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Luiz Lobo sp
Saneamento Básico:
EM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃO
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Saneamento Básico:
EM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃO
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo
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Saneamento Básico:Saneamento Básico:
Saneamento Básico:Saneamento Básico:
Saneamento Básico:
EM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃOEM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃO
EM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃOEM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃO
EM BUSCA DA UNIVERSALIZAÇÃO
Luiz Lobo Luiz Lobo
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Luiz Lobo
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Brasília
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo
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© Luiz Lobo sp
Direitos desta edição
Caixa Econômica Federal
Coordenação editorial: Teresa Urban
Projeto Gráfico: Érico Crokidakis
Fotografia: Cácia Cortez
Hugo Aguillar
Regina Arakaki ryy
Luiz Lobo sp
Revisão:Renata Medeiros Marés de Souza
Apoio Técnico: Ana Carvalho de Mello Ferreira do Amaral
Financiamento: Caixa Econômica Federal - CAIXA
Vice Presidência de Desenvolvimento Urbano e Governo
BSB - Quadra 4, Lote 3/4
Brasília - DF
CEP 70092-900
Luiz Lobo sp
Rua Raquel Prado, 691 - Merces
CEP 80510-360 - Curitiba/PR
Ficha catalográfica
Maria Dirce Botelho Marés de Souza
L799s Lobo, Luiz.
Saneamento básico : em busca da universalização / Luiz Lobo sp. - Brasília : Ed. do Autor, 2003.
228p.
Financiado pela Caixa Econômica Federal
ISBN: 85-903480-1-6
1.Saneamento básico. 2.Brasil. I. Título.
CDU 628(81)
AGRADECIMENTAGRADECIMENT
AGRADECIMENTAGRADECIMENT
AGRADECIMENT
OSOS
OSOS
OS
A Reginac, companheira de vida e trabalho, com
quem construí a experiência sistematizada neste
livro;
A Teresa, amiga sem a qual eu não teria conseguido;
A Lucia pelo apoio e críticas desde meu primeiro
momento no saneamento;
A Gina pelo apoio incondicional e,
Àqueles que, conosco, trabalharam em todos estes
projetos.
Este livro está sendo publicado graças ao interesse da Vice-
Presidência de Desenvolvimento Urbano e Governo e a Diretoria
de Parcerias e Apoio ao Desenvolvimento Urbano da
CAIXA -CAIXA -
CAIXA -CAIXA -
CAIXA -
Caixa Econômica FederalCaixa Econômica Federal
Caixa Econômica FederalCaixa Econômica Federal
Caixa Econômica Federal, na sistematização, difusão e divulga-
ção de tecnologias e metodologias apropriadas e de baixo custo
para a implantação de serviços urbanos e habitação, se
constituindo, nos dias de hoje, em uma das mais importantes
fontes de informação sobre esses temas no país.
APRESENTAÇÃO
A CAIXA, na condição de Banco de Desenvolvimento Urbano do Governo Federal,
atuando nos segmentos de habitação, saneamento ambiental e infra-estrutura ur-
bana, tem como uma de suas principais prioridades a busca permanente de novas
soluções que promovam a melhoria da qualidade de vida da população de baixa
renda.
O apoio e o incentivo a iniciativas voltadas para a implementação de ações que
incorporam inovações tecnológicas, na busca de soluções apropriadas que garantam
melhores resultados em termos de custos, qualidade ambiental e de impacto sobre a
saúde da população, consolidam o papel da CAIXA como o principal agente promotor
e disseminador de boas práticas no campo do desenvolvimento urbano.
Um dos bons exemplos de experiências bem sucedidas é o Sistema Condominial, de-
senvolvido e aperfeiçoado no Brasil e logo reconhecido internacionalmente. Este mo-
delo inovador de solução para problemas de gestão de serviços urbanos em geral, em
especial abastecimento de água e esgotamento sanitário, foi aplicado em países da
Ásia e da América do Sul, por intermédio do Banco Mundial. No Brasil, foi ampla-
mente utilizado na implementação do Programa de Saneamento Integrado (Prosanear),
o qual teve apoio de recursos originários do Banco Mundial e buscava aliar a implan-
tação de sistemas de saneamento básico a outras intervenções, como drenagem e
gestão de resíduos sólidos, além de incorporar obrigatoriamente a componente
envolvimento e participação comunitária” como item financiável de cada projeto.
A presente publicação relata algumas experiências, com os respectivos resultados,
com a aplicação do Sistema Condominial no Brasil e em outros países da América do
Sul. Ao avaliar os resultados das mencionadas experiências, comparando-os com o
quadro geral e atual do saneamento ambiental no Brasil, o livro aponta o Sistema
Condominial como uma alternativa que apresenta uma relação favorável em termos
de custo de implantação, operação e de manutenção.
É relevante destacar que o Sistema Condominial apresenta a importante caracterís-
tica de indutor de ações e de gestão integradas dos mencionados serviços urbanos,
tendo como pressuposto fundamental a participação da comunidade no processo
decisório, desde a fase de planejamento até a fase de implantação dos projetos. O
Sistema é um instrumento valioso para ser utilizado na implementação de políticas
públicas que tenham como norte básico a universalização dos serviços de saneamen-
to e o fortalecimento da participação das comunidades, estas como agentes ativos de
promoção de mudanças efetivas na vida da população.
Ao propiciar uma análise acurada dos resultados da implementação de Sistemas
Condominiais, este livro coloca à disposição do público subsídios valiosos para a for-
mação de uma nova visão de como disponibilizar, com eficiência e eficácia, serviços
urbanos essenciais à população de forma integrada, favorecendo a atuação, tam-
bém de forma integrada e na mesma direção, dos agentes públicos e privados.
Aser Cortines Peixoto FilhoAser Cortines Peixoto Filho
Aser Cortines Peixoto FilhoAser Cortines Peixoto Filho
Aser Cortines Peixoto Filho
Engenheiro, Mestre em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, atualmente é Vice-Presidente de
Desenvolvimento Urbano e Governo da Caixa Econômica Federal.
PREFÁCIO
20 ANOS DE HISTÓRIA
Vinte anos, já faz vinte anos que a engenharia sanitária brasileira se livrou das amarras
que restringiam os pensamentos e as obras de esgotamento ao que estava ditado por
parâmetros definidos no primeiro mundo. Estruturas de saneamento, que, implicita-
mente, pela sua complexidade (e custo), tinham a cara do desenvolvimento econômico
realizado, foram modificadas de modo a considerar a realidade das áreas urbanas não
atendidas, estas na sua maioria esmagadora de padrão habitacional precário e ocupa-
das por população pobre, com capacidade de pagamento reduzidíssima. As normas
técnicas de engenharia, estreitas e verdadeiros redutos do tradicionalismo, foram que-
bradas em favor do livre-pensar, que privilegiava o entendimento da realidade local,
para somente então se decidir sobre qual partido a se adotar, tendo como únicos par-
tidos apriorísticos a simultaneidade referente à realização das melhorias sanitárias, ao
atendimento a toda a população do projeto e à redução dos custos.
Inserir a população demandante no universo do atendimento foi a grande vitória, que
teve como tática aparente a chamada participação comunitária no entendimento da
necessidade do saneamento e mais, do próprio processo de decisão. Reuniões
horizontalizadas começaram a ser organizadas, lideranças políticas emergiram, pres-
sões mais articuladas sobre os órgãos de saneamento passaram a ser parte do dia-a-dia
do processo. Para desespero dos mais conservadores, a estrutura da mão-de-obra de
um projeto de esgotamento mudou qualitativamente, com a presença de jornalistas e
comunicadores, sociólogos e assistentes sociais, que vieram se juntar aos engenheiros,
que impotentes, assistiam à divisão do poder que até então detinham. Os mais inteli-
gentes, contudo, logo que se deram conta de que os resultados estavam sendo muito
positivos, com as taxas de ligação aos sistemas crescendo e chegando perto da totali-
dade, diferentemente do que ocorria nos sistemas tradicionais.
Feita entretanto por muito poucos, a segunda leitura do encontro povo-poder, costu-
rado pelo saneamento, reposicionava os personagens daquele teatro social e conferia
papel de quase protagonistas aos arquitetos urbanos, seja lá com qual profissão usa-
vam para entender e transformar positivamente a realidade sanitária das comunidades
pobres brasileiras. As novas medidas do saneamento ocuparam o espaço disponível
porque, pragmaticamente, também estavam em consonância com os padrões ofereci-
dos pelos demais componentes urbanos, inclusive os habitacionais, que já se haviam
adequado à resolução da equação principal da provisão às comunidades pobres, ou
seja, atendimento pleno e baixo custo, podendo flexibilizar-se apenas o nível do con-
forto oferecido aos usuários.
Foi com o olhar de curiosidade e de busca de soluções com que me ensinou o Arquiteto
e Urbanista Ned Echeverria, do Banco Mundial, com quem trabalhava na década de 80,
que passei a reenxergar a realidade sanitária das comunidades pobres urbanas e as
perspectivas de melhorias que podiam apresentar. Observar o quê de especificidades
positivas de que dispunham para, se necessário, aprimorá-las e utilizá-las, com isso,
melhorando o nível de aceitação dos programas de esgotamento era ganhar tempo e
economizar recursos, sempre muito escassos. Era interessante verificar que o mesmo
Banco Mundial, rigorosíssimo na aplicação de normas e padrões consagrados, para
obras de infraestrutura urbana, passava também a olhar com interesse os movimentos
que ocorriam no mundo não desenvolvido, com o sentido de se encontrar respostas
positivas para a inviabilidade financeira da expansão do serviço convencional do sane-
amento às áreas urbanas pobres.
No mesmo tempo, Brasil, na cidade de Campo Grande, MS, circunstâncias singulares
ocorriam: a presidência da empresa de saneamento do Estado, a Sanesul, ocupada pelo
Eng. Frederico Valente, tomava a decisão de enfrentar os problemas do esgotamento
sanitário para as áreas pobres; as características locais do solo, muito arenoso, faziam
que, de modo espontâneo e peculiar, a população urbana pobre usasse fossas absor-
ventes como sistema de esgotamento; o Banco Mundial, através do TAG – Grupo de
Assessoria Técnica (em saneamento) conferia apoio institucional e técnico ao trabalho;
e o autor deste livro, o Arquiteto e Urbanista Luiz Carlos Lobo, à ocasião morando em
Campo Grande, realizava, na Sanesul, as ações de inserção formal ao conjunto dos
equipamentos urbanos da alternativa sanitária adotada, devidamente aprimorada tec-
nicamente. Trabalhar institucionalmente com empresa de saneamento, em clima de
participação social intensa, e com sistema que não o de afastamento por rede, foi o
maior desafio já enfrentado pelo saneamento de áreas pobres urbanas no Brasil. Assim,
o sucesso alcançado conferiu aos executores da experiência a confiança para outros
embates, que o autor a utilizou posteriormente com sucesso tal que gerou a perspecti-
va de escrever este livro.
O título
esgotamento sanitário condominialesgotamento sanitário condominial
esgotamento sanitário condominialesgotamento sanitário condominial
esgotamento sanitário condominial
deu rótulo a outra série de ações que o
autor realizou no campo do saneamento e que, por todos os motivos, representa o
maior sucesso contemporâneo da engenharia sanitária brasileira em escala internacio-
nal. Este escriba, em meados dos anos 80, pode testemunhá-lo, por ocasião de uma das
Semanas da Água auspiciadas pelo Banco Mundial, quando o sistema condominial,
concebido pelo Engenheiro José Carlos Melo, foi, depois de longa luta, formalmente
aceito como alternativa intermediária para o saneamento, embora já tivesse larga apli-
cação no Brasil. O esgotamento sanitário passava a ter, então, uma opção que manti-
nha o padrão sanitário adequado obtido pelo sistema de redes convencionais, porém
permitia e, mais do que isto, estimulava a comunidade beneficiária a desenvolver ações
de organização social intensa, que seriam usadas para vários outros fins, inclusive os do
saneamento propriamente dito. Era o inusitado dialético: a consequência a estimular a
causa.
Todavia, a cada programa que o autor vai participando e descrevendo, vai o leitor tam-
bém verificando a importância relativa da chamada solução técnica, mesmo a
condominial, ainda que considerando o aparato social que esta demanda, frente ao
contexto institucional que a cerca. Com efeito, é notável, compreensível e meritório o
interesse da engenharia brasileira em contribuir com o seu saber para propiciar melhorias
do padrão sanitário das populações urbanas, que, ademais, dispõem dos serviços em
proporção infelizmente muito parecida com a iníqua desigualdade social e de renda
que nos assalta, ou seja: serviços adequados para extratos de situação socio-econômi-
ca superior e serviços de péssima qualidade ou mesmo inexistentes para os extratos
mais inferiores.
Feliz ou infelizmente a história nos certifica de que pouco mais pode a engenharia
tradicional do que baixar custos — é como o médico que, sozinho, pouco pode fazer
pela saúde pública sem a infraestrutura hospitalar. Nesse sentido, observa-se que os
sistemas condominiais progrediram muito ao incluir a tessitura social ao processo téc-
nico. Luiz Carlos Lobo, entretanto, avança ainda mais e afirma, já na introdução deste
livro, em vez de corriqueiras observações ufanistas e superficiais sobre a opção
condominial, que “para alcançar a universalização as propostas tecnológicas não são o
mais importante. É a falta do arranjo institucional que garanta a sustentabilidade dos
sistemas e sua condição de adaptação, regulação e controle social que pode determi-
nar o fracasso ou o sucesso de um programa”.
Augusto Sérgio Pinto Guimarães
Engenheiro sanitarista pela Escola de Engenharia da UFRJ, Sócio-Diretor da Empresa GAIA Engenharia
Ambiental Ltda. e Gerente de Negócios da Empresa de Consultoria HALCROW do Brasil Ltda.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO ................................................................. 18
CAPÍTULO I SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
ATUALMENTE... ............................................................. 28
Á
GUA X ESGOTO: UMA RELAÇÃO IGNORADA ................................... 31
O Plano Nacional de Saneamento ......................................... 34
Conclusões .................................................................... 42
EM BUSCA DE ALTERNATIVAS .................................................. 45
CAPÍTULO II  O SISTEMA CONDOMINIAL NA PRÁTICA
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS .......................................... 54
Dourados ......................................................................58
Angra dos Reis ................................................................ 66
Distrito Federal .............................................................. 77
Salvador ....................................................................... 81
A EXEPERIÊNCIA BOLIVIANA DE EL ALTO ....................................... 86
El Alto ......................................................................... 86
A Proposta .................................................................... 89
Objetivos ...................................................................... 89
Definição da Tecnologia Empregada ...................................... 91
Fases e Etapas do Projeto .................................................. 92
Aspectos Metodológicos ....................................................93
Análise de Resultados ....................................................... 94
ENCARTE AGORA ESTAMOS MUITO FELIZES.............................. 98
CAPÍTULO III LIÇÕES APRENDIDAS
LIÇÕES APRENDIDAS .......................................................... 164
Avaliação dos Resultados Institucionais .................................. 165
As Dificuldades da Gestão Compartilhada ............................... 174
O Paradigma Cultural ....................................................... 178
Fatores Econômicos ......................................................... 179
CAPÍTULO IV DESAFIOS DE UM NOVO MODELO
DESAFIOS DE UM NOVO MODELO .............................................. 184
Cuidados Especiais .......................................................... 188
CONCEITOS BÁSICOS DO NOVO MODELO ....................................... 189
Um Novo Contrato Social ................................................... 189
O Estabelecimento de Normas Claras .................................... 193
Identificação dos Componentes ...........................................193
Uma Proposta de Organização Social e Espacial .......................195
UMA NOVA PROPOSTA ........................................................ 198
Características do Modelo em Co-propriedade ......................... 199
Princípios e Definições Básicas ............................................ 200
Gestão Compartilhada ...................................................... 203
Elementos da Operacionalização do Sistema ........................... 205
Considerações Finais ........................................................206
GUIA BÁSICO ................................................................. 210
O Modelo Proposto .......................................................... 210
Recomendações Básicas para Implantação de um Sistema de
Esgotamento Sanitário em Regime de Co-propriedade ............... 213
INTRODUÇÃO
18
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
INTRODUÇÃO
As discussões atuais sobre o futuro do setor de saneamento colo-
cam como objetivo inadiável e desafio principal a busca pela
universalização da prestação dos serviços. Para atingir esse objetivo,
as propostas em debate se prendem mais às questões políticas, à
aprovação dos projetos de lei de saneamento, à titularidade sobre
os sistemas, às formas de financiar o setor e ao modelo de regulação
a ser adotado no país. Percebe-se claramente que existe e é quase
unânime a opinião de que o foco das discussões deve estar centrado
no modelo de regulação.
Entretanto, o equacionamento de todas as questões políticas não é,
por si só, suficiente para alcançarmos os resultados desejados em
relação ao atendimento de toda a população brasileira.
Continuamos, como a vinte anos atrás, enfrentando o mesmo desa-
fio da falta de recursos para implantação dos serviços. Os modelos
convencionais adotados, tanto na elaboração e implantação dos
projetos como na gestão dos sistemas, não oferecem soluções ca-
pazes de cumprir esse objetivo.
Datam da década de 80, coincidindo com a instalação do processo
de redemocratização do País, os primeiros esforços mais consisten-
tes na busca de alternativas tecnológicas, principalmente no que
diz respeito aos custos de implantação. Neste processo se inserem o
Comitê de Tecnologias de Baixo Custo da ABES - Associação Brasi-
leira de Engenharia Sanitária, o IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica
da USP - Universidade de São Paulo e o TAG - Technology Advisory
Group do PNUD/Banco Mundial, acompanhando e divulgando as
experiências que iam se desenvolvendo em todo o país.
Em março de 1983, os primeiros governadores eleitos democratica-
mente desde o golpe militar de 64 haviam sido recém-empossados.
Nessa época, as empresas estaduais de saneamento, em plena vi-
gência do Planasa, dominavam e detinham em seus quadros prati-
camente toda capacidade técnica disponível no país para o desen-
volvimento destas experiências. Os novos governos necessitavam
19
Introdução
de respostas para implantação de serviços nas áreas pobres das ci-
dades, notadamente as favelas, que não fizeram parte dos planos
de ação das empresas até então. Dentro do novo quadro político,
tornava-se imperioso desenvolver ações concretas visando a solu-
ção dos problemas de saneamento existentes nessas áreas.
Foi nesse contexto que iniciei minhas primeiras experiências em sa-
neamento, na Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul -
Sanesul, para atender as populações pobres com soluções adequa-
das para o abastecimento de água e disposição de esgotos sanitá-
rios. A orientação era clara: ouvir e buscar atender as reivindicações
populares.
Falava-se do pagamento da dívida social, da extensão dos serviços a
todos os cidadãos, com a preocupação de incluir aqueles historica-
mente excluídos. A expressão “universalização dos serviços” ainda
não era utilizada porque estávamos numa situação muito pior do
que estamos hoje. Na época, a reivindicação consciente, aquela que
chegava à empresa, era basicamente por abastecimento de água.
Neste quadro, minha tarefa específica era a de responder a essa
demanda.
É importante ressaltar que, naquele momento, o país não dispunha
de linhas de financiamento que estivessem desenhadas com este
propósito e, além disso, ainda era corrente o conceito de que uma
comunidade somente poderia ser atendida com serviços urbanos se
estivesse em situação fundiária regular. Ocupações e invasões de
terras não entravam na agenda.
Para isso, sem dispor de recursos específicos, foi necessário mudar a
forma de implantação e os materiais utilizados, buscando meios
para execução onde pudessem existir. Com este objetivo, foi
construída uma grande articulação inter-institucional, onde cada
secretaria contribuía na medida de suas possibilidades com recur-
sos, equipamentos e pessoal para a realização do programa.
A preocupação com o esgotamento sanitário, que não era, ainda,
20
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
uma reivindicação direta, correspondeu à necessidade de se prover
algum tipo de solução para o problema que passou a existir.
Correspondeu, também, à inclusão no nosso dia-a-dia de outros
atores nacionais que estavam discutindo esta questão. O primeiro
ator a se inserir foi o TAG, trazendo sua experiência em tecnologias
alternativas e de baixo custo para saneamento
1
.
A partir dessa contribuição, foram desenvolvidas diversas ações di-
retas com recursos de distintas origens e apoio técnico do TAG, pas-
sei a me envolver em movimentos nacionais recém-iniciados pela
Abes e pelo IPT, na discussão e experimentação de, respectivamen-
te, sistemas e processos para prestação de serviços de abastecimen-
to de água e esgotamento sanitário e desenvolvimento de equipa-
mentos sanitários com baixo consumo de água.
A principal contribuição destes atores foi a de criar um fórum para
discussão das iniciativas e experiências desenvolvidas Brasil afora,
incluindo soluções para o esgotamento sanitário com disposição
local em suas diversas formas, esgoto condominial para o afasta-
mento das águas residuárias através de redes e alternativas para
tratamento como lagoas de estabilização, reatores anaeróbios, etc..
Paralelamente à busca de alternativas técnicas, a participação da
comunidade ganhou força. Inicialmente, a proposta de participa-
ção se resumia em discutir a instalação dos serviços, na maneira de
fazê-los e nas dificuldades da empresa em atendê-los. Os progra-
mas que desenvolvi na Sanesul passaram a incluir a participação
direta da comunidade na discussão inicial e no trabalho de instala-
ção, em serviços que não demandassem nenhuma capacitação.
Contando com recursos de diversas fontes, esses programa estavam
baseados em projetos simplificados, redes de baixo diâmetro, utili-
zação de tubulação de polietileno de baixa densidade de fabricação
local e mão-de-obra comunitária. A proposta era bem aceita por
todos e tínhamos que despender um esforço mínimo para alcançar-
mos a participação da comunidade nos níveis demandados pela ação
proposta.
1. O papel do TAG era o de
difundir, adequando as
técnicas que trazia à
realidade nacional, estimular
a utilização e, se fosse o caso,
posteriormente transformar
iniciativas locais ou regionais
em programas de financia-
mento que seriam assumidos
pelo Banco Mundial. A
tecnologia mais difundida
por eles era a de disposição
local de excretas, em sistemas
tais como fossas secas (com e
sem separação de urina) e
absorventes (com a utilização
de arraste hidráulico e vasos
sifonados) muito utilizadas
na Índia e África e desenvol-
vidas no Brasil de acordo à
nossa realidade. Essas
tecnologias, apesar de já bem
conhecidas no Brasil tinham,
até então, seu uso restrito
quase que exclusivamente às
áreas rurais e não eram
consideradas como soluções
passíveis de adoção em um
ambiente urbano.
21
Introdução
Quando o programa decidiu abordar também o destino das águas
residuárias, a situação se complicou porque essa ainda não era uma
demanda direta da comunidade e sim uma preocupação do progra-
ma para não agravar o problema ambiental. A introdução de um
elemento que não era reconhecido pela população como problema
prioritário exigiu um trabalho muito mais elaborado do ponto de
vista de planejamento e organização do que o necessário para fazer
frente ao problema da água. Necessitávamos, por isso, de técnicas
de trabalho social que resultassem em mobilização efetiva, organi-
zação e participação.
Essas constatações ocorreram ao mesmo tempo em que no país, a
consciência da necessidade de ampliação drástica da cobertura com
serviços de saneamento e a quase unanimidade de que isto não
poderia ser alcançado com o modelo convencional, levaram ao de-
senho, em 1985, de um programa de financiamento, o Programa de
Saneamento para Populações de Baixa Renda – Prosanear.
Meu primeiro contato com esse programa se deu ainda na fase ini-
cial de desenho e manifestações de interesse por parte das compa-
nhias de saneamento e prefeituras.
Daí em diante, já na condição de consultor, minha trajetória esteve
ligada ao Prosanear. Para mim, que vinha de uma longa lida com
soluções alternativas, as novidades não provocaram mudanças na
forma de trabalhar e nas proposições técnicas. Sobre a mobilização
e participação da comunidade, não posso dizer o mesmo. Esse foi,
de fato, o grande diferencial, pois, pela primeira vez, tive que enca-
rar a questão da participação da comunidade no processo de uma
maneira técnica. Foi necessária a contratação de especialistas e o
desenvolvimento de uma metodologia e planos de trabalho com
objetivos e alcance definidos.
Os resultados foram extraordinários em relação aos anteriores. A
participação já não foi tão pontual como anteriormente, e seus re-
sultados extrapolavam os objetivos específicos da ação de implan-
tação de sistemas de saneamento.
22
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
O Prosanear na Sanesul, em março de 1992, ofereceu a oportunida-
de de desenvolvimento da primeira versão da metodologia
participativa que distinguiria esta proposta de outras empregadas
no âmbito do programa. Essa metodologia passou por um processo
de modificações, incorporando as experiências de cada novo proje-
to, principalmente na metodologia proposta para Angra dos Reis.
Utilizando técnicas construtivistas, a metodologia considera que a
implantação dos sistemas é um processo educacional que se dá atra-
vés da investigação, da educação participativa e da comunicação
popular
2
, baseada na “Pedagogia do Oprimido”, criada por Paulo
Freire
3
, e enriquecida com o enfoque da execução interdisciplinar e
avançando, posteriormente, na formulação do conceito de gestão
compartilhada, como foi na experiência desenvolvida na cidade de
El Alto na Bolívia
4
.
Na prática, o tipo de sistema proposto, seja pela forma de interven-
ção, seja pelas características do sistema implantado, implica mu-
danças institucionais que incluam esta nova forma de participação,
adaptando-se a ela. Os concessionários têm que abrigar, formal-
mente, os novos sistemas e suas práticas.
Neste processo, que podemos chamar de evolutivo, seguiram-se a
implantação do Prosanear de Angra dos Reis, no período de dezem-
bro de 1994 até maio de 1996. Depois disso e de algumas outras
experiências, fui contratado pelo Programa de Água e Saneamento
do Banco Mundial na Região Andina - cuja sede, à época, era em La
Paz, Bolívia – para elaborar a concepção técnica e dirigir a implan-
tação do projeto piloto de El Alto, o que foi feito no período de
junho de 1998 a dezembro de 2000.
A cada uma dessas etapas corresponderam aprendizados que se so-
maram, ampliando a compreensão das possibilidades da participa-
ção da sociedade na decisão e na gestão.
O grande aprendizado em Angra dos Reis, por exemplo, diz respeito
à necessidade de independência do executor do projeto em relação
ao poder executivo. Demonstrou a fragilidade das instituições mu-
4. Regina Arakakiryy e Luiz
Lobo sp, “Modelo de
Intervención Técnica y Social
para la Implantación de
Sistemas Condominiales de
Agua y Saneamiento” –
Programa de Agua e
Saneamiento/ Banco Mundial
- La Paz – Bolivia, septiembre,
1998.
2. Arakakiryy, Regina; Cortez,
Cacia; e Lobo sp, Luiz ;
“Metodologia Participativa
para Implantação de
Sistemas Alternativos de
Saneamento”, Woll
Consultoria e Projetos Ltda –
Campo Grande/MS, 1994.
3. Freire, Paulo - Pedagogia do
Oprimido, Rio de Janeiro,
1970. Editora Paz e Terra.
23
Introdução
nicipais que estão totalmente dependentes da boa vontade, hones-
tidade, espírito público ou qualquer uma qualidade pessoal do man-
datário da vez.
Demonstrou também, como fundamental, a construção de níveis
institucionais submetidos ao controle social e dispondo de inde-
pendência administrativa de forma a poder executar um planeja-
mento previamente definido. Em Angra, aprendemos que para al-
cançar a universalização as propostas tecnológicas não são o mais
importante. É a falta do arranjo institucional que garanta a
sustentabilidade dos sistemas e sua condição de adaptação,
regulação e controle social que pode determinar o fracasso ou o
sucesso de um programa.
Este foi o aprendizado da experiência do projeto piloto de El Alto.
Sua proposta e implantação foram totalmente distintas de todas as
outras. Sua concepção incorporou toda a experiência desenvolvida
anteriormente e propôs um alcance para a participação da comuni-
dade muito maior do que o que já havia sido proposto anterior-
mente.
As características encontradas em El Alto - uma empresa conces-
sionária privada e uma cultura administrativa extremamente for-
mal, exigindo acordos com regras claras - foram propícias para avan-
çar na concepção da co-responsabilidade do governo e da socieda-
de na solução de seus problemas, inclusive os de infra-estrutura, e
os elementos necessários para caminhar na direção da elaboração
da proposta apresentada ao final deste livro.
Essa circunstância nos colocou em uma posição ímpar, transfor-
mando uma situação aparentemente igual àquela que vivi em 1983,
na Sanesul, tanto em termos de práticas tecnológicas como da situ-
ação de cobertura dos serviços e que poderia gerar as mesmas solu-
ções encontradas naquela ocasião, em uma situação totalmente
diferente pelo fato de a empresa, sendo privada e regulada, ter me-
tas de cobertura a cumprir tanto em abastecimento de água como
em esgotamento sanitário.
24
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
O fato de a empresa ser privada, submetida a regulação e metas, é o
divisor de águas para que o corpo técnico de uma empresa mude
seu paradigma de “prestar serviços de saneamento a todos, desde
que praticando o que convencionalmente se considera a melhor
técnica” para “buscar a melhor técnica que nos possibilite prestar -
com qualidade, eficiência e o mais rápido possível - serviços de sa-
neamento a todos”.
Estas considerações nos remetem à responsabilidade do órgão re-
gulador em estabelecer um desenho institucional mais definido, que
guarde coerência entre as metas estabelecidas e o modelo propos-
to. Na experiência de El Alto as metas estabelecidas no contrato
assinado entre as partes e o modelo institucional e tecnológico pro-
posto eram incompatíveis e o resultado do projeto piloto foi o de
criar um modelo institucional e tecnológico que deu coerência a
estes dois elementos do contrato de concessão.
É isso que eu acredito ser possível fazer-se no Brasil como resposta
ao desafio da universalização, principalmente nas muitas cidades
que não dispõem de nenhuma solução institucionalizada e muitas
vezes de nenhum serviço público.O exercício da responsabilidade do
planejamento pelo poder local resgata sua participação na condu-
ção do desenvolvimento. Inclui a sociedade local e a ele mesmo em
um esforço e responsabilidade conjuntos de definição do modelo
de desenvolvimento a ser adotado naquela localidade. Acredito nis-
so e em que o desenvolvimento deste modelo institucional pode
contribuir para a superação do desafio do desenvolvimento nacio-
nal harmônico, como instrumento de criação de oportunidades para
a fixação das populações em seus locais de origem.
Não existe comunidade que não tenha como seu objetivo a auto
sustentação. Falando de cidades pequenas, espalhadas por esse país,
isto se aplica de forma ainda mais sentida. São comunidades que
não se inserem inteiramente no modelo de desenvolvimento que
está proposto para o país como um todo. Não se inserem e sequer
se assemelham ao modelo que vêem pela televisão os quais, teori-
camente, gostariam de reproduzir. Acredito que quando falamos da
25
Introdução
simples proposta de recuperar as condições de auto gestão, ou de
co-gestão das sociedades, recuperando os mecanismos de consulta
e decisão coletiva, estamos falando de resgate da dignidade, resga-
te da cidadania, resgate de muitas coisas difíceis de encontrar hoje
em dia.
O país dispõe hoje dos instrumentos jurídicos e do arcabouço legal
que podem dar às municipalidades as condições necessárias para
iniciar este processo e permanecer na sua condução e liderança,
que são o “Estatuto da Cidade” e a “Lei de Responsabilidade Fiscal”.
De minha parte pretendo com este livro contribuir, com o resultado
de toda a experiência aqui relatada, para a solução do problema do
saneamento nas cidades brasileiras, baseada em um modelo que
considera toda riqueza e diversidade nelas existentes, de maneira
viável e sustentável dos pontos de vista cultural, econômico-finan-
ceiro, tecnológico e ambiental.
O livro está organizado em 4 capítulos, além desta introdução, e
trata, no primeiro capítulo, do quadro atual do saneamento no Bra-
sil como forma de contextualização do problema. A seguir, relata no
segundo capítulo, algumas experiências brasileiras em sistemas
condominiais de esgotamento sanitário e a experiência do projeto
piloto de El Alto, buscando demonstrar características de concep-
ção e implantação de cada uma delas e identificar os sucessos e os
problemas ocorridos no processo de implantação e na operação dos
sistemas. No capítulo 3 se encontra uma avaliação destas experiên-
cias à luz do aprendizado contínuo que representou a implantação
destes projetos e as lições aprendidas no processo. No quarto e últi-
mo capítulo, os desafios que estas lições nos colocam no quadro da
situação atual para buscarmos a universalização dos serviços e o
que mais possamos alcançar.
CAPÍTULO I
SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
28
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
ATUALMENTE...
O Brasil é um país onde o saneamento e, principalmente, o esgota-
mento sanitário ainda são privilégios de poucos, passando ao largo
das periferias onde vive a maioria da população. No imaginário dos
moradores, a manilha, a vala, o córrego e a fossa que transborda
constituem o único sistema de esgoto conhecido. Mais da metade
dos domicílios urbanos em que a renda familiar varia entre meio e
um salário mínimo não conta com nenhum serviço de saneamento.
Mesmo sem considerar apenas as faixas de renda mais baixas, se-
gundo os últimos dados do IBGE a coleta do esgoto sanitário aten-
de, no total, apenas 40% da população e o tratamento não atinge
20% dos esgotos gerados. Esses dados tornam-se ainda mais dra-
máticos quando se considera que a existência da rede coletora de
esgoto, por si só, não assegura o acesso ao serviço para a população
mais pobre, que não dispõe, dentro das suas casas, das instalações
hidráulicas e sanitárias mínimas para se conectar ao sistema.
