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Mobilidade Urbana
em São Luis
São Luis/MA
EDUFMA
2009
Organizadores
José O. Alcântara Júnior
Jeferson Francisco Selbach
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Basta de tanto acidente
Não seja imprudente
Subir ao pódio assim não dá, meu Brasil
Seja mais consciente
A vida é um presente
Chegou a hora de mudar
Sai desse pega, muleque
Pisa no breque
Tem alguém a te esperar
Veja a harmonia do sol e da lua
Um exemplo a se espelhar
Pare, pense
Olha a sinalização
Proteja quem te ama
Siga em paz na direção
Não corra, não mate, não morra,
pegue carona com a Mocidade
Educação no Trânsito (2004)
ALCANTARA JR, José O.; SELBACH, Jeferson Francisco
(orgs). Mobilidade Urbana em São Luis. São Luis/
MA: EDUFMA, 2009, 116p. il.
ISBN 978-85-7862-057-8
CDD 300 - Ciências Sociais
Capa: Terminal para conexão de ônibus em São Luis
De acordo com a Lei n.10.994, de 14/12/2004,
foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional
Este livro foi autorizado para domínio público e está disponível para
download nos portais do MEC [www.dominiopublico.gov.br] e do
Google Pesquisa de Livro
FICHA DE CATALOGAÇÃO
Projeto gráfico: Jeferson Francisco Selbach
Edição desenvolvida através do projeto e-ufma
Visite www.eufma.ufma.br e saiba mais
das nossas propostas de inclusão digital
Impresso na versão eletrônica - e-book
Os artigos deste livro foram apresentados
na Mesa-Redonda Mobilidade Urbana em São Luis,
dentro da V Jornada Maranhense de Sociologia,
ocorrida em 17 de novembro de 2008,
com exceção do convidado especial, Stephan Tomerius
Universidade Federal do Maranhão
Administração Natalino Salgado Filho
Diretor da Imprensa Universitária: Ezequiel Antonio Silva Filho
SUMÁRIO
SUSTENTABILIDADE URBANA
FÓRMULA MÁGICA OU MAIS UMA MODA?
Stephan Tomerius
MOBILIDADE URBANA
NOS CÓDIGOS DE POSTURA
DE SÃO LUIS/MA
Jeferson Francisco Selbach
NA TRILHA DA MODERNIZAÇÃO: UMA ANÁLISE DA
MOBILIDADE DOS BONDES ELÉTRICOS EM SÃO
LUIS DO MARANHÃO
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
OS DESAFIOS PARA O USO DO AUTOMÓVEL NO
ESPAÇO URBANO DE SÃO LUIS
João Ricardo Costa Silva
MICROSOCIOLOGIA DA SOCIABILIDADE NA
MOBILIDADE URBANA
José O. Alcântara Jr.
11
21
49
71
87
SUSTENTABILIDADE URBANA
FÓRMULA MÁGICA,
UMA MODA A MAIS ?
Stephan Tomerius*
Há pouco tempo um treinador de futebol da equipe Bayer
Leverkusen disse em entrevista para a televisão que “o nosso futebol
tem que ser mais sustentável, a sustentabilidade é nosso maior
princípio em nosso clube!. Em outra ocasião, um importante gerente
do Deutsche Bank – ainda um pouco conturbado por causa da crise
financial mundial – explicava: “No futuro o sistema e a reparação
dos mercados financiais do mundo definitivo tem de ser sustentáveis”.
Não temos certeza exata da razão pela qual o treinador e o
gerente incluíram em suas declarações a questão da sustentabilidade,
explicitando ao lado da dimensão econômica uma dimensão ecológica
e social. Atualmente, é um problema para o conceito da
sustentabilidade o uso do termo em amplo sentido, com vários
objetivos e em praticamente todas as áreas. É difícil evitar que um
termo da moda seja usado por todo mundo. Também os políticos
estão desenvolvendo mais e mais afinidades pelo conceito. Por que?
* Professor Dr. jur. Universidade de Ciências Aplicadas de Trier (Fachhochschule
Trier), Campus Ambiental (Birkenfeld Umwelt-Campus Birkenfeld - UCB), Depar-
tamento Economia ambiental/Direito ambiental (Fachbereich Umweltwirtschaft/
Umweltrecht), Centro de de Proteção do Solo e de Gerenciamento de Áreas (Zentrum
für Bodenschutz und Flächenhaushaltspolitik).
Nas possíveis respostas dadas pelos cidadãos, provavelmente
predominariam assuntos classificáveis e resumidos na expressão
“qualidade da vida”. Para organizar e garantir uma boa qualidade de
vida urbana, a cidade deve cobrir tarefas diversas, nas áreas da
economia, da ecologia e dos interesses sociais, muitas vezes com
entrecruzamentos e interdependências entre eles.
Podemos exemplificar com os grandes temas de saúde pública,
como o ar limpo e a água limpa no centro da cidade e nos bairros
residenciais. Alem disso, os temas relativos aos espaços públicos,
como criação e manutenção das áreas públicas para atividades sociais
e culturais e também das áreas verdes, como parques e praças
onde se descansa da agitação e pressa cotidiana da cidade.
Tem-se o desenvolvimento e melhoramento do sistema de
transporte público, seguro e acessível para as classes menos
abastadas e que pode servir de alternativa também para as classes
abastadas, diminuindo o tráfego individual, dependente do
automóvel, problema atual para grande parte das cidades,
especialmente as brasileiras, que assemelham-se a um enfarte
urbano, dia após dia.
Isto um bom exemplo para as interdependências econômicas,
ecológicas e sociais no desafio da sustentabilidade urbana: os
cidadãos no automóvel, abstraídos no congestionamento, motoristas
e pedestres no meio das emissões lesivas, dirigindo apressados para
chegar o quanto antes, às vezes arriscando suas vidas e a vida das
outras pessoas, participantes da selva do tráfego urbano.
É evidente a necessidade do desafio de planejamento
territorial, a respeito da economia urbana, como do tempo e dos
atrasados, dos custos e dos investimentos necessários de regular o
caos urbano devido aos congestionamentos, da ecologia urbana com
as emissões de CO² e dos interesses sociais, como saúde, custos do
transporte público, estresse geral na cidade congestionada.
Caminhando para uma cidade sustentável:
situação inicial e pontos de pressão
A situação inicial para uma cidade que busca enveredar pelo
desenvolvimento urbano sustentável é complicada. É bem conhecida
e geralmente não difere de região para região, seja na Europa ou
Sustentabilidade urbana
13
Por que “sustentabilidade” soa moderno, como “fórmula mágica”
para identificar e resolver os problemas complexos da sociedade,
integrando os interesses dos cidadãos. Por outro lado, o conceito
infelizmente fica bastante indistinto e muitas vezes praticamente
não explica nada.
O conceito de sustentabilidade foi, originariamente, tratado
como princípio maior para os poderes públicos, o qual equilibraria
interesses ecológicos, econômicos e sociais nas políticas públicas,
considerando os efeitos dos seus programas e suas estratégias para
as gerações futuras. Neste sentido, torna-se problemática a perda
de precisão e orientação do conceito de sustentabilidade para a prática
pública. Isto é relevante especialmente para a prática urbana, para
o nível em que a grande maioridade das decisões públicas tem
conseqüências práticas na qualidade da vida dos cidadãos, no
presente e no futuro.
“Sustentabilidade urbana”: O que diriam os cidadãos?
Vamos aproximar-nos do tema “sustentabilidade urbana” por
outro ótica, na perspectiva da função e da meta das estratégias e
políticas urbanas. Imaginemos uma entrevista com um cidadão
comum. Partimos do princípio que o bem-estar é o foco central do
desenvolvimento e planejamento urbano. Perguntaríamos: Quais
seriam os elementos principais de uma “boa política” na sua cidade?
Sob quais circunstâncias você desejaria que fossem implementadas?
Quais assuntos você acha mais importante para sua vida e para a
vida de sua família na sua cidade?
Além dos desejos gerais – emprego garantido e renda
adequada, melhoria do sistema de serviços em saúde, qualidade da
educação etc. – cujas mudanças dependem sobretudo das esferas
federais e estaduais, ainda assim restariam vários assuntos
importantes para os cidadãos poderem concretizar a caixa-preta da
sustentabilidade, nos moldes das competências urbanas. Em outras
palavras: os desejos dos cidadãos não são automaticamente idênticos
com os elementos da sustentabilidade urbana, mas podem ser partes
dela (e muitas vezes são), como objetivos importantes, esclarecendo
e concretizando o desafio do conceito da sustentabilidade urbana.
Stephan Tomerius
12
em se criarem projetos urbanos economicamente, ecologicamente
e socialmente bem-sucedidos?
A importância de bons exemplos.
“Sustentabilidade pode se vender”
Para desencadear a dinâmica da sustentabilidade urbana, são
necessários exemplos práticos, mostrando que “sustentabilidade pode
se vender”. Estratégias e projetos com proveitos para atores
econômicos, sociais e ecológicos podem ser bem sucedidos para a
política urbana e seus parceiros privados.
Uma estratégia de re-ocupação de áreas urbanas degradadas
ou abandonadas, pode ter diversos vencedores. Um projeto pensando
na perspectiva da sustentabilidade, não só remediaria o solo
contaminado objetivando diminuir os riscos dos lençóis freáticos,
melhorando assim a saúde pública, mas também poderia estabelecer
projetos com novas oportunidades de empregos, especialmente novas
empresas, que empregariam jovens qualificados, ao mesmo tempo
revitalizaria setores ou bairros socialmente difíceis, melhorando as
circunstâncias nas proximidades na cidade. A prática urbana na
Europa mostra que alguns exemplos realizados nesta perspectiva
podem estimular outras cidades, que repetem tais estratégias na
tentativa de melhorar a qualidade da vida em seus bairros.
Outra área possível de demonstrar que “sustentabilidade
urbana pode se vender” é a do transporte público. As cidades bem-
sucedidas no estabelecimento de melhorarias do sistema do
transporte público podem mostrar as vantagens na qualidade da
vida urbana, como a contribuição na diminuição das emissões, e as
circunstâncias sociais para os cidadãos, através da melhoria da
acessibilidade e da infra-estrutura. Projetos residenciais ou comerciais
deveriam ser planejados ao lado das linhas de transporte público já
existentes para reforçar o rendimento do transporte público e diminuir
emissões e congestionamentos gerados pelo tráfego de automóveis.
Estratégias e instrumentos para a sustentabilidade urbana
nos moldes da “Política Nacional Urbana”
As cidades brasileiros tem instrumentos modernos para dirigir
e qualificar o planejamento urbano no sentido da sustentabilidade
Sustentabilidade urbana
15
mesmo no Brasil. Há muitos atores diferentes com interesses
diferentes, há clientelas políticas e lobbies exercendo influência forte
sobre a política urbana e grupos de cidadãos comuns com influência
bem menor.
Os maiores desafios gerais para as decisões estratégicas e
especialmente para o planejamento urbano são:
- equilibrar o crescimento da cidade e a sustentabilidade
atendendo as conseqüências ecológicas, econômicas e sociais de
média e longa duração;
- desenvolver e fortalecer os fatores de qualidade de
localização das cidades e regiões, entre outras, para atrair e manter
as empresas e os cidadãos.
Evidente que na vida real existem pontos de pressão no
caminho da cidade que se quer sustentável. Há necessidade de
planejamento a longo prazo, mas geralmente existe pressão política
para alcançar êxito a curto prazo. Um exemplo é a construção de
shopping centers fora da área urbana, nas chamadas áreas
agriculturáveis ou verdes, onde inexiste ligação de transporte público,
o que acabará gerando, futuramente, grande fluxo de automóveis,
agravando o congestionamento e piorando as emissões deletérias
na cidade, além de criar grande pressão nos pequenos comércios
localizados na área central. Tais empreendimentos, postos
inicialmente como progressistas, escondem futuras conseqüências
negativas.
Além disso, muitas vezes existe competição entre as cidades
para atrair investidores e habitantes que gerem impostos municipais,
resultando num “egoísmo municipal” da perspectiva
predominantemente econômica. Nesta “corrida municipal”, os
assuntos ambientais e sociais correm o risco de cair para segundo
plano. Neste contexto, a proteção ambiental e as normas sociais e
ecológicas são entendidas como desvantagens na competição entre
as cidades.
Disto resulta a dificuldade em delimitar o conceito de
sustentabilidade para angariar adeptos, algo necessário à cidade
que busca tornar-se sustentável. O que é exatamente
“desenvolvimento urbano sustentável”? O que significa isso na prática
urbana? Há exemplos claros e práticos, mostrando as possibilidades
Stephan Tomerius
14
transporte público, na beleza da natureza fora da cidade – para
atrair os investidores e as empresas.
Nesse sentido, torna-se importante usar o planejamento
territorial estrategicamente para manter e melhorar as características
municipais e regionais e as forças típicas da cidade e da região.
Tem-se como exemplo o turismo, onde o planejamento urbano
sustentável deve considerar a beleza da natureza da região, não só
para o valor dela em si, mas também para as chances da economia
turística. Estratégias de desenvolver um soft tourism (turismo suave
ou eco-turismo), respeitando o valor e as chances da natureza típica
na mesma região, poderiam ser um caminho adequado e bem-
equilibrado.
Finalmente, é significativo constatar que no futuro as cidades,
junto com seus parceiros privados, têm grande responsabilidade
para o sentido da sustentabilidade no desenvolvimento urbano e
regional. As cidades têm grandes chances de tocar o papel do
mantenedor e do modelo adequado para o setor público em geral:
moderno, intermediando entre os atores públicos e privados e sendo
aberto para facilitar e distribuir soluções inovadoras.
Aqui reside a essência que o princípio nebuloso da
sustentabilidade está esclarecendo através dos projetos práticos e
bem-sucedidos aos cidadãos, que tem de ver o sentido de cooperar.
É tempo do setor público, seja na Alemanha ou no Brasil,
recuperar a prerrogativa de explicar e mostrar bons exemplos da
sustentabilidade, mesmo que a equipe “sustentável” Bayer
Leverkusen agora está qualificando no classificatório para o
Champions League e o Deutsche Bank, graças ao gerenciamento
“sustentável”, aparentemente não precise de ajuda federal para
enfrentar a crise financeira.
Sustentabilidade urbana
17
urbana. O Plano Diretor – instrumento maior e obrigatório para as
cidades com mais que 20 mil habitantes – pode desencadear uma
mudança estratégica nesse sentido. O Estatuto da Cidade, aprovado
em 2001, reforçou a importância dos aspectos ambientais no
planejamento urbano. Deixou claro que – entre outras obrigações
legais – todo município deve levar em conta no seu planejamento
urbano as questões ambientais relativas às áreas verdes, poluição,
estudos ambientais em geral (incluindo avaliação de impacto
ambiental - AIA, estudo de impacto de vizinhança) dentre outros
instrumentos.
Na União Européia, a “Avaliação de impacto ambiental” (AIA)
está tocando um papel muito importante para avaliar as
conseqüências do planejamento urbano. Há diversos exemplos onde
esse instrumento funciona como avaliação sustentável, integrando
a avaliação das conseqüências do planejamento urbano nas áreas
da economia municipal e também dos interesses sociais.
Usando os instrumentos no planejamento urbano
estrategicamente para acentuar a política urbana sustentável, as
cidades podem melhorar o planejamento em si e qualificar os projetos
– sejam públicos ou em parcerias público-privadas – integrando
iniciativas e técnicas inovadoras, como sistemas descentralizados e
eficientes dos serviços de água e das energias renováveis nas novas
áreas residenciais ou comerciais. Projetos como esses oferecem
chances promissoras para empresas inovadoras, desenvolvendo
tecnologia de ponta e trazendo benefícios para o clima da cidade,
reduzindo, inclusive, o custo para os moradores da cidade.
As cidades e regiões como mantenedores da sustentabilidade:
responsabilidade, características típicas e chances urbanas
e regionais no futuro
É significativo entender que desse jeito as estratégias dirigidas
da sustentabilidade urbana podem funcionar como motor na
concorrência das cidades para as empresas e para os cidadãos.
Cidades européias que conseguem manter e melhorar suas bases
econômicas e ecológicas vislumbram a importância de fatores “soft
e esforçam-se nas políticas urbanas – na qualidade da vida dentro
da cidade, como uma “cidade verde” com parques, na oferta da
cultura e das possibilidades para esporte urbano, no sistema do
Stephan Tomerius
16
MOBILIDADE URBANA
NOS CÓDIGOS DE POSTURA
DE SÃO LUIS/MA
Jeferson Francisco Selbach*
Tramita no Congresso Nacional, desde agosto de 2007, o
Projeto de Lei 1.687 (PL 1687/2007), instituindo as diretrizes
nacionais da política de mobilidade urbana. O referido projeto tem
por finalidade regulamentar a interação entre o deslocamento das
pessoas e bens com a zona urbana (art. 1º), contribuindo, neste
sentido, para o acesso universal à cidade (art. 2º), de forma
equilibrada, visando os seguintes princípios (art. 5º): acessibilidade
universal (I); desenvolvimento sustentável das cidades (II); eqüidade
no acesso ao transporte público coletivo (III); eficiência, eficácia e
efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano (IV);
transparência e participação social no planejamento, controle e
avaliação da política de mobilidade urbana (V); segurança nos
deslocamentos das pessoas (VI); justa distribuição dos benefícios e
ônus decorrentes do uso dos diferentes meios e serviços (VII); e
eqüidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros
(VIII).
* Sociólogo, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Doutor em História. Professor
Adjunto I da Universidade Federal do Maranhão. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas das Formas Sociais – GEPFS. Linha de Pesquisa CNPq: Espaço e cotidiano
urbano. E-mail: [email protected]
pouca acessibilidade dada a configuração do espaço interno, como
degraus, roleta, janelas, poltronas; a vida útil ultrapassada dos
veículos e a falta de manutenção; a hostilidade de motoristas,
cobradores e fiscais.
Os conflitos no trânsito decorrem dessa disputa que opõe o
automóvel – representante do transporte de maior impacto negativo
sobre o espaço urbano – e as outras formas de deslocamento, sejam
as tradicionais, como ônibus e metrô, sejam as alternativas, como a
bicicleta ou o pedestrianismo, além dos existentes entre os próprios
condutores. Alcântara Jr. (2007) observou esses conflitos através
das manifestações predominantes no trânsito de São Luis/MA: verbais
(xingamentos, reclamações e bate-bocas), gestuais, visuais (flertes
e sorrisos), feitas através dos recursos que o carro oferece (luz alta
e buzina), além de infrações.
A zona metropolitana de São Luis do Maranhão é peculiar
neste sentido, pois sofreu o impacto da urbanização tardia mas
acelerada. O fato de ser entrecortado pelos rios Anil e Bacanga
contribuiu para a manutenção das características e feições originais
do núcleo urbano inicial, atualmente denominado Centro Histórico.
O acervo arquitetônico – cerca de 3,5 mil construções que ocupam
área aproximada de 250 hectares – foi tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1955 (Silva, 2006)
Até a construção da barragem do Bacanga e da primeira ponte
sobre o rio Anil, no final dos anos 60 e início dos 70, a expansão fez-
se quase exclusivamente no sentido leste-oeste, para as áreas como
Camboa-Liberdade, Monte Castelo, Fátima, João Paulo e Alemanha,
e de maneira ainda agregada, pela proximidade com o Centro, visto
que o número de automóveis circulando ainda era relativamente
baixo para uma população urbana estimada em 205 mil habitantes
(IBGE, 1970). A dinâmica de ocupação urbana de caráter espraiado,
de baixa densidade populacional e expansão suburbana ou periférica,
foi potencializada com a construção da primeira ponte sobre o rio
Anil, o que permitiu o desenvolvimento da zona litorânea oeste-
noroeste, nas áreas denominadas São Francisco, Ponta da Areia,
Renascença, Calhau, Olho d’Água e, posteriormente, Araçagy. Paralelo
à zona litorânea, na parte interior, foram ocupadas as áreas do
Cohama e Turu. Além disso, a zona urbana continuou expandindo
no sentido leste-oeste, para o Anil, Cohatrac, Coroadinho, Bequimão
e Angelim. No lado oposto da barragem do Bacanga, sentido sul do
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
23
A legislação tardia do tema, em âmbito nacional, reflete parte
do descaso legislativo brasileiro com questões que envolvam
propriamente a mobilidade urbana, a relação entre veículos
motorizados e não-motorizados, o transporte de cargas e passageiros
coletivos e individuais, as vias e logradouros públicos, os
estacionamentos, terminais e conexões, a sinalização, equipamentos
e instalações, os instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação
de taxas e tarifas e a difusão de informações, temas ainda na pauta
de discussão através da PL 1687/2007 (art. 3º, § 1º, 2º e 3º).
Historicamente, os Poderes Públicos postergaram o debate
porque priorizam o transporte particular individual da minoria em
detrimento ao transporte coletivo da maioria, algo que pode ser
constatado nos investimentos vultosos de obras viárias que atendem
o automóvel acima de outras formas de circulação, como ônibus,
bondes, bicicletas ou mesmo o andar a pé. Ao invés de calçadas,
ciclovias, trilhos ou corredores exclusivos, as cidades brasileiras, de
maneira geral, asfaltaram ruas, rasgaram largas avenidas,
construíram viadutos. Uso inadequado do solo urbano coletivo que
potencializa enormemente os conflitos no trânsito, fazendo com que
o pêndulo da balança sempre aponte para aqueles que detêm veículos
próprios, a minoria que ocupa a maior parte do espaço público de
circulação (Vasconcellos, 1996, 1999).
