdadeira classe de direitos especiais que desempenham papel fundamental
em um direito internacional que ele incorpora a categoria da razoabilidade:
tais direitos restringem as razões justificadoras da guerra ee um limite
à autonomia interna de um regime político, limitando a soberania como
é concebida desde a Segunda Guerra Mundial
45
. Aponta para os limites
da soberania absoluta clássica e da jurisdição doméstica dos Estados em
relação aos seus territórios.
42 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímolli. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 275.
43 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 107.
44 QUINTANA, Fernando. La ONU y la exégesis de los derechos humanos ( una discusión teórica
de la noción). Porto Alegre: Fabris Editor,1999, p.278.
45 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 103.
48
E conforme Jack Donnelly os direitos humanos são um tipo especial
de direitos, constituindo-se fundamentalmente enquanto diretrizes de
direitos morais e cada vez mais reconhecidos no direito internacional e com
cada vez um maior número de pses incorporando esses direitos em seus
sistemas jurídicos nacionais, e relativamente universais até o momento
46
.
Ou seja, apóia-se também nas reflexões de pensadores mais
contemporâneos o crescimento da tradição e da envergadura que ganhou o
direito internacional dos direitos humanos e seus regimes internacionais,
hodiernamente. Seu corpo jurídico, no sentido amplo, também abrange as
normas de direito internacional dos refugiados e o direito internacional dos
conflitos armados, estabelecendo uma interação dialética consistente com
estes ramos, formando um arcabouço jurídico que converge na protão do
ser humano em tempos de guerra ou em tempos de paz.
Nesta linha, a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça observa
que a proteção do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU
não cessa em tempos de guerra, assegurando que o direito humanitário e
outras leis aplicáveis em conflitos armados regulam as condutas e devem
proteger direitos, conforme narra John Burroughs
47
.
A Corte Internacional de Justiça e os demais tribunais internacionais,
especialmente os tribunais de direitos do homem, criaram jurisprudências
sólidas no sentido d a convergência ent re as ver tentes do direito inter nacional
de proteção do ser humano e a respeito dos princípios que regem globalmente
os direitos humanos
48
.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, no caso
das Comunidades do Jiguamiandó e do Curbaradó ordenou a garantia de
proteção especial às chamadas zonas humanitárias para o refúgio, áreas
estabelecidas por milhares de famílias afrodescendentes, organizadas como
quilombos, que viviam nesses locais de modo autônomo. E as resoluções
posteriores desta Corte determinaram e confirmaram a criação gradual de
um verdadeiro direito à assistência humanitária conforme as Convenções
de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977
49
, confirmando a
unidade dos direitos protegidos.
46 DONNELLY, Jack. International human rights. 2a ed. Denver: Westview Press, 1998, p. 19.
47 BURROUGHS, John. The legality of threat or use of nuclear weapons. Munster: Lit, 1998, p.
28.
48 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. “Direitos humanos: personalidade e capacidade
jurídica internacional do indivíduo” In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. (org.). Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p.199- 285.
49 UNESCO. O direito à assistência humanitária. Tradução Catarina Eleonora da Silva, Jeanne
Sawaya. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
49
Na compreensão de Christophe Swinarski
50
, as normas do direito
internacional dos conflitos armados podem ser complementadas por
outros sistemas de normas internacionais de proteção da pessoa humana,
especialmente pelo direito internacional dos direitos humanos, possuindo
ambos os regimes um “núcleo inderrogável, com alguns conteúdos
jurídicos iguais, como o direito à vida, a proibição da tortura ou a proibição
da escravidão. O que deve ser dito, portanto, é que se forma uma verdadeira
ordem pública internacional de modo a consolidar obrigações erga omnes de
proteção por parte dos governos dos Estados nacionais e das sociedades.
Então, se pode afirmar que todas as normas internacionais
convencionais e até costumeiras que protejam direitos humanos impõem
obrigações erga omnes mediatas aos seus destinatários, incluindo que tal
consagração já se encontra no parágrafo 4o da Declaração de Viena de 1993,
sendo esta compreensão considerada praticamente pacífica na atualidade,
visto as posições assumidas pela Comissão de Direito Internacional da
ONU
51
.
Como já dito anteriormente, as diferentes normas, acordos e
convenções de direitos humanos, específicas ou gerais, formam os
regimes internacionais desta área, pois geram uma série de expectativas
mútuas e procedimentos recíprocos na linguagem da teoria dos regimes
internacionais.
Os regimes regionais de proteção da Organização dos Estados
Americanos (OEA), da União Européia (U.E), da Unidade Africana (U.A),
bem como incipientes regimes na região árabe e asiática ( Carta Árabe
de 1994 e Declaração do Cairo de Direitos Humanos de 1990) foram
instituídos e convivem mutuamente de forma complementar, criando
expectativas entre seus membros a respeito das aplicações e violações de
suas regras. Por sua vez, a Organização das Nações Unidas estabeleceu
seu principal corpo jurídico ao colocar em vigência, em 1976, os Pactos
Internacionais de Direitos Civis e Políticos e o de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais que regulamentaram a Declaração Universal de 1948,
produzindo ainda duas Conferências Mundiais, em 1968, de Teerã; e em
1993, em Viena, mesmo que num contexto conturbado, primeiro pela
Guerra Fria, e posteriormente, pelo desafio do relativismo cultural
52
.
50 SWINARSKI, Christopher. Direito internacional humanitário – como sistema de protão
internacional da pessoa humana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.94.
51 BAPTISTA, Eduardo Correia. Jus Cogens em direito internacional. Lisboa/Portugal: LEX, 1997,
p. 397.
52 LINDGREN ALVES, José Augusto. Relações internacionais e temas sociais. Brasília: IPRI,
2003, p. 107-110.
50
Mesmo assim, produziu-se a Proclamação de Teerã e, posterior-
mente, em 1993, a Declaração e o Programa de Ação de Viena que
confirmavam o espírito da Declaração Universal, em torno dos direitos
humanos serem unos, indivisíveis e holísticos. Dito de outro modo, os
princípios que fundamentam o direito internacional dos direitos humanos
estavam justamente nestas características expostas pelas Conferências
Mundiais: universalidade, integralidade e indivisibilidade dos direitos a
serem tutelados, e não separações ou visões fragmentadas dos direitos da
humanidade.
Superando os problemas de interpretação da Proclamação de Teerã
e avançando na generalização do quadro normativo dos direitos humanos,
como esclarece Cançado Trindade
53
, e reafirmando as teses da unidade,
universalidade e integralidade, particularmente a Declaração de Viena
estabeleceu que os regionalismos culturais de regiões localizadas não
poderiam ser invocados de modo a justificar as violações aos direitos
humanos consagrados, pois se entendeu que as características culturais
específicas configurando a diversidade enriqueceriam a universalidade e
não o contrio.
A tese do relativismo cultural continua a ser um desafio a ser supe-
rado e marcou bastante o ambiente da constituição da Declaração de Viena
de 1993, do mesmo modo que a tentativa de dividir os direitos humanos em
gerações diferentes e excludentes ao longo destes últimos 60 anos desde a
criação da Declaração Universal.
A crítica intercultural não invalida a Declaração de Direitos
Humanos de 1948, como bem observa Raimundo Panikkar
54
, mas oferece
novas perspectivas para uma postura crítica sobre os limites de validade
e aplicação do direito internacional dos direitos humanos, bem como leva
a reflexão de como identificar no caso concreto o relativismo e o próprio
universalismo.
O discurso e a prática da proteção universal dos direitos humanos
não podem representar um novo colonialismo ou imperialismo como já
criticava Kant em relação ao comportamento dos povos europeus de
duzentos anos atrás, e também não pode representar um pretexto para
destruição de culturas autóctones como nos séculos XVI e XVII em relação
aos amendios, por exemplo.
53 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos e o
Brasil: as primeiras cinco décadas. 2
a
ed. Brasília: Ed. UNB, 2000, p. 145-146.
54 PANIKKAR, Raimundo. “Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental?”.In: BALDI,
César Augusto. Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.226.
51
Mesmo porque a Organização das Nações Unidas já avançou bastante
no sentido do pluralismo e do respeito às diferenças culturais em seus
documentos normativos que convergem na proteção dos povos autóctones.
A Declaração dos Direitos da Criança de 1989 possui dispositivos
especificamente dirigido aos autóctones, a Declaração do Rio de Janeiro
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992 recomenda que
os Estados promovam a identidade e as culturas dos povos autóctones a
fim de melhor incluí-los no desenvolvimento sustenvel. A Agenda 21, o
Programa de Ação da Declaração do Rio, reforça fazendo recomendações
mais específicas aos Estados para preservar e ceder às reivindicações
territoriais dos povos autóctones.
Fora isso, em 1992, a Organização das Nações Unidas realizou
aquilo que havia se recusado em 1948, no sentido de buscar uma solução
para um complexo e delicado problema que apresentava particularidades
em cada Estado, ou seja, a questão das minorias e dos povos autóctones.
Produziu a Declaração dos Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias
Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas, provindo diretamente da
reflexão de um Grupo de Trabalho organizado em 1978 pela Comissão dos
Direitos Humanos
55
.
A Declaração dos Povos Autóctones impõe aos Estados um dever
geral de proteger as minorias políticas e étnicas e afirma o princípio da
participação efetiva de pessoas pertencentes a minorias no processo decisório
nacional ou local referentes à vida destes grupos. Está em consonância e
harmonia com o enfoque individualista do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos de 1966, como lembra Norbert Rouland
56
Deve-se ressaltar que quanto ao problema das gerações, desde a
configuração da Declaração Universal, o que Eleanor Roosevelt, uma das
líderes políticas que estavam na gênese de sua criação já observava: “nenhuma
liberdade pessoal pode existir se não houver segurança econômica e
independência
57
. Ou seja, de que não é possível garantir os direitos civis
e políticos se não houver garantias aos direitos sociais, econômicos e
culturais confirmando a unidade e integralidade dos direitos.
A internacionalização dos direitos humanos, então, iniciada em 1948
significa dizer que os problemas relativos à implementação de seu conteúdo
55 ROULAND, Norbert.(org.) Direito das minorias e dos povos autóctones. Tradução Ane Lize
Spaltemberg. Brasília: UNB, 2004, p.230.
56 ROULAND, Norbert. Op. Cit. p.231.
57 In: ARBOUR, Louise.“ O dia dos direitos humanos e a pobreza”. In: Revista Jurídica Consulex
– Ano XI, n. 267, fevereiro de 2008, p. 21.
52
passaram também a ser regulado pelo direito internacional público, não mais
sendo domínio reservado dos Estados. E com a pessoa humana consagrada
como titular de direitos e deveres no plano internacional estabeleceu-se
uma relação entre a universalidade e a historicidade dos direitos humanos,
estando então superada a visão da doutrina do direito natural decorrente da
natureza imutável do ser humano considerado em abstrato, sem levar em
conta o contexto histórico das sociedades, como exprime Carlos Weiss
58
.
E ainda que se precise dar ouvidos às vozes de advertência e cau-
tela de Norbert Rouland de que “a concepção unitarista dos direitos
do homem não representa um horizonte insuperável e nem mesmo um
axioma universal
59
, não se pode negar a tendência global do processo de
internacionalização e de crescimento vertiginoso dos valores pressupostos
na regulamentação contemporânea dos direitos humanos em todo o globo.
Mesmo porque a Proclamação de Teerã já expunha em seu artigo 5
o
que as
particularidades nacionais e regionais deviam ser levadas em conta, assim
como os diversos contextos históricos e culturais; sendo a Declaração
de Viena ainda mais contundente ao impedir a invocação do relativismo
cultural para justificar violações de direitos humanos.
O diálogo intercultural e inter-religioso com respeito à diversidade
e com fundamento no reconhecimento de que os outros seres humanos são
dotados de dignidade e direitos, ou seja, com fundamento no princípio da
alteridade, é condição para a formação de uma verdadeira cultura e educação
em direitos humanos. E o diálogo entre os regimes internacionais de
direitos humanos com as culturas religiosas vem confluindo desde algumas
décadas, e merecem destaque as reflexões de Mohamed Talbi
60
a respeito
da humanização da Charia islâmica, de Zakaria El Berry
61
sobre a harmonia
entre o Islã e os direitos humanos, e a de Damien Keown
62
a respeito da
interpenetração entre o Budismo e os valores dos direitos humanos.
Por outro lado, a Declaração de Viena de 1993, que reafirma as
intenções da Declaração de 1948 na promoção dos direitos humanos, foi
aprovada sem nenhum voto contrio num universo de mais de cento e
58 WEISS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 113.
59 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p.267.
60 V.TALBI, Mohamed. “Humanismo do Alcorão: humanizar a Charia - leitura vetorial do Alcorão
e da Charia”. In: DAL RI JR, Arno. ORO, Ari Pedro. (orgs.). Islamismo e humanismo latino-
diálogos e desafios. Petrópolis/RJ: Vozes/ Treviso/ Fondazione Cassamarca, 2004, p. 149-170.
61 EL BERRY, Zakaria. Os direitos humanos no Islã. Tradão Samir El Hayek. São Bernardo do
Campo/SP: Centro de Divulgão do Islã Para América Latina, 1989.
62 V. KEOWN, Damien. “Budismo e direitos humanos”. In: BALDI, César Augusto. Direitos
humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.323-358.
53
noventa nações e apenas reservas de interpretações mínimas. Considerada
o maior e mais completo documento internacional a respeito dos direitos
humanos, sendo aquele que realmente universalizou o conceito de direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana
63
.
A Convenção Internacional para Eliminar Todas as Formas de
Racismo (1965), os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e
Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972), a Convenção para Eliminar
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), a Convenção
contra a Tortura (1984), a Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989),
e a citada Declaração de Viena (1993) - todas elas derivadas da Declaração
Universal de 1948, configuram o que se pode chamar de arcabouço jurídico
principal dos direitos humanos no sistema das Nações Unidas, e que em
outros termos, criam os regimes internacionais de proteção à pessoa humana
quando postos em ação, capazes de influenciar, constranger e modificar a
visão de povos e governos a respeito do tema em seu processo decisório.
Sendo que a maioria dos países do sistema internacional incorporou
estes textos aos seus ordenamentos jurídicos domésticos, incluindo grande
parte dos asiáticos e orientais, o que ocasiona constrangimentos em maior
ou menor grau entre àqueles que não cumprem suas regras e um clima
de mútuas expectativas e monitoramentos recíprocos, supervisionados por
órgãos tais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos
Humanos – ACNUDH – ou o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados – ACNUR – e agora o novo CDH - Conselho de Direitos
Humanos - que substitui a antiga Comissão, e no momento como órgão
subsidiário da Assembléia Geral das Nações Unidas ganhando um novo
status no sistema internacional.
E este novo Conselho de Direitos Humanos, inaugurado em 2005,
terá como missão, dentre outros objetivos: a) coordenar e incorporar
os direitos humanos à atividade geral do sistema das Nações Unidas;
b) impulsionar a promoção e proteção de todos os direitos humanos; c)
promover a educação em direitos humanos em todos os países membros;
d) prevenir as violações dos direitos humanos; e) promover o cumprimento
das obrigações dos Estados em matéria de direitos humanos; f) contribuir
para o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos.
Óbvio que grande parte destas funções já eram desempenhadas
quase todas pela antiga Comissão de Direitos Humanos, e, portanto, este
63 LINDGREN ALVES, José Augusto. “Fragmentação ou recuperação”. In: Revista Política
Externa, São Paulo: Paz e Terra, vol.13, n. 2, setembro/outubro/novembro de 2004, p.10-11.
54
novo organismo tem como mudança principal o fato de que possui maior
visibilidade política enquanto órgão subsidiário da Assembléia Geral
em relação à Comissão que dependia do Conselho Econômico e Social
e também o fato de que haverá mais reuniões ordinárias por ano e mais
temas em pauta.
O desenvolvimento do direito internacional e da educação em
direitos humanos, como se vê, são dos principais objetivos da nova
Comissão de Direitos Humanos e espera-se que tais metas estabeleçam
uma cultura contínua de direitos humanos e que as demais metas possam
elevar o novo Conselho de Direitos Humanos a uma condição de organismo
protagonista e permanente da ONU.
E dentre os objetivos traçados por este sistema de proteção que se
propõe a afetar todos os povos da terra somente com a cooperação, vontade
política dos governos e ação coordenada e decidida em torno das garantias
e liberdades fundamentais da pessoa humana, teremos a educação em
direitos humanos de modo a obter resultados a médio e longo prazo de sorte
a modificar ao longo do tempo o quadro internacional de violações maciças
de direitos humanos que continuam ocorrendo ao redor do mundo.
3. A Educação em Direitos Humanos
Uma educação em direitos humanos, ininterrupta, independente-
mente de governos nacionais, enquanto política de Estado e de
comunidades, seria imprescindível para a reversão da cultura da violência
e da intolerância sistêmica que marcam grande parte das regiões do mundo
e para o fortalecimento dos regimes internacionais a partir da ação política
e da mudança de mentalidade da maioria da sociedade civil. A pobreza,
a exclusão social, os desastres ambientais e o terrorismo, dentre outros,
continuam a ameaçar e a desafiar a política cosmopolita dos direitos
humanos propagada pelos regimes regionais e internacionais.
Mas o processo para aprender direitos humanos e seus axiomas
não pode ser compassivo e autoritário, baseado em modelos tradicionais
da relação professor-aluno disseminado no ensino formal tradicional da
maioria dos Estados. O aprendiz deve estar no centro do processo educativo
e deve-se estimular seu pensamento independente, de modo a respeitar sua
dignidade e sua liberdade enquanto autonomia.
Neste sentido, a educação em direitos humanos poderia ser conduzida
por algumas linhas mestras, como propõe o Instituto Interamericano de
55
Direitos Humanos
64
: aprendizagem e conhecimento, práticas educativas e
projetos e pesquisas interdisciplinares envolvendo todas as ciências sociais,
e finalmente debates sobre os axiomas. Tais medidas e práticas necessitariam
ser massificadas em todos os institutos de ensino das sociedades, do ensino
fundamental ao ensino superior, com a estrita colaboração dos governos
e da sociedade civil organizada num esforço conjunto, no sentido de
combater a cultura da violência e das violações maciças tendo como base o
reconhecimento do outro, a tolerância e a alteridade
65
.
Estas linhas principais precisariam debater a questão dos valores em
relação à prática da liberdade, da igualdade e da solidariedade nos dias
atuais de um mundo muito mais conectado e globalizado do que outrora, e ao
mesmo tempo a capacidade e a vontade política dos Estados e comunidades
locais em implementar os direitos civis e políticos simultaneamente em
relação aos direitos sociais, econômicos e culturais.
Ensinar e praticar o princípio da dignidade da pessoa humana e da
alteridade em mensagens mais simplificadas e diretas para a população
bem como todos os princípios e direitos derivados: direitos civis, políticos,
sociais e culturais, aprendidos desde a tenra infância, de modo a aumentar
a prática da tolerância, do respeito à diferença, da pluralidade e dos valores
colocados desde a Declaração Universal de 1948, passando de geração a
geração ininterruptamente.
Para tais desafios, o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos do Brasil aprovado no contexto do Programa Nacional de Direitos
Humanos do país (Decreto 4229/2002), poderia se constituir um exemplo a
seguir em termos de estratégia nacional em cada Estado
66
.
O Plano nacional brasileiro expõe a inclusão da educação em direitos
humanos no currículo das escolas primárias e secundárias simultaneamente
que no ensino superior, no sentido do ensino de concepções e princípios de
respeito ao outro e do valor intrínseco que cada ser humano possui, bem
como as ações programáticas neste sentido.
Am disso, também ao incluir no campo da educação não-formal ao
instruírem-se movimentos sociais, associações civis e organizações não-
64 COSTA RICA. Manual de educación em derechos humanos. 2. ed. San José/Costa Rica: Instituto
Interamericano de Derechos Humanos/Unesco, 1999, p. 151.
65 DA COSTA, José André.Emmanuel Levinas direitos humanos e reconhecimento da
alteridade” In: CARBONARI, Paulo César. Sentido filosófico dos direitos humanos – leituras
do pensamento contemponeo. Passo Fundo/RS: IFIBE, 2006, p.177- 204.
66 V.BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, Ministério da Educação, Minisrio da Justiça, Unesco, 2007, p.15.
56
governamentais sobre os valores dos direitos humanos. Fora isso, também é
importantíssimo sua exposição a respeito da educação em direitos humanos
para os profissionais que atuam no sistema de segurança e justiça, bem
como com os profissionais da imprensa falada e escrita, de modo a formar
ao longo do tempo uma verdadeira cultura de direitos humanos e evitar
visões populares equivocadas tais quais a que os ativistas e organizações
de direitos humanos só protegem criminosos.
É importante destacar que a educação em direitos humanos não
se confunde com o ensino de disciplinas como Educação Moral e Cívica
ou Organização Social de Problemas Brasileiros tão comuns à época do
regime militar de 1964 a 1984, que levavam a exaltar o patriotismo e o
nacionalismo de forma exacerbada.
Pelo contrário, a educação em direitos humanos seria um projeto
para o porvir dos povos, das sociedades e dos Estados. Prega os valores
da liberdade enquanto autonomia, da igualdade, da tolerância e do
reconhecimento do outro, ou seja, das identidades e igualmente das
alteridades. È neste sentido que tanto o Manual de Educação do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos quanto o Plano de Educação em
Direitos Humanos do Brasil frisam o aspecto do ensino dos valores desde a
infância até os profissionais adultos que operam o direito
67
.
É necessário, então, um amadurecimento de consciência e ao mes-
mo tempo um estímulo para a busca de efetivação dos direitos humanos.
Pois, deve-se buscar o avanço do dos regimes de proteção aos direitos
humanos também por dentro dos Estados, conscientizando as autoridades
nacionais e a sociedade civil organizada de seus direitos e deveres derivados
dos valores herdados do Iluminismo, do racionalismo, da tolerância
e das grandes religiões monoteístas do mundo de modo a combater o
obscurantismo derivado de nacionalismos exacerbados, xenofobias,
terrorismos e relativismos culturais usados para não aplicar ou justificar as
violações aos direitos humanos ao redor do mundo.
O direito internacional dos direitos humanos, portanto, possui
múltiplas fontes normativas, uma hermenêutica própria inspirada
fundamentalmente no pensamento cosmopolita kantiano, uma dialética
com outros ramos do direito internacional, e forma regimes internacionais
que buscam a realização de suas normas criando expectativas positivas e
negativas nos Estados em torno do cumprimento ou das violações, o que
67 V. COSTA RICA. Op. Cit. p.20-23. BRASIL. Op. Cit. p. 47-52.
57
acaba por influir nos procedimentos de tomadas de decisões dos governos
nacionais em prol do respeito aos direitos humanos consagrados.
Possuindo agora um órgão específico nas Nações Unidas de maior
importância e visibilidade para monitorar seu cumprimento no mundo, e
que deverá estimular uma educação em direitos humanos em todos os níveis
do ensino formal e possivelmente não formal também, além de buscar o
desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos entre os
povos, ganhando agora uma maior visibilidade política e confirmando que
hodiernamente os direitos humanos eso no centro da agenda da política
internacional.
Conclusão
Assim, é possível avançar em algumas linhas teóricas a respeito
do desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos e dos
regimes internacionais de sua proteção. O direito internacional dos direitos
humanos é um ramo do direito internacional que se transforma em um
verdadeiro processo em marcha no sentido da busca de um consenso
universal em torno de seus valores e sua implementação no ordenamento
jurídico nacional dos Estados configurando regimes internacionais e
regionais de proteção ao ser humano no contexto das relações internacionais
contemporâneas.
Este direito no sentido amplo configura-se na proteção global do
ser humano colocando-o como sujeito de direito e deveres internacionais
possuindo normas de direito internacional dos direitos humanos, de direito
internacional dos conflitos armados e de direito internacional dos refugiados
em consonância para a proteção última do ser humano, retomando o
pensamento original dos doutrinadores fundadores da disciplina do direito
internacional público em torno de um jus gentium universal
O pensamento kantiano de um direito cosmopolita mundial na
conformação de uma democracia cosmopolita, as históricas declarações
de direitos do mundo ocidental, assim como os valores das maiores
religiões monoteístas do mundo e a doutrina do direito natural informam
os antecedentes históricos do documento normativo global fundador do
direito internacional dos direitos humanos, ou seja, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, que supera a dicotomia entre a idéia do
direito natural e as concepções históricas de construção de culturas
separadas ao procurar enriquecer uma concepção com a outra, tornando-as
complementares, e verificando-se que tal compreensão se confirmou nos
58
documentos normativos posteriores, como a Proclamação de Teerã de 1968
e a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993.
A teoria dos regimes internacionais pode ser aplicada ao tema dos
direitos humanos desde que passaram a um tema global, sobretudo a
partir do final da Guerra Fria. Desde o momento em que paulatinamente
vem sendo colocado no centro do debate da política internacional vem
gerando expectativas mútuas positivas ou negativas nos principais atores
do sistema internacional, que infelizmente ainda são os Estados nacionais
e seus governos, em torno da incorporação e cumprimento das normas de
proteção ao ser humano produzidas nos regimes regionais e globais.
Para além das expectativas jurídicas e políticas da mobilização para
o cumprimento de normas internacionais e regionais de direitos humanos,
somente a mudança de cultura e de mentalidades ao longo de gerações
pode efetivamente dar o salto de qualidade para o progresso humano em
direção ao respeito à diversidade, à tolerância, ao projeto de paz perpétua
sonhado há duzentos anos por Kant e à implementação efetiva de todos os
direitos humanos.
Com base no ensino dos princípios da dignidade humana e da
alteridade, com debates e aproximações interculturais e inter-religiosas, a
implementação de uma educação em direitos humanos no ensino formal
e não-formal, desde a escola infantil até o ensino superior de forma
ininterrupta enquanto política de Estado e dos organismos da sociedade
civil, busca-se reverter ao longo do tempo às práticas das violações e da
cultura da violência, trabalhando muito mais no campo da prevenção do
que na punição.
O pensamento kantiano seria uma linha diretriz na busca do
desenvolvimento e respeito aos direitos humanos nas sociedades
e organizações contemporâneas. Diretrizes que necessitariam ser
racionalizadas principalmente no espaço público das sociedades
democráticas e ordenadas por meio de normas que deveriam ser produto da
argumentação racional entre seres humanos.
E por fim, pode-se afirmar que a universalidade dos direitos
humanos tem origem normativa contemporânea na Declaração Universal
de 1948, mas sua afirmação política provém de uma cada vez maior real
proximidade entre povos, Estados e culturas, e ao mesmo tempo exprime
a idéia da universalidade e unidade do princípio da dignidade humana,
na qual se originam as modernas reivindicações políticas e jurídicas de
emancipação dos mais diversos grupos humanos nos tempos atuais.
59
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A BOA-FÉ COMO
LIMITES DOS PODERES EMPRESARIAIS
Francisco das C. Lima Filho
Desembargador Federal do Trabalho – TRT 24ª Região
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UNB.
Mestre e doutorando em Direito Social pela Universidad
Castilla-la Mancha - UCLM (Espanha). Professor no
Centro de Ensino Universitário da Grande Dourados -
UNIGRAN (Dourados – MS).
Sumário: Introdução; Conceito e fundamento do poder empresarial; Limites dos poderes
empresariais; Direito à intimidade; Direito à imagem e à honra; Direito à
liberdade ideológica e religiosa; Direito à não discriminação; Discriminação dos
trabalhadores portadores de doença ocupacional, vítimas de acidente do trabalho
ou acometidos por doenças infecto-contagiosas; Formas de discriminação;
Conciliação entre os direitos fundamentais laborais e os poderes de direção
empresarial; Considerações fi nais.
Introdução
O ordenamento jurídico, inclusive o constitucional, reconhece ao
empresário poderes de autotutela privada que lhe permitem defender seu
próprio interesse, de forma unilateral e extrajudicial.
O empresário, todavia, deve exercitar esses poderes e seus direitos
segundo as exigências da boa-fé e com respeito aos direitos fundamentais
do trabalhador. Quando exorbita ou abusa desses poderes, com afetação às
balizas representadas pela boa-fé e pelo respeito aos direitos fundamentais
do trabalhador, o juiz poderá, instado pelo afetado e tomando em conta o que
estabelecido nos arts. 12, 187 e 422 do Código Civil, aplicáveis às relações
laborais por força do previsto nos arts. 8º e 769 da CLT, declarar a ilicitude
do exercício do direito ou poder, em virtude da função limitativa da boa-fé
e dos direitos fundamentais sobre os poderes de direção empresarial.
O reconhecimento da ilicitude ou abuso do ato determina, em cada
caso, que se impeça ou faça cessar o exercício abusivo com a declaração de
60
ineficácia do ato e a remoção das situações criadas, com a correspondente
indenização quando haja causado danos e prejuízos, embora em geral o
ordenamento jurídico reserve para os atos do empresário contrários aos
direitos fundamentais, às liberdades públicas e à boa-fé, a sanção de
nulidade.
Desse modo, há que se distinguir entre a declaração da ineficácia do
ato, a remoção das situões criadas pelo exercício do direito ou poder, o
direito de resistência do trabalhador e a indenização pelos danos sofridos.
Por conseguinte, no ordenamento jurídico nacional (legal e constitucional)
há uma tutela ampla a esse tipo de direito como se pode ver das normas
constantes dos arts. 11, 12, 21, 187 e seguintes do Código Civil e 5º da
Constituição de 1988, que por óbvias razões incidem nas relações laborais,
até mesmo em obséquio ao princípio da subsidiariedade expresso no art.
769 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações a
respeito dessas questões decorrentes do exercício dos poderes empresariais
e seus limites, sem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas trazê-lo à
reflexão daqueles que com ele lidam, na medida em que a lógica empresarial
e da subordinação do trabalhador é sempre uma potencial ameaça à
violação dos direitos fundamentais, especialmente em um país como o
Brasil que não tem grande estima pelo respeito a essa espécie de direito e
onde a discriminação, na maioria das vezes por pura desinformação ou por
preconceito, é ainda algo muito arraigado na cultura geral, inclusive nas
práticas empresariais.
Assim, discutir sobre esse tema é sempre necessário e de grande
valia, até mesmo para que sejam desfeitos equívocos e evitadas injustiças,
e, como conseqüência, as relações laborais tornem-se mais justas e demo-
cráticas. É esse, em síntese, o objetivo a que se propõe o presente trabalho.
1. Conceito e fundamento do poder empresarial
O empresário é ao mesmo tempo titular da organização em que os
trabalhadores a seu serviço prestam a atividade laboral e parte do contrato
de trabalho que celebra com cada trabalhador. Em virtude de ambos os
títulos jurídicos, exerce uma série de direitos, poderes, faculdades de modo
a dirigir a empresa e a força de trabalho que nela se insere. A esse conjunto
de direitos, poderes e faculdades conferidos ao empresário para dirigir a
empresa e a força de trabalho que nela se insere, denomina-se poder diretivo
empresarial.
61
Como empregador o empresário tem, normalmente, a gestão
empresarial, e no domínio do contrato de trabalho, de algum modo
relacionado com essa gestão, lhe é conferido o poder de direção.
Desse modo, de um lado, como titular da organização empresarial,
da liberdade de empresa e, também, do direito de propriedade dos meios
de produção, o empresário tem a seu dispor um conjunto de instrumentos
jurídicos que lhe permitem dirigir a totalidade da empresa. Mas, de outro
lado, as faculdades de direção dos trabalhadores devem ser consentidas por
eles através do contrato.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o poder diretivo empresarial,
em sentido amplo, é a capacidade, oriunda do seu direito subjetivo, ou
então da organização empresarial, para determinar a estrutura técnica e
econômica da empresa e dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador,
visando à realização das finalidades daquela.
De acordo com Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Alvarez
La Rosa
1
:
El contrato de trabajo está inmerso en un ámbito donde una de las partes, el
empresario, tiene la facultad de organizar el sistema de producción de bienes
y servicios que libremente ha decidido instalar; esta capacidad organizativa
se concreta en la ordenación de las singulares prestaciones laborales. La
potestad para organizar y ordenar el trabajo, inicialmente y durante toda la
ejecución del contrato, recibe el nombre de poder de dirección (<<dirección
y control de la actividad laboral>>).
O empresário ou empregador, como único responsável numa
economia capitalista, dispõe de seu pessoal escolhendo livremente os seus
trabalhadores, decidindo suas tarefas, sua promoção, uma eventual alteração
do contrato, a despedida individual ou coletiva, apreciando soberanamente
sua aptidão profissional
2
.
É, pois, acertada a assertiva doutrinária de que é no poder de direção
e no correspondente dever de obediência que se encontra o núcleo central
da subordinação
3
. Trata-se, pois, de um poder jurídico de tipo obrigacional.
Como averba Maria Dolores Santos Fernandez
4
, citando H. Sinzheimer,
1 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos et al. Derecho del Trabajo. Madrid: Editorial universitaria
Ramon Areces, 2006, p. 510.
2 CARMERLINCK, G. H. Lyon-Caen. Derecho del trabajo. Madrid: Biblioteca Jurídica Aguilar,
1972, p. 266.
3 ROMANO MARTINEZ, Pedro. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006, p. 612.
4 SANTOS FERNANDEZ, Mª Dolores. El contrato de trabajo como limite al poder del
62
ninguém poderia por em dúvida que o empresário pode dar ordens ao
trabalhador e que este tem a obrigação de obedecer. Essa submissão
evidencia que no mundo do trabalho o empresário não apenas tem um
direito como credor, como no campo obrigacional, mas também um direito
de poder, de caráter jurídico pessoal.
No Brasil, o poder de direção do empregador, entendido como
prerrogativa de determinar a forma pela qual ocorrerá a prestação dos
serviços por parte do empregado, tem por fundamento primeiro a própria
Constituição na medida em que esta adota o sistema econômico de produção
capitalista, estabelecendo a liberdade de iniciativa e de empresa no âmbito
das relações de trabalho e o direito de propriedade, embora subordinada à
sua função social (arts. 5º, incisos XIII, XXII e XXIII e 170, incisos II e
III, da Carta de 1988).
Em segundo lugar, no campo infraconstitucional, o art. 2º da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT garante ao empregador o poder
de, assumindo os riscos da atividade econômica, admitir, assalariar e dirigir
a prestação pessoal de serviços incorporando assim, e de forma expressa,
o poder de direção empresarial como um dos elementos tipificadores da
figura do empregador, autorizando, inclusive, a despedida do trabalhador
por justa causa (art. 482), quando deixar de obedecer as ordens daquele
5
.
Como se vê, no ordenamento nacional, o poder de direção empresa-
rial encontra justificão e fundamento jurídico tanto no texto expresso da
Carta de 1988 como na própria CLT.
No campo doutrinário, diversas teorias têm sido formuladas para
justificar o fenômeno. Todavia, prevalece atualmente a tese de que o poder
de direção tem fundamento contratual. Isso decorre da natureza assimétrica
do contrato de trabalho, em que um dos contratantes – o empregador
– detém superioridade jurídica, com extenso e profundo conjunto de
prerrogativas, com elevado poder de conformação do contrato, podendo
alterar as condições de trabalho, inclusive unilateralmente.
É, pois, correto afirmar que o contrato de trabalho é a rao e o
fundamento do poder de direção empresarial, pois como lembrado
por Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de La Rosa “el
empresario. Albacete (Espanha): Editorial Bomarzo, 2005, p. 56.
5 Lembra Coutinho de Almeida que à justificação negocial acrescenta a titularidade dos bens
empresariais; o proprietário dos meios de produção pode dar ordens a quem, por contrato, se
submeteu à sua autoridade. Poder Empresarial: Fundamento, Conteúdo e Limites. In: Temas de
Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1990, p. 31-329.
63
fundamento del poder para organizar y ordenar las prestaciones de los
trabajadores es el propio contrato de trabajo que, sin duda, justifica tanto el
poder de dirección y su alcance, como sus propios límites”
6
.
De fato, é praticamente unime na doutrina a consideração de que
o poder de direção empresarial emana do contrato de trabalho, ou mais
concretamente da obrigação do trabalhador de submeter-se a ele, ainda
quando na configuração do mesmo deva ter-se em conta também a posição
que o empresário ostenta na organização, ou seja, a titularidade da liberdade
de empresa, pois juridicamente não pode se articular de outra forma.
Deveras, o empresário, como acima se deixou anotado, é titular da
liberdade de empresa e em tal condição goza de uma posição ativa integrada
por um grupo de direitos destinados a pôr em funcionamento e desenvolver
sua atividade empresarial. Dentro destes direitos se enquadram também
aquelas faculdades que lhe permitem organizar a força laboral, mas para
que tenha alguma relevância jurídica em cada um dos casos individuais,
deve o trabalhador submeter-se a seu poder mediante a celebração de um
contrato, através do mecanismo do consentimento.
O contrato é assim, pressuposto necessário para o exercício do
poder de direção, mas é algo mais que simples pressuposto, é o título que
legitima a própria existência do poder de direção, entendido como poder de
direção da prestação laboral do trabalhador concreto, e não como faculdade
organizativa destinada à ordenação e direção da empresa, em especial, em
matéria pessoal. Portanto, a própria estrutura do contrato, sua causa, seu
conteúdo e seus perfis fazem do contrato de trabalho arazão técnica
desse poder de direção
7
.
Desse modo, o ajuste que dá origem à relação de emprego implica
também no reconhecimento da existência de um complexo de direitos e
deveres entre os contratantes, e uma das formas como esses direitos e
deveres se revelam é exatamente no poder de direção empresarial.
De acordo com Antonio Monteiro Fernandes
8
, o empregador como
detentor dos restantes meios de produção, ainda que não como proprietário,
mas tendo, de qualquer forma, acedido a eles, e empenhado num projeto
de atividade econômica, corporizado na empresa obtém, por contrato, a
disponibilidade de força de trabalho alheia. Por conseqüência, passa a
pertencer-lhe certa autoridade sobre as pessoas dos trabalhadores admitidos,
6 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos et al. Ob. cit., p. 506.
7 SANTOS FERNANDEZ, Mª Dolores. Ob. cit., p. 65-67.
8 MONTEIRO FERNANDES, Antonio. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006, p. 260-261.
64
caracterizando-se, lentamente, por um poder de direção legalmente
reconhecido, o qual corresponde à titularidade da empresa.
A situação subseqüente à celebração de um contrato de trabalho
permite que se identifiquem, segundo o doutrinador lusitano
9
, os seguintes
vetores da posição jurídica do empregador:
a) um poder determinativo da função, em cujo exercício é atribuído ao
trabalhador um certo posto de trabalho na organização concreta da empresa,
definido por um conjunto de tarefas que se pauta pelas necessidades da
mesma empresa e pelas aptidões ou qualificação do trabalhador.
O empresário ou empregador tem o poder e até mesmo o dever, de
conformar a prestação do trabalhador em função dos interesses que pretende
perseguir. Esta possibilidade de conformação da prestação do trabalhador
relaciona-se com o caráter genérico da atividade laboral, que tem de ser
concretizada e adaptada pelo empregador, tendo em conta a finalidade que
visa alcançar
10
;
b) um poder conformativo da prestação, que consiste na faculdade
de determinar o modo de agir do trabalhador, mas cujo exercício tem como
limites os próprios contornos da função previamente determinada. Por
conseguinte, o poder conformativo tem outro alcance, na medida em que
encontra como correlativo, na esfera do trabalhador, um dever de obediência
ligado à tutela disciplinar. Trata-se, pois, aqui, de definir as modalidades
concretas que a atividade do empregado deve assumir para que a execução
do contrato se ajuste às finalidades com que foi celebrado;
c) um poder regulamentar, conferido à organização globalmente,
mas naturalmente projetado também sobre a força de trabalho disponível
que nela se comporta, vale dizer: sobre todos e cada um dos trabalhadores
envolvidos.
Esse poder consiste em estabelecer regras, inclusive por instrumen-
to único, dotado de aplicabilidade genérica aos elementos que constituem
a organização, como o regulamento interno da empresa, por exemplo.
O poder regulamentar do dador de trabalho diz respeito à organização e
disciplina do trabalho e somente se justifica, via de regra, nas empresas
maiores, de grandes dimensões e complexidade;
9 MONTEIRO FERNANDES, Antonio. Ob. cit., p. 260-261.
10 N a ve r d a de , o e mp r eg a d or p od e de f i n i r a c o nc r e t a f u n ç ã o o u o c o nj u nt o de t a r ef a s q u e c a r a ct e r i z a m
o “posto de trabalho” a ser ocupado. Portanto, estar-se, aqui, no domínio da determinação do
objeto do contrato e não no da direção concreta do modo de execução do trabalho.
65
d) um poder disciplinar, que se manifesta e se revela tipicamente
pela possibilidade da aplicação de sanções internas aos trabalhadores
cuja conduta se revele desconforme com ordens, instruções e regras
de funcionamento da empresa. Consiste, pois, na faculdade, atribuída
ao empresário ou empregador, de aplicar, internamente, sanções aos
empregados que venham ter conduta conflitante com os padrões de
comportamento definidos na empresa ou se mostre inadequada à correta
execão do contrato. Diz-se, assim, que ocorre uma infração disciplinar.
Embora a norma legal nem sempre forneça uma noção completa de seu
conteúdo, quase sempre indica “tipos avulsos” de infração que podem ser
objeto de sua incidência como, por exemplo, o art. 474 da CLT que prevê a
figura da suspensão disciplinar do empregado em caso de cometimento de
falta que não justifique o rompimento do contrato por justa causa.
Desse modo, no conteúdo do poder de direção empresarial incluem-
se as faculdades de, atendendo à categoria do trabalhador, lhe indicar a
atividade a ser desenvolvida, o modo de ser efetuada, o local onde será
realizada, etc. (art. 2º da CLT)
11
, bem como possíveis alterações à atividade,
modo, local, etc, desde é claro, que as mesmas não pressuponham alterações
proibidas, como as que são vedadas pelo art. 468 da CLT, caso em que
poderá estar em causa o jus variandi.
Além das faculdades acima mencionadas, também se incluem no
poder de direção empresarial, especialmente, a fiscalização da atividade,
as instruções quanto à sua realização, ou a determinação em que momento
certa tarefa deva ser desenvolvida.
É claro que o poder de direção empresarial tem limites derivados
do seu próprio conteúdo e dos direitos dos trabalhadores: o trabalhador
não deve obediência ao empregador sempre que as ordens ou instruções
se mostrem contrias aos seus direitos e garantias, especialmente aquelas
ligadas aos direitos fundamentais ou quando alheias às obrigações
assumidas por força do contrato de trabalho ou ainda quando atentem
contra o princípio da boa-fé.
Nesse passo, pode-se afirmar que os poderes de direção empresarial
encontram seu limite nos direitos fundamentais do trabalhador, nas
11 O poder diretivo especifica, a cada momento, o que foi ajustado apenas genericamente, e nesse
sentido, como lembra Márcio Túlio Viana, é ao mesmo tempo previsto (enquanto poder) e imprevisto
(no modo de se manifestar), ou, em outras palavras, esperado enquanto gênero, e surpreendente
enquanto espécie. VIANA, Márcio Túlio. Da greve ao boicote: os vários significados e as novas
possibilidades das lutas operárias. In: Alessandro da Silva et. al. (Coord.). Direitos Humanos:
Essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr/Juizes para democracia, 2007, p. 93.
66
obrigações assumidas por força do contrato de trabalho e no respeito ao
princípio da boa-fé, conforme se verá à continuação.
2. Limites dos poderes empresariais
Deve-se registrar, desde logo, que o contrato de trabalho é uma
grande contribuição para o reconhecimento e o desenvolvimento dos
direitos fundamentais laborais, porquanto são eles oponíveis a todos,
inclusive, e especialmente, ao empresário, cujo poder de direção encontra
limite na dignidade da pessoa humana do trabalhador, pois a base dos
direitos fundamentais é a dignidade da pessoa e dos direitos invioláveis
que lhe são inerentes
12
. Por conseguinte, a ordem do empregador tem de
ser justificada e atenta à inviolabilidade do direito à integridade moral e
física das pessoas e ao reconhecimento do direito à identidade pessoal, ao
desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e à reputação e à imagem
que é conferido a todas as pessoas, independentemente da condição social
ou profissional. Tanto assim, que o Código Civil (arts. 11,12 e 21) e a Carta de
1988 (art. 5º, incisos V e X) tutelam esses valores como direitos de natureza
fundamental e, portanto, indisponíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis.
Há, pois, uma conscientização da necessidade de se repensar os
poderes de direção empresarial, na medida em que, apesar de legitimados,
inclusive constitucionalmente, eles encontram limite no respeito à
dignidade humana do trabalhador revelada especialmente no respeito
à vida privada, à honra e imagem, à vida pessoal de modo a protegê-lo
na sua privacidade no local de trabalho com a conseguinte limitação das
faculdades de organização, direção e controle do empresário, considerando
especialmente que a lógica contratual da subordinação e a organizacional
do empresário conspiram contra o exercício dos direitos fundamentais
dentro da empresa.
Os poderes empresariais constituem uma ameaça potencial para os
direitos fundamentais do trabalhador, dada à forte implicação da pessoa na
execução da prestação laboral
13
. Apesar de esses poderes terem legitimação
na própria Constituição e não serem intrinsecamente perversos, a lógica
12 Vide o que se encontra previsto nos arts. 1º, incisos III e IV, 4º, inciso IV, 5º, inciso X, da Carta
da Reblica brasileira, de 1988.
13 Como lembra J.J. Abrantes, a própria estrutura do contrato de trabalho “contém implicitamente
uma ameaça para a liberdade e para os direitos fundamentais do trabalhador. ABRANTES, J. J.
Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Lisboa: Themis, 2001, n. 4, p. 24-25.
67
empresarial e da subordinação pode limitar e condicionar o exercício
desses direitos. Por isso, os direitos fundamentais se impõem aos poderes
empresariais durante o seu exercício, e isso ocorre ainda quando, como
entre nós a norma laboral (CLT) não tenha incorporado, pelo menos
expressamente, um sistema específico de proteção a esses direitos, embora
em certos momentos a eles haja se referido, como por exemplo, no art. 483.
Mas, apesar dessa omiso, os direitos fundamentais se impõem de forma
automática a partir da Constituição, limitando e controlando o exercício
das faculdades empresariais de modo a impedir que o trabalhador possa
ter sua dignidade afetada pelo exercício abusivo dos poderes empresariais
pelo empregador.
De outro lado, o princípio da boa-fé que, indubitavelmente incide
nas relações laborais, na medida em que, como princípio geral (art. 422 do
Código Civil) informa todo o ordenamento jurídico, gera deveres recíprocos
no contrato de trabalho. A inserção do princípio da boa-fé no Direito do
Trabalho na atualidade, afirmamos certa feita
14
, parece não mais merecer
nenhum reproche ou questionamento, pois o dever de atuar com fidelidade,
lealdade e que tem relação direta com os critérios de colaboração e
solidariedade das partes, tem implicação no contrato individual de trabalho
constituindo um limite ao poder de direção empresarial balizando o atuar
e m p r e s a r i a l n a f a s e p r é - c on t r a t u a l , n a e xe c u ç ã o d o co n t r a t o e p o s t e r i or m e n t e
ao rompimento deste.
Assim, trabalhadores e empregadores devem cumprir suas obrigações
e exercer suas faculdades, direitos e poderes também de acordo com o
princípio da boa-fé, na medida em que esta é concebida como norma de
comportamento leal e honesto de ambas as partes. Hoje em dia, se exige
a boa-fé não só do trabalhador, mas, sobretudo, do empresário. Por isso, a
boa-fé pode se converter em um meio eficaz, juntamente com os direitos
fundamentais, de limitação e controle dos poderes empresariais fazendo
ociosa a referência a outras noções, como o interesse da empresa.
Como lembra abalizada doutrina
15
, na atualidade, a boa-fé não
const itui apenas u m inst rumento de submissão, mas também de infor mação,
cooperação e adaptação, para responder as necessidades de transparência,
14 LIMA FILHO, Francisco das C. O princípio da boa- como limite da negociação coletiva. Tese
de mestrado preparatória para doutoramento em Direito Social lida em 03.10.03, na Univesidad
Catilla-la Mancha – Espanha. Inédita.
15 GIL Y GIL, José Luís. Principio de la buena fe e poderes empresarias. Servilla (Espanha):
Consejo Andaluz de Relaciones Laborales, 2003, p. 195-196.
68
diálogo, participação, gestão antecipada das competências e qualificações.
Por conseguinte, a boa-fé permite assegurar o dinamismo próprio da vida
social e é uma condição de viabilidade da empresa: uma comunidade
não pode subsistir se está fundada na deslealdade. É, pois, uma noção
prometedora no Direito do Trabalho, constituindo, sem dúvida, um limite
ao exercício dos poderes de direção empresarial.
Dessa forma, no campo das relações laborais os direitos funda-
mentais dos trabalhadores apenas poderão ser limitados se, e na medida
em que, haja colio com interesses relevantes da empresa, ligados ao bom
funcionamento da mesma e ao correto desenvolvimento das prestações
contratuais, e, ainda assim, guardada em qualquer caso, a boa-fé, e
sempre em obediência aos critérios de proporcionalidade e de respeito
pelo conteúdo mínimo do direito atingido. Por isso, e como mecanismos
de limitação ao poder de organização e disciplina empresarial, há todo
um arcabouço interno (constitucional e legal) e internacional (tratados e
convenções, especialmente as convenções da OIT) de proteção aos direitos
fundamentais da pessoa do trabalhador. Entre os direitos que podem ser
afetados no seio da relação de trabalho e antes mesmo que ela tenha início, e
que são especialmente protegidos, pode ser citado, exemplificativamente, o
direito de proteção à intimidade, à honra, à imagem, bem como o direito do
trabalhador de não ser discriminado, conforme se verá nos itens seguintes
do presente trabalho.
2.1 Direito à intimidade
Doutrinariamente, o direito à intimidade vem sendo definido
como aquele direito que visa resguardar as pessoas dos sentidos alheios,
especialmente da vista e dos ouvidos de outrem
16
. Pressupõe, portanto,
ingerência na esfera íntima da pessoa através de espionagem e divulgão
de fatos íntimos obtidos ilicitamente. Seu fundamento é o direito à liberdade
de fazer e de não fazer.
De acordo com o pensamento de René Ariel Dotti,
17
a intimidade
se caracteriza comoa esfera secreta da vida do indivíduo na qual este
tem o poder legal de evitar os demais”. É, pois, o modo de ser da pessoa
16 PONTES DE MIRANDA. F.C. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, v. VIII, 1971,
p. 124.
17 ARIEL DOTTI, René. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: RT,
1980, p. 69.
69
que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à
pessoa mesma
18
.
Para Delia Matilde Ferreira Rubio
19
, a intimidade pode ser vista sob
três aspectos: a) a tranqüilidade, que nas palavras utilizadas pelo juiz Cooley
em 1873 significa “o direito de ser deixado só e tranqüilo” ou “o direito de
ser deixado em paz”; b) a autonomia, consubstanciada na liberdade que
cada indivíduo tem para escolher entre as diversas possibilidades que se
lhe apresentam, em todas as instâncias de sua existência, sem intromissões
indesejadas que desvirtuem a sua escolha; c) o controle de informação
pe ssoal , no se nt ido d e m ant er oc ulto s ce r tos asp ect os d a v id a e d e p os sibil it ar
que o indivíduo controle o manejo e a circulação da informação que, sobre
a pessoa, haja sido confiada a um terceiro.
Pode-se, pois, afirmar que a intimidade é o âmbito do exclusivo que
alguém reserva para si, sem a intromissão e sem nenhuma repercussão
social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada, na medida em que,
por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros em que a
comunicação, ainda que reservada, é inevitável
20
.
Para Carlos Alberto Bittar
21
, o direito à intimidade é “o direito a não
ser conhecido em certos aspectos pelos demais. É o direito do segredo, a
que os demais não saibam o que somos ou o que fazemos”.
O direito à intimidade é, assim, o direito personalíssimo que permite
18 O direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade.
Todavia, como lembra José Afonso da Silva, pelo menos entre nós, é plausível a distinção entre
o direito à intimidade e o direito à privacidade, na medida em que o Texto de 1988 separa no
inciso X do art. 5º a intimidade de outras manifestações da privacidade: vida privada, honra
e imagem das pessoas. Assim, a terminologia direito à intimidade é mais usada pelos povos
latinos e direito à privacidade (right of privacy) é empregada pelo direito anglo-americano.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.o Paulo: RT, 1989, p. 184.
O direito à privacidade outorga ao titular o poder de exigir do Estado e dos demais particulares
uma abstenção de intervenção na sua esfera jurídica, ou seja, a prerrogativa de impor a terceiros
o respeito à sua intimidade e à sua vida privada. Ao proteger a esfera individual do titular contra
intromissões do poder público e dos demais concidaos, o direito à privacidade caracteriza-
se como típico direito de defesa. MALTA VIEIRA, TATIANA. O direito à privacidade na
sociedade da informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 95.
19 FERREIRA RUBIO, Delia Matilde. El derecho a la intimidad: alisis del art. 1.071 bis del
Código Civil. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1982, p. 42-44.
20 De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a intimidade que éa vida em ambiente de
convívio, no interior de um grupo fechado e reduzido, normalmente ao grupo familiar”, estaria
compreendida na vida privada que se desenvolve fora das vistas da comunidade, ou seja, fora das
vistas doblico, perante, eventualmente, um pequeno grupo de íntimos. FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, v. 1,
1990, p. 36.
21 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 632.
70
subtrair a pessoa da publicidade ou de outras turbações à vida privada, mas
que está limitado pelas necessidades socais e pelo interesse público.
Nessa perspectiva, o direito à intimidade, que emana da dignidade
humana, supõe o reconhecimento da existência de um âmbito reservado,
pessoal e privado que seu titular pode subtrair ao conhecimento alheio, seja
privado ou público, isto é, âmbito de privacidade que resulta imprescindível
para manter uma qualidade mínima de vida humana, própria da cultura
ocidental a que pertencemos.
Nessa perspectiva, o direito à intimidade, como reconheceu o
Tribunal Constitucional Espanhol
22
, por seu próprio conteúdo e alcance, se
refere à vida privada das pessoas individuais, em que nada pode imiscuir-se
sem que esteja devidamente autorizado, e sem que, em princípio, as pessoas
jurídicas como as sociedades mercantis, possam ser titulares do mesmo.
Embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à
intimidade e à privacidade, que constituem “direitos da personalidade”,
consagrados em nível constitucional, esses direitos são oponíveis contra o
empregador, devendo merecer o devido respeito, independentemente do seu
titular se encontrar dentro do estabelecimento empresarial. Como lembra
Alice Monteiro Barros
23
, a inserção do trabalhador no processo produtivo
não retira do empregado os direitos da personalidade, cujo exercício
pressupõe liberdades civis, na medida em que o contrato de trabalho não
pode ser erigido como um título legitimador para a violação de seus direitos
como cidadão, mas mais que isso, como ser humano.
A condição de ser humano, portador de uma dignidade pessoal e
profissional, jamais poderá ser afetada quando o trabalhador se insere na
organização empresarial. Admite-se, como se verá na continuação, apenas
modulações, em caráter excepcional, dos direitos fundamentais na medida
imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva (art. 11
do Código Civil).
Não há dúvida de que o direito à intimidade também penetra nas
relações laborais, erigindo-se, por conseguinte, em um importante limite
da potestade discricionária do empresário, e ao mesmo tempo em garantia
do exercício de outros direitos fundamentais. Por isso, de forma expressa
22 Auto 257/1985, de 17 de abril (fundamento jurídico 2). In: ROSADO IGLEIAS, Gema. La
titularidade de derechos fundamentales por la persona jurídica. Valência: tirante lo blanch,
2004, p. 187.
23 MONTEIRO BARROS, Alice. Protão à Intimidade do Empregado. o Paulo: LTr, 1997,
p. 32-33.
71
e como mera especificação de um direito pré-existente do trabalhador
enquanto cidao, este direito se recolhe entre os direitos básicos dos
trabalhadores no Texto de 1988 (arts. 1º, I, e 5º, X).
Desse modo, e apesar de não ter dado a necessária e indispensável
importância à tutela da vida privada do trabalhador que, diga-se de passagem,
sempre é afetada de algum modo pelo poder diretivo empresarial, a velha
CLT, no seu art. 483, contém proibição de ofensa à honra e à boa fama do
empregado pelo empregador. Consequemente, não só os delitos de calúnia,
injúria ou difamação, mas também outros comportamentos capazes de
atingir o trabalhador em sua dignidade pessoal devem ser tidos como
atentórios à honra, enquanto ofensa à boa fama implica expor o empregado
ao desrespeito de outrem.
Constitui, pois infração muito grave, a conduta ou ato empresarial
que resultar contrário à intimidade e a consideração devida à dignidade
do trabalhador. Tanto assim, que o Código Civil (art. 12) autoriza medidas
judiciais que visem não apenas a reparação dos danos decorrentes da violação,
inclusive danos morais (art. 5º, inciso X, do Texto Maior), mas também, e
principalmente, que façam cessar a ameaça a essa espécie de direito (direito
da personalidade
24
), valendo anotar que essas medidas tendentes à proteção
da dignidade e da intimidade do ser humano, trabalhador ou não, podem ser
propostas não apenas pela vítima da agressão ou da ameaça, mas também
pelo cônjuge (ou companheiro) sobrevivente ou qualquer parente na linha
reta ou colateral até o quarto grau, o que evidencia a importância que o
legislador emprestou à tutela dessa espécie de direitos
25
.
No campo das relações de trabalho o direito à dignidade e à
intimidade do trabalhador atua como uma espécie de blindagem dos
24 Em linhas gerais, os direitos da personalidade envolvem o direito à vida, à liberdade, ao próprio
corpo, à incolumidade física, à proteção da intimidade, à integridade moral, à preservação da
própria imagem, ao nome, às obras de criação do indivíduo e todo o mais que seja digno de
protão, amparo e defesa na ordem constitucional, penal, administrativa, processual e civil.
25 Na ocorrência de lesão ou ameaça contra qualquer direito da personalidade, o titular é investido
de legitimação ativa para obter a medida cautelar ou punitiva contra o terceiro ofensor. E,
se lhe advier prejuízo, seo devidas perdas e danos, a serem avaliados com obediência aos
critérios genéricos destinados à sua estimativa, independentemente de não ser dotado de
patrimonialidade o direito lesado ou ameaçado. Não obstante seu cater personalíssimo, os
direitos de personalidade projetam-se na família do titular. Em vida, somente este tem direito
de ação contra o transgressor. Morto ele, tal direito pode ser exercido por quem ao mesmo esteja
ligado pelos laços conjugais, de união estável ou de parentesco. Por conseguinte, ao cônjuge, ao
companheiro, aos descendentes, aos ascendentes e aos colaterais até o quarto grau, transmite-se
a legitimatio para as medidas de preservação da personalidade do defunto. SILVA PEREIRA,
Caio Mario da. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2004, p. 243.
72
dados e do comportamento a seu respeito frente ao empresário, bem
como em relação às demais pessoas que operam no meio laboral. E isso,
por evidente, entranha proibições e limitações não apenas no curso da
execução do contrato, mas também na hora da solicitação do trabalho,
proibições estas que se estendem mesmo após o rompimento do vínculo
laboral impedindo que o empresário venha fazer considerações ou emitir
informações desabonadoras da conduta pessoal do ex-empregado como
costuma acontecer, especialmente quando este acede à Justiça do Trabalho
em busca de reconhecimento de eventuais direitos violados.
É claro que o dever de respeitar a dignidade do trabalhador, aí
compreendido o direito à intimidade, deve ser observado e respeitado
não apenas pela empresa empregadora, mas também por todos aqueles
que operam no meio laboral, inclusive as agências de contratação e
intermediação de mão-de-obra e as prestadoras de serviços.
De outro lado, o armazenamento e a manipulação dos dados pessoais
do trabalhador podem causar grave lesão ao seu direito à intimidade e à
vida privada, o que implica afirmar que neste ponto o poder de direção da
empresa encontra limites no direito de autodeterminação informativa
26
do
trabalhador que se manifesta na relação laboral, nas seguintes hipóteses:
a) a empresa ou empregador ou agência de contratação de mão-de-
obra ou prestadoras de serviços não poderão coletar os chamados dados
“sensíveis, considerados como aqueles relativos à religião, à raça, à ideologia
política, religiosa ou sindical, ao tipo físico, à cor, ao peso, à tendência
psíquica, à orientação sexual, aos vícios ou outras práticas pessoais que
poderiam ser usados como instrumento de ações discriminarias, vedadas
por força de expressas disposições constitucional e legal
27
.
