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KEILA KOVALSKI
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA:
A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA
PONTA GROSSA
2007
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KEILA KOVALSKI
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA:
A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA
Monografia apresentada ao curso de Direito do
Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais,
como requisito parcial à obtenção do tulo de
Bacharel em Direito.
Orientadora Professora Sueli Maria Zdebski
PONTA GROSSA
2007
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3
KEILA KOVALSKI
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA:
A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA
Monografia apresentada ao CESCAGE - Centro de Ensino Superior dos Campos
Gerais Faculdade de Direito, como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito e avaliada pela banca examinadora:
____________________________________________
Prof. . Izabella Rodrigues Martins
____________________________________________
Prof. Tamima Gobbo Tuma
_____________________________________
Prof. Maurício Wisnieswski
4
À minha mãe, Maria Scolimoski Kovalski, pela
compreensão e ajuda em todas as horas. À minha
amiga Mariana Almeida, in memoriam, pelas
palavras positivas que nunca me deixaram desistir.
Às amigas, Anielle, Ionara e Veridiana, pelo
incentivo e apoio constantes. E principalmente ao
meu irmão Draiton Jaime Kovalski, in memoriam,
que sempre me incentivou para estudar e ao qual
devo, em grande parte, o que hoje sou.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, pois, o que seria de mim sem a fé que tenho nele.
Aos meus pais que com muito carinho e apoio não mediram esforços para
que eu chegasse até esta etapa de minha vida.
À professora Angelita que foi tão importante no desenvolvimento desta
monografia.
À professora e orientadora Sueli Maria Zdebski por seu apoio no
amadurecimento dos meus conhecimentos e conceitos que me levaram a execução
e conclusão desta monografia.
À amiga Débora Eliane Calari Nunes pelo incentivo que tornou possível a
conclusão desta monografia.
Aos professores: Izabella Rodrigues Martins, Maurício Wisnieswski e a
Tamima Gobbo Tuma, que gentilmente aceitaram participar e colaborar com este
trabalho fazendo parte da banca.
6
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas.
(Antoine de Saint-Exupéry)
7
KOVALSKI, KEILA. Filiação Socioafetiva: Desbiologização das Relações de
Família. Ponta Grossa. 2007. Monografia. (Graduação Bacharelado em Direito)
Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais, Ponta Grossa, 2007.
RESUMO
A Constituição Federal, ao acabar com a distinção ente os filhos havidos ou não do
casamento, ao reconhecer como família tanto a edificada pelo casamento, como a
formada pela união estável ou pela comunidade constituída por qualquer dos pais e
seus descendentes, denominada família monoparental, nuclear, pós-nuclear,
unilinear ou sociológica, fundamentada na busca do ideal da felicidade, do esmero,
do carinho e da comunhão plena de vida e de afeto, deu ensejo ao surgimento da
filiação socioafetiva a qual veio dividir o espaço social e jurídico com a filiação
biológica, sendo a filiação socioafetiva determinada pela posse de estado de filho
onde se prima pela dignidade da pessoa humana, dando aos filhos o direito de viver
com pessoas que, além de lhe sustentarem materialmente, são capazes de amá-los,
transmitir carinho e respeito. Assim, família não é mais somente aquela fundada em
laços sanguíneos, mas, sobretudo aquela que, mesmo não tendo a linhagem
sanguínea, passa a ser vista como uma comunidade de afeto, ressaltando-se que o
intuito não é o de descaracterizar a paternidade biológica, mas ressaltar a
importância do afeto em todo o tipo de ralação familiar.
Palavras-chave: família, filiação, paternidade, afeto.
8
KOVALSKI, KEILA. Affective filiation Partner: Desbiologização of the Relations
of Family. Thick Tip. 2007. Monograph. (Graduation - Bacharelado in Right) -
Center of Superior Education of the General Fields, Thick Tip, 2007.
ABSTRACT
The Federal Constitution, when finishing with the distinction being the had children or
not it marriage, when recognizing as family in such a way the built one for the
marriage, as formed for the steady union or the community constituted of any of the
parents and the its descendants, called monoparental, nuclear, after-nuclear,
unilinear or sociological family, based on the search of the ideal of the happiness, it
care, the affection and of the full communion of life and affection, gave tries the
sprouting of the socioafetiva filiation which came to divide the social and legal space
with the biological filiation, being the definitive socioafetiva filiation for the ownership
of state of son where if cousin for the dignity of the person human being, giving to the
children the right of living with people who, beyond supporting to it materially, are
capable to love them, to transmit affection and respect. Thus, family is not more only
that one established in sanguineous bows, but, over all that one that, exactly not
having the sanguineous ancestry, passes to be seen as an affection community,
standing out itself that intention is not to deprive of characteristics the biological
paternity, but to all stand out the importance of the affection in the type of familiar
ralação.
Kew-words: family, filiation, paternity, affection.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1
1 A FAMÍLIA...........................................................................................................................13
1.1 CONCEITO .........................................................................................................13
1.2 A EVOLUÇÃO NORMATIVA DAS RELAÇÕES FAMILIARES ...............................14
2 A FILIAÇÃO........................................................................................................................19
3 A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.........................................................................................24
3.1 ASPECTOS GERAIS ..........................................................................................24
3.2 A AFETIVIDADE .................................................................................................28
3.3 A DESBIOLOGIZAÇÃO.......................................................................................31
3.4 A POSSE DO ESTADO DE FILHO.....................................................................36
3.4.1 Elementos constitutivos da posse do estado de filho................................37
3.5 ESPÉCIES DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA...............................................40
3.5.1 A Adoção.........................................................................................................40
3.5.2 Filhos de criação............................................................................................41
3.5.3 Adoção à Brasileira........................................................................................41
3.5.4 Filiação eudemonista no reconhecimento voluntário e judicial da
paternidade e da maternidade .........................................................................................42
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................43
5 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 49
INTRODUÇÃO
Tem o presente trabalho a finalidade de fazer uma explanação no que diz
respeito à evolução do conceito de família no decorrer do tempo, enfatizando a
importância da relação sócio-afetiva entre pais e filhos, reafirmando o afeto como
10
ponto importante e suficiente para determinar uma verdadeira relação de
paternidade.
Observa-se que nos tempos mais remotos, se admitia chamar de família,
homem e mulher que estivessem ligados pelo matrimônio e os filhos havidos dentro
desse matrimônio.
É o que se pode ver do Código Civil de 1916, que em seu capítulo II tratava
da Família Legítima, rotulando os filhos havidos fora do matrimônio como ilegítimos,
espúrios, incestuosos e adulterinos.
Vê-se então que o matrimônio tracejava os limites de quem deveria integrar
a paisagem cultural e fruir os direitos que eram provenientes dele. Assim, os filhos
de pessoas casadas entre si tinham a qualidade de filho e podiam usufruir de todos
os direitos de uma relação chamada então de legítima, em detrimento daquelas
pessoas que nasciam de um casal que não tivesse certidão de casamento,
independentemente do motivo, as quais eram execradas pela sociedade e não
tinham direito algum perante o ordenamento jurídico.
Todavia, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, houve
grandes modificações em tais conceitos, pois, tendo como princípio a dignidade da
pessoa humana, coibiu toda e qualquer forma de preconceito quanto aos filhos
havidos fora da relação matrimonial, dando a esses filhos os mesmos direitos e
qualificações, inclusive aos filhos adotivos.
Assim, com a mudança havida no pensamento da sociedade, evoluíram-se
também as normas, eis que o Direito deve se ajustar à sociedade onde é aplicado e,
tanto é assim que, no Capítulo que fala sobre a filiação, no Código civil de 2002, foi
retirado o termo legítima, eis que todos os filhos, quer biológicos ou afetivos
passaram a ser legítimos.
11
Nesse contexto insere-se então a filiação sócio-afetiva, haja vista a tamanha
importância que é atribuída atualmente ao afeto, quer para a identificação dos
vínculos familiares, quer para definir os vínculos de parentesco, sobrepondo-se,
quando em confronto, ao vínculo biológico, isto é, entre os vínculos de convívio e
afeto e os vínculos biológicos, aqueles, em certas circunstâncias, são bem mais
importantes do que estes, caracterizando então o fenômeno chamado
desbiologização. José Bernardo Ramos Boeira
1
foi muito feliz ao afirmar que,
"A paternidade passou a ser vista como uma relação psicoafetiva,
existente na convivência duradoura e presente no ambiente social,
capaz de assegurar ao filho não um nome de família, mas,
sobretudo, afeto, amor, dedicação e abrigo assistencial reveladores de
uma convivência paterno-filial, que, por si só, é capaz de justificar e
identificar a verdadeira paternidade".
Assim, não são bastantes os genes, bem como não são suficientes os laços
sanguíneos para que se declare a filiação ou para que se caracterizem as
obrigações entre pais e filhos, uma vez que pai é efetivamente aquele que cria e não
aquele que só concebe.
Atos de afeição e solidariedade são suficientes para demonstrar a existência
de um vínculo de filiação, muito mais do que simples relações biológicas.
Ora, a família, além de fonte de obrigações e de direitos parentais é, acima
de tudo, célula primordial da legitimidade afetiva. Diz Luiz Edson Fachin
2
que, o que
determina a verdadeira filiação não é a descendência genética, e sim os laços
de afeto que são construídos (...).