A própria configuração da maioria das cidades brasileiras é
reflexo da centralidade do automóvel como modo de deslocamento
principal. Brinco (2005) explica que a dependência resultante do
uso do automóvel conduz a uma dinâmica de ocupação urbana de
caráter espraiado, de baixa densidade populacional, exigindo a
expansão suburbana ou periférica. O resultado desse tipo de ocupação
espraiada é a hostilidade com relação aos que dependem de
transporte público, comprometendo, inclusive, sua mobilidade, devido
à ineficiência dos serviços, normalmente dados como concessão.
O desprezo com relação ao transporte coletivo pode ser visto
em Caiafa (2003), que descreve aspectos do cotidiano das viagens
de ônibus urbanos, na cidade do Rio de Janeiro. Questões que
envolvem a necessidade do motorista desrespeitar o tempo mínimo
do itinerário para poder descansar no ponto de parada; a quase
imposição de carregar expressivo número de passageiros; a baixa
solidariedade por conta da generalização da violência, como o medo
dos assaltos ou badernas; as brigas decorrentes da falta de troco; a
Jeferson Francisco Selbach
22
Tabela 1 – População de São Luis, urbana, rural e total, de 1970 a 2000.
Fonte: IBGE, 2008
Partindo deste contexto, propomos aqui discutir a legislação
relativa a mobilidade urbana nos Códigos de Postura de São Luis,
entendidos como conjuntos das leis, decretos e normas urbanísticas
que regulam a produção do espaço citadino, aquilo que forma a
chamada “legalidade urbana”, que tem como função primordial
delimitar as fronteiras do poder (Rolnik, 1999). Fruto da vontade
pública, estabelecem limites na convivência diária entre moradores
da mesma localidade. Nas palavras de Pesavento (2004), “uma forma
objetiva de normatização da vida ou do controle social que pressupõe
uma representação da sociedade desejável”, sempre em determinado
momento histórico.
É neste sentido que os Códigos de Postura revelam parte da
realidade de sua época, pois que normatizam permissões e proibições,
práticas que são aceitas ou rejeitadas, a ação social disseminada ou
criminalizada. A cidade desenvolve-se, neste contexto, entre o que
é estabelecido como legal e ilegal, incorrendo na separação dos
grupos sociais. De um lado, aqueles que podem ser considerados
“cidadãos de bem”, visto cumprirem com as obrigações legais
estabelecidas, em sua maior parte, pelo próprio grupo a que
pertencem. De outro lado, uma parte considerável da população,
que produz uma cidade “situada à margem do direito privado e da
ordem urbanística” (Alfonsin, 2005).
O presente trabalho, ainda em fase inicial, pretende assim
enfocar a mobilidade nos cinco Códigos, promulgados em 1842, 1866,
1893, 1936 e 1968. O estudo faz parte da linha de pesquisa Espaço
e cotidiano urbano, cadastrada no CNPq junto ao Grupo de Estudos
e Pesquisas das Formas Sociais da Universidade Federal do Maranhão
(GEPFS/UFMA). Atualmente, está em curso a digitação dos Códigos.
Após esta etapa, objetivamos publicá-los. Para analisar a questão
da mobilidade, realizamos uma leitura inversa, partindo do princípio
que se existe legislação sobre determinada prática é porque
pretendia-se inibi-la, inclusive com multas, portanto era algo que
acontecia comumente.
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
25
Centro, surgiram aglomerações periféricas, como Anjo da Guarda,
Sá Viana e Vila Embratel (Figura 1).
Figura 1 – Mapa atual de parte da zona urbana de São Luis, com destaque para a
zona central e os eixos de expansão urbana:
Fonte: Google Maps Brasil, 2008
A configuração e o desenvolvimento urbanos verificados no
período 1970-2000 é reflexo do êxodo de migrantes oriundos do
interior do Estado, processo tardio com relação a outras capitais,
mas, mesmo assim, acelerado, visto estar concentrado num curto
espaço de duas décadas (80-90). Os indicadores demográficos
apontam crescimento acentuado da população total de São Luis entre
fins dos anos 70 até meados dos 90. Pelo dados, é possível perceber
que ocorreu a inclusão tardia dos moradores da periferia, em sua
maioria oriundos das zonas rurais e cidades do interior maranhense,
na zona urbana da capital. Em 1970, a população urbana correspondia
a 77% do total. Em 1980, o percentual era de 55%. Em 1991, era
de 35%. Em 2000 mudou completamente, superando os 96% de
moradores urbanos (Tabela 1). No período em questão, os limites
urbanos de São Luis provavelmente foram ampliados, por conta das
novas diretrizes constitucionais de 1988, incluindo assim a massa
populacional considerada até então rural.
Jeferson Francisco Selbach
24
Pontual, Carvalho, 2005), cf. pode ser visto nas plantas da zona
urbana de 1642 e 1844 (Figuras 2 e 3):
Figuras 2 e 3 – Plantas da zona urbana de São Luis/MA, dos anos 1642 e 1844
Fonte: Patrimônio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003
Quando o primeiro Código de Posturas foi promulgado, em
1842, a zona urbana comportava algo em torno de 33 mil habitantes
(Silva, 2006). Os poucos 113 artigos postos no Código eram reflexo
dessa concentração populacional que, embora incipiente, já
necessitava regularizar as práticas cotidianas de forma mais
contundente. Os assuntos foram enumerados de forma aleatória,
sem aglutinar as matérias. O Código tratava basicamente das
atividades relacionadas ao comércio, salubridade e espaço público,
como construções, comportamento, trânsito e segurança. As questões
de mobilidade diziam respeito essencialmente ao deslocamento de
pedestres – com várias tentativas de regularizar o que impedisse o
livre trânsito nas calçadas – e veículos puxados por tração animal.
A abertura de novas ruas deveriam ter largura média de oito
braças (equivalente a 17,6 metros), para poder dividir ao centro
com canteiro de árvores, e mínima de quatro braças, quando já
existissem edificações (art. 4). Tal medida impunha-se pela
necessidade de melhorar a circulação diária e porque, com a
ampliação do limites urbanos, ruas de pouca largura poderiam
represar o acesso ao centro comercial. O objetivo de melhorar o
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
27
Até meados do século XX, período onde foram promulgados
quatro dos cinco Códigos, o texto legislativo dizia respeito
praticamente ao núcleo urbano inicial, limitado na confluência dos
rios Anil e Bacanga. O primeiro censo, realizado em 1872, contou
31.604 habitantes na capital São Luis, número que permaneceria
igual até a virada do século e dali aumentaria paulatinamente nas
décadas seguintes, cf. tabela a seguir:
Tabela 2 – Aumento da população total de São Luis, de 1872 a 1940.
1
Oficialmente, a data de fundação da cidade de São Luis é tida como 8 de setembro
de 1612, quando da chegada do francês Daniel de La Touche, Senhor de Ravardière,
trazendo consigo mais de 500 homens, entre eles dois padres capuchinhos, Claude
D’Abbeville e Yves D’Evreux, que descreveriam detalhadamente o curto período
francês no Maranhão. Lacroix (2002) aponta o equívoco de tal interpretação histó-
rica, mostrando tratar-se de vontade das elites locais, em fins do século XIX e
início do XX, em delinear nova identidade influenciada pela belle èpoque européia,
em especial a parisiense. Como pretendiam aproximar-se dos ideais de erudição,
elegância e civilidade franceses, subtrairiam da história regional o mestiço Jerônimo
de Albuquerque, filho de português com índia, criando assim o mito da fundação
francesa. La Ravardière foi alçado novo herói como fundador da cidade que queria
ser chamada de Atenas” brasileira.
FONTE — Anuário estatístico do Brasil 1936. Rio de Janeiro : IBGE, v.2, 1936.
Neste contexto populacional, as questões urbanísticas trazidas
pelos quatro primeiros Códigos dizem respeito a uma capital estadual
relativamente de pequeno porte, quando comparado a outras capitais
estaduais, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Belém
ou Porto Alegre, todas acima de 170 mil habitantes já nos anos 20.
Apesar do mito de fundação pelos franceses,
1
a configuração
urbana de São Luis foi moldada a partir do traçado enxadrezado ou
ortogonal, tipicamente português (Marx, 1991; Santos, 2001;
Jeferson Francisco Selbach
26
No quesito composturas, tratou-se de inibir práticas
consideradas descorteses, como proferir palavras de baixo calão ou
fazer atos obscenos (art. 32). As mulheres encontradas nuas ou de
forma indecente andando pelas ruas e praças da cidade pagariam
multa. O mesmo aplicava-se aos homens encontrados nus da cintura
para baixo (art. 49).
Todos essas exigências legais previam multas e
aprisionamento, de acordo com o caso e a gravidade. Refletiam
explicitamente a vontade da minoria – normalmente de origem branca
e acostumada com hábitos europeus mais refinados – sobre a maioria
– composta basicamente por escravos negros. O objetivo era segurar
a pressão social existente por conta dos costumes ditos incivilizados,
que faziam da rua a extensão do espaço privado.
Esta situação perduraria no segundo Código, publicado como
Lei n.º 775, em 4 de julho em 1866. A população de São Luis
manteve-se em torno de 30 mil habitantes, distribuídos em 72 ruas,
19 vielas, 10 praças, 55 edifícios públicos, 2.764 casas, sendo 450
com mais de um andar (Marques, 2007). O número de artigos que o
Código trazia continuava baixo, pouco mais de 200, mas foram
divididos, pela primeira vez, em partes ou títulos, que abordavam
três grandes temas: regularizações e aformoseamento urbano,
segurança e salubridade. Muitos dos artigos repetiam normas
anteriores.
As questões de trânsito apareciam em vários artigos, de forma
não-seqüencial. Para transitar pelas ruas, os proprietários de carros,
carruagens, carroças ou carretões foram obrigados a realizar
matrícula na Câmara, recebendo uma chapa com número para ser
fixada no veículo (art. 9º). Da mesma forma, os cocheiros de aluguel
necessitavam estar devidamente registrados no órgão policial (art.
110). Foram estabelecidos padrões de construção dos veículos
circulantes. Carros ou carroças que transitassem pelas ruas deveriam
ter o eixo fixo e as rodas móveis e estar com, no mínimo, 3 polegadas
de largura no trilho, e cobertos com chapas de ferro, circundando as
rodas, com pregaria embebidas nas escavas. Quem não atendesse
os padrões, obrigava-se a descarregar as mercadorias fora dos limites
da cidade, especificamente no campo do Ourique ou na praça da
Alegria (art. 37). Por questões de segurança, instituiu-se dar a direita
como preferência, tal como na Inglaterra. Além disso, as carruagens
de luxo deveriam andar a trote moderado ao dobrar as esquinas e
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
29
fluxo dos passantes podia ser visto também em proibições como
embaraçar mais da metade da rua com entulho das construções
(art. 9 e 10), construir alpendres na calçada (art. 11), pôr vasos de
flores nos parapeitos das janelas (art. 12) e arrancar pedras das
calçadas para plantar árvores (art. 16). Todos proprietários deveriam
calçar a testada dos seus imóveis (art. 92) e manter preservadas as
referências de localização das ruas e prédios, condenando os que
alterassem as placas com nomes e números (art.56). Aos
comerciantes era vedado embaraçar a testada dos estabelecimentos,
expondo qualquer tipo de mercadoria para vender em frente a eles
(art. 104). Os vendedores ambulantes estavam proibidos de armar
barracas no meio da rua, impedindo a livre circulação (art. 13). Da
mesma forma aqueles que embarcavam ou desembarcavam toda
espécie de gêneros não poderiam manter seus produtos nas ruas
além do tempo necessário (art. 55)
No aspecto da salubridade, exigia-se dos moradores varrer a
calçada todos os sábados (art. 5), proibia-se lançar à rua água servida
a qualquer hora (art. 6) ou deixar animal morto apodrecer (art. 7) e
jogar lixo nas ruas, praças ou mesmo em terrenos baldios (art. 98).
Os canos das casas não poderiam mais lançar imundices na rua
(art. 8) e os negros não poderiam mais circular carregando peças de
carne na cabeça, devendo usar cestos (art.67). Tais normas
contribuiriam para a plena circulação dos passantes na medida em
que imundices ou o cheiro putrefato fossem eliminados do espaço
público.
Uma das medidas relativas à segurança da circulação diária,
trazidas pelo Código, foi a proibição de correr a cavalo nas ruas,
evitando assim pôr em risco os pedestres, principalmente idosos e
crianças (art. 19). Outra foi exigir que cães, porcos, cavalos ou outros
animais considerados perigosos fossem açamados para não atacar
ninguém (art. 23 e 26). Ainda com relação à segurança, tinha-se o
cuidado de controlar os escravos negros, sempre considerados uma
ameaça à sociedade dita civilizada. Escravos encontrados portando
cassetes seriam presos e castigados publicamente (art. 43). Os
bodegueiros deveriam zelar para que em seus estabelecimentos os
escravos não jogassem ou dançassem (art. 47). Nas ruas, era
terminantemente proibido ajuntamento de mais de trezes escravos
(art. 87), visto que aglomerados deste tipo causavam medo na
população livre.
Jeferson Francisco Selbach
28
pelas ruas ou tomar banho nas fontes públicas e no porto, nu ou
vestido de forma indecente (art. 25, multa e 3 dias de prisão). Para
manter a boa ordem, exigia-se cuidados básicos como conduzir
cadáveres em caixões fechados, de modo a não exalar cheiro (art.
167) e conduzir lixo e estrume cuidando para que o conteúdo não
vazasse pelas ruas, devendo os carreteiros trazer consigo vassouras
e cestos para apanharem o que caísse casualmente dos carros (art.
163).
No final do século XIX, o número de habitantes em São Luis
ainda girava em torno de 33 mil. Contudo, a abolição da escravatura
(1888) e a Proclamação da República (1889) apresentaram mudanças
significativas no contexto brasileiro, consequentemente no local,
exigindo a reformulação do Código de Posturas municipal. O novo
Código, publicado como Lei n.º 8, em 20 de julho de 1893, foi dividido
em cinco títulos, 25 capítulos e 237 artigos. Basicamente trazia os
três grandes temas anteriores – salubridade, segurança e construções
– embora em ordem invertida.
A mudança significativa do Código de 1893 é a terminologia
depreciativa, até então direcionada aos escravos. Se nos dois
primeiros Códigos procurava-se conter a pressão do negro cativo
em ambiente urbano, no terceiro Código, já sob o advento da
República e da abolição, a pressão era para conter o mesmo grupo
social que, embora liberto, não tinha mais denominação definida.
Os capítulos XV e XVII eram especiais neste sentido. Os artigos 118
e 119 impediam a circulação dos alienados. Os embriagados
encontrados vagando pela cidade seriam detidos e os bodegueiros
que vendessem bebidas “espirituosas” aos já embriagados seriam
multados (art. 120). De igual, quem mantivesse em casa animais
perigosos (artigos 121 e 122). Os artigos 139 a 144 proibiam quem
fizesse vozerios nas ruas e praças, praticasse injúrias, obscenidades,
atos contra a moral, tocadas, ajuntamentos, batuques, cartomancias
e curativos por meio de imposturas. Os artigos 145 a 148 previam
multa e prisão aos que praticassem negócios fraudulentos, vagassem
pelas ruas da cidade sem ocupação, pedissem esmolas ou vendessem
rifas. Os artigos 149 a 154 proibiam jogos de parada e azar e exigiam
licença da Intendência para realização de qualquer espetáculo ou
divertimento público. Desta forma, desejava-se controlar as ações
praticadas pela população subalterna, ex-escrava, ainda considerada
ameaçadora e perigosa pela minoria branca.
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
31
trazer lanternas acessas nas noites escuras; as carroças deveriam
andar a passo lento e os animais trazerem chocalhos ao pescoço,
para avisar sua passagem (art. 109).
Em razão dos veículos serem puxados a tração animal, o
Código abordou a questão, procurando regulamentar o convívio em
ambiente urbano. Muitos dos artigos repetiam proibições anteriores,
como correr a cavalo, de modo a não incomodar os passantes (art.
78), montar animais em pêlo (art. 84) e conduzir animais soltos
pelas ruas da cidade (artigos 40, 83 e 85). Mas outros artigos foram
instituídos, como a proibição de andar com os animais desenfreados
e guiar de modo a molestar os passantes (art. 82), desencilhar os
animais dos carros (art. 42), espancar animais de carga, carregá-
los em excesso de peso ou mantê-los magros (art. 41) e amarrar os
animais nas portas e janelas ou apeá-los nas ruas e praças (art.
76).
Da mesma forma que o anterior, o Código de 1866 reforçou a
necessidade do laissez-passer ou deixar passar. Era necessário deixar
o trânsito livre para que as pessoas circulassem sem impedimentos.
Proibia-se alterar nomes de ruas e numeração das casas (art. 27),
haja visto a necessidade de localização exata. As novas ruas, sempre
abertas em direção reta, deveriam ter, no mínimo, oito braças ou
oitenta palmos de casa a casa, reservando uma braça de cada lado
para as testadas (art. 59). Os proprietários estavam obrigados a
construir o passeio e o meio-fio (art. 62), de modo que o pedestre
tivesse por onde transitar e não atrapalhasse os veículos. Em razão
disso também a proibição de manter volumes e objetos nos passeios
e ruas (art. 69), amontoar no passeio, por mais de 3 dias, entulhos
de edificações (art. 72), leilões nas ruas e praças ou trabalhar em
qualquer oficio que não nas oficinas (art. 75), estender roupa nas
janelas, ruas e praças (art. 58), calhas e goteiras despejando nas
calçadas (art. 61), grades nas janelas de pouca altura (art. 74),
colocar no parapeito das janelas objetos que pudessem cair (art.
77), portas e janelas abrindo para a rua (art. 112) e trânsito pelos
passeios de pessoas carregando volumes, exceto quando tivessem
de desviar para não serem atropelados pelos carros (art. 118).
Além dos animais e do próprio livre-trânsito, o Código trouxe
outras regras específicas, como proibir chiado dos carros nas ruas
da cidade (art. 125), a circulação de alienados (art. 120) e transitar
Jeferson Francisco Selbach
30
bondes, espécies de carroças puxadas a tração animal cujas rodas
menores seguiam por trilhos. As primeiras linhas deste tipo de
transporte datam de 1872 (Silva, 2006). Pelo Código, os condutores
desses veículos não poderiam transportar passageiros além do limite
da lotação do carro.
Figura 4 – Carroças para passageiros em São Luís, utilizadas para o transporte de
operários da Cia. Fabril Maranhense, em princípios do século XX. O veículo puxado
por dois animais à esquerda da imagem foi montado à semelhança de um bonde,
com os bancos em platéia.
Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano
O Código de 1893 perduraria por quatro décadas, período em
que a população de São Luis dobraria de tamanho, passando para
70 mil habitantes em 1935. Pelas imagens captadas em cartões-
postais do início do século XX, é possível perceber o relativo
desenvolvimento urbano:
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
33
Da mesma forma que nos anteriores, o Código republicano
reforçou a necessidade de denominar ruas e praças, bem como
numerar os prédios (capítulo XX, artigos 155 a 158), inibiu ações
que viessem a prejudicar a circulação nas ruas, como colocar objetos
em janelas, estender roupas, armar barracas, depositar mercadorias,
sentar nos passeios, ligar o esgoto dos prédios nos passeios, construir
sem cercar a frente da obra, limpar vasilhas, peneirar gêneros, pelar
ou lavar animais, cozinhar, acender fogueiras ou carregar volumes
que impedissem o trânsito (capítulo XXIII, artigos 173 a 201). A
abertura de ruas também continuou seguindo largura mínima, desta
vez maior, com 20 metros e 2 metros de cada lado para o passeio, e
exigência de projeto de engenharia aprovado na Intendência. Os
prédios deveriam obedecer altura mínima e serem construídos em
alvenaria com telhado de barro. Portas e janelas não poderiam abrir
para a rua, nem os entulhos permanecer depositados. Continuaram
proibidas as calhas e goteiras expostas (capítulo XXIV, artigos 202 a
216). As calçadas deveriam ser construídas e conservadas pelos
proprietários dos imóveis, de modo que os passantes não tivessem
de caminhar pelo meio da rua (Capítulo XXV, artigos 217 a 228).
Como os veículos eram de tração animal, o Código de 1893
dedicou um capítulo (IX) para normatizar cocheiras, estribarias e
currais. As cocheiras de carros particulares e de aluguel deveriam
ter espaço necessário para guardar, lavar e estacionar os veículos
(art. 87). Os proprietários de estribarias ou quem possuísse cavalos
ou gado em casa estavam obrigados a remover diariamente o estrume
em carroças convenientes (art. 88). Foram proibidos, no perímetro
urbano (área onde a Intendência cobrava imposto predial), criar
gado ou porcos ou manter currais e chiqueiros (artigos 89 e 90).
Além disso, manteve a organização dos serviços de tráfego urbano
em vários quesitos (capítulo XVI, artigos 123 a 138). Proprietários
de veículos eram obrigados a matriculá-los na Intendência, onde
receberiam uma placa de identificação. Os veículos de passageiros
só poderiam trafegar à noite com iluminação própria e os de carga
não poderiam transitar depois das 18 h 30 min. Continuavam as
proibições de desencilhar os animais das carroças, correr a cavalo,
transitar com carroças desenfreadas, ceder a mão direita ou deixar
solto os animais. Algo de novo foi a instituição do regulamento dos
Jeferson Francisco Selbach
32
Figura 7 – Praça Benedito Leite, 1910. A organização e a infra-estrutura da praça é
característica do início do século, que preocupa-se com questões estéticas, de modo
a concretizar os ventos do modernismo que chegavam da Europa.
Fonte: Patrimônio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003
Figura 8 – Rua da Estrela, próximo ao Mercado Público da Praia Grande, em 1905. As
carroças estacionadas à esquerda mostram a preponderância do uso deste tipo de
veículo no período.
