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RESISTÊNCIA CULTURAL COMO OBSTÁCULO À CONSOLIDAÇÃO DO APL
DA CACHAÇA NA BAHIA
André Silva Pomponet
1
*
INTRODUÇÃO
A aguardente de cana, cachaça, caninha, pinga ou simplesmente cana, na expressão nordestina
captada por Cascudo (1986) tem quase a idade do Brasil: nasceu no início do século XVI,
derivada daquela que por muito tempo foi a principal atividade econômica em solo brasileiro:
a lavoura canavieira. Nos primeiros tempos, estimulava o trabalho dos escravos e atenuava o
drama da escravidão. Depois, disseminou-se entre os nativos, tornando-se a bebida dos
mestiços, ou cabras.
Até a atualidade é cercada por uma aura mística pelos seus devotos: previne doenças, serve de
lenitivo e reveste-se de poderes medicinais quando misturada às incontáveis ervas aromáticas
que brotam do solo do país. Hoje, só perde para a cerveja em termos de consumo e firmou-se
como bebida nacional, superando todas as alternativas apresentadas desde o Brasil Colônia.
A epopéia da cachaça, porém, não conseguiu firmá-la como símbolo de “brasilidade” ao
longo de cinco séculos. Associada aos escravos desordeiros, aos mestiços indolentes, aos
indígenas preguiçosos, fonte de baderna e ócio, a bebida sempre foi malvista pela elite
brasileira. Passados tantos anos, ainda permanece associada aos mais pobres, à baixa
qualidade e aos costumes que a elite gostaria de enterrar.
O objetivo do presente texto é justamente discutir o preconceito e a resistência cultural que
inibem ainda hoje o desenvolvimento da indústria da cachaça artesanal na Bahia. Na seção
seguinte buscam-se as raízes desse desprezo, que remonta à época colonial. Depois,
apresenta-se um diagnóstico recente da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre o
arranjo produtivo no estado (SECTI). Adiante, discute-se esse preconceito e sua repercussão
sobre a esfera econômica, para por fim arrematar-se com algumas considerações.
1
André Silva Pomponet é Economista e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na
Secretaria de Planejamento
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ORIGEM E RESISTÊNCIA CULTURAL
No dia 21 de dezembro de 2001 o Decreto presidencial 4.062 reconheceu o vocábulo
“cachaça” como de uso exclusivamente brasileiro e definiu a expressão “cachaça do Brasil”,
para efeitos de comércio internacional, como propriedade intelectual (CARVALHO E
SILVA, 2004). A providência foi adotada com o objetivo de diferenciar a bebida brasileira do
rum, também um destilado de cana e facilitar a inserção do produto brasileiro no promissor
mercado norte-americano (SILVA et. al., 2006). Aliás, é esse dinamismo do mercado
internacional que oferece perspectivas de crescimento do setor, principalmente para a cachaça
artesanal ou produzida através de alambiques.
O esforço do governo brasileiro de assegurar mercados e direitos de propriedade intelectual
para a cachaça representa uma guinada em relação à origem e à evolução do destilado de
cana-de-açúcar, marginalizado durante séculos e associado aos estratos sociais mais baixos.
Se não fosse essa resistência cultural em relação ao produto, o Brasil (e a Bahia, que é o
segundo estado em produção) poderia dispor de uma estrutura muito melhor organizada, com
maior número de empregos formais, nível de profissionalização da atividade mais elevado,
maior produtividade e participação mais ativa no lucrativo comércio internacional. Embora
Sachs (2005, p. 118) se refira a “barreiras culturais ao desenvolvimento econômico” numa
escala de nações, o diagnóstico é aplicável também a atividades econômicas específicas,
como a cachaça artesanal que nasceu no Brasil no século XVI.
Estima-se que a cachaça surgiu no Brasil entre 1533 e 1534, nos engenhos de açúcar
construídos na região de São Vicente (região de Santos-SP) por Martim Afonso de Souza e
seus quatro sócios (CÂMARA, 2008). Nesses engenhos, moía-se a cana, fervia-se o caldo
obtido que em seguida era depositado em formas para esfriar, donde se extraía a rapadura
usada para adoçar bebidas. Eventualmente, o caldo desandava e fermentava, originando um
produto que não servia para adoçar e que, inicialmente, era chamado de “cagaça”
(ORIGEM..., 2008). Cascudo (1986) observa, porém, que o vocábulo “cachaça” só passou a
ser empregado para designar a bebida depois do século XVII, quando então se confundiu com
aguardente, destilado etílico que pode ser obtido empregando matéria-prima diversa da cana-
de-açúcar. Mas, seja derivada de “cagaça”, “cagassa” ou “cachaza” (termo empregado na
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Europa), o fato é que a expressão designava algo inferior, desprezível, conjunto de espuma e
impureza decorrentes do processo industrial a que era submetida a cana-de-açúcar
(CASCUDO, 1986, p. 18). Como bem nota Câmara, “Observe-se que a palavra ‘cachaça’
antes de denominar nossa emblemática bebida, um símbolo nacional, serviu para chamar o
lixo, o resto, a sobra” (2008, p.02).