Domicílios por Renda com Serviços de EsgotosDomicílios por Renda com Serviços de Esgotos
Domicílios por Renda com Serviços de EsgotosDomicílios por Renda com Serviços de Esgotos
Domicílios por Renda com Serviços de Esgotos
O acelerado processo de urbanização que experimentamos a partir
da década de 40 transferiu para as cidades um imenso contingente
de população, mudando o perfil do país. Em 1940, a população ur-
bana que era de 12 milhões de habitantes poderia até enfrentar
problemas com o abastecimento de água, mas eram problemas pe-
quenos, considerando-se que essas 12 milhões de pessoas estavam
29
Saneamento Básico no Brasil
distribuídas por todas as cidades brasileiras. A falta de água era re-
solvida com pequenos sistemas de distribuição. A necessidade de
saneamento, principalmente no que se refere ao esgotamento sani-
tário - diferentemente da água, luz, pavimentação - não se apre-
sentava como uma demanda social.
PP
PP
P
opulação ropulação r
opulação ropulação r
opulação r
esidente, por situação do domicílio – 1940/2000esidente, por situação do domicílio – 1940/2000
esidente, por situação do domicílio – 1940/2000esidente, por situação do domicílio – 1940/2000
esidente, por situação do domicílio – 1940/2000
O panorama do saneamento básico urbano do Brasil do ano 2000
mostra que cerca de 14 milhões de pessoas ainda não são atendidas
por redes de abastecimento de água e 39 milhões de pessoas vivem
em domicílios não ligados às redes coletoras ou mesmo sem qual-
quer outra solução, nem mesmo de disposição local para seus esgo-
tos domésticos. Apesar das más condições sanitárias em que vivia e
vive a população urbana, sobretudo na periferia das grandes cida-
des, com o esgoto despejado nas manilhas de água pluviais, em
valas negras ou mesmo a céu aberto, causando doenças, mau chei-
ro e degradação ambiental, a pressão dos recém-chegados às áreas
urbanas ainda se concentra prioritariamente na obtenção dos ser-
viços de água e eletricidade.
Ante números tão grandes, a expansão da cobertura de serviços de
água e esgoto apresenta uma crônica defasagem, agravada pela
redução dos investimentos no setor que caíram de 0,34% do PIB
nos anos 70, para 0,13% nos anos 90
5
.
5. O Brasil, com renda per
capita em torno de
US$3.000/ano, tem enormes
limitações em gerar os
recursos demandados pelo
setor de saneamento,
resultando em parte daí o
quadro em que a coleta
chega a apenas 40% da
população e o tratamento
não chega a 20% dos
esgotos gerados. Por outro
lado, o alto nível de
urbanização de
adensamento populacional,
tem levado à degradação
dos corpos hídricos a um
nível tão elevado que afeta
gravemente a saúde de
grande parte da população,
impondo custos sociais
associados à queda da
expectativa de vida, gastos
com saúde e perda de renda
não adequadamente
mensurados. Gera-se um
impasse, o não investimento
em saneamento resulta em
custos para o país sob
forma de gastos com saúde
e redução de renda.
Aspásia Camargo e
Marilene Ramos M.
Santos, O Pensamento do
Setor de Saneamento no
Brasil: Perspectivas Futuras
– 2002 – SEDU -Brasília.
30
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
31
Saneamento Básico no Brasil
ÁGUA X ESGOTO: UMA RELAÇÃO IGNORADA
O abastecimento de água sempre foi uma emergência para as po-
pulações urbanas, mas quando esse abastecimento passa a existir,
provoca um aumento no volume de esgoto produzido: uma família
que se abastece por um poço sem bomba, que dispende grande es-
forço para dispor de água, tem um consumo muito menor do que
outra que tem a água disponível na torneira. No primeiro caso, o
esgoto resultante de um consumo mínimo de água também era
mínimo e soluções domiciliares, de disposição local, eram capazes
de resolver o problema.
A partir do final da década de 60, com a criação do Banco Nacional
da Habitação (BNH) foi realizado um grande esforço institucional,
técnico e de engenharia econômico-financeira para enfrentar de
modo mais eficiente o problema do abastecimento. Ainda assim,
quando a ONU declarou os anos 80 como a década da água, o Brasil
ainda estava muito aquém da universalização dos serviços.
O acesso à água potável, embora tenha aumentado muito, ainda
não alcançou a universalização porque é muito mais difícil e mais
caro estender o abastecimento público para as áreas periféricas. As
pressões por atendimento e o volume demandado são crescentes e
explicam porque a ação preponderante foi a de continuar atenden-
do principalmente a demanda por água, gerando o desastre que os
dados do IBGE comprovam.
Entretanto, a ampliação da oferta de água a domicílio, sem restri-
ções, torna a produção de esgoto muito maior, demandando solu-
ções complexas que fogem do alcance de cada família. Ainda assim,
a demanda por serviços de esgotamento sanitário, coleta de lixo e
drenagem urbana perdem força, por serem menos importantes do
que levar água para quem ainda não dispõe desses serviços e que
exige atendimento para poder sobreviver nas cidades.
O país, portanto, se encontra hoje em uma posição de déficit crôni-
co na prestação de serviços de saneamento, sempre correndo atrás
das emergências, respondendo a pressões e com baixíssima capaci-
32
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
dade de planejamento no setor. Esta situação se agrava pela falta
de sensibilidade demonstrada pela administração pública brasileira
para tratar do assunto.
Diferentemente do que em relação ao abastecimento de água, para
o esgoto a população encontra alternativas que, num primeiro mo-
mento, não comprometem inteiramente a sua qualidade de vida: os
rejeitos correm pelas ruas, infiltram-se no próprio terreno, são lan-
çados no rio ou no sistema de drenagem
6
. Com o passar do tempo,
essas soluções se tornam inviáveis porque, ao aumentar as concen-
trações humanas, o volume de esgoto é aumentado proporcional-
mente e já não desaparece facilmente.
A população pressiona para conseguir o que necessita para po-
der viver minimamente. No resto, ela dá um jeito. Numa favela
típica, por exemplo, uma favela do Rio de Janeiro, estabelecida
nas encostas dos morros, o rejeito produzido é simplesmente
expelido: a favela funciona como um organismo vivo qualquer,
que ingere o que necessita para sua sobrevivência e depois ex-
pele, com o mesmo sentido de sobrevivência, o que sobrou de
qualquer maneira.
O problema é que, quando os rejeitos se concentram em quanti-
dades que não são mais absorvidas pela própria natureza - quan-
do a capacidade de receber e depurar aqueles resíduos fica
sobrecarregada - o organismo deixa de funcionar. O que acon-
tece com a água que chega em uma favela? A água usada se
transforma em esgoto, a água da chuva se transforma em en-
xurrada e todos os rejeitos - orgânicos, de embalagens, de papel,
madeira - são expelidos encosta abaixo, até chegar no limite,
quando a própria encosta não agüenta mais e se dissolve, se
desagrega, desaba.
Além da absoluta falta de sincronia entre demanda e oferta de ser-
viços de saneamento, existe ainda um aspecto cultural que tem in-
fluência nesse quadro. A cultura rural é incompatível com a con-
6. A existência dos sistemas de
drenagem antes dos
sistemas de esgotamento
sanitário tem como origem
a questão institucional
oriunda, em parte, do
“Modelo Planasa”. A divisão
de responsabilidades entre
Prefeituras (assumindo a
responsabilidade pelos
sistemas de drenagem e
resíduos sólidos) e os
estados (assumindo a
responsabilidade pelos
sistemas de água e esgotos)
e as divergências entre estas
instâncias institucionais
resultam em deficiências de
planejamento e coordena-
ção de ações as quais
provocaram estes
descompassos.
33
Saneamento Básico no Brasil
centração urbana e as pessoas que vieram do campo para a cidade
não consideravam os rejeitos como um problema porque as solu-
ções que praticavam no campo não causavam qualquer impacto,
principalmente pela distância que separava as pequenas comuni-
dades ou mesmo cada domicílio. Essa percepção cultural gera um
comportamento de quase indiferença em relação ao esgoto, mes-
mo quando já não podem mais “dar um jeito”.
De modo geral, as pessoas não se dão conta de que precisam mudar
seu comportamento propondo e cobrando soluções institucionais
efetivas para esses problemas. Aparentemente, a população não tem
clareza do impacto ambiental e suas conseqüências na saúde, com-
preensão da possibilidade de solução e, principalmente, capacidade
organizativa ou cultura de organização para que isso possa ser re-
solvido. Some-se a isso centenas de anos de paternalismo absoluto
que leva a população, de modo geral, a sempre esperar que alguém
venha prover as soluções.
Na década de 70 o foco principal da discussão sobre saneamento
foi a disponibilidade ou não dos serviços. Aspectos como a qualida-
de dos serviços e, principalmente, os impactos sobre o meio ambi-
ente e os efeito da degradação ambiental sobre toda a sociedade,
não entravam em discussão.
O quadro se tornava ainda mais grave pelo fato de que as institui-
ções públicas só atuavam nas questões de saneamento básico na
medida exata das pressões existentes e de modo isolado, com resul-
tados marginais que afetavam mais a sua aparência do que propri-
amente sua essência. A aparência indicava, num primeiro momen-
to, que era preciso levar a água para a população, sem maiores con-
siderações sobre resultados e/ou conseqüências sobre o meio ambi-
ente. Em outro momento surgia o problema dos rejeitos, quando
não era mais possível infiltrar no sub-solo os esgotos ou deixá-los
correr pelas ruas.
Os limites desse processo se estabelecem quando a população per-
cebe que é preciso tirar os esgotos da frente de suas casas e passa a
34
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
pressionar por uma solução. Buscando o poder mais próximo, a pre-
feitura, os moradores das cidades solicitam o “manilhamento”, para
resolver a questão do modo mais simples e imediato. Na prática,
significa colocar todas as águas numa tubulação qualquer, “...fora
das nossas vistas, ainda que ao alcance de nossos narizes”
7
.
A população acredita nisto como uma solução sem entender que
essa manilha servirá apenas para eliminar a aparência do problema,
deslocando o esgoto, o lixo e a água da chuva para um ponto mais
abaixo, até que os moradores desse ponto mais abaixo passem, tam-
bém, a reivindicar o manilhamento. E tudo isso, em algum momen-
to vai parar num rio, freqüentemente o mesmo rio onde, à jusante,
a água é captada para abastecimento público de alguma outra co-
munidade. Aparentemente ninguém se dá conta de que muitas ci-
dades, ao longo daquele rio, estão reproduzindo o mesmo processo.
O Plano Nacional de Saneamento
Durante muito tempo, os serviços de saneamento foram mantidos
no âmbito municipal, com os departamentos de água e esgoto dis-
seminados por todo o país. As tarifas eram embutidas nos impostos
urbanos, gerando crônicas deficiências na arrecadação e na presta-
ção dos serviços, em sistemas sem sustentabilidade institucional e
administrativa. Na década de 60, dezenas ou centenas de departa-
mentos ou companhias municipais de saneamento atendiam, de
modo geral, os núcleos centrais das cidades, sem qualquer preocu-
pação com a universalização do atendimento. Em resumo, poucas
captações, ausência de controles operacionais, baixo emprego de
tecnologia e pequena parcela da população atendida. Para o res-
tante da população restavam as soluções caseiras.
O Brasil teve vários ciclos de planejamento, nenhum deles bem su-
cedido. Foram ciclos de produção de papel destinado às gavetas
porque sempre eram frutos da decisão de burocratas. Um dos gran-
des erros cometidos pelos sucessivos modelos adotados foi o de
considerar o planejamento como uma questão absolutamente téc-
nica, sem jamais envolver a participação das pessoas que sofrem os
7. Depoimento de morador do
bairro Monsuaba – Angra
dos Reis – RJ.
35
Saneamento Básico no Brasil
problemas que se pretende resolver teoricamente. Essa concepção
justificou, em grande parte, a adoção de soluções nacionais, como
foi o caso do Plano Nacional de Saneamento, o Planasa
8
.
Na questão do saneamento, principalmente no que diz respeito ao
abastecimento de água e à disposição final de esgoto, que ultrapas-
sam, com freqüência, os limites do município, tornou-se necessário
buscar uma forma mais abrangente de discutir o problema pois os
municípios brasileiros não dispunham - e ainda não dispõem - de
capacitação técnica para implementar os planos elaborados nos
gabinetes de Brasília. Nos maiores municípios do país existe capaci-
dade técnica de planejamento e execução, mas é preciso não perder
de vista a infinidade de municípios sem nenhum preparo para aten-
der as demandas. Isso inclui municípios com 500 ou 600 mil habi-
tantes, maiores que a maioria das cidades européias. Mesmo nos
grandes municípios brasileiros o problema se coloca pois as regiões
metropolitanas são constituídas também por pequenos municípios
sem condições para resolver sequer os problemas urbanos locais,
uma vez que são questões geradas na esfera metropolitana e que
precisam de soluções metropolitanas.
O Planasa surgiu para suprir as deficiências técnicas já identificadas
nos municípios, que provocavam a pulverização dos serviços, com
baixos índices de eficiência financeira e operacional. Com uma nova
concepção, baseada na centralização dos recursos e respaldada em
forte conteúdo técnico, visando, prioritariamente, expandir o abas-
tecimento público de água, a centralização do modelo de sanea-
mento ignorou algumas das questões fundamentais, como a im-
portância do município na articulação institucional, a convivência
entre contrários, as diferenças sócio-culturais regionais e as
disparidades climáticas e geográficas, gerando enormes dificulda-
des para sua implementação. Passou a prevalecer no país uma con-
cepção centralizadora de administração, que enaltecia a capacida-
de técnica, como se só o conhecimento técnico fosse suficiente e
tivesse a possibilidade de resolver os problemas do país. Com essa
certeza, o Planasa concentrava o planejamento e a aplicação dos
recursos do FGTS.
8. Institucionalizado pelo
Decreto-Lei 949, de 1969, o
Plano Nacional de
Saneamento utilizava
recursos do FGTS, através
do antigo Banco Nacional
da Habitação (BNH) para
financiar a implantação ou
expansão dos serviços de
saneamento básico. Com a
extinção do BNH, em
meados da década de 80, a
Caixa Econômica Federal
(CEF) assumiu seus
programas.
O Planasa proporcionou a criação de um corpo técnico com uma
concepção tecnicista de solução dos problemas, em nível nacional,
dentro do BNH e depois foram criadas estruturas técnicas em nível
estadual, com duas concepções básicas: 1) proporcionar a concen-
tração de recursos técnicos otimizando a capacidade de atuação do
pequeno número de profissionais capacitados em relação ao esfor-
ço que se pretendia realizar; e, 2) buscar equilíbrio econômico-fi-
nanceiro e sustentabilidade técnica-operacional na operação dos
sistemas. Assim foram criadas as empresas estaduais de saneamen-
to. Não há dúvidas de que a competência técnica do país se desen-
volveu muito a partir desse modelo.
Para viabilizar a ação das companhias estaduais e garantir o suces-
so do Plano, sua concepção continha a determinação de que ape-
nas as companhias estaduais, avalizadas pelos estados e com parti-
cipação em 50% dos FAE´s (Fundo Estaduais de Água e Esgoto),
poderiam acessar aos fundos do Planasa, fossem aqueles proveni-
entes do FGTS ou de operações de captação de recursos no exterior.
Assim, os municípios que tinham a titularidade dos serviços de sa-
neamento básico, passaram à condição de concedentes compulsó-
rios. Na concepção do Planasa a auto sustentação financeira do
setor baseava-se na capitalização progressiva dos FAE´s, através do
aporte dos recursos dos governos estaduais e, principalmente, dos
retornos dos empréstimos concedidos às companhias estaduais de
saneamento, de forma que ele viesse a cumprir seu papel que era
permitir às companhias expandir os serviços, de forma crescente ao
longo do tempo, com recursos próprios permitindo a saída do BNH
36
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
do sistema no futuro.
Nesse processo foram constituídas 27 companhias estaduais, res-
ponsáveis atualmente pelo atendimento a mais de 3.700 municí-
pios. Apenas 25% dos municípios brasileiros possuem sistemas com
gestão própria.
Teoricamente, o modelo era bem articulado, assegurando aos esta-
dos, através do sistema de concessão irrestrita, a titularidade sobre
os serviços de saneamento mantendo o poder de decisão e o con-
trole da qualidade dos serviços prestados pela participação dos
municípios nos conselhos deliberativos das empresas. Na prática,
isso não chegou a acontecer porque, em alguns casos como, por
exemplo, Curitiba e Recife nunca chegou a existir nem mesmo o
primeiro contrato de concessão e os conselhos com participação
efetiva dos municípios nunca se efetivaram e, de fato, o município
ficou alijado.
Minha experiência dentro de empresas era de que os municípios,
pressionados pela população e sem ter aonde recorrer para con-
seguir recursos para investimentos e sem capacidade técnica ins-
talada, agradeciam muito por não ter que participar mais desse
problema e, quando as pessoas vinham reclamar de água ou es-
goto, os prefeitos simplesmente remetiam o problema às com-
panhias estaduais. Muitos começaram a se comportar como se
houvessem tirado um peso de suas costas. E, na realidade, era
37
Saneamento Básico no Brasil
38
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
um peso porque, naquele época, sem estrutura técnica, sem as
condições tributárias e fiscais, de organização e de desenvolvi-
mento institucional necessárias para dar viabilidade financeira
ao serviço, o prefeito nunca conseguia fazer nada. E o Planasa
caiu do céu.
A estratégia definida pelo Planasa para atingir a universalização dos
serviços era a de usar a rentabilidade obtida pelos serviços de sa-
neamento nos municípios maiores para dar sustentabilidade finan-
ceira aos municípios menores, cujos sistemas não eram viáveis eco-
nomicamente. Nesse ponto, o programa não foi bem sucedido por
que a solução técnica era sempre a mesma não tendo havido, de
maneira geral, produção de tecnologias e de modelos de gestão di-
ferenciados, apropriados aos diversos tamanhos, economias, cultu-
ras, etc dos municípios.
Os fatores que mais escaparam do controle em relação ao modelo
foram: 1) a utilização política das empresas como fonte de
favorecimento e empreguismo e, 2) a gestão administrativa sem
qualquer responsabilidade social e fiscal. Foi a época das grandes
obras, das grandes empreiteiras. Todas as obras de saneamento eram
faraônicas, mobilizaram-se recursos muito além daqueles realmen-
te necessários para resolver os problemas urbanos, construíam-se
represas monumentais, obras alucinantes do ponto de vista do cus-
to e do investimento necessário, baseadas em cálculos de viabilida-
de econômica que, para dizer o mínimo, não espelhavam a realida-
de das empresas nem do relação despesas x receitas dos novos em-
preendimentos.
Assim foi sendo construindo uma ficção, sustentada em bases
tecnológicas modernas e aceitáveis mas, na realidade, criada pelas
grandes empreiteiras e pelos interesses que estavam por detrás de-
las. Foi neste ambiente que o Brasil desenvolveu sua capacidade
tecnológica para grandes modelos, construção de barragens, gran-
des adutoras, grandes estações de tratamento. Foi aí que se desen-
volveu definitivamente a preferência pelo modelo de concentração
39
Saneamento Básico no Brasil
das captações de água, com a construção de grandes barragens, e
das estações de tratamento de água e de esgotos.
Um caso emblemático no país é o Sanegran
9
, em São Paulo, onde
uma obra gigantesca, que custou uma quantidade enorme de di-
nheiro, foi construída sem propósito algum porque o sistema coletor
e de transporte dos esgotos simplesmente não existia. Como esse,
outros elefantes brancos surgiram em todo o país, em muitos casos
obras de tecnologia complexa em regiões cuja manutenção era muito
difícil. Muitos desses sistemas caríssimos deixaram de operar em
pouco tempo por falta de manutenção.
Em obras para abastecimento de água (por exemplo, grandes repre-
sas para captação), esses grandes investimentos não foram total-
mente perdidos porque o serviço de abastecimento de água é mais
simples e um bom programa de controle operacional pôde garantir
o uso adequado da estrutura. No caso do esgoto, porém, envolveu a
construção de sistemas incompletos, com grandes investimentos
na construção de estações de tratamento e, no máximo, de emissá-
rios. O restante da obra - interceptores, estações elevatórias, coleto-
res e a rede para conectar tudo isso -, não era construído porque
não oferecia a mesma rentabilidade para as construtoras ou porque
já não haviam recursos. Foram construídas imensas estruturas de
tratamento no país que nunca trataram um milímetro cúbico de
esgoto e essas estruturas evidentemente se perderam.
É verdade que o corpo técnico do BNH resistiu a esse procedimento
e começou a criar constrangimentos para a realização de obras
indiscriminadas. Em 1981 foi criado o Plano Estadual de Controle de
Perdas - Pecop, pela percepção de que os sistemas estavam sendo
operados sem nenhuma racionalidade. Todo o esforço e o investi-
mento estavam concentrados na produção porque o dinheiro era
muito fácil, havia uma quantidade de recursos quase que intermi-
nável ofertados pelos organismos internacionais. A operação e a
manutenção não eram levadas em conta e havia estimativas de que
as perdas no sistema chegavam a 50, 60 e até 70%. Na verdade,
essas perdas criavam um círculo vicioso porque justificavam, cons-
9. O Sanegran - Projeto de
Saneamento para a Grande
São Paulo, implantado em
agosto de 1977 foi dividido
em duas etapas, sendo que
a primeira foi sub-dividida
em duas fases. A primeira
fase previa o tratamento de
15.100 litros de esgoto por
segundo e deveria estar
concluída em 1983. Todavia,
em 83, após o investimento
de mais de 1 bilhão de
dólares, o SANEGRAN passa
a tratar apenas 120 litros de
esgoto por segundo, isto é,
menos de um por cento da
meta prevista.
“OS ESGOTOS DE SÃO
PAULO E O SANEGRAN” -
www.abcdaecologia.hpg.ig.com.br.
40
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
tantemente, a ampliação do sistema para cobrir as perdas. Não se
expandia o sistema para aumentar a quantidade de usuários aten-
didos e sim para repor o que se perdia. O Pecop tinha por objetivo
romper esse círculo e em 1984 foi reformulado e evoluiu para o
Programa de Controle Operacional e Desenvolvimento Institucional
tendo sua abrangência ampliada a partir da percepção de que uma
ação global de planejamento, controle e desenvolvimento
operacional não somente reduziriam as perdas mas promoveriam
ganhos incrementais em todas as áreas. No âmbito deste programa
foi criado, além de mecanismos mais sofisticados de monitoramento,
o número 195, implantado em todo o Brasil para o atendimento ao
usuário. Enfim, lembraram-se de que o usuário existia.
Ao lado dessa compreensão do corpo técnico do BNH, houve gran-
de redução dos recursos disponíveis, aumentando a necessidade de
aproveitá-los de modo mais efetivo. De certo modo, isso coincide
com o final da ditadura e o aumento da democracia, da participa-
ção da sociedade e, neste cenário, a atuação do Pecop ganha força
e uma nova dimensão. As conseqüências desse processo podem ser
observadas hoje, pois os técnicos sérios passaram a ser ouvidos, a
recusar projetos inadequados e a interferir mais nas tecnologias
utilizadas. Enfim, o país pôde ter uma outra visão a respeito de todo
o sistema.
Mais tarde, em 1986, com a extinção do BNH, desapareceu também
o Planasa. Este foi um episódio lamentável e de triste memória -
não tanto pela extinção propriamente dita, mas pela forma como
ocorreu (antidemocrática, sem discussão pela sociedade mas prin-
cipalmente por esconder suas verdadeiras motivações) - já que aquele
foi o melhor arranjo institucional que o país já teve na área do de-
senvolvimento urbano
10
. O Planasa dispunha dos recursos (e o BNH
detinha o poder sobre) do FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço - e de todos os recursos humanos e institucionais desenvol-
vidos ao longo dos quase 20 anos de sua existência. Ao ser extinto,
não foi substituído por nenhuma instituição, ou um conjunto delas,
com capacidade para continuar a operar este sistema ou mesmo
assumir a realização de uma transição deste para outro modelo,
10. Apesar de o BNH ter sido
um Banco de Desenvolvi-
mento Urbano, é necessário
destacar que seus
programas não atuavam de
forma coordenada
promovendo o desenvolvi-
mento urbano e sim em
ações isoladas.
41
Saneamento Básico no Brasil
mais democrático. O desenvolvimento urbano (uma vez que o BNH
também era responsável pela execução do Planhab – Plano Nacio-
nal de Habitação) ficou sem seu agente de fomento por excelência
e, o que é mais grave, as empresas de saneamento que eram, mal ou
bem, reguladas pelo BNH, passaram a operar sem nenhuma regulação
e praticamente nenhum suporte econômico para a realização de
seus planejamentos estratégicos
11
.
Apesar de tudo, é inegável a expansão dos serviços de saneamento,
sobretudo no que diz respeito ao fornecimento de água que, antes
do Planasa, era precário na maior parte das cidades do país. O cres-
cimento perdeu força nos últimos tempos porque, além de menos
recursos disponíveis, o atendimento atingiu um nível de cobertura
em que é muito mais difícil avançar percentualmente. É relativa-
mente fácil sair de um atendimento de zero para cinqüenta por
cento da população, mas passar de noventa e cinco para noventa e
oito por cento é muito mais difícil porque se trata de atingir popu-
lações carentes mais dispersas, atender a franja.
O processo de redemocratização do país ensejou o surgimento de
uma discussão bastante profícua sobre como aumentar cobertura,
sobre atendimento às populações pobres em áreas invadidas, enfim
a discussão de como alcançar efetivamente os objetivos do sanea-
mento e a extensão desses serviços a toda população. Como resul-
tado, várias iniciativas de desenvolvimento de novas tecnologias, e
formas de implantação de obras foram levadas a cabo no intento de
diminuir custos e aumentar a eficiência dos recursos investidos. Este
movimento se refletiu na Associação Brasileira de Engenharia Sani-
tária, a ABES, na criação do “Comitê de Tecnologias de Baixo Custo”,
com a participação daqueles profissionais mais preocupados com a
solução efetiva dos problemas. Foi aí que começou a se falar, por
exemplo, de garantir a existência de instalações intra-domiciliares e
da necessidade de adequação das instalações que as pessoas ti-
nham dentro de suas casas para que pudessem usufruir e se conectar
a um sistema público.
O comitê também introduziu a discussão de sistemas e processos de
11. A CAIXA como substituta do
BNH, assumiu suas linhas
de financiamento mas não
o papel de organizador e
regulador do setor, tendo
sofrido com a dispersão de
seu corpo técnico e,
também pela CAIXA ter
características
marcadamente de banco
comercial (características
essas que têm se acentuado
ao longo do tempo). Além
destes fatores, colaborou
para o enfraquecimento do
desempenho do setor como,
por exemplo: 1) a
desvinculação direta da
utilização dos recursos do
FGTS para as finalidades até
então estabelecidas, 2) a
inclusão dos recursos
destinados à habitação e
saneamento passaram a
participar do conjunto de
recursos passíveis de
contingenciamento para
alcançar a redução dos
desequilíbrios fiscais e por
último, 3) a elaboração da
política de saneamento, à
época, passou para a
responsabilidade do
Ministério da Saúde.
coleta e tratamento de esgotos não convencionais e a incorporação
de fossas aos sistemas públicos, passando a abordar temas mais afi-
nados com a realidade, como a questão do consumo reduzido. Ao
mesmo tempo, criou condições para que as empresas que atuam no
setor investissem em tecnologias adequadas, como vasos sanitários
e caixas de descarga reduzida (com menor volume de reservação
para serem acopladas aos vasos sanitários de descarga reduzida -
VDR que funcionavam com menor vazão), torneiras e chuveiros de
pequeno volume, torneira com temporizador. Foi nesse contexto que
surgiu e se fortaleceu a proposta do “esgoto condominial”.
Conclusões
Em termos de saneamento básico, o Brasil vive numa situação ab-
solutamente desconfortável, mesmo dispondo de um sistema de
abastecimento público de água implantado na maior parte do país,
faltando pouco para atingir a universalização do atendimento. Do
ponto de vista operacional o modelo atual reflete, ainda, a situação
inicial, quando o Planasa financiava tudo, inclusive a operação, em
uma época em que os recursos arrecadados com as prestações de
serviços não eram, e nem precisavam ser, suficientes para a
sustentabilidade dos sistemas.
As companhias não precisavam apresentar resultados positivos por-
que tudo era financiável, haviam programas de financiamento de
desenvolvimento institucional, controle operacional, de construção,
ampliação, implantação e melhoria. Esse procedimento sistemático
42
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
foi responsável pelo acúmulo de uma dívida extraordinária. O resul-
tado foi que todas as companhias do país ultrapassaram, em muito,
sua capacidade de endividamento.
Esse modelo não resistiu ao ajuste fiscal. As empresas precisaram
ser saneadas e para isto suas dívidas foram absorvidas pelos gover-
nos estaduais que também, endividados, passaram a exigir das com-
panhias de saneamento uma administração mais responsável. É bem
verdade que os próprios governadores estaduais foram obrigados,
em certa medida, a deixar de utilizar a estrutura das empresas como
instrumento político. Com isso, o sistema passou a ter um pouco
mais de racionalidade. Não podemos esquecer, entretanto, que os
princípios básicos desse modelo - que foi aplicado também às com-
panhias de habitação, energia etc e deu origem à imensa dívida
pública brasileira - continua influenciando o desenho dos serviços
de saneamento no Brasil, marcados pela centralização do planeja-
mento e das decisões.
Não se trata de um bom modelo, uma vez que continua replicando
as mesmas soluções concebidas e usadas durante a ditadura. A es-
trutura tarifária - pela qual o cálculo da tarifa considera todas as
despesas operacionais, incluindo o serviço da dívida, os custos
operacionais e os custos de exploração do sistema - é exatamente a
mesma desde o início do Planasa, injusta e ineficiente. Desse modo,
havendo qualquer desequilíbrio da receita da empresa, o resultado
negativo é incorporado à tarifa. Como não existe nenhuma regulação
ou controle social sobre a prestação dos serviços que estimulem e
43
Saneamento Básico no Brasil
44
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
induzam o aumento de eficiência e produtividade, com a extensão
dos conseqüentes benefícios à sociedade, as empresas não demons-
tram qualquer interesse em modificar seus padrões operacionais e
administrativos.
O país democrático herdou essa burocracia construída durante o
regime militar e difundida para todas as empresas. Não seria má
idéia considerar a possibilidade de mudar o modelo institucional
sobre o qual estamos desenvolvendo essas hipóteses. Não se trata
apenas da discussão sobre a titularidade sobre os serviços mas da
definição de alternativas de modelos de gestão que possam ser uti-
lizados pelos municípios, principalmente aqueles de menor porte
com menos recursos financeiros e técnicos, de maneira a oferecer
opções sustentáveis de acordo à diversidade cultural e variedade
geomorfológicas e climáticas das cidades brasileiras.
45
Saneamento Básico no Brasil
EM BUSCA DE ALTERNATIVAS
Uma das maiores dificuldades para estender os serviços de esgoto
para a população de baixa renda das cidades brasileiras é, sem dúvi-
da, o paradigma técnico
12
historicamente adotado para o setor, com
enfoque tecnicista, afastado da realidade das comunidades pobres
e da função social de prover soluções técnicas adequadas aos pro-
blemas da sociedade. Nesse processo de distanciamento, os técni-
cos assumem o papel de apenas elaborar a melhor solução técnica
e, na falta de recursos para implementá-la, o problema simples-
mente é transferido para a esfera governamental, sem levar em conta
a possibilidade de adoção de soluções alternativas e apropriadas
aos recursos disponíveis.
O Sistema Condominial foi desenvolvido no Brasil a partir do início
dos anos 80. Sua conceituação inicial se produziu a partir da obser-
vação de uma prática muito comum nas cidades brasileiras, adota-
da por grupos de moradores vizinhos para afastar as águas servidas
de suas casas. Para afastar o esgoto das casas, costuma-se improvi-
sar uma rede comum a todos, passando pelas propriedades sempre
com traçado mais econômico e levando em conta o interesse de
cada um dos moradores, até chegar a um ponto de descarga, nor-
malmente um riacho ou o sistema de drenagem pluvial de alguma
rua.
Na realidade, o desenvolvimento desse sistema não representou
nenhuma novidade na tecnologia empregada, mas inovou na solu-
ção institucional adotada, baseada nos princípios de organização e
participação das comunidades no desenho, na implantação, opera-
ção e manutenção parcial dos sistemas.
Dentro desse novo marco institucional, o sistema condominial tem
sido implantado em contraposição ao sistema convencionalmente
utilizado, com uma significativa redução nos custos de implanta-
ção, operação e manutenção, criando as condições necessárias para
a universalização da prestação dos serviços.
A aplicação institucional desse sistema se iniciou no Brasil em 1980,
12. o paradigma técnico como
adotado se refere ao reflexo
institucional do pensamen-
to segundo o qual os
serviços públicos são
responsabilidade do estado
e sua solução deve ser
encaminhada e provida pelo
estado a partir da exclusiva
ação governamental.
46
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
com as experiências feitas pela Companhia de Água e Esgoto do Rio
Grande do Norte -Caern, a partir dos conceitos desenvolvidos pelo
engenheiro José Carlos Melo
13
, que tornavam indispensáveis a
mobilização e participação intensiva dos possíveis beneficiários.
José Carlos Melo tem o mérito indiscutível de ser o primeiro enge-
nheiro do setor de saneamento a observar cuidadosamente a solu-
ção adotada pela população para, incorporando este conhecimen-
to, propor soluções mais adequadas aos seus problemas de esgota-
mento sanitário.