Fonte: Patrimônio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
35
Figura 5 – Praça João Lisboa, antigo Largo do Carmo, em 1904. Os trilhos dos bondes
destacam-se na imagem.
Fonte: Patrimônio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003
Figura 6 – Rua do Sol, vista a partir da Praça João Lisboa, em 1905.
Fonte: Patrimônio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003
Jeferson Francisco Selbach
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Outra grande diferença do Código de 1936 em relação aos
anteriores foi a de ter avançando na questão da mobilidade urbana,
tendo em vista a crescente motorização dos veículos de tração animal,
tanto para os individuais (automóvel) quanto para os coletivos
(ônibus). Esta linha-mestra está presente logo no início, trazendo
que as vias públicas deveriam ser alinhadas e niveladas de modo a
oferecer embelezamento e transporte urbano com conforto e bem-
estar (art. 21). A largura mínima das ruas foi classificada, pela
primeira vez, de acordo com sua importância (art. 22): as de maior
circulação (24 metros), vias dominantes em bairros (18 metros), de
menor circulação (12 metros) e residencial com menos 200 metros
(9 metros). Além disso, a superfície de rolamento não poderia ser
superior a 2/3 da área (§ 1º), sendo que passeios deveriam ter
largura mínima de 1,5 metros (art. 25, § 11º). Para os proprietários
de veículos, foi permitido o rebaixamento do meio-fio de modo a
permitir o acesso à garagem (art. 376). Em termos de nomenclatura
das ruas, a única diferença foi a proibição de nomear ruas, praças,
avenidas e jardins públicos com nomes de pessoas vivas (art. 378).
O Código diferenciou também os tipos de veículos (artigos
300 e 301): passageiros e carga; tração automática (automóveis,
caminhões, ônibus, motocicletas e bondes) e tração animada
(bicicletas, carroças, carroções, carrocinhas e charretes); oficiais
(pertencentes às repartições públicas), particulares (uso exclusivo
do dono) e aluguel (destinados ao serviço de transporte público).
Esta classificação auxiliava na fiscalização pois os veículos
matriculados como particulares não poderiam prestar-se a transporte
público e nem o de passageiros executar transporte de carga
(art.302).
Em termos de descrição, o Código é peculiar com relação aos
veículos de carga e de passageiros. Os veículos destinados ao
transporte de carga com tração animal poderiam ter o máximo de
oito metros de comprimento (art. 311). Os aros deveriam ser lisos e
ter largura correspondente à sua classificação, proporcionada ao
peso máximo que pudessem suportar (art. 312). Para os veículos
dotados de pneus e câmaras de ar, as dimensões eram
responsabilidade dos próprios fabricantes (art. 315, § único).
Independente do tipo de tração – se animal ou motorizado – todos
deveriam trazer em lugar visível a indicação da tara e do peso que
poderiam transportar, sendo vedado carregar mais do que o indicado
(art. 316).
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
37
Figura 9 – Igreja Nossa
Senhora dos Remédios, em
frente a praça Gonçalves
Dias, 1912. Destaca-se na
imagem o calçamento da rua
Rio Branco.
O aumento populacional do período explica em parte o
detalhamento minucioso impresso no novo regramento urbano, feito
através do quarto Código de Posturas, publicado como Decreto n.º
205, em 3 de novembro de 1936, já no período Vargas. É deste ano
a nomeação do interventor federal Paulo Martins de Sousa Ramos,
que procurou imprimir a nova visão para São Luis, onde o conjunto
arquitetônico e urbanístico, até então preservado, passaria a ser
visto como prova de atraso, contrário ao progresso modernista que
se desejava impor no país (Silva, 2006). O Código foi dividido em 27
títulos, alguns com respectivas seções, conforme a necessidade do
assunto. O total de artigos chegou a 508.
Fonte: Patrimônio Mundial no
Brasil. UNESCO & CEF, 2002
apud Gasparini, 2003
Jeferson Francisco Selbach
36
Figura 11 – Interior de bonde em São Luís, anos 40. A imagem mostra o interior de
um dos bondes da SAELTPA - Serviços de Agua, Esgotos, Luz, Tração e Prensagem
de Algodão - empresa criada para operar diferentes serviços. Os bondes eram de
fabricação J.G. Brill, americanos, de tipo fechado.
Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano
Figura 12 – Abrigo de passageiros em São Luís, anos 50. A foto mostra a Praça João
Lisboa, onde vê-se o abrigo, que servia para embarque e desembarque dos
passageiros de bonde.
Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
39
Aos veículos de passageiros, as regras visavam o conforto e a
segurança dos passageiros. A capacidade mínima dos ônibus ficou
estipulada em 2 mil kg, sendo obrigado: carrocerias fechadas; rodas
guarnecidas de pneus com câmara; assento com largura e
afastamento mínimos, acolchoados e com molas; portas de entrada
e saída com pelo menos 60 cm, abertas sempre para o lado direito;
altura interna maior que 1,75 metros; cobrança na saída; assento
do motorista isolado; espelhos retrovisores; dois modos distintos de
acionamento dos freios; janelas envidraçadas ou com cortinas de
proteção para tempo chuvoso, incluindo dispositivo para impedir a
colocação do braço do passageiro para fora do veículo; dispositivos
para sinalizar pedidos de parada; placa indicativa, na frente e no
interior dos ônibus, contendo número, nome do proprietário e
denominação e endereço da empresa, preço das passagens, itinerário
das viagens e lotação, bem como aviso de proibição de fumar nas
quatro primeiras filas de banco; iluminação interna; sanefas
corrediças; além de manter em perfeitas condições de acionamento,
asseio, higiene, conforto e iluminaçã (art. 324).
Figura 10 – Bonde elétrico em São Luís, anos 40. O serviço de transporte de
passageiros por bonde elétrico iniciou em setembro de 1924. A empresa que instalou
o serviço foi a Ulen & Company, americana. A frota compunha-se inicialmente de 2
carros de 12 bancos, 7 carros de 8 bancos e três reboques de 6 bancos. A bitola era
métrica.
Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano
Jeferson Francisco Selbach
38
Paralelamente a introdução dos veículos automotores, surgiu
a necessidade de regularizar as garagens e postos de gasolina e
lubrificação. A partir da promulgação do Código de 1936, os
estabelecimentos destinados a fornecer combustíveis deveriam ser
construídos exclusivamente no andar térreo com material não sujeito
a inflamar (art. 104). Tornou-se obrigatório o uso de depósitos
próprios para o combustível, construído no subterrâneo de metal ou
concreto armado, com utilização de bombas, sendo proibido abastecer
por intermédio de latas, baldes ou garrafas (art. 105). Além disso, a
própria localização do posto de combustível deveria seguir indicações
da Diretoria de Serviços Municipais, que vedava a instalação em
logradouros de grande circulação e limitava em 3 postos o número
máximo por logradouro (art. 111).
Dado o aumento do tráfego, as regras de trânsito tornaram-
se mais rígidas. A maioria das proibições anteriores continuou em
vigor, como descarregar em via pública quaisquer objetos que
embaraçassem o trânsito (art. 330), carregadores e ambulantes
trafegar pelos passeios (art. 331), amarrar animais nos logradouros
públicos, jogar em vias públicas, conduzir animais soltos, conduzir
cavalo ou veículos sobre passeios ou jardins, promover aglomerações
nos logradouros de modo a prejudicar o trafego de pedestres ou de
veículos (art. 323). Das novas proibições, incluíam-se modificar placas
de trânsito (art. 345), trafegar com o escapamento aberto nos
veículos automotores, emitir sinais sonoros a qualquer hora do dia
ou da noite, realizar corridas de automóveis e motocicletas depois
das 22 horas (art. 346) ou colocar estrados para acesso dos veículos
às garagens, fora dos padrões estabelecidos (art. 362). A
municipalidade reservava-se o direito de proibir o trânsito de qualquer
veiculo ou o emprego de qualquer sistema de transporte impróprio
na via publica, podendo impedir o transito de veículos com aros de
aço, em ruas concretas, asfaltadas ou congêneres (art. 342).
O quinto e último Código de Postura de São Luis, promulgado
através da Lei n.º 1.790, de 12 de maio de 1968, foi elaborado para
uma cidade que triplicara de tamanho, de 70 mil para 265 mil
habitantes (IBGE, 1970). Este Código foi estruturado em quatro
títulos, com respectivos capítulos (reiniciando numeração a cada
novo capitulo) e seções, comportando 187 artigos. Sua peculiaridade
é que não aborda de forma aprofundada as questões relativas à
construções ou embelezamento urbanos, em razão de legislações
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
41
Figura 13 – Ônibus Ford em São Luís, anos 40. Foi construído por um fabricante local
sobre um chassis Ford 1942. A carroceria era em madeira, e, por causa de seu
grande comprimento e capacidade, era conhecido como “Gigantão”.
Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano
A exigência de matrícula, presente nos Códigos anteriores,
repetiu-se no de 1936, com previsão de multa e apreensão do veículo
(art. 299). Mas, pelo novo texto, o cadastramento deveria conter,
de acordo com a classificação, o nome do proprietário e do fabricante
do veículo, número do motor, força em HP, carga máxima, fim a que
se destina, tipo de veiculo, número de lugares e capacidade de
passageiros (art. 203). Todos veículos só poderiam trafegar com
suas respectivas placas, sendo vedado transferi-las para outros
veículos, ainda que provisoriamente. Seriam multados os que
falsificassem ou alterassem as placas, bem como quebrassem o selo
(art. 304). Como os veículos motorizados eram novidade no mercado,
as revendedoras solicitavam placas de “experiência” para usar na
avaliação dos carros (art. 205). Nas transferências de titularidade,
exigia-se pagamento de imposto (art. 307) e vistoria (art. 308). As
infrações eram responsabilidade dos proprietários (art. 309), mesmo
que fosse exigida a carteira de motorista para guiar qualquer veículo
automotor (art. 310).
Jeferson Francisco Selbach
40
doentes, feridos, extenuados, aleijados, enfraquecidos ou
extremamente magros, não alimentar ou prover de água, castigar
animais caídos ou empregar equipamentos que gerassem sofrimento
(art. 105).
Para regulamentar os veículos automotores, que passaram a
ocupar boa parte do espaço de circulação, procurou-se coibir a
perturbação do sossego público, com ruídos ou sons excessivos,
tais como motores desprovidos de silenciosos (descargas) ou em
mau estado de funcionamento e buzinas, excetuadas as dos
bombeiros, polícia ou ambulâncias (art. 61). Cuidou-se também de
evitar danos causados por manejo inadequado dos combustíveis,
principalmente a gasolina (art. 124). A instalação de postos de
abastecimento precisavam de licença especial da Prefeitura para
operar (art. 130) e funcionariam de acordo com as regras
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Petróleo (art. 177, item
XVI ).
A partir dos anos 70, mudaria profundamente a configuração
urbana de São Luis e, consequentemente, mudariam também as
questões de mobilidade. Como mostrado anteriormente, a capital
maranhense foi palco de um processo concentrado de migração,
especialmente nos anos 80-90, com a inclusão média de 200 mil
habitantes por década, perfazendo no final do século 870 mil
habitantes. Para comportar essa massa populacional, a cidade cresceu
de forma espraiada, expandindo-se para além do núcleo central,
para as margens opostas dos rios Anil e Bacanga, além da direção
leste-oeste. Somando a isso a preferência do Poder Público por obras
viárias que privilegiaram o transporte individual (automóvel) em
detrimento ao coletivo (ônibus) e a falta de vias secundárias intra-
bairros, o que formou verdadeiras ilhas dentro da ilha de São Luis, o
resultado é um quadro perturbador para o trânsito local, com
engarrafamentos, pequenos acidentes e dificuldades de trafegar, algo
que deveria ser sanado por legislações preventivas, como era o
objetivo dos Códigos de Postura.
Mobilidade urbana nos Códigos de Postura
43
específicas anteriores, como Plano de remodelação, extensão,
embelezamento e saneamento da cidade (1937), Plano rodoviário
da Ilha de São Luis – DER/MA (1950), Plano de expansão da cidade
de São Luis (1958) e Plano Rodoviário do Município (1962).
Continuava a predominar no trânsito a livre-circulação. Sua
regulamentação objetivava manter a ordem, a segurança e o bem-
estar dos transeuntes e da população em geral (art. 86). Em razão
disso, era proibido embaraçar o ir-e-vir de pedestres nos passeios e
veículos nas ruas (art. 87), seja descarregando mercadorias (art.
88), danificando a sinalização (art. 90), conduzindo pelos passeios
volumes de grande porte ou veículos de qualquer espécie, patinando
ou conduzindo animais (art. 92). Exceção eram as obras públicas e
fiscalizações policiais (art. 87). A limpeza das vias públicas não
poderia, da mesma forma, atrapalhar o trânsito. Cabia a Prefeitura
manter limpas ruas e praças (art. 24), mas os moradores eram
responsáveis pela limpeza dos passeios e sarjetas fronteiriços aos
imóveis, algo que deveriam fazê-lo em horário de pouco trânsito
(art. 25). Proibia-se lavar roupas em chafarizes, fontes ou tanques
públicos, consentir escoamento de água servida das residências para
as ruas e conduzir, sem as precauções devidas, quaisquer materiais
que pudessem comprometer o asseio das vias públicas (art. 28).
Em termos de mobilidade, ainda era muito comum o uso do
transporte por força animal, visto na autorização em manter cocheiras
e estábulos na zona urbana do município, dentro de determinadas
exigências: possuir muros divisórios com, no mínimo, 3 metros de
altura; ter distância mínima de 2,5 metros entre a construção e a
divisa do lote; possuir sarjetas de revestimento impermeável para
águas residuais e sarjetas de contorno para as águas das chuvas;
possuir depósito para estrume, à prova de insetos e com capacidade
para receber a produção diuturna, devendo ser removido diariamente
para a zona rural; possuir depósito para forragens, isolado da parte
destinada aos animais e devidamente vedado aos ratos; manter
completa separação entre os compartimentos de empregados e a
parte destinada aos animais; obedecer ao recuo mínimo de 20 metros
do alinhamento do logradouro (artigos 55 e 98). Além disso, o Código
continuou rigoroso no sentido de coibir práticas consideradas abusivas
contra os animais de carga, como maltratá-los ou praticar crueldade,
fazendo-os carregar carga superior às suas forças, utilizar animais
Jeferson Francisco Selbach
42
SANTOS, Paulo F. Formação de Cidades no Brasil Colonial.
Rio de Janeiro: UFRJ, 2001
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Código de Posturas 1866 – Lei n.º 775, de 4 de julho em
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Código de Posturas 1893 – Lei n.º 8, de 20 de julho de 1893
Código de Posturas 1936 – Decreto n.º 205, de 3 de novembro
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Código de Posturas 1968 – Lei n.º 1.790, de 12 de maio de
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Google Maps Brasil, 2008
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da política de mobilidade urbana
Jeferson Francisco Selbach
46
NA TRILHA DA MODERNIZAÇÃO:
UMA ANÁLISE DA MOBILIDADE DOS
BONDES ELÉTRICOS
EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO
Maria das Graças do Nascimento Prazeres*
A cidade sempre foi alvo de investigações na academia nos
mais diversos ramos da ciência. Apesar destes inúmeros olhares, a
mobilidade, enquanto parte constituinte desta cidade, sempre esteve
à margem das discussões. Foi a partir das últimas décadas que a
problemática da mobilidade ganhou destaque nos debates científicos.
E isso, se deve em grande parte ao crescimento exacerbado das
cidades e à elevação da complexidade do espaço urbano, uma vez
que a questão da mobilidade urbana se tornou vital para a própria
sobrevivência desta cidade e daqueles que a usufruem.
No que se refere ao conceito de espaço urbano, o geógrafo
inglês David Harvey, afirma que o mesmo “deve ser entendido no
seu aspecto objetivo, mas como resultado das relações sociais que
* Graduada em História pela UFMA e mestranda do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. Este
artigo baseia-se na monografia de graduação Andando nos trilhos: o serviço dos
bondes elétricos na capital maranhense, defendida no Curso de História da
Universidade Federal do Maranhão em abril de 2007
Partindo dessa análise dos conceitos de cidade e de urbano,
nos propomos a refletir sobre a mobilidade presente nos bondes
elétricos implantados em São Luís em 1924. Nosso objetivo será
analisar a mobilidade, enquanto objeto sociológico e “entendida como
característica das sociedades modernas” (Araújo, 2006, p.1) por
meio da operação deste serviço público. Assim, relacionaremos a
idéia de modernidade
1
sempre tão presente nos discursos das
autoridades políticas da época com as contradições referentes à
operação deste aparelho.
Para tanto, este estudo foi segmentado em alguns pontos. O
primeiro deles é caracterizado por um ligeiro olhar sobre a origem
dos bondes elétricos, ressaltando os primeiros lugares onde eles se
fizeram presentes, bem como seu advento no Brasil com destaque
para algumas cidades do Norte e Nordeste brasileiro. O momento
seguinte se propõe analisar e descrever a mobilidade dos bondes
elétricos na capital maranhense, destacando as deficiências mais
perceptíveis, como a superlotação, as péssimas condições dos carros,
as tarifas elevadas, além de darmos ênfase à interferência deste
serviço na vida social daqueles que transitavam pela cidade. Por
fim, busca-se fazer uma breve análise da retirada dos bondes elétricos
e sua substituição pelos ônibus, enfocando mais uma vez o discurso
progressista e os interesses da elite local
2
que estavam por trás de
tal fato.
1
Sandra Pesavento expõe que a “cidade é a construção da modernidade, ou melhor,
a metrópole é a forma mais específica de realização da vida moderna” (Pesavento,
1999, p. 158). Dessa forma, é que se vê nas cidades brasileiras, a busca incessante
de uma moldura moderna padronizada pelas metrópoles européias, sobretudo
Londres e Paris, na tentativa de trazer para os trópicos a dita “civilização”.
2
Caracterizo aqui como elite um estrato social que se diferenciavam pela civilidade
A população branca do Maranhão é, verdadeiramente, notável, pela elegância de
seus modos e sua educação esmerada. Não só a riqueza da região, o desejo de
imitar os costumes europeus- cujo gosto foi ministrado por inúmeras casas comerciais
francesas e inglesas- mas também, e principalmente, a liberdade, a boa educação,
a polidez e a doçura das maranhenses, contribuíram para tornar aquela cidade um
dos lugares do Brasil onde é mais agradável a permanência. Quase todas educadas,
as jovens maranhenses levam, consigo, o gosto pelo trabalho e pela ordem e hábitos
de reserva e discrição, que frequentemente, falta aos crioulos.. (...).. Quanto aos
jovens são quase todos mandados à bons colégios da França e Inglaterra” (Orbrigny,
1976, pp. 85-86).
Na trilha da modernização
51
refletem a sociedade como todo”. Entende-se, portanto, que o espaço
urbano é o “lócus”, que permite a leitura das relações sociais, leituras
estas que ao serem efetuadas sob a forma de análise social têm que
se levar em consideração a importância das trocas simbólicas
(produção de imagens e discursos), do sentido de tempo e de espaço,
e da alteridade. (Harvey, 1998, p.103)
Arlete Moysés Rodrigues também reforça o debate ao analisar
as definições de cidade e de urbano, apontando que a relação campo-
cidade, rural-urbano na atual dinâmica precisa ser redimensionada
considerando as diferenças sócio-espaciais das regiões brasileiras e
a sociedade informacional do século XXI. Já o urbano, é qualificado
como um modo de vida que se amplia cada vez mais no mundo
globalizado, em suas palavras:
Uma complexidade do processo de urbanização, da extensão do modo de
vida, da diversidade das formas e conteúdos do urbano e das cidades,
complexidade e unicidade, enquanto processo das atividades econômicas,
sociais e políticas do mundo contemporâneo. (RODRIGUES, 2007, p.80)
O sociólogo Manuel Castells ao discorrer sobre a cidade, no
seu aspecto global, também não foge dessa visão do espaço urbano
como provido de relações sociais, já que em sentido pleno como
enfatiza, “a cidade global não é um lugar, mas um processo”. Assim,
o espaço urbano não é necessariamente visto na sua dimensão do
espaço físico, como a Física percebe, mas sim nas relações sociais
que acontecem, caracterizando-o como uma “sociedade em rede”
(Castells, 1999, p. 476).
Além destes, muitos outros se debruçaram sobre a temática
da cidade e do urbano, dentre os quais não podemos deixar de
mencionar Roberto Lobato Corrêa, que analisa o urbano como um
espaço fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um
conjunto de símbolos e campo de lutas. Ao teorizar sobre tal
dinamicidade, Corrêa coloca que “por ser reflexo social e porque a
sociedade tem sua dinâmica, o espaço urbano é mutável, dispondo
de uma mutabilidade que é complexa, com ritmos e natureza
diferenciados” (Corrêa, 2000, p. 8).
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
50
Figura 1: Primeiro bonde elétrico carioca, da Cia. Ferro Carril do Jardim Botânico,
1892.
Fonte: http://www.vivercidades.org.br/publique222/media/bondesCariocas
Após sua popularização nas grandes capitais, o bonde elétrico
se espalhou por outros Estados brasileiros. Vejamos algumas cidades
brasileiras onde foram instalados os bondes elétricos. A segunda
cidade do Brasil a contar com os bondes elétricos de acordo com
Waldemar Stiel foi Salvador (Stiel, 1984, p.382). Esta cidade teve o
privilégio de contar com este serviço a partir de 06 de junho de
1897, quando recebeu a eletrificação do transporte urbano.
Inicialmente Salvador contava com 18 carros com capacidade para
40 passageiros cada veículo (Stiel, 1984, p.385).
