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Festim Barroco.
Ensaio de Culturanálise
da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres
dos Montes Guararapes/PE
São Luis/MA
EDUFMA
2009
Alexandre Fernandes Corrêa
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À minha mulher
Adriana Cajado Costa
O início de nossos tempos de estudo
CORRÊA, Alexandre Fernandes. Festim Barroco. Ensaio
de Culturanálise da Festa de Nossa Senhora dos
Prazeres dos Montes Guararapes/PE. São Luis/MA:
EDUFMA, 2009, 136p. il.
ISBN 978-85-7862-046-2
Capa: Fachada da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres
dos Montes Guararapes/PE
Impresso somente no formato eletrônico (e-book)
De acordo com a Lei n.10.994, de 14/12/2004,
foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional
Este livro foi autorizado para domínio público e está disponível para
download nos portais do MEC [www.dominiopublico.gov.br] e do
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FICHA DE CATALOGAÇÃO
Edição desenvolvida através do projeto e-ufma
Visite www.eufma.ufma.br
e saiba mais das nossas propostas de inclusão digital
Universidade Federal do Maranhão
Gabinete da Reitoria - Administração Natalino Salgado Filho
Diretor da Imprensa Universitária: Ezequiel Antonio Silva Filho
Adaptação da Dissertação de Mestrado
Festim Barroco: um estudo do significado cultural da
Festa dos Prazeres em Pernambuco,
defendida na Universidade Federal de Pernambuco,
sob orientação de Roberto Mauro Cortez Motta, em 1993
“Não adotemos esses espetáculos exclusivos que encerram tristemente um
pequeno número de pessoas em um antro escuro; que os mantêm temerosos e
imóveis no silêncio e na inércia. (...) Não, povos felizes, não são estas as vossas
festas. É preciso reunir vos ao ar livre, sob o céu aberto e entregar vos ao doce
sentimento de vossa felicidade. (...) Mas quais serão afinal os objetivos desses
espetáculos? O que mostrarão? Nada, se quisermos. Com liberdade, por toda
parte onde reinar a afluência o bem estar aí estará reinando. Erigi em meio a uma
praça uma estaca coroada de flores, reuni em torno o povo e tereis uma festa.
Fazei melhor ainda: transformai eles próprios em atores, fazei com que cada um
se veja e se ame nos outros a fim de que todos estejam mais unidos”.
JEAN JACQUES ROUSSEAU, Lettre à d’ Alembert
Aquele fenômeno social que distingue as civilizações é o fenômeno religioso. É o
único que não pode ser imposto por uma elite; é o único que representa
diretamente as emoções humanas que é donde a ação nasce; é o único que
reúne fortemente as qualidades de ser, ao mesmo tempo que intimamente
individual, inteiramente coletivo, abrangendo assim completamente tudo quanto
constitui a forma espiritual de determinada civilização”.
FERNANDO PESSOA, 1918
“Diria que barroco é aquele estilo que deliberadamente esgota (ou pretende
esgotar) suas possibilidades e faz limite com a própria caricatura. (...) Barroco
(baroco) é o nome de um dos modos do silogismo. O século XVIII aplicou o a
determinados abusos da arquitetura e da pintura do século XVII. Eu diria que é
barroca a fase final de toda arte, quando ela exibe e exaure os seus recursos. O
barroquismo é intelectual e Bernard Shaw disse que todo trabalho intelectual é
humorístico. Esse humorismo é involuntário (...) ou é voluntário e consentido”.
JORGE LUIS BORGES. História Universal da Infâmia, 1986
SUMÁRIO
Apresentação
Introdução
Barroco: conceito em perspectiva
Origem do culto à
Nossa Senhora dos Prazeres
A sócio-etnografia da festa
e da procissão religiosa
Culturanálise da festa de
Nossa Senhora dos Prazeres
A imagem barroca da
Civilização Latino-Americana
Bibliografia
9
13
25
37
59
87
111
127
Apresentação
Desde tempos imemoriais, boa parte da humanidade tem se
dedicado a cultuar grandes deusas de caráter maternal que no fundo
simbolizavam talvez a velha Terra, que nos carrega e amamenta
com seus frutos. Numa longa seqüência, que possivelmente inclui a
Vênus Calipígia e outras contemporâneas, temos Ishtar, a Rainha
Ester, Isis - a Grande Mãe(de “As Brumas de Avalon”). Nos países
católicos este culto se reflete nas mil e uma versões de Nossa
Senhora, como é o caso brasileiro. Aqui, de norte a sul do país, a
maioria das grandes festas populares religiosas homenageia estas
deusas mães, sendo que algumas delas estão associadas a também
deusas mães de origem africana, como Iemanjá e Oxum. O mais
interessante é que, longe de estarem em declínio, tais festas, pelo
contrário crescem a cada momento que passa.
O culto público a tais divindades, no Brasil, tem certas
características recorrentes. Uma delas é a capacidade que estes
eventos possuem de incorporar num mesmo todo, simultaneamente,
elementos aparentemente desconexos, seja ao nível de dimensões
materiais, concretas, seja ao das representações dos vários grupos
aí envolvidos. Temos, então, por exemplo, tanto o “Salve Nossa
Senhora Tal”, como a saudação em Nagô para a Santa com a qual é
associada; tanto o discurso moral-conservador dos padres, como o
esfrega-esfrega dos casais de namorados; meninos vestidos de anjo
tomando coca-cola: isto é, o antigo e o novo, sem regras aparentes,
tudo convivendo lado a lado no mesmo espaço.
11
Apresentação
Escrevendo em estilo claro, sem as não incomuns academicices
rançosas que costumam assolar tais trabalhos, Alexandre Corrêa
produziu uma obra que sem dúvida atuará como referência para
futuras incursões antropológicas no rico terreno das festas populares
brasileiras. Portanto, que vale a pena ser lida e consultada.
Norton F. Corrêa
Antropólogo,
professor do Departamento de
Sociologia e Antropologia da UFMA.
Doutor em Antropologia pela PUC\SP
10
Norton F. Corrêa
Esta mistura de elementos, recortada e caprichosa,
exuberante, polícroma e dinâmica, agregando épocas e estilos, é
justamente o que caracteriza o barroco, seja na arquitetura, seja na
música.
Para Alexandre Corrêa, entretanto, o barroco, como expressão
cultural, não se restringe apenas a estes dois campos: revela-se, e
de maneira privilegiada, também nestas festas, pois incorporam, tal
como na arte, dimensões múltiplas da realidade histórica e social
das populações que delas participam. Considerando isto é que
assinala a importância de se estudar tais eventos, visto que
representam expressões da vida destas populações. Partindo de
uma abordagem antropológica, o autor toma como objeto duas
festividades: uma, a de Nossa Senhora dos Prazeres, em Jaboatão
dos Guararapes, no Grande Recife, com profundo sentido histórico.
Outra, a que ocorre no que ele chama “Bairro-Festa” da Madre de
Deus, em São Luis do Maranhão, representativa por ocorrer em um
dos locus sentimentais-culturais da cidade.
A primeira, que centra o trabalho, adquire importância
relevante por envolver um acontecimento crucial na cultura brasileira:
o momento em que, derrotando e expulsando os holandeses, o Brasil
opta pela cultura latina. As solenidades transcorrem numa área
transformada em Parque Nacional e tombada pelo Patrimônio
Histórico e Artístico (o que basta para sublinhar o significado do
acontecimento), onde o templo religioso ali existente, dedicado à
Santa, é simultaneamente o monumento que simboliza a vitória. O
próprio Exército Brasileiro, que situa seu surgimento exatamente a
partir daquelas batalhas, encarrega-se, na data, de apresentar uma
dramatização do combate. Diz uma lenda que Nossa Senhora dos
Prazeres transformava em bombas as pedras, que, em falta de coisa
melhor, nossos mal-aparelhados combatentes jogavam nos invasores.
Tanta a festa dos Guararapes como as da Madre de Deus são
ocasiões, sem dúvida, onde podemos surpreender o tipicamente
barroco ao vivo e a cores, ilustrado ainda pelo fato de que ambas as
homenageadas são representantes clássicas da Grande Mãe protetora
da humanidade.
Introdução
O homem nunca desaparece em proveito do sistema.
Ora, essa exigência de conduzir um projeto científico
sem renunciar à sensibilidade artística chama-se etnologia.
François Laplantine; 1988: 85.
Esse ensaio compõe-se de algumas reflexões etnológicas sobre
realidades sócio-culturais muito presentes em nossa sociedade. São
as festas de santo no Brasil. A importância delas em nosso contexto
cultural é considerável e marcante. Existe já uma vasta bibliografia
que focaliza as mais diversas festividades católicas espalhadas pelo
País e pelo continente. Tornou-se difícil dar conta de volumes tão
densos e numerosos. Aqui tentei, na medida do possível, aproximar-
me dos mais importantes e destacados. Alguns destes textos e obras
serão citados textualmente, outros se apresentam de forma
secundária. No entanto, esse ensaio é o resultado de três anos de
intensa e determinada dedicação ao estudo dos eventos rituais e
simbólicos ligados a Festa de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes
Guararapes.
Desde o primeiro momento em que entrei em contato com as
manifestações religiosas e profanas devotadas a esta Santa Católica,
comecei a desenvolver reflexões sócio-etnológicas sobre seu tema.
Questões relativas a religiosidade, a identidade cultural, ao estudo
dos ritos, etc., na nossa sociedade brasileira e latino-americana.
Este livro é o resultado dessas reflexões, espero que seja satisfatório
e que contribua para as recentes investigações empreendidas pela
etnologia e a sociologia contemporânea.
que a superestrutura se modifica mais lentamente que a base
econômica, as mudanças ocorridas nas condições de produção
precisaram mais de meio século para refletir-se em todos os setores
da cultura” (Benjamin; 1987: 165).
Assim fica evidente que as formas de comportamento coletivo,
as ideologias e os sistemas de valores de um povo possuem uma
lógica de transformações diferentes e específicas aos seus variados
domínios. As funções e as estruturas significativas de diversos setores
da cultura modificam se em ritmos diferenciados, e as vezes
antagônicos, revelando pontos de inércia ou de aceleração. O que
quero afirmar é que os homens não têm sua práxis determinada
apenas, e em última instância, pelas atividades tecno-econômicas:
a condição humana é multifacetada, é uma “síntese de múltiplas
determinações”, como escreveu Karl Marx.
Acredito ser fundamental a pesquisa que tenta compreender
as orientações ideológicas e míticas em que se norteiam os povos
na definição de seus destinos históricos. E falar de mito, de história,
é falar de memória social, identidade cultural, etnicidade, etc. O
significado cultural último da práxis humana é a sua orientação
positiva dentro de quadros de memória social e cultura, pois afinal
cultura é memória. Percebemos assim a importância da análise dos
processos de construção das identidades culturais em sociedade,
em função das relações entre as diversas estruturas simbólicas. Mas,
não existe o homo oeconomicus, homo politicus, etc. O homem é
um ser integral, não podemos concebê-lo de modo fragmentado ou
compartimentado em instâncias estanques e compartimentadas
(sócio\bio\psico).
De acordo com esta perspectiva, não compreendo, por
exemplo, a expulsão dos holandeses de Pernambuco, no século XVII,
apenas como uma resposta da classe dos proprietários e comerciantes
portugueses e brasileiros contra os altos impostos cobrados pelos
administradores coloniais das Índias Ocidentais, principalmente após
a queda de Maurício de Nassau. Não foi em nome “apenas” da defesa
da “propriedade” dos engenhos de açúcar que Fernandes Vieira e
todos os generais insurrectos (destaque para Francisco Barreto, figura
central no processo) promoveram as guerras de Restauração. Afinal,
duraram quase uma década os combates contra os holandeses.
Acredito, antes, que o enfoque importante na análise desses
acontecimentos históricos é a evidente incompatibilidade cultural
15
Introdução
Em busca de decifrar o que designo aqui de “o significado
cultural” da festa de Nossa Senhora dos Prazeres, procurei penetrar
na realidade fenomenológica dos ritos e processos sociais que
estruturam e constituem a Festa Popular. Segui basicamente o método
sócio-etnográfico da observação participante, orientando a minha
pesquisa para uma experiência científica na construção do objeto do
estudo. Neste particular percorri caminhos sugeridos por autores
consagrados na Antropologia moderna, como Claude Lévi-Strauss
(1975; 1976), Roberto da Matta (1987), Eunice Durham (1986), e
outros, que em textos instigantes enfocaram as vicissitudes do
trabalho do campo nas ciências sociais. Para melhor compreensão
da utilização destas técnicas encaminho o leitor para a parte do
texto em que apresento a metodologia seguida na pesquisa.
Nesta breve introdução gostaria de apresentar alguns pontos
teóricos importantes que nortearam minhas investigações. Um autor
que serviu de orientação recorrente nestas reflexões foi o sociólogo
alemão Max Weber. Num célebre texto sobre a ‘objetividade’ das
Ciências Sociais, este pensador faz três distinções quanto ao estudo
dos problemas sociais e econômicos; são eles:
a) Eventos ou instituições “econômicas” em sentido estrito;
b) Fenômenos “economicamente relevantes”;
c) Fenômenos economicamente condicionados.
Seguindo estes indicadores, compreendo que esta pesquisa
lida com “fenômenos economicamente condicionados”, e como busco
aqui o “significado cultural” dos fenômenos sociais enfocados na
pesquisa, não faço nada mais que seguir os princípios elaborados
por Max Weber quando considera que a investigação científica deve
apreender: “o significado cultural geral da estrutura sócio-econômica
da vida social humana e das suas formas de organização históricas”
(Weber; 1986: 79-80).
Dito isto creio ter ficado claro que não deixei de levar em
conta o background econômico que todo fenômeno cultural possui.
Vivemos em uma sociedade de classes, com desigualdades terríveis,
num processo colonial ainda persistente. No entanto, não podemos
compreender a realidade de uma forma reducionista, pois como nos
lembra Walter Benjamin, no seu estudo sobre a reprodutibilidade
técnica da obra de arte no começo do século XX: “Tendo em vista
14
Alexandre Fernandes Corrêa
O conceito de barroco nos vem cheio de ambigüidades, é
verdade. Neste primeiro capítulo, no entanto, procurei dar-lhe uma
visão positiva, situando o no campo simbólico da análise. Nas
considerações finais desse ensaio, retomarei esse tema
importantíssimo, pois como nos diz a historiadora Janice Theodoro,
“[a] colonização da América foi obra barroca, (...) o barroco constitui
se em paradigma da cultura latino americana” (1992: 119).
Após a apresentação da problemática em torno do conceito
de barroco, começo a apresentar os dados históricos que
fundamentam os argumentos e as hipóteses sugeridas neste estudo.
Assim, no capítulo dois, procurei situar as origens históricas do culto
a Nossa Senhora dos Prazeres, incluindo aí elementos arqueológicos
que são analisados pelo estudioso português Moisés Espírito Santo
(1988; 1990), que investigou as origens babilônico-judaicas do culto
a Mãe Terra – arquétipo presente em vários sistemas culturais. Dessas
origens, esse autor passa à Península Ibérica, onde documenta a
força que tem o culto mariano em Portugal.
A cultura portuguesa é, como bem sabemos, uma das
poderosas heranças históricas que alicerçam a formação social
brasileira, e sua influência é inegável em nosso inconsciente social.
É em Portugal que, pela primeira vez no mundo católico, aparece o
culto específico a Nossa Senhora dos Prazeres, isto no século XIV.
Esse culto possui uma série de particularidades, cuja relevância para
ser compreendida em sua integridade, será aprofundada no contexto
do presente estudo. Nas terras de Santa Cruz essa devoção se liga
efetivamente as origens da civilização brasileira. Por volta da primeira
metade do século XVII, os holandeses protestantes invadem extenso
território do Nordeste do Brasil, que vai desde São Luís do Maranhão
até o Sergipe atual, com incursões constantes à sede da Colônia, a
cidade de São Salvador da Bahia. A capital do governo invasor das
Índias Ocidentais é Recife, que passa a ser a cidade mais concorrida
e populosa de todas as Américas, segundo nos diz Fernando de
Azevedo em A cultura brasileira (1971: 439).
Passaram se 24 anos até a expulsão definitiva dos chamados
“batavos hereges”. E foi nas batalhas dos Guararapes que se definiu
a situação da colonização em nosso país. A importância desses fatos
históricos é inegável, e nos capítulos seguintes demonstrarei com
minúcia os detalhes de tal processo. O certo é que a festa e a
procissão religiosa de Nossa Senhora dos Prazeres são a expressão
17
Introdução
dos holandeses com a sociedade e a cultura que estava se
constituindo na região; naqueles primeiros séculos do surgimento
da civilização brasileira. A empresa colonial das Índias Ocidentais
jamais conseguiu abalar a empresa colonial portuguesa e espanhola,
nas suas bases sócio-culturais mais estruturais.
Assim, me arrisco em afirmar, e defender a hipótese, de que
as razões para tal fracasso holandês – na época a nação européia
mais poderosa, na vanguarda do capitalismo emergente – não foram
de ordem econômica e, sim, cultural. Nesta dissertação apresentei
uma série de documentos e levantamentos etnográficos que, creio,
vêm corroborar esta hipótese culturalista.
Na defesa dessa hipótese, proponho uma reflexão sobre a
cultura barroca na América. Esta cultura se contrapõe àquela dos
protestantes holandeses. A Reforma luterana engendrou um tipo de
civilização peculiar, é o que concluímos da leitura do livro de Simon
Schama, O desconforto da riqueza: a cultura holandesa na época de
ouro (1992), que revela especificamente a realidade cultural do povo
holandês no período da invasão do Nordeste do Brasil. Outro texto
importante é o de Max Weber, A ética protestante e o espírito do
capitalismo (1967), em que podemos compreender de que forma as
mudanças nos princípios morais e éticos da religião cristã promoveram
uma transformação radical na ‘visão de mundo’ (Weltanschaung) de
muitos povos da Europa do Norte, com reflexos principalmente no
comportamento econômico de suas populações, em meio às quais a
racionalização da existência chegou aos extremos do utilitarismo,
resumido na fórmula “time is money”!
O tema da cultura barroca vai ser central na argumentação
aqui apresentada. O primeiro capítulo é dedicado aos problemas
semânticos em torno do conceito de barroco. Nesse ponto apresento
as bases teóricas que me serviram de base para a crítica. O barroco
aqui não será usado como na História da Arte tradicional, que limita
o termo a um período histórico ultrapassado na civilização ocidental.
Tentei esboçar as linhas gerais que fundamentam o conceito de
barroco valendo-me do auxílio de estudos importantes, como os de
José Maria Valverde (1985), de Roger Bastide (1940), de Janice
Theodoro (1992), entre outros. A partir da análise histórica,
aproximo-me da interpretação da sociologia do barroco brasileiro,
como expressão total de uma cultura e uma civilização latino
americana.
16
Alexandre Fernandes Corrêa
Prazeres revela se como um culto religioso cívico militar popular,
com imagens e símbolos ligados a um projeto de civilização barroca,
constituindo se no que o professor Roberto Motta chamou de “a
herança viva das matrizes culturais geradoras do barroco” (1980:
29). Esse projeto se contrapõe ao projeto reformista luterano e
calvinista, representado pela Holanda, à época da Colônia.
Concluo o trabalho com algumas reflexões sobre a identidade
cultural latino americana. Apresento, aí, idéias que defendi no
“Congresso da América: Raízes e trajetórias”, em 1992, oportunidade
em que enfoquei a obra de Octavio Paz. O ensaísta mexicano
questiona com muita pertinência os problemas levantados aqui,
quando nos indaga:
Alguns acham que todas as diferenças entre os norte americanos e nós são
econômicas, isto é, que eles são ricos e nós somos pobres, que nasceram na
democracia, no capitalismo e na Revolução Industrial e nós nascemos na
Contra Reforma, no monopólio e no feudalismo. Por mais profunda e
determinante que seja a influência do sistema de produção na criação da
cultura, recuso me a acreditar que bastará possuirmos uma indústria pesada
para vivermos livres de qualquer imperialismo econômico, para que
desapareçam as nossas distinções (...) (1976: 23).
Esse questionamento está na base de qualquer análise sobre
nossa identidade cultural. Nós nos sentimos diferentes. E o que é
que nos faz diferentes, e em que consistem essas diferenças? Para
aprofundarmos estas reflexões precisaremos resgatar outro autor
de suma importância, que vem levar as últimas conseqüências os
ensinamentos de Roger Bastide sobre as Américas:
O Brasil assim como a América Latina (...) oferece a imagem ou a ilusão
daquilo que poderia ter sido uma civilização que houvesse acolhido outra
opção, diversa da rentabilidade e do capital. O ingresso na economia de
mercado era inevitável? Por acaso, é inconcebível a existência de uma
sociedade que pratique a redistribuição da riqueza, orientando se para a
procura do desenvolvimento de homens e mulheres, ao invés do esforço no
sentido de uma organização sistemática com vistas a eleger o trabalho como
a única finalidade social dos seus membros? Quatro séculos mais tarde, a
pergunta ainda não parece haver sido formulada (Duvignaud; 1973: 24).
Existe um debate profundo por trás dessas reflexões,
atingindo, de cheio, o problema da identidade cultural latino
americana. Efetivamente, tais procedimentos rituais e míticos estão
arraigados em nosso inconsciente coletivo. A busca de seus
significados só pode ir de encontro às estruturas inconscientes, que
19
Introdução
ritual e mítica das comemorações que se realizam na atualização
histórica desses acontecimentos. Isto se faz há 336 anos!
Participam destes eventos diversas instituições sociais.
Podemos dizer com Marcel Mauss (1974; 1981) que ai está um
“fenômeno social total”, em que revelam-se diferentes linguagens,
pois, de fato, os ritos e os mitos constituem linguagem social,
possuindo unidades significativas com lógica própria.
No presente estudo, procuro encontrar exatamente as
estruturas que expressam o significado cultural destes ritos e mitos.
Isto será discutido no capítulo quatro, no qual, a partir das análises
de Gilbert Durand, represento graficamente as diferentes unidades
semiológicas que compõem o processo, o qual pode ser dividido em
períodos, de acordo com uma seqüência diacrônica.
A partir desta análise histórico cultural e apoiado na descrição
etnográfica das festas de 1991, 1992 e 1993 - matéria do capítulo
três da dissertação - podemos encontrar elementos precisos que
nos darão condições teóricas para traduzir seu significado cultural.
Sigo o desenvolvimento teórico sugerido por Max Weber, quando
nos diz: “O domínio do trabalho científico não tem por base as
conexões ‘objetivas’ entre as ‘coisas’, mas as conexões conceituais
entre os problemas” (Weber, 1986: 83).
No final destas observações, quero enfatizar a importância
de trabalhos inspiradores como o de Serge Gruzinski (1990), que
desenvolve magnífica pesquisa sobre o barroco na civilização
mexicana; a obra de Pierre Sanchis (1983), que estuda as romarias
portuguesas; o trabalho de Isidoro Alves sobre O círio de Nazaré
(1980), que servem como elementos de comparação sobre a
universalidade desses processos rituais característicos, e como pontos
reflexivos quando discuto as particularidades de seus significados
culturais específicos. Destaco, em especial, o artigo de Eric Wolf
(1969) sobre a Virgem de Guadalupe, do México. Como esse autor,
creio que existe um “idioma cultural” bastante específico em cada
uma dessas expressões fenomenológicas. Diferenciam se elas a nível
mítico, pois cada uma, como o Círio de Nazaré, possui características
próprias, ligadas à história regional ou nacional, onde estão inseridas.
Nos Guararapes observamos uma semiologia - um “idioma
cultural” - que contém unidades significantes distintas. Esses traços
distintivos são o que constitui seu simbolismo. Nossa Senhora dos
18
Alexandre Fernandes Corrêa
confrontando uma realidade altamente hierarquizada, desigual e
discriminatória. Nestes momentos admiramos manifestar se uma
vocação democrática, igualitária e subversiva, que coloca em questão
toda uma ordem estabelecida.
Pode se afirmar, ainda mais, que a característica central de
nossa civilização é que ela constitui um modelo diferente de
organização social, em que aparece um pluralismo étnico e religioso
de alcance nunca antes imaginado no mundo ocidental. No que
poderíamos chamar de pós modernidade de nossa cultura, vemos
um projeto de universalização em um futuro bem próximo. E isto já
se foi percebido por autores como Serge Gruzinski (1990) e Roberto
Motta (1991). Pois, se há alguma esperança no horizonte a que nos
possamos inclinar favoravelmente, é a de que existe de fato, em
nosso imaginário social, um projeto de civilização onde a vida ainda
preserva seu encanto, pondo termo a um processo de fossilização
esterilizante. Seremos apenas espectadores deste mundo que estar
por se construir? Acredito que não! Penso que a pesquisa científica
revela as leis que regem os fenômenos, destarte contribuindo para
a transformação, e não para a mera contemplação, do mundo.
Afinal, eu não terei talvez feito, neste estudo, mais que ilustrar
o que a historiadora Janice Theodoro escreveu com muita
propriedade:
Muitos autores referem se à construção de uma identidade latino americana
baseando se nestas fusões tão bem representadas pela Virgem morena
cultuada em todo México. O exemplo poderia ser ampliado para inúmeras
manifestações barrocas espalhadas pela América Latina e que teriam sofrido
“influência” das tradições indígenas (e africanas). Nesse sentido, a estética
barroca corresponderia a uma fantasia crioula (1992: 141).
Agora, algumas palavras devo registrar quanto à metodologia
e à técnica de investigação que utilizei no presente estudo.
Anualmente, após a Semana Santa, segundo o calendário
católico, realiza se - há 336 anos, como disse, desde a construção
da capela - a conhecida festa e procissão em honra de Nossa Senhora
dos Prazeres em Jaboatão dos Guararapes, região do Grande Recife.
Nessa ocasião, realizam-se diversos e diferentes eventos e
cerimônias, que vão de um grau mais intenso de sacralidade até ao
profano mais lúdico e político. Foi esse o universo por mim estudado,
o qual se restringe a esses eventos e cerimônias e aos fatos históricos
que lhe estão intimamente ligados. Para tanto, envolvi-me em contato
21
Introdução
são seus verdadeiros suportes de significação. Porém, eles se
traduzem, obviamente, na realidade concreta de seus significantes,
que são seus ritos. Na sociologia do rito, tão bem desenvolvida por
Jean Cazeneuve, podemos classificar os fenômenos que analisamos
em “(...) ritos comemorativos que consistem em recriar a atmosfera
sagrada, representando os mitos ao longo de cerimônias complexas
e espetaculares” (S/D: 25). Esses ritos fazem parte de um vasto e
difundido complexo de liturgias políticas e sociais, como indica Claude
Riviére (1989). A sociedade se utiliza do rito, pois “o rito é o meio
teatral de dar crédito a uma superioridade e, portanto, de obter
respeito e honra através da ostentação de símbolos da dominação,
de riqueza, de realizações algumas vezes imaginárias de que o inferior
carece”. A sociologia do rito certamente é uma atualização a nível
sincrônico desses conteúdos inconscientes e imaginários. A
importância de tais estudos em nosso país pode se perceber ao
refletirmos sobre o que nos diz ainda o autor: “Mais do que na
França jacobina já há muito tempo laica e unificada, terão de
examinar nos ritos do Brasil a articulação do político, do religioso,
do militar e do popular, considerando, aliás, que o religioso pode ser
lido em cerimônias puramente laicas” (p. 40).
Em síntese, no presente estudo tentou-se esboçar as linhas
gerais que fundamentam o conceito de barroco. Assim é que procuro
encontrar a função, a importância desse fenômeno na nossa
sociedade, o que ele quer dizer e revelar sobre nós mesmos. Pretendi
revelar tal realidade como “fala”, pois o mito é uma fala histórica.
Foi disso que se ocupou a pesquisa que ofereceu a base para este
livro: uma busca pela ‘língua” que estrutura essa “fala”, esse “idioma”,
a qual só podemos encontrar quando vamos ao encontro dela, vivendo
sua realidade. Como nos ensina a etnologia contemporânea.
Acredito que é oportuno, apesar de o quadro atual de nossa
vida política passar por momentos de lamentável conturbação,
procurarmos enfrentar os desafios que questionamentos e pesquisas
dessa ordem colocam para todos. Nesse sentido o que vejo revelar
se, como linguagem precisa, destes conjuntos de dados apresentados,
é um desejo real de nossa população em ver destruídas as formas
históricas de dominação que determinam um destino cruel para a
maioria das nações que compõem o nosso continente. A utopia está
expressa nas diferentes formas de festividades e cerimônias
populares. Nelas vemos a força latente de impulsos contraditórios
20
Alexandre Fernandes Corrêa
campo, com a classificação, descrição e análise dos fenômenos culturais
particulares (quer se trate de armas, instrumentos, crenças ou instituições).
No caso dos objetos materiais, estas operações prossegem geralmente no
museu, que pode ser considerado, sob este aspecto, como um prolongamento
do campo” (1975: 395).
O material bibliográfico consultado constou de livros, artigos,
publicações e teses acadêmicas que tematizam questões pertinentes
à pesquisa. Este material está fichado, catalogado e arquivado.
Nas entrevistas foi, sempre que possível utilizado gravador,
com o qual fiz, também, o registro dos discursos de lideres religiosos,
civis e militares, que participaram dos eventos.
Em linhas gerais, como o objeto deste estudo não se constitui
de “primitivos” ou “selvagens” - pois se trata de uma antropologia
em sociedade nacional moderna - meu sentimento de estranhamento
e solidão etnográfica foi relativo. Como bem lembra Roberto da Matta
(1987), o processo de conhecimento etnológico é cheio de angústias,
e talvez este seja o mais difícil obstáculo a superar. Colocamos em
dúvida tudo. Quem somos? O que desejamos? Para que servirá a
pesquisa? São perguntas que sempre surgem, mais que acabam
por contribuir com a renovação constante do projeto científico da
disciplina antropológica.
O meio urbano – metropolitano mais precisamente – em que
empreendi minha pesquisa possui características bem distintas
daquelas que emergem do contato com grupos humanos da floresta,
do meio rural, ou de regiões mais distantes. Porém, não se deixa, aí
também, de sentir aquele mesmo sentimento do “anthropological
blues” de que nos fala Roberto da Matta. Pois, de fato, por mais
“objetivo” que pretendamos ser, passa por nós, através de nós, toda
a expressão existencial que uma aventura desta ordem inflige. Nossa
ambição científica sempre resvala no coração do homem, e é daí,
me parece, que fala mais forte o sentido de todo projeto de conhecer
a realidade humana.
Vivi momentos de solidão e comunhão, de surpresa e espanto,
de medo e temor... Porém, tudo somado, foi um empreendimento
maravilhoso, humano, crítico. Os aspectos metodológicos por mim
utilizados não se esgotaram num formalismo cientificista de manual.
Procurei encontrar a Vida, o sentido presente daquilo que estava
pesquisando, movido por uma estranha paixão, a paixão de que
vinha de longe em busca de uma experiência marcante e fascinante.
23
Introdução
efetivo de três anos (1991, 1992, 1993). A descrição da Festa partiu
principalmente do ano de 1992, tendo tido, em 1991, os contatos
preliminares, e, em 1993, os retoques finais à pesquisa. Vali-me da
observação participante e de entrevistas abertas (estas técnicas se
inspiram nas obras de Roberto da Matta (1987), que expõe de forma
exemplar as vicissitudes da prática etnográfica; e em Eunice Durham
(1986), de importância singular neste contexto urbano), através do
que procuro descobrir as estruturas antropológicas subjacentes a
um conjunto difuso e múltiplo de acontecimentos, a saber:
a) o hasteamento da bandeira de Nossa Senhora dos Prazeres,
que simboliza a abertura oficial das cerimônias;
b) a procissão que sai da casa dos juizes da festa;
c) as missas e as rezas que se realizam no novenário da
Santa;
d) o parque de diversões;
e) os eventos cívicos;
f) a repercussão nos meios de comunicação.
Minha investigação não se restringiu a uma observação densa
de tais acontecimentos nos Montes Guararapes e na comunidade de
Prazeres. Ampliei meu estudo também em direção aos museus na
cidade do Recife e à busca de documentos em bibliotecas públicas
federais e estaduais. Pesquisei, ainda, a produção literária, teatral,
cinematográfica e científica disponível sobre a matéria.
