Naturalmente a leitora notou a impressão de tristeza do estudante, no meio da alegria que
lhe trouxe o tio Bento. Não é provável que um herdeiro, na ocasião em que se lhe anuncia
a herança, tenha outros sentimentos que não sejam de regozijo; daí uma conclusão da
leitora — uma suspeita ao menos — suspeita ou conclusão que a leitora terá formulado
nestes termos:
— O Máximo padece do fígado.
Engano! O Máximo não padece do fígado; goza até uma saúde de ferro. A causa secreta
da tristeza súbita do Máximo, por mais inverossímil que pareça, é esta: — O rapaz amava
uma galante moça de dezoito anos, moradora na Rua dos Arcos, e amava sem ventura.
Desde dois meses fora apresentado em casa do sr. Alcântara, à Rua dos Arcos. Era o pai
de Eulália, que é a moça em questão. O sr. Alcântara não era rico, exercia um emprego
mediano no Tesouro, e vivia com certa economia e discrição; era ainda casado e tinha só
duas filhas, a Eulália, e outra, que não passava de sete anos. Era um bom homem, muito
inteligente, que se afeiçoou desde logo ao Máximo, e que, se o consultassem, não diria
outra coisa senão que o aceitava para genro.
Tal não era a opinião de Eulália. Gostava de conversar com ele — não muito —, ouvia-lhe
as graças, porque ele era gracioso, tinha repentes felizes; mas só isso. No dia em que o
nosso Máximo se atreveu a interrogar os olhos de Eulália, esta não lhe respondeu coisa
nenhuma, antes supôs que fora engano seu. Da segunda vez não havia dúvida; era
positivo que o rapaz gostava dela e a interrogava. Eulália não pode ter-se que não
comentasse o gesto do rapaz, no dia seguinte, com umas primas.
— Ora vejam!
— Mas que tem? aventurou uma das primas.
— Que tem? Não gosto dele; parece que é razão bastante. Realmente, há pessoas a
quem não se pode dar um pouco de confiança. Só porque conversou um pouco comigo já
pensa que é motivo para cair de namoro. Ora não vê!
Quando no dia seguinte, Máximo chegou à casa do sr. Alcântara, foi recebido com frieza;
entendeu que não era correspondido, mas nem por isso desanimou. Sua opinião é que as
mulheres não eram mais duras do que as pedras, e entretanto a persistência da água
vencia as pedras. Além deste ponto de doutrina, havia uma razão mais forte: ele amava
deveras. Cada dia vinha fortalecer a paixão do moço, a ponto de lhe parecer inadmissível
outra coisa que não fosse o casamento, e próximo; não sabia como seria próximo o
casamento de um estudante sem dinheiro com uma dama, que o desdenhava; mas o
desejo ocupa-se tão pouco das coisas impossíveis!
Eulália, honra lhe seja, tratou de desenganar as esperanças do estudante, por todos os
modos, com o gesto e com a palavra; falava-lhe pouco, e às vezes mal. Não olhava para
ele, ou olhava de relance, sem demora nem expressão. Não aplaudia, como outrora, os
versos que ele ia ler em casa do pai, menos ainda lhe pedia que recitasse outros, como
as primas; estas sempre se lembravam de um Devaneio, um Suspiro ao luar, Teus olhos,
Ela, Minha vida por um olhar, e outros pecados de igual peso, que o leitor pode comprar
hoje por seiscentos réis, em brochura, na rua de S. José nº...., ou por trezentos réis, sem
o frontispício. Eulália ouvia todas as belas estrofes compostas especialmente para ela,
como se fossem uma página de S. Tomás de Aquino.
— Vou arriscar uma carta, disse um dia o rapaz, ao fechar a porta do quarto, da rua da
Misericórdia.
Efetivamente entregou-lhe uma carta alguns dias depois, à saída, quando ela já não podia
recusá-la. Saiu precipitadamente; Eulália ficou com o papel na mão, mas devolveu-lho no
dia seguinte.
Apesar desta recusa e de todas as outras, Máximo conservava a esperança de triunfar
enfim da resistência de Eulália, e não a conservava senão porque a paixão era verdadeira
e forte, nutrida de si mesma, e irritada por um sentimento de amor próprio ofendido. O
orgulho do rapaz sentia-se humilhado, e, para perdoar, exigia a completa obediência.
Imagine-se, portanto, o que seriam as noites dele, no quartinho da rua da Misericórdia,