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ÍNDICE
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO
POEMAS
Plantio
Poema para uma poesia
Força da amiga
Sistema
Melancolia
Tocaia
Longa estrada
Bilhete
Lua virada
Saci da Lia
Presente divino
Seda
Flor de pitanga
Amigo da onça
Desmanche
Letras soltas (lapidando)
Lições
Animal
Dois mundos
Janela
Soneto apaixonado
Se eu fosse poeta
Força da amiga
Voar
Reconto de Natal
Tsunami
Dedilhando
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
2
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Dedicatória
Para meus filhos Mariana e João Lucas
para Bia - maravilhosamente simples assim!
Agradecimentos
Aos meus amigos.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
3
Prefácio
Para quem abriu este livro sem saber o que vai encontrar,
faz mal não, pode ir lendo que a vontade de continuar será
um crescente.
Esse moço escreve umas coisas que se não são poesias são
prosas poéticas. Eu me explico: os textos aqui apresentados
tem uma voz que chega até nossos ouvidos carregada pelo ar.
É leve, solta, envolvente, vai pousando de mansinho na
mente e formando imagens que de tão nítidas poderiam ser
fotografadas. Mesmo quem nunca viu um pé de jaboticabas,
nem uma estradinha de sertão, nunca teve amigo caçador de
onça, vai se encontrar dentro da história porque a prosa
bem escrita é assim; o leitor começa a ler e pronto, já
está dentro do texto. Isso é mérito de contador de causos,
gente que tem por natureza observar tudo ao seu redor e
depois narrar tim-tim por tim-tim misturando ficção com
tudo que ficou gravado na alma.
São poucos os autores com habilidades para soltar suas
histórias assim, de mansinho, acompanhadas dessa voz meio
felina, meio preguiçosa, que vai se enroscando no
imaginário e pousando de mansinho na mente. William é raro,
é mestre.
Experimente para ver se não é isso mesmo!
Beto Muniz *
* Beto Muniz é escritor Responsável pelo sítio dos Anjos de Prata,
é o editor das antologias anuais do sítio e de diversos outros títulos e
autores
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
4
Plantio
Quisera eu entender das gentes, pois olhe
Colhi viçosas mudas de grama nascidas em brita, pedra seca
e rude
grama cuiabana
plantei em chão fértil, fofa terra de cultura
Morreram todas.
Tem gente que é assim, árida.
Poema para uma poesia
(para "As três" de Ly Sabas)
As pedras tem o curioso hábito de permanecerem caladas.
Pacto.
São cúmplices de momentos únicos
Sempre fechadas em si mesmas.
Confidentes.
não se oculta segredos das pedras,
compartilha
Força da amiga
Canto dos pássaros
brisa calma, mar perfeito
lindas luas noites frias
Lareira acesa - vinho a aquecer.
Sem amigos - qual a graça - nada disso poderia acontecer.
Sistema
Hoje pensei no computador, tenho praticado.
A idéia vem forte, assim à toa
até que ele liga, pronto a idéia já é outra
Ciberespaço, o que faço?
Tristeza.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
5
Melancolia
Lua cheia ontem nasceu amarelo ouro, beleza tensa - imensa
- suaviza noite adentro.
Solos inflamados de violino em fogo traçam seu musical e
celeste caminho seguro.
Torna-se clara, mansa, flutua entre estrelas jóias. Sempre
só – solitária nobreza. Pausa breve, descansa.
Lenta busca a proteção do horizonte, melancólica se deita –
se faz tarde.
Nascerá minguante sedenta agonizante brilho a enfraquecer
até se tornar nova,
bancos de pedra, úmidas tatuagens a combinar com a trilha
escura,
outra vez cumprindo sina, se torna crescente como a ter
pressa se transforma rapidamente melancólica de tão cheia,
Reluzente ciclo - aplausos - eternamente.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
6
TOCAIA
Ansiedade assumida, suor a escorrer pela testa.
Arapuca armada – quirela amarelinha como a encantar e
colorir a festa.