Ressalte-se ainda o que diz Giselda Hironaka
3
sobre a família,
1 BOEIRA, José Bernardo Ramos.Investigação de Paternidade, Posse do estado de filho, paternidade sócio-afetiva. Livraria do Advogado, 1999. p. 53
2 FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 216 e 219.
3 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e Casamento em Evolução, in Revista Brasileira de Direito de Família – nº 1 – Abr.-Mai.-Jun/99,
Editora Síntese, pág. 8.
12
Biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou
patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental,
não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu
âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é
pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é
possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por
isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal (...).
A lição que fica é de que a coisa mais bonita é o sentimento que
norteia uma criança no caminho do respeito a si mesma, do respeito
aos outros e ao mundo (...).
13
1) A FAMÍLIA
1.1) CONCEITO
Segundo o Dicionário Brasileiro Globo, família é o conjunto de pessoas
que vivem na mesma casa.
Boeira
4
afirma que, biologicamente, família é o conjunto de pessoas que
descendem de tronco ancestral comum, ou seja, unidos por laços de sangue.
Em sentido estrito, a família representa o grupo formado pelos pais e filhos,
todavia, tais conceitos se mostram frios e sem fundamento, se não se levar em
conta, como dito anteriormente, os laços de afetividade que unem esse conjunto
de pessoas, pois, não o suficientes simples laços de sangue se não houver laços
de afeto, visto que a família tem um papel de imprescindível importância para a
formação da pessoa e para sua integração no meio social.
Assim, ficará mais bem definido o que é a família quando ela for vista como
o espaço mister para garantia de sobrevivência, de desenvolvimento e da proteção
integral dos filhos e demais membros, independente de como é composta ou da
forma como vêm se estruturando, desempenhando ela um papel decisivo na
educação formal e informal, pois é dentro dela que são absorvidos os valores éticos
e humanitários e onde se aprofundam os laços de solidariedade. Nas palavras de
Bellocchi
5
, é sensato que a família abarque a criança, o adolescente e o idoso,
desde que lhe são insertas no conceito e na vivência, as fraternidades morais,
4 Op. cit. p. 19
5 BELOCCHI, Roberto Antonio Vallim. A Constituição da República e a Família. In: Rev. Consulex Ano VII, nº 161, 2003. CD-ROM
14
psicológicas, emocionais, de ajuda e de colaboração daquelas fases da vida,
acabando por ser, como um todo, proclamada a célula fundamental que rege a
formação de sistemas pertinentes à promoção da sociedade de pessoas e da
grandeza do Estado.
Diz o mesmo autor ainda que o artigo 226 da Constituição da República
encerra máxima que, tradicionalmente, orienta o Direito Civil brasileiro no que tange
à família, sob os diversos aspectos que a notabilizam, inclusive como instituto
venerável no contexto da organização social de um povo encartado no dinamismo
da evolução terrena: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado".
1.2) A EVOLUÇÃO NORMATIVA DAS RELAÇÕES FAMILIARES
O sentido jurídico de entidade familiar passou, no período compreendido
entre 1916 e 1988, por um grande processo de transformação, como dito
anteriormente. Segundo Viviane Girardi
6
“(...) o direito privado de família, possui
uma vinculação direta e imediata com valores vigentes e aceitos por uma
determinada sociedade em um determinado momento histórico”.
Ressalte-se o que diz Luana Babuska
7
,
Na transição do culo XIX para o XX, iniciou-se a construção jurídica
do primeiro Código Civil brasileiro. O modelo de família apresentado à
época era o de uma parcela social representativa, os detentores do
poder, pessoas pertencentes a famílias de proprietários de escravos,
fazendeiros e senhores de engenho
8
.
6 GIRARDI, Viviane. Famílias Contemporâneas, filiação e afeto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 23.
7 SILVA, Luana Babuska Chrapak da. A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 364, 6 jul. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5321>. Acesso em: 03 jul. 2007.
8 À época da elaboração do Código Civil, os detentores do poder eram representados por trezentas ou quatrocentas mil pessoas pertencentes a famílias de
proprietários de escravos, fazendeiros e senhores de engenho, segundo o censo de 1872.
15
Funcionando a família como uma unidade de produção por ser a atividade
rural preponderante àquela época, quanto mais componentes tivesse, maior seria a
força de trabalho, onde o homem, além de pai e marido, detinha autoridade como
chefe de família incumbido de zelar por ela e, por conseqüência, os demais
membros eram inferiorizados, devendo respeito e obediência ao homem, o qual era
o responsável pela dirigência de suas vidas.
Esse domínio visava à proteção de interesses familiares, sendo então os
casamentos arranjados, baseados em nomes de família e carreiras profissionais e,
segundo a autora acima citada, o sexo e a idade eram os fatores determinantes
do papel que cada membro desempenharia no grupo, relegando a segundo
plano interesses pessoais de modo a perpetuar essa família transpessoal.
Assevere-se o que diz Viviane Girardi
9
, que o casamento vinha de acordos
realizados entre os patriarcas, os quais faziam promessas de casamento entre seus
filhos visando unicamente à preservação da tradição e ao crescimento econômico
dos clãs envolvidos.
Ainda, segundo Orlando Gomes
10
O Código refletia ao tempo de sua elaboração, a imagem da família
patriarcal entronizada num país essencialmente agrícola, com
insignificantes deformações provenientes das disparidades da
estratificação social. Sob permanente vigilância da Igreja, estendida às
mais íntimas relações conjugais e ao comportamento religioso,
funcionava como um grupo altamente hierarquizado, no qual o chefe
exercia os seus poderes sem qualquer objeção ou resistência a tal
extremo que se chegou a descrevê-la como um agregado social
constituído por uma marido déspota, uma mulher submissa e filhos
aterrados.
Observa-se então que o casamento era a fonte única da constituição da
família e, se o casamento estivesse fadado ao insucesso, a alternativa seria o
desquite que, todavia, não determinava o fim de seu vínculo jurídico, resultando
9 Op. cit. p. 28
10 GOMES, ORLANDO. O Novo Direito de Família. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1984. p. 64.
16
então que, qualquer outra relação havida, seria tida como extraconjugal não
merecendo qualquer reconhecimento jurídico, tudo isso com o intuito de que o
matrimônio devia ser mantido, mesmo que a duras penas, sacrificando-se assim os
interesses pessoais dos cônjuges, sendo que conceitos, como afeto e carinho,
nessas ocasiões não deveriam ser considerados.
Citando ainda a autora acima, diz ela que, o matrimônio permanece como
força determinante quanto à filiação, manifesta através da presunção pater is
est, segundo a qual a prole é, por conta do casamento dos genitores,
considerada legítima e digna de proteção legal. Neste sentido, ressalte-se o que
diz Carbonera
11
,
desta forma, a garantia da estrutura familiar apresentada se dava
pela observação tanto da necessidade de matrimonialização como no modelo de
legitimi
dade dos filhos, pautado na proibição do reconhecimento dos
extramatrimoniais e na atuação da presunção pater is est.
Assim, no limiar do século XX, o Código Civil Brasileiro trazia consigo a
noção da família patriarcal e hierarquizada. Segundo Julie Cristine Delinski
12
Tal concepção do agregado familiar impôs uma regulamentação do
direito positivo de forma que deixa margens a ficções – de amor
conjugal perpetuo, de paternidade marital, de filhos havidos somente
na constância do casamento, de fidelidade -, impossibilitando assim, o
reconhecimento de filhos extramatrimoniais e favorecendo a família
decorrente de casamento, bem como os filhos provenientes de relação
matrimonial.
Assim a família conhecida como patriarcal, ou seja, a codificada, era
hermeticamente fechada, estática e perene, a qual se perpetuava no tempo, sem dar
qualquer importância à realização pessoal de seus membros, conforme leciona
Viviane Girardi
13
.
11 CARBONERA, Silvana Maria. O Papel Jurídico do Afeto nas Relações de Família. In: FACHIN, Luiz Edson. (coord.). Repensando Fundamentos do
Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 281.
12 DELINSKI, Julie Cristine. O Novo Direito da Filiação. São Paulo: Dialética, 1997. p. 16.
13 Op. cit. p. 28.
17
Todavia, a partir de meados do século XX, começa a se extinguir a família
patriarcal e hierarquizada, onde a autoridade marital passou a dar lugar a uma
parceria sentimental, buscando a realização afetiva dos cônjuges, como função
primordial ao lado da tarefa de educação, sustento e boa formação da prole, nas
palavras de Julie Cristine Delinski
14
.
Diz Flávio Tartuce
15
,
Assim sendo, pode-se utilizar a expressão despatriarcalização do
Direito de Família, que a figura paterna não exerce o poder de
dominação do passado. O regime é de companheirismo ou
colaboração, não de hierarquia, desaparecendo a figura do pai de
família (patter familias), não podendo ser utilizada a expressão pátrio
poder, substituída, na prática, por poder familiar.
Conforme Maria Berenice Dias
16
,
O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento
das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no
Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto
decorre da valorização constante da dignidade humana.
Assim, nítido está que o comportamento social e a vida familiar evoluíram.
