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DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA
CATAVENTO COMUNICAÇÃO E EDUCÃO
AMBIENTAL E A EXPERIÊNCIA DE
FORMAÇÃO EM COMUNICAÇÃO POPULAR
MONOGRAFIA
FORTALEZA-CEARÁ
2005
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2
KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA
CATAVENTO COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E A EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO EM
COMUNICAÇÃO POPULAR
Monografia apresentada ao curso de
Comunicação Social da Universidade
Federal do Ceará para obtenção da
graduação em Comunicação Social,
habilitação em Jornalismo.
Orientadora: Prof
a
. Mestra Kátia Regina
Azevedo Patrocínio
FORTALEZA-CE
2005
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3
Dedico esse trabalho à minha família
que sempre respeitou o meu ritmo. Fica
aqui também o meu agradecimento à
toda a equipe do Catavento
Comunicação e Educação Ambiental
por me mostrar que um outro tipo de
comunicação é possível.
4
Agradecimentos Especiais
Rosane Nunes (que me mostrou o
fascinante universo do rádio)
Edgard Patrício (por sua originalidade de
idéias e seu compromisso social)
Roberto Hipólito (cuja alegria e amor pelo
radiojornalismo me cativaram)
Kátia Patrocínio (pela sua paciência e
perseverança comigo).
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Apresentando o Tema ............................................................................................ 7
CAPÍTULO 1
1. MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES: Onde estão as ONGs?
................................................................................................................................10
1.1. Movimentos Sociais Populares .................................................................. 10
1.2. As ONGs - Organizações Não-governamentais ........................................ 15
1.3. O Catavento Comunicação e Educação Ambiental ................................... 19
1.4. Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido ................................................ 25
1.5. Projeto Dom Hélder Câmara ...................................................................... 31
CAPÍTULO 2
2. COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: A Perspectiva dessa Interação na Visão do
Catavento ...................................................................................................... 35
2.1. Comunicação e Educação: um novo campo de conhecimento para uma
antiga relação ............................................................................................. 35
2.2. A Educomunicação na Atuação do Catavento ........................................... 38
2.3. A Comunicação Popular ............................................................................ 41
2.4. O Rádio e a Educação ............................................................................... 43
2.5. Plano de Comunicação do Catavento para o Projeto Dom lder Câmara
.................................................................................................................... 46
CAPÍTULO 3
3. A EXPERIÊNCIA DA FORMAÇÃO EM COMUNICAÇÃO POPULAR
........................................................................................................................ 49
3.1. O Primeiro Contato: articulação e mobilização para a escolha dos jovens
participantes ............................................................................................... 49
6
3.2. As Primeiras Oficinas: sensibilizando para a comunicação popular e os
primeiros conhecimentos sobre as técnicas radiofônicas .......................... 52
3.3. Conversa de Alpendre: uma rádio-revista de educação popular ............... 58
3.4. Final da Primeira Fase da Formação: reconhecimento enquanto
comunicadores populares e a descoberta do seu papel social
.................................................................................................................... 62
3.5. As Mini-Oficinas: acompanhando a caminhada do Grupo de Comunicação
Popular de Quixeramobim ......................................................................... 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletindo sobre a Prática ..................................................................................... 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 71
ANEXO ................................................................................................................ 74
7
INTRODÃO
Apresentando o Tema
O Catavento Comunicação e Educação Ambiental é uma organização não-
governamental, ONG, que atua no semi-árido cearense desde 1995. Nas páginas
seguintes, iremos descrever, propondo uma pequena análise, o trabalho de
formação em comunicação popular, realizado pelo Catavento dentro do projeto
governamental Domlder Câmara durante o período de janeiro de 2003 a
janeiro de 2005, tendo como pano de fundo sua atuação dentro dos movimentos
sociais populares.
A contextualização do trabalho dessa ONG dentro do Projeto Dom Hélder
mara projeto este que propiciou o desenvolvimento da experiência de
comunicação popular com doze jovens de cinco assentamentos federais,
localizados na Zona Rural de Quixeramobim, município do Sertão Central
cearense que é o objeto principal deste estudo, serve como ponto de partida
para iniciarmos uma reflexão sobre a prática da comunicação popular atrelada à
educação.
Compreendemos, porém, que antes de entrarmos na experiência em si, faz-
se necessária uma pequena discussão sobre o papel das ONGs na sociedade
contemporânea, mas especificamente na sociedade brasileira. Surgem, então, as
nossas primeiras indagações. O que entendemos por ONG? As ONGs são
movimentos sociais ou apenas exercem a função de fortalecê-los? Como definir
as ONGs no atual momento vivido pelos movimentos sociais? É, a partir dessas
perguntas, que começamos o nosso estudo.
Estudo esse que tamm passeia por uma breve conceituação do que são
movimentos sociais, em especial movimentos sociais populares, e sobre a atual
conjuntura onde tais movimentos estão inseridos, influenciando diretamente em
suas estratégias de atuação. Através de leituras sobre movimentos populares e de
8
observações empíricas do atual movimento popular ligado ao semi-árido, vamos
discutir a necessidade da formação de redes e fóruns sociais. Práticas essas que
aparecem de forma mais freqüente na realidade dos movimentos populares.
A partir dessa discussão sobre a formação de redes no movimento popular,
foi imperativo dedicar um tempo do trabalho para a contextualização, através de
um rápido histórico e descrição das principais atividades, do Fórum Cearense pela
Vida no Semi-Árido, FCVSA, e da Articulação no Semi-Árido Brasileiro, ASA-
Brasil. Isso foi feito não apenas por se constituírem como importantes articulações
na luta por um semi-árido brasileiro melhor de se viver, mas porque sua
contextualização ajuda a situar o porquê dessa luta. Além disso, entender a
estrutura dessas articulações nos fornece um panorama da participação do
Catavento dentro desses fóruns e a relação com o Projeto Domlder Câmara.
O Projeto Dom Hélder Câmara tamm mereceu um espaço neste trabalho.
E, no momento seguinte, descrevemos as suas linhas gerais de ação, como se
deu seu surgimento e a parceria com o FCVSA. Tudo isso para ambientarmos o
leitor dentro do contexto onde fez surgir a experiência de formação em
comunicação popular. Terminada essa etapa de contextualização da experiência,
temos o ponto de partida para que se entenda como iniciou o processo de
formação, pelo qual, esses jovens assentados passaram.
Processo esse que começa a ser discutido, a partir da reflexão que
fazemos sobre as inter-relações entre comunicação e educação dentro da visão
que norteia as ações do Catavento. Para assim, entendermos o processo de
elaboração do Plano de Comunicação do Catavento para o Projeto Dom Hélder
mara. E como cenário para essa discussão apoiamo-nos na importância que
práticas educomunicativas vêm ganhando na perspectivas de mudança do
paradigma de decadência que cerca o semi-árido brasileiro.
Por fim, após uma reflexão sobre o que é comunicação popular e sobre o
papel do rádio como instrumento educativo, passamos para o relato da
experiência em si. Uma narrativa das etapas da formação – oficinas e mini-oficinas
de acompanhamento, atreladas à produção semanal do programa de rádio
9
Conversa de Alpendre prevista no Plano de Comunicação do Catavento para o
Projeto Dom Hélder Câmara. Tudo isso para buscarmos uma reflexão sobre se
essa formação teve alguma influência significativa na construção desses jovens
enquanto sujeitos de sua história.
Assim, este trabalho de conclusão de curso por um lado, norteia-se numa
revisão bibliográfica nas áreas de comunicação e educação, por outro lado, apóia-
se na observação empírica da experiência. Intercalando prática e teoria na
construção desta pesquisa.
10
CATULO 1
1. MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES: Onde estão as ONGs?
“Gramsci, assim como Marx, afirma que a sociedade civil – e não mais o Estado, como em Hegel – representa
o momento ativo e positivo de desenvolvimento histórico”.
(BOBBIO, Norberto. O Conceito da Sociedade Civil).
1.1. Movimentos Sociais Populares
As organizações não-governamentais podem ser consideradas movimento
social? A pergunta que abriu a nossa reflexão nos motiva a, antes de respondê-la,
discutir sobre movimentos sociais. Desde já, porém, delimitamos os movimentos
sociais aos populares, ou seja, aos movimentos sociais que representam os
interesses do povo. Fazemos esse recorte por compreender que existem
movimentos sociais voltados para a defesa de setores dominantes da sociedade
capitalista. Tais movimentos sociais m como objetivo a manutenção do “status
quo” e suas reivindicações estão longe de querer abalar a estrutura capitalista. Um
bom exemplo são os sindicatos patronais e as associações de empresários.
Vistos como manifestações das classes proletárias, os movimentos sociais
populares, nas últimas cadas, vêm ampliando sua forma de se apresentar,
variando seus pontos de reivindicações, saindo”, inclusive, da formação inicial
que teria origem nas organizações genuinamente dos trabalhadores e
camponeses, dentro do modelo de confronto histórico limitado à burguesia e ao
proletariado. Mesmo assim, sua razão de existir permanece a mesma: lutar contra
a dominação econômica, política e cultural do sistema capitalista. Afinal, essa
colcha de retalhos que compõe a sociedade pode ser dividida em dois grandes
grupos: “as taças de cristais e as de vidro” ou “os tecidos finos e os ordinários”,
11
melhor dizendo, os exploradores e explorados. E, por que não dizer, a burguesia e
o proletariado?
Essa diversidade entre os movimentos sociais populares (que a partir de
agora, passo a denominá-los apenas de movimentos populares), detectada e
ampliada ao longo da história, acontece porque grupos organizados se
manifestam não pelo ponto crucial que é a dominação capitalista, mas pelas
reivindicações pautadas nas dificuldades pontuais desse cotidiano de dominação.
E são essas diversas especificidades que motivam a formação dos grupos
reivindicatórios que dão o caráter de pluralidade aos movimentos populares.
Muitas vezes, essa diversidade de reivindicações e de estratégias de
atuação confunde a leitura sobre os movimentos populares. É onde surge o
pensamento de que as diferenças tornam os tantos grupos de movimentos
populares distantes um dos outros, sem um elo, sem uma causa única que os
coloque na raiz de uma mesma árvore. Infelizmente, essa compreensão que não
aprofunda o olhar para os verdadeiros grilhões que massacram a quase totalidade
da sociedade acaba por ser estratégica para aqueles que defendem a
manutenção da estrutura exploradores e explorados, pois exime o sistema
capitalista da sua responsabilidade pela desigualdade social.
Mesmo havendo uma raiz comum que justifique a existência dos
movimentos populares e que estaria em combater a lógica da propriedade privada
dos meios de produção e do lucro que norteia a organização e a estrutura do
capitalismo, diferenças entre as organizações que fazem o movimento popular.
Essa diversidade aos movimentos populares identidades próprias, mais
específicas que se apresentam em suas reivindicações pontuais. Mesmo com
identidades distintas, os movimentos populares externalizam seu
descontentamento com o tipo de desenvolvimento social e econômico no qual
vivemos, através de suas lutas por melhores salários, por terra, moradia, saúde,
educação etc. Compartilham, portanto, a defesa da distribuição da riqueza
socialmente produzida, mas concentrada nas mãos de uma pequena parcela da
sociedade.
12
Ao tornarem transparente a reivindicação pela democratização do
acesso a ela (distribuição da riqueza), os movimentos coletivos estão
denunciando a existência de desigualdades e tornando explícito um
conflito de interesses de classes (Peruzzo, 2004:57).
Assim, cada vez mais os movimentos populares de diversas origens
reivindicatórias encontram pontos em comum que os aproximam na mesma luta,
fortalecendo a ação coletiva em contraponto a esforços individuais. Começam,
então, a serem formadas as redes de movimentos populares para que essa ação
coletiva se concretize. Mesmo com essa unidade, são garantidas as
individualidades desses movimentos que expressam suas diferentes identidades e
tornam plural esse movimento único. Devido à tanta diversidade, faz-se
necessário primar por alguns princípios para que essas redes de movimentos
populares não sucumbam em suas diferenças. Daí, princípios como autonomia e a
rejeição às relações hierarquizadas ganham espaço e os movimentos populares
passam a valorizar ainda mais as relações de igualdade.
Outro fator que dá aos movimentos populares esse caráter plural é a
inclusão de grupos e pessoas que se aproximam, motivados por concepções
ideológicas, como afirma Maria da Glória Gohn em seu livro “Movimentos Sociais
e Educação”:
Para nós, não existe movimento social puro, isolado, formado apenas de
participantes populares, da base. Sempre a presença de elementos
externos ao grupo demandatário. Externos no sentido de pertencerem à
outra categoria social, mas existe uma base de coesão ideológica
comum que cria laços de afinidades e objetivos únicos (Gohn, 2001:50).
É por isso que encontramos pessoas da cidade no movimento pela reforma
agrária ou o apoio de trabalhadores a greves de estudantes, por exemplo, ou
ainda estudantes de diversas camadas sociais apoiando as causas de diferentes
categorias de trabalhadores. Esse foi o primeiro aspecto que nos fez refletir sobre
as ONGs serem movimentos populares. Reflexão essa que discutiremos mais
adiante.
13
No Brasil, a partir dos anos setenta, essa pluralidade dos movimentos
populares ganhou corpo. É o que relata Cicilia Maria Krohling Peruzzo em seu
livro Comunicação nos Movimentos Populares A participação na construção da
cidadania”:
No final da década de setenta, setores das classes subalternas, que
durante 21 anos (1964-1985) de ditadura se viram afastados do acesso
pleno à cidadania, começam a denunciar, a resistir, a organizar-se em
torno da reivindicação de seus direitos. É quando ‘novos personagens
entram em cena’, constituindo-se no Brasil inteiro, nos últimos anos
daquela década e nos anos oitenta, milhares de novos movimentos
sociais populares e sindicais (Peruzzo, 2004:30).
Dentro desse cenário onde se incorporam novos personagens’, não há,
contudo, uma uniformidade e nem é linear o crescimento dos movimentos
populares, visto que estes passam por momentos diferenciados. Mas, mesmo com
momentos onde algumas estratégias se sobressaem, os movimentos populares
não perdem a sua característica de serem dinâmicos, como é dinâmica a vida de
modo geral e também a vida em sociedade.
Assim, os movimentos populares vivem períodos que se entrelaçam. Fases
de grandes manifestações trazem o caráter da mobilização acentuada como
predominante. Em outros momentos, a organização se sobressai e se amplia o
número de associações e entidades populares. Há, tamm, fases onde a
articulação e a busca por parcerias tornam-se prioridades na estratégia de somar
forças. É dentro desse processo social que os movimentos populares vão trilhando
seu caminho, fazendo sua história no Brasil e no mundo.
Nessa estratégia de unir forças, as ONGs, em um primeiro momento,
aproximam-se dos movimentos populares, especialmente com a função de animar
e fomentar os grupos populares, atuando principalmente “no nível da
conscientização, da denúncia, do assessoramento jurídico e político, da
articulação, da formação, da sistematização e divulgação de informações.
(Peruzzo, 2004:46).
14
Essa articulação e esse trabalho em rede que cada vez mais caracterizam a
atuação dos movimentos populares abrem espaço para uma nova cultura política,
inclusive, apontando para um novo conceito de organização não-governamental
que se apresentaria como integrante dos movimentos sociais populares e o
simplesmente como parceira.
Outro ponto alto é a solidariedade, que, extrapolando o raio de ação dos
que acham diretamente envolvidos no desenvolvimento e na aplicação
de programas, se projeta em toda sociedade, à margem do Estado. [...]
Passa-se a enxergar melhor a situação do outro e a assumir de alguma
forma o seu problema. E começa a haver um pouco mais de partilha,
seja de bens ou de trabalho em benefício do próximo (Peruzzo,
2004:43).
