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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE
RAFAEL ALEXANDRE MICHALSKI
A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA E O STATUS JURÍDICO
DOS PRISIONEIROS DA BASE NAVAL DE GUANTÁNAMO
NOVO HAMBURGO, 2008.
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RAFAEL ALEXANDRE MICHALSKI
A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA E O STATUS JURIDÍCO
DOS PRISIONEIROS DA BASE NAVAL DE GUANTÁNAMO
Centro Universitário Feevale
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
Professor Orientador: Ms. Sandro de Souza Ferreira
Novo Hamburgo, novembro de 2008.
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RAFAEL ALEXANDRE MICHALSKI
Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, com título A PROTEÇÃO INTERNACIONAL
DA PESSOA HUMANA E O STATUS JURIDÍCO DOS PRISIONEIROS DA BASE
NAVAL DE GUANTÁNAMO, submetido ao corpo docente do Centro Universitário Feevale,
como requisito necessário para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovado por:
__________________________________________
Professor Orientador: Ms. Sandro de Souza Ferreira
__________________________________________
Professor Examinador
___________________________________________
Professor Examinador
Novo Hamburgo, novembro de 2008.
Este trabalho é dedicado a todos os
anos de estudo no curso de Direito. Dedico,
também, a todas as noites mal dormidas neste
último ano, a todo o esforço na busca de
melhores resultados, à conclusão deste e,
logicamente, a todos os que não acreditaram
na concretização da presente monografia.
Agradeço:
Primeiramente, a Deus, porque, sem Ele, nada disso
seria possível.
À minha grande mãe, ao meu grande pai e à família,
aos meus parentes, aos tios, pois, sem eles, não seria
possível encarar esta batalha.
Aquele salve a todos os amigos e chegados, por toda
paciência e pelo estímulo ao longo desta realização
pessoal. Sem eles, não teria se concretizado.
Agradecimentos especiais: a Marcelo Franco, pelo
assessoramento ortográfico, a Jaimi Passos, por sempre
fazer a manutenção do micro nas horas fatais, à família
Adams Klein, pela grande parceria de longa data e à
Priscilla Dupont, parceria forte.
Aos meus professores orientadores, Mestre Sandro
de Souza Ferreira, pela sábia e dedicada orientação em
Monografia II, à Gabriela Mezzanotti, que apostou e viu a
possibilidade de realizar a presente monografia, o meu
muito obrigado por acreditarem no meu então projeto
Guantánamo.
In memorian, a Sergio, que contribuiu à parte para
a realização deste trabalho.
5
“Na prisão da Base Naval de Guantánamo a simples
vida humana alcança o mais alto grau de incerteza e o regime
de exceção o mais alto grau absoluto”.
Agamben
6
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Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil
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7
RESUMO
Esta pesquisa aborda o sistema internacional de proteção da pessoa humana e o
status jurídico dos prisioneiros da Base Naval de Guantánamo. Este sistema visa a garantir
que os Estados cumpram com sua função de promoção e, ao mesmo tempo, de respeito aos
direitos humanos, prevendo, entretanto, situações de suspensão à aplicação de determinados
direitos humanos, de forma a balancear o respeito aos direitos humanos em relação à
necessidade de segurança. O trabalho pretende demonstrar a evolução deste sistema de
proteção desde sua origem, analisando os aspectos históricos e jurídicos do instituto, expondo
seus fundamentos, sua aplicabilidade e seus efeitos, juntamente com os divergentes
entendimentos doutrinários em vários aspectos do instituto. O estudo está dividido em duas
partes, sendo que, na primeira, são expostos o Direito Internacional Humanitário e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, suas origens, bem como seus fundamentos na legislação
e, na segunda parte, os aspectos jurídicos, o Estado de Exceção, o Direito Penal do inimigo e
o status dos prisioneiros de Guantánamo.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Terrorismo, Punição, Estado de Exceção.
RESUMEN
Esta investigación aborda el sistema internacional de protección de la persona
humana y la condición jurídica de los prisioneros de la Base Naval de Guantánamo. Este
sistema tiene por objeto garantizar que los Estados cumplan con su tarea de promover y al
mismo tiempo, el respeto de los derechos humanos, proporcionando sin embargo, situaciones
para suspender la aplicación de ciertos derechos humanos a fin de equilibrar el respeto de los
derechos humanos en relación con las necesidades de seguridad. El trabajo pretende
demostrar la evolución de este sistema de protección desde su creación, el análisis de los
antecedentes históricos y aspectos jurídicos del instituto, exponiendo sus raíces, la
aplicabilidad y efecto, junto con diferentes interpretaciones en distintos aspectos doctrinales
de la institución, refiriéndose adoctrinados. El estudio se divide en dos partes, y, en primer
lugar, se expone el Derecho Internacional Humanitario y el Derecho Internacional de los
Derechos Humanos, sus orígenes y sus raíces en la legislación y en el segundo, los aspectos
jurídicos de Excepción y la Regla de la Ley El penal del enemigo y la situación de los
prisioneros de Guantánamo.
Palabras clave: Derechos Humanos, Terrorismo, el Castigo, Estado de Excepción.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
I – A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA............................................................15
1.1 Direito Internacional Humanitário .............................................................................15
1.2 Direito Internacional dos Direitos Humanos..............................................................25
II – DIREITO PENAL DO INIMIGO E O TERRORISMO INTERNACIONAL..................43
2.1 O Paradigma do Estado de Exceção no conflito entre segurança nacional e dignidade
da pessoa humana.............................................................................................................43
2.2 Direito Penal do Inimigo e o status Jurídico dos Prisioneiros de Guantánamo .........52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................65
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................69
INTRODUÇÃO
A legislação do Direito Internacional Humanitário traz, em seus tipos, a relação de
condutas proibidas, consideradas reprováveis sobre a forma de conduzir os conflitos armados
e as guerras em geral, sendo que cada uma delas tem como conseqüência uma punição
respectiva. Tais punições são previstas e possuem objetivos, propósitos em sua aplicação.
Geralmente, diz-se que, na guerra, vale tudo, porém não deveria ser assim, haja vista
existirem normas proibitivas, como o uso de certos armamentos, a proteção da população
civil, não atacar hospitais, escolas, dentre outras. métodos e meios de aprisionamento de
presos inimigos, vedando tortura e maus-tratos. Essa proteção fica cristalizada nas quatro
Convenções de Genebra, mais especificamente na III Convenção de Genebra, que trata dos -
Prisioneiros de Guerra - (POW Prisioners of War).
Entretanto, para certas guerras (como a guerra contra o terror), não é possível
distinguir, com clareza, o inimigo, que o inimigo pode estar dentro da “própria” trincheira,
como no caso dos atentados do 11 de setembro, em que a maioria dos terroristas residia em
solo norte-americano. Fato é que, no dia 11 de setembro de 2001, o mundo assistiu,
praticamente em tempo real, aos aviões atacarem a maior potência bélica do globo, colocando
em ‘xeque’ sua suposta invencibilidade.
Segundo a visão estadunidense, trata-se de um combate único, contra o “terror” e
seus praticantes, de antemão, identificados como “islâmicos”, o que, conforme o presidente
George W. Bush, justificaria, por conseqüência, métodos também inéditos.
12
O totalitarismo moderno define-se, nesse sentido, como a instauração, por meio do
Estado de Exceção, de uma guerra civil legal. Cabe aqui mencionar Carl Schimitt, que afirma,
em seu livro “O Conceito do Político”, que o inimigo não é um concorrente comercial, ou o
adversário em geral, como, por exemplo, num jogo, em que se quer a derrota do adversário,
porém não ao ponto de o odiarmos, também nem seria um adversário em particular, que
odiamos por sentimentos de antipatia.
Inimigo é, então, o conjunto de homens, pelo menos eventualmente combatente, que
se contrapõe a um conjunto semelhante por acreditar em certos valores de cunho histórico
inerentes a povos que têm implantado, em sua cultura, exercer o “direito de resistência”,
combatendo por seus ideais.
Tal cultura permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também
de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não-integráveis ao
sistema político. Desde então, a criação voluntária de um Estado de Emergência permanente
(ainda que, eventualmente, não declarado, no sentido técnico) tornou-se uma das práticas
essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos países ditos democráticos. Assim, o
Estado de Exceção apresenta-se como um patamar de indeterminação entre a democracia e o
absolutismo.
Os diversos tratados e convenções mobilizando toda a comunidade mundial visaram
a coibir os abusos cometidos na Segunda Guerra, ou ao menos para reduzir e respeitar a
dignidade humana. Além disso, em se levando em conta que a dignidade, acima de tudo, diz
respeito à condição própria do ser humano, o assunto é de relevância e extremamente atual.
Contudo, justamente pelo fato de que a dignidade vem sendo considerada qualidade ligada e
indissociável de todo e qualquer ser humano e de que a destruição de um implicaria a
destruição do outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa, de cada uma e de
todas, constitui-se (ou, pelo menos, deveria) em meta permanente da humanidade, do Estado e
do Direito.
13
É exatamente sobre essas relações entre dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais que se pretende explanar, destacando o aparente confronto entre direitos
humanos, dignidade da pessoa humana e terrorismo.
Os ataques de 11 de setembro qualificam-se como uma destas situações em que fica
explícito o conflito entre dignidade e segurança nacional; a comunidade global observou, em
estado de pânico e angústia, as cenas chocantes, em que seqüestradores suicidas, sem
apresentarem exigências, destruíram as “torres gêmeas” em plena Manhattan.
A tarefa primordial do Estado é evitar ataques contra a população civil, isenta muitas
vezes, das brigas entre Ocidente e Oriente, as quais são travadas, exclusivamente, por
‘políticos combatentes’. E esta preocupação de proteger as pessoas contra o terrorismo levou
a administração americana a utilizar e desenvolver medidas extremas, que violam o princípio
da dignidade humana dos detidos como supostos terroristas, permitindo abusos como:
afogamento, dias sem dormir, alimentação forçada para evitar greves de fome, entre outras.
Essa ação por conta própria dos Estados Unidos teve início poucas semanas após os
ataques, com a aprovação do Decreto de Unificação e Fortalecimento Mediante a
Implementação dos Meios Apropriados Requeridos para Interceptar e Obstruir o Terrorismo,
popularmente chamada de Lei Patriota (EUA, 26/10/2001), que amplia as leis existentes
quanto à supervisão de comunicações telefônicas, orais e eletrônicas, à lavagem de dinheiro,
às patrulhas de fronteira, assim como quanto aos procedimentos de investigação, julgamento e
condenação criminal relativos a pessoas e/ou organizações supostamente ligadas ao
terrorismo.
Dessa forma, procedidas tais análises, alcançariam, realmente, o seu fim, mesmo que
sobrepujando direitos e garantias fundamentais, consagradas e tidas como conquistas da
humanidade? Será que o caráter de tais excessos em legislações não contribui para um outro
tipo de terrorismo? O chamado terrorismo político? Ou ainda: instaurar uma espécie de estado
de alerta mundial, criando uma confusão entre os poderes, ficando bastante conveniente para
14
alguns e para outros nem tanto? Sabe-se e os exemplos históricos confirmam-nos que nenhum
regime totalitário obteve aceitação mundial. Aceitar tal forma como sendo normal e a forma
normal vindo a ser aceita como exceção é, sem sombra de dúvidas, um retrocesso que coloca
em risco a democracia mundial.
O presente trabalho busca abordar o instituto dos direitos humanos em âmbito
internacional, analisando-o desde sua origem, a sua evolução e até os efeitos por ele
emanados, trazendo as divergências doutrinárias acerca do tema.
A pesquisa está dividida em duas partes, sendo que, na primeira, há um estudo
histórico da proteção internacional da pessoa, desde a forma genérica desta, da antiguidade até
as legislações mais atuais, tentando demonstrar, dessa forma, uma possível origem da referida
proteção internacional da pessoa no meio de um conflito armado. Expõe, também, os
fundamentos do instituto, seus motivos e objetivos, tanto em nossa legislação como na de
outros países, buscando explicitar os motivos da existência do instituto em praticamente todas
as legislações.
na segunda parte do trabalho, abordam-se a aplicação do direito penal do inimigo
e a sua ligação com o terrorismo internacional. Na seqüência, estão expostos os efeitos do
paradigma do Estado de Exceção, bem como sua gênese, suas conseqüências, ainda, a
legitimidade para aplicação do questionável dispositivo, juntamente com as respectivas
divergências doutrinárias.
1 – A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA
1.1 Direito Internacional Humanitário
Pode-se não gostar dos graves acontecimentos que marcaram nossa história ao longo
dos séculos, mas não como ignorá-los. Infelizmente, estão registrados muitos momentos
importantes e, ao mesmo tempo, desastrosos da existência humana. Isso porque estivemos
sempre pautados pelos conflitos armados, desde a pré-história.
Os registros históricos apontam 14.000 guerras, as quais produziram mais de 5
bilhões de mortes. Durante os últimos 3.400 anos, foram, no máximo, 250 anos de paz geral.
1
O século XIX, particularmente, caracterizou-se pelas trincheiras e valas bélicas, que
semearam entre os povos o ódio e a destruição. Mas, paradoxalmente, também se destacou
pelas grandes descobertas, pelo progresso das ciências, pelas ferrovias e pela eletricidade -
uma das mais importantes invenções, matriz de todas as demais. Com ela, veio a
industrialização - em oposição à decadente agricultura -, a economia nascente, a massificação.
Foram esses, dentre outros, os fatores que contribuíram para grandes transformações nas
sociedades. Seria o despertar para um mundo novo, jamais imaginado, não fosse a insensatez
e as destruições trazidas pelas guerras.
2
1
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror Penal. Ed., rev. São Paulo, SP: Quartier Latin, 2007,
p.67.
2
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Revista Jurídica Consulex- Ano XI- N° 258 15 de outubro de 2007, p. 29.
16
Sabe-se que alguns países mantêm a cultura bélica desde seu berço hoje, os EUA
representam o maior exemplo disso. O General George Patton, herói dos americanos nas duas
grandes guerras, dizia aos seus soldados que “iriam para guerra não para morrer pela pátria,
mas sim matar por ela
3
. Em função desse tipo de pensamento, Norberto Bobbio afirma que
“o problema mais grave de nosso tempo, com relação aos direitos dos homens, não é mais
fundamentá-los e sim o de protegê-los”. Pode-se concluir, então, que a problemática seria de
ordem jurídica e, num sentido mais amplo, política e não filosófica. Quando os direitos do
homem eram considerados exclusivamente direitos naturais, a única defesa possível contra a
sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito à resistência
4
.
Assim, a guerra sempre existiu entre todos os povos, em todas as épocas. Porém
sempre esteve, de um modo geral, sujeita a determinadas normas, que regulamentavam o uso
da força. Existem registros de tratados sobre prisioneiros de guerra desde o código de Manu
5
.
O que mudou, de fato, ao longo dos tempos, foram os motivos, as causas da guerra.
Ocorreram guerras Santas, motivadas pela religião; guerras de expansão territorial, para
resguardar a supremacia de determinado império; e guerras econômicas, nas quais o que
estava em jogo era o monopólio sobre determinado produto ou rota comercial. Já nos tempos
modernos, as causas se unificam em torno do controle econômico, utilizando-se de
ferramentas políticas, religiosas e midiáticas
6
.
A regulamentação geral dos conflitos armados possibilitou estruturar a maioria das
abordagens contemporâneas sobre a ética da guerra. A primeira, conhecida como jus ad
bellum, define as condições em que é lícito guerrear. o jus in bello estabelece os limites da
conduta lícita na guerra
7
. Por ser um direito diferenciado, no qual impera um conjunto de
normas internacionais, basicamente de forma consuetudinária, ou seja, - como regras gerais
que se aplicam a todos os Estados, com a finalidade de intervir em conflitos armados tentando
3
BUBENECK, Celso. Revista Consulex – Ano VIII – N°178 – 15 de julho de 2004, p.25.
4
BOBBIO, Norberto. “A Era dos Direitos”. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1996, p.31.