Os bondes elétricos chegaram a Belém ainda na primeira
década do século XX, quando o Sr. Antônio José de Lemos
(maranhense radicado no Pará), com sua exímia administração (1897
a 1911) embelezou esta capital, instalou a luz elétrica, calçou as
ruas com granito e pôs finalmente os elétricos para andar pelos
logradouros de Belém em 15 de agosto de 1907. Na viagem inaugural,
Na trilha da modernização
53
Os bondes no mundo e no Brasil
Os bondes proporcionaram mudanças significativas no
cotidiano do homem. A cidade ia se tornando mais dinâmica, mais
rápida, e a concepção de progresso se tornava cada vez mais presente
na vida urbana.
Primeiramente é importante colocar que não se tem um
consenso com relação a origem do termo Bond . Alguns pesquisadores
acreditam ter surgido na Inglaterra e outros asseguram que provém
dos Estados Unidos. Embora, não se chegue a um acordo com relação
ao local de origem, no que diz respeito à explicação, os pesquisadores
encontram-se em consonância ao afirmarem que o termo Bond surgiu
do fato de que não existiam moedas ou cédulas em circulação do
valor da passagem. Em vista disso, emitiram-se pequenos cupons
(bilhetes) no valor da mesma.
3
No Brasil ao chegar alguns anos
mais tarde, o termo passou a designar o próprio veículo, que acabou
por adquirir uma forma aportuguesada – “bonde” – como é conhecido
até os dias atuais.
A origem deste tipo de transporte também ainda é conflituosa.
Uma das hipóteses mais divulgadas afiança que os bondes elétricos
teriam surgido nos Estados Unidos por volta da década de 30 do
século XIX. Na Inglaterra, os primeiros tramways
4
que substituíram
os que eram movidos à tração animal eram impulsionados por uma
máquina a vapor. Já os franceses inventaram o bonde de ar
comprimido, que não obteve muito sucesso.
No que se refere à América Latina, o Brasil foi pioneiro na
utilização de bondes elétricos. No dia 8 de outubro de 1892 na cidade
do Rio de Janeiro, o bonde 104 partia em viagem inaugural, das
imediações do Teatro Lírico, no Largo da Carioca, até a Rua Dois de
Dezembro e tinha entre outros convidados ilustres, o vice-presidente
da República, Marechal Floriano Peixoto (Centro da Memória da
eletricidade no Brasil, 2001, p.77). Tal melhoramento colocava o
Estado brasileiro em pé de igualdade com outras nações no que diz
respeito aos transportes públicos.
3
http://br.geocities.com/bonde103/eti.html
4
Termo utilizado para se referir aos bondes elétricos.
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
52
Na trilha da modernização:
os bondes elétricos em São Luis
A viagem inaugural dos bondes elétricos na capital
maranhense se deu no dia 30 de novembro de 1924. A cidade toda
queria participar do grande evento, até mesmo aqueles que eram
motivados pelo sentimento adverso ao “desenvolvimento” se faziam
presentes. Durante todo o percurso inaugural (da Praça João Lisboa
até o Anil) inúmeros civis acompanhavam o bonde que agora se
movimentava sem os “burricos lazarentos”. Os periódicos de São
Luís estavam cheios de notas sobre o acontecimento e era normal
que se quisesse anunciar aos quatro cantos do Estado que finalmente
se rompia as “amarras imperiais” do atraso e se embarcava no bonde
do progresso republicano. Dizia um jornal da época que o Maranhão
firmava seu progresso com a chegada dos tramways, no qual se lê:
O Maranhão assina seu progresso. [...]
Não há exagero e optimismo em afirmar que os benefícios trazidos pelos
“tramways” electricos são dos mais celebres. Continue ele a funcionar com
regularidade e segurança, e o progresso material de São Luis não mais
sofrerá a estagnação dolorosa que nos abate desde o início da república,
antes virá cada ano – cada mês – a aumentar. (A Pacotilha, 31-12-1924)
Figura 2: Bondes na Rua Oswaldo Cruz (Rua Grande)
Fonte: www.cepimar.org.br/bdmaranhão
Na trilha da modernização
55
como de praxe, os bondes elétricos conduziram passageiros ilustres
do Estado e do Município, além de algumas autoridades eclesiásticas,
e partiu da estação São Jerônimo, passando pelas principais vias,
até seu ponto de chegada no Ver-o-Peso (Stiel, 1984, p.22).
A capital cearense também não deixou de festejar a chegada
dos bondes elétricos. Ao som de música e aplausos, Fortaleza via
mais uma inauguração no transporte público em 9 de outubro de
1913. O pequeno acervo de bondes puxados à burro que
transportavam a população foi vendido para a empresa Teixeira
Leite, que prestava serviços em São Luís do Maranhão (Stiel, 1984,
p.124).
Em Recife, a eletrificação dos bondes demorou a ser instalada,
e chegou-se até mesmo a companhia instalar em seus bondes
lâmpadas elétricas abastecidas por acumuladores, para tentar
contornar a idéia de não se ter os bondes, ato que a população
passou a ironizar, chamando os veículos de “eletroburros” (Sette
apud Stiel, 1984, p.292). Apesar de toda a demora, os bondes
elétricos foram inaugurados em 13 de maio de 1914, operados pela
empresa Pernambuco Tramways and Power Company Limited sob
os sons dos foguetes e da banda de música, que festejava a
inauguração dos tramways em Recife.
5
Desta forma, percebe-se que as principais cidades brasileiras
reestruturaram seu transporte urbano ainda em fins do século XIX e
início do século XX, modernizando os bondes, quando a eletricidade
passa a ser a força motriz dos mesmos. Apenas na terceira década
do século XX são instalados os bondes elétricos em São Luís,
momento no qual, grande parte das capitais brasileiras já contava
com os elétricos. Assim, enquanto as cidades mais “modernas” do
Brasil deslizavam com velocidade sob as benesses da eletricidade,
na capital maranhense a população ainda se locomovia
vagarosamente no ritmo dos passos dos “burrinhos lazarentos”
.6
5
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.Navigation
Servlet?publicationCode=16&pageCode=299&textCode=3073&date= currentDate,
acesso em 2 de julho de 2008.
6
Termo encontrado nos Livros Leis e Decretos do Estado do Maranhão. Imprensa
Oficial (1923 p.311), fazendo menção às más condições dos animais utilizados na
tração dos bondes.
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
54
sem paletó ou colarinho, porém bem vestidos em tudo mais só podem
viajar nos reboques e na plataforma posterior dos outros carros”.
11
Assim, ao mesmo tempo em que o bonde fora implantado
com o objetivo de oferecer transporte cômodo e barato à “todos”, as
autoridades administrativas do governo promulgavam leis que
restringiam a utilização deste serviço às camadas populares, pois
ao estabelecer que a entrada nos bondes fosse permitida somente
aos que estivessem “bem” vestidos, deixava uma grande parte da
sociedade fora desse beneficio, pois muitos eram os trabalhadores
que residiam longe de seus locais de trabalho e precisavam do bonde
para se locomover diariamente.
Quando o Intendente Raul C. Machado recebera a autorização
para contratar um novo serviço de viação pública na capital, segundo
a Lei 140, de 12 de setembro de 1909, os preceitos a serem
obedecidos eram: a substituição da tração animal pela elétrica,
aumento das linhas atuais, redução dos intervalos entre as viagens
e a diminuição do preço das passagens. Contudo, o que se verificou
na prática, como bem mostra os jornais, foi o fato de que os elétricos
pareciam ter herdado dos bondes animálicos muitos dos seus
problemas, e estes princípios ficaram somente nos papéis e na
imaginação do povo que desejava um dia ser servido com transporte
de qualidade (Palhano, 1988, p.306).
São Luís contava com quatro linhas de bondes onde operavam
quatro carros responsáveis pelo transporte de uma população que
já na década de 1920, segundo Rossini Corrêa, chegava à densidade
demográfica de 52.929 habitantes (Corrêa, 1993, p.191). Cada
veículo possuía oito bancos, permitindo desta forma uma capacidade
de 40 passageiros. Não era de se admirar que o número de bondes
disponibilizados fosse insuficiente para a quantidade de passageiros
que deles precisavam. Portanto, era praticamente inevitável que os
bondes transitassem pelos logradouros completamente cheios, o que
comprometia a segurança daqueles que os utilizavam. De acordo
com o regulamento a pouco citado, numa de suas normas ficava
expresso que “todos os passageiros que viajarem na plataforma da
frente devem estar sentados a fim de dar espaço ao motorneiro e a
qualquer outro empregado da empresa”.
12
No entanto, enquanto a
11
Ibid.
12
Tração Elétrica, In: Pacotilha, 1 de dezembro de 1924, p. 1.
Na trilha da modernização
57
O serviço de bondes elétricos assim como os demais
“melhoramentos” pelos quais São Luis havia passado na virada do
século se justificava pelo fato de que o “progresso” deveria atingir a
todos, pois não era possível construir uma imagem de “cidade
civilizada”
7
, enquanto grande parte da população continuava com
hábitos provincianos. O “mau” comportamento dos seguimentos mais
pobres no espaço público negava este ideal de progresso.
As classes populares
8
além de serem bastante prejudicadas
com a precariedade dos serviços públicos, ainda eram vistas como
responsáveis pela situação de “atraso” que se encontravam os
mesmos
9
. No caso do transporte coletivo, as brigas e os bate-bocas
diários que ocorriam dentro dos carros, além de outros inconvenientes
promovidos por estes setores sociais feriam a imagem de “sociedade
civilizada”. Assim sendo, as autoridades públicas viram a necessidade
de elaborar um conjunto de normas para disciplinar o comportamento
dos usuários, a fim de conduzi-los “à boa marcha e regularidade dos
serviços de bonde”.
10
Foi com este intuito que se originou baseado
no artigo 13 do Decreto de 879 de 14 de setembro de 1924 um
conjunto de “instruções” que regulava os modos e maneiras dos
usuários deste coletivo. Uma de suas primeiras cláusulas se referia
à como deveriam estar trajados os usuários: “2 - Os passageiros
7
A virada do século XIX no Brasil favoreceu a inserção de novos ideários, alavancados
em grande parte pela mudança do sistema político-econômico. O Brasil saía do
regime monárquico e de uma economia baseada no sistema escravocrata e
ingressava no processo de construção de uma sociedade do tipo capitalista urbano-
industrial após a Proclamação da República. Neste sentido, Michael Herschmann e
Carlos Pereira afirmam que “especialmente a partir das últimas décadas do século
XIX, idéias como novo, progresso, ruptura, revolução e outras nessa linha passam
a fazer parte não apenas do cotidiano dos agentes sociais, mas principalmente, a
caracterizar o imaginário, o discurso intelectual e os projetos de intervenção junto
à sociedade” (Herschmann & Pereira, 1994, p.14).
8
A noção de popular aqui é apresentada por meio de uma cotação de valor, que
está veiculada às práticas cotidianas, o que “dá uma falsa impressão de
homogeneidade”, enquanto, se deveria levar em consideração a interação, e não
a divisão do que é popular e do que é elite (Burke, 1989, p. 20-21).
9
Mais do que reconstruir uma “cidade nova”, se fazia necessário que os personagens
pertencentes a este espaço pudessem adquirir “novos hábitos”, capazes de dissolver
a imagem de “incivilizados” que pairava sobre suas cabeças, ou seja, nas palavras
de Pesavento, “os habitantes subalternos da urbe precisavam ser enquadrados
dentro de uma ordem supostamente mais ordenada, bela, higiênica, moral”
(Pesavento, 1994, p.9).
10
Tração Elétrica, In: Pacotilha, 1 de dezembro de 1924, p.1.
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
56
medidas distantes da realidade, e não conseguiam resolver os
problemas do transporte urbano, mas apenas maquilavam as
verdadeiras causas de todas as falhas do serviço oferecido.
Os horários colocados pela empresa muitas vezes deixavam
de ser cumpridos, e constantemente, os carros atrasavam, deixando
seus usuários por horas à espera dos mesmos. A inobservância dos
horários era um problema sério, que comprometia em muito a
qualidade do serviço prestado, e chegava até mesmo a gerar
acidentes, pois como em alguns pontos dos trilhos as linhas se
cruzavam, o carro que se atrasasse ou se adiantasse poderia
encontrar-se com outro que vinha na direção contrária. Vejamos um
exemplo disso em um dos jornais da época:
Por um tris
...os bondes ns. 1 e 6 chocavam-se
Ontem à tarde, o bonde n. 1 que trafegava na linha do Anil de volta deste
Arrebalde passou pela Estação às 6,30 sem fazer a devida parada afim de
aguardar para o urbano do horário, e prosseguiu na sua viagem para a
praça João Lisboa. Ao aproximar-se, porem, da curva que leva ao “Céu”,
defrontou subtamente com o n.6, que se dirigia para a Estação e com o qual
se chocaria inevitavelmente se a marcha que ambos levavam e a perícia dos
motorneiros, detendo em tempo os veículos não estivessem impedido a
colisão num espaço de poucos metros (A Pacotilha, 16-12-1924).
Como se vê nesta notícia, o não cumprimento dos horários
podia ser gerado pelo simples desleixo da Companhia em não
respeitar os mesmos ou, o que era mais grave, por outros problemas
bastante comuns neste serviço como o mal estado de conservação
dos carros, os descarrilhamentos e as quedas de energia.
A situação em que se encontravam os carros era alarmante,
e de acordo com Raimundo Palhano os melhoramentos efetivados
nos serviços de bonde resumiram-se no complemento da linha
circular, que cobria a zona nobre, e na instalação de um novo sistema
de agulhas (Palhano, 1988, p336). Ainda era insuficiente para que
se pudesse ter um transporte de qualidade, pois mesmo com o novo
conjunto de agulhas
14
, os veículos que deslizavam pelos trilhos da
cidade iam deixando pedaços de sua maquinaria pelo caminho. Havia
ocasiões em que os próprios passageiros eram obrigados a ajudar
14
“Sistema de carris de ferro móveis para facilitar, nas linhas férreas, a passagem
dos trens de uma via para outra”. (Ferreira, 1999).
Na trilha da modernização
59
empresa não fornecia carros suficientes para este contingente
populacional era comum ver passageiros seguindo viagem em pé e
nos estribos dos bondes.
Figura 3: Passageiros no interior de um bonde elétrico.
13
Id. Ibid, p.2.
Fonte: Miécio Jorge. Álbum do Maranhão, 1950.
Uma das principais imprudências cometidas por aqueles que
utilizavam este serviço era o fato de que se pegava o bonde andando
ou se saltava com este ainda em movimento, mesmo o regulamento
esclarecendo que quem assim o fizesse era “por sua conta e risco”,
já que a empresa avisava que era “perigosa a tentativa”.
13
Deste
modo, o governo do Estado, que tinha como argumento a
preocupação com o bem-estar social, depositava sobre a “má”
conduta da população toda a culpa pelo atraso em que se encontrava
o transporte coletivo. Assim, o Estado se isentava da sua
responsabilidade em garantir transporte digno pra todos. Essas
“instruções” para regulamentar o comportamento não passavam de
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
58
Para dar continuidade a administração dos serviços foi criado
em 1947
15
o Serviço de Água, Esgotos, Luz, Tração Elétrica e Prensa
de Algodão (SAELTPA), que também não correspondia às expectativas
da população, e os meios de comunicação foram mais uma vez
utilizados para tais reclamações, como se vê nesta nota de jornal:
O fato é que desde a entrega dos serviços do Estado estes têm se deteriorado
progressivamente, e até peças condenadas pela anterior administração estão
novamente em uso (Jornal do Povo, 05-05-1950).
Após longo período de crise no transporte urbano, a
administração dos bondes voltou a andar nos trilhos por ocasião da
nomeação de um novo administrador o Sr. Eduardo Viana Pereira.
Uma de suas primeiras medidas “foi resolver os problemas das baixas
arrecadações nos bondes”, através da conscientização dos
funcionários responsáveis pela fiscalização. Após a execução desta
medida percebeu-se um aumento de 40% da receita referente ao
transporte público. Esta verba que havia sido usurpada finalmente
passou a ser investida na melhoria deste serviço, e enfim, a população
ludovicense podia contar com um sistema de transporte público,
cômodo, ágil e seguro.
Contudo, Eduardo Viana não ficou por muito tempo
responsável pelo SAELTPA e o quadro vergonhoso à que se tinha
visto antes voltava a ser novamente a dura realidade do transporte
público de São Luís. Dia após dia, os bondes iam sendo sucateados
e a população sofria sem um sistema de transporte capaz de suprir
suas necessidades. Esta defasagem possibilitou que alguns
empresários ligados a políticos locais se interessassem pelo transporte
e logo começaram a lançar seus olhares ambiciosos sobre tal sistema.
Daí surge as primeiras iniciativas de se colocar os ônibus nesta capital,
como se lê nesta nota do Jornal Pequeno:
Valter Fontura, o eterno afilhado dos poderosos, continua abusando da boa
vontade do nosso povo, fazendo as viagens na linha S. Pantaleão de acordo
com suas convivências pessoais. O conhecido proprietário de ônibus comete
os maiores absurdos e não sofre nem sequer censura por parte do atual
prefeito. Apesar dessa “mamãezinha” escandalosa, Valter Fontura ainda brinca
de “cabra-cega” com o nosso povo, objetivando sempre o recheiamento de
sua bolsa (Jornal Pequeno, 22-12-1965).
15
Ano em que Sebastião Acher da Silva assume o governo do Estado, colocando a
SAELTPA sob a responsabilidade do secretário major Tasso de Moraes Rego (Buzar,
1998, p.69).
Na trilha da modernização
61
com a aparelhagem dos carros se não quisessem terminar os seus
percursos a pé ou esperar horas até que fosse contornada a situação.
O Jornal do Povo foi uma das testemunhas da precariedade dos
bondes, e como coloca nesta nota, causava inúmeros transtornos
ao andamento das atividades urbanas:
BONDE PARALIZOU TRÁFEGO
Por várias horas, ontem, o tráfego de bondes na rua Osvaldo Cruz , esquina
com a rua Cândido Ribeiro, esteve congestionado, em virtude de ter quebrado
o eixo direito do bonde n.°11, que faz a linha Gonçalves Dias.
Comunicada a ocorrência à Estação Central foi enviado o socorro necessário,
tendo a reportagem presenciado o serviço que era executado para a
normalização do trânsito dos elétricos que utilizam aquela linha, no local
acima mencionado. (Jornal do Povo, 22-12-1959)
Assim, os bondes elétricos que transitavam na capital
maranhense lembravam e muito os seus precursores, pois as
“condições físicas” em que operavam eram similares às “condições”
dos de tração animal. E todo o discurso progressista das autoridades
políticas no período em que se contraiu o empréstimo norte-
americano, em que se dizia que era melhor não terem nunca existido
os bondes animálicos, pois “eram uma vergonha e humilhação
permanente para a cidade” e que “na sua espécie deviam ser únicos”
também se adequava perfeitamente aos que estavam em vigor neste
momento.
Na contramão do progresso: a retirada dos bondes elétricos
e a substituição pelos ônibus
Decorridas duas décadas de atuação, o serviço dos bondes
elétricos sob os cuidados da Ulen já mostrava sinal de deterioração
e a situação do transporte público se tornava cada vez mais caótica.
O Estado pagava um preço muito alto pelo serviço e não tinha um
retorno satisfatório, fato que não passava despercebido pela
população, que não deixava de reclamar. A relação custo-benefício
não apresentava bons indicadores, assim, o Estado se viu
impossibilitado de continuar com o contrato com a Ulen, encerrando
as atividades desta empresa com o transporte urbano em São Luís
em 15 de junho de 1946.
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
60
A velocidade estava cada vez mais presente nos sonhos e no
cotidiano dos brasileiros, e como enfatiza Giucci “a velocidade se
impõe como a base da vida moderna” (Giucci, 2004, p.48). Ainda de
acordo com este autor, “a velocidade surge associada à renovação
de vida, mobilidade, anonimato, juventude e libertação. Ela premia
a circulação e desvaloriza as antigas ligações com a terra e a família”
(Giucci, 2004, p.56).
Dessa forma, o mesmo bonde que havia sido implantado sob
o desígnio do progresso e do moderno, era agora taxado de retrogrado
e atrasado. Isto por que, como explica David Harvey “a modernidade
não pode respeitar sequer o seu próprio passado, para não falar de
qualquer ordem social pré-moderna”. Ainda de acordo com este autor,
a modernidade sempre promove rupturas, uma vez que “não apenas
envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições
históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável
processo de rupturas e fragmentações” (Harvey, 1998, p.22-23).
Muitas foram as justificativas encontradas por aqueles que
tinham interesse em ver os bondes elétricos parados, e todas se
resumiam em uma só: o bonde trafegava na contramão do progresso.
Contudo, nem todos viam a aposentadoria dos bondes com bons
olhos. Alguns se sentiam até mesmo furiosos ao serem testemunhas
de tamanho “delito” contra o transporte público. A população estava
dividida, e mesmo para aqueles que reconheciam que os bondes
operavam sob condições precárias, era doloroso ver um artefato tão
potente de sua memória ser posto de lado em nome de um progresso
que bem poucos conheciam. Este sentimento pode ser notificado
em uma das notas do Diário da Manhã, em que se lê: “A nosso ver,
só por um bonde trafegar de contramão, não é razão suficiente para
retirá-lo” (Diário da Manhã, 09-05-1966).
