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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia
Agrícola Municipal de Dourados
(1946-1956)
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MARIA APARECIDA FERREIRA CARLI
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia
Agrícola Municipal de Dourados
(1946-1956)
Dourados – 2008
Direitos reservados à
Editora da Universidade Federal da Grande Dourados
Unidade I – Rua João Rosa Goes, 1761
Vila Progresso – Caixa Postal 322
CEP – 79825-070 Dourados-MS
Fone: 67 34113622
www.ufgd.edu.br
Ao camponês que luta, em busca
do que acredita ser, benevolente,
dadivosa, e fértil a 'terra”.
DEDICATÓRIA
À Silvia da Silva Ferreira, minha mãe, pela sua coragem e seus ensinamentos.
Ao Batista Targino Ferreira, in memorian, meu pai, pela sua teimosia em
acreditar e em fazer-me acreditar que tudo é possível, quando amor.
Aos irmãos: Neuma M. Ferreira, Oriona M. Ferreira, Francisco A. Batista
Ferreira, Targino B. Ferreira, Melicia M. Ferreira e seus familiares pelo
incentivo.
Aos meus filhos: Amanda F. Carli, Alexandra F. Carli e Vinicius F. Carli, que
viram nessa prática, estímulo para suas caminhadas. Ao José Roberto Carli
meu esposo, pela compreensão nos momentos de ausência .
Aos professores do programa de mestrado em História: Osvaldo Zorzato,
Cláudio Vasconcelos, Damião Duque de Farias, João Alves de Souza, Cláudio
Freire, Benícia Oliveira,Wilson Biasotto, e todos os demais, pela dedicação
empenhada desde sempre para com a pesquisa acadêmica.
Em especial ao Prof. Dr. Paulo Roberto Cimó Queiroz, pelo
comprometimento e ensinamentos, recomendações valiosas, pertinentes e,
ainda, pela paciência.
Ao Dr. José Antonio Menegucci, pelos estímulos, e pelos aconselhamentos
nos momentos de angústia e nas horas mais complicadas.
A contribuição do professor e mestre Laércio Cardoso de Jesus, na questão da
organização das imagens deste trabalho, pessoa amiga e prestimosa.
Ao professor e hoje prefeito José Laerte Tetila, que devido ao seu empenho
em fomentar políticas de incentivo à cultura, possibilitou a publicação deste
livro, por meio do FIP.
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................09
INTRODUÇÃO.......................................................................................11
O SUL DO ANTIGO MATO GROSSO E O PROCESSO DE
POVOAMENTO NÃO-ÍNDIO (SÉCULOS XIX E XX) ............24
O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA COLÔNIA AGRÍCOLA
MUNICIPAL DE DOURADOS NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS DE COLONIZAÇÃO DA ÉPOCA............................43
O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
DA COLÔNIA.........................................................................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................129
ANEXOS.................................................................................................136
LISTA DE MAPAS
MAPA 1 - Demonstrativo geográfico das áreas demarcadas – CMD.
65
MAPA 2 - Divisão geográfica da área 01 – CMD..............................66
MAPA 3 - Divisão geográfica da área 02 – CMD ............................ 67
MAPA 4 - Divisão geográfica da área 03 – CMD .............................68
MAPA 5 – Espaço geográfico denominado Malária ........................81
MAPA 6 – Área da Gleba Malária ......................................................84
MAPA 7 - Disposição de um lote da CMD .......................................96
MAPA 8 - Demonstrativo geográfico do Município de Itaporã....118
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 1 - Início da construção da Igreja Matriz São José –
Itaporã ........................................................................................................88
IMAGEM 2 – Construção da Igreja Matriz São José – Itaporã ......89
IMAGEM 3 - Construção da Igreja Matriz São José – Itaporã......89
IMAGEM 4 - Construção da Igreja Matriz São José – Itaporã .......90
IMAGEM 5 - Colonos no início da década de 1950 .......................98
IMAGEM 6 - Colono montado em seu animal - início da década
1950.............................................................................................................99
MAGEM 7 - Colono com seu instrumento de trabalho - início da
década 1950 .............................................................................................101
IMAGEM 8 Colono com seu instrumento de trabalho - início da
década 1950 .............................................................................................101
IMAGEM 9 - Colonos na plantação de café – início da década 1950
105
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Principais produtos agrícolas de Itaporã em 1959
.................................................................................................................106
TABELA 2 -Valor da transação das áreas sem títulos definitivos em
1951 ..........................................................................................................112
LISTA DE ABREVIATURAS
ACMD – Arquivo da Câmara Municipal de Dourados
AN - Arquivo Nacional
APMD- Arquivo Público do Município de Dourados
APMS – Arquivo Público de Mato Grosso do Sul
APMT – Arquivo Público de Mato Grosso
CDR - Centro de Documentação Regional – UFMS / Dourados
CERCTFF- Comissão Especial de Revisão das Concessões de Terras
na Faixa de Fronteiras
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MHD – Museu Histórico de Dourados
TFPP – Território Federal de Ponta Porã
15
APRESENTAÇÃO
Com relação ao estudo da história de nossa região, podemos
dizer que quase tudo ainda espor fazer e isso representa para os
estudiosos, ao mesmo tempo, uma “vantagem” e um problema. De fato,
embora essa circunstância nos imponha grandes desafios (na medida em
que é sempre muito difícil, em qualquer campo de trabalho, ter de partir
do nada ou de muito pouco), ela ao mesmo tempo abre diante de nós um
imenso leque de temas o interessantes quanto pouco conhecidos.
Penso que estas reflexões se aplicam, com especial propriedade,
ao tema do trabalho da ProMaria Aparecida Ferreira Carli. De fato, a
agora permanecia praticamente ignorada a interessantíssima história da
Colônia Agrícola Municipal de Dourados aliás freqüentemente
confundida com sua congênere mais famosa, a Colônia Agrícola
Nacional de Dourados, implantada na mesma época.
Na realização de sua pesquisa, a autora demonstrou um notável
talento e uma incansável disposição para a busca de fontes documentais
até então intocadas, as quais ela conseguiu localizar, com muitas
dificuldades, em acervos existentes sobretudo nas cidades de Dourados,
Ponta Porã e Itaporã. Além disso, conseguiu obter valiosos depoimentos
de ex-colonos beneficiando-se em parte, nesse caso, do fato de que sua
própria trajetória pessoal está diretamente ligada à história da Colônia.
Com isso, a Profª Maria Aparecida conseguiu revelar aspectos até
então obscuros do processo de colonização e povoamento ocorrido em
nossa região em meados do século XX situando-os, corretamente, num
amplo cenário, que inclui não apenas as políticas estaduais e locais como
também a política nacional (marcada, na época, pela lebre Marcha para
Oeste). Mas o trabalho não ficou apenas na análise das políticas e das
intenções governamentais. Ao contrário, a autora procurou construir
uma história com “carne e osso”, isto é, uma história em que aparecem
com destaque as próprias pessoas, os colonos e suas famílias, com suas
esperanças, sonhos, desafios e realizações. Além disso, como todo bom
trabalho acadêmico, este também levanta e aponta inúmeros aspectos
que deverão merecer, no futuro, a atenção dos pesquisadores.
O trabalho da Profª Maria Aparecida representa, portanto, uma
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
importante e original contribuição para o conhecimento da história do
Brasil, de Mato Grosso do Sul e, em particular, de nossa região, sobretudo
Dourados e Itaporã. Desse modo, sua publicação, em forma de livro,
reveste-se de amplos significados, todos positivos. Em primeiro lugar,
constitui um “retorno”, por assim dizer, da universidade à comunidade,
isto é: por meio deste livro, a universidade, de certa forma, presta contas
de seu trabalho, entregando à sociedade o produto de suas pesquisas e
reflexões. Além disso, ao permitir que essa produção atinja um grande
mero de pessoas, a publicação se torna extremamente salutar para o
processo de construção da cidadania processo esse que depende
diretamente do conhecimento da história e da possibilidade de discussão
e problematização desse conhecimento. Finalmente, essa publicação
constitui também um merecido prêmio à dedicação da autora e aos
grandes esforços por ela despendidos na produção do trabalho.
Tendo tido a satisfação de poder acompanhar, desde o início, a
elaboração desta pesquisa, lembro-me de haver dito à autora, mais de
uma vez, que seu trabalho seria um marco fundamental, delimitando o
“antes” e o “depois” no processo de conhecimento da história da
Colônia Municipal de Dourados. Estou convencido de que não me
enganei nessa avaliação, e espero que, agora, nossos cidadãos possam
igualmente comprová-la por meio da leitura do livro.
Paulo Roberto Cimó Queiroz
Professor da graduação e do mestrado em História da UFGD
Junho 2008
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
INTRODUÇÃO
As lembranças do grupo doméstico
persistem matizadas em cada um de seus
membros e constituem uma memória ao mesmo
tempo una e diferenciada. Trocando opiniões,
dialogando sobre tudo, suas lembranças
guardam nculos difíceis de separar. Os nculos
podem persistir mesmo quando se desagregou o
núcleo onde sua história teve origem (BOSI,
1998, p. 423).
O meu interesse pela história foi despertado muito cedo, quando
criança, por meio dos discursos do meu pai, Sr. Batista Targino Ferreira,
que, apesar de não ter acesso ao conhecimento sistematizado de uma
instituição de ensino, pois sua condição de vida não lhe permitiu, prendia
a atenção dos filhos com seus relatos sobre as histórias dos nordestinos,
relacionados ao Cangaço, e sobre sua viagem e de sua família quando, em
busca de recursos, se deslocaram do Nordeste em direção a São Paulo em
caminhões denominados pau-de-arara, levando meses para chegarem ao
destino desejado. Ele descrevia com riqueza de detalhes a sua viagem, a
condição de pobreza, o companheirismo, a solidariedade e a
possibilidade de uma vida melhor que vislumbravam esses sujeitos, não
em busca de um sonho, mas em busca de sobrevincia, e ao mesmo
tempo levando consigo significativas experiências de vida.
Uma outra questão que era colocada pelo meu pai, e que
gostávamos de ouvir, era sobre sua viagem e de seus familiares para o sul
do antigo estado do Mato Grosso, na qual enfrentou muitas dificuldades,
desde os meios de transporte em caminhões à falta de alimento e até
mesmo de água para beber, sem contar com a rudeza dos locais por onde
passavam: ora o caminhão atolava em banco de areia, ora atolava em
poças com água e barro. Minha mãe, D. Sílvia da Silva Ferreira, conta que
as crianças choravam de fome e as mães não encontravam local com as
nimas condições para atendê-las, precisavam usar água empoçada da
chuva das margens da estrada para prepararem leite para as mesmas.
A forma como meu pai falava dos acontecimentos de sua vida e
da trajetória de sua família despertava-me a curiosidade e assanhava
minha imaginação, no sentido de querer entender o porquê, e como se
davam esses movimentos. Sobre movimentos migratórios, Milton
Santos (1996, p. 88) fala com propriedade que “o movimento sobrepõe-
se ao repouso e quando o homem muda, junto com ele mudam também
as mercadorias, as imagens e as idéias”, idéias que se cristalizam nas ações
dos sujeitos que, ao se organizarem na formação de determinadas
comunidades, por meio do desenvolvimento de suas práticas culturais
constroem seus próprios sistemas de significação.
Ao verificar a questão dos deslocamentos migratórios pode-se
compreender que os indivíduos vivem sempre em processo de
“mudanças cio-espaciais”, e que esse processo migratório para a região
sul do antigo Mato Grosso, nesse período, década de 1940 e 1950, não
consistia em um fato isolado, mas inserido no “contexto das migrações
internas, decorrentes da Marcha para Oeste(MENEZES, 2004).
A história também era manifesto do espírito nacionalista que
sempre estivera à nossa volta, por meio das práticas escolares,
relacionadas às datas comemorativas, em que os alunos manifestavam o
seu amor à tria ao cantar o hino nacional, ao recitar uma poesia,
mesmo enaltecendo a figura do rei ou de um general. Era essa história
vista de cima que se trabalhava nas escolas naquela época, o ensino
“positivista”, que desconsiderava o sujeito como agente histórico, as suas
organizações, as relações e suas práticas culturais, políticas e econômicas.
Assim, havia explícito nos indiduos um sentimento nacionalista,
chegando a fortes emoções quando se ouvia o hino nacional. Esse
sentimento nacionalista, despertado por meio de símbolos nacionais,
tem sua origem, segundo Aline Cerutti Pereira (s. d., p. 78), no período
1930-1945 (era Vargas), em que se verifica no Brasil “que também a
sica nas escolas assume um caráter institucionalizado”. Portanto,
segundo a autora, a partir desse período, o discurso nacionalista
manifestava-se na arte como um todo e, em particular, o “nacionalismo
se insere no repertório de canções por meio de temas históricos,
homenagens a grandes vultos”.
adolescente, um fato que me deixava curiosa, no período que
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
antecedeu e algum tempo após o Golpe Militar (1964), era um
movimento noturno, em que toda a família sentava-se à frente de um
dio para ouvir a fala de um brasileiro, denominado Lucas Maranhão,
cujo programa era transmitido por uma emissora de Havana, em Cuba, a
partir da 1h 30min da manhã, horário de Brasília. Tratava-se de um
momento em que o locutor unia os brasileiros que comungavam dessa
prática e sintonizavam essa rádio, informando sobre os últimos
acontecimentos do país e dos outros países em relação ao Brasil.
Após o curso ginasial, fiquei sem aulas de História, pois o meu
segundo grau (hoje ensino médio) foi o curso de Técnico em
Contabilidade, em que a disciplina não fazia parte da grade curricular,
mas eu estava sempre atenta aos acontecimentos políticos e às políticas
sociais desenvolvidas pelos governos. Sempre acompanhei meu pai, que
fundou um partido no município de Itaporã e foi candidato algumas
vezes, mas nunca ganhou, tendo ficado somente como suplente de
vereador. Ele sempre foi adepto das idéias comunistas, chegando a ser
preso por ocasião do Golpe Militar de 1964.
Depois de três anos cursando o ensino técnico o, passei pela
seleção do vestibular no curso de História do Centro Pedagógico de
Dourados, da então Universidade Estadual de Mato Grosso (1974). Sofri
muito, pois era originária de um segundo grau em técnico e um ginasial
cursado no município de Itaporã, com professores sem formação
acadêmica, e estar na academia, receber todas as informações dos
professores, a princípio, tudo isso era muito distante e muito complicado,
mas concla graduação.
Gostaria de ressaltar que terminei a graduação sem ter muito
incentivo à pesquisa, sem elaborar e desenvolver um projeto, mas, em
minhas abstrações, meus pensamentos sempre buscavam fazer uma
relação entre os fatos discutidos em sala e a história da minha família,
principalmente na disciplina História do Brasil.
Por muito tempo alimentei a idéia de construir um livro, mas não
tinha a menor noção de como fazê-lo. Por sorte, ao ser convidada para
trabalhar no Centro de Documentação Regional da UFMS/Dourados
(CDR), que é coordenado pelo professor Paulo CiQueiroz, comecei a
assistir, indiretamente, às aulas do Mestrado, pois estas aconteciam
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
inicialmente na sala do CDR, que era o meu local de trabalho. Então, a
partir daquele momento, passei a sonhar com aquilo que parecia
impossível: transformar os sonhos já realizados de indivíduos oriundos
de várias regiões do país em uma produção historiográfica, agora
acadêmica.
Ter ingressado no mestrado significou um retorno ao projeto
pensado e idealizado, que parecia perdido e encoberto pelo
esquecimento, devido à falta de condições para realizá-lo. Mas logo se
revelavam presentes, vivos em minha memória, os elementos que dariam
vida a minha produção, amarrando o presente ao passado por meio do
exercício do imaginário e da criação. Sem contar o caráter de desafio que
o curso é para mim, pois há vinte e sete anos terminei a graduação, ao
mesmo tempo em que representa a conquista de um grande sonho,
principalmente para minha mãe, Dona lvia, que de certa forma
contribuiu, com seu trabalho doméstico ou no cultivo da terra, para a
formação da comunidade inicialmente denominada Colônia Agrícola
1
Municipal de Dourados - CMD .
Essa Colônia foi implantada em uma área que havia sido
reservada para colonização em 1923, por meio do Decreto nº 616, do
então Presidente da Proncia, Pedro Celestino Corrêa da Costa, área
essa localizada entre os rios Brilhante e Panambi. Outras áreas passaram
pelos mesmos processos de reserva, era uma prática comum dos
governos do antigo Mato Grosso. Este e outros autores que tratam desta
questão escrevem que esse foi um período em que as empresas
particulares, com o apoio de algumas facções políticas estaduais,
adquiriam grandes áreas para implantação de colônias, o objetivo era
povoar, mas também serviam como especulação imobiliária. Esse
processo de reserva de áreas foi contestado pelo governador do antigo
Mato Grosso, Fernando Cora da Costa, quando dizia que aquela
política prejudicara os interesses de particulares, que “ficavam
impossibilitados de demarcar os seus lotes, pois o Estado o demarcara
anteriormente suas reservas” (LENHARO, 1986, p. 51).
Nessa área reservada pelo Estado e depois de várias
discussões feitas pela mara Municipal de Dourados, sugestões e
solicitações feitas por meio de jornais do município e da região, sendo os
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
autores dessas matérias publicadas, tanto os próprios jornais, quanto os
colonos que se encontravam precariamente instalados na área desde
1926 é que se deu início ao processo de implantação da CMD pelo
município de Dourados, a partir de outubro de 1946. O ato que a
regulamentou foi a Lei 70, quando a região ainda fazia parte do
Território Federal de Ponta Porã. Essa lei não foi a única, outras foram
criadas para dar conta do processo, como a Lei 9, de 1948, que passa a
regular a questão após a extinção do Território de Ponta Porã, e a Lei
2, de 1951, surgida no sentido de suprir as necessidades advindas do
processo e as contradições das leis anteriores.
A CMD foi implantada pelo município de Dourados, no final do
Estado Novo, no território que atualmente correspondente a uma parte
do município de Itaporã. Por isso, o período delimitado para esta
investigação vai de 1946, quando começa a ser implantada a Colônia, até
1956, quando o Município de Itaporã havia sido criado (1953) e
encontrava-se em fase de formação. O estudo procurou inserir esse
objeto no contexto histórico da época, tanto em vel nacional, como
estadual, discutindo questões fundamentais da nossa região, ou seja, a
presença da grande propriedade fundiária e a política de colonização e
povoamento, que deveria representar, em tese, o fracionamento da
grande propriedade, transformando-a em pequenas.
Partindo dessas colocações é que se formularam as seguintes
questões, que se procurou investigar no desenvolver da pesquisa: como
se deu o processo de implantação e transformações da Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, estando esta vinculada ao processo de
colonização desse período? Como foi organizado o processo de
assentamento? A preferência da terra era garantida aos colonos que
tinham posse, na área loteada da Colônia, ou aos colonos que ocupavam
a parte ainda não loteada? Quais os requisitos exigidos para a posse
documental da área? Como poderia ser vista a política agrária dos
governos estaduais, expressa na Lei n.º 336, de 6/12/1949 (Código de
Terras), que dispunha sobre as condições de acesso às terras devolutas?
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
1
CMD sigla que será utilizada no desenvolvimento deste trabalho para identificar À Colônia Agrícola
Municipal de Dourados.
Ao facilitar o acesso a essas terras sem um efetivo controle sobre a
emissão dos tulos nas áreas pertencentes ou vizinhas à CMD, impedia-se
o acesso às terras aos colonos em marcha e facilitavam-se os conflitos
agrários naquele local?
Essa Colônia destinava-se à fixação de agricultores, em regime
de pequena propriedade, com vistas à diversificação econômica regional
e ao fortalecimento do mercado interno cabendo lembrar que, “na
cada de 1920, em Mato Grosso a área da pequena propriedade não
atingia a 1%(BIANCHINI, 2000, p.49).
Para realizar este trabalho vinculou-se um desejo particular a
uma preocupação com o vazio que desune o passado e o presente, no
que concerne à história do município de Itaporã. Pela ausência de
produção historiogfica, de um conhecimento mais elaborado, é que se
buscou desenvolver esta pesquisa, cujo objetivo central é explicitar como
se deu o processo de Democratização da Terra apor meio da
implantação, da estruturação e do funcionamento da Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, suas especificidades e sua relação com a política
de colonização do governo Vargas, bem como das condições políticas e
econômicas da época.
A pesquisa visa, ainda, elucidar as formas de organização da
Colônia, bem como de sua produção, problema de importância o
apenas para o estudo da ocupação da área em questão, mas também da
colonização geral do antigo sul de Mato Grosso. Analisa-se também as
questões da migração e as práticas culturais que envolveram as relações
de trabalho no que se refere às questões de produção familiar de
subsistência ou não, e ao trato da terra, bem como as características
dessas relações.
Características explicitadas, indícios, vestígios encontrados por
meio de levantamentos e leituras para a seleção das diversas fontes
documentais, iconográficas e outras (como obras de memórias, jornais
do período), a historiografia produzida pelos alunos que fizeram o
mestrado na própria instituição, e as obras consagradas pela
historiografia do estado e as nacionais, pela importância de seus temas, as
quais tiveram um papel significante para a construção do objeto. Essas
obras, em sua maioria tratando da história de Mato Grosso e da política
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
de colonização dos governos federais, estaduais e municipais, e outras
obras que deram suporte à pesquisa, foram encontradas sobretudo no
Centro de Documentação Regional e na Biblioteca da UFMS/Dourados.
Na medida em que se selecionam e se recortam as fontes, o
pesquisador promove um novo “olhar” sobre elas, um olhar mais
subjetivo, nesse sentido cabe ao “historiador recuperar todas as
experiências vividas pelo sujeito” (VIEIRA, 1991, p. 13). Essas
experiências, as quais podem manifestar-se na forma de “valores,
crenças, sentimentos e imagens”, ao serem transformadas em evidências
e registros tornam-se fontes de estudo, tais como fotografias, escritos,
sicas e outros.
As fontes acima foram levantadas, e agrupadas por meio de
pias, a partir do ano de 2001, quando se elaborou o primeiro projeto
para a seleção do Mestrado. É relevante explicar que a base documental
consiste principalmente em regulamentos, correspondências, atas das
maras municipais, relatórios, leis, decretos.
Na busca dessas fontes, recorreu-se a diversos arquivos, e, em
rias cidades, recorreu-se, também, a colonos remanescentes da CMD. É
importante esclarecer que o se utilizaram as fontes orais do modo
propriamente preconizado pela História Oral, mas apenas conversas
informais, discussões sobre essa memória que ainda permanece viva na
mente desses “colonos”, como gostam de serem chamados. Cabe aqui o
pensamento de (ZORZATO, 1992, p. 1), para quem “as fontes orais
tornam-se complementares e necessárias não só pelo valor da memória
dos outros, mas também pela força de toda experiência humana”.
Mesmo o se fazendo uso dos métodos e técnicas necessários para ir a
estas fontes, os registros das falas dos remanescentes foram revisados
pelos mesmos, que autorizaram seu uso em documentos destinados ao
blico acadêmico ou não.
Continuando com o processo de busca, entrou-se em contato
com vários arquivos, entre eles o da Câmara Municipal de Dourados,
onde se constatou a existência dos livros de atas do período de 6 de
dezembro de 1947 a 4 de março de 1951, dos quais obteve-se cópias, e
onde constam rias informações relacionadas às discussões sobre a
implantação, votações das leis que deram regulamento a Colônia, e outras
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
leis que foram criadas, a partir das necessidades do processo de
desenvolvimento da CMD, referentes às questões estruturais,
econômicas, culturais, e outras.
No arquivo da Câmara Municipal de Ponta Porã encontra-se um
acervo raro, com parte das informações sobre o período da era Vargas
vinculadas ao sul do estado de Mato Grosso. Ao fazer o levantamento do
acervo, pôde-se observar que, por ter sido aquela cidade capital do
Território de Ponta Porã, algumas obras e documentação produzida no
Rio de Janeiro pelo Governo Federal naquele período, e que estavam de
certa forma vinculadas à região, foram destinadas a essa localidade.
Verificou-se que no arquivo da Câmara Municipal de Itaporã
uma diversidade de fontes documentais, tais como: ofícios, licitações,
solicitações, legislação, regulamentos, prestações de contas, relatórios,
abaixo-assinados de colonos, reclamações de colonos, determinações da
administração pública dirigida aos colonos. Documentação essa
produzida a partir do ano de 1954, quando o município havia sido
criado.
no Arquivo Público de Mato Grosso, em Cuiabá,
encontraram-se os relatórios dos governadores e presidentes do estado,
dirigidos à Assembléia Legislativa, que informavam sobre a realidade
daquele momento, no aspecto econômico, de colonização, questões de
terras, políticas públicas e outros. Encontraram-se jornais da época,
como a Gazeta Oficial, de Cuiabá, e outros de várias localidades da região
sul do estado de Mato Grosso; ainda que essas coleções não sejam
completas, os números existentes trazem informações que interessam a
pesquisadores de diversas temáticas.
Um outro arquivo visitado foi o da Assembléia Legislativa de
Mato Groso, localizado em Cuiabá, que estava sendo reestruturado, mas
mesmo assim foi colocado à disposição da pesquisadora o acervo ali
existente. Constatou-se a existência de ementário da legislação, relatórios
da assembléia para o governo e vice-versa, bem como obras contendo
legislação de várias épocas, correspondências etc. Portanto, assim como
outros arquivos, tem-se um acervo bastante diversificado.
Em visita ao Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, em 2004,
conseguiram-se cópias de documentação da Comissão Especial de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Revisão das Concessões de Terras na Faixa de Fronteira, que trata sobre
operações vinculadas a terras públicas, tais como: relatórios e pareceres,
mapas, ofícios, escrituras, arrendamentos e outros.
Obteve-se na Agência Fazendária de Itaporã a cópia da Lei
659, de 10 de Dezembro de 1953, de criação do Município de Itaporã, e
que até hoje se encontra em litígio pelas questões de limites.
Em meados de 2003, por meio do INCRA/Dourados conseguiu-
se pia do Projeto Fundiário Diagnóstico Fundiário v. I e II, que contém
informações sobre os limites e condições de acesso ao município de
Itaporã, assim como a posição da gleba em relação à sede do Projeto
Fundiário. Esse documento contém um histórico do município de
Itaporã, desde a implantação da CMD.
No INCRA obtiveram-se ainda os mapas do projeto de
colonização, com suas respectivas demarcações de áreas onde os lotes
foram identificados por meio de uma numeração. Nos mapas está
explícito que a área foi demarcada em três momentos. No mesmo
arquivo encontrou-se também um mapa de uma outra área de
colonização, dentro da CMD, o que levou a uma pesquisa mais profunda,
feita por meio da cadeia dominial, no Cartório do Oficio de Dourados.
No Museu Municipal de Dourados foram encontrados
manuscritos datados de 1926 a 1948, que contêm relações de colonos
que se encontravam na área destinada à CMD. Encontraram-se jornais,
como O Progresso, de Dourados.
Também visitou-se o arquivo da Prefeitura Municipal de
Dourados, o qual, entretanto, não está ainda organizado adequadamente
para que o pesquisador dele faça uso. Apesar disso, abriram um
precedente, e com certa dificuldade, pela falta de organização, buscou-se
o que interessava, conseguindo-se documentos muito importantes (leis
referentes à organização da CMD).
Obtiveram-se também, por meio do Prof. Mário Geraldini
(Departamento de Ciências Humanas, da UFMS / Dourados), fotocópias
de documentos que pertencem ao arquivo da assessoria jurídica do
Município, a saber: os livros de registro de títulos definitivos por
aforamento, onde constam o nome do colono e o número do lote, com a
área em metros quadrados e suas confrontações.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Outros documentos foram disponibilizados pela Procuradoria
Geral do município de Dourados, em 2005, na pessoa do advogado Jo
Roberto Carli. Trata-se de livros-ata da Comissão de Urbanização, onde
esassentada a legislação que atendeu às questões de urbanização, tanto
do município de Dourados quanto da sede da CMD, e também outras leis,
que dispunham sobre questões de assentamentos na sede da CMD.
Por meio do arquivo da FUNAI, pôde-se obter documentos que
se referem à origem do que um antropólogo denominou de “Colônia
indígena de Dourados”. O autor citou a dificuldade dos administradores
em agregar os índios nesse espaço geográfico criado pelo governo para
esse fim, e fala também sobre a data da expedição do título definitivo da
área e a contradição que existiu entre a expedição do tulo e o registro do
mesmo. Vale ressaltar que esta discussão fez parte deste trabalho porque,
mesmo que a administração da área indígena seja de competência do
Governo Federal, a mesma localiza-se entre os municípios de Dourados
e Itaporã, que estão, desde a data da criação do município de Itaporã até
hoje, em litígio por causa de seus limites.
Mais um arquivo disponibilizou o seu acervo para a pesquisa: foi
o do jornal O Progresso, o qual, mesmo sendo preciso pagar para se fazer a
pesquisa, tem sua importância por possuir quase todos os números da
cada de 1920 e todos da década de 1950, e encadernados de fácil
manuseio.
O jornal O Progresso acompanhou todo o processo que se refere à
implantação e ao desenvolvimento da CMD, bem como a criação do
município de Itaporã. A imprensa escrita é reconhecida como fonte
muito rica em informações para o estudo da história e merecedora de
respeito por parte dos pesquisadores, e, ao utilizar as informações
transmitidas pelos jornais, o cientista deverá procurar saber quem
produziu, para quem, como e quando (CAPELATO, 1988, p.52).
O Progresso, como uma fonte levantada para este trabalho, traz um
certo volume de discussões e informações a respeito da formação e
estruturação da Colônia, mostrando com isso várias possibilidades de se
acompanhar o processo de desenvolvimento da Colônia no contexto
histórico da região, naquele período. Deve-se entender que as
informações transmitidas pelos jornais m carregadas de idéias
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
tendenciosas, referentes tanto ao jornalista autor da matéria, como a
linha política assumida pelo jornal, que sabe usar das estratégias para
conquistar seu público (CAPELATO, 1988, p. 54).
Ao selecionar o jornal O Progresso para ser usado como fonte,
levaram-se em consideração outros aspectos que o relevantes, tais
como a origem desse veículo de comunicação, hoje sediado em
Dourados, mas originário do município de Ponta Porã, na década de 20
região cobiçada pelos migrantes que aqui chegavam e defendida pelo
monopólio das grandes empresas estabelecidas, vivenciando assim um
período conturbado tanto nas questões de terras, em que o latifúndio
tinha sua força atrelada a uma vertente do poder do Estado, quanto nas
questões de colonização e povoamento.
Um outro aspecto relevante é procurar compreender como se
processava a construção das informações divulgadas por esse jornal,
com quais intenções um fato era registrado, que o proprietário do
jornal (como pode ser verificado no livro de títulos expedidos - área da
CMD), era também dono de áreas de terras na Colônia em estudo e, na
época, vereador na Câmara municipal de Dourados, órgão público por
onde passava toda a legislação do município referente à Colônia.
Além desses arquivos, buscaram-se arquivos pessoais de algumas
famílias remanescentes da CMD, que dispõem de fontes iconográficas do
período da colonização, das derrubadas, dos plantios de café e dos
agrupamentos de pessoas para comemorarem a boa colheita.
A fotografia, assim como o documento escrito, requer certo
cuidado ao ser selecionada, pois ela corre o risco de sofrer influência das
crenças, valores e preconceitos do pesquisador. Essa fonte exige também
um prévio conhecimento (histórico e cnico), necessário para se
entender as suas linguagens. De posse de uma imagem visual, o se tem
a seqüência da mensagem verbal, mas sim um conjunto seqüenciado de
significações; cabe ao pesquisador, então, recuperar o quadro de
significações que a imagem representa e analisá-la.
Para fazer essa análise, estabeleceu-se critérios para selecionar as
fotos mais importantes e articulá-las com as fontes textuais e orais. Os
pesquisadores devem utilizar a fotografia como um documento que
possui sua própria linguagem e que faz gerar pistas de como se dão as
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
práticas econômicas, sociais e políticas, desenvolvidas no bojo de
determinada sociedade (KOSSOY, 2001, p. 59).
No Centro de Documentação Regional da UFMS/Dourados
conseguiu-se também pias de alguns documentos (a Lei 19, de 13 de
novembro de 1949, que trata de orçamento e fixa a despesa do município
de Dourados para os exercícios financeiros de 1950, 1951, 1952 e 1953,
nos quais estão inseridos orçamentos financeiros destinados à formação
da Colônia, e o digo de Tributos do Município de Dourados Lei
25, de 6 de dezembro de 1951, que trata de questões referentes a Imposto
Territorial, Renda Imobiliária, Foros e Aforamentos, a serem aplicados
na Colônia).
A questão da colonização é um tema abordado por
pesquisadores de várias áreas do conhecimento, em especial aqueles que
se preocupam com o assunto do povoamento. Entre os trabalhos que
serviram de base bibliográfica para esta pesquisa estão a obra de Alcir
Lenharo, Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste,
em que o autor versa sobre o projeto colonizador lançado pelo Governo
Vargas, a Marcha para Oeste. Alcir Lenharo movimenta sua alocução no
sentido de explicitar qual o objetivo proposto pelo Governo Federal
através de seu discurso, os mecanismos que foram criados por este, bem
como os dispositivos civilizadores: “Delineia-se, assim, a estratégia de
colonização: armar um cerco ao latifúndio, de fôlego longo. Apoiar a
pequena propriedade de modo que ela, lentamente, corroesse a velha
ordem latifundiária, e, aos poucos, instaurasse a nova realidade agcola
que o desenvolvimento industrial do país exigia” (LENHARO, 1985, p.
21).
Um outro autor que trata de colonização é Cláudio Alves de
Vasconcelos, em sua dissertação de mestrado: Colonização e especulação
fundiária em Mato Grosso: a implantação da colônia Várzea Alegre (1957-1970).
O objeto do estudo do autor “são as implicações cio-econômicas que
orientaram o processo histórico da implantação da colônia Várzea
Alegre”, construído esse trabalho “na perspectiva da ocupação do
espaço pelo capital, sendo o processo de colonização entendido como
uma forma de investimento, a partir da ocupação efetiva da terra e da sua
exploração econômica pelos próprios moradores”.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
O Diagnóstico econômico de Mato Grosso contém grande quantidade
de informações a respeito de colonização, inclusive dados estatísticos
referentes à colonização particular e à desenvolvida pelo poder público
federal, estadual e municipal, e foi também utilizado nesta construção
historiográfica.
Em específico sobre a CMD, não se tem informação de nenhum
trabalho sistematizado. Na busca de bibliografia sobre essa Colônia o
que se encontrou foi um trabalho de memória, elaborado por Valter
Spada Betoni (1993), que registra a trajetória e o estabelecimento de sua
família na área em que se constituiu a CMD, bem como o cotidiano dessa
família e suas relações com outros colonos ali existentes, como era o
meio ambiente, a questão do desmatamento e as dificuldades
encontradas por esses indivíduos quando se estabeleceram.
Um outro trabalho encontrado, cujo titulo é O perfil de Itaporã
(1993), foi elaborado pela prefeitura de Itaporã, contendo um pequeno
histórico da origem do município, dos antigos colonos, assuntos
geográficos e dados estatísticos relacionados às questões econômicas,
populacionais e educacionais, o da CMD, mas do município, desde o
período da sua formação até a data acima citada.
O presente trabalho foi organizado em três capítulos, de acordo
com a exposição abaixo.
No primeiro capítulo fez-se uma discussão sobre o processo de
ocupação das terras no sul do antigo estado de Mato Grosso, no século
XIX e, principalmente, no XX, trabalhando rapidamente a questão da
concentração fundiária (grande propriedade pastoril e organização
monopolista da extração da erva-mate), que, por um lado, barrava a
migração espontânea (levando a região a permanecer com uma
população não-índia diminuta e promovendo o desencadear de conflitos
pela posse da terra) mas, por outro, era incapaz de gerar um contingente
populacional que significasse uma ocupação econômica efetiva,
vinculada ao mercado nacional. Abordou-se, ainda, medidas criadas em
forma de legislação e projetos pelo presidente do estado, Pedro Celestino
Correa da Costa, que representava uma das vertentes do poder político
do antigo estado de Mato Grosso (a qual se posicionou, em muitos
momentos, contra os interesses da Companhia Mate Laranjeira) e,
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
cadas depois, pelo Governo Federal do então presidente Getúlio
Vargas, a partir da implantação do Estado Novo, em 1937. O governo de
Vargas veio a definir não só ideologicamente a Marcha para Oeste, como
também institucionalmente, vinculada a uma nova forma de poder, para
garantir, segundo os discursos da época, a implantação do processo de
povoamento, colonização e desenvolvimento econômico por meio da
expansão das fronteiras agrícolas, de uma região até então considerada
desprotegida em sua área fronteiriça e esparsamente habitada.
No segundo capítulo foi abordado o processo de criação da
Colônia Agrícola Municipal de Dourados, procurando enfocar
diferentes discussões políticas da Câmara Municipal e ainda a experiência
dessa Colônia no contexto das políticas de colonização da época, em
âmbito estadual e federal, considerando também as características do
projeto agrio da Colônia no contexto da ocupação das terras na região.
