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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
POLÍTICA
A Sociologia Antropocêntrica de Alberto Guerreiro
Ramos
Ariston Azevêdo
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Florianópolis
Abril de 2006
II
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
POLÍTICA
A Sociologia Antropocêntrica de Alberto Guerreiro
Ramos
Ariston Azevêdo
Orientador: Ricardo V. Silva
Florianópolis
Abril de 2006
II
III
Para Renata e Giovanna,
com amor
IV
... Há que dar remédio a este horror,
não agüento, não posso continuar a fingir que não vejo...
José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira
V
Agradecimentos
Gostaria de manifestar a minha gratidão à Universidade Federal
de Santa Catarina, mais especificamente ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia Política, onde encontrei amizade,
estímulo intelectual e apoio material para que eu pudesse realizar
os meus estudos.
Sou imensamente grato aos professores deste programa, em
especial a Cécile Mattedi, Elizabeth Farias, Erni Seibel, Fernando
Souza, Franz Brüsek, Maria Ignez Paulilo e Tamara Benakouche,
cujas aulas freqüentei. Também agradeço a Albertina, Fátima e
Otto pela imensa presteza a mim dispensada.
Agradeço a Ricardo Silva, meu orientador, pela sua dedicação,
abertura e apoio às minhas idéias e intenções.
Aos meus colegas de turma, Adir, Alexandre, Daniel, Gabriel,
Mônica e Valéria por me terem proporcionado bons momentos
intelectuais e de descontração.
Agradeço a Wilson Pizza Jr. e Edison Bariani Jr. pela disposição que
tiveram para ler e comentar esta tese. À Clóvis Brigagão, Nanci
Valadares, Gerardo Mourão, Ubiratan Simões Rezende, Belmiro
Valverde, Francisco Gabriel Heideman e Curtis Ventriss pelas
horas de conversas que tivemos sobre Guerreiro Ramos.
Ao meu amigo George Candler pela sua grande confiança neste
trabalho e contribuição para que o mesmo pudesse ser realizado.
À cia Lippi e Ricardo Müller por me terem disponibilizado
importante material para a realização de minha pesquisa.
À Eliana Guerreiro Ramos (em memória) e sua filha, Tatiana
Marquardt, pela doação de parte de material que compunha o
arquivo pessoal de Guerreiro Ramos.
Agradeço também à Universidade Estadual de Marin e aos
meus colegas do Departamento de Administração por terem
possibilitado o meu afastamento para os estudos em nível de
doutorado. À Capes pela bolsa de estudos que me foi concedida.
VI
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus
familiares e à família de minha esposa pelo apoio nesta
empreitada.
VII
Lista de Quadro
QUADRO 1: Teste popular do nacionalismo
198
QUADRO 2: Comparação entre a teoria formal e a teoria substantiva
241
VIII
Lista de Figuras
FIGURA 1: Diagráfico Parentético I
234
FIGURA 2: Diagráfico Parentético II
236
FIGURA 3: Paradigma Para-econômico
254
IX
Sumário
AGRADECIMENTOS
VI
LISTA DE QUADROS
VII
LISTA DE FIGURAS
VIII
RESUMO
X
ABSTRACT
XI
INTRODUÇÃO
12
1 Guerreiro, um poeta (quase) ignorado
28
2 Um encontro casual, em Salvador
31
3 O Drama de Ser Dois, um drama pessoal
39
4 Civilização decadente, humanismo superado e crise do homem
moderno
71
5 O movimento personalista em França
94
6 Pessoa humana e restauração do social em Guerreiro Ramos
108
7 Poesia, saber de salvação
117
8 Rio de Janeiro, aspiração de uma vida poética e crise religiosa
129
9 Uma pretensa história da Literatura Brasileira
134
10 O pleito por uma planificação social antropocêntrica
165
11 A epistemologia de Guerreiro Ramos
173
12 A nação, o nacionalismo e a trajetória parlamentar de Guerreiro
Ramos
190
13 Homem Parentético e a abordagem antropológica de Guerreiro
Ramos para as Ciências Sociais
210
14 A Teoria da Delimitação dos Sistemas Sociais
232
CONCLUSÃO
260
BIBLIOGRAFIA
267
ANEXOS
Anexo 1 – Levantamento Bibliográfico
Anexo 2 – Levantamento bibliográfico preliminar de textos, artigos,
livros, dissertações e teses sobre a pessoa e a obra de
Guerreiro Ramos
Anexo 3 – Algumas fotos de Guerreiro Ramos nos anos 50
X
Resumo
No elenco das diferentes modalidades de estudos que
sobre o pensamento sociológico de Alberto Guerreiro Ramos
foram realizadas, esta tese se coloca como uma possibilidade de
interpretação que propicie aclarar, não as pontualidades
temáticas ou as respostas aos problemas contingentes a que este
sociólogo se propôs pensar, mas a coerência de suas crenças no
tempo. Segundo pensamos, esta interpretação pautada na
coerência das crenças guerreirianas pode trazer elucidações
fundamentais acerca do alcance, do sentido e da finalidade da
construção teórica à qual ele se dedicou, dos principais conceitos,
modelos e proposituras por ele construídas, bem como permite
justificar a mobilização e apropriação de conceitos e correntes
teóricas por ele procedidas. Neste sentido, a tese que aqui se
apresenta defende que há, no conjunto da obra de Guerreiro
Ramos, uma forte crença da premência de um novo humanismo
e, em termos correlatos, de um novo tipo humano, a partir dos
quais seria possível teorizar sobre a vida humana individual e
associada. Uma expressão marcante dessa crença do autor está
na preocupação e no pressuposto por ele assumidos de que a
sociedade deveria ser vertida ao homem, e não o inverso. Esta
crença tem seu correspondente na afirmativa de Protágoras, e
com a qual Aristóteles estava de pleno acordo: anthrôpos metro
panthô chrématon (o homem é a medida de todas as coisas
humanas). Munido deste humanismo radical, nosso sociólogo
passou em revista os pressupostos sobre o homem que
legitimavam a ciência social de sua época, denunciou os
principais obstáculos sociais impeditivos de um processo de
humanização e articulou a sua proposta de uma nova ciência do
social. É neste sentido que afirmamos ser antropocêntrica a
sociologia de Guerreiro Ramos. Esta pesquisa, assim, atenta para
XI
uma questão que até agora é inédita, tendo-se em conta todos os
trabalhos que trataram da obra ou dos estudos de Guerreiro
Ramos.
XII
Abstract
Several studies about Ramos’s sociological thought have
been written in Brazil. The purpose of this dissertation is to be an
interpretation to clarify some elements that support the Ramos’s
coherence of beliefs in time. This coherence exists in all Ramos’s
work, since his juvenile papers until his last book. We believe that
our interpretation can be help in the understanding of the reach,
of the meaning, and of the final aim of his theoretical work or of
his concepts, models, and sociological proposals. Also we believe
that our interpretation can help in the understanding of his
displacement of concepts and filiations with currents of thought.
In this dissertation we demonstrated that there is in the Ramos’s
works a strong belief in the urgency of a new humanism, and a
new human type, starting from which would be possible to
theorize about the individual and associated human life, in others
words, a humanism which the man was the measure of
everything. An example of this is his concern and presupposition
that the society should be structured for the man and not the
opposite. With this radical humanist point of view, Ramos revised
the man presupposition of the social science of his time,
denounced the main social obstacles to the humanization
process, and proposed a new science of social. In this way, we
affirm that the Ramos’s sociological thought is anthrophocentric.
XIII
I n t r o d u ç ã o
O sociólogo Alberto Guerreiro Ramos nasceu em Santo
Amaro da Purificação, cidade do recôncavo baiano, em 13 de
setembro de 1915. Viveu boa parte de sua infância em cidades
pobres e próximas ao rio São Francisco, mudando-se
posteriormente para a capital do estado, Salvador, local onde
residiu até sua ida definitiva para o Rio de Janeiro, em 1939,
então com 24 anos de idade. Ainda em Salvador, com seus
parcos recursos, pode constituir uma pequena biblioteca
particular e assinar alguns periódicos, entre os quais as revistas
francesas Esprit e Ordre Nouveau, acompanhando de perto suas
publicações. Paralelamente à sua educação formal no Ginásio da
Bahia, recebeu orientação por parte de um padre de origem
alemã, pertencente à ordem dominicana, Dom Béda Keckeisen O.
S. B., que foi, durante a sua jeventude, uma espécie de mentor. A
essa época se descortinava para Guerreiro Ramos o tomismo, o
existencialismo e o personalismo, o primeiro sob a orientação dos
escritos de Jacques Maritain, ao passo que as outras duas
correntes de pensamento vinham de Heidegger, Jaspers, Mounier,
Berdyaev, entre outros.
Nos anos 30, aos dezessete anos de idade, Guerreiro
Ramos despontava, no meio cultural da classe dia baiana,
como um promissor intelectual, escrevendo ensaios regularmente
para o diário O Imparcial e para algumas revistas literárias de
circulação nacional. Além disso, estava bastante envolvido com
leituras de poetas, novelistas e historiadores, boa parte deles
franceses, como era o caso de Daniel Rops, François Mauriac e
Albert Debodais, mas também com alguns de origem russa, como
Soloviev, Tolstoi, Turgueniev, Tchecov e Dostoievski.
12
Compartilhando de suas afinidades intelectuais e religiosas
estava o jovem escritor Afrânio dos Santos Coutinho, que, assim
como Guerreiro, exercia intensa militância literária na imprensa
local, principalmente sob a influência do citado filósofo francês
Jacques Maritain, de quem traduziu a obra Humanisme Integral, e
do poeta Daniel Rops, sobre quem lançou um livro, em 1936,
intitulado Daniel Rops e a ânsia do sentido novo da existência.
Esta relação de amizade contribuiu significativamene para a
formação de nosso autor, dado que, por intermédio de Afrânio,
Guerreiro tomou contato mais próximo com as obras de Maritain
e com os grupos da revista Esprit e Ordre Nouveau, tendo
mantido, inclusive, correspondência particular com alguns dos
integrantes destes dois grupos, como foi o caso de Bardyaev e
Alexandre Marc.
Também nos anos 30, Guerreiro Ramos, atendendo ao
convite de Rômulo Almeida, Diretor do Departamento Estadual de
Imprensa e Propaganda (DEIP) do Estado da Bahia, foi atuar como
auxiliar técnico daquela diretoria, servindo, portanto, a Landulpho
Alves, que foi interventor do estado no período que compreende
os anos de 1938 a 1942. No final desta década, mais
precisamente em 1939, o então jovem aspirante a poeta,
auxiliado por uma bolsa de estudos fornecida pelo governo da
Bahia, seguiu para o Rio de Janeiro, a capital do país, onde
buscaria concretizar a sua aspiração de poeta. A sua incursão
pela poesia havia começado ainda em Salvador, onde publicou
um pequeno livro do gênero, O drama de ser dois, e alguns textos
literários, os quais, em grande maioria, foram publicados em
periódicos locais, como Revista da Bahia, O Imparcial e a Revista
Norte, da qual foi co-proprietário, juntamente com Afrânio
Coutinho e Antonio Osmar Gomes (pseudônimo Paulo de
Damasco). Outra parte de suas poesias e ensaios foi publicada na
revista católica A Ordem, à época sob a direção de Alceu
13
Amoroso Lima, que continuava ali o trabalho pioneiro de Jacson
Figueredo. Deste mesmo período é o livro Introdução à cultura,
que rne um conjunto de quatro ensaios que versam sobre os
quatro temas principais que norteavam seu pensamento, quais
sejam, cultura, humanismo, personalismo e poesia.
No Rio de Janeiro, Guerreiro Ramos ingressou na primeira
turma de ciências sociais da Faculdade Nacional de Filosofia
(FNFi), da Universidade do Brasil, graduando-se neste curso em
1942, e em Direito, curso que havia iniciado em Salvador, em
1943. Em seu período estudantil na FNFi, ele, sem deixar de
escrever poesias e críticas literárias, cultivou amizade com o
poeta Murilo Mendes. Também enviou alguns escritos literários
para publicação na revista mineira Tentativa, mas foi em Cultura
Política, revista dirigida por Almir de Andrade, que publicou um
conjunto de sete textos sobre a literatura latino-americana, nos
quais indicava fortemente a sua grande preocupação por uma
abordagem apropriada ao estudo da realidade brasileira. Essa sua
fase literária se estenderia até o início dos anos 50, quando viria
a se envolver definitivamente com a questão política e com o
saber sociológico, indo trabalhar novamente com Rômulo
Almeida, que desta vez na Casa Civil da Presidência da
República.
Os anos quarenta seriam, para Guerreiro Ramos,
decisivos em termos da opção que viria a tomar em favor da
continuidade de suas reflexões nas ciências sociais, distanciando-
se da sua intenção primeira de ser poeta. Nessa década, ele
atuou em alguns órgãos do governo, entre os quais vale destacar
o Departamento Nacional da Criança (DNC) e o Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP), bem como em
instituições distantes da ação estatal, como foi o caso de sua
militância junto ao Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade
14
fundada por Abdias Nascimento. Tendo sido indicado por San
Tiago Dantas, ex-integralista e diretor da FNFi, à época, para
lecionar no curso de Puericultura e Administração do DNC,
Guerreiro Ramos se tornou membro do quadro docente daquela
instituição, ficando a seu cargo a disciplina Problemas
Econômicos e Sociais do Brasil”. Vem daí, portanto, os seus
estudos a propósito da puericultura, mortalidade infantil,
medicina popular e outros problemas sociais, tendo eles como
caractarística comum a forte presença da sociologia americana,
mais especificamente da Escola de Chicago.
Foi no DASP, porém, que Guerreiro Ramos,
desempenhando a função de técnico de administração,
esboçaria, de maneira mais consistente, a sua preocupação com
um dos temas principais de seus escritos: administração e teoria
das organizações. Esses estudos lhe serviriam de apoio quando
de suas preocupações mais diretas com uma teorização sobre a
realidade brasileira, lançando propostas e diretrizes para ação no
que concernia à administração pública nacional. Ali se encontram
alguns dos autores que maior influência sobre o sociólogo baiano
exerceram, como foi o caso de Max Weber e Karl Mannheim, duas
figuras constantes em sua trajetória de sociólogo. Além disso,
nesses escritos daspianos percebe-se os indícios da influência
que, mais tarde, a fenomenologia de Husserl teria em seu
pensamento, principalmente em livros como A redução
sociológica, de 1958, e A nova ciência das organizações, de 1981.
O fato de sua negritude, de ter vivido no cenário baiano
dos anos de 1930, onde a questão do negro emergia em diversas
matizes de pensamento, além de ser uma época de grande
efervescência cultural e política, tiveram importância
fundamental em seus escritos a respeito da relação de raças,
bem como em seu engajamento junto ao Teatro Experimental do
15
Negro (TEN), o que, por sua vez, refletiu, também, em sua idéia a
respeito do que viria a ser a construção de uma identidade
nacional e da importância que conferia à necessidade de uma
intellingentsia negra no Brasil. Assim, não podemos deixar de
apontar que o TEN teve importância fundamental na trajetória
intelectual de Guerreiro Ramos, em dois sentidos: por um lado, foi
a partir de sua percepção acerca da impropriedade com que o
problema das relações raciais vinha sendo posto no Brasil que ele
se verteu a um impulso revisionista das ciências sociais vigentes
no cenário brasileiro, a fim de compreender a alienação estética
que acometia o homem de cor na sociedade brasileira, o que
resultou em textos, como no caso de O processo da sociologia no
Brasil e O problema do negro na Sociologia Brasileira, de 1953 e
1954, respectivamente, e em um procedimento metodológico,
que inspirado na fenomenologia de Husserl, encontrou expressão
na idéia de “suspensão da brancura”, esta mesma que, mais
tarde, o conduziria à redução sociológica. Por outro lado, o TEN
lhe proporcionou uma experiência existencial de assunção da
negritude e de engajamento em seus problemas, algo até então
inédito, em termos de sua trajetória pessoal e intelectual. Apesar
de toda essa relevância, o fato é que, devido às suas múltiplas
atribuições à época, nosso autor viria mesmo a se dedicar a
alguns tópicos de estudos fundamentais desenvolvidos no TEN
quando em território norte-americano, como foi o caso da noção
de “encontro parentético”, uma reflexão proveniente de suas
experiências, naquele Teatro Experimental, com a utilização das
técnicas do psicodrama e sociodrama de J. L. Moreno.
Além do TEN, outros marcos institucionais desse
momento na trajetória intelectual de Guerreiro Ramos foram o
Grupo de Itatiaia, criado em 1952, e o IBESP, constituído em
1953, associações que acabariam por desembocar no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), espaço intelectual onde
16
nosso sociólogo compartilhava do convívio com intelectuais como
Álvaro Vieira Pinto, Ignácio Rangel, Hélio Jaguaribe, entre outros.
Esta instituição surgiu em 1955, durante o Governo de Café Filho,
e era vinculada ao Ministério da Educação. Tratava-se, em
realidade, segundo o depoimento de Jaguaribe, de um conjunto
de atividades de estudos e ensino, com plena autonomia de
pesquisa e de cátedra, e que se voltava à análise estrutural-
econômica, social, cultural e política da realidade brasileira, com
o propósito de estabelecer os fundamentos de uma política de
desenvolvimento nacional, vertida, de certa forma, em ideologia
estrutural e, naquele momento histórico do país, adequada à
mobilização da sociedade brasileira para os esforços necessários
à realização do projeto de desenvolvimento ideologia conhecida
como nacionalismo desenvolvimentista. No ISEB, Guerreiro
Ramos foi responsável pelo departamento de sociologia, estando
as suas duas principais obras dessa época, Introdução crítica à
sociologia brasileira e A redução sociológica, eivadas das linhas
mestras que orientavam aquela instituição. Deste Instituto
Guerreiro Ramos se afastaria em dezembro de 1958, em meio a
um conjunto de intrigas internas com alguns dos seus
companheiros isebianos, o que o levou a firmar sua
independência de pensamento por meio de colunas de jornais
cariocas, tais como as que manteve em O Semanário e Última
Hora.
A partir de 1952, o nosso sociólogo também
acrescentaria à sua agenda a assessoria no Governo Federal e as
atividades docentes na Fundação Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro, onde lecionava para o curso de graduação em
Administração Pública a cadeira de sociologia. Seria esta escola
que, por intermédio de uma bolsa de pesquisa fornecida pela
Fundação Ford, patrocinaria um dos mais vastos compêndios
sobre administração pública que um escritor brasileiro ousou
17
escrever Administração e estratégia do desenvolvimento,
publicado em 1966, em tons de despedida do Brasil, pois que,
naquele ano, o autor buscaria exílio nos Estados Unidos da
América. Antes de se ausentar do Brasil, Guerreiro Ramos ainda
viria a ser Deputado Federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), em 1963, consolidando uma intenção que se delineava
no final dos anos 50, na época mesmo de O Semanário, quando,
segundo ele, “posava de político”. São desse período de
ativismo na esfera política as obras O problema nacional do
Brasil, de 1960, A crise do poder no Brasil, de 1961, e Mito e
verdade da revolução brasileira, de 1963.
Se durante determinado período de sua trajetória
Guerreiro Ramos se mostrava preocupado em teorizar sobre a
realidade brasileira do ponto de vista sociológico, e apenas dele,
percebemos que, aos poucos, essa teorização ganha caracteres
das perspectivas política e administrativa, o que confirma uma
inclinação do autor em imprimir em seus estudos uma
preocupação constante com diretivas para ação. Os
engajamentos dessa fase da existência pessoal e intelectual de
nosso autor geraram obras e muitas. O ápice desta produção,
podemos dizer, foi um texto escrito em 1958 A redução
sociológica.
Em 1964, a sua trajetória de deputado seria brutalmente
interrompida: o Comando Supremo da Revolução, no dia 9 de
abril de 1964, por meio do Ato Institucional 4, resolveu
suspender, pelo prazo de dez anos, os Direitos Políticos de
dezenas de cidadãos brasileiros, figurando o seu nome no
qüinquagésimo terceiro lugar do rol de cassados. Assim, a partir
de 1966, após escrever o seu último livro em território brasileiro,
a trajetória de Guerreiro Ramos, em tendo buscado exílio nos
Estados Unidos, ganharia características de um scholar e suas
18
obras teriam que ser traduzidas para o português.
Nos Estados Unidos, era difícil a vida de Guerreiro
Ramos, pelo menos no início de seu exílio. Apesar disso, foi lá que
nosso sociólogo encontrou acolhida para o desenvolvimento de
suas idéias. Tornou-se professor titular de uma instituição
universitária, a University of Southern Califórnia, atuando junto a
School of Public Administration, onde obteve reconhecimento e
sucesso. Foi Visiting Professor at Wesleyan University e Visiting
Fellow (Political Science) at Yale University, além de conferencista
em outras instituições. Ganhou por três vezes o prêmio de
Teaching Excellence Award of the School of Public Administration,
uma vez o Teaching Excellence Award of the University
Associates Award e, com o seu último livro, The new science of
organization an reconceptualization of the wealth of nations,
publicado pela University of Toronto Press, em 1981, ganhou o
prêmio Phi Kappa Phi Book Award como a melhor publicação do
ano na área.
Restringindo-se ao ambiente acadêmico, seria no
conjunto de seus estudantes, principalmente, que Guerreiro
Ramos encontraria a principal acolhida para as suas idéias. No
seu último livro, se observarmos bem, veremos que, entre
aqueles a que o autor agradece, um contingente significativo
de estudantes. A nova ciência das organizações foi pensada nos
EUA e escrita em consonância com o status social da realidade
americana uma realidade que muito cedo atingiu o cume do
padrão de vida da sociedade moderna, situando-se, exatamente,
como a principal representante da modernidade, em termos de
abastança e de problemas sociais e ambientais crônicos. Foi
desta sociedade que aquele jovem aspirante a poeta e depois
sociólogo postou-se como observateur, dela extraindo reflexões a
respeito dos possíveis desdobramentos que a prosperidade
19
acarretava para a vida humana individual e associada.
Foi somente em 1979 que o sociólogo retornou a pensar
a sociedade brasileira, mas agora sob a perspectiva de sua teoria
da delimitação dos sistemas sociais, condenando de modo
virulento, por meio de uma série de artigos publicados no jornal
do Brasil, os caminhos que o corpo político estava impingindo à
nação brasileira, principalmente em razão do modelo de
desenvolvimento aqui adotado, o qual tomava como referência o
caminho trilhado pelas nações cêntricas. Para ele, esta referência
representava o esgotamento dos recursos naturais e da sanidade
psíquica do ser humano, uma vez que tomou para si, como ponto
de articulação, a instituição do mercado. Ao Brasil, segundo ele,
caberia encontrar uma opção que lhe fosse própria...
Em visita ao Brasil em 1980, Guerreiro Ramos
estabeleceu planos junto à Universidade Federal de Santa
Catarina para atuar como Professor Visitante. Infelizmente,
morreu em abril de 1981, vítima de câncer, sem conseguir extrair
todas as conseqüências das idéias esboçadas em seu último livro
publicado.
* * *
O pensamento sociológico de Alberto Guerreiro Ramos já
se constituiu em objeto de investigação por diversas vezes. Entre
esses estudos, alguns se destacam por apresentar uma leitura
extensiva acerca da trajetória da produção intelectual deste
sociólogo santo-amarense, como é o caso do que realizou o seu
ex-aluno Luiz Antônio Alves Soares, nos livros A Sociologia Crítica
de Guerreiro Ramos: Um estudo sobre um sociólogo polêmico
(1993) e Guerreiro Ramos: Considerações Críticas a respeito da
sociedade centrada no mercado (2005). Apesar do louvável
empenho de Soares, é interessante destacar que em seus
trabalhos o autor o atentou para os escritos de juventude de
20
Guerreiro Ramos, estes que, para os propósitos desta tese, foram
essenciais. Também, deve-se fazer menção ao excelente trabalho
de Lucia Lippi Oliveira em A Sociologia do Guerreiro (1995), onde
aqueles estudos juvenis são abordados, inclusive porque, na
percepção da autora, eles revelariam importantes matrizes do
pensamento guerreiriano. Contudo, um aparte a esta obra pode
ser feito com relação à ausência do tratamento aprofundado do
que, para nós, se manifesta como o desfecho intelectual dessas e
de outras matrizes, e que se consubstancia, justamente, no
último livro publicado em vida pelo sociólogo, A Nova Ciência das
Organizações (1981a).
Para além dos estudos extensivos acima apontados, o
fato é que a grande maioria dos trabalhos que se verteram a
analisar o pensamento de Guerreiro Ramos, o fez de uma
maneira parcial ou temática, seja incluindo-o em determinada
discussão, tal como as questões relativas à raça (por ex.: MAIO,
1996, 1997; CANDLER, 2002), ao nacionalismo (por ex.: RAGO,
1992; GUANABARA, 1992; SOUZA, 2000), ao pensamento social
brasileiro (por ex.: SCHWARTZMAN, 1983; CRUZ, 2005), a
embates intelectuais (por ex.: MATOS, 1996; MAIO, 1997;
BARIANI, 2003a; HECKSHER, 2004), ao desenvolvimento (por ex.:
SCHLEMM, 1985; HEIDMANN, 1984; AHMAD, 1979), etc., seja
destacando-o enquanto membro ativo de importantes instituições
brasileiras, entre elas o DASP (BARIANI, 2003b), o ISEB (por ex.:
ABREU, 1975; FRANCO, 1978; PAIVA, 1986; TOLEDO, 1997) e o
TEN (por ex.: MAIO, 1996), ou mesmo como parlamentar (PIZZA
Jr., 1997). Vale ressaltar, também, que há um grande contingente
de trabalhos que, tendo por base alguns aspectos da propositura
intelectual guerreiriana, dela se valem para proceder a uma
especulação analítica sobre uma realidade concreta específica ou
para intervir sobre esta. Aqui se encontra boa parte dos estudos
que se realizaram na área de conhecimento da Administração,
21
tanto blica quanto privada (por ex.: CRUZ Jr., 1988; SERVA,
1996; CASTOR, 2000; KAMEL, 2000).
Hoje, nos Estados Unidos, um conjunto de
pesquisadores preocupados em propagar, para um público
acadêmico norte americano maior, as idéias de Guerreiro Ramos.
Neste sentido, eles vêm se dedicando à divulgação e revisão da
obra deste autor, expandindo as conseqüências de suas
reflexões, principalmente em termos teóricos, para a
administração pública, a ecologia e a ciência política (VENTRISS;
CANDLER, 2005).
Neste elenco de diferentes modalidades de estudo da
obra intelectual de Guerreiro Ramos, esta tese se coloca como
uma possibilidade de interpretação que propicie evidenciar, não
as pontualidades temáticas ou as respostas aos problemas
contingentes a que Guerreiro se propôs pensar, mas elucidar
alguns elementos que sustentam a coerência das crenças no
tempo (cf. BEVIR, 1997;1999), esta que eiva o pensamento
guerreiriano, desde seus escritos juvenis até suas obras de
maturidade. Tal interpretação, a nosso ver, pode trazer
elucidações fundamentais acerca do alcance, do sentido e da
finalidade da própria construção teórica à qual ele se dedicou e,
em específico, dos principais conceitos, modelos e proposituras
que o autor construiu, bem como justifica a mobilização e
apropriação de conceitos e correntes teóricas por ele procedidas.
A tese aqui defendida advoga haver, no conjunto da obra
de Guerreiro Ramos, uma forte crença da premência de um novo
humanismo e, em termos correlatos, de um novo homem, a partir
dos quais o sociólogo teorizou sobre a vida humana individual e
associada. Trata-se de um humanismo que se alinha à seguinte
afirmação de Protágoras, com a qual Aristóteles também
concordava: anthrôpos metro pant chrématon (o homem é a
22
medida de todas as coisas humanas). Uma expressão marcante
dessa crença de Guerreiro Ramos está na preocupação e no
pressuposto por ele assumidos de que a sociedade deveria ser
vertida ao homem, e não o inverso. Munido deste humanismo
radical, nosso sociólogo passou em revista os pressupostos sobre
o homem que legitimavam a ciência social de sua época,
denunciou os principais obstáculos sociais impeditivos de um
processo de humanização e articulou a sua proposta de uma nova
ciência do social.
Esta pesquisa, portanto, atenta para uma questão que
até agora é inédita, tendo-se em conta todos os trabalhos que
trataram da obra ou dos estudos de Guerreiro Ramos. À luz do
que aqui propomos, grande parte dos trabalhos acima arrolados
aborda mais aspectos contingentes do pensamento guerreiriano
do que necessariamente suas questões e preocupações mais
permanentes, como as que envolvem e evocam a sua
antropologia
1
Isto talvez justifique o fato de termos nos valido
desses trabalhos apenas de maneira subsidiária, haja vista que
eles, se tangenciavam essa questão, não a desenvolveram com a
profundidade que nos propomos fazê-lo.
Assim, perguntamos: por que, até agora, a antropologia
do Guerreiro têm estado à margem dos estudos de sua obra?
Uma possível resposta é a seguinte: porque as primeiras,
e talvez mais explícitas, investidas de Guerreiro Ramos sobre o
homem estão registradas em seus escritos de juventude e em
texto desconhecidos do grande público. Os seus dois primeiros
livros, O drama de ser dois e Introdução à cultura, por exemplo,
1
Aqui, o estamos utilizando o termo antropologia em seu sentido
disciplinar, mais sim em seu sentido amplo, ou seja, enquanto conhecimento
que se têm do homem, em várias de suas vertentes, como, por exemplo, a
cultural, a psicológica, a filosófica, a lingüística, etc. Neste sentido, preocupa-
nos, também, esclarecer a antropoteoria (Diemer, 1978 apud VAZ, 2001, p.
II) guerreiriana, ou seja, o estudo da imagem de homem subjacente aos seus
escritos.
23
são fontes de fundamental importância, mas foram editados em
pequena escala e não foram reeditados. O primeiro deles, aliás,
teve sua publicação financiada pelo próprio autor. Para superar
tal obstáculo, nossa busca por esses materiais envolveu um
intenso e exaustivo processo de pesquisa e coleta em arquivos
públicos do Brasil e do exterior, realização de entrevistas,
pesquisas em Instituições Privadas e Públicas, buscas na internet
e em livrarias de livros antigos, entre outros. Além disso, este
processo incluiu o estabelecimento de uma ampla rede de
relações com pesquisadores brasileiros e norte-americanos que
realizaram ou estavam a realizar trabalhos sobre Guerreiro
Ramos, além de contatos pessoais com a família de nosso
sociólogo, nos EUA, esta que, cordialmente, nos possibilitou não
a consulta do acervo pessoal do autor, como também nos
confiou a guarda de uma série de documentos pessoais, arquivos,
textos não publicados, gravações de fitas cassetes acerca de suas
aulas, fotografias, livros, anotações pessoais, materiais que desde
a juventude foram colecionados por Guerreiro Ramos e que, após
a sua morte, e de sua esposa Clélia, ficaram sob a
responsabilidade de sua filha Eliana Guerreiro Ramos. que se
destacar, também, que tomamos como ponto de partida destas
buscas o primeiro esforço de levantamento bibliográfico dos
escritos de Guerreiro Ramos realizado por Frederico Lustosa da
Costa (COSTA, 1983). Sem ele, seria muito difícil iniciar nossos
estudos. No entanto, após a coleta de informações que
realizamos, foi-nos possível acrescentar a este trabalho pioneiro
de Costa mais de uma centena de textos, ampliando, assim, a
lista de escritos guerreirrianos, esta que poderá, agora, servir de
roteiro de estudos para os pesquisadores que nos seguirão.
Uma outra resposta à questão é que os cientistas sociais
brasileiros, quando da abordagem da obra de Guerreiro Ramos,
tem se concentrado, principalmente, sobre a produção
24
sociológica do autor realizada entre os anos 50 e primeira metade
dos anos 60 do século XX, onde prevalecem as temáticas do
nacionalismo, da relação de raças, da institucionalização das
ciências sociais, do desenvolvimento e da modernização, entre
outros, e isto tem obnubilado o olhar sobre a sua obra.
2
Nestes
trabalhos teóricos de Guerreiros Ramos, aliás, a sua abordagem
antropológica fica subliminar, de tal modo que, de fato, é muito
difícil apreendê-la tomando-os apenas em conta. É, também, em
razão desta concentração seletiva que se justifica a pouca
importância dada, por exemplo, ao capítulo sexto do livro Mito e
verdade da revolução brasileira, no qual o sociólogo os
primeiros passos no sentido de firmar uma categoria própria de
homem o homem parentético, elemento fundamental de sua
antropologia, esta que aqui será reconstruída e afirmada como
ntrica em sua construção teórica.
3
Esta concentração, porém, não é desrazoada, haja vista
que, nos anos 50 e 60 do século passado, a preocupação do
nosso sociólogo com a nação brasileira foi realmente intensa, e
ela se justificava no próprio contexto intelectual brasileiro da
época. No entanto, para além das especificidades do
nacionalismo guerreiriano, este, até, de certo modo
exaustivamente tratado nos estudos sociológicos brasileiros,
um detalhe por demais elucidativo que merece destaque, qual
seja: o recurso analógico do qual se valeu o sociólogo para,
inicialmente, qualificar a Nação segundo os pressupostos de sua
antropologia, afirmando que ela, a Nação, corresponderia a uma
pessoa coletiva, e que, como tal, aspiraria à personalização.
2
Um estudo como o que fez Lúcia Lippi Oliveira em A sociologia do Guerreiro
(1995) é uma rara exceção.
3
Mesmo na disciplina da administração, área do conhecimento à qual
Guerreiro Ramos dedicou boa parte dos seus estudos, tendo inclusive escrito
o texto intitulado Modelos de homem e teoria administrativa (1984), a
inobservância para a questão é notória, nela imperando um olhar que
enfoca, quase que exclusivamente, os escritos de maturidade, em especial, o
seu livro A nova ciência das organizações.
25
Isto posto, convém agora apresentarmos algumas
orientações e procedimentos da metodologia adotada neste
trabalho. A primeira delas deriva do pressuposto metodológico,
afirmado na vertente da História das Idéias por Mark Bevir
(1997;1999), de que, quando do estudo da obra de determinado
autor, o historiador das idéias deve partir de uma coerência
mínima sustentada nas crenças sob as quais tal autor construiu
ou constrói suas elaborações teóricas. No caso específico de
Guerreiro Ramos, afirmamos que uma dessas coerências mínimas
se encontra em sua perdurante preocupação em restituir o lugar
ntrico do homem no que se refere à finalidade do saber
ociológico. Assim, a fim demonstrarmos a consistência dessa
crença ao longo de sua trajetória intelectual, percorremos seus
escritos, da juventude até a maturidade, sempre enfocando os
aspectos antropológicos subjacentes a eles e as derivações
destes aspectos em termos de poesia (capítulos 3 e 7), de
epistemologia (capítulo 11), de tratamento da nação brasileira
(capítulo 12), de modelo de homem (capítulo 13) e de proposta
de teoria social (capítulo 14).
A segunda orientação diz respeito às fontes às quais
tivemos que nos valer para, uma vez presumidas essas crenças
no pensamento guerreireano, encontrar os seus delineamentos e
sentidos, de modo a afirmar as coerências existentes no
pensamento e na ação do autor. Para tanto, abordamos o
percurso existencial de Guerreiro Ramos em termos de suas
relações e afinidades intelectuais, analisando algumas condições
do contexto da época que poderiam justificar ou localizar seus
posicionamentos teóricos e, por fim, estudando as principais
referências do autor na composição de sua peculiar idéia de
homem. Esta multiplicidade de recursos se justificou porque a
obra de Guerreiro Ramos apresenta aos seus intérpretes algumas
dificuldades: a primeira é a de que uma parte de sua obra é
26
poesia algo, em si mesmo, de difícil explicação; a segunda, é a
de que nosso autor possui um estilo de escrita no qual o preciso
conteúdo por ele apropriado de suas influências e referências não
fica devidamente explícito, sendo tal conteúdo ainda marcado por
um certo ecletismo; e a terceira dificuldade diz respeito ao fato
de que algumas das referências, inclusive por ele assumidas
como nodais em seu pensamento, são bastante desconhecidas
entre seus intérpretes e entre o público brasileiro, como é o caso
do pensamento do filósofo russo Nicolas Berdyaev, o que nos
levou a delongarmos um pouco mais na análise dessas
referências.
Para os fins propostos nesta teses, concentramos nossas
análises naquilo que parecem ser os elementos e referências que
contribuíram, de maneira seminal, para a composição de suas
crenças antropológicas, o que nos levou a proceder de dois
modos, frente aos escritos do autor. Em um deles a ênfase recai
sobre elementos externos à obra principalmente no que se
refere à compreensão de seus escritos poéticos e literários – e em
um outro no qual a análise é predominantemente interna à obra
a partir de seu definitivo enveredamento às ciências sociais.
Nestes termos, no capítulo um acusamos a desconsideração por
parte dos interpretes da obra de Guerreiro Ramos de seus textos
poéticos, e que a falta de apreço desses textos têm implicações
significativas para a compreensão de sua obra em geral e, por
conseguinte, de sua sociologia. Com o intuito de ressaltar a rede
de relações que Guerreiro Ramos mantinha com intelectuais
brasileiros e estrangeiros, estes principalmente, e a sua
admiração por Nicolas Berdyaev, elegemos como mote do
capítulo dois o encontro pessoal, porém fortuito, entre Guerreiro
Ramos e Jacques Maritain, em 1937, na cidade de Salvador,
quando o então jovem poeta baiano passou às mãos do filósofo
francês uma cópia de seu livro de poesias O drama de ser dois,
27
para que este o entregasse pessoalmente a Berdyaev. No
capítulo três procuramos interpretar o livro de poemas O drama
de ser dois à luz da antropologia filosófica de Nicolas Berdyaev.
Observamos que com a expressão o “drama de ser dois”
Guerreiro Ramos queria grafar a sua própria condição existencial,
um modo dramático de ser entre dois mundos, o espiritual e o
material. Além disso, apontamos para o fato de que,
posteriormente, homem maduro, Guerreiro Ramos acolheu a
expressão in between, de Eric Voegelin, como um sinônimo para
aquela que cunhou em sua juventude.
O capítulo quatro e o capítulo cinco estão voltados
para a constituição dos discursos sobre a decadência
civilizacional em duas gerações de pensadores em França, uma
representada por Jacques Maritain, Jacques Chevalier e Nicolas
Berdyaev, e a outra pelos intelectuais que foram designados
como não-conformistas, onde aparecem os nomes de Emmanuel
Mounier, Alexandre Marc, Arnaud Dandieu, Denis de Rougemont,
entre outros. Deles procuramos destacar suas acusações ao
humanismo, ao tipo de homem, à cultura e à civilização que
configuravam a vida secularizada moderna, bem como suas
propostas de estabelecimento de uma nova ordem mundial, esta
articulada a partir da noção cristã de pessoa humana.
No capítulo seis, procuramos destacar que, sob a
influência daqueles pensadores, Guerreiro Ramos, firmando uma
antropologia marcadamente cristã, também faz críticas ao mundo
moderno e propõe a sua restauração nos mesmos moldes que
eles, ou seja, via uma revolução personalista”. Além disso,
colocamos em destaque a distinção que o nosso autor pontuou
entre indivíduo e pessoa humana, distinção esta de fundamental
importância na compreensão de sua antropologia e de suas
convicções pessoais.
28
O capítulo sete foi dedicado, com exclusividade, para
levarmos a efeito de compreensão o sentido que Guerreiro Ramos
atribuía à poesia e ao poeta, em uma época em que, segundo ele,
os homens e as mulheres enfrentavam dificuldades para fornecer
significado à existência. A poesia, ou melhor dizendo, o saber
poético, aqui aparece, para o autor, como um “saber de
salvação”.
O capítulo oito é introdutório, digamos assim. Tem ele a
finalidade registrar a crise existencial vivenciada por Guerreiro
Ramos no início dos anos 40, crise esta que resultou em sua
decisão de abandonar a ambição de carreira poética,
enveredando-se, assim, para a carreira de cientista social. No
capítulo nove recuperamos um conjunto de sete ensaios
escritos por Guerreiro Ramos para a revista oficial do Estado
Novo, Cultura e Política, onde ele desenha as linhas mestras do
projeto de um livro que pretendia escrever sobre a história da
literatura brasileira, mas que não chegou a ser escrito. A proposta
guerreiriana para a história literária no Brasil foi contextualizada a
partir da relação que historicamente a crítica literária procurou
estabelecer entre literatura e identidade nacional. Neste sentido,
identificamos Guerreiro Ramos com a linhagem sociológica
fundada por Silvio Romero no final do século XIX, linhagem esta
em que a finalidade da literatura se subordinava ao critério
político, ou seja, à sua contribuição para a formação de uma
identidade nacional. Também, advogamos que nesses escritos
guerreirianos encontra-se, em germe, a perspectiva analítica e
algumas das categorias fundamentais para a sua abordagem
sociológica, como as de transplantação, alienação, autenticidade,
dualidade entre valores autóctone e valores coloniais, formalismo,
entre outras.
O capítulo dez sinaliza para um dos primeiros tópicos a
29
partir do qual o sociólogo baiano procurou refletir a sociedade
segundo uma abordagem antropológica, agora não mais de
caráter cristã, mas científica, qual seja: a planificação social.
Inspirado na planificação de Karl Mannheim e nos estudos do
psicólogo Erich Fromm, Guerreiro Ramos sugere que a
organização social se articule em razão do desejo de liberdade e
de realização humana.
O capítulo onze está voltado para destacar o que
chamamos de epistemologia do Guerreiro. O ponto basal de
nosso argumento é que a categoria redução sociológica é
devedora, não apenas de uma vertente da tradição do
pensamento sociológico brasileiro, mas também de convicções
que, desde jovem, Guerreiro Ramos mantinha acerca da
indissociabilidade entre o pensamento e a ação, de cuja
derivação é o compromisso com a produção de um saber
autêntico e engajado. Também procuramos demonstrar que a
fenomenologia tinha para o autor um caráter subsidiário, pois
embora dela ele tenha se valido para propor a redução
sociológica, a abordagem parentética, o encontro parentético e o
homem parentético, expressou ele o pleito por uma ciência social
pós-fenomenológica.
No capítulo doze, a nossa intenção foi a de explorar as
implicações que a abordagem antropológica de Guerreiro Ramos
teve nos trabalhos em que ele dedicou à análise da nação
brasileira. Segundo pensamos, tais implicações somente podem
ser percebidas se atentarmos para a analogia por ele
estabelecida entre nação e pessoa coletiva, e sua defesa da idéia
de que a nação, enquanto pessoa coletiva, aspira à
personalização, sendo fundamental nesse processo a tomada de
consciência sobre sua verdadeira vocação e dos
condicionamentos que a mesma deve ter em conta, a fim de
30
levar a termo a sua autodeterminação. Assim, tentando pôr em
relêvo a contribuição que Guerreiro Ramos procurou fornecer ao
processo de conscientização e autodeterminação da nação
brasileira, ressaltamos, de modo abreviado, o seu nacionalismo e
a sua participação, como deputado pelo estado da Guanabara, no
congresso brasileiro, de onde julgou que melhor poderia
contribuir para a independência mental e material de seu país.
O capítulo treze foi dedicado ao desfecho da tarefa
intelectual a que se propôs o nosso sociólogo no sentido de firmar
a redução sociológica enquanto atitude parentética. Na realidade,
aqui reside o arremate da antropoteoria que desde a juventude o
nosso autor insistiu em construir. Tendo, a princípio, concentrado
esforços no estudo da antropologia filosófica cristã, onde a noção
de pessoa humana representava o tipo de homem por ele
defendido, neste capítulo procuramos demonstrar as vicissitudes
de seu percurso sobre a temática, o momento de secularização
desta em certos aspectos, para, então, chegarmos ao homem
parentético como sendo o auge de suas indagações
antropológicas. No final deste trabalho, no capítulo quatorze,
atentando para o fato de que a questão da planificação social
antropológica o acometia desde os anos 40, procuramos
demarcar o esforço intelectual de Guerreiro Ramos para erigir
uma teoria social crítica, que punha em questão o processo de
unidimensionalização da psiq humana que a sociedade
centrada no mercado promove, bem como a destruição ecológica
que o atual paradigma de desenvolvimento acarreta. A proposta
teórica de Guerreiro Ramos pugna por uma sociedade plural,
multicêntrica e desenhada a partir das necessidades humanas de
atualização de suas potencialidades. Trata-se, em suma, de uma
teoria social antropocêntrica.
Por fim, destacamos que do modo como estão dispostos
31
os capítulos, eles respeitam não a uma ordem lógica, mas sim
cronológica da vida e da produção intelectual de Guerreiro
Ramos, critério este que ratifica nossa tese de uma perdurância
antropológica ao longo da existência do autor, mas que também
destaca algumas mudanças de perspectiva, amplificações
teóricas, recuperação de posicionamentos e aprimoramentos
constantes na construção de um conhecimento sociológico
científico e na elaboração de suas categorias, conceitos e
modelos. Também, não podemos deixar de considerar que, em
parte, o acaso na trajetória de vida de Guerreiro Ramos favoreceu
seu definitivo enveredamento científico nas ciências sociais,
apesar de suagoa com a cassação de seu mandato e com seu
exílio, “voluntário”, nos EUA. A partir do exílio sua vida toma os
rumos eminentemente acadêmicos, em certos termos até
contrários à sua postura pessoal de sociólogo engajado com os
problemas de uma realidade nacional. Por outro lado, foi a
condição de Scholar que o fez levar a cabo, com grande
profundidade de estudos, sua abordagem antropológica e a
revisão da teoria social. Em suma: perdeu a política, para ganhar
a ciência.
32
C a p í t u l o 1
Guerreiro, um poeta (quase) ignorado
A incursão poética, ou melhor dizendo, a faceta poética
que, desde cedo, Guerreiro Ramos descobriu em si e revelou ao
público é ainda, infelizmente, ignorada por boa parte dos que,
sobre a sua obra, procuraram lançar luzes com o intuito de
melhor compreender o complexo de conhecimentos
multidisciplinares que o mesmo tratou de articular sob o título da
disciplina sociológica. Os motivos dessa ignorância são diversos,
é claro, mas sabemos que o próprio sociólogo contribuiu para a
sua ocorrência, pois que ele quase nunca mencionava o seu
primeiro e único livro de poesias intitulado O drama de ser dois.
Certa vez, em tom irônico, afirmou a um amigo que O drama de
ser dois serviu apenas para uma única coisa: conseguir uma
aposentadoria como escritor (PIZZA Jr, 2004). Ironias à parte, o
certo é que, em 1981, durante entrevista concedida ao CPDOC,
Guerrreiro Ramos não somente mencionou a existência do livro
como destacou a importância deste para o entendimento de seu
percurso histórico e intelectual. Apesar de O drama de ser dois
tratar, com exagerada dose de pieguismo, é bom que se diga, do
tema da religião, o mesmo não deixa de ser esclarecedor, pois
está registrado um dos elementos característicos da
personalidade e, por conseguinte, da perspectiva do nosso
sociólogo, qual seja: o estado existencial de permanente
desconforto com o “mundo secular”, ou, em outras palavras, a
vivência do drama de ser dois (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 6).
Embora a muitos seguidores e críticos de Guerreiro
Ramos os seus escritos poéticos tenham sido considerados de
somenos importância para a compreensão de sua trajetória
33
intelectual e de seu pensamento sociológico, para os poetas
Gerardo Mello Mourão e João Eurico Matta eles serviram como
fonte de inspiração e de esclarecimento de sua personalidade e
obra.
Em O Divino Mestre
4
, Gerardo Mourão destaca o “lirismo
fervoroso e capitoso” de Guerreiro Ramos como um dos principais
característico a marcar o pensamento do sociólogo, estando
presente tanto em seus escritos poéticos quanto nos de maior
teor acadêmico (MOURÃO, 1983, p. 161). No que diz respeito ao
livro O drma de ser dois, Mourão o considerava, poeticamente
falando, como um texto “estranhamente situado entre Rilke e
Maiakowski”, representante fiel da existência emblemática do
autor, pois revelava um estado de ser que lhe era tão próprio, e
de tal modo persistente, a ponto de cogitar que a obra
sociológica de Guerreiro Ramos tenha se desenvolvido como uma
“glosa desse mote poético original” (Idem Ibidem).
Ora, à luz desta perspectiva, a obra guerreiriana pode
adquirir novos contornos interpretativos, uma vez que Gerardo
Mourão aponta para aspectos perdurantes da trajetória
intelectual deste sociólogo baiano, cujos elementos basilares
podem ser identificados em O drama de ser dois. Não muito
distante desta percepção de Mourão pode ser situada a de João
Eurico Matta. Asism como o poeta cearense, Matta também
resgatou aquele pequeno livro de poesias para dele retirar
elementos significativos que apontam para uma compreensão
particular, tanto da biografia quando da produção intelectual de
Guerreiro Ramos. Em seu entendimento, naquele primeiro e único
livro de poesias encontram-se algumas características que se
fariam sempre presentes nos demais guerreirianos. Uma delas é
a dialeticidade, esta explicitamente manifestada em O canto de
4
Era assim que seus amigos mais próximos se referiam a Alberto Guerreiro
Ramos.
34
alegria triste”, terceiro poema do livro (MATTA, 1983, p. 108). De
fato, temos que concordar com Matta nesta observação, pois que,
ao que nos parece, o próprio título do livro expressa a percepção
dialética e não dicotômica que o autor tem de sua condição
existencial. Ademais, tanto o título quanto boa parte dos poemas
alí escritos apontam para um posicionamento intelectual que,
como procuraremos demonstrar neste trabalho, se definirá pela
existencialidade.
Assim, o que Mourão e Matta acabam por confirmar, é
que a faceta poética guerreiriana, enquanto esclarecedora de sua
personalidade e trajetória pessoal e intelectual, não pode ser
ignorada, sequer omitida, caso se queira levar a efeito uma
compreensão adequada de sua sociologia e de seus escritos em
geral. Guerreiro Ramos era um apaixonado por poesia e poetas
na juventude, Rainer Maria Rilke, Murilo Mendes, Hölderlin,
Novallis e muitos outros; nos anos que antecederam sua morte, a
leitura da obra de T.S. Elliot, em especial, lhe consumia. Esta
faceta ele sempre deixou transparecer aos seus amigos. Segundo
José Arthur Rios, que foi seu contemporâneo e colega na
Universidade do Brasil, quando estudante de ciências sociais
naquela universidade, Guerreiro não cogitava especialmente da
sociologia mais do que para as necessidades do curso.
Caracterizava-se mais (...) como poeta, ensaísta de
preocupações largamente humanistas.” (RIOS, 1983, p. 121)
(grifos nossos)
E, de fato, quando se consulta os escritos desse período
estudantil de sua trajetória, percebe-se que se trata, em sua
maioria, de críticas literárias. Na verdade, Guerreiro Ramos
ensejou profundamente viver de poesia, mas desistiu. Não se
sabe ao certo o motivo ou os motivos que o levaram a desistir.
Gerardo Mourão, por exemplo, com quem manteve longa
35
amizade, em entrevista, quando indagado sobre o que teria
levado Guerreiro Ramos a desistir da aspiração de ser poeta,
afirmou que, um certo dia, quando conversavam no Café
Gaúcho
5
, o então recém-formado em ciências sociais lhe disse:
esse negócio de viver de poesia não leva a nada (...) vou botar o
no chão... (MOURÃO, 2004). Pizza nior, que foi ex-aluno e
assistente de Guerreiro Ramos na Fundação Getúlio Vargas
durante os anos de 1963 a 1965, sugere um motivo para o fato.
Segundo ele, Guerreiro Ramos migrou para as ciências sociais em
razão do fato de não ter conseguido alcançar a forma poética que
almejava (PIZZA Jr., 2004). Supõe Pizza Jr., então, que, devido a
esta decepção, Guerreiro Ramos teria percebido, corretamente,
em sua opinião, que, em matéria de poesia, “seria mais um”.
Mas apesar de ter desistindo de seguir a carreira de
poeta, o nosso autor considerava-se, a seu modo, “poeta”, tal
como depreendemos do teor de uma carta enviada a um amigo e
ex-aluno, no final dos anos 60:
... eu também tenho sido poeta, e não tenho sido outra coisa
na vida. Sou um incorrigível poeta, em todos os sentidos da
palavra, inclusive no sentido vulgar, isto é, o cara que não
bola para a sensatez, para as razões de Sancho Pança. Sou um
Quixote, e Deus me guarde assim. Apaixono-me facilmente e
levo as minhas paixões ocasionais e permanentes às últimas
conseqüências, notadamente a minha grande paixão pela vida
(LEITE, 1983, p. 111).
5
Bar carioca onde se reuniam com freqüência os integralistas nos anos trinta.
36
C a p í t u l o 2
Um encontro casual, em Salvador
Era “uma figura angélica, [...] um rosto iluminado”. Foi
por meio destas palavras, em tonalidade amigável e respeitosa,
que Guerreiro Ramos, em 1981, após permanecer quinze anos
ausente do território brasileiro, se referiu a Jacques Maritain,
filósofo e um dos principais expoentes do movimento de
renovação tomista
6
, em França, durante a primeira metade do
século passado. O modo e as palavras usadas por Guerreiro
Ramos denunciam que, para ele, Maritain não era um
desconhecido. Pelo contrário, era lhe era íntimo, de dentro, dado
que, quando jovem, além de ter estudado “profundamente o
tomismo por inermédio dos livros de Maritian, a biografia de
ambos registra um encontro pessoal, em Salvador (GUERREIRO
RAMOS, 1985, p. 5). Na realidade, durante os anos 30, Guerreiro
Ramos estava plenamente a par e envolvido com o “movimento
europeu de idéias” (Idem, p. 3), principalmente em França, onde
a filosofia de Sto. Tomás de Aquino renascia e o personalismo e o
existencialismo afloravam intensamente, no bojo das reflexões de
intelectuais, escritores, artistas, teólogos e filósofos, alguns
católicos, outros não, muitos dos quais assíduos freqüentadores
da residência parisiense dos Maritain, em Meudon, durante os
anos de 1928 a 1939.