Quando a retirada dos bondes elétricos passou a ser
conveniente àqueles que tinham o poder de decisão, todas as falhas
deste transporte público foram evidenciadas. Neste momento, os
ônibus se tornaram em um meio de transporte eficaz, propagado
pelas autoridades políticas de São Luís. Ao comparar os ônibus aos
bondes elétricos, o inspetor de trânsito Sr. Wilson Lopes Machado
alegava que “nestas condições a população está muito mais bem
servida que os bondes, visto que como há mais rapidez e conforto,
Na trilha da modernização
63
Se pôde averiguar que havia um total descaso por parte do
poder público com relação ao transporte, ou melhor, havia se firmado
algumas conveniências que deixava aberto o espaço para aqueles
que tivessem condições financeiras. Assim, qualquer um que
adquirisse alguns ônibus poderia os colocar em circulação sem
nenhum impedimento, desde que não ferisse os interesses políticos
da elite local.
A equação da soma dos abusos dos proprietários de ônibus à
omissão do poder público tinha um resultado trágico e esperado, a
retirada dos bondes elétricos do transporte público da capital.
Em meados do século XX, a noção de “moderno” já havia se
modificado. Neste momento, o Brasil estava sob o governo de
Juscelino Kubitschek, que tinha como sua principal política o
desenvolvimento e a integração do país. JK, como ficou mais
conhecido, lançou o Plano de Desenvolvimento Nacional também
conhecido como Plano de Metas, que visava estimular o crescimento
da economia por meio da energia, alimentação, indústria de base,
educação e transporte. Este último ia ser modernizado,
principalmente, através da difusão de máquinas movidas a óleo diesel
–automobilismo
16
.
Assim, a modernização pregada neste momento estava longe
de combinar com os trilhos que insistiam em permanecer em algumas
cidades brasileiras. Um transporte que não permitia a liberdade,
pois estava preso a um roteiro. O homem moderno era agora,
sobretudo, um amante da liberdade. Como ressalta Charles Wright,
o bonde oferecia pouca flexibilidade por estar preso aos trilhos, além
do que “a freqüência, ou seja, o número de partida por hora, era
baixo, e os veículos andavam sempre cheios em certos horários”
(Wright, 1988, p.23).
16
É neste momento que o automobilismo se torna mais atraente, pois o automóvel
chega como uma nova etapa do progresso técnico. Neste sentido, Giucci afirma
que “A extraordinária vitalidade do automóvel está no fato de que ele, de modo
relativamente rápido, passou a ser visto como uma exigência do mundo moderno –
economia de tempo, utilidade, trabalho, liberdade, prestígio. Está ai sua dimensão
popular, embora frequentemente fosse inacessível ao grande público” (Giucci, 2004,
p.19).
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
62
Pode-se perceber que a linha de São Pantaleão continuou
funcionando pelo menos até o dia 11 de abril de 1967, quando se
tem notícia entre o choque de um bonde dessa linha e uma caçamba
da Prefeitura. Depois disso nada mais consta nos jornais pesquisados
até o ano de 1968 sobre a atuação de alguma linha de bonde.
Portanto, acredita-se que os bondes não circulavam mais pelas ruas
da capital no início de 1968.
Os bondes elétricos saiam e deixavam agora apenas saudade
nos corações daquele que guardam as mais singelas lembranças
destes “bons tempos”. O tempo dos bondes!
Considerações finais
Ao analisarmos o serviço dos bondes elétricos, verificou-se
que não se chegou a um consenso quanto ao local de origem, sendo
que a versão mais conhecida sugere que o bonde elétrico tenha se
surgido nos Estados Unidos. Daí também pode derivar o termo “bond”
ao se referir aos bilhetes produzidos pela companhia com o valor da
passagem devido problemas com o troco. Verificou-se também que
o Brasil foi pioneiro em empregar os bondes elétricos enquanto
transporte coletivo, uma vez que colocou um bonde elétrico em
funcionamento em 1892 no Rio de Janeiro se tornando o primeiro
país da América Latina a dispor de tal serviço.
Algumas décadas depois, os bondes elétricos chegaram a São
Luís sob o discurso progressista das autoridades e elites locais,
tentando colocar esta capital no patamar das grandes cidades, que
já dispunham de tal melhoramento. Contudo, logo que se pôs a
funcionar, os bondes elétricos mostraram suas debilidades, enquanto
um serviço de transporte público, já que não atendiam efetivamente
as necessidades da população ludovicense, além do que se
caracterizou como um serviço extremamente seletivo.
Duas décadas após sua implantação, os bondes já se
encontravam desgastados, e atrelado à isso, a modificação no
discurso modernista favoreceu o início de um processo de decadência.
Na década de 1950, o conceito de moderno não mais combinava
com os trilhos e a retirada destes veículos era quase irremediável.
Na trilha da modernização
65
além de não haver interrupção por falta de energia elétrica, que
paralisava os bondes durante várias vezes por dia” (Jornal O
Imparcial, 06-07-1966).
Apesar de toda a defesa proferida pelo inspetor Wilson ao
colocar o ônibus como um serviço de transporte de “rapidez e
conforto”, esta afirmação é um tanto contraditória, uma vez que
eram comuns reclamações dos populares, principalmente ao fato de
que os ônibus encerravam antes das 21h e só saiam do ponto de
partida quando já estava completamente lotados, o que atrasava
em muito a viagem. Portanto, o conforto e a rapidez pregados pelas
autoridades não condiziam com a realidade dos ônibus lotados e
das longas e exaustivas esperas até atingir o número suficiente de
passageiros para darem partida.
Mesmo que a presença dos ônibus fossem recente e algo
novo, pode-se inferir que a população e os jornalistas já haviam
percebido que o problema não era o meio de transporte em si. Na
realidade, o que havia fracassado nos bondes de tração animal e de
tração elétrica e que continuava com sérias deficiências com relação
aos ônibus era a administração destes serviços. Um dos jornais que
circulava na década de 1960 demonstra a falta de credibilidade que
se tinha construído sobre o transporte público da capital. Assim se
lê: “A substituição, quando da retirada dos trilhos da Avenida Pedro
II, lançaram um linha circular de ônibus. Não durou um mês. Fora
os bondes da Estrada de Ferro. Nova linha de ônibus. Nova decepção
(Diário da Manhã, 09-07-1966).
Essas irregularidades das linhas de ônibus deixavam um ar
de desorganização, que implicavam sérios transtornos e desconforto
para quem por hora precisava utilizar o transporte para se locomover
pela cidade. Diante de tamanho problema o poder público não deveria
permanecer inerte, enquanto o povo pagava pelo injusto preço de
não ter sequer um transporte com horário e roteiro definidos. No
mesmo jornal mencionado anteriormente foi postado um alerta: “É
tempo, pois de atrair-se empreendedores que se disponham a garantir
uma frota de coletivos capaz de responder à solicitação dos principais
núcleos populacionais em condições de segurança, pontualidade e
conforto” (Diário da Manhã, 05-12-1967).
Maria das Graças do Nascimento Prazeres
64
HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre
as origens da mudança cultura. São Paulo: Edição Loyola,
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Editora Brasiliense, 1988
Na trilha da modernização
67
Assim, os elétricos saiam de circulação na capital maranhense sob
os signos de atraso, idéia parecida com a do tempo em que os bondes
de tração animal haviam deixado de atuar nesta capital. Os mesmos
veículos que outrora foram arrogados como sinônimos do progresso
na década de 1920, em meados da década de 1960 eram tidos
como retrógrados e ultrapassados, cabendo aos ônibus neste
momento transportar a idéia de moderno.
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objeto sociológico, Minho - Portugal: Universidade do Minho,
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Maria das Graças do Nascimento Prazeres
66
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Maria das Graças do Nascimento Prazeres
68
OS DESAFIOS PARA O
USO DO AUTOMÓMEL
NO ESPAÇO URBANO
DE SÃO LUÍS
João Ricardo Costa Silva*
Analisar o processo de expansão da frota de veículos
automotores e suas conseqüências para a mobilidade urbana no
município de São Luís requer o lançar de um olhar reflexivo sobre
como foi sendo erigido o planejamento de locomoção na urbe.
Nesta perspectiva, perpassa por esta análise a reflexão de
como a cidade e conseqüentemente seu espaço urbano vão sendo
ocupados pelos veículos, diante de um planejamento urbano que se
manifesta precário e onde o sistema de transporte coletivo,
encarregado de levar a grande maioria da população, não consegue
atender de forma satisfatória aos usuários do sistema.
* Licenciado em História pela Universidade Federal do Maranhão, Mestre em Ciências
Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UFMA. Bolsista da
CAPES. Email: [email protected]
Entretanto, antes do total encerramento da utilização dos
bondes elétricos em São Luís, estes já disputavam espaço nas
estreitas ruas da urbe com um novo meio de transporte que
gradativamente foi se incorporado a vida da cidade: o automóvel.
Com o aparecimento dos veículos automotores tanto na
modalidade coletiva – (ônibus urbanos) quanto particular, com os
carros de passeio, foi se afirmando o transporte baseado em veículos
automotores. Devendo-se ressaltar que os carros particulares de
passeio eram alçados não só como um elemento afirmador de um
progresso material, bem como igualmente da presença de status
social. Assim, o uso dos bondes passou a ser visto como um meio
ultrapassado para o deslocamento. “Os bondes tornaram-se obsoletos
para atender aos interesses da indústria automobilística (no âmbito
nacional) e dos empresários do ramo de transporte (no âmbito local)”.
(Mendes, p. 185)
A inserção dos ônibus urbanos adveio para a substituição dos
antigos bondes que se tornaram obsoletos com o vagar dos anos.
Ademais, o ônibus permitia uma maior movimentação e deslocamento
já que não estava como o bonde preso a um itinerário por onde
houvesse trilhos, poderia circular por novas rotas e assim alcançar
logradouros que antes não eram servidos pelo transporte coletivo.
Figura 2 – O perfil de um ônibus
Fonte: Miécio Jorge. Álbum do Maranhão, 1950
Os desafios para o uso do automóvel
73
A substituição dos bondes pelos automóveis
Na capital maranhense até da década de 1920 o bonde de
tração animal podia ser encontrado pelas ruas da urbe, entretanto o
serviço era considerado de péssima qualidade pela população local.
No que diz respeito ao transporte urbano, a capital maranhense não se
encontrava bem servida. Os bondes de tração animal são testemunhos do
atraso, afinal haviam sido implantados nos anos 70 do século XIX e se
caracterizavam por um serviço bastante rudimentar, que não atendia as
necessidades da população local, e por isso eram alvo constante de veementes
criticas em jornais. (Prazeres, p. 42)
Entretanto, esta modalidade de transporte, foi aperfeiçoada
com a implantação do bonde elétrico que durante vários decênios
do século XX foi o principal meio de transporte urbano da população
em seu itinerário diário. Esta forma de transporte surgiu em São
Luís em 1924 em substituição aos antigos bondes de tração animal
e teve sua posterior extinção na década de 1960, quando os últimos
bondes saíram de circulação. “Assim, ao final do ano de 1966, não
se ouvia mais os sinos dos bondes ecoando pelas ruas de São Luís”.
(Mendes, p. 185)
Figura 1 – O perfil de um bonde elétrico
Fonte: Miécio Jorge. Álbum do Maranhão, 1950
João Ricardo Costa Silva
72
A participação do automóvel na configuração da cidade
Nas décadas subseqüentes com o aumento da frota de
veículos, o traçado da cidade foi sendo modificado e expandido para
se adequar aos automóveis. Na década de 1940, o ludovicense
imbuído do espírito do “progresso” tinha no carro um elemento que
representava a concepção da ideologia desenvolvimentista.
Entretanto em que pese essa retórica São Luís era ainda uma
cidade de ruas estreitas calçadas com pedras de cantaria em sua
grande maioria. “As mesmas não haviam sido projetadas para os
automóveis e logo se mostraram pouco compatíveis com a utilização
dos últimos” (Silva, p. 33).
Além dos velhos casarões, assombrados tivemos como herança, essas ruas
que, não obstante serem bem calçadas, não correm nelas, mais de dois
automoveis em paralelo. (O Globo – São Luis, 13/07/1948, s.p).
Entretanto, progresso pede passagem, e a concepção antiga
de urbanização torna-se um elemento de atraso frente ao uso dos
carros. As ruas mesmo bem calçadas, não servem para uma cidade
que aspira ser uma verdadeira “New York” de vias expressas. O
automóvel, símbolo da liberdade de locomoção solicita seu espaço,
o que significa a criação de largas ruas e avenidas.
Um exemplo da influência da concepção urbana pautada em
grandes e largas avenidas e seu poder de modificação da paisagem
urbana existente pode ser constatado na observação da Rua Afonso
Pena, local que sofreu poucas alterações, mas que perdeu os dois
primeiros prédios à esquerda da imagem, demolidos quando da
abertura da Avenida Magalhães de Almeida, na década de 1940.
2
Em que pese às diversas conceituações sobre o que seria a cidade, neste artigo o
termo está sendo utilizado no sentido de uma área urbanizada, que se diferencia
de vilas e outras entidades urbanas através de vários critérios, os quais incluem
população, densidade populacional ou estatuto legal. Para um outro conceito de
cidade, aconselha-se uma leitura de Max Weber, “Conceito e Categorias da Cidade”
(Weber, 1979), onde o autor ressalta diversas modalidades de cidade que houveram
no passado denotando suas distintas origens.
Os desafios para o uso do automóvel
75
Já o carro de passeio, que nos seus primórdios eram um luxo
de poucos, era vendido como um exemplo de liberdade para o seu
possuidor que não mais passaria a ter que circular no itinerário dos
antigos bondes e tampouco nos novos itinerários dos coletivos.
O crescimento da quantidade de veículos automotores em
São Luís contribuiu de forma marcante para a atual localização
urbanística de muitos logradouros da cidade, deixando os automóveis
marcas indeléveis de sua presença no ambiente urbano.
O veículo automotor tem em seu benefício a sua grande
praticidade para a mobilidade urbana, sendo bastante adaptado e
útil ao estilo frenético da vida urbana. O carro, em especial, terá um
impacto importante para o tipo metropolitano individual
1
que vai
emergir gradativamente nos grandes centros urbanos.
Juntamente com a maior liberdade, o século XVIII exigiu a especialização
funcional do homem e seu trabalho; essa especialização torna o individuo
incomparável a outro e cada um deles indispensável na medida mais alta
possível (Simmel, p. 11).
O automóvel de passeio vem a se tornar um amalgama com
a sociedade do relógio que impera na cidade, tornando o indivíduo
adaptado as relações sociais que se ramificam e se revelam em
compromissos – profissional, estudantil, religioso, etc. – e serviços
de natureza variada.
Os relacionamentos e afazeres do metropolitano típico são habitualmente
tão variados e complexos que, sem a mais estrita pontualidade nos
compromissos e serviços, toda a estrutura se romperia e cairia num caos
inextricável. Acima de tudo, esta necessidade é criada pela agregação de
tantas pessoas com interesses tão diferenciados, que devem integrar suas
relações e atividades em um organismo altamente complexo (Simmel, p.
14).
Assim, o automóvel vai se configurando como o meio de
transporte que se adapta as necessidades da vida na cidade
2
proporcionando um deslocamento mais fácil e livre aos seus usuários.
1
O tipo metropolitano soberano individual (o indivíduo prosaico) seria o contraponto
do tipo soberano de personalidade (indivíduo provinciano), de acordo com a análise
feita por Simmel acerca da metrópole e sua influência sobre o indivíduo.
João Ricardo Costa Silva
74
O antigo, apesar de ser calcado como um elemento nocivo ao
desenvolvimento do progresso dentro da concepção do discurso
modernizador tem suas qualidades técnicas reconhecidas, seja pela
durabilidade, seja pela boa forma de construção. Entretanto, paralelo
às qualidades, sempre surge os defeitos na busca de um fundamento
de modificação da realidade - baseada no tradicional - para outra
baseada em um discurso do moderno, na busca pela sedimentação
de uma nova ótica.
Não foram poucas as propostas de demolição de casarões do
centro histórico para que fossem abertas largas avenidas para serem
utilizadas pela crescente frota de veículos. Entretanto, os
tombamentos efetuados pelo poder público do centro antigo da cidade
possibilitaram a salvaguarda das construções centenárias, que assim
conseguiram resistir aos projetos viários, passando a ser protegidas
sob a tutela do poder público.
As contradições e os desafios dos veículos automotores
Além do problema da expansão de vias para o uso do
automóvel no perímetro do centro histórico, havia também a
necessidade de criação e melhoria da malha viária para outros eixos
da cidade que se expandiam.
É notório que, durante o trintenário 1940-1970, São Luís abrigou parcela
crescente da população migrante do campo, o que fez espraiar-se
urbanisticamente, como dito em passagem anterior. Destarte, é entre o final
dos anos 60 e por todo o desabrochar da década de setentista que a capital
timbirense, nascida em meio à disputa colonialista travada entre gauleses e
lusitanos, adquire novo traçado urbano. Suas fronteiras expandem-se,
rompendo o bloqueio do corredor limitado pelos rios Bacanga e Anil (Reinaldo
Júnior, p. 89).
Nesta perspectiva várias avenidas foram construídas e ao
mesmo tempo em que facilitavam o deslocamento para áreas antes
pouco ou mesmo não habitadas, acabou por contribuir para uma
expansão do perímetro urbano de São Luís. Uma análise do mapa
de São Luís com suas avenidas mostra claramente como a malhar
viária imbricou-se com o assentamento humano da urbe.
Os desafios para o uso do automóvel
77
Figura 3 – Demolição de prédios
Fonte: Arquivo do IPHAN
Figura 4– Abertura da Av. Magalhães de Almeida
Fonte: Arquivo do IPHAN
João Ricardo Costa Silva
76
Figura 5 – Linha de ônibus para o Anil
Fonte: Miécio Jorge. Álbum do Maranhão, 1950
O processo de deslocamento campo – cidade verificado mais
agudamente na segunda metade do século XX em todo o Brasil,
também se verificou em São Luís, provocando um inchaço
populacional devido ao intenso processo de urbanização – ou falta
desta. “Trata-se de um gigantesco movimento de construção de
cidade, necessário para o assentamento residencial da população
bem como de suas necessidades de trabalho, abastecimento,
transportes, saúde, energia, água etc. (Maricato, p. 16 – grifo nosso).
O resultado hoje observado da falta do liame entre o
planejamento urbano e uma boa engenharia de tráfego se traduz
atualmente nas contradições do uso do automóvel que aos poucos
vai perdendo seu sentido primordial de ser um elemento de facilitação
da vida urbana. Os deslocamentos tornam-se lentos e estressantes
para os usuários do sistema, principalmente para os segmentos
sociais menos favorecidos que se utilizam do transporte coletivo
5
de
qualidade pouco desejável.
5
Cabe ressaltar que apesar da melhoria verificada com a introdução do sistema de
terminais de integração onde o usuário do transporte coletivo paga somente uma
passagem e pode mudar de ônibus para assim chegar ao seu destino de forma mais
econômica, não conseguiu reduzir a superlotação da frota, especialmente nos
horários de pico.
Os desafios para o uso do automóvel
79
Em São Luís, muito em função do alargamento demográfico, tornou-se mister
e urgente a construção de conjuntos habitacionais em resposta à vasta
demanda proveniente de estratos médios e baixo da sociedade. Assim, entre
o final dos anos 60 e o término dos 70, foram eretos diversos conjuntos de
moradia popular, alcançando inclusive setores da classe média local (Reinaldo
Júnior, p. 89).
Principalmente no decorrer da construção dos grandes
conjuntos habitacionais – Cohab, Cohatrac, Cidade Operária, dentre
vários outros, - são exemplos de como a abertura de longas avenidas
foi criando um sistema viário pautado em longas avenidas que ligavam
bairros e conjuntos cada vez mais distantes do centro.
Os conhecidos conjuntos habitacionais populares, também não enfrentam a
questão fundiária urbana como bem mostra Silva em sua tese de doutorado
(Silva, 1998). Os governos municipais e estaduais desviaram sua atenção
dos vazios urbanos (que, como se sabe, se valorizam com os investimentos
públicos e privados feitos nos arredores) para jogar a população em áreas
completamente inadequadas ao desenvolvimento urbano racional,
penalizando seus moradores e também todos os contribuintes que tiveram
que arcar com a extensão da infra-estrutura (Maricato, p. 21).
Essa expansão do sistema viário não foi acompanhada de um
planejamento urbano
3
capaz de fazer uma integração entre a
crescente frota de automóveis e usuários do sistema de transporte
4
que se verificou em a partir da década de 1970 quando ocorre um
crescimento populacional vertiginoso em São Luís.
Apesar das investigações comprobatórias sobre os traçados urbanos, a cidade
não foi prioritariamente percebida como um habitat humano penetrado por
uma vida de comunicação rápida (Virilio, p. 21)
3
O artigo coaduna-se com o autor Eduardo Alcântara de Vasconcellos quanto a
afirmar que na análise da ordenação e regulamentação da circulação no espaço
urbano exista uma hierarquia de níveis de intervenção, havendo um planejamento
urbano, um planejamento de transportes para então chegar-se a uma engenharia
de tráfego (Vasconcellos, p. 40).
4
O crescimento populacional a partir da década de 70 foi um fator preponderante
para o surgimento de vários conjuntos habitacionais e abertura de novas avenidas.
De acordo com dados do Censo 2000 – IBGE, o município possuía então, 870.028
habitantes, sendo 837.584 na área urbana e 32.444 na área rural.