De fato, a forma como o trabalhador decide relacionar-se na sua vida
privada não pode constituir uma informação importante para o empregador,
e, por isso, não constitui uma aptidão profissional necessária para a execução
26 O direito à autodeterminação informativa, constrão da doutrina e da jurispruncia alemãs,
equivale à liberdade informática e tem uma importância decisiva nas sociedades tecnológicas
atuais. Por isso, sua função se resume em garantir aos cidadãos a faculdade de informação, acesso
e controle dos dados que lhes dizem respeito. Todavia, essa forma de intimidade não se concebe
como um valor infra-subjetivo, mas como autodeterminação do sujeito no seio de suas relações
com os demais cidadãos e com o poder público. Por conseguinte, intrinsecamente relacionado
ao o direito à intimidade e à vida privada, dizendo respeito ao controle que o indivíduo deve
ter sobre todos os dados, registros e informões que lhe digam respeito. Por ser um direito
integrante das liberdades públicas, pode ser exercitado em face de todos, inclusive do poder
público e a sociedade em particular, aplicando-se também no âmbito das relações laborais.
27 Arts. 3º, III e 5º, da Carta de 1988.
73
da prestação laboral. Por conseguinte, qualquer atuação do empregador que
tente indagar sobre esses dados ou fatos sensíveis é ilícita e ao trabalhador
é legítimo recusar-se a responder e, quando for mesmo necessário dar uma
resposta, poderá não dar elementos, pois a não prestação de dados que são
irrelevantes para a celebração do contrato é lícita, na medida em que se
apresente como uma das possíveis defesas de seus direitos fundamentais.
O trabalhador, é certo, embora tenha determinados deveres de
informação em relação ao empregador, não está obrigado, contudo, a
lhe fornecer informações que não sejam diretamente pertinentes para
aferir a sua aptidão ou idoneidade para o posto de trabalho como aquelas
relacionadas com a sua vida íntima
28
.
Assim, perguntas referentes a esses dados sensíveis
29
não podem ser
feitas por ocasião da contratação, e quando feitas, o candidato ao emprego
pode justamente se recusar a respondê-las. Se vier a não ser contratado em
razão da recusa, terá direito a ser indenizado pelos danos sofridos, inclusive
morais, a teor do que previsto no art. 5º, inciso X, do Texto Maior.
Os dados senveis por se referirem a aspectos mais íntimos do
indiduo, necessitam da prévia e expressa permissão do titular ou do seu
representante para serem tratados, exceto se houver autorização legal,
quando será dispensável essa manifestação que em nenhuma hipótese pode
ser presumida.
b) no que concerne aos dados “nominativos” ou não sensíveis, assim
considerados aqueles que identificam a pessoa, como por exemplo, contas
bancárias, propriedades, etc, é permitido o armazenamento deles pela
empresa desde que se encontrem relacionados com o contrato de trabalho
ou ainda quando houver autorização expressa do trabalhador;
Entretanto, como lembra Tatiana Malta Vieira
30
, mesmo esses dados
necessitam de proteção – garantindo-se sua integridade, autenticidade
e confidencialidade – uma vez que, ao serem confrontados com outros
dados, podem revelar aspectos que o titular gostaria de manter em sigilo,
28 COELHO MOREIRA, Teresa. A conduta e a orientação sexuais do trabalhador. In: MONTEIRO
FERNANDES, António (Coord.) Estudos de Direito do Trabalho em homenagem ao Prof.
Manuel Afonso Olea. Coimbra: Almedina, 2004, p. 613-645.
29 Os dados pessoais podem ser classificados em três espécies: a) não sensíveis; b) sensíveis; e c)
de tratamento proibido. Os dados não sensíveis correspondem à esfera privada de seu titular
enquanto os dados sensíveis abrangem os valores atinentes ao âmbito da intimidade ou esfera
confidencial, cujo acesso é mais restrito, e os dados proibidos englobam a esfera do segredo
abrangendo as manifestões espirituais da pessoa, características da vida íntima strictu sensu.
30 MALTA VIEIRA, Tatiana. Ob. cit., p. 256-257.
74
por afrontarem diretamente seu direito à privacidade, pois ainda que certos
dados pessoais não deixem transparecer mensagem significativa, quando
analisados isoladamente, devem ser submetidos a procedimentos e medidas
especiais de proteção, na medida em que agrupados, permitem a definição
do perfil de seu titular.
c) a divulgação dos dados pessoais do trabalhador somente poderá
ocorrer com o seu expresso consentimento, mesmo após rompida a relação
laboral ou quando sequer foi ele admitido;
d) a empresa não pode impedir que o trabalhador possa ter acesso
a esses dados, podendo este, em caso de recusa do empregador ou ex-
empregador, para permitir o acesso lançar mão do remédio judicial
adequado (habeas data) para obter os dados a seu respeito, inclusive visando
a correção de equívocos existentes nos registros. E quando a negativa ou a
incorreção dos dados tiver sido levada a efeito no seio da relação de trabalho
ou em face dela, a medida deve ser requerida perante a Justiça do Trabalho,
na forma da inteligência do art. 114, inciso IV, da Carta de 1988, na redação
que lhe foi dada pela Emenda 45/2004;
e) extinta a relação laboral, a manutenção dos dados pela empresa
depende de autorização do trabalhador, exceto para os casos previstos em
lei, como por exemplo, aqueles necessários à fiscalização da Previdência
Social e do Ministério do Trabalho;
f) a existência de equívocos ou falsificações nos registros do
trabalhador dá a este o direito a proceder a devida retificação, inclusive por
meio da ação judicial cabível, como acima se afirmou;
g) enfim, a empresa ou empregador não pode lançar mão dos dados
pessoais do trabalhador para finalidade estranha à relação laboral.
Todavia, parece razoável entender que a empresa ao admitir
um trabalhador, dele possa solicitar através de questionários ou outro
procedimento, dados pessoais indispensáveis para a seleção e para
a contratação, mas somente aqueles que se fizerem absolutamente
necessários.
De acordo com a doutrina espanhola
31
, a solicitação dos dados
pessoais do trabalhador por ocasião da admissão somente é aceitável
quando observados os seguintes princípios:
a) somente poderão ser solicitados ou coletados dados de caráter
pessoal quando seu tratamento e conservação ou manipulação “sejam
31 MARTINS VALVERDE, Antonio et al. Derecho del Trabajo. Madrid: tecnos, 2003, p. 614.
75
adequados, pertinentes e não excessivos” em relação com o fim que se
persegue;
b) os interessados de quem se pede os dados pessoais deverão ser
previamente informados de modo expresso, preciso e inequívoco sobre o
objeto do pedido, o uso dos dados e os direitos que lhes assistem;
c) o tratamento de ditos dados requer o consentimento inequívoco do
afetado, salvo quando a lei disponha de forma diversa ou quando necessários
para a manutenção ou cumprimento do contrato ou de uma relação jurídica,
incluída, é claro, a relação laboral.
Nesse passo, o princípio da boa-fé tem uma grande relevância
desempenhando um importante papel no controle dos poderes empresariais
a respeito não apenas da coleta de dados pessoais do trabalhador, mas
também quanto ao armazenamento e divulgação desses dados.
De fato, fare ao mencionado princípio a coleta de dados pessoais
sem o consentimento de seus titulares, seguida da formão de um banco
de dados utilizado para se traçar o perfil desses indivíduos, informações
depois mercantilizadas com empresas de publicidade, marketing ou quando
repassadas a outra empresa sem autorização do trabalhador, como costuma
acontecer no meio empresarial. Afeta igualmente ao princípio da boa-fé
a coleta de dados com a tática da anuência do trabalhador para fins de
execução de um contrato de prestação de serviços ou representação de
algum produto, seguida da utilização dos mesmos dados para atender a
interesses comerciais alheios aos fins para os quais foram coletados e não
autorizados para aquele mesmo titular
32
.
Assim, informações coletadas para determinado propósito poderão
ser utilizadas para finalidades diversas tão-somente em casos em que haja
prévio e expresso consentimento do seu titular legal, pena de agravo ao
princípio da boa-fé. Lembra a doutrina nacional
33
que a única hipótese em
que os dados poderão ser utilizados para finalidades diversas daquela para
as quais foram colhidos diz respeito à situação em que o próprio Estado
promove o recolhimento, e para fins de preservação de outros interesses
32 No âmbito da União Européia as Diretivas 94/46/CE (art. 6º, item a, letras a e b) e 2002/58/
CE prevêem expressamente o princípio da lealdade e da boa-fé na coleta, armazenamento e
divulgação dos dados do indivíduo. De acordo com referidas Diretivas os dados devem ser
recolhidos com o conhecimento do respectivo titular, vedando-se a coleta por meio de terceiros,
o que implica auncia de controle pelo próprio titular. Impõe-se, ainda, que os dados somente
sejam utilizados para os fins para os quais foram colhidos, ou seja, só podem ser utilizados para
a realização dos objetivos propostos e desde que autorizados pelo titular.
33 MALTA VIEIRA, Tatiana. Ob. cit., p. 283.
76
públicos, como a investigação criminal e o exercício da atividade de
inteligência. Nessas hipóteses, há o entendimento de que se instala uma
situação de colisão entre o direito fundamental à privacidade e à intimidade e
o valor constitucional segurança pública, devendo ser aplicado em qualquer
hipótese o princípio da proporcionalidade para resolução do conflito.
Mas, se é certo que o contrato de trabalho não pode constituir, por
si só, título hábil para a introdução de limitações aos direitos fundamentais
que correspondem ao trabalhador como tal e como cidadão, não é menos
verdadeiro que o direito à intimidade, à própria imagem, ao segredo
das comunicações não é absoluto. Portanto, pode ceder ante interesses
constitucionalmente relevantes, sempre que a limitação que possa
experimentar se revele necessária para alcançar o fim previsto, proporcionado
para alcançá-lo e, em qualquer caso, seja respeitado o conteúdo essencial
do próprio direito
34
.
Não existe uma obrigação geral incompatível entre o necessário
respeito aos direitos fundamentais do trabalhador e ao emprego, pela
empresa, no âmbito de suas faculdades de organização nos sistemas que
permitem obter informações reveladoras do grau de cumprimento das
obrigações laborais, suscetíveis de sua posterior reprodução como meio de
prova das irregularidades apreciadas desde, é claro, que seja estabelecido
um ponto de equilíbrio entre o emprego e as restrições e o sacrifício que
supõe para os direitos considerados. Por conseguinte, é necessário fazer
a adaptabilidade dos direitos do trabalhador aos objetivos da organização
produtiva a que ele se integra, levando em conta a razoabilidade destes.
Desse modo, parece razoável defender com Javier Gárate Castro
35
ser possível a limitação proporcionada desses direitos pelo recurso a
mecanismos de captão de imagens, sons, palavras ou outros dados e, por
extensão a reprodução do conteúdo captado como prova:
a) quando restar suficientemente comprovado que aquele recurso é
adequado ou útil para a satisfação de um interesse empresarial letimo e,
portanto, merecedor de tutela e seja relacionado com o correto e ordenado
desenvolvimento da atividade produtiva, de forma que não basta a mera
invocação do interesse para justiçar a limitação;
34 No ordenamento jurídico nacional, o art. 11 do Código Civil estabelece que: “Com exceção dos
casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitão voluntária”.
35 CASTRO, Javier Gárate. Derechos Fundamentales del Trabajador y Control de la Prestación
de Trabajo por Medio de Sistemas Proporcionados por las Nuevas Tecnologías. In: Minerva.
Revista de Estudos Laborais. Lisboa: Almedina, Ano V, n. 8, março/2006, p. 151-180.
77
b) a própria limitação ou modificação do direito fundamental afetado
se mostre proporcionada para o fim que se pretende alcançar, ou seja, resulte
indispensável ou estritamente necessária para lograr referida satisfação do
interesse empresarial da maneira menos agressiva ou restritiva do direito
sobre o qual se projeta.
No Brasil, a doutrina
36
entende que o direito à autodeterminação
informática do trabalhador – candidato a emprego ou empregado –, por
constituir uma nova fase do direito à intimidade e à vida privada, tem
proteção efetiva no disposto no art. 5º, inciso X, Constituição de 1988, não
sendo necessária a existência de legislação regulamentadora da garantia, o
que parece correto, na medida em que o direito à intimidade, constituindo
uma dimensão da dignidade humana, garantida como um dos fundamentos
da Reblica Brasileira no texto expresso da Constituão, é auto-aplicável,
máxime porque também garantido em vários Tratados Internacionais sobre
os direitos humanos de que o Brasil é parte. Aplica-se, pois, o disposto no
art. 5º, § 1º da Carta de 1988.
A dignidade e a intimidade do trabalhador implicam o uso
ponderado dos poderes empresariais de direção e organização do trabalho
e, particularmente, no tocante ao controle e vigilância.
Com efeito, se é certo que o empresário pode adotar medidas que
entenda mais oportunas de vigilância e controle, entre elas podendo figurar
meios audiovisuais, óticos ou outros de igual eficácia, a contratação dos
serviços de profissionais, ou o registro sobre a pessoa ou dados pessoais
do trabalhador, não é menos verdadeiro que tais medidas somente podem
ser consideradas legítimas se referidas à verificação do cumprimento das
obrigações laborais. Não se pode jamais admitir a intromissão na esfera
íntima ou na vida privada do trabalhador, devendo, por isso mesmo, guardar
sempre a consideração devida à sua dignidade humana (art. 1º, III e 5º, X da
Constituição de 1988).
Desse modo, a revista pessoal, que envolve os objetos que
acompanham o trabalhador, assim como a sua própria pessoa, somente
pode ser admitida – sempre em caráter excepcional – para salvaguardar
o patrimônio do empregador e a segurança dos demais trabalhadores.
Todavia, sua admissão não pode em hipótese alguma colocar o trabalhador
em situação vexatória, pois o direito de propriedade não pode jamais se
sobrepor à dignidade do trabalhador.
36 SIMÓN, SANDRA LIA. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do
empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 167.
78
Nesse sentido, vale trazer à colação o seguinte julgado que bem
soube interpretar e garantia:
DANO MORAL - REVISTA ÍNTIMA - DIREITO À INTIMIDADE
X DIREITO DE PROPRIEDADE - COLISÃO ENTRE DIREITOS
CONSTITUCIONALMENTE TUTELADOS - TEORIA DA
PONDERAÇÃO DE INTERESSES. Em razão do princípio específico
da unidade da Constituição, na hipótese de colisão entre direitos
constitucionalmente tutelados, o método a ser utilizado é aferir entre
os interesses contrapostos aquele que possui, no caso concreto, maior
preeminência e menor restrição na ordem jurídica constitucional, limitando-
se um direito fundamental para salvaguardar outro. No caso em apreço, o
poder de fiscalização da propriedade do empregador é limitado à garantia
de preservação da honra e da intimidade da pessoa física do trabalhador,
que encontra no princípio da dignidade da pessoa humana sua maior
expressão
37
.
Nessa perspectiva, parece razoável afirmar que entre nós, a
doutrina e a jurisprudência consideram e admitem a revista pessoal
(realizada diretamente tanto no corpo do trabalhador feita em objetos que
ele carrega consigo, como bolsas e sacolas) uma forma de concretização
do poder de controle do empregador, no sentido de fiscalizar as atividades
desempenhadas pelo empregado. Todavia, não é menos verdadeiro dizer que
mesmo quando indispensável, a revista somente pode ser realizada na saída
do trabalhador dos locais de trabalho e quando existirem fatos concretos que
a recomendem. Mas nessa hipótese, somente poderá ser realizada através de
instrumentos que não violem a intimidade do empregado. Mesmo tolerada
e considerada pelos tribunais brasileiros como um direito de fiscalização
do empregador, se tornará abusiva e desrespeitosa à dignidade humana
quando efetivada de forma imoderada ou desproporcionada.
Nesse sentido, por exemplo, já decidiu o Tribunal Superior do
Trabalho, conforme se vê da seguinte ementa
38
:
EMENTA: DANO MORAL – PRESENÇA DE SUPERVISOR NOS
VESTUÁRIOS DA EMPRESA PARA ACOMPANHAMENTO DA
TROCA DE ROUPAS DOS EMPREGADOS – REVISTA VISUAL.
Equivale à revista pessoal de controle e, portanto, ofende o direito à
intimidade do empregado a conduta do empregador que, excedendo os
limites do poder diretivo e fiscalizador, impõe a presença de supervisor,
37 TRT 24ª Região. RO 0124.2005.001.24.00. Disponível em<<www.trt24gov.com.br>>. Acesso
16.08.07.
38 TST-RR-2195/1999.009-05-00.6. Ac. 1ª T. In: DJU, 09.06.2004.
79
ainda que do mesmo sexo, para acompanhar a troca de roupa dos
empregados no vestuário. O poder de direção patronal está sujeito a limites
inderrogáveis, como o respeito à dignidade do empregado e à liberdade
que lhe é reconhecida no plano constitucional. Irrelevante a circunstância
de a supervisão a ser empreendida por pessoa do mesmo sexo, uma vez que
o constrangimento persiste, ainda que em menor grau. A mera exposição,
quer parcial, quer total, do corpo do empregado, caracteriza grave invasão
à sua intimidade, traduzindo incursão em domínio para o qual a lei
franqueia o acesso somente em raríssimos casos e com severas restrões,
tal como se verifica até mesmo no âmbito do direito penal (art. 5º, XI e
XII, da CF). Despiciendo, igualmente, o fato de inexistir contato físico
entre o supervisor e os empregados, pois a simples visualização de partes
do corpo humano, pela supervisora, evidencia a agressão à intimidade
da Empregada. Tese que se impõe à luz dos princípios consagrados na
Constituição da República, sobretudo os da dignidade da pessoa, erigida
como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
inciso II) e da inviolabilidade da intimidade e honra (art. 5º, inciso X).
Recurso de Revista que se conhece e a que se dá provimento para julgar
procedente o pedido de indenização por dano moral.
Quando não atendidas as exigências da ponderação e do respeito à
intimidade do trabalhador, a revista será considerada como atentatória à
dignidade do empregado, que pode justificadamente usar o jus resistentia,
sem que esse seu comportamento caracterize desobediência, que daria
ensejo ao rompimento do contrato por justa causa.
No que se refere à revista em objetos e armários, a jurisprudência
tem admitido com o fim de salvaguardar o patrimônio do empregador e
para garantir a segurança dos demais trabalhadores. Porém, também aqui,
os requisitos para que ela seja admitida são os mesmos para a revista
pessoal: imprescindibilidade para a proteção da propriedade; realização
no final do expediente, com sistema de seleção automática e anuência ou
acompanhamento do trabalhador.
O empregador não pode fiscalizar sem o consentimento do
empregado os bens que este tem para seu uso e gozo e que, portanto, mesmo
tendo sido reservados em razão do trabalho, passam a integrar a sua esfera
íntima e privada. Daí porque não se pode concordar com o entendimento de
que o empregador possa monitorar o e-mail do trabalhador pelo mero fato
do computador ser de propriedade da empresa e usado como ferramenta de
trabalho.
O fato do e-mail ser ou não meio de comunicação e ferramenta de
trabalho não autoriza a intromissão do empregador na esfera privada do
80
trabalhador. O e-mail é ferramenta de trabalho, mas ao mesmo tempo serve
ao indivíduo. Não é porque o empregador forneceu o equipamento que
pode invadir a privacidade do empregado que se manifesta por tal meio,
naturalmente. Na verdade, como lembra Jorge Luiz Souto Maior
39
, “por
dets da postura do empregador de defender seu “direito” de visualizar as
mensagens enviadas e recebidas por seu empregado está embutida uma nova
forma de controle, baseada muitas vezes no falso argumento da moralidade,
para, no fundo, apenas potencializar o estado de sujeição do empregado”.
Ao comentar algumas sentenças dos tribunais espanhóis a respeito
da possibilidade do empregador ter acesso ao conteúdo do e-mail do
empregado, Javier Gárate Castro
40
afirma que tal entendimento não permite
concluir que esse acesso seja sempre alheio ao segredo das comunicações e
constitua uma medida que não entra em contradição com esse direito ou o
relativo à intimidade. Para ele:
El principio de proporcionalidad rige también aquí y, por lo tanto, hará que
valorar si no existe otra medida menos agresiva que permita satisfacer el
legítimo interés de la empresa de controlar el correcto uso de la herramienta
o comprobar la sospecha de comisión de irregularidades por parte del
trabajador controlado. No creo que la irregularidad en el uso del correo
electrónico, sancionable como incumplimiento contractual, justifique
cualquier tipo de control. Al respecto, interesa tener presente que, tanto
si se trata de la fiscalización del uso del correo electrónico como de otras
posibles aplicaciones del ordenador, desde el punto de vista de la adecuación
a principio de proporcionalidad, la menor agresividad de los derechos
fundamentales afectados corresponde, como también han tenido oportunidad
de señalar los Tribunales laborales, al control o registro informático que se
circunscribe a los aspectos externos de la información registrada, como
son el tipo de programas o aplicaciones utilizadas, el tipo de paginas web
consultadas o la cantidad de correos enviados y la fecha de la misión. Se a la
empresa le basta para satisfacer su interés con el acceso a ese tipo de datos,
no debe ir más lejos, salvo que quiera correr el riesgo de su actuación se
estime contraria a los derechos fundamentales del trabajador.
Assim, mesmo que se admita a possibilidade do acesso pelo
empregador ao e-mail do empregado, isso somente poderá ocorrer,
excepcionalmente, para verificar o correto uso da ferramenta ou para
comprovar eventual cometimento de irregularidades por parte do
39 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O monitoramento de e-mail no local de trabalho. In: Revista de
Derecho Social Latinoamérica. Buenos Aires: Editorial Bomarzo, v. 1, 2006, p. 199-202.
40 CASTRO, Javier Gárate. Ob. cit., p. 176-177.
81
trabalhador controlado, na medida em que tal procedimento implica
limitação ao direito à privacidade ou a intimidade do empregado e ainda ao
sigilo de suas correspondências, constitucionalmente garantido que jamais
poderá ser violado apenas em nome do poder diretivo empresarial e do
direito de propriedade.
Deve-se levar em conta, sempre, que a restrição de direito fundamental,
embora excepcionalmente admitida, deve ser justificada pela necessidade
de garantir outro bem ou direito constitucionalmente protegido, pois como
averba Rafael Naranjo de la Cruz
41
“la restricción del derecho fundamental
deve tener en cuenta también que éste disfruta igualmente de protección
constitucional, aí como el carácter supremo de la misma. Por tanto, el
limite ha de aparecer justificado por la necesidad de garantizar otro bien
o derecho constitucionalmente protegido; ser adecuado, esto es, útil para
consecución del fin propuesto; necesario, por no existir otro igualmente
apto para garantizar el bien que se le opone que, sin embargo, no afecta el
derecho fundamental en cuestión, o lo haga en menor medida; y finalmente,
debe ser proporcional en sentido estricto, es decir, corresponderse a la
importancia que, desde un punto de vista constitucional, cabe atribuir a
cada una de las manifestaciones de los bienes en juego”.
Desse modo, não é possível comungar com o entendimento daqueles
que admitem que o empregador possa monitorar o e-mail do trabalhador
pela mera circunstância de ser proprietário do computador. Sendo o e-mail
mera ferramenta de trabalho o empresário podemonitorar e rastrear a
atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo,
isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob
o ângulo material ou de contdo
42
. Ao se admitir essa tese como válida,
estar-se-ia privilegiando o direito de propriedade em detrimento ao direito
à privacidade, à intimidade do trabalhador e ao sigilo de correspondência,
constitucionalmente garantidos (art. 5º, incisos X e XII da Carta de 1988).
O simples fato de uma linha telefônica e aparelho pertencerem a uma
empresa evidentemente não confere à organização o direito de interceptar
as ligações de seus empregados sem autorização judicial. Deve-se, pois,
41 NARANJO DE LA CRUZ, Rafael. Los límites de os derechos fundamentales en las relaciones
entre particulares: la buena fe. Madrid: Boletín Oficial Del Estado. Centro de Estudios Políticos
y Constitucionales, 2000, p. 217.
42 Esse foi o entendimento acolhido pelo Tribunal Superior do Trabalho, 1ª Turma, ao julgar o
ED-RR 613/2000-013-10-00.7, entendo que o e-mail corporativo ostenta “natureza jurídica
equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para
a consecução do serviço”.
82
entender quanto às comunicações eletrônicas, que não podem ser monitoradas
sob a singela alegação tanto da titularidade do contrato com do provedor de
acesso à internet quanto da propriedade dos recursos eletrônicos.
Sem dúvida o monitoramento do e-mail do empregado impede o
exercício de outros direitos fundamentais além do direito à privacidade,
como o direito à liberdade de expressão, à crítica e até mesmo de reflexão
sobre as condições de trabalho. Ademais, como observa com propriedade
Mario Antônio Lobato de Paiva
43
, o poder de direção e a necessidade de
controle de tráfego de informações da empresa podem ser implementados
recorrendo-se a outros recursos menos invasores à privacidade, sendo
desnecessário o rastreamento de todas as mensagens do empregado.
Nessa perspectiva, se deve conclui pela inconstitucionalidade do
monitoramento generalizado de todas as comunicações dos empregados
realizadas por meio de recursos computacionais da empresa, ainda que tal
previsão exista em norma interna da empresa ou tenha sido inserida como
cláusula do contrato de trabalho, porque tal procedimento afronta a garantia
constante do inciso XII do art. 5º, do Texto de 1988 que regula o sigilo
das comunicações sem estabelecer qualquer distinção entre comunicação
profissional e comunicação pessoal permitindo a interceptação apenas para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal, mas somente
mediante ordem judicial e desde que observado o devido procedimento
previsto em lei, hipótese que evidentemente não se encaixa a auto-restrição
em contrato de trabalho relação marcadamente assimétrica em que não
existe nem mesmo a liberdade do empregado na decisão de limitação do
direito de personalidade. Por conseguinte, o entendimento que vem sendo
dado pela jurisprudência laboral a respeito do tema não se coaduna com
a garantia constitucional acima mencionada mostrando-se completamente
desproporcional.
2.2 Direito à imagem e à honra
O direito à imagem é um valor fundamental da dignidade humana.
O art. 5º, inciso X, da Constituição, declara invioláveis a honra e a imagem
das pessoas.
Para José Afonso da Silva
44
o direito à preservação da imagem e da
43 LOBATO DE PAIVA, Mário Antônio. A privacidade do trabalhador no meio informático.
Disponível em <<http//www.ibdi.org.br/index.php?secao=&d_noticia=125&ação=lendo>>.
Acesso em 12.09.07.
44 SILVA, José Afonso. Ob. cit., p. 186.
83
honra, como o nome, não caracteriza propriamente um direito à privacidade
menos ainda à intimidade. Tanto assim, que a Carta de 1988 reputa-os
valores humanos distintos.
O indivíduo tem a faculdade de decidir que aspectos de sua pessoa
deseja preservar da divulgação pública, a fim de garantir um âmbito
privativo para o desenvolvimento da personalidade alheia a ingerências
externas, o que termina por se projetar em outro direito fundamental, qual
seja, o direito à honra, aqui entendido como fama, reputação, bom nome.
A honra é assim, o conjunto de qualidades que caracterizam a
dignidade da pessoa, o respeito aos concidadãos, o bom nome, a reputação.
É, pois, o direito fundamental da pessoa de resguardar essas qualidades e
de preservar a própria dignidade.
Desse modo, o direito de proteção e valorização externa da pessoa é
dotado das notas de imanência – a própria estimação –, e de transcendência
o reconhecimento externo da própria dignidade. É, pois, um direito de
natureza personalíssimo e, portanto, de titularidade individual que não
admite réplica contrária.
Também no âmbito das relações laborais o trabalhador tem o direito
à sua própria imagem que é uma derivação de sua dignidade e que tem
por escopo a proteção da dimensão moral de sua pessoa atribuindo-lhe
um direito de determinar a informação gráfica gerada pelos seus traços
físicos pessoais que pode ter difusão pública, bem como a faculdade
para evitar essa difusão incondicionada de seu aspecto físico, na medida
em que constitui o primeiro elemento configurador da esfera pessoal de
todo indivíduo, enquanto instrumento básico de identificação e projeção
exterior e fator imprescindível para seu próprio reconhecimento como
sujeito individual.
Essa reserva pessoal, referente ao aspecto físico, que também se
reflete na personalidade moral do indivíduo, além de satisfazer a uma
exigência espiritual de isolamento, é ao mesmo tempo uma necessidade
iminentemente moral.
No direito à honra, a pessoa é tomada frente à sociedade, no círculo
social em que se insere, função do valor ínsito à consideração social. Daí,
a violação a esse valor produzir reflexos na sociedade, acarretando para
o lesado diminuição social, com conseqüências pessoais (humilhação,
constrangimento, vergonha) e patrimoniais (no campo econômico, como
o abalo de crédito, descrédito da pessoa ou da empresa, abalo de conceito
profissional).
84
Com efeito, sendo a honra objetivamente considerada, um atributo
valorativo da pessoa na sociedade (pessoa como ente social), a lesão se
reflete, indubitavelmente, de imediato, na opinião pública, considerando-
se perpetrável por qualquer meio possível de comunicação (escrito, verbal,
sonoro)
45
.
No marco laboral, a violação à honra se mostra ainda mais grave,
pois o contrato de trabalho tem como um dos seus elementos mais
importantes, a fidúcia do empregador na pessoa do empregado, que pode
simplesmente desaparecer colocando em risco o próprio emprego em caso
de comentários ou notícias desabonadoras da honra pessoal ou profissional
do trabalhador.
Nessa perspectiva, a violação desse direito pelo empregador ou
preposto seu com a divulgação de imagens não autorizadas, de notícias
ou comentários desabonadores da honra pessoal ou profissional do
trabalhador constitui evidente atentado à dignidade deste implicando no
dever de indenização pelos danos morais e materiais causados, inclusive
pela eventual perda de nova colação no mercado de trabalho
46
, na forma do
previsto no art. 5º, incisos V e X, do Texto Maior, combinado com o que se
encontra expresso nos arts. 11, 12 e 21 do Código Civil.
Esse direito que acompanha a pessoa desde o nascimento por
toda a vida e, mesmo após a morte, como se viu, tem por escopo tutelar
a reputação do ser humano no seio da coletividade e a preservação da
própria dignidade humana. E por óbvias razões, incide também, e com
muito maior ênfase, nas relações laborais, onde a lógica da subordinação e
da dependência do emprego torna o trabalhador mais vulnerável à violação
de seus direitos fundamentais, entre o quais se inscreve o direito à honra,
ao bom nome e à boa fama como, aliás, a velha, mas sempre lembrada CLT
previu no art. 483.
45 BITTAR, Carlos Alberto. Ob. cit., p. 70.
46 Não é incomum, ao contrário, ocorre com razoável freqüência, serem dadas informações
desabonadoras da conduta pessoal ou profissional de trabalhadores pelo ex-empregador após
rompido o vínculo de emprego, especialmente quando aquele reclama perante a Justiça do
Trabalho. Há mesmo aqueles que após receber a notificação para a audiência registram boletim
de ocorrência contra o ex-empregado com acusação de prática de delito sem menor procedência,
como forma de vingaa. É claro que essa prática termina maculando a honra do trabalhador
que não raro o impede de se inserir no mercado de trabalho. Esse comportamento atenta contra a
honra do trabalhador ensejando o direito à indenização por todos os danos que venha sofrer em
decorrência do ilícito ex-empregador.
85
2.3 Direito à liberdade ideológica e religiosa
De acordo com o inciso VI do art. 5º da Carta Maior, é inviolável
a liberdade de consciência e de crença, assegurando o inciso VIII que
ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política.
Como se vê, a Constituição garante a liberdade ideogica, religiosa
e de culto aos indivíduos e às comunidades sem mais limitação, em suas
manifestações.
No campo laboral, por força da garantia antes mencionada, o
trabalhador tem direito de não ser discriminado para o emprego, ou uma
vez empregado, por razões decrença religiosa ou de convicção filosófica
ou política, direito esse que também se recolhe na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948.
Aos poderes públicos incumbe, pois, o dever de não sancionar, nem
desmerecer ou prejudicar a nenhuma pessoa em razão de suas crenças
ideológicas, proibida toda ingerência na dimeno externa ou no agir lícito
dessa liberdade.
Nesse passo, o mesmo dever se impõe aos poderes privados ou em
geral às condutas dos particulares, e especialmente, às decisões empresariais
no marco da relação de trabalho ou emprego.
O direito de liberdade ideológica, religiosa e de culto, bem como
o direito de não declarar sobre sua ideologia, religião ou crenças, que
se encontra conectado com a dignidade e a intimidade da pessoa do
trabalhador, com relação ao âmbito laboral permite ao empregado decidir
livremente sobre suas idéias, suas opções vitais ou suas convicções de tipo
religioso, político ou sindical, e lhe protege frente a possíveis indagações
ou medidas de represália por conta da mesma.
Entretanto, se deve mencionar, aqui, por necessário, a questão das
empresas de tendência, em que o exercício dos direitos fundamentais por
parte do trabalhador pode sujeitar-se a limitações quanto à organização
empresarial face à exigência de eficaz ou concreta difusão do trabalho
ideogico da empresa.
De acordo com a doutrina
47
, ainda que não haja como regra geral
obrigação de declarar os dados referentes às convicções ideológicas,
religiosas ou sindicais, a comunicação a seu respeito em alguns casos
47 MARTINS VALVERDE, Antonio et al.. Ob. cit., p. 613.
86
concretos se faz necessária para que o empresário possa dar cumprimento
a determinadas obrigações legais, como por exemplo, descanso em dias
solenes, proteção especial frente à despedida, entre outras.
A jurisprudência espanhola, por exemplo, tem se mostrado um
tanto indecisa a respeito dessa questão, pois o Tribunal Constitucional tem
entendido que na hipótese das empresas de tendência se admite a limitação
do direito quando justificada na estrita medida em que seja necessária para
salvaguardar o normal desenvolvimento da atividade ideológica, também
garantida constitucionalmente, porém ressalvando que terceiros como o
sindicato e os representantes do trabalhador não podem revelar os dados.
Todavia, não estabelece critérios seguros para que, respeitando os direitos
do trabalhador, possa o empresário ter conhecimento de uma situação
geradora de obrigações.
Desse modo, pode-se dizer que no âmbito das empresas de tendência,
o trabalhador pode sofrer alguma mitigação no direito à crença ou liberdade
ideogica, religiosa e de culto e, como conseqüência, na prática não há
âmbito de total excluo dessas empresas a respeito do campo de aplicação
da proibição de discriminação
48
e da garantia da indenização pelo exercício
de tais liberdades
49
.
Assim, pode-se afirmar que o direito à liberdade ideológica termina
sofrendo certa mitigação quando se tratar de empregado de empresas
de tendência, porém o que não pode acontecer é que o trabalhador seja
discriminado em rao de sua ideologia.
2.4 Direito à não discriminação
Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa tratamento
compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por
ela vivenciada, tendo como causa, muitas ou na maioria das vezes, um juízo
sedimentado desqualificador de uma pessoa em rao de uma característica
sua, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento
mais amplo de indivíduos, como cor, raça, sexo ou orientação sexual,
nacionalidade, estado civil, riqueza, etc
50
.
48 Porque nestes entes é legítimo exigir-se do trabalhador uma mínima sintonia com o “ideário
empresarial, como assentado pela jurisprudência espanhola (STC 47/1985, de 27 de mao).
49 MOLINA NAVARRANTE, Cristóbal et al.Ob. cit., p. 28.
50 DELGADO, Mauricio Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In:
Discriminação. VIANA, Márcio Túlio et al (Coord.). São Paulo: LTr, 2000, p. 96.
87
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a discriminação constitui a
diferenciação de tratamento sem que haja motivos lógicos para tanto, como
decorncia de algum tipo de preconceito em face de determinado atributo
pessoal do discriminado como sexo, orientação sexual, cor, etnia, etc.
51
De acordo com os termos da Convenção Internacional Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, ratificada pelo Brasil e,
portanto, integrante do ordenamento jurídico nacional, discriminação é:
Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito de anular
ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico,
social, cultural ou em outro qualquer da vida pública.
Registre-se que a aludida Convenção Internacional ao delimitar
o conceito de discriminação, elegeu como elementos constitutivos
aqueles que são característicos naturais ou culturais do indivíduo que,
historicamente, têm sido recorrentes, sem, todavia, com isso estabelecer um
sistema taxativo. Por conseguinte, e embora o texto não mencione exclusão,
restrição ou preferência baseada no critério da compleição física ou mental,
é claro que a definição de discriminação engloba também as pessoas que
são portadoras de alguma deficiência física ou mental
52
.
De outro lado, o fato da normativa internacional mencionar apenas
o campo da vida pública, situando, inicialmente, o problema no âmbito da
eficácia vertical dos direitos fundamentais o Estado em face do particular
– não impede que a noção seja estendida às relações entre particulares e,
portanto, se desloque para os domínios de sua eficácia horizontal, máxime
porque como sabemos, muitas vezes o vilão da discriminação não é um
agente público, especialmente no campo das relações laborais em que a
discriminação acontece até mesmo entre colegas de trabalho, inclusive
51 Nos termos do art. VII, da Declaração Universal dos Direitos do HomemTodos são iguais
perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a
igual protão contra qualquer discriminação que viole a presente Declarão e contra qualquer
incitamento a tal discriminação”.
52 SILVA, Alexandre Vitorino. Direitos à prestações positivas e igualdade. São Paulo: LTr, 2007,
p. 42.
88
através da insidiosa figura do assédio moral
53
e sexual
54
. Mas nem por isso
o Estado está isento do seu dever indeclinável de proteger os indivíduos
perante os particulares, que na realidade não passam de terceiros vinculados
pela irradiação do princípio da igualdade
55
, inclusive a jurisprudência do
STF vem apontando nesse rumo ao admitir a possibilidade da incidência dos
direitos fundamentais nas relações privadas, consideradas as peculiaridades
do caso concreto
56
.
Como se pode perceber do texto da aludida normativa internacional,
a discriminação nele prevista assume um caráter negativo, ilícito, de
exclusão, de reprovabilidade. É esse tipo de discriminação que nos interessa
analisar no presente trabalho, e mais que isto, sua incidência e repercussão
no campo das relações laborais.
Para a Convenção 111 da OIT, que trata do tema, o termo discrimi-
nação compreende: a) toda “distinção, exclusão ou preferência fundada na
raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem
social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade
ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) qualquer “outra
distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar
a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou
profissão que poderá ser especificada pelo membro interessado depois
53 Assédio moral é constituído pelo atentado à dignidade da pessoa exercido de forma reiterada,
potencialmente lesivo e não desejado, dirigido contra um ou mais trabalhadores, no local de
trabalho ou em conseqüência do mesmo, constituído por toda conduta abusiva (gestos, palavras,
comportamentos, atitudes..) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade
ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, podendo ainda colocar em perigo seu emprego
ou degradar o ambiente de trabalho. LIMA FILHO, Francisco das C. Elementos constitutivos do
assédio moral nas relações laborais e a responsabilização do empregador. In: Revista do Ministério
Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul. Campo Grande: n. 01, 2007, p. 151-204.
54 O que caracteriza o assédio sexual é o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, ou sócio
da empresa, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou de ameaças, ou
atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a demissão, a perda de promoções, ou
ainda outros prejuízos, como a transferência indevida, e/ou pela insistência e inoportunidade.
55 A respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais vale consultar STEINMETX, Wilson.
A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 271-274.
Para referido autor: “Se for correta a tese de que direitos fundamentais vinculam, além dos poderes
públicos, também os particulares e se a CF enuncia que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata” (§ 1º do art. 5º), “então, e esta é a única conclusão
plausível, normas de direitos fundamentais operam eficácia ou aplicabilidade imediata também
entre os particulares”. Também defendendo a eficácia horizontal dos direitos fundamentais vale
consulta UBILLOS, Juan Maria Bilbao. La Eficacia de Los Derechos Fundamentales Frente a
Particulares – Análisis de la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional. Madrid: Boletín Oficial
del Estado, 1997, p. 243.
56 No RE 158.215-4/RS, a Suprema Corte admitiu a incidência direta dos direitos fundamentais
sobre relações particulares.
89
de consultadas as organizações representativas de empregadores e
trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados”.
Tomando em conta o que estabelecido na mencionada normativa
internacional, no campo da relação de trabalho, discriminação é a
diferenciação de tratamento, sem que haja motivos lógicos para tanto, como
decorncia de algum tipo de preconceito em face de determinado atributo
pessoal do trabalhador (sexo, orientação sexual, etnia, nacionalidade, etc),
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de
tratamento em matéria de emprego ou profissão.
É claro que as hipóteses de discriminação no campo das relações
laborais não estão limitadas àquelas previstas na aludida normativa
internacional.
Como lembra Elaine Machado Vasconcelos
57
, entre as muitas
condutas discriminatórias na atividade laboral brasileira, destacam-se as
seguintes:
a) os negros, os homossexuais e os portadores do vírus HIV têm
acesso dificultado e muitas vezes negado nas seleções para vagas de
determinados empregos;
b) os negros, as mulheres e os homossexuais são preteridos nas
ascensões funcionais;
c) as mulheres sofrem assédio como instrumento de pressão no
trabalho;
d) sob a alegada “responsabilidade familiar” especial da mulher, esta
sofre discriminação no acesso a postos de trabalho;
e) mulheres são demitidas ou não admitidas por motivo de
gravidez;
f) o pretexto daboa aparência tem permeado a seleção de
trabalhadores “bonitos” para determinados cargos, configurando
descriminação estética no trabalho;
g) aboa aparência também tem servido de pretexto para a
exclusão de obesos, pessoas de baixa estatura, pessoas tatuadas, adornadas
por percing, pessoas com cicatrizes, quelóides, queimaduras, feridas ou
manchas, homens que usam cabelo e barbas longas, caracterizando também
casos de discriminação estética;
57 MACHADO VASCONCELOS, Elaine. A discriminação nas relações de trabalho: a possibilidade
de invero do ônus da prova como meio eficaz de atingimento dos prinpios constitucionais.
In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília: Síntese, Ano 71 – nº 2 – maio a agosto
– 2005, p. 94-107.
90
h) os portadores de deficiência física ou mental, ou ainda os
portadores de certas doenças (como o diabetes), não têm tratamento
especial que lhes assegure o ingresso no mercado de trabalho;
i) a utilização do direito de ação por trabalhadores, mediante
ajuizamento de reclamatórias trabalhistas contra seus ex-empregadores,
tem significado de óbice à obtenção de novas colocações no mercado de
trabalho;
j) os idosos são praticamente excluídos do mercado de trabalho e
compelidos a destinarem-se ao mercado informal
58
;
k) certas enfermidades, como alcoolismo, mesmo assim conside-
radas pela medicina, não são aceitas como tais por muitos empregadores,
que insistem em classificá-las como “desvio de caráter, ensejando a
demissão motivada em preterição das recomendações de suspensão do
contrato de trabalho para tratamento de saúde do empregado, mesmo sendo
reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que o alcoólatra é um
doente, inclusive, aqui no Brasil, pela própria previdência social.
58 A propósito da questão da discriminão do trabalhador em razão da idade, vale a pena consultar
a decisão proferida pela 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho no RR 462.888, julgado em
10.09.03, cuja ementa tem o seguinte contdo: “Recurso de Revista. Dispensa discriminaria
por idade. Nulidade. Abuso de direito. Reintegrão. Se das premissas fáticas emergiu que a
empresa se utiliza da ptica de dispensar seus funcionários quando estes completam 60 anos,
imperioso se impõe ao julgador coibir tais procedimentos irregulares, efetivados sob o manto
do “poder potestativo”, para que as dispensas não se efetivem, sob a pecha de discriminatória
da maior idade. Embora o caso vertente não tivesse à época de sua ocorncia previo legal
especial (a Lei n. 9.029/95 que trata da proibição das práticas discriminatórias foi editada em
13.4.1995 e a dispensa do reclamante ocorreu anteriormente), cabe ao prolator da decisão o
dever de valer-se dos princípios gerais de direito, da analogia e dos costumes, para solucionar
os conflitos a ele impostos, sendo esse, aliás, o entendimento consagrado pelo art. 8º, da CLT,
que admite que a aplicação da norma jurídica em cada caso concreto, não desenvolve apenas o
dispositivo imediatamente específico para o caso, ou o vazio de que se ressente, mas sim, todo
o universo de normas vigentes, os precedentes, a evolução da sociedade, os princípios, ainda
que não haja omissão na norma. Se a realidade do ordenamento judico trabalhista contempla
o direito potestativo de resilição unilateral do contrato de trabalho, é verdade que o exercício
desse direito guarda parâmetros éticos e sociais como forma de preservar a dignidade do cidadão
trabalhador. A despedida levada a efeito pela reclamada, embora cunha no seu direito potestativo
de resilição contratual, estava prenhe de mácula pelo seu conteúdo discriminatório, sendo nula
de pleno direito, em face da expressa disposição do art. 9º da CLT, não gerando qualquer efeito,
tendo como conseqüência jurídica a continuidade da relação de emprego, que se efetiva através
da reintegração. Efetivamente, é a aplicação da regra do § do art. 5º da Constituição Federal,
que impõe a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais,
pois, como apontado no v. acórdão, a prática da dispensa discriminatória por idade confrontou o
princípio da igualdade contemplado no “caput” do art. 5º da Constituição Federal”.
91
2.5 Discriminação dos trabalhadores portadores de doença ocupacional,
vítimas de acidente do trabalho ou acometidos por doenças infecto-
contagiosas.
Menção especial se deve fa zer a respeito dos t rabal hadores por tadores
de doença ocupacional, vítimas de acidente do trabalho ou acometidos por
doenças infecto-contagiosas, como a SIDA/AIDS.
Em que pese o disposto no art. 118 da Lei 8.213/91 e as normas da
Lei 9.029/95, os trabalhadores integrantes desses grupos têm sido vítimas
de dispensas sem nenhuma justificação.
Parece evidente afirmar que em todos esses casos a ocorncia da
dispensa, mesmo quando não motivada e ainda que com pagamento de
verbas resilitórias, algumas vezes até mesmo com indenização do período
de garantia do emprego, como no caso dos trabalhadores protegidos
pela garantia constante do art. 118 da Lei 8.213/91, deve ser tida como
discriminaria, e como averba respeitada doutrina
59
“com elementos de
mais intensa gravidade”.
Esse tipo de dispensa, além de ser fruto do preconceito e, portanto,
discriminatória, revela na prática, inaceitável abuso do poder empresarial.
Portanto, deve ser anulada com a reintegração do trabalhador, inclusive
para permitir o direito ao devido e adequado tratamento médico.
A dispensa do trabalhador acidentado ou doente, especialmente
quando o evento tenha tido como causa o trabalho ou as condições em que
este é executado, a par de revelar o preconceito do empregador, resulta no
imediato desemprego do trabalhador, pois a ninguém é dado desconhecer
que a pessoa que padece de algum mal encontra óbice praticamente
intransponível para se inserir no mercado de trabalho. Por conseguinte, é
razoável defender que a dispensa imotivada desses trabalhadores deve ser
considerada discriminatória e obstativa ao constitucional e fundamental
direito ao trabalho, complemento do próprio direito à vida e à igualdade da
pessoa humana.
Ademais, por meio desse tipo de dispensa, se suprime do trabalhador
o acesso ao tratamento médico adequado que por ventura lhe era conferido
atras de plano de saúde fornecido ou subsidiado pela empresa agredindo-
se, por conseqüência, também, o direito fundamental à saúde, com manifesta
59 OLIVEIRA DIAS, Carlos Eduardo. A dispensa discriminatória e os direitos fundamentais do
trabalhador. In: Alexandro da Silva et. Al. (Coord). Direitos Humanos: Esncia do Direito do
Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 161-166..
92
afronta aos arts. 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 5º; 6º; 193 e 196 da Carta de
1988, bem como às normas da Lei 9.029/95 e aos princípios albergados
pelas Convenções 111 da OIT proibitiva da discriminação no campo da
relação de trabalho e 155 que trata da saúde e segurança do ser humano
no ambiente do trabalho, ambas incorporadas ao ordenamento jurídico
nacional e, portanto, de cumprimento e aplicação obrigatória.
Nesse sentido, aliás, se encaminha a jurisprudência pretoriana.
Vale trazer à colação uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho
da 2ª Região
60
, nos seguintes termos:
Ementa: Estabilidade. Portador do vírus HIV. Na relação empregatícia o
empregador detém o poder potestativo quanto à dispensa dos empregados,
mediante o pagamento de verbas indenizatórias previstas na legislação
trabalhista. Contudo, referido poder encontra limitações nas garantias de
emprego, assim como no respeito aos princípios que informam todo nosso
ordenamento jurídico, em especial o princípio da dignidade da pessoa
humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, quando a
dispensa do empregado se mostra fundada em ato discriminatório.
No voto condutor do acórdão, o relator deixou assentado:
O Direito é considerado como o conjunto de normas que regem as relações
sociais. Dessa forma, a AIDS, no aspecto social que envolve a doença,
passa a estar intimamente ligada ao direito, na medida em que cria situações
múltiplas entre o portador da doença e o mundo em que vive.
Lembrando a grande TEORIA TRIDIMENSIONAL, desenvolvida pelo
Jurista MIGUEL REALE, o direito surge da conjugação de três fatores: fato,
valor e norma. Ocorrido o fato, a sociedade lhe dá uma valoração e dessa
nasce a norma jurídica. Assim, a norma jurídica é mais morosa que o fato
social, podendo ocorrer situações em que o fato existe, a sociedade já lhe deu
valoração e a norma ainda não nasceu. É o caso dos trabalhadores portadores
do vírus da AIDS, frente ao direito ao trabalho previsto na Constituição
Federal como de índole fundamental (artigo 6º).
Pouco se tem na legislação que possa ajudar na solução de problemas
relacionados com a doença e com isso, a situação da sociedade se agrava,
buscando alívio nas definições do Poder Judiciário. A Justiça Obreira tem
seguidamente se manifestado no sentido de condenar atos discriminatórios,
independentemente de regulamentação jurídica expressa embasadora das
postulações apresentadas, mas apenas com fulcro nos princípios maiores
60 TRT 2ª Região. RO 0176.20000.007.02.6. Disponível em<<www.trt2gov.com.br>>. Acesso
23.08.07.
93
insculpidos nos artigos 1o, inciso III, 3o, inciso IV e 5o, inciso XLI e
parágrafo 1º, todos da Constituição Federal.
Não se pretende, ao condenar violentamente a discriminação negativa,
provocar reação social e legal, de forma a consubstanciar a discriminação
positiva ao aidético. Deve ele ter e merecer do Estado, a mesma proteção
que o obreiro acometido de outras tantas graves doenças ou vítimas de atos
discriminatórios de todos os tipos. Privilegiar o aidético é tão deletério
quanto segregá-lo. Ser portador de moléstia fatal jamais será um benefício,
mas sim, fator digno de compreensão e nunca piedade.
In casu, diversamente do decidido pela MM. Vara de Origem não se pode
dizer que a empresa desconhecia ser o reclamante portador do vírus da
AIDS. Embora a reclamada negue em sua defesa o conhecimento da
doença do autor, o documento já acima referido, por ela própria emitido,
demonstra exatamente o contrário. E mais, a despeito de ter a demandada
afirmado que o reclamante é apenas portador do vírus HIV e que nunca teve
qualquer anomalia ocasional manifestada em razão da imunodeficiência,
também o prontuário médico ora em comento denuncia as inúmeras vezes
em que o mesmo se serviu do departamento médico da empresa, buscando
atendimento.
Sustenta a reclamada, em sua defesa, ter sido o reclamante dispensado em
razão de “reestruturação” empresarial (fl. 132, item 46). No entanto, em
evidente contradição, o preposto declarou em depoimento pessoal (fl. 418),
que a dispensa do reclamante teria ocorrido “porque não mais se enquadrava
no perfil da empresa; que o serviço desempenhado pelo reclamante não era
mais necessário ao funcionamento da empresa; que outros funcionários
continuaram a exercer essas funções e não houve critério específico para a
dispensa do reclamante”.
As contradições acima narradas militam desfavoravelmente à ré. Sendo
o autor portador do vírus HIV, situação essa do conhecimento da ré, se
a dispensa do autor não ocorreu pelos motivos mencionados na peça
contestatória e, ainda, sem qualquer critério específico, evidente a presunção
da prática de ato discriminatório. É certa a relatividade de referida presunção,
cabendo à demandada infirmá-la, por meio de prova robusta, o que não foi
feito, mormente consideradas as declarações do preposto em audiência.
Também é certo que, na relação empregatícia, o empregador detém o poder
potestativo quanto à dispensa dos empregados, mediante o pagamento de
verbas indenizatórias previstas na legislação trabalhista. Contudo, referido
poder encontra limitações nas garantias de emprego, assim como no respeito
aos princípios que informam todo nosso ordenamento jurídico, em especial o
princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no já suso mencionado
artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.
94
Por meio de seu ato, a reclamada não só violou princípios constitucionais,
como também obstou o direito do autor em receber tratamento previdenciário
conferido aos aidéticos pela Lei 7670/88, primeira luz a brilhar no
ordenamento jurídico, em proteção aos mesmos, incidindo, assim, na
hipótese preconizada pela Lei 9029/95.
No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª
Região
61
:
EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA HEPATITE -C-. FALSA
CAUSA PARA O DESPEDIMENTO.DISCRIMINAÇÃO. Empregado
portador do vírus HCV - hepatite C -, debilitado pela enfermidade incurável,
sofrendo distúrbios colaterais que transtornaram sua fisionomia, deve ter
assegurada a sua manutenção no emprego, ainda que por analogia aos artigos
1º e 4º, da Lei 9.029/95. Sua situação é similar à do portador do vírus HIV,
não merecendo ser penalizado com a omissão da lei, que caminha a passos
curtos. A discriminação mostra-se patente, revelando os autos a argüição,
pela ré, de falsa causa para a dispensa. Recurso provido.
Também aqui foram feitas importantes considerações a respeito
da garantia do direito à saúde do trabalhador e da proibição da dispensa
discriminatória por motivo de doença.
Registrou o relator do acórdão:
A tese recursal de inexistência de norma legal que ampare o reclamante
em sua pretensão, essa sim, deve ser descartada, pois, além das normas
supracitadas, perfeitamente aplicáveis ao caso as regras gerais contidas
na Lei 9029/95, a qual confere proteção aos trabalhadores contra práticas
discriminatórias que impeçam a manutenção da relação de emprego.
Aplicar a um caso, não contemplado de modo direto ou específico por
uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas
semelhante ao caso não contemplado, é que se denomina analogia, prevista
no art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
Ensina Maria Helena Diniz
2
que, além da semelhança, é essencial que haja
entre o caso previsto em lei e o sub judice a mesma razão.
Consigna, ainda, que o fundamento da analogia encontra-se na igualdade
jurídica, já que o processo analógico constitui um raciocínio - baseado em
razões relevantes de similitude -, fundando-se na identidade de razão, que
é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos,
mas substancialmente semelhantes, sem contudo ter por objetivo perscrutar
61 TRT 24ª Região. Proc. 01312-2003-021-24-00-1 (RO). Disponível em<<www.trt24gov.com.
br>>. Acesso 23.08.07.
95
o exato significado da norma, partindo, tão-só, do pressuposto de que a
questão sub judice, apesar de não se enquadrar no dispositivo legal, deve
cair sob sua égide por semelhança de razão... Daí o célebre adágio romano:
ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositivo.
O artigo 1º, da Lei 9029/95 dispõe:
... fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para
efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de
sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas
neste caso as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII, do
art. 7º da Constituição Federal.
Entre as hipóteses previstas na lei supracitada e o caso sub judice
semelhança real de razão, qual seja, a coibição da prática discriminatória.
Considerar discriminatório somente atos que afrontem a cor, a raça,
a idade, o sexo, nos estritos limites da Lei, e não fazê-lo em relação ao
doente incurável, é o mesmo que desnudar o Judiciário do bom senso e da
razoabilidade.
Embasadas no mesmo fundamento jurídico analógico (Lei 9029/95) têm
sido proferidas decisões quando se trata de empregado portador do vírus
HIV ou aidético, as quais são ratificadas pelo TST.
Não revela investigar se a doença alojou-se no fígado, pulmão, estômago ou
intestino, pois o respeito à dignidade da pessoa se sobrepõe a isso e, também,
a eventual omissão legislativa (CF, art. 1º).
Ademais, o autor, portador do vírus HCV, não pode ser penalizado
com a omissão da lei, que caminha a passos curtos, sempre em
descompasso com as doenças dos tempos modernos, razão pela qual
a aplicação analógica da norma supracitada é medida que se impõe.
Por certo, os 18 quilos perdidos pelo autor em decorrência da
enfermidade, com a conseqüente alteração de sua fisionomia,
incomodaram os olhos e a mente capitalista da reclamada, uma vez
que a fuão desempenhada pelo empregado - vendedor externo -
poderia comprometer a imagem do produto comercializado... frangos!!!
Saliente-se que a readaptação em outra função, quando necessária, é
perfeitamente aplicável em casos dessa natureza.
Substituir o empregado doente, por outro saudável, que lhe garanta o lucro,
é o que se pode chamar de discriminação odiosa, pois tal atitude não acarreta
a mera perda do emprego mas, também, do salário, da sobrevivência, da
dignidade.
Vendar os olhos a isso, é o mesmo que condenar, antecipadamente, à morte
aquele que às portas do Judiciário bate a procura de um remédio.
Oportuno transcrever ínfimas linhas do texto sagrado:
- Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito
à dor, familiarizado com a enfermidade como uma pessoa de
quem todos escondem o rosto; desprezado, não faamos caso
96
nenhum dele. E, no entanto, eram as nossas enfermidades que ele
levava sobre, as nossas dores que ele carregava (Isaías 53, 3-4).-
Por todo o disposto, reconhece-se maculada de vício a dispensa do
empregado, sendo a mesma nula de pleno direito (CLT, art. 9º).
Dou provimento ao recurso para, na forma do artigo 4º, da Lei 9029/95,
determinar a readmissão, com a devida anotação da CTPS e, com
ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante
pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente,
acrescidas dos juros legais.
Conheço do recurso e das contra-razões e, no mérito, dou-lhe provimento,
para determinar a readmissão, com a devida anotação da CTPS e, com
ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante
pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente,
acrescidas dos juros legais.
O Tribunal Superior do Trabalho igualmente teve oportunidade de
enfrentar a questão da dispensa discriminatória do trabalhador em rao de
doença, como se pode ver do seguinte julgado
62
:
REINTEGRAÇÃO – EMPREGADO PORTADOR DO VIRUS HIV –
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Caracteriza atitude discriminatória
ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa
empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já
ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado.
O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República
Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade
da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito
(artigo 1º, inciso III), sobrepõe-se à própria inexistência de dispositivo legal
que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego.
Afronta aos artigos 1º, III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição
Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que concluiu pela
reintegração do Reclamante no emprego. Embargos de que não conhece.
Como se vê, a preocupação com a coibição das dispensas
discriminatórias do trabalhador por razões de enfermidade, começa
a ganhar relevo também na jurisprudência da Justiça do Trabalho que
despertou para a gravidade do problema.
2.6 Formas de discriminação
É claro que ao lado das práticas discriminatórias dos trabalhadores
62 TST-ERR-439.041/95.5 – Ac. SBDI-1. In: DJU, 05.05.2003.
97
doentes pelos empregadores, existem outras que costumam ser impostas
pelos próprios colegas de trabalho, como aquelas ligadas à orientação
sexual
63
, à raça, à cor, à origem, etc., que dão margem, inclusive, à violência
do assédio moral.
Esses comportamentos, ainda quando impostos por colegas devem
importar em responsabilização concorrente do empregador, aparecendo
aí a discriminação indireta deste, na medida em que é ele quem tem o
dever de zelar para que o ambiente de trabalho seja seguro, saudável e
disciplinado
64
, inclusive no âmbito do Poder Público que também costuma
discriminar para certas funções às vezes até mesmo em rao da cor
65
.
Há, portanto, duas formas de discriminação: a discriminação direta e
a indireta. Há discriminação direta quando uma pessoa é tratada de maneira
menos favorável que outra em situação análoga por razão de origem racial
ou étnica, religião ou convicções, incapacidade, idade, sexo ou orientação
sexual, enquanto a discriminação indireta ocorre quando uma disposição
legal regulamentar, uma cláusula contratual ou convencional, um ponto
individual ou uma decisão unilateral, aparentemente neutra, pode ocasionar
uma desvantagem particular a uma pessoa a respeito de outras, por rao
de origem racial ou étnica, religião, convicções, incapacidade, idade, sexo
ou orientação sexual, sempre que objetivamente não respondam a uma
finalidade legítima e que os meios para a consecução desta finalidade não
sejam adequados e necessários.
De acordo com o entendimento doutririo, dentro do princípio
da igualdade e da não discriminação devem-se distinguir duas grandes
regras:
a) a primeira, é um mandato de igualdade que se coloca, sobretudo,
ante a lei que tem como destinatário principal, se não exclusivo, os poderes
públicos, em suas distintas manifestações legislativa, judicial e executiva.