Tratando-se de uma região tradicionalmente dominada pelo latifúndio
(monopólio da extração da erva e fazendas de gado), com um grande
fluxo migratório à procura de terras devolutas, implantar um projeto
agrário baseado em pequena propriedade de certa forma poderia
resolver o problema do povoamento, mas com certeza passaria por uma
rie de dificuldades, que sempre acompanharam o processo de
afirmação da pequena propriedade em nosso país. Uma outra questão
abordada está relacionada à eventual presença de empresas particulares
no processo de compra e venda e delimitação das áreas, transformando o
processo em especulação fundiária.
No terceiro capítulo tratou-se da implantação e
desenvolvimento da Colônia, explicitando como se deu a delimitação da
área a ser colonizada, a demarcação dos lotes e a abertura de estradas,
verificando-se também a origem, o assentamento e a organização dos
colonos, e como se deu a formação do povoamento na sede do hoje
município de Itaporã. Procurou-se estar atenta às questões de produção,
se esta atendeu aos interesses dos colonos e à política econômica do
governo (que, pelo menos oficialmente, esperava formar um centro de
produção agrícola em regime de pequena propriedade), e, quanto à
questão do escoamento da produção, que mecanismos foram utilizados
para superar as dificuldades que iam surgindo no desenvolvimento de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
suas práticas.
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povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
O SUL DO ANTIGO MATO GROSSO E
O PROCESSO DE POVOAMENTO
O-ÍNDIO (SÉCULOS XIX E XX)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Em contato com a historiografia produzida, seja ela literatura
acadêmica ou o, nota-se que o processo de povoamento o-índio no
sul do antigo Mato Grosso remonta à primeira metade do culo XIX
o significando, com isso, que anteriormente o houvesse tentativas de
formação de esparsas comunidades humanas não-índias. Foi o caso, por
exemplo, dos colonos e jesuítas espanhóis, nos culos XVI e XVII,
tentativas, no entanto, que fracassaram principalmente pela ausência de
uma base econômica mais sólida para efetiva ocupação e, por último,
tempos depois, devido aos ataques dos bandeirantes paulistas, para quem
os índios aldeados representavam uma valiosa mercadoria.
É importante esclarecer que, ainda que os bandeirantes
devassassem grandes extensões de matas, interior adentro, o objetivo
desses não era povoar. Para Sergio Buarque de Holanda (1986), o real
motivo do movimento das bandeiras o era a busca de metais preciosos,
que a princípio era uma pretensão quase nula. Na verdade, o objetivo era
prear índios para atenderem às necessidades de mão-de-obra para o
trabalho. Em nossa região, diferentes etnias foram encontradas, mas com
o decorrer do tempo foram quase extintas. A prática de aprisionar índios
pelos bandeirantes relacionava-se com seu interesse em usá-los em
serviços braçais, pois, segundo Caio Prado Júnior (1981), os europeus
o eram dados a trabalhos pesados, o se haviam deslocado de seu país
de origem para exercerem essa prática.
Com o movimento de incursão dos bandeirantes em busca de
o-de-obra indígena é que se a descoberta das minas em Cuiabá
(1718). A partir daquele momento, inicia-se uma nova fase no processo
de povoamento, ocorrendo um deslocamento populacional em direção a
Mato Grosso. De acordo com cia Salsa Corrêa (1999), “o vazio
deixado pelos castelhanos foi sendo preenchido pelos colonizadores
luso-brasileiros, principalmente nos primeiros tempos do culo XVIII,
com a descoberta do ouro em Cuiabá”. Iniciam-se também as práticas
comerciais entre Cuiae São Paulo. É nesse contexto que surgem as
monções, expedições fluviais que saíam de São Paulo com destino a
Cuiabá com a finalidade de levar famílias e mercadorias para abastecer o
comércio cuiabano, retornando com a produção do ouro e constituindo
com esses movimentos uma via de trânsito e comunicação regular
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
(HOLANDA, 1990). Com a descoberta do ouro muda também a atitude
da metrópole, que passa a interessar-se mais pela região no sentido de
proteger e defender os aluviões de ouro.
Esses movimentos monçoeiros, em particular em território sul-
mato-grossense, dão origem a alguns sítios a serviço do abastecimento
das expedições que por ali passavam. A presença de tais 'colonos' é
assinalada, por exemplo, nas margens dos rios Paraná, Pardo, e Taquari”,
surgindo assim uma tímida e esparsa ocupação de uma região que,
estruturando-se e produzindo, poderia atender às necessidades das
expedições em trânsito, bem como dos habitantes das minas (QUEIROZ,
2004, p. 2).
Com as mesmas características de ocupação citadas, surge
também o que se considerou de mais importante na época: a formação
de um entreposto em um local denominado fazenda Camap, no
varadouro com o mesmo nome, por onde, desde o início da década de
1720, se transitava em menos tempo da bacia do Paraná para a bacia do
Paraguai.
Sobre as iniciativas da Coroa, visando a garantir a segurança do
trânsito em território sul-mato-grossense aos luso-brasileiros, Queiroz
(2004, p. 2) afirma:
A Coroa, por sua vez, em face da presença dos indígenas
e da proximidade dos espanhóis, adota providências
destinadas a garantir aos luso-brasileiros a segurança da
passagem pela região, surgindo assim, no último quartel
do século XVIII, o Forte Coimbra (1775), a povoação de
Corum(inicialmente chamada de Albuquerque, 1778)
e o Fortim de Miranda (1797). No extremo sul da
Capitania, um outro processo de ocupação e
povoamento luso-brasileiro foi esboçado mediante
iniciativa do então governador da Capitania de São
Paulo, Dom Luís Antonio de Sousa (o morgado de
Mateus), com a fundação em 1767 do chamado Forte
Iguatemi, à margem esquerda desse afluente sul-mato-
grossense do rio Paraná.
As tentativas de povoamento espontâneas, já referidas, não
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
resistiram aos choques com os índios Caiapó, Guaicuru e Paiaguá, e
desapareceram em poucos anos, com exceção da fazenda de Camapuã,
que subsistiu até a primeira metade do século XIX. Assim,
permaneceram, até hoje, apenas as povoações oficiais acima
mencionadas (exceto a de Iguatemi). Entretanto,
Mesmo subsistindo, as povoações oficiais não chegaram
nessa época a funcionar como núcleos de irradiação de
povoamento situados, como estavam, num contexto
marcado pela carência demográfica e pela ausência de
efetivos estímulos econômicos à ocupação produtiva da
porção meridional da Capitania (QUEIROZ, 2004, p. 2).
Esses acontecimentos levaram o sul do antigo Mato Grosso a
permanecer por um longo período com uma população não-índia
diminuta, que sofria com a ausência de atividades que gerassem renda e
conseqüentemente uma economia efetiva. De fato, “apenas na primeira
metade do século XIX começariam a estabelecer-se no antigo sul de Mato
Grosso atividades econômicas, desenvolvidas por o-índios, destinadas
a uma longa duração” atividades essas que consistiram, basicamente, na
pecuária bovina (QUEIROZ, 2004, p. 3).
Lucia Salsa Corrêa (1999, p. 92) apresenta uma boa explicação
sobre esse processo de expansão da pecuária, indicando as levas
migratórias que se dirigiram, nas primeiras cadas do culo XIX, ao sul
do antigo Mato Grosso, as quais derivaram de duas vertentes: a primeira,
originária do norte de Mato Grosso (Cuiabá e seus entornos), que
buscava campos para criação principalmente nos Pantanais. A segunda,
formada por migrantes originários de São Paulo e Minas Gerais, que se
deslocavam ocupando principalmente o planalto sul-mato-grossense e
estendendo-se até o vale do Miranda, também em busca de campos para
a pecuária.
Pelas informações obtidas, entende-se que a expansão acima
descrita, vinculada à pecuária, foi a primeira atividade que contribuiu para
o início do processo de integração da região sul do antigo Mato Grosso
ao mercado nacional (mediante a produção de gado bovino magro, que
era vendido para Minas Gerais, onde era engordado antes de ser
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
encaminhado para o mercado consumidor do Rio de Janeiro),
decorrendo disso a ocupação da terra.
Paulo Cimó de Queiroz (2004, p.7-8) registra que esses grupos
de povoadores se estabeleceram no sul do antigo Mato Grosso
desenvolvendo também, além da pecuária, outras atividades, secundárias,
tais como “a cultura e a indústria canavieira”, a extração do sal, obtida
“no próprio solo e na riqueza das águas locais”, a caça aos cervos e, em
particular na região da Vacaria, a criação de eqüinos.
Essas informações levam a refletir sobre as condições da região
sul do antigo Mato Grosso, que, ao longo dos tempos e muito
lentamente, foi perdendo suas características iniciais de “sertão”
inóspito, rude, distante e carente de população não-índia. Apesar da
beleza natural, da sua terra ser de qualidade para a agricultura, os campos
propícios para a pecuária, os rios (os primeiros a receber aqueles
aventureiros distantes em busca de ouro e de mão-de-obra para o
trabalho forçado, arrastando os originais da terra do seu espaço natural
em um processo muito mais bruto e selvagem do que o que a terra lhes
oferecia), havia o problema das distâncias em relação aos centros
dinâmicos da economia brasileira, situados no sudeste do país. Pode-se
dizer que este distanciamento era tanto na questão geográfica quanto na
questão econômica, e ainda evidenciava a debilidade social daquela
região, grande em extensão territorial e pouco conhecida.
Uma importante medida, no sentido de melhorar as
comunicações de Mato Grosso com o litoral brasileiro, foi a abertura do
rio Paraguai à navegação brasileira, “a qual permitiria a comunicação
entre a província de Mato Grosso e o Atlântico pela via do estuário do
Prata”, constituindo “um contato muito mais pido, mais cômodo e
mais barato entre Mato Grosso e o litoral brasileiro” (QUEIROZ, 2004, p.
14).
Essa abertura foi obtida pelo governo brasileiro em fins da
cada de 1850, mas a navegação foi logo interrompida pelo desencadear
do conflito denominado “Guerra da Tríplice Aliança”, que opôs o Brasil,
a Argentina e o Uruguai ao Paraguai.
O processo de crescimento econômico e populacional da parte
sul da província, que se iniciara timidamente, primeiro com a inserção da
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
pecuária e depois com a abertura da navegação, ligando-a com o litoral e
a Corte, e incorporando Mato Grosso ao processo de desenvolvimento
que o Brasil experimentava, sofreu, com o início dessa Guerra (1864),
uma brusca interrupção.
Mas essa interrupção foi temporária, para logo após o fim da
guerra (1870) reiniciar-se o processo de crescimento econômico, porém
o a partir dos mesmos estágios em que se encontrava a província antes
da guerra: “o que tivemos foi um grande retrocesso. Restou uma
província destrda economicamente, com uma população rarefeita e
sem alternativas visíveis” (GARCIA, 2001, p. 81). Um estado de
empobrecimento geral foi constatado na Proncia de Mato Grosso, que
sofria com a ausência de uma sólida base econômica que gerasse recurso
para seu auto-sustento, enfim:
A desolação da guerra, a desorganização da fronteira sul,
a incomunicabilidade que praticamente isolou Mato
Grosso com a ocupação paraguaia e, por fim, a
desastrosa epidemia de varíola causaram sérios danos
aos cofres provinciais e ao comércio regional e afetaram
a sobrevivência de toda a região mato-grossense. Após o
rmino da guerra, o Governo Imperial necessitou,
como medidas de amparo, enviar víveres para a
Província de Mato Grosso no sentido de atenuar sua
situação de emergência e quase completa miséria
(CORRÊA, 1980, p. 57).
De todo modo, após o final da Guerra do Paraguai (1864-1870),
tiveram início a reorganização e reconstrução da Proncia de Mato
Grosso. Na porção sul, continuou a vinda de migrantes de Minas Gerais
e São Paulo, bem como de outras proncias, como Paraná e Rio Grande
do Sul. Além disso, essa região recebeu muitos emigrantes paraguaios,
que vinham em busca de melhores condições de vida, uma vez que seu
país ficara totalmente arruinado com a guerra.
Com a demarcação da fronteira com a República do Paraguai,
logo após o fim da guerra, a região tomou um novo contorno, pois
tiveram início atividades econômicas como a extração da erva-mate, o
que colocou em cena outros atores sociais, com poder de decisão
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
político-econômica. Dentre eles destacam-se os proprietários da Cia.
Mate Laranjeira, dedicada à extração da erva-mate nativa do extremo sul
do antigo Mato Grosso, conforme será visto no próximo item.
Para encerrar esta parte, entende-se que há necessidade de uma
pida discussão a respeito do processo de apropriação de terras no país,
nessa época, incluindo o que ocorria nesse antigo sul de Mato Grosso.
Na primeira metade do século XIX, a apropriação era feita por meio da
simples ocupação, isto é, da posse, ou apossamento, tendo em vista que em
1822 havia sido extinto o regime de concessões de sesmarias no Brasil
(COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA AGRÁRIA, 1954, p. 49). Em Mato
Grosso, assim como nas outras províncias, não havia legislação que
regulamentasse a aquisição de terras públicas. Tal mecanismo foi criado
em 1850, com a Lei nº 501, de 18 de setembro, conhecida como “Lei de
Terras”. Essa lei tinha o objetivo de redefinir no país a política agrária, e
estabelecia, como único meio de apropriação de terras, a compra
pretendendo, com isso, banir o sistema vigente de simples apossamento.
Entretanto, conforme é reconhecido por rios autores, a lei não atingiu
esses objetivos, pois os grandes senhores continuaram a apossar-se de
áreas, à revelia da lei. Por outro lado, a exigência da compra terminou por
barrar o acesso à terra por parte de pequenos proprietários, isto é, “tanto
aos ex-escravos como aos trabalhadores imigrantes, para não falar dos
trabalhadores livres nacionais, existentes em grande mero”
(SZMRECSÁNYI, 1990, p. 31).
Esse mecanismo legal, pelo seu discurso, era excludente,
barrando parte da população acima citada, eram “considerados pelo
sistema como 'vadios, dispersos e vagabundos' [...] e o participavam do
desenvolvimento das atividades mais importantes, que era a cultura de
exportação(SILVA, 1978, p. 21-29).
Nesse sentido, a Lei de Terras impedia ou dificultava a um grande
contingente populacional o acesso à terra e, ao mesmo tempo,
“reafirmava a grande propriedade” (SILVA, 1978, p. 29), que iniciava uma
nova prática vinculada ao processo de produção, agora com o café. Um
outro aspecto discutido por José Graziano da Silva, e que ele considera o
mais importante, é a transformação da terra em mercadoria, o
podendo o indivíduo adquirir seu pedaço de terra de outra forma a o
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
ser através da compra, ficando, com essa lei, extinto o regime de
ocupação possessória, permanecendo nessa condição até a proclamação
da República.
Tratando da legislação e instituições criadas para atender e
desenvolver as políticas de colonização incentivadas pelos governos, nos
culos XIX e XX, Vasconcelos esclarece:
A partir de 1854, até a década de 1970, diversos órgãos
oficiais foram sucessivamente criados e desmobilizados
visando sanar as contradições surgidas a cada momento
histórico da colonização do Brasil [...]. A Repartição
Geral de Terras Públicas foi o primeiro órgão do
governo central, criado em 1854, com o objetivo de
tratar dos assuntos ligados ao povoamento e
colonização. Em 1876, criou-se a Inspetoria Geral de
Terras e Colonização (VASCONCELOS, 1986, p. 13).
Criou-se uma nova legislação a partir de 1889 e mudou-se a
política de terras no Brasil. Com o regime federalista, fica a cargo dos
Estados a responsabilidade sobre as terras denominadas devolutas. Com
essas mudanças, o Estado assume a administração e regulamentação de
suas terras, criando órgãos estaduais com a responsabilidade de fazer
cumprir tais normas. Com as leituras pode-se entender que, a partir da
Constituição de 1891, os Estados iniciaram movimentos em busca do
desenvolvimento vinculado ao patrimônio fundiário e, para tal, foi criada
uma legislação que propunha a formação de núcleos coloniais.
No antigo Estado de Mato Grosso criou-se em 1892 a Divisão
de Obras blicas, Terras, Minas e Colonização, e surgiu uma legislação
que, teoricamente, deveria favorecer o assentamento de pequenos
proprietários. Virgílio Corrêa Filho (1939) dedica parte de sua obra para
tratar dessas questões. No entanto, entende-se que essa legislação o foi,
verdadeiramente, instituída para atender os pequenos posseiros
desprovidos de recursos financeiros. Ao contrário, a política do governo
favorecia a entrega de grandes extensões de terras a membros das
camadas dominantes (cf. MORENO, 1993, p.128).
Para reafirmar essas questões, Gislaine Moreno (1993)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
disponibiliza informações a respeito dos movimentos da legislação,
criada pelos governos, para dar conta das questões de terras no antigo
Estado de Mato Grosso, no período de 1892-1930, mas essa legislação,
segundo a autora, serviu para “confirmar a tendência” da grande
propriedade, sendo que:
[...] A expansão da pequena propriedade, enquanto
política fundiária, fez parte dos discursos
governamentais para justificar a consignação de verbas
nos orçamentos para construção de estradas e outras
obras de infra-estrutura, tão necessárias ao
recebimento de imigrantes e a implantação de colônias
agrícolas”. Serviu também para responder as pressões
do Governo Federal que exigia a participação do Estado
na “política de povoamento do solo brasileiro”
(MORENO, 1993, p. 120).
Gislene Moreno, em suas pesquisas, constata que, mesmo
ocorrendo mudanças na legislação, havia restrições em se tratando de
concessões gratuitas de terras devolutas a colonos nacionais e
estrangeiros. Concessões que poderiam ser efetivadas por meio de
cleos coloniais; com áreas de 20 hectares, atividades voltadas à
agricultura e outras exigências, como: o prazo de “obtenção do título
definitivo passou a ser de 3 anos, comprovada ocupação pessoal e cultura
efetiva do lote, por meio de documentos anuais de pagamento de
impostos municipais de produtos agrícolas e pastoris” (MORENO, 1993,
p. 125).
Essas informações comprovam que a tentativa de concessão de
terras devolutas a pequenos proprietários ficou somente no campo da
legislação. “Na prática não havia como conciliar interesses opostos à
política de terras predominante em rios governos do estado”.
Cláudio Alves de Vasconcelos (1986, p. 18) também faz uma
leitura e análise da legislação, bem como, a identificação das instituições
criadas pelos governos federal e estadual, como mecanismo de aplicação
dessa legislação, e que foram instituídas para dar sustentação legal aos
processos de colonização, concessão e venda de terras devolutas. Entre
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
elas estão a Lei 24, de 16 de novembro de 1892 (legislação sobre terras
no estado de Mato Grosso), Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de
1937 (federal), a Lei 336, de 6 de dezembro de 1949 (Código de Terras
estadual) e em especial a Lei estadual 461, de 10 de dezembro de
1951 que modifica o digo de Terras. O autor comenta o sentido e o
porq dessa política de colonização desenvolvida pelo governo, na
cada de 1950:
É possível apreender o sentido da política do governo de
Mato Grosso no que respeita à Colonização. Vê-se que
se trata, num primeiro momento, de fixar no Estado um
contingente populacional proveniente de outros países e
de outros Estados brasileiros, ampliando-se dessa forma
o mercado consumidor e criando-se atividades
econômicas vinculadas ao circuito do capital. Ao mesmo
tempo, tratava-se de ampliar a receita do Estado, direta
(pelas operações de venda de terras devolutas) ou
indiretamente (pela via do aumento das atividades
produtivas) [VASCONCELOS, 1986, p. 18].
A presença da Companhia Mate Laranjeira e de seus opositores
A referência à Companhia Mate Laranjeira é importante para
este trabalho porque a área em que seria, mais tarde, criada a Colônia
Agrícola Municipal de Dourados (CMD), estava incluída no território
dominado por essa empresa.
Como a história da Mate Laranjeira já tem sido abordada por
rios autores, serão aqui efetuadas apenas rápidas indicações.
Primeiramente, é preciso lembrar que, no extremo sul do antigo Mato
Grosso (região povoada pelos índios Caiuá, que se refugiaram nessa
área durante o conflito com o Paraguai), existiam extensos ervais
nativos os quais, segundo várias obras, teriam sido descobertos” por
Thomaz Laranjeira, na época em que ele trabalhou como fornecedor de
suprimentos à Comissão Demarcadora dos limites entre Brasil e
Paraguai, no começo da cada de 1870: “Durante o conflito com o
Paraguai, Tomaz Laranjeira foi fornecedor de produtos de subsistência
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
e de animais de tração, ao exército brasileiro, continuando com a mesma
função, agora à Comissão Demarcadora de Limites entre Paraguai e o
Brasil” (WACHOWICZ, 1982, p. 67).
Inicialmente, segundo as obras consultadas, Thomas Laranjeira
se dedicou à exploração ervateira no Paraguai, tendo, como base de
operações, o porto de Concepción, por onde a erva era exportada para
o grande mercado consumidor, que era a Argentina (cf. LEAL, 1988, p.
28), por meio de uma empresa fundada na Argentina em 1874, a
“sociedade comercial Francisco Mendes & Companhia”, que “se
dedicou à venda e distribuição dos produtos recebidos primeiro do
Paraguai e mais tarde do Brasil, ambos pela concessionária Mate
Laranjeira” (cf. PANEGÍRICO de D. Francisco Mendes Gonçalves,
1941).
Segundo Iolanda M. Perin de Barros (1996), Thomaz Laranjeira
estabeleceu, oportunamente, vínculos de amizade com importantes
figuras da Comissão Demarcadora de Limites (como o Coronel Enéas
Gustavo Galvão, chefe da Comissão, e o também militar Antônio Maria
Coelho os quais viriam, mais tarde, a presidir a província ou o estado
de Mato Grosso). Assim, Tomaz Laranjeira recorreu ao presidente da
província e obteve do governo imperial, por meio do Decreto 8799,
de 9 de dezembro de 1882, sua primeira concessão para a exploração
dos ervais nativos de Mato Grosso, iniciando-se assim a empresa que,
mais tarde, veio a constituir a Companhia Mate Laranjeira. A área a ser
explorada compreendia os marcos do Rincão de Julho e as cabeceiras
do Iguatemi, ou entre os rios Amambaí e Verde, mas foi sendo ampliada
quando das renovações da concessão junto ao governo, com
interferência de políticos simpáticos ou vinculados à empresa.
É importante deixar claro que, nessas concessões, a terra não
era vendida; era apenas arrendada ao concessionário, que teria apenas o
direito de explorar a erva-mate existente na área concedida. Constava
no contrato de concessão a proibição à exploração da madeira de lei, e
os moradores que estavam estabelecidos na região teriam que ter
permissão para fazerem suas colheitas da erva. Para Thomas Laranjeira,
a concessão foi um prêmio pelo trabalho prestado ao exército.
Como foi dito, a área inicial de concessão aos poucos foi sendo
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
ampliada por meio de novos contratos pleiteados com a ajuda de
políticos, sobretudo dos Murtinho, que, no início da cada de 1890, se
associaram a Thomas Laranjeira, formando-se então a empresa
chamada Companhia Mate Laranjeira, controlada pelo Banco Rio e Mato
Grosso, o qual, por sua vez, era controlado pela família Murtinho.
Desse modo, Thomas Laranjeira conseguiu o monopólio legal
e, através dele, o controle, segundo Iolanda M. Perin de Barros (1996),
de 5.400.000 hectares de terras devolutas, que arrendava do estado. Em
1902 a Mate Laranjeira foi assumida pela Sociedade Comercial
Francisco Mendes Gonçalves & Companhia, com sede em Buenos
Aires. A prática extrativista da Mate Laranjeira no sul de Mato Grosso
conservou-se por um longo período. A empresa atuava tanto no
território paraguaio quanto no brasileiro, e em ambos exercia seu
domínio. Sua produção era escoada para a Argentina, sendo este seu
mais forte mercado consumidor. O escoamento era feito por meio dos
portos locais, sendo um deles o que deu origem a Porto Murtinho,
cidade que emergiu e se desenvolveu em torno do porto construído
pela companhia. Mais tarde, a empresa mudou sua rota de exportação,
passando a fazê-la por meio do rio Paraná (porto de Guairá).
Todo o desenvolvimento realizado pela Mate Laranjeira na
área explorada girava em torno de suas necessidades. A empresa
organizou o espaço regional, estruturou portos, construiu estradas e até
mesmo alguns quilômetros de ferrovias, além da Fazenda Campanário,
onde ficava sua sede. Toda essa implementação foi feita para garantir
resultados satisfatórios na atividade extrativista e no escoamento de sua
produção.
Para Joe Foweraker (1981), a Companhia Mate Laranjeira
tornou-se uma empresa de grandes proporções, tanto em extensão
territorial, quanto em poder político e econômico, monopolizando o
comércio da erva-mate, e com isso tornou-se mais forte que o estado
hospedeiro.
Laércio Cardoso de Jesus (2004, p. 26) em suas discussões
afirma, é importante dizer que a Mate Laranjeira, embora tenha sido o
primeiro concessionário legal, não era a única a explorar os ervais
nativos da região. Usava de sua influência política para conseguir o
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
monopólio da exploração da erva-mate e dificultava e impedia a
exploração por parte dos pequenos produtores, que também exerciam
atividade na região. Gilmar Arruda declara: A legalidade de Laranjeira
permitiu afastar os concorrentes, uma vez que não possuíam a lei ao seu
lado; sob qualquer ameaça, o concessionário legal poderia solicitar a
proteção do Estado(ARRUDA, 1997, p. 30). De acordo com Jovam
Vilela Silva, o governo de Mato Grosso, “a princípio”, viu na idéia de
Thomas Laranjeira “uma oportunidade para povoar esta região. Porém
ocorreu o contrário, a Companhia Mate Laranjeira serviu como um
entrave ao crescimento do sul do estado, pois a política da Mate era de
dominação e não de colonização” (SILVA, 1997, p. 57). De fato,
referindo-se à vinda de migrantes de outros estados, sobretudo do Rio
Grande do Sul, que desejavam estabelecer-se nas terras devolutas
arrendadas à empresa, Paulo Cimó Queiroz (1999) afirma:
A Companhia opunha-se ao assentamento desses
colonos, sob o pretexto de que eles lhe fariam
concorrência na elaboração da erva, e para tentar afastá-
los utilizava-se de variados expedientes, desde o seu
poder político até a violência pura e simples
(QUEIROZ, 1999, p. 383).
Esses conflitos de interesses geraram cisões na política mato-
grossense:
Murtinho pleiteava o apoio que o governo deveria
proporcionar à Empresa. Ele (Murtinho) pretendia
obstacularizar a presença de colonos na região, através
da criação de núcleos de resistência, através do
estabelecimento de empresas inglesas que a Mate
Laranjeira atrairia para a região. Tal situação provocou
continuas discussões e cisões na política mato-
grossense. A cisão política que a Companhia Mate
Laranjeira provocou em Mato Grosso gerou diferenças
ideológicas, das quais nasceu o Partido Republicano
Mato-grossense. Seus membros consideravam que a
Companhia Mate Laranjeira era um Estado dentro de
outro Estado (WACHOWICZ, 1982, p. 69).
48
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Barros relaciona as disputas entre membros da elite política
mato-grossense com a questão do controle das terras devolutas, que,
com a chegada da República, como foi dito, ficou a cargo do estado.
Iolanda M. Perin de Barros esclarece:
Emerge desse fato, também, a incessante luta das
oligarquias regionais pelo controle do poder. Isso
porque o domínio das estruturas políticas estaduais
significava carta branca para regular as terras devolutas.
Porém os assentamentos e/ou doações não dependiam
somente do poder executivo; tinham de ser aprovados
também pelo Poder Legislativo. Assim, para conseguir
arrendamento e/ou doação de terras devolutas, era
necessário muito prestígio político. Em alguns casos,
inclusive da Matte Laranjeira, havia intercessão do
Governo Federal para facilitar as concessões estaduais
(BARROS, 1996, p. 99).
Segundo a mesma autora, uma importante facção oligárquica de
Mato Grosso, representada pelo “coronelGeneroso Ponce, opunha-se
à companhia e era favorável aos colonos (posseiros):
o grupo oligárquico representado por Generoso Ponce,
atrelado à propriedade da terra e ao comércio, de onde
emanava o poder político e econômico, via com bons
olhos o assentamento de migrantes que,
potencialmente, representariam maior número de
consumidores para seus produtos (BARROS, 1996, p.
99).
Virgilio Corrêa Filho(1951, p. 43) refere-se aos rios embates
entre as facções políticas favoráveis e contrárias aos interesses da
Companhia. Um importante embate ocorreu em 1907, quando a
empresa pretendeu que a Assembléia Legislativa do estado aprovasse,
antecipadamente, a prorrogação de seu contrato de arrendamento (que
venceria em 1916). Nessa época, o presidente do estado era Generoso
Ponce, e o presidente da Assembléia era Pedro Celestino Corrêa da Costa
49
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
– ambos contrários às pretensões da companhia. Desse modo, Manuel
Murtinho enviou uma carta a Generoso Ponce, defendendo o ponto de
vista da empresa, criticando os migrantes gaúchos e exigindo de Ponce e
Cora da Costa o apoio ao pedido formulado. Para Murtinho, os
gaúchos é que eram um problema, pois ameaçavam tornar-se “um
Estado no Estado”:
Acresce que a proposta submetida pela referida empresa
à deliberação da Assembléia, além de consultar altos
interesses do Estado, tanto no presente, como no futuro,
conforme exposição de motivos que acompanhou,
ainda viria facilitar a solução de um temeroso problema,
que não pode deixar de preocupar a alta administração
do Estado. Aludo à imigração rio-grandense que, de dia
a dia, vai-se avolumando e estendendo pelo sul do
Estado, onde os adventícios tratam logo de ocupar
terrenos devolutos pela facilidade que encontram, o que
faz prever que, dentro de mais alguns anos, essa colônia
dominará, pelo seu número e extensão, toda aquela
região, constituindo, por assim dizer, um estado no
estado (apud CORRÊA FILHO, 1951, anexo B).
Nesse texto esexplícita a preocupação de Manuel Murtinho
em assegurar o espaço territorial ocupado pela Empresa Mate, que ele
considerava a única concessionária capaz de assegurar o
desenvolvimento da região, bem como de manter a ordem, “já que se
propunha custear uma força armada criada pelo Estado para operar o
policiamentona área ocupada pela ela mesma (apud CORRÊA FILHO,
1951, anexo B).
Nessa ocasião, a empresa foi derrotada, pois seu pedido foi
simplesmente arquivado pela Assembléia. No entanto, mais tarde, em
1912, ela voltaria a pleitear novas concessões, dando início a uma intensa
discussão, na Assembléia e pela imprensa, a qual ficou conhecida como
Questão do Mate. Nessa questão, foi decisiva a atuação de Pedro Celestino
Cora da Costa, que liderou a reação às propostas da empresa e
terminou por sair, com seu grupo, do partido dominante (Partido
Republicano Conservador), fundando o referido Partido Republicano
50
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mato-Grossense. Devido à obstrão das sessões da Assembléia pelo
grupo de Corrêa da Costa, a Companhia viu-se mais uma vez derrotada,
sendo obrigada a desistir de sua petição (cf. CORRÊA FILHO, 1957, p. 65).
Segundo o mesmo autor, toda essa discussão acabou levando a
uma mudança de posição da maioria dos deputados, na legislatura
seguinte, de modo que foi então aprovada, com relação aos ervais, uma
nova lei, que ia, em grande medida, contra os interesses da Companhia
Mate Laranjeira: a Lei 725, de 24 de setembro de 1915. De acordo com
essa lei, a área a ser arrendada não poderia passar de 400 guas quadradas
(1.440.000 ha), e haveria uma concorrência para esse arrendamento.
Além disso, era garantido o direito dos posseiros estabelecidos nas
áreas até então arrendadas pela empresa:
A cada um dos ocupantes de terras de pastagens e de
lavoura situadas dentro da área compreendida no
contrato de arrendamento em vigor, será garantida,
dentro do prazo de 2 anos, a contar de 27 de julho de
1916, a preferência para aquisição de uma área nunca
superior a dois lotes de 3.600 ha cada um, ainda mesmo
que dentro dessas terras existam pequenos ervais (art.
31, apud CORRÊA FILHO, 1957, p. 67).
Na vigência da nova lei, a área de 400 léguas quadradas acabou
sendo arrendada à própria Companhia (contrato assinado em 1916),
mas, a partir de 1919, começaram a ser expedidos títulos aos novos
proprietários, conforme acima mencionado (cf. CORRÊA FILHO, 1925, p.
87-91).
A partir de 1922, a presidência do estado de Mato Grosso foi
ocupada pelo citado coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa, que,
como se pode verificar pelas obras consultadas, continuava a opor-se ao
predomínio da Companhia na região dos ervais. Pode-se perceber que
havia ainda muitos confrontos entre a empresa e os posseiros, tanto na
prática extrativista quanto na política de ocupação e titulação das terras
2
devolutas . Os ânimos na fronteira se alteraram e, para conter possíveis
conflitos, Pedro Celestino, em uma tentativa de apaziguamento, antes de
tomar posse do cargo de presidente do estado, reuniu-se com os
51
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
principais chefes sulinos e coronéis ligados à sua corrente política,
expressando-se, segundo o relato de um memorialista, nos seguintes
termos:
A vocês e outros companheiros que lutaram, sob a
minha orientação, contra a Mate Laranjeira, eu devo
esclarecer que no meu governo serei obrigado a respeitar
o contrato existente e, também, quero participar a todos
que a próxima reforma será inevitável, pois a Mate é uma
potência dentro do estado, e fora dele [...]. Pretendo
influenciar para que o novo contrato seja reduzido em
área; devemos jogá-la para além do rio Amambai, região
onde são mais intensos os ervais, libertando, desta
maneira, o restante, para o povoamento e formações de
posses [...]; nestas condições iremos compelir a
Empresa Mate a voltar à posição de desbravadora, como
foi no tempo de Thomaz Laranjeira. Com o muito
dinheiro que ela ganha, irá abrir novas estradas, construir
pontes e, principalmente, estabelecer navegação nos
afluentes do Alto Paraná [...]. Diante do exposto, peço a
todos os companheiros e amigos, que daqui para frente,
façam uma campanha mais branda e uma política
adequada, se quiserem contar com o meu apoio (LIMA,
1978, p. 24).
Desse modo, parece ficar claro que a origem da área que
futuramente daria origem à Colônia Agrícola Municipal de Dourados
insere-se numa estratégia de limitar os espaços da Companhia Mate
Laranjeira. De fato, como foi dito, por meio do Decreto 616, de 20
de janeiro de 1923, o então presidente do estado, Pedro Celestino Corrêa
da Costa, reservou 50.000 hectares de terra na região dos ervais, situada
entre os rios Brilhante e Panambi, no então município de Ponta Porã,
destinando essa área, segundo o referido Decreto, para a colonização.
Vale ressaltar que esse espaço destinado à colonização em 1923
fazia parte do território habitado primitivamente pelos índios, dos quais
existe, ainda hoje, um grupo remanescente que habita a Aldeia
Panambizinho, à margem do rio Panambi, sob a proteção do Governo
Federal. Alcir Lenharo (1985) escreve que “os índios que ocupavam e
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
ainda ocupam a região foram aldeados pelo Decreto n º 401, de 3 de
setembro de 1917”. Isso foi feito, segundo Regina H. Targa Moreira
(1990), para diferenciar a terra do povoamento “branco”, por um lado, e
a terra do índio, por outro. Essa área reservada para a colonização passou
a integrar o município de Dourados, quando este foi desmembrado do
município de Ponta Porã, em 1935.
O Estado Novo, a “Marcha para Oeste” e o processo de
colonização na região sul do antigo Mato Grosso
O período que se segue à chamada “Revolução de 30” trouxe,
como se sabe, importantes mudanças na política e na economia
brasileiras, as quais iriam repercutir bastante em Mato Grosso,
especialmente em sua parte sul. Isso vai ocorrer principalmente após a
implantação do Estado Novo, em 1937.
Com o Estado Novo (1937-1945), entre outras coisas, foi
imposta uma nova Constituição, em que o Presidente da República tinha
plenos poderes, total autoridade sobre a política interna e externa; os
governadores dos estados foram substituídos por interventores e foi
instituída a censura total nos meios de comunicação, sendo criado o DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda), utilizado por Vargas para
autopromover-se no sentido de seduzir a população do país na
concretização de seus objetivos.
Um outro mecanismo de “convencimento de que dispôs o
presidente foram os seus discursos, fundamentais para que a população
do país sentisse menos a ausência do Congresso Nacional e do Poder
Legislativo em geral, desativado pelo governo (OLIVEIRA, 1999).
Observe-se parte de um discurso de Vargas, onde se manifestava o desejo
de “integralizar” o país:
o país não é apenas uma aglomeração de indivíduos em
um território, mas é, principalmente, uma unidade de
raça, uma unidade de língua, uma unidade de
pensamento. Para se atingir esse ideal supremo, é
necessário, por conseguinte, que todos caminhem juntos
53
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
em uma prodigiosa ascensão [...] para a prosperidade e
para a grandeza do Brasil (apud WOLFE, 1994, p. 32).