Em seu livro “Sistema Condominial de Esgotos – Razões, Teoria e
Prática” publicado pela Caixa Econômica Federal em 1994, Melo faz
um diagnóstico duro da questão:
“A problemática social brasileira dá sinais claros, a cada dia, do es-
gotamento de modelos que historicamente vinham sendo utiliza-
dos para dotação de bens e serviços de caráter público. E esta ques-
tão, claramente revelada pelos déficits de atendimento e suas con-
seqüências sócio-econômicas e ambientais, traz consigo, além dis-
so, indicações bastante concretas que apontam para a existência de
problemas estruturais nos atuais regimes em curso. Revelados de
forma mais diretas através de outro déficit - o de escassez de recur-
sos públicos face aos investimentos demandados em vários setores
- eles têm duas raízes relacionadas, contudo, a aspectos políticos e
culturais, presentes nas formas de se proceder aos serviços, princi-
palmente no que tange a fatores tecnológicos, aos processos pro-
dutivos e aos agentes promotores, colocados frente à explosão
demográfica urbana que caracterizou as duas últimas décadas. E
também, no outro lado, ao estado de pobreza de grande parte da
população, para fazer face a investimentos ou pagamentos por tais
serviços.”
Na ausência de soluções oficiais, a necessidade de resolver o proble-
ma, segundo Melo, leva a própria comunidade a buscar soluções
alternativas para o problemas, as quais, por sua parcialidade, “ten-
dem a apenas esconder o problema principal e distrair a atenção de
13. Melo, José Carlos - em;
Sistema Condominial de
Esgotos , Razões, Teoria e
Prática. CEF, Brasília 1994.
47
Saneamento Básico no Brasil
sua solução efetiva”.
Melo distingue claramente duas situações no cenário dos serviços
de saneamento básico nas cidades brasileiras: “uma primeira, onde
os efluentes de esgotos das residências, passando (ou não) por al-
gum tipo de fossa e não absorvidos pelo terreno, são invariavel-
mente lançados nas ruas. O quadro assim formado constitui o ce-
nário mais atrasado, nas cidades, quanto à problemática dos esgo-
tos sanitários, e que deve cobrir, hoje, uma quarta parte das áreas
urbanas, abrangendo cerca de 30 milhões de habitantes.”
A outra situação, “resulta de um pacto surdo entre a população
(que quer afastar o problema do local de sua residência), a compa-
nhia estadual (que embora detendo a concessão nada encaminha
como solução) e a prefeitura (que enxerga na pavimentação das
ruas a sua melhor realização). Do ponto de vista dos esgotos, o que
se produz nesse pacto é como se fora um sistema unitário das águas
pluviais e residuárias, ao ensejo do objetivo maior da solução que é
a pavimentação das vias”.
14
Esta, segundo Melo, é a solução que
vem grassando nas cidades brasileiras, como que escondendo o
problema no asfalto e agravando a poluição dos recursos hídricos.
Com base nesse diagnóstico, Melo propôs - e colocou em prática - o
sistema condominial, apoiado “na adoção de um processo de parti-
cipação comunitária associada ao uso de tecnologia apropriada para
produzir soluções adequadas de saneamento. A primeira desenvol-
ve a cidadania e favorece a mobilização de recursos importantes ao
processo de dotação do sistema físico, na medida que permite in-
corporar energias das comunidades em favor de uma solução para
demandas essenciais à vida. A segunda, por seu turno, proporciona
simplicidade de operação e manutenção, flexibilidade na implanta-
ção e economia de até 65% relativamente aos custos de implanta-
ção de sistemas de esgotos sanitários ditos convencionais utiliza-
dos no Brasil, graças às menores extensões, profundidades da rede
coletora e a concepção de micro-sistemas descentralizados de cole-
ta e processamento final.”
15
14. Idem.
15. Idem.
48
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
O nome adotado não está vinculado apenas da tomada do quartei-
rão urbano (e não de cada lote individualmente), como unidade de
atendimento, mas também do caráter de participação comunitária
ali presente, do que decorre a perspectiva de transformação dessa
unidade em um condomínio, à semelhança do que ocorre num edi-
fício de apartamentos.
Com base nessa nova proposta, foram implantados dezenas de pro-
jetos no Rio Grande do Norte, onde está presente em 26 dos 145
municípios abastecidos por água pela Companhia de Águas e Esgo-
tos do Rio Grande do Norte – CAERN.
A discussão sobre sistemas alternativas de esgotamento sanitário
foi ampliada, ainda na década de 80, no Comitê de Tecnologias de
Baixo Custo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, com apoio
do BNH. Quando o governo federal lançou, em parceria com o Ban-
co Mundial, o Projeto de Água e Saneamento para a População de
Baixa Renda , o Prosanear, o sistema condominial já era largamente
discutido no país.
Lançado em meados da década de 80, o Prosanear incluiu, pela pri-
meira vez em grandes programas nacionais, a possibilidade de utili-
zação de tecnologias alternativas de saneamento. Uma das primei-
ras experiências do Prosanear no Brasil, executada como projeto
piloto com recursos a fundo perdido , aconteceu em 1987, em Cam-
po Grande, Mato Grosso do Sul. A partir 1990 o Programa
deslanchou
16
e foi implantado em diversos estados brasileiros.
Além de abrir espaço para a utilização de tecnologias alternativas, o
programa também inovou ao considerar aspectos do saneamento
ambiental como necessários à complementação de saneamento
básico. Foi a primeira linha de financiamento que incluiu, na im-
plantação de um programa de saneamento básico, outros compo-
nentes além de água e esgoto, como drenagem, micro-drenagem,
resíduos sólidos, e instalações intradomiciliares. Apesar de limitar
em 10% do total dos recursos os valores destinados aos componen-
tes complementares, foi o primeiro programa de saneamento do
16. Prosanear “Um Caminho
para a Agenda 21” – Grupo
de Monitoramento e
assistência Técnica ao
Prosanear – CAIXA –
Brasília, março 1995.
49
Saneamento Básico no Brasil
país a integrar os serviços de saneamento com recomendação ex-
plícita do financiador para que fossem utilizadas tecnologias ade-
quadas, apropriadas e alternativas, dentro do seu manual operativo.
Na verdade, a indução para o uso de tecnologia de baixo custo se
dava também através dos limites de custos estabelecidos, fixados
em US$90 per capita para a água potável e US$140 para o esgoto,
cerca de três vezes menor do que os custos aceitos na época para os
sistemas convencionais. De fato, o Manual Operativo do Prosanear
não fazia nenhuma distinção entre tecnologias, simplesmente esta-
belece que sua execução deve se dar com tecnologias alternativas
apropriadas e limita o custo, obrigando os interessados a buscar
soluções realmente alternativas, uma vez que é impossível adequar-
se áqueles valores dentro dos modelos convencionais de saneamento.
A partir das primeiras experiências, o Prosanear se expandiu como
alternativa na implantação de sistemas de esgoto para populações
de baixa renda em bairros periféricos de cidades brasileiras. Com
recursos da ordem de US$100 milhões, o Prosanear levou serviços
de água e de esgoto a comunidades pobres de 15 cidades brasilei-
ras, entre 1990 e 1996. Entre as cidades que implementaram o sis-
tema condominial estão Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Doura-
dos, no Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro/RJ.
Promovendo mudança na concepção do traçado e dimensionamento
das redes coletoras, no conceito de tratamento dos efluentes por
bacias de contribuição e de algumas alterações nos processos de
dimensionamento (que no caso do Brasil já estão incorporados às
Normas Técnicas), o Prosanear obteve expressiva redução de custo
de implantação e abriu a possibilidade de ampliar o atendimento,
estendendo os serviços a uma população que chega a ser até três
vezes maior do que aquela que poderia ser atendida com os mes-
mos recursos com a utilização dos sistemas convencionais.
À medida em que as experiências foram se desenvolvendo, o siste-
ma ganhou novas características, como a possibilidade de partici-
pação dos moradores nos trabalhos de construção da rede e a intro-
dução de práticas de educação sanitária e ambiental, educação para
50
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
o uso da água e do próprio sistema. Com isso, o Sistema Condominial
adquiriu diferentes formas, principalmente no que concerne à mai-
or ou menor participação popular na construção e gestão dos siste-
mas.
No caso do Distrito Federal, que adotou o Sistema Condominial com
o objetivo de atingir a meta de universalização dos serviços de es-
gotamento sanitário, foram introduzidos alguns procedimentos ino-
vadores para assegurar os recursos necessários à expansão do siste-
ma. “A receita proveniente da cobrança da taxa de ligação de esgo-
tos deixou de ser utilizada no custeio da empresa, a partir de 1995,
e passou a alimentar uma conta, espécie de fundo, destinada ao
financiamento da expansão dos serviços, contribuindo para viabilizar
financeiramente o esforço de universalização do atendimento.” Em
1996, “foi instituído o Fundo de Recursos para Investimentos em
Água e Esgotos - FRINAE, composto de um percentual da receita
tarifária, atualmente cerca de 1,1%, acrescida de toda a receita ori-
ginária das taxas de ligações de água e de esgotos.
Esse fundo dá sustentação ao programa de expansão em curso, as-
segurando, juntamente com financiamentos originários, principal-
mente, do FGTS/Caixa Econômica Federal e do Banco lnteramericano
de Desenvolvimento - BID, os recursos necessários para a
universalização dos serviços”
17
. Na verdade, a concepção de enge-
nharia do Sistema Condominial permite reduzir custos em todos os
sentidos: extensão e diâmetros de tubulações, escavações, materi-
ais básicos, utilização de escoramentos, etc. Essa redução não se
traduz apenas em benefícios à população atendida, mas também
possibilita a ampliação da cobertura de água potável e esgoto sani-
tário sem que seja necessário aumentar o investimento projetado.
A participação do Banco Mundial no desenvolvimento do sistema
condominial se deu através do Programa de Água e Saneamento,
uma linha de ação do banco financiada com recursos da coopera-
ção multilateral. Os bons resultados da experiência brasileira, em
especial no âmbito do Prosanear, levaram os técnicos do Banco a
propor modelos semelhantes de financiamento a outros países.
17. Nazareth, Pery - “Sistemas
Condominiais de Esgotos e
sua Aplicação no Distrito
Federal” - CAESB - Brasília
DF - Junho de 1998.
51
Saneamento Básico no Brasil
O governo boliviano manifestou interesse em desenvolver um pro-
jeto piloto para a implantação de uma proposta de saneamento
básico que utilizasse tecnologias alternativas, com a intenção de
subsidiar um modelo de programa adequado às condições locais.
Foram apresentadas várias alternativas, baseadas nas diferentes ex-
periências do Prosanear
e a opção escolhida foi a do sistema
condominial. O projeto piloto foi implantado na comunidade de El
Alto, no altiplano boliviano, cidade vizinha (na realidade conurbada)
a La Paz, incorporando diversos elementos das experiências brasilei-
ras e complementado com inovações adequadas às características
locais. A experiência de El Alto enriqueceu muito o modelo do Siste-
ma Condominial e deverá ter forte influência em novos projetos
brasileiros.
Atributos do Sistema Condominial”Atributos do Sistema Condominial”
Atributos do Sistema Condominial”Atributos do Sistema Condominial”
Atributos do Sistema Condominial”
A estratégia para a universalização dos serviços de saneamento
básico deve buscar a redução do valor dos investimentos por
meio da adequação tecnológica e, simultaneamente, do aporte
de novas energias e recursos em favor da solução, promovendo
a inclusão de novos agentes no processo. Para tanto, o modelo
deve ter alguns atributos básicos inseparáveis:
PP
PP
P
articipação comunitária articipação comunitária
articipação comunitária articipação comunitária
articipação comunitária nas decisões e ações, como um di-
reito e um dever do cidadão, que precisa participar da solução
dos problemas do seu próprio interesse e de sua comunidade;
Adequação à rAdequação à r
Adequação à rAdequação à r
Adequação à r
ealidadeealidade
ealidadeealidade
ealidade, por meio de um esforço permanente
para conhecimento da realidade local, com suas especificidades
e experiências físicas e organizacionais, de modo a estabelecer
soluções nos limites das potencialidades reais dos recursos fi-
nanceiros, humanos e naturais disponíveis;
GrGr
GrGr
Gr
adualismoadualismo
adualismoadualismo
adualismo, tendo como prioridade a abrangência das solu-
ções, para o mais imediato atendimento de todos por um pa-
drão básico de serviços, e o progressivo estabelecimento de pa-
drões mais sofisticados, através de um processo contínuo e per-
52
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
manente de implantação e aprimoramento dos sistemas.
DiferDifer
DiferDifer
Difer
enciação de padrõesenciação de padrões
enciação de padrõesenciação de padrões
enciação de padrões, de modo a atender a população em
seus diversos níveis de demanda, que refletem diferenças exis-
tentes no nível de renda, de habitação, de hábitos e exigências
culturais.
DescentrDescentr
DescentrDescentr
Descentr
alização de decisões e da gestãoalização de decisões e da gestão
alização de decisões e da gestãoalização de decisões e da gestão
alização de decisões e da gestão, considerando o mu-
nicípio como instância natural de articulação com a sociedade,
catalisador da participação comunitária, incorporador de recur-
sos e energias locais ao processo e gerador de integração e con-
tinuidade de ações;
IntegrIntegr
IntegrIntegr
Integr
ação de açõesação de ações
ação de açõesação de ações
ação de ações, buscando economia na aplicação dos re-
cursos e eficiência na prestação de serviços, através da articula-
ção entre os diversos agentes prestadores de serviços urbanos, e
da sinergia das ações no nível local.”
18
18. Idem.
CAPÍTULO II
O SISTEMA CONDOMINIAL NA PRÁTICA
54
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS
Os esforços realizados na década de 80 para ampliar o fornecimen-
to de água potável à população brasileira agravaram enormemente
o impacto causado pela inexistência de um sistema de coleta, trata-
mento e disposição final do esgoto sanitário: cada metro cúbico de
água utilizada gera, aproximadamente, 0,8 metro cúbico de águas
residuais e, “ao levar a rede de abastecimento d’água para uma po-
pulação, o poder público está, automaticamente, implantando “mini-
fábricas” de esgoto sanitário nos domicílios atendidos”
19
.
Considerando-se que, à época, quase 90 milhões de brasileiros vi-
viam em domicílios desprovidos de sistemas de coleta de esgoto, a
situação transformou-se num indicador insofismável de baixa qua-
lidade de vida, exigindo medidas emergenciais, que se traduziram
em diversos programas nacionais de saneamento, implementados a
partir do início dos anos 90. De modo geral, foram implementados
dois grupos de programas, o primeiro deles voltado ao financia-
mento para municípios ou estados, visando à ampliação da oferta
dos serviços de saneamento, com foco especial nos segmentos de
baixa renda
20
; o segundo, destinado à reestruturação do setor de
saneamento
21
.
Diferentemente, porém, da fase áurea da expansão dos sistemas de
abastecimento de água, esses programas percorreram caminhos bem
distintos pois “os recursos a fundo perdido oriundos dos Orçamen-
tos da União, dos Estados e dos Municípios destinados à área de
saneamento e infra-estrutura básica são escassos frente à necessi-
dade de investimentos na ampliação dos serviços à população de
baixa renda. Além disso, desde julho de 1998 os recursos foram
contingenciados no âmbito do programa de ajuste fiscal, para cum-
prir metas de redução do déficit público, mesmo em se tratando de
investimentos essenciais. Devido a esse contingenciamento, não
houve nenhuma contratação com recursos do FGTS para estas áreas
desde 1999.”
22
De certo modo, a escassez de recursos alavancou propostas alterna-
tivas, mais adequadas tanto à realidade quanto às dificuldades na
19. Incorporação da Coleta,
Tratamento e Disposição do
Esgoto Sanitário na Agenda
de Prioridades dos
Municípios Brasileiros.
Documento Completo
(versão final). Brasília,DF.
2 de abril de 2000.
20. Morar Melhor - Ações em
Saneamento (página da
CAIXA na internet) tem por
objetivo promover ações
integradas de desenvolvi-
mento urbano nas regiões
de maior concentração de
pobreza do país
PASS/BID - Programa de
Ação Social em Saneamento
(página da CAIXA na
internet) tem como objetivo
implementar projetos
integrados de saneamento
nos bolsões de pobreza do
país.
Prosanear - Saneamento
Integrado (página da CAIXA
na internet) destina-se às
ações integradas de
saneamento, por meio de
soluções técnicas
adequadas, com participa-
ção comunitária e educação
sanitária em áreas ocupadas
por população de baixa
renda, onde esteja
caracterizada a precarieda-
de ou inexistência de
condições sanitárias e
ambientais mínimas.
21. PMSS I e II/BIRD - Programa
de Modernização do Setor
de Saneamento (página da
CAIXA na internet) tem por
objetivo geral a moderniza-
ção do setor de saneamen-
to.
22. Relatório Nacional
Brasileiro. Istambul + 5.
Assembléia Geral das
Nações Unidas. Centro das
Nações Unidas para
Assentamentos Humanos -
CNUAH - Habitat. Brasília,
junho de 2001.
55
O Sistema Condominial na Prática
obtenção de financiamentos, voltadas predominantemente para a
população de baixa renda. Embora o Pró-Saneamento, programa do
Governo Federal gerenciado pela Secretaria Especial de Desenvolvi-
mento Urbano da Presidência da República, defina genericamente
como seus objetivos “promover a melhoria das condições de saúde
e qualidade de vida da população por intermédio de ações de sanea-
mento, integradas e articuladas com outras políticas setoriais, atra-
vés de empreendimentos destinados ao aumento da cobertura de
serviços de abastecimento d’água, esgoto sanitário, drenagem ur-
bana, desenvolvimento institucional e tratamento e disposição fi-
nal de resíduos sólidos” suas linhas de financiamento podem não
alcançar aqueles municípios que não tem recursos ou capacidade
técnica para realizar os pré-investimentos necessários (caracteriza-
ção das áreas, planos e projetos) à obtenção dos recursos
23
.
Dentre as linhas do Pró-Saneamento, a mais completa e dirigida
especificamente às populações de baixa renda foi o Prosanear. Fi-
nanciado originalmente pelo Banco Mundial, o Prosanear contri-
buiu para “equacionar, de forma auto-sustentável, os problemas de
saneamento ambiental nas áreas urbanas altamente adensadas, ocu-
padas por famílias de baixa renda, onde as condições de infra-es-
trutura (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza
urbana – resíduos sólidos, drenagem urbana, contenção de encos-
tas etc) sejam precárias”.
24
O Prosanear veio introduzir elementos importantes no contexto
do saneamento naquele momento. Relacionamos a seguir al-
guns desses elementos, inéditos na história dos programas de
financiamento para infra-estrutura urbana no país:
1. A sua própria existência, uma vez que até aquele momento
não havia nenhum programa de financiamento específico
para atender com saneamento básico áreas de baixa renda;
2. A obrigatoriedade
25
da participação da comunidade nas
decisões referentes às soluções a serem adotadas, tarifas,
gestão dos sistemas, etc, incentivando-se sua participação
na implantação dos mesmos;
23. Para suprir esta lacuna, foi
concebido, mais recente-
mente, o Projeto de
Assistência Técnica ao
Programa de Saneamento
Ambiental para Populações
em Áreas de Baixa Renda, o
PAT Prosanear, financiado
pelo Banco Mundial,
com o
objetivo específico de
proporcionar os recursos
para a realização dos pré-
investimentos a cargo das
municipalidades.
24. Extraído da página na
internet da CAIXA.
25. “No Prosanear, a participa-
ção comunitária passa a ser
o empreendimento
principal, sem a qual não
ocorrerá a implantação dos
sistemas. Neste sentido é o
processo participativo que
induz e conduz a implanta-
ção dos sistemas de
saneamento” em Prosanear:
Um caminho para a agenda
21 – Brasília, Janeiro de
1995 –CEF.
56
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
3. A obrigatoriedade da inclusão dos itens “educação sanitá-
ria” e “educação ambiental” como elementos integrantes
do programa de participação comunitária do programa;
4. O financiamento, ainda que como investimentos comple-
mentares, ações nas áreas de resíduos sólidos e drenagem
pluvial;
5. A inclusão da implantação ou complementação de instala-
ções intra-domiciliares mínimas como item financiável;
6. O incentivo a utilização de tecnologias alternativas e ade-
quadas, com o objetivo de reduzir custos e aumentar a po-
pulação beneficiada com os mesmos recursos.
Esses elementos foram incluídos no programa sem que houves-
se sido elaborado um maior detalhamento. Não havia recomen-
dação a respeito de tecnologias nem de metodologias de traba-
lho social e isto fez com que cada projeto de Prosanear seja uma
experiência diferenciada dos outros, para além das especificidades
culturais e geomorfológicas de cada região alvo de intervenção.
Para definir as áreas de atuação, o programa estabelece a condição
de que a área a ser beneficiada tenha população com mais de 60%
dos chefes de família com renda mensal menor que 3 salários míni-
mos e limites de custos de implantação para os sistemas significati-
vamente inferiores aos convencionalmente praticados. Embora es-
sas condições já estabeleçam algumas restrições a projetos conven-
cionais, foram suas diretrizes que incentivaram a busca de modelos
alternativos, ao estabelecer como norma a adoção de técnicas que
“promovam ganhos de eficiência e redução de custos” e, ao mesmo
tempo, “ a participação da comunidade em todo o ciclo do Proje-
to”
26
.
Grande parte das experiências brasileiras de implantação de siste-
mas de esgoto condominial, apresentadas a seguir, se desenvolve-
ram a partir das condições criadas pelo Prosanear, tanto o primeiro,
financiado pelo BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e
o Desenvolvimento, quanto o segundo, financiado com recursos do
FGTS.
26. Idem.
57
O Sistema Condominial na Prática
A primeira a ser abordada, que é a de Dourados no Mato Grosso do
Sul, contemplava o bairro de Cachoeirinha, que concentrava grande
população em uma pequena área. Já o Prosanear de Angra dos Reis,
que foi realizado através do último contrato assinado dentro do
Prosanear Bird, atingiu 36 áreas e 70% da população do município,
que não dispunham de serviços de esgoto.
Na Bahia, o Programa Bahia Azul adotou o sistema condominial
como solução em toda sua área de abrangência. Dele foi analisado,
em Salvador, um projeto de complementação e reabilitação da ba-
cia Campinas que foi financiado com recursos do Prosanear FGTS.
De forma independente, ou seja sem financiamento do Prosanear, a
experiência da Caesb inovou incorporando, a partir de 1991
27
, o sis-
tema condominial como o único sistema a ser adotado para todas
as áreas do Distrito Federal.
Cada uma das experiências desenvolvidas representou um avanço,
incorporando as lições aprendidas nos projetos anteriores. O conhe-
cimento acumulado ao longo de uma década subsidiou o projeto
piloto de El Alto, na Bolívia, onde a concepção do sistema
condominial ganhou contornos bem definidos e comprovou o seu
grande potencial como modelo alternativo para enfrentar os desa-
fios do saneamento básico para populações de baixa renda, inde-
pendentemente de fronteiras nacionais.
27. Sistemas Condominiais de
Esgotos e sua Aplicação no
Distrito Federal, Pery
Nazareth CAESB – Brasília,
1998.
Dourados
O Bairro Cachoeirinha, em Dourados, Mato Grosso do Sul, é resulta-
do de um loteamento social implantado pela Prefeitura Municipal
de Dourados em 1990, embora o início da ocupação do local seja
anterior a esta data, para acomodar centenas de famílias desaloja-
das da zona rural que se instalavam em núcleos esparsos de favelas
na periferia da cidade.
O bairro está localizado num fundo de vale onde havia uma lagoa,
aterrada pelo processo irregular de urbanização. O solo é constituí-
do de rocha em decomposição, com variados graus de resistência,
chegando a ser bastante dura em alguns locais. O lençol freático
chega a ser aflorante, sempre que se remove o solo rochoso super-
ficial.
A área recebia grande parte da drenagem superficial dos bairros a
montante que provocava alagamento das casas na época das chu-
vas. Como solução precária para a drenagem da área a Prefeitura
escavou grandes valetas a céu aberto nas laterais das ruas e, em
alguns casos, inter-quadras, com a finalidade de drenar o local e
minimizar o problema. A Companhia de Saneamento do Mato Grosso
do Sul – Sanesul, implantou o abastecimento de água no local, mas,
como ocorre habitualmente, não foi instalado qualquer sistema de
coleta do esgoto e, pelo grau de afloramento do lençol e a dureza
da escavação, as tradicionais fossas absorventes não puderam ser
construídas e o destino dos dejetos domésticos passou a ser as vale-
tas da Prefeitura. Nos períodos de seca, que duram de 7 a 8 meses,
58
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
as valetas tornaram-se, então, canais de esgoto a céu aberto con-
duzindo apenas águas residuárias. Já nos períodos de chuva, quan-
do havia alagamentos, as águas pluviais se misturavam com os es-
gotos e invadiam as casas.
Apesar destas condições adversas, a população do local seguia au-
mentando com uma acelerada taxa de ocupação. O atrativo para a
ocupação dessa área era sua proximidade com o centro da cidade e
bairros residenciais com bom suporte de infra-estrutura urbana,
como escolas, asfalto, postos de saúde e, principalmente, alguma
oferta de trabalho.
A situação do bairro se enquadrava nas exigências do Prosanear
porque, além das precárias condições de saneamento, concentrava
grande população em uma pequena área, fato raro na cidade de
Dourados.
Quando o projeto foi iniciado, sabia-se que a Prefeitura, cedo ou
tarde, teria que substituir suas valetas por um sistema de drenagem
eficiente, do qual dependeria o funcionamento do sistema de cole-
ta de esgotos. Foram feitas gestões junto à Prefeitura no sentido de
sensibilizá-la para o problema e o resultado das negociações e das
reivindicações dos próprios moradores foi que, quando do
asfaltamento das adjacências à montante do Cachoeirinha, a Pre-
feitura construiu a drenagem das ruas de tal forma que as águas da
chuva foram desviadas do loteamento, fato que circunscreveu o
problema da drenagem, em grande parte, à própria área do bairro.
59
O Sistema Condominial na Prática
60
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Investimentos e abrangência
total do investimento
Rede Coletora/Interceptor/Estação Elevatória/Recalque: US$798.861.
Não há informação para custos desagregados por unidade do siste-
ma. Estão incluídos neste custo os valores relativos a materiais, ser-
viços e consultoria.
custos per capita
Custo per capita/População atendida: US$ 158,22 /hab
Custo per capita/População de projeto: US$ 152,68 /hab
abrangência e alcance
População de Projeto 5.232 habitantes
População Atendida 5.049 habitantes
Número Total de Lotes 1.200 unidades
Número de Lotes Atendidos 1.158 unidades
Número de Lotes Ocupados 1.158 unidades
Taxa de Ocupação 4,36 habitantes por lote
Número de Ligações de água 1.158
Número de Ligações de água + esgoto 1.158
Número de Ligações de esgoto 1.158
A Concepção do sistema
A topografia do local apresenta, de modo geral, bom declive no sen-
tido Norte-Sul. Ao sul, o bairro termina em um pequeno córrego. A
leste, um canal de desvio construído para absorver o efluente de
uma lagoa de estabilização da Sanesul corta o bairro no sentido
Norte-Sul. Esta lagoa é adjacente à área do bairro, à montante e à
nordeste deste.
O projeto básico do sistema propôs um conjunto de 11 linhas cole-
toras, posteriormente ampliado para 12, no sentido da declividade
predominante, constituindo o que poderiam ser 11 “condomínios”.
Ao sul, uma linha interceptora reunia os efluentes dos 11 condomí-
nios, dirigindo-os para uma estação elevatória, de onde seriam
61
O Sistema Condominial na Prática
recalcados para a lagoa de estabilização, num primeiro momento e,
futuramente, para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em cons-
trução na adjacência da lagoa, no âmbito de outro Programa de-
senvolvido pela Sanesul.
Como é típico dos sistemas condominiais, as redes coletoras passa-
vam pelos fundos dos lotes, iniciando-se os caminhamentos com as
profundidades menores possíveis. O material utilizado era o PVC
rígido predial e o PVC tipo vinilfort. O diâmetro mínimo na rede
coletora era de 100 mm.
Neste ponto, e de maneira nada típica, fez-se a opção pela
interligação de diversas quadras ao longo de cada uma dessas li-
nhas coletoras provocando uma integração forçada de vários con-
domínios naturais – representados pelas quadras, que possuem uma
condição de vizinhança que garantem a unidade necessária a for-
mação dos condomínios – em apenas um “condomínio” acrescen-
tando um dificultador importante ao funcionamento futuro da ges-
tão compartilhada. Este procedimento se comprovou errôneo e criou,
para utilização futura, um dos critérios fundamentais preconizados
para os sistemas condominiais que é a total independência entre os
condomínios e entre estes e a rede principal.
As residências sem instalações hidro-sanitárias mínimas foram pro-
vidas de Unidades Sanitárias - conjunto composto por uma super-
estrutura de alvenaria, vaso sanitário tipo VDR
28
, caixa de descarga
de 5 litros, chuveiro de PVC tipo ducha e ponto para instalação de
tanque de lavar roupas. Estas unidades sanitárias se constituíam na
única instalação hidráulica disponível e foram ligadas diretamente
aos cavaletes de ligação domiciliar de água e aos ramais
condominiais.
Desenvolvimento das obras
O desenvolvimento das obras evidenciou, em pouco tempo, a difi-
culdade dos técnicos da área de engenharia da Sanesul e da empre-
sa executora em admitir as características inovadoras do projeto,
28. Vaso de Descarga Reduzida
com necessidade de apenas
5 litros de vazão para
promover a limpeza do
vaso. Lançado experimen-
talmente pela DECA em
1985. Hoje estes vasos já
são largamente adotados e
praticamente produzidos
por todos o fabricantes,
funcionando com vazões
até menores do que esta.
62
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
uma vez que insistiram em desenvolvê-la como se fosse uma obra
convencional. O início da implantação do projeto, previsto para ja-
neiro/94, com cronograma de 180 dias, sofreu um atraso de cinco
meses porque a empreiteira alegava que precisava receber a totali-
dade do projeto executivo das redes coletoras. A elaboração do pro-
jeto executivo era, necessariamente, lenta pois dependia da negoci-
ação com os moradores quanto ao caminhamento da rede e, óbvio,
das adesões ao projeto.
Os Termos de Referência aceitos pelo empreiteiro, quando da licita-
ção, estabeleciam que a implantação devia começar a partir das
unidades do sistema cujos projetos executivos estivessem concluí-
dos e segundo o ritmo e cronologia demandados pelo projeto soci-
al. Entretanto, o cumprimento dessas exigências não foi cobrado à
empreiteira, por incompreensão ou conveniência, tornando eviden-
te as diferenças de enfoque e prioridade do projeto, dentro da pró-
pria Sanesul.
Superada esta situação, com a entrega da totalidade dos projetos
executivos da rede, iniciou-se a construção das redes em diversos
condomínios ao mesmo tempo, sob alegação de que era necessário
recuperar o atraso, na suposição de que era realmente possível con-
cluir a construção da rede coletora durante o tempo previsto para
permanência das equipes de trabalho social em campo. Infelizmen-
te, isto não aconteceu e, quando terminou o contrato com o grupo
encarregado do trabalho social, em outubro de 94, apenas dois con-
domínios tinham suas redes coletoras concluídas. As justificativas
para o atraso das obras eram técnicas, envolvendo a dificuldade do
trabalho de escavação das valas em rocha só a martelete, sem o uso
de explosivo (por causa da proximidade das valas com as moradias)
esteve além das expectativas. Além disso, a escavação com martelete,
a frio, não foi cotada pelo empreiteiro quando da licitação nem
constava da planilha de referência da Sanesul, o que provocou mais
negociações e atrasos pela necessidade de renegociação do contra-
to.
A defasagem de tempo existente entre a elaboração do projeto bá-
63
O Sistema Condominial na Prática
sico e do projeto executivo, numa área em ritmo acelerado de ocu-
pação irregular, desatualizou bastante o projeto básico. Além disso,
é normal que um projeto executivo descubra problemas e necessi-
dades que não estavam previstas no projeto básico, que é apenas
um referencial. Por isso, houve a necessidade de modificações, como
o acréscimo de redes coletoras pela introdução de mais um condo-
mínio, o aumento da incidência de diâmetros maiores na rede, o
aumento do número de mudanças de direção e, conseqüentemen-
te, caixas de inspeção. Surgiu a necessidade, ainda, de outras mu-
danças, como na concepção adotada no projeto básico para as tra-
vessias de ruas, no sistema de entrada das ligações na rede coletora,
em caixas, ao invés de conexões, na ampliação do diâmetro para
200 mm no trecho final da rede interceptora e a inclusão do
extravasor da estação elevatória em tubo de 200 mm.
O atraso da obra, em relação às negociações de adesão, gerou mui-
tos problemas com a comunidade, pois muitos moradores cons-
truíram ou ampliaram suas casas sobre o traçado da rede e retira-
ram a autorização para a tubulação passar pelo seu lote. Para evitar
novos problemas com os moradores na implantação do projeto, a
fixação do local exato das caixas de ligação e de inspeção foi feita
na medida da execução da obra.
Análise de resultados
A análise dos resultados do Prosanear no bairro Cachoeirinha mos-
tra a execução do projeto em dois momentos. No final do primeiro
contrato de execução a obra não foi concluída no prazo nem com
os recursos previstos e os percentuais executados em relação ao
projetado foram de 90% do interceptor, de 70% da linha de recalque
e de 60% na rede coletora, ligações domiciliares e instalações das
unidades sanitárias. Na execução da estação elevatória e das tra-
vessias estes percentuais caem para 50% e 30% respectivamente.
Com um intervalo de onze meses de paralisação, foi contratado e
executado o término das obras. Neste processo foram concluídas as
obras físicas e retomada a mobilização da comunidade.