7
Mas não foi somente em 1981 que Guerreiro Ramos
externalizou a sua admiração pelo filósofo francês. Ao que se
6
Esse movimento, cujos primeiros esboços datam da segunda metade do
século XIX, ganhou impulso depois da publicação da encíclica Aeterni Patris,
de Leão XIII, 1879. Os trabalhos publicados por Maritain entre 1910 e 1914,
bem como suas conferências pronunciadas no Instituto Católico de Paris, na
mesma época, foram uma das primeiras manifestações, entre os leigos, do
retorno a Santo Tomás de Aquino.
7
Sobre as reuniões na casa dos Maritain, consultar Berdyaev (1962).
37
sabe, o encômio a Maritain também foi feito pelo menos em duas
outras ocasiões: uma, em 1938, quando ainda residia em
Salvador e se encontrava no auge de seu diálogo com as idéias e
com alguns dos intelectuais que compunham os grupos ligados às
revistas Esprit e Ordre Nouveau; outra, em 1946, então
residindo no Rio de Janeiro e atuando no DASP. No texto de 1938,
intitulado Fidelidade a Maritain, o autor, então com 23 anos de
idade, procurou responder às pessoas que o acusavam de viver
à sombra de Maritain”, assumindo e qualificando sua fidelidade”
ao escritor de La philosophie bergsonenn. Segundo ele, a sua
fidelidade” ao pensamento de Marintain não consistia em uma
relação de “subserviência” intelectual, como afirmavam seus
adversários, mas se definia, principalmente, em razão de sua
“honestidade intellectual” e de seu forte empenho pela busca da
verdade (GUERREIRO RAMOS, 1938d). Esta busca incessante pela
verdade, para a qual a filosofia maritainiana muito instigava, não
implicava em comodismo ou acatação literal, mas exigia de si,
entre tantas outras coisas, uma luta íntima, constante e acirrada,
contra as vaidades corriqueiras da vida cotidiana e contra as
tentações que poderiam desviá-lo de sua finalidade. Aliás, era sua
opinião que, para um escritor, e católico, como ele, não haveria
nada mais arruinador do que agir contrariamente ao que impera
sua missão pessoal, ou seja, fugir do compromisso de dar
testemunho da verdade revelada (Idem Ibidem) Por esta razão,
escrever significava, para Guerreiror Ramos, comprometer-se,
engajar-se, estar presente, em suma, negar a hipocrisia e atrelar-
se à verdade, mesmo que tal atitude pudesse resultar em “(...)
ser mal julgado, ser incomprehendido, perder a consideração dos
homens”, pois que, afinal, a “ultima victoria é a da verdade”
(Idem ibidem).
8
8
Esta posição assumida por Guerreiro Ramos terá reflexos profundos em sua
trajetória intelectual, indo desde a sua luta contra o esteticismo na poesia,
ou seja, contra os poetas estetas, como revemos logo mais à frente, até a
sua defesa, no campo sociológico, da sociologia engajada, opinião esta
38
Ora, nos idos dos anos trinta, Maritain simbolizava, para
Guerreiro Ramos e muitos outros católicos como ele, um legítimo
representante dessa configuração de escritor e católico, de
missionário da fé, de testemunha da verdade, e a sua biografia
era prova cabal disso. Nada mais exemplificador do que a decisão
que o mesmo houvera tomado juntamente com Raissa, sua
esposa, quando ambos, nos idos de 1900, colocaram para si o
seguinte dilema: ou viveremos conforme a verdade, ou nos
recusaremos a viver. Como é sabido, foi via Charles Péguy, Henri
Bérgson, Leon Bloy, Padre Clérissac, O.P., enfim, via a tradição de
pensamento aristotélica-tomista, a philosophia perennis, que os
Maritain vieram a encontrar o caminho para a verdade,
abandonando definitivamente aquele pacto da juventude feito no
Jardin des Plantes (R. MARITAIN, 1956). Seria também em nome
da filosofia perene que Guerreiro Ramos justificaria a sua
fidelidade a Maritain”, afirmando que Aristóteles não havia
inventado uma “philosophia, porque ninguém póde inventar a
realidade, a verdade. O real existe e o homem o verifica e o
systematiza. Foi isso que Aristóteles intentou fazer com absoluta
fidelidade e docilidade” (GUERREIRO RAMOS, 1938d). Sto. Tomás,
observou o autor, superou Aristóteles ao edificar a sua teologia.
No entanto, em sua época, era Maritain quem estava empenhado
na recuperação e atualização dessa tradição filosófica, sendo,
portanto, o mais fiel herdeiro da philosophia tradicional, a maior
figura de mestre de nossos tempos. Elle está construindo a nova
christandade que surgirá dos escombros do mundo moderno.”
(Idem Ibidem) Assim, o jovem poeta confessou que seguia a
Maritain exatamente devido a “um imperioso dever de fidelidade
ao imperecível”, ou seja, à verdade, para cujo alcance a filosofia
perene contribuía (Idem Ibidem).
Em 1946, oito anos depois da publicação de “Fidelidade a
que lhe renderá verdadeiras batalhas epistemológicas, como a que manteve
com Florestan Fernandes e outros.
39
Maritain”, agora aos 31 anos de idade e residindo no Rio de
Janeiro, numa época em que já tentava se firmar como sociólogo,
Guerreiro Ramos foi convidado pela revista A Ordem, que editaria
naquele ano um volume comemorativo
9
do quadragésimo
aniversário da conversão de Maritain ao catolicismo, a fornecer o
seu depoimento sobre o filósofo tomista. Ao lado do nome de
Guerreiro aparecem os de pessoas como Alceu Amoroso Lima,
Alfredo Lage, Afrânio Coutinho, Edgar de Godoi da Mata-Machado,
Fábio Alves Ribeiro, Gladstone Chaves de Mello, Gustavo Corção,
H.J. Hargreaves, J. Etienne Filho, J. Guimarães Vieira, João Camilo
de Oliveira Torres, Pe. Juvenal Arduini, Luiz Delgado, Pe. Orlando
Machado, Orlando Carneiro, Sílvio Elia, Willf Lewin, Wilson de Lima
Bastos, entre outros.
Em um texto curto, de vinte e quatro linhas, o sociólogo
santo-amarense fez menos uma reflexão pessoal do que uma
análise geracional, delineando, de modo muito sucinto, o
contexto da recepção da obra de Maritain e o elemento
fundamental de seu ensinamento para aqueles que, como ele,
vivenciaram a experiência da leitura de seus livros. Mesmo breve,
o texto é elogioso, e nele o autor relata, sem precisar datas, mas
contextos, que foi, primeiramente, via os “magníficos ensaios de
Tristão de Athayde”, escritos entre o final da década de vinte e
9
Eis como os editores da revista apresentam este exemplar comemorativo:
Dedicamos êste número ao filósofo cristão que, sem se esquecer de sua
vocação própria e sem desprezar a hierarquia dos graus do saber, nunca se
fechou à vida e aos acontecimentos. Ao filósofo cristão que protestou contra
a instrumentalização do temporal nas circunstâncias do mundo
contemporâneo (no fundo, em benefício de regimes políticos farisaicamente
cristãos, como o do General Franco). Ao filósofo cristão que rompeu com o
dilema fascismo-comunismo e trabalhou pela humanização da guerra civil
espanhola, o que lha valeu a onda de calunias que seus inimigos gratuitos
espalharam pelo mundo inteiro. Àquele enfim que é para muitos de nós não
sem dúvida um mestre que não deve ser discutido pelo contrário,
desejamos que ele seja cada vez mais discutido e criticado (mas com as
armas da lealdade e da verdade; a inteligência terá a ganhar), mas o
mestre mais estimado, aquêle que nos fez descobrir os aspectos mais
profundos da vida intelectual em sua mais ampla significação, desde a
inteligência do saber empírico e dos laboratórios até a inteligência elevada
pela caridade e posta diante de Deus na visão beatífica.” (A ORDEM, 1946, p.
6) (grifos no original)
40
início da de trinta, que as idéias de Maritain chegaram a ele e a
seus contemporâneos, ocasionando, em muitos deles, um
debruçamento imediato e recorrente nos livros maritainianos
(GUERREIRO RAMOS, 1946c, p. 145). Toda essa efeversência
intelectual deu-se em meio a uma conjuntura política muito
singular, marcada por uma forte polaridade, em que, de um lado,
figurava o fascismo e, de outro, o comunismo. Ambas as
doutrinas eram apresentadas aos jovens da época como
portadoras da única viabilidade político-social com capacidade de
pôr fim a toda perplexidade que a geração de vinte e trinta
estava acometida, pois, lembra o sociólogo baiano, “a posição
democrática, representada então, por vozes isoladas, não possuía
nem consistência, nem volume social suficiente para polarizar a
nova juventude. (Idem Ibidem) Seria, continua o autor no seu
depoimento, “sob a luz poderosa da crítica maritaineana do
mundo moderno que a sua geração tomaria consciência do que
o fascismo e o comunismo, em uma palavra, os totalitarismos,
guardavam entre si, algo que a palavra “anti-humanismo
capturou de modo sem igual (Idem Ibidem).
Óbivio que, na visão de Guerreiro, a obra do autor de
Christianisme et Democratie não poderia ser vista, única e
exclusivamente, como uma literatura crítica do fascismo e do
comunismo. Nela também se encontrava, como ele houvera
frisado em 1938, a esperança de “construção de uma nova
cristandade”, ou como apontavam alguns intelectuais da época, a
viabilidade de se “estender a Encarnação a um regime societário
novo da Cristandade”, erguida sobre os escombros da civilização
moderna (Idem Ibidem). O lastro principal sob o qual se apegou
Maritain para elaborar a sua construção teórica, e que atingiu de
modo muito profundo a geração guerreireana, foi “a redescoberta
da pessoa humana, êste delicado universo, diante do qual,
segundo êle [Maritain], o próprio Deus se detém, respeitoso.”
41
(Idem Ibidem) Ademais, além de reposicionar a pessoa humana
no centro das reflexões tanto filosóficas quanto políticas, e por ter
delineado a possibilidade e a via para a edificação da “cidade
pluralista”, Guerreiro Ramos depõe que Jacques Maritain “salvou”
a sua geração “do exclusivismo político”, ao mesmo tempo em
que, tendo afirmado a primazia dos valores espirituais sobre
qualquer outro, alertou-a “contra o perigo da perdição do espírito
nas místicas do ressentimento.” (Idem Ibidem)
Mas, como mencionamos acima, a proximidade entre o
jovem poeta baiano e o filósofo francês não se dera no plano
literário, somente. A biografia de ambos registra um encontro
pessoal, em 1936, que, apesar de ter sido fortuito, guarda
significados interessantes para a elucidação da trajetória
intelectual desse sociólogo brasileiro, ao mesmo tempo em que
põe à vista uma rede de relações que vinha sendo estabelecida
entre intelectuais franceses, russos e brasileiros.
Foi neste ano que Maritain tomou contato pessoal, aqui
na América, com um conjunto de intelectuais latino-americanos.
Durante a sua viagem a Buenos Aires, onde participaria do XIV
Congresso International do Pen Club
10
, o navio em que viajava
realizou duas escalas no Brasil: uma na capital do País, a cidade
do Rio de Janeiro, outra em Salvador. Na capital brasileira,
Maritain se encontrou, pela primeira vez, com aquele que vinha
sendo e continuaria a ser um de seus maiores amigos e
divulgador de suas idéias, Alceu Amoroso Lima. Muito embora
houvessem estado muito próximos em Paris, durante o ano de
1912, em uma época em que ambos freqüentaram os famosos
10
Em 1936, Maritain viaja para a Argentina, a convite do Pen Club de Buenos
Aires, que àquela época realizaria o seu XIV Congresso Internacional durante
os dias 5-15 de setembro. Juntamente com Maritain e Raissa seguiam outros
escritores franceses, como Henri Michaux, Georges Duhamel, Jules
Supervielle e Jules Romains, tendo sido este último presidente do PEN
Internacional durante o período de 1936 a 1941. Sobre o PEN, consultar o
livro de Marjorie Watts (1987).
42
Cursos de Filosofia de Henri Bérgson, no Collège de France, foi
somente em 1936, quando regressava de Buenos Aires, que o
filósofo de Meudon estabeleceu contato pessoal com Amoroso
Lima. Discípulo confesso de Maritain
11
, desde 1925, Alceu vinha
se dedicando à leitura e divulgação de suas obras no Brasil e em
alguns países da América Latina, onde, diga-se de passagem,
havia, na cada de vinte, um grande debate em torno das
idéias maritaineanas.
12
A propósito, cumpre dizer que no bojo do
movimento católico brasileiro iniciado nos anos vinte, mais
especificamente no papel desempenhado pelo Centro Dom Vital,
a presença do pensamento católico francês foi muito forte,
principalmente as idéias do humanismo integral de Maritain, e
este reflexo pode ser observado no itinerário mesmo do mais
importante meio de divulgação de idéias do centro, a revista A
Ordem, conforme nos apresenta Mônica Velloso (1978) em seu
texto sobre a história dessa revista.
11
Dizia Alceu Amoroso Lima, em 1945, sobre a sua condição de discípulo de
Maritain: “há vinte anos que me confesso seu discípulo. vinte anos que
quase outra coisa não faço senão traduzir em português o que posso
aprender do pensamento dêsse homem admirável dos nossos tempos.
vinte anos que acompanho de perto, pelo coração e pelo entendimento, a
marcha acidentada desse grande espírito pelo arquipélago agitado dos
tempos modernos e nunca me arrependi senão do que não tenho sabido
aproveitar dos seus ensinamentos.” (LIMA, 1945, p. 12)
12
A relação que Maritain cultivou com diversos intelectuais latino-americanos
tem singularidades próprias e a propagação de suas idéias entre nós ocorreu
o tanto em razão de seu interesse particular em divulgá-las além França,
mas principalmente devido à postura dos pensadores católicos da América
Latina que, reagindo à intensa crise filosófica por que passava o catolicismo
e ao intenso processo de secularização que ocorria no final do século XIX,
procuravam por bases firmes, primeiramente no espiritualismo de inspiração
bergsoniana, para depois seguirem a linha tomista, doutrina em que se
insere o pensamento e a obra de Jacques Maritain e à qual se filiaram os
chilenos Gabriela Mistral e Eduardo Frei, os venezuelanos Rafael Caldeira e
Julio Ganzález, os argentinos Atílio Dell’Oro Maini e Raphael Pividal, e
brasileiros como Alceu Amoroso Lima e Gustavo Coão, entre outros. De
todo modo, seria em 1925 que pela primeira vez um artigo de Maritain viria a
ser publicado em uma revista latino-americana, no caso a revista Circular
Informativa y Bibliográfica de los Cursos de Cultura Católica, que era editada
e divulgada pelo Cursos de Cultura Católica de Buenos Aires”, entidade
criada em 1922 com a preocupação de formar a elite intelectual do
catolicismo argentino. Em uma de suas edições de 1925 o artigo Le rôle de
la pensée allemande dans la philosophie moderne”, de Maritain, inauguraria
a presença de suas idéias em períodicos latino-americanos. Antes disso, sua
obra era praticamente ignorada deste lado do Atlântico (COMPAGNON,
2003).
43
Assim Amoroso Lima narrou o momento de seu encontro
com o filósofo de Meudon:
Era tarde da noite. Recebera aviso de que o vapor atracara e
se podia tentar a visita. O cais deserto. No tombadilho,
ninguém. a luz amortecida das lâmpadas de bordo. ia
partir quando vejo, de longe, emergir da penumbra uma
cabeleira grisalha, quase branca, uma face pálida de
alabastro, uns olhos muito azuis, de uma doçura e de um
alcance inconfundíveis, tudo saindo de um “cache-nez”
sombrio, pois a noite era fria e avançada (LIMA, 1945, p. 14).
Naquele instante, um misto de admiração e perplexidade
tomou conta do anfitrião brasileiro: “conversamos um pouco,
muito pouco. Toda grande emoção paralisa a palavra. Não
encontrava nada a dizer a êsse homem que eu lia e seguia por
mais de dez anos.” (Idem, p. 15)
Durante a sua permanência na cidade do Rio de Janeiro,
que foi de apenas um dia, Maritain, então no apogeu de sua
influência intelectual e espiritual
13
, foi conduzido até a Academia
Brasileira de Letras (ABL), da qual mais tarde se tornaria Sócio
Correspondente
14
, para pronunciar, alí, a conferência Freudisme
et Psychanalyse
15
, que foi transmitida por algumas estações de
rádio locais.
16
Logo após, seguiu para o Centro Dom Vital, onde
palestrou sobre “Ação e Contemplação”.
13
Afirma Alceu Amoroso Lima: “quando em 1936 fui receber Maritain, no navio
que o levava da Argentina para a França, já era a um guia espiritual, mais do
que a um mestre de metafísica, que nós nos dirigíamos” (LIMA, 1995, p. 49).
14
Em 1942, Maritain foi eleito para ocupar, na condição de Sócio
Correspondente, a cadeira 16, cujo patrono havia sido José Bonifácio de
Andrada e Silva. Teve como seus predecessores na vaga os italianos Gios
Carducci e Guglielmo Ferrero, primeiro e segundo ocupantes,
respectivamente.
15
No ano seguinte a revista A Ordem publicaria esta conferência, em língua
francesa, nas edições de abril e maio, onde aparece a seguinte epígrafe: à
Tristão de Athayde hommage de fidèle amitié” (MARITAIN, 1937).
16
Um fato curioso: em 1946, em seu artigo intitulado “Jacques e Raissa
Maritain”, Gustavo Coão conta que fora um dos ouvintes radiofônicos da
conferência proferida por Maritain na ABL, e que, ali, em seu quarto, de
portas e janelas fechadas, ouvindo uma “voz deformada pelo rádio, distante,
falando em língua estrangeira”, sobre um assunto que não lhe interessava e
uma doutrina que lhe causava irritação, emocionou-se e chorou, pois sabia
que, apesar dos desafetos temáticos, “aquela voz falava para êle como num
sonho.” (CORÇÃO, 1946, p. 147)
44
Cumpridos os compromissos, Maritain regressaria à
França com o sentimento de que a sua relação com o Brasil seria
duradoura, como de fato o foi.
17
Antes, porém, o navio em que
viajava faria uma breve parada no porto da cidade de Salvador,
esta que traria para o autor de Humanisme Integral, livro lançado
naquele mesmo ano, uma grande surpresa, assim como
ocasionou para aqueles que lhe recepcionaram na capital do
Estado da Bahia: Alberto Guerreiro Ramos, então com 21 anos de
idade, e Afrânio dos Santos Coutinho, com 25 anos.
18
À época,
tanto Guerreiro Ramos quanto Afrânio Coutinho gozavam de boa
reputação intelectual em Salvador, publicando regularmente
ensaios em revistas e jornais de circulação local e nacional. Eles
também estavam plenamente a par das principais idéias e
conflitos geracionais que atingiam os jovens intelectuais
franceses. Afrânio, por exemplo, conhecia de perto as obras de
Jacques Maritain e Daniel-Rops, nos quais buscou inspiração para
denunciar a crise espiritual do mundo e do homem modernos.
19
Guerreiro Ramos, embora também houvesse escrito alguns
ensaios na mesma direção que o seu conterrâneo, adotava uma
postura de depoente, de um alguém que sentia em sua existência
pessoal o ardor dessa crise, e os poemas por ele publicados
denunciam uma condição espiritual humana degradante, tal
como narrada em O drama de ser dois.
Em seu depoimento de 1981, Guerreiro Ramos narrou o
seu encontro em Salvador com o filósofo francês:
17
Em uma de suas últimas entrevistas antes de falecer e que fora concedida
ao brasileiro Antônio Carlos Vilaça, Maritain viria a admitir que o Brasil e os
Estados Unidos seriam os países em que houve maior influência de sua obra.
Se isso foi possível, podemos acrescentar, os méritos cabem à figura de
Tristão de Athayde (VILAÇA, 1973).
18
Sobre este encontro, Afrânio Coutinho se pronunciou algumas vezes
(COUTINHO, 1988 e 1990).
19
É importante ressaltar que foi Afrânio Coutinho quem traduziu para o
português o livro Humanisme Integral, de Maritain, de quem também foi
aluno na Columbia University, em New York.
45
(...) nós sabíamos, pelo jornal, que o navio traria o grande
filósofo Jacques Maritain. Fomos ao navio e mandamos chamá-
lo. Naturalmente, ele o esperava que pudesse ter um
contato com intelectuais na Bahia. Ele veio, e s nos
apresentamos como seus leitores. Eu me lembro até hoje:
uma figura angélica, o Maritain, um rosto iluminado. Saímos
pela cidade – acho que o navio ficou lá umas nove horas, uma
coisa assim –, e ele ficou surpreendido com o conhecimento
acurado que nós tínhamos da sua obra. (...) Éramos, o Afrânio
Coutinho e eu, as principais pessoas que estavam lá
(GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 3).
Foi alí, em 1936, que o jovem Guerreiro Ramos passou às
mãos de Maritain um exemplar de seu livro de poesias para que o
mesmo fosse entregue a Nicolas Berdyaev (ou Berdiaeff), filósofo
e teólogo russo que se dedicou à temática da liberdade e do ato
criador, entre outras, e cujo pensamento possui um caráter
marcadamente existencial e personalista, erigido a partir da
crença de que uma união misteriosa entre Deus e Homem,
que tem na figura de Cristo a sua maior manifestação. Berdyaev
residia, desde 1925, na capital francesa, e mantinha grande
amizade com Maritain.
20
É certo que O drama de ser dois chegou
às mãos de Berdyaev, pois, anos mais tarde, este lhe remeteu
uma carta, onde agradecia ao escritor baiano o envio do livro,
que chegou à França acompanhado de uma foto e de um breve
ensaio acerca de sua filosofia existencial. Na carta, Berdyaev
pedia desculpas pois, devido a falta de domínio da língua
portuguesa, o possuía ele meios de ler aqueles escritos. No
mesmo envelope, mandou uma foto autografada, como
demonstração de seu apreço à pessoa de Guerreiro.
21
20
Sobre a relação entre Berdyaev e Maritain consultar, de Berdyaev (1962).
21
Em 1948, ano da morte de Berdyaev, Efrain Tomas Bó, amigo de Guerreiro
Ramos, escreveu um artigo para o jornal A Man onde tornou blica a
correspondência mantida entre o filósofo russo e aquele baiano de Santo
Amaro da Purificação (BÓ, 1948). Tratava-se de uma carta “cordial e amiga”,
na qual o filósofo falava “de sua preocupação dominante sobre a filosofia da
pessoa”, além de recomendar a leitura de livros de Maritain, Arnaud
Dandieu, Mounier e Jean Wahl, todos versando sobre o mesmo tema. No
mesmo artigo, Tomas Bó também divulga uma carta escrita pela cunhada de
Berdyaev, Eugenie Rapp, que, vasculhando a escrivaninha de Berdyaev após
a sua morte, encontrou uma carta que lhe tinha sido enviada por Guerreiro
em 1939. Na correspondência de Eugenia, datada de 18 de julho de 1948,
havia um pedido para que Guerreiro Ramos escrevesse um artigo, a ser
46
C a p í t u l o 3
O Drama de Ser Dois, um drama pessoal
22
O Drama de ser dois
23
se apresenta como uma confissão,
em forma poética, da peregrinação íntima do autor para
descobrir, em si, a presença divina. Fundamental para essa
experiência pessoal foi a filosofia existencial e personalista de
Nicolas Berdyaev, para quem o livro foi dedicado, com a seguinte
epígrafe: “a Nicolas Berdiaeff, atravez de cujas obras eu cheguei
ao Cristo e a todos os homens que se procuram.” (GUERREIRO
publicado em livro dedicado à memória de Berdyaev, sobre os aspectos das
obras e do pensamento daquele filósofo que maior influência teve no Brasil.
O artigo nunca foi escrito.
22
A expressão “drama de ser dois” encerrava em seu significado primeiro uma
tragédia pessoal, no caso a vivenciada pelo poeta Guerreiro Ramos. No
entanto, apropriações dessa expressão fizeram com que o seu significado
extrapolasse a particularidade daquela vida a que ela se referia. Darcy
Ribeiro a utilizou para se referir à situação dramática a que estava exposto o
mulato brasileiro, que, segundo o antropólogo, experimentava “dois mundos
conflitantes”, ou seja, por um lado, o mulato participava do mundo do
negro, mas era por este rechaçado; de outro lado, ele também vivenciava o
mundo do branco, que o rejeita. Assim, concluía Darcy Ribeiro, era
exatamente nessa condição dual de existir que o mulato humanizava-se,
quer dizer, tornava-se humano no drama de ser dois, que é o de ser
ninguém.” (RIBEIRO, 1995, p. 223). Costa Pinto, bem antes do antropólogo e
ex-senador, ao abordar a questão das “elites negras” no Brasil dos anos 50,
deu destaque a dois tipos dessa elite. Em primeiro lugar a “antiga elite
negra”, que teria no poeta Cruz e Souza o seu tipo paradigmático. Esta,
procurando “esquecer” que era negra, assumia uma estratégia de inserção
social que prezava e assimilava o padrão de gosto, estilo e forma do homem
branco europeu, o que a levava a vivenciar o drama da dualidade. Tal
estratégia, segundo o autor, estaria fadada ao fracasso, haja vista que o
negro, “quando está quase convencido disso [, ou seja, do seu
embranquecimento], uma querela insignificante, um bate boca na rua, um
fato qualquer [...] gera um comentário, um apelido, um riso, um olhar às
vezes, que rasga de chofre a realidade diante dele, coloca-o de novo no seu
lugar e ele sente, então, com extrema intensidade, o ‘drama de ser dois’”. A
segunda elite negra era aquela que vinha se configurando na sociedade
brasileira do final da primeira metade do século passado, e que, em razão de
sua diversidade de atuação no conjunto social, Costa Pinto as designou como
as novas elites negras”. Estas, por procurarem ascender “afirmando-se
como negras”, fazendo apologia da “negritude”, já não estariam expostas ao
drama da dualidade, ao “drama de ser dois”. Nessa nova elite negra, Alberto
Guerreiro Ramos ocupava lugar de destaque. (COSTA PINTO, 1998, p. 241).
(grifos no original)
23
O livro data de 1937 e nele não são indicados os editores e o lugar em que a
edição foi impressa. Muito provavelmente o próprio Guerreiro Ramos tenha
custeado a sua publicação.
47
RAMOS, 1937a) Na verdade, Berdyaev exerceu grande influência
sobre Guerreiro Ramos, tanto do ponto de vista pessoal quanto
intelectual, e este fato tem ficado à margem dos trabalhos sobre
este sociólogo e sua obra. Em 1981, em entrevista, ele destacou
a relevância que o filóisofo russo teve em sua vida. Segundo
afirmou, de todos os autores com os quais mantinha afinidades
intelectuais no final dos anos 30 e início dos anos 40, somente a
figura de Nicolas Berdyaev, o filósofo da existência,
“permaneceu”. A influência de Berdyaev, disse ele, foi “de
caráter pessoal, da minha formação, das minhas emoções. (...) eu
encontrei aquele homem numa idade imatura, e ele me educou;
fico cada vez mais encantado, nunca cessou.” (GUERREIRO
RAMOS, 1985, p. 18). E ainda: ele foi “uma grande influência [...],
uma influência irrestrita”; não houve nenhuma influência mais
poderosa do que a do Berdyaev” (Idem Ibidem).
De acordo com a filha de Guerreiro Ramos, Eliana
Nascimento, os reflexos das idéias de Berdyaev podem ser
percebidos, inclusive, no último livro de seu pai: “para quem ler
Berdyaev, afirmou ela, torna-se claro a extensão dessa influência
que culminou em A nova ciência das organizações (E.
NASCIMENTO, 1983, p. 145). Realmente, tem razão Eliana
Nascimento, pois é notória a presença da antropologia filosófica
de Berdyaev naquele livro. O fato, portanto, tem relevância e
requer uma análise mais aprofundada. Por ora, no entanto,
importa aqui elucidar, não o último livro de Guerreiro Ramos, mas
o primeiro, O drama de ser dois. Assim, para compreendermos
mais adequadamente o livro de poesias escrito por nosso jovem
poeta, faz-se necessário recorrer à filosofia berdyaeviana, mesmo
que brevemente.
* * *
No centro da filosofia de Berdyaev figura o mais profundo
e fundamental dos enigmas: o enigma do homem. Ter
48
posicionado a problemática do homem no núcleo filosófico
significou para ele adentrar por outras questões humanas
associadas entre si, como a da liberdade, da criatividade, da
personalidade ou da pessoa, do espírito e da história, envolvendo
estudos na área da filosofia da religião, filosofia da história,
filosofia social e da ética. Todos os esforços dos estudos de
Berdyaev convergiam para um mesmo e único tema a
existência do homem, o que conferia à sua filosofia um caráter
marcadamente existencial e personalista. Não obstante isso, o
autor rejeitava o rótulo de filosofia existencialista, preferindo
filosofia do espírito, uma vez que era grande o desgaste que o
termo existencialismo possuía na Europa do segundo quarto do
século XX, principalmente devido à vinculação, na época quase
exclusiva, com a filosofia de Jean-Paul Sartre, a quem Berdyaev
fortemente combateu, negando, de modo incisivo, que a filosofia
satreana fosse, como queria o seu autor, uma filosofia
existencial.
24
Para Berdyaev, uma verdadeira compreensão humana
não poderia deixar de considerar a vinculação que homens e
mulheres possuem com a divindade, em outras palavras, a
dimensão espiritual humana, esta que, para ele, ocuparia o mais
alto degrau na hierarquia das questões humanas. Assim, qualquer
reflexão filosófica que não se tivesse em conta essa intimidade,
que desconsiderasse o fato de o humano ser, acima de tudo,
espírito, não forneceria um conhecimento verdadeiro sobre o
homem, a mulher, a natureza e sobre Deus. Deste, e de outros
pontos, como veremos logo abaixo, partia a crítica berdyaeviana
ao reducionismo por ele indenticado na antropologia bíblica do
Velho Testamento, na antropologia cristã dos pensadores
católicos-romanos, na antropologia protestante da escola de K.
24
Sobre algumas das principais críticas deferidas por Berdyaev à filosofia de
Sartre, consultar Berdyaev (1949). Para obter uma visão mais completa das
discordâncias entre os dois filósofos, ver McLachlan (1992.).
49
Barth, na antropologia biológica e na antropologia social
construída pelas idéias psicológicas e sociológicas inspiradas em
Freud, Jung, Adler, Marx, Comte e Durkheim, assim como nas
filosofias antropológicas de autores como Nietzsche, N. Hartmann
e M. Scheller, todas elas insuficientes, na avaliação de Berdyaev,
para que se pudesse realmente compreender o homem/mulher e
Deus.
25
Face às restrições a todas essas teorias e saberes
antropológicos acima citada, somente o Cristianismo era portador
de uma antropologia que atendia à concepção de homem
advogada por Berdyaev. Foi o surgimento do cristianismo que, na
visão do autor, proporcionou ao homem a sua libertação do
“poder das forças cósmicas” e dos “espíritos e demônios da
natureza” pois, ao afirmar que o homem foi feito à imagem e
semelhança de Deus, o Criador, e ao admitir que Deus Se fez
humano via o Seu Filho, Cristo, o Deus-Homem, o cristianismo
vinculou o Homem diretamente a Deus e, assim, o pôs,
definitivamente, no reino do espírito, de onde provêem seus
elementos essenciais (BERDYAEV, 1936b, p. 2). Portanto, foi
graças à antropologia desenvolvida pelo cristianismo que se
descobriu uma concepção de Homem enquanto um ser que cria,
um ser que é portador da imagem e semelhança do Grande
Criador que é Deus. Operando desta forma, o cristianismo seria a
única filosofia antropológica a admitir que o Homem, assim como
Deus, “é um ser livre e espiritual, capaz de pairar sobre a
natureza e de dominá-la” (BERDYAEV, 1960, p. 49). No entanto,
adverte Berdyaev, ainda não se havia conseguido extrair as
corretas conseqüências dessa forma de se refletir o humano.
Santo Agostinho, Lutero, Calvino, Santo Tomás de Aquino e todos
os Escolásticos, apesar de suas grandes contribuições para o
25
Não entraremos aqui nos detalhes da crítica que Berdyaev teceu a essas
várias antropologias. Para sabê-los, consultar, principalmente, Berdyaev
(1960, p. 45-83) e Berdyaev (1936b).
50
desenvolvimento das vertentes católicas e protestantes, nenhum
deles, de fato, conseguiu revelar o verdadeiro significado
antropológico subjacente ao cristianismo. Esta convicção de
Berdyaev estava ancorada no fato de que tanto esses pensadores
quanto os citados no parágrafo anterior não haviam elaborado
um conhecimento sobre o Homem que correspondesse à sua
“experiência espiritual”.
26
Segundo seu entendimento,
Como imagem e semelhança do Criador, o homem também
é criador e é chamado para a cooperação criativa no trabalho
26
Façamos aqui duas breves ressalvas. A primeira diz respeito à
correspondência fundamental que Berdyaev acreditava ter entre a vida e a
obra de um filósofo, relação esta central na sua epistemologia. Em seu livro
autobiográfico, Dream and reality (1962), é exatamente isso que este filósofo
russo procurou afirmar, ou seja, que toda especulação, melhor dizendo, todo
conhecimento filosófico e religioso, este principalmente, guarda íntima
relação com a própria vida, a vida espiritual, que significava, para o nosso
filósofo, a vida mais real. Em suas palavras: “as realidades espirituais, diz
ele, são reveladas na vida espiritual. [...] a vida espiritual o é o
reflexo de uma realidade qualquer, ela é a realidade mesma. [...] o
divino se mostra nela” (BERDIAEFF, 1933, p. 34-35) (grifos do autor). Aqui
se mostra a grande influência que sobre Berdyaev tiveram os místicos, tais
como Jacob Boehme, Meister Echart, Angelius Silesiu, Tauler, entre outros. Da
mesma maneira, o existencialismo e o personalismo de Berdyaev o levava a
acreditar nessa forte e inabalável vinculação entre subjetividade e filosofia,
entre vida e conhecimento. Neste ponto, muito inspirado em Kierkegaard,
mas não apenas nele, a defesa que faz Berdyaev é a da presença viva e
marcante do filósofo no decurso de toda a sua especulação. Não
distinção, portanto, entre a vida e a obra, entre a obra e a personalidade do
filósofo. Exemplificando com os nomes de Santo Agostinho, Pascal,
Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzche, Berdyaev afirma que toda filosofia de
valor, ou melhor, “toda verdadeira filosofia leva a marca da personalidade de
seu autor (BERDYAEV, 1960, p. 26). Assim, uma verdadeira filosofia traz
consigo o tormento do sentido da vida e do destino pessoal que persegue o
filósofo, pois que toda filosofia de cunho verídico tem o seu início na reflexão
do filósofo sobre o seu destino pessoal (Idem, p. 26). Esta seria a marca da
antropologia que perpassa a teoria do conhecimento de Berdyaev. A
faculdade de apreensão, diz ele, “é essencialmente do ego”, ou seja, do
homem como existência concreta, como uma personalidade (Idem, p. 27). O
homem concreto, é ele quem, de fato, conhece, e não o espírito universal ou
a razão universal, tampouco o sujeito impessoal. Filosofia e destino, eis a
cumplicidade à qual Berdyaev queria despertar a atenção e que procurou
elucidar, demonstrativamente, em seu livro autobiográfico. A segunda
ressalva diz respeito a Guerreiro Ramos e a sua crença nessa mesma
vinculação entre vida e obra. Pouco antes de falecer, o sociólogo, quando
comentava sobre a importância de Berdyaev em sua vida, afirmou em
entrevista que estava a escrever um livro no qual contaria a sua “história
intelectual, sem narração de fatos”, cujo título seria Teoria e destino
(GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 6). O livro, como é sabido, não chegou a ser
escrito. Contudo, quando passamos em revista a trajetória de vida e
intelectual do sociólogo, fica patente tal vinculação.
51
de Deus. O homem não é meramente um ser pecador
sofrendo pelo seu pecado, não é meramente um ser racional,
um ser social e em desenvolvimento, não meramente um ser
doente com o conflito com a sua consciência e inconsciência,
mas, primeiro e antes de tudo, ele é um ser criativo. Mas isso
pode implicar em uma simples e unilateral definição de
homem como fabricante de ferramentas [homo faber].
Contudo, o homem somente pode ser criativo se ele tem
liberdade. dois elementos na natureza humana, e é a
combinação e interação deles que constitui o homem.
nele o elemento primitivo, a liberdade potencial
completamente indeterminada, que se origina no
abismo do o-ser, e o elemento determinado pelo fato
de o homem ser imagem e semelhança de Deus, uma
idéia de Divino que a sua liberdade pode realizar ou
destruir (BERDYAEV, 1960, p. 53). (os destaques em itálico
o do original, os em negrito, nossos).
Em assim pensando, Berdyaev partiu para a elaboração
de uma filosofia antropológica, tendo por base, como dissemos, o
enigma do Homem. Era sua opinião que o mistério humano o
somente coloca em “questão o problema de uma antropologia
filosófica, mas também o problema do antropologismo ou
antropocentrismo de toda filosofia” (BERDYAEV, 1936b, p. 6).
Neste sentido, ele fazia sérias reservas ao “antropocentrismo da
Renascença, ou dizendo de outra forma, ao fato de o “homem
renascentista” ter colocado a si próprio no centro do universo.
Suas reticências não diziam respeito à experimentação e
libertação da criatividade que a época renascentista
proporcionou, esta que foi, em sua opinião, o que de melhor a
Renascença nos proporcionou, mas principalmente devido à
ruptura, à quebra dos laços do Homem com Deus. Em sua
opinião, o homem renascentista é um tipo humano sem laços
espirituais, um tipo humano que, ao eleger-se como o fim de si
mesmo, retirou se si o essencial, Deus, o que acabou por
inaugurar um período de degenerescência, de desumanização do
Humano. Esta posição do autor, porém, não implicava na negação
ou memso impossibilidade de uma filosofia antropocêntrica, mas,
pelo contrário, na afirmação de uma filosofia fundada na noção
52
de Deus-Homem, na existência concreta da Pessoa Divina-
Humana que foi Cristo, recuperando, assim, para o centro das
indagações filóficas, a dimensão espiritual humana.
Com o intuito de clarificar seu posicionamento filosófico,
Berdyaev fazia a distinção entre dois tipos de abordagens
filosóficas, a partir de uma “dualidade dos princípios
fundamentais” (BERDYAEV, 1938, p. 24). A primeira abordagem
adota os seguintes princípios: o primado da liberdade sobre o ser,
o primado da existência subjetiva sobre o mundo objetivo,
dualismo, voluntarismo, dinamismo, ativismo e sentimento de
criação, personalismo, antropologismo e filosofia do espírito. A
segunda, por sua vez, abraça outros: o primado do ser sobre a
liberdade, o primado do mundo objetivo sobre existência,
monismo, intelectualismo, estatismo, passividade e
contemplação, impessoalismo, cosmologismo e naturalismo
(Idem Ibidem). Na opinião do filósofo, quem escolhe a primazia do
Ser sobre a liberdade opta pela “eliminação da tragédia” de Deus
e do Homem
27
, ao passo que quem escolhe a primazia da
liberdade sobre o Ser faz da tragédia o postulado principal de sua
filosofia.
28
27
Sobre a questão da tragédia em Berdyaev consultar, principalmente, The
destiny of man (1960).
28
A filosofia de Berdyaev possui um caráter anti-ontológico e dinâmico,
podendo ser também considerada como contraposta às teologias idólatras,
que cometem o erro da idolatria quando identificam o Ser Absoluto da
ontologia com Deus. Aliás, para este filósofo, Deus não pode ser o Absoluto,
pois que o Absoluto, em verdade, é o inquieto, o indescritível e infinitamente
fértil Ungrund. De todo modo, a idolatria teológica se de modo dual: por
um lado, deificam o Ser enquanto realidade existente e, por outro, petrificam
uma concepção limitada de Deus, uma vez que sobre Ele fazem imperar uma
idéia estática. Deus transcende a qualquer limitação própria do Ser, não
podendo, portanto, ser considerado um objeto, ou mesmo objetivado. Além
disso, o conhecimento verdadeiro d’Ele somente pode ser vislumbrado pela
via da experiência espiritual, que, por seu turno, unicamente pode ser
apresentada ou descrita fazendo-se uso da linguagem simbólica dos mitos.
Berdyaev considera que o próprio Deus se encontra, sempre, em processo,
isto é, Ele é visto não como um ser ou como poder, mas como uma
personalidade que se encontra, sempre, assim como os próprios seres
humanos, em constante atualização (BERDYAEV, 1935, p. 148; BERDYAEV,
1952).
53
É em consonânica com a primazia da Liberdade sobre o
Ser que está articulada a filosofia do trágico
29
berdyaeviana.
Segundo pensava o autor, uma verdadeira metafísica não poderia
dar primado ao ser, porque o ser não é o existente, mas uma
abstração, um “produto do pensamento abstrato”, um predicado,
de caráter totalitário, geral e universal, que não possuí vida
interior (BERDYAEV, 1944, p. 75). Diferentemente, o Eu é mais
primário que o ser, pois ele é existente, é concreto, é espírito, e
este é, em essêencia, liberdade (BERDIAEFF, 1933). Aliás, a
liberdade é cêntrica na antropologia filosófica berdyaeviana
30
e,
para justificá-la, o filósofo recupera do pensamento do místico
alemão Jacob Boehme a noção de Ungrund
31
, que quer significar
uma espécie de abismo pré-existencial, onde tudo se encontra
em situação de pura potencialidade e liberdade. O Ungrund não é
nada e a sua noção não é um conceito, mas um mito, ou melhor,
um símbolo que expressa a verdade fundamental sobre uma
existência que é incapaz de ser anunciada em um arranjo
conceitual objetivo (BERDYAEV, 1945, p. 54). Nele co-existem
todas as oposições, antíteses e antinomias em um estado de
irrealização e, ao mesmo tempo, de pura potencialidade, de tal
modo que elas somente emergem do Ungrund uma com a outra,
e suas identidades se relevam exclusivamente por intermédio de
seu outro (BERDYAEV, 1930).
Inspirado nessa noção boehmeana, Berdyaev criou a sua
concepção di-polar de realidade última, onde se encontram, em
estado de completa indiferenciação, pólos opostos, como unidade
e multiplicidade, identidade e diferença, passividade e atividade,
positividade e negatividade, Ser e Nada, e tantos outros possíveis
(McLACHLAN, 1992, p. 120-126). Assim, por considerar que toda
29
Para saber das possíveis implicações dessa concepção de tragédia para a
filosofia política, consultar O’SULLIVAN (1998, p. 79-99).
30
Aliás, quem denomine Nicolas Berdyaev de “apóstolo da liberdade”,
como o faz Michael Vallon (1960).
31
Em seu significado literal, Ungrund quer dizer “o-fundamento”.
54
realidade e possibilidade estão contidas em uma unidade
primeira, que é o Ungrund, não há, na metafísica berdyaeviana,
uma distinção ontológica entre seres humanos e Deus, entre Ser
e consciência, tal como se percebe nas metafísicas tradicionais.
Na verdade, o Ungrund é anterior à pessoa de Deus, sendo para
Ele um eterno mistério, pois que precede à própria consciência
que Deus vem a adquirir de Si, o que não quer dizer que o não-
fundamento seja o criador pessoal de Deus, mas somente o
absoluto em si mesmo, o lócus principiante da vida divina e do
processo de autocriação e revelação do Ser e do Divino.
32
Deus,
portanto, origina-se do Ungrund, emerge como Pessoa,
harmonizando em Si todas as di-polaridades.
33
Tal como Deus, os
seres humanos também se originam do Groundlessness
34
, mas
estes não conseguem, de modo constante, aquela harmonização.
É no Ungrund que Deus e os seres humanos “exercitam uma
liberdade infinita” (CLARKE, 1950, p. 88).
De acordo com Berdyaev, a liberdade é. Deste modo,
não deriva de nada nem é equivalente a nada. Ela é primal; está
na origem de tudo; é anterior a Deus, pois se encontra no mais
profundo de toda profundeza (Ungrund), não comportando
qualquer essência. Logo, não é ela uma criação ou uma doação
de Deus, sequer determinada por Ele. Por assim pensar, Berdyaev
identifica o Ungrund com a liberdade primordial (Meonic
Freedom), que precede, como vimos, a todo o Ser, a todas as
determinações ontológicas. A liberdade meônica não é luz nem
escuridão, nem bem nem mal. Fora do Ungrund, todas as coisas
m-a-ser, e isso implica no fato de a liberdade, que nele se
32
aqui uma diferença no modo como Berdyaev e Boehme pensam o não-
fundamento. Para o místico alemão, o Ungrund se situa nas profundezas de
Deus, no eterno silêncio. para o filósofo russo, o Ungrund encontra-se
tanto nas profundezas de Deus quanto fora Dele.
33
quem veja similaridades entre o modo como Berdyaev emprega a noção
de Ungrund para ilustrar processo, liberdade e criação, com o princípio
metafísico da criatividade de Alfred N. Whitehead (HARSTHORNE, 1957).
34
Berdyaev faz uso desse termo como um sinônimo para Ungrund (BERDYAEV,
1945, p. 54).
55
encontra em estado de total indeterminação e potencialidade, vir
a se objetivar tanto em bem como em mal (BERDYAEV, 1935, p.
160-161).
A liberdade possui dinâmica e dialética interior,
arrastando consigo a possibilidade de sua própria tragédia, de
sua autodestruição, pois que nela, em estado de potência,
convivem dois modos de vir-a-ser ou duas liberdades (BERDYAEV,
1928). No primeiro caso, trata-se de uma liberdade primeira, que
é irracional, anárquica, liberdade do caos, que antecede a razão
35
e o conhecimento da verdade, possuindo, assim, um caráter
nitidamente niilístico, dado que pode criar, simultaneamente, o
bem e o mal. No segundo caso, a liberdade segunda, que é
racional, liberdade na verdade e no bem, liberdade em Deus, a
qual está relacionada com a questão do sentido, do significado da
vida. Entre essas duas liberdades se desenrola a tragédia
humana, isto é, o destino dos homens e das mulheres, suas
dolorosas e sofridas peregrinações, que são determinadas em
razão da liberdade. Podemos dizer, neste sentido, que a liberdade
é, para homens e mulheres, um fardo, uma legítima
antropodicéia, pois que, em total liberdade, ou seja, no exercício
existencial da liberdade primeira, os homens e as mulheres
procuram justificar a si mesmos e a Deus; eles buscam vencer as
oposições, antíteses e antinomias a que estão expostos nas
profundezas do Ungrund, porque a luta entre o demoníaco e o
divino, entre a luz e a treva, faz-se presente no fundo do ser
homem, nas últimas profundezas do espírito. Por sua vez, a
35
Para o filósofo russo, essa primeira liberdade passou desapercebida na
filosofia grega, principalmente em crates, Platão e Aristóteles, que
reconheceram apenas a liberdade apreendida pela razão. Entre eles, a única
exceção foi Epicuro, o qual, segundo Nicolas Berdyaev, reconheceu na
liberdade um caráter de indeterminação, associando-a à noção de chance. O
pensamento grego, portanto, dificulta o conhecimento da liberdade primeira,
da liberdade irracional e indeterminada, dado que qualquer utilização do
recurso racional para a sua compreensão acaba por objetivá-la, racionalizá-
la, e isso, explica o autor, implica em destruí-la enquanto liberdade mesma,
uma vez que o mistério que envolve a liberdade se impõe como uma barreira
ao pensamento racional.
56
liberdade segunda aponta para o sentido da existência, o qual
pode direcionar para a criação de comunidades que visam um
ideal comum, como também para um ideal em si mesmo,
instigando os homens e as mulheres a procurar sua realização
pessoal em meio ao social. Esta liberdade, portanto, faz com que
os seres humanos procurem superar o estado egoístico e auto-
destrutivo a que leva a liberdade primeira.
À luz dessa explicação, o mal, para Berdyaev, o possui
natureza exterior ou social, mas metafísica. Ele se encontra
depositado na profundeza da natureza humana, na sua liberdade
irracional, na destruição ou desistência do homem em realizar em
si o princípio divino, que, como vimos acima, consiste em um dos
elementos da natureza humana. O mal está ligado à opção
humana, à personalidade, e somente ela pode criar o mal e
responde por ele. Segundo Berdyaev, Deus existe justamente
porque o mal e o sofrimento existem no mundo. A existência do
mal é prova da existência de Deus. Se o mundo consiste
unicamente no bom e no bem, então Deus seria inútil, o próprio
mundo seria Deus. Deus é porque o mal é. O que significa que
Deus é, porque a liberdade é.” (BERDYAEV, 1960, p. 23) Um
mundo regido unicamente pelo bem e pelo bom, um mundo
determinado a operar de modo harmônico seria, para Berdyaev,
“um mundo sem Deus, um mecanismo racional” em que os seres
humanos seriam levados a viver sem escolha (Idem Ibidem).
Toda possibilidade de realização do bem advém do risco
da opção humana, por isso que a liberdade é, para o homem,
responsabilidade, e escolher entre o bem e o mal significa
procurar superar a tragédia da liberdade. Mas vale lembrar que,
mesmo que o homem venha a escolher a liberdade no seio do
bem, a liberdade em Deus ou liberdade segunda, ele não está
imune ao mal, pois que este se encontra radicado nas
57
profundezas da natureza humana, na sua liberdade irracional, da
qual o homem também é filho. Por isso é que se apresenta
sempre, para homens e para mulheres, a possibilidade de sua
queda, a possibilidade do pecado, de sua autodestruição, muito
embora, do mesmo modo, haja a possibilidade da graça e da
salvação que Deus concede a seus Filhos.
Devido à dupla origem do homem, a sua tragédia se
desenrola, negativamente, no abismo (Ungrund) em que a
liberdade reside, e, positivamente, na unidade Deus-Homem, cuja
ntese foi Cristo.
36
Para Berdyaev, isso significa dizer que a
tragédia humana se situa entre o paraíso e o inferno (Idem, p.
284). Exilado do paraíso e carregando vividamente consigo as
“lembranças e o sonho do paraíso”, o homem é uma criatura que
vive atormentada pelo “pressentimento do inferno”, pela sua
forte presença espiritual (Idem Ibidem). Assim, desse dilema de
ser dois, de pertencer a dois mundos, deriva o caráter
eminentemente dual, contraditório e paradoxal que possuem
todos homens e mulheres; daí provém o elemento trágico que faz
com que os seres humanos sejam criaturas mal-adaptadas ao
mundo em que vivem. Nas palavras do autor:
Como uma entidade pertencente a dois mundos e capaz
de autodesenvolvimento, o homem é um ser
autocontraditório e paradoxal, combinando pólos
opostos dentro de si. De maneira igual, ele talvez diga ser
baixo e elevado, fraco e forte, livre e escravo. A enigmática e
contraditória natureza do homem é devida não somente pelo
fato de ele ser uma criatura decaída um ser terreno com
lembranças do paraíso e reflexos da luz divina mas
também em razão de ser ele filho de Deus e do não-ser, da
liberdade meônica. Suas raízes estão no paraíso, em Deus, e
também na mais profunda das profundidades (BERDYAEV,
1960, p. 46). (grifos nossos)
Se em sua abordagem metafísica o Ungrund apresenta-
36
Não se trata, exclusivamente, de uma tragédia oriunda da “batalha entre o
bem e o mal”, como talvez possa ter ficado subentendido, mas de “alguma
coisa mais profunda”, como disse Berdyaev, de contendas “entre valores que
são igualmente bons.” (BERDYAEV, 1960, p. 47)
58
se para o autor de Solitude and Society como o ponto de
emanação primeiro de todas as coisas e seres, sendo a partir dele
que o filósofo inicia o seu pensamento transcendental, ao realizar
a sua abordagem existencial, no entanto, o eu (moi ou ego) é o
ponto inicial de onde migra a liberdade e do qual parte o autor
para refletir sobre epistemologia, existência e outros temas.
Procede, deste modo, porque, segundo pensa, o eu é “primitivo”,
“primário”, simboliza a existência individual original,
relativamente ao mundo, não podendo ser deduzido de nada,
tampouco reduzido a algo o eu “pertence” e está radicado na
existência (BERDYAEV, 1938, p. 87). Também, por ser “sinônimo
de liberdade” (Idem Ibidem), por implicar, sempre, em liberdade,
o eu aparece na filosofia existencial berdyaeviana como o ponto
fundante das possibilidades humanas, ou seja, é ele o centro de
onde emana a liberdade dos atos humanos e de onde a própria
consciência vem à tona.
37
Essa concepção do eu em Berdyaev torna-se mais clara
se recorrermos à imagem do Ungrund para entendê-la. Na
origem, não linhas de demarcação ou de delimitação precisas
entre o eu e a totalidade, pois que ambos encontram-se, ali,
imbricadamente indistintos. O eu e o todo, o todo e o eu o
apresentam, em princípio, qualquer distinção ou individuação,
formando uma unidade indiferenciada. Apenas posteriormente a
dualidade acontece, quando o eu, mediante a consciência que
lhe é inerente, mas que somente surge por intermédio de “um
ato intuitivo do eu humano em relação a si mesmo (BERDYAEV,
1960, p. 69) –, emerge, postando-se, pela primeira vez, como um
37
Berdyaev discordava fortemente daqueles que advogavam a precedência da
consciência sobre o eu. Esta foi a principal crítica que ele dirigiu a Sartre
(McLACHLAN, 1992). Relativamente à afirmação cogito ergo sum, de
Descartes, Berdyaev a considerava como um erro gravíssimo, pois que ele
deduziu a existência do eu (ego) de alguma coisa, no caso, o pensamento.
Para Berdyaev, “eu não existo porque eu penso, mas eu penso porque eu
existo”, ou melhor, “eu existo, rodeado de todos os lados pelo infinito
impenetrável, logo penso” (BERDYAEV, 1938, p. 87).
