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5.4.3 – “Ser salvo” como tirar do pajé seu ser de pajé
Converter-se era “humanizar-se”, era tirar de si o ser indígena,
añemboavaete’og, era abandonar o modo retraído e amedrontado de ser,
jepoyhu’og, ajepoyhu poi (Ruiz de Montoya, 1876aII, p. 157); era “mudar
de vida”, como mudar a pele, jeape kuavo, jeeko apeng’og (Ruiz de
Montoya, 1876aII, p. 101); “mudar-se em costume”, tirar o modo de ser
indígena e substituir por outro, ahekoviarö che reko (Ruiz de Montoya,
1876aII, p. 102); era “desarraigar vícios antigos”, ahapo’og che reko aikue
ymäguaréra (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 143); descarregar o modo de
ser irado, ajeeko pochy ekuavog (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 153); “fazer
com que o outro deixe seu costume”, amboeko ekuavog (Ruiz de Montoya,
1876c, f. 255). Era, sobretudo, tirar do pajé o seu ser de pajé, ambopaje’og
(Ruiz de Montoya, 1876c, f. 261).
Para ser efetiva, a conversão pressupunha a “redução”; ou seja, o
ajuntamento dos índios num lugar para “estabelecer costume entre eles”,
amboypy teko pyahu, teko pyahu amoï teko ramö (Ruiz de Montoya,
1876aI, p. 369), criar lei, dar o ser às coisas, atekove’ë, aheko moingo (Ruiz
de Montoya, 1876aI, p. 369), “dar estado”, “ordenar a vida”, amoïngatu
che reko (Ruiz de Montoya, 1876aI, p. 119), “reduzir a bem o que era
mal”, amboekuavog imomarängatúvo (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 153).
O novo homem das reduções olhava para o passado e via “o ser que ele
foi ou teve”, sy kue (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 115) e do qual ele se
despojou, ajepokuaaai’og (Ruiz de Montoya, 1876aII, p. 135), ou, mais do
que isso, do qual ele se esvaziou, ajeeko ekuavog (Ruiz de Montoya, 1876c,
f. 255), e via seu antigo modo de ser cortado pela raiz, che reko angaipáva
aipepï hejávo (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 268). Então, para alegria dos
seus conquistadores, ele se percebia impregnado de (uma nova) ciência,
mba’e kuaa che hu katu (Ruiz de Montoya, 1876c, f. 159), sendo louvado
pelos cronistas das missões pela sua “boa disposição para o evangelho”. O
exemplo no qual mais se cristalizou essa mentalidade foi o líder guarani
Ignacio Piraici. Nele realizou-se de maneira perfeita o ideal de indígena
convertido que sonhavam os missionárifos. Na sua obra mística, Montoya o
descreve como “anima naturaliter christiana. Em cinqüenta anos que viveu
gentil guardou a lei natural em sua pureza, contente com uma só mulher,
sem ofender a ninguém” (Ruiz de Montoya, 1991, p. 156).
Porém, como foi visto no capítulo dois, muitos pajés guarani resistiam