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Negra Rosa & Outros Poemas -
José Neres
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
JOSÉ NERES
NEGRA ROSA
& OUTROS POEMAS
edição digitalizada para internet
São Luís
2010
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
JOSÉ NERES
NEGRA ROSA
& OUTROS POEMAS
1ª edicção – 1999 (papel)
2ª edição – 2003 (papel)
3ª edição – 2010 (digitalizada)
São Luís
2010
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
© todos os direitos reservados para o autor
José Neres
Está permitida a cópia eletrônica ou física do conteúdo parcial ou
integral deste livro, desde que sejam resguardadas as regras do
direito autoral e que a fonte e o autor sejam citados
Digitação e diagramação
José Neres
Capa
Marcone Lima
Contatos com o autor
joseneres@globo.com
www.joseneresblogspot.com
www.joseneres.kit.net
Neres, José (1970
-
)
Negra Rosa & Outros Poemas ; José Neres. São Luís. Edição digitalizada para
internet, 2010.
75p.
1 Literatura maranhense – Poesia I. Neres, José. II. Título
CDU: 869.0
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Teus poemas, não os date nunca...
Um poema
Não pertence ao tempo...
(Mário Quintana)
Caminhos não há
Mas os pés na grama
Os inventarão.
(Ferreira Gullar)
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho
(Mário Quintana)
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Para a minha família
Especialmente para
Lindalva,
Gabriel
&
Laura
Para
Luís Bartolomeu Ferreira
(em memória)
Para meus amigos:
Nilson Campos
Dino Cavalcante
Nonata Pontes
Nonato Marreiros
Geusiléia Pinto
Tânia Arruda
Dimitri Castelo Branco
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
COMENTÁRIOS PARA ESTA EDIÇÃO
Negra Rosa & Outros Poemas é meu primeiro livro. Em 1999,
resolvi remexer os papéis velhos e publicar um trabalho. Como quase
todos os escritores novatos, decidi optar pela poesia. Não que eu me
sentisse poeta. Na verdade, o não ser poeta é uma das minhas
certezas.
A princípio, a ideia era escrever um livro inteiro com um
longo poema que mostrasse a saga de Rosa, a negra que dava sua
vida para libertar seus irmãos da senzala. Mas o fôlego foi embora e a
história da escrava se resumiu ao poema que dá nome a este livro.
Para compor o restante do volume, recorri a alguns poemas perdidos
entre outros papéis nas gavetas. Peguei o poema A um menino de
rua, com o qual eu havia conquistado uma menção honrosa e um
título de honra ao mérito no Rio Grande do Sul, em um concurso
promovido pelo Instituto da Poesia Internacional. Juntei mais alguns
poeminhas e montei o livro.
Eu não tinha a menor noção de como seria a capa do livro.
Mas tive a sorte de conhecer o pintor e artista plástico Marcone Lima,
que, após ler o poema, perguntou se podia fazer a capa. Não poderia
sair melhor. Com poucos traços, ele compôs o perfil do rosto da Rosa.
A suavidade do desenho me encantou desde o início. Estava pronta a
capa!
Nunca fiz lançamento do livro. Ele apareceu discretamente e
desapareceu de forma também discretíssima. Alguns anos depois,
recebi a incumbência de preparar uma segunda edição, que também
não foi lançada, pois fiquei apenas com uns cinco exemplares. Todos
os outros foram adquiridos por um órgão público de outro estado.
Depois disso, fiquei sabendo que a Negra Rosa era analisada em
colégios e universidades. Embora houvesse várias pessoas que
desejavam ver o livro novamente editado, resolvi abraçar outros
projetos e deixar a confecção de poemas para aqueles que têm
talento para isso.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Agora, depois de mais de uma década da aventura inicial pelo
mundo das letras, decidi ressuscitar a obra, não da forma
convencional, mas sim de forma digitalizada, disponibilizada para
quem quiser lê-la. Mantive o máximo possível o projeto inicial, mas
algumas partes foram alteradas, pouquíssimas na verdade. Nada que
descaracterizasse o volume impresso.
Hoje olho para trás e vejo que realmente nunca fui nem serei
poeta. Mas inúmeros pedidos de amigos que queriam ler ou reler este
primeiro trabalho e que não sabiam onde consegui-lo, fizeram-me
repensar a ideia. Eis que a Negra Rosa ressurge, novamente sem
lançamento, mas pelo menos com a certeza de que hoje ela não é
mais uma total desconhecida, nem uma anônima no meio da senzala
cultural que ainda prende nosso povo com as correntes da ignorância.
A tecnologia e o mundo virtual dão neste momento sua carta
de alforria a essa mulher que tanto lutou contra a escravidão.
Aos hipotéticos e virtuais leitores, que resolverem copiar o
arquivo para seus computadores, deixo meus agradecimentos e o
desejo de uma proveitosa leitura.
José Neres
São Luís, 29 de março de 2010.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
O Sinhô foi açoitar
Sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
E tirou o cabeção.