Para se constatar esse fato, basta se vê o que se encontra previsto no inciso
I do art. 37 da Constituão brasileira consagrando a igualdade no acesso a
funções e cargos públicos;
b) a segunda regra consiste na proibição de discriminações que
63 A discriminação fundada na opção sexual costuma ser praticada de modo camuflado, sub-
reptício e indireto. Isso, evidentemente, torna a sua prova em juízo muito difícil, e por essa rao,
muitas vezes passa ao largo das normas de proteção do trabalhador.
64 Art. 157 da CLT e Convenção 155/OIT.
65 Vide a título de exemplo, a notícia veiculada pelo Jornal do Brasil, edição de 21.03.02 informando
que o Ministério Público do Rio de Janeiro instaurou inqrito para apurar denúncias de racismo
no Exército.
98
tem uma projeção mais ampla sob a perspectiva de seus destinatários, na
medida em que também afeta os sujeitos privados e as organizações sociais,
porém limitando seus efeitos a determinados fatores ou circunstâncias,
especificamente aqueles que têm maiores possibilidades de causar
diferenças de tratamento e que ao mesmo tempo, e por isso, são dignos de
maior tutela. Esses fatores são aqueles ligados ao nascimento, à raça, ao
sexo, à religião, à opinião, embora sua relação seja aberta.
Quanto ao âmbito de aplicação, as normas internas, bem como as
de natureza internacional sobre a proibição da discriminação no ambiente
laboral, têm incidência tanto no momento da contratação ou do acesso ao
emprego, aí compreendida na expressão acesso ao emprego, no sentido
da busca do emprego, acesso a programas de formação e capacitação
profissional, acesso a entrevistas ou atividades de seleção, etc., bem como
no curso da própria relação de trabalho ou emprego (condições de emprego
e trabalho, designação para funções, possibilidades de promoções, extinção
da relação laboral, entre outras) e sua incidência se dá tanto no emprego
privado como no público afetando, por conseguinte, a todos os sujeitos
e instâncias que se encontram presentes nas relações de trabalho, como
a Administração Pública, inclusive quando contrata através de interposta
pessoa mediante a forma de terceirização, prática bastante usual do Brasil,
organizações sindicais, escritórios ou empresas de contratação de mão-de-
obra, etc., que na prática se projetam sobre a ação institucional, normativa
ou organizativa de todos esses sujeitos.
Assim, o destinatário principal no contexto da relação laboral do
princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação é o empresário
ou empregador, pois é ele que, titularizando o poder de direção empresarial
e como conseqüência, o poder disciplinar, toma a maioria das decisões
com possibilidade de afetar quem trabalha e inclusive aquele que busca o
próprio emprego ou trabalho, justificando, por conseguinte, a preocupação
do legislador em garantir a aplicação da proibição do tratamento
discriminatório relativamente a determinadas condições de emprego.
É evidente, todavia, que o princípio da igualdade e da não
discriminação não é absoluto e isso a própria Convenção 111/OIT deixa
claro
66
. Por conseguinte, não impõe ao empresário ou empregador uma
obrigação de igualdade absoluta no tratamento, mas apenas impede que
66 De acordo com o art. 2 da Convenção 111/OIT, “As distiões, exclusões ou preferências
fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como
discriminação.
99
se dispense a pessoa nas mesmas condições, tratamento diferente devido
a fatores como a raça, a cor da pele, o sexo ou orientação sexual, religião,
convicções ideológicas, etc., bem como aqueles que possam trazer para
o trabalhador situações vexatórias ou causar lesão de direitos, admitindo,
entretanto, que o tratamento diferenciado se sustente em motivos razoáveis e
justificados, como no exercício das faculdades empresariais de organização
e direção do trabalho ou das necessidades de gestão ou organização da
empresa.
De acordo com a doutrina espanhola
67
:
El juicio constitucional de igualdad no ha tenido así una consecuencia
<<desestablizadora>> en nuestro Derecho del Trabajo. Como limite
al legislador, la igualdad ha operado solo para evitar desigualdades
irrazonabeles no justificadas objetivamente, e se ha limitado a exigencia de
no diferenciar sin razón suficiente entre situaciones de hecho equiparabeles.
Que esta autorestricción del órgano de justicia constitucional esté fundada
posiblemente en estimar que un juicio más incisivo de la igualdad, que
incorpora la proporcionalidad y la valoración del fin perseguido por la
norma diferenciadora, supondria el riesco de sustituir las valorizaciones
e interpretaciones del legislador por las propias del órgano de justicia
c on st it u ci on al . E st e e s el pr ob ab le f u n d am e nt o de l a c on ce p ci ón mi n i m al is t a
del principio de igualdad, que ha dado lugar a una moderación y automitación
de nuestro órgano de justicia constitucional, y que es la característica más
destacada del <<modelo español de igualdad>>. Sin embargo, ese modelo
no es huérfano de críticas también en el Derecho del Trabajo, donde además
no ha operado ni en todos los aspectos de la igualdad ni respecto a otros
destinatarios de la igualdad distintos al legislador.
Assim, quando a desigualdade provém de uma justificação objetiva
e razoável, não constitui discriminação. A existência da justificação
suficiente deve ser apreciada tomando-se como pametro o princípio da
proporcionalidade, ou seja, deve-se levar em conta a finalidade e os efeitos
da medida considerada devendo ser tida como legítima quando existe
uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a
finalidade perseguida.
Nessa perspectiva, o princípio da igualdade no âmbito da relação ou
contrato de trabalho, nos termos da jurisprudência acima citada, tem um
alcance bastante mitigado, pois impede abusos do empresário e sua posição,
67 RODR IGU EZ-PI Ñ ERO, M ig uel. La igualdad en los tratamientos laborales y su relevancia
constitucional. In: Revista Relaciones Laborales. Madrid: Número 22, Año 14, nov./2003, p. 5.
100
porém exclui apenas a desigualdade de tratamento “especialmente perversa”,
por ser expressão de uma liberdade caprichosa e inexplicável, dado o seu
“caráter irracional e aberrante” (Martinez Rocamora), na linha de valoração
ética que rechaça o “insuportavelmente injusto” (García Figueroa)
68
.
3. Conciliação entre os direitos fundamentais laborais e os poderes de
direção empresarial
Quanto à questão da conciliação dos direitos fundamentais com os
poderes empresariais deve-se registrar a existência de uma eficácia horizontal
permitindo que haja a colisão entre normas de direitos fundamentais e
aquelas que garantem os poderes empresariais. Nesta hipótese, o conflito é
resolvido de acordo com princípio da proporcionalidade através do qual o
julgador deve fazer uma ponderação entre os eventuais direitos em jogo
69
.
Todavia, vale anotar que, quanto às relações privadas, não existe
c o l i s ã o v e r d a d e i r a c o m o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s , n a m e d i d a e m q u e e v e n t u a i s
conflitos devem ser resolvidos de acordo com as regras da autonomia privada
através de uma mediação tomando-se em conta o conteúdo e os limites dos
d i r e i t o s e m j o g o : l e v a - s e e m c o n s i d e r a ç ã o o p r i n c í p i o d a c o n c o r d â n c i a p r á t i c a ,
em que a delimitação dos conteúdos constitucionalmente reconhecidos deve
ser sopesada em cada caso concreto.
Para colocar em prática esses princípios há necessidade de se
garantir o sistema de direitos através do labor hermenêutico dos Tribunais,
especialmente do Tribunal Constitucional. Por conseguinte, é necessário
criar mecanismos de facilitação do acesso à justiça com a introdução de
regras processuais que aumentem os poderes do juiz, nomeadamente
quanto à prova dando-se, em conseqüência, maior efetividade às normas
do processo.
Cabe lembrar, por oportuno, que aos juízes e aos Tribunais que
integram o Poder Judiciário está reservada uma função e ao mesmo tempo,
um dever essencial de assegurar por força de suas decisões, os direitos e
as liberdades dos cidaos. Por conseguinte, parece óbvio afirmar que a
proteção jurisdicional que deve ser dispensada pelos órgãos jurisdicionais
68 RO DR I GU E Z -PIÑ E RO, Mi g u el . Ob. cit., p. 10.
69 BARROS DE TOLEDO, Susana. O principio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica,
1996, p. 167. Por todos, vale consultar a respeito do significado do princípio da proporcionalidade
PULIDO, Carlos Bernal. El prinpio de proporcionalidad e los derechos fundamentales.
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005.
101
ordirios não esgota o sistema de garantias dos direitos fundamentais
constitucionalmente garantidos ou em outros diplomas, inclusive aqueles
de produção internacional. Na verdade, esse dever decorre do próprio
princípio do Estado Democrático de Direito e está presente desde o preciso
momento que nasce a lei que regula esses direitos fazendo parte da obrigação
de respeitar o núcleo essencial da própria Constituição. Tanto assim, que
protegidos até mesmo contra o querer democrático, na medida em que
se encontra vedada qualquer tipo de alteração ou emenda constitucional
tendente a abolir os direitos fundamentais
70
.
Acertada, pois, a observação de Faustino Cavas Martínez
71
de
que a pedra angular da proteção dos direitos fundamentais é o controle
judicial, pois somente quando o direito pode ser alegado por seu titular ante
um Tribunal de Justiça instando sua restauração ou preservação (quando
violado ou danificado), é possível se falar realmente e em sentido integral de
proteção. “No cabe, en definitiva, reconocimiento efectivo de um derecho
subjetivo, fundamental o de outra naturaleza, si no se prevê paralelamente
uma acción procesal encaminada a hacerlo valer”
72
.
Lembra, a propósito, Carmem Sáez Laram que
73
:
El derecho a la tutela judicial efectiva, como derecho fundamental, protege,
antes que nada, <<a los indivíduos frente al poder>>. Hay que tener presente,
como ha destacado nuestro Tribunal Constitucional (TC, en adelante),
que <<es la falta de poder de cada individuo para imponer sus derechos e
intereses – consecuencia necesaria del deber de respeto a los demás y de
la paz social a que se refiere el art. 10.1 CE – la que dota al derecho a la
tutela judicial efectiva de su carácter materialmente esencial o fundamental,
en tanto necesario para la realización de los derechos e intereses de los
particulares>>.
Éste es un derecho relacionado con la dignidad humana que pertenece a la
persona en cuanto tal y como ciudadano. Por ello, como as sabe, el derecho
a la tutela judicial corresponde por igual al español e al extranjero, siendo
irrelevante la legalidad o ilegalidad de la situación del extranjero
74
.
70 Pelo menos de acordo com o ordenamento constitucional brasileiro (art. 60, inciso IV, § 4º, da
Constituição brasileira, de 1988).
71 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. El Proceso Laboral de Tutela de la Libertad Sindical y demás
Derechos Fundamentales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2004, p. 21.
72 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. Ob. cit., p. 22.
73 SÁEZ LARA, Carmen. La tutela judicial efectiva y el proceso laboral. Madrid: Civitas, 2004,
p. 25-26.
74 O que no ordenamento constitucional brasileiro também ocorre, como se pode ver do disposto
no art. 5º, inciso XXXV, do Texto de 1988, ao assegurar o direito de acesso ao Judiciário aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil.
102
Na verdade, os direitos fundamentais laborais somente poderão
torna-se efetivos com a consolidação de um sistema de emprego que garanta
no campo prático trabalho digno à maioria dos cidadãos, o que o Direito
não tem a aptidão de conseguir, máxime porque o sistema de consolidação
dos direitos fundamentais laborais encontra-se inexoravelmente ligado
ao trabalho estável e a prestação ou medidas de proteção contra o
desemprego, cuja realização depende não apenas da edição de normas, mas,
principalmente, de uma política econômica que seja capaz de gerar trabalho
e riqueza para todos ou pelo menos para a maior parte dos trabalhadores, o
que, aliás, é recomendado pelo art. 3º da Carta da República.
4. Considerações fi nais
A boa-fé e os direitos fundamentais laborais funcionam como
balizas ao poder de direção empresarial impedindo que a dignidade do
trabalhador enquanto pessoa humana seja afetada.
Nesse contexto, os direitos fundamentais laborais são aqueles
direitos que têm a capacidade e a aptidão de atribuir a todos os
trabalhadores direitos inerentes à dignidade humana porque dotados
de uma característica especial: são atribuíveis a todos os trabalhadores
de forma igual e, por conseguinte, indisponíveis sendo reconhecidos em
normas supra ordenadas, enquanto a boa-fé como princípio geral, impregna
todo o ordenamento jurídico, inclusive o laboral servindo de baliza aos
poderes de direção empresarial.
Desse modo, embora reconhecidos e legitimados, inclusive
constitucionalmente, os poderes empresariais encontram o seu limite no
princípio da boa-fé e no respeito devido aos direitos fundamentais do
trabalhador enquanto pessoa humana e cidadão.
Entretanto, a garantia concreta e efetiva dos direitos fundamentais
do trabalhador, especialmente o mais importante de todos eles, qual seja,
o direito ao trabalho, somente se tornará concreta, com a implementação
de políticas públicas de investimentos no setor produtivo da economia e na
educação.
Como assevera Antonio Baylos Grau, trabalhar, e trabalhar digna-
mente, “é a condição de exercício de importantes prerrogativas de cidadania
e a privação dessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada, não só
implica a vulneração do direito ao trabalho, mas a dificuldade de exercício
103
de outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente”.
75
Sem que se respeite a dignidade do trabalhador como pessoa humana
e o trabalho como valor social, sem que se garanta a aquele o principal direito
que é o direito a um trabalho decente que possa lhe proporcionar meios para
viver com dignidade juntamente com aqueles que dele dependem, nenhum
outro direito lhe poderá verdadeiramente ser assegurado.
O direito ao trabalho é, pois, o primeiro e o principal direito
fundamental do trabalhador que deve ser levado em conta quando se
trata de limitações aos poderes de direção empresarial de modo a impedir
demissões em massa, discriminatórias, em razão de doenças, a violência
do assédio e outras violências que ocorrem no ambiente laboral, pois sem
trabalho certamente nenhum outro direito poderá valida e concretamente
ser afirmado no campo da realidade da vida. Sem trabalho, como disse o
saudoso poeta e compositor Gonzaginha, “o homem não tem honra”. Por
conseguinte, não tem dignidade, e sem honra e sem dignidade, “não se
vive: se morre.
75 BAYLOS Grau, Antonio. Ob. cit., p. 31.
105
A EDUCAÇÃO COMO “DIREITO DO HOMEM”
Helder Baruffi
Professor Associado e Diretor da Faculdade de Direito
da UFGD. Advogado. Mestre em Direito pela PUC/SP e
Doutor em Educação pela USP.
Sumário: 1. Introdução; 2. Situando a questão: educação e mediação; 3 A educação como um
“direito do homem”; 4. Dimensão fundamental; 5. Conclusão.
1. Introdução
Este trabalho se inscreve numa investigação mais ampla desenvolvida
no grupo de pesquisa Direito e Sociedade, a qual se foca fundamentalmente
no estudo das diferentes manifestações da sociedade e do direito e suas
interfaces, neste caso particular, com a educação.
O estudo procura destacar a educação como um “direito do homem”,
tendo por suposto que a positivação dos direitos humanos nas Constituições
representa, sem dúvida, uma das grandes contribuições da modernidade.
Representa, também, a consciência de que todos os homens são sujeitos de
direitos e, portanto, credores de condições mínimas de existência capazes
de assegurar a sua dignidade. Registra a garantia de liberdade, consciência,
participação, autonomia.
A positivação dos direitos do homem foi considerada necessária para
permitir uma interpretação consentânea com os respectivos momentos
históricos e promover sua plena realização. Flávia Piovesan,
1
com
fundamento em Norberto Bobbio
2
e Hannah Arendt,
3
destaca que, enquanto
reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem
nascer. Não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas. São um
construído, uma invenção humana. Abrem espaços de luta pela dignidade
humana. São emancipatórios.
1 Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8.
2 A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
3 As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
106
Porém, participar e usufruir desses direitos requer (a) a consciência
destes direitos e (b) a garantia de participação naquilo que a sociedade
produz. Em outros termos, é ter direito aos direitos reconhecidos pela
sociedade. Como direito relacionado à “dignidade da pessoa humana” e à
liberdade, a educação é direito social que visa ao pleno desenvolvimento
humano.
2. Situando a questão: educação e mediação
Para a ciência da história não há nenhuma pedagogia à parte da
própria materialidade, ou seja, do particular movimento histórico dos
homens. É nesse movimento histórico de produção do existir que se torna
possível a compreensão do homem como um ser de relações, que resultam
da identificação do homem com a natureza que transforma, com o que
produz e como produz.
4
As relações que se estabelecem no interior da sociedade dão o sentido
e a necessária dimensão dessa dinâmica, bem como expressam a natureza
mesma dessas concepções, além de situar cada indivíduo no contexto de
“um terceiro antagonista, que é o mundo objetivo, histórico e social”.
5
Como atividade própria da natureza humana, a educação compõe
uma totalidade do modo de produção da existência e das relações
interpessoais. Historicamente determinados, suas especificidades são
apreendidas no contexto dessas relações. Produzida socialmente, a
educação resulta em ações complexas, muitas vezes contraditórias e nem
sempre apreendidas no cotidiano das práticas sociais.
Neste sentido, a educação está presente na totalidade concreta na
qual se situa o indivíduo, agente histórico. Constitui-se elemento dessa
totalidade e, como tal, expressa a produção humana, conservando o caráter
dialético dos fenômenos existentes na estrutura social. Gera novas e
constantes exigências, que, captadas, antecipam um modo de ser futuro,
determinando tarefas para o presente, não apenas como questão política,
mas como questão ética.
A educação reclama pensar a natureza contraditória da subjetivi-
dade humana e seu movimento de superação das mediações históricas e
sociais, tarefa nem semprecil, na medida em que os modelos sobre os quais
4 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. 2. ed. São Paulo: Ed. Ciências Humanas,
1979, p. 27-28.
5 SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoria Marxista da educação. Lisboa: Editorial Estampa, 1976, p. 18.
107
a educação se apoia, acabam caindo, muitas vezes, na explicação simplista
daquilo que é possível perceber no interior do processo produtivo.
É certo que, no limite das primeiras aprendizagens, o processo de
interiorização, ou socialização,
6
desenvolve-se com maior intensidade. A
criança que aprende a ler vai fazer parte da sociedade e conviver de modo
diferente daquele que não aprende a ler, assim como aquela que ingressa
prematuramente no mercado produtivo vai fazer parte da sociedade e
conviver de modo diferente daquela outra cujo ingresso se dá após um
longo processo mediado pela família e pela escola.
Independentemente da tomada de consciência, o ingresso na
sociedade se dá mediado e os resultados das mediações constituirão as
bases para a participação naquilo que a sociedade produz. Constituirão o
ritmo e a dimica de realizações pessoal e profissional.
Essas mediações se particularizam, também, na própria fala dos atores
sociais, ao atribuírem um sentido à prática. Dentro do modo de produção
capitalista, a educação assume importância por responder diretamente pela
preparação para o mundo do trabalho.
Especificamente no Brasil, a consolidação do modo de produção
capitalista é visto sob a ótica da reprodução. Em conseqüência, consolidam-
se vínculos que relacionam a educação ao trabalho reduzido a coisa, a
objeto, com o privilégio da educação voltada para o trabalho, da concepção
de trabalho simplificado na atividade produtiva formalmente organizada,
em trabalho concebido como profissão. O saber torna-se técnico e
instrumental.
Embora o modo de produção encontre meios próprios de distribuição
do conhecimento, a instituição escola constitui-se um instrumento
sistemático e formal de transmissão do conhecimento, que, voltada para o
fornecimento de algumas habilidades básicas para o trabalho, responde de
forma positiva, aos apelos do capital. A estrutura burocrática, a estrutura
curricular, a precária formação docente e suas políticas salariais, bem
como as políticas de educação constituem, dentre outros, em elementos de
legitimação.
Também a capacidade humana de elaborar e produzir o con hecimento
tem sido desenvolvida em função de interesses específicos. Tanto a sua
produção quanto a sua distribuão tendem a se concentrar mais na parcela
que se destaca na sociedade. Esse conhecimento, negado à maioria da
6 No sentido atribuído por Berger e Luckmann. Construção Social da Realidade. Petrópolis:
Vozes, 2006.
108
população, contribui para justificar desigualdades. Fundalmentalmente,
reproduzir o modo de produção dominante. Modelos e paradigmas
explicativos da realidade constituem-se esforços de vincular o indivíduo a
um modo de existir hegemônico, o que pressupõe uma estrutura complexa de
manutenção dessa realidade só possível pelo papel mediador de instituições
sociais na busca de consenso. O consentimento é “arrancado por todos os
meios, pela violência e pela persuasão.
7
Na perspectiva do desenvolvimento econômico-social, cabe à
educação uma participação efetiva, cujo conhecimento imediato é dado
pela apreensão microfísica do poder institucionalizado, como tem destacado
Foucault.
8
Assim, não faz sentido análises que privilegiem fragmentos dessa
realidade. Entretanto, ocorre que nem sempre essas concepções têm sido
enfocadas segundo uma visão geralmente voltada para o questionamento
de suas raízes, para a compreensão da questão na sua totalidade, o que
revela a atualidade do tema e a necessidade de constantes estudos.
Os diferentes enfoques sobre a questão, o que remete para a questão
das bases teóricas que fundamentam tais trabalhos, têm conduzido os
educadores a privilegiarem certos pontos de vista considerados tradicionais
e superados em vista de uma série de mudanças que se processam na
sociedade, cujos argumentos não encontram mais suporte nas análises
econômico-políticos e sociais.
O debate sobre a educação remete à questão para a concepção
sujeito-objeto como forma de produção e apropriação do conhecimento
e forma de produção e apropriação do trabalho, que não se esgota com
o estabelecimento de determinadas ações, mas representa o embate das
forças econômico-políticas. Forças essas que buscam se consolidar
hegemonicamente.
É certo que na apreensão da realidade não estão em jogo apenas os
conceitos, as representações, mas também o arcabouço teórico - de um
lado o do analista crítico e de outro, o quadro em que este se processa
sobre o qual são produzidas as reflexões.
Por isso, pensar a educação implica pensar a natureza contraditória
da subjetividade humana e seu movimento de superação das mediações
históricas e sociais. Implica ver a conexão do homem com o processo real
que determina sua produção; implica a dialética como processo e movimento
7 LEFEBVRE, Henri. A reprodução das relações sociais de produção. Porto: Publicações
Escorpião, 1973, p. 71.
8 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
109
de reflexão do próprio real e não apenas o conhecimento e interpretão; a
transformação da própria história.
O desenvolvimento do conceito de educação não foge à ação da
História. Ao contrário, é resultado desta. Não obstante as posturas diferentes
que o debate sobre a questão da educação suscita, dos riscos que se pode
correr da não-apreensão de todos os elementos que compõem o processo,
fruto dos cortes, embora necessários, para a abordagem do tema, busca-se
fazer uma leitura da educação como um princípio fundamental, como um
direito do homem”, historicamente construído.
3. A educação como um “direito do homem”
A educação tem como base a dignidade da pessoa humana, “direito
fundamental integrante da categoria de direitos negativos ou de defesa,
também denominados direitos individuais ou de liberdade”.
9
O direito à educação surge no final do século XIX e início do século
XX na Europa. No Brasil, o ensino fundamental é tido como um direito
reconhecido em 1934 e como um direito público subjetivo a partir de 1988.
Os direitos fundamentais, assim como o direito à educação estão
previstos em uma centena de dispositivos, capitaneados pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da ONU e insertos no ordenamento
jurídico interno. Nesse sentido, a Declaração de 1948confere lastro
axiológico e unidade valorativa a esse campo do Direito, com ênfase na
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;
10
e ainda, “representa a manifestação da única prova através da qual um
sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto,
reconhecido: essa prova é o consenso geral acerca da sua validade.
11
Nesse mesmo direcionamento, sintetiza Norberto Bobbio “A
Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento
dialético, que começa pela univesalidade abstrata dos direitos naturais,
tranfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina
na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos
positivos universais”.
12
9 DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 114.
10 PIOVESAN, Flávia. Op. Cit., p. 13.
11 BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 26.
12 Ibidem, p. 30.
110
Em relação à educação, destaca-se os seguintes dispositivos legais:
Declaração Universal dos Direitos Humanos - 10 de dezembro de 1948
art. 26; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem – Bogo
Resolução X+, Ata Final abril de 1948; Declaração Universal dos Direitos
da Criança - 20 de novembro de 1959; Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais - 16 de dezembro de 1966 e ratificado
pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992; Convenção Americana sobre os
Direitos Humanos - 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25
de setembro de 1992 (Pacto de San Jose da Costa Rica); Convenção sobre
os Direitos da Criaa – 20 de setembro de 1990; Constituição Federal de
1988; Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei nº 8069 de 13 de julho de
1990 ; LDB - Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996.
Outros documentos que registram a educação como um direito
fundamental: a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos: Artigo
1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (Jomtien, Tailândia,
1990); a Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial Sobre
os Direitos do Homem: parágrafo 33 da primeira parte e parágrafo 80 da
segunda parte (Viena, Áustria, 1993); parágrafo2 do Plano de Ação para a
Década das Nações Unidades para a Educação no Domínio dos Direitos do
Homem (1995-2004).
É inegável que o direito à educação caminhe em direção à
diminuição das desigualdades sociais e da discriminação, especialmente
das classes social e economicamente menos privilegiadas. Entretanto, para
que isso aconteça é necessária uma opção política dos estados em conceder
um caráter prioritário ao desenvolvimento da educação para todas as
pessoas, considerando seu caráter de universalidade. E mais, é preciso um
comprometimento com o seu pleno desenvolvimento, ou seja “o enfoque
baseado em direitos humanos também ajuda a identificar a fonte e os(as)
responsáveis institucionais ou privados(as) pelas violações, bem como a
possibilidade de obter uma reparação quando o direito é violado”.
13
É o
direito a ter direitos, como relembra Hannah Arendt.
14
Uma educação de qualidade é direito fundamental do cidao,
porque capaz de permitir a defesa de direitos. No dizer de Nyerere
15
“Um
13 HADDAD, Sérgio. Educação. Disponível em: < http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.
php?page=Educa%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em setembro de 2007.
14 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2000; A condão
humana. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
15 NYERERE, Julius K. Man and Development (Speech to Diplomats, 1, January 1968,
Nairobi), New York: Oxford University Press, 1974, p.3. Apud MARTIN, Paul. Releitura do
111
homem pode defender seus direitos com eficácia apenas ao compreender o
que significam e ao descobrir como utilizar a máquina constitucional para
defender tais direitos – tal conhecimento faz parte do desenvolvimento.
4. Dimensão fundamental
No contexto dos direitos do homem, a educação assume uma
dimensão basilar de constr ução da cidadania. É um direito às aprendizagens
indispensáveis ao desenvolvimento de todas as dimensões da personalidade
humana, desde a sua dimensão física à sua dimensão estética, nos interesses
individual e social.
O artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
consagra o fim primeiro do direito à educação “o pleno desenvolvimento
da personalidade humana”
Artigo 26
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento
da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais
ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos.
Evidente os princípios norteadores da Carta da ONU. A educação
apresenta-se como um importante instrumento de realização do humano.
Não apenas a educação escolar ou, como dito no inciso I, a instrução,
compreendida como a apreensão de referenciais para o ofício, porém a
educação no seu sentido amplo, que implica a educação escolar, mas que
não se reduz a ela, porque o processo educativo envolve todos os aspectos
da vida e se realiza e se completa na trajetória de cada indivíduo.
Os processos educativos permeiam a vida das pessoas e os sistemas
Desenvolvimento e dos Direitos: Lições da África. Revista Internacional de Direitos Humanos.
Rede Universitária de Direitos Humanos – SUR. Ano 3, Número 4. 2006. p. 91. Disponível em:
< http://www.surjournal.org/index4.php>. Acesso em novembro de 2007.
112
escolares são partes deste processo, em que aprendizagens básicas são
desenvolvidas. Por meio desses processos, conhecimentos essenciais são
partilhados, normas, comportamentos e habilidades são construídos. Nas
sociedades modernas, o conhecimento escolar é quase uma condição para
sobrevivência.
Mas não é qualquer educação, e sim uma educação de qualidade,
fundada nos princípios da liberdade e da solidariedade humana como se
observa na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem –
1948:
“Artigo XII - Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-
se nos princípios da liberdade, moralidade e solidariedade humana.”
Destaca-se, do dispositivo legal, o princípio da universalidade. A
educação não pode ser um instrumento de exclusão, mas direito de todos
e um direito a que, por meio dessa educação, seja proporcionado o preparo
para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e
para poder ser útil à sociedade.
O direito à educação compreende o direito de igualdade de
oportunidades em todos os casos, mas antes de tudo, compreende a
capacidade de diminuir as desigualdades sociais e a discriminação,
especialmente das classes social e economicamente menos privilegiadas.
A idéia de universalidade também é observada na Declaração
Universal dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1959:
Princípio VII
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e
obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma
educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições
de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua
individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a
ser um membro útil à sociedade.
O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que
têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade
incumbe, em primeira instância, a seus pais.
A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais
deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades
públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.
O princípio da proteção integral perpassa pela educação enquanto
instrumento de realização do humano, particularmente na construção de
oportunidades aos que estão em pleno desenvolvimento físico e mental. Para
113
efetivar essas propostas, é necessário que a educação seja transformadora.
Somente uma educação que privilegie o sujeito, enquanto construtor da
própria história, poderá ser transformadora.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
de 16 de dezembro de 1966, também reconhece a importância da educação
no desenvolvimento da pessoa humana, como pode ser visualizado no art.
13, verbis:
Art. 13
1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade
e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a
participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
2. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de
assegurar o pleno exercício desse direito:
a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente
a todos.
b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação
secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se
acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela
implementação progressiva do ensino gratuito.
c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a
todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados
e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de
base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não
concluíram o ciclo completo de educação primária.
e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede
escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado
de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do
corpo docente.
3. Os estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a
liberdade dos pais - e, quando for o caso, dos tutores legais - de escolher para
seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas,
sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados
pelo estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação
religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
114
4. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no
sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir
instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no §
1o do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos
prescritos pelo estado.
O reconhecimento da Educação como uma garantia é observada,
também, na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, de 22 de
novembro de 1969. Entretanto, nenhum direito é efetivamente garantido
sem que haja um investimento efetivo dos Estados na garantia da melhoria
das condições de realização da cidadania, isto é, sem melhorias econômicas
e sociais e investimentos em educação. Nesse sentido, no capítulo sobre
Direitos Econômicos e Sociais, a Convenção Americana prescreve:
Art. 26 - Desenvolvimento progressivo
Os estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no
âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente
econômica e técnica, a fi m de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e
sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização
dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na
medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados.
O Direito à educação, enquanto direito fundamental é um direito
de todos. Entretanto, é necessário destacar algumas prioridades, a saber: a
criança – ser-educando por excelência; as meninas – pelas discriminações
que continuam vítimas e pela repercussão que a educação das mães tem
nos filhos e na sociedade em geral e, das pessoas iletradas, diminuídas na
capacidade de “ser gente”, como observado por Paulo Freire.
16
Tendo assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de
setembro de 1990, centra o foco na universalidade da educação, como se
observa do art. 28, verbis:
Artigo 28
1.Os Estados-partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de
que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse
direito, deverão especialmente:
tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos;
16 FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
115
estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes
formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o
disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas
tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência
financeira em caso de necessidade;
tornar o ensino superior acessível a todos, com base na capacidade e por
todos os meios adequados;
tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais
disponíveis e acessíveis a todas as crianças;
adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução
do índice de evasão escolar.
Na esteira de positivação dos direitos fundamentais, a Constituição
Federal de 1988, indica a educação como um direito tipicamente social (art.
6º) e, nessa ótica, apresenta-o com titularidade universal (direito de todos),
atribuindo ao Estado e à família o seu cumprimento (um dever social
fundamental), como pode ser observado nos artigos 205 e 206, verbis:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
[...]
Impulsionada pelos princípios constitucionais e pelo conjunto de
normas legais que destacam a educação como direito fundamental, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB - Lei nº 9394 de 20 de
d e ze m b ro d e 19 9 6 r e c o n h e c e a e d uc a ç ã o c o mo u m p r o ce s s o s o c ia l i z a d o r q u e
ocorre na convivência humana, seja na família, no trabalho, nas instituições
formais de ensino, na sociedade organizada ou nas manifestações culturais.
Observa-se a perspectiva universalista da educação. A finalidade última é
o pleno desenvolvimento do educando enquanto exercício da cidadania.
116
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil
e nas manifestações culturais.
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fi nalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualifi cação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos princípios: I - igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito
à liberdade e apreço à tolerância;
[...]
O Direito à Educação conduz, de maneira específica, ao dever de
educar. Em que pese ser este, na atual conjuntura político-social brasileira,
um dever do Estado, é, ainda e também, um dever da sociedade e de cada
indivíduo, o que permite a intervenção do próprio Estado na garantia deste
direito individual através das medidas judiciais.
No Brasil, “a incolumidade do ser humano ainda é uma esperança
destaca Bulos.
17
Via de regra, um preceito legal deve ser observado
voluntariamente, partindo-se do pressuposto de que a lei é criada por e
para seus próprios destinatários, que, portanto, são os maiores interessados
na sua efetivação.
O art. 4º da LDB estatui o dever do Estado e o princípio garantista
deste direito:
Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com
necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a
seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
17 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1281.
117
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio
de programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, defi nidos como a variedade
e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem.
O acesso ao ensino é direito público subjetivo, podendo qualquer
cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organizão sindical,
entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério
Público, acionar o Poder Público para exigi-lo (art. 5º).
O art. 58 da LDB disciplina e conceitua a educação especial,
dever constitucional, como a modalidade de educação escolar, oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino aos portadores de necessidades
especiais, visando à sua efetiva integração na vida em sociedade, e acesso
igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis
para o respectivo nível do ensino regular.
O espaço escolar, onde convivem professores, alunos e pais, também
desempenha um papel importante na identificação e no encaminhamento
para o sistema de garantia de direitos das crianças vítimas da exploração de
seu trabalho ou em outras situações de vulnerabilidade.
A realização do princípio constitucional do direito à educação
perpassa pelo acesso e permanência do educando às instituições formais
de ensino.
Nesse sentido, os números da educação no Brasil sinalizam avanço.
Dados mostram que 95,4% das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas
na escola, mas ainda há 1,8 milhão de crianças que permanecem fora da
escola. Apenas 59% das crianças que iniciam o Ensino Fundamental (1º a
9º anos) completam os 9 anos de estudo e apenas 27,3% dos adolescentes
de 14 anos cursam a série que corresponde à sua idade.
18
Observa-se uma redução no número de matrículas no ensino
18 Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/>. Acesso: 25 de mao de 2007
118
formal, exceto na educação de jovens e adultos e na educação profissional,
re pr ese nt a nd o, e m pa r t e, a d i mi nu ição do r it mo d e cr es ci me nt o po pu la cio na l
do país.
Para uma Educação de qualidade é necessária uma ação educativa
eficiente e capaz de transformação. A educação tem que ser uma prática
de liberdade, como expresso por Paulo Freire. Bons professores, bem
remunerados, investimento em infra-estrutura, bibliotecas, atividades
criativas, formação continuada de professores, avaliações periódicas.
A garantia do Direito à educação requer a consciência de humani-
dade a que estamos submetidos e práticas cotidianas de reconhecimento
dos direitos humanos como direitos a serem sempre e cotidianamente
reconstruídos nas práticas sociais, em particular, na educação.
5. Conclusão
Considerando-se a historicidade dos direitos, importa destacar a
necessidade, também, de construção de uma pedagogia da participação, na
perspectiva do direito a ter direitos.
Dessa forma, pensar o direito à educação é pensar a qualificação dos
próprios agentes educadores, tanto instituições – ONG’s, Igreja, governos,
escolas, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais etc. – quanto
pessoas.
Essa educação deve englobar os direitos da liberdade (proclamados
pelas revoluções burguesas do século XVIII), os direitos da igualdade
(exigidos pelas conquistas sociais do século XIX), e o direito da solidariedade
(reconhecidos no século XX após a Segunda Guerra), compreendidos como
o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação, ao ambiente
natural ecologicamente equilibrado.
Uma educação de qualidade deve considerar a interdisciplinaridade,
entendida como uma formação abrangente; a compreensão da íntima
relação entre educação e formas de participação no trabalho da escola:
colaboração, respeito, pluralismo, responsabilidade, prestação de contas;
a constatação de presença ou de ausência, de defesa ou de violação de
quaisquer direitos no cotidiano escolar; ter como referencial básico: a
realidade social econômica, política e cultural do meio; e a compreensão
efetiva sobre a integralidade e a indivisibilidade dos direitos fundamentais,
seu contexto histórico, seu caráter público e reclamável.
119
Portanto, pensar o direito fundamental à educação é ter como
premissas reconhecer o cidadão como membro de grupos e classes sociais
diferenciados, eventualmente em conflito e reconhecer que o cidadão é
sujeito de direitos e deveres, mas também sujeito criador de direitos.
Com Paulo Freire, identificamos que a educação requer metodologias
que estimulem a participação ativa, consultiva e decisória; possibilitem a
contradição, abra janelas para o mundo; valorizem a interdisciplinariedade;
realizem a pedagogia da autonomia.
Os Direitos Humanos, e em particular o Direito à Educação, tomam
sentido na relação de um sujeito com outros sujeitos, quer dizer, nas relações
sociais, no diálogo, de modo responsável para alcançar os objetivos de
autonomia.
121
REPRESENTAÇÃO E «PRESENTAÇÃ DOS
TRABALHADORES
1
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
Doutor em Direitos Fundamentais pela Universidade
Carlos III de Madri; juiz presidente da 21ª Vara do
Trabalho de Belo Horizonte e Vice-presidente da Rede
Latino-americana de Juízes – www.redlaj.org.
Surio: I – Introdução; II - «Descentralização Consistente» e «Transversalidade Presentant; III -
«Descentralização Consistent; IV - «Transversalidade Presentant; V – Representão
Dual e «Presentação Multitudinária»; VI – Conclues
1. Introdão
O texto se propõe tanto a uma análise crítica do conceito de
representação dos trabalhadores, no âmbito do Direito Coletivo do
Trabalho, como também sugere uma alternativa de reconstrução desse
conceito, enquanto «presentação», a partir de duas ferramentas conceituais
contemporâneas: «rizoma» e «multidã, numa tentativa de resgatar, de
uma forma mais efetiva e concreta, não só a democratização das instâncias
sindicais, como também o incremento de sua própria potência coletiva.
A representação dos trabalhadores é uma idéia que carrega uma
tensão permanente; é a tensão própria dos dualismos
2
. Antes que adotar
indistintamente a representação como critério de legitimação política,
não é possível descartar a idéia de «presentação»
3
dos trabalhadores, pelo
1 Este artigo é um excerto da tese de doutoramento do autor em Direitos Fundamentais, defendida
perante a Universidade Carlos III de Madri em 8 de dezembro de 2006, intitulada El Derecho
Nómada - Un paso hacia el Derecho Colectivo del Trabajo, desde el «Rizoma» y la «Multitu.
A tese teve a orientação do Catedrático em Filosófica de Direito, Rafael de Asís Roig e a co-
orientação do Catedrático em Direito do Trabalho Antonio Baylos Grau, tendo recebido da banca
a mais alta qualificação: sobresaliente, ‘ cum laudae’, a unamidad.
2 Aquidualismo se refere ao dualismo como duelo, como exclusão. De forma diferente, no
modelo dual de representação dos trabalhadores do sistema espanhol, essa dualidade figura
como alternativa e não como disjuntiva ou encruzilhada, como se verá mais adiante.
3 No sentido de ‘ação de tornar-se presente’
122
menos não se pode abandoná-la, sem nem sequer tentar esgotar toda sua
potencialidade democrática. A representação tem de surgir sempre como
um segundo passo, como mero mecanismo, como instrumento, não como
princípio de democracia
4
ou de legitimação.
A legitimação
5
é uma pura imanência
6
, é um desdobramento da
singularidade
7
, que desdobra e estende sua própria imanência essencial
8
.
4 Negri e Hardt observam que quando “nosso poder se transfere a um grupo de governantes,
obviamente já não governamos todos, ficamos afastados do poder e do governo. Apesar de tal
contradição, no início do século XIX a representão chegou a ser tão definidora da democracia
moderna que desde então se fez praticamente impossível imaginar a democracia sem se pensar
ao mesmo tempo em alguma forma de representão. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 282.
Para uma interessante síntese a respeito das contradições entre ‘democracia’ e ‘representão’,
e, como a despeito dessa contradição se construiu o mito da aproximação entre ‘democracia’ e
‘representação’, especialmente em Rousseau e nos Federalistas americanos (Madison) cfr. Ibid.,
pp. 278-282
5 O sistema de negociação de eficácia geral elaborado pela LET (estatuto dos trabalhadores da
Espanha) e a cujo teor a convenção coletiva obriga ao conjunto de trabalhadores e empresários,
incluídos na unidade de negociação, descansa institucionalmente sobre uma peça que cumpre a
muito importante função de assegurar que, na verdade, o adicional outorgado se utiliza de tal
modo que fiquem atendidos os interesses majoritários da profissão. Trata-se da legitimação para
negociar, na sua dupla vertente de capacidade convencional ou aptio genérica de que gozam
certos sujeitos coletivos para realizar convênios coletivos e legitimação em sentido estrito, ou
aptidão das organizações com capacidade convencional para intervir em uma determinada
negociação coletiva”. Cfr. VALDÉS DAL-RÉ, 1996, pp. 193-194
6 Aqui usa-se «imanência» no sentido utilizado por Espinosa em sua Ética. Deleuze anota que
a idéia imanência em Espinosa está associada à idéia de atributo. Na Ética(I, def. 4) Espinosa
define o atributo como aquilo que o entendimento percebe da subsncia como constituinte de
sua essência. O atributo não é distinto da esncia, é concebido por si e em si. O atributo é
unívoco. Deleuze afirma que para Espinosa a imanência é a própria univocidade do atributo.
(DELEUZE, 2002, pp. 58-59).
Na Ética (I, prop. 18, demost.) Espinosa afirma que “Deus ergo est omnium rerum causa
immanens, non vero transiens(Deus é, pois, causa imanente y não-transitiva de todas as
coisas – tradução livre. Cfr. SPINOZA, 1913 (a), p. 54). A idéia de causa, como causa em si
Per causam sui intelligo id cujus essentia involvit existentiam sive id cujus natura non potest
concipi nisi existens (“entendo por causa de si aquilo cuja essência implica a existência; ou, em
outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida seo como existente” – tradução
livre, Ética, I,I; Cfr. SPINOZA, 1913 (a), p. 37) – e não como causa transitiva, propõe a idéia de
causa como ‘causa essencialmente imanente’. (DELEUZE, 2002, p. 63).
7 A singularidade está conectada à diferença e não à identidade. A identidade consiste na
“identificão” de uma propriedade comum ou ser pertencente a um determinado conjunto.
A diferença é um processo dinâmico e incessante, é o processo de diferenciação contínua –
a diferença diferida – sem essência. A identidade mais profunda é a diferença. A diferença
incessante de tudo quanto exista é o que nos singulariza. Deleuze e Guattari usam também o
termo “hecceidade”. “Hecceidade” é um termo criado por Duns Scott, filósofo do século XIII, a
partir do latim “haec, “esta coisa”, e significa a forma individualizadora ou última razão do ser
concreto existente. É comum escrever-se “ecceidade”, de “ecce, “eis aqui”. Deleuze e Guattari
dizem que esse é um erro fecundo, pois sugere um modo de individuação que não se confunde
precisamente com a de uma coisa, de um sujeito ou de um objeto. (1997, vol. 4, p. 47, nota 24).
8 Para Spinoza, segundo Deleuze (Spinoza – Philosophie Pratique), a essência não é uma
possibilidade lógica, nem estruturas geométricas, mas parte da potência, isto é, graus de
intensidades físicas. A essência spinoziana não tem parte, mas ela mesma é uma parte. Cfr.
DELEUZE, 2002, p. 79.
123
Nesse sentido, a legitimação é, antes, adequação e extensão da singularidade.
As singularidades, nem atuando na sua pluralidade, necessitam fazer-se
representadas por um ente distinto.
A «multidão» é a única potência essencialmente legitima, adequada
e extensa das singularidades, e que se fazem «presentadas» e dirigidas
de forma cooperada a uma só ação
9
, como causa e essência ao mesmo
tempo
10
. A «multidão» é um conceito ambicioso. É a tentativa de chegar
à democracia absoluta, inclusive de formulá-la teoricamente. Para o nosso
estudo é especialmente interessante pois está fundada em duas chaves:
(i) nas novas formas de trabalho imaterial e (ii) na idéia de rede. Sylvère
Lotringer, no prefacio da edição norte-americana de A grammar of the
multitude
11
, revela que a origem do conceito «multidão» foi fruto da ‘teoria
autonomista, formulada em vários lugares, mas que foi efetivamente
desenvolvida na Itália dos anos 60 até os 70. Sua formulação
12
13
, no contexto
deste estudo, foi levada a cabo pelo filósofo italiano Antonio Negri e pelo
professor de literatura comparada na Duke University, Michael Hardt
14
.
A «multidão» é apresentada como contrapoder
15
ao «império», que,
9 Para Spinoza, a coordenação entre as singularidades é absolutamente possível, sem que elas
percam sua essência. “Quod si plura individua in una actione ita concurrant ut omnia simul
unius effectus sint causa, eadem omnia eatenus ut unam rem singularem considero”. (“Se vários
indivíduos cooperam para uma só ação, de tal maneira que todos sejam, ao mesmo tempo,
causa de um só e mesmo efeito, considero-os a todos, a esse respeito, como uma mesma coisa
singular.”). Ética, II, Definiciones, VII. Cfr. SPINOZA, 1913(a), p. 74
10 Como se viu, para Spinoza, a causa de si, que é a primeira definição de sua Ética, é tudo quanto
cuja esncia implica a existência. Cfr. Ética, I, Definição I.
11 Cfr. VIRNO, 2004.
12 Sua formulação foi produto de vários estudos anteriores, mas sistematizados e desenvolvimos
em Multitude – war and democracy in the age of empire (The Penguin Press, 2004.
13 Lotringer nos conta que a história de a «multidão» é a história do «obreirismo» («operaismo»),
movimento surgido por ocasião da grande confrontação operia ocorrida em Turim, em 1961.
Este movimento tinha, segundo ela, uma relação paradoxal com o marxismo tradicional, pois
aspirava ao rechaço do trabalho e à autonomia da classe obreira. Esse movimento surgiu com o
nome de Potere Operaio, sendo substituído, em 1973, por Autonomia Organizzata. A primeira
publicação foram os Quaderni Rossi, posteriormente, Classe Operaia. Sua estratégia de recusa e
rechaço ao trabalho teria antecipado, segundo Lotringer, a análise pós-68 do capital efetuada por
Deleuze y Guattari. Os teóricos desse movimentos foram Mario Tronti, Antonio Negri, Franco
Piperno, Oreste Scalzone y Sergio Bologna. (cfr. We, the multitude – LOTRINGER,2004, in
VIRNO, 2004, pp.7/11).
14 Outro intelectual que contribuiu para a constrão contemponea do conceito de «multidão»
foi Paolo Virno. Há uma publicão na qual se recolhem os textos de suas aulas no doutorado
en Ciencia, Tecnologia e Sociedade, da Universidade da Calábria, durante o ciclo 2001. (cfr. A
grammar of the multitude, 2004. Em espol: Gratica de la multitud – trad. Adriana Gómez
Madrid: Traficante de sueños, 2003).
15 Negri concebe «contrapoder» em três ordens: como (i) resistência contra o velho poder; como
(ii) insurreição de um novo poder e como (iii)potência constituinte do novo poder. (NEGRI,
20004(B), p. 157). Negri insiste na não-homologia entre contrapoder de massas e o poder
124
por sua vez, não se confunde, no contexto ferramental de Negri y Hardt,
com o conceito de «imperialismo». A transição do «imperialismo» ao
«império» corresponde, nesta perspectiva, à passagem da modernidade à
pós-modernidade, ou do capitalismo ao pós-capitalismo.
A «multidão», tal como pretendemos encará-la neste texto, começou
a se esboçar teoricamente em Espinosa - multitudo
16
, embora desde o
ponto de vista político não tenha surgido propriamente de Espinosa, já
que o pensamento espinoseano coincide com o pensamento protestante do
século XVII, que, por sua vez, é tributário do pensamento renascentista,
especialmente de Maquiavel
17
. Em seu Discorsi - Discursos sobre la primera
década de Tito Livio, Maquiavel formula a democracia florentina
18
a partir
dos movimentos que buscam organizar a liberdade na República e ordenar
o trabalho na cidade
19
. Para Negri, em seu Il Potere Costituente, Maquiavel
não é o teórico do Estado absolutista moderno, mas o pensador da ausência
de todas as condições para um princípio de democracia, ausência e vazio
que fazem surgir o desejo de um programa democrático, de um poder
constituinte aberto, que não está ávido por se cerrar numa Constituição
20
.
Em Spinoza subsersivo Negri sustenta que o Tratado Político de
Espinosa funda teoricamente a democracia moderna na Europa, sem
embargo de reconhecer que não se costuma atribuir a ele a origem do
constituinte, ou seja, que o objetivo do contrapoder não seja a substituição do poder existente.
Ao contrário, Negri propõe formas e expressões diversas de liberdade coletiva. (Ibid., p. 160-
161). Anota que concebe o contrapoder como as resistências e os acontecimentos insurrecionais,
que representam poderes constituintes latentes e vivos, na medida progressiva de que sejam
controlados de maneira global (Ibid., p. 163).
16 m?lt?t?do, -?nis – Cfr. SARAIVA, 1993, p. 758
17 Ansuátegui Roig, chamando à colação a opino de Adolfo Ravá (La filosofia politica de
Benedetto in Studi su Spinoza e Fichte, a cura di El Opocher – Giuffrè Milano, 1958, pp.78-
81) observa que é necesario sublinhar que a aproximação entre Espinosa e Maquiavel, e não a
aproximação entre Espinosa e Hobbes. Cfr. ANSUÁTEGUI ROIG, 1998(b), p. 127, nota 7.
18 Para Negri, Maquiavel foi, de forma perversa pelo pensamento francês, t ransformado num teórico
da modernização absolutista do Estado, tendo propagado sua frase ‘os fins justificam os meios’,
que descontextualiza o pensamento do florentino. Aponta que a recepção do pensamento de
Maquiavel na Inglaterra foi diferente, pois ele é lido ali como uma introdução à crítica do poder
constituído, na análise das classe sociais, do conceito de prática militia popular como poder
constituinte. Cfr. NEGRI, Poder Constituinte, 2002, pp. 149-158 . Segundo Negri, o Maquiavel
democtico e republicano está já todo construído nos Discorsi. Ibid., pp.105-123.
19 Cfr. NEGRI, 2004(b) p. 114. Nessa obra de Maquiavel existem vários expertos sobre a supremacia
da democracia da multidão, por exemplo: o povo visto como mais sábio que o príncipe(Livro
I,58, pp. 179-180); vê com bons olhos a desordem da separão entre o povo e o Senado (I, IV,
pp.31-32) e inclusive optando pelo povo , considerando que o Senado tem mais interesse em
conservar o poder, criando, assim, maiores dificuldades à expansão do imrio do que aqueles
que querem adquirir o poder (I,V, pp. 33-35). Cfr. MAQUIAVEL, 2000.
20 Cr. NEGRI, 2002, p. 148
125
pensamento democrático da modernidade. Segundo Negri a democracia
espinoseana, e especificamente a idéia de multitudo, é a que de fato se
distingue da democracia da antiguidade greco-romana – na qual a
liberdade era apenas um atributo dos cidadãos da polis. A democracia da
multitudo, ao contrário, abarca toda universalidade humana, a partir de um
jusnaturalismo radical e contrutivista
21
.
Para Espinosa, a multitudo é o sujeito político por excelência.
Partindo da distinção entre poder (potestas), como capacidade (de ser
afetado) de um governante e potência (potentia), como força ativa e tornada
ato e expressa como vontade de Deus, uma vontade que não se distingue e
se confunde com – pura imanência da própria essência divina
22
- Espinosa
situa o império absoluto da democracia como resultado da potentia imanente
da multitudo. Uma potencia imanente que inclusive define o direito: “Hoc
jus, quod multitudinis potentia definitur”
23
; “Nam civitatis ius potentia
multitudinis, quae una veluti mente ducitur, determinatur
24
.
A representação não se conecta com o conceito de «multidão». Ao
contrário, pressupõe uma separação, uma identidade ‘segmentada, e não
um ‘seguimento, um continuum de singularidades imanentes, um fluxo
da «multidão». A representação opõe o coletivo ao individual, a maioria às
minorias, o público ao privado, o singular ao «comu
25
, enfim, representa
21 Cfr. NEGRI, 2000(b), pp.37-38
22 É esta a leitura de Deleuze, en Spinoza – Philosophie pratique(2002, p.103)
23 Tradução livre: “ese derecho definido por la potencia de la multitud”; Tratado Político, II,XVII).
Cfr. SPINOZA, 1913 (b), p. 11
24 Tradução livre:de hecho el derecho civil [o el derecho de la Civitas] es determinado por la
potencia de la multitud, que es conducida como se fuera un pensamiento uno”; Tratado Político,
III,VII). Cfr. SPINOZA, 1913 (b), p. 15
25 A idéia de «comum» de Negri e hardt, que não se identifica com a idéia de ‘público’, nem de
‘coletivo’, nos parece conectada e esclarecida pela idéia de ‘lugar comum’ em Aristóteles, como
anotado por Paolo Virno: “Quando hoje falamos de «lugares comuns», entendemos geralmente
locuções estereotipadas, quase privadas de todo significado, banalidades, metáforas mortas
—«teus olhos são dois luzeiros»—, conversações trilhadas. E no entanto, não era este o significado
originário da expressão «lugares comuns». Para Aristóteles, os topoi koinoi são as formas lógicas
e lingüísticas de valor geral, como se dissecássemos a estrutura óssea de cada um de nossos
discursos, aquilo que permite e ordena toda enunciação particular. Esses «lugares» são comuns
porque ninguém —nem o orador refinado nem o bêbado que murmura palavras às tontas, nem
o comerciante nem o político— pode deixá-los de lado. (...) O grupo de torcedores de futebol, a
comunidade religiosa, o jogo ou o sindicato, o posto de trabalho: todos estes «lugares» continuam
desde já subsistindo, mas nenhum deles é suficientemente caracterizado e ‘caracterizante’ como
para oferecer uma «rosa dos ventos», um critério de orientação, uma bússola confiável, uma
comunidade de hábitos específicos, de específicos modos de dizer/pensar. Em todo lugar e em
cada ocasião, falamos/pensamos do mesmo modo, sobre a base de construções lógico-lingüísticas
tão fundamentais como gerais. Desaparece assim toda uma topografia ético-retórica. Se põem em
primeiro plano os «lugares comuns», esses princípios básicos da «vida da mente»: o vínculo entre
mais e menos, a oposição de contrários, as relações de reciprocidade, etc. São eles, e somente eles,
126
por oposição e disjuntiva, antes que como alternativa
26
. A representação
enfatiza a concepção de hegemonia como domínio excludente, e marca
a procura pelos universalismos autoritários
27
e redutores, os máximos
divisores universais, em lugar dos múltiplos comuns
28
.
A representação reproduz (a cópia), a «presentação» produz (a
potência). A representação funciona por reprodução da tensão entre
representante e representado, e torna esse representado esmagado, passado,
particípio passado, membro passivo de um poder constituído, que transfere e
transcende sua potência singular ao representante, com perda de potência e
legitimidade. Em todas as formas clássicas de representação - «apropriada»
29
,
os que oferecem um critério de orientação e, portanto, um possível reparo no curso do mundo”. Cfr.
VIRNO, 2003, pp. 34-35
26 Observam Negri e Hardt que a representação “reúne duas funções contraditórias: vincula multidão
ao governo, e ao mesmo tempo os separa. A «presentação» é uma ‘síntese disjuntiva’ porque
conecta e afasta, une e separa ao mesmo tempo”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 279.
27 Conclui Ernesto Laclau, sobre a validade atual da noção de hegemonia na política, desde a idéia
de universalismo, que desde seu ponto de vista, “is the mosel political question confronting us
at this end of the century: what is the destiny of the universal in our societies? Is a proliferation
of particularisms – or their correlative side: authoritarian unification – the only alternative in
a world in which dreams of a global human emancipation are rapidly fading away? Or can we
think of the possibility of relaunching new emancipatory projects which are compable with the
complex multiplicity of differences shaping the fabric of present-day societies?” (“é a principal
questão política que nos confronta neste final de século: qual é o destino do universal em nossas
sociedades? A proliferação de particularismos – ou seu correlato: a unificação autoritária – a
única alternativa num mundo no qual as ilues de uma emancipação global estão rapidamente
desaparecendo? Ou podemos pensar na possibilidade de relançar novos projetos de emancipação
compatíveis com a complexa multiplicidade de diferenças formadoras dos tecidos das sociedades”.
Tradução livre) Cfr. BUTLER, LACLAU e ZIZEK, 2000, p. 86.
28 Ao contrário de se tentar estabelecer uma abstrata ética mínima, que significa estabelecer um
«máximo divisor comum universal», nos parece melhor trabalhar em termos de «ltiplos
comuns», pois desde um enfoque universalista redutor se corre o risco de que a intersecção
entre os conteúdos materiais éticos de culturas e coletivos distintos resulte um conjunto vazio.
Isso significa a impossibilidade do diálogo ou a redução liberal dos direitos. Cfr. HERRERA
FLORES, 2004, pp. 50-51. Este texto de Herrera Flores foi publicado depois da defesa de nossa
tesina, que precedeu à nossa tese de doutoramento. Na tesina havíamos desenvolvido a idéia
de «múltiplos comuns».
29 A classificação é de Max Weber, no seu clássico Sociedade e Economia. Na representão
«apropriada» (appropriierte Repräsentation) o “dirigente (ou um membro do quadro
administrativo) tem por apropriação o direito de representão. Essa forma é muito antiga e
se encontra em associações de dominações patriarcais e carismáticas (carismático-hereditárias,
carismáticas de cargo) de caráter muito diverso. O poder representativo tem dimensão tradicional”.
Cfr. WEBER, 2004, p. 193, (I, III, § 21.1).
Weber a chama representação «apropriada» porque os representantes se apropriam de todo o
poder da tomada de decisões. É chamada também de representação «patriarcal», porque define o
modo de representação dos servos pelo senhor feudal, ou do modo de representação dos escravos
negros, as mulheres e as crianças. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 283. Por isso é tamm
chamada por Weber representação «estamental», e não se trata nem mesmo de representação
propriamente dita, pois “se limita primariamente a representar e fazer valer direitos (apropriados)
próprios (privilégios)”. Cfr. WEBER, 2004, P. 193 (I, III, § 21.2)
127
«livre»
30
ou «vinculada»
31
- não há deslocamento de potência. O trânsito
transcendente entre representado e representante é sedentário, isto é,
constitui mero movimento metafísico
32
, que envolve perda bruta da
fenomenalidade origiria da potência constituinte dos representados
33
.
Não é, pois, só uma questão de legitimação, mas, principalmente,
de força, de redução efetiva de potência social dos muitos. «Potentia»
que se reduz a «potestas». O ‘trânsito transcendente’ - e não-imanente -
paralisa a «potentia» constituinte; secciona, segmenta e cessa a revolução
do trabalho vivo, e se fixa na representação da Constituição do Trabalho
morto. A cartografia da potência «presentante»
34
dos trabalhadores se
reterritorializa na Carta Magna do poder representado. Não se trata de
substantivar ‘um presentante’ dos trabalhadores, mas conservar o caráter
adjetivo do ato de representar, para enfatizar a potência «presentante» da
«multidão». A substantivacão repete a deformação da representação, que
privilegia o representante, seu poder
35
, em detrimento das singularidades
presentantes dos muitos.
Em resumo, a «presentação» privilegia a «organização» antes que
a representação. Aqui, «organização» entendida como formulada por
Edgar Morin – «ordem-desordem-interação-organizaçã
36
- ou seja uma
30 Na representação «livre» (freie Repsentation) o representante é livre para seguir suas próprias
convicções objetivas, e não os interesses dos representados e, nesse sentido, o representante
passa a ser o “senhor de seus eleitores, e não’ servidor’ deles. Adotam especialmente esse caráter
as modernas representações parlamentares, as quais têm em comum, nesta forma, a objetivação
geral – vinculação a normas abstratas (políticas, éticas) – que é a característica do poder legal”.
Cfr. WEBER, 2004, p. 194, (I, III, § 21.4).
31 Na representação «vinculada» (gebundene Repräsentation) o poder representativo é limitado
interna ou externamente por “mandato imperativo e direito de revogação, e vinculado ao
consentimento dos representados. Esses ‘representantes’ são, na verdade,, funcionários daqueles
que representam”. Cfr. WEBER, 2004, p. 194, (I, III, § 21.3)
32 Tradicionalmente, e antes da crise da Metafísica no final do século XIX, o jogo entre ato e
potência sempre foi tratado como movimento metafísico. Cfr. LAHR, l968. p.688.