5
MELO Celso D.de Albuquerque “Curso de Direito Internacional”. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1996, p.990.
6
LIMA, Francisco Gérson Marques de. Por uma visão internacional antropocêntrica dos direitos humanos,
num mundo de terrorismo, guerras insegurança e avançadas tecnologias. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3649 Acesso em: 16 de abril de 2008.
7
MCMAHAN, Jeff. “Guerra e Paz”. Disponível em: <http://www.filedu.com/jmcmahanguerraepaz.html >
Acesso em: 21 de abril de 2008.
17
estabelecer “regras de guerra” no tocante à proteção e dignidade da pessoa humana -, o
Direito Internacional Humanitário equivale ao direito de guerra
8
.
A evolução do Direito Internacional Humanitário e de suas regras ocorreu através
dos tempos, à medida que as formas de combater se tornaram mais complexas e a população
civil foi sendo afetada. Até meados do século XIX, os Estados-parte em um determinado
conflito chegavam, às vezes, a acordos para proteger as vítimas das guerras. Entretanto, tais
tratados eram válidos apenas em relação ao conflito para o qual haviam sido negociados. O
marco inicial para uma regulamentação convencional geral foi o ano de 1864. Nele,
inspirados em uma iniciativa do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, os Estados adotaram
o primeiro tratado internacional nesta matéria; já a Convenção de Genebra foi criada para
aliviar a sorte dos militares feridos dos exércitos em campanha, sendo ela válida para eventual
conflito futuro entre os Estados-parte
9
.
Neste sentido, faz-se necessário um estudo sobre os princípios fundamentais do
Direito Internacional Humanitário, interligando-os ao Direito Internacional, delineando
caminhos e exigindo seu efetivo cumprimento
10
. Dentre esses princípios, destaca-se que o
cerne seriam as exigências militares e o tratamento da ordem pública, sempre
compatibilizados com o respeito à pessoa humana. Além disso, o Princípio de Direito
Humanitário, em que as partes em conflitos não causarão a seus adversários males
desnecessários com relação ao objetivo da guerra, que é destruir e debelar potencial militar
inimigo. Também o Princípio do Direito de Genebra, que postula que as partes que não
participarem das ofensivas militares serão poupadas e respeitadas com humanidade, e o
Princípio do Direito à Guerra (o direito das partes de elegerem os métodos e os meios de
guerra não serão ilimitados)
11
.
8
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro: Ed. Renovar,
1997, p.136.
9
Matéria veiculada no site do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Disponível em: <
http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/(PSearch)?SearchView&Query=did&searchWv=1&searchFuzzy=1
&SearchOrder=1&SearchMax=0&style=Custo_results_search2> , Acesso em: 21 de abril de 2008.
10
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed.
Saraiva, 1991, p.3.
11
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: E. Quartier Latin, 2007, p.82.
18
Além desses princípios, podem-se citar os princípios comuns ao Direito de Genebra e
dos Direitos Humanos: a inviolabilidade (em relação à integridade física e à vida), além dos
atributos inseparáveis da personalidade humana, que seriam a proibição da tortura e de tratos
cruéis, o reconhecimento de personalidade jurídica, o direito à honra, o direito à assistência
necessária a toda pessoa que estiver sofrendo, o direito de conhecer o destino de seus
familiares e de receber socorro, o direito de não ser privado, arbitrariamente, da propriedade.
Por fim, os princípios relativos ao direito à não-discriminação e o princípio da segurança, do
qual decorrem os seguintes: ninguém será considerado culpado por ato que não cometeu,
proibindo-se atos de represália e castigos coletivos. Todos podem fazer uso das garantias
judiciais usuais e ninguém pode renunciar aos direitos reconhecidos nas convenções
humanitárias
12
. Alguns princípios merecem ser mencionados além desses, tais como:
distinção entre civis e militares, a proibição de sofrimento desnecessário, bem como os
princípios de proporcionalidade e da necessidade
13
.
Assim, o Direito Internacional Humanitário vem proteger as pessoas que não
participam no combate, tais como feridos e prisioneiros de guerra. As pessoas amparadas por
essa proteção não podem ser atacadas e tampouco sofrer maus-tratos, haja vista existirem
normas específicas para o tratamento dessas pessoas, como, por exemplo, as Convenções de
Genebra, de 1949
14
. Sabe-se que as guerras, nos primórdios, eram de conquista total, em que
o inimigo subjugado perdia sua independência, sendo, muitas vezes, seu território incorporado
ao do vencedor; sua população e seus bens passavam a ser propriedade do vencedor. Os
prisioneiros de guerra eram vendidos como escravos, povos inteiros, não raro, eram
deportados para trabalho escravo. Normas jurídicas sobre o comportamento na guerra após a
vitória, praticamente, não existiam.
15
Os instrumentos principais do Direito Internacional Humanitário foram elaborados a
partir do ano de 1949. Entre eles, destacam-se as seguintes convenções: A I Convenção de
Genebra sobre os feridos e os doentes das Forças Armadas em campanha; a II Convenção de
Genebra sobre proteção aos feridos, doentes e náufragos das Forças Armadas no mar; a III
12
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: E. Quartier Latin, 2007, p.83.
13
MEZZANOTT, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: E. Quartier Latin, 2007, p.97.
14
SWINARSKI, Christophe. A Norma e a Guerra. Porto Alegre 1991 p. 26 – Apud Mezzanotti.
15
SODER, José. A história do Direito Internacional. Porto Alegre: Ed. URI - Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões, 1998, p. 35
19
Convenção de Genebra sobre os prisioneiros de guerra; e a IV Convenção de Genebra sobre a
proteção da população civil
16
. As Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais de
1977 constituem o Direito básico que protege as vítimas de conflitos armados e regulamentam
a condução das hostilidades em tempos de guerra. Por sua vez, os Protocolos Adicionais de
1977, por terem caráter adicional, como o próprio nome diz, vieram a complementar as
Convenções de Genebra acima citadas e, destes Protocolos, extraem-se algumas
considerações importantes. O Protocolo I reforça a proteção das vítimas de conflitos armados
internacionais e amplia a sua aplicação às guerras de libertação nacional. o Protocolo II
reforça a proteção das pessoas afetadas por conflitos armados internos, completando o artigo
3°, comum às quatro Convenções de Genebra.
Artigo 3. Em caso de conflito armado de caráter não-internacional que
ocorra em territórios de uma das Altas partes Contratantes, cada uma das
Partes em conflito deverá aplicar, pelo menos , as seguintes disposições: I -
As pessoas que não tomarem parte nas hostilidades, incluindo os membros
das forças armadas que tiverem deposto as armas e as pessoas que ficarem de
fora de combate por enfermidade, ferimento, detenção, ou qualquer outra
razão, devem em todas circunstâncias ser tratadas com humanidade, sem
qualquer discriminação desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença,
sexo nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo. Para este
efeito, são e continuam a ser proibidas, sempre e em toda parte, com relação
às pessoas acima mencionadas: a) atentados à vida e à integridade física,
particularmente homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos
cruéis, torturas e suplícios b) tomadas de reféns c) ofensas à dignidade das
pessoas, especialmente tratamentos humilhantes e degradantes d)
condenações proferidas e execuções efetuadas sem julgamento prévio
realizados por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as
garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados
II- Os feridos e enfermos serão recolhidos e tratados. Um organismo
humanitário imparcial, tal como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha
poderá oferecer seus serviços às Partes em conflito. As Partes em conflitos
deverão empenhar-se, por outro lado, em colocar em vigor por meio de
acordos especiais todas ou parte das demais disposições da presente
Convenção. A aplicação das disposições anteriores não afeta o estatuto
jurídico das partes em conflito.
Ainda referente ao Protocolo I, cabe mencionar que ele regulamenta a posição dos
espiões e dos mercenários, os quais não são tratados como prisioneiros de guerra nem se
enquadram no estatuto do combatente
17
.
16
Matéria veiculada no site do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Disponível em: <
http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/htmlall/geneva-conventions-news-210806?opendocument> Acesso
em: 21 de abril de 2008.
17
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito Guerra e Terror. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2007, p.73.
20
A adoção do artigo 3°, que é comum às quatro Convenções de Genebra, de 1949,
contendo padrões mínimos de proteção em caso de conflito armado não-internacional,
contribuiu para a aproximação entre o Direito Internacional Humanitário e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, acarretando a aplicação das normas humanitárias
igualmente nas relações entre o Estado e as pessoas sob sua jurisdição, como ocorre no campo
próprio dos direitos humanos
18
. São direitos comuns a estes dois institutos, por exemplo, o
direito à vida e à liberdade.
Outra etapa importante nessa aproximação foi a adoção dos Protocolos Adicionais de
1977 às Convenções de Genebra, sendo que o artigo 75 do Protocolo Adicional I assevera: “O
direito de ser julgado por um tribunal independente e imparcial (Convenção III, art. 84 (2),
Protocolo I, art. 75 (4), Protocolo II, art. 6 (2)
.
. Tal dispositivo enuncia, em detalhes, garantias
fundamentais mínimas de que gozam todas as pessoas afetadas por conflitos, protegendo
direitos individuais destas pessoas oponíveis a seu próprio Estado”
19
.
Percebe-se clara aproximação entre o Direito Humanitário e os Direitos Humanos, sem
confundi-los, já que permanecem intactas as condições de aplicação de um e de outro,
significando que podem ser aplicados ambos simultânea ou cumulativamente, assegurando a
complementaridade dos dois Sistemas Jurídicos.
Christophe Swinarsky
20
afirma o seguinte:
Procedendo de maneira clássica, os efeitos protetores do Direito Internacional
Humanitário podem ser analisados sob os aspectos de sua aplicabilidade no âmbito
de situação (ratione situationis), no âmbito temporal (ratione temporis), e no âmbito
pessoal (ratione personae).
Assim, a aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário destaca-se na seguinte
situação (ratione situationis): um conflito armado internacional (artigo 2°, comum às
Convenções de Genebra). Aqui, cabe ressaltar que o Protocolo Adicional de 1977 conseguiu
18
TRINDADE, Antonio Augusto Trindade. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. São
Paulo: Ed. Saraiva, p.279.
19
TRINDADE, Antonio Augusto Trindade. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. São
Paulo: Ed. Saraiva, p.279.
20
SWINARSKI, Christophe. Direito Internacional Humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais p. 41.
21
abarcar um conceito bastante amplo para guerra interestatal, mesmo ela sendo travada dentro
de um mesmo território, como, por exemplo, as guerras de libertação nacional, em que os
povos lutam contra uma dominação colonial ou uma invasão estrangeira. O caráter
internacional desse tipo de conflito armado foi admitido mediante o princípio da
autodeterminação dos povos, consagrado pela Carta das Nações Unidas como uma das bases
das relações internacionais contemporâneas
21
.
Nesse tipo de conflito, aplicam-se, diretamente, as regras do Direito Internacional
Humanitário, referendadas nas quatro Convenções de Genebra e no citado Protocolo
Adicional I de 1977.
Outra situação é quando um conflito armado não-internacional, conforme art. 1 do
Protocolo I e art. das Convenções de 1949. A expressão “guerra civil”, abandonada na
Conferência Internacional da Cruz Vermelha (Estocolmo, 1948), deu lugar à atual
denominação de conflitos internos.
Além dessas situações, também se utiliza o Direito Internacional Humanitário, ou
melhor, seus princípios celebrados pelas Convenções apenas como padrão para procedimentos
jurídicos ou na inspiração de normas protetivas, quando houver distúrbios internos, quer dizer,
quando um determinado país estiver sofrendo com grave situação econômica ou política,
enfim, com distúrbios que afetem ou ponham em risco o bom ordenamento da ordem pública.
São os casos em que ocorrem aprisionamentos em massa, detidos políticos, suspensão das
garantias fundamentais, caso declarado um Estado de Exceção, por exemplo, além de
desaparecidos. É que o Direito Internacional Humanitário não se atém apenas a conflitos
internacionais, mas abrange todo e qualquer entrechoque armado que se trave dentro de um
país
22
. Ou seja, onde houver vítimas humanas em razão da violência bélica, impõe-se
tratamento humanitário.
No âmbito de aplicabilidade temporal, ou melhor, “ratione temporis”, diferem-se três
situações às quais correspondem distintos grupos de regras dos instrumentos de Genebra.
21
SWINARSKI, Christophe. Direito Internacional Humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais p.42.
22
CARVALHO, Julio Marino. Os Direitos Humanos no Tempo e Espaço. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 1998,
p. 364.
22
Na primeira categoria de regras, o início de aplicabilidade corresponde ao início da
hostilidade entre as partes em conflito e o fim da aplicabilidade corresponde ao cessar das
hostilidades ativas.
23
A grande maioria das normas corresponde a esta categoria.A categoria
posterior de regras aplicáveis está composta por normas que não têm, pela própria vontade
dos Estados criadores desses tratados, uma limitação para ser aplicada, como menciona
Swinarski: “Como exemplo destas normas pode-se citar os compromissos dos Estados em
matéria de divulgação do Direito Internacional Humanitário, que se obrigam em tempo de
paz e guerra a r em conhecimento do conteúdo dos tratados a todos os que possam padecer
da ignorância na matéria”.
A terceira e última categoria de normas são aquelas que surtirão efeitos até que
cumpram seus objetivos, como, por exemplo, as atividades da Agência Central de Pesquisa,
que tem a finalidade de preservar ou restabelecer os vínculos sociais e familiares das vítimas
dos conflitos armados
24
.
No âmbito pessoal, ou “ratione personae”, os tratados de Genebra utilizam-se de um
conceito técnico, podendo ser vítima cada pessoa efetiva ou potencialmente afetada por um
conflito armado, seja ela uma pessoa civil (qualquer pessoa que não pertença às forças
armadas) ou um militar fora de combate, por ter sido ferido, estando doente ou feito
prisioneiro
25
. O termo não traz nenhum valor de juízo ético ou moral, mas somente se refere a
uma característica de fato da pessoa, como amparada pelas normas jurídicas que regem as
diversas situações bélicas.
A questão é que, independentemente da “modalidade” do conflito, sempre haverá
vítimas e é necessário pensar nessas pessoas civis ou até mesmo nos combatentes, que,
apesar de usarem bandeiras distintas e demarcar territórios, todos pertencemos a uma única
raça: a raça humana. Como a finalidade deste direito é a proteção das vítimas de guerra e, na
medida do possível, proteger as pessoas contra as pressões que, por ventura, possam ser
23
SWINARSKI, Christophe, Direito Internacional Humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990,
p.45.
24
SWINARSKI Christophe. Direito Internacional Humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990,
p.46.
25
SWINARSKI Christophe. Direito Internacional Humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990,
p.47.
23
exercidas sobre elas para abdicar de certos direitos, eis o que muitos autores assinalam como
exemplo claro da aplicação do Princípio da inalienabilidade
26
.
A relação entre Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos é uma matéria
muito debatida na doutrina, havendo três teorias existentes.
Para os adeptos da tese integracionista, o Direito Internacional Humanitário é mais
antigo que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ressaltando que o Direito
Internacional dos Direitos Humanos é o gênero e é aplicado a todo tempo, enquanto o Direito
Internacional Humanitário é aplicado em tempos de conflito armados e, especificamente, a
algumas categorias de pessoas.
Por sua vez, a teoria separatista, como o próprio nome diz, separa a idéia do Direito
Internacional dos Direitos Humanos do Direito Internacional Humanitário, haja vista que eles
teriam objetos e natureza incompatíveis, além de julgar que essa junção entre esses ramos do
direito seja perigosa no que cinge à proteção da pessoa.
