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FACULDADES INTEGRADAS TERESA D’ÁVILA
FACULDADE DE LETRAS
ANA PAULA COSTA DE SOUZA
O APOCALIPSE DE JOÃO COMO GÊNERO LITERÁRIO
LORENA, 2009
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ANA PAULA COSTA DE SOUZA
O APOCALIPSE DE JOÃO COMO GÊNERO LITERÁRIO
Monografia apresentada à Faculdade de
Letras das Faculdades Integradas Teresa
D’Ávila como Trabalho de Conclusão de
Curso.
Orientadora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas
LORENA, 2009
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Souza, Ana Paula Costa de.
O Apocalipse de João como gênero literário. –
Lorena: Ana Paula Costa de Souza.- 2009.
32 f.
Monografia (Graduação em Letras com
Habilitação em Inglês)- Faculdades Integradas
Teresa D’Ávila, 2009.
Orientadora: Maria Luzia Dantas
1. Apocalipse de João. 2. Literatura. 3. Gênero
Literário Apocalíptico.
S729a
CDU-228:82-1/-9
ANA PAULA COSTA DE SOUZA
O APOCALIPSE DE JOÃO COMO GÊNERO LITERÁRIO
Monografia apresentada ao curso de Letras
com habilitação em Inglês das Faculdades
Integradas Teresa D’Ávila como Trabalho de
Conclusão de Curso.
Orientadora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Me. Francisco Alcidez Candia Quintana
Profa. Me. Maria Luzia Dantas
___________________________________________________________________
Profa. Me. Sônia Maria Gonçalves Siqueira
___________________________________________________________________
LORENA, 24 de novembro de 2009
Aos meus pais, pelo incentivo, apoio e carinho.
À minha avó Cida pelos conselhos.
À tia Cris que muito contribuiu para a minha formação.
E ao meu namorado Luiz Paulo, por sempre compreender e acompanhar minha vida
acadêmica.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sempre me dar forças e me conceder tudo o que preciso para ser feliz.
À minha orientadora, Profa. Me. Maria Luzia Dantas, pela dedicação com que
orientou este trabalho.
Aos meus colegas de curso que contribuíram de alguma forma para este trabalho.
À Profa. Me. Luciani Vieira Gomes Alvareli, pelo grande apoio e por ser um exemplo
profissional e humano.
Ao Prof. Me. Élcio Luis Roefero, pela atenção, gentileza, simpatia e respeito ao
próximo.
Ao Prof. Dr. Felipe Aquino, pelo esclarecimento de várias dúvidas religiosas.
Ao Prof. Dr. Dionísio Oliveira de Soares, pela atenção e entusiasmo com que me
ajudou, mesmo sem me conhecer pessoalmente e que mesmo de longe, me
possibilitou grande conhecimento acadêmico.
Ao Prof. Dr. Eduíno José de Macedo Orione, pelas ótimas aulas de Literatura e pela
educação e respeito com que trata seus alunos.
“No começo a palavra já existia: a palavra estava voltada para Deus, e a palavra era
Deus. No começo ela estava voltada para Deus. Tudo foi feito por meio dela, e, de
tudo o que existe, nada foi feito sem ela. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos
homens [...] ”.
Livro de João 1:1-4.
RESUMO
SOUZA, Ana Paula Costa de. O Apocalipse de João como Gênero Literário. 2009.
32 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras com habilitação em
Inglês) Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, Lorena, 2009. [Supervisora: Profa.
Me. Maria Luzia Dantas]
Esta pesquisa apresenta o Apocalipse de João como gênero literário, e por
isso esclarece a terminologia “literatura” através de pesquisas bibliográficas e
webliográficas. A necessidade deste trabalho aparece, quando a autora observa que
pouco conhecimento do gênero literário apocalíptico nos meios acadêmicos. Por
isso, procura alcançar o objetivo geral de apresentar o Apocalipse de João, como
um nero literário, apontando três hipóteses: a primeira afirma seu texto como
literário, a segunda não literário, e a terceira um texto que embora não literário,
apresenta aspectos literários. No entanto, este trabalho desenvolve apenas a
primeira hipótese que o classifica como literário. Assim, fundamenta os vários
conceitos de Literatura e de gêneros literários, principalmente o apocalíptico. E
como objetivos específicos, para que haja maior compreensão da literatura no livro
do Apocalipse de João, analisa-se alguns símbolos e cartas apocalípticas,
apontando as principais marcas literárias. Desta forma, a autora finalmente
considera, que o Apocalipse é um gênero literário, pois possui um texto ficcional,
conforme observa na análise dos símbolos e também nas teorias que cita sobre a
literatura.
Palavras-chave: Apocalipse de João – Literatura – Gênero literário apocalíptico.
ABSTRACT
SOUZA, Ana Paula Costa de. John’s Apocalypise as a Literary Gender. 2009. 32 f.
Monograph (Graduation). Letras course. Faculdades Integradas Teresa D’Ávila,
Lorena, 2009. [Supervisora: Profa. Me. Maria Luzia Dantas]
This research shows John's Apocalypse as literary gender, and that’s why
explains the terminology "literature" through bibliographical researches and also
through internet. This work becomes necessary, when is observed that there is little
knowledge of the apocalyptic literary gender in the university. Therefore, it tries to
reach the general objective that is to present John's Apocalypse, as a literary gender,
pointing three hypotheses: the first affirms its text as literary, the second as no
literary, and the third a text that although no literary, it presents literary aspects.
However, it just develops the first hypothesis that classifies it as literary. Like this, it
bases the several concepts of Literature and literary genders, mainly the apocalyptic.
As specific objectives it analyzes some symbols and apocalyptic letters, pointing the
main literary marks. This way, the author finally considers, that the Apocalypse is a
literary gender, because it has a ficcional text, as it observes in the analysis of the
symbols and also in the theories that she mentions about literature.
Keywords: John’s Apocalypse - Literature - Apocalyptic Literary Gender.
SUMÁRIO
1. Introdução...............................................................................................................09
2. Os apocalipses da era judaica e da era
cristã........................................................11
3. Fundamentação Teórica: “Gênero literário apocalíptico e a Literatura”.................16
4. Análise do Corpus: “Os Símbolos Apocalípticos”...................................................21
4.1. A Literatura nas cartas às Igrejas........................................................................24
Considerações Finais.................................................................................................28
Referências................................................................................................................29
Anexo A......................................................................................................................31
Anexo B......................................................................................................................32
1. Introdução
A temática principal deste trabalho envolve a linguagem de um livro da Bíblia
chamado Apocalipse que foi escrito por João, o qual apresenta um discurso
altamente metafórico. A partir desta percepção, surgiu uma indagação: este livro
pode ser considerado parte da Literatura?
