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EMPREENDEDORISMO E EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA: CONFRONTAÇÃO
ENTRE A TEORIA E PRÁTICA
João Benjamim Cruz Júnior
1
Pedro da Costa Araújo
2
Sérgio Machado Wolf
3
Tatiana V. A. Ribeiro
4
Resumo
A prática do empreendedorismo mostra-se cada vez mais freqüente no Brasil como opção de
carreira, frente às dificuldades socioeconômicas que assolam o país e reduzem as
oportunidades para aqueles que querem ingressar no mercado de trabalho. No entanto, a
prática do empreendedorismo convive com a falência de muitas organizações, em decorrência
dos baixos níveis de educação e da desmotivação dos empresários para utilizarem ferramentas
gerenciais capazes de profissionalizar suas atividades. Este artigo tem por objetivo identificar
o grau de importância que os micro e pequenos empresários dão a essas ferramentas
gerenciais, especificamente o plano de negócios, para a abertura e gestão de uma empresa.
Considera-se que os conhecimentos relacionados com essas ferramentas gerenciais estão
atrelados à formação acadêmica do empresário. Constata-se, ao final, a importância das
instituições de ensino, principalmente dos cursos de administração, na capacitação dos
estudantes para a atividade empreendedora. Além disso, verificou-se que, apesar de
considerarem o plano de negócios uma ferramenta essencial para a gestão do
empreendimento, ainda é grande a negligência dos empreendedores quanto à prática do
planejamento.
Palavras-chave: Empreendedorismo. Empreendedor. Plano de negócios. Educação formal.
1 INTRODUÇÃO
O número de brasileiros que abrem o próprio negócio é alto. Segundo pesquisa do
Global Entrepeneurship Monitor – GEM, coordenada pela London Business School da
Inglaterra e pelo Babson College dos Estados Unidos, em uma lista de 34 países, o Brasil está
entre os sete que mais empreendem em criação de novas empresas. Ainda, de acordo com a
1
Professor titular do Departamento de Ciências da Administração da UFSC. Doutorado pela University of
Southern California, USA (1981) e pós-doutorado pela Universidade do Minho, Portugal (1990).
2
Mestrando em Administração (CPGA-UFSC), professor do Departamento de Ciências da Administração –
UFSC, consultor ad-hoc do MEC.
3
Mestre em Engenharia de Produção – UFSC, coordenador Administrativo do Centro Tecnológico – UFSC.
4
Mestre em Administração - UFSC, consultora na área de comunicação – Priori Comunicação e Psicologia
Empresarial – Florianópolis – SC. tati_vri[email protected]om. Artigo recebido em: 14/02/2006. Aprovado em:
29/05/2006.
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
mesma pesquisa, das aproximadamente 17 milhões de empresas do país, 99% caracterizam-se
como micro ou pequenas empresas que empregam 35 milhões de pessoas com carteira
assinada (GEM, 2005). Esta característica empreendedora do brasileiro foi confirmada por
pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE (2004),
que constatou que, anualmente no Brasil, são constituídas em torno de 470 mil novas
empresas.
De acordo com Dornelas (2005, p. 26), “o movimento do empreendedorismo no Brasil
começou a tomar forma na década de 1990, quando entidades como Sebrae (Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e Softex (Sociedade Brasileira para
Exportação de Software) foram criadas”.
O mesmo autor destaca algumas ações que também contribuíram para o crescimento
da prática do empreendedorismo no Brasil: os programas Softex e GENESIS (Geração de
Novas Empresas de Software, Informação e Serviços) que apoiavam atividades de
empreendedorismo em software, o programa Brasil Empreendedor, do Governo Federal,
dirigido à capacitação de mais de 6 milhões de empreendedores em todo o país, os programas
EMPRETEC e Jovem Empreendedor do Sebrae, entre outros.
Entretanto, apesar do crescimento da prática do empreendedorismo no Brasil, o índice
de mortalidade destas empresas, ainda segundo dados do SEBRAE (2004), é expressivamente
significativo, sendo que o percentual de falência para as empresas criadas no ano de 2000 foi
de, aproximadamente, 60%, decorrido um período de três anos.
Dentre as causas do fechamento destas empresas, destacam-se, em quase 70% dos
casos, aquelas classificadas como de origem gerencial. Tais causas estão relacionadas à falta
de planejamento na abertura do negócio, levando o empresário a não avaliar, de forma correta,
fatores importantes para o sucesso ou fracasso do empreendimento, tais como o fluxo de
caixa, a concorrência nas proximidades do ponto escolhido e o potencial dos consumidores,
dentre outros fatores (SEBRAE, 2004).
Uma rápida análise dos dados do GEM (2004) e do SEBRAE (2004) permite
identificar um hiato entre o perfil empreendedor dos microempresários brasileiros em geral e
o dos profissionais titulados pelas Escolas de Administração do Brasil, que, até alguns anos
atrás, formavam pessoas para trabalhar em grandes empresas, de acordo com as conclusões do
Fórum de Educação Empreendedora do Conselho Regional de Administração de São Paulo
(FORUM..., 2005).
Hoje, com a redução dos postos formais de trabalho que se identifica no Brasil, o
empreendedorismo passa a ser visto como uma opção de carreira e uma forma de absorver os
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diplomados que não conseguem se colocar no mercado de trabalho (FORUM..., 2005).
Identifica-se, portanto, a necessidade de criação de um novo perfil profissional, destinado a
ocupar um espaço capaz de canalizar este desejo empreendedor dos brasileiros, cabendo às
instituições educadoras e, mais especificamente, aos educadores, contribuir para o
desenvolvimento de uma educação empreendedora, incentivando os alunos a explorarem o
espaço potencial para o empreendedorismo no país.
