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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
Departamento de ciências jurídicas
ALUNA: GERMANA DA SILVA LEAL
ORIENTADOR: ARI FERREIRA DE QUEIROZ
PODER DE POLÍCIA: PROPORCIONALIDADE E ABUSO DE PODER
GOIÂNIA
2007
1
Monografia apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Católica de Goiás, como exigência
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito, sob a orientação do professor Ari Ferreira
de Queiroz.
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Banca examinadora
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2
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Dedicatória
Aos meus amados e abençoados pais,
Ao meu orientador Ari Ferreira de Queiroz.
3
Agradecimentos
A Deus pela infinita misericórdia e ajuda sempre
presente nas madrugadas de estudo;
Aos meus pais pelo apoio e incentivo constantes;
Ao meu orientador Professor Ari Ferreira de
Queiroz pelo direcionamento e competência com a
qual me conduziu neste trabalho;
A todas as pessoas que de alguma forma
participaram de minha caminhada dando força e
estímulo.
4
Resumo: Como estrutura maior de representação do poder público através dos três
níveis de Poder, o Estado tem o dever de propiciar à sociedade como um todo uma
situação em que seja possível vivenciar o que apregoa o texto legal quanto ao que se
refere a uma convivência coletiva harmônica - um estado de segurança pública real e
presente. Para isso este ente se utiliza, através de seus representantes, do poder de
polícia. Visto aqui como um poder inerente à Administração pública, se difunde de forma
abrangente por todas as vertentes administrativas e em uma atitude de supressão da
vontade individual, quando esta tende a dissuadir-se do bem-estar coletivo, age de
maneira coercitiva e discricionária para restabelecer qualquer situação de desvirtuamento
da ordem. É mais um instrumento limitador, mas também limitado, que o poder público
tem ao seu dispor para imprimir à realidade concreta, o desejo maior de uma nação
soberana e democrática, qual seja, um Estado democrático de direito. Isto é, o do bem
comum.
Palavras-chaves: Estado. Sociedade. Poder de polícia. Segurança.
Administração. Bem comum.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................
.........1
CAPÍTULO I
ORIGEM DO PODER DE POLÍCIA
1. ASPECTOS HISTÓRICOS.......................................................................3
2. QUESTÕES CONCEITUAIS....................................................................6
3. A IGREJA E O PODER DE POLÍCIA........................................................10
4. A EXPRESSÃO PODER DE POLÍCIA.......................................................14
5. ATOS DE EXPRESSÃO DO PODER DE POLÍCIA.........................................16
CAPÍTULO II
ORDEM PÚBLICA, SEGURANÇA PÚBLICA E PODER DE POLÍCIA
1. QUESTÕES CONCEITUAIS..................................................................19
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍCIA E PODER DE POLÍCIA.....................22
3. PODER DE POLÍCIA E SEGURANÇA NACIONAL.......................................29
6
4. POLÍCIA JUDICIÁRIA E POLÍCIA ADMINISTRATIVA................................33
5. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E APURAÇÃO DE DELITOS...............36
CAPÍTULO III
O PODER DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. CARACTERÍSTICAS OU ATRIBUTOS DO PODER DE POLÍCIA....................40
1.1 NOÇÕES....................................................................................40
1.2 A DISCRICIONARIEDADE DO PODER DE POLÍCIA............................41
1.3 A AUTO-EXECUTORIEDADE DO PODER DE POLÍCIA.........................43
1.4 A COERCIBILIDADE DO PODER DE POLÍCIA...................................46
1.5 O PODER DE POLÍCIA COMO UMA ATIVIDADE NEGATIVA.................47
2. ATUAÇÃO E ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO PODER DE POLÍCIA..................48
3. A HEGEMONIA DA FACE PREVENTIVA SOBRE A FACE REPRESSIVA..........51
4. O PODER DE POLÍCIA E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......53
5. FUNDAMENTO E FINALIDADE DO PODER DE POLÍCIA.............................56
CAPÍTULO IV
LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO E ABUSO DO PODER DE POLÍCIA
1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.......................60
2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA E INSEGURANÇA PÚBLICA EM
MEIO AO COLAPSO DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO.......................65
2.1 ASPECTOS RELATIVOS À SEGURANÇA PÚBLICA...............................66
2.2 O SISTEMA CRIMINAL E A REALIDADE DA POLÍCIA..........................72
3. POLÍCIAS MILITAR E CIVIL NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA..........76
3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A POLÍCIA MILITAR........................76
3.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA POLÍCIA MILITAR......................77
3.3 ABUSO DE PODER NO ÂMBITO DA POLÍCIA MILITAR........................79
3.4 CONCEITO E ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL.......................................80
7
3.5 ABUSO DE PODER NO ÂMBITO DA POLÍCIA CIVIL............................82
4. LIMITES DO PODER DE POLÍCIA..........................................................85
5. EXTENSÃO EXCEPCIONAL DO PODER DE POLÍCIA.................................86
6. CONCLUSÃO.....................................................................................88
BIBLIOGRAFIA.........................................................................92
8
INTRODUÇÃO
O Estado, responsável pela preservação e manutenção da ordem e
segurança dos cidadãos em sociedade, busca através de seus agentes a concreção
de meios sancionadores e coercitivos capazes de restringir condutas particulares
que venham a afetar negativamente a coletividade ou o próprio Estado.
Esta atividade do ente estatal fundamenta-se legalmente tanto na
Constituição Federal quanto em normas de ordem pública e busca precipuamente
garantir a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo abrangendo
valores de ordem material, moral e espiritual do povo.
A própria Constituição Federal ao outorgar aos indivíduos uma vasta gama
de direitos, assegurando-os por meio de diversos dispositivos, deixa claro além da
plena liberdade de exercício conferida aos cidadãos, a necessidade de imposição
de limites.
Não sendo, portanto, incondicionados os direitos conferidos pela Lei aos
indivíduos, faz-se necessária a observância por parte do Estado democrático de
direito garantir o gozo dos mesmos por parte dos cidadãos de maneira que o
interesse coletivo se ache tutelado em face de abusos que venham a feri-lo.
Com esse intuito, é que o Estado através de seus Poderes estabelece um
mecanismo de frenagem da conduta individual. Inicialmente, tal atividade acha-se
cumprida pelo Poder Legislativo, a quem incumbe a formulação de leis que
estabeleçam condições e limites de exercício à fruição de direitos individuais e
coletivos.
No entanto, como não bastam tais providências, é preciso que a
Administração Pública de maneira efetiva aja nos casos concretos, intervindo em
situações que destoem do que regulamenta a Lei e, assim, façam-na cumprir.
Agindo dessa forma, o Estado através de seus agentes, estará utilizando dos
poderes administrativos, instrumento de trabalho do administrador público,
especificamente do poder de polícia, evidenciado através da prevenção e repressão
da conduta negativa e anti-social, preservando o interesse geral da comunidade
em face do abuso do direito individual.
É, portanto, o poder de polícia, faculdade discricionária da Administração
Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens e direitos individuais,
em benefício da sociedade ou do próprio Estado.
9
Tendo então como objeto, todo bem, direito ou atividade pessoal que
possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança desta. Ao condicionar
direitos e o uso de bens individuais delimita a execução das atividades por meio de
fiscalização e controle.
Atualmente, o tema relativo ao poder de polícia é largamente discutido
principalmente quanto à medida de sua aplicabilidade. Até que ponto e de que
maneira deverá atuar o Estado por meio do poder de polícia sem ferir a garantia
conferida pela Constituição Federal às liberdades pessoais?
Como resposta a tal indagação, faz-se necessário observar dentre outros
aspectos, a proporcionalidade imputada ao ente estatal na execução das medidas
coercitivas e, a fuga deste princípio, o que resultará em abuso de poder por parte
do Estado.
Estes e outros pontos serão levantados neste trabalho no afã de expor o
presente tema de maneira clara e explicativa com o objetivo de situar o poder de
polícia na esfera que propõe a Lei Maior.
10
CAPÍTULO I: ORIGEM DO PODER DE POLÍCIA
1. ASPECTOS HISTÓRICOS
Para se entender o significado do termo poder de polícia, faz-se necessário
primeiramente situá-lo historicamente ao longo do tempo, inicialmente, na
Antigüidade e Idade Média, em seguida dentro do que se denominou estado de
polícia e, por fim, dentro do estado de direito compreendido neste o estado liberal,
o social e o democrático.
A palavra portuguesa polícia, representada nas várias línguas românicas e
anglo-germânicas, origina-se do grego politeia através da forma latina politia.
Ligada etimologicamente ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego pólis (=
cidade, Estado), indicou entre os antigos helênicos a constituição do Estado, o
bom ordenamento,
1
sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade-
estado (pólis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão.
2
Na Antigüidade, então, limitou-se à organização do Estado estabelecendo a
idéia de governo e estrutura deste. Durante a Idade Média, no período feudal, o
sentido do vocábulo teve nova vertente, tendo sido usado para designar a boa
ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa
ordem moral e religiosa da competência exclusiva da autoridade eclesiástica.
3
Nesta época, havia o jus politiae, poder do qual o príncipe era detentor e
que designava a este ampla ingerência na vida particular dos cidadãos, incluindo a
1
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
405.
2
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 109.
3
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
405.
11
vida religiosa e espiritual, sempre com o pretexto de alcançar a segurança e o
bem-estar coletivo. Compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que
se colocavam fora do alcance dos tribunais. Esta fase foi denominada de estado de
polícia.
4
Ainda na Idade Média, retira-se, a partir do século XI, da noção de polícia o
aspecto referente às relações internacionais e já se detecta o exercício do poder de
polícia, tal como é hoje considerado, no âmbito das comunas (municípios)
européias, por seus administradores, contribuindo para fixar a raiz nascente da
cidade moderna. Saindo aos poucos do âmbito da polícia as matérias relativas à
justiça e às finanças.
5
A primeira etapa do estado moderno foi então caracterizada por uma fase
de opressão nas vidas dos cidadãos, com o poder intervencionista do príncipe.
Uma total intromissão do Estado, caracterizando o direito de polícia do soberano.
Era a época do estado iluminista, no qual o governante agia de acordo com a sua
própria lei, segundo a sua ótica particular e sem limitações.
Logo depois vem a segunda fase do estado moderno: o estado de direito, o
qual se desenvolve sob a égide de princípios, como o liberalismo e a legalidade,
advindos da Revolução Francesa ocorrida no século XVIII.
Com o estado de direito, inaugura-se nova fase em que não se aceita a
idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Além de que a
preocupação passa a ser a de assegurar ao indivíduo uma série de direitos
subjetivos, dentre os quais a liberdade. Em conseqüência, tudo o que significasse
uma interferência nessa liberdade deveria ter um caráter excepcional. A regra era
o livre exercício dos direitos individuais assegurados nas Declarações Universais de
Direitos, transpostos depois para as constituições.
6
A partir de então, polícia passa a ser vista como uma parte das atividades
4
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 109.
5
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 331-332.
6
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 109-110.
12
da Administração, destinada a manter a ordem, a tranqüilidade, a salubridade
públicas. Momento em que o vocábulo “polícia” deixou de ser usado isoladamente
e surgiu primeiramente na França, a expressão polícia administrativa;
7
sendo esta
essencialmente uma polícia de segurança.
8
Um outro momento se inicia, ainda com idéias liberais, em que a atuação
estatal não se limita mais à segurança, entendendo-se também à ordem
econômica e social e, antes mesmo de iniciar-se o século XX, fala-se em uma
polícia geral, relativa à segurança pública, e em polícias especiais, que atuam nos
mais variados setores da atividade dos particulares.
9
Foi o momento do estado social, no qual a polícia passou a ter nova face,
preocupando-se com questões relacionadas ao bem-estar da coletividade sempre
com o objetivo de adequar o exercício dos direitos individuais a uma situação de
harmonia com o interesse geral.
Posteriormente, em um terceiro momento do Estado de Direito, observa-se
uma preocupação do ente estatal com sua face democrática, o que refletiu no
exercício do poder de polícia. Momento em que a população obrigatoriamente
participa das negociações, relativas à sociedade como um todo, em nível de
constituição, estando até organizada, muitas vezes, em classes.
É o estado democrático de direito procurando garantir aos cidadãos o pleno
exercício dos direitos e liberdades pessoais assegurados em Lei e, ainda
vinculando seus atos ao que esta propõe. De maneira que o exercício do poder de
polícia não seja mais do que o que esteja definido como suficiente à garantia da
convivência pacífica da coletividade.
Assim, a evolução do poder de polícia ao longo da história norteou sua
execução nos dias atuais e permitiu a consagração de um Direito Administrativo
estruturado e embasado em princípios basilares à atuação da Administração
7
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 332.
8
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 110.
9
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 110.
13
Pública. A qual procura contrabalancear de um lado a garantia de efetivação plena
dos direitos individuais almejada pelo cidadão, e de outro a contensão desse
mesmo direito quando seu exercício individual venha sobrepujar o coletivo.
2. QUESTÕES CONCEITUAIS
Grande relevância tem neste ponto, para esclarecimento pertinente do
trabalhado realizado, expor por parte de doutrinadores e também da legislação, o
conceito de poder de polícia ao longo dos tempos como requisito primário e sólido
necessário à compreensão e desenvolvimento do tema.
Pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de
polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos
individuais em benefício da segurança.
10
Sob essa ótica, o poder de polícia acha-se
norteado pela noção que lhe emprestavam os gregos, na qual a polícia significava
o próprio governo, idéia aceita também pelos norte-americanos na lição de Paulo
Almeida Dutra:
O poder de polícia é, entre eles (os americanos), o poder do Estado de
promover a saúde pública, a segurança, a moral e o bem-estar geral;
ou, como foi mais simples e compreensivamente descrito, o poder de
governar homens e coisas.
11
Ainda neste sentido, o poder de polícia, em geral, sempre existiu no Estado,
qualquer que tenha sido sua natureza e funções, no que diz respeito aos fins da
sociedade a ele referida, quer tenha tido um caráter amplo de política interna
(concepção originária da polícia como governo), quer tenha sido concebido como
instituição essencialmente administrativa, ou como administração jurídica, ou
administração social do Estado. A idéia de Estado é inseparável da de polícia.
12
Modernamente, poder de polícia é a faculdade de que dispõe a
Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens,
atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.
10
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 111.
11
DUTRA, Paulo de Almeida. Desvio de poder. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 34
12
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
419.
14
É o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os
abusos do direito individual.
13
Sob esse ângulo, Petrônio Braz conceitua o poder de polícia como um
poder de vigilância objetivando o bem-estar social, impedindo que os abusos dos
direitos pessoais possam perturbar ou ameaçar os interesses gerais da
coletividade”.
14
Concordando com esse pensamento, Odete Medauar tem o poder de polícia
como a atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e
liberdades.” Para ela, é uma das atividades em que a Administração mais expressa
sua face autoridade e imperativa. Pois, “onde existe um ordenamento, este não
pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos
fundamentais de indivíduos e grupos”.
15
Assim expõe também Odília Oliveira ao ter o poder de polícia como
“conjunto de atribuições da Administração Pública, consistentes em atos
normativos e atos individuais executórios, de fiscalização e controle da atividade
privada, não mediante a prevenção, mas também por via da repressão de atos
violadores da ordem jurídica, que tenham repercussão social”.
16
Ainda sob este ponto de vista, corrobora Maria Sílvia Zanella Di Pietro ao
afirmar que “o poder de polícia é tido como a atividade do Estado consistente em
limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.
17
Sem embargo, convém expor segundo a visão de Celso Antônio Bandeira
de Mello, seu conceito de poder de polícia evidenciando um sentido amplo e estrito
deste:
A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade
13
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
131.
14
BRAZ, Petrônio. Manual de direito administrativo. 2. ed. Leme: Editora de Direito, 2001, p. 141.
15
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 331.
16
OLIVEIRA, Odília Ferreira da Luz. Implicações da distinção entre poder de polícia e serviço
público. Revista de direito público, n. 74, p. 208-209.
17
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 111.
15
ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A
expressão tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do
Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de
medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da
liberdade e da propriedade dos cidadãos.
A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais
estrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e
abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as
autorizações, as licenças, as injunções), do poder Executivo destinadas
a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de
atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta
acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.
18
Noutro aspecto, traz José Cretella Júnior que, por informar todo o sistema
de proteção que funciona atualmente nos estados de direito, o poder de polícia
deve “satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a
segurança e a salubridade públicas”.
Em contrapartida, partindo-se do fato de que o conceito de poder de polícia,
ao longo dos tempos teve várias faces, correspondendo à realidade histórica de
cada época e, que hoje, acha-se dotado de vasta abrangência, seria estabelecer
uma grande limitação condicioná-lo a um tríplice objetivo como o exposto acima.
Coadunando com esse pensamento Maria Sílvia Zanella Di Pietro acrescenta
que o interesse público a que deve atender a execução do poder de polícia, “diz
respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral,
saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade”.
19
Então, não que se indagar se no exercício do poder de polícia o trio:
tranqüilidade, segurança e salubridade públicas. Principalmente no Brasil, onde
este poder é visto pela maior parte dos doutrinadores como atuante nas mais
diversificadas esferas da sociedade. Neste sentido, afirma Celso Antônio Bandeira
de Mello:
Ocorre que no Brasil existem regulamentos executivos, isto é, para a
fiel execução das leis. Foge à alçada regulamentar inovar na ordem
jurídica. Para s, então, não interessa indagar se se trata de
segurança, ordem ou salubridade públicas, ou qualquer outro setor,
uma vez que se encontram niveladas todas as intervenções da
18
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 718.
19
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 111.
16
Administração.
20
É ainda dessa noção que esse autor acentua os sentidos amplo e estrito do
poder de polícia expostos em momento anterior. Não se limitando, portanto, a
uma definição rígida do termo. Partindo desse pressuposto, tem-se no artigo 78 do
Código Tribunal Nacional, referente à cobrança de taxa, um conceito para o poder
de polícia da Administração:
Considera-se poder de polícia da atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à
tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos.
também na Constituição Federal de 1988, em vários artigos e incisos,
abordagem do legislador a cerca do poder de polícia como, por exemplo, o artigo
5º, VI, VIII, XIII, XVI, XXIII e XXIV, artigo 145, II, artigo 170 e artigo 172, entre
outros.
Ainda a título de conceituação, mas abordando um outro aspecto
extremamente relevante, Marçal Justen Filho afirma que “o poder de polícia
administrativa é a competência administrativa de disciplinar o exercício da
autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia,
segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade”.
21
A partir deste conceito é possível depreender que além de zelar pela
convivência dos cidadãos em sociedade, assegurando seus direitos e permitindo o
livre exercício deles, a execução do poder de polícia a que se pautar nos princípios
que regem a administração pública de forma que não se desvie do que propõe a lei
e ainda o realize de maneira ponderada.
Assim, a partir de todas as definições oferecidas tanto pela legislação
quanto pelos diversos doutrinadores, é possível observar o caráter limitativo da
conduta individual do ser humano por parte do poder de polícia, em prol de uma
20
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 734-735.
21
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.385.
17
situação de convivência social aceitável e permissiva de benefícios à coletividade.