27
Ainda no atinente à relação entre Direito Internacional Humanitário e Direito
Internacional dos Direitos Humanos, cabe fazer menção que o primeiro é revestido de caráter
de exceção, aplicável em situações de emergência, porque qualificadas pelo conflito armado
em casos de ruptura da ordem jurídica internacional
28
. Então, correto é afirmar que a função
primordial do Direito Internacional Humanitário é a proteção do indivíduo durante o conflito
armado e o Direito Internacional dos Direitos Humanos ocorre em tempo integral. Os
mecanismos da aplicação desses dois ramos do direito são diferentes, assim como também as
instituições encarregadas de desenvolvê-los e promovê-los, como, por exemplo, o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, no tocante ao Direito Internacional Humanitário, e as
organizações internacionais universais, como as Nações Unidas, ou as regionais, como a
26
TRINDADE Antonio Augusto Trindade. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editors, 1997, p.277.
27
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de Janeiro: Ed. Renovar,
1997, p.138.
28
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2007, p.65.
24
comissão e a Corte Interamericana ou o Tribunal Europeu, no tocante aos Direitos
Humanos
29
.
A justificativa seria pelo fato de os direitos humanos preservarem pessoas perante o
próprio Estado, enquanto o direito internacional humanitário cuida do indivíduo frente a um
Estado estrangeiro. A segunda diferença seria quanto às violações do Direito Internacional
Humanitário. Neste caso, quem será punido será um Estado diverso da nacionalidade da
pessoa e, na violação dos Direitos Humanos, a punição ocorrerá pelo próprio Estado nacional
do indivíduo. Por último, a tese complementarista, hoje mais utilizada pela doutrina, indica a
existência de certas diferenças entre os dois institutos, tais como, por exemplo: os direitos
humanos estariam vinculados a instituições internacionais, universais e regionais. Por sua vez,
o direito humanitário relaciona-se à Cruz Vermelha Internacional. A tese separatista é falha,
porque tanto um quanto outro têm a mesma finalidade – “a proteção da pessoa humana
30
.
Entre todas as medidas preventivas firmadas nas Convenções de Genebra, a mais
fundamental seria a de difusão, ou seja, mesmo em tempo de paz, devem-se levar a todos os
conhecimentos dessas normas. Este dever cabe às autoridades civis e militares, dever este
complementado por diligências especiais, a cargo dos chefes militares, que obrigam a tomar
medidas para que os membros das forças armadas sob suas ordens conheçam as suas
obrigações a respeito, as quais têm de cumprir o disposto pelo direito de Genebra
31
. Esta
obrigação constitui todo direito internacional público, devendo ser realizada pelo direito
interno de cada país.
29
MEZZANOTTI, Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2007, p.65. No mesmo
entendimento de SWINARSKI. Introdução ao Direito Internacional Humanitário, Brasília, Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, Instituto Internacional dos Direitos Humanos, 1996.
30
MEZZANOTTI Gabriela. Direito, Guerra e Terror. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2007, p.64.
31
SWINARSKI, Christophe. A Norma e a Guerra. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.39
25
1.2 Direito Internacional dos Direitos Humanos
Podemos afirmar que a pessoa humana possui, por sua natureza, direitos que devem
ser reconhecidos, respeitados e protegidos por todos. Estranha é a realidade histórica de que
esses direitos tivessem levado séculos para alcançar foros de cidadania nacionais e
internacionais. José Soder afirma: “ultimamente chegou-se à conclusão de que no âmbito
internacional é possível encontrar o que esboça como início de uma solução satisfatória”. A
noção de Direitos Humanos, ou seja, direitos inerentes a toda pessoa devido à sua natureza
racional, tem suas bases na filosofia da Grécia antiga. Mas, principalmente na concepção
cristã do ser humano, como é professada na Bíblia, daí vindo para a civilização ocidental
32
.
Rosseau argumenta que, se alguém tem o “direito” de subjugar outro e privá-lo de
bens fundamentais, também este outro terá o direito de reagir ao jugo e reconquistar seus bens
fundamentais.
O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros [...] Como é
feita esta mudança? [...] Enquanto um povo é constrangido a obedecer, faz
bem; tão logo ele possa sacudir o jugo, e o sacode, faz ainda melhor: porque
recobrando a liberdade, graças ao mesmo direito com o qual lhe arrebataram,
ou este lhe serve de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para
subtraí-la.
33
O homem moderno vive dois dilemas extremamente cruciais: o da necessidade
permanente de vencer, sempre vencer, ultrapassar os limites, ou o de ajustar-se às condições
humanas de sobrevivência. É o dilema de vencer interdições que impede o indivíduo de se
realizar como homem. É submeter-se ou resignar-se. Na Grécia antiga, isso seria chamado de
“hubris”
- a maior das violências perante si e os demais humanos: querer ser Deus, numa
busca sem fim pelo poder.
32
SODER, José. História do Direito Internacional. São Paulo: Ed. da URI, 1998, p.235.
33
BOBBIO, Norberto A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1996, p.29.
26
O termo direitos humanos, que remete à independência com relação ao Estado e/ou à
sociedade, é anterior e superior a estes, devendo por eles ser reconhecido, sob pena de agirem
contra a justiça. A sociedade nacional e internacional deve aceitá-los, encontrando neles um
limite natural do seu poder e da justiça
34
. O inimigo natural dos Direitos Humanos é o
absolutismo do Estado. Reconhecido isto, aparecem para combater o absolutismo as primeiras
Declarações de Direitos Humanos nos EUA e na França, registradas nas Constituições de
cada país
35
.
A “Magna Charta Libertatum”
36
, seguida da “Petition of Rights”, de 1628, assim como
o “Hábeas-Corpus-Actus”, de 1679, e a “Bill of Rights”, de 1689, continham dispositivos que
conferiam guarida à pessoa humana. Este último serviu também para institucionalizar a
divisão dos poderes do Estado, garantindo a proteção dos direitos fundamentais da pessoa
humana. Essas convicções jurídicas, levadas ao continente americano, fizeram expandir
diversas declarações, como: “Bill of Rights”, do Estado da Virgínia, no ano de 1776; a
Declaração de Independência dos 13 Estados conferenciados e a Constituição dos estados
Unidos de 1788; e, principalmente, com a Bill of Rights”, em forma de “Amendments”,
acrescentadas à Constituição Federal de 1791.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, precedeu a primeira
Constituição da Revolução Francesa, de 1791. Nas cartas constitucionais de 1814 e 1830,
apareceram os Direitos Humanos como concessões e garantias do Estado, como direito
positivo interno. Este modelo francês fez escola, sendo imitado, aos poucos, por muitas
constituições dos Estados modernos. Os abusos do absolutismo dos soberanos civis e
eclesiásticos haviam se manifestado na Idade Média, especialmente, na Inquisição medieval e,
posteriormente, na perseguição às bruxas.
37
O habeas corpus foi regulamentado pela lei inglesa em 1679. Contudo, existia um
mandado judicial, em caso de prisão arbitrária, a lei do Habeas corpus ampliou a eficácia da
34
SODER, Josè. História do Direito Internacional. São Paulo: Ed. da URI, 1998, p.236.
35
SODER, Josè. História do Direito Internacional. São Paulo: Ed. da URI, 1998, p.236.
37
SODER, José. História do Direito Internacional. São Paulo: Ed. da URI, 1998, p.237.
27
garantia. A partir dessa proteção à liberdade de locomoção, surgiram outras garantias judiciais
para a proteção de outras liberdades fundamentais, concedendo importância histórica à
pioneira lei inglesa de 1679. O registro oficial dos nascimentos dos direitos humanos na
história ocorreu em 1776, com a Declaração do Estado da Virgínia, que afirma, em seu artigo
38
:
Todos os seres humanos são, por sua natureza, igualmente livres e
independentes, e possuem certos direitos inatos, os quais, ao entrarem no
estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou
despojar sua posterioridade; nomeadamente, a fruição da vida e da
liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade dos bens,
como de procurar e obter a felicidade e segurança. (VIRGINIA
DECLARATION OF RIGHTS, 1776, section I).
Ao longo dos séculos, a história mostra-nos que não houve uma continuidade do
universalismo presente na Declaração Francesa de 1789 (considerada o primeiro ato
constitucional do novo regime francês, que substituiu aquele constituído pela monarquia
absoluta e por privilégios feudais, sendo marco orientador para toda política da modernidade)
e, mais tarde, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no ano de 1948. Deste direito
nacional irá surgir o direito comparado, que retoma o sonho da universalidade. Os
“comparadores” reuniram-se em Paris no ano de 1900, para tentar criar um direito comum à
humanidade civilizada, tendo como referência os princípios das nações civilizadas. Foi nessa
época também que o grande jurista da China, Shen Jiaben, previu a fusão do direito chinês
com os direitos ocidentais
39
. Contudo, nas duas grandes guerras mundiais, mais precisamente
na II Grande Guerra, as “nações civilizadas” revelaram práticas de degradação da pessoa
humana e destruição sistemática de pessoas, que o direito dessas nações não soube impedir e
que, por muitas vezes, serviram para legitimá-lo
40
.
38
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública e a
dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 17.
39
MARTY, Mireille Delmas. Três Desafios para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris,
2003, p.2.
40
MARTY, Mireille Delmas. Três Desafios para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2003,
p. 2.
28
Os jusnaturalistas teriam falado de consensus omiun ou humani generis. Atualmente,
quem não pensa ser evidente que não se possam torturar prisioneiros? Contudo, durante
inúmeros séculos (ou ainda nos dias de hoje), a tortura parece ser aceita e defendida como
procedimento normal. Desde que houve um discernimento entre os homens a respeito da
violência, foi sempre evidente que vim virepellere licet, apesar de difundirem, atualmente,
cada vez mais teorias da não-violência, as quais se fundam, precisamente, na recusa desse
conceito
41
.
Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos
naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente
natural, o chamado direito de resistência. Este direito à resistência transformou-se no direito
positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado. A Declaração
Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores
fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração
para o futuro
42
.
A autora Mireille Delmas Marty assinala o seguinte em sua obra:
Admitir as diferenças é reconhecer que a percepção dos direitos do
homem pode ser condicionada pela história e por diversos fatores de
ordem política, cultural, social e econômica e que cada homem não
acede a humanidade a não ser pela mediação de uma cultura particular
43
.
De grande relevância para o estudo aqui proposto é a análise do pensamento de
Hannah Arendt. Ela recebera influências de pensadores da Escola de Weimar, como Martin
Heidegger e Karl Jaspers. Hannah Arendt voltou-se para o estudo do homem, da liberdade, da
comunicação, do poder e de sua organização no mundo contemporâneo, procurando
estabelecer os caminhos da evolução filosófica que nos trouxeram ao atual estágio de
convivência em sociedade. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual sua
natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas,
sim, qual o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes
declarações, sejam constantemente violados
44
.
41
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1996, p.27.
42
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1996, p. 34.
43
MARTY, Mireille Delmas. Três Desafios para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2003,
p.20.
44
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campos,1996, p.25.
29
A Declaração de 1948 constituiu um ato de ímpeto e decisivo no processo de
generalização da proteção dos direitos humanos testemunhado pelas quatro últimas décadas,
permanecendo como fonte de inspiração e ponto de irradiação e convergência dos
instrumentos de direitos humanos em níveis global e regional. Com a adoção dos Pactos das
Nações Unidas (e Protocolo Facultativo) sobre Direito Humanos, em 1966, compreendendo
medidas de implementação, o projeto original de uma Carta Internacional de Direitos
Humanos, iniciado com a mencionada Declaração Universal de 1948, completou-se. A
Organização das Nações Unidas procurou realizar o que o Instituto de Direito Internacional já
havia postulado em 1929 e que as realidades, ao tempo das ditaduras nazistas e comunistas,
haviam tornado premente. De acordo com o artigo 1°, 3 da Carta das Nações Unidas, um
dos objetivos das Nações Unidas é “conseguir uma cooperação internacional para promover e
estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos, sem
distinção de raça, sexo língua e religião”. Com este objetivo foi elaborada, a “Declaração
Universal dos Direitos do Homem”, aprovada em Assembléia Geral em 10 de dezembro de
1948.
45
A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única
prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado,
portanto, reconhecido, e esta prova é o consenso geral acerca da sua validade. Todo e
qualquer indivíduo, em qualquer país e lugar, possui Direitos Humanos que lhe são
assegurados, independentemente de sua condição ou especificidade: pelo simples fato de ele
ser humano, detentor de dignidade, um fim em si mesmo. Igualmente, a indivisibilidade, a
interdependência e a inter-relação dos Direitos Humanos, ao consagrar tanto direitos civis e
políticos quanto direitos econômicos, sociais e culturais, conjugando o valor da liberdade ao
valor da igualdade
46
.
45
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed.
Saraiva, p.3.
46
Neste sentido, o parágrafo 5
o
da Declaração de Direitos Humanos de Viena, que dispõe in verbis: “Todos os
direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados A comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em de igualdade e com a
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim
como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e
culturais”.
30
Foi um resultado de um processo ético de reconhecimento da igualdade essencial dos
seres humanos, culminado com a cristalização de normas costumeiras em âmbito universal.
Pode-se reprovar a Declaração de 1948 por exprimir a predominância da cultura ocidental. Se
a reprovação é particularmente fundada (malgrado a presença de redatores não-ocidentais),
em contrapartida, a Declaração não exprime uma ideologia etnocêntrica ou imperialista, ao
contrário, que ela funda a legitimidade do movimento de descolonização que se seguira e
da luta contra toda discriminação, vez que repousa sobre a idéia de um “universal não
exclusivo”.
47
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi o instrumento
responsável pela formulação jurídica da noção de direitos inerentes à pessoa humana no plano
internacional, sendo ele recente, haja vista que são apenas 60 anos
48
.
O espírito dessa Declaração visou à solidariedade entre as nações e à organização
racional da sociedade humana, sem se esquecer da afirmação do indivíduo como um membro
da comunidade internacional. A Declaração Universal dos Direitos do Homem é um
documento humanista, que proclama a no Direito e na justiça como fatores de mediação e
de disciplina das relações internacionais. A crescente incorporação dos seus princípios à
legislação das nações trará uma restrição das soberanias e uma nova idéia das obrigações das
nações para com a humanidade
49
. Por não ser absoluto como qualquer outro princípio
orientador da sociedade, traz à baila a seguinte questão: como obter o consenso social,
consenso este que resista ao conflito de interesses? Ou seja, como funciona este discurso de
legitimação efetuado por países capitalistas desenvolvidos que, muitas vezes, são os primeiros
a desrespeitá-los? No caso dos direitos humanos, esse consenso é obtido de forma genérica e
idealista, como eles são apresentados. Colocados dessa forma, são eles retirados da
materialidade cotidiana, servindo como paradigma de interpretação desta, mas não
constituindo parte integrante dela
50
.
Os direitos humanos, como conjunto de regras que os homens devem respeitar, servem
assim como um ideal que permite a existência de todo o sistema jurídico (como organização
47
MARTY, Mireille Delmas. Três Desafios para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2003,
p.20.
48
BOCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Direitos Humanos e o Direito Internacional. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 1999, p.66.
49
PITERMAN, Jaime. Direitos Humanos: rumo a uma nova cultura. Estado de Direito - Ano III, 15, julho
de 2008, p.11.
50
CAUBET, Christian Guy. O Brasil e a Dependência Externa. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1989, p.41.
31
jurídica dos sistemas políticos e econômicos vigentes). O misticismo do discurso dos direitos
humanos consiste em que ele faz referência a um homem universal e eterno em sua essência,
esquecendo-se dos homens concretos. Na prática, os direitos humanos são pervertidos no
momento em que são objeto de tratamento jurídico. Concebidos historicamente como
instrumento de proteção dos cidadãos livres contra o arbítrio dos governantes absolutistas e os
abusos do Estado, eles são esvaziados no instante em que é o próprio Estado que os
regulamenta. Dessa forma, o discurso dos direitos humanos é um discurso tico, porque faz
crer, de maneira acrítica e irreal, que a sua simples enumeração constitucional tem valor de
garantia efetiva dentro do estado democrático.