Nas palavras de Viviane Girardi
17
,
As relações de convivência familiar e social não são mais as
rigidamente estabelecidas pelo Código Civil de 1916, em que o modelo
único de família, fundado na desigualdade e sustentado pelo
patriarcado, tinha na figura do homem a concentração do poder
econômico e social da família. A família contemporânea não se
conforma mais com as atribuições rigidamente estabelecidas pela
qualidade de se ser homem ou mulher. (...) A família contemporânea
não é mais (e somente) o lugar da perpetuação dos laços de sangue e
da preservação do nome e patrimônio dos antepassados, finalidades
estas que, outrora, se constituíam na razão de se “nascer e de se
permanecer em família”.
quem diga que, com as mudanças havidas na família, esse instituto se
encontra em crise, atribuindo problemas de desordem social ao desregramento da
14 Op. cit. p. 18.
15 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8468>. Acesso em: 07 jul. 2007 .
16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 66.
17 Op. cit. p. 23
18
família, todavia, esta jamais deixou de ser a célula mater da sociedade, eis que
sempre será ela o marco inicial para o estabelecimento do cidadão e a partir dela é
que se desenvolvem outras relações sociais, as quais vão se estabelecendo ao
longo de sua existência. Conforme traz Viviane Girardi em sua obra
18
, com o
rompimento do monopólio do casamento pela Constituição Federal de 1988, deu-se
azo para que fossem acolhidas outras formas de organização familiar, alicerçadas
no afeto e na solidariedade. Assim, houve uma sensível mudança no núcleo familiar,
deslocando seu centro de constituição do princípio da autoridade para o princípio da
compreensão e do amor, atendendo-se assim à promoção da dignidade da pessoa
humana.
Com razão Guilherme Calmon Nogueira da Gama
19
quando diz que,
Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades
familiares, preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os
familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o
amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento
pessoal e social de cada partícipe, com base em idéias pluralistas,
solidaristas, democráticas e humanistas.
18 Op. cit. p. 34
19 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Filiação e reprodução assistida:introdução ao tema sob a perspectiva civil-constitucional. In: TEPEDINO,
Gustavo [org]. Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 520.
19
2) A FILIAÇÃO
Dentro desse contexto, feitas breves considerações sobre a família como um
todo, cumpre-se, desse ponto em diante observar como ficaram as relações entre
pais e filhos no decorrer de tantas mudanças havidas, conforme o que já fora
explanado no capítulo anterior.
Assim, traz-se aqui, antes de tudo, uma consideração muito interessante
sobre a filiação, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho
20
,
Ter filhos é uma experiência única e, embora acompanhada de
imensas dificuldades, essencialmente gratificante. Quem passa por ela
no momento certo da vida, enriquece-a muito. Como antes de
transmitir conceitos e valores é preciso clarificá-los, preparar alguém
para viver em sociedade importa reestruturar-se internamente.
Acompanhar de perto o crescimento de novo ser da espécie,
contribuindo de modo decisivo para sua formação, desperta o
sentimento de responsabilidade pela preservação e renovação de uma
herança cultural milenar. Mostrar o mundo para o filho é redescobri-lo
nos seus perdidos detalhes: depois de crescer, agente se recorda
que a lagarta se metamorfoseia em borboleta, e tantas coisas mais, ao
falar disso com ele. Ter filhos, vivenciando intensamente a relação, é
rejuvenescer. (...) Para dar conta de educar crianças e adolescentes
como se deve, é preciso estabilidade emocional e psíquica. Os pais
que não as têm, ganham a oportunidade de conquistá-la. A experiência
da paternidade ou maternidade não pressupõe necessariamente a
geração do filho. Ela é tão ou mais enriquecedora, mesmo que a
criança ou adolescente não seja portador da herança genética dos
dois pais. (original sem grifo).
O termo filiação deriva do latim “filiatio”, traduzindo-se pela relação de
parentesco que se estabelece entre os pais e o filho em linha reta, gerando o estado
de filho.
O Código Civil Brasileiro de 1916 classificava os filhos em legítimos e
ilegítimos, classificação essa proveniente da necessidade de se preservar o núcleo
familiar, ou ainda, mais que isso, a real intenção era mesmo de se preservar o
20 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5, p. 144.
20
patrimônio familiar, fato esse que fez com que os filhos fossem catalogados de forma
cruel por aquele diploma, sendo que, felizmente toda essa discriminação, conforme
diz Fabio Ulhoa Coelho
21
, é coisa do passado, como ver-se-á a seguir.
Segundo o Código Civil de 1916, eram considerados filhos legítimos aqueles
nascidos de pais casados entre si quando da concepção, ou seja, a filiação legítima
seria a decorrente da união de pessoas ligadas pelo matrimônio válido ao tempo da
concepção ou resultante de união matrimonial que veio a ser invalidada
posteriormente, estando ou não de boa-fé os cônjuges, conforme o que expressa
Maria Helena Diniz
22
.
Assim, o antigo Código no seu artigo 337, revogado pela Lei 8.560/92,
conceituava como legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda
que nulo ou anulado, se fosse contraído de boa-fé, sendo que a Lei 6.515/77 admitiu
que mesmo não sendo contraído de boa-fé, os filhos seriam legítimos.
O princípio adotado por aquele diploma baseia-se no fato de que pai é aquele
demonstrado pelas justas núpcias. Assim, a presunção era de que o filho da mulher
casada fora concebido pelo marido. Segundo Silvio de Salvo Venosa
23
,
A lei presume a filiação legítima com fundamento nos dados
científicos. Desse modo, se o filho nasceu até seis meses após o
casamento, presumimos ser legitimo. Se o nascimento ocorrer antes
dos 180 dias, não opera a presunção. Entendemos que é de seis
meses o período mínimo de gestação viável. Fora desses períodos,
ainda que possam ocorrer nascimentos, a presunção não opera.
Desta forma a filiação legítima que concedia ao gerado o status de filho
legítimo era assegurada pela evidência do casamento civil ou matrimônio.
Unicamente os filhos que fossem descendentes de um casal, casados entre
si, eram aceitos pela sociedade e se encaixavam no padrão desejado pelas
21 Idem. p. 146.
22 Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.317.
23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 6. p. 232.
21
pessoas, sendo a eles e somente a eles, atribuídos todos os direitos inerentes da
filiação.
Da lei extrai-se o fato de que, mesmo havido antes do estabelecimento do
vínculo matrimonial, com este estabelece-se o vínculo de filiação, sendo que então o
nubente era considerado pai por presunção não lhe sendo concedida a possibilidade
de contestar sua paternidade, pois considerado legítimo aquele que mesmo nascido
antes do prazo de 180 dias ou posterior aos 300, foi registrado pelo suposto pai uma
vez que este, ao assumir o matrimônio estando ciente do estado gravídico,
indiretamente estará assumindo o filho como seu não lhe cabendo o direito de
contestar a paternidade.
Assevere-se o fato de que o legislador legou a filiação letima à data de sua
concepção, considerando-se concebidos na relação matrimonial os nascidos cento e
oitenta dias após o estabelecimento da convivência matrimonial bem como os
nascidos dentro do período de trezentos dias posteriores à dissolução da sociedade
conjugal por morte, desquite ou anulação, de tal modo que o novo ser poderia ter
sido gerado anteriormente ao matrimônio, pois que se tem por presunção ter sido
concebido na constância do casamento.
os filhos que não fossem concebidos dentro do casamento eram
considerados ilegítimos, dividindo-se estes em naturais, quando os pais não
possuíam impedimentos para o casamento e espúrios, quando havia qualquer
impedimento onde os pais então não poderiam contrair matrimônio, subdividindo-se
em espúrios adulterinos, onde o impedimento residia no fato de um dos pais ser
casado com uma outra pessoa, tendo violado assim o dever de fidelidade, e
espúrios incestuosos, quando os pais possuíam algum grau de parentesco.
22
Os filhos ilegítimos, por o estarem enquadrados nos moldes requeridos
pela sociedade de então, não eram sequer reconhecidos pela lei, eis que a
ilegitimidade os despia da condição jurídica de filho. Segundo Luana Silva
24
,
Nesse contexto de preservação familiar, apenas os filhos concebidos
por genitores casados foram reconhecidos perante a sociedade.
Alegando uma suposta paz familiar, que para a sociedade seria
abalada com o público reconhecimento de um adultério ou de relações
incestuosas praticadas por seus membros, não se reconhecia aos
filhos extranupciais direitos básicos à sobrevivência, relegando-os à
execração pública em virtude de um comportamento tido como
altamente reprovável, praticado por seus pais ao gerá-los, que se
convencionou manter segredo. A culpa - ou crime dos pais - foi, então,
punida na pessoa dos filhos.
O artigo 355, do antigo Código dispunha que o filho ilegítimo podia ser
reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente, admitindo-se, todavia, apenas
três formas de reconhecimento voluntário da filiação extramatrimonial, quais sejam,
no próprio termo de nascimento, mediante escritura pública ou por testamento.
Dentre estas possibilidades, incidem algumas peculiaridades, como por exemplo, a
de que o reconhecimento do filho poderia preceder seu nascimento e que tal
reconhecimento não poderia ser subordinado a condição ou termo.
Nesse aspecto, apenas os filhos naturais poderiam ser reconhecidos, sendo
que os espúrios ficaram à margem do Código, não se permitindo seu
reconhecimento. Da mesma forma ocorria com a família "ilegítima", ou seja, aquela
constituída fora do casamento, deixando o direito de reconhecê-la, como se
realmente não existisse.
Vê-se assim que o sistema imposto pelo Código anterior, especialmente em
relação à filiação extramatrimonial, era absolutamente patriarcal, fundado
exclusivamente no casamento, contendo regras que nasceram velhas e que
necessitavam de profundas alterações, dentre as quais, algumas ocorreram e
24
Op. cit.