59
eu distinto do não-eu.
38
Ao mesmo tempo em que o eu adquire
consciência de si, em que se descobre exclusivo e particular,
ocorre a tomada de consciência dos outros eus, os quais também
se postam como algo “único e distinto”, entidades à parte que
admitem “a existência de outros eus”, sem com eles se
assemelhar ou identificar (Idem, p. 90). Eis a forma específica de
sociabilidade à qual o eu está posto, desde as profundezas
metafísicas.
39
O eu, o existente primal, no entanto, procura definir-se,
alcançar estados espirituais mais avançados. Esse seu processo
de definição ocorre, segundo Berdyaev, de modo antinômico,
como o imutável em vias de mudar:
o poderia mudar no tempo, atualizar-se, caso não tivesse
algum suporte na sua mudança, se esse sujeito que muda não
permanecesse e persistisse ele pprio. Sem cessar o eu se
desdobra, muda de rosto, mas fica ele próprio uno e único.
Pode estreitar-se ou dilatar-se, cada um de nós compreende
um eu mais estreito e um eu mais vasto, mas o eu em si pode
ser definido como a unidade permanente sob todas as
mutações, o núcleo extra-temporal que não pode receber
nenhuma determinação de outra coisa senão de si mesmo. As
mutações sofridas pelo eu podem ser determinadas
extrinsecamente, mas ele próprio não pode ser determinado
de fora pelo não-eu. o é determinável senão de dentro e a
toda ão extrínseca responde ativamente, determinando-se
(BERDYAEV, 1938, p. 89).
O eu é chamado a empenhar-se no desenvolvimento
espiritual; a ele compete a realização da personalidade, a
concretização da pessoa humana, que representa o modo de ser
38
Diz Berdyaev que a partir do momento em que o eu adquire consciência de
si como um eu, permanecerá a sua consciência em tensão dialética
interminável com o o-eu, ou seja, ela guardará consigo, relativamente ao
o-eu, “um sentimento de servidão e de dependência”, dado que a ela
compete a responsabilidade de manter a “unidade do eu e de distingui-lo
donão-eu” (BERDYAEV, 1960, p. 89).
39
A consciência, diz Berdyaev, “emerge por meio do encontro e da interação
das mentes, origina-se da necessidade de distinção e, ao mesmo tempo,
para a unidade e para o entendimento mútuo isto é, a consciência é social
desde a sua origem. A censura da consciência é uma censura social.”
(BERDYAEV, 1960, p. 69)
60
mais alto, espiritualmente falando, na filosofia berdyaeviana. Mas
para que o eu possa cumprir essa sua missão, duas condições
foram destacadas pelo filósofo: em primeiro lugar, faz-se
necessária a fuga de toda tentativa de objetivação e de
socialização que sobre ele incidem ou sobre os outros ele faz
acontecer, ou seja, o eu deve resistir a toda e qualquer forma de
instrumentalização social, e, em segundo lugar, ele deve
transcender a si mesmo, sair de si para ir ao encontro do outro e
dos outros, do tu, do seu próximo, do mundo e de Deus (Idem, p.
91). Tais condições são imperativas, pois, por um lado, toda
objetivação é desencontro, desnaturalização, apropriação e, por
outro, toda socialização é renúncia, é desistência de ser. No
problema da objetivação e da socialização reside a decadência do
homem e do mundo, uma decadência que procura arrastar o eu
para o isolamento quase absoluto. Como disse Berdyaev, o
mundo produzido pela objetivação é um mundo decaído, um
mundo enfeitiçado, o mundo dos fenômenos e não dos seres
existentes. A objetivação aliena e desune” (Idem, p. 61); ela
“destrói vida e ser” (BERDYAVE, 1960, p. 11), constrangendo o
homem “a agregar-se e a acorrentar-se aos outros e ao que lhe é
estranho (BERDYAEV, 1938, p. 61); ela deixa o homem na sua
solidão” (Idem Ibidem), sem que possa de lá retirá-lo:
Enquanto o homem o se sente em casa, enquanto ele não
se encontra no mundo de sua existência autêntica, enquanto
os outros homens são por ele sentidos como pertencendo a
um outro mundo, estrangeiro, que não é o seu, o mundo e os
outros homens serão para ele objetos, farão parte do mundo
objetivado da necessidade. [..] diante do objeto, diante de
todo o objeto, e sejam quais forem os laços com ele, o eu está
sempre só (Idem, p. 92).
Similarmente ao que ocorre na objetivação e na
socialização, é a solidão o estado existencial que toma o eu caso
ele se negue a exercer a sua transcendência, caso ele se recuse a
sair de si para ficar, definitivamente, ensimesmado, a viver de
61
modo egocêntrico.
40
No entanto, adverte Berdyaev, a solidão não
é, de modo algum, um mal absoluto, ou mesmo um mal, para o
homem. Trata-se, a solidão, de “um direito sagrado que o
homem possui, pois ali, naquele estado, o eu exercita a
preservação da “sua vida íntima” (Idem, p. 93), vive uma
existência autêntica. Como resultado dessa experiência intensa e
sofrida que a solidão provoca, o eu “nasce para a personalidade”,
alcançando um estágio mais alto em seu desenvolvimento
espiritual (Idem, p. 92). Em outras palavras: “é somente quando o
homem está só, no momento em que ele se sente só, de maneira
dolorosa e aguda, que lhe vêm à consciência a sua
personalidade, a sua originalidade, a sua singularidade e
unicidade, a sua distinção de quem quer que seja no mundo
(Idem Ibidem). Mas a solidão também traz ao homem
sentimentos contraditórios; ela lhe revela, ainda, a sua forma
paradoxal de existir, pois que, na vivência mais profunda de seu
estado solitário, o homem não está limitado a tão somente “sentir
e reconhecer com acuidade” a sua personalidade; ele, ao mesmo
tempo, experimenta tristeza e abatimento profundos em
decorrência de seu afastamento abrupto das pessoas, das coisas
e lugares que o seu recolhimento à intimidade, ao seu segredo,
causou o homem sente a nostalgia da comunhão, não com o
objeto, mas com o outro, o tu, o nós”, sente a saudade de evadir-
se para “fora da solidão” (Idem, p. 93). (grifos no original)
41
É somente pela experiência da comunhão que o eu
consegue vencer a solidão.
42
Em assim sendo, enquanto o eu não
40
Vale dizer que o eu experimenta a solidão não exatamente em razão de seu
recolhimento, isto é, em sua própria existência, mas principalmente por
causa de sua alienação no mundo. O viver na massa, viver na coletividade,
entregar-se a elas, eis aí o ápice da solidão humana.
41
Como podemos perceber, a linguagem filosófica de Berdyaev aqui em muito
se aproxima da de Martin Buber, a quem faz algumas correções.
42
Várias são as vias da conquista do homem sobre a solidão, entre as quais
Berdyaev cita o conhecimento, a comunicação, a vida sexual, o amor, a
amizade, a vida social, os atos morais, a arte, entre outras. Obviamente
que não iremos tratar de nenhuma em específico, sob pena de nos
aventurarmos por caminhos que possam nos distanciar de nossos objetivos
62
consegue sair de si para, com o outro, o tu, formar um nós, ele
sofre profundamente com a solidão, sendo que também é por seu
intermédio que a relação do eu com o mundo se impõe e é
experimentada, uma vez que a solidão conduz o eu a procurar
por formas distintas e superiores de comunicação, a buscar a
comunhão, muito embora, como dito acima, a objetivação e a
socialização sempre estejam à espreita, isto é, a fazer com que o
eu permaneça na experiência da impossibilidade do
transbordamento autêntico eis a tragédia da solidão a que se
refere Berdyaev (Idem, p. 95).
Ao eu compete a realização da personalidade, a
constante labuta existencial para a concretização da pessoa.
43
Porém, para o eu, isso implica, invariavelmente, em
“autolimitação”, em subordinar-se, por livre escolha, ao supra-
pessoal, em empenhar-se na “criação de valores supra-pessoais”,
em suma, na evasão de si mesmo para penetrar e deixar-se
penetrar nos outros e pelos outros, possibilitando assim a
formação da comunhão, esse fenômeno espiritual, cuja
representação em maior escala seria a comunidade (Idem, p.
166). Logo, a pessoa, para se realizar, necessita e cria a
comunidade. Somente nela a pessoa se viabiliza e se integra
(Idem, p. 180). As outras formas sociais objetivadas, isto é, a
sociedade, o Estado, a Nação, etc. não lhe fornecem o substrato
imediatos neste trabalho. No entanto, cumpre lembrar que, qualquer que
seja a via, o homem deve evitar que a objetivação, a alienação e a
escravidão venham a constituir os elementos qualitativos dessas relações.
43
o se trata de algo de fácil concretização, pois que tal processo envolve
uma luta incessante contra tudo o que corrobora para tornar o homem um
ser despersonalizado, desdobrado, egocêntrico, um indivíduo, matéria inerte
e sem sentido; em suma, tudo o que possa fazer do processo humano de
personalização um fracasso retumbante. A consciência adquirida pelo eu de
sua finalidade realizar em si a pessoa, uma personalidade implica em
sofrimento e dor: a realização da personalidade é penosa, diria Berdyaev. Em
virtude da incapacidade de suportar o sofrimento que a realização da
personalidade envolve, é comum a homens e mulheres renunciarem a suas
personalidades, entregarem-se a formas de vida objetivadas e destituídas de
sentido ou, ainda, a deixarem-se a cargo das obrigações serviçais
(BERDYAVE, 1938, p. 159).
63
espiritual de que precisa. A pessoa não existe para servir ou ser
tomada como parte das formas objetivadas da vida social,
qualquer que seja ela, pois que a sua vida espiritual escapa a tais
formas, não podendo, portanto, ser por elas determinada. À luz
do pensamento de Berdyaev, seria mais correto dizer que é a
sociedade que lhe deve servir, que lhe deve fornecer “conteúdos
qualitativos”, no transcorrer da “sua realização” (idem, p. 181).
A Pessoa é um ser à parte, único e original, sem clone,
que não guarda parecença a nenhum outro ser, mas mantém, no
entanto, estreita relação de dependência para com Deus, pois
que é feita à Sua imagem e semelhança. A pessoa é
“manifestação do espírito na natureza física e psíquica do
homem” (Idem, p. 89) e, deste modo, assume, para Berdyaev, o
caráter de categoria do espírito (BERDYAEV, 1936b, p. 6) no
processo de desenvolvimento integral dos seres humanos a
humanidade do homem retém-se em sua vida espiritual. Além
disso, por também ser a “manifestação de um propósito
existencial”, a pessoa tem uma conotação axiológica (Idem,
p. 7), que é vocação especial”, é “destino no mundo”, cuja
realização reclama do homem um empenho criativo em sua
existência. Muito embora a noção de destino, único e
intransferível, seja-lhe essencial toda pessoa tem um destino
próprio a cumprir, e do qual ela não pode alienar-se, isso não
significa dizer que a pessoa se conforma a um determinado fim,
mas, pelo contrário, isso quer dizer que ela encarna um destino
doloroso, onde lhe cumpre aliar, de maneira antinômica,
liberdade e predestinação inelutável.
Destino, portanto, não é determinismo. Se assim o fosse,
o homem teria a sua liberdade sustada, a sua criatividade
interrompida; tornar-se-ia um serviçal do futuro, de uma história
objetivada e desde sempre finalizada. O destino compreende
64
liberdade, possibilidade, criação e re-criação; está vinculado com
o acaso, com o instante, não justamente com o instante-fração,
que é intercalável entre passado e futuro e que pode ser dividido
infinitamente, mas com o instante que significa indivisibilidade,
que pertence à intemporalidade, que é o presente e que faz parte
da eternidade.
44
É neste instante que se comunica com a
eternidade, onde reside o sagrado, e é a ele que a pessoa
pertence (BERDYAEV, 1938, p. 136). Detalhando o seu
entendimento da noção de pessoa, assim se pronuncia Nicolas
Berdyaev:
A pessoa não é qualquer coisa de particular e de parcial. Isto
procede já do fato de que ela não é nunca parte de seja o que
for. O particular não compreende em si o universal e a falta do
particularismo é querer fazer passar o particular pelo
universal. Reside uma das maiores tentações. A pessoa
distingue-se de toda espécie de particular e de parcial pelo
fato de ser susceptível de encerrar um conteúdo universal. É
universalizando o seu conteúdo que ela se realiza, o que uma
simples parte não conseguiria. A pessoa é uma unidade na
pluralidade, que abraça o universo. Também a existência da
pessoa para o nosso mundo objetivado representa um
paradoxo: a pessoa é a antinomia encarnada do individual e
do social, da forma e da matéria, do infinito e do finito, da
liberdade e do destino. É por isso que a pessoa não podia ser
qualquer coisa de terminado; não é dada como um objeto: faz-
se, cria-se a si mesma, é dinâmica. A pessoa é constituída
essencialmente pela união do finito e do infinito. Desvanecer-
se-ia se perdesse os seus limites, a sua armadura, se se
espelhasse na infinidade cósmica. Mas a pessoa não seria
tampouco a imagem e semelhança de Deus se não gozasse de
uma capacidade infinita. Nada de parcial poderia encerrar
esse conteúdo infinito: é porque não é uma parte que a
pessoa o pode. Aí é que está o mistério essencial da pessoa. A
pessoa humana representa por si o ponto de interseção de
vários mundos e em nenhum pode ela manter-se por inteiro;
assim pertence parcialmente a uma sociedade, a um
Estado, a uma confissão, e mesmo ao nosso universo. A
pessoa existe em vários planos. E a unicidade de planos que
44
No ato consumado no instante presente e que nos arrasta para o futuro, seja
ele uma vida inteira, seja a própria eternidade, reside o que Berdyaev
denominou de “a mais profunda tragédia da existência humana” (BERDYAEV,
1938, p. 138). O “juramento de fidelidade”, que é a maior e mais
“assustadora objetivação do ato consumado”, o qual não tem, em si mesmo,
a finalidade de objetivar-se, levanta a problemática da projeção do destino
no futuro (Idem Ibidem), da ossificação da vida e de instituições, da
escravização de homens e mulheres, entre outras coisas mais.
65
exige todo monismo é a violação e a ruína da pessoa. A
pessoa, na qualidade de todo em si, o pertence a nenhum
sistema ou plano particular, embora pressuponha sempre a
existência de qualquer realidade diferente daquela a que se
abre (Idem, p. 173-174). (grifos no original)
Seria errôneo, segundo o filósofo russo, tomar a pessoa
como uma substância ou como algo imutável. Na realidade, ela
se define como a união de atos e de potencialidades,
abrangendo, de modo unitário, o espírito, a alma e o corpo.
45
Representa, neste sentido, a integridade humana, os valores
permanentes, a conservação da integridade e da unidade, no
homem, a permanência sob a mudança, a constância em meio ao
fluir incessante. Nas palavras do filósofo:
[...] a pessoa é uma mudança, mas cuja base é imutável. No
decurso da realização da pessoa alguém muda, mas
permanecendo, no entanto, o mesmo, conservando a sua
identidade. [...] A pessoa é eterna; permanece sempre ela
mesma; é insubstituível; e ao mesmo tempo a pessoa muda
constantemente, es em via de criação, tem necessidade do
tempo para alcançar a plenitude da sua existência. Esta
pessoa deve sempre ultrapassar a contradição. [...] Tal é o
paradoxo fundamental da pessoa, o paradoxo da coexistência
da mudança e da imutabilidade, do tempo e do supra-
temporal. A pessoa supõe a mudança, a inovação criadora,
não suporta a estagnação em nenhum estatismo; mas nesta
mudança não deve trair-se, deve permanecer fiel a si própria.
O mistério da sua existência é o mistério da aliança da
mudança e da novidade com a fidelidade a si e a conservação
da sua identidade. Duma pessoa humana devemos dizer:
como mudou, que coisas novas nela; e, no entanto, é
sempre ela própria, idêntica a si, fiel a si. Onde essa aliança
aparece melhor é na consciência da sua vocação e da sua
predestinação e é esta consciência que determina a mudança,
a criação do novo com a conservação do idêntico, a unidade
da vida inteira chamada a um fim superior (Idem, p. 194).
Neste ponto nos deparamos com a escatologia
berdyaeviana, onde tempo e destino, apocalipse e revelação
encontram-se indissociavelmente postos. É sob o signo do tempo
que o destino da existência humana está posto e, portanto, nele
45
Por ser a mais alta categoria espiritual humana, a pessoa, em si mesma,
nunca é realizável. O que o homem consegue, afinal, não é a sua realização
integral. Existencialmente, o homem só alcança a personalidade.
66
reside a problemática da realização da pessoa humana ou, se
quisermos, da atualização da personalidade (Idem, p. 129). À
dualidade o tempo também não escapa. Por um lado, ele existe
em razão da mudança subjacente na atividade, na ação criadora,
na passagem do não-ser ao ser, isto é, ele deriva da modificação
que se processa nas existências, nos seres e nas realidades
(Idem, p. 129-131). Poderíamos dizer: a mudança temporaliza.
Por outro lado, o tempo também decorre do temor (Kierkegaard),
da preocupação (Heidegger) e da duração (Bérgson).
46
Ou seja, o
imutável temporaliza. Ainda, o tempo também não está imune ao
paradoxo, o qual é exposto por Berdyaev nos seguintes termos:
o meu destino cumpre-se no tempo, decomposto em passado e
futuro, o tempo é ele mesmo a realização do meu destino, e, no
entanto, este passado e este futuro, indispensáveis realizadores
do meu destino, existem no interior do meu presente” (Idem,
p. 133). Do ponto de vista ontológico, portanto, passado e futuro
não existem, tratando-se, no entendimento do autor, de
“elaborações sociais, objetivadas”, cuja finalidade é a petrificação
do homem e de seu destino, é determiná-los, seja por um lado,
seja pelo outro. A relação da pessoa com o tempo tem caráter
paradoxal: “a pessoa é mudança, criação perpétua e ao mesmo
tempo é imutável, sob todas as mudanças persiste na sua
unidade, na sua unicidade. Assim, por um lado, está ligada ao
tempo, realiza-se no tempo, mas, por outro, não tolera o tempo,
que como toda objetivação o atinge, também.” (Idem, p. 152)
Porém, para escapar a essa objetivação, ao homem
somente resta autocriar-se, incisiva e permanentemente, de
modo antinômico. Correlata a essa autocriação eterna põe-se a
conquista da liberdade interior, o alcance do estado de homem
livre, que nunca cessa de ser ameaçado seja pela possibilidade
46
De acordo com Berdyaev, nem Heidegger nem Bérgson conseguiram
destacar de modo suficiente a importância da dualidade do tempo
(BERDYAEV, 1938, p. 131).
67
de escravidão (ou servidão), seja pela probabilidade de o homem
vir a se tornar senhor.
47
Somente o homem livre pode escolher a
Deus
48
, que é espírito e liberdade.
49
Esse processo humano de auto-realização da
personalidade, ou, poderíamos dizer, de realização da pessoa, é
um processo eminentemente histórico, id est, que se faz na
história. Somente neste sentido podemos dizer que o “homem é
um ser histórico”, querendo isso significar que a “história é seu
destino”, pois o mesmo é chamado a realizar-se na história. Mas
não somente isso, pois que ele, ao inventar-se e reinventar-se,
criar também a cultura, a sua outra via de destino. O homem,
podemos dizer, é um ser cultural, “é um ser criador que se realiza
criando os valores culturais. A cultura tira o homem da barbárie e
47
Este é o tema do livro De l’esclavage et de la liberté de l’homme
(1946). Neste livro o autor aborda três tipos de homem, correspondente a
três tipos de consciência: o Senhor, o Escravo e o Homem Livre. Os dois
primeiros são correlativos, não podendo existir um sem o outro. Ambos são
criaturas alienadas, exteriorizadas, objetivadas, em uma só palavra,
prisioneiras – o Senhor ao Escravo, o Escravo ao Senhor. Várias são as formas
de servidão à qual o homem está exposto: escravo do Ser, escravo de Deus,
escravo da Natureza, escravo da Sociedade, escravo da Civilização, escravo
de si mesmo, entre outros tipos. A consciência do homem livre, diz Berdyaev,
é aquela que existe para si e que decide, por si mesma, com liberdade
interior, portanto, sair para o outro e para o tu, ou seja, que sai de si para a
comunhão (BERDYAEV, 1946, p. 64-65).
48
Este pressuposto está em coerência com o pensamento de Berdyaev. Deus é
escolha. Cristo é escolha. Foi em Dostoievsky que o seu compatriota se
inspirou. Vejamos: A verdade torna livre o homem, mas o homem deve
livremente escolher esta Verdade. Não deve estar constrangido a chegar a
ela à força. O Cristo ao homem a liberdade última [pois a liberdade
primeira reside no Ungrund], mas o homem deve ter aderido, primeiro,
livremente ao Cristo. [...] nesta livre adoção do Cristo reside toda a dignidade
do cristão, todo o sentido do ato de que é, antes de tudo, um ato de
liberdade. A dignidade do homem, a dignidade da fé sue o reconhecimento
de duas liberdades, liberdade na escolha da Verdade e liberdade na Verdade.
A liberdade o pode ser identificada com o bem, com a verdade ou com a
perfeição. Ela tem uma natureza autônoma, ela é a liberdade e não o bem. E
toda confusão ou identificação da liberdade com o bem mesmo e com a
perfeição será uma negação da liberdade, a corroboração dos caminhos do
constrangimento. O bem obrigatório não é o bem; ele mergulha no mal.
Mas o bem livre, que é o bem verdadeiro, supõe a liberdade do mal. É aí que
reside a tragédia da liberdade que Dostoievski estudou e apreendeu na sua
profundeza.” (BERDIAEFF, s/d, p. 78-79).
49
Diz Berdyaev: Deus é liberdade. Ele é o libertador, e não o dominador. Ele
inspira sentimento da liberdade, e o o de submissão. Ele é Espírito, e o
espírito não conhece nem Senhor nem escravo” (BERDYAEV, 1946, p. 90).
68
eleva-o” (Idem, p. 201).
Por fim, cumpre ainda dizer, a título de síntese, que o
homem berdyaeviano é o homem que se faz Homem desde
dentro, desde as suas entranhas, como uma personalidade
própria, como portador de espírito, como um ser concreto,
existencial e in-repetível, quer dizer, como um centro de vida
pessoal que tem a sua existência posta de modo imediato. A sua
natureza é paradoxal, antinômica, pois experimenta, a um
tempo, a liberdade e a entrega, a mudança e a permanência, a
criação e a destruição, a transcendência e a imanência, o Reino
de Deus e o reino de César. Nesta situação existencial do homem
desenrola-se a sua tragédia sobre a terra, uma tragédia que
ocorre em suas profundezas, no subterrâneo de cada um. É nesse
subterrâneo que se dá o desenlace do destino de cada
personalidade; é dele que provém o sentido da vida, a justificação
de si e de Deus. Uma vez encontrado esse sentido, o homem
empenha-se em sua purificação e libertação.
* * *
A peregrinação existencial que Guerreiro Ramos nos
apresenta em seu livro de poemas O drama de ser dois teve
inspiração, como dissemos, na antropologia cristã de Berdyaev. O
livro contém os seguintes poemas: O Canto da Rebeldia”,
Lamentações”, O canto da alegria triste”, “O canto da noite”,
Poema da creança que não poude ser”,A luta contra o anjo”,A
voz dos cabarets”, “Nostalgia angelica”, “Menino macambúzio,
Poema das seis horas da tarde”, “Nostalgia da esperada” e O
poeta e o mundo”.
50
Neles são abordadas as principais questões
existenciais e sentimentais vivenciadas pelo autor à época, tais
como: rejeição ao mundo moderno e ateu; constrangimentos e
50
Alguns desses poemas já haviam sido divulgados anteriormente na revista A
Ordem, como no caso de O canto da rebeldia” (1937c) e Lamentações”,
que aparece na revista como Lamentações de um místico (1937d). O
motivo da supressão é desconhecido.
69
incompreensões sociais devido à sua crença em Deus; a solidão;
o sofrimento; o sentimento de ser dois; a luta em seu íntimo
travada entre o bem e o mal, Deus e o diabo; a procura em si por
um eu original, não socializado, único e inconfundível, feito à
imagem e semelhança de Deus esse eu que seria um autêntico
Cristo; a experimentação da tristeza do mundo; o amor e o
verdadeiro encontro com o outro; e, ainda, o poeta, a poesia e o
sentido da vida. No entanto, não foi somente nos doze poemas de
seu livro que o então jovem aspirante a poeta registrou o seu
estado existencial. Também são perceptíveis os característicos
que O drama de ser dois simboliza em outros textos seus, tanto
de sua juventude quanto de sua maturidade. Para esta parte do
trabalho, porém, somente nos interessa os seus escritos do
período de 1936-1939.
Nesse conjunto de poemas e textos ao qual estamos nos
referindo, Guerreiro Ramos procurou expressar uma existência
apercebida dramática e dialeticamente tensionada por fortes
sentimentos contraditórios, frutos da experimentação intensa das
possibilidades de fazer-se homem e que, de modo sintético,
podem ser vislumbradas por intermédio do sentimento dual de
pertencer, a um só tempo, ao Reino de Deus e ao Reino de César.
Vivenciar as dualidades, que desse estado primitivo de perceber
a si mesmo derivavam, provocava no poeta a mais intensa tensão
que sentimentos coetâneos e não-coetâneos acarretam à
existencialidade humana, tensões essas que Guerreiro Ramos
narrou em poesias de profundo tom religioso e metafísico.
Como que estivesse atendendo aos conselhos de um dos
maiores poetas da Alemanha do século XX, Rainer Maria Rilke, em
Cartas a um jovem poeta (2001), os poemas que compõem o seu
pequeno livro de poesias denunciam que Guerreiro Ramos havia
abandonado os “motivos gerais” (Idem, p. 23) e fúteis para se
70
voltar ao interior de “sua própria existência cotidiana” (Idem, p.
23), para entrar em si e perscrutar “as profundidades” (idem, p.
24) de onde borbotava a sua vida, incorporando, assim, o que
mais tarde apareceria verbalizado em um artigo de sua autoria: a
poesia radica suas raízes nos “confins do homem”, e é
exatamente até lá que o verdadeiro poeta tem que ir, caso queira
manter-se fiel a si mesmo; caso queira, de fato, marcar com a sua
personalidade os versos que escreve (GUERREIRO RAMOS, 1939b,
p. 89). Em consonância com esta afirmação de inspiração
rilkeana, Guerreiro Ramos defendia a opinião de que os
verdadeiros poetas o são porque “escrevem por uma fidelidade a
si mesmos”; o são porque, ao escreverem, realizam-se; o são
porque, ao poetizarem, “libertam-se de uma experiência” (Idem,
p. 96-97). Em verdade - e isso demonstraremos mais à frente de
nosso estudo -, era firme a crença de Guerreiro Ramos na
seguinte sentença: os versos são experiências”; eles resultam
das andanças pessoais que o poeta faz dentro de si (Idem
Ibidem). Em O drama de ser dois, é a concretização dessa idéia
que percebemos.
Se do ponto de vista poético, a presença de Rilke possuía
grande valor para Guerreiro Ramos, não há como negar que o seu
livro também espelha a filosofia trágica berdyaeviana e todos os
contornos que perpassam a sua noção de personalidade (ou
pessoa humana). A narração e os enredos empregados ali deixam
transparecer, como frisamos pouco, a dor, o sofrimento, a
solidão, o amor, o mal, a liberdade, o encontro com Deus, entre
outros elementos que caracterizam a sua trajetória existencial,
enquanto um peregrino espiritual no seio do Absoluto e da
divindade. Segundo pensava o nosso poeta, seria somente por
essa via, quer dizer, pela espiritualização e essa é a mensagem
de Berdyaev que tão grandemente soube captar esse baiano de
Santo Amaro da Purificação que o homem conseguiria realizar-
71
se enquanto personalidade.
Quando de seu lançamento, O drama de ser dois obteve
boa avaliação por parte de alguns críticos, a ponto mesmo de
Guerreiro Ramos ter publicado, na parte final de Introdução à
cultura
51
, trechos das críticas literárias que considerou mais
representativas do significado real de seus poemas. No geral, os
críticos teceram grandes elogios ao livro e ao autor, sendo que
alguns deles, inclusive, assinalaram que o jovem poeta Guerreiro
Ramos estaria predestinado a figurar no panteão literário
brasileiro. Vejamos determinadas passagens: “...Guerreiro Ramos
[...] dever ser apontado como um dos grandes poetas do Brasil”,
publicou o jornal carioca O Povo, em sua edição de 09/12/1937;
O Sr. Guerreiro Ramos é um nome a guardar nesse movimento
regenerador e forte de nossa poesia”, escreveu Oscar Mendes em
sua coluna no jornal mineiro O Diário; “Não temos dúvida em
saudar, no Sr. Guerreiro, um novo e incontestável valor entre os
jovens cristãos que se afirmam”, publicou um periódico de Recife
(GUERREIRO RAMOS, 1939a, p. 188-189).
No contexto desses comentários críticos, dignas de nota
são as análises que fizeram Tasso da Silveira e Nicanor Carvalho.
Ambos perceberam os principais estados sentimentais que os
poemas guerreirianos traziam à tona. Arriscamo-nos, inclusive, a
dizer que eles chegaram a capturar a essência mesma do drama
existencial guerreireano. Tecendo comentários sobre o livro, Tasso
da Silveira observou que nele encontravam-se “poemas de
sentido religioso”, originados da vivência de “uma profunda crise
de alma”, de uma “tremenda luta íntima” para chegar a Deus
(SILVEIRA, s/d). Para Silveira, Guerreiro Ramos era da estirpe dos
libertários. Embora partisse do “tédio”, de um sentimento de
51
Dessas críticas literárias, a quatro tivemos acesso em sua integralidade
textual, apesar de uma delas o possuir qualquer referência ao periódico e
à data de sua publicação (SILVEIRA, s/d; CARVALHO, 1938; MENDES, 1938; J.
NASCIMENTO, 1938)
72
infinita insignificação da vida, de uma crise existencial, nem de
longe guardava semelhança com os “entediados”, que “trazem
um vazio absoluto no espírito” (Idem, s/d.).
Seria essa “crise de alma” um momento pessoal
exclusivo de Guerreiro Ramos? Na visão de Nicanor de Carvalho,
não. O que fez Guerreiro Ramos, na opinião do comentarista, foi
capturar a “imensa tragédia interior que estava a acometer a
geração de moços brasileiros que vinha surgindo (CARVALHO,
1938). Tratava-se de uma “tragédia obscura”, quase
imperceptível à maioria das pessoas, não obstante a sua
expressão rigorosamente humana”, mas que Guerreiro Ramos,
experienciando-a de modo muito particular, capturou tal
obscuridade trágica que rondava a sua geração, expressando-a
de forma poética e pessoal (Idem Ibidem). A propósito, na opinião
de Carvalho, o título do livro O drama de ser dois já seria uma
expressão sintética e muito adequada daquele estado de
inquietação trágica que os jovens contemporâneos de Guerreiro
Ramos vivenciavam.
Esses jovens representavam um característico tipo de
indivíduo, marcadamente um ser torturado pela angústia de viver
entre extremos, pois “solicitado impiedosamente pelas cousas
terrenas e tendo a voz de Deus no interior da consciência, o
indíviduo se sente bipartido, com uma espécie de dupla
personalidade, passando a ser verdadeiramente dois homens, a
ponto de se realizar entre ambos um torneio dialectico onde não
faltam os argumentos destinados a conhecer a parte adversa”
(Idem Ibidem). Quem quer que estivesse exposto à vivência
dessa dualidade, experimentava uma imensa vida, “em que as
duas noções se confundem como uma região fronteiriça não
demarcada, de sorte que a consciência hesita e experimenta as
mais contraditórias impressões”, pois que se depara com dúvidas
73
terríveis, frente à explosão de “escrúpulos inquietantes (Idem
Ibidem).
Apesar de Silveira e Carvalho terem capturado os
elementos fundamentais que os poemas guerreirianos
expressam, acreditamos que, sem se ter em conta a antropologia
cristã contida na filosofia existencial e personalista de Nicolas
Berdyaev, alguns desses elementos não são, de todo,
esclarecidos, dificultando, segundo entendemos, a identificação,
como queremos fazer neste trabalho, das permanências que esse
momento poético-literário da trajetória intelectual de Guerreiro
Ramos legou para a sua teorização sociológica.
É preciso que se diga uma vez mais que O drama de ser
dois (1937a) representa o relato do processo de personalização
de Guerreiro Ramos, no sentido em que nele notamos a confissão
poética da perambulação do autor por suas profundezas, onde
encontrou a si mesmo e experienciou a presença da pessoa de
Deus. Dessa andança por dentro, um novo homem nasceu dentro
dele, e o anúncio desse nascimento se fez no poema que abre o
livro, O canto da rebeldia, onde fica patente o festejo pelo
vislumbre de uma nova vida e de um novo homem, revelados
após a sua identificação com a ordem divina. Nessa sua
festividade percebemos o quanto é forte o ecoar das palavras de
Berdyaev, principalmente quando este afirma que “Cristo está no
fim, na profundeza do homem” (BERDIAEFF, s/d, p. 37), de modo
que é somente pela exploração do mistério de suas próprias
profundezas que o homem consegue atingir a Deus; que encontra
sentido para a sua vida e renasce, readquirindo a crença em si
mesmo.
No entanto, antes mesmo que esse renascimento
ganhasse a sua expressão poética em O drama de ser dois, a sua
notícia veio a público no ensaio Minha vida começou hontem,
74
publicado em um jornal local de Salvador (GUERREIRO RAMOS,
1936c). Tendo como pano de fundo o livro Ma vie commencé hier,
de Stephen Foot, neste texto o jovem poeta expressou seu novo
nascimento, sua conversão a Deus, a conquista da liberdade, a
vitória sobre o egoísmo e a objetivação, sobre suas oposições,
medos e solidão, tudo isso depois de uma torturante experiência
pessoal ensejada pelo estado de inquietude que o acometia:
Minha vida e este é o ntico do “homem novo começou
hontem porque hontem a vida começou a ter para mim uma
significação mais profunda, porque hontem Deus a illuminou
com a luz da graça, revelando-me a sua presença em minha
alma. Minha vida começou hontem porque hontem eu achei
“uma nova liberdade, uma nova Victoria, uma nova alegria,
um novo poder, uma nova paz, porque hontem Deus tornou
todas as cousas novas para mim”, porque hontem eu comecei
a aprender a esquecer-me a mim mesmo, a amar os meus
inimigos, porque hontem eu me abandonei inteiramente a
Deus, porque hontem eu vi que era uma creatura pedante e
mesquinha, porque hontem eu conheci a minha miséria.
Minha vida começou hontem e a de todos os homens podem
começar hoje mesmo, agora assim queira cada homem
“escutar” (GUERREIRO RAMOS, 1936c).
Em O canto de rebeldia (GUERREIRO, 1937a) é essa
mesma notícia que notamos: um novo homem (Guerreiro Ramos)
nasceu e pleiteia a “plenitude da vida, que é a vida em Deus”.
Para nascer, foi necessário quebrar os grilhões” que o estavam
escravizando a uma vida social ordinária e medíocre, ou, para
usarmos os termos berdyaevianos, a uma vida objetivada e sem
sentido. Para o jovem Guerreiro Ramos, sem a ruptura com tudo
aquilo que escraviza, o alcance da originalidade, da condição de
homem livre, de uma consciência livre, é impossível. Esta era a
mesma opinião de Berdyaev (1946), para quem, a libertação da
escravidão seria um passo fundamental, condição sine qua non
para que homens e mulheres pudessem encontrar suas
respectivas originalidades, o eu primário, a fim de conquistar a
liberdade e, deste modo, chegar a Deus. Era exatamente isso que
Guerreiro Ramos tanto almejava, conforme podemos notar no
75
poema A luta contra o anjo (GUERREIRO RAMOS, 1937a):
Eu não sou verdadeiro.
No fim de todos os meus atos
Vou encontrar a expressão
De um outro eu
Que não sou eu mesmo.
Eu sem o que li,
Sem o que aprendi,
Sem o que herdei dos meus pais,
Suprapersonal,
Supraterreno,
Esse eu, original,
Único,
Inconfundível,
Que é a imagem de Deus, em mim,
.................................
Esse eu que me faz sentir-me
Um Cristo autêntico,
Eu quero achá-lo,
Quero vivê-lo.
Oh! Impossibilidade de ser um alguém!
Oh! Impossibilidade de viver o Cristo! (grifos no original)
....................................
Apresentando-se como sendo um novo homem,
Guerreiro Ramos admite que sente pulsar em si diversas
contradições. Latentes nele encontravam-se os sentimentos de
rebeldia e o de docilidade (O canto da rebeldia); com a
necessidade aguda de solidão para poder acessar em si o eu
original convivia o desejo angustiante de encontrar uma mulher
para que com ela pudesse ser um nós” indissolúvel e solidário
(Nostalgia da esperada); em suas profundezas sentia o duelo que
entre si travavam o u e o inferno, Deus e Demônio, o bem e o
mal (O canto da alegria triste); enquanto a noite lhe fazia sentir
fortemente a presença de Deus, o dia o faz trabalhar contra Deus,
ser extremamente egoísta (O canto da noite). Essas são algumas
das contradições que Guerreiro Ramos utilizou para poder definir
o seu drama pessoal de ser dois.
A rebeldia e a revolta eram as formas de conduta desse
novo homem, no mundo. Assim, segundo o nosso jovem poeta,
76
somente um comportamento revolucionário poderia combater e
negar a permanência e a viabilidade de um “mundo desumano e
ateu” como aquele em que vivia e que por diversas vezes
condenou em seus poemas. De igual modo, apenas um homem
rebelde recusaria os quadros psicológicos e sociais que estavam a
forjar, nos homens e nas mulheres, a submissão, o servilismo e a
obediência como um modo de ser. Era exatamente contra essa
postura passiva que sua rebeldia se colocava.
52
Neste sentido, o
seu canto poético era uma clara atitude de afirmação da
insubmissão da sua personalidade Deus me tornou
insubmisso”, afirmou ele em O canto da rebeldia, a todas as
investidas imperiais que o mundo moderno, mundo “decaído”,
deflagrava sobre ele. Somente aqueles que atestaram, dentro de
si, a presença de Deus, que sentiram, em suas profundezas, “as
reservas do eterno”, somente esses podiam assumir, de acordo
com o nosso poeta, uma atitude de rebeldia, uma revolta
espiritual”, para com o mundo e para com os homens, mas de
docilidade, para com Deus. Ser rebelde implicava, portanto, em
“sentir, a toda hora e a todo o momento, a presença viva de
Deus”. Significava “ser perseguido pelo tormento de Deus” ou,
como diria Berdyaev, ser perseguido pelo Seu chamado
(BERDYAEV, 1960, p. 53).
Essa presença viva e insistente de Deus tornava a vida
ainda mais trágica, conforme nos informa o autor em Deus me
persegue (De um livro-diário: confissões de um rapaz do século)
(1937b). Para ele, os homens perseguidos por Deus são
“sofredores de uma tragédia cruciante”, qual seja: por um lado,
eles amam o “mundo do pecado”, que a todos solicita e oferece
“alívios” em “sua alegria embriagadora”; por outro, para
52
O poema O canto da rebeldia também aborda um dos temas principais dos
trabalhos de Guerreiro Ramos: a denúncia da decadência humana e
civilizacional. Sobre esse tema faremos, nos capítulos seguintes, uma análise
mais detalhada.
77
atenderem ao chamado de Deus, têm eles que renunciar a este
“mundo tão sedutor”. Assim, em tons de confissão, diz o
ensaísta:
O mundo é o peccado. Eu aprendi a amar o peccado – diz o
homem perseguido por Deus. Mas Deus me chama e eu
começo a detestar este mundo. Sinto o peso da minha miséria
apegando-me ao mundo. Mas Deus nasceu para mim e cada
vez mais me vence.
Sinto que vae nascer um novo dia. Cada vez mais resisto
menos.
Deus me persegue...
Tenho medo de Deus...
Porque o mundo ainda me seduz...
(GUERREIRO RAMOS,
1937b) (grifos nossos)
Dessa tragédia derivava a contradição mesma de sua
rebeldia. Sem esquecer que o Homem tem suas origens, a um só
tempo, em Deus e no Ungrund, Guerreiro Ramos também se
insurgia contra Deus, deixando transparecer a eterna tragédia
existencial a que todo humano estaria condenados a viver. Vale
lembrar que, para Berdyaev (1960, p. 26), a rebelião contra Deus
representariao retorno ao não-ser”, a vitória”, no Homen, “do
não-ser sobre a luz divina”. Em Lamentações, o segundo poema
de O drama de ser dois, o poeta sinaliza sua fraqueza, quando se
declara revoltado contra Deus:
Eu tenho vergonha de crer.
Tenho o zelo do que os meus amigos pensam de mim.
Deus me tornou ridículo.
.......................................
Tua presença me incomoda.
Tua presença me inquieta.
.......................................
Em torno a mim reina a incompreensão.
E não te posso amar porque os homens não te amam.
Os homens vivem sem ti.
o sentem a necessidade da tua graça.
E, por isso, não te quero amar.
Porque amo mais aos homens do que a ti.
Os homens te expulsaram do coração.
Tu não existes, neste mundo.
.......................................
78
Também em Lamentações encontramos a expressão de
sentimentos outros, tais como desejo da entrega e do amor,
dúvidas, conflitos, certezas, abandono, alegria e nostalgia. Esses
sentimentos apontam para as profundas contradições, paradoxos
e dualidades imanentes ao Homem, mas que estavam sendo
sentidas de modo mais agudo em razão da solidão
experienciada pelo poeta. Neste poema o poeta confessa, em
tom de súplica, a sua solidão: “estou só, meu Deus”. A solidão o
fazia sentir-se um estrangeiro no mundo, um homem sem par,
sem um tu, semo consolo da comunhão”, deixando claro o quão
distante estava de uma “existência autêntica”, para dizermos
com Berdyaev (1938, p. 92). Além de só, dizia-se, como o fez no
poema Nostalgia Angélica, um “anjo” na terra, “perdido”,
“exilado”, ou, na linguagem de Berdyaev (1960, p. 46), “um ser
terreno com lembranças do paraíso e reflexos da luz divina”.
Vejamos o poema:
Eu estou só,
Sentindo-me inseguro.
...........................
Eu sou um peregrino do Absoluto,
Estrangeiro que passa
No meio da balbúrdia da cidade.
Minha pátria não é esta.
Eu a deixei há muito tempo.
Eu sinto a nostalgia de minha pátria.
Eu tenho saudade de minha pátria.
Minha pátria é o céu.
Eu sou um anjo
Perdido
Exilado,
.............................
O anjo que habita
Que se exilou em mim,
Tem saudades do Creador.
Eu tenho a experiência viva
De que sou anjo.
E sofro a incompreensão.
..............................
As vozes da cidade
Me fazem sentir
A nostalgia da pátria
De onde eu rolei,
79
Pecando...
um outro poema que não integra o livro, mas que
explora a mesma idéia de homem desterrado. Em Exílio (1936b),
tanto quanto em Nostalgia Angélica (GUERREIRO RAMOS, 1937a),
a descrição que o poeta faz de si guarda aquelas observações
feitas por Berdyaev (1960, p. 284) sobre o homem como um ser
exilado e que carrega consigo lembranças de sua pátria natal, o
paraíso. É exatamente assim que Guerreiro Ramos se apresenta
quando fala da sua condição humana no mundo, de sua relação
com os seus, com o mundo e com Deus. Assume-se na posição de
poeta e, a partir dela, depõe sobre o seu estado e a sua
sentimentalidade. A solidão é a sua companheira: entre os
homens, diz ele, “estou ”; frente ao Eterno, também. Exilado
dos homens e de Deus, detém consigo a recordação, a lembrança
de “uma paisagem longínqua”, “paisagem da pátria inenarrável”,
lembrança esta que não se faz presente nos seus próximos, pois
que a perderam em suas ambulações “pelo pecado”.
Mas o anjo que sente em si, no entanto, a ele não se
impõe de modo absoluto. Em A luta contra o anjo, Guerreiro
Ramos afirma que a sua faceta angélica não apenas lhe fornece o
sentimento profundo de proximidade com o divino, mas também
lhe provoca repugnância e ódio, pois obstaculariza o seu processo
de auto-determinação e criação. Por isso é que ele “luta contra o
anjo que dentro de si “chora” com “saudades do Eterno”,
atormentando-o no íntimo e provocando um desejo “titânico de
acabar, definitivamente, com o anjo que dentro de si: “quero
matá-lo, em mim, /.../ E fazer-me um super-homem.”
No poema O canto da alegria triste, os sentimentos são
expressos de modo intenso, e o drama de ser dois” insurge de
maneira mais explícita. O título, como podemos notar,
denuncia o dualismo sentimental guerreiriano. A “alegria triste
80
era resultante dilaceração que o acometia, das “contradições
interiores” que se dizia vítima, da sua inadequação “aos quadros”
do mundo; em suma, a sua alegria era triste porque constatava
em si o drama originário da “enigmática e contraditória natureza
do homem”, cujas raízes estariam fincadas, como disse Berdyaev
(1960, p. 46), em Deus e nas profundezas do Absoluto. A
tragédia humana, o drama de ser dois, de pertencer a dois
mundos, como vimos, resultava exatamente dessa dupla origem
humana. O sofrimento de nosso poeta agravava-se,
sobremaneira, pelo fato de ele reconhecer em si essa dualidade
originária do homem e o tormento que ela lhe provocava. Era
esse fato que fazia a sua alegria triste, humilde, dolorosa,
nostálgica, saudosa...
A minha alegria é uma alegria triste,
Uma alegria humilde,
Uma alegria dolorosa,
Uma alegria santa,
Uma alegria nostálgica,
É uma saudade longínqua
De um céu
Que eu entrevi
Nos groes de mim mesmo.
A minha alegria é uma alegria inquietadora
Que me traz sempre
Sob o tormento de Deus.
A minha alegria é triste
Porque me faz viver
Entre a saudade dou
E a saudade do mundo.
E eu vivo dilacerado
Pelas contradições interiores
De que sou vítima.
............................
E, dentro de mim,
Se trava
O duelo entre o céu e a terra,
E sinto a nostalgia do céu,
Quando estou na terra.
E sinto a nostalgia da terra,
Quando estou no céu.
Mas eu sou um estranho.
Eu estou sozinho. (grifos nossos)
............................
Um homem desses, que pelos caminhos tortuosos da
81
peregrinação pessoal sentiu o sopro divino originário, regressa
para a vida cotidiana transformado, sedoso por comunhão, por
amor e pelo compartilhamento de sua alegria. Tendo Deus o
tornado um homem famélico de “sentido de vida, “de um mais
além”, ele acredita, ele sonha com a possibilidade, senão de
saciar-se no mundo comunitário, pelo menos de nele transbordar,
compartilhando a sua alegria e amor. Vejamos o que diz Guerreiro
Ramos em Nostalgia da esperada:
Sonho
Com a alma complementar
Da minha.
Sonho e espero.
........................
Procuro-te,
.......................
Quando souber,
E ver,
E sentir
Quem és,
Terei compreendido
O teu mistério,
Vivendo-o,
Sentindo-o.
Então formaremos
Esta síntese humana
Que é um NÓS
Indissolúvel,
Solidário,
No qual
Estaremos,
Eu em ti,
Tu em mim.
Tão idênticos
Haveremos de ser
Que seremos
UM só.
Então,
Olharemos para o céu,
Para todo o universo,
E sentiremos
E Unidade
Misteriosa
De toda a Creação.
E seremos
Irmãos
Das estrelas,
Das pedras,
82
De todos os seres,
De todas as coisas,
Porque formaremos
UM
Com o universo inteiro.
E haverá paz
Em nós.
................................
E a nossa felicidade
Será eterna,
Inesgotável.
..................................
Até que A MORTE
Nos devolva
O Paraíso
Que perdemos... (destaques no original)
No entanto, percebe ele a decadência do mundo e dos
homens, e com ela, de modo conseqüente, a impossibilidade da
comunhão, alimento fundamental da personalidade, da pessoa
humana. Deste modo, não conseguindo a sua total e plena
realização em Deus somente os Santos isso conseguem –,
tampouco no mundo, vive a percorrer o seu eterno trajeto: dos
grotões de si mesmo para o mundo, do mundo para suas
profundezas.
............................
E não consigo ser feliz
Como os outros homens
Porque Deus me persegue,
Porque Deus me tornou faminto
De um sentido,
De um mais além
Que não encontro no mundo.
Deus me fez provar a alegria dolorosa
De lhe ser escravo,
De lhe ser fiel.
E sou infeliz
Porque Deus não me deixa,
Porque Deus empreendeu, contra min,
Uma perseguição de todos os dias,
De todos os momentos
De minha vida.
E a alegria que Deus me deu
o cabe em mim mesmo
E transborda.
E procuro amar,
Por meio de um amor transfigurado,
83
Santificado,
Afim de repartir a minha alegria,
E não encontro a quem-la,
E não encontro
Os famintos,
Os sedentos
Desta alegria.
A alegria que embriaga o mundo
É uma alegria sem Deus
É uma alegria satânica,
É uma alegria inteiramente dos homens.
E eu sou um estranho
Porque Deus me persegue. (destaques no original)
............................
De modo sintético, podemos afirmar que o pequeno livro
de poesias de Guerreiro Ramos significava para ele a narração de
sua odisséia para escapar do mal que o atormentava E, como
escreveu o nosso jovem poeta em um outro artigo, para o
homem, vencer o mal somente seria possível, caso ele saísse do
seu anonimato e passasse a se afirmar como pessoa, ou seja,
como um ALGUÉM com um DESTINO a cumprir” (1937e)
(destaques no original). Deste modo, era imperativo ao homem
dizer “NÃO” a todas as formas de subjugação e anulação que
sobre ele o mundo tenta impor, e isso implicava em assumir a
tragédia como a melhor maneira de lograr êxito em sua
humanização:
Onde, então, buscar as energias para impedir a vitória do mal?
Eu creio que por um aprofundamento da noção de pessoa.
[...] É necessário colocar a vida na ordem do trágico e do
grave. O mal dos tempos modernos não é mais do que a
dissolução do homem nas massas. A vida moderna exige do
homem uma atividade artificial. O homem não pode estar
sozinho. Porque o seu silêncio é invadido pelas vozes que o
distraem de si mesmo. O homem não tem tempo para
encontrar-se consigo mesmo. Ele é assim tiranizado pelo ON-
DIT, pelo terrível e mediocrizante ON, pelo DIZEM. E se
determina segundo as palavras de ordem deste ON anônimo,
sem ter a coragem de comprometer-se, agindo
responsavelmente. No mundo moderno, dada a vitória da
quantidade sobre a qualidade, para que o homem viva como
pessoa é preciso ser um forte, expor-se contra a onda
apavorante do ON, é preciso ser anarquista, trazer a revolução
no sangue, criar-se para si o seu próprio mundo, fazer o seu
84
lar, os seus amigos e a si mesmo (GUERREIRO RAMOS,
1937e). (destaques no original)
Esta definição de si mesmo como um homem que
vivenciava sua existência de maneira dramaticamente
tensionada entre dualidades foi feita por volta dos 22 anos de
idade. Aos 67, pouco antes de sua morte, ele ainda admitia ser
este um traço fundamental de sua pessoa. Pertencer a dois
mundos significava, na verdade, não pertencer a nenhum deles,
mas estar, sempre, entre. Em suas próprias palavras:
Ainda hoje eu acho que esse é um traço fundamental do meu
perfil: eu não pertenço a nada. Não pertenço a instituições,
não tenho fidelidades a coisas sociais; tudo o que é social,
para mim é instrumento. Eu o sou de nada, estou sempre à
procura de alguma coisa que não é materializada em
instituição, em linha de conduta. Ninguém pode confiar em
mim em termos de socialidade, de institucionalidade, porque
isso não é para mim; não são funções para mim. O meu
negócio é outro (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 4)
Sem abandonar de todo o sentido que a expressão
“drama de ser dois” possuía enquanto definição de sua
personalidade, e sendo considerado como um dos maiores
sociólogos brasileiros, Guerreiro Ramos adotou a expressão
inglesa in-between, tomada emprestada de Eric Voegelin
53
, por
quem nutria muita admiração, para explicar tal condição
existencial.
54
Assim, associando estas duas expressões, disse ele
53
O termo foi utilizado por Voegelin, que recuperando a noção platônica de
metaxy, afirmava que a existência humana contempla uma estrutura
intermediária (in-between structure), na qual a consciência humana se
desenvolve. As pessoas experienciam essa estrutura intermediária da
existência como um campo de tensão entre pólos contrários, tais como vida
e morte, perfeição e imperfeição, tempo e eternidade, mortalidade e
imortalidade, etc. Nós o “existimos” em nenhum dos pólos dessa tensão,
mas, na realidade, entre eles. Seria um erro, adverte Voegelin, considerar
tais pólos objetivamente. Trata-se, em verdade, de sentidos ou índices, entre
os quais nos movemos, existencialmente. (GERMINO, 1975)
54
Em seu último livro publicado em vida, Guerreiro Ramos (1981), fazendo
uma crítica severa à presença, na ciência social, de “categorias
mecanomórficas” para a explicação da “existência social e individual”,
utiliza-se da expressão de Voegelin em sua argumentação. Segundo Ramos,
“a verdadeira existência, individual tanto quanto social, nunca é um fato
uma simples manifestação externa evidente por si mesma”, mas “alguma
coisa intermediária in-between”, quer dizer, “uma tensão entre o potencial
85
certa vez: o livro O Drama de ser dois “é realmente uma
expressão do que eu sempre fui. Em inglês existe uma expressão:
in betweenners. Estou in between. Nunca estou incluído em nada.
As minhas metas são a única coisa que estou incluído; não
pessoas que me incluam.” (Idem, p. 4)
e o real” (GUERREIRO RAMOS, 1981a, p. 126-128).
