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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURAS
MESTRADO EM LITERATURA BRASILEIRA
NOVALIS E ÁLVARES DE AZEVEDO: JOVENS POETAS NO MUNDO
ROMÂNTICO DOS SONHOS
Dissertação apresentada ao
Departamento de Teoria Literária
e Literaturas como requisito à
obtenção do título de mestre em
Literatura Brasileira.
Mestranda: Elaine Cristina Carvalho Duarte
Orientadora: Profª Drª Rita de Cassi Pereira dos Santos
Brasília, 2004.
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª Drª Rita de Cassi Pereira do Santos (TEL/UnB)
Orientadora
_________________________________________________
Prof° Dr Antônio Donizete Pires (TEL/UnB)
Membro
_________________________________________________
Profª Drª Goiandira de Fátima Ortiz Camargo
(Faculdade de Letras/UFG)
Membro
_________________________________________________
Profª Drª. Maria Isabel Edom Pires (TEL/UnB)
Suplente
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3
Agradecimentos
À amiga, professora e orientadora Rita de Cassi pela eficiência e paciência na
orientação e pelo apoio em todos os momentos.
Aos meus pais, Nerci e Miriam, que nem sempre concordaram comigo, mas mesmo
assim sempre estiveram ao meu lado.
Ao meu irmão Junior e tia Ice pelo apoio que sempre me deram em todos os setores da
minha vida.
Ao professor Flávio Kothe pelas discussões filosóficas que tanto me favoreceram.
Às secretárias do TEL, Dora e Raimunda, pela ajuda sempre gentil.
À CAPES pela bolsa de 24 meses que possibilitou a realização dessa dissertação.
Aos meus queridos amigos Preston Souza, Olga Martins, Eduardo Silva, Adriana
Sacramento, Paulo Custódio, Marcus Trindade, Marco Vieira, Renata Romero, José
Geraldo, Isabel Brunacci e Carlos Magno, por terem embarcado comigo nessa grande
aventura que é a literatura.
Às grandes amigas Simone Alcântara, Luana Fialho e seus familiares, pelo cuidado,
carinho e amizade com que sempre me receberam.
À velha e querida amiga Francis Resende por sempre acreditar em mim.
Aos irmãos de coração Ana Paula Corrêa e Márcio Gil de Souza pelo apoio sempre
incondicional e amigo.
À minha vó Maria, por ela fazer parte da minha vida.
Muito obrigada!
4
RESUMO
Esse estudo mostra um dos possíveis diálogos entre os poetas Novalis e Álvares de
Azevedo existente nas obras Lira dos Vinte Anos e Hymnen an die Nacht. A poética de
ambos possui algo em comum: têm como símbolos freqüentes a Noite, o Sonho, a Morte
e a mulher Amada, que quando des-velados revelam ao leitor determinantes do processo
de criação de cada escritor.
Em contraposição ao biografismo a que sempre foi submetida a obra azevediana, esse
trabalho pretende conceber uma nova visão à poesia do romântico brasileiro, mostrando o
lado reflexivo e consciente do autor levando-o ao encontro dos pensamentos idealistas
alemães do século XVIII, que são o cerne da poesia novalisiana.
Os elementos que implicam a aproximação das poéticas desses autores e que mostram
também o distanciamento do poeta brasileiro com relação aos seus contemporâneos são
analisados sob o enfoque das teorias idealistas do filósofo Fichte, de algumas teorias de
Carl Jung e Luc Ferry, sobre o simbólico e também as teorias de Friedrich Schiller,
Friedrich Schlegel.
5
ABSTRACT
This study shows one of the possible dialogues between the poets Novalis and Álvares
de Azevedo presents in the works Lira dos Vintes Anos and Hymnen an die Nacht . The
poetic from both has something in common: they have as frequent symbols – the Night, the
Dream, the Death and the Loved woman, that when they are found they show to the readers
the characteristics of the creation process of each writer.
In opposition to the writings in Álvares de Azevedo’s works, this assigment deals about
a new vision of the romantic brasilian poetry showing the author’s reflective and conscious
side making him face the German idealist thoughts of the XVIII century, which are the
essence of Novalis’s poetry.
The fact that approaches the author’s work also shows the brazilian poet distance from
his contemporaries are analised facing Fichte’s idealist theories from some theories of Carl
Jung and Luc Ferry, about “the symbolic” and also Friedrich Schiller, Friedrich Schlegel’s
theorie.
*
*
Tradução de Edna Benedita Rennó Almeida Guedes
6
Sumário
1.0. Introdução .................................................................................................................... 09
2.0. Dois espaços/duas estéticas ......................................................................................... 24
2.1. Romantismo germânico ....................................................................................... 29
2.2. Romantismo brasileiro ......................................................................................... 35
2.3. Contrapontos entre a formação dos Romantismos alemão e brasileiro ................ 40
3.0. Simbologia do imaginário romântico ......................................................................... 45
3.1. O idealismo alemão .............................................................................................. 52
3.2. A Noite, o Sonho, a Morte .................................................................................. 59
4.0. Diálogos líricos ........................................................................................................... 67
4.1. Novalis: o poeta da Noite ................................................................................ 68
4.2. Álvares de Azevedo: o erotismo onírico ......................................................... 81
4.3.Distanciamentos e aproximações entre os poetas ............................................106
5.0. Conclusão ................................................................................................................... 116
Referências bibliográficas .......................................................................................... 118
7
Aos meus Pais e ao Tony, que vive
agora no mundo romântico dos Sonhos.
8
O espelho e os sonhos são coisas semelhantes,
é como a imagem do homem diante de si
próprio.
José Saramago
...ninguém, por mais sábio que seja,
é capaz de compreender o que a noite
prepara, pois assim o quer a divindade
suprema, que tanto te ama.
Friedrich Hölderlin
A noite é uma enorme Esfinge de granito negro....
Mário Quintana
9
1. INTRODUÇÃO
O Romantismo foi mais que um movimento literário. Ele foi um processo de reflexão
que tomou conta do mundo ocidental que queria mudanças. Na literatura esse movimento
foi uma contraposição aos moldes rígidos dos clássicos, foi uma crítica a falta de liberdade
formal, foi rebelde, foi inquisitivo, foi novo, foi uma forma de valorização da
individualidade do homem, foi, sobretudo, um defensor da liberdade de expressão.
Nos séculos XVIII e XIX grandes acontecimentos determinaram o modo de vida da
sociedade moderna, o que vivenciamos hoje é uma “evoluçãode alguns ideais pregados há
mais ou menos três séculos atrás. As grandes revoluções do culo XVIII foram cruciais
para impelir a nova ordem no mundo. O Iluminismo, marcado pela crença no poder da razão
para solucionar problemas sociais, terminou por fazer surgir uma sociedade burguesa que,
insatisfeita com o poder vigente, se revoltou contra essa dominação e estabeleceu um novo
sistema mundial.
A Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1750) foram os dois fatos,
política, econômica e socialmente mais marcantes do século das luzes. A burguesia assumiu
o poder e implantou novas cnicas mercadológicas que desembocaram no processo da
modernidade e consolidaram o sistema capitalista. A modernidade trouxe consigo a
industrialização, o individualismo e a liberdade de expressão e no meio desse processo
transformador encontramos um movimento literário que espelha todas essas mudanças
ocorridas com o homem, o Romantismo.
10
Embora o Romantismo não assuma uma única face, mas várias, pois se desenvolveu de
acordo com a realidade, os desejos e anseios de cada nação, todos os países que o
abrigaram tinham sede de novidade, de subjetividade e de individualidade, porém essa
individualidade do romântico não estava voltada somente para os interesses de um único
indivíduo, mas também para os interesses de sua nação. Os movimentos libertários
proporcionaram uma “macro e micro-individualidade” do poeta, um desejo de
subjetividade aliado ao desejo de literatura nacionalista que espelhasse sua pátria. Com a
Alemanha e o Brasil não foi diferente. O movimento desenvolveu-se sob a égide do desejo
nacionalista, buscando, cada qual, os melhores caminhos que os identificasse como nação.
Através do estudo da obra Hymnen an die Nacht (Hinos à Noite), do poeta alemão
Novalis e Lira dos Vinte Anos, do poeta brasileiro Álvares de Azevedo, mostrar-se-ão os
diálogos poéticos existentes entre a poesia de ambos com o intuito de evidenciar algumas
semelhanças entre Romantismos aparentemente tão díspares. Apenas por um critério
cronológico as considerações sobre Novalis e sua obra serão explicitadas antes das de
Álvares de Azevedo, pois o poeta alemão viveu e escreveu sua obra poética no final do
século XVIII, enquanto que o brasileiro despontou no cenário literário cerca de 50
anos mais tarde, em meados do século XIX.
A Alemanha foi uma das grandes divulgadoras dos ideais românticos no mundo,
juntamente com o Romantismo inglês que para nós chegaram via França. Novalis foi um
dos propagadores dessa corrente por pertencer à primeira geração romântica alemã, o
chamado grupo de Jena, que foi crucial para a formação do pensamento romântico
germânico. Sabe-se da importância dos demais Romantismos português, francês e inglês
11
para a construção do Romantismo brasileiro, porém nosso intuito é estabelecer um paralelo
entre as duas obras, de Novalis e Álvares de Azevedo, estudando um dos possíveis
diálogos entre o Romantismo alemão e o brasileiro.
De uma maneira diferente do brasileiro, o movimento eclodiu na Alemanha no final
do século XVIII. Embora haja um distanciamento entre esses dois Romantismos,
especialmente histórico e cronológico, ambos desejavam criar uma literatura que os
representasse. Os caminhos que seguiram foram diversos. A Alemanha tentava libertar-se da
influencia francesa da Aufklärung (iluminismo) e o Brasil dos moldes portugueses.
Essas diferenças entre a história do Brasil e da Alemanha ao mesmo tempo que os
afastam, os aproximam, pois ambos os países, buscaram com seus Romantismos, uma forma
de transformação da sua nação, num resgate do seu passado, da sua história, mas refletindo
também sobre as questões do presente.
A escolha de trabalhar com Lira dos Vinte Anos de Álvares de Azevedo é devido aos
diálogos que ela apresenta com outras literaturas, como a inglesa, a francesa, a italiana e a
greco-romana, e com os poemas de Hinos à Noite de Novalis. Ambos os poetas são
considerados um dos mais importantes expoentes do Romantismo do país que
representaram, pois carregam no cerne de sua poesia o subjetivismo e o individualismo
romântico trabalhados de forma crítica e reflexiva.
As obras de Novalis (Friedrich von Hardenberg) são muito pouco difundidas no Brasil.
Apenas uma delas, os fragmentos de Pólen,
1
foi publicada no país, o que mostra o pouco
conhecimento que temos desse poeta que foi um dos pilares, não do pensamento
1
Pólen foi traduzido por Rubens Torres Filho e publicado pela editora Iluminuras no ano de 2001.
12
romântico alemão, mas do pensamento romântico em geral. Sua poesia também foi fonte de
inspiração para o simbolismo francês, como afirma Edmond Barteli (apud. Delton Mattos,
1988:80) que “não tem dúvida de que Novalis foi o verdadeiro initiateur do Simbolismo
Francês.” Textos como Henrich von Ofterdingen, Glauben und Liebe oder der König und
die Königin, Geistliche Lieder , Die Lehrlinge zu Sais, Hymnen an die Nacht, dentre outros,
que fazem parte da formação do imaginário romântico, ainda são muito pouco conhecidos
entre nós.
Uma das obras mais importantes de Novalis, Heinrich von Ofterdingen, conta a história
de Heinrich, um jovem que sonha com uma flor azul (Die Blaue Blume) e passa a viajar
pelo mundo em busca dessa flor que se tornou um dos grandes mbolos do Romantismo
alemão. Essa flor representa a viagem que o homem deve fazer para dentro de si para
conhecer o mundo e encontrar a verdade. Essa filosofia foi retomada da antigüidade para o
imaginário do homem romântico primeiramente por Rousseau (apud BORNHEIM,
1985:50), que afirmou: “Deixei, pois, de lado a razão, e consultei a natureza, isto é, o
sentimento interior, que dirige a minha crença, independentemente da razão”. Foi para esse
caminho que o místico Novalis direcionou sua obra, para um encontro consigo mesmo,
com a Amada e com Deus, como podemos evidenciar claramente em Hinos à Noite. Por
meio de símbolos como a Noite, a Morte, o Sonho e a Amada
2
, ele busca a transcendência,
2
Algumas palavras serão grafadas com letra maiúscula para manter o diálogo com os textos de Novalis e
Fichte, que trazem esses vocábulos com as letras inicias maiúsculas alegorizantes.
13
a vida eterna e verdadeira
3
.
Hinos à Noite foi um dos livros de maior importância para a construção da obra poética
novalisiana. Pode-se afirmar que ele foi um divisor de águas entre o homem Friedriech von
Hardenberg, nome real do vape, e o poeta Novalis, que iniciou sua vida literária após a
morte de sua amada e noiva Sophie von Kühn, que morreu aos 15 anos de idade e
tornou-se a musa por excelência do poeta, inclusive a grande inspiradora de Hinos à
Noite, escrito logo após sua morte em 1897. Essa obra também se construiu sob a égide da
linguagem simbólica e do idealismo alemão, principalmente o fichteano. Embora o
filósofo, cujas idéias correspondem à poesia de Novalis, foi Friedrich Wilhelm Schelling”
(CARPEAUX, 1994:113), em Hinos, a meu ver, nota-se o forte pensamento de Johann
Gottlieb Fichte, filósofo do século XVIII, autor de Grundlage der gesammten
Wiessenschftslehre (Fundamentos de toda Teoria da Ciência), obra que influenciou a
formação do Romantismo alemão e que durante algún tiempo, (...) dominó todo el
panorama de reflexión filosófica de Novalis” (BRION, 1973: 21).
Álvares de Azevedo é um dos poetas mais conhecidos do nosso Romantismo. Suas
obras são conhecidas e divulgadas em todos os campos literários brasileiros. Muito se
falou dela, especialmente da Lira, em textos acadêmicos, didáticos, dissertações, ensaios
dentre outros. Há, entretanto, uma tendência a rotulá-la como byroniana, esquecendo dos
demais intertextos presentes em sua poética que conferiram aos seus poemas um caráter
3
Os termos “vida eterna” e “verdade” presentes nesse trabalho estarão sempre ligados ao pensamento cristão
de que a única verdade só pode ser encontrada perto de Deus, portanto com a transcendência da alma.
14
cosmopolita. A poesia azevediana afastou-se da tentativa de criar uma identidade literária
nacional através da exaltação da pátria, como o fez grande parte dos seus contemporâneos
brasileiros. A Lira apresenta diálogos com textos clássicos, bíblicos, românticos,
renascentistas, mostrando ao leitor um outro caminho seguido por Azevedo, não menos
nobre que de seus contemporâneos, que fizeram de sua poesia um estandarte da
nacionalidade, um caminho para a auto afirmação nacional. Embora, algumas vezes, sejam
percebidos alguns laivos de culpa por esse cosmopolitismo, presente, por exemplo, em
Macário, como nos lembra Antonio Candido em Formação da literatura brasileira
(1993:16):
Esta tendência ( a nacionalista) era reputada de tal modo fundamental para a expressão
do Brasil, que os jovens da segunda geração manifestaram verdadeiro remorso ao
sobrepor-lhe os problemas estritamente pessoais, ou ao deixá-la pelos temas universais e
o cenário de outras terras.
Mesmo assim os poemas egóticos da Lira se mantiveram, em sua maioria,
individualistas, voltados para si mesmos e para as questões existenciais de seu autor.
Recentes estudos desenvolvidos dão à poesia de Álvares de Azevedo uma nova
abordagem, des-velando a obra sob um olhar diferente, mais crítico e reflexivo,
desmistificando alguns conceitos sacralizados na obra desse autor, como o aspecto dual de
sua poesia, que ora apresenta-se sentimental e ora reflexiva, ligado à ingenuidade textual do
poeta. Um dos mais recentes estudos sobre Álvares de Azevedo, de Cilaine Cunha,
intitulado O Belo e o Disforme, mostra-o como um autor consciente e reflexivo,
15
desconstruindo a postura sentimentalista e ingênua até então aferida a ele pela maioria da
crítica especializada.
É também sob um outro olhar, crítico e reflexivo, que pretendo desenvolver esse
estudo. A proposta consiste em analisar como se processam alguns elementos simbólicos -
Noite, Sonho, Morte e mulher Amada - nas obras Lira dos Vinte Anos e Hymnen an die
Nacht - e estudar a dialética entre o mundo real e o mundo ideal presentes nos textos.
Cilaine Cunha (1998:83 – 84) afirma que:
Para os românticos, de um modo geral, a impossibilidade de concretização amorosa é
um procedimento artístico que retomado por Goethe que batizou com o nome de ‘eterno
feminino’ – representa um ideal de perfeição que se pretende alcançar. Em sua essência, o
sentimento amoroso considerado uma fonte de exaltação de lírica implica a idéia de
transcendência, de elevação do espírito ao reino Absoluto
4
...
Outra proposta dessa dissertação é mostrar como a irrealização dos amores nas poesias
novalisiana e azevediana está relacionada ao ideal que pode ser encontrado em um
plano divino, como afirma a citação acima. A busca constante de Novalis e Álvares de
Azevedo pelas amadas nos planos inconscientes, como no Sonho, em um desmaio ou até
mesmo na Morte é a procura de um ideal de perfeição, tarefa que “só poderia ser
4
Segundo Abbagnano (1982:3)o termo vem do latim absolutus que quer dizer “desligado de, livres de toda
relação, independente.” Significa “sem limites”, “sem restrições,” “ilimitado,” “infinito”. Para o romântico
esse “substantivo significa a Realidade que é desprovida de limites ou condições , a Realidade suprema, o
‘Espírito’ ou ‘Deus’ .
16
solucionada depois de uma aproximação perfeita e terminada do infinito”(FICHTE,
1988:59). Os poetas simbolizavam essa procura na imagem da mulher, sempre
inalcançável, possível de ser encontrada apenas no Sonho ou na Morte. A figura feminina
funciona como uma alegoria, pois segundo Edwin Panofsky (apud:HANSEN, 1986:1) “a
alegoria é a metáfora continuada como tropo de pensamento, e consiste na substituição do
pensamento em causa por outro pensamento, que está ligado, numa relação de semelhança,
a esse mesmo pensamento.”
Esse aspecto propicia um diálogo direto entre as obras Lira e Hinos, de Azevedo e
Novalis respectivamente. Ambos os poetas encontram-se com suas amadas em espaços
imponderáveis. No caso de Novalis sua única Amada Sophie. Em Álvares de Azevedo essa
amada assume formas variadas e a figura feminina ora simboliza o desejo de
transcendência, ora a manifestação dos desejos eróticos do eu-lírico e ora a própria alma do
poeta. Entretanto ambos procuram encontrá-las apenas em Sonho ou através da Morte, que
é o único caminho para o Absoluto, Absoluto que assume dois significados básicos: o de
perfeição artística e o de mundo ideal, ou Deus.
O Sonho é um dos elementos simbólicos mais marcantes nessas duas obras, portanto
desempenha um papel fundamental nessa análise, pois tanto na obra do poeta germânico,
quanto na do brasileiro, ele é, metaforicamente, uma ponte entre o mundo real e o mundo
ideal, além de representar um prenúncio da Morte como nos assegura BÉGUIN(1992:113):
17
En el sueño o muerte de la percepción sensible, en el desvanecimento de la razón, es donde
podemos acercarnos al único conocimento importante: el de Dios, el del cosmos, y unirmos a
ellos gracias a la muerte de todo lo que de ellos nos separaba.
Tanto em Hinos à Noite como em Lira dos Vinte Anos percebe-se o desejo de
transcendência
5
do eu-lírico, que busca despertar para a liberdade, para a paz, para a verdade
e para o infinito, que são encontrados na presença de Deus e do Amor. O Amor, como
veremos no decorrer do trabalho, será representado tanto pela mulher Amada quanto por
Deus.
A crença de que a paz pode ser encontrada no plano espiritual, infinito e Absoluto é
outro ponto que une a poética do alemão e do brasileiro. Ambos desejavam o encontro
com o divino, com as Amada e com a verdade, elementos que o mundo real não pode
oferecer. O encontro com o Absoluto, que está no mundo das idéias, é representado na
poesia desses dois poetas por meio dos mbolos que segundo Luc Ferry (1994:190) m
como função representar idéias indeterminadas que não podem ser indicadas de maneira
concreta.
Para que essa pesquisa se realizasse foram necessárias algumas fundamentações teóricas
que permearam as discussões desse estudo. Dentre elas as teorias sobre os símbolos,
exposta por Jung em sua obra O homem e seus símbolos, na qual o psicanalista trabalha mais
5
Segundo a enciclopédia Logos (s/d : 266), “Transcendência é o que está fora e acima de determinado círculo
da realidade; dinamicamente , T. significa o acto pelo qual algo supera, escapa a esse círculo”. O sentido da
palavra transcendência usado nesse trabalho é o de ir além do físico, elevar-se acima da realidade, no caso
específico dos poetas analisados por nós , morrer para o plano sico e material para renascer no plano
metafísico, espiritual.
18
especificamente as simbologias oníricas, nas quais o des-velar de mbolos no Sonho tem
importância fundamental na compreensão da alma humana.
Buscando des-velar os símbolos poéticos nas obras Hinos e Lira, as teorias
fundamentadoras do Romantismo alemão, mas especificamente teorias sobre o idealismo
germânico, são postas em evidência. Dentre todas a teorias idealistas alemãs as de
Friedrich Schiller em sua obra Über naive und sentimentalische Dichtung (Poesia ingênua
e poesia sentimental) e a filosofia de Fichte, que aliadas às teorias sobre texto poético,
serviram de substrado para as análises e conclusões dessa dissertação.
Schiller, juntamente com Goethe, foi um dos divulgadores das idéias que se
contrapunham ao racionalismo da Aufklärung, e, assim como seu parceiro, foi responsável
pelo movimento Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), que é considerado no Brasil
como uma das vertentes do Romantismo europeu que influenciou o Romantismo brasileiro,
juntamente com os Romantismos português, inglês e francês.
Poesia ingênua e poesia sentimental é um tratado sobre duas categorias de poetas, uma
ingênua, que segundo Lida e Probst (1941:9) “imitará la realidad con la mayor exatitud
posible;” e a outra sentimental que tem uma posição contrária ao primeiro, pois “se
dentedrá o bien en la realidad o en el ideal, y hará de aquélla un objeto de su aversión
o de ésta un objeto de su simpatía.
Esses dois tipos de poesias levaram Luiz Costa Lima a separar a literatura brasileira e a
alemã também em duas categorias. Em seu livro O controle do imaginário esse teórico
19
enquadra o Romantismo alemão como sentimental
6
, ou seja, reflexivo e crítico, e o
Romantismo brasileiro como ingênuo, desprovido de senso crítico e baseado apenas em
seus sentidos.
Com o intuito de desmistificar parte dessa teoria esse trabalho buscará, através da obra
de Álvares de Azevedo, expor uma outra visão sobre o Romantismo brasileiro.
Obviamente não poderei afirmar em nome de todos os escritores desse período. Esse
estudo desenvolveu-se com base apenas em Azevedo e, especificamente, Lira dos Vinte
Anos, porém acredito que essa nova abordagem levantará alguns questionamentos acerca de
algumas críticas já sacralizadas da nossa literatura que se estendem a todos os poetas
românticos brasileiros.