No campo econômico, foi estimulada a industrialização, bem
como incentivada a expansão agrícola por meio de projetos de
colonização, tendo como objetivos expandir, desenvolver e ocupar áreas
de fronteira, incluída a região correspondente ao extremo sul do antigo
estado de Mato Grosso. Trata-se da política conhecida como Marcha para
Oeste, anunciada por Vargas no início de 1938, a qual “se desdobrou num
esforço de 'nacionalização' das extensas fronteiras sul-mato-grossenses
com a Bolívia e sobretudo com o Paraguai” (QUEIROZ, 2004, p. 30).
Com relação a essa região, é importante salientar que as medidas
do Estado Novo incidiram, especialmente, sobre a área até então
ocupada pela Companhia Mate Laranjeira,
haja vista a grande presença, no seio da economia
ervateira, de cidadãos paraguaios e seus descendentes –
de tal modo que, nessa região, era intensa a influência
cultural paraguaia, inclusive com uma larga
disseminação do idioma guarani. Além disso,
importantes setores do Estado Novo varguista
identificavam, na forte presença da Companhia Mate
Laranjeira (que mantinha, ademais, fortes vínculos com
a economia argentina), um empecilho ao incremento do
povoamento da região por contingentes nacionais
(QUEIROZ, 2004, p. 30).
Assim, sabe-se que o Estado Novo, por exemplo, recusou-se a
renovar o contrato de arrendamento das áreas ervateiras pela
Companhia, contrato esse que venceu em dezembro de 1937 (cabendo
lembrar que, pela nova Constituição, havia voltado para a União o
controle sobre as terras devolutas). Além disso, houve “a imposição de
taxas sobre a erva cancheada e o apoio aos produtores ervateiros
independentes da empresa, com a criação do Instituto Nacional do Mate
e de cooperativas de produtores(QUEIROZ, 2004, p. 30).
Outra importante medida foi a criação, em 1943, do Território
54
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
2
Para saber mais sobre o assunto, ver Jesus (2004).
Federal de Ponta Porã, entre outros que foram criados na mesma época.
Esse território abrangia a parte mais meridional do antigo estado de
Mato Grosso (fronteira com o Paraguai), incluindo a região onde se
encontrava a maior parte dos ervais, bem como a sede regional da
Empresa Mate, região essa que passou a subordinar-se à União, ficando a
área ocupada pela Companhia diretamente vinculada à fiscalização
federal, permitindo ao governo atuar, com maior desenvoltura, na
política de colonização, no sentido de, segundo o discurso oficial, ocupar,
colonizar e proteger as áreas fronteiriças.
Em seu discurso, o Presidente justificava a Marcha para Oeste e a
criação do Território com essas palavras:
Não nos impele outro imperialismo que não seja o de
crescermos dentro dos nossos limites territoriais, para
fazer coincidir as fronteiras econômicas com as
fronteiras políticas. O escasso povoamento de algumas
regiões fronteiriças representa, de longo tempo, motivo
de preocupação para os brasileiros. Daí a idéia de
transfor-las em Territórios Nacionais sob a
administração direta do Governo Federal. O programa
de organização e desenvolvimento desse Território
resume-se em poucas palavras. “Sanear, educar, povoar,
eis a finalidade da criação dos Territórios Nacionais”
( w w w . b r a s i l n o a r . c o m . B r / M T / m t
geografia3_marchal.asp acesso em 17/8/2004).
A política varguista de povoamento e colonização deveria
resultar numa base produtiva que atenderia o processo industrial que se
intensificava nos grandes centros urbanos do país, na época. Para Vargas,
havia necessidade de investir capitais para dinamizar o processo de
crescimento das regiões até então pouco desenvolvidas, bem como
“unificar o mercado interno e garantir a diversificação da produção tanto
agrícola, quanto industrial(LENHARO, 1985, p. 23). Para Alcir Lenharo
(1985, p. 25), o Estado Novo desafiava a si próprio com essa proposta.
Continuando, o autor usa partes de um texto de Nelson Werneck Sodré,
para explicar a que viera o Estado Novo:
Para orientar economicamente o país, neutralizar “os
55
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
efeitos dissociadores, afastar os problemas
secundários”, limpando o caminho principal da
integração das ilhas econômicas, através do alargamento
do mercado interno. O Estado Novo viera para ampliar
a diversificação da produção, agrupar os núcleos
econômicos através de um sistema de transporte e, desta
forma, assegurar um “poderoso vigamento à unidade
nacional” (LENHARO, 1985, p. 26).
Uma das ações que deram início a esse processo foi a
constituição das Colônias Agrícolas Nacionais (Decreto-lei 3.059, de 14
de fevereiro de 1941), que foi promovida pelo governo federal em
colaboração com os governos estaduais e municipais, por intermédio do
Ministério da Agricultura. Objetivava-se, com isso, receber e fixar, como
proprietários rurais, cidadãos brasileiros pobres, desde que tivessem
aptidão para o trabalho na lavoura. Como parte integrante desse projeto,
estava a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), criada pelo
Decreto-lei n. º 5.941, de 28 de outubro de 1943, porém instituída em
1º de janeiro de 1944. Alcir Lenharo (1985) escreve que, na perspectiva
do regime varguista,
no caso particular de Mato Grosso, a liberação de uma
vasta frente agrícola com o afastamento da Matte,
introduzia um processo de colonização capitaneado pela
pequena propriedade voltada para o mercado interno e
cujo sistema de produção, diretamente vinculado ao
governo federal, passaria necessariamente por uma
ordem cooperativa da organização do trabalho
(LENHARO, 1985, p. 66-67).
É importante observar que, juntamente com o Território de
Ponta Porã, havia sido criado também, na parte oeste do Estado do
Paraná, o Território Federal do Iguaçu, abrangendo áreas em que a
Companhia Mate estava também presente. Nesse sentido, convém
registrar aqui as seguintes idéias de Rui Christovam Wachowicz (embora
ressalvando que elas estão a merecer um exame mais detido):
A idéia de criar os territórios federais de Iguaçu e Ponta
56
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Porã, na fronteira guarani, não estava ligada somente ao
problema da chamada nacionalização das fronteiras.
Esta era indiscutivelmente a justificativa oficial para a
criação desses territórios federais. O objetivo principal,
não confessado, era abrir caminho para a expansão do
capital e da colonização gaúcha. Esta colonização seria,
tudo indica, muito bem recebida pelos estados do Para
e Santa Catarina. Mas o objetivo do grupo que
controlava o governo federal, chefiado pelo governo
Getúlio Vargas, era subtrair do controle desses estados a
sua parte oeste, para que melhor se atendesse aos
interesses dos capitalistas e, em conseqüência, das
companhias colonizadoras gaúchas (WACHOWICZ,
1982, p. 146).
Segundo esse autor, havia grande interesse dos capitalistas e
companhias colonizadoras gaúchas em conduzir a colonização das terras
do sul do Mato Grosso, não apenas no aspecto de povoamento, mas no
aspecto geopolítico de hegemonia do cone sul brasileiro. A supremacia
adquirida pelos paulistas na Velha República, por meio da produção de
ca e o desenvolvimento industrial, fizera com que São Paulo
conseguisse se impor, como líder da federação brasileira, e esta
hegemonia o era vista com bons olhos pelos políticos do Rio Grande
do Sul:
Com a subida de Getúlio Vargas à chefia do governo em
1930, os gaúchos divisaram a oportunidade, através da
criação de dois territórios federais: Iguaçu e Ponta Porã,
abrir espaço para o surgimento de duas novas unidades
políticas, que inevitavelmente cairiam sob influência
política, e quiçá econômica, dos interesses do Rio
Grande do Sul. Desta forma, poderiam os gaúchos
contrabalançar a influência econômica e política de São
Paulo, se não nacional, pelo menos a nível do cone sul
brasileiro (WACHOWICZ, 1982, p. 146).
Benícia Oliveira (1999) discute também o processo de criação da
CAND, o processo de colonização, e fala sobre os mecanismos utilizados
pelo Governo Vargas para atrair os trabalhadores rurais sem-terra, no
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
sentido de marchar para Oeste e ocupar os espaços ditos “vazios”.
Continuando, ela ressalta:
Um dos atrativos fundamentais, como mecanismo para
atrair colonos para o projeto colonizador no sul de Mato
Grosso, foi a distribuição gratuita de terras a
trabalhadores rurais sem-terra e reconhecidamente
pobres. A proposta era atrativa para quem sonhava em
adquirir um pedaço de chão como meio de trabalho e
sustento da família. Entretanto, a propaganda foi
intensificada através da campanha Marcha para Oeste,
visando garantir o sucesso na ocupação dos espaços
geográficos (OLIVEIRA, 1999, p. 132).
Além do mecanismo citado por Benícia Oliveira (1999), outras
formas de atrair os migrantes foram utilizadas, segundo a mesma autora,
para garantir o sucesso do projeto colonizador, entre elas, intensa
propaganda por meio dos meios de comunicação, como o dio, que
divulgava a criação das colônias. Os critérios para a aquisição da terra
eram: ser maior de 18 anos, pobre e sem propriedades rurais, ter uma
certa familiaridade com a agricultura.
Podemos observar que a política de colonização do Estado
Novo em que Vargas, em seu discurso ideológico, convida a população,
via campanha da Marcha para Oeste, à unificação das fronteiras do país, por
meio da fixação do homem ao campo, em regime de pequenas
propriedades era associado, segundo Alcir Lenharo(1985), ao
desenvolvimento industrial que aflorava nos centros mercantis do país:
a afirmação da pequena propriedade como requisito de
desenvolvimento industrial é discurso corrente do próprio Vargas”
(LENHARO, 1985, p. 16).
Ainda sobre a proposta do Estado Novo, Alcir Lenharo (1985)
cita Esterci, que faz uma análise das obras de Cassiano Ricardo (um dos
ideólogos do Estado Novo) e outros autores que tratam da colonização,
afirmando que essas obras:
visam muito mais a veicular uma teoria política do que a
discutir a eficiência dessas práticas administrativas com
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
relação a povoamento, criação da pequena propriedade,
amparo a trabalhadores nacionais e produtividade
econômica (apud LENHARO, 1985, p. 17).
Portanto, pode-se entender que autores como Cassiano Ricardo
e Nelson Werneck Sod(1941), que se voltaram para as construções
“historiogficas” da época, estavam muito mais preocupados em
divulgar as questões políticas do que analisar os benefícios que esse
processo de colonização possibilitava àqueles aos quais ele supostamente
se destinava.
Para Alcir Lenharo (1985), a política do Estado Novo visava,
inicialmente, mapear o país no sentido de dar-lhe um novo contorno,
redefinindo o regime político e uma nova ordem social, desenvolvida por
meio do projeto Marcha para Oeste, que tinha como objetivo despertar no
povo brasileiro um clima de emoção nacional, criar um clima de
pertencimento, de forma que os indivíduos se envolvessem, caminhando
na mesma direção, e se sentissem responsáveis pela construção da nação.
Uma outra questão discutida por Alcir Lenharo (1985), e que ele
explicita em sua obra, está relacionada às operações de disciplinamento
sobre o trabalhador rural (que não foi beneficiado com a legislação
trabalhista criada no país na época). Alcir Lenharo faz considerações
sobre a política do Governo Vargas com relação ao trabalhador rural, a
qual, segundo o autor, pretendia
Segurá-lo na terra, como objeto de ganância dos
proprietários; arrancá-lo de seu meio, para esvaziar a
tensão social, quando isso se fazia necessário; orientar os
fluxos migratórios, com finalidades políticas; impedir o
livre movimento dos sem-terras, isto é, dificultar e cercar
o posseiro, e acima de tudo criar o novo trabalhador
brasileiro, ordeiro, produtivo, voltado para o lucro,
distante do seu meio natural, da sua tradição e do seu
passado [...] sua ocupação procedida de maneira
especial, a ponto de fixar o homem na terra através de
métodos cooperativos, que redimensionassem as
relações sociais, de acordo com a orientação política
vigente (LENHARO, 1985, p. 14-18).
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Alcir Lenharo expõe ainda qual seria a estratégia implícita nas
políticas do Estado Novo com relação ao campo. Segundo a visão do
regime, diz o autor,
[...] aos poucos veríamos desaparecer os tratos incultos e
latifundiários, substituídos pela pequena propriedade.
[...] armar um cerco ao latifúndio, de fôlego longo.
Apoiar a pequena propriedade de modo que ela,
lentamente, corroesse a velha ordem latifundiária, e, aos
poucos, instaurasse a nova realidade agrícola que o
desenvolvimento industrial do país exigia (LENHARO,
1985, p. 21).
Na verdade Vargas não fechou o cerco aos latifundiários mas
procurou agir com relação aos trabalhadores, considerados como
excedente de mão-de-obra, os quais formavam áreas de “tensão social”
em determinadas regiões, conduzindo ao inchamento de centros
urbanos ou na tentativa de se apossarem de um pedaço de terra, quando
se deslocavam para áreas rurais.
Quanto aos aspectos ideológicos do Estado Novo, explicitados por
autores que discutem a proposta estadonovista, entende-se que, de certa
forma, eles podem ser compreendidos por meio do pensamento
gramsciano, visto que, no dizer de Fontana, uma das contribuições mais
interessantes de Gramsci é:
Sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode
exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua
hegemonia não pela coerção, como também
mediante o consenso, transformando a sua ideologia de
grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas
para todos e que as classes subalternas aceitaram
(FONTANA, 1982, p. 13).
Partindo do pressuposto de que a ideologia opera por meio do
imaginário do indiduo, é que se pode interpretar como se deu o
processo de assimilação do projeto colonizador desenvolvido pelo
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Governo para atrair os colonos e sensibilizar o povo brasileiro a
participar da reconstrução da nação. A esse respeito, é interessante
verificar a defesa da pequena propriedade, feita por Nelson Werneck
Sodré, então identificado com o regime:
a agricultura liga o homem à terra. ela pode
estabelecer os nculos formidáveis em que terá de
esbarrar, para ser repelida, a dissociação familiar, a
pobreza eterna, a tristeza das moradas desconfortáveis, a
miséria alimentar, o obscurantismo (SODRÉ, 1941, p.
200).
O discurso de Vargas, de fato, tocou os trabalhadores rurais,
movimentando a população do país para abrir caminhos, colonizar e
ocupar espaços, atraindo, para a região da CAND, pessoas de todos os
quadrantes, como paulistas, mineiros, nordestinos, japoneses,
paraguaios, todos em busca de realizar seus objetivos, o de adquirir um
pedaço de terra, pois ela era para eles seu meio de subsistência por meio
da agricultura, e identificação com suas raízes.
A partir dessa política do Estado Novo, abrem-se, no sul do
antigo estado de Mato Grosso, oportunidades para a vinda de levas
migratórias, que se deslocavam de vários pontos do país, denominadas
por Gressler e Swensson (1988) como “poderosa corrente povoadora”,
de modo que essa região “passa a comportar-se como uma frente
pioneira”. Entre os fatores responsáveis por esse processo, os autores
citados incluem:
a) desenvolvimento do sistema viário; b) fortalecimento
de um mercado consumidor na região sudeste; c)
extravasamento da lavoura cafeeira de São Paulo; d)
valorização crescente das terras rurais de São Paulo,
Paraná e Rio Grande do Sul; e) adoção de uma política
de colonização por parte do governo ou ainda de
iniciativa particular (GRESSLER e SWENSSON, 1988,
p. 31).
Os migrantes que aqui chegaram eram de diferentes regiões do
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
país, entre elas a corrente migratória nordestina, que foi empurrada pela
concentração crescente da posse da terra no Nordeste e puxada pela
industrialização mais intensa do Sudeste. A vertente migratória que veio
em direção ao centro-oeste foi atraída pelos imensos espaços “vazios”
para expandir a fronteira agcola, motivados pelos sonhos de terem seu
pedaço de terra. Os agricultores que aqui chegaram nessa leva migratória
o vieram diretamente do Nordeste:
Ao contrário, um bom número deles chegou a Mato
Grosso após uma longa estadia no Estado de São Paulo.
Em sua maioria provenientes de regiões de cafeicultura,
esses colonos adotaram naturalmente o café como
planta comercial desde sua chegada na região
(PÉBAYLE e KOECHLIN, 1981, p. 13).
Desse modo, pode-se dizer que a implantação da CAND,
que adquire maior efetividade a partir de fins da década
de 40, contribuiu decisivamente no sentido de atrair para
a região consideráveis contingentes populacionais. A
iniciativa do governo federal foi logo secundada por
outras, em todo o SMT [sul de Mato Grosso], por parte
do governo estadual, de companhias particulares e até
mesmo de governos municipais, e assim, ao longo das
cadas de 50 e 60, multiplicam-se no SMT [sul de Mato
Grosso] as colônias agrícolas multiplicando-se, no
mesmo passo, a produção agrícola (café e gêneros
alimentícios ou matérias-primas como arroz, feijão,
milho, algodão e amendoim) [QUEIROZ, 2004, p. 30-
31].
Uma dessas inúmeras colônias acima mencionadas foi a
Colônia Municipal de Dourados, que constitui o objeto desta pesquisa.
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povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA COLÔNIA
AGRÍCOLA MUNICIPAL DE DOURADOS
NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS DE
COLONIZAÇÃO DA ÉPOCA
A terra é o principal meio natural de produção no setor da
economia agrícola. Por mais sofisticada que seja a técnica usada
para extrair o que ela é capaz de fornecer, é insubstituível. Por isso,
sua posse, a estrutura dessa propriedade tem um significado
especial. A terra o é uma fábrica ou outro meio qualquer capaz
de ser construído pelo homem. Ela é da nação que a ocupa, do povo
desta nação, para os quais sua ocupação e uso são de fundamental
importância: para sua grandeza ou pobreza (VINHAS, 1980,
p. 9).
Observações preliminares
O fato de ter um grande percentual de suas terras devolutas,
propícias à agricultura, e agregando também outras necessidades da
época, é que levou os governos a desenvolverem projetos de colonização
no sentido de povoar a região. Deve-se considerar também a sua
capacidade de absorção de migrantes na agricultura, e mesmo a retenção
destes, desde o início dos processos de colonização promovidos pelos
governos federal, estadual e municipal.
Essa aptidão agropecuária da região sul do antigo Estado de
Mato Grosso é que levou a ocorrer o deslocamento de agricultores de
outras regiões do país, em algumas regiões devido ao esgotamento de
suas áreas agricultáveis (e em mero mais significativo do Nordeste pela
grande concentração de terra naquela região, portanto, maior pólo de
origem da corrente migratória do país, nas décadas de 1940 a 1950),
dirigindo-se à região sul do antigo estado de Mato Grosso em busca de
maiores e melhores oportunidades de trabalhar na terra.
Considerando esses aspectos, e para entender o processo de
criação da Colônia Agrícola Municipal de Dourados no contexto das
políticas de colonização da época, é conveniente falar rapidamente sobre
algumas formas de pensar colonização, que ao longo da história do país
estiveram sempre presentes para explicar a evolução dos processos
populacionais vinculados à terra, levando com isso ao desenvolvimento
das regiões do país consideradas, em determinadas épocas, de baixa
densidade demográfica e incultas do ponto de vista econômico.
Um ponto de vista que deve ser considerado sobre o sentido da
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
colonização é o de Otavio Ianni (1989, p. 243): “O sentido da
colonização não é único. Muda com os tempos, as relações internas e
externas, o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de
produção. Não se limita à economia e à política. Pode compreender o
poder militar, as igrejas e os meios de comunicação. Desdobra-se em
formas de pensamento, idéias, doutrinas ou explicações”.
Colonização, para Laranjeira (1983, p. 27), é, “conceitualmente,
uma medida de ocupação de território. Como tal, é, antes de tudo, ato
político, de firmação de soberania nacional; e ato econômico, da
desenvolução do sistema produtivo, tendente a satisfazer as necessidades
das populações”. O autor ainda define colonização como processos
desenvolvidos pelos governos ou por empresas particulares, cujo
objetivo é proporcionar a obtenção de terras por parte de agricultores, no
sentido de “gerar seu aproveitamento econômico, mediante o exercício
de atividades agrícolas”.
De acordo com Maria Lúcia Paranhos Sampaio (1982, p. 10),
buscando-se na legislação os fundamentos para a colonização, pode-se
entender que, anteriormente ao Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), o
sentido de colonização era explicado pelo Decreto 7.967, de 18 de
setembro de 1945, o qual estabelecia normas sobre imigração e
colonização, por meio de seu artigo 46:
“Promover a fixação do elemento humano ao solo, o
aproveitamento econômico da região e a elevação do
nível de vida, saúde, instrução e preparo técnico dos
habitantes das zonas rurais. [...] colonização tem como
significado maior fixar o homem, de forma
espacialmente ordenada, na terra inexplorada ou
inadequadamente explorada, ou desabitada.
(SAMPAIO, 1982, p. 10)
Se for pensada de modo a ter a atividade agrícola como parte
mais importante no processo de ocupação da área, “a colonização pode
dar origem a um conjunto de pequenas propriedades, desde que a área
que cada grupo ou unidade familiar pode ocupar seja limitada” (TAVARES
et al., 1972, p. 25).
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povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Para os autores do Diagnóstico da colonização no Estado de Mato
Grosso, coordenado pela Secretaria de Planejamento e Coordenação
Geral e a CODEMAT (Companhia de Desenvolvimento do Estado de
Mato Grosso) [1973, p. 6], colonização ou povoamento é, “o movimento
da população com a definida e programada intencionalidade de formar e
desenvolver uma comunidade”. A respeito desse fenômeno os autores
ainda acrescentam:
Nota-se que os movimentos de povoamento ou
colonização com fins econômicos, para exploração de
riquezas esgotáveis, reclamam, a médio e longo prazo,
planos econômicos e sociais que garantam o substrato
econômico à vida da comunidade, a fim de que a
estrutura social não entre em dissolução com o
esgotamento das riquezas, determinando um processo
migratório com característica típica de evasão, ou seja, de
povoamento às avessas.
Nesse sentido, os autores chamam a atenção para a necessidade
de maior investimento por parte do estado, com o propósito de atender o
colono em suas carências, pois, quando estes se deslocam de suas regiões
de origem em direção a outra, vão em busca de novas oportunidades,
muitas vezes em condições de pobreza, portanto, sem meios financeiros
para iniciarem uma nova comunidade.
Para Rafael A. Mendonça Lima (1973, p. 111), um processo de
colonização deve ser organizado administrativamente pelo poder
blico ou privado, partindo do princípio de ser esta uma ação que, para
iniciar-se, precisa de um projeto a ser executado, levando também em
consideração as necessidades técnicas e financeiras para sua efetivação,
caso contrário pode-se incidir em fracasso. Para o autor, “colonização
responde a objetivos diversos, sabendo-se que sempre significa povoar a
terra em condição de cultivo. Os objetivos podem ser econômicos,
políticos, religiosos, militares, associativistas (cooperativistas)”. Afirma o
autor que uma entidade, ao se propor a desenvolver um projeto de
colonização, deve comprometer-se na construção de uma “estrutura
agrária onde ela o existe”, ou mesmo, se necessário for, “instalação de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
infra-estrutura adequada”, não pensar colonização como um negócio
especulativo, pois com isso se perderia sua finalidade primeira:
A colonização é uma obra de evidente interesse público,
mesmo quando executada por particulares [...]. A
colonização em regra deve ser realizada em terras
blicas e por exceção em terras particulares, uma vez
que a finalidade que a caracteriza é o melhor
aproveitamento das terras, de maneira que deve realizar-
se em terras de particulares quando estes têm interesse
em colonizá-las (LIMA, 1973, p. 111).
Os autores, portanto, comentam as características dos processos
de colonização naquele período, e ao mesmo tempo oferecem, de acordo
com sua forma de entender, informações a respeito de como deveriam
ser os procedimentos, por parte das instituições governamentais e
entidades privadas, em relação aos processos de colonização.
No estudo acima mencionado, denominado Colonização dirigida
no Brasil (1972, p. 25), realizado sob a égide do IPEA/INPES Instituto de
Planejamento Econômico e Social, os autores colocam que, “num
sentido mais restrito, colonização é o povoamento precedido de
planejamento governamental ou privado”. E sobre os objetivos e as
dificuldades encontradas para o desenvolvimento dos processos de
colonização, escrevem:
A colonização propriamente oficial no Brasil tem sido
promovida por razões de ordem político-militares e
econômico-sociais. No primeiro grupo podem-se
incluir basicamente os objetivos de ocupação do
território e garantia de fronteiras. No segundo se aliou às
preocupações com a justiça social, tais como dar acesso à
propriedade da terra; [...] as preocupações propriamente
econômicas, tais como atender melhor à demanda de
alimentos, promover o progresso econômico de uma
região e deslocar a fronteira agrícola (TAVARES et al.,
1972, p. 27).
O documento Providências solicitadas o governo federal
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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determina (1947, p. 4), trata de questões de colonização como solução
tanto para o preenchimento demográfico quanto para a valorização do
homem, bem como a ativação do desenvolvimento econômico, através
de maior produtividade, resultado das atividades do homem. Nesse
discurso do governo,
Colonizar não é criar um minifúndio, desassistido da
orientação técnica e destituído do objetivo econômico-
social que deve representar. A valorização do homem
depende intimamente do fator econômico. Não bastam
terras boas, que em poucas safras se transformarão em
ravinas, transformando o colono em “pária” da
sociedade e seus filhos em delinqüentes rurais. [...]
mostramos o concordar com o que foi realizado até
agora no Brasil em matéria de colonização oficial e as
particulares, que se baseiam na especulação. Colonizar
não é simplesmente o preenchimento dos vazios
demográficos pelo colonialismo arcaico de formação de
colônias estatais sem o sentido cooperativo-econômico-
prático, igualmente não podemos aceitar a colonização
no sistema comercial de Empresas Imobiliárias, em que
o colono recebe apenas documentos de posse a preços
altíssimos e fica abandonado, sem poder ao menos
localizar o seu “pedaço de terra”.
Da forma como está colocada a fala do governo, parece tornar-se
compreensível a política de trabalho e colonização que este fixou por
meio de projetos para a edificação do país; este é um discurso que leva o
trabalhador a colocar-se como uma ferramenta importante no processo.
O governo, naquele momento, busca cercar por todos os lados a
possibilidade de um descrédito por parte dos indivíduos em relação ao
processo de colonização. Critica os processos anteriores de colonização,
tanto os particulares quanto os desenvolvidos oficialmente, eleva o brio
do trabalhador rural com palavras, fazendo com que este se sinta um elo
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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Trata-se de um documento existente no arquivo da Câmara Municipal de Ponta Porã (pertencente,
provavelmente, ao acervo do antigo Território Federal de Ponta Porã). Refere-se a uma determinação
feita pelo governo federal, no sentido da implantação de uma estação experimental da ipecacuanha, em
São Luiz de Cáceres (MT), criada em 1944.
entre a terra e o desenvolvimento econômico do país. Mas é um discurso.
Segundo dados do Diagnóstico da colonização do Estado de Mato
Grosso (1973, p. 24), o qüinqüênio 1948-1953 foi o período em que mais
colônias foram criadas no antigo estado de Mato Grosso, com 34,86%
do total, desde que teve início o processo colonizador no estado até o
início dos anos 1970.
As políticas de colonização em Mato Grosso na época
Entende-se que algumas das características do modelo de
colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados eram próprias,
mas para uma análise comparativa buscou-se como referência outros
processos desenvolvidos na época. Pode-se citar como exemplo a
Colônia Agrícola Nacional estruturada pelo governo federal, feito que
despertou nos “Governos Estadual e Municipal a preocupação de um
programa de colonizações que pelo menos possibilitasse um
desenvolvimento mais intensivo na região” (CÔRTES, 1983, p. 9).
O Indicador das leis e decretos do Estado de Mato Grosso (1890-1935) [p.
78-79], traz informações referentes a outras áreas reservadas para
colonização pelo Governo do estado em diferentes épocas, e que foram
implantadas por meio das prefeituras. O Governador do estado, por
meio de decreto, dava à prefeitura autoridade para desenvolver o
processo:
Decreto nº 170, de 8 de junho de 1932 Que a Colônia
de Terenos fique sob administração de Campo Grande.
[...] Decreto nº 388, de setembro de 1934. Manda que o
titulo definitivo da área de terras reservada pelo Decreto
568, de 1922 (Rocios), para patrimônio do Porto
Independência, seja expedido em nome do Município
de Ts Lagoas, que a dividirá em pequenos lotes e
concederá aos colonos ali domiciliados, observando os
art. 57 e 68 do Decreto 885, de 1929.
Tal procedimento não consta nas informações registradas em
documentos, jornais ou Gazeta Oficial a respeito da implantação da
Colônia Agrícola Municipal de Dourados. Considerando o período em
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
que se deu a implantação da CMD, a possibilidade de ser essa uma das
formas de implantação diferenciada, por motivos vinculados a outras
questões, sendo que um deles pode ser a criação do Território de Ponta
Porã.
Um processo de colonização requer tempo para ser estruturado,
o se realiza de uma só vez, de certa forma constitui uma exceção e de
difícil execução, portanto deve ser uma ação permanente. A criação de
legislação e instituições federais, estaduais e municipais, a partir de 1850,
para solucionar problemas vinculados à terra, nas questões de
colonização e povoamento, são mecanismos que poderiam dar uma certa
segurança, quando se faz uma discussão quanto à legalidade e efetivação
dos processos de colonização. Na verdade, essas legislações muitas vezes
o eram criadas para legalizar as áreas daqueles que estavam na terra,
denominados posseiros, os quais ocupavam pequenas áreas, mas para
regulamentar grandes propriedades ou colonizações particulares. A
leitura que se pode fazer desse movimento está vinculado às questões
políticas, em que os governadores de facção política diferente, ao
assumirem o governo do estado, criavam nova legislação e dirigiam suas
críticas à legislação existente e ao governo anterior, muitas vezes
preocupados com interesses particulares, segundo Alcir Lenharo (1986,
p. 51):
Em Mato Grosso, a virada na política de colonização
pode ser apanhada desde 1948; os comentários do então
governador do estado resumem-se a um denominador
comum: atacar a política governamental de colonização
e a intervenção do Estado nesse setor. Começa por
criticar o “tumulto ou caosda legislação sobre terras.
Como conseqüência, diz, tal legislação se encontra
divorciada da realidade estadual, e nem mesmo visava o
incremento do povoamento e da “abertura de enormes
tratos de terras novas à iniciativa privada”. [...] Ao avaliar
os resultados da colonização oficial insiste na
ineficiência dos projetos do poder público: “Das
diversas tentativas do passado, nada, ou quase nada
resta”. [...] Para o governador, o poder público limitara-
se, pois, a reservar terras sem ter estabelecido colônias
“em moldes objetivos e bases duradouras”. Essa política
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
de reserva tem prejudicado os interesses de
particulares”, que ficariam impossibilitados de demarcar
os seus lotes, pois o Estado não demarcara
anteriormente suas reservas.
Alcir Lenharo (1986) traz comentários do então governador do
estado a respeito da ineficácia dos processos de colonização oficiais
implantados em períodos anteriores, bem como da legislação, que para o
governo da época estava “divorciada da realidade”. Para Moreno (1993,
p. 98), as leis que regulam o processo de aquisição de terras serviram de
mecanismos políticos para dar sustentação a uma política fundiária
voltada à constituição da moderna propriedade territorial, de acordo
com os interesses das elites dominantes no comando do poder político e
de estado”.
As empresas particulares no processo de colonização da região sul
do antigo estado de Mato Grosso
A região sul do antigo estado de Mato Grosso era detentora de
grande área de terras ricas em solos rteis e outros recursos naturais (tais
como hidrografia, densas florestas e recursos minerais), os quais serviam
de atrativos aos migrantes que aqui chegavam, prendendo-os à terra.
Esses fatores eram vistos como uma das fontes econômicas de grande
importância para o processo de ocupação naquela época (fins da cada
de 1940), e chamaram a atenção das empresas de colonização particular,
que buscaram formas legais de implementarem nessa região seus
projetos de colonização. Alcir Lenharo (1986, p. 51), tem uma forma
apropriada para explicar como se deram essas práticas de colonização
por empresas particulares nesse período:
O que o Estado Novo lança com intenções de um
projeto estatista, as companhias privadas reformularam-
no, voltando-se particularmente para a especulação
febril da terra. Para tanto, o primeiro impulso dado pelos
projetos pioneiros ajudou muito; decisivo mesmo seria o
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
aval que os governos estaduais dariam na etapa da
política da “redemocratização”. [...] A modernização da
legislação de terras implicava em tornar mais expedito o
processo de aquisição de lotes por particulares. A
morosidade dos serviços constituía um entrave para a
colonização: “Precisamos diminuir os prazos, anular as
formulas e praxes burocráticas”.... A solução: “Essa
legislação deve ser liberal...[...] A liberdade da legislação
consistiria em “promover a venda de lotes a
particulares”. [...] A opção pela iniciativa privadavinha
acompanhada de medidas para normalização de posses
ou desestímulo ao ocupante ocasional da terra.
O que é colocado por Alcir Lenharo diz respeito ao descaso com
as políticas de colonização implantadas pelos governos, as legislações
inadequadas e que, quando reestruturadas, privilegiavam as empresas
particulares. Informações a respeito dos arranjos entre o estado e as
empresas colonizadoras foram escritas por Maria Lucia Paranhos
Sampaio (1982, p. 6):
Sabe-se que parte considerável dos recursos das
colonizadoras provém do poder público que os destina à
construção de estradas, as quais, na verdade, se
constituem em abertura de estreitos caminhos divisórios
dos lotes e que foram considerados, por ocasião da
aprovação do projeto de colonização pela instituição do
governo, como contribuição da empresa colonizadora.
A infra-estrutura social (escolas, postos de saúde,
hospitais) também é, na maioria das vezes, implantada
com recursos financeiros do poder publico.
nas palavras da autora declarações sobre o “paternalismo”
existente naquela época entre as empresas particulares e o poder blico,
e como se processavam os arranjos financeiros” entre ambos. São fatos
ocorridos no final da cada de 1940 e inicio da década de 1950, sobre os
quais é relevante expor o pensamento de Alcir Lenharo (1986, p. 53):
Nos idos dos anos 50, grupos de políticos locais, de fora,
grupos econômicos, formaram uma ciranda de alianças
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
empresariais e eleitorais, cujo jogo principal incidia no
controle da distribuição das terras devolutas do estado.
[...] o se tratava somente da quantidade de terras
ambarcadas. As melhores terras eram as mais visadas.
[...] em 1950, [o jornal] O Estado de Mato Grosso denuncia
amplamente a especulação com as terras devolutas de
Dourados e São Lourenço. Os especuladores
compravam as terras por 5 e 10 cruzeiros e as revendiam
por 100 e 150 cruzeiros. Em Dourados, a revenda
chegava a 300 cruzeiros. Segundo o mesmo jornal,
empresários e companhias de colonização
argumentavam que “existia grande excesso” de terras
nas duas áreas. E requeriam prioridade para comprarem
as glebas a baixos preços. [...] O Secretário argumenta na
perspectiva da terra como mercadoria, e sua venda um
comércio como outro qualquer.
Essas informações expõem como era manipulada a questão de
terras entre o poder público e as empresas colonizadoras. Um processo
que teve início com um discurso bem elaborado, estimulando os colonos
para “conquistar o interior do país e contribuir com o seu quinhão para
edificação da nacionalidade(LENHARO, 1986, p.50), desvirtuou-se,
transformando-se a maior parte dos processos de colonização
particulares em objeto de transação política e especulação imobiliária.
Outras fontes, entre elas o Diagnóstico da colonização em Mato Grosso
(1973, p.8), falam sobre “a colonização particular no estado, que remonta
algumas cadas, mormente no sul, em que as atividades pioneiras de
alguns grupos deram origem a diversos municípios e até mesmo
cidades”. O documento contém dados a respeito das áreas destinadas à
colonização e percentual colonizado, bem como a situação demográfica,
sendo a região de Dourados a detentora da maior parcela das famílias
estabelecidas nos processos de colonização no antigo estado de Mato
Grosso.
Essas informações despertam a atenção, no sentido de se
verificar um possível movimento das empresas de colonização
particulares na implantação da CMD.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
“Origens” da CMD
Segundo documento existente no INCRA/Dourados, sobre a
CMD, esse projeto foi implementado, no município de Dourados, em
região de terras de matas e um potencial de fertilidade muito grande. De
fato, a vegetação original da região, segundo dados do livro Geografia do
Brasil região Centro-Oeste (1988, p. 128), “era a Floresta Estacional
Semidecidual, caracterizada pelo clima de duas estações, uma chuvosa e
outra seca, com acentuada variação rmica”. Para Valter Spada Betoni
(1993, p. 19), “era realmente uma floresta exuberante, digna de Mato
Grosso”. Da porta do rancho, que distava apenas cem metros do mato,
“podia-se contar mais de duzentas perobas, árvores muito grossas,
angicos, jatobás, jequitibás e uma infinidade de árvores de pequeno e
grande porte”. Em face desses “obstáculos naturais”, os colonos deram
início ao processo de desmatamento, em uma prática que não obedeceu à
legislação que deu suporte legal a este processo.