Por de trás da moita nas mãos a linha grossa, já suja e
remendada – o gatilho da espreita, da tocaia.
Horas a fio vendo a bela trocal a pastar perto,
rodeia/arrulha mineira, desconfiada. Um sem ciscar de busca
pelo milho na sombra, vem devagar, observa. Aos poucos
perde o medo, a mão do barbante se retesa, joelho raspa a
terra molhada, está quase de pé. Só mais um pouco,
paciência.
O suor agora embaralha a vista, em cachoeira passa pela
sobrancelha e corre solto por sobre os olhos. Coração agora
bate na garganta, é hora.
Arapuca-algoz pronta, quase treme, cordão teso. Pomba passa
rente, esbarra na taboca que estala, um súbito parar, bico
para o alto olhos aflitos como a procurar.
Um leve bater de asas sem voar, procura, pressente.
Moleque fica pálido sente arrepio e dor de posição. Já não
agüenta segurar a própria mão, geme, arfa baixinho. A
correia da sandália de plástico parece querer cortar seu pé
que já formiga adormecido.
A trocal ainda parada olha de soslaio a quirela na sombra
da arapuca. Determinada com seu jogar de cabeça avança,
estica o pescoço para dentro, assunta.
Futrica chega esbaforida e em espalhafatosa busca acha o
dono,
pula/late/lambe, irresponsável, é só o tempo de um olhar
por sobre a planta para ver a trocal em assoviado vôo se ir
barulhenta.
Menino e cão rolam pelo chão, raiva passa rápida, aos risos
brinca de outra coisa.
Criança é assim por natureza – feliz.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
7
Longa estrada
Contam as más línguas, e aqui só repasso pois nem sei se
verdade é, estranha história ocorrida em meados do século
passado. Com o intuito de diminuir o isolamento em que se
encontrava a cidade de Manaus, governador do estado e
prefeito municipal resolveram deixar as querelas políticas
de lado e unirem forças na construção de um estrada
internacional que ligaria a capital do Amazonas ao mar do
Caribe.
O traçado já estava feito, pelo menos na cabeça dos
políticos. Saindo da capital seguiria direto para Novo
Airão, de lá em reta linha cortaria mata fechada rumo a São
Miguel do Rio Negro e de onde embicaria para Tupuruquara,
depois São Miguel da Cachoeira e por fim chegaria em Cucui
já na divisa com a Venezuela.
Acreditavam aqueles senhores que, uma vez cumprido o trecho
em pátrio território as autoridades diplomáticas federais,
confortavelmente instaladas em Brasília se incumbiriam dos
trâmites legais para prosseguimento da empreitada através
do país vizinho até o desemboque da rodovia nas cálidas
praias caribenhas.
Idéia e "projeto" feitos, correr a contratar engenheiro e
peões para início das obras.
Depois de muitos editais convocatórios publicados
em jornais de todo Brasil, apenas um pretendente ao serviço
apareceu. Era um jovem engenheiro paulista, recém formado
em conceituada universidade, possuidor pois de boa formação
além de ser de primorosa estirpe.
Apesar da má impressão inicial quando da entrevista com o
oficial de ordens do governador, foi aceito por ser, como
já dito, candidato único.
Mãos à obra e toca a abrir a sonhada estrada. Já no
primeiro quilômetro eis que encontram exatamente bem no
traçado do mapa um gigantesco e centenário Mogno,
majestoso, com sua copa tomada por pássaros e ninhos.
Sensível às belezas naturais o jovem engenheiro de pronto
decidiu por um pequeno desvio de forma a poupar aquela jóia
da criação.
Pouco mais adiante lindo e cristalino córrego, em suas
margens revoadas de borboletas multicoloridas, samambaias e
orquídeas de rara beleza enfeitavam todo seu entorno. Com
os olhos marejados de emoção diante de tanta beleza o
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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engenheiro se recusa terminantemente a aterrar o local para
construção da primeira ponte — obra de arte como chamada em
linguagem técnica — pois sim obra de arte de verdade era
aquela que à sua frente despontava. Novo desvio.