Atualmente, encontramos em várias pesquisas o livro “Apocalipse” incluído
em uma condição de gênero literário, mas se este pertence a um campo religioso,
então por que é usado este termo “gênero literário”?
O que diz Massaud Moisés acerca das definições de Literatura? E o que
dizem os grandes estudiosos do gênero literário apocalíptico? A principal questão a
ser trabalhada nessa pesquisa consiste na terminologia “Literatura” quando esta se
relaciona ao livro da Bíblia chamado Apocalipse.
Três hipóteses são cogitadas sobre o livro Apocalipse, a primeira afirma seu
texto como literário, a segunda não literário, e a terceira um texto que embora não
literário, apresenta aspectos literários.
De acordo com a fundamentação teórica desta pesquisa, a primeira hipótese
possui maior validade, pois o Apocalipse é um livro que apresenta uma linguagem
muito rica, e por isso não pode ser considerado apenas um texto com resquícios
literários, e menos ainda um texto não literário. Durante este trabalho será explicado
o porquê.
Esta pesquisa se justifica quando é observado que nos meios acadêmicos as
dúvidas relacionadas à Literatura e à Bíblia são muitas. Percebe-se também que ao
falar do último livro da Bíblia, o “Apocalipse”, muita agitação é causada em torno do
assunto, principalmente por este livro estar conexo ao grupo semântico de revelação
e escatologia. Além disso, observa-se que pouco se é falado sobre o gênero literário
apocalíptico e é por muitas dúvidas e principalmente por causa do pouco
conhecimento deste gênero literário é que foi motivado e elaborado este trabalho.
O objetivo geral desta pesquisa é apresentar o Apocalipse de João como
gênero literário e ao mesmo tempo (como objetivos específicos) apontar as marcas
literárias existentes no livro, através de alguns símbolos e de algumas cartas
apocalípticas.
Para isso, foram selecionados alguns livros, revistas e artigos da Internet
acerca do assunto tratado. Esta pesquisa está dividida em 4 (quatro) partes. A
primeira delas é esta introdução. A segunda explicará o que são os apocalipses da
era judaica e da era cristã, deste modo é resumida brevemente a história do
Apocalipse de João, para a melhor compreensão do assunto. Na terceira parte, a
primeira hipótese deste trabalho é fundamentada com as explicações de gênero
literário apocalíptico e de literatura de acordo com diversos autores especializados
no assunto. A partir das explicações sobre Literatura, os símbolos apocalípticos,
serão analisados no quarto e último item deste trabalho. Desta forma, chegamos às
considerações finais.
2. Os apocalipses da era judaica e da era cristã.
Ao se falar do livro “Apocalipse” deve-se considerar algumas informações a
respeito de seu contexto histórico, como por exemplo, a situação em que foi escrito,
uma época em que a fé cristã estava sendo colocada a prova pelo Império Romano.
Este livro originou-se por meio da visão do autor João, sendo uma forma de
denúncia e incentivo ao povo para resistir a força do Império Romano, que praticava
o culto ao imperador. Teria sido escrito por volta 81-96 d.C, mais ou menos no fim
do reino de Domiciano.
Para uns, o apocalipse é uma reprodução evangelista relativa ao fim da
história, para outros é apenas um marco da crise histórica na cristã. De acordo
com Kümmel (1982), ai se constitui um problema teológico.
Richard (1996) afirma que o texto está coligado a marcas do Antigo
Testamento, pois sua linguagem não é o único documento escrito do gênero
apocalíptico, pois houve também o apocalipse segundo Daniel no Antigo
Testamento, que foi o auge da apocalíptica judaica, além de muitos outros que serão
citados no decorrer deste trabalho.
Segundo Kümmel (1982), o conceito apocalíptico é usado para enfatizar um
fenômeno acontecido na história da religião. Seria então, uma visão religiosa que é
introduzida por um pensamento escatológico único a respeito do mundo, e por um
outro prisma pode-se enxergar aspectos encontrados num outro mundo ou num
além-mundo.
Para ele, “Apocalíptico” também é um gênero literário em que se exprimem
ideais sobre o fim da humanidade, tratando - se também de um novo fenômeno
religioso e literário que se originou no antigo judaísmo, apesar de sua literatura
pressupor uma penetração de elementos estranhos ao judaísmo.
A partir disso, é possível observar que houve duas épocas em que os
apocalipses foram utilizados. A primeira na era judaica e a segunda na era cristã, e
ainda será perceptível que o livro estudado é considerado o mais importante das
obras apocalípticas de procedência cristã, e o único presente no Novo Testamento,
e que este ainda conserva o nome “Apocalipse”.
No Antigo Testamento, na era judaica, foram produzidas diversas obras
apocalípticas, mas possuíam outros nomes ou o nome de seus autores. Como por
exemplo, o livro de Daniel, que embora seja um apocalipse, não é explícito no título
de sua obra.
Richard (1996) diz que no apocalipse muitos elementos violentos, porém
esta violência seria mais literária que real, e diz que o apocalipse une escatologia e
política, mito e práxis, consciência e transformação histórica, portanto, não é
somente visão, catarse ou protesto.
Assim como Kümmel, ele define que se chama movimento apocalíptico o que
sustenta a apocalíptica e a literatura apocalíptica, sendo este último um universo
simbólico no qual um movimento apocalíptico codifica sua identidade e sua
interpretação da realidade. Suas formas lingüísticas e estilísticas são muito
importantes, e mostram o material extraído das visões do autor, que se auto
denomina João.
Kümmel (1982) ainda salienta que os apocalipses em geral, mostram livros
sob pseudônimos, o que torna diferente o último livro do Novo Testamento da Bíblia,
que foi escrito por João, entretanto, na maioria dos livros lidos nesta pesquisa,
acerca da identidade do autor é revelado que não se sabe ao certo, se João é o
mesmo apóstolo, filho de Zebedeu, ou se é uma outra pessoa.
Mesmo sem a certeza da identidade do autor, sabemos seu nome, e o foco
de nossa pesquisa é no que este escreveu. Sendo assim, é importante ressaltar que
a própria visão de João, também evolui na forma e no estilo apocalíptico.
Considerando que no texto existem inúmeros aspectos literários, pois como meios
de expressão são usadas cores, números, símbolos e também alegorias.
Conforme dito anteriormente alguns desses meios de expressão serão
analisados no decorrer deste trabalho, para que possamos com clareza entender a
questão do Apocalipse de João como gênero literário. Desta forma, as áreas do
conhecimento as quais se restringe esta pesquisa são as de Literatura e a
Linguagem.