As teorias de Fichte foram a base sobre a qual formou-se todo o pensamento romântico
germânico. Esse filósofo centrou toda sua idéia em um “Eu”, que ele chamou de
Tathandlung, e que Gerd Bornheim (1985:86) traduziu como “ação efetiva”. Essa ação
seria incondicional, infinita, Absoluta, sendo comparada a Deus, até mesmo pelo próprio
Fichte. Esse “Eu” é um princípio de unidade ideal que fascinou os românticos alemães, que
buscavam o ideal intelectual, espiritual e artístico.
Álvares de Azevedo também buscou em sua poesia esse ideal, similar a Novalis e Fichte.
O des-velar de símbolos estabelecerá diálogos poéticos existentes entre as obras Liras dos
6
Os vocábulos “sentimental” e “ingênuo” serão usado em dois sentidos: no do dicionário que significa
“relativo ao sentimento” e “sem malícia, puro, singelo “e no sentido afererido por Schiller, de poesia reflexiva
e não reflexiva. Quando as palavras forem usadas no segundo sentido serão seguidas das expressões em
alemão sentimentalische(sentimental) e naive (ingênuo).
20
Vinte Anos , Hinos à Noite e a teoria fichteana. À medida que os símbolos são decifrados,
afloram as teorias filosóficas do idealismo alemão, fazendo sobressair o pensamento
fichteano e levando-nos de encontro com uma nova leitura dos poemas de Álvares de
Azevedo.
Em suma esse trabalho visa a apresentar o poeta alemão aos leitores de poesia brasileira,
que têm acesso tão pouco à sua obra, e des-velar a obra de Álvares de Azevedo sob um
enfoque ainda não explorado, o lado consciente e reflexivo do poeta, trazendo à tona um
diálogo travado entre esses dois poetas românticos, de espaços e vivências estético culturais
diversas, mas que se aproximam em aspectos temáticos.
Hinos é um texto que mescla poemas em prosa e versos tradicionais. Nos textos em
prosa há a predominância do ritmo interno, o poeta se vale de fonemas semelhantes para dar
sonoridade aos versos além de fazer uso de perguntas retóricas que transmitem ao leitor as
inquietudes do eu-lírico. Os versos tradicionais surgem entre os versos em prosa todas as
vezes que o poeta deseja manifestar seus sentimentos de forma mais intensa, mudando
completamente o ritmo do poema , portanto levando o leitor a perceber as diferenças
semânticas presentes na obra.
Foram selecionados todos os poemas (hinos) do livro de Novalis por estarem
dispostos em seqüência, como uma narrativa, embora tenham sentido se lidos
separadamente. Faz-se então necessário analisar a todos para que tenhamos uma idéia da
completude do texto. Os cinco hinos da obra e o último único com título: Sehnsucht
nach dem Tode” ( “Saudades da Morte”) apresentam a Noite como a guardiã dos mistérios
da vida, o caminho para que se possa alcançar o infinito e o Absoluto, a portadora do
21
mundo sagrado, o templo do espírito e a luz do corpo, a salvação do homem e a liberdade
total, dentre outros significados que serão desenvolvidos no decorrer da redação da
dissertação.
A obra de Álvares de Azevedo se apresenta de forma diferente. Embora haja uma
inovação estilística, típica do Romantismo, há , por exemplo, uma rigidez formal, tão
presente nos poemas anteriores aos românticos. Grande parte da obra obedece a uma
estrutura até certo ponto tradicional, com versos dispostos em estrofes metrificadas e rimas
bastante comuns, do tipo ABCABC ou ABCB - “Virgem Morta” e “Hinos do Profeta” . Não
uma inovação formal significativa como percebemos em Novalis. um único poema
em prosa em Álvares de Azevedo, “Eutanásia”, que está na terceira parte da Lira, mas que
só se encontra nas obras completas.
A Lira dos Vinte Anos está dividida em três partes. Os prefácios e os poemas de cada
uma das partes apresentam diferenças entre si. O amor e a idealização feminina são o foco
da primeira parte. Vê-se, nesse primeiro momento, que os poemas são essencialmente
sentimentalistas e as poesias apresentam uma individualidade poética melancólica que
espera vivenciar a plenitude poética em transcendentes terrenos amorosos”(CUNHA,
2001:27).
A consciência poética é o tema recorrente da segunda parte da Lira, pois se percebe um
afastamento do poeta com relação ao sentimentalismo melancólico da parte anterior.
Segundo Villaça (1994:13) esse afastamento é um ato de consciência do poeta que fica
evidente nos prefácios escritos para a primeira e para a segunda parte da obra.
22
Quasi que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram
nas cavernas de um cérebro, pouco mais ou menos de poeta, escreveram este livro, verdadeira
medalha de duas faces. (...)
Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa, vem a sátira que morde.
(AZEVEDO, 1942:127-129)
Essa “binomia” a que se refere o poeta é o sentimentalismo exagerado da primeira parte
da obra e a auto-reflexão da segunda parte. Para demonstrar todas as facetas de Álvares de
Azevedo foram selecionados alguns poemas da primeira e da segunda parte. Enquanto no
primeiro momento Álvares de Azevedo vazão ao subjetivismo sentimentalista, centrando
a obra em questões mais pessoais e individualistas, no segundo momento são evidenciadas
poesias que se afastam do sentimentalismo exagerado e se aproximam da auto-reflexão,
mostrando que o humor e a ironia são a outra face da obra desse poeta romântico. Ele se
vale dessa ironia e desse humor para mostrar o lado reflexivo da sua poesia, rindo de seu
próprio sentimentalismo e colocando as questões textuais como elemento central da obra, “o
mesmo poeta pode ser sentimental (sentimentalische) num poema e noutro, pelo contrário,
ingênuo (naive)” (JUNG, 1976:165).
A terceira parte não será utilizada porque não um tema recorrente como ocorre nas
duas primeiras, há poemas que se enquadrariam tanto na primeira como na segunda parte.
Estruturalmente a dissertação constará de cinco capítulos, incluindo a introdução e a
conclusão. No segundo capítulo serão expostas, de maneira sucinta, algumas diferenças do
panorama histórico brasileiro e alemão que foram responsáveis pela formação do
23
movimento romântico em ambos os países, ressaltando os diferentes motivos entre eles, que
servirão de subsídios para se compreender a gênese das duas obras.
No terceiro capítulo serão apresentadas as principais teorias com as quais estruturei essa
pesquisa, e algumas relações entre os textos trabalhados e elas; a simbologia de Jung e Luc
Ferry; a poesia ingênua e a sentimental de Schiller; a aplicação da teoria de Schiller por Luiz
Costa Lima e as teorias do idealismo de Fichte.
No quarto capítulo, partindo das motivações apresentadas entre os Romantismos alemão
e brasileiro, será feito um histórico da obra poética de ambos os escritores, mostrando os
caminhos trilhados por eles. A Noite, o Sonho, a Morte, a mulher Amada, símbolos
recorrentes nas obras dos dois poetas estudados, serão des-velados indo de encontro ao
cristianismo e o pensamento idealista de Fichte. Mostrar-se-á o dialogismo existente entre
esses pensamentos, os pontos que os diferenciam e os aproximam.
A conclusão será a síntese do que foi exposto no decorrer das análises dos tópicos
anteriores, ressaltando o alcance e as conseqüências dessa pesquisa, assim como suas
possíveis contribuições para a fortuna crítica desses dois poetas.
As obras de Novalis e de Álvares de Azevedo são densas se considerarmos que ambos
tiveram muito pouco tempo para escrever. O alemão morreu com 28 anos e o brasileiro
com apenas 20 anos. Sei que a análise de apenas duas obras é limitada e na verdade
desejaria ter estendido essas análises não a outros livros de Novalis e Azevedo, mas
também a outras obras poéticas de outros escritores alemães e brasileiros. Porém, por
questões práticas, fui levada a limitar o máximo possível o corpus dessa dissertação, o que
não nos impedirá de embarcamos plenamente em um mundo de Sonhos românticos.
24
2.0 DOIS ESPAÇOS/DUAS ESTÉTICAS
O romantismo foi um movimento crítico, rebelde,
inquisitivo, revelador. Houve as lágrimas, sem dúvida,
mas também a diligência inovadora; o espírito voltado
para o passado, mas também o olhar em busca do
futuro... O que identifica e distingue não é um ideário
fixo e imutável, mas o desejo de realizar algo novo,
diferente, original... Neste sentido, não apenas cada
indivíduo procurou em si mesmo o gérmen daquilo
que poderia criar, como também cada nação que
acolheu o espírito romântico seguiu um caminho
próprio... como resultado, não houve apenas um
romantismo, mas inúmeros.
Karin Volobuef
O Romantismo foi uma busca do novo, uma tentativa de criar uma literatura que
representasse cada povo e cada cultura. Houve ideais comuns, como o subjetivismo e o
nacionalismo que direcionaram, estética e semanticamente, o movimento, porém esses
ideais eram tão abrangentes e livres de padrões rígidos e pré-estabelecidos que
proporcionaram a cada país uma adaptação às condições e momentos particulares da sua
própria história, criando literaturas diferentes que espelhassem as diversas culturas. Dessa
25
forma cada Romantismo, o alemão, o inglês, o francês, o português, o italiano, o brasileiro,
dentre outros, formou-se de acordo com as necessidades políticas, culturais, estéticas,
sociais e históricas da nação.
Nenhum movimento ou acontecimento, seja ele de natureza política, filosófica, estética,
literária, histórica e outras, surge inesperadamente, há sempre um processo que o
desencadeia. O Romantismo despontou no panorama mundial devido a vários fatores, a
uma reunião de elementos políticos, filosóficos, históricos, sociais, estéticos e culturais que
suscitaram uma nova forma de pensamento.
A Alemanha buscava com o Romantismo reencontrar sua identidade político-lingüística
e recriar uma literatura negando os padrões clássicos franceses que prevaleciam no país. A
nação alemã apresentava-se dividida em vários ducados, algumas “cidades livres”, parte da
Dinamarca, parte da Prússia e parte da Áustria (PEREIRA & GIOIA 1996:278). Esta
fragmentação acabou por dificultar a unidade lingüística, iniciada no século XVI com as
traduções da Bíblia, feita por Martinho Lutero, porém só alcançada definitivamente entre os
séculos XVII e XVIII. As subdivisões acabaram por prejudicar também os
desenvolvimentos políticos, econômicos, sociais e intelectuais, razões pelas quais a
Alemanha viveu por longo tempo, sob a influência dos padrões clássicos franceses, pois a
identidade germânica só foi alcançada com a unificação lingüística e territorial.
O desejo de resgatar uma identidade nacional levou os escritores germânicos a
adotarem uma postura mais crítica, de desconstrução do pensamento vigente e construção
de um novo pensamento, mais nacional e mais auto-reflexivo. A nação alemã, desde o
século IV d.C, tinha uma tradição literária, primeiro com a poesia musical, feita com
26
intenção de exorcizar os demônios. Logo depois no século VI, quando a ngua alemã
começava a separar-se das demais línguas germânicas, surgiram os grandes cantos heróicos.
Com a cristianização dos povos germânicos, que se iniciou no século IV, muitos dos textos
literários desse período, até fins da Idade Média, eram escritos em dois idiomas, alemão e
latim, por causa da forte influência do cristianismo. Como exemplo temos a famosa
antologia Carmina Burana, escrito em médio alemão e latim, provenientes dos séculos XI e
XII e musicada por Carl Off no culo XX. também as famosas poesias narrativas dos
cavaleiros que foram diretamente influenciadas pelos modelos célticos-franceses, como a
estória do rei Artur e os cavaleiros da Tábula Redonda e dos Cavaleiros do Santo Graal, que
até hoje não se tem certeza se são de autoria francesa ou portuguesa. Dessa forma a literatura
alemã se formou até atingir sua maturidade, nos séculos XVII e XVIII, com a unificação
da língua e o forte apelo filosófico.
O Brasil teve no Romantismo a consolidação de sua literatura. Segundo Antonio
Candido (1993: 24, 25) a formação da literatura brasileira começou em meados do século
XVIII, com alguns laivos de nativismo presentes em poemas de Cláudio Manuel da Costa e
outros, por volta de 1750, e se consolidou no século XIX, exatamente quando eclodiu o
Romantismo no país. Foi nesse período, entre o Arcadismo e o Romantismo, que a
literatura surgiu como um sistema, ou seja, “homens de letras formando conjuntos orgânicos
e manifestando em graus variáveis a vontade de fazer literatura brasileira”, antes disso o que
tínhamos eram apenas manifestações literárias, como as obras de Gregório de Matos e
Padre Antônio Vieira, e não eram “representativas de um sistema”, de uma tradição. E é
27
dessa vontade de fazer uma literatura nacional, independente de Portugal, que despontou
no cenário literário brasileiro o Romantismo.
O Brasil buscava encontrar sua identidade, similar ao que aconteceu na Alemanha com
relação à França, tentando desvencilhar-se dos moldes portugueses e criar uma literatura
que refletisse sua realidade. O embrião dessa identidade tem a sua primeira manifestação no
século XVIII com a Inconfidência Mineira, cujo movimento questionava o jugo português,
via Derrama, frutificando um sentimento nativista brasileiro. Esse sentimento surgiu
literariamente, dentre outros aspectos, através das Cartas Chilenas, de Tomás Antônio
Gonzaga, das alusões ao Ribeirão do Carmo e as Montanhas de Minas Gerais de Cláudio
Manuel da Costa e no tema do indianismo, advindo de Basílio da Gama e Santa Rita Durão,
que serviram de substrato para o movimento romântico no século XIX.
Com a vinda da família real para o Brasil, no séc. XIX, em 1808, o processo de
independência ganhou força e, em 1822, a colônia viu-se “livre” da metrópole e passou a
buscar sua própria identidade, embora estivesse ainda sob tutela de um português, Dom
Pedro I. Esse processo despertou nos jovens intelectuais do século XIX o desejo de firmar a
nação brasileira, e um dos meios para essa consolidação era a literatura. Os escritores
românticos brasileiros, diferente dos alemães que se voltaram para si, repudiando as
influências francesas, se deixaram influenciar pelo Romantismo francês, devido a uma
lusofobia política. Via França descobriram a Alemanha, a Inglaterra e a si mesmos como um
povo diferente, podendo criar sua própria literatura, cujo substrato nativista encontrado nos
autores acima mencionados, foi, aliado ao comportamento histórico, a semente que fez
germinar o nacionalismo. Assim os escritores românticos brasileiros voltaram sua
28
literatura para um ideal mais nacionalista, de exaltação da pátria em toda a sua exuberância.
Ao contrário da literatura germânica, que tinha seus esboços literários no século IV d.C,
no Brasil esses esboços apareceram no culo XVI com a colonização portuguesa, pois
praticamente desconhecemos a cultura indígena antes disso e suas possíveis tradições
literárias, mesmo que orais.
Nos próximos tópicos será feita uma breve exposição das origens dos Romantismos
alemão e brasileiro mostrando, de forma sintética, as condições que levaram esses
movimentos literários, de dois espaços tão díspares, a ter características e interesses tão
diferentes e ao mesmo tempo tão semelhantes. Não é intenção desse trabalho discorrer
sobre a formação dos vários Romantismos ocorridos, como o inglês, o francês, o português,
dentre outros. Embora consciente de que o Romantismo inglês e francês tenham
desempenhado um papel crucial na formação da literatura brasileira, nos ateremos ao
estudo apenas da formação dos Romantismos germânico e brasileiro , o foco dessa
dissertação.
29
2.1. Romantismo germânico
O Romantismo alemão desenvolveu-se sob três pilares fundamentais: a religião, a
filosofia e a história (política). A religião, embora presente nos demais Romantismos, na
Alemanha ganhou maior significação, pois, segundo A.Hauser (apud VOLOBUEF,
1999:26), esse Romantismo foi calcado nas bases da Reforma Luterana, do século XVI,
que fortaleceu o sentimento cristão na Europa com o aparecimento do luteranismo,
gerando a corrente pietista no século XVII. O pietismo tinha uma proposta intimista,
religiosa e essa religiosidade era baseada principalmente na fé pessoal, na fé de cada
indivíduo, portanto na subjetividade. Segundo Fiama Brandão (1998: 9-10) a essência dessa
corrente religiosa é o Wiedergeburt, ou seja, a noção de renascimento, sublinhando “a
conversão por intensa experiência religiosa individual, a união do coração com Cristo e o
zelo pelos textos bíblicos.” Novalis sofreu diretamente uma grande influência dessa
corrente, pois seu pai, Eramus von Hardenberg, converteu-se ao pietismo após a morte de
sua primeira mulher e era um religioso ardoroso, muito dedicado à vida espiritual.
Outro ponto que influenciou essa religiosidade do romântico germânico foi o desejo de
combater o racionalismo exagerado do Iluminismo, que acreditava na razão como única
forma do homem desenvolver todo seu potencial intelectual e alcançar a verdade. Os
românticos alemães, baseados no pietismo, acreditavam que a razão não era o caminho
para se chegar à verdade, mas sim a intuição. Dessa forma o subjetivismo e a crença na
metafísica, via cristianismo, passou a ser elemento fundamental no texto do Romantismo
alemão.
30
Historicamente, a formação do Romantismo alemão despontou também das
influencias recebidas de grandes revoluções. Os ideais de liberdade e igualdade pregados
pela Revolução francesa e as lutas de diversos países por suas autonomias estéticas,
políticas e culturais
7
, despertaram nos jovens alemães um desejo de liberdade textual, uma
vez que os acontecimentos históricos e políticos eram tema de discussão dos poetas,
teóricos e filósofos alemães. Essa postura levou-os a se desprenderem dos valores
estéticos clássicos franceses e criarem seus próprios valores buscando uma renovação da
sua literatura e da sua filosofia que até então vivia sob forte influência francesa. A liberdade
textual deu vazão ao surgimento dos fragmentos, muito utilizados pelos românticos da
primeira geração. Segundo Schlegel (1997:82) “Um fragmento tem de ser, igual a uma
pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundante e perfeito em si mesmo
como um porco-espinho.” Dessa forma os fragmentos buscavam uma maior interação do
pensamento do autor com o leitor, os textos eram sempre pequenos e carregados de
reflexões filosóficas, sociais, políticas, históricas, estéticas e culturais, com pensamentos
incompletos para levar também o leitor à reflexão. Desses fragmentos surgiu uma das mais
importantes teorias literárias do movimento romântico que foi a Ironia Romântica. Foi
colocada em evidência também a Lieder (canção), que tinha um apelo mais popular que as
odes e os sonetos clássicos e que ganharam força na Alemanha numa valorização do
nacional e da liberdade de expressão literária. A idéia era substituir o rigor clássico por
textos mais reflexivos, flexíveis e populares.
7
Revolução Americana (1770 1783) ; Revolução dos Países Baixos Austríacos ( 1787 1790) ; Revolução
Francesa ( 1787 – 1789) ; Revolução Polonesa ( 1788 – 1794) ; Revolução industrial (a partir de 1750).
31
Por volta de 1770 surgiu na Alemanha, liderado pelos jovens poetas Goethe e Schiller,
um movimento literário intitulado Sturm und Drang ( tempestade e ímpeto) que era
“sobretudo um violento impulso irracionalista, a luta contra a Ilustração e contra os
cânones classicistas da literatura francesa” (ROSENFELD, 1976: 148). Esse movimento foi
impelido, dentre outras coisas, pelo forte apelo pietista, pelas idéias subjetivas e intimistas
de Rousseau, o qual acreditava que o sentimento era superior à razão, tornando-se assim um
dos maiores críticos dos ideais racionalistas pregados pelo Iluminismo. O subjetivismo
exagerado, o sentimentalismo intenso, a Weltschmerz (dor do mundo), a melancolia, o
desejo de retorno à Natureza e a idéia de genialidade poética, são traços que constituem o
movimento. Do Sturm und Drang, do pietismo e do desejo de reestruturação da literatura
nacional, eclodiu, por volta de 1794, o movimento romântico alemão propriamente dito,
oficializando historicamente o Romantismo no ocidente.
De forma geral os acontecimentos literários são desencadeados por processos, por
sucessões de fatos que impelem um movimento diverso do anterior. Por essa razão não é
nada fácil determinar a data exata em que o Romantismo começou na Alemanha. Foi por
volta da última cada do séc. XVIII, com o surgimento de vários grupos que se reuniam
para discutir, em especial, sobre filosofia e literatura. Esses grupos foram fortemente
influenciados pelas ideais sentimentalistas do Sturm und Drang, mas também se sentiam
fascinados pelo ideal de unidade do período clássico. Assim, de um modo geral, o
Romantismo alemão nasceu desses dois matizes, buscando a síntese entre o
sentimentalismo, subjetivismo, individualismo e o universalismo e a razão. O surgimento
desses grupos aconteceu ao mesmo tempo em que o classicismo alemão, nome dado ao
32
período goethiano (1770-1830), portanto romantismo e classicismo coexistiram num
mesmo período. Goethe começou a escrever por volta de 1770 e só deixou de fazê-lo perto
de sua morte em 1832. Sua obra de arte, Faust, foi concluída à beira de sua morte. É
muito comum no Brasil considerar Goethe como um dos maiores escritores românticos
alemães e suas duas obras mais conhecidas no país, Die Leiden des jungen Werther ( O
sofrimento do Jovem Werther) e Faust ( Fausto), grandes divulgadoras do ideal Romântico
alemão aqui e no mundo. Essas duas obras são, sem dúvida, duas obras primas da
literatura mundial, mas não é correto enquadrá-las no Romantismo alemão. Werther é
considerado no Brasil como um símbolo do Romantismo por excelência, entretanto ele é
visto pelos alemães como pré-romântico por ser considerado uma obra de caráter ingênuo
(naive) distanciando-se muito do texto sentimental (sentimentalische) do período romântico
alemão. Embora Goethe tenha tido contato com os românticos, especialmente os do
Frühromantik (romantismo inicial) suas obras se distanciam bastante dos ideais pregados
por esses. O autor de Fausto deve ser considerado um grande divulgador dos ideais pré-
românticos e clássicos alemães.
O Romantismo alemão, como outros, é divido por períodos , porém essa divisão se
dá de acordo com a cidade que os abrigava, como Jena, Heidelberg, Dresden dentre outras.
O primeiro, chamado Frühromantik (romantismo inicial), comportou o grupo de Jena, que
segundo Baumann & Oberle (1985:128) iniciaram suas reuniões por volta de 1796-1797,
incentivados pelas idéias de Johann Gottlieb Fichte, publicadas em 1794, no livro
Grundlage der gesammten Wiessenschftslehre (Fundamentos de toda Teoria da Ciência).
Foram os jovens Novalis, os irmãos August e Friedrich Schlegel , suas respectivas
33
esposas Karoline e Dorothea , Ludwig Tieck, Wilhelm Heirinch Wackenroder, os filósofos
Friedrich Wilhelm Joseph Schelling e Daniel Friedrich Schleiermacher, que, interessados
em discutir o pensamento fichteano, deram início a um novo movimento literário na
Alemanha: o Romantismo.
O Idealismo fichteano, como veremos mais à frente , tinha o Eu como seu estandarte.
Esse Eu, uma ação totalizante e absoluta, deu a luz a uma forma de pensamento universal,
infinito, que permeou a literatura dos poetas da primeira geração romântica alemã. É
Volobuef (1999: 37) quem afirma que “o cosmopolitismo postura congênere ao amplexo
em que o Eu envolve o mundo em sua totalidade é uma das vértebras que sustêm o corpo
dos ideais do Romantismo de Jena.” Por ter uma visão cosmopolita e universal, portanto,
sem fronteiras, os românticos do Frühromantik (romantismo inicial) mostraram uma
outra faceta do movimento que não é a geralmente citada, a que não é totalmente
nacionalista.