E assim as belezas de nossas verdes matas, de nossa exótica
e deslumbrante riqueza natural, iam se sucedendo quase que
metro a metro e a cada espetáculo, aos olhos do jovem
construtor de caminhos, cada vez mais lembravam as antigas
expedições de pesquisa como a do zoólogo da Academia Real
de Ciências da Alemanha, Johann B. von Spix ou do também
gringo alemão o botânico Karl Friedrich, pura e imensa
emoção, sempre aperto na garganta, sempre novo desvio.
Não demorou muito, minto, demorou bastante, meses de
incansável trabalho, de desvio em desvio, contorno em
contorno, não deu outra — a estrada aberta na mata a duras
penas e muitas malárias retornou a Manaus. E assim, contam,
esta maravilha da engenharia passou a ser conhecida para
desencanto e fúria política como a famosa estrada Manaus-
Manaus.
Quanto ao destino do jovem e virtuoso engenheiro, essa já é
outra história, mas a boca miúda, desconfiados sussurram os
poucos que dele ainda lembram:
— Dizem que virou Caipora.
E desconversam ligeiros.
Flor de Pitanga
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BILHETE
Sentado no canto mais escuro do bar, coçava a barba por
fazer. Daquele ponto podia observar todo o ambiente. O
entre e sai das gentes. O apressado engolindo cafezinho,
que pelo cheiro que emanava da cafeteira prateada
mergulhada em cuba d'água sempre aquecida devia ser
requentado, feito há dias talvez.
Outro, a comer lambuzado pão com molho de almôndegas
vindas de travessa onde ficavam a boiar em vermelho caldo
na vitrina de salgados, como estranhos seres alienígenas
que ainda não foram pescadas. Ali também havia ovos cozidos
de cascas azuis e vermelhas, pastéis ressecados, e claro,
moscas, muitas moscas.
Do seu canto observava também uma parte da movimentada rua.
A porta do bar, uma moldura. Enorme boca parecia tentar
engolir carros e pessoas que ao seu alcance passavam. Um
quadro em movimento, mutável, tristemente dinâmico, vazio.
Cinza.
Fazia um calor insuportável. Abaixou os olhos para o seu
copo de cerveja, estava quente. Com as costas
da mão conferiu a temperatura da garrafa, sentiu a umidade
do vidro suado, mas pressentiu que o que ainda lá restava
também já não estava gelado, nem fresco. Assim mesmo tornou
a encher o copo,
espuma branca e abundante tomou quase o copo inteiro, uma
pequena cachoeira escorregou alva pela borda e derramou
pela mesa de lata, virou amarelo líquido rapidamente. Com a
ponta do dedo ensaiou um desenho sem sentido com a cerveja
derramada. Um círculo, algumas letras, um rio e suas
curvas.
Bateu a mão no bolso da camisa procurando o maço de
cigarros. Mania, parara de fumar havia muito tempo.
Tamborilou no encosto da cadeira do lado uma música que nem
conhecia. Ansiedade .
Buscou com os olhos alguém conhecido.
— Mais uma cerveja, por favor, tem torresmo? - Ia ficar ali
um bom tempo.
Procurou no bolso o guardanapo de papel rabiscado. Era o
bilhete que havia recebido no dia anterior. Entregue por um
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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menino vendedor de flores, aquelas rosas mumificadas
embrulhadas em papel celofane.
— Moço, mandaram entregar. Baixou os olhos para a encomenda
um segundo e quando outra vez os ergueu o pequeno
mensageiro havia sumido, mágica, não tinha para onde ir tão
rápido, estranho.
Além da caligrafia bonita, do perfume que já não mais se
podia sentir, o que mais encantava era o beijo de batom.
Vermelho vivo. Um convite ao desejo. Prometia encontro
naquela mesa, na proteção da tarde quando poucos ao bar se
aventuravam. Não conhecia a dona daquela caprichosa mão e
de tão perfeita boca. Sonhava.