As técnicas de investigação complementaram se pela consulta
a fontes bibliográficas, artigos e teses acadêmicas que abordam o
tema; por entrevistas semi estruturadas, depoimentos tomados de
maneira formal e informal; e, mais, pelo registro fotográfico dos
eventos rituais e do espaço físico. Em última análise pretendi de
uma maneira ou de outra, seguir os preceitos que Lévi Strauss
enumerou quando propôs um conceito para a etnografia:
Todos os países, parece, concebem a etnografia da mesma maneira. Ela
corresponde aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição,
trabalho de campo (field work). Uma monografia, que tem por objeto um
grupo suficientemente restrito para que o autor tenha podido reunir a maior
parte de sua informação graças a uma experiência pessoal, constitui o próprio
tipo de estudo etnográfico. Acrescentar se á somente que a etnografia engloba
também os métodos e as técnicas que se relacionam com o trabalho de
22
Alexandre Fernandes Corrêa
Barroco: conceito em perspectiva
Se o Barroco é definido pela dobra que vai ao infinito, em que é ele
reconhecido de uma maneira mais simples?
Gilles Deleuze (1991)
Entre todos os conceitos utilizados na história da arte e da
cultura talvez o conceito barroco seja o mais ambíguo. Na história
da arte o termo barroco nasceu como indicação de um estilo, mas
depois de muitas transformações já chegou ser usado como rótulo
de toda uma época.
No entanto, este conceito tem algo em comum a quase todas
as etiquetas históricas. O certo é que do mesmo modo que outros
conceitos muito difundidos, o barroco inicialmente foi empregado
como insulto e de forma pejorativa. Começou a ser usado contra
todo tipo de expressão artística considerada bizarra e grotesca. Afinal,
esse também foi o destino de conceitos como gótico – na referência
direta aos godos considerados bárbaros – ou ainda os termos
romântico, renascimento, impressionismo que como tantos outros
surgiram com significado negativo.
Conhecemos algumas tentativas de encontrar as origens da
palavra barroco. Alguns etimólogos consideram a palavra de origem
pré-romana, sendo anterior as línguas neo-latinas e ao próprio latim.
Mas existe uma hipótese mais aceita encontrada na maioria dos
dicionários, afirmando que barroco é uma ‘palavra portuguesa’ que,
desde o século XVII, designa as pérolas que possuem formas brutas
e superfícies irregulares. Confirma-se, então, que seu significado
estrutural e positiva da expressão barroca em arte. De modo muito
sumário, podemos dizer que este autor contrapõe o barroco ao
clássico, de tal maneira que esse par de termos podia ser aplicado à
arte de qualquer época, como coordenadas de referência ou de
alternativa estilística. Neste particular, lembra Janice Theodoro em
seu livro América Barroca, a importância do texto de Wölfflin é
fundamental nas análises contemporâneas, principalmente para nós
latino americanos:
Wolfflin, autor de trabalho questionado por Hauser, ao analisar o barroco,
parte do pressuposto de que existem formas fechadas e abertas. Caminho
promissor que permite a nós, latino americanos, iniciarmos inúmeras
reflexões tanto sobre a cultura européia quanto sobre a cultura indígena,
duas responsáveis por nossas matrizes culturais (1992: 139).
Esta perspectiva de considerar as “formas fechadas e abertas”,
teve uma herança confessada em outro autor que desenvolveu uma
análise carregada de sentido e conotação moral e afetiva. Trata-se
do espanhol Eugênio d’Ors. Ele define o barroco como um eón, uma
força em permanente luta através da História, contra o eón clássico.
No entanto, não os vê puramente como “mal” ou “bem”: na verdade,
em muitos momentos declarava militar a favor do clássico contra o
barroco – como um tipo de correção, dizia, contra o excesso de
barroquismo que sentia nas tendências de seu próprio ser.
Com o desenvolvimento do historicismo na consciência cultural
do Ocidente, a partir da segunda metade do século passado, acentuou
se o valor do barroco como designação de época. Benedetto Croce
ao reunir em 1925 seus estudos sob o título Storia della etá barocca
in Italia, aceitava o termo como título de um período histórico. Sua
concepção mantinha a visão negativa e moralista, pois considerava
que: “[o] que é verdadeiramente arte não é nunca barroco e o que
é barroco não é arte”. E afirmava ainda que o barroco “é um pecado
estético, mas também é um pecado humano e universal, perpétuo
como todos os pecados humanos” (apud Valverde; 1985: 8). Ou
seja, para Croce, a “Idade Barroca” seria uma época especialmente
“obscura” pelo predomínio desse “pecado”. Curiosamente, como se
sabe, o termo “Idade Obscura” só se aplicava até então à Idade
Média. “Dark ages” era como chamavam os ingleses à alta Idade
Média. Percebemos nesta pletora de nomes e conceitos a circularem
em torno destas idéias, a manifestação das ambigüidades que nos
remetem a campos simbólicos múltiplos e polifônicos. É possível
27
Barroco: conceito em perspectiva
original aponta para o sentido do que é disforme ou extravagante
algo que ainda não foi polido ou lapidado.
Com o tempo o termo barroco passou a ser utilizado não só
na joalheria, ele foi se expandindo e passou a ser aplicado à edifícios,
objetos artísticos e pinturas. Seu domínio semântico se alastrou na
mesma época em que se começava a falar de um estilo barroco
característico, principalmente, na arquitetura e nos interiores dos
templos religiosos católicos das cidades italianas dos séculos XVI e
XVII.
Outra interpretação genealógica costumeira considera a
palavra barroco como derivada do termo baroco, uma das figuras
do silogismo em filosofia. Esta tradição ganhou reforço com a difusão
da filosofia dos sofistas. Como se sabe, estes filósofos, mestres da
retórica, praticavam o exercício da arte de expressar argumentos
através do sofisma, isto é, discursos refinados com argumentos falsos
e enganosos, em geral formulado propositalmente de modo
sofisticado para induzir outrem ao erro, a burla e ao logro. Em suma,
como uma das figuras possíveis do jogo da linguagem, uma mera
tapeação sofisticada ou sofismável. O barroco, mais uma vez, está
aqui associado a um aspecto negativo da expressão da natureza
humana.
Porém, sempre houve controvérsias, que nunca cessaram de
gerar muitas polêmicas, entre especialistas nas suas mais diversas
tradições teóricas. Entretanto, o conceito se estendeu por variadas
áreas do conhecimento, como, por exemplo, na história da música,
em que encontramos Jean Jacques Rousseau no seu Dicionário da
Música de 1767 – provavelmente o primeiro autor que consagrou
um verbete ao termo barroco.
Para o filósofo francês andarilho: “Uma música barroca é
aquela cuja harmonia é confusa, carregada de modulações e
dissonâncias, o canto duro e pouco natural e o movimento forçado”
(apud Valverde; 1985: 8). Esta definição reflete bem o quanto o
sentido da imperfeição foi marcante durante muito tempo, definindo
as linhas gerias da evolução posterior do termo.
De outro lado, ilustrando a vasta gama de possibilidades do
conceito, encontramos alguns autores que defendem uma visão mais
formal. Por exemplo, encontramos a obra de Heinrich Wölfflin que
foi um dos autores que tentaram resgatar uma compreensão
26
Alexandre Fernandes Corrêa
Somos filhos do Barroco, como tais talvez devêssemos colocar em
questão a particularidade do fato de que a América Latina não passou
pelo Renascimento. Destarte, a definição de Barroco aqui não deve
restringir se àquela visão que o define como o Renascimento “vuelto
del revés, não cabe em nosso contexto. Principalmente no continente
sul-americano entram no processo outros fatores. Contextualizando
especialmente os fatores históricos, nossa análise aproxima se ainda
mais uma vez da obra de Janice Theodoro:
A sociedade colonial, profundamente heterogênea, encontrou no período
pós Conquista condições de recuperar se da violência que caracterizou os
primeiros anos desta empresa. Sobreviventes ao confronto, indígenas e
europeus reconciliaram se à medida que ambos aprenderam a manipular
formas de representação capazes de transformar o conflito em convivência
pacífica. A fragmentação e a dispersão dos acervos culturais indígenas
encontraram no barroco espaço para manifestar se. Assim, o barroco
constituiu se em paradigma da cultura latino americana. A cultura indígena,
fragmentada, apropriou se do movimento típico da estética barroca,
cristalizando o (1992: 119).
A partir de nossa pesquisa em Pernambuco, sobre a festa de
Nossa Senhora dos Prazeres Jaboatão dos Guararapes (Corrêa;
1993), constatamos a exatidão destas teses, principalmente no que
concerne à questão das construções das identidades latino
americanas, em que esta autora toma como exemplo o culto à Virgem
de Guadalupe, no México. Vê-se com facilidade que se trata de um
mesmo sistema simbólico comum abrangendo uma grande área
cultural de todo continente americano.
Como não passamos pelo renascimento das formas clássicas
da antiguidade – talvez só no México houvesse alguma importância
especial – encontramos na América um outro cenário. O barroco
aqui nasceu de mestiçagens e hibridismos entre heranças culturais
no confronto colonial trans-atlântico. Algo muito diverso do barroco
da Europa Central e Mediterrânica.
Todavia, quando trabalhamos com o conceito de barroco no
sentido de uma identidade transnacional latino-americana não quer
dizer que resolvemos toda a complexidade em torno de definição do
barroco, pois existem ainda alguns pontos que devem ser analisados
com cuidado.
Sujeito, como vimos, a uma vasta polissemia, a conceituação
do barroco é um objeto de estudo por si só denso e profundo. Não é
nosso objetivo aqui em tão poucas linhas esgotar assunto tão
29
Barroco: conceito em perspectiva
compreender o barroco sem que se tenha que aderir a ele de corpo
e alma? É possível ficar isento, imune ou indiferente?
A polissemia em relação ao barroco não se esgota aqui ou ali,
vai mais além. Mas, num esforço a mais entre tantos, ainda existe
uma tentativa de síntese entre aquele significado formalista referido
(Wölfflin-Eugênio d’Ors) e o significado de época invocado por B.
Croce. É o que temos com a perspectiva da “história do espírito”: a
Geistesgeschichte. Nessa vertente barroco seria a disposição anímica
e intelectual dominante em um certo tempo europeu do qual
derivariam os sistemas de formas estéticas, as estruturas
econômicas, a mentalidade social, etc., todo ele sob uma mesma
atmosfera tormentosa, fruto da grande crise do século XVII. O risco
de tal visão é a de negar os contrastes e as tensões que toda época
encarna, pois a História não pode ser percebida como a expressão
de uma única voz (Valverde; 1985).
Concretamente, a Idade Barroca oferece, como nenhuma
época anterior, o paradoxo da exuberância e extravagância atingirem
seu extremo, contudo ao mesmo tempo inicia a “Idade da Razão”, a
emergência do racionalismo. Como se sabe o “Século das Luzes” é
reconhecido a partir deste período histórico, começando na filosofia
com a obra de René Descartes, e na ciência, com os estudos e
descobertas de Galileu Galilei – que nasce no mesmo ano que William
Shakespeare (1564), principal expoente da nova dramaturgia inglesa.
Paradigma da cultura latino americana
Para uma melhor caracterização deste momento histórico
específico, convém deter nossa atenção nos argumentos de José
Maria Valverde que coloca como ponto central de suas hipóteses
históricas “o contraste entre el final de un proceso – el Barroco
como ‘Alto Renacimento’ o fin del Renacimiento – y el Barroco como
arranque de la era racionalista que, tras la etapa, aún nublada, de la
‘Edad de la Razón’ llegará a ser ‘Siglo de las Luces’” (1985: 9). Para
este autor, o barroco é o Renascimento “vuelto del revés”, exacerbado
no tratamento de seus motivos, paradoxal, tenso e consciente de
sua violência.
A partir daqui começamos a introduzir uma questão
importante. Como escreveu a historiadora Janice Theodoro, “a
colonização da América foi obra barroca”, ou ainda, “o barroco
constitui se em paradigma da cultura latino americana” (1992: 119).
28
Alexandre Fernandes Corrêa
Destarte apresentamos a perspectiva que tomamos na
apreciação deste conceito fundamental para nossa cultura. No
entanto, não nos basta apreender o campo semântico do barroco. A
partir de uma compreensão histórica e conceitual mínima, devemos
avançar na direção de uma reflexão sociológica básica do conceito.
Para tanto, recorremos a Roger Bastide, que em uns artigos
publicados no jornal O Estado de São Paulo, na década de 1940,
intitulados “Estudos de Sociologia Estética Brasileira”, pretendeu
esboçar o que chamava de “as grandes linhas de uma futura sociologia
do barroco brasileiro”.
Até a esta altura de nosso estudo percebemos que os autores
europeus se detinham nos problemas da definição do barroco como
expressão universal a partir da Roma Renascentista. Roger Bastide,
no entanto, voltou se com todo seu gênio para as características
que o barroco adquiriu no Novo Mundo, explicando suas
peculiaridades, não pelos aspectos telúricos da nova terra, mas pelas
características sociológicas diferentes em que se ergueu o barroco
na América Latina e no Brasil. Esta visão de Roger Bastide só foi
possível a partir de sua experiência no Brasil, quando trabalhou na
Universidade de São Paulo no final na década de 1930. Ao afirmar
que Bastide assume o ponto de vista da periferia, isto é, do Novo
Mundo, não se está a dizer que sua análise sociológica do barroco
negligencia a Europa. Pelo contrário, este autor faz uma leitura em
que busca o descentramento necessário pra tal empreitada
antropológica. Mas o interessante que quero ressaltar reside nesse
modo de abordagem, que passa a influenciar os historiadores da
arte que, pouco a pouco, deixam o estudo puramente estético das
formas barrocas e mergulham na aventura do estudo sociológico e
mais contextualizado do fenômeno barroco.
Nesta perspectiva fortemente histórico-social, demonstrou se,
enfim, que o barroco coincide com o restabelecimento do poder
papal. O cenário era o seguinte: a heresia protestante fora repelida
para o norte da Europa, os turcos haviam sido detidos na batalha de
Lepanto, novas ordens religiosas tinham sido criadas e partiam em
conquista das almas. Em suma, o Concílio de Trento emprestara à
Igreja sua primitiva pureza. Para Bastide, “o barroco seria a explosão,
no domínio da arte, do orgulho religioso do papado, que reencontrara
toda a sua própria força” (Bastide, 1940: 20).
31
Barroco: conceito em perspectiva
controverso. Levando em conta todas estas vicissitudes, propomos
a utilização do conceito, considerando sua etimologia e história além
de suas múltiplas interpretações e a difusão semântica que tem a
sua marca. Vemos que de modo mais geral as definições formalistas
se sobressaem ao proporem um sentido puramente estrutural: o
barroco contraposto ao clássico. Outro significado difundido, como
foi visto, é o que está ligado a História da Cultura, que restringe seu
alcance a uma época histórica específica, isto é, a uma fase
ultrapassada da arte e da civilização.
A Contra-Reforma o Barroco
Em nosso trabalho escolhemos a conceituação ampla de um
fenômeno que incorpora múltiplas dimensões da realidade histórica
e sócio-cultural, que começa a delinear se a partir do século XVI. É
com a Reforma luterana, e a conseqüente reação católica conta
reformista do Concílio de Trento (1545 1563), que vemos
compreender o ponto de partida de seu destino conceitual. O
psicanalista Jacques Lacan (1985) foi feliz quando escreveu que se
deve dar ênfase particular a esse aspecto religioso cristão, sua fonte
original: “O barroco é, no começo, a historieta, a historinha do Cristo”
(p. 145). Assim, devemos acentuar com precisão o peso do
catolicismo, pois: “... em suma, a contra-reforma, era retornar às
fontes, e o barroco, sua aplicação” (p. 157-8).
Outro autor que deu grande contribuição aos estudos recentes
sobre o barroco é o cubano Severo Sarduy, que em um texto sucinto
expressa toda a plasticidade que a idéia e o conceito de barroco
possui:
Nódulo geológico, construção móvel e lamacenta, de barro, pauta da dedução
ou pérola; dessa aglutinação, dessa proliferação incontrolada de significantes,
e também dessa firme orientação de pensamento, necessitava, para contestar
os argumentos reformistas, o Concílio de Trento. A esta necessidade
respondeu a iconografia pedagógica proposta pelos jesuítas, uma arte
literalmente do tape à l’oeil, que pusesse a serviço do ensino, da fé, todos
os meios possíveis, que negasse a descrição, o matiz progressivo do
“sfumato”, para adotar a nitidez teatral, o repentino recorte do claro escuro,
e abandonasse a sutileza simbólica encarnada pelos santos, com seus
atributos, para adotar uma retórica do demonstrativo e do evidente, pontuada
de pés de mendigos e de farrapos, de virgens campesinas e mãos calosas
(1979: 58).
30
Alexandre Fernandes Corrêa
O barroco, desta forma, cobriu com suas manifestações
contraditórias praticamente toda a Europa e a América Latina. E a
partir de suas contradições, todas as interpretações, sobre o mesmo
tema, são possíveis e válidas. O barroco não aspira a uma persistência
tranqüila, conclusa em si mesma, mas a um perpétuo vir a ser. Sua
missão central parece ser dar à vista uma consciência da idéia de
movimento. Só assim podemos compreender as dimensões
geográficas pelas quais se espalhou no planeta.
Quando chega ao Novo Mundo, o barroco, em contato com o
novo ambiente, transforma se. Cada local a tonalidade adquire traços
singulares. Assim, o barroco brasileiro reflete a sua sociedade, e é
esta sociedade que Roger Bastide retrata com propriedade:
(...) a sociedade brasileira caracteriza se pela fraqueza de densidade
demográfica e a extensão do país, pelo regime do latifúndio, pela
estratificação racial e o regime escravista, pela distância da metrópole, pala
diversidade de pontos de vista entre o litoral e o sertão, e a luta de Portugal
contra os nativos para implantar cada vez mais profundamente seu domínio
sobre as Índias Ocidentais. É evidente que esta estrutura social, tão diferente
de Europa, não pode deixar de repercutir sobre a estrutura da própria
arquitetura barroca (p. 22).
É no detalhe destas mudanças arquitetônicas, que refletem
toda uma nova realidade sociológica – e não alguma misteriosa
influência telúrica – que vemos desenvolver se uma arte local,
independente da européia:
Em vão a Igreja, as ordens religiosas, a Companhia de Jesus, preparavam
os planos dos edifícios nas colônias ou enviavam seus próprios arquitetos
para assinalar lhes o domínio místico do mundo e da unidade arquitetônica.
Em vão os lusitanos conservavam a nostalgia da pátria deixada e se
empenhavam a criar de novo, na pátria adotiva , por meio de monumentos,
de festas e divertimentos, o clima espiritual da antiga. Em vão se manteve
um intercâmbio estético incessante entre Portugal, a Itália e o Brasil; apesar
de tudo, as formas barrocas, sob um novo céu e em uma outra terra, vão
mudar de ritmo de vida e de movimento (p. 23).
É sob esse prisma, na transformação de uma linguagem
híbrida, que propomos a perspectiva de uma nova interpretação, a
qual deve levar em conta o surgimento de uma nova cultura, um
novo “idioma cultural”, como defendeu Eric Wolf na sua análise do
culto de Nossa Senhora de Guadalupe (1969).
33
Barroco: conceito em perspectiva
É nesse contexto de uma re-visão em perspectiva da Igreja
Barroca na América, que se delineia uma realidade e uma estrutura
social bem diferentes, p. ex., das que se construiu em torno da
Igreja Gótica na Europa. Percebe-se isso através da descrição do
espaço desenhado na nave-templo-bíblia de pedra:
A igreja barroca é um salão religioso ou um teatro metafísico, quadrado ou
retangular, ulteriormente oval ou curvo, onde todo mundo vê tudo e ouve
tudo: a igreja democratizou se, mas não completamente, pois tudo foi
calculado para que se respeitassem as posições sociais” (Bastide, 1940:
21).
As análises de Roger Bastide se aprofundam ainda mais. A
compreensão do barroco como fenômeno civilizacional se desenvolve
com a introdução da categoria de “representações coletivas”, que é
própria de Emile Dürkheim (1994). Neste sentido a compreensão do
barroco só pode ser completa se, além das alterações da vida social,
levarmos em conta as transformações das representações coletivas.
Estas transformações são apontadas por Bastide da seguinte forma:
A igreja barroca não exprime apenas as alterações da vida social, exprime
também as transformações das representações coletivas: a importância do
misticismo, ‘o desvario de pedra’ corresponde à loucura das almas em êxtase,
os vínculos da carne com o espírito, o erotismo, o ascetismo, a psicofisiologia,
um misticismo enfim, que não é mais demarcado por Plotino mas pelos
exercícios espirituais de Inácio de Loiola, onde os sentidos intervêm, portanto;
e, de fato, a ornamentação, os jogos de sombra e luz, o subjetivismo das
estátuas, o emprego das espirais, das linhas curvas, fazem com que as
massas se ponham a mover, a viver, a fugir, o ilusionismo de Bozzo, tudo
isso traduzido em pedra, em estuque e em cores, as novas formas da
sensibilidade religiosa (1940: 21).
Ao lado do barroco religioso, Roger Bastide lembra que é
preciso não esquecer do barroco civil, o barroco dos palácios e dos
jardins. Ele é a expressão do Absolutismo, do novo poder dos reis,
“com suas massas imponentes, suas escadas majestosas, suas
perspectivas e a riqueza de sua decoração, que chocam o espírito,
se impõem a todos e a todos esmagam” (p. 21).
Percebendo o barroco como uma expressão geral, podemos
dizer que nesse horizonte “tudo é barroco” na cultura barroca. Revisto
o barroco, pode se falar, hoje, não apenas de artes plásticas, mas
de um barroco literário e musical, de uma cultura, de um pensar ou
de um modo de ser barroco, até mesmo de uma civilização barroca.
32
Alexandre Fernandes Corrêa
Para além dos preconceitos curiosos e geralmente elitistas,
na América Latina tem-se a impressão que o homem e a mulher
contemporâneos, em nada, ou quase nada, diferem do homem e da
mulher do barroco histórico. De um modo geral se encontram frente
aos mesmos dilemas civilizacionais, na mesma situação
existencialmente de “espanto” ante do “absurdo” do mundo: que
para Leibniz “é o melhor dos mundos possíveis” (Deleuze; 1991).
O barroco permanece:
As independências não significaram transformações na estrutura das
sociedades latino americanas. Soluções ancestrais, patriarcais, parecem nos
vincular, indefinidamente, a um mundo emperrado às vezes em tradições
indígenas, às vezes em tradições cristãs, das quais não queremos nos afastar.
Por isso, tendemos a parecer, e não, ser, modernos (Theodoro; 1992: 20).
Nas minhas pesquisas por mais de uma década no nordeste
tenho procurado compreender as razões desta repetição histórica,
também chamada identidade cultural, que nos tem atrelados aos
processos de ordem política e econômica fundados no pacto colonial
ultramarino (Corrêa; 1993, 2003). Nossa identidade cultural é
contraditória, dissimuladora de contrastes infames e repetidamente
tenta ocultar desigualdades cada vez mais profundas. Assim, a cultura
barroca, híbrida e plural, parece ser o paradigma simbólico que
persiste recorrentemente, atravessando o nosso complexo sócio-
cultural.
Affonso Ávila, em 1969, já adiantava a repercussão e a
importância disso: “Por que esse interesse, essa curiosidade, essa
paixão do homem de nossos dias pelo barroco? Por que só essa
redescoberta do barroco veio possibilitar ao estudioso brasileiro uma
visão mais nítida de nossas perplexidades como povo e como nação?”
(Ávila, 1969: 32).
O leitor eventual deste breve artigo só pôde ter aqui uma
ligeira contribuição ao debate. Cabe futuramente desenvolvermos
as pesquisas necessárias para encontrar ao menos algumas respostas
a estas e outras intrigantes indagações histórico-culturais aqui
sintetizadas ao extremo. Por fim, talvez seja útil a reflexão avançar
no sentido de avaliar as potencialidades de um neo-barroco latino-
americano, que pode ser o indicativo de superação do nosso dilema
histórico e possivelmente algo que ultrapassará a chamada cultura
pós-moderna ainda a deriva. Em outras palavras: nossa pós-
modernidade é neobarroca!
35
Barroco: conceito em perspectiva
O barroco se desenvolve pelas imagens dialéticas (Benjamin;
1980) do que é traduzido pelo conflito entre temas importados,
estrangeiros e o novo meio, autóctone: “Em toda parte, os elementos
importados tinham uma significação de empréstimos desprovidos
de sentido. Logo eles deverão transformar se” (Bastide; 1940: 23).
Entretanto, apesar de todas essas mudanças, que enfatizamos
aqui com Roger Bastide, observamos a profunda unidade simbólica
que o fenômeno barroco possui em toda a América Latina. A partir
de estudos sincrônicos e diacrônicos, podemos estabelecer e perceber
as raízes culturais comuns que temos neste vasto continente.
Com o conceito de barroco tentamos abarcar complexos e
múltiplos produtos culturais. De fato, o barroco é a expressão de
um processo de civilização. Não se restringe apenas a uma área das
atividades humanas. É um fenômeno social e cultural total que reflete
influências diferenciadas e integradas. Podemos deste modo, falar
de um barroco religioso, ou plástico, ou arquitetural, ou palaciano,
etc.
Pós-modernidade neobarroca
Neste breve artigo, entre outros tópicos igualmente
interessantes, não podemos nos dedicar a análise do chamado
barroco popular: muitas vezes deformado, caricatural e ingênuo.
Mas é este barroco do povo, espontâneo e autêntico que vemos
manifestar se em nosso espírito, cotidianamente marcado por esta
pletora de signos plurais, híbridos e mestiços. A expressão popular
barroca encontramo-la, a todo o momento, em múltiplos exemplos:
na decoração dos interiores das igrejas e capelas do catolicismo
primitivo, na música popular sertaneja, caipira, crioula e cabocla, na
arquitetura criativa, de bricolages ousadas e, mais especialmente,
no tom espetacular dos rituais religiosos e na pompa dionisíaca das
festividades carnavalescas e juninas.
Foram os problemas ligados ao conceito barroco que tentei
resgatar com o presente texto. Procurando revelar o sentido
revolucionário e criativo dessa expressão cultural, contrariando os
que acreditam ver no barroco apenas o ultrapassado, o arcaico, o
tradicional, ou ainda a degenerescência de uma cultura, etnia ou
raça. Alguns ainda teimam em considerar muita das vezes a
expressão de algo excessivo, bizarro, cafona, brega, kitsch e assim
por diante.
34
Alexandre Fernandes Corrêa
Origem do culto à
Nossa Senhora dos Prazeres
Numa pequena resenha crítica escrita em 1906 para a revista
Année Sociologique, Marcel Mauss analisa a obra de Dieterich que
tem como conteúdo um estudo sobre “a religião popular e as formas
fundamentais do pensamento religioso”. Mauss enfatiza que o objetivo
pragmático da obra não é outro se não o “de explicar a noção de
Mãe Terra, tema fundamental das mitologias clássicas, tema literário
de múltiplas literaturas que teve suas manifestações até no
cristianismo, onde a Virgem com freqüência assumiu certos traços
da antiga Mãe Terra” (1981: 384).
A teoria de Dieterich, por ele elaborada a partir de estudos
comparativos, agrupados ao acaso e que se estende desde os Arunta
até os Ewhé, do folclore europeu aos usos americanos, é a de que
há uma crença global e comum: “A terra seria a mãe dos homens,
nela as almas dos mortos viriam morar até sua reencarnação. A
terra é verdadeiramente mãe dos homens e não simplesmente mãe
mítica dos deuses” (Mauss, 1981: 385). Para Mauss, o trabalho de
Dieterich chega ao seu ponto central quando afirma que “a tradição
popular foi um fundo sempre idêntico e jamais esgotado, onde
periodicamente se restaurou e se renovou a mentalidade religiosa
em via de transformações” (p. 385).
Aparece, assim, a noção de maternidade. Para explicá la na
sua realidade ideológica e ritual, Dieterich considera-a como
intimamente ligada às representações primitivas referentes tanto à
reprodução das espécies animais quanto à fertilidade de solo
Sem dúvida este é um problema fascinante, pois se trata, no
caso, de responder a uma interrogação muito pertinente em nosso
contexto cultural, qual seja, se nossa população – e por extensão, a
lusitana – ainda tem fortes propensões a uma fé politeísta,
“idolátrica”. É inevitável, neste particular, um paralelo com a realidade
religiosa dos cultos afro brasileiros. Percebemos, até, no discurso do
padre certa analogia teológica com o sistema que efetivamente
encontramos em relação aos voduns e orixás (Ferretti; 1983; 1991
– Motta; 1980; 1990; 1991 – Oliveira; 1989 – Bastide; 1983). Mas,
no momento, haveremos de adiar esse questionamento. O que está
diretamente em causa é o culto a Nossa Senhora dos Prazeres nos
Montes Guararapes. Para tanto, proponho que sigamos um
desenvolvimento histórico preciso e a argumentação de Moisés
Espírito Santo (1988; 1990), além da de Nilza Botelho Megale (1980)
e do Padre Jacinto dos Reis (1967).
Origens Orientais do Culto
As hipóteses de Moisés Espírito Santo são duas. A primeira
idéia que defende é que, da mesma forma que o cristianismo absorveu
a religião popular pré romana, o culto de Maria foi absorvendo os
cultos hebraicos a partir do século VII, época em que começaram as
perseguições, expulsões e conversões compulsivas de judeus. A
segunda idéia, particularmente importante para nós, é que o culto a
Nossa Senhora dos Prazeres está associado ao da Rainha Ester,
venerada pelos hebreus antigos. O argumento que o Autor utiliza
para defender sua primeira hipótese pode ser resumido nesta citação,
em que temos como uma cápsula sua visão sobre o processo de
absorção e assimilação, por parte do cristianismo, das crenças
ancestrais das populações hebraicas:
a adoção de personagens e de ritos cristãos devia, na maior parte dos casos,
ter se processado inconscientemente por efeito da lei do sincrentismo: uma
aldeia adota um rito ou santo, transpondo para ele toda a cultura ancestral,
de modo que a personagem tem nome e imagem cristãos mas, no fundo, é
cultuada como a divindade antiga. Diríamos até que houve sobretudo
“judaização” do catolicismo popular (1988: 46).
Em relação ao culto a Maria, o Autor aprofunda ainda mais
sua pesquisa lembrando que os cultos femininos de forma alguma
foram estranhos à tradição hebraica: “Antes da redação do livro do
Deuteronómio (entre 639 e 608 a. C.) que é um dos cinco livros da
Lei, o povo hebreu venerava, como todos os povos do Mediterrâneo,
39
As origens do culto
concebidos como paralelos, análogos, simpáticos, e idênticos à
geração e às relações entre homens e mulheres. “Ele aproxima de
maneira feliz o mito da mãe terra dos ritos fálicos e dos atos
cerimoniais pelos quais a cópula humana provoca a multiplicação
dos objetos alimentares” (Mauss; 1981: 385).
Minha referência a essa análise crítica é de suma importância
no contexto do tema de que me ocupo, no qual serão retomadas
muitas das idéias e orientações encontradas naquele artigo. Porém,
o que deve chamar nossa atenção é o problema das origens e da
função social da noção de mãe terra, da maternidade da espécie
humana.
No que toca às origens do culto a Nossa Senhora dos Prazeres,
parto das mesmas conclusões de Marcel Mauss e Dieterich, no que
se refere à existência de um fundo comum e idêntico na tradição
popular antiga. Isso pode ser corroborado, com mais pertinência ao
tema desta monografia, numa aproximação com a obra de Moisés
Espírito Santo, Origens orientais da religião popular portuguesa
(1988). É uma obra de característica singular, em que o autor realiza
um verdadeiro mergulho no mundo do imaginário e do simbolismo
religioso lusitano. O autor segue de perto as pesquisas da Escola
Sociológica francesa, nas obras de E. Durkheim, Marcel Mauss, G.
Gurvitch, e tantos outros. É com este instrumental teórico,
complementado em incursões pela psicanálise freudiana e jungiana,
pela teoria do imaginário de Gilbert Durand, e vasta erudição histórica
e antropológica, que o autor empreende “uma descida às profundezas
da cultura lusitana”.