23
outras ainda ocorrem no seio da sociedade, verificando –se isso pela série de
modificações inseridas pela legislação infraconstitucional brasileira acerca da filiação
extramatrimonial, culminando com o advento da Constituição Federal que extirpa de
vez qualquer discriminação entre os filhos havidos ou não na constância do
casamento, prescrevendo em seu artigo 227, § 6º que os filhos havidos ou não da
relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
Todavia, apesar de todas as inovações trazidas na seara do Direito de
Família, percebe-se que existem ainda algumas discriminações, ainda que
disfarçadas, em relação aos filhos biológicos e os filhos não biológicos, assim
considerados, os biológicos aqueles que levam a herança genética de quem consta
como pai e e no seu registro de nascimento, sendo natural, se a concepção
derivou de relação sexual entre os genitores, ou não natural quando a concepção foi
realizada in vitro e a filiação não biológica aquela em que os gametas, ou mesmo um
deles, não foram fornecidos pelas pessoas identificadas como pai e mãe no registro
de nascimento, chamada filiação por substituição, sendo também não biológicas as
filiações sócio-afetiva e adotiva, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho
25
.
25 Op. cit. p. 148.
24
3) A FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA
3.1) ASPECTOS GERAIS
Segundo Fábio Ulhoa Coelho
26
,
A filiação sócio-afetiva constitui-se pelo relacionamento entre um
adulto e uma criança ou adolescente, que, sob o ponto de vista das
relações sociais ou emocionais, em tudo se assemelha à de pai ou
mãe e seu filho. Se um homem, mesmo sabendo não ser o genitor de
criança ou adolescente, trata-o como se fosse seu filho, torna-se pai
dele. Do mesmo modo a mulher se torna mãe daquele de quem cuida
como filho durante algum tempo.
Vê-se que, com tantas mudanças havidas, o critério afetivo assume
relevante papel na identificação da filiação, que, muitas vezes a paternidade ou
maternidade biológica o é capaz de substituir a convivência necessária para que
se construam laços de afetividade permanente. Esse tipo de filiação tem como
marco importante, um conjunto de atos de afeição e solidariedade, companheirismo,
amor e cordialidade, os quais demonstram com evidência a existência de um vínculo
de filiação entre filho-pai-mãe. Segundo Leila Donizetti
27
, citando Jédison Daltrozo
Maidana,
(...) ser pai ou mãe na complexidade que esses termos comportam,
será sempre aquele ou aquela que, desejando ter um filho, acolhem em
seu seio o novo ser, providenciando-lhe a criação, o bem-estar e os
cuidados que o ser humano requer para o seu desenvolvimento e para
a construção de sua individualidade e seu caráter. Aquele que se
dispõe a assumir, espontaneamente, a paternidade de uma criança,
levando ela ou não a sua carga genética, demonstra, por si só,
consideração e preocupação com o seu desenvolvimento. Será que,
posteriormente, seria justo, sem a análise de outras circunstâncias,
desconsiderar um vínculo dessa grandeza por uma simples
divergência genética?
26 Idem, p. 160.
27 DONIZETTI, Leila. Filiação Sócioafetiva. Direito à Identidade Genética. Rio de Janeiro: Lúmen Jures, 2007. p. 38.
25
Configurando-se a filiação socioafetiva, a ela ligam-se tanto os pais, como os
filhos, deixando o pai de ter o direito à posterior negatória de paternidade com base
na inexistência de transmissão de herança genética. Isso acontece com a finalidade
de não dar ensejo ao homem que, depois de tantos anos se comporta como pai de
certo indivíduo, por razões que não estão ligadas à relação paternal, como por
exemplo, o rompimento com a mãe, queira se desincumbir da responsabilidade
paternal. Do mesmo modo, o filho que estiver amparado, não tem o direito de
invocar a paternidade biológica, para que não haja desrespeito aos cuidados
recebidos pelo pai ou mãe socioafetivo, salvo se necessitar de amparo econômico
para sua sobrevivência.
Nas palavras de Belmiro Pedro Welter
28
,
A filiação socioafetiva é fruto do ideal da paternidade e da maternidade
responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações
sociais, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do
filho, conectando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do
desvelo, da solidariedade, subscrevendo a declaração do estado de
filho afetivo.
Assim, a filiação fundada no afeto surge com a formação dos laços de
afetividade que se criam com a convivência e se fortificam com o passar do tempo.
Nas palavras de Gérard Cornu
29
, a filiação não é apenas o nascimento, a família
não é apenas o sangue, mas crescer, viver, envelhecer juntos.
Vilella
30
, citando Joseph Goldstein explica o nascimento emocional à luz da
psicologia,
Para a criança mesma os fatos físicos da geração e parto não
conduzem diretamente a um vínculo com os pais. Suas relações de
sentimento surgem com base na satisfação de suas necessidades por
alimento, cuidado, simpatia e estímulos. Somente quando são os
próprios pais biológicos que atendem a esses desejos, a relação
28 WELTER, Belmiro Pedro. Inconstitucionalidade do Processo de Adoção Judicial. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 25/08/2007.
29 CORNU, Gerard. Droit civil: la famille. Paris: Éditions Montchrestien, 1984. p. 36
30 Op. cit. p. 415.
26
biológica determina uma psicológica, na qual a criança possa se sentir
segura, apreciada e desejada. Pais biológicos que não estabelecem
esse vínculo ou que o vivem em comunidade com a criança são,
para os sentimento desta, nada mais do que estranhos.
Ressalte-se então que a paternidade socioafetiva é um ato de vontade, de
opção, sendo fundada na convivência, no cuidado, no amor. Conforme diz Fábio
Ulhoa Coelho
31
, “a filiação socioafetiva constitui-se pela manifestação do afeto
e cuidados próprios das demais espécies de filiação entre aquele que
sabidamente não é genitor ou genitora e a pessoa tratada como se fosse seu
filho”.
Eduardo de Oliveira Leite
32
diz, com muita propriedade que “a verdadeira
filiação esta a mais moderna tendência do direito internacional pode
vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e
filhos, independente da origem biológico-genética”.
A filiação afetiva é construída, fundando-se no comportamento de quem
expende cuidados, carinho, independente do tempo ou lugar, ou seja, tanto faz em
público ou na intimidade do lar, demonstrando um afeto verdadeiramente paternal,
nascendo desse comportamento um vínculo que ultrapassa os laços de sangue. Nas
palavras de Paulo Lôbo
33
, “é a afirmação da finalidade mais relevante da família:
a realização da afetividade pela pessoa do grupo familiar; no humanismo que
só se constrói na solidariedade; com outro”.
Ressalte-se o que diz Luiz Edson Fachin
34
,
O reconhecimento da filiação socioafetiva se impôs a partir do
desenvolvimento da mesma engenharia genética que tornou inegável a
verdade biológica. Se, de um lado, a ciência permite a certeza sobre os
31 Op. cit. p. 161
32 LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de Direito de Família. São Paulo: RT, 1994. p. 121.
33 LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização nas relações de família. In: BITTAR, Carlos Alberto [org]. O Direito de família e a Constituição de 1988. São
Paulo: Saraiva, 1989. p. 89.
34 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 25.
27
laços de sangue, ela admite, sobre outro aspecto, que tais laços sejam
postos à margem diante de uma realidade socioafetiva.
Juridicamente, esse tipo de paternidade tem seu fundamento no Princípio da
Proteção Integral da Criança e do Adolescente preconizado no artigo 227 da
Constituição Federal. Segundo Silas Silva Santos
35
É inconcebível, em face do Princípio da Proteção Integral da Criança e
do Adolescente, que o filho que sempre conheceu o marido de sua mãe
como sendo seu pai e com ele manteve uma harmoniosa relação
paterno-filial, obtendo dele amor, carinho, educação e demais tratos
que mereça um filho, se ver, de uma hora para outra, mediante
verificação de inexistência do vínculo biológico, sem pai!
Encontram-se na Constituição Brasileira, vários fundamentos do estado de
filiação geral, os quais não se resumem à filiação biológica: a) todos os filhos são
iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha
afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ e
6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-
se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art.
226, § 4º); não é relevante a origem ou existência de outro pai (genitor); d) o direito à
convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança
e o do adolescente (art. 227, caput).
Compreende-se então que a família atual não é mais aquela fundada no fator
biológico. Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo
36
,
A origem biológica era indispensável à família patriarcal, para cumprir
suas funções tradicionais. Contudo, o modelo patriarcal desapareceu
nas relações sociais brasileiras, após a urbanização crescente e a
emancipação feminina, na segunda metade deste século. No âmbito
jurídico, encerrou definitivamente seu ciclo após o advento da
Constituição de 1988.
35 Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br/tex255.htm. Acesso em 22/08/2007.
36 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>. Acesso em: 22 ago. 2007.
28
Parafraseando o mesmo autor, é cabível dizer que o modelo anterior é
inadequado, eis que a origem genética, atualmente, não é suficiente para
fundamentar a filiação, tendo em vista os valores que passaram a fundamentar as
relações humanas. Diz o autor ainda que,
Os desenvolvimentos científicos, que tendem a um grau elevadíssimo
de certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação
entre pais e filho, pois a imputação da paternidade biológica não
substitui a convivência, a construção permanente dos laços afetivos.