Tão estigmatizada em sua origem, era natural que a bebida inicialmente não fosse destinada
ao público mais aristocrático. Assim, nos primeiros tempos a cachaça era servida aos cativos
como uma espécie de “energético” (SILVA et. al., 2006), mas “que embebedava os escravos,
tornando mais suportável a dureza da escravidão” (CARVALHO E SILVA, 2004). Mais
tarde, o consumo se ampliou entre as classes mais baixas da sociedade colonial, conforme
observou o viajante francês Pyrard Laval, em sua passagem por Salvador em 1610: “Faz-se
vinho com o suco da cana, que é barato, mas só para os escravos e os filhos da terra”
(CASCUDO, 1986, p. 15). Para os paladares mais nobres reservavam-se bebidas refinadas,
como a aguardente do Reino, feita com uvas e que representava para o colonizador “obstinada
saudade do português no seu exílio tropical” (CASCUDO, 1986, p. 21).
Adiante, o mesmo Cascudo (1986) observa que o século XVI é o da exaltação da aguardente,
que na sabedoria popular adquiriu o status de remédio para todos os males, verdadeira
panacéia, o que se perpetua como crendice até os dias atuais. O sucesso alcançado pela
cachaça entre as classes populares levou preocupação à Coroa Portuguesa por diversos
motivos. Um deles foi a concorrência que o produto representava para a Bagaceira, espécie
de vinho produzido em Portugal e cujas importações caíram drasticamente com o sucesso da
cachaça brasileira junto ao povo nativo (CARVALHO E SILVA, 2004). Outro motivo
alegado pela Coroa foi a constante embriaguez dos escravos, o que dificultaria as atividades
econômicas na colônia, principalmente a extração do ouro em Minas Gerais (SILVA et. al.,
2006). Por fim, havia o interesse da Metrópole de que se produzisse açúcar, ao invés da
controversa aguardente.
A solução encontrada pela Coroa foi a emissão de uma Carta Real em 1649, proibindo a
produção de aguardente através de cana-de-açúcar. No século seguinte, em 1743, medida
semelhante foi adotada, mas se restringia ao território baiano, recorrendo-se à justificativa dos
tumultos provocados por escravos bêbados (SILVA et. al., 2006). Em outros momentos se
tentou elevar aos tributos como forma de inibir a produção, mas o único resultado alcançado
foi o crescimento da sonegação. Àquelas alturas, todavia, a produção de cachaça tinha
firmado raízes de forma irreversível na economia colonial, ainda que em condição marginal.
Cascudo (1986) acrescenta que o tráfico negreiro em parte era movido pelo escambo de
escravos por cachaça, pois até então o continente africano não conhecia bebidas alcoólicas
destiladas, apenas as fermentadas, que eram produzidas localmente.
Causa de tantas desavenças entre Metrópole e Colônia, não provoca estranheza que a cachaça
tenha sido alçada à condição de símbolo nacional pelos inconfidentes mineiros, inclusive
freqüentando as mesas dos próprios libertários (SILVA et. al., 2006). O sucesso da cachaça no
mercado externo, porém, não se limitou ao escambo por escravos africanos. Von Martius, o
famoso viajante, registra que em 1818 o mel de cana e a cachaça vinham logo atrás do café,
do açúcar, do fumo e do algodão na pauta de exportações baiana para a Europa e a América
do Norte (CASCUDO, 1986).
Esses sucessos pontuais não foram suficientes para alçar a cachaça à condição de bebida
símbolo nacional ou que representasse o espírito de “brasilidade”. Ao contrário, nos séculos
XIX e XX a elite nacional e a classe média, identificadas com a aristocracia européia,
reforçaram hábitos e preconceitos contra os costumes brasileiros, entre os quais está o
consumo da cachaça. Classificavam-na como bebida de baixa qualidade, destinada aos menos
favorecidos (SILVA et. al., 2006). Cascudo (1986) registra que no imaginário popular,
cachaça é bebida de cabra. Este cabra é um tipo mestiço, nem branco, nem negro, oriundo
das camadas populares e que preservou uma fidelidade secular à aguardente brasileira,
desprezando todas as bebidas importadas pelo colonizador português.