No Brasil, podemos perceber bem esses estágios dos movimentos
populares no final da década de oitenta e meados dos anos noventa. É nesse
período tamm que as organizações populares começam a se aproximar do
Governo. Se antes, mal havia o diálogo, a partir desse período se fortalece a iia
da parceria com o poder público. Os movimentos populares perdem o medo de
negociar com governos e começam inclusive a vê-los como possíveis parceiros.
Os movimentos, que antes negavam tudo que viesse do governo,
começaram a aceitar a idéia de discutir com ele. Foram, assim, abrindo
espaço no interior do Estado, que passou a reconhecê-los como
interlocutores e a mostrar-se mais sensível às reivindicações. Com isso,
tornou-se mais candente a necessidade de formação, agora
especializada, com vistas à competência para negociar melhor, propor e
debater questões e programas públicos (Peruzzo, 2004:42).
Paulatinamente, vão surgindo projetos e programas governamentais com
foco nos problemas sociais que estão na pauta reivindicatória do movimento
popular. Seja por pressões dos próprios movimentos populares, interesses
eleitoreiros de quem está ou pleiteia o governo ou ainda por pressões de
financiadores internacionais. Assim as organizações sociais e os órgãos públicos
aproximam-se, obrigando-se a manter um diálogo. E para que, nesse diálogo, a
voz dos movimentos populares seja qualificada, surge a preocupação de formar
15
quadros dentro dos movimentos populares aptos a negociações. Nessa nova
conjuntura, as ONGs, mais uma vez, ganham um papel importante ao ajudarem a
formar tais quadros ou quando assumem o papel de interlocução com o Governo.
O Projeto Dom Hélder mara é um exemplo dessa nova fase onde as
ONGs fazem a ponte entre o Governo representado pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário e os movimentos sociais populares da região
identificados aqui pelas associações comunitárias dos assentamentos. Ao mesmo
tempo em que, reunidas em um fórum (Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido),
as ONGs cearenses que executam o Projeto Dom Hélder Câmara levam adiante o
movimento popular por um semirido com melhores condições sociais de vida.
1.2. As ONGs - Organizações Não-Governamentais
Para a maioria dos autores, as ONGs são organizações sem fins lucrativos
autônomas cuja razão maior de existir é “contribuir para um processo de
desenvolvimento que supõe transformações estruturais da sociedade.” (Tenório,
2004:11). Atuando onde o Estado é ineficaz ou pouco eficiente, as ONGs seriam
uma das formas que a sociedade civil encontrou para se organizar na tentativa de
intervir na busca por alternativas para melhorar a vida em sociedade,
especialmente, para as camadas menos favorecidas.
A formação das ONGs é, portanto, predefinida por algum ideal, concepção
e congruência nas estratégias de atuação de um grupo de indivíduos que acabam
compondo a direção e/ou corpo técnico das mesmas. Assim, as áreas de
intervenção das ONGs são diversificadas e suas equipes, na maioria, não são
formadas por pessoas que necessitam das reivindicações tomadas pela ONG da
qual fazem parte. A exemplo, ONGs que defendem a reforma agrária e a
agricultura familiar sem, contudo, serem exclusivamente compostas por
agricultores e trabalhadores sem terra.
Nas últimas décadas, depois da Segunda Guerra Mundial, o acirramento do
capitalismo (mais conhecido pelo fenômeno denominado globalização) que
16
acentua a pobreza, ampliando a disparidade entre ricos e pobres e que está
marcado pela impotência do Estado como solucionador ou apaziguador das
diferenças sociais, abriu margem para a multiplicação de ONGs. Visto que a
sociedade civil, cada vez mais, não vê no Estado a força política e econômica para
atender às demandas sociais e toma para si a responsabilidade política e histórica
de mudanças desse quadro social. Mesmo que a maioria não compreenda o fim
do capitalismo como a tática para o fim da desigualdade social e se atenha
apenas a questões pontuais.
As ONGs são, portanto, frutos da organização da sociedade civil e se
constituem legalmente enquanto associações privadas, sem fins lucrativos.
Embora sejam associações privadas, as ONGs ganham um caráter público por se
dedicarem a questões sociais e não terem a intenção do lucro. Quando do seu
surgimento, as ONGs procuravam ocupar os espaços não preenchidos pelo
Estado, através de ações assistencialistas. Essa característica de assistencialismo
surge por, inicialmente, as ONGs estarem ligadas a grupos religiosos, a exemplo,
as primeiras ONGs norte-americanas (Tenório, 2004).
No Brasil, porém, a partir dos anos setenta, as ONGs passam a
desempenhar um novo papel, adotando um caráter mais de proposição, ao
apresentar, como estratégias, a divulgação, implantação e multiplicação de
experiências que possam modificar os problemas sociais, incentivando a formação
de novos atores sociais.
Atores que não pretendem substituir a ação do Estado, mas que
estimulam a rediscussão de seu papel, numa perspectiva que inclua a
participação cidadã no processo de democratização, direcionando o foco
do desenvolvimento para seu aspecto social e tendo como contraponto
os modelos de desenvolvimento centrados no Estado e no mercado
(Tenório, 2004:12).
As ONGs para exercer suas atividades necessitam de financiamentos cujas
fontes vão desde doações de setores privados (pessoas físicas e jurídicas) a
parcerias com o poder público e ainda apoio financeiro de órgãos internacionais,
como as agências de cooperação. No Brasil, especialmente no final do século
17
passado e início deste, os financiamentos internacionais m gradativamente
diminuindo, devido à mudança de foco das cooperações internacionais que
passaram a investir seu dinheiro e conhecimentos tecnológicos nas parcerias com
países considerados mais pobres que o Brasil, como os localizados na África e
América Central. Assim, as ONGs brasileiras ampliaram suas parcerias com o
poder público.
Devido a essa necessidade de financiamento para sua sustentação,
percebemos a dualidade existente dentro das ONGs. Se de um lado colocam-se
autônomas para definir seu campo e forma de atuação, por outro precisam de
financiamento externo, obrigando-se a estar em sintonia com os possíveis
financiadores para assim garantir que tal financiamento venha para seus projetos
e não para outras ONGs que podem ser vistas, inclusive, como concorrentes.
Outro ponto a ser questionado é o caráter não-governamental dessas ONGs,
especialmente com o aumento das parcerias com o Estado.
As chamadas organizações não-governamentais (ONGs), quando hoje
passam a ser financiadas por entidades, muitas destas de caráter
governamental, por meio das parcerias, ou quando são contratadas pelo
Estado (federal, estadual ou municipal), para desempenhar, de forma
terceirizada, as funções a ele atribuídas, não parecem tão fiéis a seu dito
caráter não-governamental e à sua condição de “auto-governada”
(Montaño, 2003:57).
Olhando por outro prisma, podemos sugerir que essa ligação cada vez mais
estreita com o Estado force as ONGs a procurar respaldo nos movimentos
populares como também o fortalecimento do trabalho em rede, englobando
diversas organizações e setores populares. Dessa forma, as ONGs buscariam, na
pressão da sociedade, força política diante das negociações com o Estado, numa
tentativa de proteger sua autonomia e sua posição não-governamental.
Observando o contexto atual, onde os fóruns e redes de organizações sociais
aumentaram consideravelmente, tendemos a concluir que essa foi a saída
escolhida pela maioria das ONGs.
18
Mas, são contradições como essas que dificultam um consenso sobre o
conceito de organização não-governamental entre os teóricos, deixando brechas
para a disseminação livre e explícita de conceitos formados a partir de interesses
econômicos e políticos e aumentando a confusão na hora de definir se as ONGs
são movimento popular, se estão no movimento popular enquanto parceiras ou
ainda se substituem tais movimentos.
No Brasil, as organizações não-governamentais são responsáveis por
gerar 2,5% dos postos de trabalho do País. É o que diz pesquisa feita, em 2002,
pela Associação Brasileira de Organizações o-Governamentais, ABONG. Além
da geração de empregos, o trabalho voltado para o desenvolvimento social dá aos
serviços prestados pelas ONGs um papel ainda mais importante na sociedade
contemporânea.
Apesar de ter em seus quadros o voluntariado, as ONGs o fonte de
emprego para a maior parte de seus componentes. E esse é um ponto que nos faz
relutar em definir as ONGs como movimento popular. Visto que os movimentos
populares têm em sua essência atividades não-remuneradas, mesmo que entre
seus membros haja indivíduos que sejam pagos para exercer algumas funções
temporárias dentro do movimento social, como, por exemplo, ser diretor de
associação comunitária ou de sindicato.
Nossas reflexões levam a aceitar essa dualidade de papel das ONGs.
Surgidas para assessorar os movimentos populares, as ONGs vêm galgando
novos espaços e inclusive assumindo atividades que antes eram exclusivas dos
movimentos populares. Afinal, como desenvolver um projeto cuja base é social
sem se apropriar das discussões e lutas em torno do tema? Como em tempos de
fortalecimento de articulação entre diversos setores sociais ficar de fora desses
fóruns e redes?
Assim, partindo do princípio de que não haveria um movimento popular
puro, que mesmo no defender de uma mesma causa, existam diferentes pontos
de vista e, portanto, formas de atuação e organização distintas, tendemos a ver as
ONGs dentro do movimento popular, não apenas como assessoria destes, mas
19
como uma forma de se fazer movimento popular. Além disso, a atuação política
que parte das ONGs (como é o caso do trabalho das ONGs ambientalistas) traz
outro elemento para vê-las enquanto movimento popular, embora não possamos
dizer com certeza que as ONGs, em sua totalidade, estão realmente
comprometidas com a causa social, devido à pluralidade do meio e dos artifícios
de alguns grupos que “criamONGs como testa de ferro para se apropriarem de
recursos públicos ou ainda para defender o “status quo”.
Dessa forma, seria prudente dizer que na sua origem por se disporem a
modificar a situação de desigualdade social as ONGs aparecem como
colaboradores coadjuvantes dos movimentos populares e que ao longo das
mudanças políticas, sociais e econômicas das últimas décadas incorporaram-se
aos movimentos sociais e em sua maioria aos movimentos populares. Mas, não
em substituição destes, pois sindicatos, associações e grupos reivindicatórios
permanecem atuando; e sim como mais um tipo de movimento popular.
1.3. O Catavento Comunicação e Educação Ambiental
Como a maioria das organizações não-governamentais, o Catavento
também surge a partir da idéia de um grupo que se identificava com causas
sociais. Tudo começa em 1991, quando estudantes dos cursos de Comunicação
Social (habilitação em jornalismo) e Direito, da Universidade Federal do Ceará
lançam, na Rádio Universitária FM, um programa sobre ecologia, chamado
Catavento. De um programa de rádio feito por universitários cujo primor com a
técnica radiofônica e com o conteúdo das matérias e inovação na abordagem dos
temas para as pautas produzidas dava sinais de profissionalismo, até o
surgimento da ONG transcorreram quatro anos.
Surge, então, em 1995, a ONG Catavento Comunicação e Educação
Ambiental. Dentro da perspectiva de comunicar e educar; e ampliando sua área de
atuação para outras causas sociais além das causas ambientais, especialmente
para o compromisso de trabalhar o desenvolvimento do semi-árido brasileiro, o
20
Catavento se apresenta como uma ONG que tem em sua missão expandir a
comunicação horizontalizada, educativa e libertária entre as camadas mais pobres
da população cearense, focalizando sua maior atenção nas crianças,
adolescentes e jovens:
Contribuir para a compreensão do papel educativo da comunicação,
priorizando os processos formativos com crianças, adolescentes e
jovens do semi-árido, buscando a democratização da produção e do
acesso ao conhecimento (Missão do Catavento referendada no encontro
de avaliação e planejamento estratégico da entidade, realizado em
dezembro de 2004).
A partir de então, o Catavento vem desenvolvendo várias atividades
seguindo essa orientação. O rádio foi escolhido como o veículo ideal para suas
atividades educativas/comunicativas por ainda se tratar do meio de comunicação
de massa mais popular, democrático e cuja produção é mais barata se comparada
a impressos e produtos audiovisuais. Além disso, o rádio está fortemente presente
no cotidiano das camadas menos favorecidas, especialmente entre as famílias do
interior cearense.
Entre os meios de comunicação de massa, o rádio é, sem dúvida, o mais
popular e o de maior alcance público, não no Brasil como em todo o
mundo, constituindo-se muitas vezes no único a levar a informação e o
entretenimento, para populações de vastas regiões que não têm acesso
a outros meios, seja por motivos geográficos, econômicos ou culturais.
(CÉSAR, 1990:63).
Esse caráter popular do rádio tem causa em suas características mais
intrínsecas; a começar por sua natureza físico-psicológica capacidade humana
de captar e reter a mensagem falada e sonora, ao mesmo tempo em que
desempenha outra função como também por sua tecnologia de custo baixo: o
transmissor.
Com o dio como o meio de comunicação escolhido para o trabalho
educativo e comunicacional, o Catavento vem desenvolvendo diversos projetos.
Entre eles estão:
21
- Segura essa Onda: rádio-escola na gestão sociocultural da aprendizagem
Projeto cujo objetivo principal é transformar o dio em mais um instrumento
pedagógico e de integração para a comunidade escolar. Partindo de premissas
como comunidade de aprendizagem, protagonismo juvenil, gestão de
processos comunicacionais e identidade cultural o “Segura essa Onda” procura
aproximar o dio do desenvolvimento curricular, através de um processo de
formação que envolve gestores, professores e estudantes. Esse projeto que
teve sua primeira experiência em 25 escolas municipais de Fortaleza,
atualmente, está sendo desenvolvido na escola João Ferreira Viana, localizada
no assentamento Feijão, município de Choró, Sertão Central; e com 20
adolescentes de quatro comunidades de origens indígenas, Poty, Jatobá
Medonho, Barro Vermelho e Tucuns, localizadas em Crateús, região dos
Inhamuns. Dentre os objetivos do projeto, está o despertar da relação mútua
de pertencimento entre comunidade escolar e comunidade do entorno; apoio a
atividades inerentes ao processo de desenvolvimento curricular; percepção da
presença dos meios de comunicação de massa no nosso cotidiano e
ampliação dos espaços de diálogo dentro da escola.
- Eu Prometo Morreu: a construção da cidadania política pela
comunicação educativa
Desenvolvido com o apoio da Rede ANDI (Agência de Notícias pelos
Direitos da Infância) e executado a partir da experiência Selo Unicef
Município Aprovado no Ceará
1
, esse projeto constitui-se a partir da formação,
realizada com os candidatos a Prefeito-Mirim do município de Canindé, Sertão
Central. A formação trabalha o reconhecimento de que crianças e
1
De dois em dois anos, o Selo Unicef reconhece os avanços realizados pelas administrações
municipais em torno dos direitos da criança e do adolescente, levando em consideração a
mobilização da sociedade. É feita, então, a eleição do Prefeito-Mirim, escolhido em escolas pela
votação direta dos estudantes de 10 a 15 anos.
22
adolescentes são sujeitos de direitos e, portanto, devem atuar como
protagonistas, estejam estes na esfera social ou política. Para, assim, esses
direitos serem transformados pelos meninos e meninas em propostas de um
plano de governo, com o intuito de procurar formas de atuação na comunidade
local. Por fim, é estimulada a realização de uma ação comunicativa no espaço
educativo, ou seja, a comunicação transformando-se em instrumento para se
perceber o mundo e construir conhecimentos. Aqui, os meninos e as meninas
produzem produtos radiofônicos, relacionando suas propostas com os direitos
das crianças e adolescentes.
