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Devorada, despedaçada pelos pesadelos. O terror se ergue como uma tempestade! Um homem
ensangüentado jaz para sempre na neve. Ele está ali
! Seu braço gelado, endurecido, levantado,
estendido para o céu. Ah, Jerome, meu marido, tenho tanto medo! (TLT-2, p. XXII).
A tradução de “là” por lá afasta a personagem da cena descrita. Entretanto, segundo
o que se pode interpretar deste trecho, Elisabeth é tomada, em sonho, pela visão de Antoine
assassinado — a personagem está portanto assistindo
à cena. Neste caso, consideramos que o
advérbio ali aproxima a cena da personagem, justificando o terror que passa a dominá-la.
Exemplos em que “là” foi traduzido por ali:
“Mme. Rolland est à cent lieues de là
, perdue dans la contemplation de son poignet de dentelle droit.”
(TLO, c. 5, p. 25); “A Sra. Rolland está a cem léguas dali
, perdida na contemplação de seu punho de renda
direito.” (TLT-l, p. 22).
Neste enunciado, o enunciador é o narrador onisciente, que está contando o
desenrolar de uma cena entre o Sr. e a Sra. Rolland. Supõe-se pois que o narrador esteja
numa posição de observador próximo, pois é até capaz de deixar aflorar em sua narrativa o
monólogo interior dos personagens. E o advérbio ali traduz convenientemente a localização
da cena, construindo-a como ficcionalmente distante do narrador e do leitor, mas no campo
de visão de ambos.
No cap. 32:
“Je parviens avec peine à enlever mon manteau de fourrure, à me dégager des écharpes de laine.
Puis, je reste là
, n'osant pas bouger.” (TLO, c. 32, p. 138); “Consigo com dificuldade tirar o manto de pele e
desembaraçar-me das écharpes de lã. Fico ali
não ousando mexer-me.” (TLT-l, c. 32, p. 133).
Neste capítulo, trata-se da chegada de Elisabeth ao local da festa de Saint-Ours. Ela
e o Dr. Nelson chegam molhados, depois de todos os demais convidados. O advérbio ali
traduzindo “là” marca o desdobramento narradora - personagem. Apesar de narrar os
acontecimentos no presente, a narradora se
vê revivendo a cena de Saint-Ours. Não a
descreve do ponto de vista da personagem que está em cena, mas do ponto de vista de
alguém que estivesse assistindo a uma certa distância.
No cap. 49:
La neige. Ce n'est pas encore Ia fin du monde. Ce n'est que Ia neige. La neige à perte de vue,
comme un naufrage. Me voici à mon poste, derrière le voilage de Ia fenêtre de ma chambre. La rue
Augusta est là
, toute blanche, à mes pieds. [...] Extralucide, on m'a placée là pour que je voie tout,
que j'entende tout. M'arrachant à Ia rue du Parloir, à Québec, au moment où mon mari... Comme si
mon devoir le plus urgent, ma vie Ia plus pressante, était de me tenir là, derrière une vitre, à Sorel, le
temps que s'assourdisse tout à fait le souffle rauque de Jérôme Rolland. (TLO, c. 49, p. 184)
[...] Eis-me em meu posto detrás da janela do quarto. Ali
está, a meus pés, toda branca, a Rue
Augusta. [...] Translúcida [sic], colocaram-me ali
para que eu veja e compreenda tudo. Arrancando-
me da Rue du Parloir, em Quebec, justamente no momento em que meu marido... Como se meu
dever mais premente na vida fosse permanecer ali, por detrás de uma vidraça, em Sorel, para deixar
de ouvir a respiração rouca de Jérôme Rolland. (TLT-1, p. 181).
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