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A CORPOREIDADE NA ESCOLA:
MÁRCIO XAVIER BONORINO FIGUEIREDO
Doutor em Educação
A CORPOREIDADE NA ESCOLA:
Brincadeiras, jogos e desenhos
6ª Edição Atualizada
Pelotas 2009
Editora Universitária - UFPel
3
Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas
Reitor Prof. Dr. Antonio Cesar G. Borges
Vice-Reitor. Prof. Dr. Telmo Pagana Xavier
Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Vitor Hugo Borba
Manzke
Pró-Reitor de Graduação: Prof. Luiz Fernando Minello
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Alci Enimar
Loeck
Pró-Reitor Administrativo: Francisco Carlos Gomes Luzzardi
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento. Prof. Etio
Paulo Zonta
Diretor da Editora e Gráfica Universitária: Prof. Fernando de
Oliveira Vieira
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Me. Antonio Jorge Amaral Bezerra; Prof. Dr. Elomar
Antonio Callegaro Tambara; Prof. Dr. Isabel Porto Nogueira;
Prof Dr. Jose Justino Faleiros; Prof': Ligia Antunes Leivas;
Prof' Dr' Neusa Mariza Leite Rodrigues Felix; Prof. Dr.
Renato Luiz Mello Varoto; Prof. Me. Valter Eliogabalos
Azambuja; Prof. Dr. Volmar Geraldo Nunes; Prof. Dr.Wilson
Marcelino Miranda.
Título da Obra: - A CORPOREIDADE NA ESCOLA: brincadeiras, jogos e desenhos
1ª Ed i ç ã o 199 1 : E d u c ação & Rea lid a d e E d ições, P. Al e g r e
2ª Ed i ç ã o 199 9 : E d i t or a Un i versi t á r i a/PR EC/U FPel .
5ª Ed i ç ã o 2 0 0 8 : E d itora Univer sit á ria/ P REC / U FP el.
Impresso no Brasil
Copyright 2009 MÁRCIO XAVIER BONORINO FIGUEIREDO
Professor na Escola de Educação Física e na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Pelotas, Doutor em Educação pela USP.
Facilitador em Biodanza pela Escola Paulista de Biodanza.
Layout e Editoração Eletrônica: José Herminio Barbachã
Tiragem: 1000 exemplares.
Edição eletrônica desenvolvida através do projeto e-ufma
Visite www.eufma.ufma.br e saiba mais das nossas propostas de inclusão digital
Este livro foi autorizado para domínio público e está disponível para
download nos portais do MEC www.dominiopublico.gov.br e
do Google Pesquisa de Livro
F475c Figueiredo, Márcio Xavier Bonorino
A corporeidade na escola: brincadeiras, jogos e
desenhos / Márcio Xavier Bonorino Figueiredo. -
Pelotas: Editora Universitária-UFPel, 2009, 6ª ed.
89p.
ISBN 978-85-7192-325-6
1. Corporeidade - Prática pedagógica I. Título.
CDD (19. ed.)
-
370.15
SUMÁRIO
PREFÁCIO .............................................................. 7
ARTICULAÇÕES DO PENSADO E DO VIVIDO ..... 7
DIÁLOGO EM VÁRIOS CONTEXTOS .................... 9
A PERSPECTIVA DE NOVOS CAMINHOS ............ 10
NOSSA HISTÓRIA, NOSSO PONTO DE PARTIDA 13
Capítulo 1
TRILHANDO AS TEORIAS ..................................... 19
Algumas concepções de corpo ................................ 22
O corpo na escola capitalista ................................... 23
Brincar e jogar: o resgate da corporeidade .............. 25
Da “morte” para a vida do brincar e jogar na escola. 29
Questões a serem articuladas pela leitura do cotidiano
..................................................................................... 31
Capítulo 2
CAMINHOS PERCORRIDOS NA ANÁLISE DO
COTIDIANO ............................................................ 35
A inserção no contexto histórico-social da escola .... 35
Chegando no “pedaço”: a descoberta da realidade . 37
Observação dos espaços da escola ........................ 38
Observação da sala de aula .................................... 38
Entrevista com as crianças ...................................... 39
Construção de uma leitura da realidade .................. 39
Capítulo 3
ESPAÇOS DA ESCOLA: A DESCONTINUIDADE
COM A REALIDADE VIVIDA ................................... 43
6
Capítulo 4
A SALA DE AULA: ESPAÇO DE CONTROLE DA
CORPOREIDADE DAS CRIANÇAS ........................ 51
Capítulo 5
A EXPRESSÃO DA CORPOREIDADE NAS
BRINCADEIRAS, JOGOS E DESENHOS
INFANTIS ................................................................ 61
A fala das Crianças ................................................. 61
O Desenho do Braço Solto ...................................... 68
Capítulo 6
UM PONTO DE PARADA ....................................... 81
BIBLIOGRAFIA .. ..................................................... 85
PREFÁCIO
A abertura desta escrita é composta dos “pareceres de três
educadores. Esta escrita inicial mostra aquilo que geralmente fica
restrito a quatro paredes.
Seremos fiéis aos pareceres que foram emitidos mantendo os
posicionamentos expressos na integra.
PENSADO E VIVIDO
Balduino Antonio Andreola
1
Márcio, como educador inquieto, insatisfeito com muita coisa
que acontece na escola, em sala de aula, partes para a aventura
ousada e esperançosa de construir o novo. “Sairemos - dizes - para o
mundo além das paredes e caminharemos sentindo o vento cortar o
rosto; conseguiremos, talvez, resgatar muitas experiências vividas
em nossa infância” (p. 63).
Tua inquietação, tua inconformidade refere-se ao ambiente de
imobilidade, de disciplina imposta, de silêncio, em que são
aprisionadas as corporeidades e, com ela, a espontaneidade e a
criatividade da criança na escola. Para vislumbrar qual o ambiente
que importa construir, a serviço de uma educação menos
dominadora, procuras penetrar no mundo das brincadeiras e dos
jogos das crianças, visto como um processo de conhecimento e uma
1
Professor Doutor da Faculdade de Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
8
linguagem. Através dos jogos e das brincadeiras a criança busca
entender o mundo e expressar a sua maneira de vê-lo.
Na tua busca te instrumentalizaste, por outro lado, de um
suporte teórico muito sério e consistente, e por outro lado, de um
método de investigação da realidade das crianças que te permitiu
debruçar-te sobre a realidade demoradamente, atentamente, para
fazer dela uma leitura o mais fiel possível, sem que isto significasse
uma proteção de esgotar o mistério incomensurável da experiência
individual e coletiva das pessoas. A observação direta, em sala de
aula e fora da mesma, documentada através de diário, as entrevistas,
os desenhos das crianças, os slides de tais desenhos, projetados para
colher as reações dessas mesmas crianças, foram às técnicas de que
te valeste para as análises realizadas. Não poderia omitir que o
resgate de tua experiência pessoal de infância se configurou como
subsídio importante para a compreensão de experiências das crianças
observadas e entrevistadas. Colocaste, assim, como ponto de partida,
a tua arqueologia pedagógica.
No teu estudo não te enclausuraste no pedagoges. Recorreste a
uma bibliografia mais ampla sobre o assunto que te ajudasse a vê-lo
sob os ângulos filosóficos, psicológicos, sociológicos e político.
Desvelas as marcas das profundas dicotomias e contradições
inerentes a uma visão deformada da corporeidade no sistema escolar.
Apontas, na linha das análises marxista das relações de produção e
das estruturas de poder, a serviço de qual projeto de sociedade se está
alinhado, na sociedade capitalista.
O estudo realizado não se reduz a um exercício acadêmico.
Deixas claro, no subtítulo da dissertação, que teu intuito é o de
extrair da pesquisa uma proposta de transformação. Tal proposta não
se restringe à busca de superação de uma educação física de marco
dualista e mecanicista. Contém, pelo contrário, pistas muitas bem
delineadas para um projeto global de educação nova e de uma nova
sociedade.
Cabe uma observação quanto ao estilo da dissertação. Sem
fugir as exigências da seriedade metodológica de um trabalho de
pesquisa, soube evitar os formalismos vãos, preservando a
9
originalidade do toque pessoal, expressão de tua maneira criativa de
ver e dizer as coisas.
A ótica positiva em que comentei teu trabalho não é fruto de
generosidade gratuita. Teu trabalho corresponde realmente uma
contribuição de valor para se pensar a educação na escola pública.
Mas a ótica positiva não significa, por outro lado, idealização
romântica das coisas. A problemática abordada é muito complexa e
as soluções não são nada fáceis. Por isso mesmo urgem educadores
corajosos, que ousem repensar a prática pedagógica, sonhar outras
formas, e agir coerentemente, de acordo com o sonho. Tu ousaste
encetar esta caminhada. Estou certo que irás longe e de que não
estarás só nesta aventura desafiadora de construir o novo.
DIÁLOGOS EM VÁRIOS CONTEXTOS
Marília Pontes Spósito
2
(...) O tratamento teórico revela um esforço de sistematização
em torno de questões ainda pouco exploradas no pensamento
educacional. A estratégia metodológica utilizada indica sua
preocupação de investigar, em profundidade, o tema e revela
adequação frente ao referencial teórico utilizado.
As observações que estão sendo encaminhadas a seguir têm o
intuito de contribuir para a continuidade dos estudos, tendo em vista
a perspectiva da realização do Doutorado.
1. A análise da criança e da infância deve procurar dar conta
dos processos sócio-históricos que permitiram a construção
social da idéia de infância, típicos da Idade Moderna,
sobretudo após a Revolução Burguesa. Nesse sentido, seria
preciso evitar a falsa dicotomia entre natureza infantil boa
ou natureza perversa. Os estudos de Phillipe Ariés e
Bernard Charlot apresentam contribuições importantes
sobre o tema.
2
Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
10
2. O conceito de socialização (primária e secundária) deve ser
objeto de preocupação, uma vez que o início da vida
escolar marca uma trajetória que tem suas origens na vida
familiar e no bairro. As representações e práticas que
disciplinam o corpo e introduzem um padrão definido sobre
a corporeidade não se iniciam com a vida escolar. Essas
questões, ao serem incorporadas na análise, impedirão uma
polarização simplista entre a vida fora da escola e o
universo pedagógico.
3. Os jogos e brincadeiras encerram um valor pedagógico
inquestionável, apresentado por vários autores e
reafirmado na pesquisa do candidato. No entanto, as
relações entre essas formas de lazer precisam estar
integradas no conjunto das atividades que constituem o
tempo da sociabilidade infantil para verificação da sua
importância no processo de socialização. Por outro lado,
torna-se necessário examinar as relações que se
estabelecem entre jogos e brincadeiras e o
desenvolvimento da corporeidade, mesmo que elas não
tenham implicações pedagógicas imediatas.
A PERSPECTIVA DE NOVOS CAMINHOS
Nilton Bueno Fischer
3
A corporeidade das crianças, através de jogos, brincadeiras e
desenhos, é muito bem analisado pelo Márcio em sua dissertação. Ao
leitor passa uma imagem de um mundo bonito e ao mesmo tempo
real. As crianças existem mesmo na escola onde foi feita a pesquisa,
e ao mesmo tempo existem em nós mesmos. Essa capacidade de nos
envolver com o tema da pesquisa é um mérito de trabalho do Márcio.
Se, de um lado, aparece essa possibilidade do lúdico, muitas vezes
3
Professor Doutor Coordenador do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
11
encontrado no espaço livre da rua, por outro a escola transforma essa
energia em rotina e em hábitos competitivos.
Se a rua ainda tem lugar para a criança brincar como é o caso
da vila onde se situa a escola das crianças desta pesquisa, isso é
porque revela também uma realidade de exclusão das famílias de
trabalhadores que residem em morros, favelas, etc... Pela ausência de
infra-estrutura urbana. Então, o lúdico passa a ter uma conotação
diferente daquela vivida por nós quando havia na cidade, espaço para
correr e brincar sem perder para o automóvel e o trânsito. É nesse
aspecto que o trabalho do Márcio poderia ser mais aprofundado.
Nessa linha de sugestão de melhor contextualizar sua pesquisa é que
poderia ter sido investigada a própria história dos jogos e
brincadeiras pela narrativa dos pais das crianças entrevistadas.
Na literatura empregada, verifica-se um uso adequado com o
tema e a metodologia as crianças falam, entretanto, também seria
interessante desvelar mais o contexto originário das abordagens
feitas para, então, se ter um uso mais qualificado das diversas
contribuições feitas. Cito como exemplo, o trabalho de Antônio Leal
a respeito da favela da Rocinha no Rio de Janeiro.
A origem de classe das crianças ou mesmo uma discussão de
possíveis diferenças - dentro e fora da escola entre as crianças da vila
e do morro serviria para um entendimento melhor das análises feitas
pelo Márcio, entre outras. E haveria alguma diferença entre aquilo
que é próprio da brincadeira dos guris? E das gurias?
As observações acima são feitas no sentido de pedir ao Márcio
a continuação de sua dedicação para esse tema e com essa
abordagem metodológica. Renovamos os cumprimentos pelo
excelente trabalho feito, pois trouxe, em torno das questões das
práticas da escola, uma contribuição original - tema metodologia e ao
mesmo tempo muito bonita.
NOSSA HISTÓRIA, NOSSO PONTO DE PARTIDA
Nas atividades escolares, não lugar para a cultura infantil,
como brincadeiras, jogos e outras atividades que ocorrem fora dos
muros da instituição e que fazem parte do saber popular. A escola, ao
negar essas atividades, nega também o corpo concreto das crianças:
seus conhecimentos, movimentos, ritmos, percepções, linguagem...