Essa fidelidade é óbvia, já que no Brasil atual se consome mais de um bilhão de litros de
cachaça por ano. É a segunda bebida alcoólica mais consumida no país, perdendo apenas para
a cerveja. A contabilidade inclui, além da cachaça de alambique, objeto desse artigo, a
chamada caninha industrial. Na próxima seção discutiremos o estágio atual da produção de
aguardente destilada na Bahia
BAHIA: CENÁRIO RECENTE
O estigma que perseguiu a fabricação e o consumo da cachaça de alambique ao longo de
séculos se reflete na estrutura de produção até os dias atuais, mesmo com os esforços voltados
para a organização da cadeia, como a instituição de um Arranjo Produtivo Local (APL) de
derivados de cana-de-açúcar pelo Estado e as tentativas de maior organização, associação e
busca pela certificação do produto, através da Associação Baiana de Produtores de Cachaça
de Qualidade (ABCQ), entidade criada em 2002.
Uma evidência é o mapeamento recente efetuado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Inovação (SECTI). Foram identificados 13 pólos de produção de cachaça de alambique na
Bahia, totalizando cerca de sete mil estabelecimentos que geram um número estimado de 35
mil empregos diretos. O problema é que somente 1% desses estabelecimentos estão
formalizados através de micro-empresas, associações ou cooperativas, concentradas no
Recôncavo, Litoral Sul, Chapada e Sudoeste, gerando pouco mais de 550 empregos diretos
(BAHIA, 2007).
A maioria dos produtores atua em situação precária, o que reflete a herança de preconceito
que pesa sobre a cachaça. Normalmente, trabalham na informalidade, com baixos níveis de
renda e de escolaridade, organizados em sistema familiar e com métodos e meios de produção
herdados de antigas tradições (BAHIA, 2007, p. 03). O resultado óbvio dessa estrutura
amadora é a inserção limitada no mercado, com o produto alcançando apenas os municípios
mais próximos dos alambiques e, eventualmente, outros estados. A ausência de cooperativas e
a inexistência de ações articuladas para o escoamento da produção tornam o produtor refém
do atravessador, figura que atua na intermediação entre os fabricantes e o mercado, auferindo
parte dos lucros da cadeia produtiva. A SECTI constatou a presença desses agentes na
indústria não-formalizada da cachaça artesanal.
A precariedade da cadeia produtiva dos fabricantes artesanais restringe também o público
consumidor. Afinal, sem uma rede estruturada de distribuidores e atacadistas, o intermediário
ainda desempenha a função de distribuição do produto. Faltando-lhe escala e atuando de
forma pulverizada, consegue levar a produção apenas a supermercados, bares, restaurantes e
feiras-livres de municípios próximos, cujos principais consumidores têm baixo poder
aquisitivo e pertencem, portanto, aos “estratos mais baixos da população” aludidos nos
séculos anteriores. Como complicador adicional, os métodos arcaicos de produção, a
manipulação inadequada do produto e até mesmo a facilidade da falsificação comprometem a
qualidade da cachaça, reforçando as barreiras culturais ao produto. Assim, o desenvolvimento
da indústria da cachaça artesanal na Bahia padece de males crônicos tanto sob a ótica da
oferta (com a precária estrutura produtiva descrita acima) quanto da demanda, já que o forte
preconceito dispensado à qualidade do produto, ao processo produtivo anacrônico e ao
público consumidor majoritário permanece muito vivo.
Nos últimos anos, porém, esforços vêm rompendo aos poucos a grande resistência que cerca o
consumo da bebida. No Brasil, o pioneirismo na iniciativa coube aos mineiros, que já em
1982 fizeram um diagnóstico que culminou no Programa Mineiro de Incentivo à Produção de
Aguardente (Pró-Cachaça). Na mesma década, 30 produtores criaram a Associação Mineira
dos Produtores de Cachaça, entidade que ajudou a organizar melhor o setor desde então. O
ponto culminante dessa trajetória foi a Lei Estadual 13.949 de 2001 que define e caracteriza a
“Cachaça de Minas” (SILVA, et. al., 2006), diferindo-a da aguardente de cana, cujo teor
alcoólico varia de 38% a 54%, definido pela Instrução Normativa 13, de 29 de junho de 2005.
Note-se que a cachaça de alambique ou artesanal é obtida do musto fermentado de cana-de-
açúcar, enquanto a chamada caninha industrial obtém-se de um destilado alcoólico simples,
com adição de açúcares e hidratado para chegar ao teor de álcool estabelecido em lei (SILVA,
et. al., 2006). O sabor mais agradável da bebida de alambique evidencia as diferenças nos
processos de produção.
