pena que corre no papel. Escrevo sem assunto e em busca de assunto. Que há de ser?
Sobre a mesa tenho duas pilhas de livros. De um lado a Bíblia e Pascal, do outro Alfredo
de Vigny e Lamartine. É obra do acaso e não parece: tal é o estado do meu espírito. Os
três primeiros livros me chamam à contemplação ascética e às reflexões morais; os três
últimos despertam os sentimentos do coração e levam meu espírito às mais elevadas
regiões da fantasia.
Quero entranhar-me no mundo da reflexão e do estudo, mas o meu coração, solteiro
talvez, talvez viúvo, pede-me versos ou imaginações. Triste alternativa, que para
nenhuma resolução me guia! Este estado, tão comum nos que realmente se dividem entre
sentir e pensar, é uma dor d’alma, é uma agonia do espírito.
De onde estou vejo o mar; a noite é clara e deixa ver as ondas que se vão quebrar à areia
da praia. Uma vez solto onde irás tu, meu pensamento? Nem praias, nem ondas, nem
barreiras, nem nada; tudo vences, de tudo zombas, eis-te aí livre, a correr, mar em fora,
em busca de uma lembrança perdida, de uma esperança desenganada. Lá chegas, lá
entras, de lá voltas ermo, triste, mudo, como o túmulo do amor perdido e tão cruelmente
desflorado!
Ânsia de amar, ânsia de ser feliz, que haverá no mundo que mais nos envelheça a alma e
nos faça sentir as misérias da vida? Nem é outra a miséria: esta, sim; este ermo e estas
aspirações; esta solidão e estas saudades; esta tão própria sede de uma água que não
há tirá-la de nenhuma Noreb, eis a miséria, eis a dor, eis a tristeza, eis o aniquilamento do
espírito e do coração.
Que é o presente em tais casos? O vácuo e o nada; no passado o luzir leve e indistinto
quase de uma curta ventura que passou; no futuro a estrela da esperança cintilante e
viva, como uma lâmpada eterna. De onde estamos, um ansiar sem tréguas, uns íntimos
impulsos a ir buscar a felicidade remota e esquiva. Do passado ao futuro, do futuro ao
passado, como este mar que invade estas praias agora, e amanhã irá beijar as areias
opostas, tal é a vacilação do espírito, tal é a vida ilusória do meu coração.
* * *
Que me direis vós, meus livros? Queixas e consolações. Dais-me escrito o que eu tenho a
falar no interior. Queixas de um sentir sem eco, consolações de uma esperança sem
desfecho. Que havíeis de dizer mais? Nada é novo; o que é, já foi e há de vir a ser.
Destas dores sentir-se-ão sempre e não deixarão de sentir-se. Círculo vicioso, problema
sem solução!
Lembrei o Eclesiastes. Que me dirá esse tesouro de sabedoria?
— Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu segundo o termo
que a cada uma foi prescrito.
Há tempo de nascer e de morrer.
Há tempo de plantar e tempo de colher.
Há tempo de enfermar e tempo de sarar.
Há tempo de chorar e tempo de rir.
Há tempo de destruir e tempo de edificar.
Há tempo de afligir e tempo de se alegrar.
Há tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar.
Há tempo de guerra e tempo de paz.
Assim fala o Eclesiastes. A cada coisa um tempo: eis tudo. Qual será o tempo desta
coisa? Qual será o tempo daquela? Tal é a dúvida, tal é a incerteza.
Destruo agora; quando edificarei? Aflijo-me; quando me hei de alegrar? Semeio; quando
hei de colher? Virá o tempo para isso... Quando? Não sei! A certeza é uma: a certeza do
presente; a da destruição, a da aflição, a da plantação. O resto — mistério e abismo.
Não! Entre tantas incertezas, entre tantas ilusões, uma certeza há; há um tempo que há
de vir, fatalmente, imperiosamente: o tempo de morrer. Nasci, morrerei. Oh, ciência
humana! Entre a destruição e a edificação, entre a tristeza e a alegria, entre o semear e o