João Batista Freire (1989) diz que a criança - especialista em
brincar - cria atividades e se organiza em suas atividades corporais;
porém, ao chegar à escola, é impedida de assumir sua corporeidade
anterior. E mais: ela passa a ser violentada, através das longas horas
que fica imobilizada na sala de aula. Isto vai contra o processo de
vida, de experiências e de desenvolvimento até então vivido.
Entendemos como o autor, que fica extremamente difícil falar em
educação quando o corpo está ausente, ou pior, quando é considerado
um intruso, que deve permanecer quieto para não atrapalhar.
Uma vez ciente da não valorização, pela escola formal, das
experiências e conhecimentos adquiridos pelas crianças em suas
brincadeiras e jogos, buscamos, através deste estudo, resgatar a
importância dos mesmos.
Para isso, foi preciso marcar um reencontro com as crianças no
mundo das brincadeiras, jogos e desenhos a partir de nossas próprias
experiências de guri. Quem de nós não brincou? Não criou seus
próprios brinquedos e brincadeiras? Não participou de brincadeiras e
jogos que possuíam uma organização própria? Que significados e
representações tinham essas atividades? Que corporeidade
desenvolvia? Que espaço a escola dava a essas atividades?
14
Muitos dos brinquedos, brincadeiras e jogos que realizávamos,
quando crianças na zona rurais, se perderam; mas algumas
lembranças ficaram, porque foram experiências profundas. Os mais
simples objetos se transformavam em brinquedos. Tinham como
base os elementos predominantes da natureza - terra, água, animais,
plantas. Os brinquedos e brincadeiras tinham origem desses
elementos maiores, ou a eles estavam relacionados. Os ossos de
animais se transformavam em rebanhos de ovelhas, gado, tropas,
boiadas, etc. Galhos secos, taquaras, capim se convertiam em cercas,
mangueiras, galpões. As frutas verdes serviam de pelota, para
arremessos. Taquaras verdes cortadas entre dois nós e casca de
laranja azeda ou fruta de cinamomo serviam de bala para as pistolas
que daí surgia, para guerrear ou para acertar pássaros. Árvores com
galhos horizontais e cordas davam um delicioso balanço. A terra e a
água, um excelente barro para moldar mil e uma coisas. Ah! Duas
varetas retas e finas, excelentes pernas-de-pau; muitas vezes acom
dois degraus. Através delas nos tornávamos homens grandes e
grandes homens. Forquilhas e pedaços de borracha resultavam numa
funda. Pedaços de madeira, latas e pregos e tínhamos material para
construir caminhões, carros, carroças, etc. Com talos de mamoeiro,
água e sabão faziam brincadeiras de formar bolhas de sabão, que
subiam o mais alto possível embalado por nossas vibrações. Enfim,
fomos os artesãos de nossos próprios brinquedos, de nossos sonhos:
soltávamos nossa criatividade e imaginação e estabelecíamos a nossa
comunicação com o mundo. Antes de aprender a escrever em folha
de papel, escrevíamos no chão, nas paredes, no barro, usando carvão,
gravetos secos ou o próprio dedo, quando a terra era solta e macia.
Brincando, realizávamos a leitura do mundo que Paulo Freire diz
anteceder a leitura da palavra. Líamos o tempo que poderia ser para a
chuva, seca, frio, calor... Marcávamos as horas pelo sol e sombra.
Conhecíamos quando as frutas estavam no ponto para serem colhidas
e comidas. Fazíamos a leitura de nossa realidade concreta através dos
conhecimentos cotidianos aprendidos.
Essas experiências, que aprendemos na escola da vida,
estavam e estão carregado de significados de um contexto
experienciado e vivido. Porém, na escola formal, jamais foram
levados em conta. Tendo passado por isso, hoje, enquanto educador
comprometido com a transformação social nos surge à preocupação
de buscar nas atividades lúdicas o ponto de partida para a nossa
prática na educação física.
Diversos autores têm escrito sobre como a escola, através de
atividades repetitivas, impostas, ensina autoritariamente às crianças
das classes populares a conformar-se com as rotinas e ritmos da
produção industrial, bem como exclui aqueles que não se submetem
a essa educação. Nosso propósito é dar voz, nestas páginas, ao
corpo, que a escola procura silenciar e, a partir de nossa escuta,
apontar a possibilidade de uma educ-ação de liberdade.
Tendo consciência de que, para superar o atual estado de
coisas, é preciso ir além das meras constatações, iniciamos este
trabalho revendo, no capítulo 1, como o corpo tem sido tratado
historicamente na sociedade e na escola capitalistas, bem como nos
detemos a examinar alguns estudos que enfatizam a importância das
brincadeiras e jogos na expressão e no desenvolvimento da
corporeidade das crianças. A seguir, no capítulo 2, descrevemos o
caminho percorrido na leitura da realidade. No capítulo 3, já no
espaço escolar, assinalamos uma série de procedimentos, que
marcam a corporeidade das crianças, cuja principal característica é a
grande distância entre o que se diz e o que se faz. Na sala de aula,
capítulo 4, analisa as relações entre o professor e seus alunos e a
corporeidade ali desenvolvida. No capítulo seguinte - A expressão da
corporeidade nas brincadeiras, jogos e desenhos infantis-,
verificamos como as crianças, através de suas brincadeiras, jogos e
desenhos, se expressam corporalmente, os significados representados
e os conhecimentos aí construídos.
Finalmente, procuramos realizar uma síntese possível do que
foi observado neste trabalho.
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1
1
É urgente partir
sem medo
para onde nascem
sonhos buscar novas
artes de esculpir a vida...
Armando Arthur
TRILHANDO AS TEORIAS
“Cada civilização viu o corpo de uma maneira por que
cada um tinha uma idéia diferente de mundo"
Otavio Paz
A educação desenvolvida nas escolas públicas está a merecer
uma reflexão, um repensar das ações em busca de novos caminhos.
Tem-se verificado, de forma generalizada nas diversas áreas de
conhecimento, que os professores que ali trabalham o se
interrogam sobre o que fazem, para que e a quem interessa essa
educação. Seria, talvez, desnecessário dizer que não fogem à regra as
ações que se envolvem diretamente com o corpo, como é o caso da
Educação Física.
Torna-se bastante difícil falar do corpo, pois esquecemos ou
fomos levados a nos esquecer que somos corpo, de que nossas
comunicações cotidianas com o mundo ocorrem através dele e com
ele. Mas é fundamental que se pense a questão do corpo na educação,
procurando des-velar as concepções e valores, bem como os reais
signficados que estão implícitos nas ações escolares, visto que, como
fala Paulo Freire (1980, p. 26) que:
"A conscientização não pode existir fora da 'práxis', ou
melhor, sem o ato ão-reflexão. Esta unidade dialética
constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os homens".
Observando o cotidiano das práticas pedagógicas, começamos
a nos interrogar sobre os porquês de determinados procedimentos,
atitudes, posturas assumidas, pelos professores, alunos e pais. Nas
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
20
conversas, olhares, reuniões ou comportamentos diante de situações
concretas, pode perceber que o corpo faz parte daquilo que Paulo
Freire (1981, p. 62) denominou cultura do silêncio, onde o corpo
segue ordens de cima. Pensar é difícil; dizer a palavra, proibido. A
escola silencia a ação corporal-verbal que não esteja de acordo com
as normas estabelecidas. Assim procedendo, está criando um
homem, uma mulher para a passividade, para a submissão, para
aceitar as regras do jogo"
4
.
As atividades propostas pelos professores não despertam a
criatividade, a curiosidade, o interesse pelas descobertas; não é
estimulado o gosto pela pergunta.
Os alunos são induzidos a responderem aquilo que o professor
quer ouvir, geralmente uma resposta que ele já sabe. Duvidar, criticar
as atividades tidas como corretas é visto até como um ato de
indisciplina e, muitas vezes, aqueles que se atrevem a resistir e
contestar são punidos, discriminados e rotulados de maus alunos.
Além disso, assim como na família, o corpo é envolto de
mistérios: muitas coisas que dizem respeito a eles são proibidas; não
se fala e quase não se toca em determinadas partes do corpo.
Reforçam-se os tabus que têm passado de geração em geração, sem
que as maiorias dos educadores se preocupem em questioná-los em
profundidade.
Freire, (1982)
5
com procedência, diz que os educandos são
transformados em seres passivos, que recebem os conteúdos, os
conhecimentos, de forma autoritária: muitas vezes impostos pelas
Secretarias de Educação às escolas, que, por sua vez, os impõem aos
professores, e estes aos alunos, de maneira completamente
desvinculada da realidade daqueles a quem se destinam.
Essa passividade se expressa, regularmente, também a nível
corporal. É com o corpo que entramos em contato com o mundo, o
experienciamos, conhecendo seus detalhes, possibilidades e limites.
A escola, por meio do cerceamento das ações corporais e
4
Regras do Jogo - No sentido de aceitar as diversas regras da sociedade como uma coisa
normal que deve ser aceita sem questionamentos.
5
Freire, Paulo. Educação e mudança.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
21
espontâneas e do desenvolvimento de atividades repetidas e
rotineiras, busca o disciplinamento e controle, impondo
pensamentos, ritmos, posturas e movimentos padronizados.
Segundo Silva (1987) na escola para a transformação, terá que
existir liberdade de movimentos, de expressão, de exploração de
material concreto, de convívio grupal, de vivência do corpo. Além
disso, acreditamos que, assim como Freire (1980) propõe que o
alfabetizador tome como ponto de partida o universo vocabular da
população com que ele trabalha, o educador transformador deve
partir do conhecimento corporal concreto de seus alunos.
Leal (1982) em suas experiências com alfabetização em uma
escola na favela da Rocinha/RJ observou que as brincadeiras das
crianças são uma de suas principais manifestações espontâneas.
Através delas, articulam todo o seu universo: os seus desejos, a sua
sexualidade, o seu desespero, a vida e a morte. Constatou ainda que,
enquanto na favela elas conseguiam se organizar para brincar e jogar,
mas na escola não conseguiam fazer o mesmo.
De nossa parte, também observamos que, no recreio, elas são
capazes de se organizar, seguindo, por exemplo, nas brincadeiras e
jogos, as regras por elas estabelecidas de comum acordo.
Entendemos que as crianças, na sala de aula, não conseguem se
organizar como no recreio porque o professor centraliza todas as
decisões, não permitindo que elas exercitem seus conhecimentos,
decidam e se organizem.
Soma-se a isso o fato de que as representações e os
significados que a escola e os adultos em geral m sobre as
brincadeiras e jogos são diferentes daqueles das crianças. Segundo
Oliveira (1984), enquanto para o adulto brincar significa entreter-se
com coisas amenas, esquecer, ainda que de maneira passageira, as
desilusões e momentos de tensão, a criança, através do brinquedo,
fazem sua incursão no mundo, trava contato com os desafios e busca
saciar sua curiosidade de tudo conhecer. Esse autor afirma ainda que,
no brinquedo infantil, práticas e interpretações sociais estão
representadas, e sua análise nos propicia uma incursão nos problemas
econômicos, sócio-culturais e políticos existentes em nossa
sociedade.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
22
Na medida em que estamos cientes de que para qualquer
transformação social é preciso ir além do senso comum, buscamos
neste estudo fazer uma reflexão crítica sobre nossas constatações do
cotidiano escolar. É neste sentido que, a seguir, procuramos
contextualizar historicamente as ações que se exercem sobre e no
corpo, a forma como têm sido interpretados as brincadeiras e jogos
na educação e, conhecendo seus reais significados e sua importância
para o desenvolvimento das crianças, descobrirem como podemos
resgatar a corporeidade.
Algumas concepções de corpo
Medida (1987) fazendo um relato histórico de como o corpo
tem sido visto através dos tempos, propõe algumas interrogações: o
que é verdadeiramente o corpo? Como a humanidade o concebeu
através dos tempos?
A partir dessas interrogações expõe o pensamento dos grandes
filósofos da Antigüidade e medievais, que viam o corpo como
instrumento da alma (doutrina da instrumentação do corpo). Essa
concepção conforme Medina (1987, p. 50) foi abandonada com
Descartes, que desenvolveu uma forma de dualismo "onde o corpo e
a alma são substâncias diferentes e independentes". Para ele, o
homem é fundamentalmente espírito, o que fica expresso na
afirmação: Penso, logo existo. O pensamento cartesiano continua a
vigorar em nossa sociedade, o que pode ser percebido em
determinadas atividades através da valorização a elas dada, como é o
caso do trabalho manual e intelectual, sendo este mais valorizado.
em nosso século, o filósofo Merleau Ponty vai se
contrapuser a essa posição, com a afirmação "Eu sou meu corpo" -
existo, logo penso. E, ainda, Cruz (1985, p. 71) mostra que:
Merleau Ponty considera que a alma e o corpo, que
ingenuamente Descartes separou e cuja separação
influenciou o pensamento universal, não podem ser
novamente reunidos por um simples decreto exterior que faça
um, objeto do outros. Esta união na verdade se expressa em
cada um dos movimentos ao longo de nossa existência.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
23
Mas foi a partir de Marx que o corpo pôde ser visto com outras
dimensões, passando a revelar determinados dramas da existência
humana. Através de sua análise sobre as relações de trabalho, ele
trouxe à tona, de maneira indireta, a questão do corpo.