Assim, como dito antes, toda vez que um estado de filiação estiver
constituído na convivência familiar duradoura, decorrente paternidade socioafetiva,
esta não poderá ser impugnada nem contraditada. A investigação de paternidade
é cabível quando não houver paternidade, nunca para desfazê-la.
Assim é que se conclui que a paternidade requer envolvimento afetivo e,
sobretudo o interesse em resguardar a dignidade da pessoa humana e os interesses
da criança.
3.2) A AFETIVIDADE
O afeto é fator determinante do comportamento. É ele que ajuda o ser
humano a avaliar situações no decorrer da vida, sendo normalmente produzido por
estímulos externos, todavia pode também ser originado no interior do indivíduo.
Os atos dos seres humanos são determinados pelo afeto, sendo ele um
ponto de partida para o apego ou a ligação afetiva.
Assim, as relações afetivas são essenciais no desenvolvimento do ser
humano e por isso devem ser cultivadas, pois ajudam a construir um indivíduo
psicologicamente saudável.
29
Ora, o afeto não é, senão, um sentimento de amizade e dedicação.
Conforme G. J. Ballone
37
,
O melhor exemplo que podemos referir para entender a Afetividade é
compará-la a óculos através dos quais vemos o mundo. São esses
hipotéticos óculos que nos fazem enxergar nossa realidade desse ou
daquele jeito. Se esses óculos não estiverem certos podemos enxergar
as coisas maiores ou menores do que são, mais coloridas ou mais
cinzentas, mais distorcidas ou fora de foco. Tratar da Afetividade
significa regular os óculos através dos quais vemos nosso mundo.
Vê-se que o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da
inteligência. Sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação. A
afetividade é uma condição necessária na constituição da inteligência.
Nas relações familiares o afeto tem grande importância, principalmente nos
primeiros anos de vida do ser humano, pois dele depende o equilíbrio emocional e o
sucesso na vida. Conforme encontrado em artigo disponível na internet
38
,
A criança sente-se aceita através da energia receptiva que se cria no
lar. Mesmo que ela tenha sofrido a experiência da rejeição durante a
gestação, seus pais poderão proporcionar-lhe mais tarde outra
experiência mais positiva, a experiência da aceitação. Isso poderá ser
feito através do contato físico, do colo, do olhar carinhoso e da
presença firme e meiga dos pais.
Deste modo, afeto e família são conceitos com certas peculiaridades e que
se encontram entrelaçados.
Convém destacar aqui que o afeto não diz respeito apenas ao amor, mas sim
a todos os sentimentos que unem a família, sendo esta uma comunidade de afeto.
37 Ballone GJ - Afetividade - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, 2000 - disponível em http://www.psiqweb.med.br/afeto.html. Acessado em 21.08.2007.
38 Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/cursos/gestante-03.html. Acesso em 20.08.2007.
30
Segundo Paulo Luiz Netto Lobo
39
, “O afeto o é fruto da biologia. Os
laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue”.
Uma narrativa feita pelo mesmo autor, à qual ele deu o nome de “Nó do Afeto”
traduz o que se pode entender como verdadeiro afeto entre pai e filho e como pode
haver uma relação de afetividade mesmo quando quase não se convive junto,
Em uma reunião de pais, numa Escola da periferia, a diretora
ressaltava o apoio que os pais devem dar aos filhos. Pedia-Ihes
também que se fizessem presentes o máximo de tempo possível. Ela
entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade
trabalhasse fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar a
entender as crianças. Mas a diretora ficou muito surpresa quando um
pai se levantou a explicou, com seu jeito humilde, que ele não tinha
tempo de falar com o filho, nem de vê-lo durante a semana. Quando ele
saía para trabalhar, era muito cedo e o filho ainda estava dormindo.
Quando ele voltava do serviço era muito tarde e o garoto não estava
mais acordado. Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para
prover o sustento da família. Mas ele contou, também, que isso o
deixava angustiado por não ter tempo para o filho a que tentava se
redimir indo beijá-lo todas as noites quando chegava em casa. E, para
que o filho soubesse da sua presença, ele dava um na ponta do
lençol que o cobria. Isso acontecia, religiosamente, todas as noites
quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó, sabia, através
dele, que o pai tinha estado ali e o havia beijado. O nó era o meio de
comunicação entre eles. A diretora ficou emocionada com aquela
história singela e emocionante. E ficou surpresa quando constatou
que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola. O fato
nos faz refletir sobre as muitas maneiras de um pai ou uma mãe se
fazerem presentes, de se comunicarem com o filho. Aquele pai
encontrou a sua, simples, mas eficiente. E o mais Importante é que o
filho percebia, através do afetivo, o que o pai estava lhe dizendo.
Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e
esquecemos o principal, que é a comunicação através do sentimento.
Simples gestos como um beijo a um na ponta do lençol, valiam,
para aquele filho, muito mais que presentes ou desculpas vazias. É
válido que nos preocupemos com nossos filhos, mas é importante que
eles saibam, que eles sintam isso. Para que haja a comunicação, é
preciso que os filhos "ouçam" a linguagem do nosso coração, pois em
matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as
palavras. É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto,
cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o ciúme do bebê que
roubou o colo, o medo do escuro. A criança pode não entender o
significado de muitas palavras, mas sabe registrar um gesto de amor.
Mesmo que esse gesto seja apenas um nó. Um cheio de afeto e
carinho.
39 Op. cit.
31
Ressalte-se que, no conceito de família, o afeto possui um papel de
fundamental importância, eis que constitutivo das relações interpessoais que a
formam. Por isso, deve-se dar a ele, lugar de destaque, merecendo assim, maior
atenção da área jurídica, pois, segundo Silvana Carbonera
40
, "[...] amplo é o
espectro do afeto, mola propulsora do mundo e que fatalmente acaba por gerar
conseqüências que necessitam se integrar ao sistema normativo legal".
Nas palavras de Oliveira e Muniz
41
,
a família contemporânea é tomada como a "comunidade de afecto e
entre-ajuda", espaço onde as aptidões naturais podem ser
potencializadas e sua continuidade encontra respaldo na existência
do afeto.
É a família eudemonista, pois traduz o meio onde "acentuam-se
as relações de sentimento entre os membros do grupo: valorizam-se
as funções afetivas da família que se torna o refúgio privilegiado das
pessoas contra a agitação da vida nas grandes cidades e das pressões
econômicas e sociais".
3.3) A DESBIOLOGIZAÇÃO
Diz-se que há a desbiologização quando inexiste ou quando se rompe o
convívio entre pais e filhos biológicos, dando-se lugar a uma convivência sócio-
afetiva com pais não biológicos.
Vê-se que, mesmo nos tempos atuais, alguns juristas que vêem a família
como união de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cônjuges e prole,
40 CARBONERA, Silvana Maria. Guarda dos filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. p.
41 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família: Direito Matrimonial. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990. p. 11 e
54.
32
todavia, tal conceituação está por demais distante da atual realidade. Segundo
Rodrigo C. Duarte
42
,
não observam as sutilezas e a subjetividade que envolve o assunto.
Para termos um conceito moderno de família, mais adequado ao séc.
XXI, precisamos analisar principalmente a multiplicidade social,
distante do ranço e da mesmice preconceituosa que sempre
preponderou na legislação brasileira.
O mesmo autor, citando João Batista Villela, diz que “O amor está para o
Direito de Família assim como a vontade está para o Direito das Obrigações",
ressaltando assim a importância que é dada atualmente ao afeto, pois quando se
fala em desbiologização, enfatiza-se a relação de afeto entre pai e filho, pois as
relações familiares devem ser fruto da afetividade.
Assim, caminha-se a passos largos para o Poder Familiar Desbiologizado,
donde retira-se o fator biológico como predominante na relação familiar.
Conforme diz Roseli Ribeiro
43
, citando Gustavo Rene Nicolau,
a doutrina está construindo a teoria da desbiologização que considera
importante a relação de afinidade e afetividade de cada situação,
podendo em muitos casos prevalecer esses valores na indicação de
quem deve ficar com a guarda da criança. Seria a preferência dos pais
afetivos em relação aos pais naturais ou biológicos, opinião que
também é compartilhada pelo professor Nelson Shikicima.
Atualmente o termo desbiologização tem sido largamente utilizado no Direito
de Família, porque, segundo Sérgio Luiz Paulillo
44
, “(...) citado de forma crescente
nos estudos do Direito de Família, o termo aflorou publicamente no meio
jurídico por seu sentido inovador, espelhando realidade paterno-filial histórica
mas sempre atual, portanto cogente seu estudo”.
42 DUARTE, Rodrigo Collares. Desbiologização da paternidade e a falta de afeto . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 481, 31 out. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5845>. Acesso em: 21 ago. 2007.
43 Disponível em: http://lawyerbhz.livejournal.com/38593.html. Acesso em 21.08.2007.
44 PAULILLO, Sérgio Luiz. A desbiologização das relações familiares . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 78, 19 set. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4228>. Acesso em: 21 ago. 2007.
33
Segundo o mesmo autor, o termo, por mais que pareça algo novo, não o é,
porque em 1979, o autor João Baptista Vilella lançou o livro A Desbiologização da
Paternidade, sendo que foi provavelmente após o lançamento dessa obra que a
expressão se popularizou no meio jurídico.
Originado do campo da Biologia, o vocábulo se tornou parte do Direito de
Família porque passou a dar nome à relação entre pais e filhos conviventes, não
consangüíneos, parentais ou não.