3. A IGREJA E O PODER DE POLÍCIA
É possível observar através de registros da história da humanidade que ao
longo dos tempos a Igreja e o Estado estiveram ligados. Ora de forma conflitante
em que o representante político e o detentor do poder espiritual interferiam um na
ação do outro, cada qual buscando a supremacia de seu poder e ora unidos
estabelecendo laços de força dos dois poderes. É o que se observa, por exemplo,
no Império romano (de 27 a.C. a 476 d.C). Período em que os cristãos foram
severamente perseguidos e a Igreja cristã não exerceu grande influência na
sociedade:
Ao imperador, supremo mandatário, cabia exercer totalmente o controle
político, sobrepondo-se ao Senado. A ele competia nomear magistrados,
controlar os exércitos, interferindo, até mesmo, nas questões
religiosas.
22
Somente após a aceitação do cristianismo promovida pelo imperador
Constantino (313-337) por meio do Edito de Milão, o qual “concedeu liberdade de
culto aos cristãos, já importantes em número e influência”
23
, é que a igreja católica
passou a ter interferência direta em todos os setores da sociedade.
Foi então na Idade Média que se observou a supremacia desta instituição
feudal, a maior do ocidente europeu. Uma vez que “atuando em todos os níveis da
vida social, a Igreja estabeleceu normas, orientou comportamentos e, sobretudo,
imprimiu nos ideais do homem medieval os valores teológicos, isto é, a cultura
religiosa”.
24
Essa interferência direta da Igreja foi decisiva para a aceitação da
mentalidade de uma sociedade imóvel e estratificada que culminou na sustentação
da realidade política vivenciada na época, necessariamente desigual:
Coube, assim, ao clero forjar a mentalidade da época, reforçando o
predomínio dos senhores feudais (clero e nobreza), justificando os
privilégios estabelecidos e oferecendo ao povo, em troca, a promessa do
22
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 90.
23
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 93.
24
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 111.
18
paraíso celestial.
25
Era, na verdade, uma aliança de cooperação entre o Estado e a Igreja, em
que esta exercendo sua supremacia, enaltecia a situação política e social vigente
em troca de maior fortalecimento de suas bases. E, a cada medida que tomava em
prol do fortalecimento do poder do soberano, tornava-se por parte deste mais
protegida:
Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e outros servos,
obrigados a venerar e a amar a Deus, e que os servos estejam
obrigados a amar e venerar o seu senhor.
26
Em alguns momentos, foi possível observar confusão entre o papel da Igreja
e do Estado. Este se estruturando aos poucos, de acordo com as mudanças
trazidas pelas modificações ao longo dos tempos, principalmente da economia, e
aquela devido ao forte poderio que deteve, fazendo as vezes de Estado ao impor
penalidades ao homem que se achasse contrário ao seus dogmas:
Em sua obsessão pelo poder, os papas passaram a intervir
sistematicamente em assuntos de política e economia, acabando por
enfrentar a resistência da realeza.
27
É possível, portanto, observar que a relação Igreja-Estado tem feito parte
diretamente da vida do homem e direcionado a conduta deste. Por meio da
doutrina cristã, a qual prega a paz entre os homens, a Igreja tem se relacionado
com as questões sociais que envolvem o ser humano e, buscado imprimir a
necessidade do alcance de um bem comum a todos, dado o fato de o homem ter
sido criado à imagem e semelhança de Deus e por isso ser responsável pelo
exercício dos seus direitos individuais com os demais pertencentes ao seu grupo
social.
Esse bem comum não é senão finalidade social a ser cumprida pelo Estado
e na lição de Dalmo Dallari de Abreu é perfeitamente definido pelo Papa João
XXIII:
O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social
que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da
25
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 111.
26
ANGERS, St. Laud de. In: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de história. Lisboa:
Plátano, 1975.
27
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 152.
19
personalidade humana. (...) Como se não é feita referência a uma
espécie particular de bens, indicando, em lugar disso, um conjunto de
condições, incluindo a ordem jurídica e a garantia de possibilidades, que
consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade
humana. Nesta idéia de integral desenvolvimento da personalidade está
compreendido tudo, inclusive os valores materiais e espirituais, que
cada homem julgue necessário para a expansão de sua personalidade.
Ao se afirmar, portanto, que a sociedade humana tem por finalidade o
bem comum, isto quer dizer que ela busca a criação de condições que
permitam a cada homem e a cada grupo social a consecução de seus
respectivos fins particulares.”
28
Dessa forma, é necessário que antes de qualquer lucro pessoal ou interesse
particular, a sociedade coloque o bem comum à frente de suas relações e todos
sejam beneficiados.
Porém, os homens, por si mesmos, individualmente, revelam-se incapazes
de coordenar seus esforços para a verdadeira construção do bem comum, pois ele
carreia em seu bojo complexas teias de relações humanas. Por isso, o Estado e os
governantes têm a missão de assumir a construção dessa obra monumental.
29
É daí, então, que advêm a necessidade da atuação do ente estatal através
do poder de polícia, no sentido de controlar, ajudar e regular as atividades
individuais e, assim, direcioná-las de forma harmoniosa ao bem comum.
Para que esta missão do Estado se concretize é imperioso que exista um
sistema de segurança humana capaz de coibir no caso concreto ações
desfavoráveis ao bem comum e possibilite um mínimo de segurança à
coletividade. A este sistema dá-se o nome de polícia, o qual segundo José Cretella
Júnior, “é a atividade concreta exercida pelo Estado para assegurar a ordem
pública através de limitações legais impostas à liberdade coletiva e individual.”
30
A existência da polícia como meio de assegurar a ordem pública, promover a
segurança necessária à coletividade e, assim possibilitar o bem comum coaduna
com a doutrina social da Igreja. “Destarte, a polícia, em si, como concebida, é um
importante elo de ligação entre o Estado e a doutrina social da Igreja.”
31
28
Papa João XXIII. Pacem in terris (Encíclica), I, 58.
29
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 19.
30
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
414.
31
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
20
4. A EXPRESSÃO PODER DE POLÍCIA
Tem origem na jurisprudência norte-americana. A expressão técnica advém
do inglês police power. José Maria Pinheiro Madeira citando Henrique de Carvalho
Simas, diz:
A expressão veio dos Estados Unidos: police power. Criação da
jurisprudência dos tribunais americanos, significa, nada mais nada
menos, uma atividade discricionária (não arbitrária) do governo, que
age com certa liberdade para aquilatar da convivência, oportunidade ou
alcance da aplicação das medidas limitativas ou disciplinadoras dos
direitos individuais.
32
Concordando com esta afirmação José Cretella Júnior acentua que a
expressão é bastante moderna e, que após ter sido criada em país de língua
inglesa, expandiu-se pelo direito público de todo o mundo. Faz ainda um breve
relato da utilização da expressão:
Em 1827, no caso Brown “versus” Maryland, o juiz Marshall, presidente
da Corte Suprema dos Estados Unidos, trata do poder de polícia, se bem
que a expressão integral, estereotipada - police power ainda não lhe
tivesse ocorrido de modo nítido, tanto assim que, em seu voto, nada
menos que 10 vocábulos se interpõem entre os termos constitutivos da
denominação. O mesmo juiz, em caso anterior (1824), Gibbons “versus”
Ogden, empregara os mesmos vocábulos, também afastados um do
outro, não ocorrendo, ainda, a expressão “police power”. Em 1853, no
caso Commonwealth “versus” Alger, o juiz Shaw, fez alusão à
relatividade dos direitos de propriedade, subordinados aos demais
interesses particulares e coletivos. No caso Noble, a expressão, agora
para sempre consagrada, aparece na íntegra, pela primeira vez: “Pode
dizer-se, de um modo geral, que o police power se estende a todas as
grandes necessidades públicas”.
33
Em outra vertente, acentua Celso Antônio Bandeira de Mello que a
expressão poder de polícia traz consigo “a evolução de uma época pretérita, a do
‘Estado de Polícia’, que precedeu ao Estado de Direito”. Carregando consigo “a
suposição de prerrogativas dantes existentes em prol do ‘príncipe’ e que se faz
comunicar inadvertidamente ao Poder Executivo”. Dessa forma, “raciocina-se
Júris, 2000, p. 22.
32
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 10.
33
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
420.
21
como se existisse uma ‘natural’ titularidade de poderes em prol da Administração
e como se dela emanasse intrinsecamente, fruto de um abstrato ‘poder de
polícia’”.
34
Atualmente, na quase totalidade dos países europeus, excepcionalmente à
França, “o tema é tratado sob a titulação ‘limitações administrativas à liberdade e
à propriedade’, e não mais sob o rótulo ‘poder de polícia’”.
35
Contudo, como na realidade brasileira a denominação é largamente
empregada, tanto por doutrinadores como pela legislação, será chamada então de
poder de polícia a prerrogativa da Administração de impor limitações à conduta
individual do particular em prol do bem comum e, que se ressaltar a diferença
entre o poder de polícia e a polícia para que não ocorram conflitos nos atos de
expressão de um e de outros resultantes de má-definição. É o que assinala Jo
Cretella Júnior:
A polícia é (...), a atividade exercida pelo Estado para assegurar a
ordem pública e particular mediante limitações impostas à liberdade
coletiva e individual dos cidadãos, tem âmbito mais restrito do que o
poder de polícia que é a faculdade atribuída pela Constituição do poder
legislativo para regulamentar os direitos individuais, promovendo o
bem-estar geral.
36
Neste sentido, na lição de Álvaro Lazzarini, “podemos dizer que o poder de
polícia é uma potencialidade, é algo em potência, ao passo que a polícia é uma
realidade, é algo em ato. O poder de polícia legitima a ação da polícia e sua
própria existência.”
37
5. ATOS DE EXPRESSÃO DO PODER DE POLÍCIA
Na lição de Marçal Justen Filho, “a natureza de poder de polícia conduz, na
grande parte dos casos, à sua exteriorização por meio de atos administrativos
unilaterais. A especificação da espécie de ato adequado depende das
34
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 717.
35
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 717.
36
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
423.
37
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 186.
22
circunstâncias e da natureza.
38
Neste sentido, tomando-se a atuação do poder de polícia em sentido amplo,
com abrangência em atividades dos Poderes Executivo e Legislativo, tem-se o
exercício de atos que podem ser normativos em geral, e concretos ou operações
materiais. José Maria Pinheiro Madeira afirma que:
(...) pelos atos normativos em geral, que são leis, criam-se as
limitações administrativas ao exercício dos direitos e atividades
individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas
indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação;e que
disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, pode o Executivo
baixar decreto, resoluções, portarias, instruções.
39
(...) os atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao
caso concreto compreendem medidas preventivas como fiscalização,
vistoria, ordem, notificação, autorização, licenças, objetivando adequar
o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de
reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias
deterioradas, internação de doente com patologia contagiosa), com a
finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.
40
Na lição de Odete Medauar, “a licença é ato administrativo vinculado pelo
qual o poder público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências
legais, possibilita-lhe a realização de atividades ou de fatos materiais, vedados
sem tal apreciação.” Como exemplo de licença cite-se: “licença de construir,
licença ambiental, licença de localização e funcionamento.”
41
Ainda sob o olhar desta autora, tem-se agora a autorização “como ato
administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administração consente no
exercício de certa atividade; no âmbito do poder de polícia, diz respeito, ao
exercício de atividades cujo livre exercício pode, em muitos casos, constituir
perigo ou dano para a coletividade, mas que não é importuno impedir de modo
absoluto.” Os exemplos mais comuns são o porte de armas e o comércio de fogos.
42
38
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.385.
39
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 48
40
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 48
41
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 337.
42
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 337-338.
23
Como exemplo de regulamentos ou portarias, tem-se também “as que
proíbem soltar balões em épocas de festas juninas” e “das normas
administrativas, as que disciplinam horário e condições de vendas de bebidas
alcoólicas em certos locais. São disposições genéricas próprias da atividade de
polícia administrativa.”
43
Em outra vertente, tem-se:
(...) as injunções concretas, como as que exigem a dissolução de uma
reunião subversiva, apreensão de edição de revista ou jornal que
contenha noticiário ou reportagem sediciosa, imoral ou dissoluta,
fechamento de estabelecimento comercial aberto sem a prévia
obediência aos requisitos normativos, interdição de hotel utilizado para
exploração de lenocínio, guinchamento de veículo que obstrua via
pública, são atos específicos de polícia administrativa praticados em
obediência a preceitos legais e regulamentares.
44
Diógenes Gasparini complementa ainda, que a atribuição de polícia
administrativa também compreende os atos de fiscalização. Por eles, previnem-se
os danos decorrentes da ação dos administrados.”
45
Como exemplo, tem-se:
(...) a fiscalização dos estabelecimentos de pasto (restaurantes, bares e
lanchonetes), no que concerne à higiene e à qualidade dos alimentos
postos ao consumo público; das construções, no que respeita a higiene,
segurança, habitabilidade; de atividades (caça e pesca), no que diz
respeito á época, ao local e aos equipamentos utilizados; dos táxis, no
que se refere à segurança, à higiene e à aferição dos taxímetros.”
46
Dessa forma, é possível depreender que o poder de polícia está inserido
por toda a Administração e seus atos de expressão são, portanto, inúmeros e
repercutem sobremaneira dentro da sociedade.
CAPÍTULO II: ORDEM PÚBLICA, SEGURANÇA PÚBLICA E PODER DE
43
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 731.
44
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 731.
45
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132-133.
46
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132-133.
24
POLÍCIA
1. QUESTÕES CONCEITUAIS
A ordem pública, objeto de profunda necessidade para a convivência
saudável da coletividade, possui conceituação diversa e abrangente na doutrina
dominante em face da amplitude que possui.
A atual Constituição Federal no artigo 144, faz menção à ordem pública ao
afirmar que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio”, mas não oferece definição exata ao termo.
Por isso, “consideramos mais procedente entender que a ordem pública
não se limita às noções de segurança e de tranqüilidade, mas também abrange os
conceitos de ordem moral, estética, política e econômica.”
47
É neste sentido, por
exemplo, que age amplamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
quando menciona questão de ordem pública:
PROCESSO CIVIL EXECUÇÃO FISCAL EXCEÇÃO DE PRÉ-
EXECUTIVIDADE –ILEGITIMIDADE PASSIVA RESPONSABILIDADE DO
SÓCIO – DILAÇÃO PROBATÓRIA – PRECEDENTES.
1. A controvérsia essencial destes autos restringe-se à exclusão do
recorrente do pólo passivo da relação jurídica, por meio de argüição de
exceção de pré-executividade.
2. A exceção de pré-executividade é admitida nas hipóteses em que a
matéria objeto de defesa, pelo executado, seja de ordem pública e,
portanto, cognoscível de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau
de jurisdição, como, por exemplo, as condições da ação e os
pressupostos processuais (artigo 267, § 3º, do Código de Processo
Civil).
3. Sobre a exclusão da responsabilidade do recorrente, na hipótese
dos autos, denota-se inexistir respaldo legal. Frise-se que a inclusão do
co-responsável à execução, na forma do art. 135 do CTN, origina-se do
disposto no art. 4º da LEF. Nesse sentido, independentemente de terem
nomes expressamente lançados na CDA, os co-responsáveis podem ser
citados e, além disto, terem seus bens penhorados. (...)
48
Assim, por ordem pública, não se entende somente a ausência de
47
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 86.
48
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 787116/SC, relatora ministra Eliana Calmon,
julgamento 21/06/2007, DJ 29-06-2007, p. 541.
25
desordem, mas também a atuação preventiva que possibilite a não ocorrência de
lesões à convivência pacífica da comunidade. D ser necessária a atuação do
poder de polícia no sentido de promover a situação de ordem pública, a qual
de ser garantida através de mecanismos de segurança pública, que haverão de ser
adotados por órgãos específicos.”
49
Tais órgãos, de acordo com o texto constitucional mencionado acima, nos
incisos I, II, III, IV, V e § 8º, são a própria polícia, organizada em corporações e
distinta pela competência que cada uma possui, ou seja, a polícia federal, a polícia
rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias militares
e corpos de bombeiros militares, além das guardas municipais que os municípios
poderão constituir.
Além destes, conta-se com a polícia administrativa, pois esta na lição de
José Cretella Júnior, tem por objeto a manutenção da ordem pública e exerce
atividades a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que os crimes se
verifiquem.”
50
Ainda sob o ponto de vista deste autor, à polícia administrativa ou
preventiva incumbe, em geral, a vigilância, a proteção da sociedade, manutenção
da ordem e tranqüilidade públicas, bem assim, assegurar os direitos individuais e
auxiliar a execução dos atos e decisões da Justiça e da administração.
51
Neste sentido, é inegável que para a existência da ordem pública, faz-se
necessária a atuação da polícia, esta encarada também em sentido amplo e não
somente sob sua face repressiva, uma vez que na realidade brasileira, à polícia
cumpre também a prevenção dos delitos.
Sem embargo, cumpre observar que embora aja distinção entre as polícias
administrativa e judiciária, no Brasil esta diferença não tem integral aplicação,
porque a nossa polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão atividades preventivas e
49
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 85.
50
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
416.
51
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
416.
26
repressivas.”
52
Neste aspecto, José Cretella Júnior conceitua polícia como “a operação que
tem por fim assegurar por via geral ou individual, preventivamente e por certas
medidas apropriadas (que constituem seu objeto), a tranqüilidade, a segurança e
a salubridade públicas, a fim de prevenir as ofensas aos direitos e propriedades
dos indivíduos que poderiam resultar numa falta de tranqüilidade, de segurança ou
de salubridade.”
53
Ainda neste sentido, é notório, que a ordem pública existe sempre que não
desordem, atos de violência, de que espécie for, contra pessoas, bens ou o
próprio Estado. Mas ela não pode ser concebida única e exclusivamente sob esta
ótica. Não se trata de figura jurídica, embora dela se origine e tenha a sua
existência formal.”
54
Assim, na lição de Álvaro Lazzarini:
A ordem pública encerra um contexto maior, no qual se encontra a
noção de segurança pública, como estado antidelitual, resultante da
observância das normas penais, com ações policiais repressivas ou
preventivas típicas, na limitação das liberdades individuais.
55
Dessa forma, mesmo que de forma ampla, a ordem pública é objeto de
busca e preservação por parte do poder público, uma vez que sem ela será
impossível a convivência social.
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍCIA E PODER DE POLÍCIA
A Constituição Federal no artigo acentua que “são poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No
Estado Moderno ao contrário do Antigo e Medieval, a existência dos três poderes
tem o objetivo de defender os interesses do povo, colecionados no bem-estar,
ordem social e bem comum em contraposição aos anseios individuais.
52
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 92.
53
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
409.
54
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 95.
55
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 202.
27
Em concordância com essa afirmativa, acentua Alexandre de Moraes que
o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre
órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade
individual contra o arbítrio de um governante onipotente”.
56
Reis Friede afirma ainda que a divisão do poder de Estado em três órgãos
distintos (Legislativo, Executivo e Judiciário), independentes e harmônicos entre
si, representa a essência do sistema constitucional. Uma Constituição que não
contenha este princípio não é Constituição, como afirmaram os teóricos do
liberalismo”.
57
Sob esta ótica, é tão fundamental, na concepção do Estado Moderno, o
princípio da separação dos Poderes que, no art. 16 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, promulgada na França em 26 de agosto de 1789, foi
firmado o princípio de que “toda sociedade em que a garantia dos direitos não é
assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição”
58
,
vale dizer é um Estado politicamente não evoluído”.
