bem combinados e enfraquecer as vontades mais resolutas.
Antônia era uma mulher assim.
Quando eu a conheci era ela casada de doze meses. O marido tinha nela a mais plena
confiança. Amavam-se ambos com o amor mais ardente e apaixonado que ainda houve.
Era uma alma só em dois corpos. Se ele demorava fora de casa, Antônia não só velava
todo o tempo, como desfazia-se em lágrimas de saudades e de dor. Apenas ele chegava,
não havia o desenlace comum das recriminações estéreis; Antônia lançava-se-lhe aos
braços e tudo voltava em bem.
Onde um não ia, não ia o outro. Para quê, se a felicidade deles residia em estarem juntos,
viverem dos olhos um do outro, fora do mundo e dos seus vãos prazeres?
Assim ligadas estas duas criaturas davam ao mundo o doce espetáculo de uma união
perfeita. Eram o enlevo das famílias e o desespero dos mal casados.
Antônia era bela; tinha vinte e seis anos. Estava no pleno desenvolvimento de uma
dessas belezas robustas e destinadas a resistir à ação do tempo. Oliveira, seu marido,
era o que se podia chamar um Apolo. Via-se que aquela mulher devia amar aquele
homem e aquele homem devia amar aquela mulher.
Freqüentavam a casa de Oliveira alguns amigos, uns da infância, outros de data recente,
alguns de menos de um ano, isto é, da data do casamento de Oliveira. A amizade é o
melhor pretexto, até hoje inventado, para que um indivíduo pretenda tomar parte na
felicidade de outro. Os amigos de Oliveira, que não primavam pela originalidade dos
costumes, não ficaram isentos de encantos que a beleza de Antônia produzia em todos.
Uns, menos corajosos, desanimaram diante do extremoso amor que ligava o casal; mas
um houve, menos tímido, que assentou de si para si tomar lugar à mesa da ventura
doméstica do amigo.
Era um tal Moura.
Não sei dos primeiros passos de Moura; nem das esperanças que ele pôde ir concebendo
à proporção que corria o tempo. Um dia, porém, a notícia de que entre Moura e Antônia
havia um laço de simpatia amorosa surpreendeu a todos.
Antônia era até então o símbolo do amor e da felicidade conjugal. Que demônio lhe
soprara ao ouvido tão negra resolução de iludir a confiança e o amor do marido? Uns
duvidaram, outros se irritaram, alguns esfregaram as mãos de contentes, animados pela
idéia de que o primeiro erro devia ser uma arma e um incentivo para os erros futuros.
Desde que a notícia, contada à meia voz, e com a mais perfeita discrição, correu de boca
em boca, todas as atenções voltaram-se para Antônia e Moura. Um olhar, um gesto, um
suspiro, escapam aos mais dissimulados; os olhos mais experimentados viram logo a
veracidade dos boatos; se os dois se não amavam, estavam perto do amor.
Deve-se acrescentar que ao pé de Oliveira, Moura fazia o papel de deus Pã ao pé do
deus Febo. Era uma figura vulgar, às vezes ridículo, sem nada que pudesse legitimar a
paixão de uma mulher bela e altiva. Mas assim aconteceu, a grande aprazimento da
sombra de La Bruyère.
Uma noite uma família da amizade de Oliveira foi convidá-la para irem ao Teatro Lírico.
Antônia mostrou grande desejo de ir. Cantava então não sei que celebridade italiana.
Oliveira, por doente ou por enfado, não quis ir. As instâncias da família que os convidara
foram inúteis; Oliveira teimou em ficar.
Oliveira insistia em ficar, Antônia em ir. Depois de muito tempo o mais que se conseguiu
foi que Antônia fosse em companhia das amigas, que a trariam depois para casa.
Oliveira ficara em companhia de um amigo.
Mas, antes de saírem todos, Antônia insistiu de novo com o marido para que fosse.
— Mas se eu não quero ir? dizia ele. Vai tu, eu ficarei, conversando com ***.
— E que se tu não fores, disse Antônia o espetáculo não vale nada para mim. Anda!
— Vai, querida, eu irei em outra ocasião.
— Pois não vou!
E sentou-se disposta a não ir ao teatro. As amigas exclamaram em coro:
— Como é isso: não ir? Que maçada! Era o que faltava! anda, anda!