Vê-se assim que a Biologia vem influenciando cada vez mais o Direito,
ajudando essa área a se inserir com mais rapidez ao meio social atual, sendo a
desbiologização um grande exemplo disso, pois, segundo o autor acima citado,
(...) alçado à matéria biossocial com ampla ramificação jurídico-
sociológica, o ambivalente termo possui duas áreas distintas de
estudos: uma está ligada intrinsecamente ao Direito, ou seja, a
situação do menor sob convivência sócio-afetiva com pais não-
biológicos. A outra é a área da própria Biologia, onde o estudo prima
pela análise da concepção não-natural obtida pelas técnicas de
reprodução humana assistida disponíveis a partir do final do século
20. Embora distintas e até então distantes, ambas evoluem para um
vértice comum, que é o do Poder Familiar não-natural.
A finalidade da desbiologização não é a de eliminar o vínculo biológico ou de
desconsiderar totalmente o laço biológico e sim de incluir na relação entre pais e
filhos o laço socioafetivo.
Assim, com o fenômeno da desbiologização põe-se termo à idéia propagada
durante muito tempo de que a única forma de caracterizar o nculo entre pai e filho
era a troca de material genético, nascendo, em decorrência disso a filiação baseada
no afeto, tendo como cordão umbilical o amor.
Ao se falar em desbiologização, analisada a situação de fato, o que vem em
mente é a relação entre um filho e seu pai afetivo, que, na maioria das vezes é bem
maior do que o laço sanguíneo que une aquele filho a outro indivíduo, ou seja, seu
pai biológico.
34
Cai por terra então o entendimento de que a verdade biológica está acima de
tudo e deve prevalecer nos confrontos com a socioafetiva.
Vê-se assim como o afeto tem ganhado terreno tornando-se, dependendo da
situação fática, mais importante do que os laços sanguíneos. Criam-se, com grande
freqüência nos dias atuais, relações puramente afetivas, desapegadas do fator
natural.
A jurisprudência pátria vem decidindo reiteradamente pela desbiologização,
dando real valor à afetividade em detrimento da verdade biológica. Veja-se a seguir:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE
PATERNIDADE AJUIZADA PELO SEDIZENTE PAI BIOLÓGICO.
EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO ENTRE O MENOR E O PAI
REGISTRAL. ÓBICE À REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. Desatende
aos superiores interesses da criança a realização de exame de DNA,
destinado a averiguar a paternidade biológica, quando estabelecida
entre o menor e seu pai registral a chamada paternidade socioafetiva.
Ademais, o direito à verdade sobre a própria origem genética é direito
da criança e somente por ele pode ser exercido, se assim o desejar,
em momento oportuno. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO
DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70019302892, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
Julgado em 18/07/2007)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.
ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o
exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral,
mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade, se
configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade
socioafetiva. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação
desprovida. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível 70019125285,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes
Siqueira Trindade, Julgado em 28/06/2007)
COISA JULGADA - Limites subjetivos - Negatória de paternidade -
Circunstância em que foi reconhecida a adoção à brasileira” em
anterior ação proposta pelo mesmo autor - Coisa julgada caracterizada
- Inaplicabilidade da teoria da relativização da coisa julgada -
Condenação por litigância de má-fé mantida - Recurso conhecido e
improvido, indicando a hipótese segura da paternidade socioafetiva
(Apelação Cível com Revisão n. 443.488-4/1-00 - Ourinhos - Câmara
de Direito Privado - Relator: Francisco Casconi - 18.04.07 - V. U. - Voto
n. 13.190) asc
Segundo a Dra. Dayse Almeida
45
,
45 ALMEIDA, D. C. de. A Desbiologização das relações familiares. Disponível em http://www.pailegal.net. Acesso em 21/08/2007.
35
A relação de paternidade sempre aflorou importantes discussões na
seara jurídica. Isto ocorre porque as relações entre pais e filhos, haja
vista as modificações de pensamentos, e de cultura da nossa
sociedade. Os conceitos de paternidade e maternidade ultrapassaram
a biologia, saindo dela para adentrar ao mundo fático, contemplando a
convivência e o sentimento de afeto em contraposição à relação
biológica estabelecida.
Tudo isso se deve ao fato de que a família, hodiernamente é vista como um
alicerce psicológico e emocional do ser humano. Evidencia-se cada vez mais o valor
do afeto nas relações familiares.
Pode-se afirmar então que a verdadeira filiação não é aquela determinada
pela descendência genética, mas muito mais aquela construída, calcada nos laços
de afeto. Conforme afirma Maria Regina Fay de Azambuja
46
, “a razão maior da
paternidade se funda ‘no desejo humano, essencial, de amar e ser amado”.
Na concepção atual a afetividade é que vinca as relações parentais.
É certo que nunca foi tão fácil o descobrimento da verdade biológica, o que
hoje se consegue pelas avançadas técnicas, todavia, nunca se desprezou tanto
essa verdade para a definição dos vínculos parentais, pois a filiação passou a ser
identificada pela verdade sócio-afetiva.
Parafraseando Dayse Coelho de Almeida
47
, o que se observa na
consideração da paternidade socioafetiva, é a superioridade da vontade e da
responsabilidade sobre o caráter biológico. O conceito de pai, atualmente, vai além
do conceito meramente biológico, qual seja de fonte do espermatozóide, dando azo,
como já frisado, à responsabilidade, à criação de laços onde o filho se sinta amado e
respeitado com o devido merecimento.
46 Disponível em www.direitodafamilia.net. Acesso em 21/08/2007.
47 ALMEIDA, Dayse Coelho de. A Desbiologização das Relações Familiares. Jus Vigilantibus. Vitória: 2005. disponível em:
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2728. Acesso em 25/08/2007.
36
3.4) A POSSE DO ESTADO DE FILHO
É a exteriorização da condição filial, ou por levar o nome, ou por ser aceito
como tal pela sociedade como fato público e notório.
Isso ocorre com o “estado de filho afetivo”, que além do nome, que o é
decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada
e atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse.
Segundo Julie Cristine Delinski
48
,
Após o advento da Constituição Federal de 1988, que reformou
profundamente o instituto da filiação, adotando um sistema unificado
e, por isso, acabando com qualquer discriminação em relação aos
filhos, cabe agora ao ordenamento jurídico encontrar meios
sustentáveis para reconhecer a paternidade mais condizente com a
realidade daqueles que a procuram, dentre as três linhas que a
compõe: a paternidade jurídica, a biológica e a sócio-afetiva.
Diz ainda a mesma autora que seria interessante que a paternidade se
fundasse ao mesmo tempo nas três espécies, mas reconhece que nem sempre isso
é possível, existindo situações em que as mesmas entram em conflito, restando um
grande problema jurídico para se estabelecer a paternidade.
Assim, na busca de subsídios para que se baseie a paternidade socioafetiva
é que surge a posse do estado de filho, fundamentada nas relações de afeto,
caracterizada por uma intensa convivência pai-filho.
Nas palavras da autora acima citada, o fundamento de validade da noção de
posse de estado de filho é a valorização das relações calcadas no afeto, sendo que
pai não é apenas aquele ligado por um laço biológico e sim aquele ligado pelos
intensos e inesgotáveis laços de afeto, ou seja, pai é aquele que cuida, protege,
educa, alimenta, que participa intensamente do crescimento físico, intelectual e
48 Op. cit. p. 38
37
moral da criança, dando-lhe o suporte necessário para que se desenvolva como ser
humano.
Entendendo-se a posse do estado de filho como sendo uma relação afetiva,
íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho
fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o
chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai, é que se revela a
importância de tal instituto quando do surgimento de conflitos de paternidade como
por exemplo nos casos em que as relações de afeto entre pai e filho não condizem
com a paternidade jurídica, ou ainda quando comprovada a paternidade biológica,
mas a existência de posse de estado de filho se com um terceiro, que não o pai
genético. Em todos esses casos, assume importância primordial a posse de estado
de filho, valorizando-se a afectio, a verdade sociológica. É a verdade socioafetiva
ganhando o abrigo do Direito, isso nas palavras de Elisabeth Nass Anderle
49
.
É na posse de estado de filho que se caracterizada a paternidade de
afeto.
Nas palavras de João Baptista Vilella
50
, não são os fatos físicos da geração
e parto que fazem nascer um vínculo entre a criança e os pais; os laços da relação
pai-filho se efetivam quando os filhos são pelos pais alimentados, cuidados,
abraçados e protegidos.
Depreende-se então que procriação e paternidade são fatos diferentes, onde
procriação seria um dado e a paternidade um construído.
3.4.1) Elementos constitutivos da posse do estado de filho
49 ANDERLE, Elisabeth Nass. A posse de estado de filho e a busca pelo equilíbrio das verdades da filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov.
2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3520>. Acesso em: 21/08/2007.
50 VILELLA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da UEFG, a. 27, nº 21, p. 415, maio 1979.
38
Afirma a doutrina que a posse de estado se constitui pela integralização de
três elementos, quais seja, o nome ("nomem"), o trato ("tractatus") e a fama ("fama").
Para que se configure o primeiro elemento é necessário o uso constante do
nome de família do pretendido pai.