64
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Mesmo assim, é importante observar que a adesão ao sistema ocor-
reu sem problemas desde o primeiro momento e, uma vez iniciada a
obra, a implantação dos ramais condominiais não enfrentou gran-
des dificuldades. As unidades sanitárias foram construídas no siste-
ma de ajuda mútua, contribuindo para consolidar a proposta de
participação da comunidade.
Muitos dos problemas verificados foram decorrentes da falta de
compreensão sobre o novo modelo, sobretudo por parte da área de
engenharia da própria Sanesul. O sistema iniciou a operação sem
que os condomínios houvessem sido formalizados e, a despeito de
estar previsto no projeto um modelo de gestão no qual os condomí-
nios ficavam responsáveis pela manutenção - basicamente
desobstrução e limpeza - do sistema, a Sanesul não insistiu na sua
implantação. Com isso, a proposta perdeu a função educativa con-
tida na realização das tarefas de desobstrução e limpeza, gerando
um número muito grande de solicitações de serviços e muitas re-
clamações contra a companhia.
Para resolver a situação, a Sanesul em vez de insistir no desenvolvi-
mento do modelo, fez algo totalmente inédito: passou a manuten-
ção deste sistema para a Prefeitura de Dourados que, numa decisão
ainda mais inédita, aceitou.
Apesar de todos estes problemas, ao não poder mais apelar para a
Sanesul para realizar a manutenção dos seus ramais, a população
acabou assumindo em alguma medida a manutenção do sistema.
Este fato comprova amplamente a idéia de que a operação compar-
tilhada e a execução de tarefas de manutenção tem caráter e fun-
ções educativas que são indispensáveis ao bom uso dos sistemas e à
utilização de um novo modelo com maior e efetiva participação da
população em sua implantação e gestão.
Não é necessário dizer, face ao exposto, que a Sanesul não implan-
tou nenhuma ação para a institucionalização do sistema. Curiosa-
mente, a empresa propõe hoje o sistema condominial como o único
admitido, mas somente com ramais condominiais passando pelas
65
O Sistema Condominial na Prática
calçadas e sem gestão compartilhada. Na realidade, o que chamam
de sistema condominial, neste caso, é um sistema de desenho com
características condominiais, mas que admite conexões diretas à
rede principal – assumindo as características operacionais de um
sistema convencional com redes pelas calçadas.
66
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Angra dos Reis
O município de Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, sofreu
um acelerado e desordenado processo de urbanização, motivado
pela implantação da rodovia BR-101 e de grandes condomínios para
veranistas e, posteriormente, de projetos do governo federal como
as usinas nucleares de Angra I e Angra II. Sem infra-estrutura de
saneamento, os esgotos corriam a céu aberto e, mesmo quando
tubulados, eram despejados sem nenhum tipo de tratamento, nas
águas da baía.
Institucionalmente a situação também era precária. Apenas em 1992
foi criado um Departamento de Saneamento Básico na Secretaria
Municipal de Obras e Serviços Públicos. Antes disso, a cidade tinha
diversos operadores de sistemas de saneamento, inclusive a Cedae,
todos sem nenhuma regulamentação.
Considerando o fornecimento de água tratada, duas partes da cida-
de eram atendidas pela Cedae: o centro Histórico e a Grande Japuíba.
Isso representava um universo de 12 mil ligações. As vilas residenciais
de Furnas, Petrobrás e Verolme eram atendidas por sistemas
construídos e mantidos pelas empresas, do mesmo modo que a
maioria dos condomínios. Este universo representava algo em torno
de 2 mil domicílios. Nos demais núcleos urbanos, a prefeitura era
responsável por pouco mais de 9 mil ligações.
No atendimento com esgoto a situação era ainda mais precária. A
Cedae nunca fez investimento em esgotos no município, embora
estivesse previsto no contrato de concessão. As mesmas vilas e con-
domínios dispunham de sistemas de esgotamento sanitário. No res-
tante do município existiam pouco mais de 9 mil ligações registradas.
Porém, o lançamento era feito nas redes de drenagem. Não existia
tratamento de esgoto.
67
O Sistema Condominial na Prática
Investimentos e abrangência
investimentos
De novembro de 1994 a setembro de 1996 foram investidos
R$12.006.544,19, sendo R$4.958.880,74 (41,5%) do BIRD,
R$3.533.607,63 (29,5%) da Caixa Econômica Federal e
R$3.514.055,82 (29,5%) da prefeitura de Angra dos Reis - PMAR.
O custo per capita para o serviço de água ficou em R$100,86, den-
tro dos limites fixados pelo Prosanear. Já o per capita geral de esgo-
to ultrapassou o teto estabelecido pelo programa, atingindo
R$209,01.
serviços previstos
abrangência
A área de abrangência do Prosanear de Angra dos Reis era de 36
áreas divididas em 9 lotes de obras, atingindo 70 % da população
do município, para implantação de rede e reservatórios de abasteci-
mento de água e coleta e tratamento de esgoto.
abastecimento de água
A meta de atendimento da população com redes de distribuição de
água e adução era de 74.170 habitantes, com implantação de 24.218
metros de redes e a construção de dez reservatórios.
68
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
esgotamento sanitário
Era prevista a implantação de 193.738 metros de redes e ramais
condominiais e 6 estações de tratamento, sendo 4 conjuntos de
fossa e filtro anaeróbio (FF) e 12 reatores anaeróbios de fluxo as-
cendente (RAFA), atendendo a uma população de 58.450 habitan-
tes.
drenagem pluvial
Em drenagem de águas pluviais estavam previstas a construção de
8.024 metros de rede em diversos bairros.
A Concepção do sistema
A concepção selecionada foi a resultante de consultoria técnica es-
pecializada e que deu origem ao documento “Sistemas Condominiais
de Saneamento”
29
. Afirma em sua introdução ” A Prefeitura Munici-
pal de Angra dos Reis vem assumindo, desde sua gestão passada,
posição de inconformismo com relação aos baixos índices de aten-
dimento de sua população por serviços de abastecimento de água
e, principalmente, de esgotamento sanitário ...”
30
. A partir desta
constatação assumiu como meta a universalização dos serviços de
abastecimento de água e esgotamento sanitário e para tanto consi-
derou como imprescindível a adoção das seguintes medidas:
“Municipalização do saneamento básico de Angra, através da
imediata criação de uma companhia de economia mista muni-
cipal, moldada conforme sintetizado em capítulo específico des-
te documento;
Adoção do modelo condominial para os sistemas de sanea-
mento, que enfatiza a participação comunitária nas decisões e
nas ações e a adequação da tecnologia à realidade local;
Esforço de obtenção de um financiamento junto ao Prosanear,
de que é parte este documento, e que se constituirá em ala-
vanca do novo processo que se delineará para o município.”
31
Com base nesta formulação foram executados pelo Departamento
de Água e Saneamento da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis a
concepção básica dos projetos, considerando a concepção clássica
29. Documento diagnóstico
sobre a situação do
atendimento com serviços
de saneamento no
município de Angra dos
Reis, foi resultado da
consultoria prestada pelo
engº José Carlos Melo ao
município de Angra dos Reis
e no qual definia os
princípios básicos do
sistema a ser implantado
pelo Prosanear e propunha
a estruturação do Serviço
Autônomo de Água e
Esgotos cuja implantação
julgava necessária para a
realização da operação e
manutenção e
sustentabilidade do sistema.
30. Ídem.
31. Ibidem.
69
O Sistema Condominial na Prática
dos sistemas condominiais contando com as três alternativas de
traçado dos ramais condominiais – fundo dos lotes; frente dos lotes
e calçada.
O desenvolvimento dos projetos definiu, pelas características espe-
ciais de ocupação do espaço urbano encontradas em Angra dos Reis
– principalmente nas encostas – em sua ampla maioria a localiza-
ção dos ramais por dentro dos lotes, não necessariamente pelo fun-
do, mas quase sempre um único ramal por condomínio.
Assim, do ponto de vista da negociação com a comunidade e loca-
lização dos ramais e conseqüente projeto executivo do sistema, foi
possível manter-se a concepção original de implantação dos siste-
mas condominiais.
A concepção, entretanto, preconizava como fundamental a criação
e implementação de uma empresa pública municipal para realizar a
implantação e posterior operação e manutenção, sendo responsá-
vel por sua sustentabilidade técnica e econômico-financeira. Sem
dúvida a institucionalização do modelo afigura-se como imprescin-
dível à sua sustentabilidade.
A questão central deste novo quadro institucional era a idéia de que
...o município deve cada vez mais ser Cabeça do Sistema (a decisão,
o controle, o acompanhamento e o planejamento) e terá na inicia-
tiva privada as suas mãos”
32
.
A organização proposta era de um arranjo institucional composto
por duas instâncias de atuação para atuação em nível central e lo-
cal, e assim organizadas:
Unidades CentrUnidades Centr
Unidades CentrUnidades Centr
Unidades Centr
aisais
aisais
ais
1.
de deliberde deliber
de deliberde deliber
de deliber
ações municipaisações municipais
ações municipaisações municipais
ações municipais, através da criação de um Conse-
lho Municipal de Saneamento;
2.
de operde oper
de operde oper
de oper
ação e administração e administr
ação e administração e administr
ação e administr
açãoação
açãoação
ação, através da criação da compa-
nhia municipal de economia mista que garantisse a
sustentabilidade econômico-financeira e técnica dos sistemas
recém implantados.
32. Ibidem.
Unidades DescentrUnidades Descentr
Unidades DescentrUnidades Descentr
Unidades Descentr
alizadasalizadas
alizadasalizadas
alizadas, correspondendo às vilas e distritos mu-
nicipais denominadas distritos
1.
de decisãode decisão
de decisãode decisão
de decisão, controle e o acompanhamento nos aspectos
normativos e inter-distritais, garantindo a utilização de mo-
dernos instrumentos de gestão que promovam a eficiência e
saudável concorrência no desempenho entre distritos;
2.
de deliberde deliber
de deliberde deliber
de deliber
ações locaisações locais
ações locaisações locais
ações locais, pela criação de um Comitê Distrital
com composição paritária entre o poder municipal e o poder
local, e o
3.
plano operplano oper
plano operplano oper
plano oper
acionalacional
acionalacional
acional, encarregado da operação propriamente dita
(operação, manutenção, extensão dos sistemas, relacionamen-
to com os usuários, etc.), podendo estar a cargo das comunida-
des organizadas, da pequena iniciativa privada ou outro arran-
jos.
Sobre a decisão da criação de semelhante estrutura em futuro pró-
ximo é que se começou a implantação do Programa.
estratégia de implantação
A primeira questão colocada se referia à escolha da forma de iniciar
o trabalho com a comunidade. A opção adotada foi a de realizar
uma ação gradual por grupos de lotes de obras (o projeto integral
de Angra dos Reis estava dividido em 8 lotes de obras), deixando um
período de tempo entre as atividades em cada grupo para a
capacitação das equipes em separado, aproveitando a experiência
das áreas onde o trabalho já fora desenvolvido.
70
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
A estratégia de entrada gradual em campo foi altamente positiva
por não impactar, ao mesmo tempo, toda a população da área do
projeto com o início das atividades. Desse modo, as dúvidas dos
moradores com relação à proposta foram amenizadas de acordo
com a expansão do programa ao mesmo tempo em que a equipe
responsável pelo trabalho social amadurecia e acumulava experiên-
cia na abordagem das questões que provocavam maior apreensão
na comunidade.
Para além das vantagens custo x beneficio das obras, este é um
programa de co-participação comunitária na elaboração do projeto
de engenharia, fiscalização de obras e manutenção do sistema, que
pressupõe a participação da comunidade na definição do traçado
do ramal condominial que deve ser o mais racional possível, prefe-
rencialmente passando por dentro do terreno do morador visando a
redução da quantidade de tubos, o volume de escavação e re-aterro
das valas, barateando desta forma o custo da obra que permitirá
atender um maior número de domicílios.
Os resultados da construção dos ramais condominiais espelharam e
traduziram as relações culturais de cada comunidade. Foram a sín-
tese das condições geográficas, sociais, políticas, comunitárias de
cada uma das 36 áreas do programa.
desenvolvimento das obras
A implantação do Prosanear em Angra dos Reis foi marcada por
dificuldades. A estratégia traçada pela prefeitura pretendia iniciar a
71
O Sistema Condominial na Prática
72
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
implantação pelas áreas menos populosas, porém houve dificulda-
des na licitação das obras nessas áreas e, como a pressão popular e
dos agentes financiadores era intensa, a implantação acabou co-
meçando pelas áreas mais adensadas.
No momento da assinatura dos contratos com os agentes
financiadores, a Caixa Econômica Federal não dispunha de recursos
do FGTS, a Prefeitura assumiu o compromisso de dar uma
contrapartida de 50% do total equivalente ao financiado pelo Ban-
co Mundial. Em 1996, dois anos depois da assinatura dos contratos,
houve um corte considerável no repasse que o município recebia do
Estado, referente ao ICMS, obrigando a prefeitura a rever todo o seu
orçamento e, conseqüentemente, as políticas e programas, redu-
zindo as metas para saneamento. Não foi possível conseguir verbas
através do Orçamento Geral da União e, apesar de uma
complementação de recursos feita pelo Banco Mundial, em outu-
bro daquele ano a prefeitura paralisou a implantação do programa
para evitar que a dívida do município aumentasse. As obras foram
retomadas no início de dezembro, com a concordância do prefeito
eleito, que assumiria em janeiro.
organização dos condomínios
As primeiras obras executadas foram as que não precisavam do
envolvimento da comunidade, uma vez que a prefeitura ainda não
tinha conseguido montar uma equipe para fazer o trabalho de
mobilização social.
Com o início dos trabalhos sociais em campo, foi possível constatar
algumas dificuldades básicas na implementação do sistema, pois
muitas das áreas a serem atendidas eram de ocupação recente e de
origens diversas, não se constituindo propriamente em comunida-
des. Das 33 localidades atendidas, sete não tinham associação de
moradores em atividade. Nas demais, 15 delas apoiaram o projeto,
seis foram contra durante a maior parte do desenvolvimento do
programa. A posição contrária ao programa tinha sua raiz na des-
confiança em relação ao governo municipal. Além disso, tratava-se
de população que não tinha tradição de uso de equipamentos de
73
O Sistema Condominial na Prática
saneamento e que teria grande dificuldade na sua manutenção.
Diante dessa constatação, a discussão sobre a formação de condo-
mínios para efeito de manutenção posterior dos sistemas foi suspensa
e a equipe do Prosanear concluiu que o papel dos representantes de
condomínios constituídos deveria estar restrito aos processos de
acompanhamento de obras e implantação dos sistemas, funcionando
como uma instância intermediária entre os moradores e as associa-
ções de moradores. As possibilidades de desdobramentos para o papel
dos representantes passou a depender da evolução dos processos.
estratégias de mobilização
Para motivar as comunidades a se integrarem ao programa foi rea-
lizado um intenso trabalho de mobilização com atividades educativas
e a publicação de um informativo semanal que continha informa-
ções sobre o programa, notícias repassadas pelas secretarias muni-
cipais e pelas organizações comunitárias. A distribuição era feita
aos representantes das associações de moradores, escolas, postos
de saúde e outros órgão de governo. Temas relacionados à impor-
tância dos serviços básicos de água e esgoto para a manutenção da
saúde foram amplamente abordados em oficinas de educação sani-
tária e ambiental, visitas aos sistemas de tratamento e destinação
final de lixo e aos sistemas de abastecimento de água e tratamento
de esgoto em construção, além de apresentações de teatros de bo-
necos.
Análise de resultados
Sob vários aspectos, as obras e serviços executados apresentaram
variação significativa em relação ao inicialmente previsto. Da cons-
trução de redes e ramais licitados, foram efetivamente executados
apenas 70% do total e 69% dos projetos executivos.
Nos sistemas de fornecimento de água, a meta de implantação de
redes de distribuição não foi atingida em nenhum lote. No total,
houve uma redução de 28% entre o volume projetado e o executa-
do, com variações enormes entre os lotes; enquanto no lote 2 a
74
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
execução das obras atingiu 98% da meta inicialmente proposta, no
lote 9 o programa não chegou a ser iniciado.
O projeto contemplava, inicialmente, a construção de dez reserva-
tórios. Na aplicação prática, percebeu-se a necessidade de substi-
tuir um reservatório de concreto por outros três de fibra de vidro,
totalizando, portanto, 12 unidades, das quais apenas seis foram con-
cluídas e entraram em operação.
A construção das redes e ramais condominiais de esgoto também
ficou abaixo do projetado. Foram construídos apenas 47% das quan-
tidades licitadas e 44% dos projetos executivos. Das 16 Estações de
Tratamento de Esgotos projetadas, 12 foram construídas ou inicia-
das. mas nem todas entraram em operação e só quatro estão em
funcionamento.
Para os serviços de abastecimento de água, os percentuais de obras
executadas em relação ao projetado oscila entre 75% das redes e
adutoras de água e 48% dos reservatórios. As redes e ramais
condominiais do esgoto atingiram apenas 47% das metas e as esta-
ções de tratamento, 57%. As redes de drenagem pluvial chegaram a
70% do que foi previsto inicialmente.
Da meta de cobertura inicial de 74.170 habitantes com redes de
distribuição de água 44.484 habitantes, ou seja, 60% foram benefi-
ciados pelo programa e aquela de 58.450 habitantes servidos com
sistemas de esgotamento sanitário 32.965 habitantes, ou seja 56 %,
foram beneficiados.
75
O Sistema Condominial na Prática
Serviços executados
Levando-se em consideração as dificuldades e percalços ocorridos
no processo de implantação do Programa podemos considerar que
o Programa em si foi relativamente bem sucedido, não tanto pelos
percentuais de obras construídas mas pelos bons resultados da
mobilização e da participação da comunidade, assim como os re-
sultados da educação sanitária e ambiental. Não fosse pela
desmobilização e desmonte administrativo ocorridos na sucessão
governamental e, como conseqüência, a não implantação do marco
institucional previsto para dar suporte às obras realizadas, estas po-
deriam ter sido terminadas e garantidas as condições de gestão com-
partilhada como havia sido negociado com as comunidades.
A desmobilização institucional e o desrespeito com os acordos as-
sumidos com a população provocou uma total desarticulação da
comunidade e incapacidade operacional do departamento de sa-
neamento. A proposta de organização institucional elaborada na
concepção inicial do Programa foi descartada e, como já foi dito, a
organização do departamento de saneamento retrocedeu ao ponto
anterior à existência do Programa.
Alguns anos depois, em 2002, com uma nova administração muni-
cipal, foi criado o Serviço Autônomo de Água e Esgotos, com o ob-
jetivo de dar estrutura operacional, administrativa e financeira para
a operação a prestação dos serviços de abastecimento de água e de
coleta e tratamento dos esgotos sanitários.
O processo de institucionalização, com a criação de um Serviço Au-
76
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
tônomo de Água e Esgotos que se encontra em fase de implantação
do organograma aprovado pela câmara municipal, dependerá, fun-
damentalmente, da capacidade de tornar-se economicamente viá-
vel, através de receita própria resultante da cobrança de tarifas pela
prestação dos serviços de água e esgoto.
A cobrança de tarifas deveria ser implementada juntamente com a
criação da empresa municipal, ao final da implantação do Prosanear,
mas em 1996 a prefeitura municipal abriu mão de qualquer ação de
institucionalização dos sistemas e da cobrança pela prestação dos
serviços, que continuaram incluídos como taxa irrisória no IPTU. A
resistência da população em pagar pela água é grande e foi criada
sobretudo pelos políticos que utilizaram a má qualidade dos servi-
ços de saneamento como bandeira eleitoral. A realização de uma
cobrança experimental de tarifa demonstrou uma completa indis-
posição da comunidade de pagar pelo serviço.
77
O Sistema Condominial na Prática
Distrito Federal
Os serviços de abastecimento de água e coleta de esgotos no Distri-
to Federal atendem a 91,61% e 87,74% de sua população urbana de
1.069.790 habitantes
33
, respectivamente e do total de volume de
esgoto coletado 66% são tratados
34
. Esses índices foram obtidos em
diferentes fases de ampliação dos sistemas de saneamento básico,
que acompanharam o crescimento da cidade. A estrutura
institucional também se desenvolveu gradualmente, desde a cons-
trução da capital, quando foi criada a Divisão de Água e Esgotos,
vinculada à Novacap. Logo foi implantado o primeiro sistema, o
Catetinho, para abastecimento dos canteiros de obras e núcleos onde
moravam os trabalhadores que construíam a nova capital. Em julho
de 1969, foi criada uma empresa pública para cuidar do saneamen-
to da capital da República, a Caesb – Companhia de Água e Esgotos
de Brasília. Atualmente a Caesb opera seis grandes sistemas e 24
sub-sistemas de abastecimento de água e 18 sistemas de coleta e
tratamento de esgotos.
A utilização do sistema condominial no Distrito Federal teve início
em 1994, com o objetivo de alcançar a universalização do atendi-
mento. À época, a Caesb ofertava duas modalidades para a implan-
tação do sistema e, cada uma delas com as três alternativas de lo-
calização dos ramais condominiais.
Na primeira modalidade, a Caesb implantava a rede principal, dei-
xando com os moradores a responsabilidade de instalar os ramais
condominiais, segundo projeto e assistência técnica da Caesb. Na
segunda modalidade, a Caesb implantava todo o sistema e os mo-
radores tinham que pagar a taxa de ligação, que correspondia a
uma média do custo de implantação dos ramais condominiais. As
alternativas de passagem dos ramais condominiais oferecidas pela
Caesb eram as de fundo de lote, de frente do lote e pela calçada.
O modelo inicial proposto, continha as condições de funcionamen-
to do sistema condominial pleno. “As regras da parceria são simples
e as condições para sua realização são acordadas em reuniões co-
munitárias e condominiais que tratam, entre outras coisas, da divi-
33. Dados “Censo Demográfico
2000” - Resultados do
universo. IBGE.
34. Dados da “Sinopse do
Sistema de Esgotamento
Sanitário do Distrito
Federal” – DRSE/SPCE –
Caesb – Dez. 2001.
78
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
são de responsabilidades necessária para a construção do sistema
local de esgotos. A Caesb implanta a rede coletora básica e, se ne-
cessário, a estação de tratamento de esgotos local. Os usuários, or-
ganizados em condomínios de quadra, assumem a compra dos ma-
teriais (tubos, etc.) e a construção dos ramais condominiais, me-
diante orientação e apoio técnico da Caesb e, conseqüentemente,
recebem isenção da cobrança da “taxa de ligação” de esgoto. As
tarifas são aquelas praticadas normalmente e que variam de acordo
com o tipo de ramal condominial escolhido.
Uma vez que os ramais correspondem, quase sempre, a mais de 50%
do custo de implantação do sistema coletor condominial, os inves-
timentos públicos são reduzidos drasticamente, permitindo viabilizar
a maior parte dos empreendimentos, mesmo na ausência de finan-
ciamentos externos e desde que os projetos sejam concebidos de
modo a permitir a implantação por etapas, de forma gradual.”
35
“Em 1996, com a reformulação da estrutura tarifária da Caesb, foi
instituído o Fundo de Recursos para Investimentos em Água e Esgo-
tos - Frinae, composto de um percentual da receita tarifária, atual-
mente cerca de 11%, acrescida de toda a receita originária das taxas
de ligações de água e de esgotos.
Esse fundo dá sustentação ao programa de expansão em curso, as-
segurando, juntamente com financiamentos originários, principal-
mente, do FGTS/Caixa Econômica Federal e do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, os recursos necessários para a universalização
dos serviços.”
36
35. Sistemas Condominiais de
Esgotos e sua Aplicação no
Distrito Federal, Pery
Nazareth Caesb – Brasília,
1998.
36. Idem.
79
O Sistema Condominial na Prática
“Para as comunidades que têm demandado essa alternativa, a
motivação e também a principal vantagem do acordo de parce-
ria, está na antecipação da solução definitiva para o problema
local de esgotamento sanitário, cuja urgência é determinada pela
essencialidade do serviço. Adicionalmente o usuário pode ter uma
economia substancial pois desembolsa, na compra de materiais,
cerca de 25% do valor da taxa de ligação que pagaria à Caesb
pela construção do mesmo ramal condominial. Como as escava-
ções são pequenas e a obra extremamente simples, quem não
tem condições de realizar os serviços recorre a ajuda de vizinhos
ou parentes, quem não quer construir diretamente sua parte
contrata alguém, para fazê-lo por si, a preços reduzidos.”
37
Embora a primeira modalidade ainda conste como uma das opções
disponíveis
38
a Caesb já não a oferece e na segunda modalidade
desencoraja a opção pelas duas primeiras alternativas que
correspondem a localização dos ramais pelos fundos e frente dos
lotes.
Análise de resultados
A Caesb opera os sistemas de maneira convencional, sem incentivo
à gestão compartilhada e as alternativas de ramais por dentro dos
37. Ibidem.
38. Dados da “Sinopse do
Sistema de Esgotamento
Sanitário do Distrito
Federal” – DRSE/SPCE –
Caesb – Dez. 2001.
80
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
lotes passou a ser desencorajada já no momento da implantação.
Os usuários que optaram anteriormente pelo ramal passando por
dentro dos lotes têm um desconto de 40%, pagando como tarifa de
esgoto o equivalente a 60% da tarifa de água e, além disso, pagam
à parte pelo atendimento e prestação de qualquer serviço em ramal
condominial. A opção pela calçada tem uma tarifa igual à do siste-
ma convencional e nela não se admite a participação da população
nem na implantação nem na gestão.
A Caesb tem todos os procedimentos implantados para o atendi-
mento ao sistema condominial, mas os condomínios não são for-
mais, a relação da empresa com os usuários dos serviços não se dá
através deles. Na prática, o condominial só é considerado no pro-
cesso de implantação da rede, deixando de existir no momento em
que o sistema entra em operação.
Na verdade, existem diferenças muito claras de opinião entre a área
operacional e a áreas de implantação de novos sistemas da Caesb
sobre a formalização dos condomínios e a necessidade de estabele-
cer valor legal aos acordos firmados entre a Caesb e os condomíni-
os. Os técnicos da área de implantação consideram esses procedi-
mentos como um trabalho excessivo e desnecessário, enquanto a
área de manutenção acredita que medidas no sentido de formalizar
os condomínios regularia as relações entre a Caesb e os usuários e
resolveria muitos dos problemas e conflitos existentes na operação
do sistema.
Tal como na Sanesul, o sistema hoje oferecido e praticado na Caesb
corresponde a um sistema com desenho condominial não radical,
uma vez que também admite ligações diretamente à rede quando
esta está disponível, e gestão correspondente à de um sistema con-
vencional implantado pelas calçadas.
81
O Sistema Condominial na Prática
Salvador
A implantação do sistema condominial em Salvador está associada
ao programa “Bahia Azul”, desenvolvido pelo governo do Estado da
Bahia para enfrentar os problemas de poluição da Baía de Todos os
Santos. Com previsão de conclusão para o ano de 2003, o “Bahia
Azul” reúne um amplo conjunto de ações em abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta e disposição final de resíduos sólidos,
drenagem e educação sanitária e ambiental, dentro do conceito in-
tegral de saneamento ambiental, com ações previstas em todas as
modalidades de serviços que interferem no meio ambiente.
A responsabilidade pela implantação do programa foi segmentada,
cabendo à Embasa – Empresa Baiana de Água e Saneamento S/A, a
implantação das obras de expansão e melhoria nos sistemas de abas-
tecimento de água e esgotamento sanitário, com o objetivo de al-
cançar um índice de cobertura de 100% em abastecimento de água
e 80% em esgotamento sanitário, ao final da implantação das obras
previstas.
Para alcançar a meta prevista para o esgotamento sanitário, a Embasa
optou por implantar sistemas condominiais, considerando dois as-
pectos fundamentais: a redução dos custos de implantação, possi-
bilitando estender a cobertura sem aumentar os recursos; e o aten-
dimento a populações que, pelas características de topografia e ocu-
pação de solo típicas de Salvador, não seriam beneficiadas caso ti-
vessem que ser atendidas por um sistema convencional.
No âmbito do Bahia Azul se prevê a conclusão, ainda este ano de
2003, da implantação de redes coletoras, interceptores, estações
elevatórias e de tratamento da Grande Salvador, beneficiando as
cidades de Salvador e as cidades de Candeias, Simões Filho, Itaparica,
Vera Cruz, Madre de Deus, Santo Amaro, São Francisco do Conde,
Cachoeira, São Félix e Maragogipe. Ao final do Programa o sistema
da Grande Salvador estará composto por: 1.998.930 metros de re-
des coletoras, das quais 739.448 construídas no sistema convencio-
nal e 1.259.482 construídas em sistema condominial, atendendo a
1.500.000 habitantes através de 224.500 ligações prediais. O siste-
82
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
ma estará composto, ainda, por 88.000 metros de interceptores, 77
estações elevatórias e 10 estações de tratamento
39
.
A implantação do sistema
A proposta do sistema condominial em Salvador definiu cada qua-
dra como um condomínio. A participação da comunidade estava
prevista na discussão e aprovação do traçado do ramal condominial,
na conformação de cada condomínio e na eleição de seus síndicos.
Do ponto de vista técnico, o modelo utilizado foi bastante conser-
vador no que diz respeito ao dimensionamento hidráulico dos ra-
mais condominiais. Habitualmente, o diâmetro empregado nos ra-
mais é de 100 mm para atender cerca de 300 ligações em áreas
planas. Essa medida contribui para reduzir custos e, com boa manu-
tenção, envolvendo a participação do usuário, não costuma apre-
sentar dificuldades para a operação do sistema. Em Salvador, o diâ-
metro de 100 mm foi utilizado apenas nos trechos destinados a
receber as primeiras dez ligações de cada ramal. No restante, as
medidas foram superiores.
O sistema não começou a operar no momento da conclusão da obra
porque as ligações domiciliares não foram executadas no tempo
adequado. Essa defasagem gerou problemas que comprometeram a
qualidade da manutenção e da operação do sistema.
Por diferenças de cronograma de implantação, muitos dos sistemas
não puderam entrar em carga, por não terem descarga. Em muitos
casos, por pressão da população ou como resultado das ligações
clandestinas, o sistema acabou entrando em carga apenas para con-
duzir o esgoto bruto um pouco mais adiante, concentrando em um
só ponto todo o esgoto de uma região, por falta de uma elevatória
ou conexão a um interceptor e outras causas
40
.
Estratégias de mobilização
O trabalho de mobilização teve como objetivo obter a autorização
39. Dados extraídos do relatório
de atividades da Diretoria de
Engenharia e Meio
Ambiente – Agosto de 2002.
40. A Problemática dos Trechos
Críticos” – Condominium
Empreendimentos
Ambientais Ltda. – Salvador,
Abril de 2001.
83
O Sistema Condominial na Prática
dos moradores para implantação do traçado concebido para os ra-
mais condominiais e a eleição de um síndico que servisse de inter-
mediário entre a Embasa e a população. O trabalho de educação
sanitária e ambiental foi realizado em atividades formais e apenas
com agentes multiplicadores que deveriam responsabilizar-se pela
difusão dos conhecimentos.
A constituição dos condomínios ocorreu informalmente, sem obri-
gações definidas por contrato. Os condomínios não possuem regi-
mento interno e as responsabilidades com relação ao sistema não
foram claramente definidas. A proposta para que os condomínios
operassem o sistema também não foi formalizada.
Operação do sistema
A operação e a manutenção dos sistemas condominiais que estão
em carga, são executadas de maneira totalmente convencional. Os
condomínios não assumiram o compromisso com a operação dos
ramais condominiais, como ficara estabelecido durante o processo
de implantação. A Embasa, pressionada pelos moradores, preferiu
assumir esse serviço, não obstante haver instituída uma tarifa dife-
renciada para aqueles condomínios que optaram pela operação pró-
pria.
Análise de resultados
A participação mais efetiva da comunidade nos sistemas
condominiais teria possibilitado a manutenção da educação obtida
durante o processo de implantação, contribuindo para encontrar
soluções para problemas decorrentes das alterações de cronograma,
como do atraso no funcionamento do sistema depois da implanta-
ção e também para preservação da integridade física dos sistemas.
A formalização do condomínio, estabelecendo as obrigações de cada
condômino e da Embasa e a participação na gestão do sistema, te-
ria estabelecido um novo patamar de compromissos entre a comu-
nidade e o serviço prestado.
84
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Como a proposta da Embasa não oferecia a possibilidade de partici-
pação da população na construção do sistema, o papel da comuni-
dade ficou extremamente limitado. Os moradores eram consulta-
dos apenas para autorizar a passagem dos ramais pelos lugares in-
dicados pela equipe técnica de engenharia e para eleger o síndico -
a quem cabia representá-los nas negociações com a Embasa e com
a empreiteira encarregada dos serviços - também restrito aos pro-
blemas específicos da quadra.
No caso de Salvador, a falta desses pré-requisitos resultou em má
utilização da rede, porque os moradores passaram a fazer ligações
clandestinas de esgoto, conectando as águas pluviais na rede, pre-
judicando a operação do sistema e criando para a própria comuni-
dade e para Embasa um grave problema, que demanda a utilização
de consideráveis recursos não previstos e não financiados, para sua
solução.
Para resolver a questão, a gerência operacional de esgotos da Embasa
fez um diagnóstico da situação e, com recursos destinados ao de-
senvolvimento institucional, está realizando um programa de liga-
ções domiciliares, responsabilizando-se inclusive pelas instalações
internas. O programa visa a recuperação do usuário conectado clan-
destinamente; ligação de todos os usuários de cada bacia; e a re-
composição dos condomínios, com a eleição de novos síndicos e a
realização de educação sanitária para orientar os moradores na corre-
ta utilização do sistema, retirando da rede toda as contribuições de
águas pluviais e lixo; e o estabelecimento de uma relação direta
com os síndicos através da instituição de uma linha telefônica ex-
clusiva, com atendimento personalizado.