59
(...)
Nesse contexto, é imprescindível salientar que a clássica separação dos
poderes reconhecida e acatada como dogma dos Estados liberais, teve origem no
século XVIII por Montesquieu a partir da compilação de diversas divagações de
filósofos na obra intitulada O Espírito das Leis”, a qual expôs a necessidade de
impedir a tirania dos governantes que caracterizou os Estados absolutistas do
passado.
Sem embargo, necessário é pontuar que “essa separação de poderes não
pode ser entendida da maneira absoluta como pretendiam, nos primeiros tempos,
os teóricos do ‘presidencialismo puro’ norte-americano. Nem decorre da doutrina
de Montesquieu que cada um dos três clássicos poderes deva funcionar com plena
independência, plena autonomia, fechado em departamento estanque. Melhor será
56
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 370.
57
FRIEDE. Reis. Curso de ciência política e teoria geral do estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 459.
58
FENET, Alain. Les libertes publiques en France. 1. ed. Paris: Presses Universitaires de France,
1976, p. 35.
59
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 25-26.
28
falar-se em separação de funções. A divisão é formal, não substancial”.
60
“Isso é tanto mais importante, quando sabe-se que as atividades da
Administração Pública, típicas do Poder Executivo, coexistem nos dois outros
Poderes, isto é, no Legislativo e no Judiciário”.
61
(...) Salientando-se, entretanto,
que tal ocorrência em nada compromete a competência legítima e específica de
cada Poder.
Sob esta ótica, imprescindível é expor o conceito de Administração Pública,
embora nem sempre esta definição seja encontrada de forma bem definida devido
aos vários sentidos dados à expressão. A saber:
Poderes criados, distribuídos e administrados pelo governo da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para atender a
necessidades e interesses da coletividade, com execução de atividades e
serviços públicos(...)
62
Na lição de Hely Lopes Meirelles, se administrar é gerir interesses,
segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação
alheias”, e sendo estes bens da coletividade, realiza-se administração pública”.
63
Sendo assim, para este autor, Administração Pública, “é a gestão de bens e
interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual e municipal,
segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum”.
64
Nesta
linha, Laubadére, administrativista francês, acentua que:
Administração Pública é o ramo do direito público interno que
compreende a organização e a atividade daquilo que se denomina
corretamente Administração, isto é, o conjunto de autoridades, agentes
e organismos encarregados, sob o impulso dos poderes políticos, de
assegurar as múltiplas intervenções do Estado moderno.
65
60
MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 205-207.
61
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 27.
62
GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 5. ed. São Paulo: Rideel, 2003, p.
50.
63
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
84.
64
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
84.
65
LAUBADÉRE, André. Manuel de droit administratif. 10.ed. Paris: Ledy, 1977. p. 11.
29
Odete Medauar assinala duas faces de observação para o termo. Sob o
aspecto funcional, Administração Pública significa um conjunto de atividades do
Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no exercício de funções de
governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais
instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população (...)”
66
sob a vertente organizacional, a Administração Pública “representa o
conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para
a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das
funções de governo.”
67
Na mesma assertiva, mas com diferentes denominações, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro atribui um sentido subjetivo e objetivo à expressão. Segundo ela,
subjetivamente a Administração Pública compreende as pessoas jurídicas, órgãos
e agentes públicos incumbidos do exercício da função administrativa.
Objetivamente, a expressão se refere à natureza da atividade exercida por estes
entes, sendo neste caso a própria atividade administrativa de competência
precípua do Poder Executivo.
68
Mormente devido principalmente à diversidade conceitual acerca da
Administração Pública, imprescindível é a diferenciação entre esta e Governo.
A função política ou de governo compreende um dos três elementos
necessários à existência do Estado. Ao longo dos tempos esteve intrinsecamente
relacionada com a função administrativa, de forma que sob o aspecto material,
não se distinguem.
No entanto, juridicamente diferença entre os termos, pois aos órgãos do
Governo cabe a competência de tomar decisões políticas, dotadas de forte carga
de discricionariedade, mas não de arbítrio, em relação à comunidade governada,
enquanto que os órgãos da Administração Pública têm a seu cargo a aplicação
66
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 44.
67
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 44.
68
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 54.
30
daquelas decisões governamentais, que sejam exeqüíveis em termos de ação
concreta.”
69
Em outras palavras, à Administração cabe o papel de execução, de
operacionalização aplicada ao caso concreto das ordens emanadas pelo Governo, o
qual possui atribuição de comando político do Estado.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro citando Renato Alessi, afirma que a função
política ou de governo, implica uma atividade de ordem superior referida à
direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a
determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras
funções, buscando a unidade da soberania estatal”.
70
Neste contexto, necessário é acentuar para a devida compreensão da
atividade administrativa, que esta se acha efetivamente subordinada à ação
governamental”, o que obriga o agente administrativo a cumprir a decisão
governamental”.
71
No entanto, muito embora havendo sujeição, tanto os atos de Governo
dotados de soberania política e direção quanto os da Administração evidenciados
na execução, por meio de atos concretos voltados para a realização dos fins
estatais, visam a satisfação das necessidades coletivas, ou seja, o fim precípuo do
Estado, qual seja, o bem-comum da coletividade.
Neste afã, é que a organização e funcionamento da Administração Pública
se acham, no Brasil, alicerçados na Lei e em casos excepcionais em decretos
conforme preceitua o artigo 84, inciso VI, da Constituição Federal.
72
Como bem afirma Hely Lopes Meirelles, a natureza da administração
pública é a de um múnus público, isto é, a de um encargo de defesa, conservação
69
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 28.
70
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 56.
71
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 28.
72
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 30.
31
e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade”
73
, o que obriga o
administrador público ou agente público no exercício de sua atividade, a agir
conforme os preceitos de Direito e morais inerentes à posição que ocupam.
Consubstanciados então no que determina a Lei, é que se acham também
os administradores públicos subordinados aos princípios da administração pública
previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e no artigo da Lei federal
9.784 de 29.01.1999. Quais sejam: princípio da legalidade, moralidade,
impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade,
proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e
supremacia do interesse público. Hely Lopes Meirelles explana a respeito:
Como salientado, por esses padrões é que deverão se pautar todos os
atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder
público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação
administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade
pública.
74
É nesta linha de ação que as atividades administrativas deverão se pautar,
ou seja, com o objetivo maior e principal de alcançar o bem-comum, pois a
Administração Pública deverá satisfazer o interesse geral, o que não conseguirá se
estiver em pé de igualdade com particulares.
75
Entretanto, como nem sempre as ordens e o interesse público são
plenamente aceitos e atendidos por parte da coletividade, o poder blico, na
figura da Administração, conta com a ação da polícia e com o Poder de Polícia na
concretização da vontade geral em detrimento da vontade individual e particular.
Neste degrau, discussão presente é em relação à diferenciação entre a
atuação da polícia e do poder de polícia. Isto, porque ao longo dos anos a noção
de polícia sofreu mudanças tendo em alguns momentos o propósito de promover o
bem-estar social e em outros sendo norteada pela idéia de que ao Estado somente
deveria ser reservada a polícia pertinente à segurança e a defesa.
73
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
85.
74
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
87.
75
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 32.
32
No entanto, depois de eclodirem vários pontos de vista acerca desta
discussão, é predominante por parte da doutrina a aceitação da polícia bem como
das ações administrativas decorrentes do Poder de Polícia, de que o bem-estar
social deverá ser o fim último a ser alcançado. Mesmo que em algumas culturas
ora se verifique com maior ênfase a proteção à segurança, moralidade e
salubridade.
Neste sentido, afirma José Maria Pinheiro Madeira que a polícia é,
portanto, uma atividade estatal com determinado fim, sendo preciso firmar, por
meio de seus órgãos, se essa manifestação é uma atividade legislativa ou
administrativa e em que casos é matéria própria do direito constitucional ou do
direito administrativo”.
76
Esclarece ainda que o Poder de Polícia atua restringindo o exercício do
direito de propriedade e liberdade, mas que deve limitar-se aos fatos humanos,
uma vez que, segundo ele, as medidas pertinentes a fatos da natureza não são
de polícia administrativa, e sim de segurança ou de defesa”.
77
Este mesmo autor expõe concordantemente com o pensamento de José
Cretella Júnior, idéia anteriormente exposta no primeiro capítulo deste trabalho,
de que o Poder de Polícia legitima a si próprio e à própria polícia. Sendo portanto,
uma possibilidade estatal de fiscalização e restrição de, através da polícia - forma
organizada limitar as atividades funestas dos cidadãos.
78
Exemplificativamente
se dá também o entendimento da douta jurisprudência, a saber:
EMENTA: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Taxa de
Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA. Poder de polícia exercido pelo
IBAMA. Lei nº. 10.165/2000. Constitucionalidade. Precedente do
Plenário. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental
improvido. Nega-se provimento a agravo regimental quando a parte
agravante não infirma os fundamentos adotados na decisão agravada..
2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a
matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de
76
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 32.
77
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 30-31.
78
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 30-31.
33
multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do
CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente
inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar a agravante a
pagar multa ao agravado.
79
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO DE
COMBUSTÍVEIS. TRR. REGULAMENTAÇÃO DL 395/38. RECEPÇÃO.
PORTARIA MINISTERIAL. VALIDADE. 1. O exercício de qualquer
atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às
limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu
poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de
combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio
da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de
regulamentação do mercado e de defesa do consumidor. 2. O DL
395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e,
na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988,
apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de
combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440. 3. A Portaria
62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do
transportador-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no
exercício de atribuição conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o
disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição. 4. Recurso
extraordinário conhecido e provido.
80
3. PODER DE POLÍCIA E SEGURANÇA NACIONAL
Nunca se falou tanto sobre a segurança da sociedade quanto nos dias
atuais. Assuntos como a exacerbada violência e criminalidade têm sido discutidos
nos mais variados meios de comunicação e têm ainda incitado e intrigado
escritores e leitores das mais diversas classes sociais e níveis culturais.
Conseqüentemente, a grande indagação que se tem feito é, se não
exatamente desta forma, mas neste sentido, sobre o que foi feito de tão grave
para que a segurança falhasse tanto ao ponto de os índices de violência terem
chegado ao nível em que se encontram, pois até mesmo o mais simples dos civis
desprovido de qualquer espécie de requinte tem sofrido os efeitos da insegurança,
uma vez que mesmo não sabendo falar sobre eles, indesejavelmente é possível
senti-los.
Talvez a resposta não seja necessariamente afirmativa, ou seja, não se
trata do que foi feito e sim do que não se fez. E várias são as teorias e sugestões
79
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE-AGR 397342/SC, relator ministro Cézar Peluso,
julgamento 08/08/2006, DJ 01-09-2006 pp- 01424 ement vol-02245-07 pp- 01424.
80
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 349686/PE, relatora ministra Ellen Gracie,
julgamento 14/06/2005, DJ 05-08-2005 pp- 00119 ement vol-02199-06 pp- 01118.
34
que tentam explicar a desordem na qual se acha revestida a segurança nacional.
quem defenda a posição norte-americana de que a criminalidade
diminuirá se os criminosos forem tirados de circulação, assim como quem
afirme que a eficácia da segurança de um país não se medirá pelo número de
presos que este possua.
81
Neste ângulo, a grande discussão acerca do real papel de um presídio na
vida de alguém. Ou seja, até que ponto este ser humano será reeducado para uma
nova vida em sociedade, curado das anomalias do passado e não transformado em
um criminoso mais perigoso do que era quando lá entrou.
também quem concorde com a idéia de que a solução está em
investimento capacitatório das diversas polícias, como por exemplo, a adoção de
métodos de investigação altamente tecnológicos que permitam aprimorar o
trabalho de elucidação dos diversos crimes, bem como a integração da polícia com
a comunidade e ainda, o rigor nas leis e a celeridade nos processos. Os quais
possibilitem ao criminoso ter ciência de que por ter cometido um crime, irá
responder por ele de maneira substancial.
82
Não podendo passar por despercebida, a opinião de que o erro se
encontra na falta de investimentos no setor educacional esta defendida pelo
atual presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva uma vez que quando não se
investe em escolas, necessário será investir-se em cadeias.
83
Em outra perspectiva, quem mais longe com a afirmação de que o
colapso da segurança nacional encontra-se na falta de gestão do Estado, ou seja,
na incapacidade do ente estatal de gerir de forma firme, coerente e produtiva
ações voltadas não para a punição de criminosos como para a prevenção de
possíveis delitos e, conseqüentemente promover uma situação de segurança para
a população.
84
81
MAINARDI, D. Vamos soltar os bandidos. VEJA, São Paulo, nº. 18, p. 193, maio de 2005.
82
MUELLER, R. Crime e castigo. VEJA, São Paulo, nº. 44, p. 11, 14-15, novembro de 2005.
83
CARNEIRO, M. e PEREIRA, C. Terror em São Paulo. VEJA, São Paulo, nº. 20, p. 48, maio de
2006.
84
CARNEIRO, M. e PEREIRA, C. Terror em São Paulo. VEJA, São Paulo, nº. 20, p. 48, maio de
2006.
35
Uma vez que a segurança nacional é função do Poder Nacional e, portanto,
imprescindível à convivência da população, necessidade básica de toda e qualquer
sociedade e ainda instrumento do poder público para que o homem possa realizar
suas atividades do modo mais perfeito possível.
Além de que, qualquer país precisa estruturar-se para defender os valores
nacionais contra ameaças que se manifestem, seja no âmbito externo, das
relações internacionais, seja no âmbito interno”.
85
Esta preocupação é, por exemplo, verificada no artigo da Constituição
portuguesa, o qual trata das tarefas fundamentais do Estado português:
São tarefas fundamentais do Estado:
(...)
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português,
defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e
assegurar um correcto ordenamento do território;
Nessa esteira, as atuações do Estado voltadas para a promoção do bem-
comum e conseqüentemente de uma situação de segurança social, têm-se
utilizado do poder de polícia como mecanismo de frenagem de direitos e liberdades
individuais, o que tem demonstrado eficiência e aplausos por parte dos demais
segmentos da sociedade brasileira.
86
Mormente, no Brasil apesar de os índices de criminalidade estarem numa
fase de grande repercussão, os dados que se m não demonstram que haja uma
ideologia por detrás das ações criminosas. Trata-se de uma criminalidade comum
situada no âmbito da ordem pública.
Entretanto, quando ocorrências que ameacem a ordem interna através
de manifestações públicas e greves, as quais resultem em depredação de
patrimônio público, são acionados os Serviços de Informações e a polícia de ordem
política e social que buscarão medidas neutralizadoras dos grupos responsáveis.
87
85
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 106.
86
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 106.
87
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 107.
36
Por outro lado, ultimamente o que muito se tem verificado é a atuação de
policiais envolvidos em crimes, na maioria das vezes juntamente com criminosos.
Além de inúmeras ações autoritárias que acabam por desencadear e confirmar por
parte da população o descrédito desta no fator segurança nacional.
Alguns estudiosos afirmam que as ações autoritárias no âmbito de policiais
são mais comuns por parte da polícia ostensiva ou de segurança, as conhecidas
polícias militares. Muito se devendo ao fato de que há certa dificuldade nesta força
em interpretar adequadamente suas missões e de se estruturar de conformidade
com elas.
88
Sobre este fato, complementa José Maria Pinheiro Madeira:
Como esta polícia pouco investiga, acaba atuando arbitrariamente,
passando por cima dos direitos individuais atribuídos a todos os
cidadãos pela Constituição Federal. E quando a própria polícia
descumpre a lei, pode-se ter a mais plena certeza de que a ordem
interna não está garantida, assim como não está sendo preservada a
ordem pública nem assegurada segurança pública aos cidadãos.
89
Sendo assim, o uso do poder de polícia como mecanismo de atuação do
Estado, não estará atingindo sua finalidade por meio de ações carregadas de
autoritarismo e, sem dúvida, a omissão do ente estatal diante de uma necessidade
tão básica e ao mesmo tempo de tamanha abrangência como a segurança
nacional, urge ações reparatórias de imprescindível monta.
4. POLÍCIA JUDICIÁRIA E POLÍCIA ADMINISTRATIVA
O Poder de Polícia também pode ser denominado polícia administrativa.
Esta sinonímia resulta de alguns ordenamentos, por exemplo, o francês. E, neste
contexto, tornou-se clássica a diferenciação entre polícia administrativa e polícia
judiciária.
Comumente e em um primeiro momento, uma tendência predominante
entre a doutrina de resumir a diferenciação entre as duas polícias atribuindo à
primeira um caráter preventivo e à segunda, um repressivo. No entanto, de acordo
88
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 107.
89
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 109.
37
com a lição de alguns autores, entre eles Álvaro Lazzarini, esta diferenciação não é
absoluta, em vista de as duas polícias autuarem tanto preventiva quanto
repressivamente.
Exemplificativamente, uma atuação preventiva da polícia administrativa
seria a proibição do porte de arma ou a direção de veículos automotores por quem
não estivesse devidamente habilitado, ao passo que uma atuação da mesma
polícia que de forma repressiva seria por ocasião da apreensão de arma usada
indevidamente ou de licença do motorista infrator.
90
José Maria Pinheiro Madeira
acentua, neste sentido:
Mas ainda assim falta precisão ao critério, pois se pode inferir que a
polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo
infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse
geral, porque, punindo-o, procura evitar que o indivíduo volte a incidir
na mesma infração.
91
Notadamente, a polícia administrativa é regida pelo Direito Administrativo,
atua através de agentes credenciados por diversos órgãos públicos e incide sobre
bens, direitos ou atividades, enquanto a polícia judiciária incide sobre as pessoas,
é regida pelo Direito Processual Penal
92
, têm como agentes policiais civis e
militares e está diretamente relacionada com a liberdade de ir e vir.
93
Outra
diferença importante é apontada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
A polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil
e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos
órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os
vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como
os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e
assistência social.
94
Neste sentido, complementa José Maria Pinheiro Madeira ao estabelecer
ainda uma diferença entre a repressão exercida pelas duas polícias. Ou seja, a
90
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 37.
91
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 37.
92
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 240.
93
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 39.
94
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 113.
38
polícia administrativa age repressivamente quando obsta a uma atividade
particular em curso, uma vez que esta tenha se revelado divergente ao
interesse público. A polícia judiciária reprime enquadrando o perturbador nas
normas penais vigentes em auxílio ao Poder Judiciário.
95
Não obstante, o mesmo autor acentua que a repressão típica da polícia
administrativa somente se justifica enquanto ainda houver proveito na sua ação,
isto é, enquanto da sua aplicação ainda possam ser evitados danos futuros”. Pois,
uma vez que as atividades se encontrarem em fase final, será considerado abuso
por parte da Administração o uso de sua competência policial. .
96
Nesta esteira afirma Álvaro Lazzarini que o fator de diferenciação entre as
atividades exercidas pelas duas polícias não está relacionado com a qualificação do
órgão policial em civil ou militar
97
, bem como não se atém a regras de organização
caracterizadas pela presença de coação.