O segundo, o trato, configura-se pela criação, educação do indivíduo, tido e
apresentado como filho legítimo pelo pai e pela mãe e, segundo Mauro Aguiar de
Moura
51
,
É considerado elemento objetivo, porque se caracteriza pelo
comportamento do pretenso pai em relação ao suposto filho. Pode-se,
assim, reconhecê-lo, pela assistência material e moral dada ao filho,
como por exemplo, o carinho, os cuidados, o afeto, a educação, a
saúde, comuns a todos os pais no tocante aos seus filhos. Neste
aspecto, podem subsistir as assistências material e moral, ou então
somente a material, ou a moral. Pois, para a caracterização deste
elemento deve-se levar em consideração a situação pessoal do
suposto pai, quer dizer, pode ocorrer que o pai não tenha condições
econômicas para prestar assistência ou então que o filho dela não
necessite. No caso da assistência moral, o pai pode ter dificuldades
em expressar seus sentimentos ao filho, seja por temperamento, seja
por conveniência.
Assim, o uso do termo "filho" e do termo "pai", não são necessários. O que
deve ser valorizado é o amor, o carinho, a educação e tudo mais que um pai
dispensa a um filho.
a fama resulta de ser o filho sempre considerado na família e na
sociedade como legítimo da família que afirma ser. É a exteriorização desse estado
da pessoa, publicamente. Conforme o autor acima citado, é o lado propriamente
social da posse de estado, eis que, diante das atitudes do suposto pai com seu
pretenso filho, cria-se a convicção de que se trata mesmo de pai e filho.
51 74. MOURA, Mauro Aguiar de. Tratado prático de filiação. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1984. p. 527.
39
Todavia, quanto ao primeiro elemento, o nome, diz a doutrina não ser
essencial, desde que restem comprovados os outros dois elementos, necessários
para a revelação ou não do vínculo psicológico e social entre o filho e o suposto pai.
Convém ressaltar ainda a questão da duração da posse de estado, pois,
segundo Rémond-Gouilloud
52
,
Sem o decorrer do tempo, a posse de estado não existe. Com efeito,
não é um fato pontual que ela revela, mas uma situação que toma
consistência com o tempo; tecida pela repetição de incidentes
cotidianos, ela oferece não um instantâneo da vida de um individuo,
mas uma seqüência de filme.
Assim, para que se constitua a posse de estado de filho é necessária uma
certa duração, não se realizando num único dia.
Vê-se então que, além dos três elementos constitutivos, ou seja, o nome, o
trato e a fama, é necessário que haja uma certa continuidade, eis que a existência
da posse de estado de filho pressupõe habitualidade e estabilidade relativas, que,
segundo Julie Cristine Delinski
53
, não é necessária que seja perpétua, supondo a
continuidade uma duração suficiente para sua caracterização. A posse do estado de
filho se intensifica com o passar do tempo.
Ressalta então a autora acima que,
(...) a noção de “posse de estado de filho”, como foi demonstrado, é
formada por laços afetivos que se traduzem externamente através da
tríade clássica: tractatus, nomen e fama (cada qual com o seu peso),
acrescidos de certa duração.
52 RÉMOND-GOUILLOUD, Martine. La Possession d’état d’enfant. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, v. 74, n. 3, juil./sep.1975, p. 468.
53 Op. cit. p. 48
40
3.5) ESPÉCIES DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
3.5.1) A Adoção
Essa espécie de paternidade tem seu fundamento num liame socioafetivo
intenso, estabelecendo uma relação de ascendência e descendência independente
da consangüinidade. Segundo Luiz Edson Fachin
54
,
A adoção constitui espaço em que a verdade socioafetiva da filiação
se manifesta com ênfase inegável. Mais do que os laços de sangue, o
que une o adotante e o adotado são os laços de afeto, que se
constroem no espaço de convivência familiar.
Procura-se, com tal instituto, dar-se uma oportunidade de inserção do
adotado em um ambiente familiar, possibilitando sua integração com a finalidade de
atender às suas necessidades de crescimento e desenvolvimento psíquico,
educacional e afetivo, tudo isso num ambiente de coexistência fundado no afeto. Diz
ainda o autor acima citado que,
A adoção de crianças ou de adolescentes se coloca como adoção
plena: com efeito, em tais hipóteses, a preocupação do ordenamento
deve se dar no sentido de assegurar o desenvolvimento. Ético, moral,
afetivo e intelectual da criança, inserindo-a em um espaço de
coexistência familiar, com pleno estabelecimento dos vínculos de
parentesco, em igualdade de condições com os filhos consangüíneos.
Chama-se adoção judicial aquela revestida de formalidades legais, onde os
interessados em adotar devem preencher alguns requisitos e que para ser
concretizada necessita de um pronunciamento judicial.
Ressalte-se o que diz Vera Helena Vianna do Nascimento
55
: O maior
requisito para adotar uma criança, é a disponibilidade de amar. Ser pai ou mãe,
não é só gerar, é antes de tudo, amar”.
54 Op. cit. p. 151
41
3.5.2) Filhos de criação
Outro instituto também fundamentado no liame socioafetivo, sem o vínculo
biológico.
Educa-se uma criança ou adolescente, dando-lhe abrigo em um lar, tendo
por único fundamento, nas palavras de Jaqueline Nogueira
56
, o amor entre seus
integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”.
Com razão Clovis Beviláqua
57
quando diz, sobre os filhos de criação que, é
quando uma pessoa, “constante e publicamente, tratou um filho como seu,
quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na
qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua
educação, é impossível não dizer que o reconheceu”, não importando para tanto,
o que realmente consta na certidão de nascimento desse filho “criado”.
3.5.3) Adoção à Brasileira
também casos onde o adotando é registrado diretamente no nome dos
adotantes, sem o devido processo legal, a chamada adoção à brasileira, que é o
reconhecimento de filho alheio como próprio. Essa prática, apesar de ser tida como
ilegal por não ser baseada no devido processo legal, atende ao mandamento contido
55 Disponível em: http://guiadobebe.uol.com.br/planej/o_que_e_adocao.htm. Acesso em 23/08/2007.
56 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 56.
57 BEVILAQUA, Clovis. Direito da Família. 7.ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1943. p. 346.
42
no art. 227 da Constituição, de ser dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança o direito "à convivência familiar".
Nesse tipo de adoção, a criança, ao nascer é registrada diretamente no
nome dos pais afetivos como se fossem biológicos.
3.5.4) Filiação eudemonista no reconhecimento voluntário e judicial da paternidade e
da maternidade
Quando a pessoa, espontaneamente, comparece no Cartório de Registro
Civil, para registrar alguém como seu filho, não necessitando de comprovação
genética
58
. Nas palavras de Villela
59
, é “aquele que toma o lugar dos pais pratica,
por assim dizer, uma ‘adoção de fato”. Assim, aceita voluntária ou judicialmente a
paternidade ou da maternidade, é estabelecido o estado de filho afetivo com a
atribuição de todos os direitos e deveres do filho biológico, nas palavras de Eduardo
de Oliveira Leite
60
.
58 VILLELA, João Baptista. O modelo constitucional da filiação: verdades & superstições. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 2,
julho/agosto/setembro de 1999.
59 FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 124, citando RICHER, Danielle. Les enfants qui ne
sont pas les miens: développements récents en droit familial. Québec: Yvon Blais, 1992. p. 169.
60 Op. cit. p. 115.
43
4) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vê-se que a noção de família tomou novos rumos, partindo das diversas
mudanças ocorridas dentro da sociedade.
O modelo patriarcal, firmado na concepção de que família era aquela
estabelecida através do matrimônio, deu lugar às famílias plurais, ou seja, as
formadas por pai e seus filhos ou mãe e seus filhos, por avós e netos e assim por
diante, caracterizando o verdadeiro papel da família, compreendido como sendo o
de amparar os seus membros, moral, psíquica e economicamente.
Disto resulta, por óbvio, que a relação de filiação não decorre simplesmente
do vínculo genético, sendo que o verdadeiro desenvolvimento da relação pai-mãe-
filho, se desenvolve por intermédio do convívio, não sendo suficiente o simples
reconhecimento da paternidade ou o fato de figurar a paternidade em uma certidão
de nascimento, mas, sobretudo, da forma como esse relacionamento é
desenvolvido, devendo-se reconhecer como verdadeiro pai, aquele que educa,
carinho, atenção, provê as necessidades do filho, independentemente de laços
sanguíneos ou de nome de família.
Atento a essa nova visão de família foi que o Constituinte de 1988, na
elaboração da Carta Magna brasileira reconhece como família, tanto a edificada pelo
casamento, como a formada pela união estável ou pela comunidade constituída por
qualquer dos pais e seus descendentes, denominada família monoparental, nuclear,
pós-nuclear, unilinear ou sociológica, fundamentada na busca do ideal da felicidade,
do esmero, do carinho e da comunhão plena de vida e de afeto.
44
Foi assim que se instituiu a filiação socioafetiva, a qual dividiu o espaço
social e jurídico com a filiação biológica (artigo 227, caput e parágrafo e artigos
1.593, 1.596, 1.597, V, 1603 e 1.605, II, do Código Civil), não devendo ser a
paternidade biológica considerada como a única verdadeira.
Nesse contexto, insere-se então a posse de estado de filho, onde se prima
pela dignidade da pessoa humana, dando aos filhos o direito de viver com pessoas
que, o lhe trazem o sustento material, mas, sobretudo, são capazes de amá-
los, transmitir carinho e respeito.
Segundo Sidamaia de Quevedo Vedoi
61
,
Nessa nova perspectiva familiar, o objeto fundamental é a realização
pessoal de seus membros que, unidos por sentimento afins dedicam
carinho e amor a uma criança, independentemente de imposição legal
ou do vínculo sanguíneo; o afeto é fruto de ato voluntário.