De dentro dele pulou
Nuinha a negra Fulô
NEGRA ROSA E O TOURO
ENCANTADO
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
I
A PROFECIA
Um dia linda negra aqui virá
Para livrar seu povo da escravidão.
Moça virgem, o céu merecerá
Pois ela ao prazer sempre dirá não.
Touro encantado aqui enfrentará
Nua, com punhal de prata não mão.
Poderá para sempre se calar
Mas livrará do tronco seu irmão.
A luta só terá um vencedor
E a negra só poderá vencer
Se realmente toda virgem for.
Mesmo assim, algo pode acontecer
E tudo, tudo cedo acabar
Sem a palavra se realizar.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
II
ENTRE MÃE E FILHA
Filha minha, filha minha,
Chega perto desta velha.
- Cá estou, doce mãezinha.
Então me dê tua mão
Quero dúvidas tirar...
- Farei tudo que mandar.
Escuta o que vou dizer.
Escuta com atenção.
Depois responda pergunta
Que tenho que te fazer.
- Nada tenho que esconder.
Melhor assim, mi’a criança.
Nada, nada aqui esconda,
Que tu é desse povo
Toda última esperança.
...............................................
- Esta pausa, qual a causa?
Filha senta aqui bem junto,
Que vou direto ao assunto.
Mais junto, junto ao meu pé.
- Como minha mãe quiser.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Tu já viu, m’a filha Rosa,
Como tu tá tão formosa?
Teu peito tá bem cheio
E duro de fazer gosto.
Sei também que já no agosto
De tuas partes brotaram
Sangue vivo de mulher.
- Sim. Isso verdade é.
Não tem negra na senzala
Com mais bela fala
Que a tua. Nem sinhá
É mais formosa que tu.
Tua anca é mais roliça,
Tua coxa mais maciça,
Teu passo é o mais leve,
Tua cintura, a mais breve
E tu não tem tanta idade.
- Sim,. É a pura verdade
Rosa, minha filha Rosa!
Tão bonito é teu nome!...
Me responde sem mentir:
Já te tocou algum homem?
- minha mãezinha, não tema,
Homem só vai me tocar
Quando a senzala acabar.
Então tu ainda é virgem?
- Sim. Com a lei me exige.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
III
FALTA A PROTETORA
Sinhá morreu!
Morreu sinhá!
Morreu chorando
Só de penar.
Muito sofreu
A coitadinha.
Está no céu
Nossa madrinha.
Lá ela se
Bela rainha.
Mas o sinhô,
Agora só
E sem temos
Logo achará
Um novo amor.
Já ordenou
À negra Rosa
Que se perfume,
Fique cheirosa.
Sinhô viúvo
Agora é.
Está sozinho,
Pede mulher.
“Sinhá! Por que
Morreste já,
Deixando Rosa
Sozinha cá?”
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Ali vem Rosa
Com rosto triste.
“Oh, linda Rosa,
Não vai, resiste!”
Mas o patrão
Muito do bravo
Sem pena surra
Pobre escravo.
Que linda está
A negra Rosa.
Pele macia,
Carne cheirosa,
Roupa branca
Protege o corpo
Da jovem franca
De corpo virgem.
Colar de prata
Rubi e ouro
Tenta comprar
Lindo tesouro.
Coxas roliças
Cintura estreita
Seios eretos
Quadris perfeitos
Lábios carnudos,
Dentes escondidos,
Olha nublado
No ar perdido.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Ia assim Rosa
Para o mau braço
Que ameaçava
Com chicote e aço.
Cama marcada...
Cheiro da dona...
De Mãe-Sinhá
Estava o aroma.
Mão rude e grossa
As vestes tira,
A pele roça,
Rosa machuca.
A linda moça
Só de dor geme,
E do Sinhô
A perna treme
Chega à senzala
Grito de dor.
É que na alcova
Morre o Sinhô.
Rosa inda virgem,
Se veste e sai,
Agradecendo
Ao sempre Pai.
Pois do patrão
No afã do gozo
De moça nova
Ter junto à mão,
Não resistiu,
Logo parou
O coração.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
IV
O FILHO
Rosa, linda Rosa
Pela força posso
Agora te ter.
Só te possuir
Não quero porém
Só teu quero ser.
Rosa, linda Rosa,
Terras, ouro, prata,
Tudo posso eu dar
Para o teu amor
Ao meu lado ter
E teu corpo amar.
Quando o pai morreu,
Estudos deixei
Para vir matar
A vil feiticeira
Que fez coração
Dele rebentar.
Minha linda Rosa,
Quando aqui cheguei
Um ódio gritava
Clamando vingança
Ao corpo delgado
Que homens matava.
Mas quando te vi,
Rosa, linda Rosa,
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Meu sangue gelou,
E quem odiava
Pela vez primeira
Conheceu amor.
