Europa), o fato é que a expressão designava algo inferior, desprezível, conjunto de espuma e
impureza decorrentes do processo industrial a que era submetida a cana-de-açúcar
(CASCUDO, 1986, p. 18). Como bem nota Câmara, “Observe-se que a palavra ‘cachaça’
antes de denominar nossa emblemática bebida, um símbolo nacional, serviu para chamar o
lixo, o resto, a sobra” (2008, p.02).
Tão estigmatizada em sua origem, era natural que a bebida inicialmente não fosse destinada
ao público mais aristocrático. Assim, nos primeiros tempos a cachaça era servida aos cativos
como uma espécie de “energético” (SILVA et. al., 2006), mas “que embebedava os escravos,
tornando mais suportável a dureza da escravidão” (CARVALHO E SILVA, 2004). Mais
tarde, o consumo se ampliou entre as classes mais baixas da sociedade colonial, conforme
observou o viajante francês Pyrard Laval, em sua passagem por Salvador em 1610: “Faz-se
vinho com o suco da cana, que é barato, mas só para os escravos e os filhos da terra”
(CASCUDO, 1986, p. 15). Para os paladares mais nobres reservavam-se bebidas refinadas,
como a aguardente do Reino, feita com uvas e que representava para o colonizador “obstinada
saudade do português no seu exílio tropical” (CASCUDO, 1986, p. 21).
Adiante, o mesmo Cascudo (1986) observa que o século XVI é o da exaltação da aguardente,
que na sabedoria popular adquiriu o status de remédio para todos os males, verdadeira
panacéia, o que se perpetua como crendice até os dias atuais. O sucesso alcançado pela
cachaça entre as classes populares levou preocupação à Coroa Portuguesa por diversos
motivos. Um deles foi a concorrência que o produto representava para a Bagaceira, espécie
de vinho produzido em Portugal e cujas importações caíram drasticamente com o sucesso da
cachaça brasileira junto ao povo nativo (CARVALHO E SILVA, 2004). Outro motivo
alegado pela Coroa foi a constante embriaguez dos escravos, o que dificultaria as atividades
econômicas na colônia, principalmente a extração do ouro em Minas Gerais (SILVA et. al.,
2006). Por fim, havia o interesse da Metrópole de que se produzisse açúcar, ao invés da
controversa aguardente.
A solução encontrada pela Coroa foi a emissão de uma Carta Real em 1649, proibindo a
produção de aguardente através de cana-de-açúcar. No século seguinte, em 1743, medida
semelhante foi adotada, mas se restringia ao território baiano, recorrendo-se à justificativa dos
tumultos provocados por escravos bêbados (SILVA et. al., 2006). Em outros momentos se
tentou elevar aos tributos como forma de inibir a produção, mas o único resultado alcançado