Durante o feudalismo, quando a classe explorada tinha como
propriedade o sujeito que ela explorava, os trabalhadores estavam
presos a terra. Já no capitalismo o processo foi alterado: os
trabalhadores foram libertos da terra, mas isto implicou dupla
dependência do capital - o livres para vender a força de trabalho e
subordinados ao comércio de produtos necessários à sua
sobrevivência. O homem, em última instância, ao vender a sua força
de trabalho, vende o seu corpo ao capitalista, que paga uma
quantidade mínima para repor as energias gastar e continuar no
processo de produção.
A sociedade capitalista moderna, para atingir as finalidades,
dirige a energia dos homens para o trabalho em proporções sem
precedentes, levando-os a tornarem-se alheios ao seu mundo, à
natureza, às coisas e às pessoas que rodeiam, bem como a si
próprios. O que interessa à organização industrial é um corpo com
movimentos eficientes, úteis, funcionais, treinados e ritmados para a
produção. É desinteressante como mostra (Silva, 1987), que o corpo
fale e que se expresse, que se comunique, mas interessa que produza,
obedeça aos ritmos que são impostos, adaptando-se às necessidades
da produção, sem questioná-las.
A sociedade em que vivemos é gestada em longo processo de
instituições que moldam o indivíduo articulando-o ideologicamente à
ordem, reprimindo as suas manifestações anormais e recompensando
as normais. A escola, como parte da sociedade onde se insere, está
marcada por essas ações.
O corpo na escola capitalista
Alves (1987) afirma que Marx, em seus escritos, dizia que o
capitalismo é uma educação do corpo, que é ensinado a se esquecer
de todos os seus sentidos eróticos, sendo transformado apenas no
local de um sentido - sentido da posse - onde a sociedade transforma
o desejo de ter e de usar na principal preocupação do homem.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
24
A escola utiliza-se de uma variedade de situações em seu
cotidiano para fazer tal educação. Podem-se notar, através dos
programas, conteúdos, dos horários, dos deslocamentos em filas,
uma infinidade de modelos de ações que devem ser seguidos e
cumpridos por todos. Nesse sentido, Foucault (1984) e Guimarães
(1985) afirmam que um dos objetivos da escola é controlar o corpo,
através de atitudes de submissão e docilidade que ocorrem nos
exercícios que esquadrinham o tempo, o espaço, os movimentos,
gestos e atitudes dos alunos. As ocupações ocorrem de maneira
determinada, por meio de ritmos coletivos e obrigatórios: aquisição
dos mesmos conhecimentos, os mesmos tipos de provas e exames. O
professor, que possui um poder aparente nas decisões, exerce na sala
de aula um poder concreto ao nível do corpo dos alunos. Ao
determinar que eles executem as ações definidas por ele, influi
também na criação de um homem disciplinado, cumpridor de ordens
que, ao chegar ao sistema de produção, como trabalhador, possa
cumprir o que este lhe reserva: produção com o máximo rendimento,
de preferência sem interrogações.
Medina (1987, p.19) afirma que na determinação de nossa
corporeidade marcada influência da infra-estrutura sócio-
econômica.
Se vivemos num sistema capitalista, dependente, altamente
hierarquizado em níveis sociais, o a escola como
também o homem, o corpo e suas manifestações culturais,
serão produto ou subproduto das estruturas que caracterizam
este sistema.
No entanto, o autor chama a atenção para o fato de que as
relações ocorrem de forma dialética e jamais descontextualizada
historicamente. É preciso que se veja em que níveis os fenômenos
acontecem, quais são os determinantes e quais são os determinados
nessas relações.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
25
Brincar e jogar: o resgate da corporeidade
Inícios de conversa
Ao falarmos sobre brincadeiras, brinquedos e jogos,
procuraremos estabelecer algumas diferenças entre estes termos para
que se possa compreender os seus significados no contexto deste
trabalho.
Bettelhem (1988) e Oliveira (1987) são dois dos autores que se
preocupam com esses conceitos, porém m posições o totalmente
convergentes. O primeiro estabelece uma distinção entre brincadeira
e jogo: brincadeira não é pautada por regras, a não ser aquelas que a
própria criança impõe às atividades podendo alterá-las a qualquer
momento; os jogos possuem regras e estrutura definidas e aspectos
competitivos que se aproximam mais do jeito do adulto passar o
tempo. Este autor afirma ainda que, ao brincar, a criança busca um
equilíbrio dentro de si mesmo, enquanto, no jogo, ela procura
harmonizar-se em conformidade com a estratégia de seu oponente. A
criança na brincadeira estabelece uma ordem interna e no jogo aceita
e trabalha com a ordem externa, a fim de atingir seus objetivos.
Oliveira (1987:30) entende que tanto as brincadeiras quanto os jogos
são prática coletiva, que exigem uma série de conhecimentos e regras
que estabelecem uma diferença entre o brinquedo e a brincadeira.
Trata-se, primeiramente, de um objeto palpável, finito e
materialmente construído, podendo-se construir segundo
formar variadas de criação, desde aquelas artesanais até as
inteiramente industrializadas, sendo que o brinquedo separa-
se da brincadeira e do jogo, de vez que ambos se expressam
muito mais por uma ação do que propriamente por um
objeto. Nunca será demais insistir que essa associação do
brinquedo ao objeto e do jogo e da brincadeira à ação não é
mutuamente excludente, tanto a manipulação de um
brinquedo qualquer implica necessariamente uma ação,
enquanto um jogo ou brincadeira socorre-se de objetos,
suportes materiais para se realizarem.
Por outro lado, Piaget (1978) não estabelece tais distinções,
denominando jogo toda a atividade lúdica infantil. Porém ele realiza
uma classificação dos jogos, de acordo com a complexidade de suas
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
26
estruturas: o jogo de exercício, que é o que não supõe qualquer
técnica particular; o jogo simbólico, que implica a representação de
um objeto ausente, e o jogo de regra, que supõe relações sociais ou
interindividuais.
De nossa parte, neste estudo, nos inclinamos pelos estudos
estabelecido por Piaget, mas entendemos que as brincadeiras
possuem regras definidas pelas próprias crianças, enquanto o jogo
tem regras definidas "oficialmente", mas do jeito do adulto de jogar.
As brincadeiras e jogos no desenvolvimento da criança
Huizinga (1980:16) teorizando sobre os jogos, afirma que,
além das funções de homo sapiens, que é raciocinar, e a do homo
faber, que é de fabricar objetos, há nos homens e animais uma
terceira, a do homo ludens, onde o jogo é quem propicia a sua
realização e se caracteriza como:
...uma atividade livre, conscientemente tomada como 'não
seria' e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz
de absorver o jogador intensa e totalmente. É uma atividade
desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual
não se pode obter lucro, praticada dentro de limites especiais
e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas
regras. Promove a formação de grupos sociais com a
tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua
diferença em relação ao resto do mundo por meio dos
disfarces em outros meios semelhantes.
É através do corpo que a criança, desde os primeiros dias de
vida, realiza brincadeiras que são fundamentais para o seu
desenvolvimento e crescimento. Bandet & Sarazanas (1973, p. 61)
afirmam que o corpo é o primeiro brinquedo que a criança utiliza
para brincar.
“O primeiro brinquedo da criança, objeto de sua atenção e
espanto, é realmente o corpo humano, quer se trate do seu
próprio corpo, quer se trate do corpo de sua mãe".
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
27
Se observarmos a criança num berço, notaremos que ela não
os brinquedos que lhe são oferecidos prematuramente. Ela brinca
com os dedos, mexendo uns após os outros, cruza, puxa os da mão
esquerda com a mão direita, olha para a mão. Aproximadamente até
os três meses, ela brinca quase exclusivamente com os dedos,
cabelos, orelhas. A partir daí começa a ter interesse pelo mundo
exterior, descobre agora o corpo da mãe, passa-lhe a mão pelo rosto,
puxa-lhe os cabelos, enfia-lhe os dedos nos olhos e nariz. Os
acessórios da roupa da mãe despertam-lhe a curiosidade.
À medida que a criança amplia suas experiências, o seu corpo
o lhe basta, e aparece, então, o primeiro brinquedo. Através das
brincadeiras e jogos, constrói esquemas motores, exercita-se os
repetindo, integra-os a novos tipos de comportamentos, avança em
novas descobertas. No entanto, como nos lembra Chateau (1987, p.
82) que:
(...) barbante, vara, traço o símbolos menos carregados de
sentido do que o corpo: com o seu corpo a criança pode
representar um mundo de objetos. Em primeiro lugar, seres
humanos, evidentemente; também seres vivos, coelhos, ursos,
etc. Até objetos inanimados (...).
Os adultos, na maioria das vezes, não reconhecem a
importância da brincadeira infantil, que é vista como um mero
passatempo, destituída de significação. No entanto, na Carta dos
Direitos da Criança, está escrito O direito de brincar, justamente
porque, como nos demonstram vários especialistas, é através das
brincadeiras que ela busca entender o mundo: por exemplo,
Bettelheim (1983, p. 142) nos lembra que ao brincar imitando os
adultos, a criança tenta compreendê-los.
Através de uma brincadeira de criança, podemos
compreender como ela vê e constrói o mundo - o que ela
gostaria que ele fosse quais as suas preocupações e que
problemas a estão assediando. Pela brincadeira, ela expressa
o que teria dificuldade de colocar em palavras. Nenhuma
criança brinca espontaneamente para passar o tempo, se
bem que os adultos que a observam possam pensar assim.
Mesmo quando entre numa brincadeira, em parte para
preencher momentos vazios, sua escolha é motivada por
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
28
processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que
está acontecendo com a mente da criança determina suas
atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que
devemos respeitar mesmo se não a entendemos.
Como exemplo dessa linguagem secreta, vários autores
esclarecem a importância que as repetições das brincadeiras têm para
as crianças. Enquanto para os adultos estas ações são percebidas
como coisa chata e irritante, para ela executar mais uma vez a sua
brincadeira expressa que ela está procurando compreender o que está
fazendo. Bettelheim (1988, p. 144) apresenta como significado:
A repetição verdadeira nos padrões de brinquedo é um sinal
de que a criança está lutando com questões de grande
importância para ela, e de que, embora ainda não tenha sido
capaz de encontrar uma solução do problema que explora
através da brincadeira, continua a procurá-lo.
Benjamim (1984, p. 74-5) afirma ser esta uma lei
fundamental desenvolvida pela criança antes das leis particulares e
regras que regem a totalidade de seus brinquedos:
(...) para a criança ela é a alma do jogo; nada a alegra mais
do que 'mais uma vez'. O ímpeto obscuro pela repetição não é
aqui no jogo menos poderosos, menos manhoso do que o
impulso sexual no amor(...) A criança volta a criar para si o
fato vivido, começa mais uma vez do início (...). A essência do
brincar o é 'fazer como se', mas 'fazer sempre de novo',
transformação da experiência mais comovente em hábito.
Chateu (1987, p. 56-57) vê a repetição no jogo como um
esboço de ordem:
Alguns jogos tornam-se verdadeira obsessão, uma criança de
oito anos bate até cem vezes as teclas de um piano, sem se
cansar, outra não ra de abrir uma caixa (...). Um aluno da
escola maternal é ainda muito voltado para a repetição,
podendo, por exemplo, subir cem vezes seguidas os três
degraus de uma escada (...). Os ritmos são uma repetição
ainda mais precoce. Pode-se falar de ritmos vitais como o
ritmo do sono, o da febre (...). Não é de se espantar que
também os jogos das crianças sejam sempre comandados por
esse amor ao ritmo e à repetição.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
29
É por tudo isso que não podemos conceber a criança sem risos
e sem brincadeiras. Como disse Chateau (1987) se as crianças de
uma hora para outra parassem de brincar, os pátios das escolas
ficassem silenciosos, as vozes, os gritos fossem desajeitados,
silenciosos e sem inteligência. Aquelas crianças que não brincam
podem sofrer interrupções intelectuais, pois deixam de exercitar
processos mentais importantes para o seu desenvolvimento.
Se para a própria criança, ela brinca apenas porque isso lhe dá
prazer, na verdade, como nos esclarece Bettelheim (1988, p. 174) a
atividade lúdica é uma necessidade que tem sua fonte na pressão de
problemas não resolvidos.
(...) brincar é uma atividade com conteúdos simbólicos que as
crianças usam para resolver, num nível inconsciente,
problemas que não têm condições de resolver na realidade;
através da brincadeira adquirem um sentimento de controle
que no momento estão longe de possuir.
É assim que, representando as suas fantasias no mundo do faz
de conta, a criança vai construindo uma ponte entre a sua
subjetividade e o mundo exterior, ao mesmo tempo em que aprende a
ter respeito pelas limitações que a realidade lhe impõe.
Da "morte" para a vida do brincar e jogar na escola
A criança, ao ingressar na escola, enfrenta uma série de
imposições dos adultos que levam a uma grande quebra no ritmo de
sua atividade lúdica. Ela, que passa a maior parte do tempo a brincar
e jogar passa, agora, várias horas imobilizadas e presas às cadeiras,
executando tarefas que não exigem quase nenhum movimento. Na
maioria das vezes, o brincar passa a ser condicionado à realização
das tarefas escolares: brinca se realizar os deveres. As atividades
da escola são vistas como "coisa séria", enquanto que brincar e jogar
ficam em um plano secundário.
No entanto, Chateau (1987, p. 126) afirma que dos jogos
origina-se outra atividade: o trabalho. Para ele, jogar é uma tarefa
que exige um determinado esforço e se impõe como um trabalho. Ao
aceitar participar de um grupo de jogo, a criança também aceita um
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
30
determinado código lúdico, como um contrato social implícito, diz
que:
Para o grande, o jogo é cumprir uma função, ter lugar na
equipe; o jogo, como o trabalho, é, por conseguinte, social.