- Comunicando Saberes, Realizando Sonhos: o rádio no fortalecimento
das competências familiares
Trabalhando com radialistas de trinta municípios com baixos índices de
desenvolvimento humano do interior cearense, o projeto visa à sensibilização
para o cuidado com a criança e adolescente. O projeto é estruturado para
favorecer a troca de saberes entre famílias, gestores municipais, profissionais
das equipes do Programa Saúde da Família e agentes comunitários de saúde,
na realização das competências familiares, definidas como básicas ao
desenvolvimento infantil pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef). O Catavento desenvolve uma série de ações voltadas à divulgação e
fortalecimento das competências familiares e municipais, através de atividades
de formação e comunicação educativa pelo rádio. Entre as atividades, estão
reuniões com famílias para discutir as competências familiares, a partir de
como essas famílias se estruturam e tratam suas crianças e adolescentes;
cursos de capacitação com radialistas para sensibilizá-los sobre o tema, tendo
como ponto de partida a responsabilidade social do profissional comunicador; e
produção de programas e spots, cujas pautas nascem desses encontros com
as famílias e radialistas.
23
- Matrizes Culturais, Gêneros e Formatos Radiofônicos: a construção do
rádio cearense entre os anos 1934-1948
Projeto de pesquisa, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), que reconstrói o início do rádio no Ceará, a
partir da instalação da Ceará Rádio Clube em 1934. Trabalhando com relatos
orais e com pesquisa direta em acervos da época e jornais impressos, o
projeto produz um site para acesso a todo o material e acervos pesquisados,
entrevistas com os precursores do rádio no Ceará e a prodão de uma série
de programas temáticos para o rádio com os principais momentos do meio no
Ceará.
- Bom Conselho a Gente Faz: formação em serviço pelo dio de
conselheiros tutelares
Com atuação em trinta municípios do interior do Ceará, o Bom Conselho
forma conselheiros tutelares em serviço, levando em consideração os
problemas enfrentados no dia-a-dia das atividades dos conselhos tutelares. O
projeto busca ainda articular a aproximação entre radialistas e os conselheiros,
procurando formas de atuação conjunta; outra atividade desenvolvida é
informar a comunidade sobre as funções, responsabilidades e formas de
atuação dos conselhos tutelares, através do dio. Transformando o rádio em
um elemento de mediação entre as comunidades e os conselhos tutelares e
possibilitando o diálogo entre os diversos atores das comunidades dos
municípios em questão.
Tais projetos desenvolvidos pelo Catavento no que se refere a seus
financiamentos não fogem à regra da forma como a maioria das ONGs financia
suas ações. Pois todos são realizados em parceria com agências de cooperação
internacional, como o Unicef; órgãos do poder público, como as secretarias
24
municipais de educação e de saúde; entidades da sociedade civil organizada,
como outras organizações não-governamentais e associações comunitárias; e
comunidades carentes do sertão cearense, como as envolvidas no projeto Segura
essa Onda.
O desenvolver desses projetos trouxe, ainda, ao Catavento a preocupação
de se apropriar de várias discussões, especialmente sobre criança e adolescente.
Apropriação essa que vem sendo feita não apenas por estudos, realizados pelas
equipes de tais projetos, mas principalmente pela participação em fóruns e redes
que reúnem várias organizações do movimento popular na defesa da infância e
adolescência. Dentre os principais fóruns estão o Fórum Permanente de ONGs de
Defesa da Criança e do Adolescente, Fórum Estadual pela Erradicação do
Trabalhado Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente e Fórum Cearense de
Enfrentamento à Violência Sexual contra Criança e Adolescente.
Mas, antes mesmo de estar nesses fóruns e projetos, o Catavento
participava do Fórum Cearense do Meio Ambiente, Rede Cearense de
Socioeconomia Solidária, Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental do
Estado do Ceará, Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (Resab), como
também do rum Cearense pela Vida no Semi-Árido (FCVSA), e Articulação no
Semi-Árido Brasileiro (ASA-Brasil), vertente nacional do FCVSA.
A participação nesses fóruns e redes de organizações sociais garantiu a
articulação do Catavento não apenas com os movimentos populares, mas também
com instâncias governamentais, mostrando-nos a tendência dos movimentos
populares a dialogar com o Estado. Essa relação entre a necessidade de
participar de fóruns e redes de cunho social para desenvolver projetos sobre as
questões reivindicatórias dessas articulações ou desenvolver projetos por
participar desses fóruns percebida na atuação do Catavento, mostra como as
ONGs precisam estar nos movimentos populares, sendo muitas vezes
responsáveis pelo surgimento de movimentos com reivindicações específicas.
Um marco na caminhada do Catavento que o podemos deixar de
registrar foi sua entrada no Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido, FCVSA, em
25
2000. Constituindo-se como a maior articulação de movimentos populares no
Ceará, o FCVSA abriu portas para o Catavento nas lutas em defesa do semi-árido.
Ao mesmo tempo em que a experiência do Catavento contribuía para o
fortalecimento desse fórum. Assim, dentro do FCVSA, o Catavento desenvolveu
em 2001 o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o
Semi-Árido: Um Milhão de Cisternas Rurais - P1MC, onde foi responsável pelo
componente de comunicação e mobilização social, desenvolvendo por dois anos
produtos comunicacionais-educativos no formato impresso, radiofônico e digital
para todos os 11 estados onde se desenvolvia o P1MC.
No final de 2002, o Catavento tamm passou a compor o grupo de
entidades do FCVSA que assumiram o Projeto Dom Hélder mara. E é essa
experiência que vamos relatar e analisar a partir de agora. Antes, porém, vamos
contextualizar o Projeto Dom Hélder Câmara e a sua relação com o Fórum
Cearense pela Vida no Semi-Árido.
1.4. Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido
O Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido, FCVSA, é uma articulação da
sociedade civil organizada do Ceará que reúne associações comunitárias,
movimento de trabalhadores rurais, sindicatos, federações, pastorais sociais,
igrejas evangélicas, organizações não-governamentais, cooperativas de
trabalhadores, totalizando mais de 200 entidades de todo o Estado.
Com o objetivo de construir um novo paradigma para o semi-árido brasileiro
e, por conseqüência, para o semirido cearense, o Fórum apresenta-se, na
atualidade, como o maior movimento popular do Estado, devido ao seu poder de
articulação de diversos setores da sociedade civil. Esse movimento assume ainda
importância fundamental, tendo em vista que 92% do território cearense são
caracterizados como região semi-árida
2
.
2
Dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, Funceme, 1989.
26
Observando o FCVSA, percebemos um exemplo da atual forma de
organização dos movimentos populares, feita através da ação articulada, do
trabalho em rede que vem ganhando corpo nas últimas décadas. Mantidas suas
identidades, a partir da garantia de suas autonomias e de uma relação
horizontalizada (sem hierarquias), diversos grupos reivindicatórios que compõem
diferentes movimentos populares aglutinam-se a partir de interesses comuns,
formando assim as redes de movimentos populares que em na ação coletiva
uma melhor estratégia para alcançar mais resultados.
O FCVSA surge, em fevereiro de 1999, fruto da iniciativa de movimentos
populares cearenses, envolvidos, na época, com a “Campanha de Solidariedade
pela Vida contra a Fome e a Exclusão”. Essa Campanha tinha o objetivo de ajudar
as famílias atingidas pela seca de 1998. Entretanto, os grupos envolvidos nessa
articulação pretendiam atender mais do que o emergencial que tinha, no combate
à fome, seu principal objetivo. Surge, então, a proposta de realizar atividades que
estruturassem e fomentassem a discussão sobre cidadania e convivência com o
semi-árido, visando à organização popular e ao desenvolvimento de políticas
públicas viáveis ao semi-árido cearense.
Como primeira ação, o FCVSA investe na construção de cisternas de placa
para captação de água da chuva. A cisterna é um reservatório de água, ligado ao
telhado da casa, através de canos, formando uma bica cuja função é captar a
água da chuva que cai no telhado e armazená-la. Por ser uma água potável, a
água da chuva passou a ser usada pelas famílias sertanejas para matar a sede e
cozinhar. A tecnologia simples e de baixo custo da cisterna apresentou-se como
uma alternativa para melhorar a convivência com o semi-árido que tem como
características as irregularidades das precipitações e os longos períodos de
estiagem e onde a maioria da população vive uma situação de exclusão social
causada pela concentração de terras e má distribuição de renda.
Essa primeira iniciativa do Fórum resulta na “Campanha Nenhuma Família
sem Água de Qualidade” que tem como objetivo arrecadar recursos para a
construção das cisternas de placa. Mas, a Campanha não se resume às obras de
27
engenharia, pois se envolvem, na construção das cisternas, a mobilização e a
organização social das famílias que são também responsáveis pela obra. Assim, a
Campanha realizada pelo Fórum traz tamm como objetivos a discussão sobre a
convivência com o semi-árido, o estímulo das comunidades à organização social e
a pressão para a formulação de políticas blicas que atendam às necessidades
da população rural, como tamm a promoção dos direitos humanos.
Fica-nos clara a estratégia de atuação escolhida pelo FCVSA. Valendo-nos
ressaltá-la: o FCVSA não quer apenas reivindicar, através das formas
convencionais utilizadas pelos movimentos populares (passeatas, greves,
manifestações blicas em geral), mas também fazer algo de concreto
(construção de cisternas de placa) para que sirva como prova irrefutável de que
existem meios de transformar o semi-árido cearense em uma região possível de
viver bem e sirva tamm como estímulo à organização popular para uma pressão
social. Essa diferente forma de traçar sua atuação possa ter como explicação a
grande pluralidade presente no FCVSA, mesclada com a busca por novas
estratégias: uma preocupação cada vez mais presente nos movimentos populares.
Caberia aqui um momento maior de discussão sobre esse tema, mas não é esse o
objetivo de nosso trabalho, deixamos, portanto, apenas essa centelha para futuras
reflexões.
Ainda em 1999, no mês de novembro, é realizada, em Recife, a capital
pernambucana, a Terceira Conferência das Partes da Convenção de Combate à
Desertificação das Nações Unidas - COP 3. Paralelo ao evento, a sociedade civil
brasileira interessada na temática realiza um Fórum Paralelo cuja missão é definir
propostas para o desenvolvimento sustentável do semirido brasileiro. Propostas
que serviriam de subsídios para elaboração de políticas públicas a serem
implementadas na região. Importante frisar que, da mesma forma do que no
Ceará, movimentos populares de outros estados do semi-árido brasileiro já vinham
se articulando em prol de melhorias para essa região.
É a partir desse fórum formado em Recife que é feita a Declaração do
Semi-Árido, consolidando "as expectativas e reivindicações da sociedade civil
28
organizada no que diz respeito a um programa permanente de ações que
conduzam a uma convivência harmônica e de desenvolvimento do semi-árido
brasileiro"
3
. Na Declaração do Semi-Árido, é chamada atenção para como o Brasil
trata uma parte do seu território e da sua população:
Cerca de 900 mil km
2
, imensa, porém invisível, a não ser quando a seca
castiga a região e as câmeras começam a mostrar as eternas imagens
de chão rachado, água turva e crianças passando fome. São imagens
verdadeiras, enquanto sinais de alerta para uma situação de
emergência. Mas são, tamm, imagens redutoras, caricaturas de um
povo que é dono de uma cultura riquíssima, capaz de inspirar
movimentos sociais do porte de Canudos e obras de arte de dimensão
universal do clássico Grande Sertão: Veredas, do escritor Guimarães
Rosa, até o recente Central do Brasil, do cineasta Walter Salles.
É, ainda, na Declaração do Semi-Árido aonde é feita uma crítica às
freqüentes ações adotadas pelo poder público com relação aos problemas
naturais e sociais do semi-árido brasileiro. Defendendo assim a viabilidade do
nosso sertão, sem negar, contudo, toda a sua complexidade e diversidade.
O semi-árido brasileiro é um território imenso, com duas vezes mais
habitantes que Portugal, um território no qual caberiam a França e a
Alemanha reunidas. Essa imensidão o é uniforme: trata-se de um
verdadeiro mosaico de ambientes naturais e grupos humanos. Dentro
desse quadro bastante diversificado, vamos encontrar problemáticas
próprias à região (o acesso à água, por exemplo) e, outras, universais (a
desigualdade entre homens e mulheres). Vamos ser confrontados com o
esvaziamento de espaços rurais e à ocupação desordenada do espaço
urbano nas cidades de médio porte. Encontraremos, ainda, agricultores
familiares que plantam no sequeiro, colonos e grandes empresas de
agricultura irrigada, famílias sem terra, famílias assentadas, muita gente
com pouca terra, pouca gente com muita terra, assalariados, parceiros,
meeiros, extrativistas, comunidades indígenas, remanescentes de
quilombos, comerciantes, funcionários públicos, professores, agentes de
saúde... O que pretendemos com essa longa lista é deixar claro que a
problemática é intrincada e que uma visão sistêmica, que leve em
consideração os mais diversos aspectos e suas inter-relações, impõe-se
mais que nunca.
3
Trecho retirado da Declaração do Semi-Árido assinada pelas entidades que posteriormente
vieram compor a Articulação no Semi-Árido Brasileiro, ASA-Brasil.
29
Com o fim da Conferência fez-se necessário continuar o movimento que
ganhara corpo, a partir do fórum paralelo realizado. Surge, então, a Articulação no
Semi-Árido Brasileiro, ASA-Brasil, com o objetivo de continuar o processo de
mobilização e articular as iniciativas de caráter geral que venham a surgir no
âmbito do movimento popular, presente no semi-árido brasileiro. Atualmente, a
ASA reúne mais de 800 grupos preocupados em discutir e implementar ações
voltadas à melhoria de vida na região semi-árida do Brasil
4
.
Essa nova compreensão sobre a relação com o semi-árido incorporada
pelas entidades da ASA-Brasil tem no fortalecimento da sociedade civil sua
principal estratégia. E na tentativa de mudar o paradigma de miséria e
desesperança que permeia o semi-árido brasileiro para um semi-árido diverso, rico
e com possibilidades reais de se viver bem, a ASA-Brasil desenvolve um trabalho
que tem como focos principais: o fortalecimento do processo de organização dos
atores sociais para garantir intervenções qualificadas nas políticas públicas
5
; a
mudança nas estruturas educacionais, buscando o desenvolvimento de uma
educação contextualizada; e a valorização dos conhecimentos tradicionais,
visando ao resgate da auto-estima do sertanejo.
A ASA-Brasil está presente nos onze estados brasileiros que possuem
regiões semi-áridas todo o Nordeste e mais o norte do Espírito Santo e Minas
Gerais. No Ceará, a ASA-Brasil é representada pelo Fórum Cearense pela Vida no
Semi-Árido, FCVSA. O Fórum, por sua vez, é composto por nove fóruns
microrregionais que abrangem todo o Estado, constituindo assim a maior
articulação de movimentos populares da sociedade civil do Ceará. Seguindo a
mesma visão de que é possível viver bem no semi-árido, mas que para isso é
preciso aprender a conviver com as intempéries do semi-árido, o FCVSA tem,
4
Pelo seu crescimento vertiginoso e dinâmico, não uma precisão no número de entidades
envolvidas na ASA-Brasil. O mero aqui citado corresponde àquelas entidades que assinaram a
Carta de Princípios da ASA no final de 1999 e meados de 2000.
5
Essa intervenção junto às políticas públicas nos remete ao diálogo com o Governo que já
identificamos existir nos movimentos sociais de hoje em dia.
30
entre seus objetivos, a identificação e divulgação de experiências que deram certo
na convivência com o Semi-Árido.
Como é o caso das cisternas de placa para a captação de água da chuva,
com a função de garantir água potável para beber e cozinhar a famílias carentes
da zona rural sertaneja e, a partir disso, fomentar a organização social dessas
famílias e a discussão sobre as condições de vida no semi-árido. É daí que surge
o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-
Árido: Um milhão de cisternas rurais - P1MC que se propõe a construir um milhão
de cisternas no semi-árido brasileiro. Conhecido como P1MC, esse programa
apresenta-se, hoje, como a principal ação desenvolvida pelo FCVSA e pela
Articulação no Semi-Árido Brasileiro.
Mas, a atuação do Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido abrange
outras linhas de trabalho como a realização de atividades político-pedagógicas
que incentivam discussões envolvendo os problemas e as potencialidades do
semi-árido cearense, feitas através de campanhas educativas e de reivindicação.