51
Os direitos humanos também cumprem uma função tópica. Eles têm sido meras
ficções usadas para fundar uma concepção precisa de ordem cio-econômica e político-
administrativa: o estado de direito burguês, no qual prevalece a idéia de legitimidade legal-
racional
52
. Um exemplo seria a crença equivocada gerada pelo discurso democrático-liberal
de que o Estado se autolimita e garante os direitos humanos através da sua simples enunciação
no texto constitucional. Ou seja, o discurso dos direitos humanos, em nível constitucional,
transforma-se, mormente, em um discurso formal através do qual o Estado, teoricamente, se
impõe limites, ao mesmo tempo em que assume o compromisso de efetivar os direitos
enumerados. Na prática, esse jogo retórico serve como forma de legitimação do próprio
Estado e do sistema dominante. Ele omite a natureza de classe do próprio Estado e o fato de
que este, na realidade, restringe os direitos humanos e não a sua ação. O discurso dos direitos
humanos, associado à idéia do estado de direito-democrático, permite a busca da solução de
um problema, via Direito, encobrindo a necessidade de soluções econômicas. A eficácia
normativa, como se sabe, é o resultado da obediência e da aplicação da norma, juridicamente
falando, seria afirmar que eficácia seriam os efeitos imanentes de tais normas no
comportamento humano, vindo a criar direitos e deveres. Ocorre que essas normas são
programáticas, isto é, devido ao fato de elas conterem uma eficácia tão limitada que quase não
produzem efeito algum. Elas, na verdade, testificam, no mais das vezes, a impossibilidade de
o Estado capitalista atender, de pronto, aos inúmeros reclames populares. As teorias criadas
51
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. “O Brasil e a Dependência Externa”. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1989,
p.44.
52
Legitimidade legal-racional: a de mais fácil compreensão é aquela que surge de acordo com as
disposições legais já existentes e é transmitida de forma institucionalizada.
32
sobre graus de aplicabilidade e eficácia da norma constitucional conseguem justificar a
omissão do Estado, sem questionar a natureza do sistema econômico a ele subjacente
53
.
Essa nítida divisão entre direitos civis e políticos e direitos sociais encontra-se também
presente nas normas internacionais. A ONU, a partir de 1948, patrocinou uma série de
declarações, pactos e convenções sobre diversos aspectos dos direitos humanos. Entre estes,
apenas um documento, o “Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Políticos”,
de 1966, trata, diretamente, das questões social, econômica e cultural. No dia 16 de dezembro
de 1966, a Assembléia das Nações Unidas adotou dois pactos internacionais de direitos
humanos, que desenvolveram, de forma sintética, o conteúdo da Declaração Universal de
1948: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, além do Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificados pelo Brasil pelo Decreto
Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgados pelo Decreto n. 592, de 06 de
dezembro de 1992
54
.
Ao primeiro deles foi anexado um Protocolo Facultativo, atribuindo ao Comitê dos
Direitos Humanos, instituído por aquele Pacto, competência para receber e processar
denúncias de violação de direitos humanos, formuladas por indivíduo contra qualquer dos
Estados-Parte. Neste particular, porém, a atuação do Comitê de Direitos Humanos restringe-se
aos direitos civis e políticos e, ainda assim, sem que ele tenha poderes para formular um juízo
de condenação do Estado responsável pela violação desses direitos, contrariando a Convenção
Européia de 1950, que prevê sua competência para tal
55
. O Pacto dos Direitos Civis e
Políticos possui 53 artigos, prevendo um Comitê de Direitos Humanos, mais precisamente no
artigo 28, que analisará as informações prestadas pelos países membros sobre os direitos
reconhecidos no Pacto, assim como a sua real aplicação e que seus comentários possam ser
repassados também para o Conselho Econômico e Social com a cópia dos informes nos
termos do artigo 40 e seus incisos 1-5.
56
53
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O Brasil e a Dependência Externa. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1989,
p.46.
54
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. Edição. São Paulo: Ed. Ltr, 2000, p.349.
55
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva,
2001, p.217.
56
ARAGÃO, Selma Regina. Direito Humanos. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense,1990, p.83.
33
o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com 31 artigos,
apresenta como órgão de estudo dos relatórios dos Estados-Parte o Conselho Econômico e
Social (artigo 16, inciso 2, a), o qual, por força do artigo 19, poderá transmitir à Comissão de
Direitos Humanos, para estudo e recomendação de caráter geral, as informações apresentadas
pelos Estados ou pelos organismos especializados. Vislumbra-se a grande importância que
tem o Conselho Econômico e Social, que não fica afastado da Assembléia Geral das Nações
Unidas e tampouco dos demais órgãos subsidiários e organismos internacionais
especializados, com vistas a poder realizar recomendações e fomentar uma movimentação
internacional adequada para assistência aos Governos dos países membros na implementação
das medidas solicitadas. Os acordos Internacionais expressos são os instrumentos que vão
plasmar uma visão real jurídica sobre os direitos fundamentais a serem protegidos. Tal
universo atingirá o Continente Americano.
57
A elaboração de dois tratados e não um só, englobando o conjunto dos direitos
humanos segundo o modelo da Declaração de 1948, foi o resultado de um compromisso
diplomático. As potências ocidentais insistiram no reconhecimento tão-somente das
liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra abusos e interferência
dos órgãos estatais na vida privada. os países do bloco comunista e os jovens países
africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais econômicos, que têm por objeto
políticas públicas de apoio aos grupos de classes desfavorecidas, deixando na sombra as
liberdades individuais. Esta divisão do conjunto dos direitos humanos em dois Pactos
distintos é, em grande medida, artificial. Temos, assim, que o direito à autodeterminação dos
povos é reconhecido, de forma idêntica, no artigo de ambos os Pactos, mesmo sucedendo
com o direito de sindicalização (artigo 22 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 8°
do Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). De qualquer feita, tais artigos
demonstram a consciência dos redatores de que o conjunto dos direitos humanos foi, aliás,
afirmado pela Resolução n° 32/120 da Assembléia Geral da ONU, de 1968, e confirmado pela
Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 - Declaração de Viena
58
.
57
ARAGÃO, Selma Regina. Direito Humanos. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1990, p.84.
58
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva,
2001, p.279.
34
A Declaração de Viena é considerada por muitos autores como o principal documento
sobre Direitos Humanos, logicamente, depois da Declaração de 1948 e dos Pactos aprovados
no ano de 1966. Leva-se em conta que a promoção e a proteção dos direitos humanos é uma
questão prioritária para a comunidade internacional e que a Conferência constitui uma
oportunidade única de efetuar uma análise exaustiva do sistema internacional dos direitos
humanos e dos mecanismos de proteção dos direitos humanos, a fim de potenciar e promover
uma observância mais cabal desses direitos, de forma justa e equilibrada. Ela veio reafirmar o
compromisso assumido, no artigo 56 da Carta das Nações Unidas, de tomar medidas, tanto em
conjunto ou separadamente, insistindo particularmente no desenvolvimento de uma
cooperação internacional eficaz para a realização dos propósitos consignados no artigo 55,
incluídos o respeito universal e a observância dos direitos dos humanos e das liberdades
fundamentais de todos.
59
A universalidade dos direitos humanos, propugnada pela Carta Internacional dos
Direitos Humanos, por exemplo, vem a ser sustentada, em termos inequívocos, nas duas
Conferências Mundiais de Direitos Humanos (Teerã, 1968 e Viena, 1993). Assunto
recorrente na evolução do presente domínio de proteção, nas seis últimas décadas, a questão
da referida universalidade ocupa, permanentemente, um espaço importante no tratamento
adequado da matéria
60
. Nesse contexto, o fortalecimento da cooperação internacional, na
esfera dos direitos humanos, é de suma importância para a plena realização dos propósitos das
Nações Unidas. Na II Conferência Internacional de Direitos Humanos, quatro aspectos
tiveram relevância no que se refere ao impacto de suas resoluções para as concepções de
desenvolvimento Humano.
Em Viena, foi definitivamente legitimada a noção de indivisibilidade dos direitos
humanos, cujos preceitos devem se aplicar tanto aos direitos civis e políticos quanto aos
direitos econômicos, sociais e culturais. A Declaração de Viena também enfatiza os direitos
de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e os direitos ambientais. A
59
ALMEIDA, Fernando Barcelos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1997, p.160.
60
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado Internacional dos Direitos Humanos. Vol. I. São Paulo:
Ed. Saraiva, 1997, p.20.
35
grande controvérsia de Viena desenvolveu-se ao redor da questão da diversidade, que tornaria
os princípios de direitos humanos não-aplicáveis ou relativos, segundo os diferentes padrões
culturais e religiosos. Apesar das resistências flagrantes à noção de universalidade dos direitos
humanos, o primeiro artigo da Declaração de Viena afirma que ‘a natureza universal de tais
direitos não admite dúvidas’. Entretanto, a definição de 1993 permaneceria como referência
inegociável nesses novos contextos de debate e negociação
61
.
O artigo 4, § 5°,
da Declaração e do Programa de Ação de Viena, de 1993, veio
reafirmar como tema global, reafirmando, portanto, sua universalidade, indivisibilidade e
interdependência. Ainda sobre os debates que marcaram a mencionada Convenção,
compreendeu-se, finalmente, que a diversidade cultural (relativismo) não pode ser invocada
para justificar violações dos direitos humanos.
Artigo 4, § 5° - Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis,
interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve
tratar os direitos humanos de forma global justa e eqüitativa, em pé de
igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e
regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos
contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e
proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais
forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.
A China e outros países, ao contrário dos EUA, pregavam que, para a definição dos
direitos humanos, seria necessário levar em conta as particularidades nacionais e os
respectivos meios históricos, religiosos e culturais. Ao final, a tese universalista defendida
pelos países do ocidente saiu vencedora. Enriqueceu-se, haja vista o universalismo desses
direitos, afirmando-se cada vez mais o dever dos Estados de promover e proteger os direitos
humanos violados, independentemente dos respectivos sistemas, não mais se podendo
questionar a observância dos direitos humanos com base no relativismo cultural ou mesmo
com base no dogma da soberania
62
.
E, no tocante à dicotomia até então existente entre direitos civis (direitos individuais) e
políticos - além dos direitos econômicos, sociais e culturais -, ela vai sendo suplantada pelo
reconhecimento doutrinário da universalidade, da indivisibilidade e da interdependência dos
61
Matéria localizada em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>Acesso em: 26 de junho
de 2008.
62
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, Constituição e os Tratados Internacionais. São
Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p.227.
36
direitos humanos. E isso porque era tida como certa a aplicação imediata dos direitos civis e
políticos, bastando a abstenção do Estado para a sua efetivação. os direitos econômicos,
sociais e culturais eram de aplicação progressiva, requerendo uma atuação positiva do Estado,
para que se tornassem eficazes. Problema este por demais discutido no que cinge à eficácia
propriamente dita das normas da Declaração de 1948, uma vez que ela, por si só, não dispõe
de aparato que a faça valer. Para contrabalançar tal situação, a ONU tem patrocinado vários
Pactos e Convenções Internacionais ao longo dos anos, almejando assegurar a efetiva
proteção dos direitos fundamentais do homem por ela consagrados. Tanto que os Pactos de
1966 surgiram com a finalidade de conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948, tendo o
primeiro regulamentado os artigos 1° a 21 da Declaração e o segundo, os artigos 22 a 28.
63
Essas leis, os acordos, os costumes, os instrumentos gerais ou o sistema global são
concebidos de forma abstrata e, genericamente, endereçados a todos. Por conseqüência, torna-
se impossível o ato de julgar, uma vez que não existe uma regra geral determinada e clara à
qual deva se submeter o caso. O terror é o fundamento da “legalidade totalitária”, que
somente ele poderá manter segregados determinados setores da população, escolhidos pelo
líder como adversários. Num termo mais atual, “combatentes inimigos” - os quais não estão
sob nenhum amparo das Convenções Internacionais no que tange aos prisioneiros de Guerra.
Paralelamente ao sistema internacional, desenvolveram-se os sistemas normativos regionais
de proteção, para internacionalizar os direitos humanos no plano regional.
64
.
Ao observar a descrição de totalitarismo, é possível, por um momento, pensar que
nazismo, stalinismo, perseguições religiosas e demais práticas congêneres fazem parte do
passado e que essa experiência esteja ausente nos dias de hoje. Tanto isso não é verdade que a
Bósnia e a antiga Iugoslávia, além de Ruanda, Zaire, Afeganistão ou Haiti, nos mostraram e
continuam a mostrar que as perseguições raciais e/ou políticas, com o radical isolamento de
determinadas categorias de população, são possíveis. Ou seja, ainda hoje não encontramos
soluções adequadas para garantir os mínimos direitos aos habitantes da Terra.
63
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional.Edição. São Paulo: Ed. Ltr, 2000, p.349.
64
BOUCALT, Carlos Eduardo de Abreu. Os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 1999, p.213.
37
O totalitarismo representou o ápice da violação do homem e de sua condição, uma vez
que reduziu suas vítimas a não-homens, que podem ser descartados. Daí o surgimento do
genocídio como forma extrema de eliminação dos seres supérfluos ou indesejáveis. Esse fato
histórico explicitou a violação dos direitos do homem e gerou a qualificação cnico-jurídica
de genocídio como crime contra a humanidade, conforme se deflui do art. 2 da Convenção
para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio
65
.
Cabe aqui tecer algumas linhas sobre esta Convenção para a Prevenção ao Crime de
Genocídio, celebrada no ano de 1948. A revelação, com o fim da Guerra Mundial, do
morticínio de milhões de pessoas pertencentes à oposição política ou às minorias étnicas, -
sobretudo, judeus, ou tidos como tal -, levado a efeito pelo Estado nazista, resultou em
enorme impacto nas Nações Unidas logo nos primeiros anos de sua existência. Contudo, o
extermínio em massa de grupos humanos, praticado com cunhos políticos, havia ocorrido
em outras ocasiões antes da ascensão de Hitler ao poder. Isso sem considerarmos as políticas
de esterilização coletivas de indivíduos pertencentes às minorias étnicas tidas como
socialmente nocivas.
No ano de 1915, numa medida de guerra, o governo otomano decretou a deportação de
toda a população armênia localizada na Anatólia oriental, sob a acusação de ligação com as
tropas russas inimigas que operavam no Cáucaso. Números desencontrados estimam que esta
medida tenha atingido entre dois a três milhões de pessoas, das quais apenas um terço
sobreviveu e as demais foram massacradas ou morreram durante as operações de deportação.
Outro episódio ocorreu no ano de 1932. Na ocasião, Stalin ordenou o cerco militar de toda a
zona agrícola ucraniana e das terras adjacentes, cultivadas pelos cossacos. Todos os estoques
de mantimentos foram requisitados à força, impedindo-se, militarmente, a entrada de novos
suprimentos alimentares na região. Foi, talvez, a primeira vez na História em que um Estado
provocou, intencionalmente, a fome de parcela considerável de seu próprio povo, com
objetivos políticos.
66
65
BOUCALT, Carlos Eduardo de Abreu. Os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 1999, p.215.
66
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva,
2001, p.242.
38
O uso do termo genocídio viria a ser cunhado no ano de 1944, por um jurista
polonês chamado Rafat Lemkim, com o objetivo de esclarecer a opinião pública mundial
sobre o massacre dos judeus e dos poloneses. No entanto, quando o Tribunal de Nuremberg
julgou os criminosos de guerra nazistas, em 1945, ele não foi utilizado, pois a Assembléia
Geral das Nações Unidas o adotou somente ao aprovar a Resolução 96 (I), datada de 11 de
dezembro de 1946. Mesmo assim, os atos foram definidos como crimes contra a humanidade,
conforme o artigo 6, alínea c
67
. Essa reprodução veio a ser usada no Tribunal de Tóquio, para
julgar os criminosos de guerra japoneses. O conceito de Lemkin apresentou-se assim redigido:
O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos inteiros,
assim como o homicídio é a denegação à vida de um indivíduo humano. Essa
denegação do direito à existência choca a consciência da humanidade, provoca
grandes perdas humanas sob a forma de contribuições culturais ou de outra espécie,
feitas por estes grupos humanos, contrariando a lei moral bem como o espírito e os
objetivos das Nações Unidas.