Por ele, a criança toma contato com as outras - se habitua a
considerar o ponto de vista de outrem, e sair de seu
egocentrismo original. O jogo é a atividade do grupo.
Este mesmo autor relata que, em uma pesquisa realizada em
escolas elementares de Viena, foi constatado que 80% das crianças
da rie fracassaram porque não tinham desenvolvido a atitude de
trabalho em seus jogos antes de ingressar na escola.
Mas cabe aqui uma pergunta: Por que, mesmo tendo vários
autores escritos sobre a importância dos jogos e brincadeiras na vida
das crianças, a escola quase concretiza a hipótese de Chateau (1987)
fazendo com que elas parem de brincar de uma hora para outra,
deixando os seus pátios e suas salas de aula silenciosa?
Como já vimos, a escola capitalista mais que propiciar o
desenvolvimento das crianças da classe trabalhadora tem como
objetivo discipliná-las para tornar o seu trabalho cada vez mais
produtivo e lucrativo. É neste sentido que concordamos plenamente
com Thomaz (1986, p. 6) e outros quando afirmam que:
Seria ilusão pensar que bastaria recomendar que os
professores propusessem jogos e exercícios diferentes. A
questão exige a formação de novos conteúdos práticos, exige
também a veiculação de compromissos por todos os canais
que conduzem para onde possa agir como força de pressão.
Os autores apontam os papéis que um jogo pode estabelecer
quando proposto pelo professor às crianças como um pacote, com
regras, técnicas, táticas, organização, materiais prontos. À criança
ficara como alternativa jogar, exercitando-se segundo as
determinações do professor, em habilidades mais desenvolvidas, até
atingir as determinações do professor, em habilidades mais
desenvolvidas, até atingir uma performance julgada satisfatória
também pelo professor. Quando o apito soa, é sinal que não está
havendo atuação conforme o estabelecido pelo sistema. As
recompensas e punições são maneiras de estabelecer o
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
31
condicionamento das crianças, buscando a disciplina, a ordem e a
hierarquia que devem ser obedecidas, ocultando as relações de poder
que se expressam nestas ações. Aqui ocorre o desenvolvimento à
subserviência, mas não a inteligência: desenvolve-se a obediência às
regras, mas não a compreensão de normas de respeito individual e
social. Procura-se certa habilidade motora, mas não a criatividade.
No entanto, vejamos: se a alternativa fosse jogar, seguindo
uma orientação geral, trabalhando com as crianças a elaboração de
regras, das técnicas, os resultados seriam completamente diferentes.
Frei Betto (1985:44), por exemplo, quando na prisão,
percebendo o poder que esta instituição exerce sobre o corpo,
desenvolveu um trabalho com os presidiários, tendo como princípio
pedagógico de sempre fazer um trabalho a partir dos elementos
fornecidos pelas experiências vitais anteriores. Realiza exercícios,
expressão corporal e teatro. A partir da boca, utilizada como órgão
de expressão - trabalho de descontração da palavra -, levava os
presos a tomarem consciência de como o sistema age sobre o corpo,
tornando-o um objeto.
Assim procedendo, o educador tem como principal objetivo
fazer com que os indivíduos desenvolvam elementos fundamentais à
sua cidadania, onde as diferenças sociais, os preconceitos, as
inabilidades não fiquem escamoteados e camuflados.
Simbolicamente, o jogo representa o indivíduo e sua vida em
sociedade. Tendo o jogo tais características, é preciso que essas
representações ocorram em liberdade, que as condições se explicitem
claramente. Denunciá-las, refletir sobre elas, aprendê-las e superá-las
é o papel da educação transformadora.
Questões a serem articuladas pela leitura do cotidiano
A partir de nossa prática com trabalhos que envolvem
diretamente o corpo, observamos que nas escolas os conhecimentos
que os alunos têm de seus ritmos e movimentos e suas formas de
expressão não são valorizados. O fato constatado por outros autores
de que a escola impõe, de forma autoritária, uma variedade de
atividades estranhas à realidade concreta deles, atinge também a
corporeidade.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
32
A ação pedagógica da escola, baseando-se no princípio de
que as crianças da periferia não têm conhecimentos, lhes impõe
atitudes corporais - as boas maneiras no falar, caminhar, sentar-se,
alimentar-se, brincar, etc. -, que são completamente diferentes de
suas experiências vivenciadas fora da escola. Aquelas que não
aceitam as imposições da escola, que não se deixam levar pela
passividade e submissão, que resistem em defesa de sua
corporeidade, são discriminadas de muitas maneiras: são rotuladas
como maus alunos, bagunceiros; recebem notas baixas; assinam
caderninhos; seus pais são chamados, sofrem suspensões e a
mesmo são expulsos da escola.
Enquanto educadores preocupados e comprometidos com a
transformação real e efetiva do sistema escolar, entendemos que é
necessário que se articulem todos os caminhos possíveis para a sua
concretização. E, nesse sentido, podemos afirmar que a corporeidade
na educação sistemática e nas brincadeiras e jogos estão a merecer
uma compreensão de uma dimensão mais ampla.
Neste estudo, abordaremos a problemática da corporeidade
na escola envolvendo as seguintes questões:
- Como a escola, através da educação sistemática, tem
construído uma corporeidade (gestos, movimentos,
ritmos, pensamentos, etc.)?
- Que corporeidade as crianças constróem e/ou expressam
através de brincadeiras e jogos?
- Como a corporeidade construída e expressada nas
brincadeiras e jogos das crianças poderá contribuir para a
transformação da escola?
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2
Andarilho, o caminho é
feito de seus passos, nada mais;
andarilho, não há um caminho,
você faz o caminho ao caminhar.
Ao olhar para trás, você verá um caminho
sem retorno.
Andarilho, não há nenhum caminho,
apenas trilhas nas ondas do mar.
Antônio Machado
CAMINHOS PERCORRIDOS NA ANÁLISE
DO COTIDIANO
A inserção no contexto histórico-social da escola
Este estudo foi realizado durante o ano letivo de 1988, em uma
escola Estadual de grau pertencente à Delegacia de Educação -
Porto Alegre/RS.
Fizemos a opção por essa escola, tendo em vista ser o local
onde, nos dois últimos anos, atuamos como trabalhadores em
Educação. Nossa intenção foi à busca de uma reflexão sistemática,
pela qual pudéssemos articular teoria e prática, fazendo uma análise
crítica do trabalho cotidiano no nosso contexto de inserção, e, desta
forma, encontrar novos caminhos, estabelecendo o que Kosik (1976,
p. 202) define como práxis:
“A práxis do homem não é a atividade prática contraposta à
teoria; é determinação da existência humana como
elaboração da realidade”.
Como se pode inferir do exposto acima, nossa escolha não se
baseou nos critérios probabilísticos da Estatística, mas sim num dos
princípios da pesquisa qualitativa, segundo o qual a
representatividade dos participantes é determinada em função do fato
deles possuírem uma imagem da cultura a que pertencem.
Logo após termos nos definido por essa escola, surgiu o
interesse de conhecermos a sua história e fomos surpreendidos pela
seguinte afirmação: Não existe história da escola” (Anônimo). Não
satisfeita a nossa curiosidade, continuamos a buscar informações e
encontramos um arquivo com o indicativo: Pasta de escola,
documentos legais, recortes de jornais, plantas, relatórios e
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
36
avaliações”. Realmente, o que existia na escola era uma história
fragmentada, eram recortes, conforme o título do arquivo: fatos
isolados, perdidos, sem uma dimensão da totalidade do contexto.
Nosso esforço em resgatar a história dessa escola resultou em uma
síntese que fizemos a partir do material desse arquivo, de conversas
com os professores mais antigos e de observações de “slides” e
fotografias.
A escola foi inaugurada no mês de abril de 1967, mas suas
atividades foram iniciadas em março de 1968. Inicialmente,
oferecia vagas do Jardim da Infância à série. Em 1972, com a
reforma de ensino, passou a atender turmas de a séries. Em
1973, um parecer da Secretaria de Educação autorizou o
funcionamento da 6ª série e, nos dois anos seguintes, novos pareceres
autorizaram a criação, respectivamente, das 7
as
e 8
as
séries.
Na época em que foi construída, ela estava localizada no limite
da vila. Atualmente, está no centro da mesma e serve como ponto de
divisão entre duas realidades distintas: a parte antiga da vila,
construída com casas de alvenaria por um órgão do Estado, e a parte
mais recente, construída por barracos e casebres distribuídos
desordenadamente na encosta do morro. Os moradores da primeira
são, em sua maioria, funcionários públicos e militares, enquanto do
morro são pessoas que sobrevivem com subempregos ou estão
desempregados e, geralmente, são rotulados de vagabundos
6
. É
freqüente ouvir-se o comentário, por parte de alguns pais que moram
na parte antiga da vila, de que deveria existir outra escola somente
para as crianças do morro.
À medida que aumentava o número de moradores na encosta
do morro, a escola, cada vez mais, se fechava para a comunidade: as
cercas que eram de tela passaram a muros de concreto, com portões e
cadeados, impedindo o livre trânsito das pessoas e dificultando,
literalmente, a visão da totalidade da realidade local - moradores da
vila e moradores do morro.
6
Vagabundos: pessoas desempregadas, que geralmente ficam nos bares existem na vila,
conversando, jogando bilhar ou tomando uma “pinga” paga por alguém.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
37
Pela leitura cuidadosa do Plano de Ação elaborada pela
direção, pudemos perceber alguns princípios norteadores das ações
tais como:
Oferecer condições para maior participação dos professores,
pais, alunos e funcionários nas decisões da escola, refletindo
e opinando sobre a ação pedagógica, com vistas a atender às
necessidade e aos interesses das classes populares
(Anônimo).
Contudo, em nossa opinião, por falta de uma análise do
contexto histórico-social da escola, esses ideais não chegam a se
concretizar, gerando inclusive contradições como, por exemplo, a
proibição do acesso das assim chamadas classes populares à escola:
somente podem entrar na escola as crianças matriculadas - no seu
turno de aula - e os seus pais. Concordamos com Dorneles (1987)
que nos mostra que esse é o lado mais evidente dos mecanismos
seletivos da escola pública.
Cabe lembrar que 1988, foi o ano da implantação do QPE -
Quadro de Professores por Escola, mais uma reforma administrativa
que dizia ter por objetivo “solucionar” os problemas das escolas
estaduais quanto à distribuição de docentes, mas que, de fato, serviu
para desestruturar a organização dos professores que vinham
reivindicando melhores salários, condições de trabalho e qualidade
de ensino.
Chegando ao “pedaço”: a descoberta da realidade
Magnani (1984, p. 138) define pedaço como:
Aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o
público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais
ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa,
significativa e estável que as relações formais e
individualizadas impostas pela sociedade.
Em um primeiro momento, nos dedicamos aos contatos com a
direção da escola, coordenação das séries inicias, professores e
alunos, expondo nossa proposta de trabalho e estabelecendo os
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
38
seguintes caminhos: observação dos espaços da escola, observação
da sala de aula, entrevista com as crianças e com a professora.
Observação dos espaços da escola
Nesta etapa, as observações foram realizadas
concomitantemente com as demais formas de coleta das
informações. Acompanhávamos as rotinas desde a chegada das
crianças e dos professores à escola até a sua saída. Ao mesmo tempo
em que observávamos, íamos construindo relações entre o que
víamos na sala de aula e o que escutávamos das falas das crianças e
dos professores. Tudo isso foi sendo sistematicamente registrado em
um diário de campo.
Observação da sala de aula
Entendemos que a sala de aula é o local privilegiado do ensino
formal, onde as crianças passam grande parte de seus dias, durante
vários anos de suas vidas. No entanto, ela não é o único espaço em
que ocorre a aquisição de conhecimentos, como é a idéia difundida
por diversas instituições sociais. Observar a sala de aula, em nosso
estudo, teve por objetivo, verificar a forma como os trabalhos
escolares são realizados, as relações sociais ali estabelecidas, as
denominações corporais que são cultuadas, as expressões que são
(im)pedidas.
Realizamos 36 observações na sala de aula de uma turma de 1ª
série, no período de maio a setembro, com uma duração média de 90
minutos cada, sendo todas elas sistematicamente registradas.
Escolhemos trabalhar com uma turma de 1ª série por julgarmos
estarem essas crianças menos condicionadas à corporeidade
veiculada pela escola. Durante as observações, somente
participávamos das atividades quando éramos solicitados pelas
crianças e/ou professoras.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
39
Entrevistas com as crianças
Fizemos três entrevistas com cada uma das 24 crianças da
turma de série por nós escolhidas, sendo duas no início e a outra
no final da pesquisa. Na segunda entrevista, solicitamos,
primeiramente, que as crianças desenhassem as brincadeiras e jogos
que conheciam. E nossa conversa versou sobre o desenho por elas
elaborado.
Iniciávamos as entrevistas com uma conversa informal, que
íamos orientando paulatinamente, para um diálogo sobre as suas
brincadeiras e jogos. Procurávamos obter o máximo de informações
sobre esse mundo vivido por elas.
Estas entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.
A construção de uma leitura da realidade
Nesta pesquisa, optamos por uma análise qualitativa e
interpretativa. Assim, não utilizamos categorias pré-determinadas na
leitura dos resultados: pelo contrário, as categorias surgiram a partir
da organização do material pesquisado.
Referindo-se à análise dos resultados, Thiollent e outros
(1985, p. 205) afirmam que:
O procedimento adotado vai consistir em ler e reler as
entrevistas disponíveis para chegar a uma espécie de
impregnação (...). As leituras repetidas vão progressivamente
suscitar interpretações pelos relacionamentos de elementos
de diversos tipos. Por interpretação compreendemos, como
os psicanalistas, o distanciamento, pela investigação
analítica dos sentidos latente a partir do conteúdo manifesto.