O capítulo que nos interessa sobremaneira é o que tem o
título “A Senhora dos Mil Nomes”, em que o autor apresenta as
inumeráveis aparições marianas.
A propósito, é de mencionar-se o problema teológico inerente
à questão, que é o da natureza do culto a Maria no catolicismo.
Enfrentei-o no meu trabalho de campo nos Montes Guararapes, e
guardo as palavras de uma entrevista com o padre Policarpo, que
realizou os eventos religiosos da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres
do ano de 1992. Segundo esse sacerdote, não existe um culto de
adoração a Nossa Senhora no catolicismo, assim como a qualquer
outro santo: “Pois, se não, seria politeísmo e idolatria. O culto se faz
a Deus e a Jesus Cristo. Nossa Senhora e os outros santos levam os
anseios do devoto, seus pedidos, suas aflições, a Deus e a Jesus”.
38
Alexandre Fernandes Corrêa
filha de Anu (deus supremo) como filha de Sin (a Lua, masculino
nessa região) e irmã do Sol; simultaneamente, era a deusa da guerra
e da procriação. Pouco a pouco suplantou o culto de seu pai Anu, e
depois todas as outras divindades. O seu nome acabou por significar
“deusa, em geral, e cada uma em particular; é a deusa das batalhas,
a Rainha dos Céus e a parceira de Bel”.
Em Canaã e na Fenícia, chamou se Astarté, e tanto se
identificava com a deusa mãe da procriação como a um general e
chefe guerreiro (esse último desdobramento ocorrendo
nomeadamente entre os assírios) e, ainda, com a estrela guia dos
marinheiros, protetora destes. Por causa de seus diversos aspectos,
Astarté acabou por ser identificada com diversas divindades femininas
greco romanas, em particular com Hera e Juno.
Baal e Astarté reunidos representam, no fundo, a grande força
da natureza, princípio masculino, ativo, gerador, mas também
destruidor, e um princípio feminino, passivo, produtivo, maternal.
Se Baal é o Céu, Astarté é a Terra fecundada por ele.
Moisés Espírito Santo apresenta muitos elementos que levam
imediatamente à associação daquele culto a Nossa Senhora dos
Prazeres. O fato de se considerar “a mãe dos Homens” entre os
babilônicos; de ser considerada a deusa da guerra entre os
mesopotâmios faz nos levantar, quanto à Senhora dos Guararapes,
a hipótese de uma estrutura religiosa, mítica e imaginária que
atravessa os séculos. É o que veremos quando colocarmos em
confronto as teses de Marcel Mauss e Dieterich, já apresentadas, as
teorias de Michel Maffesoli (1985), e as lendas e mitos em torno do
culto à Senhora dos Guararapes, no Brasil.
A Biblia, ainda segundo Moisés Espírito Santo, faz inúmeras
referências a Astarté, designando a por vários nomes e trocadilhos
de palavras, por desprezo e anti propaganda: Astoret, Astaroth
(“vergonha”, “abominação”, “prostituição”), usando o mesmo termo
para designar Astarté e “fêmeas parideiras”. O seu culto teve grande
impacto entre os israelitas, incessantemente ameaçados por Yaveh
por causa dessa “prostituição”. Uma passagem relativa a Salomão
refere que, em sua velhice, esse rei teria sido forçado por suas
setecentas mulheres e trezentas concubinas a entregar se ao culto
a Astarté, erigindo lhe altares em todo o seu reino. “Na Biblia ainda
aparece o nome de Ashera - “direita”, “bem posta” ou “feliz” - para
designar Astarté, sendo Ashera representada nos santuários, ao lado
41
As origens do culto
uma deusa mãe, que em Canaã se chamava Astarté, da babilônica
Ishtar. Aparece nos no Antigo Testamento inúmeras vezes, sob várias
designações: Astarté, Asthoret, Ashera, Baalat e Rainha dos Céus”
(1988: 46 7). Em Portugal, particularmente, diz ainda Moisés Espírito
Santo, “os cultos populares judaicos orientam se para a personagem
de Maria, não por ser a Mãe de Jesus, mas por ser a Nossa Senhora,
Rainha dos Céus etc.” (Santo; 1988: 47).Assim, a identificação de
Ishtar, a antiga divindade babilônica, com a santa rainha Ester, dá-
se também, nesse novo contexto, com Maria Rainha dos Céus: “Nos
panegíricos marianos, Ester ‘anuncia’ Maria que, sendo pobre, acabou
por ter as simpatias do rei; é a intercessora junto de Deus e foi
graças a ela que a humanidade se salvou. Ester encontra se presente,
de forma sub reptícia ou não, em muitos momentos do culto da
Senhora nas Beiras, sobretudo nos rituais primaveris” (Santo; 1988:
47). Porém, é com a Nossa Senhora dos Prazeres que a Rainha
Ester se associa mais perfeitamente, segundo o autor: “As festas
que têm lugar na semana da Páscoa ou no domingo seguinte,
chamado de Pascoela, em honra de Nossa Senhora dos Prazeres ou
de outros títulos, são ou foram festas cripto judaicas, substitutivas
da celebração da Páscoa e dos Ázimos Judaicos, por outro lado, e
associados à rainha Ester, por outro”. (Santo; 1988: 47).
Mas, antes de nos aprofundarmos nas origens portuguesas
desse culto, e como ele se desenvolveu na cultura lusitana, adquirindo
particularidades próprias, farei breve digressão sobre as
singularidades ligadas aos antigos cultos à deusa Ishtar, na Babilônia,
e à rainha Ester, na Judéia.
A Deusa Ishtar, dos Babilônios
Segundo Moisés Espírito Santo (1988) e de James Frazer
(1986), antropólogo inglês do início do século, a Ishtar dos babilônios
é o princípio feminino da divindade Bel ou Baal. Seu nome deriva de
Istarati, feminino de deus Illi, da antiga Assíria. Um mito babilônico
descrito numa inscrição do terceiro milênio pretende que Ishtar é “a
mãe da humanidade”.
Entre os assírios, Ishtar tinha atributos astrais, e era
freqüentemente chamada Estrela da Manhã e se representava com
uma estrela na fronte, com uma simples estrela ou um crescente
lunar. Na Mesopotâmia, era hermafrodita: varão enquanto estrela
da manhã, e deusa da noite enquanto estrela da tarde; tanto era
40
Alexandre Fernandes Corrêa
foi descrita como as bacanais, e sabemos que nessa época, tudo é
permitido, desde que contribua para a alegria e a felicidade da Festa”
(1986: 194).
Moisés Espírito Santo aduz o fato de que autores há -
infelizmente não citados por ele - que consideram derivar-se o nome
Ester da mesma deusa Ishtar, assim como Mardoqueu é uma
adaptação de Mardouk, um dos nomes do deus babilônico Bel.
No entanto, o texto bíblico de Ester, apesar de ter sido muito
popular entre os judeus antigos, é bastante combatido. Autores,
como Ernest Renan, consideram que o livro enfatiza o lado
sanguinário e cruel do povo judeu. Lutero escreve o seguinte sobre
o Livro: “É um notável monumento de espírito não profético. O seu
autor teve espaço suficiente para citar o nome do rei da Pérsia 187
vezes e o reino da Babilônia 26, mas não encontrou ocasião de
mencionar o nome de Deus uma única vez. O fato é verdadeiro para
a versão hebraica que dispomos...” (apud Santo; 1988: 226).
Para finalizar este estudo sobre a santa rainha Ester, no que
tange à sua importância dentro da cultura portuguesa e espanhola e
à sua associação ao culto de Maria, e particularmente a Nossa Senhora
dos Prazeres, leia-se, em síntese, esse trecho que resume
perfeitamente o que eu entendo ser mais relevante para minha
investigação :
A “Santa Rainha Ester” do judaismo popular português encarna o papel da
esposa ou da amante que domina o homem com seus dotes físicos e
intelectuais e manobra a vida política no retiro das alcovas. Encontram se
confundidas com ela por motivos muito idênticos Nossa Senhora e a Rainha
Isabel de Aragão. Os exegetas católicos consideram Ester como “um símbolo”
de Maria, comparação que tem razão de ser se nos situarmos no ponto de
vista de uma sociedade ginocrática; Maria era judia, pobre e humilde; pelas
suas “graças” ascendeu à categoria de esposa de Deus (mãe do filho de
Deus) e, uma vez no Paraíso, tomou todo o poder, passando a intitular se
“Mãe de Deus” (portanto, acima de Deus) e “Rainha dos Céus e da Terra”
(com poderes sobre todas as coisas). A associação com as Senhoras populares
ressalta também no calendário popular; a Pascoela, que é a festa judaica
dos Ázimos, e o título católico da Senhora festejada nessa ocasião, Senhora
dos Prazeres, remetem nos igualmente para o conteúdo voluptuoso do culto
da Ishtar persa. A confusão entre Ester e Rainha Aragão explica se, como
dissemos, pela favorável conjuntura política que os judeus conheceram no
tempo do rei D. Dinis, um estatuto especial, “os meus judeus”: tocar num
judeu era atingir o próprio rei. Seria, aos seus olhos, uma situação semelhante
à que passou a existir no império de Babilônia sob o controle de Ester. A
situação portuguesa favorável só podia ser atribuída às influências da Rainha
Santa” (Santo; 1988: 226).
43
As origens do culto
da coluna ou altar, por uma árvore, estaca verde ou tronco de árvore,
símbolo da Terra fecundada e procriadora. Constata se além disso a
abundância de vestígios do culto de Astarté Ashera nos montes, nas
colunas e nos bosques” (1988: 207 8).
Convém lembrar que o templo de Nossa Senhora dos Prazeres
está situado nos Montes Guararapes. Curiosamente, no Parque
Histórico Nacional foi feito um bosque de pau brasil, a “árvore
nacional”. É impossível, portanto, não arriscarmos a hipótese de
que as festividades em nome de Nossa Senhora dos Prazeres guardam
sincretismo com os cultos orientais referidos, sob larga medida
orgiásticos. Moisés Espírito Santo lembra que Santo Agostinho teria
presenciado esses cultos em Cartago, em honras da Celeste
(sucessora de Astarté Tanit), e ressaltara a ambigüidade desse culto
erótico (1988: 208).
A Santa Rainha Ester dos Hebreus
O nome Ester vem do persa Stara e significa astro. A
personagem Ester aparece no livro de seu nome, um dos mais lidos
da Bíblia no judaismo popular. Nele temos uma pequena história
cuja veracidade é contestada por muitos teólogos. Ester nascera na
Babilônia, no ano 599 a.C., de uma família de deportados judeus.
Foi educada por um primo chamado Mardoqueu, alto funcionário do
Império. Como era muito bela, logo passou a integrar o harém do
rei, tornando-se sua favorita. Como o rei não sabia de sua origem,
ela tinha uma “dupla existência”: cortesã, mas exilada e resistente
judia. Um dia o primeiro ministro do Império, tomado de ódio por
Mardoqueu, resolveu vingar se dele e da nação judaica. Obteve plenos
poderes do rei Assuerus (Xerxes I) e determinou um massacre,
segundo era costume, por um jogo de dados (purim), que se daria
no dia 13 do mês de Adar (o atual mês de fevereiro). Ester,
descobrindo tudo, arrisca a vida e, seduzindo o rei, consegue reverter
a situação, de modo que, em vez de seu primo Mardoqueu, o
eliminado foi o primeiro ministro. Além disso, obtém do rei que os
judeus, para se vingarem, fossem autorizados a tomar as armas e
castigar seus inimigos no próprio dia em que se lançariam os dados.
“Para comemorar esta vitória, Ester decretou três dias de folgança e
de dádivas aos pobres: é a ‘Festa do Purim’, que é o entrudo português
(e o carnaval no Brasil)” (Santo; 1988: 226). É o que também diz
James Frazer em O ramo de ouro: “Na verdade, a Festa do Purim já
42
Alexandre Fernandes Corrêa
desmereceu o lugar e o ficar o seu corpo à vista daquela Senhora que
desconheceu ser sua mãe. E, como de réprobo, mandou o sagrado tribunal
picar o seu nome para que nem memória sua ficasse naquela casa. E o
mesmo tribunal deu a ermida ao familiar Francisco Ferrão de Castelo Branco,
natural da mesma cidade de Viseu, com umas casas que estão na mesma
cidade que naquele tempo se chamavam Casas do Balcão em a rua da calçada
que vem do mesmo lugar de Abravezes para a Sé, as quais possuem ainda
hoje os seus herdeiros (Santo; 1988: 48).
Seguindo o mesmo autor, descobrimos que até hoje esta
Senhora alcança grande devoção entre o povo português,
principalmente no dia dos Prazeres. Por volta de 1985, data das
últimas observações de campo de Moisés Espírito Santo, essa imagem
da Senhora dos Prazeres Rainha Ester ainda estava no seu pedestal.
Aquela pequena ermida deu lugar a uma grande igreja de estilo
barroco. Hoje a igreja é paroquial, e Abravezes tornou se um subúrbio
de Viseu.
Mais à frente no texto, a descrição que o Autor faz da imagem
surpreende pela semelhança com a imagem do templo dos Montes
Guararapes: “Trata se de uma imagem muito bela, de grande
estatura; é alegre, quase uma estátua profana, mantém o cetro e
tem um menino (talvez fosse para disfarçar...). O corte e os ornados
do vestido são muito vistosos e pintados de flores lembram os de
uma mulher oriental”. (1988: 48). Essa imagem recebe ainda hoje
muita devoção e culto, sobretudo no dia dos Prazeres, e desde o seu
início não perdeu importância. O episódio da Inquisição provocado
pelo duplo culto da imagem foi completamente esquecido, “ninguém
o conhecia na região, nem sequer o pároco” (1988: 48). O mesmo
acontece, poderíamos dizer, nos Montes Guararapes: o povo, muito
distante, até geograficamente, daqueles fatos, não poderia lembrar
o que nunca viveu.
Moisés Espírito Santo acrescenta ainda dados preciosos em
termos históricos: a oficialização da Senhora com o título dos Prazeres
na data de 1747. Esse título substitui o antigo nome de “Senhora do
Verde”, que, sobretudo na diocese de Viseu, é celebrada pelo povo
beirão, desde os tempos recuados, no domingo de Pascoela. A festa
de Nossa Senhora do Verde, que ainda existe nas Beiras Alta e Baixa,
dava cobertura, nas comunidades judaicas, à festa dos Ázimos, que
se segue à Páscoa e que, entre os judeus ibéricos, sempre se celebrou
no domingo de Pascoela. Entre esses dois domingos, os judeus devem
comer, para comemorar a travessia do deserto, “ervas amargas”
45
As origens do culto
Desta forma, fica mais fácil vislumbrarmos o vasto horizonte
antropológico e arquetípico que possui o culto a Nossa Senhora dos
Prazeres. O que constatamos hoje empiricamente no trabalho de
campo, e mais os dados históricos que possuimos desde a sua
“aparição” nos Montes Guararapes há 336 anos, além de depoimentos
que recolhemos do século XVIII e XIX, que serão apresentados mais
adiante, é que existe uma semelhança, uma estrutura comum, que
podemos dizer trans histórica.
Origens do Culto em Portugal
Quanto aos primeiros registros do culto a Nossa Senhora dos
Prazeres em Portugal, Moisés Espírito Santo refere se a um processo
de Inquisição segundo o qual um cristão novo de Viseu mandara
construir uma capela e encomendara uma imagem, afirmando a
todos os católicos que era da Senhora dos Prazeres, porém que sua
intenção, e a dos cristãos novos, era a de representar a Rainha
Ester. A passagem seguinte, em que se pode constatar os “tempos
duros” do judaísmo português, foi retirada do Santuário mariano, V,
livro II, §51, p.349: o tomo é datado de 1716; não diz qual foi a
pena aplicada pelo tribunal:
Origem da imagem de Nossa Senhora dos Prazeres de Abravezes: Foi o caso
de um Antônio Dias Ribeiro, cristão novo e morador no lugar de Repezes,
freguesia de São Martinho, extramuros de Viseu, dispusesse edificar uma
ermida pelos anos de 1630, mais ou menos, no lugar de Abravezes, freguesia
da Sé da mesma cidade e distante para a parte norte menos de um quarto
de légua. Elegeu para a construção da ermida o alto de um teso que ali
estava e nele lhe deu princípio. E depois mandou fazer a um escultor uma
formosa imagem que o artífice obrou com a intenção de que formava a
efígie da Rainha dos Anjos Maria Santíssima, como fez, uma estátua de seis
palmos e um quarto, com o menino Jesus sentado no braço esquerdo e com
cetro na mão direita como soberana imperatriz, que é do céu e da terra.
Feita a santa imagem, a mandou colocar na nova ermida não como a imagem
da mãe de deus, Rainha dos anjos e dos homens, mas como a efígie da
Rainha Ester. Prendeu o santo tribunal da Inquisição este pérfido hebreu. E
como naquele santo tribunal se descobrem as verdades e se manifestam os
enganos e regimentos, declarou Antônio Dias Ribeiro que mandara fazer
aquela ermida para nela pôr a efígie da Rainha Ester e que mandara fazer
simuladamente a imagem com o título de Nossa Senhora dos Prazeres, tendo
em sua mente ser a Rainha Ester. Não sabia este ignorante que Ester foi
figura de Maria e na sua malícia não sabia o que obrava, e para mostrar
mais a sua cega ignorância lhe mandou pôr um cetro em uma mão ignorando
que Maria é a verdadeira Rainha do mundo e também do céu (...). No meio
da capela, bem lavrada, mandou o pérfido hebreu lavrar sepultura com o
seu nome gravado; mas como se fez indigno de ser filho da Igreja Católica,
44
Alexandre Fernandes Corrêa
Borba, Évora etc. Suas festas tradicionais são concorridas, com
grande assistência popular. Esse autor também se refere ao fato de
o culto chegar à Índia, levado pelos portugueses: “Na freguesia de
Ribandar, conselho, distrito e arquidiocese de Goa, a sua confraria
está reunida à da Nossa Senhora da Ajuda, desde 1945”.
No texto “107 Invocações da Virgem Maria no Brasil: História,
Folclore e Iconografia” lembra Nilza Botelho Megale que, assim como
são comemoradas as dores da Virgem Santíssima, são festejadas as
suas sete maiores alegrias ou prazeres, segundo foram por ela mesma
enumerados a um noviço franciscano que lhe ofertava uma coroa de
flores naturais: 1) a anunciação do anjo; 2) a saudação de Santa
Isabel; 3) o nascimento de seu Divino Filho; 4) a visita dos Reis
Magos; 5) o encontro de Jesus no templo; 6) a primeira aparição de
Cristo após a Ressurreição; 7) a sua coroação no Céu após sua
gloriosa assunção. Essa mesma autora confirma o que já foi dito por
Padre Jacinto, que, por volta do século XVI, apareceu uma imagem
da Virgem Maria junto à fonte da quinta dos Condes em Alcântara,
Portugal. A partir de então, a água dessa fonte adquiriu virtudes
milagrosas, curando os doentes que dela bebessem. “Nessa ocasião
(da aparição) - diz ainda Megale - a Rainha do Céu apareceu a uma
inocente menina, mandando dizer aos seus pais e vizinhos que
edificassem naquele lugar uma capela, onde Ela fosse servida e
invocada por todos sob o título de Senhora dos Prazeres” (1980:
317). Este detalhe será analisado mais adiante.
Quando descreve a referida imagem, a mesma autora faz
lembrar tanto as que Moisés Espírito Santo estuda como a dos Montes
Guararapes, à exceção do cetro: “Esculpida em alabastro e pintada
a cores com bordaduras de ouro, esta efígie é tão perfeita, que o
povo a julgava feita por mãos de anjos. Atualmente Ela é
representada com o Menino Jesus nos braços e sob os pés aparecem
sete flores correspondentes às suas sete maiores alegrias” (p. 317).
Megale e Moisés Espírito Santo bebem na mesma fonte
histórica, que é a obra de Frei Agostinho de Santa Maria, segundo
quem Portugal foi a primeira nação católica a festejar as alegrias de
Nossa Senhora, “culto este cuja origem remonta ao século XIV, porém
só se desenvolveu após a aparição da imagem, que por vontade da
Virgem Maria recebeu a denominação de Nossa Senhora dos Prazeres”
(Megale; 1980: 317).
47
As origens do culto
não podem guardar pão fermentado em casa. Na liturgia católica, o
nome “dos Prazeres”, “dos Gozos” ou “das Alegrias” de Nossa Senhora
pretende “fazer associar a mãe de Jesus às alegrias da ressurreição”.
Porém, os livros santos do cristianismo são mudos quanto às relações
de Jesus ressuscitado com sua Mãe.
A mudança do nome não valeu de nada, no sentido de acabar
com o antigo culto hebreu. As Senhoras do Verde e todas as centenas
de outras festejadas nesse dia com passeios aos campos e aos
montes, e que deveriam passar a chamar se ‘dos Prazeres’, continuam
a ser conhecidas pelos antigos nomes e a integrar a festa tradicional
judaica caracterizada por uma subida ao monte ou por um passeio a
um rio, com refeição. O ritual existe ainda hoje, no domingo de
Pascoela, em todos os recantos das três Beiras, seja qual for o nome
da Senhora. Mas essas festividades e cultos perderam o seu
simbolismo hebraico.
Nos Montes Guararapes percebemos a mesma estrutura, isto
é, a visita ao Monte, que no início era aos antepassados mortos nas
batalhas; um passeio com refeição, exatamente no dia de domingo
de Pascoela, quando romeiros de várias procedências do interior de
Pernambuco e de outros Estados vizinhos passam o dia em alegres
refeições ao ar livre.
Num pequeno texto “Invocações de Nossa Senhora em
Portugal d’Aquém e d’Além mar e seu Padroado”, publicado em 1967,
pelo padre Jacinto dos Reis, encontramos que, entre as diversas
nominações que Nossa Senhora adquiriu nestes últimos séculos,
aparece o de Nossa Senhora dos Prazeres. O seu culto é muito antigo
e provavelmente teve início em Portugal. Reis cita A. Pimentel:
É certo ter sido a Igreja portuguesa (Lisboa, Évora e Braga) a primeira da
cristandade que festejou as alegrias da virgem Santíssima pela ressurreição
do Seu amado Filho, dando lhe a invocação de † Senhora dos Prazeres. (...)
A devoção de Nossa Senhora remonta entre nós ao século XV, embora no
século XVI tomasse maior desenvolvimento pela aparição de uma imagem
na quinta dos condes da Ilha, sobre a ribeira de Alcântara, em Lisboa (Reis;
1967: 477-8).
Padre Jacinto passa a se referir agora no século XX, quando
foi criada em Lisboa no ano de 1958, a freguesia de Nossa Senhora
dos Prazeres. Esta Senhora é orago de muitas igrejas paroquiais e
muitas capelas. Seu culto aparece em diversas dioceses e
arquidioceses, como a da Guarda, de Braga, Leiria, Aljubarrota,
46
Alexandre Fernandes Corrêa
Desta forma, podemos dizer que o culto de Nossa Senhora
dos Prazeres se difundiu de maneira considerável no Brasil, havendo
dele registro até em nosso século, com três paróquias relativamente
recentes. No entanto, e muito a propósito, é a própria autora citada
quem diz constituir, o culto ou a aparição de Nossa Senhora nos
Montes Guararapes, a devoção mais “famosa” e significativa a essa
santa.
Antes de prosseguir com uma descrição das particularidades
históricas do culto nos Montes Guararapes, é preciso retornar a Nilza
Megale para recolher a confirmação iconográfica de Nossa Senhora
dos Prazeres, sua forma modelar e sua plástica constante, observável
desde as citações de Moisés Espírito Santo quanto a suas
características em Portugal. Megale chega a citar até mesmo o cetro
na mão da Virgem:
A Virgem Maria está de pé, vestida de uma túnica de mangas largas e um
manto que envolve o seu corpo. Tem sentado em seu braço esquerdo o
Menino Jesus nu, com os braços abertos e segurando com a mão direita um
cetro pequeno. Sua cabeça está semicoberta por um véu curto e sob seus
pés aparecem sete cabeças aladas de anjos, correspondentes aos sete
grandes prazeres de sua vida. Em algumas imagens as alegrias de Maria
são simbolizadas por sete rosas (1980: 319).
Fato consensual entre os autores que pesquisei (Bastide; 1945
- Gonçalves de Mello; 1971 – Luna; 1867 - Megale; 1980 - Mota
Menezes; 1973) é que o templo dedicado a Nossa Senhora, em
Jaboatão dos Guararapes, foi construído logo após a vitória de
brasileiros e portugueses sobre os holandeses, os quais, por 24 anos,
haviam conquistado o Nordeste do País. Isto quer dizer que a
construção do templo se identifica plenamente com os fatos históricos
das batalhas, edificado que foi para agradecer à Mãe Santíssima sua
participação efetiva nessa ordem de acontecimentos mundanos.
“Conta a tradição popular que Nossa Senhora dos Prazeres
transformava em bombas as pedras arremessadas contra o inimigo
e que foi Ela quem guiou os nossos soldados no caminho da vitória”
(Megale; 1980, 317).
2
2
A lenda se encontra presente também, mas com detalhes distintos, na “memória”
do Padre Luna, de 1867: “A tradição nos assegura que o General Barreto de Menezes
com seu pé de exército nos Guararapes, antes de entrar em ação de batalha, na
eminência do segundo monte, havia feito oração ao Nume Supremo, seguida de
um voto à Virgem Puríssima, de ali erigir lhe uma Capela, consagrada aos seus
49
As origens do culto
As Origens do Culto no Brasil
Acompanhando de perto o texto de Nilza Megale, que trata
efetivamente das aparições marianas no Brasil, a autora faz referência
a algumas igrejas dedicadas à invocação de Nossa Senhora dos
Prazeres no Estado de Alagoas, Santa Catarina e em Minas Gerais,
mais especialmente em Diamantina e Lavras Novas, sendo, porém,
a mais famosa a dos Montes Guararapes, perto de Recife, em
Pernambuco.
Esta informação sobre as igrejas e paróquias dedicadas a
Nossa Senhora dos Prazeres no Brasil se completa com a entrevista
que tive com o Irmão Rafael Francisco da Silva, de quem obtive a
relação mais atual das paróquias que culturam a Nossa Senhora dos
Prazeres em nosso país. São dez paróquias, sendo a maioria delas
encontradas na Região Nordeste do Brasil, às quais se somam aquelas
situadas nos Estados de São Paulo e Santa Catarina. Estão
localizadas:
1) na cidade de Paulista, em Pernambuco: fato curioso é que,
aí, as festividades realizam se no mês de setembro;
2) na cidade de Maceió, Alagoas: catedral metropolitana de
Nossa Senhora dos Prazeres. Data de 1821;
3) na cidade de Goianinha, Rio Grande do Norte: data de
1746;
4) na cidade de Caucaia, Ceará. Data de 1915.
5) na cidade de Guaraciaba do Norte, Ceará: data de 1888;
6) na cidade de Lages, Santa Catarina: catedral diocesana de
Nossa Senhora dos Prazeres. Data de 1767;
7) na cidade de Itapetininga, São Paulo: data de 1771;
8) na cidade de Piracicaba, São Paulo: data de 1974;
9) na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo: data de
1940;
10)na cidade de Itapecerica da Serra, São Paulo: igreja de
Nossa Senhora dos Prazeres, que fica no Largo da Matriz e
data de 1841.
1
1
Aí a santa tem imagem, ainda, no mosteiro das monjas beneditinas e no mosteiro
de Nossa Senhora da Paz
48
Alexandre Fernandes Corrêa
há grande acorrida a esse local. Além disso, têm se registros, citados
pelo mesmo professor, de que as peregrinações e romarias aos Montes
tiveram inicialmente o caráter de visita aos antepassados mortos.
Na maioria destes se encontravam familiares dos soldados. É assim
que nos lembra Roger Bastide, com singela poesia:
“(...) quero, por um momento, me deixar penetrar pelos mitos, e quem nos
diz que o mito não é o pressentimento de uma verdade que ainda não existia,
mas que não tarda a nascer? A terra bebeu aqui o sangue dos que morreram
por uma fé e por uma cultura; bebeu também o sangue dos soldados louros,
vindos dos países do Norte, dos mares que cantam na névoa, para se
embriagar com a voluptuosidade dos trópicos. O sangue não secou ainda,
continua a correr sob o solo, forma poças negras nas raízes dos coqueiros e,
uma vez por ano, por ocasião da florada, volta, sobe ao ar livre pelas veias
das ervas; os capinzais não passam de uma imensa toalha vermelha. Não
passam de um tapete de sangue que ondula em vagas purpúreas. Então, do
Recife e de Olinda, esquecendo as rivalidades antigas, as querelas dos
pelourinhos, a multidão vem até à igreja que se abre aos cânticos do povo,
celebrando a vitória sobre os holandeses e chorando os heróis mortos” (1945:
148 9).
Esse texto reflete as mudanças que ocorreram na visão
histórica e sociológica de Roger Bastide no tocante à ocupação
holandesa do Nordeste do Brasil e particularmente do Estado de
Pernambuco. Por exemplo, num pequeno texto datado de 1940 e
escrito para o jornal O Estado de São Paulo, o mesmo autor chega a
dizer que o domínio holandês “passou sem deixar mais vestígios do
que a estada dos huguenotes de Villegagnion no Rio de Janeiro” (p.
22). Esta posição ele a reverte consideravelmente quando, a partir
de uma viagem pelo Nordeste do País, em visita a Pernambuco e à
Bahia, escreve suas Imagens do Nordeste místico em preto e branco,
de 1945, com nova visão dos fatos, documentada pelo texto acima
citado.
O Sincretismo afro brasileiro em Nossa Senhora dos Prazeres
O sincretismo como fenômeno social está ligado a um processo
de construção de identidade cultural. O Brasil é um lugar
especialmente rico nessa fenomenologia. A partir de um intenso
intercâmbio de tradições históricas distintas, observamos um
complexo e dinâmico processo de interpenetrações e cisões de traços
culturais diversificados. O sincretismo faz parte das “simetrias e
assimetrias americanas”, do que Janice Theodoro (1992) chamou
de “o projeto barroco de uma identidade latino americana”. Será
51
As origens do culto
Em verdade, o fato que liga a santa aos acontecimentos
históricos está determinado pela vitória na primeira das três batalhas,
que se deu em 18 de abril de 1648, domingo de Pascoela. Durante
os seis anos da Guerra de Restauração (1648 1654), os brasileiros
sempre estiveram em condições materiais desfavoráveis. Portugal
estava impossibilitado de ajudar efetivamente na campanha: após
ter conseguido sua independência da Coroa espanhola, sob a qual
ficou subjugado por 60 anos, temia o ataque holandês. Assim,
propagaram se os feitos lendários das batalhas heróicas.
Nilza Megale diz que “a Insurreição Pernambucana contra o
domínio holandês foi considerada, na época, não somente uma guerra
patriótica, mas também uma luta religiosa, pois os batavos eram
protestantes; por esse motivo os combates eram precedidos de
novenas e procissões. Os soldados, antes de seguirem para o campo
de batalha, confessavam e comungavam” (p. 318). Após estes seis
anos de guerra, o General Francisco Barreto mandou erguer com
suas próprias despesas uma capela dedicada a Nossa Senhora dos
Prazeres. Diz nos Megale, que “esta invocação estava em moda
naquela época e o General Barreto de Menezes tinha lhe grande
devoção” (p. 318), além de que, bem o sabemos, era costume,
desde a Idade Média européia, erguer-se templos após as vitórias
campais, haja vista às inúmeras invocações a Nossa Senhora da
Vitória, ou das Batalhas, que se encontram até mesmo em nosso
país. A razão disto é o fato de considerarem se as guerras momentos
sagrados, “lutas religiosas”. Outro ponto que devemos considerar
foi levantado, em entrevista, pelo professor José Luís da Mota
Menezes quando ponderou que “com o fim da luta, como os mortos
eram em quantidade e o horário impossibilitava o transporte para o
cemitério santo, o modo de resolvê lo foi tornar o monte sagrado”. E
hoje vemos, no cruzeiro que se encontra no pátio em frente do
templo, referências àqueles heróis mortos. Em todo Dia de Finados
louvores, se Ela, por seu poder e intercessão, alcançasse do Deus dos exércitos a
victoria tão desejada. “Também é tradição oral que, na ocasião desta fervorosa
súplica, um estampido forte se ouvira no cimo da montanha, o qual surpreendera
por demais a todos, e em seguida fora visto uma exalação, que fazia seu curso na
azulada esfera; fenômeno este que, deixando a todos com os cabelos hirtos, e
tomados de susto, sugeria ao mesmo tempo a idéia feliz, e despertava o belo
presságio de um triunfo assgnalado, para os intrépidos beligerantes sobre a coorte
batava” (267).