Agora aqui venho
Meu amor trazer
Para ti, querida,
O que já foi meu
Não mais me pertence,
Toma: minha vida.
Rosa, linda Rosa
Diz alguma coisa,
Solta tua voz,
Dá-me um parecer
E, depois, deixe-me
Ficar bem a sós.
Fala, linda Rosa,
Fala,meu amor.
V
A RESPOSTA
Oh! Tão bom é o senhor
Que com gosto aceitaria
Para sempre sua ser.
Mas meu destino traçado
Há muito tempo está
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Homem nenhum vai me vai ter
Enquanto escravo existir.
Eu sou dona nesta terra
De uma grande missão:
Matar touro encantado
Que vem de Portugal
Aprisionar meu irmão.
Se o senhor da história
Não sabe, eu vou contar
Tudo o que aconteceu.
Faz muito tempo um rei
Chamado Sebastião
Numa batalha morreu
Deixando o reino sozinho
Aos gostos e nova lei.
Mas o corpo não foi achado.
O rei Dom Sebastião
Na batalha não morreu,
Virou um ser encantado
Que sempre tenta voltar
De sua eterna prisão
Pra novamente reinar
Nas terras do coração
De onde foi arrancado
Para uma guerra lutar.
Mas tem um touro encantado
Que na noite de lua cheia
Com as estrelas a brilhar
Na testa do bom rei
Encantado sem descanso
E sem trégua vigiar
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Então é preciso moça
Virgem com punhal de prata
Ao touro enfrentar
E só na estrela da testa
O punhal de prata todo
Sem piedade enfiar.
Eu sou, senhor, a mulher
Que ao touro matará
Pra que Dom Sebastião
Possa Portugal salvar
Da pobreza cruel e
Pôr fim á escravidão.
Para isso, meu bom senhor,
Sua não poderei ser.
Tenho que virgem ficar
Pra ver o touro morrer.
VI
OURO E PRATA
Linda negra Rosa,
A religião
Mudar não posso.
Não posso ter teu
Belo corpo não,
Mas posso viver
No teu coração.
Toma ouro e prata
Salva teu irmão.
Sei o que é viver
Em escravidão.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Adeus! Vou embora.
Não volto mais não.
Leva prata e ouro
E meu coração.
Quem já foi escravo
Do olhar teu não
Pode ser patrão...
VII
PUNHAL E LUA CHEIA
Prata de branco punhal virou
Tudo o que faltava chegou
O banho Rosa foi tomar
A lua cheia já vai chegar
O povo o canto já entoou
Bem forte e perto soa o tambor
Pega o punhal de prata co’a mão
E o beija cheia de emoção
O povo da senzala todo chora
Todos sabem que é chegada a hora
Rosa parte rumo ao destino
E a moça de tão tenra idade
Busca pra seu povo a liberdade
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
VIII
A REALIZAÇÃO
Um dia, linda negra apareceu
Pra livrar seu povo da escravidão.
Moça virgem, todo o céu mereceu
Pois soube ao prazer sempre dizer não.
Touro encantado na praia enfrentou
Nua, com punhal de prata na mão,
Todo o seu lindo corpo mutilou,
Mas livrou da senzala seu irmão.
Estrela na testa punhal cravou
E moça virgem na areia caiu,
Soltou último gemido de dor,
Mas não lhe foi dada data civil,
Pois no mesmo dia a princesa assinou
Lei libertando o negro do Brasil.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
As crianças estão com fome
Como os vira-las das sarjetas...
As crianças ainda estão com fome
Com as crianças da minha infância.
(Alex Brasil)
A UM MENINO DE RUA
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
I
Menininho triste
Triste de tanto sofrer
Será que nunca viste
O sol cedo nascer?
Garoto cor de neve
De neve negra e quente
A alguém você deve
A tristeza de ser gente.
Menino que passa fome
Fome de saber
Aprende a ler teu nome
Para nunca dele esquecer.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
II
as costelas riscando as costas nuas
que trazem as marcas da fome feroz
fome não só de alimento
mas de carinho compreensão amor
as pernas finas são movidas pelo medo
que aterroriza as noites frias
os braços longos e descarnados
mostram marcas dos prazeres
em forma de algumas gotas
de veneno comprado como se fosse mel
os pés descalços rudes retratam
sem pudor os lugares por que correram
as pernas trêmulas de fome
a cabeça viaja em busca de sonhos
perdidos de dias melhores
costelas fomes brigas et coetera
tudo isso e muito mais faz a vida eterna-
mente vazia
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
III
dorme nas ruas desertas
em companhia de animais
(ou coisa pior)
mata a sede ou morre de sede
mata a fome ou morre de fome
mata o home ou é morto pelo homem
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
IV
estudos não conhece mas o mundo
conhece pela cultura de um deus
concretário
um deus a quem não obedece
um deus a quem faz obedecer
a faca é seu deus
o canivete é seu deus
o revólver é seu deus
qualquer arma é seu deus
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
V
seu inimigo natural: a Lei
só uma coisa é mais perigosa para ele
que a Lei: o seu irmão
como guias dedicados tem dois:
a morte e o perigo
esportes? Matar roubar violar
esportes de sangue
de sangue vermelho
de sangue humano
seu prazer é vê-lo correr
pelo asfalto tingindo o solo cinza
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
VI
sujeito agente e paciente da violência
pobre violado rude violador
inocente culpado culpado inocente
réu juiz promotor carrasco
executor da própria lei
lei cruel sangrenta sem lei
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
VIII
Pobre garoto
pobre garoto
tão pobre e roto
só de sofrer
só de sofrer
do lado esquerdo do direito lado
a sombra do medo um grito calado
envolta em dor de puro terror
morte sem ver... morte sem ter...