33 Acrescentam Negri e Hardt que a representação nunca conseguiria realizar “a promessa da
democracia moderna, o governo de todos por todos. Cada uma dessas formas de representação,
a apropriada, a livre e a vinculada, nos retrotrae à natureza fundamentalmente dual da
representação, no sentido de que simultaneamente conecta e separa. (...) A democracia requer
uma inovação radical e uma nova ciência”. Cfr. NEGRI y HARDT, 2004 (d), p. 285.
34 Recolhendo reduos da forma latina (particípio presente) de ‘presentar, e com ênfase no caráter
adjetivo do vobulo
35 Observam Monereo e Moreno Vida que as centrais sindicaisfuncionam com um cúmulo
de privilégios legais que propicia sua «domesticão» e o afastamento de suas bases”. Cfr.
MONEREO e MORENO VIDA, 2005, p. 209
36 A «organização» remete a uma idéia de organização complexa, que, ao mesmo tempo, conviva
com a ordem e desordem, e, ainda, se negue à atualizão cristalizada das virtualidades
combinatórias, às quais esse jogo complexo e contraditório abre perspectiva.
A «organização» é complexa, mas não só isso, é também essencialmente relacional e de interação. A
128
organização complexa, uma nova ordem dos trabalhadores que não exclui
o caos sindical, uma organização essencialmente relacional e de interação,
na qual a máxima complexidade da desordem sindical conterá a ordem, e a
extrema complexidade
37
da ordem conterá a desordem
38
, em sua profunda
dialética
39
.
2. «Descentralização consistente» e «transversalidade presentante»
A «presentação» da «multidão» é somente um marco de perspectiva,
já que sua operacionalizacão prática é muito complexa, pois implica
uma «organização» complexa e desordenada. É preciso aterrissar esta
perspectiva no mundo vivo do trabalho, o que, contudo, não significa que
se possa desprezar este enfoque como se fora algo utópico, abstrato ou
caótico, já que tem ou pode ter conseqüências práticas muito concretas, e
até um «plano de imanência» muito específico de desenvolvimento.
O «plano de imanência» no contexto do pensamento de Deleuze e
Guattari é a base de consistência de todos os conceitos de uma determinada
filosofia planômeno
40
. Não é o conceito de todos os conceitos, não é uma
metafísica, é o platô, um puro meio, que imprime fluidez ao pensamento.
Para esses autores, a tarefa da filosofia é construtivista, e compreende duas
etapas: traçar um «plano» e criar conceitos.
41
. O «plano» dá consistência aos
conceitos fragmentarios. É como um muro de pedra, em que cada pedra-
conceito não tem bordas correspondentes a outras pedras-conceito, mas
que encontram no «plano» uma base de solidez e compactação. O «plano
de imanência» é, ao mesmo tempo, o que deve ser pensado e o que não
pode ser pensado. É pré-filosófico
42
.
extrema complexidade da ordem conterá a desordem, e a máxima complexidade da desordem conterá
a ordem. Morin designa o tetrálogo «ordem-desordem-interação-organização» como o caminho para
tentar-se a operacionalização ordem/desordem na nova ordem. MORIN (2002) p. 101 e ss.
37 É importante anotar que mesmo a representação, no sistema democrático representativo,
passa por “processo de complexificação da representação de relevância política, no qual junto
da representação política parlamentar existe uma abertura para a chamada ‘representação de
interesses’ setoriais, parciais ou corporativos”. Cfr. MONEREO, 1999, p. 52
38 Edgar Morin anota que “a ordem, perdendo seu caráter absoluto, nos obriga a considerar o
mais profundo mistério que, como todos os mistérios, é coberto pela mais obtusa evidência: o
desaparecimento das Leis da Natureza põe a questão da natureza das leis” MORIN (2002) p. 104.
39 A profunda dialética entre ordem e desordem, que é mais entrelaçada do que se imaginava, nos
permite vislumbrar na nova noção de «organizão» a possibilidade de encontrar caminhos para
investigar a natureza das leis. Essa noção se situa no nível do próprio paradigma, no sentido
kuhniano, pois é preciso deixar em suspenso o paradigma lógico no qual ordem e desordem se
excluem MORIN (2002) p. 105.
40 Deleuze e Guattari, O que é a filosofia, p. 51.
41 Ibid., ibiden, p. 51
42 Ibid., ibiden, p. 78
129
Enfim, o que se pretende é ultrapassar a idéia de uma aptidão
legítima a representar
43
, abandonando uma pretensão de profundidade
sistemática e teórica, em direção a uma «aptidão consistente de presentar-
se» num «plano de imanência» superficial, pragmático e multitudinário
dos conflitos coletivos.
3. «Descentralização consistente» dos trabalhadores
A primeira dessas conseqüências é o que podemos nomear de
«descentralização consistente» do sujeito coletivo do trabalho, e que
corresponde, em certa medida, aos fenômenos de «descentralização
negocial»
44
ou de «descentralização organizada»
45
- mas quanto a esta última
sem o sentido hierárquico de controle. Pensamos em descentralização,
mas com ênfase muito especial na coesão, isto é, no sentido de que
a descentralização, mesmo que desordenada, ao invés de implicar
desagregação, diluição ou degradação
46
, significa a mobilização de todas
47
as energias coletivas, inclusive aquelas excldas do fluxo da «multidão»
trabalhadora. Em outras palavras, trata-se de uma «pluralização das formas
de tutela» contra o «monopólio representativo» do grande sindicato
48
.
A centralização jurídica, no plano do trabalho, em princípio, funciona
desde mecanismos de maiorias matemáticas e estatísticas, que, em geral,
43 O Catedrático da Universidade Complutense de Madri, Fernando Valdés, por exemplo, define
a representação legítima como eixo fundamental de eficácia geral do sistema de negociação
coletiva da Espanha. Cfr. VALDÉS DAL-RÉ, 1996, p. 193.
44 Que é, segundo Monereo e Moreno Vida, o processo que de descentralizão das pautas de
negociação do acordo nacional ou setorial para a empresa ou centro de trabalho. Cfr. MONEREO
e MORENO VIDA, 2005, p. 209
45 É a repartição de funções, segundo Mercader, Catedrático da Universidade Carlos III de
Madri, “entre os diferentes níveis de negociação e, portanto, as concorrências negociadoras que
podem repartir-se os próprios”, e que é controlada e orientada desde os níveis superiores. Cfr.
MERCADER, 2005, p. 266
46 Como se viu no tópico 3.2.2, na cncia termodinâmica, a degradação da energia caminha para a
desordem, pois significa o aumento de agitação e velocidade das moléculas. Mas esta agitação,
este aumento de entropia, significa, ao mesmo tempo, de forma paradoxal, equilíbrio do sistema,
pois na entropia máxima, não have mais calor, e a manifestação desse fenômeno no sistema
como um todo se processará como homogeneização e morte térmica. MORIN (2002) pp. 53-56.
47 Negri e Hardt falam da passagem da democracia de ‘maioria’ para ‘todos’. Cfr. NEGRI e HARDT,
2004(d), p. 278
48 Observam Monereo e Moreno Vida que o fenômeno da «descentralização negocial» -
descentralizão das pautas de negociação, que se afastam do acordo nacional ou setorial, e se
dirigem para empresa e ao centro de trabalho – “causa uma espécie de «erosão do coletivo» e a
pluralização das formas de tutela, com um enfraquecimento do sindicalismo industrial, e também
implicou uma crise das estratégias intervencionistas construídas sobre a idéia do monopólio
representativo do grande sindicalismo de organização, em parte devido a sua incapacidade para
promover a sindicalização. Cfr. MONEREO e MORENO VIDA, 2005, p. 212
130
excluem determinados segmentos dos trabalhadores, causando conflitos
internos, com perda de força coesiva e reivindicatória. Além disso, com
o fenômeno da deslocalização da empresa e com a externalização da
produção - «flexibilização externa»
49
- essa unidade formal exclui na
prática uma gama importante de trabalhadores do processo de coesão da
potência operária.
Por outra parte, a representação engessa, numa pessoa jurídica
formal, a potência movente do trabalho. Essa entidade formalizada fica,
a partir de sua fixação numa forma jurídica estática
50
, passível de ser
afetada pelas constrições e outras formas de responsabilidades legais
51
ao
pleno exercício das liberdades coletivas
52
, já que se pode imputar a essas
entidades, inclusive, responsabilidades civis, administrativas e até multas
53
.
A representação acaba, assim, funcionando mais como limite, do que como
impulso ao fortalecimento dos trabalhadores.
A «descentralização consistente», contudo, não significa
necessariamente a despersonalização jurídica do sujeito coletivo
54
, mas, pelo
contrário, uma desconsideração nômade e recorrente desse sujeito, isto é,
uma movente e cambiante relação entre adequação, legitimidade e eficácia
da ação coletiva. É verdade, e não se pode negar, que isso traz problemas
49 É como Monereo e Molina preferem nomear àsestratégias paraeconomizar despesas na gestão
dos recursos humanos”. Cfr. MONEREO e MOLINA, 2002, p. 3
50 Observa Maria Fernanda Fernández López, que a autonomia plena de associação sindical e a
personalidade jurídica não são dois elementos necessariamente unidos. A personalidade jurídica,
no ordenamento espanhol, serve apenas ao ponto de vista das relações externas do sindicato. Cfr.
FERNÁNDEZ LÓPEZ, 1982, pp. 314-315.
51 A título de exemplo ver Artigos 5.1 e 5.2 da lei espanhola de liberdade sindical, Lei Orgânica
11/1985.
52 O dispositivo mais significativo é a limitação do direito de greve por meio do mecanismo dos
serviços essenciais, como se verá mais adiante. Baylos observa a respeito do regulamento
espanhol dos ‘servos essenciais’ que é “evidente, portanto, o déficit democrático que es
presente no regulamento do direito de greve”. Cfr. BAYLOS, 2003, p. 190.
53 No Brasil, por exemplo, a famosa greve dos trabalhadores da petroleira PETROBRÁS, ocorrida
no governo de Fernando Henrique Cardoso, em maio de 1995, quando a categoria estava mais
coesa e forte, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) considerou a greve ilegal, sancionando o
sindicato com multas impressionantes (que somadas chegavam, em valores da época, a cerca de
42 milhões de reais. A multa foi anistiada depois pelo Parlamento brasileiro. Cfr. http://www.
fup.org.br/greve_1995.htm) autorizando inclusive a dispensa dos sindicalistas por falta grave,
em outro julgado (Acórdão n. RR 596907 de 1999, publicada no Diário Oficial brasileiro em
30/05/2003, disponível no site do Tribunal: http://www.tst.gov.br).
54 Segundo Maria Fernanda Fernández López, o caráter negocial do grupo associativo permite
desvinculá-lo de intervenções estatais, a partir do compromisso constitucional de não-
intervenção sindical, sendo que a personalidade jurídica do ente sindical somente se apresenta
como um instrumento para facilitar suas finalidades associativas, sem que signifique qualquer
condição ao exercício dessa ação. Cfr. FERNDEZ LÓPEZ, 1982, pp. 17-18.
131
complexos e dificuldades concretas. Contudo, não se pode esquecer que a
dificuldade oriunda de um processo de descentralização é afeto não só ao
capital, já que o problema de determinar-se o real tomador dos serviços, em
razão das múltiplas formas de deslocalização e outsourcing que a empresa
posfordista adquiriu
55
, é uma realidade que atinge duramente a própria
organização dos operários.
A idéia de representação dos trabalhadores, como se disse, é, nesse
sentido, instrumental e não-sistemática; é uma questão de pragmática da
ação política dos operários frente ao contexto produtivo e à potência nômade
do capital. Antes que uma tentativa de estruturação e fixação teórica
propriamente considerada, deve presidir o conceito de representação dos
trabalhadores a idéia do confronto da ‘estratégia’ hegemônica do capital
contra as ‘táticas’ fragmentadas do trabalho
56
.
Nessa linha nos parece interessante o conceito próprio do direito
norte-americano, atinente às práticas coletivas descentralizadas e de intensa
«presentação», denominadas, pela National Labor Relations Act - NLRA,
«atividades combinadas» (concerted activities)
57
, mesmo que, na prática,
os tribunais americanos tenham construído alguns limites para impedir
seu pleno desenvolvimento
58
. É importante, entretanto, sublinhar que este
55 A grande empresa do fordismo não desapareceu, sem dúvida, mas tende a ser progressivamente
substituída por heterogêneas formas de integração/colaboração interempresarial, que adquirem
a fisionomia aberta da «forma grupo». Isso sus uma «flexibilizão» das noções mesmas de
empresa, de emprerio-empregador, as quais podem ser utilizadas de modo dúctil, tanto para
instrumentalizar processos de articulação interna no sentido da centralização, com no sentido
diverso de descentralização”. Cfr. MONEREO e MOLYNA, 2002, p. 16
56 Aqui considerado os termos ‘estratégia’ e ‘tática’, inspirados do jogo de xadrez, aplicados por
Michel de Certeau à política, considerando como ‘estratégicos’ o cálculo das relações/forças
políticas do lugar da hegemonia (considerado apropriado), e ‘táticos’ aos mesmos cálculos que
partem dos fragmentados movimentos sociais (considerados lugar não-apropriado) de resistência
política. Cfr. DE CERTEAU, The Practice of Everyday Life, XIX, apud MOREIRAS, 2001, p. 377,
nota 2.
57 National Labor Relations Act, de 1935, conhecida também por Wagner Act, ou Act; 29 U.S.C.
Os §§ 151-169, dispõem, na sua seção, que:Sec. 7. Employees shall have the right to self-
organization, to form, join, or assist trabalho organizations, to bargain collectively through
representatives of their own choosing, and to engage in other concerted activities for the purpose
of collective bargaining or other mutual aid or protection ()”. (“Empregados teo direito de
organizar-se, de formar organizações, de associar-se ou de ajudar organizações trabalhistas,
de negociar coletivamente por meio de representantes de sua própria eleição e de tomar parte
em outras atividades combinadas, visando negociações coletivas ou outras formas de ajuda ou
proteção”). Disponível no site da agência administrativa (National Labor Relations Board) que
cuida da aplicação dessa lei: www.nlrb.gov.
58 Em paralelo ao conceito de «atividade combinada» extraída da própria literalidade da seção
7ª da NLRA, a jurisprudência norte-americana construiu o conceito, limitativo, de «atividade
protegida», que, dessa forma, limita as «atividades combinadas» às práticas autorizadas. Sobre
as «atividades protegidas» Cfr. SHIEBER, 1988, pp. 38-39.
132
conceito, à luz da NLRA, legaliza a ação de grupos
59
de trabalhadores não
formalmente organizados com a finalidade de negociação coletiva, ajuda
mútua ou proteção - collective bargaining or other mutual aid or protection.
A possibilidade jurídica de atuação direta dos grupos - de sua «presentação»
- é importante para marcar o caráter instrumental da representação, pois
na representação a disputa pelos poderes constituídos do sindicato, que
lhe é inerente, tira do foco a característica mais marcante das atividades
coletivas, que é justamente a efetiva participação direta dos trabalhadores
na ação.
No seio da «descentralização consistente» a dicotomia represen-
tação e representatividade (a maior’), operada, por exemplo no sistema
espanhol
60
, perde sentido. Tal dicotomia avoca a própria espiral de
transcendência, afastamento e segmentação que as tentativas de reprodução
de identidades coletivas envolve. A idéia de representatividade remete a
uma esfera de disputa interna - no plano do trabalho - uma disputa pelo
«decalque» da «presentação», pelo domínio da identidade exclusiva (e,
portanto, excludente) de todos. É a disputa pelo poder constituído, que
sacrifica energia operária, divide os fluxos de potência, pois funciona
como um tipo de concorrência mercantil, absolutamente inadequada para o
fortalecimento das forças do trabalho. Da mesma forma que a concorrência
ideal serve para dividir o poder do capital, serve também para reduzir a
potência dos muitos. A diferença é que, enquanto a concorrência ideal
na pratica de mercado livre é absolutamente fictícia - dada as várias
estratégias de aliança que o capital é capaz de engendrar - com relação
ao trabalho mais parece um trabalho de Sísifo, já que uma vez instituída
(a concorrência entre grupos para dominar a representação) resulta na
desagregação dos trabalhadores - justamente o que o sistema de liberdades
e garantias sindicais tem por finalidade combater.
Nessa ordem de idéias, nos parece que não se trata de fomentar a
concorrência representativa por uma ‘singular posição jurídica
61
, mas não
intervir na posição jurídica dos fluxos das singularidades, isto é, não se
colocar no meio do caminho da confluência a que os atores do trabalho
59 A jurisprudência norte-americana entendeu que inclusive um só trabalhador pode praticar
«atividade combinada» [National Labor Relations Board - NLRB X City Disposal Systems Inc.,
465 US 822 (1984)]. Cfr. SHIEBER, 1988, p.37.
60 Artigo 6.1 de Lei Ornica n. 11/1985. “Artigo sexto 1. A maior representatividade sindical,
reconhecida a determinados sindicatos, lhes confere uma singular posição jurídica para efeitos,
tanto de participação institucional, como de ação sindical”.
61 Prevista no artigo 6.1 da Lei de Liberdade Sindical espanhola, para os sindicatos que consigam
atingir os índices estabelecidos para a ‘maior representatividade’ sindical.
133
tendem a alcançar. Se por um lado, a ‘maior representatividade’ é um
conceito transcendente, por outro, a ‘singular posição jurídica’ é sedentária,
procede à paralisação dos poderes constituídos da representatividade.
Enfim, antes que falar em concorncia, melhor é agenciar formas deco-
ocorrência’ sindical.
4. «Transversalidade presentante»
Outra conseqüência que se pode inferir da primazia da «presen-
tação» em detrimento da representação, na perspectiva da procura
de adequação e eficácia política dos trabalhadores, é a fuga do modelo
cartesiano, do plano das coordenadas binárias, que pressupõe a operação
das abscissas e ordenadas do sujeito coletivo do trabalho, isto é, o modelo
que funciona desde a equação da dicotomia entre sindicato horizontal e
sindicato vertical, entre profissionalismo e indústria
62
.
Contra esse modelo de representação cartesiano, pode-se tentar
evoluir para um «plano de consistência transversal» de configuração
do sujeito coletivo do trabalho, que consiste em conceber a radical
«transversalidade» do sindicato. Isso não significa escolher apenas o
sindicato como o ‘presentante transversal’ do trabalho, mas, pelo contrio,
enfatizar a «transversalidade presentante» da «multidão» que trabalha sob
o domínio do capital. Isto é, trata-se de por relevo no medium, e não no
sujeito representante. Em outras palavras, a «transversalidade presentante»
é o enfoque do sujeito coletivo como «plano de consistência», como base
de facilitação do deslocamento jurídico da potência dos muitos, e não como
personalização do agente ou da vanguarda dos interesses coletivos.
O dualismo entre profissionalismo e indústria é insuficiente para
abranger a totalidade da produção contemporânea, que é «biopolítica»
63
, que
62 Ricardo Pedro Ron Latas procede à seguinte precio conceitual: “Nas classificões doutririas
dos sindicatos que levam em conta critérios organizativos ou estruturais, destaca aquela
que, ‘atendendo à qualidade de seus associados’, distingue entre: 1) sindicatos que associam
a trabalhadores ‘por ramo de produção..., independente de suas qualificações profissionais;
2) sindicatosque se filiam às qualificações profissionais... com independência do ramos
de atividade... em que prestem os serviços’. Com relação à primeira das ditas categorias, a
doutrina é aparentemente pacífica ao atribuir-lhe os qualificativos de «sindicatos verticais» ou
de «indústria»; por outro lado, a adjetivação doutrinária, com relão à segunda categoria, já
não resulta unânime. Assim, enquanto alguns autores se referem a este tipo de sindicatos como
«de ofício», «agremiais» ou «de franjas», outros preferem utilizar termos tais como «sindicatos
horizontais» ou «profissionais», quando, na verdade todo eles se estão referindo – como afirmam
Alonso Olea e Casas Baamonde – a um mesmo fenômeno, isto é, ao de sindicatos que acolhem
em seu seio a trabalhadores que «trabalham no mesmo». Cfr. RON LATAS, 2003, pp. 1-2.
63 Segundo Giorgio Agamben, Foucault definia o termo «biopolítica» como a crescente implicação
134
não se paralisa na fábrica, ou em um ramo específico de produção material,
nem se limita a uma categoria específica de trabalhadores e também não
estabelece um limite claro entre produção e consumo, entre trabalhador e
consumidor. O trabalhador é consumidor, e o consumidor é trabalhador,
o que acaba, inclusive, por criar dois pólos de sujeição da «multidão» -
trabalho e consumo. A exploração é, nesse sentido, pelo menos duplicada.
A «transversalidade presentante», a partir do enfoque da dominação
desmedida por parte do poder constituído do capital, pode superar as
linhas de segmentação dos trabalhadores, tornando ‘trabalho’ e ‘consumo
solidários e coesos, numa rede de «consistência» social, isto é, no sentido
de uma mobilização dos conceitos de netware e wetware
64
, não para a
produção, mas a «organização» mesma dos trabalhadores.
Nessa ordem de idéias, o que se propõe é uma espécie de retorno
à empresa ou à ‘laborilidad
65
da ação sindical, em que o contraponto à
atuação política e parlamentar, junto dos poderes constituídos, não se
faz mais através de um retorno à fábrica, à produção da grande indústria
fordista, mas como retorno desdobrado, isto é, tanto um retorno ao espaço
agora desterritorializado da empresa, como ao mundo sócio-cultural do
trabalhador, à sua vida privada, à sua intimidade, em outras palavras, um
da vida natural do homem nos mecanismos e nos cálculos do poder. Explica que Foucault fala que
para Aristóteles o homem era um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; já para
o homem moderno está em questão política o fato de ser vivente.(AGAMBEN, 2002, p. 125).
Para Agamben, Karl Löwith (LÖWITH, k. Der okkasionelle Dezisionismus von R. Schmitt. In:
Sämtliche Schriben: Stuttgart, 1984, V. VIII) foi o primeiro a definir como “politização da vida”
o caráter fundamental da política dos Estados totalitários, ressaltando também a contigüidade
entre democracia de massa e totalitarismo, seguindo a senda de Carl Schmitt.(AGMBEN, 2002, p.
126-127). Anota Agamben a seguinte passagem de Foucault: “O direito à vida, ao corpo, à saúde,
à felicidade, à satisfação das necessidades, o ‘direito’ de resgatar, além de todas as opressões ou
‘alienões’, aquilo que se é e tudo o que se pode ser, este ‘direito’ tão incompreensível para o
sistema jurídico clássico, foi a resposta política a todos estes novos procedimentos do poder.
(FOUCAULT, A volunté de savoir. Paris, 1976, p. 128 - apud AGAMBEN, 2002, p. 127).
64 Wetware e netware são termos correlatos. O primeiro diz respeito à capacidade individual de
operar os sistemas de hardware e software, capacidade essa que é desenvolvida a partir do ponto
de vista do usuário ou consumidor, de forma interativa. A ênfase aqui é no trabalho e a inovação
a partir do consumo. Netware é a perspectiva coletiva dessa mesma interação com o consumo.
Cfr. COCCO, 2003, pp. 9-10.
O economista Moulier Boutang concebe o wetware como a atividade viva e individual de atenção
humana, que mobiliza as linguagens de máquina através de sua própria linguagem; netware como a
dimensão coletiva da atenção e lealdade humanas para instituições e empresas. No entanto reconhece
que isto já estava presente na produção fordista, mas na produção contemporânea se transforma de
um problema de coordenação da atenção e lealdade, para um problema de comunicação, isto é, de
um uso novo da linguagem e da rede. Cfr. MOULIER-BOUTANG, 2004, pp.54-55.
65 Segundo nos indica Antonio Baylos essa foi uma as conclusões do 8º Congresso de central
sindical espanhola CCOO (Comisiones Obreras). Cfr. BAYLOS, 2004(b), p. 100
135
retorno renovado à produção «biopolítica», na qual, v. g., o trabalho da mãe
no lar é tão valorizado como o trabalho masculino dentro da empresa
66
.
Como apontam Negri e Hardt há na «multidão» uma espécie de princípio
de ‘igualdade de oportunidades da resistência
67
, fundado na idéia de luta
comunal de todos os que trabalham direta ou indiretamente sob o domínio
do capital.
A «transversalidade presentante» possibilita também outro tipo
de resposta à necessidade que a doutrina sindical detectou para “criar
uma regra de irradiação da potência sindical substitutiva da capacidade
representativa dos trabalhadores quando não existe presença organizativa
nem representação legal
68
. O que se propõe é articular a «organização»
de todas as formas de trabalho, e com isso privilegiar um sindicalismo
de coesão – rectius: de «consistência» - e inclusão ao mesmo tempo, que
possibilite a cooperação e desenvolvimento de potências de gêneros, raças,
etnias e culturas
69
. Observam Negri e Hardt, que “a velha distinção entre
lutas políticas e lutas econômicas se transforma em um mero obstáculo
para a compreensão das relações de classe. De fato, classe é um conceito
biopolítico, e ao mesmo tempo econômico e político
70
.
Neste processo de irradiação, que é também uma forma de expan-
são
71
do sujeito coletivo, a «transversalidade presentante» não se reduz a
um procedimento de agregação transcendente, isto é, a um processo de
incorporação de outros coletivos limitado a categorias homogêneas, ou a
trabalhadores de ramos produtivos similares. A homogeneidade funciona por
transcendência, pois necessita fazer a diferenciação do representante, dotá-
lo de poderes especiais, transcendentes, para assegurar, na transcendência
dessa representação diferencial, a força do coletivo, força essa que é, assim,
transmutada em poder constituído da representação, isto é, a potência
expansiva e imanente da «multidão» se paralisa no poder constituído do
representante.
66 Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 139
67 Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 135
68 Cfr. BAYLOS, 2004(b), p. 100
69 Para Negri e Hardt a “classe está determinada por luta de classes. (...) nesse sentido, ‘raça’
o é menos um conceito político que ‘classe econômica. Nem a etnicidade, nem a cor da pele
determinam a raça, que fica politicamente determinada pela luta coletiva. (...) Resumindo: a
classe é um conceito político, porquanto uma classe não é nem pode ser outra coisa mas uma
coletividade que luta em comum”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 132
70 Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 133
71 Observa Maria Fernanda Ferndez López que é “um fato rico em conseqüências teóricas e
práticas, e além disso aceito sem discussão, o que o sindicalismo é um fenômeno expansivo”. Cfr.
FERNDEZ LÓPEZ, 1982, p. 275.
136
A expansão na superfície da «transversalidade presentante» tem de
ser pensada em outra ordem, v. g., na ordem topológica, que se processa
por mecanismos de torções sem ruptura, e que preservam as propriedades
básicas da «multidão» que atua em «comum»
72
. Da mesma maneira que seu
correlativo fenômeno da deslocalização da empresa contemporânea, que se
opera de forma topológica – isto é, com preservação das características
de controle originário, a despeito das torções produtivas e territoriais - o
sujeito coletivo do trabalho tem de se fundar através de um processo de
deslocalização por «conexão» transversal, e não por transcendência vertical.
Isto é, através um processo no qual a poncia das singularidadeso seja
transferida para uma entidade «retorrializad
73
, através do expediente da
representação de grau, dito, superior.
A representação trasnacional
74
, ou nacional, federada ou confede-
r ad a , o u t ud o q u a n to s e de n o m i n e p e r s o na l i d a d e s i n d i ca l c o m p l e x a
75
, importa
um processo de transmissão de potência originária das singularidades para
cima, para entidades sindicais superiores, processo que implica uma perda
72 Negri e Hardt observam que o «comum» “o é sinônimo de uma noção tradicional de comunidade
ou deblico: se baseia na ‘comunicação entre singularidades, e emerge graças aos processos
sociais colaborativos da produção. O indivíduo se dissolve no marco unitário da comunidade”.
Cr. NEGRI HARDT, 2004(d), p. 241.
73 Na chamada geo-filosofia de Deleuze e Guattari, o pensamento é a ‘dupla articulação’ entre «terra»
e «território». Cfr. DELEUZE y GUATTARI (1992-1997) p. 113. O primeiro é o reino da liberdade
no «platô» do pensamento, no «plano de consistência». «Território» é a esfera do poder constituído,
da soberania, que busca a todo momento ‘reterritorializar todos os níveis de liberdade, sejam
políticos, sociais, econômicos ou filosóficos. A terra é o «platô» - plateaux - o plano de consistência
ou imanência, que não pressupõe nenhuma transcendência. Mas neste platô se operam fenômenos
de «estratificação», que são benéficos por um lado, e lamentáveis desde muitos outros. As camadas
territoriais bloqueiam as ‘linhas de fuga’ da terra, aprisionam suas intensidades e virtualidades para
constituir territórios. O território é uma captura, funciona como um buraco preto que procura reter
tudo que passa no seu alcance. O território é uma demarcação na terra, uma demarcação de poder,
um limite, uma fronteira no pensamento. A ‘dupla articulação’ do pensamento se dá por meio de
dois processos: «desterritorialização» e «reterritorialização», que podem ser relativos ou absolutos,
pois o pensamento deleuzeano é o pensamento da prudência pragmática, da razão que reconhece
seus limites, e que não pode ser mais ingênua. A desterritorialização compreende um movimento
do ‘território’ para a ‘terra’. A desterritorialização in loco, excede o território, e se constitui de
movimentos em ‘linhas de fuga’, que coincidem com os movimentos nômades. A reterritorialização
é a outra cara, o movimento em direção ao território.
74 Especialmente com relação às entidades de trabalhadores internacionais, é importante ope-
las desde a perspectiva de que o capitalismo tardio é um fenômeno internacional, isto é, devem
ser mais consideradas enquanto cooperão internacional entre operários, que como estrutura
hierquica sindical sedentária. Cfr. CARRIL VÁZQUEZ, 2003, p. 2 e especialmente sobre os
obstáculos à solidariedade internacional entre trabalhadores Ibid., pp. 4-16.
75 Maria Fernanda Ferndez López anota que a legislação espanhola considera as organizações
sindicais complexas “como um conglomerado de pessoas jurídicas ou, para ampliar ainda mais
a hipótese e abranger, de passagem, hipóteses que em nossa realidade marcham decididamente
nessa direção, abre a possibilidade para que as grandes organizações acabem por converter-se
nisso”. Cfr. FERNDEZ LÓPEZ, 1982, p. 276
137
de força da potência originária da base, justamente pelo aumento do grau
de intromissão da instância superior
76
. Fenômeno que se agrava a cada
passagem de nível no seio do processo de representação transcendente.
Nesse modelo, o sistema sindical não se expande propriamente, mas se
reproduz como cópia e ‘decalque’ do poder constituído do profissionalismo
da representação – que pressupõe o dirigente-profissional desconectado
do centro de trabalho, ao contrário de privilegiar a laboralidad mesma da
potência dos trabalhadores.
O que é decisivo considerar num modelo que pretenda a
«desterritotialização» do sujeito coletivo, é ampliar os fluxos e a extensão
transversal de potência dos trabalhadores, e não o processo de verticalização
representativa. A verticalização, em sim mesma, não significa, de forma
alguma, aumento de força. O que importa, se se quer traduzir a expansão
da organização operária em termos de aumento de potência coletiva, é a
multiplicação das virtuais «conexões» entre os muitos - rich-get-richer
phenomenon das ‘redes sem escala
77
.
Em outras palavras, trata-se de privilegiar o procedimento de des-
dobre da imanência, da expansão topológica, por meio de um processo que
pode ser nomeado de «decalcomania»
78
dos grupos, pois não procede como
um ‘decalque’ de pura repetição representativa, mas como desdobramento,
através de «conexões heterogêneas», que reúnem em um mesmo fluxo as
várias formas, instâncias e entidades de representação de todos os gêneros,
raças, etnias e culturas
79
de trabalhadores e de todos os ramos e lugares
76 Principalmente em relação à afiliação e exteno do poder disciplinar das insncias superiores.
Cfr. FERNDEZ LÓPEZ, 1982, p. 302
77 Formulado pelo físico Albert-László Barabási na esfera da nova teorias das redes. Em apertada e
metafórica síntese, poderia se dizer que esse princípio é o princípio de que as águas correm sempre
para o mar. O modelo de ‘redes sem escala’ foi formulado por Barabási. Seu modelo está baseado
na regra ou ‘fenômeno rico-mais-rico’ (rich get richer phenomenon). Isso significa que quanto
mais conexões tem um nó, mais oportunidades tem de ter outras. Nesse sentido as redes não são
igualitárias, pois há uma vinculação preferencial. Cfr. BARABÁSI, 2002, pp. 79-82. O nome ‘sem
escalas’ vem da representação matemática da rede, que segue uma curva denominada power-law,
também conhecida como ‘lei de Pareto’, ou ‘regra 80/20’, em referência a uma razão de proporção
que ocorre com freqüência em vários fenômenos. Cfr. BARABÁSI, 2002, pp. 66-71
78 A representação e a reprodução procedem por decalque, por cópia. O ‘decalque’ - décalque
reproduz o mesmo, reterritorializa seus movimentos nômades, sedentariza e identifica o sujeito
da representação. A simulação experimental é rizomática, procede por exploração do mapa, do
território, mas o ‘decalque’ é o simulacro que reproduz o ‘território’; o ‘decalque’ procede por
reterritorialização e pressupõe uma transcendência, isto é, uma separação entre representante
e representado. Ao tipo especial de conexão heterogênea e espiral, em distinção à reprodução
homogênea e circular do mesmo, se dá o nome de «decalcomania», isto é, é a imanência do sujeito
coletivo.
79 Que é o caso dos trabalhadores industriais do mundo (IWW ou o Wobblies). É uma associação
138
de produção - seja industrial, urbana e rural
80
-, formando o «plano de
consistência» transversal, o «feltro liso» deleuzeano, por onde se deslocam
a potência e as linhas de fuga da «multidão».
A «transversalidade presentante» é, portanto, a concepção
«rizotica»
81
do sujeito coletivo, e o que nos parece mais adequado, na
atualidade fenomênica da produção «biopolítica», frente aos problemas de
efetividade da potência na luta no plano do trabalho; é, nesse sentido, o
traço mais marcante da «multidão» concebida como tal.
internacional estabelecida atualmente em Cincinnati, Ohio, nos Estado Unidos. Seu ideário é
próximo aos enfoques anarquistas. Os Wobblies defendem a existência de uma única associação.
Estão fundados a partir de um forte apelo à democracia participativa. No site dessa associação, se
pode ver suas características principais: “O IWW, a diferença da posição de outras associações,
acha que os problemas da classe operária não podem ser solucionados pedindo mínimos para os
patrões ou rogando favores aos políticos. Enquanto luta para condições melhores hoje, o IWW
insiste que seja dado direito, à gente que trabalha, tudo que produz, em vez de uma parte pequena
parte.(...). No esforçar por unir o trabalho como classe em uma grande união, o IWW também tenta
construir a estrutura de uma nova e melhor ordem social dentro da casca do velho sistema que não
pode suprir as necessidades de todos. Quem pode se afiliar? Qualquer assalariado pode levar um
cartão de sócio IWW. Não se barra nenhum trabalhador devido à raça, religião, nacionalidade, sexo
(...) É o IWW é dual? Não. O IWW é a única união que organiza a trabalhadores como classe, em
vez de reunir-se o trabalho nos grupos pequenos que guerreiam lado a lado para a vantagem única
da classe empregadora. (...) O IWW é uma fortaleza da democracia. Quanto às regras de maioria
de votos, são de respeito escrupuloso para o direito de uma minoria e suas diferenças. (...) Uma
pedra angular do IWW é a crença de que a tropa deve controlar a união e a seus oficiais, em vez de
ser controlada por eles. Nenhuma união pode ser a tropa que limita a liberdade de seus membros
ou minorias de cabrestos e regulamentos desnecessárias. (...) Como se salvaguarda a Democracia?
Quanto à estrutura a constituição do IWW protege fortemente a democracia, mas acreditamos que
nenhuma lei idealizada pode assegurar ou conservar democracia se a vontade política se perde. A
raiz da liberdade não é a lei, que a gente pode mudar, mas gente mesmo” (tradução livre). No site da
associação há uma ampla bibliografia eletrônica, além disso, uma excelente indicação bibliográfica.
Disponível na seguinte direção, com último acesso em 04/10/2006: http://www.iww.org/
80 Exemplar disso é o Movimento do Trabalhadores sem Terra do Brasil – MST.
81 A idéia de «rizoma» foi pensada por Deleuze & Guattari como uma espécie de modelo - por
oposição ao modelo de árvore chomskyano - das multiplicidades (DELEUZE & GUATTARI,
1995,p. 8). No pensamento deleuzeano, as multiplicidades - no plural - são a própria realidade
(Ibid., p. 8). A filosofia seria, então, a teoria das multiplicidades (DELEUZE(1996) p. 49). A
racionalidade pós-estructuralista não é linear, nem dicotômica, mas pivotante, como a estrutura
do rizoma. Para os autores, a lógica binária e as relações biunívocas dominam a psicanálise, a
lingüística, o estruturalismo e inclusive a informática, e essa é a realidade da árvore-raiz (DELEUZE
& GUATTARRI, 1995, p. 13). A figura do rizoma, tomada da botânica, foi utilizada para marcar
uma diferença com a idéia de árvore-raiz: com uma base, um fundamento e uma estrutura linear de
desenvolvimento. Estão contidos nessa estrutura princípio, meio e fim (Ibid. p. 33). Há aí também
a idéia de dicotomia - árvore-raiz. Se tivesse sido escrito alguns anos depois, a idéia da rede
mundial de computadores - a internet - seria, sem dúvida, um exemplo de rizoma para Deleuze . É
interessante observar que no último texto de Deleuze, o tema tratado são justamente as interações
entre atual e virtual (DELEUZE,1996, p. 49).
139
5. A representação dual e a «presentação multitudinária»
No sentido em que se desenvolveu a desconstrução crítica da idéia
de representação no tópico anterior, só nos resta concluir, portanto, que
não é preciso pensar em um ente especialmente dotado de uma essência
e vocação para a representação legítima dos trabalhadores. Como a
representação é sempre a cópia, ou «decalque» das singularidades que
pretende representar, ela transcendente, trai e traz sempre consigo uma
perda intrínseca de legitimidade; implica sempre algum grau de impostura
e de desperdício bruto de potência.
Com esses cuidados teóricos, e com essas preocupações pragmáticas,
é posvel pensar, sim, em um estatuto da representação multitudinária dos
operários, mas que se guie desde a noção de «presentação multitudiria».
Para efeitos didáticos, nos parece produtivo tomar o sistema espanhol de
representação, principalmente desde sua característica de dualidade
82
.
Como observa Antonio Baylos, a jurisprudência espanhola antes
optou por uma interpretação orgânica que funcional do termo atividade
sindical, com o fim de restringir a titularidade do direito fundamental de
liberdade e de escolha sindical, considerando que “a vulneração das normas
relativas à representação eletiva e unitária não implica em vulneração à
liberdade sindical
83
.
Uma primeira observação que se pode fazer sobre essa dualidade, é
que esse esquema funciona desde o ‘decalque’ do sujeito coletivo, isto é,
se perde na circularidade da discuso em torno do legítimo representante,
em lugar de preocupar-se com a efetividade da organização da potência dos
trabalhadores.
É certo que a própria dualidade do sistema da representação unitária
e plural não é, ela mesma, fechada num tipo de dicotomia duelística ou
disjuntiva. O sistema de representação unitária, na Espanha, se desdobra em
comitês de empresa, delegados de prevenção, comitês intercentros, comitês
82 Antonio Baylos explica que no “caso espanhol se sobreem como formas representativas dos
interesses dos trabalhadores na empresa dois tipos de organismos. De um lado, a (i) representação
coletiva e unitária, de base eletiva, criada pela lei – o Estatuo dos Trabalhadores – a que se
denominam comitês de empresa e delegados de pessoal, e de outro, (ii) a representação sindical
propriamente dita, seções e delegados sindicais, que desenvolvem a atividade do sindicato na
empresa. O sistema espanhol é concebido expressamente como dual pela jurisprudência (STC
118/1983, de 13 de dezembro). Cfr. BAYLOS, 2004, pp. 31-32.
83 Doutrina que remonta à decio do Tribunal Constitucional da Espanha (STC118/1993) e que
está fundada no argumento sistetico da base constitucional do sindicato, contra a raiz legal do
comitê de empresa. Cfr. BAYLOS, 2004(a), p. 33
140
de grupos de empresas e comitês de empresas europeus
84
, que interagem
entre si, e com as seções sindicais (órgãos dos sindicatos), do mesmo
âmbito ou de graus superiores. Ou seja, a própria representação unitária se
relaciona de forma múltipla (ainda que hierárquica) com os demais níveis
dessa representação. Além disso, essas representações unitárias no local de
trabalho tem articulação com a representação plural (no sistema espanhol)
dos sindicatos, sejam os que detenham a singular posição jurídica da maior
representatividade, sejam aqueles com representatividade comum.
Nesse sentido, inclusive, a idéia da ‘maior representatividade,
prevista no sistema espanhol, apesar de seus traços de transcendência que
sublinhamos no tópico anterior, nos parece, ainda assim, mais adequada a
uma «descentralização consistente» dos trabalhadores, que a do sistema
norte-americano da eleição do «representante exclusivo» (exclusive
representative)
85
, que está fundada radicalmente nessa lógica competitiva
e excludente, a que já nos referimos, e que é prejudicial à potência dos
trabalhadores. O representante majoritário representa sempre com algum
grau de impostura
86
, já que a representação está conectada ao voto, o que
faz considerar que as minorias não se fazem nem sequer propriamente
representadas pelo representante majoritário. É justamente nesta ordem
de consideração, que a dualidade complexa do sistema, ao concatenar a
potência dos fluxos sindicais da representação plural, com a coesão da
representação unitária, pode ser vista como menos excludente, com menor
desperdício de potência política, e com maior grau de democratização e
possibilidade de adquirir «consistência» reivindicatória.
De outra parte, parece interessante, no modelo norte-americano,
o fato de que qualquer sindicato, de qualquer categoria, profissão ou
categoria possa apresentar-se às eleições para representante único à
negociação
87
. Não se pressupõe ‘maior representatividade, nem qualquer
84 Cfr. BAYLOS, 2004(a), pp. 34-36
85 Previsto na seção 9.a. da NLRA:Sec. 9 (a). Representatives designated or selected for the
purposes of collective bargaining by the majority of the employees in a unit appropriate for
such purposes, shall be the exclusive representatives of all the employees in such unit for the
purposes of collective bargaining in respect to rates of pay, wages, hours of employment, or
other conditions of employment. (Representantes designados ou selecionados para os propósitos
de negociações coletivas pela maioria dos empregados, em uma unidade apropriada para tais
fins, deverão ser os representantes ‘exclusivos’ de todos os empregados dessa unidade para os
fins de negociações coletivas a respeito de salários, jornada de trabalho ou outras condições do
emprego”).
86 No sistema norte-americano, o «representante exclusivo» representa todos os empregados,
inclusive aqueles que votaram contra esse sindicato. Cfr. SHIEBER, 1988, p. 74.
87 É o que nos relata Benjamín Shieber, a partir da interpretão da seção 9.a., da NLRA, que não
141
sentido de similitude ou homogeneidade
88
, ou mesmo ‘representatividade
simples. Essa, perspectiva, contribui, de forma mais eficaz a um tipo de
«presentação transversal», conectando os «heterogêneos» da «multidão»
trabalhadora.
O essencial na operação de um sistema de representação dual dos
sujeitos coletivos, para não perder de vista a riqueza da complexidade e
da multiplicidade da «multidão» que trabalha, é justamente explorar
essa dualidade não como disjuntiva, mas como alternativas – no plural
–, como combinatórias, sem perder a necessidade pragmática de coesão
e consistência, isto é, operar esse sistema à luz da idéia deleuzeana de
«todo múltiplo». Nesse sentido, a representação unitária, nos parece, tem
um potencial importante, justamente no sentido de agenciar “a unidade
da classe nos lugares de trabalho”
89
, na qual se apresenta não como um
ente sindical, entidade sedentária e formalizada, mas comoorganismo
sindicalizado”
90
.
Por outro lado, a própria pluralidade sindical não significa
necessariamente um exercício de «multiplicidade», já que como advertem
Deleuze e Guattari, mesmo a multiplicidade pode configurar-se de forma
arborescente e não-«rizotic
91
. A multiplicidade sindical arborescente
e st á en r ai za d a, po r e xe mplo , n a r ep re se nt a çã o, n o «exclu si ve r ep re se nt at ive»
do direito norte-americano, no sistema hierárquico e na concorrência
sindical.
O que primeiro é preciso considerar numa equalização multitudinária
desse sistema dual, é que a forma-grupo de empresas é determinante
92
na
há qualquer tipo de restrão ao «represenante exclusivo». Cfr. SHIEBER, 1988, p. 74.
88 A categoria ou similitude é o princípio adotado pelo sistema de sindicato único do Brasil, conforme
consta do art. 8º,II da Constituição do Brasil (Art. 8º.II: é vedada a criação de mais de uma
organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na
mesma base territorial, que será definida pêlos trabalhadores ou empregadores interessados, não
podendo ser inferior à área de um Município), que procedeu à recepção do artigo 511, do estatuto
do trabalho de 1943 (CLT), que prevê a categoria profissional ou similar como critério para a
afiliação.
89 Antonio Baylos em conversação com o Deputado do Parlamento da Catalunha, José Luis López
Bulla. Cfr. BAYLOS, 2003, p. 230
90 Cfr. Ibid., p. 230
91 As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes. (...)
Uma multiplicidade não tem sujeito nem objeto, mas unicamente determinações, tamanhos,
dimensões que não podem aumentar sem que ela mude de natureza (as leis de combinação
aumentam, pois com a multiplicidade)”. Cfr. DELEUZE e GUATTARI, 2002, p. 14
92 “A «empresa em forma de grupo» continua sendo o modelo dominante de organização da atividade
econômica no mundo contemporâneo, não obstante as tensões a que se vê submetido com a
proliferação de outra forma com a qual mantém contraditórias ou não lineares relações, a «empresa
em forma de rede». (...) Fonte inesgotável de contradições, paradoxos e incertezas, o grupo, como
142
«pós-grande indústria», não só nas suas configurações mais irradiadas,
mas também desde seus aspectos de interação entre consumo e produção
– netwares e wetwares – isto é, a constituição «biopolítica» do grupo
ou da rede-empresária. E desde essa perspectiva, a própria topologia da
dualidade do sistema muda, para superar tanto o modelo disjuntivo entre
representação unitária e plural, como também o traço de corporativismo
orgânico, que enxerga a representação unitária desde uma perspectiva de
paz sindical’ no seio da empresa. A «torção» topogica nessa perspectiva
consiste em conceber-se a representação no espaço-empresa como dobra,
desdobramento de imanência coletiva, como «dupla articulação»
93
da
«multidão» na empresa. É a canalização de fluxos de luta, de «máquinas
de guerr
94
, e não a procura pela «verdade pactuad, ou pela eliminação
de conflitos.
Uma vez considerada tal natureza do grupo posfordista, e suas
implicações, não só sócio-econômicas, mas também culturais, se pode
típico modelo de ‘empresa coletiva subjetivamente articulada’ («polycorporatist network») e
«ator» (corporate ator) protagonista das principais transformações do sistema econômico mundial,
segue debatendo-se entre o «ser» e «não ser» ao mesmo tempo um ‘conceito jurídico típico’: a
continuidade daquela atitude «abstencionista» por parte de um poder legislativo que rejeita atuar
como «codificador» foi ao mesmo tempo acompanhada, em todos os países europeus, de uma
mais significativa proliferação de «peças normativas», sejam legislativas, sejam judiciais, sejam
convencionais”. Cfr. MONEREO e MOLINA, 2002, p. 1
93 A dupla articulação, a “lagosta de duas pinças”, o double bind (DELEUZE e GUATTARI, 1997a,
p. 54) são termos recorrentes no texto desses autores.
94 A «quina de guerra» de que nos falam Deleuze y Guattari está situada fora do Estado(DELEUZE
y GUATTARI, 2002, p. 423, nota 1), ainda que circunstancialmente se possa confundir com as
cabeças do aparato estatal. Nesse sentido, para eles o Estado moderno está apartado de suas
potências origirias; a burocracia militar é uma forma de institucionalizar a «máquina de
guerra», retirando-a de seu contexto nômade. O exército e as instituições militares não são,
para esses autores, «quinas de guerra», mas, sim, formas em que as potências coletivas são
apropriadas pelo Estado. Sua tese está fundada em três axiomas: I A máquina de guerra é
exterior ao aparelho de Estado (DELEUZE e GUATTARI, 2002, pp. 359-384); II – A máquina
de guerra é uma invenção dos nômades (na medida em que é exterior ao aparelho de Estado e
diferente da instituição militar). Como tal, a máquina de guerra nômade tem três aspectos, um
espaço-geográfico, um aspecto aritmético ou algébrico, um aspecto afetivo. (Ibid., pp. 384-415)
III A máquina de guerra nômade é como a forma de expressão, da qual as metalurgias itinerante
seriam as formas de conteúdo correlativa(Ibid., pp. 415-422. Aqui os autores buscam demonstrar
a conexão entre os povos nômades e o desenvolvimento tecnológico da metalurgia, especialmente
a metalurgias bélica, que se caracteriza por uma escie de imancia tecnológica, isto é, as
transformações do metal em armas de guerra não pressupõe transformações segmentadas, pois
se processam por um fio contínuo – phylum – de transformações). A «máquina de guerra» é
concebida como uma invenção nômade, para a ocupação do espaço «lis. A guerra somente se
apresenta para aniquilar as forças do Estado, destruir a forma-Estado. Quando o Estado captura
a «máquina de guerra», há uma mudança de natureza e ela é agenciada contra os nômades, os
destruidores da forma-Estado. Nesta condição, servindo à guerra dos Estados, ela deixa de ser a
quina dos justos. Por outro lado, contudo, a «quina de guerra» não tem a guerra por objeto
(Ibid., pp. 417-418).
143
pensar em proceder à evolução de um sistema de «proximidad
95
para um
sistema de «simetria de representaçõe
96
, evolução essa que evita perda de
energia coletiva na negocião com o reconhecimento do grupo ou de seu
correlativo na representação unitária do espaço-empresa. Isso permitirá
que se queimem etapas, e se possa centrar nas reivindicações mesmas,
isto é, facilita a que os trabalhadores se dediquem diretamente à própria
reivindicação material de seus direitos sociais e econômicos.
O próprio reconhecimento da representação unitária na empresa-
rede pode ser instrumentalizado como concessão, e, desse modo, ser servir
como contrapartida, para a redução de direitos do trabalho.
A necessidade de uma «simetria de representações» faz lembrar - ao
excluir da negociação o tema da representação mesma - que a dualidade
de representação contemporânea se configura em um espaço-empresa que
se concebeantes de tudo como o lugar no qual se desenvolvem relações
de poder entre sujeitos coletivos nas quais se integram as dimensões
individuais e coletivas dos trabalhadores frente ao interesse do empresário
e da organização que dirige (...) Como em todo espaço de poder, o aspecto
da coão e da sujeição das pessoas é decisiva
97
. Em outras palavras,
o espaço-empresa da empresa imaterial, não é um espaço dialógico, de
procura de um consenso racional, mas um plano em que o trabalho sujeitado
se confronta ao poder constituído do capital, plano que condiciona todas as
ordens de considerações que se façam com relação ao tema.
Não obstante, na evolução da passagem de um sistema puramente
negocial a um sistema legal flexível, o que é importante fixar, em
termos de uma articulação multitudinária da representação dual, é que,
mais importante que formalizar legislativamente o correlativo sujeito
do trabalho da empresa deslocada, reticular e desmaterializada, é que o
reconhecimento jurídico desse sujeito não se veja condicionado à vontade
95 Segundo Monereo e Molina, grosso modo, há “3 regras gerais que caracterizam o atual modelo
legislativo (espanhol) de ordenação das formas de representão dos interesses dos trabalhadores
nos lugares de trabalho (...) a saber: 1ª preferência do legislador pelo exercício das concorrências
de representação e/ou participação na gestão da empresa, legalmente previstas, através das
estruturas representativas constituídas nos centros de trabalho; (...) 2ª Normatização das estruturas
orgânicas de representão e participação no âmbito da empresa em grupo mediante a técnica da
remissão legislativa à autonomia coletiva ; (...) 3ª Princípio de incentivo à sindicalização da ação
coletiva nos grupos, através de uma regra de remissão, não explícita, mas implícita à autonomia
organizativa e de ação do sindicato”. Cfr. MONEREO e MOLINA, 2002, pp. 103-110.
96 Monereo e Molina defendem um sistema que regule expressa e diretamente a representação dos
interesses dos trabalhadores nos grupos de empresa, evoluindo do modelo de auto-regulação a
um regime legislativo promocional flexível. Cfr. Ibid., p. 113.
97 Cfr. BAYLOS, 2004(b), p. 101
144
negocial do empresário. Há um adicional qualitativo entre um modelo
que imponha uma simetria, desde fora, e outro que se caracterize pela
não-intervenção e pela promoção de uma liberdade absoluta quanto às
formas de reconhecimento jurídico, inclusive em relação à ação unitária
das forças do trabalho na empresa. É preciso que a dualidade, no marco
de uma «presentação multitudinária», seja uma combinatória livre, um
deslocamento fldo no medium e não uma medião, seja essa medião
levada a efeito pela lei, seja pelo princípio do discurso jurídico.
O que se sustenta, portanto, é que a dualidade jurídica do sujeito
coletivo tem de ser nômade e que se apresente como a dualidade entre o
«comum» e a produção
98
, refutando a dualidade sedentária da representação,
que paralisa a dinâmica de ação dentro da empresa e estabiliza segmentos
sem «conexões» entre a representação interna (organização no local de
trabalho) e a externa (sindical), interditando as «conexões» entre o trabalho
e a vida do trabalhador.
O estatuto da «presentação multitudinária» da «multidão» é
profundamente «biopolítico» e não se restringe à empresa – mesmo ao se
considerar a empresa deslocalizada e imaterial. Este novo estatuto tem de
se deslocar para todos os lugares das lutas sociais. Observam Negri e Hardt
que, até hoje, “as lutas mais inovadoras dos agricultores, por exemplo, as da
‘Conféderation Paysanne’ francesa ou o ‘Movimento Sem Terra’
99
do Brasil,
não são lutas fechadas, limitadas a um só setor da população; na verdade,
abrem novas perspectivas para todos em questões tais como a ecologia, a
pobreza, as economias sustentáveis, e em todos os aspectos da vida”
100
.
98 Sublinham Negri e Hardt que hoje “esta relação dual entre a produção e o «comum» – o
«comum» produzido e também produtivo – é código para a compreensão de toda atividade social
e econômica”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 232
99 É interessante assinalar o trabalho inédito de Virginia Leite Henrique, sobre o MST como paradigma
do movimento sindical. É especialmente destacável a seguinte conclusão de seu estudo: “Para fazer
frente à nova reorganização produtiva que afasta o trabalhador do sindicato e, ainda, ao desemprego
e à informalidade que não somente distanciam, mas também excluem o trabalhador de qualquer
representação sindical, se propõe fundada na experiência do MST, uma nova roupa ao sindicato:
de abertura, de inclusão e de agregação daqueles já excluídos pelo modo de produção vigente.
Que o sindicato olhe a outra cara da globalização: a da inclusão e união, no lugar da dispersão
e fragmentação. Como conseqüência de tal abertura para novos membros, deverá sustentar nova
reivindicações, tornando-se a voz dos cidadãos, e não apenas dos trabalhadores formais. Se
propõe, pois, que dentro dos sindicatos não se façam divisões, não se façam exclusões, não se
façam categorizações, que o sindicato, ou o nome que lhe queiram dar, seja representante de todos,
empregados, desempregados, aposentados, já que todos são fruto da mesma exploração e, portanto,
germes da transformação social. Retomemos o velho Marx, globalizado... e o fantasma se alastrará
pelo mundo”. Cfr. A organização dó MST como paradigma para ou movimento sindical não o
Brasil - Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2005, p. 231.
100 Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d) pp. 155-168
145
Nossos autores observam, ainda, que nos “países capitalistas
dominantes se lhes concedeu (aos sindicatos) um estatuto legal e
constitucional a troco de que se dedicassem exclusivamente às questões
econômicas do posto de trabalho e à negociação salarial, e renunciassem
às reivindicações sociais e políticas. No paradigma do trabalho imaterial,
no entanto, conforme a produção se faz cada vez mais biopolítica, esta
consideração isolada das questões econômicas tem cada vez menos
sentido”
101
.
Em resumo, o reconhecimento jurídico do sujeito coletivo não se
opera em código de uma aptidão jurídica para representar, nem mesmo
como aptidão legítima para tanto, e, sim, enquanto apetite concupisvel de
«presentação» da «multidão», enquanto seu impulso instintivo e imanente
para a potência – «conatus»
102
-, que não se limita ao espaço-empresa,
mas parte desde a produção do «comum» para a vida. Enfim, antes que
representação é performance.
6. Conclusões
1. No marco da «multidão» é mais operativo falar-se em «organização
da presentação» que da representação. Aqui, «organização» é entendida
como «ordem-desordem-interação-organizaçã, isto é, como uma
organização complexa, uma nova ordem dos trabalhadores que não exclui
o caos sindical, como uma organização essencialmente relacional e de
interação, na qual a máxima complexidade da desordem sindical conterá a
ordem, e a extrema complexidade da ordem conterá a desordem.
2. A hipercomplexidade da «presentação» nômade dos coletivos
produtores pode ser operada desde a «dupla articulação» entre
«descentralizão consistente» e «transversalidade presentant.
3. Não se trata de fomentar a concorrência representativa em
busca de uma ‘singular posição jurídica, mas de não intervir na posição
jurídica dos fluxos das singularidades trabalhadoras. Se por um lado, a
maior representatividade é um conceito transcendente, por outro, a
singular posição jurídica’ é sedentária, procede à estagnação dos poderes
101 Cfr. Ibid., p. 168
102 Conatus, us, significa esforço, empenho, impulso, tentativa. Cfr. SARAIVA, 2000, p. 265.
Segundo Deleuze, para Spinoza, a ‘essência’ é um grau de ‘potência, e é determinado como
«conatus» logo ‘apetite’ ou disposição para preservar a existência, para perseverar na existência.
Em outra determinão, o «conatus» é a tendência para manter e abrir ao máximo a aptidão -
«aptus» - para ser afetado pela potência. Cfr. DELEUZE, 2002, p. 104.
146
constituídos da representatividade. Antes que falar-se em concorrência,
melhor é agenciar formas de co-ocorrência sindical.
4. O essencial na operação de um sistema de representação dual
dos sujeitos coletivos do trabalho, para não se perder de vista a riqueza da
complexidade e da multiplicidade da «multidão» produtora, é justamente
explorar essa dualidade, não como disjuntiva ou dilema, mas como
alternativas no plural, como combinatórias, sem perder a necessidade
pragmática de coesão e consistência. A representação unitária no local de
trabalho tem um potencial importante, justamente no sentido de agenciar
a unidade da classe nos lugares de trabalho, unidade essa que se apresenta
enquanto unidade consistente.
5. O reconhecimento jurídico do sujeito coletivo não se opera em
chave de uma aptidão jurídica para representar, nem mesmo de uma
aptidão legítima para tanto, e sim enquanto apetite concupiscível de
«presentação» da «multidão», seu impulso instintivo e imanente para a
potência – «conatus» -, que não se limita ao espaço-empresa, mas parte da
produção em «comum» para a vida. Enfim, antes mesmo que representação
é performance.
147
HUMANIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO DIREITO PARA
DAR-LHE O SEU VERDADEIRO SENTIDO.
José Gomes da Silva
Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor
adjunto da Faculdade de Direito da UFGD.
Sumário: 1. A justiça e o homem. 2. Os sentimentos humanos, o direito e os juízes. 3. O
homem comum e a justiça. 4. O justo e o efi caz. 5. Conclusão.
1. A justiça e o homem
O homem normal tem por vocação não viver só; necessário que
haja cooperação mútua. Aristóteles já dizia que o homem é por natureza
um animal político, destinado a viver em sociedade, não só em vista da
existência material, mas, sobretudo, em vista da vida feliz.
1
Ninguém é
feliz sozinho; o homem solirio, que nada precisa por bastar-se a si próprio
é um bruto ou um deus.
2
Na comunidade o homem atinge a realização de sua natureza; nesse
plano, situa-se no diálogo; no plano individual é livre para comportar-se
como melhor lhe pareça, atuando sempre, num e noutro plano, uma virtude
moral, centro de qualquer discussão ética.