50
Alexandre Fernandes Corrêa
Como dizia,observamos em alguns autores as justaposições
que fazem entre o culto de Nossa Senhora dos Prazeres e alguns
orixás africanos, principalmente Oxum e Obá.
Obá
A associação do orixá Obá com Nossa Senhora dos Prazeres
encontra se em dois textos importantes da literatura antropológica
moderna: um de Artur Ramos (1951) e outro de Roger Bastide
(1983). Ambos, no entanto, citam fontes de Gonçalves Fernandes,
que em pesquisa de campo no terreiro de Maria da Conceição,
recolheu informações sobre as comemorações conjuntas que se
faziam às duas entidades.
As características míticas deste orixá são um tanto
controversas. Em René Ribeiro (1952) sabemos que Obá é uma das
filhas de Iemanjá com Oxalá, enquanto Oxum é filha de Iemanjá
com Orumilá. Ambas tornam se esposas de Xangô, após terem
relações com Ogum. Relações incestuosas, entre irmãos.
Pierre Verger (1981) informa que Obá é sincretizada, no Novo
Mundo, com Santa Catarina, o que é corroborado por M. S. Herskovits
(Bastide; 1983: 162). Já se vê, daí, que não há nenhum consenso
em torno das associações do orixá com a santa objeto deste ensaio.
Mas as contradições não param aí. Quando comparamos as
informações mitológicas fornecidas por Édison Carneiro (s.d.) e Pierre
Verger (1981), encontramos diferentes versões sobre a amputação
de uma das orelhas do orixá. Num texto em que Carneiro nos fornece
outras informações concernentes às características de Obá,
encontramos a seguinte versão mítica:
Obá, iyabá guerreira, está remotamente identificada com Joana d’Arc. Não
tem uma das orelhas e os negros contam que, mulher de Xangô, menos
querida do que as outras, acreditou nas palavras da favorita Yansã, que lhe
disse que, para conquistar o amor do orixá, deveria cozinhar a orelha. Traz
espada e escudo de cobre e com o escudo, com folhas ou simplesmente
com a mão oculta a orelha esquerda. Come cabra, galinha, conquém, acarajé
e abará (s.d.: 82).
Na versão de Pierre Verger (1981:186), a orixá que é objeto
de rivalidade com Obá não é Iansã e, sim, Oxum. Esses dois orixás,
para Verger, passam a ter uma eterna arenga, e conta o mito que
“Xangô, irritado, fez explodir o seu furor. Oxum e Obá, apavoradas,
fugiram e se transformaram nos rios que levam seus nomes. No
53
As origens do culto
sob o prisma teórico do sincretismo que faremos uma investida quanto
às associações que diversos autores e pessoas entrevistadas fazem
entre Nossa Senhora dos Prazeres e alguns orixás africanos de origem
nagô.
Arriscamo nos aqui em penetrar em domínio cheio de
armadilhas e polêmicas infindas. O problema do sincretismo é
debatido há mais de meio século no Brasil. Existe, portanto, extensa
bibliografia a seu respeito, em meio à qual se encontram autores do
maior renome como Artur Ramos, Waldemar Valente, René Ribeiro,
Gonçalves Fernandes, Roger Bastide, Sérgio Ferretti, Roberto Motta,
etc. Não pretendo neste ensaio dar nenhuma palavra definitiva ou
consensual sobre o conceito em questão. Proponho, para simplificar,
que nos atenhamos ao trabalho de Sérgio Ferreti, que conseguiu
oferecer uma tipologia que organiza de forma sucinta os aspectos
multilineares do fenômeno sincrético:
O sincretismo ocorre na religião, na filosofia, na ciência, na arte e pode ser
de tipos muito diversificados. Nas religiões afro brasileiras podemos localizar
vários tipos, conforme o aspecto que se esteja estudando ou a ênfase do
estudo. Para evitar mal-entendidos e confusões, é preciso explicar exatamente
o sentido que se quer dar ao termo que está sendo utilizado. Apesar dos
aspectos pejorativos que prevalecem, sincretismo é um fenômeno que existe
em todas as religiões, está presente na sociedade brasileira e deve ser
analisado, quer gostemos ou não (1991: 79).
Mais adiante no texto, Ferretti distingue três variantes “que
abrangem alguns significados principais do conceito de sincretismo”:
1. Mistura, junção, ou fusão: existe na observação de certos rituais pelo
povo de santo, como o batismo e a missa de sétimo dia;
2. Paralelismo ou justaposição: existe nas relações entre orixás e santos
católicos;
3. Convergência ou adaptação: existe entre idéias africanas e de outras
religiões, sobre a concepção de Deus ou sobre o conceito de reencarnação”
(p. 79).
“Podemos dizer que cada caso é único e que o sincretismo
assume características diversificadas”, diz o mesmo Ferretti (p. 80).
Tomando cuidado em perceber especificidades, considero que no
caso do presente estudo cabe bem a segunda variante do conceito,
que é o do paralelismo.
52
Alexandre Fernandes Corrêa
ambivalências. Dentro desta aparente mixórdia de informações,
podemos chegar a arriscar uma hipótese: se os autores colheram
informações precisas, no Recife Obá associa se a Nossa Senhora
dos Prazeres, e Oxum a Nossa Senhora do Carmo. Em Jaboatão,
aconteceria o inverso. Isso se afirma sem pretensões de aplacar
essas dúvidas, pois a associação de um orixá com um santo varia de
“terreiro” para “terreiro”.
Oxum
Vemos as contradições aflorarem quando nos debruçamos
sobre a filiação mítica de Oxum. Para René Ribeiro que tentou
organizar um panteão nagô, a entidade é filha de Iemanjá com
Orumilá. Mas quando nos voltamos para a obra de Pierre Verger
(1981), vemos aí que Orumilá foi um de seus maridos, e não seu
genitor mítico. Bem sabemos, neste domínio não existe proibição de
incesto, contudo já temos de início, esta imprecisão de dados. De
toda maneira, podemos dizer que Oxum possui uma graça e uma
beleza toda especial, destacando se nas artes da sedução e da malícia.
Seu nome está ligado à fertilidade das mulheres e dos seres em
geral. Seguindo Pierre Verger, “Oxum é a divindade do rio de mesmo
nome que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu. Era, segundo dizem, a
segunda mulher de Xangô, tendo vivido antes com Ogum, Orumilá
e Oxóssi. As mulheres que desejam ter filhos dirigem se a Oxum,
pois ela controla a fecundidade, graças aos laços mantidos com Iyámi
Ajé (‘Minha Mãe Feiticeira’)” (p. 174).
Oxum tem o título de Iyáloode, que é dado à pessoa que tem
o lugar mais importante entre todas as mulheres da cidade. É a
rainha de todos os rios e exerce seu poder sobre a água doce. Sem
ela não haveria vida na terra. Possuindo enorme riqueza de variantes
míticas e rituais, é um orixá bastante popular tanto no Recife como
em diversas outras capitais do País. Geralmente associa se a outras
santas de muito vulto, como, por exemplo, a padroeira da cidade do
Recife, como já referido. Na Bahia é sincretizada com Nossa Senhora
das Candeias, e, em Cuba, com Nuestra Señora de la Caridad del
Cobre. Todavia, segundo diversos autores, no Recife e em Jaboatão
ela é comumente associada a Nossa Senhora dos Prazeres. É o que
vemos em Artur Ramos, Waldemar Valente, Roger Bastide, Gonçalves
Fernandes, Pierre Verger, etc. Uns associam-na apenas a Nossa
Senhora do Carmo, como é o caso de Bartolomeu Medeiros (1987).
55
As origens do culto
local de confluência dos dois cursos de água, as ondas tornam se
muito agitadas em conseqüência da disputa entre as duas divindades”
(p. 186).
Parece-me mais apropriado crer que a versão de Verger seja
a mais coerente e correta, já que de fato as duas entidades estão
ligadas aos cultos das águas dos rios, e também por que Oxum é a
orixá sobre a qual vemos as características mais pertinentes com as
idéias de malícia, sedução, prazer etc.
Um texto que tem importância singular é o de René Ribeiro.
Para ele, Obá é uma “divindade guerreira, sendo no Recife equivalente
a Nossa Senhora dos Prazeres, que teria dado aos portugueses sua
vitória sobre os holandeses nos Montes Guararapes” (1952: 60).
O nome de René Ribeiro soma se aos de Artur Ramos, Roger
Bastide e Waldemar Valente na identificação dos dois cultos. Porém,
nenhum deles deixa de se referir a “terreiros” que associam Nossa
Senhora dos Prazeres a Oxum. E René Ribeiro não foge à regra
quando informa que Oxum se liga ainda aos cultos de Nossa Senhora
da Conceição e do Carmo, essa última a padroeira da cidade do
Recife.
Em páginas mais à frente do estudo de Ribeiro, encontramos
um texto que marca profundamente algumas imprecisões tanto
geográficas como de ordem mítica, na atribuição do fenômeno do
sincretismos:
Além do calendário das “obrigações” diárias, certas datas especiais
comemorativas de certos deuses também exigem atenção especial. De um
modo geral, as festividades anuais seguem a seriação das festas dos santos
católicos, caso pitoresco ocorrendo no Recife, até pouco tempo, com as
solenidades do dia de Nossa Senhora dos Prazeres: nesse dia (...), havendo
participado das missas e procissão organizadas pelos frades que se
encarregam do santuário dos Guararapes, reuniam se à noite os membros
dos cultos afro brasileiros para celebrar a seu modo, em cabanas
improvisadas, a divindade africana Obá aqui identificada à santa Católica
(p. 66).
Os Montes Guararapes não ficam no Recife, e sim em Jaboatão,
município que fica dentro da região metropolitana recifense, mas
não na cidade do Recife; isso parece sem importância, mas poderá
produzir conclusões equivocadas. E René Ribeiro é mesmo um autor
que nos faz refletir sobre o cuidado que devemos ter quando
pretendemos determinar fatos cheios de ambigüidades e
54
Alexandre Fernandes Corrêa
fundo comum da tradição popular, da estrutura, ou melhor, “[d]as
formas fundamentais do pensamento religioso” e da universalidade
da noção de maternidade divina dos homens se aplicam muito bem
aqui. De fato, as divindades referidas possuem aquela mesma lógica
que atravessa os tempos e que preserva em todos os povos a mesma
estrutura simbólica. As singularidades mitológicas e rituais são
manifestadas, porém não subvertem radicalmente a estrutura
arquetípica e universal, de os homens atribuirem à divindade a
maternidade de sua espécie, ou de nações, etnias etc. Nós aqui já
acompanhamos desde o Oriente Próximo com os cultos de Ishtar e
de Ester, na Assíria e Babilônia e também na Judéia, passando pelos
cultos marianos de Portugal, onde a população dentro da tradição e
dos mitos seculares de sua formação atribui a Maria, Mãe dos Céus,
Estrela da Manhã etc., a origem mítica de sua nacionalidade. Os
textos de Moisés Espírito Santo são esclarecedores disso (1988;
1990).
Neste capítulo apresentei as origens do culto à N. S. dos
Prazeres através de um levantamento histórico, que parece se
confundir com certo difusionismo antropológico, mas que, todavia
não é mais que uma confirmação das teses de Marcel Mauss e
Dieterich. Estes dois autores afirmam concretamente que existe uma
força simbólica recorrente ligada à noção de maternidade, ou melhor,
a noção de “Mãe dos Homens” e isto se aplica muito bem aqui no
nosso contexto de análise.
A Virgem personifica e traduz, no seu simbolismo, a função
arquetípica e inconsciente cumprida por seu significado cultural. Isto
é, Nossa Senhora dos Prazeres possui um “idioma cultural” particular.
Uma linguagem própria, histórica. Nossa Senhora de Guadalupe,
estudada por Eric Wolf (1968), possui também suas particularidades.
No entanto, todas essas Virgens e deusas – referência ainda à deusa
Ishtar, à rainha Ester (por que não à Isis do Egito, à Atena na Grécia,
à Iemanjá no Brasil e na Nigéria, etc. – cumprem uma função
estrutural análoga. Todas são frutos da crença humana e universal
numa Mãe sobrenatural, que incorpora em si todas as aspirações e
os desejos da humanidade. Melhor dizendo, cada uma destas deusas
e Virgens incorpora os anseios de parcelas da humanidade, as
distintas nações e etnias, constituindo, pois, símbolos e mitos
fundadores, com seus heróis e suas tragédias, expressão imaginária
do inconsciente coletivo dos povos.
57
As origens do culto
Outros a Nossa Senhora, simplesmente, como o fez Nina Rodrigues,
ou ainda com Nossa Senhora de Lourdes, como aparece em Édison
Carneiro.
No que concerne a este ensaio, convém avaliarmos as
associações com Nossa Senhora dos Prazeres. E não é de todo forçoso
crer que Oxum possui características bem próximas de uma santa
que alude aos prazeres e as alegrias da vida. É o que podemos
concluir desta citação de Verger: “O arquétipo de Oxum é o das
mulheres graciosas e elegantes, com paixões pelas jóias, perfumes
e vestimentas caras. Das mulheres que são símbolos do charme e
da beleza. Voluptuosas e sensuais, porém mais reservadas que Oiá.
Elas evitam chocar a opinião pública, à qual dão grande importância.
Sob sua aparência graciosa e sedutora escondem uma vontade muito
forte e um grande desejo de ascensão social” (p. 176).
Ficam, assim, bastante afins as duas divindades. Os princípios
que as regem são comuns e pode se constatar isso nas associações
de idéias feitas pelos mais leigos, que chegam a ver em Oxum uma
divindade que mais parece uma deusa grega que qualquer outra
coisa. É o que percebemos ao lermos, num pequeno jornal do
Movimento Negro Unificado (MNU), de Pernambuco, as seguintes
palavras: “Festa de Oxum em Jaboatão: Os adeptos e simpatizantes
do candomblé puderam reverenciar o orixá Oxum, deusa da beleza,
do amor, da riqueza e da fertilidade, no domingo, 26 de julho (1991),
quando aconteceu, pelo segundo ano consecutivo, a Festa de Oxum,
na cidade de Jaboatão dos Guararapes”.
É curioso observar que as datas não coincidem. A festa de
Nossa Senhora dos Prazeres tem data móvel, de acordo com o
Carnaval e a Quaresma, mas esta festa de Oxum tem data fixa: dia
26 de julho. Aqui ocorre que o movimento negro tenta desvincular
os laços do candomblé com o catolicismo e tende a promover uma
independência cada vez maior de uma em relação à outra,
encontrando para cada uma sua “identidade” própria. Esta última
festa conta com o incentivo da Secretaria de Turismo, Cultura e
Esportes de Jaboatão, o que vem demonstrar a força atual do
Movimento Negro na região. Em 1991 o evento contou com a
participação de aproximadamente 10 mil pessoas!
Retornando às reflexões iniciais de Marcel Mauss e de
Dieterich, podemos dizer que as suas hipóteses concernentes ao
56
Alexandre Fernandes Corrêa
A sócio-etnografia da festa
e da procissão religiosa
É através da etnografia da festa e da procissão de Nossa
Senhora dos Guararapes que procuro revelar a estrutura comum e
subjacente à aparente variabilidade e diversidade que manifestam
os fenômenos religiosos na cultura brasileira, em particular, e no
mundo católico em geral.
Destacam-se, aqui, trabalhos como o de Isidório Alves (1980)
sobre o Círio de Nazaré em Belem do Pará, a pesquisa de Rubens
César Fernandes (1982) sobre os Cavaleiros do Bom Jesus em São
Paulo, a etnografia, de Carlos Rodrigues Brandão (1982), da Festa
do Divino Espírito Santo de São Luís de Paraitinga, no interior de
São Paulo, o estudo das festas seculares agrícolas efetuadas por
Sérgio Teixeira (1989), os de Pierre Sanchis (1983) sobre a sociologia
das romarias portuguesas, e ainda as pesquisas de Roberto da Matta
(1981), que inspiram um método estrutural abrangente sobre o
dilema social brasileiro. Desta forma, fazendo referência a ampla
bibliografia, procuro demonstrar as invariantes e unidades simbólicas
que vejo existir nos complexos rituais estudados.
Considero estas formas de manifestação religiosa um dos
pilares de nossa imaginação e organização sociológica. Pois diversas
expressões populares e oficiais desenvolvem desde há séculos esta
linguagem ritual, utilizando se de estruturas comuns e universais.
Neste sentido, remeto o leitor ao interessante estudo de Claude
Rivière (1989), onde ele propõe uma ritologia, ou melhor, uma ciência
dos ritos. Esse autor defende que o processo de secularização dos
Sobre as singularidades que possui o culto a Nossa Senhora
dos Prazeres no Brasil, remeto o leitor ao quarto capítulo, onde
apresento o seu significado cultural. Porém, querendo seguir a ordem
em que construí o ensaio, aprofundaremos nosso conhecimento
fazendo um pequeno mergulho na realidade empírica das últimas
festas realizadas (1991, 1992, 1993) em que empreendi uma breve
descrição etnográfica. Nesta aventura descritiva apresento a Vida
propriamente dita sua fenomenologia e sua dinâmica contagiante.
58
Alexandre Fernandes Corrêa
O professor José Antonio Gonçalves de Mello revela outra
nuance do termo: “Guararapes, na língua dos Tupis, era (...) tambor
ou atabaque, numa como previsão dos muitos que neles se tocaram
nestas batalhas, que quase quer dizer monte guerreiro” (Gonçalves
de Mello; 1971: 9).
Também Bernardino F. de F. Abreu e Castro, no seu romance
Nossa Senhora dos Guararapes, de 1847, vem juntar se ao Padre
Luna na alusão do termo Guararapes às “águas das chuvas”. Diz
ele: “(...) o nome indígena significa na linguagem portuguesa som
agudo, em razão do fragor que as águas das enxurradas fazem por
entre suas cavidades...” (1980: 660).
Apesar de alguma diferença na etimologia da palavra, não
deixa de haver certa semelhança entre os significantes “estrondos”,
“tambor” e “som agudo”. Todos remetem ao mesmo significado.
O distrito da Muribeca, até os anos de 1950, não tinha grande
importância econômica nem demográfica. Só a partir da construção
da estrada BR 101, cortando Prazeres, e com a implantação de um
parque industrial, o deslocamento do interesse imobiliário
especulativo do Recife para a região, a “modernização” da infra
estrutura urbana da cidade e a busca das praias pela população das
classes média e alta, é que o município atravessou, nos anos de
1970, um grande impulso. Porém, em contrapartida a esse processo
de crescimento e “modernização”, apareceram os mucambos, as
favelas, os grandes bolsões de miséria. Milhares de pessoas povoam
hoje o distrito, vivendo uma crise urbana sem precedentes. Um dos
problemas foi a criação do Parque Histórico Nacional dos Guararapes.
Criado por decreto presidencial em 1971, pelo general Emílio
Garrastazu Médici, acabou se tornando um grave tormento para os
moradores, apesar de o projeto conter idéias muito interessantes,
elaboradas principalmente pela equipe do arquiteto Armando
Holanda, que desenvolveu um belo estudo sobre a área, como pode
ser visto no Projeto Físico editado pelo Ministério da Cultura em
1975. Desde 1937, quando foi tombado o templo de Nossa Senhora
dos Prazeres pelo Patrimônio Histórico, o governo federal começou
a preocupar se em proteger toda a área de Guararapes. Em 1965,
depois de tombada a área, foi decretada a desapropriação de 225
hectares (decreto nº 57 273, de 16 de novembro daquele ano), o
que nunca se consolidou. Ao ser criado festivamente em 1971, o
61
A sócio-etnografia
ritos religiosos são uma transformação destes nas “liturgias políticas”
modernas (religiões civis, etc.). Outro estudo importante é o de
Jean Cazeneuve (s.d.), que analisa a dimensão ritual da conduta
humana.
Nesta pequena descrição da festa e da procissão religiosa de
Nossa Senhora dos Prazeres, também procuro explicar algumas
questões intrigantes dos rituais populares do catolicismo brasileiro.
Estes eventos ficam a meio caminho entre uma “festa de igreja” e
um “festejo do povo”. Por eles, observamos os limites tênues que
separam o religioso e o secular, de fronteiras muito difíceis de
determinar, como podemos observar em diversas outras festas deste
tipo espalhadas pelo território nacional.
Localização, Aspectos Históricos e Sócio Econômicos
Os festejos de Nossa Senhora dos Prazeres - ou, simplesmente,
Festa dos Prazeres, ou ainda Festa da Pitomba, como são chamados
pela população - acontecem numa região bem determinada do
município de Jaboatão dos Guararapes: Prazeres, nome popularmente
conhecido, naquele município, do distrito que tem oficialmente a
denominação de Muribeca dos Guararapes, instituído pelo decreto-
lei estadual nº 952, de 31 de dezembro de 1943. O costume de
chamar o distrito com o nome de Prazeres é mantido até mesmo
pelas autoridades municipais e obedece a razões históricas, pois
anteriormente a localidade havia sido chamada de Nossa Senhora
dos Prazeres, devido à influência da Igreja centenária que aí tem
esse nome e por ter sido o primeiro núcleo populacional significativo
a se formar, a partir de 1950.
Desde o século XVI, todo lugarejo tem seu desenvolvimento
e crescimento econômicos ligado à cultura do açúcar. Inicialmente,
com engenhos e, depois, com usinas de beneficiamento. O termo
Guararapes deve se ao monte onde se travaram as duas celebres
batalhas contra os invasores holandeses, em 1648 e 1649. Diz o
Padre Luna acerca das origens do nome: “Guararapes significa no
idioma dos nossos índios o estrondo e o ruído que as águas das
chuvas fazem quando se despencam desses montes, assemelhando
se ao estrondo que faz uma catarata quando as águas se precipitam,
isto induziu os índios a dar lhes este nome” (1867: 255).
60
Alexandre Fernandes Corrêa
Voltando aos aspectos sócio econômicos e demográficos do
distrito de Muribeca dos Guararapes – ou simplesmente: Prazeres –
diremos que se desenvolveu dentro dos quadros de desigualdade e
desequilíbrio social comuns a todo um continente. O estado do distrito
dos anos de 1980 até os anos de 1990 representa verdadeiramente
os diferentes Brasis que possuímos e que precisam de mudanças
profundas: o Brasil histórico, cuja memória necessita-se preservar;
o Brasil litorâneo, cujas praias são tão belas e atraentes para o
turismo; o Brasil industrial moderno, que tantas contradições tem
engendrado; o Brasil de uma classe média indefinida e insegura
com uma ideologia complexa; e o Brasil dos miseráveis, dos que
habitam os morros e os mangues, e que precisam invadir a terra
porque não têm acesso legal a ela através de sua força de trabalho...
A Procissão de Abertura
A semana que antecede a realização das festividades para
Nossa Senhora dos Prazeres é a da Páscoa Cristã. É o encerramento
de um ciclo de abstinência e resignação que começa a partir do
último dia de Carnaval. Essas datas variam no calendário católico,
mas o período da Quaresma tem um significado marcante em nossa
cultura, pois, de fato, é quase impossível vermos realizar se qualquer
tipo de festividade, religiosa ou profana, de grandes proporções,
nesse período. Nem mesmo os “terreiros” ou casa de cultos afro
brasileiros desrespeitam esses preceitos, nem haveria razão para
tal, pois os seus praticantes consideram se católicos.
Com o aproximar-se dos dias da Páscoa, vemos a comunidade
de Prazeres começar a organizar suas barracas e vendinhas, com os
mais variados produtos. O final de semana é prolongado por dois
dias a mais de descanso. São quatro dias de feriado santo, que
culminam na realização de abertura da Festa dos Prazeres.
Cabe aqui uma pequena digressão. O padroeiro do município
de Jaboatão dos Guararapes é Santo Amaro. Porém, na segunda
feira após o Domingo da Pascoela, dia de encerramento das
festividades profanas e seculares, é feriado municipal. Abril em
Prazeres é um mês de muitos dias de folga e efervescência coletiva.
Chegam ao local milhares de pessoas em busca dos mais variados
bens simbólicos ofertados num grande mercado ao ar livre: o mercado
da festa. Isso mostra o envolvimento da cidade com as
comemorações.
63
A sócio-etnografia
Parque Histórico Nacional dos Guararapes não possuía mais do que
100 hectares de área livre, sendo os outros 125 hectares invadidos
pela população no transcorrer dos anos.
Vem a propósito dizer que detectamos um interesse sempre
presente das autoridades federais, principalmente dos ministérios
militares, pelo monumento. Não por acaso, foi em pleno Regime
Militar que se criou o Parque. As batalhas históricas que aí tiveram
lugar são consideradas como o berço do nacionalismo, do nativismo,
do Exército Nacional. Podemos ver diversas placas comemorativas
incrustadas no templo dos Prazeres: dos Ministérios da Marinha e
da Aeronáutica, principalmente. Encontramos também uma placa
comemorativa mandada construir pelo general Mascarenhas de
Morais, logo após o término da IIª Grande Guerra Mundial. Nela
lemos estes dizeres:
Nestas colinas sagradas, na Batalha vitoriosa contra o invasor, a Força Armada
do Brasil forjou e alicerçou para sempre a base da Nação Brasileira. Na
qualidade de comandante da Força Expedicionária Brasileira, deponho no
campo de batalha dos Guararapes os louros que os soldados de Caxias
alcançaram contra as tropas germânicas nos campos de batalha do Monte
dos Apeninos e do Vale do Pó (09.07.1945).
A essas palavras podemos acrescentar as do professor Gilberto
Freyre: “Nestas batalhas, escreveu se a sangue o endereço do Brasil”
(Megale; 1980: 318), expressão que revela a importância simbólica
destes fatos para a construção dos mitos fundadores da
nacionalidade.
As relações profundas que as Forças Armadas têm com as
festividades ficam evidentes não só pelos aspectos já citados, mas
por sua participação direta nos eventos. Na segunda feira logo após
a abertura das comemorações a que assisti, o Exército mandou rezar
missa campal em frente ao templo onde os capelães da instituição
militar ministraram o culto, havendo, ainda, salva de tiros de canhão.
Isto pela manhã do dia. O coronel Ivanildo de Oliveira, que é estudioso
de História Militar e especialista sobre o domínio holândes no Brasil,
fez uma homenagem aos heróis da Batalha, com uma alegoria à
luta, teatralizada com o pelotão de infantaria e um grupo de carros
de combate do 10º esquadrão de cavalaria e do esquadrão do
regimento Dias Cardoso. Pode se ver a repercussão na imprensa
lendo a reportagem no Jornal do Comércio do dia 21 de abril.
62
Alexandre Fernandes Corrêa
festa profana – a Festa da Pitomba e o parque de diversões – fica
sob a responsabilidade da prefeitura de Jaboatão.
A escolha dos juízes dá se por volta dos meses de janeiro e
fevereiro. É feita pelo vigário em concordância com as pessoas da
comunidade, que têm uma vida religiosa mais participativa. É
consensual, não existe eleição para isso. Dona Ina nos diz que para
ser juíza da festa precisa se “ter uma vida religiosa dedicada e ser
devota da santa, reconhecida pela comunidade e pelo vigário”.
A função dos juízes é bem simples e bem pouco onerosa. No
decorrer de todo o ano, têm apenas a responsabilidade de
mensalmente realizar a reza do terço em sua casa, geralmente aos
sábados. Além disso, de participar e promover rifas e bingos para a
congregação, ou para a igreja.
É na procissão de abertura da festa que vemos a importância
e a força simbólica dos atos que os dois juízes centralizam e vivem
intensamente. A concentração da população se dá em frente de sua
residência. A bandeira de Nossa Senhora dos Prazeres está dentro
da casa, qualquer um pode vê la, tocá la ou senti-la.
2
Assim, na
tarde do Domingo de Páscoa, a multidão vai se concentrando, com o
baixar do sol, em meio ao espocar de fogos de artifício, toque da
banda de música municipal, etc. As 16:30h começa a caminhar a
procissão. A bandeira sai de dentro de casa, posicionando se em
posição estratégica, e sempre nas mãos de Dona Ina, que, alias, do
casal, é a mais ativa e participativa. A banda começa a tocar uma
marcha religiosa intitulada “22 de Outubro”. Com vivas a Nossa
Senhora dos Prazeres, a multidão, cantando e rezando, percorre as
ruas principais do bairro. Depois da marcha, o carro de som e o
povo cantam o hino de Nossa Senhora dos Prazeres.
Saindo da Avenida Barreto de Menezes, entra se na estrada
da Batalha, com o povo cantando de novo a marcha inicial. Depois
rezas e a Ave Maria. Novo hino religioso é cantado. Ao chegar ao nº
700 da Estrada da Batalha, a procissão retorna pela pista que leva à
entrada do Portão A, principal, que conduz ao templo. Reza se o Pai
Nosso. E lá vai a procissão, subindo a ladeira íngreme dos Montes
2
Pode se ter uma idéia observando as fotos que tirei, nas quais é evidente a alegria
de Dona Ina
65
A sócio-etnografia
Em 1982, dizia Carlos Rodrigues Brandão: “De alguns anos
para cá, sociólogos e antropólogos sociais, pesquisadores de campo,
têm procurado aproximar se com um maior cuidado e clareza do
âmbito dos eventos sócio religiosos praticados em esferas de escalas
reduzidas, de que são exemplos as festividades de louvor a santos
padroeiros ao longo do calendário católico” (p. 62). Passados dez
anos desde a publicação desse trabalho de Brandão, podemos dizer
que não são poucas as pesquisas existentes sobre o tema, que parece
possuir uma unidade simbólica surpreendente, a despeito das
particularidades que manifesta.
Desta forma, me atrevi em afirmar que a estrutura ritual que
organiza os fenômenos religiosos e profanos em torno do culto de
Nossa Senhora dos Prazeres em pouco ou quase nada se diferencia
dos realizados em louvor a Nossa Senhora de Nazaré em Belém
(1980), ou a Nossa Senhora dos Navegantes em Porto Alegre (1985),
ou de tantos outros através do País. Podemos vislumbrar essa unidade
comparando-os com os estudos realizados por Pierre Sanchis (1983)
em Portugal, de onde herdamos tais formas rituais.
Devo, porém, acrescentar que, quando afirmo essas
invariantes rituais, não nego as variáveis míticas que cada uma delas
possui. É assim que, como podemos ver no programa distribuído à
população de Prazeres, oficialmente a festa começa com a procissão
e hasteamento da bandeira de Nossa Senhora dos Prazeres.
A procissão sai da residência dos “juízes da festa”, como são
chamados desde muito tempo os organizadores da parte religiosa
da festa. Para entender o papel desses juízes, realizei três entrevistas
com Dona Ina, cujo nome todo é Josefa da Fonseca Figueiredo.
Junto com José Antônio de Figueiredo, seu esposo, assumiu a
responsabilidade de realizar uma linda festa. Foi uma carga muito
grande para eles, pessoas humildes, sem muitas posses, família
grande e muito católica. Não nasceram na comunidade, porém moram
há vinte e três anos em Prazeres.
1
Os juízes da festa não o são propriamente da festa profana,
eles se responsabilizam pela festa religiosa, “a festa da igreja”. A
1
Era a primeira vez que Dona Ina e seu José Antonio eram juízes da festa. Pode se
imaginar a alegria e o envolvimento sentimental dos dois pelo evento.
64
Alexandre Fernandes Corrêa
Antes de finalizar a descrição da procissão de abertura e do
momento de hasteamento da bandeira de Nossa Senhora dos
Prazeres, gostaria de fazer uma pequena consideração sobre a
importância das procissões para o catolicismo oficial.
Segundo o Código de Direito Canônico (título XVII, cânon
1390), as procissões sacras, também chamadas de rezadas, são
definidas como solenes súplicas, conduzidas para excitar e estimular
a piedade dos fiéis, que imploram os benefícios de Deus e as suas
graças. Há uma tipologia que distingue duas espécies de procissões.