Norteado por princípios como sociedade igualitária e sustentável, pluralidade,
fortalecimento da cidadania, educação contextualizada, segurança alimentar a
partir da agricultura familiar e da agroecologia, solidariedade e cooperação, o
FCVSA tem ainda como estratégia a articulação com outras organizações e fóruns
afins. O Fórum têm também como prioridade a promoção da Semana da Água,
realizada todos os anos em cada um dos nove fóruns regionais e a discussão
junto à Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (Resab). E, desde 2002, o
Projeto Dom Hélder Câmara.
O Catavento participa do Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido desde
2000, sua entrada logo o aproximou do P1MC. No final de 2002, o Catavento
começa a participar do projeto denominado Dom Hélder Câmara. Homenagem ao
bispo nordestino que ficou conhecido por seu trabalho com as camadas menos
favorecidas do proletariado, o Projeto Dom Hélder Câmara implementa a idéia de
desenvolver de forma sustentável regiões rurais de seis estados do Nordeste.
Idéia essa que se consolida com o acordo de empréstimo entre o Ministério do
31
Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento
da Agricultura (FIDA).
1.5. Projeto Dom Hélder Câmara
O Projeto Dom Hélder Câmara, PDHC, tem como ponto de partida o
desenvolvimento sustentável do semi-árido. Com base nesse referencial, o PDHC
pretende inserir no mercado, de forma competitiva, os trabalhadores da agricultura
familiar. É missão do PDHC contribuir para o desenvolvimento humano-local-
sustentável-integrado, contemplando o fortalecimento da cidadania e as
perspectivas de gênero, geração e etnia. Esse Projeto, iniciado em 2001 em
Pernambuco, é resultado do acordo de empréstimo estabelecido entre o MDA,
Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Fundo Internacional para o
Desenvolvimento da Agricultura, FIDA, órgão vinculado à ONU, Organizações das
Nações Unidas.
Com duração prevista para seis anos, o PDHC hoje está presente no
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Para a
escolha dos estados, o MDA utilizou como critérios o baixo Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), o avanço do processo de desertificação e a
maior concentração de famílias vivendo na zona rural, além da representatividade
das diferentes paisagens semi-áridas e as formas de organização cio-política e
econômica dos agricultores. Os mesmos critérios foram adotados na escolha das
regiões em cada estado.
A estrutura operacional é descentralizada, com as Unidades Estaduais de
Supervisão subordinadas à Unidade Gerencial do Projeto, situada em Recife.
Existe ainda, em cada estado, um fórum denominado de ComiLocal composto
por representantes da sociedade civil organizada, poder público e agricultores
beneficiados para exercer o controle social. O planejamento e a execução do
Projeto fica a cargo de entidades da sociedade civil organizada ONGs,
cooperativas de profissionais, federações e associações comunitárias
32
contratadas mediante processo seletivo e denominadas Parceiras de Execução
Direta. São essas organizações que fazem a ligação do governo com as
organizações das comunidades atendidas.
No Ceará, o PDHC é executado por seis organizações não-governamentais
e por uma federação ligadas ao Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido, sejam
como integrantes do Fórum, sejam como parceiras. São elas: Catavento
Comunicação e Educação Ambiental, Centro de Aprendizado Agroecológico
(CAA), Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro (CDDH-AC),
Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra), Centro de
Pesquisa e Assessoria (Esplar), Instituto de Estudos e Assessoria para o
Desenvolvimento Humano (Setah, a única das ONGs que não é do FCVSA, mas é
considerada parceira) e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na
Agricultura do Estado do Ceará, (Fetraece).
No Ceará a parceria foi feita de forma diferenciada de outros estados. Aqui
ela aconteceu, através de negociação política entre o FCVSA e o MDA. A
conjuntura que se apresentava no final de 2002
de um lado havia o FCVSA,
respaldado por suas ações de convivência com o semi-árido e por sua
organização social, e do outro, um Ministério interessado em parceiros para
executar um acordo internacional previamente assinado proporcionou uma
discussão que resultou em um plano elaborado pelo FCVSA e acatado pelo PDHC
a ser implementado no ano de 2003. A diferença principal do Ceará para os outros
estados foi a disposição política do FCVSA para negociar com o Governo Federal.
Em sua estratégia de ação, o PDHC quer possibilitar aos trabalhadores
familiares o acesso a recursos e tecnologias mais apropriados à região semirida,
a partir de iniciativas locais. Para isso, o Projeto prioriza os processos de
aprendizagem, de produção e difusão de conhecimentos em torno de diferentes
experiências direta ou indiretamente ligadas à agricultura familiar. Suas principais
ações estão dirigidas para: tecnologias apropriadas ao semi-árido, educação
básica para jovens e adultos; capacitação temática nas áreas de organização,
gênero, meio ambiente, planejamento, gestão e controle social de políticas
33
públicas; estudos e pesquisas; difusão e divulgação de processos e resultados
que deram certo.
Outra estratégia de ação do PDHC é oferecer aos agricultores familiares,
acesso a serviços financeiros, como o Fundo de Investimentos Sociais e
Produtivos (FISP). O FISP tem o propósito de apoiar investimentos sociais e
produtivos, não reembolsáveis, nas comunidades contempladas pelo PDHC. Com
recursos da ordem de US$ 9.400.000,00 (nove milhões e quatrocentos mil dólares
americanos), o FISP pretende apoiar projetos que tragam melhorias reais na
qualidade de vida das pessoas ou que sirvam como referência para políticas
públicas. A definição dos projetos para o FISP cabe a cada comunidade
beneficiada, apoiada pela Parceira de Execução Direta.
O PDHC busca, portanto, o desenvolvimento humano, através da geração
de renda, melhoria dos níveis de saúde e educação dos produtores rurais de base
familiar, incentivando a organização social, a gestão coletiva compartilhada e
competente e a articulação institucional. Tendo como norte o desenvolvimento
humano-local-sustentável-integrado, o Projeto fortalece processos locais,
participativos e solidários de construção social dos assentados e agricultores
familiares no fortalecimento da cidadania. Esta construção é feita em parceria com
entidades envolvidas no desenvolvimento territorial, na perspectiva da convivência
com a região semi-árida. Podemos dizer, portanto, que o PDHC investe no ser
humano como agente transformador do semi-árido.
O Projeto apóia, principalmente, ações de segurança hídrica,
fundamentadas no conceito da boa convivência com as características climáticas
predominantes na região, como a implantação de cisternas, construção de
barragens subterrânea e sucessiva e sistemas de irrigação. Outro ponto forte é a
segurança alimentar trabalhada, através do fortalecimento da agricultura familiar,
com atividades que buscam a produção de alimentos orgânicos, o combate à
desertificação, o incentivo à agricultura agroflorestal e o fortalecimento das
cadeias produtivas, como as do mel e da castanha, culturas compatíveis com o
semi-árido. Além disso, a produção com vistas à comercialização também é
34
trabalhada pelo PDHC, por meio do apoio a feiras da agricultura familiar e de
encontros regionais de agricultores familiares para intercâmbio de experiências.
A preocupação com o resgate e a valorização da cultura, com a educação
de jovens e adultos que vivem no campo e a erradicação do analfabetismo está
refletida em ações desenvolvidas pelo PDHC. Como exemplos, a iniciativa, no
Sertão Central do Ceará, para a alfabetização em três meses de pessoas maiores
de 15 anos que vivem em assentamentos da Reforma Agrária e a Universidade
Camponesa, projeto desenvolvido na Paraíba, envolvendo 30 alunos de
assentamentos e comunidades da agricultura familiar. A parceria com o Arca das
Letras, projeto do Governo Federal que fomenta a leitura no campo, através da
doação de livros, também é iniciativa apoiada pelo PDHC. É aqui também que se
enquadra a experiência com a formação de jovens em comunicação popular,
realizada em cinco assentamentos do município de Quixeramobim e que se tornou
o tema deste trabalho.
Numa comparação das principais reivindicações e estratégias de lutas
usadas pelo FCVSA com os principais objetivos do PDHC, percebemos uma
congruência de pensamentos entre esse movimento popular cearense e o projeto
governamental. Tal convergência acreditamos proporcionou o diálogo para se
firmar a parceria entre esses dois setores diferentes da sociedade: a sociedade
civil organizada e o poder público.
35
CATULO 2
2. COMUNICÃO E EDUCAÇÃO: A Perspectiva dessa Interação
na Visão do Catavento
“Estou semeando as sementes de minha mais alta esperança. o busco discípulos para comunicar-lhes
saberes. Os saberes estão soltos por aí, para quem quiser. Busco discípulos para neles plantar minhas
esperanças”.
(ALVES Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência - O Dilema da Educação).
2.1. Comunicação e Educação: um novo campo de conhecimento para uma
antiga relação
O desenvolvimento e a diversificação dos meios de comunicação jornal,
rádio, TV, cinema, telefone, internet etc. na sociedade contemporânea
deslocaram olhares atentos para a importância da comunicação nos tempos
atuais. Esse desenvolvimento também fez com que os processos comunicacionais
ganhassem ainda mais espaços em todas as esferas institucionais. Da política à
saúde, da literatura às relações interpessoais, das artes à educação, a
comunicação firmou seu papel na interlocução dessas instituições e atividades
sociais. A partir disso, além de estudos mais aprofundados sobre comunicação,
esta ganhou novas aplicabilidades na vida em sociedade, numa valorização dos
processos comunicacionais.
Surgem, então, diversas reflexões no campo das ciências humanas, entre
elas, a que escolhemos como fonte para a nossa discussão sobre a experiência
de formação em comunicação popular
6
realizada pelo Catavento, com jovens de
6
Entendendo a comunicação popular como “uma realização da sociedade civil, que se constitui
historicamente e, portanto, é capaz de sofrer as metamorfoses que o contexto lhe impõe, admitindo
o pluralismo e ocupando novos espaços ou incorporando canais de dio e televisão e outras
tecnologias de comunicação, como as redes virtuais”. (Peruzzo, 2004:120).
36
assentamentos do interior cearense. O conhecimento teórico e prático que se
propõe a relacionar a comunicação com a educação, abrindo a perspectiva do
estudo sobre a interação entre tais áreas. É importante frisar, antes de tudo, que a
relação entre a comunicação e a educação não é fruto das inovações tecnológicas
que ampliaram o campo de abrangência de tais áreas, especialmente o da
primeira aqui citada.
Pois, se de um lado a educação apropria-se da comunicação social e suas
interações sociais, por outro, os processos comunicacionais estão munidos de
expectativas educacionais. Mas que interações haveria entre tais áreas? Como
observá-las? Para seguir o nosso intento, partiremos da constatação inicial da
amplitude que ambas as áreas possuem. Afinal, nenhum assunto abordado pela
ou na sociedade está completamente alheio à questão educacional, pois tudo
pode ser objeto de ensino e aprendizagem. E nada em sociedade está afastado
das interações sociais e seus processos comunicacionais.
Da física quântica ao trabalho manual passando pelos processos da
comunicação humana nada é descartável como objeto possível de
uma reflexão e sistematização de natureza educativa. Correlatamente,
nenhum tema é estranho às interações sociais mediatizadas ou não
que compõem, como comunicação social, o processo simbólico/prático
das atividades do ser humano em sociedade (Braga e Calazans,
2001:10).
As inter-relações percebidas entre a comunicação e a educação abriram
espaço para a reflexão e o surgimento de um novo campo de conhecimento
teórico que chamamos de educomunicação. Estudar tais interações como uma
nova teoria é resultado de mudanças conceituais oriundas da observação de
práticas educomunicativas que nas últimas décadas ganharam mais imporncia
nas intervenções sociais, especialmente as relacionadas aos movimentos
populares.
A questão da educomunicação busca ressignificar os movimentos
comunicativos inspirados na linguagem do mercado da produção de
bens culturais, mas que vão se resolver no âmbito da educação como
37
uma das formas de reprodução de organização de poder da
comunidade, como um lugar de cidadania, aquele índice do qual
emergem novas esteticidades e eticidades (modos de perceber e estar
no mundo) (Schaun, 2002:15).
Mesmo trabalhando com o conceito de educomunicação, ou seja,
trabalhando com as inter-relações entre comunicação e educação, é importante
não perder de vista as singularidades existentes tanto na área da comunicação
como na educação. Singularidades essas que surgem e o observadas no
processo de socialização. Pois de um lado, a comunicação aparece como um
fenômeno que contribui na estruturação e reconhecimento do indivíduo, do outro,
a educação se apresenta como responsável no processo de construção do sujeito-
social.
Falamos aqui de uma comunicação que vai de encontro à comunicação
massiva que desenvolveu e sustenta a cultura de massa, hegemônica na
sociedade atual. Falamos sim da comunicação como um processo cujo objetivo é
inserir o indivíduo na sociedade, fortalecendo a cidadania. Uma comunicação que
está diretamente relacionada às lutas dos movimentos populares, em outras
palavras, falamos da comunicação popular.
Está [a comunicação popular] articulada a um processo de
conscientização-organização-ação mais amplo de setores de classes
subalternas. (...) Ela não tem um fim em si mesma, mas relaciona-se
com um pleito mais amplo. É meio de conscientização, mobilização,
educação política, informação e manifestação cultural do povo (Peruzzo,
2004:125).
Tal comunicação possui relação direta com uma educação voltada para a
mudança social. Aqui, ampliamos, então, o conceito de educação para outros
espaços organizatórios da sociedade. A educação estaria envolvida com a
aprendizagem política dos direitos, da cidadania. Uma educação que ajudasse na
reflexão sobre a realidade vivida na busca de soluções para problemas do
cotidiano. Falamos, aqui, de uma educação popular libertadora, onde o
38
conhecimento o estaria simplesmente sendo retransmitido, mas sim produzido,
numa produção compartilhada.
É fundamental, portanto, reconhecer a educação como um “processo
revelador e habilitador, uma permanente descoberta, um movimento e um embate
para e pela liberdade” (Schaun, 2002:35). Uma educação que se baseie no
processo dialógico entre “quem ensina” e “quem aprende”, onde tais papéis
estariam intrinsecamente ligados e onde o sujeito, seja o formador ou o formando,
possa transitar em ambos os papéis a partir da dinâmica do processo educativo.
É preciso que [...] desde os começos do processo, vá ficando cada vez
mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se reforma e re-
forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É
neste sentido que ensinar não é transferir conhecimento (Freire,
2005:23).
Como também, é importante pensar a comunicação como um elemento
necessário à sociabilidade. Entendendo o ato de se comunicar, a partir do seu
caráter simlico e intrinsecamente cultural. Dessa forma, a inter-relação
comunicação/educação traz a perspectiva da crítica à sociedade numa busca
constante pela transformação social. É por isso que as atividades
educomunicativas aparecem como um campo fértil para a atuação da ONG
Catavento cuja missão passa por contribuir na democratização da produção do
conhecimento e da informação, através de processos formativos.
2.2. A Educomunicação na Atuação do Catavento
7
Analisando as atividades e projetos desenvolvidos pelo Catavento ao longo
de seus dez anos de existência, começamos a compreender a lógica de sua
atuação, baseada na aproximação da comunicação e educação no contexto do
semi-árido. A escolha do semi-árido como área de abrangência dessa ONG
7
Tópico feito, a partir do Plano de Comunicação do Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara
que traz uma rápida explanação sobre a visão dessa ONG com relação à educomunicação.
39
justifica-se por dois motivos centrais. O primeiro é a própria origem da ONG,
situada em Fortaleza, capital do Ceará, estado localizado na região semi-árida. O
segundo motivo é por ser o semi-árido dono dos piores indicadores sociais do
País, sendo os estados do Nordeste região que está dentro do semi-árido os
últimos colocados na tabela do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IDH/PNUD).