Regrar a vida em sociedade constitui a finalidade do Direito, algo
concreto dirigido ao homem, e não a um alheamento do espírito. É, pois,
o Direito, criação do homem que a ordem legal reconhece e defende como
título jurídico que acompanha todo ser humano.
A lei, enquanto justiça legal, é feita pelo homem e para o homem;
logo, ele tem o dever de cumpri-la. Esse dever é o viver justamente e o
1 ARISTÓTELES. A Política. Trad. Mário da Gama Kury. 3. ed. Bralia: UnB, 1999. E “Não é
bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.” (Gênesis 2:18).
2 Tomás de Aquino afirma que o ser humano é, por natureza, animal social e político, vivendo em
multidão, mais que os outros animais, evidenciando, assim, sua natural necessidade. Por isso, os
conflitos de interesses avolumam-se com maior complexidade, à medida que aumenta a população.
148
praticar todas as virtudes. Homem justo é o que obedece a lei, respeitando
a igualdade; injusto é aquele que não se conforma com a lei e trata
desigualmente os iguais.
3
É uma disposição subjetiva que se forma com o
esforço de cumprir seus deveres legais perante a sociedade.
O homem é um ser livre. Não simplesmente na racionalidade ou na
imortalidade, mas na prerrogativa de se autocriticar livremente. Liberdade é
um poder de ação. O homem “é o único ser que livremente pode ser mais do
que já é por natureza. Não no sentido de que seja causa eficiente de si e que
possa tirar a si mesmo do nada. Uma vez constituído na sua essencialidade
básica de ser e existir, o homem continua inacabado, imperfeito, mas
dispondo de larga margem de perfectibilidade e acabamento”.
4
Essa liberdade faz do cidadão o responsável por suas ações que po-
dem ser moralmente justas ou injustas quando praticadas voluntariamente,
eis que as ações involuntárias não são justas nem injustas, são acidentais
ou meras fatalidades. A subjetividade é que dá o caráter voluntário ou
involuntário. Quando involuntariamente se mata uma pessoa, o ato é
objetivamente injusto, mas não se está cometendo subjetivamente uma
ação injusta
5
ou imoral.
A natureza compele os homens a associarem-se. Por saberem
discernir o bem do mal, o justo do injusto, ou outros sentimentos da mesma
ordem, têm em mãos as armas que a natureza lhes dá: a prudência e a
virtude. Sem virtude, é o homem o mais ímpio e o mais feroz de todos os
animais.
6
O legislador, responsável pela criação das normas de comportamen-
to, deve sempre levar em consideração que o Direito é propriamente humano
e assumir o compromisso com a verdade das coisas e com o progresso da
justiça. A ordem jurídica é estabelecida não pelo arbítrio dos governantes,
mas na necessidade de se administrar os problemas que afligem as pessoas,
baseada em critérios éticos independentes do poder pessoal ou coletivo.
3 É certo que tratar igualmente a todos pode ser causa de grandes injustiças. O Código de Defesa
do Consumidor, por exemplo, consagra uma séria de medidas protetivas ao consumidor, vedando
a inserção de cláusulas abusivas e a possibilidade de inversão do ônus da prova, em aparente
desigualdade entre os direitos deste e do fornecedor, tudo em nome do poder econômico ou
conhecimento técnico que este possui em face daquele.
4 PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. A dignidade do homem. Trad. de Luiz Feracine.
Edições GRD, 1988, p.XXIV.
5 PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p. 34.
6 CALMON DE PASSOS, J.J. diz que “O homem foi criado com a capacidade demoníaca de ser
pior do que as feras, mas, também, com a capacidade extraordinária de ser maior do que os anjos”.
(4º Congresso de Processo Civil e Direito Civil realizado em Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, em mao de 2005).
149
A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, inspirando-se em
diversos autores, ensina que com as crescentes modificações sociais
e políticas pelas quais passa o mundo atual, dentre outras a crescente
massificação das relações jurídicas e o reconhecimento de que nessas
relações nem sempre há paridade entre os sujeitos, o legislador é incapaz de
acompanhar a evolução das instituições jurídicas, tal qual impõe a sociedade
moderna. Preocupa-se, como observa a Professora, “o legislador, por isso,
em elaborar normas que explicitem os objetivos de um determinado sistema
(ou microssistema) jurídico, não mais se limitando a regular condutas.
Eros Roberto Grau denomina estas normas de normas-objetivo, que são
normas que explicitam resultados e fins em relação a cuja realização
estão comprometidas outras normas, estas de conduta e de organização.
Paralelamente à incrementação dessas normas-objetivo, constata-se que a
complexidade das relações jurídicas e a rapidez das modificações que tais
relações experimentam impõe o surgimento de normas jurídicas ainda mais
gerais, que trazem em seu bojo noções de conteúdo variável (de conceito
vago ou indeterminado), a fim de possibilitar ao órgão jurisdicional aplicar a
norma jurídica em atenção às particularidades de cada caso, particularidades
estas insuscetíveis de serem reguladas minudentemente pelo legislador. Se,
como afirmou Chaïm Perelman, ‘o recurso a uma noção vaga ou confusa
aumenta, por esse próprio fato, o poder de interpretação daquele que deve
aplicá-la, intensifica-se, desse modo, o grau de participação do juiz na
resolução dos litígios, porquanto este não mais se limita a simplesmente
indicar a solução legal antecipadamente prevista no ordenamento jurídico
para a solução de um problema. Assiste-se, assim, a um fenômeno que
não pode ser desprezado, em boa dose decorrente da evolução da noção
de Estado e de sua função desde o Estado liberal, passando pelo Estado
social até chegar, hodiernamente, ao que se denomina Estado democrático,
consistente num ‘salto de qualidade’ da atividade jurisdicional: se antes era
essencialmente ressarcitória, o Poder Judiciário é chamado, cada vez mais,
a certificar que as obrigações executadas judicialmente correspondem,
sempre que possível, a exatamente aquilo que era devido.
7
Por sua vez, o juiz, ao proferir sua sentença, deve propugnar os
valores humanos postos em jogo, prescindir de razões abstratas e vazias
de lógica, elegendo caminhos verdadeiros que conduzam a humanização
do direito.
8
7 Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 72-73.
8 FARINA, Juan M. Justicia ficción y realidad. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 221-222
(tradução livre).
150
O menosprezo pelos valores humanos torna o direito sem sentido,
por subestimar o sentido que se deve dar a vida dos homens. Não se admite
um direito que se esquece da importância que a realização dos valores tem
(ou deve ter) em toda vida humana.
Inspirando-se em Jesús Ballesteros e Bérgson, Juan M. Farina
9
lembra que a ordem jurídica é algo que só tem sentido quando se relaciona
com o ser humano. É uma ordem vital e não uma ordem geométrica, inerte
e automática.
Não basta ao juiz um profundo conhecimento teórico da lei e da
jurisprudência. É certo que a formação pode contribuir, mas além da
vocação, é essencial prudência, paciência, sensibilidade e bom senso
10
para reconhecer o que é justo a uma composição satisfatória do litígio e
revesti-la de roupagem jurídica.
11
Sendo impossível à lei prever toda a variedade de casos que surgem
no dia-a-dia da vida do cidadão, as omissões devem ser corrigidas pelo
aplicador, desempenhando, para tanto, uma função de complemento de
virtude da justiça que é a equidade, ora flexibilizando, ora temperando
a rigidez da norma, ora adaptando o fato ao seu conteúdo, sempre com
o escopo de determinar o que é justo em cada situação particular. Vale
lembrar a advertência de Aristóteles: “Chama-se julgamento a aplicação
do que é justo.
12
Não se quer com isso dizer que o juiz não está vinculado à lei.
Os objetivos dessa vinculação, que abrange também a doutrina e a
jurisprudência, são inerentes ao Estado de Direito, com vistas a gerar uma
jurisprudência iterativa e uniforme.
13
Como diz a Professora Teresa Arruda
Alvim Wambier: “Assim, diríamos que a vinculação do juiz à lei se amolda
por meio da doutrina e da jurisprudência, como se estes dois elementos
desempenhassem uma função de ‘engate lógico’ entre a lei e os fatos.
14
9 Ob. e p. cits.
10 Bom senso é a aplicação da razão que o órgão judicante deve ter para julgar os casos particulares,
buscando a justiça. É a chamada prudência objetiva, exigida pelo conjunto das circunstâncias
fático-axiológicas, que deve ter o aplicador do direito, ou melhor, o poder competente para criar
normas aplicando outras. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998,
p. 429, v. I).
11 A independência do juiz também é um dos postulados das culturas jurídicas modernas.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 100.
12 A Polít ica. Trad. de Nestor Silveira Chaves. Edipro, 1995, p.15.
13 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 100.
14 Ob. e p. cits. A mencionada autora, citando Niklas Luhman, diz: “O Juiz permanece vinculado à lei
151
Obter-se-á uma justiça boa com bons juízes, ainda que não sejam
boas as leis. As deficiências destas podem ser superadas com critério
jurídico e com a capacidade intelectual dos juízes que as aplicam, mas as
deficiências destes tornam negativas as vantagens de boas leis. No panorama
jurídico atual, muito mais importante é a marcha acelerada dos processos
que eruditos fundamentos contidos na sentença. Se os jurisdicionados
puderem escolher entre justiça rápida e boa ou justiça lenta, mas culta,
certamente escolherão a primeira.
15
Essa preocupação com a endêmica demora na prestação jurisdicio-
nal, fator de fortes críticas, não sensibilizou o legislador constituinte de
1988, tanto que não só ampliou o acesso à justiça, mas agregou positivamente
que ela deve se dar em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da Constituição
Federal).
Com isso, tornou induvidoso que o direito do cidao ao processo,
como método apto à composição do conflito de interesses qualificado
por uma pretensão resistida, “passou a ser recepcionado como um direito
subjetivo constitucional, que poderá levar o Estado a indenizar pelo atraso
injustificado da prestação jurisdicional”.
16
E essa posição constitucional consubstancia-se no regime demo-
crático de direito, privilégios concedidos à dignidade da pessoa humana e
que corresponde à aspiração maior da sua existência.
Atentar contra a dignidade humana deve ser repelida com veemên-
cia, sendo obrigação de todos lutar contra situações desumanas, como o
trabalho escravo, a exploração infantil, a insuficiência de moradia, a falta
de saneamento básico etc.
Sobre os direitos fundamentais do homem José Afonso da Silva
17
preleciona, inspirando-se em Pérez Luño, que se referem “a princípios que
resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada
ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo,
aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.
– mas justamente não à legislação. Evidentemente, regras genericamente válidas continuam sendo
indispensáveis no sistema. No entanto, a legislação e a jurisprudência participam do processo da
formação e da modificação, da condensação e da confirmação de regras genericamente válidas.
(Ob. cit., p. 100-101).
15 DEVIS ECHANA, Hernando. Teoría general del proceso. 2. ed. Buenos Aires: Editorial
Universidad, 1997, p.127.
16 PAVAN, Dorival Renato O princípio da efetividade e as modificações na execução por título
extrajudicial: Lei 11.382/2006, RePro n. 155/154-194, jan/2008.
17 Curso de Direito Constitucional Positivo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 159.
152
2. Os sentimentos humanos, o direito e os juízes
Na expressão de Juan M. Farina
18
, o juiz não pode deixar de
reconhecer que muitos problemas de conteúdo pecuniário têm origem ou
estão impregnados de grande emotividade, pois, geralmente, os sentimentos
atuam como uma determinante. Do amor pode-se dizer tudo, e não se dizer
nada. Tudo se dissolve no amor, tudo é solúvel para o amor. Resolve-se e
dissolve-se toda a coisa numa espécie de resposta universal, a esperança
de um convívio ideal, a virtude de um mundo de relões amalgamadas. O
ódio separa, o amor une.
Que merecimentos têm as promessas do ser amado quando se desco-
bre que elas não passaram de um engodo para obter vantagens econômicas?
Certamente, a pessoa enganada sofrerá imensurável abalo sentimental.
Podem-se comprar roupas, automóveis, alimentos etc., mas não
o amor e a amizade. Casa-se por dinheiro, mas esse matrimônio não é
verdadeiro. O sexo está à venda, mas não conduz a uma relação sincera.
Quem crê que o sexo está moralmente ligado ao amor e ao matrimônio,
inclina-se a proibir a prostituição.
Dom Paulo Evaristo Arns abordando sobre a relação direito/justiça e
conceituando caridade cristã diz que no amor baseia-se toda a justiça, toda a
verdade e toda solidariedade. O conceito de amor é amplo a ponto de Jesus,
respondendo a pergunta de um judeu sobre qual o maior dos mandamentos,
respondeu: “Amarás a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com
toda a tua força e, acima de tudo, ao teu próximo como a ti mesmo. Nisto
consistem a lei e os profetas.
Então, conclui o Arcebispo, “é o amor que engloba a justiça e não o
contrário”.
19
O amor é um sentimento; os sentimentos não podem ser qualificados
como bens susceveis de apreciação pecuniária e, portanto, objeto de um
contrato.
3. O homem comum e a justiça
A dignidade do homem é considerada como valor supremo do
ordenamento jurídico (art. 1º, III, da CF). Esta concepção conduz ao
18 Ob. cit., p. 225-226.
19 Uma nova ética para o juiz. Obra coletiva. NALINI, José Renato (Coord.) São Paulo: RT, 1994,
p. 174.
153
fundamento da ordem política, da paz e da justiça no mundo. A dignidade
da pessoa humana deve atuar como freio frente ao exercício abusivo dos
direitos.
20
O homem comum ao defrontar-se com uma demanda (seja como
autor ou como réu), se sujeita a um estado de submissão pelo temor do
desconhecido e pelo sentimento de respeito ou reverência diante da
autoridade. O órgão e o aparato judicial lhe são algo estranhos; a linguagem,
incomum. Juízes, advogados, representantes do Ministério Público e
funcionários são os que falam, escrevem ou digitam a realidade existencial.
O que ali ficou escrito é o que vale; o que não ficou, não existe.
É difícil para o homem comum entender isso, pois como cidao
livre, participa da comunidade e das decisões relativas aos assuntos comuns
do seu convívio. Tem vaga idéia do funcionamento do aparelho judicial,
embora se considere protegido por algo ideal, que é o Direito.
O Direito é formado por normas, não por seres humanos e, portanto,
independe de abusos e defeitos dos seres humanos. Quando esses valores
não se realizam, não falha o Direito, mas os humanos que os aplicam.
21
Anota Juan M. Farina
22
, inspirando-se em Cichello, que um Código
não é um conjunto de frases, senão o Direito compilado e obrigado, assim,
a produzir um resultado mágico: segurança, justiça, ordem, paz etc, e a
criação e invocação desse ser místico chamado Direito, não produz, não
gera, não causa, não garante nenhum dos ‘valores jurídicos’ necessários.
Pode-se, então, afirmar, que o resultado mágico esperado é produzido
por quem o aplica. Sem perder de vista a realidade sócio-jurídica, nem se
utilizando método mecânico, como nas ciências exatas, o mister é solucionar
o problema dentro da diversificada contingência dos fatos humanos. Não
uma solução qualquer, mas aquela preocupada com a finalidade da regra,
a consecução da justiça.
O estetoscópio é, para o médico, seu principal instrumento de
trabalho; para o advogado, como aplicador do Direito, é toda legislação,
ai incluídos os Códigos e, principalmente, a lei máxima, auferindo deles a
melhor potencialidade a favor de seu constituinte, tendo sempre como alvo
a justiça.
O papel do juiz é, hodiernamente, relevante. Deve exercer sua cida-
20 FARINA, Juan M. Ob. cit., p.227.
21 Ob.e p. cits.
22 Idem, p. 230.
154
dania em plenitude, comportar-se de maneira ilibada, condizente com a
dignidade do cargo que exerce para espelhar modelo de conduta, dedicado
e assíduo ao trabalho, dar o máximo de si e não negligenciar na solução dos
problemas. Com devoção, int romete-se nos fatos da causa para compreendê-
los e atuar com determinação na produção da prova, até encontrar alternativa
adequada à verdadeira solução do litígio, fundamentando, com segurança e
suficiência seus provimentos, mantendo a paz jurídica.
Da função não se pode embriagar, permitindo que a toga lhe confira
prepotência e submeta os jurisdicionados, transformando-os em vassalos,
o gabinete em seu trono e a Comarca em seu reino.
Não são raros os maus exemplos que se vêem por ai. Há juízes que
baixam ordens de serviço violando regras processuais, como, por exemplo,
exigir que os cônjuges, na separação consensual, assinem a petição em
sua presença, quando já reconhecida por tabelião
23
; outros se recusam
terminantemente em receber advogados em seu gabinete de trabalho
24
,
esquecendo-se que, ex vi legis, juiz e advogado estão inseridos no mesmo
plano hierárquico
25
; há também aqueles que, por alguma dificuldade de
relacionamento (juiz-advogado), o que é próprio da natureza humana,
por qualquer motivo reputa comportamento atentatório ao exercício da
jurisdição e impõe sanção pecuniária à parte, como meio indireto de
atingir o advogado não abrangido pelo parágrafo único do art. 14 do CPC;
e também aqueles que proíbem o acesso de pessoas com roupas esportivas,
camisetas regatas ou de times de futebol e bermudas às dependências do
fórum, porque entendem que esses trajes são incompatíveis com a dignidade
do ambiente, esquecendo-se, porém, de que os excluídos da sociedade têm
como única peça de roupa para vestir aquela camiseta regata e/ou aquela
bermuda porque as ganhou de uma instituição de caridade no Natal, ou em
de um político em época de eleição.
23 Dise o § 4º, do art. 34, da Lei n. 6.515, de 26.12.77: “As assinaturas, quando não lançadas na
presença do juiz, serão, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião.” Igualmente, o disposto no
art. 1.120, § 2º, do CPC.
24 A letra VIII, do inciso VI, do art. 7º, do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906, de 04.07.1994),
dentre outros, estabelece que é direito do advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados
nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horio previamente marcado ou outra
condição, observando-se a ordem de chegada.” E pior: Há aqueles que, mesmo sem ler, dizem em
tom de prepotência: vou indeferir sua petição, doutor!
25 A advocacia é a única profissão que possui status constitucional, por força do art. 133
da Constituição Federal. Dessa forma, sendo indispensável à administração da Justiça, a
Constituição alinha o advogado à magistratura e ao Ministério Público, daí porque o Estatuto da
Advocacia e da OAB dise que “no seu minisrio privado, o advogado presta serviço público e
exerce função social”.
155
O juiz é médico capaz de identificar, a partir dos sintomas, a
enfermidade que aflige o paciente, e receitar o remédio apropriado para o
completo restabelecimento do doente.
Nesse diapasão, o juiz não pode errar
26
; o seu erro produz injustiça,
trás insegurança e indignação na comunidade, “prato cheio” para os
veículos de comunicação. Mas isso não é motivo para exagerar no apego à
perfeição; o erro razoável, qualquer ser humano não está imune de cometê-
lo, basta ter a coragem de penitenciar-se e encontrar meios para corrigi-lo.
Deve fazer da humildade a sua referência e a revisão de seus equívocos
não o tornará submisso e nem indicará insegurança ou fraqueza em suas
posições. A postura de humildade, apenas engrandecerá a sua pessoa.
Propugnar, em todos os casos, por uma interpretação jurídica que
conduza à conclusão mais justa do problema que lhe foi submetido para
solucionar.
27
A sua formação jurídica, ética e filosófica lhe permitirá atuar
com critério, prudência e eqüidade.
Decidir com eqüidade
28
sim. A sentença proferida com eqüidade
predispõe conferir correta interpretação da norma jurídica, proporcionando
um sentido moral à decisão e evita que se consagrem abusos em prejuízo
de um ou de ambos os demandantes.
29
Muitas vezes invocam-se razões
processuais para rechaçar o processo, quando possível sanar a deficiência
30
,
pois isto é contrário ao mais elementar princípio de justiça.
26 No exercício da jurisdição, o juiz não está imune a erros. Deve, no entanto, ter a coragem de
assumi-los e corrigi-los.
27 SICHES, Luís Recans. Tratado general de filosofia del derecho. 9. ed. México: Porrúa, 1986,
p. 647 e 660.
28 A proibição de que o juiz decida por eqüidade, salvo quando autorizado por lei, significa que
o haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não
de ser entendida, entretanto, como vedado se busque alcaar a justiça no caso concreto, com
atenção ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução.” (RSTJ 83/168).
29 Decisão por eqüidade significa abrandar o rigor excessivo da lei positiva. “A eqüidade não destrói
a lei, pelo contrário, a completa. Por isso, Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirma que o
eqüitativo é também justo e vale mais do que o justo em determinadas circunstâncias. É uma feliz
retificação da justiça rigorosamente legal. A aplicação extremamente rigorosa de normas inflexíveis
e invariáveis, não temperadas pela eqüidade, pode resultar em extrema injustiça.” (ACQUAVIVA,
Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro, apud VIOLANTE, Carlos Alberto M. S. M.. Lei
de Introdução ao Código Civil. Copola Editora, 2000, p. 37). É grande o arbítrio judicial ao se
decidir por eqüidade, mas o juiz estará sempre circunscrito ao respeito àqueles princípios que regem
o sistema jurídico brasileiro, de onde irá extrair a norma a aplicar ao caso concreto. (SANTOS,
Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civi, p. 13, v. III. Na expressão de Gabriel
de REZENDE FILHO, “o juiz será, então, como que intérprete da consciência do povo”. Curso de
Direito Processual Civil.6. ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 13, v. III.
30 O indeferimento sumário destrói a esperaa da parte e obstaculiza o acesso à via judicial,
constituindo desprestígio para o Judiciário. (RSTJ 110/96).
156
O juiz não está para a lei como o prisioneiro para o cárcere. Na
sua função jurisdicional, ao aplicar a norma jurídica ao caso concreto,
deve observar os “fins sociais a que a lei se destina” (art. 5º, da Lei de
Introdução ao Código Civil) e, conseqüentemente, dar forma à letra fria da
lei, transformando-a numa obra de justiça, de sensibilidade, de sabedoria
e de caridade. Diante da letra injusta da lei, prevalece a sabedoria, o bom
senso e a verdade.
31
Não se quer com isso dizer que o juiz tem liberdade de decidir
subjetivamente. A fase de arbitrariedade já não mais existe. A obrigação
de motivar a decisão, dando as razões em que seu espírito assentou o
convencimento, não vai ao artrio, pois a liberdade que tem para formá-
lo (o convencimento) será exercida com respeito e condições que a lei lhe
impõe.
32
Mas terá o juiz de ser criativo, reconhecendo princípios universais e
direitos fundamentais assim considerados pelo padrão mundial. Em outras
palavras: o juiz deve decidir com base nos princípios constitucionais, sem
ignorar pametros mundiais, respeitando o povo cidadão
33
e os direitos
constitucionais.
34
Isso não acontece em países onde não são reconhecidos princípios e
direitos fundamentais. Nesses países, o juiz não está autorizado a afastar o
31 FUX, Luiz. Juizados Especiais – um sonho de justiça. RePro 90/151-158.
32 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 381, v.II.
33 Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o conceito de cidao, a exemplo da concepção
dos mestres de Coimbra, é a pessoa humana no gozo pleno de seus direitos constitucionais e
o única e exclusivamente ‘nacional no gozo de seus direitos políticos’. O cidadão brasileiro,
portanto, possui igual dignidade social independentemente da sua inserção econômica, social,
cultural e obviamente política. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, apud
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 91, nota de rodapé n. 159.
34 “A idéia de que os vetores orientativos das valorações do juiz devem ser extraídos do ethos
jurídico dominante na comunidade, cuja fonte de conhecimento, por excelência, são os princípios
constitucionais, aparece de modo claro em Larenz: ‘A bússola das valorações do juiz (ou dos agentes
da Administração) vê-a Zippelius ‘no ethos jurídico dominante na comunidade’ nas ‘concepções
dominantes de justiça’. O éthos jurídico dominante’, não consiste numa soma de processos ao nível
da consciência, mas no conteúdo de consciência de uma multiplicidade de indivíduos; é ‘espírito
objectivo’, no sentido da teoria das camadas de Nicolai Hartmann. Fontes de conhecimento desse
ethos jurídico dominante’ são, antes do mais, os artigos da Constituição relativos a direitos
fundamentais, outras normas jurídicas, e ainda ‘proposições jurídicas fundamentais da actividade
jurisprudencial e da Administração, os usos do tráfego e as instituições da vida social; um ‘uso
tradicional’. A normatividade do ethos jurídico dominante fundamenta-a Zippelius em que, uma
vez que exprime a convicção da maioria, garante um ‘consenso ao máximo abrangente’.” (Apud
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito
direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 95-96).
157
ethos dominante local para empregar princípios universais.
É, por exemplo, o que acontece em muitos países africanos, onde é
prática comum a mutilação de órgãos genitais femininos. Outro exemplo,
o caso das freiras acusadas de participação no genocídio em Ruanda entre
abril e julho de 1994, matando mais de 5.000 refugiados. Foram julgadas
e condenadas na Bélgica, tendo sido considerado o fato, por organizações
internacionais de direitos humanos, como um grande passo para a justiça
internacional.
35
Não é sem razão a inquietude hodierna em busca de uma boa quali-
dade do provimento jurisdicional, sempre em homenagem à proclamação
de uma justiça ideal, econômica e célere.
36
Essa preocupação levou
os estudiosos a revisitar o dogma da coisa julgada, fenômeno até então
intocável, capaz de criar uma outra realidade, a pretexto de perenizar
sentenças injustas, absurdas e inconstitucionais.
A tendência é flexibilizar a res judicata em casos extremos,
sem desvalorizá-la e nem causar danos à tranqüilidade social, como o
ajuizamento de nova demanda investigatória da paternidade, quando a
pretensão anterior foi julgada improcedente.
Não será fácil para o homem da rua compreender que a coisa julgada
está privando o sujeito de ter um pai, quando pai é realmente o investigado,
mas o juiz se convenceu do contrário. Uma vez recolhidas provas novas,
ou havendo indícios de erro ou fraude naquelas produzidas no processo
anterior, é possível a renovação da demanda investigatória para aquietação
social até que sejam exauridos todos os meios de produção de prova, pondo
fim a um estado de incerteza do status familiae do investigante, em respeito
à dignidade da pessoa humana e a igualdade entre todas as categorias de
filhos inseridas na Constituição Federal (§ 6º, inciso VII, do art. 227).
Os Tribunais vêm timidamente admitindo o ajuizamento de nova
demanda investigatória da paternidade quando na anterior, julgada
improcedente por falta de provas, não foi realizado o exame de DNA (ácido
desoxirribonucléico).
37
Mas se há de convir que o exame hematológico pelo
método do DNA não propicia absoluta certeza de vínculo genético entre os
35 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 91-92.
36 Embora parece que os povos contemporâneos estão abrindo mão do valor segurança, em troca de
soluções que atendam mais de perto às efetivas necessidades a que devem responder. WAMBIER,
Teresa Arr uda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e
de ação rescisória. Ob. cit., p. 96.
37 REsp 226.436/PR – 4ª T. STJ. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
158
que submeteram seu sangue a análise, afastando a tecnologia atual desse
meio de prova, a “aura de infalibilidade”, dando-lhe qualidade relativa, e
não excluindo a possibilidade de erro e até mesmo de fraude.
A própria comunidade científica não atribui certeza absoluta ao
exame, estando em evolução os estudos para que se possa afirmar ou negar
a paternidade com exatidão, e um dos maiores problemas enfrentados pela
ciência é a dificuldade de dados sobre a “população de referência”, ou
seja, os fragmentos genéticos do filho, da mãe e do suposto pai, a serem
analisados. É impossível estabelecer qual é a “população de referência”
numa sociedade multtnica.
38
Além disso, diante do inexpressivo número de informações genéticas
que caracteriza relativo grau de probabilidade, o exame é passível de: 1º)
falhas técnicas das etapas do sofisticado procedimento; 2º) descuido e a
troca do material submetido à perícia, alterando os resultados do exame; 3º)
alteração proposital do resultado do exame; 4º) laudo pericial incompleto
e inconsistente.
Não se pode deixar de acrescentar que a legislação brasileira não
es tip ula a q ua nt id ad e de ma te ri al a se r a nal is ado. E m t odo s os pr oce di me nt os
comparam-se trechos do DNA da mãe, do suposto pai e do investigante.
O que importa são os pedaços de DNA analisados. Quanto mais pedaços
examinados, maior o custo e é ai que surge o perigo de erro, que pode
variar de 99,99% (risco de um erro em 10 mil) a 99,999999% (risco de um
erro em 100 milhões).
39
Não são raros os casos de desequilíbrio financeiro entre o suposto
pai e a mãe do investigante. Esta, enfrentando dificuldades para sobreviver;
aquele homem de abastadas posses pode não encontrar obstáculo para que
o resultado da perícia seja adulterado.
Certo que os recursos científicos justificam a possibilidade de
rediscutir a paternidade quando do ajuizamento da primeira demanda o
exame pelo DNA ainda não era disponível, mas não se pode descartar essa
mesma rediscussão quando aquele exame trouxer indícios de fraude, falha
ou erro. A rediscussão é possível em outras demandas investigarias, com
exame pelo DNA na demanda anterior ou não, até que haja razões que
façam prevalecer ou restabelecer a verdade, pois, enquanto desfavorável
aos interesses da filiação, não se pode barrar, sob o dogma da coisa
38 TARUFFO, Michele. Lê prove scientifiche nella recente esperienza statunitense. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Giuffrè. Ano L., n. 1, mao de 1996, p. 226.
39 Fonte: Gene Laboratório. Disponível: www.gene.com.br.
159
julgada, o ajuizamento de nova demanda, vedando a alguém, o direito de
ver reconhecida a sua filiação.
40
O juiz não pode julgar alicerçado na perfeição da lei, ou de acordo
com sua conveniência. A prudência rege as virtudes morais disciplinadoras
das tendências desejáveis.Estes sentimentos, por força da reta norma
da sabedoria prática (orthos logos), são balizados num justo meio-termo
(mesotes): ‘o justo meio das virtudes morais consiste em agir conforme a reta
norma da sabedoria prática.’ Portanto, ‘o justo meio consiste em fazer o que
se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias, em relação às pessoas,
às quais se deve, para o fim devido e como é devido’. Numa palavra, o justo
meio é o dever. Por exemplo, a virtude da coragem modera o medo; ela é
o justo meio-termo entre a covardia e a audácia: modera o medo para que
sejamos firmes diante do obstáculo e não fujamos covardemente; modera
a audácia para que não enfrentemos o perigo atabalhoadamente. A justiça
modera a paixão do lucro, levando-nos a honrar os contratos sem lesão ao
próximo e sem danos pessoais.
41
Esse meio-termo está acima de toda consideração circunstancial e
todo critério subjetivo, porque provém da nat ureza das coisas. O julgamento,
pois, deve ser feito por um imperativo da consciência e por respeito à
Constituição, que assegura julgamento público e decisões fundamentadas
(art. 94, IX, da CF).
Sentença fundamentada é um dos atos de maior importância e
enobrecedor da função judicial, refletor das convicções do julgador e de
sua personalidade profissional, além de constituir uma das garantias aos
jurisdicionados. A fundamentação permite à sociedade em geral o exercício
de um controle externo de acesso às explicações do juiz ao solucionar a
questão neste ou naquele sentido. Sobreleva em importância, porque é por
meio da fundamentação que o juiz demonstra na sentença, quais foram os
elementos fáticos e jurídicos que o levaram à conclusão pela procedência
ou não da pretensão.
A fundamentação apresenta-se como uma oposição ao artrio,
garante o controle democrático difuso e admite as partes conhecer as razões
que conduziram o juiz decidir daquela forma, além de demonstrar os erros,
40 Sobre o tema da flexibilização da coisa julgada, recomenda-se a leitura do livro de autoria dos
Professores WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA José Miguel Garcia. O dogma da coisa
julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 e DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do
Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 220 e segs.
41 PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Ob. cit., p. 26-27.
160
as contradições, a apreciação da prova, e as incoerências eventualmente
existentes na sentença.
A sentença é uma unidade lógico-jurídica, dependente não só do
convencimento no atinente à parte dispositiva, mas, principalmente que
ostente uma substancial coincidência dos fundamentos que permitiram
chegar a conclusão adotada.
42
São suscetíveis de nulidade não só as sentenças infundadas; também
aquelas que não contêm uma exposição suficiente e clara das razões e das
circunstâncias da causa, ou é omissa quanto a uma análise suficiente das
questões debatidas.
Sobre o tema, a Prof. Teresa Arruda Alvim Wambier
43
refere
existirem:...grosso modo, três espécies de vícios intrínsecos das
sentenças, que se reduzem a um só, em última análise: 1. ausência de
fundamentação; 2. deficiência de fundamentação; e 3. ausência de
correlação entre a fundamentação e decisório. Todas são redutíveis à
ausência de fundamentação e geram nulidade da sentença. Isto porque
“fundamentação” deficiente, em rigor, não é fundamentação, e, por
outro lado, “fundamentação” que não tem relação com o decisório não é
fundamentação: pelo menos não o é daquele decisório!
O problema da fundamentação alcança as decisões colegiadas.
Quando dentre os ts juízes, o revisor vota em sentido contrário ao relator,
o segundo vogal deve explicitar porque optou em acompanhar esse ou
aquele voto.
44
Não se pode admitir o jargão: “Voto com o relator.” Tem de
dizer, motivadamente, o que lhe convenceu para acompanhar o relator.
42 Michele Taruffo explica bem essa questão da motivação da sentença. Diz o citado autor que “junto
al control ex ante que se asegura mediante la contradicción hay también una posibilidad de control
ex post que puede ejercerse a través de la motivación de la sentencia. Es conocido, en realidad, que
también la motivación es objeto de una garantia específica, algunas veces formulada por normas
constitucionales, y que su principal función consiste en hacer posible un posterior control sobre las
razones presentadas por el juez como fundamento de la decisión. Es también habitalmente aceptada
la tesis de que la motivación no puede considerarse como una explicación del procedimiento lógico o
psicológico con el que el juez ha llegado a la decisión; es, más bien, la exposición de un razonamiento
justificativo mediante el que el juez muestra que la decisión se funda sobre bases racionales idóneas
para hacerla aceptable. La motivación es, pues, una justificación racional elaborada ex post respecto
de la decisión, cuyo objetivo es, em todo caso, permitir el control sobre la racionalidad de la propia
decisión. Estos princípios generales son válidos también en referencia a la valoración de las pruebas
y al juicio sobre el hecho. No cabe Duda, en realidad, de que también la motivación sobre los
hechos es necesaria, como la motivación sobre el derecho aplicado, precisamente como garantia de
racionalidad y de controlabilidad de la valoración de las pruebas”. La prueba de los hechos. Trad.
de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta, 2002, p. 435.
43 Nulidades do processo e da sentença. 5ª ed. RT, 2004, p.335.
44 Não só o relator deve motivar o voto, mas, também, os demais membros que fizerem parte do
julgamento, como forma de evitar o arbítrio.
161
Somente leis justas devem ser sancionadas, aplicando-as estritamente
o juiz e negando aplicá-las por respeito à justiça, quando injustas. Leis que
violam os princípios essenciais da ordem justa que o Estado deve manter
são injustas e devem ser afastadas por uma magistratura sábia em respeito
à justiça.
45
4. O justo e o efi caz
Todos os operadores do direito não desconhecem a importância da
função jurisdicional, da ação e do processo no seio da sociedade, trilogia
que constitui a estrutura do Direito Processual. Há, no entanto, quem
acrescente uma quarta base estrutural: a defesa.
46
Como a defesa constitui
ato processual de resisncia à demanda, cujo ônus es a cargo do sujeito
passivo, a ausência dela não invalida o processo, podendo-se concluir
que a defesa não integra, obrigatoriamente, a base estrutural do Direito
Processual.
O sujeito tem o direito de obter a prestação da tutela jurisdicional
do Estado e este tem a obrigação de prestá-la, como resposta judicial
tempestiva, adequada e justa.
47
Sendo a jurisdição também um direito
subjetivo público, incumbe ao Estado submeter a ela os seus súditos para
composição de suas controvérsias ou a declaração de seus direitos.
Para alcançar esse objetivo, o Estado reservou uma de suas fuões,
adequando o seu funcionamento, provendo normas positivas de direito
processual para que seus propósitos sejam alcançados.
As normas positivas do direito material resultam ineficazes se não
for possível sua adequada atuação nos casos particulares. Essa atuação é
feita mediante um processo que só atua quando: a) há um órgão qualificado
para conduzi-lo; b) haja normas processuais que lhe dão o caminho para
essa condução.
48
Esse processo oportuniza a prática da justiça, em conformidade
com a razão, a lógica e a verdade.
45 FARINA, Juan M.. Ob. cit., p. 209.
46 DINAMARCO, Cândido R.. Fundamentos do processo civil moderno. S ã o P a u l o : R T , 1 9 8 6 ,
p. 80-83.
47 “Evidentemente, o que cada homem pensa ser justo influi em suas decisões jurídicas. Porém, não
se pode reduzir o fenômeno das decisões jurídicas ao puro intuicionismo.” (MORENO, Fernando
Sainz. Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidad administrativa. Madrid: Civitas,
1986, p. 182, apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio
de recursos de estrito direito e de ação resciria. Ob. cit., p. 21, nota de rodapé n. 17).
48 E CH AN DIA , De vis. Teoría general del proceso. 2. ed. Editorial Universidad, 1997, p. 127.
162
O conceito de justo e injusto, de legal e ilegal, tem diversificado
em cada época da história da humanidade. Permanece intangível o valor
de ideal de justiça. Deve-se a filosofia pitagórica a primeira, antes de
qualquer outra, ainda que não exprimindo a verdade integral, mas pondo
em relevo um aspecto fundamental, o conceito de justa. Para essa escola,
a justiça é, acima de tudo, a correspondência entre termos contrapostos,
assimilando-se ao número quadrado, o igual multiplicado pelo igual, por
devolver o mesmo pelo mesmo, ou com mais precisão, a justiça consiste na
reciprocidade.
49
Platão compreendeu-a como harmonia entre as diversas partes
que compõe o todo. Aristóteles
50
, partindo da definição dos Pitagóricos,
distingue várias espécies de igualdade, com o propósito de aperfeiçoá-la.
Na sua essência, esses elementos são preciosos, mas insuficientes
para defini-la. A idéia de justiça encontra-se enraizada no íntimo do
homem, no seu espírito, no seu ser.
Contrapondo ao que julgavam muitos autores antigos, os modernos
não admitem que a noção de justiça seja resolvida na igualdade. Uma
injustiça repetida igualmente em todos os casos possíveis não se torna, por
isso, em justiça. Conceito tão vasto como o de harmonia, não consegue
definir com perfeição a justiça como regra de vida no sentido ético.
Giorgio Del Vecchio
51
procurando enumerar os elementosgicos da
justiça, afirma que sua essência está na posição objetiva da subjetividade,
resultando na coordenação intersubjetiva. Nessa formulação, diz o autor,
aparecem como elementos característicos: a) a alteridade ou bilateralidade,
própria de toda determinação jurídica, isto é, a consideração simultânea
de vários sujeitos, postos idealmente no mesmo plano e representados, por
assim dizer, um em função do outro; b) a igualdade, que ele atribui também
como paridade, pressupõe entre os participantes de uma mesma relação; c)
a reciprocidade que é uma afirmação e ao mesmo tempo uma limitação
de quem fez a afirmação a outrem,necessariamente afirmada no mesmo
ato”; d) o contracâmbio, como elemento implícito na noção de justiça, o eu
põe-se sob a espécie de alteridade, de forma que o eu e o outro se tornam
entidades fungíveis em razão da essencial objetividade da relação que os
liga; e) remuneração como corolário do princípio de justiça, constitui um
meio de comunicação ou de interferência entre sujeito e sujeito.
49 A justiça. Giorgio Del Vecchio. Trad. de Antônio Pinto de Carvalho. Ed. Saraiva, 1960, p.40-41.
50 Ética a Nimacos. Trad.de Mário da Gama Kury. Ed. UnB, 1999, Livro V.
51 Id em, p.76 -78.
163
Conclui, o citado autor, que contracâmbio e remuneração têm “a
mesma raiz e o mesmo significado transubjetivo: pressupondo um e outro
igualmente um reconhecimento da pessoa, não só em sua entidade abstrata,
como substância dotada de autonomia, mas através de seus compor tamentos
concretos, tais como podem ser apreciados e ponderados por outros. Esta
forma de apreciação ou ponderação objetiva é precisamente imposta pela
justiça, a qual culmina na exigência de que todo sujeito seja reconhecido
(pelos outros) por aquilo que vale, e de que a cada um seja atribuído (pelos
outros) aquilo que lhe compete”.
52
Estes elementos, ainda que imperfeitos, que segundo o autor foram
por ele extraídos por dedução transcendental, representam os lineamentos
básicos de toda possível exposição da justiça no sentido próprio.
Como regra de convivência nas relações intersubjetivas e num sen-
tido específico, a igualdade, a harmonia, a ordem e a proporcionalidade são
formas do justo. Considerando que esses elementos estabelecem uma relação
entre sujeitos, um obrigando-se com o outro e cada qual reconhecendo a
subjetividade alheia, um tendo a obrigação e o outro a faculdade de exigir,
justiça é sinônimo de direito, onde o juiz tenta restabelecer a igualdade, a
harmonia, a ordem e a proporcionalidade. Já num sentido transcendental,
como acontece não com a ciência, mas com as disposições da alma, reina o
imperativo do dever: “não faças a outrem o que não queres que façam a ti.
O direito positivo não é o único direito, nem no fenômeno jurídico
a justiça é absoluta. O ideal de justiça não está no direito positivo, onde
o legislador se esquece de que o fim das leis é o bem comum, mas no
direito natural, onde se encontram os eternos valores do espírito. A justiça
ao tempo em que se repercute em todas as leis, não se esgota em nenhuma.
“Só ela pode, nas horas solenes, impor como dever e sacrifício supremo
infringir e ultrapassar a ordem jurídica positiva, quando esta esteja
irreparavelmente corrompida, a fim de que mediante uma nova ordem
prossiga e se aperfeiçoe aquele processo de verificação e de reivindicação
da mesma justiça, que tem por teatro a história e por fonte indelével e
inexaurível o espírito humano.
53
Como direito positivo, pode-se dizer que justiça eficaz é a verda-
deira justiça, a justiça por excelência, na legalidade, e ineficaz a que se
desvia da legalidade, fora da lei, ou iníqua. Os pensadores cristãos não
consideravam lei se não fosse justa (lex injusta non est lex). Se for justa tem
a qualidade de lei.
52 Ob. e p. cits
53 DEL VECCHIO, Giorgio. A Justiça. Ob. cit., p. 230.
164
Aristóteles propunha que a justiça e a injustiça podem ser entendidas
em muitos sentidos. Para ele, ação justa é um meio termo entre agir
injustamente e ser tratado injustamente, pois no primeiro caso se tem
demais e no segundo se tem muito pouco
54
. A semelhança entre elas é uma
questão de grau, mas conclui que a justiça não pode ser considerada como
uma parte da virtude; é a virtude inteira. Desde a perspectiva da eficácia
da justiçao pode haver meia justiça, mas justiça inteira. Essa afirmação
poderia criticar-se de utópica, já que não há justiça perfeita, como também
não há lei perfeita. Assim, cada época decide o que é justo e o que é injusto,
o que é legal e o que é ilegal, não obstante o valor permanente do ideal de
justiça.
Nas diferentes escolas se têm mantido conceitos de justiça sobre
argumentos filosóficos ou econômicos. Em época mais recente, a doutrina
relaciona-a com outros valores para denominar “o direito justo”. Outras
teorias preferem estudá-la numa perspectiva analítica, histórica ou dialética.
Assim já disseram que a justiça deve ser tratada através da teoria, mas
tamm da prática.
Questiona-se a justiça como paradigma de uma reorganização da
sociedade; às vezes surgem idéias utilitaristas como proclamava Hume: “a
utilidade pública é a única origem da justiça”. Não são em vão os temas
judiciais que se encontram diariamente nos meios de comunicação e
aparecem em variadas publicações em forma de aspectos críticos não
acadêmicos – do funcionamento da justiça, que inquietam a sociedade.
Como se pode ver, são múltiplos os conceitos e bem variados,
dependendo dos distintos ângulos em que cada um se posiciona. Sob a
ótica da proteção estaciona-se ante sua organização; decidindo situar
como justiciáveis a crítica seria subjetiva desde que a perspectiva seja da
igualdade e da liberdade. Como impressão subjetiva da pessoa comumente
empresta um sentimento de agressão às funções do Estado, incluindo os
órgãos policiais e militares como se exercem a justiça. Enfim, a resposta
pode ser plausível: a justiça é eficaz, desde que o sujeito se sinta respaldado
pela eficácia da justiça. Se o seu problema não se resolve com eficácia tem
a sensação de injustiça. Por esse ângulo, crê-se que a justiça se alcança
através do Direito – que no dizer de Ihering “é uma idéia prática”- é possível
chegar a ela através deste, não pelo simples fazer de sua aplicação senão
pela disposição em decidir, dentro de uma perspectiva que seja conveniente
aos interesses da sociedade, salvaguardando seus valores. Propugna-se
54 Ética a Nicômacos. Ob. cit., p. 101.
165
a justiça como um valor em consonância com a liberdade, igualdade e
pluralismo político, não podendo deixar de apontar que a justiça alcança
seu zênite quando atua como valor de valores, e dizer, resulta eficaz
para a salvaguarda da constituição de um Estado Social e Democrático.
Essa eficácia pode ser tanto preventiva como remediadora das atuações
contrárias aos seus valores, não cumpridas por pessoas físicas, jurídicas ou
entidades públicas.
Por outro ângulo, a justiça responde a um comportamento que
pode ser interno e externo. O interno tem lugar quando se crê no próprio
Direito, mas não no órgão judiciário. É um comportamento auto-regulador
da justiça. O comportamento externo se situa nas decisões valorativas dos
jurisdicionados, que têm na sua aplicação a justiça ideal. As indagações
sobre o comportamento externo da justiça são desoladoras e quase sempre
são suscitadas por conhecimentos marcados pela realidade.
Nem todas as decisões judiciais contêm a estampa de justas ou
que estejam corretas, sem contar que, às vezes, por falta de estrutura,
organização, escassez de meios ou por múltiplas circunstâncias, a justiça
é lenta, vacilante, distante do jurisdicionado e anacrônica. Mas, enfim, é a
justiça humana. Sua eficácia ou ineficácia depende do comportamento do
homem, tanto na criação das normas como na sua aplicação.
5. Conclusão
Arrisco a dizer, sem pretensões dogmáticas e filosóficas, que o
exercício da justiça pode dar respostas eficazes ou ineficazes. Decisão
justa é decisão eficaz. É eficaz quando se trata de verdadeira justiça. Não é
eficaz quando escorre por despenhadeiros suspeitos.
55
A principal preocupação não é propriamente com a agilização dos
processos, embora isto tamm seja importante
56
, mas a produção de uma
justiça voltada para as exigências do bem comum realizada num processo
justo e que atenda aos fins sociais, oferecendo a tutela a quem tiver razão.
O juiz deve exercer sua função com humildade, dirigir um processo
polivalente, participar ativamente da prova, analisar cuidadosamente as
questões controvertidas, escolher a interpretação que melhor se coaduna
55 SACRISTÁN, Isidoro Alvarez. La Justicia y su eficácia. M a d r i d : E d i t o r i a l C o l e x , 1 9 9 9 ,
p.15-17.
56 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: Alguns mitos. Temas de Direito
Processual. 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 5
166
com o espírito da norma processual, valorizando-a como regra técnica,
ética e política, mas fazendo sempre prevalecer o valor justiça.
As alternativas até então encontradas, como a tutela antecipada, a
tutela específica das obrigações de dar, de fazer e não fazer, a prejudi-
cialidade da ação consignatória, as alterações no processo de execução, a
naturalização da ação monitória, as modificações no recurso de agravo,
a arbitragem, a opção pela via extrajudicial do inventário e partilha,
separação e divórcio consensuais de que tratam a Lei n. 11.441/2007 etc,
não foram suficientes para solucionar o congestionamento do aparelho judi-
crio, que precisa, antes de mudanças na lei, reestruturar-se, atualizar-se,
modernizar-se socialmente para tornar-se administrativamente eficiente
e politicamente democrático. É preciso extrair do processo a utilidade da
pretensão de direito material deduzida, mas para isso, as modificações no
Judiciário devem começar por sua base, nos juízos de primeiro grau, não
só na lei processual.
Lembrando o pensador italiano Norberto Bobbio
57
, sem direitos do
homem reconhecidos e protegidos, não há democracia e sem democracia
não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.
Daí porque o juiz tem de priorizar a importância do seu papel de garantidor
dos direitos fundamentais, porque a Lei Maior confiou-lhe o poder de
resolver esses conflitos, tanto individuais como coletivos, com a ampliação
dos meios de acesso de proteção jurisdicional à pessoa humana.
57 A Era dos Direitos.16. ed. Campus, 1992, p. 34.
167
LOS DERECHOS SOCIALES Y EL PRINCIPIO DE
IGUALDAD SUSTANCIAL
Luis Prieto Sanchís
Doctor en Derecho por la Universidad Complutense
(1981). Catedrático de Filosofía del Derecho de la Facultad
de Ciencias Jurídicas y Sociales de Toledo (Universidad
de Castilla-La Mancha) (1986). Autor de los siguientes
libros: “Ideología e interpretación jurídica”, Madrid,
1987; “Estudios sobre derechos fundamentales”, Madrid,
1990; “Etica y Política”, Ciudad Real, 1992; “Principios y
Normas. Problemas del razonamiento jurídico”, Madrid,
1992; “Consitucionalismo y Positivismo”, México, 1996 (en
prensa); “Curso de Derecho Eclesiástico”, con I.C.Ibán y A.
Motilla, Madrid, 1991; “Lecciones de Teoría del Derecho”,
con J. Betegón, M. Gascón y J.R. de Páramo, Albacete, 1995.
Sumario: 1.- Los derechos fundamentales y los derechos sociales. 2.- Caracterización de los
derechos sociales: a) Los derechos y las instituciones; b) Los derechos sociales
como derechos prestacionales; c) La titularidad de los derechos; d) Los derechos
sociales como derechos de igualdad; e) El carácter de la obligación; f) La
dimensión objetiva y subjetiva de los derechos. 3.- Una definición convencional.
4.- El principio de igualdad: a) La igualdad y los derechos sociales; b) Las
exigencias de la igualdad; c) La igualdad sustancial o de hecho. 5.- La naturaleza
de los derechos prestacionales: a) El problema de su valor jurídico; b) Dimensión
objetiva; c) Dimensión subjetiva. 6.- Entre la justicia y la política.
Resumen: Se trata de analizar si, más allá de su frecuente invocación retórica, los derechos
sociales generalmente reconocidos en el constitucionalismo contemporaneo
gozan de plena virtualidad jurídica o si, por el contrario, se presentan como meras
promesas políticas incapaces de cimentar posiciones subjetivas exigibles incluso
“contra” la mayoría, tal y como sucede con los derechos civiles y políticos. La
conclusión es, en síntesis, que el régimen devaluado que hoy caracteriza a los
derechos sociales no responde tanto a dificultades de articulación técnica, cuanto
a un designio político que, por otra parte, resulta coherente con la filosofía que se
halla en la base del modelo liberal de Estado de Derecho.
168
1.- Los derechos fundamentales y los derechos sociales.
El reconocimiento de los derechos humanos o fundamentales
en el constitucionalismo de finales del XVIII representa la traslación al
Derecho positivo de la teoría de los derechos naturales elaborada por el
iusnaturalismo racionalista desde comienzos del siglo precedente: su
objeto o finalidad, sus titulares y su contenido resultan coincidentes. El
objetivo era en ambos casos preservar ciertos valores o bienes morales
que se consideraban innatos, inalienables y universales, como la vida, la
propiedad y la libertad
1
. Los titulares o, mejor dicho, el titular resultaba
ser también el mismo sujeto abstracto y racional, el hombre autónomo e
independiente portador de los derechos naturales, que en su calidad de
ciudadano y guiado sólo por su interés
2
concluía con otros sujetos iguales un
contrato social que daba vida artificial a las instituciones, y que en calidad
de propietario y movido asimismo sólo por el interés pactaba sucesivos
negocios jurídicos de acuerdo con unas reglas formales fijas y seguras,
sin que fuera relevante la condición social de quienes negociasen ni qué
cosas se intercambiaran
3
. Finalmente, el contenido, aquello que representa
la cara obligacional que acompaña a todo derecho, era también común y
muy sencillo: lograr la garantía del ámbito de inmunidad necesario para la
preservación de la propia vida y propiedad y para el ejecicio de la libertad
en lo público y en lo privado; por tanto, el Estado debería de ser tan extenso
como fuera imprescindible para asegurar dicha inmunidad frente a los
demás individuos y tan limitado como fuese preciso para no convertirse él
mismo en una amenaza de los derechos
4
.
Este punto de partida daría lugar a una concepción de los derechos
fundamentales y del propio Estado que, con algunos matices, puede
decirse que sigue siendo nuestra concepción de los derechos y del Estado.
Creo que puede resumirse en estos dos lemas: supremacía constitucional
y artificialidad o instrumentalidad de las instituciones políticas. La
1 Vid. singularmente, J. Locke, Ensayo sobre el gobierno civil,trad de A. Lázaro, Aguilar, Madrid,
cap. XI.
2 Salvo el caso de Grocio, donde aún queda el residuo medieval del appetitus societatis, en el resto
de los autores racionalistas el móvil del contrato social no es otro que el interés, vid. N. Bobbio,
El modelo iusnaturalista”, en Estudios de Historia de la Filosofía: de Hobbes a Gramsci, trad de
J.C. Bayón, Debate, Madrid, 1985, p. 95 y s.
3 Vid. P. Barcellona, Formazione e sviluppo del Diritto privato moderno, Jovene, Napoli, 1993,
p.48 y s.
4 Como escribe todavía C. Schmitt,los derechos fundamentales en sentido propio son,
esencialmente, derechos del hombre individual libre y, por cierto, derechos que él tiene frente al
Estado”, Teoría de la Constitución (1927), trad. de F. Ayala, Alianza, Madrid, 1982, p.170.
169
supremacía constitucional significa que los derechos operan “como si
encarnasen decisiones superiores a cualesquiera órganos estatales, incluido
el legislador, y, por tanto, como si emanasen de un poder constituyente
o soberano al que todas las autoridades e instituciones deben someterse
5
;
de ahí que los derechos no sean negociables o que en una democracia
representen “triunfos frente a la mayoría
6
. A su vez, la artificialidad
de las instituciones significa que, en realidad, éstas carecen de fines
propios y existen sólo para salvaguardar las libertades y la seguridad que
necesariamente ha de acompañarla
7
, por lo que, en consecuencia, toda
limitación de la libertad ha de justificarse racionalmente, no en cualquier
idea particular acerca de lo virtuso o de lo justo, sino precisamente en la
mejor preservación de los derechos
8
.
Consecuencia de lo anterior habría de ser un régimen jurídico
característico del constitucionalismo norteamericano y que en Europa ha
terminado imponiéndose tras costosa evolución
9
. Creo que sus dos ejes
fundamentales son la fuerte limitación de la libertad potica de legislador
y una tutela jurisdiccional estricta y riguosa. Los derechos fundamentales
se conciben, en efecto, mucho más como una cuestión de justicia que de
política; las concepciones de la mayoría pueden proyectarse sobre el ámbito
protegido por las libertades, pero de forma muy restringida y siempre
vigiladas por el control jurisdiccional. Cualquiera que sean las circunstancias
políticas y las razones de Estado, ese control garantiza, cuando menos,
lo que hoy llaman algunas Constituciones elcontenido esencial de los
derechos, así como un examen preciso de la justificación, racionalidad
y proporcionalidad de toda medida limitadora. En suma, siempre una
protección mínima del derecho y nunca una limitación innecesaria o no
5 En palabras de F. Rubio, “si se parte de la idea de la soberanía popular o, si se quiere, de la idea de
poder constituyente, para subrayar el cacter germinal, no sólo en el tiempo, que es lo de menos,
sino sobre todo, en el orden lógico, de este poder, la incardinación en la Constitución de los derechos
ciudadanos y de los deberes del poder, o lo que es lo mismo, la afirmación de la Constitución como
fuente del Derecho, adquiere una firmeza granítica”, “La Constitución como fuente del Derecho”, en
La Constitución española y las fuentes del Derecho, Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, 1979, vol.
I,p.59; hoy recogido en La forma del poder, C.E.C., Madrid, 1993
6 Esta es la conocida tesis de R. Dworkin, Los derechos en serio (1977), trad. de M. Guastavino, Ariel,
Barcelona, 1984, en particular p. 276 y s.
7 Creo que esto resulta crucial en toda concepción liberal del Estado y se conecta al papel protagonista
del individuo. Vid., por ejemplo, J.S.Mill, Sobre la libertad (1859), trad. de J. Sainz Pulido, Orbis,
Barcelona, 1985.
8 Por eso, decía la Declaración de 1789, “el ejercicio de los derechos naturales de cada hombre no tiene
s límites que los que aseguran a los des miembros de la sociedad el goce de estos mismos
derechos” (art. 4)
9 Vid. recientemente entre nosotros R.L. Blanco Valdés, El valor de la Constitución, Alianza, Madrid,
1994
170
justificada podrían ser los lemas del sistema de derechos fundamentales en
el marco constitucional
10
.
Pues bien, la cuestión que corresponde plantear es si esta concepción
de los derechos fundamentales resulta apta o aplicable a todo un conjunto
de derechos que actualmente se hayan recogidos en las Constituciones y en
las Declaraciones internacionales, pero que no presentan la fisonomía de los
primeros derechos fundamentales incorporados por el constitucionalismo
de finales del XVIII: ni protegen bienes o valores que en hipótesis puedan
ser atribuidos al hombre al margen o con carácter previo a las instituciones;
ni su titular es el sujeto abstracto y racional, es decir, cualquier hombre
con independencia de su posición social y con independencia también del
objeto material protegido; ni, en fin, su contenido consiste tampoco en un
mero respeto o “abstención” por parte de los demás y, en particular, de las
instituciones, sino que exigen por parte de éstas una acción positiva que
interfiere en el libre juego de los sujetos privados. Estos son los llamados
derechos económicos, sociales y culturales o, más simplemente, los
derechos sociales.
Parece existir coincidencia en que esta categoría, de uso corriente
incluso en el lenguaje del legislador, presenta unos contornos bastante
dudosos o difuminados
11
, y resulta comprensible que así suceda pues, en
palabras de Forsthoff, “lo social es un indefinibles definiens”
12
. Los criterios
que se suelen ofrecer para delimitar los perfiles de los derechos sociales
son tan variados como heterogeneos, dando lugar cada uno de ellos a listas
o elencos diferentes. Por ejemplo, y para comenzar por algún sitio, dice
Burdeau que “los derechos sociales son los derechos de los trabajadores en
tanto que tales, los derechos de clase y más precisamente de la clase obrera
13
.
En cambio, otros autores prefieren un criterio material, de forma que los
derechos económicos, sociales y culturales incluirían justamente aquellos
que están implicados en el ámbito de las relaciones económicas o laborales,
como el derecho de propiedad o la libertad de industria y comercio
14
,
que de modo manifiesto no parecen ser derechos de los trabajadores,
10 He tratado más ampliamente este aspecto en mis Estudios sobre derecehos fundamentales, Debate,
Madrid, 1990, p.139 y s.
11 Para esta cuestión vid., por todos, B. de Castro Cid, Los derechos económicos, sociales y culturales.
Análisis a la luz de la teoría general de los derechos humanos, Universidad de León, 1993, p. 13 y s.
12 E. Forsthoff,Problemas constitucionales del Estado social”(1961) en el volumen colectivo El Estado
social, trad. de J. Puente Egido, C.E.C, Madrid, 1986, p.46
13 G. Burdeau, Les libers publiques, L.G.D.J., París, 1972, p.370
14 Vid. G. Peces-Barba, “Reflexiones sobre los derechos económicos, sociales y culturales”, en Escritos
sobre derechos fundamentales, Eudema, Madrid, 1988, p.200
171
sino más bien el obstáculo histórico a su realización. Asimismo, es muy
corriente identificar los derechos sociales con los derechos prestacionales,
esto es, con aquellos derechos que en lugar de satisfacerse mediante una
abstención del sujeto obligado, requieren por su parte una acción positiva
que se traduce normalmente en la prestación de algún bien o servicio
15
,
pero entonces dejarían de ser derechos sociales algunos derechos típicos de
los trabajadores, como la huelga y la libertad sindical, y algunos otros de
carácter económico, como la propiedad, mientras que se transformarían en
sociales algunas prestaciones que no constituyen una exigencia propia de la
condición de trabajador, como la asistencia letrada gratuita
16
. Seguramente,
la noción de derechos sociales haya de resultar irremediablemente
ambigua, imprecisa y carente de homogeneidad; quis lo máximo que
se pueda pedir sea una caracterización meramente aproximativa y, eso sí,
una identificación correcta de los problemas de interpretación en verdad
relevantes. Por eso, en primer lugar, procederemos a enunciar una serie de
rasgos o connotaciones que suelen estar presentes cuando se usa la expresión
derechos sociales, para más tarde intentar dilucidar el problema central
que los mismos suscitan, al menos desde la perspectiva de la teoa de los
derechos y de la dogmática constitucional, que es su naturaleza prestacional.