Após a dissolução desse primeiro círculo literário em 1801, coincidentemente, no ano
da morte de Novalis, os ideais do Romantismo ganharam força em todo o território alemão
proporcionando o surgimento de novos grupos. O segundo período de grande importância
para o desenvolvimento das idéias românticas subdividide-se em dois grupos: o de
Heidelberg, que teve seu início entre 1806 e 1807, e o de Dresden iniciado entre 1808 e
1809. Esse período também foi chamado de Hochromantik (alto romantismo). Do grupo
de Heidelberg fizeram parte nomes como Clemens Bretano, Achim von Arnim, Bettine
Von Arnim, Joseph Görres, Joseph von Eichendorff, Ludwig Uhland e os irmãos Jacob e
Wilhelm Grimm, famosos até hoje no mundo todo por seus Märchen (contos de fadas). No
34
grupo de Dresden estavam Adam Müller e Heirinch von Kleist
8
além de outros nomes
menos expressivos para a literatura alemã e mundial.
Por razões políticas e históricas, como a invasão da Prússia pelo exército napoleônico,
esses dois grupos desenvolveram uma literatura mais voltada para o nacionalismo,
distanciando-se assim do ideal intimista dos românticos de Jena. Especialmente o círculo de
Dresden empenhou-se em discutir problemas relacionados à guerra contra Napoleão. Há, a
meu ver, fortes indícios de que os ideais Nazistas tenham sua fonte nesse período, pois
desde então a Alemanha ganhou terreno no mundo da literatura, da filosofia, da política e
da economia, o que levou o país a ser a mais forte potência industrial, política e filosófica
da Europa no início do século XX, despertando no povo germânico um forte sentimento de
poder e nacionalismo.
O terceiro e último período do romantismo alemão, o Spätromantik (romantismo tardio)
teve como principal sede a cidade de Berlim. Os membros, Arnim, Brentano, Kleist,
Adelbert von Chamisso, Friedrich de La Motte Fouqué e E.T.A Hoffmann harmonizaram-
se aos ideais do primeiro e do segundo períodos românticos alemão criando uma literatura
ao mesmo tempo universal, como a dos poeta de Jena e nacionalista como dos poeta de
Heidelberg.
Outros grupos de menor expressão fizeram parte desse período como os de Halle,
München, Bamberg e o da Suábia, cujos integrantes eram Uhland, Wilhelm Hauff, Gustav
Schwab e Justinus Kerner.
8
A obra de Kleist, assim como a Hölderlin e Jean Paul, é analisada por Hermann Glaser e Anatol Rosenfeld
como obras sem classificação, portanto não especificamente românticas, mas sim com características à parte.
35
Obviamente o movimento romântico alemão foi algo muito mais complexo que essa
síntese apresentada aqui, porém não é o objetivo do trabalho analisar a formação do
movimento, mas sim fazer um pequeno recorte para podermos entender melhor as idéias
divulgadas por Novalis em sua obra, em especial em Hinos à Noite.
2.2. Romantismo brasileiro
O Romantismo brasileiro desenvolveu-se com maior força sob o pilar do
nacionalismo, embora tenha encontrado em alguns poetas, a partir da segunda geração,
como Sousândrade, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, dentre outros, um
cosmopolitismo e uma preocupação maior com os problemas pessoais, como notaremos no
decorrer desse estudo quando analisarmos a poesia de Álvares de Azevedo, “o escritor mais
bem dotado de sua geração.”(BOSI, s/d : 121)
O panorama histórico-cultural que propiciou a construção da corrente romântica
brasileira foi especialmente o desejo que o Brasil tinha de se tornar independente de
Portugal, como citado na introdução. Esse desejo começou a fazer parte de nossa literatura
no Arcadismo, com as poesias dos nossos inconfidentes mineiros que já apresentavam
motivos nativistas em seus poemas. Em 1808, em conseqüência das guerras napoleônicas,
a família real portuguesa foi obrigada a mudar-se para o Brasil, deslocando o poder
português de Lisboa para o Rio de Janeiro. Iniciou-se o processo de independência do país
36
que só aconteceu quatorze anos mais tarde em 1822. O Brasil passou a ser a “casa oficial”
da família real, que sofrendo pressões políticas, propiciou a independência , deixando a
nova nação sob o comando de um nobre português, D. Pedro I, e, logo depois, D. Pedro II,
filho do antecessor da família real portuguesa. Dessa forma a independência brasileira foi
apenas uma estratégia para que Portugal, de algum modo, ainda dominasse sua “ex-
colônia” e continuasse a desfrutar seus benefícios.
O Romantismo brasileiro iniciou-se em 1836, com a publicação na França de Niterói,
Revista Brasiliense de ciência letras e artes, fundada por Gonçalves de Magalhães, Pôrto
Alegre, Sales Tôrres Homem, Pereira da Silva, e do livro Suspiros poéticos e saudades de
Gonçalves de Magalhães. Os estudiosos Massaud Moisés (1984: 29) e Paulo Franchet
(1999: 17) apontam essa obra ainda muito harmonizada com a poética classicista
tradicional, e, seu autor, como um grande propagador dos ideais românticos, não pela
poesia que escrevia, mas sim pelos ensaios que publicava na revista e que influenciaram a
construção de uma nova forma de pensamento que deu luz à formação do movimento
romântico no país.
Muito embora Gonçalves de Magalhães se destaque muito mais pelo seu papel de
crítico do que de escritor romântico, não se pode desprezar a sua forte atuação para a
formação do movimento no Brasil, pois foi por meio dele e da revista Niterói que o país
passou a fomentar, de forma determinada, uma postura nacionalista.
Ao contrário do que ocorreu na Alemanha, no Brasil, apenas a produção literária do
grupo de Paris, do qual faziam parte Gonçalves de Magalhães, Torres Homem, Araújo
Porto Alegre, surgiu de discussões estéticas, políticas e filosóficas como os textos alemães
37
que emanaram das reuniões dos grupos de intelectuais e literatos. Os demais trabalhos
desenvolvidos pelos brasileiros eram, de modo geral, isolados. Por essa razão não havia
como dividir o Romantismo brasileiro em grupos determinados como aconteceu com a
literatura alemã. Para Volobuef(1999: 159) “a historiografia brasileira viu-se
posteriormente forçada a lançar mão de critérios cronológicos ou estético-temáticos para
agrupar (artificialmente) esses poetas e escritores e, assim, analisar as várias fases por que
passou o Romantismo em nosso país.”
entre os nossos historiadores e críticos literários uma controvérsia com relação aos
critérios dessa divisão. Como não um parâmetro claramente estabelecido, cada
estudioso adotou um critério diferente determinado por características díspares. Afrânio
Coutinho e Massaud Moisés estabelecem essa divisão por critérios cronológicos e Antônio
Cândido, W. Sodré, Alfredo Bosi e José Veríssimo estabelecem a divisão pelo critério
estético ideológico. A meu ver todos os critérios têm suas razões bem delimitadas e são
igualmente plausíveis uma vez que essa divisão é feita apenas por efeito didático, para
tornar mais fácil o estudo do movimento. Entretanto adotarei nessa dissertação o segundo
critério, uma vez que uma das propostas desse trabalho é mostrar um certo distanciamento
existente entre a poesia azevediana e a de seus contemporâneos no que se refere ao aspecto
estético ideológico.
A primeira fase do Romantismo brasileiro, designada por alguns de fase nacionalista ou
indianista, apresentava um forte apelo patriótico, embora se expressasse ainda com
algumas molduras clássicas. A natureza local foi um dos pontos mais explorados nas
38
poesias dessa geração juntamente com o índio, considerado o herói brasileiro, aquele que
melhor representava nossas origens.
Segundo BOSI (s/d: 109) os estudos culturais brasileiros em meados do c. XIX
eram patrocinados por D. Pedro II, portanto as pesquisas feitas nesse período buscavam
desvendar nosso passado mantendo um ar conservador, o que era muito normal para “um
grêmio nascido sob tal patronato.” Isso talvez explique, pelo menos em parte, o fato de o
Romantismo brasileiro ter se desenvolvido sob um clima de aceitação e valorização do
momento político e cultural vigente, ao contrário do que aconteceu na Alemanha. A
segunda fase do Romantismo alemão, por exemplo, assumiu uma postura crítica com
relação aos acontecimentos da época. Há ainda, nessa primeira fase romântica brasileira,
um forte apego às tradições. Gonçalves Dias, embora tenha dedicado sua poesia à honra do
índio e exaltação da natureza brasileira, não escapou da “epopéia, típica da poética clássica
e que seria abandonada pelos românticos posteriores” (VOLOBUEF, 1999: 162). Como
exemplo temos o poema Os Timbiras que segundo Massaud Moisés (1984:36) “se
propunha ser, nos dezesseis cantos projetados (e nos quatro publicados), ‘uma Ilíada
Brasileira, uma criação recriada’”
A segunda geração brasileira, da qual faz parte Álvares de Azevedo, apresentou
características díspares das da primeira geração. Em oposição ao patriotismo da primeira
fase, no Romantismo egótico termo usado por Alfredo Bosi como o próprio nome
diz, uma busca do eu, um individualismo e um subjetivismo, muitas vezes exagerado,
que torna a poesia dessa fase intimista, narcisista e universal. Melancolia, tédio com relação
ao presente e à vida real, desejo de evasão, são algumas das características da geração do
39
Mal do Século. Fazem parte dessa geração poetas como Junqueira Freire, Laurindo Rabelo,
Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Álvares de Azevedo.
Os poetas dessa geração foram bastante criticados, pelos seus contemporâneos, por não
terem seguido o mesmo caminho patriótico de seus antecessessores. Antonio Candido cita
dois trechos de alguns estudantes do século XIX que criticavam a postura pouco
nacionalista de Álvares de Azevedo que pode ser estendida aos demais poetas de sua
geração:
Manuel Álvares de Azevedo pouco e muito pouco tem de brasileiro: apontamos a canção do
sertanejo. (GALVÃO; MORENO; Apud: CANDIDO, 1993: 134)
As suas poesias, embelezadas nos perfumes da escola byroniana, não foram inspiradas ao fogo de
nossos lares. As harmonias do nosso céu, os perfumes de nossa terra não ofereciam àquela alma
ardente senão um espetáculo quase sem vida; eram maravilhas por assim dizer murchas, ante as
quais o poeta não inclinara.” (OLIVEIRA; idem)
A terceira e última geração da poesia brasileira é a chamada Condoreira e tem como
característica mais marcante a crítica social. Dessa geração fizeram parte Castro Alves e
Sousândrade, como expoentes máximos. O primeiro dedicou parte da sua obra em defesa
dos negros escravizados, recebendo por isso a alcunha de “Poeta dos escravos.” O segundo
criticava a sociedade de um modo geral.
A prosa romântica, nos diferentes períodos, teve nomes como Joaquim Manuel de
Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay,
40
Frânklin Távora e José de Alencar, os quais fizeram parte da construção do romance
brasileiro.
2.3. Contrapontos entre a formação dos Romantismos alemão e brasileiro
Há, naturalmente, várias diferenças entre os dois romantismo, entre elas poderíamos
citar o espírito crítico do alemão, em contraposição ao sentimental do brasileiro.Como
vimos anteriormente, a nação alemã buscava criticar o momento em que vivia, os domínios
culturais - sobretudo estilísticos e filosóficos - e políticos que estavam sofrendo, uma vez
que além do pensamento francofônico estar predominando no país, havia também uma
invasão no âmbito político com as colisões entre os exércitos germânicos e franceses, que
se iniciaram em 1792 e terminaram por volta de 1814, 1815 com as várias derrotas de
Napoleão. (FREUND, 1969: 70-82)
Essas invasões, a cultural e a política, despertaram na nação alemã o desejo de uma
reconstrução do país em todos os âmbitos. A grande unidade germânica e o crescimento
econômico se deram em meados do culo XIX, depois das guerras napoleônicas. Porém,
os aspectos culturais, foram, sem dúvida, restaurados muito mais cedo que o político e
econômico. A forte tendência filosófica, que foi iniciada por Kant e seguida pelos seus
sucessores idealistas, Fichte, Schelling e Schleimacher, deu uma grande guinada na
literatura do país fazendo surgir uma escrita progressiva, dinâmica , que misturava prosa,
poesia, filosofia, literatura, história, contos de fadas, textos eruditos e canções populares,
além de lançar no cenário mundial literário escritores como Friedrich Schlegel, um dos
41
responsáveis por teorias inovadoras, como a Ironia Romântica, e Novalis que mais tarde
influenciou a formação do Simbolismo francês como nos assevera Edmond Barteli (apud.
Delton Mattos, 1988:80) que “não tem dúvida de que Novalis foi o verdadeiro initieur do
Simbolismo Francês.”.
Menos ousado que o Romantismo alemão, o brasileiro apresentava uma literatura
mais tradicional e menos dinâmica. Houve, sem duvídas, grandes inovações no campo
semântico. Os mais nacionalistas substituíram as tradicionais importações temáticas
vindas da Europa por temas mais nacionalistas. Como exemplos temos poemas de
exaltação nacional, a “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias e os romances indianistas - O
Guarani, Iracema, Ubirajara - de José de Alencar. Em geral, nossos românticos
permaneceram formalmente preso às normas já existentes, escrevendo poemas sem
grandes inovações estruturais, construindo poemas métricos e fazendo, até mesmo, o uso do
soneto, forma poética clássica por excelência pela rigidez formal. Há, também, nos textos
românticos brasileiros, uma falta de interesse pelos temas mais reflexivos como, por
exemplo, temas que discutissem os problemas da nação - exceto Sousândrade e Castro
Alves - e que levassem o leitor à reflexão do presente. Isso ocorreu, a meu ver, por duas
razões fundamentais. A primeira, oriunda da falta de tradição literária brasileira, era apenas
o grande entusiasmo dos jovens escritores com a jovem e recém independente nação. Não
havia nos intelectuais brasileiro, como havia nos alemães, já firmados numa tradição
literário-filosófica, o desejo de criticar, porque o Brasil estava começando sua fase de
autonomia e o desejo era de construção, de formação de uma literatura, e não de
reconstrução, não política, mas principalmente estética, como no Romantismo
42
germânico. Outro ponto foi a tradição política portuguesa que seguiu junto com da jovem
nação. Como comentamos anteriormente, a independência foi mais uma estratégia da
coroa portuguesa do que um verdadeiro desejo de libertar o Brasil. O fato de o país ter
como imperador D. Pedro II, que era o patrocinador cultural, dificultou o desenvolvimento
de um pensamento crítico com relação aos temas sociais, políticos, econômicos, embora
“o jovem monarca ajudou quanto pode as pesquisas sobre o nosso passado, (...)não sem
ranços conservadores, como era de esperar de um grêmio nascido sob tal patronato”.
(BOSI, s/d: 109). Face a isso os nossos intelectuais ainda estavam muito arraigados aos
pensamentos mais tradicionais, mesmo que tentando livrar-se deles.
Um outro contraponto entre os Romantismos alemão e brasileiro foi a forma como a
coletividade e a individualidade intelectual eram representadas nos textos românticos. Os
escritores germânicos eram parte integrante de grupos de discussões e propagavam seus
pensamentos através dos textos literários, tanto que literatura, filosofia, estética e outros
conceitos estavam imbricados nos textos alemães. Nesse sentido a coletividade
manifestava-se na divulgação desses ideais. Sob o caráter intimista do movimento alemão,
o escritor se voltava para si mesmo em busca de respostas para as eternas questões
existenciais e trazia a tona ao mesmo tempo o coletivo e o individual, pois, o poeta, fazendo
uma viagem dentro de si mesmo, refletia sobre suas angústias e ao mesmo tempo sobre as
angústias comuns a todos os homens. As questões existenciais assumiam um caráter
subjetivo à medida que cada indivíduo tinha seus próprios anseios e questionamentos,
porém, ao mesmo tempo que eram íntimas, eram coletivas, espelhando a alma de todo um
povo.
43
Os escritores brasileiros trabalhavam, de um modo geral, isoladamente, pois criavam
sozinhos, não havia grupos de discussões, como os alemães, excetuando o grupo de São
Paulo, “Literatura e Sociedade, o grupo de Recife, liderado por Tobias Barreto e o grupo
Paris que segundo Antonio Candido(1933:13) era formado por cinco integrantes que “se
encontravam para estudar ou cultivar-se, e travaram contato com as novas orientações
literárias”. Nesse sentido nota-se que o individualismo e o senso coletivo na literatura
brasileira manifestaram-se de formas diferentes. O sentido coletivo no nosso Romantismo é
visto de uma forma mais nacionalista. Embora o escritor espelhasse a sua visão do país,
trazendo para suas obras uma percepção bastante particular, o desejo era de buscar uma
identidade nacional, o que interessava a toda a nação.
Com relação a Novalis, Álvares de Azevedo e o imaginário dos Romantismos alemão e
brasileiro, podemos afirmar que Novalis “cumpriu” a risca o que o ideal de seu
Romantismo propunha. Foi crítico, intimista, filosófico, propagou os conceitos germânicos
do movimento e escreveu de forma dinâmica e progressiva, enredando todas as realidades,
verso e prosa, poesia, filosofia e crítica dentre outros aspectos. Álvares de Azevedo, por
sua vez, foi além do que o ideal brasileiro propunha. Embora tenha mantido em parte o
sentimentalismo do Romantismo brasileiro e um certo tradicionalismo estrutural,
mantendo-se , em geral, fiel a uma métrica poética, usando versos tradicionais, inclusive o
soneto, fugiu completamente à proposta de criar uma literatura nacional de exaltação da
pátria como a maioria dos seus contemporâneos, voltando-se para uma escrita intimista em
detrimento à contemplação do mundo exterior. Outro aspecto que colocou Azevedo à frente
do seu tempo foi o caráter reflexivo de seus textos . Por meio da ironia e do humor, ele
44
fez com que seu leitor percebesse as várias facetas de sua poesia, mostrando o dinamismo
do movimento romântico e os diferentes estilos que ele abarcou.
Obviamente o Romantismo alemão foi mais maduro que o brasileiro e isso não poderia
ser diferente pelas várias razões que já foram discutidas. Deve-se ter sempre em mente que
as propostas dos movimentos eram diferentes e direcionadas para as necessidades culturais
de cada país, desse forma o Romantismo brasileiro jamais poderia ter se desenvolvido da
mesma forma que o alemão ou vice e versa, pois o Brasil tinha que iniciar a construção de
sua nação incipiente e não a reconstrução, estética, política, cultural dentre outras , como
na Alemanha. Sendo o Brasil uma nação que ainda engatinhava tanto politicamente,
economicamente, socialmente, historicamente, esteticamente como culturalmente, não
tinha como ter uma literatura “adulta”, como a germânica, mas nem por isso deixou de ser
uma literatura consciente.
45
3.0. A SIMBOLOGIA DO IMAGINÁRIO ROMÂNTICO
Símbolos. Tudo são símbolos...
Se calhar, tudo é símbolo ...
Serás tu um símbolo também?
Álvaro de Campos
As imagens recorrentes em uma obra literária específica ou em um conjunto de obras
de um determinado autor ou de uma determinada época, são símbolos carregados de
sentidos suscetíveis de serem des-velados e interpretados, revelando ao leitor significados
determinantes do processo de criação e de visão de mundo do escritor.
O imaginário da poesia romântica de Novalis e Álvares de Azevedo vale-se de alguns
símbolos comuns como a Morte, o Sonho, a Mulher e a Noite, que demonstram a
proximidade das obras desses dois autores. Para que os símbolos sejam des-velados e
revelem as determinantes do processo de criação desses dois poetas, é necessário que se
passe primeiro pela compreensão de subjetividade e para isso se tomará alguns conceitos de
Luc Ferry em sua obra Homo Aestheticus, para quem “a subjetividade que se exprime na
mais perfeita arte ainda é apenas uma subjetividade finita, humana, revestindo-se ,
justamente por esse motivo, de um corpo natural, portanto estético” (FERRY, 1994: 192).
Essa citação levanta uma questão crucial para esse estudo ao nos levar a questionar qual a
46
função dos símbolos para a poesia, mais especificamente para poesia romântica. Ferry
responde a essa questão desenvolvendo em sua obra, dentre outras teorias, a união entre
forma e conteúdo na arte clássica e romântica.
Para o artista clássico a unidade entre o divino e o humano era o corpo humano, do
gosto grego pelas esculturas que valorizavam os corpos perfeitos, homens de corpos
esculturais. Levando-se em consideração que o deus greco-romano aproximava-se muito da
figura humana, chegando até mesmo a relacionar-se sexualmente com os mortais, o ideal e
a verdade estavam na representação da figura humana. Para o clássico, portanto, o humano
e o divino não se encontravam em esferas tão distintas, daí a arte clássica assumir uma
postura mais representativa e sensível. A arte clássica havia alcançado a idéia verdadeira
de que o espírito é a síntese entre finito e infinito, humano e divino, união que a escultura
grega apresentava de maneira ideal na sensibilidade” (Idem, p. 193). Assim forma e
conteúdo na literatura clássica fundiam-se, pois a concretude real e os corpos terrenos
expressavam a totalidade do divino.
Ao contrário da arte clássica, a romântica buscava a unidade no infinito, no encontro
com o Absoluto, com Deus, mas levando em conta que
o deus grego não é abstrato, e sim individual; está em harmonia com a forma natural. O deus
cristão também tem, por certo, uma personalidade concreta, mas puramente espiritual, e deve
ser conhecido como espírito e no espírito. Seu elemento de existência (Dasein) é, portanto
essencialmente o saber interno e não a forma natural exterior na qual só pode ser apresentado de
maneira incompleta, sem que se leve em conta toda a profundidade de seu conceito.
(HEGEL,apud FERRY, 1994:200)
47
de se observar que dos deuses greco-romanos para o Deus cristão existe uma
grande distância. Enquanto os deuses clássicos tinham formas humanas e relacionavam-se
diretamente com suas criações, o Deus cristão assume uma forma completamente
espiritualizada, mantendo uma distância entre o céu e a terra, o divino e o comum, o ideal e
o real. Dessa forma a arte romântica viu-se frente a uma verdade interior, ou seja, abstrata,
espiritual, portanto difícil de ser representada esteticamente, no plano sensível. Foi dessa
dificuldade de representar o inteligível que recrudesceu o constante uso de símbolos pelos
poetas românticos. Na tentativa de expressar uma idéia que é indeterminada, o Romantismo
valeu-se do simbólico, com o qual tentou exprimir o “inexprimível”, dando forma ao
invisível:
Como a idéia ainda é indeterminada demais para poder ela mesma indicar de maneira concreta a
forma que deve receber, a arte simbólica, como sugere seu nome, limita-se com freqüência a
utilizar objetos naturais como meros representantes do conteúdo a ser expresso. (FERRY,1994:190)
Este processo de valer-se de “objetos naturais como meros representantes do conteúdo
a ser expresso” foi a nica do forte apelo idealista que permeou o imaginário filosófico e
literário da época romântica. Novalis e Álvares de Azevedo, com mais intensidade que
outros românticos, fizeram uso dos símbolos para poderem exprimir a forte carga idealista
de suas poesias. Para Cilaine Cunha (1998: 84) o uso de vocábulos com sentido vago
como “sonho”, “dormir”, “enlevo”, “desmaio”e “morrer” na obra azevediana significa que
48
o sentimento amoroso de caráter irrealizável aparece intimamente relacionado com a transferência
do ideal a uma esfera divina onde o sujeito lírico espera encontrar uma donzela que normalmente
simboliza a inocência e a pureza da alma.