Trabalhar na perspectiva de desenvolvimento humano e sustentável em
uma região que além de sofrer com as adversidades climáticas enfrenta grandes
disparidades econômicas conseqüências de um desenvolvimento baseado na
dominação política, na concentração fundiária e no baixo nível de articulação
social traz o desafio de se combinar diferentes áreas de atuação e campos de
conhecimentos. Assim, passeiam na estratégia de melhorar a condição de vida do
semi-árido, o incentivo à produção, geração e distribuição de renda; atenção às
políticas públicas voltadas aos direitos básicos do cidadão como saúde, moradia e
educação; a organização e mobilização social para uma intervenção política
qualificada; o cuidado com o meio ambiente e todas as demais áreas que
influenciam na boa qualidade de vida.
Essa compreensão de que o desenvolvimento humano e sustentável
perpassa por todos os níveis econômicos, políticos, sociais e culturais abriu
margem para que entidades como o Catavento cuja linha de atuação é a
educomunicação possam intervir socialmente na tentativa de contribuir para a
transformação social. Além disso, a construção histórica de um imaginário
decadente sobre o semi-árido – que repercute na baixa estima da população
moradora dessa região, especialmente a população economicamente mais
carente fortalece a visão derrotista e o desânimo para reverter esse quadro de
desigualdade social, aparecendo como um forte componente na manutenção do
“status quo” e que precisa ser combatida.
Combater esse imaginário decadente passa inicialmente pela construção de
um novo imaginário sobre o semi-árido. Um imaginário onde se fortaleça a idéia
de que é possível viver bem no sertão, mesmo com as intemries do semi-árido.
40
A construção desse novo imaginário tem na comunicação uma aliada, já que o
imaginário se constrói a partir de elementos simbólicos presentes nos processos
comunicativos que são impostos e sustentados por uma ideologia e, assim,
incutidos na consciência das pessoas ao longo dos anos até se constituírem como
verdade. Mas, a construção de um novo imaginário que traga o espírito
transformador para o semi-árido exige uma comunicação para além de uma
comunicação unidirecional e que tenha o dever de promover a articulação social
enquanto comunica. Daí a necessidade de uma comunicação libertadora e
libertária, de uma comunicação educativa.
Norteada por essa concepção a ONG Catavento direciona as ações,
produtos e metas dos projetos que desenvolve para um trabalho cuja metodologia
e atividades se baseiam num processo de comunicação educativa na convivência
com o semi-árido. Uma comunicação que passa pela discussão e
contextualização dos valores culturais presentes nas comunidades onde o
Catavento atua. Essa comunicação educativa, preocupada em conviver melhor no
semi-árido, precisa estar atrelada a princípios pelos quais se constitui a boa
convivência com o semi-árido, tais como:
- Sustentabilidade: conviver bem com o semi-árido perpassa por se buscar
alternativas tecnológicas que aliem a produção do campo ao cuidado ambiental.
Assim, a comunicação educativa precisa contribuir com a construção dessa
relação de convivência harmônica com esse ambiente.
- Dialogicidade: não basta apenas informar, é preciso se comunicar. A
comunicação educativa deve ir além do simples repasse de informações. É
necessário também ouvir o homem, a mulher do campo, aprender seus saberes
que os mantiveram vivos em ambiente, muitas vezes, hostil.
- Diversidade: são plurais as inter-relações entre os ecossistemas, como tamm
as relações dentro da sociedade. Compreender essa pluralidade e respeitar as
41
diversidades existentes possibilita o espaço dialógico, fundamental para uma
comunicação educativa.
Princípios como esses orientaram a elaboração do Plano de Comunicação
do Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara, como veremos a seguir.
2.3. A Comunicação Popular
Antes de entrarmos na apresentação do Plano de Comunicação do
Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara e no relato propriamente dito da
experiência de formação em comunicação popular, realizada, entre os anos de
2003 e 2005, pelo Catavento dentro do PDHC e que envolveu jovens de cinco
assentamentos rurais, localizados em Quixeramobim, município do Sertão Central
cearense, façamos aqui uma breve discussão sobre o que entendemos por
comunicação popular.
Apesar de não ser um fenômeno recente, a comunicação popular
ganhou espaço significativo na produção científica apenas a partir dos anos
setenta e oitenta (Peruzzo, 2004:113). A dificuldade em encontrar literatura sobre
o tema prejudicou uma discussão mais ampla neste trabalho. Mesmo assim,
aceitamos o desafio de refletir sobre a concepção de comunicação popular.
Antes de tudo, discutir comunicação popular não pode ser um ato restrito à
discussão sobre os meios de comunicação, deve-se ampliar a análise a partir do
contexto onde se realiza tal processo comunicativo. Não podemos restringir o
conceito sobre comunicação popular apenas à origem do meio de comunicação
em si, a uma rádio de caráter popular ou massiva, por exemplo. Pois a
comunicação popular deve ser entendida dentro da dinâmica social onde estejam
inseridos o meio de comunicação e a produção desta. Afinal, será essa dinâmica
que vai lhe dar significados.
A comunicação popular surge como fruto da insatisfação com relação às
desigualdades sociais e, por conseqüência das precárias condições de vida da
42
maioria da sociedade, atrelada à falta de liberdade de expressão dentro dos meios
de comunicação massivos. Ela resulta não de um tipo qualquer de mídia, mas da
dinâmica e demandas dos movimentos populares.
Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos,
retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às
formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles da estrutura
então dominante, da chamada ‘grande-imprensa’. Nesse patamar a
‘nova’ comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e
reivindicação por transformações (Peruzzo, 2004:115).
É importante compreender esse “povo” como classe subalterna. Povo, aqui,
aparece como sinônimo de todas as categorias sociais que não detêm o poder
econômico e nem político; poder esse restrito a um grupo pequeno da sociedade,
a que chamamos de classe dominante. Assim, o popular, nesse contexto, surge
dentro da órbita dos movimentos populares, estando então interligado à cultura e à
comunicação.
Na produção teórica sobre comunicação popular inserida nos movimentos
populares, Peruzzo destaca que esta ganhou características que se relacionam
entre si e que podem ser identificadas ou não, em sua totalidade nas produções
acadêmicas ou ainda serem geradas no próprio movimento popular. Ela destaca
como principais, as seguintes características (2004:124 a 129):
- Expressão de um contexto de luta: comunicação que se desenvolve no bojo
da educação popular libertadora, relacionada diretamente às lutas
populares e que tem na defesa da vida sua principal razão de existir.
- Conteúdo crítico-emancipador: aparece na luta por uma sociedade justa,
como uma forma de criticar a realidade atual na busca pela emancipação
social e humana.
43
- Espaço de expressão democrática: a comunicação aparece de forma
democrática, tanto na sua metodologia como em seu conteúdo e está
vinculada aos segmentos subalternos da sociedade.
- Instrumento das classes subalternas: acontece num processo de luta de
classes e é vista como oposição à comunicação massiva que, subordinada
ao poder da classe dominante, é considerada alienante e deturpadora dos
interesses populares.
A comunicação popular aparece, portanto, ligada às lutas do povo que
buscam, de forma organizada, melhores condições de vida. Podemos, pois
relacionar a comunicação popular a uma comunicação libertadora, dona de um
conteúdo crítico e contestador que infere mudanças na cultura e fomente a
democratização dos meios de comunicação e da própria sociedade, contribuindo
assim para a mudança social. Mas que não teria o poder de, sozinha, gerar uma
transformação social imediata. Não por conta de suas próprias contradições e
limites, mas também porque tal mudança requer modificações na própria estrutura
econômica e política da sociedade.
2.4. O dio e a Educação
Não posso mais viver assim ao seu ladinho, por isso colo meu ouvido no
radinho de pilha...
8
. De pilha, à energia elétrica, grande ou pequeno o rádio está
nas mãos e ouvidos de todo sertanejo. Considerado o meio de comunicação de
massa mais acessível, o rádio está presente na vida cotidiana, especialmente nas
camadas menos favorecidas, como a população rural nordestina. São vários os
fatores que fazem a popularidade desse meio.
Certamente, sua linguagem oral é uma das principais características que
ajudam nessa fama. A questão da audição que privilegia o fazer de outras
atividades enquanto se escuta ao rádio a praticidade necessária no dia-a-dia.
8
Trecho de Sonífera Ilha, música da banda de rock brasileira, Titãs.
44
Além desse privilégio, esse sentido aguça nossas emoções, reflexões e
criatividade, fazendo com que tenhamos com esse meio de comunicação uma
relação próxima e prazerosa.
Mais que a visão, mais que o tato, o ouvido é o sentido da intimidade.
[...] Nossos ouvidos são muito sensíveis. Captam desde o tênue balanço
de uma folha ao cair (10 decibéis) até a estrondosa decolagem de um
foguete espacial (160 decibéis). Nessa escala cabe uma infinidade de
tonalidades. Nossos ouvidos sentem. [...] O cérebro traduz sons em
sentimentos (Vigil, 2003:32).
Outro fator relacionado à linguagem oral do rádio que aproximou, ao longo
dos anos, esse veículo de comunicação do cotidiano popular relaciona-se a um
problema social: a desigualdade econômica que gera um índice astronômico de
analfabetos, especialmente no meio rural, região historicamente discriminada. O
analfabetismo associado ao costume sertanejo de muito conversar é tamm um
elemento que populariza o rádio no sertão.
Além disso, o direcionamento que as emissoras de rádio tomaram em fazer
uma programação voltada principalmente para o entretenimento fez do rádio um
companheiro divertido, aumentando assim o número de receptores fiéis.
A partir da década de 30, o rádio começa a se popularizar voltando-se
para o lazer e o entretenimento. No lugar dos concertos e palestras,
passou a executar músicas populares, reservando horários para
humorísticos e para os famosos programas de auditório. Nessa época,
os empresários notaram que o dio era um veículo eficaz pra veicular
seus produtos, principalmente pelo grande número de analfabetos do
País. A elevação da quantidade de anúncios pagos criou a possibilidade
de o rádio crescer. (César, 1990:40).
Essa proximidade com o cotidiano ao rádio um forte vínculo com a
cultura. Tal aspecto cultural que o rádio possui favorece um ambiente educativo,
tendo como perspectiva os processos não-formais da aprendizagem. Essa relação
com a cultura aproxima a comunicação radiofônica da ação pedagógica, pois “a
intenção e ação pedagógica têm como conteúdo a própria cultura” (Therrien,
1996:12).
45
Outro ponto que sugere o rádio como um instrumento educativo é a
compreensão de que o receptor torna-se ativo, através da apropriação cultural que
este faz das mensagens. Sendo o rádio intrinsecamente relacionado com a
cultura, podemos dizer que ele aparece sim com uma função educativa. Essa
relação direta que fazemos aqui entre comunicação e educação tem respaldo no
entendimento de que a educação é para além de uma simples transferência de
conhecimentos.
A educação é comunicação, é diálogo, na medida em queo é a
transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que
buscam a significação dos significados (Freire, 1988:69).
Importante, porém, perceber que quanto mais esse receptor fomenta seu
pensamento crítico, mas forte é o seu processo de educação perante os meios de
comunicação e no nosso caso, perante o rádio. Mais do que isso, quanto mais o
fazer da comunicação se aproxima de um fazer democrático e participativo, mais
essa comunicação ganha finalidades e funções educativas. Porque aqui não
falamos de uma educação qualquer, mas de uma educação que contribua para o
desenvolvimento da cidadania.
Junto al desarrollo de la inteligencia, este tipo de educación procura el
desarrollo de la conciencia. Busca favorecer un proceso que lleve al
cuestionamiento y la transformación de esa cosmovisión quietista y
fatalista que aletarga a las masas latinoamericanas y constituye un lastre
tan paralizante para su auténtico desarrollo. (Kaplum, 1978:34).
A compreensão da função educativa do rádio abre estratégias para aqueles
pertencentes aos movimentos populares. O dio vira, então, um aliado em
potencial das lutas populares no que diz respeito ao fomento do pensamento
crítico. Além do que, o rádio voltado para a comunicação popular contribui na
democratização da informação e do conhecimento, gerando assim espaços
propícios para o desenvolver do ser humano enquanto protagonista de sua própria
história. É nessa perspectiva educomunicativa do rádio que o Catavento se
46
inspira. Daí, o motivo dessa entidade direcionar seu trabalho para ações ligadas,
em sua maioria, ao meio radiofônico.
2.5. Plano de Comunicação do Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara
O plano inicial de Comunicação do Catavento baseou-se no modelo de
desenvolvimento territorial adotado pelo Projeto Dom Hélder Câmara que parte do
pressuposto de trabalhar com as diversas realidades existentes. Compreendendo
que, apesar de os quatros municípios Banabuiú, Choró, Quixa e
Quixeramobim envolvidos no Projeto estarem situados numa mesma área,
Sertão Central cearense, uma diversidade social, econômica, cultural e política
que atravessa a proximidade climática e territorial desses municípios. Para
reconhecer mutuamente as diversas realidades que compõem a vida do território
em questão, o parâmetro cultural ganha destaque, por causa do seu poder de
interação que condiciona a realidade social, econômica e política do local.
Para a perspectiva de aproximar essas realidades pelo viés cultural, os
processos comunicacionais tornam-se estratégicos. E foi isso que se justificou um
plano de comunicação dentro do Projeto Dom lder Câmara. Embora a
compreensão de comunicação muitas vezes, e erroneamente, esteja vinculada
simplesmente aos meios de comunicação e aos males causados por esses meios,
o plano em questão apostou numa comunicação educativa. Numa comunicação
que aproxime as realidades, não na perspectiva de uma realidade que ocupa o
lugar da outra, mas em um processo comunicacional que trabalhe para a
compreensão de realidades diversas. De realidades que possam interagir e
apropriarem, uma da outra, aquilo que lhe falta. Construindo, ao mesmo tempo,
atores sociais conscientes de sua cultura e propícios ao diálogo comunicante.
Assim, o objetivo geral do Plano de Comunicação do Catavento para o
Projeto Dom Hélder Câmara era de “incorporar a comunicação e a cultura às
47
estratégias de desenvolvimento territorial e humano, através de processos e ações
que propiciem uma melhor articulação entre as ações organizativas, produtivas e
de mobilização social, favorecendo o controle social pela população.”
9
. Objetivo
esse que tinha na formação de jovens assentados nos processos e nas cnicas
da comunicação popular sua estratégia principal para se concretizar.
Acompanhando a formação dessa juventude, o Plano trazia também a idéia
de desenvolver instrumentos de comunicação para favorecer a articulação dos
assentados, visando à organização e à mobilização social, importantes nessa
visão de desenvolvimento territorial. O rádio foi escolhido como o melhor meio de
comunicação para esse trabalho por causa da sua relação direta com a linguagem
oral. Visto que a oralidade no meio rural esintrinsecamente ligada ao cotidiano
das pessoas, conseqüência ainda do pouco domínio da escrita e do
analfabetismo, mas tamm por conta da tradição dos relatos orais, muito forte no
sertanejo. Daí a proposta de atrelar a formação dos comunicadores populares à
produção de um programa de rádio que buscasse atingir toda a sociedade local.
A preocupação de tais objetivos estarem direcionados para a comunicação
educativa gerou a formulação de atividades que buscassem contemplar, por
exemplo, a produção dessa comunicação de forma descentralizada. Daí o
intercalar da realização das oficinas com a participação direta na produção do
programa de rádio que recebeu o nome Conversa de Alpendre e cuja veiculação
se tornou semanal. O descentralizar dessa produção combina com a perspectiva
de desmontar aquele imaginário decadente que cerca o semi-árido. Pois é aberto
o espaço para o confronto do homem frente a frente com sua realidade no caso
aqui, “esse homem” o os jovens participantes da formação o que favorece o
surgimento de olhares distintos.
O Plano de Comunicação do Catavento aparece então com a perspectiva
de estabelecer uma comunicação enquanto via de mão dupla, em torno do diálogo
e da troca de saberes. Contrariando, portanto, a idéia da comunicação
9
Plano de Comunicação do Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara, elaborado em 2003,
documento do acervo da ONG.