Quanto ao solo, na área da colonização, “em sua maior parte
consiste de solo arenoargiloso que é considerado excelente para a
agricultura. Esta área destaca em segundo lugar o solo argiloso
considerado bom para a agricultura” (Geografia do Brasil – Região Centro-
Oeste, 1988, p. 128).
Essa área foi dividida em lotes, denominados “pequenas
propriedades”, processo que alguns autores chamam de colonização
européia, devido a ser esta a medida usada na Europa para atender sua
“política agrária e resolver a crise do fim do século XVIII e princípio do
culo XIX(CÔRTES, 1983, p. 9).
A CMD foi criada, conforme foi visto, em uma gleba que havia
sido reservada para a colonização em 1923. O respectivo decreto (nº 616,
de 20 de janeiro de 1923), tinha a seguinte ementa: “Reserva entre os rios
Brilhante e Panambi, no município de Ponta Porã, uma área de 50.000
hectares de terras devolutas, destinadas à colonização, depois de medida,
demarcada e dividida em lotes” (cf. INDICADOR das leis e decretos do
estado de Mato-Grosso, p. 76). Essa área, que nessa época pertencia ao
município de Ponta Porã, passou a pertencer ao município de Dourados
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
depois da criação deste, em 1935. Em 1943 foi criado o Território Federal
de Ponta Porã, englobando o município de Dourados, e no mesmo ano
foi criada pelo governo federal, nesse município, a Colônia Agrícola
Nacional de Dourados (CAND), em uma outra área, que não se
confundia com aquela reservada em 1923.
Pode-se constatar, com informações do jornal O Progresso de 6 de
novembro de 1927, que as discussões a respeito da área reservada sempre
estiveram presentes, tanto nas solicitações dos posseiros (que desde
1926, pelo menos, estavam estabelecidos na área a ser colonizada,
conforme se verifica por uma listagem existente no Museu Histórico de
Dourados), quanto em mensagens do governo para a Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso. O jornal faz o seu discurso
voltado para a linha política que lhe era simpática, numa matéria que tem
como título: A colonização de Dourados. Mencionando o espaço existente
entre os córregos Panambi e Sardinha, “destinado à colonização”,
escreve:
Não somos tão ingênuos ao ponto de exigir do governo
a imigração de colonos e aparelhamento de núcleos
agrícolas capazes de tornar efetivo o aproveitamento da
gleba em questão, porque bem conhecemos o dispêndio
de dinheiro que isso acarreta não estando o Estado em
condições de enfrenta-lo, e, ainda sob os daqueles que
julgam de nenhum resultado a colonização com o
elemento estrangeiro sem se ter antes adotado as vias de
transportes compatíveis com a condução dos produtos
aos outros consumidores. [...] O que reclamamos agora,
como necessidade inadiável, e para o que não é
necessário dispender grandes somas, reclamação aliás
que de muito vimos fazendo, é a divisão dos lotes
destinados a cada colono nacional ou estrangeiro que ali
queira radicar espontaneamente e mediante uma
regulamentação pratica e não onerosa, de modo que, em
vez de se virem acumulando povoadores,
desordenadamente [como] é de acontecer, se
constituído um todo homogêneo capaz de
aproveitamento no futuro. Para tal bastaria que o
governo designasse um engenheiro para fazer a medição
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
do perímetro de acordo com os limites decretados e
conseqüentemente a sub-divisão dos lotes, sendo esta de
modo que se aproveitasse para cada trato reservado a um
habitante, idêntica porção de mata para cultura, pasto,
aguada, podendo mesmo o espigão ficar destinado a
servidão comum de pastagem (O Progresso, 298, 1927,
p. 2).
Nota-se que o jornal O Progresso (1927), tinha um certo interesse
quanto à implementação da colonização na área em que seria, cadas
depois, implantada a CMD, principalmente no que diz respeito a um
ordenamento dos colonos, para que esses não se colocassem na terra a
sua revelia, ocupando os espaços que julgassem corretos do ponto de
vista legal no período, pois tratava-se de terras devolutas.
Uma outra questão abordada pelo jornal era a falta de recursos
financeiros para se estruturar uma área para colonização, em que os
imigrantes estrangeiros pudessem fazer parte do processo, pois se teria
de investir grande somas e o estado o teria condição naquele
momento, decorrendo disso a evasão dos colonos por falta de estrutura
para o escoamento de sua produção. Observa-se que o colono imigrante
era considerado mais exigente, quanto às questões de estruturas nos
processos de colonização; sua permanência dependia dessa condição,
mas como conseqüência ter-se-ia o crescimento populacional e
econômico da região na qual estes se estabelecessem. o colono que
vinha espontaneamente assumia toda sorte que o local lhe oferecia, sem
se preocupar com as estruturas. O que ele buscava era a terra e o que ela
representava, a valorização do indiduo e a segurança para sua família;
quanto à estrutura, iria aos poucos sendo construída, de acordo com a
necessidade e a possibilidade dos colonos.
Essas discussões feitas na época, sugerindo a implantação da
colônia na área reservada pelo decreto de 1923, tinham um formato de
cobrança, algumas delas articuladas pelos próprios posseiros que se
encontravam na área e que alimentavam expectativas quanto à posse da
terra.
No entanto, essa área de 50.000 hectares, reservada em 1923, foi
reduzida, em 1932, para 30.000 hectares, em decorrência do aumento da
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
área destinada ao patrimônio de Dourados:
Fica elevada para 20.000 hectares a área de terras
reservada pelo Decreto 402, de 3 de setembro de
1915, para a constituição do Patrimônio de Dourados,
Município de Ponta Porã, cuja área será desmembrada,
nas proximidades da referida povoação, da [área] de
50.000 hectares reservada pelo Decreto 616, de 20 de
Janeiro de 1923, para Colonização (cf. Decreto nº 122,
de 19 de janeiro de 1932 documento existente no
Museu Histórico de Dourados).
Em 1946, quando da implantação da CMD nos 30.000 hectares
restantes, a região era regida pelas leis do Território Federal, que havia
sido criado no ano de 1943 e que teria, segundo a documentação do
Governo, uma função colonizadora:
Desde que se considere essa função, isto é, desde que se
convenha em que os Territórios Federais possuam fins
de colonização, portanto, diretamente ligados ao
problema de povoamento adequado, torna-se
imperioso, antes de mais nada, evidenciar um ponto de
vista fundamental no tocante a esse aspecto da
administração do mesmo: o Brasil precisa caminhar,
quanto antes, para atingir o ótimo de população que
pode comportar, em virtude da extensão de sua base
sica e das possibilidades de seus recursos naturais. [...]
Não há critérios racionais de distribuição de população
no Brasil, pois se há Estados “francamente povoados”,
como São Paulo, outros há francamente
despovoados”, como Mato Grosso, Goiás e Amazonas,
em que o índice de densidade é verdadeiramente nulo;
[...] em algumas regiões, não há condições de radicação
do homem, resultando duma enorme massa flutuante
que se desloca ao sabor dos interesses econômicos,
conforme se pode observar principalmente nas zonas de
industrias extrativas e de garimpo (CAVALCANTE e
MEDEIROS, 1945, p. 38).
Verifica-se que as informações se voltavam para as questões
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
demográficas, e o fato de a região sul do antigo Mato Grosso ter como
sua base econômica a extração vegetal e ser constituída de uma
população não-índia diminuta, e parte dela itinerante, levava a região a
permanecer em seu estado quase “primitivo”. Para o governo federal, os
“adensamentos humanos” ficariam para os estados e municípios, e o
“Território teria uma função eminentemente colonizadora, no sentido de
criar esses adensamentos, a serviço de uma política de distribuição de
população e fixação do homem” (CAVALCANTE e MEDEIROS, 1945, p.
39).
Uma outra questão é colocada por Cavalcante e Medeiros(1945),
no sentido de explicar que a criação do Território Federal não tinha como
objetivo somente a colonização mas que havia outras intenções, como:
incentivar a elevação da “taxa de natalidade”, buscar mecanismos de
contribuição para a diminuição da mortalidade, procurar também
intensificar a imigração. Ao mesmo tempo estaria tratando da
organização e fomento da produção, e com essa iniciativa entendiam
poder combater a miséria e a fome existentes, melhorar as condições
habitacionais e possibilitar aos habitantes sair da ignorância, dando a
estes oportunidades educacionais e de assistência à saúde. Nesse
contexto, para os autores citados,
a entidade Território Federal possibilita as vantagens: [...]
Por ser administração direta da União, permite a maior
presença do Estado em regiões onde os governos
estaduais e municipais (tolhidos, em parte, na sua
autonomia, devido, entre outras causas, ao resultado de
uma política tributária que faz canalizar para o centro o
grosso das rendas), se revelaram incapazes e impotentes
para fiscali-las, administ-las, enfim, fazê-las
progredir e prosperar (CAVALCANTE e MEDEIROS,
1945, p. 41).
Segundo os autores, essa era a postura do governo federal em
relação à região onde se criou o Território Federal de Ponta Porã, bem
como os procedimentos que deveriam ser tomados como base inicial
para se estruturar essa nova ordem governamental Alcir Lenharo(1986),
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
tem outra explicação para a postura do governo federal, quando este se
reporta ao processo de democratização da terra com a alcunha de
pequena propriedade:
Uma investigação mais atenta o confirma a primeira
impressão. As intervenções federais do governo Vargas
em diversos pontos do estado de Mato Grosso mais
rendiam dividendos propagandísticos que atendiam, de
fato, as necessidades daqueles que reclamavam a terra
como seu meio de trabalho (LENHARO, 1986, p. 48).
Os jornais da época, especificamente o Ponta Porã,
acompanhavam de perto o regime que, no dizer de Alcir Lenharo,
coloriu de verde e amarelo o desenvolvimento do processo de
colonização da região, “doando terras para cidadãos brasileiros com mais
de 18 anos, sem propriedade e sem riqueza(LENHARO, 1986, p. 50). Em
letras com destaque, o jornal ressalta o seguinte:
DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS Iniciada a concessão
das “licenças de ocupação”. Pelo Decreto-Lei 916, de
30 de agosto de 1945, os Governadores dos Territórios
Federais ficaram autorizados a expedir certificados de
“licença de ocupação” das terras distribuídas em glebas
aos trabalhadores rurais, com finalidades de colonização.
Essas “licenças de ocupação” equivalem ao primeiro
passo para a posse definitiva, estando por isso o Senhor
Governador Ramiro Noronha [então governador do
Território de Ponta Porã] distribuindo os referidos
documentos. Ao que conseguimos apurar, é grande o
interesse reinante entre o nosso homem do campo, que
chegar a sua vez de ser livre (Ponta Po, n. 11, de de
novembro de 1945).
Segundo o mesmo jornal, a primeira providencia tomada pelo
governo do Território Federal de Ponta Porã ao tomar posse foi fazer
uma visita à região, com o objetivo de levantar e analisar “as condições
especiais da terra, dos habitantes e dos problemas regionais”, servindo
este levantamento para compor o plano administrativo apresentado ao
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
governo federal pelo primeiro governador do Território, o Coronel
Ramiro de Noronha. Textualmente, esse plano dizia o seguinte:
O exame de cada caso concreto deixa no estudioso uma
sensação de desalento e de tristeza, pela verificação do
atraso inconcebível dessas áreas longínquas, em que
mourejam populações abandonadas, esmagadas sob o
rolo compressor da pobreza, das doenças, da ignorância
e do insulamento. [...] o quadro doloroso é todo um
protesto de revolta e de indignação contra a inércia, a
apatia, o desleixo, a incúria dos responsáveis pelo triste
estado de coisas (apud CAVALCANTI e MEDEIROS,
1945, p. 6-7).
Essa condição de atraso, constatada pelo levantamento feito por
Ramiro Noronha, teria levado o governo federal a disponibilizar maior
atenção e recursos financeiros para atender à questão do povoamento na
região, bem como impor nova ordem, no sentido de ocupar pela
população o-índia a porção sul do antigo estado de Mato Grosso,
espaço territorial que por muito tempo foi um desafio no tocante à
ocupação da terra, por meio de planejamento adequado, e seu
aproveitamento econômico efetivo. É conveniente lembrar que, mesmo
com todo o discurso do governo federal voltado para a efetivação do
projeto das Colônias Nacionais, no sentido de colonizar e povoar esses
confins, se conseguiu concretizar parte do projeto. Por falta de
recursos financeiros, sem maior assistência do governo, o colono ficou à
deriva; muitos venderam suas áreas, deslocando-se em busca de outras
regiões, e poucos permanecem até hoje (2005).
A implementação da Colônia Agrícola Municipal de Dourados
teve início nesse momento – mas por iniciativa do município, haja vista
que o governo do estado não havia demonstrado preocupação com as
solicitações da população aqui existente (feitas por meio de abaixo-
assinados, dos jornais e outros veículos de comunicações), que desejava a
colonização por meio de assentamento e doação de títulos de
aforamento aos colonos instalados nas terras devolutas. De acordo
com informações do Sr. Filismino Pires da Silva (conhecido como Goiano
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
por ser originário do estado de Goiás), remanescente da CMD, havia-se
avolumado de forma tão significativa a chegada de migrantes à região de
Dourados que o prefeito municipal viu nesse movimento a oportunidade
para implantar a CMD (mesmo porque alguns colonos, que vinham com
o objetivo de se estabelecerem na CAND e encontravam dificuldades,
tratavam logo de se direcionar para a área que posteriormente seria a
CMD, pelo fato de esta não estar ainda demarcada).
Ao verificar a documentação existente, percebe-se que em
1944 a Prefeitura Municipal de Dourados determinou a demarcação da
área reservada, quando ainda a região compunha o Território Federal:
Território Federal de Ponta Po– Prefeitura Municipal
de Dourados – Decreto nº 51 – O Doutor Horácio de
Almeida, Prefeito Municipal de Dourados, usando das
atribuições de seu cargo, resolve: Nomear o cidadão
cio Borralho, Engenheiro Agrônomo, para proceder à
demarcação da área destinada à Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, de acordo com as leis
regulamentares. Cumpra-se e registre-se. Prefeitura
Municipal de Dourados, 11 de Março de 1944 Horácio
de Almeida, Prefeito (Decreto 51, de 11.3.1944
documento existente no arquivo da Assessoria Jurídica
do município de Dourados).
Entretanto, não foram encontradas indicações de que essa
demarcação tenha sido realizada. Pelo que foi possível apurar, o primeiro
regulamento da Colônia foi instituído em 1946, quando o prefeito de
Dourados era João Augusto CapiJúnior (cf. Decreto 70, de 9 de
outubro de 1946 documento existente no Museu Histórico de
Dourados). É interessante notar que, no preâmbulo desse decreto, o
prefeito diz textualmente que a CMD havia sido criada pelo Decreto nº
616, de 1923, acima referido. O decreto 70 foi elaborado ainda durante
o período de existência do Território Federal de Ponta Porã, tendo sido
previamente aprovado por despacho do governador desse Território, em
agosto de 1946. De acordo com esse decreto, os lotes da Colônia seriam
destinados à fixação de agricultores nacionais e estrangeiros, para formar
um centro permanente de produção agrícola, num regime de pequena
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
propriedade.
O regulamento foi aprovado de acordo com o parecer 62, do
Consultor Jurídico do Território (Luiz da Costa Gomes), e despacho de
23 de agosto de 1946, de Valério Caldas de Magalhães, governador
substituto (cf. documentos existentes no Museu Histórico de Dourados).
O consultor jurídico ressalta que “a colonização está hoje disciplinada,
no país, pelo Decreto nº 7.967, de 18 de setembro de 1945. O
regulamento que examinamos é, apenas, uma lei supletiva para atender às
necessidades locais. E, a seguir, cumpre ao Governo do Território pedir
ao Governo da República a designação de fiscal para o cleo de
Dourados, nos termos do artigo 51 e § único, do Decreto supracitado”
(cf. Parecer 62). Este foi o trâmite inicial e legal pelo qual passou o
primeiro regulamento da CMD: a aprovação do governador do Território,
característica peculiar desse processo em relação a outros desenvolvidos
na região. É oportuno informar o que consta em parte do Decreto-lei
70, de outubro de 1946, que regulamentou a CMD:
Art. - A Colônia Agrícola Municipal de Dourados será
destinada à localização de lavradores nacionais e
estrangeiros, formando um centro agrícola onde serão
ministrados os ensinamentos de acordo com os
princípios da agro-técnica moderna. Art. 2º - Os
terrenos da Colônia serão divididos em lotes urbanos e
suburbanos destinados à lavoura, com a área de 50
hectares, no ximo. Art. 3º - Os lotes serão servidos
por caminhos trafegáveis por quaisquer veículo, que os
porão em comunicação entre si e com estradas gerais de
acesso à Colônia. Art. 4º - Da planta geral da Colônia
constarão as suas zonas de aproveitamento e reservadas
as vias de comunicação. Art. - Será reservada uma
área de 200 (duzentos) hectares para um campo
experimental do Ministério da Agricultura.
Ao se fazer uma análise do capítulo que diz respeito ao colono,
constata-se ter essa legislação, em alguns itens, características seletivas.
o era efetivada a entrega dos lotes ao acaso, mas o colono passava por
uma seleção, seguindo as seguintes condições: quanto à concessão,
seria efetivada a indiduos que se dedicassem à profissão agrícola, que
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
fossem maiores de 18 e menores de 60 anos, não sofressem de “moléstias
infecto-contagiosas”, nem fossem “cegos, aleijados, loucos ou
mutilados”. Os colonos com a idade acima de 60 anos deveriam ter filhos
em condições de ajudá-los em suas práticas agrícolas. Era destinado a
colonos estrangeiros apenas 1/3 da área a ser colonizada. Quanto aos
colonos nacionais, teriam preferência aqueles que estivessem quites com
o serviço militar bem como os de prole numerosa. Aqueles que
estivessem “condenados na Justiça civil ou Militar em crimes
inafiançáveis” não obteriam concessões. O colono teria liberdade de
escolha da área pretendida, mesmo porque muitos se encontravam na
área, no sistema possessório. O requerimento seria enviado ao prefeito,
que, com as informações do fiscal, daria o seu despacho. No
requerimento constaria a “nacionalidade, idade, profissão, estado civil,
mero de pessoas na família e do lote pretendido”. Se aceito tal
requerimento, era “expedido o título provisório”, dando garantia e “sua
plena posse”, com o compromisso de ser cultivado em um prazo de 6
meses, caso contrário seria cancelado. Os tulos eram intransferíveis.
Logo que o colono atendesse a todas as exigências (como: cultivar a terra,
construir moradia), receberia o tulo definitivo, que lhe garantiria o
“domínio e posse” da área, “sob as condições deste regulamento,
pagando também Cr$ 15,00 (quinze cruzeiros) por hectare ou fração”.
Caberia a cada colono apenas um lote. “Nenhum colono poderá
constituir-se proprietário de lotes por aquisição onerosa ou gratuita,
salvo por legitima sucessão hereditária”. Se os lotes fossem abandonados
por longos períodos (1 ano ou mais), os títulos definitivos caducariam,
“cabendo ao proprietário indenização pelas benfeitorias úteis e
necessárias”, cujo valor seria estipulado por “laudo de três peritos: um da
prefeitura, um da CMD e o terceiro escolhido a aprazimento irretratável
das partes”. É importante mencionar o que se refere ao auxílio aos
colonos, explicitado pelo Decreto 70, de outubro de 1946:
A prefeitura fornecerá gratuitamente aos colonos
medicamentos de combate à verminose, malária e outras
endemias regionais. Em caso de epidemias, a prefeitura
prestaassistência médica aos colonos. Os filhos dos
colonos terão instrução primária gratuita. A freqüência à
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
escola é obrigatória, sujeitando os pais dos menores
desobedientes às penalidades previstas neste
Regulamento. Serão distribuídas gratuitamente ao
colono mudas de plantas, sementes e inseticidas.
O Decreto 70 traz informações a respeito dos deveres dos
colonos. Por exemplo, eles teriam liberdade de escolha da cultura que
mais lhe conviessem, porém deviam cumprir as recomendações técnicas
quanto ao trato da terra, bem como da “semeadura e da colheita”. O
colono devia conservar os marcos que balizavam os limites de suas áreas;
se por acaso fossem “destruídos por motivo de queimada” ou qualquer
outra forma, devia informar com urgência o fiscal da CMD, para este
tomar as providencias cabíveis, como indicar o local preciso do limite da
área. Por fim, os colonos deviam obedecer às “disposições
regulamentares destinadas à Colônia e as determinações do seu Diretor,
o só em relação à posse, conservação e utilização dos terrenos, como
da sua conduta agrícola e social na Colônia”.
Ao verificar os dados contidos no Decreto-lei 70, pode-se
constatar que, no Capitulo VI, dispõe “Da emancipação da Colônia”, nos
seguintes termos:
Art. 30 – A Colônia será emancipada quando estiverem
ocupados todos os lotes e os colonos se encontrarem de
posse de seus tulos definitivos. § UNICO Se, porém,
decorridos cinco anos de sua instalação, estiverem
ocupados mais de 50% dos lotes da Colônia e apresentar
esta apreciável desenvolvimento, será decretada sua
emancipação. Art. 31 Desde que a Colônia seja
emancipada por decreto da Prefeitura, passará logo a
obedecer às leis gerais do Município. Art. 32 – Os lotes
que ainda se encontrarem vagos após a emancipação
serão aforados de acordo com a legislação em vigor.
Art. 33 Os títulos definitivos expedidos passarão a
vigorar como títulos de aforamento perpétuo, gozando
seus portadores das prerrogativas que a estes competem
e sujeitando-os ao pagamento de foro anual, na forma da
lei civil.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
As disposições gerais, no capítulo VII do Decreto-lei 70,
determinavam que o colono, de acordo com o Código Civil, devia fechar
suas áreas, no prazo estipulado, em 50%, ficando os outros 50% a cargo
do vizinho. o construindo a cerca dentro do prazo, o colono seria
obrigado a fazê-lo judicialmente. Os animais domésticos deviam ser
mantidos dentro da área de seu dono, caso contrário, seriam retidos e,
para serem soltos, o dono teria que pagar uma multa de Cr$ 20,00 per
capita e indenizar os prejuízos causados. Na ausência de reclamações a
respeito do desaparecimento do animal, era afixado um edital com as
características do mesmo; e se, mesmo assim, o dono não se
manifestasse, o animal era leiloado, para pagamento das despesas,
prejuízos e multas, sendo o restante “recolhido aos cofres públicos
municipais”. Caso o colono retirasse o animal sem o consentimento do
fiscal, estaria sujeito a uma multa de Cr$ 200,00, “além da
responsabilidade do crime de desobediência”. Os filhos dos colonos
eram obrigados a freqüentar a escola; em caso de desobediência, os pais
pagavam uma multa de Cr$ 100,00; além disso, “os recalcitrantes seo
expulsos da Colônia”. As madeiras utilizadas pelos colonos deveriam ser
retiradas da sua própria área ou “nos lugares designados pelo Fiscal da
Colônia, para tal fim reservados”. O art. 41 estabelecia ainda que os
tulos pagariam a quantia de Cr$ 20,00 (vinte cruzeiros) de
emolumentos.
Nesse processo, especificamente, foram criados, pelos órgãos
competentes, mecanismos para que os procedimentos se
desenvolvessem de acordo com a proposta dos regulamentos que os
amparavam. Esses mecanismos foram criados pela Câmara Municipal de
Dourados e sancionados pelo prefeito. Essas ações podem ser
constatadas por meio das informações existentes nas Portarias 6 e nº
46, de outubro de 1946, expedidas pelo prefeito municipal de Dourados,
as quais designavam pessoas para exercer, sem remuneração, os cargos de
fiscais da CMD. Foram nomeados dois fiscais, um para a Zona do
Panambi e outro para a Zona do Sardinha (essas eram algumas das
subdivisões da área da Colônia, e receberam essas denominações por
margearem ou estarem mais próximas dos córregos de mesmos nomes).
Esses fiscais permaneceram no cargo até março de 1947, quando foram
86
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
exonerados, sendo substituídos por outros que atenderiam as mesmas
zonas.
De acordo com o Decreto-Lei 70, um aspecto que era
considerado muito importante, para alguém assumir o cargo de fiscal, era
o conhecimento de práticas agrícolas. Uma segunda exigência do poder
blico em relação ao fiscal era que o mesmo deveria estabelecer-se na
própria colônia, procurando o se ausentar, servindo, desta forma,
como guardião da mesma e buscando zelar pela conservação de suas
matas, mananciais, estradas e bens confiscados. Outras atribuições que
merecem destaque, e que faziam parte da função do fiscal, eram proteger
as terras da colônia de serem invadidas por elementos estranhos, bem
como, dos lotes por colono; fazer distribuição de sementes e mudas,
dando aos colonos orientações necessárias ao preparo do terreno,
semeaduras, plantações, cultivo e colheita, convencendo-os da
importância de se usar a terra racionalmente, preventivamente e
profilaticamente, “contra as doenças e pragas que aniquilam e dizimam a
agricultura”; orientá-los quanto às questões de proteção ambiental, no
sentido da não-utilização da prática das queimadas e, quanto à madeira,
retirar o que fosse necessário para o seu uso; demonstrar aos colonos a
importância da solidariedade e cooperação, evitando com isso situações
de conflito.
Era atribuição do fiscal o exercício da mediação entre o poder
blico e o colono, para que se colocassem em prática as ordens
expedidas pelo prefeito a respeito do desenvolvimento da CMD e sua
administração; encaminhamento de relatórios sobre a produção,
expansão e propriedade da CMD; informar e opinar sobre as solicitações
e deferimentos de concessões. Como escreve Alcir Lenharo (1986),
estabelecem-se as colônias e disciplinam-se os colonos. Nesse sentido, o
fiscal tinha também a atribuição de manter a ordem na CMD,
encaminhando às autoridades competentes os ébrios e desordeiros; os
indisciplinados, viciados e propagadores de doutrinas que não a do
regime vigente deveriam ser expulsos.
Constata-se com esses dados que o poder blico, no caso a
Prefeitura Municipal, deveria fazer sua parte no que se refere quanto às
questões de estruturação dos colonos. Entretanto, de acordo com
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
algumas informações orais obtidas por meio de uma conversa informal
com o Sr. Ávido Carneiro de Oliveira, remanescente da CMD, os colonos
o foram tratados de forma que se ajustassem à legislação proposta, e
muito menos no sentido de contribuir com a permanência do colono no
lote requerido, bem como de lhes dar as orientações devidas a respeito do
que era possível ser plantado para a sua sobrevivência e a de sua família, e
ainda sobre os excedentes destinados ao mercado. Outro aspecto é
quanto ao tratamento que deveria ser dado à terra, como lidar com ela,
afinal tinha-se uma floresta de matas fechadas e agrônomos devidamente
contratados pela prefeitura para atenderem às necessidades aí surgidas.
Na verdade, o que se teve foi um controle rigoroso, feito pelo fiscal, mais
voltado aos conflitos que ocorreram por causa do alcoolismo, fugas de
animais para lotes vizinhos (o que contrariava o art. 21 do Regulamento,
que dizia ser “proibido criar animal solto”) e algumas discussões a
respeito de limites das áreas para se assentarem as cercas. Constata-se
com essas informações que o trabalho da fiscalização era mais
disciplinar, no sentido de garantir a “ordem” na CMD.
Cabe notar que as colocações acima se referem somente à
função do fiscal tal como regulamentada pelo Decreto-Lei 70, de
outubro de 1946. De fato, no processo de colonização e povoamento da
CMD, além desse regulamento, acima descrito, foram criados mais dois
regulamentos, fundamentados respectivamente no Decreto-lei 9, de
1948 (documento existente no Centro de Documentação Regional da
UFMS/Dourados) e na Lei 2, de 1951 (documento existente no
arquivo da Câmara Municipal de Dourados). Esses regulamentos, cada
um a seu tempo, foram instituídos para atenderem às necessidades do
momento, tanto nas questões federais, estaduais como municipais. O
Decreto-lei 9 foi criado devido às mudanças ocorridas com a extinção
do Território Federal de Ponta Porã. a Lei 2 foi criada para atender a
necessidades surgidas no desenvolver do próprio processo de
colonização, conforme vai ser discutido no decorrer deste trabalho.
Pode-se verificar que, com a extinção do Território Federal de
Ponta Porã, a Câmara Municipal de Dourados decidiu elaborar novo
regulamento para a Colônia, que foi aprovado pelo Decreto-lei nº 9, da
mara Municipal, de 22 de agosto de 1948. Para justificar a nova
88
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
regulamentação, essa legislação faz, inicialmente, as seguintes
considerações:
Considerando que o regulamento baixado pelo Decreto
70, de janeiro de 1946, do então Prefeito Municipal de
Dourados, o corresponde às necessidades atuais,
devido à transição sofrida com a extinção do Território
Federal de Ponta Porã; Considerando que a Colônia
Agrícola Municipal de Dourados é parte integrante do
Patrimônio do Município; Considerando que as estradas
e caminhos vicinais projetadas estão em quase sua
totalidade por serem constrdas, cujas construções são
necessidades prementes, as quais importam em cerca de
Duzentos e Vinte Mil Cruzeiros; Considerando que a
Prefeitura Municipal de Dourados não dispõe de verbas
para despesas de grande vulto; Considerando que ainda
existe grande número de lotes o demarcados, cujo
trabalho se torna necessário, a fim de que cada colono
receba sua área de terra com seus limites definitivos;
Considerando finalmente que, o patrimônio municipal
deve constituir fonte de renda que permita o seu próprio
desenvolvimento.
Nesse novo regulamento, o art. 2º trata da divisão de lotes em
seus aspectos quantitativos, com áreas variáveis de vinte a cinqüenta
hectares cada lote. No art. 3º dispõe sobre a “reserva de três glebas na
área da Colônia”: a primeira, uma gleba que deveria conter no máximo
200 hectares”, seria reservada para a instalação da sede da CMD; a
segunda, uma “gleba de no mínimo de 200 hectares”, seria destinada ao
“abastecimento de madeira e lenha à Usina Elétrica desta cidade
(Dourados); e finalmente uma terceira gleba, composta de 1.000
hectares, localizada nas margens do Rio Brilhante, teria o objetivo de
“conservação da fauna e flora regionais”. O art. refere-se à reserva da
área para a sede da CMD, sendo esta dividida em lotes urbanos, “cuja
planta obedece aos mais modernos requisitos de urbanização”. O
artigo diz respeito às primeira e segunda glebas referidas,
estabelecendo que “não serão permitidas quaisquer concessões, mesmo
a titulo precário, arrendamento ou localização de colonos” nas referidas
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
glebas, “a o ser na gleba destinada à Usina Elétrica, quando se fizer
necessário o seu reflorestamento”.
O documento traz em suas entrelinhas as dificuldades
enfrentadas e a pouca importância que o poder público daquela época
dava, para implementar um processo de estruturação e assentamento de
colonos. Já se haviam passado quase dois anos, e apesar do projeto ser
desenvolvido em uma área pequena, segundo as considerações do texto,
ainda existia uma grande quantidade de área sem ser demarcada. As vias
de acesso eram praticamente inexistentes, em grande parte. Sugere-se
também que o referido povoado deveria desenvolver-se para garantir seu
próprio sustento.
Voltando-se a uma outra questão que foi proposta pelo Decreto-
lei 9 da CMD, a que se refere ao retalhamento da terra, nota-se que os
lotes seriam divididos em áreas de no ximo 50 hectares, isto é,
limitava-se a área que o colono poderia adquirir não se considerando o
mero de integrantes de sua família.
Segundo a legislação, o município e o estado seriam responsáveis
pela construção de vias de acesso, para facilitar o movimento dos
colonos dentro da colônia e em direção a outras regiões, construções
estas que só vieram a ocorrer depois de algum tempo de implantada a
CMD. Conforme informação do jornal O Progresso em 1951, os colonos
4
foram servidos por vias de acesso denominadas de picadas ou
5
carreteiras no meio das matas virgens, por onde transitavam os colonos e,
depois de certo período, os caminhões que transportavam a madeira das
derrubadas.
Passaram-se alguns anos desde o primeiro momento em que o
poder público manifestou interesse e voltou-se para a colonização dessa
área, no sentido de implementar e dar supostamente condições àqueles
que já estavam trabalhando na terra e outros que porventura viessem a
estabelecer-se.
Então, mais um regulamento foi decretado pela Câmara
Municipal de Dourados, por meio da Lei nº 2, de 7 de março de 1951.
Esse novo regulamento apresenta algumas alterações, quando
comparado aos dois primeiros:
90
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Capitulo I Da Colônia. Art. - A Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, com a área de 30.000 hectares,
conforme título definitivo expedido pelo governador do
Estado de Mato Grosso e devidamente transcrito no
Registro Geral de Imóveis da Comarca, é destinada à
fixação de agricultores, formando um centro
permanente de produção agrícola, num regime de
pequena propriedade, e será regido pelos dispositivos da
presente Lei. Art. - A Colônia será dividida em lotes,
com área máxima de cinqüenta hectares cada um,
devidamente medidos e demarcados pela Prefeitura
Municipal. Art. - Ficam reservadas na área da Colônia
duas glebas, assim distribuídas: uma com a área xima
de 200 hectares, para a instalação da sede da referida
Colônia, outra, com a área máxima de 200 hectares, que
se destinará à reserva de madeiras e que não poderá ser
ocupada, explorada ou alienada. Art. 4º - A área
reservada para a sede da Colônia será dividida em lotes
urbanos, com a área máxima de 2.500 metros quadrados,
cada um, obedecidos os mais modernos requisitos de
urbanização. A concessão desses lotes será regulada
oportunamente em lei especial.
A lei especial que regularia as concessões de lotes urbanos seria a
Lei 33, de 10 de agosto de 1952, que sediscutida no capítulo 3 deste
trabalho, quando se tratar da organização da sede da CMD.
Voltando à Lei nº 2, de março de 1951, é oportuno comentar a
forma como foi estruturada essa nova regulamentação, assumindo o
discurso do governo federal naquele período. Pouco depois da
implantação da CMD, os olhares políticos estavam voltados para a região
sul do antigo Mato Grosso, onde havia sido implementado também um
outro projeto (a CAND), mas com recursos federais. O que se pode
constatar é que os discursos se confundiam, na parte que diz ser a área
destinada à “fixação de agricultores, formando um centro permanente de
produção agrícola, num regime de pequena propriedade”: era o discurso
da “política de trabalho e colonização que Vargas imprimiu durante o
Estado Novo(Alcir Lenharo, 1986, p. 50). Portanto, pode-se verificar
que entre os dois projetos de colonização havia algumas semelhanças em
suas características, mas havia também algumas diferenças, por exemplo,
91
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
no tocante à forma de aquisição dos lotes. No projeto que foi
implementado pelo governo federal, os lotes foram doados aos colonos
(comprovadamente pobres). o colono da CMD teria que ser
comprovadamente pobre para requerer a área, mas precisava dispor de
numerários para pagar o que era denominado de taxa de requerimento
(uma quantia de Cr$ 15,00, de acordo com o Decreto-lei nº 70), mais o
foro anual; segundo o Decreto-lei nº 9, a quantia era de Cr$ 40,00 por
hectare; e por último, consta no Decreto-lei 2 um valor de Cr$ 60,00
por hectare (mesmo que fossem em parcelas) e ainda impostos rurais e
6
taxas, como laudêmio e outros .
Esta legislação evidencia também alguns aspectos do
compromisso da prefeitura com a questão da demarcação dos lotes ainda
o-demarcados, e chama a atenção de como seria assentada a sede da
colônia, “obedecidos os mais modernos requisitos da urbanização”
acompanhando de certa forma o movimento de modernização do Brasil.
Pode-se aqui utilizar o pensamento de Jacques Le Goff para
discutir em que condições, e com quais objetivos, foram elaborados esses
documentos que deram regulamento à CMD:
Documento não é qualquer coisa que fica por conta do
passado, é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder.
a análise do documento enquanto monumento
permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador
usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento
de causa (LE GOFF, 1992, p. 545).
De acordo com Jacques Le Goff (1992), documento é um
vestígio produzido pela sociedade da época, representado por uma classe
política que detinha o poder e, portanto, cabe ao historiador fazer um
minucioso estudo e usá-lo adequadamente no desenvolvimento de seu
trabalho:
[...] É preciso desestruturar o documento para descobrir
suas condições de produção. Quem detinha, numa
sociedade do passado, a produção dos testemunhos que,
92
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
voluntária ou involuntariamente, tornaram-se os
documentos da história? É preciso pesquisar a partir da
noção de documento / monumento, proposta por Michel
Foucault em Arqueologia do Saber”. Ao mesmo
tempo, é preciso delimitar, explicar as lacunas, os
silêncios da história, e assentá-la tanto sobre esses vazios,
quanto sobre os cheios que sobreviveram (LE GOFF,
1992, p. 50-54).
Procurando apreender o sentido que Jacques Le Goff (1992)
propõe para análise dos documentos, objetivando tirar destes qual a
proposta do governo municipal em relação à estruturação e
funcionamento da CMD, em um primeiro momento entende-se estar
este vinculado a um projeto maior, e que atendia, de certa forma, às
transformações emergentes para um processo de modernização
proposto pelo governo federal, o qual foi apoiado por grande parte dos
segmentos da sociedade.