As ordinárias, como é a do nosso caso, são as que se fazem em
alguns dias do ano, segundo as normas dos livros litúrgicos ou dos
costumes da tradição. As extraordinárias, são as que são feitas em
outros dias e não possuem calendário preciso. Nessa categoria
podemos colocar os cortejos de enterro e outros tipos de rezas
públicas.
As procissões e os cortejos religiosos são comemorações
litúrgicas ou para litúrgicas. Têm a finalidade de dar ao católico um
caráter vivencial de sua religião, que a liturgia não pode oferecer na
sua integridade. Nestes momentos o povo participa efetivamente
do fenômeno sagrado, em vez de ficar num estado de passividade e
de mera assistência. Lembremos o fato de que, por muitos séculos,
as missas eram celebradas em latim, língua oficial que só a elite
compreendia.
De um modo geral, o católico – e por que não o fiel de toda
religião? – tem a igreja como quase divertimento, um momento de
encontro e confraternização. Segundo textos e depoimentos antigos,
as missas, os “Te Déum” eram realizados para uma elite da população,
que tinham como um tipo de lazer tais “espetáculos”. Possuíam
lugares reservados, em ângulos que dariam boa visão do espetáculo
litúrgico. Assistir à missa era como ir ao teatro, assistir às óperas ou
outros tipos de entretenimento profano. Observamos o quanto a
religião se democratizou com o passar dos anos, culminando com a
participação, hoje geral e aberta, de todo o povo fiel.
Porém, as procissões sempre foram “espetáculos populares”.
A participação do povo nesses eventos sempre foi alegre e envolvente.
As pessoas se vestem com roupas vistosas, enfeitam suas casas,
alegram a cidade. Desta forma, a Igreja sempre considerou as
procissões como um tipo de estratégia simbólica que atinge muito
67
A sócio-etnografia
Guararapes. Parece que vamos todos para o céu! É uma bela
paisagem, com as pessoas e suas devoções irmanadas, em busca
de uma garantia de bem aventurança, e de uma forma de suportar
a angústia da morte. Afinal Jesus ressuscitou, ele está vivo, há uma
salvação: viva a Páscoa!
Começa se a cantar o belo hino “Maria, Mãe dos Caminhantes”.
A multidão já é bem considerável. Subindo a ladeira e chegando ao
pátio em frente ao templo, tem mais gente à espera. Cantam todos
juntos, o hino a Nossa Senhora dos Prazeres. Eis o que Emile
Dürkheim chamou de “efervescência coletiva” (1989). Começa a
erguer se a bandeira. Como se pode ver na foto do Anexo, o casal
Dona Ina e José Antônio é que seguram e hasteiam a bandeira, com
explosão de entusiasmo popular. É uma bela imagem. Depois disso,
o Padre Policarpo, substituto do vigário D. Hidelbrando, que se afastou
por motivo de doença, dá inicio a um discurso sobre a importância
da Páscoa, da ressurreição de Jesus, da firmeza de Maria, etc. Com
o afastamento de D. Hidelbrando os eventos perderam a dimensão
histórica que possuem. O Padre Policarpo, muito novo, não fez
referência alguma aos fatos históricos. No entanto, não deixou de
fazer diversas alusões a Maria Madalena, figura bíblica que tem uma
ligação simbólica bastante sugestiva com a Mãe dos Prazeres. Após
o hasteamento da bandeira que passa a tremular durante os nove
dias de festa, todos vão para o interior da igreja e aí celebra-se uma
missa, festiva, contagiante. Sem os bancos, a igreja parece uma
nave, um grande salão, decorado de forma magnífica, com azulejos
que lembram motivos hindus, talhas em madeira num belo e rico
estilo barroco, totalmente apropriado ao espírito que se criou.
Nossa Senhora resplandecia sobre todos, e os cantos
acompanhados por guitarra, palmas, vozes, enchiam a igreja de
alegria. Glória, glória, aleluia! Jesus ressuscitou! Diz o padre: “Jesus,
jovem, venceu a Morte!” Nova referência a Maria Madalena, a primeira
pessoa que viu Jesus ressuscitado.
Bela missa. A alegria católica tem, no dia da Páscoa, sua
maior expressão. Afinal, comemora se a ressurreição e abre se a
semana com as festividades de Nossa Senhora dos Prazeres.
Terminada a Quaresma e inicia se novo ciclo de festividades. Esta
primeira missa de Domingo foi dedicada às crianças!
66
Alexandre Fernandes Corrêa
ÁREA DA IGREJA (Templo):
ÁREA DA FESTA (Pátio e Arredores):
Os rituais e eventos são colocados em uma escala que vai
desde um campo localmente reconhecido como religioso até um
campo tido como de puro profano (a “festa” da Festa). Note se que
há rituais a meio caminho entre um campo e outro (Brandão; 1982:
65).
É com a abertura dos trabalhos religiosos que se dá
efetivamente o começo da festa, tanto religiosa como profana,
conhecida pelo nome de Festa da Pitomba, que vamos analisar a
seguir.
É nessa parte religiosa que a festa é feita para “rezar”. Como
podemos observar na programação, realizada a procissão e o
hasteamento da bandeira, acontece a missa festiva que inicia a
novena, com a bênção do Santíssimo Sacramento. Esta primeira
missa é dedicada às crianças da paróquia. Na seqüência do novenário
nos noiteiros, cada grupo religioso de expressão na comunidade
tem um dia específico na programação. As novenas compõem-se de
ladainha e ofício parvo de Nossa Senhora, cantados pelo povo;
celebração da Eucaristia; leitura evangélica; pregação; comunhão e
bênção do Santíssimo Sacramento. A partir de segunda feira, a
novena realiza se sob a coordenação da Legião de Maria; na terça
feira, pelas Vicentinas; na quarta feira, pela Renovação Carismática;
69
A sócio-etnografia
mais eficazmente a população. Isto, devido a sua atração estética, a
sua solenidade, e porque apelam mais para o misticismo do povo.
A Festa Religiosa
Esta parte da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres é dominada
pela sequência de “ritos de igreja”, e cerimônias realizadas dentro
da matriz, controladas quase que exclusivamente pelos agentes
eclesiáticos.
Como observa Carlos Rodrigues Brandão em seu estudo sobre
a Festa do Espírito Santo na cidade de Mossâmedes, em São Paulo,
“[d]urante os nove dias anteriores ao ‘Domingo da festa’ há rezas
de novena, sendo a cada dia colocada sob a responsabilidade de um
noveneiro e de um corpo de auxiliares. O noveneiro deve responder
pelas condições de realização da ‘reza’, atividade que cada vez mais
se coloca sob o controle do padre, atualmente seu oficiante” (1982:
69).
A partir da realização da procissão de abertura da Festa de
Nossa Senhora dos Prazeres, simbolizada pelo hasteamento da
bandeira à frente da igreja, seguido de intensa queima de fogos,
começam efetivamente os ritos sagrados. O ponto de saída da
procissão é um domínio profano: a casa dos juízes da festa. Só
depois, com a realização da missa, primeira na seqüência do
novenário, é que se inaugura a expressão mais religiosa dos eventos.
Pode se aventar a hipótese de que os juízes da festa, e a sua
própria casa, estão carregados de “energia religiosa” desde o
momento em que são escolhidos para tal função. Porém, nunca
deixam de ser leigos e jamais ministram um culto. Suas funções são
bem restritas. Eles apenas se responsabilizam pela realização
freqüente de rezas familiares, nos meses que antecedem a festa.
Assim, não desconsiderando o fato de o casal ter em seu lar o
estandarte da santa e de manter certa ascensão religiosa sobre os
outros fiéis, não podemos afirmar que o “religioso” começa daí. Sobre
este ponto remeto o leitor para o gráfico comparativo - inspirado no
trabalho de Carlos Rodrigues Brandão, citado - em que apresento a
variação do grau de religiosidade que acontece na Festa de Prazeres
e da Pitomba. Este grau varia de um sentido sagrado mais presente
a um sentido profano mais manifesto.
68
Alexandre Fernandes Corrêa
É bem verdade que a Festa de Nossa Senhora dos Prazeres
não tem a dimensão sócio cultural religiosa da Festa de Nossa Senhora
do Carmo, padroeira da cidade do Recife, nem da de Nossa Senhora
de Guadalupe, símbolo maior da nação mexicana. Ela não é padroeira
do município de Jaboatão, nem tão pouco da nação brasileira.
3
Isso
não obstante, vemos, lá como cá, expressarem se as várias “faces”
ou “rostos” dessas diversas Senhoras, mantendo as relações as mais
complexas com a sociedade envolvente, cada uma com suas
especificidades místicas e ideológicas. Como diz Sérgio A. Teixeira,
“[c]hamar a atenção sobre o que é percebido como positividade
própria constitui, sem dúvida, fenômeno social recorrente, pois
corresponde a uma das características mais gerais e permanentes
dos homens enquanto seres sociais, tanto a nível individual quanto
grupal “ (1988: 7).
Considero que devemos focalizar tanto os aspectos funcionais
e monográficos da pesquisa, como enfatizar as recorrências e
regularidades que o sistema religioso católico no Brasil apresenta a
nível regional, nacional e internacional. Por isso, aproximo-me do
método estrutural colocado em termos precisos pelo mestre da
Antropologia contemporânea, Claude Lévi Strauss (1975).
O Festejo Profano: A Festa da Pitomba
Penetramos agora no domínio vivo da Festa do Povo. Como
lembra Carlos Rodrigues Brandão, “se uma parte da Festa é feita de
rezar, a outra é feita de festar” (1982: 70). E esse “festar” revela a
dimensão popular de ritos que possuem uma lógica toda especial. A
importância do fenômeno social da festa na cultura brasileira é
constituinte do modo particular de organizar a nossa vida em
sociedade. Das festas mais tradicionais às mais modernas, vemos
sua força cultural e social presentes em diversos momentos de nossa
3
Isso é lamentado pelo vigário D. Hildebrando de Melo, que tem a opinião de que
Nossa Senhora dos Prazeres podia ter sido padroeira do Brasil, ao invés de Nossa
Senhora Aparecida. Para ele, é ela a primeira que está ligada às origens da nação:
Afinal, foi naquelas batalhas de expulsão dos holandeses que efetivamente surgiu
o País”. O que aliás vemos corroborado em diversos historiadores, desde os mais
nacionalistas como Varnhagen (1979) e Hélio Viana (1975), e em estudos
sociológicos como o de Fernando de Azevedo (1971), Roger Bastide (1945) e
outros.
71
A sócio-etnografia
na quinta feira, pelo Grupo Jovem Missionário; na sexta feira, pelo
Apostolado da Oração; no sábado, pelas Filhas de Maria. No Domingo
de Pascoela, véspera da festa do dia da Santa acontece a celebração
da Eucaristia de manhã e, à tarde, a missa da comunidade de
Prazeres.
Na programação religiosa, o “Dia da Festa” é a segunda feira
após o Domingo da Pascoela. É o dia em que terminam os trabalhos
religiosos e profanos, e se realiza a procissão de encerramento solene.
No dia final, no auge do esplendor e da presença intensa da
população, realizam se ritos específicos. A partir das seis horas da
manhã, ministram se três missas, até as oito horas. Às dez horas
acontece solene concelebração eucarística, presidida pelo abade D.
Sebastião Hélio Vieira Costa, beneditino do mosteiro de Olinda, ao
qual a matriz de Nossa Senhora dos Prazeres está vinculada há
séculos, desde quando o general Francisco Barreto a entregou aos
cuidados dessa ordem religiosa.
Na parte da tarde acontece a solene procissão da tradicional
imagem de Nossa Senhora. Com a apresentação do domínio mais
religioso dos eventos, procurei mostrar um dos “rostos” de Nossa
Senhora. O “rosto” que o clero e os religiosos da Ordem de São
Bento modulam. Como observa, com muita propriedade, Bartolomeu
Figueiroa de Medeiros, no seu estudo sobre a Festa de Nossa Senhora
do Carmo, padroeira da cidade do Recife, nesses eventos apresenta
se um quadro de participações específicas e diversificadas: “Vários
segmentos sociais e religiosos dão sustentação à festa e concorrem
para o conjunto da mesma com configurações especificas e
determinadas, a partir do seu próprio modo de festejar” (1987: 9).
A festa de santo, concebida como um fenômeno sócio cultural
religioso, produz complexidade e riqueza de significados. É o que o
pesquisador Bartolomeu Medeiros chamou de “uma equivocidade
de rituais e símbolos” que se manifestam nos diferentes “níveis” da
festa.
Anos antes, Eric Wolf dizia o mesmo do culto a Nossa Senhora
de Guadalupe, no México: “O símbolo da Guadalupe une família,
política e religião; o passado colonial e o presente independente, o
aspecto índio e o mexicano. Ele reflete as relações sociais salientes
da vida mexicana, encarnando as emoções por elas desencadeadas”
(1968: 706).
70
Alexandre Fernandes Corrêa
Cabem aqui algumas interrogações. Porque a pitombeira é
associada ao culto de Nossa Senhora dos Prazeres? Existe alguma
relação especial entre o fruto, a árvore e a devoção a essa santa?
Que simbologia manifesta esta associação? Qual o sentido dessa
aproximação entre estes signos, que correspondências podemos
encontrar aí?
A árvore é um dos temas simbólicos dos mais ricos e mais
difundidos. Mircea Eliade, em seu Tratado de história das religiões,
distingue sete interpretações do que ele chamou de “os cultos da
vegetação”:
a) o conjunto pedra árvore altar, que constitui um microcosmos
efetivos nas camadas mais antigas da vida religiosa
(Austrália, China Indochina Índia; Fenícia Egeu);
b) a árvore imagem do cosmos (Índia, Mesopotâmia,
Escandinávia,etc.),
c) a árvore teofania cósmica (Mesopotâmia, Índia, Egeu);
d) a árvore símbolo da vida, da fecundidade inesgotável, da
realidade absoluta; em relação com a Grande Deusa ou
simbolismo aquático; identificada à fonte da imortalidade
(“A Árvore da Vida”);
e) a árvore centro do mundo e suporte do universo (altaicos,
escandinavos);
f) ligações místicas entre árvores e homens (árvores
antropogenésicas; a árvore como receptáculo das almas
dos antepassados; o casamento das árvores; a presença
da árvore nas cerimônias de iniciação);
g) a árvore símbolo da ressurreição da vegetação, da
primavera e de “regeneração” do ano [p. ex., o “Maio”]
(Eliade, 1970: 325).
Vemos o quanto é difícil classificar a Festa da Pitomba dentro
de uma destas distinções. Até por que o próprio Mircea Eliade nos
diz que elas não são definitivas, que ainda poderíamos acrescentar
outras. De certa forma podemos colocar a simbologia da pitombeira
em muito destes ítens. Mas como nos diz Jean Chevalier (1991),
“[a] despeito de aparências superficiais e de certas conclusões
apressadas, a árvore, mesmo quando considerada sagrada, não é
73
A sócio-etnografia
existência. Nossa cultura nos convida a “festar” a todo momento.
Ao contrário do que vemos acontecer em outras sociedades, aqui
festejamos os mais diversos acontecimentos e situações. Nossa
sociedade festeja, faz nos sempre lembrar que devemos reverenciar
alguém ou algo:
Toda festa é uma fala, uma memória e uma mensagem. O lugar simbólico
onde cerimonialmente separam se o que deve ser esquecido e, por isso
mesmo, em silêncio não festejado e aquilo que deve ser resgatado da coisa
ao símbolo, posto em evidência de tempos em tempos, comemorado,
celebrado. Aqui e ali, por causa dos mais diversos motivos, eis que a cultura
de que somos ator parte interrompe a seqüência do correr dos dias da vida
cotidiana e demarca os momentos de festejar (Brandão; 1989: 8).
A teoria sócio antropológica da festa já é bastante vasta : de
James Frazer, em O ramo de ouro (1986), passando por Emile
Dürkheim, em As formas elementares da vida religiosa (1989),
chegando aos trabalhos de Roger Caillois, em O homem e o sagrado
(1950), até autores contemporâneos como André Isambert (1982),
Jean Duvignaud (1973), Harvey Cox (1974), Peter Berger (1973),
muitos produziram reflexões interessantíssimas sobre a realidade
social, histórica e antropológica da festa. Existe hoje, felizmente,
enorme bibliografia que trata da teoria da festa. Neste trabalho,
procuro, seguindo algumas de suas orientações, descrever, fazer
falar a mensagem da Festa da Pitomba, que agora nos dedicamos a
decifrar.
A Festa da Pitomba, que é a dimensão profana, o outro lado
de uma mesma moeda, constitui a metade quase secular destas
comemorações e festejos. Não foi sempre chamada ou conhecida
com este nome. Só a partir das últimas décadas passou se a chamar
e a identificar se deste modo. Antes se chamava simplesmente de
Festa dos Prazeres, aludindo sempre à comunidade e ao distrito
onde se realizam os festejos. Com o tempo, associando se a Festa
de Nossa Senhora dos Prazeres com a grande quantidade de frutos
da pitombeira, que nesta época do ano produz em enorme
quantidade,
4
passou se a chamar de Festa da Pitomba.
4
É nesse período que se come muita pitomba em todo o Estado de Pernambuco, e
também em diversas regiões do Nordeste. Os frutos vêm de regiões vizinhas ao
município, mais próximas à Zona da Mata. São transportados pelos vendedores,
que nos dias da festa armam diversas barracas com produtos diferentes, mas
sobressaindo a pitomba.
72
Alexandre Fernandes Corrêa
o Clube de Frevo da cidade de Olinda, em Pernambuco, que se chama
Pitombeira, e é um dos clubes mais queridos da cidade, desfilando
todos os anos com grande animação carnavalesca.
Acredito que é em função desta simbologia da fertilidade que
podemos compreender as relações entre o culto e a festa profana. A
analogia entre “árvore frutífera mulher fecunda” é bastante antiga,
e desempenha um papel arquetípico encontrado em diversas culturas.
A simbologia da fertilidade liga se à instituição do casamento, e são
diversos os exemplos que se podem retirar disso em diferentes
sociedades humanas, como encontramos no Dicionário de símbolos,
de Jean Chavalier (1991).
Antes de prosseguir na descrição da festa profana, faço um
breve comentário acerca da ligação entre fertilidade e casamento. É
bem sabido que na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres realizam
se casamentos da alta sociedade pernambucana. Mas o que vem à
lembrança, chamando a atenção para o fato de não estarmos
seguindo caminho errado na interpretação desses fenômenos, é o
romance de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, Nossa
Senhora dos Guararapes (1980). Nessa obra, que possui importância
singular nesse contexto de análise, o autor desenvolve liricamente o
encontro entre dois amantes, que por dificuldades exteriores estão
impossibilitados de casarem se. Tendo como pano de fundo as
batalhas pela expulsão dos holandeses e o culto a Nossa Senhora
dos Prazeres, o romance acaba por se concretizar em casamento,
numa alegoria que representa o elo entre os elementos simbólicos
em jogo. Esse romance “histórico, descritivo, moral e crítico” coloca
de maneira exemplar o encontro de Eduardo e Efigênia no centro
mítico que corresponde ao culto de Nossa Senhora dos Prazeres,
como símbolo de fertilidade entre os homens e as mulheres. A
pitombeira constitui a “figuração simbólica” dessa alegoria barroca.
Além dessas razões que nos arriscamos a demonstrar, há ainda
uma associação interessante que se encontra no retábulo do templo.
Como eu já havia apontado em estudo anterior, “O Simbolismo
Barroco na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres nos Montes
Guararapes” (1991), existe uma semelhança entre as vinhas que
estão esculpidas nas colunas salomônicas e os cachos de pitomba.
Certamente, pelo fato de Pernambuco não possuir plantações de
videiras no litoral, a Pitombeira se prestou muito bem a essa ligação
imaginária, pois a semelhança é realmente considerável.
75
A sócio-etnografia
objeto de culto por toda parte; é a figuração simbólica de uma
entidade que a ultrapassa e que, ela sim, pode se tornar objeto de
culto” (1991: 84).
Creio que, de fato, a pitombeira ou, melhor, o seu fruto, a
pitomba, é “figuração simbólica” do que representa o culto de Nossa
Senhora dos Prazeres, que é a “entidade que a ultrapassa”, e que é
verdadeiramente “objeto de culto”. A festa profana da pitomba serve
se de outros processos de identificação e associação, como, por
exemplo, o que é colocado por Sérgio Alves Teixeira, no seu livro
Os recados das festas” (1989). Nessa obra vemos como
determinados frutos ou vegetais servem como símbolo de promoção
de municípios, regiões, etc. A Festa da Uva, a Festa da Melancia, a
Festa do Milho, etc., são de grande importância econômica, mas
também política, para as cidades que as promovem. E a Festa da
Pitomba não poderia fugir à regra. Constatamos que a prefeitura de
Jaboatão dos Guararapes utiliza se da Festa da mesma maneira.
Isto vem, com o tempo, secularizando cada vez mais essas
festividades. Pois, como podemos observar nos cartazes promocionais
da Festa, impressos pela prefeitura, o que se sobressai são as
pitombas, expostas em grande quantidade. Nesses cartazes, Nossa
Senhora dos Prazeres está num plano bem secundário, refletindo
assim a diferença de ênfase sobre o mesmo evento popular. Parece-
nos, desta forma, que estamos diante de duas festas, a da santa e
a da pitomba. Mas como elas estão juntas? O que explica esta
associação? Tenho tentado responder a essas indagações, recorrendo
à interpretação simbólica. Pois não podemos crer que essa associação
entre a santa e o fruto da pitomba se tenha dado por acaso, e que
não possua nenhuma lógica ou algum sentido. Acreditar nisso seria
um absurdo, pois existe lógica até no mais profundo delírio humano.
Assim, considerando estes fatos, que podem e devem ser
aprofundados na bibliografia citada, aponto como cerne da junção
do culto a Nossa Senhora dos Prazeres e o fruto da pitombeira, o
arquétipo da fertilidade. A pitombeira representa muito bem a
espantosa prodigalidade de frutos que uma árvore tropical pode
dar. Além de sua beleza singular, que é sem dúvida notável, esta
fruteira, nesta época do ano, derrama uma quantidade incrível de
frutos, que a maioria da população aprecia muitíssimo. Isto em todo
o Nordeste do País. A pitombeira é conhecida em toda esta região, e
possui diversos tipos de referência popular. Cito como exemplo disto
74
Alexandre Fernandes Corrêa
Conforme disse Carlos Rodrigues Brandão (1982), aqui nos
encontramos na “festa” da Festa, naquilo que podemos chamar de o
mais puro profano.
O que caberia agora é uma reflexão sobre a função das festas
na sociedade contemporânea. Qual a sua significação, a sua
importância? Qual a tendência que vemos aí cristalizar se? Para
responder a essas perguntas, que são suscitadas dentro de uma
perspectiva etnográfica, reporto me a um estudo recente que
empreendi em São Luís do Maranhão. Lá, pesquisando um bairro
popular, percebi os problemas que aqui também surgem. Recolho
desse estudo algumas considerações que poderão ser de proveito
neste contexto. A festa popular é um fenômeno de vasta difusão e
penetração em nossa cultura e igualmente em todo continente latino
americano. Assim, podemos chegar a considerações téoricas
abrangentes a partir da pesquisa etnográfica. Refletindo sobre o
tema da utopia e da festa, e, do mesmo modo, sobre o
desenvolvimento econômico e a cultura popular, percorri alguns
caminhos téoricos que questionam princípios epistemológicos
anteriores. Proponho aqui uma breve exposição critica do significado
cultural da festa na sociedade brasileira e latino americana.
Desde os tempos da “Descoberta” que o continente americano
vive da construção da utopia, o que pode ser percebido em diversos
registros históricos. Lembro aqui a obra de Sérgio Buarque de
Hollanda, Visão do paraíso (1969). Uma utopia que teima em não
morrer. E uma das suas expressões mais significativas se dá na
resistência cultural que a festa ainda possui em alguns recantos de
nosso País, que é um continente dentro de um continente. O município
de Jaboatão dos Guararapes, que agora conhecemos melhor, é, entre
muitos outros espalhados pelo Brasil e pela América Latina, um lugar
privilegiado para que se possa perceber a importância cultural que
tem a festa em nossa maneira de pensar, ser e agir socialmente.
Neste estudo pretendo explorar as teses de Roger Caillois, as
quais, segundo Jean Duvignaud (1983), estão inspiradas pela
mentalidade do rentável. A idéia de que a festa é um “desperdício”
é determinada dentro de uma lógica da economia, principalmente
pela ideologia da modernidade. E é aqui que o confronto mais objetivo
entre diferentes formas de se construir o mundo social aparece com
toda a sua força. Até por que, como diz Severo Sarduy (1979), pode
haver uma ética do desperdício, que é o que constitui uns dos traços
77
A sócio-etnografia
A dimensão secular ou profana da festa se organiza num
espaço físico determinado. É subindo a ladeira principal e
concentrando se no campo aberto, que fica um pouco antes do
templo, que se espalham diversas barracas com os mais diversos
produtos. Os que se sobressaem são as bebidas alcoólicas, a pitomba,
e os mais variados pratos típicos do lugar, saboreados com muito
gosto pela população, fato que nos remete aos ritos gregos antigos
como as festas de Dionisos(ou Baco), Deus do vinho. Pode parecer
forçada esta associação, porém se voltarmos nossa atenção para o
romance de Bernardino F.F. Abreu e Castro (1980), nós perceberemos
que na descrição que fez de uma romaria aos Montes Guararapes no
século XIX aparece bem claramente esta sugestão imaginária: “(...)
passados alguns minutos começou o profuso jantar, que, alegrado
com o assiduo exercício do esgotamento do ebrifestivo copo, se
tornou ma completa orgia - ma pomposa festividade do Deos Baco
com suas adorações solemnes à impudica Vênus” (119).
Tempo de festa é bom para comer e para beber, mas também
é bom para dançar e cantar. E é assim que temos um grande palco
no centro desse descampado. Nesse palco ocorrem os mais variados
shows, eventos, performances, etc. É um dos pontos altos da festa.
São artistas locais, ou de outros Estados, sempre contratados pela
prefeitura, que vêm animar o povo, num espetáculo incrível de luzes
e pompa. Em 1992 vieram Chitãozinho e Chororó, que chegaram de
helicóptero. A população estava em delírio diante desses astros da
música popular brasileira. Foi um acontecimento de efeito teatral.
(Ver Anexo).
Todos os dias, a partir do Domingo de Páscoa, ocorrem vários
shows. A constante é sempre a presença das barraquinhas, que
vendem bugingangas, suvenires, santinhos, pipocas, sorvetes, e tudo
o mais que satisfaça o desejo de todos. Há também o parque de
diversões. Encontramos aí o espaço da brincadeira, onde as crianças
têm prioridade, mas os adultos também concorrem em participação.
São rodas gigantes, balanços eletrônicos, autopistas, etc. Há ainda
diversos tipos de jogos: tiro ao alvo, jogos de sorte, fliperama etc. É
uma quantidade incrível das mais variadas e inventivas formas de
se atrair os passantes. São luzes, sons, cores, vozes, cheiros, etc.
Nesses espaços, podemos nos indagar: como é que fica a
dimensão do sagrado? Como podemos separar os dois domínios? Já
não é mais uma festa religiosa? É a secularização completa?
76
Alexandre Fernandes Corrêa
Essa é a expressão utópica da festa. No entanto, ela possui
uma ambigüidade intrínseca. A festa opera como uma desordem,
uma contra-ordem, desenvolve se num tempo fora do tempo. É o
mundo do mito, das origens, da criação. Mal a festa acaba, retorna
se à estrutura, à ordem, ao estabelecido. Esta ambigüidade é
apreendida por diversos prismas, mas comumente se enfatiza de
modo muitas vezes obscuro o processo e o contexto em que ela se
dá. É assim que podemos dizer que:
“(...)su lado apaciguador revierte sobre la comunidad y la postula diferente
en um ámbito homogeneizado: ser distinto es una broma pesada, otra utopía
subversiva. La resistencia es entonces praxis a contrapelo: ser conservador
de su distancia es crítica feroz, empecinada lucha, escarnio renovador. Pero
las condiciones a las que se enfrienta son omnímodas y voraces. Tienen de
su lado la razón contra las hilos de la trampa; el tiempo está en su contra, es
uns utopía acorralada” (Ramirez; 1986 : 247).
A festa não pode ser entendida por si mesma e em sí mesma,
ela é fruto de um contexto que a determina. Não podemos afirmar
que o espírito da festa é apenas presente e fruto de uma sociedade
primitiva, ou subdesenvolvida, não se trata de apreendê la como
um tipo de fenômeno próprio de sociedades anômicas, pobres e
economicamente frágeis. Acredito que a teoria de Roger Caillois
(1950) peca pela dificuldade básica de não relativizar o processo de
construção da realidade social. Esse processo não é unívoco e
inexorável. Ele é dinâmico e culturalmente determinado.
Resumindo a perspectiva teórica que tentei apresentar em
relação ao significado cultural da festa, enfocado nos temas da utopia
e da ambigüidade, afirmo que as complexidades de suas
determinações podem ser apreendidas numa estrutura antropológica
precisa. E é com Emile Dürkheim (1985) que esta estrutura torna se
evidente. Nos seus estudos sobre as tribos australianas e norte
americanas, ele percebeu que o “estado de congregação” provoca
um “frenesi”, um “ verdadeiro desregramento de costumes da vida
coletiva”, proporcionando à sociedade “o sentimento que tem de si
mesma”.
Outro antropólogo que se dedicou aos estudos sobre a festa
foi Van Gennep, que, assim como Victor Turner e Roberto da Matta,
afirma que o carnaval é um rito de passagem, onde o mundo fica de
cabeça para baixo, acentuando o seu aspecto iniciático e paroxístico,
onde tudo se inverte. Trocam se os papéis sociais, invertem se os
sexos e os privilégios, e a situação social é revigorada.
79
A sócio-etnografia
distintivos (ou diacríticos) da cultura barroca.
Não creio que, com a modernização e a industrialização
crescentes, necessariamente esse espírito que consagrou, e consagra,
séculos de um processo de civilização original, vá se destruir. Ainda
é muito forte a sua presença, conforme podemos observar não apenas
em Jaboatão dos Guararapes, mas em diversas outras cidades do
País e do Continente que possuem um desenvolvimento sócio
econômico muitas vezes maior.
A festa deve ser entendida dentro de um contexto político e
social, é aí que seu significado cultural se manifesta concretamente.
É assim que compreendo a festa como a expressão de uma totalidade
social. É um dado estrutural que faz parte de uma sociedade e se
ritualiza de formas diferentes em universos sócio culturais diferentes.
Emile Dürkheim (1989) percebe que a efervescência coletiva é um
fator de coesão social, e que se pode medir o grau de vitalidade de
uma civilização pelo poder que ela tem de se revigorar neste
“orgiasmo social” a que se refere Michel Maffesoli, num texto em
que aprofunda a crítica ao espírito “prometeico” que caracteriza a
civilização moderna, racionalista e burocrática:
À medida que o século XIX evoluía, o que era a sua ideologia oficial tendia a
esterilizar se. Com o sucesso do maniqueísmo, o iluminismo, logo substituído
pelo positivismo, parece triunfar: a razão conquistadora expande seu campo
de investigação e de aplicação. (...) Assim, a racionalização exagerada da
existência (Max Weber) irá em pouco tempo substituir o que, oficialmente
fora somente uma exploração da força de trabalho, o percurso da exploração
à alienação mostra se balizado pelos projetores das luzes e a tecnoestrutura
contemporânea, sempre a mesma a despeito de variações do regime político,
recolhe os frutos da grande ideologia progressista, que pretende planificar a
felicidade individual e social pelo uso exclusivo dos instrumentos da razão
(1985: 133).
O significado cultural da festa para a civilização do Novo
Mundo, principalmente para a latino americana, é percebida em longo
alcance por diversos autores nacionais e estrangeiros. E constitui
um fato social de importância cada vez maior no contexto de
redefinição da identidade cultural do continente. Se a festa revela
uma dimensão utópica latente do inconsciente coletivo de nossa
população, ela se cristaliza numa pluralidade impressionante de
festividades sagradas e profanas, espalhadas por cidades e vilarejos
os mais distantes: “La fiesta es parodia del deseo, mímica de la
esperanza (...) circula libremente en territorios vedados y (...)
imagina así una comunión verdadera (...) “(Ramírez; 1986: 240).
