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“racionalismo teologizante”, alicerce da estabilidade da dominação religiosa e abortado pelos
“cultos emocionais”, se reveste da representação formal-legal da autoridade, da especialização
funcional do político
24
e da racionalização do sistema jurídico-administrativo. Quando Weber
afirma que a democracia ateniense, em seu âmago, escondia a dominação carismática sob a
fachada da legitimação constitucional
25
, vemos irromper de novo o princípio dionisíaco.
Irracionalismo carismático e apatia das massas são termos solidários em seu pensamento
político
26
.
Para Weber, a racionalização das competências, o desenvolvimento e o governo da lei
formal na Atenas clássica foram sacrificados pelo sobrepeso político do demos
27
. Novamente os
mesmos termos solidários. O verso apolíneo e o reverso dionisíaco tornam a aparecer. Neste
raciocínio, as interpelações do demos nos tribunais populares e na resolução dos julgamentos
garantiriam sua superioridade sobre o nomos, assim como a liderança carismática do demagogo.
Ora, a competição pela liderança da comunidade política na arena pública era conduzida
pelas expectativas do demos quanto à natureza do programa político apresentado. A opção por
23
VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., p. 59.
24
Vale lembrar a famosa distinção weberiana entre o político que vive para a política, como na Grécia, e o político
que vive da política, caso do político profissional das democracias liberais: “há duas maneiras de fazer política. Ou
se vive ‘para’ a política ou se vive ‘da’ política [...]. Quem vive ‘para’ a política a transforma, no sentido mais
profundo do termo, em ‘fim de sua vida’, seja porque encontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque
o exercício dessa atividade lhe permite achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de
uma ‘causa’ que dá significação a sua vida [...]. Nossa distinção assenta-se, portanto, num aspecto extremamente
importante da condição do homem político, ou seja, o aspecto econômico. Daquele que vê na política uma
permanente fonte de rendas, diremos que ‘vive da política’, e diremos, no caso contrário, que ‘vive para a política’”.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2002, pp. 64-65.
25
Nas palavras de Weber, “a ‘democracia plebiscitária’ – o tipo mais importante da democracia de líderes -, em seu
sentido genuíno, é uma espécie de dominação carismática oculta sob a forma de uma legitimidade derivada da
vontade dos dominados e que só persiste em virtude desta. O líder (demagogo) domina, na verdade, devido à
confiança de seu séqüito político para com sua pessoa como tal. Ele domina, inicialmente, os partidários que
conquistou e, em seguida, no caso de estes o levarem ao poder, toda a associação. São representativos [...] os
demagogos helênicos” Idem. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 176.
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Segundo as críticas de Moses Finley ao tripé weberiano das formas de dominação legítima, Weber seria, na
verdade, um dos antecessores da reacionária teoria elitista da democracia, “que sustenta que a apatia da massa e a
não-participação não apenas caracterizam o atual comportamento político democrático, mas também, o que é mais
importante, são absolutamente necessárias para o funcionamento perfeito da democracia”. FINLEY, Moses I.
História antiga: testemunhos e modelos. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 127. Cf. “Max Weber e a cidade-estado
grega”.
27
Lemos no original de Weber: “Na democracia grega da época de Péricles e da posterior, os processos não eram
decididos, como em Roma, pelos jurados individuais instruídos de modo vinculante pelo pretor ou segundo o direito
formal, mas pela heliéia, que os decidia segundo a ‘justiça’ material ou, na verdade, segundo lágrimas, adulações,
invectivas demagógicas e ditos jocosos [...]. A conseqüência foi a impossibilidade do desenvolvimento de um direito
formal e de uma jurisprudência formal do tipo romano, pois a heliéia era um ‘tribunal do povo’”. WEBER, Max.
Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 178.