É nesse sentido que este trabalho procura questionar o modo
como se comportou o governo em relação às questões de terras.
Questionando, por exemplo, se foram de fato instituídos mecanismos
que dessem incremento ao processo de modernização das leis de terras, e
criassem novas formas para se estruturar a terra, deixando de lado o
continuísmo arcaico que privilegiava uma pequena elite acomodada aos
seus latifúndios, e que emperrava a diversificação da produção do setor
agrícola e ao mesmo tempo contribuía com a estagnação do país
(impossibilitando, com isso, que segmentos da sociedade, como os
colonos, participassem desse processo de “modernização brasileira”).
93
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
4
Segundo o dicionário Aurélio, picada é um atalho estreito aberto no mato a golpes de facão – via de
acesso comum naquela época, quando os colonos se deslocavam em busca da residência de outro colono
ou de povoados mais próximos.
5
Espaço para transitar, mais largo que a picada, que era construído a partir do inicio dos desmatamentos,
com o objetivo de abrir passagem para carroças e caminhões que retiravam a madeira das derrubadas.
92
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
6
Convém observar que os itens que dizem respeito aos colonos, na Lei nº 2, serão discutidos no capítulo 3.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
O PROCESSO DE IMPLANTÃO
E DESENVOLVIMENTO DA COLÔNIA
A delimitão da área e a demarcão dos lotes
Do período da reserva da área a a implantão da colônia,
constatou-se, através de informações contidas na documentação, haver
um leque de dificuldades, desde problemas estruturais a a falta de
vontade potica, como citado anteriormente. Mas a sua implantão
atendia a uma necessidade local de desenvolvimento e assentamento dos
indivíduos que aqui estavam em atividade na terra havia alguns anos, de
7
acordo com a já referida listagem de colonos , e outros que por ventura
viessem a aventurar-se” em lugares tão distantes.
Um aspecto que deve ser observado é que, como já foi visto, o
processo de demarcão chegou a ser cogitado ainda em 1944. Mas não
parece ter sido efetivado nessa época, pois o assunto voltou a ser tratado
no início de outubro de 1946, poucos dias antes da aprovação da legislão
que regulamentou a colônia. Nessa época, de fato, o prefeito municipal de
Dourados, através da portaria nº 4, resolvia
designar o agrônomo licenciado Wladomiro ller do
Amaral para proceder ao loteamento da Colônia Agrícola
Municipal de Dourados; devendo prestar o compromisso
legal. Cumpra-se e registre-se. Prefeitura Municipal de
Dourados, 2 de outubro de 1946. Jo Augusto Capi
nior. Prefeito (documento existente no arquivo do
município de Dourados).
Visualizando-se o mapa da área em estudo, verifica-se a existência
de um projeto a ser desenvolvido, no sentido da demarcação dos lotes,
explicitando as etapas por que passou o processo; entretanto, por falta de
dados escritos ou orais, não foi posvel determinar a datação das etapas,
em seus diferentes peodos (cf. mapas 1, 2, 3 e 4).
95
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
7
Trata-se de um levantamento feito pela Prefeitura Municipal de Dourados em fins da década de 1940e
1940, preservado no Museu Histórico de Dourados, contendo vários dados referentes aos posseiros que
se e se encontravam, desde 1926, na área destinada à CMD.
01 - Área da 1ª Demarcação
02 - Área da 2ª Demarcação
03 - Área da 3ª Demarcação
Org. Maria Ap. Ferreira Carli,
2005
Fonte: INCRA.- Ministério da Agricultura, 1979.
Mapa 1 – Colônia Agrícola Municipal de Dourados
Demonstrativo geográfico das áreas demarcadas
96
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 2 Colônia Agrícola Municipal de Dourados
Divisão geográfica da área 01
Fonte: INCRA, 1ª Parte da Colônia Agrícola Municipal. Ministério da Agricultura 1979.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 3 - Colônia Agrícola Municipal de Dourados
Divisão geográfica da área 2
Fonte: INCRA –. Ministério da Agricultura, 1979
96
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 4 - Colônia Agrícola Municipal de Dourados
Divisão geográfica da área 03
Fonte: INCRA – 3ª Parte da Colônia Agrícola Municipal. Ministério da Agricultura, 1979
103
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Nas atas da Câmara Municipal de Dourados consta, a partir de
1947 (portanto, antes do novo Regulamento aprovado pelo Decreto-lei
9, de 1948), que, nas reuniões dos vereadores na mara, várias
discussões ocorreram, para tratar das questões relacionadas à CMD.
Dessas discussões resultou a Lei 2, de 5 de janeiro de 1948, visando a
solucionar problemas relativos à demarcação dos lotes, e cujas
considerações eram as seguintes:
O Prefeito Municipal de Dourados. Faço saber que a
Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Considerando que não obstante estar a Colônia
Municipal de Dourados devidamente povoada a cerca
de três anos, até o presente momento os colonos não
conseguiram entre si um acordo necessário quanto aos
seus limites; Considerando que seguidamente estão
sendo apresentadas pelos colonos reclamações das quais
não se pode tirar ainda uma apreciação satisfatória dada
a sensível desigualdade entre umas e outras alegações;
Considerando enfim que o regulamento elaborado pela
prefeitura para reger os destinos dos colonos municipais
não tem sido devidamente observado pelos mesmos e a
fim de evitar [?] posteriores que venham redundar em
exclusivo entrave ao desenvolvimento da Colônia
Agrícola Municipal de Dourados (documento existente
no arquivo do município de Dourados).
Com base nessas considerações, a lei estabelecia um prazo de dez
dias para que todos os colonos municipais apresentassem um
documento com as reclamações que se relacionavam com os limites de
seus lotes. Enfatizava também que, após essa operação, não seriam
admitidas novas reclamações. Além disso, a lei determinava que, após o
prazo referido, seria designada uma Comissão temporária, a qual, de
posse das reclamações dos colonos, faria um estudo, procurando
soluções favoráveis para as dificuldades surgidas no desenvolvimento do
processo.
Ao fazer a leitura da lei, verifica-se que o processo de
assentamento não transcorreu sem os contratempos que são peculiares a
esses movimentos de demarcação de áreas, mesmo porque, inicialmente,
96
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
o espaço destinado à colonização era visto como um todo, sem o
fracionamento posterior. Assim, os colonos foram chegando e se
estabelecendo aleatoriamente, devendo-se isso à morosidade do poder
blico em tomar as providências que seriam necessárias.
Com a extinção do Território de Ponta Porã, em outubro de
1946, a Câmara Municipal de Dourados, como foi mencionado,
decidiu elaborar nova regulamentação para a colônia. Esse novo
regulamento foi aprovado pelo Decreto-lei 9, de 22 de agosto de 1948.
Esse documento delimitava o tamanho do lote destinado a cada colono,
entre 20 a 50 hectares e estabelecia reservas de glebas com fins definidos:
uma área de 200 hectares para instalar a seda da Colônia, outra área com
200 hectares cuja madeira e lenha serviria para abastecimento da Usina
Elétrica de Dourados (que funcionava com um motor a vapor) e uma
terceira gleba, com 1.000 hectares, “localizada nas margens do rio
Brilhante”, destinada à conservação da fauna e flora da região. Não
seriam permitidas, nessas glebas, “quaisquer concessões”.
Nesse Decreto-lei 9 (art. 27 e 28), a questão da fiscalização foi
tratada da seguinte forma: o prefeito municipal seria o responsável pela
“admissão e demissão” do fiscal da CMD, que deveria ser “uma pessoa
comprovadamente idônea”. A verba para a fiscalização seria decretada
pela mara Municipal. Competia ao fiscal morar na CMD, em local
determinado pela administração; sua ausência só era permitida no caso
de estar em exercício de atividades relacionadas à função. Deveria “zelar
pela conservação das matas e estradas, e bens confiados a sua guarda”.
o permitir invasões das terras da CMD por estranhos, e nem dos lotes
por colonos que não fossem foreiros. Procurar minimizar os conflitos,
incutindo-lhes espírito de cooperação e solidariedade, bem como,
realizar as ordens encaminhadas pela administração. Encaminhar para
administração relatórios das ocorrências e da produção da CMD e, por
fim, fornecer dados referentes às atividades desenvolvidas pelos colonos
em seu cotidiano.
Mesmo com o novo regulamento, a Câmara Municipal ainda se
via com solicitações de lotes pautadas na legislação anterior (o Decreto
70, de outubro de 1946), o que gerou discussões, no Legislativo, sobre as
condições em que esses pedidos poderiam ser admitidos, bem como
103
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
sobre o problema das cessões de direitos sobre lotes:
Uma petição dirigida à mara, o vereador Austrilio
Ferreira de Souza, considerou ser necessário a prova de
que os colonos que isso pleiteavam estejam equiparados
com as exigências da lei 70, tendo feito seus
requerimentos e estando de posse do título provisório,
sem o que, os mesmos não possuem direitos adquiridos
para qualquer reclamação. Em seguida o vereador Cyro
de Mello alegou ser de direito atender os colonos que
ocuparam lotes nas condições da lei 70, isto é, antes da
extinção do Território Federal de Ponta Porã, cujo
governo aprovou tal lei, que automaticamente perdeu
seus efeitos com a queda do citado Território, disse ainda
o vereador Cyro de Mello, que a petição estava
ilegalmente selada, de vês que a mesma deveria conter o
selo na preposição de CR. 82,80 por peticionário
quando se encontra selada com CR 83,80, tendo ficado
então deliberado pelo senhor Presidente que a mesma
seria devolvida aos interessados, para o cumprimento
dessa exigência legal, quando então seria objeto de
estudo e deliberação. De um requerimento do vereador
Cyro de Mello no qual pede abertura de inquérito
administrativo a fim de serem apuradas as
responsabilidades, por vendas de lotes e secção [cessão]
de direitos na Colônia Municipal (Ata da Câmara
Municipal de Dourados, de 9.1.1949).
Outros acontecimentos sobre a CMD podem ser detectados com
informações existentes na ata da Câmara Municipal de Dourados do dia
9 de junho de 1949. Ali se informa que haviam sido solicitadas pelo
prefeito municipal, Antônio de Carvalho, ao Presidente da Assembléia
Legislativa do então Estado do Mato Grosso, providências no sentido de
ser expedido o tulo definitivo da área da CMD a favor do Município de
Dourados. Comenta-se que, sendo esse processo desenvolvido pelo
poder público, sob a responsabilidade dos representantes do povo, tinha-
se urgência em estruturar a CMD para que ela pudesse autogerir-se.
Na mesma ata do dia 9 junho de 1949, informa sobre o
desentendimento que houve entre o prefeito e o delegado de polícia da
96
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
época, por motivos relacionados à administração da CMD. Relata-se que
o delegado dirigiu-se a Cuiabá (a capital do Estado) para tratar de assunto
de interesse da Colônia, conseguindo que fossem atendidos seus
pedidos, que consistiam em ferramentas de trabalho para atender as
necessidades dos colonos, bem como um administrador para a mesma.
Essa atitude causou indignação no prefeito, que teria declarado “que a
ão do Delegado foi um desrespeito a esta casa e ao executivo”.
Ainda em 1951 continuava em discussão o tema da demarcação
de terras da Colônia. No jornal O Progresso de 22 de julho de 1951 (p. 2),
em letra em destaque, consta o seguinte anúncio:
Estado de Mato Grosso. Prefeitura Municipal de
Dourados. Edital de Concorrência. De ordem do Exmo.
sr. Prefeito Municipal de Dourados, baseado na Lei 2,
de 7 de março de 1951, da Colônia Agrícola Municipal
de Dourados, Capitulo IV Artigo 22, faço público para
conhecimento dos interessados, que pelo prazo de 30
dias, a contar da data da publicação desse edital na
imprensa local, serão recebidas nesta Prefeitura, até as 17
horas do dia aprazado as propostas para o loteamento da
área de 13.000 hectares, mais ou menos, da Colônia
Agrícola Municipal, de propriedade deste Município,
inclusive o loteamento das áreas reservadas para a sede
da Colônia, e de acordo com o mapa existente nesta
Prefeitura. 1 – Os proponentes comprometem-se a
executar a divisão sob as seguintes condições: a)
levantamento hidrográfico completo; b) – estudo e
locação da estrada principal e todos os caminhos
vicinais; c) localização da residência de todos os
ocupantes. 2 A divisão será projetada, observando-se a
disposição das águas correntes, estradas e locação dos
colonos, atualmente residentes na região. 3 – A locação
do projeto da divisão será feita mediante a aprovação da
Prefeitura. O proponente observará nos trabalhos as
seguintes condições cnicas: a) – A configuração a ser
dada aos lotes será a mais regular possível, aproximando
do quadrilátero e cada lote com 50 hectares no máximo;
b) a sede da Colônia sedividida em lotes urbanos
com área máxima de 2.500 metros quadrados, cada um
obedecendo aos mais modernos requisitos de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
urbanização; c) uso de aparelho de precisão, com a
aproximação de 20” e cadeia de aço devidamente
aferida; d) – o desvio da linha divisória do lote deve ser
igual ou inferior a um metro por mil; e) o erro de
fechamento angular deve ser igual ou inferior a 1' por
rtice; f) o erro de fechamento linear deve ser igual ou
inferior a um metro por mil; g) para a demarcação
serão usados marcos de aroeira devidamente
numerados, que serão fornecidos pelo proponente; h)
sedeterminado o meridiano verdadeiro que servirá de
base para o calculo de todos os rumos. 4 Os
proponentes comprometem-se ainda ao pagamento,
por sua conta, do pessoal para os trabalhos de campo,
bem como a alimentação e transporte do mesmo. 5 A
proposta deverá especificar o preço por hectare e as
condições de pagamento. 6 a proposta deverá também
determinar o prazo do início e término dos trabalhos e
entrega da planta. 7 A proposta deverá ser selada de
acordo com a Lei em vigor. 8 Somente serão aceitas
propostas de profissionais habilitados de acordo com o
Decreto nº 23.569 e que exibam o talão de quitação do
C.R.E.A. Região. 9) A proposta seassinada com
pseudônimo. Acompanhará a proposta uma sobrecarta
fechada e com pseudônimo e contendo o nome do
proponente. Prefeitura de Dourados, 19 de Julho de
1951. Miguel Ângelo do Amaral. Secretário.
Trata-se, como se , de um edital de concorrência pública,
convidando pessoas ou empresas que tivessem interesse em um contrato
com a Prefeitura Municipal de Dourados para efetivar a demarcação da
área que se encontrava ainda sem ser demarcada, bem como a área da
sede da CMD. Observando-se os dados que constam no edital, é evidente
que, ainda no ano de 1951, muito se tinha para fazer, no que se refere à
proposta inicial do processo de implantação da Colônia e de sua sede.
Demarcação dos lotes, construção de estradas, propostas de compra e
venda das áreas aos colonos, essas questões evidenciam a morosidade do
poder blico, em relação ao desenvolvimento do processo.
O jornal O Progresso de 16 de setembro de 1951 (p. 1) traz matéria
intitulada: “Dentro em breve o início da medição na Colônia Municipal”,
e informa: “Tendo sido aprovada a proposta oferecida para a medição e
demarcação da área não loteada da Colônia, espera-se para breve a
assinatura do contrato respectivo e início dos trabalhos, pelo agrimensor
Vlademiro Muller do Amaral, que foi vencedor da concorrência”.
Nas fontes pesquisadas até aqui, foram encontradas poucas
informações a respeito da participação de particulares no processo de
estruturação da Colônia. Entre essas poucas estão a acima descrita, ainda
em forma de concorrência no sentido de firmar um contrato apenas para
demarcar a área ainda o-demarcada e a área destinada a sede da CMD.
Uma outra referência encontra-se no Livro 1 para registro de títulos
definitivos por aforamento perpétuo (documento existente no arquivo da
Assessoria Jurídica do município de Dourados). Vale esclarecer que a
abertura desse livro deu-se a 18 de setembro de 1948 e o seu
encerramento em 31 de dezembro de 1953, e nele consta (p. 98 verso) o
seguinte assentamento:
Registro de título definitivo por aforamento perpétuo
passado a favor da Colonizadora Imobiliária Arasselva
Limitada o lote de terras da Colônia Agrícola Municipal
de Dourados, determinado pelos s. 213, 215, 217, 219,
221, 223, com a área de 2.900.000 metros quadrados.
Estado de Mato Grosso. Prefeitura Municipal de
Dourados. Colônia Agrícola Municipal de Dourados.
Titulo de Aforamento. O Prefeito Municipal de
Dourados. Faz saber que de acordo com a Legislação em
vigor e, em face da resolução da Câmara Municipal em
sua razão digo em reunião do dia 19 de outubro do
corrente ano concede por aforamento perpétuo à
Colonizadora Imobiliária Arasselva Limitada, para a
fundação de cidade, os lotes da Colonia Agrícola
Municipal de Dourados, determinados pelos números
213, 215, 217, 219, 221 e 223, com a área total de
2.900.000 (dois milhões e novecentos mil) metros
quadrados, dentro das seguintes confrontações: ao
Norte, com o corredor público, na extensão de 1850
metros; ao Sul, com o rrego Panambi, na extensão de
1850 metros; ao leste, com o lote numero 225, na
extensão de 1450 metros; ao Oeste: com o lote numero
211, na extensão de 1952 metros; conforme consta da
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
planta geral da referida Colônia, concessão essa que faço
em virtude da mencionada resolução da Câmara
Municipal do Município que concedeu à outorgada a
autorização para a compra de até 10 (dez) lotes na
mencionada Colônia, para fim exclusivo de fundação de
uma cidade. Dado e passado nesta cidade de Dourados,
Estado de Mato Grosso, aos trinta e um dias do mês de
dezembro de mil novecentos e cinqüenta e três.
No mesmo livro encontra-se assentado a favor da mesma
empresa (Colonizadora Imobiliária Arasselva Limitada) o lote de terras da
CMD de 216, com a área de 435.820 metros quadrados. O objetivo da
concessão era também a fundação da cidade, de acordo com o que
dispunha a Lei nº 63, de 23 de dezembro de 1951. Essa concessão foi
autorizada através de uma resolução da Câmara Municipal e assinada
pelo prefeito (Nélson de Araújo) em 31 de dezembro de 1953.
O que parece não muito claro nesta questão é que a Lei nº 659,
que criou o Município de Itaporã, é datada de 10 de dezembro de 1953,
portanto dias antes de serem expedidos vários tulos definitivos por
aforamento, os quais datam exatamente do dia 31 de dezembro de 1953
(sendo destinadas estas áreas inclusive para a Colonizadora Imobiliária
Arasselva Limitada).
A origem dos migrantes e o processo de assentamento
Um ser humano tem uma raiz por sua participação real,
ativa e natural na existência de uma coletividade que
conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos do futuro. O desenraizamento é uma
condição desagregadora da memória: sua causa é o
predomínio das relações de dinheiro sobre outros
nculos sociais. Ter um passado, eis outro direito da
pessoa que deriva de seu enraizamento. Entre as famílias
mais pobres a mobilidade extrema impede a
sedimentação do passado, perde-se a crônica da família e
do indivíduo em seu percurso errante. Eis um dos mais
cruéis exercícios da opressão econômica sobre o sujeito: a
espoliação das lembranças (BOSI, 1994, p. 443).
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Analisando-se as questões das migrações no país, pode-se
entender que a população brasileira vive em constante movimento,
inicialmente pelos europeus em direção à América e ao “longo dos
culos” do ponto de vista da migração interna; são os movimentos dos
índios fugindo “dos colonizadores das costas brasileiras, dos negros
africanos fugindo da escravidão, dos trabalhadores europeus fugindo das
fazendas de café, de seus regimes semi-escravos, dos nordestinos
fugindo da seca” (CIAVATTA, 2002, p. 13).
Esses deslocamentos populacionais brasileiros, cada um a seu
tempo, buscam em diferentes regiões do país uma melhor forma para se
viver. Embora a análise de Prado nior seja voltada para um outro
período da história do país, acredita-se poder adaptá-la a outros
momentos, como o estudado neste trabalho, onde se constata um fluxo
migratório expressivo, sem correr o risco de cometer um anacronismo:
Os deslocamentos correspondem a ensaios,
tentativas, novas experiências, a procura incansável
do melhor sistema de vida. No Brasil, este fato é
particularmente sensível pelo caráter que tomara a
colonização, aproveitamento aleatório em cada um de
seus momentos, como veremos ao analisar a nossa
economia, de uma conjuntura passageiramente
favorável. Cultiva-se a cana como se extrai o ouro, como
mais tarde se planta o algodão ou café: simples
oportunidades do momento, com vistas para um
mercado exterior e longínquo, um comércio instável e
precário sempre. [...] O que interessa aqui é notar que a
colonização não se orienta no sentido de constituir uma
base econômica sólida e orgânica, isto é, a exploração
racional e coerente dos recursos do território para a
satisfação das necessidades materiais da população que
nela habita. Da sua instabilidade, com seus reflexos no
povoamento, determinando nele uma mobilidade
superior ainda à normal dos países novos (PRADO
NIOR, 1994, p. 72-74).
Também se pode dizer que os deslocamentos de populações de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
uma região para outra o um fenômeno que acontece desde os tempos
primitivos, envolvendo diferentes contingentes, adquirindo
características específicas decorrentes de épocas e lugares diferenciados.
Conforme Amélia Damiani (1991, p. 61), “O fenômeno do povoamento
o poderia ser compreendido sem as migrações”. Ao discutir o
pensamento de alguns autores sobre migração, a autora escreve que “o
impulso migratório raramente é um fato simples; resume-se em um
acúmulo de necessidades, desejos, sofrimentos e esperanças”.
Sobre o assunto, José de Souza Martins, (1999, p. 31) faz sua
análise integrando o migrante a uma conjuntura, e o como sujeito
isolado. Acrescenta: “são migrantes, portanto, os que colocam
temporariamente entre parênteses o sentido de pertencimento e
voluntariamente se sujeitam a situações de anomia, de supressão de
normas e valores de referência”. Trabalhando-se as questões dos
migrantes, na perspectiva de José de Souza Martins, é preciso armar-se de
recursos para fazer uma leitura da escrita sobre o processo migratório da
época, e ao mesmo tempo levar ao conhecimento dos leitores como se
deram as relações dos indiduos. Menezes (2004, p. 2), faz algumas
considerações a respeito, tendo em vista
as transformações pelas quais os migrantes passam ao
conviver em um espaço de negociação, onde ele o
abandona por completo sua identidade cultural original,
mas abre espaço propiciando novas relações humanas
de acordo com a nova cultura local. Não são apenas
“roupagens” usadas nesse novo contexto e sim formas
diferentes de interação que a princípio se estabelecem
nas relações “migrantes com demais migrantes”, e em
seguida ocorrem trocas abrindo espaço para a
negociação com a cultura local. (MENEZES, E., in
www.brasilnoar.com.br/mt/ mtgeografia3_marchal.asp
- acesso em 17/8/2004).
Usando linguagens diferenciadas, os autores acima explicitam
suas diferentes formas de pensar, como ocorreram e ocorrem, e por que,
os movimentos migratórios no país.
O sul do antigo Estado de Mato Grosso, tanto na historiografia
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
regional como nas obras de memorialistas, é visto como pólo de sedução
e conservação de migrantes por meio de colonização e povoamento.
Nesse sentido, é interessante discutir esse fluxo migratório, considerando
suas origens e outras particularidades, como o interesse pela agricultura,
que levaram o sul do antigo Mato Grosso a ter um perfil tão particular,
em que colonos de várias partes do país se deslocavam em sua direção em
busca de melhores condições.
Junta-se, a essa busca do indivíduo, a “necessidade”
governamental de colonizar e povoar essa região, que, no período
considerado, teve uma importância fundamental aos objetivos do
governo federal. Além do propósito de povoar o interior do país,
existiam as instâncias econômicas nesse processo. De um lado um
governo “idealizador da construção nacional” (a mão-de-obra, os
colonos, eram necessários para dar conta dos objetivos propostos pelo
governo federal); de outro lado, o grande contingente de migrantes que
se deslocaram em direção ao sul do antigo Mato Grosso, os quais
buscavam um pedaço de terra para o seu sustento e de sua família, haja
vista que as regiões de origens de alguns deles não ofereciam condições
nimas de sobrevivência. Essa questão é discutida por Benícia Oliveira
(2000, p. 135), que enfatiza como eram recebidas as mensagens de Vargas
pelo excedente de mão-de-obra disponível:
A mensagem dos discursos de Vargas, que prometia
bem-estar social aos trabalhadores, foi levada a rio por
aqueles que buscavam melhores condições de vida, mas
que sem a terra para produzir seu sustento, ou sem
emprego, era quase impossível conseguir. Portanto, o
projeto colonizador implementado no sul de Mato
Grosso foi viabilizado porque havia elementos, como,
por exemplo, homens e mulheres necessitados e
dispostos a enfrentar o desafio de migrar para outras
regiões do país, na tentativa de melhorar de vida. Ou seja,
havia uma força de trabalho disponível, barata e
desqualificada.
Sobre o processo migratório desse período, Alcir Lenharo (1985,
p. 22) tem uma boa explicação, sendo sua fala uma interpretação das
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
colocações do governo federal dirigidas ao migrante:
A localização racional do migrante nacional é exigência
disciplinar da qual não se abre mão: nada mais se pedia
ao migrante, “além da disciplina de um trabalho
metódico e persistente”. [...] Mesmo porque se vivia
“numa hora em que o esforço humano, para ser
socialmente útil, precisa concentrar-se técnica e
disciplinarmente”. As novas diretrizes da política de
colonização apregoavam a necessidade de distribuir as
populações migrantes mediante o “corretivo” de
deslocá-las para as zonas mais férteis e produtivas.
Considerando ser esse um processo articulado pelo governo
federal e carregado de uma dose de ideologia, a colonização e o
povoamento do sul do antigo Mato Grosso, nessa época, foram
tomando forma à medida em que a migração se torna mais intensa, e ao
mesmo tempo os colonos foram se acomodando nas áreas de
colonização, no sentido de expansão da fronteira agrícola, do
alargamento das fronteiras geográficas e identitárias, proporcionando
um diálogo com as diferentes culturas, que são vistas como importante
contribuição no processo de formação da sociedade, contribuindo
também com o desenvolvimento da região (MENEZES, 2004, p. 2).
De acordo com o estudo intitulado As migrações internas e o
trabalhador rural em Mato Grosso, elaborado pelo Departamento de
Geografia e Estatística do governo do estado de Mato Grosso (1978, n.
p.), uma das características que se ressaltam no movimento populacional
em Mato Grosso é a questão do alargamento demográfico,
principalmente da região sul do estado, a partir da cada de 1940,
quando o governo federal se coloca à frente de um projeto colonizador
que deu lugar a um sistema intenso de povoamento, cobrando, com essa
atitude, uma posição dos governos estaduais e municipais, no sentido de
implantarem processos de colonização.
Segundo esse documento, entre 1940 e 1950 Mato Grosso teve
uma taxa de crescimento populacional de 20,7%, e entre 1950 e 1960 de
74,4%. Esses dados apontam um rápido aumento na constituição
110
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
populacional do antigo estado de Mato Grosso, expressando uma
propensão diversa da forma de se comportar diante da “população do
país como um todo”. Continuando, o documento informa:
No caso específico de Mato Grosso, este ritmo de
crescimento reflete tanto o componente a que
denominamos aumento natural (vegetativo), quanto e
principalmente a influência das correntes migratórias,
visto Mato Grosso situar-se muito mais como área de
atração do que de expulsão de população. [...] Algumas
micro-regiões destacam-se pelo crescimento
populacional mais acelerado. Verificou-se por exemplo
que os municípios onde localizaram-se as frentes de
colonização apresentaram índices mais rápidos de
crescimento do que as dias da micro-região ou do
Estado. [...] Exemplo típicos podem ser identificados na
área da Grande Dourados.
O documento informa que, em um período de duas décadas, as
correntes migratórias determinaram o aumento rápido da população,
bem como um mido desenvolvimento econômico da região sul do
antigo estado de Mato Grosso. Esses fluxos migratórios se manifestaram
de forma predominante em direção à área rural. Constata-se com isso
que as terras devolutas existentes na região, e os projetos de colonização
desenvolvidos pelos governos federal, estadual e municipais, serviam de
iscas para atraírem esses migrantes. Entre esses projetos de colonização
eso da CMD, que recebeu um significativo contingente, segundo alguns
documentos, como os tulos de aforamento e a listagem mencionada,
indicando os colonos que haviam se instalado na área (listagem na qual
consta o nome dos colonos, de suas esposas, a idade, número de filhos, a
nacionalidade, a opção religiosa, a origem do colono, grau de
escolaridade e a data em que em que se estabeleceram na área onde se
desenvolveria o processo de colonização da CMD).
Esses documentos, principalmente a listagem levantada pela
Prefeitura Municipal, contendo dados sobre os colonos, permitem a
verificação de vários elementos que vão contribuir para explicitar
informações importantes, sendo algumas considerados o fio condutor
111
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
para se entender o processo. Pelo que se deduz, a referida listagem foi
resultado do trabalho inicialmente proposto pelo art. 9 do Decreto-lei
9, de 22 de agosto de 1948, o qual estabelecia:
Aprovado o plano geral de colonização e executados os
trabalhos, será organizada a relação dos candidatos aos
lotes, dando-se preferência, na distribuição, aos
nacionais, quites com o serviço militar, e aos elementos
locais e dentre estes os de prole numerosa, assim
considerados os chefes de família que tenham no
nimo cinco filhos menores, que vivam sob sua
dependência.
8
Esse documento informa um número de 175 famílias , sendo
90,85% de brasileiros e 9,15% de imigrantes estrangeiros (de origem
portuguesa, paraguaia, argentina, japonesa e espanhola). Entre os
brasileiros que constam do levantamento, havia os originários dos
estados de São Paulo, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Sul,
Goiás, Minas Gerais e Bahia, além daqueles colonos que informam
serem do próprio território, ou seja, da região. Vale notar que, de acordo
com o documento sobre a CMD existente no INCRA/Dourados,
mencionado, a colônia foi composta, no total, de 500 lotes (embora se
deva observar que isso o significa que tenham sido assentadas 500
famílias, uma vez que houve casos em que um mesmo titular obteve mais
de um lote).
É relevante acentuar que esses colonos, conforme esse
levantamento, estabeleceram-se nas áreas pretendidas entre 1926 e 1946,
sendo que o maior fluxo deu-se no ano de 1945, um ano antes da
implantação da CMD. A idade dos indivíduos variava entre 19 e 60 anos.
A religião predominante era a católica, e uma grande percentagem, como
informa o documento, sabia “ler e escrever”.
Quanto ao fato de a legislação (mais precisamente o art. 9 do
decreto-lei nº 9, acima referido) enfatizar famílias de “prole numerosa”,
vale notar que a obra Retrato do Brasil: da monarquia ao estado militar
(1984, v. 1, p. 99) indica o modo como o governo federal tratava desse
assunto:
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Lei de 1941: solteiros e viúvos de ambos os sexos pagam
taxas. [...] A Constituição de 1934 foi a primeira a atribuir
ao Estado a incumbência de “socorrer as famílias de
prole numerosa”, referendada depois pela Constituição
de 1937, a do Estado Novo, ao assegurar que “às famílias
numerosas serão atribuídas compensações na
proporção de seus encargos”. Um decreto-lei de 1941,
copiado por Getúlio Vargas da Itália dos anos 30,
obrigava os solteiros e viúvos de ambos os sexos,
maiores de 25 anos, a pagar um adicional de 10% sobre o
imposto de renda. A Constituição de 1946 também foi
explicita: A lei instituio amparo das famílias de prole
numerosa”, rezava o artigo 164, e o Ministério do
Trabalho determinava um abono especial aos pais de
mais de seis filhos. [...] Nos anos 40, o governo dava um
abono às famílias numerosas.
Esse incentivo para ativar o aumento demográfico deveu-se,
segundo a mesma obra, ao crescimento muito lento da população
brasileira, do ponto de vista do governo federal. Se a pretensão do
governo era colonizar e povoar todas as regiões do país com baixa
densidade demográfica e estimular o processo industrial, era justificável
esse incitamento:
Do final do século 19 até 1940, a população brasileira
cresceu, em média, 1,8% ao ano. Era um ritmo lento,
considerando que existiam imensos “vazios por
preencher no território nacional. A partir dos anos 40,
no entanto, esse ritmo se foi acelerando, até atingir, na
cada de 1960, o máximo de quase 3% ao ano, uma das
taxas mais altas do mundo.
Verifica-se que na listagem acima descrita, a qual serviu de
fonte para esta análise, 27,67% das famílias eram compostas por um
mero acima de cinco filhos, ou seja, de “prole numerosaPortanto,
entende-se que, mesmo que esse processo de colonização e povoamento
tenha sido desenvolvido pelo município, ele procurou atender à proposta
do governo federal.
Passando-se à questão do processo de assentamento dos
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
colonos, cabe notar que o decreto-lei 9, de 22 de agosto de 1948, que
deu sustentação a esse projeto, tratou, em seu Capítulo III, das
concessões de lotes. Diz-se que o colono o poderia ter acesso a mais de
um lote e que ocuparia seu quinhão após o mesmo ser devidamente
demarcado pelo engenheiro competente” (sendo ressalvados os direitos
adquiridos por aqueles colonos que já ocupavam “lotes”, na área a ser
demarcada, havia algum tempo). Entretanto, a Lei 7, de 19 de junho de
1951, contradiz tal orientação, pois por meio dessa lei o prefeito lson
de Araújo autoriza a concessão de mais um lote, por aforamento
perpétuo, a um colono, “além do que possuía na área medida na
Colônia”.
As solicitações de concessões deveriam ser feitas por meio de
requerimentos, dirigidos ao prefeito municipal, que os despacharia
“mandando afixar editais pelo prazo de trinta dias”. No requerimento
deveriam constar: nacionalidade, idade, estado civil, encargo de família e
profissão. Anexados aos requerimentos, deveriam vir “carteira de
identidade ou documento equivalente; atestado de conduta passado por
duas pessoas idôneas, ou folha corrida passada pela autoridade do lugar
onde residiu anteriormente; atestado de saúde”.
Após passar por todo esse processo burocrático, o colono se via
na obrigação de esperar o prazo decorrente, mais o pagamento dos
“emolumentos legais e dois terços (2/3) do valor do lote”, após o que
“será expedido o título provisório que garantirá a plena posse do lote”.
Caso os colonos se contrapusessem à legislação, seriam penalizados com
a perda do lote, sem direito a restituições e indenizações pelas
“benfeitorias” que porventura fossem feitas, devendo observar-se no
caso o que preceituava o “artigo 18 do decreto lei federal nº 3.059, de 14
de fevereiro de 1941”. Informações como essa, contidas nos
regulamentos da Colônia, reafirmam que os processos de colonização
dessa época, todos eles, em alguns aspectos, eram pautados nas
legislações federais.
De posse dos lotes os colonos tinham um prazo de 6 meses, a
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
8
Na verdade, nesse número foram contados 6 indivíduos solteiros; desse modo, as famílias,
propriamente ditas, seriam 169.
contar da data da expedição do tulo, para darem início às suas atividades
agrícolas, caso contrário os títulos seriam cancelados.
O título de aforamento, de acordo com o Decreto-lei 9,
custava ao colono quarenta cruzeiros (Cr$ 40,00) por hectare ou fração
de hectares”, sendo que esse valor poderia ser alterado pela Câmara de
Vereadores do Município, por lei ordinária, a partir de janeiro do ano de
1949. Discussões sobre a alteração da quantia a ser paga pelo colono,
pelo título de aforamento do lote pretendido, ocorreram na mara
Municipal de Dourados no dia de março de 1951, decidindo os
vereadores pelo aumento para sessenta cruzeiros (Cr$ 60,00) por hectare.
Além disso, o art. 19 do decreto-lei 9 estabelecia que:
Cumpridas as obrigações deste regulamento e paga a
última prestação, se expedido o título definitivo de
aforamento perpétuo, o qual será registrado no livro
especial. § Único O pagamento da última prestação
referida neste artigo deve ser feita dentro de seis (6)
meses, contando da data de expedição do título
provisório.
Com relação aos deveres dos colonos, os quais estavam
explicitados no Capítulo IV, art. 20, do decreto-lei 9, era de
responsabilidade dos mesmos a “conservação dos marcos que
balizavam os limites de seus lotes, bem como o combate sistemático à
saúva, pois, segundo o documento, a prefeitura municipal fornecia o
inseticida e as quinas necessárias para o emprego do veneno.
Vale ressaltar que, pela legislação de 1948, se o colono negasse
dados estatísticos referentes à produção, ou qualquer outra informação
solicitada pelas autoridades competentes, seria punido com uma multa de
100,00 a 1.000,00 cruzeiros.