78
Alexandre Fernandes Corrêa
As festas de santos são bem parecidas através de todo o
País. Sua estrutura e características são as mesmas, mudando ou
variando aqui ou ali. Esta estrutura ritual tem profundas raízes no
inconsciente coletivo, principalmente no mundo católico íbero
americano.
Dos depoimentos e entrevistas que recolhi, manifestaram se
opiniões diferenciadas, uns dizendo que a festa tem crescido com o
passar dos anos, outros afirmando o contrário, que ela tem perdido
sua força e diminuído seu brilho. Essa questão, no entanto, parece
infrutífera, pois vem de encontro com aquela velha polêmica da
maior ou menor autenticidade das manifestações populares
contemporâneas. O que podemos afirmar é que mais brilho,
participação popular, interesse político, efervescência coletiva, seria
difícil de imaginar quando admiramos uma festa como esta.
O que talvez fosse importante salientar é que, de fato, aquela
tese antiga de que as formas de cultura ditas populares ou folclóricas
iam desaparecer ou diminuir sua força com o desenvolvimento da
sociedade industrial, com o implemento da modernidade, está cada
vez mais desacreditada. O tradicionalismo destas manifestações
persiste, ganhando colorido novo, absorvendo as próprias conquistas
dessa modernidade tecnológica, incorporando novas linguagens, mas
mantendo seus perfis, seus padrões, seus modelos centenários.
Permanece mesmo modificando se nos detalhes, nas roupagens,
pois, de fato, não se nega a História, quando se vive a cultura popular.
Trata se de uma questão ligada à identidade cultural de um povo e,
como diz Walter Benjamin, em relação ao processo de industrialização
da Europa no começo do século XX: “Tendo em vista que a
superestrutura se modifica mais lentamente que a base econômica,
as mudanças ocorridas nas condições de produção precisaram mais
de meio século para refletir se em todos os setores da cultura” (1987:
165).
O dia final da Festa, após oito dias de folias e novenas,
realizadas nos seus espaços respectivos, tem acontecimentos
diferentes de todos os outros dias, até mesmo do primeiro dia de
abertura, que é o Domingo de Páscoa.
Mal o dia vai nascendo, já começam as primeiras missas, que
são em total de quatro. A primeira é às 6 horas, a segunda às 7
horas, a terceira às 8 horas e a última às 10 horas da manhã. A
81
A sócio-etnografia
Mas é Michel Maffesoli (1985) que com grande sensibilidade
arremata o sentido social, o significado cultural da festa. Esse
sociólogo francês percebe que, na efervescência coletiva da festa, a
comunidade se consolida e, “mesmo ritualmente hierarquizado, este
frenesi permite provocar um curto circuito na monopolização do
poder” (p. 113). Assim, aparece concretamente a dimensão utópica
e subversiva da festa, mesmo que, com o seu término, a ordem se
restabeleça. Para Maffesoli, “a desordem pontual e ritual permite ou
faculta a pequena disfunção cotidiana, sem a qual a ordem se torna
mortífera” (p. 127).
Deste modo percebemos que a festa dá elasticidade e uma
fluidez ao corpo social, fundamental para sua permanência. É assim
que a vitalidade social rejuvenesce e a existência societal se perpetua.
Voltandos àquela indagação inicial de Jean Duvignaud, acerca
da possibilidade de se pensar uma sociedade diferente da lógica
mercantilista e racionalista, podemos agora perceber a pertinência
de suas intuições. De fato, ao estudar a realidade de um pequeno
bairro de São Luís do Maranhão (1992), observei a resistência ainda
viva de um mundo que privilegia outras formas de organização social.
A festa constitui um elemento estruturante fundamental na vida
daquela população. Isto podemos observar em várias outras cidades
do País e do Continente. É neste momento de congregação societal,
de comunhão social, que a ordem do mundo é suprimida para que a
força coletiva passe o seu lado utópico, ambíguo, pois a festa não é
um “instrumento” de poder, ela é uma necessidade do mundo social.
Sem ela a civilização se esgota, satura, perece, morre. A festa é
poder, ela é o lugar do encontro, em que a sociedade expressa suas
contradições e esperanças.
A Solene Procissão de Encerramento da Festa
Dia de Nossa Senhora dos Prazeres. Segunda feira, feriado
municipal. A população ocupa todo o monte onde se encontra o
templo (espaço religioso) e o parque de diversões (espaço profano).
Muitos passam o dia inteiro aqui. Trazem comidas, bebidas, toalhas,
etc, e aí acampam famílias, amigos, parentes, namorados, todos
em coletividade. É a “festa do povo”, um dia especial, uma folga,
um descanso, uma brincadeira. E se repete há três séculos!
80
Alexandre Fernandes Corrêa
Começa o cortejo com palmas e sinos a ecoarem bem distante.
Então, podemos admirar a quantidade de pessoas das mais diferentes
idades, classes sociais, destinos e dos mais distantes lugares. Uns
choram, outros se emocionam, outros, ainda serenos, seguem com
suas rezas pagando suas promessas. Algumas adolescentes vestem
se de noivas, pedindo ou agradecendo as mais variadas graças,
referentes ou à fertilidade ou ao casamento. Outras pessoas carregam
tijolos à cabeça, ou simplesmente vestem se com roupas brancas
ou comuns de um dia de feriado e de festa.
A procissão segue descendo a ladeira do monte, seu trajeto
segue a conhecida Estrada da Batalha e, entrando pela Avenida
Barreto de Menezes, regressa ao monte pelo Portão III, dirigindo se
de novo ao Templo.
No cortejo são entoadas diferentes músicas, como a já citada
“marcha grave” da “Redenção” e também o hino da santa. Neste
ponto, a procissão pouco difere da de abertura. O que mais
impressiona são os momentos de silêncio que inspiram um respeito
mágico em todos. Não por acaso, se chama “procissão solene”. O
povo nas ruas demonstra as mais diferentes reverências à santa. O
povo católico comunga, no símbolo, sua identidade comum. Venera
na imagem o espírito histórico, religioso, estético, cultural e vibrante
de sua devoção.
Tudo pára, imobiliza se, quando a procissão passa. O parque
de diversões silencia, os carros param, é impossível não se perceber
sua presença. O tempo “normal”, do cotidiano, da estrutura, é
suspenso, a santa abre seu caminho, distribuindo graças e bênçãos.
Muitas pessoas permanecem no pátio da igreja, à espera do
retorno da imagem da Virgem. Milhares seguem o cortejo.
Um detalhe interessante e curioso é a quantidade de
homossexuais que se pode perceber entre os participantes. É
conhecido popularmente o fato de a palavra “pitomba” ser utilizada
de maneira jocosa em relação aos homossexuais femininos, o que
pode ter alguma relação com a presença numerosa desse grupo de
mulheres nas festividades.
Enquanto a procissão prossegue, no pátio do adro do templo
ergue se um altar à espera da santa, para a celebração dos eventos
finais da festa religiosa. É o que se chama de “rito de despedida”.
83
A sócio-etnografia
população participa em números variáveis, ora lotando o templo,
ora esvaziando-o. A participação popular na parte profana da festa
é também variável de acordo com os horários, mas o número de
participantes é sempre bem maior que nos rituais religiosos.
Após estas missas matinais, que contam sempre com a
presença de autoridades civis e militares, acontece, à tarde, a
procissão de encerramento, a chamada “solene procissão”. A Polícia
Militar e os Bombeiros participam do evento, ajudando no transporte
da santa e dando um caráter mais formal à procissão.
Envolvidos pela bela paisagem que recobre nosso olhar até
bem longe no horizonte, a população espera a saída da imagem,
cantando, dançando, conversando, bebendo, brincando, comendo,
etc. Assim como tem gente que só vem para o espaço profano do
parque de diversões, tem gente que vem apenas para a procissão,
sendo o acontecimento mais importante para elas. Um exemplo disto
é a Dona Lecy, que vem com sua família e amigos, todos os anos,
para pagar promessas para a santa. Muitas graças são atribuídas a
Nossa Senhora dos Prazeres. Seu Brás, por exemplo, amigo de Dona
Lecy e grande comerciante de Jaboatão dos Guararapes, estava
retribuindo “as graças milagrosas” recebidas, por ter se salvado de
um infarto e conseguido sair com vida de uma operação de três
pontes safenas. Assim como ele, muitos acendem velas, trazem ex
votos, rezam, etc., marcando com devoção a força de sua fé.
A espera pela procissão é cada vez mais intensa. Chegam os
músicos da banda que acompanharão a procissão. Foram contratados
pela prefeitura, que ultimamente tem contribuído muito com as
festividades, pois tem conseguido sempre bons dividendos com elas.
Dividendos políticos e econômicos, principalmente. É assim que a
santa, acompanhada por policiais, surge à frente do adro da igreja.
Todos batem palmas, soltam se fogos de artifício, os sinos dobram
intensamente, a banda de música começa a tocar. A santa está muito
bela, dourada, cercada por flores. A “Rainha”, a “Estrela do Mar, a
“Virgem Mãe dos Prazeres” encanta a todos. É propriamente o que
podemos chamar de o símbolo máximo deste “festim barroco”.
Antes de seguir seu trajeto, a banda toca a música “Redenção”,
de A. J. Albuquerque, uma “marcha grave”, que dá um tom solene
ao ambiente. Os sinos não param de tocar. Todos esperam seguir
seu trajeto, que é bastante longo e sofre de acidentes topográficos
conhecidos, já que estamos num monte.
82
Alexandre Fernandes Corrêa
Depois de muitos cantos, acompanhados de carros de som
potentes, um orgão sintetizador, um conjunto musical, muitas orações
e preces, chega a santa ao pátio. Uma multidão grita coletivamente
“Viva Nossa Senhora dos Prazeres, Viva!. Fogos de artifício, sinos,
palmas, e a bela imagem é iluminada na noite escura. Sobe o Monte,
e volta ao templo erguido em seu louvor há 336 anos.
Vai começar o “rito de despedida”. A santa é tirada de cima
do carro de bombeiros, o povo à espera das palavras do padre, que
celebrará o rito final. Palmas, muitas palmas! Muita gente fica junto
à santa, como se quisesse vê la mais de perto ou tocá la. É uma
hora de muito fervor místico, um encantamento derrama se dos
olhos de todos, é fascinante a magia de tudo isso. É uma longa
espera, estes eventos finais começaram às 15h00min.
O padre começa a reza e orienta os fiéis, evocando Nossa
Senhora dos Prazeres. Não haverá missa, apenas a bênção do
Santíssimo Sacramento, quando as pessoas poderão erguer seus
objetos devocionais, que serão abençoados coletivamente.
Depois da Ave Maria e de outros cantos, o padre ergue o
sagrado Sacramento e benze a todos os presentes. Reza a seguir o
Pai Nosso e de novo a Ave Maria. Há ainda um canto a Jesus Cristo.
O Padre convida os juízes da bandeira para que retirem o
estandarte que foi erguido no Domingo de Páscoa. Este estandarte
será entregue aos novos juiíes da bandeira da próxima festa.
Novos cantos são entoados, e o estandarte é retirado do poste.
Começa se a cantar o hino de Nossa Senhora dos Prazeres. São
feitos agradecimentos aos juízes da festa desse ano e se anunciam
os juízes da festa do ano que vem. Palmas para os novos juízes.
Muita emoção destes, que falam da satisfação de se entregar à tarefa.
No ano que vem terá uma juíza especial para as festas sociais, o
padre anuncia essa nova personagem, que terá como função
arrecadar dinheiro junto à comunidade. Notamos aí um incremento
de funções específicas e burocratizantes, refletindo interesses
diferenciados. Esta juíza atuará principalmente junto à prefeitura, o
que já demonstra seus vínculos políticos fortes.
A imagem da Virgem é colocada de novo no templo e entra
sozinha carregada pelos policiais militares, o povo fica de fora. Depois
de a santa ser recolocada no retábulo, fecha se um ciclo ritual. O
povo poderá, até à meia noite, admira la e rezar sobre os seus
85
A sócio-etnografia
Em frente à igreja o povo se espalha. A aglomeração é
impressionante. Somando se as pessoas que ficam no parque de
diversões, os que estão em frente do templo, e as que se deslocam
na procissão, podemos arriscar um número razoavelmente grande
de pessoas.
Escutando os “pagodes” e sambas cantados pelos grupos,
uma música que se destaca é a de Martinho da Vila, que tem uma
canção em homenagem à Festa da Pitomba, citando a memória dos
tempos da “Reconstituição” e comemorando a “Libertação” dos
brasileiros do julgo holandês.
Sob os pés dos que caminham junto ao grande cruzeiro que
existe no adro da igreja, estão os restos mortais dos soldados que
morreram em combate. Lembro aqui um aspecto salientado no
depoimento do Professor José Luís da Mota Menezes. Ele se referiu
ao fato de os soldados terem sido enterrados aí, o que teve de se
efetivar após a sacralização do monte, tornando assim possível o
sepultamento em cemitério santo. A razão disto é o fato de não
poderem ter sido transportados os corpos dos soldados, e tão pouco
ser identificados seus nomes ou famílias.
Assim, compreendemos que as primeiras romarias aos Montes
Guararapes tinham um sentido profundo de culto aos antepassados.
Parentes e famílias vinham por conta desta expressão religiosa. Os
vestígios ou “sobrevivências” deste rito ainda se podem vislumbrar
hoje, quando, no dia dos finados, algumas pessoas, e o Exército
Nacional, depositam flores no cruzeiro, acreditando-se que embaixo
dele estão recolhidos os restos funerais dos soldados.
Como ilustração deste fato, remeto o leitor à obra de
Bernardino Freire de Abreu e Castro (1980), já citada, e que contém
uma descrição da romaria no século XIX. Por aí se pode constatar a
permanência e a preservação desses rituais. É bastante curiosa essa
passagem do livro que, entre outras importantes revelações,
imortaliza um momento dos costumes do nosso povo. O que o autor
observa naquela oportunidade acontece em termos contemporâneos
nas mesmas proporções.
Voltemos à procissão. Ela desafia as resistências dos devotos,
são duas horas de caminhada em terreno íngreme. Muitos não
seguem todo o cortejo, mas mesmo assim a multidão prossegue,
“se arrasta”, é bem o que nos parece.
84
Alexandre Fernandes Corrêa
Culturanálise da festa de
Nossa Senhora dos Prazeres
Feita a exposição das bases empíricas destes ensaios e
revelada, pela etnografia, a estrutura que dá sentido a estes
processos cerimoniais e rituais, defendo neste capítulo o que chamo
de o significado cultural do culto à Nossa Senhora dos Prazeres dos
Montes Guararapes. Procuro decifrar o conteúdo simbólico que dá
vida aos fenômenos sociais que ocorrem em torno desta devoção
popular, que se expressam em diversos discursos e variadas práticas.
Nestes discursos e praticas rituais analisados manifestam se
claramente a dimensão hedonista, o elogio do prazer e da alegria,
da festa, da fertilidade, do corpo, pois como sabemos, é a partir da
Ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no Domingo de Páscoa,
que se desenvolvem as festividades em louvor da Santa no fim da
Quaresma.
Acredito que o conjunto de fatos sociais em foco constitui se,
a partir de um “idioma cultural” próprio, numa linguagem que tem
uma mensagem simbólica particular. Este “idioma cultural”,
1
ou
“mensagem simbólica”, forja se pela conjugação, ou convergência,
destes fenômenos que enumero:
a) a vitória dos luso brasileiros e católicos sobre os holandeses
reformistas;
1
A expressão idioma cultural é usado no sentido dado por Eric Wolf no seu livro “The
Virgin of Guadalupe: mexican national symbol”(1968)
brilhos finais.
É cantado novamente o hino de Nossa Senhora dos Prazeres.
Sinos, fogos de artifício, palmas... O povo se dispersa, uns vão para
o parque de diversões, outros seguem para seus lares. Talvez
pensando na próxima festa.
86
Alexandre Fernandes Corrêa
população em geral, não como uma imputação de caráter nacional,
mas como um complexo de redes simbólicas, envolvendo relações
familiares, políticas e religiosas. A realidade social mexicana se reflete
num único “master symbol”. É o que concluímos desta bela citação:
“The Guadalupe symbol thus links together family, politics and religion;
colonial past and inde pendent present; Indian and Mexican. It reflects the
salient social relationships of Mexican life, and embodies the emotions which
they generate. It provides a cultural idiom trough whick the tenor and
emotions of these relationships can be expressed. It is, ultimately, a way of
talking about Mexico: A ‘colletive representation’ of Mexican society” (Wolf;
1968: 706).
As diferenças são grandes entre os cultos de Nossa Senhora
dos Prazeres e de Nossa Senhora de Guadalupe, como também em
relação ao de Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará, estudada
por Isidoro Alves (1980), ou ainda a Nossa Senhora do Carmo de
Recife, pesquisada por Bartolomeu Medeiros (1987), como também
a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes analisada por Norton
Corrêa (1985), e de muitas outras que poderíamos enumerar aqui.
Enquanto os quatro cultos citados refletem uma hierarquia social
marcante, com espaços ideológicos, políticos, religiosos bem
delineados, onde há uma dialética constante entre seus membros,
em Nossa Senhora dos Prazeres vemos um outro conteúdo simbólico.
Ela incorpora outros valores, une a população em torno de si para
reverenciar outros símbolos.
Para que possamos compreender de que forma estas
diferenças míticas se dão, devemos considerar uma abordagem mais
profunda. Como eu já demonstrei na etnografia, as variações rituais
são manifestas e evidentes. O fundamento destas variações rituais
só pode ser encontrado em sua dimensão mítica. Assim, aproximando
nos das obras de Gilbert Durand proponho um aprofundamento nas
“estruturas antropológicas do imaginário”, revelando significados mais
profundos que balizam e dão sentidos e formas a um “idioma cultural”
particular que possui a devoção à Nossa Senhora dos Prazeres,
diferenciando se dos outros quatro cultos citados.
Paralelo ao estudo do significado cultural da festa de Prazeres
e da Pitomba, procuro desenvolver os conhecimentos antropológicos
atuais no que concerne ao processo de produção simbólica, e ao
estudo do Mito. Focalizo prioritariamente algumas obras do professor
Gilbert Durand, que é um grande nome na Antropologia
contemporânea com pesquisas sobre o imaginário, o simbolismo, e
89
Culturanálise da festa
b) a associação do culto à Nossa Senhora dos Prazeres com
este acontecimento histórico;
c) os eventos cívicos e religiosos realizados na mesma data.
É assim que defendo a interpretação de que a Festa de Nossa
Senhora dos Prazeres e da Pitomba são a ritualização cerimonial da
congregação da população em torno de símbolos comuns. As
representações coletivas que estruturam esta linguagem social dão
vida a uma forma de civilização que afirma sua pluralidade étnica
através de uma ética da festa e da efervescência coletiva.
Outro aspecto que é enfatizado neste estudo é o que se refere
à dimensão política de nossa sociedade, que, bem sabemos, é
hierarquizada, autoritária e desigual, como nos alerta Roberto da
Matta, em seu livro “Carnavais, Malandros e Heróis” (1981). Porém
acredito que se revela nos mitos que aparecem nestes dramas sociais
que estudamos agora, uma dimensão utópica do imaginário coletivo
brasileiro. O momento da festa, é o momento da anti estrutura, da
suspensão da ordem cotidiana, e da subversão das hierarquias. Neste
sentido apresento certa vocação democrática e pluralista de nossa
população. Estes temas importantes serão retomados nas
considerações finais.
O significado destas festas dos “Prazeres” e da “Pitomba” só
pode ser compreendido dentro do contexto social e cultural onde
estão inseridos. E este significado, por mais inconsciente que esteja
para a população que participa dele, revela se numa linguagem,
num “idioma cultural” próprio. Eric Wolf (1968) em suas análises
sobre o complexo simbolismo de Nossa Senhora de Guadalupe,
apresenta nos as bases ideológicas e simbólicas que dão sentido
social a este culto no México.
As duas devoções, a de Guararapes e a de Guadalupe, são
distintas em seu conteúdo simbólico e imaginário, na sua história,
nos seus mitos, porém cumprem a mesma função na estrutura social
em que estão inseridas. Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa
Senhora dos Prazeres (ou dos Guararapes), são duas Mães
sobrenaturais dos homens e das nações, como tantas outras que se
encontram pela história humana.
Nossa Senhora de Guadalupe, enquanto mãe sobrenatural
da nação mexicana, como analisa Eric Wolf, reflete os anseios da
88
Alexandre Fernandes Corrêa
A Mitanálise
A mitanálise consiste basicamente numa “deslocação dos
métodos” da mitocrítica, que aplicam se no campo do texto literário,
“para um campo mais largo e muito mais aleatório: o campo do
aparelho ou das instituições ou das práticas sociais. Ou seja, o campo
da Sociologia”. É com estas palavras que Gilbert Durand (1982: 87)
apresenta esta nova abordagem do terreno da sociologia. Esta nova
abordagem consiste num método de reagrupamento dos núcleos
semânticos, recolhidos pelos sociólogos, pois a sociologia só tem
um texto pelo contexto, texto este que se refere a todo conteúdo
antropológico de uma sociedade.
Gilbert Durand aponta alguns autores como Nietzsche,
Georges Sorel e Roger Bastide, os precursores desta nova abordagem.
E especialmente Bastide já havia pressentido “que, no fim, era um
único método que conduzia ao contexto social e ao texto literário”
(Idem: 91). “Roger Bastide foi um dos primeiros a dizer que a
sociedade era simbólica. Mais precisamente, que o corpo social
escapava sempre, que não se encontrava nunca um corpo social,
que o que se encontrava eram intenções, que o que se encontrava
eram ou avalanches de significantes e os significados escapavam ou
era, pelo contrário, um significado único sem nunca poder ter um
significante adequado. É portanto a este jogo muito largo que Bastide
situava o campo sociológico” (Idem: 92).
Colocando se desta forma a sociedade e a história num
contexto simbólico, podemos, segundo Durand, dizer que a mitanálise
“consiste em examinar sobre documentos e monumentos exprimindo
uma sociedade e abrangendo um largo período, (...), examinar ou
determinar num segmento de duração social os grandes esquemas
míticos, os mitologemas quer seja um estilo de pintura, quer seja
uma atitude social, quer seja uma atitude de estar à mesa ...” (Idem:
97). “Deste modo, podemos perguntar quais são, numa sociedade,
numa fatia histórica de uma sociedade num dado momento, quais
são as camadas (...) diferentes que circulam sem se misturarem
excessivamente, numa sociedade dada” (Idem: 98).
A partir destas orientações podemos dizer, com Durand, que
uma mitanálise permite: “mostrar as camadas míticas que se
imbricam, e mostram igualmente a anatomia (...), como se pode
dissecar um momento social num grupo e mostrar quais são as suas
componentes, porque (...) não há nunca um só mito numa só
91
Culturanálise da festa
a mitologia. Renovando os seus métodos, questionando os
fundamentos epistemológicos positivistas, o autor propõe a abolição
das unidimensionalidades. Como diz H. Godinho e V. Jabouile, no
prefácio ao texto “Mito, Símbolo e Mitodologia” (1982), o professor
G. Durand “é um intelectual particularmente interessado na criação
de um Sentido para o homem e a Vida, através da colaboração
pluridisciplinar dos diversos ramos do Saber e de uma atenção
minuciosa ao quotidiano (...)” (Durand,1982: 7).
Seu princípio teórico básico é que o pensamento humano se
move segundo quadros míticos. A construção da importância e
onipresença do mito não é apenas válida para a nossa época, pois,
em todas as épocas, em todas as sociedades, existem mitos que
orientam que modulam o curso do homem, da sociedade e da história.
É assim que podemos falar de uma Ciência do Mito, dividida em três
principais métodos, que são a Mitocrítica, que se dedica a análise
dos textos literários; a Mitanálise, que dedica se a um estudo dos
grandes esquemas míticos que aparecem num determinado segmento
de duração social e a Mitodologia, que é propriamente a
sistematização destas investigações numa espécie de filosofia geral
da metodologia e da epistemologia da Antropologia.
Restrinjo minha pesquisa ao exame da Mitanálise e da
chamada Sociologia das Profundezas. Deste modo, procurando dar
uma visão mais objetiva da teoria e da prática que fundamentam
esta nova abordagem antropológica, procurei enfatizar seus princípios
gerais e seus precursores. Como exercício de teoria utilizo os
diagramas que Gilbert Durand propõe para balizar sua análise mítica.
No seu livro “Mito, Símbolo e Mitodologia” (1982), o autor
aplica os diagramas ao período de 1860 1920 em França, marcada
pela decadência e o simbolismo, e ao período posterior, 1920 1980,
que ele chama de “Sociedade do pós guerra em França”. Assim,
pretendo utilizar estes “tópicos diagramáticos do social”, em suas
linhas gerais, nos períodos históricos em que nos debruçamos nesta
dissertação.
São três esquemas: o primeiro deles trata do período inicial
da formação sócio cultural brasileira, até a conquista do Nordeste
do país pelos holandeses. O segundo esquema trata do período que
se segue ao domínio holandês da região. No terceiro e último esquema
tento colocar as bases míticas que aparecem no horizonte mitológico
da sociedade brasileira, a partir da expulsão dos holandeses.
90
Alexandre Fernandes Corrêa
Mito e Sociedade: A Mitanálise e a Sociologia das Profundezas
(A Noção de Tópico Sociológico)
Na parte anterior deste estudo apresentei os fundamentos
teóricos da mitanálise descritos por Gilbert Durand no texto “Mito,
Símbolo e Mitodologia” editado em 1982. Agora faremos a exposição
dos respectivos conceitos operatórios e métodos de análise,
complementados com alguns exemplos de aplicação, desta ciência
de formulação recente e que busca uma síntese de cânones tão
diversos quanto a antropologia, a psicanálise, a sociologia, a
literatura, em suma, o conjunto de disciplinas designadas por
“Ciências Humanas” (Durand; 1983: 5).
Para entendermos melhor os conceitos operacionais e os
métodos de investigação da mitanálise, que juntamente com a
mitocrítica e a mitodologia formam a Ciência do Mito, Gilbert Durand
apresenta os “diagramas tópicos” em que demonstra como uma
sociedade vive sobre dois mitos: um mito ascendente e que se esgota
e, ao contrário, uma corrente mitológica que vai beber às profundezas
do inconsciente social. Portanto, a mitanálise é a análise dos mitos
vigentes na sociedade, e os “diagramas tópicos” são esquemas que
servem para apontar os movimentos de ascensão e esgotamento
dos mitos em determinados momentos da sociedade.
ESQUEMA 1
93
Culturanálise da festa
sociedade, uma sociedade não pode sobreviver como, de resto, uma
psique individual ou social, se não tiver concorrentes compensadoras
(...)” (Idem: 104).
Há ainda nesta metodologia uma dimensão específica que
Gilbert Durant chama de “fisiologia da mitanálise”. É através de “uma
visão fisiológica do funcionamento da mitanálise” que podemos medir
os avanços e recuos do mito numa determinada sociedade: “(...)
numa sociedade há mitos tolerados, patentes, que circulam, e mitos
latentes que não conseguem encontrar meios simbólicos de
expressão, e que trabalham a sociedade a um nível profundo” (Idem:
108). É assim que a partir do estudo de Roger Bastide sobre André
Gide, que o professor Gilbert Durand aplica o mesmo esquema a
uma sociedade, onde aparecem os mitos que circulam, que são
tolerados, admitidos, reconhecidos e honrados, e há os que são
recalcados, marginalizados e censurados.
Durand através da mitanálise pretende nos indicar “a riqueza
dos métodos de análise do mito aplicados ao contexto social, quer
no plano da anatomia de um espaço social com as suas camadas
diversas, quer sobre o plano da fisiologia, ou seja, dos mecanismos
pelos quais os mitos se encobrem, se desencobrem, se transformam
por elisão ou acrescentamento de mitemas” (Idem: 110).
Para Gilbert Durand a mitocrítica e a mitanálise desembocam
numa mitodologia. Ela consiste em demonstrar que “o fundamento
da Antropologia e do anthropos é precisamente esta constelação de
entidades (...) numinosas de nós mesmos. O que significa que são
imperativas. (...) Podemos falar de um imperativo mitológico ou
mitogênico do Homem nas suas demarches primárias e espontâneas
e na demarche secundária do estudo, que é a Sociologia, a Psicologia,
enfim tudo o que nós fazemos” (Idem: 111).
A mitodologia é isto que se perfila no horizonte como uma
espécie de filosofia geral. “É a isso que chamo mitodologia, que é
simultaneamente uma filosofia geral da metodologia e da
epistemologia da Antropologia, e ao mesmo tempo uma desinscrição
ontológica que combina com uma teologia, mas uma teologia discreta,
uma teologia sem teólogos e sobretudo sem clérigos, teologia um
pouco como a que sonhou o meu amigo Ruyer no livro (...), ‘la
gnose de Princeton’” (Idem: 111).
92
Alexandre Fernandes Corrêa
ESQUEMA 2
Nesta primeira síntese desejo imprimir no diagrama as linhas
de força primordiais que estavam na base do movimento de
constituição de nossa civilização. Assim colocamos a data de 1500
como sendo o referente cronológico e mítico fundador.
Meu esquema tenta dar conta do período de mais de um
século que vem desde a “Descoberta” e a chegada de Pedro Álvares
Cabral, até os anos de 1630, que é quando os holandeses impõem
seu domínio em todo o litoral nordestino, tendo fincado bandeira
desde São Luis do Maranhão, fundada por franceses em 1613, até o
atual Estado de Sergipe. Fizeram ainda algumas incursões militares
pela capital da colônia, São Salvador da Bahia.
Podemos vislumbrar a extensão geográfica deste domínio, no
mapa abaixo, lembrando que se restringia a faixa litorânea:
95
Culturanálise da festa
O “Tópico Diagramático do Social”, como podemos observar
no “esquema 1”, exposto acima, Gilbert Durand distingue três níveis:
a) O “isso” psicóide, que é o nível fundador, divide se em dois
inconscientes, o coletivo cultural e o específico; b) O “ego societal”,
no centro; é feito de funções sociais; c) O “superego”, em cima, é o
nível racional e institucional.
Há ainda a base fundamental, o englobante, que é a circulação
do mito que define e descreve um conjunto social. Para um melhor
detalhamento descritivo dos três níveis apresentados, indica se a
leitura do texto, onde está bem suscinto e clara a definição dos
mesmos.
Neste trabalho pretendemos aplicar o diagrama tópico,
servindo como ilustração e exemplificação da teoria, no contexto
social que é objeto destes ensaios. Tentarei construir três diagramas
em que apontarei os mitos que são ascendentes a cada período
específico delimitados na pesquisa.
No esquema 2 aplicamos o diagrama no contexto social luso
brasileiro anterior à conquista holandesa no Nordeste do Brasil. No
esquema 3 aplicamos o diagrama no contexto social que se inaugura
a partir da dominação holandesa, que em Pernambuco, especialmente
em Recife, durou 24 anos. No esquema 4 aplicamos o diagrama no
contexto social posterior à expulsão dos holandeses.
Exercício de Mitanálise: Tópico Diagramático do Social
Para cada um dos diagramas farei uma breve síntese do
contexto social em que se determinam e se delineiam os mitos
ascendentes e descendentes. Nestas sínteses apresento o quadro
sócio histórico no qual se movimenta o inconsciente coletivo,
emergindo de modo consciente os mitos que circulam, que são
tolerados, admitidos, reconhecidos e honrados, e os mitos que são
recalcados, marginalizados e censurados, como nos ensina Gilbert
Durand.
94
Alexandre Fernandes Corrêa
Assim, o primeiro diagrama exposto na página anterior,
condensa 130 anos do início da civilização brasileira, pois como bem
nos afirma Gonçalves de Mello: “Quando os holandeses chegaram a
Pernambuco encontraram aí uma sociedade já formada e com
características definidas. (...) A grande zona açucareira de
pernambuco, onde pode se afirmar se formou a civilização
brasileira” (1947: 26).
