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LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Gregório de Matos
Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
Crônica do Viver Baiano Seiscentista
Índice
Andanças de uma viola de cabaça
Descreve a deplorável peste, que padeceo a Bahia no a. 1686, a quem discretamente
chamáram bicha, porque variando nos sintomas, para que a medicina não soubesse
atalhar os effeytos, mordia por differentes boccas, como a bicha de hercoles. Tambem
louva o cartitativo zelo de algumas pessoas com os enfermos.
Encontro que teve com huma dama, muy alta corpolenta, e desengraçada.
Fugindo huma mulatinha com o sugeyto, que a tinha forrado, descreve o poeta os
excessos, e sentimento, que mostrava huma fulana de Lima sua senhora.
Co cirro nos estrefolhos.
Ausente de sua casa pondera o poeta o seu mesmo êrro, em occasião de ser buscado
por sua mulher.
A huma dama fulana de Mendonça Furtado, com quem foy o poeta achado por sua
mulher.
Descreve um horroroso dia de trovões.
Decanta os estragos que no boqueirão de Santo Antonio fazia hum surucucú, em quem
passava desde huma paça descalvagada, onde se recolhia de dia.
Regra de bem viver, que a persuasões de alguns amigos deo a huns noyvos, que se
casavam.
A Vasco Marinho Falcão, que sendo homem velho, e achacoso se casou com huma
mulher moça, e formosa.
O muleiro, e o criado.
Descreve o poeta huma bocca larga.
Ao casamento de hum sugeyto valente com huma elena de tal.
Passando dous frades franciscanos pela porta de Agueda pedindo esmolla, deo ela um
peydo, e respondeo hum delles estas palavras "Irra, para tua thia".
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Pondera misterioso em amores o descuido, com que huma dama cortou o seu dedinho
querendo aparar huma pena para escrever a seu amante.
Sonho que teve com huma dama estando prezo na cadeya.
A Luiza çapata querendo, que o amigo lhe desse quatro investidas duas de dia, e duas de
noyte.
A huma dama que se encarecia de formosa por vender-se caro.
A Bitancor, que na primeyra vez que com ella conversou o poeta, logo foi admittido sem a
minima repugnancia.
A Thomaz Pinto Brandão queyxandose de huma mula que lhe tinha pegado hua mulata,
âquem dava diversos nomes, por disfarce, dixendo humas vezes, que era ingua, e outras
quebradura.
A Francisco Pereyra de Azevedo nascendo-lhe um neto na mesma hora, em que lhe
morreo uma neta.
Chica ou Francisca huma desengraçada criolla, que conversava com o poeta e se
arripiava toda zelosa de ò ver conversar com Maria João, no mesmo tempo, em que ella
não fazia escrupulo de admitir hum mulato.
Enfurecido o poeta daquelles ciumes descompostos lhe faz esta horrenda anatomia.
A hum amigo apadrinhandolhe a escrava de alcunha a jacupema, a quem sua Senhora
queria castigar pelo furto de hum ovo.
À pendencia que teve Marava de Lemos com vicencia por respeyto de Antonio de Moura
a que acodio hum CAPm. hypocrita que trazia hum crucifixo ao pescoço.
A caridade com que esta mesma vicencia agazalhava trez amantes.
Baxa que deram a esta vicencia, por dizer-se que exhallava mao cheyro pelo suvacos, e
se foy metter com Joanna Gafeyra.
Intenta agora o poeta desagravar a vicencia justamente sentida dos seus versos.
Celebra o poeta à huma graciosa donzella, e não menos formosa de marape chamada
Antonia.
A brazia do calvario outra mulata meretriz de quem tambem fallaremos, que estando em
acto venereo com hum frade Franciscano, lhe deo um acidente a que chamão
vulgarmente lunduz, de que o bom frade não fez caso, mas antes foy continuando no
mesmo exercicio sem desencavar, e somente o fez, quando sentio o grande estrondo,
que o vazo lhe fazia.
A huma dama que por um vidro de água tirava o sol da cabeça.
Huma formosa mulata, a quem hum sargento seu Amasio arrojou aos valados de huma
horta.
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Ressentida tambem como as outras o poeta lhe dá esta satisfação por estillo
proporcionado ao seu genio.
Ao provedor da fazenda real Francisco Lamberto fazendo na ribeyra o famoso galleão S.
João de Deos.
Outra mulata, de quem o poeta falla entre as borrachas do juizado de Nossa Senhora do
Emparo tambem se resentio da afronta, e elle à satisfaz agora na mesma forma.
Louva o poeta obsequiozamente o grande zelo, e caridade, com que Antonio de Andrade
juiz, que era dos orphãos desta cidade da Bahia sendo dispenseyro da Santa Casa de
Misericordia tratava aos pobres doentes do hospital.
Disparates na lingua brazilica a huma cunhãa, que ali galanteava por vicio.
A huma dama, que mandando-a o poeta solicitar lhe mandou dizer que estava
menstruada.
A huma dama, que lhe mandou hum registro de Santa Juliana que havia tirado por sortes
em Santa Anna.
A huma negra que tinha fama de feyticeira chamada Luiza da Prima.
A peditorio de huma dama que se vio desprezada de seu amante.
A Manuel Ferreira de veras nascendolhe hum filho, que logo morreo, como também ao
mesmo tempo hum seo irmao, e ambos foram sepultados juntos em N. Senhora dos
Prazeres.
A huma criola por nome Ignacia que lhe mandou para glozar o seguinte.
A Margarida, mulata pernambucana que chorava as esquivanças de seu amante com
pretexto de lhe haver furtado huns coráes.
A huma dama gratificandolhe o favor, que por sua intercessão alcançara.
A certo homem de distinção que se costumava embebedar e queimando-se-lhe a casa
ficou elle illezo, e toda a familia.
Lamenta a mulher deste mesmo sugeyto a má sorte, que teve em se casar com homem
detalcondição, porque actualmente estava bebado.
A amazia dêste sujeito que fiada no seu respeito se fazia soberba, e desavergonhada.
A morte de Afonço Barboza da Franca amigo do poeta.
Ao mesmo assumpto.
Às duas mulatas prezas finge o poeta, que visita nestes dous sonetos interlocutores. Falla
com a May.
Falla o poeta com a filha.
Pintura admiravel de huma belleza.
Desayres da formosura com as pensões da natureza ponderadas na mesma dama.
A outro sugeyto que estando varias noytes com huma dama, à não dormio por não ter
potencia; e lhe ensiáram, que tomasse por baxo humas talhadas de limão, e metteo
quatro.
A certo sugeyto de supposição, que tendo-se retirado da côrte e vivia na soledade de
huma quinta mandou ao poeta a seguinte décima.
Responde o poeta a seguinte decima com este soneto.
Ao doutor Francisco Ximenes, que indo a casa de sua dama, achou o lugar occupado por
outro, a quem desafiou: mas não proibio, nem pôde o logro dos amores.
A hum amigo pedindolhe huma caixa de tabaco.
A certo barqueiro de marapè presumido de gentil, valente, e namorado, o qual tinha por
gurumete da nao, em que o poeta veyo de Portugal.
Mesmo barqueiro e pelo mesmo caso.
Celebra a carreyra que deo hum caboclo a hum sugeyto, que achou com huma negrinha
angolla, com quem elle falava.
A humas freyras que mandáram perguntar por ociosidade ao poeta a difinição do priapo e
elle lhes mandou difinido, e explicado nestas décimas.
A huma dama, que lhe mandou hum cravo em occasião, que se lhe queixava de certo
aggravo.
Novas do mundo que lhe pedio por carta hum amigo de fora por occasião da frota.
A huma dama que tinha um cravo na bocca.
Por aviso celestial daquella grande peste, que chamaram bicha appareceo hum funebre,
horroroso, e ensanguentado cometta no anno 1689 poucos dias antes do estrago.
Assentavão geralmente, que annunciava esterilidade, fomes, e mortes: porem variavão
nos sugeytos dellas, como cousa futura. O poeta applica como mais prudente contra os
que se assignalavão em escandalos naquelle tempo.
A huma dama que lhe pedio hum craveyro.
Pertende agora (posto que em vão) desenganar aos sebastianistas, que applicavão o dito
cometta à vinda do encuberto.
Na era de 1686 quimeriavão os sebastianistas a vinda do encuberto por hum cometta que
appareceo. O poeta pertende em vão desvanecelos traduzindo hum discurso do Pe.
Antonio Vieyra que se applica a el Rey D. Pedro II.
Por occasião do dito cometta refletindo o poeta os movimentos que universalmente
inquietavam o mundo naquela idade, o sacode geralmente com esta crizi.
Necessidades forçosas da natureza humana.
A huma dama que se desviada de lhe falar.
A hum livreyro que comeu hum canteyro de alfaces.
Definição do amor.
A dous irmãos fulanos da Cruz, que foram prezos por furtarem hum espadim a hum surdo
da praya, tendo ja furtado humas salvas, que pediram emprestado para tirarem a esmolla
para N. Senhora da Palma de que foram degradados para Angolla.
Manas, depois que sou freira.
As três irmãs formosas damas pardas, que moravam no areyal.
Décima
A hum negro de Andre de Brito solicitador de suas demandas gram trapaceyro, e
alcovitero chamado o logra, a quem hum imaginario vazou hum olho.
Ao mesmo criollo, e pelo mesmo caso.
A huma dama que lhe pedio os cabellos.
A medida para o malho.
A huma pendencia que teve o mulato Quiringa com hum mouro na cadeya, pela qual foy
castigado: estando o poeta nessa occasião tambem prezo.
Admiravel expressão de amor mandando-se-lhe perguntar, como passava.
Mulatinhas da bahia.
Ajuiza as diferenças, e total divorcio de portugal com castella profetizadas muyto antes
pelos prudentes.
É meu damo tanto meu.
A huma negra chamada Eva recolhida de hum clerigo em Maré, que enganou ao poeta
fazendo-o esperar.
Senhor soldado donzelo.
Despedida em cantigas amorosas que faz a huma dama que se ausentava.
A Domingos Nunes do Couto vizinho do poeta a quem burlaram huns amigos fingindo-se
officiais de justiça, e batendo estrondosamente na porta, elle como criminoso fugio pelo
quintal fazendo, e padecendo tudo, o que o poeta pinta.
Pintura graciosa de huma dama corcovada.
Vem, que estou para tas dar.
Descreve o que lhe aconteceo em S. Gonçallo do Rio Vermelho com avista de huma
dama formosa, e bem adornada.
Applica o poeta o caso seguinte a Ignacio Pissaro sendo apanhado com hua moça por
seus irmãos.
Descreve methaforicamente as perfeyções de huma dama pelos naypes da baralha.
A D. Martha Sobral que sendolhe pedida do poeta huma arroba de carne de huma rez,
que matára, respondeo, que lha fosse tirar do olho do cu.
A hum cadra da India que se agarrava à esta Martha vivendo de enganar por feyticeyro à
suas escravas, e a outras.
Morto o cabra lhe faz o poeta o testamento na maneyra seguinte.
A duas irmãs tambem pardas de igual formosura.
Fretei-me co'a tintureira.
A huma pendencia que tiveram dous amantes a vista da dama junto ao convento de S.
Francisco.
Com cachopinha de gosto.
A certo homem que estando com huma dama à não dormio, por vir huma luz nessa
occasião ficandose com hum anel da mesma dama.
Assumpto que huma dama mandou ao poeta.
Resposta do poeta.
Retrato do rico feytio de hum celebre Gregorio de Negreyros, com quem gracejava o
poeta, e em quem muytas vezes falla.
Ao nascimento de huma menina que se dizia ser filha de Joan de Moralez Castelhano
amigo do poeta fez Silvestre Cardoso uns desconcertados versos, ao que o poeta fez
estas décimas.
Nãopodia o poeta levar em Capello o continuado mentir deste Silvestre Cardozo, e por
isso o sacode agora.
Ao mesmo sugeyto não só por mentir muyto, mas tambem por negar huma fornicação, em
que foy visto com hua negra.
A propenção com que este Silvestre Cardozo sempre queria imitar o peyor.
À negra Margarida, que acariava hum mulato chamandolhe senhor com demaziada
permissão delle.
O homem mais a mulher.
Namorou-se do bom ar de huma criollinha chamada cipriana, ou supupema, e lhe faz o
seguinte romance.
Descreve agora o poeta, como obrigàram hum sugeyto a casar com huma moça, tendo
dado huns pontos no vazo para se fingir donzella.
Duas mulatas que indo a festa de Sam Caetano se lhe quebràram as cordas da rede com
publico desayre.
A outra dama que gostava de o ver mijar.
Definição de potencias.
Erguiam-se trez mulheres a hum mesmo tempo para chegar ao confissionario em noyte
de natal e a mais corpulenta dellas soltou hum traque com a fadiga de chegar primeyro.
A huma moça que perdeo dous casamentos ajustados, o primeyro com hum flamengo,
que se desculpou ao depois que tinha feyto voto de castidade, e o segundo com hum
soldado, que se embebedava, e fugio depois de a roubar.
A huma mulher que se borrou, estando na igreja em quinta feira de endoenças.
A humas damas de la vida ayrada, que indo e vindo ao divertimento de huma roça
zombavam da honestidade de huma irmãa casada.
A huma mulata apelidadea Monteyra que dava de alcouce.
A Damazia que dava pressa à huma saya que se estava fazendo, para botar numa festa,
dizendo ser sua sendo ella de sua senhora.
A huma dama que estava sangrada.
A huma dama chamada Josepha, que em noyte de Sam João lhe rebentou hum foguete
buscape entre as pernas, de que ficou bem mal tratada.
A huma dama, a quem solicitando-a o poeta, lhe pedio dinheyro, de que elle se
desempulha.
A huma dama que macheava outras mulheres.
A hum sugeyto, que lhe mandou hum pirú cego, e doente.
A huma dama que mandando-se cossar em huma braço pelo seu moleque, e sentindo,
que daquelle contacto se lhe entezava o membro, o castigou.
Encontro que tiveram dous namorados.
A quatro negras que foram baylar graciosamente a casa do poeta morando junto ao dique.
Huma mulata dama universal de quem ja fallamos, satyriza agora o poeta o Fausto com
que foy sepultada a may.
Era desta mulata bastantemente desaforada e o poeta, que à não podia soffrer lhe canta
a moliana.
Sentio-se brazia gravemente desta satyra, e o poeta agora cavillosamente à satisfaz com
estas décimas.
A huma mulata dentuça, que tambem vivia escandalizada, vindo hum dia da festa de Sam
Gonçallo, onde com outras dançou a mangalaça, a garupa de seu Amasio passando pelo
poeta lhe pedio huns versos.
A sagacidade cavillosa, com que o religiosos Fr. Pascoal fez prender a Thomaz Pinto
Brandão: dà o poeta conta a hum amigo da cidade desde a villa de S. Francisco.
20 - ANDANÇAS DE UMA VIOLA DE CABAÇA
Fazia apreço particular de huma viola, que por suas
curiosas mãos fizera de cabaço, frequentado diverti-
mento de seus trabalhos; e nunca sem ela foy visto nas
funções a que o convidavam.
Manuel Pereira Rabelo, licenciado
Que eu o ponho à viola
na postura de um cruzado
Tem-na lá, senhor vizinho,
a minha Ilária, Senhor?
Fugiu perdida de amor
pela manhã bem cedinho
DESCREVE A DEPLORÁVEL PESTE, QUE PADECEO A BAHIA NO A. 1686, A QUEM
DISCRETAMENTE CHAMÁRAM BICHA, PORQUE VARIANDO NOS SINTOMAS, PARA
QUE A MEDICINAO SOUBESSE ATALHAR OS EFFEYTOS, MORDIA POR
DIFFERENTES BOCCAS, COMO A BICHA DE HERCOLES. TAMBEM LOUVA O
CARITATIVO ZELO DE ALGUMAS PESSOAS COM OS ENFERMOS.
Deste castigo fatal,
que outro não vemos, que iguale,
serei Mercúrio das penas,
e Coronista dos males.
Tome esta notícia a Fama,
para que voe, e não pare,
e com lamentáveis ecos
soe numa, e noutra parte.
Ano de mil, e seis centos
oitenta e seis, se contar-se
pode por admiração,
escutem os circunstantes.
Chegou a morte à Bahia,
não cuidando, que chegasse,
aqueles, que não temiam
seus golpes por singulares.
Representou-nos batalha
com rebuços no disfarce,
facilitando a peleja
para segurar o saque.
Mas tocando a degolar
levou tudo a ferro, e sangue
divertindo a medicina
com variar os achaques.
Fez estrago tão violento
em discretos, ignorantes,
em pobres, ricos, soberbos,
que nenhum pode queixar-se.
Ao discreto não valeram
seus conceitos elegantes,
nem ao néscio o ignorar,
que ofensas hão de pagar-se.
Ao rico não reparou
de seu poder a vantagem,
nem ao soberbo o temido
nem ao pobre o humilhar-se.
Ao galante o ser vistoso,
nem ao polido o brilhante,
nem ao rústico descuidos,
que a vida há de acabar-se.
E se algum quis de manhã
rosa brilhante ostentar-se,
chegava a morte, e se via
funesta pompa de tarde.
Emudeceu as folias,
trocou em lamento os bailes,
cobriu as galas de luto,
encheu de pranto os lugares.
Foi tudo castigo em todos
por esta, e aquela parte,
se aos pobres faltou remédio,
aos ricos sobraram males.
Para o sexo feminino
veio a morte de passagem,
deixando-lhe, no que via
exemplo para emendar-se.
Nos inocentes de culpa
foi a morte relevante,
que tanto a inocência livra,
quanto condena o culpável.
Pela caterva etiópia
passou tocando rebate,
mas corpos, que pagam culpas,
não é bem, que à vida faltem.
Já se via pelas ruas
de porta em porta chegar-se
um devoto Teatino
intimando a confessar-se.
Quem para a morte deixara
negócio tão importante,
porque as lembranças da vida
negam da morte o lembrar-se.
Os campanários se ouviam
uma hora em outra dobrarem,
despertadores da morte,
porque aos vivos Ihe lembrasse.
Fez abrir nos cemitérios
em um dia a cada instante
para receber de corpos,
o que tinham de lugares.
Foi tragédia lastimosa,
em que pode ponderar-se,
que a terra sobrando a muitos,
se viu ali, que faltasse.
Os que nela não cabiam,
quando vivos, hoje cabem
numa sepultura a três,
quero dizer a três pares.
Viam-se as enfermarias
de corpos tão abundantes,
que sobrava a diligência,
para que a todos chegassem.
O remédio para as vidas
era impossível achar-se,
porque o número crescia
cada minuto, e instante.
Titubeava Galeno
com a implicância dos males,
porque o tributo das vidas,
mandava Deus, que pagassem.
O Senhor Marquês das Minas,
que Deus muitos anos guarde,
zeloso como cristão,
liberal como Alexandre:
Preveniu para a saúde,
Para que em tudo acertasse,
dividirem-se os enfermos
por casas particulares.
Este zelo foi motivo,
de que todos por vontade
(digo os possantes) mostraram,
serem próximos amantes.
Havia um novo hospital,
onde se admirou notável
o zelo de uma Senhora
Dona Francisca de Sande:
Mostrando como enfermeira
o desvelo em toda a parte,
e administrando a mezinha,
a quem devia de dar-se.
Consolando a quem gemia,
animando os circunstantes,
tolerando o sentimento
de que assim não acertasse.
Não reparando nos gastos
da fazenda, que eram grandes,
porque só quis reparar
vidas, por mais importantes.
O Marquês como Senhor
quis em tudo aventejar-se,
abrindo para a pobreza
os tesouros da vontade.
Repartia pelos pobres
esmolas tão importantes,
que o seu zelo nos mostrava
querer, que nada faltasse.
Publicando geralmente,
que a ele os pobres chegassem,
porque ao remédio de todos
sua Excelência não falte.
Mas se estava Deus queixoso,
que muito passasse avante
este castigo de culpas,
mais que inclemência dos ares.
Finalmente que a Bahia
chegou a extremo tão grande,
que aos viventes parecia
querer o mundo acabar-se.
Punha a morte cerco às vidas
tão cruel, e exorbitante,
que em três meses sepultou
da Bahia a maior parte.
Ah Bahia! bem puderas
de hoje em diante emendar-te,
pois em ti assiste a causa
de Deus assim castigar-te.
Mostra-se Deus ofendido,
nós sem desculpa que dar-lhe;
emendemos nossos erros,
que Deus porá termo aos males.
ENCONTRO QUE TEVE COM HUMA DAMA, MUY ALTA CORPOLENTA, E
DESENGRAÇADA.
1 Mui alta, e mui poderosa
Rainha, e Senhora minha,
por poderosa Rainha,
Senhora por alterosa:
permiti, minha formosa,
que esta prosa envolta em verso
de um Poeta tão perverso
se consagre a vosso pé,
pois rendido à vossa fé
sou já Poeta converso.
2 Fui ver-vos, vim de admirar-vos,
e tanto essa luz me embaça,
que aos raios da vossa graça
me converti a adorar-vos:
servi-vos de apiedar-vos,
ídolo d'alma adorado,
de um mísero, de um coitado,
a quem só consente Amor
por galardão um rigor,
por alimento um cuidado.
3 Dai-me por favor primeiro
ver-vos uma hora na vida,
que pela vossa medida
virá a ser um ano inteiro:
permiti, belo luzeiro
a um coração lastimado,
que por destino, ou por fado
alcance um sinal de amor,
que sendo vosso o favor
será por força estirado.
4 Fodamo-nos, minha vida,
que estes são os meus intentos,
e deixemos cumprimentos,
que arto tendes de comprida:
eu sou da vossa medida,
e com proporção tão pouca
se este membro vos emboca,
creio, que a ambos nos fica
por baixo crica com crica,
por cima boca com boca.
FUGINDO HUMA MULATINHA COM O SUGEYTO, QUE A TINHA FORRADO,
DESCREVE O POETA OS EXCESSOS, E SENTIMENTO, QUE MOSTRAVA HUMA
FULANA DE LIMA SUA SENHORA.
1 Fonseca - Senhora Lima, o que tem,
que amanheceu tão sentida?
diga-me por sua vida,
assim Deus Ihe faça bem:
diga-me qual é, e quem
Ihe causa tanta tristeza?
porquanto eu por natureza
sinto, se é ingratidão,
ou talvez murmuração
dessa sua sutileza.
2 Lima - Que hei de ter, minha Fonseca?
Um tormento, que me mata.
Fugiu Ilária a mulata,
porque já não quer ser peca:
despediu-se assim tão seca.
Fons. - Não chore, que ela virá.
Lim. - Jesus! que o mundo dirá!
que a mandei a Sor Martinho.
Fons. - Veja em casa do vizinho.
Lim. - Meu Estrela, tem-na lá?
3 Estr. - Quem, Senhora, cá tão cedo?
Lim. - Ilária, Senhor, pergunto,
que não sei, se algum defunto
ma levou tanto em segredo;
Ai vida cansada! hei medo,
pelo que se há de dizer.
Onde se iria esconder,
se ela não sabe caminho,
nem carreira? Meu vizinho.
Estr. - Senhora Lima? Lim. Que hei de fazer?
4 Lim. - Chica, que é de Ilarinha?
dize, negra do diabo.
Vai vê-la, senão teu rabo
pagará, por vida minha;
Chic. - Eu não sei da mulatinha,
nem me entendo com papéis:
quem deu cinqüenta mil-réis
a deve de ter em casa
porque aqui nunca fez vaza.
Lim. - Ó putona, isso dizeis?
5 Chic. - Digo, que Ilária é forra.
Lim. - Há de ser, quando eu morrer,
que isso está no meu querer;
cala essa boca, cachorra:
traga-me aqui logo, e corra,
que hei de quebrar-lhe o focinho.
Tem-na lá, senhor vizinho,
a minha Ilária, Senhor?
Estr. - Fugiu perdida de amor
pela manhã bem cedinho.
CO CIRRO NOS ESTREFOLHOS
MOTE
Ó meu pai, tu qués, que eu morra?
1 Co cirro nos estrefolhos
se queixava um negro cono
de ver, Ihe fincava o mono
o fodedor dos antolhos:
e revirando-lhe os olhos
dizia a puta cachorra,
desencaixa um pouco a porra,
eu venho a regalar-me,
e tu fodes a matar-me?
Ó meu Pai, tu qués, que eu morra?
2 Fretei uma negra mina
e fodendo-a todo o dia
a coitada não podia
porém era puta fina:
a porra nela se inclina
inclino com força a porra,
e forcejando a cachorra
ela me disse esperai,
e eu Ihe disse chegai,
Ó meu Pai, tu qués, que eu morra?
AUSENTE DE SUA CASA PONDERA O POETA O SEU MESMO ÊRRO,EM OCCASIÃO
DE SER BUSCADO POR SUA MULHER.
MOTE
Foi-se Brás da sua aldeia,
Sabe Deus, se tornará,
que viu no caminho a Menga,
e a Gila não quer ver mais.
1 Brás um Pastor namorado
tão nobre, como entendido
das Pastoras tão querido,
como na aldeia invejado:
dos arpões do Amor crivado
tanto os sentidos Ihe enleia,
Menga, e tanto se Ihe afeia
Gila em seu ciúme esquivo,
que por um, e outro motivo
Foi-se Brás da sua aldeia.
2 Gila, que esta ausência sente,
movida de seus pesares
correu terras, passou mares
zelosa, e impaciente:
nenhuns vestígios persente
das passadas, que Brás dá,
mas tendo notícia já,
que o leva um novo cuidado,
disse, se vai namorado,
Sabe Deus, se tornará.
3 No tempo, em que Brás me olhava,
e a vista não divertia,
então sim que me queria,
e de querer me adorava:
porém hoje, que da aljava,
de Amor, que tanto o derrenga,
anda ferido: que arenga,
que razão, que pundonor
há de virar a um Pastor,
que viu no caminho a Menga?
4 Se anda atrás de uma beleza,
um garbo, uma bizarria,
e é homem Brás, que varia
por gosto, e por natureza,
quem o tirará da empresa
de merecer prendas tais,
se os meus suspiros, e ais
valem com ele tão pouco,
que se anda por Menga louco,
E a Gila não quer ver mais.
A HUMA DAMA FULANA DE MENDONÇA FURTADO, COM QUEM FOY O POETA
ACHADO POR SUA MULHER.
1 Rifão é justificado
desde o Índio ao Etiópio,
que sabendo muito próprio,
muito mais sabe o furtado:
eu deste engodo levado,
que desde menino ouvia,
forçado da simpatia,
ou da minha ardente chama,
a furto da própria Dama,
a vossa nata comia.
2 Comendo uma, e outra vez
da nata, que Amor cobiça,
o demo, que tudo atiça,
descobriu tudo, o que fez:
deu-me a Dama tal revés,
tal repúdio, e tal baldão,
sabendo a minha traição,
como é de crer de uma Dama,
que me achou na vossa cama
co mesmo furto na mão.
3 Não tive, que Ihe alegar,
ou que dar-lhe por desculpa,
que quem tem gosto na culpa,
o perde em se desculpar:
não consiste o meu pesar
em perder esta mulher,
sinto, Senhora, o perder
junto com a vossa afeição
uma, e outra ocasião
de torná-la a ofender.
4 Mas se a ocasião deixei,
como não me deixa amor!
Não vos gozarei traidor,
e fiel vos gozarei:
até agora vos logrei
com susto, que acabou já,
agora vos logrará
amor sem susto, e cuidado,
e quando não for furtado,
gosto, Mendonça, será.
DESCREVE UM HORROROSO DIA DE TROVÕES.
Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava.
O fogo com o ar se embaraçava,
Da terra, e ar o ser se confundia.
Bramava o mar, o vento embravecia,
A noite em dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava, e estremecia.
Desde o alto aos côncavos rochedos,
Desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.
Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.
DECANTA OS ESTRAGOS QUE NO BOQUEIRÃO DE SANTO ANTONIO FAZIA HUM
SURUCUCÚ, EM QUEM PASSAVA DESDE HUMA PEÇA DESCALVAGADA, ONDE SE
RECOLHIA DE DIA.
Acabou-se esta cidade,
Senhor, já não é Bahia,
já não há temor de Deus,
nem d´EI-Rei nem da Justiça.
Lembra-me, que há poucos anos,
inda não há muitos dias,
que para qualquer função
de um crime a prisão fervia.
Iam por esse sertão
ao centro de Jacobina
prender a algum matador,
inda que fosse a espadilha.
E hoje dentro na praça
nas barbas da Infantaria,
nas bochechas dos Granachas
com polé, e forca à vista,
Que esteja um surucucu
com soberana ousadia
feito Parca das idades,
cortando os fios às vidas:
Com tantas mortes às costas,
e que não haja uma rifa
de paus, que ao tal matador
o Basto Ihe ponha em cima!
É muito brabo rigor
o desta Cobra atrevida,
que esteja na estrada pública
fazendo assaltos à vista.
Onde está Gaspar Soares,
que não vai a esposa fita
no Lazão lançar-lhe a gorra,
e metê-la na enxovia?
Se está no mato emboscada,
no seu mocambo metida,
mandem-lhe um terço ligeiro
de Infantes de Henrique Dias
Se dizem, que está na peça,
dêem-lhe fogo à culambrina,
já que faz peças tão caras,
custe-lhe esta peça a vida.
Vão quatro, ou seis artilheiros
cavalgar-lhe a artilharia,
porque sendo noite dê
fogo a toda cousa viva.
Tira com balas ervadas,
a que não há medicina,
porque as traz sempre na boca
com venenosa saliva.
O caso é monstrosidade,
porém não é maravilha,
que hajam cobras, e lagartos
entre tanta sevandija.
Só digo, que é boa peça,
porque na peça escondida
vela na peça de noite
dorme na peça de dia.
REGRA DE BEM VIVER, QUE A PERSUASÕES DE ALGUNS AMIGOS DEO A HUNS
NOYVOS, QUE SE CASAVAM.
REGRA PARA A NOIVA
Será primeiramente ela obrigada,
Enquanto não falar, estar calada:
Item por nenhum caso mais se meta
A romper fechaduras da gaveta,
Salvo, se por temer algum agouro,
Quiser tirar de dentro a prata, e ouro.
Lembre-se de ensaboar, quem a recreia,
Porém não há de ser de volta, e meia,
E para parecer mulher, que poupa,
Não se descuide em romendar-lhe a roupa,
Mas porém advertindo, que há de ser,
Quando ele de raiva a não romper,
Que levar merecia muito açoite
Por essa, que rompeu onte onte a noite
Furioso, e irado
Diante de seu Pai e seu Cunhado,
Que esteve em seu romper com tal azar.
E eu em pontos também de me rasgar.