Entre os objetivos do programa não consta, entretanto, recuperar a
participação da comunidade na manutenção de seus ramais
condominiais que é, como foi dito acima, um dos pré-requisitos
para a solução dos problemas diagnosticados.
Do ponto de vista institucional, o sistema condominial não existe.
No cadastro de consumidores da Embasa sequer constam informa-
85
O Sistema Condominial na Prática
ções sobre a adesão ao sistema condominial, a identificação do con-
domínio a que pertence, quem é o síndico, qual tipo de contrato
estabelecido. Assim, toda ordem de serviço emanada do atendimento
ao público é uma ordem de serviço convencional que não dá ao
setor de manutenção elementos para saber que tipo de problemas
vai encontrar.
Existe, portanto, uma fragmentação de esforços dentro da Embasa
pois, embora a gerência de operações esteja desenvolvendo um tra-
balho voltado para restabelecer a relação com os síndicos, não exis-
te uma ação coordenada com outras áreas da empresa para efetiva-
mente institucionalizar o sistema condominial.
Como conseqüência da falta de recursos suficientes para obras de
reassentamento ou remoção de populações, obras de contenção,
construção de vias, etc. , a área de implantação do “Bahia Azul” tem
25 pontos críticos em que o sistema é interrompido, exigindo eleva-
dos investimentos para sua conclusão
41
.
41. Idem.
86
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
A EXEPERIÊNCIA BOLIVIANA DE EL ALTO
Um dos grandes desafios na implantação do modelo condominial
de saneamento básico é o de criar entre os moradores das áreas
beneficiadas uma consciência coletiva, transformando grupos de
indivíduos isolados e desarticulados, em grupos de cidadãos orgâ-
nicos que trabalhem em conjunto por metas comuns, deixando de
lado as atitudes individualistas. Tudo isto integrando, de maneira
harmônica as idéias e conhecimentos da experiência individual para
dar soluções a problemas coletivos.
Desta maneira, a implantação das obras passa a ser um processo
educativo e incentivador da comunidade para que, ao final, os mo-
radores não só possam ter seus sistemas de água e esgoto sanitário
construídos, como também novas formas de organização e de tra-
balhar em conjunto para buscar satisfazer outras necessidades.
A adoção do Sistema Condominial não garante automaticamente
seu bom uso e manutenção, nem a solução de outros problemas
existentes como: maus hábitos de higiene e saúde, a relação inade-
quada com o meio ambiente, a pouca responsabilidade com o
patrimônio público, a falta de visão de conjunto e a pouca prática
de participação em negociações para conseguir melhorias indivi-
duais e comunitárias.
O Projeto Piloto El Alto, desenvolvido durante 33 meses na Bolívia,
ofereceu condições excepcionais para o amadurecimento desses
princípios. Utilizando de técnicas de pedagogia reflexiva, o Projeto
Piloto não pretendeu dar soluções preconcebidas, senão encontrá-
las através da utilização de processos coletivos. Foram os próprios
participantes do processo que encontraram os caminhos para resol-
ver os problemas de suas comunidades
El Alto
A cidade de El Alto, conurbada com La Paz, a capital boliviana, tem
uma população de cerca de 600.000 pessoas e uma taxa de cresci-
mento anual estimada em 9,23%, bem acima do crescimento médio
87
O Sistema Condominial na Prática
do país. O índice de pobreza (percentual de famílias vivendo abaixo
da linha de pobreza) da população é de 72,9%. Destes, cerca de 78
% não conta com serviços de saneamento e mais de 73% não dis-
põe de moradias adequadas
42
. O crescimento acelerado da cidade
nos anos 80 decorreu das migrações de mineiros desempregados
pelo fechamento de minas nesse período e das migrações rurais. De
modo geral, essas populações migrantes vieram do Altiplano Boli-
viano, trazendo costumes peculiares, entre os quais estavam o bai-
xo consumo de água, a inexistência de instalações sanitárias domi-
ciliares e, conseqüentemente, o hábito de fazer as necessidades fisio-
lógicas ao ar livre. Apesar do crescimento dos últimos anos, a região
ainda tem baixa densidade habitacional, em torno de 120 habitan-
tes/ha, e ocupação caracterizada pela predominância de edificações
residenciais unifamiliares.
Em 1997, a empresa privada Aguas del Illimani assumiu a concessão
dos serviços de saneamento de El Alto, com o compromisso de aten-
der, até o final de 2001 a 100% da população com abastecimento
de água potável e a 65% com esgotamento sanitário. A possibilida-
de de atingir essas metas era remota, pelo volume de investimentos
necessários e o baixo retorno financeiro que teriam os sistemas,
considerando-se os baixos níveis de renda da população.
Nessa mesma época, a Agência Sueca de Desenvolvimento Interna-
cional destinou recursos a um projeto piloto de saneamento básico
na Bolívia, com o objetivo de contribuir para a formulação de pro-
gramas integrais, sustentáveis e replicáveis de implantação de ser-
viços de água potável e esgotamento sanitário às populações de
baixa renda. Nas negociações, a Agência Sueca solicitou ao governo
boliviano que delegasse a execução desse projeto ao Programa de
Água e Saneamento (PAS), implementado pelo Departamento de
Transporte, Água e Desenvolvimento Urbano do Banco Mundial com
recursos de agências bilaterais de desenvolvimento, do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Urbano (PNUD) e do
próprio Banco.
As características de El Alto e as dificuldades no cumprimento das
42. Os dados estatísticos foram
extraídos do “Diagnóstico
Urbano Rápido Participativo
-Durp”, Programa de Agua y
Saneamiento, La Paz,
Bolivia, 1998.
metas estabelecidas pela concessão a Aguas del Illimani levou a Di-
reção Regional do Programa Água e Saneamento a incentivar a
empresa privada a participar de um projeto piloto de saneamento
na cidade, considerando a possibilidade de, também, criar condi-
ções concretas para que a empresa alcançasse suas metas, manten-
do a rentabilidade desejada no contrato.
Em junho de 1998, o Programa Água e Saneamento apresentou à
administração pública do governo boliviano e do município e a téc-
nicos da empresa, a experiência brasileira desenvolvida no Prosanear,
incluindo soluções de disposição local e o sistema condominial de
esgotamento sanitário que já eram, à época, largamente utilizados
no Brasil, relatando-se suas características, vantagens e desvanta-
gens e proposta de utilização para experimentação no Projeto Pilo-
to.
A proposta escolhida por todos os atores envolvidos no projeto foi a
do sistema condominial. Contribuiu para isto o fato de o contrato
de concessão dos serviços de saneamento, assinado entre Aguas del
Illimani e a Superintendência de Águas, proibir, não reconhecendo
como alcance de metas, soluções através de sistemas de disposição
local.
O financiamento da experiência se distribuiu entre três fontes. O
Programa de Água e Saneamento e a Agência Sueca para o Desen-
volvimento Internacional destinaram seus aportes para a assistên-
cia técnica e Aguas del Illimani, orientou seus investimentos para
88
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
execução das obras de implantação dos sistemas e a intervenção
social.
A Proposta
O projeto piloto estava fundamentado em alguns pressupostos bá-
sicos que poderiam assegurar maior eficiência e menores custos aos
serviços sanitários, entre os quais estavam alguns de caráter social e
institucional, como: 1) a articulação estreita entre as comunidades
beneficiárias, as municipalidades e o prestador de serviços de sane-
amento básico e 2) a participação permanente da população, o de-
senvolvimento de atividades comunitárias e a implementação de
componentes de educação sanitária, ambiental e de gênero, a
capacitação para a operação de manutenção dos ramais e um siste-
ma de micro-crédito que possibilite o acesso a população a instala-
ções internas hidráulicas e sanitárias mínimas em condições mais
favoráveis. Todos esses aspectos criavam as condições possíveis para
implantação do sistema
Objetivos
A concepção do Projeto Piloto foi centrada na solução do problema
de saneamento de uma área em seu conjunto, o que implica não
apenas soluções para as questões de água potável e esgoto, como
também para as de micro-drenagem, desenvolvimento comunitário
e ações em educação sanitária e ambiental que permitam a incor-
poração desses sistemas à vida de todos os moradores, possibilitan-
89
O Sistema Condominial na Prática
90
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
do a mudança de hábitos e condutas da população no que diz res-
peito à higiene pessoal, ao uso da água e do sistema de esgotos e ao
manuseio e destino final do lixo.
Para atingir tais objetivos, foi desenvolvido um intenso trabalho de
organização comunitária, com a participação ativa do conjunto da
população na implementação do projeto, incluindo a seleção das
tecnologias a utilizar-se e sua implantação, com um forte compo-
nente de educação sanitária e ambiental, utilizando metodologias
participativas.
Implementação
A primeira tarefa visando a preparação do Projeto foi a realização
do Diagnóstico Urbano Rápido Participativo na cidade de El Alto. O
objetivo era conhecer a situação da cidade no que dizia respeito aos
serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos
sólidos, drenagem pluvial e saúde, para projetar estratégias, meca-
nismos e procedimentos, orientados à solução dos problemas do
setor. Os resultados deste estudo foram apresentados e discutidos
em um seminário realizado em maio de 1998.
Para assegurar a adequada implantação e execução do Projeto Pilo-
to, foram criadas duas instâncias institucionais, o Comitê Técnico e
o Comitê de Orientação do projeto. O Comitê Técnico era o órgão
decisório que assumia a implantação do projeto piloto e o seu acom-
panhamento. O Comitê de Orientação deveria oferecer instruções,
recomendações e apoio nas relações interinstitucionais e políticas e
na difusão do desenvolvimento e resultados obtidos.
O Comitê Técnico foi integrado por órgãos da administração públi-
ca, como a Dirección General de Saneamiento Básico; a Oficialía
Técnica Mayor de l’Alcaldía de El Alto; a Unidad Administrativa de
Saneamiento Básico de la Prefectura de La Paz; a empresa conces-
sionária Aguas del Illimani e representantes do Programa de Agua y
Saneamiento del Banco Mundial.
91
O Sistema Condominial na Prática
O Comitê de Orientação foi integrado por representantes da admi-
nistração pública nacional, entre os quais o Ministerio de Vivienda y
Servicios Básicos; Vice-Ministério de Servicios Básicos; e o Vice-
Ministerio de Inversión Publica y Financiamiento Externo; além de
autoridades estaduais e municipais e representantes da empresa con-
cessionária, da Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacio-
nal – Asdi e do PNUD.
A composição do Comitê Técnico foi alterada de acordo com a ne-
cessidade expressa durante a execução do projeto, incluindo um
maior número de representantes de instituições públicas nacionais,
estaduais e municipais.
Definição da Tecnologia Empregada
Na busca por uma solução tecnológica adequada para a área de
intervenção observou-se que, dado o baixo nível de consumo de
água em El Alto e nas zonas periféricas de La Paz, a baixa densidade
habitacional e as características das construções, a opção conceitual
mais adequada seria a disposição “in-situ”, utilizando-se para isto
de umas das muitas soluções disponíveis. As mais comuns e conhe-
cidas são a fossa séptica domiciliar com sumidouro, fossas duplas
absorventes e latrinas ecológicas, sendo esta última patrocinada pela
Cooperação Sueca, por se tratar de tecnologia desenvolvida e di-
fundida pelo engenheiro sueco Uno Winblad.
Dois fatores foram determinantes para que esta opção não fosse
considerada:
1. A existência de crenças religiosas irremediavelmente arraiga-
das na população local que impedem a utilização de sumidou-
ros e/ou fossas absorventes dentro dos lotes, da mesma forma
que não são admitidos a perfuração de poços de água;
2. O fato de o contrato de concessão dos serviços reconhecer ape-
nas a instalação de conexões a sistemas baseados no afasta-
mento dos esgotos por meio de redes para o atendimento às
metas estabelecidas no contrato.
92
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Diante disso, o sistema condominial de esgoto sanitário foi escolhi-
do como o modelo a ser adotado, selecionando-se, inicialmente,
três zonas de intervenção, partindo de um conjunto menor de mo-
radores para o conjunto maior.
Fases e Etapas do Projeto
O Projeto original foi concebido para ser executado em três fases, a
serem desenvolvidas em três anos. Na primeira fase foram definidas
três zonas de intervenção, beneficiando a 1.000 famílias, para inici-
ar a aplicação da metodologia de implementação desenvolvida, an-
tes de aplicá-la, já com os ajustes necessários realizados, na
implementação da segunda fase.
Para a segunda fase estimava-se atingir cumulativamente 5.000
conexões, aplicando uma metodologia mais madura e adequada,
graças aos ajustes realizados na fase anterior. O objetivo primordial
foi continuar com a implementação dos sistemas e alcançar a meta
de 4.000 famílias conectadas, aplicando os ajustes metodológicos e
as lições aprendidas.
Uma das características principais desta fase foi a aplicação de no-
vos critérios de elegibilidade baseados na participação da popula-
ção das novas zonas. Ainda que a utilização destes critérios já esti-
vesse prevista desde o princípio no “Modelo de Intervenção Técnico
Social do Projeto”
43
, eles não foram aplicados na primeira fase pois
se trabalhou com zonas previamente selecionadas pela empresa
Aguas del Illimani, e esta seleção obedeceu somente a critérios de
exeqüibilidade técnica e índices de pobreza, sem tomar em conta a
vontade das pessoas.
A Terceira Fase, que não chegou a ser executada integralmente, im-
plicava na institucionalização do sistema condominial e a capacitação
do pessoal interno de Aguas del Illimani, para possibilitar a sua
replicabilidade e integrá-lo definitivamente no “modus operandis”
da empresa concessionária. A meta aspirada para esta fase era as
10.000 famílias previstas inicialmente no escopo do Projeto Piloto.
43. Arakakiryy, Regina e Lobo sp,
Luiz ; “Modelo de
Intervención Técnica y
Social para la Implantación
de Sistemas Condominiales
de Agua y Saneamiento” –
Programa de Agua y
Saneamiento - La Paz –
Bolivia, Septiembre 1998.
93
O Sistema Condominial na Prática
Em cada fase, o processo de implantação constou de seis etapas. A
primeira consistia na realização do diagnóstico da área, que incluía
estudos socio-econômicos, cadastro e levantamento topográfico.
Foi a partir desses dados que se elaboraram os projetos preliminares
de engenharia.
Na segunda etapa foram negociados os projetos com a comunidade
para escolher a proposta definitiva e foram assinados acordos para
a criação dos condomínios. Nessa etapa se iniciam os trabalhos de
engenharia e a construção das redes principais, a cargo as empresas
contratadas.
A terceira etapa previa a capacitação dos grupos comunitários para
a execução dos ramais condominiais e das instalações intra-domi-
ciliares. Na quarta etapa foram colocados em prática os conheci-
mentos, com a execução das obras de implantação dos ramais
condominiais pelos moradores e a capacitação para a futura gestão
dos sistemas. A consolidação do sistema se realizou em uma quinta
etapa com oficinas de capacitação para a manutenção e em ativi-
dades de monitoramento.
A sexta e última etapa consistiu na avaliação final, realizada de modo
participativo, entre os moradores, onde foram analisados os resul-
tados e as lições aprendidas no processo.
Aspectos Metodológicos
A metodologia empregada considerou o trabalho de implementação
dos sistemas como um todo, integrando o projeto de trabalho so-
cial, de participação comunitária e educação, ao trabalho de enge-
nharia e construção de obras, em uma equação funcional.
Para atingir essa integração, o Projeto se apoiou em uma ação
interdisciplinar, na qual atividades sociais e educativas e os traba-
lhos de engenharia estiveram estreitamente relacionados e foram
executados simultaneamente por uma equipe formada por pro-
fissionais de diversas áreas, tais como engenheiros, trabalhadores
sociais, educadores, sociólogos e comunicadores.
Os pilares fundamentais da metodologia adotada foram as técnicas
participativas dirigidas à comunidade, desenvolvidas pela equipe
interdisciplinar, com um enfoque construtivista. Isto implicou na
construção” paulatina das soluções, combinando as diferentes es-
pecialidades da equipe com a sabedoria popular dos moradores, ao
longo a execução do projeto. Desta maneira, a população foi, ao
mesmo tempo, objeto e sujeito ativo do processo.
A educação sanitária e o trabalho de gênero, foram temas transver-
sais em todo o processo de construção e obras. Esse trabalho se deu
de maneira constante e paralela ao restante das tarefas, buscando
uma ação transversal, com efeitos qualitativos nas ações, mudan-
ças de atitude e na organização dos moradores em todos dos aspec-
tos de suas vidas.
Análise de Resultados
Na primeira fase da implantação do Projeto Piloto El Alto, a
metodologia se aplicou em forma paulatina, ajustando-se de acor-
do com a realidade das comunidades: seus tempos, seus temores
frente a uma nova tecnologia. Estes aspectos condicionaram algu-
mas etapas, cujas atividades, em alguns casos tiveram que ser pos-
tergadas e integradas a outras etapas subseqüentes do Projeto. Foi
por esta razão que as tarefas correspondentes a cada etapa nem
sempre se realizaram estritamente e de acordo ao cronograma.
94
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Cabe destacar que estas zonas da primeira fase, apresentaram mais
inconvenientes do que os esperados. É por isso que durante a expli-
cação de cada etapa, destacamos algumas lições aprendidas a me-
dida que algum aspecto pontual o justifica.
Na segunda fase a equipe de campo junto com a coordenação rea-
lizou ajustes para otimizar sua atuação nas novas zonas. Neste sen-
tido, se modificou a estratégia para a intervenção social destas zo-
nas, tomando em conta as lições aprendidas na primeira fase, reali-
zada em Huayna Potosí e Villa Ingenio, introduzindo-se o princípio
da demanda informada como ponto fundamental da seleção das
zonas de intervenção.
É importante destacar que durante o processo de implantação des-
ta segunda fase, a execução das tarefas próprias de cada etapa en-
frentou menos obstáculos que na fase anterior, e por isto o trabalho
como um todo evoluiu com maior fluidez e precisão em cada uma
das etapas.
A terceira fase do projeto piloto implicava na institucionalização do
sistema condominial e a capacitação do pessoal interno da Aguas
del Illimani, para favorecer sua replicabilidade e integrá-lo definiti-
vamente no “modus operandis” desta empresa concessionária e al-
cançar a meta inicial de 10.000 famílias conectadas. Devido a pro-
blemas orçamentários de Aguas del Illimani foi impossível cumprir-
se o plano de obras original e assim, esta fase não chegou a ser
executada integralmente não sendo atingida a meta aspirada de
95
O Sistema Condominial na Prática
96
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
completar a cobertura de serviços para beneficiar 10.000 famílias.
Quanto ao trabalho realizado para a institucionalização do sistema
em Águas del Illimani e a capacitação de seu pessoal, este foi reali-
zado plenamente, com a realização de diversas oficinas de
capacitação, sempre utilizando-se das mesmas técnicas
construtivistas que resultaram na reformulação, pelos próprios em-
pregados de Aguas del Illimani, de diversos procedimentos com vis-
tas a adaptar a ação da empresa às novas propostas de gestão e aos
novos parceiros em sua realização.
No que concerne ao cumprimento das metas físicas, Aguas del
Illimani tomou a decisão de modificar as alternativas oferecidas,
dando aos moradores a opção de participar ou não na gestão do
sistema condominial, fixando preços de acordo com a alternativa
escolhida. A empresa também decidiu realizar os trabalhos de
implementação com pessoal próprio, sem contratar equipe espe-
cialmente capacitada. Diante disso, foi concentrado todo o esforço
da equipe do PAS no monitoramento, sistematização e
institucionalização do Projeto.
Aguas del Illimani responsabilizou-se, também, pela continuação
das obras físicas, enquanto a equipe do PAS se encarregou, a partir
desse momento, do acompanhamento, da sistematização e
institucionalização da experiência. Coube também ao PAS prover a
capacitação tanto para o pessoal do Ministerio de la Vivienda como
de Aguas del Illimani.
A avaliação participativa, realizada ao final do projeto, revelou que
a maioria dos moradores estava satisfeita com o sistema condominial
de abastecimento de água e esgotamento sanitário e manifestou
seu agradecimento pela conclusão satisfatória do projeto.
A população solicitou, também, a Aguas del Illimani empenho na
manutenção e limpeza da rede principal. Do mesmo modo, os mo-
radores foram estimulados a fazer a ligação com a rede, como um
sinal de que continuam com algum receio sobre a atuação da em-
presa fruto de situações anteriores em que esta não cumpriu acor-
97
O Sistema Condominial na Prática
dos negociados.
Os síndicos sentem-se como participantes de um processo e estão
conscientes de sua responsabilidade de manter o serviço em bom
estado. No processo de avaliação, a comunidade enfatizou a neces-
sidade de fortalecer a organização condominial para realizar a lim-
peza e manutenção da rede e deliberaram que a limpeza dos ramais
condominiais deveria realizar-se a cada três meses em caráter pre-
ventivo.
Também ficou claro o compromisso da comunidade de respeitar os
estatutos e regulamentos internos de cada condomínio, assim como
de assegurar a limpeza do sistema e resolver outras necessidades
que surgissem na manutenção do sistema.
Finalmente, a comunidade considerou importante fazer uma nova
avaliação para corroborar o funcionamento do sistema durante a
época das chuvas.
Agora estamos muito
felizes
Vivemos em El Alto e em La Paz...
...no Altiplano Boliviano,
rodeados pelos montes
Huayna Potosi e Illimani,
por onde nasce o sol e
sopram os ventos das cor-
dilheiras.
Mas a maioria de nós veio
do campo, onde ainda te-
mos nossas “yapú–cha-
ckras”, para semear e pas-
torear.
Lutamos por uma vida
melhor.
Por isso trabalhamos muito para construir nossas casas e agora já podemos
dar mais conforto e escola para nossos filhos.
Mas nos faltava água potável e esgotos.
Nossas casas não tinham banho e nem lavanderias. E era preciso sair bem
cedo para conseguir água nas torneiras públicas ou em poços contamina-
dos.
Isso causava desconforto e do-
enças para nossas famílias. Ti-
nha águas servidas empoçadas
nos quintais e ruas, se misturan-
do com lixo e a água das chu-
vas, contaminando toda a re-
gião.
Fazíamos nossas necessi-
dades ao ar livre. Dessa
maneira, estávamos nos
contaminando e conta-
minando a natureza e os
animais também.
... às quatro da
manhã saíamos
para buscar água
nesse poço. Quan-
do voltávamos
eram oito, nove
da manhã.
Sofríamos...
porque não exis-
tia água. Tinha
um poço na fren-
te do
Topokatari.
De trazíamos
água. Mas era
longe e não
podíamos trazer
em grande quan-
tidade.
Antes era difícil
ir ao banheiro.
Tínhamos que ir
ao rio e as crian-
ças muitas vezes
mexem no lixo,
podem mexer em
qualquer coisa.
Essa situação não podia ficar assim, era preciso mudar as coisas, fazer algo…
As mudanças começaram...
...quando as equipes do Projeto Piloto nos
convidou para participar da solução dos pro-
blemas de saneamento em nossos bairros,
com a implantação de sistema condominial
de abastecimento de água e esgotamento sa-
nitário, construção de banheiro, pia e tan-
que de lavar roupa em nossas casas.
Durante as reuniões pu-
demos conhecer o fun-
cionamento do sistema
condominial e todo o
Projeto Piloto.
Ajudando a decidir sobre
os trajetos das tubula-
ções, criando condomí-
nios e dando mão de obra
comunitária, os custos
baixariam e todos sabe-
ríamos como o sistema
funciona e a maneira de
fazer a sua manutenção.
Foi o início de um grande
aprendizado.
Primeiro, realizamos as-
sembléias para aderir ao
Projeto Piloto, que tem os
mesmo objetivos que nós.
Dotar nossos bairros de
água e esgoto para me-
lhorar a qualidade de vida
na comunidade e preser-
var nossa saúde.
Depois, nos organizamos em grupos de vizinhos por quadra e formamos os
condomínios. Cada condomínio escolheu seu representante e definimos, jun-
tos com os técnicos, o traçado dos ramais para retirar o esgoto e levá-lo até
a rede coletora por onde todo o esgoto segue até a estação de tratamento.
Antes de começar os tra-
balhos tivemos várias ofi-
cinas de capacitação para
as obras.
Trabalhamos duro...
...para construir uma obra que valoriza nossos bairros, preserva nossa saúde
e trás conforto para nossas famílias.
Todos os vizi-
nhos trabalha-
ram. Nós todos
trabalhamos o
dia todo até à
noite. Trabalha-
mos até debaixo
de granizo.
Valia a pena por-
que, finalmente,
tínhamos algo que
valia a pena ter. É
como estou dizen-
do, todos trabalha-
mos, inclusive
jovens que nunca
tinham levantado
uma picareta ou
uma tiveram
que trabalhar.
Estamos conten-
tes. Valeu a pena o
sacrifício.
Eu estou me-
lhorando. Com
meu banheiro e
chuveiro... estou
melhorando. Mais
que tudo a água é
o mais importan-
te. Tenho confor-
to agora. tenho
minha
cozinhazinha...
minha aguinha
chega fácil. Me
lavo,.... enfim,
tudo está em or-
dem.
Durante as obras participamos de muitos encontros e oficinas com as equi-
pes do Projeto sobre saúde, higiene, manutenção do sistema, como manter
nossos quintais, ruas e bairros limpos e, ainda, como preservar a natureza.
Mas para que o sistema condominial pudes-
se funcionar era necessário que todos os
moradores fizessem sua ligação ao ramal,
construíssem seus banheiros e instalassem
os serviços de água potável.
Dessa maneira, a água que ficava empoçada
ia ter um destino correto que é a rede de
esgotos.
E, para que todos pudes-
sem construir seu banhei-
ro, o Projeto ofereceu
micro-crédito para as fa-
mílias que necessitavam.
Com banheiro e tanque
de lavar nas casas, nossa
vida mudou muito.
Agora tendo
banheiro, a qual-
quer momento
entro no chuvei-
ro. A qualquer
momento posso,
também, fazer
minhas neces-
sidades. não
tenho que estar
indo ao rio.
Dou banho no
meu filho a qual-
quer momento.
Se me aborrece,
pronto. Tiro a
roupa dele e o
meto no chuvei-
ro.
Todos de mútuo
acordo nos com-
prometemos em
trabalhar. Ou
seja, todos parti-
ciparam no tra-
balho. Como
dizemos no bair-
ro, fizemos uma
ação comunal.
Assim estamos
mais unidos e
nos comunica-
mos mais entre
os vizinhos.
Durante as obras aprendemos e ensinamos muito na convivência entre os
técnicos e vizinhos.
Agora nos reconhecemos
mais. mais confiança e ajuda
entre nós.
Compartilhamos
com o Mário, nos-
so técnico, um
pequeno fiambre,
um chá ou um
café nos momen-
tos de frio. Isto
foi, para mim,
uma satisfação
por poder com-
partilhar entre
vizinhos...
Foi um tempo de confraternização e troca de experiência, especialmente
entre as mulheres, sobre como cuidar dos filhos, preservar nossa saúde, manter
a higiene, participar das atividades.
Tivemos também momentos de
festa e alegria
Aprendemos que as mu-
danças acontecem quan-
do existe participação,
onde podemos ajudar a
decidir sobre o que é me-
lhor para todos. E cada
um puder ajudar na sua
medida. Outros bairros
também podem começar
a mudar fazendo o que
estamos fazendo.
Podemos voltar a
trabalhar. Se for
necessário pode-
mos ir a outros
bairros e, tam-
bém, trabalhar.
Mostrar-lhes como
fazer, fazer ofici-
nas e, até mesmo,
no trabalho manu-
al podemos aju-
dar. E orientá-los,
porque eles tam-
bém estão sofren-
do o que nós
sofremos e neces-
sitam do mesmo
elemento.
Este encarte foi baseado no vídeo “Ahora nosotros nos encontramos muy felices”, dirigido e
produzido por Cácia Cortez, Regina Arakaki ryy e Luiz Lobo
sp, para o “Projeto Piloto El Alto” e
financiado pela Swedish International Development Cooperation – SIDA e pelo World Bank -
Water and Sanitation Program – WSP - 2000 – La Paz – Bolívia
Fotos:Fotos:
Fotos:Fotos:
Fotos:
Cácia Cortez
Hugo Aguillar
TT
TT
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exto:exto:
exto:exto:
exto:
Cácia Cortez
CAPÍTULO III
LIÇÕES APRENDIDAS
164
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
LIÇÕES APRENDIDAS
A ruptura com os sistemas convencionais de saneamento básico e a
adoção do modelo condominial provocam inevitáveis impactos e
resistências porque colocam em lados opostos duas instâncias que
historicamente sempre se complementaram: a tradição governa-
mental de decidir e agir de modo centralizado e a sociedade habi-
tuada a práticas paternalistas. A proposta do modelo condominial
quebra esses dois pilares ao exigir, simultaneamente, flexibilidade
técnica adequada a realidades locais e participação, com poder
decisório, da comunidade. A esses componentes devem-se adicio-
nar duas outras condições intrínsecas ao modelo condominial: a
redução dos custos e a visão integrada do saneamento ambiental. A
necessidade de buscar custos menores para assegurar a ampliação
do atendimento gera mais um nível de confronto, que se estabelece
dentro da própria burocracia, condicionada, ao longo de anos de
práticas permissivas, ao uso fácil do dinheiro público. A mesma bu-
rocracia, construída sobre a segmentação que caracteriza a admi-
nistração pública, encontra enormes dificuldades na integração de
órgãos e instituições públicas nas ações de saneamento ambiental.
As experiências brasileiras de implantação de sistemas condominiais
apontaram falhas e entraves institucionais, como a morosidade na
tramitação das propostas, o que resulta em projetos desatualizados
e inadequados, situação agravada pela a ausência de mecanismos
eficientes de planejamento e regulamentação do uso e ocupação
do solo em áreas urbanas. Ainda no campo institucional, o modelo
centralizado dispensou os municípios de investimentos na forma-
ção de estruturas próprias para responder às demandas em sanea-
mento, fato que se traduz na falta de quadros técnicos capacitados
e experientes para implementar projetos locais, sobretudo aqueles
de caráter integrado.
Para a sociedade, habituada a ser mantida em cautelosa distância
das decisões governamentais, a convocação à participação efetiva
representa um desafio nem sempre bem recebido pela própria co-
munidade, que se ressente da falta de preparo e organização para
interferir no processo de definição do modelo a ser adotado. Na
165
Lições Aprendidas
medida em que a população passa a acompanhar mais de perto a
implementação dos programas de saneamento, o senso crítico e os
questionamentos sobre tais programas aumentam, gerando insa-
tisfações generalizadas. A população passa a querer interferir dire-
tamente nos projetos, confrontando-se com a rigidez dos técnicos
quanto à sua execução.
Em termos de custos, a substituição do modelo convencional impli-
ca profundas modificações nos conceitos técnicos, inclusive quanto
aos materiais utilizados. Em muitos casos, a dificuldade na adequa-
ção a novos paradigmas técnicos acaba simplesmente anulando o
potencial de economia de investimentos do sistema condominial.
Esses obstáculos precisam ser bem conhecidos e avaliados, para que
possam ser superados no processo de construção de um modelo
adequado e eficiente de gestão compartilhada do sistema de sa-
neamento.
Avaliação dos Resultados Institucionais
Entraves burocráticos
Os objetivos e as condições estabelecidas pelo Prosanear - atendi-
mento integral dos serviços de saneamento básico para famílias de
baixa renda, com tecnologia que “promovam ganhos de eficiência e
redução de custos” e, ainda, com a participação da comunidade em
todas as fases do projeto - já ofereciam, em si mesmos, grandes
dificuldades para um corpo técnico pouco habituado a trabalhar
com tais exigências. Somando-se ainda as características das nego-
ciações de projetos financiados por agências multilaterais de de-
senvolvimento - no caso do Prosanear, o Banco Mundial - é possível
explicar, em grande parte, a morosidade no desenvolvimento dos
projetos, sobretudo aqueles que envolvem sistemas condominiais.
As consultoras encarregadas de estruturar os diferentes componentes
desses projetos conseguiram absorver as características inovadoras
deste tipo de obra, mas a burocracia governamental e as empreiteiras,
de modo geral, costumavam insistir em desenvolvê-la como se fos-
se uma obra convencional. É freqüente encontrar, nos relatórios de
andamento de obras do Prosanear, afirmações como “a companhia
de saneamento não iniciou o trabalho alegando que precisava rece-
ber a totalidade do projeto executivo das redes coletoras que estava
sendo desenvolvido. O projeto executivo, por sua vez, era necessari-
amente lento, uma vez que dependia da negociação com os mora-
dores quanto ao caminhamento da rede e, óbvio, das adesões ao
projeto.”
O conflito entre o novo modelo e formas convencionais de
implementação de projetos de saneamento tornou-se constante pois
o projeto executivo, necessariamente, deveria se submeter ao ritmo
e cronologia demandados pelas negociações com a comunidade,
estabelecendo-se crônicas diferenças de enfoque e de prioridade
sobre o mesmo projeto, gerando crises institucionais constantes.
Os projetos que optaram por seguir o cronograma convencional,
aguardando a entrega da totalidade dos projetos executivos da rede,
para iniciar as obras, enfrentaram outros problemas. O intervalo de
tempo entre a formação dos condomínios e a execução da obra,
muitas vezes provocava desconfiança da população sobre o projeto
e desestimulava a participação, perdendo-se grande parte do esfor-
ço mobilizador do trabalho social. Nesses casos, a gestão comparti-
lhada do sistema se inviabilizava, com o retorno às antigas práticas
de reclamações contra a qualidade do serviço e contra a companhia
de saneamento.