Scliar (2009) escreve para a revista Língua Portuguesa sobre as expressões
da Judaica. Seu artigo alerta para a identidade religiosa, lingüística e literária do
povo judeu, o que veio contribuir para esta pesquisa como forma de
contextualização da era judaica.
Através de seu artigo podemos perceber que historiadores e arqueólogos não
sabem ao certo informações a respeito da origem dos judeus. Uns dizem ser
originários da Mesopotâmia, a região entre os rios Tigre e Eufrates, outros, que eram
nômades e vinham da península arábica, estabelecendo-se no período neolítico, na
região conhecida como Canaã. Algo de que eles têm a certeza é de que os judeus
ao contrário das outras religiões da sua época, cultuavam a um Deus, Javé ou
Jeová.
O termo “Bíblia” é grego e significa livros. Para Scliar (2009) a Bíblia é de fato,
antes uma coleção de textos, que começaram a ser escritos provavelmente entre
950 e 850 a.C., e possuem diversos autores, o que se comprova pelos diferentes
estilos e tradições.
Scliar ainda alerta que o conjunto desses livros foi denominado pelo
cristianismo, de Antigo Testamento (AT) e Novo Testamento (NT) e que a maior
parte do AT está em hebraico, mas existem partes em aramaico, que era a língua
mais usada no oriente médio e inclusive por Jesus. Depois de um tempo, foi
traduzida ao grego, o que deixou muitos judeus inconformados, pois execravam os
gregos, os achavam vulgares por praticarem esportes nus e tolerar o
homossexualismo.
Ainda para Scliar (2009), o judaísmo, possuía uma rica cultura, representada
na música, na pintura e, sobretudo no folclore, permeado do chamado humor
judaico, melancólico, filosófico, que representava uma forma de defesa contra o
desespero. É possível observar tais características, quando se os apocalipses
escritos naquela época. Considerando que o auge da apocalíptica deu-se em
ambientes judaicos.
Na era cristã também apareceram diversos apocalipses, no entanto, são
obras apócrifas, por isso aqui será considerado apenas o apocalipse de João que foi
incluído na Bíblia. As informações adiante são baseadas nas notas explicativas da
Bíblia de Jerusalém e são referentes ao Apocalipse de João.
O termo “Apocalipse” é a transcrição de uma palavra grega que significa
“revelação”. Sendo assim, é difícil para muitos estudiosos definir exatamente o que
separa o gênero apocalíptico do gênero profético, do qual, de certa forma, ele não é
mais que um prolongamento. A diferença fundamental entre ambos, é que no
primeiro o profeta tem uma visão e a escreve na maioria das vezes usando
simbologias. E no segundo, o profeta ouve a revelação e a transmite na oralidade
diretamente ao público. Devido às simbologias a linguagem apocalíptica é
considerada mais complexa que a outra.
Nos dois séculos antes de Cristo, os apocalipses tiveram grande atuação nos
ambientes judaicos, e foram preparados pelas visões de profetas como Ezequiel e
Zacarias, entretanto, o gênero apocalíptico foi se desenvolver somente com o livro
de Daniel e em obras apócrifas escritas na era cristã.
A Bíblia, em sua segunda parte, no Novo Testamento, aceitou apenas uma
obra apocalíptica e seu autor João estava exilado numa ilha chamada Patmos, por
causa de sua fé em Jesus Cristo.
Muitos afirmam que João seria o apóstolo, como declarou S. Irineu, Clemente
da Alexandria e Tertuliano, no entanto, no século V, as Igrejas da Síria, Capadócia e
da Palestina, parecem não ter incluído o Apocalipse nas Escrituras, pois não
consideraram que o livro foi escrito por um apóstolo.
Quanto à data de criação admite-se comumente que tenha sido composto por
volta de 95, no ano de Domiciano, porém, outros creem que algumas partes foram
redigidas no tempo de Nero, pouco antes de 70. Contudo, ambas teriam sido
escritas pelo mesmo autor, mas uma outra pessoa teria juntado ambas escrituras.
Seja a época de Domiciano ou a de Nero sabe-se que o livro foi escrito num
período de perturbações e que as cartas enviadas às comunidades (que no livro são
expostas), tem o objetivo de animar o povo, sem fazê-los desistir, resistindo às
perseguições do Império Romano ao povo cristão.
De acordo com a Bíblia estudada, o livro constitui-se a partir de um prólogo,
22 (vinte e dois) capítulos e um epílogo. Abaixo segue um breve resumo do contexto
do livro.
Do primeiro ao terceiro capítulo observamos as cartas às igrejas da Ásia, e
assim é introduzida uma visão preparatória. As igrejas da Ásia são Éfeso, Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Nessas cartas através de João,
Jesus direciona e orienta o comportamento das igrejas e repreende as atitudes de
algumas delas.
No quarto capítulo visões proféticas e uma amostra dos prelúdios do “Grande
Dia” de Deus, relatando a entrega do destino do mundo ao Cordeiro.
No capítulo cinco aparecem sete selos que ninguém era capaz de abrir, mas no
capítulo seguinte o cordeiro consegue abrir os sete selos.
No capítulo sete é explicado que os que servem a Deus serão preservados e
também é mostrado o triunfo dos eleitos do céu.
Do capítulo oito ao onze a abertura do sétimo selo, e também as orações dos
santos que apressam a vinda do grande dia. As sete trombetas são tocadas e é
anunciada a iminência do castigo final.
Do capítulo doze ao quatorze, a visão da mulher e do Dragão. E é
apresentado também, o dragão transmitindo seu poder a besta e aos falsos profetas
a serviço do mal. Depois, o Cordeiro resgata pessoas boas e os anjos anunciam a
hora do julgamento.
Do capítulo quinze ao dezoito, aparecem o cântico de Moisés e do Cordeiro.
Assim como, as sete pragas das sete taças e os seus efeitos propagados pelo
mundo. É mostrado também o castigo de Babilônia, a grande prostituta, assim como,
o simbolismo da besta e da prostituta. E ainda há um anjo que anuncia a queda da
Babilônia. Deste modo, o povo de Deus deve fugir, com as lamentações sobre
Babilônia.
Do capítulo dezenove ao vinte e dois, são realizados os cantos de triunfo no céu,
o extermínio das nações pagãs. Assim como, o primeiro combate escatológico e
também o reino de mil anos, sucessivamente é apresentado o segundo combate
escatológico, juntamente com o julgamento das nações e o arquétipo da Jerusalém
futura, tal como, a Jerusalém celeste e a Jerusalém messiânica. Depois de tudo isso
João expõe as recompensas para quem ouvir as palavras do “Senhor” e executá-las.