98
Por outro lado, um fator de diferenciação válido é o fato de que os atos da
polícia administrativa exaurem-se neles mesmos. Por exemplo, fundados em uma
autorização ou licença, não precisam buscar solidez em qualquer ato futuro. O
que, por sua vez, não acontece com os atos da polícia judiciária que embasados
pela perquirição de um acontecimento encontram justificativa na intenção
futura de serem submetidos ao Poder Judiciário.
99
Sendo assim, levando o caráter eclético de atuação das duas polícias no
sentido de atuarem de modo preventivo e repressivo, necessário é acatar a lição
de Álvaro Lazzarini ao afirmar que o norte diferenciador reside na ocorrência ou
não de ilícito penal. Ou seja, quando este existir, tratar-se com a polícia
judiciária e quando se tratar de ilícito puramente administrativo, atuará a polícia
administrativa.
100
95
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 38-39.
96
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 41.
97
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 241.
98
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 42.
99
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 41.
100
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
39
5. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E APURAÇÃO DE DELITOS
O artigo 144 da Constituição Federal ao dispor sobre a segurança pública e
conseqüentemente ao definir a competência das forças policiais, atribui o exercício
das polícias civis e militares. O que impulsiona a constatação de atribuições
previstas constitucionalmente a esses órgãos de polícia. Assim dispõe o texto
legal:
Artigo 144: (...)
(...)
§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública;(...)
Segundo essa norma, a polícia militar - forma de atuação da polícia
administrativa - exerce o caráter ostensivo, ou seja, a forma visível de atuação
através de uniformes, viaturas caracterizadas, equipamentos e armamentos,
buscando promover a preservação da ordem pública, e a polícia judiciária, por sua
vez, atua investigativamente na apuração dos delitos. Acentua neste sentido José
Maria Pinheiro Madeira:
a) Polícia administrativa (polícia ostensiva e de preservação da ordem
pública, exercida pela autoridade de polícia administrativa), que tem
por formas de atuação o policiamento ostensivo, velado e
semivelado e a investigação (inteligência policial: informações). (...)
b) Polícia judiciária (autoridade de polícia judiciária), que tem por
formas de atuação a investigação criminal (apuração de delitos),
polícia judiciária propriamente dita (procedimentos) e custódia de
presos.
101
Entretanto, a crítica reside no fato de que na prática uma obscuridade no
âmbito de atuação de cada uma das polícias e ainda, entre elas, uma rivalidade,
conduzindo a população a um estado de incerteza sobre a quem dirigir suas
queixas, além de que a falta de clareza no exercício das polícias facilita o abuso de
autoridade por parte de policiais.
102
1999, p. 240.
101
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 96-97.
102
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 104.
40
A priori, sabe-se que pelo menos até o presente momento, à polícia militar
cabe policiar as ruas na busca de promover a segurança da população contra a
ação de criminosos, e à polícia civil, incumbe nas delegacias o registro das queixas
de pessoas contra terceiros que lhe tenham causado algum dano. No entanto, os
relatos abaixo demonstram consideravelmente a contrária realidade na atuação de
grande parte da força policial:
João e Pedro caminhavam, no início da noite, nas ruas da favela onde
residem. Foram surpreendidos por uma viatura da polícia militar. Dois
policiais desceram e com armas apontadas disseram aos rapazes para
entrar na viatura. Dentro do automóvel, receberam diversos pontapés e
socos. Na delegacia de polícia, foram colocados numa cela úmida com
fios elétricos espalhados. Sofreram choques elétricos em várias partes
do corpo. Tudo foi acompanhado por policiais. O delegado fez diversas
perguntas. João e Pedro desconheciam o assunto objeto das
investigações. Horas mais tarde, foram liberados, depois de muito
sofrerem com a violência policial. Foram constrangidos a ficarem
calados.
103
No último sábado, dia 27 de março, as estudantes Bárbara (Cefet-
Edificações) e Carolina (Pedagogia UFMG), sofreram absurda agressão
de policiais militares no centro de Belo Horizonte. Quando faziam uma
ligação de telefone público na esquina de rua Tupinambás com Avenida
Afonso Pena, foram repentinamente cercadas por cinco policiais
uniformizados, mas sem o velcro de identificação, que lhes deram voz
de prisão, as algemaram e arrastaram até o camburão da Rotam. Sem
entender o despropósito da ação policial, revoltadas as estudantes
reagiram e não aceitaram ser levadas para a viatura. Dezenas de
camelôs e pessoas que passavam na rua no momento testemunharam a
arbitrária e truculenta ação policial. Várias delas, indignadas com tal
violência, se solidarizaram com as estudantes e tentaram evitar que as
levassem dali, mas foram impedidas pelos policiais.
Bárbara e Carolina tiveram conhecimento de que estavam sendo
acusadas de fazerem parte de uma máfia de roubo cartões telefônicos
quando chegaram na delegacia. De repente tudo que possuíam se
transformaram em “provas” contra elas: uma lista de telefone de
colegas da faculdade tornou-se uma suposta lista de clientes” para
compra de cartões; R$ 200 (duzentos reais) do movimento, que se
encontrava no bolso de Bárbara, foram transformados em dinheiro
conseguido com a venda de cartões; os cartões de telefone sem
unidades encontrados com Carolina viraram cartões roubados para
serem vendidos. Além disso, diziam estar de posse das estudantes uma
chave de telefone nunca vista por elas. O despautério desta situação
provou o quando eram mentirosas as acusações, sendo a polícia
obrigada a liberá-las no final do dia. Havia todo um teatro preparado a
espera das companheiras. A imprensa chegou em menos de vinte
minutos na delegacia, servindo de porta-voz da versão da PM,
respaldando todas as falsificações e manipulando as informações. Sem
103
DHNET (Direitos humanos na internet). Violência, maus-tratos e tortura. Disponível em:
www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/cdhcf/cartilha_cdh/03_violenciatortura.htm -
18k. Acesso em 11 de agosto às 23h30min.
41
nenhuma prova a imprensa deu seu veredicto. O sensacionalista jornal
“Cidade Alerta” (TV Record), com seu repórter de dedo em riste,
acusou-as de criminosas, chamou-as de pilantra, expondo sua imagem
de forma a desmoralizá-las perante a sociedade. O reacionário jornal
Estado de Minas também divulgou as falsas informações (por exemplo,
a de que elas teriam sido presas em flagrante), ocupando mais da
metade do espaço da matéria com uma foto das companheiras. (...)
104
Esses e muitos outros exemplos de arbitrariedade por parte de policiais
têm contribuindo e incitado a desconfiança e decepção da população no exercício
da atividade policial. Por exemplo, um grande fator de descrédito, é a forma como
agem, principalmente os policiais militares, com emprego de força, como se a
criminalidade e violência somente se combatessem dessa forma.
Assim, “a criminalidade e a violência, portanto, não hão de ser combatidas
apenas com o emprego da força. Esta compreensão não deve impregnar a mente
nem das pessoas comuns, nem dos integrantes das forças policiais”.
105
Entretanto, no Brasil e em muitos outros países, a presença da
impunidade impulsionando as ações dos infratores da lei. E quando se fala em
infratores da lei, entende-se não somente os criminosos de maneira geral, mas
também os profissionais empregados no combate ao crime, uma vez que não
atuem da forma devida e, portanto, sendo omissos ou aceitando subornos.
106
A impunidade, portanto, gera a certeza de que nada acontecerá aos
infratores da lei e permite que a criminalidade atinja os níveis assustadores em
que se encontra. A partir disso, é notório que o combate à impunidade de todos,
inclusive por parte dos policiais, através da investigação criminal levada a sério e
dos serviços de inteligência policial desenvolvidos pelas polícias militar e civil,
torna-se possível acreditar no fim ou pelos menos no controle da criminalidade.
Comunga com esta idéia José Maria Pinheiro Madeira ao afirmar que:
Uma polícia que funcione inteligentemente, ou seja, desenvolvendo a
investigação, poupará muitas vidas inocentes, solucionará crimes
104
MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário). Mais um ato de violência da polícia contra
o povo. CMI, Belo Horizonte, abril de 2004. Disponível em: http://estudantesdopovo.hpg.com.br. e
www.midiaindependente.org. Acesso em 11 de agosto às 23h40min.
105
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 99.
106
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 100.
42
enigmáticos, respeitará o homem e fará com que a população,
constituída predominantemente por pessoas de bem, a respeite, em vez
de temê-la. Não será a polícia ostensiva apenas que deverá estar
empenhada na luta contra o crime e, portanto, não será ela a única a
responder pela preservação da ordem pública.
107
Sendo assim, ao se contar com duas polícias, cujas atividades
preceituadas pela Constituição Federal versem precipuamente à promoção de uma
situação de segurança a toda uma população, seja na investigação e apuração de
delitos ou ainda na preservação direta da ordem pública, mister é que contemos
com a ação conjunta e eficaz das duas de maneira que não hajam dúvidas sobre o
papel de cada uma e que o fim a que se propõem seja atingido.
CAPÍTULO III: O PODER DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
1. CARACTERÍSTICAS OU ATRIBUTOS DO PODER DE POLÍCIA
1.1 Noções
em torno do poder de polícia, a grande discussão acerca da tênue linha
de separação entre o seu cumprimento, ou seja, a restrição às ações particulares
em nome do bem-comum, e ao mesmo tempo da preservação da liberdade
individual. Por isso, mister é que se acentue as características atribuídas a este
poder, com o objetivo de esclarecer até que ponto é legítima a atividade
administrativa ao exercê-lo.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, os atributos do poder de polícia são a
discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.
108
Entretanto, alguns
107
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 101.
108
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
43
autores entre eles Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José Maria Pinheiro Madeira,
Jessé Torres e outros, lecionam que além dessas características há ainda o fato de
o poder de polícia corresponder a uma atividade negativa. Serão aqui expostos os
atributos do poder de polícia com o intuito de elucidar as nuances destes bem
como através de exemplos que possibilitem uma perfeita compreensão.
1.2 A discricionariedade do poder de polícia
No tocante à discricionariedade, unânime é entre os doutrinadores a
afirmativa de que sua aplicação deve antes de tudo, ser analisada com cautela.
Isto, porque o termo discricionário significa arbitrário; despótico.
109
À guisa de uma
definição, Hely Lopes Meirelles acentua que:
A discrionariedade, (...), traduz-se na livre escolha, pela Administração,
da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem
como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir
o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público.
Acentua Edimur Faria que na maioria dos casos o poder de polícia é
exercido sobre o poder discricionário, uma vez que o legislador ao editar a norma
jurídica nem sempre tem como estabelecer regras ao agente público diante da
situação concreta.
110
Notadamente, Marçal Justen Filho acrescenta que nem sempre é possível
materialmente à lei exaurir a disciplina limitativa das liberdades, pois cada caso
requer análise diferenciada e um regime democrático exige que a solução para o
exercício da liberdade seja proporcionado às circunstâncias concretas”.
111
Ainda segundo este mesmo autor, o surgimento de situações imprevistas,
não contempladas na lei em virtude da natureza dos direitos e garantias
fundamentais propiciarem o surgimento de novas atividades e outras
manifestações não disciplinadas legalmente, legitimam o exercício da
discricionariedade no âmbito do poder de polícia, uma vez que a ausência de
136.
109
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 52.
110
FARIA, Edimur. Curso de direito administrativo positivo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.
178.
111
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.
44
previsão legislativa não significa que o direito não regule a situação existente.
112
Entretanto, mesmo sem a expressa definição legal, a lei conterá uma
disciplina que funcionará como moldura delimitadora das decisões
administrativas”.
113
Ou seja, saliente-se que as manifestações de poder de polícia
da Administração nem sempre emanam de atos discricionários, mas também de
atos vinculados.
Diógenes Gasparini coaduna com esta idéia e demonstra que quando a
Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo,
está sendo discricionária e quando licencia uma obra através de alvará ou licença,
age de forma vinculada.
114
Convém expor a opinião de Celso Antônio Bandeira de
Mello:
Costuma-se afirmar que o poder de polícia é atividade discricionária.
Obviamente, tomada a expressão em seu sentido amplo, isto é,
abrangendo as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade em
proveito do bem-estar coletivo, a assertiva é válida, desde que se
considere a ação do Legislativo como gozando de tal atributo. Ocorre
que se pretende caracterizar como discricionário o próprio poder de
polícia administrativa. A afirmativa deixa, então, de ter procedência.
115
É nesta esteira que Marçal Justen Filho afirma ser incorreto qualificar o
poder de polícia como um poder discricionário, pois segundo ele, não existe essa
categoria de poder discricionário e sim competências administrativas disciplinadas
por lei que contemplem margem de discricionariedade. Isto, dado o fato de o
poder de polícia ser integrado tanto por disciplina discricionária quanto
vinculada.
116
Neste tocante, imprescindível é atentar para o fato de que a
discricionariedade somente será considerada legítima se o ato de polícia se
mantiver dentro dos limites legais e a autoridade dentro da faixa de opção que lhe
é atribuída. Esta é a lição de Hely Lopes Meirelles:
112
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.
113
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.
114
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132.
115
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 732.
116
FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.
45
No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na
graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a
discricionariedade do poder de polícia, mas mesmo assim a sanção deve
guardar correspondência e proporcionalidade com a infração.
117
Fica claro então, que jamais poderá se confundir discricionariedade com
arbitrariedade. Os atos discricionários somente poderão ser acatados se forem
legítimos e válidos, uma vez que toda e qualquer manifestação da Administração
deverá antes de tudo se pautar de legalidade. Portanto, nenhuma regra de direito
ainda mais de polícia, poderá se revestir de características contrárias à lei.
1.3 A auto-executoriedade do poder de polícia
Uma outra característica do poder de polícia é a auto-executoriedade, assim
concebida por Hely Lopes Meirelles:
(...) a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua
decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário (...).
Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as
medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção
da atividade anti-social que ela visa a obstar. (...) O princípio da auto-
executoriedade autoriza a prática do ato de polícia administrativa pela
própria Administração, independente de mandado judicial.
118
Este mesmo autor exemplifica o princípio da auto-executoriedade ao
afirmar que quando a Prefeitura encontra uma edificação irregular ou oferecendo
perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua demolição”.
(...)
119
Odete Medauar reitera este pensamento ao afirmar que segundo o
princípio da auto-executoriedade os atos da Administração são colocados em
prática por ela própria, mediante coação, sem a necessidade de consentimento de
qualquer outro poder.
120
Segundo ainda esta autora, essa característica da Administração é
117
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
136.
118
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
137.
119
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
137.
120
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 131.
46
justificada pela necessidade de não se retardar o atendimento dos interesses da
coletividade frente a interesses contrários e também ao fato de que todos os atos
e medidas administrativas gozam de presunção de legalidade.
121
Neste tocante, acrescenta José Maria Pinheiro Madeira que é notória a
impossibilidade de se condicionar os atos da polícia à aprovação prévia de
qualquer outro órgão estranho à Administração. Entretanto, é facultado ao
particular recorrer ao Poder Judiciário caso se sinta lesado em algum de seus
direitos em face das ações da Administração. Uma vez que segundo o artigo 5º,
inciso XXXV da Carta Magna, não se excluirá da apreciação do Judiciário qualquer
espécie de lesão ou ameaça a direito.
122
Celso Antônio Bandeira de Mello afirma
neste sentido, que:
Ao se indicar a possibilidade jurídica de a Administração obter
compulsória obediência aos seus ditames de polícia supôs-se,
evidentemente, a atuação regular desta, e não o uso desmedido ou, de
qualquer modo, afrontoso à legalidade.
123
Nesta esteira, este mesmo autor acentua ser perfeitamente cabível ao
particular fazer uso dos remédios constitucionais como o habeas corpus ou
mandado de segurança ao se sentir ferido e, que a auto-executoriedade deve ser
praticada dentro de limites. Por isso, expõe algumas situações nas quais o poder
de polícia é legitimado através dessa característica:
Todas estas providências, mencionadas exemplificativamente, têm lugar
em três diferentes hipóteses:
a) quando a lei expressamente autorizar;
b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse
público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento
judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade;
c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação
do interesse público que a Administração está obrigada a defender
em cumprimento à medida de polícia.
124
A auto-executoriedade é ainda desdobrada em dois princípios: a
121
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 131.
122
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 59.
123
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 738.
124
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 738.
47
exigibilidade que resulta da possibilidade da Administração tomar decisões
executórias dispensadas de autorização prévia do Poder Judiciário. Relaciona-se
também a meios indiretos de coação. Por exemplo, a multa ou ainda a
impossibilidade de licenciamento de veículo quando não pagas as multas de
trânsito.
125
O outro princípio é a executoriedade, a qual consiste na faculdade da
Administração, depois de tomada a decisão executória, em realizar diretamente a
execução forçada, usando, caso seja necessário, da força pública para obrigar o
administrado a cumprir a decisão.
126
Outro aspecto sobremaneira importante levantado por Hely Lopes Meirelles
refere-se ao fato de que não se deve confundir a auto-executoriedade das sanções
de polícia com punição sumária e sem defesa e, neste sentido afirma:
A Administração pode aplicar sanção sumariamente e sem defesa
(principalmente as de interdição de atividade, apreensão ou destruição
de coisas) nos casos urgentes que ponham em risco a segurança ou a
saúde pública, ou quando se tratar de infração instantânea surpreendida
na sua flagrância, aquela ou esta comprovada pelo respectivo auto de
infração, lavrado regularmente; nos demais casos exige-se o processo
administrativo correspondente, com plenitude de defesa ao acusado,
para validade da sanção imposta.
127
Sendo assim, ficam excluídas as ações da Administração que com o intuito
de se ampararem no princípio da auto-executoriedade, mostrem-se ilegais ou que
caso não sejam tomadas, não ponham em risco os interesses ou bem-estar da
coletividade.
1.4 A coercibilidade do poder de polícia
A outra característica do poder de polícia da Administração está
intimamente ligada às que anteriormente foram mencionadas. Trata-se da
coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela
125
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 114.
126
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 114.
127
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
137-138.
48
Administração” (...). Pois, todo ato de polícia é imperativo (...), admitindo até o
emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo
administrado”.
128
Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a coercibilidade é indissociável
da auto-executoriedade e o ato de polícia é auto-executório porque dotado de
força coercitiva”. Segundo esta autora, a própria definição de auto-executoriedade
em nada se distingue da de coercibilidade acima mencionada, expressa por Hely
Lopes Meirelles.
129
Entretanto, o fato da coercibilidade se de forma compulsória nas
medidas de polícia e admitir o emprego de força física quando houver oposição do
infrator, não serve de justificativa para ações autoritárias, nem legalizam a
violência desnecessária ou desproporcional à resistência. O que se uma vez
acontecesse, evidenciaria excesso de poder e abuso de autoridade suficientes para
anular o ato praticado e ensejar ações civis e criminais para a reparação do dano e
punição dos culpados.
1.5 O poder de polícia como uma atividade negativa
O outro atributo é o fato de o poder de polícia ser uma atividade negativa,
distinguindo-se sob este aspecto, do serviço público, que seria uma atividade
positiva. Neste, a Administração Pública exerce, ela mesma, uma atividade
material que vai trazer um benefício, uma utilidade, aos cidadãos (...)”.
130
Neste
sentido, complementa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
(...) por exemplo, ela executa os serviços de energia elétrica, de
distribuição de água e gás, de transportes etc.; na atividade de polícia,
a Administração apenas impede a prática, pelos particulares, de
determinados atos contrários ao interesse público; ela impõe limites à
conduta individual.