Na Bahia, o esforço foi mais tardio e os resultados ainda estão distantes do alcançado pelos
mineiros. Somente em 1993 o Estado começou a incentivar a organização dos produtores
baianos. Quatro anos mais tarde, surge o PROCANA (Programa de Aproveitamento Integral
da Cana-de-Açúcar). Conforme já dito, o passo mais sólido dos produtores foi dado em 2002,
com a criação da Associação Baiana dos Produtores de Cachaça de Qualidade (BAHIA,
2007). Nos anos seguintes, os laços entre governo e empresários foram se fortalecendo, com o
suporte das secretarias de Ciência, Tecnologia e Inovação, de Agricultura e de Indústria,
Comércio e Mineração, além do Sebrae e do Ibametro, que se integrou na fase de certificação
da bebida.
Com o suporte governamental, a ABCQ empenhou-se na articulação dos produtores e na
costura dos arranjos produtivos, com maior êxito nas regiões Sudoeste, Recôncavo Sul e
Chapada Diamantina. Em 2007, esses esforços haviam resultado em 24 marcas formalizadas
de cachaça na Bahia (BAHIA, 2007). As principais estratégias empregadas foram
investimentos na qualidade do produto, tornando-o competitivo nos mercados mais exigentes
e ações promocionais com a finalidade de difundir o consumo da bebida e consolidar a marca
“Cachaça da Bahia”, acompanhando a feliz iniciativa dos produtores mineiros.
Mas, conforme já apontado acima, apenas 1% dos produtores baianos estão organizados
através de cooperativas e associações. É um universo ainda muito limitado, caso se pretenda
resgatar a credibilidade da cachaça da Bahia, rivalizando-a em preferência com bebidas mais
conceituadas e culturalmente melhor aceitas. As restrições e as dificuldades que se referem à
oferta do produto, porém, são obstáculos secundários frente à já aludida dimensão cultural.
Sem superar esse desafio, os produtores baianos não terão a desejada inserção no mercado
internacional.
FORTALECENDO O LOCAL PARA ATINGIR O GLOBAL
A literatura sobre as possibilidades de êxito dos arranjos produtivos locais em países
periféricos ou em desenvolvimento costuma focalizar o conjunto de fragilidades que afetam
essas nações, mas que não se verificam nos países capitalistas avançados, como é o caso do
trabalho de Cruz e Passos (2006). Assim, um juízo homogêneo sobre as possibilidades de
sucesso desses arranjos em países periféricos é arriscado e contraria exemplos pontuais de
êxitos, conforme alertam os autores (CRUZ E PASSOS, 2006).
Contudo, os mesmos autores advertem que o diagnóstico adequado e um conhecimento
profundo das regiões que se pretende desenvolver são requisitos indispensáveis, contrariando
o hábito da adoção de fórmulas prontas, originadas de exemplos de sucesso em países
desenvolvidos. Ora, antes de abraçar modelos aplicados em regiões que já dispunham do
suporte e da estrutura de sistemas capitalistas avançados, faz-se necessário o mapeamento das
fragilidades locais que, muitas vezes, transcendem a dimensão econômica e que, ao invés de
serem determinantes, podem ser determinadas.
É o caso da resistência cultural à cachaça, que combina fatores sociais, étnicos, geográficos e,
sem dúvida, também econômicos. Contudo, para além das restrições da oferta ou da
organização dos produtores, há a resistência da sociedade em aceitar e incorporar a bebida
como um elemento genuíno de sua cultura e que apresenta amplas possibilidades de aceitação
no mercado internacional, inclusive sendo apontado como símbolo de “brasilidade”, ao lado
da feijoada e do carnaval (CÂMARA, 2008). O reconhecimento de sua origem, de sua
trajetória e de seu público consumidor é um sinalizador bastante eloqüente do preconceito que
se construiu ao longo de cinco séculos do plantio de cana-de-açúcar no litoral brasileiro.
Porém, a indústria artesanal de cachaça detém uma série de virtudes que devem ser
exploradas, particularmente no interior da Bahia, onde as oportunidades econômicas são mais
escassas. A principal delas é a geração de emprego e renda entre a população mais pobre e
residente em regiões pouco dinâmicas. Desenvolver o segmento implica na contenção de
fluxos migratórios, na redução da pobreza, na organização e cooperação dos trabalhadores
com o conseqüente fortalecimento do capital social e, de forma mais geral, no alcance do
almejado desenvolvimento territorial, com redução das disparidades intra-regionais.