Assim, a verdade genética não pode ser, única e suficiente para se
caracterizar a filiação, sendo necessária a reunião de valores que privilegiem a
convivência e que sejam capazes de construir laços afetivos e duradouros de amor,
carinho, dedicação e respeito.
Nas palavras do autor acima citado, a família deixa de ser vista única e
exclusivamente pela linhagem sanguínea, passando a ser vista, sobretudo como
uma comunidade de afeto, “onde cada indivíduo tem ali o seu “porto seguro”,
destinado a garantir a toda pessoa, respeito e dignidade para que possa
desenvolver seu papel na sociedade de forma segura e responsável, baseada
em valores assimilados pelo coração”.
61 VEDOI, Sidamaia de Quevedo. Filiação sócioafetiva : O elemento afetivo como critério para a definição da filiação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 21,
31/05/2005 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=551. Acesso em
25/08/2007.
45
Alguns Tribunais tem reconhecido que a falta de condições econômicas
para sustento dos filhos não pode levar à destituição do poder familiar, o que não
ocorre com a falta de afeto, conforme se do seguinte julgado do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais
62
,
EMENTA: DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. POSSIBILIDADE.
INTELIGÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE MÁXIMA
PROTEÇÃO À CRIANÇA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A
destituição do poder familiar é algo sempre perturbador e traumático
para o juiz, pois envolve o poder de declarar desfeitos os vínculos de
filiação e parentescos entre os pais e os filhos. Por ser algo tão sério e
relevante, o legislador trata a destituição do poder familiar como algo
excepcional e enfatiza, no artigo 23 do Estatuto da Criança e
Adolescente, que a falta ou carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder
familiar. Tal medida é de suma relevância num contexto de um país tão
miserável economicamente como o Brasil. Evita- se, assim, a
possibilidade de os pais, apenas por serem carentes de recursos
materiais, serem destituídos de seus filhos. Contudo, se a falta de
recursos materiais não é motivo para destituição do poder familiar, o
mesmo não ocorre acerca da carência de amor, afeto, atenção,
cuidado, responsabilidade, compromisso e proteção, pois tais
sentimentos são imprescindíveis para o pleno e integral
desenvolvimento da criança. Sem amor, afeto, atenção, cuidado,
responsabilidade, compromisso e proteção dos pais, a criança será
imensamente prejudicada, tendo, seriamente, ameaçados seus valores
maiores, como, dignidade, respeito, saúde, vida, lazer, alimentação,
cultura, liberdade e educação. O abandono afetivo, evidenciado no
desinteresse de criar, educar, orientar e formar os filhos, transferindo
tal responsabilidade para terceiros, que culmina na ausência de
cuidados e falta de comprometimento, impõe a perda do poder
familiar. Entender o contrário é fazer pouco caso dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e de proteção integral
à criança, que asseguram a ela o direito à vida, à dignidade, ao amor,
ao afeto, ao cuidado, à proteção, ao carinho e ao respeito, pois, como
pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de
direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis,
tem ela direito de ser acolhida por uma nova família que lhe conceda
uma relação de parentesco afetiva. Em todos os litígios em que uma
criança esteja envolvida, notadamente aquelas que envolvam pedido
de adoção e de destituição de poder familiar, o julgador deve ter em
vista, sempre e primordialmente, o interesse da criança. (original sem
grifo)
Assim, inúmeras já o as decisões que privilegiam o afeto em detrimento da
verdade biológica, reconhecendo-se que a filiação, atualmente, está mais vincada no
princípio da afetividade do que nos vínculos sanguíneos, reconhecendo como pais
verdadeiros, aqueles que demonstram afeto pelo filho.
62 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. AC 1.0024.02.619286-4/001(1). 5ª C. Cív. Des. ELZA, M. (Rel.). 05mai.05
46
Como observado no decorrer do presente trabalho, do ponto de vista
psicológico, o amor entre uma criança e seu pai não ocorre em razão de vínculo de
sangue, mas sim da convivência, do afeto e da certeza de proteção que aquela
pessoa lhe proporciona.
Ressalte-se que a finalidade da desbiologização da paternidade é
demonstrar que pai é aquele que educa, cuida, alimenta, protege, que proporciona e
participa do desenvolvimento físico, moral e intelectual da criança, oferecendo a ela
todo e qualquer suporte que se faça necessário para o seu crescimento e evolução
como ser humano, conforme Thiago José de Souza Bonfim
63
.
Parafraseando Rodrigo da Cunha Pereira
64
, que se dizer que, por mais
que se queira atribuir uma paternidade através dos laços sanguíneos, jamais se
conseguirá impor que o genitor se torne um verdadeiro pai, entendendo-se a
paternidade em seu sentido mais profundo e real, pois, nesse aspecto, ela está
acima do fator biológico. Um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais
será “o pai”. Por isso dir-se-á que a verdadeira paternidade é a adotiva e está ligada
à função, escolha, enfim, ao desejo de ser pai, no sentido de que o pai, mesmo o
biológico deverá adotar seu filho concernente à responsabilidade de amar, respeitar,
educar para que este se torne um indivíduo completamente desenvolvido, com todo
seu potencial, sabendo repassar ao próximo aquilo que aprendeu dentro da família.
O autor retro mencionado, citando João Baptista Villela, em seu
revolucionário texto “A desbiologização da paternidade”, desenvolvendo a tese da
paternidade como fator cultural, relembra, baseado na Bíblia Sagrada, mais
63 BONFIM, Thiago José de Souza. Um novo rumo para a paternidade no cenário jurídico brasileiro. São Paulo: Disponível em:
http://www.oabprudente.org.br/?area=ver_artigo&cod_artigo=30. Acesso em: 26/08/2007.
64 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? Disponível em http://www.apase.org.br/81004-paiporque.htm. Acesso em 26/08/2007.
47
precisamente no Evangelho de S. João, que somente ao pai adotivo é dada a
faculdade de um dia repetir aos seus filhos o que Cristo disse aos seus
apóstolos: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a
vós”. Frise-se aqui que se deve entender também como pai adotivo àquele que
também é o pai biológico.
Com razão Eduardo Ferreira Leite
65
quando diz que, "[...] se posso obrigar
alguém a responder patrimonialmente pela sua conduta (alimentos ao filho)
não posso obrigar, quem quer que seja, a assumir uma paternidade que não
deseja”. Essas palavras enfatizam o que disse Rodrigo da Cunha Pereira, que o pai,
mesmo o biológico precisa adotar o seu filho.
Destas palavras, depreende-se que, mesmo na paternidade biológica há que
existir a relação do afeto.
Todavia, não que se sobrepor o fator biológico em detrimento do fator
afetividade, isto é, se a criança foi criada, educada e, sobretudo amada por um
pai/mãe que não lhe ofereceu os elementos genéticos, não poderá ser compelida a
abandonar aqueles que lhe deram todo um suporte para o seu crescimento para que
venham a conviver, depois de um certo tempo com os pais biológicos, somente
porque lhe deram vida, mas que jamais lhe demonstraram qualquer forma de afeto.
Assim, a família deve ser entendida como um grupo unido por desejos e
laços afetivos, em comunhão de vida. Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo
66
,
O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre
irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos
fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca,
que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses
patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações
familiares.
65 Op. cit. p. 120.
66 Op. cit.
48
que se entender que o objetivo, em momento algum foi o de
descaracterizar a paternidade/maternidade biológica, pois, conforme ensina Julie
Cristine Delinski
67
, “na normalidade das relações pode-se dizer que são
concomitantes”, isto é, mesmo na patenidade/maternidade biológica, o elemento
afeto deve, necessariamente estar presente, ou seja, o pai/mãe biológico deve
querer ser pai/mãe, não ser simplesmente o transmitente dos genes, mas antes de
tudo, saber amar, transmitir carinho, afeto e respeito pelo filho para que este filho
possa ter seu desenvolvimento completo como cidadão, fruto do que viveu dentro da
família e que lhe foi transmitido pelos seus responsáveis.
Assim, o objetivo principal perseguido foi o de demonstrar a importância da
filiação socioafetiva, levando em consideração a posse de estado de filho, devendo
essa posse bastar como prova da filiação sendo-lhe atribuída a força criadora do
fenômeno da paternidade, nas palavras da autora retro citada.
Sabe-se que, sobre o assunto aqui abordado, no Brasil uma lacuna entre
as normas e princípios constitucionais e o sistema codificado, todavia, para encerrar
o presente trabalho, traz-se aqui as palavras também de Julie Cristine Delinski
68
,
Enquanto perdurar essa situação, caberá aos magistrados a tarefa de
integrar as lacunas, ‘decidindo segundo uma visão esclarecida do
meio social e das idealidades ético-sociais que dele emanam’, sem,
contudo, se esquecer de observar os princípios gerais que informam o
Direito, relativamente à filiação os ‘princípios constitucionais do direito
de família.
(...)
A concepção de família que se abre para o terceiro milênio é a da
família sociológica, da mesma forma a paternidade é a da paternidade
socioafetiva. Dificilmente se encontra forma mais eloqüente de
estabelecer essa paternidade senão pela ‘posse de estado de filho’,
destacando-se que no ‘conflito de paternidades’ deverão ser
considerados os interesses superiores da criança.
67 Op. cit. p. 37.
68 Op. cit. p. 107
49
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