48
massificante, da comunicação que é fechada para a diversidade, mesmo quando,
aparentemente, sugere uma preocupação com a maioria. Dessa forma, todas as
atividades presentes nesse plano pressupõem as relações sociais, as trocas
simbólicas, o ir e vir de experiências. Dessa forma, as portas para uma educação
não-formal são abertas e, por conseguinte, aberto o campo para a
educomunicação.
Esse viés educativo que a comunicação no Plano de Comunicação do
Catavento para o Projeto Dom Hélder Câmara ganha está para além da simples
formação em comunicação popular, uma das atividades planejadas. Poderíamos
cometer o equívoco de limitar o processo educativo apenas ao aprendizado das
técnicas radiofônicas. Mas, o que percebemos é que a abrangência é muito maior
dada à preocupação existente em se dialogar na prática da comunicação popular,
seja durante as oficinas seja na produção do programa de rádio. Tornando a
comunicação popular uma atividade educomunicativa.
49
CATULO 3
3. A EXPERIÊNCIA DA FORMAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
POPULAR
“O rádio começa de um sonho, vira uma paixão, termina numa eterna conquista”.
(CÉSAR Cyro. Como Falar no Rádio - Prática de Locução AM e FM, Dicas e Toque).
3.1. O Primeiro Contato: articulação e mobilização para a escolha dos jovens
participantes
O Projeto Dom Hélder mara mal comara sua atuação na região do
Sertão Central quando se iniciou a articulação e mobilização das comunidades
assentadas para a escolha dos dezoito jovens que participariam da primeira
formação em comunicação popular
10
. A proposta inicial era focalizar a formação
nos assentamentos de Quixeramobim, escolhendo dois jovens por cada um dos
nove assentamentos do município, envolvidos no Projeto Dom Hélder Câmara.
Centralizar a formação e, conseqüentemente, o grupo de comunicação
popular em Quixeramobim que o Projeto estava presente em dezoito
assentamentos espalhados pelos municípios de Banabuiú, Choró, Quixadá e
Quixeramobim era uma tentativa de procurar elementos primários que
pudessem ajudar no surgimento de uma identidade entre aqueles participantes e
assim facilitar a criação, após as oficinas de formação, do grupo de comunicação
popular
11
. Outros aspectos que orientaram a escolha desses jovens foram: o
interesse dos mesmos, o envolvimento com suas comunidades e a eqüidade de
10
A comunicação popular aparece aqui como a comunicação feita pelo povo e para o povo, ou
seja, pelas categorias menos favorecidas da sociedade, a fim de se contrapor ao status quo” na
tentativa de transformação social.
11
Grupo formado por jovens oriundos de uma camada economicamente menos favorecida cujo
objetivo era, através de elementos da comunicação comunitária e popular, fortalecer seu segmento
social, trazendo à tona reflexões e reivindicações comuns com vistas em mudanças.
50
gênero – este último é um tema transversal em todas as linhas de ação do Projeto
Dom Hélder Câmara.
Essa preocupação em fomentar a busca por uma identidade comum entre
esses jovens veio da compreensão de que a comunicação, em especial a
comunicação popular não acontece se não houver uma motivação vinculada a
demandas sociais – como as reivindicações por direitos civis, resistências culturais
e de grupos sofredores de discriminações, entre outras que no caso perpassa
por uma identidade comum.
O indivíduo não tem seu vínculo coletivo, nem sua identidade,
assegurados de antemão pela tradição, mas deve construí-los, através
de seu engajamento espontâneo na diversidade das formas coletivas de
agrupamento [...] o processo comunicativo [...] passa a ser investido
como estratégia racional de inserção do indivíduo na sociedade (Martino,
2001, artigo).
Poderíamos ainda dizer que ser jovem e ser assentado seriam
identificações suficientes, mas a realidade se mostra diferente. A formação de
identidades sofre influência da sociedade.
A Identidade deve ser considerada dentro de um contexto maior das
relações entre os sujeitos, entre as fronteiras que demarcam as
identidades sociais dentro do painel plural e hierárquico da sociedade
brasileira. Trata-se de um processo que pode ser pensado como
pautado pelo poder do sistema simbólico que traz em si “aspectos auto-
referenciais que dizem respeito à evidenciação, reiteração e reflexão”,
tanto em termos individuais e grupais (Coelho, 2005, artigo).
A juventude é tão compartimentada que jovens da mesma idade podem ser
completamente apartados, estranhos, variando sua identidade de acordo com o
seu grupo, sua turma. Melhor dizendo, variando com os seus guetos, importantes
para a auto-afirmação e interação desses jovens na sociedade.
A tarefa de se identificar enquanto assentado é, tamm, uma tarefa difícil.
que a maioria da juventude não se vê enquanto pertencentes a uma
comunidade assentada. É mais comum o sentimento de “apenas vizinhos”
prevalecer dentro dos assentamentos. Além disso, no cotidiano dos
51
assentamentos, em geral, são considerados assentados apenas aqueles que
possuem o cadastro legal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), feito após a imissão em posse da terra. Status, na maioria das vezes,
reservado aos pais de família, ao “homem da casa”.
Ser negro, judeu, japonês etc., não são elementos suficientes para
definir uma comunidade negra, judia, japonesa. Esteso, enquanto
raças e tipos étnicos, somente grupos diferentes na sociedade. Não
basta, portanto, a existência de uma característica básica comum. Este é
apenas o laço de união, e não o sentido de ligação. [...] um
sentimento de comunidade que permeia as ações dos indivíduos, porque
estes sentem como partes de um todo claramente delimitado e cujas
dimensões o concretamente perceptíveis (Marcondes Filho,
1986:158).
Era preciso, então, buscar pontos de interseção entre os jovens que
participariam da formação em comunicação popular. Pontos esses que
precisavam ser descobertos e fortalecidos. Assim, no primeiro momento
prevaleceram como elementos básicos: condição social (jovens filhos de
assentados), territorial (moradores de assentamentos da zona rural de
Quixeramobim) e faixa etária (jovens entre 16 e 24 anos). E, de uma forma mais
subjetiva, foram levados em consideração o envolvimento nas atividades do seu
assentamento e da associação comunitária e o interesse pelo tema comunicação.
Com esse ponto de partida, foram escolhidos dezoito jovens para participar
da formação em comunicação popular. Interessante frisar que a escolha final dos
jovens foi feita pela associação comunitária de cada assentamento, devido à
compreensão de que tais jovens estariam representando suas comunidades e,
portanto, precisavam ser respaldados por estas. Da primeira oficina até os
encontros semanais de acompanhamento, aconteceram algumas mudanças
nessa turma escolhida alguns jovens saíram, outros permaneceram e houve
ainda aqueles que se engajaram durante o processo reflexo de uma dinâmica
própria dos indivíduos e do grupo e que culminou, ao final da formação, em doze
jovens comunicadores populares.
52
3.2. As Primeiras Oficinas: sensibilizando para a comunicação popular e os
primeiros conhecimentos sobre as técnicas radiofônicas
Os conteúdos de todas as seis oficinas que compunham a primeira fase da
formação em comunicação popular mesclavam técnicas radiofônicas com
discussões sobre temas sociais para fomentar o pensamento crítico desses jovens
aspirantes a comunicadores populares. A mistura entre cnica e reflexão tinha
como objetivo fortalecer a idéia sobre o papel da comunicação dentro de uma
sociedade formada por conflitos econômicos, uma sociedade estratificada por
desigualdades sociais. Como tamm, criar uma forma de comunicação própria
entre esses jovens para que esta servisse de elo na perspectiva da construção de
um grupo.
Além da preocupação com o conteúdo das oficinas, outro ponto que
mereceu atenção foi a metodologia utilizada pela mediação que se baseou na
idéia de que o conhecimento não é transferido, mas sim construído. Orientada
pelo princípio de saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 2005:47),
a metodologia estimulava a troca de conhecimentos entre todos os sujeitos
presentes na formação e a construção de novas formas de ver o mundo. O uso de
conhecimentos existentes e a criação de outros tantos se mostravam como o
caminho mais coerente para a equipe do Catavento catalisadora e mediadora
desse processo que traz em sua missão a constante e incansável busca por
uma comunicação democrática, horizontalizada, libertária e libertada, uma
comunicação transformadora.
O primeiro passo nesse processo de formação foi a discussão sobre o que
é comunicação. Uma tentativa de ampliar o conceito de comunicação para além
dos meios de comunicação de massa, como tamm para desmistificar a idéia de
que somente iluminados podem produzir informações, notícias. Idéia essa que tem
nos meios de comunicação de massa seu grande propagador. Onde a
53
comunicação de massa ganha maior status do que as outras formas de
comunicação, como a interpessoal, a popular e a interativa.
A primeira oficina realizada, entre os dias 20 e 21 de março de 2003, trazia
o tema “Sensibilizando para a Comunicação”. Durante dois dias, o grupo discutiu a
comunicação como expressão humana, que o ser humano é um ser social e
cuja vida depende das inúmeras maneiras de se comunicar.
Quando se fala em comunicação social, a primeira tendência é a de
pensarmos nos grandes ‘meios de comunicação’. [...] Isto é razoável,
pois é através destes meios que se processa a maior parte das
comunicações sociais modernas. [...] Mas é preciso ultrapassar essa
percepção para aprofundar a compreensão tanto no que se refere ao
próprio conceito de comunicação, como para certo entendimento da
sociedade que dispõe de tais tecnologias. A comunicação é co-natural
ao ser humano. Não sociedade, não comunidade, sem
comunicação entre os homens. Para agir em comum, os seres humanos
interagem (Braga e Calazans, 2001:14).
A partir de exercícios e de dinâmicas de grupo tendo o corpo humano como
ponto de partida nosso primeiro e eficaz meio de comunicação , o grupo foi
trabalhando a idéia de que a essência do ser humano é comunicativa e que a
comunicação permeia as nossas relações sociais.
Nos momentos seguintes dessa primeira oficina, o grupo discutiu os meios
de comunicação de massa e sua importância, focalizando a discussão nos papéis
que a mídia assume dentro da sociedade para depois pensar sobre que tipo de
comunicação aqueles jovens quereriam. Todos os conteúdos foram trabalhados a
partir do cotidiano do grupo. Assim, o corpo em questão era o corpo de cada um
presente, as notícias e programas dos meios de comunicação de massa citados
foram escolhidos entre aqueles que o grupo mais acompanhava.
Interessante perceber que somente quando a discussão caminhou para o
reconhecimento de que eles eram jovens assentados e que faziam parte de uma
parcela menos favorecida da sociedade e que a mídia muitas vezes tratava de
forma depreciativa a luta pela reforma agrária é que o grupo começou a encontrar
elementos de crítica aos meios de comunicação de massa. A percepção sobre os
54
interesses econômicos que orientam a comunicação de massa desencadeou uma
discussão sobre qual a melhor comunicação para a população carente, mais
precisamente, para a população rural do Ceará.
Assim, nesse primeiro encontro foi lançada a semente para uma análise
crítica sobre os meios de comunicação de massa. Uma visão não crítica, mas
também de proposição, importante para a prática da comunicação popular. E
quiçá para a criação de um grupo de comunicação popular que viesse, em um
momento próximo, ser responsável pela produção de um programa de rádio com
um compromisso social: uma rádio-revista de educação popular
12
.
Continuando essa primeira fase da formação, foi realizada a segunda
oficina, entre os dias 5 e 6 de abril de 2003, cujo tema foi A Notícia Popular”.
Ainda munido da discussão ocorrida na primeira oficina sobre “que tipo de
comunicação queremos?”, o grupo começou a discutir as entrelinhas do poder que
existem na construção das notícias e a importância da notícia popular como
espaço onde o povo tem voz. Uma notícia feita pelo e para o povo e que é base
da comunicação popular.
A notícia popular é também a notícia que o próprio povo fornece. O povo
que antes era somente receptor de informação, agora também se faz
emissor da informação. O povo usa a notícia para se comunicar de
grupo a grupo, de povo a povo. Usa a notícia para dialogar. A
informação se torna horizontal. (...) A notícia popular é uma ferramenta
nas mãos do povo organizado (Geerts, 1987:18 e 19).
A discussão sobre notícia popular foi acompanhada das técnicas primárias
para produção de qualquer notícia. Elementos jornalísticos – como lead e pirâmide
invertida, fontes, apuração e seleção das informações foram introduzidos no
grupo. Se na primeira oficina, a parte técnica referiu-se às características dos
meios de comunicação – diferenças entre o rádio, jornal e televisão na segunda,
elementos específicos do radiojornalismo ganharam espaço.
12
Rádio-revista de educação popular é um formato radiofônico cuja estrutura reúne diversos
gêneros ou subgêneros do rádio, mas que traz um caráter de fomentar a educação entre as
camadas mais populares com a perspectiva da transformação social. (Vigil, 1988).
55
O grupo estudou as características do rádio, gêneros e formatos
radiofônicos
13
, como também a história desse veículo no Brasil e começou a
aprender como produzir o primeiro formato radiofônico: o sociodrama
14
, a partir do
radioteatro
15
. Ainda na segunda oficina, o grupo teve seu primeiro contato com a
locução e gravação. Observamos que toda a parte cnica trabalhada na oficina
tinha uma finalidade, um objetivo anterior, como, por exemplo, contar a história do
rádio no Brasil ou discutir assuntos relacionados à realidade dos jovens. Assim,
aprender aquelas primeiras técnicas radiofônicas ganhava uma contextualização e
uma razão para existir.
A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo. (Freire, 2005:22).
Com o tema Cultura e Comunicação”, a terceira fase da formação, ocorrida
dias 18 e 19 de outubro de 2003, inaugurou a discussão sobre cultura como
formadora e produto da identidade dos grupos e de suas relações sociais. Essa
discussão apareceu como fundamental para instigar a reflexão que valorizasse a
origem daqueles jovens e reforçasse o papel daquele grupo que se formava.
Aqui, os jovens participantes das oficinas já se identificavam enquanto
grupo de comunicação popular e faziam suas primeiras participações na
produção do programa Conversa de Alpendre. Comparar culturas distintas, sem,
contudo, hierarquizá-las foi o ponto de partida para a discussão sobre cultura. A
13
Existem variações entre os autores na hora de conceituar e classificar os gêneros e formatos do
rádio. Percebemos que esse tema foi tratado na oficina, muito mais para estimular a criatividade
dos jovens do que para amarrar uma definição única. Como diz Vigil, falar de gêneros e formatos
“não se trata de um exercício taxionômico ou de colecionar definições, mas de mostrar um menu
amplo e apetitoso, a gama mais variada de formas, para estimular a criatividade dos radialistas
(2003:118).
14
“Formato que entrou na casa do rádio pela janela da educação popular. [...] Trata-se de contar
uma história rápida do que está acontecendo no bairro ou na comunidade. E que seja contada por
eles, gravada pelos próprios moradores”. (Vigil, 2003:187).
15
O radioteatro é um formato, presente no gênero dramático, que se caracteriza por ser um
esquete, ou seja, cena teatral que não necessita de divio em capítulos.
56
cultura foi trabalhada, portanto, em um contexto amplo, relacionando dos hábitos
da vida cotidiana às manifestações artísticas como elementos culturais.
Na discussão, a mediação trabalhou com o dia-a-dia do grupo, buscando a
origem de traços culturais, presentes no cotidiano dos assentamentos. A
discussão fomentou inclusive a criação de um conceito sobre cultura, formado
pelas principais reflexões feitas pelo grupo. Dessa forma, cultura para aquele
grupo de comunicação popular passou a significar:
Modo de vida de cada pessoa ou grupo, dentro da sociedade em que
vive. Há vários tipos de cultura, cada um com o seu valor. A cultura es
sempre mudando, pois as pessoas/sociedades mudam. Hoje, somos a
mistura das três etnias, cada uma nos ensinou coisas importantes
(Conceito retirado do relatório da terceira oficina, “Cultura e
Comunicação”, mediada pela equipe do Catavento. Os relatórios das
oficinas servem como registro das mesmas, para prestação de contas do
Catavento com os financiadores do Projeto Domlder Câmara).