131
128
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
138.
129
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 115.
130
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 115.
131
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 115.
49
Nesta linha, Odete Medauar concorda ao afirmar que o poder de polícia está
situado na face autoridade, atuando, dessa forma, por meio de prescrições, ao
contrário do serviço público que opera por meio de prestações. Não deixando
ainda de observar se as prescrições estão sendo cumpridas e em caso negativo,
aplicando sanções em caso de desatendimento.
132
Di Pietro acentua ainda que o critério é útil na diferenciação entre poder de
polícia e serviço público. Entretanto, é necessário observar que na classificação do
serviço público como atividade positiva, considera-se a posição da Administração,
ou seja, ela desenvolve uma atividade de acréscimo ao indivíduo enquanto que
com o poder de polícia ela ocasiona um limite na liberdade de atuação.
133
Nesta esteira ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que a polícia
administrativa impõe ao particular uma inação, um não fazer. Mesmo que
aparentemente pareça uma obrigação de fazer como quando exige a habilitação
para se dirigir ou ainda a apresentação de planta para licenciamento de
construção, pois a Administração está querendo evitar que as situações
pretendidas pelos particulares se dêem de maneira perigosa se ocorressem fora
dessas condições.
134
Há, portanto, que serem observadas as características do poder de polícia
como mecanismo necessário ao conhecimento deste e reconhecimento de sua
atuação por parte da Administração nos casos concretos do cotidiano da
sociedade. Imprescindíveis ainda na mensuração dos atos de polícia, se legítimos
ou não.
2. ATUAÇÃO E ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO PODER DE POLÍCIA
O âmbito de atuação do poder de polícia é extremamente abrangente.
Manifesta-se em diferentes campos e incide por diversos setores da sociedade,
132
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 335.
133
DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 115.
134
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 728.
50
desde, por exemplo, aos aspectos referentes à segurança das pessoas e seus
bens, saúde e convivência pública, como à preservação do meio ambiente natural
e cultural, de gêneros alimentícios e ainda no combate ao abuso do poder
econômico.
Esse fato se devido à Administração se difundir por todos os aspectos
da vida social e, sendo o poder de polícia um instrumento do poder público no
tocante ao controle dos atos individuais das pessoas em benefício da coletividade,
este também se insere e dissemina seu exercício de maneira vasta e ampla como
foi dito anteriormente. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, tem-se como
exemplo da atuação do poder de polícia os seguintes setores:
(...) polícia de caça, destinada à proteção da fauna terrestre; polícia de
pesca, volvida à proteção da fauna aquática; polícia de divertimentos
públicos, visando à defesa dos valores sociais suscetíveis de serem
feridos por espetáculos teatrais, cinematográficos; polícia florestal,
destinada à proteção da flora; polícia de pesos e medidas, para a
fiscalização dos padrões de medidas, em defesa da economia popular;
polícia de tráfego e trânsito, para garantia da segurança e ordem nas
vias e rodovias, afetável por motivo da circulação nelas; polícia dos
logradouros públicos, destinada à proteção da tranqüilidade pública;
polícia sanitária, voltada à defesa da saúde pública e incidente em
vários campos, tais a polícia dos medicamentos, das condições de
higiene nas casas de pasto, dos índices acústicos toleráveis; polícia da
atmosfera e das águas, para impedir suas respectivas poluições; polícia
da atmosfera e das águas, para impedir suas respectivas poluições;
polícia edilícia, relativa às edificações, etc.
135
No afã de complementar sua idéia esclarecedora acerca da incidência do
poder de polícia, este autor afirma ainda que a polícia administrativa propõe-se a
salvaguardar os valores de segurança pública; de ordem pública; de tranqüilidade
pública; de higiene e saúde públicas; estéticos e artísticos; históricos e
paisagísticos; riquezas naturais; de moralidade pública e economia popular.
Coadunando com a idéia dos autores acima mencionados, Odete Medauar
salienta que a atuação do poder de polícia se quando este interfere nos
seguintes campos do direito:
(...) de construir, localização e funcionamento de atividades no
território de um município; condições sanitárias de alimentos,
elaborados ou não, vendidos à população; medicamentos; exercício de
135
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 740.
51
profissões (quando regulamentadas, às vezes o poder de polícia é
delegado, por lei, às ordens profissionais); poluição sonora, visual,
atmosférica, dos rios, mares, praias, lagoas, lagos, mananciais; preços;
atividade bancária, atividade econômica; trânsito.
136
Neste tocante, a polícia edilícia estabelece limitações com o objetivo de
tornar a vida na urbis o mais segura possível, quando regula as construções
públicas e particulares. Sendo, portanto, um dos instrumentos mais eficazes do
direito urbanístico.
Em outra vertente de imprescindível monta, encontra-se a polícia sanitária
responsável pelas medidas relacionadas a assuntos de higiene e à saúde pública
sendo direcionada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Entidade executiva vinculada ao Ministério da Saúde, a qual dentre inúmeras
atribuições detém o controle sanitário da produção e comercialização de produtos
e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive sobre portos, aeroportos e
fronteiras.
Não menos importante, a aplicação do poder de polícia conta com a polícia
atmosférica voltada às restrições na emissão de gases poluentes ao meio
ambiente. Situação, por sinal, crítica nos dias atuais em que as estatísticas
demonstram altos índices de destruição na camada de ozônio.
137
Nesta esteira de atuação da polícia administrativa, acha-se também a que
cuida das questões referentes ao comércio e à indústria, compreendida por uma
vasta gama de atividades administrativas disciplinares destes ramos da economia,
voltadas à questão da confiabilidade e garantia do consumidor.
Estas atuações do poder de polícia e as inúmeras outras têm suas atividades
regulamentadas e distribuídas entre as três entidades da federação, ou seja,
União, Estados e Municípios. E o critério fundamental para delimitar a competência
para dada medida de polícia será estabelecer quem é competente para legislar
sobre a matéria.
138
136
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 337.
137
OZÔNIO. Disponível em http://paginas.terra.com.br/lazer/staruck/ozonio.htm. Acesso em: 17
de outobro de 2007 às 17h.
138
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
127.
52
Sob este ponto de vista, caberá à União exercer o poder de polícia em
caráter exclusivo sobre o que estiver arrolado no artigo 22 da Constituição Federal
e concorrentemente sobre o que estiver explicitado no artigo 24 da mesma carta
com estados e Distrito Federal. Aos Estados cabe o exercício exclusivo nas
hipóteses do §1º. do artigo 25. os municípios possuem campo de atuação
exclusivo, no que disser respeito ao seu peculiar interesse, sobre as matérias
previstas no artigo 30. Ao Distrito Federal, a quem compete, por força do artigo
32, § 1º, atribuições correspondentes às dos municípios e estados (salvo ao que
se refere ao § 1º. do artigo 25), incumbirá o exercício da polícia administrativa em
caráter exclusivo no mesmo caso em que os municípios a exercem e
concorrentemente nas hipóteses do artigo 24.
139
Sob este aspecto, é possível notar a abrangência da atuação do poder de
polícia nas diversas relações sociais e da sociedade com o meio que a cerca. Sendo
todas as atividades da polícia administrativa dotadas de extrema importância e
necessárias à convivência saudável da coletividade.
3. A HEGEMONIA DA FACE PREVENTIVA SOBRE A FACE
REPRESSIVA
A todo o momento, têm-se procurado com este trabalho acentuar a
necessidade de o exercício do poder de polícia se pautar no que apregoa a lei.
Isto, com o objetivo de que os atos da Administração se fundamentem sob os
pilares da legalidade e assim, além de serem legítimos, atinjam o objetivo a que
se propõem, ou seja, de permitirem ao poder público agir com eficácia frente às
necessidades da coletividade, mesmo que signifique impor a ela limites.
Para tanto, a ação preventiva do poder de polícia será de notória
importância, uma vez que toda atividade policial deve ser primeiramente
preventiva e, portanto, terá como função principal a de impedir qualquer motivo
de perturbação da ordem pública atuando de forma repressiva somente em caso
de quebra dessa ordem.
139
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 741.
53
A atividade preventiva se vale do pressuposto de que através de uma
maneira antecipada de agir é possível à força policial imprimir meios capazes de se
adiantar a situações de perturbação contra a ordem pública. Isso significa dizer
que é possível impedir que essa ordem venha a ser novamente atingida sem que
seja necessária a concretização do ato perturbador outrora vivenciado.
Sob este aspecto é possível compreender a importância da atuação
preventiva como de extrema importância para o poder público na consecução de
seus objetivos, pois a prevenção denota uma política jurídica inteligente embasada
no estabelecimento de normas capazes de impedir a realização de distúrbios
assegurando aos cidadãos uma situação de tranqüilidade e convivência social livre
de atentados imprevistos e destruidores.
José Maria Pinheiro Madeira comunga com esta idéia ao afirmar que é de
forte consenso entre os estudiosos do assunto o fato de que as medidas
preventivas devem impor-se antes de uma conduta perturbadora, a qual uma vez
iniciada pode alavancar um processo maior e de proporções gigantescas bem mais
difícil de ser resolvido.
140
Então, é notória de uma boa administração a face preventiva de polícia
demonstrando, no estado democrático de direito, a importância e o valor da
pessoa humana quando em primeiro lugar se age no sentido de evitar danos, ao
passo que uma ação repressiva comumente iria de encontro com a integridade da
pessoa e ainda não seria garantia de que o mesmo ato perturbador deixasse de
acontecer.
A atuação repressiva demonstra, portanto, o fracasso efetivo de uma
prevenção especial ou geral. Uma ação remedida da força de polícia no sentido de
tentar conter um distúrbio na ordem pública, mas que incertamente poderá
resultar em conseqüências positivas. Não se admite, dessa forma, uma polícia
repressiva sem o pressuposto da existência concreta do ato perturbador; sem
prevenção não se pode reprimir”.
141
140
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 218.
141
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 215.
54
Sendo assim, somente serão amplamente legítimos os atos de polícia da
Administração que pautados na legalidade se amparem também na atuação
preventiva capaz de solidificar a ordem pública vigente e além de tudo permitam a
existência de um estado democrático de direito preocupado com a integridade e
valores da pessoa humana.
4. O PODER DE POLÍCIA E A GARANTIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Os direitos e as garantias fundamentais assegurados aos cidadãos estão
dispostos no artigo da Constituição Federal e foram classificados pelo legislador
constituinte em cinco espécies: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos
sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à
existência, organização e participação em partidos políticos.
Contemporaneamente, a doutrina apresenta esses direitos classificados
em direitos fundamentais de primeira geração que são os direitos e garantias
individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a
partir da Constituição. Os direitos fundamentais de segunda geração, que são os
direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século e os de
terceira geração, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que
englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de
vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos
difusos.
142
Os direitos fundamentais são tidos também como direitos de defesa, ou
seja, a maneira que o povo encontrou de barrar o despotismo e a tirania dos
governantes ao longo dos tempos. Na visão democrática isso se traduz a partir do
fato de que ao povo cabe a escolha de seus representantes, os quais, por sua vez,
agirão como mandatários e, portanto, não gozarão de poderes absolutos, mas
limitados. Inclusive quanto ao que dispõe a Carta Magna sobre os direitos e
garantias individuais e coletivas do cidadão relativamente aos demais cidadãos e
ao próprio Estado.
143
142
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 26.
143
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.
55
Na lição de Alexandre de Moraes “o estabelecimento de constituições
escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem”.
144
O que demonstra o fim precípuo de limitação ao poder político, “ocorrendo a
incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas,
subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador
ordinário”.
145
Entretanto, os direitos e garantias fundamentais gozam de relatividade,
ou seja, não são ilimitados e jamais podem ser utilizados como
justificativa para o cometimento de atividades ilícitas ou ainda como
argumento para afastar ou diminuir a responsabilidade civil ou penal por
atos criminosos.
146
Em relação aos destinatários da proteção conferida por meio dos direitos e
garantias fundamentais, o artigo da Constituição Federal afirma que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
É nesse contexto que no estado democrático de direito se acham
justificados os direitos fundamentais, ou seja, acatando-se o princípio da plena
juridicidade ou de supremacia da regra de direito segundo a qual por meio da
racionalização do poder ocorre a eliminação do arbítrio conferindo ainda por meio
da lei escrita, clareza e certeza à intrínseca trama da vida social.
Sem a regra de direito delimitando os atos de governo não seria possível
assegurar a garantia dos direitos fundamentais nem a existência de outros
princípios relacionados, como o da divisão de poderes, pois quando se despreza o
princípio da plena juridicidade, dá-se lugar à legalidade como mecanismo de
assegurar o direito. Não existindo limites, a obediência se transmuda em
subserviência, em nulidade da personalidade, em escravidão e o mandar se
transforma em arbitrariedade.
Então, na esfera jurídico-política, fundamenta-se o estado democrático de
144
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.
145
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.
146
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 27.
56
direito na garantia dos direitos individuais e das liberdades públicas, com fulcro na
ação de um Poder Judiciário isento de limitações ao exercício pleno da
imparcialidade dos julgamentos. Destacando-se ainda dentro desse Estado, um
governo que ao ser democrático providencia a organização política, mas se depara
com o problema de encontrar homens que concretizem a democracia, fim tão
almejado ao bem-comum.
147
Depreende-se, portanto, que para a garantia dos direitos fundamentais,
mister é que o ideal de democracia ansiado nas diversas esferas da vida social,
extravase o campo das idéias e se materialize por meio das ações dos
representantes do poder público, o que permitirá a segurança tanto para os
cidadãos quanto para a própria Administração.
Neste tocante, pertinente é observar que na confluência do direito e do
dever é que se traça a linha demarcatória dos limites dentro dos quais cidadãos e
administradores podem atuar”.
148
Deriva-se daí o princípio da legalidade, cuja
observância dá-se no sentido de que a nenhum órgão ou agente da Administração
é facultada a prática de atos que contendam com interesses alheios senão em
virtude de norma geral anterior.
149
que ser observado, sob este aspecto, que havendo no estado
democrático de direito, uma Administração moral e legalmente imbuída dos ideais
democráticos e de agentes capacitados para concretizá-lo, será possível
estabelecer uma ordem capaz de permitir o exercício das liberdades sem que isso
signifique obstaculizar a vida social em concordância com interesses coletivos.
Nesse patamar, ao Estado por meio da Administração é lícito exercer o
poder de polícia devendo para tanto atuar e jamais se omitir, o que se assim
acontecesse deixaria de proteger os direitos fundamentais dos administrados e
não haveria uma boa aplicação dos anseios democráticos, condição precípua do
dever jurídico. Por isso, a necessidade de compromisso por parte do agente
147
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 221.
148
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 221.
149
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 222.
57
administrativo na aplicação do poder de polícia para não incorrer em abuso de
autoridade conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira:
(...), cada agente administrativo é investido da necessária parcela de
poder público para o desempenho de suas atribuições, devendo usá-lo
normalmente, como atributo do cargo ou da função, e não como
privilégio da pessoa que o exerce. É esse poder que empresta
autoridade ao agente público, quando recebe da lei competência
decisória e força para impor suas decisões aos administrados.
Exatamente por isso, o agente, quando despido da função ou fora do
exercício do cargo, não pode usar da autoridade pública, nem invocá-la
ao talante de seu capricho para superpor-se aos demais cidadãos.
150
O poder de polícia da Administração se traduz então, como mecanismo
que visa assegurar o exercício das liberdades oferecendo condições para que
dentro da legalidade e moralidade, agentes públicos no caso concreto ofereçam
limites a essas mesmas liberdades quando elas fugirem da situação de ordem
necessária à convivência coletiva saudável.
5. FUNDAMENTO E FINALIDADE DO PODER DE POLÍCIA
O poder de polícia tem como fundamento a supremacia do interesse público
sobre o particular, ou seja, o interesse que o Estado dentro de seu território
exerce sobre pessoas, bens e atividades; legitimado pelas normas constitucionais
e de ordem pública, as quais oferecem oposição e restrições ao anseio individual
em favor da coletividade, incumbindo ao poder público o seu policiamento
administrativo.
151
Hely Lopes Meirelles exemplifica a respeito dessas limitações:
(...) deparamos na vigente Constituição da República claras limitações
às liberdades pessoais (art. 5º, VI e VIII); ao direito de propriedade
(art. 5º, XXIII e XXIV); ao exercício das profissões (art. 5º, XIII); ao
direito de reunião (art. XVI); aos direitos políticos (art. 15); à
liberdade de comércio (arts. 170 e 173). Por igual, o Código Civil
condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, ao
“exercício regular de um direito reconhecido” (art. 188) proibindo o
abuso, e, no que concerne ao direito de construir, além de sua
normalidade, condiciona-o ao respeito ás normas administrativas e ao
direito dos vizinhos (arts. 1277 e 1299). Leis outras, como a Lei dos
Recursos Hídricos, o Código de Mineração, o Código Florestal, o Código
de Caça e Pesca, a Lei do Meio Ambiente, cominam diversas restrições,
visando sempre à proteção aos interesses gerais da comunidade contra
150
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 225.
151
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
133.
58
os abusos do direito individual.
152
Para cada restrição de direito individual, seja expressa ou implicitamente
disposta em norma legal, existe uma restrição equivalente por meio do poder de
polícia administrativa com o intuito de dar eficácia e fazer a Administração ser
obedecida. Isto porque esse poder se embasa, como vimos, no interesse
superior da coletividade em relação ao direito do indivíduo que a compõe”.
153
Nesta linha de pensamento concorda Celso Antônio Bandeira de Mello ao
afirmar que o poder que a Administração dispõe por meio da atividade de polícia
administrativa resulta do fato de ter ela a qualidade de executora das leis
administrativas não podendo deixar de exercê-lo, uma vez que tem o dever de dar
execução às leis, cabendo-lhe a supremacia geral. Afirma, portanto, que:
O poder, pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus cargos
de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, “supremacia
geral”, que, no fundo, não é senão a própria supremacia das leis em
geral, concretizadas através de atos da Administração.
154
Necessário é acentuar que mesmo limitando o exercício dos direitos
individuais, não é lícito à Administração abusar na execução do poder de polícia,
pois o regime das liberdades públicas assegura o uso normal desses direitos, mas
também não permite o exercício anti-social deles. Hely Lopes Meirelles expõe
acerca dessa questão:
As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionamento
ao bem-estar social. Essas restrições ficam a cargo da polícia
administrativa. Mas sob a invocação do poder de polícia não pode a
autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos
fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição, dentre os
quais se inserem o direito de propriedade e o exercício de profissão
regulamentada ou de atividade lícita.
155
Por tudo, é possível conceber que a finalidade do poder de polícia delineia-
se na proteção do interesse público em seu sentido mais amplo. Compreendendo-
se como amplitude, desde os valores materiais ao patrimônio moral e espiritual do
152
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
133.
153
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
133.
154
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. o Paulo:
Malheiros, 2006, p. 719.
155
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
133.
59
povo, expresso na tradição, instituições e aspirações nacionais.
156
Coadunando com essa idéia, Odete Medauar menciona como finalidade do
poder de polícia a defesa da ordem pública, esta entendida no âmbito
administrativo, ou seja, como as condições mínimas e essenciais à vida social e
pacífica. Abarcando também o aspecto da segurança de bens e pessoas,
salubridade e tranqüilidade, bem como as questões econômicas, ambientais e até
estéticas.