Irá mui poucas vezes à janela,
Mas as mais que puder irá à panela:
Ponha-se na almofada até o jantar,
E tanto há de cozer, como há de assar:
Faça-lhe um bocadinho mui caseiro,
Porém podendo ser, coma primeiro,
E ainda que o veja pequenino,
Não Ihe dê de comer como a menino.
Quando vier de fora, vá-se a ele,
E faça por se unir pele com pele,
Mas em Ihe dando a sua doencinha,
De carreira se vá para a cozinha,
E mande a Madalena com fervor
Pedir a sua Mãe água-de-flor;
Isto deve observar sem mais propostas,
Se quiser a saúde para as costas.
Isto deve fazer,
Se com o bem casado quer viver;
E se a regra seguir,
Cobrará boa fama por dormir,
Na qual interessado muito vai
Seu Cunhado, seu Pai, e sua Mãe.
E adeus, que mais não posso ou mais não pude;
Ninguém grite, chitom, e haja saúde.
DOTE
PARA O NOIVO SUSTENTAR OS ENCARGOS DA CASA
Uma casa para morar .......................................................................... de botões
Com seu quintal .................................................................................... de ferro
Um leito .................................................................................................. de carro
Uma cama ............................................................................................. de bobas
Com seus lençóis ................................................................................. de Itapoã
Suas cortinas ........................................................................................ de muro
Um vestido de seda ............................................................................. de cavalo
Com seus botões ................................................................................. de fogo
Um guarda-pé ....................................................................................... de topadas
Um vaqueiro .......................................................................................... do sertão
Dous gibões ......................................................................................... de açoute
Um com mangas .................................................................................. de mosquetaria
Outro com mangas .............................................................................. de tede
Uma saia .............................................................................................. de malha
Uma saia .............................................................................................. de dentro a fora
Uma cinta ............................................................................................. de desgostos
Um manto de fumo .............................................................................. de chamin
Dous pares de meias ......................................................................... canadas
Uns sapatos ......................................................................................... de pilar.
ROUPA BRANCA
Duas camisas ................................................................................... de enforcado
Arrendadas com as rendas ............................................................. do verde peso
Duas fraldas ...................................................................................... da serra
Dous lenços de caça ........................................................................ do mato
Dous guardanapos ........................................................................... de cutilaria
Para a mais roupa duas
Peças de pano ...............................................................................do rosto.
TRASTES DE CASA
Uma caixa grande ............................................................................ de guerra
Outra meã ......................................................................................... de muchachins
E outra pequenina ............................................................................ de óculos
Dous contadores da Índia ................................................................ Manuel de
Faria e Sousa, e Fernão Mendes Pinto
Duas cadeiras ................................................................................. do espinhaço
Uma cadeira para o estrado ......................................................... de navio
Dous caixões .................................................................................. de fervura
Uma armação fresca para
A cama ....................................................................................... de xaréus
Um espelho .................................................................................... de viola.
PEÇAS DE OURO
Uns brincos para as orelhas .......................................................... de junco
Dous cordões para o pescoço ...................................................... de franciscanos
Duas manilhas para os
Braços .......................................................................................... de copas, e espadas
Quatro memórias para os
Dedos ........................................................................................... da Morte
Do Inferno, do Paraíso, e outra de Galo.
PEÇAS DE SERVIÇO OITO
O Canário, o Cãozinho, o Pandalunga, o vilão,
O Guandu, o Cubango, a Espanholeta, e um
Valente negro em Flandres.
Para chamar estes negros
Uma campainha ............................................................................ na garganta
Dão-lhe mais duas toalhas .............................................................. de arrenegado
Uma salva .......................................................................................... de artilharia
Para se alumiar duas velas ............................................................. de gávea
Para rezar umas contas ................................................................... de quebrados
Para sair fora uma rede ................................................................... de arrasto
E para a limpeza um
Servidor ......................................................................................... de VM.
COMESTIVOS
Carneiro .......................................................................................... de sepultura
Picado ............................................................................................. de bexigas
Tortas .............................................................................................. de um olho
Pastéis ............................................................................................ de estrada
Almôndegas ................................................................................... de capim.
FRUITAS
Figos ........................................................................................ fêmeas
Limas ....................................................................................... surdas
Maçãs ...................................................................................... de espada, e escaravelho
PARA OS DIAS DE PEIXE
Caldo ....................................................................................... de grãos
Agulhas ................................................................................... de osso
Lampreias ............................................................................... de termo
DOCES
Morgados ............................................................................... sem renda
Marmelada ............................................................................. de caroço
Cidrão ..................................................................................... de pé de muro
E muitos doces ...................................................................... afagos.
PARA SEUS DIVERTIMENTOS
Uma quinta ............................................................................... feira
Com duas fontes ..................................................................... nos braços
E para os gastos ..................................................................... 500 selos na fralda.
A VASCO MARINHO FALCÃO, QUE SENDO HOMEM VELHO, E ACHACOSO
SE CASOU COM HUMA MULHER MOÇA, E FORMOSA
Tem Vasco para seus danos ..................................................... noventa anos,
e por mazela tem outra ............................................................ potra
há mais males que le apontes? ................................................ fontes.
Dessa sorte não me contes
que é galharda, e limpa a Dama,
que escolher quis para a cama
noventa anos, Potra, e Fontes
Tem na boca muito vivas ............................................................ gengivas,
com que as palavras acaba ....................................................... com baba,
tem uma tromba, que diz ............................................................ nariz.
Dama, que empregar se quis
em tão suzanário rosto,
tenha por espelho ao gosto
gengivas, Baba, e Nariz.
Seu corpo é saco de grossos .................................................... ossos.
Correm-lhe das luzes belas ........................................................ ramelas,
e que mais há, que lhe corra? .................................................... borra.
Mil vezes borrada morra
dama de tão pouca estima,
que quis para pôr em cima
ossos, Ramelas, e Borra.
O MULEIRO, E O CRIADO.
MOTE
Caralho do Muleiro é feito de papelão,
arreita pelo inverno,
para foder no verão.
GLOSA
1 O Muleiro, e o Criado
tiveram grande porfia
sobre qual deles teria
mor membro, e mais estirado:
pôs-se o negócio em julgado,
e botando ao soalheiro
um, e outro membro inteiro,
às polegadas medido,
se viu, que era mais comprido
O caralho do Muleiro.
2 Disto Criado apelou,
e foi a razão, que deu,
que o membro então mais cresceu,
porque então mais arreitou:
logo alegou, e provou
não ser bastante razão
a polegada da mão
para vencer-lhe o partido.
que suposto que é comprido,
É feito de papelão.
3 Item sendo necessário,
disse mais, que provaria,
que se era papel, se havia
abaixar como ordinário:
que o membro era mui falsário
feito de um pobre quaderno,
tão fora do uso moderno,
que se uma Moça arreitada
lhe dá no verão entrada,
É para foder no inverno.
4 E que depois de se erguer,
é tão tardo, e tão ronceiro,
que há de mister o Muleiro
seis meses para o meter:
porque depois de já ter
aceso como um tição,
engana a putinha então,
pois pedindo a fornicasse,
lhe dizia, que esperasse
Para foder no verão.
DESCREVE O POETA HUMA BOCCA LARGA.
1 É justa razão, que eu gabe,
boca, a vossa perfeição,
porque vos caiba a razão,
onde a razão vos não cabe:
quem conhecer-vos não sabe,
não teme tamanha empresa,
que vos faz a natureza,
para ser do mundo espanto,
pois nele não cabe tanto,
como na vossa grandeza.
2 Os extremos, que mostrais,
quando esses beiços abris
lisos, delgados, sutis,
brancos, como dois cristais,
em nada são naturais,
que até esses dentes belos
usurparam aos cabelos,
e tem com eles trocada
a cor castanha, e dourada,
e são pardos, e amarelos.
3 E se os outros escondidos
somente o riso os declara,
vós, boca, de pouco avara
os tendes desimpedidos:
porque todos os sentidos
os tenham sempre presentes,
os olhos sempre luzentes
podem sem pestanejar
em tão remoto lugar
ver a beleza dos dentes.
4 Amor, que as almas condena,
por melhor as conquistar,
para ensinar a atirar,
que sejais meu branco ordena:
não creais, que por pequena
vos há de errar a medida,
antes minha alma duvida
de escapar-lhe em toda a toca,
se a medida dessa boca
houver de dar a ferida.
5 Aviso, graça, e saber,
amor, cuidado, e desejos,
quando for grande o bocejo,
em vós não se hão de esconder:
tesouro não podeis ser,
mas sois mina descoberta,
sendo cousa muito certa,
que a serem os dentes de ouro
éreis má para tesouro,
por andares sempre aberta.
AO CASAMENTO DE HUM SUGEYTO VALENTE COM HUMA ELENA DE TAL.
MOTE
Uma Helena por garbosa
ris troiano a roubou
porém Miguel conquistou
outra Helena mais formosa.
1 Dous monstros a Roma bela
deram princípio e mofina,
uma casada à ruína,
o princípio uma donzela:
uma troiana, uma estrela,
um sol, um raio, uma rosa
abrasou Tróia formosa;
porém há de se entender
não por sol qualquer mulher
Uma Helena por garbosa.
2 Páris troiano Juiz,
que no monte Ida se achou,
o pomo à Vênus julgou
por mais bela, e mais feliz:
à Juno Deusa infeliz
tanto ofendeu, e irritou,
e tanto a Deusa forjou,
que tentando-o, a que roubasse
a Helena, e Tróia abrasasse,
Páris Troiano a roubou.
3 Hoje melhor imitada
Vemos de Páris a pena,
Páris perdeu pela pena,
Miguel ganhou pela espada:
pela fidalguia herdada,
pela riqueza, que herdou,
Miguel a Helena ganhou;
Páris amante descalço,
perdeu por roubar de falso,
Porém Miguel conquistou.
4 Miguel ditoso se alista
por conquistador do amor,
serviu, ganhou uma Flor,
e está Senhor da conquista:
Páris julgando a revista
civil, e contenciosa
de uma, e Outra Deusa irosa
teve uma Helena roubada,
mas a Miguel foi julgada
Outra Helena mais formosa.
PASSANDO DOUS FRADES FRANCISCANOS PELA PORTA DE AGUEDA PEDINDO
ESMOLLA, DEO ELA UM PEYDO, E RESPONDEO HUM DELLES ESTAS PALAVRAS
"IRRA, PARA TUA THIA"
1 Sem tom, nem som por detrás
espirra Águeda à janela,
mas foi espirro de trela,
porque tal estrondo faz:
que um Reverendo Sagaz
lastimado, do que ouvia,
se já não foi, que sentia
ouvia tal ronco ao traseiro,
disse para o companheiro,
"irra para tua Tia".
2 Sentiu-se Águeda do irra,
e disse, perdoe, Frade,
quem pede por caridade,
não se agasta com tal birra:
aqui nesta casa espirra
todo o coitado, e coitada;
passe avante, que isto é nada,
e se acaso se enfastia,
será para sua Tia,
ou para seu camarada.
3 Basta, que se escandaliza
do meu cu, porque se caga?
Venha cá, boca de praga,
que cousa mais mortaliza?
o peido, que penaliza,
é sorrateiro, e calado:
o peido há de ser falado,
ou ao menos estrondoso,
porque aquele, que é fanhoso,
é peido desconsolado.
4 Quantas vezes, Frei Remendo,
dará co meio do cu
peido tão rasgado, e cru,
que lhe fique o rabo ardendo?
perdoe, pois, Reverendo,
não cuidei, tão bem ouvia;
e se esmola me pedia,
aceite-o por caridade,
se não servir para um Frade,
leve-o para tua Tia.
PONDERA MISTERIOSO EM AMORES O DESCUIDO, COM QUE HUMA DAMA
CORTOU O SEU DEDINHO QUERENDO APARAR HUMA PENA PARA ESCREVER A
SEU AMANTE
1 Para escrever intentou
Nise uma pena aparar,
e começando a cortar,
o seu dedinho cortou:
incontinenti a largou
sentida desta ocasião,
e com tão justa razão
chorosa sente: porque
teve neste golpe pé,
para sentir-se da mão.
2 Duas penas descontente
padece Nise em verdade,
da ferida a crueldade,
e viver de Fábio ausente:
qual destas duas mais sente
difícil é de advertir;
mas eu venho a concluir,
que mais sente Nise amante
viver de Fábio distante,
do que chegar-se a ferir.
3 Quisera a Fábio escrever
por dar alívio a seu mal,
porém a sorte fatal
não lho consentiu fazer:
quis-lhe o gosto perverter,
dando-lhe o golpe, que a assusta,
por cuidar, que é cousa justa
mostrar, quando Nise chora,
que esse Fábio, a quem adora,
gotas de sangue lhe custa.
4 Bem claramente constou
de Nise na mão ferida,
que o ser liberdade, e vida
tudo a Fábio sujeitou:
discreta, e entendida andou
neste amoroso embaraço,
pois para apertar o laço
mais da sua sujeição,
que o firma nesta ocasião,
mostrou o sangue do braço.
5 Queixosa Nise em verdade
se mostrou nesta ocasião,
não da ferida da mão,
do golpe sim da saudade:
porque com tal crueldade
a move de Fábio a ausência,
que sem haver resistência
no peito, que amante o adora,
Lágrimas de sangue chora
com repetida veemência.
6 De propósito parece,
que se deu Nise este corte,
porque um amor, que é tão forte,
só bem assim se encarece:
e quem duvida, o fizesse
para dar-nos a entender,
que quis seu sangue verter
para mostrar sua fé,
que tanto ama a Fábio, que
quer dar-lhe o sangue a beber.
SONHO QUE TEVE COM HUMA DAMA ESTANDO PREZO NA CADEYA.
Adormeci ao som do meu tormento:
E logo vacilando a fantesia
Gozava mil portentos de alegria,
Que todos se tornaram sombra, e vento.
Sonhava, que gozava o pensamento
Com liberdade o bem, que mais queria,
Fortuna venturosa, claro dia;
Mas ai, que foi um vão contentamento!
Estava, Clóris minha, possuindo
Desse formoso gesto a vista pura,
Alegre glórias mil imaginando:
Mas acordoi, e tudo resumindo,
Achei dura prisão, pena segura:
Oh se sempre estivera assim sonhando!
A LUIZA ÇAPATA QUERENDO, QUE O AMIGO LHE DESSE QUATRO INVESTIDAS
DUAS DE DIA, E DUAS DE NOYTE.
1 Uma com outra são duas
pela minha tabuada,
e vós, Mulata esfaimada,
quereis duas vezes duas:
se isso vos dera por luas,
e o quiséreis cada mês,
dera-vos três vezes três;
mas quatro entre dia, e noite,
dar-vos-ei eu tanto açoite,
que farão dez vezes dez.
2 Pois, Puta, essa vossa crica
tão gulosa é de rescaldos,
que cuidais que os nossos caldos
os compramos na botica?
o caldo não multiplica,
quando entre quatro virilhas
se liquida em escumilhas,
e vós a lavadas mãos
quereis um caldo de grãos,
por um caldo de lentilhas?
3 É o caldo uma quinta-essência,
e tal, que uma gota fria
produz uma Senhoria,
e talvez uma Excelência:
se tendes dele carência,
e por fartar a vontade
o quereis em quantidade,
não trateis não de esgotar
os culhões de um secular,
ide à barguilha de um Frade.
4 Puta, se a vossa Ração
hão de ser quatro à porfia,
dormi com quatro em um dia,
e quatro se vos darão:
mas tirá-las de um Cristão,
que apenas janta, e não ceia,
e não dará foda, e meia,
isso é mais que crueldade,
e mais tendo vós um Frade,
que é gato que nunca mea.
5 Mudai pois os pensamentos,
e se não heis de quietar
com uma do secular,
ide servir aos conventos:
que os leigos já macilentos,
esvaídos, e esgotados
com um mês de amancebados
cobram tão grande fastio,
que já pagam de vazio
dois mil vasos alugados.
6 No Filho do Caldeireiro
tendes emprego adequado,
pois aos malhos ensinado
fode com um malhadeiro:
se no vale, ou se no oiteiro
lhe dais a mama, e o peito,
e achais, que é moço de jeito,
na parte do olhinho morto
tendes razão, pois é torto,
mas tem o membro direito.
A HUMA DAMA QUE SE ENCARECIA DE FORMOSA POR VENDER-SE CARO.
Dizem, que é mui formosa Dona Urraca.
Quem o sabe, ou quem viu esta minhoca?
Poderá ter focinho de Taoca,
E parecer-me a mim uma macaca.
Hei de querê-la, sem ver-lhe a malaca
Em risco de estar podre a Sereroca?
E se ela acaso for galinha choca,
Como hei de dar por ela uma pataca?
A mim me tenham todos por velhaco
Se amar a tal fragona por capricho,
Sem primeiro revê-la até o buraco.
Que pode facilmente o muito lixo,
Por não limpar às vezes o mataco,
Terem-lhe os caxandés tapado o esguicho.
A BITANCOR, QUE NA PRIMEYRA VEZ QUE COM ELLA CONVERSOU O POETA,
LOGO FOI ADMITTIDO SEM A MINIMA REPUGNANCIA.
1 Querendo obrigar-me Amor
depois de tanta afeição
me pôs na palma da mão
a discreta Bitancor:
agradeci-lhe o favor,
e querendo-o pôr nas palmas,
agonizando entre calmas
de amor minhas altivezes,
lhe rendi a alma mil vezes
porque não tive mil almas.
2 Multipliquei de artifício
o rendimento, e amor,
porque uma alma a seu candor
era curto sacrifício:
e ela destra no exercício
de amor, e seu rendimento,
com gosto, e contentamento
me agradeceu por então
medir eu minha afeição
pelo seu merecimento.
3 Que lhe caísse eu em graça,
seus olhos o não desdizem,
porque sempre os olhos dizem,
o que dentro n'alma passa:
graças a Amor, que a desgraça
não veio empecer-me aqui,
porque muitas vezes vi,
que enamorado, e rendido
por perder o merecido
até o perder-me perdi.
4 Ela me dá por perdido,
e está disposta a querer-me,
cum que não perco o perder-me,
pois já a tenho merecido:
um amor tão bem sortido
por mãos de uma divindade:
este amor em realidade,
que não trazer-me um ninguém
da fortuna no vaivém
do tempo na eternidade.
A THOMAZ PINTO BRANDÃO QUEYXANDOSE DE HUMA MULA QUE LHE TINHA
PEGADO HUA MULATA, ÂQUEM DAVA DIVERSOS NOMES, POR DISFARCE,
DIXENDO HUMAS VEZES, QUE ERA INGUA, E OUTRAS QUEBRADURA.
Fábio: essa bizarria,
essa flor, donaire, e gala,
mui mal empregada está
em uma cara caraça.
Sobre ser caraça o rosto,
dizem, que a dita Mulata
de mui dura, e rebatida
tem já o couro couraça.
Item que está muito podre,
e não escusa esta Páscoa
para secar os humores
fazer da salsa salsada.
Não me espanto, que nascessem
tais efeitos de tal causa,
que de Mulata sai mula,
como de mula Mulata.
Um dia dizeis, que é íngua,
no outro, que não é nada,
e eu digo, se não for mula,
que será burra burrada.
Mas direi por vossa honra,
que é quebradura sem falta,
que de cantar, e bailar
mil vezes o talo estala.
Ponde de contra-rutura
umparche na parte inchada
comfunda, porque a saúde
fique na funda fundada.
A FRANCISCO PEREYRA DE AZEVEDO NASCENDO-LHE UM NETO NA MESMA
HORA, EM QUE LHE MORREO UMA NETA.
Até vir a manhã serena, e pura
A estrela-d'alva está resplandecente,
Mas quanto o sol se mostra mais Luzente,
Tanto ela se retira mais escura.
Enfim rompe do sol a formosura
As frias nuvens desfazendo ardente,
Quando se vê nascido no Oriente,
Então morta se vê na sepultura.
No céu de vossa casa Luminoso
Mariana assistiu estrela bela,
Até nascer-lhe de Pero o sol formoso:
E se o Sol se vê nele, e a estrela nela,
Sendo nascido o Sol, era forçoso,
Que se havia de ser defunta a estrela.
CHICA OU FRANCISCA HUMA DESENGRAÇADA CRIOLLA, QUE CONVERSAVA
COM O POETA E SE ARRIPIAVA TODA ZELOSA DE Ò VER CONVERSAR COM
MARIA JOÃO, NO MESMO TEMPO, EM QUE ELLA NÃO FAZIA ESCRUPULO DE
ADMITIR HUM MULATO.
1 Estais dada a Berzabu,
Chica, e não tendes razão,
sofrei-me Maria João,
pois eu vos sofro a Mungu:
vós dais ao rabo, e ao cu,
eu dou ao cu, e ao rabo,
vós com um Negro, um diabo,
eu com uma Negrinha brava,
pois fique fava por fava,
e quiabo por quiabo.
2 Vós heis de achar-me escorrido,
não vo-lo posso negar,
eu também o hei de achar
remolhado, e rebatido
assim é igual o partido,
e mesmíssima a razão,
porque quando o vosso cão
dorme co'a minha cadela,
que fique ela por ela,
diz um português rifão.
3 Vós dizeis-me irada e ingrata,
co'a mão na barguilha posta
"eu me verei bem disposta!"
e eu digo-vos: "Quien se mata?"
eu vou-me à putinha grata,
e descarrego o culhão,
vós ides ao vosso cão,
e regalais o pasmado,
leve ao diabo enganado,
e andemos co'a procissão.
4 Chica, fazei-me justiça,
e não vo-la faça eu só,
eu vos deixo o vosso có,
vós deixai-me a minha piça:
e se o demo vos atiça
mamar numa e noutra teta,
pica branca, e pica preta,
eu também por me fartar
quero esta pica trilhar
numa greta, e noutra greta.
5 Dizem, que o ano passado
mantínheis dez fodilhões
branco um, nove canzarrões,
o branco era o dizimado,
o branco era o escornado,
por ter pouco, e brando nabo;
hoje o vosso sujo rabo
me quer a mim dizimar,
que não hei de suportar
ser dízimo do diabo.
6 Chica, dormi-vos por lá,
tendo de negros um cento,
que o pau branco é corticento
e o negro é jacarandá:
e deixai-me andar por cá
entre as negras do meu jeito,
mas perdendo-me o respeito,
se o vosso guardar quereis,
contra o direito obrareis,
sendo amiga do direito.
7 Sois puta de entranha dura,
e inda que amiga do alho
sois uma arranha-caralho
sem carinho, nem brandura:
dou ao demo a puta escura,
que estando a todas exposta,
não faz festa ao de que gosta;
dou ao demo o quies vel qui,
e não para quem a encosta.
8 Quem não afaga o sendeiro,
de que gosta, e bem lhe sabe,
vá-se dormir cuma trave,
e esfregue-se cum coqueiro:
seja o cono presenteiro,
faça o mimo o agasalho
ao membro, que lhe dá o alho,
e se de carinho é escassa,
ou vá se enforcar, ou faça
do seu dedo o seu caralho.
ENFURECIDO O POETA DAQUELLES CIUMES DESCOMPOSTOS LHE FAZ ESTA
HORRENDA ANATOMIA.
Vá de aparelho,
vá de painel,
venha um pincel
retratarei a Chica
e seu besbelho.
É pois o caso
que a arte obriga,
que pinte a espiga
da urtiga primeiro
e logo o vaso.
A negra testa
de cuiambuca
a põe tão cuca,
que testa nasce, e em cuia
desembesta.
Os dous olhinhos
com ser pequenos
são dois venenos,
não do mesmo tamanho
maiorzinhos.
Nariz de preta
de cocras posto,
que pelo rosto
anda sempre buscando
onde se meta.
Boca sacada
com tal largura,
que a dentadura
passeia por ali
desencalmada.
Barbinha aguda
como sovela,
não temo a ela,
mas hei medo à barba:
Deus me acuda.
Pescoço longo,
socó com saia,
a quem dão vaia
negros, com quem se farta
de mondongo.
Tenho chegado
ao meu feitio
do corpo esguio,
chato de embigo,
erguido a cada lado.
Peito lazeira
tão derribado,
que é retratado
ao peito espaldar
debaixo da viseira.
Junto as cavernas
tem as perninhas
tão delgadinhas,
não sei, como se tem
naquelas pernas.
Cada pé junto
forma a peanha,
onde se amanha
a estátua do pernil,
e do presunto.
Anca de vaca
mui derribada,
mais cavalgada,
que sela de rocim,
charel de faca.
Puta canalha,
torpe, e mal feita,
a quem se ajeita
uma estátua de trapo
cheia de palha.
Vamos ao sundo
de tão mau jeito,
que é largo, e estreito
do rosto estreito, e largo
do profundo.
Um vaso atroz,
cuja portada
é debruada
com releixos na boca,
como noz.
Horrível odre,
que pelo cabo
toma de rabo
andar são, e feder
a cousa podre.
Modos gatunos
tem sempre francos,
arranha os Brancos,
e afaga os membros só
dos Tapanhunos.
Tenho acabada
a obra, agora
rasguem-na embora,
que eu não quero ver Chica
nem pintada.
A HUM AMIGO APADRINHANDOLHE A ESCRAVA DE ALCUNHA A JACUPEMA, A
QUEM SUA SENHORA QUERIA CASTIGAR PELO FURTO DE HUM OVO.
Se acaso furtou, Senhor,
algum ovo a Jacupema,
o fez só, para que gema
cos pesos do meu amor:
não creio do seu primor,
que furte a sua senhora,
sendo franca, e não avara,
porque para ela campar,
escusa claras comprar,
pois negra val mais que clara.
À PENDENCIA QUE TEVE MARANA DE LEMOS COM VICENCIA POR RESPEYTO
DE ANTONIO DE MOURA A QUE ACODIO HUM CAPm. HYPOCRITA QUE TRAZIA
HUM CRUCIFIXO AO PESCOÇO.
1 Botou Vicência uma armada
de uma canoa, e dous remos
contra Marana de Lemos,
que estava numa emboscada:
por uma encoberta estrada
entrou no reduto, e logo
o Capitão, disse "fogo":
e vendo arder o seu fato
o Capitão, que é beato,
tomou as de Vila Diogo.
2 Por Diogo Pissaro grita,
que acuda a casa queimada,
que Vicência vinha assada
por ver a Marana frita:
Pissaro, que perto habita
entrou, e vendo as disputas
de putas tão dissolutas,
disse (porque elas teimam)
aqui-d'El-Rei, que se queimam
de ciúmes duas putas.
3 Marana a nenhum partido
a praça quis entregar,
que é soldado singular,
nas campanhas de Cupido:
Vicência tinha vencido,
pois entrou na fortaleza,
mas Deus sabe, o que Ihe pesa
de não poder conseguir.
haver então de sair
com armas, e mecha acesa.
4 Não pôde dizer-lhe ali
esta honra militar,
que Marana por se armar
quis a mecha para si:
o que há, que notar aqui
é, que uma, e outra velhaca
dando tão grande matraca,
e o sentinela, que brama,
o General sobre a carna
roncava como uma vaca.
5 Se é certo, que o General
em tal conflito roncou
é, que a prima noute andou
visitando o arraial:
como por todo o arrebal
andou qual Jacurutu,
sempre à espera de um Tatu,
que do laço Ihe escapou,
com pé leve se deitou,
dormiu com pesado cu.
6 Vicência a passos contados
perdeu a praça, e a presa,
porque é por sua simpleza
moça de bofes lavados:
mas o Capitão dá brados
de lidar sempre com isto,
e de um, e doutro anticristo
se deseja em liberdade,
como há de ver, se há verdade
nas cartas, e no seu Cristo?
A CARIDADE COM QUE ESTA MESMA VICENCIA AGAZALHAVA TREZ AMANTES.
Com vossos três amantes me confundo,
Mas vendo-vos com todos cuidadosa,
Entendo, que de amante, e amorosa
Podeis vender amor a todo o mundo.
Se de amor vosso peito é tão fecundo,
E tendes essa entranha tão piedosa,
Vendei-me de afeição uma ventosa,
Que é pouco mais que um selamim sem fundo.
Se tal compro, e nas cartas há verdade,
Eu terei quando menos trinta Damas,
Que infunde vosso amor pluralidade.
E dirá, quem me vir com tantas chamas,
Que Vicência me fez a caridade,
Porque o leite mamei das suas mamas.
BAXA QUE DERAM A ESTA VICENCIA, POR DIZER-SE QUE EXHALLAVA MAO
CHEYRO PELO SUVACOS, E SE FOY METTER COM JOANNA GAFEYRA.
Lavai, lavai, Vicência, esses sovacos,
Porque li num pronóstico almanaque,
Que vos tresanda sempre o estoraque,
E por isso perdeste casa, e cacos.
Hoje que estais vizinha dos buracos
Das pernas gafeirais, dareis mor baque,
Que tanta caca hei medo, que vos caque,
E que fujam de vós té os macacos.
Tratai de perfumar-vos, e esfregar-vos,
Que quem quer esfregar-se, anda esfregada,
Senão ide ser Freira, ou enforcar-vos.
Porque está toda a terra conjurada,
Que antes de vos provar, hão de cheirar-vos,
E lançar-vos ao mar, se estais danada.
INTENTA AGORA O POETA DESAGRAVAR A VICENCIA JUSTAMENTE SENTIDA DOS
SEUS VERSOS.
Os vossos olhos, Vicência,
tão belos, como cruéis,
são de cor tão esquisita,
que não sei, que cor Ihes dê.
Se foram verdes, folgara,
que o verde esperança é,
e tivera eu esperanças
de um favor vos merecer.
Os azuis de porçolana
força é, quer pesar me dêem,
que porçolanas não servem,
onde não hei de comer.
Se são negros vossos olhos,
é já luto, que trazeis
pelos homens, que haveis morto
a rigores, e desdéns.
Mas sendo tais olhos pares,
no mundo outro par não têm,
pois nem os Pares de França
podem seus escravos ser.
Se os vossos olhos se viram
um a outro alguma vez,
como se namorariam!
e se quereriam bem!
Que de amores se disseram
um a outro, que desdéns!
meus olhos se chamariam,
meu sol, minha luz, meu bem,
Um pelo outro chorando,
ambos chorariam, que
quando os olhos vêem chorar,
força é, que chorem também.
Mas por isso a natureza
catelosamente fez
entre os olhos o nariz,
com que os olhos se não vêem.
Que se um a outro se viram,
Vicência, tivera eu
no prezar dos vossos olhos
a vingança, que hei mister.
CELEBRA O POETA À HUMA GRACIOSA DONZELLA, E NÃO MENOS FORMOSA DE
MARAPE CHAMADA ANTONIA.