Essa colocação sobre Azevedo também se aplica a Novalis, que utiliza elementos
simbólicos como Noite, Luz, Sonho, Morte e a mulher Amada para representar o
indeterminado. Se o ideal está em outro plano, vago, transcendental, abrangê-lo só é
possível por meio de elementos igualmente vagos ou simbólicos.
Friedrich Schiller desenvolveu em sua obra Poesia ingênua e poesia sentimental a
diferença entre as representações concretas do poeta clássico e as abstratas dos poetas
românticos, porém ele usou os termos poeta ingênuo (naive) e poeta sentimental
(sentimentalische).
Basicamente a poesia ingênua seria uma representação do real exterior, ou seja,
...
alter Dichter(...) ist mächtig durch die Kunst der Begrenzung; moderner Dichter(...) ist es
durch die Kunst des Unendlichen.
(...)
Da der naive Dichter bloß der einfachen Natur und Empfindung folgt und sich bloß auf
Nachahmungen der Wirklichkeit beschränkt, so kann er zu seinem Gegenstand auch nur ein
einziges Verhältniß haben.... (SCHILLER,2003: 3)
9
9
Alguns textos de escritores estrangeiros serão citados ao longo da dissertação no original e seguidos da
tradução, exceto os textos em espanhol. Em alguns casos, por não termos tido acesso a obra no original,
citarei apenas o texto traduzido. As traduções que não apresentam o nome dos tradutores são minhas.
49
O poeta antigo é forte pela arte da imitação; (...) o poeta moderno o é pela arte da infinitude.
(...)
Como o poeta ingênuo segue única e simplesmente a natureza e os sentimentos e somente limita-
se a imitar a realidade, então ele só pode ter com seu objeto uma única relação...
O que Schiller diz é que o poeta ingênuo imita o real e deixa seus
sentimentos
conduzirem sua poesia, então a relação entre o poeta e o objeto pode ser meramente
contemplativa, sem suscitar grandes reflexões, o mundo exterior e os sentimentos são
tomados como referentes do poema. Vê-se a correlação entre as idéias de Luc Ferry e de
Schiller. Ambos colocam a arte representativa, a poesia ingênua (naive), típica dos
clássicos (alter Dichter), como algo acabado em si mesmo, como uma arte que não vai
além dela, uma vez que a parte concreta, no caso da poesia a palavra e no caso das artes
plásticas o corpo humano, era suficiente para expressar a parte abstrata, ou seja, o conceito
de divindade e todos os elementos a ele relacionado.
Na poesia sentimental (sentimentalische), o poeta assume uma postura crítica com
relação ao que vê e sente,
Dieser reflektiert über den Eindruck, den die Gegenstände auf ihn machen, und nur auf jene
Reflexion ist die Rührung gegründet, in die er selbst versetzt wird und uns versetzt. Der Gegenstand
wird hier auf eine Idee bezogen, und nur auf dieser Beziehung beruht seine dichterische Kraft.
(SCHILLER, 2003: 3)
50
Ele reflete sobre as impressões que os objetos lhe causam, e somente nessa reflexão fundamenta
suas comoções nas quais o poeta mesmo se desloca e desloca a nós. O objeto é referido aqui a uma
idéia, e sua força poética se embasa somente nessa relação.
Vê-se que a diferença entre o poeta ingênuo (naive) e o sentimental (sentimentalische)
é a reflexão. No primeiro o objeto é apenas representado, no segundo o objeto é fonte de
inspiração para o autor que não toma seu eu nem a natureza como o referente de seu texto,
mas os transforma em sua interioridade, sua subjetividade, criando um eu ficcional. A
postura sentimental (sentimentalische) é matizada por uma atitude pessoal e intuitiva
enquanto que a ingênua (naive) é matizada pela razão. Dessa forma, estabelecendo uma
analogia entre a teoria de Ferry, sobre a arte clássica e a romântica e a concepção de arte
ingênua (naive) e sentimental (sentimentalische) de Schiller, percebe-se que a clássica
aproxima-se da ingenuidade, enquanto que a romântica do sentimentalismo. Benjamin
(1999:29) afirma que “a reflexão é o tipo de pensamento mais freqüente nos primeiros
românticos” e o próprio Schiller (2003: 3) assevera que a arte dos antigos, dos clássicos,
era a arte da limitação, enquanto que a arte dos modernos, os românticos, era a arte da
infinitude. “Uma obra para os olhos, pode encontrar sua perfeição no limitado; uma
obra para a fantasia pode também ser alcançada no ilimitado
.
.”
10
As obras de Novalis e Álvares de Azevedo enquadram-se perfeitamente na arte da
infinitude, do ilimitado, portanto caracterizam-se basicamente como sentimentais
(sentimentalische), embora em alguns momentos, especialmente em Azevedo, nota-se
10
Ein Werk für das Auge findet nur in der Begrenzung seine Vollkommenheit; ein Werk für die
Einbildungskraft kann sie auch durch das Unbegrenzte erreichen
51
alguns indícios de ingenuidade, como por exemplo, o forte apelo erótico de seus poemas,
pois mostra a poesia voltada para o sentimento do próprio poeta, característica da arte
ingênua (naive) . Com relação ao alemão essa classificação, a de poeta sentimental
(sentimentalische) é uma unanimidade entre os críticos, porém com relação ao brasileiro há
uma tendência a enquadrá-lo só como poeta ingênuo ( naive).
Luiz Costa Lima, em seu livro O controle do imaginário, desenvolve a teoria de
Schiller aplicando-a aos Romantismos alemão e brasileiro. Para ele diferentemente do
romantismo alemão, o brasileiro privilegiou, de um modo geral, o sentimentalismo,
tornando nossa literatura nostálgica e menos auto-reflexiva. Enquanto na Alemanha os
poetas românticos preocupavam-se com o fazer poético, a criação de uma nova estética que
rompesse com padrões clássicos franceses que nortearam a literatura germânica por um
longo período, além de discussões políticas sobre a invasão napoleônica; no Brasil os
românticos buscavam inspiração no passado, retomando temas como o índio, e
relembrando a colonização portuguesa e as belezas da fauna e flora brasileiras, assuntos
tão freqüentes nos textos da literatura de informação. Segundo Luiz Costa Lima (1984:135)
isso se deu pela falta de identidade dos jovens escritores brasileiros e a freqüência de
temas tristes, melancólicos e saudosistas, simbolizavam uma nação literária que não se
encontrava mais na Europa e ao mesmo tempo não se reconhecia na sua própria terra.
Enquanto no velho continente a insatisfação com o presente levava o poeta à auto-reflexão,
reflexo de uma nação madura, com um passado literário e histórico consistentes, no
Brasil essa insatisfação era motivo de sofrimento e melancolia além de uma busca da
52
identidade nacional, originários da própria fragilidade do país como nação, uma vez que o
Brasil só “deixou de ser colônia” de Portugal em 1822. Até então os sentimentos de
nacionalidade e identidade eram bastante confusos, pois ao mesmo tempo em que nos
víamos cada vez mais distantes de Portugal ideologicamente, não havia como negar as
fortes influências, não no campo político, mas tamm cultural, sem que se esqueça o
esteio básico: a língua.
Com bases nas pesquisas realizadas no decorrer desse estudo é lícito afirmar que Costa
Lima cometeu enganos, pelo menos no que diz respeito à obra de Álvares de Azevedo, pois
como será mostrado detalhadamente mais à frente a obra de Azevedo também apresenta
preocupações textuais, deslocando o referente de sua obra da representatividade exterior e
do sentimento pessoal para o referente textual, especialmente em poemas da segunda parte
da Lira.
3.1. O idealismo alemão
No passado entre nós se preconizava exclusivamente
a natureza; agora se preconiza o ideal.
August Schlegel
53
A existência de uma realidade metafísica como a crença em um Deus interior, que é o
criador de tudo, como prega o cristianismo, e de uma crença em um ideal, remete-nos
diretamente ao conceito de unidade, unidade que será contemplada na transcendência da
alma. Não como não falar do idealismo alemão, como substrato estético, afinal todo o
imaginário romântico é fruto do pensamento de alguns filósofos do século XVIII que
pregavam a existência de um elemento ideal unificador que tinha como uma de suas raízes
as teorias de Fichte.
Para Nicolau Hartmann (1960:9-10) o idealismo alemão foi um movimento espiritual
que teve seu apogeu com Fichte, no final do século XVIII e início do XIX. O ponto chave
do pensamento idealista era a “criação dum vasto sistema de filosofia, rigorosamente
homogêneo, baseado em fundamentos últimos e irrefutáveis,” portanto uma idéia de
totalidade que nos remete às poesias novalisiana e azevediana.
Para Abbagnano (1982: 498) um dos significados de idéia, que remete-nos ao
conceito de idealismo, é “o que não é real porque pertence à representação ou ao
pensamento”.
Ambos os conceitos serão utilizados para explicitar o pensamento fichteano. Sua
filosofia voltou-se para a existência de um elemento em um outro plano que não no físico,
mas sim no plano metafísico e intelectual.
O idealismo de Fichte teve como ponto de partida as idéias divulgadas em 1794, no
livro Grundlage der gesammten Wiessenschftslehre (Fundamentos de toda Teoria da
Ciência). Nessa obra o filósofo alemão tentou resolver o dualismo deixado pela filosofia
kantiana. Esse dualismo decorria da existência de dois mundos, o sensível, onde prevalecia o
54
determinismo, um encadeamento de causas e efeitos, e o espiritual, livre, o que, segundo
Gerd Bornheim (1985:86), seria um princípio que o conhece condicionamento, que
nos diz que devemos fazer o nosso dever pelo dever mesmo”.
Partindo desse dualismo, Fichte desenvolveu sua teoria do Eu absoluto. Esse filósofo
admitia a existência dos dois mundos kantianos, mas acreditava ser necessária a abolição de
um dos seus termos, ou seja, ou existe a liberdade, ou existe o determinismo. Criou-se
então a Tathandlung, que é uma ão efetiva, um princípio absolutamente originário e
universal, um espírito absoluto” (Idem) que Fichte chama de Eu. Esse Eu seria uma
realidade dinâmica, função pura, atividade infinita e ilimitada, o mundo interior, o mundo da
liberdade, um
Eu, como sujeito Absoluto. Aquilo cujo ser (essência) consiste meramente
nisto: que ele põe a si mesmo como sendo o Eu, como sujeito Absoluto. Assim que se
põe, ele é, e assim que é ele se põe”. (FICHTE, 1988:46)
O Eu tem características tão superiores que se põe a si mesmo, ele se justifica a si
mesmo, “o Eu põe a si mesmo pura e simplesmente porque é.”(FICHTE, idem)
Para Gerd Bornheim (1985:86) o Eu fichteano é a porção divina que cada homem traz
em si o que
... Fichte chama de “Tathandlung”, isto é, ação efetiva. Uma ação que tudo condiciona e
que não conhece condicionamento, algo de absolutamente originário e absolutamente universal.
Esse primeiro princípio metafísico, ação efetiva, original e universal, Fichte o chama de Eu,
entendido como autoconsciência pura. Não se trata do eu particular de uma pessoa determinada,
de um eu empírico, mas de um princípio supra-individual, um Eu puro , aquilo que o homem
55
traz em si de divino e absoluto, pois, de fato, o Eu de Fichte não deixa de apresentar analogias
com o espírito absoluto.
Assim como esse Eu se põe a si mesmo ele põe também o Não-eu, que tem
determinações que atendem às necessidades do Eu. Esse Não-eu é limitado e finito ao
contrário do Eu, que é infinito:
É estabelecido um Eu Absoluto como pura e simplesmente incondicionado e o determinável
por nada superior (...) e meu espírito tem por tarefa, proveniente de seu pôr Absoluto, encontrá-lo;
mas essa tarefa poderia ser solucionada depois de uma aproximação perfeita e terminada do
infinito.”(FICHTE, 1988: 59-60)
O Eu fichteano num primeiro momento era visto como um objeto da intuição
intelectual, a consciência do homem seria capaz de pôr-se a si mesma e agir em função de
si mesma, ou seja, conceitos que são inatos ao homem. Essa teoria levou Fichte a sofrer
várias críticas e o seu trabalho foi considerado ateísta por centrar toda a capacidade
perceptiva e criadora do homem em si próprio. Porém essa teoria “antropocêntrica” do
filósofo foi revista alguns anos depois em sua obra Grundlage der gesammten
Wiessenschftslehre (Fundamentos de toda Teoria da Ciência) de 1797.
Segundo Nicolau Hartmann (1960: 86, 90 e 92) Fichte não estava de todo isento de
culpa quando foi considerado ateu, pois no momento em que criou sua teoria sobre o Eu deu
a ele características subjetivas, portanto individual, da consciência humana. Em 1797 após
56
uma revisão do seu conceito ele atribuiu a esse Eu uma idéia divina, pois se dá a idéia de
Deus.
... se lugar a idéia de Deus (...) A origem incompreensível, que não pode chamar-se Eu, é
muito melhor título, Deus.(...) Por meio deste processo chega aos seguintes resultados: Deus é
o ente único absoluto, não como conceito morto, mas como “ pura vida em si mesma”. Todo ser
real e possível é dado por ele.
A citação de Hartmann evidencia a fusão entre a lógica filosófica, o pensamento
racionalista da filosofia e a crença metafísica. Fichte embora tenha centrado, num primeiro
momento, toda a sua teoria na consciência humana, acabou rendendo-se aos sentimentos
espiritualistas de sua época e substituiu o Eu humano pelo Eu metafísico e divino,
deslocando o conceito de Eu do pensamento humano, ou seja, totalmente subjetivo, para um
sentido que é ao mesmo tempo subjetivo e universal, o conceito de Deus (Absoluto).
Podemos, portanto, fazer uma analogia entre o idealismo de Fichte e o idealismo
cristão. A Tathandlung é uma ação efetiva, está em constante movimento, “Deus vive num
contínuo fieri, é dinamismo, atividade absoluta, essa atividade reflete-se na criação”
(BORNHEIM, 1985:91), “Dios é concebido como una fuerza en perpetuo devenir”,
(BEGUIN, 1992:87) e no momento que o Eu passa a ser intitulado Deus, passamos de um
conceito mais racional para o metafísico e o Eu, que era o criador de tudo, foi substituído
por Deus que é o criador do mundo das representações e também do mundo superior, o das
idéias, perfeito, verdadeiro, incondicional, que só pode ser encontrado por meio da morte e
às vezes contemplado através dos sonhos, como afirma Béguin (1992:113):
57
Y, por conseguinte, si en el sueño el alma se encuentra más cerca de Alma del mundo ( o si,
para decirlo com palabras de los neoplatónicos, la sede de los sueños es el Alma del mundo,
presente en su totalidad en cada alma particular), el sueño es una prefiguración de la muerte...
Si durante toda nuestra vida hemos estado constituídos por una doble tendencia a la
individualidad y a la unidad confundidora, la muerte no puede ser otra cosa que la disolución final
de la individualidad, el cumplimento de nuestra aspiración a reincorporarmos en el Todo, y los
sueños son un primier antecipo de esa reincorporación....
En el sueño o muerte de la percepción sensible, en el desvanecimento de la razón, es
donde podemos acercarnos al único conocimento importante: el de Dios, el del cosmos, y
unirmos a ellos gracias a la muerte de todo lo que de ellos nos separaba
.
Nessa citação vemos que os românticos acreditavam na vida eterna e ideal e desejavam
a morte para encontrá-la, porém acreditavam ser possível contemplar parte desse mundo
ideal mesmo em vida por meio da intuição, que está diretamente ligada ao Sonho, pois
ambas são manifestações do inconsciente remetendo-nos a Rousseau, que deixou de lado
a razão e guiou-se pelos caminhos do sentimento, ouviu sua voz interior.
Fichte não pensava diferente, para ele um filósofo deveria voltar-se para si mesmo para
encontrar-se com o Eu puro e absoluto, pois através da autoconsciência é possível conhecer
todas as coisas, sejam elas externas ou internas, a essência do conhecimento está no Eu.
Essa tendência individualista e subjetiva foi um dos pontos que direcionou a poética
romântica, e como não poderia deixar de ser, a de Novalis e de Álvares de Azevedo. O
segundo, como já citamos anteriormente, demonstrou remorso por seguir essa tendência tão
existencialista.
58
Outro ponto que tornou a filosofia fichteana um dos ícones dos românticos foi a
unidade. A busca de uma unidade era um dos princípios básicos dos românticos, e Fichte
conseguiu, por meio de seu Eu/Deus, essa unidade, influenciando toda uma geração de
escritores, inclusive Novalis que sofreu diretamente as influências do pensamento fichteano.
“A presença de Fichte é quase palpável em inúmeros ” dos fragmentos novalisianos
(LIMA, 1993:180) e também nos Hinos. Novalis sofreu fortes influências de Fichte, não
no primeiro momento, mas também depois, quando passou a adotar as idéias de Schelling
como sua referência. E segundo Costa Lima (Idem, 192)
Novalis (...)a exemplo do que fizera seu prezado Fichte com a questão do infinito, (...)
interrompera bruscamente seu processo e criara um compromisso entre o real possível e o eterno
adiamento de desejada comunhão.
Ao contrário do que afirma Otto Maria Carpeaux (Opcit. p.8) que as idéias de Schelling
foram a grande determinante de Novalis, Costa Lima coloca o pensamento novalisiano em
grande comunhão com o de Fichte. O fato é que, Schelling foi também influenciado pelo
pensamento fichteano, portanto mesmo que Novalis tenha sofrido influências, exceto em
Hinos à Noite, de Schelling, suas obras deixam transparecer, e muito, o pensamento de
Fichte.
Com Álvares de Azevedo a assimilação do idealismo alemão deu-se, provavelmente, por
outra via, que não o contato direto com os textos fichteanos, embora não se possa afirmar
com certeza que o poeta brasileiro nunca leu o filósofo alemão, pois conhecia o idioma
alemão. A única certeza que se tem é de que ele foi um leitor voraz, “andou sempre a
59
lembrar e a citar os bons escritores gregos, latinos, ingleses, italianos, alemães e franceses”
(ROMERO, 2000: 28),”se deteve mais na biblioteca que no botequim” (GRIECO, 2000:49),
ceifou sua breve vida literária “sob o signo de Byron e em geral dos românticos ingleses”,
mas nutriu-se “de cultura francesa(...), alemã (...), e quiçá também italiana”.(STEGAGNO-
PICCHIO, 2000:98). Dessa forma o idealismo presente em sua obra foi adquirido através
das leituras que fez, de outros poetas que também seguiam a tendência idealista.
Independente da via que seguiram é evidente em ambos os poetas que o pensamento
idealista alemão foi fundamental para o desenvolvimento de suas poesias, pois segundo
Villaça (1994:11) é pelo paradigma das idealizações que se criam as expectativas
românticas: na arte, ser um gênio; nas ações, ser um herói; no amor, ser o amante sublime da
mulher mais pura”.
3.2. A Noite, o Sonho, a Morte
“Seria pouco dizer que vivemos num mundo de
símbolos: um mundo de símbolos vive em nós”
Guy Schoeller
Estamos cercados de símbolos todo o tempo, eles estão no cerne de nossas vidas e
60
revelam os segredos do nosso inconsciente e do infinito. Buscar decifrá-los é desvendar os
mistérios de mundos desconhecidos. Assim como nossas vidas, os poemas também vivem
mergulhados num mundo de símbolos:
Os símbolos estão no centro, constituem o cerne dessa vida imaginativa. Revelam os segredos
do inconsciente, conduzem às mais recônditas molas da ação,abrem o espírito para o desconhecido
e o infinito. (...)
O símbolo tem precisamente a propriedade excepcional de sintetizar, numa expressão
sensível, todas as influências, bem como das forças instintivas e espirituais, em conflito ou em
vias de se harmonizar no interior de cada homem. (CHEVALIER, 1982: XII, XIV)
As palavras de Chevalier sintetizam a importância da linguagem simbólica para a
poesia. Os símbolos são representações de idéias indeterminadas, de conceitos do
inconsciente e de crenças espirituais, que por serem abstratas e estarem além do mundo
sensível, podem ser compreendidos de forma simbólica. Em Jung (1964:20-21) esse
conceito não é muito diferente:
O que chamamos símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser
familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e
convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós.(...)
Por existirem coisas fora do alcance da compreensão humana é que freqüentemente utilizamos
termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender
integralmente.(...)
61
Novalis e Álvares de Azevedo buscaram, como tantos outros poetas, demonstrar por
meio de símbolos sua crença no mundo ideal. Imagens como Noite, Sonho, Morte e
mulher Amada são recorrentes nos poemas dos Hinos e da Lira e são elementos
fundamentais para compreendermos o imaginário da poesia de ambos.
A Noite é a grande inspiradora de Novalis, o próprio título de sua obra é uma
comprovação disso. Porém esse símbolo é uma metáfora para o mundo dos Sonhos, da
Morte e para o mundo romântico, que se opõe ao mundo clássico chamado por ele de
mundo da luz.
Segundo o Dicionário de símbolos (2001:639 ) a Noite para os gregos era a filha do
Caos e a mãe do Céu (Urano) e da Terra (Gaia). Ela engendrou também o sono e a morte,
os sonhos e as angústias, a ternura e o engano.” Para Novalis (1998:20,30,32) ela também
é mãe de todas as coisas, ela é a portadora dos mundos sagrados, da Morte e dos Sonhos.
Preis der Weltköniginn, der hohen Veründigerinn heiliger Welten, der Pflegerinn seliger Lieber. (...)
Sie trägt dich mütterlich und ihr verdankst du all deine Herrlichkeit. (...) Wahrlich ich war, eh du
warst – die Mutter schickte mit meinen Geschwistern mich zu bewohnen deine Welt, sie zu heiligen
mit Liebe... (Hymnen 1)
Glória à Rainha do mundo, à grande mensageira dos mundos sagrados, à tutora do bem aventurado
Amor .(...) Ela traz você como uma mãe , e a ela tu deves toda a tua glória. (...) Na verdade, antes
que fosses eu era a Mãe me mandou com minhas irmãs para habitar seu mundo e santificá-lo com
o Amor...
62
A Noite sendo a mãe, é a geradora. Ela tem poder sobre tudo, é também “sem tempo e
sem espaço. Perene é a duração do sono. Sagrado sono”
11
, que é o portador dos Sonhos.
Frédéric Gaussen (Apud. CHEVALIER et. al, 2001:844) assevera que o sonho é uma
aventura individual ” é uma forma de expressarmos a nós mesmos. Biblicamente o sonho é
um signo de Deus, uma ponte entre o divino e o terrestre como se encontra, por exemplo,
em Gênesis 40:8 : “Tivemos um sonho lhe disseram e não quem o interprete. José
lhes disse: Não são de Deus os sentidos ocultos?” Essa postura cristã de que o Sonho é
uma intervenção divina é observada também em outras crenças, como as dos povos da
antigüidade clássica e nas culturas mais primitivas.
