filha de Anu (deus supremo) como filha de Sin (a Lua, masculino
nessa região) e irmã do Sol; simultaneamente, era a deusa da guerra
e da procriação. Pouco a pouco suplantou o culto de seu pai Anu, e
depois todas as outras divindades. O seu nome acabou por significar
“deusa, em geral, e cada uma em particular; é a deusa das batalhas,
a Rainha dos Céus e a parceira de Bel”.
Em Canaã e na Fenícia, chamou se Astarté, e tanto se
identificava com a deusa mãe da procriação como a um general e
chefe guerreiro (esse último desdobramento ocorrendo
nomeadamente entre os assírios) e, ainda, com a estrela guia dos
marinheiros, protetora destes. Por causa de seus diversos aspectos,
Astarté acabou por ser identificada com diversas divindades femininas
greco romanas, em particular com Hera e Juno.
Baal e Astarté reunidos representam, no fundo, a grande força
da natureza, princípio masculino, ativo, gerador, mas também
destruidor, e um princípio feminino, passivo, produtivo, maternal.
Se Baal é o Céu, Astarté é a Terra fecundada por ele.
Moisés Espírito Santo apresenta muitos elementos que levam
imediatamente à associação daquele culto a Nossa Senhora dos
Prazeres. O fato de se considerar “a mãe dos Homens” entre os
babilônicos; de ser considerada a deusa da guerra entre os
mesopotâmios faz nos levantar, quanto à Senhora dos Guararapes,
a hipótese de uma estrutura religiosa, mítica e imaginária que
atravessa os séculos. É o que veremos quando colocarmos em
confronto as teses de Marcel Mauss e Dieterich, já apresentadas, as
teorias de Michel Maffesoli (1985), e as lendas e mitos em torno do
culto à Senhora dos Guararapes, no Brasil.
A Biblia, ainda segundo Moisés Espírito Santo, faz inúmeras
referências a Astarté, designando a por vários nomes e trocadilhos
de palavras, por desprezo e anti propaganda: Astoret, Astaroth
(“vergonha”, “abominação”, “prostituição”), usando o mesmo termo
para designar Astarté e “fêmeas parideiras”. O seu culto teve grande
impacto entre os israelitas, incessantemente ameaçados por Yaveh
por causa dessa “prostituição”. Uma passagem relativa a Salomão
refere que, em sua velhice, esse rei teria sido forçado por suas
setecentas mulheres e trezentas concubinas a entregar se ao culto
a Astarté, erigindo lhe altares em todo o seu reino. “Na Biblia ainda
aparece o nome de Ashera - “direita”, “bem posta” ou “feliz” - para
designar Astarté, sendo Ashera representada nos santuários, ao lado
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As origens do culto
uma deusa mãe, que em Canaã se chamava Astarté, da babilônica
Ishtar. Aparece nos no Antigo Testamento inúmeras vezes, sob várias
designações: Astarté, Asthoret, Ashera, Baalat e Rainha dos Céus”
(1988: 46 7). Em Portugal, particularmente, diz ainda Moisés Espírito
Santo, “os cultos populares judaicos orientam se para a personagem
de Maria, não por ser a Mãe de Jesus, mas por ser a Nossa Senhora,
Rainha dos Céus etc.” (Santo; 1988: 47).Assim, a identificação de
Ishtar, a antiga divindade babilônica, com a santa rainha Ester, dá-
se também, nesse novo contexto, com Maria Rainha dos Céus: “Nos
panegíricos marianos, Ester ‘anuncia’ Maria que, sendo pobre, acabou
por ter as simpatias do rei; é a intercessora junto de Deus e foi
graças a ela que a humanidade se salvou. Ester encontra se presente,
de forma sub reptícia ou não, em muitos momentos do culto da
Senhora nas Beiras, sobretudo nos rituais primaveris” (Santo; 1988:
47). Porém, é com a Nossa Senhora dos Prazeres que a Rainha
Ester se associa mais perfeitamente, segundo o autor: “As festas
que têm lugar na semana da Páscoa ou no domingo seguinte,
chamado de Pascoela, em honra de Nossa Senhora dos Prazeres ou
de outros títulos, são ou foram festas cripto judaicas, substitutivas
da celebração da Páscoa e dos Ázimos Judaicos, por outro lado, e
associados à rainha Ester, por outro”. (Santo; 1988: 47).
Mas, antes de nos aprofundarmos nas origens portuguesas
desse culto, e como ele se desenvolveu na cultura lusitana, adquirindo
particularidades próprias, farei breve digressão sobre as
singularidades ligadas aos antigos cultos à deusa Ishtar, na Babilônia,
e à rainha Ester, na Judéia.
A Deusa Ishtar, dos Babilônios
Segundo Moisés Espírito Santo (1988) e de James Frazer
(1986), antropólogo inglês do início do século, a Ishtar dos babilônios
é o princípio feminino da divindade Bel ou Baal. Seu nome deriva de
Istarati, feminino de deus Illi, da antiga Assíria. Um mito babilônico
descrito numa inscrição do terceiro milênio pretende que Ishtar é “a
mãe da humanidade”.
Entre os assírios, Ishtar tinha atributos astrais, e era
freqüentemente chamada Estrela da Manhã e se representava com
uma estrela na fronte, com uma simples estrela ou um crescente
lunar. Na Mesopotâmia, era hermafrodita: varão enquanto estrela
da manhã, e deusa da noite enquanto estrela da tarde; tanto era
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Alexandre Fernandes Corrêa