As horas avançavam, o entre sai aumentava, a moldura da
porta adquiria tons escuros, faróis agora acesos cruzavam
seu campo de visão. Ninguém. Com paciência sofrida, colou o
bilhete no casco da última cerveja, o vermelho do batom
escorreu papel abaixo em contato com água condensada.
Observou a cena sem emoção especial. Quem sabe amanhã? A
solidão ainda permite sonhos.
Flor de Pitanga
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LUA VIRADA
(Baseado na " Na virada da lua" de Clarice Villa)
Na virada da lua
entre minguante e nova
tenho sempre curto interstício de vida
fenda profunda entre real e imaginário
A reclusão e o silêncio sempre me acompanham
No fundinho da gaveta, junto ao mais perfumado sache ,
jasmim, me aquieto
Pensamentos atormentam meu cotidiano
Pensamentos alimentam meus sonhos
Como voltar?
Lembro dos amigos
Quando voltar?
quando me sentir confortável,
quando me sentir afável.
Por que voltar?
Porque amigos de verdade sempre esperam
Pacientes, compreensivos
Na virada da lua
entre minguante e nova
existe sempre a expectativa da Clara luz da cheia,
Não só lua , mas vida cheia, completa plena, repleta
Tudo isso na virada da lua
na virada da lua
na virada da lua
da lua
da lua
Saci da Lia
Sempre envio saci mensageiro com meus poemas.
Temporada de bons ventos, vai ligeiro.
Vai num pé, volta no mesmo.
Pedi tenência, juizo, mas os sacis dos recados são
custosos, vontade própria.
Hora chega.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Presente divino
(Com dedo da amiga Ly, organizadora de idéias)
carregada da raiz ao céu
jabuticabeira agradece
primeira chuva das flores
SEDA
Era um bichinho miudinho e não entendia a que veio. Ficava
o dia todo vendo seus iguais roerem folhas de amoreira numa
tagarelice muda, todos a mastigar tenras e verdes folhas.
Tempo ido tocavam todos a se enrolar em casulos finos
lindamente decorados de brilhantes fios prateados.
Crisálidas únicas, perfeitas, iguais.
Por força de jejum voluntário atrasava seu curto ciclo.
De ninfa queria ser borboleta. Seu destino era voar. Queria
o céu.
Observava que seus irmãos eram levados embora cedo, assim
que morada prateada construíam. Nunca os viu de asas
abertas a secar em preparo para vôo de liberdade.
Abandonou as folhas, alimentava-se apenas dos frutos,
púrpuras e doces amoras. Quando por fim lhe veio o sono
encapsular, teceu turmalinas, fios violeta-púrpuros como
salsifis deslumbrantemente mágicos. Sua seda de tão pura e
diferente cor passou despercebida das humanas mãos
escravizadas pelo hábito, e em bela manhã rompeu fagueira.
E na mais linda das violetas borboletas se transformou.
E os homens mais uma vez, mergulhados em daltônica
ignorância, presos em sua cobiça e mesmice, deixaram
escapar por entre os dedos oportunidade única,rara jóia , a
preciosa seda de um majestoso e único violeta.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Flor de pitanga
Passo ligeiro, pé de vento.
Deixo cheiro - flor de pitanga.
Tamanha florada, o chão branco de miúdas pétalas.
Cheiro doce, lembra infância, lembra um não sei aflito de
vontade de lembrar.
As abelhas em zumbida algazarra carreiam pólem dourado,
tropel alado. De minha janela, céu ainda lusco-escuro de
alvorecer tardio, as vejo no eterno indo sem vir.
O chão branco de miúdas pétalas, caminho flor.
Passa moça,
passa amor.
Só não passa, essa fica, latente, constante, indefinida;
só não passa essa estranha indescritivelmente vazia dor.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Amigo da onça
Pois não é de ver. Minha função se dá de recontar o
acontecido, pois a história e a idéia não são minhas, nem
se sabe se dono têm, pois vêm de longe.