pingo de amor
e teu destino
pobre menino
sabes qual é
Morte bem triste
Morte qualquer
Morte sem grito
Morte sem fé
Morte sem choro
de uma mulher
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Deixa tua alegria aos seres brutos,
Por que, na superfície do planeta,
Tens um só direito: - o de chorar.
(Augusto dos Anjos
)
DEZ SONETOS
DESESPERANÇADOS
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
UM
Mais de mil sonetos falam de amor,
Dez mil idolatram a solidão,
Mas estes meus têm outro sabor,
Sabor de fome medo e podridão.
Os meus versos dão muito mais valor
Às lágrimas suadas pela mão
De um pobre e sofrido trabalhador
Que às gotas perfumadas da paixão
Eu não posso cantar sobre uma flor
Se, no mesmo jardim, no mesmo chão,
O que mais brota é dor e aflição
Eu, como posso escrever sobre amor
Se neste momento co’exatidão
Um irmão, sem pena, mata a outro irmão.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DOIS
Ele, filho da estúpida Inflação,
Vaga, triste e roto, pelo caminho
Seco, agreste de amor e carinho,
Onde só brota fome e decepção
Mas no seu penar nunca está sozinho.
Será que segue com ele um irmão?
Não! Não! Muito mais... perto de bilhão
De pobres seguem bem devagarinho
Em busca d’água e pedaço de pão,
Pra enganar fome do magro filhinho
Que soluça chora e geme baixinho.
Já tem no cerne a dor da inanição,
Gordo presente da vó Inflação
Que nina o neto já tão friozinho.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
TRÊS
No meio da rua um trapo imundo,
Pedaço de pano jogado ao léu,
Monte de lixo debaixo do céu,
Restos humanos, pedaço do mundo
E pela rua passa muita gente
Apressada, sem tempo para nada.
Cada qual vai para sua morada,
Ninguém vê o lado, segue sempre em frente.
Aos poucos, vai o sol, vem o luar
Chorando sobre duas pedras frias
E muito pouco, muito pouco resta lá.
E, sobre pedras, velas se consomem
Queimando restos de dores sombrias.
Dentro dos trapos jaz um corpo de homem.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
QUATRO
As esperanceiras estão murchas;
A última rosa já morreu
Já não existe mais alegria.
Não mais me pertence o que era meu
Até a terra em que eu vivia,
O casebre onde meu pai nasceu
Desde agora já não mais são
Não mais me pertence o que era meu.
Casas carros mulheres dinheiro ...
Tudo já tive, hoje nada é meu,
Pois tudo o meu ser hoje perdeu.
Só minha dor restou, nada mais;
Porém a dor que mais me doeu
Foi saber de que eu não sou mais meu.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
CINCO
A tristeza de pobre não tem rosto
De artista de cinema ou de postal
De pontos turísticos. Tem , sim, gosto
De esperança cortada com punhal,
De feriado em dia de Domingo,
De dor de dente, comida sem sal.
Sofrimento de pobre bate em bingo,
É certo, cruel, dolorido e real.
Pobre sofre, sofre e nunca tem nome
É sempre um zé ou fulando de tal.
É um guerreiro, luta contra a fome.
Fome: inimiga feroz e mortal,
Mercadoria que não se consome,
Que não sai em coluna social.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
SEIS
Uma dor preenche todo o meu ser
Quando passeio por minha cidade
E vejo uma podre realidade
Desde Pantheon até Reviver:
Famélicas crianças na orfandade
Social lutam pelo sub-viver,
Mãos que pedem, roubam para comer
Restos de fétida sociedade,
Grande fábrica das humanas dores
Que vem mascarada por tanto nome
E muitas tintas de todas as cores
E, mesmo num largo chamado Amores
Choro, vendo nossos futuros homens
Cheirando cola pra sufocar dores.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
SETE
A solidão é a única irmã
Daquele velho que vivo apodrece
Nos guetos do mundo, mas não esquece
O doce ácido da velha maçã,
Nem todos os dias fazer sua prece
Plena de dor e de esperança vã,
Pedindo aos céus um novo triste amanhã
Livre das dores que o corpo esmorece.