Para alcançar esses objetivos é necessário produzir com qualidade corrigindo os problemas
diagnosticados e fazer com que essa produção alcance os mercados mais amplos possíveis.
Só que consolidar a cachaça de alambique como referência de sucesso exige uma atenção
particular à questão da valoração da bebida como produto brasileiro, o que é mais sutil que a
mera agregação de valor dentro de padrões produtivos tecnicamente adequados. A valoração
da cachaça caminha pari passu com o aprimoramento constante dos métodos produtivos, mas
se situa além, envolvendo ações de propaganda, divulgação e difusão do produto também
entre os consumidores com renda mais elevada e maior nível de exigência. Enfim, implica em
conferir credibilidade à cachaça produzida em alambiques com qualidade crescente para, no
longo prazo, se conseguir minimizar o preconceito que acompanha a bebida desde as
fermentações que desandaram em tachos de cobre, lá pelos idos do século XVI.
A administração de uma iniciativa dessa natureza naturalmente deve envolver governo e
produtores, o que já vem se processando com sucesso, mas em uma escala ainda muito
modesta na Bahia. Até mesmo para efeitos de competição no mercado internacional, pois,
conforme atestam Carvalho e Silva (2004), a oferta brasileira do produto oscilou bastante ao
longo da última década, mesmo com a demanda crescente, o que retrata a desorganização do
mercado nacional.
Reforce-se, todavia, que as incertezas da oferta brasileira advêm não somente dos constantes
desarranjos que afligem nossas cadeias produtivas de forma mais geral, mas acima de tudo do
descaso com que é tratada a cachaça pela nossa própria sociedade. Soa até ingênuo pretender
atingir amplos mercados internacionais, gerando emprego, renda e divisas, quando
coletivamente não conseguimos enxergar a “brasilidade” da nossa bebida mais original e
fortalecê-la como produto cultural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão das dificuldades que envolvem a produção de cachaça de alambique no Brasil
e na Bahia vai além da quantificação de insumos, das técnicas de produção, dos métodos de
gestão ou das formas de escoamento da produção para os consumidores. Enfim, transcende a
dimensão econômica, encontrando suas raízes em âmbito multidisciplinar e indo até mesmo à
antropologia.
Pode-se, portanto, deduzir que muitas das dificuldades enfrentadas pela indústria da cachaça
decorrem de um preconceito ancestral, que se cristalizou com o transcorrer dos séculos e que
hoje constitui um dos principais senão o principal obstáculo ao desenvolvimento da
atividade e ao fortalecimento dos seus produtores.
Ampliam-se, portanto, as frentes de trabalho para que a atividade rompa o padrão de arranjo
produtivo local de país periférico, quase sempre destinado ao fracasso ou à utopia digerida do
capitalismo avançado e se consolide como alternativa econômica sustentável. Para tanto, a
ruptura com o preconceito secular e a resistência cultural constitui um imperativo.
A precariedade de recursos e o atraso que se reflete em péssimos indicadores sociais impõem
o viável mais do que uma meta: elevam-no à condição de imprescindível. É o caso da
indústria de cachaça artesanal na Bahia. Parta-se, portanto, para a batalha contra a resistência
cultural.
REFERÊNCIAS
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de derivados de cana-de-açúcar. Salvador: SECTI, 2007. 27 p.
CARVALHO, Maria Auxiliadora; SILVA, César Roberto Leite. Aprecie sem moderação:
perspectivas do comércio internacional da cachaça. Informações Econômicas. São Paulo, v.
34, n.1, jan. 2004.
CÂMARA, Marcelo. Fantasia não eliminada. Revista de História da Biblioteca Nacional.
Rio de Janeiro, n. 33, jun. 2008. Disponível em:
<http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1720> Acesso em: 15 jul.
2008.
CASCUDO, Luís da Câmara. Prelúdio da Cachaça. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986. 82p.
CRUZ Rossine; PASSOS, Francisco Uchoa. Experiências e potencialidades em arranjos
produtivos locais na Bahia: assimetrias, precariedades e constrangimentos estruturais. In:
Desenvolvimento regional: análises do Nordeste e da Bahia. Salvador: SEI, 2006. p.
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<http://www.minimundodacachaca.com/cachaça> Acesso em: 24 jul. 2008.
SACHS, Jeffrey. O fim da Pobreza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 434 p.
SILVA, Leonardo Henrique de Almeida; et. al. “Cachaça de Minas” e desenvolvimento
rural: uma análise do cooperativismo como impulso para o agronegócio. 2006.
Disponível em <http://www.alasru.org/cdalasru2006/pdf> Acesso em: 20 jul. 2008.
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