É do gosto das gentes, das rodas de prosa. De fim de tarde
na venda. Virou caso de rir, mas contam que é um fato
ocorrido. A região é a serra do Cipó, lugar de cachoeiras
imensas, campos sem fim de sempre-vivas, sempre cor, sempre
lá. Do brando vento friorento das montanhas, estas sem
tamanho de bonitas, de córregos infinitos, frios, uns
mansos outros apressados em seu caminho serra abaixo.
Gelados. Nascidos com certeza em geleiras tropicais
inexistentes.
Lugar de muita lenda e susto. Grutas e bocas de cavernas de
onde volta e meia brotam discos voadores prateados e
barulhentos. Assustam gente e bichos, secam o leite das
vacas, cavalos se perdem na emprenhês das pedras. Alguns
para nunca mais.
Este é o caminho: Conceição do Mato Dentro, bem depois do
Alto do Palácio, do Morro do Pilar. Para frente de
Conceição escolhe caminho: para um lado Guanhães, para
outro ruma-se para o Serro.
Não sei bem se a história ocorreu pras bandas de Passabém
ou mais para o ermo de Itambé que, curioso, também é do
Mato Dentro. Ou foi no Morro do Pilar?
Faz mal não — a história faz a valia.
Ocorrida há muito, antes de se inventar ecologia. Paz verde
era nome de fazenda, seita estrangeira ou cemitério de
cidade urbana, grande e barulhenta. Tempos de quando bicho
sobrava e ninguém punha vigia de raça desaparecer.
Caçar onça era profissão de homem macho, resolvedor de
problema — a tinhosa acostumada a comer bezerro tinha de
sangrar na bala ou zagaia. Era o tempo. Assim era.
Na vila aquele que por nome recebera e respondia era Zé da
Carminha, nome herdado de mãe doceira famosa. Compota de
dona Carminha atravessava o mar, ia longe fazer bonito em
mesa da Europa, sempre levado por algum filho de fazendeiro
ou político local que por lá estudava.
Pois seu Zé da Carminha tinha por hábito, ruim, o exagero e
a contação de vantagem. De onça era mestre. Medo tinha não.
Com carabina, espeto ou na unha dizia que enfrentava, era
só vendo.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
15
Dia desse vindo da Capela dos Marques lá das bandas de
Joanésia, beiraninho o Rio Santo, apareceu por esses lados
uma turma de caçadores de onça contratados. Vinham a mando
de gente graúda, incomodada com o tanto de rês devorada.
Na venda onde estavam Zé da Carminha contava o que fazia e
acontecia em caçada de pintada, voz alta pela pinga.
Os caçadores, eram quatro, sisudos e enrolados cada qual
em sua capa Leal como a esconder armas, só escutando.
A trova do outro foi tanta que o convidaram para a empreita
contratada. A zoada do álcool era tamanha que Zé aceitou
não apenas seguir com a comitiva caçadora como também guiar
até ceva grande onde onça dava em pau de tantas que lá
havia.
Amanhecido o dia, e a bebedeira, Zé se viu entre a cruz e
espada. Se refugasse viagem era tachado de medroso, mesmo o
sendo, assim de assumido para si, queria era nunca a pecha.
Se fosse se borraria no miado primeiro que de lonjura que
fosse escutasse.
Pois foi. Calçou a cara de falsa coragem, bregeu dois
conhaques logo cedo e abriu caminho para a tropa dos de
fora.
Serra acima bem longe deram num rancho abandonado, daqueles
comidos pelo mato — sobrando no que era-foi antigo, só
terreiro emaranhado de goiabeiras imensas, pés de limão
china, poucas e velhas tábuas do que tinha sido um
chiqueiro, e muita, mas muita cachopa de marimbondo-cavalo,
dono de ferroada venenosa de tão doída. O poço d’água,
pelas mãos de muitos pernoitantes sem rumo, estava ainda
rico e bem coberto, bem zelado.
O rancho tinha duas portas, uma servia a entrada outra o
quintal.