68
A Convenção de 1948 foi composta segundo uma técnica tradicional, mas
inapropriada para a regulamentação dos direitos humanos, já que, em seu artigo XIV, é
estabelecido um prazo de vigência determinado, renovável por períodos sucessivos, e permite
que as partes contratantes denunciem o tratado. A Convenção para a Prevenção ao Crime de
Genocídio foi extremante restrita, ao não criar uma instituição permanente de controle, mas
passou este dever de punir aqueles que a ofendem para os tribunais nacionais e para a
legislação do Estado participante.
69
Os principais órgãos que integram as Nações Unidas são: Assembléia Geral das
Nações Unidas, Conselho Econômico e Social e Secretariado das Nações Unidas. Cada qual
exerce uma função específica no que diz respeito a direitos humanos. A Assembléia
apresenta-se como órgão essencialmente deliberativo, que possui a função de assegurar a
67
“O assassínio, extermínio, a redução à condição de escravo, a deportação e todo ato desumano, cometido
contra população civil antes ou depois da guerra, bem como as perseguições por motivos políticos e
religiosos, quando tais atos ou perseguições, constituindo ou não violação do direito interno do país em que
foram perpetrados, tenham sido cometidos em conseqüência de todo e qualquer crime sujeito à competência
do tribunal, ou conexo a esse crime”.
68
Texto disponível em: < http://www.jurisciencia.com/tag/genocidio/> Acesso em: 27 de out. de 2008.
69
PRONER, Carol. Os Direitos Humanos e seus paradoxos: análise do Sistema Americano de Proteção. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.84.
39
todos, sem distinção, o desfrute dos direitos humanos. Esta assembléia emite
“recomendações”, sem caráter judicial e nem executivo, as quais servem apenas como
advertências dirigidas a Estados, para que sejam adotadas. A mesma postura é adotada pelo
Conselho Econômico e Social, ao qual compete receber informes criteriosamente elaborados
pelos Estados e por outros órgãos da ONU. A ele cabe ainda averiguar se as recomendações
estão sendo cumpridas e repassar informes aos organismos competentes para a proteção dos
direitos humanos, sendo essa uma função organizativa.
70
O Conselho tem 54 membros. Anualmente, a Assembléia Geral elege 18 deles, por um
período de três anos. o Secretariado possui poderes para alertar o Conselho de Segurança
da ONU a respeito de qualquer assunto que, em sua opinião, possa levar perigo à paz e à
segurança internacional. Em dezembro de 1991, foi eleito Boutros-Ghali, do Egito, que
cumpriu apenas um mandato, entre janeiro de 1992 e dezembro de 1996. Em de janeiro de
1997, tomou posse Kofi Annan, de Gana, reeleito, em 2001, para um segundo mandato,
expirado em 31 de dezembro de 2006. O atual Secretário-Geral das Nações Unidas é o sul-
coreano Ban Ki-moon, que assumiu suas funções no dia 1º de janeiro de 2007
71
.
O Conselho de Segurança da ONU é o órgão com poder para autorizar ações
internacionais, tais como a imposição de sanções, o envio de forças internacionais e o uso da
força contra países. O Conselho é integrado por 15 países, dos quais cinco são membros
permanentes: EUA, China, Rússia, Grã-Bretanha e França. Os outros dez membros têm
direito a uma vaga por dois anos, em sistema rotativo. Atualmente, ele é composto por
México, Noruega, Cingapura, Síria, Bulgária, Camarões, Colômbia, Guiné, Irlanda e
Maurício. Os cinco membros permanentes conseguiram esse status porque dominavam a
arena internacional após a II Guerra Mundial, quando a ONU foi criada
72
.
Já o Tribunal Internacional de Justiça exerce importante papel no tratamento dos
direitos humanos, atuando como principal órgão judicial das Nações Unidas. Todos membros
das ONU compõem o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça e se comprometeram a
70
PRONER, Carol. Os Direitos Humanos e seus paradoxos: análise do Sistema Americano de Proteção. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.85.
71
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional.Edição. São Paulo: ED Ltr, 2000, p.315.
72
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional.edição. São Paulo: Ed. Ltr, 2000, p.315.
40
conformar-se com as decisões dela emanadas. Caso o Estado agressor não cumpra a decisão,
poderá o outro recorrer ao Conselho de Segurança. Mesmo assim, o Tribunal Internacional de
Justiça não tem competência específica na matéria de direitos humanos. Sua missão restringe-
se a decisões sobre questões que lhe são submetidas pelos Estados-Parte, sendo pouco
freqüente sua atuação na área de direitos humanos.
73
Também existem três Sistemas Regionais de proteção dos direitos humanos: o Sistema
Europeu, o Árabe e o Africano. Mesmo sendo a precursora, a Convenção Européia de Direitos
Humanos, celebrada em 1950 e aprovada por 15 Estados europeus, passou a vigorar somente
em setembro de 1953. O alcance da convenção limita-se aos direitos individuais clássicos,
que os artigos 5 e 7 aprofundam a proteção da liberdade e da segurança pessoal. As condições
de legalidade de uma detenção ou prisão são claramente especificadas em seu artigo 5:
Toda a
pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos
seguintes e de acordo com o procedimento legal [...].
E os direitos de todo acusado em processo
criminal, ampliados em relação aos textos normativos clássicos, estão presentes no artigo 6:
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e
publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e
imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento
de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento
deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à
imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando
a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da
vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais,
a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 2.
Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto
a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem,
como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo,
em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da
acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios
necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou
ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para
remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor
oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer
interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o
interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as
73
PRONER, Carol. Os Direitos Humanos e seus paradoxos: análise do Sistema Americano de Proteção. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.86.
41
testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete,
se não compreender ou não falar a língua usada no processo.
74
No artigo 7, alínea 2, sob evidente influência do julgamento de Nuremberg, cuja
correspondência com os princípios do direito internacional fora proclamada pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, alarga-se a compreensão do princípio nullum crimem sine lege. Ele
dispõe que, apesar da ausência de lei nacional ou tratado internacional que defina certas
condutas como criminosas, qualquer pessoa pode ser processada e julgada em razão de atos
ou omissões cuja criminalidade seja reconhecida pelos princípios gerais de direito aceitos
pelas nações civilizadas. Com certeza, a grande contribuição da Convenção Européia para a
proteção da pessoa humana foi, de um lado, a instituição de órgãos incumbidos de fiscalizar o
respeito aos direitos nela declarados e julgar as suas eventuais violações pelos Estados
signatários; de outro, o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional, no
que tange à proteção dos direitos humanos
75
.
Esse procedimento Europeu é considerado, por muitos, extremamente eficaz, que
suas decisões se processam em decorrência do princípio de cooperação e de diligência em
corrigir qualquer situação denunciada ante a Comissão, além de um grande rigor em suas
decisões. Um Estado que se negue a cumprir as decisões do Comitê de Ministros ou do
Tribunal tem ameaçada a sua participação no Conselho da Europa. Os redatores da
Convenção tiveram a sapiência de criar um órgão intermediário entre o queixoso e o tribunal -
Comissão de Direitos Humanos -, encarregada de fazer a filtragem das denúncias formuladas,
de investigar os fatos e manifestar sua opinião fundada sobre a ocorrência ou não de violação
de direitos. A Comissão também tinha legitimidade para propor uma ação contra um Estado-
Parte perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos conforme artigo 48, “a”. Até os anos
90 do século passado, a Comissão Européia de Direitos Humanos arbitrara a respeito de
quinze mil reclamações individuais sob a Convenção Européia de Direitos Humanos, ao passo
75
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva,
2001, p.268.
42
que a Corte Européia de Direitos Humanos totalizava 191 casos submetidos a seu exame, com
91 pendentes
76
. Essa jurisprudência vem perfilando o sistema europeu de proteção e as linhas
da Carta de Direitos Fundamentais da Comunidade Européia.
O Pacto da Liga dos Estados Árabes foi firmado no Cairo, em 22 de março de 1945,
entre os seguintes Estados: Arábia Saudita, República Árabe Unida, Iraque, Jordânia, Líbano,
Síria e Iêmen, tendo recebido adesão posterior da Líbia (1953), do Sudão (1956), do Marrocos
e da Tunísia (1958), da Argélia (1962) e do Kuwait, com a finalidade de promover a
cooperação política, econômica, cultural, social, sanitária e militar de seus membros, todos
unidos por idênticos laços religiosos. Composto de um Conselho formado por representantes
dos Estados membros, com número ilimitado de delgados, reúne-se em épocas fixas (março e
outubro de cada ano) ou em sessões extraordinárias, quando o exigirem, mediante convocação
de dois de seus membros. As decisões do Conselho são por unanimidade e, nesse caso, o
obrigatórias para todos os membros, ou por maioria de dois terços
77
.
O Secretariado Geral é formado por um Secretário Geral, nomeado pelo Conselho por
maioria de dois terços dos membros da Liga, e por Secretários Adjuntos e funcionários outros
subalternos. Está a seu cargo o orçamento da Liga, sabendo-se que o Conselho determinará a
cota de despesas que compete a cada Estado membro. A sede da liga Árabe fica em Túnis e os
membros do Conselho, assim como os funcionários da Liga, fazem jus ao gozo de imunidades
e privilégios diplomáticos para bem desempenharem suas funções. A Liga Árabe não é um
agrupamento de Estados contrário ao Sionismo. Também é um movimento nacionalista
autêntico, que procura defender o solo árabe, as suas riquezas e o avanço do imperialismo de
todas as potências.
78
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, reunidos na 18ª
Conferência de Chefes de Estados e do Governo, celebrada em Nairobi, no Quênia, em junho
de 1981, constituiu em afirmar que os povos são também titulares de direitos humanos, tanto
76
PRONER, Carol. Os Direitos Humanos e seus paradoxos: análise do Sistema Americano de Proteção. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.91.
77
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim.. Curso de Direito Internacional Público. edição. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, 1997, p. 305.
78
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim.. Curso de Direito Internacional Público. Edição. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, 1997, p. 306.
43
no plano interno como na esfera internacional. Antes desta Convenção, havia o
reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação, assentado no artigo de ambos os
Pactos Internacionais de 1966. Para efetivar esses direitos coletivos, bem como para eles
serem reconhecidos, exige-se um mínimo de precisão, não apenas quanto ao sujeito, mas
também quanto ao objeto. O termo povo aparece em diversos dispositivos da carta da ONU,
no tocante aos territórios sem governo próprio e ao sistema internacional de tutela, a saber, no
artigo 73, “caput” (“cujos povos não tenham atingido plena capacidade de se governarem a si
mesmos”). Ou, ainda, no artigo 73, alínea a (“com o devido respeito à cultura dos povos
interessados”).
79
Em outros tratados, fala-se de ‘grupos ou minorias’, como, por exemplo, no artigo 5°,
alínea l e 27 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de 1966: “nos estados em que haja
minorias étnicas, religiosas, ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não
poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo. A
Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos examinou, até o início da década de 90
do século passado, aproximadamente 40 reclamações ou comunicações sobre a Carta Africana
de Direitos Humanos e dos Povos, algumas das quais já decididas.
79
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva,
2001, p. 394.
44
2 – DIREITO PENAL DO INIMIGO E O TERRORISMO INTERNACIONAL
1.1 O Paradigma do Estado de Exceção no conflito entre segurança nacional e
dignidade da pessoa humana
O 11 de setembro de 2001, data do maior episódio terrorista televisionado, atingiu
os Estados Unidos da América em seu ponto forte: a economia. Naquele dia, o mundo
assistiu, praticamente em tempo real, aos aviões atacarem a maior potência bélica do globo,
contestando sua suposta invencibilidade. Os ataques foram direcionados a alvos escolhidos
estrategicamente, por representarem símbolos de poder: o prédio do World Trade Center, um
dos principais centros financeiros; o Pentágono, centro da inteligência de guerra; e a própria
Casa Branca, ícone máximo da política norte-americana. No entanto, por motivos que talvez
nunca sejam sabidos com precisão, dois dos três objetivos não conseguiram ser realizados e
caíram somente as torres gêmeas, abatidas por aviões comerciais. Após o atentado, os danos
comerciais se evidenciaram. A Swissair entrou em pré-falência. A American Airlines, a
Boeing e outras gigantes demitiram pessoas aos milhares. Falava-se na "inevitabilidade" de
uma recessão mundial
80
.
A partir desse acontecimento, deu-se início a uma guerra, mas não nos moldes
tradicionais. Segundo a visão estadunidense, trata-se de um combate único, contra o “terror” e
seus praticantes, de antemão identificados como “islâmicos”, o que, conforme o presidente
Bush, justificaria, por conseqüência, métodos também inéditos. Nela, meios midiáticos
exercem função essencial para ambos os lados, pois é na Internet que os atentados ganham
80
Disponível em: < http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=5110 >. Acesso em: 23 de setembro de
2008.
45
maior repercussão e amplitude. São os incontáveis clicks os responsáveis pela atenção e pela
fama almejadas pelos bombermen islâmicos e seus seguidores.
Um dos responsáveis pelo site de notícias da norte-americana MSNBC fortalece essa
tese, ao afirmar, ao assistente de redação da Folha de São Paulo, Vaguinaldo Marinheiro, que
“as coisas mudaram um pouco desde o 11 de setembro, mas as pessoas se interessam por
notícias internacionais quando se referem a terror ou quando fica claro que algum americano
está em perigo (como refém, por exemplo). Ou seja, quando o internacional se torna um
assunto 100% local”.
81
O Estado de Exceção que acometeu os Estados Unidos, em função da ameaça à
segurança nacional, política externa e economia, teve início com uma ordem autorizada por
seu presidente. Dele partiu a determinação do Estado de Emergência, com o objetivo de
enfraquecer a rede de apoio ao terrorismo. Essa ordem, prevista inicialmente para durar um
ano, vem sendo prorrogada desde então. A justificativa para a permanência é sua própria
finalidade: suprimir liberdades pessoais e o direito à presunção de inocência e a um
julgamento. Assim, Estado de Emergência ou Estado de Exceção seria a forma legal de
administrar uma conduta ilegal, na qual, segundo ainda a fonte da MSNBC, velhinhas são
obrigadas a abrir suas malas nos aeroportos e expor roupas íntimas, para a revista de agentes
de segurança. Onde homens e mulheres até tiram os sapatos para deixar claro que não
carregam bombas”.
82
Contudo, se a exceção é o dispositivo original graças ao qual o direito se refere à vida
e a inclui em si por meio de sua própria suspensão, uma teoria de Estado de Exceção é, então,
condição preliminar para se definir a relação que liga e, ao mesmo tempo, abandona o vivente
ao direito. A difícil definição de Estado de Exceção esbarra no fato de ele ser o oposto do
estado normal. Em outras palavras, está ligado à guerra civil e à resposta do Estado diante de
conflitos extremos
83
.
81
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult516u60.shtml>. Acesso em: em 22 de abril de
2002.
82
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult516u60.shtml>. Acesso em: 22 de abril de
2002.
83
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Editorial Boitempo, 2004, p. 13.
46
O século XX mostrou a guerra civil legal, explicitada no Estado nazista. Nele, o poder
foi entregue a Hitler, que promulgou, no dia 28 de fevereiro de 1933, o Decreto para a
proteção do povo e do Estado, o qual suspendia os artigos da Constituição de Weimar
relativos às liberdades individuais. Cabe ressaltar que tal decreto jamais foi revogado,
podendo o Terceiro Reich ser considerado, do ponto de vista jurídico, um Estado de Exceção
que durou 12 anos. O totalitarismo moderno define-se, nesse sentido, como a instauração, por
meio do Estado de Exceção, de uma guerra civil legal. Ela permite a eliminação física não
dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer
razão, pareçam não-integráveis ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um
Estado de Emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado, no sentido
técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos
países ditos democráticos. Assim, o “Estado de Exceção apresenta-se como um patamar de
indeterminação entre a democracia e absolutismo”.