João Ricardo Costa Silva
78
Assim, a análise mais detalhada de dinâmica da circulação urbana mostra
que existem dois conflitos básicos a ela inerentes. O primeiro deles é o
conflito físico, de disputa pelo espaço entre corpos em movimento, e que é
o tipo de conflito mais evidente, que recebe conseqüentemente a atenção
prioritária da engenharia de tráfego, como atividade ordenadora e
regulamentadora da utilização do espaço. No entanto, existe um outro conflito,
não aparente, e que não costuma ser analisado dentro da técnica tradicional:
trata-se do conflito político, ou seja, que envolve os interesses e a
necessidades dos atores. (Vasconcellos, p. 50)
Na atual situação da circulação urbana da cidade de São Luís
são necessárias intervenções que visam dirimir tanto o conflito físico
que se caracteriza por uma disputa de espaço, onde carros ocupam
de forma arbitrária espaços destinados a pedestres, estes por sua
vez arriscam-se no asfalto ao invés de utilizares os passeios e faixas
de segurança. Há ainda o conflito entre os próprios veículos, seja na
disputa entre ônibus versus carros de passeio, bem como entre motos
e os demais veículos.
Quanto ao conflito entre os diversos atores do trânsito:
usuários de transportes coletivos, do transporte particular, pedestres
e terceiros que possam a vir ser parte do sistema viário e suas
necessidades de locomoção há de se ressaltar que não há uma forma
de atender a simultaneamente a todos, visto que entre os mesmo
não papéis estáticos desempenhados no trânsito e sim uma miríade
de papeis de acordo com situação em que a pessoa se encontra
apesar haver “tendência à repetição de certos papéis, como por
exemplo, o trabalhador que sempre anda de ônibus ou a dona de
casa de classe média alta que só anda de carro...” (Vasconcellos, p.
52).
Há de se fazer então, uma análise crítica sobre os atores e as
formas de circulação que estão à disposição destes para que assim
possa ser desenvolvida uma engenharia de tráfego atrelada a uma
política pública de planejamento urbano e de trânsito no intuito de
se dirimir as tensões atuais entre o humano e o automóvel.
Este não deve ser visto apenas como um meio de locomoção
entre dois ou mais pontos, mas com um elemento que possui uma
autonomia no sistema de trânsito e uma vida própria pelo status
que foi se configurando por ser um item fundamental na dinâmica
social urbana. “A automobilização transforma-se em um suporte
Os desafios para o uso do automóvel
81
Este acesso diferenciado aos meios de transporte, aliado a fatores locacionais
da população no espaço urbano e seus condicionantes sociais e políticos,
introduzem diferenças fundamentais no processo de produção e consumo
da circulação urbana, e conseqüentemente na política pública com respeito
a esta circulação (Vasconcellos, p. 64)
Figura 6 – Fluxo de veículos na Avenida Carlos Cunha - Jaracati
6
Segundo o Departamento Estadual de Trânsito do Maranhão, hoje existem nas ruas
da capital 218.002 veículos. Ainda de acordo com o órgão em 2007 foram efetuadas
42.640 infrações de trânsito cometidas pelos condutores da capital.
Fonte: Maurício Alexandre. www.saoluis.ma.gov.br, 2007
O que se pode observar no quotidiano da cidade é uma
constante disputa entre os veículos e as pessoas, uma disputa que
aumenta constantemente com o acréscimo continuado da frota
automotora
6
atrelada a falta de uma política de planejamento urbano
e de transporte que seja capaz de se materializar em uma engenharia
de tráfego hábil para minimizar esse atrito.
João Ricardo Costa Silva
80
Em São Luís, o crescimento da frota de veículos vem se
afirmando constante, sendo que a marca de 200 mil
7
carros circulando
pela capital já foi superada. Assim, o problema do uso do automóvel
na cidade cresce gradativamente.
Considerações finais
Em que pese ao poder não só físico quanto simbólico que os
veículos ostentam no seio da sociedade – em especial no meio urbano
– não se deve esquecer que como qualquer outra produção material
do homem, aquele deve ser um meio a serviço dos atores sociais no
quadro da circulação urbana. Portanto, é indispensável que exista
um planejamento urbano voltado para a necessidade das pessoas,
para que assim os projetos de trânsito alicerçados em uma sólida
engenharia de tráfego possam criar condições para se reverter o
atual problema de circulação que se verifica nas ruas de São Luís,
não se esquecendo que o trânsito não é um simples problema
burocrático, mas sim um lócus de disputas políticas e de interesses
variados que necessita assim de soluções e múltiplas. Assim será
possível se superar os desafios atuais do uso do automóvel em nossa
cidade.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando
Tomaz. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 322 p.
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MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise
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Os desafios para o uso do automóvel
83
fundamental do individualismo moderno e o automóvel é seu
expoente máximo: um objeto de culto”. (Giucci, p. 15)
Figura 7 – Estatística do tipo de veículos em São Luís
7
De acordo com dados do DETRAN-MA, a frota do município de São Luís com 218.962
veículos, representa 37,58% da frota total de veículos no Estado do Maranhão.
Dados referentes ao mês de setembro de 2008.
Fonte: Departamento Estadual de Trânsito - 2008
João Ricardo Costa Silva
82
MENDES, Sylvânio Aguiar. Saindo dos Trilhos: Uma Visão sobre
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João Ricardo Costa Silva
84
MICROSOCIOLOGIA DA
SOCIABILIDADE NA
MOBILIDADE URBANA
José O. Alcântara Jr*
O presente tecerá uma análise acerca da sociabilidade
desenvolvida junto aqueles que estariam com a sua condição de
mobilidade codifica pelas normas institucionais. E deste aspecto
apresento uma comparação entre os acidentes e a reação dos
condutores ao novo código de trânsito brasileiro. Com isso, estarei
destacando com o mesmo está sendo observado no cotidiano da
mobilidade urbana. Ao buscar destacar alguns dos traços regulares,
empreendidos pelos condutores e os pedestres de uma cidade. Isto
se configurará na apresentação de alguns elementos dos momentos
da sociabilidade existente entre condutores de automóveis e
pedestres, a partir do caso empírico da mobilidade urbana da cidade
de São Luís, Maranhão no período de 1995 a 2000. Desta feita,
objetivo contribuir ao entendimento de aspectos envolvendo a
mobilidade urbana, - ao destacar no estudo - os conteúdos, os
elementos e os momentos referentes à sociabilidade existente entre
os condutores e automóveis e pedestres na mobilidade urbana no
Brasil, e, no caso específico a capital ludovicense. Para a realização
deste trabalho incorporamos algumas das colaborações produzidas
pelos nossos bolsistas de iniciação científica.
* Sociólogo, professor adjunto IV da Universidade Federal do Maranhão. E-mail:
Microsociologia da sociabilidade
89
especificar no momento da sua descrição e, mais a frente,
especificada neste trabalho.
A partir da etapa do trabalho de observações livre
1
, foi
possível fazermos a seleção dos pontos para observações
sistematizadas. Quanto as observações livres essas recaíram em
vários e diferentes horários e pontos da cidade, pois queríamos ter
uma constatação preliminar de quais pontos seriam conflituosos ou
não, para podermos nos dirigir a eles, ou seja, a partir dessas
observações livres, partimos para um processo denominado de
observação clínica
2
. Iríamos dirigir nosso olhar para os fenômenos
específicos de interesse da pesquisa. Elas foram realizadas durante
quatro meses – novembro e dezembro de 2005 - nos horários
compreendidos entre as 07h00 e às 19h30 e em janeiro e fevereiro
de 2006 - no horário compreendido entre as 07h00 e às 09h00 da
manhã. Objetivando identificar as manifestações predominantes de
condutores de automóveis – carros pequenos de uso particular – e
pedestres no trânsito na área urbana da cidade de São Luís. A
permanência em campo foi em geral de duas horas diárias, com
algumas variações para mais ou menos. As observações foram
realizadas nas 04 principais avenidas e nos seus respectivos
rotatórios. As anotações foram sistematizadas levando em
consideração as categorias das infrações apresentadas pelos
pedestres e os condutores, ou seja, as infrações institucionalizadas
no Código de Trânsito Brasileiro – CTB.
Neste trabalho também utilizamos como fonte de inferências,
às induções produzidas a partir de um levantamento realizado junto
a um periódico local. No caso, o periódico diário “O Estado do
1
Este conceito é estabelecido por Georges Granai, que diz que no início de toda
investigação sociológica, a observação é livre e que esta “corresponde à inevitável
fase ‘fenomenológica’ do inquérito e dá amplamente lugar, por um lado, à intuição
do inquiridor que apreende os fenômenos por que se interessa, na sua dupla ligação
com o conjunto social ainda confusamente apercebido, e por outro lado, com a
experiência própria; permite organização progressiva das hipóteses de investigação
e uma primeira e provisória delimitação do campo de estudo que torna deste modo
possível a observação metódica” (grifo meu), (GRANAI, : 200).
2
Este também é um conceito de Granai, que diz que a “observação clinica ou estudo
dos casos particulares é um procedimento complexo que visa à analise sistemática
de uma situação concreta” (GRANAI, : 201)
José O. Alcântara Jr.
88
Metodologia
A pesquisa foi estruturada em três procedimentos
metodológicos. O primeiro foi à coleta dos dados e das estatísticas
dos acidentes de trânsito registrados no período de 1995 – 2000,
nas instituições ligadas ao trânsito e transportes do Estado do
Maranhão. O segundo recurso foi o trabalho de observação -,
Fieldwork - em diversos logradouros da referida cidade, o que
possibilitou extrair os principais traços desta realidade circular. Por
último, a análise é complementada por uma informação extraída da
coleção de Clippings, do qual reconstruo uma das principais
regularidades deste quadro. Com todos esses elementos, pretendo
apontar um possível quadro microssociológico dos acidentes e
incidentes na circulação citadina.
Nesta empreitada nos detivemos mais acentuadamente junto
às estatísticas relativas aos acidentes de trânsito, coletadas através
de visitas aos órgãos expressamente incumbidos pelo Código de
Trânsito Brasileiro de tal encargo: DETRAN (Departamento Estadual
de Trânsito do Maranhão); SMTT (Secretaria Municipal de Trânsito e
Transportes); Polícia Rodoviária Federal (PRF); Delegacia de Acidente
de Trânsito (DAT); Juizado Especial de Trânsito (JET) e Polícia Militar
do Estado do Maranhão (PMMA). E, para efeito deste trabalho,
selecionamos algumas delas, no Gráfico 01.
Uma outra etapa do levantamento das inferências foi o
resultado do trabalho de Observação em Campo – 639 observações
oculares -, e, aqui sintetizado no Gráfico 02. Um recurso produtor
de abstrações da realidade vivida pelos condutores e pedestres em
São Luís. Inicialmente, para o trabalho de observação em campo
foram selecionados sete logradouros com elevados índices de
acidentes de trânsito, esta definição foi considerada, conforme Espírito
Santo (2006, pp. 57, 58 e 59). Essa etapa do trabalho de campo
estendeu-se por uma semana no mês de agosto de 2005, nos horários
de pico - das 12:00 às 13:00 e de 18:00 às 19:00. Nos locais e
horários se teve como meta a observação das manifestações
predominantes entre os sujeitos sociais. Observou-se a existência
de algumas regulares manifestações. Sintetizamos essas
manifestações no Gráfico 02, de forma a nos permitir uma análise
posterior. O referido gráfico compila as principais manifestações
predominantes no trânsito entre condutores e pedestres, como iremos
Microsociologia da sociabilidade
91
Nas ciências sociais, em especial na sociologia, por exemplo,
vamos encontrar a questão da circulação, da mobilidade urbana nos
sociólogos clássicos e contemporâneos. Inicialmente, verificaremos,
como os sociólogos clássicos trataram a questão. Na obra de Émile
Durkheim (1858 – 1917) na sua tese de doutoramento, “A divisão
do trabalho social” (1893), ele já discutia a questão da circulação –
os transportes - em rápidas pinceladas. Nesta obra encontra-se, por
exemplo, a seguinte análise,no que diz respeito ao transporte:
há o número e a rapidez das vias de comunicação e transmissão. Ao suprirem
e diminuírem os vazios que separam os segmentos sociais, aquelas fazem
aumentar a densidade da sociedade. (...) é porque ela multiplica as relações
intra-sociais.” (Durkheim, 1991 : 39)
Deste contexto, uma nova realidade é produzida sobre os
efeitos da capacidade de mobilidade: a circulação intra-urbana, em
virtude da dinâmica advinda dos conhecimentos da física, no capítulo
da mecânica. São disponibilizados novos meios de aceleração para
mobilidade das pessoas, dos bens e dos serviços. Neles imprimem-
se a velocidade. A experiência do transportar-se é ampliada. Para a
sociedade moderna, essa potencialidade possui uma nova dimensão,
pois ela atinge escalas nunca antes alcançadas. Há uma nova condição
para ir além do lugar em repouso. Agora, a mobilidade é multiplicada
pelo potencial da máquina a vapor. Na visão durkeimiana, isso
possibilitaria a superação das situações de isolamento. Desta forma,
intensificaria a efetivação das relações sociais diretas. Isto é, seria
um elemento facilitador das operações constitutivas dos laços
integradores da sociedade. Os transportes permitiriam a superação
dos interstícios sociais desconexos. Durkheim destaca como a questão
da circulação alterou e intensificou a capacidade de locomoção para
o elastecimento das relações sociais, ou seja, através das
coalescências desenvolvidas por estes tipos de contatos.
A humanidade assistia à popularização do potencial da
máquina a vapor. Começa o ciclo da velocidade. Naquela altura, já
se poderia alcançar velocidades maiores do que a das pernas dos
animais. Os translados têm a sua capacidade ampliada, e, hoje, em
escala cada vez superior. Estava longe uma crítica acerca desta
capacidade e condição dos meios de deslocamento. Era o início do
tráfego moderno, caracterizado pela ampliação da sua capacidade
na mobilidade urbana.
José O. Alcântara Jr.
90
Maranhão”. Esses dados foram obtidos junto a Biblioteca Pública
Benedito Leite, na Seção de Materiais Especiais, no Acervo de Jornais
Revistas e Obras Raras. O periódico detém a maior edição na cidade
de São Luís, assim como, em todo o Estado do Maranhão. Tal
levantamento foi divido em quatro etapas: 1ª) A catalogação das
notícias relativas ao trânsito em São Luís; 2ª) A transcrição
manuscrita, fotocópias e digitalizações das notícias; 3ª)
Confeccionou-se um Banco de Dados digital através do programa de
informática Acesses; 4ª) A análise das notícias em questão.
Consultamos 2.190 edições do Jornal O Estado do Maranhão no
período de 1° de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2000. O
levantamento obteve 545 notícias relativas ao trânsito da cidade de
São Luís, os quais tratavam de diversos assuntos, tais como:
acidentes de trânsito, engenharia de tráfego, condições de
trafegabilidade em ruas e avenidas, leis de trânsito, história do
automobilismo, entre outras. Deste universo, selecionamos apenas
455 notícias para a construção do Banco de Dados, estas versam
sobre acidentes de trânsito que foram classificados da seguinte forma:
atropelamentos de pedestres e de ciclistas; brigas de trânsito;
abalroamento, colisões, capotamentos, derrapagens,
engavetamentos, incêndios e tombamentos de veículos; dados e
estatísticas sobre os acidentes de trânsito; entre outras categorias.
As matérias, notícias que tratam dos acidentes de trânsito, na maioria
das vezes elas eram encontradas no Primeiro Caderno do jornal, na
Página Polícia, o que, poderíamos denotar uma certa aferição
pejorativa para a questão social do trânsito. Comparando as edições,
pode-se constatar que as matérias tiveram duas localizações nas
páginas do periódico. Nos primeiros anos encontram-se as matérias
sobre acidentes de trânsito na página policial. Nos anos posteriores
a 1997 irão ser publicadas no caderno Cidades. Ou seja, a questão
do trânsito deixa de ser uma simples matéria policial para adquirir
um novo tratamento jornalístico.
O condutor e o pedestre
O Condutor e o Pedestre serão os nossos dois grandes agentes
sociais. Desta forma precisamos identificar algumas dimensões
teóricas e conceituais desses dois grandes atores e/ou agentes sociais
circulatórios: os condutores de automóveis – no caso os condutores
de automóveis – e os pedestres.
Microsociologia da sociabilidade
93
mundial. Na sua obra “O capital”
3
, Marx oferece uma interpretação
acerca do processo pelo qual os valores são submetidos na circulação.
Os produtos são revalorizados devido à própria ação do transportar.
A dimensão da circulação irá exercer um grande impacto, pois o
próprio ato de transportar-se é responsável por imprimir sobre o
bem uma nova aferição valorativa. A mobilidade oferece uma nova
dimensão, qual seja, agrega e incorpora um novo valor. Este valor é
atribuído ao próprio movimento desempenhado pelo transporte que
se processa em razão do efeito concreto da mudança de lugar. O ato
de transportar imprime uma metamorfose aos valores. Porém, Marx
considera que, tão somente o transporte de valores, os produtos
inanimados: os produzidos e os negociados. O problema do transporte
de pessoas, dos trabalhadores, dos moradores de uma cidade, os
acionadores das operações de produção e reprodução ainda não
estavam conceitualmente incluídos em sua análise. Ele enfatiza o
papel dos transportes na dimensão relativa à produção.
Ampliando a nossa introdução, iremos chamar alguns teóricos
contemporâneos. Inicialmente, destacamos, Manuel Castells, (1983,
pp. 236-255) em que esse apresenta a questão da troca intra-urbana
como um campo a ser explorado pela sociologia, ao buscarmos a
identificação de quem e como estes são translados – por exemplo,
as trocas - são efetuados para o desenvolvimento de ações e relações
sociais em uma cidade. Pode-se identificar a regularidade dos fluxos
intra-urbanos. Uma outra contribuição teórica, aqui aponta é de
Eduardo A. Vasconcellos (1996, 1999, passim) quando propõe a
criação de uma sociologia da circulação, afim de dar relevo à dimensão
do transportar-se como uma questão que vai além da engenharia
de tráfego. Para esse teórico, é necessário analisar os conflitos
existentes no trânsito de uma cidade, ao considerar “o usuário cativo
de transportes públicos e proprietários de automóveis, o morador e
motorista, proprietários de estabelecimentos, motoristas e
passageiros de ônibus, e ao considerar o sistema de transporte como
um meio coletivo de consumo” (Vasconcellos, 1999, pp. 37-64).
Para a socióloga Emilia Rodrigues Araújo (2004) a questão deve ser
incorporada à sociologia como um dos seus campos de especialização,
e propõe “projecto de criação do paradigma da mobilidade”, uma
3
Marx 1983 pp. 108,109 e 110.
José O. Alcântara Jr.
92
Um outro clássico, a apontar a questão da circulação é Max
Weber (1864 – 1920). Para este, os transportes foram os primeiros
responsáveis pela formação da cidade moderna, na medida e na
proporção em que este equipamento viabilizava as trocas comerciais.
Adotava-se um novo instrumento de locomoção entre os seus
membros e, ao possível alhures. A noção cognitiva da sociedade
moderna estaria ligada à idéia de movimento, expressa pelas
mobilidades requeridas pelo capitalismo (Weber, 1979, pp. 75; 1997,
pp. 944). Para esse teórico, os transportes viabilizam a exploração.
A questão do transporte destacava-se em razão e em função das
movimentações definidas pela expansão das transações comerciais,
um fator condicional para o surgimento do mercado moderno, a
cidade. O transporte mecanizado possibilitou ao ir além das
circunvizinhanças, em que se davam as pequenas e iniciais trocas
materiais. O transporte é o instrumento que alavancou os primeiros
trilhos da própria expansão do mercado, um meio material social
ampliador das redes de contatos e trocas sociais. Portanto, foi o
desencadeador da gênese da formação da cidade tipo ocidental.
Um outro resgate conceitual, já formulado, sobre a temática
da circulação social é apresentado por Karl Marx (1818 – 1883).
Este trata a questão da circulação através da seguinte relação: a
evolução histórica da sociedade e o desenvolvimento tecnológico e
a nova forma de deslocamentos proporcionada pela máquina a vapor,
a partir de então, passava a ser adotada para as trocas de valores e
que impulsionou os novos fluxos mercantis na sociedade. Ao longo
do século XIX transcorre a evolução dos meios técnicos de locomoção,
os quais ampliavam e inovavam a capacidade de circulação social.
Marx enfatiza e resgata o papel dos transportes sob o prisma evolutivo
da relação entre a humanidade e a técnica (Marx, 1980, pp. 45).
Para Marx, a superação do isolamento reinante, foi o responsável
pela própria mudança no modo de produção anterior ao capitalismo.
Para ele, a falta de circulação impossibilitava a realização do capital.
(Marx, 1980, pp. 64). Os contatos sociais com as novas praças
mercantis ampliavam os seus contatos e fortaleciam as relações
entre si. (Marx, 1980, pp. 66). Neste sentido, os transportes
constituíam-se em um elemento técnico que se propagou e se
difundiu como o meio instrumental para o surgimento do mercado
Microsociologia da sociabilidade
95
outros e para ser influenciado por eles. A importância dessas interações
está no fato de obrigar os indivíduos, que possuem aqueles instintos,
interesses, etc., a formarem uma unidade – precisamente, uma “sociedade”.
Tudo que está presente nos indivíduos (que são os dados concretos e
imediatos de qualquer realidade histórica) sob a forma de impulso, interesse,
propósito, inclinação, estado psíquico, movimento – tudo que está presente
nele de maneira a engendrar ou medir influências sobre outros, ou que
receba tais influências, designo como conteúdo, como matéria, por assim
dizer, da sociação. ( SIMMEL, 1983, pp. 165/166, grifos nossos).
Simmel, ao imiscuir-se nas formas da estrutura social, disseca
os caracteres das estruturas, das ações e relações sociais, quando
atribui importância aos elementos constitutivos dos conteúdos nas
interações sociais. Ao apresentar algumas das referências
impulsionadoras, ele estaria atribuindo e destacando estas dimensões
acionadoras dos propósitos, dos interesses, dos impulsos, das
inclinações, e, aqui faria um adendo, dos “desejos”. Nesta descrição,
ele estaria indicando os elementos que acionam e, que impulsionam
a materialização da própria existência do social. E, assim, estaria
oferecendo e apresentando a metamorfose que recai sobre o
processo, a operação existente entre a dimensão individual e a própria
formatação da sociedade. Portanto, sobre a sociabilidade recaem e
perpassam diversas dimensões que, estariam aqui, focalizadas
através dos dados referentes aos acidentes e das observações sobre
os incidentes, os que encontram a sua existência, sobre e entre, os
condutores e pedestres.