3. Fundamentação Teórica: “Gênero literário apocalíptico e a Literatura.”
Nesse capítulo, a partir do ponto de vista dos autores que se seguem será
fundamentada a afirmação de que o livro Apocalipse de João é um gênero literário.
Dessa forma, serão reforçadas as idéias expressas na primeira hipótese desta
pesquisa.
Falar da Bíblia como Literatura nos meios acadêmicos é complexo, pois se
percebe controvérsias e pouco conhecimento do assunto, porém a maioria dos livros
mencionados neste trabalho trata a Bíblia como literatura, em especial o livro
“Apocalipse”, pois o mesmo possui um texto literário, e além disso um gênero
literário que lhe é próprio.
Primeiramente vamos definir o que é um gênero literário. McKenzie (1983, p.
378) diz: “Sob a designação de gênero literário são apresentados tipos ou espécies
de literatura, que se distinguem uns dos outros pela forma específica e pela
estrutura adaptada ao conteúdo [...]” .
O autor também apresenta as diferenças entre a poesia e a prosa e revela
que estes dois gêneros não existem exclusivamente como tais. E afirma que a partir
deles surgem subespécies nítidas e precisas; e por isso, o número de gêneros
literários não param de crescer.
McKenzie (1983, p. 379) salienta que: “A criação de gêneros literários é obra
da sociedade, [...] toda obra literária constitui um diálogo entre o autor e a sociedade
do seu tempo [...] o gênero literário perdura quando a sociedade o assume como
seu [...]”.
O gênero literário precisa ser valorizado em sua estrutura e em seus
elementos formais. Isso vai muito além de seu conteúdo, não importa se este
pertence ao campo religioso ou não. Soares (apud J. J. Collins 2006, p. 189) faz
uma menção sobre isso. Embora seja uma citação longa é importante considerá-la:
Uma forma literária particular pode ser considerada como um gênero
independente ou como um subtipo de uma categoria mais ampla. O nível de
abstração apropriado ao gênero é determinado em parte pelo uso comum e
em parte pelo grau de coerência que percebemos dentro de um grupo de
textos. Em um certo nível, as obras que são chamadas de apocalipses
pertencem à categoria mito, em qualquer dos vários sentidos, e.g., como
uma história sobre seres sobrenaturais, ou como uma expressão simbólica
de intuições básicas, ou como uma narrativa com propósito de percepções
questionadoras. Não obstante, o mito é uma categoria muito mais ampla do
que o apocalipse; assim, o gênero desses textos pode ser definido mais
proveitosamente em um nível menor de abstração.
Mcginn (1997, p. 508): “os apocalipses pertencem a uma forma literária que,
categoricamente, requer uma leitura que contenha mais do que o sentido aparente”.
Soares (2008) afirma que somente no século XX a literatura chamada de
“Apocalíptica” passou a ter sua importância intensificada, e essa importância
começou a crescer quando se constatou sua grande influência sob o pensamento e
a fé cristã.
Tal como Kümmel (1982) observa que este gênero literário apocalíptico é, em
sua essência, um fenômeno literário que aconteceu no judaísmo e que cresce em
tempos de crise e perturbações, tal como aconteceu no culo passado na primeira
guerra mundial, no primeiro século da Era cristã, sob a perseguição aos cristãos no
período do Império Romano e também na época macabaica da história de Israel
(século II a.C). A partir da revelação profética e da História que vivenciam, este
gênero literário usa vários símbolos para retratar sua realidade.
Soares apud Collins (2008) mostram a importância de levarmos em
consideração que a literatura apocalíptica compreende não somente o livro
Apocalipse do Novo Testamento (NT), mas também o Livro dos Jubileus, Enoque,
Esdras, o Livro dos sonhos, Baruque, Apocalipse das semanas, o Testamento de
Abraão, o Apocalipse de Abraão, o Apocalipse de Sofonias, o Testamento de Levi, o
Livro das sentinelas e o Livro de astronomia e Similitudes. Soares apud Russel
(2008, p. 89 ) afirmam que:
A palavra “apocalíptico” é derivada do substantivo grego apokalypsis, que
significa “revelação”. Entretanto, seu uso, com referência a esse gênero de
literatura, é devido com toda probabilidade não ao caráter revelatório dos
livros em questão, mas preferivelmente ao fato de que eles têm muito em
comum com o Apocalipse do Novo Testamento, com seu linguajar esotérico,
sua imaginação bizarra e seus pronunciamentos relativos à consumação de
todas as coisas em cumprimento das promessas de Deus.
Soares apud Russel (2008) mostra que muito mistério em torno da palavra
apocalipse, pois a literatura moderna fez com que tal palavra ganhasse a conotação
de “cataclismo”, e isso dificultaria o bom entendimento desse gênero. Contudo, a
palavra Apocalipse foi expressão técnica que a Igreja Cristã utilizou a partir do
século II d.C., para designar todo o estilo de escrita parecida com o Apocalipse
canônico.
Soares apud Hanson (2008) afirma que uma tríplice distinção no
Apocalipse, este se dividiria em gênero (apocalipse), em visão smica (escatologia
apocalíptica) e um movimento social (apocalipsismo).
Na antiguidade não havia clareza no reconhecimento e na classificação deste
gênero e assim foi nomeado de “gênero” a partir do Apocalipse neotestamentário,
levando em consideração que os apocalipses judaicos abrangeram várias formas
literárias distintas, como visões, preces, legendas, testamentos e outros. Como
afirma Soares apud Collins (2008).
quem defina os apocalipses não como um gênero literário, mas
também como um macrogênero, do qual se faz necessário distinguir os diversos
tipos literários que os compõem. Tal como faz Klaus Koch em “The rediscovery of
Apocalypitic”, como alerta Soares (2008).
Soares apud Hanson (2008, p. 92) vem corroborar com a idéia de que os
apocalipses possuem textos literários quando assevera que o apocalipse “é um
gênero literário que pode ser encontrado ao lado de outros gêneros, como o
testamento, o oráculo de julgamento e de salvação e a parábola”.
O gênero apocalíptico também é considerado por alguns como um conjunto
de “subgêneros”:
Os subgêneros recorrentes da literatura apocalíptica são: comunicação de
visão, vaticínio ex-eventu, parêneses, neros litúrgicos (bênçãos, lamento,
hinos e orações), sabedoria natural, estórias, bulas, alegorias, diálogos,
enigmas, mashal ou parábola, interpretação de profecia ou pesharim e
previsões escatológicas.