Através dos conhecimentos históricos observamos que neste
primeiro século de formação encontramos uma situação conturbada
por disputas entre as potências européias pelo imenso território do
Novo Mundo. Além disso observamos também os conflitos entre as
nações ibéricas, que acabaram por levar Portugal a se submeter à
Coroa Espanhola, dos anos de 1580 até 1640, caracterizando se
assim sessenta anos de subordinação aos Castelhanos. Portanto,
nossa mitanálise tem de levar em conta um processo mítico que
envolve o inconsciente coletivo ibérico, não só o português. Neste
diagrama proponho um quadro sintético, em que imprimo as
características básicas que apresenta o início da colonização do
território brasileiro pela cultura barroca ibérica dos portugueses e
espanhóis.
Desta maneira, traço uma explicação deste esquema 2
apresentado. Sigo prioritariamente, nesta fase de investigação do
campo mítico que caracteriza o universo simbólico ibérico,
particularmente o universo lusitano, a obra de Gilbert Durand (1987)
sobre a arte pictural de Lima de Freitas. Nesta obra observamos o
autor apreender muito bem, ou melhor, reencontrar “a epopéia
lendária que constitui a própria alma da nação portuguesa” (Durand;
1987: 82). É em torno dos “Mitolusismos”, que podemos nos
aproximar da universalidade dos arquétipos da cultura lusitana.
Encontramos sua confirmação nas lendas e mitos que modelaram
os dez séculos de história portuguesa.
É sob o mito de Hércules que vence o dragão (lembramos de
São Jorge, santo católico de grande devoção no Brasil) e “colhendo
os frutos aurificados da imortalidade na Árvore de Vida” (Durand;
1987: 126), que o Infante Dom Henrique, na sua fabulosa Escola de
Sagres, que continha em si todo o conhecimento mais avançado da
época em termos das técnicas da navegação, vai conquistar o mundo:
“Hércules segurou o pomo da imortalidade, Henrique teve ‘o globo
mundo em sua mão’ (‘Mensagem’, de F. Pessoa) “(Durand; 1987:
97
Culturanálise da festa
Extensão do Domínio Holandês (Hachurado).
96
Alexandre Fernandes Corrêa
ESQUEMA 3
No esquema 3 pretendi construir um diagrama que
condensasse da melhor forma possível, o universo mitológico do
povo holandês do século XVII. Seguindo este plano, traço algumas
vertentes míticas mais gerais do mundo simbólico dos povos do
Norte da Europa, que nesse período vivia uma acirrada guerra
religiosa. De um lado a Reforma Protestante, encabeçadas por Lutero
e Calvino, e de outro a Contra Reforma Católica, encabeçada pelo
Papa em Roma, símbolo do Absolutismo da época. Assim, tomando
como pano de fundo estes conflitos teológicos e culturais, observamos
que o espírito do empreendimento colonial holandês é bem distinto
do lusitano. De um modo geral observamos que o holandês se reveste
de uma alma “moderna”, representando a nação mais poderosa
economicamente na época emergente do mercantilismo. Com uma
marinha vitoriosa sobre os espanhóis, impõe o domínio sobre o
Nordeste do Brasil, com uma facilidade espantosa, num período em
que Portugal se encontrava subjulgado à Coroa Espanhola.
99
Culturanálise da festa
126). Aparece também neste universo simbólico lusitano a nostalgia
do Rei Sebastião, o Desejado:
“Grécia, Roma, Cristandade,
Europa os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?”
(‘Mensagem’, Fernando Pessoa)
D. Sebastião é o mito universal do Salvador prometido, que é
sempre um “encoberto”, e que foi cantado pelo sapateiro Bandarra,
por Antonio Vieira, e por Fernando Pessoa. O conhecido fenômeno
do Sebastianismo tem profundas marcas no inconsciente coletivo
brasileiro, o que pode ser observado com muito interesse nas diversas
manifestações da cultura dita folclórica de nosso povo.
Encontramos também Preste João das Índias, o Rei do Mundo
que representa o Herói prometido, do Restaurador das nações e dos
mundos. Outro mito de raízes profundas é o mito do Saturno, da
perdida Idade do Ouro, que voltará no fim dos tempos.
São estes os mitos ascendentes, louvados, elogiados e
honrados no universo ibérico e, especialmente lusitano, no período
de formação de nossa civilização. Estes mitos têm como base, nos
níveis racional e actâncial, as técnicas de navegação, desenvolvidas
na Escola de Sagres, as técnicas do engenho do açúcar, da
aurivesaria, da guerra, da escravidão, que foram fundamentais na
constituição do colonialismo. Nas funções “positivas” confortadas
pela ideologia do poder vemos perfilar: o navegador, o colono, o
missionário, o conquistador, o militar, o inquisidor etc.
Do lado da desqualificação mítica, dos mitos marginalizados,
temos o ocultismo, a bruxaria e a feitiçaria, que se servem de uma
marca medieval relevante e que na época vão ser depreciados. Sob
suas forças, as funções “negativas”, aparecem: o mouro, o judeu, a
usura, o sedentarismo, a manufatura etc.
Consciente de que, por vezes, tenha traçado um perfil
apressado, este quadro sintético, no entanto, serve muito bem para
vislumbrarmos o universo simbólico que estava predominando no
horizonte de nossa civilização. Isto, até a chegada dos holandeses,
que no meu entender subvertem este quadro.
98
Alexandre Fernandes Corrêa
concepções funcionalistas, que marcaram o seu destino histórico, o
que em muitos aspectos explica o seu declínio econômico posterior
ao apogeu conhecido.
Na sua busca em tentar compreender “os paradoxos de ser
holandês” o autor, no entanto, não nega os traços comuns que
existem entre este povo e todos os demais povos, principalmente
do norte da Europa, da mesma época, e mais particularmente os
que estão ligados à Reforma Protestante. Estes se diferenciam
sobremaneira dos povos que estão sobre a influência da cultura
Barroca Contra Reformista: “Pois a situação dos holandeses tinha
alguma coisa de especial a fortuna e o perigo que os afasta de
outros Estados e nações na Europa barroca” (Schama; 1992: 19).
Neste contexto, soma a esta bela obra, outro trabalho de
suma importância para nós. É o de José Gonçalves de Mello (1974),
conhecido como “Tempo dos Flamengos”, um estudo sobre a influência
da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Este
estudo contribui de forma significativa para nossa tentativa de
reconstruir o imaginário cultural holandês do tempo da ocupação.
Se temos no livro de Simon Schama uma visão do holandês em sua
terra, aqui neste trabalho vemos o holandês em contato com povos
com tradições e culturas diferentes. E é em contato com a diferença
que nós conseguimos perceber as nossas particularidades e nossas
identidades.
O professor José Antônio Gonçalves de Melo compreendeu
muito bem este princípio, pois nos dá como uma luva a percepção
desta diferença, quando nos diz: “O holandês não revelou no Brasil,
como o colonizador português observou também Gilberto Freyre
jeito especial para se adaptar a novo meio, às novas condições de
vida. Continuou rigidamente dentro de suas antigas atitudes, com a
mesma dieta, o mesmo tipo de casa” (Mello; 1947: 144).
Aprofundando ainda mais esta constatação nosso autor
continua: “De um modo unânime, os documentos, tanto os de origem
portuguesa como os de holandesa, mostram que nunca chegou a
haver harmonia entre os brasileiros e os flamengos” (Mello; 1947:
273 280).
Acompanhando o raciocínio lógico que vemos delinear se aqui,
chegamos à conclusão e à constatação que de fato a cultura holandesa
a partir de suas singularidades e peculiaridades, marca e mantém
traços diacríticos manifestos e evidentes. A cultura protestante, e
101
Culturanálise da festa
Uma obra de suma importância para nós que desejamos
compreender a sociedade holandesa do século XVII é a de Simon
Schama, cujo título é “O desconforto da riqueza” (1992). Neste
trabalho vemos o autor aprofundar se no que chamou de o
“Temperamento Batavo”.
Como se sabe, a Holanda setecentista é uma jovem nação
que em menos de um século tornou se a maior potência econômica
e política da Europa da época. A origem do nome Batavo, para
designar os nativos deste país, está ligado ao cônego agostiniano,
Cornelios Aurelius, que compilou textos, costumes, registros
folclóricos, novelas, etc, do período medieval, que se associavam à
cultura deste povo singular. Consultou também a obra de Tácito,
“Germania”, que se constitui em fonte básica para a história dos
antigos holandeses.
Segundo Simon Schama, o que se deve considerar como uma
cultura holandesa é a afinidade de “hábitos comuns”, ou melhor
dizendo, servindo se de Maurice Halbwachs, a existência de uma
“memória coletiva”: “o produto do encontro entre a experiência
histórica recente e as limitações da geografia”. Com isso o autor
tenta compreender “as popularidades culturais dos holandeses na
primavera de sua nacionalidade”. Este livro de ensaios “trata se de
uma descrição informal que não fala muito nem de instituições, nem
de teologia, nem de estruturas econômicas. Em vez disso, tentei
explorar em termos de convicções e comportamentos sociais os
paradoxos de ser holandês” (Schama; 1992: 15).
Em outras palavras, o autor pretende descobrir “de que modo
os holandeses se constituíram. O que animava seu senso de
comunidade? O que gerou sua lealdade? O que cristalizou o conjunto
de costumes identificáveis como seus?” (Idem: 16).
Fazendo uma crítica importante ao que chamou de “limo
metodológico do materialismo” o autor revela nos a alma, ou o que
preferiu chamar de “o temperamento batavo”. Para tanto, foi
necessário fazer muitas ressalvas a uma concepção bastante comum
de que os holandeses, tendo se transformado em uma nação poderosa
capitalista, teriam apenas no seu mundo cultural o reflexo de sua
estrutura econômica burguesa. O autor esforça se, em sua obra, em
mostrar que os holandeses, apesar de serem os representantes mais
avançados do capitalismo europeu da época, possuiram
características culturais peculiares, que contrariam aquelas pobres
100
Alexandre Fernandes Corrêa
Neste ponto concordamos perfeitamente com que nos diz
Gilberto Freyre: “Foi, com efeito, durante esses vinte e quatro anos
de dominação de grande parte da América portuguesa pelos
holandeses, que se esboçou entre nós aquela ‘consciência de espécie’
– no caso, a luso brasileira – hoje afirmada em consciência nacional.
O invasor despertou a” (Mello; 1947: 09). Freyre vai ainda mais
longe quando afirma: “As marcas que a ocupação holandesa deixou
no Brasil são das que dificilmente desaparecem não só do corpo
como da consciência – e do inconsciente – d e um povo. (...) A
consciência de nação começou a levantar se no Brasil contra o
holandês herege e a favor da ortodoxia luso ou hispano católica
(...)” (Mello; 1947: 10).
Alongamos esta discussão por considerar de grande
importância a determinação dos campos teóricos onde nos
debruçamos quando defendemos uma análise deste tipo. Nos
utilizamos, como já foi dito anteriormente, dos trabalhos de Gilbert
Durand, e particularmente o que desenvolve os estudos sobre a
mitanálise (Durand; 1983). Acredito que respaldados nestas
informações preliminares temos condições de trabalhar com o
esquema proposto. O horizonte mítico em que se desenvolveu a
cultura holandesa pode de uma maneira ou de outra, ser entendido
desta forma. Creio que seguimos assim os princípios do autor quando
nos diz da interdependência dos domínios da realidade social humana.
Os mitos fazem parte da sociedade e só podem ser entendidos nela
e por ela. Sua existência concreta depende de uma praxis, de
ritualizações, de ações sociais, portanto do viver e do acontecer real
da condição humana.
Foi seguindo estas orientações que desenvolvi este esquema
3, que se propõe a dar uma forma tópica aos mitos ascendentes e
descendentes que vemos circular neste período histórico.
Proponho como mitos ascendentes nesta época, o do Pastor
campesino, representados pelas pessoas de Lutero e de Calvino,
com todo o seu ascetismo e sobriedade, uma austeridade que é
marca registrada da moral protestante. Coloco também o mito do
Príncipe, que inspira principalmente a Maurício de Nassau, que tentou
concretizar o sonho de tornar se o Príncipe da Nova Holanda no
Novo Mundo. Como síntese mítica deste complexo simbólico proponho
a figura de Prometeu, pois é sob seu mito que se instaura uma ética
do trabalho, do ascetismo, da sobriedade, da resignação, que é a
103
Culturanálise da festa
toda a conseqüente estrutura ética que possui, passando pela
organização familiar, religiosa, estética, jurídica, etc, tem
características bastante distintas daquela da cultura católica barroca.
Mesmo que concordemos em parte com o que nos diz Simon Schama
nesta citação: “Antes da revolta dos portugueses no Brasil, que
terminou com a expulsão dos holandeses, a Companhia das Índias
Ocidentais revelara se empreendimento discutível. (...) A disposição
dos holandeses de aceitar ser expulsos do Brasil, mas reter as
possessões da África ocidental tomadas dos portugueses, bem como
entrepostos estratégicos nas Antilhas e em Curaçao, mostra como o
patriciado governante estava ansioso para livrar se dos prejuízos de
suas aventuras imperiais no Ocidente” (Schama; 1992: 253). Apesar
destas constatações de que o empreendimento colonial não dava
lucros, perguntamo nos se estes lucros não apareceram exatamente
pela falta de sensibilidade administrativa e pelas dificuldades que a
importação de uma ordem luterana e calvinista, de uma mentalidade
menos maleável às circunstâncias, de uma moral mais rígida,
acabaram por transformar se nos verdadeiros obstáculos à empresa
holandesa. Podemos considerar diversos depoimentos que confirmam
estas impressões. De fato os holandeses ao tentarem impor sua
cultura sentiram a resistência da população local, às suas práticas e
costumes.
Deve se, no entanto, fazer ressalva à maneira particular como
o conde Maurício de Nassau tentou inovar nesta relação colonial. É
sabido que com seu comando a administração invasora ganhou e
muito em diplomacia e sabedoria política, e talvez seja isso que
explique o fato de o domínio holandês em Pernambuco ter se
perpetuado por mais tempo que nas outras regiões dominadas no
Nordeste brasileiro.
Deixando de lado estas considerações quero, entretanto,
defender a hipótese de que ao contrário do que afirmam os
historiadores e economistas mais apressados, as dificuldades do
empreendimento holandês moderno e capitalista no Brasil, não se
deveram aos problemas de infraestrutura sócio econômica, mas sim
e principalmente por problemas de ordem cultural. E aqui nos
aproximamos das observações que faz Gilberto Freyre no prefácio a
obra de José Gonçalves de Mello (1947). Ali nosso ilustre professor,
aponta para a importância psico sociológica destes eventos para o
surgimento de uma consciência nativa incipiente mas inaugural de
uma nacionalidade que se afirma pela diferença.
102
Alexandre Fernandes Corrêa
ESQUEMA 4
No esquema 4 proponho uma visão dos mitos que encontram
se na base da formação de nossa identidade cultural, a partir da
expulsão dos holandeses. De uma maneira geral, pretende se na
historiografia atribuir uma importância menor a estes fatos históricos.
Através de um economicismo obscurantista, simplifica se o processo,
afirmando que não teria passado de um conflito entre proprietários
de engenho de açúcar, para garantir o monopólio do produto. Como
se o domínio holandês em terras brasileiras não tivesse criado nenhum
ambiente cultural e social original. Acredito que há um equívoco
neste tipo de pensamento. Como mesmo nos diz Gilberto Freyre, de
modo figurativo, na Guerra dos Guararapes “escreveu se a sangue o
endereço do Brasil” (Megale; 1980: 318). Esta não é uma expressão
gratuita. São de singular relevância as circunstâncias históricas em
que se travaram as batalhas e o confronto entre dois tipos de cultura
distintas: de um lado uma civilização “modernista”, mercantilista, já
na vanguarda de um capitalismo ascendente e “revolucionário” que
105
Culturanálise da festa
alavanca moral do capitalismo ascendente.
Nas funções “positivas”, confortadas pela ideologia do poder,
eu coloco: o militar, ou o soldado, o mercenário, o navegador, o
urbanista, o arquiteto, o mercador, o cientista, o artista, o judeu, o
operário, etc. Todos eles são elementos chaves na transformação
radical da “paisagem urbana do Recife que se torna o centro mais
populoso e cosmopolita da América, cidade preferida pelos
mercadores, judeus, soldados e operários, e ligada por uma ponte à
ilha de Antonio Vaz, onde se levanta, segundo plano de Pieter Post,
‘à moda da Holanda’, a cidade Mauricéia (Mauritzstadt), a primeira
que se edifica no Brasil, conforme traçado de um arquiteto. Erguem
se os primeiros sobrados; intensifica se a vida social; e, enquanto o
Recife, que não possuía, à chegada de Nassau, mais de 150 casas,
já podia ostentar, dois anos depois, duas mil construções, expande
se, com seus palácios e jardins, a cidade do Príncipe, onde passaram
a residir, em sobrados e casas de campo, burgueses enriquecidos e
senhores de engenho” (Azevedo; 1971: 439).
É fundamentado nestas transformações históricas que coloco
no horizonte mítico desta época a figura lendária de Maurício de
Nassau, de quem podemos até hoje, no século XX, perceber a força
simbólica. Fato constatável na simpatia geral que a figura de Mauricio
de Nassau ainda possui na memória cultural dos pernambucanos.
Do lado das funções “negativas”, dos mitos marginalizados, e
depreciados, coloco as características básicas da civilização luso
castelhana, derrotadas pelos ditos “batavos hereges”. São eles: o
padre, o santo, a Igreja, a festa, o desperdício, etc. Dentro da Cultura
Protestante estes elementos católicos serão combatidos. Assim,
vemos o espírito Dionisíaco, que sempre apareceu como substrato
primitivo, vestígios da antiguidade, dentro do catolicismo ibérico.
Aqui ele será depreciado e envolvido de funções negativas e marginais
ao stablishment dominador.
No nível racional, reconhecido como o superego institucional,
colocamos como técnicas a navegação, as ciências, as artes, o
mercantilismo, a indústria, etc. Já no nível actancial, do “ego” societal,
colocamos como representação e síntese de todo projeto colonial
holandês no Brasil a Companhia das Índias Ocidentais, que nos dá
uma visão sistêmica do empreendimento exploratório realizado em
24 anos de domínio holandês.
104
Alexandre Fernandes Corrêa
Exercícios de Mitocrítica
Finalmente é preciso dizer algumas palavras em relação a
três obras que merecem uma investigação mais apurada pela
mitocrítica, e que certamente ajudariam mais no aprofundamento
dos problemas aqui analisados. A primeira destas obras a que me
refiro, é um texto de importância muito singular neste contexto.
Trata se do primeiro romance escrito em Pernambuco, tem o nome
“Nossa Senhora dos Guararapes: Romance histórico, descritivo, moral
e crítico”. O autor que assina a obra é Benardino F. Freyre Abreu e
Castro, e foi editado em 1847. Nesta obra encontra se muito bem
representado a importância simbólica e mítica que tem o culto de
Nossa senhora dos Prazeres. Considerando se o fato de ser o primeiro
romance escrito em Pernambuco, pode se avaliar o significado cultural
que possui, àqueles fatos históricos, que me arrisco afirmar, são de
valor cultural privilegiado, no horizonte mítico de nossa nacionalidade.
Bernardino Abreu e Castro com muita sensibilidade não retrata
apenas os aspectos históricos, mas nos apresenta um complexo
literário de rara penetração em domínios não literários, como a moral.
Já o aspecto crítico traduz se por uma marca manifesta de nostalgia,
quase melancólica. O autor se sente atraído emocionalmente pelos
tempos heróicos e históricos, resgata um espírito que vê ausente na
alma dos cidadãos do século XIX.
Creio que a mitocrítica deste texto está subentendida na
mitanálise que empreendemos aqui, mas seria um belo exercício de
aprofundamento teórico, dedicar se com generosidade de tempo e
circunstâncias, a uma obra tão singela e rica. Aproveito o momento
para já começar a falar de um outro texto, que complementaria esta
pesquisa, coroando a de uma perspectiva cronológica importante.
Refiro me ao texto dramático de José Pimentel, incluído no livro,
“Heróis pernambucanos no teatro ao ar livre” (1987). O nome do
texto é, “Batalha dos Guararapes”. Da mesma forma observamos
que o autor enfatiza a dimensão heróica dos feitos, quase fantásticos,
e também milagrosos, dos personagens que se envolveram naquelas
batalhas. O que gostaria de tornar apreciável é o detalhe de esta
obra ter sido escrita nos anos oitenta. Assim nós teríamos nestas
duas obras uma excelente oportunidade de analisarmos dois
contextos sócio culturais distintos, com mais de um século de
distância, uma da outra. Cabe também citar uma obra
107
Culturanálise da festa
se apoiava numa Ética Protestante, como escreveu o sociólogo alemão
Max Weber (1967), e de outro lado uma civilização em que a Ética
Católica ainda se desenvolvia largamente, promovendo sob sua
cultura o florescimento de uma sociedade barroca colonial na América
Latina.
É neste contexto social e histórico que enquadramos o
esquema 4. Nos mitos ascendentes, a partir da expulsão dos
holandeses, coloco o renascimento do espírito dionisíaco, dentro do
catolicismo popular. Represento a figura mítica de D. Sebastião, o
Desejado, e o Enviado, encarnado em D. Francisco Barreto, General
que sob o seu comando conseguiu vencer o inimigo que, como nos
conta a história, estava numa situação muito mais vantajosa em
termos bélicos. Foi este General que, na frente dos exércitos luso
brasileiros, fez o voto de, ao se concretizar a vitória sobre os
holandeses, erguer em retribuição às graças recebidas, uma capela
em nome da Virgem Mãe dos Prazeres. É assim que coloco também
como símbolo, Nossa Senhora dos Prazeres, além dos nomes dos
outros Generais que combateram nas lendárias Batalhas, que
acabaram por se tornar “expressão maior da epopéia de um povo”
(Castro; 1980).
Nas funções “positivas”, acalentadas pela ideologia do poder
restaurado, coloco a Santa, a festa, o prazer, o comércio, o padre, e
poderia acrescentar ainda outros elementos que passaram a compor
o imaginário daquela época, e que até hoje aparece, com algumas
nuances contemporâneas, no inconsciente coletivo da população
local, por exemplo a sensualidade, a beleza feminina, o tropicalismo,
a mestiçagem ...
Nas funções “negativas”, coloco o pastor, a usura, a indústria,
a avareza, que são propriamente o espírito protestante que,
derrotado, ganhou um significado depreciativo. Em relação aos mitos
marginalizados e desonrados coloco Prometeu, por tudo mais que já
foi dito, e Calabar, pela “traição” à gente da terra.
No nível racional, do “superego” institucional coloco as técnicas
da aurivesaria, do engenho, o escravismo, pois que é propriamente
sob suas bases que se forma a nossa civilização. No nível actancial,
do “ego” societal, coloco a importância primordial dos seminários
eclesiásticos, se destacando nesse contexto as instituições
beneditinas, que formaram grande parte da inteligência brasileira
dos primeiros séculos.
106
Alexandre Fernandes Corrêa
Mas afinal o que é que durante três séculos ininterruptos
ritualiza se nesta festa e procissão religiosa de Nossa Senhora dos
Prazeres? A história que ela conta, nós, bem sabemos, é a da expulsão
dos holandeses. Porém, qual é o seu significado cultural mais preciso?
Minha hipótese é que com a expulsão dos holandeses nossa
sociedade começou a construir um universo simbólico, um idioma
cultural, em que, com as bases do catolicismo Contra Reformista e
da cultura barroca emergente, vislumbrou o surgimento de uma
civilização com uma identidade peculiar. Através do mito das três
raças, e de todo um processo de sincretismo com as tradições
culturais nativas e africanas, e sob o signo do hedonismo, da alegria,
da mestiçagem, da efervescência coletiva, forjou se uma nova cultura.
Esta hipótese vai ao encontro das análises que Eric Wolf (1968)
empreendeu no México em relação ao culto de Nossa Senhora de
Guadalupe. E defendo a idéia de que esta é a base, a estrutura que
reflete uma unidade cultural Latino Americana.
Com o auxílio da mitanálise, e a aplicação dos tópicos
diagramáticos, que Gilbert Durand elaborou, pude perceber e testar
esta hipótese, considerando a pertinência dos estudos simbólicos e
mitológicos nestes contextos sócio culturais que marcam nossa
identidade.
109
Culturanálise da festa
cinematográfica que teve como tema as mesmas batalhas nos montes
Guararapes.
Outra obra de interesse singular é a peça de teatro de Chico
Buarque de Hollanda e Rui Guerra, cujo título é “Calabar: o elogio
da traição” (1983). Neste texto os autores manifestam certa simpatia
em relação a atitude do personagem Calabar, que se voltou com
seus exércitos para o lado dos ‘inimigos’. Para este, e ainda para
muitos atualmente, melhor seria para o Brasil ter sido colonizado
pelos holandeses ao invés dos portugueses. Percebe se isso na grande
aceitação em torno do nome de Mauricio de Nassau, sempre lembrado
com carinho.
Levando em conta toda esta rica documentação sobre o tema,
estou há alguns anos estudando todo este processo simbólico e mítico
que encontra se nas raízes de nossa formação cultural e atravessa
os tempos, com a mesma vivacidade e vigor. Afirmamos, com o
professor Roberto Motta (1980), que estes fenômenos constituem
“a herança viva das matrizes culturais geradoras do barroco” (Motta,
1980: 29). Estão no inconsciente coletivo de nosso povo. E na minha
pesquisa procuro exatamente o significado cultural da festa de Nossa
Senhora dos Prazeres. Acredito que estes rituais das festividades e
da procissão religiosa em torno do culto à Virgem Mãe dos Prazeres,
são acontecimentos em que nossa sociedade se espelha, se
autocontempla e recria a sua própria história. É o que Roberto da
Matta (1986), nos apresenta de forma lapidar: “Nestes momentos,
(...), a sociedade se arranja de forma não ordinária e produz um
discurso para si mesma. Aqui se inventa aquilo que Victor Turner
chamou, (...), de drama social; algo que, quase no mesmo momento
e na mesma Universidade de Chicago, Clifford Geertz formulava com
a famosa frase do ritual como uma história que uma sociedade conta
para si mesma de um certo ponto de vista. Nos dois casos, porém e
isso digo eu, o que ocorre de fundamental é uma parada na
continuidade pertubadora do sistema e uma tentativa de tornar visível
alguma forma de fim, de alvo, de destino, de direção. É precisamente
isso que acontece quando uma sociedade faz uma festa ou ritual e
inventa para si mesma um momento onde há um início, um meio e
um fim. E aqui, estamos falando com Aristóteles, o primeiro a
enxergar tudo isso muito bem ...” (Damatta, 1986: 83 4).
108
Alexandre Fernandes Corrêa
A imagem barroca da
civilização latino americana
“O Brasil assim como a América Latina (...), oferece a imagem ou a ilusão
daquilo que poderia ter sido uma civilização que houvesse acolhido outra opção,
diversa da rentabilidade e do Capital”
Jean Duvignaud; 1983: 24.
Nas considerações finais deste ensaio, faço o itinerário da re-
apresentação de nosso objeto de estudo. Percorrerei ainda uma vez
suas linhas de força sócio culturais e sua unidade simbólica,
considerando tudo o que já foi colocado nos capítulos iniciais. Na
verdade originalmente esta ‘conclusão’ foi apresentada no Congresso
da América (1492-1992) realizado na Universidade de São Paulo.
Assim pode ser lida como um texto a parte, porém é o resultado
alinhavado de tudo o que já foi exposto. Com isso, o leitor observará
que muito dos temas já trabalhados nos capítulos anteriores retornam
e re-aparecem, todavia, agora, com novas nuances.
No estudo destes fenômenos sociais que se manifestam
ritualmente, em cerimônias anuais há 352 anos, chego à conclusão
de que seu conteúdo simbólico, ou seu significado cultural, traduzem-
se numa linguagem, ou idioma, particular. Poderia ter enfatizado
outras funções sociais da festa religiosa e profana; como sua
dimensão econômica, política, religiosa, etc. Pois, a festa neste
contexto é compreendida como um fato social total, em que se
encontram imbricadas todas as dimensões da realidade sócio cultural
da população envolvida. Porém, enfatizei prioritariamente sua
linguagem simbólica, seus conteúdos culturais mais profundos:
A base sócio-etnográfica desse ensaio, como já foi referida
nos capítulos anteriores, encontra se no município de Jaboatão de
Guararapes, nos quais observei manifestações e cerimônias populares
específicas; se junta ainda a essas reflexões finais uma pesquisa
realizada num bairro operário de Recife, em torno da Escola de Samba
do Limonil, onde tentei investigar as representações coletivas que
se constituíram a partir da agremiação carnavalesca em questão
(Corrêa; 1991a). Outro estudo importante que serviu de suporte
empírico as conclusões desse ensaio foi uma pesquisa que realizei
no próprio templo de Nossa Senhora dos Prazeres, onde desenvolvi
um estudo interpretativo sobre o seu simbolismo barroco (Corrêa,
1991b). Da mesma forma podemos nos referir aqui, ainda mais
uma vez, a outra pesquisa que empreendi, agora em outro Estado
da Federação, no caso, em São Luís do Maranhão. Esta investigação
coloca questões relativas à teoria social da festa popular no contexto
brasileiro; foi uma pesquisa realizada num bairro da cidade que
concentra grande parte dos artistas e compositores populares
maranhenses (Corrêa; 1992).
Todos estes trabalhos serviram como pano de fundo, pois
balizam as considerações que aparecem aqui em caráter conclusivo
nesse ensaio crítico e analítico. Deve se acrescentar ainda a
bibliografia que encontramos sobre as mais diversas festas,
comemorações e eventos rituais espalhados pelo país. Alguns destes
trabalhos destacam se sobremaneira no horizonte às vezes sombrio
das reflexões sociológicas e antropológicas a respeito dos temas
clássicos dessas disciplinas. Sempre se deu uma importância
irrelevante à função social e cultural dos rituais populares que se
realizam anualmente em quase a totalidade dos municípios e cidades
de nosso país, que possui fronteiras continentais. Só muito
recentemente que vemos desenvolver se um deslocamento
proveitoso do interesse crítico por estes domínios e temas centrais
nas sociedades latino-americans. Felizmente, testemunhamos
algumas mudanças no imaginário sociológico brasileiro e novos
pesquisadores têm dado mais atenção a sociologia da cultura e da
arte.
Foi pelo desenvolvimento destas reflexões mais
contemporâneas a cerca destes problemas, de uma singularidade
marcante em nosso contexto social, que desenvolvi esta pesquisa
sobre o significado cultural da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres
113
A imagem barroca
podemos dizer melhor ainda, seus conteúdos mais inconscientes. O
que não deixa de manifestar todas as suas contradições e dinâmicas
intrínsecas próprias a todas as experiências e expressões rituais
humanas.
Enfoquei assim o tema do caráter utópico e hedonista dos
mitos em torno da devoção à Nossa Senhora dos Prazeres,
considerando deste modo a expressão barroca de uma civilização
que tem aspirações democráticas e pluralistas nas suas bases
imaginárias e ideológicas; mas que permanece presa numa tradição
autoritária, patriarcal e despótica. Isto se expressa num esforço
sempre tenso para manter um aparente equilíbrio ‘cordial’, que
contrasta radicalmente com a realidade de um cotidiano desigual,
hierarquizante e discriminatório, próprio da sociedade brasileira e
latino-americana. É um paroxismo de nosso dilema social, mas, não
é por isso que devemos mantê-lo oculto, sem interpretar sua força
histórica. Pois, se os mitos, a estrutura simbólica e imaginária da
população, revelam esta dimensão utópica do imaginário coletivo,
devemos ter esperança de mudar estas estruturas hierarquizantes
de nossa vida cotidiana.
1
Deste modo, nesse ensaio fruto da dissertação de mestrado
apresentada em 1993, procurei defender algumas hipóteses em
relação aos problemas e contradições que a identidade cultural latino
americana tem colocado e enfrentado atualmente no cenário mundial.
A argumentação teórica desenvolveu se a partir de pesquisas sócio-
etnográficas realizadas pelo autor desse texto e também pela leitura
e estudo detido da literatura científica, hoje já bastante extensa,
sobre estes temas capitais. Deste modo, é com base em dados
empíricos e em problemas teóricos precisos que apresentei à
discussão e ao debate, a dimensão utópica que vejo manifestar se
na cultura brasileira desde os primeiros tempos da Descoberta. Esta
dimensão utópica pode ser apreendida no universo simbólico
característico das diversas cerimônias populares que se realizam
em nossa sociedade.