1 Vi-me Antônia, ao vosso espelho,
e com tal raiva fiquei,
que não sei, como julguei
por linda, a quem me faz velho:
mas tomei melhor conselho
de então não enraivecer,
que se do sol ao correr
vai murchando o Girassol,
que muito, que o vosso sol
me fizeste envelhecer.
2 O com que mais me admirais,
é, que com tanto arrebol
para vós não sejais sol,
pois sois flor, e não murchais.
Como os passos naturais
do Sol pela esfera pura
mo legam toda a criatura,
e o sol sempre se remoça,
assim mesmo não faz mossa
em si o sol da formosura.
3 Tantos anos sol sejais,
que com giros soberanos
enchais dos mortais os anos,
e os vossos nunca os enchais:
a todos envelheçais,
como é próprio na oficina
da luz sempre matutina,
sintam do sol as pisadas
as idades mais douradas,
vós sejais sempre menina.
A BRAZIA DO CALVARIO OUTRA MULATA MERETRIZ DE QUEM TAMBEM
FALLAREMOS, QUE ESTANDO EM ACTO VENEREO COM HUM FRADE
FRANCISCANO, LHE DEO UM ACIDENTE A QUE CHAMÃO VULGARMENTE
LUNDUZ, DE QUE O BOM FRADE NÃO FEZ CASO, MAS ANTES FOY
CONTINUANDO NO MESMO EXERCICIO SEM DESENCAVAR, E SOMENTE O FEZ,
QUANDO SENTIO O GRANDE ESTRONDO, QUE O VAZO LHE FAZIA.
1 Brásia: que brabo desar!
vós me cortastes o embigo,
mas inda que vosso amigo,
não vos hei de perdoar:
pusestes-vos a cascar,
e invocastes os Lundus;
Jesus, nome deJesus!
quem vos meteu no miolo,
que se enfeitiçava um tolo
mais que co jogo dos cus?
2 O Fradinho Franciscano
sendo um servo de Jesus,
que Ihe dava dos Lundus,
se é mais que os Lundus magano?
tinha ele limpado o cano
quatro vezes da bisarma,
e como nunca desarma
tão robusta artilharia,
dos lundus que Ihe daria,
se ele estava co'aquela arma?
3 Chegados os tais lundus
os viu no vosso acidente,
que se os vê visivelmente
também Ihe dera o seu truz:
desamarrados os cus,
porque o Frade desentese,
foi-se ele, pese a quem pese,
e vós assombrada toda,
perdestes a quinta foda,
e talvez que fossem treze.
4 O melhor deste desar
é, que o Padre, que fodia,
quando o jogo Ihe acudia,
vos tocava o alvorar:
vos enforcando no ar
esse como a balravento,
então o Frade violento
entrava como um cavalo,
e o cono com tanto abalo
zurrava como um jumento.
5 Eu não vi cousa mais vã,
do que o vosso cono bento,
pois com dous dedos de vento
roncava uma Itapoã,
estava agora louçã,
crendo, que salva seria
toda aquela artilharia,
mas vós o desenganastes,
quando o murrão Ihe apagastes
com chuva, e com ventania.
6 Se achais, que vos aniquilo,
porque mais pede inda o caso,
digo, que há no vosso vaso
as catadupas do Nilo:
e se o vaso vos perfilo
com rio tão hediondo;
crede, que o Nilo redondo
com todas as sete bocas
tem ruído, e vozes poucas
à vista do vosso estrondo.
7 Ninguém se espanta, que vós
venteis com tal trovoada,
porque de mui galicada
tendes no vaso comboz:
é caso aqui entre nós,
que se o membro é uma viga,
em tocando na barriga
uma enche, e outra extravasa,
e vaso, que enche, e vaza,
como de marés se diga.
8 Tantas faltas padeceis
fora do vaso, e no centro,
que nada ganhais por dentro,
por fora tudo perdeis:
já por isso recorreis
ao demo, a quem vos eu dou,
e tanto vos enganou,
que o Frade o demo sentindo,
dele, (e de vós) foi fugindo,
e co demo vos deixou.
9 O demo, que é mui manhoso,
veio então a conjurar-vos,
que à força de espeidorrar-vos
veja o mundo um Frei Potroso:
coitado do religioso
corria com reverência,
nos culhões tendo esquinência
de vossa ventosidade,
mas se a casta tira o Frade,
sei, que há de ter paciência.
A HUMA DAMA QUE POR UM VIDRO DE ÁGUA TIRAVA O SOL DA CABEÇA.
1 Qual encontra na luz pura
a Mariposa desmaios,
tal de Clóri sente a raios
assaltos a formosura:
remédio a seu mal procura,
mas com ser a doença clara,
já eu Iha dificultara,
temendo em tanto arrebol,
que tirar da testa o sol,
lhe custa os olhos da cara.
2 Posto que o sol não resista,
temo, que ali não faleça,
porque se ofende a cabeça,
nunca desalenta a vista:
nesta pois de ardor conquista
vejo a Clóri perigar,
pois querendo porfiar,
das duas uma há de ser,
ou não há de ao sol vencer,
ou sem vista há de ficar.
3 Mas Clóri assim achacada
que está, é cousa sabida,
menos do sol ofendida,
que da lua perturbada:
que esteja Clóri aluada,
é inferência comua,
pois se ao sol da fonte sua
perturbam nuvens de ardores,
quando ao sol sobem vapores,
é nas mudanças da lua.
4 Se Clóri se persuadira,
que só da lua enfermara,
da cabeça não curara,
mas aos pés logo acudira:
se o calor porém Ihe inspira,
que o seu mal todo é calor,
pois o maior ao menor
por razão deve prostrar,
para as do sol sepultar,
procure as chamas do amor.
5 Mas se as do fogo não quer,
bem se val das armas d'água,
que só pode em tanta frágua
tanto vidro alívio ser:
nele o mal remédio ter,
o mesmo sol o assegura,
que se nas águas procura
em seus ardores abrigo,
quem tem em cristal jazigo,
acha em vidros sepultura.
HUMA FORMOSA MULATA, A QUEM HUM SARGENTO SEU AMASIO ARROJOU AOS
VALADOS DE HUMA HORTA.
1 Que cantarei eu agora,
Senhora Dona Talia,
com que todo o mundo ria,
do pouco que Jelu chora:
inspira-me tu, Senhora,
aquele tiro violento,
que àJelu fez o Sargento;
mas que culpa o homem teve?
não fora ela puta leve,
para ser péla do vento.
2 Dizem, que ele pegou dela,
e que gafando-a no ar,
querendo a chaça ganhar
a jogou como uma péla:
fez chaça a branca Donzela
lá na horta da cachaça,
que mais de mil peças passa,
e tal jogo o homem fez,
que eu Ihe seguro esta vez,
que ninguém Ihe ganha a chaça.
3 Triste Jelu sem ventuta
ali ficou enterrada,
mas foi bem afortunada
de ir morrer à sepultura:
poupou a esmola do Cura,
as cruzes, e as confrarias,
pobres, e velas bugias,
e como era lazarenta,
depois de mui fedorenta
ressuscitou aos três dias.
4 Dizem, que depois de erguida
da morte se não lembrou,
que como ressuscitou,
se tornou à sua vida:
eu creio, que vai perdida,
e me diz o pensamento,
que há de ter um fim violento,
como se Ihe tem fadado,
ou nas solas de um soldado,
ou nas viras de um sargento.
RESSENTIDA TAMBEM COMO AS OUTRAS O POETA LHE DÀ ESTA SATISFAÇÃO
POR ESTILLO PROPORCIONADO AO SEU GENIO.
Jelu, vós sois rainha das Mulatas,
E sobretudo sois Deusa das putas,
Tendes o mando sobre as dissolutas,
Que moram na quitanda dessas Gatas.
Tendes muito distantes as Sapatas,
Por poupar de razões, e de disputas,
Porque são umas putas absolutas,
Presumidas, faceiras, pataratas.
Mas sendo vós Mulata tão airosa
Tão linda, tão galharda, e folgazona,
Tendes um mal, que sois mui cagarrosa.
Pois perante a mais ínclita persona
Desenrolando a tripa revoltosa,
O que branca ganhais, perdeis cagona.
AO PROVEDOR DA FAZENDA REAL FRANCISCO LAMBERTO FAZENDO NA
RIBEYRA O FAMOSO GALLEÃO S. JOÃO DE DEOS.
Fazer um passadiço de madeira,
Pelo qual se haja de ir daqui a Lisboa,
E fazermos pessoa por pessoa
Vizinhos de São Paulo, ou da Ribeira.
Esta alta ponte estável, e veleira
Tal virtude terá de popa a proa,
Que orbes avizinhando a esta coroa,
A esfera habitaremos derradeira.
Por esta ponte, e passadiço de ouro
Conduzireis os pomos mais fecundos
Que o de Vênus esférico tesouro.
E serão vossos anos tão jucundos
Em todo o Orbe, que o Planeta Louro
Dirá, que dais a Pedro novos mundos.
OUTRA MULATA, DE QUEM O POETA FALLA ENTRE AS BORRACHAS DO JUIZADO
DE NOSSA SENHORA DO EMPARO TAMBEM SE RESENTIO DA AFRONTA, E ELLE
À SATISFAZ AGORA NA MESMA FORMA.
1 Marta: mandai-me um perdão
em qualquer continha benta
tocada na vossa venta
passada por vossa mão:
porque ainda que a contrição
que tenho, de que entre nós
haja ofensa tão atroz,
é obra, que tanto monta,
que me hei de tocar a conta,
ou me hei de ir tocar em vós.
2 Quero, que me perdoeis,
e para me perdoar,
sendo ara do meu altar,
nela é força, me toqueis:
assim me indulgenciareis
por esta obra meritória,
que ofreço à vossa memória,
pela qual no foro externo
podeis livrar-me do inferno,
e levar-me à vossa glória.
3 Maldita seja a caraça,
que me meteu na cabeça;
que éreis vós, Marta, má peça,
para ir perder vossa graça:
e agora que a vista embaça
em tão alta galhardia,
praguejarei noite, e dia
a patifa, que me ordena,
que pegando então na pena
vos metesse na folia.
4 Vós sois a gala das Pardas,
e como sol das Mulatas
sombra fazeis às Sapatas,
que presumem de galhardas:
formosuras são bastardas
todas as mais formosuras,
mas eu tomara às escuras
topar vosso fraldelim,
porque novo para mim
assentara-lhe as costuras.
LOUVA O POETA OBSEQUIOZAMENTE O GRANDE ZELO, E CARIDADE, COM QUE
ANTONIO DE ANDRADE JUIZ, QUE ERA DOS ORPHÃOS DESTA CIDADE DA BAHIA
SENDO DISPENSEYRO DA SANTA CASA DE MISERICORDIA TRATAVA AOS
POBRES DOENTES DO HOSPITAL.
1 Senhor Antônio de Andrade,
não sei, se vos gabe mais
as franquezas naturais,
ou se a cristã caridade:
toda esta nossa Irmandade,
que a pasmos emudeceis,
vendo as obras, que fazeis,
não sabe decidir não,
se igualais o amor de Irmão,
ou se de Pai o excedeis.
2 Ou, Senhor, vós sois parente
de toda esta enfermaria,
ou vos vem por reta via
ser Pai de todo o doente:
quem vos vê tão diligente,
tão caritativo, e tão
inclinado à compaixão,
dirá de absorto, e pasmado,
que entre tanto mal curado,
só vós fostes homem são.
3 Aquela mesma piedade,
a que vos move um doente,
vos mostra evidentemente
homem são na qualidade:
de qualquer enfermidade
são aforismos não vãos,
que enfermaram mil Irmãos,
mas se o contrário se alude,
somente a vossa saúde
foi contágio de mil sãos.
4 Quem não sarou desta vez,
fica muito temeroso,
que Ihe há de ser mui penoso
acabar-se-vos o mês:
ninguém jamais isto fez,
nem é cousa contingente
o ficar toda esta gente
com perigo tão atroz,
que se acabe o mês a vós,
para mal de outro doente.
DISPARATES NA LINGUA BRAZILICA A HUMA CUNHÃA, QUE ALI GALANTEAVA
POR VICIO.
1 Indo à caça de tatus
encontrei Quatimondé
na cova de um Jacaré
tragando treze Teiús:
eis que dous Surucucus
como dous Jaratacacas
vi vir atrás de umas Pacas,
e a não ser um Preá
creio, que o Tamanduá
não escapa às Gebiracas.
2 De massa um tapiti,
um cofo de Sururus,
dous puçás de Baiacus,
Samburá de Murici:
Com uma raiz de aipi
vos envio de Passé,
e enfiado num imbé
Guiamu, e Caiaganga,
que são de Jacaracanga
Bagre, timbó, Inhapupê.
3 Minha rica Cumari,
minha bela Camboatá
como assim de Pirajá
me desprezas tapiti:
não vedes, que murici
sou desses olhos timbó
amante mais que um cipó
desprezado Inhapupê,
pois se eu fora Zabelê
vos mandara um Miraró.
A HUMA DAMA, QUE MANDANDO-A O POETA SOLICITAR LHE MANDOU DIZER
QUE ESTAVA MENSTRUADA.
O teu hóspede, Catita,
foi mui atrevido em vir
a tempo, que eu hei mister
o aposento para mim.
Não vou topar-me com ele,
porque havemos de renhir,
e há de haver por força sangue,
porque é grande espadachim.
Tu logo trata de pôr
fora do teu camarim
um hóspede caminheiro
que anda sempre a ir, e vir.
Um hóspede impertinente
de mau sangue, vilão ruim:
por mais que Cardeal seja
vestido de carmesim.
Despeje o hóspede a casa,
pois Ihe não custa um ceitil,
e a ocupa de ordinário
sem pagar maravedi.
Não tenhas hóspede em casa
tão asqueroso, tão vil,
que até os que mais te querem
fujam por força de ti.
Um hóspede aluado,
e sujeito a frenesis,
que em sendo quarto de lua
de fina força há de vir.
Que diabo há de sofrê-lo,
se vem com tão sujo ardil,
a fazer disciplinante,
quem foi sempre um serafim?
Acaso o teu passarinho
é pelicano serril,
que esteja vertendo sangue
para os filhos, que eu não fiz?
Vá-se o mês, e venha o dia,
em que eu te vá entupir
essas cruéis lancetadas
com lanceta mais sutil.
Deixa já de ensangüentar-te,
porque os pecados que eu fiz,
não é bem, que pague em sangue
o teu pássaro por mim.
A HUMA DAMA, QUE LHE MANDOU HUM REGISTO DE SANTA JULIANA QUE HAVIA
TIRADO POR SORTES EM SANTA ANNA.
Não me maravilha não,
tirares hoje em Santa Ana
uma Santa Juliana,
e o touro por um grilhão:
porque a vossa devoção
é certo, que a meus adornos
decretou estes subornos,
para que veja a minha alma,
que por dar à Santa a palma,
me prende hoje pelos cornos.
A HUMA NEGRA QUE TINHA FAMA DE FEYTICEIRA CHAMADA LUIZA DA PRIMA.
1 Dizem, Luíza da Prima,
que sois puta feiticeira,
no de puta derradeira,
no de feiticeira prima:
grandemente me lastima,
que troqueis as primazias
a lundus, e a putarias,
sendo-vos melhor ficar
puta em primeiro lugar,
em último as bruxarias.
2 Mas é certo, e sem disputa,
que isso faz a idéia vossa,
pois para bruxa sois moça,
e sois velha para puta:
que os anos vos computa
e a idade vos arrima,
esse a fazer vos anima
pela conta verdadeira
no de puta derradeira,
no de feiticeira prima.
3 Esta é forçosa ocasião,
de que o Cação vos passeie,
porque é força que macheie
um cação a outro cação:
enquanto a fornicação
o fazeis naturalmente,
e quanto o enjeitar a gente
é tanto, o artifício, e tal,
que exercendo o natural,
obrais endiabradamente.
4 Isto suposto, Luizica,
vos digo todo medroso,
que deve ser valeroso
o homem, que vos fornica;
porque se vos comunica
toda a noite com sojornos
o demo dos caldos mornos
com seu priapo à faísca,
à fé que a muito se arrisca,
quem põe ao Diabo cornos.
5 Dormi c'o diabo à destra,
e fazei-lhe o rebolado,
porque o mestre do pecado
também quer a puta mestra:
e se na torpe palestra
tiveres algum desar,
não tendes, que reparar,
que o Diabo, quando emboca,
nunca dá a beijar a boca,
e no cu o heis de beijar.
6 Se foi vaso de eleição
São Paulo a passos contados,
vós pelos vossos pecados
sois vaso de perdição:
toda a praga, e maldição
no vosso vaso há de entrar,
e a tal termo há de chegar
esse vaso sempiterno,
que há de ser da vida inferno
onde as porras vão parar.
A PEDITORIO DE HUMA DAMA QUE SE VIO DESPREZADA DE SEU AMANTE.
Até aqui blasonou meu alvedrio,
Albano, meu, de livre, e soberano,
Vingou-se, ai de mim triste! Amor tirano,
De quem padeço o duro senhorio.
E não só se vingou cruel, e impio
Com sujeitar-me ao jugo desumano
De bem querer, mas de querer-te, Albano,
Onde é traição a fé, e amor desvio.
Se te perdi, não mais que por querer-te,
Paga tão justa, quanto merecida,
Pois com amar não soube merecer-te.
De que serve uma vida aborrecida?
Morra, quem teve a culpa de perder-te:
Perca, quem te perdeu, também a vida.
A MANUEL FERREIRA DE VERAS NASCENDOLHE HUM FILHO, QUE LOGO
MORREO, COMO TAMBÉM AO MESMO TEMPO HUM SEO IRMAO, E AMBOS
FORAM SEPULTADOS JUNTOS EM N. SENHORA DOS PRAZERES
Um prazer, e um pesar quase irmanados,
Um pesar, e um prazer mas divididos
Entraram nesse peito tão unidos,
Que Amor os acredita vinculados.
No prazer acha Amor os esperados
Fruitos de seus extremos conseguidos,
No pesar acha a dor amortecidos
Os vínculos do sangue separados.
Mas ai fado cruel! que são azares
Toda a sorte, que dás dos teus haveres,
Pois val o mesmo dares, que não dares.
Emenda-te, fortuna; e quando deres,
Não seja esse pesar em dous pesares,
Nem um prazer enterrado nos Prazeres.
A HUMA CRIOLA POR NOME IGNACIA QUE LHE MANDOU PARA GLOZAR O
SEGUINTE
MOTE
Para que seja perfeito
um bem feito cono em tudo,
há de ser alto, carnudo
rapadinho, enxuto, estreito.
1 Inácia, a vossa questão,
quem crerá, que é de uma preta,
mas vós sois preta discreta,
criada entre a discrição:
a proposta veio em vão,
pois a um tolo de mau jeito
tínheis vós proposto o pleito:
ele respondeu em grosso,
que o cono há de ser o vosso,
Para que seja perfeito.
2 Vós com tamanha tolice
ficastes soberba, e inchada,
porque vistes tão gabada
a proposta, e parvoíce:
mas quem, Inácia, vos disse,
que o vosso batido escudo
era macio, e carnudo,
se é tão magro, e pilhancrado,
devendo ser gordo, e inchado
Um bem feito cono em tudo:
3 Agora quero mostrar-vos,
que o vosso Mandu magriço
vos pôs um cono postiço
para efeito de louvar-vos:
hoje hei de desenganar-vos,
que o Mandu pouco sisudo
vos engana, e mente em tudo:
tendes raso, e esguio cono,
e para dar-se-lhe abono
Há de ser alto, carnudo.
4 Se o vosso cono há de ser
molde de cono melhor,
qualquer cono, que bom for,
nisso se bota a perder:
mas antes deve entender
todo o cono de bom jeito,
que para ser mais perfeito,
não há de imitar-vos já,
e desta sorte será
Rapadinho, enxuto, estreito.
A MARGARIDA, MULATA PERNAMBUCANA QUE CHORAVA AS ESQUIVANÇAS DE
SEU AMANTE COM PRETEXTO DE LHE HAVER FURTADO HUNS CORÁES.
1 Carira: por que chorais?
que é perdição não vereis,
as pérolas, que perdeis
pela perda dos corais?
pérolas não valem mais
dos vossos olhos chorados,
que de coral mil ramadas?
pois como os olhos sentidos
vertem por corais perdidos
pérolas desperdiçadas?
2 Basta já, mais não choreis,
que os corais, todos sabemos,
que não tinham os extremos,
que vós por eles fazeis:
que os quereis cobrar, dizeis:
mas como em cobrança tal
meteis tanto cabedal?
como empregais nesta empresa
o aljôfar, que val, e pesa
muito mais do que coral?
3 Vós sois fraca mercadora,
pois em câmbio de uns corais
tais pérolas derramais,
quais as não derrama Aurora:
sempre o negócio melhora
as Damas do vosso trato,
mas sem risco, e mais barato:
e em vós é fácil de crer,
que os corais heis de perder,
sobre quebrar no contrato.
4 Se vós adita o sentido,
que o mar cria coral tanto,
e no mar do vosso pranto
se achará o coral perdido:
levais o rumo torcido,
e ides, Carira, enganada,
porque a água destilada,
que té os beiços vos corria,
muito coral vos daria
de cria, mas não de achada.
5 Se tratais ao camarada
de ladrão, de ladronaço,
porque vos tirou do braço
coral, que val pouco, ou nada:
é, que estais apaixonada,
bem que com pouca razão:
mas ponde-lo de ladrão,
quando os corais bota fora,
e não os pondes na hora,
que vos rouba o coração.
A HUMA DAMA GRATIFICANDOLHE O FAVOR, QUE POR SUA INTERCESSÃO
ALCANÇARA.
1 Quem tal poderia obrar,
se não vossa perfeição,
beijo-vos, Senhora, a mão,
por tal favor alcançar:
e para graças vos dar,
é bem, que obséquio vos faça,
que quem só sobe com graça
ao trono de merecer,
é bom, que eu venha a dizer,
que é toda cheia de graça.
2 Não tenho, que encarecer,
o quanto estou obrigado,
que, o que me dá vosso agrado,
é digno de agradecer:
pois ninguém pode fazer
o que quer meu coração,
senão que a vossa afeição,
quis na mão levar a palma,
do que rendido a minha alma
vos beija a palma da mão.
A CERTO HOMEM DE DISTINÇÃO QUE SE COSTUMAVA EMBEBEDAR E
QUEIMANDO-SE-LHE A CASA FICOU ELLE ILLEZO, E TODA A FAMILIA.
1 O vício da Sodomia
em Gomorra, e em Sodoma
Lavrava como carcoma,
e como traça roía:
quis Deus arrancar num dia,
e arrancou de um lanço só,
porque reduzindo em pó
a cidade, e sua gente,
livrou do incêndio somente
toda a família de Lot.
2 Segundo Lot ao burlesco
temos hoje em Andrezão,
como sodomita não,
como bebedor tudesco:
estava dormindo ao fresco,
e roncando a seu prazer
para a cachaça cozer,
e por mais que a palhoça arda,
Deus Ihe defende, e resguarda,
ele, família, e mulher.
3 O vulgo, que é todo asnal,
tem este caso horroroso
por prodígio milagroso,
sendo cousa natural:
porque tomado um sendal,
ou qualquer lenço tomado,
e em jeribita ensopado,
se o fogo se Ihe puser,
a jeribita há de arder,
sem ser o lenço queimado.
4 Assim o nosso Andrezão
de jeribita atacado
não podia ser queimado
num fio do casacão:
a palhoça ardeu então
porém a pele maldita
seria cousa esquisita,
que pudesse em fogo arder,
porque a pele vinha a ser
o lenço da jeribita.
5 E suposta esta livrança
entre Sodoma, e Tudesco
ou há grande parentesco,
ou mui grande semelhança:
quem quiser com confiança
entrar no fogo veemente,
escuse o ser inocente,
como os Moços do Salmista,
trate de ser flautista,
e beba muita aguardente.
6 Lá no forno do Pombal
Vila do Conde Valido,
quando está mui acendido
entra (prodígio fatal!)
um vilão de ânimo tal,
que dentro vira a fogaça,
com que a todo o povo embaça,
sem o mistério alcançar,
e eu agora venho a dar,
que vai cheio de vinhaça.
7 E pois o nosso Andrezão
leva o fogo de vencida,
para toda a sua vida
temos nele um borrachão:
e como é mui asneirão,
e em tudo tão material,
fará um discurso tal,
que a beber, e mais beber
há de escapar, e viver
no dilúvio universal.
8 Engana-se o asneirão,
porque no final juízo
há de acabar, que é preciso,
vinho, vide, cepa, e chão:
tudo há de acabar então,
e quando ache o Brichote
escondido algum pipote,
como é tão geral a mágoa,
porque morra, dar-lhe-ão água,
que é veneno de um vinhote.
LAMENTA A MULHER DESTE MESMO SUGEYTO A MÁ SORTE,QUE TEVE EM SE
CASAR COM HOMEM DETALCONDIÇÃO, PORQUE ACTUALMENTE ESTAVA
BEBADO.
MOTE
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
1 Coitada de quem
teve tal marido,
que bebe o vestido,
e sem ele vem:
porventura alguém
pode tal sofrer?
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
2 Mofina de mim,
nunca eu fora feita
por não ser sujeita
a um vilão ruim:
Até o chapim
me foi já beber.
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
3 Melhor me tivera
meu Pai encerrada,
num canto fechada
melhor estivera,
e não conhecera,
quem me há de beber!
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
4 Sobre camarões
Sem comer mais nada
Só de uma assentada
bebe dez tostões:
vendeu os calções,
só para beber.
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
5 Darei um pregão:
sabia todo o mundo,
que é poço sem fundo
este Beberrão:
com tal condição
há de já morrer.
Mofina mulher,
que tão mal casou!
Ai que se lá vou
hei-vos de moer.
A AMAZIA DÊSTE SUJEITO QUE FIADA NO SEU RESPEITO SE FAZIA SOBERBA, E
DESAVERGONHADA.
1 Puta Andresona, eu pecador te aviso,
que o que amor te tiver, não terá siso;
tu te finges não ser senão honrada
e nunca vi mentira mais provada:
porque de mui metida, e atrevida
te vieste a sair com ser saída;
mas quando de ti, Puta, não cuidara,
fazeres tais baratos de tal cara!
2 Esse vaso encharcado, qual Danúbio
dá a crer, que és puta inda antes do dilúvio:
tão velha puta és, que ser podias
Eva das putas, mãe das putarias,
e por puta antiquíssima puderas
dar idade às idades, e era às eras;
e havendo feito putarias artas,
inda hoje dás a crer, que te não fartas.
3 Entram na tua casa a seus contratos
Frades, Sargentos, Pajens, e Mulatos
porque é tua vileza tão notória,
que entre os homens não achas mais que escória:
a todos esses guapos dás a língua,
e por muito que dês não te faz míngua:
antes és linguaraz, e a mim me espanta,
que dando a todos, tenhas língua tanta.
4 Mas isso te nasceu, puta Andresona,
de seres puta vil, puta fragona:
que o falar da janela, e da varanda,
só se achará em putas de quitanda.
Cal-te, que a puta grave, qual donzela,
geme na cama e cala na janela:
mete a língua no cu, e havendo míngua
quando deres ao cu darás à língua.
5 Pois te deixas calar sempre por baixo,
e lá para calar-te tens o encaixe,
cal-te um dia por cima atroadora,
que já se enfada quem na rua mora:
e diz até uma Preta, e mais não erra,
que a ovelha ruim é, a que berra;
cal-te Andresona, que de me aturdires,
tomei eu a ocasião de hoje me ouvires.
A MORTE DE AFONÇO BARBOZA DA FRANCA AMIGO DO POETA.
Quem pudera de pranto soçobrado,
Quem pudera em choro submergido
Dizer, o que na vida te hei querido,
Contar, o que na morte te hei chorado.
Só meu silêncio diga o meu cuidado,
Que explica mais que a voz de um afligido,
Porque na esfera curta de um sentido
Não cabe um sentimento dilatado.
Não choro, amigo, a tua avara sorte,
Choro a minha desgraça desmedida,
Que em privar-me de ver-te foi mais forte.
Tu com tanta memória repetida
Acharás nova vida em mãos da morte,
Eu triste nova morte às mãos da vida.
AO MESMO ASSUMPTO.
Alma gentil, esprito generoso,
Que do corpo as prisões desamparaste,
E qual cândida flor em flor cortaste
De teus anos o pâmpano viçoso.
Hoje, que o sólio habitas luminoso,
Hoje, que ao trono eterno te exaltaste,
Lembra-te daquele amigo, a quem deixaste
Triste, confuso, absorto, e saudoso.
Tanto a tua vida ao céu subiste,
Que teve o céu cobiça de gozar-te,
Que teve a morte inveja de vencer-te.
Venceu-te o foro humano, em que caíste,
Goza-te o céu, não só por premiar-te,
Senão por dar-me a mágoa de perder-te.
ÀS DUAS MULATAS PREZAS FINGE O POETA, QUE VlSlTA NESTE DOUS SONETOS
INTERLOCUTORES. FALLA COM A MAY.
Perg. Dona Secula in seculis Ranhosa,
Por que estais aqui presa, Dona Paio?
Resp. Dizem, que por furtar um Papagaio:
Porém mente a querela maliciosa.
Perg. Estais logo por ladra, e por gulosa:
Não vos lembra o jantar de Fr. Pelaio?
Resp. Então traguei de carne um bom balaio,
e de vinha uma selha portentosa.
Perg. Para tanto pecado é curta a sala,
Ide para a moxinga florescente,
Onde tanta vidrada flor exala.
Resp. Irei, que todo o preso é paciente;
Porém se hoje furtei cousa, que fala,
Amanhã furtarei secretamente.
FALLA O POETA COM A FILHA.
Perg. Bertolinha gentil, pulcra, e bizarra,
Também vos trouxe aqui o Papagaio?
Resp. Não, Senhor: que ele fala como um raio,
E diz, que minha Mãe Ihe pôs a garra.
Perg. Isso está vossa Mãe pondo à guitarra,
E diz, que há de pagá-lo para Maio.
Resp. Ela é muito animosa, e eu desmaio,
Se cuido no Alcaide, que me agarra.
Perg. Temo, que haveis de ser disciplinante
Por todas estas ruas da Bahia,
E que vos há de ver o vosso amante.
Resp. Quer me veja, quer não: estimaria,
Que os açoutes se dêem ao meu galante,
Porque eu também sei ver, e vê-lo-ia.
PINTURA ADMIRAVEL DE HUMA BELLEZA.
Vês esse Sol de luzes coroado?
Em pérolas a Aurora convertida?
Vês a Lua de estrelas guarnecida?