A mi juicio, precisamente esta es la cuestión básica: si y en q condiciones
pueden construirse posiciones subjetivas iusfundamentales de naturaleza
prestacional.
2.- Caracterización de los derechos sociales.
a) Los derechos y las instituciones.
Los derechos civiles y políticos son concebibles sin Estado, sin
necesidad de instituciones sociales que los definan, o, al menos, así han
sido tradicionalmente concebidos, mientras que los económicos, sociales y
culturales ni siquiera pueden ser pensados sin alguna forma de organización
política. La vida, la propiedad y la libertad son para la filosofía política
liberal derechos naturales anteriores a cualquier manifestación institucional
15 Esta identificación se encuentra ya en C. Schmitt, Teoría de la Constitución, citado, p.174. Vid.
también, a título de mero ejemplo, J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación, C.E.C.,
Madrid, 1989, p.45; J.L. Cascajo, La tutela constitucional de los derechos sociales, C.E.C.,Madrid,
1988, p. 67; E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, trad de J.L. Requejo e I.
Villaverde, Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, 1993, p. 75.
16 Vid. G. Peces-Barba, “Reflexiones sobre los derechos económicos..., citado, p.201; tambn. B. de
Castro, Los derechos económicos..., citado, p. 67 y s.
172
y precisamente si el Estado existe es con el único fin de protegerlos; por ello,
el Estado puede resultar necesario para garantizar dicha protección, pero
en ningún caso para definir lo esencial del contenido de los derechos: “la
libertad es aq algo antecedente, no viene creada por la regulación legal,
sino que es protegida (hecha ejercitable) y/o limitada por ella
17
. Es más,
algunos sostienen que los derechos no sólo son independientes de cualquier
organización política, sino que cuanto “menos Estado” exista tanto mejor
para los derechos
18
. Justamente lo contrario sucede con los derechos
sociales. De entrada, la mera determinación del catálogo y contenido de
tales derechos, de carácter marcadamente histórico y variable
19
, supone ya
un proceso de debate inimaginable al margen de la sociedad política; pues
esa determinación depende en gran medida del grado de desarrollo de las
fuerzas productivas, del nivel de riqueza alcanzado por el conjunto social, de
la escasez relativa de ciertos bienes e incluso de la sensibilidad cultural que
convierte en urgente la satisfacción de algunas necesidades
20
. No estamos
en presencia de derechos racionales, de pretensiones que puedan postularse
en favor de todo individuo cualquiera que sea su situación social, sino de
derechos hisricos cuya definición requiere una decisión previa acerca del
reparto de los recursos y de las cargas sociales, que obviamente no puede
adoptarse en abstracto ni con un valor universal. Y, por otra parte, si la
protección de todos los derechos supone una mínima estructura estatal, la
de los derechos sociales resulta mucho más compleja, dado que ha de contar
con una organización de servicios y prestaciones públicas sólo conocidas
en el Estado contemporaneo; cabe decir que en este punto la distancia
que separa a los derechos civiles de los sociales es la misma que separa al
Estado liberal decimonónico del Estado social de nuestros días
21
.
17 E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p.76. No en vano la Constitución
española, siguiendo los pasos de la alemana, intenta garantizar el “contenido esencial” de los derechos
fundamentales que considera más importantes, incluso frente al legislador (art. 53,1).
18 En este sentido se orientaría la propuesta de un “Estado mínimo” de R. Nozick, Anarquía, Estado y
utopía (1974), trad de R. Tamayo, F.C.E., México, 1988.
19 Hasta el punto de que sería concebible la desaparición de los derechos sociales una vez desapareciesen
las situaciones de necesidad material y de desigualdad en el reparto de los recursos que hoy constituyen
su justificación
20 Vid. el capítulo monogfico que sobre “Los derechos humanos y el problema de la escasez” aparece
en el volumen Problemas actuales de los derechos fundamentales, ed. de J.M. Sauca, Universidad
Carlos III, B.O.E., Madrid, 1994, p.193 y s. Por mi parte, he tratado el problema en “Notas sobre el
bienestar”, Doxa, nº9, 1991, p. 157 y s.
21 Acaso también por ello la referida claúsula de defensa del contenido esencial no se extiende a la mayor
parte de los derechos sociales, que son los incluidos en el Capítulo III bajo la rúbrica de “principios
de la política social y económica”. En ello insiste J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación,
citado, p. 93 y s.
173
b) Los derechos sociales como derechos prestacionales.
Como ya se ha indicado, el carácter prestacional es uno de los
rasgos más frecuentemente subrayados, tal vez porque, desde el punto de
vista jurídico, resulta más explicativo o definidor que aquellos otros que
se basan en consideraciones históricas, ideológicas o sociológicas
22
. El
criterio definidor residiría en el contenido de la obligación que, usando
terminolgía kelseniana, constituye el “reflejo” del derecho: en los derechos
civiles o individuales, el contenido de la obligación consiste en una
abstención u omisión, en un “no hacer nada” que comprometa el ejercicio
de la libertad o el ámbito de inmunidad garantizado; en cambio, en los
derechos sociales el contenido de la obligación es de carácter positivo,
de dar o de hacer. Con todo, conviene formular algunas precisiones. La
primera es que algunos derechos generalmente considerados sociales se
separan del esquema indicado, bien porque por naturaleza carezcan de todo
contenido prestacional, bien porque la intervención pública que suponen
no se traduzca en una prestación en sentido estricto; así, es manifiesto
que carecen de contenido prestacional el derecho de huelga o la libertad
sindical, salvo que interpretemos que la tutela pública de estas libertades es
ya una prestación. A su vez, derechos sociales que requieren algún género
de intervención pública, pero que no pueden calificarse propiamente de
prestacionales son, por ejemplo, todos los que expresan restricciones a
la autonomía individual en el contrato de trabajo, como la limitación de
jornada, un salario mínimo o las vacaciones anuales. De carácter análogo,
aunque no puedan calificarse como sociales, son aquellos derechos que
implicanprestaciones jurídicas, como el derecho a la tutela judicial
23
.
Finalmente, algunos derechos prestacionales se presentan bajo la forma de
principios-directriz, como veremos más adelante.
La segunda observación es que cuando hablamos de derechos
prestacionales en sentido estricto nos referimos a bienes o servicios
económicamente evaluables, subsidios de paro, enfermedad o vejez,
sanidad, educación, vivienda, etc.; pues de otro modo, si se incluyera
también la defensa jurídica o la protección administrativa, todos los
derechos fundamentales merecerían llamarse prestacionales
24
, dado que
22 Vid. F.J. Contreras Peláez, Derechos sociales: teoría e ideología, Tecnos, Madrid, 1994, p.22 y s
23 Estos serían los derechos prestacionales en sentido amplio, es decir, derechos a protección,
organización y procedimiento, vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, trad. de E.
Garzón, C.E.C., Madrid, 1993, p. 435 y s.
24 Vid. J.J. Gomes Canotilho, “Tomemos en serio los derechos ecomicos, sociales y culturales, trad.
de E. Calden y A. Elvira, Revista del Centro de Estudios Constitucionales, nº 1, 1988, p. 247
174
todos ellos exigen en mayor o menor medida una organización estatal que
permita su ejercicio o que los defienda frente a intromisiones ilegítimas, o
también el diseño de formas de participación; desde la tutela judicial efectiva
al derecho de voto, todos requieren de esas prestaciones en sentido amplio.
Finalmente, conviene advertir que las técnicas prestacionales no
pertenecen en exclusiva a alguna clase de derechos, sino que en general
son aplicables a cualesquiera de los fines del Estado, incluso también a los
derechos civiles y políticos. Piénsese, por ejemplo, en la libertad religiosa
que, según opinión difundida, no sólo ha de ser respetada, sino también
protegida y hasta subvencionada a fin de que su ejercicio pueda resultar
verdaderamente libre. Que esta práctica sea saludable para las libertades
o que, al contrario, represente una intervención inaceptable que lesiona de
paso la igualdad jurídica de todas las ideologías y confesiones es cuestión que
no procede discutir ahora
25
, pero en el fondo la técnica prestacional plantea
problemas semejantes en aquellos derechos que los son “por naturaleza” y
en aquellos otros que eventualmente se benefician de la misma
26
.
c) La titularidad de los derechos.
Si bien en una cierta literatura se presentó en términos un tanto
radicales la escisión entre hombre abstracto y hombre histórico, entre
persona y ciudadano, olvidando acaso que las necesidades y pretensiones
del hombre concreto comenzaban por las del hombre abstracto, lo cierto es
que esa imagen sigue siendo útil para perfilar el carácter de los derechos
fundamentales; y es que, en efecto, los derechos civiles y políticos se
atribuyen a ese hombre abstracto y racional (a todos), mientras que los
derechos económicos, sociales y culturales lo son del hombre trabajador, del
joven, del anciano, de quien precisa asistencia, etc.; en suma, los primeros
se dirigen al famoso sujeto del Código civil que fuera objeto de la crítica
de Marx
27
, en tanto que los segundos tienden a considerar al hombre en su
específica situación social
28
.
Se observa aquí lo que Bobbio ha llamado un proceso de especifi-
cación, “consistente en el paso gradual, pero siempre muy acentuado, hacia
una ulterior determinación de los sujetos titulares de los derechos... el
25 He tratado la cuestión más ampliamente en el Curso de Derecho Eclesiástico, con I.C. Ibán y A.
Motilla, Universidad Complutense, Madrid, 1991, p. 206 y s.
26 Vid. E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 78 y s.
27 Así, por ejemplo, enSobre la cuestn judía” (1844), en Escritos de Juventud selección, traduccn e
introducción de F. Rubio, Universidad Central de Venezuela, Caracas, 1965, p. 55 y s.
28 Vid. P. Barcellona, Formazioene e sviluppo..., citado, p. 95
175
paso se ha producido del hombre genérico, del hombre en cuanto hombre,
al hombre específico, o sea, en la especificidad de sus diversos status
sociales”
29
. En el fondo, esa especificación de los sujetos viene a ser una
consecuencia de la toma en consideración de las necesidades en el ámbito
de la definición de los derechos
30
. Los derechos sociales no pueden definirse
ni justificarse sin tener en cuenta los fines particulares, es decir, sin tener
en cuenta entre otras cosas las necesidades, como se supone que hacía
Kant para fundamentar la moral
31
; y, por ello, tampoco son concebibles
como derechos universales en el sentido de que interesen por igual a todo
miembro de la familia humana
32
, ya que se formulan para atender carencias
y requerimientos instalados en la esfera desigual de las relaciones sociales.
Dicho de otro modo, las ventajas o intereses que proporcionan o satisfacen
las libertades y garantías individuales son bienes preciosos para toda
persona, mientras que las ventajas o intereses que encierran los derechos
sociales se conectan a ciertas necesidades cuya satisfacción en el entramado
de las relaciones jurídico-privadas es obviamente desigual
33
.
d) Los derechos sociales como derechos de igualdad.
Por las mismas razones, los derechos sociales se configuran
como derechos de igualdad entendida en el sentido de igualdad material
o sustancial, esto es, como derechos, no a defenderse ante cualquier
discriminación normativa, sino a gozar de un régimen jurídico diferenciado
o desigual en atención precisamente a una desigualdad de hecho que
trata de ser limitada o superada. Este es el sentido general del art. 9.2
de la Constitución cuando ordena a los poderes públicos “promover las
condiciones para que la libertad y la igualdad del individuo y de los grupos
29 N. Bobbio, El tiempo de los derechos, trad de R. de Asis, Sistema, Madrid, 1991, p.109 y 114.
30 Vid. Sobre esto M.J. Añón, Necesidades y derechos. Un ensayo de fundamentación, C.E.C.,Madrid,
1994
31 La ética, escribe Kant, “no puede partir de los fines que el hombre quiera proponerse... porque tales
fundamentos de las máximas serán fundamentos empíricos, que no proporcionan ningún concepto
del deber, ya que éste (el deber categórico) tiene su raices sólo en la razón pura, La metafísica de
las costumbres(1797), trad. y notas de A. Cortina y J. Conill, Tecnos, Madrid, 1989 p. 232. De a
que esa razón pura sólo nos proporcione dos derechos innatos, la libertad y la igualdad jurídica, los
dos únicos que pueden ser pensados sin considerar los fines empíricos, precisamente porque son
instrumentos necesarios para que cada individuo alcance los fines que se propone.
32 R. Alexy dice que “los derechos a prestaciones en sentido estricto son derechos del individuo frente
al Estado a algo que -si el individuo poseyera medios financieros suficientes y si encontrase en el
mercado una oferta suficiente- podría obtenerlo también de particulares”, Teoría de los derechos
fundamentales, citado, p.482
33 Vid. W. Sadursky, “Economic Rights and Basic Need” en Law, Rights and the Welfare State, C.
Sampford y D. Galligan (eds), Croom Helm, Beckenham, 1986.
176
en que se integra sean reales y efectivas...; pero, a mi juicio, derechos de
igualdad sustancial pueden construirse no sólo a partir del “principio” del
art. 9.2, sino en ciertas condiciones también a partir del “derecho” del art.
14, como tendremos ocasión de ver.
Lo que interesa destacar ahora es que esa adscripción básica de los
derechos sociales a la igualdad no significa en modo alguno una división
fuerte o cualitativa respecto de los derechos civiles. De una parte, porque la
otra cara de la igualdad, la igualdad jurídica o ante la ley, es precisamente
una de las primeras manifestaciones de las libertades individuales;
pero, sobre todo, porque constitucionalmente no cabe establecer una
contraposición rígida entre libertad e igualdad ni, por tanto, entre los
derechos adscribibles a una y otra
34
. Como observa Pérez Luño, ni en el
plano de la fundamentación, ni en el de la formulación jurídica, ni en el
de la tutela, ni, en fin, en el de la titularidad procede trazar una separación
estricta entre derechos civiles y sociales
35
. Acaso cabría decir, recordando
una distinción de Rawls, que los derechos sociales promueven que el valor
de la libertad llegue a ser igual para todos, como igual es la atribución
jurídica de esa libertad
36
; o, en palabras de Böckenförde,si la libertad
jurídica debe poder convertirse en libertad real, sus titulares precisan de
una participación básica en los bienes sociales materiales; incluso esta
participación en los bienes materiales es una parte de la libertad, dado que
es un presupuesto necesario para su realización
37
. Lo que no significa,
obviamente, que en el plano de lo concreto se excluyan las colisiones entre
la libertad y la igualdad o, más exactamente, entre la igualdad jurídica y los
intentos de construir igualdades de hecho mediante tratamientos jurídicos
diferenciadores.
e) El carácter de la obligación.
Una quinta característica, en realidad más propia de los derechos
34 Naturalmente, la afirmación del texto no sería compartida por la crítica neoliberal; por ejemplo,
para Hayekla igualdad formal ante la ley está en pugna y de hecho es incompatible con
toda actividad del Estado dirigida deliberadamente a la igualdad material o sustantiva de los
individuos”, Camino de servidumbre (1944), trad de J. Vergara, Alianza Editorial, Madrid. 1976,
p. 111. No procede detenerse en este punto, pero sobre dicha crítica vid. más ampliamente E.
Fernandez, “El Estado social: desarrollo y revisión, en Filosofía, Potica y Derecho, M. Pons,
Madrid, 1995, p. 118 y s.
35 A.E. Pérez Luño, Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, Tecnos, Madrid, 1984,
p. 90 y s.
36 Vid. J. Rawls, Teoría de la Justicia(1971), trad de M.D. González, F.C.E., Madrid, 1979 p. 237
37 E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 74; vid. también R. Alexy,
Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 486 y s.
177
prestacionales que de los derechos sociales en general, se refiere al tipo o
carácter de las obligaciones generadas por los diferentes derechos. En efecto,
tras los derechos civiles y políticos existen deberes jurídicos, normalmente
de abstención, que representan reglas primarias o de comportamiento por
lo común con un sujeto obligado universal; en cambio, tras los derechos
sociales existen además normas secundarias o de organización
38
que,
por así decirlo, se interponen entre el derecho y la obligación, entre el
sujeto acreedor y el sujeto deudor. Tal vez éste sea uno de los motivos que
explican las particulares dificultades de los derechos prestacionales: las
libertades generan un tipo de relación jurídica sencilla donde los individuos
saben perfectamente en qué consisten sus derechos y deberes recíprocos,
mientras que estos otros derechos requieren un previo entramado de
normas de organización, por cierto carentes de exigibilidad, que a su vez
generan una multiplicidad de obligaciones jurídicas de distintos sujetos,
cuyo cumplimiento conjunto es necesario para la plena satisfacción del
derecho.
f) La dimensión subjetiva y objetiva de los derechos.
Finalmente, y en parte como consecuencia de lo anterior me parece
que en los derechos sociales tiende a predominar la dimensión objetiva
sobre la subjetiva. Esta es una cuestión de grado y no un elemento esencial
que permita trazar una nítida frontera entre los distintos derechos; el
Tribunal Constitucional ha declarado que todos los derechos presentan
esa faceta objetiva, más exactamente que “son elementos esenciales de un
ordenamiento objetivo de la comunidad nacional”
39
, y de ahí la función
preferente que desempeñan en la interpretación del Derecho y el interés
público que existe en su protección
40
. Lo que sucede es que las libertades
operan principalmente como derechos subjetivos, y sólo una larga tradición
de reconocimiento y ejercicio de los mismos ha permitido delimitar en
cada uno de ellos normas objetivas y pautas hermeneúticas aptas para
inspirar la interpretación de todo el ordenamiento; mientras que en los
derechos sociales ocurre aproximadamente a la inversa, pues surgen como
despliegues o exigencias objetivas de la idea de Estado social, que sólo más
tarde y costosamente serán articulables en forma de derechos subjetivos.
Y es que, expresado de un modo trivial, si las libertades no le decían al
38 En ello insiste G. Peces-Barba,Reflexiones sobre los derechos económicos, sociales y
culturales”, citado, p.207
39 STC 25/1981
40 STC 53/1985
178
Estado lo que debía hacer, sino más bien lo que no debía hacer, los derechos
sociales nacen con el propósito de imponer ciertos comportamientos a las
instituciones públicas, y ello se consigue ante todo mediante la imposición
de metas o fines plasmados en normas objetivas.
3.- Una definición convencional.
Me parece que los criterios que se han enunciado y acaso algún
otro que pudiera desarrollarse definen bastante bien al conjunto de los que
usualmente se llaman derechos sociales o, dicho de otro modo, sería en
verdad dicil indicar un derecho social que, al menos, no reuniese alguna
de las características comentadas; pero es cierto que tampoco resulta fácil
proponer un derecho que reuna todas ellas. Por tanto, hemos de optar. Y
seguramente cualquier opción resulta teóricamente legítima: un laboralista,
por ejemplo, puede englobar bajo el calificativo de sociales sólo los derechos
específicos de los trabajadores; un iusprivatista, los que representan límites
o restricciones a los dos grandes principios de la codificación moderna, la
propiedad y la autonomía de la voluntad; un historiador, en fin, aquellos
otros que nacieron bajo el impulso de la ideología socialista a partir de
mediados del siglo XIX. El resultado de esos diferentes enfoques sólo será
parcialmente coincidente.
Sin embargo, como ya hemos adelantado, desde la perspectiva de
la teoría de los derechos y de los propios retos políticos y jurídicos que
hoy plantea la realización del programa constitucional, acaso la discusión
deba centrarse en el capítulo de los derechos prestacionales en sentido
estricto
41
; más concretamente, en si la caracterización básica de los derechos
fundamentales como obligaciones estatales capaces de cimentar posiciones
subjetivas aún contra la mayoría, puede hacerse extensiva a los derechos que
no generan un deber de abstención o de prestaciones meramente jurídicas
42
,
sino deberes positivos de dar bienes o servicios o de realizar actividades
que, si se tuvieran medios, podrían obtenerse también en el mercado .Con
todo, la respuesta admite ser enfocada desde dos perspectivas, sólo en
parte coincidentes. La primera y más genérica es si a partir del principio
constitucional de igualdad (art.14 C.E.) cabe postular un trato desigual de
las diferencias, esto es, un tratamiento jurídico diferente en lo normativo
41 Vid. J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestacion, citado, p. 44 y s.
42 Como ya se ha indicado, en sentido amplio, numerosos derechos son o requieren algún género
de prestación estatal, como la defensa jurídica, el diseño de procedimientos o de normas de
organización, etc.
179
que persiga una igualdad sustancial en las consecuencias
43
; es verdad
que la construcción de igualdades de hecho mediante diferenciaciones o
desigualdades jurídicas no se consigue sólo mediante prestaciones, pero
también es cierto que las prestaciones en sentido estricto, tal y como aquí
han sido perfiladas, sirven siempre a una finalidad de igualdad fáctica. La
segunda y más concreta es si los derechos prestacionales expresos, que
pueden considerarse una especificación de la genérica igualdad sustancial,
pueden amparar posiciones de carácter iusfundamental. Seguidamente,
ensayaremos cada una de estas perspectivas.
Así pues, en lo sucesivo por derechos sociales entenderemos
lo derechos prestacionales en sentido estricto, esto es, aquellos cuyo
contenido obligacional consiste en un dar a en un hacer bienes o servicios
que, en principio, el sujeto titular podría obtener en el mercado si tuviera
medios suficientes para ello. Aunque nada impide que tales prestaciones
sean asumidas por particulares, por ejemplo por el empresario que
debe proporcionar medios de seguridad e higiene en el trabajo, aquí
nos ocuparemos sólo de los derechos que generan obligaciones frente a
los poderes públicos, y que además lo hacen desde la Constitución, sin
perjucio de que hayan podido ser o de que sean en el futuro desarrollados
por la normativa ordinaria. A su vez, adoptaremos dos perspectivas: la de
la igualdad sustancial entendida como una exigencia del genérico principio
de igualdad, y la de los concretos derechos prestacionales, tanto en su
dimensión de normas objetivas como en su posible carácter de derechos
subjetivos.
4.- El principio de igualdad.
a) La igualdad y los derechos sociales. La igualdad sustancial o de
hecho puede constituir el vehículo para incorporar al acervo constitucional
un principio genérico en favor de las prestaciones, y de hecho así sucede en
aquellos paises, como Alemania, cuya Constitución carece de una tabla de
concretos derechos prestacionales. Pero es que, además, es fácil comprobar
que esta forma de entender la igualdad está presente o se conecta a cada
uno de los rasgos característicos examinados en el epígrafe anterior: por
ejemplo, el establecimiento de desigualdades jurídicas para crear igualdad
de hecho sólo es concebible desde las instituciones, mientras que acaso
43 De igualdad referida a actos y de igualdad referida a consecuencias habla R. Alexy, Teoría de los
derechos fundamentales, citado, p. 403.
180
la más perfecta igualdad formal se daría en un estado de naturaleza
preestatal, donde nadie se viera diferenciado cualquiera que fuese su
situación o su conducta; asimismo, todos los derechos prestacionales son
expresiones concretas de la igualdad sustancial, pues consisten en un dar
o en un hacer en favor de algunos individuos según ciertos criterios que
introducen inevitablemente desigualdades normativas; más claramente
aún, la construcción de igualdad de hecho sólo tiene presente al hombre
concreto, que es el único que puede sufrir una desigualdad fáctica, pues si
no fuera así, si tuviese presente al “hombre abstracto” ninguna desigualdad
jurídica podría justificarse; a su vez, la igualdad judica genera frente al
poder un deber nítido de abstención o no discriminación, mientras que la
igualdad de hecho genera obligaciones más complejas, de organización,
procedimiento y prestación; y, en fin, mientras que la igualdad jurídica
se manifiesta en una posición subjetiva, la igualdad sustancial se vincula
más bien al principio objetivo del Estado social y sólo muy costosamente
permite diseñar posiciones subjetivas de desigualdad (jurídica).
Sin embargo, y al margen de la conexn entre la igualdad sustancial
y las características que hemos postulado para los derechos sociales,
aquí lo que interesa subrayar es su papel al servicio de los derechos
prestacionales. Y es que, en efecto, el principio prestacional o un derecho
concreto a prestaciones puede ser reivindicado a través de dos caminos,
no excluyentes pero distintos: el primero consiste en invocar una concreta
norma constitucional que, bien en forma de derecho o de directriz, proteja
de modo singular una pretensión a cierto bien o servicio, como el trabajo,
la vivienda, la cultura, etc. Un segundo camino, que intentaremos recorrer
ahora, supone apelar a la igualdad en su versión de que han de ser tratadas
de modo desigual las situaciones de hecho diferentes.
En el marco de una Constitución como la española, que el Estado
puede dar vida a desigualdades normativas con el fin de alcanzar igualdad
de hecho es algo que está fuera de toda duda, aunque, por supuesto, no
es una competencia absoluta, sino limitada, entre otras cosas por el
propio principio de igualdad jurídica. El art. 9.2 C.E., dice el Tribunal
Constitucional, permite “regulaciones cuya desigualdad formal se justifica
en la promoción de la igualdad material
44
; más concretamente, “debe
admitirse como constitucional el trato distinto que recaiga sobre supuestos
de hecho que fueran desiguales en su propia naturaleza, cuando su función
contribuya al restablecimiento de la igualdad real a través de su diferente
44 STC 98/1985
181
régimen jurídico”
45
. El problema, por tanto, no es si el legislador o el
gobierno pueden, sino si deben en algunos casos dar vida a desigualdades
jurídicas con el fin de superar desigualdades de hecho; visto desde el
lado subjetivo, si cabe defender un derecho fundamental a un tratamiento
desigual a partir del art. 14. Lo que requiere un análisis del conjunto del
precepto.
b) Las exigencias de la igualdad.
Según una célebre formula “la justicia consiste en igualdad, y así es,
pero no para todos, sino para los iguales; y la desigualdad parece ser justa, y
lo es en efecto, pero no para todos, sino para los desiguales
46
De forma más
abreviada, lo igual debe ser tratado de modo igual, y lo desigual de modo
desigual. Ahora bien, ¿cuando dos cosas, dos personas o dos situaciones son
iguales?. Cabe decir como primera aproximación que mediante la igualdad
“se describe, se instaura o se prescribe una relación comparativa entre dos
o más sujetos u objetos que poseen al menos una característica relevante en
común”
47
. Por consiguiente, el juicio de igualdad excluye tanto la identidad
como la mera semejanza. Excluye la identidad porque parte de la diversidad,
esto es, parte de dos sujetos distintos, pero respecto de los cuales se hace
abstracción de las diferencias para subrayar su igualdad en atención a una
característica común; la identidad se produce “cuando dos o más objetos
tienen en común todos sus elementos o características”, mientras que la
igualdadsupone una identidad parcial, es decir, la coincidencia de dos
o más objetos en unos elementos o características desde un determinado
punto de vista y haciendo abstracción de los demás”
48
.Y se distingue
también de la semejanza porque, si bien ésta implica asimismo que exista
algún rasgo común, no obliga a hacer abstracción de los elementos propios
o diferenciadores.
Por ello, dado que nunca dos personas o situaciones vitales son
iguales en todos los aspectos, los juicios de igualdad no parten nunca de la
identidad, sino que son siempre juicios sobre una igualdad fáctica parcial.
Pero, como las personas son siempre iguales en ciertos aspectos y desiguales
en otros, resulta que los juicios fácticos sobre igualdad/desigualdad parcial
45 STC 14/1983
46 Aristóteles, Política, ed. de J. Marías y M. Araujo, C.E.C., Madrid, 1983, p. 83
47 P. Comanducci, Assagi di metaetica, Giappichelli, Torino, 1992, p. 108
48 A.E. Pérez Luño, “Sobre la igualdad en la Constitución española”, Anuario de Filosofía del Derecho,
IV, 1987, p. 134. Vid también P. Westen, Speaking of Equality. An Analysis of the Retorical Force
of `Equality´in Moral and legal Discourse, Princeton University Press, 1990, p. 62 y s.
182
no nos dicen todavía nada acerca de si el tratamiento jurídico debe ser
igual o desigual
49
: que “A” y “B” desarrollen la misma profesión supone
que son parcialmente iguales, pero no que merezcan el mismo tratamiento
a todos los efectos; que “C” y “D” tengan profesiones distintas supone
que son parcialmente desiguales, pero no impide que merezcan el mismo
tratamiento en ciertos aspectos. Como escribe Rubio, la igualdad que se
predica de un conjunto de entes diversos ha de referirse, no a su existencia
misma, sino a uno o varios rasgos en ellos discernibles;cuáles sean los
rasgos de los términos de la comparación que se tomarán en consideración
para afirmar o negar la igualdad entre ellos es cosa que no viene impuesta
por la naturaleza de las realidades mismas que se comparan... toda igualdad
es siempre, por eso, relativa, pues sólo en relación con un determinado
tertium comparationis puede ser afirmada o negada”, y la fijación de ese
tertiumes una decisión libre, aunque no arbitraria, de quien juzga
50
.
La igualdad es, pues, un concepto normativo y no descriptivo de ninguna
realidad natural o social
51
.
Esto significa que los juicios de igualdad son siempre juicios
valorativos, referidos conjuntamente a las igualdades o desigualdades
fácticas y a las consecuencias normativas que se unen a las mismas. Afirmar
que dos sujetos merecen el mismo trato supone valorar una característica
común como relevante a efectos de cierta regulación, haciendo abstracción
tanto de los rasgos diferenciadores como de los demás ámbitos de
regulación. Ambas consideraciones son inescindibles: postular que una
cierta característica de hecho que diferencia o iguala a dos sujetos sea
relevante o esencial no proporciona ningún avance si no añadimos para qué
o en función de qué regulación jurídica debe serlo;según a qué efectos,
todos los supuestos de hecho o situaciones personales son absolutamente
iguales o absolutamente desiguales entre sí...lo la consecuencia jurídica
puede ser diferencial”
52
. Y del mismo modo, decir que dos sujetos son
destinatarios del mismo o de diferente tratamiento jurídico constituye una
mera constatación de la que no cabe derivar ulteriores conclusiones si no
decimos en razón de qué circunstancias existe uniformidad o diferencia.
49 Vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 387
50 F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, Revista Espola de
Derecho Constitucional, nº 31, 1991, p. 12 y s.
51 Vid. A. Calsamiglia, “Sobre el principio de igualdad” en J. Muguerza y otros, El fundamento de
los derechos humanos, Debate, Madrid, 1989, p. 89.
52 A. Carrasco, “El princpio de no discriminación por ran de sexo”, Revista Jurídica de Castilla-
La Mancha, nº11-12, 1991, p.23
183
El punto central consiste, pues, en determinar los rasgos que
representan una razón para un tratamiento igual o desigual, rasgos que han
de ser al mismo tiempo el criterio de la clasificación normativa, esto es, de
la condición de aplicación, y el fundamento de la consecuencia jurídica
53
;
la concurrencia de una circunstancia o propiedad debe ser, por tanto, el
criterio que defina el universo de los destinatarios de la norma y asimismo
la razón o fundamento de la consecuencia en ella prevista. Si no me
equivoco, esta valoración conjunta de elementos fácticos y normativos es lo
que la jurisprudencia constitucional denomina razonabilidad o interdicción
de la arbitrariedad: existe discriminación cuandola desigualdad del
tratamiento legal sea injustificada por no ser razonable”
54
; para que exista
violación del principio de igualdad es preciso que el tratamiento desigual
“esté desprovisto de una justificación objetiva y razonable
55
; el principio de
igualdad exige “que las consecuencias jurídicas que se derivan de supuestos
de hechos iguales sean, asimismo, iguales, debiendo considerarse iguales
dos supuestos de hecho cuando el elemento diferenciador introducido por
el legislador carece de relevancia para el fin perseguido en la norma”
56
. Por
eso, la distinta edad de las personas es seguramente irrelevante a casi todos
los efectos, pero no en lo relativo a la jubilación
57
; asimismo, la diferencia
entre español y extranjero no sería, sin duda, razonable si a ella quiere unirse
una tipificación distinta de delitos y penas, pero, al parecer se convierte en
razonable cuando se trata de la posibilidad de trabajar en España
58
.
Así pues, el principio de igualdad se traduce en una exigencia de
fundamentación racional de los juicios de valor que son inexcusables a la
hora de conectar determinada situación -con exclusión de otras situaciones-
a una cierta consecuencia jurídica; la referencia a los criterios materiales
(necesidades, méritos, etc.) a la razonabilidad y a la proporcionalidad es,
por tanto, una remisión a la justificación racional de la decisión
59
. Las
igualdades y desigualdades de hecho no son más que el punto de partida
para construir igualdades y desigualdades normativas, cuya justificación
no puede apelar sólo a la mera facticidad.
53 Vid. F. Laporta, “El principio de igualdad. Introducción a su alisis”, Sistema, nº 67, 1985, p.
18 y s.
54 STC 34/1981
55 STC 33/1983
56 STC 176/1989. Vid. J. Jiménez Campo, “La igualdad jurídica comomite frente al legislador,
Revista Española de Derecho Constitucional, nº 9, 1983, p. 71 y s.
57 STC 75/1983
58 STC 107/1984
59 A. Calsamiglia, “Sobre el principio de igualdad, citado, p.109
184
Sucede, sin embargo, que la igualdad presenta una doble faceta
(tratar igual lo que es igual y desigual lo que es desigual), por lo que en
buena lógica parece que necesitarían el mismo grado de justificación
tanto las normas que establecen diferenciaciones como las regulaciones
uniformes u homogeneizadoras, o, dicho de otro modo, que tan exigible
sería el derecho a ser tratado igual como el derecho a la diferenciación.
Lo cierto es que, seguramente por motivos pragmáticos, esa simetría entre
ambas dimensiones se rompe en favor de la primera: “la igualdad no tiene
necesidad, como tal, de justificación. El deber de justificación pesa, en
cambio, sobre las desviaciones de la igualdad”
60
. Es como si se partiese de
un “orden natural” (y, por cierto, desigual) de las cosas, sobre el que operaría
el Derecho estableciendo clasificaciones o diferencias “artificiales”, siendo
estas últimas las que deben justificarse. Con todo, dicha presunción no
carece de fundamento, pues si aceptamos la hipótesis de que los mandatos
del legislador persiguen fines valiosos y de que sus prohibiciones tratan
de evitar resultados indeseables, entonces parece razonable que, en
principio, deban vincular a todos los destinatarios del Derecho; clasificar
o diferenciar requiere por tanto una razón especial. R. Alexy concreta esa
asimetría en las dos reglas siguientes: “si no hay ninguna razón suficiente
para la permisión de un tratamiento desigual, entonces está ordenado un
tratamiento igual”; “si hay una razón suficiente para ordenar un tratamiento
desigual, entonces está ordenado un tratamiento desigual”
61
; reglas que, en
su opinión, encarnan un postulado básico de la racionalidad práctica, que
es “la carga de la argumentación para los tratamientos desiguales
62
.
Este último autor añade una argumentación en favor de la prioridad
de la igualdad jurídica, y es que ésta, al fijarse sólo en el tratamiento
jurídico y no en sus consecuencias fácticas, puede ser aplicado con mucha
mayor facilidad que la igualdad de hecho, mientras que cuando se persigue
la igualdad sustancial ha de justificarse que efectivamente las medidas
normativas de diferenciación serán capaces de apuntar hacia una igualación
de hecho en el ámbito vital que se considere relevante. Por ejemplo, si el
Estado decide que un cierto grupo de niños obtenga educación gratuita
plantearse si con tal medida se limita la desigualdad entre niños pobres
y ricos, sino sólo si han quedado indebidamente excluidos algunos niños;
en cambio, el juicio de igualdad sustancial no puede dejar de considerar la
60 P. Comanducci, Assagi di metaetica, citado, p. 110; F. Laporta,El principio de igualdad...,
citado, p. 26
61 R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 395 y s.
62 Ibidem, p. 405
185
razonabilidad, adecuación y proporcionalidad de la norma en relación con
las situaciones de hecho y a la luz del fin perseguido, esto es, de limitar
la desigualdad entre ricos y pobres en materia educativa. La igualdad
de iure acepta el criterio clasificatorio del legislador (la renta familiar),
salvo que sea radicalmente arbitrario; en cambio, la igualdad sustancial
exige justificar que precisamente ese criterio que introduce desigualdades
normativas es en sí mismo racional para obtener igualdades de hecho.
Enfocado de este modo, no cabe duda que el principio de igualdad
deja abierto un ancho campo de libre configuración legislativa, es decir, un
campo donde tratamientos iguales y desiguales resultan simultaneamente
lícitos o admisibles. Pues, en efecto, mientras que la exigencia de una
regulación desigual requiere una razón que imponga precisamente el tipo
de desigualdad que se pretende establecer, la justificación de un tratamiento
igual requiere tan sólo que no logre justificarse la obligatoriedad de la
distinción; en consecuencia, allí donde exista sólo una razón que permita
la desigualdad, queda autorizada tanto una regulación igualitaria como
diferenciadora. Dicho de otra forma, inicialmente un control sobre el
legislativo por violación del principio de igualdad sólo procede: a) cuando
estamos en presencia de un tratamiento desigual, sin ninguna razón que
lo permita; b) cuando estamos en presencia de un tratamiento igual,
habiendo una razón que lo impida. Por ello, que un tratamiento desigual no
resulte arbitrario o carente de razón no significa que, a sensu contrario, un
tratamiento igual haya de reputarse arbitrario.
Hasta aquí hemos hablado del ámbito general cubierto por el
principio de igualdad, que la Constitución reconoce en el primer inciso del
artículo 14: “Los españoles son iguales ante la ley”. Sin embargo, el mismo
precepto añade:sin que pueda prevalecer discriminación alguna por razón
de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cualquier otra condición o
circunstancia personal o social”. Estas especificaciones constituyen casos
de “igualdad normativa
63
, es decir, casos en que el tratamiento igualitario
viene impuesto, no desde la racionalidad argumentativa, sino desde la propia
disposición constitucional. Igualdad normativa que no se circunscribe a lo
indicado en el artículo 14; del artículo 39, 2º, por ejemplo, se deduce la
igualdad de los hijos con independencia de su filiación, y de las madres
con independencia del estado civil, lo que significa que tales elementos
(filiación y estado civil) no son razonables como criterios para establecer
distinciones en la posición jurídica de hijos o madres. Pues bien, si antes
63 A. Carrasco, “El principio de no discriminación por razón de sexo”, citado, p. 28
186
hemos hablado de razones que permiten o imponen un trato diferencial,
ahora nos encontramos ante razones que prohiben dicha diferenciación. La
raza o el sexo son así criterios prohibidos a la hora de delimitar el contenido
o el ámbito de eficacia de las normas.
La prohibición es, sin embargo, relativa. Como ha reconocido el
propio Tribunal Constitucional,si esta carga de la demostración del
carácter justificado de la diferenciación es obvia en todos aquellos casos
que quedan genéricamente dentro del general principio de igualdad..., tal
carga se torna aún más rigurosa en aquellos otros casos en que el factor
diferencial es precisamente uno de los típicos que el artículo 14 concreta”
64
.
Los “criterios prohibidos” del artículo 14 pueden, en consecuencia, ser
tomados en consideración como fundamento de un tratamiento desigual,
en especial si tenemos en cuenta que el precepto alude conjuntamente a
“cualquier otra condición o circunstancia personal o social”, que obviamente,
si se interpretase literalmente, impediría cualquier género de distinción,
esto es, el ejercicio mismo de la potestad legislativa
65
. De manera que
estos criterios representan simplemente una razón más intensa para la
prohibición de la desigualdad normativa, pero una razón que puede quedar
superada por otras razones que en el caso tengan un peso superior. Tan sólo
cabe exigir entonces un control más estricto, unstric scrutiny
66
o, si se
quiere, una carga suplementaria de argumentación. En otras palabras, las
espicificaciones del artículo 14 vienen a recordar que, por regla general, la
raza, el sexo o la religión no constituyen elementos razonables para diseñar
un tratamiento jurídico particular.
67
Sin embargo, ni esas especificaciones
del art. 14 ni ningún otro criterio excluyen por completo o con carácter
general toda posible distinción normativa; es más, razones de igualdad
sustancial pueden militar en favor de la desigualdad de iure y entonces cabe
que alguno de loscriterios prohibidos opere expresamente como base de la
diferenciación. Así, por ejemplo,la referencia al sexo en el art. 14 implica la
64 STC 81/1982
65 A. Ruiz Miguel,La igualdad como diferenciación, en Derechos de las minorías y grupos
diferenciados, Escuela Libre Editorial, Madrid, 1994, p. 288 y s.
66 F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, citado, p.31
67 Una interpretación distinta y no carente de argumentos es que los “criterios” del art. 14 no son
simples ejemplos del mandato general de igualdad, sino tipos específicos de desigualdad que se
traducirían en una prohibición de discriminaciones injustas, pero que admitirían, eso sí mediante
un examen estricto, discriminaciones justas, como la llamada discriminación inversa. Vid. A Ruiz
Miguel, “Las huellas de la igualdad en la Constitución”, en Pensar la igualdad y la diferencia. Una
reflexión filosófica., M. Reyes-Mate (ed.), Argentaria, Visor, Madrid, 1995, p. 116 y s. En todo
caso, creo que la discusión no es aquí relevante: se interpreten como se interpreten, los criterios del
art. 14 no encarnan prohibiciones absolutas, sino razones que pueden ser superadas.
187
decisión constitucional de acabar con una histórica situación de inferioridad
atribuida a la mujer, siendo inconstitucional la diferenciación normativa
basada en dicho criterio. Con todo, en la perspectiva del art. 9.2 C.E., de
promoción de las condiciones de igualdad no se considera discriminatorio
que... se adopten medidas de acción positiva en beneficio de la mujer
68
.
Ahora bien, si no existe a priori ninguna razón que impida un
trato diferenciador, tampoco debe existir ninguna razón que lo imponga.
Así lo ha declarado el Tribunal Constitucional: el artículo 14 no funda
un derecho a exigir divergencias de trato, sino un derecho a no sufrir
discriminacn
69
. Esto no significa propiamente que un trato diferente no
pueda venir impuesto en algunas ocasiones, como ha reconocido el propio
Tribunal Constitucional
70
, sino que ese trato diferente no puede ser exigido
sólo como un imperativo de la segunda parte del principio de igualdad, es
decir, de aquella que ordena tratar de forma desigual lo que es desigual. Por
tanto, que lo desigual debe ser tratado de forma desigual supone tan sólo
que pueden existir razones que permitan o que, valoradas todas las demás
razones en pugna, impongan dicha desigualdad, no que exista algún criterio
que siempre y en todo caso obligue a la diferenciación; del mismo modo que
ni siquiera los criterios del artículo 14 prohiben siempre su utilización como
elementos de trato diferenciado, así tampoco existe ningún criterio que, en
virtud de la máxima de igualdad, imponga siempre un trato desigual; y ello
pese a que, lo mismo que existen “igualdades normativas”, existen también
“desigualdades normativas”, como la contenida en el artículo 103, 3 cuando
establece que mérito y capacidad son dos criterios a valorar en el acceso a
la función pública.
71
Así pues, igualdad de iure e igualdad de hecho, o igualdad formal
y real
72
son modalidades tendencialmente contradictorias, pues quien
desee crear igualdad de hecho tiene que aceptar desigualdades de iure”
73
,
dado que el logro de la igualdad real consiste precisamente en operar
diferenciaciones de tratamiento normativo a fin de compensar por vía
68 STC 3/19 93
69 STC 52/1987 y 48/1989.
70 “El principio de igualdad, si bien ordena tratar de modo distinto a lo que es diferente, también
exige que haya una correspondencia o proporcionalidad...”, STC 50/1991.
71 Que el mérito y la capacidad sean circunstancias que obliguen a establecer diferencias en el acceso
a la función pública no significa, por cierto, que, a su vez, no puedan ser superadas por razones más
fuertes. Por ejemplo, la STC 269/94 considera legítima la reserva de plazas de funcionario en favor
de los minusválidos, entendiendo que no constituye una discriminación (que de iure lo es), sino al
contrario, un restablecimiento de la igualdad de hecho en la linea del art. 9.2
72 F. Laporta, “El principio de igualdad”, citado, p.27.
73 R. Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, citado, p. 404
188
jurídica una previa desigualdadctica. Son modalidades tendencialmente
contradictorias, pero que han de convivir en el plano constitucional, y de
ahí que tampoco exista ninguna razón a priori que imponga siempre, como
razón definitiva, un tratamiento desigual, y ello aunque sólo sea porque
habrá de enfrentarse con las razones que avalen o apoyen la igualdad de
iure y porque esta clase de igualdad suele tomar como criterio de distinción
alguno de los prohibidos por el art. 14
74
.
Todo ello pone de relieve que la igualdad opera como -según una
cierta versn de la diferencia entre reglas y principio- se supone que hacen
los principios, es decir, como mandatos de optimización que, cuando
entran en conflicto, requieren un ejercicio de ponderación. Las reglas, en
efecto, sólo admiten un cumplimiento pleno, mientras que los principios
son mandatos de optimización que ordenan que se realice algo en la mayor
medida posible
75
. La idea resulta particularmente fecunda en los casos de
conflicto o de colisión entre reglas y entre principios. En el primer supuesto,
o bien se declara inválida una de las reglas, o bien una de ellas opera siempre
como excepción de la otra; en cambio, una colisión entre principios no se
traduce en una pérdida de validez de alguno de ellos, sin que sea preciso
tampoco formular una claúsula de excepción con carácter general, sino que
cede uno u otro según las circunstancias del caso. Decidir cuál es el que
triunfa exige un juicio de ponderación que valore el peso relativo de las
razones que fundamentan cada uno de los principios en pugna
76
; juicio que
ciertamente no proporciona una solución indubitada, sino que representa
un llamamiento al ejercicio de la racionalidad.
Pues bien, al margen de la virtualidad del criterio comentado en
orden a la distinción entre reglas y principios, no cabe duda que resulta
particularmente útil en relación con la igualdad, pues ésta opera siempre
a partir de igualdades y desigualdades fácticas parciales que postulan
tratamientos tendencialmente contradictorios, cada uno de los cuales puede
alegar en su favor uno de los subprincipios que componen la igualdad:
74 F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional”, citado, p.35.
75 Vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 86 y s; también del mismo autor,
“Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica”, Doxa, nº5, 1988, p. 143 y s. En realidad,
no creo que todos los princpios sean mandatos de optimización y, de hecho, la igualdad no lo es.
Lo que ocurre es que, como se explica en el texto, los juicios sobre igualdad/desigualdad operan
como conflictos entre principios, esto es, según lo que Alexy llama mandatos de optimización
que, a su vez, se traducen en exigencias de ponderacn. Vid.s ampliamente mis Lecciones
de Teoría del Derecho, con J. Betegón, M. Gascón y J.R. de Páramo, Universidad de Castilla-La
Mancha, Librería Popular, Albacete, 1995, p. 324 y s.
76 Vid. L. Gianformaggio, Studi sulla giustificazione giuridica, Giappichelli, Torino, 1986, p. 117
189
tratar igual lo que es igual, y siempre habrá alguna razón para la igualdad
pues todos los seres humanos tienen algo en común, y desigual lo que
es desigual, y siempre habrá también alguna razón para la desigualdad
pues no hay dos seres humanos ni dos situaciones idénticas. Ciertamente,
como hemos indicado, parece existir una prioridad de la igualdad sobre
la diferenciación, de manera que la regla podría describirse del siguiente
modo: siempre existe alguna razón para la igualdad y, por tanto, ésta debe
postularse mientras que alguna desigualdad fáctica -que siempre existirá-
no proporcione una razón que permita o que, valoradas las razones en
pugna, imponga una regulación diferenciada.
c) La igualdad sustancial.
Así pues, la cuestión reside en si las desigualdades de hecho pueden
justificar desigualdades jurídicas orientadas precisamente a eliminar o
limitar el alcance de las primeras; y justificar, además, en calidad de una
posición subjetiva vinculada al art. 14, esto es, como una razón que en
última instancia puede imponer, y no sólo permitir, el tratamiento normativo
desigual. Por tanto, el problema es doble: de un lado, determinar qué tipo de
desigualdades de hecho cabe alegar como fundamento de una desigualdad
jurídica; y segundo, si en algún caso aquéllas desigualdades son capaces de
representar una razón suficiente que imponga el trato desigual.
Naturalmente, el primero de los interrogantes no puede ser
respondido aquí, pues encierra nada menos que la justificación política
del Estado social, de cuándo y en qué medida pueden alterarse las leyes
“naturales” (naturales en sentido estricto, pero también de fortuna social)
que permiten una participación desigual de las personas en el conjunto de
los bienes y de las expectativas. Baste decir (pues esto es ahora suficiente)
que las desigualdades que han de ser compensadas son las desigualdades
inmerecidas, pues, en palabras de Kymlicka,las porciones distributivas
no debieran estar influidas por factores que son arbitrarios desde el punto
de vista moral”
77
. Es obvio que no toda diferencia debe combatirse; al
contrario, algunas deben tolerarse y hasta tutelarse. Como escribe Ferrajoli,
el principio (o deber) de tolerancia sirve para fundar el conjunto de los
derechos de libertad”, pero además “debe hablarse de un principio (o deber)
de no tolerancia, que vale para fundamentar el concepto de los derechos
sociales: aquello que está en la bse de los derechos civiles, creencias y
77 W. Kymlicka, Filosofía política contamporanea. Una introducción, trad. de R. Gargarela, Ariel,
Barcelona, 1995, p. 70
190
planes de vida, debe ser tolerado; aquello otro que está en la base de los
derechos sociales, carencias o pobreza, no debe tolerarse
78
.
Pero, volviendo al segundo problema, ¿en qué medida la igualdad
material puede dar lugar a pretensiones concretas e inmediatamente
exigibles?; con base en el art. 14 y sin mediación legislativa, ¿es posible
reclamar una desigualdad de trato del mismo modo que se reclama la
eliminación de una discriminación directa o negativa?, ¿pueden las
exigencias de igualdad sustancial fundamentar una posición análoga a la
que proporciona las exigencias de igualdad formal?; en suma, si cabe pedir
que “los iguales sean tratados como iguales”, ¿cabe pedir también que “los
desiguales sean tratados como desiguales”?.
Como se recordará, la norma de la desigualdad presenta dos
peculiaridades: la primera es que funciona siempre como un principio,
pues, aunque haya razones para la desigualdad, siempre habrá alguna para
la igualdad; lo que significa que proporcionará en todo caso razones prima
facie, que han de “combatir” con principios opuestos. La segunda es que,
así como la igualdad resulta obligada cuando no exista ningún motivo
que permita el trato desigual, este último, en cambio, requiere que exista
una razón suficiente que, valoradas todas las razones en pugna, ordene el
tratamiento desigual
79
. Por tanto, la cuestión es si este último caso puede
concebirse en el marco del actual Estado constitucional.
Ciertamente, existe una dificultad inicial de no pequeño alcance,
y es que la igualdad de hecho se presta a múltiples interpretaciones y
concepciones, sin que la Constitución contenga un programa preciso de
distribución, ni una prelación exacta de las necesidades atendibles. Una
“política social” desarrollada por el Tribunal Constitucional cercenaría
la libertad de configuración que en este campo se reconoce al legislador,
único sujeto facultado para escoger, de entre las distintas concepciones,
la que en cada ocasión debe imperar. Además, y esta es la otra cara de
la misma moneda, la igualdad material requiere importantes recursos
financieros, escasos por definición, cuyo reparto forma parte también de
la libertad política de quien representa la voluntad popular. Por tanto, un
reconocimiento expreso de pretensiones subjetivas de igualdad de hecho con
base únicamente en la interpretación del art. 14, y sin mediación legislativa,
78 L. Ferrajoli, “Tolleranza e intollerabilità nello stato di diritto”, en Analisi e Diritto, Giappichelli,
Torino, 1993, p. 289. He tratados ampliamente de la fundamentacn de los derechos sociales
y de la igualdad sustancial, que es coincidente, en Estudios sobre derechos fundamentales,
Debate, Madrid, 1990, p. 43 y s.
79 Vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 408 y s.
191
supondría una intromisión exorbitante del Tribunal Constitucional en el
ámbito de la discrecionalidad del Parlamento. Como veremos, no ocurre
exactamente lo mismo ante derechos expresos de naturaleza prestacional,
pues éstos, por numerosas que sean las dificultades que presentan, entrañan
ya una cierta decisión constitucional en favor de la urgencia o exigibilidad
de determinados requerimientos de igualdad de hecho.
Por otra parte, aunque unido a lo anterior, desde el punto de vista
de la jurisdicción constitucional, la igualdad formal opera de un modo
muy distinto a como lo hace la igualdad material. Porque la primera, en
efecto, se traduce en una exigencia negativa que se acomoda bien a la
propia naturaleza del Tribunal concebido como legislador negativo; éste,
cuando declara que una ley, una sentencia o una decisión viola la igualdad
ante la ley desempeña normalmente una tarea de anulación, supresión
o eliminación, en suma, de depuración del ordenamiento. En cambio,
reconocer que alguien tiene derecho a una prestación porque así lo exige
la igualdad material implica una labor positiva, propiamente normativa,
donde el Tribunal sustituye al legislador dado que ha de crear una norma
que vincule determinada prestación con cierta posición de hecho.
Sin embargo, y aunque la articulación jurisdiccional tropiece con
serias dificultades, las objeciones que hemos visto no impiden por completo
que, en ciertos casos, pretensiones de igualdad material puedan formularse
como posiciones subjetivas amparadas por el derecho fundamental
a la igualdad. Desde luego, un reconocimiento abierto o general de
pretensiones de esta naturaleza parece inviable, pero un reconocimiento
matizado no debe excluirse. En concreto, creo que esa viabilidad se da en
tres supuestos: primero, cuando la igualdad material viene apoyada por un
derecho fundamental de naturaleza prestacional directamente exigible, lo
que supone una toma de posición constitucional que elimina toda ulterior
discusión; por ejemplo, se tiene derecho a la educación gratuita en ciertos
niveles sin necesidad de invocar una exigencia de igualdad sustancial, pues
“el derecho de todos a la educación (presenta) una dimensión prestacional,
en cuya virtud los poderes públicos habrán de procurar la efectividad
de tal derecho y hacerlo, para los niveles básicos de la enseñanza, en las
condiciones de obligatoriedad y gratuidad...
80
.
El segundo supuesto tiene lugar cuando una pretensión de igualdad
sustancial concurre con otro derecho fundamental, aun cuando no sea de
naturaleza prestacional. Naturalmente, sería de todo punto apresurado
80 STC 86/1985
192
suponer que las libertades “negativas” generan sin más un derecho a obtener
prestaciones concretamente exigibles; de nuevo hay que decir que, si bien
los poderes públicos pueden “subvencionar” la libertad
81
, no están obligados
a hacerlo. Sin embargo, al menos hay un caso en el cabe afirmar que una
libertad o garantía genera una exigencia de igualdad material traducible en
una prestación: el derecho a la defensa y asistencia de Letrado
82
.
En efecto, ya en una temprana sentencia de 1982, el Tribunal
Constitucional observaba que tal derecho, concebido inicialmente en el
marco del Estado de Derecho, había de ser reinterpretado en el marco
del Estado social, sugiriendo que “la idea del Estado social de Derecho
y el mandato genérico del art. 9.2 exigen seguramente una organización
del derecho a ser asistido de Letrado que no haga descansar la garantía
material de su ejercicio por los desposeidos en un munus honorificum de
los profesionales de la abogacía
83
. Más claramente, proporcionar asistencia
letrada “se torna en una obligación jurídico-constitucional que incumbe
singularmente a los órganos judiciales, hasta el punto de que puede
originarse una situación de indefensión “si al litigante carente de recursos
económicos no se le nombra un defensor de oficio
84
.
Así pues, la garantía de la tutela judicial efectiva no genera un
derecho universal al asesoramiento gratuito de abogado, pero sí puede
fundamentar una pretensión de esa naturaleza cuando el sujeto, además
de hallarse en una situación de necesidad económica, resulta acreedor a la
tutela que ofrece el art. 24. Esto es, el art. 24 protege unos derechos que se
postulan como universales, de manera que, ante carencias de hecho, puede
poner en marcha acciones de igualdad material; o, si se prefire a la inversa,
una medida de igualdad material se hace concretamente exigible cuando de
la misma depende una garantía a la que “todos tienen derecho”.
Finalmente, el último supuesto se produce cuando una exigencia de
igualdad material viene acompañada por una exigencia de igualdad formal.
Porque, en efecto, uno de los problemas que presenta la discriminación
positiva es que suele faltar un tertium comparationis suficientemente
81 Por ejemplo, “el hecho de que el Estado preste asistencia religiosa católica a los individuos de las
Fuerzas Armadas no sólo no determina lesión constitucional, sino que ofrece, por el contrario,
la posibilidad de hacer efectivo el derecho al culto de los individuos y comunidades”, STC.
24/1982.
82 Curiosamente el mismo caso sirve de ejemplo para ilustrar la jurisprudencia alemana e italiana
a propósito de la igualdad sustancial. Vid. R. Alexy Teoría de los derechos fundamentales,
citado, p.403; R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamiento degle interessi nella giurisprudenza
costituzionale, Giuff, Milano, 1992, p.116.
83 STC. 42/1982.
84 STC. 132/1992.
193
sólido o convincente: que el Estado subvencione la educación o atienda
las situaciones de extrema necesidad no puede ser invocado como
discriminatorio por quien pretende una vivienda gratuita o de precio
reducido, pues, según hemos dicho, la Constitución carece de un programa
ordenado de distribución de los recursos. Otra cosa sucede, sin embargo,
si los poderes públicos deciden entregar viviendas gratuitas a una cierta
categoría de personas y utiliza en la delimiación de esa categoría un criterio
irracional, falto de proporción o de cualquier modo infundado; entonces, una
pretensión de igualdad material, en principio no exigible ante el Tribunal
Constitucional, se fortalece o adquiere virtualidad gracias al concurso de
la igualdad formal: el legislador decide que esa pretensión está justificada,
pero “clasifica” mal el nucleo de destinatarios merecedores de la misma y,
por tanto, quienes resultan discriminados pueden reclamar unos beneficios
a los que, de otro modo, no tendrían derecho. Esta es la razón de ser de
muchas de las llamadas sentencias aditivas del Tribunal Constitucional
85
,
es decir, de aquellas decisiones en las que el Tribunal extiende a sujetos no
mencionados en la norma los “beneficios” en ella previstos; por ejemplo,
la STC 103/1983, que amplió para los viudos el régimen de pensiones más
favorable establecido para las viudas; o la 116/1987, que consideró que los
militares republicanos ingresados en el Ejército después de la rebelión del
18 de julio de 1936 merecían iguales atenciones que aquellos que lo hicieron
con anterioridad. Muy probablemente, ni los viudos ni los viejos defensores
de la República hubiesen podido fundar una pretensn iusfundamental a la
obtención de cierta clase de pensión o ayuda de no ser porque el legislador
decidió previamente que tal pretensión estaba justificada para cierto colectivo
análogo. Es verdad que las consideraciones de igualdad sustancial no
bastan y que se requiere además el concurso de la igualdad formal; pero esta
última tampoco constituye la justificación de la pretensión iusfundamental,
sino que simplemente proporciona el término de comparación que permite
considerar irracional la exclusión de un sujeto o grupo.
Ciertamente, este género de sentencias plantean problemas tanto
desde el punto de vista de las relaciones entre el legislador y el juez
constitucional, como desde la perspectiva de la articulación de la igualdad
en forma de prestaciones. Lo primero porque, como es obvio, las “adiciones
o manipulaciones
86
convierten a quien en la concepción kelseniana era un
85 R. Bin las denomina más claramente “sentencias aditivas de prestación”, Diritti e argomenti...,
citado, p. 117
86 Por ejemplo, la sentencia de la Corte Constitucional italiana 215/1987 ordena que allí donde la ley
dice queserá facilitada la integración de los minusválidos en la escuela, en lo sucesivo diga que
“será garantizada”. Vid. R. Bin,Diritti e argomenti, citado, p.119.
194
legislador negativo en un legislador positivo
87
. Y lo segundo porque el
Tribunal es un órgano poco idoneo o casi imposibilitado para establecer las
estructuras administrativas, los procedimientos y las variadas modalidades
que exigen o admiten los derechos prestacionales
88
. Con todo, si las
sentencias aditivas prestacionales son posibles, es porque resultan también
posibles pretensiones basadas en la igualdad material.