1
Nesse ensaio se expressa essa esperança com certo ceticismo, pois o que se vê
manifestar na efervescente ritualização festiva brasileira, objeto dessa análise,
em muitos casos só faz mantér a ordem estabelecida. Além da ‘festa dos prazeres’
aqui em questão, lembro especialmente da Festa do Divino Espírito Santo; expressão
de desejo das comunidades em ver realizar, nesse mundo, a ‘graça’ e a ‘fartura
para todos, no verdadeiro Reino do Espírito Santo; que, no entanto, nunca se
estabelece, a não ser como uma quimera.
112
Alexandre Fernandes Corrêa
Os rituais comemorativos, religiosos e profanos, realizados
em torno do culto à Nossa Senhora dos Prazeres nos Montes
Guararapes se enquadram muito bem nessa distinção. Eles se referem
ao segundo grupo dos ritos comemorativos, aqueles que remetem o
comportamento humano ao mundo mítico dos antepassados e das
divindades.
Há 352 anos realizam se ininterruptamente as festividades
em nome dessa Santa católica. A história nos conta que o culto à
Nossa Senhora dos Prazeres está associado aos acontecimentos
heróicos e “milagrosos” ocorridos durante a expulsão do holandeses
do Nordeste do país. Conta nos a lenda e o mito que a Virgem Mãe
dos Prazeres teria intercedido nos fatos a favor dos exércitos luso
brasileiros.
2
Lembremos que neste período estudado, Portugal esteve
submetido 60 anos ao domínio da Coroa Espanhola.
O domínio holandês dessa parte do país deixou marcas
profundas na cultura local. Principalmente na cidade do Recife, que
esteve subjugada por 24 anos; tornando-se a sede do governo
colonial. Foi verdadeira revolução civilizacional que os holandeses
empreenderam aí, é o que podemos deduzir das palavras de Fernando
de Azevedo que afirma ter ocorrido uma transformação radical da:
“(...) paisagem urbana de Recife que se torna o centro mais populoso
e cosmopolita da América, cidade preferida pelos mercadores,
judeus, soldados e operários (...)” (Azevedo; 1971: 439).
É assim que podemos dizer que esta foi a primeira tentativa
de colonização urbana do Brasil constituindo se em confronto direto
com a sociedade brasileira dos períodos primitivos da colonização
portuguesa. Porém, a análise sincro diacrónica revelou problemas
estruturais importantes a partir da configuração de uma cultura
brasileira barroca e católica em confronto com a ‘modernidade’
batava. Apesar de todo desenvolvimento urbano, intelectual, artístico
etc., promovido pelos holandeses, que se constituíam na época a
2
Pode-se se dizer que na verdade, por esses motivos, a Padroeira do Brasil poderia
ter sido a N. S. dos Prazeres, se Pernambuco mantivesse um papel econômico
proeminente no cenário nacional. N. S. Aparecida não tem a importância política,
cultural e militar que tiveram os fatos marcantes ocorridos em torno dessa devoção.
É sabido que até hoje, no entanto, o Exército Nacional Brasileiro considera que
suas origens e da própria brasilidade se encontram marcadas e fincadas naqueles
Montes Guararapes de Jaboatão.
115
A imagem barroca
e da Pitomba. Recolhendo documentos históricos; pesquisando
acervos dos museus da cidade de Recife e do país; bibliotecas federais
e estaduais; arquivos públicos; e, etc, juntando se ainda a observação
participante, complementada pela aplicação de breves questionários
e entrevistas; pude ter em mãos material suficiente para poder
encontrar um conjunto coerente de representações sociais e coletivas.
Destaco neste conjunto uma ideologia clara, estruturas de sentimento
translúcidos e precisos, que, acredito, se expressam numa linguagem
e idioma particular. Enfatizo assim as conclusões a que chegou o
sociólogo Emile Durkheim em seu livro “As formas elementares da
vida religiosa” no qual revelava a verdadeira importância do
simbolismo na vida social humana. “A vida social, sob todos os
aspectos e em todos os momentos de sua história, somente é possível
em virtude de um vasto simbolismo” (Durkheim, 1989: 332).
Este simbolismo de que fala Emile Durkheim manifesta se de
formas diferentes, possuindo linguagens próprias; cada evento social
exige um tipo de código e regras particulares, que só a semiologia
pode compreender como se organiza o universo coletivo diferenciado
em grupos, papéis, funções, atividades, etc. Os fenômenos que
enfoquei nesses contextos rituais e cerimoniais, associados aos
quadros míticos específicos, nos informam sobre seus conteúdos
culturais inconscientes e subjacentes. Assim, focalizando a dimensão
ritual dos eventos em causa, nada mais fiz que seguir a orientação
de Jean Cazeneuve, que estabeleceu uma distinção entre duas
espécies de ritos:
“Primeiramente, os ritos de controle (compeendendo as interdições e receitas
mais ou menos mágicas para agir sobre os fenômenos naturais); e, em
segundo lugar, os ritos comemorativos (que consistem em recriar a atmosfera
sagrada, representando os mitos ao longo de cerimônias complexas e
espetaculares)” (Cazeneuve; S/D: 25).
Jean Cazeneuve desenvolveu esta tipologia a partir de uma
sociologia da conduta humana, e neste nosso estudo essa teoria
adquiriu uma objetividade toda particular, pois como ele mesmo
afirmou: “(...) poder se ia referir uma distinção entre os ritos que se
apresentam como comportamentos (positivos e negativos)
misturados com a vida corrente ou com o mundo mítico dos
antepassados e das divindades” (Cazeneuve, S/D: 25).
114
Alexandre Fernandes Corrêa
Esse texto revela todo o processo mítico e simbólico que esses
fenômenos sócio-culturais e históricos articulam como um complexo
coerente de estruturas significativas. Morrer por uma fé e por uma
cultura! Bastide percebeu muito bem, nestas batalhas pela expulsão
dos holandeses, o que ocorreu: foi muito mais do que uma simples
querela de fundo e razão econômica. Não foi apenas porque os
impostos aumentaram exorbitantemente que fez desencadear
abruptamente a expulsão dos ‘invasores’. O que estava subjacente
era um confronto sócio-cultural evidente. A saída de Maurício de
Nassau só fez com que esta situação contraditória ficasse cada vez
mais explícita e determinada; quando toda diplomacia terminou. A
cultura protestante, sua ética mercantil, seu espírito capitalista, se
chocava de frente com o mundo católico e barroco recrudescido
com o Concílio de Trento; criou-se assim uma atmosfera de conflito
insustentável.
Porém, antes de aprofundarmos as conclusões dessas análises
que serão esmiuçadas mais adiante, creio ser importante ainda
ressaltar alguns pontos. Como foi dito anteriormente, o culto à Nossa
Senhora dos Prazeres está estruturalmente associado a estes
complexo de eventos e fenômenos sócio-culturais e históricos. Mas,
a explicação simplista que se tem dos fatos, atestada através dos
documentos históricos, é que o General Francisco Barreto de Menezes,
comandante das tropas luso brasileiras, era devoto desta Santa
católica e que assim se reduz ao acaso a escolha dessa devoção, por
uma idiossincrasia de um único indivíduo. Diz-se que logo após a
Restauração efetiva dos portugueses e a expulsão definitiva dos
holandeses, o general Francisco Barreto, cumprindo com a sua
promessa de erguer uma capela em caso de vitória nas batalhas,
mandou construir o templo, dando aos Benetinos a obrigação de
realização de culto diário e de festas anuais em memória dos fatos
ocorridos. Este processo coincide perfeitamente com o costume
europeu de sacralizar as batalhas e os combates. Sabe-se também,
como vimos, que existem diversos cultos à Nossa Senhora da Vitória
e da Batalha, no Brasil e em Portugal. Deve se registrar o fato destas
lutas terem se travado em locais de difícil acesso, alagadiços e
escarpas dos Montes Guararapes, em um complexo topográfico de
muitos acidentes naturais. A esta razão é que se deve atribuir este
sucesso militar, mas que, no entanto, transformou se num problema
religioso. Os soldados mortos no combate não puderam ser
117
A imagem barroca
maior potência mundial; a população nativa sempre promoveu por
anos seguidos diversas insurreições e revoltas contra o ‘invasor’
calvinista. As empresas das Índias Ocidentais tiveram em Maurício
de Nassau um homem de sábio tino político, porém, como seus
lucros eram irrisórios, foi abandonado e finalmente substituído; o
que acarretou o recrudescimento daquele nativismo incipiente, que
assim tornou-se cada vez mais subversivo. Os novos administradores
enviados para tornar mais lucrativo o empreendimento colonial das
Índias Ocidentais, acabaram por criar um ambiente social
extremamente difícil de sustentar política e militarmente.
A batalha das Tabocas foi a primeira de uma série de combates
travados contra o inimigo. Até hoje se comemora em festa cívico
popular o aniversário desta batalha, no município de Vitória de Santo
Antão, nos primeiros dias do mês de agosto. É conhecida como a
‘Festa das Tabocas’. No entanto, foi nas famosas batalhas dos Montes
Guararapes que se definiu o destino colonial da região. Gilberto Freyre
lapidou nesta expressão a importância daqueles feitos: “(...) nestas
batalhas escreveu se a sangue o endereço do Brasil” (Megale; 1980:
318).
Revela se daí a dimensão mítica da afirmação da nacionalidade,
um ‘mito fundador’ poderoso. Mas, foi outro sociólogo e antropólogo
que possuia grandes conhecimentos de nossa realidade, e que
efetivamente inaugurou os estudos sobre a ‘sociologia do barroco’
no Brasil, que nos ofereceu a interpretação positiva da significação
mítica e cultural desse conjunto de fenômenos sócio-culturais e
históricos. Roger Bastide dá nos em prosa singular sua contribuição
à análise: “(...) quero, por um momento, me deixar penetrar pelos
mitos, e quem nos diz que o mito não é o pressentimento de uma
verdade que ainda não existia, mas que não tarda a nascer?”.
A terra bebeu aqui o sangue dos que morreram por uma fé e por uma
cultura; bebeu também o sangue dos soldados louros, vindo dos países do
Norte, dos mares que cantam na névoa, para se embriagar com a
voluptuosidade dos trópicos. O sangue não secou ainda, continua a correr
sob o solo, forma poças negras nas raízes dos coqueiros, e uma vez por ano,
por ocasião da florada, volta, sobe ao ar livre pelas veias das ervas, os
capinzais não passam de uma imensa toalha vermelha. Não passam de um
tapete de sangue que ondula em vagas purpúreas. Então, do Recife e de
Olinda, esquecendo as rivalidades antigas, as querelas dos pelourinhos, a
multidão vem até à Igreja, que se abre aos cânticos do povo, celebrando a
vitória sobre os holandeses e chorando os heróis mortos” (Bastide; 1945:
148-9)
116
Alexandre Fernandes Corrêa
Comprova se desta forma o sincretismo existente em Portugal
em torno deste culto. Deve se também considerar o fato de que o
culto à Deusa Ishtar e à Rainha Ester, sempre estarem ligados a
litúrgias orgíacas. Devemos registrar este dado, que, como pode ser
bem entendido, tem singular importância também no Brasil. Segundo
certos autores há um sincretismo presente nos cultos afro brasileiros
em relação a esta Santa. De acordo com Araújo (1978) e Valente
(1977), citando outros pesquisadores, Nossa Senhora dos Prazeres
associa se aos cultos dos orixás Oxum e Obá. Além disso, podemos
observar num romance de 1847, escrito por Castro (1980), um
registro curioso, que é também comentado por Gonçalves de Mello
(1971), de festas e banquetes no topo dos Montes Guararapes, em
frente à igreja e que freqüentemente revelavam se em encontros
dionisíacos. É assim que no referido romance encontramos estas
palavras, que comentam um jantar bastante interessante ocorrido
em momento de romaria:
“(...) passados alguns minutos começou o profuso jantar, que, alegrado
com assíduo exercício de esgotamento do ebrifestivo copo, se tornou uma
completa orgia uma pomposa festividade do Deus Bacho com suas adorações
solenes à impudica Vênus” (Castro; 1980: 119).
Apoiado então nos dados históricos, levantados principalmente
por Santo (1988; 1990), defendo aqui a hipótese de que o culto à
Nossa Senhora dos Prazeres possui uma estrutura ritual e religiosa
que se combina muito bem com a tradição milenar, mesopotâmica e
mediterrânea. Isto está de acordo com as intuições de Marcel Mauss,
que analisando a obra de Dieterich, defendeu uma unidade dentro
da tradição popular antiga. Assim ele nos diz: “(...) a tradição popular
foi um fundo sempre idêntico e jamais esgotado, onde periodicamente
se restaurou e se renovou a mentalidade religiosa em via de
transformações” (Mauss;1981: 385).
Marcel Mauss vai mais além em sua análise, revelando que a
obra de Dieterich, “Religião popular, e as formas fundamentais do
pensamento religioso”, outra coisa não faz que: “(...) explicar a noção
de Mãe Terra, tema fundamental das mitologias clássicas, tema
literário de múltiplas literaturas que teve suas manifestações até no
cristianismo, onde a Virgem com freqüência assumiu certos traços
da antiga Mãe Terra” (Mauss; 1981: 384).
119
A imagem barroca
enterrados em cemitérios sagrados; a solução encontrada foi a
sacralização dos montes, colocando se simbolicamente alguns dos
seus restos mortais sob o Cruzeiro que está diante do Templo, em
extenso pátio. A partir daí passaram a ocorrer peregrinações de
parentes e do povo em geral, num verdadeiro culto aos antepassados;
o que ainda pode ser percebido atualmente, apesar das
transformações ocorridas em três séculos de história. Ainda
observamos famílias inteiras passando o dia em festa, fazendo um
verdadeiro pique nique, num momento coletivo que preserva aquele
espírito das primeiras peregrinações.
Outro ponto interessante e que devemos considerar na análise,
é o fato de o culto de Nossa Senhora dos Prazeres ser muito antigo
dentro da tradição católica portuguesa. De acordo com os dados
históricos recolhidos por Espírito Santo (1988; 1990) e Megale (1980),
o culto surgiu por volta do século XIV, e Portugal foi o primeiro país
da cristandade a festejar as ‘alegrias’, e não só as ‘dores’, de Nossa
Senhora. Estas alegrias são em número de sete e são as seguintes:
A anunciação do anjo, a saudação de Santa Isabel, o nascimento
de seu Divino Filho, a visita dos Reis Magos, o encontro de Jesus no
templo, a primeira aparição de Cristo após a Ressurreição e finalmente
a sua coroação no Céu após sua gloriosa assunção” (Megale; 1980:
317).
A Virgem dos Prazeres é um dos “mil nomes” de Maria, e o
culto mariano é particularmente rico em Portugal. Maria é a mãe
dos homens, a mãe da nação lusitana. Seu significado simbólico, e
arquetípico, encontra se nas profundezas da cultura portuguesa. E é
mergulhando nestas profundezas que Santo (1988) escavou as
camadas históricas e arqueológicas que se revelam do culto à Nossa
Senhora dos Prazeres. De acordo com este autor, esse culto tem
íntimas relações com a tradição milenar do Oriente Médio. Destacando
se já nos primórdios da cultura babilônica o culto à Deusa Ishtar,
como a mãe dos homens, e a Deusa da guerra, de grande difusão
por todo o Oriente Próximo. Posteriormente se vêm relações com o
culto à Rainha Ester dos Hebreus, também sendo símbolo da
maternidade dos homens, da terra e do céu. Particularmente
importante para nós é a associação com a Rainha Ester, constatada
num processo do Tribunal da Inquisição datado de 1716, citada no
capítulo dois desse ensaio.
118
Alexandre Fernandes Corrêa
Destarte, da mesma forma que em relação à imagem, não se
trata de definir o barroco abstratamente, pois há uma grande
polêmica semântica em torno deste problema. Todavia, utilizo um
trabalho singular de autor cubano que nos dá toda a dimensão, se
não literária, pelo menos estética, do conceito. Severo Sarduy neste
suscinto fragmento nos diz:
“O barroco estava destinado, desde o seu nascimento, à ambigüidade, à
difusão semântica. Foi a grossa pérola irregular em espanhol barrueco ou
berrueco, em português barroco a rocha, o nodoso, a densidade aglutinada
da pedra barrueco ou berrueco , talvez a excrescência, o quisto, o que,
prolifera, ao mesmo tempo livre e lítico, tumoral, verrugoso; talvez o nome
de um aluno dos Carraci, por demais sensível e até amaneirado La Barroche
ou Barroci(1528 1612) ; talvez, um silogismo Barroco. Finalmente, para o
catálogo denotativo dos dicionários, amontoados de banalidade codificada,
o barroco equivale à bizzaria chocante littré , ou: “o estrambólico, a
estravagância e o mau gosto” Martinez Amador” (Sarduy; 1979: 58).
Pode se censurar a citação de um texto demasiadamente
literário que ao invés de sugerir uma definição teórica sociológica,
enfatiza sua indeterminação e sua ambigüidade estética. Sem
embargo, confrontando o com esta outra citação de um grande esteta
comtemporâneo, vemos do mesmo modo constatar se a ambigüidade
de um traço que lhe é característico. Assim temos: “Entre todas las
etiquetas utilizadas en historia de la cultura y de las formas, quisá la
de ‘Barroco’ sea la más ambígua: originalmente indicación de um
estilo, ha llegado a ser también el rótulo de una época donde, además
tienen lugar importantes hechos de estilo nada ‘barroco’”. (Valverde;
1985: 07).
Neste estudo utilizamos o conceito de barroco no sentido
amplo de um fenômeno que expressa múltiplas dimensões da
realidade que começa a delinear se no século XVI. É com a Reforma
Luterana, e a conseqüente reação católica contra reformista do
Concílio de Trento (1545 1563), que vemos desenvolver se seu
destino histórico. Deste modo, utilizei nesse ensaio o conceito de
Barroco, como lapidou Severo Sarduy:
“Nódulo geológico, construção móvel e lamacenta, de barro, pauta da dedução
ou pérola; dessa aglutinação, dessa proliferação incontrolada de significantes,
e também dessa firme orientação de pensamento, necessitava, para contestar
os argumentos reformistas, o Concílio de Trento. A esta necessidade
respondeu a iconografia pedagógica proposta pelos jesuítas, uma arte
literalmente do tape à oeil, que pusesse a serviço do ensino, da fé, todos os
meios possíveis, que negasse a descrição, o matiz progressivo do sfumato,
121
A imagem barroca
Desta forma, baseado na pertinência teórica de autor genial
e de monumental importância para as Ciências Sociais, defendo aqui
a tese de que, ao se constituir em culto, no Brasil, ligada
principalmente à expulsão dos holandeses calvinistas da Reforma
protestante, Nossa Senhora dos Prazeres, encarna perfeitamente o
espírito, ou melhor, a imagem barroca de uma civilização que se
ergue afirmando uma dimensão mítica estruturada milenarmente.
Mas de que maneira podemos falar de uma imagem barroca?
Em relação à definição de um conceito de imagem, segui de
perto o belo trabalho de Serge Gruzinski, “La Guerre des Images”
(1990). Nesta obra o autor avalia a dificuldade de se definir
abstratamente a imagem, que é um produto histórico e objeto
Ocidental por excelência: “(...) j’ai renoncé à m’engager dans una
des cription trop systématique de l’image et de son contexte par
crainte de perdre de vue una réalité que n’existe que dans leur
interaction” (Gruzinski; 1990: 16).
Portanto, compreendemos a partir daí que o conceito de
imagem se aplica num contexto histórico bem definido, e que não
se aplica indiferenciadamente ou abstratamente. É assim que com a
Descoberta da América todo um processo de catequese, de imposição
de uma língua, de leis etc., se dá pela imagem, já que o povo ao
qual isto é imposto raramente conhecia a escrita.
Segundo Gruzinski, com as construções das igrejas, dos
palácios e monumentos, com a dominação efetiva dos indígenas,
processou se uma verdadeira “colonisation de l’imaginaire”, onde
não teve fim a construção e a reconstrução de suas culturas. Neste
sentido, quando o autor enfatiza o papel do sincretismo e da
mestiçagem na cultura hispânica e latino americana em geral, nos
aproximamos do conceito de barroco, que parece dar conta desta
realidade cultural.
3
3
As idéias principais desse ensaio se aproximam das idéias de Boaventura Santos,
que no livro A Crítica da Razão Indolente (2002), escreveu: “A subjetividade da
transição paradigmática é também uma subjetividade barroca” (p. 356). Como
uma subjetividade de ‘fronteira’ o barroco latino-americano apresenta as
características da festa, do riso, da mestiçagem, etc: “Uma tal mestiçagem está
tão profundamente enraizada nas práticas sociais desses países que acabou por
ser considerada a base de um ethos cultural tipicamente latino-americano e que
tem prevalecido desde o século XVII até hoje” (p. 358).
120
Alexandre Fernandes Corrêa
“Como equivalente desta crise (a efervescência da festa) que sobressai
brutalmente sobre o fundo da monotonia da vida cotidiana, que apresenta
em relação a esta quase todos os contrastes, e cada um deles num grau
extremo, só se é possível apontar um único exemplo nas civilizações
complexas e mecânicas. Apenas um fenômeno, tendo em conta a natureza
e o desenvolvimento destas últimas, revela uma importância, uma
intensidade, um fulgor comparáveis e da mesma ordem de grandeza: a
Guerra”(Caillois; 1979: 163).
Diante disso, quando percebemos a importância que a festa
e sua expressão social tem na cultura latino americana, coloco em
questão o problema da identidade e do modo de ser de nossa
civilização. É inegável que as festas populares fazem parte de nossa
tradição. Será que o confronto com a modernidade significará a perda
destes traços distintivos? É o questionamento a que nos impele Otávio
Paz, quando indaga:
Alguns acham que todas as diferenças entre os norte americanos e nós são
econômicas, isto é, que eles são ricos e nós somos pobres, que nasceram na
democracia, no capitalismo e na Revolução Industrial e nós nascemos na
Contra Reforma, no monopólio e no feudalismo. Por mais profunda e
determinante que seja a influência do sistema de produção na criação da
cultura, recuso me a acreditar que bastará possuirmos uma indústria pesada
para vivermos livres de qualquer imperialismo econômico, para que
desapareçam nossas distinções(...)”(Paz; 1976: 23).
Parece me que esta é a questão fundamental: o problema de
nossas diferenças culturais e como abordá las cientificamente. Se
seguirmos os paradígmas teóricos de Roger Caillois, cairemos numa
forma de etnocentrismo, que pode ser reducionista e sociocêntrica.
Considerar a festa como sobrevivência dos tempos arcaicos e das
sociedades primitivas, joga nos no terreno movediço dos pré-
conceitos contra a cultura popular e nos lança na ‘folclorização’ e
‘turistificação’ crescentes de nossos costumes tradicionais.
Em busca de uma superação epistemológica destes princípios,
alternativas teóricas se impõem. É assim que devemos vislumbrar
uma crítica positiva à visão de mundo racionalista, progressista,
que pasteuriza as sociedades em modelos civilizacionais estanques
e estéreis. Dentro de um processo de racionalização da existência,
no que Max Weber (1985) chamou de “desencantamento do mundo”,
vemos a imposição de formas culturais que alienam e homogenizam:
racionalização e unidimensionalidade.
123
A imagem barroca
para adotar a nitidez teatral, o repentino do claro escuro, e abandonasse a
sutileza simbólica encarnada pelos santos, com seus atributos, para adotar
uma retórica do demonstrativo e do evidente, pontuada de pés de mendigos
e de farrapos de virgens campesinas e mãos calosas”(Sarduy; 1979: 58).
Com essas palavras-signos, pontuo a perspectiva que pretendi
dar ao conceito de Barroco neste estudo. É verdade que se ainda
não temos um conceito científico adequadamente elaborado sobre o
barroco, a metáfora se presta bem ao entendimento e compreensão
sociológica dos fenômenos aqui estudados; pelo menos até o estágio
em que nos encontramos da sociologia do conhecimento.
Entretanto, não basta apreender o campo semântico do
Barroco – sua polissemia ou ambigüidade – a partir de uma
elaboração teórica conceitual, proponho uma reflexão sociológica
do conceito e da metáfora. Para tanto, aproximei me, como foi visto
anteriormente, de um trabalho de Roger Bastide, escrito nos anos
quarenta, para o jornal “O Estado de São Paulo”. Estes artigos são
os “Estudos de Sociologia Estética Brasileira” (1940), e neles Bastide
pretendia esboçar “as grandes linhas de uma futura sociologia do
barroco brasileiro” (Bastide; 1940: 02). Na direção de uma futura
sociologia do barroco que esse ensaio teve a pretensão de contribuir,
tentando alargar nosso entendimento sobre tema fundamental do
imaginário social brasileiro e latino-americano.
Foi seguindo então essas ‘grandes linhas’ que, ao terminar
esse ensaio, faço uma digressão final tentando completar e juntar
os fios da reflexão. Basicamente, o que tentei oferecer nesses textos
foi um confronto teórico com as teses de Roger Caillois contidas no
seu livro “O homem e o sagrado” (1979). Em linhas gerais, o que o
autor defende ali é que a festa cumpria uma função social específica
dentro da sociedade ‘primitiva’. Neste contexto, sob influência das
idéias de Emile Durkheim (1989), para Caillois a festa promove a
efervescência coletiva em torno de símbolos comuns, revitalizando
o corpo social ciclicamente: atualiza mitos, renova o espírito coletivo
e revigora sua unidade. Porém, com o desenvolvimento das
sociedades modernas, Caillois vislumbrava o fim, a decadência, desta
estrutura festiva. Para este autor, o fenômeno social que substituiria
esta função das festas nas sociedades modernas industriais é a
Guerra. É assim, que nos diz:
122
Alexandre Fernandes Corrêa
Eis as perguntas que se revelam de crucial importância para
uma futura ‘sociologia do barroco’ brasileiro, nos moldes que Roger
Bastide propunha. Talvez ainda não tenhamos condições de respondê
las todas. Porém, gostaria de provocar a reflexão, mais uma vez, e
recolocar aqui o tema que abre esse ensaio; e a qual se liga
efetivamente este estudo.
Nas primeiras páginas desse conjunto de textos manifestei a
intenção de apresentar aos leitores a dimensão utópica que penso
ver se manifestar na cultura brasileira e latino americana; num
processo histórico que acredito se desenvolver desde o Achamento-
Descoberta. Afirmei que era possível apreender esta utopia no
universo simbólico característico das diversas cerimônias populares
que se realizam em nossas sociedades. E é de fato isto que pretendi
apresentar aqui; de uma maneira talvez um pouco suscinta e
resumida, procurei, através destas páginas, reunir subsídios e
materiais sócio-etnográficos que pudessem dar respostas às
indagações que Jean Duvignaud condensou de forma sutil, naquela
epígrafe inicial.
Acredito que é oportuno – apesar de o quadro atual de nossa
vida política e econômica passar por momentos de desafortunada
conturbação mundial – procurarmos enfrentar estes desafios imposto
pela atual fase de aceleração histórica, chamada de ‘mundialização’
ou ‘globalização’. Neste sentido, vejo revelar se uma linguagem
precisa destes conjuntos de dados apresentados: um desejo real de
nossas populações em verem destruídas as formas históricas
opressivas que determinaram um destino cruel para a maioria das
nações que compõem nosso continente. A utopia está expressa nas
diferentes formas de festividades e cerimônias populares. Nelas
vemos a força latente de impulsos sempre contraditórios enfrontar
uma realidade altamente hierarquizada, desigual, discriminatória.
Nestes momentos vemos manifestar se uma vocação mais
democrática, igualitária, subversiva, que coloca em questão toda
uma ordem estabelecida.
Pode se afirmar ainda mais que a característica central de
nossa civilização é que ela se constitui num modelo diferente de
organização social; modelo que transparece um pluralismo étnico e
religioso de alcance nunca imaginado no planeta. No que poderíamos
chamar de ‘pós modernidade’ de nossa cultura, vemos um projeto
de universalização desse modelo num futuro bem próximo; já que o
125
A imagem barroca
Já Michel Maffesoli, num livro de rara lucidez, provoca uma
reflexão radicalmente diferente dessa visão ‘estruturo-funcional-
evolucionista’ – se é que pode existir esse ‘monstro teórico’ –
defendida por Caillois:
“À medida que o século XIX evoluía, o que era a sua ideologia oficial tendia
a esterilizar se. Com o sucesso do maniqueismo, o iluminismo, logo substituído
pelo positivismo, parece triunfar; a razão conquistadora expande seu campo
de investigação e de aplicação. (...). Assim, a racionalização exagerada da
existência (Max Weber) irá em pouco tempo substituir o que, inicialmente,
fora somente uma exploração da força de trabalho. O percurso da exploração
à alienação mostra se balizado pelos projetos, das luzes e a tecnoestrutura
contemporânea, sempre a mesma a despeito de variações do regime político,
recolhe os frutos da grande ideologia progressita, que pretende planificar a
felicidade individual e social pelo uso exclusivo dos instrumentos da razão”
(Maffesoli; 1985: 133).
Deste modo, a partir de sócio-etnografias em campos
empíricos diferentes, isto é, em localidades contrastantes de nosso
país, como São Luís, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, etc., percebi
que o significado cultural da festa em nossa cultura, de maneira
alguma pode ser compreendido dentro dos parâmetros teóricos
apresentados por Roger Caillois.
Creio que, neste momento, podemos em fim retomar a
epígrafe que abre esse estudo, na qual tem em Jean Duvignaud o
grande inspirador. O questionamento desse sociólogo e escritor
francês abre a discussão para uma redefinição de nossos paradigmas
interpretativos. Neste momento podemos centrar toda a exposição
destes quadros empíricos – nos quais apresento minhas pesquisas
em Recife (Escola de Samba do Limonil), em Jaboatão dos Guararapes
(Festa de Nossa Senhora dos Prazeres) e em São Luís do Maranhão
(Bairro da Madre de Deus) – nas indagações lapidares de Jean
Duvignaud; que com grande sensibilidade percebeu profundamente
a realidade dos problemas que nos arriscamos aqui a colocar em
foco:
“O Brasil assim como a América Latina (...), oferece a imagem ou a ilusão
daquilo que poderia ter sido uma civilização que houvesse acolhido outra
opção, diversa da rentabilidade e do capital. O ingresso na economia de
mercado era inevitável? Por acaso, é inconcebível uma sociedade que pratique
a redistribuição da riqueza, orientando se para a procura do desenvolvimento
de homens e mulheres, ao invés do esforço no sentido de uma organização
sistemática com vistas a eleger o trabalho como a última finalidade social
dos seus membros? Quatro séculos mais tarde, a pergunta ainda não parece
haver sido formulada...” (Duvignaud; 1983: 24).
124
Alexandre Fernandes Corrêa
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processo de ‘globalização’ em voga não parece que vai se estancar,
apesar da atual fase de desaceleração histórica.
Destarte, este processo já foi percebido e refletido por autores
como Serge Gruzinski (1990) e Roberto Motta (1991). Se há alguma
esperança no horizonte a qual nos possamos inclinar, é a de que
existe de fato no nosso imaginário social um projeto de civilização
onde a vida ainda preserva seu encanto, podendo chegar, em breve
tempo, o fim um processo de fossilização cultural esterelizante.
Seremos nós espectadores deste mundo que se está por construir?
Finalmente, fechando esse ensaio, que se não for ingênuo ou
romântico – mas certamente é utopístico – haverá de ter outros
defeitos; trago às mãos do caro leitor essa referência singular de
um texto do professor Roberto Motta, escrito recentemente:
“C’est en suivant le modèle de l’Amerique Latine que se généralise la
civilisation post moderne, caractérisée par les syncrétimes, le pluralisme
ethnique et religieux. En revanche, la civilisation de l’Amérique Latine telle
qu’elle se forma au Brésil, au Mexique, au Pérou et ailleurs, contient, autre
ce qu elle a reçu des Indiens et de Africains, une certaine image de l’Europe,
devenue étrangére à l’Europe elle même: la civilization du baroque et de la
fête, que triompha jadis dans le pays de la méditerranée. Ne serait ce pas,
dans les fêtes du cinquième centenaire de la découvert de l’Amérique, l’Europe
de redécouvre elle même et ne serait ce pas que le vieux projet de
l’universalisation de l’Europe abouit à l’americano latinisation de la planète?”
(Motta; 1992: 147).
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