Vês o Céu de Planetas adorado?
O Céu deixemos; vês naquele prado
A Rosa com razão desvanecida?
A Açucena por alva presumida?
O Cravo por galã lisonjeado?
Deixa o prado; vem cá, minha adorada,
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?
Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Caterina.
DESAYRES DA FORMOSURA COM AS PENSÕES DA NATUREZA PONDERADAS NA
MESMA DAMA.
Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado Cristal, viva escarlata,
Duas Safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.
Este o rostinho é de Caterina;
E porque docemente obriga, e mata,
Não livra o ser divina em ser ingrata,
E raio a raio os corações fulmina.
Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias,
A quem já tanto amor levantou aras:
Disse igualmente amante, e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias,
Se sendo tão formosa não cagaras!
A OUTRO SUGEYTO QUE ESTANDO VARIAS NOYTES COM HUMA DAMA, À NÃO
DORMIO POR NÃO TER POTENCIA; E LHE ENSINÁRAM, QUE TOMASSE POR
BAXO HUMAS TALHADAS DE LIMÃO, E METTEO QUATRO.
1 Tal desastre, e tal fracasso,
com razão vos chega ao vivo,
que eu não vi nominativo
com tão vergonhoso caso:
do Oriente até o Ocaso,
desde o Olimpo até o Baratro,
do Orbe por todo o teatro
se diz, que sois fraca rês,
porque às três o Demo as fez
mas vós nem três, nem as quatro.
2 Quatro noites de desvelo
fostes passar com Joana,
tocaram-vos a pavana,
bailastes o esconderelo:
um homem do vosso pêlo
que dirá em tal desvario,
senão que foi tanto o frio,
tanto essas noites ventou,
que a cera se não gastou
por não pegar o pavio.
3 Isto é para insensatos,
não para os gatos de lei,
nem para mim, que bem sei,
que o frio é, que arreita os gatos:
deixemos esses recatos,
demos na verdade em cheio,
o que eu pressuponho, e creio,
é, que era alheia a mulher,
e a vossa porra não quer,
levantar-se com o alheio.
4 Vos quereis adrede errar,
porque nos alheios trastes
uma vez que vos deitastes,
força será levantar:
se vos não hão de emendar
estas lições de Gandu,
dai a porra a Berzabu,
que não presta para o alho,
ou tomai este caralho
metei-o, amigo, no cu.
5 Engano foi de capricho
a mezinha do Limão,
pois a cura do pismão
é uma, e outra a do bicho:
para entesar esse esguicho,
e endurecer esse cano
o remédio é um sacamano,
e se sois de fria casta,
e nada disto vos basta,
sede frade franciscano.
6 Meter um limão sem tédio
no cu, é cousa de bruto,
é remédio para puto,
não para as putas remédio:
em todo o Antártico prédio
não se viu tal asnidade,
porque se na realidade
sois tão frio fodedor,
como curais o calor,
se enfermais de frialdade.
A CERTO SUGEYTO DE SUPPOSIÇÃO, QUE TENDO-SE RETIRADO DA CÔRTE E
VIVIA NA SOLEDADE DE HUMA QUINTA MANDOU AO POETA A SEGUINTE DÉCIMA.
Goze a Corte o ambicioso
de aplausos, e vaidades,
que eu cá nestas soledades
o melhor descanso gozo:
aqui vivo cuidadoso
de descuidos, e este estado
julgo bem-aventurado,
que o melhor estado, cuido,
é aquele, em que o descuido
vem a ser todo o cuidado.
RESPONDE O POETA A SEGUINTE DECIMA COM ESTE SONETO.
Ditoso Fábio, tu, que retirado
Te vejo ao desengano amanhecido
Na certeza do pouco, que hás vivido,
Sem para ti viver no povoado.
Enquanto nos palácios enredado
Te enlaçaram cuidados divertido,
De ti mesmo passavas esquecido,
De ti próprio vivias desprezado.
Mas agora que nessa choça agreste,
Onde, quanto perdias, alcançaste,
Viver contigo para ti quiseste.
Feliz mil vezes tu, pois começaste
a morrer, Fábio, desde que nasceste,
Para ter vida agora, que expiraste.
AO DOUTOR FRANCISCO XIMENES, QUE INDO A CASA DE SUA DAMA, ACHOU O
LUGAR OCCUPADO POR OUTRO, A QUEM DESAFIOU: MAS NÃO PROIBIO, NEM
PÔDE O LOGRO DOS AMORES.
1 Foi um tonto amancebado
de noite ao seu palomar,
foi por se descarregar,
e saiu mais carregado:
tinha-lhe o leito ocupado
outro mais madrugador,
e quando ouviu o rumor,
de quem batia de fora,
estava ele nessa hora
batendo às portas do amor.
2 Logo acabou de bater,
e prevendo pelo tino,
que quem vinha era um menino,
jogou com ele a esconder:
lá dentro se foi meter
na última camarinha,
e dando com Macotinha,
E Guiomar moças modernas,
deitou-se entre quatro pernas,
e ficou mui de perninha.
3 Fizeram tanta galhofa
as duas mal maridadas,
que ouvindo o tonto as risadas
se foi queixando da mofa:
entrou, e vendo na alcova
os três de la vida airada
arrancou da sua espada,
e disse ao outro Alfaqui,
com tal descanso está aqui?
não o assusta uma estocada?
4 O outro, que era mau cão,
sem mudar de cabeceira,
não Ihe falou de cadeira,
respondeu-lhe de colchão:
e enchendo-se de paixão,
que o tonto Ihe ocasionou,
num pistolete pegou,
e pondo-lhe no focinho,
Ihe disse: ande, maganinho,
e ele em vez de andar, voou.
5 Plantou na sala a falua,
donde disse ao fanfarrão
saca afuera, valentão,
se é homem, eu vou para a rua:
saiu com a espada nua
mas o outro na mesma hora
saltou pela cama fora,
e chegando à porta já
Ihe disse: amanhã será,
que eu quero foder agora.
6 Fechou a porta, e no centro
disse, entre as quatro Paredes,
lá de fora dormiredes
enquanto eu durmo cá dentro:
foi-se como a bom coentro
o tonto com leda cara,
e me dizem se gabara,
quando o caso referira,
que posto que o não ferira,
ao menos o encurralara.
7 O cupido encurralado,
vendo-se senhor do bolo,
rebolou como um crioulo
sobre o vaso amulatado:
e porque quis ir poupado
ao duelo do outro dia,
parou, e a Puta dizia,
fornique quanto quiser,
que fraco nunca há de ser.
como é, quem o desafia.
8 Então com forças dobradas
o Moço encendido em fogo
se foi picando no jogo,
e foi dobrando as paradas:
a Puta ouvindo as pancadas
do fuzil, e pedernal,
ficou de todo mortal,
vendo correr pela cama
entre dilúvios de chama
incêndios de radical.
9 Vinha amanhecendo já,
quando ele vestido, e armado
diga, disse, a esse barbado,
(se acaso tornar por cá)
que me busque, e me achará
nos desempenhos forçosos,
de cornos tão afrontosos;
sendo, que não deve estar
sentido de eu Ihos plantar,
a um traidor dous aleivosos.
10 Se é Pedro de malas artes,
que com tão sujos modilhos
por comer a dous carrilhos
fala por ambas as partes:
e com tão infames artes
vai recolhendo as maquias
das Partes todos os dias,
saiba, que as come em má fé,
porque bem conhece, que é
letrado de aleivosias.
11 Com isto se foi embora
entendendo a cada passo
que encontrava co madraço,
que o veio esperar cá fora:
e se tão fraco não fora,
assim havia de ser:
mas essa noite é de crer
que estaria em seu beco
ele a engolir em seco,
quando a puta a se foder.
12 Acabado o desgostinho
mandou-o a Puta chamar,
que um corno não é desar,
que a um destes mude o focinho:
veio ela com todo alinho,
ele embravecido, e irado
lhe disse, é bem empregado
depois de eu vender o mundo
pata comprar-lhe esse sundo
tirá-lo por mal comprado.
13 Ela disse-lhe um dichote,
e o tontinho, ou asnaval
abriu a boca sem sal,
e sorriu-se a meio trote:
com um, e outro risote
o pôs ela tão virado,
que ficou logo assentado
por um artigo de paz,
que ela ao outro machacaz
lhe mandou este recado.
14 A esse magano dizei,
que eu não sou louca perene
que troque um Doutor Ximene
nem pelo cetro d'El-Rei;
que se uma noite Iho dei,
foi por um certo respeito;
foi-lhe o recado direito
com aviso de antemão,
e dando-se, o asneirão
se deu por mui satisfeito.
A HUM AMIGO PEDINDOLHE HUMA CAIXA DE TABACO.
Senhor: o vosso tabaco
que muito me ensoberbeça,
se uns fumos lança à cabeça
mais divinos, que os de Baco:
e bem, que nunca em meu caco
entra tão rico alimento,
por isso mesmo eu intento
para meu proveito, e pró,
porque me deis desse pó,
mandar-vos este memento.
A CERTO BARQUEIRO DE MARAPÈ PRESUMIDO DE GENTIL, VALENTE, E
NAMORADO, O QUAL TINHA POR GURUMETE DA NAO, EM QUE O POETA VEYO
DE PORTUGAL.
Gentil-homem, valente e namorado
Trindade vem a ser de perfeições,
Com que a vós triunviro dos varões
Vos teme a morte, e vos venera o fado.
Pelo gentil Adônis sois pintado,
Pelo valente o Marte das nações,
Que unir, e conformar contradições
Só em vós se viu já facilitado.
Sobretudo, Senhor Manuel Fernandes,
Podereis ser de Enéias Palinuro
E conduzir de Europa Ulisses grandes:
Pois trazíeis o barco tão seguro,
Quando passei para esta nova Flandes,
Que o mar me parecia vinho puro.
MESMO BARQUEIRO E PELO MESMO CASO.
1 Por gentil-homem vos tendes,
por valente, e namorado,
que a um Fernandes não é dado,
e cai melhor em um Mendes:
e pois as prendas retendes,
que em boa filosofia
nenhuma em vós caberia,
tão grande amor me deveis,
que porque vós o dizeis,
vo-lo creio em cortesia.
2 Só por cerimônia urbana
me resolvera eu a crer,
que podeis formoso ser
tendo olhos de porcelana:
se vo-lo diz vossa mana
(que se a tendes, preta é)
por vos manter nessa fé,
sabei, que vos troca as prosas,
porque são mui mentirosas
as Negras de Marapé.
3 Que sois valente, bem creio,
que esses pulsos, essas pernas,
e o grosso dessas cavernas
me estão dizendo "temei-o":
eu vos creio, e vos recreio,
não faleis mais nisso: tá,
porque em rigor, claro está,
que um valentão D. Ortis
me assusta quando mo diz,
e outra vez, quando me dá.
4 Mas quanto a ser namorado,
nisso consiste a questão,
que esta vez vos vou à mão,
como quem vos vai ao dado:
todo o Americano Estado,
que digo? este mundo inteiro
namorei eu tão primeiro,
que nisto de namorar
podeis vós comigo estar
a soldada de escudeiro.
5 Sou namorado de chapa,
e de idade pueril
de Portugal, e Brasil
tenho namorado o mapa:
nenhuma cara me escapa,
e em todo o rosto me embarco,
e vós no salgado charco
(posto que em vãos pensamentos)
sempre andais bebendo os ventos,
que é bom para o vosso barco.
CELEBRA A CARREYRA QUE DEO HUM CABOCLO A HUM SUGEYTO, QUE ACHOU
COM HUMA NEGRINHA ANGOLLA, COM QUEM ELLE FALAVA.
1 Arre lá co Aricobé,
como ele é corredor,
porque fiz co pecador,
o que já com São Tomé:
o pobre teve bom pé,
e esta parte não é má,
pois se ao chinelo não dá,
e no fugir não insiste,
creio, que diria o triste,
se isto assim é, arre lá.
2 O pobrete inadvertido
de avançada tão medonha,
diz, que não tendo vergonha,
só então se viu corrido:
e sendo a pulso seguido
do cioso Paiaiá,
sem dizer cobé, nem pá,
gritava por toda a rua,
se te deixo a fêmea tua,
que me queres? arre lá.
3 Não deu por isto o Tapuia
cortesão do Santo Sé,
que apertava mais o pé,
só para Ihe dar na cuia:
vendo o pobre esta aleluia,
que tanto susto Ihe dá,
ajuntava a perna à pá
para mais veloz correr,
que quanto isto de morrer
faz mui mal cabelo cá.
4 Nada disto Ihe valeu,
nem o dar tanta passada,
porque quando nada nada
alguma cousa Ihe deu:
na fugida não perdeu,
mais que o que se falará:
se bem, que mais sentirá
que se diga em todo o ano,
que o Tapuia desumano
sabe mais do que cará.
5 O Frecheiro a pouco custo
dizia, porque é magano,
o cão livrou-se do dano,
mas não se livrou do susto:
irracionalmente injusto
o vulgo me chamará,
mas eu pouco se me dá,
porque no caso presente
quis, que conhecesse a gente,
se é gente o Barabauá.
6 Não é de beiço furado
o cabocolo maligno,
que me pareceu menino
só em ser demasiado:
se bem, que por ter gostado
do que qualquer gostará,
quem o desculpe, haverá,
no cometer este excesso,
que eu também morro (confesso)
por este có mangará.
7 Com que afagos a negrinha
ao pobrete trataria,
uma onde se Ihe ia,
e outra onda se Ihe vinha,
medrosa estava a pretinha,
que nunca a cor mudará,
e como não era má,
que a qualquer outra acontece,
não quis o pobre morresse
entre mil soluços cá.
8 Este gostinho roubou
o Tatu do Carapai,
pois sem dançar o chegai,
no pobrezinho chegou:
porque logo que os achou
um de lá, outro de cá,
disse a ambos arre lá,
na minha casa, velhaca,
vos tira cá o meu faca,
minha comer catucá.
9 A negra, que nisto estava,
já que fazer não sabia,
porque se de um gosto ria,
também de um susto chorava:
desta maneira gritava
"Paí na matá, a lá lá,
aqui sá tu mangalá,
saiba Deus e todo o mundo,
que me inguizolo mavundo
mazanha, mavunga, e má"
10 O Tapuia é mui valente,
pouco digo, valentão,
pois no centro do sertão
fez já fugir muita gente:
e se na ocasião presente
se diz, que costas virara
(cousa, em que qualquer repara)
é, pois que a discursar entro,
porque fora do seu centro
jamais cousa alguma pára.
11 Também diz, que se deu costas
já depois do susto feito
foi, porque certo sujeito
de o prender fazia apostas:
entre pergunta, e respostas
diz mais, que fugira só,
porque na garganta um nó
(que este bem cego seria)
se Ihe punha, quando ouvia
aripotá treminó.
12 Ao Cabocolete iníquo,
antes que em raiva se engafe
Ihe fez o cu tafe tafe,
e a bunda fez tico tico:
estava feito um Perico,
porque aqui, e ali se escancha,
sentindo-se muito a mancha,
de quando preso o levavam,
dos rapazes, que gritavam,
pois que é isso? vai na lancha!
A HUMAS FREYRAS OUE MANDÁRAM PERGUNTAR POR OCIOSIDADE AO POETA
A DIFINIÇÃO DO PRIAPO E ELLE LHES MANDOU DIFINIDO, E EXPLICADO NESTAS
DÉCIMAS.
1 Ei-lo vai desenfreado,
que quebrou na briga o freio,
todo vai de sangue cheio,
todo vai ensangüentado:
meteu-se na briga armado,
como quem nada receia
foi dar um golpe na veia,
deu outro também em si,
bem merece estar assi,
quem se mete em casa alheia.
2 Inda que pareça nova,
Senhora, a comparação,
É semelhante ao Furão,
que entra sem temer a cova:
quer faça calma, quer chova,
nunca receia as estradas,
mas antes se estão tapadas,
para as poder penetrar,
começa de pelejar
como porco às focinhadas.
3 Este lampreão com talo,
que tudo come sem nojo,
tem pesos como relojo,
também serve de badalo:
tem freio como cavalo,
e como frade capelo,
é cousa engraçada vê-lo
ora curto, ora comprido,
anda de peles vestido
curtidas já sem cabelo.
4 Quem seu preço não entende,
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada,
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.
5 É grande mergulhador,
e jamais perdeu o nado,
antes quando mergulhado
sente então gosto maior:
traz cascavéis como Assor,
e como tal se mantém
de carne crua também,
estando sempre a comer,
ninguém Ihe ouvirá dizer,
esta carne falta tem.
6 Se se agasta, quebra as trelas
como leão assanhado,
tendo um só olho, e vazado,
tudo acerta às palpadelas:
amassa tendo gamelas
doze vezes sem cansar,
e traz já para amassar
as costas tão bem dispostas,
que traz envolto nas costas
fermento de levedar.
7 Tanto tem de mais valia,
quanto tem de teso, e relho,
é semelhante ao coelho,
que somente em cova cria:
quer de noite, quer de dia,
se tem pasto, sempre come,
o comer Ihe acende a fome,
mas às vezes de cansado
de prazer inteiriçado
dentro em si se esconde, e some.
8 Está sempre soluçando
como triste solitário,
mas se avista seu contrário,
fica como o barco arfando:
quer fique duro, quer brando,
tem tal natureza, e casta,
que no instante, em que se agasta,
(qual Galgo, que a Lebre vê)
dá com tanta força, que,
os que tem presos, arrasta.
9 Tem uma contínua fome,
e sempre para comer
está pronto, e é de crer,
que em qualquer das horas come:
traz por geração seu nome,
que por fim hei de explicar,
e também posso afirmar,
que sendo tão esfaimado,
dá leite como um danado,
a quem o quer ordenhar.
10 É da condição de Ouriço,
que quando lhe tocam, se arma,
ergue-se em tocando alarma,
como cavalo castiço:
é mais longo, que roliço,
de condição mui travessa,
direi, porque não me esqueça,
que é criado nas cavernas,
e que somente entre as pernas
gosta de ter a cabeça.
11 É bem feito pelas costas,
que parece uma banana,
com que as mulheres engana
trazendo-as bem descompostas:
nem boas, nem más respostas
Ihe ouviram dizer jamais,
porém causa efeitos tais,
que quem exprimenta, os sabe,
quando na língua não cabe
a conta dos seus sinais.
12 É pincel, que cem mil vezes
mais que os outros pincéis val,
porque dura sempre a cal,
com que caia, nove meses:
este faz haver Meneses,
Almadas, e Vasconcelos,
Rochas, Farias, e Teles,
Coelhos, Britos, Pereiras,
Sousas, e Castros, e Meiras,
Lancastros, Coutinhos, Melos.
13 Este, Senhora, a quem sigo,
de tão raras condições,
é caralho de culhões
das mulheres muito amigo:
se o tomais na mão, vos digo,
que haveis de achá-lo sisudo;
mas sorumbático, e mudo,
sem que vos diga, o que quer,
vos haveis de oferecer
a seu serviço contudo.
A HUMA DAMA QUE LHE MANDOU HUM CRAVO EM OCCASIÃO, QUE SE LHE
QUEIXAVA DE CERTO AGGRAVO.
1 Nise, vossa formosura
queixosa de certo agravo
me dá hoje uma no cravo
e a outra na ferradura:
uma verde, outra madura
achei no vosso craveiro,
que o cravo é favor inteiro;
mas cravo com queixa ao pé
é o mesmo que dizer, que
o gosto não, mas o cheiro.
2 Que mal fica ao meu intento,
que o cheiro me queirais dar?
dai-mo vós sempre a cheirar,
que eu co cheiro me contento:
quando um roçagante vento
passa de uma em outra rosa,
e de cada flor cheirosa
Ihe leva a fragrância inteira,
se assim por seu modo a cheira,
também por seu modo a goza.
3 Se com soberba, e jactância
de uma flor tão rescendente
me dais o cheiro somente,
eu tomo a flor, e a fragrância:
se eu entrar na verde estância,
onde Amor vos tem disposto,
crede do meu bom suposto,
que em vendo o vosso craveiro,
Ihe hei de tomar não só o cheiro,
mas hei de tomar-lhe o gosto.
4 Hei de ser como o vilão,
e com boa, ou com má fé,
se vós me deres o pé,
vos hei de tomar a mão:
e se nem o pé me dão
vossos rigores tão vãos,
tão ímpios tão maus cristãos,
nem por isso afrouxarei,
porque outro pé buscarei,
para beijar-vos as mãos.
5 Se o cheiro agora me toca,
logo o gosto me dareis,
que vós, Nise, bem sabeis,
que ao nariz se segue a boca:
nunca o bocado se emboca,
sem que se cheire primeiro,
agora me dais o cheiro,
e depois que eu o cheirar,
sei mui bem, que me heis de dar
o vaso, e mais o craveiro.
6 Depois que o vaso tiver,
que me dará vosso amor,
hei de colher-vos a flor,
se no vaso flor houver:
se não sempre sois mulher,
que na cabeça vos entre
ser justo, se reconcentre
minha carne em vossa olha,
com que em vez de flor eu colha
um fruito de vosso ventre.
NOVAS DO MUNDO QUE LHE PEDIO POR CARTA HUM AMIGO DE FORA POR
OCCASIÃO DA FROTA.
França está mui doente das ilhargas,
Inglaterra tem dores de cabeça,
Purga-se Holanda, e temo Ihe aconteça
Ficar debilitada com descargas.
Alemanha Ihe aplica ervas amargas,
Botões de fogo, com que convaleça.
Espanha não Ihe dá, que este mal cresça.
Portugal tem saúde e forças largas.
Morre Constantinopla, está ungida.
Veneza engorda, e toma forças dobres,
Roma está bem, e toda a Igreja boa.
Europa anda de humores mal regida.
Na América arribaram muitos pobres.
Estas as novas são, que há de Lisboa.
A HUMA DAMA QUE TINHA UM CRAVO NA BOCCA.
1 Vossa boca para mim
não necessita de cravo,
que o sentirá por agravo
boca de tanto carmim:
o cravo, meu serafim,
(se o pensamento bem toca)
com ele fizera troca:
mas, meu bem, não aceiteis,
porque melhor pareceis,
não tendo o cravo na boca.
2 Quanto mais que é escusado
na boca o cravo: porque
prefere, como se vê
na cor todo o nacarado:
o mais subido encarnado
é de vossa boca escravo:
não vos fez nenhum agravo
ele de vos dar querela,
que menina, que é tão bela,
sempre tem boca de cravo.
POR AVISO CELESTIAL DAQUELLA GRANDE PESTE, QUE CHAMARAM BICHA
APPARECEO HUM FUNEBRE, HORROROSO, E ENSANGUENTADO COMETTA NO
ANNO 1689 POUCOS DIAS ANTES DO ESTRAGO. ASSENTAVÃO GERALMENTE,
QUE ANNUNCIAVA ESTERILIDADE, FOMES, E MORTES: POREM VARIAVÃO NOS
SUGEYTOS DELLAS, COMO COUSA FUTURA. O POETA APPLICA COMO MAIS
PRUDENTE CONTRA OS QUE SE ASSIGNALAVÃO EM ESCANDALOS NAQUELLE
TEMPO.
Se de estéril em fomes dá o cometa,
não fica no Brasil viva criatura,
Mas ensina do juízo a Escritura,
Cometa não o dar, senão trombeta.
Não creio, que tais fomes nos prometa
Uma estrela barbada em tanta altura;
Prometerá talvez, e porventura
Matar quatro saiões de impreialeta.
Se viera o cometa por coroas,
Como presume muita gente tonta,
Não lhe ficara Clérigo, nem Frade.
Mas ele vem buscar certas pessoas:
Os que roubam o mundo com a vergonta,
E os que à justiça faltam, e à verdade.
A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO HUM CRAVEYRO.
O craveiro, que dizeis,
não vo-lo mando, Senhora,
só porque não tem agora
o vaso, que mereceis:
porém se vós o quereis,
quando por vós eu me abraso,
digo em semelhante caso,
sem ser nisso interesseiro,
que vos darei o craveiro,
se vós me deres o vaso.
PERTENDE AGORA (POSTO QUE EM VÃO) DESENGANAR AOS SEBASTIANISTAS,
QUE APPLICAVÃO O DITO COMETTA À VINDA DO ENCUBERTO.
Estamos em noventa era esperada
De todo o Portugal, e mais conquistas,
Bom ano para tantos Bestianistas,
Melhor para iludir tanta burrada.
Vê-se uma estrela pálida, e barbada,
E deduzem agora astrologistas
A vinda de um Rei morto pelas listas,
Que não sendo dos Magos é estrelada.
Oh quem a um Bestianista pergunta,
Com que razão, ou fundamento, espera
Um Rei, que em guerra d'África acabara?
E se com Deus me dá; eu Ihe dissera,
Se o quis restituir, não o matara,
E se o não quis matar, não o escondera.
NA ERA DE 1686 QUIMERIAVÃO OS SEBASTIANISTAS A VINDA DO ENCUBERTO
POR HUM COMETTA QUE APPARECEO. O POETA PERTENDE EM VÃO
DESVANECELOS TRADUZINDO HUM DISCURSO DO Pe. ANTONIO VIEYRA QUE SE
APPLICA A EL REY D. PEDRO II.
1 Ouçam os sebastianistas
ao Profeta da Bahia
a mais alta astrologia
dos sábios Gimnosofistas:
ouçam os Anabatistas
a evangélica verdade,
que eu com pura claridade
digo em literal sentido
que o Rei por Deus prometido
é: quem? Sua Majestade.
2 Quando no campo de Ourique
na luz de um raio abrasado
viu Cristo crucificado
El-rei Dom Afonso Henrique:
para que Ihe certifique
afetos mais que fiéis,
Senhor, disse, aos infiéis
mostrai a face divina,
não a quem a Igreja ensina
a crer tudo, o que podeis.
3 E Deus vendo tão fiel
aquele peito real,
auspicando a Portugal,
quis ser o seu Samuel:
na tua Prole novel
(diz) hei de estabelecer
um império a meu prazer:
e crê, que na atenuação
da dezasseis geração
então hei de olhar, e ver.
4 A dezasseis geração
por cômputo verdadeiro
assevera o Reino inteiro
ser o quarto Rei D. João:
e da prole a atenuação
(conforme a mesma verdade)
vê-se em Sua Majestade,
pois sendo de três varões
com duas atenuações
se tem posto na unidade.
5 Logo em boa conseqüência
na Pessoa realçada
de Pedro está atenuada
desta Prole a descendência:
logo com toda a evidência
e a luz da divina luz
se vê, que o Pedro conduz
o olhar, e ver de Deus,
que ao primeiro Rei, e aos seus
prometeu na ardente cruz.
6 E se o tempo é já chegado,
perguntem-no a Daniel,
que no sétimo aranzel
o traz bem delineado:
diz o Profeta sagrado,
que a quarta fera inumana
tinha na testa tirana
dez pontas, e que entre as dez
uma de grã pequenhez,
surgiu com potência insana.
7 Que esta ponta tão pequena,
mas tão potente, e tão forte
a três das grandes deu morte
cruel, afrontosa, e obscena:
quer dizer, que a sarracena
potência, ou poder tirano
do pequeno Maometano
tirara a seu desprazer
as três partes do poder
do grande império Romano.
8 E que pelo perjuízo,
que a pequena ponte fez,
das dez maiores as três
as chamou Deus a juízo,
e as condenou de improviso
ao fogo voraz, que as coma,
e daqui o Profeta toma
(pois Deus assim a condena)
o fim da gente Agarena,
e seita do vil Mafoma.
9 Continuando a visão,
refere a história sagrada,
que esta audiência acabada
chagou Deus um Rei cristão,
ao qual Ihe entregou na mão
seu império prometido;
logo bem tenho inferido,
que o sarraceno acabado
é o tempo deputado
de ser este império erguido.
10 E pois a gente otomana
vendo esta sua ruína
na luz da espada divina
em tanta armada Austriana:
pode a Nação Lusitana
confiada neste agouro
preparar a palma, e louro,
para o Príncipe Cristão,
que há de empunhar o bastão
do império de Deus vindouro.
11 Pode a Nação Lusitana,
que foi terror do Oriente
confiar, que no Ocidente
o será da Maometana:
pode cortar a espadana
em tal número, e tal soma,
que, quando o tempo a corcoma,
digamos com este exemplo,
que abriu, e fechou seu templo
o Bifronte Deus em Roma.
12 Estes secretos primores
não são da idéia sonhados,
são da escritura tirados,
e dos Santos Escritores:
e se não cito os Doutores,
e poupo esses aparatos,
é, porque basta a insensatos
por rudeza, e por cegueira,
que em prosa o compôs Vieira,
traduziu em versos Matos.
POR OCCASIÃO DO DITO COMETTA REFLETINDO O POETA OS MOVIMENTOS QUE
UNIVERSALMENTE INQUIETAVAM O MUNDO NAQUELA IDADE, O SACODE
GERALMENTE COM ESTA CRIZI.
1 Que esteja dando o Francês
camoesas ao Romano,
castanhas ao Castelhano,
e ginjas ao Português:
e que estejam todos três
em uma seisma quieta
reconhecendo esta treta
tanto à vista, sem a ver.
Será: mas porém a ser
efeitos são do cometa.
2 Que esteja o Inglês mui quedo
e o Holandês mui ufano
Portugal cheio de engano,
Castela cheia de medo:
e que o Turco viva ledo
vendo a Europa inquieta,
e que cada qual se meta
em uma cova a temer,
tudo será: mas a ser
efeitos são do cometa.
3 Que esteja o francês zombando,
e a Índia padecendo,
Itália olhando, e comendo,
Portugal rindo, e chorando:
e que os esteja enganando,
quem sagaz os inquieta,
sem que nada Ihes prometa!
Será: mas com mais razão,
segundo a minha opinião
efeitos são do cometa.
4 Que esteja Angola de graça,
o Marzagão cai não cai,
o Brasil feito cambrai,
quando Holanda feita caça:
e que jogue a passa-passa
conosco o Turco Maometa,
e que assim nos acometa!
Será, pois é tão ladino:
porém segundo imagino,
efeitos são do cometa.
5 Que venham os Franchinotes
com engano sorrateiro
a levar-nos o dinheiro
por troco de assobiotes:
que as patacas em pipotes
nos levem à fiveleta!
Não sei se nisto me meta!
Porém sem meter-me em rodas,
digo, que estas cousas todas
efeitos são do cometa.
6 Que venham homens estranhos
às direitas, e às esquerdas
trazer-nos as suas perdas,
e levar os nossos ganhos!
e que sejamos tamanhos
ignorantes, que nos meta
em debuxos a gazeta!
Será, que tudo é pior:
mas porém seja, o que for,
efeitos são do cometa.