Ainda, de acordo com o mesmo Fórum, o processo de educação da universidade
brasileira segue, historicamente, o modelo cartesiano, sendo que “sua forma de atuação, em
geral, é pouco sintonizada com a realidade e necessidades do seu ambiente” (FORUM...,
2005, p. 6)
Estas mesmas constatações já haviam sido identificadas por pesquisas do Conselho
Federal de Administração, realizadas entre 1995 e 1999, e em reportagem publicada pela
Revista Veja, em 2000, de acordo com Tachizawa, Cruz Jr. e Rocha (2003), o que podem ser
resumidas nos seguintes aspectos:
a) os graduados de Administração carecem de formação prática;
b) os conhecimentos dos graduados em Administração são genéricos e superficiais;
c) os cursos de Administração estão dissociados das necessidades do mercado;
d) os cursos de Administração proporcionam ensino desatualizado e não criativo;
e) os cursos de Administração não integram os conhecimentos das várias atividades de
uma organização empresarial.
Diante do potencial para o empreendedorismo no Brasil e, ainda, desta realidade, em
que se constata a necessidade de uma reforma no ensino para atender às demandas deste novo
cenário, este trabalho faz alguns questionamentos:
a) os empresários consideram a educação formal como fator relevante para criação e a
condução do seu empreendimento?
b) os empresários adotam um plano de negócios ou outro tipo de planejamento como
ferramenta gerencial?
c) que conselhos relevantes os empresários têm a dar para aqueles que pretendem abrir
um novo negócio?
A partir desses questionamentos, o presente artigo identifica qual o grau de
importância que os micro e pequenos empresários dão às ferramentas gerenciais,
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
especificamente ao denominado plano de negócios, para abertura e gestão de uma nova
empresa.
A análise e resposta desses questionamentos aqui expostos foram feitas com base nos
relatos de empreendedores já estabelecidos no mercado, obtidos através de pesquisa realizada
em 2005 por alunos do Curso de Administração da UFSC com empresários de micro e
pequenas empresas das seguintes regiões: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e
Mato Grosso do Sul.
2 BASE TEÓRICO-EMPÍRICA
Significativas mudanças vêm marcando o ambiente cultural, econômico e tecnológico
das organizações, criando um cenário sintetizado pela palavra globalização, que reflete o
crescimento exponencial do comércio internacional em associação com o aumento igualmente
extraordinário na velocidade das inovações tecnológicas (BASSI, 2000).
Segundo Tapscott (1999), as organizações dispõem de oportunidades sem precedentes
para poder desfrutar de novos mercados. Por outro lado, os mercados estão mudando
acentuadamente, encolhendo ou ampliando, mas tornando-se extremamente competitivos. D
surge um novo ambiente competitivo global, não apenas a partir de concorrentes tradicionais,
mas também formado por concorrentes não tradicionais em mercados tradicionais. Soma-se a
isso a desintegração das barreiras de acesso a mercados anteriormente monopolizados,
cartelizados e protegidos. Isso significa que os gestores das organizações não poderão mais se
sentir excessivamente confiantes de que suas fatias de mercado e suas posições competitivas
permaneçam asseguradas (TACHIZAWA; CRUZ JR.; ROCHA, 2003).
Neste cenário, as micro e pequenas empresas despertam interesse como nova
dimensão da competitividade global por sua flexibilidade de ação, pelo seu potencial de
complementaridade com as grandes empresas e por sua capacidade de geração de empregos
(VILLELA, 1994). Exatamente por isso, é imprescindível que os cursos de Administração
redefinam suas vocações já que, na sua maioria absoluta, esses cursos estão referenciados na
grande empresa, insistindo no equívoco de que o aprendizado da complexidade das grandes
empresas levará, por uma espécie de osmose, ao domínio da simplicidade das micro e
pequenas empresas (DOLABELA, 2003).
Fica então explícita a importância do aperfeiçoamento contínuo do currículo dos
cursos de administração como forma de capacitar potenciais empreendedores para a gestão de
seu negócio.
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2.1 Empreendedorismo e o empreendedor
A expressão empreendedorismo foi traduzida da palavra inglesa entrepreneurship,
que, por sua vez, foi derivada do latim imprehendere, tendo seu correspondente empreender,
surgido na língua portuguesa no século XV.
Barreto (1998) define empreendedorismo como a habilidade de se conceber e
estabelecer algo partindo de muito pouco ou quase nada. O autor não atrela esta capacidade a
uma característica de personalidade, já que considera o empreendedorismo como um
comportamento ou processo voltado para a criação e desenvolvimento de um negócio que
trará resultados positivos. Em outras palavras, empreender é conseguir criar valor através do
desenvolvimento de uma empresa.
Tal definição enquadra-se no contexto brasileiro onde o que Barreto (1998) chama de
“muito pouco ou quase nada“, significa, na prática, pouco capital disponível, precário nível
educacional, tecnologia insuficiente, dificuldade de acesso a crédito, poucos estímulos e
incompreensão das vantagens em se ter uma educação empreendedora como política de
desenvolvimento econômico e social.
Em 1800, o economista francês Jean Batist Say, considerado o pai do
empreendedorismo, utilizou o termo empreendedor no livro Tratado de economia política.