La Constitución, pues, ampara directamente posiciones iusfunda-
mentales de igualdad de hecho, si bien con un carácter fragmentario que exige
el concurso de otras razones, es decir, de otros derechos o de la propia igualdad
formal. Más concretamente, parece que los “complementos” que requiere la
igualdad sustancial desempeñan funciones distintas. La concurrencia de un
derecho prestacional inmediatamente exigible, como la enseñanza, implica
la consagración constitucional de una concreta pretensión adscribible a la
igualdad de hecho; que los poderes públicos tienen la obligación de prestar
el servicio de la enseñanza supone por ello una toma de posición que elimina
toda ulterior discusión: se tiene derecho a la educación gratuita en ciertos
niveles sin necesidad de invocar el art. 14. A su vez, la concurrencia de
un derecho en principio no prestacional, como el derecho de defensa y a
la tutela efectiva, implica una cierta presunción de que el bien tutelado es
valioso y merece protección; esto es, que, entre los múltiples objetivos que
pueden perseguir las acciones positivas de prestación, hay algunos que
aparecen “privilegiados” por la Constitución (los derechos fundamentales),
representando en consecuencia una razón fuerte en favor de la adopción de
medidas de igualdad material. Por último, la presencia de un argumento
de igualdad de iure o ante la ley significa que, de entrada, no existiría un
derecho constitucional a prestaciones, pero que, dada la opción legislativa
en favor de ofrecer esas prestaciones a ciertos destinatarios, un imperativo
de racionalidad o coherencia exige su extensión a otros sujetos.
5.- La naturaleza de los derechos prestacionales.
a) El problema de su valor jurídico.
Creo que existe una cierta conciencia de que los derechos sociales
en general y muy particularmente los derechos prestacionales o no son
87 Vid. F. Rubio,La jurisdicción constitucional como forma de creación de Derecho, Revista
Espola de Derecho Constitucional, nº22, p. 38;M. Gascón, “La justicia constitucional: entre
legislación y jurisdicción”, Revista Española de Derecho Constitucional, nº41, p. 66 y s.
88 Vid. L. Elia, “`Consitucionalismo cooperativo´. `Racionalidad´ y `Sentencias aditivas´ en
la jurisprudencia italiana sobre control de normas”, en División de poderes e interpretación,
Tecnos, Madrid, 1987.
195
auténticos derechos fundamentales, representando una suerte de retórica
jurídica, o bien, en el mejor de los casos, son derechos disminuidos o
en formación. Esto ocurre incluso en la que parece ser filosofía política
dominante, que concibe a estos derechos como expresión de principios
de justicia secundarios, cuando no peligrosas confirmaciones del criterio
utilitarista que amenaza el disfrute de los derechos individuales; o sea, en
ningún caso se trata de triunfos frente a la mayoría e incluso, en no pocas
exposiciones, aparecen como los principales enemigos que han de superar
esos triunfos
89
. Consecuentemente, de otro lado, en el panorama que ofrecen
los ordenamientos de corte liberal, los derechos prestacionales tienden a
situarse en el etéreo capítulo de los principios programáticos, muy lejos,
desde luego, de las técnicas vigorosas de protección que caracterizan a los
derechos fundamentales
90
. La simple lectura del art. 53 de la Constitución
española confirma esta impresn: existen unos derechos civiles y políticos
intangibles para el legislador y rodeados de múltiples garantías, y existen
unos principios (ni siquiera derechos) rectores de la política social y
económica que “informan la legislación positiva, la práctica judicial y la
actuación de los poderes públicos”, pero que “sólo podn ser alegados ante
la jurisdicción ordinaria de acuerdo con lo que dispongan las leyes que los
desarrollen.
Ciertamente, no todos los derechos prestacionales se hallan
recogidos en el Catulo III del Título I, ni, por cierto, en ese capítulo hay
sólo derechos prestacionales, pero no cabe duda que el grueso de la que
pudiéramos llamar promesa prestacional de la Constitución se encuentra
bajo dicha rúbrica. Por eso, es muy significativo el juicio de uno de los
primeros comentaristas: el Capítulo III, decía Garrido Falla en 1979, “está
lleno de declaraciones retóricas que por su propia vaguedad son ineficaces
desde el punto de vista jurídico
91
, pues para que una declaración tenga
carácter jurídico no basta su inclusión en un texto constitucional o legal,
sino que además es necesario “que tenga estructura lógica de norma jurídica:
que sea una orden, un mandato, prohibición...
92
, esto es, que adopte una
determinada estructura lingüística imperativa.
Esta es una idea ampliamente extendida. Por citar sólo un par de
ejemplos, decía E. Forsthoff que el intento de dar vida a derechos sociales
89 He tratado este punto en mis Estudios sobre derechos fundamentales, citado, p.43 y s.
90 Vid. J.L. Cascajo, La tutela constitucional de los derechos sociales, citado, p. 77 y s.
91 F. Garrido Falla,El a rtículo 53 de la Constitución”, Revista Española de Derecho Ad minist rativo,
nº21, 1979, p. 176
92 F. Garrido Falla,”Comentario al art. 53” en F. Garrido Falla y otros, Comentarios a la
Constitución,Civitas, Madrid, 198o, p. 590
196
tenía que fracasar, porque formulaciones de este tipo no son aptas para
fundamentar derechos y deberes concretos”
93
. Más rotundamente, escribe
Ph. Braud que “los derechos-obligaciones positivas... no son normas
jurídicas, pues carecen de una condición indispensable: la aptitud para la
efectividad” y, siendo así, “se sitúan fuera del Derecho
94
.
Me parece que esta posición ha sido hoy mayoritariamente
abandonada, pues “ya no se puede dar por buena la vieja tesis, de la época
de Weimar, según la cual la imposibilidad de la aplicación inmediata
de los derechos sociales constitucionales viene dada por su propia
indeterminación
95
. Sin duda, los principios rectores del Capítulo III,
como todos los valores y principios de la Constitución, tienen naturaleza
jurídica y participan de la fuerza propia de las normas constitucionales
96
.
Ante todo, porque la formulacn lingüística del precepto no es un criterio
definitivo para separar el Derecho de las buenas intenciones, pues, al
margen de que no todos los derechos prestacionales aparecen con la misma
estructura lingüística, lo cierto es que la concepción del positivismo teórico
a propósito de las normas puede considerarse superada: sencillamente, no
es cierto que allí donde falta un supuesto de hecho o una consecuencia
jurídica perfectamente delimitados falte una norma jurídica
97
. Que las
normas materiales de la Constitución seanen general esquemáticas,
abstractas, indeterminadas y elásticas
98
no representa ninguna dificultada
su carácter vinculante. En suma, la fuerza jurídica y el valor constitucional
de las disposiciones de principio están hoy suficientemente acreditados
99
;
y, por otra parte, la llamada retórica constitucional no es monopolio del
Capítulo III, sino que es posible hallarla en otros pasajes constitucionales,
incluso dentro de la sección 1ª del Capítulo II, como en el art. 27.2º.
b) Dimensión objetiva de los derechos prestacionales.
En cuanto que normas objetivas, las claúsulas que recogen derechos
93 E. Forsthoff, El Estado de la sociedad indistrial, trad de L. López Guerra y J. Nicolás Miz,
Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1975, p.258
94 Ph. Braud, La notion de liberté publique en Droit fraais, LGDJ, París, 1968, p. 152 y s.
95 J.L. Cascajo, La tutela constitucional de los derechos sociales, citado, p. 70. En igual sentido,
A. Garrorena, El Estado español como Estado social y democrático de Derecho, Universidad de
Murcia, 1980, p. 66 y s.; J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación, citado, p. 252.
96 Vid. el estudio más detallado de M. Aragón, Constitución y Democracia, Tecnos, Madrid, 1989,
p.74 y s.
97 He tratado este tema más ampliamente en las Lecciones de Teoría del Derecho, con J. Betegón,
M. Gascón y J.R. de Páramo, citado, p.323 y s.
98 Vid. F. Rubio, “La Constitución como fuente del Derecho”, citado, p. 63.
99 He tratado la cuestión más detenidamente en Sobre principios y normas. Problemas del
razonamiento jurídico, C.E.C., Madrid, 1992, p.135 y s.
197
sociales o prestacionales vinculan a todos los poderes públicos, incluido
el legislador, por lo que, en principio, nada impide que sean invocados en
cualquier instancia jurisdiccional y, por supuesto, que sirvan de pametro
para el juicio de constitucionalidad. Böckenförde ha resumido esa
vinculación efectiva en tres aspectos: el fin o programa que supone un
derecho prestacional se sustrae a la en otro caso libertad del legislador; es
inadmisible la inactividad o la desatención evidente y grosera por parte de
los poderes públicos; y, por último, la satisfacción conferida a un derecho
prestacional, una vez establecida, se muestra relativamente irreversible, en
el sentido de que está protegida frente a una supresión definitiva o frente a
una reducción que traspase los límites hacia la desatención grosera
100
La jurisprudencia del Tribunal Constitucional pone de relieve que
la toma en consideración de los principios rectores y de los derechos
prestacionales en cuanto que normas objetivas no es meramente retórica.
Por ejemplo, en una cuestión de inconstitucionalidad acerca del art.160 de
la Ley de Seguridad Social de mayo de 1974, el Tribunal acude al principio
rector del art. 41 nada menos que para considerar caduco un modelo de
Seguridad Social basado en el principio contributivo y de compensación
frente al daño, y sustituirlo por un sistema basado en la protección frente
a la necesidad o la pobreza económica. En concreto, “acoger el estado
o situación de necesidad como objeto y fundamento de la protección
implica una tendencia a garantizar a los ciudadanos un mínimo de
rentas, estableciendo una linea por debajo de la cual comienza a actuar
la protección”
101
. Y, confirmando esta doctrina, una sentencia posterior
declara que la Seguridad Social representa hoy una “función del Estado”
cuya finalidad constitucional es la “reducción, remedio o eliminación de
situaciones de necesidad”
102
.
Precisamente, con motivo de otro asunto sobre pensiones, el Tribunal
tuvo oportunidad de sentar una doctrina bastante nítida acerca del valor de
los principios rectores y de su importancia en la interpretación constitucional.
Ante todo, pone de relieve la conexión exitente entre el principio del Estado
social y democrático de Derecho (art.1,1), la igualdad sustancial (art.9,2) y
los principios rectores del Capítulo III, cuyo régimen jurídico establecido
100 Vid. E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 81.
101 STC 103/1983
102 STC 65/1987. La STC 37/1994, si bien reconoce la libertad del legislador para modular la acción
protectora del sistema, recuerda que el art. 41 “consagra en forma de garantía institucional un
régimen público” cuyo “nucleo o reducto indisponible por el legislador... ha de ser preservado
enrminos recognoscibles para la imagen que de la misma tiene la conciencia social en cada
tiempo y lugar”.
198
en el art.53,3impide considerar a tales principios como normas sin
contenido y que obliga a tenerlos presentes en la interpretación tanto de las
restantes normas constitucionales como de las leyes; particularmente, en
este caso el juego de los tres criterios enunciados se muestra fundamental
para enjuiciar cuándo una desigualdad jurídica entra discriminación;
más aún, el art. 50 relativo a la protección de la vejez resulta ser un “criterio
de interpretación preferente”
103
. Cabe decir que hoy esta es una doctrina
plenamente consolidada: los principios rectores, “al margen de su mayor
o menor generalidad de contenido, enuncian proposiciones vinculantes en
términos que se desprenden inequívocamente de los artículo 9 y 53 de la
Constitución
104
.
La proclamación del valor normativo de los principios rectores es
f r e cu en te e n l a ju r i sp r u de nc ia co n st it u c io na l , si bie n la co nc re t a o p er a t iv i da d
de los mismos no resulta siempre uniforme y generalmente depende de la
presencia de otras disposiciones constitucionales relevantes para el caso.
Así, en ocasiones, los principios vienen a justificar limitaciones a ciertos
derechos que de otra manera acaso no podrían formularse: la protección
del medio ambiente (art.45) juega como límite a la explotación de los
recursos naturales y al aumento de la producción, en suma, al derecho de
propiedad
105
; del mismo modo, la política de pleno empleo (art. 40) “supone
una limitación de un derecho individual, como el derecho al trabajo” (art.
35), limitación que está justificada porque “se apoya en principios y valores
asumidos constitucionalmente, como son la solidaridad, la igualdad real
y efectiva y la participación de todos en la vida económica del país
106
.
Otras veces, en cambio, es el propio Tribunal quien armoniza distintas
disposiciones, concretando el alcance de algún principio; por ejemplo, el
principio de protección a la familia (art. 39) no sólo constituye un límite
a la embargabilidad de bienes
107
, sino que permite derivar a través del
art. 14 una igualación “por arriba” entre civiles y militares en materia de
embargo de haberes
108
; y el genérico principio del Estado social unido a
las exigencias de la igualdad sustancial obliga a realizar la equiparación de
sexos extendiendo la regulación más favorable: “dado el carácter social y
democrático del Estado de Derecho... y la ogligación que al Estado imponen
103 STC 19/1982
104 STC 14/1992
105 STC 64/1982 y 66/1991
106 STC 22/1981
107 STC 113/1989
108 STC 54/1986
199
los arts. 9,2 y 35... debe entenderse que no se puede privar al trabajador sin
razón suficiente para ello de las conquistas sociales ya conseguidas. De esta
manera... no debe restablecerse la igualdad privando al personal femenino
de los beneficios que en el pasado hubiera adquirido, sino otorgando los
mismos al personal masculino”
109
.
Finalmente, si antes vimos que un derecho prestacional
inmediatamente exigible como la educación daba lugar a posiciones
subjetivas de igualdad sustancial, cabe constatar también que la conexión
de esta última a una directriz o principio rector puede hallarse en la base
de una norma objetiva. En este sentido, la jurisprudencia en materia de
igualdad de la mujer trabajadora resulta interesante al menos por dos
motivos: primero, porque el sexo no sólo constituye uno de los criterios
prohibidos por el art. 14 en orden al establecimiento de desigualdades
normativas, sino porque además el art. 35,1 reitera que en materia laboral “en
ningún caso puede hacerse discriminación por razón de sexo”; y segundo,
porque el enunciado prestacional que sirve para amparar desigualdades
jurídicas en favor de una igualdad de hecho para la mujer resulta ser tan
amplio o impreciso como el contenido en el art.39,2: “Los poderes públicos
aseguran, asimismo, la protección...de las madres”. Pues bien, pese a ello,
el Tribunal Constitucional “no puede ignorar” que existe una realidad
de hecho discriminatoria para la mujer, por lo que, en tanto perdure,no
pueden considerarse discriminatorias las medidas tendentes a favorecer el
acceso al trabajo de un grupo en situación de clara desigualdad social”
110
;
ess, el mandato de “interdicción de la discriminación implica también
la adopción de medidas que tratan de asegurar la igualdad efectiva de trato
y oportunidades de la mujer y del hombre”
111
La jurisprudencia examinada creo que pone de relieve una
virtualidad y una insuficiencia. La virtualidad es que los principios
rectores y los derechos prestacionales que derivan de los mismos encarnan
normas objetivas de eficacia directa e inmediata al menos en dos aspectos:
como cobertura de una acción estatal que en otro caso pudiera resultar
lesiva desde la perspectiva de ciertos derechos y libertades; y como pautas
109 STC 81/1982. Por cierto, en esta sentencia pudiera apreciarse un atisbo del principio de
irreversibilidad de las conquistas sociales; vid. L. Parejo, Estado social y Administración pública,
Civitas, Madrid, 1983, p. 89 y s. Sin embargo, no creo que el Tribunal Constitucional llegue tan
lejos: la igualaciónpor arriba entre trabajadores y trabajadoras es una opción interpretativa
estimulada por los principios del Estado social y de la igualdad sustancial, pero ello no impide
que “en el futuro el legislador pueda establecer un régimen diferente del actual.
110 STC 128/1987
111 STC 109/1993
200
interpretativas de disposiciones legales o constitucionales, permitiendo
soluciones más acordes con el modelo del Estado social. En consecuencia,
sirven principalmente para justificar leyes ya dictadas desde el impulso
político o también para escoger significados posibles dentro del ámbito
semántico de esas leyes. En particular, creo que esta última es la dimensión
más interesante desde el punto de vista de la interpretación constitucional:
dada la pluralidad de significados, es decir, de normas que cabe obtener
de todo enunciado lingüístico
112
, los principios rectores se muestran como
razones a favor de escoger aquellas más acordes con la igualdad sustancial
y, en general, con los valores que están dets del Capítulo III.
La insuficiencia me parece que también es doble: primero, y
seguramente por la propia formulación lingüística de los principios rectores,
por lo común indicativa y genérica, no puede decirse que resulte habitual
invocarlos como parámetro único para acordar la inconstitucionalidad de
una ley, aunque ello no resulte jurídicamente imposible; si cabe decirlo a,
los principios rectores entran en escena más para respaldar al legislador
que para sancionarlo, y es que los enunciados constitucionales resultan aquí
lo suficientemente amplios como para que casi cualquier política pueda
justificarse, pero también para que casi ninguna pueda reputarse como
obligatoria. La segunda, y acaso más importante, es que a partir de los
principios rectores es difícil construir posiciones subjetivas de prestación,
no sólo porque existan dificultades procesales para que los sujetos titulares
puedan reivindicar su cumplimiento, dos problemas que conviene a mi juicio
separar, sino por otras razones que serán seguidamente examinadas.
c) Dimensión subjetiva de los derechos prestacionales.
Así pues, que la toma en consideración de los derechos prestacio-
nales resulte relevante todavía no demuestra que los mismos puedan
cimentar auténticas posiciones subjetivas iusfundamentales del mismo
tipo que las que nacen de las libertades individuales; es decir, posiciones
que supongan el reconocimiento constitucional a determinada prestación
en ausencia de ley que desarrolle el principio rector, o incluso contra la
voluntad de la mayoría expresada en la ley. Pero para abordar esta cuestn
conviene aclarar dos aspectos, a saber: el estatus constitucional de los
derechos prestacionales y las eventuales dificultades de su tutela judicial
derivadas de la exigencia de desarrollo legislativo.
112 Vid. R. Guastini, Dalle fonti alle norme, Giappichelli, Torino, 1990p. 15 y s.
201
Por lo que se refiere a la primera cuestión, conviene advertir que, si
bien la mayor parte de los derechos prestacionales aparecen en el devaluado
Capítulo III, algunos otros gozan de la máxima protección jurídica. Ya
hemos tenido oportunidad de referirnos a la asistencia y defensa letrada;
desde luego, es evidente que aquí los poderes públicos tienen una cierta
libertad de configuración en orden a regular las formas y modalidades de
las prestaciones, pero en ningún caso hasta el punto de suprimir o debilitar
absolutamente el derecho: en determinadas circunstancias, toda persona
tiene derecho a obtener y el Estado la obligación de proporcionar defensa
letrada gratuita. Lo mismo cabe decir del derecho a la educación: también
aquí el legislador dispone de una amplia discrecionalidad para organizar la
enseñanza, pero al final ha de garantizar la escolarización gratuita de todos
los niños en los nieves básicos, y esta es sin más una pretensión accionable
ante los Tribunales, incluido el Constitucional
113
. En ambos casos, y por
muy amplia que sea la libertad de configuración del legislador como
consecuencia de la propia imprecisión del precepto, el estatus constitucional
fuerte de estos derechos prestacionales, es decir, su inclusión en la seccn
1ª del Capítulo II, parece resolver el problema de su tutela judicial; luego
este último no deriva inicialmente, como a veces parece pensarse, sólo de
la estructura lingüística del enunciado que reconoce el derecho: aunque
sea mucho lo que le corresponde decir al legislador, la tutela judicial del
derecho a una prestación educativa está fuera de duda, y esa tutela se
proyecta lógicamente sobre dimensiones subjetivas.
Sin embargo, y esta es la segunda cuestión previa, resulta que la
mayor parte de los derechos prestacionales aparece recogida en el Capítulo
III del Título I y, por tanto, se ve afectada por el art. 53,3: los principios
rectores/derechos prestacionales “informarán la legislacn positiva,
la práctica judidical y la actuación de los poderes públicos”, pero “sólo
podrán ser alegados ante la Jurisdicción ordinaria de acuerdo con lo que
dispongan las leyes que los desarrollen. Como ya se ha dicho, la redacción
del precepto no es muy afortunada, pero en modo alguno puede suponerse
que los arts. 39 y siguientes de la Constitución no sean alegables ante los
tribunales ordinarios, pues, si su reconocimiento, respeto y protección debe
informar la “práctica juducial, es evidente que nolo son alegables, sino
113 En cambio, como es comprensible, el Tribunal Constitucional ha interpretado muy cautamente
el art. 35, donde se reconoce el derecho al trabajo. En su opinión, este derecho presenta dos
dimensiones muy distintas: de libertad, tutelada por el art. 35, y de prestación, que adsbribe, en
cambio, al art. 40.1, que simplemente establece que los poderes públicos “realizan una política
orientada al pleno empleo”. Vid STC 22/1981
202
que deberán ser aplicados por los tribunales. En realidad, lo que el precepto
parece querer decir es que los principios rectores no son todavía derechos en
sentido técnico
114
, es decir, no amparan una concreta acción ante la justicia
dirigida a obtener la prestación “prometida. Las normas constitucionales
son directamente invocables y aplicables en el curso de cualquier
controversia jurídica, pero su configuración como verdaderos derechos
accionables ante la jurisdicción requiere la mediación del legislador, cuya
función será concretar el alcance de la declaración, establecer formas de
tutela, etc. Esta conclusión se obtenía con mayor claridad de la primitiva
redacción del precepto
115
, pero la fórmula vigente debe conducirnos al
mismo resultado.
Ahora bien, esta exigencia de desarrollo legislativo no vacía de
contenido constitucional a los derechos prestacionales, ni siquiera impide
que pueda apreciarse en ellos una dimensión subjetiva. Primero, porque la
intervención del legislador es necesaria para articular derechos subjetivos
accionables ante los tribunales y sólo conveniente para perfilar los
contornos de unos derechos que ya existen en y desde la Constitución. Y,
segundo, porque el desarrollo legislativo resulta también imprescindible
en otros muchos derechos fundamentales
116
, y del mismo modo que en la
hipótesis (absurda) de que el Estado decidiese desmantelar la organización
de justicia o en la (no tan absurda) de que quisiera hacer lo propio con el
sistemablico de enseñanza, ni el derecho a la tutela judicial ni el derecho
a la educación dejarían de ser derechos constitucionales, así tampoco los
derechos prestacionales deben su existencia a la actitud del legislador. Pero,
sobre todo, conviene insistir en que la restricción contenida en el art. 53,3
afecta sólo a las posibilidades de tutela judicial ordinaria, que acaso sea
la principal consecuencia de la dimensión subjetiva de un derecho, pero
que no se identifica con ella. El mencionado precepto no impide - entre
otras cosas porque no podría hacerlo- que por vía interpretativa se perfilen
pretensiones subjetivas a partir de enunciados prestacionales, por más que
esa interpretación no pueda producirse en el curso de un proceso ordinario
iniciado por el sujeto titular con el único apoyo de un principio rector. Así
pues, con desarrollo legislativo o sin él, si los derechos prestacionales del
114 Empleo aquí la terminología de Kelsen: “un derecho subjetivo en sentido técnico (consiste) en
un poder jurídico otorgado para llevar adelante una acción por incumplimiento de la obligación”,
Teoría pura del derecho, 2º ed.1960, trad de R. Vernengo, UNAM, Mexico, 5ª ed., 1986, p. 147.
115 En el proyecto constitucional publicado en el Boletín Oficial de las Cortes de 5 de enero de
1978 se decía queno podrán ser alegados directamente como derechos subjetivos ante los
tribunales.
116 Vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 496
203
Capítulo III han de informar la práctica judicial, es que pueden ser objeto
de interpretación por los tribunales ordinarios, cualquiera que sea la via
judicial utilizada; y, desde luego, resultan justiciables también ante el
Tribunal Constitucional, y no sólo a través del recurso y de la cuestión de
inconstitucionaliodad, sino acaso también mediante el recurso de amparo.
Ciertamente, esta posibilidad requiere una interpretación algo tortuosa,
dado que los principios rectores del Capítulo III están excluidos del recurso
de amparo, pero creo que no se encuentra impedida por completo; por
ejemplo, cabría articular dicho recurso a través de alguno de los derechos
susceptibles de obtener tutela judicial mediante ese procedimiento para
seguidamente ser interpretado a la luz o en conexión con un derecho
prestacional
117
. En suma, que la jurisdicción ordinaria no pueda brindar
tutela directa a posiciones subjetivas nacidas de un derecho prestacional
mientras falte el desarrollo legislativo, según establece el art. 53,3, no
significa que en el curso de cualquier procedimiento tenga prohibida la
consideración de los principios rectores, como tampoco impide que haga lo
propio el Tribunal Constitucional por cualquier camino procesal, incluido
el amparo si reculta viable a través de otro derecho
118
.
Por otra parte, el recurso de amparo resulta posible una vez que
se haya producido el desarrollo legislativo a que alude el art. 53,3 y, por
tanto, una vez que la jurisdicción ordinaria tenga competencia para conocer
demandas directamente orientadas a la tutela de derechos prestacionales.
En efecto, del mismo modo que cuando la violación de un derecho se ha
producido en una relación jurídico privada el Tribunal Constitucional
imputa la infracción al juez que no puso el adecuado remedio, considerando
que en su omisión se encuentra el “origen inmediato y directo” de la
violación (art.44,1 LOTC)
119
, así también cuando un derecho prestacional
no resulta satisfecho por el sujeto público o privado llamado a cumplirlo y
la jurisdicción deja de prestar la adecuada tutela, cabe admitir el amparo
contra la sentencia correspondiente; siempre, claro está, que además
117 Cabe hablar aquí de una ampliación del ámbito del recurso de amparo por vía de conexión, esto
es, de la tutela de una garantía o derecho en principio excluido del nucleo protegido, pero que se
puede conectar a otro derecho susceptible de amparo. Por ejemplo, el Tribunal Constitucional ha
defendido una especie de derecho al rango de ley orgánica a partir de una conexión entre el art.
17,1 y el 81,1, STC 159/1986; o un derecho a la motivación de las decisiones judiciales sobre la
base de la conexión del art. 120,3 al 24,1, STC 14/1991.
118 Por ejemplo, un derecho al “nimo vital” podría construirse a partir del derecho a la vida
(art.15),del principio de Estado social (art. 1,1), conectado a la dignidad de la persona (art. 10,1)
y, en fin, de algún principio rector, como el derecho a la protección de la salud, a una vivienda
digna, etc.
119 Vid., por ejemplo, STC 55/1983 y 18/1984
204
pueda invocarse alguno de los derechos susceptibles de amparo. En cierto
modo, este es el camino que parece anunciar el Tribunal cuando, ante el
incumplimiento por el empresario de las medidas de sanidad e higiene en
el trabajo, dice que “la pasividad del juez ante una conducta empresarial
que pusiera en peligro la vida o la integridad física de los trabajadores
poda vulnerar el derecho de éstos a dichos bienes y a los preceptos que
los reconocen”
120
.
Y llegados a este punto, es decir, al punto en que un órgano
jurisdiccional a través de cualquier via o procedimiento es llamado a decidir
sobre un derecho prestacional, se suscita la que acaso sea pregunta nuclear:
en qué condiciones y con qué alcance puede ofrecerle tutela. Aquí quizás
convenga llamar la atención sobre dos modalidades dintintas de derechos
prestacionales, aun cuando la consecuencias prácticas no sean a mi juicio
muy diferentes. La primera es la modalidad de los derechos propiamente
dichos, por impreciso que pueda resultar el contenido obligacional; por
ejemplo,se reconoce el derecho a la protección de la salud (art. 43,1) o
“todos los españoles tienen derecho a disfrutar de una vivienda digna y
adecuada” (art. 47). La segunda modalidad es la de los principios-directriz;
por ejemplo, los poderes públicos “realizarán una política orientada al pleno
empleo” (art. 40,1), “mantendn un régimen público de Seguridad social”
(art. 41) o “realizarán una política de previsión, tratamiento, rehabilitación
e integración de los disminuidos físicos, sensoriales y psíquicos” (art. 49).
En mi opinión, la diferencia es más bien de matiz. Los principios-directriz
son normas programáticas o mandatos de optimización, que se caracterizan
porque pueden ser cumplidos en diferente grado o, lo que es lo mismo,
porque no prescriben una una conducta concreta, sino sólo la obligacn de
perseguir ciertos fines, pero sin imponer los medios adecuados para ello,
ni siquiera tampoco la plena satisfacción de aquellos fines:realizar una
política de... u orientada a..., promover las condiciones para...” en puridad
no supone establecer ninguna conducta determinada como jurídicamente
debida
121
.
Los enunciados normativos que presentan la fisonomía de derechos,
en cambio, no serían principios abiertos, sino reglas, aunque tan sumamente
imprecisas que apenas permitirían fundar pretensiones concretas por vía
de interpretación: el derecho a la vivienda, por ejemplo, puede intentar
satisfacerse mediante subsidios de alquiler o fijando un precio tasado o, en
120 ATC 868/1986
121 Vid. M. Atienza y J. Ruiz Manero, “Sobre principios y reglas”, Doxa, 10, 1991, p. 110.
205
fin, mediante la construcción pública; por otro lado, ¿qué condiciones ha de
reunir una “vivienda digna”?, ¿debe garantizarse a todos o sólo a quienes
carecen de cierto nivel económico?
122
. Y lo mismo cabe decir del derecho al
trabajo: entre las más modestas medidas de fomento del empleo y el ideal de
que cada persona pueda gozar en todo momento de una trabajo adecuado,
gratificante y seguro existe un amplísimo campo de posibilidades.
Que el enunciado constitucional y, por tanto, que el contenido
obligacional de los derechos prestacionales resulte abierto o impreciso no
constituye ninguna novedad para la teoría de la interpretación, que con
frecuencia ha de trabajar con conceptos no menos vagos o ambiguos.
El problema reside en determinar quién es el sujeto competente para
configurar de modo concreto lo que en la Constitución aparece con
perfiles tan difuminados, si dicha tarea corresponde sólo al legislador y
a la Administración o si, por el contrario, la jurisdicción y especialmente
la jurisdicción constitucional goza también de alguna competencia
en esta materia. Aquí es donde aparece la principal dificultad para una
consideración de los derechos prestacionales como auténticos derechos
fundamentales susceptibles de tutela judicial: las prestaciones, en efecto,
requieren un amplio entramado organizativo, el diseño de servicios públicos,
el desarrollo de procedimientos y, sobre todo, el empleo de grandes medios
financieros que implican la adopción de decisiones típicamente políticas, de
le gi sla ció n p os it iva” qu e, e n el ma rc o de l E st a do d e D ere cho y d e s ep a ra ción
de poderes, parecen excluidas del ámbito jurisdiccional
123
. Sin embargo, de
aceptarse íntegramente esta idea, la conclusión resultaría cuando menos
desalentadora, ya que entonces los derechos prestacionales carecerían de
toda dimensión subjetiva, es decir, no serían propiamente derechos
124
,
ni siquiera derechos fragmentarios, sino sólo normas constitucionales
objetivas con todas sus virtualidades, salvo acaso la más importante, la de
ser capaces de cimentar posiciones iusfundamentales.
Alexy ha intentado resolver el problema con una agumentación
sugestiva. La idea fundamental es que, desde la Constitución, debe
renunciarse a un modelo de derechos sociales definitivos e indiscutibles;
las exigencias prestacionales entran siempre en conflicto con otros
principios o derechos, singularmente con la competencia legislativa y con
los requerimientos de otras libertades o derechos, por lo que determinar
en cada caso concreto si está justificada una prestacn requiere un previo
122 Vid. E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 77
123 Vid. E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 77
124 Vid. en este sentido, J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación, citado, p. 233 y s.
206
ejercicio de ponderación entre razones tendencialmente contradictorias
que siempre concurrirán en mayor o menor medida. Concretamente, una
posición de prestación estará definitivamente garantizada cuando el valor
que está detrás de los derechos sociales, la libertad real o efectiva, exija
con urgencia la satisfacción de una necesidad y, a su vez, los principios
o derechos en pugna (el principio democrático en favor del legislador,
las libertades de terceros, etc.) se vean afectados de modo reducido. En
opinión de Alexy, esta condición se cumpleen el caso de los derechos
fundamentales sociales mínimos, es decir, por ejemplo, a un mínimo vital,
a una vivienda simple, a la educación escolar...
125
El Tribunal Constitucional español no parece haber llegado tan lejos,
sino que, más bien al contrario, su firme reconocimiento de la libertad
de configuración por parte del legislador parece impedir toda posible
construcción de posiciones subjetivas de carácter prestacional. De un lado,
en efecto, da a entender que de los principios rectores no cabe obtener
ningún tipo de derecho subjetivo
126
, acaso identificando la inviable tutela
directa a través del recurso de amparo con la imposibilidad de perfilar
posiciones subjetivas a partir de tales principios. De otro lado, subraya el
carácter no vinculante de los medios necesarios para cumplir los fines o
las prestaciones constitucionales; por ejemplo, en relación con el principio
de protección familiar (art.39), sostiene que “es claro que corresponde a
la libertad de configuración del legislador articular los instrumentos,
normativos o de otro tipo, a través de los que hacer efectivo el mandato
constitucional, sin que ninguno de ellos resulte a priori constitucionalmente
obligado”
127
; y lo mismo cabe decir de la Seguridad Social, pues si bien
corresponde a todos los poderes públicos la tarea de acercar la realidad
al horizonte de los principios rectores, de “entre tales poderes públicos
son el legislador y el Gobierno quienes tienen el poder de iniciativa... Son
ellos, y no este Tribunal, quienes deben adoptar decisiones y normas...
128
.
Finalmente, tampoco parece haber acogido el criterio de “irregresividad”
que alguna doctrina creía ver en el Capítulo de los derechos sociales
129
,
esto es, la idea de que, si bien los derechos prestacionales no imponen una
125 R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 495
126 ATC 241/1985
127 STC 222/1992
128 STC 189/1987
129 Vid. J. de Esteban y L. López Guerra, El régimen constitucional español, vol.1, con la colaboración
de J. García Morillo y P. Pérez Tremps, Labor, Barcelona, 1980, p.346; J.A. Sagardoy, “Comentario
al art. 50, en Comentarios a la Constitución Española dirigidos por O. Alzaga, Edersa, Madrid,
1984, vol. IV, p. 387
207
obligación de “avanzar, sí establecen una prohibición de “retroceder”;
con independencia de que dicho criterio pueda considerarse incorporado
a la Constitución, aspecto sobre el que el Tribunal rehusa pronunciarse,
resulta que del art. 50, relativo a la protección de los ancianos, no se deduce
el deber de mantener “todas y cada una de las pensiones iniciales en su
cuantía prevista ni que todas y cada una de las ya causadas experimenten
un incremento anual
130
Por tanto, los resultados no parecen hoy por hoy excesivamente
prometedores. Sólo en alguna ocasión el Tribunal se ha pronunciado en favor
de un nucleo indisponible para el legislador; así, a propósito del sistema
de Seguridad Social, el Tribunal dice que el art. 41consagra en forma
de garantía institucional un régimen público cuya preservación se juzga
indispensable para asegurar los principios constitucionales, estableciendo...
un nucleo o reducto indisponible por el legislador”
131
. Ciertamente, no queda
muy claro el concreto alcance de ese nucleo, pues para determinarlo se
remite ala conciencia social de cada tiempo y lugar”, pero lo importante es
que su existencia, en éste y seguramente en otros derechos prestacionales,
acredita lo que pudiéramos llamar unacompetencia de configuración
por parte del Tribunal, al margen y por encima del legislador, pues a la
postre es al Tribunal a quien corresponde traducir la “conciencia social” en
exigencias concretas. Que los derechos prestacionales gozan de un nucleo
indisponible significa que, al menos, algunas prestaciones representan
auténticos derechos fundamentales, es decir, pretensiones subjetivas
jurídicamente reconocibles con independencia de la mayoría política.
Esta idea del “nucleo o reducto indisponible” recuerda sin duda
a la defensa del “contenido esencial” que establece la Constitución para
los derechos del Capítulo II (art.53,1). Algunos autores han querido ver
precisamente en esa claúsula del “contenido esencial” el elemento o rasgo
definidor de la fundamentalidad en nuestro sistema
132
, lo que directamente
conduce a los principios rectores a las tinieblas de la no fundamentalidad y
acaso a la imposibilidad de construir mediante ellos posiciones subjetivas.
No creo que esta sea una consecuencia ineludible: con independencia del
juego que permita esa especial garantía del contenido esencial
133
, lo cierto
130 STC 134/1987. Vid. también la STC 81/1982 comentada en la nota 106 de este trabajo.
131 STC 37/1994. El subrayado es nuestro
132 Así, J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación, citado, p.68 y s.
133 Cuestión sumamente discutida y que he tratado en mis Estudios sobre derechos fundamentales,
citado, capítulos VI y VII. Vid. también el reciente libro de J.C. Gavara, Derechos fundamentales
y desarrollo legislativo. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la
Ley Fundamental de Bonn, C.E.C.,Madrid, 1994.
208
es que los principios rectores son enunciados constitucionales y todos los
enunciados constitucionales, por el mero hecho de serlo, han de ostentar
algún contenido esencial o nucleo indisponible para el legislador. Una
conclusión diferente llevaría al resultado paradójico de que, en nombre
de una mejor protección de ciertos derechos, se habría desactivado o
disminuido la tutela de las demás normas constitucionales.
A mi juicio, las dificultades que se oponen a una consideración más
vigorosa de los derechos prestacionales como auténticos derechos por parte
de la jurisprudencia constitucional son las cuatro siguientes: inviabilidad
del recurso de amparo, libertad de configuración en favor del legislador,
necesidad de dictar normas organizativas y de comprometer medios
financieros y, finalmente, posible colisión con otros principios o derechos
constitucionales.
Por lo que se refiere al primer aspecto, ya se ha indicado que no
parece por completo imposible sostener en vía de amparo una pretensión
prestacional cuando ésta pueda conectarse a uno de los derechos
especialmente tutelados; pero, en cualquier caso, nada impide que el
Tribunal proceda al reconocimiento de esas posiciones subjetivas a través
de un recurso o cuestión de inconstitucionalidad: una cosa es que se
excluya cierta acción procesal y otra distinta poder ostentar un derecho
a cierta prestación, derecho que el Tribunal puede reconocer como parte
del “nucleo indisponible”; si existe una esfera intangible, ésta puede ser
identificada por el Tribunal Constitucional y de la misma pueden también
formar parte dimensiones subjetivas, con independencia de que el titular
encuentre impedida su defensa mediante el recurso de amparo.
La segunda dificultad, la libertad de configuración del legislador, en
realidad no es una verdadera dificultad para la jurisdicción constitucional,
pu e s el a r t . 53, 3 lo ú n ic o q ue e st a bl e ce es q ue lo s p r i n ci pi os re c to re s re q ui er e n
desarrollo legislativo para ser alegados (como derechos subjetivos, según se
ha visto) ante la jurisdicción ordinaria. Si los principios del Catulo III son
auténticas normas constitucionales, bien que abiertas o imprecisas, y esto
es algo que nunca ha puesto en duda el Tribunal, entonces resulta que la
famosa libertad de configuración del legislador ha de relativizarse de modo
notable. Si esa libertad se traduce en una ausencia o en una insuficiencia de
legislación, entonces el Tribunal puede suplir la omisión del Parlamento, al
menos dentro de los límites del nucleo indisponible; del mismo modo que
una reserva de ley establecida por la Constitución “no tiene el significado
de diferir la aplicación de los derechos fundamentales y libertades públicas
209
hasta el momento en que se dicte una ley posterior...
134
, así tampoco la
falta de desarrollo legislativo de un principio rector convierte a éste en un
enunciado jurídicamente inexistente. Y si aquella libertad se traduce en
una defectuosa regulación, la labor de suplencia puede sustituirse, siempre
dentro del ámbito de indisponibilidad, por una labor de corrección. En
suma, habida cuenta del carácter de los enunciados del Capítulo III, cabe
reconocer en relación con ellos una mayor libertad del legislador, pero no
hasta el punto de anular por completo la virtualidad de las disposiciones
constitucionales. Lo único que, con seguridad, depende exclusivamente de
la voluntad del legislador es la articulación de los instrumentos procesales
para que el titular del derecho pueda hacerlo valer en la jurisdicción
ordinaria; la libertad de configuración es también muy amplia en relación
con el contenido del derecho, es decir, con las obligaciones que de él derivan,
pero en ninn caso puede ser absoluta, si es que no se quiere vaciar por
completo el significado de las disposiciones constitucionales.
Ahora bien, ¿dentro de qué margenes puede moverse la acción del
Tribunal Constitucional?. Aquí aparece la tercera dificultad enunciada: los
derechos prestacionales suelen requerir cuantiosos recursos financieros,
cuya distribución es competencia del Parlamento, así como una “legislación
positiva” que desarrolle procedimientos, organice servicios, etc. Tampoco
estas dificultades son insuperables. De un lado, no es algo inédito que las
sentencias del Tribunal presenten efectos económicos gravosos para el
Estado; por ejemplo, ya hemos citado la que estableció la obligación de
la asistencia y defensa letrada, o la que decidió que ciertas pensiones en
favor de las viudas debían extenderse también a los viudos. Y en cuanto
al diseño de servicios y procedimientos, si bien es cierto que el Tribunal
no es el órgano más adecuado para llevarlo a cabo, conviene indicar dos
cosas: primera, que tampoco son por completo desconocidas las sentencias
aditivas donde el Tribunal actúa como un legislador positivo, haciendo,
por tanto, lo que en principio no está llamado a hacer
135
; y segunda, que
en algunas ocasiones el Tribunal no ha tenido ningún inconveniente en
reconocer derechos allí donde la Constitución remitía a una ley claramente
organizativa y procedimental, como ocurrió con la jurisprudencia sobre la
objeción de conciencia anterior a que se dictase la legislación pertinente,
134 STC 18/1981
135 Las sentencias aditivas suelen ser aquellas en que, para salvar una discriminación, en lugar de
anular una norma que establece la desigualdad injustificada, se extiende su ámbito a personas o
situaciones inicialmente no contempladas. Ya han sido citadas al hablar del principio de igualdad
sustancial.
210
mediante la que el Tribunal dotó de un mínimo contenido a un derecho
que el art. 30,2 ordena se regulecon las debidas garantías, entre ellas
la posiblidad de imponer una prestación social sustitutoria
136
. En suma,
es cierto que la distribución de los recursos financieros y la organización
de servicios públicos es competencia del legislador, no del Tribunal, pero
tampoco se trata de un criterio absoluto que nunca pueda ser superado por
otras razones que en algún caso se muestren más urgentes, entre ellas una
exigencia constitucional de naturaleza prestacional.
Finalmente, el problema de la colisión con otros derechos y liberta-
des es, de nuevo, un problema común a todos los derechos fundamentales,
que el Tribunal ha de resolver con las mismas herramientas de la ponde-
ración, la proporcionalidad, la razonabilidad, etc. Si la libertad de expre-
sión puede entrar en conflicto con el derecho al honor y esto no supone
que entre ambos derechos exista un orden o jerarquía estricta, sino que el
problema se resuelve caso por caso, otro tanto sucede, por ejemplo, con el
conflicto entre el derecho a la vivienda y la propiedad privada, o entre el
derecho al trabajo y la autonomía de la voluntad. No existe un orden de
prelación estricto, y que los principios en pugna sean adscribibles a uno u
otro capítulo o fragmento de la Constitución tan solo tiene, en el major de
los casos, un valor indicativo; a la postre, sólo en el momento interpretativo
encuentran solución tales conflictos.
6.- Entre la justicia y la política.
Suele decirse que el Estado constitucional es un marco de convi-
vencia que permite la alternancia política y, por tanto, el establecimiento
y desarrollo de distintas y aún contradictorias concepciones ideológicas,
preservando los derechos de las minorías y, en consecuencia, asegurando
la integración de todos los individuos y grupos; simplificando, el Estado
constitucional democrático se caracteriza porque mucho debe quedar a la
libre configuración del legislador, pero bastante también reservarse a la
esfera de lo innacesible para la mayoría. Sin embargo, sería seguramente
erroneo pensar que entre el ámbito de lo innegociable y el ámbito de lo
político es posible trazar una frontera material nítida y rigurosa; acaso es
cierto que algunos fragmentos constitucionales se inscriben más bien en
el capítulo de la justicia, mientras que otros pertenecen principalmente al
136 “Es cierto que cuando se opera con esa reserva de configuración legal el mandato constitucional
no puede tener, hasta que la regulación se produzca, más que un mínimo de contenido... pero ese
nimo contenido ha de ser protegido”, STC 15/1982.
211
capítulo de la política, pero ni la configuración legislativa está excluida
por compelto en el primero, ni la configuración judicial puede hallarse en
absoluto ausente del segundo.
Suponer que haymaterias de la justicia inaccesibles para el
legislador, al margen de evocar un cierto iusnaturalismo, resultaría muy
poco democrático; pero suponer que existenmaterias de la política
innacesibles para el juez resultaría con seguridad muy poco constitucional.
Por ello, tal vez en lugar de pensar en “materias”, deberíamos pensar en
círculos de competencia. Desde luego, tampoco aquí la separación puede
ser tajante, pero, cuando menos, apunta en un sentido susceptible de
conjugar los dos principios en pugna: el principio de la democracia, pues
ningún ámbito queda sustraido a la particular concepción de la meyoría; y el
principio de la constitucionalidad o de defensa de la posición del individuo
incluso frente a la mayoría, pues ningún ámbito queda absolutamente al
arbitrio de la potica. En el fondo, es un problema de límites: hastande
se extiende la libertad de configuracn de la ley, y a partir de qué punto no
puede abdicar la actuación judicial en defensa del nucleo irreductible de la
justicia (de la justicia expresada en la Constitución, por supuesto).
La cuestión es que esos límites no son idénticos respecto de todas las
disposiciones constitucionales. Para ceñirnos al tema de los derechos, las
diferencias entre aquellos que se adscriben principalmente a la esfera de la
justicia y aquellos otros que se reclaman principalmente de la esfera de la
potica resultan patentes. De un lado, y este es quizás el lado más visible,
porque la propia Constitución traza expresamente límites distintos, sobre
todo en el art.53; de otro, porque, como se ha visto, presentan un carácter
e incluso una formulación lingüística dispar, que hace que los derechos
prestacionales se adapten mucho peor a las instituciones y técnicas
propias de la jurisdicción. Basta recordar algunas de las características ya
examinadas: apertura o ambigüedad del contenido obligacional, relativa
indeterminación de los sujetos obligados, necesidad de contar con un
entramado de normas secundarias o de organización sólo al alcance de un
“legislador positivo, exclusión del recurso de amparo, limitaciones a la
justiciabilidad, etc.
Pero al hablar de la adscripción a la justicia o a la política hemos
subrayado que aquélla se produce sólo principalmente, es decir, no de modo
absoluto o completo. Para evocar una fórmula de éxito, si nos tomamos en
serio los derechos sociales y los principios rectores de la política social
y económica, o sea, si nos tomamos en serio toda la Constitución, la
212
justicia no puede quedar excluida de ningún capítulo; lo que significa, ni
más ni menos, que los derechos prestacionales han de tener algún nucleo
irreductible y que éste representa un contenido intangible para la libertad
de configuración del legislador. Cuál sea ese nucleo de intangibilidad es
algo que, ciertamente, sólo puede determinar el Tribunal Constitucional, y
para ello cuenta con muy escasas orientaciones que, por otra parte, sulen
resumirse en algo tan evanescente como la “conciencia social”, la opinión
generalizada en cada tiempo y lugar acerca de qué prestaciones en favor del
individuo son irrenunciables para que éste pueda ejercer efectivamente sus
libertades y derechos. Pero esta remisión, que sin duda puede considerarse
insatisfactoria, tampoco resulta nueva o desconocida en la interpretación
constitucional, pues otro tanto sucede cuando ha de formularse el tertium
comparationis en el juicio de igualdad del art. 14: para determinar que un
tratamiento normativo igual o desigual de dos personas o situaciones es
razonable, la Constitución sólo ofrece un marco de referencia (los criterios
prohibidos del art. 14, por ejemplo), pero en último término es el juez quien
decide invocando algo así como la conciencia jurídica de la comunidad
137
.
Ahora bien, si todos los derechos fundamentales presentan dos
facetas, la objetiva y la subjetiva, otro tanto deberá ocurrir con su
nucleo indisponible. Como ya se ha dicho, cabe aceptar que los derechos
prestacionales o, en general, los derechos sociales ostentan un mayor
peso objetivo que subjetivo, o, si se prefiere, que su dimensión de normas
objetivas ofrece unos perfiles más acusados y mejor definidos que su
dimensión de derechos subjetivos; justamente al contrario de lo que
sucede con las libertades y con los derechos civiles. Pero tampoco esta
diferencia puede ser absoluta, ni llegar al límite de que toda prestación
haya de concebirse como un mero reflejo de normas objetivas. De los
principios rectores del Capítulo III, tanto si presentan la fisonomía de
derechos como si se formulan en términos de principio-directriz, cabe
obtener un contenido subjetivo prestacional que, al menos en una pequeña
parte, habrá de integrarse en el nucleo intangible, esto es, en aquella esfera
que la conciencia social, interpretada irremediablemente por el Tribunal
Constitucional, considera que no puede ser objeto de abandono si es que
ningún precepto constitucional puede ser concebido como un enunciado
superfluo.
Por supuesto, las restricciones que impone la Constitución sobre
los principios rectores no son de pequeño alcance; básicamente, que no
137 Vid. F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional”, citado, p. 32
213
pueden ser objeto de amparo y que la acción procesal en su defensa ante
la jurisdicción ordinaria queda supeditada al desarrollo legislativo. Pero al
margen de que, como hemos intentado mostrar, pueden buscarse algunos
resquicios que hagan viable la justiciabilidad, conviene insistir en que el
derecho a la tutela judicial y la dimensión subjetiva de un derecho son cosas
diferentes. Nada impide que el Tribunal Constitucional, por ejemplo en un
recurso o cuestión de inconstitucionalidad, perfile exigencias subjetivas
de carácter prestacional a partir de un principio rector, aun cuando el
sujeto titular se halle por el momento imposibilitado de reclamarlas
judicialmente.
Como ha observado Zagrebelsky
138
, las Constituciones de nuestros
días son documentos pluralistas y dúctiles, y ello en varios sentidos. Primero,
porque no representan el fruto exclusivo de una ideología o concepción del
mundo, sino que son más bien obra del pacto y del consenso alcanzado
por fuerzas distintas a partir de mutuas concesiones
139
; documentos
integradores, por tanto, de contenidos materiales tendencialmente
contradictorios entre los que no cabe trazar una rigurosa jerarquía, sino
que han de ser preservados en su conjunto, dejando un ancho margen a
la configuración legislativa, pero también a la ponderación judicial. Y
segundo, porque una Constitución de este tipo ya no permite concebir las
relaciones entre legislador y juez, entre política y justicia, en los términos
estrictos y formalmente escalonados propios del Estado de Derecho
decimonónico, sino que obliga a una concepción más compleja y, si se
quiere, más cooperativa de las fuentes del Derecho, donde un principio de
equilibrio y flexibilidad venga a moderar la antaño rígida subordinación.
Con una Constitución de principios, difícilmente puede hablarse de
“materias” sustraidas a la justicia, como también resultaría poco realista
pensar en “materias” sustraidas a la política.
Ideogica o políticamente, los derechos prestacionales expresan
una perspectiva diferente a la que en su día encarnaron las libertades y
derechos civiles. Para decirlo de un modo simplificado, si estos últimos son
consecuencia de la concepción liberal de la sociedad política, aquéllos lo
son de la concepción socialista. Si la Constitución es un acuerdo integrador,
por supuesto no sólo pero sí principalmente entre esas dos filosofías que
atraviesan el mundo contemporaneo y que tantas veces han sido banderas de
138 El Derecho dúctil(1992), trad. de M. Gascón, Trotto, Madrid, 1995.
139 Sobre ello y en relación con la Constitución espola ha insistido particulmente G. Peces-Barba;
por ejemplo, en La eleboración de la Constitución de 1978, CEC, Madrid, 1988
214
lucha y conflicto, entonces ningún contenido constitucional puede quedar
hasta tal punto devaluado que sea excluido de la protección de la justicia.
Por consiguiente, los derechos sociales han de tener un nucleo intangible,
cuya configuración, tanto en su dimensión objetiva como subjetiva, sólo
puede corresponder finalmente al Tribunal Constitucional.
Vistas a las cosas, no parece que la teoría de los “dos mundos” con
que a veces se quiere describir el modelo de derechos fundamentales sea
una imagen adecuada. De un lado, en efecto, se encontaría el mundo de los
derechos civiles y políticos, de las libertades, donde, como suele decirse,
la mejor ley es la que no existe; donde sólo existen jueces defensores
armados con la coraza constitucional y políticos amenazadores guiados por
intereses parciales. De otro, el mundo casi retórico de los derechos sociales
de naturaleza prestacional, esfera en la que se desarrollarían libremente las
disputas legislativas sin que el juez tuviera casi nada que decir. A mi juicio,
no es esta la mejor interpretación de los derechos en el constitucionalismo
moderno; sin dejar de constatar diferencias de régimen jurídico e incluso
de formulación lingüística entre los distintos derechos, una concepción
más atenta al significado político y cultural de la Constitucn como marco
de integración de una sociedad pluralista creo que debería propiciar una
imagen mucho más compleja y flexible. La justicia y, sobre todo, la justicia
constitucional no puede abdicar de su competencia de configuración
sobre los derechos sociales, competencia naturalmente compartida con
el legislador, y cuyos límites, sin entrar en la dogmática particular de
cada derecho, es imposible trazar con precisión más allá del criterio que
proporciona una genérica invocación al nucleo intangible definido por la
movediza conciencia social.
ESQUEMA:
LOS DERECHOS SOCIALES Y EL PRINCIPIO DE IGUALDAD
SUSTANCIAL
1.- Los derechos fundamentales y los derechos sociales.
Los derechos humanos o fundamentales representan una herencia del
iusnaturalismo racionalita, cuya posición, una vez traducidos al Derecho
positivo, puede resumirse en estos dos lemas: supremacía consitucional y
artificialidad de las instituciones políticas. La supremacía supone que los
derechos operancomo si encarnasen decisiones superiores a cualesquiera
215
órganos estatales; y, a su vez la artificialidad de las instituciones significa
que éstas carecen de valores o fines propios y existen sólo para salvaguardar
los derechos. Esta concepción, tradicional en el constitucionalismo
norteamericano, ha sido costosamente asumida en Europa e implica:
primero, una exigencia de respeto hacia el “contenido esencial” de los
derechos; y segundo, asimismo una exigencia de justificación racional de
cualquier medida limitadora sobre los mismos.
La cuestión que se plantea es si los llamados derechos económicos,
sociales y culturales pueden merecer la consideración de auténticos
derechos fundamentales, tal y como éstos acaban de ser concebidos. Pero
ello requiere, como paso previo, dilucidar qué se entiende por derechos
sociales.
2.- Caracterización de los derechos sociales.
a) Los derechos y las instituciones. El papel del Estado.
b) Los derechos sociales como derechos prestacionales.
c) La titularidad de los derechos. Del sujeto abstracto al hombre en
su específica posición social.
d) Los derechos sociales como derechos de igualdad.
e) El carácter de la obligación. Normas primarias y normas
secundarias como reflejo obligacional de los derechos.
f) La dimensión preferentemente subjetiva de los derechos civiles y
preferentemente objetiva de los derechos sociales.
Asumiendo la irremediable imprecisión del concepto de derechos
sociales, parece que hoy el debate debe centrarse en si la caracterización
básica de los derechos fundamentales como obligaciones estatales capaces
de cimentar posiciones subjetivas aún contra la mayoria, puede hacerse
extensiva a los derechos que no generan un deber de abstención, sino
deberes positivos de dar bienes o servicios o de realizar actividades que,
si se tuvieran medios, podrían obtenerse también en el mercado. Pero la
respuesta puede seguir dos caminos.
3.- El principio de igualdad.
La igualdad sustancial o de hecho (art.9,2 C.E.) puede constituir el
vehículo para incorporar al acervo constitucional un principio genérico
216
en favor de las prestaciones, y de hecho así sucede en aquellos países,
como Alemania, cuyas Constituciones carecen de una tabla de concretos
derechos prestacionales. Sin embargo, para dar vida a concretas exigencias
prestacionales, el argumento de la igualdad sustancial requiere ciertos
“complementos”, a saber: la presencia de un derecho prestacional concreto;
la concurrencia de un derecho civil cuya satisfacción merezca una cierta
prestación; y, por último, la existencia de una razón de igualdad formal (en
particular, la técnica de las sentencias aditivas o manipulativas).
4.- La naturaleza de los derechos prestacionales.
Tras superarse antiguas doctrinas que negaban la fuerza jurídica de
los derechos sociales o de las claúsulas sociales de la Constitución, hoy la
discusión se centra en si dicha fuerza o eficacia se despliega sólo en una
dimensión objetiva o si alcanza también al aspecto subjetivo; en particular,
el problema reside en si a partir de los preceptos constitucionales, y sin
necesidad de desarrollo legislativo, es posible dar vida a auténticas
posiciones subjetivas iusfundamentales.
5.- Orientación bibliográfi ca.
AA.VV., El Estado social, C.E.C., Madrid, 1986.
ALEXY, R., Teoría de los derechos fundamentales, C.E.C., Madrid,1993.
BÖCKENFÖRDE, E.W. Escritos sobre derechos fundamenales,
Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, 1993.
CASCAJO, J.L. La tutela constitucional de los derechos sociales, C.E.C.,
Madrid, 1988.
CASTRO, B. de. Los derechos económicos, sociales y culturales, Universidad
de Leon, 1993.
COSSIO, J.R. Estado social y derechos de prestación, C.E.C., Madrid, 1989.
FERNÁNDEZ, E. Filosofía, Política y Derecho, M. Pons, Madrid, 1995.
PECES-BARBA, G. Escritos sobre derechos fundamentales, Eudema,
Madrid, 1988.
PRIETO, L. Estudios sobre derechos fundamentales, Debate, Madrid, 1990.
217
NOVO CONCEITO DA DISCRICIONARIEDADE EM
POLITICAS PÚBLICAS SOB UM OLHAR GARANTISTA,
PARA ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS *
Maria Goretti Dal Bosco
Doutora em Direito (UFSC). Professora dos programas de
graduação e pós-graduação em Direito da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD), e Unigran.
Pesquisadora do CNPQ. Advogada.
Introdução
O crescimento das populações mais pobres e as políticas econômicas
tradicionais, entendidas aqui as que seguem parâmetros liberais, ou neo-
liberais, têm sido responsáveis por uma das mais graves crises que o Estado
enfrenta por não dar conta de fazer frente às inúmeras demandas sociais.
Essa insuficiência estrutural atinge direitos fundamentais dos cidadãos,
deixando à mostra a carência de instrumentos para a efetividade dos direitos
previstos nas Cartas Políticas, um dos problemas de maior complexidade
nos tempos modernos.
Parte desses problemas decorre também dos modelos jurídicos que
as administrações estatais seguem no momento de definir e implementar
as políticas públicas. O modelo de discricionariedade administrativa, que
favorece uma margem bastante significativa de liberdade ao administrador,
acaba por ser utilizado contra a cidadania, na medida em que serve a
interesses que não são os da maioria das pessoas, de modo especial,
daquelas camadas mais pobres.
A discussão que se trava neste trabalho aborda um novo conceito
de discricionariedade, que veda ao administrador a escolha de alternativas
quando presentes necessidades impostergáveis dos cidadãos, conforme uma
ótica garantista dos direitos fundamentais. Essa ótica parte do princípio
do direito ex parte populis, como afirma Ferrajoli, o autor do Garantismo
Jurídico, ou seja, do ponto de vista do cidadão, do homem que tem direitos
218
fundamentais a serem assegurados antes e acima de quaisquer outros.
A abordagem transita pelos direitos fundamentais, passa pelo
conceito de discricionariedade e sua relação com os conceitos jurídicos
indeterminados, para, após, concluir pela possibilidade de uma nova visão
da discricionariedade administrativa, capaz de obrigar o administrador a
promover primeiro a efetividade dos direitos fundamentais, em detrimento
de investimentos que não têm aqueles direitos como objeto.
1. Direitos fundamentais
As transformações da humanidade, sob os mais diversos aspectos,
abrangem também os direitos fundamentais, os quais modificam-se e
ampliam-se com o passar do tempo, o que faz surgir uma pluralidade de
expressões para designá-los, tornando difícil a constrão de um conceito
definitivo. Na literatura, encontram-se as expressõesdireitos naturais,
“direitos humanos”, “direitos individuais, “direitosblicos subjetivos,
“liberdades públicas” ou “direitos fundamentais do homem”, entre
outros.
1
Pode-se afirmar, com Habermas,
2
que os direitos fundamentais
tornam-se concretos a partir do direito que todas as pessoas têm às
liberdades subjetivas de ação e, na forma de direitos positivos, são dotados
de ameaças e de sanções, de modo que podem ser utilizados contra quaisquer
interesses que os contrariem ou que transgridam normas. Eles podem ser
interpretados, assim, como uma barreira ao poder do Estado, ou como
desenho de uma ordem objetiva de valores que desdobra sua influência
sobre todos os campos do sistema jurídico, qualidade que possibilita sejam
entendidos como instrumentos de defesa diante das posições de outros
cidadãos.