86
C a p í t u l o 4
Civilização decadente, humanismo superado e
crise do homem moderno
Em um texto intitulado A lição do professor Leduc,
referindo-se aqui a Gaston Leduc
55
, que em setembro de 1936
esteve em Salvador para uma série de conferências na Faculdade
Livre de Direito da Bahia, Guerreiro Ramos, ao vincular o seu
pensamento ao dos integrantes dos grupos das revistas Ordre
Nouveau, Esprit, Via Intellectualle e Sept, afirmou haver na
França um grupo de jovens intelectuais, “uma mocidade
revolucionária”, cujo principal objetivo era a reconstituição
christã do mundo em bases personalistas (GUERREIRO RAMOS,
1936a, s/p). Esses moços, disse o baiano, estavam em luta aberta
“contra as forças desintegradoras da personalidade humana”;
acusavam a “desarticulação do temporal e do espiritual” que a
sociedade contemporânea estava forjando; combatiam e
denunciavam o clima artificial do mundo moderno que entrava,
de todas as maneiras, com o seu materialismo, a expressão do
homem verdadeiro, do homem total, do homem interior” (Idem
Ibidem). Também, constatavam que o modo de vida moderno, o
modo de viver socialmente aceito e em pleno vigor, não estava
conseguindo aplacar a ânsia, a insatisfação constante a que o
espírito humano da época estava sujeito. Era impossível, na
perspectiva da juventude francesa adepta ao personalismo,
sustentar a ruptura entre o homem e Deus, que séculos vinha
sendo legitimada pelos mais variados discursos.
56
Assim, esses
jovens lutavam contra todas as mazelas pessoais e sociais que o
55
Gaston Leduc foi um dos professores franceses em missão universitária no
Brasil, tendo lecionado economia na Universidade do Distrito Federal, no Rio
de Janeiro, entre os anos de 1936-1939.
56
Tal como faz Maritain em Tres reformadores, Guerreiro aponta Descartes e
Lutero como os principais articuladores da ruptura entre o homem e Deus.
87
mundo moderno provocava, com o intuito de, por intermédio de
uma atitude de total dissidência com status quo, estimularem e
praticarem uma “revolução total”, revolução esta que se
caracterizaria em uma volta aos princípios eternos, uma
reconciliação entre o homem e Deus, uma nova synthese
medieval.” (Idem Ibidem)
Gaston Leduc estaria, para Guerreiro Ramos, totalmente
inserido no seio desse movimento juvenil francês, e a sua posição
se fazia marcar, principalmente, com uma crítica acirrada ao
liberalismo econômico, que representava uma inversão
valorativa, pois, ao invés de a economia se verter aos homens e
às suas finalidades, o liberalismo propugnava que o homem
deveria servir à economia. Essa inversão valorativa propugnava
que a felicidade seria uma conseqüência do dinheiro, este novo
deus moderno que estava a atrair a adoração dos homens e a
escravizá-los. Era no dinheiro que se centrava e se instituía a
nova medida do homem, e não mais em sua personalidade. Esta
situação estava a merecer modificações radicais, tanto na visão
de Gaston Leduc quanto na dos jovens intelectuais franceses, que
proclamavam uma nova attitude em face dos problemas
humanos”, atitude essa que valorizasse as fontes eternas do
christianismo”, que procurasse reintegrar a personalidade
humana” e assumir novamente o controle político sobre a
economia (Idem Ibidem). Concordando com o diagnóstico
apresentado por Leduc, Guerreiro Ramos afirmava que não se
podia mais colaborar com o estado de falência em que se
encontrava submetida a personalidade humana. Era
fundamental, portanto, que se buscasse a “libertação integral da
personalidade”, e tal libertação implicava em subordinar a
sociedade “aos interesses espirituais” do Homem (Idem Ibidem).
Como podemos perceber do texto acima comentado, a
88
atenção do jovem Guerreiro Ramos estava invariavelmente
direcionada para a maneira como o debate sobre a questão da
decadência civilizacional vinha sendo conduzida por intelectuais
franceses, sobretudo por aqueles que pertenciam à vertente
católica e cristã.
57
O mesmo podemos dizer a respeito de Afrânio
Coutinho (1936a; 1936b; 1936c; 1936d; 1938a; 1938b; 1939;
1941) e Antônio Osmar Gomes (Paulo de Damasco) (1937),
amigos pessoais de Guerreiro Ramos e com os quais
compartilhava suas preocupações. Seria via a intelectualidade
francesa que eles procurariam entender o momento por que
passava o Brasil, a Europa e o mundo.
Guerreiro Ramos via semelhança entre o momento
histórico do Brasil dos anos 30 e a Europa do Pós-Primeira Guerra:
nós estamos vivendo no Brasil uma phase que se assemelha
muito á phase do ‘avant-guerre’ na Europa, phase de crise
metaphysica, de busca ansiosa de um sentido novo para a
existência”, pois que os jovens brasileiros eram “sêres extranhos,
incomprehenseveis, incoherentes, desordenados...”, de tal modo
que “todos os nossos actos attestam a nostalgia de uma ordem
perdida” (GUERREIRO RAMOS, 1938c, s/p). A França era a terra
pátria dos jovens que estavam articulando os principais esforços
reativos a essa situação metafísica e existencialmente torturante.
Não teria sido em vão e sem sentido que, em 1939, em artigo
publicado pela revista católica A Ordem, Afrânio Coutinho sugeriu
que a França, dada a crise por que passava a civilização – aqui se
referindo ao Fascismo e ao Comunismo como sistemas totalitários
que estavam a se impor em alguns países –, teria para o mundo
cristão ocidental o mesmo papel e a mesma missão que outrora
coube à Grécia cumprir. Quer dizer, por intermédio de sua
57
Guerreiro Ramos também possuía conhecimento do Grupo de Oxford, ao
qual esteve ligado Stephen Foot, autor do livro Ma vie a commencé hier (Life
began yesterday), que foi resenhado pelo nosso autor no ensaio Minha vida
começou hontem (1936c).
89
intelligentsia seria possível aprender qual o papel que caberia aos
intelectuais cristãos (brasileiros) desempenhar frente àquelas e
outras adversidades destruidoras da essência humana e social.
Em suas próprias palavras:
...é a mocidade pensante da França e os seus grandes líderes
que veem concorrendo com a maior contribuição filosófica e
prática. É essa mocidade a juventude de espírito
verdadeiramente de vanguarda, o que decorre das
esplêndidas qualidades de inteligência, de civilização e cultura
do povo francês, herdeiro autêntico, na atualidade, do papel
da Grécia antiga. Apesar de tôdas as aparências exteriores, ao
parecer decepcionantes, porém, bem encaradas,
manifestações únicas de equilíbrio e humanismo, é do seu
bom senso insuperável, do seu senso da liberdade esta
sendo o clima propício para a germinação dos novos edifícios
culturais e do seu gênio que é a mais legítima e pura
expressão ou encarnação da alma cris e ocidental, que
surgirá a fórmula renovadora de valor universal à altura e á
medida do homem, do grau de civilização e da dignidade
humana (COUTINHO, 1939, p. 41).
E concluía Afrânio, com destaques: A França é ‘a
esperança do mundo’.” (Idem, p. 41)
Mas não era somente “a mocidade pensante da França”,
isto é, os nascidos no século XX, que estava a minar a
legitimidade da sociedade moderna.
58
Intelectuais como Jacques
Maritain, Charles Péguy e Nicolas Berdyaev, com os quais, como
sabemos, Guerreiro Ramos guardava grandes afinidades, eram
vozes que, de certo modo, ecoavam nos discursos da juventude,
dado que muitos deles foram educados por intelectuais nascidos
ainda no século XIX. De acordo com Loubet Del Bayle (2001),
58
Os principais jovens da época eram: Maurice Blachot (1907-2003), Étienne
Borne (1907-1993), Robert Brasillach (1909-1945), Robert Buron (1910-
1973), Claude Chevalley (1909-1984), Henri Daniel-Rops [Henri Petiot] (1901-
1965), And Déléage (1904-1944), Georges Duveau (1903-1958), Jean de
Fabrègues (1983), Robert Francys [Jean Godmé] (1909-1946), Robert Gibrat
(1904-1980), Edmound Humeau (1907-1998), Georges Izard (1903-1973),
Jean Jardin (1904-1976), Jean Lacroix (1900-1986), Philippe Lamour (1903-
1992), Pierre-Olivier Lapie (1901-1994), Alexandre Marc (1904-2000), Thierry
Maulnier [Jacques Talagrand] (1909-1988), Jean-Pierr Maxence [Pierr Godmé]
(1906-1956), Emmanuel Mounier (1905-1950), Denis de Rougemont (1906-
1985), Pierre-Henri Simon (1903-1972), Pierre-Aimé Touchard (1903-1987),
André Ulmann (1912-1970) e René Vincent (1909-1996).
90
Mounier, Daniel-Rops, Jean de Fabrègues e Jean-Pierre Maxence
eram os mais inclinados às análises feitas por Berdyaev e
Maritain. Particularmente, o caso de Mounier nos parece exemplar
para ser descrito, pois que a sua formação intelectual foi
devedora de homens contemporâneos de Maritain.
Composta por homens como Tomain Rolland (1866-
1944), Paul Claudel (1868-1955), Maurice Barrès (1862-1923),
André Gide (1869-1951), Marcel Proust (1871-1922), Jacques
Rivière (1886-1925), Ernest Psichari (1883-1914), Alain-Fournier
(1886-1914), Henri Massis (1882-1970), Georges Bernanos (1888-
1948), Charles Péguy (1873-1914) entre outros, a geração de
Maritain (1882-1973) esteve envolvida com dois problemas, a
saber: a decadência da civilização e da cultura e a urgente
necessidade de uma total regeneração da vida nacional e da
civilização em si mesma. Em função da forte presença que sobre
eles teve a figura de Henri Bérgson, alguns partiram para a
solução desses problemas recorrendo à filosofia bergsoniana,
como foi o caso tanto de Maritain como de Chevalier (1882-1962).
Tendo sido o primeiro mentor de Mounier, Jacques Chevalier
exerceu uma presença muito forte sobre a sua formação. Durante
o período que compreende os anos de 1924 a 1927, este filósofo
de Genebra se dedicou à preparação de Mounier para uma
possível atuação no apostolado. Ao fim desses três anos, Mounier
obteve o diploma de estudos Superiores de Filosofia com a tese
intitulada O conflito do antropocentrismo e do teocentrismo na
filosofia de Descartes. Em uma de suas cartas, assim Chevalier
comenta a sua postura enquanto educador de Mounier:
Equipei-o melhor que pude para essa ação que ele tanto
desejara, preparando-o, como a todos os meus discípulos
mas muito especialmente a ele, meu aluno preferido como
ainda recentemente mo dizia seu pai com um duplo e único
viático: (1) primeiro, princípios firmes, inquebrantáveis, e uma
desde o início muito precisa orientação, para um fim ainda
91
mais espiritual do que intelectual, um fim em que se possa
crer e que se ame com todo o coração; (2) como
instrumentos intelectuais não lhe entreguei fórmulas,
conceitos, palavras, nem mesmo aqueles que exprimiam a
minha maneira pessoal de ver e traduzir a verdade: era ele
que os devia preparar. O verdadeiro discípulo, dizia-lhe muitas
vezes, não é o que repete fórmulas, mas o que propaga um
movimento que recebeu. Esforcei-me por lhe ensinar a
manejar um método seguro, rigoroso, submetido ao objeto,
sobre ele modelado, afastando todo o artifício, construído para
captar o real de mais perto, para definir exatamente os
termos, ver onde reside a questão, colocá-la precisamente,
examinar a tese contrária para discernir o verdadeiro do falso
e depois abrir completamente o caminho para a verdade,
nosso único fim (CHEVALIER apud COSTA, 1960, p. 24-25).
Esta insistência de Chevalier para que Mounier se
dedicasse ao aprendizado de um “método seguro, rigoroso teria
reflexo no notável cuidado de objetividade que mais tarde se
apresentaria nos escritos deste (MOIX, 1968, p. 6). Para além
disso, o mestre também buscou inserir o seu discípulo no
ambiente intelectual francês e o introduziu aos estudos da
filosofia cristã, que ele viria a utilizar como fundamento para a
elaboração do seu personalismo cristão.
Como afirmado acima, Chevalier e Maritain foram alunos
e discípulos de Bérgson, tendo sido via o seu pensamento
filosófico que ambos procuraram elaborar suas reflexões a
propósito da natureza da filosofia cristã.
59
Aliás, havia, na França,
ao longo das duas primeiras décadas do século XX, um intenso
debate em torno de uma série de questões que diziam respeito à
filosofia cristã, tais como a relação entre natureza e graça,
conhecimento e revelação, e também sobre as próprias fontes
que poderiam lhe servir de sustentação, ou seja, se a filosofia
cristã deveria se sustentar na razão ou na fé, se deveria se
inspirar nas filosofias de Platão ou Aristóteles, Santo Agostino ou
Santo Tomás, Descartes ou Pascal. Envoltos em tais
59
Podemos dizer, inclusive, que as identidades filosóficas de ambos foram
definidas exatamente em virtude do autor de L’Évolution Créatrice, que foi
nobilitado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1927.
92
preocupações, aqueles dois intelectuais de capital importância
para Mounier viriam a tomar caminhos distintos em suas opções
e elaborações teóricas.
Chevalier, fortemente influenciado pela filosofia de Henri
Bérgson e acreditando que as recentes descobertas filosóficas
proporcionariam uma revolução substantiva no pensamento
humano, advogava ser necessário reavaliar a filosofia católica,
com vistas à sua renovação. Assim, apostando no moderno, no
novo caminho que as especulações filosóficas de Bérgson
assinalavam rumo à revisão da filosofia cristã, passou a
considerar que tanto o idealismo como o materialismo, duas
vertentes filosóficas que gozavam de bom prestígio entre os seus
contemporâneos, não forneciam subsídios formais e substanciais
para um correto tratamento das realidades natural e humana,
haja vista que, em seu entendimento, ambas não conseguiram
proporcionar aquilo que a filosofia bergsoneana proporcionava, a
saber: a) prender a unidade do ser no tempo, como o faz a sua
noção de duração, e b) instituir, a contento, a relação de
reciprocidade que há entre a consciência humana e a realidade,
como estabelece a sua noção de intuição (AMATO, 2002, p. 83-
84). Esta dupla crítica tinha implicações seriíssimas para a tarefa
que Chevalier havia se imposto elaborar uma nova ciência do
indivíduo, uma vez que pensar o individual por intermédio da
filosofia do autor de L’Énergie spirituelle o distanciaria das
concepções de homem elaboradas até então por idealistas e
materialistas.
A apreciação crítica procedida por Chevalier não se
detinha somente ao idealismo e ao materialismo. Quando ele
resolveu passar em exame a história da filosofia para uma análise
temporal mais ampla da questão do indivíduo, chegou à
conclusão de que todo o conhecimento filosófico anterior a
93
Bérgson havia falhado na consideração do “contingente, livre e
individual e, por causa dessa falha, o conhecimento permaneceu
abstrato para o conhecido, o conhecedor e o ser.” (Idem, p. 86)
Em razão da constatação deste malogro das filosofias que
antecederam à bergsoneana, Chevalier apontava para os limites
das filosofias clássicas e medievais na elaboração de uma ciência
do homem que correspondesse à época moderna.
60
Assim,
munido do que havia de mais atual em termos de especulações
filosóficas, partiu rumo à elaboração de sua própria filosofia do
indivíduo, por meio da articulação dos seguintes pontos: “(1) re-
introduzir toda a personalidade e individualidade ausentes do
pensamento contemporâneo; (2) recolocar o Ser como objeto da
filosofia em detrimento das idolatrias; e (3) criar a ciência do
individual e pessoal, o contingente, livre e milagroso.” (Idem, p.
85) Era sua opinião que, uma vez estabelecida uma nova ciência
do indivíduo sobre estes parâmetros, esta poderia: “(1) oferecer
uma compreensível e hierárquica visão de toda ordem natural e
humana; (2) mostrar a primazia do reino espiritual da liberdade,
e Deus; e (3) conceber a realidade como o singular e livre ato
de Deus, como Criador e Pai.” (Idem Ibidem)
Esta crítica incidia de modo direto sobre a filosofia à qual
Maritain deliberadamente se filiava a filosofia tomista. Muito
embora este discípulo de Tomás de Aquino tenha iniciado a sua
trajetória intelectual por meio de Bérgson
61
tendo também
60
Embora Sócrates houvesse situado a filosofia no eixo investigativo do
homem, e tanto Platão quanto Aristóteles, atribuído à razão humana essa
finalidade investigativa, acrescentando também o problema da natureza,
para Chevalier, o pensamento clássico como um todo permaneceu (...)
amarrado e limitado pelos conceitos de necessidade, universalidade e lei às
expensas da liberdade singular e pessoal”, e que mesmo as investidas
filosóficas de Santo Agostinho e Santo Tomás falharam em suas tentativas de
transcender tais limites percebidos no pensamento clássico, o obtendo
sucesso, portanto, em incorporar dimensões radicalmente novas à filosofia
cristã (AMATO, 2002, p. 86).
61
Amato aponta para uma possível influência de Bérgson em Maritain, em
vários sentidos. Aqui vale a pena citar os seguintes: o pensamento de
Bérgson transformou a ‘poesia do eu’ de Maritain em uma ‘poesia da
existência’; forneceu a ele “um novo senso de sentido, uma nova confiança
94
procurado dialogar constantemente com a filosofia moderna e
contemporânea (Kant, Hegel, Bérgson, Heidegger, entre outros),
dado que o seu tomismo pode ser compreendido como um
esforço contínuo de fazer ressurgir a doutrina de Santo Tomás,
integrando-a no contexto da vida cotidiana e do pensamento
filosófico de seu tempo, no intento de capacitá-la a responder, no
plano filosófico e até mesmo político, aos problemas
fundamentais com que se deparava o homem moderno e que
acometiam a civilização moderna a filosofia maritainiana
estava, definitivamente, vinculada à Idade Média (CAMPOS, 1989,
p. 94-120).
Mesmo que Chavalier e Maritain concordassem em uma
série de pontos, como no fato de a Igreja ser depositária das
verdades (algo que muito do pensamento moderno procurara
transcender, refutar e completar), na possibilidade e necessidade
de uma nova filosofia católica, na primazia última da fé, na
afirmação de um compromisso pessoal de rever os resultados de
suas especulações, caso as mesmas conflitassem com os
ensinamentos da Igreja, os dois discordavam sobre um ponto
nodal: sobre a filosofia de Henri Bérgson. Maritain era
universalista e reconhecidamente um dos críticos fervorosos de
Bérgson, tendo encontrado maiores afinidades intelectuais e
pessoais com a filosofia medieval. Foi, inclusive, a partir desta
que elaborou o seu “humanismo integral”, o qual se manifestou,
ao longo de sua trajetória intelectual, em três específicas formas
culturais: (a) “uma epistemologia baseada no realismo sensorial e
na objetividade; (b) “uma estética que identifica na verdadeira
obra de arte uma expressão da espiritualidade humana”; e (c)
uma antropologia sociopolítica, sensível à dimensão espiritual do
homem, sem confinar essa dimensão a um único credo religioso
em seu futuro”; “afetou a sua vocação para o estudo de uma filosofia que ele
acreditava que poderia provê-lo de um real propósito de vida”; etc. (AMATO,
2002, p. 47).
95
(SANTOS, 2000, p. 19). Chevalier, diferentemente de Maritain, era
um nacionalista que se identificava com a corrente do
pensamento filosófico que provinha de Descartes e Pascal e que
tinha em Bérgson o representante maior da filosofia moderna,
optou por enveredar por uma direção que melhor lhe
proporcionasse a elaboração de uma nova síntese entre ciência e
fé.
62
O que é importante frisar aqui é o fato de a convivência
intelectual entre Chevalier e Mounier, assim como a entre
Mounier e Maritain, ter sido estabelecida exatamente dentro do
contexto desse projeto de uma nova filosofia cristã. E, muito
embora o próprio Mounier não tenha perseguido essa
preocupação de Chevalier em formular uma ciência do indivíduo,
principalmente a partir da filosofia bergsoniana apesar de que
em seus escritos as reflexões sobre a pessoa humana ter sido o
foco par excellence não se pode perder de vista que o mesmo
manteve ao longo de sua trajetória intelectual alguns elementos
que também foram comuns a Chevalier, como, por exemplo, os
seguintes:
(1) considerou o idealismo, o materialismo e o positivismo
inadequados como filosofias; (2) sublinhou como todas as
investigações racionais nelas mesmas são limitadas por causa
da singularidade do ser e o mistério da existência; (3) propôs
que a realidade devesse ser primeiramente explorada,
experimentada internamente e somente depois formulada
como filosofia; (4) afirmou que o centro da existência é a
liberdade inefável do homem e Deus; e (5) em última estância
colocou a filosofia a serviço da fé (AMATO, 2002, p. 86-87).
Apesar desses aspectos em comum com Chevalier, será
por intermédio dos conselhos e do pensamento de Maritain que
Mounier procurará, desde os primeiros encontros que ambos
mantiveram durante as reuniões que ocorriam na casa dos
62
O embate público entre Maritain e Chevalier foi inevitável, conforme se pode
averiguar por meio de alguns trabalhos de ambos os autores (MARITAIN,
1921; 1954; CHEVALIER, 1920).
96
Maritain, definir algumas de suas ações e linha de pensamento,
bem como incorporará em suas críticas à civilização moderna,
como veremos, muito da analítica e da propositura maritaineana.
A negação do status quo civilizacional feita por Jacques
Maritain vinha desde os anos 20, quando este, “saindo das
regiões da especulação metafísica, empreendeu seus trabalhos
de filosofia política, dos quais o primeiro é o Primauté du Spirituel,
que apareceu em 1927.” (R. MARITAIN, 1956, p. 250) A partir
deste posicionamento político, tornou-se ele referência
importantíssima para os revolucionários personalistas franceses,
tendo também sido apontado, no Brasil, como o “mensageiro da
Idade Nova” (ELI, 1937). Contudo, o fundamento das bases
analíticas da “crise da civilização foi elaborado em seu livro Trois
réformateurs (1945)
63
, uma obra filosófica de 1925. Desse seu
posicionamento político assumido na obra de 1927, Maritain se
lança ao aprofundamento e exposição, de modo mais amplo e
sistemático, desta negação, o que se daria em 1936, com a
publicação de Humanisme Integral, obra onde estabelece um
projeto social a partir do humanismo e do pluralismo, dois
elementos fundamentais de que faz uso para delinear a crise por
que passava a civilização, sendo a mesma explicada por três
pontos fundamentais e que guardavam inter-relação entre si.
Primeiro, havia nessa crise uma dimensão mundial, pois
o que se observava era nada mais, nada menos, do que o real
“declínio do mundo moderno, que já vinha agonizando há algum
tempo mas que ganhou ritmo acelerado a partir do momento em
que ocorreu a ascensão “da classe burguêsa, do sistema
63
Este livro é de importância fundamental para a compreensão do
desenvolvimento do pensamento de Maritain. Nele podemos encontrar os
temas principais com os quais ele esteve envolvido desde os seus primeiros
escritos, servindo para nos fornecer indicativos de como o autor relaciona a
tradição tomista com o pensamento crítico por ele recebido de pessoas como
Charles Péguy, Henry Bergson e Léon Bloy, bem como as suas próprias
críticas sobre o mundo moderno, críticas essas que serviram de fermento
para as idéias de Mounier.
97
capitalista, dos conflitos imperiais e do absolutismo desenfreado
dos estados nacionalistas”.
64
Em segundo lugar, as origens dessa crise podiam ser
encontradas no processo de “secularização do cristão e da
civilização cristã”, processo este que desencadeou a passagem
do homem da antiga cristandade para o reino do homem isolado,
individualista, guardando do cristianismo apenas uma concepção
artificial, onde o evangelho foi substituído pela filantropia e pela
razão humana, aqui entendida distintamente daquela faculdade
do espírito que permitiria ao homem se abrir para a compreensão
do mistério. Tal processo significou, de uma parte, a modificação:
a) da idéia de homem do homem enquanto pessoa, do modo
como o concebia o pensamento cristão medieval, ou seja,
enquanto um ser situado entre dois pólos fundamentais, o
material e o espiritual, sendo este último o que lhe permitiria
atingir e desvelar a sua verdadeira personalidade, para o
indivíduo burguês, do modo como foi articulado pelo pensamento
moderno, um homem ao mesmo tempo individualista e
materialista; e b) da idéia de vida humana em conjunto, ou seja,
de uma vida comunitária, baseada no Bem Comum e
fundamentada em valores metafísicos, para uma agremiação em
bases puramente materiais, onde inexiste o senso de finalidade
(MARITAIN, 1943, p. 6). De outra parte, este processo de
secularização implicou modificações no humanismo.
65
Passou-se
64
Maritain observa, é claro, que o mundo moderno nos legou pontos muito
positivos, a saber: os homens tornaram-se conscientes de -mesmos, de
sua própria dignidade e da lei do progresso humano no tempo; a sociedade
civil de um lado, e o conhecimento racional do outro fizeram de sua
autonomia uma realidade; e enquanto a ciência (para a nossa infelicidade)
tomava o lugar da antiga sabedoria, a conquista científica da natureza, a
indústria e a técnica, conheceram um maravilhoso sucesso. E o maquinismo,
esperando o dia em que a razão saiba utilizá-lo para o verdadeiro fim do
homem, criou possibilidades inimaginaveis de emancipação.” (MARITAIN,
1943, p. 97)
65
Em Humanismo Integtral, Maritain vê a questão do humanismo do ponto de
vista evolutivo, nas seguintes etapas: humanismo teocêntrico (Idade
Medieval), humanismo antropocêntrico (Idade Moderna) e humanismo
integral (para a nossa época).
98
do Humanismo teocêntrico
66
, ou seja, aquele que reconhecia
ser Deus o centro do homem e que implicava na “concepção
cristã do homem pecador e redimido”, bem como na “concepção
cristã da graça e da liberdade”, para um “Humanismo
antropocêntrico”, que se caracterizava, segundo a definição de
Maritain, por tomar o homem como sendo ele próprio o centro do
homem, e assim de todas as coisas e que “encerra uma
concepção naturalista do homem e da liberdade.” (MARITAIN,
1962b, p. 24) À luz do julgamento de Maritain, o humanismo
antropocêntrico representava uma verdadeira traição à essência
do ser humano, pois ao lhe negar sua dimensão metafísica,
acabou por reduzi-lo à sua dimensão histórica. Por essa razão, o
que se presenciava à época, afirmava o filósofo, era o cimo da
“tragédia do humanismo legitimado, isto é, a culminância
trágica do homem, da cultura e de Deus, que desde a passagem
da Idade Média para a Idade Moderna vinha periclitando mas que
somente com a chegada do século XX anunciaria o fim trágico da
investida renascentista sobre o Homem, a Cultura e Deus. Assim,
tal humanismo estava definitivamente minado e sem
perspectivas de reerguer-se, pois as três tragédias acima aludidas
(do homem, da cultura e de Deus) não indicariam outra coisa
senão a necessidade de superação deste por um humanismo de
outro tipo, e que correspondesse aos reclamos constantes de
uma “Nova Cristandade” (Maritain), uma “Nova Idade Média”
(Berdyaev) e de uma “Nova Ordem” (Grupo Esprit
67
, Grupo Ordre
Nouveau
68
, Grupo Jeune Droite
69
, principalmente).
66
O emprego deste termo é recorrente entre Maritain e Mounier, estando
presente também nas análises de Nicolas Berdyaev.
67
Sobre o Grupo Esprit, consultar, de Michael Winock, Histoire politique de la
revue Esprit .
68
Sobre o Grupo Ordre Nouveau, ver o excelente trabalho de Christian Roy,
Alexandre Marc et la jeune europe (1904-1934).
69
Este grupo, particularmente, foi formado por um conjunto de jovens homens
provenientes das revisas Cahiers, Réaction, a Revue française e a Revue du
siècle, todas elas de curta duração. A denominação deles coube a Emmanuel
Mounier. De comum entre eles podemos citar a influência advinda de
Maurras e da Action franlaise. Especificamente sobre o Grupo Jeune Droite,
ver, de Nicolas Kessler, Histoire politique de la Jeune Droite (1929-1942).
99
Em terceiro lugar, esta crise caracterizava-se, ainda, pela
forte presença de “correntes opostas que envolveram a
civilização num ambiente de contradição interna”, a ponto de
exasperar o próprio “humanismo antropológico em um
humanismo ateu que provinha, principalmente, do marxismo, e
em anti-humanismos racistas que cada vez mais estavam a se
proliferar entre algumas nações (MARITAIN, 1943, p. 10). Dessa
exasperação somente se poderia esperar “uma destruição
recíproca, em virtude mesma de seus próprios fundamentos
históricos e ideológicos.
(Idem, p. 12-13)
Em vários pontos o filósofo de Meudon estava em plena
concordância com Nicolas Berdyaev. Eles acreditavam que
haveria correspondência entre a vida espiritual do homem e a
vida material da sociedade; admitiam o fato de a crise pela qual
se estava passando simbolizar o fim de uma época que teve o
seu início no Renascimento; pleiteavam a instauração de uma
nova época, de uma nova civilização, de uma nova Idade
Média”. Na realidade, era-lhes claro o fenecimento do
humanismo, da cultura e do tipo de homem que desde a
Renascença vinham sendo viabilizados no bojo de um conjunto de
práticas e de idéias. No que se refere ao humanismo moderno,
este lhes tinha o significado de um verdadeiro engodo, uma
espécie de “segundo peccado original” (ROCHA, 1935, p. 408) ou,
ainda, uma promessa não cumprida, qual seja, a de que o
homem, ao se libertar de Deus, seu centro espiritual, e assim
experimentar a liberdade e a criação sem rédeas, passaria a ser o
“autor e ordenador da vida” (BERDYAEV, 1936a, p. 15). Ao assim
se proceder, observa Berdyaev, esqueceu-se que não se pode
liberar o homem em nome da liberdade do homem, porque o
homem não pode ser o fim do homem” (Idem, p. 111).
Conseqüentemente, o que veio a acontecer, de fato, foi a
fundação de um humanismo centrado no homem, de um
100
humanismo que é conseqüência de um tempo de “queda
espiritual” – o humanismo teocêntrico (Idem, p. 59).
Seria por esta razão que a crise de que falavam Maritain
e Berdyaev era, primária e fundamentalmente, espiritual. Estava
claro para eles que:
...na segurança do humanismo [Renascentista ou
antropocêntrico] havia um fatal desvio e um abuso de si-
mesmo, e que, á raiz da humanista, se escondia uma auto-
negão virtual do homem e de sua queda. Quando o homem
rompeu com o centro espiritual da vida, arrancou-se á
profundidade e passou á superficie. Seu afastamento do
centro espiritual tornou-o cada vez mais superficial. Tendo
perdido o centro espiritual do ser, perdeu, ao mesmo tempo,
seu proprio centro espiritual. Tal decentração da essencia
humana era a ruina da sua constituição organica. O homem
deixou de ser um organismo espiritual. E, então, á peripheria
mesma da vida, surgiram centro fallaciosos. Tendo-se
libertado de sua relação organica com o centro verdadeiro, os
orgãos subordinados da vida humana se proclamaram a si
mesmos centros vitaes. Em consequencia disto, o homem se
tornou de cada vez mais superficial.
...[o homem europeu] não sabe mais onde é o centro de sua
vida. Sob seus s não sente profundidade. Volta-se a uma
existencia mais que vulgar, vive sobre duas dimensões como
se habitasse a superficie da terra, ignorando o que está
acima delle e o que está abaixo (BERDYAEV, 1936a, p. 16-17)
Guerreiro Ramos foi atingido de modo profundo pela
crítica que tanto Berdyaev como Maritain proferiram contra o
humanismo moderno.
70
Tal qual para os filósofos, para o nosso
autor, o “momento burguês do humanismo(GUERREIRO RAMOS,
1938a, p. 9) representava o coroamento do humanismo
antropocêntrico e implicava a ruptura das relações do homem
para com Deus” (Idem, p. 10). O humanismo do início da
Renascença, afirmava o nosso autor trilhando as explicações de
Berdyaev, representou a liberação das forças criadoras do
70
Aqui residem as raízes do humanismo radical que encontraremos ao longo
dos trabalhos futuros desse santo-amarense.
101
homem”
71
, engendrando em si “elementos contraditórios”, quer
dizer, o homem se sentia, em razão ainda da proximidade do
legado do humanismo teocêntrico da Idade Média, pertencendo
ao “plano sobrenatural” e, ao mesmo tempo, ao “plano natural”,
pois ensaiava a sua “desincarnação do espiritual no temporal”
era, portanto, um “homem desdobrado (Idem, p. 9). No
entanto, à proporção que a época renascentista avançava em
direção à civilização burguesa, a vida deixava de ter para o
homem “aquele conteúdo eterno”, “essencial”, por meio do qual
o homem sentia-se orientado para um Destino cuja realização
havia de fazer no seio de Deus”, para assumir como centro esse
“apêgo ao transitorio”, ao efêmero e fluído, ao “passageiro e
“acidental”, o que viria a caracterizar, segundo Guerreiro Ramos,
a “ausencia do essencial” na vida dos homens – a inexistência do
divino (Idem, p. 10).
Desenvolvendo um papel fundamental na consolidação
desse tipo de homem proclamado pelo humanismo
antropocêntrico estava a máquina, ou melhor, a técnica. A
condenação dos fins visados e do modo como a técnica e os
maquinários foram postos a operar no seio da vida humana era
fortíssima da parte de Nicolas Berdyaev, dela participando, sem
ressalvas significativas, Guerreiro Ramos. A máquina, afirmava o
baiano, “destruiu o homem”, fazendo dele uma criatura separada
de Deus (Idem Ibidem). Correlativamente, a técnica, que mesmo
não sendo tomada por nosso autor como um mal em si mesmo,
tal como vinha sendo empregada, tornara-se “inimiga” do
homem, pois a mecanização desenfreada e atomizadora estava a
revelar o seu lado “desumanizador”, “homicida” (Idem Ibidem).
Era urgente para o homem, concluía Guerreiro Ramos, libertar-se
do império da técnica e transformá-la, definitivamente, num
71
Poderá mesmo o humanismo renascentista ter libertado as energias da
criatividade humana, “mas não se pode dizer, advertia Berdyaev, que tenha
espiritualmente elevado o homem: esvasiou-o” (BERDYAEV, 1936a, p. 22).
102
fator de profunda humanização (Idem Ibidem). Era de xima
urgência a conversão da técnica pelo homem, subordinando-a
aos imperativos humanos mais profundos, transfigurando-a em
“um meio de libertação do espírito (Idem Ibidem), de modo tal
que pudesse trabalhar a serviço da “união do homem com Deus”
(Idem, p. 11).
Mas por ter o homem moderno rompido os seus laços
com a divindade e, assim, ter ficado entregue à sua própria sorte
trágica de homem decaído e superficial, encontrava-se o mesmo
em um estado de grande vulnerabilidade, suscetível à atração
dos deuses terrestres, quais sejam, os coletivismos e os
totalitarismos, de um lado, e o individualismo, de outro. A
constatação dessa vulnerabilidade humana a elementos
corruptores de sua integridade intensificava a consciência de uma
crise total, ao mesmo tempo em que exigia o delineamento de
novos parâmetros que pudessem servir para a construção de
uma “Nova Idade Média”, querendo com isso significar, para
Berdyaev, especificamente, não um retorno no tempo, mas o
ingresso em uma época em que o rythmo historico substitue á
de hontem, e esta é a passagem do racionalismo dos tempos
modernos para um irracionalismo, ou, antes, para um supra-
racionalismo do typo medieval”; em suma, que pudessem
contribuir para uma efetiva revolução do espírito (1936a, p. 96-
97).
Sendo assim, somente a fundamentação e fundação de uma
nova época em outras bases poderiam salvar o homem europeu
de seu declínio destrutivo.
Estava claro, portanto, não apenas para Maritain e
Berdyaev, mas igualmente para aqueles que pertenceram à
geração seguinte, que nenhuma estrutura social assim posta a
operar resistiria por muito tempo sem que a sua decadência fosse
prenunciada. As oposições, tensões, conflitos e dilemas que
103
estavam a trabalhar pela completa destruição do modus operandi
da sociedade moderna, anunciando às claras que o legado da
Renascença vinha se esvaindo em um fortíssimo processo de
decadência civilizacional, também foram objetos constantes de
dencia pelos principais intelectuais jovens com os quais
Guerreiro Ramos possuía maiores afinidades, como no caso de
alguns integrantes dos grupos Esprit e L’Ordre Noveau
(Emmanuel Mounier, Alexandre Marc, Arnaud Dandieu e Denis de
Rougemont). No geral, suas avaliações sobre a crise da civilização
coincidiam a crise é espiritual e está no homem, acima de tudo;
a solução, também o estabelecimento de uma nova ordem
humana que correspondesse a uma “visão nova de homem”.
De qualquer maneira, o pleito por uma nova civilização e
por um novo tipo de homem também era intenso entre a
juventude intelectual francesa maurraseanos, marxistas e
cristãos e ocorria em meio a um contexto de pleno
florescimento de revistas e idéias.
72
Loubet Del Bayle faz menção
a esse reviver de revistas entre os anos 1928 e 1934. Toda uma
geração de jovens, diz o autor, principalmente aqueles que se
posicionavam mais à esquerda política, manifestou a sua
hostilidade a partidos, associações, movimentos e ideologias
predominantes na época. Eles comungavam da consciência de
que a civilização estava em crise, da defesa da idéia de pessoa
72
A referência aqui recairá, principalmente, sobre os jovens engajados em
movimentos que apareceram entre os anos 1928 e 1932. O recorte tem
significado, não somente para o nosso trabalho, pois que será a esses jovens
que Guerreiro Ramos constantemente se remeterá em seus escritos juvenis,
mas também em consideração à própria história francesa, que, como
adverte Loubet Del Bayle, trata-se de um período singular, tanto em relação
ao que precede quanto ao que se segue: “cette distintion se justifie à deux
points de vue. Tout d’abord, au point de vue idéologique, lês revues crées
dans lês années 28-32 furent dominées par souci de dépasser une
perspective purement économique ou politique pour replacer ces problèmes
dans une perspective plus large, envisa geant destin de la civilisation
occidentale dans son ensemble et centrée sur l’idée d’une crise de
civilisation. Em revanche, les groupes fondés à partir de 1933 se soucièrent
moins de philosophie que les précédents et s’attachèrent à une réflexion plus
concrète portant directement sur la transformation dês structures politiques
et économiques.” (LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 33)
104
contra as estruturas opressivas de regimes individualistas e
totalitários e do esforço conjunto para reabilitar os valores
espirituais que o mundo moderno havia relegado. Para fazer face
à decadência humana, cultural e civilizacional, esses jovens se
agruparam em torno de um mero significativo de novas
revistas que começaram a circular no ambiente intelectual e
político francês (LOUBERT DEL BAYLE, 2001). Segundo Michael
Winock (2000, p. 258), seriam os irmãos Maxence, principalmente
Jean-Pierre Maxence, que dariam início a esse reviver de
periódicos e semanais franceses ao lançarem Les Cahiers, em
1928. A esta revista seguir-se-iam La Revue Française, Réaction,
fundada em 1930 por Jean de Fabrèges e que posteriormente
transformou-se em Revue du XXe Siècle, Esprit, fundada por
Emmanuel Mounier, Georges Izard, André Deléage e Louis-Émile
Galey, Ordre Nouveau, dirigida por Arnaud Dandieu, Robert Aron
e Alexandre Marc, entre outras tantas.
Talvez inspirados por sentimentos semelhantes àqueles
que motivaram esses jovens franceses a se lançarem à fundação
de revistas por meio das quais lhes fosse possibilitado dar vazão
às suas querências individuais e coletivas, Guerreiro Ramos,
Afrânio Coutinho e Antônio Osmar, alguns anos após esse
efervescente período de aparição de revistas em França,
decidiram fundar, em 1938, a revista Norte, publicação periódica,
mas que não conseguiu ultrapassar à divulgação do primeiro
número. Para aquele primeiro e único número da revista, os três
autores haviam escolhido escrever sobre a atual situação em que
se encontrava o humanismo, tendo em vista o estado decadente
do homem, da cultura e da civilização. No caso específico de
Guerreiro Ramos, o seu texto intitulava-se O problema do
humanismo, texto este que, no ano seguinte, seria incorporado
como o segundo capítulo de seu livro Introdução à cultura, porém
de título modificado – A noção de humanismo.
105
Analisando aquele momento literário francês, Winock
(2000, p. 260) observa que raramente se viu um florescimento
de publicações que agitavam idéias gerais” e não restritas à
literatura, e que proclamavam, cada uma a seu próprio modo, um
forte combate à política, à economia e à moral prevalecentes.
Preservadas as singularidades e divergências apresentadas por
aquelas revistas, os seus representantes, os quais Mounier
designou por não-conformistas” e que Loubet Del Bayle analisa
em sua obra Les Non-conformistes des années 30, partilhavam de
um sentimento geracional
73
muito forte e mantinham na pessoa
de Charles Péguy, que foi amigo pessoal e o “primeiro mentor”
74
de Jacques Maritain, um ponto comum de referência, um modelo
a ser seguido (WINOCK, 2000, p. 260; 1975, p. 20-22).
75
Este renascimento das idéias de Péguy também foi
destacado e, de certo modo, revivido por Afrânio Coutinho e
Guerreiro Ramos. Em seu livro Daniel Rops e a ansia do sentido
novo da existencia, Coutinho dedicou as suas primeiras páginas
para cortejar a Charles Péguy. “Não há, afirmava Coutinho na
frase de abertura do opúsculo de 1936, quem não tema de
emoção ao conhecer de perto esta vida tão rica de espiritualidade
e humanidade”, a vida de Charles Péguy, o qual “assume hoje um
papel de símbolo (COUTINHO, 1936a, p. 3-4). A geração francesa
de 30, dizia o autor baiano, fez renascer a pessoa desse grande
escritor e combatente, um homem que “viveu o que falou, viveu
o que pensava, daí o valor extraordinário de seu ensino (Idem, p.
5-6). Uma de suas maiores agudezas intelectuais foi o fato de ter
compreendido que a crise da civilização era, primordialmente,
73
A noção de geração era de importância singular para os jovens franceses
dos anos 1930 e 1933, principalmente. De acordo com Crémieux (apud
LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 31), o termo havia adquirido uma noção viva de
significação ressonante entre aqueles que participavam desses movimentos.
74
A afirmação aqui é de Amato (2002. p. 35). Em suas memórias, Raissa
Maritain fornece maiores detalhes sobre a relação de Péguy e Jacques. (R.
MARITAIN, 1956).
75
Sobre este ponto, consulte: Winock (2000, p. 260; 1975, p. 20-22).
106
“uma crise do homem”, cuja causa estava localizada na
“concepção falsificada de homem indivíduo burguês sobre a
qual o mundo moderno havia decidido assentar-se (Idem Ibidem).
Consciente desse fato, Péguy revelou-se um inconformista, pois
se recusou a aceitar o tipo de homem validado por uma
civilização em desgraça. Guerreiro Ramos compartilhava dessas
observações feitas por Coutinho, mas também direcionou o seu
olhar para a opção de vida adotada por Charles Péguy, uma
opção pela pobreza. Aliás, no que diz respeito à pobreza como
opção de vida, nosso autor acrescentava ao nome de Péguy os de
Léon Bloy e Rainer Maria Rilke. Os dois primeiros haviam
descoberto na pobreza “uma alegria nova”, por meio da qual eles
recusaram os bens deste mundo”, demonstrando aos jovens um
claro sinal do “heroísmo cotidiano que se fazia necessário para
manter “uma protestação total, decisiva, contra o dinheiro.”
(GUERREIRO RAMOS, 1937b) Anos mais tarde, agora já prestes ao
reconhecimento público de “sociólogo do desenvolvimento”,
durante uma entrevista concedida à revista carioca Marco, ouvir-
se-iam ecos dessa admiração a Péguy, quando Guerreiro Ramos,
perguntado sobre quais as situações de vida que mais havia
contribuído para a sua formação enquanto sociólogo engajado,
respondeu que, a Rilke e Péguy, estes “dois heróis da pobreza”,
devia-lhes “a iniciação no espírito da pobreza como ideal de
vida.” (MARCO, 1954)
Para Winock, a admiração pela pessoa de Péguy foi um
fenômeno geracional, dado que boa parte da juventude francesa
estava envolta com idéias, ideais e lutas muito próximas às que
Péguy mantinha no início do século. Sua convicção, sua unidade
entre pensamento e pessoa, vocação e destino forneciam-lhe
forças para que pudesse transcender as falsas querelas
apresentadas em tons de contradições por volta de 1905
individualismo versus coletivismo, materialismo versus idealismo,
107
romantismo versus classicismo. A sua baliza de combate se deu
por intermédio de um processo construtivo de idéias em que
procurou alinhar a filosofia bergsoniana a uma filosofia eterna, o
contingente ao permanente, e o sentido da história do homem à
graça e à verdade divina. De posse desse aparato conceitual,
Péguy pôde perceber adequadamente que o espírito humano se
encontrava escravizado, no mundo da carne, dos bitos, das
instituições ultrapassadas; pôde também acusar a deterioração
de todas as coisas mundanas, bem como conseguiu reconhecer
que somente a esperança e a ação revolucionária constante
proporcionariam a salvação (WINOCK, 2000, p. 135-145).
Em razão de suas idéias, Charles Péguy era referência
obrigatória” para os jovens dos anos 30 que estavam a
presenciar uma espécie de polaridade entre o seu pensamento e
o que propugnava Julien Benda (Idem, p. 259). Este, que
publicara em 1927 o livro La trahison des clercs, apontava uma
mudança substancial no comportamento dos intelectuais de seu
tempo, acusando-os de estarem “a serviço de suas paixões
políticas” (Idem, 2000, p. 250), ou seja, dizia Benda que o sábio
contemporâneo abdica do pensamento puro, da razão, ante a
força do sentimento, a tirania da sensibilidade.” (Idem, p. 251)
Subjacente a esta assertiva estava uma definição peculiar de
intelectual, ou, nos dizeres de Michel Winock (Idem, p. 251), “uma
definição platônica do intelectual”, a saber: “homem de pura
razão, ocupado unicamente com a verdade, em detrimento de
qualquer interesse terrestre, individual ou coletivo.” Ora, à luz do
que pensava Péguy, essas idéias de Benda sovam como uma
verdadeira heresia, um ultrage a quem tivesse legítima
consciência do existir. Não teria sido à toa, portanto, que o
próprio Benda arrolou Péguy entre aqueles “intelectuais
traidores”, que demonstravam um fortíssimo apego “... ao puro
temporal e desprezo por todo valor nitidamente ideal ou
108
desinteressado.” (Idem, p. 248) (grifos no original)
Entre a posição adotada por Péguy e aquela que exigia
Benda, boa parte dos não-conformistas” preferiu optar pelo
primeiro (MOUNIER, 1958). Jean-Pierre Maxcence, que buscava
romper com a velha estética clássica” dominante da revista
L’Action Française quando lançou Les Cahiers título que
homenageava a revista Cahiers de la Quinzaine, de Péguy, cujo
primeiro número veio a público em 1900 –, foi um dos primeiros a
trazer à tona os ideais de Péguy (WINOCK, 2000, p. 259).
Emmanuel Mounier, depois de sua formação com Chevalier e
Maritain, também seria profundamente atingido por suas idéias e
modo de comportamento. O seu primeiro contato com as obras
de Péguy foi em suas férias de Natal de 1928-29, o que pode ser
considerado, segundo o seu biógrafo, “um acontecimento da
mais alta importância” em sua trajetória de vida e intelectual,
haja vista que, via Péguy, Mounier se transformou,
definitivamente, em um homem de ação, homem de combate.
(MOIX, 1968, p. 9) O intenso interesse que Mounier possuía pelo
fundador do Cahiers de la Quinzaine tinha relação com os
assuntos da sociedade e da política contemporânea, para os
quais boa parte de seus esforços intelectuais vinha sendo
direcionada já havia algum tempo. Péguy era-lhe exemplar (Idem,
p. 10); a sua presença na vida de Mounier foi significativa,
inclusive, para que este viesse a “completar sua formação adulta
e sua visão de mundo”; para que ultrapassasse “de uma
realidade de pensamento para a realidade da ação, de um mundo
do self individual para o mundo dos homens.” (AMATO, 2002, p.
101) Como escreveu Albert guin em 1950, “sem Péguy seria
difícil compreender a brusca passagem de Mounier, em 1931-32,
da filosofia como apostolado, ao compromisso no temporal”.
(ESPRIT, 1950, p. 964)
109
Sobre Péguy, Mounier, Georges Tzard e Marcel Péguy
escreveriam um livro intitulado La pensée de Charles Péguy, que
veio a público em 1931. Seria exatamente a confecção desta obra
que colocaria Mounier e Maritain em um diálogo mais próximo, a
partir de 1928, data de seu ingresso na Universidade de Sorbone,
na qualidade de bolsista de doutorado em filosofia, onde foi aluno
de Leon Brunschvicg, Émile Bréhier, Etienne Gilson, Henri
Bremond, Jean Baruzi, entre outros. Após poucos anos
freqüentando o ambiente universitário francês, Mounier deferiria
uma série de críticas a este sistema acadêmico, acusando os
professores de permanecerem totalmente alheios aos problemas
do mundo. Esse seu desapontamento com o ambiente acadêmico
o faria abandonar, definitivamente, toda e qualquer pretensão de
sua parte em ingressar na carreira universitária, direcionando
seus esforços, após isso, para uma atitude realmente engajada,
procurando vincular seu pensamento com a realidade histórica
em que estava inserido; firmaria a posição de que todo o homem
parte de uma situação fática, sua inserção no mundo, sendo
impossível um existente humano desvinculado do tempo e do
lugar em que o mesmo se encontra, o que implica em dizer que
as suas opções de vida se dão em um contexto vivencial, sempre.
No mais, de comum entre ambos podemos citar: o ataque ao
sistema educacional superior, especificamente à Sorbone; a
renúncia a carreiras universitárias; o lançamento a conflitos
políticos e intelectuais de suas respectivas épocas; o ataque
acirrado à sociedade burguesa; e, ainda, a consideração de que o
mundo estava a vivenciar um estado de crise radical, levando
ambos a se dedicarem, em suas respectivas épocas, à revolução,
que teria que ser, fundamentalmente, de caráter moral: “la
révolution sera morale ou elle ne sera pas”, frisava Péguy.
Estava decretada, desta maneira, a repulsa de Mounier a
tudo que era abstrato e que não encontrava reflexo na
110
experiência concreta. Acrescentemos a estes pontos os motivos
que conduziram Mounier à fundação de sua revista: primeiro,
considerava que os principais periódicos franceses, tais como La
Nouvelle Revue Française e Le Mercure de France, estavam
fadados ao desaparecimento e que a sua geração não possuía
veículos similares que pudessem se expressar; segundo, a
“desordem estabelecida” acometia fortemente a cristandade,
sendo urgente a criação de meios que pudessem reverter essa
situação; e terceiro, a crise econômica de 1929, bem como outros
eventos a ela associados sinalizavam para uma crise total da
civilização (AMATO, 2002, p. 106).
Esta atitude e disposição demonstrada pela geração do
autor de Révolution personnaliste et communautaire
contrastavam com as que foram assumidas pela geração
anterior, a geração do pós-Primeira Guerra, que sentia
profundamente uma desordem interior, desordem essa derivada
de uma postura geracional que considerou a inquietude
76
como
um fim em si mesmo, ou seja, adotou, frente à própria
inquietude, uma conduta de sujeição, e seria exatamente neste
ponto que os jovens dos anos 30 procurariam se diferenciar da
juventude dos anos 20. Os inquietos da geração de 20 foram
assim tomados pelo desconforto absoluto com o mundo moderno,
e muitos deles não visualizaram saída para este estado
existencial, aprisionados que estavam diante da perplexidade
gerada pelo caos, pela incerteza e pela falência concomitante,
como disse Crémieux, do mundo interior e do mundo exterior;
viviam em uma espécie de constante perguntar hamletiano, sem
dispor de forças interiores para poder escolher e chegar ao ponto
escolhido; escapava-lhes totalmente o sentido de finalidade. Essa
76
A inquietude, enquanto fenômeno geracional, foi analisada por diversos
autores franceses, entre os quais destacam-se Daniel-Rops, Marcel Arland,
André Harlaire, Pierre Archambaut, Gonzague Truc, Benjamin Crémieux e
Robert Brasilch, entre outros.
111
é a síntese que se retira da narrativa que nos faz Crémieux
(1931) da inquietude imobilizadora que atingiu a geração pós-
Guerra. Para o estudioso francês, estava claro que incidiam sobre
aqueles jovens dos anos 20 dois problemas fundamentais: o
problema da escolha e o problema da finalidade. Eles não
perceberam, como viria a perceber a geração pós-inquietude de
Mounier, l’intelligence de l’inquiétude
77
, tanto para realizar uma
leitura singular dos fatos e acontecimentos, como para
estabelecer diretrizes de combate às atrocidades e aos
obstáculos que fortemente se impunham às tentativas de
mudanças do status quo.
Assim, reunidos em torno de suas revistas, os jovens
intelectuais católicos franceses dos anos 30, ao apontarem para
as “desordens estabelecidas”
78
, no caso a desordem
internacional, a desordem política, a desordem econômica e
desordem intelectual e espiritual, e ao afirmarem veemente suas
recusas à ordem instituída, procuravam retirar conseqüências das
profundas transformações por que passava a civilização
ocidental. Para eles, esta desordem mostrava a sua face mais
patente na miséria que estava a dominar grande parte da
população; uma miséria tão premente que esmagava o homem,
fazendo-o abrir mão de seus problemas essenciais. Ao mesmo
tempo, o fato de a miséria se apresentar de modo tão nítido e
sem embuste denunciava a existência, em diversas áreas, do
horror e das falácias do regime capitalista. No plano internacional,
aqueles movimentos concordavam com a denúncia da
77
A alusão aqui é a uma carta de Mounier em que ele deixa ver que a
inquietude também poderia fornecer saídas. (MOUNIER, 1956, p. 47).