Segundo Say (apud DRUCKER, 1987, p. 27), “o empreendedor transfere recursos
econômicos de um setor de produtividade mais baixa para um setor de produtividade mais
elevada e de maior rendimento”. Shumpeter (1959) por sua vez, definiu o empreendedor
como sendo o agente do processo de “destruição criativa”, entendido como o impulso
fundamental que aciona e mantém em marcha o motor capitalista, constantemente criando
novos produtos, novos mercados e sobrepondo-se aos antigos métodos menos eficientes e
mais caros, revolucionando sempre a estrutura econômica, destruindo sem cessar a antiga e,
continuamente, criando uma nova. Tal impulso implica a criação de novos bens de consumo,
a adoção de novos métodos de produção ou transporte, o surgimento de novos mercados e as
novas formas de organização que a empresa capitalista cria. Para Shapero, apud Uriarte
(1999, p. 49) o empreendedor é “alguém que toma a iniciativa de reunir recursos de uma
maneira nova ou para reorganizar recursos de maneira a gerar uma organização relativamente
independente, cujo sucesso é incerto”. Drucker (1987) diz que o empreendedor é aquele que
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
cria algo novo, algo diferente, é aquele que muda ou transforma “valores” e, ainda, pratica a
inovação sistematicamente, buscando fontes de inovação e criando oportunidades.
Kaufmann (1990) enfatiza que a capacidade empreendedora está na habilidade de
inovar, de se expor a riscos de maneira inteligente, e de se ajustar às rápidas e contínuas
mudanças do ambiente de forma rápida e eficiente.
Para Filion (1999) um empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza
visões, além de ser uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir
objetivos, mantendo um nível de consciência do ambiente em que vive e utilizando-o para
detectar oportunidades de negócios.
Da análise dessas definições, constata-se que algumas palavras se repetem no mundo
conceitual do empreendedorismo, tais como destruição criativa, criação, construção e tomada
de iniciativa.
Degen (1989), responsável pela introdução do estudo do empreendedorismo no Brasil,
destaca que são raros os traços de personalidade e comportamento que se traduzem na
vontade de criar coisas novas e de concretizar, na prática, idéias próprias. O autor
complementa tal constatação afirmando que as pessoas que têm vontade de realizar acabam
por se destacar, na medida em que, independente da atividade que exercem, fazem com que as
coisas efetivamente aconteçam.
É importante, em termos pedagógicos, que se resgatem na literatura algumas
características identificadoras do empreendedor, do administrador e do técnico, com o intuito
de possibilitar uma maior compreensão do tema. .
Gerber (2004) apresenta algumas diferenças dos três personagens que correspondem a
papéis organizacionais, quais sejam:
a) o Empreendedor, que transforma a situação mais trivial em uma oportunidade
excepcional, é visionário, sonhador; o fogo que alimenta o futuro; vive no futuro,
nunca no passado e raramente no presente; nos negócios é o inovador, o grande
estrategista, o criador de novos métodos para penetrar nos novos mercados;
b) o Administrador, que é pragmático, vive no passado, almeja ordem, cria esquemas
extremamente organizados para tudo;
c) o Técnico, que é o executor, adora consertar coisas, vive no presente, fica satisfeito
no controle do fluxo de trabalho e é um individualista determinado.
É importante destacar no pensamento de Gerber (2004) o fato dos três personagens
estarem em eterno conflito, sendo que ao menor descuido o técnico toma conta, matando o
visionário, o sonhador, o personagem criativo que está sempre lidando com o desconhecido.
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João Benjamim Cruz Júnior, Pedro da Costa Araújo, Sérgio Machado Wolf, Tatiana V. A. Ribeiro
Com o intuito de comparar a teoria com prática é importante destacar alguns
depoimentos obtidos junto a empreendedores brasileiros a respeito do que é ser
empreendedor, extraído de Brito e Wever (2004, p. 38, 52 e 82):
O empresário não pára nunca, não tem sossego. Está sempre se atualizando.
Ninguém é um bom empresário se não consegue se entregar totalmente ao negócio
(Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas).
[...] empreendedores são perseverantes, determinados e cuidadosos (Carlos Tilkian,
presidente da Estrela).
Nos Estados Unidos o empreendedor é tido como herói. No Brasil é aquele
empregado que não deu certo e deu um jeito de continuar vivendo (Mark Barsinsk ,
sócio proprietário da Propay).
Depois de se ter definido empreendedorismo, faz-se necessário relacionar algumas
limitações à prática empreendedora no Brasil. Dessas limitações, 60% delas concentram-se
em três condições básicas: educação e treinamento insuficientes, falta de apoio financeiro e
políticas governamentais inadequadas (GEM, 2005). Pesquisa do SEBRAE (2004) sobre os
condicionantes de mortalidade de microempresas, em questões que admitiam respostas
múltiplas, apresentou, pela ordem, as seguintes causas das dificuldades e razões para o
fechamento das microempresas no Brasil: falhas gerenciais, causas econômicas e
conjunturais, logística operacional, políticas públicas e arcabouço legal.
No tocante à condição referente à educação e treinamento, além do sistema
educacional brasileiro não preparar para o empreendedorismo, destaca-se a precariedade da
educação básica no país. Desse modo, o potencial empreendedor do brasileiro é desperdiçado,
pois as pessoas não conseguem enxergar a educação formal como fator essencial para a
abertura e administração do negócio. E, somado a isso, os empreendedores que buscam
educação formal, não conseguem a capacitação necessária por falhas no próprio ensino que,
na maioria das vezes, apenas apresenta as ferramentas gerenciais, mas não ensina de que
forma essas ferramentas podem ser aplicadas na prática e quais são os benefícios que essa
aplicação pode trazer para o empreendedor e seu negócio.
2.2 Empreendedorismo e discussão educacional
Embora o fenômeno do empreendedorismo seja antigo, o debate em torno do tema
atingiu relevância, tanto na discussão acadêmica quanto no âmbito de políticas públicas,
apenas nos últimos 20 anos. No Brasil, por exemplo, segundo relata Dolabela (1999), a
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
primeira disciplina de empreendedorismo de que se tem notícia surgiu em 1981, na Escola
Superior de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, por
iniciativa do professor Ronald Degen. Com o nome “Novos Negócios”, a disciplina foi
desenvolvida com base em pesquisas com empreendedores realizadas pelo autor e ministrada
de 1981 a 1987.