Isso significa que, além da literalidade da frase, tenta-se
reconstruir sua tradução interpretativa, incluindo seqüências
de significações mais ou menos longas.
Podemos dizer que nossa análise ocorreu em dois momentos,
não totalmente distinta. Ainda quando estávamos na escola,
procurando estabelecer as possíveis relações entre os diversos fatos
observados, o que nos orientava sobre como e onde deveríamos
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
40
prosseguir nossa investigação. Em uma releitura das informações até
então acumulados, elaboramos a presente análise, a partir da qual
construímos uma síntese entre o nosso referencial teórico e a
realidade estudada.
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3
3
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho,
a realidade e a fantasia,
a ciência e a imaginação,
o céu e a terra,
a razão e o sonho,
são coisas
que não estão juntas.
Loris Malaguzzi
ESPAÇOS DA ESCOLA: A DESCONTINUIDADE
COM A REALIDADE VIVIDA
Sem dúvida, todos os que estiverem lendo estas linhas, se não
pelo interesse do tema, pelo simples fato de serem alfabetizadas,
algumas ou muitas vezes estiveram em uma escola. No entanto, neste
momento, convidamos o leitor a entrar na escola de uma forma
diferente: não com o olhar do professor cansado que chega, mais
uma vez, para a sua rotina de trabalho e nada mais além de suas
verdades prontas, mas sim do educador curioso que chega para
aprender e ensinar com cada situação da realidade.
Alto lá! Você é professor? É aluno da escola? Seu filho estuda
aqui? Identifique-se. Esta é uma escola pública. Mas que escola é
esta, onde portões e cadeados cerceiam a liberdade de ir e vir,
determinando dois espaços distintos: o de dentro é o bom, o
permitido, o justo, o correto, e o de fora é o ruim, o perigoso, o não
permitido, o promíscuo?
Entre, vá caminhando devagar com olhar de lince.
Na parede um cartaz com a Declaração dos Direitos das
Crianças, onde se lê:
(...) os direitos enunciados nesta declaração serão
reconhecidos a todas as crianças sem exceção alguma, nem
distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opiniões políticas ou de outra índole,
origem nacional ou social, posição econômica, nascimento
ou outra condição seja ela própria da criança, seja de sua
família (...) A criança deve ser protegida contra as práticas
que possam fomentar a discriminação racial ou de qualquer
índole (Anônimo).
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
44
Percebe-se uma grande distância entre o que está escrito nesta
declaração e as práticas concretas desenvolvidas na escola. Fala-se
em proteção contra qualquer prática discriminatória, mas as crianças
são proibidas de se movimentarem em determinados espaços, e não
têm assegurado as possibilidades de porem em ação a sua própria
corporeidade. Vejamos um exemplo:
Uma manhã estava muito fria, as crianças estavam com
poucas roupas. Procuravam locais mais abrigados. O sinal
havia tocado uns dez minutos e a professora ainda não
havia chegado. Provavelmente, mais um dia sem aula. As
crianças, no prédio da administração, estavam à procura de
alguém que lhes explicasse a falta da professora. Antes que
as crianças falassem, uma professora da secretaria
perguntou: ‘O que vocês querem aqui?’ Uma criança do
grupo respondeu que estavam à espera da professora.
Imediatamente, veio uma resposta curta e seca: - ‘Esperem
fora’. Como as crianças não reagiram, a professora, com
ares de ofendida, insistiu - ‘Será que vou ter que ensinar
vocês?! Esperem lá fora (Anônimo).
Além de episódios como esse, observa-se que o espaço
permitido às crianças - salas de aulas é identificado por números, em
contraposição à identificação das salas da administração, dos
diversos setores, bem como a sala dos professores, que o
nominalmente designados. Esta prática indica o quanto a organização
do espaço escolar vai fazendo com que as crianças percam a sua
própria identidade. Enquanto os professores são nomeados; os
alunos, numerados. Os nomes são substituídos por apelidos que
caricaturam os seus corpos, surgindo assim os rótulos: gordo,
baixinho, girafa, negrão, tição, carvão, ferrugem, magrão... Muitas
são as crianças que perdem o nome e passam a ser conhecidos
pelo apelido.
Uma professora está voltando com sua turma do refeitório.
Ao chegar à porta da sala de aula, as crianças querem entrar
todas ao mesmo tempo. A professora determina que façam
duas filas: de um lado, os meninos; de outro, as meninas.
Todas as crianças, com exceção de um menino, que é grande,
obedecem à professora. Ele está bagunçando; ela repreende-
o: ‘Olha o teu tamanho, não tem vergonha no meio dos
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
45
pequenos!?Como castigo, ela lhe destina o último lugar na
fila (Anônimo).
Mas o mais inquietante para o olhar do educador curioso é que
ao lado da Declaração do Direito das Crianças, há cartazes que
determinam posturas e atitudes que as crianças devem seguir.
Podemos ler nesses cartazes:
As palavras ‘desculpe-me’, ‘por favor’, ‘obrigado’, ‘com
licença’ são tão lindas, que vou usar sempre.
Que vergonha! Fui tão grosseiro na aula.
É! Nós não vamos mais brigar, só brincar.
Vamos dar as mãos? Vamos ser amigos! (Anônimos).
Os cartazes procuram transmitir às crianças uma visão de
mundo, que elas não experienciam no espaço escolar. O primeiro e o
segundo dizem que devemos ser gentis e usar palavras de cortesia;
no entanto, como vimos nos exemplos acima, as professoras não
procedem dessa maneira: são grosseiras e até mesmo ofensivas nas
relações com os alunos. Já o terceiro e o quarto cartazes procuram
passar umas idéias de harmonia e amizade. Porém, cabe perguntar:
Que harmonia é possível em um ambiente onde as crianças são
constantemente impedidas de se expressar e manifestar? Que tipo de
amizade pode ser construído entre professores e alunos se eles devem
circular por espaços distintos?
A discriminação o se restringe ao controle do espaço.
Também as chamadas normas disciplinares não são as mesmas para
alunos e professores. Exemplos disso é a norma estabelecida para o
horário de chagada à escola. uma tolerância de 10 minutos de
atraso após o início das aulas. Além deste prazo, os alunos só podem
entrar em aula no segundo período e, assim mesmo, dependendo da
licença por escrito da secretaria e da justificativa apresentada pelo
aluno. A mesma regra não é válida para os professores, que
freqüentemente se atrasam, sem sofrer nenhum tipo de sanção. Eis
aqui uma pequena mostra dos desmandos vigentes em todos os níveis
em nosso país, os quais são, em grande parte, originados pelos
legisladores que não se submetem às leis por eles mesmos criadas.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
46
Mas a pretensão de normatizar a vida das crianças na escola
não pára por aí. Os professores criam normas de como os alunos
devem agir nos espaços, já restritos, que lhes são destinados.
Quanto ao horário de recreio, as normas da escola determinam
que:
“Na escola os aluno poderão demonstrar apenas
manifestações de afeto compatíveis com o ambiente,
reservando as demais para os ambientes apropriados”
(Anônimo).
Esta norma foi criada com a intenção de proibir os namoros
que estavam ocorrendo na escola. Portanto, apenas manifestações de
afeto compatíveis com o ambiente. A escola não é, na opinião da
maioria dos professores, um local adequado às manifestações
corporais que expressam as emoções, os anseios, a vida das crianças.
E, mais adiante, está expresso que:
Na hora do recreio os alunos devem brincar, conversar,
lanchar, rir, alegrarem-se, evitando empurrões, brincadeiras
perigosas, principalmente perto do prédio antigo que está
muito perigoso. É proibido sai das imediações da escola na
hora do recreio, sem autorização da professora
coordenadora de turno (Anônimo).
Os procedimentos nas brincadeiras e nos jogos também estão
regulamentados. O exemplo abaixo mostra isso:
“Os jogos de bola são permitidos apenas na cancha da
escola (fora do horário de educação física). Em outros locais,
o professor de educação física será o responsável, com a
turma, pelos possíveis danos” (Anônimo).
Observa-se que em todos os momentos uma preocupação
em determinar a corporeidade das crianças através da normatização
dos movimentos e dos ritmos.
Apesar disso, o pátio é vivido pelas crianças como um espaço
de liberdades, visto que, na sala de aula, permanecem as maiores
partes do tempo presas às cadeiras, imobilizadas, à espera da ordem
do professor para levantar-se, falar, escrever e outras.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
47
Muitas vezes, as falas das professoras demonstram a
incompreensão sobre o proceder das crianças. Disse a diretora um
dia:
“Eu não sei por que as crianças pequenas, quando vão para
o tio, passam o tempo todo correndo e brincando”
(Anônimo).
João Batista Freire (1989, p. 36) referindo-se ao notável
desenvolvimento motor das crianças, afirma o seguinte:
(...) é o fato de que o aparelho cognitivo - responsável pelas
adaptações ao mundo dispõe, para dar conta dos problemas
de adaptação, unicamente de recursos sensoriais e motores.
Não podendo resolver problemas mentalmente, a criança
pode fazê-lo corporalmente. Não podendo falar, tem que
fazer (...).
Evidentemente, todas essas violências a que estão sujeitas as
crianças deixam suas conseqüências. Se por um lado, os seus corpos
são marcados pelos ritmos determinados pela instituição, por outro,
elas também deixam suas marcas. Elas estão nas paredes, nos muros,
nas mesas e nas portas que, cheias de rabiscos, contêm mensagens
que falam do cotidiano vivido. Outras marcas são expressões através
de re-ações de violência: vidros quebrados, fechaduras destruídas,
cadeiras e mesas faltando pedaços.
Estes fatos longes estão da harmonia idealizada pelos autores
daqueles cartazes que vimos na parede quando entramos na escola.
Talvez eles possam dizer algo sobre o porquê de professores e alunos
dirigirem-se lentamente para as salas de aula, deixando a impressão
de que estão retardando ao máximo a sua chegada, enquanto que, ao
final do turno de trabalho, seus corpos se movem com rapidez e
desembaraço. Quando soa o último sinal, muitos deixaram a
escola.
É sexta-feira, fim de tarde... Todos saem tão depressa que não
percebem o cartaz amarelado pelo tempo, onde se lê um pensamento
de Paulo Freire que diz que:
O educador não é apenas o que educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogos com o educando,
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
48
também educa. Ambos, assim se tomam sujeitos aos
processos em que crescem juntos, em que os argumentos da
autoridade não valem. Em que, para ser-se,
fundamentalmente, se necessita de estar sendo com as
liberdades e não contra elas.
Os portões da escola se fecham com cadeados que se reabrirão
só na segunda feira, quando reiniciam as aulas. Os espaços da escola,
a quadra esportiva, que são únicas existentes na vila, permanecem
inacessíveis para o lazer da comunidade.
Desnecessário seria dizer que uma educação transformadora
não se faz com palavras revolucionárias, mas também com ações
concretas e articuladas com compromisso político com aqueles que
se educam.
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Aprender e descobrir aquilo que você já sabe.
Fazer e demonstrar que você sabe.
Ensinar e lembrar aos outros
que eles sabem tanto quanto você.
Somos todos aprendizes fazedores,
educadores, educadoras...
Richard Bach
A SALA DE AULA: ESPO DE CONTROLE
DA CORPOREIDADE DAS CRIANÇAS
Comecemos com um texto de Trigo (1986, p. 71) que
apresenta uma fotografia do primeiro dia de uma criança em uma
escola:
Um dia a mamãe nos deixou em um portão de um prédio
grande, com muitas outras crianças, sob olhares atentos de
mulheres estranhas. Com choro ou não, percorremos os
corredores misteriosos e nos juntamos em um local
predestinado anonimamente. Era a sala de aula.
A sala de aula, que espaço é esse? Perguntava Morais (1986,
p. 7) e continuava:
“A sala de aula: eis uma realidade que contém muitas
realidades. Talvez esteja enganado aquele que imagina estar
claro para os educadores e professores o sentido desta coisa
com a qual lidam todos os dias: a sala de aula”.
No capítulo anterior, vimos, de passagem, as salas de aula -
numerada - e afirmamos que, apesar de todas as restrições, o pátio
era ainda um espaço de liberdade para as crianças. E, realmente,
pudemos perceber isso ao longo de nossas trinta e seis observações
em uma turma de série do grau, pois sempre que a professora
queria ser imediatamente atendida, ameaçava:
Entrem na fila lá fora, sem correria. Quem correr vai ficar na
sala de aula fazendo os temas.
Se vo continuar se comportando assim, na hora da
educação física tu vais ficar aqui na aula fazendo os temas
(Anônimos).
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
52
Agora, convidamos o leitor a entrar conosco neste estranho
espaço - lugar das coisas sérias, do não, do só depois... -que o
cotidiano inevitável nos faz parecer corriqueiro, sem novidades, e
que é, para as crianças, um lugar onde é sempre a mesma coisa ou
tem que cópia do quadro e fazê os trabalhos. Sem pretensão de
esgotar a análise dessa realidade que, como bem nos lembra Morais
(1986), contém muitas realidades, abordaremos como e porque o
controle da espontaneidade das crianças recai principalmente sobre
os seus corpos.
A sineta anuncia um novo momento. Filas se formam: de um
lado, meninos; de outro, meninas. Corpo de sexos diferente não pode
ficar perto. Novo portão, este no interior da escola, se abre.
Enfileiradas, as crianças sobem as escadas, acompanhadas pelas
advertências da professora: Não corram! Não saiam do lugar! Não
falem!.