7 Que havendo tantas maldades,
como exprimentado temos,
tantas novidades vemos,
não havendo novidades:
e que estejam as cidades
todas postas em dieta,
mau é: porém por decreta
permissão do mesmo Deus,
se não são pecados meus,
efeitos são do cometa.
8 Que se vejam sem razão
no extremo, em que se vêem,
um tostão feito um vintém,
e uma pataca um tostão;
e que estas mudanças vão
fabricadas à curveta,
sem que a ventura prometa
nunca nenhuma melhora!
Será: que pois o céu chora,
efeitos são do cometa.
9 Que o Reino em um estaleiro
esteja, e nesta ocasião
haja pão, não haja pão,
haja, não haja dinheiro:
e que se tome em Aveiro
todo o ouro, e prata invecta
por certa via secreta;
eu não sei, como isto é:
porém já que assim se vê,
efeitos são do cometa.
10 Que haja no mundo, quem tenha
guisados para comer,
e traças para os haver,
não tendo lume, nem lenha:
e que sem renda mantenha
carro, carroça, carreta,
e sem ter adonde os meta,
dentro em si tanto acomode!
Pode ser: porém se pode,
efeitos são do cometa.
11 Que andem os oficiais
como fidalgos vestidos,
e que sejam presumidos
os humildes como os mais:
e que sejam presumidos
cavalgar sem a maleta,
e que esteja tão quieta
a cidade, e o povo mudo!
Será: mas sendo assim tudo
efeitos são do cometa.
12 Que se vejam por prazeres,
sem repararem nas fomes
as mulheres feitas homens,
e os homens feitos mulheres:
e que estejam os misteres
enfronhados na baeta,
sem ouvirem a trombeta
do povo, que é um clarim!
Será: porém sendo assim,
efeitos são do cometa.
13 Que vista, quem rendas tem,
galas vistosas por traça,
suposto que bem mal faça,
inda que mal, fará bem:
mas que vista, quem não tem
mais que uma pobre sarjeta,
que lhe vem pela estafeta
por milagre nunca visto!
Será: porém sendo isto
efeitos são do cometa.
14 Que não veja, o que há de ver
mal no bem, e bem no mal,
e se meta cada qual,
no que não se há de meter:
que queira cada um ser
Capitão sem ter gineta,
sendo ignorante profeta,
sem ver, quem foi, e quem é!
Será: mas pois se não vê,
efeitos são do cometa.
15 Que o pobre, e rico namore,
e que com esta porfia
o pobre alegre se ria,
e que o rico triste chore:
e que o presumido more
em palácio sem boleta,
e por não ter, que Ihe meta,
o tenha cheio de vento!
Pode ser: mas ao intento
efeitos são do cometa.
16 Que ande o mundo, como anda,
e que se ao som do seu desvelo
uns bailem ao saltarelo
e os outros à sarabanda:
e que estando tudo à banda,
sendo eu um pobre Poeta,
que nestas cousas me meta,
sem ter licença de Apolo!
Será: porém se eu sou tolo,
efeitos são do cometa.
NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA.
Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.
Busco uma Freira, que me desentupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas Ihe dão sempre com chalupa.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei, por quem ma vaze toda Europa?
Amigo. quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da sua mão sua cachopa.
A HUMA DAMA QUE SE DESVIAVA DE LHE FALAR.
MOTE
Busco, a quem achar não posso.
Amo sem poder falar,
morro, porque quero bem,
o calar morto me tem,
quero, mas quero calar:
porque enfim hei de penar
sendo toda vida vosso,
pois por mais que me alvoroço
largando as velas à fé,
morro, meu amor, porque
Busco, a quem achar não posso.
A HUM LIVREYRO QUE COMEU HUM CANTEYRO DE ALFACES.
Levou um livreiro a dente
de alfaces todo um canteiro,
e comeu, sendo livreiro,
desenquadernadamente:
porém eu digo, que mente,
o que nisso o quer culpar;
antes é para notar,
que trabalhou como um Mouro,
que o meter folhas no couro
também é enquadernar.
ELEGE PARA VIVER O RETIRO DE HUMA CHACARA, QUE COMPROU NAS ARGENS
DO DIQUE, E ALI CONTA, O QUE PASSAVA RETIRADO.
Por bem-afortunado
Me tenho nestes dias,
Em que habito este monte a par do Dique,
Vizinho tão chegado
Às Taraíras frias,
A quem a gula quer, que eu me dedique.
Aqui vem o Alfenique
Das pretas carregadas
Com roupa, de que formam as barrelas:
Não serão as mais belas,
Mas hão de ser por força as mais lavadas;
E eu namorado desta, e aqueloutra
De um a lavar me rende o torcer doutra.
Os que amigos meus eram,
Vêm aqui visitar-me;
Amigos, digo, de uma e outra casta:
Oh nunca aqui vieram,
Porque vêm agastar-me,
E nunca deixam cousa, que se gasta.
Outro vem, quando basta,
Fazer nesta varanda
Chacotas, e risadas,
Cousas bem escusadas,
Porque o riso não corre na quitanda,
Corre de cunho a prata,
E amizade sem cunho é patarata.
A casa é espaçosa
Coberta, e retelhada
Com telha antiga de primeiro mundo,
Palha seca, e frondosa
Um tanto refolhada
Da que sendo erva Santa, é vício imundo;
O torrão é fecundo
Para a tal erva Santa:
Porque esta negra terra
Nas produções, que erra,
Cria venenos mais que boa planta:
Comigo a prova ordeno,
Que me criou para mortal veneno.
DEFINIÇÃO DO AMOR.
Mandai-me, Senhores hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem, que da clara escuma,
dizem, que do mar nascera,
que pegam debaixo d'água,
as armas, que Amor carrega.
Outros, que fora ferreiro
seu Pai, onde Vênus bela
serviu de bigorna, em que
malhava com grã destreza.
Que a dous assopros Ihe fez
o fole inchar de maneira,
que nele o fogo acendia,
nela aguava a ferramenta.
Nada disto é, nem se ignora,
que o Amor é fogo, e bem era
tivesse por berço as chamas
se é raio nas aparências.
Este se chama Monarca,
ou Semideus se nomeia,
cujo céu são esperanças,
cujo inferno são ausências.
Um Rei, que mares domina,
um Rei, o mundo sopeia,
sem mais tesouro, que um arco,
sem mais arma, que uma seta.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez de esteira,
despido como um maroto,
cego como uma Topeira.
Um maltrapilho, um ninguém,
que anda hoje nestas eras
com o cu à mostra, jogando
com todos a cabra-cega.
Tapando os olhos da cara,
por deixar o outro alerta
por detrás à italiana,
por diante à portuguesa.
Diz, que é cego, porque canta,
ou porque vende gazetas
das vitórias, que alcançou
na conquista das finezas.
Que vende também folhinhas
cremos por cousa mui certa,
pois nos dá os dias santos,
sem dar ao cuidado tréguas;
E porque despido o pintam,
é tudo mentira certa,
mas eu tomara ter junto
o que Amor a mim me leva.
Que tem asas com que voa
e num pensamento chega
assistir hoje em Cascais
logo em Coina, e Salvaterra.
Isto faz um arrieiro
com duas porradas tesas:
e é bem, que no Amor se gabe,
o que o vinho só fizera!
E isto é Amor? é um corno.
Isto é Cupido? má peça.
Aconselho, que o não comprem
ainda que Ihe achem venda.
Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:
Este, que o juízo tira,
Este, que roubou a Helena,
este, que queimou a Tróia,
e a Grã-Bretanha perdera:
Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento
é assunto dos Poetas:
Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o Frade andar desterrado,
endoudece a triste Freira.
Largar a almofada a Moça,
ir mil vezes à janela,
abrir portas de cem chaves,
e mais que gata janeira.
Subir muros, e telhados,
trepar cheminés, e gretas,
chorar lágrimas de punhos
gastar em escritos resmas.
Gastar cordas em descantes
perder a vida em pendências,
este, que não faz parar
oficial algum na tenda.
O Moço com sua Moça,
o Negro com sua Negra,
este, de quem finalmente
dizem, que é glória, e que é pena.
É glória, que martiriza,
uma pena, que receia,
é um fel com mil doçuras,
favo com mil asperezas.
Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição sem siso,
uma loucura discreta.
Uma prisão toda livre,
uma liberdade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.
Uma esperança, sem posse,
uma posse, que não chega,
desejo, que não se acaba,
ânsia, que sempre começa.
Uma hidropisia d'alma,
da razão uma cegueira,
uma febre da vontade
uma gostosa doença.
Uma ferida sem cura,
uma chaga, que deleita,
um frenesi dos sentidos,
desacordo das potências.
Um fogo incendido em mina,
faísca emboscada em pedra,
um mal, que não tem remédio,
um bem, que se não enxerga.
Um gosto, que se não conta,
um perigo, que não deixa,
um estrago, que se busca,
ruína, que lisonjeia.
Uma dor, que se não cala,
pena, que sempre atormenta,
manjar, que não enfastia,
um brinco, que sempre enleva.
Um arrojo, que enfeitiça,
um engano, que contenta,
um raio, que rompe a nuvem,
que reconcentra a esfera.
Víbora, que a vida tira
àquelas entranhas mesmas,
que segurou o veneno,
e que o mesmo ser Ihe dera.
Um áspide entre boninas,
entre bosques uma fera,
entre chamas Salamandra,
pois das chamas se alimenta.
Um basalisco, que mata,
lince, que tudo penetra,
feiticeiro, que adivinha,
marau, que tudo suspeita
Enfim o Amor é um momo,
uma invenção, uma teima,
um melindre, uma carranca,
uma raiva, uma fineza.
Uma meiguice, um afago
um arrufo, e uma guerra,
hoje volta, amanhã torna,
hoje solda, amanhã quebra.
Uma vara de esquivanças,
de ciúmes vara e meia,
um sim, que quer dizer não,
não, que por sim se interpreta.
Um queixar de mentirinha,
um folgar muito deveras,
um embasbacar na vista,
um ai, quando a mão se aperta.
Um falar por entre dentes,
dormir a olhos alerta,
que estes dizem mais dormindo,
do que a Iíngua diz discreta.
Uns temores de mal pago,
uns receios de uma ofensa
um dizer choro contigo,
choromingar nas ausências.
Mandar brinco de sangrias,
passar cabelos por prenda,
dar palmitos pelos Ramos,
e dar folar pela festa.
Anel pelo São João,
alcachofras na fogueira,
ele pedir-lhe ciúmes,
ela sapatos, e meias.
Leques, fitas, e manguitos,
rendas da moda francesa,
sapatos de marroquim,
guarda-pé de primavera.
Livre Deus, a quem encontra,
ou Ihe suceder ter Freira;
pede-vos por um recado
sermão, cera, e caramelas.
Arre lá com tal amor!
isto é amor? é quimera,
que faz de um homem prudente
converter-se logo em besta.
Uma bofia, uma mentira
chamar-lhe-ei mais depressa,
fogo salvaje nas bolsas,
e uma sarna das moedas.
Uma traça do descanso,
do coração bertoeja,
sarampo da liberdade,
carruncho, rabuge, e lepra.
É este, o que chupa, e tira
vida, saúde, e fazenda,
e se hemos falar verdade
é hoje o Amor desta era
Tudo uma bebedice,
ou tudo uma borracheira,
que se acaba co dormir,
e co dormir se começa.
O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve temor de artérias.
Uma confusão de bocas
uma batalha de veias,
um rebuliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
A DOUS IRMÃOS FULANOS DA CRUZ, QUE FORAM PREZOS POR FURTAREM HUM
ESPADIM A HUM SURDO DA PRAYA, TENDO JA FURTADO HUMAS SALVAS, QUE
PEDIRAM EMPRESTADO PARA TIRAREM A ESMOLLA PARA N. SENHORA DA
PALMA DE QUE FORAM DEGRADADOS PARA ANGOLLA.
1 As cruzes dos dous ladrões,
ou os dous ladrões das cruzes
com capa dos arcabuzes
armaram aos taralhões:
mas vendo, que estas ações
lhes não tinha a pança cheia,
a vil canalha plebéia
por comer à tripa forra,
sem recear a masmorra
meteu-se, e chegou a ceia.
2 Consumando o seu intento
por infames malfeitores,
à sentença dos maiores
foram para um aposento:
e se o seu merecimento
é castigo temerário,
pena é muito ao contrário,
que quem calvários só quer
os não mandam padecer
noutras cruzes ao calvário.
3 E fora mui justa lei,
que a qualquer ladrão previsto,
inda chamando por Cristo,
lhe não valesse o pequei:
e se hoje o memento mei
não acode a um patifão
por judaica geração,
se tira por conseqüência,
que é por sua violência
cada qual mui mau ladrão.
4 Porém o seu pensamento
antevendo a perdição
com capa de devoção
cuidou ir a salvamento:
e pedindo a bom intento
os dous duas salvações
foram em tais conjunções,
se bem careciam dalvas,
que dando-lhe as culpas salvas
se ficaram bons ladrões.
5 As salvas foram pedidas,
e sendo enfim emprestadas,
depois de Ihas terem dadas,
foram salvas, e perdidas:
e com ser às escondidas
o pedido, que as assola,
triunfando vão para Angola,
pois se levanta a sua alma
tirando a esmola da Palma
com o Santo, e com a esmola.
6 Outros crimes mais atrozes
têm os dous Judas malvados,
que justamente culpados
os publicam muitas vozes:
porque os delitos ferozes
no seu inútil estado
os criminam de contado,
e são no erro inaudito
um Judas para o bendito
inimigo do Louvado.
7 Vendo ao pobre varão
de grave espadim à cinta,
conhecendo-o pela pinta
o tomam de guarnição:
e andando de mão em mão
foi o espadim consumido
pelo valor atrevido,
e o mesmo espadim achado
para eles foi deparado,
e para ele foi corrido.
8 Pelas cruzes foi tomado,
e o que a todos mais atonta,
é, que não foi pela ponta
por um, ou outro Soldado:
mas como o valor mostrado
era em passos tão ligeiro,
chegou ao Cabo primeiro,
para levar tudo ao punho,
que só por força tem cunho,
ou cruzes o seu dinheiro.
9 Suspenso o mundo, e absorto
pasma em tal desassossego
maltratar um surdo a um cego,
que o seu direito é ser torto:
pois quando viu Cristo morto
com a lança o investiu,
e ele de cego sentiu
de então toda a vista ter,
Longuinhos viu por não ver,
e ele chegou, porque viu.
10 E se pelo atrevimento
de tão grandes desaforos
merecem dous mil estouros,
não é castigo violento:
que se fora a meu contento,
os queimaram logo logo,
e não satisfaz meu rogo
ter sentença de água fria,
quem somente merecia,
que lhe pusessem o fogo.
11 Porém, Senhores, porém
é escusado o falar,
nem mais pareceres dar,
já que remédio não tem:
e se do degredo vêm
e sai seu intento à luz,
vinguem-se logo de um plus,
que se governa até o cabo,
guarde-se a cruz do diabo,
não o diabo da cruz.
MANAS, DEPOIS QUE SOU FREIRA.
MOTE
É do tamanho de um palmo
com dous redondos no cabo.
1 Manas, depois que sou Freira
apoleguei mil caralhos,
e acho ter os barbicalhos
qualquer de sua maneira:
o do Casado é lazeira,
com que me canso, e me encalmo,
o do Frade é como um salmo
o maior do Breviário:
mas o caralho ordinário
É do tamanho de um palmo.
2 Além desta diferença,
que de palmo a palmo achei,
outra cousa, que encontrei,
me tem absorta, e suspensa:
é, que dizcorrendo a imensa
grandeza daquele nabo,
quando o fim vi do diabo,
achei, que a qualquer jumento
se lhe acaba o comprimento
Com dous redondos no cabo.
AS TRÊS IRMÃS FORMOSAS DAMAS PARDAS, QUE MORAVAM NO AREYAL.
Ontem vi no Areal
a trindade das formosas,
que consta de uma beleza
repartida em três pessoas.
Três Irmãs Ana, Leonor,
e a discreta Maricota,
três pessoas tão distintas
e uma beleza entre todas.
Três pessoas, e uma só
beleza a trindade soa,
unidade em formosura,
sendo a trindade das moças.
Mas eu com sua licença
quisera escolher de todas
Maricas por mais discreta,
já que não por mais formosa.
Por mais formosa também
escolhera a Maricota,
que a vantagem da beleza
está no olhar de quem olha.
Não consiste em realidade
a beleza de uma moça;
consiste na inclinação
de quem dela se enamora.
Eu como tão inclinado
aos olhos de Maricota
com licença das Irmãs
a escolho por mais formosa.
Os olhos se vão as mais,
e o coração pede outra,
e o dividir a trindade
é d'almas pouco devotas.
Mas em tal perplexidade,
e em tal pena, em tal afronta,
há de fazer a eleição
o que disser essa copla.
DÉCIMA
Dá-me Amor a escolher
de duas uma devota,
Leonor, ou Maricota,
e eu me não sei resolver:
se me hei de vir a perder
pela minha inclinação
tomando uma, e outra não,
quero, que me dê Amor
Maricota, e Leonor,
por não errar na eleição.
A HUM NEGRO DE ANDRE DE BRITO SOLICITADOR DE SUAS DEMANDAS GRAM
TRAPACEYRO, E ALCOVITERO CHAMADO O LOGRA, A QUEM HUM IMAGINARIO
VAZOU HUM OLHO.
Está o Logra torto? é cousa rara!
Diz que um olho perdeu por uma puta;
Barato o fez, que há puta dissoluta,
Que me quer arrancar ambos da cara.
Oh quem tão baratinho amor comprara,
Que um olho é pouco preço sem disputa;
Se não diga-o Betica, que de astuta
Mais de uma dúzia de olhos me almoçara.
Saí desta canalha tão roido,
E deixaram-me Harpias tão roubado,
Que não logrei da vista um só sentido.
Não foi o Logra não mais desgraçado,
Porque posto que um olho tem perdido,
O outro Ihe ficou para um olhado.
AO MESMO CRIOLLO, E PELO MESMO CASO.
1 Estou pasmado e absorto,
de que o Logra em qualquer pleito
curasse do seu direito,
e agora cure do torto:
ele fora mui bem morto,
porque outra vez não insista
ir, onde se Ihe resista:
mas se noutras ocasiões
requeria execuções,
agora pedirá vista.
2 Ia o Logra perseguindo
pela rua de São Bento
certo calcanhar bichento,
e ia-lhe a Negra fugindo:
quando a Dafne foi seguindo
Apolo pastor de Admeto:
ela por alto decreto
em Louro transfigurou-se,
e agora desfigurou-se,
ao Logra, que fica em preto.
3 A Negra sumiu-se, e quem
não sabe na medicina,
que em se perdendo a menina,
se perde o olho também:
andou o Logra mui bem
em perder o olho então,
porque noutra ocasião
saibam, que o Logra acertado
se co'a preta é desgraçado
com a branca é um Cipião.
4 Dizem as Putas por cá
com rostos muito serenos,
que o Logra cum olho menos
menos as vigiará:
mas quem não afirma
neste azar, nesta agonia,
que as Putinhas da Bahia
ficam de melhor emprego,
que as guiava um amor cego,
e já agora um torto as guia.
5 Se é certo, que ele investia
as Damas, que acarretava,
quem com olhos se cegava,
sem olhos o que faria?
agora é, que eu temeria,
que ele me guiasse a Dama,
porque suposto que as chama,
será para a sua estufa,
porque quem fechou a adufa,
trata já de ir para a cama.
6 O imaginário impio
quis-lhe o vulto reformar,
e em vez de o aperfeiçoar,
botou-lhe a longe o feitio:
saltou-lhe uma lasca em fio,
e no caso que saltasse,
quis Deus, que o olho lascasse,
porque o escultor estulto
ou corresse ao Logra o vulto,
ou de todo o acabasse.
7 O Imaginário, que há
de todas tantas ventagens,
diz, que é mau para as imagens
o pau de Jacarandá:
mas que outra imagem fará
tão bela, e perfeita, que
sina entre as outras da Sé,
ou que de outro pau, que engenha,
fará um São Miguel, que tenha
o demo do Logra ao pé.
8 O Logra ficou zarolho,
porque o homem na estacada
lhe deu tão boa pancada,
que foi pancada do olho:
correu logo tanto molho
pela cara, que ao cair,
quem foi ali acudir,
disse, que quando chorava
o Logra, ao olho cantava
"ojos, que lo vieron ir".
9 Pelo seu olho gritava,
e quem o não entendia
outra cousa parecia,
que no olho lhe passava:
e demais gente, que estava
na casa atrás do rumor,
vendo o Logra em tanta dor
com o olho fora da cara,
cria, que era, o que o vazara,
prateiro, e não escultor.
10 Dizem por esta Cidade,
que seu Senhor enfadado
de o ver todo, e desairado
lhe quer dar a Liberdade:
bom fora metê-lo frade
na Arrábida, ou em Buçaco,
onde vestido de saco
dê graças ao Criador,
que em estado o pôs melhor
para ser maior velhaco.
A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO OS CABELLOS.
Este cabelo, que aora
quieres, que el amor te dé,
teme, Nise, que tu fé
con el me seya traydora:
mas como el alma te adora,
obedecer-te es rason,
que aun que seya otro Sanson
mirando a tus ojos bellos
perder no puedo en cabellos
las fuerças del coraçon.
A MEDIDA PARA O MALHO.
MOTE
Não quero mais do que tenho.
A medida para o malho
pela taxa da Cafeira,
que tem do malho a craveira,
são dous palmos de caralho:
não quer nisto dar um talho,
e eu zombo do seu empenho,
pois tendo um palmo de lenho,
com que outras putas desalmo,
inda que tenho um só palmo,
Não quero mais do que tenho.
A HUMA PENDENClA QUE TEVE O MULATO QUIRINGA COM HUM MOURO NA
CADEYA, PELA QUAL FOY CASTIGADO: ESTANDO O POETA NESSA OCCASIÃO
TAMBEM PREZO.
1 Vendo tal desenvoltura,
como vai nesta cadeia,
quis também a minha veia
fazer uma travessura:
inda a memória me dura
dos mulatetes maraus,
quando entre desares maus
o pobre do nosso Mouro,
indo jogar prata, e ouro,
saiu-lhe o trunfo de paus.
2 Entre bem e mal fadado
foi o Mouro em sua lei
batizado por um Rei,
por um Mulato crismado:
ele ficou estirado,
vendo tanta matinada
de uma pendência causada;
e eu quase fiquei absorto,
de que vendo um Mouro morto
ninguém lhe desse a lançada.
3 Com sair-lhe o ano mau,
diz ele, que outro tal venha,
pois será ano de lenha
um ano de tanto pau:
o Mouro é mui vaganau,
e é tal o descoco seu,
que mal da terra se ergueu,
tão desaforado está,
que diz, que se lhe não dá
do muito, de se lhe deu.
4 O Quiringa valentão
por unir esta pendência,
se não ganhou indulgência,
teve um ano de perdão:
pôs-se em pé o velhacão
recebendo as alabanças,
e eu entre tantas mudanças
a guitarra Ihe cantei:
"servio na moxinga a El-Rei
un Quiringa con dos lanças".
ADMIRAVEL EXPRESSÃO DE AMOR MANDANDO-SE-LHE PERGUNTAR, COMO
PASSAVA.
Aquele não sei quê, que Inês te assiste
No gentil corpo, na graciosa face,
Não sei donde te nasce, ou não te nasce,
Não sei, onde consiste, ou não consiste.
Não sei quando, ou como arder me viste,
Porque Fênix de amor me eternizasse,
Não sei, como renasce, ou não renasce,
Não sei como persiste, ou não persiste.
Não sei como me vai, ou como ando,
Não sei, o que me dói, ou porque parte
Não sei, se vou vivendo, ou acabando.
Como logo meu mal hei de contar-te,
Se de quanto a minha alma está penando,
Eu mesmo, que o padeço, não sei parte.
MULATINHAS DA BAHIA.
MOTE
Vós dizeis, que arromba arromba:
não se arromba desse modo;
quem o tem apertadinho,
não o quer aberto logo.
1 Mulatinhas da Bahia,
que toda a noite em bolandas
correis ruas, e quitandas
sempre em perpétua folia,
porque andais nesta porfia,
com quem de vosso amor zomba?
eu logo vos faço tromba,
vós não vos dais por achado,
eu encruzo o meu rapado,
Vós dizeis arromba arromba.
2 Nenhum propósito tem,
o que dizeis, e o que eu faço,
que eu fujo do vosso laço,
e vós botais fora o trem:
e se eu o cubro tão bem,
e o tenho escondido todo,
de donde tirais o engodo
para arrombar, a quem zomba?
Vós cuidais, que assim se arromba?
Não se arromba desse modo.
3 É necessário, que eu queira,
e que vos diga, que sim,
que me ponha assim, e assim
a jeito, e em boa maneira:
que descubra a dianteira,
e entregando o passarinho
lho metais devagarzinho,
pois qualquer mulher se sente,
que entre de golpe, mormente
Quem o tem apertadinho.
4 A mulher fonte de enganos
por rnelhor aproveitar-se
começa hoje a desonrar-se,
e acaba de hoje a dez anos:
e já quando os desenganos
publicam com desafogo
ser mais quente do que o fogo
não se deixa revolver,
e por mais virgos vender,
Não o quer aberto logo.
AJUIZA AS DIFERENÇAS, E TOTAL DIVORCIO DE PORTUGAL COM CASTELLA
PROFETIZADAS MUYTO ANTES PELOS PRUDENTES.
MOTE
Portugal, e mais Castela
nunca foram bem casados:
agora estão separados,
dizem, que as causas deu ela.
1 Tão por força e sem razão
não pode haver bem casados,
nem de ânimos encontrados
se fez perfeita união:
quis casar Dona Ambição
por traças, e com cautela,
mas ouvindo dele, e dela
o mundo as cousas, a fama
diz, que hão de brigar na cama
Portugal, e mais Castela.
2 Porém já depois de feito
este inválido contrato
Portugal pelo mau trato
conhece as causas do efeito:
que se uns casam por respeito,
outros de amos obrigados,
Castela só por cruzados
se casou com Portugal,
mas como a causa foi tal,
Nunca foram bem casados.
3 Foi por força recebido
o Noivo de outro jurado,
e se ficou mal casado,
justamente é dividido:
veio a ser restituído
por caminhos não cuidados,
porque bens não esperados
têm diferente valia,
e estes, que a fortuna unia,
Agora estão separados.
4 O tempo desordenado
se ordenou em caso tal,
ficou livre Portugal
com clandestino julgado:
que se por caso há intentado
desquitar-se com cautela,
foi o ver-se livre dela
por inspiração divina,
porém de Espanha a ruína,
Dizem, que as causas deu ela.
É MEU DAMO TANTO MEU.
MOTE
Do meu Damo estou contente,
Que diz, que por mim derrama
Muitas lágrimas na cama,
Não sei, se é assim ou se mente.
GLOSA
1 É meu Damo tanto meu,
e tão namorado está,
que facilmente me dá,
tudo quanto Deus Ihe deu:
também o que tenho, é seu,
e assim reciprocamente
convém, que este amor se aumente,
e nesta igualdade enfim
se está contente de mim,
Do meu Damo estou contente.
2 Chora amante, e com verdade
vendo, e deixando de ver:
vendo chora com prazer;
não vendo com saüdade:
nesta pois conformidade
cada qual de nós se inflama,
e eu com quem tão bem me ama,
quisera no mesmo estilo,
que em mim derramara aquilo,
Que diz, que por mim derrama.
3 É tenro, amoroso, e brando,
sendo no trabalho duro,
e se com queixas o apuro,
dá satisfações chorando:
de sorte que vive amando,
e diz, que tanto se inflama,
que ele só sente, e derrama,
e que ele só pena, e adora,
que chora na grade, e chora
Muitas lágrimas na cama.
4 Chora de noite, e de dia
sempre a agradar-me disposto
lágrimas, que me dão gosto,
porque nascem de alegria:
de sorte que eu chore, ou ria,
sempre me faz só contente,
e quando estas ânsias sente,
diz, que estas lágrimas são
sangue do seu coração,
Não sei, se é assim ou se mente.
A HUMA NEGRA CHAMADA EVA RECOLHIDA DE HUM CLERIGO EM MARÉ, QUE
ENGANOU AO POETA FAZENDO-O ESPERAR.
1 Não me maravilha não
que a matar-me se me atreva
uma Eva, pois outra Eva
já fez pecar outro Adão:
nem é para admiração,
que quem com lindeza muita
tanto alvedrio desfruita,
o meu desfruitar intente,
nem que com fruita me tente,
sendo eu amigo da fruita.
2 Eu me vejo embaraçado
no meio, que hei de tomar,
tudo há de vir a parar
em deixar-me ela esquentado:
darei em desesperado,
irei um dia enforcar-me
com ela, por não matar-me,
e ao faltar soga d'EI-Rei,
algum pêlo lhe acharei,
em que possa espernegar-me.
3 Pois me deu palavra, e mão,
creio, que não mentirá,
senão novo não será,
que uma Eva engane a Adão:
alguma serpe, ou dragão
anda por esse pomar,
que veio a Eva enganar,
para ela enganar-me a mim,
coma eu da fruita enfim,
peque embora quem pecar.
4 E se o Padre chamar,
que venha estar em juízo,
direi com todo o meu siso,
Senhor, são erros de amar:
esta Eva, ou este azar,
que me destes por mulher,
diz, que Deus havia ser,
quem do seu pomo comesse,
e eu porque Deus parecesse,
co Demo me fui meter.
5 Bem sei eu, que era impossível
ser Deus, e fazer pecado,
mas a serpe me há enganado,
ou Eva, que é mais terrível:
esta carne tão sensível,
tão fraca, e tão miseranda
pelo perdão vos demanda:
indulto, indulto, Senhor,
que um preso preso de amor
em artos infernos anda.
6 E pois me diz, que serei
o Deus da sua vontade,
ou me fale, ou não verdade
da fruita lhe provarei:
inda que então me verei
dos pés até à carantonha
despido, e cheio de ronha,
posto em tamanha lazeira,
folhas dera-me a figueira
para cobrir a vergonha.
7 Se fora do Paraíso
derem comigo em alberca,
como a tal Eva não perca,
vai pouco, em que perca o siso:
basta, que um Anjo Narciso
se não ponha por meu mal
na porta do terreal,
para a entrada defender,
que eu não mereço Anjos ver
estando em culpa mortal.
8 E se sobre este desgosto
tiver por condenação,
que vá comer o meu pão
com o suor do meu rosto:
tudo levarei com gosto
por uma Eva tão bela,
tão guardada tão donzela,
que claro está, hei de andar
eu, e ela a trabalhar,
pois hei de trabalhar nela.