Mas tem a certeza de que o espera
É uma fila – insuportável fera
Que cresce, cresce e que sempre tem fome.
Fila – a fera que o milagre opera
De do velho transformar a quimera
Em grande monte de dores sem nome.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
OITO
Vêem alguns do poeta-cantor
A estátua entre belas palmeiras;
Outros, aquela flama derradeira
Do sol do mar em pesado torpor
Tão cheio de poesia e de amor
Oculta a Ilha as visões verdadeiras
De coisas tão torpes, vis rasteiras
Que, à tona, causariam terror.
Olhos cegos, em miradas primeiras
Vêem rapaz rico, moças solteiras;
Palmeiras, flores, sabiás, amor...
E os meus, que tão míopes sei que são,
Só veem drogas, fome, solidão,
E gente chorando um pranto de dor.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
NOVE
Na rua do Sol um menino há
Cuja pele de tanto frio treme,
Lá na rua dos Prazeres está
Uma velha que de tanta dor geme.
A rua do Egito leva ao mar,
Que lava o sangue que sai da Alegria
Depois d’Alecrim e Horta irrigar
E no Ribeirão lavar novo dia
Cujos dejetos no mar vão parar.
Mas isso bem pouco te diz.
Que te importa todo o povo a chorar,
Se tu, em nossa bela São Luís,
Depois de teu suculento jantar,
Fechas os olhos... dormes... és feliz?
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DEZ
De dores, fomes e angústias falei,
Arrancando tudo do coração,
Muito males ainda deixei
Perdidos no limbo da escuridão,
Onde não reina alegria nem lei
Mas somente tristeza e podridão.
E nesse lugar não mais mexerei
Com medo de nova desilusão.
A dúvida fica se algo acertei
Ao longo desta breve exposição,
Mas, como diria lendário rei:
- Nem tudo está errado não,
Já que mesmo o relógio que quebrei
Duas horas marca co’exatidão.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
O poeta sozinho
Perde-se na dor
E o poema é o caminho
Que o leva aonde for
(José Chagas)
OUTROS POEMAS
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
A SEMENTE
Tal e qual o lavrador
Que bem cedo planta uva
E depois colhe limão,
Vou semear Amor
Pela estrada, a cada curva,
Pelo céu e pelo chão,
Para quando mais velho eu for
Colher após uma chuva
Uns ramos de solidão
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
EXISTENCIAL I
Às vezes acordamos
Com a impressão
De que somos
Alguém.
Nesses momentos
Temos a certeza
De que na realidade
O que somos é
Ninguém
Ou talvez
Somente a
Sombra do
Ninguém
Talvez
Um pouco do
Nada
Talvez
Nem nada
Tampouco
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
EXISTENCIAL II
Eu
Que mal me conheço
Tento ensinar filosofia
A um mundo
Que
Apesar de velho
Também nada sabe de si
E mal sabe
Que
Eu existo
Se é que realmente
Existo
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
NO FUNDO DO ABISMO
No meio do caminho,
Nenhuma pedra,
Um abismo
Nenhuma ponte...
No fim do abismo,
Nenhuma pedra, um fim
Nenhum caminho
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DE COSTAS PARA A VIDA
Dou as costas para a vida,
Musa ingrata dos poetas,
Que querem encontrar curvas
Onde só há mesmo retas.
Dou as costas para o amor,
A negação da verdade,
Que abre os olhos pra ficção
Mas é cego pra verdade
Fecho os olhos aos amigos,
Tudo povo interesseiro
Que troca toda amizade
Por um pouco de dinheiro.
Cruzo os braços para abraços
Daquele que o rosto esconde
O qual coragem e honra
Deixou ninguém sabe onde.
Dou as costas para vida,
Dívida falaz e incerta,
E tão cheia de agonia
Que só a morte lhe é certa.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
AS MÃOS DE ONÃ
Tuas calejadas mãos
Da qual a vida escorre
Não tocam a linda pele
Da criança não gerada
Do sangue derramado
No seio daquela noite
Tão longamente esperada
Sob a luz da estrela fria.
Nessas tuas sujas mãos
A vida não brotará
No fogo adubo não gera
Mais que uma crepitação
Teu sêmen no chão também
Não produz felicidade
Onã, teu sangue no chão
Não trará mais esperanças.
Tuas mãos viciadas
Do prazer continuado
Úteros jamais serão
Onã, planta uma semente
Numa carne verdadeira
Colha aquele doce fruto
Que um dia também foste
Com tuas mãos inda puras
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
LUTA POÉTICA
Verso não existe
Mesmo que eu sofra
Mesmo que eu grite
Mas no limite
Do meu limiar
O meu-eu persiste
Uma voz me insiste:
“José, vai, José!
José, não desiste!”
Com o dedo em riste
Agasalho o sol
Em meu pranto triste.
P á g i n a | 49
Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
ORAÇÃO
Protegei, Senhor,
O pobre coitado
Que trabalha sábado
Domingo e feriado
Para ter o pão
Do suor tirado!