Já na UFSC o ensino do empreendedorismo no Curso de Administração foi iniciado
em 1995 com a inclusão no currículo de três disciplinas que contemplaram conteúdos
empreendedores e estavam assim distribuídas: no primeiro semestre, a disciplina “Criação e
desenvolvimento de novas empresas“; no oitavo semestre, a disciplina “Administração frente
a novos cenários mundiais“ e, no nono semestre, a disciplina “Empreendimentos e modelos de
negociação”. A proposta contemplava duas dimensões: a dimensão tempo e a dimensão
espaço, sendo que a “dimensão tempo“ considerava a velocidade em que os processos de
mudança se materializavam e a “dimensão espaço” considerava “a era multimídia, da
cibernética [...] no processo da vida associada” (UFSC, 1995)
Complementarmente, consta no texto da reforma curricular do Curso de
Administração da UFSC, que
O profissional do amanhã necessita estar preparado a ser agente condutor das
mudanças para adaptar as organizações a esse processo. [...] A hegemonia da
empresa multinacional é inconteste, assim como a existência das micro, pequenas e
médias empresas como mecanismo recriado pela grande organização, para sua
reprodução. [...] Ser grande deixou de ser uma vantagem, sendo que o mesmo se
aplica à diversificação. A empresa bem-sucedida do amanhã terá tamanho médio
(UFSC, 1995, p. 15-16).
Essa era a percepção que o grupo de trabalho responsável pela formulação da proposta
de reforma curricular tinha do Curso de Administração, em 1994. Com a aprovação da
referida reforma evidenciou-se, pela primeira vez, no Curso de Administração da UFSC a
citação da necessidade de o administrador ter uma formação empreendedora. A proposta de
reforma curricular (UFSC, 1995) destaca, na formação do administrador, a importância de
conteúdos programáticos que contemplem os seguintes pontos:
a) formação empreendedora;
b) desenvolvimento da capacidade analítica para elaborar diagnósticos e propor
mudanças;
c) desenvolvimento da capacidade de gestão;
d) formação sistêmica;
e) capacidade gerencial em informática.
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João Benjamim Cruz Júnior, Pedro da Costa Araújo, Sérgio Machado Wolf, Tatiana V. A. Ribeiro
Na concepção multidisciplinar da proposta o ensino, a pesquisa e a extensão deveriam
fundamentar-se na dimensão “aprender fazendo” como tônica do curso e tendo como objeto
central de estudo a empresa.
A partir de 1995, com a oferta da disciplina “Criação e desenvolvimento de novas
empresas”, buscaram metodologias que respondessem aos pressupostos estabelecidos na
proposta curricular. Apesar de se ter identificado a necessidade de conteúdos com formação
empreendedora no Curso de Administração da UFSC, o desafio didático pedagógico passou a
ser o de descobrir formas adequadas de aprendizagem, ampliadoras da divulgação de tais
conceitos.
3 DESCRIÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa da qual resultou este artigo, conforme orienta Vegara (1997), foi
categorizada quanto aos fins e aos meios. Quanto aos fins, essa pesquisa pode ser classificada
como: qualitativa, exploratória, descritiva, teórica aplicada e estudo de campo. Em relação à
classificação quanto aos meios propôs-se: pesquisa de campo.
Tal pesquisa foi realizada em maio de 2005, como tarefa integrante do conteúdo do
programa da disciplina obrigatória e da 1ª fase do Curso de Administração da UFSC:
“Criação e desenvolvimento de novas empresas”. O objetivo da pesquisa foi possibilitar que
os estudantes associassem as teorias discutidas em sala de aula com a realidade das empresas,
por meio da interação de ensino, pesquisa e extensão.
Vegara (1997) afirma que pesquisas qualitativas investigam as realidades sociais
através da compreensão e interpretação do significado humano e seus processos de construção
social. Essa pesquisa teve caráter qualitativo, pois os pesquisadores participaram,
compreenderam e interpretaram os dados coletados na pesquisa a partir da percepção dos
empreendedores entrevistados.
Caracteriza-se a pesquisa como exploratória, pois, segundo Vegara (1997), a
investigação exploratória é realizada a fim de se acumular e sistematizar mais conhecimento
sobre o assunto estudado.
Conforme Vegara (1997), outra etapa da pesquisa é definir o que é população,
população amostral e suas diferenças. Segundo o autor, população entende-se como um
conjunto de elementos (empresas, produtos, pessoas, por exemplo), que possuem as
características que serão objeto de estudo.
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
Nesse caso, a amostra pesquisada consistiu em 87 micro ou pequenos empresários das
seguintes regiões: Santa Catarina (74), Rio Grande do Sul (4), São Paulo (8) e Mato Grosso
do Sul (1). Os empresários foram escolhidos pelo critério de acessibilidade ou conveniência.
De acordo com Gil (1999), neste critério de amostragem o pesquisador seleciona os
entrevistados a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o
universo. Os empresários entrevistados estão estabelecidos há, no mínimo, três anos na atual
atividade: 13 no ramo da indústria, 51 no do comércio e 23 no de serviços. A idade média de
tais empreendimentos é de 9 anos. Na indústria incluem-se construtoras, confecções, fábrica
de ferramentas, indústria de hidropneumáticos, fábricas de móveis, gráfica, fábrica de
utensílios plásticos. No comércio, açougues, pizzarias, autopeças, lojas de R$ 1,99,
restaurante, móveis de escritório, óticas, artigos para decoração e presentes. Na área de
serviços, cursos pré-vestibular, academias de ginástica, franquia do correio, videolocadoras,
escritórios de consultoria e de organização de eventos. Tal amostra caracterizou-se pela
diversidade, já que abrange 43 tipos de negócios.