9 Em vez de belota má,
que comeram nossos Pais,
teremos melões reais,
que é belota de cá:
cavando aqui, e acolá,
nos verão todos os dias
comer ricas melancias;
inda que seja o bocado
tão trabalhado, e suado,
mais val suor, que sangrias.
10 Eva falta, e Eva mente,
e tem-me enganado enfim,
com que a Eva para mim
é pior, que uma serpente:
a serpente incontinenti
deixou-a Deus condenada,
que andasse sempre arreitada
co'a barriga para o chão,
e eu ponho a Eva a pensão,
que ande de costas virada.
11 Se ela de costas andara,
à fé, que eu a impingira,
à fé, que não me mentira,
nem agora eu me queixara:
se ela me não enganara,
não dera as minhas propostas
respostadas por respostas:
andara, qual sempre andou,
mas pois Eva me enganou
mando, que ande Eva de costas.
SENHOR SOLDADO DONZELO.
1 Senhor soldado donzelo
a quem custa mais fadiga
dormir uma rapariga
do que ganhar um castelo:
se o pistolete é de ourelo
e anda sempre desarmado
crede que sois mau soldado
porque na venérea classe
vai pouco que a velha entrasse
se o moço tivesse entrado.
2 Suponho que o neto entrasse
e viesse logo a avó
tereis vós o vosso nó
e a velha que o desatasse:
se acaso vos assaltasse
na vossa cama, ou retiro
todo um exército em giro
e armado lhe aparecêreis,
vós algum risco corrêreis,
mas daríeis vosso tiro.
3 Assim mesmo conjeturo
nos rencontros de Cupido
trazeis vós o perro enguido
que o tiro eu vo-lo asseguro:
se vós o tivéreis duro
e fôreis fazendo ilhós
nas moças, que estavam sós
à fé que o não taparia
Avó, nem menos a Tia,
dez Tias, nem trinta Avós.
4 Vós conversando, ela rindo
se perde do logro a era:
que importa que a Avó viera
se vós vos tivéreis vindo?
Como estais sempre cumprindo
com cerimônias cruéis,
por isso sois, e sereis
(perdendo contentamentos)
um homem de cumprimentos
porém nunca cumprireis.
5 Dizem, que quem perde o mês,
contudo não perde o ano,
mas neste caso magano
perde o ano quem perde a vez:
já vós, por seres má rês,
perdestes noutra hora a sorva:
sempre achais, quem vos estorva,
e perdestes, a ocasião,
sem que houvesse velha então,
que vos mijasse na escorva.
6 Amigo, a pura verdade
é que a velha do socrócio
não desfez este negócio;
bem o faz a mocidade:
culpai vossa frialdade
que a velha não fez o dano,
e senão, por desengano,
e contra o mal das Avós
tomai cantárida em pós
ou metei-vos franciscano.
DESPEDIDA EM CANTIGAS AMOROSAS QUE FAZ A HUMA DAMA QUE SE
AUSENTAVA.
Já vos ides, ai meu bem!
já de mim vos ausentais?
morrerei de saüdades,
se partis, e me deixais.
É forçoso este argumento,
tem conclusão infalível,
ires vós, e ficar eu,
meu amor, com é possível?
Meu amor, sem vós não sei,
como poderei ficar,
se vós partis, morrerei
ao rigor do meu pesar.
Esperai detende o passo,
que cada arranco, que dais,
sendo a vida da minha alma,
alma, e vida me levais.
Ó que rigoroso transe,
e saudosa despedida!
já sinto efeitos da morte
com os efeitos da vida.
Lágrimas aljofaradas,
como assim vos despenhais,
sem atender tiranias,
nem atender a meus ais.
Adeus de mim muito amada
Prenda, que me dais mil dores,
como mais não hei de ver-vos,
adeus, adeus, meus amores.
A DOMINGOS NUNES DO COUTO VIZINHO DO POETA A QUEM BURLARAM HUNS
AMIGOS FINGINDO-SE OFFICIAIS DE JUSTIÇA, E BATENDO ESTRONDOSAMENTE
NA PORTA, ELLE COMO CRIMINOSO FUGIO PELO QUINTAL FAZENDO, E
PADECENDO TUDO, O QUE O POETA PINTA.
1 Ontem sobre a madrugada
à porta do meu vizinho
foi bater certo meirinho
com toda a justiça armada:
o vizinho à matinada
de tão grande rebuliço,
quis logo erguer o toutiço,
mas não deu passo o coitado,
que ficou embasbacado,
porque era tudo feitiço.
2 A um bater tão porfiado,
que ele atento porfiou,
quando se desenganou,
então foi mais enganado:
cuidou, que era já tomado
da Justiça, que madruga:
ergue-se, dizendo esbruga,
e tendo por justa causa
cantar-lhe a turba sem pausa,
lhe quis responder com fuga.
3 "Cerca, cerca o aposento",
e apenas ele ouviu tal,
tinha varado o quintal
a sua pá como um vento:
achou por impedimento
espinhas de um limoeiro,
um bosque, um tronco, um madeiro,
e tudo isto quanto achou,
um só Nunes arrastou,
como se fora um Ribeiro.
4 Com tanto medo no rabo
o levou com mil pesares
a Justiça pelos ares,
como se fora o diabo:
achando-se já por cabo
no mar entre mil cardumes,
hoje faz muitos queixumes
aos fratelos, e fratelas,
de que tem dor de canelas,
sem ninguém lhe dar ciúmes.
5 Sobre isto teima, e porfia
da dor entre os desatinos,
que com tão maus Teatinos
não quer fazer companhia:
que de noite, nem de dia
há de ir aos homiziados,
e a mais que venham soldados,
antes ir preso se atreve
do que por culpa tão leve
sofrer brincos tão pesados.
6 Não remoqueia às escuras,
mas diz muito claramente,
que antes preso a uma corrente,
que sofrer estas solturas:
queixa-se em tais desventuras
ao Surgião, e ao Barbeiro,
dizendo por derradeiro
lastimoso, e lastimado,
que o chasco o tem tão picado,
que lhe criara um unheiro.
7 Queixa-se de que a Mãe velha
lhe nascesse nesta festa
um bom corno sobre a testa
como vaca, sendo ovelha:
a Mãe como velha relha
está sobre a testa inchada
de praguejar tão cansada,
que diz, que antes de morrer
sobre o Lobinho há de ver
a justiça, justiçada.
8 Curando-se o Filho estava,
a casa se confundia,
a crioula lhe carpia,
e a tal velha praguejava:
tudo em confusão andava,
o ferido a se curar,
a crioula a trabalhar,
o Surgião a ir, e vir,
toda a Justiça a se rir,
quando a Velha a praguejar.
PINTURA GRACIOSA DE HUMA DAMA CORCOVADA.
1 Laura minha, o vosso amante
não sabe, por mais que faz,
quando ides para trás,
nem quando para diante:
olha-vos para o semblante,
e vê no peito a cacunda,
é força, que se confunda,
pois olha para o espinhaço,
e vendo segundo inchaço,
o tem por cara segunda.
2 Com duas corcovas postas,
que amante não duvidara,
se tendes costas na cara,
se trazeis a cara às costas:
quem fizer sobre isso apostas,
não é de as ganhar capaz,
que a vista mais perspicaz
nunca entre as confusas ramas
vê, se as pás trazeis nas mamas,
se as mamas trazeis nas pás.
3 Entre os demais serafins,
que há ali de belezas raras,
só vós tendes duas caras,
e ambas elas mui ruins:
quem vos for buscar os rins,
que moram atrás do peito,
nunca os há de achar a jeito,
crendo, que adiante estão,
com que sois mulher, que não
tem avesso, nem direito.
4 Vindo para mim andando,
cuido (como é cousa nova
trazer no peito a corcova)
que vos ides ausentando:
cuido (estando-vos olhando
no peito o corcoz tremendo)
que às costas vos estou vendo:
e porque vos vejo assim
vir co'a giba para mim,
que as costas me dais, entendo.
5 A vossa corcova rara
deixe o peito livre, e cru,
ou crerei, que é vosso cu
parecido à vossa cara:
e se acaso vos enfara
dar-vos por tão verdadeira
esta semelhante asneira,
por mais que vos descontente,
hei de crer, que é vossa frente
irmã da vossa traseira.
6 Um bem tem vosso aleijão
mui útil, a quem vos ama,
e é, que haveis de dar na cama
mais voltas do que um pião:
se o pião de um só ferrão
voltando em giros continos
dá gostos tam peregrinos,
vós pião de dois ferrões
sereis sem comparações
desenfado dos meninos.
VEM, QUE ESTOU PARA TAS DAR.
MOTE
Dá-mas, Mana, que tas dou,
que tas estou esperando,
mete-me a língua na boca,
enquanto tas estou dando.
1 Vem, que estou para tas dar,
chega-te, vida, que morro,
necessito de socorro,
não me queiras acabar:
estou já para estalar,
não me ajudas, por quem sou?
que para tas dar estou:
pois que é isto? tanto tardas?
acaba, vida, que aguardas?
Dá-mas, Mana, que tas dou.
2 Meu coração, que me abraso,
morro com tão lindo gosto,
que em perigo me tem posto
gosto de tão lindo vaso:
vê, que se vem passo a passo
estas lágrimas chegando:
dize, meu bem, para quando,
hão de ser? olha, que vem:
acaba, dá-mas, meu bem,
Que tas estou esperando.
3 Acrescenta o excessivo,
para o gosto acrescentar,
não queiras, vida, matar,
a quem morre, estando vivo:
e se em modo tão esquivo
o gosto sempre se apouca,
por que seja igual a troca,
que fazemos neste caso,
pois tens o membro no vaso,
Mete-me a língua na boca.
4 Hás, pois, vida, de advertir
que em modo tão sublimado
se acha menos desmaiado,
quem mais se deixa dormir:
para mais tempo sentir,
o que estamos trabalhando,
quisera, vida, que quando
me canso para tas dar,
nunca quisera acabar,
Enquanto tas estou dando.
DESCREVE O QUE LHE ACONTECEO EM S. GONÇALLO DO RIO VERMELHO COM
AVISTA DE HUMA DAMA FORMOSA, E BEM ADORNADA.
Fui à missa a São Gonçalo,
e nunca fora à tal missa,
que uma custa dous tostões,
e esta há de custar-me a vida.
Estava eu fora esperando,
que o Clérigo se revista,
quando pela igreja entrou
o sol numa serpentina.
Uma mulher, uma flor,
um Anjo, uma Paraninfa,
sol disfarçado em mulher,
e flor em Anjo mentida.
Fui ver a metamorfósis,
vi uma moça divina
ocasionada da cara,
quando arriscada de vista.
Onde tal risco se corre,
ou onde tanto se arrisca,
que menos se há de perder,
que a liberdade, e a vida.
Desde então fui seu cativo,
seu morto daquele dia,
e dentre ambos quis Amor,
que só o cativo Ihe sirva.
Serve o cativo talvez,
mortos não têm serventia,
e se tiver de matar-me
vanglória, o terei por dita.
Por entre a nuvem do manto,
que a luz própria então vencia,
às claras estive vendo
aquela estrela divina:
Aquele sol soberano,
que pela elítica via
de seu rosto anda fazendo
um solstício a cada vista.
Acabou-se a missa logo,
e foi a primeira missa,
que por breve me enfadou,
pois toda a vida a ouvira.
Foi-se para sua casa,
e eu a segui a uma vista,
passou o rio, e cobrou-se,
cheguei ao rio, e perdi-a.
Vi-a no monte, e Ihe fiz
co chapéu as despedidas,
e Ihe inculquei meu amor
por meio da cortesia.
Não tornei a São Gonçalo,
nem tornarei em meus dias,
que entre beleza, e adorno
todo o home ali periga.
APPLICA O POETA O CASO SEGUINTE A IGNACIO PISSARRO SENDO APANHADO
COM HUA MOÇA POR SEUS IRMÃOS.
MOTE
Maria mais o Moleiro,
tiveram certas razões,
Maria caiu-lhe a saia,
e ao Moleiro os calções.
Maria todos os dias
levava a moer o trigo:
vem o Moleiro inimigo
rapa-lho todo em maquias.
Tiveram certas porfias
andaram aos empuxões,
Maria caiu-lhe a saia,
e ao Moleiro os calções.
Maria escapou da briga,
mas logo no outro dia,
eis o Moleiro, e Maria
qual de cu, qual de barriga:
qual de baixo, qual de riba
jogaram os repelões,
Maria caiu-lhe a saia,
e ao Moleiro os calções.
Com tão grandes travessuras
Maria tanto esbofou,
que a candeia se apagou,
e ficaram às escuras:
ela cruzou logo as curvas,
e ele deu-lhe uns bofetões;
Maria caiu-lhe a saia
e o Moleiro os calções.
Em aperto tão urgente
tanto o Moleiro suou,
que a fralda em suor molhou,
não sei se é assim, ou se mente:
ela afirma que ele mente,
que era caldo dos culhões:
Maria caiu-lhe a saia,
e ao Moleiro os calções.
Mas por lograr a ocasião
quis o triste do Moleiro
levar a praça a dinheiro,
não à força do canhão:
puxou pelo seu bolsão,
e dando-lhe dous tostões
Maria caiu-lhe a saia
e ao Moleiro os calções.
Maria inda que cansada
gritava com tal pujança,
que acudiu a vizinhança
vendo tanta matinada:
mas vendo a luz apagada
cuidaram, que eram ladrões:
Maria caiu-lhe a saia
e ao Moleiro os calções.
Veio a luz num castiçal,
e sem temer maus agouros,
acham a Maria em couros,
ao Moleiro outro que tal:
ela a contar o seu mal
e ele a dar suas razões,
Maria caiu-lhe a saia
e ao Moleiro os calções.
DESCREVE METHAFORICAMENTE AS PERFEYÇÕES DE HUMA DAMA PELOS
NAYPES DA BARALHA.
Pelos naipes da baralha
vos faço, Nise, um retrato,
levantai, que eu dou as cartas.
Saiu de ouros. Vou trunfando.
Ouro é o vosso cabelo,
e de preço, e valor tanto,
que desse pêlo as manilhas
eu co'a espadilha não ganho.
A testa é de outro metal,
que na baralha não acho,
que muito, que me ganheis,
se jogais com naipes falsos.
Não acho em toda a baralha
o naipe de prata, salvo
copas: são copas de prata,
que à vossa testa comparo.
Os olhos são matadores,
verbi gratia, sota, e basto
com que me dais os capotes,
e com que vaza não faço.
Em vosso rosto o nariz
grande, nem pequeno o acho,
que isso é carta, que não joga,
e diz, se joga, eu me ganho.
Boca, e dentes são espadas
pelo risco, e pelo estrago,
que vão às almas fazendo,
se os ides desembainhando.
Os dous peitos, e a garganta
é um jogo soberano
de sota, cavalo, rei,
e garatusa com ganhos.
As mãos vós todas ganhais,
porque nas cartas pegando
todos os trunfos vos tocam,
e as minhas pintais em branco.
Para ser o vosso pé
não acho em todo o baralho
mais que o ás, que val um ponto,
como tem vosso sapato.
Porém a carta coberta,
que metem assaz picado,
eu vo-la direi depois,
que inda vou bruxuleado.
A D. MARTHA SOBRAL QUE SENDOLHE PEDIDA DO POETA HUMA ARROBA DE
CARNE DE HUMA REZ, QUE MATÁRA, RESPONDEO, QUE LHA FOSSE TIRAR DO
OLHO DO CU.
Ó tu, ó mil vezes tu,
que se uma arroba de vaca
te pedia, és tão velhaca,
que me ofreces do teu cu:
essa carne a Berzabu
a devias dar em pó,
a mim não, porque em meu pró
não me atrevo a escolher
nem teu cu pelo feder,
nem pelo podre o teu có.
A HUM CABRA DA INDIA QUE SE AGARRAVA À ESTA MARTHA VIVENDO DE
ENGANAR POR FEYTICEYRO À SUAS ESCRAVAS, E A OUTRAS.
Veio da infernal masmorra
um cabra, que tudo cura,
às Mulatas dá ventura,
aos homens aumenta a porra:
acudiu toda a cachorra
e tratar do seu conchego,
e o cabra pelo pespego,
tanto a todos melhorou,
que aos amigos lhes deixou
as porras com seu refego.
Tanto cada qual se estira
nos refegos, que trazia,
que nos canos parecia
óculo de longa mira:
porém a mim não me admira,
que esta, e aquela putinha
desse a saia, e a vasquinha
pela cura, e pelo enredo,
senão que rompa o segredo
para perder a mezinha.
O Cura soube da cura,
e ao céu levantando as palmas
disse, que em curar as almas
ele somente era o Cura:
e porque de acusar jura
ao cabra das pataratas,
e em conseqüência às Mulatas,
elas ao Cura temeram,
e como a cura perderam,
ficaram muito malatas.
Sobre isto houve matinadas,
fostes vós, e não fui eu,
o cabra a vida perdeu,
e elas estão mal curadas:
as porras acrescentadas
estão na sua medida,
a meizinha está perdida,
o dinheiro se gastou,
e porque Chica falou,
anda de medo fugida.
Houve grande desafio
do sítio para a Catala,
na Antonica não se fala,
que enfim foi Moça de brio:
viu-se pendente de um fio
quase a Cajaíba toda,
e o que a mim mais me acomoda,
é, que vão durando as rinhas,
e arranhem-se as Mulatinhas
sobre a questão de uma foda.
A Custódia, e Antonica
se matam, porque se invejam,
sobre mais, ou menos pica:
o que a medicina aplica
ao mal da fodengaria
é, que a cada uma o seu dia
se dê para pespegar,
porque saibam conjugar
tu fodias, e eu fodia.
MORTO O CABRA LHE FAZ O POETA O TESTAMENTO NA MANEYRA SEGUINTE.
Eu Pedro Cabra da Índia,
que me sinto morrer já
de uma doença, que Deus
foi servido de me dar:
Não sabendo a hora certa,
em que Deus me levará,
se é possível, que Deus leve
um feiticeiro infernal:
Posto à gineta na cama
se é cama uma cama tal
feita de tábua, e tabua
uma dura, outra molar:
Em meu perfeito juízo,
que Deus me deu tal, ou qual
faço este meu testamento
solene de se contar.
Primeiramente declaro,
que sou Cabra oriental
filho da Igreja Romana
por cerimônia não mais.
Creio na Trindade Santa,
porém creio muito mais
na trindade das Mulatas
de Dona Marta Sobral:
Nas quais espero salvar-me
principalmente na Irmã
mais velha, que chamam Quita,
que é jangada universal.
Deixo muito encomendado
ao Vigário do lugar,
que não me enterre em sagrado,
que interdito ficará.
Não porque vá excomungado
por bula alguma papal,
pois sempre vivi faminto
de papas, e cardeais.
Não mais quero, que me enterrem
na Igreja paroquial,
porque fico muito perto
da quatrinca cavalar.
E temo, que à meia-noite
me venham desenterrar
este miserável corpo
com unhas, e com queixais.
Este miserável corpo,
que sendo tão natural,
querem, que seja feitiço,
e feitiço há de ficar.
Com que uma, e mil vezes peço
ao Cura, que é tão sagaz,
pois hão de fazê-lo em caldos,
que o mande lançar ao mar.
Lá o comam caranguejos,
que ver será menos mal
um homem nos caranguejos,
que os homens caranguejar.
E se enfeitiçar os peixes,
comendo o meu rosalgar,
com peixes enfeitiçados
que mal às Quitas irá.
Ao primeiro piscar de olho
os mandará Quita entrar,
e o que não deitar consigo
ao menos o escamará.
A casa se verá farta,
e de sorte abundará,
que descanse a Cajaíba,
e as negras de mariscar.
Irá crescendo nas honras
Mandu caraça, que já
se jacta de ter cunhado
tão fidalgo, e tão galã.
Porque me dizem, que diz,
muito devo à minha Irmã,
que se dorme cum fidalgo
só por mais me autorizar.
Não serei vil pescador,
ninguém me verá jamais
sobre a proa em ceroulinhas
desonrando tais Irmãs.
Mil honras devo a Marana,
que se veio amancebar
no segundo ano de puta
cum fidalgo principal.
Outro tanto devo a Quita,
que lhe soube aconselhar,
ensinando-lhe os maneios,
de que é mestra, e capataz.
E a boa da rapariga
(muito pode o natural)
sendo um ranho, uma criança
saiu puta singular.
Tal conta se tem consigo
que sabe as noites contar,
em que Ihe falta a ração,
e um pleito por ela faz.
Mete lhe a mão na barguilha
ao mano, que dorme já,
e quer queira, quer não queira,
a tamina há de pagar.
Sobre isto há muita galhofa,
que (bendito Deus) tem já,
Marana tanta gracinha,
que aos mortos enfadará.
Mas tornando ao testamento,
que me importa já acabar,
porque anda a morte de ronda
com mil demônios atrás:
Quero herdeiro instituir,
pois sei, que não valerá
sem instituição de herdeiro,
conforme o Maranta o traz.
Instituo a Quita enfim
por herdeiro universal
dos móveis e das raízes,
que ganhei com Satanás.
O meu cabaço das ervas
cumbuca de carimá,
a tigela dos angus,
o tacho de aferventar.
O surrão de pele d'Onça,
que tudo cheio achará
de cousas mil importantes
para ventura ganhar.
O braço de um enforcado,
dous dentes, quatro queixais,
buço de Lobo marinho,
sangue de Pomba trocás:
Um olho de galo preto,
cabo de touro negral,
as enxúndias da raposa,
a caquinha de um rapaz,
Mijo de velha roupeira,
ramela do lagrimal
de Negro torto, e cambaio,
Tinharós, e Mangará.
Que tudo isso val um Reino,
se o souber aferventar
nas noites de São João
por adros, e por quintais:
Na forma, que Ihe ensinei,
quando me vinha chupar
a pica todas as noites,
té que vinha arrebentar.
Quando a pica me chupava,
e Antonica por detrás
nos companheiros pegava
para o cano endireitar,
Marana se punha a rir,
mas tratava de ajudar
a Antonica, se cansava
co peso dos dous quintais.
E quando entrava Isabel,
como sentia cheirar
o fervedouro das ervas,
que no fogareiro está:
como é gulosa de tudo,
quanto aos outros vê mascar,
Ihe dava com seu remoque,
que belo, e que lindo está.
Como embruxado acabei,
chupado pelo canal,
sendo um cabra tão mirrado,
que não tinha, que chupar.
Mas eu Ihe perdôo a Quita,
porque me quero salvar,
e porque como aprendia,
chupava, que chuparás.
A minha benção Ihe deixo,
e a encomenda a Barrabás,
que a tenha na sua graça
para seu gozo alcançar.
Com isso tenho acabado
meu testamento, e me apraz,
que mo cumpra inteiramente
minha herdeira universal.
A DUAS IRMÃS TAMBEM PARDAS DE IGUAL FORMOSURA.
Altercaram-se em questão
Teresa com Mariquita
sobre qual é mais bonita,
se Teresa, se Assunção:
eu tomo por conclusão
nesta questão altercada,
que Assunção é mais rasgada,
e Teresa mais sisuda,
e se houver, quem a sacuda,
verá a conclusão provada.
Se Teresa é mui bonita
Mulata guapa, e bizarra,
com mui bom ar se desgarra
a mestiça Mariquita:
ninguém a uma, e outra quita
serem lindíssimas ambas,
e o Cupido, que d'entrambas
quiser escolher a sua,
escolha, vendo-as na rua,
que eu para mim quero ambas.
As Putas desta cidade,
ainda as que são mais belas,
não são nada diante delas,
são bazófia da beldade:
são patarata em verdade,
se já verdade em pataratas,
porque Brancas, e Mulatas,
Mestiças, Cabras, e Angolas
são azeviche em parolas,
e as duas são duas pratas.
Jamais amanhece o dia,
porque sai a Aurora bela,
senão porque na janela
se põem Teresa, e Maria:
uma manhã, em que ardia
o sol em luzes divinas,
pelas horas matutinas
eu vi Teresa assistir,
ensinando-a a luzir
como mestra de meninas.
FRETEI-ME CO'A TINTUREIRA.
MOTE
Duas horas o caralho
Fretei-me cota tintureira,
mas dizem os camaradas,
que peca pelas estradas,
porque é puta caminheira:
fui contudo à capoeira,
porque faminto do alho
quis dar de comer ao malho:
mas vi-lhe o cono tão mau,
que tive como mingau
Duas horas o caralho.
A HUMA PENDENCIA QUE TIVERAM DOUS AMANTES A VISTA DA DAMA JUNTO AO
CONVENTO DE S. FRANCISCO.
Dizem, que muito elevado
um amante se ostentava,
quando se considerava
ver-se de uma Flor amado:
eis que chega um disfarçado
com passo tão desumano,
ferra a gávea, larga o pano,
vem chegando sorrateiro,
vai-se ao patacho veleiro,
emprega nele seu dano.
Pego na escota co'a mão,
e bem fora de notar,
que na mão quis demostrar,
o quanto deve ao Sansão:
correu, é clara questão
este Adônis desdichado
e vendo o Sansão deixado
o posto, se retirou,
quando Sansão golpeou
o dedo do assinalado.
E vendo-se desta sorte
ferido o triste Zagal
não pôde executar mal,
porque teme o triste a morte:
chegando então Pedro forte
deixa o capote sem tento,
corre à popa sem ter vento,
porque no porto, claro é,
que lhe ficava um guiné
carregando mantimento.
Perico então se prepara
com pedras, que já trazia,
e cuidando o estendia,
ao Sansão pedras dispara:
as pedras Sansão repara,
e delas sendo livrado
em ira, e raiva abrasado
vem co'a espada o criolete
rompe-lhe o casco ao casquete,
rompe o frisão ao frisado.
O Adônis, que no seu posto
deixou vigia de espaço
correu com grande trespasso,
e co'a vergonha no rosto:
o guiné com seu desgosto
vendo-se tão assombrado,
das pedras desamparado,
e o companheiro ferido
mostra estar arrependido
por se ver bem castigado.
Já perdido, e envergonhado
corre com tal ligeireza
dizendo, que com presteza
ia buscar o traçado:
porém bem considerado
era medo tudo isto,
porque a morte tinha visto
naquela espada tão feia,
cuidando por não ter ceia,
iria cear com Cristo.
Chega à casa o beberrica,
e com a espada se amaina,
lança mão da tarantaina,
para espeto cousa rica:
estava em casa Joanica,
e vendo-o isto fazer
lhe diz, tu podes morrer,
meu bem, com essa ferida,
e sem ti, que és minha vida,
como poderei viver?
Porém Pedro resoluto
não ouviu rogos de Joana,
porque com raiva inumana
saiu como um forte bruto:
o Sansão como era astuto,
foi-se sem ver o tal Cão,
e Pedro como asneirão
o que quer põe-se a dizer,
que um Sansão era em poder,
Pedro no ralho um Sansão.
O Adônis como temia,
se pôs de largo a escutar,
e se vamos a falar,
do canto fez a vigia:
e sem saber quem seria,
se ocultou, e claro é,
que não chegava, porque
o tal vulto ali estava,
e de muito não fiava
o primor do seu Guiné.
A Vênus, que da janela
tinha tudo bem notado
chorava o seu desgraçado
por largar aos pés a vela:
com pesares se arrepela
chora, geme, e se entristece,
e quanto mais se enfraquece
com dores pelo galante,
então deveras amante
com acidentes fenece.
Mas ao depois conhecendo
o Adônis o seu Guiné
em fé, que Sansão não é,
chega-se a ele, dizendo:
meu amigo, estou tremendo,
de Sansão estou ferido
de forças enfraquecido,
pois escapei-lhe fugindo,
e inda agora estou sentindo
daqui o ficar despido.
Careci de língua, e voz
para o caso referir,
que sendo digno de rir,
foi caso tremendo, e atroz:
porém peço, que entre nós
este sucesso feneça,
pois não quero se entristeça
a Dama com tais abalos
pois fizeram três cavalos
o seu jogo de trapeça.
COM CACHOPINHA DE GOSTO.
MOTE
As excelências do cono
é ser bem grande, e papudo
apertado, bordas grossas,
chupão, enxuto, e carnudo.
Com cachopinha de gosto
em cama de bom colchão,
nos peitinhos posta a mão,
e o pé no fincapé posto:
ajuntar rosto com rosto,
dormir um homem seu sono,
acordar, calcar-lhe o mono
já quase ao gorgolejar,
então é o ponderar
As excelências do cono.
Eu na minha opinião,
segundo o meu parecer,
digo, que não há foder,
senão cono de enchemão:
porque um homem com Sezão,
inda sendo caralhudo,
meterá culhões, e tudo,
e assim mostra a experiência,
que do cono a excelência
É ser bem grande, e papudo.
É também conveniente,
que não tenha o parrameiro
a nota de ser traseiro,
e que seja um tanto quente:
que às vezes mui facilmente
são tais as misérias nossas,
que havemos mister as moças
para regalo da pica
com cono de pouca crica,
Apertado, bordas grossas.
Mas a maior regalia,
que no cono se há de achar,
para que possa levar
dos conos a primazia
(este ponto me esquecia)
para ser perfeito em tudo,
é nunca se achar barbudo,
por dar bom gosto ao foder,
como também deve ser
Chupão, enxuto, e carnudo.
A CERTO HOMEM QUE ESTANDO COM HUMA DAMA À NÃO DORMIO, POR VlR
HUMA LUZ NESSA OCCASIÃO FICANDOSE COM HUM ANEL DA MESMA DAMA.
Amigo, a quem não conheço,
inda que amigo vos chame,
pois no desar, com que amo,
a vós tanto me pareço:
bem alcanço, e reconheço,
qual é a força do destino,
mas se o desar mais mofino
estorva a luz da razão,
como a luz de um lampião
perdeis da ventura o tino.
Não duvido, que sejais
avechucho de Noruega,
se mostrais, que a luz vos cega,
perdendo, o que à luz buscais:
ave noturna cortais
a sombra mais denegrida,
e à luz, que é vossa homicida,
perdeis (estranho rigor)
emprego, dama e favor,
esperança, amor, e vida?
Que Madama, ou que Senhora
tendes tão pouco brilhante,
se vemos, que todo o amante
sua Dama é sua aurora?
eu cuidava, que na hora,
que um amante a Dama via,
nessa hora Ihe amanhecia;
e a vossa Dama chegou,
mas nem tocar-se deixou,
por falta da luz do dia.
É verdade, que a candeia
rompeu da noite o capuz,
mas dai-vos ao demo a luz,
que estorva, e não alumeia:
dai ao demo a luz, que ateia
para o dano vos urdir;
a luz sirva de luzir,
e não sirva de estorvar,
luza para alumiar,
e não para descobrir.