Protegei, Senhor,
A pobre mulher
Que tanto já sofre
E não perde a fé
De ter amanhã
Ao menos café!
Protegei, Senhor,
A pobre criança
Que na rua vive
Descalça e de trança,
Com medo e com fome,
Sem fé nem esp’rança!
Protegei, Senhor,
Todo ser humano
Que vive sofrendo
Que vive do engano
De só adorar
O mundo mundano!
Protegei, Senhor,
Nosso governante,
Que tudo promete
Antes, mas durante
P á g i n a | 50
Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
E depois de eleito
Nada mais garante!
Protegei, Senhor...
Mas, principalmente,
Protegei seus filhos
Pobres dessas gentes
Que governam o mundo
Criando indigentes!
P á g i n a | 51
Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
MENORES
Meninos ao mar
Meninos no bar
Meninos sem lar
Meninas ao mar
Meninas no bar
Meninas sem lar
Meninas com fome
Meninas com homem
Meninas sem hímen
Meninos sem nome
Meninos com fome
Meninos com homem
Meninas na rua
Meninas nuas
Ventres de lua
Realidade crua
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
O DIA DA FOME
O dia da fome
É comemorado
Pelo rico obeso
Que quer perder peso
E julga ser fome
Aquele almoço
Bem balanceado
E não quer saber
Como na favela
“Curtindo “ a novela
Uma mulher sorri
Morrendo de fome.
O dia da fome
Não está marcado
Naquela folhinha
Do supermercado
Mas nos olhos fundos
Da triste velhinha
Que sonha um mundo
Melhor pra netinha
Que pede farinha
Pra matar a fome.
O dia da fome
É bastante triste
Porém ele existe
Pra matar o pobre
E louva o nobre
Que dá esmola
À porta da escola.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
No dia da fome
Devemos dizer
Para não morrer:
Sofro porque hoje
É comemorado
Em meu velho estado
O dia da fome...
Ó dia da fome
Odiada fome!!!
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
BOLO CONSTITUCIONAL
Pegar um decreto–lei
Uma lei delegada e uma
Legislação trabalhista.
Adicionar um “lobby”.
Mexer bem e depois
De um recesso colocar
Tudo no forno da burocracia.
Como recheio, muitos acordos
E concessões. Para enfeite,
Muitas emendas e discursos
Prolixos, juntamente com bastante
Demagogia
Resultado:
Reajuste no salário-minimo
Servir no dia 1º de maio.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
PROBLEMA DE TRADUÇÃO
Quisera eu traduzir em versos
o sofrimento do Brasil
o sofrimento do povo brasileiro.
Quisera eu traduzir
a miséria
a fome
a desesperança
a angústia
a letargia
de meu povo.
Mas não posso.
Não há papel suficiente
no mundo para tal tradução.
Quisera eu traduzir em versos
o sorriso de contentamento
a alegria de uma criança
de meu povo
Também não posso.
Não se traduz uma folha
ainda em branco.
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UM DIA ESPECIAL
Um
Dia
Quero
Ter
Sem
Guerra
Sem
Crime
Sem
Mim
Sem
Ti
Sem
Ser
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
SONETO DE LA DESILUSIÓN
Todo lo que sufrí hasta hoy fue por ti,
Cada lágrima minha foi para te servir.
Fue por ti que mi sangre salió de mi vena
E, sorrindo, disse que tudo valia pena
Pues lo más importante era estar a tu lado
E viver como seu eterno apaixonado.
Mismo sufriendo los dolores del alma
Esperava teu amor com toda a calma
Pero llegó el día de mi triste sorpresa
Tu estavas linda, rainha da beleza,
Llena de alegrías tú estabas toda.
Fiquei triste e quieto com minha dor
Porque aquel era el día de las bodas
E o momento da norte de meu amor.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
SONETO-CRIANÇA
Este é apenas um soneto criança.
Um soneto. Nenhuma pretensão
De colocar a menor esperança
No teu já tão sofrido coração.
Um poemeto feito às pressas
Sem se preocupar com figuras
Ou pagamento d’alguma promessa
Ou lembrança das muitas amarguras.
E, lendo este soneto-criança,
Não procures nem sinal de lembrança.
Dor, tu também não a encontrarás,
Porque são apenas catorze linhas,
Paralelas e bem arrumadinhas,
Procurando um pouco de paz.
.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DECLARAÇÃO
Para
Amar-te
irei
até
a Marte
enfrentarei
a Morte
irei
de Sul
a Norte
jogarei
com
a Sorte
para
amar-te
e teu
amor ter
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
VERSOS DE AMOR E SAUDADE
Éramos dois em um só corpo,
Mas a leviana maldade,
Cheia de sentimento pouco,
Veio arrancar, com crueldade,
De mim que me dava calor;
E, depois, num gesto covarde,
Fez-me viver só de saudade,
Saudade do eterno amor.