O documento estabelecia também sanções para o colono que
o cultivasse a terra no prazo estipulado pelo decreto-lei, desvalorizasse
o lote desmatando-o sem o devido aproveitamento do solo pela
agricultura, e o seu relativo reflorestamento, ou mesmo tivesse um
comportamento que perturbasse a ordem. Sendo constatadas essas
práticas por meio de inquérito administrativo, o colono seria convidado a
desocupar o lote e, caso não atendesse à determinação judicial, a
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Prefeitura ocuparia o lote administrativamente.
Era prevista também no decreto-lei nº 9 a fiscalização da
prefeitura no sentido de averiguar a condição financeira do colono.
Sendo esse reconhecidamente pobre, a prefeitura seria responsável pelo
fornecimento de medicamentos que combatessem a verminose, a
malária, que era uma enfermidade quase epidêmica (segundo
remanescentes da colônia, houve casos de famílias inteiras serem
acometidas da moléstia, pelas picadas dos Anofeles cambiae) e outras
epidemias, se fossem constatadas pela prefeitura, a própria se
comprometeria com assistência médica gratuita. Mas essa condição de
pobreza do colono não o eximia de pagar o tributo estipulado pela
prefeitura sobre o lote (requerido, vale notar, numa área de colonização
em terras consideradas devolutas).
É interessante informar que uma região que fazia parte da CMD,
localizada às margens do Rio Brilhante, até hoje (2005) é denominada
Malária, nome esse recebido devido a ser uma região de brejo, onde se
concentrava um grande foco do Anofeles cambiae, mosquito transmissor
da malária. A percentagem da transmissão da malária foi tão significativa
que o jornal O Progresso de 22 de março de 1953 (p. 2) dedicou parte da
primeira página a uma matéria intitulada A malária em Dourados, onde se
dizia:
É sabido, através de conhecidos e reputados
malariólogos nacionais, que o mais perigoso mosquito
para o homem, transmissor do impaludismo ou malária,
é sem dúvida o terrível Anofeles Cambiae, que se infeta
no picar o doente, na elevada proporção de 62%. [...]
Além do mais, este inimigo número 1 do homem
transmite a filariose humana. O Anofeles Cambiae,
importado a cerca de 22 anos do Continente Africano,
pelos navios denominados AVISOS”, que faziam a
travessia de Dacar a Natal.[...] Os mosquitos foram se
alastrando e proliferando por toda parte do território
nacional, tornando-se hoje invencível o seu combate.[...]
Exterminá-los o corresponde apenas a um dever de
humanidade, mas a um ato de previdência social. Cada
impaludado é um reservatório de parasitos em constante
116
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
ameaça. O Anofeles Cambiae tem a sua Meca aqui em
Dourados.
A respeito da área chamada Malária, acima referida, vale a pena
efetuar uma pequena digressão para comentar o processo de sua
ocupação nesse período. O Sr. Ávido Carneiro de Oliveira e o Sr.
Filismino Pires da Silva, ambos remanescentes da CMD, em conversa
informal, esclarecem que a referida região, somando uma grande área, foi
requerida pelo Dr. Germano Sinval, que era o médico responsável pela
questão da malária em toda a região sul do antigo Estado do Mato
Grosso: vendo a área (MAPA 5) sendo deixada de lado pelos
engenheiros demarcadores, por ser alagada, ele a requereu junto ao
governo do estado.
Mapa 5
Espaço Geográfico Denominado Malária
Fonte: Cartório 1º Ofício / Dourados – MS.
Mas, segundo as mesmas fontes, tempos depois houve a
necessidade de se fazer um acordo com os posseiros que ali se
instalaram. Essas informações, obtidas por meio dos remanescentes da
CMD, não são datadas. Na memória, nem todas as experiências vividas
pelos sujeitos são lembradas: “na maior parte das vezes, lembrar não é
reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagem e idéia de hoje,
Malária
Org. Maria Ao. Ferreira Carli
as experiências do passado” (BOSI, 1994, p. 54). Nesse sentido, para os
remanescentes da CMD, esta é uma forma de se fazerem novas leituras
das experiências vividas por eles, em relação à formação e estruturação
da Colônia.
De todo modo, o jornal O Progresso de 1º de julho de 1952 traz
uma matéria cujo titulo é: Doados, à Prefeitura Municipal, pelo Dr. Germano
Sinval de Farias, 398 hectares para serem aforados aos ocupantes de suas terras. Os
dados do texto são os seguintes:
No dia 26 de maio último, em Campo Grande, na
residência do Governador Fernando Corrêa da Costa,
estando presentes destacados elementos da política
desta cidade, foi finalmente solucionada a questão dos
ocupantes das terras do Dr. Germano Sinval de Farias,
junto à Colonia Municipal, com a doação feita à
Prefeitura de 398 hectares de terras para serem
aforados a esses colonos que ali residem e possuem
benfeitorias.
Entretanto, a questão não parece ter sido resolvida, ou pelo
menos não totalmente, pois, em agosto de 1955, os vereadores do
jovem município de Itaporã encaminharam ao governador do então
estado de Mato Grosso um documento com a seguinte solicitação:
Os vereadores que esta subscrevem, ouvida a Casa,
indicam ao Governo do Estado a necessidade de ser
providenciada, com urgência, a desapropriação das
terras do senhor Germano Sinval, conhecida por “zona
da Malária”, neste Município. [...] As terras em
referência, lindam com a antiga Colônia Agrícola
Municipal de Dourados e, hoje quase em sua totalidade
habitada por colonos, todos possuindo benfeitorias
como: Casa de moradia, cafezais e plantio de cereais em
geral, sendo ainda pessoas que não dispõem de capital
algum. Assim, Sr. Presidente, estamos anexando a este,
um abaixo assinado daqueles moradores, o qual
pedimos seja encaminhado também ao Sr.
Governador, com um veemente apelo, para a imediata
execução da desapropriação. Sala das Sessões, 25 de
117
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
agosto de 1955 (Indicação 1/55, existente no
arquivo da Câmara Municipal de Itaporã).
Para tentar esclarecer melhor esta questão, a autora deste
trabalho providenciou, no Cartório do Oficio de Dourados, a cadeia
dominial referente à área, a fim de verificar a quem ela realmente
pertencia, já que o Decreto nº 616, de 1923, descreve, como a área da
futura CMD, aquela localizada entre os rios Brilhante e Panambi, sem
fazer nenhuma ressalva, apenas constavam como reserva da União e do
município três áreas de 200 hectares cada uma, que margeavam o rio
Brilhante. Embora a notícia do jornal, acima referida, fale em 398
(trezentos e noventa e oito) ha, constatou-se com esta investigação que,
realmente, a área foi requerida pelo Dr. Germano Sinval Farias, mas
num total de 2.398 (dois mil, trezentos e noventa e oito) hectares, sendo
denominada de “Gleba ou Fazenda Malária, outorgada pelo estado de
Mato Grosso a Germano Sinval de Farias, em 15/01/1951.
Transcrição 1.106 Livro 3-c, fls.49”. O documento do cartório
indica que essa área passou por um processo de colonização e
assentamento de colonos, [observar o (MAPA 6), (denominados, pelo
documento dos vereadores do município de Itaporã, acima referido,
como posseiros), os quais receberam os títulos de suas áreas em data
posterior, sendo essas áreas compradas do Dr. Germano Sinval,
mediado pelo Dr. João Bosco D. Pimenta, engenheiro que demarcou as
9
áreas, de acordo com a discriminação abaixo :
1) 726 ha Aguira Noda 4.658 3-g-fls.172;
2) 24 ha Francisco Farias S. 9.788 3-Ofls. 18;
3) 107 ha Benedito M. Oliveira 10.532 3-p-fls.3;
4) 12 ha Gebarde M. Neto 10.765 3-p-fls.131;
5) 80 ha Maria Madalena I.S. 10.773 3-p-fls. 133;
6) 312,5 ha Jo Bosco D. Pimenta 10.9948 3- p- fls.198;
7) 313 ha Jo Bosco D. Pimenta 10.947 3-p-fls.198;
8) 277 ha Jo Bosco D. Pimenta 10.946 3-p-fls.179;
9) 225 ha Jo Bosco D. Pimenta 10.945 3-p-fls.197;
10) 327,5 ha Maria Neuza Dutra P. 10.949 –3-p-fls.198.
118
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
9
O próprio documento do cartório observa que a soma total chega a 2.404 hectares, portanto, seis
hectares a mais da área original, que era de 2.398 hectares. O leitor poderá confirmar as informações
visualizando os mapas, tanto o geográfico, quanto o das áreas demarcadas.
119
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 6
Área da Gleba Malária 1951
Fonte: INCRA Ministério da Agricultura, 1979.
Retornando à legislação que estava sendo discutida, nota-se um
outro aspecto que consta no decreto-lei nº 9, de agosto de 1948, o qual
diz respeito à “instrução escolar” dos filhos dos colonos, que seria
gratuita, tendo estes a obrigação de encaminharem à escola seus filhos
acima de 7 anos, com freqüência obrigatória.
Segundo informações orais, obtidas informalmente com o Sr.
Ávido Carneiro, remanescente da CMD, o processo educacional teve
início precariamente, sem um planejamento adequado por falta de
estrutura da Colônia. Mas, mesmo assim, sabe-se que a Prefeitura
Municipal de Dourados, de acordo com o Decreto 15, de 30 de março
de 1948, nomeou a cidadã Dinorah de Oliveira para exercer a função de
professora municipal no lugar denominado Sardinha, na CMD; pelo
Decreto nº 32, de 4 de março de 1949, “contratou a Srª. Dnª. Elvira de
Carvalho Viegas, nomeada professora da escola da CMD, e pelo Decreto
nº 37, de 25 de junho de 1949, “contratou a cidadã Carmem de Matos
Soares, para exercer a função de professora na CMD, na zona do
Panambi” (documentos existentes no arquivo do município de
Dourados). Essas medidas foram tomadas pela prefeitura para atender a
solicitações, por escrito, dos colonos estabelecidos na CMD, sendo que,
anexada à solicitação, vinha uma relação dos filhos dos mesmos, no
sentido de justificar o pedido, e ao mesmo tempo o colono oferecia uma
área, em seu lote, para a construção de uma escola (isto na zona do
Sardinha).
No arquivo da Prefeitura Municipal de Dourados encontram-se
outros registros de contratos que foram feitos, em atendimento à
legislação, para a nomeação de professores para atuarem na área da
colônia, nas zonas do Sardinha e do rrego Panambi. Essas nomeações
ocorreram nos anos de 1951 e 1952, e entre elas estão a da senhorita
Neiza Assunção Flores (nomeada pelo Decreto nº 8); da senhora Irene
de Oliveira Alves (nomeada por meio do Decreto 10); do senhor
Nadir Candido Corrêa (Decreto 11); da senhora Maria JoCordeiro
(Decreto nº 43); da senhora Waldomira Dias de Souza (Decreto nº 53).
E, por último, em 11 de maio de 1953 foi nomeado (nomeado do
Decreto nº 61) o Sr. Marcelino Lopes de Oliveira para exercer a função
de professor, agora na Escola Mista Municipal do “Patrimônio de
120
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Panambi” (denominação dada à sede da CMD).
O Capítulo VII do decreto-lei 9, de 1948, contém as
disposições gerais acerca da CMD, e em alguns aspectos é no mínimo
curioso. Vale ressaltar alguns pontos: o primeiro diz que os “ocupantes
de lotes na CMD, até a data da publicação do presente regulamento, e que
estejam incursos nos artigos 6, 8, 10, 11 deste regulamento, perderão
todos os direitos sobre os lotes ocupados, sem direito à indenização de
benfeitorias”, o artigo 6 trata das condições para o colono adquirir o lote,
o artigo nº 8 diz respeito a condições de aquisição de lotes por
estrangeiros, no artigo nº 10 “é vedada a concessão de lotes a
indivíduos condenados pela justiça ou militar em crime inafiançáveis”,
no artigo nº 11 proibia a aquisições de lotes por funcionários públicos,
das esferas, federais, estaduais ou municipais. Continuando, o decreto-lei
diz que a prefeitura poderia contrair empréstimo, com autorização da
mara Municipal, para atender às despesas ocorridas na CMD, que eram
de sua responsabilidade, tais como: medição dos lotes, fiscalização,
construção e manutenção de escolas (vale lembrar que os rendimentos
originados dos aforamentos deveriam ser aplicados exclusivamente nas
necessidades dos colonos da CMD). Quanto às estradas, as constrões
eram efetuadas por conta da prefeitura, mas a manutenção era por conta
do colono, no espaço que correspondesse à frente de seu lote.
Estabelece-se também que, para o colono obter a concessão do lote, teria
que efetuar um depósito, e, com relação ao título de aforamento, eram
cobrados quarenta cruzeiros por hectare, até mesmo daqueles colonos
considerados “reconhecidamente pobres”. A estes, depois de
comprovada sua condição, pela administração, “era facultado o
pagamento do aforamento em quatro (4) prestações, assim distribuídas:
vinte e cinco por cento (25%) no ato da extração do título provisório, e o
restante dividido em três prestações anuais”; caso o colono faltasse com
o pagamento de qualquer prestação no tempo determinado, perderia a
concessão do lote.
O artigo 37 do decreto-lei 9 confirma que era
terminantemente proibida a “venda a varejo de bebidas alcoólicas na área
da CMD”, sendo que os infratores ficariam sujeitos a pagarem uma multa
de Cr$ 1.000,00 a Cr$ 5.000,00.
121
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
O que chama a atenção, neste Capítulo VII, é o disposto no art.
39: “Fica isento das obrigações estipuladas neste regulamento o
proprietário do lote numero UM (1), com a área de cento e vinte (120)
hectares, a que se refere ao Decreto-lei número 9, de 22 de agosto de
1948”. Segundo o Livro de Registro de tulos da Prefeitura Municipal de
Dourados (livro nº 2, de 1954, p. 25; documento existente no arquivo da
Assessoria Jurídica do município de Dourados), os títulos definitivos por
aforamento perpétuo determinados pelos números 1 a 20, localizados na
área urbana do Patrimônio do Panambi, foram passados a favor da firma
Libert & Cia Ltda.
Um outro fato curioso, informado pelo Livro de Registro de Títulos
da Prefeitura Municipal de Dourados (livro nº 1, de 1948, p. 1; documento
existente no arquivo da Assessoria Jurídica do município de Dourados)
esna data da expedição do primeiro tulo por aforamento definitivo, o
do lote 5, passado em favor do Sr. Firmino Vieira de Mattos, um dos
pioneiros do município de Dourados. Foi esse o único título por
aforamento perpétuo passado na cada de 1940, reiniciando-se o
processo somente a 11 de maio de 1951, com o segundo tulo, referente
ao lote de 87.
Nota-se portanto uma contradição entre essas informações e
aquelas fornecidas pelo jornal O Progresso, que, em 13 de maio de 1951 (p.
2), traz a matéria Expedido o primeiro titulo na Colônia Municipal:
Na reunião de quinta-feira última a Câmara Municipal
autorizou a expedição do Primeiro título de aforamento
perpétuo na Colônia Municipal. O título corresponde ao
lote requerido pela Sra. Adalgisa Pereira, a quem
apresentamos nossos parabéns por esse fato. Com a
nova lei votada, qualquer colono pode tirar
imediatamente o título definitivo, sendo grande o
mero daqueles que estão providenciando a retirada de
tulos, devendo, dentro em breve, serem expedidos
grande número deles.
De acordo com os apontamentos nos Livros 1 (aberto em
1948) e nº 2 (aberto em 1954), usados para registros de títulos expedidos
122
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
na área da CMD, conforme citado, até o ano de 1948 apenas um tulo
definitivo foi expedido. Reiniciado o processo de expedição em 1951,
finalizou-se esse ano com 23 tulos de aforamento definitivo expedidos;
em 1952 somaram-se ao todo mais 65 títulos, mas foi 1953 o ano em que
foi expedido o maior número desses títulos: 112 títulos, sendo que 72
foram expedidos nos dias 30 e 31 de dezembro de 1953 (cabendo notar
que o Município de Itaporã foi criado em 10 de dezembro de 1953).
Esses dados demonstram que a criação do município de Itaporã
deu-se antes do final da demarcação e posse das áreas destinadas à
colonização. Nos dados obtidos por meio do INCRA de Dourados nota-
se que foram distribuídos cerca de 500 lotes, com seus respectivos títulos
de aforamento, mas os livros de registro de tulos da Prefeitura
Municipal de Dourados, acima referidos, acusam a quantia de apenas 201
tulos expedidos de 1948 a 1953.
Vale ressaltar que as instituições religiosas também estiveram
presentes, em busca de espaço para organizar suas instituições e iniciar o
desenvolvimento de suas práticas religiosas. Segundo o Livro de Registro
de Títulos Definitivos por aforamento perpétuo (1954, citado), foi
passado a favor da Missão Franciscana da Primeira Ordem de o
Francisco o lote de terras da CMD determinado pelo nº 351, com a área
de 489.440 metros quadrados.
De acordo com informações contidas nos documentos, e relatos
do Professor Luiz Celso Nonato (filho do colono Fiore Nonato, que foi
o construtor da igreja denominada São José), inicialmente a CMD recebeu
atendimento dos padres franciscanos de Dourados, que construíram
uma casa de madeira com a finalidade de darem assistência religiosa aos
pioneiros e fundadores do patrimônio, que então fora denominado São
Joda Boa Esperança. Essa informação pode ser constatada por meio das
imagens 1, 2, 3, 4 que mostra as construções de alvenaria feita pelos
colonos para nelas ser instalada a Igreja Matriz do “Patrimônio Novo”.
Essas fotos revelam uma associação de elementos que podem ser
analisados a partir da observação do leitor. Para Ecléa Bosi (1987, p. 17),
o sentido da linguagem encontrada na fotografia é o “instrumento
socializador da memória”.
123
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
124
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Imagem 1:
Início da Construção da Igreja Matriz São José – Itaporã
Fonte: NONATO, Luiz Celso. 2005
Imagem 2: Construção da Igreja Matriz São José - Itaporã
Fonte: NONATO, Luiz Celso. 2005
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Imagem 3: Construção da Igreja Matriz São José – Itaporã
Fonte: NONATO, Luiz Celso. 2005
Imagem 4: Construção da Igreja Matriz São José - Itaporã
Fonte: NONATO, Luiz Celso. 2005
126
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Complementando essas informações, Pedro Knob (1988, p. 371)
afirma que, no início da cada de 1950, os padres franciscanos, vindos
da Turíngia e estabelecidos em Dourados, receberam uma área de 40 ha
de terra boa, dentro da Colônia Municipal, a qual deveria ser organizada
para que sua produção fosse destinada ao sustento da “missão
Franciscana de Mato Grosso toda” e do Seminário Franciscano situado
no vizinho município de Rio Brilhante. Nessa área foram construídas a
capela de o Francisco das Chagas, a residência dos franciscanos, olarias
e diversas casas para os seus agregados, bem como escola rural para
atender aos filhos dos colonos. No mesmo sentido, afirma Knob que,
“desde o começo, os Franciscanos da Turíngia, vendo a situação de
pobreza, falta de escola, doenças entre o povo de suas paróquias,
empenhavam-se em dar assistência escolar e social. Sempre acompanhou
o trabalho pastoral um grande interesse pela promoção humana
(KNOB, 1988, p. 117).
É importante assinalar que, segundo as informações, a Missão
Franciscana, além do trabalho de evangelização, também atendia os
colonos em suas necessidades de orientação familiar e quanto à lida com
a terra, quando solicitados. Tinham uma pocilga bem estruturada, e além
disso intercambiavam com os colonos (ou distribuíam para os mais
necessitados) alimentos que recebiam da Alemanha em grandes
quantidades, como leite em pó, biscoitos, margarina (que naquela época
era um produto desconhecido pelos colonos), enfim, outros produtos
industrializados, os quais eram permutados com os colonos que
tinham um excedente de produção doméstica, como ovos, frangos, carne
de suínos ou bovinos, e outros produtos. De acordo com as informações
disponibilizadas por Valter Spada Betoni (1993, p. 8), “os primeiros
batismos feitos na CMD datam de 13 de dezembro de 1947”, sendo que,
até o final de 1948, constatou-se o número bastante significativo de 63
batizados.
A respeito da Missão Franciscana da Primeira Ordem de o
Francisco, consta também uma solicitação feita em 1955 pelo Padre Frei
Frederico Mies, Vigário Coadjutor de Itaporã, à Câmara Municipal, na
qual solicita a doação oficial do meio quarteirão 14, (lotes n. 8, 9, 10,
11, 12, 13, 14, 15, 16, 17)”. Justificando o seu requerimento, o Padre
acrescenta: como é de conhecimento de todo povo católico de Itaporã,
o dito meio quarteirão foi doado oralmente pelo então prefeito
municipal de Dourados, Antônio de Carvalho. Essa doação foi
confirmada depois pelo Prefeito Nelson de Araújo e pelo primeiro
prefeito de Itaporã, Durval Gomes” (cf. ofício s/n, 1955, existente no
arquivo da Câmara Municipal de Itaporã).
No mesmo arquivo acima citado consta que uma outra
instituição religiosa, desta feita a Igreja Presbiteriana de Dourados, em
dezembro de 1953 requereu junto à Prefeitura Municipal os “lotes
determinados pelos nºs 19 e 20 da zona urbana do Patrimônio do
Panambi” concessão essa que foi obtida pela referida Igreja, que se
estruturou e organizou, permanecendo no município de Itaporã até hoje
(2005).
É importante informar que na década de 1950, segundo Betoni
(1993, p. 29), “o município possuía uma população consideravelmente
127
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
grande, devido ao grande número de imigrantes que aqui chegaram
vindo de diversas partes do país, em grande parte paulistas e nordestinos,
em busca de terras rteis para a cultura do café”.
O trabalho dos colonos (produção, dificuldades)
Sabe-se que a região sul do antigo estado de Mato Grosso
sempre chamou a atenção de segmentos da sociedade, como os
agricultores, políticos, extrativistas e outros, pela qualidade de terra que
possuía e que possui. Essa área reservada para colonização em 1923
também fazia parte desse acervo natural cobiçado até mesmo por
aqueles que se propunham a desenvolver projetos agrícolas, como é o
caso, que chama a atenção, da área de 200 (duzentas) hectares reservada
ao Ministério da Agricultura para ser utilizada como campo
experimental”. O Decreto-lei 70 não informa qual cultura seria
utilizada nesse experimento, mas, em época anterior, encontram-se
interessantes informações em trechos da mensagem do presidente do
estado à Assembléia Legislativa, trechos esses transcritos no jornal O
Progresso de 8 de julho de 1923 (p.1):
Em relação à cultura de trigo no sul, o problema a
resolver é mais oneroso, si bem que mais importante sob
o ponto de vista nacional, pois que a nossa importação
desse cereal orça por... 250.000.000$000 anual e ali
falecem braços que a ela se dediquem. [...] Na
contingência de ver permanecer adiado o problema de
o auspiciosa fonte econômica, por não dispor o
Estado de recursos financeiros, recorri ao grande
descortino do Sr. Dr. Miguel Calmon, ilustre titular da
Pasta da Agricultura interessando nela o seu ministério.
Sua Exc. não se fez esperar nas medidas solicitadas,
mandando logo um emissário estudar no município de
Ponta Porã a propriedade das terras “à cultura do trigo”
em confirmação das informações que lhe foram
ministradas e o governo do Estado, por sua vez,
decretou a reserva de 50.000 hectares de terras
devolutas, entre os rios Brilhante e Panambi, para nelas
128
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
serem localizadas os colonos agricultores de trigo, sob
os auspícios do mesmo ministério. Assim o governo do
Estado, em colaboração com a União, pensa dar um
largo passo para a tua prosperidade, cerceado de
meios como se encontra para, só por si, tomar a
iniciativa de transformar em riqueza, pelo trabalho, as
nossas principais reservas naturais cujo conjunto
constitui o maior patrimônio de um povo.
Algumas décadas depois a questão do trigo volta à pauta de
discussões, levando o estado a solicitar um técnico do Rio Grande do Sul
para levantar, novamente, uma área adequada para o plantio desse
produto. Deveu-se esta preocupação ao fato de ter aumentado
significativamente a demanda em todo o país, em razão do: “(a)
Crescimento natural da população; b) Elevação do vel de vida; c)
Desenvolvimento dos meios de transporte; d) Baixo preço do pão e da
farinha em relação aos outros produtos alimentícios de uso comum
(ELIAS, 1957, n. p.).
Apropriando-se de informações anteriormente levantadas, que
indicavam as áreas capazes de oferecer possibilidades ao
desenvolvimento da cultura do trigo, os técnicos gaúchos se deslocaram,
o em direção à CMD mas à CAND, no sentido de verificar in loco essa
possibilidade, tendo efetivamente constatado a riqueza das terras, a
condição do clima e a variação dos períodos de chuva, dados estes
levantados nos anos de 1946 a 1951. De posse dos dados a que se propôs
coletar, Elias explicita:
Instalado a mais ou menos treze (13) anos com a
denominação de Colônia Agrícola de Dourados, o
cleo Colonial, agora subordinado ao Instituto
Nacional de Imigração e Colonização, está localizado
em uma das zonas que se nos afigura mais apropriada ao
desenvolvimento da cultura do trigo em Mato Grosso.
Tivesse havido aí, desde o início, a preocupação de
equacionar o problema trigo, teríamos hoje um valioso
acervo de informações. De qualquer forma, esse núcleo
dispõe de condições para colaborar na experimentação
e, em seguida, na introdução da cultura. Em seus
129
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
300.000 hectares, dos 70.000 devidamente loteados,
vivem 4.000 colonos entre os legalmente instalados e os
ocupantes em situação incerta. [...] Vê-se, pois, que nem
o governo Federal nem o Governo do Estado contam
em Mato Grosso com serviços, com os recursos
necessários para enfrentar, de imediato, um plano de
certa envergadura, visando a experimentação e o
fomento da cultura do trigo (ELIAS, 1957, n. p).
Veja-se bem a pretensão do governo, para desenvolver o projeto
estava vinculada a questão da produção, sendo a região sul do antigo
Mato Grosso formada por terras férteis, era oportuno a implantação do
campo experimental da cultura do trigo, pelo Ministério da Agricultura,
naquela época 1923. Segundo o jornal O Progresso, seria o início de uma
nova era, com possibilidades de significativas mudanças econômicas, por
meio do trabalho dos colonos, atendendo também os propósitos do
governo federal.
É interessante ressaltar estas questões, para que se observem as
dificuldades financeiras que permeavam os processos de
desenvolvimento vinculados a determinados setores da economia,
principalmente da agricultura, mesmo que fosse para atender uma
demanda em nível de país. Uma outra questão que se faz presente é o
tempo que se levava para se tomar uma atitude no sentido de dar
encaminhamento, ou mesmo colocar em discussão determinados
projetos, em regiões distantes dos centros mais desenvolvidos, como era
o caso da região sul do antigo Estado de Mato Grosso. O projeto de
cultura do trigo origina-se na cada de 1920, com a possibilidade de se
desenvolver na área da futura CMD, e décadas depois ressuscita com as
mesmas características, porém em área vizinha (CAND) e aproveitando
dados informativos anteriores. E finalmente, depois de tantos anos de
estudos, chega-se à conclusão de que os governos estadual e federal não
dispunham de verbas para investir no experimento.
De acordo com os relatos de remanescentes que permanecem
até hoje na área onde se desenvolveu o projeto de colonização (entre eles
a Sra. Silvia da Silva Ferreira, esposa do Sr. Batista Targino Ferreira, já
falecido, e os familiares do Sr. Batista, filhos, pais, irmãos, tios, primos, em
130
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
um total de quarenta pessoas), eles se estabeleceram na CMD no final da
cada de 1940 e início da década de 1950 e eram originários do estado
de Pernambuco, tendo-se deslocado de seu estado de origem em busca
de melhores condições de vida, como todos os colonos que aqui
chegaram. Informaram terem enfrentado vários dias de viagem, sendo
que os mais jovens vieram em cima de caminhões e os mais idosos
vieram de trem, que se movimentava devagar, atravessando, depois de
um certo tempo da viagem, o rio Paraná (no caso dos caminhões, por
meio de uma balsa), e passando por lugares até então desconhecidos.
10
Alguns dias depois chegaram até a estação de Itahum , de onde se
deslocaram em direção à CMD.
Mais um percurso a percorrer, agora em lombo de animais e
em tempo mais reduzido. Outros colonos, com famílias e mudanças,
chegavam em cima de carroças, carros de bois e caminhões de transporte
de madeiras.
Em seus relatos, a Srª. Silvia descreve as condições dos
lugares por onde passaram, quase desertos, praticamente não existiam
estradas, fazendo-se quase todo o percurso com muita chuva. Todas
essas dificuldades eram vivenciadas por todos os colonos que para esta
região se dirigiram, pois a região apresentava-se com falta de estrutura.
Sobre as levas de colonos que diariamente chegavam a Dourados em
busca de trabalho, é interessante referir a matéria que o jornal local O
Progresso, em 1951 (p. 2), propagava com tanta ênfase, que é visível pelo
tulo, em letra de destaque: Dourados continua atraindo braços para o trabalho.
A matéria diz o seguinte: A fama da nossa terra, dispondo das melhores
terras de agricultura, continua atraindo a atenção dos homens do
trabalho. Raro é o dia em que, isolados ou em grupos, deixem de entrar
em Dourados numerosos trabalhadores da lavoura que aqui aportam,
animados pela esperança de construir, pelo trabalho, um futuro melhor
para seus filhos”.
Segundo a documentação, como por exemplo, a listagem
mencionada, feita pela Prefeitura Municipal, os colonos que se
estabeleceram na CMD eram originários de rios estados do país
131
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
10
Essa estação pertence ao ramal de Ponta Porã, da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e localiza-se a
cerca de 60 km da cidade de Dourados (cf. QUEIROZ, 2004).
(paulistas, baianos, gaúchos, pernambucanos, goianos, mineiros,
catarinenses, cearenses), sendo alguns descendentes de estrangeiros.
Havia também imigrantes estrangeiros, como paraguaios, portugueses,
alemães, japoneses (com relação a esses, uma solicitação de 15/9/55).
Um detalhe interessante foi a presença de afro-brasileiros originários de
11
um antigo quilombo localizado no estado de Minas Gerais .
É importante lembrar a presença dos paraguaios e dos índios, os
quais chamavam a atenção da população oriunda de outros estados, por
seus hábitos, que lhes eram peculiares, de tomarem o tereré; e os
paraguaios ainda costumavam fechar as portas de seus estabelecimentos
e de suas casas, após o almoço, para sestearem.
Estabelecido também na CMD havia um casal de alemães com
quatro filhos. O pai era ferreiro, lidava com fole, consertava carroças.
Segundo informações, era uma família estranha pois se mostravam
arredios, não tinham nenhum tipo de relacionamento com os outros
colonos, a o ser o estritamente comercial.
Considerando que este processo de colonização é caracterizado
pela pequena propriedade, em que a família, como afirma José da Silva
Graziano (1982, p. 36), é a “unidade básica de produção”, é importante
lembrar que na CMD o trabalho familiar também esteve presente.
Complementando, José da Silva Graziano escreve: “esse é o ponto
fundamental no que diz respeito à mão-de-obra ocupada na agricultura
brasileira: a presença marcante do trabalho familiar”. Para o autor,
quanto menor a área da propriedade ou o valor do que se produz, “maior
é a importância do trabalho familiar”.
José de Souza Martins (1999, p. 82), apesar de estar trabalhando
estas questões em outro momento da história do Brasil, expõe um ponto
de vista importante para complementar ou reafirmar o que José da Silva
Graziano escreve. E essa prática (trabalho familiar), se bem observada na
literatura a respeito do tema, se repete ao longo da história dos processos
de colonização. Para José de Sousa Martins (1999, p. 82), O colono não
era um trabalhador individual, mas um trabalhador que combinava as
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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Esses afro-brasileiros se destacam por serem os únicos, na CMD, a terem um grande engenho para
moer cana de açúcar e produzir grandes quantidades de melado, rapadura e açúcar preto (mascavo),
como era chamado; cultivavam também hortelã.
forças de todos os membros da família; o marido, a mulher, os filhos com
mais de sete anos, nesse regime de colonato passou a ser organizado em
base familiar”.
Além do trabalho familiar na produção, busca-se neste trabalho
mostrar alguns aspectos das práticas que vieram com os colonos, e que
foram desenvolvidas por eles, objetivando evidenciar que a diversidade
cultural, inicialmente apresentada pelos colonos na formação da
comunidade, o chegou a dificultar o processo de colonização.
Se ocorreram transtornos, eles, na maior parte, se deveram à
pouca importância dada ao processo pelo poder público, ou mesmo às
dificuldades financeiras do município de Dourados (por estar, este,
também em formação, e portanto com poucas condições de investir, a
curto prazo, nas ações de estruturação da CMD).
Com a instalação das famílias na área pretendida efetivava-se o
início do processo de colonização propriamente dito. Essas áreas
transformaram-se em espaços particulares, recebendo dos colonos a
denominação de tios. Esses tios podiam ter como limite um dos
rregos, e com isso estariam esses colonos tratando com dois espaços e
com dois tipos de solo diferentes. No linguajar do colono, a área que se
aproximava do rrego recebia a denominação de varjão (várzea), terra
escura, área plana e com muita água, carecida de trabalhos adicionais,
como canalização ou abertura de valas em direção ao rio para o
escoamento da água; havia nesse espaço, também, vegetação peculiar a
este tipo de solo, bastante diversificada; era um solo de boa qualidade
para se fazer plantio de arroz, porém bastante trabalhoso quando se fala
no tratamento que deveria ser dado à terra. O outro espaço (que, ao se
visualizar o todo, poder-se-ia afirmar ser o maior espaço do lote) era
denominado pelos colonos de espigão. Mato era a sua vegetação natural,
que nunca sofrera derrubadas, e depois de derrubado tornava-se roça. O
solo era ótimo para todos os tipos de culturas, como o café, o arroz, o
feijão, a batata, a mandioca, a abóbora, o fumo, a banana, a melancia e o
trigo (produto, esse, cuja história esta vinculada à reserva da área e à
implantação da CMD).
Uma outra questão que chama a atenção é a forma de os colonos
se colocarem na área que lhes foi concedida. Observa-se o mapa 7, que
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
mostra a residência do colono e seus familiares, engenhos de cana, bem
como os espaços de criação de animais domésticos, que se colocavam
centralizados (isto é, entre a rzea e o espigão). Isso de certa forma
atendia a uma necessidade natural de sobrevivência, pois, ficando
próximos da água, evitavam um maior esforço, no sentido de ter que
transportá-la até o local em que ela se fazia necessária.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 7: Disposição de Um dote da CMD
Org. Maria Ap. Ferreira Carli
Laércio Cardoso de Jesus/2005
Fonte: INCRA – Ministério da Agricultura – 1979.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
É interessante lembrar a função social da terra, que
perpassa, no sentido de agregar indiduos da mesma família (pai, mãe,
irmãos, irmãs, avós) e os compadres, os amigos mais próximos, em que
os mais velhos ou o pai têm uma importância maior pelas experiências de
vida. Na verdade, ele detém o conhecimento sobre as questões voltadas
ao trato da terra, as fases da Lua que estão relacionadas a pouca ou uma
melhor produção, aos plantios e o que plantar, a partir de experiências
vividas em outras regiões, com possibilidades de serem aplicadas, com
expectativa de dar certo (WOORTMANN, 1997, p.101).
O trabalho iniciava-se pelas derrubadas, no espigão, já que a área
era composta de mata fechada. Pébayle e Koechlin (1981, p. 10-11)
fazem uma boa discussão acerca da “marcha pioneira 'destruidora de
riquezas naturais'”:
[Ela] É conquista pioneira nas florestas atingidas pela
marcha na direção do Oeste, dos plantadores paulistas e
paranaenses, “Homens por demais apressados”, ao qual
[sic] “a economia do mundo pioneiro impôs uma técnica
agrícola devastadora”.[...] Cronologicamente, é sob a
égide de uma colonização dirigida que foram abertas as
primeiras grande brechas no ecossistema florestal.
Aquilo a que se chama “colonização” em Mato Grosso
consistiu, como nos Estados do Sul brasileiro, em
loteamentos de terra florestal de uma superfície de 5 a 30
alqueires (o alqueire equivalendo a 2,4 hectares). [...] Os
habitantes rurais mais desprovidos foram
particularmente atingidos pela Colonização [sic]
Agrícola Nacional de Dourados. [...] Fiel ao mito da
inesgotável fertilidade das terras florestais, a iniciativa
oficial o podia ignorar a grande floresta valícola do
alto curso do rio Dourados, afluente do rio Vacaria.
A título de informação, convém assinalar que, nas derrubadas
feitas pelos colonos (ou pelas serrarias, que compravam as matas
fechadas para o processo de desmatamento, “comprometendo-se” com
a conservação de uma área para preservação), não era vendida para as
serrarias a aroeira, uma árvore que fazia parte desse acervo natural da
floresta regional e que era utilizada e, pelos colonos para cercar pastagens
para a criação de animais domésticos (suínos, caprinos, ovinos e
bovinos). Grande quantidade dessa madeira era usada também nas
edificações levantadas pelos colonos, como a base para a construção de
suas residências. De fato, inicialmente grande parte dessas residências
eram feitas de lascas de aroeira (rebocadas com barro escuro do brejo) e
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
cobertas com tabuinha. A esse respeito, observa-se a imagem 5, que
demonstra em primeiro plano os colonos em pose para a fotografia e em
segundo plano as aroeiras em lascas, prontas para serem utilizadas pelos
colonos em suas construções.