Soares apud Gammie (2008, p. 94)
Mas, a definição que mais se familiariza com esta pesquisa, sem dúvida é a
que se segue abaixo, pois explica que o gênero apocalíptico é uma literatura de
caráter revelador de um ser de outro mundo para um receptor humano.
Apocalypse is a genre of revelatory literature with a narrative framework, in
which a revelation is mediated by an otherworldly being to a human
recipient, disclosing a transcendent reality which is both temporal, insofar as
it envisages eschatological salvation, and spatial insofar as it involves
another, supernatural world.
Valdez apud Collins (2002, p. 59)
Para Scliar (2009) a Bíblia pode ser lida de três maneiras importantes, poderá
ser feita : uma leitura religiosa, histórica ou literária. Para ele, a Bíblia é uma “grande
literatura”, pois nela há concisão, economia, parábolas e possui grande impacto.
Moisés (1973, p.17) diz que A palavra ‘Literatura’ deriva do latim litteratura’,
que por sua vez se origina de littera e significa o ensino das primeiras letras, o
ensino primário, da escrita e das letras”.
Com o tempo tal palavra foi ganhando sentidos diferentes, todos os escritos
passaram a ser chamado de literatura. A partir disso, começaram a aparecer
diversos conceitos para se empregar a esta palavra.
Procurou-se uma definição para tal palavra, mas como Moisés (1973) afirma:
“dar definições à Literatura é impossível”. que segundo ele, as definições
pertencem ao campo das Ciências. No entanto, assevera que apenas conceitos são
possíveis atribuir a literatura, pois os conceitos são decorrentes das impressões
subjetivas de cada um.
Moisés (1973, p.19) salienta que “Não é de hoje que filósofos, estetas, críticos
e historiadores vêm procurando conceituar a Literatura dum modo convincente e
conclusivo [...] por mais esforços de clarividência que tenham sido feitos, o problema
continua aberto [...]”
De acordo com Moisés (apud Figueiredo, 1973), toda obra literária precisa ser
ficcional. A ficção é a criação de uma supra-realidade com os dados profundos,
singulares e pessoais da instituição do escritor.
Desta forma, acredita-se que o conteúdo do Apocalipse é ficcional, pois o
autor faz considerações de sua realidade através de símbolos. Tal como afirma
Mcginn (1997, p.565):
As imagens revelam o curso da história ou, ao menos, os eventos iminentes
do final dos tempos. Um segundo enfoque, mais raro (representado hoje
pelo teólogo Jacques Ellul) o Apocalipse como um tratado teológico
cuidadosamente elaborado, que contém uma mensagem moral e uma
teologia da história complexas. Muitos especialistas modernos, entretanto,
consideram o Apocalipse de João uma apresentação cíclica de visões que
repetem, ou recapitulam, a mesma mensagem básica de perseguição
presente, destruição iminente dos maus e recompensa dos justos.
Embora o Apocalipse de João pertença ao campo religioso, seu discurso é
ficcional. E para um texto ser literário, ele deve ser como o Apocalipse é
considerado: uma obra realizada a partir da ficção ou da imaginação. Que não se
entenda aqui, que ficção ou imaginação tenha que ser necessariamente “mentira”,
isto é, algo feito para enganar, até porque se isso fosse afirmado aqui, seria
contraditório aos ideais cristãos, e este não é o objetivo deste trabalho. A ficção é
vista como o ato da criação feita a partir da realidade, neste caso com o intuito
religioso.
[...] A imaginação é entendida não apenas no sentido de imaginação
difluente, ou fantasia desgarradora da realidade, formada de sonhos,
devaneios, visões, etc., mas também e principalmente a imaginação
transfiguradora do real, na medida em que transforma o dado real e
organiza-o dentro de novas sínteses e novos sistemas, em resumo, dentro
de uma nova realidade com suas leis e normas, as leis e normas próprias
do mundo estético ou da ficção.
Moisés (1973, p. 26).
Assim, é possível compreender que o Apocalipse é repleto de palavras
polivalentes. Moisés (1973, p.25): “As palavras polivalentes - ou metáforas de modo
genérico representam deformadamente a realidade”. Sendo assim, é reforçada a
idéia que o Apocalipse possui um texto literário.
Na mesma página ele ainda afirma “se entendermos os conteúdos da ficção
como compostos das ‘imagens’ deformadas e transfundidas do mundo real, é
imediato assentar que ficção e imaginação se equivalem, e um termo pode ser
perfeitamente tomado pelo outro”.
Nesta mesma perspectiva, McGinn (1997, p. 581), também contribui com a
hipótese estudada, quando afirma que o livro Apocalipse é “uma criação
imaginativa, uma obra de literatura, e não um repertório de verdades acerca do
curso da história e dos eventos do fim”.
Compreende-se então, que o Apocalipse não faz parte da literatura, como
também traz grande contribuição para a literatura ocidental, mesmo que não seja
muito divulgado:
O culo XIX e, especialmente, o século XX viram numerosos exemplos
dessa tendência, bem como uma abundância de estudos sobre a influência
do Apocalipse e a mentalidade apocalíptica na literatura ocidental. Em anos
recentes, muitos interpretes histórico-críticos do livro descobriram a
importância da crítica literária, e muitos comentários e estudos agora
empregam ao menos alguns elementos das teorias literárias
contemporâneas.
Mcginn (1997, p. 581)
Finalmente, encerra-se a fundamentação teórica desta pesquisa que permite a
análise dos símbolos apocalípticos através da teoria literária, sabendo-se que o
mesmo possui um texto literário.
4. Análise do Corpus: “Os Símbolos Apocalípticos”.
Para que os símbolos expressos no Apocalipse sejam analisados, primeiro é
preciso conhecer um pouco do império daquela época, posto que a maioria dos
símbolos do Apocalipse de João está diretamente ligada à História, como uma
representação da realidade.
O autor João transfigura a realidade que é habitual a todos e coloca em sua
narrativa elementos simbólicos, tal como é possível perceber na divisória das visões
feitas no livro de Iniciação Teológica da PUC-RJ (1996), que mostram a
predominância da simbologia numérica:
O primeiro grupo são as sete cartas as Igrejas.
O segundo grupo são os sete selos.
O terceiro grupo são as sete trombetas.
O quarto grupo são os seis sinais no céu.
O quinto grupo são as sete taças de cólera.
O sexto grupo são as sete vozes celestes.
O sétimo grupo são as visões do fim.