E se a luz o véu noturno
rompeu por vos dar na treta,
de Vênus não foi cometa,
foi influxo de Saturno:
se de um Planeta diurno
raio de luz campeara,
nem gostos vos estorvara,
em, quem éreis, descobrira,
mas a Moça se enxerira,
e algo mais se beliscara.
E seu dono, que aguardava,
qua vigia sempiterna,
não vira à luz da lenterna,
se ela vinha, ou se ficava:
e enquanto se apolegava
essa pêra mal madura,
assim pela noite escura
ficara a Moça sincera
derretida como cera,
batida como costura.
Mas vós sobre tanto anelo
ficastes em tal desdouro
com anel, que se era de ouro,
era anel do seu cabelo:
quis pagar-vos o desvelo
de perder aquela glória
tão breve, e tão transitória,
e porque lembre o sucesso
tão infausto, e tão avesso,
vo-lo deixou na memória.
Vós a prenda recebestes,
e vendo a perda tão clara
da Luz, que vos desgostara,
por ela vos esquecestes:
qual mercador vos houvestes,
e faltastes na verdade
do amor a sinceridade,
pois a Moça não lograstes,
e a memória Ihe tomastes
em desconto da vontade.
ASSUMPTO QUE HUMA DAMA MANDOU AO POETA.
Quisera, Senhor Doutor
uma informação, e é,
que me deram junto ao que
(do cu dissera melhor)
um golpe de tal rigor,
que passo mui maltratada
por me ver ali cortada:
quero me mande dizer
que remédio pode ter
junto do cu cutilada.
Anda aqui um Surgião
Fulano Lopes Monteiro,
que dizem para o traseiro
tem ele mui boa mão:
quisera saber então,
pois vivo tão desviada,
e como serei curada
por uma sua receita,
ficando sempre sujeita
a Dama da cutilada.
RESPOSTA DO POETA
Senhora Dona formosa
li a de vossa mercê
com a cutilada, que
a traz tanto desgostosa.
a ferida é mui danosa,
e não é para cheirada,
traga-a sempre abotoada,
que é, o que mais Ihe convém,
pois nunca curou ninguém
junto do cu cutilada.
Vi sarar dez mil feridas,
e muitas tão desestradas,
que por serem bem rasgadas,
Ihes chamavam desabridas:
sarar cabeças fendidas,
toda uma cara amassada,
rota uma perna, e escalada,
um braço, e outra cousa assi,
porém sarar nunca vi
junto do cu cutilada.
Causa grande admiração,
como em tal parte a cascou,
só se dormindo a apanhou,
ou estirada no chão:
esta é minha presunção,
que para ali ser cortada
devia estar estirada
com as pernas para o ar,
quando Ihe foram cascar
junto do cu cutilada.
Mas se estava conversando
zainamente, e par a par,
deviam de lha cascar
a barriga assovelhando:
que por juntas lhas meter
uma, e outra punhalada
teve a mão tão assentada,
que o contrário resvelando
de muitas veio a fazer
junto do cu cutilada.
Há feridas do diabo,
e de si muito nojentas,
porém as mais fedorentas
são, as que estão junto ao rabo:
eu tal ferida não gabo
por ser em parte arriscada,
que em que seja seringada,
como a parte é tão reimosa,
e sempre mui perigosa
junto do cu cutilada.
Algumas vezes curei
com ovos tão grandalhões,
que pareciam culhões,
mas debalde me cansei:
com mecha lhos encaixei,
que entrava tão ajustada,
que ia algum tanto apertada:
mas era cansar-me em vão,
porque ovos não curam não
junto do cu cutilada.
Toda a ferida se ajunta:
porém esta, que se afasta,
é ferida de má casta,
que mesmo se desconjunta:
o óleo, com que se unta,
tenho por cousa baldada,
que como não é ligada
a cura na parte bem,
não pode sarar também
junto do cu cutilada.
Para se poder curar,
hão de se as pernas abrir:
começando a dividir
como se pode soldar?
também devem reparar,
que vai dentro prefundada,
e se não for seringada,
também pode apodrecer:
pois que remédio há de ter
junto do cu cutilada?
Tenho dito em português,
que se não pode curar,
inda que se esgote amar
porque não falo francês:
a ferida que se fez,
é em tão má parte dada,
que toda a cura é baldada,
e assim digo em conclusão,
que não há, quem cure não
junto do cu cutilada.
Mas eu tenho para mim,
para que dela não morra,
que Ihe unte sebo de porra,
ou sumo de parati:
porque já enferma vi
com semelhante golpada
ficar muito consolada,
que a experiência mostrou,
que curar ninguém tratou
junto do cu cutilada.
RETRATO DO RICO FEYTIO DE HUM CELEBRE GREGORIO DE NEGREYROS, COM
QUEM GRACEJAVA O POETA, E EM QUEM MUYTAS VEZES FALLA.
Eu vos retrato, Gregório,
desde a cabeça à tamanca
cum pincel esfarrapado
numa pobríssima tábua.
Tão pobre é vossa gadelha,
que nem de lêndeas é farta,
e inda que cheia de anéis,
são anéis de piaçaba.
Vossa cara é tão estreita,
tão faminta, e apertada,
que dá inveja aos Buçacos,
e que entender às Tebaidas.
Tendes dous dedos de testa,
porque da testa a fachada
quis Deus, e a vossa miséria,
que não chegue à polegada.
Os olhos dous ermitães,
que numa lôbrega estância
sempre fazem penitância
nas grutas da vossa cara.
Dous arcos quiseram ser
as sobrancelhas, mas para
os dous arcos se acabarem
até de pêlo houve faltas.
Vosso pai vos amassou,
porém com miséria tanta,
que temeu a natureza,
que algum membro vos faltara.
Deu-vos tão curto o nariz,
que parece uma migalha,
e no tempo dos catarros
para assoar-vos não basta.
Vós devíeis de ser feito
no tempo, em que a lua anda
pobríssima já de luz,
correndo a minguante quarta.
Pareceis homem meminho,
como o meminho da palma,
o mais pequeno na rua,
e o mais pobrezinho em casa.
Vamos aos vossos vestidos,
e pequenos na cassaca
com tento, porque sem tento
a leva qualquer palavra.
Anda tão rota, Senhor,
que tenho por cousa clara,
que no tribunal da Rota
de Roma está sentenciada.
A vossa grande pobreza
para perpétua lembrança
dedico a de Manuel Trapo,
que foi no mundo afamada.
AO NASCIMENTO DE HUMA MENINA QUE SE DIZIA SER FILHA DE JOAN DE
MORALEZ CASTELHANO AMIGO DO POETA FEZ SILVESTRE CARDOZO UNS
DESCONCERTADOS VERSOS, AO QUE O POETA FEZ ESTAS DÉCIMAS
Compôs Silvestre Cardoso
um poema esta manhã,
e era assunto a Moná
nascida ao Morais Famoso:
por ser o verso jocoso,
foi festejado em verdade
com toda a celebridade
e não deixei de notar,
que sendo o Pai secular
folgou co'a paternidade.
A um Pai qualquer filho enguiça
se a Mãe puta Ihe imputou
e o Morais esta aceitou
só por crédito da piça:
que como o mal se Ihe atiça
e é de tão mau navegar,
que sempre anda a bordejar:
aceitou a filha parda
por mostrar, que da mãe sarda
soube o golfo penetrar.
Pela conta da cartilha
ficou verdadeira a Mãe;
Pasquinha ficou com Pai,
e o Morais ficou com filha:
todos nós os da quadrilha
ficamos de par em par,
Pissaro a zombetear,
e eu a pasmar, e aplaudir
Morais a rir, e mais rir,
Silvestre a nos suportar.
NÃO PODIA O POETA LEVAR EM CAPELLO O CONTINUADO MENTIR DESTE
SILVESTRE CARDOZO, E POR ISSO O SACODE AGORA.
MOTE
Em qualquer risco de mar
quereis, Silvestre, ser Ema;
se a Ema no mar não rema,
como vos hei de salvar?
Sois Silvestre tão manemo,
tão cagão, e tão coitado,
que antes que branco afogado,
desejais ser negro Emo:
se ao Emo Ihe falta o remo
da pata para nadar,
quem se não há de espantar,
de ver, que um branco indiscreto
se passe de branco a preto
Em qualquer Risco de mar.
As Emas no mar não vogam,
que não são patos modernos,
os pretos não são eternos,
as aves também se afogam:
logo como assim avogam
à divindade suprema
vossos ais com tanto emblema,
e virando o papa-figo
para livrar do perigo
Quereis, Silvestre, ser Ema.
Nesta heresia tão crassa
deu Pitágoras gentil,
crendo, que a alma é tão vil,
que de um corpo a outro passa:
a vossa sim tem mais graça,
porque é asneira da gema:
senão vede o entimema,
como trocais em tal calma
em Ema o corpo, e a alma,
Se a Ema no mar não rema.
Sendo erro o transmigrar-se
(como Pitágoras disse)
a alma é grã parvoíce
alma, e corpo transmutar-se:
e se deve condenar-se
alma, e corpo transmigrar,
e vós vos possais trocar
em Ema, isso nada voga,
porque se a Ema se afoga,
Como vos heis de salvar?
AO MESMO SUGEYTO NÃO SÓ POR MENTIR MUYTO, MAS TAMBEM POR NEGAR
HUMA FORNICAÇÃO, EM QUE FOY VISTO COM HUA NEGRA.
Viu-vos o vosso Parente
numa moita fornicando,
e vós o caso negando
sois Pedro Silvestremente:
vós mentis, ou ele mente
dizendo a verdade pura:
vós estáveis na espessura,
onde a Negra vos espera,
e onde vos viram, ou era
o demo em vossa figura.
Já por vosso menoscabo
depois de injúrias tamanhas
dizem das vossas entranhas,
que é morada do diabo:
porque no cabo, ou no rabo
me dizia o coração,
que se há demo fodinchão,
havendo o tal de foder,
não podia tal fazer,
senão com vosso pismão.
Não sei, que menos torpeza
a vossa torpeza rara
acha na moita mais clara,
que na moita mais espessa:
tudo é foder à montesa,
e não tendes, que dizer,
replicar, nem defender,
que aqui foi, e não ali,
porque seja ali, ou aqui,
Silvestre, tudo é foder.
Se mudais de situação
não mais que por concluir,
em que anda sempre a mentir
vosso parente Fuão:
eu vos digo em conclusão,
que o tirardes a cassaca,
e abaixar-se-vos à taca
(como diz vosso Parente)
tudo é sinal evidente,
de que sois o autor da caca.
A PROPENÇÃO COM QUE ESTE SILVESTRE CARDOZO SEMPRE QUERIA IMITAR O
PEYOR.
Senhor Silvestre Cardoso,
só eu invejar sei bem
a inveja, que aqui vos tem
a esse membro façanhoso:
vosso Primo de invejoso
tanto o abate, e quebranta,
que isso a todos nos espanta,
pois quando a mentira encaixa,
como de falso o abaixa,
ele é, quem vo-lo levanta.
Diz, que Cristina jurou,
que se vos não levantara,
vós dizeis, que alguém tomara,
levar, o que ela levou:
e eu, que tão perplexo estou
entre crer, e duvidar,
quero levar, e apostar,
que tal não levou Cristina,
porque se acabe a contina
de alguém tomara levar.
Se vos põem algum defeito,
costumais logo dizer:
isso vi eu suceder
em tal parte a tal sujeito:
dai ao demo esse conceito,
que a alheia imperfeição
é triste consolação;
porque o amigo, ou parente
é como vós tão doente,
ficais vós acaso são?
Não vos mova a desairado
o mal daquele, e defeito:
tratai vós de andar direito,
e ande o mundo corcovado:
o mau exemplo estampado
no bronze, jaspe, ou história
o seu fim, e a sua glória
não é para se imitar,
senão para o desterrar
pelo escarmento a memória.
Vós toda a falta inquiris.
e em a chegando a saber
em vez de a aborrecer,
correntemente a seguis:
se a vossa má sorte quis,
que fôsseis, do que é pior
um perpétuo imitador,
e tendes habilidade
para imitar a maldade,
não é a virtude melhor?
E se o alheio se não
tomais por vossa desculpa,
quando vo-la dão em culpa,
até isso é imitação:
desculpai-vos co'a razão,
se a tendes para emprendê-lo,
se não calá-lo, e sofrê-lo,
porque geralmente dito,
do pecado, e do delito
a desculpa é não fazê-lo.
Verbi gratia uma senhora
cativa do coadjutor,
que nos trabalhos de amor
hoje é vossa coadjutora:
porque a bateis cada hora
com tanto afã, e canseira
no pasto, praia, e ladeira,
para que heis de publicar,
que vos não deixa parar,
porque é grande bolideira?
Este excesso tão insano
será acaso menos grave,
para que menos agrave,
porque o mesmo fez Fulano?
não: que fora entonces Ihano
poderdes herege arder,
porque Lutero o quis ser:
poderdes ser um Mafoma,
poderdes ser um Sodoma,
tendo, a quem vos parecer.
Ter sucedido o delito,
haver-se feito o pecado,
não faz, que esteja acabado
seu rencor, ou já prescrito:
antes um, e outro aflito
co'a pena, que se lhe pôs
pelo seu delito atroz,
faz a esses, que imitáveis
homens irremediáveis,
e incorrigível a vós.
Este amoroso vexame
vos dá um amigo, e aplica,
que não queirais não, que implica,
que vos censure, e vos ame:
antes, porque o mundo aclame
o zelo, com que me atrevo,
vendo, que nada relevo,
a quem devo obrigações,
vos mostro nestas razões,
que assim pago, o que vos devo.
À NEGRA MARGARIDA, QUE ACARIAVA HUM MULATO CHAMANDOLHE SENHOR
COM DEMAZIADA PERMISSÃO DELLE.
Carina, que acariais
aquele Senhor José
ontem tanga de guiné,
hoje Senhor de Cascais:
vós, e outras catingas mais,
outros cães, e outras cadelas
amais tanto as parentelas,
que imagina o vosso amor,
que em chamando ao cão Senhor
Ihe dourais suas mazelas.
Longe vá o mau agouro;
tirai-vos desse furor,
que o negro não toma cor,
e menos tomará ouro:
quem nasceu de negro couro,
sempre a pintura o respeita
tanto, que nunca o enfeita
de outra cor, pois fora aborto,
é, como quem nasceu torto,
que tarde, ou nunca endireita.
A nenhum cão chamais tal,
Senhor ao cão? isso não:
que o Senhor é perfeição,
e o cão é perro neutral:
do dilúvio universal
a esta parte, que é
desde o tempo de Noé,
gerou Cão filho maldito
negros de Guiné, e Egito,
que os brancos gerou Jafé.
Gerou o maldito Cão
não só negros negregados,
mas como amaldiçoados
sujeitos à escravidão:
ficou todo o canzarrão
sujeito a ser nosso servo
por maldito, e por protervo;
e o forro, que inchar se quer,
não pode deixar de ser
dos nossos cativos nervo.
Os que no direito expertos
penetram termos tão finos,
bem sabem, que os libertinos
distam muito dos libertos:
se há brancos tão inexpertos,
que dão benignos, ou bravos
alforrias por agravos:
os que destes são nascidos,
por libertinos são tidos,
porém são filhos de escravos.
O filho da minha escrava,
e dos meus vizinhos velhos,
que eu vejo pelos artelhos,
que ontem soltaram da trava;
porque tanto se deprava
com tal brio, e pundonor,
que quer Ihe chamem Senhor:
se consta o seu senhorio
de um bananal regadio,
que cavou com seu suor!
E se são justos os brios
daqueles, que escravos têm,
nisso a mor baixeza vêm,
pois têm por servos seu tios:
e se algum com desvarios
diz, que o ter por natural
sangue de branco o faz tal,
nisso a condenar-se vêm,
porque se o branco faz bem,
como o negro não faz mal?
Tomem de leite um cabaço,
lancem-lhe um golpe de tinta,
a brancura fica extinta,
todo o leite sujo, e baço:
assim sucede ao madraço,
que com a negra se tranca;
do branco o leite se arranca,
da negra a tinta se entorna,
o leite negro se torna,
e a tinta não se faz branca.
Mas tornando a vós, Carira,
que ao negro Senhor chamais,
porque é Senhor de Cascais,
quando vos casca, e atira:
crede, amiga, que é mentira
ser branco um negro da Mina,
nem vós sejais tão menina,
que creiais, que ele não crê,
que é negro, pois sempre vê
em casa a mãe Caterina.
Dizei ao Vosso Senhor
entre um, e outro carinho,
que o negro do seu focinho
é cor, que não toma cor:
e que dê graças a Amor
que vos pôs os olhos tortos
para não ver tais abortos,
mas que há de esbrugar mantenha
daqui até que Deus venha
julgar os vivos, e mortos.
O HOMEM MAIS A MULHER.
MOTE
O cono é fortaleza,
o caralho é capitão,
os culhões são bombardeiros
o pentelho é o murrão.
O homem mais a mulher
guerra entre si publicaram,
porque depois que pecaram,
um a outro se malquer:
e como é de fraco ser
a mulher por natureza,
por sair bem desta empresa,
disse, que donde em rigor
o caralho é batedor,
O cono é fortaleza.
Neste Forte recolhidos
há mil soldados armados
à custa de amor soldados,
e à força de amor rendidos:
soldados tão escolhidos,
que o General disse então,
de membros de opinião,
que assistem com tanto abono
na fortaleza do cono,
O caralho é capitão.
Aquartelaram-se então
com seu capitão caralho
todos no quartel do alho,
guarita do cricalhão:
e porque na ocasião
haviam de ir por primeiros,
além dos arcabuzeiros
os bombardeiros, se disse,
do que serve esta parvoíce?
Os culhões são bombardeiros.
Marchando por um atalho
este exército das picas,
toda a campanha das cricas
se descobriu de um carvalho:
quando o capitão caralho
mandou disparar então
ao bombardeiro culhão,
que se achou sem bota-fogo,
porém gritou-se-lhe logo,
O Pentelho é o murrão.
NAMOROU-SE DO BOM AR DE HUMA CRIOLLINHA CHAMADA CIPRIANA, OU
SUPUPEMA, E LHE FAZ O SEGUINTE ROMANCE.
Crioula da minha vida,
Supupema da minha alma,
bonita como umas flores,
e alegre como umas páscoas.
Não sei que feitiço é este,
que tens nessa linda cara,
a gracinha, com que ris,
a esperteza, com que falas.
O Garbo, com que te moves,
o donaire, com que andas,
o asseio, com que te vestes,
e o pico, com que te amanhas.
Tem-me tão enfeitiçado,
que a bom partido tomara
curar-me por tuas mãos,
sendo tu, a que me matas.
Mas não te espante o remédio,
porque na víbora se acha
o veneno na cabeça,
de que se faz a triaga.
A tua cara é veneno,
que me traz enfeitiçada
esta alma, que por ti morre,
por ti morre, e nunca acaba.
Não acaba, porque é justo,
que passe as amargas ânsias
de te ver zombar de mim,
que a ser mono não zombaras.
Tão infeliz sou contigo,
que a fim de que te agradara,
fora o Bagre, e fora o Negro,
que tinha as pernas inchadas.
Claro está, que não sou negro,
que a sê-lo tu me buscaras;
nunca meu Pai me fizera
branco de cagucho, e cara.
Mas não deixas de querer-me,
porque sou branco de casta,
que se me tens cativado,
sou teu negro, e teu canalha.
DESCREVE AGORA O POETA, COMO OBRIGÀRAM HUM SUGEYTO A CASAR COM
HUMA MOÇA, TENDO DADO HUNS PONTOS NO VAZO PARA SE FINGIR
DONZELLA.
Casou Filipa rapada
com o Guapo do lugar,
e porque quis bem casar,
ficou arto mal casada:
hoje é a mal maridada
do sítio de São Francisco,
porque o Guapo vendo o risco,
que seu crédito corria,
em vez de dar-lhe a maquia
se contentou cum belisco.
Que não consumou, se fala,
porque o Noivo em tanta glória
se pôs fraco de memória,
e esqueceu-lhe a cavalgá-la:
a Noiva fez disto gala,
porque ficou co'a honrinha,
e ele diz, que assim convinha:
porque se um homem de bem
não tira a honra a ninguém,
menos a quem a não tinha.
Ele está mui arriscado
a um sucesso infeliz,
porque o que dele se diz,
é, que o tinha bem provado:
a mim me não dá cuidado
ver, que o Noivo consentiu,
porque se a Noiva dormiu,
e diz, que o há de provar,
se cumpriu, hei de eu mostrar,
que já provou, e cumpriu.
Fez o Noivo às carreirinhas
uma airosa retirada,
vendo estar fortificada
a praça com tantas linhas:
mas eu já por contas minhas
tenho a maranha entendida,
e é, que o Noivo em sua vida
não quis, que o Povo malvado
dissesse, que andava assado
por uma mulher cozida.
Se coseu o berbigão,
como diz a gente toda,
muito a Moça me acomoda
para arrais de um galeão:
porque se a sua intenção
foi acaso em tanta bulha
meter (fora vá de pulha)
uma fragata alterosa
por barra tão perigosa
é, que se fiou na agulha.
O Noivo se veio embora,
e ela chora, ao que eu creio,
porque o Noivo se não veio,
não entendo esta Senhora:
mas o que se teme agora,
é, que um dos Cunhados mande,
que o pleito vá a Roma, e ande;
eu não sei, que demo o toma,
pois quer, que passe por Roma
mulher de nariz tão grande.
DUAS MULATAS QUE INDO A FESTA DE SAM CAETANO SE LHE QUEBRÀRAM AS
CORDAS DA REDE COM PUBLICO DESAYRE.
Foi com fausto soberano
Macotinha, e a Pelica
assistir à festa rica
dia de São Caetano:
o povo bárbaro, e insano
vendo aqueles dous putões,
calçado de admirações
disse, que o caso era adrede,
pois nunca em malhas de rede
vira tomar dous cações.
Um cação duro, e grosseiro,
má pele, e péssimo dente
ou à força de um tridente
se toma, ou de um bicheiro:
este é o dia primeiro,
que em rede os vimos tomar;
as redes a caminhar,
e a murmurar os meus Chitas,
palavras não eram ditas,
quando as cordas vi quebrar.
Caiu Pelica no entanto,
e fincando o cu no cisco
buscou logo o basalisco,
que Ihe dera o tal quebranto:
pareceu-lhe, que era encanto
quebrar-se-lhe o barbicacho,
e assim disse em tono baixo:
o basalisco anda em cima,
mas eu tenho noutro clima
um basalisco por baixo.
De um e outro basalisco
veremos, qual obra mais,
vós as cordas me cortais,
e eu os ossos vos confisco:
eu sempre vos ponho em risco,
se me tomais, eu vos tomo,
pois vos tomo, e vos corcomo;
e do basalisco a ingrata
vista não co me, só mata,
mas eu vos mato, e vos como.
A rede se consertou,
e ela metendo-se dentro,
como se viu no seu centro,
como peixe n'água andou:
dizem, que as cordas pagou,
com que a rede se Ihe atara,
e bom fora, que pagara
em vez de cordas então
de um dos negros o bordão,
se nas costas Iho quebrara.
A gente ficou mui leda
vendo a Pelica no chão,
e dizia o Povo então
quem mais sobe, dá mor queda:
porém ela não se arreda
de andar sem rede, porque
quer antes, como se vê,
haver da rede caído
para ter um pé torcido,
que ser sã, e andar a pé.
A OUTRA DAMA QUE GOSTAVA DE O VER MIJAR.
Inda que de eu mijar tanto gosteis,
que vos mijeis com riso, e alegria,
haveis de ver de siso inda algum dia,
porque de puro gosto vos mijeis.
Então destes dois gostos sabereis,
qual é melhor, e qual de mais valia:
se mijares-vos vós na pedra fria,
se mijando eu tapar, que não mijeis.
À fé, que aí fiqueis desenganada,
e então conhecereis de entre ambos nós,
qual é melhor, mijar, ou ser mijada.
Pois se nós nos mijamos sós por sós,
haveis de festejar uma mijada,
porque eu a mijar entro dentro em vós.
DEFINIÇÃO DE POTENCIAS.
Trique trique, zapete zapete.
O casado de enfadado
por não ter, a quem Ihe aplique
anda já tão desleixado,
que inda depois de deitado
não faz senão trique trique.
O soldado de lampeiro,
quando chega ao batedouro,
vai Ihe sacudindo o couro,
e com a força, que bate
faz trique zapete zapete.
O Frade, que tudo sabe,
e corre os caminhos todos,
vai dando por vários modos,
e olhando por toda a parte,
e faz trique zapete zapete.
ERGUIAM-SE TREZ MULHERES A HUM MESMO TEMPO PARA CHEGAR AO
CONFFISSIONARIO EM NOYTE DE NATAL E A MAIS CORPULENTA DELLAS
SOLTOU HUM TRAQUE COM A FADIGA DE CHEGAR PRIMEYRO.
Quem viu cousa como aquela,
que aconteceu na Igreja
o dia, que ela festeja
a Deus nascido por ela?
quem inda não sabe dela,
aplique o sentido ao canto
da minha Musa, e enquanto
ela cantando Iho diz,
vá perfumando o nariz
por se livrar do quebranto.
Estavam três naus em carga,
e entre si com grã porfia
de qual primeiro entraria
a fazer sua descarga:
então a da popa larga,
vendo que há, quem se Ihe atreva,
nada sofre, nom releva,
sendo a principal da tropa
com meio conhão de popa
atirou peça de leva.
Peça de leva atirou
com tal ronco, e tais ruídos,
que atordoou os ouvidos
da gente, que ali se achou:
e posto que disparou
lá por baixo de socapa,
de excomunhão não escapa
por disparar em sagrado,
que é pecado reservado
na bula da ceia ao Papa.
Tal estrago a peça fez
pelos narizes vizinhos,
que mais de trinta focinhos
se torceram esta vez:
sentindo a maldita rês
que tão fedorenta está,
disse uma negra "cá cá;
p'o diabo: e que má casta
de pólvora ali se gasta"
respondeu outra "má má."
Quando ouviram o sinal
as outras duas naus ambas,
foram chorar suas lambas,
dando fundo cada qual:
certo não fizeram mal
em não querer provocá-la
porque assim Ihes escala
o nariz a artilharia
com pólvora, que seria
se lhe atirasse com bala?
Alguns, creio, admiraram
da pólvora a fortaleza,
por rebentar nesta empresa
pela culatra o canhão
mas a minha admiração
está, no que o povo diz
por áí, que essa infeliz,
e traidora artilharia
fazendo aos pés pontaria,
fez o emprego no nariz.
Mas que muito que assim seja,
se este canhão português
faz andar tudo ao revés,
quando sem pejo despeja:
já se sabe ser a igreja
asilo a todo o culpado;
mas quando foi disparado
o canhão aos combatentes,
nem ainda aos inocentes
narizes valeu sagrado.
Mas se perguntasse alguém
com desdém, e desafogo
como a peça tomou fogo,
sendo, que ouvido não tem:
eu respondendo mui bem
dissera que por estar
a peça tão par a par
do crisol generativo
se comunicou ativo
o fogo no abalroar.
Mas não o quero dizer,
porque não mande, que o prove
algum, que isto me reprove,
querendo-o melhor saber:
e assim já boto a correr
seguindo a ruína da nau,
que aberta vai pelo vau,
e vou procurar-lhe estopa
por calefetar-lhe a popa,
antes que saia o mingau.
Logo pois que o seu canhão
deu fogo, o baixel violento,
largando velas ao vento
foi pedir absolvição:
porém eu digo, que não
pecou ela desta vez,
pois com soltar de cortês
o preso, que se valeu
do Sagrado, mereceu
a festa que se Ihe fez.
As Fragatas da companha
botando as barbas de molho,
porque esta Ihe dera de olho,
Ihe fizeram festa estranha:
deram-lhe trela tamanha,
que cuido, porque o não vi,
que a pobre partiu dali
tão corrida, e envergonhada,
que foi de voga arrancada
a dar fundo em Parati.
E se passou mais avante,
já pôde chegar à Europa,
porque foi com vento em popa,
e escoou-se co'a vazante:
mas se algum bom estudante
na arte da disentéria
por desgraça, ou por miséria
reprovou desta poesia
a forma, por cortesia
prove ao menos a matéria.
A HUMA MOÇA QUE PERDEO DOUS CASAMENTOS AJUSTADOS, O PRIMEYRO
COM HUM FLAMENGO, QUE SE DESCULPOU AO DEPOIS QUE TINHA FEYTO
VOTO DE CASTIDADE, E O SEGUNDO COM HUM SOLDADO, QUE SE
EMBEBEDAVA, E FUGIO DEPOIS DE A ROUBAR.
Senhora Donzela: à míngua
de um casamento jucundo
cousas sucedem no mundo,
que me puxam pela língua:
o que se conta, vos míngua
na fortuna do himeneu,
pois a sorte vos perdeu
dous, que o céu vos deparou,
um, que inda nada provou,
e outro que tudo bebeu.
O vosso Noivo Flamengo
não sintais vê-lo fugir,
que não é para sentir
a fugida de um podengo:
eu com riso me derrengo,
vendo, que de mui previsto,
vos dissesse um Anticristo,
que castidade jurou,
quando eu sei, que não votou,
salvo foi um "voto a Cristo".
O que ele prometeria,
não seria castidade,
mas não falar-vos verdade,
e usar de velhacaria:
grande peça, vos faria,
se vos tivera a mão dado,
que um homem mal encarado,
e de pouco cabedal
mentir-vos antes mais val,
do que depois de casado.
Dai vós ao demo o brichote,
que com coração traidor,
qual boticário de amor
vo-la pregou com serrote:
e vamos ao matalote
do segundo matrimônio,
a quem o mesmo demônio
tão destro vo-lo mandou,
que o matrimônio deixou,
e levou o patrimônio.
Levou com destreza, e manha
de calçar, e de vestir,
porque nisto do mentir
ninguém descalço o apanha:
ser ladrão já não se estranha
nesta idade um soldadinho;
mas vós tendes este gostinho,
(quando a paixão vos corcoma)
e é, que ele o vestido toma,
mas a ele o toma o vinho.
Se por bêbado livrou,
valha-lhe o mesmo direito,
porque ao mais atroz efeito
todo o bêbado escapou:
o Céu vos apadrinhou
em vos livrar de um pirata
e se conforme a vulgata,
porque o inimigo se vá,
ponte de prata se dá,
vós destes ponta de prata.
A HUMA MULHER QUE SE BORROU, ESTANDO NA IGREJA EM QUINTA FEIRA DE
ENDOENÇAS.