Albert Béguin (1992: 113) afirma que para o romântico o Sonho é uma prefiguração
da Morte. Quando sonha o homem contempla o mundo da Morte e conseqüentemente deixa
sua individualidade para integrar-se ao Todo, uma vez que a Morte é o reencontro com o
Absoluto, com Deus. Isso acontece porque o homem é parte do Todo, e só não está
integrado a ele totalmente em vida por causa do pecado original. Segundo o mito cristão
(Bíblia, Gên. 3) ao trair a confiança divina e comer do fruto da árvore da ciência do bem e
do mal, o homem perdeu o paraíso, portanto perdeu o contato direto com a natureza e com
Deus. Esse mito nos remete à Flor azul de Novalis, símbolo do Romantismo alemão por
excelência, que significa a constante busca do homem pelo paraíso perdido, pela unidade
perdida, que só pode ser encontrada dentro de si mesmo, na intuição espiritual e o Sonho é
um dos caminhos para essa “viagem” interior.
11
Aber zeitlos und raumlos ist der Nacht Herrschaft. – Ewigist die Dauer des Schlafs. Heiliger Schalaf...
(NOVALIS, 1998: 22).
63
“Parece que quem dorme participa de uma vontade de ocultação, de uma vontade de
noite. (...) Sonhos e pesadelos ficam então tão distantes das verdades da luz quanto próximos
da grande sinceridade noturna” (BACHELARD, 1994:161). Com essa afirmação Gaston
Bachelard dialoga com Novalis (1998:16, 30), pois, para o alemão, a presença da luz
“desvela toda a maravilha dos impérios do mundo, mas que não oferece os deleites, gozos
e êxtases da Morte, pois só “a cor da Noite” traz “tudo o que nos encanta”
12
.
Freud (1972, v.1: 87) apresenta várias teorias sobre o Sonho. Entre elas uma “que
atribui à mente que sonha uma capacidade de inclinação para levar a efeito atividades
psíquicas especiais de que ela é, em grande parte ou totalmente, incapaz na vida de vigília”.
Ora, se o mundo real é o mundo das limitações, nossa mente só é capaz de conhecer os
mundos metafísicos, ilimitados, quando dorme. Dessa forma Novalis e Azevedo
conseguem atingir o mundo das idéias enquanto sonham, portanto o Sonho é a fonte
fundamental para que eles consigam suprir seus desejos de infinito.
Embora Freud tenha desenvolvido um dos mais importantes estudos sobre o Sonho,
Jung é talvez o nome mais marcante no que diz respeito ao estudo dos símbolos e dos
Sonhos, pois desenvolveu toda a sua teoria psicanalítica baseada na simbologia dos Sonhos,
diferenciando-se das teorias freudianas.
O Sonho tem uma importância fundamental na
compreensão da alma humana, pois através dele podemos contemplar nosso inconsciente e
desvendar alguns mistérios tanto do nosso ser quanto da história da humanidade. Todavia
Jung foi além de seu antecessor Freud, pois para ele o Sonho é uma manifestação do
12
Seine Gegenwart allein offenbart die Wundererrlichkeit der Reiche de Welt.(...) Wollust, welchen Genuss
bieter dein Leben, die aufwögen des Todes Entzückungen? Trägt nicht alles, was uns begeistert, die Farber
der Nacht?
64
inconsciente coletivo do indivíduo, trata-se, basicamente, do encontro do homem com a
essência da vida, da natureza e dos seres superiores. Esse inconsciente se forma na mente
humana a partir de experiências vividas pelo homem e essas experiências Jung chama de
arquétipos. Esses arquétipos são todo o nosso “patrimônio genético” , são a reunião de
todos os símbolos da nossa humanidade. Nos Sonhos podemos contemplar esses
arquétipos, que seriam manifestações do nosso inconsciente e através das imagens oníricas
estabelecemos contatos com mbolos diversos e antigos, símbolos que representam
milhares de gerações que nos formam e que nos aproximam das raízes da nossa existência,
da essência do nosso eu.
É possível fazer um contrapondo entre Jung e o Romantismo de Novalis e Álvares de
Azevedo. Para o psicanalista o Sonho é um encontro com a natureza e com a essência do
homem, e o que esses dois poetas buscam no mundo ideal é justamente o encontro com o
Todo, com essa essência perdida e dessa forma o Sonho assume para Jung também um
caráter de elemento condutor ao ideal, ideal que se encontra no inconsciente humano,
portanto é passível de conhecimento quando o homem aventura-se a viajar dentro de si
mesmo.
Tanto para Novalis como para Álvares de Azevedo o Sonho é uma ponte entre o
mundo real e o mundo ideal e com a Morte o homem passa definitivamente a fazer parte
do mundo infinito e ideal e contempla as maravilhas que um espírito Absoluto pode
oferecer. Essas maravilhas, entretanto, podem ser contempladas antes da Morte por meio do
Sonho, que é uma prefiguração da vida eterna. Por essa razão a mulher Amada muitas
65
vezes é um elemento onírico, representando o ideal nunca atingido no plano real, mas sim
no mundo metafísico alcançado após a Morte.
A Morte é uma ponte para o homem, por meio dela ele é capaz de alcançar o
Absoluto e a unidade que só esse Absoluto pode oferecer ao espírito humano.
Para ABBAGNANO (1982: 653) a Morte é, dentre outras coisas, “inicio de um ciclo
de vida, (...) entendida por muitas doutrinas que admitem a imortalidade da alma.” Esse
conceito de Morte é o referido nos poemas de Novalis e Azevedo. Ambos os poetas
acreditavam na transcendência da alma e fizeram disso o ponto ximo de sua poesia,
especialmente em Hinos à Noite e Lira dos Vinte Anos.
Tanto a Noite, como o Sonho e a Morte, são elementos buscados nas obras de Novalis
e Azevedo por meio da figura feminina, o culto da mulher significa o culto da alma”
(JUNG, 1976:264). Nesse sentido quando o poeta busca a figura da amada no Sonho ou na
Morte está em busca do ideal de perfeição encontrado através desses dois elementos. Por
essa razão a mulher está sempre no plano abstrato, pois como disse Fichte (1998:59) o
Absoluto pode ser encontrado no infinito e esse infinito é representado no imaginário
romântico por símbolos que estabelecem relações com a amplitude do infinito, uma vez que
não podem ser alcançados no plano concreto porque limitações do plano físico que
impedem o poeta de expressar seus anseios metafísicos.
No sentido artístico, o poema será sempre menor que a poesia, pois o primeiro é a
representação física do segundo que é a idéia, portanto a idéia será sempre superior à
palavra. Segundo Schlegel (1997:65-66)
66
O gênero poético romântico ainda esem devir; sua verdadeira essência é mesmo a de poder
vir a ser, jamais ser de maneira perfeita e acabada. (...) ele é infinito, assim como ele é livre,
e reconhece, como sua primeira lei, que o arbítrio do poeta não suporta nenhuma lei sobre si.
Para o poeta romântico a poesia está muito além do que a linguagem pode definir. A
palavra serve apenas para instigar a imaginação do leitor, para levá-lo a compreensão de
uma idéia, é apenas um substrato para o ideal do autor.
A certeza de “que a poesia quer ser pura, mas o poema não” (WARREN, apud
PEIXOTO, 1980:47) aferiu à imagem feminina a simbologia de ideal inatingível nos
poemas dos Hinos e da Lira. Essa simbologia levou os poetas de encontro à ironia
romântica, que é, dentre outras coisas o sentimento de finitude e da limitação própria,
assim como da aparente contradição desse sentimento em face à idéia de infinito”
(ROSENFELD,1985:159). Ora, se o romântico tinha consciência da finitude da linguagem
poética, poema, frente à infinitude do ideal, poesia, os elementos simbológicos
representavam idéias vagas, somente contempladas pela mente humana no pensamento.
No último capítulo serão analisados alguns poemas-Hinos de Novalis e alguns poemas
de Álvares de Azevedo da Lira dos Vinte Anos. Os símbolos Noite, Sonho, Morte e mulher
Amada serão interpretados dando luz às teorias filosóficas e estéticas de Fichte, Schiller e
Schlegel, que foram fundamentais para a construção do imaginário romântico.
67
4.0.
DIÁLOGOS LÍRICOS
El rosto de Novalis se parece al de un niño
que estuviera fascinado y a la vez asustado
por la contemplación de un mundo misterioso
que ante él se extiende y que le está permitido
explorar. Su mirada es la del vidente que
abarca más allá de lo visible un infinito de
lejanías teñidas de esse azul que, en el orden
terrestre, es para él el color de lo ilimiado, y ,
en el orden sobrenatural, de lo absoluto y
sagrado.
Marcel Brion
- Foi poeta – sonhou – e amou na vida. –
Álvares de Azevedo
Em Lira dos Vinte Anos Ariel esbarra todo tempo em Caliban. Dois poetas se
manifestam, um Penseroso, crente, esperançoso, sentimental, o outro Macário, crítico,
reflexivo, irônico, cético. Essa dualidade, ou seja, esses dois eu-líricos que teimam em
povoar a mente do autor, que hora se mostra ingênuo, sentimental e hora reflexivo,
68
consciente, é um dos pontos mais marcantes da poesia do brasileiro. Boa parte dos
críticos literários dão a essa característica uma importância fundamental para se chegar à
gênese da poética azevediana. Em Hinos à Noite, ao contrário, essas personagens fundem-
se em uma única figura, um único eu-lírico que se apresenta crente, esperançoso,
sentimental ao mesmo tempo que reflexivo e crítico. Enquanto o primeiro está dividido
entre o ingênuo e o crítico, o segundo estabelece a síntese dessas duas posturas.
Um mergulho nas obras desses dois poetas deixará emergir a grande viagem do mundo
romântico dos Sonhos.
4.1. Novalis: o poeta da Noite
A Novalis
Você não oscila no limite, mas em seu espírito poesia e filosofia
se interpenetram intimamente. Seu espírito era o que me estava
mais próximo nessas imagens da verdade incompreendida.O que
pensou, eu penso; o que pensei, você pensará ou já pensou. Há
desentendimentos que apenas confirmam o supremo acordo.Cada
doutrina do eterno oriente pertence a todos os artistas. Em vez de
todos os outros, é a você que chamo.
Friedrich Schlegel
69
Georg Philipp Friedrich Freiherr von Hardenberg , o Novalis
13
, foi um dos poetas de
maior expressão do Romantismo alemão, e, certamente o mais talentoso do Frühromatik.
Era de uma antiga família aristocrata da região da Turingia, os Hardenberg. Nasceu em
Oberwiederstedt em 2 de maio de 1772 e era o primogênito de uma família de sete filhos
cujo pai, Eramus von Hardenberg, converteu-se ao pietismo após a morte de sua primeira
mulher. Era um homem extremamente religioso, fanático, o que o tornava um pai severo e
distante da família proporcionando uma maior aproximação de Novalis com sua mãe e
seus irmãos em especial Eramus e sua irmã Karl.
Desde criança Novalis mostrava ter uma grande capacidade imaginativa e uma forte
inclinação religiosa, que na idade adulta tornou-se uma das grandes fontes inspiradoras da
poesia do escritor. Seu gênio introspectivo e sua tranqüila convivência com sua mãe e
irmãos contribuiram para a prática da reflexão interior e da meditação, dois elementos que
alimentavam a invenção de belas e estranhas histórias sobre reinos mágicos e encantados
que ele contava a seus irmãos.
Foi noivo de Sophie von Kühn que morreu em 1797 aos 15 anos de idade. Em
dezembro de 1798, ficou noivo de Julia von Charpentier e casou-se com ela. Segundo
13
Para Kohlschmidt (1967:332) a origem do nome Novalis, pseudônimo adotado por Friedrich von
Hardenberg, derivou de Neurode, o nome de uma propriedade de sua família. Segundo BRION (1971:12)
esse pseudônimo “corresponde armoniosamente com Atlantis, el mundo perdido donde reinaban la alegría,
la perfeccíon, el conocimento y la belleza; el paraíso futuro, la Casa del Padre donde los elegidos han de
reencontrar-se”. Atlantis é o nome da cidade natal da personagem Heinrich, da obra Heinrich von
Ofterdingen, a cidade que ele abandona para partir em busca da flor azul. Nota-se que o próprio nome
escolhido pelo poeta traz o sema da religiosidade dominante em algumas obras, religiosidade que após a
morte de seu irmão Eramus e pouco tempo depois, a de Sofhie von Kühn, mudou a vida de Friedrich von
Hardenberg, que passou a adotar o nome de Novalis e viver seu verdadeiro destino: consagrar-se à Noite
entregando-se à Morte.
70
Brion ( 1973: 121) a mulher era o amor real de Novalis, ao contrário da falecida noiva que
era “una niña cuya naturaleza era de los elfos más que la de los humanos.”
Assim como Álvares de Azevedo é apontado por Bosi (s/d: 121) e Franchet (1999:01)
como o poeta de maior expressão da sua geração, Novalis é para Werner Kohlschmidt
(1967:315) , “o poeta de maior talento do Frühromantik (romantismo inicial)
14
, para
Brion (1973: 10) “el más elevado y el más profundo poeta de todo lo Romanticismo, tal
vez exceptuando a Hölderlin,” e para Carpeaux (1994:112) “ o gênio”.
Novalis foi um poeta de canções, hinos religiosos, fragmentos, romances e poemas
intimistas e, especialmente nas canções, nos hinos e nos poemas, ele apresentou sua
preferência pela atmosfera noturna.
In seinen Liedern und Hymnen enfalten sich zwei Grundmotive der Romantik: das einer, (...)
undogmatischen protestantichen Mystik mit starker Affinität zum Katholizismis und das
gegenrationalistische und zugleich autiklassische der Antipathie gegen Tag und Licht und der
Sympathie für alles dunkel Ge heimnisvolle und Unendliche. In den Hymnen an die Nacht fürhrt
das zur runden Absage an die Licht welt und Formklarheit. (KOHLSCHMIDT, 1967:315)
Nas suas canções e nos hinos desenvolvem-se dois temas fundamentais do romantismo: um
misticismo protestante anti-dogmático, (...), caracterizado por grande afinidade com o
catolicismo , e uma aversão anti-racionalista e ao mesmo tempo anti-clássica ao dia e à luz,
contrabalançada pela atração por tudo quanto é misterioso e infinito. Nos Hinos à Noite uma
recusa ao mundo da luz e da claridade.
14
Die weitaus stärkste dichterische Begabung aus dem Umkreis der Thürigisch-sächsischen Frühromantik ist
das einzige Kinde dieser Landschaft Friedrich von Hardenberg. ( O mais talentoso dos poetas do círculo do
romantismo inicial da Turíngia e da Saxônia é Friedrich Hardenberg, o único natural dessa região.)
71
Segundo Marcel Brion (1973:30) essa consagração ao mundo noturno, a aversão ao
mundo da luz e também a obra Hinos à Noite surgiram de uma revelação, de uma visão
que o poeta teve com sua Amada morta, no dia 13 de maio de 1797, no cemitério de
Grüningen em frente ao seu túmulo e relatada pelo próprio Novalis em seu terceiro hino .
Essa obra é uma das mais importantes, excetuando talvez Heinrich von Ofterdingen. A
importância dos Hinos dá-se mais por marcar a transição de Friedrich von Hardenberg
para Novalis do que pela densidade reflexiva dos poemas propriamente ditos. Não quero
dizer aqui que os os Hinos estejam aquém das demais obras do poeta, pelo contrário, eles
merecem o mesmo louvor que as demais, porém no plano imagético a obra não atingiu a
maturidade de Heinrich, que apresenta uma linguagem simbólica muito mais trabalhada e
diversificada do que os Hinos, e no plano semântico não alcançou a variedade reflexiva dos
fragmentos. Nos hinos as reflexões filosóficas novalisianas ficam centradas quase que
apenas no tema do desejo de transcendência, enquanto que nos textos posteriores uma
diversificação reflexiva como os questionamentos metafísicos, existenciais, estéticos,
poéticos, dentre outros, por isso mais densos. Em Hinos, Novalis preocupou-se em expor
sua conversão ao mundo da Noite, ao reino Absoluto e ao mundo romântico, tanto que os
seis poemas da obra são louvores ao mundo noturno. As reflexões estéticas e filosóficas
ganharam mais força nos textos posteriores, especialmente nos fragmentos. Segundo
Wiese (apud. BESSET, 1947: 05), “Novalis est le seul membre de la première école
romantique qui ne parle pas de religion par ambition littéraire, mais sous la contrainte de
72
sa destinée
15
.” Assim, além da forte influência pietista que ele herdou de seu pai o
encontro místico com sua Amada o fez vislumbrar a Noite, ou seja, o mundo da Morte, e
passar a viver somente a esperá-la. No “Hino 3” o poeta narra como foi esse encontro e
como isso mudou sua vida. Só, desamparado pela morte de sua Amada, o poeta sofreu e
buscou um auxílo, algo que diminuísse sua dor. Bruscamente, por meio de um Sonho, a
iluminação surgiu dos céus e o eu-lírico reconheceu a fisionomia da Amada diante dessa
Luz, que é o lugar da eternidade.
O “Hino 3” evidencia o destino religioso de Novalis do qual nos fala Wiese. Os textos
novalisianos foram escritos após o encontro do poeta com o mundo metafísico transcrito
no hino 3, e, seu espírito, que já era carregado de sentimentos místicos, frutos do pietismo,
converteu-se, não a uma religião, mas sim a uma religiosidade fervorosa, uma religiosidade
voltada para o mundo noturno, que o poeta julgava ser o mundo da Luz
16
que no “Hino 3”
tem o sentido de conhecimento da verdade. A Luz a qual o poeta refere-se nesse hino, o
Schlummer des Hilmmels (torpor do Céus), des Lichtes Fessel (a cadeia de Luz), enviada
aus blauen Fernen (da distância azulada), é o elemento que faz com que o eu-lírico
compreenda o verdadeiro sentido da Noite. Chez Novalis, la nuit n’est pas simplement
absence de lumière, contraire du jour; elle est quelque chose de positif; un élément”
(BESSET, 1947:133)
17
ou seja, ela não é somente parte integrante do mundo, ela tem uma
conotação divina.
15
Novalis é o único membro da primeira escola romântica que não fala de religião por ambição literária, mas
sim por pressão de seu destino.
16
O substantivo Luz, grafado com letra maiúscula refere-se à Luz divina. O substantivo luz, grafado com
letra minúscula, refere-se claridade, iluminação do dia.
17
Com relação a Novalis, a Noite não é simplesmente ausência de luz, contrário do dia; ela é algo de
positivo; um elemento.
73
Há, no momento em que lhe é revelado o Himmel der Nacht (Céu da Noite), ou seja, os
mistérios do mundo noturno e sua Luz, o sema do pensamento pietista cristão , que prega o
“renascimento”
18
como o caminho para o encontro com a vida eterna, que é ao lado de
Cristo. O poeta refere-se ao novo nascimento (neuegeborner Geist). O espírito do poeta
renova-se, ele nasce de novo para poder contemplar o Reino dos céus onde está sua Sophie,
“de Friedrich von Hardenberg a Novalis ter-se-á dado, sem dúvida, muito mais do um
nome literário, ou seja, deu-se o tradicional novo nascimento dos iniciados.” (BRANDÃO,
1998:10)
Embora Novalis tenha efetivado sua vida literária com um acontecimento pessoal, a
morte de Sophie, segundo Besset (1947:135):
Seul l’Hymne III peut être rapporté avec précision à un fait connu de l’histoire
intérieure de Novalis: la vision du 13 mai. C’est le seul Hymne qu’il convienne
d’interpréter suivant une méthode strictement biographique.
Apenas o hino 3 pode remeter-nos com precisão a um fato conhecido da história interior de
Novalis: a visão de 13 de maio. Esse é o único hino que convem ser interpretado conforme um
método estritamente biográfico.
Assim, os demais hinos da obra devem ser analisados sob a perspectiva crítica e
reflexiva que foram o grande ideal da poesia do Romantismo alemão, e de Novalis, pregado
especialmente por Schlegel (1994:97), que acreditava que a poesia romântica deveria ser
progressiva, e enredar todas as realidades:
18
O renascimento ao qual me refiro aqui é a conversão ao cristianismo, a crença em Cristo como salvador da
alma.
74
Die romantische Poesie ist eine progressive Universalpoesie. Ihre Bestimmung ist nicht
bloß, alle getrennten Gattungen der Poesie wieder zu vereinigen und die Poesie mit der
Philosophie und Retorik in Berührung zu setzen. Sie will und soll auch Poesie und Prosa,
Genialität und Kritik, Kunstpoesie und Naturpoesie bald mischen, bald verschmelzen, die Poesie
lebendig und gesellig und das Leben und die Gesellschaft poetisch machen, den Witz poetisieren
und die Formen der Kunst mit gediegnem Bildungs stoffjeder Art anfüllen und sättigen und durch
die Schwingungen des Humors beseelen.
A poesia romântica é uma poesia universal progressiva. Sua determinação não é apenas
a de reunificar todos os gêneros separados da poesia e estabelecer um contato da poesia com a
filosofia e a retórica. Ela também quer, e deve, fundir às vezes, às vezes misturar poesia e
prosa, genialidade e crítica, poesia artística e poesia natural, tornar a poesia sociável e viva,
fazer poéticas da vida e da sociedade, poetizar a espirituosidade, preencher e saturar as formas de
arte com toda espécie maciça, animando-as com as vibrações do humor.
Seguindo esse ideal de poesia Novalis uniu em sua obra literário filosófica o
sentimentalismo, a ingenuidade, a crença em um ideal transcendental e a reflexão a cerca
do mundo e da poesia. Embora acreditasse no mundo ideal e em sua supremacia, não
negava o mundo real e suas qualidades, apenas reconheceu as limitações desse último
frente à infinitude do primeiro, pois assim como Fichte sabia que o ideal poderia ser
encontrado no infinito, Novalis, através de sua poesia, evidenciou essas diferenças
utilizando-se muitas vezes da ironia romântica.
A ironia romântica é, dentre outras coisas, a capacidade poética de percepção das
limitações, ou seja, é a consciência de que o ideal é inatingível, pois é infinito, e o homem,
75
em sua finitude terrena, não pode alcançar esse ideal, apenas pode aproximar-se dele, e um
dos meios para essa aproximação é o poema.
Novalis buscava essa consciência em toda sua obra, fosse nos fragmentos, nos hinos,
nos poemas, nos romances e conseguiu, com grande maestria, conviver com o
sentimentalismo e a reflexão pacificamente. Seus poemas apresentam um equilibrio entre
sentimentalismo e reflexão, uma unidade que pode ser evidenciada até mesmo no que
diz respeito aos elementos simbólicos. A Luz, um dos elementos mais recorrentes nos
Hinos, assume três significados diferentes, podendo ser o sol, portanto, luz que ilumina o
dia, podendo ser o conhecimento do mundo eterno, a Luz que desvela o mundo da Noite,
Noite que é guardiã dos mistérios sagrados e, por fim, a luz também assume o sentido de
ideal clássico, que apresentava uma poesia clara, objetiva contrapondo-se à visão subjetiva
e intuitiva do Romantismo.
No “Hino 1” há uma contraposição entre o mundo da luz e da Noite, e nesse hino, a luz
apresenta o sentido de iluminação do dia o que metaforicamente remete-nos ao real, ao
mundo terrestre, que se opõe à Noite, representante do mundo transcendental, ideal, o
mundo da eternidade e da verdade para o pensamento cristão e também para o idealismo
fichteano.
Não por parte do poeta uma negação do mundo terrestre, mas sim uma comparação
entre esse e o metafísico. Novalis de forma positiva a luz do dia, pois com a sua
presença somos capazes de comtemplar as maravilhas do mundo sensível, “Só sua presença
revela a maravilha dos reinos do mundo.