O intuito deste tópico não é esclarecer todos os símbolos, mas sim,
apresentar alguns deles. E através do capítulo 13 (treze) do livro Apocalipse, estudar
seu discurso, mostrando como o mesmo possui várias mensagens de sentido
conotativo. Encontramos nele a presença de símbolos como: a besta, o dragão e o
cordeiro. Os símbolos escolhidos indicarão a ficção literária existente no livro do
Apocalipse, revelando-se como um gênero literário.
A Besta
No capítulo 13 (treze) aparecem duas Bestas, a primeira delas é apresentada
do primeiro ao décimo versículo e a segunda do décimo primeiro ao décimo oitavo.
O autor do Apocalipse, João, narra sobre a primeira Besta: “A Besta que vi
parecia uma pantera: seus pés, contudo, eram como os de urso e sua boca como a
mandíbula de um leão”.
Para explicar como era a Besta, João, inventa novas metáforas para que se
possa entender melhor como era ela. De acordo com Bortolini (1997), os símbolos
referentes à pantera, o urso e o leão, representariam uma mistura de assombros,
incluindo o império persa, o medo e o império da Babilônia.
para Kraybill (2004), a primeira besta, representa o império romano ou o
próprio imperador. E ainda afirma que é uma figura complexa, extraída das quatro
bestas que aparecem na visão de Daniel (7, 1-28).
Em Iniciação Teológica (1996) são apresentadas tais simbologias como
sendo fruto de uma linguagem plástica e não mecânica. E quando lemos Ap. (13, 1):
“A besta com sete cabeças e dez chifres” é necessário que compreendamos que a
Besta é o Império Romano, e as cabeças, seus reinos subalternos, e também os
maiores. E os chifres são os imperadores, aqueles que perseguiam os cristãos.
A segunda Besta aparece a partir do versículo 11 (onze), quando João narra:
“Vi depois outra besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava
como um dragão”. Para Kraybill (2004), a segunda besta (13, 11-18), representa o
sacerdócio que cultuava o império, uma instituição surgida na Ásia menor e que
concedia divindades ao Imperador.
Em Ap (13, 18) João diz “Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente
calcule o número da Besta, pois é um número de homem: seu número é ‘666’”.
A partir do fragmento exposto acima é possível perceber que João deixa claro
que escreveu de maneira simbólica, provavelmente porque tinha que dificultar o
significado real de suas palavras para o não entendimento dos homens do Império.
Para descobrir quem era o homem de quem João falava era necessário
calcular seu número:
No mundo semita / grego as letras do alfabeto substituíam os números.
Atribuindo um valor numérico às letras, era possível descobrir o “número de
homem”, no caso, número da besta. Somando o valor das letras que
compõem a expressão “César Nero”, chega-se ao número 666. Portanto,
para o autor do Apocalipse a Besta é Nero, em certa medida, é também
Domiciano, que se iguala a Nero em crueldade.
Bortolini ( 1997, p. 117)
É muito parecido tal fragmento com o que consta nas notas explicativas da
Bíblia de Jerusalém (1973, p. 500):
“Em grego e em hebraico, cada letra tinha um valor numérico segundo o lugar
no alfabeto. O número de um nome é o total de suas letras, aqui ‘666’ seria César-
Neron (em letras hebraicas)”.
É importante ressaltar que parte do livro foi escrito na época de Nero, e parte
no reino de Domiciano. Com uma rica linguagem que remetia anaforicamente aos
escritos do Antigo Testamento. Tal como Kraybill (2004) menciona, devemos
observar que há intertextualidade com os escritos de Daniel.
Kraybill (2004) ainda alerta sobre os aspectos econômicos da visão de João e
se direciona para os trechos que mostram que quem, na época, não levasse consigo
a marca ou o nome da besta, não poderia comprar ou vender. Isso significa que, o
indivíduo que não renunciasse ao cristianismo e não prestasse culto ao imperador,
deveria sofrer sem direitos ao comércio.
O Dragão
No capítulo 12 (doze) João é levado aos céus em sua visão, e lá a vitória
de Jesus sobre o dragão. no capítulo 13 (treze), João desce e mostra como o
conflito dos céus pode ser refletido no mundo terreno.
Na terra, o dragão transmite seu poder à Besta, deste modo, observa-se que
o dragão é uma figura de poder maior. Segundo Mesters e Orofino (2002), o dragão
é a “antiga serpente”, que se encarna no Império Romano, para que possa seduzi-lo
e fazer com que os mesmos façam o mal aos cristãos. Por isso, o “Dragão” é
considerado por muitos o poder demoníaco, cuja força e poder, são passados aos
homens, que se tornam cada vez mais poderosos.
De acordo com Chevalier (1992), o símbolo do dragão pode possuir vários
significados. E estes podem variar de acordo com a cultura em que é mencionado.
Mas, para o cristianismo, ele observa que os dragões representam, em geral, o mal
e o ódio, além de estarem relacionados às legiões de Lúcifer.
Algo de muito semelhante à explicação dada por Chevalier foi encontrado nas
notas explicativas da Bíblia de Jerusalém (1973, p. 498): “dragão é uma figura que
representa na tradição judaica o poder do mal, hostil a Deus e a seu povo, e que
Deus devia destruir no fim dos tempos”.
Em suma, o dragão, representa o poder do mal, que seduz e atinge os
homens, fazendo com que eles queiram ser mais poderosos que Deus, neste caso,
os seduzem e os fazem seduzir, e quando não conseguem persuadir o povo cristão,
inventam formas de tortura, para que possam se render às vontades do Império (a
besta), que está iludido pelo poder do dragão.
O Cordeiro
Chevalier (1992) apresenta a figura do cordeiro presente em várias culturas,
mas principalmente no judaísmo e no cristianismo. Mostrando que o símbolo do
cordeiro está presente em várias passagens da Bíblia, como nos textos de Isaías, de
Lucas, de João, de Pedro e também na carta de Paulo aos Coríntios.
O símbolo do cordeiro, de acordo com Cirlot (1984) reproduz o significado de
um ser puro que é sacrificado injustamente. Isso mostra que a Besta tem um falso
profeta a seu serviço, e que falaciosamente se passa por um cordeiro, um ser da
pureza, mesmo que seja mau, pois deste modo pode conseguir o que quer.
Chevalier (1992) mostra outras 28 (vinte e oito) citações da palavra cordeiro
no Apocalipse, e todas elas, designam Jesus Cristo. Assim, o símbolo do cordeiro foi
utilizado para mostrar o vencedor da morte, o vencedor das forças do mal, o todo
poderoso, o divino e o juiz.