Diz, que a mulher da buzeira
na Cachoeira nasceu,
e assim quando a dor Ihe deu,
vazou como cachoeira:
mas a gente, a quem mal cheira
a cebolinha cecém,
disse, que era de Siquém,
e outra ali se confrangia
ou judia ou não judia
não me cheira a mulher bem.
Como havia de cheirar
a fêmea em pressa tão alta,
se a cachoeira Ihe falta,
para haver de se lavar;
mas logo mandou levar
por uma negra Xarifa
a alcatifa tão patifa,
que eu ouvi pelos carrilhos,
que a mulher cagou cadilhos,
que lá iam na alcatifa.
Estavam ao redor dela
umas Mocinhas garridas
de nós todos conhecidas
por vista, e por parentela:
deram-lhe tão grande trela
à pobrete da coitada,
que disse uma camarada,
era bem mais evidente
ser limpa, e viver doente,
que suja, e ficar purgada.
Ergueu-se a triste Senhora,
e outra amiga Ihe gritou,
inda agora se purgou,
já sai pela porta fora?
sim Senhora: morra embora,
e seja do vento grimpa
u'a mulher, que se alimpa,
e entre gente tão honrada
não Ihe basta estar purgada,
para se crer, que está limpa.
Que fora, se hoje jantara!
ontem ceei parcamente;
não vi coisa mais corrente,
que feijões da Pericoara:
se meu amigo cheirara
este desar da buzeira,
corre risco, não me queira,
como é todo um arminho,
há de fazer-me focinho,
como à coisa, que mal cheira.
Pô diabo, há de dizer,
sem ser diabo, nem pó:
bebi o caldinho só,
e o feijão não quis comer:
que Ihe havia eu de fazer,
se o caldo era solutivo,
e no corpo semivivo
sem ter puxo, nem repuxo,
antes de eu tomar o puxo,
se saiu de seu motivo.
Eu nunca o caldo sentira
sair-me pelo franjido,
a não ter outro sentido
no nariz, que mo advertira:
então vi, que se saíra,
e temendo outra jornada
(semelhante cavalgada
não houve daqui ao Cairu)
não pude enfrear o cu,
e a fralda ficou selada.
Algum meu apaixonado
a gritos de aqui-d'EI-Rei
afirma que eu não caguei,
e cuida, que o tem provado:
meu amigo está empenhado
em fazer esta pesquisa,
e como é coisa precisa
por sua honra defendê-lo,
porá na matéria o selo,
e eu Ihe darei na camisa.
A ocasião foi temerária,
e na Igreja, onde assistia,
não faria valentia,
mas fiz coisa necessária:
a dor foi extraordinária,
é, que neste desconcerto,
é, que neste desacerto,
e em tão grande desalinho
um humor tão delgadinho
me pusesse em tal aperto.
Era água simples de cubos
a caca dos meus calções,
com que entendam, que os feijões
não tinham dez réis de adubos:
não fedem pubas, nem pubos,
o que fedia o meu rabo:
foi caçoula do diabo,
quanto me cheirava a caca,
depois fui Jaratacaca,
tresandava pelo rabo.
Fui-me logo para o mangue
co'a fralda disciplinante
molhada atrás, e adiante,
muita caca, e pouco sangue:
com medo, que se remangue
meu amigo contra mim,
borrada fiquei assim,
porque quando ele se segue,
e algum bofetão me pregue,
eu Ihe apregue o fraldelim.
Se do dia de Endoenças
a própria Etimologia
são andanças do tal dia,
para mim foram correnças:
por evitar desavenças
não irei mais aos sermões,
onde há tantos empuxões,
onde me agoniam Evas,
onde os Frades dão as trevas,
e me fazem dar trovões.
A HUMAS DAMAS DE LA VIDA AYRADA, QUE INDO E VINDO AO DIVERTIMENTO DE
HUMA ROÇA ZOMBAVAM DA HONESTIDADE DE HUMA IRMÃA CASADA.
Vamos cada dia à roça,
se é, que vai o camarada,
que ri, e folga à francesa,
e pinta à italiana.
Vamos, e fiquemos lá
um dia, ou uma semana,
que enquanto as gaitas se tocam,
sabe a roça, como gaitas.
Vamos à roça, inda que
nos fique em cada jornada
cada meia sem palmilha,
e sem sola cada alparca.
Vá Mané, e vá Marcela,
vá toda a nossa prosápia,
exceto a que por casada
não põe pé fora de casa.
Case, e tão casada fique,
que nem para fazer caca
jamais o marido a deixe,
nem se Ihe tire da ilharga.
Case, e depois de casar
tanto gema, e tanto paira,
que caia em meio das dores
na razão das minhas pragas.
Case, e tanto se arrependa,
como faz toda, a que casa,
que nem para descasar-se
a via da Igreja saiba.
E nos vamos para a roça
com nosso feixe de gaitas
até ver-me descasada
para me rir, de quem casa.
A HUMA MULATA APELIDADA MONTEYRA QUE DAVA CASA DE ALCOUCE.
Hoje em dia averiguou-se
(e aqui ninguém vos adula)
que dais, por mostrar-vos mula,
em lugar de couce alcouce:
por verdade isto assentou-se,
e eu também não vou contra ela,
antes sem contradizê-la,
quero sobre isto arguir,
que caça hei de descobrir
por Monteira, e por cadela.
A DAMAZIA QUE DAVA PRESSA À HUMA SAYA QUE SE ESTAVA FAZENDO, PARA
BOTAR NUMA FESTA, DIZENDO SER SUA SENDO ELLA DE SUA SENHORA.
Muito mentes, Mulatinha:
valha-te deus por Damásia!
não sei, quem sendo tu escura,
te ensina a mentir às claras.
Tal vestido, com tal pressa?
não vi mais ligeira saia;
mas como a seda é ligeira,
foi a mentira apressada.
Tal vestido não é teu,
nem tu tens, Damásia, cara,
para ganhar um vestido,
que custa tantas patacas.
Tu ganhas dous, três tostões
por duas ou três topadas;
não chegam as galaduras
para deitar uma gala.
Nem para os feitios chegam
os troquinhos, que tu ganhas,
pois não vale o teu feitio
mais que até meia-pataca.
De Soldado até Sargento,
ou até Cabo de esquadra
não passa o teu roçagante,
nem te chega a triste alçada.
Estes, que te podem dar,
mais que uma vara de caça,
uma cinta de baeta
e saia de persiana.
Colete de chamalote,
e de vara e meia a fralda,
que fazem oito mil-réis,
que é valor da pobre farda.
Todos sabem, que o vestido,
que em verdes campos se esmalta,
é verdura de algum besta,
que em tua Senhora pasta.
Mas o que é dela, teu é,
que é outra que tal jangada,
e talvez por to emprestar,
que ficaria ela em fraldas.
Apostemos, que não vestes
outra vez a verde saia,
e nem de a vestires mais,
te ficam as esperanças?
Ora toma o meu conselho,
e vive desenganada,
que enquanto fores faceira,
não hás de ganhar pataca.
A HUMA DAMA QUE ESTAVA SANGRADA.
Estava Clóris sangrada,
e Fábio, que a visitava
com ver, que sangrada estava
Ihe deu logo outra picada:
ela tão aliviada
ficou, que se ergueu da cama,
dizendo, bem haja a Dama
de Adônis, cuja virtude,
quando me pica em saúde,
eu me sangro, ele derrama.
Como na vida acertou,
onde habita a saudade,
extinta a má qualidade,
a enfermidade acabou:
nunca Galeno alcançou
nas sangrias, que me aplica,
quanto o ferro prejudica,
e eu curada com dieta
já sei, que pica a lanceta,
e somente sangra a pica.
Fábio me curou do mal,
que na cama Ihe informei,
não com xarope de rei,
mas com régio cordial:
se se curar cada qual
somente com seu galante,
há de sarar num instante,
pois quando eu caio doentinha,
não hei mister mais meizinha,
que a meu Mano se levante.
A HUMA DAMA CHAMADA JOSEPHA, QUE EM NOYTE DE SAM JOÃO LHE
REBENTOU HUM FOGUETE BUSCAPE ENTRE AS PERNAS, DE QUE FICOU BEM
MAL TRATADA.
Só vós, Josefa, só vós
sabeis em todo o sertão
festejar o São João,
na noite de catrapós:
os vossos foguetes sós
de fio, taboca, e pez
são foguetes, pois num mês
tivestes por vosso abono
um foguete busca-cono,
um lugar de busca-pés.
Quem tal foguete botou,
que em boa realidade
vos fodeu contra a vontade
e a foda vos não pagou?
conforme ele se embocou
vinha bem industriado;
mas não foi grande o pecado,
em que o foguete há caído
deixar-vos o cono ardido,
se antes andava arreitado.
O foguete por tramóia
vos queima, e deixa arrasada,
e os que passam pela estrada,
vão dizendo "aqui foi Tróia":
vaso, que sendo uma jóia
não pôde ao menor resquício,
reparar em o artifício,
digam-lhe em forma de pedra
escallo armado de Yedra
yo te conoci Edifício.
Deixou-vos vosso parceiro,
vendo, que entre tantas falhas,
O que eram altas muralhas,
hoje é triste pardieiro:
que faria o pegureiro
vendo, no que vaso foi
lo que va de ayer a oy
e Ihe dizíeis ali,
que ayer maravilla fuí
y oy sombra mia aun no soy.
Deixou-vos tão de carreira
com medo deste fracasso,
pois viu, que o que era vaso,
já agora estava caveira:
como quereis, que vos queira,
nem que torne ao vosso horto,
se de pasmado, e absorto
Ihe pareceu, que seria
pecado de Sodomia
fornicar um vaso morto.
Daquela campanha chã
tão rasa, e tão abrasada
fugiu, porque era estampada
a pedra da Itapoã:
e como cada manhã
a pedra furada atroa,
e o homem era pessoa
tão amigo de um bom trato,
vos disse "fora Lobato,
que esse vaso mal me soa".
Mas como vós sois cachorra;
e sobre isto ardida estais,
de uma em outra porta andais
pedindo esmolas de porra:
não achais, quem vos socorra,
nem quem para vós se emangue,
com que a cada pé de mangue
chorais, que em tão triste caso
ninguém vos aceita o vaso,
temendo Ihe queime o sangue.
Josefa, o que está melhor
ao vosso cono caveira,
é dá-lo uma sexta-feira
de Quaresma a um Pregador:
porque ele com seu fervor,
e co'a caveira na mão
fara tão grande sermão,
que os homens por seu abono
ouvindo o memento cono
todos se arrependerão.
A HUMA DAMA, A QUEM SOLICITANDO-A O POETA, LHE PEDIO DINHEYRO, DE
QUE ELLE SE DESEMPULHA.
Senhora, é o vosso pedir
um impedir as vontades,
que pertendem humildades,
de quem deseja servir:
faz-me vontade de rir
um pedir tão despedido,
que dele tenho entendido,
que o pedir despedir é:
bem podeis viver na fé,
que esse pedir é perdido.
Peça amores, e finezas,
peça beijos, peça abraços,
pois que os abraços são laços,
que prendem grandes firmezas:
não há maiores despesas
que um requebro, e um carinho,
pois no tomar de um beijinho
fica a riqueza ganhada,
e tudo o mais não val nada:
não peças mais, meu Anjinho.
Se vos vira, minha Mana,
recolhida, e não faceira
dissera, que como Freira
pedíeis à franciscana:
porém vós sois muito ufana,
e logo pedis a panca:
eu de vós direi, arranca,
que o vosso pedir cruel
pica mais do que um burel,
e dói mais que uma tranca.
A HUMA DAMA QUE MACHEAVA OUTRAS MULHERES.
MOTE
Namorei-me sem saber
esse vício, a que te vás,
que a homem nenhum te dás,
e tomas toda a mulher.
Foste tão presta em matar-me
Nise, que não sei dizer-te,
se em mim foi primeiro o ver-te,
do que em ti o contentar-me
sendo força o namorar-me
com tal pressa houve de ser,
que importando-me aprender
a querer, e namorar,
por mais me não dilatar
Namorei-me sem saber.
A saber como te amara,
menos mal me acontecera,
pois se mais te comprendera,
tanto menos te adorara:
a vista nunca repara,
no que dentro d'alma jaz,
e pois tão louca te traz
que só por Damas suspiras,
não te amara, que tu viras,
Esse vício, a que te vás.
Se por Damas me aborreces
absorta em suas belezas,
a tua como a desprezas,
se é maior que as que apeteces?
se a ti mesma te quisesses,
querendo, o que a mim me praz,
seria eu contente assaz,
mas como serei contente,
se por mulheres se sente,
Que a homem nenhum te dás?
Que rendidos homens queres,
que por amores te tomem?
se és mulher, não para homem,
e és homem para mulheres?
Qual homem, ó Nise, inferes,
que possa, senão eu, ter
valor para te querer?
se por amor nem por arte
de nenhum deixas tomar-te
E tomas toda a mulher!
A HUM SUGEYTO, QUE LHE MANDOU HUM PIRÚ CEGO, E DOENTE.
Mandou-me o filho da pu-
-um peru cego, e doente,
cuidando, que no presente,
mandava todo o Peru:
alimpei com ele o cu,
e o botei na onda grata,
mas é tal o patarata,
e o seu louco desvario,
que vendo o peru no rio,
diz que é o Rio da Prata.
A HUMA DAMA QUE MANDANDO-SE COSSAR EM HUM BRAÇO PELO SEU
MOLEQUE, E SENTINDO, QUE DAQUELLE CONTACTO SE LHE ENTEZAVA O
MEMBRO, O CASTIGOU.
Corre por aqui uma voz,
e vem a ser o motivo,
Sílvia, que o vosso cativo
se levantou para vós:
o caso é torpe, e atroz,
e quis, que a fama corresse
só para que se estendesse
pelo vosso braço, e mão,
que junto ao fogo o carvão
era força, se acendesse.
Vós mandastes, que o moleque
vos fosse o braço coçar,
e ele quis vos esfregar
mais que o braço, o sarambeque:
procedeu bem o alfaqueque,
se bem nisso se repara,
e eu o mesmo intentara,
se me vira nesses passos,
que isto de chegar a braços,
bem sabeis vós, no que pára.
Vós estendestes a mão,
e chegando-lha a barguilha
entre virilha, e virilha
topastes um camarão:
ia entrando no tesão
o coitado do negrete,
e porque vós em falsete
tal grito Ihe levantastes,
como o fogo lhe afastastes,
apagou-se-lhe o pivete.
Se outra vez vos der a tosse
de coçar a comichão,
não chameis o negro não,
coçai-vos, com que vos coce:
e se estais já sobre posse,
ou vos não podeis mexer,
deixai a sarna a comer,
pois bem sabeis, que há de andar
atrás do comer coçar,
e atrás do coçar foder.
ENCONTRO QUE TIVERAM DOUS NAMORADOS.
MOTE
Pica-me, Pedro, e picar-te-ei.
Jogando Pedro, e Maria
os piques sobre a merenda,
vi pois, que sobre a contenda
Maria picar queria:
ela, que a Pedro entendia
disse então: aqui-d'EI-Rei:
pica-me, Pedro, e picar-te-ei.
Abrasado em vivo fogo
Pedro, que o jogo sabia,
disse, eu te pico, Maria,
porque tu me piques logo:
disse ela, pois o teu fogo
é dos melhores, que achei,
pica-me, Pedro, e picar-te-ei.
Picou Pedro, e de feição,
que a Maria fez saltar:
quis ela também picar,
pois que assim picado a hão:
picados ambos estão:
diz Maria o jogo sei,
pica-me, Pedro, e picar-te-ei.
Pedro, que já se enfadava
de picar, queria erguer-se;
Maria quis mais deter-se,
porquanto picada estava:
disse ela, que então gostava
do jogo, que Ihe ensinei:
pica-me, Pedro, e picar-te-ei.
A QUATRO NEGRAS QUE FORAM BAYLAR GRACIOSAMENTE A CASA DO POETA
MORANDO JUNTO AO DIQUE.
Catona, Ginga, e Babu,
com outra pretinha mais
entraram nestes palhais
não mais que a bolir co cu:
eu vendo-as, disse, Jesu,
que bem jogam as cambetas!
mas se tão lindas violetas
costuma Angola brotar,
eu hoje hei de arrebentar,
se não durmo as quatro Pretas.
HUMA MULATA DAMA UNIVERSAL DE QUEM JA FALLAMOS, SATYRIZA AGORA O
POETA O FAUSTO COM QUE FOY SEPULTADA A MAY.
Ser um vento a nossa idade
é da Igreja documento:
e por ser a vida um vento,
a morte é ventosidade:
viu-se isto na realidade
na morte de uma pobreta,
cuja casa de baeta,
reparando o Irmão da vara,
e descobrindo-lhe a cara,
viu, que a defunta era preta.
Uma Negra desta terra
em uma casa enlutada,
no hábito amortalhada
do santo, que tudo enterra:
quem cuidáreis, que era a perra
tão grave, e tão reverenda?
era uma sogra estupenda
de todo o mundo em geral,
Mãe em pecado mortal
de Dona Brásia Caquenda.
A Negra com seu cordão
no hábito franciscano
era retratada em pano
Santa Clara de alcatrão:
tiveram grande questão
os Irmãos da caridade,
se era maior piedade
lançá-la no mar salgado,
se enterrá-la no sagrado
ofendendo a imunidade.
Acudiu o Tesoureiro,
que era genro da Cachorra,
dizendo, esta Negra é forra,
e eu tenho muito dinheiro:
houve dúvida primeiro,
mas vieram-na a levar,
e começando a cantar
os Padres o sub venite,
tomaram por seu desquite
em vez de cantar chorar.
Dos genros a melhor parte,
e os homens de melhor sorte
choravam a negra morte
da negra sorte, que parte:
a essa fizeram de arte
tão regenda, e tão real,
que não foi piramidal,
para que cresse o distrito,
que era Cigana do Egito,
quem fora negra boçal.
Ficou a gente pasmada
de ver uma Negra bruta,
sendo na vida tão puta,
pela morte tão honrada:
quem é tão aparentada,
sempre na honra se estriba,
e assim a gente cativa
ficou pasmada, e absorta,
de ver com honras em morta,
quem nunca teve honra em vida.
Ficou a casa enlutada
então até o outro dia,
e todo o ano estaria,
a não ter uma encontrada
foi, que a baeta pregada
era de quatro estudantes
quatro capas roçagantes:
e bem que as deram, contudo
para irem ao estudo
foi força mandar-lhas antes.
Os amantes se pintaram
como amantes tão fiéis,
um largou oito mil-réis,
outro em dez o condenaram:
ao Tesoureiro ordenaram,
mandasse a cera comprada;
ele a deu tão esmerada,
e tanta, que se murmura,
que o fez, porque à sepultura
fosse a perra bem pingada.
ERA DESTA MULATA BASTANTEMENTE DESAFORADA E O POETA, QUE À NÃO
PODIA SOFFRER LHE CANTA A MOLIANA.
Caquenda, o vosso Jacó
me deu com risa não pouca
notícias da vossa boca,
e tão bem do vosso có:
diz, que está tornado um Jó
pobre, podre, e lazarento:
porque quando o barlavento
navegava o vosso charco,
sempre enjoou nesse barco
por ser muito fedorento.
Afirma, que a vossa quilha
em chegando a dar a bomba,
se muito vos fede a tromba,
muito vos fede a cavilha:
a mim não me maravilha,
que exaleis esses vapores,
porque se os cheiros melhores
caçoula formam conjuntos,
de muitos fedores juntos
nasce o fedor dos fedores.
Triste da boca enganada,
que sendo vossa cativa,
quando convosco mais priva
então beija uma privada:
vós não sois não desdentada,
com que o fedor vos não toca:
porém isso me provoca
a ver, se o fedor acaso
vai da boca para o vaso,
se do vaso para a boca.
Isto suporto, é o caso,
a querer, e namorar,
que a natureza vos troca
o bacalhau para a boca
o mau bafo para o vaso:
eu me consumo, e me abraso,
por saber, minha Brasica,
com isto se comunica,
ou como vos não faz míngua
fornicar-vos pela língua
e beijar-vos pela crica.
Fedendo em baixo, e em cima,
que sois má casa, receio,
e quem viver nesse meio,
inda assim cresce em mau clima:
de cima o fedor lastima,
de baixo sobem maus fumos,
e entre tão ruins perfumos
dirá o triste gazul,
pois fedeis de Norte a Sul,
que fedeis de ambos os rumos.
Como o sêmen, que entornais,
dá fedores tão ruins,
é de crer, que lá nos rins
algum bacio guardais:
e pois tanto tresandais,
quando remolhando as botas
as dais ao som das cachotas,
tenho por remédio são,
que tomeis, as que vos dão,
mas vós a ninguém dois gotas.
Se a boca vos fede a caca,
e tanto, puta, fedeis,
eu creio, que descendeis
de alguma Jaratacaca:
sobre seres tão velhaca,
que não há pobre despido,
que vos não tenha dormido,
Jaratacaca bufais,
e quando vós fornicais,
deixais o membro aturdido.
Fedeis mais que um bacalhau,
e prezai-vos de atrevida,
como que se a vossa vida
não fora sujeita a um pau:
olhai, não vos dê o quinau
um Mina de cachaporra,
que um cão morde uma cachorra,
e se em ser puta vos fiais,
sois puta, que tresandais,
e enfastiais toda a porra.
SENTIO-SE BRAZIA GRAVEMENTE DESTA SATYRA, E O POETA AGORA
CAVILLOSAMENTE À SATISFAZ COM ESTAS DÉCIMAS.
Brásia: aqui para entre nós
muitos vossos males sinto,
porque me dizem, que minto,
no que falei contra vós:
se a informacão foi atroz,
os versos como seriam?
mas os que vos conheciam,
não me desmentiram não,
senão os da informação,
que esses são, os que mentiam.
Estou mui arrependido,
e muito desenganado,
de que este povo é malvado,
falso, fito, e fementido:
vós sois como o sol luzido,
que inda que eclipses padece,
como em um instante tece
mais gala a seu luzimento,
vencido o assombramento,
muito mais claro aparece.
Assim vós sombras vencendo
de inveja, e de detrações
ides com mais perfeições
a verdade amanhecendo:
eu a vossas luzes rendo
minha dor e contrição
de haver-vos dado ocasião
a tão sentidos pesares,
e pois o sol busca os mares,
não fujais meu pranto não.
Estou mui desenganado,
que os mesmos murmuradores
vão ao campo a buscar flores,
que não vêem no povoado:
por isso no ameno prado,
onde tendes as raízes,
há quatro flores de Lises
Escolástica, Apolônia,
a flor de Brásia, e Antônia
tão belas, como felizes.
Vivei por entre os verdores
de anos pousos, que contais,
com que cada qual sejais
a Matusalém das flores:
vivei tanto, que os amores
ao mesmo Amor ensineis,
e porque temo, falteis
de flores à condição,
na beleza, e duração
flores perpétuas sereis.
Tanto quero, que vivais,
que essoutras papoulas pardas
vendo flores tão galhardas
creiam, que as aventejais:
tanto assim permaneçais
tão mestra da formosura,
que té a flor mais futura,
que está ainda por nascer,
nasça só para aprender
beleza, e mais compostura.
E pois minha contrição
de todo me tem trocado,
eu me dou por perdoado,
sem ter conta de perdão:
mas faço conta, que não
hei de tornar a ofender-vos,
e se basta a merecer-vos,
meu sentimento, e meu pranto,
perdoai-me, Brásia, enquanto
busco algum modo de ver-vos.
A HUMA MULATA DENTUÇA, QUE TAMBEM VIVIA ESCANDALIZADA, VINDO HUM
DIA DA FESTA DE SAM GONÇALLO, ONDE COM OUTRAS DANÇOU A
MANGALAÇA, A GARUPA DE SEU AMASIO PASSANDO PELO POETA LHE PEDIO
HUNS VERSOS.
Por estar na vossa graça
mando os versos, que quereis:
mas vós que me pedireis,
Úrsula, que vos não faça?
Veio aqui a Mangalaça
uma com outra mixela
fazer uma refestela,
e entre tanta pecadora
nunca Mangalaça fora,
se não viésseis vós nela.
Estava eu vendo passar
as Pardas tão mal fardadas,
que cri, que vinham roubadas,
e elas vinham nos roubar:
não tive então, que Ihes dar,
que em mim o dar se acabou;
mas como sempre ficou
a vanglória de agradar-lhes
se até agora dei em dar-lhes
já agora em não dar-lhos dou.
Enquanto ao sorvo, e ao trago
não houve falta, antes sobre,
que ainda que a Juíza é pobre,
ganha às vezes, que é um lago:
houve mais vinho que bago,
e mais caldo que pimentas,
e estando todas sedentas
bebendo uma e outra vez
o relógio dava as três,
e o frasco dava as trezentas.
Só vós, Úrsula bizarra,
entre uma e outra borracha
cantáveis como gavacha
sustenidos de guitarra:
deu-vos o sumo da parra
numa fábrica estrangeira,
pois num palafrém lazeira
formastes, com dar um zurro,
para vosso amigo um burro,
para vós uma liteira.
Fostes nas ancas chantada,
e haveis de vos agastar,
se Sodoma vos chamar,
indo de ancas cavalgada:
eu já vos não digo nada,
porque hei medo a vossos dentes:
só digo, que andam as gentes
dizendo, que o vosso amigo
se expôs a tanto perigo,
porque ia co'as costas quentes.
As mais sobre o seu palmilho
como iam com tanto ardil,
cuidei, que eram de Madril,
onde há festa do trapilho:
eu nunca me maravilho
de ver, que Moças honradas
vão a pé grandes jornadas:
porém, maravilha encerra,
que as Mulatas desta terra
andam sempre cavalgadas.
Bem fez o vosso Mandu
dar-vos lugar consoante,
pois levando as mais diante,
vos pôs atrás do seu cu:
da Bahia até o Cairu
não vi justiça fazer
tão razoada a meu ver,
e portanto creio eu,
que quem hoje o cu vos
deu, vos mande amanhã beber.
Vós me destes grande abalo,
quando nas ancas vos vi,
porque cegamente cri,
que éreis rabo do cavalo:
olhei com mais intervalo,
e com vista menos presta:
então pus a mão na testa,
vendo, que se pelo cabo
não éreis da besta o rabo,
íeis por rabo da besta.
Deixai esse amigo imundos
porque vi grandes apostas,
que quem assim vos deu costas,
tem dado as costas ao mundo:
tomai um rapaz jucundo,
mundano, e não abestruz,
que receio, que os Mundus,
que são, os com quem falais,
hão de dizer, que Ihe andais
atrás sempre dos seus cus.
Deixai essas galhofinhas,
e retirai-vos de ambófias,
que isto de andar em bazófias
é mui próprio de putinhas:
cosei em casa as bainhas,
fazei costuras, e rendas,
que mulheres de altas prendas
tratam só do seu remendo:
isto só vos encomendo,
senão: minhas encomendas.
A SAGACIDADE CAVILLOSA COM QUE O RELlGIOSO FR. PASCOAL FEZ
PRENDER A THOMAZ PINTO BRANDÃO: DÀ O POETA CONTA A HUM AMIGO DA
CIDADE DESDE A VILLA DE S. FRANCISCO.
Já que entre as calamidades,
em que a fortuna me encerra,
não colho os fruitos da terra,
vos mando outras novidades:
e como nesta as verdades
têm mais que noutra amargor,
será ardil de mercador
embarcá-las além-mar,
porque a risco vão ganhar
dez por cento em seu valor.
Sucedem nesta conquista
cada dia sobre os vasos
casos, que por serem casos,
se propõem a um Moralista:
cursava um Frei Algebrista
de certa ordem sagrada
na escola de uma casada,
que lia em falsa cadeira
putaria verdadeira
por postila adulterada.
la tomar-lhe a postila
um curioso estudante
secular como um diamante
Moço honrado desta vila:
e como tinha quizila
o Frade no companheiro,
Ihe grunhia o dia inteiro
ao pobre do secular,
porque Ihe havia encaixar
a pena no seu tinteiro.
Não cuide, que temo agouros,
nem creia de mim, que sinta,
que me ande gastando a tinta,
mas não destripe os poedouros:
queria dar-lhe uns estouros
ao pobre do secular,
que como vinha a furtar,
e Ihe convinha o sofrer,
calava só por comer,
comia só por calar.
Mas o Frade impaciente
com tão leiga sociedade
se vestiu de caridade,
e foi queixar-se ao Regente:
disse, que o Moço insolente
difamava uma casada,
e tinha a vida arriscada,
porque em certa ocasião
o Frade Ihe dera ao cão,
e o cão não Ihe dera nada.
O Regente, que encaminha
tudo à boa providência,
suposto que tem prudência,
contudo não adivinha,
entendeu, que a casadinha
era parenta do Frade,
não se enganou em verdade,
porque estando ela co mês,
é parenta, em que Ihe pes,
do Frade em sanguinidade.
Preso enfim o secular,
porque a todos nos espante,
foi o primeiro estudante,
que prendem por estudar:
o que venho a perguntar,
é, quem foi o alcoviteiro,
deste Fradinho embusteiro,
se a prisão, se o Regedor,
ou se acaso o prendedor,
que se diz Manuel Monteiro?
O preso tudo é gritar,
que se ouve por toda a vila,
que dele tomar postila
têm todos, que argumentar:
o Frade tudo é instar,
que a culpa é muito maligna,
que à popa, ou pela bolina
deve ir numa paviola
o secular para Angola,
porque ele fique na mina.
Afirma o Preso em verdade,
que àquela escola ruim
ia aprender mau Latim,
por se querer meter frade:
e sua Paternidade
usava de ingratidão,
pois sem causa, nem razão,
a quem Ihe fez o favor
de o ir desprender de amor,
o tinha posto em prisão.
Item, que sempre fugia
do Fradinho as encontradas,
pois ia em horas minguadas,
quando o Frade às cheias ia:
que sempre se Ihe escondia,
por Ihe ouvir, que é sua Prima
e porque ele o não oprima,
tomava em horas traidoras
as lições das outras horas,
e Ihe deixava as da Prima.
Eu vos proponho os motivos
do sucesso, e seus fracassos,
porque quem ignora os casos,
não sabe os nominativos:
eu perco logo os estrivos
com estas filatarias,
pois vejo todos os dias,
que um Frade (seja quem quer)
pelo meio de as perder
assegura as putarias.
O pobre do secular,
porque o caso vá distinto,
se chama Fulano Pinto,
mas já Pinto de galar:
porém o Frade alveitar,
que eu tenho por macacão,
não entra em publicação,
por que eu perca esse regalo,
pois morro por batizá-lo,
para que morra cristão.
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