Esse espaço da reflexão é pouco exercido até mesmo por
quem o preconiza. Figueiredo (1997), em sua pesquisa, apontou
inúmeras desculpas dos profissionais para não abrirem esse espaço,
mas o psicanalista não pode se omitir quanto a isto. A abertura ao
novo, à reflexão, a escuta discreta e atenta que faz calar e falar o
analista faz parte do seu trabalho. O lugar do analista é o lugar de
fazer viver o desejo do outro, de fazer com que o outro possa desejar,
de fazer com que o sujeito assuma seu sintoma como uma questão
28
sua, como um mal-estar seu que deve ser falado, escutado, pensado
e elaborado. E questionar a instituição em sua alma burocrática
também faz parte do analítico? Acredito que sim e talvez seja, no
caso daquele psicanalista que está na instituição, o seu trabalho
mais penoso, mais desgastante e cansativo. Questionar uma
instituição que procede arraigada a um paradigma biologizante
29
requer serenidade, muito estudo, investimento na própria análise e
supervisões, e uma escuta atenta. Na maioria dos casos, o
questionamento deve estar presente nos atos do analista ou no seu
silêncio. Buscar o confronto não produz efeitos analíticos, apenas
encena os dilemas e contradições entre a psiquiatria e a psicanálise
30
.
Sobre o problema atual da vertente biologizante da psiquiatria,
Violante salienta que “o sujeito não se reduz ao seu organismo e ao
seu bem-estar orgânico”
31
. Vê nesse processo algumas divergências
“entre a psicanálise e a ideologia que subjaz à prática psiquiátrica
levada a cabo pela psiquiatria dominante, no que diz respeito: à
compreensão do que é ‘mental’; [...] à prevalência do fator
neurológico; ao encaminhamento terapêutico”
32
.
Considero que, ao exercer minha função de analista,
exercitando minha escuta com sujeitos psicóticos institucionalizados,
pude acompanhar uma pequena transformação em suas falas. Se
estas falas se configuraram em um discurso sobre si, ainda não
28
TENÓRIO, Fernando. Desmedicalizar e subjetivar: a especificidade da clínica da
recepção. A Clínica da Recepção nos dispositivos de Saúde Mental. Cadernos IPUB.
vol. VI, Nº 17. Rio de Janeiro, IPUB/UFRJ, 2000, pp, 79-91.
29
ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a Psicanálise?. Rio de Janeiro, Zahar, 2000.
30
VIOLANTE, M ª. Lucia V (org.). O (im)possível diálogo psicanálise e psiquiatria.
São Paulo, Via Lettera, 2002.
31
VIOLANTE, M ª. L. V. Psicanálise e psiquiatria: campos convergentes ou divergentes?
In: VIOLANTE, Mª. Lucia. V. (Org.). op. cit., p. 40.
32
Ibid., p. 42.
Psicanálise na Instituição Psiquiátrica
41
profissionais psi, e sim ‘artistas, homens de cultura, poetas, pintores,
homens de cinema, jornalistas, inventores de vida...’”
22
. Concordo
com ele na proposição, mas acredito que há espaço em um
“laboratório de produção de vida” para a psicanálise.
Quanto às confusões que podem impregnar o cotidiano do
psicanalista no trato com os outros profissionais e, por que não,
com os pacientes, Leite Netto
23
salienta que se deve ter clara a
distância epistemológica que existe entre psiquiatria e psicanálise
e, mais ainda, que tipo de resposta um profissional que nos dirige
determinada demanda espera. Ele assim se expressa
“(...) o psicanalista é aceito, convidado a se manifestar, mas se espera dele
uma contribuição dentro de um referencial eminentemente médico...”
.24
Leite Netto ainda acrescenta que “há espaço e necessidade,
numa instituição desse tipo, para os que têm conhecimentos e
experiência em psicanálise”
25
. Acredito que esse espaço deve ser
ocupado sem desvirtuar a proposta psicanalítica, ou seja: o analista
deve estar atento e investir na transformação e na crítica constante,
favorecendo ao sujeito psicótico exercer sua fala e à instituição criar
uma espaço de transformação para a qualidade de vida e bem-estar
do sujeito que ali se encontra internado
26
, ou fazendo uso dos serviços
por ela oferecidos. Nesta direção Tacchinardi comenta:
“O lugar de analista só me é dado a ocupar a partir do momento em que
posso me afastar do cotidiano totalizador e abrir um espaço para a reflexão”
.27
22
ROTELLI apud TENÓRIO, Fernando. Da reforma psiquiátrica à clínica do sujeito.
Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de Janeiro, Rios
Ambiciosos, 2001, p. 122.
23
LEITE NETTO, Oswaldo Ferreira. Um psicanalista na instituição (nem herói, nem
“picareta”...). Jornal de Psicanálise. São Paulo. 30 (55/56): 205-212, jun. 1997.
24
Ibid., p. 209.
25
Ibid. p. 210.
26
Apesar das recentes conquistas, no âmbito legislativo, a luta antimanicomial ainda
não alcançou seus verdadeiros objetivos. Os hospitais psiquiátricos brasileiros ainda
se mantêm com característica asilar. Pode-se pensar nas exceções, como no caso
de Santos, cidade que eliminou todos os seus hospitais psiquiátricos de
enclausuramento, mas no interior e em cidades mais pobres do Brasil, a situação
se mantém. Algumas modificações são realizadas e se perpetua o tratamento
eminentemente medicamentoso e de contenção.
27
TACCHINARDI, Silvia R. Psicanálise e instituição psiquiátrica: o analista dentro do
Juqueri?. São Paulo, Percurso, nº. 1. 2 sem. 1988.
Adriana Cajado Costa
40