Em Ap (13, 11) João diz “Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres
como um cordeiro, mas falava como um dragão”. Segundo Mesters e Orofino (2002),
a Besta seria o reflexo negativo do cordeiro, pois assim como Jesus (o cordeiro),
a Besta também tinha uma ferida de morte e estava viva. Sendo assim, podemos
interpretar que mesmo que se mate um imperador, logo vem outro em seu lugar,
pois o sistema sempre se reproduz.
Nessa perspectiva, Mesters e Orofino (2002, p.167) ainda asseveram: “Na
época de Domiciano, o grande perseguidor, o povo dizia: ‘Ele é Nero que voltou a
viver!’ A propaganda do Império fazia o povo crer que o imperador era um deus”.
Diante de várias citações sobre a simbologia do cordeiro, considera-se que a
maioria dos caminhos bíblicos relacionados a esta simbologia, resultaram a uma
carga semântica positiva de tal palavra, ao contrário do que percebemos na análise
dos símbolos do Dragão e da Besta.
4.1. A Literatura nas cartas às Igrejas.
Depois da análise dos símbolos do dragão, da besta e do cordeiro, é
importante apresentar a parte literária das cartas às Igrejas, para que assim seja
possível concluir os objetivos específicos deste trabalho. Por isso, segue abaixo a
estrutura das cartas.
Jesus encarregou João de enviar sua mensagem às sete igrejas
(comunidades) da Ásia menor. No capítulo 2 (dois) e 3 (três), percebe-se que Jesus
enviou uma mensagem especial para cada uma delas.
Cada carta segue quase o mesmo padrão, pois possuem uma saudação ao
anjo que representava a igreja; uma descrição de Jesus através de palavras
polivalentes; comentários das boas ou más coisas feitas pelas igrejas; repreensão
severa para aquelas que eram ruins; e encorajamento para corrigir o erro (exceto
para as igrejas em que nada de mau tinha sido notado).
Nessas cartas, a literatura também se apresenta, isto é, as cartas escritas ao
povo são muito mais do que fatos históricos, pois sua linguagem exige uma
compreensão que vai além daquilo que está escrito, pois uma camada semântica
implícita nela.
As igrejas que recebem às cartas são: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira,
Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Aqui serão estudadas apenas duas cartas enviadas
às Igrejas. Primeiro é necessário esclarecer que no final do século I (um), as Igrejas
mencionadas eram de fato comunidades cristãs nascentes, mas que aparecem
constantemente em traduções bíblicas como igrejas.
Serão analisadas as comunidades: Filadélfia e Laodicéia, a primeira por ser
uma comunidade exemplar e a segunda por ser aquela que o possui nada de
bom. O texto das cartas encontram-se nos anexos A e B deste trabalho.
Filadélfia (Ver anexo A)
McKenzie (1983) diz que a palavra Filadélfia é proveniente do grego e
significa “amor fraternal”. É importante ressaltar que o nome da comunidade reflete
muito em suas atitudes, essa observação é necessária, pois Filadélfia era a
comunidade exemplar.
Filadélfia era conhecida como uma importante cidade da Lídia, situada no
caminho entre Sardes e Hierápolis. A cidade era um distrito administrativo de
Sardes. A região era próspera, porém terremotos eram comuns naquela região,
inclusive foi assim que a cidade foi destruída.
Já, Mesters e Orofino (2002) afirmam que a cidade era chamada de Filadélfia
por causa de seu fundador Átalo Filadelfo, rei de Pérgamo, e passou para o poder
romano em 133 (cento e trinta e três) a.C. Não possuía nenhuma relevância militar
ou administrativa dentro de sua província. Assim como outras cidades gregas havia
templos que divinizavam pessoas poderosas da época, por esse motivo a cidade
teria mudado de nome várias vezes.
Ainda de acordo com esses autores, Filadélfia teria se chamado Neo-cesaréia
e Flávia. O maior templo da cidade era dedicado a Jano, divindade romana, a qual
decidia se o ano seria de paz ou de guerra, quando havia paz, as portas de seu
templo eram fechadas.
Aqui, serão feitas observações sobre a principal frase que nos mostra o
conteúdo literário desta carta. Nela observamos o uso da polissemia e da
intertextualidade, que constantemente são utilizados em textos literários: “aquele
que tem a chave de Davi, o que abre, e ninguém mais fecha, e fechando, ninguém
mais abre”.
A polissemia ocorre através da palavra “chave de Davi”, a partir dela, os
leitores da carta devem refletir sobre os vários significados que a frase possui.
Quando o vocabulário é polissêmico, muitas vezes o leitor deve recorrer a textos
antigos para verificar de onde surgiu tal expressão utilizada. Desta forma, além da
polissemia também ocorre a intertextualidade.
Mesters e Orofino (2002, p.75) afirmam que esta linguagem é proveniente do
livro de Isaías (22, 22): “Colocarei a chave da casa de Davi sob a responsabilidade
dele: quando ele abrir, ninguém poderá fechar; quando ele fechar, ninguém poderá
abrir”. Através da estrutura que compõe a carta, pode-se considerar que seu
conteúdo além de informativo, também é literário.
Laodicéia (Ver anexo B)
McKenzie (1983) diz que Laodicéia foi fundada por Antíoco II, e designada de
acordo com o nome de sua esposa, a rainha Laodice. Mesters e Orofino (2002)
afirmam que Laodicéia era uma cidade importante da Frigia na Ásia menor. Por
causa das águas vulcânicas, destacava-se como centro medicinal com médicos
famosos e como produtora de pomada para o ouvido e para os olhos, denominada
Kolyrion. A riqueza de Laodicéia fez com que ela se tornasse auto-suficiente, desse
modo desprezando os valores cristãos.
Observe o que Jesus diz na carta que João escreveu: Aconselho-te a
comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças, vestes brancas para
que te cubras eo apareça a vergonha da tua nudez, e um colírio para que unjas
teus olhos e possas enxergar”.
Quando Jesus refere-se ao colírio, mostra-nos uma metáfora, pois de nada
adiantava o colírio medicinal que a cidade fabricava se os “olhos espirituais” deles
estivessem cegos. E de nada adiantava a importância da cidade, se a riqueza que
vinha de Jesus, eles não possuíam.
Mesters e Orofino (2002, p. 83) corroboram com esta afirmação quando
alertam: “[...] mesmo sendo rica em dinheiro, a comunidade de fato é infeliz,
miserável e pobre [...]. Mesmo vivendo num lugar onde se podia adquirir colírio para
os olhos, a comunidade é cega”.