157
Acrescenta ainda que a ordem pública especificamente relacionada ao poder
de polícia se identifica com o interesse público e se refere à proteção de qualquer
bem ou interesse coletivo ante o indivíduo ou grupo restrito de indivíduos.
Segundo esta autora, o interesse público é mencionado sob diversos nomes:
interesse geral, bem comum, interesse coletivo, necessidades coletivas,
necessidades da vida social”.
158
Sendo assim, norio é que o poder de pocia possui fundamento legal e atua
no sentido de propiciar a existência de uma convivência harmônica à vida social
evitando através de mecanismos preventivos e repressivos toda sorte de conflitos que
venham quebrar a ordem necesria e almejada pelo estado democtico de direito.
156
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
134.
157
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 335.
158
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 335-336.
60
CAPÍTULO IV: LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO E ABUSO DO PODER DE
POLÍCIA
1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE
O princípio da razoabilidade se encontra implícito na Constituição Federal
bem como o da proporcionalidade, visto aqui como princípio autônomo. Ambos
também se acham ressalvados na Lei nº. 9.784 de 1999, quando esta ao dispor
sobre os processos administrativos, determina a observância da adequação entre
os meios e fins e veda a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida
superior ao satisfatório no atendimento do interesse público.
159
Na visão de José dos Santos Carvalho Filho ambos os princípios consistem
em mecanismos de controle dos atos estatais abusivos, seja qual for a sua
natureza. Afirma, porém, que no processo histórico de formação desses
postulados, o princípio da razoabilidade nasceu com perfil hermenêutico, voltado
em um primeiro momento para a lógica e a interpretação jurídica e somente
depois é que foi adotado para a ponderação de outros princípios, ao mesmo tempo
em que o princípio da proporcionalidade nasceu com direcionamento objetivo,
material, visando o balanceamento de valores, como a segurança, a justiça e a
liberdade.
160
Por meio da razoabilidade, os atos administrativos e jurisdicionais
adquirem nova e plena justificação teleológica, uma vez que concretizam o
Direito e lhe vivificam, ao realizarem a proteção e promoção dos interesses
159
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
92,94.
160
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 30.
61
prescritos pelos legisladores. É com base neste princípio que o Direito não se
exaure em ato estritamente técnico, neutro e mecânico, também não se esgota
no racional, ou seja, a aplicação da vontade da lei se faz por atos humanos aptos
a imporem concretamente o que nela há em abstrato.
161
Enraizado nos dois sistemas jurídicos do ocidente o romano-germânico e
o anglo-saxão –, o princípio da razoabilidade não recebe terminologia
homogênea e é, por alguns autores, englobado no princípio da proporcionalidade
quando age na interdição do excesso. No entanto, na lição de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, parece haver concordância em que haja neste princípio
as três exigências:
(1) a de adequabilidade da medida para atender ao resultado
pretendido; (2) a de necessidade da medida, quando outras que possam
ser mais apropriadas não estejam à disposição do agente
administrativo; e a de proporcionalidade, no sentido estrito, entre os
inconvenientes que possam resultar da medida e o resultado a ser
alcançado.
162
Ainda na lição deste autor, o princípio da razoabilidade visa a afastar o
arbítrio que decorre da desadequação entre meios e fins, da desnecessidade de
meios para atingir afins e da desproporcionalidade, entre os meios empregados e
os fins a serem alcançados”. Este princípio tem ainda notória importância quando
da atuação da Administração de maneira discricionária, funcionando como um
limitador, assim como nos demais atos administrativos.
163
Sobre a oportunidade, a ação administrativa mesmo gozando em vários
aspectos da prerrogativa da discricionariedade, deverá ser considerada nos
termos do que seja razoável de modo a evitar restrições desnecessárias ou
abusivas por parte da Administração Pública com lesão aos direitos fundamentais
e assim não violentará nem o senso comum nem as regras técnicas. Caso não
aconteça dessa maneira, o efeito do ato administrativo inoportuno ensejará sua
nulidade.
161
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 100.
162
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 101.
163
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 101.
62
Em relação à conveniência, a ação administrativa tem que se pautar na
escolha de conteúdo em conformidade com o objeto a ser realizado e com uma
razoável certeza de que se trata da escolha mais eficiente”. Uma vez que a
inconveniência extravasa os limites legais discricionários e evidencia, portanto,
uma ilegalidade.
164
Convém expor a visão de José dos Santos Carvalho Filho quando este
autor afirma que a razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja,
aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que
provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa”.
165
Acrescenta ainda que o conceito de razoabilidade é um tanto instável, pois
o que é razoável para uns pode não ser para outros e isto implica no fato de que
por este motivo, não pode o juiz em ato de controle da conduta do administrador
alegar tão somente que não entendeu ser razoável um determinado ato. Aduz,
portanto:
Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu
próprio, porque a isso se coloca o seu óbice da separação de funções,
que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá,
controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja,
verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade
dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm
emprestado ao controle.
166
Nesta esteira, este autor frisa que o princípio da razoabilidade tem que ser
observado pela Administração à medida que a conduta desta se apresente dentro
dos padrões normais de aceitabilidade, pois se a atuação se der fora desses
padrões, algum vício estará contaminando o comportamento estatal, uma vez
que não pode haver violação do princípio quando a conduta administrativa for
inteiramente revestida de licitude.
167
Afirma ainda que:
Assim, na esteira da doutrina mais autorizada e rechaçando algumas
interpretações evidentemente radicais, exacerbadas e dissonantes do
164
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 101.
165
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 28.
166
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 28.
167
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 28-29.
63
sistema constitucional vigente, é preciso lembrar que, quando se
pretender imputar à conduta administrativa a condição de ofensiva ao
princípio da razoabilidade, terá que estar presente a idéia de que a ação
é efetiva e indiscutivelmente ilegal. Inexiste, por conseguinte, conduta
legal vulneradora do citado princípio: ou a ação vulnera o princípio e é
ilegal, ou se não o ofende, de ser qualificada como legal e inserida
dentro das funções normais cometidas ao administrador público.
168
Por outro lado, no entendimento de Leonardo Motta Espírito Santo o
conceito de razoabilidade é indeterminado por não haver critérios objetivos para
sua aferição”.
169
O que não isenta a Administração de exercer suas atividades
discricionárias de forma racional por meio de condutas coerentes, prudentes,
equilibradas e com a avaliação do custo-benefício do interesse público
desejado.
170
Afirma ainda que a ausência de razoabilidade se traduz na observância dos
fins legais. No entanto, com inadequação de meios utilizados para atingir estes
fins e que a manifestação arbitrária do administrador dotada de motivos pessoais
ou sem fundamento na ordem jurídica, também pode ser considerada
irrazoável.
171
Por sua vez, a proporcionalidade compreendida como princípio autônomo
por alguns autores, reside na ação administrativa equilibrada, ou seja, os meios
empregados ainda que legais e com o objetivo de atingirem o fim público
deverão se dar por meio de decisões refletidas e, portanto, equilibradas. É o
justo equilíbrio entre os sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do
Estado”.
172
Como é sabido, os julgadores utilizam dos princípios da razoabilidade
e proporcionalidade como bússola orientadora de suas decisões:
EMENTA: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO DE DUPLICATA
PAGA NO VENCIMENTO. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA.
ARBITRAMENTO. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - A evolução
do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina,
168
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 29.
169
SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 34.
170
SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 34.
171
SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 35.
172
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 101.
64
veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o entendimento tem sido
unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos
morais, considerados estes como violadores da sua honra objetiva. II -
Em se tratando de duplicata paga no dia do vencimento, deve o banco
responder pelo dano moral decorrente do protesto que levou a efeito.
III - A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis,
não se justificando que a reparação venha a constituir-se em
enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com
moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial
das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio.
de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela
jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do
bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação
econômica atual e às peculiaridades de cada caso. IV - O arbitramento
do valor em número de vezes o expresso na cártula significa somente
um critério adotado no caso específico, dificilmente servindo de
parâmetro à demonstração do dissídio, em face das peculiaridades de
cada caso.
173
EMENTA: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO
INDEVIDO DE TÍTULO CAMBIAL DANO MORAL. PREJUÍZO. REPARAÇÃO.
PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. HONRA OBJETIVA. DOUTRINA.
PRECEDENTES DO TRIBUNAL. CRITÉRIOS NA FIXAÇÃO DO DANO.
PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUIZ. RECURSO DESACOLHIDO. I - O protesto
indevido de título cambial acarreta a responsabilidade de indenizar
razoavelmente o dano moral correspondente, que prescinde da prova de
prejuízo. II - A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram
jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o
entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima
também de danos morais, considerados esses como violadores da sua
honra objetiva. III - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis,
não se justificando que a reparação venha a constituir-se em
enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o
arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao
grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades
comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos
critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com
razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à
realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as
peculiaridades de cada caso.
174
Com efeito, a ação administrativa em concreto representando o Estado
age por meio de prestações e restrições visando o bem-comum em determinação
da lei, que as institui em tese. No entanto, as ações concretas da Administração
deverão estar limitadas pela justa compensação entre a redução exigida e a
vantagem decorrente. Se o contrário se der, acontecerá o que acentua Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
173
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 214381 MG, relator ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, julgamento 24/08/1999, DJ 29-11-1999 ement vol-13 pp- 285.
174
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 171084 MA, relator ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, julgamento 18/08/1998, DJ 05-10-1998 pp- 102.
65
Quando esta relação for desequilibrada, seja na própria formulação da
lei (desproporcionalidade legislativa), seja na sua aplicação concreta
(desproporcionalidade administrativa), a ponto de tornar
demasiadamente onerosa a prestação do administrado, seja ela positiva
ou negativa, em confronto com o reduzido ou nenhum proveito para a
sociedade, fica caracterizada a agressão ao princípio, que se apresenta,
assim, como uma derivação do princípio maior da justiça distributiva e o
da própria legitimidade.
175
Sendo assim, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade visam
juntos assegurar que as ações administrativas sejam elas dotadas ou não de
discricionariedade, venham a acontecer de maneira que o poder público atinja o
fim do bem-comum e possibilite a convivência harmônica dos administrados e,
mesmo que isto signifique estes últimos serem tolhidos em seus atos, uma vez
que isso se dê de forma razoável e equilibrada, portanto, legítima.
2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA E INSEGURANÇA
PÚBLICA EM MEIO AO COLAPSO DO SISTEMA CRIMINAL
BRASILEIRO
2.1 Aspectos relativos à segurança pública
Um dos grandes problemas da sociedade atual tem raízes na insegurança
que permeia os grandes e pequenos centros populacionais, bem como vários são
os fatores que impulsionam e aceleram a criminalidade atualmente, os quais
ferem a segurança pública. Entre eles figura os fatores sociais como o
crescimento populacional acelerado; a distribuição demográfica; a
distribuição inadequada de renda; a falta de planejamento familiar; as favelas e
conglomerados e o problema do menor”.
176
Estes e outros fatores têm sido causa geradora da violência na realidade
brasileira evidenciando uma tragédia social, pois além de darem grande
dimensão ao problema, alavancam um poderoso fator de dissociação entre as
camadas da sociedade. Em relato de 25 de novembro de 1979, o Jornal do Brasil
descreveu a realidade brasileira com o seguinte texto:
175
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 102.
176
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 78.
66
Numa formulação precisa e dramática da percepção generalizada de
medo e insegurança, frente à escalada da criminalidade violenta, o
poeta Affonso Romano de Sant’Ana não hesitou em evocar imagens de
uma guerra civil, onde exércitos de marginais avançam contra uma
sociedade e uma política excludentes: uma guerra nas ruas e o
Governo não interfere... Os pobres são assaltados pelos miseráveis.
Quando eles se tornarem todos uma classe, ou quando tiverem
consciência de classe, virão contra o outro lado... um exército de 30
milhões escalando os muros de Roma.
Nesta esteira coaduna a maioria das estatísticas sobre a origem da
violência, ou seja, dentre os fatores que a norteiam, as causas sociais de
ordem estrutural - têm maior peso, mesmo que não se possam excluir os fatores
endógenos tratados pela criminologia. Em acepção sobre esta idéia, relevante é o
comentário do colunista político do Jornal do Brasil Mauro Santayna na
reportagem de 13 de fevereiro de 2007 da revista Carta Maior quando este aduz
à construção de um bandido:
Como se faz um criminoso? Os criminosos, salvo os casos de psicopatia
congênita, são construídos, não nascem feitos. A nova deputada federal
Marina Magessi, veterana policial carioca, não pode ser apontada como
esquerdista, fanática defensora dos “direitos dos bandidos”. Ao
contrário: sempre foi vista como “durona” na ação policial. Em recente
depoimento à TV Câmara, em companhia do rapper MV Bill, Marina
Magessi lembrou que o dia mais difícil da sua vida foi o do assalto ao
ônibus da linha 174, em 2000, no Rio, porque teve que prender uma
menina de 12 anos, envolvida no incidente. Ela resume o problema, ao
dizer que nesses episódios não algozes: vítimas. A menina era
tão vítima como Sandro do Nascimento o assaltante, um sobrevivente
do massacre da Candelária, que seria assassinado logo em seguida pela
polícia, e a jovem Geisa Gonçalves, morta durante a intervenção
policial.
“Não é a pobreza que leva ao crime, mas, sim, a falta de inclusão”
disse a mesma senhora, em outra oportunidade. “No Rio, essas crianças
não pertencem a nada. Não têm família, não têm igreja, não têm
Estado”. Se quisermos ir mais fundo no problema, devemos deixar os
limites das favelas, do Rio de Janeiro e do Brasil. Escolhemos nessa
pobre cultura universal contemporânea, induzidos pelos meios de
comunicação de massa, sobretudo do cinema e da televisão, modelo de
vida que pode ser definido como o de pacto com a morte. Passamos
parte de nossa vida vendo as balas penetrarem na testa de bandidos ou
não, acostumamo-nos com o jorro de sangue e, em certos casos,
experimentamos voluptuosa emoção diante dos corpos que tombam.
Mesmo os homens mais velhos se recordam da influência do cinema nos
jogos infantis - e a violência daquele tempo era quase inocente, diante
da que nos chega, pela televisão, todos os dias. Brincava-se, então, de
artista e bandido. Os heróis eram artistas, e os vilões, os bandidos. Era
o mito da “violência positiva”, que os norte-americanos haviam criado,
com suas “short-stories”, destinadas a distrair os trabalhadores
67
imigrantes do início do século XX, que depois passaram a ser filmadas
por judeus húngaros, em Hollywood. Ainda que houvesse, em
contraponto, a arte de Chaplin e outros, o mito da violência acabou
prevalecendo. Chaplin era um realizador para quem conseguia pensar.
Hoje, crianças de três, quatro anos, treinam para matar nos vídeo-
games, em que, do sangue que espirra dos atingidos pelas balas
virtuais, falta o cheiro da morte. Os super-heróis ganharam a força
dos elétrons.
177
O problema da criminalidade demonstra, portanto, fator de grande
preocupação que obriga conjuntamente autoridades e cidadãos comuns a
buscarem soluções inibidoras do crime, o qual tem também como fatores
indutores, o consumo de álcool, o uso de drogas e o porte de armas. Sobre estes
três aspectos é importante mencionar a visão de João Manoel Simch Brochado:
O álcool é (...) importante vetor da violência e do crime. A extensão
desse fenômeno e a incongruente facilidade de acesso à bebida alcoólica
desafiam o nosso bom senso, ao constatarmos a incidência dele entre
os autores de crimes violentos. O alcoolismo que interesse à segurança
pública é o que assola comunidades culturalmente desprotegidas, pois é
precisamente a cultura que pode sustentar o consumo de álcool na
sociedade, com comedimento, sem permitir que se transforme em
estímulo da violência e degradador de costumes (...).
A expansão do consumo de drogas dentro da sociedade brasileira
determinou o crescimento e a organização de uma forte economia
criminosa que mobiliza a mão-de-obra disponível pelo desemprego, pela
penúria e pela confusão de valores a que está submetida, incorporando-
a ao crime. O consumo entre marginais e, particularmente, entre essas
vítimas da crise transforma-se em vetor da violência ou de deterioração
do comportamento social. A necessidade de financiamento para o
narcotráfico tem estimulado, de modo crescente, a ação criminosa de
golpes espetaculares que permitam o acesso imediato a polpudas somas
e o desenvolvimento de organizações que exploram atividades ilegais de
alta rentabilidade e liquidez imediata.
A incidência de crimes violentos não deve provocar o medo coletivo
dentro da sociedade, com as pessoas procurando um porte oficial ou
enfiando uma pistola na cintura ou na bolsa mesmo sem autorização
para fazê-lo. Cria-se o círculo vicioso da violência gerando mais
violência. Desarmar, portanto, deve ser uma séria e permanente
preocupação do Estado.
178
Sobre estes aspectos deve haver por parte do Estado através das
autoridades competentes, uma mobilização no sentido de promover campanhas
educativas e preventivas e, quando necessário, ações repressivas eficazes, sobre
177
CARTA MAIOR. Questão de ordem (O pacto com a morte a construção de um bandido).
Disponível em: www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=350i. Acesso em
13 de outubro de 2007 às 12h30min.
178
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 52, 59-60, 126.
68
a nocividade dos elementos álcool, drogas e armas, individual e conjuntamente
com o afã de impedir seu uso e conseqüentemente a ocorrência de crimes,
principalmente nas áreas metropolitanas onde o crime urbano violento tem
consideravelmente deteriorado a qualidade de vida.
O crime urbano violento tem tornado insustentável a convivência nos
grandes centros atualmente. As autoridades policias têm classificado nesta
espécie de crimes, o homicídio doloso e tentativa, o roubo, o estupro, a tentativa
de estupro e a lesão corporal dolosa como definidores do comportamento
marginal violento.
179
É possível identificar dois perfis de criminosos praticantes desses grupos
de crimes: aqueles que possuem vínculo ou envolvimento com a vítima, movidos
por alguma espécie de sentimento ou motivação direcionada, refere-se aos
atentados contra a pessoa e contra a vida, se estendendo desde a lesão corporal
dolosa leve até o homicídio doloso. Visivelmente estes delitos são, por exemplo,
os que envolvem disputas do crime organizado ou de quadrilhas e rixas nas
populações periféricas. O outro tipo de criminoso é aquele que atua com pouco
ou nenhum envolvimento com a tima, destacando-se pelo cometimento de
delito violento contra o patrimônio, desde o assalto simples e de oportunidade
nas vias públicas até as ações coletivas contra alvos complexos e rigorosamente
protegidos. Os crimes urbanos violentos estão dispostos, portanto, em três
grupos, dos quais o terceiro engloba a agressão sexual desde o assédio até o
estupro seguido de morte.
180
Na lição de João Manoel Simch Brochado o combate aos crimes violentos
conveniente à segurança pública, dá-se por meio de ação intensa e objetiva da
força policial, envolvendo esquemas especiais planejados dotados de ação
preventivo-repressiva visando interceptar o ato criminoso e ainda através da
atividade de patrulhamento coercivo, demover o criminoso de praticá-lo.
181
179
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 118-119.
180
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119-120.
181
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119.