Imagem 5: Colonos no início da década de 1950
Fonte: Maria Targino de Melo
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Imagem 6
Colono montado em seu animal - Início da década 1950
Fonte: Maria Targino de Melo
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Também a imagem 6 (que mostra, em primeiro plano, o colono
montado em seu animal, representando com isso uma das, se não a única
forma de se deslocar mais rapidamente de uma região para a outra,
naquela época), onde se vê, em um segundo plano, a imagem de uma
moradia de colono nos primeiros anos em que na CMD se estabeleceu.
Sobre a questão do uso do solo Manoel Correia de Andrade
(1979, p. 111), esclarece, em pouco tempo há um empobrecimento do
solo, levando-o a uma baixa produção, quando a prática de utilização do
solo pelo colono é inadequada, seja no sistema de rotação em períodos
(os mais variados, como sazonais, bianuais e trienais) ou mesmo no
sistema da cultura de plantas consorciadas (que era um sistema utilizado
por alguns dos colonos da CMD, podendo-se usar como exemplo o café,
quando planta ainda nova, associado ao milho ou ao feijão).
No tocante à questão da utilização da terra na Colônia, um de
seus remanescentes, o Sr. Ávido Carneiro de Oliveira, informou que, em
sua maioria, ocorria de acordo com os métodos da época, usando-se
como instrumento de trabalho inicialmente a foice, o machado, o facão e
o serrote, e depois a enxada. Fazia-se a derrubada e deixava-se o mato
secar por alguns dias. Antes de atearem fogo era preciso fazer um aceiro,
prevenindo-se contra a possibilidade de o fogo saltar para a roça do
vizinho. Após a queimada, alguns colonos usavam a técnica da “coivara”,
que era utilizada no Brasil pelos indígenas (ANDRADE, 1979, p. 111).
De acordo com Manoel Correia de Andrade (1979, p. 111), “a
'coivara' provoca um enriquecimento do solo em potássio, com a
acumulação de espessas camadas de cinza, e torna a produção elevada e
com boas colheitas no primeiro ano. Com a lavagem das cinzas pelas
águas pluviais, na estação chuvosa, e com a queimada da matéria orgânica
pelo fogo, as boas safras vão decaindo”. Mesmo usando o sistema de
coivara e organizando a terra adequadamente, era impossível usar outro
instrumento de trabalho que o a enxada, pois permaneciam sobre a
terra madeiras que não eram vendidas (como as aroeiras), os tocos e os
galhos mais pesados. Portanto, a enxada se fazia necessária depois de um
certo tempo, para “remover as ervas daninhas”.
Quanto aos instrumentos utilizados para o plantio, isso dependia
do produto que o colono ia plantar. Para ilustrar, colocam-se duas imagens,
7 e 8, que retratam os colonos com seus instrumentos de trabalho.
Quanto às imagens inseridas neste trabalho, podem ser lidas a partir do
pensamento de Maria Ciavatta (2002, p. 30), que escreve: “fotografias são
como monumentos que traduzem valores, idéias, tradições [...] e
orientam formas de ser e de agir”. Ao se optar pela fotografia como uma
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
das fontes, deve-se utilizá-la como um documento que possui sua
própria linguagem, de acordo com Boris Kossoy (2001, p. 59), e atua
como um “testemunho”; é preciso compreender a realidade que busca
representar e a que efetivamente representa.
Imagem 7:
colono com seu instrumento de trabalho - Início da década 1950
Fonte: Audario Targino Ferreira
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Considerando os dados a respeito das condições da região, o
claras as dificuldades encontradas pelos colonos, principalmente no que
diz respeito às estradas de acesso, para se chegar ao destino desejado. No
transcorrer da viagem passavam por estreitas picadas, pois não havia
estradas para chegar a a área onde iam instalar-se. Atravessavam
roçadas, com pequenos ranchos, onde se encontravam alguns
posseiros, que haviam adentrado na selva e demarcado seus lotes
(BETONI, 1993, p. 18). Diante da necessidade, a primeira providência a
ser tomada no caso seria a construção de vias de acesso.
A esse respeito, o jornal O Progresso (23/11/1952, p. 2)
informava: “o povo da Colônia Municipal está clamando por estrada”.
Segundo a matéria publicada, os colonos, por meio desse veículo de
comunicação, faziam um apelo ao prefeito municipal, objetivando
sensibilizá-lo para a necessidade de reparos e de construção de estradas
141
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Imagem 8:
colono com seus instrumentos de trabalho Início da década 1950
Fonte: Audario Targino Ferreira
na CMD. Referindo-se ao problema das vias de acesso à CMD, o mesmo
jornal foi insistente em suas publicações:
Encarando os grandes problemas de Dourados temos a
reconhecer a necessidade inadiável de dar-lhes solução
imediata para podermos atingir o índice de progresso
que a nossa população aspira. [...] Dentre esses
problemas, indiscutivelmente, o das estradas é o mais
importante, pois dela dependerá, em grande parte, a
solução das demais. Temos no município a nosso ver
quatro estradas vitais. A que nos liga a Campo Grande,
via Rio Brilhante, a que demanda a Itahum, estação mais
próxima da estrada de ferro Noroeste do Brasil, a que
nos leva a Caarapó e Santa Luzia, dois Distritos
futurosos, e finalmente a estrada da Colônia Municipal,
centro produtor de grande capacidade, aagora, a bem
dizer, em estado de abandono. (O PROGRESSO,
7/12/1952).
Sabe-se que a imprensa é um meio de comunicação de grande
alcance, sendo vista também como um vculo formador de opinião,
contribuindo de certa forma na produção de conceitos e na
representação da sociedade na qual está inserida. Assim, contribui ou
dificulta, com suas críticas, determinadas ações que devem ou não ser
desenvolvidas pela administração pública. Esse procedimento do jornal
vai depender da linha política que assume, bem como o público que ele
tem como alvo. Nesse caso da implantação da CMD, e durante o processo
de sua estruturação e povoamento, O Progresso era sustentado por uma
força política: seu proprietário, Weimar Gonçalves Torres, era vereador
do município de Dourados nesse período, e portanto, além do interesse
do jornal em divulgar os movimentos relacionados à chegada dos
migrantes, os desmatamentos, as plantações do café, a ausência de
estradas, enfim, ele exercia uma outra prática: divulgar os
encaminhamentos, as discussões e votações, na Câmara Municipal, das
leis que tratavam das questões de interesse da CMD, de certa forma
atendendo, assim, seu público-alvo.
Segundo uma matéria do jornal O Progresso de 30 de setembro de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
1951, o governador do estado manifestou-se solidário às dificuldades dos
colonos, quando sancionou uma lei concedendo um auxílio de Cr$
500.000,00 à Prefeitura Municipal de Dourados: “Essa importância
deve ser aplicada na aquisição de máquinas agrícolas destinadas à
Colônia Municipal. Está de parabéns, pois, o povo da Colônia, como
também o nosso Prefeito, que, com essa verba extraordinária, poderá, no
ano próximo, fomentar extraordinariamente o progresso dos nossos
colonos”.
Embora ainda com certa dificuldade, demonstrada por meio de
dados da época (1952), evidentes nos orçamentos do município (mas
com um grande atraso, pois o processo de implantação teve início no ano
de 1946, e alguns colonos se haviam instalado na área, mesmo que de
forma precária, a partir de 1926), foi em dezembro de 1952 que os
colonos viram a possibilidade de realização de ões concretas por parte
daqueles que administravam a CMD, com o início da abertura da estrada
que a ligava à cidade de Dourados. O jornal O Progresso (20/09/1953, p. 2)
destaca na primeira gina:
Estrada da Colônia municipal. Melhor serviço a
Prefeitura Municipal não poderia ter prestado aos
moradores do Patrimônio do Panambi, Colônia
Agrícola Municipal de Dourados, do que a abertura da
estrada ligando-a a Dourados, permitindo ligação rápida
para aquele florescente povoado. Entretanto, o leito
daquela estrada ainda não está consolidado,
necessitando de mais uma passagem da motoniveladora
para esse fim, como é o desejo dos laboriosos habitantes
daquela rica região.
Enfim, mesmo que precariamente, foi dado o primeiro passo
para a formação das estruturas da CMD.
Além da ausência de estradas, outras dificuldades foram
constatadas pela pesquisa em contato com os documentos, como os
jornais e cobranças dirigidas aos administradores da CMD por meio de
correspondências. A historiografia também tem seu ponto de vista.
bayle e Koechlin (1981, p. 11) fazem colocações acerca das condições
da região, encontradas pelos colonos, e qual foi o comportamento desses
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
diante dessas adversidades. O isolamento inicial, a instabilidade e as
técnicas agrícolas rudimentares dos nordestinos favoreceram a
implantação desses novos colonos. O fósforo e o machado abriram as
“roças” fornecedoras de víveres e os primeiros cafezais. Pode-se dizer
que a cultura do café, implementada pelos colonos nordestinos que se
estabeleceram na CMD, era uma prática desenvolvida anteriormente no
Estado de São Paulo. Muitos dos nordestinos que na CMD se
estabeleceram não vieram diretamente do Nordeste, primeiro fizeram
suas tentativas de vida em São Paulo, daí sua experiência com a plantação
do café. Complementando, mas falando sobre o processo de colonização
de forma geral, e não especificamente da CMD, Pébayle e Koechlin (1981,
p. 13) escrevem sobre as expectativas dos colonos em relação à produção
do café, que a terra era dotada com características agricultáveis: As
novas terras autorizavam a esperar ricas colheitas e, quem sabe, lucros
para montar um dia o mais um sítio de café, mais uma fazenda de
muitas centenas de hectares”.
Toda essa expectativa e otimismo vinculados à escolha do café
como produto agrícola para o plantio, por parte dos colonos da CMD,
originaram-se não das práticas do estado de São Paulo, trazidas pelos
migrantes, mas de uma outra via de ingresso desses no estado e na região.
A esse respeito, vale colocar os dados de um trabalho de memória que
Valter Spada Betoni (1993, p. 15) escreve com propriedade, pois o autor e
sua família são remanescentes do processo de colonização aqui discutido.
Assim, ele informa sobre a experiência que um colono trazia e o que lhe
chamou a atenção, quando chegou à região:
[...] tinha visitado o Norte do Paraná e ficara
impressionado com a exuberância das lavouras de café
na terra roxa de Londrina, Arapongas e Cambé. Quando
aqui chegou, ficou fascinado ao verificar que Dourados
tinha o mesmo tipo de solo. Visitou a Colônia Municipal
de Dourados, recém criada pela prefeitura, e comprou
um lote que escolheu a dedo: todo plano e de mata
fechada.
As evidências, quanto à qualidade das terras, fizeram com
144
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
que os colonos de toda a região fossem tomados por um grande
otimismo, vendo no café (que fez São Paulo e o Paraná tornarem-se os
estados mais promissores, constituindo assim a “maior fonte de divisas
para o país”) a fonte do progresso e do desenvolvimento, principalmente
onde surgiam as “lavouras e mais lavouras” do café, no que hoje é
denominada a região da grande Dourados. Essa visão de progresso por
meio do café repercutiu no setor imobiliário, elevando os preços das
terras de 120 para 5.000 cruzeiros o alqueire (cf. jornal O Progresso, 21 de
abril de 1953, p. 1).
A Imagem 9, representando parte da realidade daquela época, é
como se quisesse comunicar ao leitor, e confirmando, a existência das
plantações de café na área da CMD.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Imagem 9: Colonos na plantação de café – Início da década 1950
Fonte: Maria Targino de Melo/década de 1950.
Pelas informações obtidas por meio dos jornais e da
historiografia já existente, pode-se constatar que toda a expectativa em
relação à produção do café na região, e em particular na CMD, frustrou os
colonos, por causa das consecutivas geadas ocorridas na região nessa
época. Remanescente da CMD, o Sr. Batista Targino Ferreira, em uma
conversa informal alguns anos, usou uma expressão hilária para
manifestar seu desapontamento: “o cafezal anoiteceu parelho e verde
como um tapete, e amanheceu de luto, serviço da geada (1955)”. Isso
levou os agricultores a mudarem, alguns de região, outros para outros
tipos de cultura. O café foi uma das tentativas iniciais de produção para o
comércio, no sentido de contribuir com a economia do município,
porém constatou-se frustrada:
Em 1955, os Padres de Dourados receberam, na colônia
municipal que se tornou município de Itaporã, um lote
de 40 hectares. Mandaram plantar 32.000 pés de café,
para futuramente poder auxiliar, com o produto, a
Embora esses dados se refiram a todo o município, a maior parte
dessa produção certamente provinha da CMD. Em menor proporção,
outros produtos também eram produzidos na CMD, tais como:
amendoim, alho, cebola, melancia, banana, abóbora, batata doce,
abacaxi, fumo e trigo.
Constatou-se, por meio de dados obtidos por meio de
remanescentes da CMD, e especialmente por meio de uma conversa
informal com a Sra. lvia da Silva Ferreira, que grande parte dos
excedentes sequer saía das lavouras, pois se perdiam por falta de lugares
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Missão Franciscana de Mato Grosso toda. Uma forte
geada, em 1953, prejudicou grandemente a plantação,
e a geada de 1955, pior ainda, causou prejuízo maior
morrendo a maioria dos pés de cagrandes (KNOB,
1988, p. 371).
Tanto anteriormente como paralelamente ao café eram
cultivadas outras plantas, mas como uma agricultura de subsistência, com
a qual os colonos mantinham suas famílias. De acordo com dados do
IBGE, os principais produtos agrícolas do município de Itaporã, em 1954,
eram, cf. tabela 1:
Gênero Produção
Arroz 4.483 t
Feijão 1.448 t
Mandioca 7.000 t
Milho 7.500 t
Cana-de-açúcar 4.416 t
Laranja 43.200 cestos
TABELA 1
PRINCIPAIS PRODUTOS AGRÍCOLAS DE ITAPORÃ EM 1959
Fonte: Enciclopédia dos municípios brasileiros, 1958, p. 198.
adequados para armazenagem bem como de meios de transportes e
estradas para levá-los até os grandes centros comerciais. Mas, anos
depois, a agricultura firmou-se como fundamental fonte de arrecadação
do município.
As informações aaqui expostas foram os únicos dados que se
obtiveram, que se constatou a ausência de informações escritas nos
documentos referentes ao processo de produção da CMD, até o ano de
1953. Assim sendo, os dados obtidos por meio dos remanescentes da
Colônia foram importantes para a construção deste texto.
De Colônia a Município
O processo de colonização da CMD teve suas particularidades, as
quais, no decorrer deste pico, o sendo indicadas, no sentido de
informar sobre os movimentos, de cunho político ou o, que levaram à
criação do município sem que antes a região passasse pelo trâmite
habitual, isto é, a criação de um distrito, dentro do município original
(Dourados).
Com relação à localização do povoado que seria a sede da
Colônia, assim explicam Capilé Júnior e outros (1995, p. 38):
a sede da Colônia teve origem na inferioridade da terra
em que ela se assenta, em comparação com as que a
circundam. Eis que, na distribuição de lotes da Colônia
municipal, nenhum colono aceitou aquele situado onde
se situou hoje Itaporã, posteriormente, porque, ao invés
da mata exuberante ao seu redor, havia ali um campestre
semi-árido, onde vicejava o caraguatá e capins de
qualidade.
Houve portanto um outro tipo de aproveitamento da área em
questão, o se permitindo com isso a inatividade da mesma.
O primeiro nome dado à sede foi São Joda Boa Esperança. O
jornal O Progresso, de 10 de maio de 1952 (p. 2) é quem menciona esse
fato, informando ainda que essa sede foi também denominada de
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Patrimônio Novo. Mas, tempos depois, foi cogitado outro nome para a
sede da Colônia, e o jornal O Progresso (13 de julho de 1952, p. 1) confirma
em uma matéria intitulada: “Panamby é agora a Sede da Colônia
Municipal”. Essa matéria refere-se também à aprovação do projeto de lei
que regulava o aforamento das áreas de concessões na sede da CMD,
indicando o preço dos lotes, num valor de duzentos cruzeiros o hectare.
Uma nova lei foi criada (Lei 31, de 21 de julho de 1952), cujo
objetivo era dar sustentação legal a uma “Comissão Especial, com
atribuições para decidir sobre a planta geral da sede” da CMD, “composta
de sete membros, sendo três colonos residentes na sede da Colônia, três
pessoas residentes nesta cidade [Dourados] e o Prefeito Municipal, que
presidirá seus trabalhos”. A escolha dos membros ficou a cargo do
prefeito (documento existente no arquivo do município de Dourados).
A respeito do regulamento da sede da CMD, é importante
informar os dados constantes na ata da 19ª sessão extraordinária da
Comissão de Urbanização da cidade de Dourados, de 24 de julho de
1952,em que o assunto em pauta era o loteamento e o novo nome a ser
“aplicadoà sede da Colônia Municipal. Foi feita uma discussão, ficando
a decisão para um outro momento (documento existente no arquivo do
município de Dourados).
Continuamente tecendo informações a respeito da CMD, o jornal
O Progresso sempre estava organizado para levar ao leitor e eleitor o
movimento a respeito dos acontecimentos ocorridos ou aqueles que
supostamente pudessem acontecer. Em 10 de maio de 1952, o jornal
divulga o projeto de Lei regulando a concessão de lotes no Patrimônio
Novo e área ainda não demarcada da zona rural, da Colônia Municipal”.
Segundo O Progresso, o projeto de lei foi apresentado à mara Municipal
de Dourados pelo vereador Weimar Gonçalves Torres (que, como
mencionado, era o proprietário do jornal). O projeto era constituído de
quatorze artigos, nos quais estão colocados como, quando e que
procedimento o colono deveria tomar para ter acesso, por meio de
concessão, a qualquer área, tanto da sede quanto da área rural (as
diferenças eram apenas quanto à metragem e o valor da área e do
laudêmio (O Progresso, 10 de maio de 1952, p. 2).
Segundo o jornal, o art. dizia: A área reservada para a sede da
149
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Colônia Agrícola Municipal, lugar denominado Patrimônio Novo, terá
seus lotes urbanos e suburbanos concedidos por aforamento perpétuo
na conformidade da presente lei”. Continuando, eram reservados, na
zona urbana, 10 lotes para prédios blicos, verificando-se depois a
aprovação da planta. Para obter a concessão dos lotes o cidadão deveria
encaminhar um requerimento ao Prefeito Municipal indicando o
“número do lote, suas áreas e confrontações”. O pretendente aguardaria
por 30 dias, decorrendo neste prazo a publicação em edital na imprensa.
o havendo nenhum protesto o candidato tomaria posse da área
pretendida. O título de aforamento perpétuo seria concedido se o
candidato se comprometesse em fazer, no prazo de 6 meses,
“benfeitorias como aramados, casa e roça em áreas suburbanas, e, em
lotes urbanos, construção de casa em condições de ser habitada”. Se
porventura surgisse algum protesto dentro do prazo estipulado pelo
edital, a mara Municipal decidiria ouvindo a Comissão de Justiça. Caso
em seis meses não houvesse benfeitorias na área requerida, o
requerimento seria “considerado caduco por despacho do Prefeito”, que
o arquivaria.
Era dada preferência aos indivíduos que já se encontrassem nos
lotes pretendidos, tendo esses que apresentar “atestado de posses e
benfeitorias passado pelo fiscal” da CMD, bem como “depositar na
Tesouraria da Prefeitura a importância de Cr$ 500,00”. O comprovante
do pagamento deveria ser anexado ao requerimento do lote, para que a
importância paga fosse deduzida do preço do aforamento. Quanto aos
preços do aforamento dos lotes na área urbana, seria de Cr$ 2,00 o metro
quadrado, e na área suburbana Cr$ 200,00 por hectare. Além disso, “a
transmissão por atos onerosos inter vivos dos lotes aforados do
Patrimônio Novo” estaria sujeita “ao Laudêmio de 4% sobre o valor da
operação”. eram permitidos um lote urbano e um suburbano por
requerente, salvo os que tivessem título de outra área requerida
anteriormente. Quanto à área dos lotes, seria, de acordo com o art. 12 da
2
mesmo projeto de lei, de no máximo 700 m os lotes urbanos, e de 18 ha
os suburbanos. No caso de transferência, esta estava sujeita aos
emolumentos legais. Esta proposta foi apresentada pelo vereador
Weimar Gonçalves Torres à Câmara Municipal, mas a lei aprovada tem
150
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
uma outra redação, que será colocada mais adiante neste trabalho.
O mesmo jornal O Progresso (10 de maio de 1952, p. 2) traz uma
matéria, que diz ser paga, intitulada Vereadores inconscientes e cujo conteúdo
leva o leitor a uma reflexão a respeito das ões dos políticos daquela
época, em relação às importâncias a serem pagas pelas concessões de
lotes nas áreas urbana e suburbana da sede da CMD. O autor, Joaquim
Borges de Freitas (não outros dados que o identifiquem, mas supõe-se
que era um colono), escreve:
O projeto de lei do vereador Weimar Torres regulando a
concessão de lotes na sede da Colônia Municipal, não foi
bem recebido pelos moradores daqui. É verdade que
não queremos nada de graça, para que amanhã venham
reclamar nossos votos alegando que nos fizeram
benefícios. O que queremos é um preço justo, ao alcance
da bolsa dos pobres e nada mais, senhores vereadores.
Ponham a mão na consciência e vejam onde está a justiça
de se cobrar Cr$ 2,00 por metro quadrado o lote, se até
em Dourados, há bem pouco tempo, o preço era
cinqüenta centavos? Causou-me estranheza a atitude do
vereador Aguiar Ferreira de Souza aconselhando que
fosse feito um abaixo assinado para protestar o dito
preço. Pergunto eu, porque esse vereador o protestou
incontinente, sem precisar de abaixo assinados, e outros
processos de caçadores de votos? É cedo ainda, para
fazer cartaz, vereador Aguiar. E o cartaz dos que estão aí,
com algumas exceções, não anda muito limpo. O povo
espera é justiça, sem que precise andar atrás de um e de
outro e assim poderá manter gratidão por aqueles que
por ele trabalham com altruísmo e fé (O Progresso,
10/5/1952, p. 1).
A proposta do vereador Weimar Gonçalves Torres, pelas
informações colocadas no jornal, estava longe de agradar aos colonos:
para eles o que interessava era um trabalho de quem estava construindo
algo muito importante, tanto do ponto de vista da administração do
processo de implantação da CMD quanto do ponto de vista da “justiça
em relação às questões do valor da terra”.
151
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
As concessões das áreas da sede da CMD, bem como das áreas
rurais que ainda não haviam sido demarcadas, foram enfim
regulamentadas através da Lei nº 33, de 10 de agosto de 1952, que foi
sancionada pelo prefeito municipal com algumas alterações no projeto
citado pelo jornal e aqui mencionado (documento existente no arquivo
do município de Dourados). Destacam-se aqui algumas informações,
para que o leitor possa ter conhecimento e fazer sua análise. Entre elas
es o nome da sede (Panambi), onde se reservavam para edificação
blica 20 lotes, e áreas para duas praças blicas, um quarteirão para
ginásio, um lote suburbano para matadouro e local para praça de esporte.
O colono teria direito, de acordo com a Lei, a um lote urbano e um lote
suburbano. Caso se propusesse à instalação de indústria, teria acesso a
mais um lote urbano. Quanto aos requerimentos das áreas, deveriam ser
dirigidos ao prefeito, “constando o número do lote requerido, suas áreas
e confrontações”. Os requerimentos seriam publicados na imprensa e,
caso não houvesse protesto, o solicitante tomaria posse. Teriam os
requerentes que efetivar benfeitorias em um prazo ximo de 12 meses
para obterem os títulos de aforamento. Caso transcorressem 12 meses
sem que fosse efetivada nenhuma benfeitoria, o mesmo seria
considerado caduco e o prefeito municipal o arquivaria. Uma outra
questão que sofreu alteração foi o depósito que deveria ser feito na
tesouraria, cuja importância foi reduzida de Cr$ 500,00 para Cr$ 200,00.
o preço do aforamento teve uma pequena alteração, apenas na área
urbana, e de Cr$ 2,00 passou para Cr$ 1,00 o metro quadrado. Esta Lei
foi assinada pelo prefeito Dr. Nelson de Araújo. Com esses dados, pode-
se verificar que os colonos se posicionaram contra o montante a ser pago
pelos títulos de aforamento, conforme o projeto apresentado pelo
vereador à mara Municipal, e que essa manifestação de certa forma
contribuiu para que ocorresse uma pequena mudança, tanto na questão
do prazo para as benfeitorias, quanto na importância a ser paga.
A demarcação de lotes da CMD não se esgotou por ter sido criado
o município de Itaporã. Parágrafos mais à frente, neste trabalho, alguns
dados serão colocados para mostrar que o processo de demarcação e
concessão de áreas teve continuidade após a criação do município de
Itaporã. Isso pode ser verificado em documentos existentes no arquivo
152
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
da mara do novo município, entre eles um novo regulamento, que
continuou até o esgotamento das áreas onde seriam efetivadas as
ocupações, seja por meio de assentamento dos que já estavam nas áreas
pretendidas, seja por meio de outros mecanismos criados, para esse fim,
pelo novo município.
Na ata da 27ª reunião da Comissão de Urbanização da cidade de
Dourados, de 17 de agosto de 1953, consta que se colocou em pauta,
para ser objeto de estudo, a planta da sede da Colônia Municipal de
Dourados (agora com um novo nome: Patrimônio Panambi). A planta foi
assim constituída: 42 quadras, incluindo uma praça na “quadra
determinada pelo lote 12”. Cada quadra tinha uma área de 170 por 70
metros e era composta de 20 lotes. Os terrenos de esquina mediam 20
por 35 metros, e os demais 15 por 35 metros, formando ao todo um
conjunto de 820 lotes. Na planta já constava a denominação dos
logradouros, bem como o nome da praça: Praça Dourados. Foram
reservados alguns lotes para utilidade blica, de acordo com a Lei 33,
acima citada. Segundo informações constantes na ata, “após acurado
estudo e por unanimidade, resolveu a Comissão aprovar plenamente a
citada planta por julgá-la de pleno acordo com os requisitos essenciais
para a formação da povoação” (documento existente no arquivo do
município de Dourados).
Ao se analisarem os acontecimentos dos últimos meses do ano
de 1953, evidenciam-se rias medidas tomadas pelo poder público no
sentido de criar mecanismos legais para tratar das questões de venda e
posse de áreas na CMD, intensificando-se assim o processo de
colonização que se arrastava desde 1923. É bastante curioso que somente
no ano de 1953 o poder público demonstre um grande empenho no
sentido de organizar e estruturar a CMD, fato esse que pode ser
constatado também por meio das informações colocadas a seguir. Veja-
se inicialmente a Lei 49, de 7 de maio de 1953:
Art. - Ficam os atuais ocupantes de lotes suburbanos
na sede da Colônia Agrícola Municipal de Dourados,
cujas áreas confinam com a parte destinada aos
quarteirões urbanos, com direito a requerer da Prefeitura
Municipal, por aforamento perpétuo, a área de terras de
mata que pertencia ao lote de sua ocupação e que ficou
153
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
incluída nos quarteies urbanos. Art. 2º -
Compreende-se por área de terras de matas, tanto a
parte ainda não cultivada como as que já o foram, desde
que façam parte dos lotes suburbanos respectivos. Art.
- Para melhor acomodação do interesse das partes
com a prefeitura, podea área no perímetro urbano ser
localizada em local que não seja igual a que foi destacada
dos respectivos lotes. Art. - O preço do aforamento
será o constante do Código de Tributos em vigor. Art.
- O levantamento das áreas de matas e campo para a
fiel execução desta lei, estará a cargo da Comissão
Especial a ser nomeada pela Câmara Municipal. Art. 6
Os beneficiados pela presente lei ficam isentos das
obrigações constantes dos artigos 5 e 12 da Lei 33 de
10 de agosto de 1952 (documento existente no arquivo
do município de Dourados).
No mencionado digo de Tributos do Município, que
trata das rendas imobiliárias, no que se refere à quantia a ser paga pelo
colono por um título de aforamento, consta que pelos lotes rurais na
Colônia Municipal, por hectare, pagavam-se Cr$ 60,00, e os lotes
urbanos, na sede da CMD, por metros quadrados, pagavam-se Cr$ 1,00.
nos lotes suburbanos, na sede da Colônia, por hectare pagava-se Cr$
200,00. Havia ainda os impostos: na zona suburbana do Patrimônio eram
pagos Cr$ 4,00, e na zona rural a quantia de Cr$ 3,00.
Vale constatar que, por meio da Lei Municipal nº 10, de 26 de
julho de 1951 (documento existente no arquivo do município de
Dourados), cria-se “uma taxa de averbação para as transações feitas com
os lotes da” CMD, para as áreas sem tulos definitivos, a qual era cobrada
de acordo com o valor da transação cf. tabela 2.
Na mesma Lei 9 consta que o colono que transferisse os seus
direitos de posse ficava impedido de adquirir nova posse na área.
No dia 26 de abril de 1952 foi sancionada a Lei Municipal 28,
que tratava da revisão dos atestados de posse na CMD, formando-se em
seguida uma Comissão Temporária de “Revisão de Atestados de Posses da Colônia
Municipal de Dourados”, composta por três membros: um escolhido pela
prefeitura, outro pela Câmara e o engenheiro demarcante, que seria o
154
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
presidente da Comissão. Quanto à validade dos atestados de posse,
aqueles que fossem passados por essa Comissão “prevaleceriam a
quaisquer outros, dando ao seu portador preferência para a aquisição de
lotes(cf. documento existente no arquivo do município de Dourados).
156
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
TABELA 2
VALOR DA TRANSAÇÃO DAS ÁREAS SEM TÍTULOS
DEFINITIVOS EM 1951
Valor da transação (Cr$) Taxa (Cr$)
Até 5.000,00 200,00
Até 10.000,00 400,00
Até 15.000,00 600,00
Até 20.000,00 800,00
Até 25.000,00 1.000,00
Até 30.000,00 1.200,00
Até 35.000,00 1.400,00
Até 40.000,00 1.600,00
Até 45.000,00 1.800,00
Até 50.000,00 2.000,00
Até 55.000,00 2.200,00
Até 60.000,00 2.400,00
Fonte: Arquivo da Prefeitura Municipal de Dourados
A Lei 59, de 23 de novembro de 1953, refere-se à aplicação da
arrecadação procedente do aforamento dos lotes urbanos do agora
Patrimônio Panambi, indicando que essa renda seria empregada em
obras públicas no referido Patrimônio. Foram também aprovadas as
Leis de 62 e 63, de 23 de dezembro de 1953, sendo que a primeira
autoriza o prefeito a vender uma área da CMD, composta de 100 hectares,
“mediante proposta dos interessados, observando o mínimo de Cr$
2.500,00 por hectare”. A segunda autoriza o prefeito a expedir títulos de
aforamento dos lotes da CMD mediante a apresentação de Atestado de
Posse emitido pela Comissão de que trata a Lei nº 28, de 26 de abril de
1952. No mesmo ano de 1952, era colocado na Câmara Municipal de
Dourados, para votação, projeto de lei do Executivo que autorizava a
venda em leilão de uma área reservada da CMD, com o objetivo de
comprar um trator, com o valor apurado (cf. documentos existentes no
arquivo do município de Dourados).
Segundo a Enciclopédia dos municípios brasileiros (1958, p. 198),
por iniciativa dos deputados Camilo Ermelindo da Silva
e Leal de Queiroz, a progressista Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, mais conhecida por Colônia
Panambi, foi elevada à categoria de município pela Lei
659, de 10 de dezembro de 1953, retificada pela de
370, de 31 de julho de 1954, com a denominação de
Itaporã e com sede na povoação de igual topônimo, que
adquiriu os foros da cidade.
A mesma obra traz o teor da Lei 659, que era o seguinte:
Lei nº 659, de 10 de dezembro de 1953. Dispõe sobre a
criação do município de Itaporã. O Governador do
estado de Mato Grosso: Faço saber que a Assembléia
Legislativa do Estado decreta e eu sanciono a seguinte
Lei: Artigo - Fica criado o município de Itaporã,
desmembrado do município de Dourados. Parágrafo
Ùnico – O município de Itaporã terá os seguintes
limites: pelo córrego Carumbé abaixo até a sua foz no rio
Santa Maria, por este abaixo até ao Rio Brilhante, por
este abaixo até a foz do Córrego Panambi, por este
acima até a sua cabeceira, daqui por uma linha que
atravessando as terras do S.P.I. vai ter à cabeceira do
Córrego Carumbé, ponto de partida. Artigo - O
município de Itaporã fica integrado à comarca de
Dourados, como termo desta. Artigo 3º - esta lei entra
em vigor a de janeiro de 1954, revogadas as
disposições em contrário. Palácio Alencastro, em Cuiabá
157
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
10 de dezembro de 1953, 132º da independência e 65º da
República.
Entretanto, a criação do município de Itaporã tornou-se uma
ocorrência polêmica. Pelos dados obtidos, torna-se visível que a questão
de poder que permeava a elite do estado também estava presente nos
acontecimentos do município de Dourados, ou pelo menos existia uma
pequena interferência, porém significativa. Vejam-se, a esse respeito, as
informações disponibilizadas por Capilé Júnior et al. (1995, p. 40):
Passados os tempos, já, com o então ex-prefeito João
Augusto Capilé Júnior (Sinjão), reuniram-se os colonos
para pleitear, junto ao Dr. Camilo Ermelindo da Silva,
Deputado Estadual, a criação do Distrito e a mudança
do nome de o José da Boa Esperança para Itaporã. [...]
Acatando o apelo que lhe foi feito, o Deputado Camilo,
ao dar cumprimento à missão, na Assembléia
Legislativa, encontrou, entre os seus pares, uma grande
facilidade de barganha e, de posse de um mapa da
periferia da área e estudos realizados, pediu, não o
Distrito, mas a criação do município de Itaporã.
Aprovado o projeto, sancionado pelo Governador, [...]
estava criado o município de Itaporã, causando uma
certa polêmica, devido ao sistema adotado na
emancipação que, num caso sui generis, foi conquistada
antes de ter sido Distrito.
Como se pode observar, a criação do município de Itaporã não
foi um ato casual, mas sim para atender aos interesses de parte da elite
política local. A esse respeito, foi possível obter uma informação que não
se encontra registrada em documentação alguma, tendo sido apenas
relatada pelo Sr. Ávido Carneiro de Oliveira, remanescente da CMD.
Segundo esse relato, por ocasião das eleições municipais de 1950 as
lideranças políticas do município perceberam a significativa força
eleitoral da CMD. Na verdade, segundo relatou o Sr. Ávido, essas
lideranças, que residiam em Dourados, ficaram “surpresas” com o
volume de eleitores da Colônia. Seria, portanto, por esse motivo que
alguns desses líderes se adiantaram e, ao invés de lutarem simplesmente
158
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
pela criação de um distrito, conseguiram criar ali, de imediato, um novo
município.
Essa iniciativa tomada pelos deputados citados, e sancionada
pelo governador do estado não agradou a uma parte da elite política do
município de Dourados, levando esta a requerer um mandado de
segurança contra o ato da Assembléia Legislativa:
Lei nº 65 de 28 de dezembro de 1953. O Prefeito
Municipal de Dourados. Faço saber que a Câmara de
Vereadores aprovou e eu sanciono a seguinte Lei. Art.
- Fica o Prefeito Municipal autorizado a requerer
Mandado de Segurança contra o ato da Assembléia
Legislativa do Estado que criou o Município de Itaporã
(cf. documento existente no arquivo da Assessoria
Jurídica do município de Dourados).
A respeito dessa mesma questão, outra lei foi aprovada: a Lei
73, de 15 de maio de 1954, que em seu art. dispõe:
Fica o Sr. Prefeito Municipal autorizado a contratar
advogado no Distrito Federal para acompanhar, perante
o Supremo Tribunal Federal, a representação do
Procurador Geral da República sobre a declaração de
inconstitucionalidade da lei que criou o município de
Itaporã, dispendendo com seus honorários até a
importância de Cr$ 30.000,00 (cf. documento existente
no arquivo do município de Dourados).
O jornal O Progresso de 13 de dezembro de 1953 expõe uma
matéria (que, segundo o jornal, era de autoria de “um expectador”) que
manifesta indignação com a situação:
Foi com grande surpresa que tomei conhecimento das
notícias que correm por aqui, sobre a criação pela
Assembléia Legislativa do Município do Panambi,
abrangendo a área do Carumbé. Na verdade minha
surpresa decorre de essa decisão da Assembléia ser
contrária à lei de Organização Municipal, cujo artigo 2
exige sejam consultadas as municipalidades interessadas
159
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
para a criação, anexação, desmembramento ou
supressão de municípios. Ao que me consta a Prefeitura
e a mara o foram ouvidas, havendo assim uma
quebra de autonomia municipal, consagrada pela nossa
Constituição. Além disso, pelo que estabelece o art. 3 da
mesma lei, só podem ser elevadas a municípios as
localidades que forem Distritos de Paz. Aliás, por
desrespeitarem esses princípios foram anulados vários
atos de criação de municípios, no Estado de Minas e de
São Paulo. Nula é, portanto, ao meu ver a decisão da
Assembléia que, por outro lado, vem prejudicar o
progresso da Colônia, uma vez que é preferível ser um
Distrito rico do que um município pobre, sem recursos
para sua própria instalação, pagamento de
funcionalismo e especialmente professoras, isto sem
falar na indispensável abertura de estradas e outras obras
blicas (O Progresso, 13/12/53, p. 1).