Junto com a discussão sobre cultura, o grupo foi trabalhando, com maior
propriedade, o sociodrama, a radionovela
16
e o radioteatro. Formatos radiofônicos
que trazem elementos cênicos e cuja formação abre espaço para atividades
dicas, como imitar vozes e sons e brincar de contar histórias. Atividades essas
que contribuem para o aprendizado. Sendo o sociodrama e suas vertentes –
radionovela e radioteatro mecanismos usados para a discussão sobre o
cotidiano, sobre a realidade que nos cerca, aprender esses formatos foi uma ponte
para discutir questões sociais.
Além desses formatos, na terceira oficina, o grupo aprendeu como produzir
vinhetas
17
, jingles
18
, tendo as primeiras noções sobre vinhetas comerciais,
16
Formato também do gênero dramático, a radionovela é a dramatização de uma história feita em
capítulos.
17
A vinheta, também chamada de spot, é uma mensagem curta e repetida com o objetivo de
vender alguma coisa, fortalecer uma imagem ou ainda passar alguma iia. As vinhetas podem ser
comerciais, promocionais ou educativas. (Vigil, 2003).
18
É a vinheta cantada.
57
promocionais e educativas e sobre características
19
. Atenção dada para a
vinheta foi por ser um formato onde se pode trabalhar vários elementos da
linguagem radiofônica. Assim, a cnica da produção de vinhetas ajudou o grupo,
posteriormente, a ousar em outros formatos.
As vinhetas, por sua brevidade, devem aproveitar ao máximo os
recursos da linguagem radiofônica: criar imagens auditivas com palavras
que possam ser vistas, sugerir cenários sonoros usando efeitos,
aproveitar os diferentes gêneros, especialmente o dramático (Vigil,
2003:419).
Todas essas técnicas de rádio foram trabalhadas na prática onde o mote
para a criação das peças foi a discussão sobre cultura. Mais uma vez, a cnica,
estimulada pela discussão sobre o resgate cultural, aparece como instrumento
para realização do objetivo de fomentar idéias sobre a realidade.
A diferença entre as vinhetas comerciais e as educativas não está na
sua elaboração técnica. O que muda, fundamentalmente, é a maneira de
ver e de sentir o público. Em um caso são clientes, no outro, cidadãos.
[...] O publicitário procura persuadir o ouvinte, induzi-lo a comprar para
aumentar os investimentos do empresário. O educador, por sua vez,
tenta convencê-lo de determinadas idéias que melhoram sua qualidade
de vida. São processos com fins diametralmente diferentes. (Vigil,
2003:417).
Importante dizer que como as técnicas para a produção de qualquer um dos
tipos de vinheta é a mesma, mas como a formação tinha como objetivo primeiro o
despertar da consciência crítica daqueles jovens para a formação de um grupo de
comunicação popular, os exercícios da oficina giraram em torno da produção de
vinhetas feitas com base nas reflexões extraídas do próprio grupo, priorizando
assim a produção de vinhetas educativas.
19
Vinheta que identifica um programa ou um quadro deste.
58
3.3. Conversa de Alpendre: uma rádio-revista de educação popular
Conversa de Alpendre é o programa de rádio produzido pela parceria entre
o Catavento Comunicação e Educação Ambiental e o Projeto Dom Hélder
mara. O programa é uma das atividades previstas no Plano de Comunicação
do Catavento para a região do Sertão Central. Com duas funções principais, o
Conversa de Alpendre busca sensibilizar a população da região para as questões
ligadas à agricultura familiar e aos assentamentos com o objetivo de mudar a
visão negativa que existe com relação à zona rural sertaneja e servir como
laboratório para a formação do Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim,
tanto nos aspectos técnicos quanto nas reflexões que a prática do radiojornalismo
e da comunicação popular podem suscitar. Traz, portanto, a perspectiva de uma
comunicação educativa, seja para aqueles que desempenham o papel de
ouvintes, seja para os jovens comunicadores populares que ajudam na produção
do programa.
Com dois anos de existência sua estréia foi no dia 8 de fevereiro de 2003
–, o programa é veiculado todas as manhãs de domingo, das 8 às 9 horas, pela
emissora comercial Campo Maior, localizada em Quixeramobim e cujo alcance
chega a 30 municípios do interior do Ceará
20
, localizados na região central do
estado. Com uma hora de duração, a estrutura do programa tem como
característica a rádio-revista. Contém, portanto, diferentes gêneros e formatos
radiofônicos. Pelo seu caráter educativo, o Conversa de Alpendre aparece como
uma rádio-revista de educação popular. Mesmo veiculado em uma emissora
comercial, o programa tem autonomia e liberdade na produção que é orientada
pelas discussões feitas entre o Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim
e o Catavento, como também, por assuntos da ordem do dia relacionados ao
semi-árido e ao Projeto Dom Hélder Câmara.
20
Dados obtidos em entrevista feita com diretor da emissora Campo Maior, realizada em agosto de
2004.
59
Dividida em blocos, sua programação é basicamente jornalística, com
informações voltadas especialmente para a população que habita a zona rural.
Apesar de o programa ter surgido dentro de um projeto governamental, sua pauta
não se limita às ações específicas do Projeto ou do Governo. Por causa da
perspectiva de desenvolvimento territorial, o Conversa de Alpendre procura
diversificar suas pautas, trazendo matérias sobre agricultura familiar, convivência
com o semi-árido, educação, infância e adolescência, políticas públicas, cultura,
entre outros temas. Sem esquecer, contudo, de divulgar o que acontece nos
assentamentos acompanhados pelo Projeto Dom lder Câmara, como tamm
contribuir para o controle social das ações previstas pelo Projeto. Essa liberdade
na definição das pautas é conseqüência também da parceria com uma ONG que
possui determinada autonomia na execução das ações, previamente, definidas e
contratadas.
Dessa forma, surgem, no Conversa de Alpendre, alguns blocos com
temáticas, formatos, tamanhos e periodicidades fixas. O surgimento desses blocos
além de criar uma identificação entre os ouvintes e o programa que se torna
habitual que toda semana ou quinzenalmente determinados temas serão
abordados é também uma forma de melhor ajudar o aprendizado das técnicas
radiofônicas pelo Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim, pois tais
blocos criam uma sistemática na produção. Constatamos inclusive, com a escuta
dos programas e acompanhamento da formação desses jovens, que com o passar
do tempo, o grupo se sentia cada vez mais à vontade para sugerir pautas e
elaborar perguntas para entrevistas, como também os textos das notícias. Além
disso, havia certa rotina na produção do programa.
Ao longo dos anos de produção do Conversa de Alpendre, foram surgindo
os seguintes quadros que atualmente compõem o programa. Com veiculação
semanal, surgiram: Notícias Regionais”, “Notícias Locais” e “Momento Criança”.
Quadros, com duração entre 5 e 10 minutos, que trazem informações rápidas
sobre temas específicos que originaram, inclusive, os seus nomes. ainda os
quadros quinzenais: Conversa de Mulher” e “Vidas Sertanejas”. O primeiro traz o
60
formato de microprogramas, com entrevistas, músicas e notícias rápidas sobre o
universo feminino. o segundo é uma entrevista em forma de relato oral, feita
com idosos assentados. Ambos os quadros têm duração de 10 a 15 minutos.
Percebemos que nesses quadros há forte presença do gênero jornalístico.
Todos esses quadros surgiram por iniciativa da equipe do Catavento que
compartilhou a idéia com o Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim, co-
produtor do Conversa de Alpendre. Por iniciativas individuais dos jovens
comunicadores, surgiram os quadros cuja veiculação é quinzenal: “Lorotas e
Poesias”: quadro cultural, com duração de 15 minutos, feito por dois
comunicadores populares, “Momento Esportivo”, programa sobre esportes da
região e “Conversa Boa”, quadro de entrevista ping-pong com 5 minutos de
duração. Os quadros são feitos pelos comunicadores que os criaram. Outro
quadro que surgiu durante uma reunião de pauta e que servia como ponte entre o
Grupo e jovens da região foi o quadro “Recadinhos do Coração”. ainda a
utilização de radioteatros, vinhetas educativas e disco-debates
21
para
complementar as informações veiculadas no programa. Com a entrada dos
quadros feitos pelo Grupo, percebemos a variação dos gêneros radiofônicos e a
entrada dos gêneros dramático e musical. Além de ampliar a aproximação com os
ouvintes do programa. Caracterizando o Conversa de Alpendre como uma rádio-
revista de educação popular.
A participação na produção do Conversa de Alpendre do Grupo de
Comunicação Popular de Quixeramobim começou de forma gradual. Com os
primeiros conteúdos sobre comunicação e técnicas radiofônicas das três primeiras
oficinas, os jovens comunicadores populares iniciaram de forma pontual suas
participações. A idéia era mesclar as oficinas de formação com a produção do
programa, na perspectiva de aprender para fazer e fazer para aprender. A
princípio, os jovens participaram do programa enquanto entrevistados, depois
21
Recurso para dinamizar a reflexão de um grupo, utilizando uma canção para estimular o debate.
Ouvir música faz parte do cotidiano dos setores populares e usar o seu potencial educativo é uma
boa estratégia para fomentar discussões sobre a realidade em que vivemos e assim favorecer o
exercício do pensamento crítico.
61
como debatedores em disco-debates realizados, para logo em seguida se
tornarem entrevistadores. Nesse momento, o grupo participava da reunião de
pauta semanal onde, além da definição do programa seguinte, era feito o
acompanhamento das entrevistas previamente marcadas para que o Grupo
produzisse. Assim, técnicas e discussões presenciadas nas oficinas começaram a
aparecer no dia-a-dia da produção do programa.
Com o tempo, a locução do programa passou a ser o novo objetivo a
conquistar. Primeiro de forma pontual em algumas matérias a locução era feita
por quem produzia a matéria , depois o Grupo passou a fazer toda a locução do
programa. Nesse momento, o a definição de pauta passava por eles, mas
também a maior parte da produção das entrevistas para as reportagens, ficando a
cargo da equipe do Catavento a edição e montagem do programa, como a
orientação de toda a produção.
Foi nesse momento que começaram a surgir os quadros pensados e
produzidos por membros do Grupo. Como locutores, os comunicadores passaram
a sentir os primeiros sinais de repercussão do programa ao serem identificados,
elogiados e criticados por ouvintes. Todo esse processo de inclusão no programa
foi intercalado pelos momentos específicos de realização das oficinas, reuniões de
pauta e os encontros de acompanhamento que se tornaram mini-oficinas
semanais, iniciados após o rmino das seis oficinas, consideradas da primeira
fase da formação.
É importante ressaltar que apesar de ser um grupo, foram respeitados o
ritmo de aprendizado e as habilidades de cada jovem. Mas, todos os jovens
tiveram o mesmo ambiente propício para descobrir e desenvolver suas
habilidades. Um exemplo de estímulo às características individuais foi o incentivo
e o apoio à criação do quadro Lorotas e Poesias”, feito por dois irmãos onde um
deles é cordelista. O respeito tamm aos estilos de locução importante frisar
que foram valorizados a linguagem e o sotaque cearense, mas mantida a
preocupação em separar o que seria próprio do linguajar da região, dos erros de
62
português frutos do pouco acesso ao ensino formal interferiram na divisão dos
grupos para a gravação dos programas.
Os doze jovens que terminaram a primeira fase da formação e que
permaneceram no Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim foram
divididos em três mini-grupos com quatro participantes. A cada semana um grupo
era o responsável por toda a locução do Conversa de Alpendre, cabendo, porém,
a produção a todo o coletivo. Nessa fase da formação, os jovens já tinham
elementos para atuar de forma mais participativa na produção do programa.
Quando se trata de comunicação popular, esta é vista a priori como
democrática. Na realidade, entretanto, apesar de a democracia se fazer
presente em muitos movimentos populares, ela não está
necessariamente assegurada no nível da elaboração da comunicação
(Peruzzo, 2004:126).
Os jovens estavam munidos de elementos primários para o domínio das
técnicas radiofônicas e mais habituados a exercer a reflexão crítica antes da
prática, gerando uma participação não maior, mas tamm melhor qualificada.
Percebemos aqui a preocupação da equipe do Catavento de realmente
transformar a comunicação popular em um espaço de “expressão democrática”
(Peruzzo, 2004).
3.4. Final da Primeira Fase da Formação: reconhecimento enquanto
comunicadores populares e a descoberta do seu papel social
A quarta oficina de comunicação popular, “Técnicas de locução: para
encontrar a sua voz no rádio”, realizada nos dias 15 e 16 de maio de 2004,
avançou no processo de formação do Grupo de Comunicação Popular de
Quixeramobim. A definição do conteúdo desta teve como base as demandas
surgidas ao longo do primeiro ano de trabalho com o Grupo de Comunicação
Popular que nesse momento já se apresentava enquanto grupo, mesmo sem
haver uma compreensão hegemônica do significado de grupo de comunicação
63
popular entre seus integrantes. Nesse período, os doze comunicadores populares
que permaneceram estavam envolvidos na produção e locução do programa.
Daí, a preocupação maior com as técnicas de locução e mais do que isso, a
preocupação com a responsabilidade ética e social ao se falar no rádio.
É importante destacar que o processo de formação variava. Ora começava
pela teoria (oficina, mini-oficinas de acompanhamento), ora pela prática (reuniões
de pauta e produção das entrevistas). O trabalho com a locução começou da
prática dia-a-dia na produção do programa para depois passar para a teoria:
realização de uma oficina. A atenção para a locução trouxe ao grupo uma reflexão
sobre como é forte o estigma que cerca a comunicação, a partir dos meios de
comunicação de massa que se centram em um padrão na forma de falar. Nesse
padrão, a linguagem, sotaque e expressões lingüísticas estão fortemente
influenciadas pelo Sudeste, região mais favorecida economicamente no Brasil -,
criando no imaginário popular a idéia de se ter uma única forma certa para se falar
nos meios de comunicação de massa.
Essa reflexão ganhou espaço no grupo na medida em que cada um tentava
imitar locutor A ou B e se confrontavam com a proposta da equipe do Catavento
que era de que cada um, no seu ritmo, fosse encontrando sua forma de falar no
rádio. A quarta oficina veio, portanto, para avaliar a locução já iniciada no
programa, como também para dar noções de dicção, entonação e interpretação de
texto. Além de fomentar a reflexão sobre o preconceito lingüístico existente na
homogeneização do linguajar do rádio, propagado especialmente pelas emissoras
comerciais.
A quinta e sexta oficinas realizadas dias 24 e 25 de julho e 31 e 01 de
agosto de 2004, respectivamente tiveram como objetivos a retomada de todo o
conteúdo apreendido pelo Grupo, seja nas oficinas anteriores seja no dia-a-dia de
produção do Conversa de Alpendre. Durante essas oficinas, além da revisão das
técnicas radiofônicas, um bom espaço foi reservado para a reflexão da prática do
fazer radiojornalismo, a partir da comunicação popular. Foram momentos de
preparo para o passo seguinte que era ampliar a atuação do Grupo na produção
64
do Conversa de Alpendre, refletindo como, objetivamente, esse programa poderia
contribuir para o desenvolvimento rural, especialmente nas áreas de
assentamento.
3.5. As Mini-Oficinas: acompanhando a caminhada do Grupo de
Comunicação Popular de Quixeramobim
Após o final da primeira fase da formação que identificamos como o período
da realização das seis oficinas 20 de março de 2003 a 01 de agosto de 2004
intercalado com a produção do Conversa de Alpendre, iniciada em 8 de fevereiro
de 2003, (mas que contou com a inserção dos jovens comunicadores em abril
do mesmo ano), surgiu a necessidade de a equipe do Catavento acompanhar
sistematicamente o desenvolvimento do Grupo de Comunicação Popular de
Quixeramobim, com a perspectiva de ajudar na sua consolidação.