19
, mas deixa claro sua preferência pela Noite,
19
Seine Gegenwart allein offenbart die Wunderrlichkeit der Reiche der Welt.
76
pois somente ela é a “mensageira de mundos sagrados” (der hohen Verkündigerinn heiliger
Welten), ela é a grande rainha que guarda sob seu manto “um bálsamo precioso”
(Köstlicher Balsam) que toca a alma do eu-lírico e que envia até ele a doce Amada.
O “Hino 5” é um poema, que mescla verso e prosa, sobre o fim do mundo da luz e o
início do mundo da Noite. Nesse hino a Luz assume dois significados, Luz celestial, a Luz
que é o conhecimento do mundo eterno, e ao mesmo tempo também é uma metáfora para
o mundo clássico, da clareza, da objetividade, portanto o texto é também metalingüístico.
Ao poetizar sobre o reino da luz o eu-lírico descreve a existência de deuses, remetendo-nos
ao politeísmo, herdado da literatura greco-latina que priorizava a claridade, a objetividade
de sua arte e que perdurou até pouco tempo antes do Sturm und Drang (tempestade e
ímpeto), movimento que precedeu o Romantismo alemão e que tinha como meta quebrar o
rigor classicista.
Há no quinto hino uma inovação estrutural que não aparece nos anteriores, hinos 1 e 3.
Novalis intercala o poema em prosa com versos tradicionais de três estrofes em oitavas
com as rimas ABABABCC. Os versos são heterométricos.
Observa-se que a mudança estrutural do poema confere um rítmo diferente, mas
acelerado e duro. Essa coincide, propositalmente, com o momento em que o poeta fala do
declíneo do mundo da luz, momento em que a objetividade clássica juntamente com a
crença no politeísmo são vencidos pelo mundo da subjetividade noturna e sua única crença
no todo poderoso Amor”(allmächtger Liebe) do “filho da primeira Virgem Mãe” (Ein
Sohn der ersten Jungfrau und Mutter), Cristo e seu Pai.
77
No “Hino 5”, a Luz assume ao mesmo tempo dois sentidos, de Luz divina e de luz da
poética clássica. A metalinguagem também se imbrica com a poesia religiosa, portanto a
reflexão sobre a poesia e a experiência religiosa íntima e pessoal do poeta se unem. Há uma
síntese da reflexão textual com o sentimento individual.
No Hino 4, como no 5, mescla de prosa e verso. Nota-se também que a mudança
estrutural do poema confere um rítmo diferente. Esse ritmo é alterado no momento em que
o poeta passa a descrever sua ascensão ao mundo da Noite e a sensação indescritível
causada por essa ascensão. A sensação de prazer e liberdade descrita pelo eu-lírico também
é percebida pelo uso de vogais (a-, e-, i-) de sons abertos seguidas de fonemas de sons
longos (eyn- ,in-, los-, unen-, le-, en-) como por exemplo, nas palavras e sintagmas
wall(caminho), seyn (ser), “bin ich los” (serei livre), ”Unendliches Leben” (vida infinita)
que representam as idéias de continuidade e de encontro com o infinito, descritas pelo poeta
nos versos “Hinüber wal ich,/ Und jede Pein/ Wird einst ein Stachel/ Der Wollust seyn/ (...)
/ So bin ich los, / (...) /Unendliches Leben / Wogt mächtig in mir.”
20
O hino 4 é o que mais exalta à Noite e suas maravilhas e que mostra claramente a
relação estabelecida entre o mundo noturno e o diurno,” Durante o dia eu vivo / cheio de
crença e fé/ durante a Noite eu morro/ na brasa santa,”
21
levando o leitor a perceber que o
dia é apenas o espaço-tempo de uma espera de uma nova terra, a morada da Morte. Novalis
relaciona diretamente a Noite com o Amor,
20
Caminho para Além, / e cada minha dor / é mero aguilhão/ d’extático ardor./ (...) / enfim livre serei / (...) /
A Vida infinita / potente agita-se em mim.
21
Ich lebe bey Tage/ Voll Glauben und Muth/ Und sterbe die Nächte/ In heiliger Glut.
78
wenn das Licht nicht mehr die Nacht und die Liebe scheucht wenn der Schlummer ewig und nur
Ein unerschöpflicher Traum seyn wird.
Quando a luz não mais afungentar a Noite e o Amor quando o sono tornar-se eterno e um
inesgotável Sonho só.
O Amor aqui é entendido sob dois prismas: ele representa tanto o Amor divino, de
Deus, como o Amor da Amada, que na verdade formam uma unidade, pois ambos estão no
plano metafísico. Nesse sentido o ideal é concebido na plenitude amorosa, ou seja, a
transcendência ao Absoluto é feita via mulher Amada que se confirma nos versos
Und liege trunken
Der Lieb’im Schoss.
Unendlich Leben
Wogt mätchtig in mir
E embrigado me deitarei
no regaço d’Amor.
A Vida infinita
potente agita-se em mim.
O “regaço d’Amor” ao qual o poeta refere-se é simultaneamente o colo de Deus e o de
Sophie que o recolherão na eternidade, pois o infinito é o lugar da perfeição, onde estarão
a sua espera os dois amores. A mulher Amada é o caminho para a aspiração e inspiração
idealistas do eu-lírico, é ela quem o levará de encontro à Morte.
O! sauge , Gelibter,
Gewaltig mich an...
Oh! Amada, aspira-me
completamente
79
É via Sophie que o poeta encontrará a paz que tanto almeja. A figura da mulher atua
como uma entidade divina que é um elo de união da alma do poeta com esferas
transcendentes. O desejo de elevar-se ao mundo espiritual é metaforizado por elementos
como “sono eterno” (Schlummer ewig), “Sonho inesgotável” (unerschöpflicher Traum),
“nova terra” (das neue Land), morada na Noite, (Nacht Wohnsitz), “tendas da Paz” (Hütten
des Friedens), Vida infinita” (Unendliches Leben), símbolos que expressam o desejo de
Morte do eu-lírico.
Esse desejo é fruto da busca pelo ideal. Por estar certo de que os deleites, o gozo que a
vida da luz oferece não se comparam aos êxtases da Morte, o poeta anseia pelo “fim da tua
agitação liberdade celestial, saudoso regresso”
22
. O “saudoso regresso” a que o eu-lírico
refere-se, é a casa do Pai, do contato imediato com Deus, do qual o homem foi privado
quando expulso do paraíso. Segundo Beguin (1992: 80) a busca do homem pela unidade,
pelo Todo que é Deus, é possível porque ele encontra os vestígios dessa totalidade em si
mesmo, e isso acontece porque ele foi parte dessa unidade, pois o homem deseja
aquilo que antes já contemplou.
O último hino, 6, o único que traz um título, “Sehnsucht nach dem Tode” (Saudades da
Morte) é todo em sextilhas, num total de dez estrofes. Nota-se a continuidade do
pensamento novalisiano com relação à estrutura poética. De uma forma geral, em todos os
hinos, a estrutura tradicional em versos surge todas as vezes que o poeta quer mostrar a
22
deiner Geschäftigkeit Ende – himmlische Freyheit, selige Rückkehr.
80
passagem do mundo da luz para o mundo da Noite. Por essa razão esse último poema é
todo versificado, pois fala apenas do mundo Noturno, do mundo da Morte e da saudade
que o poeta sente desse mundo. Há, claramente, uma relação com o paraíso perdido. Como
é possível sentir saudades da Morte se ela ainda é um acontecimento futuro? Ora, se a
Morte para Novalis é entendida no sentido de encontro com o Todo, o homem que, segundo
Beguin (1992: 80, 102, 113) e Schiller (2003:7), é parte desse Todo e que O contemplou
anteriormente no paraíso, na vivência mítica de Adão e Eva, sente saudades da harmonia
que esse Todo proporcionava ao seu espírito no plano metafísico outrora vivenciado por
ele. O paraíso de Adão e Eva funciona como um arquétipo junguiano para a mente humana.
Embora o homem nunca tenha estado nesse paraíso, nosso inconsciente coletivo é capaz de
armanezar essa idéia de nosso passado mais remoto, por conseguinte a Morte é a certeza
do reencontro com esse paraíso, com o infinito. É o “saudoso regresso”.
Nas dez estrofes desse último hino, o poeta traça a trajetória do homem na terra até
chegar ao céu. Toda essa trajetória é tecida com alusões à Morte, tendo como intertexto a
Bíblia, como se na primeira estrofe, nas expressões deixar o “reino terrestre” (Erde
Schooss), o “império da luz” (Lichtes Reichen), marcado por “mágoas” (Schmerzen) para
com alegria atravessar o “estreito barco/ nas margens do céu” (engen Kahn/ Geschwind am
Himmelsufer). Este “estreito barco” tanto nos remete, metaforicamente, ao túmulo e seus
sinônimos, lousa, sepúlcro, quanto nos lembra a barca de Caronte, barqueiro condutor das
almas após a morte. Navegar nas “margens do céu” é o mesmo que “buscar a casa do Pai”
(Zum Vater wollen wir nach Haus). um desejo de morte expresso pela vontade de
encontro com o divino.
81
As estrofes cinco e seis relacionam-se diretamente com a história de Cristo. uma
alusão direta à Bíblia, pois a quinta estrofe lembra-nos os martires inocentes assassinados
por ordem de Herodes “O reino dos céus pretendiam/ a Morte e o martírio das crianças”
23
e
a sexta sintetiza traços da vida de Cristo, a sua presença no mundo e sua Morte, O
passado, onde na juventude ardente/ Deus mostrou-se a Si mesmo./ À Morte tão cedo
consente.”
24
Da sétima estrofe em diante o poeta descreve a Morte como um regresso, regresso ao
paraíso perdido “Nós temos que ir para a pátria,/Ver esse santo tempo./ tarda nosso
regresso”
25
. Esse regresso proporcionará ao poeta o reencontro com a “doce Noiva” (der
süssen Braut) e “Jesus, o Amado” (Jesus, dem Geliebten), momento em que a alma humana
há de se reintegrar ao Todo.
O livro de Novalis é uma grande apologia à Morte, Morte espiritual, libertação, e ao
idealismo fichteano, que inspirou o poeta. Novalis foi, sem dúvida, peça fundamental do
imaginário romântico, não apenas o alemão, mas o mundial. Juntamente com Schlegel foi
um grande idealizador e propagador dos ideais românticos, foi quem influenciou grandes
nomes do simbolismo, como Charles Baudelaire, que bebeu nas fontes novalisianas. Hinos
à Noite é uma grande obra e merece toda admiração pelas inovações e pela visão imagética
que apresenta, pela densidade simbológica que carrega e pela filosofia idealista que retrata.
Se hoje a literatura contemporânea se vale dos princípios da ironia romântica, da
23
Und Kinder für das Himmlreich/ nach Quaal und Tod verlangten
24
Die Vorzeit, wo in Jungendglut/ Gott selbst sich kundgegeben/ Und frühem Tod in Liebesmuth).
25
Wir müssen nach der Heymath gehn,/ Um diese heilige Zeit zu sehn./Was hält noch unsre Rückkeher auf.
82
fragmentação textual e da prosa poética, não como negar que Novalis teve sua
participação nesse processo de modernidade.
4.2. Álvares de Azevedo: o erotismo onírico
ÁLVARES DE AZEVEDO!
Eis aí um nome – que deve ser escrito em caracteres
de ouro no mármore da História da literatura; eis aí um
nome que deve viver, viver muito, aquecendo a nós todos.
Jaci Monteiro
Álvares deAzevedo foi uma das peças fundamentais na formação da literatura
brasileira. Segundo Eugênio Gomes (1986:139-140) o poeta foi a “primeira afirmação
notável do individualismo romântico no Brasil.” Pela sua imaturidade poética possuía um
espírito livre que seus antecessores não conheceram ou não ousaram ter”. Seus poemas
são considerados até hoje como um dos mais densos do nosso Romantismo e ele é visto
como o melhor poeta de sua geração por Alfredo Bosi, em História concisa da literatura
brasileira (pg.121), e Paulo Franchet (1999: 01) em seu texto “O riso romântico”:
Apenas Álvares de Azevedo foi igualmente grande tanto pelo lado direito quanto pelo lado do
avesso - a primeira e a segunda parte da sua Lira dos vinte anos. (...) Inteligência crítica à altura
da poesia que nos deixou, Azevedo percebeu claramente a dupla face da musa de sua geração. No
83
Prefácio à Segunda Parte da Lira, não explicitava e definia essas faces -- " Quase que depois de
Ariel esbarramos em Caliban" -- mas ainda ensaiava uma explicação genérica para sua existência...
A obra Lira dos Vinte Anos define as duas faces do poeta. Essas duas faces mostram-se
sob dois aspectos. De um lado a divisão dos sentimentos do eu-lírico entre a mulher carne e
a mulher espírito, mostrando uma postura antitética do poeta. Do outro lado temos a crítica
sobre a própria poesia. Assim de um lado tem-se a poesia ingênua (naive) e de outro a
sentimental (sentimentalische).
Essa binomia de Álvares de Azevedo ainda é vista como reflexo de sua vida
conturbada, “possíveis causas patológicas” (MOISÉS,1984:141). Sílvio Romero (2000: 30-
31) chama o poeta brasileiro de desequilibrado e mórbido, desequilíbrio que o levou à
leituras desordenadas de escritores como Heyne, Byron, Shelley, Sand e Musset,
favorecendo assim uma vacilação mental. Ronald de Carvalho (1929: 251) retoma a idéia
de Romero dizendo que o excesso de leituras de Azevedo fizeram de sua obra uma
mistura de realidade e ficção, além de criticar a tristeza irônica presentes em seus poemas,
como se tristeza e ironia não pudessem integrar um mesmo texto. Mário de Andrade (2000:
54), afirma que o medo do amor, principalmente o sexual, foi o grande fantasma do poeta,
o que o levou a uma poesia tão binômica. Angélica Soares (1989:71), reafirma a postura
adotada por Mário de Andrade, pois para ela, na poética de Azevedo, nota-se uma
identificação direta da vida pessoal do escritor “sempre camuflada” em sua obra. Foi
Antonio Candido quem primeiro percebeu o caráter crítico da obra azevediana em
Formação da literatura brasileira. Embora afirme que Azevedo “sentiu e concebeu
demais, escreveu em tumulto, sem exercer devidamente o senso crítico, que possuía não
84
obstante mais vivo do que qualquer poeta romântico, excetuando Gonçalves Dias”
(CANDIDO, 1993:159), foi esse crítico quem afastou “a idéia recorrente nos artigos até
então de que o tema do dualismo, ou choque entre contrários, é uma característica da
personalidade do poeta, abordando-o, como uma questão referente ao fato literário, em um
plano estritamente textual.” (CUNHA, 1998:59-60)
Nessa parte, procuro desmistificar esse caráter ingênuo de Azevedo que associa a busca
da figura feminina em seus poemas as suas frustrações pessoais. Parto do conceito do
eterno feminino goethiano, que coloca a busca pela mulher ideal como um símbolo para um
mundo ideal. Por essa razão a grande maioria dos poemas analisados são da primeira parte
da Lira, pois são nesses textos que Azevedo deixa claro o seu diálogo com o idealismo
alemão e também com Novalis.
O dualismo da obra azevediana, que às vezes, mostra-se sentimentalista, pendendo para
a ingenuidade e às vezes mostra-se auto-reflexiva, consciente, talvez seja seu maior
mérito e ao mesmo tempo o ponto mais criticado. Ao mesmo tempo em que alguns
críticos, como Silvio Romero (2000:31), colocam essa dualidade como “fruto de uma
vacilação mental”, textos do próprio Azevedo mostram que essa dualidade era fruto da
consciência do autor, que conhecia muito bem as diferenças entre Ariel e Caliban.
Luiz Costa Lima em seu livro O controle do imaginário expõe basicamente as
diferenças entre o romantismo brasileiro e os europeus, mais especificamente o alemão.
Para esse crítico o Romantismo do velho mundo atingiu um grau de maturidade que o
brasileiro não conseguiu alcançar. Enquanto os poetas tomavam o mundo exterior e o eu
empírico como ponto de partida para a reflexão, aqui os jovens poetas tomavam o exterior
85
e o sentimentalismo como a essência de sua poesia, criando assim o que Costa Lima
(1984:138) chama de “sentimentalismo débil”.
Álvares de Azevedo, nos poemas que compõem a primeira parte da Lira,
apresenta alguns laivos de ingenuidade (Naivität) quando se deixa levar pelo seu
sentimento erótico com relação a suas amadas, como se vê em poemas como No Mar” ,
“Sonhando”, dentre outros. Nos poemas da segunda parte da obra, isso sem que se sejam
mencionados outros textos, como, por exemplo, Mácario, ele se revela altamente crítico e
reflexivo, sem vacilar entre o ingênuo (naive) e o sentimental (sentimentalische), como em
É Ela! e Idéias íntimas”. Ora, se Azevedo transita entre o ingênuo e o crítico, como
chamar sua poesia de “sentimentalismo débil”? Em seus poemas fica evidente que a
ingenuidade (Naivität) é consciente e não simplesmente fruto dos sentimentos do autor,
“Quasi que depois de Ariel esbarramos em Caliban”(AZEVEDO, 1942:127). A consciência
que Azevedo tinha da binomia de sua obra é uma prova de que Costa Lima engana-se
ao chamá-la de ingênua (naive), pois essa consciência é uma reflexão que Azevedo faz de
sua própria poesia.
Nos poemas da primeira parte o eu-lírico tem no amor e na Morte a fusão do desejo
de encontro com o Absoluto. O ideal manifesta-se metaforizado na procura da mulher
amada, que é sempre buscada no plano inconsciente, no Sonho, em um desmaio ou na
Morte. A idealização da figura feminina é elemento recorrente na primeira parte da obra,
na qual o poeta centra seus poemas nos planos espiritual e erótico, que levam o eu-lírico ao
sentimento de culpa, tão recorrentes na obra do autor brasileiro, oriundos do forte matiz
religioso cristão que permeia o nosso imaginário romântico.
86
Segundo Alcides Villaça (1994:16) o amor e a Morte convergem um para o outro. “Em
princípio, o amor é a face afirmativa desse ideal, o anseio maior: quer-se amar até um
êxtase jamais provado, nos braços da mulher jamais amada.” Retomando o que Cilaine
Cunha diz a respeito do “eterno feminino” de Goethe, esse desejo de amar uma mulher
jamais vista é o desejo de encontro com o infinito, jamais contemplado, portanto esse
encontro acontece sempre em Sonho ou na Morte, pois por meio desses dois elementos o
homem atinge o ideal.
No poema “Sonhando” o eu-lírico encontra-se com a virgem em um sonho, como o
próprio título revela. Essa mulher é a donzela pura, que está diretamente relacionada com o
Absoluto, com a imagem Divina, pela atmosfera santificada que a caracteriza. Ela é um
mimo, uma rosa, uma filha de Deus, pálida, que leva o poeta ao devaneio. Entretanto essa
doce virgem foge dele, “Não corras assim!/ Donzela, onde vais?/ Tem pena de mim!” A
fuga da amada representa o ideal que sempre foge, que nunca é alcançado no plano real,
pois o Sonho, embora não seja concreto, é apenas um prenúncio da Morte, portanto o ideal
não pode ser atingido através dele, mas apenas contemplado.
A amada que foge do eu-lírico acaba por sentar-se na areia da praia, sozinha, para
morrer, o que leva o poeta ao desolamento, pois ele gostaria de morrer com ela para poder
elevar-se ao infinito. Nos últimos versos ele deixa claro esse desejo
61 . Não durmas assim;
Donzela, onde vais ?
Tem pena de mim !
(...)
87
69 . Não durmas assim !
Não morras, donzela;
Espera por mim !
A repetição do “Não durmas assim”, seguido de “Donzela onde vais” e de Não
morras, donzela;” soa como um pedido de espera. É como se o eu-lírico desejasse morrer
e dissesse: Espera por mim, não morras agora”, para que ele pudesse concretizar o seu
ideal de estar com a amada na transcendência. Aqui também se instala uma sutil angústia,
assinalada por vocábulos como “pena” e “espera”, pelas pausas internas nos versos e pelas
exclamações e interjeições que tornam o ritmo denso e sincopado. Essa tênue angústia
contrapõe-se a Novalis, em cujo os hinos inexiste exclamações e aparecem uma vez ou
outra interrogações, mas quase sempre com matiz afirmativo, “Não traz a cor da Noite
tudo o que nos encanta? “(Hino 4)
26
. Os hinos são afirmações de aspirações sem dúvidas,
sem angústias. A Morte para o eu-lírico novalisiano é a porta que o leva ao encontro da
Amada e de Deus. Em Álvares de Azevedo esta busca é contaminada muitas vezes pelo
erotismo. A mulher azevediana, ao mesmo tempo em que tem uma aura divina, pois é uma
“filha de Deus,” assume também uma postura sensual que destoa da angélica
Sophie. Nesse poema de Azevedo, imagens como a água do mar que molha o corpo
da donzela, os negros cabelos soltos, o suor na face, a brisa que roça os seios da dama,
levam o eu-lírico a querer beijá-la e criam uma atmosfera erótica. Essa mulher santa e
26
Trägt nicht alles, was uns begeistert, die Farbe die Nacht?
88
profana são marcas da forte tonalidade erótica dos poemas azevedianos, fruto de um
imaginário tropical que valoriza a lubricidade.
É marca dominante na estrutura dos poemas de Álvares de Azevedo o uso de
pontuações que, como exclamações, interjeições e reticências, carregam os textos de uma
forte carga semântica e que são de suma importância para a significação do texto. Dentre
elas sobressaem as exclamações que sugerem uma emotividade marcante do eu-lírico. É a
forma que o poeta encontra para expressar seu sentimentalismo. A exclamação segue
sempre um verso de forte apelo emocional, como por exemplo “Tem pena de mim!/(...)/
Espera por mim!”. É, portanto, um recurso retórico utilizado pelo autor para deixar
transparecer seu pesar pela ausência da amada.
Oposto a esse uso encontra-se nos hinos novalisianos, como dominante, o ponto, que é
a expressão de certeza e a tranqüilidade do poeta em relação à Amada.
A temática do poema anterior é observada também em “O Poeta,” no qual o eu-lírico
sublima seus anseios de infinito na figura da mulher amada. Esse poema pode ser dividido
em dois momentos. O primeiro é o do sono. O poeta adormece e sonha com a amada, que
novamente se apresenta sob uma atmosfera cheia de erotismo. O eu-lírico vale-se de
expressões com forte carga semântica sensual, como “colo sequioso”, “cabelos
recendendo”, “lânguida respiração”, que criam uma imagética voluptuosa. Os efeitos
sinestésicos provocados pelos cabelos que exalam um perfume e os lábios que emanam
uma “Lânguida respiração” aferem ao poema o tom de erotismo.
Durante o sonho o poeta contempla a mulher e a sente ao seu lado, entretanto ele “Nem
ao menos a beijou!” Novamente, como já observado anteriormente, a donzela não é tocada
no sonho, ou seja, o ideal não é atingido. por parte do eu-lírico um forte desejo de
89
morte. Nos dois últimos versos da primeira estrofe ele declara sua vontade de não mais
acordar do sonho - “Meu Deus! por que não morri?/Por que do sono acordei?”-
evidenciando no simbolismo onírico uma antecipação do sono eterno. Nos versos abaixo
o poeta afirma que o mais feliz dos pensamentos é sentir a aproximação da Morte.
25. Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer:
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
30. Pensou que ia morrer!
Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Os versos acima relatam o quão relacionado estão a Morte e o encontro com Deus. O
adjetivo “divino”, referindo-se ao pensamento de Morte, evidencia a relação de ideal,
Absoluto e Deus.
Após esse “divino pensamento” o eu-lírico acorda de seu Sonho e depare-se com a
realidade que é o desencanto com a vida, com as insatisfações reais. Do verso trinta e três
em diante o poeta lamenta o Sonho que “Dorme no passado,” e roga para que sua amada
volte a povoá-los, para que o ideal esteja novamente perto dele. O tom de angústia que
perpassa sutilmente o deslocamento do pensamento divino para a realidade, o existe em
Novalis que percebe essa como um espaço de espera para o plano divino.
90
Vê-se que, tanto em “Sonhando” como em “O poeta”, a figura feminina não é apenas
uma sublimação dos desejos irrealizados do homem Álvares de Azevedo, como afirma
grande parte da crítica sobre ele, mas principalmente é uma alegoria para o desejo de
transcendência do poeta Álvares de Azevedo, refletindo, em seus poemas, a idéia de
Absoluto do idealismo fichteano via mulher amada.
No poema “Lembrança de Morrer” Azevedo expressa o seu encontro com a Verdade,
que em alguns versos, se mostrou a ele em Sonhos, simbolizada na imagem da mulher
amada.
33. Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar –se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
É apenas uma estrofe, porém condensa todo o pensamento de transcendência do poeta,
via mulher amada, similar a Novalis. No mundo real as únicas coisas que valeram a pena
foram os Sonhos com a virgem, virgem mais uma vez intocável, ”...que nunca/ Aos lábios
me encontrou a face linda!”. Ela representa o ideal que não é passível de materialização no
mundo concreto. Embora o poeta tenha vivido na esperança de amar essa donzela no
mundo terreno, como se nos versos “Se viveu, foi por ti! e de esperança/ De na vida
gozar de teus amores.”, ele tem a consciência da impossibilidade dessa união, afinal ela é
uma “Filha do céu,” podendo ser amada somente no plano transcendental. “A verdade
91
santa e nua” a qual o poeta refere-se, pode ser entendida sob dois aspectos: ela é a verdade
Absoluta, portanto Deus, ou ela é a amada ideal, o ideal de perfeição que o poeta buscou
em vida, em diferentes mulheres, e não encontrou.
A função do elemento simbólico Sonho é evidente nos versos acima. A sua
cristalização, no poema, é a confirmação de que esse elemento é a mediação para o mundo
infinito e eterno. Todos os desejos sonhados serão agora realizados no mundo metafísico
junto de Deus e da amada ideal.
Também nesse poema é notória a utilização da pontuação como reticências,
exclamações e travessões para dar vazão aos sentimentos do eu-lírico. A exclamação
continua acentuando a emotividade do texto enquanto que as reticências marcam as ações
inacabadas e contínuas, o Sonho com a virgem, as alegrias proporcionadas por esses
Sonhos e a felicidade de ver o Sonho cristalizar-se, ou seja, tornar-se eterno, infinito. É
interessante observar que as reticências, nesse poema, quase sempre, acompanham idéias
relacionadas ao Sonho. Isso porque, para o poeta, o Sonho é algo interminável, pois uma
vez que ele é uma mediação para o mundo infinito ele não pode ser visto de maneira
acabada, mas sim continuada.
Em “Hinos do profeta” nos versos “Eu vaguei pela vida sem conforto, /Esperei minha
amante noite e dia / E o ideal não veio...” nota-se novamente a busca do ideal pela imagem
da mulher amada. Essa amante não poderia mesmo fazer parte da vida humana do poeta,
pois ela representa uma busca constante de um ideal Absoluto, portanto ilimitado, e nesse
poema fica evidente esse ideal
92
Meu amor foi o sonho dos poetas
- O belo – o gênio – de um porvir liberto
A sagrada utopia.
(...)
E agora o único amor... o amor eterno
Que no fundo do peito aqui murmura
E acende os sonhos meus,
Que lança algum luar no meu inverno,
Que minha vida no penar apura,
É o amor de meu Deus!
A busca do poeta é, inicialmente, a da “sagrada utopia”, ou seja, o ideal tanto poético
como espiritual. O ideal poético é o da genialidade enquanto que o espiritual é do amor
eterno. A religiosidade é ratificada a seguir porque o descontentamento com o mundo real –
“Esperei minha amante noite e dia/ E o ideal não veio...” – leva-o a certeza de que o único
amor capaz de libertá-lo é o amor divino. ele pode levar o poeta ao encontro do belo, do
verdadeiro belo que está no infinito “O Belo o gênio de um porvir liberto!” Nesse
verso o gênio vem, pode-se dizer, como aposto de “belo” e está fundido no sintagma
“porvir liberto”, que no contexto do poema nos remete à transcendência numa
“desvalorização” implícita no verso e explícita no texto do mundo real. Aqui o poema
dialoga com o pensamento de Fichte (1998: 59), que afirma que o belo pode ser
encontrado em “uma aproximação perfeita e terminada do infinito”, uma vez que esse
conceito está em um outro plano, no Absoluto, portanto não pode ser apreendido pela
mente humana no plano real, mas apenas no plano infinito. Por essa razão esse belo
93
é apenas uma aspiração do o eu-lírico, consciente de que ele é uma “sagrada utopia” no
plano real. Tem-se aqui o deslocamento do conceito de belo clássico para o belo romântico.
Como dito anteriormente, a arte clássica, especialmente a estátua grega, representava a
idéia verdadeira da unidade entre o humano e o divino, portanto o belo, uma vez que o
ideal era possível de ser representado esteticamente, pois entre a divindade clássica e o
homem não havia grande distância. no ideal cristão uma enorme distância entre Deus
e os homens. Por essa razão o conceito de belo do clássico era diferente do conceito de belo
do romântico, pois para o primeiro o belo estava no plano sensível e para o segundo no
infinito. (FERRY, 1994: 193)
O uso das exclamações e das reticências torna mais expressivo os sentimentos do
poeta, como no verso “Meu Deus! ninguém me amou!”, no qual o eu-lírico deixa claro a
sua tristeza por não ser amado e revela a angústia pelo desamor. De modo similar as
reticências traduzem a idéia de expectativa e desencanto como nos versos Esperei minha
amante noite e dia/ E o ideal não veio...”, deixando transparecer o lamento pelo ideal
frustrado.
No poema “No túmulo de meu amigo João Batista da Silva Pereira Júnior” prevalece
simultaneamente essa dúbia temática, oscilando entre o desejo do céu e o da carne, mas
aqui matizado pelo sentimento de culpa advindo do imaginário cristão, que reprime os
desejos eróticos.
94
Perdão, meu Deus, se a túnica da vida
Insano profanei-a nos amores!
Se à coroa dos sonhos perfumados
Eu próprio desfolhei as róseas flores!
O poema inicia-se com um pedido de perdão pelos pecados, pelos desejos carnais,
pelos sentimentos profanos, partes integrantes das poesias azevedianas. O poeta clama o
perdão divino no momento em que o eu-lírico se diante da “noite eterna,” vagando
“errante e na treva infinita.” Nesse instante o poeta se conta de que não se entregou
ao mundo da Noite, ou da verdadeira Luz, mas que se deixou enganar pelas ilusões da
vida real.
Nas três últimas estrofes as expressões metafóricas figuram imageticamente o momento
em que o eu-lírico passa da vida terrena para a vida transcendental: “Alma sedenta de
infinito”, que traz sutil alusão a cantos católicos, e que corresponde ao desejo espiritual de
abismar-se no mundo ideal, ilimitado. em “Vôo abrindo” está figurada a sensação de
liberdade que a “noite eterna” (Morte) pode proporcionar. “No céu noturno” evidencia-
se a preferência romântica por atmosferas noturnas, pois a Noite significa, simbolicamente,
dentre outras coisas, a portadora dos mundos sagrados donde brota a vida. um diálogo
entre esses sintagmas azevedianos e os versos “Para o outro lado eu caminho, / (...) / Em
95
pouco tempo apenas, finalmente serei livre, / (...) / A vida infinita/agita-se forte em mim.”
27
do quarto hino de Novalis. Em ambos os poemas nota-se o desejo de liberdade do eu-lírico,
liberdade que só pode ser encontrada no mundo infinito, no mundo da Morte.
Os versos
A vida é noite: o sol tem véu de sangue:
(...)
Acorda-te, mortal! é no sepulcro
Que a larva humana se desperta à vida
!
estão carregados de simbolismo idealista, pois a Noite e o sepulcro são a Morte que
“abre acesso ao reino do espírito, à vida verdadeira”. O poeta se arrepende de seus pecados
mundanos e entrega-se à Morte a espera da vida eterna e próxima de Deus.
No poema “Lágrimas de Sangue” o sentimento de culpa percebido em “No túmulo do
meu amigo João Batista Da Silva Pereira Junior” redimensiona-se aqui, por um lado, num
pedido de perdão do eu-lírico a Deus por ter se deixado levar pelos seus delírios e “canto de
enganosas melodias”. Por outro lado, ele se rende à Morte a espera da vida eterna, próxima
de Deus. Estes dois ângulos vão tecendo o poema, como se pode ver nos versos a seguir:
27
Hinüber wall ich,/ (...)/Noch wenig Zeiten, /So bin ich los,/(...)/Unendliches Leben/Wogt mächtig in mir.
96
(...)
Perdão, meu Deus! perdão
(...)
Só tu, só tu podias o meu peito
Fartar de intenso amor a luz infinda
(...)
Voltei-me para a vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! – tudo morreu!
Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias
Á alma que se perdeu bradar de novo:
(...)
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! arrependi-me!
Esses versos expressam o lado religioso do poeta, assemelhando-se a uma oração, na
qual o eu-lírico pede a Deus, “o único amor... o amor eterno”, a paz espiritual, o perdão
para os seus pecados mundanos. Certo de que sua vida está chegando ao fim, o poeta
deseja alcançar o mundo dos Sonhos, e, temendo que seus pecados possam vir a ser um
empecilho para esse encontro tão esperado, ele roga ao Senhor piedade. A repetição de “só
tu , perdão” e do vocativo “meu Deus!” intensificam o tom oracional do poema, pois
funcionam como um lamento desesperado e as exclamações, dominantes nos poemas
97
azevedianos, enfatizam o sentimento do poeta, que se deixa levar pelo calor das emoções e
pelo desejo de Morte.
O poema é quase todo uma oração que exalta a glória e a piedade divinas e o desejo de
transcendência é concebido através da predominância de expressões simbólicas como “luz
infinda”, “noite lutulenta”, “noite do infinito”, “voz das sepulturas”, que simbolizam a
Morte. A Morte, entretanto, apresenta-se como algo positivo, como um encontro com o
“verbo divinal que Deus perfilha”. Tal compreensão da morte o aproxima da de Novalis.
No poema “No Mar”, o desejo de transcender é verificado por meio da plenitude
amorosa que é concebida através da predominância de elementos vagos. Vocábulos como
“noite”, “viração”, “sonhando”, “luar”, “evaporava”, “transparente” formam à volta da
figura feminina uma atmosfera etérea, indefinida, impedindo a sua corporificação no real e
favorecendo a sua representação num plano espiritual, ideal, como se ela fosse algo
transcendental.
Semelhante temática poética é observada no “Soneto (Pálida, à luz da lâmpada
sombria)”. A transcendência também é verificada por meio da plenitude amorosa e é
concebida através de elementos etéreos como “luz da lâmpada sombria”, “nuvens”, “ma
das águas embaladas”, sonhos”, que sinalizam a indefinição da mulher, que se encontra,
num primeiro momento, no plano espiritual.
Paralelamente à representação espiritual feminina aparece, em “No Mar” e “Soneto”,
sintagmas nominais de forte nuança erótica. Novamente, como se nota nas expressões
“negros cabelos soltos”, beijos”, suspiros”, “deliro”, seio palpitando”, “negros olhos”,
“formas nuas”. Assim como nos outros poemas a imagem de duas mulheres: uma
carnal e uma espiritual. Elas estão simultaneamente no plano do ideal e assemelham-se a
98
uma santa, um anjo ou uma entidade e estão também no plano terreno. O poeta não
consegue vê-la apenas no plano espiritual, sempre um forte sensualismo à volta de suas
musas, caracterizando uma das binomias existentes em sua obra, a ambivalência entre o
sagrado e o profano que envolve a figura feminina e suas diferentes significações, pois
como já foi visto, a mulher assume mais de um sentido na obra azevediana.
Esse aspecto da poesia de Álvares de Azevedo, que busca continuamente o ideal
espiritual através da forma feminina e esbarra sempre no erotismo, tornando-o muitas
vezes ingênuo (naive), deixando seu lado emotivo, os desejos, sobrepor-se ao seu lado
mais crítico e reflexivo faz com que em alguns pontos de seus poemas, os desejos carnais,
sejam o referente de seu texto, opondo-se a Novalis.
Contrapõe-se a essa sua “poesia ingênua” o outro lado que é o sentimental
(sentimentalische), centrando seus textos na busca do ideal, que pressupõe a perfeição
artística e que ao mesmo tempo tem consciência de sua impossibilidade, uma vez que a
poesia está além do poema. Dessa forma uma construção de crítica textual, na qual os
pensamentos e sentimentos do autor são apenas o ponto de partida para a reflexão, pois ele
está ciente da limitação imposta pelo mundo sensível. Os dois aspectos da poesia
azevediana conferem a sua obra outra binomia. De um lado tem-se o poeta voltado para
o sentimento, do outro lado, voltado para o fazer textual.
A segunda parte da obra mostra o outro lado do poeta Azevedo, o irônico, satírico,
reflexivo e até mesmo metalingüístico, em que prevalecem a intertextualidade e questões
relacionadas ao papel do escritor na sociedade e na própria poesia. Aqui, como era de se
esperar, diminuem, e muito, as exclamações e reticências. O tom é outro, mais afirmativo,
ou mesmo racional e menos emocional.
99
Na última parte há uma fusão dos três elementos, o amor, a Morte e fazer poético, e os
poemas apresentam-se ora em conformidade com os da primeira parte, ora com os da
segunda, ou seja, o lado ingênuo (naive) e o lado sentimental (sentimentalische) se
misturam.
Em poemas como “É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!”, segunda parte, Azevedo surpreende o
leitor criando uma história de amor entre um rapaz e uma lavadeira, desconstruindo o ideal
da donzela intocável, idealizada, perfeita. Com muito humor e ironia o poeta ri do
sentimentalismo das poesias românticas. As donzelas que em poemas anteriores dormiam
"Sobre o leito de flores”, “entre as nuvens do amor”, donzelas que apenas suspiravam ao
dormir, e que faziam o poeta sonhar, em “É Ela!”, assumem, representadas pela lavadeira,
uma postura cotidiana e comum num prosaísmo à feição do modernismo brasileiro. Ao
invés das flores e das nuvens, o ferro do engomadoé que vela as noites da donzela
“maviosa e pura”, que não mais suspira, mas ronca, levando o eu-lírico ao desmaio e não
mais ao sonho. Nota-se, uma inversão de valores, que o ideal deixa de ser o intocável e se
transforma no cotidiano, no comum, no “alcançável”.
Em “É Ela!” a palavra “desmaiado” mostra que a “transcendência ao ideal” não é mais
via donzela, como foi apresentado nos poemas da primeira parte, e, em uma das mais
irônicas imagens do poema, transporta essa transcendência para a lavadeira, uma mulher
do povo, real e que com ela, o eu-lírico se dá o direito de ousadias, como subir ao telhado
para entrar pela janela e estar junto à amada e roubar do seio dela “Um bilhete que estava
ali metido.” Com isso o poeta se afasta de sua primeira fase e aponta para o Modernismo
brasileiro.
100
Na penúltima estrofe, o poeta faz uso de diminutivos, para criar uma atmosfera de
humor e ironia e, conseqüentemente, criticar o sentimentalismo romântico, valendo-se do
Goethe do Sturm und Drang
28
, cujo o personagem Werther enquadra-se no Romantismo
ingênuo (naive) e é considerada pela crítica alemã uma metonímia para essa ingenuidade.
Em Die Leiden des jungen Werther (O sofrimento do jovem Werther), Goethe (2003:2, 6)
utiliza-se de expressões como junges Dienstmädchen (criadinha) , Mädchen (mocinha)
kleinen Händchen (mãozinhas pequeninas) kleinen Rotznäschens (pequeno narizinho), para
criar um clima emotivo, singelo, delicado, ingênuo e terno para a narrativa. Azevedo
aproveitando-se desse recurso do alemão, rima criancinhas” com “camisinhas”, criando
assim uma bem humorada e dialética comparação. De um lado a toda pura e perfeita
Carlota, doce, delicada, esbelta, adornada com fitas cor-de-rosa, e cuidando de maneira
nobre de seus seis irmãozinhos órfãos. De outro lado a lavadeira, mulher do povo, dotada
de atitudes grosseiras, como roncar, lavando camisinhas e vestidos de chita, o menos
“nobre” dos tecidos. Muitas vezes os poetas românticos se valem do uso de termos no
diminutivo para criar uma aura divina e pura em torno da mulher amada idealizada, como
nesse poema a idéia de Azevedo é ironizar essa idealização o diminutivo torna-se irônico,
pois se contrapõe à imagem grosseira da lavadeira.
também, nos últimos versos, a comparação do amor do poeta pela lavadeira às
musas de Dante e Petrarca . Para Cilaine Cunha (1998: 161)
28
Goethe foi um poeta que iniciou sua criação poética influenciado pelo arroubo sentimental do movimento
Sturm und Drang, e, sua obra Die Leiden des jungen Werther (O sofrimento do jovem Werther), a qual
Álvares de Azevedo faz uma referência direta em seu poema, foi fruto do mais puro sentimentalismo ingênuo
(naive) do poeta alemão. Goethe só mais tarde atingiu a maturidade em seus textos escrevendo obras maduras
e reflexivas e negando o seu próprio sentimentalismo do início.
101
... Beatriz, Laura e Carlota, (...) podem ser pensadas ainda como representantes de uma
tradição literária desenvolvida em três momentos distintos na Europa. Nesse sentido, a
comparação dessas musas à lavadeira de roupa funciona também como contraposição entre duas
tradições literárias distintas: a européia, que se caracteriza, no poema, por representar um ideal
feminino elevado, desenvolvido e retomado em épocas diferentes por diferentes escritores; e a
nacional, caracterizada por retirar seu modelo da vida rotineira.
Se ao comparar a lavadeira às musas de grandes escritores Azevedo pensava no
trivialismo da mulher nacional, ele foi um grande vanguardista do Modernismo brasileiro.
Sua lavadeira assemelha-se a personagens como Irene de Manuel Bandeira, e a tantas
outras personagens femininas do nosso Modernismo, mulheres comuns, donas de casa,
lavadeiras, cozinheiras, sem grandes idealizações, deslocando sua poesia para um outro
enfoque que não mais o idealismo, pois a lavadeira está no plano real e não no ideal. Nesse
sentido Azevedo dá-nos um grande exemplo de avanço poético, desconstruindo o
paradigma da mulher idealizada européia, dos primeiros românticos e de sua primeira parte
da Lira, a qual se refletiu até mesmo na literatura indianista, descrevendo as índias
idealizadas, dotadas de perfeição.
Outro ponto que é muito recorrente nesse poema do romântico brasileiro é a forte
presença de intertextos da literatura européia. Quando o eu-lírico compara seu sentimento
pela amada ao sentimento de outros eu-líricos por amadas ficcionais: Desdemona,
personagem de Shakespeare; Carlota, personagem de Goethe; Laura, personagem de
Petrarca; Beatriz, personagem de Dante, evidencia que o referencial do seu texto são
outros textos, mostrando um eu ficcional que se nutre de outra ficção, de uma forma
102
consciente e reflexiva. É uma espécie de antropofagia oswaldiana, pois o poeta se alimenta
de influências de outras literaturas para dar vida ao seu texto. Portanto dois elementos
constroem a consciência poética do autor, a ironia e o humor que aparecem como forma de
crítica da própria poesia e a antropofagia literária que apresenta um texto que emerge do
próprio texto, ou seja, um texto que se dobra, reflexivamente, sobre si mesmo.
No fragmento 117 da Lyceum der schoenen Kuesnste (Liceu da bela arte) Schlegel
(1994: 90) afirma que
Poesie kann nur durch Poesie kritisiert werden Ein Kunsturteil, welches nicht selbst ein
Kunstwerk ist, entwerder im Stoff, als Darstellung des notwendigen Eindrucks in seinem Werden,
oder durch eine schöne Form, und einen im Geist der alten römischen Satire liberalen Ton, hat
gar kein Bürgerrecht im Reiche der Kunst.
Poesia pode ser criticada por poesia. Um juízo artístico que não é, ele próprio, uma obra de
arte, seja em seu tema, enquanto exposão da impressão necessária em seu devir, seja por meio de
uma bela forma e um tom liberal no espírito das velhas sátiras romanas, não tem, em absoluto,
direito de cidadania no reino da arte.
Se a poesia pode ser criticada por ela mesma, isso é um ato reflexivo. É quando o
texto dobra-se sobre si mesmo, de modo reflexivo, deslocando o foco do eu para o outro, ou
seja, há “a entrada de um sujeito ficcional” que “não se contenta com seu eu” empírico, “ o
descentra, converte em meio para a invenção.” (LIMA, 1984:111). Em “É Ela!” o poeta
descentra seu eu empírico, ou seja, o eu ingênuo (naive) que é a representação do
sentimentalismo do poeta, criando um eu-lírico irônico que critica sua própria poesia.
103
Em “Idéias Íntimas” as elucubrações literárias em torno de escritores de diferentes
épocas – Camões, Shakespeare, Musset e outros – se misturam às cenas cotidianas, como em
“É Ela!”, com a diferença de que em “Idéias” a tônica poemática está no próprio poeta e em
é “É Ela!”, no outro, na amada. O poema compreende três partes, com quatorze subdivisões,
marcadas por algarismos romanos. A primeira vai de I a V e o motivo é a casa do poeta.
uma descrição dos cômodos da casa e de objetos do eu-lírico, como se vê nos versos “Pelo
meu corredor”, “Minha casa não tem menores nêvoas”, “Meu cachimbo alemão
abandonado!”, “Enchi meu salão de mil figuras”, ... Na minha cômoda”, Reina a
desordem pela sala antiga, “ dentre outros. A segunda parte vai do VI ao X. Nesse segundo
momento o motivo é o eu do poeta. Aqui há um passeio não mais pelos cômodos da casa do
eu-lírico, mas um passeio pelo seu interior, pelos seus Sonhos. Na última parte do poema
uma fusão entre a casa e os Sonhos do eu-lírico. Os objetos funcionam simbolicamente
como companheiros da solidão do poeta:
Junto do leito meus poetas dormem
- O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça
(...)
Ó meu amigo, ó velador noturno,
Tu não me abandonaste na vigílias,
104
Vê-se nos versos acima que os livros favoritos do poeta e o velho candeeiro são objetos
que participam ativamente da vida do eu-lírico, a casa e a alma do poeta se misturam, como
se fossem uma única coisa.