84
O significado biopolítico do Estado de Exceção como cerne da estrutura coloca o
vivente num limbo jurídico, por meio da suspensão de sua própria civilidade. Ele aparece
claramente na military order, promulgada pelo presidente dos Estados Unidos no dia 13 de
novembro de 2001, intitulada “Detenção, Tratamento e Julgamento de Determinados Não-
Cidadãos na Guerra contra Terrorismo”. Essa diretiva presidencial declarava que os ataques
de 11 de Setembro de 2001 foram
em uma escala que acabou criando um estado de conflito armado que
requer o uso das Forças Armadas Americanas
”. Essa “ordem militar” autoriza a indefinitive detention
(detenção indefinida) e o processo perante as military commissions (comissões militares), ao
invés dos tribunais militares previstos pelo direito da guerra dos não-cidadãos suspeitos de
atividades terroristas. O USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no dia 26 de setembro de
2001, permitia manter preso o estrangeiro suspeito de atividades que pusessem em perigo a
segurança nacional dos Estados Unidos. Mas, no prazo de sete dias, o estrangeiro deveria ser
acusado de violação da lei sobre imigração ou algum outro delito. A novidade, pela doutrina
Bush, consiste em anular, radicalmente, todo o estatuto jurídico do indivíduo, produzindo,
dessa forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável
85
.
84
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Editorial Boitempo, 2004, p. 13.
85
LAPKIN, Ted. Does Human Rights Law Apply to Terrorists? USA: Guantánamo Detainees - The Legal
Black Hole Deepens. Disponível em: < http://www.meforum.org/article/651 >. Acesso em: 30 de set. 2008.
47
Os talibãs capturados nas ofensivas feitas ao Oriente Médio não gozam do status de
Prisioners of War (POW prisioneiros de guerra) estabelecido pela Convenção de Genebra,
tampouco daquele de acusados, segundo leis norte-americanas. Nem prisioneiros nem
acusados, apenas detainees (detidos), são objetos de pura dominação. Trata-se de uma
detenção indeterminada, não só no sentido temporal, mas quanto à sua própria natureza. Estão
num limbo jurídico, tal qual o vivido nos campos de concentração da II Guerra Mundial. Na
prática, conforme descreve Georgio Agamben, “a vida nua em prisões secretas como a da
Base Naval de Guantánamo atinge sua máxima indeterminação”.
86
A história do termo “estado de sítio fictício ou político” é, nesse sentido, instrutiva.
Remonta à doutrina francesa, referente ao decreto napoleônico, de 24 de dezembro de 1811,
que previa a possibilidade de um estado de sítio que podia ser declarado pelo imperador,
independentemente da situação efetiva de uma cidade sitiada, ou diretamente ameaçada pelas
forças inimigas. A origem do instituto do estado de sítio encontra-se no decreto de 08 de julho
de 1791, da Assembléia Constituinte francesa, que distinguia, nitidamente, a autoridade
militar e a autoridade civil, agindo cada uma na sua própria esfera. O decreto fazia referência
somente a praças-fortes e aos portos militares. A posterior história do estado de sítio é a
história de sua progressiva emancipação em relação à situação de guerra à qual estava ligada
na origem para ser usado, em seguida, como medida extraordinária de polícia em caso de
desordens e sedições internas, passando, assim, de efetivo ou militar a fictício ou político. O
Estado de Exceção moderno é uma criação da tradição democrática revolucionária e não da
tradição absolutista
87
.
A expressão pleno poderes, com que, muitas vezes, se caracteriza o Estado de
Exceção, refere-se à ampliação dos poderes governamentais e, particularmente, à atribuição
do executivo de poder promulgar decretos com força de lei. Deriva da palavra plenitude
potestatis, elaborada no verdadeiro laboratório da terminologia jurídica do direito público. O
Estado de Exceção apresenta-se como uma técnica de governo que contraria a hierarquia entre
86
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Editorial Boitempo, 2004, p.15.
87
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Editorial Boitempo, 2004, p.16.
48
lei e regulamento, a qual é a base das constituições democráticas e delega ao governo um
poder legislativo que deveria ser exclusivo para o parlamento. Uma das características do
Estado de Exceção é a abolição provisória da distinção entre executivo, judiciário e
legislativo, podendo vir a se tornar prática duradoura de governo. Ela permanece prisioneira
de um círculo vicioso, segundo o qual as medidas excepcionais, que se justificam como sendo
para a defesa da constituição democrática, são aquelas que levam à sua ruína. As disposições
quase ditatoriais dos sistemas constitucionais modernos, seja lei marcial, o estado de sítio ou
os poderes de emergência constitucionais, não podem exercer controles efetivos sobre a
concentração dos poderes. Por conseqüência, todos esses institutos podem vir a se tornar um
regime totalitário Na Itália, o Estado de Exceção apresentou um aspecto interessante sob o
ponto de vista da legislação por meio de decretos governamentais de urgências, chamados
‘decreto lei’. Pode-se dizer que a Itália serviu de laboratório político-jurídico, no qual, pouco
a pouco, se organizou o processo, presente também, com diferenças, em outros estados
europeus.
88
É na perspectiva desta reivindicação dos poderes soberanos do presidente numa
situação de emergência que se deve considerar a decisão do presidente George W.Bush de
referir-se constantemente a si mesmo, após o 11 de setembro de 2001, como o Commandere
in chief of the army. E como tal título faz menção a um controle extremamente centralizado,
Bush está procurando produzir uma situação em que a emergência se torne regra e que a
própria distinção entre paz e guerra (e entre guerra externa e guerra civil mundial) se torne
impossível. O Estado de Exceção, como figura da necessidade, apresenta-se, ao lado
revolução e da instauração, de fato, de um ordenamento constitucional, como uma medida
ilegal, mas perfeitamente “jurídica e constitucional”, concretizando-se na criação de novas
normas (ou de uma nova ordem jurídica). Na ditadura em cujo contexto se inscreve o Estado
de Exceção, deve-se distinguir a ditadura comissária e a ditadura soberana. A primeira visa a
defender ou restaurar a constituição vigente e a segunda não se limita a suspender uma
constituição vigente com base em um direito nela contemplado e, por isso mesmo,
88
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção Editorial Boitempo SP/2004, p.30.
49
constitucional, mas, sim, para criar um estado de coisas em que se torne possível impor uma
nova constituição
89
.
Os animais ocupam espaço no mundo para servir ao homem da melhor forma
possível, como fonte de alimentação, de trabalho, de vestuário, ou de diversão. Assim, não só
os animais, mas tudo que no mundo está para o benefício do homem. O domínio do
homem sobre as demais criaturas faz-se justamente por poder atuar (através do raciocínio) e
ter o controle, livremente, de seus atos, enquanto as demais criaturas não atuam e, sim, apenas
são atuadas. Daí conclui-se que os seres que usam a razão são agentes e os que não usam são
considerados instrumentos. Os animais, sejam racionais ou não-racionais, são iguais, não nas
características e, sim, na capacidade de sofrer. Ocorre que, ao tratar a vida humana ou a vida
animal como mera mercadoria, estamos diante da “vida nua”, que seria aquela que qualquer
um pode levar à morte, em que pese seja insacrificável, é aquela que qualquer um pode tirar
sem cometer homicídio
90
. Ou seja, a guerra, mostra que os milhares de vidas perdidas não
representam grandes perdas, transformando-se apenas em estatística nos jornais de todo o
mundo, além, claro, de ser um negócio lucrativo para o ramo bélico, uma máquina
antropológica, cuja engrenagem são milhares de vidas de civis, sob a justificativa de serem
necessárias.
No jogo de espelhos dessa máquina antropológica, o humano está pressuposto, a
todo o momento e ao cabo de cada operação, a máquina produz, na realidade, um estado de
exceção, uma zona de indeterminação, em que o fora não é mais que a exclusão de um dentro
e o dentro, por sua vez, não é mais que a inclusão de um fora. Justamente porque não pode
funcionar senão instituindo sem seu centro uma zona de indiferença na qual se deve produzir
a articulação entre o humano e o animal, entre o homem e o não-homem, entre o falante e o
vivente, sendo que o produto final da máquina não é nem uma vida animal nem uma vida
humana, mas tão-somente uma vida excluída de si mesma, nada mais que uma vida nua. E
89
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Editorial Boitempo, 2004, p.54.
90
FERREIRA, Sandro Souza. A Máquina Antropológica e a condição Animal: Leituras de Agamben e de
Derrida. Novo Hamburgo: Editoria Feevale, 2004, p. 229.
50
neste limbo instaurado em uma zona indeterminada é que vive o homo sacer
91
. É justamente
nessa zona vazia, ou zona de indiferença, que habita o homo sacer e a vida nua dele é um
produto específico do poder e não dado natural. É possível produzir, artificialmente,
condições a partir das quais algo assim como uma vida nua é separada de seu contexto: o
muçulmano, o judeu, o comatoso, entre outros. São as leis que, muitas vezes, propiciam a
consolidação de algo teoricamente injusto, mas pelo fato de as leis não objetivarem uma
finalidade justa, impera o respeito a elas por sua autoridade e dando a elas um fundamento
único, denominado fundamento místico de autoridade. Quem lhes obedece o faz não por
serem justas e, sim, por serem leis
92
.
O Estado de Exceção seria onde a norma exibe toda sua superação em pura força,
que nele a vida nua é excluída da ordem jurídica. O soberano está, ao mesmo tempo, fora e
dentro do ordenamento jurídico. Acaba a vida, assim, tomando um rumo que irá coincidir com
a morte. A polis, no modelo aristotélico, é o palco em que o homem pode se entregar à vida
boa, à contemplação e ao exercício das virtudes. Escapou a Aristóteles, porém sempre
presente possibilidade de a polis, a partir da estruturação de poder nela inerente, pôr em
suspenso o estatuto político do próprio corpo humano e, a partir daí, lançá-lo em Estado de
Exceção à morte violenta. A vida boa revela-se como vida nua, conforme as observações de
Agamben
93
.
A resposta política aos ataques de 11 de setembro ocorreu no dia seguinte aos
atentados. Os Estados Unidos conseguiram a aprovação, no Conselho de Segurança da ONU,
da resolução 1368, a qual considerava as ações terroristas perpetradas no dia anterior
como “atos contra a segurança mundial e que os EUA podem agir em legitima defesa”. Estava
avalizada, assim, a intervenção militar no Afeganistão.
94
91
“O homo sacer pode receber a morte das mãos de quem quer que seja sem que isso signifique, para seu autor, a
mácula do sacrilégio”.
92
FERREIRA, Sandro Souza. A Máquina Antropológica e a condição Animal: Leituras de Agamben e de
Derrida. Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2004, p. 240.
93
FERREIRA, Sandro Souza. A Máquina Antropológica e a condição Animal: Leituras de Agamben e de
Derrida. Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2007, p. 177.
94
FERREIRA, José Medeiros. Os acontecimentos de 11 de setembro que leituras? Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa Ano XLIV 1 e 2. Portugal: Coimbra Editora, janeiro de 2005, p.
509.
51
No dia 07 de outubro do mesmo ano, tiveram início os atentados no Afeganistão.
Estados Unidos e Reino Unido empreenderam ofensiva militar aberta contra os Talibãs,
invocando a legítima defesa como fundamento para a ação bélica. As reações mundiais foram
essencialmente de apoio ou de silêncio. Isso porque, ao declarar a “guerra contra o terror”, o
presidente norte-americano frisara aos países que oposições seriam consideradas atos
inimigos – os quais, por conseqüência, poderiam sofrer retaliações de todos os aspectos.
Cabe um questionamento, pois, mesmo que os atos tenham partido de um grupo
independente, e não das forças armadas de uma Nação, vem à tona a cronologia dos fatos. Um
ataque feito em setembro, cuja reação militar ocorreu apenas em outubro, pode ser
considerado reação imediata ou legítima defesa? É necessário esforço para admitir que sim, já
que, em outubro, não havia nenhum ataque, apenas pavor misturado com medo. Ambos
meticulosamente instaurados na população através de discursos manipuladores, “cuja
exclusiva finalidade era a de tornar uma população assustada em um povo frágil e, por
conseqüência, mais fácil de legitimar o tal ‘estado de emergência’”.
95
Alguns obstáculos surgem no tocante à justificação da intervenção bélica. Primeiro,
porque a contra-intervenção de um Governo, mesmo que a pedido de outro país aliado (no
caso, o Reino Unido), parece sempre ilícita. Apenas o apoio militar parece legítimo, não uma
intervenção direta. À luz do princípio da proporcionalidade, combinado com o princípio da
necessidade, o violento ataque bélico contra os Talibãs (e sua aniquilação como força militar e
política) parece desproporcional em relação ao mero apoio afegão facultado ao grupo armado
responsável pelo ato terrorista. Isso sem mencionar que os meios pacíficos não foram
totalmente esgotados.
O que ocorreu foi um ultimato inegociável. Se os Talibãs tivessem não apenas
apoiado, mas efetuado realmente os ataques, seria uma situação distinta. Assim, tomando os
95
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa Ano XLIV 1 e 2. Portugal: Coimbra Editora, janeiro de 2005, p.
561.
52
Princípios que regulam o Direito Internacional e servem como diretrizes das Convenções, o
ataque foi um ato de covardia igual ou até mais grave do que o próprio atentado
96
.
Num país com 25,8 milhões de pessoas, onde a perspectiva de vida raramente
ultrapassa os 46 anos, o índice de mortalidade infantil é de 150 para cada 1.000 nascimentos
(perde apenas para Serra Leoa, detentor do pior índice mundial neste quesito) e a água potável
chega para 13 % da população, um ataque estadunidense surte efeitos devastadores na
população civil. O poder bélico do Afeganistão era de 40 a 50 mil homens, os quais
utilizavam armas remanescentes da antiga União Soviética - fuzis Kalashnikov AK-47. Com
algumas poucas centenas de tanques, a dieta de seus soldados incluía até terra fervida.
Segundo matéria da revista Veja, “deste modo, era lógico o massacre que ocorreria, vitimando
pessoas inocentes na grande maioria”.
97
96
BAPTISTA, Eduardo Correia. A Nova Tipologia dos Conflitos Internacionais. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa Ano XLIV 1 e 2. Portugal: Coimbra Editora, janeiro de 2005, p.
564.
97
Matéria veiculada na Revista Veja em 26.11,2001 p. 55.
53
2.2 Direito Penal do Inimigo e o status jurídico dos prisioneiros de
Guantánamo
Atualmente, são travadas acirradas discussões em relação às obrigações de respeito
aos direito humanos e às leis humanitárias. Principalmente em relação a regras e padrões
internacionais, observam-se violações aos detidos pós o 11 de setembro, e a situação mais
grave abrange os levados para a Base Naval de Guantánamo, onde atualmente existem em
torno de 600 prisioneiros. Alguns dados sobre a baía de Guantánamo, cuja área possui
aproximadamente 116 quilômetros quadrados, arrendada pelos Estados Unidos de Cuba em
1903, por meio de um contrato leonino que somente poderá ser rescindido por consentimento
mútuo, revelam que serviria para o funcionamento de uma base naval. Desde então, a base
naval de Guantánamo teve seu uso, seu acesso e sua navegação fechados para o uso privado,
sem a autorização americana. A referida base mantém suas próprias escolas, sistemas de
energia elétrica, suprimento de água e sistema de transporte interno. Nos anos 90, a base
perdeu seu caráter exclusivamente militar e começou a funcionar como um campo de
detenção para aqueles que buscavam asilo nos Estados Unidos. Já chegou a ter 36.000
haitianos e mais de 20.000 cubanos detidos por períodos diversos, submetidos a políticas de
54
interdição, detenção administrativa e, quando possível, repatriamento. Após 1996 e 1997, tais
procedimentos foram praticamente desativados
98
.