78
Uma síntese dessa desordem é apresentada por Loubet del Bayle, que
afirma: “Ces thèmes peuvent être regroupés autour de trois grandes
directions. On trouvait tout d’abord dans ces revues une critique virulente du
monde politique, social, économique, intelectuel et spirituel des annés 1930,
une critique de ce qu’Esprit allait appeler le « désordre établi ». De cette
critique du désordre établi, ces mouvements concluaient à la nécessité d’une
révolution dont ils s’attachaient à préciser les modalités avant de définir des
propositions constructives destinées à permettre de bâtir un ordre nouveau.”
(LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 197).
112
incapacidade de os países europeus afirmarem uma ordem
estável e de, assim, poderem articular uma paz durável; na
esfera política, a acusação da democracia parlamentar ter se
tornado sinimo de mentira, mediocridade, de
comprometimento e entreguismo às forças oligárquicas dos ricos,
do capital; a própria economia possuía o seu tipo específico de
desordem, fruto de uma visão otimista das leis econômicas que
procuravam criar a harmonia social por meio do reforço da livre
concorrência dos interesses específicos de mercado, o que,
obviamente, não se concretizou, levando aqueles movimentos à
condenação do laissez faire, pois o mesmo estava conduzindo ao
caos e à anarquia, transformando a sociedade e as relações
humanas em uma verdadeira selvajaria capitalista, onde as
questões relativas ao bem comum e à justiça não eram levadas
em consideração.
79
Devemos acrescentar logo, aqui, que a
acusação essencial que a juventude francesa fazia às instituições
econômicas, política e social em vigência dizia respeito ao
divórcio total entre estas e o real, bem como ao fato de as
mesmas não estarem voltadas para os verdadeiros interesses
essenciais do homem, sacrificando este a seus mecanismos
artificiais e abstratos” (LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 253).
A desordem intelectual e espiritual revelava-se como
sendo de primeira grandeza, no que se refere às outras esferas
apontadas. A denúncia incidia sobre o “espírito burguês”, que
nascido de uma classe, acabou atingindo, mais ou menos
profundamente, tôdas as camadas da sociedade”, criando, deste
modo, “um tipo de humanidade: o burguês” (MOIX, 1968, p. 73).
Assim narra Mounier o aparecimento do homem burguês no seio
social: a substituição do lucro industrial pelo benefício de
79
Winock nota que a posição crítica assumida por esses jovens, tanto no que
se referia à democracia parlamentar quanto ao liberalismo econômico, os
direcionou para “uma séria releitura da Revolução de 1789”, manifestada de
diversos modos em seus discursos por uma nova ordem. (2000, p 263).
113
especulação, dos valores de criação pelos valores de conforto,
pouco a pouco desprestigiou o ideal individualista e abriu o
caminho, nas classes dirigentes primeiro, depois por descidas
sucessivas até as classes populares, a esse espírito que nós
chamamos burguês, por causa das suas origens, e que nos
aparece como o mais exacto antípoda de toda espiritualidade.”
(1967, p. 27) (destaques no original) E continua: reduzindo o
homem a uma individualidade abstracta, sem vocação, sem
responsabilidade, sem resistência, o individualismo burguês é o
precursor responsável pelo reino do dinheiro, quer dizer, como
tão bem o dizem as palavras, pela sociedade anónima das forças
impessoais.” (Idem, p. 36) (grifos no original)
O burguês, representação fiel do homem moderno, era,
em todos os sentidos, um homem decaído, um homem que não
possuía raízes no eterno”, que não possuía mais ligação com o
Essencial, com o Absoluto. Por conseqüência, a vida, para ele,
não é um ‘ser’ mas um ‘ter’, não é um ‘agir’, segundo sua
intelligencia, mas um ‘fazer’ que é índice de sua condição de
escravo”. (GUERREIRO RAMOS, 1936c)
Os não-conformistas não se consideravam satisfeitos
com apenas analisar a “desordem estabelecida”. Buscaram,
apontaram soluções, e estas divergiam significativamente das
que lhes foram legadas pela geração anterior como as únicas e
mais viáveis. O lema nem direita nem esquerda” realmente lhe
foi bem aplicado, uma vez que, deixadas de lado suas
particularidades ideológicas, os jovens contemporâneos de
Mounier estavam preocupados em questionar, muitas das vezes
rejeitando, tanto as tradicionais categorias políticas, em que
“direita” e “esquerda” formavam par, como as formas de
governo, onde se apresentavam como opções o parlamentarismo
e o totalistarismo. Assim, se por um lado, todas aquelas revistas
114
comungavam de uma forte recusa ao sistema capitalista, ao
“mundo do dinheiro”, ao “mundo da produtividade”, por outro,
elas também rechaçavam a idéia de que a solução comunista
seria uma boa saída para os problemas que estavam a afligir a
sociedade ocidental. Desta maneira, Mounier e diversos
intelectuais de sua geração estavam dedicados a encontrar uma
terceira via que, ultrapassando os agrupamentos partidários,
pudesse lhes sinalizar para novas formas revolucionárias capazes
de fazer frente ao problema crucial por eles pressentido e
diagnosticado a crise do homem moderno. Neste sentido, as
possibilidades revolucionárias eram de dois moldes: um de viés
mais ou menos marxista e que tinha como representantes
pessoas como Henri Lefebvre, Philippe Lamour e Paul Nizan, outro
que conclamava uma revolução personalista” e que possuía
representação firme em Robert Aron, Arnaud Dandieu, Claude
Chavalley, Re Dupuis e Alexandre Marc, ligados à revista
L’Ordre Nouveau, Georges Izard e Emmanuel Mounier, ligados à
revista Esprit, e Thierry Maulnier, da Jeune Droite.
Enfim, se houve, de fato, um denominador comum, ou
mesmo une fragile unité (LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 185)
entre os jovens que atuaram firmemente no quadriênio 1930-
1934, esta unidade estava exatamente na rejeição por eles
nutrida à sociedade em que se viam obrigados a viver, o que
derivará em um sentimento muito profundo e socialmente
comum de uma crise de civilização, ou, seguindo Rougemont
(apud LOUBET DEL BAYLE, 2001, p. 186), este “espírito comum”
não seria encontrado de maneira mais clara nem nos mestres
nem nas doutrinas daqueles jovens, mas, principalmente, na
solidariedade proveniente da presença sem medida da miséria de
uma época que provocava nas pessoas um sentimento de vida
desvanecida, sabotada. Além disso, Jean Touchard (1960) aponta
elementos outros que eram por eles compartilhados, como, por
115
exemplo, “a mesma linguagem”, o mesmo vocabulário”, “a
mesma vontade revolucionária”, etc. Do mesmo modo, Winock
arrisca-se em uma síntese:
o que esses jovens tinham em comum era o ódio ao
liberalismo, sob a forma política ou sob a forma econômica.
Suas motivações eram, sem dúvida, diferentes, mas eles
questionavam o sistema capitalista, acusado de desumanizar
o povo, de criar necessidades artificiais e de arrastar a
sociedade a crises fatais. Nos dois extremos, eram seduzidos
ou atraídos pelas experiências desenvolvidas na Itália fascista
e na União Soviética. No centro, queriam beber de ambos os
regimes, não para copiar eram avessos a todos os
estatismos (WINOCK, 2000, p. 268-269).
116
C a p í t u l o 5
O movimento personalista em França
Entre aqueles que optaram por uma via revolucionária
personalista, o ponto de união se localizava no slogan
maritaineano de 1927 primazia do espiritual e que foi
recuperado por Mounier, em fevereiro de 1932, no prospecto
anunciador da publicação da revista Esprit, cujo primeiro número
viria a público em outubro do mesmo ano. Neste prospecto
podemos perceber: os ingredientes do mundo moderno (ou da
“desordem estabelecida”) sobre os quais o pensamento e a ação
revolucionária de muitos daqueles jovens franceses dos anos 30
se fariam incidir radicalmente o afrontamento
80
aos outros, às
coisas e à natureza; o reclamo por uma noção fundante de cunho
espiritual que subsidiaria a construção de um novo mundo e da
qual todos deveriam ter consciência a noção de homem
enquanto pessoa; e o rechaçamento às formas de ser social
transitórias e ilusórias que à época procuravam se impor como a
solução definitiva de ordem humana pessoal e social apologia à
ordem espiritual, que transcende a toda e qualquer ordem
temporal.
81
Vejamos um trecho daquele texto:
80
Conforme nos informa Lorenzon (1996, p. 53), o termo evoca,
simultaneamente, “um poder de força e de generosidade, de afirmação de si
e de abertura, de acolhimento e de ruptura, de luta franca e de compreensão
simpática”. Subentende-se aqui uma postura humana confrontativa fait
face em face de outros homens, às coisas e também à “natureza”, ou seja,
enquanto pessoa, sempre para o homem “a possibilidade de dizer não,
de se opor a todas as formas de opressão coletiva e de recusar-se a aderir ao
que quer que fosse, sem uma decisão interior” (Idem Ibidem). Em seu livro
L’Affrontement chrétien, de 1945, Mounier clamava os cristãos ao exercício,
digo, à ação de dissociação de si mesmos da vida e pensamentos burgueses
que estavam impregnadamente corrompendo as instituições e os homens de
seu tempo.
81
Tanto a cultura quanto a civilização eram entendidas como sendo as ordens
temporais per excellence, pois que visavam, absolutamente, o bem
terrestre e perecível de nossa vida terrena”. Mas mesmo que fossem
ordenadas para um fim terrestre”, alertava Maritain (1962b, p. 78), as
mesmas não poderiam deixar de ser “referidas e subordinadas à vida eterna
que é o fim da religião”, tampouco deixarem de “procurar o bem terrestre e
117
...uma ciência que se desliga da sabedoria, se perde em
preocupações utilitárias; uma filosofia envergonhada,
desconhecendo o seu papel e os problemas que nos
importam, mendigando à ciência uma verdade que, de
antemão, proclama relativa, e unicamente capaz de
demonstrar que a ciência a não pode atingir; sociedades que
se governam e funcionam como casas comerciais; economias
que se esgotam para adaptar o homem à quina e
utilizam o esfoo humano na procura de lucros; vidas
particulares invadidas pelo apetite, desenraizadas,
conduzidas a todas as formas de homicídio e suicídio; uma
literatura separada da nossa natureza pelas complicações e
pelos artifícios e que escorrega por um século que devia
inspirar; a indiferença, mesmo a nosso lado, daqueles que
m responsabilidades e as rebaixam, as desprezam ou as
desbaratam. o nenhuma forma de pensamento ou de
atividade que não esteja sujeita a um materialismo próprio.
Por toda a parte o homem é obrigado a aceitar
sistemas e instituições que o esquecem: se se curva,
destrói-se.
Queremos salvá-lo dando-lhe a consciência do que é. A nossa
tarefa central é encontrar a verdadeira noção de
homem... Estamos de acordo para a basear na supremacia
dos valores espirituais.
...Porque somos fiéis ao permanente destino do espírito,
e não estamos ligados a nenhuma das manifestações
temporais que dele se reclamam para seu próprio proveito.
E é assim que, livres para uma absoluta franqueza frente à
realidade, apoiando em todo o mundo as suas imprevisíveis
invenções, e os seus eternos destinos, começamos uma obra
para um mundo novo (MOUNIER, 1956, p. 82-83). (grifos
nossos)
Rejeitando as formas contemporâneas fascismos e
comunismos como soluções adequadas para os problemas de
sua época, Mounier, como percebemos acima, proclamava que a
noção verdadeira de homem” deveria trazer em si a supremacia
dos valores espirituais, significando, portanto, que a revolução
conclamada deveria ser primordialmente espiritual, sem deixar
o desenvolvimento das diversas atividades naturais do homem segundo uma
efetiva atenção aos interesses eternos da pessoa e de maneira a facilitar o
seu acesso ao fim último sobrenatural: o que destarte engrandece a
civilização em sua ordem própria.” De modo oposto a elas estava a ordem
temporal, que lhes transcendia. Tratava-se, neste caso, de uma “ordem da fé
e dos dons da graça, concernentes a uma vida eterna que é a participação
na ordem própria da vida íntima de Deus” (Idem Ibidem)
118
de ser materialista. Para além do dualismo causado pelos
marxistas, que insistiam em afirmar que a crise era,
primordialmente, econômica, crise de estrutura, e pelos
moralistas, cuja condenação à civilização moderna centrava-se,
sobretudo, em uma crise do homem, crise dos costumes e crise
dos valores, os jovens ligados a Ordre Nouveau, Esprit e Jeune
Droite acreditavam ser impossível se admitir essa separação, ou
seja, a crise era, ao mesmo tempo, material e espiritual, não
sendo possível, segundo entendiam, qualquer iniciativa
revolucionária parcial a necessidade era de uma revolução total
ou integral. Ou, como admitia Mounier, aqueles jovens eram
duplamente revolucionários, mas em nome do espírito. Por um
lado, a revolução material implicaria em um forte empenho
contra o mundo do dinheiro e as instituições capitalistas, além da
luta pela instauração de um novo regime social e econômico que
tomasse por base as necessidades fundamentais da pessoa
humana e favorecesse o seu desenvolvimento; por outro,
partindo do pressuposto de que a necessidade mais profunda
humana seria o desabrochar de sua vida interior, uma vez que o
homem não encontra o essencial de seu destino, nem no campo
social, nem no político, a revolução espiritual consistiria na
restauração dos valores espirituais traídos” pela civilização
moderna.
De acordo com Loubet Del Bayle (2001, p. 315-328), em
razão do diagnóstico da crise e das respostas que vinham sendo
dadas à mesma, o termo revolução espiritual era utilizado por
aqueles jovens em quatro significados distintos: primeiro,
simbolizava uma subversão de valores que pudesse levar à
construção de um novo humanismo, portanto uma ruptura
doutrinal com os princípios fundamentalmente responsáveis pela
desordem estabelecida; segundo, significava a afirmação da
supremacia vida espiritual do homem sobre o material, pois
119
visava restaurar os direitos do espírito; terceiro, que essa
revolução seria fruto da liberdade criativa humana e não do
determinismo econômico como os revolucionários marxistas
pleiteavam
82
; e quarto, que a revolução visava, acima de tudo,
converter os homens e não convencê-los, ou seja, a revolução
seria, primariamente, pessoal, por isso a sua exigência tinha forte
caráter interior, significando uma transformação moral e
espiritual.
Claro era, não apenas para os membros de Esprit, Ordre
Nouveau e Jeune Droite, como também para Jacques Maritain e
Nicolas Berdyaev, que a “verdadeira noção de homem” habitava
na idéia de “pessoa” humana, cuja articulação e expansão
conceitual ganhou corpo nos diversos personalismos que
coexistiram naquele momento histórico no território francês.
Claro também estava para eles que, embora fortemente
assentados em um fim espiritualista, a ação política seria
imprescindível para o intento reconstrutivo de uma nova
civilização. Sobre o fim visado desses diversos personalismos,
assim se pronunciou o autor de Manifesto ao serviço do
personalismo:
Englobando sob a idéia de personalismo aspirações
convergentes que procuram hoje um caminho para do
82
Esta juventude inclinada por uma revolução personalista ficou conhecida
como La jeunesse révolutionnaire non marxiste, pois que se opunham,
principalmente, à própria concepção de revolução, ao fatalismo e ao
reducionismo do homem e do social que a doutrina marxista encampava, de
Marx até os restauradores do marxismo autêntico”, seus contemporâneos.
As críticas de Mounier, por exemplo, eram duríssimas aos marxistas de seu
tempo e ao próprio Marx, e as mesmas recaíam, de modo mais abrupto,
sobre “a lacuna essencial do marxismo”, isto é, à concepção de humanismo
ali articulada o humanismo marxista, dizia Mounier, aparece, com efeito,
como a filosofia última de uma era histórica que viveu sob o signo das
ciências físico-matemáticas, do racionalismo particular, estreitíssimo que
delas se originou, da forma industrial, inumana, centralizada, que encarna
provisòriamente as suas aplicações técnicas –, a qual, segundo pensava o
pensador cristão, representava uma negação fundamental do espiritual
como realidade autônoma, primeira e criadora”, um desconhecimento, em
síntese, da realidade íntima do homem, a da vida pessoal” (1967. p. 64, 67
e 76). (destaque no original)
120
fascismo, do comunismo e do mundo burguês decadente, não
ocultamos o uso preguiçoso ou brilhante que muitos hão de
fazer desta etiqueta para mascarar o vácuo ou a incerteza do
seu pensamento. Prevemos as ambigüidades, o conformismo,
que não deixarão de parasitar a rmula personalista, como
toda a forma verbal subtraída a uma contínua recriação. Eis
porque esclarecemos desde já:
Personalismo é para s apenas uma fórmula significativa,
uma designação colectiva moda para doutrinas diversas,
mas que, na situação histórica em que estamos colocados,
podem vir a um acordo quanto às condições elementares,
físicas e metafísicas que uma nova civilização requer.
Personalismo não anuncia, portanto, a constituição de uma
escola, a abertura de uma capela, a invenção de um sistema
fechado. É antes o testemunho de uma convergência de
vontades e põe-se ao serviço delas sem tocar na sua
diversidade, para lhes proporcionar os meios de incidir
eficazmente na história.
Seria, portanto, de personalismos que deveríamos
falar. O nosso alvo imediato é o de definir, frente a
concepções maciças e parcialmente inumanas da civilização, o
conjunto de assentimentos primeiros que podem dar uma
base a uma civilização dedicada à pessoa humana. Estes
assentimentos devem ser suficientemente fundamentados na
verdade para que esta ordem nova o se divida
internamente e suficientemente compreensivos para agrupar
todos aqueles que, dispersos por filosofias diferentes, relevam
desse mesmo espírito (MOUNIER, 1967, p. 10). (grifos nossos)
De fato, apesar de as soluções para a superação da crise
que cada um daqueles grupos preconizava ser significativamente
diferenciada os jovens da Jeune Droite mais próximos do
modelo italiano, os “filósofos e engenheiros” da Ordre Nouveau
dedicados ao planejamento detalhado “dos programas sobre a
sociedade futura” e os integrantes de Esprit envolvidos com o
conteúdo da revolução personalista e comunitária” –, quando o
assunto era o personalismo a concordância era quase unânime
(WINOCK, 2000, p. 264). Mounier, que cada vez mais ganhava o
status entre aqueles jovens de novo filósofo do personalismo
(Idem, p. 264), afirmava que o termo queria significar qualquer
doutrina e civilização que estivesse voltada para a afirmação do
“primado da pessoa humana sobre as necessidades materiais e
121
sobre os sistemas colectivos que sustentam o seu
desenvolvimento.” (MOUNIER, 1967, p. 09). (grifos nossos)
Mas, se por um lado, havia concorncia quanto ao fato
de o personalismo encampar os principais anseios daqueles
jovens engajados, por outro lado, o podemos deixar de
registrar que também era nítida a divergência entre eles sobre o
significado do termo pessoa, o que, no final das contas,
sinalizava para os meandros distintivos dos vários tipos de
personalismos que estavam a se manifestar no contexto francês:
Ordre Nouveau personalismo heróico, Esprit personalismo
espiritual, Réaction personalismo cristão e tradicionalista.
Acrescentemos a estas três vertentes personalistas os
personalismos de Jacques Maritain e de Nicolas Berdyaev.
Enquanto o personalismo de Maritain
83
era fundado na linha
filosófica que passava por Aristóteles, Santo Tomás e a
Escolástica, o personalismo de Berdyaev fundamentava-se em
alguns filósofos existencialistas, no cristianismo e no misticismo
alemão, mas, entre todas as suas influências, as figuras de
Emmanuel Kant e Jacob Boehme se destacam, o que confere
especial singularidade a seu personalismo.
84
Guerreiro Ramos percebia essas distinções nodais entre
os personalistas, pois, como ele afirmou, não havia “um
personalismo”, mas vários, e este fato estava sendo ignorado por
muitos, no Brasil (GUERREIRO RAMOS, 1938b). Além do mais, o
personalismo não era bem entendido, sendo comum, segundo
afirmou nosso autor, tomá-lo como “synonimo de individualismo,
de egoísmo”, isto é, de modo totalmente inverso ao que, de fato,
queria significar uma visão total, integral do homem, não se
83
Para uma síntese do personalismo maritaineano, consultar: Lage (1946;
1947).
84
Dentre os filósofos classificados no existencialismo religioso, Berdyaev é
destacado como um dos mais originais (SEAVER, 1950; CLARKE, 1950; DAVY,
1967; McLACHLAN, 1992).
122
tratando de “um néo-anarchismo, nem um néo-individualismo
(Idem Ibidem). O personalismo, continua o seu esclarecimento o
autor, não era um “partido, uma “confraria, com divisas e
estandartes”, mas se caracterizava, sobretudo, o personalismo
francês, pela “livre especulação”, o que lhe conferia um caráter
antipartidário (Idem Ibidem). Esses diversos personalismos
compartilhavam os seguintes elementos: um arcabouço filosófico
articulado a partir da primazia da noção de pessoa humana; o
enfoque da questão social sob o ponto de vista espiritual, que
“a questão social não é uma questão política”, mas “uma questão
metaphysica”; a rehabilitação da palavra revolução”, tão
esguelhada pela idéia de revolução material marxista; orespeito
pela singularidade humana”, pela vocação original” que cada
um é chamado a cumprir e que somente se realiza pela
“communhão”; e, por último, o pleito pela formação de uma
comunidade de pessoas (Idem ibidem).
Para além das possíveis diferenças que os personalismos
poderiam apresentar, Loubet Del Bayle (2001, p. 368) aponta
que, de modo geral, o movimento personalista francês se
traduzia em uma dupla afirmação: por um lado, sendo o homem
um ser social por natureza, a sua realização pessoal não poderia
prescindir da sociedade para se fazer florescer; de outro lado,
mesmo sendo um ser social, o homem não poderia ser subsumido
ao fim próprio da sociedade, dado que ele, enquanto um ser
espiritual e livre, seria constantemente chamado a realizar a sua
vocação original e pessoal, portanto idiossincrática. Ou seja, a
união entre o homem e a sociedade seria, como bem observou
Daniel-Rops em Éléments de notre destin (apud COUTINHO,
1936a, p. 29-31), uma união sempre “dramática”, que se
desenrola em uma constante luta do homem por sua
personalização, ou seja, no processo humano de tornar-se pessoa.
Mas “se a sociedade constitui uma realidade inegável, não teria,
123
contudo, existência em si, devendo a mesma se ordenar para o
bem de seus membros”, no caso, em razão, primordialmente, da
necessidade de personalização que os homens possuem (LOUBET
DEL BAYLE, 2001, p. 370).
Ora, como vimos, partiram os jovens franceses da
geração de 30 do princípio que a civilização moderna estava em
pleno estágio de decadência e que no seio desse processo
dicotomias aceleravam a bancarrota civilizacional. Entre elas, os
que aderiram ao personalismo destacavam o individualismo e o
totalitarismo como sendo as duas principais ameaças no campo
político e social. Neste sentido, os personalistas contrapuseram a
noção de pessoa humana ao homem-indivíduo propugnado pelo
individualismo e pelos totalitarismos. Enquanto o homem-
indivíduo era apenas uma corruptela do próprio homem e o
tomava somente em uma dimensão, seja material, seja corporal,
seja social, ou ainda, no máximo, um conjunto dessas, a idéia de
homem-pessoa apontava para a sua integralidade,
compreendendo, além daquelas, dimensões outras que
distinguiriam no homem o ser superior que realmente era, no
caso, o aspecto racional e espiritual de seu ser. Assim se
pronunciou Maritain sobre a individualidade e a personalidade,
“dois aspectos metafísicos dos entes humanos”:
Cada ente humano é um indivíduo como o animal, a planta, o
átomo; fragmento de uma espécie, parte singular da imensa
rede de influências cósmicas, étnicas e históricas que o
dominam. E ao mesmo tempo é uma pessoa, quer dizer, um
universo de natureza espiritual, dotado de livre arbítrio, e,
como tal, um todo independente em face do mundo (...). Mas
notemos bem que não se trata de duas coisas separadas. Não
em mim uma realidade que se chama meu indivíduo e
outra realidade que se chama minha pessoa. O mesmo ente
por inteiro é indivíduo em um sentido e pessoa, em outro.
(MARITAIN, 1966, p. 135-137)
De todos os jovens de sua geração, seria Mounier quem
melhor procuraria sintetizar as idéias sobre a pessoa humana,
124
elaborando, assim, uma filosofia estritamente personalista.
Seguindo de perto as idéias de Maritain e Berdyaev no que se
referia à concepção de pessoa humana, Mounier acreditava que
era na pessoa que a verdadeira noção de homem” habitava.
Distintamente do indivíduo, criatura da civilização burguesa e
individualista, cujo maior empreendimento foi a degradação do
homem, da cultura e da civilização, a pessoa significava o
verdadeiro resgate da faceta espiritual humana, de uma nova
cultura e, também, de uma nova civilização. Ao fomentar o
indivíduo como categoria cardinal de sua constituição, a
civilização moderna levou até às últimas conseqüências “a
esterilização da própria vida espiritual” (MOUNIER, 1967, p. 32). A
noção de pessoa, portanto, representava a possibilidade real de
superação desse estágio em que se encontrava o mundo.
Para Mounier, a pessoa é o ser humano na condição de
participante, construtor e construído por suas relações e por seu
mundo. Ela é o ser cuja experiência fundamental é a
comunicação e que contém em si, em termos de igual
importância, corporalidade e espiritualidade, particularidade e
comunidade. Por essa condição, ela é marcada por uma estrutura
do universo pessoal de índole dialogal, ou seja, a que envolve a
interioridade e a situação desta na exterioridade em constante
interação. Essa estrutura explica a pessoa, básica e
genericamente, em termos de imanência e transcendência,
liberdade e responsabilidade, maturidade e combate,
engajamento e inquietude, em constante interafetamento
(MOUNIER, 1964).
A existência humana envolve duas dimensões
indissociáveis a imanência e a transcendência – porque contém
em si duas formas de ser o corpo e o espírito. Através de seu
corpo, o ser humano é um ser natural, disposto, por isso, às leis e
125
aos limites da naturalidade; a partir dele e do contato que
estabelece com o exterior, o ser humano se lança, transcende
sua naturalidade, é engajamento, vocação, sentido, enfim, é
espírito, ou ainda, como afirma o filósofo:
... existir subjetivamente, existir corporalmente são uma única
e mesma experiência. Não posso pensar sem ser, nem ser
sem o meu corpo: através dele, exponho-me a mim próprio,
ao mundo, aos outros, através dele escapo à solidão dum
pensamento que mais não seria do que pensamento do meu
pensamento. Recusando-me a entregar-me a mim próprio,
inteiramente transparente, [o corpo] lança-me sem cessar
para fora de mim, na problemática do mundo e nas lutas do
homem. Através das solicitações do sentido lança-me no
espaço, através do seu envelhecimento ensina-me o tempo,
através de sua morte, lança-me na eternidade (Idem, p. 39).
Assim, é essa presença mergulhada no mundo, mas
capaz de transcen-lo com a subjetividade, nas trocas de apelos
que ele e a pessoa se fazem reciprocamente, que faz a existência
humana ser movimento, temporalidade e espacialidade.
Mas estar mergulhado no mundo, ser imanência, não é
uma prisão inexorável à pessoa. A imanência não é a
consumação absoluta da pessoa em um sentido de conformá-la
por inteiro ao que é, pois isso implicaria a sua despersonalização;
ela é apenas uma condição que o ser humano respeita com a sua
liberdade, dialogando com ela e, a partir dela, transcendendo-a.
O imanente é o solo sobre o qual pode ser dado o salto que o
transponha; solo que envolve uma substância composta por
vários fenômenos de índole natural, social, moral, religiosa,
científica, estética, cultural e que não pode, como o fizeram
algumas noções existencialistas românticas, ser simplesmente
ignorado. Nem determinismo, nem liberdade absoluta, traduzem
a condição humana de ser imanente e transcendente de modo
simultâneo. A transcendência não pode ser uma violência ao
mundo, não se pode tratá-lo conforme uma relação senhor-
escravo. As relações entre a pessoa e a natureza não são, pois,
126
relações de pura exteriorização, mas relações dialéticas de
permuta e ascensão. O homem pesa sobre a natureza, para
vencer a natureza, como o avião sobre o peso, para do peso se
arrancar” (Idem, p. 54).
Essa imanência, no entanto, desencadeia uma ação que
traduz o dizer “sim” ou o dizer não a ela, a transcendência.
Existência é confirmação e afrontamento; é, portanto, tomada de
posição frente ao mundo e aos outros. Esse posicionamento, que
traduz a transcendência, decorre de um comportamento de
dúvida: “só conseguirei salvar, parece, tanto a minha capacidade
para prosseguir, como a própria juventude de meu ser, se a cada
momento for pondo tudo em dúvida, crenças, opiniões, certezas,
fórmulas, adesões, bitos, relações” (Idem, p. 57). A dúvida é o
compromisso com a liberdade de afirmação ou negação do
mundo e supera qualquer dogmatização petrificante. Além disso,
é pela liberdade, que a possibilidade da dúvida suscita, que a
pessoa se entrega aos seus engajamentos.
São esses engajamentos, lançamentos da pessoa ao
mundo e a outro livre e espontaneamente que consolidam a
maturidade humana: “uma pessoa atinge a plena maturidade
no momento em que opta por fidelidades que valem mais do que
a vida” (Idem, p. 153). Uma maturidade que leva em
consideração o fato de tais fidelidades envolverem escolhas, e,
portanto, apegos e renúncias, muitas bastante dolorosas a si e a
outros. Assumir as renúncias, com suas dores e preços é outro
aspecto da maturidade existencial humana. O perfil desse
homem maduro e livre, mesmo que raro, pois “a maioria dos
homens prefere a escravidão da segurança ao risco da
independência”, é o seguinte:
O homem capaz de impor a si próprio uma disciplina, mas que
não a aceita cegamente de ninguém; o homem para quem é
127
supremo ‘conforto’ fazer, tanto quanto possível, o que quer na
hora que escolher, mesmo que tenha que pagar em pobreza e
solidão esse interior testemunho a que confere o elevado
preço; o homem que se ou se recusa, mas que nunca e a
nada se presta (Idem, p. 106-107).
A pessoa é, assim, livre e responsável. A liberdade,
porém, não é um arbítrio. É uma conquista que se faz por sobre e
em consideração a todos os limites da imanência. Se o existente
se posiciona perante o mundo e os outros, e o faz com sua ação
livre, isso não significa que fará desse mundo e desse outro o que
quer, mas que assumirá e aceitará, como conseqüência de sua
escolha, a resposta que esse mundo e esses outros derem ao seu
posicionamento. Essa é a condição da liberdade – estar sobre um
certo substrato que a sustenta e ao qual ela pode transpor, mas
que a ela também responde. No terreno humano, isso significa
considerar e reforçar não apenas a liberdade de si, mas também
a do outro. É o combate da liberdade que não termina jamais:
está constantemente entregue à ousadia, ao risco, ao se lançar
às incertezas, e ao aderir, ao aceitar, ao confortar. Essa é a
liberdade que une.
Como a existência é combate, a virilidade e a força que a
envolvem não podem, por quaisquer processos, ser expurgadas,
sob pena de castração e despersonalização. A perfeição da
existência está, justamente, em sua construção combativa,
humanamente combativa: “a perfeição do universo pessoal
encarnado não é, pois, a perfeição de uma ordem, como
pretendem todas as filosofias (e todas as políticas) que pensam
que o homem poderá um dia submeter totalmente o mundo. É
perfeição de uma liberdade que combate, e que combate
duramente” (Idem, p. 58).
O combate da existência ainda tem uma peculiaridade:
deve-se dar mesmo na ausência de certezas ou de qualquer
estado ideal de condições perfeitas. O absoluto não é deste
128
mundo e não é comensurável a este mundo. nos podemos
comprometer em combates discutíveis e em causas imperfeitas”
(Idem, p. 163). Mesmo os engajamentos que direcionam o agir
humano são inacabados e imperfeitos, estando sempre abertos a
críticas e renovações. Logo, nem mesmo em suas crenças o
homem livre pode ter certeza para se lançar ao agir no mundo.
Diante desse cenário de incertezas para o qual se lança a pessoa,
a inquietude surge como um traço dessa existência combativa.
O que impulsiona, no entanto, essa transcendência?
Mounier não a advoga dirigida por qualquer outra força além da
humana, nem por valores estabelecidos a priori e, por isso,
impessoais. Ele entende a liberdade lançando-se para a
realização de um círculo interior de valores de cada existente e
que instiga toda a ação, círculo este que nem mesmo a morte
pode afrontar. O que a direciona é seu compromisso livremente
assumido, o seu engajamento. É esse compromisso que conferirá
um sentido de totalidade e coerência a todos outros valores
humanos, tais como a felicidade, a verdade, a moral, a beleza, a
sensibilidade e a comunidade em seus juízos de bem e mal, bem
como orientará toda a ação transformadora e enriquecedora do
ser humano ao mundo e às suas relações.
A noção mouneriana de pessoa, assim, exalta a liberdade
condicionada e combatente e sua relação construtiva com o
mundo e com os outros. Sem cair na ingenuidade romântica da
liberdade absoluta existencialista, exalta o engajamento como
um impulso para a ação e para a construção dos sentidos que
permeiam a existência humana. Além disso, aponta para uma
feição inter-relacional do existir humano. Neste sentido, três
aspectos marcam o discurso de Mounier sobre a relação inter-
humana. Um deles é a comunicação como experiência humana
fundamental; o outro é a afirmação da experiência do amor como
129
disposição; e, por fim, em termos macro da sociedade, o
movimento de personalização. Esses aspectos, no entanto,
apontam para um equilíbrio dinâmico, advindo dos próprios
combates e entregas existenciais, entre a proteção da
individualidade e a disposição da pessoa aos outros e ao mundo.
A comunicação é um reflexo da condição imanente e
transcendente do existir humano. Do mesmo modo que a
natureza e as condições econômicas, o mundo do outro expõe o
existente a limites e apelos e resulta na necessidade de lutas e
combates. Nesse sentido, o ser humano pode se enveredar por
dois caminhos: em um, tenta autodefender-se recusando o
diálogo e se fechando em um individualismo ou objetivismo de si.
Essa escolha acentua, ainda mais, as dificuldades imanentes ao
processo comunicativo
85
; em outro caminho, o ser humano se
abre, corajosamente, a esse existir comunicante e parte à luta
contra todas as dificuldades impostas a essa existência
fundamental.
A experiência comunicante exige um movimento pelo
qual a pessoa esteja disponível ao outro, saia das prisões de si
mesmo. “Só existo na medida em que existo para os outros, ou
numa frase limite: ser é amar” (Idem, p. 64). Essa existência
impulsiona movimentos vários de desapossamento de si e do
mundo, de compreensão e empatia, de respeito, aceitação e
acolhimento à singularidade, de assunção de responsabilidades,
de generosidade, de fidelidade a um engajamento livre. O “outro
é tido, assim, não como objeto, mas como um sujeito como é o
“eu”, e isso se dá reciprocamente.
85
Essas dificuldades são, segundo MOUNIER (1964, p. 61-62), as inerentes à
própria presença do indivíduo (expressão ruim, intenções, mal-estar,
desconfiança), à cultura (que imprime máscaras difíceis de retirar ou de
separar do indivíduo que a veste), ao individualismo (que acentua os
mecanismos de defesa do isolamento e da intencionalidade) e ao gigantismo
social (que se preocupa com uniformidades, previsibilidade e em produzir
repetições).
130
O amor, elemento essencial na noção de existência
mounieriana, é um modo de ser que se confirma no lançamento
ao outro para reforçar-lhe a liberdade e exaltá-lo em sua
pessoalidade ímpar. O amor é cego, mas de uma cegueira
extralúcida” (Idem, p. 68). Lucidez no sentido de que o ser
humano é, no amor, totalmente consciente de sua ação
confirmadora do outro, seja ele quem ou como for, em sua inteira
e total individualidade, e de que essa confirmação, ao contrário
de tornar esse outro algo por si apropriado, o liberta de si e de
todos os demais grilhões. Daí sua cegueira aos juízos e ao sentido
de apropriação.
Mas, ao lado desse dispor-se para fora de si que afirma a
comunicação e o amor, a existência também consiste em não se
perder nessa disposição, pois, se assim fosse, o ser humano se
tornaria coisa do outro. A pessoa deve também se manter como
individualidade. Disposição e individualidade em pleno
movimento dialético em que um não consome o outro, pelo
contrário, em que ambos se enaltecem reciprocamente. A pessoa
recolhe-se em si mesma, não para se manter, mas para,
reconhecendo-se e a aquilo que lhe sentido à existência,
engajar-se livremente em uma disposição que a realize. Para
essas descobertas, o filósofo advoga o tempo livre e um
recolhimento ativo de profundo mergulho em si. É preciso se
desocupar do mundo para se descobrir quem se é, adverte o
filósofo, inclusive, para que melhor se ocupe com o mundo,
desvendando tanto sua vocação quanto aquilo que deve guardar
em si. Equilíbrio entre disposição e reserva. Afinal, o mundo não
pode exigir absoluta disposição. E essas reservas individuais,
esses segredos, devem ser respeitados em seu resguardo. O
pudor é o sentimento da pessoa que não quer ser esvaziada nas
suas expressões, nem ameaçada em seu ser pelos sentimentos
que assumiria a sua existência, uma vez que essa totalmente se
131
manifestasse” (Idem, p. 85).
O movimento de personalização, por sua vez, consiste na
“atividade vivida de auto-criação, de comunicação e de adesão”.
O mundo moderno tem insistido na despersonalização. As fortes
regras, os procedimentos fechados, os gostos e modos de ser
homogeneizados, a isenção do engajamento enfraquecem o
sentido da pessoa, pois a imunizam de seu espírito criador e de
sua atividade transformadora responsável. A maquinização
humana, aliás, suspende toda e qualquer responsabilidade, pois
suprime a liberdade de ação ou a reduz a muito pouco. O
individualismo fecha o homem dentro de si mesmo e, como águas
que não correm, fá-lo apodrecer dentro de si. Essa condição do
mundo moderno é uma produção histórica, que é destacada por
Mounier (Idem, p. 31-32), nos seguintes termos descritivo-
analíticos:
Por mais reservas que se possam fazer à Revolução Francesa,
não há dúvida que ela marca uma fase importante da
libertação política e social, embora limitada por seu contexto
individualista. Desde essa ocasião, um quase forte fatalismo
se desenvolve. Por um lado, o individualismo, encontrando
terreno favorável na fase conquistadora do capitalismo,
desenvolve-se rapidamente. O Estado liberal cristaliza-o nos
seus códigos e nas suas instituições e, embora professando
um personalismo moral (de raiz kantiana) e político (ao gosto
burguês), lança a condição concreta das massas urbanas na
escravidão social, econômica e, bem depressa, política. O
romantismo que desenvolve as paixões do indivíduo percorre
todas as gamas da afectividade, mas, arrastando-o para o
isolamento, não lhe permite a escolha senão entre a solidão
desesperada e a dispersão do desejo. Recuando perante essas
novas angústias, e temendo as imprudências do desejo, o
mundo do pequeno burguês recalca-o por detrás de uma
aparência de medíocres satisfações: instaura o reino do
individualismo cauteloso. Na mesma época, o brusco e
repentino surto da técnica rompe as fronteiras do indivíduo e
os seus espaços fechados, e instala em todos os campos os
grandes espaços e as relações coletivas. Acossado, o
individualismo começa a recear, quer à anarquia que o
soçobra, quer ao coletivismo que o ameaça. A sua tendência é
para coibir com o nome de ‘defesa da pessoa’ as suas
manobras de bastidores.
132
Diante desse cenário, que parece fechar todas as
perspectivas de reação, no entanto, a esperança na humanidade
é mantida. Isso porque Mounier acredita que o ímpeto libertador
da pessoa humana nunca lhe é retirado: por mais fechadas que
sejam as regras, por mais rígidas as instituições, por mais
uniformizados os costumes, por mais individualistas as
tendências, nada consegue esgotar a existência humana ou
prendê-la em absoluto e eternamente – há sempre a possibilidade
de um despertar do sono dessa vida que, desapropriada de si,
perde todo o sentido. E isso é provado por Mounier também por
meio dos próprios movimentos históricos que, no cenário
descrito, surgiram como reação, no intento de reafirmar o
problema da personalização do mundo. Dentre esses
movimentos, Mounier destaca o de renovação existencialista e o
movimento de renovação marxista: o primeiro chamando a
atenção para problemas personalistas, tais como a liberdade, a
comunicação e o sentido da história, e o segundo instigando a
libertação de todas as mistificações dos sistemas e a construção
materialista da existência humana.
Para essa personalização da sociedade humana é
necessário promover não apenas a libertação espiritual da
vontade, mas também condições materiais e de fato nos termos
de infra-estrutura econômica, política e biológica que permitam o
amadurecer da liberdade e a sua manifestação concreta pelo
homem. Essas condições, porém, podem estar próximas de serem
propiciadas: a humanidade se encontra em um estado de crise
estrutural que põe em questão uma série de equilíbrios
supostamente existentes a harmonia econômica é
desmascarada por Marx em sua percepção sobre a luta de
classes, a constância psicológica, abalada pelas descobertas de
Freud dos impulsos instintivos, os valores são desmistificados no
niilismo de Nietzsche, a natureza humana é negada por
133
existencialistas. O que restou de sólido? E o que fazer se tudo for
apenas fluidez? Quando as autoridades sucumbem pela quebra
que o questionar provoca no silêncio que elas impunham, quando
os dogmas são derrotados, restam dois caminhos: ou
emergem novas autoridades, ou a humanidade se assume sem
elas. O cenário de inquietude que essas quebras do suposto
equilíbrio sugerem abre ensejo a novos posicionamentos: a
personalização, e um novo desenho da vida humana, ou a
despersonalização, e a continuidade do homem escravizado,
imaturo e covarde. Mounier opta pela personalização e reconhece
que essa opção, estendida a toda sociedade, resultaria em
transformações profundas de fenômenos humanos, tais como a
educação, o Direito, a ciência, a cultura e a economia.
Como podemos perceber, Mounier fazia do pleito de
ressacralização do mundo o impulso central de sua doutrina
revolucionária. Péguy ensinou a ele e à sua geração que o mundo
moderno havia abandonado o mistério; Chevalier e Bergson
mostraram-no que o mundo moderno não tinha metafísica;
Maritain o convenceu de que a lógica das idéias e a força que
formaram seu tempo eram uma lógica da destruição. Assim,
tanto Mounier quanto muitos de seus contemporâneos estavam
convictos do fato de que a vida burguesa de sua época era sem
valor e contra o ser. Ademais, as realidades incríveis expostas
pelos eventos dos anos de 1929 e 1932 lhes forneceram a
certeza final de que o mundo moderno estava vivenciando uma
verdadeira bancarrota espiritual, sendo ele, desta forma,
testemunha da falência de uma civilização. Cabia-lhes, portanto,
a responsabilidade pela criação de uma nova civilização. Então,
acreditaram que se o homem e a civilização precisassem ser
restaurados, tudo o mais também necessitaria sê-lo. No centro
dessa revolta geracional havia um forte desejo de fazer do
profano algo sagrado (AMATO, 2002, p. 104).
134
C a p í t u l o 6
A pessoa humana e a restauração do social em
Guerreiro Ramos
O modus operandi da sociedade moderna sempre gozou
de uma avaliação altamente negativa aos olhos críticos de
Guerreiro Ramos, da juventude até a sua fase adulta Em seus
textos dos anos 30, em especial o livro Introdução à cultura, a sua
crítica ao mundo moderno o era menos ríspida do que aquela
que seria levada a cabo quarenta e cinco anos depois em A nova
ciência das organizações. Naquele livro de 1939 encontramos o
cerne de suas idéias juvenis articulado em um discurso voltado
para o clamor da necessidade de instauração de uma nova
cultura, de um novo homem e de uma nova civilização, tomando
como pressuposto a noção de pessoa humana e de comunidade.
86
Tratava-se, como também notou Oliveira (1995, p. 30), de uma
“proposta de transformação que seguia muito de perto as
proposituras dos personalistas franceses discutidas nos dois
capítulos anteriores. Valendo-se de um quadro conceitual em que
pares de conceitos se contrapunham cultura versus civilização,
pessoa versus indivíduo, ornico versus mecânico, sentimento
trágico de vida versus sentimento burguês de existência –, o
jovem escritor pleiteava a necessidade de instauração de uma
nova tessitura social que privilegiasse a necessidade espiritual
humana. Vejamos com maiores detalhes as categorias
conceituais ressaltadas nesse seu pleito.
O pleito por um novo mundo
Como temos afirmado, o discurso dos intelectuais
86
Ele também abordou o tema da poesia, mas sobre este nos dedicaremos a
falar no próximo capítulo.
135
franceses sobre a decadência do mundo moderno ecoava de
modo profundo nos escritos guerreirianos. Para o jovem santo-
amarense, a civilização moderna
87
estava fadada à degeneração,
sendo o motivo de tal decomposição o fato de a mesma ter
abandonado a possibilidade de se estabelecer em bases
qualitativas espirituais e eternas, para o fazê-lo em
pressupostos eminentemente quantitativos material e
transitório. Tal fato denunciava claramente que houve, na Europa,
entre a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, uma
paulatina transubstanciação espiritual nos homens do Ser para
o Ter –, o que, de modo conseqüente, alcançou por igual o
humanismo, a cultura e a civilização. Guerreiro Ramos acreditava
que o momento histórico em que vivia representava o
coroamento desta transformação, desta inversão hierárquica
entre Ser e Ter, em uma clara demonstração do abandono do
legado clássico e escolástico de pensamento filosófico, social e
político, legado este cuja recuperação seria uma das principais
tarefas intelectuais que ele se ocuparia ao longo de sua trajetória
intelectual.
No Brasil, esta acusação da civilização moderna
enquanto um momento histórico de plena privação espiritual não
87
Os termos civilização e cultura eram recorrentes nos discursos dos cristãos
franceses daquela época. Maritain os tomava como sinônimos, não
ignorando o fato de autores alemães e russos os tratarem como distintos.
Segundo o seu entendimento, a civilização (cultura) significava “a expansão
da vida pròpriamente humana, no que diz respeito não sòmente ao
desenvolvimento material necessário e suficiente para permitir-nos uma reta
vida na terra, mas também e antes de tudo ao desenvolvimento moral, ao
desenvolvimento das atividades especulativas e das atividades práticas
(artísticas e éticas) que merece mais pròpriamente a denominação de
desenvolvimento humano. Parece assim que a cultura é natural no mesmo
sentido que o trabalho da razão e da virtude, do qual ela é o fruto e a
realização terrestre. Corresponde ao desejo profundo da natureza humana,
mas é obra do espírito e da liberdade acrescentando seu esfoo ao da
natureza. Por isto que êste desenvolvimento não é sòmente material, mas
tamm e principalmente moral, é natural que nêle desempenhe função
principal o elemento religioso, desenvolvendo-se destarte a civilização entre
dois polos: o polo econômico do lado das necessidades humanas mais
urgentes de ordem ético-biológica, o polo religioso do lado das mais urgentes
necessidades humanas quanto à vida da alma.” (MARITAIN, 1962b, p. 76-77).
136
lhe era exclusiva. Um número expressivo de intelectuais
brasileiros, principalmente os da vertente católica, com ele
compartilhavam da opinião que o mundo moderno atravessava
uma crise material e espiritual sem precedentes. A análise da
revista A Ordem realizada por nica Velloso (1978), bem como
os estudos que foram feitos por Riolando Azzi (1977; 1979) sobre
a “restauração católica” durante a segunda e terceira décadas do
século XX, são trabalhos que nos fornecem uma medida acurada
das opiniões e atitudes de uma parte considerável dos
intelectuais católicos brasileiros quando estes se voltavam à
análise dos processos de “secularização e “modernização por
que passava a sociedade brasileira à época.
88
Estes e outros
processos sociais eram avaliados de um único modo, o modo
depreciativo, e, portanto, o combate ou resistência aos “tempos
modernos” envolveria uma revolução espiritual” para a qual a
“intelectualidade católica” e o “elemento leigo da sociedade
brasileira eram firmemente conclamados.
Em seu livro de 1939, Guerreiro Ramos reclama o
estabelecimento de um novo humanismo aos moldes do
“humanismo integral” maritainiano e, conseqüentemente, a
formação de uma nova cultura e de uma cidade pluralista
(comunidades) para que se pudesse acondicionar as exigências
existenciais da pessoa. Assim como os personalistas franceses, o
nosso autor também acreditava que a instauração do novo
somente poderia ser concretizado por meio de uma revolução
pura, uma revolução que assumisse a primazia do espiritual sobre
o temporal, do permanente sobre o transitório, em suma, que
afirmasse Deus enquanto realidade experimentada e o homem
enquanto pessoa. Essa sua filiação intelectual o levou a rechaçar
88
Não daremos destaque aqui a reações ou afirmações de alguns movimentos
políticos, como foi o caso do Fascismo, o Comunismo, totalitarismos em
geral, haja vista o fato da dificuldade que nos levaria a caracterizar, dentro
do movimento católico brasileiro, favoráveis e desfavoráveis a eles.
137
o que chamava de proposições idealistas de revolução, como as
concretizadas e advogadas por marxistas e fascistas, pois, em
sua opinião, o fascismo e o comunismo, ao invés de proclamarem
a supremacia do homem, apenas propagavam as místicas do
proletariado, do partido e da nação, quer dizer, deificavam
abstrações, ficções conceituais, exigindo a subsunção dos
homens, os verdadeiramente existentes, a criações do
pensamento.
Na verdade, somente uma revolução realista poderia, de
fato, combater a tais idolatrias e salvar os homens desses
embustes. A revolução necessária seria aquela que,
prioritariamente, (a) estivesse voltada para a modificação do
mundo por meio da “conversão do homem ao próprio homem”,
(b) que o conduzisse a descobrir em si a medida comum da
humanidade e, enfim, (c) que o fizesse ser a pessoa que é
(GUERREIRO RAMOS, 1938b; 1939a). Esta seria, no entendimento
do autor, a melhor tática revolucionária, dado que forneceria ao
homem os meios adequados para descobrir-se como pessoa,
como alguém que possui uma vocação e um destino particular a
cumprir.
Como podemos perceber, um certo voluntarismo
perpassa essa sua concepção de revolução. Por acreditar ser a
pessoa humana revolucionária por si mesma, Guerreiro Ramos
(1938b) afirmava que, à proporção que os homens e as mulheres
tornar-se-iam cônscios da necessidade de realizarem a pessoa
humana que são, e que, para tanto, inevitavelmente teriam que
submeter a sociedade aos interesses humanos mais altos, ou
seja, os interesses espirituais, a revolução se faria
“automaticamente, sem bastilhas, sem barricadas”, quer dizer,
ter-se-ia uma revolução “sem revolução”. Neste sentido, somente
uma revolução nos moldes personalistas seria verdadeiramente
138
reivindicadora e humana”, apta a constituir um novo arranjo
social, uma nova cultura e um novo homem (GUERREIRO RAMOS,
1939a, p. 73-74). Em suas palavras:
A verdadeira revolução é a que ensina o homem a ser homem,
antes de tudo, dando-lhe o nexo moral, o senso do belo,
fazendo-o responsável pelos seus atos, tornando-o capaz de
ser um alguém opondo-se a outros alguéns, procurando
realizar-se a SEU modo, sentindo-se um ser misterioso, porque
original e único (GUERREIRO RMAOS, 1937e, p. 167-168).
(destaques no original)
Indivíduo e pessoa humana
O estado de decadência civilizacional tornava imperativo
o surgimento de um novo homem, dado que o tipo humano que
estava a validar a civilização moderna representava apenas uma
parcela e não a mais digna, a seu ver do homem integral,
aquele que seria possível desvelar-se em uma cultura e uma
civilização que permitisse tal feito. Assim, apropriando-se da
distinção feita pelos intelectuais franceses entre indivíduo e
pessoa, Guerreiro Ramos detalhava a sua crítica à civilização
moderna, afirmando que o tipo de homem por ela desenhado era
o homem-indivíduo, representante da face natural e não
espiritual do homem, caracterizado pelo ímpeto organizador”,
“utilitário e “prático e que encontrava o seu locus existencial
em formas objetivas, sendo, por essa razão, um ser propenso a
petrificar-se em fórmulas místicas (1939a, p. 64). Enquanto
indivíduo, o homem não vivia conforme o seu íntimo, carecendo,
sempre, de espiritualidade. Ele também não possuía consciência
de sua particularidade, portanto não se reconhecia ou se
afirmava como portador de uma vocação e um destino, sendo,
assim, um ser irrealizado, sedento de sentido de vida; sua junção
aos outros na coletividade era frouxa e fria, tendo, quase que
exclusivamente, o interesse como elemento catalisador da
convivência humana. Desconhecendo, assim, a solidariedade e a
139
compaixão, o homem-indivíduo inviabilizaria, para além dele
próprio, qualquer outra possibilidade orgânica de vida entre os
homens, tal como a vida em comunidade o exigiria. Para o
indivíduo, existia a sociedade, coletividades, essas abstrações
eivadas de mitos coletivos como os de classe e nação e
constituídas de unidades mecânicas, impostas do exterior para o
interior humano.
Este estado de ser do homem moderno, o estado
“indivíduo”, na visão do autor, tornava a civilização moderna
vazia, fazendo com que ela perdesse o seu germe, a sua
“mensagem espiritual”.
