olhos.
A princípio, evitaram falar da moça; mas o coração trouxe naturalmente aquele assunto
de conversa.
Cosme era incansável nos louvores que tecia à finada esposa, cuja perda, dizia ele, não
era só irreparável, havia de ser-lhe mortal. Oliveira procurava dar-lhe algumas
consolações.
- Oh! exclamou o infeliz Cosme, para mim não há consolações. Isto agora já não é viver, é
vegetar, é arrastar o corpo e a alma sobre a terra, até o dia em que Deus se compadeça
de ambos. A dor que eu sinto cá dentro é um germe da morte; sinto que não posso durar
muito tempo. Tanto melhor, meu caro Oliveira, mais depressa irei ter com ela.
Estou muito longe de lhe censurar esse sentimento, observou Oliveira procurando
disfarçar a comoção. Não conheci eu durante três anos o que valia aquela alma?
- Nunca a houve mais angélica!
Cosme proferiu estas palavras levantando as mãos para o teto, com uma expressão
mesclada de admiração e saudade, que abalaria as próprias cadeiras se tivessem
ouvidos. Oliveira concordou plenamente com o juízo do amigo.
- Era efetivamente um anjo, disse ele. Nenhuma mulher teve ainda tantas qualidades
juntas.
- Oh! meu bom amigo! Se soubesse que satisfação me está dando! Neste mundo de
interesses e vaidades, ainda há um coração puro, que sabe apreciar os dotes do céu.
Carlota era isso mesmo que o senhor está dizendo. Era ainda muito mais. A alma dela
ninguém a conheceu nunca como eu. Que bondade! que ternura! que graça infantil! Além
destes dons, que severidade! que singeleza! E, enfim, se passarmos, melhor direi, se
descermos a outra ordem de virtudes, que amor da ordem! que amor do trabalho! que
economia!
O infeliz viúvo levou as mãos aos olhos e ficou algum tempo acabrunhado ao peso de tão
doces e amargas recordações. Oliveira também estava comovido. O que ainda mais o
entristecia foi reparar que estava sentado na mesma cadeira em que Carlota costumava
passar as noites, a conversar com ele e o marido. Cosme levantou enfim a cabeça.
- Perdoe-me, disse ele, estas fraquezas. São naturais. Eu seria um monstro se não
chorasse aquele anjo.
Chorar, naquela ocasião, era uma figura poética. O infeliz Cosme tinha os olhos secos.
- Nem já lágrimas tenho, continuou ele traduzindo em prosa o que acabava de dizer. As
lágrimas ao menos são um desabafo; mas este sentir interior, esta tempestade que não
rompe, mas que se concentra no coração, isto é pior que tudo.
- Tem razão, disse Oliveira, deve ser assim, e é natural que seja. Não me tenha
entretanto por um consolador banal; é necessário, não digo esquecê-la, que seria
impossível, mas voltar-se para a vida, que é uma necessidade.
Cosme esteve algum tempo calado.
- Já tenho dito isso mesmo, respondeu ele, e sinto que assim acontecerá mais cedo ou
mais tarde. Vida é que nunca hei de ter; daqui até a morte é apenas um vegetar. Mas,
enfim, isso mesmo é preciso...
Oliveira continuou a dizer-lhe algumas palavras de consolação, que o infeliz Cosme ouvia
distraído, com os olhos ora no teto, ora nos papéis que tinha diante de si. Oliveira,
entretanto, precisava também de quem o consolasse, e não pôde falar muito tempo sem
comover-se a si próprio. Seguiu-se um curto silêncio, que o infeliz Cosme foi o primeiro a
romper.
- Sou rico, disse ele, ou antes, corre que o sou. Mas de que me servem os bens? A
riqueza não me substitui o tesouro que perdi. Mais ainda; essa riqueza ainda aumenta a
minha saudade, porque parte dela foi Carlota que ma trouxe. Bem sabe que eu a
receberia com um vestido de chita...
- Ora! disse Oliveira levantando os ombros.
- Bem sei que me faz justiça; mas há invejosos ou caluniadores para quem estes
sentimentos são apenas máscaras de interesse. Lastimo essas almas. Esses corações