De acordo com Vegara (1997), a pesquisa foi apresentada como descritiva, pois expôs
características de determinada população ou de fenômeno. Mattar (1999) apresenta a pesquisa
descritiva, quando se procura o fenômeno em estudo.
A pesquisa foi realizada por meio de entrevista com aplicação de perguntas
predefinidas a um empresário de sua livre escolha, utilizando-se o critério de acessibilidade. A
escolha de tal metodologia possibilitou aos alunos-pesquisadores, além da visita a um
pequeno empreendimento, conhecer empreendedores e perceber, na prática, a dinâmica de
funcionamento de um negócio, sendo várias as percepções resultantes do relato dos
respondentes que nem sempre podem ser compreendidas de forma isolada ou fora de tal
contexto.
Em relação aos meios, a pesquisa caracterizou-se como pesquisa de campo, pois foi
realizada uma investigação empírica no local onde ocorre o fato, nesse caso a análise dos
empreendedores entrevistados sobre os determinados assuntos. Segundo Lakatos e Marconi
(1990), pesquisa de campo corresponde ao levantamento de dados no próprio local onde os
fenômenos ocorrem.
As entrevistas foram realizadas no período de 02 a 30 de maio de 2005. A decisão de
gravá-las ou não ficou a critério do entrevistador, mas todas foram registradas na íntegra. Tal
procedimento mostrou-se adequado, pois propiciou a integridade dos dados no processo de
análise e interpretação (FLICK, 2004).
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Os empreendedores selecionados deveriam ser proprietários de uma micro ou pequena
empresa, estabelecida há no mínimo três anos, o que configura que já teriam ultrapassado o
período em que ocorrem 60% dos casos de mortalidade (SEBRAE, 2004).
Foi utilizada a tabulação simples para o tratamento das informações obtidas nas
entrevistas. Após a coleta dos dados, foram feitas as análises e interpretações das informações
obtidas. Nesta fase, fez-se a codificação dos dados que, segundo Rudio (2000), consiste em
um processo no qual se poderá colocar determinadas informações numa categoria específica.
Após a codificação, foi feita a tabulação dos dados que, de acordo com esse mesmo autor, é o
processo que transforma os dados em gráficos e tabelas. Como última tarefa, os alunos
pesquisadores elaboraram um relatório a respeito da entrevista, do empreendedor e de sua
empresa.
A elaboração deste artigo baseou-se em pesquisa documental, uma vez que estavam à
disposição os dados da pesquisa realizada com os empreendedores, descrita no item anterior.
Na perspectiva de Gil (1991, p. 51), “a pesquisa documental vale-se de materiais que não
receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo
com os objetivos da pesquisa”. Este método busca identificar informações nos documentos a
partir de questões ou hipóteses de interesse do investigador.
A referida pesquisa na qual utilizou-se a técnica de entrevista apresentou algumas
limitações, quais sejam:
a) inabilidade ou incapacidade do entrevistado para responder adequadamente, em
decorrência de insuficiência vocabular;
b) influência exercida pelo aspecto pessoal do entrevistador sobre o entrevistado;
c)a influência das opiniões pessoais do entrevistador sobre as respostas do
entrevistado.
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
As conclusões apresentadas neste artigo basearam-se na análise dos resultados obtidos
através da pesquisa, tendo como direcionamento as seguintes questões.
4.1 Tipo de educação formal do empresário e sua relevância para o negócio
Dos empresários pesquisados, 62% têm curso superior completo, 16%, curso médio
completo, 6%, curso técnico e, 8% obtiveram formação em cursos livres, como pode ser
observado na Tabela 1:
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Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
Tabela 1 – Nível de instrução dos entrevistados
Superior 62%
Ensino médio 16%
Técnico 6%
Cursos livres 8%
Não responderam 8%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
Os 62% dos entrevistados com formação superior (completa ou incompleta),
representam um percentual bastante superior à média nacional.
Quando perguntados se a educação formal foi relevante para o negócio, a maior parte
dos entrevistados (64%) considerou que sim. Daqueles que possuem curso superior, 72%
consideram que a educação formal foi importante, como mostra a Tabela 2:
Tabela 2 – Importância da educação formal
Sim, é importante 72%
Não, não é importante 15%
Não responderam 13%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
Independente do grau de instrução, a manifestação quanto à importância da educação
formal foi positiva para a maioria dos respondentes, o que demonstra a necessidade de
políticas voltadas para a educação empreendedora.
A educação formal pode contribuir para o sucesso dos negócios, não só por ampliar
novas propostas, inventar novos produtos ou processos, mas também por ampliar a
capacidade de aproveitar oportunidades e gerar conhecimentos para então transformá-los em
bens sociais.
Empreender significa modificar a realidade para dela obter a auto-realização e oferecer
valores positivos para a coletividade. Quanto maior o grau de escolaridade de um povo, maior
o nível de emprego e renda e maior a possibilidade de empreender por oportunidade.
Nesse sentido, educar implica despertar a rebeldia, a criatividade, a força da inovação
para construir um mundo melhor. É substituir a lógica do utilitarismo e do individualismo
pela construção do humano, do social, da qualidade de vida para todos. (DOLABELA 2003)
4.2 Adoção de um plano de negócios como ferramenta gerencial
Ao serem questionados se tinham ou não um plano de negócios para iniciar e manter o
empreendimento, a grande maioria (66%) dos entrevistados afirmou não ter adotado nenhum
tipo de plano formal, conforme Tabela 3:
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Tabela 3 – Adoção de um plano de negócios
Sim, adotou 31%
Não, não adotou 66%
Não responderam 3%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
A Tabela 4 a seguir permite a aferição de alguns aspectos na relação entre o nível de
instrução e a utilização do plano de negócios. Dentre aqueles que têm curso superior, a
maioria (59%) não adotou um plano de negócios. Vale destacar, no entanto, que um número
considerável dos entrevistados com curso superior (39%) utilizou um plano de negócios,
sendo que tal percentual é superior em 8%, se comparado à média dos empreendedores
pesquisados.