Na sombra da serra escurece cedo, sol dura menos do que no
descampado. Assim, logo que o avejão da pedra abraçou o
casebre, toca-se a acender fogo para quentar matula, carne
seca com farinha era a janta.
Diz então um dos de lá:
— Então Zé, aqui é onde elas se reúnem.
Zé, por mais prosa que pudesse ter na língua, mentiroso não
era não. Aumentava isso sim, se incluía em vantagem dos
outros, mas era sério no trato. Cumprira promessa, tinha
levado os homens para o ninho das onças.
— Pois então — seguiu o dito, — mostra pra nós. Busca a
bicha.
Sem poder falar não, saiu Zé pela porta da horta, não deu
três passos e não é que topou com a bruta! Virou nos cascos
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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da botina e tome a correr, sentindo o sopro da onça a
fungar em seu cangote.
— Abre a porta! Abre a porta! — gritava com o pouco e
apertado vento que ainda tinha nos bofes.
Pois assim aconteceu, Zé e a onça entraram pela porta dos
fundos, na toada que estava vazou que nem corisco pela
porta da frente, bateu com força fechando a onça lá dentro
com os quatro. Gritou sem parar um pedacinho de segundo:
— Vocês aí, vão tirando o couro dessa que já busco outra!
Nunca mais.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
17
Desmanche
linda terça de feira alegre com seus temperos e cheiros
Linda terça de feira fértil gente atenta a apalpar frutos e
vidas
lembranças fortes de pessoa querida
legumes, farinhas, especiarias, e é claro intransponíveis
pensamentos absortos-fixos em mamões,
alfaces e alvas sacarias.
Almas claras a passear entre gritos de tomates e caquis.
Quem dá mais?
Quem dá mais?
Frágil proteção para almas invadidas
Cheiro de tempero e peixe fresco
Feira alegre/triste, contemplativa, risonha
Fim de feira abusivamente enfadonha
restos e cascas, sujeira cinza colorida, desperdício e
fome.
Fim de feira, resta a terça, esta se quiser se promete
risonha,
não permita pois, amiga, o desmantelo
de sua apalpada e invadida alma,
muito menos por mãos bisonhas
Letras soltas (lapidando)
Palavras soltas sem razão, sem brisa
Palavras longe do cais, sem horizonte, sem vento
palavras tolas
porque obstinar se nem ao mais puro coração alisa?
Palavras escritas sem sentimento,
sem vontade, sem emoção
simples palavras soltas ao vento.
Assim escritas me enchem de medo, apavoram
se nem ao mais puro coração alisam,
avassaladoramente minh'alma devoram.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
18
Lições
Buscar distância do entojo
luta sempre pelo novo
fugaz lição de vida.
da palavra ao aceite o merecido deleite
de tempos a sorrir - prazer, frenesi.
A vida nos traz assombros;
fugindo sempre de internos escondidos escombros:
sombrios, úmidos, mas nunca a dar nojo.
Frutos do que criamos, a riqueza bela e clara sempre
presente.
Merecemos?
experiência, vislumbre sempre a calma
comum em seu bojo
a lavar com perfumada essência, a alma.
Animal
Ando meio esquisito, sem paciência.
Caso cumprido conto mais não,
Perco o fôlego, suspiro sem tristeza.
Corto frase no meio, espero entendimento,
Quase nunca vem, sobra desacordo, desavenças.
Ando de prosa curta
Estou ficando monossilábico.
De tanta lida passo a parecer com eles.
Meus bichos.Todos silenciosamente barulhentos, noturnos.
Escorpiões e morcegos, minha vida, minha rotina.
Ando meio esquisito, monossilábico.
Paina ao vento; assim deveriam ser as prosas,leves
ligeiras, rumo? Incerto.
Bicho fala pouco, observa.
Ando de prosa curta.
Monossilábico. Velhice?
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
19
Dois mundos
Caminhos os há, difícil é saber qual seguir.
Terra batida, atoleiros ou asfalto.