89
Isto porque as instituições que lhe
forneciam sustentação, em termos de viabilidade social nima
para fins de continuidade, nada mais eram do que “carcaças
inúteis”, fantasmas” que sequer faziam jus a algum respeito a
elas por parte dos homens, haja vista que tendiam a
despersonaliza-los. Neste sentido, o existente moderno seria um
ser sem compromisso, sem responsabilidade, e estaria reduzido
em sua dignidade; sofreria demasiadamente com a angústia que
vivenciava, a angústia da irrealização, da carência, do vazio
espiritual. Dissolvido na coletividade, esse homem (o indivíduo)
contemporâneo não teria nome, “anulou-se como personalidade”
ao entregar o seu destino às instituições (GUERREIROR RAMOS,
1939a, p. 37). Tudo isso sinalizava para confirmar o veredicto: a
decadência humana e civilizacional.
Mas, se por um lado, o status quo apontado pelo autor é
de declínio cultural, de finalização de uma determinada época
histórica, por outro, e concomitante a esse momento de
89
Segundo Guerreiro Ramos, toda civilização tem sua “mensagem”, ou seja,
possui “um certo conjunto de valores morais, intelectuais ou espirituais, em
nome do qual ela viva implícita ou explicitamente” (1939a, p. 11). Por isso,
toda civilização é “sempre representativa”, expressa “um ideal de mundo e
quando, para uma civilização, aponta-lhe a consciência da perda da
“memória de seus valores, de sua medida, é que chegou o momento de
desaparecer (Idem Ibidem). Eis o sentido de decadência civilizacional
afirmado pelo autor.
140
encerramento do ciclo vital de determinado modus cultural, de
sua “inatualidade”, o autor visualiza um estado nascente
vigorosamente fértil, isto é, oportuno a uma abertura reflexiva,
criativa e a uma práxis comprometida com o novo. Ou seja, tudo
isso demonstrava, para o jovem Guerreiro Ramos, que o
momento moderno era a ocasião própria para a emergência do
novo, pois as carências, irrealizações e angústias existenciais
estavam a inspirar um estado de inquietação no homem,
levando-o a atentar contra os entraves impeditivos da realização
de seu ser.
O pressentimento desse momento de ruptura e de
construção do novo instigou o nosso autor a afirmar que somente
uma nova cultura proporcionaria a possibilidade de recuperação
de sentido e de realização humana, além do que, em permitindo
ao homem a concretização de suas necessidades profundas,
viabilizaria o encontro com a plenitude da vida. No entanto, um
precedente urgia: encontrar a “medida comum”
90
do ser humano
em que ele poderia se basear. Sobre esta tarefa os humanistas
precisavam se debruçar, a fim de tentarem configurar um
humanismo novo, que fosse distinto do humanismo
antropocêntrico que serviu de fundamento para a
conceptualização e instituição da civilização moderna. Na opinião
de Guerreiro Ramos, esse novo humanismo deveria ter em conta
a noção de pessoa, fazendo justiça às suas “exigências integrais”
e orientando-se para “uma realização social-temporal” da
mesma; um humanismo que pudesse alcançar o homem total
dentro de uma cultura total”, e que, por isso mesmo, não poderia
deixar de ser teocêntrico, ou tampouco deixar de reabilitar a
criatura em Deus (1939a, p. 40). (grifos no original)
90
Valendo-se de Rougemont (Penser avec les mains), Guerreiro Ramos dizia
que a questão da medida comum era um “problema central de qualquer
cultura, e que se tratava, na verdade, de levar à consciência humana a idéia
de que todos os atos humanos possuem uma “finalidade comum” (1939a, p.
4).
141
Mas o que viria a ser, de fato, esse novo homem a favor
do qual Guerreiro Ramos se posiciona? Primeiramente, ele
procuraria se afirmar como pessoa, isto é, como espírito, como
um participante do plano sobrenatural. Somente a pessoa
“penetra na essência das coisas e nega-se a deixar informar-se
pelo exterior porque suas raízes se localizam no eterno e não no
passageiro”; ela é o cleo onde Deus está presente no
homem”, o encontro entre a natureza divina e a humana
(GUERREIRO RAMOS, 1939a, p. 71-72). E confirmando a sua
adesão à tese de Berdyaev, Guerreiro Ramos afirmava:
o que de mais caro para a pessoa humana é a sua
liberdade e, por isso, presamo-la, pensamos que ninguém
pode impor a outrem uma revolução, uma liberdade, e até
mesmo a própria verdade. A pessoa é livre. Deus a quer pelo
caminho da liberdade, com suas próprias mãos, pela
conversão (Idem, p. 72). (...) A pessoa é, pois, uma presença.
Presença de Deus. Imagem de Deus em nós. Sem Deus o
pode existir pessoa. A noção de pessoa inclui a noção de
Deus, do Cristo, que foi, mesmo, a primeira pessoa que
existiu. Todo homem pessoa é um Cristo autêntico. A pessoa é
de natureza divina e humana. É teandrica. A pessoa é a
realidade profunda e última do homem (Idem, p. 75).
A pessoa humana tem consciência de que viver é lutar, e
lutar interiormente, pois nela está radicado o “combate do bem e
do mal” (Idem, p. 69). A vida, continua Guerreiro Ramos no mais
profundo veio da filosofia de Berdyaev, “é este combate espiritual
interior e profundo, contra a morte, contra o mal, contra nós
mesmos”, pois que o verdadeiro bem e mal são ontológicos,
determinados pela consciência original do ser (Idem Ibidem).
Assim, o processo de tornar-se pessoa, de personalizar-se,
implicaria ao homem em ter que ir até os “confins onde se
processa o drama da vida”, em “descer ao mistério do ser” (Idem
Ibidem). Essa descida até os confins do íntimo humano faria com
que a pessoa visse na dor, no sofrimento, a ocasião e o motivo
para conquistar-se, para aperfeiçoar-se, para santificar-se.
Acrescente ainda um dos elementos centrais de fomento da
142
tensão existencial que a pessoa experimentaria, qual seja, o
combate incessante entre a sua tendência a realizar suas
potencialidades e os obstáculos sociais que sempre dificultam tal
realização, o que justifica a força an-arquicada qual a pessoa é
portadora (Idem, p. 70).
Claro está, portanto, que pessoa e indivíduo se opõem.
Isso não significava dizer, porém, que eles fossem dissociáveis.
Pelo contrário. Para Guerreiro Ramos, assim como Maritain
havia afirmado (1966), o homem é pessoa e indivíduo em um
ser naturezas distintas, mas inseparáveis. O que ocorre,
segundo ele, é uma gradação entre indivíduo, personalidade e
pessoa no jogo da existência. Enquanto o estado indivíduo
registra no homem a falta de consciência da pessoa, ou seja,
escapar-lhe-iam os sentidos de sua vocação e de seu destino, a
personalidade apresenta-se como um estado de surpresa e de
tentativa de apreensão da pessoa que se é, quer dizer, trata-se
de uma “construção coerente que se apresenta a cada momento
como resultante do esforço de personalização (GUERREIRO
RAMOS, 1939a, p. 84). A pessoa, por sua vez, “está sempre além
da personalidade atual, é supra-consciente e supra-temporal,
mais vasta do que as visões que se têm dela, mais interior do que
as construções que se tentam fazer dela” (idem Ibidem). A
pessoa não é uma conquista definitiva, uma realização integral,
pois que escapa a todo o esforço de realização espiritual no qual
os homens e as mulheres se empenham. Assim, no que diz
respeito à pessoa, toda personalidade é sempre precária.
Como conseqüência do fato de a pessoa ser a “medida
do homem”, seria na questão da realização humana que
Guerreiro Ramos localizaria o problema central de toda
organização política da cidade” (Idem, p. 41). Tal qual o pleito de
Maritain e dos personalistas, era urgente, para o autor em
143
análise, o empenho na construção de um mundo, de um arranjo
social no qual o homem pudesse encontrar “sua plenitude, e a
possibilidade de realizar-se totalmente” (Idem, p. 31), muito
embora, como podemos deduzir, tal arranjo social perfeito e
definitivo fosse impossível.
Desse empenho constante de homens e mulheres para
escapar do estado homem-indivíduo e atingir a condição de
homem-pessoa (ou pessoa humana), ou melhor dizendo, do
esforço de homens e mulheres em direção à espiritualização
resultaria a cultura. É neste sentido que podemos entender a
afirmação de Guerreiro Ramos quando ele disse que a “cultura é
espiritual”, é “produção do espírito (Idem, p.19). Ou seja, resulta
da tomada de consciência do homem acerca de sua existência e
de seu mundo, o qual direciona a sua ação em busca da plena
humanização (Idem Ibidem). Essa conscientização de si, de sua
pessoa, instigara o homem à efetiva intervenção e participação
no mundo, levando-o a ampliar sua humanidade para a realidade
objetiva da existência conjunta, iniciando e contribuindo para um
processo de humanização da vida. A cultura, nesse sentido,
resulta do desejo insaciável que o homem comporta de entrar em
afinidade com as “essências cósmicas de toda espécie” (Idem, p.
21). A possibilidade da cultura estaria exatamente aí, ou seja, na
“colonização da exterioridade”, na fundação de comunidade, no
movimento incessante da pessoa no mundo; manifestar-se-ia no
contato, na presença do homem à natureza e aos outros homens
e no ímpeto de transbordamento humano que este contato
possibilitaria; daí ser ela expressão da comunidade (Idem
Ibidem).
Mas além do plano pessoal, a cultura ainda era
entendida por Guerreiro Ramos como um estado espiritual da
coletividade, no sentido de que seria “uma totalização dos
144
anseios e idéias que residem no povo, que presidem a seu
comportamento e que exprimem a sua concepção da vida, do
homem, do universo.” (Idem, p. 19) Este seria o “elemento
democrático da cultura, uma vez que suas raízes também
estariam fincadas no povo (Idem Ibidem). Porém, a captura desse
espírito coletivo e a sua respectiva expressão simbólica e
conceitual era uma atividade que somente seria possível de ser
realizada “pelos indivíduos dotados de certo grau de inteligência,
pelos artistas, pelo nios”
91
, em suma, por membros de uma
elite intelectual (Idem, p. 14).
92
Nas palavras do autor: “só os
nios ou os artistas e sobretudo os poetas poderão estilizar os
valores reais que as massas contém.” (Idem Ibidem) Este seria,
por outro lado, o elemento aristocrático que a cultura comporta.
Como podemos perceber do que foi exposto, Guerreiro
Ramos acreditava firmemente na necessidade de se estabelecer
a pessoa humana como o alicerce construtivo de uma nova
cultura. A civilização moderna estava corroída na base,
exatamente onde residia o indivíduo, esta corruptela do homem
integral. O mundo moderno era a Europa, e esta a civilização
decadente. Na América estaria a possibilidade do novo. Assim,
Guerreiro Ramos sugere aos americanos repensar a AMÉRICA”,
para que dela se pudesse articular uma nova configuração social
capaz de acolher o novo padrão de homem que a nova cultura
reclama para viver.” (Idem, p. 31) (grifos no original)
91
A partir dos anos 40, Guerreiro Ramos usaria o termo intelligentsia para se
referir a tais grupo de indivíduos.
92
Note-se que, para Guerreiro Ramos, somente os verdadeiros intelectuais
poderiam alcançar a essência desse espírito coletivo. Estes, diferentemente
dos intelectuais ilustrados ou livrescos, cuja atividade compreensiva está
sempre ligada a manuais e fórmulas feitas, prescindindo, assim, de uma
vinculação concreta com os fatos da vida, os verdadeiros intelectuais,
visando sempre “conhecer as essências das coisas” a partir de uma
vinculação íntima com elas, criam um “saber-experiência”, um saber que os
torna mais humano (1939a, p. 12-13).
145
C a p í t u l o 7
Poesia, saber de salvação
A poesia e o poeta tinham um papel fundamental na
propositura guerreiriana pela restauração do social em novas
bases espirituais. Em O sentido da poesia contemporânea, texto
que foi publicado na revista A Ordem em 1939, o autor procurou
expor a missão que a poesia e o poeta desempenhariam no bojo
desse urgente processo de construção de um novo mundo.
Poucos meses após o ensaio ter sido publicado, Guerreiro Ramos
o incorporou ao seu segundo livro, Introdução à cultura (1939a),
com algumas supressões e uma breve mudança no título,
alterado para O Sentido da Poesia, como forma, acreditamos, de
melhor homenagear àqueles que o inspiraram a escrever sobre o
tema – o filósofo Jacques Maritain e a sua esposa, Raissa Maritain.
O livro Introdução à cultura não passou despercebido
aos olhos dos críticos literários da época, recebendo diversos
elogios, inclusive de intelectuais que não não eram afetos às
idéias religiosas do jovem poeta santo-amarense, como no caso
de Nelson Werneck Sodré, que ao escrever uma resenha do livro,
não poupou elegiosos ao autor, a ponto de afirmar que, no Brasil,
até aquele momento, ninguém havia dito “coisas tão profundas e
tão sensíveis e tão nítidas sobre a poesia” (SODRÉ, 1939, s/p.).
Para o resenhista, o escritor baiano se apresentava naquela obra
como alguém com “uma cultura perfeitamente delineada”,
demonstrando não ter sido “um puro leitor [dos autores em que
se baseou para escrever], mas um seguro dissociador de
pensamentos, um reflexivo commentador de idéias, um nitido
estudioso dos conhecimentos e das doutrinas”, de tal modo que,
“pela primeira vez, entre nós, afirmou Sodré, Maritain e Berdiaeff
146
encontraram um commentador segurissimo, dono de uma
analyse rica em movimento e em expressão.” (Idem Ibidem)
De fato, tinha razão o autor de História da literatura
brasileiria, pois a presença das idéias de Jacques Maritain e de
Nicolas Berdyaev se faz sentir profundamente em Introdução à
cultura, com maior destaque a um ou ao outro autor, a depender
do capítulo do livro que se analisa. Em O sentido da poesia, por
exemplo, mais do que as de Berdyaev, são as idéias
maritainianas que predominam. O próprio Guerreiro Ramos
(1985, p. 9), anos mais tarde, admitiu que, quando da escrita
daquele texto, havia levado em consideração muito das reflexões
do filósofo francês e de sua esposa sobre o assunto,
principalmente as opiniões que ambos expressaram no livro
Situation de la poésie, publicado na França em 1938. Este livro,
juntamente com Art et scolastique, de 1920, Frontières de la
poésie et autres essais, de 1935, e L’Intuition creatice dans l’Arte
e dans la poesie, de 1966, compõem a linha básica da estética
maritaneana, da qual destacaremos alguns elementos para nos
auxiliar na compreensão do papel da poesia e do poeta para o
nosso autor, nos áureos tempos de sua dedicação à vida literária.
Breves considerações sobre arte e poesia em Jacques
Maritain
O empenho de Jacques Maritain na elaboração de uma
filosofia da arte foi motivado, principalmente, em razão da
constatação que fez do estado de crise que acometia a arte
cristã. Esta crise, segundo Maritain, derivava, por um lado, do
processo de secularização do mundo e, por outro, do
distanciamento, ou melhor, do isolamento que a Estética
promoveu entre Belas Artes e as atividades práticas em geral. O
filófoso francês vinculava essa crise a outra mais ampla, de
ordem social e filosófica, tal como fizemos notar nos capítulos
147
anteriores. Com o intuito de contribuir para que a Arte pudesse
superar o estado pertubador que lhe abatia, Maritain, que desde
muito vinha desenvolvendo uma estética embrionariamente
recebida de Henri Bérgson e aos poucos conduzida para dentro
da linha de pensamento aristotélico-tomista, buscou inspiração
no simbolismo de Baudelaire para apontar uma via de superação.
Quando da escrita de Sentido da poesia contemporânea,
o jovem Guerreiro Ramos, que aceitava a tese de Maritain da
primauté du spirituel, com ele também concordava que, para o
homem, tantas vias de aproximação de Deus quantos passos
existem sôbre a terra ou atalhos para o seu próprio coração
(MARITAIN, 1962a, p. 15). (grifos no original) Sobre a questão
manifestou-se Santo Tomás em sua Summa Theológica, onde
estabeleceu as cinco vias
93
(quinque viis probari potest) clássicas
da doutrina tomista: a partir do movimento (sumitor ex parte
motus), pelas causas eficientes (ex rations causae efficientis),
pela possibilidade do necessário (ex possibili et necessário), pelos
graus encontrados nas coisas (ex gradibus qui in rebus
inveniuntur) e pelo govêrno das coisas (ex gubernatione rerum).
A estas Maritain, em um legítimo esforço de progresso e
aprofundamento da doutrina tomista, acrescentou uma “sexta
via” ou “sexto caminho”: a experiência intuitiva (MARITAIN,
1962a). Segundo o filósofo francês, a experiência intuitiva
proporcionada pela espiritualidade natural da inteligência
94
93
Santo Tomás usou o termo vias no sentido de “provas filosóficas da
existência de Deus” (MARITAIN, 1962a, p. 23).
94
A intuição como espiritualidade natural da inteligência e a intuição primeira
de existir correspondem, para Maritian, a dois modos distintos de acesso a
Deus. O primeiro situa-se em um nível científico ou filosófico a “sexta via”
acima mencionada –, sendo, portanto, passível de demonstração lógico-
argumentativa, já o segundo não o é, exatamente porque ocorre em um nível
pré-filosófico ou “virtualmente metafísico (MARITAIN, 1962a, p. 18).
Segundo o filósofo, aquela experiência intuitiva primordial es relacionada
às “apercepções primeiras da inteligência”, de onde resulta o conhecimento
(natural) que o homem possui da sua própria existência, da existência das
coisas, e, principalmente, da existência de Deus (Idem Ibidem). Elucidando a
questão, Sampaio afirma que esta experiência primeira se realiza de modo
direto e imediato “do eu por si mesmo em sua realidade concreta e
148
constituía-se em “uma verdadeira prova, um caminho racional
válido, que conduz a uma certeza solidamente estabelecida”, a
despeito da Existência de Deus (Idem, p. 58).
Tanto as cinco vias estabelecidas por Santo Tomás,
quanto a que fora proposta por Jacques Maritain, seriam vias do
intelecto especulativo, ou seja, pertenciam à ordem especulativa.
No entanto, esta ordem não esgotava os caminhos do Homem até
Deus. A ordem prática, e consequentemente o intelecto prático¸
também possuía as suas vias, que seriam: a que provêm da
experiência artística ou poética, a decorrente da experiência
moral e, como uma espécie de derivação desta última, a que se
funda no testemunho e no exemplo (MARITAIN, 1962a, p. 66-79).
Para os fins aqui pretendidos, dedicaremos a nossa análise
exclusivamente à primeira via acima citada, pois é nela que
encontramos maiores elementos para a compreensão do sentido
da poesia em Guerreiro Ramos.
A ordem especulativa e a ordem prática apontam para
finalidades distintas da inteligência humana. Sob a orientação da
primeira, afirma o filósofo, a inteligência do homem busca,
somente, e tão somente, conhecer por conhecer, como ocorre
com a ciência e a sabedoria, por exemplo, pouco importando o
bem ou o mal do sujeito, suas necessidades e suas
conveniências; goza do ser e não outra coisa” (MARITAIN,
1972, p. 10). A ordem prática, ao contrário, dirige o intelecto para
além do conhecimento pelo conhecimento, pois o que lhe
interessa é obter, por alguma ação, o bem do homem. Se o
homem conhece, não é para descansar na verdade e gozar dela
(frui); senão para servir-se (uti) de seus conhecimentos com a
intenção em alguma obra ou alguma ação.” (Idem Ibidem).
individual”, e ocorre “de maneira confusa e obscura, pela reflexão sobre seus
atos e, em especial, sobre sua atividade cognitiva.” (SAMPAIO, 1997, p. 118)
149
A ordem prática se subdivide em dois domínios
inteiramente distintos um do outro, a saber, o domínio do agir
(doing, agibile, πρακτόν) e o domínio do fazer (making, factibile,
ποιητόν), a eles estando associandas, respectivamente, a
Prudência e a Arte. A ação é o domínio das atividades imanentes,
pois diz respeito à liberdade que o homem possui para empregar
as suas faculdades ou habilidades, segundo a sua livre vontade
ou escolha, para o bem ou a perfeição de si ou para o bem do uso
que ele livremente faz de suas faculdades, implicando sempre no
bem total dos homens (Idem, p. 12). O fazer, por sua vez, é o
domínio das atividades transitivas, ordenadas a um determinado
fim exterior, não se referindo, portanto, ao uso livre da liberdade
por parte do homem no emprego de suas faculdades, mas à
disposição deste para atender às exigências que uma obra a
produzir lhe faz (Idem, p. 13). Consoante com estas definições, a
prudência phrônesis aristotélica –, que se define como a reta
determinação dos atos a executar (recta ratio agibilium), é uma
virtude do intelecto prático, isto é, uma “qualidade racional que
leva à verdade no tocante às ações relacionadas com as coisas
boas ou más para os seres humanos” (ARISTÓTELES, 1999, VI, 5,
1140 b 11). A arte, por sua vez, é areta determinação das obras
a serem feitas” (recta ratio factibilium), que mesmo sendo uma
virtude do intelecto prático, como a Prudência, está situada fora
da linha humana”, visto que “têm um fim, regras e valores que
não são os do homem, senão os da obra a produzir.” (MARITAIN,
1972, p. 13-14).
Como podemos perceber, para Maritain, a arte,
diferentemente da prudência, o guardava vínculos com a ação
livre e com o homem em si mesmo, mas com a obra a ser
produzida. Ela teria, portanto, em relação ao homem, certa
independência, que a sua finalidade não era determinada pelo
homem mas pela perfeição ou bem da obra a ser produzida. Mas
150
apesar dessa independência, a concretização arte dependeria do
artifex (artista ou artesão), no sentido de que é a sua disposição
que o leva a produzir uma obra de arte, conforme as próprias
regras e finalidades desta. Por isso que, para o filósofo, as obras
fazem os artistas, antes de estes as fazerem:
Dirigir uma obra a ser feita, de sorte que ela seja fabricada,
amoldada ou disposta como deve ser, e desse modo assegurar
a perfeição ou a bondade, não do homem que age, mas da
própria coisa ou obra feita pelo homem. É desse modo que a
arte pertence à ordem prática: regrando uma obra a ser
produzida, não em relação ao uso que devemos fazer do
nosso livre arbítrio, mas em relação à maneira pela qual a
obra como tal e em si mesma deve ser executada. (MARITAIN,
1962a, p. 162) (grifos no original)
Para Maritain, a disposição do artifex atestaria o fato de a
arte ser um habitus
95
ou uma virtude do intelecto prático (Idem,
p. 17), uma vez que as “regras da obra a ser produzida somente
poderiam ser emuladas pela disposição proporcionada pelo
habitus. É o habitus que cria, entre a obra a ser feita e a alma dos
artistas, aquilo o que os escolásticos designavam de
conaturalidade, isto é, uma “espécie de conformidade e de
proporção íntima” entre ambos (idem, p. 18). Deste estado de
conaturalidade provém o conhecimento criativo do artista, ou
seja, o saber artístico (ou poético) e a experiência artística (ou
poética), e de onde emana a atividade criadora (MARITAIN,
1944).
96
Portanto, em sendo o saber poético um tipo de
95
A noção de habitus em Maritain é a mesma que se encontra em Aristóteles
(hexis) e nos Escoláticos, não podendo ser confundida com o termo “hábito”,
tal como modernamente o entendemos, ou seja, não se confunde com
costume, tampouco é sinônimo de automatismo, rotina, hábito mecânico,
entre outros. Os habitus são disposições de caráter ou virtudes estáveis e
permanentes que “aperfeiçoam na direção de sua natureza o sujeito no qual
residem” (MARITAIN, 1972, p. 15). A arte, enquanto um habitus da
inteligência prática, têm como pressuposto a formação espiritual e técnica
do artifex para que este possa alcançar a excelência em sua atividade ou,
como disse Maritain, um certo ximo de perfeição em sua tarefa (Idem,
p. 17). (destaques no original) O habitus é, antes de tudo, parte constitutiva
da areté (JAEGER, 2003). O termo possui uma longa trajetória nas ciências
humanas, tal como nos indica o texto de Héron (1987).
96
Maritain sustentava uma distinção entre a arte e a poesia, que nos dias
atuais não tem a menor razão de ser. Neste sentido, somos da mesma
151
“conhecimento por conaturalidade”
97
, ele
constitui, em si mesmo (não digo que o seja para êle nem
para sua própria consciência), uma ascensão para Deus, uma
inclinação espiritual na direção de Deus, uma incoação
obscura e insegura vulnerável por todos os lados, porque
não é banhada na luz da inteligência e carece de apoio
racional, do conhecimento de Deus.” (MARITAIN, 1962a, p.
67) (grifos do original)
Este raciocínio fundamentaria as críticas que Maritain fez
à maneira como os jovens artistas estavam sendo educados nas
academias de arte e nas universidades. Segundo o filósofo, a
demasiada insistência no aprendizado de fórmulas, na
subordinação dos aprendizes a um receituário ou formulário do
qual pouca consciência possuíam, na submissão deles a certos
padrões de pintura pré-estabelecidos, tudo isso estaria,
contrariamente ao que se pensava, induzindo os aprendizes a um
desconhecimento mesmo do métier da arte. Nada mais
inconciliável do que a noção escolástica de habitus; que distingue
e “estabelece a desigualdade entre os homens” (Idem, p. 17), e o
“igualitarismo (Idem, p. 52) metódico que as academias de arte
vinham adotando. Deriva daí a afirmação do autor de que o mero
conhecimento ou estudo dos métodos e técnicas da arte não
conferem a alguém o habitus. Pelo contrário, um exímio
dominador dessas técnicas tenderia mais à imitação do que à
verdadeira criação (MARITAIN, 1947, p. 107-108; 1972, p. 65-83).
O artista, portanto, não é um copiador, mas, antes de tudo, um
criador. Como disse um dos maiores interpretes das idéias de
opinião que Santos: “por acreditar que manter a mencionada distinção
criaria embaraços póstumos a Maritain, sem comprometer um adequado
exame de sua estética, ignoro-a totalmente..” (SANTOS, 2000, p. 49-50).
Diante disso, tomaremos como equivalentes as expressões “artista” e
“poeta”, “conhecimento artístico” e “conhecimento poético”.
97
Como bem observou Laura Sampaio, o conhecimento por conaturalidade é
um “conhecimento vivo, de uma apreensão que, realizada por meio de uma
conaturalidade afetiva, tem como objeto a realidade singular e concreta, não
conceitualizável, apreendida enquanto unida ao sujeito cognoscente
enquanto tal” (SAMPAIO, 1977, p. 143).
152
maritain no Brasil:
de todos os humanos, o que mais de perto se enquadra na
linha do pensamento criador de Deus. Todo artista humano é
um continuador direto da ação divina, não mais criando do
nada, sem vida, mas operando o aparecimento de novas
entidades através do aproveitamento de formas passivas pré-
existentes (ATHAYDE, 1948, p. 26).
Haveria no fazer poético algo de análogo à criação
divina. Deus e o poeta fazem uso do Verbo, da palavra, para
expressarem, na nomeação, a indissociabilidade entre a coisa em
si e o nome que lhe é conferido: a experiência poética, disse o
filósofo de Meudon, é, “desde o início, orientada para a expressão
e termina numa palavra proferida” (MARITAIN, 1962a, p. 69). No
entanto, o poeta, que devido a sua imperfeição humana não
consegue atingir, tal como Deus, a perfeita imagem de si, produz
a sua obra mais perfeita, a poesia, e esta é a maior proximidade,
a mais perfeita e profunda imagem do que o próprio poeta seja.
Neste sentido, a poesia significaria, para o poeta, uma espécie de
autoconscientização. Mas não apenas isso, pois que ela também
lhe proporcionaria, de modo simultâneo, o conhecimento dos
homens e do mundo, via a sua subjetividade.
Como podemos perceber, Maritain situou o poeta como
um ser distinto dos outros homens, um ser que tem acesso a
Deus por sua intuição criativa, a experiência poética. Assim, no
processo de poetizar, o poeta seria conduzido a regiões isoladas
do cosmo e de si, e seria essa experiência mesma por ele
vivenciada que aferiria conteúdo à sua forma de expressão, ou
seja, à poesia criada, que, por sua vez, significaria para o poeta
uma forma de aspiração espiritual, uma expressão do eu interior
e, também, uma maneira de conhecer o mundo, viver a história e
de se aproximar de Deus. Entendidas nestes termos, a
experiência poética e a poesia seriam, para Maritain, antes de
tudo, ingredientes da vida humana; mais do que isso, seriam “via
153
para Deus”, para a espiritualização, o que se contrapunha à
imagem contemporânea que sustentava a máxima da poesia pela
poesia, da arte pela arte, da falta de relação entre a existência do
poeta e a poesia por ele feita.
Assim, ao afirmar que a poesia poderia conduzir a um
encontro com a espiritualidade, que seria um processo de
espiritualização do homem, que traria em si uma mensagem
espiritual, Maritain, quando “tentou levar ao domínio da arte a luz
libertadora da revolução espiritual”, postou-se de modo
confrontativo àquela idéia corrente de uma estética vazia de
significado divino, conforme destacou Tristão de Athayde (1948,
p. 23). Para além disso, a sua posição foi a de considerar a poesia
como criação, como a manifestação de um testemunho singular
decorrente da experiência poética pelo poeta vivenciada.
O sentido da poesia em Guerreiro Ramos
Guerreiro Ramos capturará essa idéia de arte
maritaineana e a expressará em seus próprios termos. Na época
em que escreveu o artigo Sentido da poesia contemporânea, ele
vivenciava uma fase de sua vida em que a poesia se apresentava
para ele como um importante acesso a Deus. Esta consideração é
fundamental, dado que aqui reside o exato significado da missão
que ele atribuía à poesia e ao poeta, qual seja, a de viabilizar aos
homens e mulheres comuns o reencontro com a divindade, a
aproximação com Deus, de modo que lhes fosse possível
recuperar elementos substanciais de humanidade que a
civilização moderna lhes privava, como por exemplo: a
“dignidade”, os nexos profundos da existência”, o “sentido de
viver” uma vida verdadeiramente espiritual, etc. (GUERREIRO
RAMOS, 1939b, p. 103).
Segundo pensava o jovem poeta santo-amarense, a
154
poesia teria fundamental importância no processo de o humano
de tornar-se pessoa, de personalização, representando, ela
mesma, “um caminho para a espiritualização”, para a
“santidade”, para o pleno florescimento da humanidade, ou para
usarmos a linguagem de Maritain, uma via de acesso a Deus
(Idem, p. 87). Em sendo a poesia a mais pura forma de
humanização, por seu intermédio o homem poderia alcançar a
Deus e aprender a ser, verdadeiramente, Homem, cabendo-lhe,
também, um importante papel social, pois ajudaria o homem a
suplantar, em si, a face natural de indivíduo, o estado de carência
espiritual, pela face espiritual, de presença divina, que é a pessoa
humana. É neste contexto, portanto, que se deve entender a
seguinte afirmação: “poesia é humanização (Idem, p. 87). É
neste contexto que se deve compreender a missão humanizadora
que Guerreiro Ramos atribuía à poesia, pois a ela caberia “ensinar
ao homem a ser homem”; caberia fazer com que este aprendesse
a ser mais humano, a humanizar-se, pois “em toda poesia
verdadeira e eterna reside um profundo humanismo (Idem, p.
102).
Essa missão humanizadora estava associada ao fato de a
poesia guardar raízes nos confins do homem”, nos mistérios
humanos, digamos assim, de modo tal que, poetizar era o memso
que penetrar nas entranhas humanas e, de lá, voltar mais
humano (Idem, p. 89). Por este motivo também a experiência
poética teria, para o homem, uma função “terapêutica do
espírito”, um “poder catártico capaz de libertar o homem de
certos complexos e entraves”, purificando-o (Idem, p. 100-101).
O homem, dizia nosso autor, carregava dentro de si, em seu
inconsciente, “experiência consubstanciada, herdada e adquirida,
experiência feito carne, resultante das influências múltiplas da
herança biológica, da terra, do meio, do estudo...” que se
alojaram nele de modo profundo. À poesia cumpriria a tarefa de
155
ajudar o homem a superar os complexos e os entraves de sua
humanização e, assim, recuperar sua dignidade. Ela seria a via
pela qual o homem se retomaria enquanto homem; seria, em
suma, um saber de salvação.
98
Não é estranho que, diante desta opinião, Guerreiro
Ramos viesse a advogar que a poesia deveria ser tomada a sério,
tal qual um “sacerdócio”, pois que ela exigia do poeta sua
completa devoção, uma devoção que teria em Deus e nas coisas
eternas a sua finalidade (Idem, p. 103). Tratava-se de uma coisa
sacra, não havendo lugar “para a falsidade”, “para o erro e para
o artifício (Idem, p. 88). Neste sentido, a distinção entre o
verdadeiro poeta” e o “poeta esteta tinha a sua importância
para o autor. Enquanto os poetas verdadeiros faziam da poesia a
própria essência de sua vida, os poetas estetas advogavam “a
arte pela arte” e faziam da poesia “uma espécie de brinquedo,
uma construção artificial, tanto mais bela quanto mais
maravilhosa” (Idem, p. 86-87). Como “magos” que eram, os
estetas da poesia criavam “seres fantasmagóricos” para fugir e
evitar qualquer contato com as questões profundamente
humanas, transformando suas poesias em verdadeiras formas de
fuga da brutalidade da vida”, em “uma aristocracia de direito
divino” (Idem Ibidem).
Por isso que, ser poeta significava, para o nosso autor, tal
como para Maritain, manter-se próximo a Deus, e esta
proximidade lhe conferia uma missão messiânica: resgatar, por
intermédio da poesia, o homem a si mesmo. Isto porque, o poeta
foi, entre os homens, o escolhido para dar testemunho do
espírito, testemunho da existência divina. Como Cristo, suas
palavras teriam o dom de redimir homens, seres e coisas, não
98
Será este o argumento que Guerreiro Ramos utilizará para implementar, no
Teatro Experimental do Negro, no início dos anos 50, a psicoterapia de J.L.
Moreno como uma ferramenta social que possibilitaria aos negros superarem
os obstáculos psicológicos que os impediam de assumir a sua negritude.
156
podendo suas poesias serem inúteis e sem sentido, sequer
descoladas de suas experiências pessoais, uma vez que “toda
poesia é a expressão de uma experiência humana, vivida,
dolorosamente.” (Idem Ibidem, p. 102)
Ora, como podemos perceber, Guerreiro considerava que
a poesia verdadeira era, acima de tudo, manifestação de
humanidade, existência, vida, inquietude humana, além das
idiossincrasias pessoais do poeta, sua própria personalidade, sua
originalidade, etc. Neste ponto ganha destaque um aspecto
importante no modo como este jovem poeta considerou a
questão da universalidade e da particularidade, em poesia,
fazendo ressaltar a sua dialeticidade comentada
anteriormente. Para ele, por um lado, a poesia era “uma sóera
do Homem – poderia ser abordada do ponto de vista intemporal e
a-espacial, ou seja, rigorosamente falando, o haveria poesias
nacionais, porque “a poesia é sempre ‘fundamentalmente
realista’, uma surpreensão do real e o real não tem pátria”
(GUERREIRO RAMOS, 1939b, p. 99-100). Por outro lado, haveria
sim, em sua opinião, uma variedade infinita de “caminhos da
poesia”, ou melhor, de “motivos” que desencadeariam no poeta a
necessidade de criar poesias e/ou de refazer, re-expressar temas
que tenham sido abordados por outros poetas anteriormente. No
entanto, em virtude do “modo novo de sentir, de experimentar
ou vivenciar esses motivos, esses temas poderiam ganhar,
indefinidamente, novas expressões poéticas. Neste caso, a poesia
seria, sim particular. Ou seja, é a pessoa do poeta quem confere
singularidade à poesia e, ao fazê-lo, deixa transparecer em sua
arte as contingências que lhe cercam e contribuíram para a
construção de sua personalidade. Em suas palavras:
de fato eu, brasileiro de 1939, não posso sentir o mundo
exatamente, como um francês, ou como um brasileiro de
1830, se bem que possa compreendê-los. (...) a geografia, a
157
história, a tradição de minha terra me deram uma tonalidade
que eu o posso renegar (...) nossas tradições e nossos
destinos de pátria, de família, de sociedade deixam suas
marcas na individualidade única e inimitável e é assim que o
homem se cria. (Idem Ibidem)
Foi neste sentido, situando no mundo o artista poeta, que
Guerreiro Ramos admitia a possibilidade de existência de uma
poesia brasileira, outra francesa, outra espanhola, etc. Em
conclusão, “cada poeta vive sua poesia”, e nela realiza-se (Idem,
p. 100). (grifos no original)
A estas considerações sobre o universal e o particular,
convém acrescentar duas outras de cunho epistemológico, nas
quais Guerreiro deixa transparecer as raízes do realismo crítico e
do indutivismo que, de certo modo, viriam a caracterizar a sua
abordagem sociológica. Vejamos:
...O dever do homem é ser dócil ao real, é consentir em deixar
que a realidade o tome pela mão e o ensine. o melhor
pedagogia do que tentar, convidar a realidade em vez de
conquistá-la. A realidade se fecha ao espírito endurecido,
petrificado, cônscio do seu vão heroísmo.
O homem precisa ser transparente e maleável para se
transformar em todas as coisas, para sentir, experimentar a
realidade concreta e nua das coisas todas. Depois do
conhecimento místico, a mais alta forma do conhecimento é
essa que o homem obtém tornando-se diáfano, transparente,
é essa que se obtém através de uma simpatia desbordante,
extensiva a todas as coisas. É, em suma, o conhecimento
poético (Idem, p. 90-91).
Consoante com este pensamento, o poeta simboliza um
tipo humano capaz de transformar a si mesmo e de conhecer a
essência das coisas do mundo pela conaturalidade maritainiana.
Para tanto, frisa Guerreiro Ramos, o poeta necessita adquirir
competência para “trabalhar a sua alma” (Idem, p. 87), para se
transformar em “uma tela sensível a tudo o que vem do exterior”
(Idem Ibidem) e, assim, “tornar-se todas as coisas” (Idem, p. 91).
Esta capacidade de sentir, continua, “não se executa de um jato”,
158
mas de modo lento, difícil e, até certo ponto, doloroso, o que lhe
exige “um longo exercício de inteligência”, um longo trabalho
catártico para que possa “aprofundar a sua penetração em si
mesmo e no exterior (Idem, p. 90). Nessa sua labuta pelo
aperfeiçoamento do espírito, o poeta vivencia constantes
experimentações da realidade, e a partir dessas vivências canta,
poetiza versos que lhes são como que a própria carne, pois que
lhes vêm de dentro, da profundeza de seu ser. Eis uma das razões
pela qual Guerreiro não considerava a poesia, in stricto sensu,
como arte, mas como um “estado que espelha a pessoa do
poeta (Idem, p. 91). Eis, também, um dos motivos pelo qual
nosso jovem poeta advertia, seguindo Maritain, que não se
poderia transformar a poesia, a arte poética, em um emaranhado
de regras”, em uma “habilidade mecânica”, em uma “técnica”,
porque estas, sem deixarem de ter importância para o fazer
poético, não seriam nem representariam os fins para que se verte
a poesia (Idem Ibidem).
Para além dessa abertura infinita do poeta para homens,
seres e coisas, em uma palavra, para o real, Guerreiro Ramos via
fortíssimas aproximações entre poetas, místicos, primitivos e
crianças, exatamente em razão da capacidade ou, melhor
dizendo, do Dom que eles possuíam e que lhes proporcionava
atingir, via esse contingente sobrenatural e irracional contido na
experiência sentimental, a essência do ser e das coisas de modo
sem mediações. Ademais, Guerreiro via a missão dos místicos
muito próxima da dos poetas. Os místicos, dizia, cuja missão no
mundo moderno seria “ensinar ao homem a retomar o caminho
das verdades eternas”, “dar-lhe os meios para que ele se
desembarace de seus sestros, de seus hábitos, de suas taras
adquiridas”, em suma, “ensinar-lhe o caminho do humano, o
caminho de si mesmo”, seriam também os responsáveis por
realizar a revolução que, dentre todas, era a mais difícil: “a
159
revolução no plano espiritual” (1939b, p. 72-73).
Mas não somente a místicos, primitivos e crianças
assemelhava-se o poeta. Havia, segundo nosso autor,
identificação entre os poetas e os santos.
99
A diferença entre
ambos estava na razão da inquietude.
100
Enquanto o santo havia
alcançado “um estado estável de acalmia espiritual, de doçura,
de contrição”, ou seja, ele conseguiu canalizar a sua inquietude; o
poeta, por seu turno, é um ser inquieto, por isso vive num
estado de pré-santidade”, por isso é um “santo em potência”,
pois que consegue “visualizar aquela noite dos sentidos em que o
santo vive mergulhado, prová-la, até, por longos momentos,
quando a poesia o possui, sem que deixe de ser um homem
ordinário, amante das nourritures terrestres.” (1939b, p. 97-98)
Em suma, para Guerreiro Ramos, devido ao estado de
decadência que acometia o mundo contemporâneo, os poetas
seriam mais necessários à humanidade do que políticos e
administradores. Nem políticos nem administradores estariam,
segundo ele, aptos para auxiliar as pessoas a encontrarem um
sentido novo para a existência. Era este o principal problema
enfrentado pela maioria das pessoas, o qual exigia solução
imediata. E depositando toda a sua confiação nos poetas,
confessou: “Eu, por mim mesmo, penso que os poetas são os
verdadeiros ‘condutores de povos’” (GUERREIRO RAMOS, 1939b,
99
Não esqueçamos que, segundo ele, a poesia era um “caminho para a
santidade”.
100
Segundo Guerreiro, a inquietude é um elemento que fornece nobreza
tanto ao homem quanto à filosofia. No campo filosófico, a inquietude é
devida principalmente ao cristianismo, que acrescentou tal qualidade à
filosofia grega, que, como todas as outras filosofias antigas, “procurava a
serenidade, isto é, baseava-se num conceito que fazia do Cosmos uma
ordem que se bastava em si mesma, numa ordem fechada que prescindia do
complemento sobrenatural.” É assim que se pode dizer que o ideal do
philosopho grego era a conquista da ‘serenidade’, era, portanto, a calma e
o a inquietude, era a pura contemplação das idéas.” As questões humanas
para as quais apontam o existencialismo passaram desconhecidas, quase
que totalmente, aos pensadores gregos. Filosoficamente, o christianismo
legitimou a inquietude e fez della a condição e a grandeza do homem.”
(GUERREIRO RAMOS, 1938c, s/p)
160
p. 102). A poesia era a “água benta”, e a missão do poeta seria
purificar o mundo, retirando dele toda sujeira acumulada
(GUERREIRO RAMOS, 1940, p. 87).
161
C a p í t u l o 8
Rio de Janeiro, aspiração de uma vida poética e
crise religiosa
Ao final dos anos trinta, Guerreiro Ramos estava
firmemente empenhado em seguir a sua vocação de poeta,
vocação esta que o fez partir, em 1939, de Salvador para a
capital brasileira, Rio de Janeiro, a fim de, naquela cidade,
continuar com a carreira literária iniciada em Salvador. Por
intermédio de suas relações com a Igreja e alguns intelectuais
católicos, encontrou acolhida em um pensionato de padres, nas
Laranjeiras. Após instalar-se, foi recepcionado por Gerardo Mello
Mourão, este que também havia se deslocado do Ceará para a
capital do país com o mesmo intuito. Assim o poeta cearense
narrou o primeiro encontro pessoal que manteve com o poeta
baiano:
Andávamos ambos pelos vinte anos, quando nos encontramos
pela primeira vez. Já nos conhecíamos, de referências políticas
e literárias. Chegara da Bahia, para aventura no Rio, e estava
hospedado num pensionato de padres, nas Laranjeiras.
Esperava-me à janela, com seu terno branco de homem do
Norte. o nos apresentamos, e ele ao ver-me abriu seus
longos braços, declamando, com sua voz sonora, os versos
iniciais da primeira Elegia de Duíno: “E quem se eu chamasse,
me ouviria, dentre os coros dos anjos?” Foi nas assas dos
anjos rilkianos e dos deuses hoelderlinianos que partiu para a
peripécia da sociologia, com a sede poética de encontrar,
pelos caminhos socráticos de uma nova Paidéia; um país puro,
limpo e feliz para o homem sobre a face da Terra (MOURÃO,
1983, p. 161).
Tanto Gerardo Mourão quanto Guerreiro Ramos haviam
gozado de duas experiências comuns e marcantes em suas
trajetórias de vida, a saber, o catolicismo e o integralismo. Sobre
o contexto e algumas conseqüências pessoais da militância de
Guerreiro no integralismo escreveu Lúcia Lippi Oliveira (1995, p.
162
13-37). De sua religiosidade e atuação no catolicismo, pouco se
sabe. Mourão, no entanto, arriscou-se a falar do legado essencial
que o sociólogo incorporou daquelas duas experiências:
nhamos ambos, naqueles dramáticos anos da década de 30,
de uma experiência comum: o catolicismo e o integralismo. Do
integralismo despediu-se muito cedo, dele guardando o vício
sagrado da preocupação com a coisa pública, que o levaria a
uma elaborada e firme no socialismo científico. Do
catolicismo, restou-lhe a severa fidelidade à própria
consciência e a compassiva doçura para com todo ser humano
(MOURÃO, 1983, p. 161).
De fato, Guerreiro Ramos militou no integralismo quando
ainda era adolescente, por volta dos 17 anos de idade, segundo
ele, não tendo mantido vínculos duradouros com o movimento:
“quando o integralismo começou, eu fui atraído por aquilo, vesti a
camisa verde [...] mas eu militei logo no início, depois eu saí, não
era para mim...” (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 8).
101
Não
sabemos ao certo o que significou para ele a experiência no
movimento integralista, tão pouco os reflexos desta em sua
construção teórica, muito embora as conseqüências de sua
participação tenham sido sentidas durante muito tempo,
afetando, inclusive, sua trajetória pessoal e profissional.
102
a
sua religiosa, o seu catolicismo, ao que parece, nunca foi
abandonada, apesar de ter sofrido um profundo abalo, tal como o
que passou nosso autor no início dos anos 40, e que nos relata
Abdias Nascimento (1952, p. 2):
101
É perfeitamente possível que ele não tenha saído de todo imune às
influências da ideologia integralista, e Mourão, na passagem acima
transcrita, nos chama a atenção para este fato, pois que credita a opção de
Guerreiro Ramos pelo “socialismo científico à sua participação no
integralismo. Em sua entrevista ao CPDOC, Guerreiro comenta rapidamente
essa sua participação, sem chegar a se aprofundar sobre a sua experiência à
época.
102
A alusão que se faz aqui diz respeito à possibilidade que Guerreiro Ramos
tinha de ingressar no quadro docente da Universidade do Brasil, em 1943,
quando foi indicado para assumir a cadeira de Ciência Política ou de
Sociologia, mas que, segundo seu testemunho, em virtude de seu passado
integralista, foi preterido por Vítor Nunes Leal, para a primeira cadeira, e por
Luís Costa Pinto, para a segunda.
163
[De 1942] a 1945, Guerreiro Ramos passa pela maior crise
intelectual e espiritual de sua vida. Conheci-o nesta época em
que residia em Laranjeiras numa espécie de monastério. Era
uma criatura em liquidação interior. Um homem devastado
pelo sofrimento e pela angústia. Durante estes anos leva uma
espécie de vida reclusa na poesia e na filosofia. Às vezes,
acontecia deixar-se ficar em casa quinze dias seguidos, com
sua electrola e seus discos clássicos, com seu Platão, seu
Plotino, seu Höederlin, seu Novallis, seu Goethe, sua Santa
Angela de Foligno, seu São João da Cruz, seu Kierkegaard, seu
Kafka (Gestallista), seu Karl Marx, seu Weber, seu Georg
Simmel, seu Vilfredo Pareto, seu Maquiavel, seu Vigo, seu
Crocce, seu Sorel, seu Mannheim, seu Cassirer, seu Dilthey,
seu Heidegger, seu Durkheim, e por último, seus sociólogos
americanos, seus estudos de línguas e de ciências sociais.
Foram cinco anos de ausência da vida prática, durante os
quais destruiu os originais de três livros, um sobre Rilke, outro
sobre Berdiaeff e um terceiro de poesia (a Nostalgia do Paraíso
Perdido), perdeu amigos, o cargo técnico na secretaria de
educação na Bahia, a cadeira de sociologia da Faculdade de
Filosofia da Bahia, (hoje federalizada) e a fé.
O que é, porém, admirável neste homem é que ele saiu desta
hecatombe sem amargura, com seu olhar límpido, sua
tolerância e sua bonomia. [...]. No particular do catolicismo,
aproveito a oportunidade para observar que atualmente não é
anti-católico. Ele atualmente o catolicismo como uma
espécie de realidade paideumática da sociedade ocidental e
especialmente da brasileira, cuja preservação diz é uma
condição de segurança das instituições. Por outro lado, todo o
seu pensamento atual se abebera na herança docente da
Igreja Católica à qual ele se liga pelos cordões umbilicais da
poesia e da cultura.
Esta crise pela qual passou Guerreiro Ramos parece ter
contribuído de modo significativo para a sua decisão de
abandono paulatino da intenção que o levou para o Rio de
Janeiro, ou seja, a de seguir carreira de poeta, resultando no
direcionamento de todos os seus esforços intelectuais, agora de
modo definitivo, para as ciências sociais.
Contudo, não nos parece que a “perda” da fé, naquele
momento, tenha sido irreversível, caso tenhamos em conta o
depoimento de José Arthur Rios (1983, p. 121), onde nos relata
que, de fato, “Guerreiro atravessava uma crise de fé. De
164
praticante da religião católica, comungante de todos os domingos
na Igreja do Mosteiro de São Bento, afastara-se da prática”.
Surpresa, porém, foi, para Artur Rios, quando, em 1981,
assistindo à conferência que Guerreiro Ramos proferia no Instituto
Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) basicamente uma
exposição das teses expressas em A nova ciência das
organizações ouviu dele “algumas afirmações que pareciam
uma recuperação do sentimento religioso (RIOS, 1983, p. 122).
Ou seja, de acordo com Artur Rios, as idéias expressas naquele
livro soavam como uma espécie de “retorno às origens” religiosas
do autor (Idem, p. 123). Em suas palavras: “podia parecer a
muitos, caso [as confissões] se limitassem à obra escrita, que
essa religiosidade seria apenas uma vaga mística, talvez
influenciada pelos movimentos de inspiração oriental, tão em
moda na Califórnia [U.S.A.]”, mas, “para a surpresa de muitos”,
em determinado momento do debate, Guerreiro Ramos
“declarou-se católico” (Idem, p. 122).
Semelhante declaração fez o nosso sociólogo às
pesquisadoras do CPDOC, Alzira Alves de Abreu e cia Lippi
Oliveira. Durante o seu depoimento, Guerreiro Ramos admitiu a
importância da religião em sua vida, nos seguintes termos:
[...] durante uma parte da minha vida foi a religião, como
ainda é hoje: eu sou religioso. Mas a religião foi um momento
muito importante, religião, Deus etc. Foi muito sério o negócio
de religião. E ainda hoje, eu sou uma pessoa
profundamente religiosa. Acho que isso é uma das coisas
que constituem a minha força, porque eu tenho uma vida
religiosa muito intensa (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 44).
(destaques nossos)
Neste sentido, poderíamos perguntar: haveria, por acaso,
implicações dessa sua religiosidade em sua construção teórica? A
opinião de Ubiratan Rezende, ex-aluno e discípulo de Guerreiro
Ramos, não se afasta da percepção que teve Rios durante a fala
de Guerreiro Ramos naquela conferência proferida em 1981. De
165
acordo com Rezende (1983), a proposta esposada por Guerreiro
Ramos em A nova ciência das organizações, para ser bem
entendida, precisa ser lida à luz da cosmogonia e escatologia
cristã.
Para além dessa possível implicação que a religiosidade
de Guerreiro Ramos possa ter tido em seu último livro,
principalmente, o fato é que a crise vivida por Guerreiro Ramos
nos anos 40 parece ter contribuído para a sua decisão do
abandono paulatino da intenção que o levou para o Rio de
Janeiro, ou seja, a de seguir carreira de poeta, resultando no
direcionamento de todos os seus esforços intelectuais, agora de
modo definitivo, para as ciências sociais.
No entanto, vale destacar aqui três pontos significativos.
Primeiro: o sentido do saber atribuído à poesia, qual seja, o de
“saber de salvação”, permaneceria em toda a sua produção
científica, e isso se verifica, por exemplo, quando ele afirma, no
prefácio da segunda edição de A redução Sociológica, que “a
vocação da sociologia é resgatar o homem ao homem [...] tornar-
se um saber de salvação (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 10-11).
Podemos dizer que, para Guerreiro Ramos e aqui extrapolando
um pouco mais essa sua afirmação –, à teoria social caberia esse
propósito salvador, no sentido de servir aos homens e às
mulheres como um recurso do qual eles e elas se valeriam para
superar os obstáculos impeditivos da realização humana. Por isso
era importante, para o autor, destituir a teoria social em voga dos
meandros ideológicos nela contidos. Em segundo lugar, há que se
destacar que Guerreiro Ramos também não abandonaria a idéia
de que, face a situação contemporânea do mundo e as novas
aspirações humanas, um novo tipo de homem estava em
gestação, tanto no plano concreto quanto especulativo, e o
modelo de homem que veio a propor, o homem parentético,
166
seria, nessa efervescência do saber e da vida, uma possibilidade
objetiva. Por fim, em terceiro lugar, é importante notar que a
categoria de pessoa (humana), muito embora tenha sido
superada pela noção de homem parentético, tal como faremos
notar no capítulo intitulado O homem parentético, não deixaria de
ser por ele utilizado em seus estudos sobre a nação, quando
então fará uso da categoria “pessoa coletiva”, tal como podemos
perceber em seu livro A redução sociológica.
