O sujeito velho, que eu soube depois ser o mordomo da casa, tomou-me pela mão e
levou-me a uma grande sala, que era onde se achavam os convidados.
Apesar da profunda impressão que me causava aquela aventura, confesso que a riqueza
da casa me assombrava cada vez mais, e não só a riqueza, senão também o gosto e a
arte com que estava preparada.
A sala dos convidados estava fechada quando lá chegamos; o mordomo bateu três
pancadas, e veio abrir a porta um lacaio, também velho, que me segurou pela mão,
ficando o mordomo do lado de fora.
Nunca me há de esquecer a vista da sala apenas se me abriram as portas. Tudo ali era
estranho e magnífico. No fundo, em frente da porta de entrada, havia uma grande águia
de madeira fingindo bronze, encostada à parede, com as asas abertas, e preparando-se
como para voar. Do bico da águia pendia um espelho, cuja parte inferior estava presa às
garras, conservando assim a posição inclinada que costuma ter um espelho de parede.
A sala não era forrada de papel, mas de seda branca, o teto artisticamente trabalhado;
grandes candelabros, magnífica mobília, flores em profusão, tapetes, tudo enfim quanto o
luxo e o gosto sugerem ao espírito de um homem rico.
Os convidados eram poucos e, não sei por que coincidência, eram todos velhos, como o
mordomo e o lacaio, e o meu próprio sogro; finalmente velhos como eu também.
Introduzido pelo criado, fui logo cumprimentado pelas pessoas presentes com uma
atenção que me dispôs logo o ânimo a querer-lhes bem.
Sentei-me numa cadeira, e vieram reunir-se em roda de mim, todos risonhos e satisfeitos
por ver o genro do incomparável Tobias. Era assim que chamavam ao homem do
revólver.
Acudi como pude às perguntas que me faziam, e parece que todas as minhas respostas
contentavam aos convidados, porquanto de minuto a minuto choviam sobre mim louvores
e cumprimentos.
Um dos convidados, homem de setenta anos, condecorado e calvo, disse com aplausos
gerais:
— O Tobias não podia encontrar melhor genro, nem que andasse com uma lanterna por
toda a cidade, que digo? por todo o império; vê-se que o dr. Camilo da Anunciação é um
perfeito cavalheiro, notável por seus talentos, pela gravidade da sua pessoa, e enfim
pelos admiráveis cabelos brancos que lhe adornam a cabeça, mais feliz do que eu que os
perdi há muito.
Suspirou o homem com tamanha força que parecia estar nos arrancos da morte. A
assembléia cobriu de aplausos as últimas palavras do orador.
Articulei um agradecimento, e preparei imediatamente os ouvidos para responder a outro
discurso que me foi dirigido por um coronel reformado, e outro finalmente por uma
senhora que, desde a minha entrada, não tirava os olhos de mim.
— Sra. condessa, disse o coronel quando a senhora acabou de falar, confesse V. Excia.
que os rapazes de hoje não valem este respeitável ancião, futuro genro do incomparável
Tobias.
— Valem nada, coronel! Em matéria de noivos só o século passado os fornece capazes e
bons. Casamentos de hoje! Abrenúncio! Uns peraltas todos pregadinhos e esticados, sem
gravidade, sem dignidade, sem honestidade!
A conversa assentou toda neste assunto. O século dezenove sofreu ali um vasto
processo; e (talvez preconceito de velho) falavam tão bem naquele assunto, com tanta
discrição e acerto, que eu acabei por admirá-los.
No meio de tudo, estava ansioso por conhecer a minha noiva. Era a última curiosidade; e
se ela fosse, como eu imaginava, uma beleza, e além do mais riquíssima, que poderia
exigir da sorte?
Aventurei uma pergunta nesse sentido a uma senhora que se achava ao pé de mim e em
frente à condessa. Disse-me ela que a noiva estava no toucador, e não tardava muito que
eu a visse. Acrescentou que era linda como o sol.
Entretanto decorrera uma hora, e nem a noiva, nem o pai, o incomparável Tobias,