Observando tais informações, é possível perceber o conteúdo literário das
cartas, que apesar de fazerem parte de uma realidade histórica, o autor das
mesmas, abre um grupo semântico polivalente nelas e a partir daí, as transformam
em literatura. Portanto, encerra-se a análise do corpus desta pesquisa, concluindo
os objetivos específicos.
Considerações Finais
Depois de apresentar os apocalipses da era judaica e da era cristã e retomar
os conceitos de Literatura e gênero literário apocalíptico, analisamos alguns
símbolos e cartas. Assim sendo, consideramos que no livro estudado, a realidade é
disfarçada com uma linguagem plurissignificativa. E seu autor, faz isso a partir de
sua própria realidade, haja vista que ele capta a profecia que lhe é revelada por
Cristo e a escreve de modo polivalente, assim, insere todo o seu contexto social.
Além disso, o autor cria uma para-realidade, utilizando símbolos como: o
dragão, a besta e o cordeiro, que indicam subliminarmente entidades boas ou más
de sua época. Em suma, ele usa simbologias que deformam o real.
E ao analisarmos as cartas à Filadélfia e à Laodicéia, podemos perceber a
riqueza da linguagem que as mesmas possuem, por isso estas são muito mais do
que simples documentos históricos, elas fazem parte de um livro, que possui um
gênero literário que lhe é próprio, o apocalíptico. Admite-se então que, como todo
texto literário, João nos mostra a arte da palavra trabalhada.
Então, baseado na fundamentação teórica desta pesquisa, podemos
confirmar indubitavelmente a primeira hipótese desta pesquisa: o Apocalipse possui
um texto literário, pois é uma obra ficcional. E um texto literário é feito no intuito de
copiar a realidade, conforme dito inúmeras vezes por Massaud Moisés. Dessa
maneira, reafirmamos a relevância desse gênero para os estudos acadêmicos. E por
meio desses argumentos apresentamos o livro Apocalipse de João como um gênero
literário.
Descartamos aqui, todas as conclusões de macrogênero e subgêneros. E
finalizamos essas considerações baseado nas idéias extraídas diretamente dos
livros e / ou artigos de Richard (1996), Kümmel (1982), Soares (2006) e (2008),
Valdez (2002), Scliar (2009), McGinn (1997), e indiretamente de Collins, Russel e
Hanson que defendem o Apocalipse de João como um gênero literário.
Referências
A BÍBLIA DE JERUSALÉM: novo testamento e salmos. Nova edição, revista. São
Paulo: Paulinas, 1985.
BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse: resistir e denunciar. São Paulo: Paulus,
1997.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, cores, números. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.
CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de símbolos. o Paulo: Moraes. 1984. p.182.
KRAYBILL, J. Nelson. Culto e comércio imperiais no Apocalipse de João. São
Paulo: Paulinas, 2004.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao novo testamento. 2. ed. São Paulo:
Paulus, 1982.
MAZZAROLLO. Isidoro. Iniciação teológica: encontro com a palavra viva. Rio de
Janeiro: Edição Experimental, 1997.
MCGINN, Bernard. Apocalipse ou Revelação. In: ALTER , Robert; KERMODE,
Frank. Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997. p.
563-582.
MCKENZIE, John L. Dicionário bíblico. São Paulo: Paulinas, 1983.
MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco. Apocalipse de João: esperança,
coragem e alegria. 2. ed. São Paulo: Paulus. 2003.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da Literatura. 5.
ed. Revista e aumentada. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
RICHARD, Pablo. Apocalipse: reconstrução da esperança. Petrópolis: Vozes. 1996.
SCLIAR, Moacyr.As expressões da fé judaica. Língua Portuguesa, São Paulo,
edição especial, p.16-21, 2009.
SOARES, Dionísio O. Hesíodo e Daniel: as relações entre o mito das cinco raças e
o sonho da estátua de Nabucodonosor. 2006. 201 f. Dissertação (Mestrado em
Teologia)-Faculdade de Teologia, PUC, Rio de Janeiro.
______. A literatura apocalíptica: o gênero como expressão. Horizonte, Belo
Horizonte, v.7 n.13, p. 88-102, dez. 2008. Disponível em
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/425/457> Acesso em
22 jun.2009.
VALDEZ, Ana. A literatura apocalíptica enquanto género literário (300 a.C. - 200
d.C.).Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, Lisboa, v.1, p. 55-66, 2002.
Disponível em http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/10437/238/1/4_ana_valdez.pdf.
Acesso em: 04.ago.2009.
Anexo A:
Carta à comunidade Filadélfia:
7
E ao anjo da igreja que está em Filadélfia, escreve:
Assim diz o que é santo, o Verdadeiro,
aquele que tem a chave de Davi,
o que abre, e ninguém mais fecha,
e fechando, ninguém mais abre.
8
Conheço tua conduta: eis que pus à tua frente uma porta aberta que ninguém
poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste minha palavra, e não renegaste
o meu nome.
9
Vou entregar-te alguns da sinagoga de Satanás, que se afirmaram
judeus, pois mentem; farei com que venham prostrar-te a teus s, e reconheçam
que eu te amo.
10
Visto que guardaste minha palavra de perseverança, também eu te
guardarei da hora da tentação que virá sobre o mundo inteiro, para colocar a prova
os habitantes da terra.
11
Venho logo! Segura com firmeza o que tens, para que
ninguém tome a sua coroa.
12
Quanto ao vencedor, farei dele uma coluna no templo
do meu Deus, e daí nunca mais sairá. Escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e
o nome da Cidade do meu Deus - a nova Jerusalém, que desce do céu, de junto do
meu Deus e o meu novo nome.
13
Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às
igrejas.
Anexo B
Carta à comunidade de Laodicéia.
14
Ao anjo da Igreja em Laodicéia, escreve: Assim fala o Amém, a testemunha fiel e
verdadeira,o Princípio da criação de Deus.
15
Conheço tua conduta: não és frio nem
quente. Oxalá fosses frio ou quente!
16
Assim, porque és morno, nem frio nem frio e
nem quente, estou para te vomitar de minha boca.
17
Pois dizes: sou rico, enriqueci-
me e de nada mais preciso. Não sabes, porém, que és tu o infeliz: miserável, pobre,
cego e nu!
18
Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças,
vestes brancas para que te cubras e não apareça a vergonha da tua nudez, e um
colírio para que unjas teus olhos e possas enxergar.
19
Quanto a mim, repreendo e
educo todos aqueles que amo. Recobra, pois, o fervor e converte-te!
20
Eis que
estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua
casa e cearei com ele, e ele comigo.
21
Ao vencedor concederei sentar-se comigo no
meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu
trono.
22
Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas.
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