LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
CORRESPONDÊNCIA, de Emílio de Menezes
Obra de referência:
Obra Reunida, de Emílio de Menezes,
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.
CORRESPONDÊNCIA
FRAGMENTO DE CARTA
"Tão atropeladamente os dias têm passado para mim sobre a nossa ausência que dia a
dia transfiro aquele em que te deva dizer do meu afeto e da minha saudade. As múltiplas
preocupações morais, se tem vindo ajuntar todos os excessos de uma vida que ressurge
da apatia, e que se quer expandir e florir, como uma velha planta que, conseguindo furtar-
se à prisão de uma estufa ao encontrar o ar livre e o sol livre, bracejasse ao vento, para a
luz. De há muito que esta carta te devia ser escrita. De há muito que precisava mandar
para o escrínio do teu espírito e do teu coração os versos que ora te mando e que são os
últimos rebentos da velha árvore enclausurada na estufa do desânimo. Que os leias, e
que sobre eles me venham as tuas impressões é tudo quanto de melhor me pode
lisonjear em crítica, pois que da crítica feita aqui, com todo o aparto imbecil dos noti-
ciários, por tão lisonjeira a mim, só consigo extrair enjôo e tédio. Mais do que as
afirmações, que nesta metrópole da ignorância e da deslealdade se me fazem ao estro
lisonjeia-me esse movimento da saudosa afetividade que vocês de aí estão fazendo em
redor do meu nome. O vinho da vaidade nunca foi para mim, tu bem o sabes, o mais
delicioso. Ao cíato lavorado, em que o elogio da imprensa daqui e dá a beber daquele
vinho espumante eu prefiro os enóforos cheios do mosto afetuoso com que o meu velho
Paraná de vez em quando me saúda.
Dois motivos principais me tolhiam a pena quando o meu espírito ia repousar na
lembrança do teu carinhoso espírito e eu sentia a necessidade de, escrevendo-te,
continuar a distância a nossa tão profunda e tão profícua convivência intelectual. Nem era
esta formidável aversão ao gênero epistolar, criado única e exclusivamente para a
banalidade dos pêsames e das felicitações, dos pedidos e das apresentações. Outro era
o receio de te muito absorver o tempo, porque ao te escrever seria obrigado a recapitular
no papel tudo o que eu poderia dizer dia a dia, se ao meu lado estivesse durante todo o
tempo que estás longe. Circunstâncias múltiplas, a que não me posso furtar, me levam a
romper hoje essa aversão e com esse receio. Melhor compreenderás a expansão com o
que te escrevo se soubesses que aqui ao meu lado, e passeando à proporção que as
traço, o olhar sobre estas linhas que te vão dirigidas, está aquela criatura em cujas as
cartas a mim tanto conheces e através das quais ambos nós adivinhamos a extraordinária
prosadora que hoje é, conforme já deves ter visto, pelo que da sua pena tem sabido, para
as revistas e jornais daqui.
É pois ao influxo do seu olhar que estas te são escritas e mais te devem ser, portanto
agradáveis, pois sabes que ela tem por ti o mesmo carinho e a mesma admiração que a ti
me une.
E porque falo disto, bem podes ver que só com grande sinceridade escrevo que;
portanto, só a ti posso escrever.
A quem mais; meu grande irmão, poderia eu dizer de coisas, que de tão íntimas, não
poderiam sair fora de mim?
CARTA