O último cadeado é aberto e eis a sala de aula.
Assim como Freitas (1989), encontramos na sala de aula
vários mecanismos do controle disciplinar analisados por Foucault
(1984): a divisão do tempo, o quadriculamento do espaço, a
distribuição dos corpos em fila, a constante vigilância, as sanções
normatizadoras.
A organização da sala de aula foi aparentemente modificada,
passando das filas de carteiras a classes aglutinadas, de tal forma
que, sentando-se em círculo, as crianças se dispõem como se
trabalhassem em grupo. No entanto, a idéia de que algo mudou não
resiste além da primeira impressão, pois as relações sociais
estabelecidas na sala de aula não se alterariam em sua essência. Cada
aluno possui um lugar e um grupo fixos, determinados pela
professora. Os critérios de disposição das crianças prolongam as
discriminações existentes em nossa sociedade: as brancas separadas
das pretas; as crianças do morro não andam com as da vila. Embora
as crianças estejam divididas especialmente em grupos, o trabalho
coletivo não existe. Até mesmo a ajuda mútua entre as crianças não é
permitida, como fica evidenciado no exemplo abaixo:
Cuida do teu nariz, senão ele cresce (Anônimo).
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
53
Quando as crianças saem dos seus lugares, a professora, às
vezes de maneira sutil, outras, veemente, chama a atenção para que
elas permaneçam sentadas. Um das formas de controle observadas se
constata pelo seguinte episódio:
“Uma criança está caminhando pela sala. A professora
pergunta elevando a voz:” fizeste o tema?! ”Se a criança
responder que fez, ela então diz: “Me traz aqui para eu ver”.
Se responder que não, ela diz: “Então senta para fazer”
(Anônimo).
Olhem aqui é outra maneira utilizada para chamar a atenção
das crianças que estão se distraindo com atividade como: brincar,
movimentar-se pela sala, conversar. A corporeidade da professora
altera-se: seu olhar torna-se insistente, o rosto contrai-se, a voz passa
da fala clama para os gritos:
“Olha aqui! Não grita!” (Anônimo).
Na sala de aula, a mesa da professora está em uma posição
espacial, de tal forma que, através de um único olhar, ela possa
manter o controle de todas as crianças. Este é o olhar do aparelho
disciplinar, descrito por Faulcault (1984, p. 156) que diz:
“(...) olho perfeito a que nada escapa e centro aos quais
todos os olhares convergem”.
Outra expressão, também muito usada pela professora para
controlar a espontaneidade das crianças, é: Agora não, depois. O
depois, geralmente, não acontece, porque não há tempo. O presente é
sempre jogado para o futuro. A prioridade é sempre dada às tarefas
escolares, e aquilo que as crianças querem realizar é
permanentemente postergado:
“Gente! Olhem aqui! Primeiro façam o tema para depois
conversar” (Anônimo).
A escola leva as crianças a controlarem seus desejos,
impondo-lhes outros, que nunca é o presente, o agora, mas alguma
coisa que aconteceno futuro, o depois. Existirá forma mais eficaz
de transformar crianças “impulsivas” em alunos dóceis e obedientes?
Escrevo para poder passar.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
54
.
Estudo para quando crescer ensinar de professor.
Aprendo para passar, para quando ser grande, ser alguém.
(Anônimos).
Mas quais seriam os genuínos desejos das crianças?
As crianças, na sala de aula, enquanto realizam as tarefas
escolares, falam de seu cotidiano, de suas brincadeiras. Poucas vezes
se referem ao que estão fazendo; pelo contrário, geralmente, contam
o que fez no dia anterior ou planejam o que farão após saírem da
escola. O brincar está no centro de seus desejos. Sempre que podem,
transformam uma situação da sala de aula em brincadeira. Nas
sacolas e nos bolsos carregam pequenos brinquedos... Além disso,
elas criam comportamentos de resistência ao controle da professora.
Um deles é pedir para ir ao banheiro ainda que sob reclamos dela:
Por que não foram antes?. É lógico que as crianças querem se
levantar, caminhar, brincar. Quando saem da sala de aula eles ficam
brincando de escorregar no corrimão da escada. Em outras palavras,
podemos dizer que o brincar é a atividade que, para a criança, tem
significação, a tal ponto que um menino chegou a dizer:
“Na escola fico sem fanada, escrevo. Para ser melhor
teria que escrever e brincar de escrever em aula, depois eu ia
para o recreio” (Anônimo).
Assim, o ato de escrever está tão distante de seu mundo
infantil que eqüivale a nada fazer. Com isso não estamos querendo
dizer que a escola não deva ensinar as crianças a escrever e deixá-las
em seu mundo do faz-de-conta. O que estranhamos - e nos
perguntamos por quê - é a forma como a escola introduz as tarefas
escolares na vida da criança. Nas salas de aula, a brincadeira não
entra; é o lugar das coisas sérias. No que diz respeito especialmente
à escrita, vemos a criança, quando fora da escola, rabiscando no
papel, riscando o chão com gravetos, pedras, etc. - riscos e rabiscos
cheios de significados; na sala em que são propostos exercícios
mecânicos e repetitivos de traçar sobre linhas pontilhadas que não
lhe dizem nada. São os chamados exercícios preparatórios. Mas
preparatórios para que? Certamente não é para aprender a ler e
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
55
escrever, sobretudo tendo em vista as páginas e páginas escritas por
diversos autores a respeito do assunto, onde afirmam que não é o
treinamento de habilidades que levam as crianças a assimilarem esse
objeto social, que é a língua escrita. Ferreiro (1989, p. 75) é uma das
autoras que defende que:
(...) as crianças devem resolver sérios problemas conceituais
para chegarem a compreender quais são as características
da língua que a escrita alfabética representa e de que
maneira apresenta estas características. A repetição e
memorização têm pouco ou nada a ver com a superação
destas dificuldades.
Pelo contrário, autores como Vigotsky (1989, p. 124-5), por
exemplo, nos relata brincadeiras onde os objetos são transformados
em símbolos de outras crianças, atividade fundamental para
aquisição da língua escrita.
Num outro jogo, pegamos o relógio e, de acordo com novos
procedimentos, explicamos: ‘Agora isto é uma padaria’. Uma
criança imediatamente pegou uma caneta e, colocando-a
atravessada sobre o relógio, dividindo-o em duas metades,
disse: ‘Tudo bem, esta é a farmácia e esta é a padaria’. O
velho significado tornou-se assim independente e funcionou
como uma condição para o novo(...) Assim, um objeto
adquire uma função de signo, com uma história própria ao
longo do desenvolvimento, tornando-se, dessa fase,
independente dos gestos das crianças. Isso representa um
simbolismo de segunda ordem e, como ele se desenvolve no
brinquedo, consideramos a brincadeira do faz-de-conta como
um dos grandes contribuidores para o desenvolvimento da
linguagem escrita - que é um sistema de simbolismo de
segunda ordem.
As observações na sala de aula respaldam a opinião desses
autores:
“Um dia as crianças se opunham a ‘escrever’ e copiar do
quadro, ao passo que, quando foram para o pátio, com
pedaços de giz, escreveram e desenharam durante longo
tempo as mais variadas formas de mensagens” (Anônimo).
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
56
Conforme vimos anteriormente, segundo Foucault (1984) e
Guimarães (1985) a escola, na sociedade capitalista, possui como um
dos objetivos controlarem o corpo das crianças da classe
trabalhadora, de maneira sistemática, impondo-lhes uma variedade
de comportamentos que futuramente servirão de sustentáculo ao
sistema de produção. Assim, ao chegarem à escola, as crianças são
condicionadas a obedecerem ao toque da sineta. É hora de iniciar a
produção. Na sala de aula, os seus corpos passam a ser imobilizados,
ficando longo tempo presos às cadeiras, tal qual o operário fica preso
à sua máquina. Freire (1989, p. 12) com muita prioridade nos a
exata dimensão da violência que isso significa:
Da para imaginar o que representa para uma criança, que
passou sete anos se movimentando, ser subitamente
‘amarradae ‘amordaçada’ para, como se diz, ‘aprender’ o
que é, para ela, uma linguagem, às vezes, totalmente
estranha? A linguagem da imobilidade e do silêncio? Seria o
mesmo que pegar um professor idoso, que há muito deixou de
praticar atividades físicas, a não ser as mais triviais, e
obrigá-los a correr por alguns quilômetros em ritmo
acelerado. A violência seria idêntica. O interessante é que
nós, professores, não suportamos a mobilidade da criança,
mas queremos que ela suporte nossa imobilidade.
A escola detém a mobilidade espontânea dos alunos para
racionalizar os seus movimentos, enfatizando a produção de gestos
mecânicos e estereotipados. Nesse sentido, concordamos com Silva
(1987, p. 172) quando diz que a escola faz um treinamento de
iniciação ao taylorismo:
Fragmenta-se inicialmente, ao máximo, o processo de
trabalho a fim de torná-lo mais rentável para no fim
recompô-lo. Assim, por exemplo, fragmentam-se a escrita em
suas unidades mínimas, os traços, verticais, horizontais... que
compõem as letras. Treinam-se mesmos a seu perfeito
domínio, para depois recompô-lo nas letras.
A partir dessa análise fica evidente que a educação vigente na
sala de aula tem como base não o prazer, a alegria e as emoções da
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
57
descoberta, mas sim o sofrimento e a dor com que o trabalhador deve
se acostumar para produzir. Com o passar do tempo, essa dor e
sofrimento são vistos como naturais. Assim, por exemplo, vimos
crianças que censuravam as brincadeiras, considerando preguiçosos
aqueles que querem brincar (Anônimo). Eis aqui a origem da
representação ideológica - que permanece ao longo de séculos de que
a criança aprende através do castigo. O diálogo entre a professora e o
avô de um aluno ilustra a atualidade disso:
- Como está o Rodrigo?
- Impossível! Só quer brincar e brigar. Não faz nada!
- A Senhora pode fazer qualquer coisa para ele aprender,
pois, quando eu estava na escola, ficava de castigo ajoelhado
em grãos de milho.
- O senhor sabe, eu não posso bater nas crianças. Mas o seu
neto teve por que puxar?
- É. Eu era terrível na escola, aprontava em aula. Mas não
diga nada. Ele não sabe disso (Anônimo).
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Preciso mudar o olhar... começar a ver...
Mais vale bem colocar uma questão
do buscar soluções para falsos problemas.
O mundo e uma construção da linguagem...
e saber que tantos ignoram o real
trama simbólico do real.
Morin, Poincare e Wittgenstein
A EXPRESO DA CORPOREIADE NAS
BRINCADEIRAS, JOGOS E DESENHOS INFANTIS
No capítulo anterior, analisamos como e porque o corpo das
crianças é sistematicamente controlado na sala de aula. Neste,
sairemos para o mundo além das paredes e caminharemos sentindo o
vento cortar o rosto; conseguiremos, talvez, resgatar muitas
experiências vividas em nossa infância. Outras, a seriedade do
mundo adulto, provavelmente, tenha amortecido pelas obrigações
das coisas sérias, que marcam o nosso cotidiano de adultos. Aqui, as
crianças, pelas suas falas e desenhos, mostram as brincadeiras e
jogos nos espaços da escola, de suas casas e da rua.
Você adulto sério, professor, mestre ou doutor, preocupado
com um mundo formalista, que se esqueceu de brincar, de se
movimentar, tenha paciência por alguns minutos. Caminhe com as
crianças, que são especialistas em brincar, jogar, desenhar e criar os
seus brinquedos. Elas podem ensinar vários desses conhecimentos...
Porém, para aprender com elas, é necessário que não sejamos apenas
espectadores (mas sim partícipes de suas brincadeiras) e que não
fiquemos com ar de quem sabe tudo, pois, como nos lembra (Piaget,
s.d.: 9): “(...) o egocentrismo intelectual da criança constitui um
sério obstáculo para quem quer conhecê-la pela pura observação,
sem interrogá-la de forma alguma”. Agora, já não existe lugar para a
imobilidade das filas da sala de aula.
A Fala das Crianças
Neste primeiro momento, em que as crianças nos falam de
suas brincadeiras e jogos, centraremos a análise nas brincadeiras de
pega-pega, esconde-esconde, paralítico e pular-corda, que foram as
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
62
atividades lúdicas predominantes em nossas observações na escola.
Nosso propósito não é simplesmente descrever, mas descobrir como
as crianças se organizam e aprendem suas brincadeiras, bem como
quais os significados e conhecimentos aí envolvidos.
Ao olhar desatento pode parecer que as crianças não estejam
fazendo nada. Isso é natural para quem não es acostumado com
elas. Entretanto, em qualquer atividade, apesar das aparências, elas
estão organizadas. Essa organização tem início com a própria
brincadeira.
“- Como começa a brincadeira?
- Começa com aquele que deu a idéia de brincar”
(Anônimo).
Nas brincadeiras de pega-pega, esconde-esconde, paralítico,
em primeiro lugar as crianças escolhem quem vai ser o pegador, o
batedor e quem vai paralisar respectivamente. Há várias fórmulas de
escolha, que, como diz Chateau (1987, p. 11-2).
É aqueles versinhos que se usam, no início de uma
brincadeira, atribuir os papéis aos participantes. Quando se
vai brincar de ‘pegador’, por exemplo, logo alguém grita:
‘Eu vou contar!’. Este ‘eu vou contar’ consiste em ir usando
uma ‘fórmula de escolha’ para decidir que será o ‘pegador’
(...).
Encontramos entre as crianças diversos desses versinhos.
“- Como tu escolhes que vai participar da brincadeira?