A nossa análise tem um pressuposto, ou seja, haverá uma
relação entre o social e as formas sociais que se estabelecem e,
se concretizam no espaço da circulação urbana.
A nossa visão é corroborada pelo caminho analítico formulado
por Axel Honneth.
“Com essa reinterpretação do modelo hobbesiano, Hegel introduz uma versão
do conceito de luta social realmente inovadora, em cuja conseqüência o
conflito prático entre sujeitos pode ser entendido como um momento do
movimento ético no interior do contexto social da vida; desse modo, o
conceito recriado de social inclui desde o início não somente domínio de
tensões moral, mas abrange ainda um medium social através do qual elas
são decididas de maneira conflituosa.” (HONNETH, 2003, pp. 48).
Daí ao enfocarmos - os acidentes e os incidentes -, estaríamos
buscando demonstrar com referenciais empíricos, o quadro em que
José O. Alcântara Jr.
94
abordagem da mobilidade urbana como um dos objetos da sociologia.
Mais recentemente, vamos encontrar a questão da circulação como
uma das políticas do atual governo brasileiro. “A Política Nacional de
Trânsito considera como marco referencial todo um conjunto de
fatores históricos, culturais, sociais e ambientais que caracteriza a
realidade brasileira,” (Brasil, 2004, pp. 9).
Portanto, iremos considerar a presença do automóvel como
um dos agentes produtores de derivações habituais que produzem
reflexos sócio-culturais. Para contextualizarmos esta dimensão nos
alimentamos nos levantamentos de dados, nas observações e
impressões relativas aos agentes centrais dessa descrição, i. é., os
condutores e os pedestres da cidade de São Luís.
O nosso recorte é uma estruturação para uma
microsociologia
4
. Segundo Gurvitch (1977), “A única finalidade desta
breve exposição é tornar mais concreto a tese de que cada grupo é
um microcosmo de manifestações de sociabilidade, e que cada classe
e cada sociedade global – (...) - representam, ao mesmo tempo,
um macrocosmo de microcosmo e um microcosmo direto dos laços
sociais (Gurvitch, 1977, pp 257). Assim, destaco um “por menor”,
de um grande sistema social desenvolvido pelo ato de mobilidade
urbana impresso no tecido urbano e, no caso específico os acidentes
e incidentes transcorrentes neste espaço urbano.
Parto de um pressuposto. A mobilidade urbana cria e forja
traços sociais sob a sociabilidade dos moradores de uma cidade.
Desta forma redunda em maneiras que recaem sobre as condições
de sociabilidade. A sociabilidade é aqui entendida a partir das
seguintes ponderações. Entendemos e incorporamos as seguintes
afirmações de Simmel (1983, pp. 165/166). Dele vejamos o seguinte
trecho:
O motivo deriva de duas proposições: uma delas é que em qualquer sociedade
humana pode-se fazer uma distinção entre seu conteúdo e sua forma.
Essa interação sempre surge com base em certos impulsos ou em função
de certos propósitos. Os instintos eróticos, os interesses objetivos, os
impulsos religiosos e propósitos de defesa ou ataque, de ganho ou jogo, de
auxílio ou instrução, e incontáveis outros, fazem com que o homem viva
com outros homens, aja por eles, com eles, contra eles, organizando desse
modo, reciprocamente, as suas condições – em resumo, para influenciar os
4
Considerar Gurvitch, 1977, pp. 243-258
Microsociologia da sociabilidade
97
motores elétricos, a vapor e de combustão interna. O conflito entre
os veículos de tração animal e motorizado foi um tema comum nas
primeiras décadas do século na América Latina”. (Giucci, 2004, pp.
37).
Na oportunidade lançamos algumas notícias acerca das
primeiras manifestações do automóvel nos primórdios do trânsito
na São Luís do começo do século XX.
Os primeiros condutores de automóveis foram os filhos
abastardos da sociedade ludovicense, esse equipamento era símbolo
de modernidade para os seus primeiros usuários. Assim, antes do
início da fabricação em massa de carros populares o automóvel era
um item de consumo de luxo e que conferia destaque social ao
proprietário, o qual ostentava pelas ruas seus privilégios em termos
de mobilidade, diferenciando-se dos demais. Até hoje o bem-estar
econômico é simbolizado pela troca freqüente do carro ainda
seminovo por um veículo mais moderno, como percebemos em nossa
sociedade.
O automóvel foi introduzido no Maranhão por Joaquim Moreira Alves Santos,
o Nhozinho Santos. “O tempo era o do fraque e da cartola! Carruagens e
tílburis circulavam pelas ruas de São Luís. Em novembro de 1905,
regressando à terra natal, formado técnico em indústria têxtil, na cidade de
liverpool - Inglaterra, Nhozinho Santos trouxe na bagagem a maravilha
tecnológica da época: um automóvel inglês SPEEDWELL, modelo Phaeton
(na open touring car ou carro descapotável para passeio), de quatro lugares,
motor De Dion Bouton, monocilíndrico, a gasolina. Antevendo o sucesso
que o automóvel faria em São Luís, tomou a iniciativa de ensinar empregados
da [fábrica] Fabril a dirigir. Os dois primeiros habilitados foram Sebastião
Raimundo dos Santos e Otaciano Pereira. Ambos tornaram-se Chauffeurs
profissionais, desempenhando essa atividade até quando a idade permitiu.
Sebastião foi proprietário de automóvel de praça. Seu último carro, um
reluzente Mercury, cinza claro, ano 1951, fazia ponto no Posto Vitória. Otácio,
nome com o qual Otaciano ficou conhecido, trajava impecável farda branca,
com botões dourados e inseparável képi da mesma cor. Ao longo de muitos
anos, foi motorista particular do industrial Adhemar Maia de Aguiar. Este
também comprou um dos Peugeot e o outro foi vendido para o comerciante
José da Cunha Santos Guimarães. Em 1914, já havia empresa local
explorando os serviços de aluguel de automóveis.
5
5
Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, 13 de novembro de 2005, Caderno
Alternativo, pp. 3
José O. Alcântara Jr.
96
a mobilidade urbana se realiza.
Mas, esta dimensão tem os seus precedentes estruturantes.
Na obra “A vida cultural do Automóvel” de Guillermo Giucci vamos
encontrar algumas destas dimensões referentes aos nossos dois
grandes agentes sociais: condutores e pedestres, os quais são
retratados ao longo do desenvolvimento histórico do automóvel no
século XX, o seu significado para a sociedade da época e as suas
alterações na sociedade após o seu “nascimento”, como por exemplo,
nas relações de trabalho, no lazer, no amor, no vocabulário, nas
artes etc..
Giucci faz uma demonstração acerca da Precária tradição
as mudanças trazidas pela máquina. Como por exemplo, a destruição
das paisagens campestres pelas estradas de asfaltos, assim como
dos passeios no coche que são substituídos pelo passeio no carro ou
mesmo os passeios a pé, até pelo perigo que o carro representa
para o pedestre, que não mais pode realizar longas caminhadas em
paz sem o risco de sofrer um acidente. Desta forma, Gucci, destacou
as mudanças provocadas pela “mecanização e a contestação,
apresentadas por variadas fontes de resistência”. (Giucci, 2004, pp.
32).
Para Giucci “os argumentos contra a utilização dos meios de
transportes mecânicos variam desde a desumanidade do objeto
tecnológico à perda do contato direto com a natureza e os seres
humanos” (Giucci, 2004, pp. 33). Mesmo que “essa perda do contato
direto entre condutores e pedestres”, não se verificam uma total
indiferença entre pedestres e condutores ainda, se relacionam, ainda
que de forma conflituosa, como demonstraremos mais adiante.
Os pedestres são os primeiros usuários das ruas, avenidas,
praças e demais logradouros urbanos. Para Giucci, “O pedestre
estabelece uma ligação mais cuidadosa com a rua e os caminhos.
Símbolo do tempo acelerado, o automobilista ameaça o pedestre.
È o inimigo do flâneur, pois a valorização do espaço está relacionada
à visão demorada. Na rua o motorista rivaliza com o pedestre”.
(Giucci, 2004, pp. 37, grifos nossos).
A cidade de São Luís, em seus primórdios, foi cortada por
liteiras, cavalos, carruagens e tilbiris. “A via pública, antes dominada
por carruagens e pedestres, se transforma em uma vitrine pra os
Microsociologia da sociabilidade
99
Aqui se estabelece um segundo conflito na realidade circular:
entre os cocheiros, apegados à tradição do coche (carruagens
movidas à tração animal) e os carros, logo no início do seu surgimento
que foi marcado pela valorização da velocidade continuando essa
valorização até os dias atuais.
Podemos também identificar os primeiros procedimentos
adotados para se ter autorização para conduzir um transporte em
São Luís.
É de se registrar que àquela época, os candidatos a chauffeur amador e
chauffeur profissional eram examinados por uma banca presidida pelo
Intendente (Prefeito), tendo como membros Joaquim Moreira Alves dos
Santos (Nhozinho Santos) e o engenheiro eletricista Antonio Nogueira Vinhais.
Os três examinadores assinavam as carteiras dos aprovados. Com a eclosão
da 1ª Guerra Mundial, foi prejudicada a importação dos veículos europeus,
surgindo a oportunidade para que os fabricantes da América do Norte
colocassem aqui, suas “máquinas”, conquistando o mercado.
A partir do surgimento das primeiras vítimas fatais nasceu a
preocupação com a ordem no trânsito. A conscientização a respeito
do problema resultou na criação e progressiva aprimoração dos
exames de habilitação, legislação de trânsito, sinalização e técnicas
de segurança (tais como direção defensiva, primeiros socorros e
mecânica básica, estas três últimas na contemporaneidade). Todas
as medidas tinham o intuito de acabar com os acidentes, mas não
surtiram o efeito esperado. Ainda assim a sociedade continua
providenciando outros meios de amenizar o descontrole na realidade
circular urbana. Um desses meios é a Engenharia de Tráfego,
(VASCONCELLOS, 1999, pp. 40).
Atualmente a frota de veículos em São Luís está composta
por 221.701 veículos
8
:
A lógica da movimentação, marcada pela velocidade cada
vez maior, vê o tempo e o espaço como inimigos, será responsável
pela produção e manifestação de uma sociabilidade, as vezes,
conflituosa entre condutores e pedestres.
8
http://www.detran.ma.gov.br/estatisticas/estvei.php?tpo=1&mnc=921 (Consultado
na Internet em 10 de novembro de 2008).
José O. Alcântara Jr.
98
Com o embrionário surgimento do trânsito e do tráfego de
automóveis, vamos passar a registrar algumas descrições dos
primeiros e prováveis acidentes de trânsito em São Luís.
Nos anos vinte do século XX, vamos encontrar um caso de
acidente trânsito, e, o qual foi registrado pela imprensa local.
Nesse ano [1914], às 14h do dia 17 de abril, aconteceu o primeiro acidente
de trânsito. Um automóvel da firma Teixeira & Branco, dirigido pelo chauffeur
Sebastião e conduzido em seu interior o desembargador Bezerra de Menezes,
descia com velocidade adequada a rua do Sol. Aproximando-se o veículo da
rua dos Craveiros, surgiu repentinamente um menor correndo atrás de
uma bola. Apesar da destreza do condutor , o atropelamento foi inevitável.
A vítima, que se chamava João, faleceu no local. O condutor foi inocentado,
contribuindo para esse ato de justiça o depoimento do passageiro e de
pessoas que presenciaram a lamentável ocorrência.
6
Em anos mais a frente, podemos resgatar um outro registro
de acidente com características semelhantes na cidade de São Luís.
Ontem, às 18 horas mais ou menos o automóvel nº. 18, quando pelo
cinesiphoro Anastácio de tal, atropelou no parque Urbano Santos, o menor
Octavio, filho adotivo do Sr. Miguel Neto, comandante do vapor S. José, do
Lioyde Maranhense. Ao que afirmam, o automóvel subia a Rua Oswaldo
Cruz, a grande velocidade.
7
A chegada deste equipamento era marcada pelos primeiros
acidentes. Se levarmos em conta que estes veículos ainda não
desenvolviam grandes velocidade, poderíamos constatar que o
mesmo vai ser introduzido de uma maneira ameaçadora aos
pedestres, não acostumados com este tipo de máquina móvel. Um
problema de escala espacial começa a se conformar, a desproporção
introduzida por este tipo de veículo. Ao compararmos o
relacionamento entre condutores e pedestres. No espaço urbano -
nas vias - , antes dominadas por pedestres e carruagens, passaria
agora a ser dominada por estes novos equipamentos: carros, ônibus,
caminhões etc.. Adianto algumas constatações: até os dias de hoje
a maior incidência de homicídios ocorre com as crianças e os idosos.
6
Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, 13 de novembro de 2005, Caderno
Alternativo, pp. 3
7
Jornal A Pacotilha, São Luís, 04.02.1928.
Microsociologia da sociabilidade
101
animal. A revolução operada pelo surgimento do automóvel (marcada
pela transformação da paisagem urbana devido à construção de
estradas e sinalizações) teve repercussões nas interações sociais
diuturnas, notadamente alteradas pelos atritos e conflitos decorrentes
do novo espaço chamado “tráfego/trânsito”.
Para uma melhor localização, entendemos o conceito de
trânsito como sendo “o conjunto de todos os deslocamentos diários,
feitos pelas calçadas e vias da cidade, e que aparece na rua na
forma de movimentação geral de pedestres e veículos”
(VASCONCELOS, 1998, pp. 11). A definição do Código de Trânsito
Brasileiro Lei 9.503, de 23/09/1997, que apresenta o trânsito como
sendo “a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados
ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada,
estacionamento e operação de carga e descarga”
9
. (CTB, Lei 9.503,
de 23/09/1997. Art. 1º, Parágrafo Primeiro). Comparando as duas
definições, verificamos que enquanto a primeira focaliza
principalmente a questão da movimentação, a segunda apresenta
uma visão geral sobre todas as dimensões do trânsito tais como
parada e estacionamento, ou seja, não o ver apenas pela ótica da
movimentação.
O primeiro acidente do mundo ocidental, ocorreu em Londres
no dia 17 de agosto de 1896. Assim narrou Giucci, (GIUCCI, 2004,
pp. 79).
No Brasil, em 1897, na estrada velha da Tijuca, no Rio de
Janeiro, temos o primeiro registro de acidente, o qual deu-se com
uma personalidade já conhecida do grande público por sua habilidade
literária, o jornalista e anti-monarquista ferrenho, José do Patrocínio
foi o primeiro a circular em um automóvel no Rio de Janeiro. Ao
volante estava Olavo Bilac, tentando aprender a dirigir” (GIUCCI,
2004, pp. 81 & NED, 2004, pp. 16).
Ned Ludd relata o primeiro acidente de carro no Brasil, no
momento em que o trânsito ainda era escasso, quando uma possível
sociabilidade conflituosa era presente mais entre cocheiros
conduzindo carruagens e pedestres.
9
A partir deste ponto utilizaremos a sigla CTB para nos referirmos ao Código de
Trânsito Brasileiro, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997.
José O. Alcântara Jr.
100
Como destacarei: há uma nova “luta de classes”, a qual é
travada entre o pedestre e o condutor. Tal batalha é marcada pelo
desejo individual de prazer com a velocidade, e o direito coletivo
pela segurança e liberdade de poder andar pelas ruas sem ser
atropelado. Nessa luta, facilmente a potência do carro se sobrepõe
à fragilidade do pedestre.
“O aumento da velocidade reflete sintomas do estresse urbano. Isso afeta
particularmente aqueles grupos cuja relação com a tecnologia provoca uma
dependência crescente da máquina. São poucas as evidências empíricas da
reação psicológica das pessoas afetadas diante de falhas mecânicas e
acidentes, mas a relação máquina-confiabilidade é um elemento importante
na percepção do objeto mecânico. Reações psicológicas como impaciência e
irritação, hoje tão comuns perante a “lentidão” dos computadores, podem
ser vistas nas charges do anos 20. O trabalhador que corre, sua e se
desespera para pegar o ônibus; o advogado que se impacienta no trânsito;
o milionário que manda o chauffer acelerar em meio aos pedestres”. (GIUCCI,
2004, pp. 63).
Não só grosserias ficam impunes, mas quantos crimes são
praticados no trânsito e o sentimento de impunidade ainda persiste.
Quando um homicídio acontece no trânsito, devido ao condutor dirige
em alta velocidade e/ou embriagado, ainda, era tipificado como
culposo, quando deveria ser visto como doloso. O resultado de tudo
isso, é que, constantemente, barbaridades no trânsito são cometidas
em nome do prazer(!?) individual do condutor, matando pessoas
inocentes, e ficando o condutor livre para matar mais pessoas
novamente. É um sinal de que os conflitos desenvolvidos no trânsito
são solucionados, ainda que fora do ambiente circular, em proveito
do condutor.
A sociabilidade conflituosa é, assim, acentuada pelos efeitos
que o próprio automóvel produz no condutor na realidade circulatória,
ao ponto de alguns pensadores acreditarem que existe mesmo uma
intenção de matar, quando nos postamos atrás do volante. Se
analisarmos esta questão, tendo em vista que o homem busca a
realização do prazer por meio da velocidade, o pedestre e demais
condutores nada mais são que empecilhos ao desenvolvimento da
potência máxima do automóvel.
O automóvel foi aos poucos ocupando um grande espaço nas
vias urbanas, devido à sua produção em massa e ao crescente desejo
da população de adquirir um veículo que não precisasse de tração
Microsociologia da sociabilidade
103
Junto à satisfação de “decolar em terra firme” está também a
preferência pela praticidade, dinâmica e fluidez. Pouco preocupados
com os excluídos, “os condutores” desejam o máximo de espaço
nas vias públicas, sem impedimentos que obstacularizem a “corrida”
rumo a seus objetivos particulares. Delineia-se a partir daí o conflito
travado entre pedestres e motoristas, ambos concentrados em seus
próprios interesses e incomodados com a presença uns dos outros
na estressante via pública. Deste modo pronuncia-se Vasconcellos:
Pedestres e motoristas – enquanto o primeiro deseja
segurança e conforto na sua locomoção, o segundo deseja rapidez
no trajeto, o que gera um conflito de regulamentação do espaço.
Este conflito pode ser visualizado, por exemplo, quando se tenta
instalar um semáforo veicular em áreas de grande movimento de
pedestres: o semáforo, se respeitado, melhora a segurança dos
pedestres, mas prejudica a fluidez dos veículos. (VASCONCELLOS,
1999, pp. 50)
Há uma peculiaridade dessa relação conflitante – a existente
no espaço da cidade - que é o fato de todo momento, pedestres e
motoristas, trocam de posição, pois “a mesma pessoa assume vários
papéis diferentes no tempo e no espaço, levando conseqüentemente
a necessidades e interesses também mutáveis no tempo e no espaço
(VASCONSELOS, 1999, pp. 49). O mais surpreendente é que ambos
se esquecem completamente de suas necessidades quando estão
desempenhando outro papel. Para eles, o que importa é ter seus
ímpetos atendidos em qualquer posição. Substitui-se explicitamente
a empatia pelo egoísmo?
Posteriormente ele foi apontado como provocador do caos,
poluidor da atmosfera, interventor da rotina e do curso normal do
deslocamento. Sua pior face, entretanto, é a de máquina assassina,
conforme evidenciam as estatísticas de acidentes de trânsito. Morrem
cerca de 80 pessoas por ano nas ruas ludovicenses, segundo as
estatísticas do Detran-MA. O horror dos acidentes não mitigou o
fascínio pelo veículo, mas representou um alerta para os perigos da
modernidade cinética.
Na atualidade, a massificação do automóvel preencheu todas
as vias, resultando em infindáveis engarrafamentos, uma ironia aos
apressados que pensaram que a aquisição de um automóvel para
cada membro da família tornaria suas vidas mais lépidas. Na verdade,
José O. Alcântara Jr.
102
“De lá pra cá o Brasil conseguiu alcançar e manter a marca
de campeão mundial de ‘acidentes de trânsito” (Ned Ludd, 2004,
pp. 16). Sobre este aspecto, vale salientar que, a questão dos
homicídios do trânsito, irá receber o seu primeiro tratamento quando
da criação do novo CTB.
Com o passar do tempo, o domínio do carro, no movimento
circular contribui, para que os acidentes deixassem de ser isolados
e se tornassem um problema social (Krämer-Badoni & Kuhm, 2000,
passim), marcado pelo conflito manifestado, dentre outras formas,
pelo acidente de trânsito.
O Brasil possui o índice de 6,80 acidentes para um grupo de
10 mil veículos, (Brasil. 2003, pp. 9); posição que já merece uma
consideração analítica por parte da sociedade brasileira.
Taxas de mortes por 10 mil veículos para paises selecionados:
Fonte: Brasil,4, pp. 9.
Nesta pesquisa, as estatísticas têm uma função fundamental:
a análise de uma possível sociabilidade conflituosa entre condutores
e pedestres. Contanto, levamos em conta que as estatísticas por si
não significam muita coisa. Mas, que o seu registro vai no sentido
de alimentar ou galvanizar uma discussão.
A cada treze minutos ocorre uma morte por ‘acidente’ de trânsito no Brasil.