Segundo Bachelard (1978:227)
A casa toma as energias físicas e morais de um corpo humano. (...) Mas a transposição ao
humano se faz imediatamente, desde que se tome a casa como um espaço de conforto e intimidade,
como um espaço que deve condensar e defender a intimidade.(...) A casa, mesmo quando começa a
viver humanamente não perde toda sua ‘objetividade’. (...) Uma casa tão dinâmica permite ao poeta
habitar o universo. Ou, dito de outra maneira, o universo vem habitar sua casa.
A casa funciona então como a expressão íntima do poeta. O poeta a descreve em
fragmentos que se misturam com fragmentos da própria vida do eu-lírico, figurando sua
condição de descontentamento em relação ao mundo e revelando uma poesia em que se
mesclam os aspectos naive e sentimentalische. As idéias íntimas surgem como fluxo de
consciência, descortinando vários segmentos relacionados com a vida do eu-lírico: o amor,
o cigarro, os poetas, a poesia, os livros, a bebida, quadros, retratos, tudo isso expresso pelo
poeta como pensamentos soltos. Aqui os fragmentos são “como ‘sementes literárias’ como
‘grãos de pólen’, que deveriam ser acolhidos e estudados como ‘textos para pensar’ (...)
como ‘fermento’da reflexão, mas também como instrumento da crítica e da polêmica.”
(SUZUKI, apud SCHLEGEL, 1997: orelha).
Dentre os diversos questionamentos do poema há um que demonstra poeticamente o
desejo de Azevedo de romper com o mundo clássico e intregar-se ao novo mundo, o mundo
da Noite e seus segredos, o mundo romântico e seus mistérios sagrados. Esse desejo pode
105
ser comprovado nos versos “Basta de Shakespeare. Vem tu agora,/ Fantástico alemão, poeta
ardente ”, nos quais nota-se o explicito anseio de libertar-se do escritor inglês, um dos
representantes da estética classicista, para contemplar a ardente literatura do alemão,
remetendo-se à poesia passional do Romantismo. Nesse poema há um diálogo parcial com
o hino 5 de Novalis, no qual o alemão descreve o fim do mundo da luz, da cultura clássica e
o início do mundo da Noite, da cultura romântica. Assim como Novalis, Azevedo não nega
a importância do mundo clássico, tanto que assume Shakespeare como um de seus poetas
favoritos, porém expressa seu desejo de assumir-se como poeta da Noite, poeta da busca
infinita.
“Idéias íntimas” dialoga, ainda, com Viagens na Minha Terra
29
de Almeida Garret.
Esse escreveu seu livro viajando “à roda do seu quarto”, assim como o poeta brasileiro que
se inspirado pela força material e simbólica do espaço em que tudo se dá: o quarto de
estudante” (VILLAÇA, 1994:19). O português faz uma viagem pela literatura, perpassando
pela obra de vários outros escritores: Byron, Cervantes, Shakespeare, Christopher Marlowe,
Victor Hugo, dentre outros, antecessores e contemporâneos seus. Também Azevedo
embarca em similar aventura literária em seu poema. A sua viagem poética parte de alusões
à Bíblia, Shakespeare, Lamartine, Victor Hugo, Goethe, Dante, Byron,... Nesse sentido o
texto adquire um caráter reflexivo, pois o referente do texto não é o mundo sensível, mas
sim o mundo crítico da própria poesia, uma vez que os livros, os poetas e os quadros são os
referentes para as reflexões poéticas do eu-lírico. O texto, como em “É Ela!”, dobra-se
sobre si mesmo nos levando de encontro à antropofagia oswaldiana.
29
Livro do escritor português romântico Almeida Garrett.
106
Essa tendência, a crítico reflexiva azevediana, demonstra o caráter moderno da poesia
dele. A metalinguagem, tão discutida pelos poetas modernistas e s-modernistas, tem sua
égide na ironia romântica alemã, recurso que como vimos, estava presente na poesia de
Azevedo.
O que sabemos é que, para o gosto moderno, a poesia de Álvares de Azevedo tem-se revelado a
mais presente do nosso Romantismo. Os leitores que o poeta não teve para o livro que não viu
surgiram logo, e multiplicam-se até hoje, atraídos pela doçura sentimental que o artista soube
converter em força poética, na lira de seus vinte anos. (VILLAÇA,1994:21)
Infelizmente nunca saberemos aonde chegaria o talento e a irreverência do poeta
Azevedo se não tivesse partido tão cedo para o tão almejado mundo da Noite. Sabemos que
embora ele tenha tido pouco tempo para escrever, sua poesia atingiu uma densidade poética
que os de sua geração não conseguiram atingir. A sua consciência poética, sua postura
vanguardista e seu espírito filosófico-idealista fazem com que seu nome seja, ainda hoje,
lembrado como um dos melhores poetas que o nosso Romantismo cultivou.
4.3. Distanciamentos e aproximações entre as obras
Novalis e Álvares de Azevedo fizeram parte de dois espaços diferentes e de dois tempos
diferentes, entretanto um imaginário comum os une, especialmente o pensamento idealista
107
da época. Esse idealismo chegou a cada um por vias díspares, porém ambos fizeram da
figura feminina o caminho para expressar o desejo de transcendência, ambos acreditaram
no mundo ideal, no Sonho como uma ponte entre o mundo do sono e da vigília e na Morte
como único caminho para o eterno retorno aos braços do Pai.
A crença em um ideal foi o elemento mais marcante da poesia desses dois poetas e foi
o que garantiu o aspecto reflexivo a seus poemas. Conscientes das limitações do mundo
real e, consequentemente, das limitações do poema frente à poesia, desejaram o encontro
com o infinito e expressaram esse desejo por meio de símbolos etéreos: a Noite, o Sonho, a
Morte e a mulher espiritualizada., pois a busca de um ideal de perfeição é tarefa que “só
poderia ser solucionada depois de uma aproximação perfeita e terminada do
infinito”(FICHTE, 1988:59).
A busca da mulher no plano trancendente sempre foi visto na poesia de Azevedo como
uma sublimação, uma impossibilidade de concretização amorosa no plano real,
especialmente quando o referente é a Lira dos Vinte Anos, sempre relacionando seus
poemas a sua vida pessoal , que viveu muito mais em função das leituras que fazia do que
de experiências advindas da vida real. Isso rendeu muitas críticas à obra azevediana,
críticas que sempre enquadraram os poemas do brasileiro no gênero ingênuo (naive).
A literatura romântica alemã foi umas das mais introspectivas até o século XIX,
especialmente em função do movimento pietista, que por 200 anos afastou o país do
classicismo europeu, devido à Reforma, e contribuiu para essa introspecção. Dessa forma
não Novalis, mas outros escritores do período como Schlegel, Hölderlin, Jean Paul,
dentre outros, buscaram no eu empírico e na natureza apenas elementos para desenvolver as
reflexões presentes em seus textos.
108
No fragmento 26 do Pólen, Novalis (2001:51) explica como se a reflexão, que é
fonte da contemplação do mundo exterior e do interior:
Auto-exteriorização é a fonte de todo rebaixamento, assim como, ao contrário, o
fundamento de toda genuína elevação. O primeiro passo vem a ser olhar para dentro
contemplação isolante de nosso eu Quem se detém aqui logra metade. O segundo passo
tem de ser eficaz olhar para fora – observação auto-ativa, contida, do mundo exterior.
No fragmento acima tudo é um processo interior de contemplação de si mesmo e de
observação crítica do mundo exterior, que corrobora com a idéia que Costa Lima tem do
Romantismo alemão. A “contemplação isolante de nosso eu” e a observação contida e
auto-ativa de que fala Novalis são a postura crítica que o poeta deve ter com relação ao seu
eu e a capacidade de “reflexão imaginativa” que ele deve ter com relação ao mundo
exterior. O poeta deve tomar o seu eu e o mundo exterior apenas como ponto de partida
para que o texto desenvolva-se. O subjetivismo não deve tornar-se sentimental e o mundo
exterior não deve ser descrito tal qual ele é e sim ser filtrado pela capacidade crítica e
reflexiva do autor.
Numa perspectiva unilateral Luiz Costa Lima, considera a poesia brasileira como
ingênua (naive) e contrapõe-na à poesia germânica que ele considera sentimental
(sentimentalische). Para ele o poeta sentimental (sentimentalische Dichter) deve assumir
uma postura crítica e imaginativa frente ao subjetivismo e ao mundo exterior, e do
sentimento individual deve surgir um estímulo para a reflexão poética e que da observação
do mundo exterior o poeta busque desenvolver uma “reflexão imaginante” ao contrário do
109
poeta ingênuo (naive Dichter) que toma o mundo exterior e o seu próprio sentimento como
referente de seu poema.
O
s maiores ataques que o crítico faz ao Romantismo brasileiro são o exagero de
sentimentalismo, a falta de reflexão dos poetas nacionais com relação à contemplação do
mundo exterior, especialmente a natureza, e da inexistência de um caráter crítico no que
diz respeito ao subjetivismo. Para esse estudioso o mundo exterior e o eu empírico,
individual de cada sujeito, deveriam servir apenas como ponto de partida para a auto-
reflexão. O recolhimento em si mesmo” e a observação do mundo exterior deveriam
estimular o caráter auto-reflexivo da poesia e não justificá-la, o eu que deve falar no texto,
deve ser um eu ficcional criado pelo próprio texto. Esse eu ficcional criado pelo próprio
texto é um dos pontos que nos leva de encontro à ironia romântica, pois essa teoria
pressupõe, dentre outras coisas, a consciência ficcional do autor. Segundo o crítico
brasileiro o que vemos no romântico brasileiro é justamente o contrário
Incapaz de usufruir do intercâmbio intelectual que tanto favoreceu o romantismo
alemão (...) o sentimento de infelicidade se depurou em mero sentimentalismo. Deste modo a
natureza ou era cantada por sua exuberância ou se tornava o palco das lamentações da alma
ferida (... ) entre nós, o culto da observação não era um trampolim para a auto-reflexão e, daí,
para vir-se à questão do imaginário. A auto-reflexão era substituída pela nostalgia sentimental.
Em poucas palavras, a dialética entre observação e auto-reflexão cede a vez ao arco estreito
formado por observação e sentimentalidade. (LIMA, 1984:135)
Na citação acima Lima confirma a postura sentimental (sentimentalische) do
Romantismo alemão em oposição à postura ingênua (naive) do brasileiro. Entretanto com
110
relação à poesia azevediana pode-se afirmar que o grande pecado cometido por Costa Lima
e por outros críticos de Azevedo foi analisar sua obra tendo em vista o homem Álvares
de Azevedo e não o autor, o eu-lírico Álvares de Azevedo. Outros críticos de literatura
brasileira, citados anteriormente, corroboraram a teoria proposta por esse crítico,
especialmente no que se relaciona à poesia azevediana.
A irrealização dos amores nas poesias da primeira parte da Lira está relacionada ao
ideal que pode ser encontrado em um plano divino, portanto a busca constante de
Álvares de Azevedo pelas amadas nos planos inconscientes, como no Sonho, na Morte ou
até mesmo em um desmaio, não é fruto de nenhuma “vacilação metal” e nem tão pouco do
“medo de amar” como afirmam Silvio Romero (2000:30-31) e Mário de Andrade(2000: 54)
respectivamente.
Como foi observado nas análises dos poemas, Novalis também foi sentimental na
construção de Hinos à Noite, ele também colocou o desejo de encontro com a Amada no
plano metafísico como referente de seu poema, assim como Azevedo. Nesse caso o
Romantismo de Novalis também deve ser incluído no caráter ingênuo (naive), o que
mostraria então um erro de Costa Lima ao afirmar que o romântico germânico atingiu o
ideal da poesia sentimental (sentimentalische). O fato é que uma semelhança entre a
busca do ideal por meio da figura feminina em ambos os poetas e isso caracteriza não o
lado ingênuo (naive) deles, mas sim o lado sentimental (sentimentalische), pois tinham
consciência de que o ideal, tanto artístico quanto espiritual, jamais seria alcançado no
mundo sensível. O sentimentalismo presente na poesia de Novalis e de Azevedo não é
ingênuo, mas sim consciente, pois é partindo desse sentimentalismo que eles refletem o
desejo de infinito, de encontro com o Absoluto.
111
Nesse sentido será mesmo que nosso Romantismo não foi capaz de usufruir de um
intercâmbio cultural ou será que ele usufruiu, mas tinha objetivos diferentes e resolveu
aplicá-lo de forma a suprir as necessidades estéticas do Romantismo brasileiro? Será
mesmo que o sentimentalismo de Álvares de Azevedo é fruto de uma incapacidade auto-
reflexiva, ou é um sentimentalismo auto-reflexivo, consciente de seu sentimentalismo? Se
ele fosse incapaz dessa auto-reflexão, que conduz o poeta ao desenvolvimento de sua
“imaginação criativa”, não teria escrito no prefácio a segunda parte da Lira, mostrando
que a unidade de seu livro funda-se numa binomia. Num primeiro momento, a poesia
sentimental, representada por Ariel, e logo depois Caliban, a poesia reflexiva e irônica,
pois nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa, vem a sátira que morde”
(AZEVEDO,2002: 24).
O que grande parte dos nossos críticos entende por sentimentalismo na obra azevediana
é entendida na obra novalisiana como busca do ideal simbolizada pela figura da mulher
Amada. Ora, como foi mostrado Álvares de Azevedo também faz da imagem feminina um
símbolo do ideal inatingível. Nesse caso pode-se afirmar que o sentimentalismo do poeta
brasileiro também é fruto da consciência de que o ideal pode ser atingido por meio da
intuição, dos sentimentos etéreos e das figuras inalcançáveis no mundo sensível. Por que
considerá-lo ingênuo (naive) e Novalis sentimental (sentimentalische) se ambos
apresentam, no plano semântico, as mesmas ambições poéticas? O encontro com o ideal?
A questão da mulher como um símbolo para o inatingível, como representação do
ideal, fica evidente com o casamento de Novalis com Julia von Charpentier. Ora, se seu
amor por Sophie era imortal e se seu desejo de morte estava relacionado ao reencontro com
sua eterna amante, ele jamais teria se entregado a outro amor e tão pouco teria se casado
112
com outra mulher pouco tempo depois da morte de sua eterna musa. Sophie foi o ideal
inalcançado, representava o inatingível, o ideal artístico e espiritual, Julia era o real. Sophie
foi o símbolo por excelência do ideal novalisiano de transcendência, tanto que em
Heinrich, mesmo estando casado com Julia, a falecida noiva continuou a ser o centro das
atenções do poeta.
O Geliebte, der Himmel hat dich mir zur Verehrung gegeben. Ich bete dich an .Du bist die Heilige,
die meine Wünsche zu Gott bringt, durch die er sich mir offenbart, durch die er mir die Fülle
seiner Liebe und tut. (NOVALIS, s/d: 92)
Minha amada, o céu te enviou até mim para que eu te cultuasse. Eu te adoro. Você é a santa , que
leva a Deus os meus desejos, pela qual Ele revela-se a mim; pela qual Ele manifesta a mim o Seu
irrestrito amor.
A imagem dessa mulher santificada do alemão mistura-se com a imagem da Virgem
Maria, pois apesar de não ser convertido ao catolicismo, mas sim a uma religiosidade
ecumênica, baseada no cristianismo, nos Hinos a imagem da imaculada virgem Maria
aparece freqüentemente. Dessa forma a mulher idealizada de Novalis (1998:42), Sophie,
representa o amor pelo Absoluto, o desejo de intregar-se a Ele, na figura da “der ersten
Jungfrau und Mutter” (da primeira Virgem Mãe), o amor completamente puro e isento de
qualquer sentimento carnal. Nos poemas de Azevedo a mulher ideal difere-se da Sophie de
Novalis especialmente porque o brasileiro não tinha uma musa por excelência, mas várias,
afinal ele não teve uma noiva que pudesse ser tomada como mbolo para a sua poesia
idealista. Porém, a figura feminina representa o lado sentimental (sentimentalische) do
poeta, ou seja, converte a observação em reflexão. A mulher ideal, que se encontra no plano
113
trancendental, Absoluto, é a representação da busca pelo Absoluto ideal, seja no plano
espiritual, encontro com Deus, seja no plano artístico, encontro com a totalidade poética
alcançada no infinito.
Diferente do amor do autor dos Hinos, o amor do autor da Lira não se encontra
somente no plano espíritual, um forte apelo carnal em seus poemas. A mulher
desperta os instintos eróticos do poeta. Delton de Mattos (1988:81), comparando os
poetas românticos alemães aos simbolistas franceses, afirma que a preferência por imagens
noturnas do Romantismo alemão se pela atmosfera fria e sombria a que o homem
nórdico é subordinado, impondo-lhe um constante recolhimento aos ambientes interiores,
fechados. Assim como a atmosfera fria do norte europeu contribuiu para introspeção da
poesia romântica alemã, também o calor dos trópicos, o constante tema do índio, que era
visto na literatura de informação como uma personagem extremamente sensual e a
exuberância das matas brasileiras contribuíram para o aspecto mais sensual e exteriorizado
do Romantismo brasileiro. Do desejo de identidade do escritor nacional e do desejo de
começar a formação de uma nova nação, calcada no regaste das raízes do povo, nossos
românticos tomaram um caminho mais sentimental e mais preso à representação do mundo
exterior que os românticos alemães, porém, de maneira alguma, inconsciente e ingênuo.
Álvares de Azevedo, ao contrário da grande maioria dos escritores românticos
brasileiros, seguiu o caminho da literatura intimista que privilegiava as imagens noturnas
e as atmosferas sombrias tão recorrentes no Romantismo alemão ao invés da exaltação da
fauna e flora brasileiras e do índio. Entretanto no que se refere à sensualidade feminina, ele
foi fiel ao imaginário romântico brasileiro. Por pertencer a um imaginário tão erótico
como o nosso, o poeta da Lira, embora desejasse o encontro com a mulher idealizada no
114
plano espiritual, não deixou de desejá-la também no plano sensível, o que gerou um forte
sentimento de culpa no poeta, pois “é bom lembrar que se está no quadro da cultura cristã,
em que o desejo da carne e a perfeição do espírito podem ser tomados como inconciliáveis”
(VILLAÇA, 1994:17).
O apelo erótico da obra de Azevedo pode ser entendido como o lado ingênuo (naive)
de sua poesia, no qual os sentimentos do autor foram os referentes de alguns de seus
poemas, afinal “o mesmo poeta pode ser sentimental num poema e noutro, pelo contrário,
ingênuo” (JUNG,1976:15). Isso não caracteriza um poeta como ingênuo (naive),
especialmente o poeta da Lira, que se teve seus momentos de sentimentalismo desmedido,
não foi inconscientemente, como ele prova no prefácio da segunda parte da obra, sem falar
em outros textos dele que não são de nosso interesse nesse estudo.
uma dicotomia entre a Lira e os Hinos que mostra que Azevedo talvez tenha sido
mais progressista que Novalis no que diz respeito à composição poética. O poeta alemão
embora tenha se utilizado de estruturas modernas, inovadoras, como os fragmentos e o
poema em prosa, no campo semântico o brasileiro foi mais inovador, pois não fixou sua
poesia no idealismo, mas foi a frente. Não somente nos Hinos, mas em outras obras de
Novalis vê-se que o idealismo foi o ponto fundamentador de sua poética, enquanto que na
Lira, e também em outras obras de Azevedo, vê-se que o poeta transita não sob o
princípio idealista, mas também sob outros princípios. Um exemplo disso está no poema
“É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!” . Como foi dito a personagem da lavadeira assemelha-se à
mulheres da poesia moderna, como a Irene e a Tereza de Manuel Bandeira, mulheres do
cotidiano, que nada tem de romântico. Esse anglo não idealista da poesia azevediana, que
valoriza, mesmo que ironicamente, a mulher comum, negando seu próprio idealismo
115
caracterizando a tão discutida binomia azevediana, que o fez estar tão à frente de seus
contemporâneos.
Esse lado da obra do poeta brasileiro pode ser encontrado também em outros poemas da
Lira . Em “Boêmios” e “Um cadáver de poeta” em que se observa o lado crítico social de
Azevedo têm-se críticas ao clero, “Frei Gregório/Co’a boca de gordura reluzente,/farto de
vinho.../(...)/ Aos pés da taverneira de joelhos/Faz lhe a corte...”, à nobreza, Passou El-
Rei ali com seus fidalgos./ (...)/ ‘Tancredo! repetiu imaginando - /Um asno! cantava
para o povo!/ Uma ngua de fel, um insolente!’ “, e ao sistema que não dá à arte o devido
valor, “Deixem-se de visões, queimem-se os versos. /O mundo não avança por cantiga”.
Essa outra vertente do romântico brasileiro mostra um escritor que se distancia ainda mais
dos seus contemporâneos brasileiros, mas que também não se aproxima de Novalis, pois o
poeta alemão fixou-se de modo geral no idealismo, reservando a outros temas apenas
pequenas cenas, até mesmo nos fragmentos, que têm como princípio fundamental a crítica
e a reflexão.
Inovadores em uns aspectos, tradicionais ou rígidos em outros, tanto Novalis como
Álvares de Azevedo foram fundamentais para a construção do pensamento moderno. A
ironia romântica, tão utilizada pelos nossos contemporâneos teve sua égide no
Romantismo, nos fragmentos de Schlegel, de Novalis e também nos poemas de Álvares de
Azevedo, que embora não tenha sido um teórico, como aqueles, construiu seu pensamento
binômico de forma autêntica e modernizadora, tentando, na medida do possível, abarcar a
universalidade da poesia.
116
5.0. Conclusão
Concluir vai contra todo o princípio da poesia romântica, afinal essa “ainda está em
devir; sua verdadeira essência é mesmo a de que pode vir a ser, jamais ser de maneira
perfeita e acabada” (SCHLEGEL, Opicit. 59) e uma conclusão pressupõe uma forma
perfeita e acabada. O mais correto seria finalizar esse trabalho não com uma conclusão, mas
levantando questões que nos levem à reflexão, à conclusão de que o estudo de uma obra
literária não pode jamais ser concluído, ele deve ser apenas o ponto de partida para que
mergulhemos cada vez mais na alma da poesia.
A poesia de Novalis e Álvares de Azevedo esem constante devir. Ela abarca todas as
realidades possíveis dentro das limitações impostas pelo mundo do poema. Espero ter
conseguido mostrar nessa dissertação uma das leituras possíveis de serem feitas de uma das
obras desses dois grandes poetas que não só acreditaram na infinitude do espírito humano e
do espírito artístico, como também conseguiram, por meio da concretude textual propor
infinitas reflexões aos seus leitores, tornando-os conscientes de que jamais desvelarão a
poesia de ambos, apenas des-velarão parte delas.
Inúmeras análises foram feitas com relação à obra de Álvares de Azevedo, mas bem
poucas conseguiram perceber a capacidade reflexiva desse poeta, especialmente no que diz
respeito aos poemas de cunho mais sentimental. Por acreditar na capacidade ilimitada da
poesia é que proponho aqui uma reflexão sobre essas várias leituras feitas de sua obra e
também de todo o Romantismo brasileiro. . o razões para continuarmos rotulando a
obra azevediana como ingênua (naive) uma vez que a obra de Novalis é vista por
117
unanimidade como sentimental (sentimentalische) e ambos seguiram os mesmos ideais.
Embora tenham tido, cada um o seu estilo, embora tenham buscado cada um uma forma
física (poema) para representar parte da idéia (poesia), embora tenham vivido em mundos,
espaços e tempos diferentes, ambos fizeram parte de um mesmo imaginário que contribuiu
para a construção do pensamento moderno, mas que nos remeterão sempre ao mundo
romântico dos Sonhos.
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