Contudo, em janeiro de 2002, logo após o início das ofensivas militares no
Afeganistão e no Oriente Médio, a base foi reativada; o primeiro vôo chegou no dia 11 de
janeiro, trazendo consigo 20 suspeitos de colaboração com o Talibã e a rede terrorista Al-
Qaeda. Essas detenções foram consideradas legais, já que possuíam o aval do Congresso, que,
no dia 18.09.2001, aprovou a chamada Autorização do Uso da Força. Em agosto, a base
possuía 598 detidos, oriundos de 43 países diferentes, detidos em campo de batalha no
Afeganistão e em outros países do Oriente Médio. Mas a questão primordial referente a esses
prisioneiros recai sobre seu status jurídico.
O direito humanitário, pelo fato de preocupar-se em dividir pessoas e objetos em
diferentes categorias, as quais determinam seu tratamento tanto durante as hostilidades quanto
no caso de caírem no poder do adversário durante o curso do conflito, sobressalta, assim, o
princípio da distinção, já que toda pessoa deve ter um status jurídico de acordo com as normas
internacionais. Essa pessoa pode ser um prisioneiro de guerra, enquadrando-se na
Convenção de Genebra, um preso civil tipificado na Convenção de Genebra, ou ainda um
membro do grupo médico e ou das forças armadas, em conformidade com a Convenção de
Genebra, vedado pelas Convenções um status intermediário. Este status de combatente irá
variar conforme o tipo de conflito; de antemão, tal status somente será válido num conflito
internacional (refere-se, portanto, ao conflito entre dois ou mais Estados, sem a necessidade
formal de declaração entre estes Estados). Desta feita, a “guerra contra o terrorismo” como
um todo não é um conflito internacional armado no sentido legal. Por outro lado, as investidas
98
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública
e a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 87.
55
militares no Afeganistão e no Iraque qualificam-se como um conflito internacional armado,
no qual as “leis e costumes de guerra” devem ser aplicados
99
.
As leis de guerra são instrumentos imperfeitos, geralmente mais honradas na sua
quebra que na sua observância. As Convenções de Genebra foram celebradas com o intuito de
“aparar as arestas” das imperfeições das leis internacionais terrestres expostas pela II Guerra
Mundial. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) submeteu quatro Convenções à
aprovação dos delegados, em Genebra, no dia 12 de agosto de 1949. Primeira Convenção para
melhorar a situação dos feridos e doentes das Forças Armadas no campo de batalha. Segunda
Convenção visando à melhora dos feridos, doentes e náufragos das Forças Armadas no mar.
A terceira Convenção relativa aos prisioneiros de Guerra e a quarta e última inerente à
população civil em tempo de guerra. A Convenção, que fora dividida em seis partes na
Parte I: “Provisões Gerais”, contendo 11 artigos, merecem destaque os artigos 3, 4 e 5. O
artigo 3 estabelece um tratamento padronizado básico a ser dispensado às pessoas que não
participam das hostilidades, por motivos de doença, ferimento ou detenção e/ou outra
qualquer circunstância ocorrida durante um conflito armado, que o seja de caráter
internacional. Ou seja, denota-se uma clara preocupação da proteção mínima padronizada
para os envolvidos em uma guerra civil ou em insurreições. O artigo 4 define quem está
sujeito ao tratamento de Prisioneiros de Guerra (Prisioners of War POW), sendo assim,
quem tem direito à proteção adicional.
100
O artigo 4 inclui ainda os quatro aspectos
específicos aplicáveis aos integrantes de milícias e corporações voluntárias, que,
obrigatoriamente, devem: I- ser comandados pela pessoa encarregada; II- usar uma marca
ou símbolo de identificação visível a distância; III- usar armas abertamente e IV- conduzir
operações de acordo com leis e costumes de guerra.
A segunda categoria de combatentes legalmente reconhecidos compreende os
membros de milícias, corpos de voluntários e movimentos de resistência. Embora não
integrados às forças armadas regulares, apresentam as quatro características acima
mencionadas. Nessa categoria, estariam os civis habitantes de territórios invadidos, que
99
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos a difícil relação entre segurança pública e
a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 88.
100
GEBHARDT, James F. Military Review - Maio e junho de 2005, p. 25.
56
resistem, espontaneamente, às forças invasoras, desde que carreguem suas armas abertamente,
a fim de distingui-los da população civil, e que conduzam suas operações de acordo com as
leis e os costumes de guerra. A parte II, ‘Proteção Geral de Prisioneiros de Guerra’, é formada
por cinco artigos (do artigo 12 ao 16), que definem claramente a proteção e os direitos
acordados para todos aqueles, qualificados como POW, combinados com o artigo 4. A
terceira parte da Convenção de Genebra, denominada Parte III Cativeiro - (do artigo 17
ao 108) regulamenta cada aspecto do tratamento dos prisioneiros de guerra durante o período
de cativeiro. Uma parte do artigo 17 proíbe o uso da tortura mental ou física, bem como a
coerção contra um detido que se recuse a dar informações adicionais.
Nenhuma tortura física ou moral, nem qualquer outra medida coerciva poderá ser
exercida sobre os prisioneiros de guerra para obter deles informações de qualquer
espécie. Os prisioneiros que se recusem a responder não poderão ser ameaçados,
insultados ou expostos a um tratamento desagradável ou inconveniente de qualquer
natureza.
O prisioneiro de guerra não é considerado um criminoso, mas um soldado inimigo
capturado em combate. As características específicas do conflito que envolve os americanos e
seus aliados no Afeganistão levantam dúvidas sobre como a Convenção seria aplicada na
‘guerra contra o terrorismo’ declarada pelo presidente dos EUA, George W. Bush. Questão
pacífica é o fato de os membros da Al-Qaeda, que não usam insígnia militar, não poderem ser
considerados prisioneiros de guerra. No entanto, soldados do Talibã, que governava o
Afeganistão, enquadrar-se-iam no conceito, haja vista que o Afeganistão assinara a
Convenção de Genebra. Esta prevê que, cessadas as "hostilidades" entre os países envolvidos
no conflito, os prisioneiros de guerra teriam de retornar a seu país de origem. Prisioneiros de
guerra podem ser acusados de crimes de guerra. Eles teriam de ser julgados pelos mesmos
tribunais disponíveis para os militares do país que os capturou, e não por fóruns como as
comissões especiais militares que os Estados Unidos querem implementar
101
.
101
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública
e a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 89.
57
Grupos como a Anistia Internacional e o Human Rights Watch denunciaram que os
direitos dos presos da Al-Qaeda e do Talibã foram desrespeitados pelos Estados Unidos. Os
prisioneiros foram barbeados, sedados, encapuzados e acorrentados na viagem entre o
Afeganistão e a base militar americana. Em recente reportagem, o jornal Zero Hora apontou
que um relatório do FBI revelou maus-tratos contra detentos de Guantánamo. O documento,
tornado público por determinação judicial, foi elaborado com base no depoimento de 493
funcionários do FBI em 2004. Destes, 26 afirmaram ter presenciado abusos contra suspeitos
detidos e com suposto envolvimento na rede terrorista Al- Qaeda. Os agentes utilizam,
principalmente, a religião para humilhar os detentos muçulmanos; soldados e interrogadores
pisotearam e chutaram o Alcorão o livro sagrado do islamismo e, em um caso, jogaram
urina sobre o livro. Em outros relatos, incluem-se provocações sexuais, manutenção de presos
por longos períodos privados de sono até quatro dias -, alimentação forçada por meio de
sondas, para evitar suicídios, agressões físicas, música em volume extremamente alto, perda
do senso de localização e, inclusive, um batismo cristão em um muçulmano. O Departamento
de Defesa estadunidense afirmou que não fará ou tomará nenhuma atitude no tocante às
denúncias, alegando que elas “já foram profundamente investigadas”. Segundo Joe Carpenter,
o conteúdo do documento “não é novo”.
102
O governo americano trata os detentos de Guantánamo Bay consistentemente dentro
dos parâmetros da Convenção de Genebra. Por que Washington faz uso da carta e não do
espírito da 3ª Convenção de Genebra em relação aos detentos de Guantánamo Bay? A
distinção entre violência tolerável e intolerável é a pedra angular da lei humanitária
internacional. Frente a esse ciclo de violência, é preciso reafirmar a força do Direito. Em
princípio, o americano acredita que membros de organizações inimigas, que lançam aviões
seqüestrados em alvos civis, não deveriam ser recompensados pelos seus crimes. A
Convenção das Nações Unidas contra Tortura e outras formas de Tratamento Cruéis,
Inumanos e Degradantes ou Punições - The U.N. Convention against Torture and Other Cruel,
Inhuman, or Degrading Treatment or Punishment (UNCAT) define tortura como “qualquer
ato pelo qual dor severa ou sofrimento, quer seja físico ou mental, é intencionalmente
utilizado contra uma pessoa”. Mas é no mínimo discutível até onde a privação de sono ou a
102
Relatório vê abusos em Guntanamo. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, p. 33, 4 jan. 2007.
58
desorientação sensorial constituem “severa dor ou sofrimento”. Enquanto todas as quatro
Convenções de Genebra contêm em comum o artigo 3, com uma injunção contra “tratamentos
cruéis e tortura”, a interpretação de tal provisão baseia-se na definição de tortura para a qual o
documento definitivo é a Convenção das Nações Unidas contra Tortura
103
.
O artigo 16 da UNCAT determina que “Cada uma das partes deve assumir a
responsabilidade para prevenir em quaisquer territórios sob sua jurisdição outros atos cruéis,
inumanos ou tratamentos degradantes e punição, mesmo que não cheguem a ser tortura”.
Porém o idioma legal internacional é preciso. Obrigação de “assumir a
responsabilidade para prevenir” não é uma proibição. Portanto, o governo americano está
apenas dentro de suas prerrogativas legais, fazendo o previsto no texto legal. Todavia, se a
Terceira Convenção de Genebra garantisse privilégios aos terroristas, um deles seria a regra
estrita de reportar a captura de prisioneiros de guerra, bem como o local em que eles foram
presos. De acordo com Amnesty International, a detenção de combatentes ilegais viola
cláusulas do ICCPR que vão contra a captura e a detenção arbitrárias. Os autores das
Convenções de Genebra, em 1949, foram tão realistas que reconheceram que, ao buscar banir
tudo, eles acabariam por conseguir nada. Nas guerras dos dias atuais, o desrespeito a essas
normas de guerras é total. Não há mais respeito aos não-combatentes, às populações pacíficas,
que são dizimadas pelas bombas. Estamos diante de um retrocesso perigoso, que guerras
sempre foram travadas com um mínimo de respeito mútuo de ambos os lados desde os
primórdios da existência humana.
104
O regime democrático do qual faz parte a maioria dos países ocidentais parte da
premissa de que todos estão nivelados perante a lei, forma de governo em objeção ao
totalitarismo de todos os matizes. Quando o Estado é confundível com o detentor de poder e o
indivíduo teve o reconhecimento de seus direitos, o que justificaria esse retrocesso em o
103
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública
e a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 88.
104
ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Direito Internacional Público. 9ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1997, p. 354.
59
reconhecer certos direitos a determinados grupos de pessoas? O homem, por ser o
destinatário final de todo ordenamento jurídico, deve ter respeitada sua condição como tal. Na
Roma antiga, a guerra era justa ou injusta, conforme fossem respeitadas as formalidades
previstas nas suas tradições e nas idéias religiosas. Para ser considerada justa, deveria se
enquadrar em um dos quatro casos previstos, que eram: violação do território romano,
inadimplemento dos tratados pactuados, desrespeito às imunidades diplomáticas e,
finalmente, prestação de auxílio aos inimigos do povo romano. Cabia ao Colégio dos Feciais
apreciar se a guerra era justa ou não. Após trinta dias sem que houvesse sido feita a reparação
a Roma do ilícito, um dos ‘fetiales’ dirigia-se à fronteira do inimigo e lançava um dardo. Este
seria o proceder e voltava ao Senado, comunicava a respeito de uma justa causa para a
declaração de guerra, a qual seria considerada justum et pium
105
.
A guerra terminava pela destruição do inimigo e pela conseqüente ocupação do
território, ou por um tratado de paz, ficando todo povo vencido à disposição de Roma, sempre
como tributário. Fato é que antigamente o inimigo estava bem nítido. O clássico é
representado pela possibilidade de estabelecer distinções mais claras e inequívocas. O interior
e o exterior, a guerra e a paz, durante a guerra, o militar e o civil, a neutralidade e a não-
neutralidade, tudo isso é nitidamente separado e não propositalmente confundido. Na guerra,
todos detêm um status definido, o inimigo, na guerra do direito internacional entre Estados, é
reconhecido como Estado soberano no mesmo nível. Também o inimigo tem seu status: ele
não é um criminoso. Uma nítida distinção entre guerra e paz seria quando assinado um acordo
de paz, que, geralmente, previa uma cláusula de anistia; somente nesses moldes é possível
fazer essa distinção.
Segundo o estudo de Carl Schimitt (principal expoente do pensamento jurídico do
regime nazista), e ao analisar a doutrina Bush, é nítida a semelhança entre ela e o que fora o
regime nazista, o qual foi um regime de exceção que durou 12 anos, conforme foi
mencionado no presente estudo.
105
ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Direito Internacional Penal. edição. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2000, p. 58.
60
Esse estudo de Carl Schimitt afirma que as guerras mostraram (ou mostram, no caso
da doutrina Bush) dois processos opostos de tipos de guerras e de inimizades: de um lado,
uma resistência quase autóctone, essencialmente defensiva, opondo-se à invasão estrangeira
pela população de um país e, além disso, o apoio telecomandado de tal resistência por
terceiros interessados, potências mundialmente agressivas. O guerrilheiro, mera figura
marginal, transformou-se, entrementes, numa figura central, pelo menos, numa figura-chave
da guerra revolucionária mundial. Também na segunda espécie moderna de guerra atual,
quebram-se todos os eixos conceituais que até aqui sustentavam o sistema tradicional de
delimitação e resguardo das formas de guerra. A guerra fria faz pouco caso de todas as
distinções clássicas entre guerra, paz e neutralidade, entre política e economia, militar e civil,
combatente e não-combatente, não da distinção entre amigo e inimigo, cuja conseqüência
lógica constitui sua origem e essência
106
.
Muitas guerras não são travadas por meio da política e o conceito de político, a
distinção especificamente política a que podem se reportar as ações, os motivos políticos, é a
discriminação entre amigo e inimigo. A diferenciação entre amigo e inimigo tem o sentido de
designar o grau de intensidade extrema de uma ligação ou separação, de uma associação ou
dissociação. Ela pode ser teórica ou praticamente subsistir sem a necessidade do emprego
simultâneo das distinções morais, estéticas, econômicas, entre outras. O inimigo político não
necessita ser moralmente mau, não precisa ser esteticamente feio, não tem que surgir como
concorrente econômico, podendo talvez até se mostrar proveitoso fazer negócios com ele. O
liberalismo, a partir do seu típico dilema entre espírito e economia, reduziu o inimigo a um
concorrente econômico. No domínio econômico, de fato, não existem inimigos, mas apenas
concorrentes e, num mundo totalmente moralizado e eticizado, talvez apenas restem
adversários de discussão. Os povos continuam, ainda, realmente agrupando-se segundo a
oposição amigo-inimigo, ou se espera que essa diferença um dia desapareça da face da terra,
se é bom e correto, talvez, fingir, por motivos pedagógicos, que não existem mais inimigos. O
inimigo, portanto, não é o concorrente nem o adversário em geral. O inimigo também não é
um adversário particular, que odiamos por sentimentos de antipatia. Inimigo é o conjunto de
homens, pelo menos eventualmente, isto é, segundo a possibilidade real, combatente que se
106
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p. 39.
61
contrapõe a um conjunto semelhante. Inimigo é apenas o inimigo público, pois tudo que se
refere a tal conjunto de homens, especialmente a um povo inteiro, torna-se, por isto,
público.