Tabela 4 – Plano de negócios x Curso superior
Sim, adotou 39%
Não, não adotou 59%
Não responderam 2%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
Já para aqueles que têm apenas o ensino médio, a grande maioria (72%) não adotou
um plano de negócios, sendo que tal percentual é 6% inferior à média dos pesquisados, como
mostra a Tabela 5:
Tabela 5 – Plano de negócios x Ensino médio
Sim, adotou 21%
Não, não adotou 72%
Não responderam 7%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
Os dados das Tabelas 3, 4 e 5 permitem constatar a tendência do técnico partir de uma
atividade que desempenha sozinho em determinada empresa, para montar seu próprio
empreendimento sem, no entanto, adotar nenhum tipo de planejamento. A propósito, a falta de
tal instrumento tem sido aceita com destaque como uma das causas de mortalidade das micro
e pequenas empresas. Na luta entre o empreendedor e o técnico, normalmente o técnico
vence, segundo Gerber (2004), e o técnico é quem mais despreza os instrumentos de gestão,
comparado ao gerente e ao empreendedor.
Percebe-se que quanto mais elevado o nível de escolaridade maior é a consciência da
importância do plano de negócios, o que contribui para reduzir uma das causas da mortalidade
das micro e pequenas empresas brasileiras (SEBRAE, 2004).
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
O simples exercício da elaboração do plano de negócios implica um aprendizado, onde
o empreendedor responde a perguntas mínimas referentes à sobrevivência do seu
empreendimento (o quê? quando? como? onde? a que custo?), aumentando a probabilidade de
longevidade do seu negócio. Os próprios entrevistadores demonstram tal percepção, o que
pode ser retratado nos relatos a seguir:
Para realizar um empreendimento, precisamos criar um plano de negócios, para
identificar os objetivos, recursos necessários, forma de implantação, forma de
controle e medição dos objetivos alcançados, frente aos projetados.
[...] pude perceber com a entrevista que a maior causa das grandes dificuldades
encontradas pelo empreendedor foi a falta de planejamento.
[...] a partir do contato com um empreendedor tive a chance de ver como os
negócios funcionam e como lidar com problemas. Pude perceber que para se ter
sucesso é importante ter visão e planejamento e não contar só com a sorte.
Verifica-se, pelos dados da pesquisa e pelos depoimentos anteriores, a importância do
plano de negócios, o que se aplica à própria função de planejamento. Segundo Dornelas
(2003, p. 98) um plano de negócio é “um documento usado para descrever um
empreendimento e o modelo de negócio que o sustenta. A sua elaboração envolve um
processo de aprendizagem e autoconhecimento, e ainda permite ao empreendedor situar-se no
seu ambiente de negócios”.
Dados de mortalidade indicam como causa principal do fechamento prematuro das
empresas a falta de planejamento, o que acarreta impactos significativos nos indicadores
socioeconômicos. No Brasil, considera-se que o número de pessoas ocupadas na empresa
extinta é de 3,2, o que, na primeira metade desta década, representa 2,4 milhões de pessoas e
uma perda de aproximadamente 19,8 bilhões de inversões na atividade econômica das
empresas encerradas (SEBRAE, 2004). Considerando-se que a maior parte desses recursos
(aproximadamente 74%) é própria, pode-se inferir que o referido montante representa perda
de poupança pessoal ou familiar dos empreendedores.
4.3 Conselhos aos futuros empreendedores
A Tabela 6 a seguir mostra os principais conselhos dados pelos empresários
entrevistados para quem quer abrir um novo empreendimento.
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
João Benjamim Cruz Júnior, Pedro da Costa Araújo, Sérgio Machado Wolf, Tatiana V. A. Ribeiro
Tabela 6 – Conselho para novos empreendedores
Plano de negócios 49%
Disciplina 18%
Motivação 16%
Outros 12%
Não responderam 5%
Fonte: Dados da pesquisa, 2005.
Percebe-se, aqui, um grande paradoxo: apesar de apenas 31% dos entrevistados terem
adotado um plano de negócios conforme, verificado na Tabela 3, praticamente a metade
(49%) aconselha aos futuros empreendedores a adoção desta ferramenta.
Alguns depoimentos dos entrevistadores reforçam tal percepção:
[...] Pelo que pude perceber o entrevistado entrou no mercado sem muito
conhecimento, sem um planejamento adequado e estudo de mercado o que gerou
muitas dificuldades.
[...] Identificar oportunidades, planejar conhecimentos e recursos são itens que
lemos muitas vezes nos livros, sem nos darmos conta de que eles são realmente
necessários para que tudo ocorra bem. É claro que não são os únicos fatores, porém
são essenciais.
4.4 Lições extraídas pelos entrevistadores
Neste ponto, é interessante destacar alguns depoimentos dos alunos entrevistadores:
Sem dúvida as lições tiradas dessa atividade serão bem aproveitadas ao longo do
curso e até mesmo de minha vida, pois sonho, como o entrevistado um dia sonhou,
em ter meu próprio negócio e ser bem-sucedido.
Percebe-se, pelo relato de alguns alunos entrevistadores, que a motivação para se
tornar um empreendedor está muitas vezes relacionada à “capacidade de sonhar”, “ de correr
atrás do sonho” e de “descobrir dentro de si o que se gosta”. É fato, no entanto, que esta
motivação por si só não é suficiente para que um negócio seja implementado e se torne um
sucesso.