166
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Em muitos casos, os problemas foram agravados por orçamentos
elaborados a partir de projetos básicos e que não continham todos
os serviços e atividades definidas a partir dos ajustes realizados no
projeto executivo. Acréscimos de redes coletoras; aumento da inci-
dência de maiores diâmetros na rede ou do número de mudanças
de direção e, conseqüentemente, aumento do número de caixas de
inspeção em relação às previstas no projeto básico; a necessidade
de se mudar a concepção adotada para travessias de ruas; a conve-
niência de mudar o sistema de entrada das ligações na rede coletora,
através de caixas, ao invés de conexões; aumento nos serviços de
rebaixamento de lençol freático ou, ainda, imprevistos como a per-
furação de poços secos, são alguns exemplos de modificações não
previstas no orçamento e que, em muitos casos, representam lon-
gas negociações entre os agentes promotores e as empresas vence-
doras das licitações.
Os atrasos na liberação das contrapartidas estaduais ou municipais
também contribuíram para comprometer as metas estabelecidas e
justificar os baixos percentuais de obras executadas. Com freqüên-
cia, quando os recursos escasseavam, os agentes promotores opta-
ram por reduzir ou dispensar o trabalho com a comunidade, voltan-
do às práticas convencionais. O reflexo dessa decisão sobre a comu-
nidade era inevitável porque, de modo geral, a equipe encarregada
do trabalho social estabelecia com os moradores uma relação de
confiança e, não raramente, de recuperação da imagem da compa-
nhia de saneamento. A supressão do trabalho com a comunidade
sempre produziu impactos negativos na concepção condominial do
167
Lições Aprendidas
168
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
sistema.
Problemas decorrentes da falta de planejamento
Entre as condições estabelecidas para aprovação de projetos de sa-
neamento básico pelo Prosanear está o enquadramento da área a
ser beneficiado, tipificada como um aglomerado urbano caracteri-
zado como subnormal pelos critérios do IBGE, com pelo menos 300
domicílios e população com renda mensal média de até 3 salários
mínimos, em municípios com mais de 75.000 habitantes. Essas con-
dições, de modo geral, correspondem a áreas periféricas em ritmo
acelerado de ocupação, fato que gera um conjunto complexo de
problemas quando ocorrem atrasos significativos entre o projeto
básico e a execução da obra.
As administrações municipais não contam, habitualmente, com ins-
trumentos adequados de planejamento e raramente conseguem
implementar planos adequados de uso e ocupação do solo nas áre-
as periféricas. Também não dispõem de dados que permitam definir
tendências de crescimento da população e, a partir deles, planejar o
próprio crescimento da cidade. Sem esses instrumentos e sem a
complementação de políticas sociais adequadas, que nem sempre
dependem da esfera municipal, torna-se praticamente impossível
evitar a concentração de população de baixa renda na periferia, onde
o menor custo ou a posse irregular dos terrenos ainda viabiliza sua
sobrevivência.
Diante dessa dinâmica, qualquer atraso na implementação de um
projeto de saneamento nessas áreas implica riscos de inadequação
pois a realidade se modifica rapidamente, tornando a proposta ini-
cial defasada e criando novas demandas pelos serviços. Com orça-
mentos rígidos, como exige a boa prática da administração pública,
dificilmente será possível atender a todos moradores.
Ademais, o crescimento desordenado também representa um
dificultador para a participação comunitária pois a população que
se instala nessas áreas periféricas tem distintas origens e baixa ca-
pacidade de integração e de ação coletiva. O atendimento apenas
169
Lições Aprendidas
parcial de uma comunidade, em virtude da defasagem entre a si-
tuação identificada inicialmente e a realidade no momento da im-
plantação do projeto, pode comprometer a qualidade dos resulta-
dos e a manutenção da proposta condominial. A prática mostra que
nestes casos, o projeto original precisa sofrer modificações impor-
tantes, incluindo o desvio do traçado original e, na impossibilidade
disto, podendo chegar à necessidade de demolição de edificações e
a indenização de moradores, produzindo importantes variações de
custo resultantes dessa situação.
Despreparo da administração pública
Para cumprir seus objetivos, o modelo condominial exige a adoção
e a implementação de ações de caráter político-pedagógico que se
diferenciem das práticas tradicionais de cunho tecnicista, inclusive
na composição de sua equipe e organização do trabalho.
É exigência do modelo a execução de ações integradas de saúde e
educação sanitária, estimulando o processo participativo e de co-
responsabilidade dos futuros usuários na definição e implantação
dos projetos e operação dos sistemas como meios para a redução
dos custos
Por princípio, a equipe que irá desenvolver o programa precisa ter
competência técnica e habilidade para promover a participação co-
munitária, abrindo canais de questionamento e aprendizagem du-
rante todo o processo de trabalho. A proposta de saneamento bási-
co com caráter participativo deve ser aprendida e assimilada por
todos integrantes da equipe do programa.
Trata-se de um trabalho técnico altamente especializado, que ne-
cessita estrutura organizacional adequada e profissionais prepara-
dos para atuar com uma grande diversidade de fatores que inclue
as diversas origens da população e seus respectivos traços culturais
e o respeito aos costumes locais.
Diante dessas especificidades, torna-se indispensável à adoção de
metodologias modernas e ágeis, que subsidiem o planejamento
170
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
participativo desenvolvido por uma equipe interdisciplinar.
A interdisciplinaridade conflita diretamente com a forma tradicio-
nal de organização dos serviços públicos de modo geral e de modo
mais acentuado nas companhias de saneamento. Por mais que o
trabalho, estruturalmente, fosse organizado de forma a favorecer a
integração entre as diversas disciplinas envolvidas, na prática a se-
paração entre elas sempre se reconstituía, de modo hierarquizado.
As equipes facilmente se dividiam entre as funções “social e de en-
genharia”, e o conhecimento “técnico” sempre era atribuído aos pro-
fissionais da área de engenharia, restando para a área social a clas-
sificação de conhecimento “empírico”, não científico ou “uma ques-
tão de bom senso que naturalmente todo ser humano deve possuir”.
Quando essa não se dava na própria equipe, era manifestada pelos
moradores que muitas vezes reivindicavam falar com o “doutor”
engenheiro para resolver problemas técnicos.
Essa divisão se refletia claramente no desempenho dos profissio-
nais: de um lado, o técnico social, por nem sempre entender das
questões técnicas, assumia posturas paternalista com os morado-
res; do outro, muitos dos engenheiros e técnicos menosprezavam
ou não tinham habilidade para lidar com a preocupação dos mora-
dores. De fato, problemas como a concepção positivista do conhe-
cimento e a prática autoritária residual de anos de ditadura militar,
que devem ser banidos do modelo condominial, geram discussões e
conflitos intra-equipes.
As possibilidades de capacitação nos município são restritas e, mui-
tas vezes, as equipes são formadas por profissionais de escolaridade
média, não-especializados. A maioria dos profissionais não tem ex-
periência em trabalho comunitário e mesmo os quadros técnicos da
área de engenharia não estão preparados para aplicar seus conhe-
cimentos em projetos de saneamento básico.
Para garantir a interdisciplinaridade, um passo importante é asse-
gurar, para toda a equipe, o conhecimento pleno da metodologia
utilizada, passando por uma capacitação específica para que com-
171
Lições Aprendidas
preendam e possam aplicar os princípios contidos no modelo.
A dificuldade de integração é ainda maior quando se trata de
implementar, como exige o modelo, ações de saneamento ambiental,
envolvendo não apenas o abastecimento público de água e o siste-
ma de esgoto, como também a coleta de resíduos sólidos e a im-
plantação de rede de micro-drenagem, dentro de uma concepção
sistêmica que oriente os resultados para a conservação dos recursos
naturais. A fragmentação do serviço público, com a decorrente falta
de capacitação profissional adequada para o planejamento de ações
integradas, dificulta a articulação entre os órgãos responsáveis e
freqüentemente provoca a compartimentalização do programa,
agravando a já constatada falta de interlocução entre as diferentes
áreas de conhecimento.
Um programa de saneamento ambiental integrado, sobretudo no
modelo condominial, não pode dispensar essa articulação porque
são muitas as instituições, em diferentes níveis de governo, que têm
afinidade com as áreas de interferência. Essa articulação precisa ser
provocada e até prevista na própria concepção do sistema, para
potencializar os resultados e evitar duplicidade de esforços e ou
ações conflitantes dos órgãos governamentais.
Desenvolvimento institucional
Se existe uma conclusão a ser tirada de toda a experiência adquiri-
da ao longo desses vinte e tantos anos, esta é a da necessidade de
institucionalização dos sistemas condominiais como um dos aspec-
tos fundamentais de sua sustentabilidade e correto funcionamento
enquanto proposta.
São muitas as condições encontradas, ligadas à institucionalidade,
que afetam a sustentabilidade do sistema implantado cuja supera-
ção são indispensáveis para a gestão adequada de qualquer siste-
ma: 1) municípios que não tem e/ou não têm planos de ter uma
estrutura organizada e autônoma para a prestação dos serviços de
saneamento; 2) municípios que têm uma estrutura organizada e
autônoma para a prestação dos serviços de saneamento mas não
172
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
conseguem implantar as modificações necessárias em sua estrutu-
ra administrativa e procedimentos para dar continuidade aos acor-
dos contidos nos contratos assinados com os condomínios; 3) em-
presas de saneamento, concessionárias dos serviços, que como no
exemplo anterior não conseguem implantar as modificações neces-
sárias em sua estrutura administrativa e procedimentos para dar
continuidade aos acordos contidos nos contratos assinados com os
condomínios. A essas poderíamos acrescentar muitas outras, mas
em especial destacamos a inércia existente dentro das empresas e
as dificuldades de modificarem-se sem que haja um fator externo
que determine esta modificação.
“Este fator externo, indispensável à mudança, não pode ser ou
pertencer ao próprio concessionário ou prestador dos serviços.
A moldura institucional do setor de saneamento deve contem-
plar a instância municipal – uma vez aceita sua titularidade so-
bre os serviços – como responsável pela elaboração da política
de saneamento, sua inclusão no plano diretor e/ou lei orgânica,
a conceituação do modelo a ser adotado, a definição da
abrangência e qualidade dos serviços prestados. Esta responsa-
bilidade deverá ser exercida por estrutura administrativa inde-
pendente e representativa da sociedade, com mandatos e orça-
mentos próprios.”
Para dar respaldo a proposta de desenvolvimento institucional é
necessário que existam programas que viabilizem sua concretização.
Existem hoje diversas linhas de financiamento que contemplam o
desenvolvimento institucional mas, estas, estão dirigidas às empre-
sas e serviços autônomos existentes, dentro da organização
institucional existentes.
Como parte do esforço para aumentar os índices de cobertura,
foram criadas linhas de financiamento específicas para a
reestruturação do setor de saneamento, embora ainda voltadas
173
Lições Aprendidas
para o modelo dominante, centralizado nas companhias esta-
duais. Dentro dos projetos da modalidade Prosanear foram in-
cluídos componentes de desenvolvimento institucional do setor
de saneamento municipal para viabilizar a operação do sistema
condominial. Entretanto, essa proposta tem se demonstrado de
difícil implementação. Além dos obstáculos já mencionados, como
a falta de tradição e experiência dos municípios em saneamento
básico e a dificuldade de articulação entre os órgãos de diferen-
tes áreas da administração pública, existem dificuldades especí-
ficas da área política. Como o período de implantação dos pro-
gramas não correspondem, necessariamente, à gestão de um
mesmo prefeito, são freqüentes os casos de desmonte, pelo su-
cessor, da estrutura administrativa concebida e implementada
dentro do modelo condominial. Sem estrutura adequada, os sis-
temas acabam submetidos às regras convencionais, perdendo
suas características fundamentais.
Dos bons resultados do processo de institucionalização, dependerá
fundamentalmente a capacidade de o concessionário municipal de
saneamento se tornar mais eficiente, capaz e sustentável tecnica-
mente, desenvolvendo seus quadros técnicos e processos além de
economicamente viável, gerando suas próprias receitas a partir da
implantação de tarifas pela prestação dos serviços, alicerçada em
modernas práticas de planejamento estratégico e administração.
A efetivação da cobrança de tarifas tem encontrado resistência por
parte dos municípios onde ainda não são cobradas porque a partici-
pação da comunidade na implantação dos sistemas, em grande parte
dos casos, limitou-se à adesão, sem evoluir para formas mais avan-
çadas de gestão compartilhada. Considerando-se que as metas não
são satisfatoriamente cumpridas e que a operação e a manutenção
dos sistemas acabam voltando a responsabilidade do concessioná-
rio sem alterar significativamente a qualidade, os moradores não
conseguem perceber a diferença e as vantagens e, freqüentemente,
reivindicam o retorno aos antigos moldes de cobrança através de
uma taxa incluída no IPTU.
174
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
A implantação de cobrança de tarifas de forma unilateral e sem a
ampla participação da comunidade pode produzir um amplo rechaço
popular à medida, provocando o surgimento de problemas crônicos
de inadimplência. Por outro lado a alternativa de remuneração do
serviço através do IPTU não viabiliza economicamente o sistema.
Superar este dilema é a preocupação que deve nortear as discus-
sões para o estabelecimento da nova moldura institucional para o
setor.
Após a implantação do sistema a ocorrência de um processo de
desmobilização institucional e/ou de desrespeito aos acordos assu-
midos com a população leva a uma total desarticulação da comuni-
dade e à incapacidade operacional do serviço de saneamento. Dian-
te de um quadro semelhante, não são raros os casos em que a o
concessionário retoma o modelo convencional, adotando apenas as
características formais do sistema condominial que passa a funcio-
nar como um sistema convencional com redes pelas calçadas.
As Dificuldades da Gestão Compartilhada
A primeira questão a considerar, quando se avalia os resultados das
experiência de implantação dos sistemas condominiais com partici-
pação da comunidade, é a de olhar as obras para além de seu aspec-
to físico, levando em conta, principalmente, a repercussão desta na
construção do imaginário da população. A avaliação da obra por
parte dos moradores não é neutra e está carregada de impressões
subjetivas que compreendem a sua experiência pessoal, política,
comunitária, e também de sua coletividade: as relações de poder
institucionais, histórico de participação e suas lideranças.
A relação dos moradores com a execução das obras também está
relacionada com a forma como foi conduzida a etapa de decisão do
processo de implantação, em cada área. A obra se torna uma foto-
grafia da participação comunitária, do processo de negociação, da
aceitação ou rejeição ao programa.
É importante observar que as obras possuem um poder de
175
Lições Aprendidas
mobilização que transcende, em alguns momentos, o contexto do
programa, estabelecendo situações de conflito que exigem grandes
esforços para retomar a relação de co-responsabilidade dos mora-
dores. Grande parte dos problemas se deve ao fato da leitura feita,
não só pelos moradores, mas às vezes também pela equipe técnica,
de uma proposta de sistema que é inovador inclusive nos seus pro-
cedimentos de execução de obras.
Participação organizada
Nestas circunstâncias, o trabalho de acompanhamento de obras reú-
ne um conjunto de fatores de difícil compreensão pelas diversas
interfaces, como a função da equipe de fiscalização, as funções a
serem desempenhadas pelos técnicos sociais, representantes, mo-
radores e a relação com as construtoras.
Para atender adequadamente a esse complexo conjunto de fatores,
é preciso estabelecer, no acompanhamento das obras, atribuições
claras a todos os atores envolvidos, estabelecendo um código de
conduta contendo todas as funções bem especificadas. Conside-
rando-se como atores fundamentais a comunidade, seus represen-
tantes, os técnicos que atuam na área social, a empreiteira e a em-
presa de saneamento, é preciso estabelecer um fluxo de informação
e de responsabilização hierarquizado, para evitar desencontros que
podem influenciar negativamente a construção da gestão compar-
tilhada.
Aos técnicos sociais devem caber as funções diretamente associa-
das à comunicação com a comunidade, como por exemplo: manter
permanentemente informados os representantes dos condomínios
sobre a situação das obras; avisar os moradores com antecedência
sobre o início das obras, possíveis problemas com falta de água e
qualquer outro incidente decorrente do processo de obras: realizar
visitas domiciliares com caráter educativo sanitário; trabalhar com
prazo pré-estabelecido as ligações domiciliares; ajudar os morado-
res na aquisição das caixas de gordura; e planejar atividades coleti-
vas de educação sanitária.
Todas as informações sobre as obras, o projeto, os procedimentos,
prazos, função de cada equipamento, metodologia de construção
devem ser repassadas aos moradores, e principalmente aos repre-
sentantes.
O papel dos representantes nesta fase, é o de acompanhar a execu-
ção das obras de seu condomínio, de ser informado e informar os
moradores sobre todos os procedimentos, problemas e encaminha-
mentos relativos as obras. O representante do condomínio não pode
ter, entretanto, poder de paralizar a obra e não deverá se dirigir
diretamente à empreiteira ou ao engenheiro quando detectar pro-
blemas ou necessitar informações, devendo respeitar seu canal de
comunicação que são os técnicos sociais.
Aos engenheiros e auxiliares técnicos cabe fiscalizar as obras de acor-
do com os procedimentos do contrato. As construtoras executam as
obras, não dispondo de informações sobre o desenvolvimento das
negociações com a comunidade e, por isso, não se reportam direta-
mente a população. Da mesma forma, o técnico social não se repor-
ta à construtora para encaminhar questões relacionadas às obras.
Diante de qualquer dúvida, o técnico social deverá se reportar ao
seu supervisor, que por sua vez recorrerá ao engenheiro da obra
para as providências necessárias. Somente o engenheiro da obra e o
técnico de engenharia podem se dirigir à construtora para resolver
problemas ou buscar informações relacionadas ao processo de obras.
176
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Embora fosse extremamente difícil manter na prática a separa-
ção entre essas funções, era comum encontrar, durante a insta-
lação do sistema, engenheiros orientando moradores, funcioná-
rios de construtoras renegociando traçados de ramais
condominiais, técnicos sociais varrendo as calçadas ou cuidan-
do das caixas de inspeção, representantes discutindo especi-
ficações técnicas e moradores discutindo obras com os peões.
A adoção dos procedimentos descritos acima pode contribuir muito
para acelerar o aprendizado da complexa organização coletiva que
o sistema condominial exige. A ordenação do processo de partici-
pação permite o amadurecimento de todos os atores envolvidos e
deve ser encarada como um tipo de capacitação para o exercício
pleno da gestão compartilhada.
Os avanços nesse processo de amadurecimento coletivo somente
são possíveis nos casos em que os condomínios foram formalizados
e regulados, com responsabilidades claras. Sem manutenção e até
operação compartilhada, o sistema condominial ficará reduzido a
um sistema convencional de baixo custo que utiliza métodos
participativos de implantação.
Avanços e contradições
Uma das grandes dificuldades para colocar integralmente em práti-
ca a proposta da gestão compartilhada é a divisão real de poder que
implica em dar à população, por meio de seus representantes no
177
Lições Aprendidas
178
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
condomínio, força para decidir pela opção mais adequada em todos
os momentos do processo. Evidentemente, trata-se de um processo
de amadurecimento político, a partir do qual a comunidade apren-
de a importância e o poder da participação efetiva. A partir desse
aprendizado, a comunidade, inevitavelmente passará a utilizar os
mesmos mecanismos para reivindicar a solução de outros proble-
mas urbanos e sociais. Essa nova conduta da sociedade representa
um rompimento profundo com a prática clientelista que caracteri-
za a administração pública e pode encontrar forte resistência prin-
cipalmente por parte dos políticos locais, habituados a atrelar o aten-
dimento das demandas dos moradores a suas campanhas eleitorais.
O uso de um método adequado de estímulo à participação, que
inclua o desenvolvimento de uma visão crítica da realidade, leva a
comunidade a expressar todas as contradições, desnudar falhas,
defeitos, carências e, ao mesmo tempo, projetar a idealização da
realidade. Esse processo de descoberta favorece o surgimento de
novas lideranças informais e o resgate histórico, social, cultural e
econômico dessas comunidades. Ao resgatar suas histórias, os mo-
radores de cada comunidade passam a analisar o seu cotidiano e
aprendem lições de solidariedade diante de problemas comuns.
A partir dessa identidade, pessoal e grupal, ampliam sua visão
da realidade do próprio bairro e passam a discutir suas dificul-
dades e debilidades e a buscar alternativas para a solução dos
problemas. Considerando-se o enorme contingente de popula-
ção desagregada, quase desmemoriado de suas raízes culturais,
históricas, de seus mitos e suas práticas de vivência em grupo,
torna-se claro o potencial que o processo participativo tem na
construção de coletivos conscientes, opondo-se à passividade
histórica que tanto facilita a manipulação política.
O Paradigma Cultural
Os esforços para estimular a participação da comunidade, quando
conduzidos adequadamente, chegam a resultados surpreendentes,
mas exigem tempo e dedicação para quebrar o paradigma cultural
179
Lições Aprendidas
que se manifesta, simultaneamente e de modo inter-relacionado,
nas práticas convencionais e no modo como a população entende
seu papel na solução dos problemas coletivos.
As práticas convencionais tendem a dar maior ênfase aos aspectos
técnicos, preterindo o trabalho social com facilidade. O leque de
justificativas para dispensar o trabalho social abrange fatores diver-
sos. Entre as razões econômicos estão incluídas o custo do trabalho
em si e o risco de ampliação das exigências da comunidade. As jus-
tificativas de ordem política estão sempre relacionadas com o en-
fraquecimento das práticas clientelistas e o fortalecimento de ten-
dências populares. O fator preponderante, contudo, é a visão elitista
que considera as decisões técnicas como um direito exclusivo dos
detentores do conhecimento. Nesse caso, a delegação à comunida-
de do poder de decidir qual o sistema mais adequado às suas neces-
sidades quebra um paradigma solidamente assentado numa socie-
dade profundamente desigual e dividida entre os que detêm deter-
minados conhecimentos e o poder que deles emana e aqueles que,
teoricamente, não sabem nada.
Essa parte da sociedade - e não se trata, apenas, da população mais
pobre - não tem consciência da necessidade de participar direta-
mente da solução de seus próprios problemas. Habituada ao
paternalismo, a sociedade não percebe que o Estado é a expressão
orgânica daquilo que a população é, acredita, pensa e propõe e não
um “Ente Superior” que provê todas as suas necessidades e que tudo
sabe. A sociedade é um grande condomínio e, quando se reúne num
Estado, é preciso estabelecer as condições e as regulamentações
necessárias para fazer com que as instituições funcionem de ma-
neira adequada, para que não se sobreponham à própria sociedade.
Esses mecanismos cautelares somente são eficazes e eficientes quan-
do a sociedade participa de sua elaboração e fiscaliza sua
implementação.
Fatores Econômicos
Dados sobre custos dos sistemas condominiais são difíceis de se
conseguir com detalhes porque, creio, não houveram apropriações
180
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
adequadas dos sistemas implantados. Podemos encontrar algumas
referências nas experiências realizadas que relatam economias va-
riando entre 45 a 60% em relação aos custos dos sistemas conven-
cionais.
Entre as experiências relatadas a que mais dados dispomos em rela-
ção a custos de implantação é a referente ao projeto piloto El Alto e
não são significativas pois os custos de implantação de sistemas na
Bolívia não podem ser comparados unitáriamente com os custos
praticados no Brasil. Assim, reproduzo abaixo quadros em que apre-
sento os custos realizados lá, os resultados econômicos obtidos com
a utilização do condominial e as economias realizadas em quanti-
dade de tubos, número de poços de visita utilizados nos sistemas e
volumes de escavação que são itens de obras importantes na for-
mação dos custos finais
44
.
44. Os dados foram extraídos
da apresentação realizada
por Luiz Lobo sp no
“Seminario Internacional
Condominial” de 26 de julho
de 2000, La Paz, Bolívia -
Programa de Água y
Saneamiento – Banco
Mundial.
181
Lições Aprendidas
Dados não muito recentes (1997) da Caesb, nos mostram alguns
custos comparativos de manutenção. Esses custos não podem ser
tomados de maneira absoluta uma vez que não consideram a ges-
182
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
tão compartilhada mas, sim, podem ser considerados relativamen-
te, demonstrando uma vantagem inequívoca para o sistema
condominial em relação aos custos de manutenção dos sistemas.
CAPÍTULO IV
DESAFIOS DE UM NOVO MODELO
184
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
DESAFIOS DE UM NOVO MODELO
O cumprimento da meta da universalização dos serviços de sanea-
mento básico no Brasil depende, antes de tudo, da articulação polí-
tica entre três condições básicas que, isoladamente, não represen-
tam a solução do problema: participação da sociedade; definição
de modelos institucionais e tecnológicos adequados às necessida-
des locais e redução dos custos da prestação dos serviços pelas con-
cessionárias. A integração desses três elementos permitirá a cons-
trução de um novo modelo, com capacidade para ampliar a
abrangência dos serviços de saneamento.
O desenho atual do sistema está bem distante dessa integração. A
sociedade não está preparada para interferir efetivamente nas so-
luções adotadas porque, no modelo convencional praticado no país,
nem mesmo as obrigações dos prestadores dos serviços estão clara-
mente definidas.
O poder concedente, constituído pelos municípios, foi alijado das
decisões sobre os sistemas e, ao longo dos últimos anos, submeteu-
se a um modelo institucional centralizado e distante das necessida-
des locais.
A maior parte dos concessionários dos serviços, que são as compa-
nhias de saneamento, atua de modo autônomo, sem regulação, e
não tem compromisso com a necessidade de encontrar meios mais
baratos para prestar os serviços que lhe foi delegado e contribuir
para a ampliação do atendimento.
Embora essas três situações demandem profundas mudanças de
caráter político e social, pode-se tomar como ponto de partida em
direção a um novo modelo, a recuperação da responsabilidade dos
municípios na definição do modelo tecnológico e institucional mais
adequado à realidade local. Na condição legal de poder concedente
dos serviços de saneamento, o município deve reassumir suas fun-
ções de interlocutor mais próximo da sociedade, estabelecendo, junto
com a população, a extensão e o padrão de atendimento desejado e
possível. É na esfera municipal que a população vai ter capacidade
185
Os Desafios de um Novo Modelo
de participar e interferir no modelo adotado.
A crença de que a centralização dos serviços em grandes conces-
sionárias estaduais aumentaria a possibilidade de universalizar o
atendimento não se comprovou como verdadeira. Na realidade, pro-
duziu um efeito contrário porque as soluções adotadas, pasteuriza-
das e distantes da realidade, não conseguiram responder à deman-
da. A implantação desse modelo institucional centralizador coinci-
diu com a intensa urbanização do país e, ao afastar-se da esfera
municipal, distanciou-se também dos problemas enfrentados pelos
municípios e da população, que progressivamente se aglomerava
nas cidades. Por isso mesmo, as soluções adotadas pelo modelo con-
vencional de saneamento básico do país também não levaram em
conta a capacidade da sociedade de pagar pelos serviços implanta-
dos, estabelecendo uma crônica defasagem na relação custo/bene-
fício nos sistemas implantados.
Um novo modelo de saneamento para o país deve colocar a serviço
da sociedade o aprendizado dos últimos dos 20 anos e todos os
atores envolvidos - poder concedente, concessionárias e usuários -
devem assumir novos papéis.
As concessionárias precisam começar a operar como empresas de
fato, oferecendo serviços em áreas novas, em diferentes alternati-
vas. Como prestadoras de serviço público, as companhias de sanea-
mento têm que se relacionar ativamente com a comunidade, seja
ela usuária ou não. A população não pode ser ignorada até o dia em
que o sistema convencional possa chegar ao menor dos municípios
ou à mais pobre periferia das grandes cidades.
Esses novos conceitos exigem um novo modelo e não a reconstru-
ção de uma fórmula ultrapassada que já consumiu muito dinheiro
público. É preciso construir novos procedimentos operacionais e
administrativos que permitam a visualização clara dos custos reais
dos serviços para a população pois, de outro modo, haverá sempre
um desequilíbrio entre o que a população pode pagar e os custos de
um modelo convencional que não foi previamente discutido e es-
colhido por ela. As companhias de saneamento não podem, sim-
plesmente, repassar esse custo para a população ou deixar de pres-
tar o serviço para quem não pode pagar.
Trata-se, na verdade, de uma decisão política maior e não apenas
uma tecnicidade de haver ou não participação comunitária no pro-
cesso de implantação dos sistemas, discutindo a tecnologia, a ges-
tão ou os custos. É a definição de um novo modelo de serviço públi-
co, voltado para toda a sociedade. Como exemplo de serviço volta-
do para parte da sociedade, verificamos que toda a sociedade paga
a mesma tarifa porque o cálculo é um só e, de certo modo, uma vez
que o cálculo da tarifa inclui as despesas com serviço da dívida como
um todo, incluindo a dívida contraída para a implantação de siste-
mas de esgotos nesta ou naquela área, até quem não é atendido
pela rede de esgoto paga pela implantação do sistema do qual não
dispõe.
Essas mudanças amplas dependerão, evidentemente, da disposição
da sociedade. O saneamento básico não é uma questão teórica ou
burocrática, é uma questão concreta que precisa ser equacionada
de alguma maneira. A sociedade precisa ter consciência de que deve
participar dessa solução, discutindo o problema tecnicamente, bus-
cando alternativas, definindo a tecnologia mais adequada através
da análise dos custos de implantação, operação e de manutenção.
A distância entre a sociedade e os prestadores de serviço, estabelecida
e consolidada pelo modelo convencional, gerou como subproduto a
186
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
passividade e o desinteresse. A população está habituada a manter-
se alheia, sem reivindicar participação na solução dos problemas,
limitando-se a esperar que, um dia, os serviços de saneamento che-
guem, com o desenho, o preço e a tecnologia decidida pela conces-
sionária.
O saber da sociedade também é uma interação entre o saber dos
técnicos e o conhecimento da população sobre sua realidade. À
medida em que o conhecimento técnico se democratize, a ten-
dência é que a sociedade incorpore esse conhecimento, passe a
se interessar, discutir e participar cada vez mais. Já existem si-
nais desse interesse, ainda não é uma coisa extraordinária, a so-
ciedade não está à frente do processo, mas já começa a se mani-
festar.
As mudanças no modelo de saneamento deverão se voltar, também,
para a implantação de modelos integrados, incorporando ao siste-
ma de financiamento do setor linhas de financiamento que possibi-
litem a implantação de soluções integrais em abastecimento de água,
esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem pluvial. Esse
seria o resultado quase natural da busca de solução para o sistema
de esgoto, que depende - ao contrário do sistema de água, que
funciona de qualquer modo - de uma solução adequada para a dre-
nagem pluvial e lixo, que interferem diretamente na sua operação e
manutenção. Um dos maiores problemas de operação de uma rede
187
Os Desafios de um Novo Modelo
188
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
de esgoto é, sem nenhuma dúvida, a ausência de uma rede adequa-
da de drenagem urbana, pois as pessoas, diante da possibilidade de
uma inundação, colocam a água de chuva no sistema de esgoto, do
mesmo modo como jogavam o esgoto nas manilhas de drenagem.
A consciência de que existe a necessidade de separar os sistemas e
de investir nessa separação é cada vez mais evidente. A situação
fica ainda mais difícil quando não há coleta adequada do lixo do-
méstico, o que leva aos desinformados à utilização da rede de esgo-
tos como local de deposição de lixo, e além disso pelo efeito combi-
nado da falta de sistemas de drenagem e de coleta de lixo, dos resí-
duos que são lançado nas ruas e encostas e que chegam à rede
coletora via ingresso de águas de chuva.
A integração dos sistemas terá grande impacto também no abaste-
cimento público de água. Evidentemente, os rios poluídos represen-
tam um aumento do custo de captação da água. É preciso ir cada
vez mais longe para fazer a captação em rios de águas menos po-
luídas, o que significa um aumento significativo de custos em ter-
mos de transporte. Ao mesmo tempo, para manter os índices de
qualidade exigidos para a água potável, é preciso recorrer a trata-
mentos cada vez mais caros. Para reduzir a turbidez e desinfetar a
água, as empresas utilizam cada vez mais produtos químicos. A re-
cuperação de fontes e mananciais que estão indisponíveis por con-
taminação depende muito do tratamento dado ao saneamento do
meio ambiente, incluindo o lixo e a drenagem pluvial. Quando isso
acontecer, a captação das águas também poderá ser tratada, em
grande parte, dentro desse novo modelo, descentralizado, com so-
luções locais de pequeno porte.
Cuidados Especiais
Diferentes experiências brasileiras de implementação de sistemas
alternativos, sobretudo em esgotamento sanitário, utilizaram ape-
nas parcialmente alguns conceitos pertinentes ao sistema
condominial, gerando modelos híbridos que não devem ser confun-
didos com o próprio sistema. Em muitos casos, o sistema foi im-
plantado apenas em seus aspectos técnicos mais restritos. Entendi-
do desse modo, trata-se apenas um novo desenho de rede que pode
189
Os Desafios de um Novo Modelo
ser implementado dentro do sistema convencional, como ocorreu
muitas vezes. Essa opção apresenta vantagens do ponto de vista
dos custos de investimento, mas não muda o desenho institucional
nem as relações entre os concessionários e a sociedade. De fato, a
simples adoção do desenho condominial não exige participação co-
munitária efetiva, apenas ações destinadas ao convencimento dos
moradores para adesão à rede, como em qualquer outro sistema.
No restante, os papéis permanecem os mesmos: a população recebe
passivamente o serviço e a concessionária estabelece as regras.
É verdade que o uso do desenho técnico do condominial, amplia a
capacidade de atendimento com os recursos disponíveis e isso pode
ser usado pelas empresas concessionárias que perseguem metas de
aumento de cobertura dos serviços. Entretanto, a ausência de orga-
nização social e o desconhecimento da comunidade sobre seus di-
reitos e responsabilidades vai se refletir na baixa adesão e má utili-
zação dos serviços implantados, dificultando ou mesmo
inviabilizando a necessária redução de custos de operação e manu-
tenção.