69
Ainda segundo este autor o tipo de criminoso que causa maior pavor é
aquele que possui pouco ou nenhum envolvimento com a vítima, pois estes
causam maior insegurança para a população, uma vez que todos estariam
sujeitos, ou seja, seriam vítimas potenciais. “Mais frios, mais assustadores
portanto, porque, ao se expandirem, criam ameaça indiscriminada a todo
cidadão, ampliando sobremaneira o sentimento coletivo de insegurança”.
182
João
Manoel Simch Brochado classifica os crimes segundo o quadro abaixo:
Crimes violentos
(para a segurança
pública)
Primeiro grupo Segundo grupo Terceiro grupo
Característica
fundamental
Crimes violentos
contra o
patrimônio.
Crimes
violentos
contra a
pessoa.
Agressão sexual.
Efeitos da ação
criminosa
Roubos simples;
assaltos
complexos;
latrocínio.
Lesão corporal;
tentativa de
homicídio;
homicídio
doloso.
Tentativa de
estupro; estupro;
estupro seguido de
morte.
Vínculos de motivação
entre autor e vítima
Desvinculação
de motivos entre
autor e vítima.
Vinculação de
motivos entre
autor e vítima.
Indigência cultural
(normalmen-te com
vínculo); desvio de
comportamento
(normalmen-te sem
vínculo).
Ação de segurança
pública
Patrulhamento
coercivo nas áreas
de expectativa
estatística;
orientação das
vítimas potenciais;
repressão.
Patrulhamento
coercivo em
áreas
conflagradas;
restrições ao
consumo de
bebidas
alcoólicas;
repressão;
desarmamento
Orientação das
vítimas potenciais;
repressão; ação
integrada de governo;
desarmamento.
Importante é ressaltar que o problema da criminalidade não pertence
somente ao Brasil, embora neste estudo esteja sendo dada maior atenção à
realidade brasileira. Aduz a este fato o colunista Mauro Santayana ao afirmar
que o Brasil não é o pior:
quem debite a violência brasileira ao nosso caráter. É uma conclusão
182
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119.
70
estúpida. O Brasil tem cerca de duzentos milhões de habitantes, e uma
exígua parcela dessa população se envolve em episódios violentos, seja
no campo ou nas cidades, maiores e menores. Os criminosos não
chegam a meio por cento da população. Crimes horripilantes como os
de canibalismo - ocorrem no berço da civilização ocidental, que é a
Europa, isso sem falar nos Estados Unidos, onde meninos de dez, onze
anos, matam seus colegas de escola a tiro limpo. As penas são
pesadíssimas e, em alguns Estados, como o Alabama, o Arizona, e
Lousiana, crianças de qualquer idade poderiam ser condenadas à morte
até de março de 2005, quando a Suprema Corte proibiu a execução
de menores de 18 anos, com base na oitava emenda da Constituição,
que proíbe castigos cruéis. Nem por isso a criminalidade juvenil nos
Estados Unidos se viu reduzida.
183
Embora não seja somente um problema brasileiro, a situação do país, no
tocante a criminalidade e violência, demonstra o grande problema que se
instalou e que a cada dia tem adquirido proporções maiores dentro da sociedade.
A questão nacional é, portanto, de alerta, uma vez que as causas de maior
impulsão têm se verificado na esfera social, as quais interligadas e relacionadas
com as demais formam uma grande teia de problemas.
Todo grupo social necessita de uma consciência de proteção, a qual se dá
com a idéia coletiva de um estado de segurança pública. No entanto, esse
sentimento é bem mais amplo do que um simples posicionamento, é alcançado
por meio do esforço conjunto entre autoridades os três níveis administrativos
altercando em neutralizar os fatores sociais indutores da marginalidade - e a
comunidade.
O estado de segurança pública é importante porque traduz uma situação
de paz conformada pela maioria dominante dos membros de uma comunidade
em relação à integridade física do cidadão e de sua família, à integridade de seu
patrimônio, à sua liberdade de locomoção sem perigo e ao direito de socorro que
todos têm (...)”.
184
No entanto, esse estado goza de grande vulnerabilidade e
instabilidade, o que o faz motivo de constante preocupação para a
Administração.
Por isso, é necessária a aproximação das autoridades policiais -
183
CARTA MAIOR. Questão de ordem (O pacto com a morte – o Brasil não é o pior). Disponível em:
www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=350i. Acesso em 13 de outubro
de 2007 às 23h33min.
184
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 41.
71
organização base na busca de proteção e socorro com a comunidade, pois é
por meio dessa interação que os problemas relativos à segurança pública serão
discutidos visando assim a obtenção de soluções de eficácia máxima, além de
restaurar a confiança da população na polícia. Sobre este aspecto João Manoel
Simch Brochado afirma:
A discussão coletiva dos problemas de segurança e a interação das
soluções diretamente com a polícia criam resistências ao medo
individual e ao pânico social, restabelecendo uma expectativa
consensual de desvantagem para a prática dos delitos que agridem os
cidadãos e seu patrimônio, e de vantagem da comunidade, de mãos
dadas com a polícia, sobre os criminosos.
Essa integração comunidade e polícia deve ser permanente, buscada por
intermédio de rotinas de encontros para a troca de experiências: as
pessoas como vítimas potenciais ou seus líderes e as autoridades
policiais como agentes do processo de neutralização dessa condição.
185
Dessa forma, embora notória a real deficiência da segurança pública,
necessária e urgente é a atuação compromissada dos governantes em efetivar
medidas através de planejamento capazes de impedir a ação dos criminosos e
conseqüentemente garantir à população uma situação de proteção em que todos
possam se sentir confiantes em colaborar com as autoridades policiais.
2.2 O sistema criminal e a realidade da polícia
Atualmente o sistema criminal brasileiro se encontra emperrado. Isso por
causa da carência de recursos humanos suficientes e bem qualificados, do
obsoletismo das estruturas organizacionais, da alienação em relação à tecnologia
moderna disponível, da morosidade dos processos administrativos, da falta de
articulação e da falta de perspectiva que tudo isso produz em meio aos
profissionais pressionados por uma realidade sem controle.
186
uma falta de integração dentro do próprio sistema criminal, ou seja, as
polícias constantemente estão em conflito de atribuições e por vezes não se
entendem com o Ministério Público. Não diversa desta situação é a comunicação
destas categorias com o Judiciário que nem sempre está interagindo com os
demais poderes da Administração, é o que acontece, por exemplo, com a
185
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 46.
186
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 49.
72
insatisfação dos juízes em relação à lei de execução penal. Sobre este assunto,
interessante é atentar para o posicionamento de Álvaro Lazzarini:
É verdadeira a existência de atritos entre as polícias estaduais.
Conhece-se, inclusive, a existência de atributos entre a Polícia Civil com
o Ministério Público e com a Polícia Federal. Esses atritos, porém, podem
ser superados pela legislação infraconstitucional, que se disponha a
precisar e detalhar as atribuições de cada órgão, diminuindo, ao
máximo, as zonas cinzentas, as áreas de intersecção de competência
das duas polícias estaduais.
187
Na visão deste autor é necessário um esforço conjunto por parte do
Legislativo, a quem compete a legislatura infraconstitucional, com a ajuda do
Executivo, dar um fim nos conflitos de competência que atordoam o sistema
criminal brasileiro e assim será possível aperfeiçoar o modelo policial brasileiro.
188
Uma vez que a falta de coordenação entre essas categorias incita o aumento da
criminalidade ao direcionar as atenções para outro fim que não a atuação dos
criminosos, ferindo, portanto, o interesse público. Coaduna com esta idéia João
Manoel Simch Brochado:
A vigilância repressiva e uma forte repressão, integradas ao Ministério
Público e à justiça criminal para a identificação e rápida condenação dos
autores, inverterão o cerco ameaçador ao colocar todo o sistema
criminal voltado e dirigido, com prioridade, para o intuito de retirá-los
do convívio social.
189
Na lição de Álvaro Lazzarini, o conflito de competências corriqueiramente
noticiado tem origem na superposição de meios, busca de notoriedade por
policiais, dispersão de esforços com raízes oriundas de uma mistura de
desconhecimento da lei, sentimentos classistas e corporativistas acometidos de
evidente vaidade, busca de publicidade pessoal e até fins políticos quando em
ano eleitoral.
190
Exemplificando esta situação, o jornal Daqui veiculou no dia 03
de outubro de 2007 a matéria intitulada Tropa de elite da PM provoca briga
entre as polícias”:
187
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 169-170.
188
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 170.
189
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 122.
190
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 62.
73
Uma discussão entre policiais da Rotam e uma delegada da polícia civil
gerou um conflito entre as polícias ontem. Agentes civis, delegados e
escrivães exigiram medidas enérgicas e urgentes contra as
“arbitrariedades” cometidas por militares da Rotam. O protesto ocorreu
horas depois que cinco equipes da Rotam chegaram à Delegacia
Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), com uma adolescente de
17 anos e o sogro dela. Os dois eram acusados de traficar drogas, e os
policiais exigiram que a delegada Alessandra Batista Dias os autuasse
em flagrante. A delegada recusou-se a fazer a autuação que não
havia testemunhas e a jovem tem menos de 18 anos, e deveria ser
encaminhada à Delegacia de Apuração de Atos Infracionais.
Outro fator que demonstra o descrédito e desmoralização das instituições
policiais frente à sociedade e até compromete a imagem do Brasil no exterior é a
corrupção e violência praticadas por policiais. Por certo, o investimento, a
preparação do policial, especialmente a humanista e jurídica deve ser incentivada
nos diversos níveis dos cursos de formação, especialização e aperfeiçoamento.
191
A força policial como um todo necessita urgentemente de capacitação e
investimento por parte do poder público. Desde a ausência de equipamentos e
cadeias, armas modernas e munição, viaturas para o cumprimento de diligências
e até contingente humano têm sido o drama com o qual os profissionais da
segurança pública têm se deparado cotidianamente.
Tudo isso gera uma grande insatisfação e desestímulo nos profissionais,
incitando medidas violentas ou descompromissadas com o ofício. Aliado a isso e
não menos importante é a realidade das cadeias brasileiras, que se falassem,
pediram por socorro. Isto quer dizer que os estabelecimentos prisionais além de
não cumprirem a função essencial que é a de reeducação e ressocialização do
preso se encontram totalmente sem estrutura física que comporte mais
detentos.
192
Bem se sabe que não é a prisão que impedirá a intenção criminosa de
outros e nas circunstâncias atuais, de definhamento e deficiência estrutural das
cadeias, certamente não haverá qualquer recuperação. No entanto, mais certo
ainda é que se não houver vontade política, pois o problema da segurança
pública não é propriamente de falta de gestão do Estado, mas também de
191
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 172-173.
192
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 67.
74
iniciativa política em gerir os recursos públicos para a construção e
aperfeiçoamento das penitenciárias, não haverá mesmo qualquer melhoria na
segurança.
193
O fato é que mesmo com todos esses problemas aturdindo o fator
segurança pública, ainda assim não justificativa plausível para que o poder
público se omita diante da promoção do estado de segurança que a sociedade
necessita. O sentimento de proteção concretizado nas diversas esferas sociais é
de interesse de todos e a polícia, escopo dessa realidade, não pode se refugiar
diante da falta de investimento ou de motivação para o exercício de suas
atividades.
que haver urgentemente compromisso público e engajado das
autoridades, nos três níveis de poder, através de atividades planejadas e
coordenadas visando acudir o sistema criminal como um todo, desde a atuação
das diversas polícias até a saída do criminoso do estabelecimento prisional
depois de cumprida a pena. Se assim não for, daqui a alguns anos não será
possível viver.
3. POLÍCIAS MILITAR E CIVIL NO EXERCÍCIO DO PODER DE
POLÍCIA
3.1 Aspectos históricos sobre a polícia militar
No Brasil, a polícia militar surgiu no ano de 1809 criada primeiramente no
Rio de Janeiro pelo príncipe Regente D. João VI. Gozava das características de
polícia administrativa, organização militar, dupla vinculação e força de elite. Com
passar do tempo, o projeto foi expandido para outras localidades do Império e
“principiava com uma origem de clara e exclusiva destinação para atividades
policiais administrativas vinculadas à segurança e tranqüilidade da população e
ao auxílio da justiça”.
194
193
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 67-68.
194
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 220-222.
75
Ao longo da história, mudanças na legislação incitadas por interesses
políticos acabaram por demonstrar as distorções a que essas corporações foram
submetidas, o que resultou no distanciamento do foco principal das polícias
militares. Foi o que aconteceu, por exemplo, no ano de 1934 quando o governo
central preocupado com os movimentos revolucionários em alguns estados
agitados, implantou sobre essas corporações militares a idéia de reserva do
Exército, submetendo-as à legislação e fiscalização federal.
195
Durante um longo período as corporações militares passaram, ainda que
sem jeito, a se comportar como forças do Exército e depois de algumas
tentativas infrutíferas da legislação em resgatar a idéia inicial de criação,
somente com o Decreto-lei nº. 667 de 02 de julho de 1969 houve a
reorganização das polícias militares dos estados, dos territórios e do Distrito
Federal, o que representou um marco de extrema importância para o retorno à
origem de polícia administrativa.
196
Foi por meio desse decreto que as polícias militares passaram, com
exclusividade, a executar o policiamento ostensivo fardado. Além de serem
extintas outras guardas civis uniformizadas e todas as outras polícias com
uniforme que existiam com atividades semelhantes nos estados, dando lugar às
polícias militares.
197
3.2 Conceito e características da polícia militar
Nesta esteira, João Manoel Simch Brochado conceitua a atividade da
polícia militar sob a luz de Magalhães Noronha como a de uma polícia
administrativa de organização militar. Isto quer dizer a atuação de uma polícia
garantidora da ordem pública que vise a impedir a prática de delitos atuando
preventivamente, uma vez que se destina a promover ao indivíduo o gozo de
seus direitos, à vida, à integridade corpórea e de seu patrimônio, bem como à
195
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 223.
196
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 225.
197
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 226.
76
liberdade. Cuidando, pois, que não sejam lesados pelo comportamento ilícito de
alguém.
198
As corporações militares dos 26 estados brasileiros, com exceção apenas
do Distrito Federal, embora organizadas, armadas, equipadas e mantidas por
cada estado da federação, possuem supervisão do Exército brasileiro. De acordo
com a visão de João Manoel Simch Brochado, isto se dá pelo seguinte:
As organizações militares armadas dos estados não podem, por uma
eventual disfunção organizacional ou envolvimento com outras
atividades e responsabilidades, colocar em risco ou ameaçar a
indissolubilidade da união dos estados e municípios e, com isso, a
própria segurança nacional. Esse primeiro ponto que vincula a
necessidade de supervisão à preocupação com a segurança nacional,
lança o problema, por puro bom senso, para a responsabilidade das
Forças Armadas, que detêm a aptidão técnico-militar capaz de definir e
conferir limites, impedindo que sejam ultrapassados.
199
Outro fator característico das corporações militares é a estrutura
hierárquica, dotada de alto teor de disciplina e a abrangente diversificação de
atividades, a saber:
O policiamento preventivo-comunitário, próximo do cidadão,
permanente e contínuo, o policiamento de socorro ao cidadão e à
própria polícia, com estrutura ágil e confiável, o policiamento de
controle e fiscalização das vias terrestres (urbanas e rodovias), o
policiamento de segurança especializada (nas áreas externas dos
estabelecimentos prisionais, de proteção à rede escolar, a própria
segurança das delegacias de polícia civil), o policiamento de eventos
especiais (esportivos, políticos), o policiamento especial de fiscalização
(meio ambiente, fazenda pública etc), o policiamento de restauração da
ordem pública (choque e patrulhamento coercivo) (...). A tradição de
vigilância e guarda externa em instalações físicas importantes dos
governos regionais, o trabalho específico de bombeiros militares e a
tropa cerimonial completam esse conjunto diversificado de atividades
policiais militares.
200
As polícias militares são ainda organizadas através de sistemas
operacionais. Segundo João Manoel Simch Brochado um sistema operacional é
definido como um conjunto de recursos materiais e humanos com destino à
198
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 217.
199
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 236-237.
200
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 250-251.
77
execução de atividades policiais características, que guardam certa
homogeneidade e exigem qualificação de seus integrantes, além de
equipamentos e até uniformes diferenciados, devendo, por isso, ter supervisão
centralizada.
201
Como se vê, a organização das corporações militares além de complexa,
no sentido de atuarem com grande diversidade e deterem para isso uma
estrutura diferenciada, é necessitada de constante investimento por parte do
poder público, visando apoiar o exercício dessas corporações e ainda evitar os
abusos de autoridade cometidos por seus integrantes, uma vez que muitos
desses desvios de finalidade têm origem no próprio desconhecimento de
atribuições.
3.3 Abuso de poder no âmbito da polícia militar
Na lição de Hely Lopes Meirelles, o desvio de finalidade ou abuso de poder
se quando a autoridade embora competente para a prática do ato, ultrapassa
os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas. Como
todo ilícito, reveste-se das formas diversas, ora se apresenta com truculência,
ora é dissimulado e ainda aparenta ser um ato legal.
202
Nessa assertiva convém
expor situação de ocorrência de abuso de poder por parte de policiais militares:
Mais uma ação envolvendo abuso de poder por parte de policiais
militares foi denunciada, na região de Curitiba. Desta vez, o caso
envolveu um estudante de São José dos Pinhais. Segundo reportagem
do PRTV - Segunda Edição, deste sábado, o rapaz, que não quis ser
identificado, estava com mais um amigo no carro e quando passava
pela Avenida das Torres foi abordado por um veículo da Polícia Militar,
com quatro policias. Conforme informações divulgadas pela reportagem
da RPC-TV, os policiais teriam cortado a frente do automóvel que foi
jogado contra o meio-fio.
O estudante relata que um dos soldados chegou a atirar para o alto e
disse que ambos seriam suspeitos de roubo. Os dois foram revistados e
afirmaram ter sofrido agressões. "Eles davam tapas, me jogaram no
chão, me chamavam de vagabundo", conta. O rapaz falou ainda que os
policiais chegaram a cortar os pneus do carro com uma faca. O pai do
estudante comunicou o caso à polícia por meio do telefone 190. Um
oficial foi enviado ao local e registrou a ocorrência, mas nenhum
201
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 258.
202
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
110.
78
documento foi entregue à família. "Quando pedi a ele (policial) um
boletim de ocorrência, ele disse que não poderia dar, poderia
fornecer o número do boletim", afirma o pai que também não quis se
identificar.
O comandante da polícia, Marcos Teodoro Schremeta, informou que os
policiais foram afastados e que uma investigação interna foi aberta para
apurar o caso. O comandante admitiu que a descrição da ação dos PMs
tem característica de abuso.
203
Sob esta ótica, necessário é pontuar que o Brasil ainda não possui um
modelo de polícia militar capaz de garantir a ordem pública por meio de
patrulhamento e atividades coordenadas, além de preventivo-repressivas
inibidoras e neutralizadoras de crimes com a respeitabilidade necessária ao ser
humano e executando os mandos do poder de polícia da Administração. Uma vez
que aliado aos diversos fatores de deficiência mencionados neste trabalho,
conta-se com a falta de compromisso dos governantes em atender realmente a
necessidade de segurança da população.