Caminho cósmico – estrelas.
Via Láctea sinalizada – estrada de sonhos
Misteriosa magia. Aquecia por dentro de prazer só de
pensar.
Deitada no telhado frio do curral vigiava o mover dos
astros.
Encantada com a viagem anunciada.
Trecho infinito a percorrer.
Belo luminoso. Volta e meia uma luz mais agitada cortava
seu campo de visão, de vigília a devaneio.
Visitantes estelares ou um simples balão meteorológico a
espiar nuvens, mares e ventos?
Um paranóico avião espião em busca de novas ameaças
imaginárias?
Balança a cabeça como a espantar a idéia.
Quanta falta de poesia. Eram com certeza alienígenas
vestindo impecáveis uniformes prateados. Raça evoluída com
ânsia de dividir conhecimento. Gente do bem vindos de muito
longe.
Já os havia visto em ocasiões diversas. Em sonhos, durante
enfadonhas preleções matinais na igreja. Durante as aulas
de matemática, nos intermináveis almoços e jantares
familiares. Principalmente quando tias e primos
desconhecidos por lá aportavam – vinham da cidade. Chatos.
Principalmente os primos com seus tênis de grife e
palavreado entrecortado, meias e preguiçosas palavras sem
nexo. Eles cheiravam ar condicionado e sanduíche de
shopping. Debochavam em silêncio de suas roupas e de sua
botina mateira.
Mas a presença deles era mais comum à noite, logo depois de
seu pai desligar o motor da energia. Eles gostavam muito do
escuro ou da fraca luz do candeeiro. Visão acostumada à
escuridão do cosmo devia ser isso.
Uma estrela cadente cruzou o céu passou raspando a copa da
mangueira, iluminou o pasto.
Mãe do ouro.
Caminhos os há. E em breve teria que escolher o seu. Não
queria a cidade – traçou o dos céus, para lá é que ia
longe, bem longe. Breve, muito em breve.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
20
Janela
Mundo cinza, sem cor, sem brilho mundo mudo sem som ou
vento fechado em quarto escuro sem janela.
Apenas o caos o silêncio e muito, muito sofrimento
Mundo cinza sem vida, sem amor.
Áspero sem cânticos ou simples canção.
Sem céu, sem estrelas ou lua, escuro.
Apenas amarga, profunda e inimaginável solidão.
Não meu mundo
Meu mundo é brando e leve é alvo
é límpido como a mais recente e fresca neve.
Janela de um estonteante azul céu, límpido e musical
por ela, sempre a adentrar o aconchegante aclarar matinal.
O meu mundo? Meu mundo é a janela!
Sempre aberta, sem paredes ou quarto.
Hoje sobre o mar amanhã sobre a terra.
Janela multicolorida sem dono, dolo ou fechadura,
Meu mundo minha janela, está sempre pronto a se abrir.
Bastando amiga, é simples, um sincero afago ou a mais leve
candura
Soneto apaixonado
Queria eu ser um Neruda ou um Drummond ou um Fernando assim
em pessoa, quem sabe um Lorca, um Neruda, Vinicius de
Moraes.
Queria ser um Manoel que assim como outros Joões também
mestres de Barros, Cora Coralina, uma Adélia Prado.
Não! Queria ser Guimarães de tão Rosa, todo João, a
garimpar palavras nas águas escuras do Urucuia, nas
vertentes do Velho Chico. Lavando em bateia cada verso,
cada rima.
Se um deles fosse talvez uma declaração diferente aqui
poderia.
Mas não. Sou só eu, mineiro das alterosas formosas -
acabando, ruindo; se indo. Portanto ensimesmado, fechado,
tímido nas letras. Aprendiz.
Assim eu sendo fica aqui um simples mas tenro e puro olhar
de saudades, sem etiqueta, sem obrigações.
Musical.
Seja sempre assim: rara flor. Por favor lhe rogo.
Sempre viçosa, colorida sempre-viva, como as dos campos de
minha querida Serra do Cipó, essa acredito/espero, pela mão
do homem não vai nunca, jamais virar pó.