Do ponto de vista institucional, iniciativas de promover mudanças
no modelo de saneamento básico convencional deflagradas a partir
de uma decisão de governo encontraram resistências internas, no
âmbito das concessionárias. Para enfrentar essas resistências, o go-
verno, em qualquer nível, precisa contar com a firme adesão da
sociedade ao novo modelo. Sem passar por um processo de partici-
pação efetiva na construção de um novo modelo, preparando-se
para níveis mais complexos de controle social a sociedade, de modo
geral, volta muito facilmente aos procedimentos antigos.
CONCEITOS BÁSICOS DO NOVO MODELO
Um Novo Contrato Social
O retorno à esfera municipal das responsabilidades pela prestação
dos serviços urbanos e a participação efetiva da sociedade em todo
o processo de definição de modelos locais adequados, a conseqüen-
190
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
te regulação da prestação do serviço pelo concessionário, indepen-
dentemente do regime jurídico a que esteja submetido, a utilização
de alternativas economicamente viáveis e a integração dos serviços
urbanos com a utilização do conceito de saneamento ambiental –
abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e
drenagem pluvial - são os elementos básicos do sistema condominial.
É necessário destacar porém, que não se trata apenas de um dese-
nho institucional, técnico ou participativo diferente do convencio-
nal. A construção deste novo modelo, que chamaremos a partir deste
momento de modelo de serviços urbanos em co-propriedade, exi-
ge, como passo inicial, a decomposição do modelo atual identifi-
cando e separando claramente os componentes que são necessari-
amente públicos daqueles que podem e devem ser privados, para
que seja possível uma nova definição de responsabilidades. Enten-
de-se como componentes públicos os elementos principais do sis-
tema, que servem a todos os usuários, e como componentes priva-
dos aqueles elementos secundários de conexão que servirão a um
grupo de usuários que, uma vez agrupados, passarão à categoria de
usuário coletivo.
A partir dessa separação, a reorganização dos serviços deverá estar
assentada sobre uma nova divisão de papéis, na qual o município,
na condição de poder concedente, assume e planeja, criando o sis-
tema público possível. A partir desse sistema público, a comunidade
apresentará sua proposta para utilizar o serviço. Ao separar o siste-
ma em componentes públicos e privados, o modelo em co-proprie-
dade cria, como conseqüência, a necessidade de organização das
partes para discussão das responsabilidades mútuas que resultarão
na construção de um modelo de gestão compartilhada.
Ao delimitar claramente a oferta do serviço público, o sistema co-
propriedade propõe um novo contrato social, onde o usuário pode-
rá definir a forma mais adequada e mais barata de adesão. Esse
novo contrato amplia os direitos da sociedade sobre todo o sistema
já que no modelo convencional, apesar de não ter qualquer possibi-
lidade de participação, decisão ou escolha, o usuário paga pela par-
191
Os Desafios de um Novo Modelo
te do sistema correspondentes aos componentes privados. Os deve-
res do poder concedente também se ampliam porque, além do pla-
nejamento e da implementação da parte pública do serviço, passa a
ter obrigações claras com relação ao usuário, que deverá receber
informações adequadas e suficientes sobre a importância, a neces-
sidade e a disponibilidade do serviço. O poder concedente também
deverá promover atividades de educação sanitária e ambiental e a
criação de canais acessíveis e ágeis de participação da comunidade
na gestão dos sistemas.
As características do modelo em co-propriedade permitem ainda
decompor um serviço que parecia único, indivisível e centralizado,
destinado a uma única empresa, em sub-sistemas sob responsabili-
dade operacional de diversos operadores.
Para efetivar esta decomposição em diversos sub-sistemas e garan-
tir a apropriação social das vantagens decorrentes é preciso existir
um órgão regulador com funções claras e, também nesse caso, uma
sociedade consciente de sua responsabilidade e capaz de escolher o
tipo de contrato que quer estabelecer.
Evidentemente, não será tarefa fácil alterar o atual modelo retiran-
do estas características de serviços monopolizados, que dá aos atu-
ais prestadores dos serviços a melhor condição possível dentro do
mercado que é a prestação de serviço em forma de monopólio. Sem
concorrência e sem regulação, quando os concessionários enfren-
tam qualquer dificuldade do ponto de vista do equilíbrio financeiro,
o consumidor arca com o custo desses desequilíbrios, mesmo que
esses custos não tenham relação com a operação do sistema e os
serviços prestados pelos concessionários, uma vez que estes custos
são quase automaticamente repassados às tarifas.
O monopólio é necessário?O monopólio é necessário?
O monopólio é necessário?O monopólio é necessário?
O monopólio é necessário?
Ao se discutir a abrangência de um serviço público um aspecto
quase sempre consensual é a necessidade de, em razão dos altos
investimentos necessários, por problemas de escala econômica
192
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
e de controle de qualidade, estes serviços, estarem concedidos a
um único concessionário. A idéia de um modelo que conceba a
decomposição dos serviços em sub-sistemas independentes, apa-
rentemente, subverte esta lógica e, baseada na certeza da ne-
cessidade de mantê-la, esta idéia jamais foi discutida a sério.
O fulcro da discussão está na viabilização econômica da presta-
ção do serviço que necessitaria de um grande número de ativi-
dades para garantir a sustentabilidade econômica do conjunto.
Mas as empresas que detêm as concessões, já há mais de vinte
anos, por razões de ordem administrativa, praticam a terceirização
dos serviços, que poderiam assumir a característica de parce-
ria
45
, mas que freqüentemente assumem um caráter tradicional
no qual, segundo Armando Souza Prado
46
“o preço é decisivo
para a transferência”, o que pode permitir distorções: “compor-
tamentos simulados para preservar interesses individuais; utili-
zação de mão de obra não especializada, gerando resultados téc-
nicos insatisfatórios e inexpressivos; exploração econômica da
mão-de-obra; estimulando a desmotivação, baixa produtivida-
de, alta rotatividade e reclamatórias trabalhistas;
descumprimento de obrigações trabalhistas como fonte de ren-
da; taxa de administração incompatível com os custos
operacionais, salários pagos e encargos sociais; interferências da
contratante na administração da atividade para obter um míni-
mo de qualidade.”
47
O que claramente se conclui é que a argumentação da necessi-
dade da integralidade dos serviços para a manutenção da sua
rentabilidade não se sustenta, uma vez que os próprios conces-
sionários fazem esta decomposição. Não é possível que a em-
presa contratada, como terceirizada para fazer ligação domicili-
ar, ou para fazer desobstrução de redes de esgotos, não tenha
rentabilidade. O que dizer, então, de uma empresa que opere
uma estação de tratamento de água ou de esgotos, um poço
profundo ou uma barragem em sistema de BOT
48
, quando as
empresas arcam inclusive com os custos de investimento de ape-
nas um segmento dos inúmeros que existem no sistema e, claro,
são rentáveis.
47. Idem.
45. A terceirização é inseparável
da idéia de parceria.
Segundo Lívio Antonio
Giosa a terceirização “é um
processo de gestão pelo
qual se repassam algumas
atividades para terceiros –
com os quais se estabelece
uma relação de parceria –
ficando a empresa
concentrada apenas em
tarefas essencialmente
ligadas ao negócio em que
atua” in Parceria na
administração Pública, Di
Pietro, Maria Sylvia Zanella
– Editora Atlas, São Paulo,
1999.
46. Citado em Parceria na
administração Pública, Di
Pietro, Maria Sylvia Zanella
– Editora Atlas, São Paulo,
1999.
48. BOT, Build – Operate –
Transfer, modalidade de
contratação de serviços de
terceiros no qual o
investidor privado constrói
o equipamento (estação de
tratamento ou qualquer
outro) o opera e cobra por
esse serviço durante um
período definido em
contrato e ao final deste
entrega o equipamento ao
contratante. Pretende
estimular e promover a
participação do investidor
privado na transferência de
tecnologia para o setor
público no desenvolvimento
de infra-estrutura urbana.
193
Os Desafios de um Novo Modelo
O Estabelecimento de Normas Claras
O estabelecimento de regras claras nos contratos entre o poder
concedente e o concessionário é fundamental, pois a implementação
de um novo modelo dependerá da regulação, contratação e estrita
fiscalização. A necessidade da implantação do sistema de regulação
da prestação dos serviços urbanos independe do regime jurídico a
que estão submetidos os concessionários. Podem ser da administra-
ção pública direta ou indireta, empresas públicas de direito público,
empresas públicas de direito privado ou empresas privadas. A única
coisa realmente importante é que estejam reguladas e com contra-
tos muito claros sobre metas e obrigações. Hoje este procedimento
só é feito quando a concessionária é privada. Neste caso, uma vez
concedido o serviço, a cobrança pela qualidade é feita por toda a
sociedade, desde o presidente até o último dos usuários. Já o
prestador de serviço público, sem estar submetido a qualquer
regulação, não fica obrigado a nada, pois não tem metas nem obri-
gações estabelecidas, estabelece suas próprias metas e cumpre se
quiser.
Identificação dos Componentes
Para definir as responsabilidades públicas e privadas no sistema
condominial, é importante identificar os componentes dos serviços.
A estrutura pública do sistema é definida a partir do planejamento
feito pelo poder concedente, considerando as características locais.
Os componentes privados são definidos de acordo com os interes-
ses dos usuários. A divisão em componentes permite, embora não
obrigue, a existência de sub-sistemas independentes, com caracte-
rísticas e tarefas específicas para sua operação e manutenção, po-
dendo ser objeto de diferentes concessões, descaracterizando a
obrigatoriedade da concessão integral de uma cidade ou região e
proporcionando muito maior poder de planejamento, controle e in-
tervenção ao detentor da titularidade dos serviços. A seguir, a título
de exemplo, faz-se uma descrição que representa uma das muitas
possibilidades de separação dos serviços utilizando o critério da in-
dependência das ações envolvidas em cada um deles.
194
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Serviço de abastecimento público de água potável
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicos
Produção – superficial ou subterrânea e adução de água bruta;
Tratamento – decantação, filtragem e desinfecção;
Reservação – adução de água tratada e reservação;
Redes principais de distribuição - oferta de água em quantida-
des e pressões adequadas ao suprimento de áreas ou zonas de
abastecimento;
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privados
Redes secundárias de distribuição, organizadas como co-pro-
priedade de um grupo de moradores ou condomínio, levam a
água aos domicílios participantes do condomínio. A tomada de
água da rede principal se faz em um só ponto, onde se faz a
medição para fins de faturamento e controle operacional
49
.
Serviços de esgotamento sanitário
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicos
Tratamento - incluindo elevatórias, estações de tratamento e
disposição final;
Sistema coletor principal (incluindo redes principais, coletores
tronco, interceptores, elevatórias e emissários);
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privados
Sistema coletor secundário - redes secundárias organizadas em
co-propriedade de um grupo de moradores ou condomínio, que
coletam os esgotos sanitários dos domicílios participantes do
condomínio. Seus efluentes devem descarregar no sistema prin-
cipal em um só ponto para fins de controle operacional.
Serviços de drenagem pluvial
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicos
Disposição final – descarga;
Sistema coletor principal - inclui redes principais e coletores
tronco;
49. Este foi o modelo
implantado em El Alto à
exceção da medição e
faturamento coletivos.
195
Os Desafios de um Novo Modelo
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privados
Sistema coletor secundário correspondendo à captação e trans-
porte das águas pluviais, em canais abertos - sarjetas ou inte-
rior dos lotes-, em co-propriedade entre vizinhos, facilitando a
coleta, inclusive nos casos em que os terrenos têm declividade
invertida em relação à rua. Seus efluentes devem descarregar
no sistema principal em um só ponto.
Serviços de resíduos sólidos
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicosComponentes públicos
Componentes públicos
Tratamento - usinas, aterros sanitário, etc ;
Transporte - sistema de transporte do material coletado para
estações de transbordo, aterros sanitários, usinas, etc. ;
Sistema coletor principal - contêineres para a deposição dos
resíduos sólidos provenientes da coleta domiciliar;
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privadosComponentes privados
Componentes privados
Sistema coletor secundário que corresponde à coleta domici-
liar, organizada em co-propriedade por grupos de moradores
ou condomínio, decidido e mantido pelos condôminos, coleta
os resíduos sólidos dos domicílios participantes do condomí-
nio.
No caso dos resíduos sólidos os sistemas de coleta secundários não
correspondem a sistemas físicos, como redes constituídas por tubu-
lações. O transporte do lixo de cada domicílio até os contêineres
será realizado pelos próprios moradores ou por sistema de coleta
próprio organizado e operado pelo condomínio ou conjuntos de
condomínios.
Uma Proposta de Organização Social e Espacial
O modelo em co-propriedade tem como componente indissociável
a organização da sociedade e a evolução do processo participativo,
estendendo à toda a comunidade diferentes oportunidades que se
traduzem em avanços políticos. Ao ter a oportunidade de discutir e
delimitar as parcelas de responsabilidade pública e a social sobre a
provisão da infra-estrutura urbana, a sociedade passa ter mais cla-
reza sobre direitos e deveres e amplia sua visão sobre o conjunto
dos problemas do país. Ao mesmo tempo, desenvolve princípios de
solidariedade, uma vez que a organização do modelo em co-propri-
edade será reproduzido não apenas em outros serviços básicos como
também em outras questões ligadas à administração do espaço. Fi-
nalmente, a prática de participar de decisões e fazer escolhas, capa-
cita a sociedade a atuar em defesa do interesse coletivo expandindo
para o espaço urbano como um todo as possibilidades da gestão
compartilhada.
A existência dos condomínios organizados, representativos e com
caráter legal muda, fundamentalmente, a organização comunitá-
ria, ultrapassando os limites dos próprios sistemas. Os condomínios
passam a ser a base da organização da sociedade, preparando a
comunidade para níveis mais altos de participação na discussão,
planejamento e gestão de todos os serviços e espaços públicos no
território condominial.
É importante observar que esses avanços sociais podem ocorrer em
áreas periféricas caracterizadas habitualmente pela passividade e
vulnerabilidade a manipulações políticas. Nessas áreas, onde o de-
senho convencional não tem capacidade de responder com eficiên-
cia, a solução em co-propriedade naturalmente se impõe. É o caso
de áreas classificadas como “assentamentos subnormais”, assenta-
mentos irregulares e desorganizados espacialmente ou localizados
em encostas. A mobilização da comunidade em torno de uma pro-
posta de implantação do sistema condominial para um dos serviços
196
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
básicos cria a oportunidade de promover a organização da área, de
forma planejada e participativa. Utilizando o condomínio já forma-
do, é possível ampliar o acesso da comunidade a outros serviços
básicos.
Da mesma forma e ainda com maior eficiência, os sistemas em co-
propriedade podem, e devem, ser a resposta ideal para as pequenas
cidades que não dispõem de nenhum serviço ou tem baixos níveis
de cobertura e eficiência naqueles existentes.
197
Os Desafios de um Novo Modelo
198
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
UMA NOVA PROPOSTA
A falta de acesso é o problema maior quando falamos de sistemas
de saneamento. A maior parte da população, sobretudo a mais po-
bre, não tem acesso a serviços adequados de fornecimento de água
potável e de esgoto. Mesmo quando as redes estão disponíveis, gran-
de parte da população não dispõe, dentro das suas casas, das insta-
lações hidráulicas e sanitárias mínimas que permitam a ligação com
o sistema.
Essa realidade raramente é considerada nos planos de saneamento,
que costumam tratar a cidade como uma só entidade, sem diferen-
ças, sem contrastes e, principalmente, como um único sistema cujas
características técnicas são definidas a partir dos escritórios. Como
os sistemas, em geral, são concebidos a partir da lógica de que serão
completos e operados por um único concessionário, os serviços ofe-
recidos a partir deste modelo único tornam-se, via de regra, inaces-
síveis à grande parte das populações.
Para exercer efetivamente o conceito da universalidade do acesso
aos serviços, é preciso subverter o conceito de sistema, passando a
compreendê-lo como um conjunto de subsistemas que permita:
Desenhar planos diretores que incorporem o conceito de sepa-
ração do tratamento por sub-bacias de contribuição e que con-
siderem os sistemas como órgãos vivos capazes de crescer, se
adaptar a novas realidades;
Flexibilizar a prestação do serviço de saneamento, evitando mo-
nopólios públicos ou privados, no qual um único fornecedor
presta o serviço a toda uma cidade ou a todo um povo;
Soluções técnicas diferenciadas dependendo das condições
geomorfológicas, culturais e econômicas de cada região, as-
sentamento e comunidade;
Alternativas de modelos de gestão, permitindo que cada co-
munidade opte pela que lhe resulte mais conveniente, levando
em conta os aspectos descritos acima;
Participação intensa da comunidade em todas as etapas de im-
plantação de um sistema, desde a discussão sobre sua necessi-
dade, o nível de serviço adequado, a solução tecnológica, a
199
Os Desafios de um Novo Modelo
gestão do sistema futuro e o nível de envolvimento dos mora-
dores na construção direta dos sistemas.
Essas premissas de um novo sistema têm como objetivo essencial a
democratização do acesso e exigem mudanças profundas no con-
junto das práticas habituais do setor de saneamento do país, levan-
do em conta princípios fundamentais como a democratização da
informação e das decisões, estimulando o debate e a tomada de
consciência da sociedade em relação ao problema, capacitando-a
para eleger o modelo de concessão a ser estabelecido. Deve-se bus-
car ainda a construção de um sistema flexível, que permita o contí-
nuo ajuste conceitual para o estabelecimento de novos acordos so-
ciais, que tornem possível a prestação plena dos serviços.
Características do Modelo em Co-propriedade
A principal característica do modelo em co-propriedade proposto é
que o usuário deixa de ser uma unidade individual para se conver-
ter em parte de um conjunto de unidades (lotes, residências
unifamiliares ou multi-familiares) que vão constituir um condomí-
nio, com uma única conexão à rede. Nos sistemas convencionais,
considera-se como usuário cada unidade de terreno dentro da área
atendida pelo sistema, com redes em cada rua, pela qual cada uma
destas unidades de usuários individuais se conecta ao sistema.
No sistema em co-propriedade, as conexões deixam de partir de
cada domicílio e passam a ser feitas por “ramais condominiais”, o
que gera redução de custos tanto na extensão e diâmetro das tubu-
lações, como em escavações, materiais básicos, utilização de esco-
ramentos e mão-de-obra. A extensão da tubulação dos “ramais
condominiais” corresponde à soma das acometidas individuais à rede.
Os “ramais condominiais” são os componentes privados dos siste-
mas, por constituírem sistemas independentes, e arcar com seus
custos de investimento relativos à sua construção é responsabilida-
de dos moradores, como ocorre nos sistemas convencionais com as
ligações prediais.
200
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Cada morador vinculado a um condomínio discute coletivamente
os direitos e deveres das partes e participa da escolha do desenho
do ramal condominial ou seja, da parte privada dos sistemas, assu-
mindo os custos de conexão e tarifas resultantes de sua escolha.
Ao mudar a maneira de ver o problema e discutir as alternativas do
sistema com os moradores, cria-se uma nova condição, na qual a
unidade geográfica e social passa a ser o condomínio, ao qual o
sistema deve se adequar. Este conceito altera totalmente a consti-
tuição do sistema, criando a figura do usuário coletivo, organizado
em uma única unidade que se constitui em um sistema indepen-
dente que a ele pertence em regime de co-propriedade e totalmen-
te independente do sistema de recolhimento principal.
O modelo em co-propriedade, por ser um sistema composto por um
conjunto de sub-sistemas independentes, proporciona a alternativa
de tratamento dos escoamentos por sub-bacias, que são sistemas
naturais de drenagem. Desse modo, dispensam-se as estruturas de
transporte e bombeamento entre bacias — sempre muito caras, que
são substituídas por pequenas unidades locais de tratamento, usando
preferivelmente tecnologia simples e processos biológicos, assegu-
rando a devolução das águas servidas aos corpos receptores de uma
maneira segura, com uma qualidade confiável.
A adoção deste sistema permite a cobertura total dos serviços de
saneamento para uma cidade de modo gradual, de acordo com seu
crescimento e com os interesses da população.
Princípios e Definições Básicas
O modelo em co-propriedade se baseia em três princípios que, de
maneira conjunta, integram suas definições, ações e partes: o
enfoque baseado na demanda, o estabelecimento de normas claras
e a gestão compartilhada.
O enfoque baseado na demanda
O conceito de enfoque baseado na demanda foi desenvolvido e
ampliado a partir dos princípios de Dublin, ratificados pela comuni-
201
Os Desafios de um Novo Modelo
dade internacional em 1992. A Conferência de Dublin, na Irlanda,
foi uma das reuniões preparatórias à Conferência das Nações Uni-
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de
Janeiro, em junho de 1992 e teve como tema a gestão da água para
abastecimento humano. Nos princípios aprovados em Dublin, duas
questões tiveram grande destaque: o reconhecimento da situação
vulnerável em que se encontram as águas doces do planeta e, con-
seqüentemente, seu valor econômico; e o entendimento de que os
serviços de saneamento devem estar adequados à demanda do usu-
ário.
O enfoque baseado na demanda está sendo utilizado em vários pro-
gramas e projetos ao redor do mundo para o abastecimento de água
e saneamento em áreas rurais. Ainda não foi sistematizado para
utilização em áreas urbanas ou periurbanas, mas seus fundamentos
também são válidos para projetos que contemplam a implantação
de serviços de saneamento. O sistema em co-propriedade tem utili-
zado esse enfoque, complementado pelo entendimento de que, para
atender a demanda é preciso, em primeiro lugar, informar aos usuá-
rios sobre os serviços disponíveis e possíveis. A “demanda informa-
da” é, na verdade, uma demanda consciente, capacitada para tomar
decisões que levem em conta todas as alternativas, conseqüências,
possibilidades e custos das diferentes propostas. Informar a popula-
ção para a qual se pretende ofertar serviços adequados é o princípio
básico para que ela possa participar de maneira efetiva da escolha
da melhor alternativa e tomar as decisões que lhe compete em cada
caso.
Com esse entendimento, a demanda informada passou a integrar a
metodologia de intervenção para implantar o sistema em co-pro-
priedade. Significa reconhecer que a comunidade tem a última pa-
lavra e por isso deve ser informada sobre a tecnologia, seus custos e
a necessidade de participação de todos na implantação e posterior
operação do sistema. Mediante processos participativos, os mora-
dores devem receber as informações necessárias para que possam
decidir sobre a forma de integração ao sistema, bem como sobre a
tecnologia a ser adotada e os níveis de serviços segundo a capaci-
202
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
dade de pagamento de cada comunidade. Esse processo inicial cum-
pre também o papel de incentivar a comunidade a se organizar para
a manutenção do sistemas implantado.
A aplicação do princípio da demanda informada ganha importância
ainda maior quando se consideram as características dos serviços
de saneamento no Brasil. O usuário de serviços urbanos não tem
diversas opções de fornecedor e, portanto, deve estar capacitado
para discutir com os concessionários dos serviços a melhor alterna-
tiva para os sistemas a serem implantados e pelos quais deverá pa-
gar o resto de suas vidas. Portanto, a demanda só é real a partir do
momento em que a comunidade conhecer perfeitamente todas as
implicações e obrigações resultantes da instalação dos sistemas e
os custos decorrentes disto e aceitá-los.
Por outro lado, a demanda informada também é uma ferramenta
importante para a empresa que investe porque, na implantação dos
sistemas convencionais, muitas pessoas - que não foram previa-
mente informadas, embora reivindicassem genericamente os servi-
ços de saneamento - acabam desistindo de fazer sua ligação na
rede instalada porque desconheciam os custos envolvidos e não sa-
biam que teriam que arcar com eles. Nesses casos, o concessionário
terá investido milhões de reais esperando uma adesão ao sistema
de 100% e poderá ter uma adesão muito inferior
50
, ou seja, terá
instalado um sistema que não vai ter clientes, ou pelo menos, o
número necessário de clientes para assegurar sua sustentabilidade.
Usando a metodologia recomendada pelo princípio da demanda in-
formada, o primeiro passo no planejamento de um sistema é ir para
a comunidade, informá-la sobre o que está sendo pensado e aguar-
dar o retorno. Mesmo trabalhando para atingir a totalidade da co-
munidade, uma adesão acima de 70% já representa a possibilidade
de tornar o sistema sustentável e, no processo de implantação será
feito o esforço para complementar os 30% restantes, objetivo que
será certamente facilitado pela pressão social exercida pela própria
comunidade participante sobre os recalcitrantes.
Existem algumas condições prévias para o trabalho com a demanda
50. Nos casos estudados na
Bolívia, no contexto do
Projeto Piloto El Alto, a
adesão inicial a sistemas
convencionais ficava em
torno de 6%. Canelli, Nelba
– “Proyecto Piloto
Condominial El Alto – La
Paz: Impacto Del Proyecto”
– Programa de Agua y
Saneamiento – Banco
Mundial – La Paz, diciembre
2000.
203
Os Desafios de um Novo Modelo
informada. O órgão executor não poderá, evidentemente, levar para
a comunidade uma proposta inviável, por isso, precisa conhecer as
possibilidades técnicas que a situação local oferece, para apresentá-
las adequadamente à população. Do mesmo modo, ao dar início ao
processo de informação, este deverá assegurar uma estrutura inter-
na adequada para dar respostas às consultas que um processo
participativo inevitavelmente gera. São pré-investimentos para ga-
rantir o melhor resultado para o investimento no sistema.
Gestão Compartilhada
O Sistema em co-propriedade permite a gestão compartilhada das
diferentes áreas de prestação de serviços. A articulação entre os di-
versos agentes envolvidos, concessionário e co-proprietários é fun-
damental para a boa gestão do sistema. Para tanto, é importante
estabelecer claramente as funções atribuídas a cada um.
a) co-proprietários - os membros dos condomínios devem atuar
com conhecimento de causa e decidir sobre os seguintes as-
pectos:
tecnologia e níveis de serviços que desejam, segundo a sua
disponibilidade de pagamento;
criação e regulamentação do condomínio através da assi-
natura do contrato de criação, seu devido registro e elabo-
ração e aprovação do regimento interno;
funcionamento da operação e da manutenção dos serviços
na área interna ao condomínio.
b) governo local – poder concedente, desempenha o papel de
planejador e negociador, estimulando o amplo processo de con-
sulta com as partes interessadas e facilitando o fortalecimento
da capacitação técnica e da aprendizagem. Deve, também, li-
derar o processo de concessão e exercer a regulação sobre os
contratos, agindo, sempre, na defesa dos interesses da popula-
ção da qual é mandatário;
c) concessionário – aquele que detém os direitos concedidos à
prestação dos serviços urbanos deve, além de cumprir metas e
cláusulas previstas em seu contrato de concessão, manter ca-
nais abertos de comunicação com a comunidade e adotar de
204
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
procedimentos que facilitem a implantação das decisões cole-
tivas; adoção de procedimentos internos que correspondam aos
contratos firmados com os usuários coletivos e de instrumen-
tos que possibilitem a verificação da transparência em sua apli-
cação; monitoramento do sistema; e fornecimento periódico
de informação sobre os resultados aos usuários.
d) setor privado e das entidades sem fins lucrativos - empresas
privadas e ONGs atuam como provedores de bens e serviços e
assistência técnica às comunidades.
Estabelecimento de normas claras
51
Na proposta de implantação dos sistemas em co-propriedade é ne-
cessário que se leve em conta o estabelecimento de normas claras
em quatro esferas:
Opções técnicasOpções técnicas
Opções técnicasOpções técnicas
Opções técnicas
Deve-se oferecer a cada comunidade uma variedade de níveis
de serviço, com explicações claras sobre os prós e contras de
cada um e os custos respectivos. As comunidades devem parti-
cipar ativamente na seleção do tipo de serviço com que conta-
rão. Nos sistemas em co-propriedade as possíveis alternativas
técnicas devem ser apresentadas e discutidas com os morado-
res, que decidem se as aceitam ou não e sugerem novas op-
ções.
Mecanismos de participação nos custosMecanismos de participação nos custos
Mecanismos de participação nos custosMecanismos de participação nos custos
Mecanismos de participação nos custos
Desde o primeiro momento deve-se estabelecer claramente os
princípios de participação nos custos e a responsabilidade da
comunidade pelos custos de implantação, operação e manu-
tenção. Os mecanismos negociados devem já prever os meca-
nismos de controle e a forma da prestação do serviço, assim a
inclusão nos contratos dos regimentos internos de cada con-
domínio, de forma a possibilitar, aos participantes do condo-
mínio, os custos e demandas administrativas a que estão se
comprometendo.
Responsabilidade de apoiar o investimentoResponsabilidade de apoiar o investimento
Responsabilidade de apoiar o investimentoResponsabilidade de apoiar o investimento
Responsabilidade de apoiar o investimento
Deve-se ter especial preocupação na responsabilidade de sus-
51. Sara, J. ; Garn, M. ; Katz, T.;
“Mensagens mais
importantes sobre o
enfoque baseado na
demanda”, Projeto do Água
e Saneamiento, Banco
Mundial, Lima, Perú, junho
de 1998.
205
Os Desafios de um Novo Modelo
tentar os investimentos realizados, estabelecendo-se normas
sobre a propriedade, o funcionamento e manutenção dos ati-
vos e a recuperação permanente dos custos dos investimentos.
Elementos da Operacionalização do Sistema
A operacionalização dos Sistemas Condominiais se realiza pela apli-
cação de três técnicas para resolução dos problemas de esgotamen-
to da cidade: Condomínios, Micro-Sistemas e Sistema Cidade; rela-
cionadas, ao mesmo tempo, com a gestão e com a concepção técni-
ca dos sistemas locais.
CondomínioCondomínio
CondomínioCondomínio
Condomínio
Normalmente delimitado pela quadra urbana em assentamen-
tos regulares e minimamente organizados, o condomínio é a
unidade básica de participação, decisão e atendimento do sis-
tema em co-propriedade. Se caracterizam por sua conforma-
ção através de unidades de vizinhança, compostos por unida-
des que podem ser uni ou multi-familiares e pela formalidade
em sua organização. O condomínio deve, necessariamente, con-
figurar-se como personalidade jurídica com documento legal
constitutivo e respectivo regulamento interno.
O condomínio é decidido e organizado pelos moradores, por
meio de um pacto comunitário, que se traduz no contrato
constitutivo, e esses passarão a ser o centro do processo de
participação comunitária que caracteriza a implantação do Sis-
tema em co-propriedade.
Posteriormente, em reuniões de condomínio realizadas por uni-
dades geográficas, são apresentados e discutidos o projeto e as
regras do programa de atendimento, incluindo critérios e al-
ternativas de adesão, responsabilidades, custos e tarifas. Esse
processo é acompanhado de um trabalho de educação sanitá-
ria e ambiental, de orientação sobre o uso adequado dos siste-
mas e de capacitação para a sua construção e gestão. Os mora-
dores negociam e decidem, coletivamente, as soluções para seus
problemas que melhor atendam suas necessidades.
Autonomia por sub-bacia ou pequenos conjuntosAutonomia por sub-bacia ou pequenos conjuntos
Autonomia por sub-bacia ou pequenos conjuntosAutonomia por sub-bacia ou pequenos conjuntos
Autonomia por sub-bacia ou pequenos conjuntos
A constituição do sistema geral a partir de sub-sistemas inde-
pendentes possibilita o atendimento gradual e progressivo da
cidade, na medida do seu crescimento e da ocupação dos es-
paços urbanos, das prioridades locais e da disponibilidade de
recursos, promovendo o adequado equacionamento da ques-
tão ambiental simultaneamente à implantação dos serviços.
Grandes estruturas destinadas à interceptação, transporte e
bombeamento entre bacias devem ser substituídas por unida-
des descentralizadas de tratamento, concebidas a partir de
tecnologias simples e baseadas em processos biológicos. Seus
efluentes podem vir a ser aproveitados, promovendo-se o re-
uso da água produzida, ampliando-se o resultado ambiental
do sistema.
Considerações Finais
O sistema condominial, tal como tem sido utilizado, não considera
como parte do sistema a implantação de modificações no arranjo
institucional para a prestação do serviço. De certo modo, foi até
natural que assim ocorresse, uma vez que sua implantação foi pro-
movida pelas próprias estruturas institucionais existentes - empre-
sas de saneamento de saneamento ou prefeituras - que tinham a
intenção de aumentar a cobertura dos seus serviços, sem intenção
206
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
de mudar a forma da prestação destes. As propostas, assim, se con-
centraram na modificação do desenho das redes e na diminuição
do seu diâmetro e profundidades de trabalho, medidas que acom-
panhavam uma tendência da engenharia sanitária brasileira.
O arranjo institucional existente hoje concebe a prestação dos ser-
viços a partir de instituições - empresas públicas, empresas privadas
e órgãos de serviços públicos de administração direta ou indireta -
com mandato para suprir com os serviços de saneamento a menor
unidade urbana que é o domicílio, estando autorizadas para isto a
construir, operar, manter e, acima de tudo, possuir os sistemas des-
tinados à esta prestação. O caráter monopolista da prestação dos
serviços e a posse dos sistemas pelos prestadores do serviço, aliados
à falta de regulamentação - atualmente, os prestadores dos servi-
ços de saneamento se auto-regulam - fazem deste setor no Brasil
algo inteiramente dissociado do interesse público. Como resultado,
a oferta de soluções se dá, sempre, dentro de forma de atuação
mais ou menos consensual, existente em todo o setor, com modelos
tecnológicos, operacionais e financeiro-administrativos definidos e
rígidos. Desse modo, a única alternativa ao atendimento conven-
cional é o não atendimento.
O modelo condominial alterava este quadro na medida em que re-
presentava uma possibilidade real de redução nos custos de im-
plantação e até de operação e de manutenção, oferecendo a opor-
tunidade de aumentar a cobertura e a capacidade das prestadoras
dos serviços mesmo sem modificar o modelo institucional. Isto sig-
207
Os Desafios de um Novo Modelo
208
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
nificava e significa um grande ganho em relação à falta de alterna-
tivas anterior.