A cada sete minutos ocorre um atropelamento. Além das 46 mil mortes
anuais por ‘acidentes’ de trânsito, 300 mil pessoas ficam feridas, 60% com
lesões permanentes. Desses mortos, 44% foram vítimas de atropelamento
e 41% estão na faixa etária entre 15 e 34 anos. Cerca de 60% dos leitos de
traumatologia dos hospitais brasileiros são ocupados por “acidentados” no
trânsito.” (Ludd, 2004, pp. 16-17).
Os números acima demonstram, desde já, um evidente conflito
travado diariamente no trânsito, o qual foi posteriormente observado
na realidade circular de São Luís.
País Mortes por 10 mil veículos
Japão, 2000 1,32
Brasil 6,80
Zâmbia 85,00
Microsociologia da sociabilidade
105
relacionar o número de eventos registrados com as variáveis que podem
estar ligadas à sua causação (...) há problemas ligados à confiabilidade dos
dados existentes. A série histórica dos dados de acidentes de trânsito em
São Paulo apresenta vários problemas, na medida em que foi construída
pela justaposição de fontes diversas, que utilizavam metodologias diferentes
de anotação de dados. (VASCONCELLOS, 1999, pp. 203 e 204).
As primeiras inferências sobre a institucionalização dos
serviços de trânsito em São Luís remontam ao século XIX. No Código
de 1842, encontramos o “Artigo 19, o qual já disciplinava a utilização
dos animais como meio de transporte na cidade de São Luís. Vamos
encontrar no Código de 1866, a Lei Nº 775, de 4 julho de 1866, no
seu Artigo 9, o seguinte imperativo da sua matrícula na Câmara
Municipal. No Código de Postura de 1893, a Lei Nº 8, essa vai destinar
os artigos 123 até o 138, onde se começa a especificar as condutas
dos condutores de veículos. Encontramos a normalização da Lei
Municipal Nº 185 de 7 de fevereiro de 1913, a qual determinava a
obrigatoriedade do licenciamento e matrícula dos automóveis, o uso
de placa de identificação, definia a velocidade permitida para as
áreas urbanas, suburbana e rurais, definia também as exigências
para o exame de habilitação para dirigir um veículo.
10
No século XX
teremos os Códigos de 1936, o qual foi instituído por decreto –
decreto 205 de 3 de novembro de 1936, e o atual, o Código de
1968, Lei Nº 1790 de 12 de maio de 1968.
Por acidentes de trânsito, entendemos aquelas situações em
que veículos e pedestres se envolvem numa situação inesperada,
ou seja, que acontece subitamente. Recorremos a uma passagem
de Guillermo Giucci onde este apresenta de forma concisa o que
seria um acidente: “o acidente é a praga da modernidade. Pode
ser mencionado, mas é indesejado, mal recebido e o drama o
acompanha como uma sombra. Tudo é projetado para estimular a
fluidez do sistema, para garantir a circulação permanente.” (GIUCCI,
2004, pp. 78, grifo nosso). Assim, as estatísticas dos acidentes e as
observações dos incidentes, são consideradas as inferências, logo
mais, apresentadas de forma sintética nos gráficos produzidos.
10
Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, 13 de novembro de 2005, Caderno
Alternativo, pp. 3
José O. Alcântara Jr.
104
foi o crescimento desordenado das cidades o principal provocador
do aumento dos índices de vítimas fatais no trânsito, bem como a
arrogante postura adquirida ao volante em razão do poder sobre a
vida de uma multidão desprotegida.
Também há que se atentar para o controle do uso do solo em
que habitamos e transitamos, assunto regulado pela Lei nº 10.257,
que em 2001 instituiu o Estatuto da Cidade, o qual invoca a
obrigatoriedade de um plano diretor para metrópoles e cidades
populosas, além de estabelecer diretrizes para o desenvolvimento
do transporte urbano, sempre atentando para as condições de
sustentabilidade ambiental e sócio-econômica.
A construção de um espaço urbano mais democrático depende
de uma gama de diretrizes a respeito do transporte público e da
circulação urbana, conjugados com a Política de Desenvolvimento
Urbano, que têm por escopo garantir o direito a uma mobilidade
urbana sustentável.
Elementos para uma microsociologia: as instituições e
o acompanhamento das estatísticas da mobilidade urbana
A investigação das causas dos acidentes de trânsito perpassa
pela adoção de métodos de estatísticas (definindo-se a forma de
coletar os dados, agrupá-los e sistematizá-los), e pela imposição
legal aos órgãos de trânsito da realização correta das mesmas, isto
é, com a maior fidelidade possível aos números reais. Detectou-se
ao longo do tempo que a coerção e a sanção, representadas pelas
imposições das multas e penalidades, não produziam os resultados
esperados, por serem posteriores ao fato. Já a estatística tem a
função de descobrir as causas e prevenir os acidentes, orientando a
população a respeito dos “comportamentos de risco no tráfego”.
Os reveses, no entanto, não tardaram a ser identificados. Inexiste uma
unificação dos dados coletados, uma vez que os vários órgãos responsáveis
pela tarefa utilizam suas próprias metodologias, com enfoques peculiares
nos distintos Boletins de Ocorrência e nos diferentes softwares para a
elaboração das estatísticas. A coleta assistemática de dados carece de uma
política de integração, pois a falta de uma padronização permite que cada
estatística apresente um resultado diverso. É o que confirma Vasconcellos:
(...) Uma das maneiras de escapar a esta indeterminação tem sido a tentativa
de quantificar o fenômeno, por meio de cálculo de índices, que procuram
Microsociologia da sociabilidade
107
uma participação essencial, na medida em que ele foi adaptado
irresponsavelmente para o uso do automóvel.” (VASCONCELLOS, 1998, pp.
64).
Finalizando, pretende-se destacar as inferências estatísticas
para somar traços que recomponha este quadro social tão idiota.
Análise das estatísticas sobre os acidentes
Selecionamos as estatísticas consideradas as mais relevantes
para a verificação da sociabilidade entre condutores de automóveis
e pedestres. Portanto, escolhemos as que tratavam de informações
básicas. Abaixo, encontra-se o gráfico 01, o qual irá sintetizar os
acidentes ao longo dos anos considerados neste trabalho. O gráfico
01 apresentará a quantidade de acidentes ao longo dos seis anos
trabalhados, ou seja, como se comportou os acidentes antes e depois
da implantação do código brasileiro de trânsito. O gráfico segue
logo abaixo:
GRÁFICO 01
número de acidentes de acordo com o tipo e o ano
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
1
9
9
5
1
9
9
6
1
9
9
7
1
9
9
8
1
9
9
9
2
0
0
0
ano
número de acide
n
número de
acidentes com
vítim a s fa ta is
número de
acidentes com
vítim a s nã o fata is
número de
acidentes com
danos materiais
10 9
427
1227
74
452
1544
97
545
1622
67
475
1719
62
406
1472
63
533
1353
Fonte: Detran - MA
José O. Alcântara Jr.
106
Elementos para uma microssociologia II:
as estatísticas dos acidentes na mobilidade urbana
A caracterização dos acidentes de trânsito é, também,
encontrada no documento da Instrução Básica de Estatística de
Trânsito, disponível no sítio eletrônico do Departamento Nacional de
Trânsito.
11
Sua importância está relacionada à elucidação dos
conceitos de elementos mencionados nas estatísticas.
O estudo anatômico do acidente, portanto, examina cada parte
ou “componente” de cada acidente, permitindo avaliar os custos
associados a cada um dos componentes examinados. O estudo
anatômico, por outro lado, não se preocupa com a forma do acidente,
ou seja, não busca examinar como aconteceu o acidente ou, como
normalmente se conhece, o “tipo” do acidente: se uma colisão frontal
ou lateral, um capotamento ou tombamento. O estudo da “morfologia
de um acidente” é campo de pesquisa que vai além da descrição das
formas dos acidentes, buscando explicar as conexões existentes entre
os diversos elementos, considerando a dinâmica do acidente,
visualizando-o em uma dimensão temporal, estudando as forças
atuantes durante o período em que o acidente ocorreu, os materiais,
sua resistência e deformação, incluindo-se o que se poderia chamar
de “fisiologia dos materiais”.
12
Portanto, temos o objetivo de apontar tais estatísticas para
engrossar uma provável identificação das dimensões e inferências,
auxiliares na descrição sociológica do acidente, ou seja, enumeramos
algumas unidades para um microssociologia, ao aglutinar as
informações que vão nos descrever aspectos sociais do acidente.
Em muitas situações não foi possível determinar a causa dos
fenômenos em estudo, pois como sugere Vasconcellos:
As causas dos acidentes de trânsito são muito variadas e complexas. Os
principais fatores são o comportamento humano, as condições da via e do
veículo e as características do ambiente de circulação (a disposição física
das vias e calçadas, os conflitos de trânsito). Embora os estudos tendam a
atribuir a maior parte da ‘culpa’ ao fator humano, é preciso cuidado: nos
países em desenvolvimento como o Brasil, o ambiente de circulação tem
11
http://www.denatran.gov.br/Instrucao%20Basica%20de%20Estatistica%20
de%20Transito/FRAMES. Acesso em: 19/11/2004.
12
Brasil5, 2006, pp. 25.
Microsociologia da sociabilidade
109
veículos durante o dia, período em que se realizam a maior parte
das atividades cotidianas. Nos anos de 1995 e 1996, aconteceram
mais acidentes com vítimas fatais durante o dia; nos anos de 1997
e 2000, os acidentes com vítimas fatais aconteceram em igual número
durante o dia e durante a noite. Já em 1998 e 1999 aconteceram
mais acidentes com vítimas fatais durante a noite. Como se vê, no
tocante aos acidentes com vítimas fatais, a probabilidade de
ocorrerem mais durante o dia ou durante a noite é igual, podendo
haver variação do ano em que a noite ou o dia são líderes na
estatística. De 1995 a 2000 ocorreram em média 39,8 acidentes
com vítimas fatais durante o dia. E, 307,1 acidentes com vítimas
não fatais durante o dia. Os acidentes com danos materiais
totalizaram 1.015,3. A média dos acidentes com vítimas fatais durante
a noite foi de 38,8. Já os acidentes com vítimas não fatais durante a
noite foi 165,8 e dos acidentes com danos materiais durante a noite
foi 474,1.
Em todos os anos aqui tratados, o veículo mais envolvido
em acidentes de trânsito é o automóvel. O automóvel é o tipo
predominante na frota de veículos de São Luís, portanto, se constituí
no tipo de veículo auto-motor que mais se envolve em acidentes.
Este tipo de veículo é o que mais circula pela cidade.
A grande urbanista Jane Jacobs atribuiu ao automóvel à
condição de ser um dos agentes corrosivos das cidades. A lógica
que deveria predominar na mobilidade, seria a de ser orientada pelo
princípio de não gerar a necessidade de deslocamentos sobre a malha
viária urbana. As viagens precisam ser reduzidas ao menor número.
A necessidade da auto-estrada deveria ficar limitada ao mínimo
necessário de uma urbe. Nas suas palavras: “Atualmente, todos os
que prezam as cidades estão incomodados com os automóveis.
13
O carro, como fator gerador da sociabilidade conflituosa,
poderia ser identificado pela quantidade de mortes provocada, pelo
stress, que ocasiona graças aos estacionamentos forçados, pelo
assassinato simbólico dos “outros”, pela acentuação da desigualdade
social e muitos outros exemplos de conflito, não deixa outra
alternativa, a não ser, a reprodução deste modelo de locomoção
13
Jacobs, 2000, pp. 377
José O. Alcântara Jr.
108
A partir do Gráfico 01 pode-se verificar três movimentos: um
de ascenso, um de estabilização e outro de descenso. Tais
movimentos seriam atribuídos aos períodos anterior e posterior a
implantação do CTB. Devemos relembrar que neste período
registrava-se um aumento do número de acidentes, eles se
constituíam em principal motivo de mortes. Com a implantação do
novo CTB vais-se registrar uma diminuição nos acidentes. Portanto,
queremos ampliar e, corroborar com a discussão, ao imputar-se,
uma certa naturalização dos acidentes de trânsito em uma cidade.
É, como uma tragédia, anunciada cotidianamente.
O número de acidentes com danos materiais é sempre o maior
em todos os anos indicados. Isto se dá porque é muito mais freqüente
a ocorrência de danos apenas aos automóveis, que a ocorrência de
danos às pessoas envolvidas no acidente. O segundo maior número
é de acidentes com vítimas não fatais, o qual são pessoas
acidentadas, que sofrem lesões corporais, mas não chegam a óbito.
E o menor número é o de acidentes com vítimas fatais, isto é, pessoas
que não só sofrem lesões corporais como também vêm a falecer no
momento do acidente. Observe-se que aqui não estão computadas
as vítimas que morrem nos hospitais, após o momento do acidente,
gerando uma grave falha no sistema de estatísticas. Logo, não
ocorrem tantas mortes no trânsito quantos prejuízos materiais e
traumas físicos. Neste intervalo, de 1995 a 2000 ocorreram em média
78,6 acidentes com vítimas fatais, 473 acidentes com vítimas não
fatais e 1489,5 acidentes com danos materiais, segundo os números
apresentados pela estatística do Detran-MA.
Constata-se, em todos os anos, a maior parte dos acidentes
são atropelamentos com vítimas fatais, acidentes em que um
pedestre ou um animal sofrem impacto de um veículo. Nas vias
urbanas, porém, é mais comum que os pedestres sejam as maiores
vítimas deste tipo de acidente. Esta informação evidencia que eles
correm um maior risco de vida que o condutor do veículo e o
conduzido, uma vez que estes dois últimos não estão em contato
direto com as vias, mas sim de certa forma protegidos dos pequenos
e médios impactos pela lataria do carro.
Nos acidentes com danos materiais e vítimas não fatais,
geralmente o dia apresenta maior número de acidentes que a noite.
Esta visível diferença se dá em razão da grande movimentação de
Microsociologia da sociabilidade
111
na sua frente; 4) quando o condutor de automóvel buzina para
pedestres; 5) quando o condutor de automóvel buzina para outro
que trancou sua passagem; 6) quando o condutor de automóvel faz
uso da buzina, mas não foi possível identificar pra quê ou para quem
ele buzinou; Situações de paquera e outras situações.
GRÁFICO 02
GRÁFICO DAS MANIFESTAÇÕES COM MAIOR
INCIDÊNCIA NO TRÂNSITO DE SÃO LUÍS
43%
41%
12%
2%
1%
1%
Ocorrências em que condutor faz uso da buzina
Ocorrências em que pedestre desrespeita a sinalização de regulamentação
Ocorrências em que condutor desrespeita a sinalização de regulamentação
Ocorrências de paquera
Ocorrências em que condutores conversam
Ocorrências em que condutor xinga ou faz gestos obscenos para outro
No tópico sobre a sociabilidade de condutores de automóveis
e pedestres, constatamos que muitas vezes, esses últimos
desrespeitavam a sinalização de trânsito por estes se encontrarem-
se desamparado em termos de infra-estrutura para as suas
mobilidades. Ou seja, a própria organização do trânsito condiciona
as infrações de trânsito nestas situações. Os atropelamentos que
analisamos, em sua grande maioria, aconteceram quando o pedestre
tentava atravessar a pista de rolamento de uma rua ou avenida ou
então caminhava por estas. As observações que fizemos nas vias de
tráfego de São Luís, nos oferecem material para afirmar que o
pedestre não conta com condições favoráveis para que faça um
deslocamento seguro. No nosso caso, privilegiou-se o deslocamento
José O. Alcântara Jr.
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gerador de vítimas, o que gera mais carros nas ruas, mais pessoas
fora delas e mais conflito. Peter Hall (2005).
Roland Barthes (2007, pp. 215), analisa o automóvel da
seguinte forma:
“Creio que o automóvel é hoje o equivalente bastante exacto das grandes
catedrais góticas: quero dizer, uma criação que faz época, concebida com
paixão por artistas desconhecidos, consumida na sua imagem, se não no
seu uso, por um povo inteiro, que através dela se apropria de um objecto
perfeitamente mágico.
Para a economista Tatiana Schor
14
a sociedade em que se
vive é uma sociedade em que se consome mais do que se apropria.
O automóvel, neste contexto, tem a função mais de ostentação
(consumo) do que de utilidade (apropriação). Desta forma,
desenvolve-se uma sociabilidade entre condutores e pedestres
marcada pela anulação do indivíduo-pedestre em relação ao
indivíduo-condutor que tem ao seu favor graças ao dinheiro a
possibilidade de ostentar um bem luxuoso e confortável tal como é
o automóvel. Enfim, pode-se fazer uma analogia coloquial: uma
pessoa com carro e um outra sem ele, são duas pessoas com prestígio
socialmente opostos. São duas pessoas distintas socialmente.
Observações regulares das ações dos condutores
e pedestres na mobilidade urbana
Apresento o gráfico 02, o qual sintetiza as principais
ocorrências observadas: as ações dos condutores e pedestres entre
eles foram identificadas ações quanto ao uso abusivo do recurso da
buziana, dos desrespeitos, por parte dos condutores e pedestres,
nos aspectos referentes às infrações regulares. Observou-se na
situação especificada do uso da buzina, a necessidade de uma
subdivisão para as anotações, devido ao uso diversificado deste
recurso, ficando da seguinte forma os principais motivos ou razões
para o acionamento deste equipamento de sinalização sonora:1)
quando o condutor de automóvel buzina para outro após o sinal
abrir; 2) quando o condutor de automóvel buzina para ciclistas,
motoqueiros e carroceiros que “atrapalham” o seu fluxo; 3) quando
o condutor de automóvel buzina para outro que se desloca devagar
14
SCHOR, 1999, pp. 108
Microsociologia da sociabilidade
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Após a implantação do novo CTB verificamos que somente
um terço dos condutores teriam prestado socorre entre os anos de
1995 e 2000. Paralelamente podemos constatar que o número de
condutores sem solidariedade caiu em torno de 20% (vinte por
cento), com esta compara poderíamos chegara a afirmar que: é
uma expressão da falta de uma postura solidária. Já que os
indicadores aferem um percentual bastante elevado quanto a falta
de prestação de socorro à vítima. Fato esse preocupante no que diz
respeito à questão do socorro as vítimas de acidentes. No período
temos um aumento de terço entre 1995 e 2000. Constatamos que
no período analisado o número de condutores de veículos que
prestaram socorro às vítimas de atropelamento foi praticamente
insignificante, se comparado aos que não o fizeram. Isto vem
demonstrar que a nova lei ainda não está no cotidiano dos cidadãos
da cidade de São Luís. Podendo demonstra a falta de uma prática
mais solidária, e que o sistema de educação para o trânsito ainda
não existe entre nós, pois, se aquela existisse, pensamos que essa
situação estaria progressivamente invertida quanto a prática de
prestação de socorro as vítimas de acidentes.
Conclusão
Há uma luta de classe! E, ela se daria entre os possuidores
dos autormóveis – os condutores – e os pedestres – os despossuídos
de tais equipamentos – na trama entre os trânsitos das vias urbanas.
Isso estaria produzindo uma socialização conflituosa no cotidiano
urbano. As novas medidas referentes às políticas públicas advindas
pelo novo CTB não foram ainda incorporadas ao cotidiano dos
condutores e pedestres. Assim, estaríamos, ainda bastante distantes,
de uma atmosfera harmoniosa na sociabilidade dos movimentos de
mobilidade dos moradores, na medida em que, - ainda estamos
longe de uma constitucionalização da vida social -, os novos aspectos
da legislação após a constituição de 1988, e, as novas leis derivadas
do período de redemocratização, ainda não estariam absorvidas ou
não incorporadas no cotidiano dos moradores, quer condutores ou
pedestres, da cidade em estudada. Desta forma, ao tratar deste
assunto, estaríamos começando a vascular as dimensões desta nossa
sociabilidade medrosa e conflituosa, as decorrentes, e ainda,
molduras do nosso dia-a-dia, a partir de um exemplo de uma cidade
brasileira. Tal atmosfera desencadeia uma forma sui generes, ou
José O. Alcântara Jr.
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dos veículos automotores, em detrimento da mobilidade do pedestre.
Tal conclusão é uma constatação já registrada na parca literatura
das ciências sociais. É um entendimento não só nosso, mas também
de outros estudiosos do tema em questão, como exemplo, Eduardo
Alcântara (1996, pp. 64).
Falta de solidariedade ou o desconhecimento da lei
A partir do gráfico 03, logo abaixo, como já, também,
informado, este gráfico é fruto da concatenação das reportagens, as
quais se reportam e informam a maneira adotada por condutores
em relação aos acidentados no tráfico da cidade no período
considerado para análise. Portanto, pretende-se analisar as formas
de solidariedade demonstrada pelos condutores de veículos, no
concernente às ações referentes à prestação de socorro as vítimas
de acidentes. Como o gráfico 03, podemos fazer uma comparação
sobre o procedimento de prestação de socorro as vítimas dos
acidentes, e, comparar a postura de não prestação de socorro, a
qual ainda, era predominante nestas situações, a anterior ao novo
CTB. Com essa inferência estamos querendo dar relevo a uma
conclusão bastante grave, ou seja, há um hábito, uma forma, uma
atitude adotada, junto aos nossos (des)semelhantes. A prestação
de socorro não está sendo uma prática rotineira. Em muitas das
vezes, o condutor se sente ameaçado pela fúria dos testemunhos
oculares dos acidentes, aqueles que presenciaram o acidente.
GRÁFICO 03
CONDUTOR DO VEÍCULO ATROPELADOR PRESTOU SOCORRO
À VÍTIMA 1995 a 2000
2
7
555
3
48
25
26
22
11
9
0
10
20
30
40
50
60
1995 1996 1997 1998 1999 2000
SIM O
Microsociologia da sociabilidade
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José O. Alcântara Jr.
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