3
A constitucionalização dos direitos fundamentais, realizada por
1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 179-180. O autor utiliza nessa obra a expressão “direitos fundamentais do homem”, por
entender que é a mais adequada, uma vez que, além de se reportar a princípios que resumem a
concepção do mundo e informar a ideologia jurídica de cada ordenamento jurídico, no nível do
direito positivo significa prerrogativas e instituições a serem concretizadas por ele na forma de
garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Neste estudo, todavia,
utiliza-se a expressão “direitos fundamentais” apenas por entender-se que, em se tratando de
previo legal em Cartas de Direitos, refere-se ao homem enquanto gênero.
2 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 4. ed. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, p. 170.
3 DOEHRING, Karl. Estado social, Estado de derecho y orden democrático. In: ABENDROTH,
Wolfgang; FORSTHOFF, Ernest; DOEHRING, Karl. El Estado Social. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1986, p. 125.
219
constituições rígidas, diz Ferrajoli,
4
produziu, neste século, uma mudança
profunda de paradigma do direito positivo em relação ao chamado
páleopositivismo jurídico.
5
Direitos fundamentais, primeiramente, diz o
autor, devem estar formulados em Constituições ou leis fundamentais, e
podem ser considerados como todos os direitos subjetivos que correspondem
universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de
pessoas, de cidadãos ou pessoas com capacidade de realizar atos.
6
Com base nessa definição, Ferrajoli desenvolve quatro teses sobre
os direitos fundamentais: a primeira, da diferença de estrutura entre
direitos fundamentais e direitos patrimoniais, segundo a qual os primeiros
são atribuídos a todas as pessoas, enquanto os segundos, a cada um dos
seus titulares, excluindo todos os demais; a segunda tese sustenta que os
direitos fundamentais, por atenderem a interesses e expectativas de todas
as pessoas, formam o fundamento e o pametro da igualdade jurídica,
e compõem a dimensão substancial da democracia; a terceira refere-se
à natureza supranacional de grande parte dos direitos fundamentais; e
a quarta tese trata das relações entre direitos e garantias, classificando,
como garantias primárias, as obrigações e proibições que correspondem
às expectativas negativas ou positivas dos direitos fundamentais, e, como
garantias secundárias, aquelas que implicam obrigações de reparar ou
sancionar judicialmente as lesões aos direitos, ou, as violações das garantias
primárias.
7
A virtude da teoria dos direitos fundamentais de Ferrajoli estaria,
justamente, em seu caráter formal, capaz de permitir que se reconheça,
teoricamente, um direito fundamental em ordenamentos ideologicamente
diversos, socialistas ou liberais, democráticos e até mesmo autoritários.
8
4 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débil. 2. ed. Traducción de: Perfecto
Ands Ibañez e Andrea Greppi. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 37. O autor esclarece que a
definição é puramente formal, servindo a qualquer ordenamento, tendo valor de uma definição da
teoria geral do direito, embora advirta que o caráter formal não deve impedir que se identifique
nos direitos fundamentais a base da igualdade jurídica.
5 A expressão é usada pelo autor para descrever o juspositivismo dogmático, definido como o tipo
de orientação que “[...] ignora o conceito de vigor das normas como categoria independente da
validade e da efetividade”, tanto com referência a ordenamentos normativos, que tomam como
vigentes somente as normas válidas, quanto a ordenamentos realistas, que têm como vigentes
apenas as normas efetivas (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 699). Seria, em outras palavras, a concepção do Direito como auto-poiético, auto-
suficiente, visão segundo a qual a lei é um a priori, capaz de resolver tudo, que veda interpretões
metajurídicas, transformando o julgador em mero operador mecânico do texto legal, de modo que
este não questiona ou reflete acerca de nenhum dos contextos que lhe são postos, e termina por
legitimar ordens arbitrias ou a servir de instrumento a regimes autoritários.
6 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débl. Op. cit., p. 37.
7 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débil. Op. cit., p. 42-43.
8 CABO, Antonio de; PISARELLO, Gerardo. Ferrajoli e el debate sobre los derechos fundamentales.
Prólogo. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid:
Trotta, 2001, p. 12.
220
1.1. Abordagem moderna dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, desde o seu surgimento, nas primeiras
manifestações, ainda no século XIII, passando pelas Cartas de Direitos
dos séculos XVII e XVIII até chegar aos dias atuais, atravessaram
transformações significativas, especialmente no século XX, com o
fenômeno da modernidade e a mundialização das diferenças entre ricos
e pobres. Bobbio
9
usa a expressão “direitos do homem” e aponta quatro
etapas dessas transformações: a primeira teria sido a “constitucionalização”
dos direitos do homem nas Declarações de Direitos que integraram as
primeiras constituições liberais e, posteriormente, nas Cartas liberais e
democráticas que se foram sucedendo nos diversos países; a segunda fase
caracterizou-se pela “progressiva extensão” dos direitos, passando pela
liberdade, reconhecida, de forma mais ampla, como direito de associação,
e pela consideração de direitos civis também como direitos políticos,
chegando até o direito ao voto para homens e mulheres.
A terceira etapa, que alcança o período atual, é a da “universalização”
dos direitos, iniciada com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
representada pela transposição do Direito para fora dos limites internos de
cada país, proporcionando ao indivíduo a possibilidade de invocar outras
esferas superiores de justiça, inclusive contra o próprio Estado, o que o
transforma emsujeito do direito internacional; uma quarta etapa, ainda
mais recente, batizada pelo autor de “especificação” dos direitos, estende
a proteção a direitos muito específicos, ligados a questões de sexo, idade,
saúde, deficiências físicas e mentais, entre outras.
Alexy
10
usa a expressão “direitos do homem” para apontá-los como
9 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 481-483.
10 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Tradução de: Luís
Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul/set. 1999,
p. 55-66. O autor observa que o conceito de “homem” é biológico, embora não coincida com o
de “ser vivo”, ou o de “criatura”, caso em que deveria ser alargado o círculo de destinatários; e
também é individualizado, ainda que esteja o homem inserido na comunidade, que tem também
direitos enquanto grupo, os quais, todavia, não podem ser qualificados com a expressão “direitos
do homem”. Para o conceito de direito subjetivo, Alexy afirma, em outra obra, que, por conta
da ambigüidade e da vagueza da expressão, esta deveria ser utilizada apenas para algumas
posições, ou em sentido amplo. A solução, assim, é o uso corrente, como um conceito geral para
posições diferentes, traçando algumas distinções, que ele classifica em três tipos: direitos a algo,
liberdades e compencias. No primeiro caso, a posição do cidadão diante do Estado implica o
direito a não ser importunado em sua liberdade para os atos da vida civil, em seu domicílio e em
sua propriedade, o que impõe posições estatais negativas e positivas em relação ao titular dos
direitos. Quanto às liberdades, o autor crê ser conveniente pensar na liberdade de uma pessoa
como “[...] a soma das liberdades particulares e a liberdade de uma sociedade como a soma
221
direitos que se distinguem de outros por resultarem de uma combinação
de cinco qualidades. São direitos universais, morais, fundamentais,
preferenciais e abstratos. A universalidade implica serem direitos que cabem
a todos os homens, enquanto indivíduos, ainda que inseridos no grupo social.
Direitos morais podem, também, ser direitos jurídico-positivos, mas sua
validade não depende da positivação, bastando que a norma que lhe dá base
tenha validade do ponto de vista moral, pois “[...] a norma vale moralmente
quando ela, perante cada um que aceita uma fundamentação racional, pode
ser justificada”.
11
A qualidade da preferência sugere que um direito moral
abre, para o titular, o “[...] direito moral à proteção por direito positivo
estatal”.
12
Assim, os direitos do homem estão em condição de prioridade em
relação aos demais, numa relação necessária com o direito positivo.
Por qualidade de direitos fundamentais, diz Alexy, deve-se entender
a presença de duas condões: deve tratar-se de direitos e carências que, de
modo geral, podem e devem ser protegidos; e que sejam tão fundamentais
essas carências ou interesses que “[...] a necessidade de seu respeito, sua
proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito”.
13
A qualidade
de abstração dos direitos do homem deve-se à exigência de restrição ou
limitação para fazer frente a direitos de outros ou de natureza coletiva,
sendo a escolha das restrições determinada, somente, por instâncias “[...]
autorizadas a decisões de ponderação juridicamente obrigarias.
14
O
Estado, assim, é necessário. não apenas como instância de concretização,
mas também de decisão, para realizar os direitos do homem.
2. Discricionariedade administrativa
A administração pública, em regra, deve executar suas atividades
conforme aos modelos que a legislação estabelece, ou seja, ao contrário
do campo privado, onde se pratica tudo o que permite a lei, mais o que
das liberdades das pessoas que nela vivem”. Isso significa que o conceito de liberdade é uma
relação triangular entre o titular de uma liberdade (ou não-liberdade), um impedimento desta e
um objeto da liberdade. As competências, terceiro grupo dos direitos subjetivos, dizem respeito
às posições de uma pessoa e são sinimos de poder jurídico, capacidade jurídica, faculdade,
autorização, etc., existindo tanto no direito público quanto no privado, garantidas por normas de
competência, as quais não é permitido ao legislador modificar. (ALEXY, Robert. Teoria de los
derechos fundamentales. Traducción de: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 212-245).
11 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Op. cit., p. 60.
12 Ibidem, p. 60.
13 Ibidem, p. 61.
14 Ibidem, p. 62.
222
ela não proíbe, no âmbito público, a Administração faz apenas o que a lei
determina, sob pena de nulidade dos atos realizados.
A norma jurídica, todavia, reserva situações específicas, nas quais
o administrador, ainda que seguindo a determinação legal, dispõe de certa
margem de liberdade para algumas decisões, que se costuma entender como
aquelas nas quais é o agente público o melhor especialista para adotar a
decisão mais adequada aos administrados, quando se tem, então, um ato
discricionário.
O conceito de discricionariedade é considerado um dos mais difíceis
e com o maior número de significados da teoria do Direito. No caso da
administração pública, a questão crucial é saber até onde as decisões dos
agentes públicos podem ser revistas pelo Judiciário. Um primeiro conceito
que mais se aproxima da idéia com a qual se trabalha neste estudo é o de
Engisch,
15
segundo o qual, diante da lei, ter-se-iam duas possibilidades,
contrapostas entre si e, igualmente, em conformidade ao Direito, entre
as quais o agente público poderia optar por uma ou outra, sem contrariar
a regra jurídica. Percebe-se, assim, que esse conceito não pode fugir da
possibilidade de escolher, entre alternativas diferentes, aquela que mais se
ajusta ao caso concreto a ser decidido. Logo, o que marca a existência de
discricionariedade é a presea da possibilidade de escolha, prevista na lei,
não apenas uma possibilidade de fato, mas também de direito.
Mas ainda se pode utilizar uma segunda formulação, que serve,
igualmente, aos ideais deste trabalho, que é a da “discricionariedade
vinculada”, no sentido de que o exercício desse poder de escolha deve estar
direcionado ao objetivo fundamental do resultado da decisão desejado pelo
texto legal, isto é, o único resultado ajustado a todas as diretrizes jurídicas
e legais, e que envolve análise detalhada de todas as circunstâncias do caso
concreto, para se chegar ao que se poderia chamar dedecisão correta.
Ainda que se possa questionar a possibilidade da existência de uma só
decisão correta, dado que a discricionariedade é justamente o poder de
escolha do agente entre duas ou mais soluções igualmente permitidas pelo
Direito, é possível pensar na que mais se coaduna com as exigências da
correção, na medida em que esta definição é atribuída ao agente, que o faz
com base nas suas qualidades técnicas para apreciação do caso concreto,
estando, portanto, habilitado a optar pela melhor oão.
A vinculação que se diz presente nesta decisão está, sem dúvida,
15 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundão Kalouste
Gulbenkian, 1996, p. 214-224.
223
presa aos conhecimentos do administrador, o qual deve ter noções claras
de como cada solução atende, efetivamente, às exigências do Direito, de
modo especial, ao interesse público, que é, afinal, o elemento vinculante de
toda e qualquer atitude da Administração. Maior clareza deste entendimento
se pode ter no raciocínio emprestado de Engisch,
16
da nomeação de um
professor para determinada cátedra universitária. Em uma lista de três
nomes, proposta pelo departamento competente, caberá à autoridade (o
ministro ou o reitor) a escolha daquele que reúne as melhores condições
para bem desempenhar as tarefas de catedrático. É evidente que, aqui, se
apresenta uma situação valorativa, na qual o agente é obrigado a efetuar
juízos de valor sobre os nomes que lhe são apresentados. Mas, mesmo que
lhe seja exigido isso, jamais poderá ele indicar, entre os três, aquele que
menor número de qualidades tenha para o desempenho da função. Isso
implica conhecer a história profissional e pessoal de cada um, de modo a ter,
em mãos, todos os elementos objetivos para tomar a decisão mais correta.
Situação semelhante poderia ocorrer na definição das políticas
públicas que o administrador realiza, quando elabora o orçamento anual de
investimentos e custeio da estrutura administrativa. De posse de todos os
elementos objetivos sobre a situação da realidade que administra (índices de
necessidades nas áreas de educação, saúde, transportes, lazer, etc.), terá ele
de propor a forma mais correta de investir os recursos públicos. A forma mais
correta, no caso, não será, certamente, a que deixar crianças sem escola ou
serviços de saúde, enquanto destina os recursos à construção de sofisticados
prédios para o funcionamento da máquina administrativa. Ou, ainda, para
não ir longe, pode-se citar o caso recente do governo brasileiro, que utilizou
grandes quantidades de recursos para salvar bancos e outras empresas
privadas, para recordar apenas algumas das inversões, em detrimento da
estruturação do setor energético, sobre o qual havia prévio conhecimento,
por parte das autoridades do governo, de que estava à beira de um colapso, o
mesmo que foi capaz de causar prejuízos incalculáveis à economia do País
e à população, na crise que ficou conhecida como “apagão”.
17
16 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Op. cit., p. 223.
17 A crise do fornecimento de energia etrica agravou-se em 2001. O Governo deixou de investir
em construção de usinas hidrelétricas e o País sofreu inúmeras interrupções no fornecimento
de energia elétrica. O Governo criou a Câmara de Gestão de Energia, em maio de 2001, para
gerenciar a crise, e foi obrigado a promover um racionamento sem precedentes, responsável
também por prejzos ao setor econômico, que fizeram cair a taxa de crescimento de 4,5 por
cento em 2000, para apenas 1 por cento no final de 2004. Muitos grupos estrangeiros que se
instalaram no Brasil deixaram de investir em novos empreendimentos e o temor de novos
colapsos permanece como um dos principais empecilhos à chegada de novos investimentos.
224
A discricionariedade vinculada implica que o agente público, ao
qual a lei determina a escolha de uma entre as várias alternativas possíveis
reguladas por lei – vale dizer, investimento em educação, auxílio aos bancos,
setor energético, saúde, entre outras – por sua apreciação pessoal, deverá
estar capacitado a escolher a solução mais adequada; no caso presente,
a que oferece maiores possibilidades de atender às prioridades que a
Administração apresenta no momento concreto. Logo, a discricionariedade
está na valoração pessoal do administrador, mas isso não quer dizer que
essa valoração seja arbitria, dado que deve atender ao escopo previsto na
legislação, ou seja, promover o bem estar dos administrados, a igualdade
de acesso às prestõesblicas, enfim, o interesseblico, o qual encerra
um conjunto de valores superiores do ordenamento jurídico que orientam a
atividade administrativa.
18
Logo, decisão discricionária é aquela tomada entre duas ou mais
soluções, todas da mesma forma válidas conforme o Direito. Logo, o poder
discricionário funda-se em dois argumentos: a natureza daquilo sobre o
que se decide – critério da importância e critério da dificuldade técnica
ou valorativa – e a posição institucional da Administração, para a qual, o
ordenamento constitucional atribui uma função configuradora da ordem
social. Não se pode tomar a discricionariedade como um pretexto para
decisões ineficientes, sejam as que não atendam, ou que atendam de forma
deficiente ao interesse público implícito na finalidade legal.
19
Se a avaliação
do ato passar pela ponderação da razoabilidade e da moralidade, poderá ser
visto sob um universo maior, capaz de evidenciar a interligação entre esses
dois princípios, uma vez que o administrador deve servir-se de critérios
razoáveis quando executa atos discricionários.
20
É necessário observar, ainda, que houve mudanças significativas do
entendimento da doutrina e da jurisprudência estrangeiras acerca do tema,
nas últimas décadas. Como se percebeu pelos tópicos vistos anteriormente,
ainda que se registre certa insistência da antiga concepção de que, ao
administrador, não se obstaculizavam as atividades, por ser ele qualificado
(WEATLEY, Jonathan. Crescimento pode causar novo apao no Brasil. Trad. Danilo Fonseca.
Financial Times. 15.10.2004. Disponível em <http://www.uol.com.br>. Acesso: 25.10.2004.
18 Sobre valores superiores que orientam a legislação constitucional veja-se PECES-BARBA,
Gregório. Los valores superiores. Madrid: Tecnos, 1984, p. 70 e seguintes.
19 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões
sobre os limites e controle da discricionariedade. 4. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 57.
20 MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: Emenda Constitucional n. 19/98. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 29.
225
a decidir questões de mérito e conveniência relacionada à administração
pública, os tribunais vêm avançando, cada vez mais, sobre as decisões dos
agentes públicos, especialmente em alguns países da Europa. Uma polêmica
de repercussão considerável envolveu alguns autores espanhóis nos anos
1990, acerca do conceito de discricionariedade que deveria ser tomado pelo
País após o fim do regime franquista. Envolveram-se na discussão Parejo
Alfonso
21
e Sánchez Morón,
22
de um lado, e Tomás-Ramón Fernández, de
outro, todos ora apoiados, ora criticados por outros doutrinadores.
23
Os
primeiros sustentavam a impropriedade de rígido controle jurisdicional
da Administração após o final da ditadura, dado que o poder Executivo
ganhara, a partir de então, legitimidade suficiente para representar a
vontade dos administrados, não mais restando necessária a redução dos
níveis de discricionariedade administrativa, o que se justificaria, apenas,
no período ditatorial, no qual o governo não tinha a legitimidade pós
Constituição de 1978.
Assim posto o entendimento, o julgamento que modificasse uma
decisão administrativa significaria a substituição do administrador pelo
juiz, ou a substituição de um poder pelo outro.
24
Isso porque a Constituição
contempla a tutela judicial como direito fundamental de todos, inclusive da
Administração, a qual dar-se-ia, nesse caso, apenas sob a forma específica
da legalidade da atuação administrativa, com base no art. 106.1, controle
que se resumiria na supervisão, censura e correção da ação do outro poder,
posição que significa, unicamente, a declaração de ilegalidade, mas nunca
a indenização para a reposição dos prejuízos dos administrados.
Visão completamente diversa sustentava Tomás-Ramón Fernández,
25
acusado de ativismo judicial por seus contendores, porque tomava, como
regra geral contra a arbitrariedade dos poderes, o artigo 9.3 da Constituição
21 PAREJO ALFONSO, Luciano. Administrar y juzgar: dos funciones constitucionales distintas y
complementárias. Madrid: Tecnos, 1993, p. 48-49.
22 NCHEZ MORÓN, Miguel. El control de las administraciones públicas y sus problemas.
Madrid: Instituto de España/Espasa Calpe, 1991, p. 64 e seguintes.
23 Entre os autores que abordaram a discussão, pode-se citar, entre outros trabalhos: GARCÍA DE
ENTERRÍA, Eduardo. Uma nota sobre el interes general como concepto jurídico indeterminado.
Revista española de derecho administrativo, Madrid, n. 89, p. 69-89, ene./mar. 1996. ATIENZA,
Manuel. Sobre el control de la discricionalidad administrativa: Comentários a una polémica.
Revista española de derecho administrativo, Madrid, n. 85, p. 5-26, ene./mar. 1995.
24 PAREJO ALFONSO, Luciano. Administrar y juzgar: dos funciones constitucionales distintas y
complementárias. Op. cit., p. 48-49.
25 FERNDEZ, Tos-Ramón. De la arbitrariedad de la administración. 3. ed. ampl. Madrid:
Civitas, 1999, p. 147; Também em: De nuevo sobre el poder discrecional y su ejercicio arbitrio.
Madrid, n. 80, p. 577-612, oct./dic. 1993, p. 577-612.
226
espanhola,
26
que deveria ser tomada como uma exigência indeclinável
do governo humano, justamente inspirada nas Constituições européias,
especialmente a alemã, à qual Parejo recorrera para fundamentar sua defesa
da simples legalidade dos atos da Administração. Para Fernández, a Carta
espanhola não poderia, no novo sistema democrático, ter estreitado as
margens de controle das decisões dos detentores do poder, lembrando que,
tanto na Alemanha, quanto na França e Itália, as decisões discricionárias
tomadas, consideradas arbitrárias, não eram objeto apenas de anulação,
mas também de ressarcimento dos danos causados ao particular, em
autêntica substituição da decisão administrativa, em benefício do controle
da arbitrariedade.
27
A questão polêmica parece resolver-se, na avaliação de García de
Enterría,
28
quando este afirma que a discricionariedade deve submeter-se,
sempre, ao interesse público visado pela norma jurídica e considerado um
conceito jurídico indeterminado. Justamente por isso, torna-se indiscutível
que o juiz deve controlar a aplicação do conceito pela Administração, o que
não significa, de modo algum, o controle absoluto da discricionariedade,
fazendo com que o magistrado pudesse substituir, inteiramente, a apreciação
do administrador, ou a liquidação, pura e simples, da discricionariedade
enquanto técnica política e conceito técnico.
No Brasil, há duas correntes de pensamento no que se refere à
discricionariedade: a dos neoliberais, que querem ver aumentada a margem
de discricionariedade, porque entendem que uma administração gerencial só
pode ser implantada com maior liberdade de decisão aos administradores, e
vêem o direito administrativo como um óbice às reformas, porque baseado
26 O texto do art. 9.1. da Constituição espanhola é o seguinte: “A constituição garante o princípio da
legalidade, a hierarquia normativa, a publicidade das normas, a irretroatividade das disposições
sancionadoras não favoráveis ou restritivas de direitos individuais, a segurança jurídica, a
responsabilidade e a interdição da arbitrariedade dos poderes públicos”. (em espanhol no
original)
27 FERNDEZ, Tomás-Ran. De nuevo sobre el poder discrecional y su ejercicio arbitrário.
Op. cit., p. 577-612. A polêmica, contudo, foi reduzida por Atienza a diferenças mais de ênfase do
que tricas, à medida em que Fernández defendia a proteção dos direitos e interesses individuais
diante da Administração, e Sánchez e Parejo, a necessidade de a administrão pública moderna
assegurar meios de organização e funcionamento necesrios para cumprir seus objetivos, mas
nem os últimos descartavam a importância da distinção entre arbitrariedade e discricionariedade,
nem o primeiro negaria a legitimidade da distinção entre legalidade e oportunidade. (Cf.
ATIENZA, Manuel. Sobre el control de la discrecionalidad administrativa: Comentários a una
polémica. Op. cit., p. 5-26). A polêmica, todavia, esvaeceu-se aos poucos, e não se encontram na
atualidade maiores discussões a respeito do tema.
28 GARA DE ENTERRÍA, Eduardo. Una nota sobre el interés general como concepto jurídico
indeterminado. Revista española de derecho administrativo, Madrid, n. 89, p. 69-89, ene./mar.
1996, p. 69-89.
227
na legalidade, o que também oferece limitações à atuação das agências
reguladoras; a outra corrente propugna por limites ainda mais largos à
atuação discricionária, com base nos limites estabelecidos por princípios e
valores constitucionais, especialmente a razoabilidade, a proporcionalidade,
moralidade e o interesse público, entre outros. O mesmo ocorre em relação
à discricionariedade técnica, os primeiros defendendo a exclusão dessa
espécie da apreciação judicial, por ter natureza específica, podendo ser
avaliada apenas pela Administração, e os segundos, posição contrária,
exatamente porque a técnica pode ser avaliada por peritos e, portanto, não
pode ficar alheia à apreciação judicial.
29
2.1. Discricionariedade na formulação e execução de políticas públicas
A definição das políticas públicas, em vários países do mundo,
pouco tem da interferência das populações para as quais são destinadas as
prestações proporcionadas pelos planos estatais de governo. O que se percebe
é que a elaboração dos planos de governo, que encerram as políticas públicas
em todas as áreas da Administração, costuma ficar sob a responsabilidade
do Executivo, que acaba por ceder apenas em alguns setores, conforme
o nível de pressão dos atores sociais, e do Legislativo, responsável por
algumas mudanças provocadas, igualmente, pela interferência de grupos de
29 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Inovações no direito administrativo brasileiro. Interesse
público, Porto Alegre, n. 30, mar./abr. 2005, p. 39-55. Andas Krell avalia que a doutrina dos
conceitos jurídicos indeterminados não ajudou até agora a doutrina e a jurisprudência brasileiras
a passar por umamudança de atitude no que se refere ao controle da discricionariedade
administrativa, situação agravada pela diferenciação categórica entre atos “vinculados” e atos
discricionários. Ademais, entre outras limitações notadas na realidade jurídica brasileira, o
autor entende que a preteno da “única solução justa” pode levar à legitimação de decisões
tendenciosas, “resultado de interesses subalternos”, e considera que a “[...] discuso sobre os
limites da sindicância judicial dos atos administrativos discricionários deve ser acompanhada
por uma análise jurídico-funcional da capacidade real dos juízes brasileiros de controlar a
aplicão de certos tipos de conceitos legais indeterminados nas diferentes áreas setoriais da
Administração Pública” (KRELL, Andréas. A recepção das teorias alemãs sobre “conceitos
jurídicos indeterminados” e o controle da discricionariedade no Brasil. Interesse público,
Porto Alegre, n. 23, p. 21-49, jan./fev. 2004, p. 21-49). Não parece possível aceitar algumas das
principais teses do autor, dado que a realidade brasileira, como ele próprio cita no artigo, não é
a mesma de países “centrais”, e que o controle dos atos administrativos necessita ser rigoroso
em fuão do nível de formão, remuneração e isenção dos órgãos administrativos ser bem
distante daquele verificado em países desenvolvidos. Há de se acrescentar a isso certa tradição
de impunidade existente no Brasil, provocada por uma série de fatores, entre os quais está a
falta de reformas na legislação processual, que sejam capazes de evitar medidas processuais que
acabam por protelar as decisões judiciais finais. Somem-se a isso os altos índices de corrupção
verificados nos poderes públicos brasileiros, fato que, por si só, deveria ser motivação mais do
que suficiente para uma fiscalização muito mais rígida de todos os atos administrativos, em
busca da preservação do respeito ao interesse público.
228
pressão, e boa parte fruto de negociações políticas, não raro, distanciadas
das verdadeiras expectativas das populações.
O modelo de elaboração de políticas públicas, assim, na maioria dos
casos, passa ao largo das reais expectativas das populações e, portanto, é
natural que, ao final, essas políticas cheguem a destoar, de modo significativo,
das demandas populares. Os poderes Executivo e Legislativo, até pela
realidade política da grande maioria dos países – independentemente do
regime de governo – são comandados, quase sempre, pelas mesmas forças
políticas que vencem as eleições, e dominam as decisões, praticamente
durante todo o período de mandato, ficando para as oposições algumas
poucas concessões, em regra, as que não têm grande repercussão no
ambiente dos maiores problemas que a sociedade enfrenta.
O campo das políticas públicas é, historicamente, o ambiente da
discricionariedade administrativa. A não ser em alguns poucos registros
na História, como, por exemplo, nas assembléias dos cantões suíços, não
se teve outras notáveis experiências de participação nas decisões públicas,
e pouco se ouviu falar, em outras épocas, tanto quanto agora, da excessiva
liberdade que o Executivo dispõe para definir os investimentos públicos,
ainda que, nas democracias, isso dependa da aprovação do Parlamento.
As possibilidades de escolha atribuídas ao Executivo neste momento são
amplas, e pequeno é o número de situações nas quais os investimentos têm
finalidade vinculada, como, por exemplo, no caso brasileiro, a educação
e a saúde. E além da abertura, por ocasião das decisões sobre áreas de
investi mentos, o Executivo ai nda pode se benef iciar d as limit ações impostas
à sindicalização de determinados atos pelo Judicrio. Assim, ainda que se
diga que a lei é o limite da discricionariedade, porque estabelece as condutas
e o administrador apenas deve escolher entre as alternativas colocadas pela
norma,
30
não é verdadeiro que essa vinculação das alternativas legais seja
balizadora das atitudes da Administração, no sentido de que esta faça,
sempre, a escolha da melhor alternativa à disposição.
Todas as dificuldades apontadas acenam para uma impossibilidade
de se coordenar as políticas partidárias, pelas quais os administradores
assumem determinados compromissos, com as políticas públicas,
desenvolvidas para atender às necessidades das populações. Não parece
haver outra solução, em princípio, que a existência de um mecanismo capaz
de funcionar como marco orientador da atividade pública, de modo que,
30 Por todos, veja-se SCOCA, Franco Gaetano. La discrezionalità nel pensiero di Giannini e nella
dottrina successiva. Rivista trimestrale di diritto pubblico, Roma, n. 4, p. 1045-1072, 2000.
229
mesmo diante de atos considerados discricionários, possa o administrador,
seguindo determinados pametros previamente estabelecidos, realizar a
escolha que mais atende à finalidade do ato, ou seja, atender ao interesse
público. É nesse ponto que parece necessário retomar a Constituição
dirigente, enquanto instrumento balizador da atividade pública, de
modo a estabelecer critérios que reduzam as decisões distantes das reais
necessidades dos administrados ao mínimo possível. Ou seja, um marco
definidor de critérios hábeis a proporcionar as escolhas adequadas pelo
administrador, tanto nos atos vinculados quanto naqueles discricionários.
Essa necessidade leva à lembrança de que a Constituição dirigente,
ou a força dirigente dos direitos fundamentais, consagrada na expressão
de Canotilho,
31
que foi aprovada pelos Constituintes de 1988, teve o
propósito de servir de programa permanente para a ação pública, dotada
de mandamentos como justiça, igualdade e bem-estar social, o que vem
determinado desde o preâmbulo, seguindo-se nos artigos 1º., 3º. e 170, além
de outros dispositivos, através do compromisso com a dignidade da pessoa
humana.
32
Como visto, não se pode falar da superação do dirigismo constitucional
em uma realidade social como a do Brasil. A falta de efetividade dos
31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Op. cit.,
p. 417. Veja-se, a respeito da relatividade da teoria daconstituição dirigente, a exposição do
próprio Canotilho, quando justifica que a expressão “a constituição dirigente morreu”, refere-
se às mudanças representadas pelas promessas da Carta portuguesa de 1976 a qual[...]
reivindicava textualmente a dimensão emancipatória das grandes récitas” – que propunha a “[...]
transição para o socialismo e para uma sociedade sem classes”, através de “[...] uma aliança entre
o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos” (CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. O Estado adjetivado e a teoria da Constituição. Interesse público, Porto
Alegre, n. 17, jan./fev. 2003, p. 13-24).
32 Diz o prmbulo da Constituição brasileira: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifo nosso). No art. 1º., a Carta
contempla:A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV- os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; IV – o pluralismo político”. No art. 3º. se lê: “Constituem
objetivos fundamentais da Reblica Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre justa
e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalizão
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; [...]”. O art. 170 prevê: “A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...]”
(grifo nosso).
230
direitos sociais no País, considerados de segunda geração,
33
enquanto os
direitos políticos, considerados de terceira geração, ganham status de
universalidade – basta observar os números do alistamento eleitoral no País
e o moderno sistema de urnas eletrônicas a que todos têm acesso, exemplo
para outros países, quando se registram casos de trabalho escravo, altos
índices de mortalidade infantil, milhares de pessoas vivendo nas ruas, sem
direito à moradia e à integridade, entre outros –, demonstra o desajuste das
políticas públicas adotadas pelos sucessivos governos. O quadro não pode
prescindir do envolvimento de nenhum dos atores sociais, especialmente
do Judiciário, no exercício de suas funções de aplicar o ordenamento
jurídico, conforme os ideais do dirigismo constitucional, sob pena de arcar
com o pesoo apenas da omissão, mas da contribuição quase dolosa para
a perpetuação do caos.
2.2. Novo conceito garantista da discricionariedade administrativa
Do ponto de vista de uma visão garantista do controle da
Administração, dado que esta deve atuar, em todos os momentos, tendo a
pessoa como centro de suas realizões, cabe ao Judiciário a avaliação dos
atos administrativos, sempre sob a perspectiva dos direitos fundamentais
constitucionais, “[...] considerados agora sob um aspecto substancial e
primacial, posto que traduzem os valores morais e políticos da sociedade”.
34
Isso implica dizer que a Administração tem o dever, sob essa ótica, de
realizar os direitos fundamentais dos cidaos, no maior grau possível,
observando, sempre, o interesse geral. Logo, o tradicional controle dos
atos administrativos que se faz no Brasil, partindo-se da existência de
uma decomposição em conteúdo, forma e pressupostos, com o objetivo de
atestar-lhes a conformidade e legalidade, é insuficiente e incompleto, já que
um ato pode, até, conter todos os requisitos legais, mas estar em confronto
com direitos tutelados pelo ordenamento.
Quanto à legitimidade do controle da atividade administrativa, no
Estado democrático de Direito, se pode dizer, emprestando o raciocínio de
Sainz Moreno,
35
que é a plena submissão da Administração ao ordenamento
33 Cf. classificação de BONAVIDES, Paulo. . Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995, p. 16.
34 CADEMARTORI, Luiz Henrique. Discricionariedade administrativa no Estado Constitucional
de Direito. Curitiba: Juruá, 2001, p. 148-150.
35 SAINZ MORENO, Fernando. Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidad
administrativa. Madrid: Civitas, 1976, p. 352.
231
jurídico, em função do princípio da legalidade, e por força deste, ao
controle judicial, a qual deve ser tomada como idéia nuclear da organização
democrática da vida comunitária. Isso significa que a administração pública
gerencia interesses que não são seus, mas da comunidade à qual serve e,
portanto, é esta comunidade, e não outras entidades tutelares, que deve
decidir o que deseja e a forma como executar o que tenciona. Essa vontade
está consolidada na lei aprovada pelo Parlamento, ao cumprimento da
qual a Administração está adstrita. Só a partir da norma, a Administração
pode retirar fundamento para os seus poderes, de modo que essa fonte
de legitimidade não pode ser substituída por um suposto “melhor saber
burocrático”, na tutela dos administrados.
Assim, a comunidade pode, até, equivocar-se, mas, enquanto povo
livre, tem a dignidade de assumir e superar os seus erros. Portanto, o controle
judicial da legalidade administrativa é elemento essencial da organização
democrática do poder público, enquanto submete a legalidade e, em
decorncia disso, a legitimidade, dos atos dos órgãos que personificam
o poder a um juízo de rao. Logo, como se verá no tópico seguinte, a
situação que se apresenta no caso concreto deve ser analisada, sempre, com
a atenção voltada ao atendimento do básico essencial aos administrados,
sendo somente a partir desse pressuposto que se poderia permitir, ao poder
público, decidir, de forma discricionária, no que se refere às políticas
públicas.
Esse novo conceito de discricionariedade implica ressaltar que hoje,
quando a litigiosidade ganhou pametros de infinitude e o Judiciário
defronta-se com a discussão de valores como os da propriedade e da função
social, da propriedade e dos direitos ambientais, dos consumidores, dos
menos favorecidos, entre outros, o papel desse Poder não pode continuar igual
ao que este desempenhava no século XIX. Até porque, as últimas décadas
do século XX demonstraram, claramente, a solidez do neoliberalismo em
vários países do mundo, com os processos de privatização que passaram
ao poder privado milhões de dólares em bens públicos, experiência
também vivida pelo Brasil, nos anos 1990, cujas conseqüências são: o
empobrecimento cada vez maior das populações; o aumento da demanda
de prestações públicas e, em função disso, a ampliação da necessidade
da presença estatal em serviços básicos, principalmente para os mais
pobres.
36
36 Na Arica Latina, o número de pobres saltou de 200,2 milhões para 221,4 miles, dos quais
93,4 milhões são indigentes, ainda que o percentual de pobreza houvesse reduzido no mesmo
232
A realidade que os juízes vivenciam, diuturnamente, não permite
que eles possam isolar-se no neutralismo formal da legislação, sem avaliar
o conteúdo de certas decisões da Administração que se incluem entre
as quais cabe ao Executivo escolher a solução mais adequada. Não há
possibilidade de se imaginar a velha teoria da discricionariedade como
a tese fechada da oportunidade e da conveniência do administrador, de
modo especial quando as definições de políticas públicas afetam direitos
fundamentais dos administrados, como a vida, a integridade, entre outros.
As decisões dos juízes de primeira instância, nesse sentido, têm aumentado
consideravelmente nos últimos anos e, nos tribunais, a jurisprudência vem
se encaminhando, de modo visível, para essa direção.
37
período, de 48,3 para 44 por cento (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Panorama
social de América Latina 2004. Comisn Econômica para Arica Latina y el Caribe (CEPAL).
Cap. I, p. 5. Disponível em: <http://www.cepal.org >. Acesso em: 20 jul. 2005).
37 Nesse sentido, decisão do TRF 4ª. Região determinou liminarmente, em Ação Civil Pública, a
“[...] execução de obra relativa à duplicação de rodovia federal, ante a responsabilidade civil do
Estado sobre mortes e mutilações decorrentes de acidentes de trânsito havidos na rodovia de
sua competência” (AI 200404010145703-SC. 4ª. Turma. Rel. Juiz Edgard A. Lippmann Junior.
J. 23.06.2004. DJU. 04.08.2004). Em outra decisão, o mesmo tribunal considerou adequado o
caminho da Ação Civil Pública para obrigar a Uno federal a “[...] realizar estudos técnicos, nas
rodovias federais, para sinalização adequada aos preceitos do Código Brasileiro de Trânsito.
No acórdão, o juiz relator afirma: “I. A intervenção do Judiciário em queses administrativas
é cabível apenas em áreas alheias à margem de discricionariedade do administrador, aquele
legitimado ao juízo de oportunidade e convenncia quanto à atuação da Administração, em que
se consideram os recursos disponíveis, normalmente escassos, e as inúmeras necessidades. Tais
áreas de intervenção admissível são, justamente, as da competência vinculada, em que a conduta
da Administrão é ditada pelo ordenamento jurídico e pelas normas, regras ou princípios, que o
compõem. II. Considerando que a segurança e a saúde dos administrados e usuários de rodovias,
bem como a integridade do patrinio público que representam, são valores jurídicos tutelados
pelo ordenamento, é de se concluir que atos tendentes a fragilizá-los ou vulnerá-los violam
o sistema e extrapolam a discricionariedade. Assim, promover a devida e correta realizão
de estudos técnicos nas rodovias federais para a devida adequação dos preceitos do CTB à
sinalização, em sendo determinadas pelo Judiciário, são medidas que buscam corrigir desvio de
conduta vinculada esperada da Administração” (AC 200171030005082-RS. 4ª. Turma. Rel. Juiz
Waldemar Capeletti. J. 20.08.2003, DJU 10.09.2003). Ainda da mesma Corte, decisão concedendo
tutela antecipada para efeito de retenção de verbas da CPMF (Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira), destinada à atualização de tabelas de procedimentos do Serviço
Único de Saúde (SUS). O acóro afirma: “[...] A queso relativa às diferenças decorrentes
da aplicação de critério diverso daquele estabelecido em lei para a conversão da moeda no
pagamento de serviços médico-hospitalares prestados por entidades conveniadas ao SUS não
diz apenas com valores de natureza econômica, mas trata sobretudo de matéria atinente à saúde
pública. O descaso do Governo Federal com a saúde pública enseja a atuação firme do Judiciário
no sentido de preservar os valores que são sagrados perante a Constituição e que não podem ser
desprezados em favor de possíveis pronunciamentos contrários das Cortes superiores. A posição
do STJ sobre a matéria, bem como as dificuldades financeiras comprovadas pelo agravante,
que acabarão por repercutir na prestação dos serviços médico-hospitalares à população carente,
justificam a presença dos requisitos legais para o restabelecimento da tutela antecipada
(AGRAC 200271000274277-RS. 3ª. Turma. Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. J.
10.08.2004. DJU 18.08.2004, p. 457).
233
Os próprios tribunais têm adotado, cada vez mais, uma postura
pouco passiva diante dos desmandos e, também, da simples ineficiência
administrativos, no que caminham no tom das ruas, onde os administrados
já não suportam a aplicação de recursos públicos em programas menos
importantes, enquanto a esmagadora maioria da população continua pobre,
crianças continuam sem escola, saúde ou saneamento básico, entre outros
direitos que lhes são negados todos os dias. O administrador público,
portanto, só pode escolher suas prioridades de forma discricionária depois
de cumprir com o básico, pois, enquanto não o fizer, vedada se mostra
a destinação de recursos para finalidades outras, cuja natureza foge à
urgência das necessidades fundamentais dos administrados.
38
Outra limitação capaz de se contrapor a uma atitude menos passiva
do Judicrio no controle da Administração tem sido a alegação dareserva
do possível”, teoria surgida na Alemanha e amplamente utilizada nos países
europeus, segundo a qual, a prestação reclamada pelo administrado deve
corresponder ao que o indivíduo pode, razoavelmente, exigir da sociedade,
de modo que, ainda que o Estado disponha de recursos e poder de disposição,
não há obrigatoriedade de prestar algo que sobressai aos limites do razoável.
39
Isto significa levar em conta que existe um limite fático ao exercício dos
direitos sociais prestacionais, referente à disponibilidade material e jurídica
de recursos necessários à realizão da prestação exigida. Na Europa, essa
possibilidade pode ser considerada, já que as prestações públicas podem
ser satisfeitas com maior facilidade, dado que a economia dos países é
mais estável, os controles sociais são mais eficientes e as políticas públicas
atingem o maior número de administrados, cabendo, portanto, a discussão
38 Cf. ROSA, Alexandre Morais da. Sentença em Ação Civil Pública. Autos n. 038.03.008229-0.
Op. cit.. A ação do Ministério Público contra o Município de Joinville reclamava a inversão
de prioridades com a desapropriação de área particular, no valor de 1,75 milhões de reais,
para construção de esdio de futebol, em detrimento do atendimento a 2.948 crianças para as
quais não havia vagas nas escolas. O juiz condenou liminarmente o Município a abrir as vagas
necesrias no período de 45 dias, sob pena de multa mensal no valor de um salário mínimo por
vagao preenchida, revertendo os valores ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. A liminar do Juiz de primeiro grau foi cassada pelo TJ-SC, mas antes da sentença
de mérito, o Município e o Ministério Público assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta,
prevendo a constrão dos centros educacionais reclamados, no prazo de quatro anos. O juiz
homologou o acordo e o processo foi arquivado.
39 KRELL, Andréas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os [des]
caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002,
p. 52 e seguintes. Segundo o autor, a teoria da “reserva do possível nasceu de uma decisão do
Tribunal Constitucional alemão, a qual considerou que o Estado não era obrigado a criar uma
quantidade suficiente de vagas nas universidades, dado que a constrão de direitos subjetivos à
prestação material de serviços públicos está sujeita à condão da disponibilidade dos respectivos
recursos.
234
dos limites do Estado social e até a redução das prestações, o que não tem
correspondência na realidade brasileira, onde o “[...] Estado-providência
nunca foi implantado”.
40
Em conseqüência dessa realidade do Brasil, a margem de manobra
do poder Judiciário pode ser bem mais ampla, e sua base descansa em
dois critérios: assegurar um “pado mínimo social”
41
aos cidadãos
e o razoável impacto da decisão sobre os orçamentos públicos. Logo,
diante da ausência desse “mínimo”, o juiz estaria autorizado a decidir
sobre políticas públicas que envolvam a realização de obras, quando tal
providência for imprescindível e possível. Os critérios para definição do
que seja imprescindível não oferecem maior dificuldade, pois as carências,
em quase todas as áreas, são significativas, como se pode verificar pelo
grande número de ações que chegam ao Judiciário em busca de efetivação
de prestações públicas, além das informações que são publicadas, todos os
dias, na imprensa.
Mas decidir sobre o que seja ou não factível nos limites do
orçamento do Executivo implica conhecer detalhes técnicos que não são
comuns à prática dos magistrados. Assim, uma solução que parece ajustar-
se à situão seria a presença de decisões do Executivo que destoam da
realidade social, como, por exemplo, investimentos em obras de grande
vulto, que não representam satisfação do mínimo social necessário à
sobrevivência digna dos administrados, em detrimento das necessidades
vitais de áreas prioritárias. Exemplo disso se constata em decisões como
a que o juiz determina o suprimento de vagas para crianças fora da sala
de aula em detrimento da construção de um estádio de futebol, cuja
prioridade, naquele momento, era absolutamente discutível, diante da
realidade à qual eram submetidos os administrados.
42
Ademais, o sistema de
40 KRELL, Andréas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os [des]
caminhos de um direito constitucional “comparado”. Op. cit., p. 52.
41 O conceito é de COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário e as
políticas públicas no Brasil Interesse Público, Porto Alegre, n. 28, p. 64-90, nov./dez. 2004, p.
64-90.
42 Cf. ROSA, Alexandre Morais da. Sentença em Ação Civil Pública. Autos n. 038.03.008229-0. A
ação do Ministério Público contra o Município de Joinville reclamava a inversão de prioridades
com a desaproprião de área particular, no valor de 1,75 milhões de reais, para construção de
estádio de futebol, em detrimento do atendimento a 2.948 criaas para as quais não havia vagas
nas escolas. O juiz condenou liminarmente o Município a abrir as vagas necessárias no período
de 45 dias, sob pena de multa mensal no valor de um sario mínimo por vaga não preenchida,
revertendo os valores ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. A liminar
do Juiz de primeiro grau foi cassada pelo TJ-SC, mas antes da sentença de mérito, o Município
e o Ministério Público assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta, prevendo a constrão
235
planejamento instituído pela Constituão de 1988 é dotado de mecanismos
para a comprovação de que os objetivos da Carta estão sendo cumpridos
pela Administração de forma ampla, democrática e transparente, como a
compatibilização do Plano Plurianual com a Lei de Diretrizes Orçamentárias
e a Lei Orçamentária do exercício em andamento.
43
Deve-se assinalar que,
quando a própria lei mal dimensiona os investimentos públicos, distorcendo
as prioridades, cabe a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade
da norma, conforme o caso, de modo que todas as atitudes relacionadas
com a definição e realização das políticas públicas poderão ser fiscalizadas
pelo Judiciário.
E tais atitudes não podem ser vistas como “judicialização da
política”,
44
ou “ativismo judicial”,
45
dado que, se uma parcela da população
não dispõe de mecanismos de defesa de seus direitos de outro modo que
não a ação judicial proposta pelo Ministério Público ou por associações
credenciadas a isto, não resta outra alternativa ao magistrado que a de
acolher o pedido e determinar a correção da situação de extrema gravidade,
urgência e injustiça, conforme o caso, através da realização das obras e
serviços necessários à efetivação da decisão. O que se exige é a aplicação
da lei de acordo com a Constituição, o que é considerado, no Brasil, tarefa
mais fácil do que em outros países, onde é necessário realizar um exaustivo
trabalho de interpretão, para retirar de vagos princípios as diretrizes da
norma.
A Carta brasileira não padece desses males, pois tem caráter analí-
tico, o que implica, apenas, a sua implementação para que sejam alcançados
os objetivos de justiça social.
46
Logo, o orçamento público não pode mais
ser considerado esfera intocável pelo Judiciário. É importante assinalar a
necessidade de que a decisão judicial seja criativa, use de razoabilidade na
avaliação das possibilidades do orçamento público, e fixe prazos razoáveis
e compatíveis com a execução orçamentária. Diante desses cuidados, não
dos centros educacionais reclamados, no prazo de quatro anos. O juiz homologou o acordo e o
processo foi arquivado.
43 Cf. SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos.
Interesse Público, Porto Alegre, n. 32, p. 213-226, jul./ago. 2005.
44 Termo usado por SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos
humanos. Op. cit, p. 213-226.
45 COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário e as políticas públicas
no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, n. 28, p. 64-90, nov./dez. 2004, p. 64-90. O uso do
termo parece ter o sentido de atividade judicial político ideológica, da forma como o toma o
autor.
46 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Op. cit,
p. 213-226.
236
há porque considerar a decisão dos magistrados como “ativismo” judicial.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça registra casos que
podem ilustrar a tese, em decisões que tratam do benefício assistencial de um
salário mínimo, previsto na Constituição brasileira no art. 203, V, destinado
a pessoas que não têm condições de se manter pelos próprios esforços ou de
familiares, nos termos da legislação regulamentadora.
47
Ocorre que a Lei
n. 8.749/93, que regulamentou o preceito constitucional, exige, além das
condições previstas na Carta, também uma renda familiar do paciente não
maior do que um quarto do salárionimo vigente.
48
A teoria da reserva
do possível, assim, só pode ser arguida quando for comprovado que os
recursos públicos estão sendo usados de forma proporcional aos problemas
enfrentados pela parcela da população desprovida de mecanismos para
exercer seus direitos e, especialmente, se isso for progressivo no tempo,
por força dos impedimentos causados pela limitação de sua liberdade
jurídica, ou das capacidades reais para exercê-las. Sem forças suficientes
para atingir determinados patamares mínimos necessários à manutenção
da sua dignidade, essa parcela das populações necessita de que o Judiciário
faça com que os direitos fundamentais previstos na Constituição sejam
aplicados.
Ademais, a Emenda 26 da Constituição inseriu um novo direito social,
a “assistência aos desamparados”,
49
impondo ainda maior compromisso
47 O texto do art. 203, da Constituição, prevê:A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V – a
garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
falia, conforme dispuser a lei”.
48 STJ AGA 521467-SP. Rel. Min. Paulo Medina. 6a. Turma. J. 18.11.2003. DJ. 09.12.2003.
No acórdão, o Relator afirma: “1. A impossibilidade da própria manutenção, por parte dos
portadores de deficiência e dos idosos, que autoriza e determina o benefício assistencial de
prestação continuada, não se restringe à hipótese da renda familiar per capita mensal inferior a
¼ do sario mínimo, podendo caracterizar-se por concretas circunstâncias outras, que é certo,
devem ser demonstradas”. Em outra decisão, o Tribunal rejeitou recurso da Previdência Social
contra a conceso do mesmo auxílio a paciente de AIDS, adotando semelhante posicionamento:
A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psilogo
e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover seu próprio sustento ou
de tê-lo provido por sua família, tem direito à perceão do benefício de prestação continuada
previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade
para a vida independente; II – O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e
a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoao necessitar da ajuda de
outros para se alimentar, fazer sua higiene e se vestir, não pode obstar à percepção do benefício,
pois, se esta fosse a conceituão de vida independente, o benefício de prestação continuada
só seria devido aos portadores de deficiência tal que suprimisse a capacidade de locomoção
do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador” (STJ REsp. 360202-AL. Rel. Min.
Gilson Dipp. 5ª. Turma. J. 04.06.2002. DJ. 01.07.2002).
49 O texto do art. 6º. da Carta, alterado pela Emenda n. 26, de 14.02.2000, prevê:São direitos sociais
237
dos magistrados com as camadas pobres da população, de modo que estão
legitimados pela Carta à defesa daquele direito, quando seus titulares não são
contemplados com as prestações a que o Estado está obrigado. E essa tarefa
enquadra-se na teoria garantista de Ferrajoli
50
mediante dois princípios desta
teoria: o da legalidade, que significa que as garantias dos direitos fundamentais
estejam asseguradas na legislação, e o da submissão à jurisdição, ou seja, que
tais direitos sejam acionáveis em juízo, em relação aos sujeitos responsáveis
por suas violações, por ação ou omissão. Os direitos fundamentais estão
consagrados na Constituição brasileira, têm aplicação imediata (art. 5º., §
1º.), assim como os direitos sociais (art. 6º.), e os regulamentados por leis
especiais, podendo, cada qual deles, ser reivindicado em juízo, por força
da previsão constitucional de sindicabilidade de toda e qualquer ameaça ou
lesão de direito (art. 5º. XXXV).
Mais do que simples instrumentos mecânicos de aplicação do
Direito, portanto, os magistrados, nesse processo, devem ter uma atuação
criativa, encontrando, no próprio ordenamento, as soluções capazes de
promover a estabilidade social mediante o atendimento das necessidades
básicas das populações. E não necessariamente isso deve ocorrer mediante
longos processos judiciais, mas, principalmente, pela intermediação que os
julgadores podem desenvolver no sentido, sempre, de compor as partes, para
que, ao final, possam os administrados receber, efetivamente, as prestações
a que têm direito. Nesse sentido, a atividade judicial exige do magistrado,
em maior ou menor grau, um papel criador, de modo a atribuir a relencia
devida a um ou outro fato determinado, encontrando as soluções para as
lacunas e antinomias, na composição do que se convencionou chamar de
“casos difíceis”, e também esclarecendo o significado de conceitos jurídicos
indeterminados.
51
a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assisncia aos desamparados, na forma desta Constituição”.
50 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Op. cit., p. 734. O art. 5º. § 1º. da constituição brasileira tem
o seguinte texto: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”.
51 A propósito, veja-se COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário
e as políticas públicas no Brasil. Op. cit., p. 64-90. O autor cita pesquisa do Instituto de Estudos
Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP), de 2000, na qual 73,1% dos juízes ouvidos
manifestaram-se no sentido de que “[...] o juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justa
social justifica decisões que violem contratos”. Na mesma pesquisa, 52,9% dos magistrados
declararam que apenas ocasionalmente adotam decisões mais[...] baseadas em suas visões
políticas do que na leitura rigorosa da lei”, enquanto 21,5 por cento afirmaram nunca tomar
decisões com base em suas visões políticas, e apenas 4,2% disseram seguir essa orientação
sempre.
238
As políticas públicas, portanto, não integram terreno vedado à
fiscalização do Judiciário, podendo ser avaliadas pelos juízes, desde que
estes adotem técnicas jurídicas capazes de tornar essa avaliação viável,
dando legitimidade e consistência ao controle da administração. Entre
as técnicas já consagradas, estão as teorias dos motivos determinantes –
razões de direito ou considerações de fato, avaliadas de modo objetivo,
sem a influência das quais o órgão administrativo não teria manifestado
sua vontade nos termos colocados, ou premissas das quais se extrai a
conclusão, que é a decisão administrativa
52
– e do desvio de finalidade,
manifestado quando a prática do ato administrativo, baseada na atitude
do agente, volta-se a uma finalidade de interesse privado, ou até a outro
fim público, mas estranho às previsões normativas,
53
além dos princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade. Vários dispositivos legais do
ordenamento brasileiro contemplam essas técnicas, como nas Leis da
Ação Popular e do Procedimento Administrativo, entre outras, também
consagradas na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
54
Deve-se
assinalar, então, que, aos juízes, não é tudo permitido, e nem deve ser. Mas
eles “[...] podem muito, e devem exercer esse poder em favor da grandiosa e
52 CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. brasileira. Rio de Janeiro: Forense,
1970, p. 435-436.
53 CITO, Caio. O desvio de poder nos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. Rio de
Janeiro: Revista Forense, v. 320, p. 3.
54 A Lei n. 4.717/65 (Ação Popular) prevê no art. 2º.São nulos os atos lesivos ao patrimônio das
entidades mencionadas no artigo anterior nos casos de: [...] d) inexistência de motivos; e) desvio
de finalidade; Parágrafo Único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as
seguintes normas: [...] d) a inexistência de motivos se verifica quando a matéria de fato ou de
direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim
diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”. Na Lei n. 9.784/99
(Procedimento Administrativo), art. 2º., lê-se:A Administração Pública obedecerá, dentre
outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, seguraa jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo Único. Nos processos administrativos seo observados, entre outros, os critérios de:
[...] VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrões e saões
em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, nesse sentido:[...] 2. A atuação da Administração
Pública deve seguir os pametros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato
administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que
a lei almeja alcançar. 3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência
administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito
que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’.
A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios
justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes,
superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado
almejado” (STJ-REsp. 443310-RS. Rel. Ministro Luiz Fux. DJ 03.11.2003).
239
inesgotável utopia da construção da felicidade de cada um e de todos”.
55
O Judiciário, no caso do controle das políticas públicas, deve ser visto
com uma das funções da soberania do Estado em ação, quando atua no
suprimento da ausência do legislador ou da Administração. Na esteira do
raciocínio de Alexy,
56
pode-se afirmar que, quando um juiz ou um tribunal
age em defesa de falhas, tanto do Executivo, quanto do Legislativo, não está
atuando contra a população, mas em nome dela, contra seus representantes
políticos, demonstrando que o processo político falhou, do ponto de vista
dos critérios “jurídico-humanos” e “jurídico-fundamentais”, exigindo
dos cidadãos a aprovação dos argumentos do tribunal, quando aceitam
a argumentação “jurídico-constitucional racional”.
57
Completa o autor,
afirmando que, quando há a estabilização de um processo de reflexão entre
a coletividade, legislador e tribunal constitucional de forma duradoura, “[...]
pode-se falar em institucionalização que deu certo dos direitos do homem
no Estado constitucional democrático. Direitos fundamentais e democracia
estão então reconciliados”.
58
CONCLUSÃO
As questões avaliadas neste estudo, portanto, impõem suprimir um
controle da administração que leve em conta a adoção de um novo conceito
de discricionariedade, o qual implica em que aquela contemple, com
absoluta prioridade, o suprimento das necessidades básicas das populações
que dependem das prestações estatais, ou seja, a composição de um
nimo essencial que permita a vida com dignidade, como, por exemplo,
proporcionar escola e saúde para todas as crianças, e atendimento social a
todos os necessitados. Cumprida essa exigência, restaria, ao administrador,
a possibilidade de escolher entre duas ou mais alternativas válidas e legais,
na esteira do conceito tradicional da discricionariedade, definindo-se por
políticas públicas que não guardam características de prioridade para os
administrados.
55 COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário e as políticas públicas
no Brasil. Op. cit., p. 64-90.
56 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul/set. 1999, p. 55-66.
57 Ibidem, p. 55-66.
58 Ibidem, p. 55-66.
240
Neste raciocínio, torna-se imperioso ter presentes as mudanças
registradas nas últimas décadas, com relação à rigidez do princípio da
separação dos poderes, o qual já não pode ser observado sob a ótica de
uma espécie de fundamentalismo religioso, mais retórica do que objetiva, e
abrangendo somente alguns aspectos, de forma assistemática.
A concepção atual do princípio deve ser tomada levando-se em
consideração que o passado histórico da tripartição dos poderes a vincula,
de modo estreito, à tutela da liberdade, não sendo, de qualquer modo,
obrigatória, a necessidade de uma rígida separação de poderes estatais para
o alcance desse objetivo, tese que, definitivamente, deve ser relegada ao
campo dos mitos.
A comprovação desse mito pode ser observada, especialmente, nas
relações entre Legislativo e Executivo, tanto em sistemas parlamentaristas,
quanto presidencialistas. Percebe-se, assim, que, na maior parte dos casos,
o governo e as maiorias parlamentares são a expressão de um mesmo
partido ou coalizão de partidos. Logo, destaca-se a ausência de verdadeira
autonomia do Legislativo diante do poder Executivo, pois grande parte das
leis aprovadas é de iniciativa do governo. Enquanto isso, este dispõe de
um grande poder regulamentar e de planejamento, tanto autorizado pela
Constituição, quanto atribuído pela legislação ordinária.
Diante dessa realidade, pode-se admitir uma atuação mais presente
do poder Judiciário no controle de poticas públicas que realizam direitos
fundamentais sociais, nas atuações do poder Executivo que se desviam das
prioridades, deixando de assegurar direitos básicos à saúde, à subsistência
e à educação, entre outros. Estas ações serão passíveis de controle mais
rígido do magistrado.
No campo procedimental, observa-se que a atuação do juiz, aqui,
não interfere no poder Executivo, apenas promove uma correção de
rumos, mediante critérios objetivos de distinção das diversas situações de
prioridade para a população, a serem aferidas mediante provas periciais,
para que os recursos, efetivamente, atendam ao interesse maior, que é a
razão da existência do Estado, aplicando-se, ao caso, a posição do Ministro
Luiz Fux, o qual, ao relatar, em julgamento do Supremo Tribunal Federal,
afirmou que diante de determinadas circunstâncias, está afastada a
alegação de “ingerência entre os poderes,” uma vez que o Judiciário, sob a
justificação de malferimento da lei, pode determinar a realização de tarefas
que resgatem a efetivação prática das promessas constitucionais.
241
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