Entretanto, continua sendo de fundamental importância a mudan-
ça do modelo institucional, no sentido de proporcionar a efetiva
participação da sociedade na solução de seus problemas, especial-
mente no que tange à infra-estrutura urbana.
O modelo em co-propriedade, apresentado nesse capítulo propõe a
incorporação da sociedade na formulação, implantação e manu-
tenção de uma parcela dos sistemas de infra-estrutura urbana, se
apropriando da parte do espaço corresponde a uma unidade de vi-
zinhança. É esta unidade de vizinhança que vai determinar a infra-
estrutura que necessita, vai decidir e trabalhar para prover as solu-
ções para seu problema naquele espaço, levando em conta suas
especificidades, tais como densidade populacional, organicidade da
ocupação do solo, características culturais, capacidade econômica e
anseios, entre outros. Ou seja, vai formular uma solução própria e
única correspondente à sua identidade.
O modelo convencional adotado atualmente para a solução do pro-
blema, baseado num enfoque tecnicista, parte do pressuposto de
que a simples intervenção de uma empresa, seja pública ou privada,
vai permitir a oferta dos serviços a toda a comunidade, de maneira
sustentável, e de que esta comunidade jamais vai ter que pensar a
respeito, tendo apenas que usar o sistema, e pagar. O processo de
concepção fica integralmente nas mãos dos prestadores dos servi-
ços, sem nenhuma participação da comunidade e sem que ela assu-
ma nenhuma parcela de responsabilidade na solução do seu próprio
problema.
O sistema em co-propriedade, objeto desta proposta, considerando
a adoção do sistema condominial como técnica, propõe a mudança
da relação entre a comunidade e os serviços de infra-estrutura ur-
bana, de modo que a sociedade passe a participar não apenas do
debate, da seleção da tecnologia, modelo de gestão, etc., como tam-
bém a fazer parte da própria organização do sistema, compondo o
209
Os Desafios de um Novo Modelo
conjunto institucional concebido para a solução de seus problemas
de infra-estrutura.
A proposta apresentada não pretende reproduzir a mesma prática
feita a partir da conceituação inicial do sistema condominial, criada
pelo engenheiro José Carlos Melo, defendida e praticada por tantos
outros, entre os quais me incluo, com destaque pela importância de
sua contribuição para o engenheiro Pery Nazareth, primeiro na Caesb
e, posteriormente, na Sanesul.
210
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
GUIA BÁSICO
O Modelo Proposto
Diferentemente do que consta na proposta original do sistema
condominial, a participação da comunidade não pode ser conside-
rada apenas do ponto de vista numérico ou de sua intensidade. A
participação deve adquirir uma forma distinta, com a comunidade
fazendo parte do sistema na condição de proprietário daquela par-
te do sistema que é de sua responsabilidade construir e manter,
passando assim a adotar, de maneira inequívoca, o conceito da co-
propriedade.
Com este enfoque, caberá ao poder concedente – entendido, den-
tro da proposta, como o município - assumir a responsabilidade do
planejamento e concepção dos sistemas e a proposição e coordena-
ção da discussão com a sociedade, assumindo diretamente a res-
ponsabilidade pela implantação da parte do sistema que é obriga-
toriamente pública porque corresponde à articulação entre as par-
tes privadas e os serviços públicos, entendidos como tratamento e
oferta, no caso da água, ou coleta, tratamento e destinação final,
nos casos de águas residuárias, resíduos sólidos e águas pluviais.
Cabe ao poder concedente mobilizar, capacitar e coordenar a im-
plantação, pelas comunidades, das partes privadas dos sistemas,
possibilitando desta forma a criação de soluções integrais e inte-
gradas para o enfrentamento dos problemas do saneamento
ambiental.
Neste novo desenho institucional, o sistema em co-propriedade
poderá atingir a sua plenitude, pois corresponde a uma nova forma
de organização social, proporcionando o arranjo técnico necessário
para sua concretização.
Este novo modelo passa a ser uma alternativa efetiva para a
universalização dos serviço na medida em que reduz de maneira
drástica o investimento público necessário, introduz um novo ator
no processo - a comunidade organizada como co-proprietária de
parte significativa dos sistemas - possibilitando, mesmo àqueles
211
Os Desafios de um Novo Modelo
municípios menores e com menos recursos, soluções integradas que
correspondam às necessidades e características daquela sociedade
em específico.
A viabilidade desta idéia pode ser experimentada anteriormente em
esgotamento sanitário, quando o governo do Distrito Federal, no
mandato do governador Cristóvão Buarque, se impôs a meta da
universalização do atendimento com serviços de esgotamento sa-
nitário e não dispunha dos recursos financeiros suficientes para isto.
Para atingir a meta a Caesb propôs uma alternativa na implantação
de seu sistema condominial na qual reconhecia a capacidade e a
possibilidade, inclusive legal, da adoção do regime em co-proprie-
dade do sistema, sendo os condomínios os proprietários dos ramais
condominiais. A esta alternativa faltou institucionalização e
formalização e assim, no momento em que este recurso não foi
mais necessário, a própria Caesb reverteu o processo, cessando a
experiência.
Este mesmo exemplo serve para demonstrar as dificuldades e até
mesmo da falta de interesse que pode existir - tanto dos poderes
concedentes como das prestadoras de serviço estabelecidas - na
implantação dessa proposta em cidades que já são assistidas pelo
modelo atual. Entretanto, são muitas as pequenas cidades brasilei-
ras que não dispõem de nenhum tipo de serviço público dessa na-
tureza. Dos municípios brasileiros 75% tem menos de 20.000 habi-
tantes e esse número aumenta ainda mais se forem consideradas
apenas suas populações urbanas. Municípios desse porte poderiam
solucionar seus gravíssimos problemas ambientais, melhorar extra-
ordinariamente a qualidade de vida e o estado de saúde de suas
populações, contribuindo para alterar significativamente o quadro
de contaminação dos recursos hídricos do país, com a implantação
desse modelo naqueles municípios que não contam com nenhum
serviço de infra-estrutura urbana.
A universalização dos serviços exige enormes esforços e, sem des-
prezar as necessárias discussões para a criação de uma lei que
corresponda ao acordo entre os atores que dela estão participando
212
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
e da necessidade de aprovação de um marco regulatório para o se-
tor, deve-se buscar soluções para todo o país, independentemente
do tamanho do município, existência ou não de prestadores de ser-
viços organizados e esse novo modelo técnico-institucional pode
trazer elementos que possibilitem avançar no cumprimento dessa
tarefa.
Vale ainda destacar que o próprio processo de implantação do novo
modelo técnico-institucional oferece à sociedade a oportunidade
de se reorganizar e voltar a participar das decisões e das soluções
dos seus problemas - até mesmo da definição de quais são os seus
problemas - aumentando sua capacidade de participação e recupe-
rando uma instância de decisão popular, retomando as responsabi-
lidades que lhe foram tiradas por uma formação cultural paternalista
e uma longa tradição de autoritarismo do Estado brasileiro.
A outorga de todo poder de decisão e de toda responsabilidade pe-
las soluções ao Estado pode ser cômoda e tem sido cômoda para a
sociedade brasileira mas, por outro lado, tem condenado a popula-
ção a viver em condições muitas vezes desumanas e a um padrão de
qualidade de vida inaceitável. Não é possível continuar as
lamentações e reclamações pela falta de ação do Estado, com o
eterno discurso que “...este é um problema do Estado”, “...isto cabe ao
governador”, “...o prefeito é que é responsável por isto”, quando, na
realidade, toda a sociedade é responsável e deve tomar em suas
mãos estas decisões, resolvendo o que quer e como quer e dizer “...
bom, desta parte nós nos encarregamos e desta outra vocês tem
que se encarregar e queremos que seja já.” Essa é uma questão de
decisão da sociedade, e é a sociedade no governo. Governar através
de um governo eleito e estabelecido, mas sabendo que este estará
sempre agindo como preposto da mesma sociedade que o elegeu,
que lhe deu poder e mandato para corresponder com ação gerencial
às suas necessidades e demandas.
213
Os Desafios de um Novo Modelo
Recomendações Básicas para Implantação de um Siste-
ma de Esgotamento Sanitário em Regime de Co-propri-
edade
A implantação do sistema de esgotamento sanitário em co-propri-
edade com as características expostas anteriormente, sobretudo nas
pequenas cidades, deve considerar um conjunto de medidas prévias
que se traduzem em um novo arranjo institucional e na incorpora-
ção ao planejamento municipal de novos elementos, que desempe-
nharão papel decisivo em todas as fases do processo. Essas medidas
exigem a articulação dos três componentes básicos do sistema: par-
ticipação da comunidade em regime de co-propriedade; definição
de modelos institucionais e tecnológicos adequados às necessida-
des locais; e redução dos custos da prestação dos serviços.
1.1.
1.1.
1.
Novo arrNovo arr
Novo arrNovo arr
Novo arr
anjo institucionalanjo institucional
anjo institucionalanjo institucional
anjo institucional
a)a)
a)a)
a)
Modelo de gestãoModelo de gestão
Modelo de gestãoModelo de gestão
Modelo de gestão
É fundamental estabelecer um modelo de gestão integrada, que
envolva os diferentes atores governamentais e conte com a partici-
pação da sociedade organizada, considerando todos os aspectos
contemplados no sistema em co-propriedade e, em especial, a
formalização dos condomínios e a definição das responsabilidade
de todos os agentes envolvidos. A criação de departamentos, dire-
torias ou secretarias específicas deverá assegurar a integração de
todos os outros serviços públicos municipais com afinidade com o
saneamento ambiental, para dar unidade e maior eficácia às ações.
O modelo de gestão adotado deve assegurar, também a
sustentabilidade econômica do serviço implantado, utilizando para
isso dos instrumentos sócio-econômicos e técnicos de que dispõe o
sistema.
b)b)
b)b)
b)
Regulação do serviçoRegulação do serviço
Regulação do serviçoRegulação do serviço
Regulação do serviço
O concessionário, seja ele público ou privado, não pode operar sem
regulação. De modo simplificado, o município deverá criar um or-
ganismo regulador, encarregado de fiscalizar os serviços prestados
pelo concessionário. Para tanto, deverá ser criado um organismo
específico, com função remunerada e independência em relação aos
poderes municipais, que fiscalize os serviços públicos de infra-es-
214
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
trutura urbana, baseado em critérios definidos pelo poder concedente
e que levem em conta:
adequação do concessionário ao modelo de gestão implanta-
do e ao qual deverá se submeter;
regulação das tarifas a serem aplicadas e o exercício da
intermediação entre as partes nos casos não previstos especifi-
camente no modelo de gestão;
respeito à abrangência dos contratos estabelecidos entre as
partes que compõe o sistema, que serão firmados no momento
da criação formal dos condomínios
cumprimento do papel de mediador entre as partes, para solu-
ção de reclamações e denúncias tanto da comunidade quanto
do concessionário.
2.2.
2.2.
2.
Planejamento municipalPlanejamento municipal
Planejamento municipalPlanejamento municipal
Planejamento municipal
A utilização dos sistemas de serviços urbanos em co-propriedade e,
principalmente, a clara separação entre a parte pública e privada do
sistema, ressalta a necessidade da inclusão do planejamento desses
serviços no âmbito dos planos diretores ou das leis orgânicas muni-
cipais, a fim de assegurar as condições sócio-econômicas e técnicas
mais adequadas à sua prestação:
a)a)
a)a)
a)
Planos dirPlanos dir
Planos dirPlanos dir
Planos dir
etoretor
etoretor
etor
es e as leis ores e as leis or
es e as leis ores e as leis or
es e as leis or
gânicas municipaisgânicas municipais
gânicas municipaisgânicas municipais
gânicas municipais
O planejamento deverá ter flexibilidade para soluções técnicas
diferenciadas dependendo das condições geomorfológicas e
culturais de cada comunidade, considerando os sistemas em
co-propriedade como órgãos vivos capazes de crescer e de se
adaptar às novas realidades;
O tratamento dos problemas urbanos como um conjunto e de
forma integrada. Habitação, saneamento (incluindo todos os
seus componentes), pavimentação, eletrificação, transporte e
telefonia, não necessariamente nesta ordem, são faces de um
mesmo problema que necessitam ter um planejamento único
no desenho de sua solução;
A definição de usos de solo e/ou de densidades populacionais
deverão considerar a possibilidade de restrição geográfica ou
215
Os Desafios de um Novo Modelo
soluções para a articulação geográfica entre bacias de contri-
buição.
b)b)
b)b)
b)
Saneamento ambiental integrSaneamento ambiental integr
Saneamento ambiental integrSaneamento ambiental integr
Saneamento ambiental integr
adoado
adoado
ado
O adoção do modelo em co-propriedade oferece uma grande possi-
bilidade aos municípios para uma abordagem integrada do sanea-
mento ambiental, articulando os serviços públicos urbanos de abas-
tecimento de água, coleta e afastamento de esgoto, drenagem de
águas pluviais, coleta e destinação final de resíduos sólidos, acom-
panhado de educação sanitária e ambiental permanente, tendo como
meta não só o atendimento específico como a melhoria das condi-
ções ambientais. Os resultados obtidos com a integração dos servi-
ços revertem em benefícios diretos e indiretos à comunidade e aos
próprios serviços prestados, sobretudo no que diz respeito à melhor
qualidade da água e redução generalizada de custos de manuten-
ção dos sistemas. A Agenda 21
52
considera que “a urbanização, caso
adequadamente gerenciada, oferece oportunidades únicas para a
criação de uma infra-estrutura ambiental sustentável por meio de
uma política adequada de preços, programas educativos e mecanis-
mos eqüitativos de acesso, saudáveis tanto do ponto de vista eco-
nômico como ambiental.”
A Agenda 21 também condiciona a sustentabilidade do desenvolvi-
mento urbano à integração dos serviços: “Uma abordagem integra-
da para o fornecimento de uma infra-estrutura ambientalmente
saudável nos assentamentos humanos, em especial para os pobres
das áreas urbanas e rurais, é um investimento no desenvolvimento
sustentável capaz de melhorar a qualidade de vida, aumentar a pro-
dutividade, melhorar a saúde e reduzir a carga de investimentos em
medicina curativa e a mitigação da pobreza.”
53
c)c)
c)c)
c)
SeparSepar
SeparSepar
Separ
ação entração entr
ação entração entr
ação entr
e o público e o privadoe o público e o privado
e o público e o privadoe o público e o privado
e o público e o privado
Dentro da proposta do modelo em co-propriedade, a definição da
estrutura pública parte do planejamento feito pelo poder concedente,
levando em consideração as características locais. Quem define os
componentes privados é o interesse dos usuários organizados em
condomínio. A separação entre os componentes públicos e privados
52. A Agenda 21 é um
programa de ação baseado
num documento de 40
capítulos, relatório da
“Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvi-
mento” - Rio de Janeiro, 3-
14 Junho, visando a
implementação de um novo
padrão de desenvolvimento,
conciliando métodos de
proteção ambiental, justiça
social e eficiência
econômica em escala
planetária.
53. Agenda 21 – Documento da
Conferência da Nações
Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimen-
to. Rio de Janeiro – Junho
de 1992.
216
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
é essencial para fins de planejamento, execução e operação do sis-
tema e deve ser previamente definida e acordada com a sociedade
que assume a responsabilidade pelos componentes privados, na
medida de suas possibilidades.
3.3.
3.3.
3.
Planejamento do Sistema de Esgotamento Sanitário em Co-Planejamento do Sistema de Esgotamento Sanitário em Co-
Planejamento do Sistema de Esgotamento Sanitário em Co-Planejamento do Sistema de Esgotamento Sanitário em Co-
Planejamento do Sistema de Esgotamento Sanitário em Co-
prpr
prpr
pr
opriedadeopriedade
opriedadeopriedade
opriedade
a)a)
a)a)
a)
Informação à sociedadeInformação à sociedade
Informação à sociedadeInformação à sociedade
Informação à sociedade
Para atingir as metas de universalização do sistema, um princípio
básico é caracterizar a demanda existente e mantê-la adequada-
mente informada sobre os serviços disponíveis e possíveis
54
, de modo
que a comunidade esteja capacitada a tomar decisões sobre essa
ofertas levando em conta todas as alternativas, inclusive do ponto
de vista das tecnologias utilizadas, conseqüências, possibilidades e
custos das diferentes propostas. Informar a demanda significa re-
conhecer que a comunidade tem poder efetivo de decisão.
b)b)
b)b)
b)
Diagnóstico participativoDiagnóstico participativo
Diagnóstico participativoDiagnóstico participativo
Diagnóstico participativo
Para identificar as possibilidades técnicas que cada local oferece, é
preciso ter um diagnóstico adequado da área, sob os mais diversos
aspectos. A utilização de métodos participativos pode enriquecer o
diagnóstico, não apenas do ponto de vista sócio-econômico, mas
também para reunir informações importantes sobre as possibilida-
des operacionais do sistema. É fundamental como instrumento de
qualificação das informações obtidas e das comunidades como su-
jeito do processo de obtenção dos benefícios em questão.
c)c)
c)c)
c)
Definição de rDefinição de r
Definição de rDefinição de r
Definição de r
esponsabilidadesesponsabilidades
esponsabilidadesesponsabilidades
esponsabilidades
A comunidade deverá receber informações claras sobre o modelo
de gestão a ser adotado e conhecer suas responsabilidades perante
o sistema, como subsídio para a escolha da formulação da concep-
ção final dos sistemas e da definição dos instrumentos a serem de-
senvolvidos.
d)d)
d)d)
d)
Definição do desenho do sistemaDefinição do desenho do sistema
Definição do desenho do sistemaDefinição do desenho do sistema
Definição do desenho do sistema
O desenho do sistema deverá utilizar as informações do diagnóstico
54. A definição dos serviços
disponíveis e possíveis
deverá ser resultado de um
diagnóstico técnico do qual
constem a análise da área,
da disponibilidade dos
serviços e em que níveis e
estudos de topografia e
sondagem, para melhorar a
qualidade da informação
prestada à sociedade e
devem, necessariamente
preceder o diagnóstico
participativo. O diagnóstico
deverá ser, por coerência,
responsabilidade do poder
concedente.
217
Os Desafios de um Novo Modelo
e a escolha feita pela comunidade, depois de adequadamente in-
formada.
4.4.
4.4.
4.
ImplantaçãoImplantação
ImplantaçãoImplantação
Implantação
a)a)
a)a)
a)
PrPr
PrPr
Pr
ojeto básicoojeto básico
ojeto básicoojeto básico
ojeto básico
O projeto básico deverá ser desenvolvido de acordo com o desenho
escolhido pela comunidade, baseado nas informações do diagnós-
tico, de forma a orientar claramente sua execução.
A forma coletiva de atendimento constitui o padrão básico de
atendimento do sistema, razão pela qual essa modalidade deve
estar vinculada a níveis tarifários que retirem da tarifa os custos
representados pela operação e manutenção de responsabilidade
dos condôminos.
Em decorrência dessa concepção, a rede básica não mais con-
torna todas as quadras, como no modelo convencional, bastan-
do tocar cada uma delas no ponto de concentração do escoa-
mento natural das águas do condomínio, oferecendo assim a
melhor condição de ligação do ramal condominial.
A rede é pouco profunda por causa da pequena profundidade
dos ramais condominiais que a ela se ligam, pelo melhor apro-
veitamento das declividades naturais do terreno, face a flexibili-
dade de traçado. Todas essas possibilidades representam uma
redução significativa na extensão das canalizações e nas esca-
vações necessárias, proporcionando grande economia de inves-
timentos.
b)b)
b)b)
b)
OrOr
OrOr
Or
ganização dos condomíniosganização dos condomínios
ganização dos condomíniosganização dos condomínios
ganização dos condomínios
Os condomínios deverão ser formalmente constituídos, de acordo
com as regras estabelecidas pelo modelo de gestão decididas em
conjunto com a comunidade. O condomínio poderá ter diferentes
opções de participação na implantação, manutenção e operação do
sistema, que estarão relacionadas ao custo do serviço.
c)c)
c)c)
c)
PrPr
PrPr
Pr
ojeto executivoojeto executivo
ojeto executivoojeto executivo
ojeto executivo
O projeto executivo, depois de apresentado à população, com os
ajustes que se mostrarem necessários, deverá seguir alguns
parâmetros básicos.
d)d)
d)d)
d)
Rede principal ou públicaRede principal ou pública
Rede principal ou públicaRede principal ou pública
Rede principal ou pública
É formada pelos coletores principais, que constituem o sistema de
transporte do efluente dos ramais condominiais. São, em sua essên-
cia, iguais às redes de um sistema convencional, com a diferença de
que não recebem contribuições ao longo da rede. As contribuições
são pontuais, feitas através de uma câmara de inspeção ou poço de
visita. As redes principais são de propriedade do operador do siste-
ma que é, também, responsável pela sua operação e manutenção.
Por atender somente usuários coletivos, o comprimento total das
redes principais é bastante reduzida ficando em torno de 40% do
comprimento necessário nos sistemas convencionais (ver desenhos
a seguir).
A redução da quantidade de redes, além de proporcionar uma eco-
nomia nos custos de implantação, implica uma redução significati-
vamente dos custos de operação e manutenção. Nos sistemas con-
vencionais as contribuições às redes ocorrem através das conexões
domiciliares realizadas individualmente ao longo delas. Isto faz que
cada uma destas conexões se converta em um possível ponto de
entrada de elementos estranhos ao sistema. O fato de que, no siste-
ma em co-propriedade, as contribuições dos ramais ocorram nos
poços de visita e somente nestes, garante a estanqueidade das re-
des nos trechos entre os poços. Por outro lado, a simples existência
do ramal condominial torna maior as possibilidade de que as ocor-
rências mais freqüentes (entupimentos) aconteçam antes da des-
carga na rede principal ocorrer, garantindo ao operador da rede prin-
cipal o recebimento de um efluente limpo e de melhor qualidade.
Para diminuir as profundidades finais dos sub-sistemas e melhor
acompanhar as pequenas profundidades dos ramais condominiais
se recomenda a utilização das profundidades mínimas para redes
218
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
que se encontram nas vias públicas carroçáveis. No caso de utiliza-
ção de tubulação de PVC, que possui maior resistência a pressões
externas decorrentes de cargas móveis ou estacionárias e menor
quantidade de juntas que poderiam expor a rede à maiores proba-
bilidades de inflexões verticais sugerimos a adoção da profundida-
de mínima de 0,80 metros.
A utilização de tubulação de PVC por sua maior facilidade de insta-
lação e resistência, reduzido coeficiente de rugosidade e vantagens
relativas à estanqueidade proporcionam a redução dos diâmetros
calculados, com enorme economia para o sistema.
e)e)
e)e)
e)
Ramal condominialRamal condominial
Ramal condominialRamal condominial
Ramal condominial
O ramal condominial é uma rede em co-propriedade à qual se
conectam todos os co-proprietários desta rede. O conjunto de co-
proprietários são o condomínio. Este ramal se constitue em uma
rede secundária que transporta os esgotos daquele condomínio até
a rede coletora principal.
Duas características são importantes no desenho do ramal
condominial: simplicidade e economia. O traçado flexível permite o
máximo aproveitamento da topografia natural do terreno. Fugindo
das ruas, passando sob o passeio, por dentro dos lotes e áreas ver-
des, os recobrimentos são mínimos. A profundidade do ramal
condominial é a menor possível, porque abrir e fechar vala é um dos
itens mais custosos na construção de redes de esgotos. A escavação
é manual e os componentes são simples. Sua construção está total-
mente ao alcance da comunidade organizada, das prefeituras ou de
pequenas construtoras.
Em áreas de urbanização regular, normalmente são duas as alterna-
tivas de localização para o ramal condominial:
1. dentro das propriedades, pelo fundo, frente dos lotes ou misto;
2. ramal de calçada ou externo.
Como os condomínios são redes privadas em co-propriedade e con-
figuram sub-sistemas independentes, seus integrantes podem es-
221
Os Desafios de um Novo Modelo
222
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
colher entre operá-los, administrá-los e mantê-los eles mesmos ou
sub-contratar a terceiros para que realizem algumas ou todas estas
funções.
No ramal condominial, a profundidade mínima será aquela que es-
teja por debaixo da cota de ligação predial do condômino, garan-
tindo que este seja atendido. Para obter um volume menor de esca-
vação, sempre que seja possível, a pendente da tubulação deve ser
igual a do terreno e a profundidade mínima recomendada é de 0,30
metros.
f)f)
f)f)
f)
DiâmetrDiâmetr
DiâmetrDiâmetr
Diâmetr
os adotadosos adotados
os adotadosos adotados
os adotados
De acordo às NBR’s 9648/NB566 de novembro de 1986 e 7367/
NB281 de dezembro de 1988, os diâmetros da tubulação em redes
principais vão desde l00mm, sendo adotados nos inícios de rede e
nos trechos subseqüentes desde que a força de arrasto não seja
inferior a 1,0 Pascal e a seção molhada não passe dos 75% do diâ-
metro.
g)g)
g)g)
g)
Elementos de inspeçãoElementos de inspeção
Elementos de inspeçãoElementos de inspeção
Elementos de inspeção
Os elementos de inspeção são estruturas que atendem o objetivo de
permitir o acesso de homens, equipamento de limpeza de redes e
ferramentas, de modo de proceder à limpeza e/ou desobstrução das
tubulações. Estes elementos representam uma porcentagem signi-
ficativa nos custos de instalação das redes e ramais.
Os elementos de inspeção nas redes principais devem ser aqueles
que apresentem maior segurança, estanqueidade, menor peso e fa-
cilidade de instalação. Sem que isto represente uma especificação
de materiais, pelos motivos expostos acima, recomenda-se a consi-
deração da utilização de poços de visita produzidos industrialmen-
te, em polietileno.
Nos ramais condominiais, os elementos de inspeção utilizados são
as câmaras de inspeção de ramal, que terão 0,45m de diâmetro sem-
pre que a profundidade do coletor seja de até 0,80m e 0,60m a
partir de 0,80m de profundidades e até 1,20m.
223
Os Desafios de um Novo Modelo
As câmaras pré-fabricadas em concreto e em anéis são de utiliza-
ção mais convenientes porque facilitam a execução dos trabalhos
de manutenção, principalmente nos condomínios que serão opera-
dos e mantidos com utilização de mão-de-obra dos próprios
condôminos. No caso em que o condomínio decida pela operação
de terceiros ou que decida pela utilização de sistemas de limpeza
como o hidro-jateamento, pode-se utilizar câmaras produzidas in-
dustrialmente, em polietileno.
h)h)
h)h)
h)
Dimensionamento hidráulicoDimensionamento hidráulico
Dimensionamento hidráulicoDimensionamento hidráulico
Dimensionamento hidráulico
O dimensionamento hidráulico das redes principais e ramais
condominiais deverá ser realizado de acordo ao que está preconiza-
do nas normas brasileiras
55
. Entretanto algumas considerações ne-
cessitam ser feitas a respeito dos parâmetros nelas adotados, seus
efeitos práticos e suas conseqüências em termos de custo de im-
plantação dos sistemas.
55. Ver página 34.
224
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Primeiramente temos que considerar que sistemas hidráulicos, in-
dependentemente das fórmulas utilizadas e parâmetros considera-
dos no seu cálculo, funcionam quando as condições reais reprodu-
zem, dentro de certos limites, as condições utilizadas no cálculo do
dimensionamento.
A adoção, por exemplo do diâmetro de 100 mm em tubulações de
rede de esgotamento sanitário é adotada, apesar de já aceita pela
norma desde 1986, de maneira bastante tímida pelos técnicos das
empresas concessionárias de serviços de saneamento. Dependendo
da empresa concessionária criam-se limites bastante restritivos em
relação a utilização deste diâmetro, independente de sua capacida-
de hidráulica.
Por outro lado a fórmula utilizada no cálculo de vazões para o
dimensionamento hidráulico dos dutos considera o atendimento às
vazões máximas diárias e horárias. Para isso são estimadas as va-
zões recorrendo-se aos coeficientes empregados nos projetos de sis-
temas de abastecimento de água.
Relação entre a vazão média do dia de maior contribuição e a
vazão média diária anual (correspondente ao coeficiente de
variação diária): k1 = 1,2;
Relação entre um vazão máxima horária e um vazão média do
dia de maior contribuição (correspondente ao coeficiente de
variação horária): k2 = 1,5.
A utilização desses coeficientes considerando-se uma contribuição
instantânea e concentrada pontualmente nas redes leva a um con-
siderável aumento nos diâmetros preconizados. A utilização de va-
zões mínimas nas fórmulas de cálculo também contribuem de ma-
neira substantiva para a criação de uma vazão que poderíamos con-
siderar fictícia, principalmente nos trechos iniciais das redes.
Outro dado que participa desta equação é a dotação de água e o
coeficiente de retorno para a rede de esgotos. Normalmente esti-
ma-se a dotação em função do tipo de ocupação urbana e das ca-
225
Os Desafios de um Novo Modelo
racterísticas da população. Estas características se referem ao poder
aquisitivo da população, hábitos culturais em relação ao uso da água
e à higiene.
Atualmente no Brasil se usa uma dotação de 120 l/hab/dia, sendo
esta, por exemplo, a recomendação contida nos manuais de finan-
ciamento da CAIXA, principalmente quando se trata de áreas habi-
tadas por população de baixa renda. No caso da experiência de El
Alto, os estudos indicavam
56
um consumo de 30 litros/hab/dia. No
entanto, considerando outro levantamento realizado por Aguas del
Illimani
57
foi adotada a mesma dotação de 120 l/hab/dia, uma vez
que este era o consumo per capita previsto para o ano de 2020.
Não obstante, ao se realizar o monitoramento técnico previsto ao
fim do projeto verificou-se a existência de trechos de rede que, aten-
dendo à todos os requisitos de vazão, tensão trativa e declividade
apresentavam, principalmente nos trechos de maior declividade,
insuficiência de água na tubulação para a realização do arraste hi-
dráulico da matéria fecal.
A partir desta constatação considerou-se a possibilidade de incluir
na fórmula de cálculo a variável tirante mínimo (ocupação da área
do tubo de no mínimo 15%) para que se pudesse assegurar a lâmina
de água mínima que garantisse o arraste pretendido
58
. A inclusão
desta variável nos conduz à utilização de diâmetros de 75 mm nos
trechos de menores vazões.
A possibilidade de utilização desse diâmetro, embora seja previsível
a resistência inicial por parte dos técnicos do setor e mesmo da
população, poderia representar uma diminuição ainda mais impor-
tante nos custos de implantação e possibilitar um comportamento
hidráulico mais adequado nos trechos iniciais de rede. Consideran-
do-se as características do modelo em co-propriedade proposto e o
fato de que as menores vazões ocorrem nos ramais condominiais e
que por serem de propriedade do condomínio podem ser considera-
dos como instalações prediais, consideramos recomendável a expe-
rimentação deste procedimento visando ampliar as possibilidades
56. Martínez, E.; Molina, R.;
Índices de Carencia en
Función a Datos Censales –
Proyecto El Alto– Aguas del
Illimani, La Paz – 1998.
57. Estudo do Sistema de
Abastecimento de
Achachicala, Pampahasi, El
Alto Ladera e El Alto Meseta
“Demanda de água a nível
usuário”, realizada por LP-
AP-PM-1994-Consórcio de
Engenheiros – Lahmayer –
Gitec – Tecnisan - Sico.
Anexo 2.7. Ano 1997.
58. Arraes, Jorge Luiz de Souza,
“Avaliação Técnica dos
Sistemas Implantados no
Projeto Piloto El Alto” anexo
3 – verificação do
comportamento hidráulico
do sistema utilizando-se
tubulações com DN 75 mm
- Relatório final – Programa
de Água e Saneamento - La
Paz, Bolívia – Novembro
2000.
da universalização e os custos de manutenção dos ramais
condominiais. Vale lembrar que o reduzido diâmetro neste caso te-
ria alto poder inibidor da utilização das tubulações dos ramais
condominiais (e por conseqüência de todo o sistema) para outros
fins que não o de transporte de esgotos sanitários e funcionaria
como fator educacional da população usuária.
226
Saneamento Básico: Em Busca da Universalização
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo Luiz Lobo
Luiz Lobo
spsp
spsp
sp
Rua Raquel Prado, 691 - Merces
CEP 80510-360 - Curitiba/PR
Luiz Lobo sp é arquiteto, com pós-
graduação em Engenharia da Produção
na Coppe da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Nos anos 70, antes de
enveredar pela ação prática em
saneamento, desenvolveu projetos de
urbanismo e foi professor de
Planejamento Regional e Urbano na
Faculdade de Arquitetura do Instituto
Metodista Benett Rio de Janeiro e de
Planejamento Integrado do Curso de
Arquitetura no Centro de Educação
Superior em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul.
Na década de 80, participou de projetos
na área de saneamento básico para
comunidades pobres no Mato Grosso do
Sul. A observação dos resultados desses
projetos definiu o rumo de seu trabalho
posterior em programas de água e
saneamento, no Brasil e no Exterior.
No Brasil, coordenou a implantação do
Programa de Saneamento para
Populações de Baixa Renda (Prosanear)
em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e
em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Consultor em Desenvolvimento Urbano
do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), em
Planejamento e Saneamento Urbano do
Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e especialista
sênior em Meio Ambiente Urbano do
Programa de Água e Saneamento do
Banco Mundial. Também como consultor
realizou seminários de capacitação para
projetos de saneamento básico em
diversos países da América Latina e da
África.
É sócio e diretor da Woll Consultoria e
Projetos Ltda.
9 788590 348016
ISBN 85-903480-1-6
www.caixa.gov.br
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