3.4 Conceito e atuação da polícia civil
A polícia civil ou judiciária é a força policial de atuação posterior à
ocorrência do crime. Na visão de Álvaro Lazzarini depois da repressão imediata
exercida pela polícia militar, a ocorrência criminal será transmitida à polícia civil,
cabendo, a esta, a tarefa cartorária de formalização legal e investigante, na
apuração, ainda administrativa, da infração penal, exceto as militares.
204
Coaduna e acrescenta sua opinião a esta idéia João Manoel Simch Brochado ao
afirmar que:
A polícia civil, como polícia judiciária, inicia seu trabalho onde
teoricamente terminam as responsabilidades da polícia militar em sua
atividade administrativa de prevenção da infração penal e, no sentido
amplo, de manutenção da ordem pública. A investigação, a perícia, a
correta orientação do inquérito policial para a determinação da autoria
dos delitos cometidos exige, dos agentes desse processo, dedicação e
competência técnica. Trabalhando, em principio, após o cometimento do
crime ou da contravenção penal, a polícia civil é fundamentalmente
repressiva, investigadora, esclarecedora e elucidadora das
203
GAZETA DO POVO. Policiais são afastados acusados de abuso de poder contra estudante.
Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/parana/conteudo.phtml?id=643532. Acesso
em 15 de outubro de 2007 às 23h50min.
204
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 170.
79
circunstâncias e dos autores.
205
De acordo com este autor, a polícia civil também conta com a inegável
falta de apoio por parte do poder público, no tocante a ausência de investimentos
técnico-operacionais quanto em termos de efetivo humano. No entanto, a grande
tônica da organização polícia civil deve ser a responsabilidade voltada para a
comunidade. Corresponde à definição de preocupações que comprometem a
autoridade policial com a repressão ao crime e à criminalidade que acometem os
cidadãos (...)”.
206
Nesta esteira para que a polícia civil desempenhe com eficácia o seu papel
frente à sociedade, mister é que esta se ache organizada dentro de um sistema,
um conjunto policial judiciário operacional”
207
dotado de uma estrutura básica e
lógica e auxiliado pelas delegacias especializadas em determinados tipos de
crimes. A organização se dá, portanto, dentro de uma circunscrição territorial,
normalmente dividida por regiões e denominada distrito policial sendo ainda
composta pelo delegado de polícia e os demais policiais civis (agentes e
escrivães).
Conta ainda com o apoiocnico-científico com destaque para a figura do
médico legista, do perito criminal e do papiloscopista. Esses profissionais
conduzem a perícia criminal sobre crimes violentos, realizam o levantamento
minucioso de microvestígios, utilizando também de fotografias de vítimas
mutiladas em acidentes ou massacradas por agressões. São situações que por
não darem qualquer ibope para políticos e governantes, conduzem a perícia
criminal sem verbas e recursos financeiros, o que acaba por dificultar ainda mais
a ação das polícias civis na elucidação dos delitos.
Nessa toada, interessante também é pontuar a ação da polícia civil quanto
o combate ao tráfico de drogas. Sabe-se que além de preocupante, é crescente a
toxicomania dentro dos estados da federação brasileira e é, ou pelo menos deve
ser de interesse dos governantes juntamente com a sociedade, auxiliados pelas
205
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.317.
206
BROCHADO. João Manoel Simch. Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.323.
207
BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.323.
80
autoridades policiais, o cerco ao narcotráfico.
No entanto, as evidências mostram que não basta uma ação corriqueira
em que o tratamento dispensado ao narcotráfico se conforme aos demais
ilícitos penais. É necessário um destaque e diferenciação a este crime, dando-lhe
universo próprio. Para isso, os estados deverão adotar metas de repressão e a
própria estrutura policial deverá ser adaptada à necessidade de integração e
objetividade.
208
Um fator de grande importância para a atuação das polícias civis e que
não gera benefício somente a elas, mas a todo o sistema criminal, são as
informações obtidas através do registro da ocorrência policial. No Brasil, a
reunião de todos os dados decorrentes desse registro servirá como fonte
alimentadora de informações necessárias à administração da segurança pública.
Não obstante, necessário será efetivar a padronização dos formulários de
registro, o que permitirá além de uma linguagem unificada e objetiva, a
consubstanciação de estatísticas diversas. (...) não causará melindres na
consciência federativa pois estará a serviço da integração de dados em benefício
da polícia como instituição nacional, lato sensu , e, particularmente, da
administração da segurança pública em todo o país”.
209
3.5 Abuso de poder no âmbito da polícia civil
Por conseguinte, fator não menos importante a ser aduzido neste trabalho
é também o abuso de poder cometido por policias civis no exercício de suas
funções. Corriqueiramente a mídia tem noticiado acerca destas situações, mas
nem sempre a sociedade fica sabendo o desfecho da cena. Alguns exemplos
seguem abaixo:
Cópias de boletins de ocorrência de mortes violentas registrados pela
Polícia Civil de São Paulo entre os últimos dias 13 e 19 foram entregues
na tarde desta sexta-feira ao Ministério Público Estadual, conforme
208
BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.336.
209
BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.340.
81
pedido anterior. As mortes ocorreram durante a onda de violência
promovida em vários pontos do Estado pelo PCC (Primeiro Comando da
Capital). Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública, entre os
boletins estão 123 casos de suspeitos de envolvimento nos crimes
mortos durante confrontos com a polícia; 41 referentes às mortes de
agentes de segurança, policiais civis e militares, guardas municipais e
agentes penitenciários; e 23 sobre mortes de presos em motins. Com os
boletins, a secretaria cumpre dois dos três itens solicitados pelos
promotores do Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo
da Atividade Policial) na terça-feira (22). Na noite de ontem (25), a
secretaria havia encaminhado cópias dos rascunhos de 130 laudos
periciais do IML (Instituto Médico Legal) sobre as mortes ocorridas no
mesmo período.
O objetivo do Ministério Público é apurar se houve abuso de poder por
parte dos policiais na repressão à onda de crimes.
210
quem concorde com Álvaro Lazzarini quando este autor afirma que a
violência a cargo da polícia civil acontece nos porões, nas chefias de
investigadores, durante os interrogatórios e longe das vistas públicas,
evidenciada até mesmo no inquérito policial.
211
É o que ponderarem também José
Carlos Dias e Luís Francisco Carvalho Filho:
O indiciamento passou a ter a conotação de uma condenação pública. O
reconhecimento posterior da inocência afirmado pelo Judiciário não tem
mais repercussão, é incapaz de apagar da memória a condenação
policial anterior. O indiciamento marca a pessoa com cicatrizes que
nenhuma sentença absolutória tem o poder plástico de apagar de sua
alma e do seu nome. Pelo erro policial, permanece impune o julgador
sem toga. O inocente, assim reconhecido pelo julgador togado, não
recebe, pela lesão sofrida, nenhuma reparação moral e material por
parte do Estado. Se a Constituição garante a inviolabilidade da vida
privada, da intimidade, da honra e da imagem, se estabelece a
presunção de inocência até o julgamento final do processo, é
indispensável que seja cumprida. O indiciamento, por exemplo, é uma
ato sem previsão expressa na lei, e a Polícia criou um cerimonial que
objetiva humilhar a pessoa e invadir seu mundo íntimo.
212
O abuso de finalidade no âmbito da polícia civil se devido a alguns
fatores notadamente expostos neste trabalho como, por exemplo, a
característica vaidade individual de grande parte dos policias, pelo fato de
ocuparem posição social de autoridade e, portanto, notório poder e respeito. Mas
também outros fatores que na argüição de Álvaro Lazzarini possuem peso
210
FOLHA ON LINE/ Cotidiano. (MANZINI, Gabriela.) Secretaria entrega boletins da polícia civil ao
Ministério Público. Disponível em http://folhaonline.com.br/cotidiano. Acesso em: 16 de outubro de
2007 às 21h28min.
211
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 173.
212
DIAS. José Carlos e CARVALHO. Luís Francisco Filho. Quando a polícia julga. São Paulo: Folha de
São Paulo/Tendências/Debates. Domingo 11 de fevereiro de 1990, p.03.
82
considerável nesta esteira:
Tudo, isso, aliás, está aliado à fragilidade dos instrumentos hierárquicos
e disciplinares do órgão policial civil, o que, na realidade, dificulta mais
ainda o controle de tais desvios funcionais, malgrado o reconhecido
esforço de setores especializados da Polícia Civil em contê-los. Essa
fragilidade hierárquica e disciplinar, igualmente, torna a corrupção mais
desenfreada.
213
Coaduna com este posicionamento, João Manoel Simch Brochado e
acentua que a idéia de disciplina deve fazer parte da consciência do policial,
quando este completar a formação e fizer sua escolha profissional em virtude da
necessidade de obediência e ordem em momentos críticos de ação e risco. Assim
como a hierarquia que define as responsabilidades de comando ou direção dentro
das corporações, dinamizando a estrutura organizacional de maneira objetiva e
eficaz.
214
Este autor acrescenta ainda outros fatores de extrema relevância para o
entendimento das ações abusivas por parte de policiais, sem qualquer intenção
de justificá-las, mas com intuito de puro esclarecimento, dada a necessidade
social de total compreensão acerca do real papel das instituições policiais na
promoção da segurança pública, a saber:
A pressão da criminalidade sobre um sistema criminal desarticulado,
organizações despreparadas para a crise, estruturas ultrapassadas,
efetivos insuficientes, qualificação profissional insatisfatória e, quase
sempre, salários desatualizados. Tudo isso provoca o colapso das
corporações e as compele ao olvido dos valores institucionais.
215
Contudo, mister é o esclarecimento inicial de que não se pode englobar os
policiais em sua totalidade como responsáveis pelo cometimento desenfreado de
abuso de poder. E mais importante ainda é a assertiva acerca do reconhecimento
de que tanto a polícia civil quanto a militar, urgem pela transformação em
instituições modernas, que as permitam obter vantagem nítida em relação à
ação de criminosos.
213
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 173.
214
BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 94-95.
215
BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança
pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 92.
83
Tudo isso, por meio de firmes investimentos de governantes e políticos,
bem como a ação unida e conjunta das instituições policiais. Uma vez que
através da coordenação entre os diversos órgãos de polícia e posterior
aperfeiçoamento de cada um deles será possível enfrentar os problemas que os
norteiam e dificultam suas ações em prol do alcance do estado de segurança
pública tão almejado.
4. LIMITES DO PODER DE POLÍCIA
Todo poder para ser legítimo primeiramente deverá ser legal, ou seja, a
legalidade é a base da atuação de todo agente público. No entanto, não basta ser
legal, pois se assim o fosse, em nome da legalidade, poder-se-ia cometer toda
sorte de atrocidades em detrimento do verdadeiro bem que se procurasse
tutelar, ou seja, o bem comum.
Isto quer dizer que os limites do poder de polícia administrativa são
demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do
indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º)”.
216
Conseqüentemente o poder de polícia não sendo ilimitado, encontra óbice nas
atividades humanas despóticas que ofereçam barreira ao exercício legítimo dos
direitos fundamentais.
Na lição de José Cretella Júnior,a faculdade repressiva não é, entretanto,
ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas
individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis”.
217
Assim como os direitos individuais gozam de relatividade, do mesmo modo o
poder de polícia jamais poderá pôr em perigo bens tutelados ao longo da história
como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização excessiva resultar em
abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do ato de polícia.
Como se vê, o próprio texto legal acentua claras limitações ao poder de
polícia como as referentes às liberdades pessoais (art. 153, §§ e 6º), à
216
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.
135.
217
CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 420.
84
manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa (art. 153, § 22), ao
exercício das profissões (art. 153, § 23), ao direito de reunião (art. 153, § 27),
aos direitos políticos (art. 154), à liberdade do comércio (art. 160).
218
Sob este ponto de vista, compreende-se que a cada restrição imposta ao
indivíduo correspondente poder de polícia administrativa com o intuito de
fazer a Administração obedecida. No entanto, nenhuma autoridade sob a
invocação deste poder tem a competência de anular as liberdades fundamentais
do indivíduo.
5. EXTENSÃO EXCEPCIONAL DO PODER DE POLÍCIA
Em duas situações previstas na Constituição Federal - decretação do
estado de defesa e do estado de sítio, conforme artigo 136, § 1º. , I e artigo
139, III, IV e V, respectivamente - em observância à defesa do Estado e das
instituições democráticas é admitida a possibilidade de extensão do poder de
polícia.
219
Note-se que no estado de defesa conforme artigo acima mencionado a
possibilidade de restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência,
sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas. No estado de sítio, além
dessas, decorrem ainda restrições à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão bem como à inviolabilidade de domícilio.
220
Sob esta ótica, relevante é atentar para o fato de que mesmo em
situações de crise declarada como essas, os atos praticados continuam
submetidos ao direito e em qualquer circunstância, os direitos fundamentais
devem ser respeitados. É do próprio texto legal, o vocábulo restrições e não
abolição como aduz Odete Medauar em clara observação.
221
218
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 194.
219
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 340.
220
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 340.
221
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 340.
85
6. CONCLUSÃO
O poder de polícia difundido e executado nas diversas esferas
administrativas é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para, em
casos de necessidade, conter a ação individual abusiva em favor da coletividade,
buscando com isso manter a ordem e garantir à sociedade como um todo um
estado de segurança pública.
A expressão “poder de polícia” tem origem na jurisprudência norte-
americana e advém do inglês police power. É tida como bastante moderna e
após ter sido criada em país de língua inglesa, expandiu-se pelo direito público
de todo o mundo, inclusive para a realidade brasileira, presente na legislação, na
doutrina e na jurisprudência. É chamado, então, de poder de polícia a
prerrogativa da Administração de impor limitações à conduta individual do
particular em prol do bem comum.
No entanto, este poder da Administração passou por várias etapas ao
longo da história - o que o fez adotar a face correspondente de cada época -
para então chegar à sua concepção atual, ou seja, a do estado de direito, no qual
sejam assegurados os direitos e liberdades dos cidadãos propostos em Lei, de
maneira que o exercício do poder de polícia não seja mais do que o definido
como suficiente à garantia da convivência pacífica da coletividade.
A partir disso, a evolução do poder de polícia ao longo da história norteou
sua execução nos dias atuais e permitiu a consagração de um Direito
Administrativo estruturado e embasado em princípios basilares à atuação da
Administração Pública, que procura contrabalancear, de um lado a garantia de
efetivação plena dos direitos individuais almejada pelo cidadão, e, de outro, a
contensão desse mesmo direito quando seu exercício individual venha sobrepujar
o coletivo.
Fator deveras importante na consolidação de exercício do poder de polícia,
foi a influência da Igreja como instituição forte e determinante do pensamento
do homem. Ora aliada ao Estado, na figura de seu governante, ora em
divergência com este, uma vez que a busca pelo poder era a linha divisória entre
86
a coexistência pacífica desses dois sustentáculos da sociedade, o anseio ao bem
comum foi o elo que, além de justificar o exercício do poder de polícia, norteou o
ponto convergente entre Estado e Igreja.
Em sentido amplo, o poder de polícia se expressa por meio de atividades
que abrangem os Poderes Executivo e Legislativo. Ou seja, através de atos
normativos, que são as leis, as quais criam limitações ao exercício dos direitos
individuais e também por meio de atos concretos ou operações materiais como,
por exemplo, os decretos, resoluções, portarias e instruções.
Sob este aspecto, é importante ainda acentuar a diferença entre polícia e
poder de polícia, uma vez que os dois institutos são objetos de dúvida
costumeira. A polícia é uma realidade, algo em ato enquanto o poder de polícia é
uma faculdade da Administração, uma potencialidade, algo em potência e
legitima, por exemplo, a ação da polícia e a sua própria existência.
O poder de polícia tem ainda como características a discricionariedade, a
auto-executoriedade, a coercibilidade e o fato de corresponder a uma atividade
negativa. A discricionariedade é a livre escolha por parte da Administração da
melhor oportunidade e conveniência para exercê-lo. A auto-executoriedade é a
faculdade de a Administração, de decidir e executar diretamente sua decisão por
seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. Ligada às citadas, tem-se
a coercibilidade como imposição coativa das medidas adotadas pela
Administração, uma vez que todo ato de polícia é imperativo e, o fato de o poder
de polícia ser uma atividade negativa, ou seja, está situado na face autoridade,
atuando, dessa forma, por meio de prescrições, ao contrário do serviço público
que opera por meio de prestações.
Devido à Administração se difundir por todos os aspectos da vida social, e
sendo o poder de polícia um instrumento do poder público para controlar os atos
individuais das pessoas em benefício da coletividade, este também se insere e
dissemina seu exercício de maneira vasta e ampla.
Por isso, o âmbito de atuação do poder de polícia é extremamente
abrangente. Manifesta-se em diferentes campos e incide por diversos setores da
87
sociedade, desde, por exemplo, aos aspectos referentes à segurança das pessoas
e seus bens, saúde e convivência pública, como à preservação do meio ambiente
natural e cultural, de gêneros alimentícios e ainda no combate ao abuso do poder
econômico.
Neste contexto, o poder de polícia fundamenta-se na supremacia do
interesse público sobre o particular, ou seja, no interesse que o Estado dentro de
seu território exerce sobre pessoas, bens e atividades; legitimado pelas normas
constitucionais e de ordem pública, as quais oferecem oposição e restrições ao
anseio individual em favor da coletividade, incumbindo ao poder público o seu
policiamento administrativo.
Por tudo, é possível conceber que a finalidade do poder de polícia delineia-
se na proteção do interesse público em seu sentido mais amplo, compreendendo-
se como amplitude, desde os valores materiais ao patrimônio moral e espiritual
do povo, expresso na tradição, instituições e aspirações nacionais.
Para tanto, o poder de polícia tem como pressuposto a ação preventiva,
pois através de uma maneira antecipada de agir é possível à força policial
imprimir meios capazes de se adiantar a situações de perturbação contra a
ordem pública. Isso significa a possibilidade de que essa ordem venha a ser
novamente atingida sem que seja necessária a concretização do ato perturbador
outrora vivenciado.
Sob esta égide, a ação preventiva do poder de polícia é de notória
importância, uma vez que toda atividade policial deve ser primeiramente
preventiva e, portanto, terá como função principal a de impedir qualquer motivo
de perturbação atuando de forma repressiva somente em caso de quebra da
ordem pública.
Ressalte-se ainda que o poder de polícia deve ser mensurado com base
nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, os quais visam juntos
assegurar que as ações administrativas sejam elas dotadas ou não de
discricionariedade, venham a acontecer de maneira que o poder público atinja o
fim do bem comum e possibilite a convivência harmônica dos administrados,
88
desde que isto se dê de forma equilibrada, portanto, legítima.
Não obstante, é necessário acentuar que para ser legítimo o poder de
polícia, além de ser legal, conta com limitações, as quais são demarcadas pelo
interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo
assegurados na Constituição da República.
O poder de polícia da Administração se traduz, então, como mecanismo
que visa assegurar o exercício das liberdades oferecendo condições para que
dentro da legalidade e moralidade, agentes públicos no caso concreto ofereçam
limites a essas mesmas liberdades quando elas fugirem da situação de ordem
necessária à convivência coletiva saudável.
Dessa forma, como os direitos individuais gozam de relatividade, do
mesmo modo o poder de polícia jamais poderá pôr em perigo bens tutelados ao
longo da história como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização
excessiva resultar em abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do
ato de polícia.
89
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