McClelland (1987), Filion (2000) e Dornelas (2005) apresentam como ponto comum
que o empreendedor, por meio da imaginação e do conhecimento, precisa visualizar cenários
diversos e pensar em alternativas que respondam à idéia que ele tem do seu empreendimento.
Entretanto, Filion (2000) destaca o que considera as atividades críticas para a gestão do
negócio tais: conceber visões, tomar decisões e realizar as visões.
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
Os depoimentos a seguir demonstram a necessidade do empreendedor cumprir as
funções clássicas da administração (planejamento, organização, coordenação, comando e
controle), identificadas através das expressões “preparo” e “disciplina”.
Após a entrevista, verifiquei que para empreender é necessária muita disciplina.
Organização é essencial quando se trata de abrir o próprio negócio.
Percebi que abrir um negócio exige todo um preparo, um estudo de projeções, além
de muita organização e recursos.
Alguns outros depoimentos que podem ser destacados são os que se seguem:
Para empreender com sucesso o ideal é que o empreendedor se prepare fazendo
cursos, conhecendo seus clientes potenciais, elaborando um plano de negócios e
apresentando sua idéia com um diferencial, algo que conquiste o consumidor.
Aprendi a necessidade de tomar certas providências antes de abrir um negócio, como
cursos de formação, para evitar a mortalidade.
Percebi que o gosto pela leitura adquirido ao longo dos anos pelo entrevistado é
ponto importante... Foi justamente através da leitura de um livro que ocorreu o seu
despertar para a abertura de um negócio.
Tais declarações confirmam a necessidade do micro e pequeno empresário ter os
conhecimentos necessários para gerir seu empreendimento. Os dados educacionais do
empresário brasileiro mostram que, das empresas ativas no Brasil, 3% dos proprietários têm
até o primeiro grau completo, sendo que nas empresas extintas tal percentual sobe para 5%.
Tais números sofrem alteração de 6% para 7% no nível primário completo até ginásio
incompleto e de 12% para 14% de ginásio completo até colegial incompleto (SEBRAE,
2004).
Do universo pesquisado pelo GEM (2005), 58% dos empreendimentos estão
concentrados no setor de serviços. Tal fato se justifica porque esses empreendimentos são
vinculados a segmentos tradicionais, de baixo nível de inovação e, também, porque, em linhas
gerais, os serviços orientados ao consumidor são tipicamente menos intensivos em
necessidade de formalização, capital, tecnologia, e conhecimento do que os outros setores.
Alguns depoimentos dos alunos entrevistadores demonstram que, independentemente
da adoção de um plano de negócios, a experiência prática dos empresários estabelecidos não
pode ser desprezada como fonte orientadora para os que estão começando. E muitos novos
empreendedores baseiam suas ações somente nestas experiências.
[...] melhor dessa tarefa não foi durante a entrevista [...] mas o fato do empreendedor
ensinar-me como funciona o mercado e o mundo que gira em torno do
empreendedor.
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
João Benjamim Cruz Júnior, Pedro da Costa Araújo, Sérgio Machado Wolf, Tatiana V. A. Ribeiro
Achei muito interessante fazer a entrevista e obter estes conhecimentos sobre o
mundo dos negócios e sobre a vida dos empreendedores [...] o essencial é trocar
idéias com pessoas que tenham o próprio negócio e que tenham passado por altos e
baixo.
O entrevistado nunca cursou aulas de Administração, mas seus conhecimentos são
compatíveis com os que estudamos nas cadeiras deste curso [...] a experiência de
ouvir alguém realizado comentar suas realizações e experiências é realmente
incrível.
Os empreendedores conhecem, de uma maneira geral, a importância de uma boa rede
de contatos. Os depoimentos dos entrevistadores demonstram respeito pelo conhecimento
prático dos entrevistados, conhecimento este que consideram tão válido para o sucesso do
empreendedor quanto os obtidos nos cursos formais. Dessa forma, é perfeitamente aceitável a
visão de que o cenário ideal consiste no equilíbrio entre teoria e prática.
De acordo com Degen (1989), imitar o sucesso alheio é a fórmula menos arriscada de
iniciar um empreendimento próprio e, não por coincidência, é a adotada pela grande maioria
dos empreendedores. Para ter êxito ao imitar o sucesso alheio, o empreendedor deve observar
e analisar muito bem as experiências dos outros, identificar os pontos fortes e fracos,
introduzir melhorias no empreendimento original para se diferenciar dos concorrentes e não
ser apenas um mero imitador.
Em outras palavras, é imprescindível a percepção de que uma prática de sucesso, que
muitas vezes não está necessariamente atrelada a um plano de negócios, pode não gerar os
mesmos resultados positivos se implementada em um outro contexto. É preciso filtrar e
adaptar as informações originadas da experiência de outros empreendedores para o contexto
em que o novo negócio será estabelecido. E, somado a isso, utilizar o planejamento como
ferramenta para tratar as informações.
O capital a ser investido é também um ponto essencial para a abertura de um negócio
e, independentemente do montante disponibilizado, a potencialização deste recurso aumenta
na medida em que sua administração está atrelada a algum tipo de planejamento, de acordo
com o depoimento a seguir.
Uma experiência muito válida já que pude perceber na prática que mesmo sem
muito investimento financeiro, mas com uma boa idéia e com muito esforço, pode-
se alcançar sucesso em um empreendimento.
Neste ponto, é positivo lembrar que, segundo Degen (1989), a escassez de recursos
não deve desencorajar o futuro empreendedor, pois o difícil não é conseguir capital, mas
identificar uma oportunidade de negócio atraente, que consiga interessados em comprar tal
idéia. A maioria dos empreendedores bem-sucedidos começa sem dinheiro (DEGEN, 1989).