107
Correspondente no âmbito do real, o conceito de inimigo, eventualmente, faz alusão
a uma eventual luta. Guerra é uma luta armada entre duas unidades políticas organizadas,
guerra civil, a luta armada no interior de uma unidade organizada, por isto, problemática. O
essencial no conceito de arma é a eliminação física de pessoas. Os conceitos de amigo,
inimigo e luta adquirem seu valor real pelo fato de terem e manterem, essencialmente, uma
relação com a possibilidade de aniquilamento físico. A guerra decorre da inimizade, que
esta é a negação ontológica de outro ser. A guerra, na verdade, é a realização extrema da
inimizade, ela não carece de algo do cotidiano, algo normal, nem precisa ser compreendida
como algo ideal ou desejável, contudo precisa permanecer presente como possibilidade real,
enquanto o conceito inimigo tiver sentido. A guerra, como meio político mais extremo, revela
a possibilidade, subjacente a toda concepção política, dessa distinção entre amigo e inimigo.
Toda contraposição (religiosa, moral, econômica, étnica, etc.), se tiver força, se transforma
numa contraposição política, caso tenha a força para agrupar objetivamente os homens em
amigos e inimigos. Uma comunidade religiosa que, como tal, conduz guerras contra adeptos
de outras comunidades religiosas, sejam guerras de outro tipo, constitui uma unidade política,
além de ser uma comunidade religiosa
108
.
O político pode extrair sua força dos mais variados setores da vida humana, desde
contraposições religiosas, econômicas e morais, entre outras. Ele não especifica um âmbito
próprio, mas apenas o grau de intensidade de uma associação ou dissociação entre homens,
cujos motivos podem ser os mais variados. A palavra soberania tem um sentido equivalente
ao sentido de unidade, não necessariamente que toda individualidade do ser seja determinada
e comandada pelo político, ou que um sistema centralista deveria destruir toda e qualquer
outra organização ou corporação. Como, por exemplo, em algum caso em que as
considerações econômicas sejam mais fortes do que tudo aquilo que deseja o governo de um
107
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p.54.
108
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p. 63.
62
Estado que se diz economicamente neutro. No terreno religioso, o poder de um Estado que se
proclama neutro do ponto de vista confessional encontra uma limitação com igual facilidade.
O que interessa é apenas os casos de conflitos. Se essas forças de qualquer ordem forem fortes
a ponto de, por si sós, determinarem a opção acerca do caso de guerra, estas se tornam a nova
substância da unidade política. O Estado, como uma unidade política, pertence ao jus belli,
isto é, à possibilidade real de um dado caso determinar, em virtude de sua própria decisão, o
inimigo e combatê-lo. O Estado concentrou, com enorme poder, a possibilidade de fazer
guerra e de, com isto, dispor, abertamente, sobre a vida dos homens, que o jus belli inclui
esta possibilidade dupla: de exigir ao que pertence ao próprio povo prontidão para matar e
morrer e de matar homens que estejam do lado do inimigo.
109
A função bem desempenhada de um Estado normal consiste em produzir, no seu
interior, uma satisfação completa, estabelecer ‘tranqüilidade, segurança e ordem’ e, assim,
criar a situação normal, que pressupõe uma situação normal e nenhuma norma pode ter
validade para uma situação que, frente a ela, seja totalmente anormal. Esta necessidade de
satisfação dentro do Estado leva a situações críticas em que este, como unidade política,
enquanto se mantém, determine por si mesmo o ‘inimigo’ interno. Da história grega, o
exemplo mais famoso poderia ser o Psephisma (decreto) de Demofanto. Essa decisão popular
que o povo ateniense tomou no ano de 410 a.C., após a expulsão dos Quatrocentos, declarava
que qualquer que tentasse dissolver a democracia ateniense “seria inimigo dos atenienses”. A
competência para dispor sobre a vida e a morte de um homem, sob a forma de uma sentença
penal, pode também caber a uma outra associação existente no interior da unidade política,
como a família ou o chefe da família, mas não lhes pode caber, enquanto estiver presente a
unidade política como tal, o jus belli ou o direito à declaração de hostilidades. Igualmente, o
direito à vingança sangrenta entre famílias ou clãs teria que, pelo menos, durante uma guerra,
ser suspenso, se é que deve existir, em geral, uma unidade política.
110
Por esse poder sobre a vida dos homens, eleva-se a comunidade política sobre toda a
outra espécie de comunidade ou sociedade. A sociedade que funciona economicamente tem
109
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p.72.
110
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p.74.
63
meios suficientes para excluir de sua circulação o derrotado na concorrência econômica e o
mal-sucedido, ou até mesmo um ‘elemento perturbador’, para torná-lo inofensivo de uma
maneira pacífica, não violenta, falando concretamente: se ele se submete voluntariamente,
deixá-lo passar fome, o vão faltar a um sistema social puramente cultural ou civilizatório
indicações sociais para se livrar de ameaças indesejadas ou crescimento indesejado. Mas
nenhuma norma ou programa, nenhum ideal empresta um direito de dispor sobre a vida física
de outros homens, de exigir que matem e estejam prontos para morrer, a fim de que o
comércio e a indústria brilhem para os sobreviventes, ou que progrida o poder de consumo
dos netos. Amaldiçoar a guerra como assassinato de homens e, então, exigir dos homens que
eles façam guerra e nela matem e morram, para que nunca mais haja guerra, é uma fraude
manifesta. A guerra, a prontidão para a morte de homens que combatem, o matar outros
homens que se encontram do lado do inimigo, tudo isso não tem nenhum sentido normativo e,
sim, apenas existencial.
111
Não se podem fundamentar as guerras com normas técnicas e jurídicas. Mas se
realmente inimigos no sentido existencial do termo, então, sim, tem sentido, mas
politicamente, quando necessário repeli-los fisicamente e lutar com eles. A possibilidade real
de um inimigo pressupõe uma outra unidade política coexistente. Por isso, na terra, enquanto
existir Estado, sempre existirão vários Estados e não pode haver um Estado mundial que
englobe toda terra e toda humanidade. Se um dia os diversos povos, as religiões, as classes e
outros grupos estiverem todos juntos, tão unidos que uma luta entre eles se torne impensável
e, mesmo se, no interior de um império que englobe toda terra, nem se considerasse jamais a
possibilidade de uma guerra civil e se a diferenciação entre amigo e inimigo cessasse de
existir, mesmo como mera eventualidade, então, existiria ainda ideologia, cultura,
civilização, economia, moral, direito, arte, diversões, todas isentas de política, mas não
existiria mais nem política e nem Estado. Tal contexto é utópico, haja vista que sempre
existirá algum ‘inimigo’, fazendo, assim, girar os interesses políticos e econômicos.
112
111
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p.75.
112
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p. 80.
64
Quando um Estado luta contra seu inimigo em nome da humanidade, não se trata de
uma guerra da humanidade e, sim, uma guerra em que o Estado procura ocupar um conceito
universal frente ao seu inimigo, para, às custas do adversário, identificar-se com tal conceito,
assim como pode abusar de paz, justiça, progresso e civilização. Para a humanidade, é um
instrumento ideológico, especialmente útil às expansões imperalistas e, em sua forma ético-
humanitária, um veículo específico do imperialismo econômico. A pior das confusões surge
exatamente quando os conceitos como direito e paz são usados politicamente, de forma a
impedir um pensamento político claro, legitimar os próprios empenhos políticos e
desqualificar ou desmoralizar o inimigo
113
.
Segundo a Human Rights First, para que exista o equilíbrio é essencial para que se
conduzam preocupações relativas à segurança de uma forma consistente, com os princípios de
direitos humanos, deixando de tomar muitas decisões puramente políticas. Não nenhuma
evidência de que, diminuindo as liberdades e abandonando princípios basilares de governo
democrático, se aumenta a segurança nacional e tampouco isso ajuda a tornar o mundo mais
seguro e ou mais justo.
114
Percebe-se, assim, que a política externa estadunidense pós 11 de
setembro trouxe a tolerância para as violações dos direitos humanos. Por essa ótica, a guerra
contra o terrorismo molda-se mais como uma cruzada contra o mal do que como interesse
material de política externa. Não luta ideológica contra o mal, não importam os métodos ou os
meios, mesmo que apresentem problemas morais e legais, desde que atinjam seu fim. Nesse
contexto, a guerra contra o terrorismo não contesta território algum, não concebe as
negociações de paz e o progresso é medido pela ausência de ataques e pelo sucesso na
aplicação de medidas de controle (detenções, interceptações telefônicas, torturas nos
interrogatórios, entre outras), apenas vistas nos regimes absolutistas, quando declarado o
Estado de Exceção. A duração dessas medidas é controlada pelo governo estadunidense e seus
critérios são desconhecidos.
115
.
113
SCHMITT, Carl. O Conceito de Político. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992, p. 98.
114
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública
e a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p. 118.
115
GRANGEIRO, Mariana Bisol. Terrorismo e Direitos Humanos - a difícil relação entre segurança pública
e a dignidade humana. São Leopoldo: Universidade do Vale dos Sinos, 2007, p.117.
65
Os padrões de direitos humanos não apresentaram modificações significativas desde
o 11 de setembro de 2001, o que se alterou foi a atmosfera política em termos mais gerais.
Outros governos têm tirado proveito da retórica ‘antiterrorista’ para intensificar seus ataques
contra inimigos políticos internos e internacionais. Observa-se o pretexto de leis
antiterroristas como novas armas contra desafetos políticos. Existe o risco de que a guerra
contra o terrorismo produza uma drástica mudança nas obrigações dos Estados no que tange
ao respeito aos direitos humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a antigüidade, a guerra sempre existiu na sociedade. Com o passar dos anos, o
caráter violento e cruel das batalhas campais foi sendo substituído por outro mais terrível, a
ambição desenfreada por dinheiro e recursos naturais, no caso em tela, mais precisamente: o
petróleo. Isso porque o objetivo, pouco a pouco, estava deixando de ser apenas expansão e
domínio sobre determinado país ou continente. Pode-se dizer que esse foi o início da busca
pela melhor justificativa para ataques a países subdesenvolvidos, os quais somente podem
exercer o famoso direito à resistência.
No trabalho desenvolvido, teve-se a preocupação de mostrar o embrião dos Direitos
Humanos, bem como a sua posterior internacionalização após a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, do ano de 1948. Dentro deste contexto de evolução do Estado Moderno,
examinou-se a evolução do Direito, o papel da democracia e, por conseqüência, o Estado
Democrático de Direito. Momento em que é ultrapassado aquele aspecto individualista de
não-interferência do Estado na vida privada das pessoas e de seus bens, para atingir os
princípios da organização democrática da sociedade e dos sistemas de direitos fundamentais
individuais e coletivos, segurança, além de certezas jurídicas. Nesse momento, a lei assume a
função de instrumento de ação concreta do Estado, sistematizando os direitos fundamentais,
analisados no segundo capítulo.
Os estudos acerca da evolução da sociedade resultaram em legislações que não
possibilitam um melhor enquadramento da regra geral ao caso concreto dos detidos da Base
67
Naval de Guantánamo, analisando, inclusive, não apenas a definição de prisioneiro de guerra,
mas também prisioneiro comum. E uma das conseqüências é que os detidos que se
encontram não se enquadrariam nem numa situação e tampouco noutra, ou seja, estão num
limbo jurídico.
Foram examinados alguns desafios que confrontam alguns institutos tidos como
‘democráticos’, porém, na verdade, apresentam uma nebulosa dúvida de sua real
aplicabilidade. A evolução dos conflitos também foi analisada no presente estudo, assim
como a fruição dos direitos humanos e seus respectivos tratados e convenções.
Cabe ressaltar que não houve a pretensão de fechar este breve ensaio com elenco de
conclusões a respeito das questões aqui versadas. dificuldade de obter uma definição
consensual, precisa e, acima de tudo, universalmente válida do que seja, afinal de contas, o
conflito entre segurança nacional e dignidade da pessoa humana, a não ser a circunstância de
que se cuida da própria condição humana (e, portanto, do valor intrínseco) do ser humano e
que desta condição, de seu reconhecimento e de proteção pela ordem jurídica decorre um
complexo de posições jurídicas fundamentais.
Da mesma forma, os demais pontos aqui discutidos, arbitrariamente selecionados,
foram abordados com o singelo intuito de lançar alguns questionamentos a respeito de apenas
uma parcela dos tantos e polêmicos aspectos de tão fascinante tema. Tanto é verdade que se
fala no homo globalizatus, considerando a cada vez maior facilidade de acesso às
comunicações e às informações, bem como a capacidade de consumo de parte da população
mundial, urge que, na mesma medida, se possa também vir a falar de uma correspondente
globalização da dignidade e dos direitos fundamentais, sem a qual, em verdade, o que teremos
cada vez mais é a existência de alguns ‘homens globalizantes’ e uma multidão de ‘homens
globalizados’, sinalizadora de uma preocupante, mas cada vez menos contornável e
controlável transformação de muitos Estados democráticos de Direito em verdadeiros estados
neocoloniais.
68
A questão do balanço entre a necessidade de segurança pública e o respeito aos
direitos humanos, certamente, não é simples. Diversos órgãos de direito nacional, regional e
internacional sustentam que houve um grande equívoco por parte dos Estados Unidos, sendo
que muitos órgãos que visam a proteger os direitos humanos intervieram nesse sentido. Mais
especificamente no que diz respeito aos detidos de Guantánamo, para exemplificar, tanto a
Suprema Corte quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Comitê contra a
Tortura e o Comitê contra o Terrorismo recomendaram o fechamento da Base Naval e
garantiram o acesso a um julgamento e aconselhamento legal por parte dos detentos.
Guantánamo torna-se peculiar pelo fato de ser uma provocação antiga, em que um
pedaço da caribenha ficou nas mãos dos americanos desde o período da revolução Batista até
hoje. Após o 11 de setembro, virou uma provocação contra a ética do mundo ocidental,
contrariando todas as regras, não as de Direito e, sim, as regras dos tratados de Guerra e
dos campos de concentração. Conforme destacado por Arnaldo Jabor, o ódio da ‘gangue de
Bush’ pela democracia ficou exposto em Guantánamo, afrontando e chocando a todos
116
.
houve em torno de quarenta tentativas de suicídio, destas, três resultaram em
óbito. Apenas 5% dos detidos foram capturados pelo exército estadunidense. Um total de 86%
foi preso no Afeganistão. Mais de 200 fizeram greve de fome e é questão de reflexão imaginar
o que os americanos fariam, se fossem pessoas norte-americanas que estivessem sendo
interrogadas dessa forma. Lógico que eles não reagiriam levemente. Agiriam de forma a
resolver, rapidamente, a situação e retirar seus cidadãos. Esse tipo de prisão é algo bastante
contraprodutivo para o mundo democrático.
No Brasil, o maior crítico de Guantánamo é Francisco Rezek, jurista brasileiro de
renome internacional, ministro das Relações Internacionais por duas vezes, tendo passado
pelo Supremo Tribunal Federal. Em 1997, partiu para a Corte Internacional de Haia, tribunal
máximo da ONU, e afirma que Guantánamo é um símbolo da crise do direito em geral. No
116
Disponível em: < http://br.youtube.com/watch?v=_nzoVBwfQ1I> Acesso em: 16 de julho de 2008.
69
passado, a tortura ocorria nos porões da ditadura, mas o Estado tinha consciência da
violência e a escondia. O pudor fazia com que as agressões graves fossem veladas. Hoje, a
Corte Suprema dos EUA convive com Guantánamo sem dizer nada. É a primeira vez na
História em que uma zona do não-direito é assumida por quem diz ser modelo de democracia
e dá lições de direitos humanos a outros povos”.
117
A Base Naval de Guantánamo foi a ante-sala de Abu Grabi, onde foi visto aquele
espetáculo de torturas e pornografia, militares norte-americanos humilhando muçulmanos nus.
Bush foi eleito mediante derrota de Al Gore com a fraude nas eleições via Corte Suprema e
Flórida. Guantánamo legitima a política do medo, que deu a brecha para implantar o Ato
Patriota e todas as medidas de exceção, visando a enfraquecer a democracia.
117
REZEK, F. Guantanamo: a ante-sala do inferno. Revista Galileu, São Paulo- Ano XI- Ed 189, p. 62, 2007
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