Chorava agora noite e dia,
Fugia-me a realidade,
Não encontrava mais alegria
Nem mesmo sentia vontade
De da vida sentir sabor.
Só sentia a dor da maldade
Que me fez viver só de saudade.
Saudade do eterno amor.
O tempo foi passando lento,
Lento e sem qualquer novidade
Sem esperança de um alento...
Até que ouvi a voz da verdade
Vinda do céu com uma flor.
Doce voz, com suavidade,
Dizia: “conserva a saudade,
És também meu eterno amor.”
Ofertório
A ti, minha pura deidade,
Mando este dizer numa flor:
“É bom viver só de saudade,
Se é saudade do eterno amor!”
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
LINDA
Dizer que és linda
Como uma flor
Banal já é.
Vejo-te linda
Tão simplesmente
Como mulher.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
PARA O DIA DOS NAMORADOS
Dizem que o amor fora de moda está.
Será brega suspirar pelos cantos?
Ou, de feliz, derramar doces prantos
Ao beijar a namorada ao som do luar?
E será vergonha de amor falar?
E tremer e gaguejar só de espanto
Quando ela surge como por encanto
Pra dizer que te viu no seu sonhar?
Não! Não façamos do amor mil tormentos
Cada gota de amor são sentimentos,
São beijos que respiram emoções.
Se beijar é só os lábios encostar.
O amar é muito mais que um beijar.
Amar é o cruzar de dois corações.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
CANTO DA MINHA CIDADE
Busco uma cidade
Pra fincar raiz
Cidade que pareça
Minha São Luís.
Busco uma cidade
Que tenha uma rua
Que a dos Afogados
A mim restitua.
Eu quero um lugar
Com lugar qualquer
Que me traga à mente
A Igreja da Sé.
Eu quero um lugar
Digno das notas
Do canto dos pássaros
Da rua das Hortas.
Amarei a cidade
Coberta de cores
Que imitem meu belo
Largo dos Amores.
Amarei a cidade
Que apresente mais
Belas mulheres
Que a rua da Paz.
Com toda certeza
Deixarei minh’alma
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Em ponto que valha
A rua da Palma.
Eu, por mais que trema,
Grite, chore ou sangre
Não esquecerei
Minha Rua Grande.
Nenhuma cidade
Quando clareia
Traz a luz que tem
A Ponta da Areia.
Não há mar melhor
Pra matar a mágoa
Que as pálidas fontes
Da linda Olho d’Água.
Busquei, procurei,
Mas não achei não
Fonte mais singela
Que a do Ribeirão.
Procuro, procuro
Mas não hei de achar
Lugar com mais bela
Via Beira-Mar.
Andei por cidades
E paguei pra ver
Conjunto mais lindo
Do que o Reviver.
Tomei consciência,
Tal cidade não há.
Graças a Deus,
Tenho que voltar.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
Sei, não resta dúvida,
Só em São Luís
Serei realmente
Um homem feliz.
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DA MULHER
Sob as curvas sinuosas
Bate doce coração
Que pode amar todo o mundo
Ou esconder solidão
O DERROTADO
Já nem a luva mais visto
Para a batalha lutar
Hoje da vista desisto
Antes de ela começar.
DA VIDA
Não, eu não trouxe bagagem.
Não moramos nesta vida.
Sou um pobre caminheiro
Que está aqui de passagem.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DA POESIA
Jamais desistir
De tão doce intento
De tornar palavras
As cores do vento.
DAS ARTES
A maior arte consiste
Em traduzir o que pinta
As mãos trêmulas daquele
“Artista” que não desiste.
DA FOME
Eis aí um monstrinho bem infame
Que sempre mata
De forma ingrata
Todo aquele ser que não come.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
DA POLÍTICA
E um homem logo acorda
Do triste sonho infernal.
Vê o cenário do sonho:
O Congresso Nacional
DA MORTE
O sol azul anilado
Logo se torna carmim
Dizendo que o sopro eterno
É um fogo já no fim.
APOCALIPSE DO EU
Não sou imortal, mas não morrerei.
O meu espelho não verá meu fim,
Pois a morte só vencerá meu ser
Quando o eu não mais dominar o mim.
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DA CRIANÇA
Pés pisam as ilusões
Com firmeza de pluma,
Enquanto mãos beijam ventos
Transformados em espuma.
Coração tão forte bate,
Suspirado do peitinho,
Mas, mais forte o choro vai
Embalar sonho vizinho.
A ONDA
Essa onda do mar
Levou-me para sempre o
Desejo de amar.
O FIM
Todo o meu corpo arde.
Nuvem negra sol encobre.
Chega o fim da tarde.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
MEU EPITÁFIO
Nesta cova jaz
Quem muito amou. Mas não foi
Amado jamais.
