de um precedente, e por aqui vamos, até chegar à nebulosa primeva de onde tudo evoluiu. Esta, a origem
remota do pensamento. E tudo o que surgiu da matéria, por muito que mude é matéria. Um pouco de
iodo, portanto, a menos na tiróide pode fazer de um gênio um cretino; tudo se acha, assim, subordinado à
matéria, determinado por ela, como venho demonstrando. Sendo assim, cada enunciado de Sócrates, cada
pensamento de Cristo, cada verso de Milton ou Goethe, já se achavam potencialmente gravados naquela
remotíssima supergaláxia primordial, que globalizava todo o Universo. Não disse bem: Sócrates, Cristo,
Milton e Goethe, são aquela nebulosa modificada, donde vem que foi ela a que compôs filosofia, poema e
tragédia num passo da sua evolução. Por idênticas razões, tudo o que escrevi nos meus livros são o
resultado de um inexorável determinismo, contra o qual em vão será protestar... Aquilo que era só
potência, outrora, tornou-se atualidade, hoje, e aquela nebulosa é a que fala em mim e pela minha pena, e
o que digo são revelações do que lá, então, se continha, impresso. Ora, suposto que meus atos são
determinados, não sou livre; e se o não sou, não posso ser responsável; e sendo, como sou, irresponsável,
não sei o que faço. Enfurecer-se alguém, portanto, contra mim, seria o mesmo que protestar contra a
chuva, o vento e o sol. Para os espiritualistas, o imediato corolário da consciência é o livre-arbítrio, e,
conseguintemente, a responsabilidade. Mas a consciência, segundo a doutrina do meu mestre e minha é
determinada por fatores remotos de ordem material, fora do meu controle, e quando cuido governar os
acontecimentos, nada mais faço do que andar na trajetória que eles me pré-traçaram, como ocorre com
uma pedra que corta o espaço, descrevendo uma parábola. Então, o que julgo ser consciência é a
resultante de todas as forças que impulsionam, deterministicamente, minha personalidade. Por este
motivo não sou livre, nem responsável, nem passível de castigo, ainda mesmo que pratique um crime. Se
o praticar, a sociedade me segregará do seu convívio, como faz aos loucos, não para me corrigir, nem
para se vingar, mas, somente, para estar guardada das minhas possíveis ações criminosas.
– Por aqui, temos que o bem e o mal, prossegue o médico discípulo, são pré-determinados e
relativos, sendo bem tudo aquilo que serve aos interesses duma maioria, e mal, o que atende só aos
interesses duma minoria. Mas a minoria pode crescer e tornar-se maioria, e, ao contrário, a maioria,
decrescer e tornar-se minoria. Então, aquilo que era bem fica mal, e o que era mal, bem. Cristo e Sócrates
foram tidos por maus, e por isso, mortos pela sociedade que se tinha a si por boa. Mudaram-se os tempos,
e Cristo e Sócrates fizeram legiões de adeptos que são, hoje, a maioria dos que se tem a si por bons. Se,
pois, o bem e o mal dependem desta relação de utilidade para o meio social, no imaginário inferno, o
Diabo é bom, e Deus, ruim; e no céu, também imaginário, bom é Deus, e o Demônio, mau. Todavia esta
alternância de bem e de mal já se continha, em potência, no seio da nebulosa primordial, e, com o correr
dos tempos, se transforma em ato. Bem e mal, por conseguinte, são coisas sem sentido fora das
coordenadas históricas de tempo e de lugar. Se Cristo e Sócrates foram tidos por maus num tempo-lugar,
e bons, em outro, segue-se, muito naturalmente, que os “gangsters” e os cangaceiros poderão vir a ser
considerados bons, bastando que se façam maioria dominante. E como o ciclo que se abriu no caos, a este
terá de retornar, pois aí está o berço e o túmulo da matéria, então talvez ainda se façam, de pedras e de
bronze, estátuas grandes de Al Capone e Lampião. Talvez se erija um dia um templo a Judas Iscariotes
como é aquele Centro Espírita de Franca, e haja quem não queira mais seja ele, pelos séculos a fora, o
símbolo da traição! Um dia, Bruto não será o bruto, o matador de César, seu pai adotivo, para ser o
protetor da República Romana, contra um provável ditador! Lampião e Al Capone não eram malvados,
dirão muitos, mas desajustados sociais; e com tais desculpas, os maus vão sendo menos maus, para serem
bons um dia, visto que o ciclo, em se fechando, passa por onde já passou em tempos idos! O precedente já
foi aberto: falta agora fazer um herói de Calabar, e de Joaquim Silvério dos Reis, um zelador da ordem! A
questão do bem e do mal se resume em vencer e fazer-se maioria, ou ser derrotado, tornando-se minoria;
o que vence é bom, porque é forte; o que soçobra é mau, porque é fraco; nisto se resume a história. O
bem, logo, reside na força, e o mal, na fraqueza; Trasímaco, Nietzsche e Machiavel tinham razão: ser
justo e bom é ser forte. Por isso, um dia, a espiral, que agora é evolutiva, terá de fechar-se; e avançando