- Eu digo: Meu-pai-man-dou-es-co-lher-es-te-da-qui”.
(Anônimo).
Neste caso, a frase é pronunciada silabicamente de maneira
que cada sílaba corresponde a uma criança, e naquela que recair a
sílaba aqui será o pegador ou o primeiro escolhido para o jogo,
assim procedendo até que se forme o grupo de crianças necessário
para brincadeira. Eis aqui um exemplo em que as crianças
demonstram o quanto sabe separar as sílabas.
Outra dessas fórmulas de escolha é quem deu a idéia
(Anônimo) de ser o pegador, o batedor ou o paralisador. Também
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
63
existe o discordar, que consiste em todos os participantes, estando
com uma das mãos para trás, levarem-nas simultaneamente à frente,
colocando um número qualquer de dedos. Assim prosseguir-se-á até
que fiquem dois participantes, os quais disputarão o par ou ímpar.
No par ou ímpar, as duas crianças levam simultaneamente um das
mãos à frente, colocando um mero qualquer de dedos. Não será o
pegador, por exemplo, aquele cuja soma dos dedos coincidirem com
o pedido de par ou ímpar.
Também é comum entre as crianças uma fórmula de escolha
que se desenvolve através de um diálogo entre quem propôs a
brincadeira e os demais participantes:
- Meu pai fez uma casa?
- Fez!
- Quantos pregos ele gastou?
- Dez pregos (Anônimo).
Nesse exemplo, a criança numerou os participantes até dez, e
aquele que foi o número dez foi o pegador.
Observamos que essas fórmulas de escolha exigem da criança
conhecimentos de matemática: contar, somar, conhecer os números
pares e os números ímpares, etc.
Segundo Chateau (1987), cada jogo ou brincadeira possui uma
série de normas que podem apresentar algumas variações de escola
para escola, ou até variar dentro de um mesmo grupo. No entanto, as
crianças afirmam que essas regras podem ser alteradas antes de
iniciar as atividades, mas jamais durante a sua realização.
- Tu sabes alguma brincadeira?
- Eu sei pega-ajuda, escondê, paralítico.
- Como é o pega-ajuda?
- Pega-ajuda tem que brincá de pegá; quem é pego tem
que ajudar (Anônimo).
Inicialmente tivemos dificuldade para compreender como
seria, na prática, esta brincadeira. Após várias crianças falarem, com
muitos detalhes e algumas variações entre as suas falas, percebemos
o funcionamento dessa atividade. É conhecido e praticado por ambos
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
64
o sexo, principalmente na escola, pois como elas dizem: Para sair a
brincadeira tem que ter bastante gente (Anônimo).
Com propriedade, João Batista Freire (1989:41) refere-se a
uma das vantagens do pegador afirmando que:
(...) como qualquer brinquedo, é que as crianças podem se
auto-regular, realizando apenas o esforço que suas condições
lhes permitem. Induzidas por um adulto, fora do contexto
lúdico, em atividades ditas ‘sérias’, as crianças podem
ultrapassar os limites que suas regulações próprias tendem a
controlar, correndo o risco de acidente vasculares, contusões
musculares, entre outros.
Observamos nas brincadeiras de pega-ajuda as seguintes
variações: o pega-ajuda simples, onde somente uma criança pega, e o
pega-ajuda com ajuda, conforme o próprio nome indica, onde as
crianças que são pegas passam também a pegar.
A brincadeira de esconde-esconde é muito apreciada pelas
crianças em suas atividades lúdicas, principalmente na hora do
recreio. É semelhante ao pega-ajuda, mas não apresenta o caráter de
cooperação acentuado desta brincadeira. Possui uma variedade de
regras seguidas pelas crianças, conforme as combinações realizadas
entre elas:
- Como é a brincadeira de ‘escondê’?
- Um fica ‘fechando’ e os outros se escondem e quando
alguém grita ‘deu’, o ‘fechador’ sai a procurar. Ao enxergar
alguém, grita 1, 2, 3 pelo fulano’- diz o nome, está ‘batido’.
Quando o ‘fechado’ se afastar do local que foi determinado
para ‘bater’- ‘ferrolho’, os que estão escondidos podem vir
correndo e se ‘bater’, gritando 1, 2, 3, diz o nome e está
‘salvo’. Porém, quem se ‘bater’ pode ‘salvar todos’, gritando
1, 2, 3 e o nome e diz ‘salva todos’. Assim, os que estão
escondidos e não se ‘bateram’ estão ‘salvos’ (Anônimo).
As fórmulas de escolha são semelhantes ao pega-ajuda.
Quando o último não conseguir se salvar, na próxima rodada será o
fechador. Caso consiga se salvar, quem está fechando continua.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
65
Betteheim (1988:171) denomina o esconde-esconde de pique-
esconde e diz que o cadê o nenê é o jogo mais primitivo de esconder:
Pique-esconde é um dos jogos permanentes conhecidos pela
humanidade. Todos os esforços são enunciados em procura
do jogador escondidos. Isso lhe convence de que mesmo não
estando visível, não foi esquecido; e que é importante para
todos que ele seja encontrado, porque a atividade - e, num
sentido deslocado, a vida - não pode prosseguir sem ele. É
essa a dignidade e a confirmação que brincadeiras ‘simples’
podem oferecer aos participantes (...). O sucesso depende de
chegar em segurança (ao pique, ou em casa) por seus
próprios esforços. (...) O jogo, inclusive, propicia um prêmio
de consolação embutido: quem for apanhado não pode nem
precisa abandonar o jogo, mas, ao contrário, transforma-se
no perseguidor poderoso e ativo da próxima rodada.
Outra brincadeira semelhante às anteriormente citadas é o
paralítico.
Como é a brincadeira de paralítico?
- Tem um ‘pegador’ e outros correm. Se forem tocados pelo
‘pegador’, ficam paralisados até que alguém toque neles
‘salvando’. Se ninguém tocar nele, fica assim.
- Quem fica três vezes ‘paralítico’ será o novo ‘pegador’
(Anônimo).
Leontiev (1988) diz ser este um antigo jogo russo denominado
pegador enfeitiçado. O autor afirma que, nesta brincadeira, as
crianças deverão executar duas tarefas: em primeiro lugar, evitar ser
pego e, em um segundo momento, deverá ajudar um colega que foi
paralisado a se libertar, implicando correr determinado risco de ser
apanhado. Essa atividade, segundo o autor, desenvolve importantes
traços de personalidade, permitindo à criança avaliar a sua própria
destreza e habilidade, comparando as suas condições com as de
outras. A criança mais rápida irá se oferecer para ser o pegador.
As três brincadeiras acima descritas são praticadas tanto pelos
meninos como meninas. As formas de realizá-las podem ser as mais
diversas: meninos contra meninas, de forma mista, ou
exclusivamente com um sexo, dependendo das circunstâncias. Já a
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
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brincadeira de pular-corda, embora seja também praticada pelos
meninos, é mais apreciada pelas meninas.
- Como brincam de pular-corda?
- Nós brincamos no recreio. Duas trilham e outra pula.
Depois troca.
- Vocês têm alguma forma de brincar?
- A gente brinca de ‘reloginho’, de chocolate’, de ‘um velho
bateu em minha porta’ (Anônimo).
Observamos que no reloginho, as crianças que estão trilhando
a corda perguntam: que horas são? As crianças que irão pular
deverão dar o número de saltos conforme a hora respondida. Aqueles
que errarem, na próxima rodada, começarão contando da hora que
estavam pulando quando erraram. A brincadeira de chocolate exige
muita atenção, pois a criança que está pulando deverá fazê-lo pelo
ritmo dado pela corda e pela pronúncia da palavra chocolate. Cada
sílaba corresponde a um salto. Ao chegar na sílaba te, a criança deve
ficar acocorada e a corda é trilhada, no mesmo ritmo (cho-co-la-te),
sobre sua cabeça. Novamente, na sílaba te, a criança levanta-se e
segue pulando, até errar. Mais uma vez, se faz presentes os
conhecimentos de português e matemática, agora experienciados
através dos ritmos corporais. No último exemplo - um home bateu
em minha porta -, as palavras são ditas em conformidade com o
ritmo da corda.
“Um homem bateu em minha porta. Eu abri. Ele disse: pule
com um pé: pule com o outro; toque com uma mão no chão;
toque com a outra; toque com as duas; uma voltinha...”
(Anônimo).
Através de expressões verbais, as crianças vão acrescentando
outros movimentos que deverão ser executados assim que as palavras
são pronunciadas.
Chateau (1987, p. 73-4) afirma que a corda funciona como um
auxiliar de jogo, que apresenta uma série de características, tais
como: peso, flexibilidade, tamanho, etc., que desenvolve na criança a
capacidade de se submeter aos limites do real:
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
67
A severidade da corda força-me a coordenar perfeitamente os
meus gestos, bem melhor do que faria a minha própria
vontade (...). Uma brincadeira como a da corda é uma
disciplina moral excelente, por essa obrigação que tem o
jogador de disciplinar todos os seus gestos.
Antes de concluirmos, cabe lembrar que estamos no pátio de
uma escola, que, conforme vimos no capítulo três é um lugar de
relativa liberdade. As brincadeiras observadas provavelmente estão
marcadas pela característica desse espaço. Bettelheim (1988, p. 221)
verificou que, enquanto nas ruas as crianças criam os seus próprios
ambientes, no pátio das escolas são os adultos que determinam os
cenários e supervisionam as brincadeiras, influenciando a forma de
eles agirem:
(...) quando as crianças são reunidas no pátio de recreio, que
é onde os educadores, psicólogos e cientistas sociais se
juntam para observá-las, sua brincadeira é marcadamente
mais agressiva do que na rua (...). Nas escolas brincam de
queimada, de pegar, entram em duelos, como, por exemplo,
de cascudos, nos quais o prazer, se não o propósito, de jogo é
dominar o outro jogador e infligir dor... Esses
comportamentos não seriam tolerados entre jogadores na
rua.
É importante esclarecer também, que, se por um lado as
brincadeiras se desenvolvem a partir da organização e dos
conhecimentos das próprias crianças, por outro lado essa organização
e esses conhecimentos não são isentos de influência dos valores
sociais vigentes, transmitidos pelos adultos. Exemplo disso é o mito
de que menino não brinca com boneca.
Quem brinca de boneca é as gurias, guri não brinca de
boneca; brinca de carrinho. O pai disse que é bicha que
brinca de boneca
- Por que os guris não brincam de boneca? (risos) - Porque
eles são home, brinca de carrinho, de fazê cabana, de fazê
casinha (Anônimos).
Com propriedade, Bettelheim (1988, p. 186) mostra a
importância de brincar de boneca no desenvolvimento dos meninos.
As brincadeiras não estão relacionadas com o sexo, mas sim com o
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
68
condicionamento cultural. As meninas observam as tarefas da mãe
em casa, enquanto os meninos raramente vêem os pais em suas
tarefas.
Alguns pais acham que brincar de boneca é contrário à
masculinidade, o que não é verdadeiro. uma grande
quantidade de experiências no passado do menino (assim
como no da menina), como, por exemplo, o modo como foi
alimentado, posto no colo, banhado, ou treinado nas questões
de asseio, que ele pode dominar melhor brincando de boneca
ou com mobílias de casas de bonecas (...). Se os pais têm
receio de que brincar de boneca feminilize o menino, tudo o
que precisam para se tranqüilizar é observar como os
meninos brincam de bonecas, porque é muito diferente do
modo como as meninas fazem. (...) Sua abordagem é bem
masculina, tipicamente mais agressiva e manipulativa do que
a delas.
O Desenho do Braço Solto
Os desenhos das crianças, como as brincadeiras, são
sistematicamente excluídos da sala de aula - lugar das coisas sérias.
Quando a criança entra na escola, especialmente na primeira rie,
ela deve abandonar todo tipo de expressão que anteriormente
utilizava, em nome da aprendizagem da língua escrita, e isso apesar
de autores como Vigotsky (1988, p. 125) terem demonstrado
claramente a continuidade entre essas duas atividades:
(...) os primeiros desenhos surgem como resultados de gestos
manuais (gestos de mãos adequadamente equipados com
lápis); e o gesto, como vimos, constitui a primeira
representação do significado. É somente mais tarde que,
independentemente, a representação gráfica começa a
designar alguns objetos. A natureza dessa relação é que nos
rabiscos já feito no papel dá-se um nome apropriado.
O desenho, quando aparece na sala de aula, é o desenho
permitido, bem comportado, que serve para facilitar a aprendizagem
da escrita - através da associação imagem-grafia ou aqueles
mimeografados, elaborados pela professora, para que a criança
aprenda a se limitar e a pintar dentro dos limites impostos pelas
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
69
marcas gráficas. Silva (1987, p. 124) explica o porquê dessa prática
pedagógica, que, na verdade, introduz um corte, uma quebra no
desenvolvimento da expressão infantil:
Para um indivíduo disciplinado, útil à organização industrial,
o importante não é que o corpo fale. Seus gestos e
movimentos o devem ter objetivos expressivos ou
comunicativos, mas devem ser funcionais, úteis. (...) Portanto,
não interessam a dança, a música, a dramatização, o
desenho, a pintura... como linguagens - mesmo que possam
ser consideradas como prolongamento da língua natural da
criança. Elas podem ser incorporadas ao programa
escolar como caricaturas - enquanto formas repetitivas,
mecânicas, despojadas de suas características fundamentais
de liberdade e criação.
Mas, aqui, apesar de estarmos no espaço escolar, vamos falar
de outro tipo de desenho, aquele que a criança deixa o seu braço
solto e sai riscando o papel, sem nenhuma preocupação estética, para
nos falar de suas brincadeiras e jogos, bem como de outras
experiências vividas.