167
C a p í t u l o 9
Uma pretensa história da literatura brasileira
Poesia, filosofia, literatura e música, eram estes os
principais interesses com os quais Guerreiro Ramos esteve
envolvido no final dos anos 30, início dos anos 40. Neste período,
intensificou suas leituras sobre Platão, Rilke, Hölderlin, Novallis,
Gerard Neval, entre outros pensadores, tendo também escrito
poesias e dedicado parte de seu tempo para ouvir músicas
clássicas, sobre elas chegando a desenvolver um gosto apurado,
incentivado que fora por Murilo Mendes, poeta de vertente
religiosa e mística que buscava a restauração da poesia em Cristo
(GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 14-15). A convivência que manteve
com o poeta mineiro fomentou ainda mais o interesse do jovem
Guerreiro Ramos pela poesia. Na verdade, sentia-se cada vez
mais poeta, aprimorando-se também na crítica literária, atividade
que desde Salvador desenvolvia com grande desenvoltura, e que
continuaria a desenvolver na cidade carioca, por mais alguns
anos. Por esta época, escreveu sobre o poeta alemão Rainer
Maria Rilke, sobre a filosofia de Nicolas Berdyaev e, ainda,
produziu um livro de poesias que se intitulava A nostalgia do
paraíso perdido. Também expressou o desejo de escrever um
volume sobre a história literária brasileira, cujo título seria A
formação da literatura nacional”, mas que, como tantos outros
livros pensados e desejados por ele, não chegou a ser escrito.
Atingido por uma forte crise existencial, tal como comentamos no
capítulo anterior, declinou do desejo de seguir a carreira de
poeta. Anos mais tarde, avaliando aquele momento de sua
trajetória intelectual, diria de si o seguinte: “eu era literatão, um
literatão.” (Idem, p. 19)
168
Noturno n. 1 (1945), O processo artístico de Rilke
(1946a), Reflexões sobre o homem dormindo (1946b), Como
nasceram as Elegias de Duino (1946j) e Notas sociológicas sobre
a arte moderna (1946k) são, talvez, os últimos textos que
Guerreiro Ramos escreveu, quando ainda mantinha a expectativa
de uma trajetória literária, ou seja, antes de enveredar,
definitivamente, pela carreira de sociólogo e de ser tomado pelo
desejo de elaborar uma teoria sobre a realidade brasileira.
103
Contudo, seria imprudente de nossa parte pensarmos que esse
momento existencial por que ele passou implicou na “morte do
poeta” e no “nascimento do sociólogo”. Na verdade, tratam-se de
facetas de uma mesma e única personalidade. Assim, talvez seja
melhor dizermos como Gerardo Mello Mourão: há em Guerreiro
Ramos uma sociologia poética, uma sociologia que se construiu a
partir de um mote poético, do “drama de ser dois”.
De fato, o pensamento sociológico de Guerreiro Ramos,
bem como a epistemologia e a antropologia que lhe conferem
substância, em muito são devedores de seus estudos filosóficos e
poéticos. Mas não apenas destes. De igual importância para a sua
sociologia também foram os estudos literários que o então
estudante de ciências sociais realizou, e que, convertidos em
ensaios, foram publicados, em 1941, na revista Cultura Política,
esta que foi uma das principais publicações oficiais das quais se
valeu o Estado Novo para expressar a ideologia ditatorial do
governo de Getúlio Vargas. Estes ensaios eram as linhas mestras
do livro que Guerreiro Ramos pretendia escrever sobre a
formação da literatura nacional. Neles, de modo geral,
103
Acreditamos que haja muito mais textos de cunho literário que foram
escritos por Guerreiro Ramos durante os anos 40. Ele mesmo indica ter
publicado uma série de poesias na revista mineira Tentativa, mas não nos foi
possível localizá-las. É bem provável que ele também tenha escrito algumas
críticas literárias para alguns jornais da época, mas não havia qualquer
indicação bibliográfica pela qual pudéssemos nos orientar. Apesar de temos
dedicado bastante esforço no levantamento bibliográfico de Guerreiro
Ramos, não o damos como completo.
169
encontramos uma concepção de literatura e de história literária,
um conjunto de critérios sob os quais os críticos deveriam avaliar
as obras literárias e algumas diretrizes metodológicas, entre as
quais uma periodização da literatura brasileira. Um pressuposto
desses ensaios merece ser destacado: a vinculação entre o
desenvolvimento literário e a identidade nacional, onde a
finalidade política da literatura é enfatizada. Este fato é
significante, pois nos sinaliza, por um lado, para inserir Guerreiro
Ramos no contexto do projeto nacionalista preconizado pelo
Estado Novo e, por outro, na vertente sociológica da literatura
brasileira (W. MARTINS, 2002; CANDIDO, 1985), cujo maior
expoente e inaugurador foi Silvio Romero, o qual seria,
posteriormente, incorporado pelo próprio Guerreiro Ramos na
tradição do pragmatismo crítico do pensamento social brasileiro.
Pragmáticos críticos seriam os intelectuais que, comprometidos
com a questão nacional, exerceram uma atitude crítico-
assimilativa frente ao saber sociológico exterior, a fim de elaborar
um conhecimento mais adequado à realidade brasileira, sempre
com a finalidade pragmática.
104
Este é o caso, no exato campo da
crítica literária, de Silvio Romero, que sociologicamente
orientado, conseguiu realizar o ideário do romantismo,
consolidando o nacionalismo literário, e firmar o cânon da história
literária brasileira (CANDIDO, 1993; COUTINHO, 2002b).
104
Em 1980, durante um seminário patrocinado pelo CPDOC/FGV sobre a
Revolução de 30, Guerreiro Ramos, caracterizando a intelectualidade
brasileira da década de 30, fez uso das categorias hipercorreção e
pragmatismo crítico. Para ele, hipercorreção “é a característica do
posicionamento de intelectuais que, por força de sua identificação
ambivalente com o elemento nacional, tendem a atribuir a idéias e teorias
importadas eficácia direta na configuração de comportamentos sociais,
assim negligenciando os seus condicionamentos contextuais. O pragmatismo
crítico, ao invés, caracteriza o posicionamento de intelectuais que, por foa
de sua identificação positiva com o elemento nacional e de sua sensibilidade
às condições contextuais típicas do meio em que vivem, tendem mais a se
servir das idéias e teorias importadas do que a admitir a sua exemplaridade
abstrata.” (GUERREIRO RAMOS, 1983b, p. 533)
170
Literatura e identidade nacional
A vinculação da literatura com o projeto de construção
da identidade nacional tem sido um procedimento recorrente nos
estudos sociológicos e literários, no Brasil. Afrânio Coutinho
identificou esta praxe nos historiadores da literatura brasileira,
como em Silvio Romero, em José Veríssimo e naqueles que
receberam a “herança romeriana”, a exemplo de Ronald de
Carvalho e Artur Mota (COUTINHO, 2002b, p. 60-61).
105
Segundo
Coutinho, os principais reflexos desta associação entre literatura
e nação podem ser percebidos, principalmente, nas periodizações
da literatura brasileira que estes críticos literários procuraram
elaborar:
De Wolf a Silvio Romero, e de José Veríssimo a Ronald
Carvalho, o problema da periodização vincula-se ao
conteúdo nacional da literatura, e a história literária é a
verificação desse crescente sentimento, a princípio mascarado
de nativismo, e cada vez mais tornado consciente até abrolhar
em verdadeiro sentimento nacional. (COUTINHO, 2003, v.1, p.
23) (grifos nossos)
O critério político foi fundamental para a historiografia
literária de Silvio Romero. Ele exercitou aquilo que, nos dias
atuais, muito se assemelha ao que Fredric Jameson chama de
“interpretação política dos textos literários” (1992, p. 15), ou
seja, o escritor sergipano selecionou e analisou os autores e as
obras literárias segundo a contribuição destes para o processo de
formação e afirmação da identidade nacional (CANDIDO, 1978, p.
XIV; COUTINHO, 2002b, p. 28), tal como podemos perceber na
passagem abaixo destacada de sua História da Literatura
Brasileira:
105
Vale notar que Coutinho também incluiu José Veríssimo como um dos
herdeiros de Romero. Em suas palavras: “até um José Veríssimo, tenaz
adversário de Silvio, não escapou à marca das idéias por ele veiculadas. Sua
obra está vinculada aos mesmos conceitos. E a própria História da Literatura
Brasileira, escrita com o propósito de ser uma réplica à de Silvio, o passa
de um reflexo no que respeita às teorias informadoras.” (COUTINHO, 2002b,
p. 60).
171
Tudo quanto há contribuído para a diferenciação nacional deve
ser estudado, e a medida do rito dos escritores é este
critério novo.
Tanto mais um autor ou um político tenha trabalhado para a
determinação de nosso caráter nacional, quanto maior é o seu
merecimento. Quem tiver sido um mero imitador português,
não teve ação, foi um tipo negativo (ROMERO, 1960, p. 54).
Manifestando-se sobre a questão, Afrânio Coutinho
afirmou o seguinte: “as obras literárias não tinham para ele
[Silvio Romero] um significado estético”, interno a elas; foram
consideradas como se fossem “documentos, através dos quais
ele estudava e interpretava a sociedade e o homem brasileiros.”
(COUTINHO, 2002b, p. 42)
106
Ao assim proceder em relação à
literatura, esta que possuía, para o crítico sergipano, um
significado amplo e especial, pois compreendida “todas as
manifestações da inteligência de um povo [...], e não [...]
somente as intituladas beles-letras, que afinal cifravam-se quase
exclusivamente na poesia!” (ROMERO, 1960, p. 58), Silvio
Romero rompia com os métodos adotados pelos críticos e
historiadores literários que o antecederam.
Realmente, como disse Antonio Candido (1978, p. XIV), a
106
Na visão de Coutinho, isso implicou em considerar a literatura como um
epifenômeno da realidade político-social, isto é, em tomá-la como “um
documento ou testemunho do fato político (COUTINHO, 2003, p. 23).
Atacando a confluência que o romantismo operou entre a independência
política e a independência literária, ou ainda, toda abordagem historiográfica
que procura destacar o político como o critério per excellence da autonomia
literária, disse Afrânio Coutinho: “a questão da autonomia das literaturas
coloniais não que ser colocada em termos políticos; não deve ter
conteúdo e significado políticos, sem ser identificada com a independência
política. Podem ser paralelas, mas uma não depende da outra, ambas
realizando-se a partir da consolidação da consciência do povo como povo. A
nacionalidade objetiva-se de igual modo quer sob a forma política, quer pela
língua, pela poesia, pela tradição popular e demais formas de vida.” (Idem,
p. 29) Para o amigo de juventude de Guerreiro Ramos, e nisso eles
discordavam bastante, história literária, de fato, seria aquela que “considera
as obras em termos da tradição literária, no processo de desenvolvimento da
própria literatura, como arte, em relativa independência de fundo de cena,
ambiente ou autor, relacionando as obras com as outras do mesmo gênero
ou do mesmo estilo, identificando períodos pela similitude de traços
estilísticos e convenções estéticas, analisando os artifícios literários, os
temas, os gêneros, as convenções, as técnicas, os elementos estruturais, os
recursos lingüísticos, etc.” (Idem, p. 10)
172
sua concepção historiográfica da literatura brasileira foi
revolucionária”, para a sua época, uma vez que, a partir dele,
ela passou a ganhar rigor científico, sobretudo no que diz respeito
a conceitos e métodos, o que fez com que outro historiador da
literatura brasileira, Afrânio Coutinho (2003, p. 20), conferisse a
ele o status de “sistematizador da disciplina”. Por um lado, a sua
concepção sobre literatura e história literária “provinha da fonte
romântica e germânica, que a identificava com o gênio nacional e
interpretava sua evolução em consonância com a marcha do
sentimento nacional” e, por outro, também era devedora do
“pensamento filosófico positivista e naturalista, do evolucionismo
darwiniano e spenceriano, que formaram o clima naturalista do
final do século XIX” (Idem, p. 21).
Mas, para que assim a história literária pudesse ser
sistematicamente posta, foi necessária, para além da
incorporação seletiva ou crítica-assimilativa do repertório
científico da época (ALONSO, 2002, p. 39-40), uma forte intenção
política da parte de Silvio Romero, o que o levou a vincular
literatura e política. O trabalho de Angela Alonso ressalta este
fato, pois credita à “experiência de marginalização política”
vivenciada pelos diversos grupos de intelectuais da geração de
1870 o principal motivo que os levou a reagir contra os cânones
intelectuais e políticos da época (Idem, p. 332). Neste sentido, diz
a autora, os intelectuais da geração de Silvio Romero utilizaram-
se de critérios políticos em suas apropriações dos “argumentos e
conceitos de teorias estrangeiras”, isto é, eles “elegeram um
conjunto de teorias e noções por razões práticas: estavam em
busca de subsídios para compreender a situação que
vivenciavam e para desvendar linhas mais eficazes de ação
política” (Idem, p. 39; grifos no original), o que resultou em uma
agenda de reformas modernizadoras que levaria à configuração
de uma nova sociedade (ALONSO, 2002, p. 245-262; Cf. também
173
J. WEBER, 1997, p. 77-80).
De qualquer modo, o certo é que o romantismo em muito
contribuiu para que a vinculação entre literatura e política viesse
a se consolidar no meio literário, pois, ao colocar o problema da
nacionalidade literária brasileira sob a perspectiva estritamente
política, vinculou as nossas duas lutas pela independência, a
política e a intelectual, tarefa que seria levada a cabo pelos
realistas de 1870.
107
Foi, portanto, a partir do período romântico
que a nossa literatura passou a aspirar sua autonomia, não
obstante o fato de ser perceptível no nativismo um certo
“espírito autonômico da literatura, frente à literatura lusitana,
principalmente (COUTINHO, 2003, p. 137).
Muitos foram os esforços na busca da definição do que se
poderia entender por literatura brasileira. Em geral, os críticos e
os escritores da primeira metade dos oitocentos perguntavam: O
que seria uma literatura nacional? Quais as suas características?
Como deveriam proceder os escritores para que a literatura que
produziam pudesse ser, efetivamente, de caráter nacional? Como
nacionalizar ou tornar nacional a literatura aqui produzida?
Haveria, porventura, uma estética genuinamente brasileira? Do
ponto de vista da periodização, as questões norteadoras eram as
seguintes: Quando teve início a literatura brasileira? Quais eram
os marcos que poderiam configurar como divisores de águas
entre a literatura nacional e literatura geradora?
Todas essas e outras perguntas fomentaram a discussão
literária neste país, contribuindo para o estabelecimento de
algumas “teses centrais da doutrina literária romântica no Brasil”
(COUTINHO, 2002a, p. 323). Uma dessas teses derivou da crítica
de Almeida Garrett, feita em seu livro Parnaso Lusitano, publicado
107
Era esta a função cívica que, manifestadamente contrário à sua
permanência no métier historiográfico da literatura, Afrânio Coutinho
preocupou-se em expurgar (COUTINHO, 2003, p. 29).
174
em 1826, que consistia na acusação de que a falta de
originalidade, expressão e estilo próprio em nossa produção
literária eram conseqüências, por um lado, da pouca atenção até
então dispensada por nossos literatos e poetas à natureza, ícone
maior da singularidade nacional ao qual poderiam recorrer, e, por
outro, da educação européia por eles recebida, o que, segundo o
crítico, teria apagado-lhes “o espírito nacional” (apud COUTINHO,
2002a, p. 323). Era, portanto, um apelo à autonomia intelectual e
à incorporação das cores locais do país na literatura que
Garrett reclamava. Ele partia do princípio de que o “espírito
nacional se confundia com a Natureza”, implicando isso no fato
de que uma literatura somente poderia ser dita nacional a partir
do momento em que a natureza, a paisagem e outros
característicos naturais fossem a ela incorporados (Idem Ibidem).
De acordo com Coutinho, esta tese garrettiana obteve
repercussões profundas entre críticos e criadores literários locais,
que, em geral, passaram a “defender a necessidade de
incorporar a natureza exterior brasileira à criação literária em
ordem a torná-la genuinamente brasileira.” (Idem Ibidem)
108
Tão importante quanto o Parnaso Lusitano de Almeida
Garrett foi o opúsculo Resumo da história literária do Brasil, de
autoria de Ferdnand Denis, igualmente publicado em 1826. Nele,
a natureza também aparece como um dos índices que
conferiria nacionalidade à nossa literatura, mas ao lado de
outros, como os costumes, as crenças, a religião e o povo, aqui
subentendido, principalmente, o indígena. Diz João Weber que no
Resumo... de Ferdnand Denis encontra-se o ideário fundamental
108
Vale destacar, no entanto, que a reprodução, ou melhor dizendo, a
incorporação da natureza à literatura se fazia sentir, no Brasil, desde o
Arcadismo. O que diferenciou essa incorporação romântica da árcade foi
exatamente o fato de que os românticos a fizeram obedecendo a “um
impulso consciente e coletivo, sob a égide do nacionalismo, agora
exacerbado, contra Portugal, em favor da autonomia literária e lingüística.”
(COUTINHO, 2002b, p. 324)
175
em que se baseou a crítica e a historiografia românticas para
questionar e atestar a nacionalidade literária das produções
poéticas de autores brasileiros” natureza e o indígena ,
assim como as presenças daqueles que viriam a se tornar, nas
penas dos críticos, poetas e literatos oitocentistas, os “grandes
temas” do período romântico, tais como o foram a linguagem, as
influências estrangeiras, a imitação e o problema dos nossos
marcos literários, ou seja, da periodização (J. WEBER, 1997, p.
35). (destaques no original)
Contudo, a natureza e o indígena apenas não garantiriam
a nacionalidade da literatura. Foi o que constatou Domingos José
Gonçalves de Magalhães, em seu famoso Discurso sobre a
história da literatura do Brasil, de 1836, que, além destacar “céu
da pátria” (natureza) e o índio, também ressaltou a importância
do “gênio criador do poeta”. Destes identificadores, o
indianismo foi, de longe, o característico para o qual apontava a
maioria dos argumentos que visavam defender a existência de
uma literatura genuinamente brasileira. No índio, o romantismo
encontrou a substância que poderia “dar expressão literária à
nacionalidade e à originalidade da literatura brasileira”,
transformando-o, portanto, no índice de realização legítima” da
literatura nacional, cujos reflexos viriam atingir alguns
“movimentos centrífugos”, tais como o regionalismo, o
caboclismo e o sertanismo, mas também movimentos literários
mais densos, como no caso do Modernismo (COUTINHO, 2002a, p.
330-331).
109
109
Tecendo críticas ao indianismo dos românticos, Zilá Bernd, ao tratar da
relação entre literatura e identidade nacional, atenta para o fato de que o
romantismo, no afã de conferir à nossa literatura o “caráter” de
nacionalidade, além de ter excluído a “voz” do índio desse processo de
criação da identidade (literária) nacional, incorporou uma imagem
inventada do índio”, imagem essa que “melhor correspondia à edificação do
projeto nacional (BERND, 2003, p. 20). (grifos no original) Em outra
perspectiva crítica, João Weber deu realce ao tratamento que o negro
recebeu por parte dos românticos. Segundo ele, Ferdnand Denis foi uma
exceção no destaque do negro como um “elemento constitutivo da
nacionalidade”, haja vista que, como regra, o negro foi “ignorado pelos
176
De qualquer modo, Gonçalves de Magalhães, Santiago
Nunes Ribeiro, Joaquim Norberto de Souza e Silva, Macedo
Soares, José de Alencar e, também, porque não, Machado de
Assis, figuram de modo destacado entre os críticos que
retomaram os índices de nacionalidade que foram por Denis e
Garrett postos em evidência. Na opinião de Weber, tais índices
não somente serviriam como comprovação da nacionalidade
literária”, mas também “compunham um quadro de referências
para se pensar a própria nação, ou imaginá-la, ou, em última
instância, inventá-la, para além inclusive da simples existência
formal do estado nacional” (J. WEBER, 1997, p. 36). (destaques
no original)
No balanço que fizeram Coutinho (2002a, p. 338) e
Candido (1993, p. 293-294) do período romântico da crítica
brasileira, perceberam eles que houve um esforço coletivo com o
intuito de instituir elementos substanciais que pudessem fundar e
fundamentar uma literatura nacional. Assim, na busca pelo
caráter brasileiro da literatura aqui produzida, pelo espírito
literário nacional, os românticos lutaram, incessantemente, pela
afirmação do povo brasileiro e pela declaração de nossa
independência literária. Nestes termos, elegeram a natureza, o
índio, os costumes, o meio, a língua e a originalidade dos
escritores como baluartes desse processo de identidade
literária.
A principal crítica que os realistas fizeram aos
românticos, porém, foi que o projeto de nacionalização literária
não havia, ainda, se concretizado, tal como muitos deles
pensaram. Machado de Assis foi atento ao embrionário
movimento nacionalista que o romantismo legou, sobre ele
historiadores literários do Romantismo, pois que foi “mantido nas sombras da
consciência ideológica da ‘Nação’” (J. WEBER, 1997, p. 38).
177
redigindo o consagrado texto de 1873, Literatura Brasileira
instinto de nacionalidade, onde teceu elogios a essa outra
independência” que se estava a conquistar por aqui, embora
tenha advertido quanto ao fato de a fisionomia própria” que se
queria conferir “ao pensamento [literatura] nacional” não deveria
ser estabelecida num dia, mas pausadamente, para sair mais
duradoura” (MACHADO de ASSIS, 1962, p. 129). Além do mais, tal
empreitada não seria, em sua opinião, obra de uma geração
nem de duas”, pois que ele acreditava que muitas gerações ainda
haveria de trabalhar, até que a independência literária brasileira
fosse, de todo, concretizada (Idem, p. 129-130).
110
O autor de Dom Casmuro percebia um certo “instinto de
nacionalidade” entranhado no “sentimento íntimo(Idem, p. 135)
dos escritores da nova geração (Idem, p. 180-244) da segunda
metade do século XIX:
Sente-se aquêle instinto até nas manifestações da opinião,
aliás mal formada ainda, restrita em extremo, pouco solícita, e
ainda menos apaixonada nestas questões de poesia e
literatura. nela um instinto que leva a aplaudir
principalmente as obras que trazem os toques nacionais. A
juventude literária, sobretudo, faz deste ponto uma questão
de legítimo amor-próprio. (Idem, p. 130)
O fato de qualificar o “instinto de nacionalidade” como
sendo o “primeiro traço de nossa literatura, significava
exatamente que esta, até aquela altura, ainda não poderia ser
dita, de fato, em sua opinião, “literatura brasileira”. Para
Machado de Assis, não se podia dar título de nacional a uma
literatura somente porque nela se enfocam aspectos locais. Nada
110
Não podemos perder de vista, no entanto, que a questão da nacionalidade
da literatura brasileira foi levantada por outros críticos literários
predecessores de Machado de Assis, como no caso de Gonçalves Magalhães,
que em 1836 escreveu Discurso sobre a história da literatura do Brasil
(1974), Santiago Nunes Ribeiro, que redigiu, em 1843, Da nacionalidade da
literatura brasileira (1974), e Joaquim Norberto de Souza Silva, autor de
Nacionalidade da literatura brasileira (2002), artigo que foi publicado pela
primeira vez em Revista Carioca, no ano de 1860.
178
mais “errônea” do que uma apreciação desse tipo (Idem, p. 134).
“Não vida, disse o escritor, que uma literatura, sobretudo
uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos
assuntos que lhe oferece a sua região (Idem, p. 134); mas uma
literatura nacional não se deve deixar guiar pelo exclusivismo do
local. Em verdade, o que se deve exigir do escritor antes de
tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu
tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no
tempo e no espaço.” (Idem, p. 135) (grifos nossos) De igual
modo, não se deveria dizer que um poeta é nacional somente
devido ao fato de este inserir em seus versos “muitos nomes de
flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de
vocabulário e nada mais.” (Idem, p. 144) Ou seja, Machado de
Assis evita o exclusivismo que os românticos depositavam na
natureza e no índio, para destacar um outro aspecto fundamental
para a construção de uma literatura nacional, qual seja, o
sentimento íntimo de pertença a uma coletividade nacional e
universal que o escritor comporta em si e faz expressar em sua
obra. Eis aqui a dualidade a que todo escritor estaria posto. Como
comentou Zilá Bernd:
Deste artigo [Literatura Brasileira instinto de nacionalidade]
emana uma fecunda visão que, sem se reclamar de um
pretenso universalismo, onde as identidades se dissolvem,
defende um conceito de “literatura nacional” que não se
circunscreva ao superficialismo das “cores do país”, mas que
assuma plenamente os problemas universais que permitem
que qualquer ser humano neles se reconheça (BERND, 2003,
p. 13).
Ora, a noção de “sentimento íntimo machadiana, cuja
origem pode ser localizada em Santiago Nunes Ribeiro
111
, teria
111
Embora não chegue a apontar Silvio Romero na esteira da preocupação com
o “sentimento íntimo”, Coutinho cita, além de Machado de Assis, rio de
Andrade e José Osório de Oliveira. Vejamos: “Ao ler em Machado de Assis, no
ensaio sobre Instinto de nacionalidade, de 1873, referência ao sentimento
íntimo como uma marca essencial da nacionalidade literária, o podemos
deixar de sentir o eco das palavras de Nunes Ribeiro quando realça o sentido
oculto ou a intimidade do fenômeno. Igual símile nos é lícito encontrar entre
179
reflexos, por exemplo, na propositura metodológica de Silvio
Romero para o estudo da literatura brasileira. Criticando a
insistência dos nativistas, dos românticos e dos regionalistas em
firmar a nacionalidade literária sob aqueles índices acima
arrolados, os quais, segundo Romero, correspondiam mais a
aspectos “particulares”, “isolados”, pois não abrangiam “tôda a
galeria pátria”, o escritor sergipano defendeu haver
Um espírito geral que os compreende, que os domina; é o
espírito popular, subjetivo à nação, que o se pode
fabricar, que deve ser espontâneo. O caráter nacional não
está em se falar de maracás, e tangapemas, tampouco es
em se lembrar o xiba, o bumba-meu-boi, o samba, etc. Deve
estar no sentimento original, no sentir especial do
brasileiro.
O nacionalismo não de, pois, ser uma tese objetiva de
literatura, a caçada de um título; deve-se antes estudar o
nosso povo atual em suas origens, em suas produções
anônimas, definindo a sua intimidade emocional, a sua
visualidade artística.
Deve-se proceder ao estudo de nossa poesia e crenças
populares, com a convicção do valor dessa contribuição
etnológica, sse subsídio anônimo para a compreensão do
espírito da nação (ROMERO, 1960, p. 148). (em negrito,
destaques nossos)
Neste sentido, Silvio Romero foi, de longe, entre nós, um
dos mais destacados intelectuais que se propuseram a abordar a
história literária sob o ponto de vista do pragmatismo crítico.
Concordante com esta posição estava a sua concepção do que
viria a ser um escritor verdadeiramente brasileiro: antes de tudo,
aqueles que viveram na consciência da pátria”, foram a ela
ligados em corpo e em alma, seja porque “beberam no berço
esse quid indefinível que imprime o cunho nacional” os
escritores nascidos no Brasil, ou porque foram “transformados ao
suas expressões e as de Mário de Andrade sobre o caráter psicológico que
deve exibir a literatura nacional, ou ainda com as de José Osório de Oliveira
ao afirmar a existência de um estilo de vida nacional e social (COUTINHO,
2002, v.3, p. 328) (grifos no original)
180
meio americano, viveram dele e para ele”, em suma, tiveram
uma vida brasileira e dedicada para os brasileiros os escritores
que, originários de outros países, para se transferiram (Idem,
p. 55-56).
Silvio Romero fez parte da nova geração a que aludiu
Machado de Assis em seu artigo publicado na Revista Brasileira,
no ano de 1879, onde anunciava a modificação que estava
ocorrendo no panorama da crítica e historiografia literárias. De
acordo com Machado, embora ao movimento intelectual que a
geração de Romero representava faltasse “unidade” (ROMERO,
1962, p. 241), era inegável que nela havia um “esforço (Idem
Ibidem) no sentido de criar uma literatura distinta da romântica,
tal como veio a ser, de fato, o realismo-naturalismo literário.
Investida de um “espírito novo”, a geração de 1870 esforçou-se
por liquidar o sofrente romantismo, padecedor de “cansaço e
“sonolência”, como observou Machado de Assis (Idem, p. 180),
para sobre ele firmar posições, como nos indica Ângela Alonso, a
partir de duas fontes principais, estas seletivamente
incorporadas: o repertório da política científica e a própria
tradição político-intelectual brasileira” (ALONSO, 2002, p. 332).
Apesar da diferença entre ambos
112
, tanto Machado de
Assis quanto Silvio Romero, ao destacarem o alvorecer da
112
João Weber destaca bem essa diferença existente entre Machado de Assis e
Silvio Romero. Segundo o autor, a “concepção historiográfica” de Machado
era eminentemente dialética, pois apontava para possibilidades
históricas”, e não para uma simples continuação do passado que o
romantismo legava (J. WEBER, 1997, p. 61). (grifos no original) Neste sentido,
diz Weber, “a sua nação não é mais a nação dos românticos, calcada em
índices de nacionalidade como a cor local etc., mas também o é, na medida
em que não é descartada, apondo-lhe uma negação absoluta; por outro lado,
tamm não é a nação que estava a se forjar na década de 1870,
impulsionada pela crise do escravismo e pelo projeto histórico alternativo em
ascensão, embora aponte para ela como uma virtualidade. [...] o seu
discurso sobre a nacionalidade é um discurso ‘aberto’, a dar guarida a
leituras do passado – à nação romântica, mas não só – e a possibilidades
de futuro tanto à concepção da nação que se gestava no período, mas
que Machado não endossa, como a outras, virtuais.” (1997, p. 62) (grifos no
original)
181
identidade da literatura brasileira, apontavam para o influxo de
idéias estrangeiras, para aquela “imitação mecânica e
esterilizante” que Ferdinand Denis havia denunciado (apud W.
MARTINS, 2002, p. 78), o que denotava, para eles, a ausência da
tonalidade nacional em algumas frentes literárias. O primeiro
escritor foi enfático quando da análise do que no Brasil se
produzia em termos de teatro: não atualmente teatro
brasileiro, nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça
nacional se representa.” (MACHADO DE ASSIS, 1962, p. 145)
Silvio Romero, de maneira mais incisiva, censurou o próprio
espírito do povo brasileiro:
A vida espiritual brasileira é pobre e mesquinha [...]. À força
de desprezarmos a corrente de nossa ppria história e pormo-
nos fora do curso das idéias livres, eis-nos chegados ao ponto
de não passarmos de ínfimos glossadores das vulgaridades
lusas e francesas; eis-nos dando o espetáculo de um povo que
não pensa e produz por si (ROMERO, 1978, p. 4)
Ainda: criticou a ausência de uma “forma própria” na
nação brasileira, pois lhe faltava uma “individualidade
característica”, seja “política”, seja “intelectual” (ROMERO, 1960,
p. 145). Conseqüente com este pensamento, a nossa literatura
era, para ele, “incolor”, feita de empréstimo, imitativamente, “às
vezes em segunda ou terceira o (Idem Ibidem). Aliás, o
somente a literatura brasileira, mas a de toda a América, vinha,
segundo o sergipano, constituindo-se por meio de “um processo
de adaptação de idéias européias às sociedades do continente.”
(Idem, p. 59)
De todo modo, Romero imprimiu à crítica literária uma
nova abordagem literária, a científica, inaugurando a tradição
sociológica em nossa historiografia, distanciando-se, nestes
termos, de seus antecessores:
[...] se Silvio Romero, no rastro do positivismo determinista do
182
fim do século, a literatura como manifestações de fatores
“extraliterários”, como diria alguém, e coloca, no centro de
sua pesquisa literária, a questão da expressão nacional, há, aí,
um diferencial bastante claro em relação aos seus
predecessores. O método, afinal, permite-lhe conferir uma
objetividade de outra ordem à questão nacional: para Sílvio
Romero, o se trata, mais, de detectar esparsos índices da
nacionalidade, à moda dos românticos, ou de perceber o
sentimento íntimo à maneira de Machado, e, sim, de tentar
explicar [...] a nacionalidade literária com base nos fatores
objetivos que, a seu ver, formaram a nação... (J. WEBER, 1997,
p. 72)
De fato, tem razão Weber, pois a História da Literatura
Brasileira de Silvio Romero foi, ao mesmo tempo, uma história
que procurava identificar, pela literatura, e de maneira objetiva, o
tipo humano que era o brasileiro e o caráter nacional. Neste
sentido, disse ele:
A história do Brasil, como deve hoje ser compreendida, o é,
conforme se julgava antigamente e era repetido pelos
entusiastas lusos, a história exclusiva dos portugueses na
América. o é também, como quis de passagem supor o
romanticismo, a história dos Tupis, ou, segundo o sonho de
alguns representantes do africanismo entre s, a dos negros
em o Novo Mundo.
É antes a história da formação de um tipo novo pela ação de
cinco fatores, formação sextiária em que predomina a
mestiçagem. Todo brasileiro é um mestiço, quando não
no sangue, nas idéias. Os operários dêste fato inicial m
sido: o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação
estrangeira (ROMERO, 1960, p. 53-54)
Foi em razão disso que Weber afirmou ser a História de
Silvio Romero a história da miscigenação literariamente
representada (J. WEBER, 1997, p. 72; grifos no original), haja
vista que, baseado em Hipólito Taine, Darwin, Spencer e muitos
outros, Romero somente considerou como literatura nacional”,
ou “brasileira”, aquela que exprimisse e corroborasse o processo
sócio-cultural que levou à constituição desse tipo humano criado
pela miscigenação o brasileiro. Em consonância com este
pressuposto ele elaborou o seu critério de nacionalidade literária,
183
passando então este aordenar o corpus literário, imprimindo-lhe
uma determinada lógica – o arrolamento das obras em função do
processo de diferenciação nacional –, como, também, a servir de
fator de seleção e de valoração de obras e autores.” (J. WEBER,
1997, p. 70-71)
Este modo de contar a nossa história literária, ou seja,
vinculando-a à formação da identidade nacional, tendo dominado
entre os críticos modernistas
113
, alcançaria forte caráter
ideológico durante o Estado Novo, que articulou um grande
contingente de intelectuais de diversas vertentes (católicos,
modernistas, socialistas, integralistas e outros) para formular e
disseminar um sistema doutrinário com o intuito de legitimá-lo
enquanto regime político (OLIVEIRA; VELLOSO; GOMES, 1982;
GOMES, 2000; SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000; BOMENY,
2001). É na revista Cultura Política que melhor podemos capturar
o sentido da redefinição literária que o regime estado-novista
propunha.
114
Nação e literatura na revista Cultura Política
A revista Cultura Política foi uma criação do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Este órgão foi
instituído pelo presidente Getúlio Vargas em 27 de dezembro de
1939, no momento em que o Estado Novo procurava ampliar
ainda mais a sua capacidade de intervenção no âmbito dos meios
113
Sobre a continuidade que a primeira geração modernista deu à crítica
sociológica inaugurada por Silvio Romero, Afrânio Coutinho afirmou o
seguinte: Continuando coletivamente, sem o saber, a obra essencial de
Sílvio Romero, a primeira geração modernista fará do nacionalismo, em suas
variadas manifestações, a pedra de toque da qualidade literária. Os nomes
escolhidos para as suas diversas correntes, as principais críticas contra os
“passadistas”, o esfoo de criação de uma “língua brasileira”, o
extraordinário impulso dado aos “estudos nacionais”, bastariam para
demonstrá-lo.” (COUTINHO, 2001, p. 599-600) (destaques no original)
114
Com o intuito de difundir a sua doutrina, o Estado Novo fez uso de meios
impressos e radiofônicos. Sobre a utilização destes últimos por parte do
regime político estado-novista, consultar Capelato (1999) e Jambeiro et al
(2003).
184
de comunicação e da cultura. Gozando de maior grau de
autonomia e abrangência do que os outros órgãos que o
precederam, no caso o Departamento Oficial de Publicidade
(DOP), o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC)
e o Departamento Nacional de Propaganda (DNP), nesta ordem, o
DIP esteve sob a direção do jornalista sergipano Lourival
Fontes
115
, de sua criação até 1945, ano de sua extinção, e era
vinculado diretamente à Presidência da República, tendo como
finalidade principal “difundir a ideologia estado-novista e
promover pessoal e politicamente o chefe do governo, bem como
as realizações governamentais” (BELOCH; ABREU, 1984, p.
1.830). Além de sua função difusora, também era dever deste
departamento combater a todas as investidas propagandistas
que os opositores ao Chefe da Nação e ao seu regime de governo
procuravam por em execução, o que caracteriza a função
repressora que o órgão exerceu durante o Estado Novo.
116
No dia
4 de setembro de 1940, o Presidente da República baixou um
decreto que ampliava consideravelmente o poder do DIP,
permitindo-lhe, entre outras coisas, a criação, em todos os
estados do país, de um Departamento Estadual de Imprensa e
Propaganda (DEIP) os DEIPs, que na mesma direção do órgão
central, “promoviam suas próprias edições de livros e exerciam a
censura local.” (Idem, p. 2.262)
115
Sobre Lourival Fontes, consultar, além do Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro, Oliveira (2001) e Lopes (1999).
116
De modo mais amplo, os objetivos principais do DIP eram os seguintes:
“centralizar e coordenar a propaganda nacional, interna e externa, e servir
como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades públicas e
privadas; organizar os serviços de turismo, interno e externo; fazer a censura
do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da radiodifusão,
da literatura social e política e da imprensa; estimular a produção de filmes
educativos nacionais e classificá-los para a concessão de prêmios e favores;
colaborar com a imprensa estrangeira para evitar a divulgação de
informações nocivas ao país; promover, organizar e patrocinar manifestações
cívicas e festas populares com o intuito patriótico, educativo ou de
propaganda turística, assim como exposições demonstrativas das atividades
do governo, e organizar e dirigir o programa de radiodifusão oficial do
governo.” (BELOCH; ABREU, 1984, p. 1.831)
185
Estruturado em cinco divisões (Divulgação, Radiodifusão,
Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa), o DIP, além de livros,
produzia revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com
noticiários e números musicais, além de radionovelas, fotografias,
cinejornais, documentários cinematográficos, filmes de ficção etc.
Tudo isso, é óbvio, com o objetivo claro de, cada vez mais,
legitimar o Estado Novo e, consequentemente, conquistar o apoio
da população às políticas implementadas pelo Chefe do Estado,
Getúlio Vargas. Dentre as diversas publicações lançadas pelo DIP
estavam as revistas Cultura Política e Ciência Política
117
, que
operando como instrumentos de criação e divulgação doutrinária,
faziam parte do bem articulado projeto político ideológico do
Estado Novo, conforme nos demonstra o estudo comparativo
entre estas duas revistas realizado por Mônica Velloso (1982).
Para os fins desta tese, a nossa atenção se concentrará,
exclusivamente, sobre a revista Cultura Política, pois, como
dissemos na introdução deste capítulo, foi nela que Guerreiro
Ramos publicou, na seção Brasil Social, Intelectual e Artístico, um
conjunto de sete ensaios que tratavam da literatura latino-
americana. Sob a direção de Almir de Andrade
118
, a revista,
assumindo-se como totalitária no que se refere ao tratamento dos
assuntos e dos problemas nacionais, foi definida pelo seu diretor
como um espelho do Brasil (ANDRADE, 1941, p. 8) (grifos
nossos), uma vez que, segundo a sua opinião emitida no primeiro
editorial da revista,
117
Procurando fazer distinção entre os papéis que cada uma dessas duas
revistas possuía dentro do projeto ideológico do regime, Velloso disse o
seguinte: “enquanto Cultura Política se propõe a ‘definir’ e/ou ‘esclarecer’ o
rumo das transformações político-sociais, fornecendo as coordenadas do
discurso, a Ciência Políticase autoconfigura enquanto ‘escola de patriotismo’
voltada para a difusão dos ensinamentos do estado Novo.” (VELLOSO, 1982,
p. 76)
118
Sobre este autor, consultar, de cia Lippi Oliveira, Tradição e política: o
pensamento de Almir de Andrade (1982), bem como o verbete sobre ele no
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro e seus depoimentos ao CPDOC
(ANDRADE, 1981; 1984).
186
O que somos, o que pensamos, o que realizamos em todos os
setores da nossa atividade creadora – na política, na
economia, na técnica, nas artes, nas letras, nas ciências
ficará estampado nestas páginas [da Cultura Política], através
do depoimento de todas as gerações que hoje vivem, em
todas as cidades e rincões do Brasil. Uns após outros esses
depoimentos virão, do norte ao sul, do litoral e do centro, de
velhos e moços, de gerações da República e do Império, de
antes e de após-guerra. Êles falarão pelo Brasil. Porque êles
o o Brasil (Idem Ibidem).
Assim, para que fosse possível cumprir a sua missão de
esclarecer para o público as realizações governamentais nos mais
diversos setores da sociedade brasileira, bem com a de contribuir
para a definição dos rumos que as transformações sociais e
políticas deveriam tomar neste país, a revista lançou mão de um
quadro de colaboradores muito extenso e variado, que continha,
além dos principais intelectuais doutrinadores do regime, como
no caso de Azevedo Amaral, Lourival Fontes, Francisco Campos,
Rosário Fusco e o próprio Almir de Andrade, folcloristas,
historiadores, romancistas, críticos literários, antropólogos,
sociólogos, entre outros, estes representativos das mais
diferentes tendências político-ideológicas como, por exemplo,
Câmara Cascudo, Basílio de Magalhães, Prudente de Morais Neto,
Helio Viana, João Donas Filho, Gilberto Freire, Nelson Werneck
Sodré, Severino Sombra, Vicente Tapajó, Graciliano Ramos, etc.
Este fato destaca o importante papel de articulista que coube a
Almir de Andrade, que conseguiu realizar a tarefa de atrair para a
revista boa parte da intelectualidade dos anos 30. O sucesso de
sua empreitada foi devido, além da boa remuneração que a
revista pagava aos seus colaboradores, ao fato de vincular “a
obra de Vargas às raízes culturais brasileiras” e, também, por ter
conferido ao “intelectual um papel predominante enquanto
intérprete da vida nacional” (OLIVEIRA, 1982, p. 33). Isto não quer
dizer que todos os colaboradores da revista estavam, de fato,
comprometidos com o regime de governo estado-novista,
conforme podemos depreender das palavras de Oliveira:
187
É verdade que as qualidades editoriais da revista (recursos
abundantes provindos do DIP), a programação de seções
abordando diferentes aspectos da vida do país abriam espaço
para contribuições “descomprometidas” com o regime. Cada
seção, entretanto, vinha precedida de uma apresentação,
onde se mostrava ser o progresso das artes, da ciência, da
literatura uma decorrência das condições favoráveis advindas
com o novo regime. O descompromisso de alguns articulistas
era assim diluído no contexto da revista. Publicar na revista
oficial, editada pelo DIP, era uma forma de participar da
legitimação do novo regime. É exatamente essa capacidade
de atrair para seu campo mesmo os opositores que merece
destaque no empreendimento cultural programado e dirigido
por Almir de Andrade (1982, p.33).
De todo modo, vale lembrar que a maioria dos membros
dessa elite intelectual compartilhava de alguns pontos em
comum, como, por exemplo: (1) a “defesa de um projeto
centralizador para a política brasileira” e a também (2) “defesa
do papel predominante, prioritário e exclusivo das elites no
processo de mudança social”, melhor dizendo, de reconstrução
da nação em bases realmente nacionais, quebrando, assim, com
as fortes influências que as idéias importadas sempre tiveram
entre nós (Idem, p. 32-33). Foi consciente desse importante papel
pertinente aos intelectuais que Almir de Andrade procurou
direcionar os esforços intelectuais de seus colaboradores,
principalmente daqueles ocupantes de posições cêntricas ou
quase cêntricas
119
frente à configuração de poder do regime, para
uma recuperação do passado, ou seja, para o estudo das
tradições, da religião, da raça, da língua, da memória geracional,
de modo que, do passado, eles resgatassem elementos que
119
Os termos pertencem a Guerreiro Ramos que, em 1980, durante seminário
sobre A Revolução de 30, analisou a intelectualidade brasileira dos anos 30,
tendo a “configuração do poder como referente dos diversos
posicionamentos dos intelectuais do período (GUERREIRO RAMOS, 1983b, p.
530). Assim, para o autor, teríamos, como (a) intelectuais cêntricos ou
totalmente comprometidos com o regime: Francisco Campos, Gustavo
Capanema, Lindolfo Collor, Agamenon Magalhães, Oliveira Viana e Azevedo
Amaral; como (b) intelectuais independentes, ou seja, que procuravam uma
posição de analistas imparciais do regime: Gilberto Amado, Martins de
Almeida, Virgínio Santa Rosa, Caio Prado Júnior e Nestor Duarte; como (c)
intelectuais confrontivos ou adversários do regime: Luís Carlos Prestes,
Otávio Mangabeira, Aparício Toreli, além de outros (Idem, p. 537).
188
pudessem representar e auxiliar na constituição do espírito de
nacionalidade (VELLOSO, 1982, p. 83-86; GOMES, 1999, p. 125-
155). Na verdade, com a intenção de estabelecer uma relação de
continuidade entre a tradição e o regime político presente, a
revista procurou no passado subsídios para corroborar a tese de
que o Estado Novo estava em conformidade com o verdadeiro
espírito nacional. Como observou Ângela Gomes, o espírito
nacional era, assim, “um construto, ao mesmo tempo buscado e
criado por nossa intelectualidade”, com a finalidade de justificar a
figura de Vargas e o seu regime de governo (GOMES, 1999, p.
140).
Em consonância com este projeto, a literatura foi tomada
como um documento ou registro do “ser” nacional e, por
conseguinte, transformada em uma abundante fonte de pesquisa,
não apenas para informar qual seria o “espírito brasileiro”, mas
também para nos dizer do “espírito americano”. Assim, tomando
a seu encargo a tarefa de reconstruir a nossa história literária, a
revista Cultura Política fez coincidir, na linha mesma dos
nativistas, dos românticos, dos realistas e dos modernistas, mas
com novas nuanças, literatura e política:
Vivendo um momento de afirmação da identidade nacional, o
regime se esforça por capitalizar os grandes nomes de nossa
literatura, transformando-os em vultos nacionais, responsáveis
pela nossa história pátria. Da mesma forma que a concepção
clássica da história, a literatura também aparece como mestra
da vida, destinada aos exemplos edificantes e virtuosos.
Assim, ela aparece como uma espécie de feito nacional
realizado pelos nossos heis-escritores. Associa-se então
explicitamente a literatura á nação, transformando-se a
primeira num espelho capaz de estampar com perfeição a
imagem da nacionalidade (VELLOSO, 1988, p. 242).
(destaques no original)
É nesta tarefa a de se voltar aos refolhos do passado
para, de lá, retirar o “espírito nacional” atribuída à
intelectualidade que podemos inserir Guerreiro Ramos. A sua
189
presença nas ginas da Cultura Política, portanto, não nos
parece ocasional, muito embora o seu posicionamento, naquele
momento histórico, não possa ser dito cêntrico ou
confrontativo.
120
Porém, não podemos negar que o nosso autor
nutria grande admiração pela figura política de Getúlio Vargas, a
quem dedicou o livro Mito e Verdade da Revolução Brasileira
(1963), saudando-o como “mestre do realismo político”. Também,
e mais importante para este capítulo da tese, é o fato de que
havia entre Almir de Andrade e Guerreiro Ramos grandes
afinidades teóricas, tal como nos revela o seu livro de 1939,
Introdução à Cultura, onde o nome do diretor de Cultura Política
figura entre os dos poucos autores brasileiros ali citados. Tanto
Guerreiro Ramos quanto Almir de Andrade mantinham, por
exemplo, forte apreço pela noção cristã de pessoa humana e
faziam sérias ressalvas ao liberalismo, ao socialismo e ao
comunismo, todas estas correntes do pensamento que primavam
pela centralidade do social e/ou Estado, em detrimento da pessoa
humana. Vejamos o seguinte trecho do depoimento de Almir de
Andrade ao CPDOC:
Acho que o Estado existe para o bem do homem; a
sociedade foi feita para proteger o indivíduo. (...) É o mal da
concepção avançada do socialismo e do comunismo, que
transforma a sociedade no deus para o qual tudo tem que ser
feito e desaparece totalmente o valor do indivíduo, a
capacidade do indivíduo (ANDRADE, 1985, p. 32).
Nesse ponto um dos grandes méritos da doutrina social da
Igreja, a meu ver, é este a Igreja sempre teve esse espírito:
em primeiro plano está a pessoa humana, depois vem o resto.
E a pessoa humana é tudo: fisicamente, moralmente,
espiritualmente. Nós não podemos transformar o Estado
numa autoridade que por si mesma tem que ser respeitada, só
porque é autoridade, como temos dentro do espírito fascista;
como não podemos transformar a sociedade num outro mito,
diante do qual tudo tem que se sacrificar, como é a doutrina
comunista do estado. Então, se a sociedade, se o
interesse coletivo. O indivíduo desaparece. Não pode! Isso é
desumano, isso é anti-humano. Em primeiro plano está a
120
Ver nota de rodapé anterior.
190
pessoa humana e tudo é feito para ela (Idem, p. 33).
(grifos nossos)
Além disso, os dois autores, sob influência do
culturalismo alemão, avaliavam o processo de transformação das
sociedades segundo as categorias de cultura e civilização. Para
eles, o mundo moderno vivenciava uma crise da cultura, cuja
causa era uma forte crise de valores. Porém, se em Guerreiro
Ramos um posicionamento claro pela doutrina cristã, que a
sua proposta de superação da crise se baseava na idéia de
revolução personalista, em Almir de Andrade encontramos uma
análise do problema da cultura calcada em bases sociológicas,
que, combinando “traços particulares, específicos da história dos
povos, com uma visão evolucionista e determinista da vida
social” (OLIVEIRA, 1982, p. 35), o levou a defender a renovação
da cultura ocidental em termos não revolucionários, de modo a
garantir a continuidade do processo evolutivo da cultura em vista
do alcance do homem integral. Para Oliveira, o conceito de
cultura em Almir de Andrade “envolveria a noção de caminhos
específicos do crescimento de cada povo, enquanto que o de
civilização estaria referido à evolução geral do gênero humano no
sentido de uma sociedade melhor (Idem, p. 36). Assim, o que
temos, é que nele, a idéia de civilização mitiga as “diferenças”
entre os povos para acentuar a igualdade entre eles, enquanto a
de cultura, por sua vez, serviria para enfatizar as singularidades
dos povos, pondo à mostra “as diferenças nacionais” que as
culturas engendram (Idem Ibidem).
No pensamento de Almir de Andrade, renovar
contrapõe-se a inovar. Enquanto a renovação implicava no
revigoramento do que existe ou tradicionalmente vinha
existindo, de modo a fornecer continuidade ao processo de
evolução da vida humana em sociedade, a inovação significava
destruição, ruptura, inflexão no que se refere a esse mesmo
191
processo evolutivo (A. MARTINS, 2003, p. 82; OLIVEIRA, 1982, p.
37). Neste sentido, as mudanças sociais planejadas deveriam,
segundo ele, ser conduzidas, sempre, para a continuidade desse
processo de construção cultural ao qual os povos estão
inescapavelmente vinculados.
121
No que se refere à superação da
crise da cultura, disse ele:
É necessária uma renovação completa da cultura ocidental.
Uma renovação capaz de reerguê-la, de lhe dar mais brilho,
mais vigor, mais fecundidade, mais vida. Uma renovação,
sobretudo capaz de restituí-la ao equilíbrio e à ordem, à
serenidade e à harmonia, ao esplendor de uma vida sadia, à
pujança do homem integral (1933 apud A. MARTINS, 2003, p.
82)
A preferência do diretor de Cultura Política pela
renovação era o que justificava o seu clamor aos intelectuais de
sua geração para que estes, diante da desordem estabelecida
que acometia o mundo moderno, buscassem na tradição do
pensamento ocidental os elementos permanentes, os valores
fundamentais que, em virtude das teses inovadoras às quais
alguns intelectuais aderiram e estavam a aderir, foram postos de
lado e, assim, perderam a força unificadora capaz de manter os
povos atrelados aos seus destinos históricos. Esses valores
permanentes que diferenciavam os povos entre si e, ao mesmo
tempo, contribuíam para ampliar o escopo das necessidades
universais do homem enquanto ser, encontravam-se impressos
na cultura, nos produtos culturais de cada povo, sendo tarefa dos
intelectuais, ao apreciarem a cultura de um povo, analisar os
valores culturais de acordo com a capacidade que demonstrem
para exprimir as necessidades fundamentais humanas e as
necessidades próprias do seu meio e do seu tempo (1936 apud
121
Este foi um dos motivos que levou cia Lippi Oliveira a declarar o
pensamento de Almir de Andrade como pertencente ao “universo do
pensamento conservador (OLIVEIRA, 1982, p. 37). Conservadoras também
seriam, segundo a mesma autora, as idéias expressas por Guerreiro Ramos
em seu livro de 1939. Contudo, adverte ela, o “conservadorismo do escritor
baiano não deve ser identificado com o pensamento tradicional tout court,
defensor do status quo, do imobilismo social” (OLIVEIRA, 1995, p. 33).
192
A. MARTINS, 2003, p. 84). Logo, podemos perceber que a cultura
era vista por Andrade como a fiel depositária daquilo que
permanece, no singular e no plural, no específico e no universal:
Toda cultura é expressão de vida. Traduz simultaneamente
necessidades humanas de ordem essencial, inerentes ao
homem enquanto ser, e necessidades atuais de determinadas
sociedades, oriundas de certas formas concretas de
adaptação humana no espaço e no tempo. (...) reflete o
homem, portador de necessidades específicas (ANDRADE,
1939, p. 54)
Esta distinção proposta por Almir de Andrade entre
inovação e renovação, amparada pela tese de que homem é um
ser em circunstâncias
122
, e que, portanto, não lhe é possível
viver sem agir sobre o seu contorno ou mundo”, foi apropriada
por Guerreiro Ramos para destacar o fato de que, no processo de
construção da cultura e a cultura seria, para o nosso autor,
“uma construção da vida” (1939a, p. 27) –, o Homem seria tanto
um inovador, um criador de novas formas”, quanto um
renovador “incessante” (Idem Ibidem). (destaques no original).