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
SOBRE O AUTOR
Poucos minutos atrás, eu
estava apagando alguns
arquivos antigos do
computador, quando
encontrei uma entrevista
cujas perguntas me foram
enviadas por e-mail por
alunos de uma das muitas
escolas de nossa Capital. Os
alunos, educadamente,
pediram-me que respondesse
às questões, de preferência no
mesmo dia, mas não disseram
qual a escola em que
estudavam. Também apenas
se identificaram com o
primeiro nome. Ao abrir a
caixa de mensagem, às 22:00
horas, deparei-me com as
perguntas e, como era caso de
"extrema urgência", respondi na mesma hora. Nunca mais entraram em
contato para comunicar qual foi o resultado da atividade, mas pelo menos
enviaram um outro e-mail agradecendo.
Como disse no início, eu ia apagar a entrevista da memória do
computador... Mas resolvi reproduzi-la aqui para quem tiver paciência
para lê-la.
1-Você nasceu em qual cidade?
Nasci na cidade de São José de Ribamar, no dia 17 de fevereiro de
1970. Com alguns dias de vida, fui levado para Brasília e, depois,
para Goiás, onde praticamente fui criado, na cidade de Luziânia,
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Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres
bem próxima a Brasília.
2-Quando você se descobriu poeta?
Para ser sincero, eu nunca me descobri Poeta, nem mesmo me
considero poeta, mas sim apenas alguém que vez ou outra tenta
fazer alguns versinhos. Mas tenho uma excelente relação com a
poesia, ela me ajuda a entender o mundo, ou pelo menos tentar.
3-Você tem livros lançados? Quais são?
Tenho oito livros publicados. O nono sairá no dia 10 de outubro na
II Feira do Livro de São Luís. Os títulos são (1) “Negra Rosa &
Outros Poemas”, que é o primeiro e que tem duas edições
esgotadas; (2) “A Mulher de Potifar”, reunião de duas peças teatrais
de minha autoria; (3) “Versos de Desamor”, um pequeno livro que
trazem poemas sobre desilusões; (4) “Estratégias para Matar um
Leitor em Formação”, livro de caráter mais pedagógico que discute
o papel da escola na formação de leitores; (5) “Restos de Vidas
Perdidas”, um conjunto de contos que mostram a crua realidade das
pessoas; (6) “50 Pequenas Traições”, contos bem cursos sobre
adultérios em todos os sentidos. Além desses seis individuais,
mais dois me parceria com o escritor e amigo Dino Cavalcante, a
saber: (7) Os Epigramas de Artur, um estudo sobre a poesia de Artur
Azevedo; e “O Discurso e as Idéias”, coletânea de estudos sobre
literatura e linguagem em geral.
Participo também de umas nove antologias fora do estado,
escrevi aproximadamente uns 150 (cento e cinquenta) artigos para
jornais e revistas O nono se chama “Montello: o Benjamim da
Academia”, um estudo sobre os bastidores da eleição de Josué
Montello para a Academia Brasileira de Letras, em 1954.
4-Você já participou de festival de poesia. Se sim, obteve êxito ?
Nos moldes desses que temos no Maranhão, o Poemará, nunca
participei, por ser tímido e por não concordar com o tipo de
proposta que é apresentada. Mas participei de Concurso e fui
premiado no Rio de Janeiro (editora Litteris), no Rio Grande do Sul
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(Instituto da Poesia Internacional), Aqui no Maranhão (Prêmio
Odylo Costa Filho, de contos) e novamente no Rio de Janeiro
(Academia Brasileira de Letras)
5-Você se classifica um poeta contemporâneo(em sua forma de
escrever)
Como disse antes, não me considero poeta. Mas quando escrevo
poemas não sigo muito as normas da contemporaneidade. Ainda
gosto dos versos metrificados, dos sonetos, dos Hai-cais e das
estruturas mais tradicionais. Porém, quando escrevo contos, sigo a
linha contemporânea, seguindo o estilo de Rubem Fonseca, Dalton
Trevisan e Marcelo Rubem Paiva.
6-Qual o poeta maranhense o inspirou?
Gosto de ler todos os poetas, não os maranhenses. Mas não tenho
como negar a importância da obra de Ferreira Gullar em minha
formação intelectual. Li tudo o que ele escreveu. Outros nomes a
quem sempre recorro são José Chagas (paraibano que adotou o
Maranhão), Bandeira Tribuzi, Arlete Nogueira e Nauro Machado.
7- A escola de poetas maranhenses esta com uma (safra) boa?
O Maranhão, atualmente, não tem uma escola de poetas”, mas a
safra de novos escritores é boa. Temos sempre novos nomes
surgindo e alguns sobreviverão pelo talento nato e pelas releituras
que fazem das obras de diversos escritores. Bons exemplos disso
são Rosemary Rego, Antônio Ailton, Ricardo Leão, Bioque Mesito
e outros...
8-São Luis ainda é a “Atenas brasileira”?
Não. Isso é coisa de um passado nostálgico e nem teria mais sentido
hoje. O mundo e diferente, bastante globalizado, sem espaço para
essa denominação.
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