Dos 24 desenhos realizados pelos sujeitos de nossa pesquisa,
analisamos aqui apenas 10 como representantes das temáticas mais
significativas que surgiram na totalidade dos mesmos.
Anteriormente, nos detivemos a analisar as brincadeiras e
jogos praticados pelas crianças no espaço escolar. Agora, através dos
seus desenhos, vamos tomar contato também com o seu cotidiano
lúdico fora dos muros da escola. Embora alguns detalhes tenham se
perdido pela redução do tamanho e a ausência da expressividade da
cor. Eles ainda assim registram a originalidade de seus autores.
No desenho um Fábio nos mostra um jogo de futebol - misto
de como é praticado na vila e de como é vivenciado subjetivamente
por ele, que sonha ser um dos heróis de seu time. O campinho de
futebol é o lugar de encontro da gurizada da vila, onde ocorrem as
ampliações dos conhecimentos e das experiências, a conquista de
novos espaços e de novas visões de mundo. O campo, quando existe,
é qualquer espaço disponível: o terreno baldio, a rua improvisada. Os
limites são determinados pelas sarjetas ou pelos meios-fios. O
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
70
fundamental é um espaço qualquer uma bola e os companheiros. A
partir daí, é criado todo um ritual com uma organização estabelecida
pelas crianças. Os jogadores apresentam grande semelhança entre si,
sendo que a lógica de sua numeração nas posições é diferente dos
jogos oficiais dos adultos. Os goleiros são os números cinco ou outro
número qualquer. Isso nos faz lembrar Piaget (1977, p. 32) que
descobriu o jogo de regras: inicialmente, a criança procura imitar os
mais velhos, mas, na verdade, o autor mostra que a criança utiliza
para si, e sem mesmo se dar conta de seu isolamento, o que
conseguiu aprender da realidade social-ambiente” Neste jogo, o ator
estabeleceu uma seqüência de jogadas, onde os atores principais são
os seus colegas de aula, representando os times do Grêmio e do
Internacional. As arquibancadas demonstram a importância do jogo
através dos lugares destinados à assistência. Ele afirma que o
Grêmio, seu time, venceu por cinco a três o Internacional.
Os desenhos 2, 3 e 4 representam, respectivamente, uma
machadinha, uma espada e um revólver. Estes brinquedos geralmente
são instrumentos de expressão da agressividade, utilizados pelos
meninos. Nas brincadeiras diárias, aparentemente, qualquer sucata
pode se transformar num desses instrumentos; porém, Freire (1989,
p. 43) afirma que obediência a determinados critérios na escolha
dos materiais:
(...) as crianças o pegam qualquer objeto (...) escolhem,
dentre os disponíveis no pátio, aqueles que mais lhes recorda
o objeto imaginado. Da mesma maneira, para brincar de
mocinho e bandido, elas não usam uma bola no lugar do
revólver, mas alguma coisa que lembre a arma (...).
DESENHO 1 – Um jogo de futebol.
DESENHO 2 – Uma machadinha.
DESENHO 3 – Uma espada
DESENHO 4 – Um revólver.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
73
O desenho 5, de uma menina, está caracterizado por figuras
femininas, onde chamam a atenção o delineamento do rosto, as fitas
no cabelo, o colorido das roupas. As brincadeiras de pular corda, o
jogo de bola - voleibol, realizado entre elas, retrata o cotidiano da
escola e da vila. Os elementos da natureza estão presentes: as flores,
as borboletas, as estrelas, a lua, o sol que espia por trás das nuvens.
Um coração que palpita e que vibra com as emoções das brincadeiras
que acontecem onde crianças: emoções que embalam corpos em
movimento. No coração, o nome da autora - Michele - demonstra a
importância que as crianças dão aos seus nomes. E quantas vezes a
escola esquece a relevância deste detalhe e sua significação no
desenvolvimento delas!
DESENHO 5 - Meninas brincando.
Nos desenhos 6 e 7, aparecem as mesmas brincadeiras: jogar
bola e pular corda, o que faz pensar que, dentro do universo de
brincadeiras existentes e acessíveis na vila, estas o as preferidas
pelas meninas dessa idade - 7 e 8 anos. Um elemento também
sempre presente nos desenhos das meninas - a casa - nos chamou
especialmente a atenção. Esta presença está a nos indicar o espaço
onde se desenvolvem as brincadeiras das meninas na vila. Ao
contrário dos meninos, elas raramente brincam na rua.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
74
DESENHO 6 - Brincadeiras entre a natureza.
DESENHO 7 - Sol que aquece as brincadeiras.
Nos desenhos 8 e 10, também de meninas, aparecem os
balanços - na vila, improvisados nas árvores -, as bonecas e o jogo de
bola. Estes dois últimos assinalam a divisão entre meninos e meninas
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
75
jogam bola; meninas brincam com bonecas - da qual falamos
anteriormente. Podemos observar ainda as nuvens, o sol e uma
árvore com rostos humanos - olhos, boca, nariz, que traduzem e
revelam a tendência animista do pensamento infantil, descrita por
Jean Piaget em seu livro A representação do mundo na criança.
No penúltimo desenho 9, não es representada nenhuma
brincadeira, mas sim uma experiência bastante comum nas periferias
urbanas: a morte. As crianças falam dela com naturalidade: “Meu pai
morreu, e eu fui com minha mãe e minha irmã, de carro, até o
cemitério”, diz Eduardo. Este exemplo nos mostra como os
desenhos, assim como as brincadeiras são motivadas pelos desejos,
problemas e ansiedades das crianças (Bettelheim, 1988). Ilustra
também o quanto as crianças estão dispostas a falarem de si - seus
desejos, problemas e ansiedades sempre que estamos dispostos a
ouvi-las, pois, mesmo sendo nossa proposta inicial a de que
desenhassem as brincadeiras e jogos conhecidos, Eduardo, através de
seu desenho, nos contou uma vivência certamente marcante em sua
vida.
DESENHO 8 - Crianças se embalam.
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
76
DESENHO 9 – Brincadeira de pegar e de esconder.
DESENHO 10 – A morte.
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
77
Além da originalidade e das especificidades de cada desenho -
o traço, a cor, a temática -, marcas pessoais de seus atores,
entendemos que é importante sublinhar alguns pontos em comum
que observamos nos desenhos acima analisados, bem como naqueles
das demais crianças da turma. Chamou-nos especialmente a atenção
o entusiasmo, a satisfação, o brilho dos olhos presentes nas crianças
enquanto desenhavam, tal qual em suas brincadeiras e jogos. Já
Moreira (1984) e Derdyk (1989, p. 73) diziam que o desenho é uma
forma de jogo, como fica evidenciado no paralelo traçado por esta
última entre as ações de desenhar e de jogar futebol.
A ação criadora conjuga, no presente imediato, o presente e
o passado, o projetar e o recuar, o avançar e o defender, o
imaginar e o lembrar. O jogo de futebol pode ser um exemplo
claro: o jogador tem de ter em mente a noção e a memória do
espaço físico do campo de futebol. Simultaneamente, o
jogador projeta e imaginam jogadas, lances, ataques. Mas,
ao avançar no espaço de campo para o ataque, o jogador
precisa ter em mente a defesa, o recuo, a consciência do
campo que existe atrás dele. O jogador, ao lançar a bola
para um determinado ponto, visa o campo como um todo”.
As autoras afirmam que o desenho e o jogo seguem as mesmas
etapas. De nossa parte, constatamos que entre as crianças observadas
predominou a preferência por falar sobre o jogo de regras, seus
desenhos apresentam uma preocupação em retratar o real e seguem
certa ordem e determinadas convenções. Neste sentido, Moreira
(1984, p. 36) expressa que:
“O uso da cor procura semelhança com a cor real do objeto
representado e o espaço se estrutura dentro de regras claras:
o que é céu e o que é terra tem lugares definidos”.
Esses dados vêm, mais uma vez, corroborar a nossa hipótese
de que as crianças conseguem se organizar quando lhes é permitido o
espaço necessário para tal.
C
C
a
a
p
p
í
í
t
t
u
u
l
l
o
o
6
6
De tudo ficam três coisas:
a certeza de que e preciso continuar
e a certeza de que podemos ser
interrompidos antes de terminar:
fazer da interrupção um caminho novo,
fazer da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho um ponte,
da procura um encontro.
Fica a promessa do reencontro.
Fica o desejo de bom começo.
(Fernando Sabino
)
UM PONTO DE PARADA
Com franqueza, estava arrependida de ter vindo. Agora que
ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo
e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico
Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do
bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi
através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por
cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e
largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma
cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o
livro de leitura e a gramática nos joelhos.
Por tudo que vimos, ouvimos e refletimos até este momento,
nós bem poderíamos pensar que essas idéias estariam na cabeça de
um ou de vários dos meninos e meninas com os quais convivemos ao
longo do ano de 1988. No entanto, são segundo Bosi (1982, p. 192)
de Machado de Assis, em 1840, quando freqüentava uma escola no
Rio de Janeiro. A semelhança entre as duas cenas no espaço e no
tempo está a nos alertar que é preciso algo mais que o mero passar
dos anos para que a educação nas escolas brasileiras realmente se
transforme.
Neste estudo verificamos - da mesma forma que tantos outros
autores - como a escola pública tem por objetivo não a
aprendizagem, o desenvolvimento das crianças das classes populares,
mas sim prepará-las para a submissão às normas do processo
produtivo industrial.
Como assinala Dorneles (1987) o interesse dos dirigentes do
país pela educação da classe trabalhadora surge justamente quando
se faz necessário qualificar a mão-de-obra para a crescente indústria
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo
82
nacional. A inauguração da escola por nós observada faz parte, como
vimos no capítulo 2, desse momento histórico.
Acompanhando o seu dia-a-dia, verificamos que tanto no
pátio, lugar de relativa liberdade, quanto na sala de aula, onde o
controle disciplinar é evidente, apesar das aparentes mudanças, o
corpo das crianças vai sendo modelado para atender o toque da
sineta, para ser apenas um número entre muitos outros, para não
expressar sentimentos e emoções, para responder com cortesia,
mesmo quando se sentir ofendido, para seguir normas, que não o
válidas para todos, etc.
Na sala de aula, observamos também que a despeito de tudo o
que se tem escrito sobre a importância das brincadeiras, jogos e
desenhos no desenvolvimento da língua escrita - primeira proposta
de ensino aprendizagem escolar, continua-se a ensinar a ler e
escrever através do treinamento de gestos e habilidades isolados. A
divisão entre brincadeiras, jogos e desenhos - coisas de crianças- e
tarefas escolares - coisas sérias-, em nossa opinião, descreviam uma
situação, mas nossa curiosidade continuava a perguntar por quê.
O registro e a análise sistemática das brincadeiras, jogos e
desenhos das crianças na escola nos mostravam que estes veiculam
valores e experiências opostos ao das práticas escolares. Vejamos
nos exemplos:
1 - Na escola, os professores elaboram normas para as
crianças, que eles mesmos não cumprem - como foi o caso
da norma para os atrasos, capítulo 3; nas brincadeiras e
jogos, as normas são combinadas entre os participantes, no
início, e são válidas para todos;
2 - Na sala de aula o princípio vigente é o de cada um por si e
Deus por todos, como ilustra a frase da professora: Cuida
do teu nariz senão ele cresce (Anônimo); nas brincadeiras
de pega-ajuda e paralítico, ao invés do salve quem puder,
expressão típica de nossa sociedade individualista e
competitiva, a cooperação entre os companheiros é uma
norma instituída;
A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos
83
3 - Na escola, as salas de aula numeradas revelam como a
identidade de cada um dos alunos - o nome - vai dando
lugar ao número, referência aos indivíduos que fazem parte
de uma sociedade massificada; a brincadeira de esconde-
esconde, pelo contrário, enfatiza a importância de cada uma
para que a atividade e a vida tenham continuidade.
A partir das constatações acima, faz-se necessário que todas
aquelas práticas desenvolvidas nas escolas, sobretudo, aquelas que
trabalham diretamente com o corpo - a educação física -, que aqueles
educadores comprometidos com uma práxis transformadora, partem
do conhecimento e da organização das próprias crianças. Um
processo educativo que gere contradições na busca de
conscientização. Neste caso, não lugar para os conhecimentos
em forma de pacotes, onde o poder de decisão fica centrado no
professor, sendo o aluno um ser passivo que executa ordens, aonde
as regras, técnicas, táticas, organização e outros materiais vêm todos
elaborados. Às crianças resta como alternativa, jogar, brincar,
desenhar, obedecendo às determinações do professor, conforme as
exigências por ele julgadas pertinentes. Aqui está se desenvolvendo
uma criança para submeter-se às regras e não para compreendê-las
como necessárias ao convívio social. Neste processo a ser instaurado,
o professor terá que possuir a sensibilidade para estar atento às
iniciativas das crianças e, sempre que possível, desenvolver um
processo de desequilíbrio para que elas avancem na aquisição de
novos conhecimentos. Terá que intervir nas discussões, fazer
perguntar, fornecer pistas que ajudem no encaminhamento de
soluções para os problemas surgidos, mas sempre, como propõe João
Batista Freire (1989) o ponto de partida deve ser o conhecimento das
crianças.
Porém, para partir do conhecimento das crianças, o professor
deverá mudar a sua forma de relação com as crianças e com o
conhecimento; já não mais será o detentor de um saber pronto e
acabado, mas agora o conhecimento e as relações serão construídos
coletivamente pelo grupo.
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