Essa fase da formação que denominamos de segunda foi constituída por
mini-oficinas semanais de oito horas de duração. Nessas mini-oficinas, além da
reunião de pauta para os programas seguintes, os conteúdos giravam em torno de
exercícios para aprimorar as técnicas de rádio produção de vinhetas,
radioteatros, entrevistas, exercícios de dicção, impostação de voz etc. – e da
fomentação do pensamento crítico, através de discussões sobre temáticas
relacionadas à juventude, reforma agrária, assentamento, educação, saúde,
cultura, políticas públicas, projetos como PDHC, Pronaf e qualquer outro tema
referente à realidade do Grupo.
Tornava-se clara a relação direta entre o conteúdo ministrado nas oficinas
da primeira fase da formação, com o conteúdo das mini-oficinas nessa segunda
fase. As mini-oficinas também seguiram uma metodologia participativa,
fortalecendo a idéia da construção do conhecimento e não simplesmente do
repasse deste. A junção da prática e da teoria durante esse período de
acompanhamento ficou ainda mais evidente devido à proximidade entre os
encontros das mini-oficinas uma vez por semana e a produção do Conversa
65
de Alpendre, mantido semanalmente. Interessante ressaltar que a forma como o
Catavento media suas oficinas de comunicação popular, preocupando-se com
metodologias que garantissem a participação de todo o grupo, contribui para
disseminar a visão de uma comunicação democrática, horizontalizada, uma
comunicação com traços educativos.
As mini-oficinas que começaram em setembro de 2004 tinham ainda o
objetivo de criar um cotidiano de encontro para esses jovens. A idéia era de que o
hábito de se reunir semanalmente contribuísse para a consolidação do Grupo de
Comunicação Popular de Quixeramobim. Assim, com o final do processo de
formação mediado pelo Catavento e previsto para terminar em dezembro de 2004,
o Grupo estivesse suficientemente fortalecido para continuar sua trajetória na
produção do Conversa de Alpendre e quiçá para enveredar por outros meios de
comunicação como o impresso e o áudio-visual.
A programação das mini-oficinas era feita mensalmente numa reunião onde
se confrontavam as observações da equipe do Catavento com as opiniões do
Grupo que listava temas para discussões e as suas principais deficiências
técnicas. Com o desenrolar das mini-oficinas e com a inclusão da experiência de
algumas transmissões ao vivo do Conversa de Alpendre, era sentido o maior
entrosamento entre os integrantes do Grupo. Laços de amizade, solidariedade,
companheirismo e ajuda mútua foram estabelecidos entre os indivíduos para além
da produção do Conversa de Alpendre. Mais do que um Grupo de Comunicação
Popular, esses doze jovens se viam como um grupo de amigos, reunidos em torno
do aprendizado da comunicação e da produção de um programa.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletindo sobre a Prática
“Apesar das dificuldades e das desilusões, algumas experiências de envolvimento popular na comunicação
comprovam que o homem e a mulher encerram a potencialidade de ser sujeitos da história. Ser sujeito e não
mero objeto é a essência da condição humana.”.
(PERUZZO. Comunicação Popular nos Movimentos Populares - A Participação na Construção da Cidadania)
Antes de concluirmos este trabalho, é imperativo falarmos quem o esses
jovens protagonistas dessa história. O perfil do grupo além das características
citadas serem jovens, filhos de assentados, estarem envolvidos com suas
comunidades e terem interesse em comunicação – traz um ponto não muito
comum no sertão que é o de possuir um bom nível de escolaridade. Todos eles ou
tinham concluído o ensino médio ou o cursavam.
Apesar de que a escolaridade não tenha sido exigida pela equipe do
Catavento, percebemos que as comunidades ao escolherem seus jovens
representantes, levaram esse critério em questão. Possivelmente pelo senso
comum que envolve de magia e status a comunicação, dentro da relação de poder
exercida pelos meios de comunicação de massa junto à sociedade, especialmente
junto às camadas mais carentes.
Abrimos aqui esse parágrafo para que se registre o nome e o assentamento
de origem desses rapazes e moças que durante dois anos viveram no universo do
aprendizado e do fazer da comunicação popular. Relacionamos, pom, apenas
os jovens que participaram e compuseram o Grupo de Comunicação Popular de
Quixeramobim, no total de 12 jovens (na primeira oficina o grupo era de 18
participantes, dois por assentamento) e que foram acompanhados por essa
pesquisa.
67
São eles: Danilo de Almeida, Lúcia Barbosa, Francilino Barbosa, o Ciro, e
Francisco Barbosa, o Chico como o sobrenome sugere, os três últimos são
irmãos. (assentamento Vista Alegre); Erivaldo Araújo (assentamento Recreio);
Marta Gondim, Francisco Ademar, Izidia Inês e Rafael Pinheiro (assentamento
Alegre); Francisco Nilwerley (assentamento Caraíbas, comunidade Caraíbas);
Nara Edvânia (assentamento Caraíbas, comunidade Camará); e Rones Maciel
(assentamento Muxuré Velho).
A formação trabalhada pelo Catavento dentro do Projeto Dom Hélder
mara tinha como idéia original instigar o pensamento crítico desses jovens, a
partir de discussões em torno dos processos de recepção e produção da
informação e da prática da comunicação popular. Por isso, amparou-se no
processo dialógico e assim buscou fortalecer a consciência dessa juventude para
a sua importância dentro de suas comunidades e na sociedade em geral enquanto
sujeitos históricos.
Como desdobramento dessa ação, o Catavento tinha ainda como intenção
a formação do Grupo de Comunicação Popular de Quixeramobim. A idéia era criar
um grupo que atuasse de forma autônoma e auto-sustentável não apenas no meio
radiofônico, mas ampliando sua área de atuação para outras formas de se fazer
comunicação popular. Nossa pesquisa verificou que esses dois objetivos – instigar
o pensamento crítico e a atuação política/social e criar um grupo de comunicação
popular – tiveram desenvolvimentos e resultados diferenciados.
O despertar da consciência cidadã desses jovens foi notado com o
desenrolar da formação e do trabalho junto à produção do programa de rádio
Conversa de Alpendre. Se no começo das oficinas percebíamos jovens midos,
calados não por ser a timidez uma característica pessoal, mas por não haver
neles próprios uma auto-estima fortalecida que os estimulassem a expor suas
próprias idéias e sentimentos passados alguns meses, foi notória a mudança de
um grupo tímido para um grupo falante e crítico.
Mais do que despertar consciências, essa formação elevou a auto-estima
desses jovens, revelando espaço para se desenvolver com mais afinco os
68
potenciais de cada um. Esses jovens aprenderam a falar e da fala para ação foi
uma pida conseqüência. Além da participação ativa no programa de rádio e nas
discussões levantadas nos encontros do grupo, cada um dos jovens procurou
nos seus ritmos individuais e de maneira espontânea, pois não houve influência
direta do Catavento – formas de atuação política/social.
A participação na comunicação popular não diz respeito unicamente à
produção de meios. Ela perpassa as relações interpessoais e grupais e
ali ajuda construir a base de nova cultura política (Peruzzo, 2004:127).
Para citar: Danilo virou presidente do grêmio estudantil do seu colégio,
enquanto o Chico tornou-se presidente da Associação Comunitária do
Assentamento Vista Alegre. Os jovens Ciro e Rones foram incorporados à equipe
do Catavento como estagiários: o primeiro em um projeto de rádio-escola
desenvolvido em Quixadá e o segundo dentro do próprio Conversa de Alpendre.
o Erivaldo participa hoje da assessoria de comunicação do MST (Movimento
Sem Terra) da região. Marta e Lúcia atuam em suas comunidades na organização
de grupos de mulheres
22
.
Percebemos, então, que a comunicação social especialmente a
comunicação popular que tem no seu âmago o despertar da consciência
realmente pode estimular a participação política. Essa experiência é um exemplo
prático do que Peruzzo fala sobre comunicação popular e a construção da
cidadania.
Em 1976, a Conferência das Nações Unidas deixou firmado que a
participação popular é um direito humano, um dever político e um
instrumento essencial de construção nacional. [...] Umas das múltiplas
instâncias pelas quais o homem pode exercer esse direito e esse dever
é a comunicação social (Peruzzo, 2004:275).
É gico que o despertar do pensamento crítico não acontece de forma
linear e homogênea dentro de um grupo e tamm o tem um rmino definido.
22
Informações coletadas em entrevistas realizadas no final de 2004 e início de 2005.
69
Pois os indivíduos têm suas características pessoais, como também trazem seus
históricos de vida: da família, amigos à escola e ambiente onde vivem. Então, nem
todos do Grupo se engajaram em alguma organização como os acima citados.
Mas, podemos dizer que todos os doze jovens, à medida que participavam da
formação, amadureceram seus modos de enxergar a mídia e a comunicação
como um todo.
Quanto ao segundo objetivo do Plano de Comunicação do Catavento para o
Projeto Dom Hélder mara formação de um grupo de comunicação popular
autônomo e auto-sustentável percebemos que os resultados não foram
satisfatórios. Era perceptível que os 12 jovens se viam dentro de um grupo como
comunicadores populares, mas não se percebia a compreensão do papel social
que um grupo de comunicação pode ter, embora houvesse no grupo o
discernimento da responsabilidade ética e do compromisso social que cabiam a
eles por produzirem um programa de rádio.
Avaliamos que o sentimento entre os jovens era mais de pertencimento a
um grupo de aprendizes em comunicação popular do que membros de um grupo
de comunicação popular. De fato, a idéia de formandos em comunicação popular
era mais do que justificável, já que eles concretamente participavam de uma
formação. Mas acreditamos que haveria uma outra possível explicação que estaria
na própria essência da comunicação popular cuja origem vem das demandas dos
movimentos populares.
Ela [a comunicação popular] é resultado de um processo, realizando-se
na própria dinâmica dos movimentos populares de acordo com as suas
necessidades (Peruzzo, 2004:115).
Peruzzo ainda completa: “a comunicação popular tem como protagonistas o
próprio povo e/ou as organizações e pessoas a ele ligadas organicamente”.
(2004:127).
Além da natureza da comunicação popular que destacamos acima,
poderíamos dizer que o tempo para consolidação do grupo fora pequeno. Já que o
70
período a que essa pesquisa se voltou foram os dois anos da formação. Outra
hipótese que levantamos é a de que por essa experiência estar dentro de um
projeto governamental (Projeto Dom Hélder Câmara), o grupo teria seu espaço de
intervenção limitado. Mas, discutir a criação e consolidação ou não desse grupo
de comunicação popular, embora seja uma tarefa interessante, não encontra
espaço no trabalho em questão cujo objetivo é relatar e discutir a formação em
comunicação popular vivida por esses jovens.
O que constatamos no relato e análise dessa experiência de formação em
comunicação popular, realizada pela ONG Catavento Comunicação e Educação
Ambiental é que ela trouxe ao grupo, especialmente de forma individual, o instigar
da consciência crítica, a constatação de que se é capaz de contestar o status
quo”. Enfim, a percepção de forma prática que se pode ser sujeito da história na
busca por mudanças no cotidiano e assim na sua valorização enquanto jovem
assentado. E que esse despertar da consciência contou com um aliado
fundamental: a comunicação popular como uma prática educomunicativa.
71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“Os alunos aprendem que as coisas importantes estão escritas em livros, e com isso eles são desencorajados
de pensar seus próprios pensamentos. Pesquisar é fazer resumo de artigos da Barsa. Num trabalho
acadêmico, tudo o que o aluno diz tem que ser confirmado por aquilo que outro disse num livro – um nome e
uma data entre parêntese. Os alunos terminam por pensar que a educação é parar de pensar seus próprios
pensamentos e pensar os pensamentos de outros – pelos quais eles não têm o menor interesse.”.
(ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência – o dilema da educação)
1. LIVROS
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São Paulo: Edições Loyola, 1999.
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GEERTS, Andréa. A Notícia Popular Manuais de Comunicação. 1 ed. São
Paulo: Edições Paulinas, 1986.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Educação. 5 ed. São Paulo:
Cortez Editora, 2001.
KAPLÚN, Mario. Produccion de Programas de Radio. 1 ed. Editora CIESPAL,
1978.
72
MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social - Crítica ao Padrão
Emergente de Intervenção Social. 2 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
PERUZZO, Maria Cicilia Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares - A
Participação na Construção da Cidadania. 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes,
2004.
SCHAUN, Ângela. Educomunicação Reflexões e Princípios. 1 ed. Rio de
Janeiro: MAUAD Editora, 2002.
TENÓRIO, Fernando G. (org). Gestão de ONGs - Principais funções
gerenciais. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2004.
VIGIL, José Ignácio López. Manual Urgente para Radialistas Apaixonados. 1
ed. São Paulo: Edições Paulinas, 2003.
_____________. dio Revista de Educação Popular II. 1 ed. São Paulo:
Edições Paulinas, 1988.
2. ARTIGOS E TEXTOS
MARTINO, Luís Cláudio. Elementos para uma Epistemologia da Comunicação,
in Campo da Comunicação. Editora UFPB, João Pessoa. Texto apresentado no
V Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação (ALAIC),
Universidad Diego Portales, Santiago do Chile, 2001.
COELHO, Merilane. A Adesão Religiosa ao Vale do Amanhecer nas Cidades
de Canindé e Juazeiro do Norte. Texto para dissertação de mestrado em
Sociologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.
THERRIEN, Jacques et al. O Saber Social da Prática Docente. Relatório de
pesquisa, Universidade Federal do Ceará/faculdade de Educação, vol. 1,
Fortaleza, 1996 (mimeo).
3. SITES
Site da Articulação no Semi-Árido Brasileiro www.asabrail.org.br
Site do Projeto Dom Hélder Câmara www.projetodomhelder.gov.br
73
4. OUTROS
Documentos dos acervos da ONG Catavento Comunicação e Educação
Ambiental.
Entrevistas com os membros do Grupo de Comunicação Popular de
Quixeramobim e com o diretor da emissora Campo Maior.
74
ANEXO
Painel de fotos 01:
Foto 01: Rones, Roberto (que desistiu) e Marta (em); Lilá (mediadora).
Foto 02: Lúcia e Erivaldo (estúdio da emissora Campo Maior).
Foto 03: Marta, Rafael e Ciro (estúdio da emissora Campo Maior).
Foto 04: Nara frente) e Danilo, Rones, Marta e Chico e Ciro.
75
Painel de fotos 02:
Foto 01: Marta, Erivaldo e um amigo convidado.
Foto 02: Danilo e Rafael frente); Marta, Erivaldo e convidado (ao fundo); Maryellen (relatora).
Foto 03: O Grupo Marta, Ciro, Chico, Rafael, Rones, Ademar, Lúcia e Erivaldo (acima); Nara,
Maryellen, Klycia e Paulo (abaixo).
76
Painel de fotos 03:
77
Licença do Creative Commons:
<a rel="license" href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/"><img
alt="Creative Commons License" style="border-width:0"
src="http://i.creativecommons.org/l/by-nc-nd/2.5/br/88x31.png" /></a><br /><span
xmlns:dc="http://purl.org/dc/elements/1.1/" href="http://purl.org/dc/dcmitype/Text"
property="dc:title" rel="dc:type">Catavento Comunica&#231;&#227;o e
Educa&#231;&#227;o Ambiental e a Experi&#234;ncia de Forma&#231;&#227;o em
Comunica&#231;&#227;o Popular</span> by <span
xmlns:cc="http://creativecommons.org/ns#" property="cc:attributionName">Klycia
Fontenele Oliveira</span> is licensed under a <a rel="license"
href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/">Creative Commons
Atribui&#231;&#227;o-Uso N&#227;o-Comercial-Vedada a Cria&#231;&#227;o de
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