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culto à Virgem Maria pode ser identificado no período que vai do final do século XIX ao
século XX, momento imediatamente anterior ao Concílio Vaticano II, do papado de Pio IX ao
de Pio XII, também fortemente marcado por inúmeras aparições da Virgem Maria, agora
como uma figura autônoma intercedendo pelos homens e mulheres junto a Deus.
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O refluxo
seguinte foi representado pelo Concílio Vaticano II, enquanto movimento de aproximação às
concepções religiosas da antiga Reforma Protestante e às concepções seculares da sociedade:
a racionalização do discurso e prática religiosos, bem como, a busca do diálogo com as
demais religiões cristãs, o que implicava, no mínimo, negligenciar práticas religiosas
específicas do catolicismo e criticadas pelos cristãos não-católicos. Esta “Renovação” católica
significou, entre outras coisas, a ênfase nos sacramentos católicos e na figura de Cristo e a
decorrente recolha dos inúmeros santos das igrejas, entre eles as imagens de Maria.
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Por fim,
encontramos a emergência devocional que se desenvolve como reação a esta “Renovação”,
entendendo que o incentivo das práticas devocionais tradicionais é um meio eficaz para reter
os fiéis diante dos avanços da secularização e protestante. Mas é preciso dizer que estamos
falando de tendências de representações do sagrado e de relações com o sagrado. Ou seja, o
que queremos mostrar é que a devoção a Maria conheceu maior ou menor apreço por parte da
Instituição, maior ou menor apreço por parte dos fiéis,
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nos diferentes momentos históricos
acima apontados.
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Cf. Pelikan (2000, p. 58) e Turner & Turner (1978, p. 203). Os Turner reconhecem que os contextos das
modernas aparições da Virgem caracterizam-se sempre por crises políticas ou econômicas. Em acordo
com esta afirmação, Ribeiro de Oliveira (1985, p. 266-269) diz que, no Brasil, os movimentos religiosos
de protesto desenvolveram-se em contextos de crises sociais de hegemonia.
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No Brasil, a devoção à Maria conheceu recentemente um crescimento e apoio da instituição,
principalmente diante do perigo representado pelo crescimento pentecostal na sociedade brasileira. No
ano de 1995, depois que um Bispo neopentecostal da igreja Universal do Reino de Deus (IURD) agrediu
na TV a imagem de Nossa Senhora, a igreja católica reagiu veementemente através de ações nos meios
de comunicação de massa e junto à justiça brasileira. Essa reação ao fato tornou-se também uma
diferenciação e uma reação ao pentecostalismo protestante (cf. P
RANDI, 1997). Na verdade, por trás
desta contenda televisa, está toda uma disputa pelo espaço religioso público que a IURD vem
empreendendo no Brasil. Mais detalhes a respeito desta conquista da esfera pública da religião
pentecostal podem ser encontrados em Johnson (1997).
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Cabe aqui uma distinção quanto ao uso das imagens marianas. A igreja institucionalizada utilizou ao
longo dos tempos a figura de Maria como mediadora da cultura religiosa autóctone e suas concepções
ortodoxas. Maria é símbolo de ligação entre concepções religiosas politeístas e a concepção monoteísta
do cristianismo. Do outro lado, para o povo em geral, Maria é símbolo restaurador da ordem, suas
aparições e revelações procuram recuperar a ética religiosa ameaçada pelas crises sociais. (P
ELIKAN,
2000; T
URNER & TURNER, 1978; STEIL, 1995). O culto popular a Maria exerceu forte influência nas
posições teológicas da igreja. Basta lembrar que os dois últimos dogmas marianos, a saber, a Imaculada
Conceição e a Ascensão aos Céus, se impuseram à mariologia devido ao vigoroso culto a Maria
representado pelas festas, novas meditações sobre os mistérios marianos, novos lugares de culto e
peregrinações. Neste ponto, o culto a Cristo fora baseado em dogmas pronunciados tão abstratamente
que não inspiraram a mesma espiritualidade com relação a sua humanidade (cf. B
EINERT, 1979, p. 30).
Confira Lopes (2000a, p. 31-57) para uma análise das devoções sob a ótica da representação imagética.