Finalmente cabe acrescentar que, apesar de toda a polêmica em
torno da criação do município de Itaporã, por parte de facções políticas
contrárias, efetivou-se o processo, e o Município de Itaporã foi
constituído, conforme assinalam os autores acima citados:
[...] Naquela ocasião, próceres políticos, que defendiam a
integridade do município de Dourados, colocaram-se
contra a medida e, sem sucesso, tentaram derrubar os
efeitos do Decreto-Lei 659, com base em propaladas
irregularidades. [...] Anos a fio correu na justiça o
controvertido processo, que acabou por descansar,
definitivamente, no fundo de um dos arquivos da Justiça
Estadual (CAPILÉ et al., 1995, p. 40).
O novo município teve, como seu primeiro administrador,
Durval Gomes da Silva (colono originário do Estado da Bahia, que ao
chegar se estabelecera na área destinada à sede da Colônia), que
desempenharia essa função até a primeira eleição. A criação do município
o significou o fim das controvérsias. Ao contrário, surgiram questões
que permanecem e estão em litígio até hoje (2005), e que é importante
destacar. O artigo 1º da Lei 370, de 31 de julho de 1954, que ratifica o
160
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
artigo da lei de criação do município (Lei 659, de 10 de dezembro de
1953) e trata da questão das divisas, diz textualmente:
Art. - Fica criado o Município de Itaporã,
desmembrado do Município de Dourados, que teos
seguintes limites: Partindo da cabeceira do Córrego
Peroba, por este abaixo, margem direita, até a sua foz no
rio Santa Maria; descendo por este, margem direita, até
sua confluência no Rio Brilhante; por este abaixo,
margem direita, até sua foz no Córrego Panamby,
Paranamby, ou Panamby, pelo qual sobe, margem
esquerda, até sua cabeceira mais alta; daí por uma reta ao
espigão divisor das águas do Rio Brilhante com o
Dourados, e daí pelo espigão divisor de águas desses 2
rios ao ponto mais próximo da cabeceira do rrego
Peroba, daí por uma reta a essa cabeceira do Peroba,
onde teve começo (cf. documento existente no arquivo
do município de Itaporã).
O atual Prefeito de Itaporã, Marcos Pacco (2005), disse em
conversa informal que desde o início da criação do município de Itaporã
os proprietários rurais que têm suas áreas localizadas dentro dos limites
denominados de “linha seca” recolhem os impostos para o município de
Dourados, prática que é desenvolvida até hoje.
Ligada à demanda entre os dois municípios, está também a
questão da área da Reserva Indígena. É interessante observar os dados
que constam no Relatório de 23/04/1976, elaborado pelo antropólogo
12
Antônio Pereira Neto , que fazia parte da “Comissão de Inquérito, junto
à comunidade indígena do (PI) Posto Indígena de Dourados, cujo
objetivo era a aplicação do Art. 11 da Lei 6.001 de 19/12/73”,
cabendo a ele a verificação dos “dados etnográficos, situação
habitacional, aferição do conhecimento da língua portuguesa, e
compreensão dos usos e costumes da sociedade nacional”.
O referido relatório descreve a realidade daquele período (1974),
mas o que interessa para este trabalho o as colocações feitas sobre a
origem e a localização da área, que o autor diz denominar-se “Colônia
Indígena de Dourados”, fundada “em 1925, quando o Inspetor do SPI,
161
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Major Nicolau Horta Barbosa, começa a demarcar sua área tendo em
vista a doação feita pelo Presidente de Mato Grosso, por meio do
Decreto 401 de 03/09/1915, de um lote de terras de 3.600 ha, para a
Colônia Indígena de Dourados”. Segundo o autor, o problema o
estava na doação das terras, mas sim em agregar aquelas comunidades
indígenas que foram dispersas quando do conflito com o Paraguai, e
após, com o trabalho extrativista imposto pela empresa Mate Laranjeira.
O documento explicita que o Posto Indígena de Dourados teve
seu Título Definitivo de Propriedade expedido em 26/10/1965 e
registrado em 14/12/1965, com uma área de 3.539 ha. Ou seja, da
doação original, 61 ha foram perdidos e incorporados às fazendas
vizinhas. Esse relatório é rico em informações da época, a respeito da
comunidade indígena organizada nesse espaço territorial, inclusive sobre
a população que era em número bem menor, justificando com isso a
necessidade de expansão do seu território.
Essa área, cujo Título Definitivo de Propriedade foi expedido e
registrado, de acordo com os ofícios da Prefeitura de Itaporã
13
802/2003 e 871/2003, de 18 de setembro de 2003 , constitui a
Reserva Indígena, situada parte no município de Dourados e parte no
município de Itaporã, reafirmando-se novamente sua extensão em
hectares e ao mesmo tempo colocando ser esta área sempre tida como
pertencente ao município de Dourados, fazendo considerações sobre a
densidade populacional das duas aldeias Borocom uma população de
621 (seiscentas vinte e uma família), num total de 2.795 habitantes, e
Jaguapiru com 238 (duzentos e trinta e oito) famílias, com total de 1.071
habitantes, perfazendo um total 3.866 habitantes. Esse ofício assenta que
a área “jurisdicionada à FUNAI encontra-se dentro do território de
Itaporã, onde se situam as reservas indígenas Bororó e Jaguapiru, por
meio do divisor natural de águas, em consonância com os limites iniciais
estabelecidos na carta cartogfica inicial”.
Por que inserir aqui estas questões, que não foi feita nenhuma
discussão a respeito da sociedade indígena? Por estar essa área
exatamente no espaço territorial em demanda entre os dois municípios,
12
Documento existente no arquivo da FUNAI/Dourados.
quando é discutida a linha de limite entre estes, e pela necessidade de
explicitar a relação da sociedade indígena com o poder público e as ações
relacionadas à organização dessa sociedade, sendo que os poderes
municipais se voltam apenas para as questões de limites, buscando
argumentos que justifiquem suas práticas, mas de certa forma
desconsideram os sujeitos ali presentes.
Adicionando ainda outros fatores, como a situação geográfica,
que dificulta a expansão do comércio, pelo fato de Dourados constituir-
se em um centro comercial e industrial da região, muito próximo do
município de Itaporã, na verdade a população itaporanense considera
esses fatores como causas relevantes do o-crescimento econômico do
município. Entretanto, considerando-se também que a área da CMD
corresponde apenas a cerca de 1/6 da área total do município, e que a
outra parte, correspondente a 5/6, é constituída por grandes fazendas,
conclui-se esse processo de colonização jamais chegaria a criar um
grande centro de “produção agrícola”. No máximo ele poderia, como
ocorreu, beneficiar as grandes fazendas existentes, com estradas, com o
pequeno comércio e os subsídios do governo destinados ao município,
sendo que, de forma geral, são privilegiados aqueles que detêm a maior
quantidade de terras, com grande produção, pois é daí que vêm as rendas
para o município.
O município de Itaporã consta no mapa 8, que mostra toda a área
atual do município, bem como a questão de limites aqui discutida, no
sentido de levar o leitor a uma análise comparativa entre as legislações
que o legitimaram, e ao mesmo tempo verificar que, como foi dito, a área
de colonização correspondia a apenas cerca de 1/6 da área total do
município.
13
Documentos existentes no arquivo do município de Itaporã.
161
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Mapa 8 - Destaque - área que correspondia à CMD
Demonstrativo geográfico do município de Itaporã
Fonte: INCRA. Gleba Itaporã – COD. 023. Ministério da Agricultura. 1980.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
No tocante aos aspectos urbanos, nota-se que, em 1954, a cidade
de Itaporã era composta por 19 ruas e 609 edifícios, sendo os que mais se
destacavam o prédio da Igreja São Joe o Grupo escolar. Os moradores
eram servidos por três dentistas e dois farmacêuticos práticos, sendo que,
no caso de emergências médicas, faziam-se necessários deslocamentos
até a cidade de Dourados. O ensino no município contava com “15
unidades de ensino fundamental comum (13 estaduais e 2 municipais)”,
com um total de 864 alunos matriculados (Enciclopédia dos municípios, 1958,
p. 199).
Acredita-se que, inicialmente, o novo município tenha passado
por todo tipo de dificuldades, primeiro por falta de estrutura e segundo
porque, no tocante às condições financeiras, ele permaneceria, por um
certo tempo, “capenga”. Além disso, foi assinado um convênio com o
município de Dourados, em 25 de fevereiro de 1955, que rezava:
Saibam quantos este instrumento de convênio virem
que, aos vinte e cinco dias do mês de fevereiro de 1955,
nesta cidade de Dourados, Estado de Mato Grosso,
entre a prefeitura Municipal de Itaporã, representada
pelo seu Prefeito Municipal, Sr. José Teixeira da Silva e a
Prefeitura Municipal de Dourados, representada pelo
seu Prefeito Municipal, Sr. Antonio Morais dos Santos,
autorizado este devidamente pela resolução de 24 de
fevereiro de 1955, da Câmara Municipal de Dourados,
foi ajustado o presente convênio sob as seguintes
cláusulas: Primeira: - Em face da retirada da
representação da Câmara Municipal de Dourados,
aprovada pela mencionada resolução desta mesma data,
a título de indenização pelos serviços de medições dos
lotes rurais da então Colônia municipal de Dourados,
hoje pertencente à Prefeitura municipal de Itaporã, esta
mesma Prefeitura indenizaa Prefeitura de Dourados
com quinhentos mil cruzeiros, a serem pagos da
seguinte forma: - cento e cinqüenta mil cruzeiros neste
ato e o restante, trezentos e cinqüenta mil cruzeiros, até o
fim do corrente ano. Segunda: - A Prefeitura Municipal
de Itaporã se obriga a respeitar e manter todos os atos da
Prefeitura e da Câmara Municipal de Dourados, ao
tempo da vigência da sua autoridade no território
daquele município. Terceira: - Em virtude da
autorização da Câmara Municipal de Dourados, os
signatários do presente convênio se obrigam a cumprir
fielmente, sob pena de responder por perdas e danos a
parte que desrespeitar, não havendo cláusula de
arrependimento e devendo ser aprovado este convênio
pela mara Municipal de Itaporã (cf. documento
existente no arquivo do município de Dourados).
Na verdade, esse processo não deixa de apresentar certas
contradições, uma vez que, no processo de colonização, haviam sido
cobradas taxas para a demarcação dos lotes destinados aos colonos, bem
como impostos (laudêmio). Tudo o que era pago pelos colonos
justificava-se com a necessidade de recursos para a constrão de vias de
acesso, erradicação da saúva e outros benefícios que se fizessem
necessários para atender o colono. Dessa forma, o parece muito
justificável cobrar, por meio de um connio, o trabalho de demarcação,
que na verdade já teria sido pago. Esse convênio constituiu-se em uma
ão demorada e desgastante, até que ambas as partes entrassem em um
acordo, não tão amigável como se imaginaria, mas, enfim, um acordo. É
conveniente colocar aqui todas as discussões a respeito de tal acordo,
para que se possa efetuar uma análise. A primeira parte é essa já descrita.
Dando encaminhamento no processo, o ofício 10/56, de 15 de março
de 1956, a Câmara municipal de Itaporã autoriza Ao senhor Weimar
Gonçalves Torres” representar essa Câmara para um entendimento na
questão do connio, junto ao prefeito municipal de Dourados (cf.
documento existente no arquivo da Câmara Municipal de Itaporã).
Assim, informa-se:
Pelo presente, vimos autorizar-lhe a representar esta
casa, junto ao senhor Prefeito Municipal de Dourados, a
fim de entrar em entendimento com o mesmo, sobre a
possibilidade de um acordo amigável entre este
Município e o de Dourados, trazendo uma proposta do
mesmo a esta casa, para a liquidação do convênio
firmado entre os dois Municípios (cf. documento
existente no arquivo da Câmara Municipal de Itaporã).
163
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Em 21 de março de 1955, o prefeito de Itaporã encaminha
Mensagem (nº 1/55) à Câmara Municipal:
Considerando a necessidade urgente da prefeitura desse
Município iniciar as vendas dos lotes rurais
desembaraçados de questões com terceiros, a fim de
apurar as importâncias necessárias ao pagamento de
dividas constituídas por esta Prefeitura à de Dourados e
mais ainda para normalizar a situação dos colonos que
desejam pleitear empréstimos agrícolas no Banco do
Brasil, a presente mensagem tem por fim especial,
solicitar dos senhores vereadores, a autorização para a
venda dos referidos lotes, que obedecerão à lei da ex-
colônia Municipal, criada pela Câmara de Dourados.
Prefeito José Teixeira da Silva (cf. documento existente
no arquivo da Câmara Municipal de Itaporã).
A discussão a respeito do assunto arrastou-se por um bom
tempo, como se pode constatar por meio do ofício 20, de 7 de maio de
1956, da mara Municipal de Itaporã ao prefeito:
Com o presente, levamos ao vosso conhecimento que
esta Câmara aceita a forma de pagamento ao Município
de Dourados, do convênio assinado por esta casa, sendo
que deve essa Prefeitura ao efetuar o mesmo, exigir do
senhor Prefeito de Dourados o seguinte: Entrega do
tulo definitivo da Ex-Colônia Municipal, pia da Ata
e cópia do oficio, pedindo a retirada do protesto contra o
município de Itaporã, junto ao Exmo. Sr. Procurador
Geral da República. Mencionar ainda no oficio dessa
Prefeitura, ao comunicar o resultado de vossa proposta a
esta Casa, o serviço que o senhor Prefeito de Dourados
prontificou-se a prestar serviços nas rodovias desse
Município, com a patrola e trator, cobrando apenas o
combustível (cf. documento existente no arquivo da
Câmara Municipal de Itaporã).
Segundo o ofício 25, de 9 de junho de 1956, a mara
municipal de Itapo faz sua manifestação a respeito do Convênio:
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
“Ficou decidido atender à solicitação desse Executivo, concedendo 60
dias de prazo para que seja dada a resposta ao assunto do convênio com a
Prefeitura de Dourados”. Depois de alguns dias, a posição da Câmara
Municipal de Itaporã é a seguinte, confirme o que diz o ofício 27, de 28
de junho de 1956:
Comunico-vos outrossim, que, a Ata que autorizou
conceder 60 dias de prazo para vosso entendimento
com o Prefeito de Dourados para o pagamento do
Connio entre este e aquele Município, sofreu uma
emenda, hoje, ficando assim, essa Prefeitura autorizada a
entrar em entendimento com o Prefeito daquele
Município de acordo as instruções anteriores desta Casa
(cf. documentos existentes no arquivo da Câmara
Municipal de Itaporã).
Pelas informações contidas na documentação originada após a
emancipação do município de Itaporã, podem-se constatar obstáculos
consideráveis para a lenta estruturação da CMD. Verifica-se a pouca
importância dada pelo poder público municipal que inicialmente
administrava o processo. Os dados que os documentos expõem
explicitam todo um trabalho que deveria ter sido desenvolvido no início
de seu processo de colonização (essa, pelo menos, era a proposta inicial),
cuja conseqüência seria o desenvolvimento da produção, já que o
povoamento, mesmo precário do ponto de vistas das estruturas, era de
certa forma consistente e parte já se havia efetivado por meio de títulos
de aforamento definitivo.
o caberia aqui fazer um discurso a respeito da legislação criada
no município de Itaporã, mesmo porque o é o objetivo deste trabalho.
O que é fundamental é colocar as informações a respeito desse
movimento inicial desenvolvido pelo novo município, para se entender
que as práticas de demarcação de lotes e concessões de títulos de
aforamentos definitivos continuaram após a emancipação do município,
e as construções de estradas foram implementadas.
Enfim, vai-se tentar, a partir deste momento, com base nas
informações contidas na legislação que se tem em os, fazer um
165
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
diagnóstico dos primeiros anos do novo município.
É conveniente iniciar pela Lei nº 3, de 24 de fevereiro de 1955,
que, em atendimento ao Connio firmado, autoriza a Prefeitura
Municipal de Itapoa pagar à Prefeitura Municipal de Dourados uma
indenização no valor de Cr$ 500.000,00, referente às despesas feitas pela
mesma na ex-Colônia Agrícola Municipal de Dourados. Uma resolução
de 21 de março de 1955, expedida pela Câmara Municipal de Itaporã para
ser sancionada pelo Prefeito Municipal, decide:
Art. - Autorizar o Senhor Prefeito Municipal a expedir
tulos de aforamento perpétuo, de todo e qualquer
terreno, nas diversas zonas, desde que estejam
delimitados, conforme mapa existente na Prefeitura, e
considerados livres e desembaraçados de questões com
terceiros. Art. - A autorização a que se refere o art.
seregulada de acordo com a lei 9, de 5 de setembro
de 1948, da Câmara Municipal de Dourados, adotada
por esta Câmara. Presidente da Câmara de Itaporã
Aurenô Arnaldo Cordeiro (cf. documento existente no
arquivo da mara Municipal de Itaporã).
No ofício 2, de 24 de março de 1955, o Prefeito veta a
resolução encaminhada a Prefeitura pela Câmara Municipal, nos
seguintes termos:
Considerando que a Resolução acima mencionada, em
seu art. 2º, adota a lei nº 9, de 5 de setembro de 1948,
elaborada pela Câmara municipal de Dourados, vindo
essa lei em seu art. 18 contrariar os interesses deste
Município; Considerando que está sendo elaborada lei
própria, que regulamenta a expedição de títulos de
aforamento perpétuo por esta Prefeitura; Considerando
ainda que a lei nº 9 da Câmara Municipal de Dourados
possui muitos artigos que não poderão ser aplicados,
como também outros que, em virtude do Convênio
firmado com a Prefeitura de Dourados, poderão trazer
aborrecimento, veto a resolução que devolvo anexa (cf.
documento existente no arquivo da Câmara Municipal
de Itaporã).
166
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
Com as informações da Resolução de 21/03/55 e o ofício nº 2,
bem como outros documentos citados e outros citados a seguir (todos
existentes no arquivo da Câmara Municipal de Itaporã), tem-se dados
que comprovam a continuação da expedição dos títulos de aforamento
perpétuo pela jovem Prefeitura de Itaporã. Considerando esta questão, é
interessante ressaltar alguns itens da Lei nº 26, de 15 de junho de 1955,
que “regula a venda e o aforamento de terrenos no Município”. Essa
legislação diz que os lotes da sede do município, cuja divisão esteja de
“acordo com a planta cadastral, poderão ser vendidos ou aforados nos
termos da lei”. Quanto às áreas, eram de no mínimo 300 e no máximo de
2
1.000m ; em se “tratando de empresas industriais, comerciais ou
extrativistas, teriam a concessão de área maior”, no caso, para
“constrões de aeródromos, hospitais, escolas, vilas operárias, edifícios
da administração e armazéns”. A cada requerente caberia apenas uma
concessão na área urbana e uma na área rural, com um prazo de 1 ano
para edificação de casa ou roça; caso não cumprisse a lei, “ficará o
infrator sujeito ao pagamento uma multa anual de 10% sobre o valor do
lote, nos primeiros dois anos, e 20% nos subseqüentes”, punição essa
aplicada a todos os foreiros. o era permitida a venda de lotes a
empresa cuja atividade produzisse poluição de qualquer natureza.
Os requerentes deveriam dirigir suas solicitações ao prefeito
municipal, acompanhadas de documentos que provassem serem maiores
de 18 anos, e “estar quites com o serviço militar; ter boa conduta;
documento de identidade, e atestado de lindeiros”, caso tivessem. Nas
2
áreas suburbanas a área dos lotes era de 1.000 m , e para suas
construções, segundo o documento, a prefeitura fixou “um tipo de casas
baratas, mas que respeitassem os princípios da higiene”. Nessa área
suburbana os funcionários blicos teriam acesso a concessões, de
acordo com os critérios estabelecidos aos outros concessionários. No
Capítulo II trata-se da hasta pública para venda ou aforamento. Segundo
o documento, as áreas seriam adquiridas somente em hasta pública e a
relação dos lotes seria aprovada pela prefeitura municipal e anunciada
por meio de edital em lugares públicos, com antecedência de 30 dias. Nos
editais constaria “dia, hora e lugar da praça, relação dos lotes, sua
167
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
situação, preço, condição para a construção, existência de benfeitorias
indenizáveis”. O valor do lote seria estabelecido por dois avaliadores
contratados pelo prefeito. O documento informa que o processo seria
presidido por um funcionário, que atenderia todas as formalidades que se
fizessem necessárias. “Em caso de venda”, ao arrematar a área, o
arrematante pagaria 50% do valor arrematado, obrigando-se, ao requerer
a escritura, a pagar os outros 50%; caso não entrasse com os 50% no
prazo determinado, perderia a entrada e a área arrematada, que voltaria à
hasta pública novamente. Em caso de aforamento, o arrematante
pagaria, “no ato da arrematação, a quantia relativa ao foro de um ano,
ficando obrigado a receber a carta de aforamento dentro do prazo de
trinta dias, sob pena de perder a importância inicialmente paga e o direito
ao aforamento”.
No Capítulo III, que trata das questões do foro, informa-se que o
lote aforado teria que pagar um foro anual de 2% sobre o valor obtido em
hasta blica pelo lote. Quando da venda de lotes com benfeitorias, seria
paga uma indenização e teriam preferência, na compra ou aforamento, os
proprietários das benfeitorias. As áreas suburbanas “não poderiam ter
área inferior a mil metros quadrados e nem superior a 50 hectares”.
Outras leis foram criadas, como a de nº 4/55, que autorizava o
prosseguimento da construção da estrada de rodagem que ligaria Itaporã
a Maracaju. A Lei 5/55 autorizava o prosseguimento da construção de
outra estrada de rodagem, a que ligava o município de Itaporã à Colônia
Agrícola Federal de Dourados. A Lei 9/55 tratava da criação dos
serviços administrativos, bem como da organização do quadro de
pessoal. A Lei 10/55 autorizava o prefeito municipal a vender a
reserva de terras do município, “a quem interessar”. A Lei nº 12 criava
uma Escola Rural com a denominação de Escola Municipal Canhadão, e
conseqüentemente uma vaga para professor. A Lei 17/55 criava o
serviço de fiscalização, um para a zona rural e outro para o município. A
Lei 18/55 autoriza a Prefeitura Municipal a descontar a quantia paga
pelos requerentes dos lotes urbanos e suburbanos à Prefeitura de
Dourados”. Mais um pagamento é efetivado à prefeitura de Dourados,
pelo “conserto da estrada de rodagem da cidade de Itaporã à cidade de
Dourados”. A Lei 20, de 16 de junho de 1955, regula a venda e o
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
aforamento de terrenos do município, sendo este o primeiro registro que
se encontra a respeito de concessão de terras do agora município de
Itaporã.
É oportuno mencionar aqui um requerimento de 21/02/1955,
dirigido à Câmara Municipal de Itaporã, que versa os seguintes temas:
O Sr. José Rodrigues França, brasileiro, residente neste
Município de Itaporã, vem mui respeitosamente,
solicitar à digna Câmara municipal de Itaporã, uma justa
averiguação nos direitos que lhe pertence em uma posse
localizada na divisa do terreno do Dr. Germano; na qual
o Sr. Joaquim Calista vem pretendendo apoderar-se de
uma parte, ou toda; tendo o mesmo Sr. arrancado
minhas bananeiras, derrubado a minha roçada, e
queimado o meu rancho de posse. Tenho ainda a
queixar-me que fiz parte ao Sr. Delegado de polícia e não
houve nenhuma averiguação.
Esse documento demonstra que, paralelamente à situação
polêmica entre os dois municípios, o novo município enfrentava as suas
dificuldades em relação às questões de posse. Vários outros
requerimentos de colonos registram solicitações de solução de conflitos
relacionados às suas posses.
Outras leis são sancionadas para atenderem a diversas
necessidades, tais como: cobranças de foros dos lotes aforados, sendo na
zona urbana Cr$ 200,00 e na zona suburbana Cr$ 10,00 por hectare;
construção da estrada que ligaria a zona do Itaquiri, distrito do município
de Itaporã, à CAND; construção de um prédio escolar na Zona do Baixo
Sardinha, ficando o prefeito autorizado a abrir crédito especial para tal
obra, e executar também a ligação rodoviária entre a mesma zona e a
cidade de Itaporã e desta a estrada que liga à cidade de Dourados; para
esta ação abriu-se crédito especial. A Lei 28/55 autorizava o prefeito a
abrir crédito especial para a construção de um Hospital, no montante de
Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros), com um prazo de dez anos para
pagar. A Lei 29/55 autorizou o poder executivo a doar à “Missão
Franciscana da Primeira Ordem de São Francisco, no Mato Grosso, o
terreno de propriedade municipal, com uma área total de 5.600 m2,
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
destinado à construção de uma Igreja Matriz pela referida Missão”. Uma
outra via de ligação teve a construção autorizada, agora, a do povoado da
Arasselva à zona do Itaquiri (Lei nº 30/55). A Lei nº 34/55 “autoriza o
Prefeito do Município a fazer a ligação da rodovia que liga a cidade de
Itaporã à Missão Caiuás”, passando pelo perímetro dos lotes nº 27, 28 e
30. A Lei 55, de 30/10/55 dispõe sobre loteamento de vilas e cidades,
criando-se na prefeitura um livro de registro de loteamento da zona rural,
das vilas e zona suburbana.
Encontra-se também no arquivo da mara Municipal de
Itaporã uma proposta para a delimitação da zona urbana e da zona
suburbana, do então município de Itaporã, de 17 de setembro de 1955:
“De acordo com a concorrência pública da delimitação de parte desse
patrimônio, apresento-vos abaixo, a minha, sujeitando-me ainda, a fazer
outra, com mais vantagem, caso até hoje, der entrada nessa Prefeitura,
outra melhor que a presente”. Na proposta constava que o proponente
entregaria os “quarteirões delimitados, com seus marcos, pela
importância de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros)”, cabendo à prefeitura prover
um trabalhador (peão) e os marcos; na zona suburbana a valor seria de
Cr$ 15,00 o hectare, sendo que a prefeitura forneceria também o peão e
os marcos. Um outro item refere-se aos mapas, colocando-se que seria
cobrada uma importância de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) cada um,
“ou seja, um mapa novo da cidade, com 4 cópias, e outro da cidade
constando à sua volta a primeira zona suburbana a ser delimitada”. Essa
proposta, de autoria de Gentil José Lopes, foi aceita por unanimidade
pela Câmara Municipal de Itaporã.
Nota-se ainda uma correspondência da Câmara Municipal de
Itaporã dirigida ao prefeito, “autorizando entendimento da Prefeitura
com os posseiros da Reserva”, área que pertencia à Prefeitura de Itaporã:
Com o presente, levamos ao vosso conhecimento que
esta Casa, por maioria absoluta de seus membros,
resolveu pagar aos posseiros das terras da Reserva da
Prefeitura, a importância de Cr$ 5.000,00 (cinco mil
cruzeiros), aos que aceitarem, para assinarem um termo
de desistência dos seus direitos. Assim sendo, fica essa
Prefeitura Municipal, autorizada a efetuar esse
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
pagamento, a contar da presente data em diante (cf.
ofício 17/55).
Confirmando o que a historiografia da região explicita a respeito
da existência dos posseiros, a citação acima reafirma que esse era um
acontecimento comum em região com terras devolutas como a CMD. Na
verdade, em grande parte delas o homem esperava que o governo
tomasse providências no sentido de legalizar a área, seja por constituição
de colônias ou outro mecanismo qualquer que se fizesse necessário.
No que se refere às atividades econômicas do município,
estavam voltadas para a agropecuária. Em 1956, a Agência Municipal de
Estatística estimava em 60 milhões de cruzeiros o valor da produção
agrícola. No que ser refere à pecuária, a estimativa foi de 103 mil
cruzeiros, distribuídos nas produções de bovinos, eqüinos, muares,
suínos, ovinos e caprinos. Outras fontes de renda também foram
explicitadas pelo Departamento Estadual de Estatística, com os
seguintes dados: indústrias de transformação de minerais não-metálicos;
14
indústria de madeira ; indústria de produtos alimentares; e por ultimo
indústria de bebidas, perfazendo um montante de Cr$ 5.250 000 00
(Enciclopédia dos municípios brasileiros, 1958, p. 198).
Nesse mesmo período 1956, o comércio da cidade de Itaporã era
realizado em 13 estabelecimentos varejistas; contando-se os das outras
regiões do município, eram 20 ao todo. As transações comerciais eram
feitas com os municípios de Dourados e Campo Grande e com o Estado
de São Paulo, cidade de Presidente Prudente. Seus excedentes eram
destinados ao comércio de Campo Grande e Presidente Prudente
(Enciclopédia dos municípios brasileiros, 1958, p. 199).
Enfim, quanto aos meios de transporte e comunicação, o
município era servido por uma linha intermunicipal de ônibus de
passageiros para o município de Dourados e, via Dourados, para o
município de Rio Brilhante. Nota-se que em 1956 o município de Itaporã
contava com apenas 4 automóveis, 2 ônibus e 15 caminhões.
. ,
171
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
172
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
14
Que pode ser confirmado através do of. nº 15/56, onde o prefeito municipal de
Itaporã encaminha à Câmara do mesmo município o projeto de lei 5/56, que
versa sobre a “criação de postos de arrecadação municipal de taxas sobre
exportação de madeiras e de cereais, cuja solicitação foi aprovado pela Câmara”.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
CONSIDERÕES FINAIS
A proposta inicial deste estudo, de forma elementar, foi explicitar
como se deu o processo de colonização e povoamento da Colônia
Agrícola Municipal de Dourados, partindo do princípio de que esta era
uma região estruturada com grandes propriedades, em que o poder
blico mato-grossense era quem administrava a terra a sua maneira,
articulava a legislação por meio de arranjos, portanto detinha o domínio
pautado em leis que de certa forma privilegiavam a classe dominante.
Essa constatação impõe um outro pensamento: naquele momento, no
antigo estado de Mato Grosso, vastas dimensões de terras estavam
concentradas em mãos de pequenos grupos latifundiários, realidade que
demonstrava a injusta divisão de terras e que era nocivo aos grupos de
colonos, os quais, o tendo direito à terra, e nem condições para adquiri-
la, senão por meio de processos de colonização desencadeados pelo
governo, em que poderia contar minimamente com um subsídio para as
questões mais urgentes e necessárias, o se sentiam atraídas ao
desenvolvimento em seu amplo sentido, nem mesmo no alargamento
consistente de uma produção agrícola.
Portanto, pode-se perceber que o governo do estado o dava
conta de administrar as questões de terra, por ser ele interessado na
permanência dessa condição de domínio. De acordo com as leituras
feitas, pode-se entender a intervenção do Governo Vargas, por meio da
criação do Território Federal de Ponta Porã, e paralelamente criando a
CAND, que se constituíram em mecanismos adequados, naquele
momento, para desarticular parte do poder de mando das oligarquias
políticas do antigo estado do Mato Grosso e implementar a colonização
e povoamento desta região (embora tenha encontrado obra que nega
esse pensamento em relação à criação do Território de Ponta Porã). Esse
processo de mudanças teve início a partir da política de colonização do
governo Vargas, cujo projeto, ou pelo menos seu discurso, visava
melhorar as condições do homem do campo, no sentido de diminuir a
condição de pobreza e o êxodo rural, fixando o homem a terra num
regime de pequena propriedade. Fazia parte também dessa operação o
175
DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
disciplinamento do indivíduo, a nacionalização de fronteiras e a expansão
das fronteiras agrícolas que dariam sustentação ao novo (indústria) que
despontava nos grandes centros.
No que se referem às questões dos migrantes, concluiu-se que os
indivíduos que migram levam consigo a esperança de um progresso, não
pessoal, mas da região que constituirá o espaço de seu “domínio”, através
da área que lhe caberá por meio dos processos de colonização. O
indivíduo trocava sua terra natal, embora com angústia e anseio, em
busca do novo, em que penetrava nos domínios da floresta, indo ao
encontro aos naturais perigos existentes (entre eles estavam os Anófeles
Cambiae - mosquito transmissor da malária, que povoavam as matas da
região, e para muitos eram desconhecidos). Sendo que muitos desses
indivíduos, oriundos de regiões que desfrutavam de padrões mais
elevados de conforto, tiveram que contrariar seus próprios instintos e
desconsiderar as influências socioeconômicas de sua herança, para
adaptarem-se a um estado inicial e “inferior do ponto de vista do
progresso, e ainda praticarem rudimentar forma de trabalho inicial, o
desmatamento. Mas, dotados de força interior em busca da
sobrevivência, enfrentaram as dificuldades da região, adaptaram-se ao
meio e criaram defesas contra o desconhecido. Uma vez adaptados,
armaram-se de vantagens para lutar contra as dificuldades que surgiam,
dando com isso continuidade a seus projetos particulares, ou seja,
melhorar a condição de vida, sua e de sua família, e mesmo
involuntariamente levar a região ao progresso.
Pode-se perceber também que o migrante que se dirigiu à CMD
foi atendido na questão da terra, obtendo a área pretendida, apesar dos
aspectos seletivos, disciplinares e econômicos que eram impostos e
cobrados do colono. Esse colono sujeitou-se ainda a esse ordenamento
por acreditar na possibilidade de além da terra, que o governo ampliasse
seus serviços e agisse de acordo com seu discurso, no sentido de fornecer
o que necessário fosse para o desenvolvimento da agricultura, para que a
CMD prosperasse. O que se constatou é que as expectativas dos colonos
foram além das propostas oferecidas pelo poder blico. A falta de
subsídios por parte do governo municipal, no que diz respeito às
orientações referentes às cnicas agrícolas e o que plantar em
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956)
determinadas áreas, a aquisição de insumos e sementes, deixou os
colonos desprotegidos, do ponto de vista de processos mais modernos e
adequados à região, levando-os a desenvolverem suas práticas a partir das
experiências das regiões de origem. Pode-se exemplificar com as práticas
do migrante nordestino, que vem de uma região seca, semi-árida, ao
entrar em contato com florestas e áreas alagadas, como as da Malária
(que, por assim dizer, são formas adversas de vida), teve que se adaptar, o
que o lhe rendeu grandes dividendos.
No que se refere à CMD, teve uma vida longa, ao menos no que
diz respeito aos discursos governamentais, desde o processo de reserva
da área até sua implantação e delimitação, e vida curta, pois essa área, pelo
aumento do volume populacional, levou políticos locais a criarem outro
município, incorporando a este a área da CMD. Ficou explicito que parte
dos objetivos do governo, às custas dos esforços dos colonos, foram
concretizados, que era colonizar e povoar a área da CMD, mas, quanto a
criar um grande centro de produção, que não dependia somente dos
colonos, ficou apenas no discurso, representado pelo “regulamento”.
Deste processo de colonização podem-se encontrar algumas
famílias remanescentes, ou herdeiros destas, com as mesmas áreas, ou
anexando áreas vizinhas, porém cultivando outros produtos que não os
de produção familiar. Esse fenômeno adveio da entrada da mecanização
na agricultura, a partir do final da cada de 1960 e início de 1970. Outras
famílias se deslocaram, fato esse motivado, além de sua ambição de ter
grandes quantidades de terras, por sua ignorância no manuseio da terra
(que a transformou em terra improdutiva) ou levadas por um novo
discurso do governo, agora direcionado para novas áreas de colonização.
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DOURADOS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA:
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A Gazeta Oficial diversos anos (APMT, MHD).
Ponta Porã 1945 (MHD, APMT).
O Douradense 1948 (MHD).
Pessoas entrevistadas
Ávido Carneiro de Oliveira, 70 anos, morador da zona rural de Itaporã, remanescente
da CMD.
Filismino Pires da Silva, residente em Dourados, remanescente da CMD.
lvia da Silva Ferreira, residente em Dourados, remanescente da CMD.
OUTROS ARQUIVOS E ACERVOS PESQUISADOS
Centro de Documentação Regional UFMS/Dourados.
Biblioteca da UFMS/Dourados.
Biblioteca Central da UFMS Campo Grande.
APMS Arquivo Público de Mato Grosso do Sul Campo Grande.
APMT Arquivo Público de Mato Grosso Cuiabá
Arquivo da Assembléia Legislativa Mato Grosso Cuiabá
Biblioteca Estadual de Mato Grosso - Cuiabá
INCRA/Dourados.
FUNAI/Dourados.
Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) fundo da Comissão Especial de Revisão das
Concessões de Terras na Faixa de Fronteiras.
Biblioteca Estadual Isaías Paim Campo Grande.
Biblioteca Municipal de Campo Grande.
Biblioteca da Universidade Católica Dom Bosco Campo Grande.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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