Um bom plano de negócios facilita a identificação de oportunidades em que valha a pena
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
investir, além de possibilitar o entendimento de que existe uma diferença entre negócio e
aventura.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo mostrou, em termos gerais, que a prática do empreendedorismo está cada
vez mais presente no cotidiano brasileiro como uma opção de carreira, tendência decorrente,
principalmente, da dificuldade de absorção de profissionais pelo mercado de trabalho formal.
Percebeu-se que, dentre os fatores que motivaram os entrevistados a empreender,
foram preponderantes os “motivos relacionados à necessidade”, e, também, “motivos
relacionados à oportunidade”. Esses dois fatores conferem com os achados das pesquisas
desenvolvidas pelo SEBRAE (2004 e 2005), que mostram que, ligados à necessidade, os
principais motivos do empreendedorismo são a falta de emprego, a demissão e a necessidade
de aumentar a renda. Já as razões relacionadas à oportunidade são o sonho, convite de
alguém, aproveitamento de experiência.
Paralelamente a este potencial para o empreendedorismo existe, no entanto, uma
realidade marcada por empresas que não conseguem atender às demandas concernentes ao
negócio e não sobrevivem aos desafios impostos pelo mercado, fato que está, na maioria das
vezes, relacionado à negligência de grande parte dos empreendedores quanto à prática do
planejamento.
Quanto à relevância que os micros e pequenos empresários atribuem as ferramentas de
gestão, cabe observar que em relação ao planejamento a grande maioria (66%) disse não ter
nem mesmo um plano de negócios, o que constitui uma das principais causas de mortalidade
identificadas pelo SEBRAE (2004). É interessante registrar porém, que 60% dos entrevistados
praticam, de alguma forma, as funções administrativas de planejamento, organização,
coordenação, e controle e que 63% adotam o planejamento sistemático no que se refere ao
fluxo de caixa.
Cabe destacar, neste ponto, o seguinte depoimento feito por um dos entrevistadores:
O entrevistado contou-me que em momento algum fez qualquer tipo de
planejamento, e acredita que é preciso ter feeling para perceber o momento de agir e,
portanto, não acha necessário planejar. O entrevistado diz não planejar mas, desde o
cardápio, até a escala de seus funcionários são metodicamente planejados.
O que ocorre na prática é que, muitas vezes, apesar de não assumir formalmente a
importância do plano de negócios, o empreendedor orienta suas ações de forma planejada,
mesmo que instintivamente.
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
João Benjamim Cruz Júnior, Pedro da Costa Araújo, Sérgio Machado Wolf, Tatiana V. A. Ribeiro
A certeza de que o planejamento, especificamente o plano de negócios, é uma
ferramenta essencial para a gestão de um empreendimento é reforçada quando se analisam os
conselhos dados pelos empresários para quem quer empreender. Apesar de muitos conselhos
estarem relacionados a aspectos motivacionais, ligados a escolas comportamentais do
empreendedorismo, tais como realização, gostar do que faz, vontade, dedicação e persistência,
muitos são atinentes ao planejamento e à necessidade de aperfeiçoamento contínuo. Dessa
forma, apesar da maioria dos empreendedores não ter elaborado um plano de negócios, eles
realçam a importância desta ferramenta no momento em que são solicitados a dar conselhos a
um empreendedor que está iniciando o seu negócio.
Por fim, evidencia-se a importância da educação formal para o sucesso da gestão de
micro e pequenas empresas. Verificou-se que a grande maioria dos entrevistados (62%) tem
educação superior e considera a educação formal como fator importante para a condução do
seu empreendimento.
Reforça-se aqui, novamente, a importância das instituições de ensino, principalmente
dos cursos de administração, de proverem uma formação empreendedora aos estudantes que
objetivem abrir seu próprio negócio e, paralelamente, incentive os atuais empreendedores que
não têm educação formal, a buscarem nas instituições de ensino, o aprendizado que servirá de
guia para a realidade prática. Fazer com que eles percebam a educação formal como um
investimento que vai gerar informações essenciais para o sucesso de seu negócio e, de
acreditar na competência das instituições de ensino de proverem uma educação
empreendedora para aqueles que se dispõem a aprender. Cabe, então, ao ensino formal mais
do que apenas apresentar aos alunos as ferramentas gerenciais, mas ensiná-los como utilizá-
las na prática.
Finalmente, sugere-se uma reformulação contínua no ensino formal brasileiro, com o
intuito de fornecer aos alunos uma formação empreendedora, assim como de incentivar
aqueles que já são empresários a buscarem constante atualização de conhecimentos para uma
gestão mais profissionalizada do negócio.
THEORY AND PRACTICE OF ENTREPRENEUSHIP AND ENTRERENEURIAL
EDUCATION
Abstract
The practice of the entrepreneurship is shown more frequent in Brazil as a career option, due
to the socioeconomic difficulties in the country that reduces the opportunities for those who
Revista de Ciências da Administração – v.8, n.15, jan/jun 2006
Empreendedorismo e educação empreendedora: confrontação entre a teoria e prática
want to enter in the labor market. However, the practice of entrepreneurship coexists with the
bankruptcy of many organizations, caused by the lack of motivation of entrepreneurs in the
use of managerial tools to professionalize their activities, as well as their low level of
education. The purpose of this article is to identify the rank of importance micro and small
entrepreneurs give to those managerial tools, particularly the Business Plan, for the
establishment and management of a company. It’s considered that the knowledge related with
those managerial tools are related to the manager's academic formation. It is verified, at the
end, the importance of the institutions of education, mainly the administration courses in
qualifying the students for the enterprising activity. Moreover, it was demonstrated that,
although they consider the business plan an essential tool for the management of the
company, there are a recklessness of the entrepreneurs about planning.
Keywords: Entrepreneurship. Entrepreneur. Business plan. Formal education.
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