Viva-sempre meu amor.
Um beijo apaixonado.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
21
Se eu fosse poeta
se poeta fosse te daria tudo o que pediu e mais um pouco
haveria por certo gritos de paixão e sussurros loucos.
se poeta fosse não enxugaria tuas lágrimas jamais, pois
delas viria torrencial rio de calor, fonte viva inspiração
constante para cantos puros, alguns marginais.
se poeta fosse - teria as matas, os céus, as estrelas
viagem em cometa prateado e, conheceríamos lugares
longínquos, esconderijos encantados onde feliz seria só de
ali tê-la.
Se poeta fosse te daria mais do que simples rimas preciosas
te daria a mágica da vida, os segredos dos mares o gosto da
floresta, o doce das cores um ligeiro perfume de rosas.
Se poeta fosse com humildade, bem devagar, levaria toda a
sua dor, Mas não sou poeta, não, não sou nada;
Portanto linda flor, só posso te dar - amor.
Força da amiga
Canto dos pássaros
brisa calma, mar perfeito
lindas luas noites frias
Lareira acesa - vinho a aquecer.
Sem amigos - qual a graça - nada disso poderia acontecer
Voar
Em vôo cego me pego
rasante ao vento sobre águas
apaixonante
Em vôo cego me pego
perdido
Pouso forçado magoado
Sofrido
Em vôo me pego cego sem razão
Não vejo luz só breu
Escuridão.
Em vôo me pego, decepcionantemente
Cego.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Reconto de Natal
Mais um Natal se aproxima e nas ruas vemos as vitrines com
suas luzes multicoloridas, num pisca-pisca sem fim. Vozes
afinadas e coros ensaiados entoam canções evocando a paz,
cores e cheiros, confeitos e panetones exalam de todas as
esquinas.
As ruas novamente cheias – gente aflita, em suas expressões
a esperança de um novo tempo, falsas alvíssaras.
Acentuadas diferenças, a orgia do consumo desenfreado,
fazendo contraste com a miséria escancarada/escondida.
Avareza?
Em nome Dele – banquetes são preparados, aves são abatidas,
gordurosas carnes compõem o cardápio. E vinho, muito vinho
puro néctar. Gula?
Nos locais de trabalho o tradicional amigo oculto,
secretamente sorteado. Confraternização geral – em muitos
caso o que se vê são trocas de beijos de Judas entre
inimigos afáveis de cordialidade curta. Ira? Inveja?
Mais uma vez em nome Dele observamos falsa alegria.
Para poucos luxo, consumismo e desperdício. Soberba?
Mas um olhar mais atento para nossas sarjetas, para as
marquises à nossa volta poderemos perceber que elas
escondem o horror da farsa/festa. Enquanto que em ambientes
requintados banham-se em caras fragrâncias. Luxúria?
E imaginar que manjedoura distante um Menino pode
envergonhado estar chorando tristes lágrimas pela
insensibilidade humana.
Não sei não, às vezes me pego a pensar:Será que mais uma
vez não esquecemos de convidar O homenageado para Sua
grande festa de aniversário. Preguiça?
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Tsunami
Pela manhã abri torneira da pia.
Cozinha do quintal.
Tinha um monte de formiguinhas, daquelas miudinhas se
deleitando com
um pingo de sobra doce.
Tsunami doméstico. Agacharam-se todas em pânico grudadas em
inox sem graça, puro brilho. Morte iminente.
Desespero/apego à vida.
Tive dó, fechei ligeiro a cachoeira.
Pelo que vi, salvaram-se todas.
(Uberlândia num finzinho de dezembro , o ano ainda é 2006)
Dedilhando
Fogão de lenha,
cheiro de roça e mato,
tudo fica perfeito
por mais simples o prato.
Flor de Pitanga
William Henrique Stutz © Copyright 2007
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Informações
Título: Flor de Pitanga
Autor: William Henrique Stutz
Revisão de textos: Clarice Villac
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