123
Ainda se valendo das idéias de Almir de Andrade, o nosso autor
afirmou que toda cultura engendra a “perenidade” (Idem, p. 28),
formando assim um “bloco de convicções intemporais, referentes
àquelas ‘necessidades fundamentalmente humanas’ que
independem de meio, de tempo e de espaço (Idem Ibidem), e
sem deixar de ser universal, singulariza os povos:
122
Subjacente a esta afirmação está a noção de Ortega y Gasset de que o
homem é um ser em circunstâncias. Ortega foi uma referência comum a
Guerreiro Ramos e Almir de Andrade. Elide Rugai Bastos procurou analisar a
influência de Ortega y Gasset sobre alguns dos principais articulistas da
revista Cultura Política (2003). A propósito da influência deste filósofo sobre o
diretor da revista, Almir de Andrade, consultar a tese de doutoramento de
Ana cia Lana Nemi Martins, Espanha e Brasil: o ocidente possível no
pensamento de José Ortega y Gasset e Almir de Andrade (2003).
123
Ao fazer tal afirmação, o autor referencia o livro Da interpretação na
psicologia: crítica aos fundamentos da psicologia contemporânea, publicado
por Almir de Andrade em 1936, e que seguia a mesma linha de seu A
verdade contra Freud, de 1933.
193
A cultura não é puramente relativa. A natureza do homem é a
mesma em todos os tempos. O que muda são os seus
processos de adaptação às circunstâncias e às contingências
do existir. Assim, si os que nos precederam foram capazes de
fixar certas bases de conhecimento e realização em que
temos assentado, até aqui, a nossa cultura e os nossos
programas, quem ousa negar-nos a capacidade de fazer a
mesma coisa? E, si nas bases que estão fixadas algumas
que são eternas e imutáveis, porque respondem ao que há de
mais profundo e duradouro, o devemos temer que o
pretendermos criticá-las e examiná-las novamente nos ofereça
um perigo de destruí-las e enfraquecê-las, porque, si elas
respondem a necessidades que permanecem, dentro de nós,
certo que teremos de confirmá-las e até de revigorá-las com a
crítica que lhes fizermos, se essa crítica for perspicaz, sensata
e metódica. Por outro lado, a despeito da imutabilidade desse
fundo da natureza humana, as suas condições de adaptação
variam de culo a século e se enriquecem constantemente
com a experiência, é natural que, em tudo que herdamos do
nosso passado cultural, haja sempre alguma coisa que
também tenha que mudar, porque responde a um grau de
adiantamento que já foi ou que deverá ser sobrepassado pelas
nossas gerações (Idem Ibidem). (grifos no original)
Guerreiro Ramos, historiador da literatura
Algumas dessas afinidades teóricas que Guerreiro Ramos
mantinha com Almir de Andrade estarão presentes em seus
ensaios sobre literatura latino-americana. No parágrafo escrito
por Rosário Fusco e que visava apresentar o autor e o tema sobre
o qual ele escreveria aos leitores, as idéias de integração
continental, de sentimento íntimo de pertença a esse todo
americano e de evolução cultural foram os pontos principais de
destaque. Vale a pena aqui reescrever esta apresentação.
Entre o movimento literário e intelectual do Brasil e o de toda
América Latina há profunda afinidade. Os povos latino-
americanos comungam em certos ideais comuns, em
tendências sociais e culturais, que lhes emprestam a todos um
mesmo espírito de solidariedade continental. A secção de
Literatura Latino-Americana”, que inauguramos neste
mero, se ajusta admiravelmente à expressão do movimento
intelectual do Brasil, que se integra no todo maior da evolução
cultural da América latina. Iremos procurar os pontos comuns
que nos aproximam, aquele “sentimento de americanidade”
que está presente em todas as literaturas luso e hispano-
194
americanas. Foi confiada esta secção a um escritor e professor
da nova geração, técnico da Diretoria de Cultura e Divulgação
da Baía, jornalista, ensaísta e poeta ... (CULTURA POLÍTICA,
1941, p. 274).
Em seu primeiro texto publicado pela revista oficial do
Estado Novo, no qual procurou destacar a importância que era
para a revista Cultura Política uma seção em que a produção
literária latino-americana fosse enfocada, Guerreiro Ramos
ressaltou a oportunidade de o continente americano assumir o
papel de protagonista na constituição de um novo mundo
(GUERREIRO RAMOS, 1941a, p. 275). Este mesmo clamor
houvera sido feito em seu livro Introdução à cultura, como
apontamos no final do capítulo 7 desta tese. No entanto, a
ocorrência da II Guerra Mundial e, consequentemente, a
destruição das principais cidades européias, forneciam ainda
mais subsídios ao autor para acusar a Europa por ter rompido
com o legado cristão deixado pela Idade Média, em uma clara
atitude de infidelidade “à sua vocação (Idem Ibidem).
124
Contrariamente à Europa, infiel e decadente, a América era
considerada pelo autor como “uma comunidade histórica mais
viva”, mais ornica, o que conferiria a ela uma maior
“possibilidade” para promover a “comunhão entre os diversos
povos que a constituíam (Idem, p. 274). Estaria no “sentimento
de americanidade”, esta entidade abstrata, sem existência real,
mas indispensável para o estímulo da comunhão coletiva, o
124
A infidelidade da Europa à sua vocação foi apontada por Maritain e este a
atribuía à crise que aquele continente vinha experimentando. Em seu texto
Vocação da América (1938), Afrânio Coutinho discorreu sobre o assunto.
Segundo ele, a vocação do Ocidente seria o cristianismo; o seu espírito seria
o “espírito cristão”; o tipo de homem ocidental é o homem cristão, é a
pessoa humana (Idem, p. 354-356). No entanto, o momento por que passava
o continente europeu era conseqüência do destrilhamento, da ruptura com a
“bela unidade medieval” que a época moderna operou, afastando-o de sua
vocação (Idem, p. 354). quatro séculos, disse Coutinho, que o mundo
ocidental vem sendo infiel á sua vocação essencial, o que só lhe tem trazido
inquietações, angustias, sobressaltos, desespero, e desde alguns anos, uma
convulsão tragica de sombrias perspectivas.” (Idem, p. 357) Assim,
“condenada á morte e á destruição catastrófica, para ela [a Europa]
um caminho de salvação: a volta ao fio profundo de sua tradição milenar.”
(Idem, p. 354)
195
elemento comum a partir do qual os países deste continente
perceberiam a si mesmos como, de fato, americanos (Idem
Ibidem).
Contudo, este sentimento era, ainda, algo por demais
obscuro, do qual a maioria dos povos americanos o tinha
uma autêntica consciência (Idem Ibidem). O momento, no
entanto, exigia estimular a sua explicitação, em termos de cultura
e de civilização, exigia instigar a sua passagem do estado latente
para o estado manifesto, caso a América realmente aspirasse ao
papel de protagonista no processo de construção de um novo
mundo, em substituição ao velho, que decaía (Idem Ibidem).
Guerreiro Ramos ressaltava que o momento histórico atual do
mundo era propício ao protagonismo americano. No entanto,
responder a algumas perguntas ainda era necessário, como, por
exemplo: qual seria a real vocação da América? Onde exatamente
ela estava a se manifestar? Quais os intelectuais, artistas e/ou
nios que, de fato, tinham ou estavam capturando esse espírito
coletivo que transpassava a todos os povos da América? Qual era
esse novo homem que a América estava forjando? Vejamos como
Guerreiro Ramos procurou responder a estas questões.
A fim de lograr sucesso nesse processo constitutivo de
um novo mundo, a América teria que “assumir uma vocação
125
,
cujos delineamentos já seriam passíveis de apreensão por
intermédio das tonalidades das cores locais que as obras
literárias produzidas e em produção estampavam. Neste
125
Afrânio Coutinho (1938) afirmou que a América havia herdado da Europa
aquela vocação cristã, tendo também acolhido o conceito cristão de vida
humana e o conceito de pessoa. Esta vocação havia atingido a todas as
localidades americanas, a todas as particularidades, sejam elas raciais,
psicológicas, geográficas, etc., de tal modo que seria perfeitamente possível
atingir-se, na América, a universalidade via a unidade cristã, muito embora
as singularidades, as diferenças entre as nações fossem perfeitamente
visíveis. Apesar dessa fonte comum com Coutinho, Guerreiro Ramos, em
seus artigos publicados na Cultura Política, não vai a detalhes dessa
vocação, deixando-a em aberto, pois acreditava que ela estivesse, ainda, em
vias de determinação.
196
sentido, Guerreiro Ramos acreditava que a literatura expressava
a vocação, o destino de cada povo, indicando os rudimentos de
autênticas nacionalidades, ao mesmo tempo em que manifestava
elementos de universalidade continental. Mediante a literatura, a
identidade coletiva de uma nação desvelar-se-ia. Este era um
argumento fortíssimo para justificar o fato de a revista Cultura
Política inserir na seção Brasil Social, Intelectual e Artístico um
espaço dedicado à literatura latino-americana:
Numa revista de cultura política, como esta, que quer ser uma
pesquiza incessante das linhas mestras da nação em todos
os setores da cultura e um esfoo de penetração em busca do
sentido de nossas tradições, que quer, através dos seus
quadros, espelhar a vida do país, seria uma lacuna a
ausência de uma secção sobre a literatura latino-americana,
um dos aspectos da atividade intelectual por onde é mais fácil
o acesso à intimidade dos países iros. (GUERREIRO RAMOS,
1941a, p. 275) (grifos nossos)
Como podemos perceber, Guerreiro acreditava que a
literatura latino-americana tinha muito a dizer quando o assunto
era as “linhas mestras” das nações que compunha a América,
isto é, quando se tratava de identificar qual a verdadeira vocação
da América. Obviamente que o autor tinha em mente, aqui, uma
preocupação em compreender o Brasil. A história deste país
possuía muito em comum com a história dos outros países que
formavam o continente americano, sendo difícil a sua
compreensão de modo isolado desta ambiência.
Mas um estudo dessa natureza e proporção exigia
método e critérios de delimitação, além de uma exposição franca
dos pressupostos que lhe estariam a perpassar. Sem descurar
dessas questões, e revelando, ainda de modo exploratório, a
perspectiva pessoal que mais tarde seria firmada em seus
estudos sociológicos, Guerreiro Ramos expôs como elaboraria o
seu estudo historiográfico da literatura latino-americana,
ressaltando a importância que teria na concretização desse
197
objetivo a utilização dos métodos sociológicos de pesquisa e
a eleição do critério político na classificação dos períodos
literários, o que sinalizava a sua simpatia pela “linhagem
sociológica” da crítica literária brasileira, cujo maior expoente foi
Silvio Romero (W. MARTINS, 2002, p. 152). Nas palavras do autor,
temos:
Nas futuras crônicas dêste lugar, será sempre considerado
que o Brasil não se pode dissociar do continente
americano, que exploraremos os planos da literatura latino-
americana, ora apresentando uma visão de conjunto sôbre um
período, uma época, ora estudando, especialmente,
personalidades cujas obras sejam portadoras da teluricidade,
da nota continental que nos interessa.
Ser-nos-á fácil, numa espécie de método comparado,
aproximar a evolução literária americana da formação
nacional e encontrar, em uma e outra, pontos de contato que
revelem uma semelhança de fisionomia histórica e social...
Muito de nosso interesse [...] será dirigido para os atuais
poetas, romancistas, novelistas, sociólogos e filósofos que,
como no Brasil, estão dando ás literaturas de seus países uma
individualidade, enriquecendo-as de obras de ambiência
genuinamente nacionais (GUERREIRO RAMOS, 1941a, p. 275).
(grifos nossos)
No entanto, alertava Guerreiro Ramos que a
compreensão da nacionalidade de um país por meio de sua
literatura possuía meandros, os quais, se não devidamente
evitados, poderia levar à constituição de uma falsa história
literária. Neste sentido, o autor considerava que uma verdadeira
história literária não seria um “inventário dos “documentos
escritos de um povo, mas, antes de tudo, a pesquisa de um
modo de ser (Idem, p. 246) (grifos nossos), pesquisa esta que
somente poderia ser levada a efeito por aqueles verdadeiros
intelectuais (gênios, artista, poetas), pois somente eles estariam
voltados para o conhecimento do ser das coisas, no caso, o
espírito da nação que estava a se formar. Pressupunha o autor
também que uma obra realmente nacional somente poderia ser
198
produto do exercício da inteligência de homens vinculados à
terra, de homens que sentiam os anseios do povo, suas
concepções de vida, o espírito da cultura, porque eles, de fato,
entravam em intimidade com o sentimento do povo. Claro está
que estas duas ressalvas eram provenientes dos textos
guerreirianos sobre poesia e cultura, escritos em 1939. No
entanto, ele agora as justificava fazendo referência ao estudo de
Ludwig Lewinsohn, The story of american literature (1939), para
quem uma história da literatura deveria se preocupar não
somente com a obra em si mesma, mas principalmente com o
“espírito do homem” que a escreve.
126
Assim, valendo-se de Lewinsohn, Guerreiro Ramos
afirmou que os primeiros literários que no continente americano
começam a escrever eram, ainda, portadores de um espírito ou
de uma psicologia européia, e não americana, de fato, que
seus escritos, apesar de terem sido redigidos em terras
americanas, não refletiam o sentimento, o espírito da cultura
nacional. Este fato tinha relevância muito importante para a
constituição de um projeto que visasse contar a história da
literatura latino-americana. Segundo Guerreiro Ramos, por não
atentarem para este detalhe, os historiadores da literatura latino-
americana vinham adotando um parâmetro “excessivamente
formalista” em suas análises da formação da literatura americana
(GUERREIRO RAMOS, 1941b, p. 246). Ainda: por não levarem em
conta esse “critério psicológico em suas análises, esses
historiadores estavam sendo conduzidos a “confundirem o
essencial com o acidental”, dado que deixavam de perceber a
distinção entre três planos analíticos, a saber, a literatura
alienada, a literatura ilustrada ou livresca e a literatura
126
Neste sentido, o pensamento Lewinsohn fortalecia o de Berdyaev (e de
outros escritores católicos que exerceram influencia sobre Guerreiro Ramos),
quando este afirmava que a tradição, a tria, a família, a sociedade, entre
outras coisas, afetavam a individualidade de um escritor, e cujos reflexos se
faziam notar em seus escritos.
199
autêntica ou nacional, tal como podemos depreender da
seguinte passagem, a qual está permeada por suas defesas
juvenis, como poderemos notar:
A literatura dos espanhóis na América e dos cronistas
portugueses, no caso do Brasil, só nos interessa como
documento puramente histórico. Procurando-se na literatura o
espírito da cultura, (no sentido germânico do vocábulo), as
obras dos autores espanhóis e portugueses da conquista e da
colônia pertencem literalmente aos países de origem. Assim,
um Gonzalo Jimenez de Quesada é menos um escritor
colombiano do que espanhol. Na vida colombiana é um mero
acidente. Si o seu navio tivesse dado nas costas da China e
escrevesse um livro, não deveria ser considerado, por isso,
escritor chinês.
A literatura dos escritores nacionais que assimilaram o
espírito da metrópole é alguma coisa falsa, híbrida, que,
muitas vezes, trái a nossa realidade em vez de representar um
esforço para exprimí-la. Tal literatura é pura vistuosidade, um
sofisma.
As literaturas nacionais começam com o aparecimento do
espírito criador, dos homens que escreveram por vocação e
que se ligaram à terra, não pela inteligência, mas
sobretudo, pelo sangue, pela “paixão”. (Idem, p. 247) (grifos
nossos)
Em termos de literatura latino-americana, portanto, o
diagnóstico de Guerreiro Ramos seria o seguinte: a literatura
produzida nas colônias aqui da América não guardava fidelidade
para com as realidades nacionais, de tal modo que toda a
produção literária do período colonial não atestava a existência
de um estado de espírito coletivo. A pretensão de lhes fornecer
um caráter nacional era inteiramente falsa, uma vez que era
somente em épocas recentes que tal literatura começara a
exprimir o espírito do povo, revelando, assim, o caráter nacional.
No texto Literatura Latino-Americana (V), o nosso então
estudante de Ciências Sociais narra, com uma certa surpresa, a
descoberta de pontos em comum entre sua forma de pensar e a
que ele encontrou no livro Música do Brasil, de Mário de Andrade:
200
Lendo, há dias, um agudo ensaio de Mário de Andrade sobre a
sica no Brasil, encontrei, aplicada àquela arte, uma
observação que sempre nos norteara nos estudos
sobre a formação literária nacional em que estamos
trabalhando. Diz o escritor paulista que a sica brasileira,
aliás como toda a música americana, tem um drama particular
que é preciso compreender para compreendê-la. Ela não teve
[...] essa felicidade que tiveram as mais antigas escolas
musicais européias, bem como as musicas das grandes
civilizações asiáticas, de um desenvolvimento por assim dizer
inconsciente, ou pelo menos, mais livre de preocupações
quanto à sua afirmação nacional e social. Fenômenos, aliás,
que se observa “com freqüência nas civilizações de
empréstimo, mais ou menos desenvolvidas artificialmente e à
força, como é o caso de nossas civilizações americanas”
(GUERREIRO RAMOS, 1941e, p. 299). (grifos nossos)
Esta consideração de rio de Andrade foi estendida por
Guerreiro Ramos a “todos os setores da arte e ao próprio
processo de nossa cultura”, o que implicava, em seu
entendimento, em especificidades que não poderiam ser
desconsideradas em um estudo sobre a formação da literatura
nacional (Idem Ibidem). Uma dessas especificidades a que alude
o autor dizia respeito ao método adequado para a realização de
tal estudo. A transposição de categorias analíticas com o
intuito de se entender o processo formativo da literatura
americana, por exemplo, era-lhe algo totalmente condenável.
Neste sentido, afirmou o seguinte: “a divisão da história das
literaturas americanas em períodos que coincidem com os da
história das literaturas européias é uma prática sem
fundamento (GUERREIRO RMAOS, 1941c, p. 280). Segundo a
analítica transplantativa, algumas Colônias haviam produzido
uma literatura clássica. Nisso residia um verdadeiro absurdo, para
ele. Uma literatura em status nascendi não poderia, sob hipótese
alguma, produzir obras clássicas. A América constituía um caso
típico:
a América não pode ter tido ainda um período clássico em sua
vida intelectual, rigorosamente falando. Seria ir contra a
natureza dos fatos (...) pretender o impossível: reproduzir os
201
clássicos. (Idem ibidem)
Diante dessas críticas, Guerreiro Ramos defende uma
categorização adequada ao estudo histórico da literatura
americana, e para isso lançou mão do conceito de etapa:
primeiramente a etapa colonial, cujas principais contribuições
encontravam-se sob a forma de sermão, crônica e elegia; uma
segunda etapa seria a romântica, cuja importância não era
estritamente literária, “mas também política e até filosófica, sob
cuja influência as nacionalidades americanas tomaram
consciência de si mesmas e começou, em literatura, a
experiência afetiva da terra”; e, em terceiro lugar, a época
contemporânea, que devido ao conteúdo trabalhado,
confirmavam que a América havia encontrado “suas formas
genuínas para dizer-se”, dado o grau de originalidade que os
escritores estavam atestando em seus escritos e as pretensões
de atribuir ao que escrevem um valor instrumental, configurador
de uma realidade nacional singular. (GUERREIRO RAMOS, 1941a,
p. 275)
Além de estabelecer uma classificação para acomodar os
escritos literários, o autor também enfatizou que uma gama
considerável de publicistas americanos” estava fazendo uso de
“métodos sociológicos de pesquiza”, entres os quais ele citou
Pedro Henríquez Ureña, José Carlos Mariátegui, Angel Rosenblat,
Moisés Sáenz, Franz Boas, José Vasconcelos, Haya de la Torre,
Rodrigo González Chávez, Ricardo Rojas, Antenor Orrego, Luis
Aguilar, Natalício Gonzalez e, no Brasil, de modo destacado,
Gilberto Freire, a quem por diversas vezes Guerreiro Ramos dirige
elogios, em razão de sua “tentativa de exegese da nossa
representação social da vida” (GUERREIRO RAMOS, 1941c, p.
281).
127
A partir da leitura destes e de outros estudiosos,
127
Com este destaque queremos corrigir a afirmativa feita por Oliveira de que
“ao longo da obra de Guerreiro Ramos toda referência a Gilberto Freire é
negativa” (1995, p. 129n). Em parte isso é verdade. Porém, no início dos
202
Guerreiro Ramos aponta, pela primeira vez, de modo claro, o
dilema, a dualidade básica que afirmava ter a sociedade
brasileira, sobre a qual viria a estabelecer os ancoradouros de
suas análises da história das idéias sociológicas no Brasil: a
coexistência de valores autóctones e valores coloniais que
subjazem como pressupostos discursivos e como práticas
sociológicas.
128
Pois bem, do ponto de vista sociológico, a formação e o
processo das culturas americanas teem sido dramáticos, nisto
que representam a luta de duas correntes psíquicas, nem
sempre complementares, como quer Antenor Orrego, mas
antagônicas. Trata-se de um conflito de valores de cultura. Os
dois personagens do drama americano são os valores
autóctones (constituído pelo repertório de idéias, noções,
conceitos e habilidades técnicas do índio e do mestiço de
sangue indígena) e os valores colonias que o os mesmos
europeus adaptados às contingências americanas. A dinâmica
de nossas civilizações consiste nas desencontradas
manifestações de duas mentalidades que coexistem nelas.
Sociologicamente, a Colônia ainda não terminou. A
mentalidade dos povos americanos ainda é tipicamente
colonial (GUERREIRO RAMOS, 1941e, p. 299). (grifos nossos)
A distinção entre valores autóctones e valores coloniais
anos 40, o jovem estudante de ciências sociais não hesitou em elogiar o
trabalho do sociólogo pernambucano.
128
Neste ponto, grande foi dado pelo nosso autor ao estudo de Natalício
Gonzalez sobre o Paraguai, Processo y formación de la cultura paraguaya.
Deste livro Guerreiro Ramos extraiu a seguinte passagem: os valores
coloniais sejam utilitários ou ideais, são aqueles que carecem de toda
conexão com a terra que invadem. Aparecem como intrusos e senhores no
ambiente onde se os reverenciam. Seu predomínio em um país cria a
mentalidade colonial, o culto do poder opressor que vem de fora. Na
ordem intelectual dificultam e tergiversam a livre manifestação do
pensamento autóctono e dão nascimento a corredores do pensamento
europeu, aos sociólogos que repetem em castelhano as lições do professor
francês ou alemão, ao historiador que procura acomodar o arquétipo europeu
ao homem americano, ao poeta ou novelista que se esforça por ser o mais
inglês ou o mais russo possível em suas produções. Na ordem política dão
lugar à cópia frenética de constituições e leis de povos longínquos e
diferentes, sem possível aplicação à sociedade americana. E na ordem
econômica facilitam a conquista imperial, mediante a entrega das fontes
sicas das riquezas naturais e da direção das finanças às empresas
estrangeiras, que asseguram a perpetuidade de seus privilégios, comprando,
graças à venalidade dos governantes, o domínio político do Estado. Toda
América sofre a reverencia dos valores coloniais que predominam sem
contrapeso nestes países, incubando uma série de trágicos problemas...”
(GUERREIRO RAMOS, 1941e, p. 300-301). (grifos nossos)
203
era tida pelo autor como uma das mais importantes delimitações
sociológicas daquele momento histórico e a sua adoção punha à
mostra muito do caráter ideológico da própria sociologia em
vigor, entre os quais o de analisar as sociedades “sob um critério
ocidentalizante de civilização (Idem, p. 301). Segundo Guerreiro
Ramos, os estudos sobre antropologia cultural da época
forneciam indícios suficientes para que se pudesse afirmar que a
“civilização ocidental” seria “uma forma entre muitas”, ou seja,
não existe a civilização ou uma civilização modelar”, mas
“civilizações”: “... é cada vez mais empolgante, disse ele, a idéia
de que a cada sociedade humana corresponde um ciclo cultural
com suas próprias leis e ritmos de evolução próprios”, o que fazia
cair em descrédito o critério corrente de ocidentalização das
civilizações (Idem Ibidem). Aqui é possível notar em seus
escritos uma tendência para o tratamento das realidades
nacionais em uma perspectiva pluralista e multicêntrica, tal como
encontraremos em suas proposituras de maturidade.
A Colônia, e aqui Guerreiro Ramos corrige um pouco a
categoria analítica acima descrita, não poderia ser entendida
apenas como uma fase histórica” que possui um começo e um
fim, mas, sobretudo, como “um estado de fato psico-social, um
verdadeiro complexo coletivo que consiste na consciência de uma
inferioridade diante do estrangeiro (GUERREIRO RAMOS, 1941e,
p. 299-300). Neste sentido, e recorrendo a Alberto Torres em O
problema nacional brasileiro, seria errada a suposição do
desaparecimento da Colônia, no Brasil e em outros países da
América, seja em razão da fundação do império, seja devido à
instituição das repúblicas. Um estado de espírito, podemos dizer
com ele, não desaparece por decretos. Era exatamente para este
acontecimento que ele chamava a atenção:
Si em literatura, por exemplo, o que caracteriza a Colônia é o
formalismo [...], ou na frase de um arguto ensaísta
204
paraguaio, o simietismo intelectual, o culto da forma
cristalizada de uma cultura que não é a nossa, tal tendência
continua muito forte e presente em nosso temperamento para
ser negligenciada. Ainda sofremos daquela vergonha de ser
que levava os americanos de nossos primeiros séculos a se
esconderem nas locas de sua alma. O granfino de nossas
capitais é o legítimo símile dos botocudos basbaques diante
do estranho europeu que lhe desbrenhava as matas. Somos
muito postiços para pretender uma autonomia intelectual. [...]
Quase poderíamos dizer que na América, as nações existem
em estado de direito e não em estado de fato, uma vez
que à nossa independência histórica não corresponde uma
independência psico-social, por assim dizer (Idem, p. 300).
(grifos nossos)
No campo literário, eram muitas as demonstrações da
função política que a literatura vinha desempenhando, em
colaboração com vários outros estudos de caráter mais científico,
para a obra de construção social”, indicando, assim, que
estávamos, em vários países do continente americano,
conscientes “da necessidade de criação e construção nacionais”,
de criação e constituição de um estilo de vida próprio
(GUERREIRO RAMOS, 1941g, p. 398-399). Neste sentido,
Guerreiro Ramos dizia haver, na América, um movimento para
“buscar suas próprias tradições e seus próprios caminhos”, cuja
principal conseqüência seria a revisão de todos os quadros da
vida” (GUERREIRO RAMOS, 1941e, p. 300). À nova geração de
intelectuais caberia a tarefa de combater o “bacharelismo e
criar, a partir de seu comprometimento com a realidade concreta
de cada país a que pertence, a nacionalidade (Idem Ibidem). Ora,
essa atitude do intelectual advogada por Guerreiro Ramos em
nada difere da atitude que o mesmo advogava ao verdadeiro
poeta, qual seja, o de combater o artificialismo subjacente na
poesia de caráter puramente estético, ou seja, o estetismo
poético, que acolhia e poderia levar às últimas conseqüências o
divórcio entre a palavra escrita e a vida. Vale lembrar que, já em
1937, Guerreiro Ramos havia dito que caberia ao jovem escritor
o papel de afirmar-se, de comprometer-se no que diz e no que
205
escreve”, de vincular os seus escritos à vida (GUERREIRO RAMOS,
1937e, p. 165).
É exatamente isso que perceberemos na sociologia de
Guerreiro Ramos.
206
C a p í t u l o 1 0
O pleito por uma planificação social
antropocêntrica
Após a publicação daqueles textos sobre literatura latino-
americana, a trajetória de vida, os estudos e as preocupações de
Guerreiro Ramos ganhariam um outro rumo. Com o término do
curso de Ciências Sociais, em 1942, pela Faculdade Nacional de
Filosofia, o agora cientista social deveria retornar para o seu
estado, a Bahia, para reassumir o seu posto de Auxiliar Técnico
da Diretoria de Cultura e Divulgação, que o governo baiano
havia financiado os seus estudos na capital do país. No entanto,
houve uma mudança na interventoria daquele estado, e este fato
acabou selando a permanência de Guerreiro Ramos no Rio de
Janeiro. Landulpho Alves, que havia sido nomeado interventor do
estado em 28 de março de 1938, em substituição ao Coronel
Antônio Fernando Dantas, afastou-se do cargo em 23 de
novembro de 1942, e nomeado para o seu lugar foi o
Comandante Militar Renato Onofre Pinto Aleixo, que no dia 4 de
dezembro de 1942 fez publicar um decreto no Diário Oficial do
estado da Bahia que exonerava Guerreiro Ramos, muito em razão
de suas relações com pessoas próximas ao ex-interventor. Assim,
em tendo sido exonerado do cargo que ocupava junto ao governo
da Bahia, Guerreiro Ramos não era mais obrigado a regressar
para a sua terra natal, decidindo, então, continuar pela capital do
país. Sem dinheiro e perspectivas de trabalho, viveu momentos
muito difíceis, segundo a sua própria narrativa dos fatos:
Neste ano [1942], fiquei desempregado e sem bolsa, porque
quando me formei na Faculdade de Filosofia, eu não queria
voltar. Mas pensei: tenho de voltar, porque afinal, o estado
pagou pela minha educação. Foi nomeado interventor da
Bahia o Pinto Aleixo. O primeiro que ele assinou na Bahia foi a
207
minha demissão! Primeiro decreto do Pinto Aleixo, exonerando
o Sr. Alberto Guerreiro Ramos do cargo de não sei o quê.
Então, ele me deu de presente aquele negócio. (...) o
precisava voltar, estava exonerado. E nunca mais fui à
Bahia; fiquei por aqui e levei um ano desempregado
(GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 14).
O episódio de sua exoneração, portanto, selou a sua
permanência na capital do país. Em 1943, Guerreiro Ramos
tentou ingressar no quadro de professores da Faculdade Nacional
de Filosofia, onde, com o retorno de muitos professores franceses
para a França, vagaram algumas cadeiras.
129
Foi indicado para
assumir duas delas, a de sociologia e a de ciência política, mas foi
preterido, na primeira, por L.A. Costa Pinto e, na segunda, por
Vítor Nunes Leal.
130
Como forma de compensá-lo, San Tiago
Dantas, seu amigo pessoal, e à época no exercício do cargo de
Diretor da faculdade, ofereceu-lhe trabalho no Departamento
Nacional da Criança (DNCr), onde lecionou cursos sobre
puericultura, tendo também sido nomeado, interinamente, para o
Departamento Administrativo do Serviço blico (DASP), quanto
então a temática administrativa passou a lhe atrair com maior
força. Referindo-se à participação de Guerreiro Ramos neste
último órgão do governo, assim se manifestou Edison Bariani:
Desse modo, o DASP (em seu contexto e atribuições), foi um
sugestivo laboratório para que inicialmente Guerreiro
Ramos tivesse proximidade e se desse conta de muitas das
questões cruciais no Brasil, o que notoriamente pautou suas
reflexões a respeito da complexa realidade social do país
(BARIANI Jr., 2003, p. 2)
129
Sobre a Faculdade Nacional de Filosofia e a missão dos professores
estrangeiros no Brasil, consultar (SCHWARTZMAN, 1982; SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA, 2000; MICELI, 1989, 1995; AZEVEDO, 1994).
130
Segundo Guerreiro Ramos, o motivo de ele não ter assumido nenhuma
dessas cadeiras deu-se em razão de sua militância, quando jovem, no
integralismo (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 11-12). Também sabemos ter
havido, da parte de Arthur Ramos, a iniciativa de requisitar a Graça Aranha,
à época atuando como Chefe de Divisão de Cooperação Intelectual, uma
bolsa de estudos para que Guerreiro Ramos fosse cursar s-graduação nos
Estados Unidos, mas não conseguimos apurar o desenrolar dessa história.
Apenas sabemos que Graça Aranha havia encaminhado o pedido de Arthur
Ramos para Joseph Piazza, Adido Cultural da Embaixada dos Estados Unidos
da América.
208
De fato, tem razão Bariani Jr., quando aponta o papel que
o DASP desempenhou na formulação da visão que Guerreiro
Ramos veio a adquirir sobre a realidade brasileira, pois,
superando o trabalho burocrático e enfadonho que um técnico de
administração devia executar, o nosso autor conseguiu realizar
pesquisas sobre mortalidade infantil, padrão de vida da
população brasileira, aculturação de mão-de-obra estrangeira,
entre outros, além de escrever com certa freqüência nos
periódicos A Manhã, O Jornal
131
e na própria revista do DASP, a
Revista do Serviço Público, esta totalmente comprometida com os
direcionamentos do Governo Vargas no que diz respeito à
implantação de um novo modelo de Estado, um modelo dito mais
técnico-científico, que teria, entre outras, a missão de dar suporte
ao processo de industrialização pelo qual passava o país.
132
Foi
nas páginas desses periódicos que Guerreiro Ramos expressou a
sua defesa por uma planificação social que tivesse em conta a
liberdade e potencialidades humanas.
Integrante da “geração mannheimiana” de sociólogos
brasileiros (VILAS BOAS, 2002)
133
, desde os anos 40, Guerreiro
Ramos cultivava admiração pela noção de planificação social, um
dos tópicos mais importantes da sociologia mannheimiana (1944,
1946g, 1946e; 1946f; 1946i; 1946d; 1947d).
134
A sua adesão à
idéia de planificação social pode ser explicada, em primeiro lugar,
131
Ao analisar a publicação dos intelectuais dos anos 50 nos suplementos
literários, Abreu (1996) destacou a significativa freqüência com que
Guerreiro Ramos escrevia nestes suplementos.
132
Sobre a Revista do Serviço Público, consultar os dois trabalhos de Tânia
Keinert e José Vaz (1994a; 1994b).
133
Talvez valha aqui uma correção. Em seu artigo, Vilas Boas situa a presença
das idéias de Mannheim nos textos de Guerreiro Ramos em “finais da década
de 40”, quando na verdade, desde o início dos anos 40 o sociólogo brasileiro
possuía conhecimentos das principais idéias do sociólogo alemão. Neste
sentido, antecipou a muitos outros.
134
Na opinião de Guerreiro Ramos, Mannheim havia se emancipado “do
pessimismo sociológico de seus melhores antecessores” e, ao apontar que a
sociedade moderna não estava condenada a uma total desintegração,
destacou, com a sua idéia de planificação social, a importância da “criação
de outras instituições mais ajustadas ao presente contexto histórico-social”
(1952, p. 79).
209
em virtude de sua constante preocupação com a decadência que
estava a acometer os indivíduos e as sociedades modernas, e, em
segundo lugar, devido ao seu empenho por construir um saber
sociológico que pudesse auxiliar os indivíduos e as sociedades na
conquista da autoconsciência e, por conseguinte, da
autodeterminação. A idéia de planificação social de Mannheim
atendia a essas suas preocupações porque não postulava
nenhum conceito absoluto de liberdade ou de regime”
(GUERREIRO RAMOS, 1944, p. 12), portanto, não colocava o
problema da planificação de modo “ideológico (GUERREIRO
RAMOS, 1946i, p. 165). Além disso, ao possibilitar a descoberta
dos principia media que regem a sociedade, a planificação
proporcionaria a “autoconsciência” do estado atual da sociedade,
servindo, desta maneira, para o estabelecimento de cursos de
ões que visariam “liberar as suas forças genuínas reprimidas”,
de modo que a sociedade pudesse realizar “sua essência” ou
vocação (Idem Ibidem). Este saber para a ação encantava o
nosso sociólogo, fortalecendo a sua postura de intelectual
engajado.
Ora, como temos visto, desde Salvador Guerreiro Ramos
atentava para o fato de o momento histórico contemporâneo ser
uma época de transição, estando a mesma a exigir novos
direcionamentos no plano individual e social. O fato de ter
cursado ciências sociais no Rio de Janeiro lhe forneceu maiores
embasamentos sociológicos para situar o problema. Em 1944,
tendo findado o curso, justificava ele a necessidade de uma
planificação social democrática nos seguintes termos:
A sociedade atual está em liquidação. Estamos liquidando
uma mentalidade política, uma mentalidade econômica, uma
mentalidade social. Em política, estamos assistindo à morte do
Estado mercantil, herança persistente do feudalismo; em
economia à ruína da economia nacional anulada pela esfera
mundial; quanto à mentalidade social, a democracia deixa de
210
ser uma questão disputada para ser um processo social
fundamental. A função da planificação é achar e instaurar
os quadros sociais adequados a uma época. Na própria
estrutura da nossa época o de ser encontradas as direções
que devem nortear a planificação. Esta pode ser dita uma
conceção (sic.) sociológica da planificação. Até agora as
planificações totais que se realizaram têm sido utópicas, isto
é, propuseram-se a realizar regimes sociais absolutos. (1944,
p. 12) (grifos nossos)
As suas análises sobre a época contemporânea
seguiriam ao longo dos anos 40, cada vez mais voltadas para a
sociedade brasileira. Assim, em 1946, afirmaria que o mundo
havia atingido “uma fase de extrema concentração do poder
econômico, e do poder militar.” (GUERREIRO RAMOS, 1946i, p.
165) As perspectivas de devastação social eram iminentes, quer
se estimulasse o poder econômico, quer o poder militar, ou a
ambos, demasiadamente. Urgia colocar a questão da planificação
na agenda dos governos, dos intelectuais, dos tecnólogos e dos
peritos. Fundamental neste processo seria a participação da
intelligentzia brasileira, na qual Guerreiro Ramos incluía a si
mesmo.
135
Então, assumindo-se como um dos membros dessa
intelligentsia ainda não devidamente configurada, Guerreiro
Ramos, com o forte intuito de contribuir para o esclarecimento
dos dirigentes brasileiros e, assim, para o destino da nação, passa
em análise as três modalidades ideológicas de planificação que
eram perceptíveis, à sua época: a planificação capitalista, a
planificação fascista e a planificação comunista. Estas, como
todas as planificações de natureza ideológica, algumas em maior
ou menor grau do que outras, tendiam, na opinião crítica do
autor, “à estropiação do corpo social, ao emprego da violência,
como método de organização social.” (Idem Ibidem) Este fato o
135
Nos seus trabalhos dos anos 30, por exemplo, essa conclamação era
constante. Neles a figura do poeta era a que mais se destacava. Nos anos
40, porém, políticos, sociólogos e administradores passam a ganhar
destaque.
211
levou a concluir que as opressões sobre as liberdades individuais
e grupais vinham de diversas partes, sendo necessário planejar
da sociedade de modo a resguardar as liberdades individuais.
Assim, indagava pelo tipo de planificação necessária para o
Brasil, “tendo-se em vista as necessidades da democracia.”
(Idem Ibidem).
Este clamor pela instauração da liberdade na vida social
concreta avoca a construção de uma sociologia prática,
intervencionista e inteiramente direcionada para a ação social,
revelando, também, o realismo crítico característico de seu
pensamento sociológico. Nessa sua perseguição por um saber
transformador e comprometido com a liberdade humana, além
dos livros de Mannheim (1953; 1962; 1986), de grande valia foi
para Guerreiro Ramos o livro de Erich Fromm, O medo à
liberdade, sobre o qual escreveu, em 1947, três ensaios
(GUERREIRO RAMOS 1947a, 1947b, 1947c). Nesses trabalhos, o
sociólogo concordava com o diagnóstico de Fromm, que afirmou
ter a sociedade moderna operado uma ruptura nas relações
primárias mantidas pelos homens entre si, ruptura essa que
afetou o Homem de duas maneiras: por um lado, o fez “mais
independente, confiante em si e crítico, mas, por outro, deixou-o
“mais isolado, sozinho e com medo (FROMM, 1983, p. 91). Ou
seja, o incremento de liberdade que o mundo moderno
proporcionou ao Homem teve como corolário, em razão da
insegurança que o isolamento lhe causou, o próprio “medo da
liberdade”, implicando em um “estado insuportável de
impotência e solidão (Idem, p. 117). Para fazer frente a tal
estado, Fromm afirmou que “dois caminhos” se apresentavam
para o Homem moderno:
Por um, ele pode progredir para a liberdade positiva, pode
relacionar-se espontaneamente com o mundo pelo amor e
pelo trabalho, na expressão legítima de suas capacidades
212
emocionais, sensoriais e intelectuais; pode, assim, unir-se uma
vez mais ao homem, à Natureza e a si mesmo, sem renunciar
à independência e à integridade de seu ego individual. O outro
caminho com que depara permite-lhe recuar, desistir de sua
liberdade e procurar vencer sua solidão eliminando a brecha
que se abriu entre ele e o mundo. Este segundo caminho
nunca o rne ao mundo da maneira pela qual estava
relacionado com o mesmo antes de ele haver emergido como
“indivíduo”, pois o fato de sua separação é irreversível; trata-
se de uma fuga de uma situação insustentável, que, se
prolongada, tornaria impossível a vida. Esta rota de fuga, por
isso, caracteriza-se por sua natureza compulsiva, como toda
fuga em pânico; caracteriza-se, também, por uma rendição
mais ou menos total da individualidade e da integridade do
eu. Não é, pois, a solução que leva à felicidade e à liberdade
positiva; ela é, em princípio, uma solução que se encontra em
todos os fenômenos neuticos. Ela mitiga uma angústia
insuportável e, evitando o nico, possibilita viver; contudo,
não resolve os problemas subjacentes e seu preço é um
gênero de vida que muitas vezes consiste unicamente de
atividades automáticas ou compulsivas (Idem Ibidem).
(destaques no original)
Esse dilema do Homem moderno narrado por Erich
Fromm aproximava-se, substancialmente, do dilema que
Guerreiro Ramos, desde a sua juventude, vinha exprimindo
segundo o viés do pensamento católico e cristão. Tratava-se, em
ntese, do problema da liberdade e da realização das
potencialidades humanas, tal como pleiteadas, de modo firme,
em seu livro Introdução à cultura (1939a), mas que, agora, ou
seja, no exato campo da sociologia, ganhava uma outra
dimensão, demasiadamente importante para estabelecer, de sua
parte, uma nova abordagem da questão e, portanto, para nos
indicar o seu novo itinerário, uma vez que aponta para uma
secularização da temática, segundo houvera notado Oliveira
(1995, p. 36). Assim, no final dos anos 40, tendo abandonado
boa parte das influências intelectuais de sua juventude, as idéias
de Fromm ganhavam relevância:
Erich Fromm conclui em seu estudo que o homem atual
poderá conjurar o medo da liberdade pela atividade
espontânea, ou seja, pela realização do que chama de “self”.
o há, portanto, novidade nenhuma nesta conclusão.
213
Substituindo o termo “self por “vocação”,
“personalidade” e outros semelhantes, poderá ser
identificada esta conclusão em números trabalhos de
bastante divulgação. Desde Charles Péguy, que acusava o
homem moderno de pensar por pensamentos feitos, querer
por vontades feitas e sentimentos feitos, até Maritain, que se
vem observando o fenômeno da perda de fisionomia da
criatura humana. estão os livros de Emmanuel Mounier,
Robert Aron, Arnaud Dandieu, Berdiaeff, Daniel Rops, Martin
Buber, Denis de Rougemont e outros que o comprovam.
Contudo esta corrente de estudiosos tem colocado o
problema de maneira o sociológica. Todos eles partem
de um conceito ético-metafísico do homem e toda a sua
análise da crise social contemporânea fica prejudicada por um
pronunciado unilateralismo. Eles têm chegado, através de
poderosas intuições, a revelações surpreendentes, mas tem
sido incapazes de fornecer um princípio efetivo de
organização social (GUERREIRO RAMOS, 1947c, p. 3).
Ao optar pela perspectiva científica da sociologia no
tratamento da questão da liberdade e da realização humana, em
detrimento do viés religioso adotado nos anos 30, percebemos
um novo enveredamento intelectual de Guerreiro Ramos, o qual
não implicou, segundo entendemos, no abandono de aspectos
substantivos que, desde a juventude, permeavam as suas
preocupações intelectuais. O depoimento de Arthur Rios
fundamenta essa opinião. Segundo ele, nos anos 40, muito em
função das “mutações intelectuais” que vinha vivenciando
136
,
Guerreiro Ramos passou a acreditar que a sociologia ser-lhe-ia um
novo instrumento de interpretação das realidades humanas”,
mais condizentes, inclusive, com as suas preocupações
pragmáticas (RIOS, 1983, p. 121).
137
Para além disso, o fato é que, em 1947, Guerreiro Ramos,
tal como faziam Fromm e Mannheim, defendia que todo indivíduo
136
Abdias Nascimento, como fizemos notar anteriormente, fez menção a este
como sendo um período de “crise intelectual e espiritual” de Guerreiro
Ramos (NASCIMENTO, 1950, p. 2).
137
Assim se pronunciou Rios: “minha impressão é que, em matéria de
sociologia, se decidiu a sair do namoro para o casamento quando
ingressou no DASP e quando se preparou para o concurso que lhe daria o
cargo de técnico em administração naquele departamento. Parece que
vislumbrou as grandes possibilidades da sociologia na administração
blica.” (1983, p. 121-122). Tem razão Rios ao fazer essa afirmação.
214
está integrado a uma determinada estrutura social, e que,
portanto, a “forma e a extensão da liberdade” daquele dependem
desta (GUERREIRO RAMOS, 1947c, p. 3). Este aspecto era
importantíssimo para o nosso autor, pois a crise do mundo
decorria, principalmente, da “incapacidade” da estrutura social
em vigor fornecer “ao indivíduo uma posição e uma função
condizente com as suas potencialidades e exigências de
liberdade (Idem, p. 1). Para solucionar este estado de carência e
insatisfação do homem moderno, era imprescindível o
estabelecimento de um processo social que visasse a integração
do indivíduo, no mundo, “pela expressão genuína e espontânea
do seu eu” (GUERREIRO RAMOS, 1947b, p.3). Em outras palavras,
para que os homens e as mulheres pudessem vislumbrar a
possibilidade de postarem-se, autenticamente, no mundo, para
assim poderem enfrentar o problema da manutenção de sua
autonomia, da sua orientação no mundo (GUERREIRO RAMOS,
1947a), sem cederem ao medo das conseqüências do processo
de individuação, Guerreiro Ramos reclamava das ciências sociais,
principalmente da sociologia, o seu empenho em auxiliar os
homens e as mulheres nessa empreitada, afirmando a
necessidade da planificação social para fazer frente a esses
novos requisitos humanos, proporcionando-os o desenvolvimento
de suas potencialidades humanas.
Nestes termos, a sociologia, por meio de uma
planificação social que fosse atenta tanto para os sistemas sociais
obstacularizadores, quanto para os viabilizadores dessa tarefa
humana, teria, em seu entendimento, um forte caráter libertador,
seria um saber de salvação. O enfoque antropocêntrico de seu
pensamento teria continuidade em seus estudos sociológicos.
Liberdade e realização das potencialidades humanas seriam os
dois eixos a conduzir as suas reflexões sobre o tema. No entanto,
quando o nosso sociólogo se depara com a questão da nação,
215
com a necessidade de pensá-la a partir de uma perspectiva
genuinamente nacional e com os constantes embates
intelectuais, os quais lhe exigiam respostas imediatas, ele é
levado a “personificar a nação e, assim, a torná-la como
principal foco de seus trabalhos, retornando ao propósito de
pensar uma planificação centrada no homem quando se
despedia do Brasil, após o golpe de 1964. Isso não quer dizer que
Guerreiro Ramos não se ateve ao Homem durante todo este
período em que o nacionalismo lhe consumiu por inteiro. Pelo
contrário, como veremos nos próximos capítulos, mesmo quando
ele parte para elaborar a sua epistemologia, mesmo quando ele
se dedica a pensar a nação, é sempre o homem que ele tem por
fim.
216
C a p í t u l o 1 1
A Epistemologia de Guerreiro Ramos
A intuição da redução sociológica constituiu-se em um
momento marcante da trajetória intelectual de Alberto Guerreiro
Ramos. Embora tenha sido a partir dos trabalhos de Silvio
Romero, principalmente História da literatura brasileira, que
aquele sociólogo baiano percebeu, em germe, o que mais tarde
viria a ser por ele chamado de redução sociológica, parece-nos
também que o termo atende a certos pleitos e a crenças que
desde jovem o autor cultivava e expressava em seus trabalhos,
como foi o caso da indispensabilidade do acordo, por ele sempre
defendida, entre o pensamento e a ação. Como vimos em
capítulo anterior, o jovem Guerreiro Ramos acreditava que o
“divorcio entre o falar e o escrever, o falar e o agir, significava
um ato de “covardia”, uma sentença que assinalava a falência
da personalidade” (GUERREIRO RAMOS, 1937e, p. 165). O
Homem somente seria vitorioso na luta incessante para poder
subordinar, em si, o indivíduo à pessoa, para poder afastar de si a
mediocridade de uma vida artificial que o mundo moderno
procurava sempre lhe impingir, esta vitória apenas seria
alcançada caso ele se comprometesse com aquilo que dizia e que
escrevia. Foi em razão desta sua defesa pela indissociabilidade
entre o pensar e o agir que o autor escreveu: “afirmar-se é
arriscar-se” (Idem Ibidem). Também foi por este motivo que dizia
ser seu o mesmo lema de Napoleão: on s’engage, et puis on
verra (GUERREIRO RAMOS, 1957a, p. 214).
Neste saber comprometido, engajado, reside um dos
substratos em que se firma a noção de redução sociológica de
Guerreiro Ramos. Quando tratou da poesia, a sua aversão à idéia
217
de arte pela arte o levou a contrapor o poeta verdadeiro, que pela
inteligência e pelo sentimento experimenta a realidade das
coisas, àquele denominado poeta esteta, um tipo de poeta que
faz da poesia uma mera construção fictícia, um artifício, algo
alienado à sua vida existencial. Nesta mesma linha de raciocínio
podemos inserir a diferenciação pelo autor firmada entre o
verdadeiro intelectual e o intelectual ilustrado ou livresco. De
qualquer modo, nenhuma dessas duas distinções ganhou tanto
destaque nos textos guerreirianos quanto a estabelecida entre
sociologia (ou saber) em bito e sociologia (ou saber) em ato
(1996, p. 120).
138
A problemática aqui posta é a mesma acima
apontada: a condenação do saber alienado e a defesa do
saber engajado.
Para situar esta dicotomia do saber sociológico, Guerreiro
Ramos recorreu à diferença proposta por Maritain entre hábito
(έθος) e habitus (έξις) (MARITAIN, 1972, p. 15-30). Consoante
com tal distinção, a sociologia em hábito decorreria da prática do
“sociólogo livresco, acadêmico, que, desatento ou ignorando o
fato de que todo conhecimento sociológico estaria sujeito a
condicionamentos contextuais, e sem assumir compromissos com
a sua realidade nacional ou imediata, depositaria uma fé cega na
exemplaridade abstrata das idéias e teorias importadas,
comportando-se de maneira dogmática-dedutiva ou hipercorreta
(GUERREIRO RAMOS, 1983b, p. 533). De modo contrário, a
sociologia em ato (ou como habitus) exigiria do sociólogo
extrapolar a mera alfabetização sociológica, reclamando deste
aqueles compromissos acima citados e uma atitude crítico-
assimilativa frente às idéias, teorias e experiências estrangeiras,
a fim de que possa elaborar um saber criativo e voltado para o
melhoramento da realidade com a qual ele se identificava (Idem
138
Aliás, sociologia em ato e sociologia em hábito eram, para Guerrreiro
Ramos, verdadeiras categorias de luta, portanto recorrentes em seus
escritos.
218
Ibidem). O teor de sua postura, portanto, é, imperativamente,
pragmático-crítica, uma vez que, para o nosso autor, essa
vinculação, esse engajamento ou compromisso consciente do
sociólogo com o seu contexto o possibilitaria produzir uma
sociologia autêntica e, por conseguinte, a manter-se fiel a si
mesmo. Sem a existência de tais vínculos, disse Guerreiro Ramos,
a sociologia nada mais seria do que “uma atividade lúdica da
mesma natureza do pif-paf” (GUERREIRO RAMOS, 1957a, p. 79).
Ora, a sociologia, tal como a entendia o sociólogo baiano,
não era ofício de diletantes de gabinete. Pelo contrário, tratava-se
de uma disciplina que historicamente vinha sendo elaborada por
intelectuais que se propuseram a teorizar a práxis a partir da
própria práxis, não sendo, portanto, uma área do saber originária
de bancos escolares. Na verdade, a sociologia, nos moldes como
à época estava sendo operacionalizada, ou seja, como uma
ciência sistemático-formal, era, para o autor aqui estudado, um
desvirtuamento de processo histórico de construção do saber
para o qual contribuíram homens de ação, homens que,
preocupados em responder aos problemas de suas realidades
imediatas, elaboraram um conhecimento criativo, singular,
autêntico e interferente.
139
Convicto disso, Guerreiro Ramos
sempre adotou uma postura engajada para com os problemas
139
Em Situação atual da sociologia, Guerreiro perguntava: “é a sociologia, na
forma em que foi concebida por Augusto Comte e na modalidade
universitária que posteriormente assumiu, a culminação de um esforço de
elaboração de uma teoria científica que se vinha procurando desde o culo
XVIII, ou apenas um episódio desta pesquisa?” (1996, p. 161). A sua resposta
deriva para esta última alternativa. Segundo ele, desde o culo XVIII, o
projeto de uma teoria social vinha sendo articulado por um conjunto de
intelectuais da Europa, em especial os economistas ingleses e os filósofos
franceses que, compromissados com a prática social, procuravam elaborar
um pensamento “interferente, instrumento de uma ação social orientada por
um propósito de reforma e reconstrução da sociedade” (Idem, p. 169), e o
que chega a se fundar como “sociologia por Comte, na realidade,
representa uma distorção, um desvio daquele projeto que a teoria social
pré-comteana de pensadores como Saint Simon e Proudhon esboçava (Idem
ibidem, p. 161). O momento da época era propício, na avaliação de nosso
autor, para que a teoria social fosse novamente colocada em termos pré-
comteanos.
219
afetos ao contexto de sua existencialidade, tal como podemos
evidenciar nos estudos que procedeu, ao longo dos anos 40,
sobre puericultura, orçamento familiar, padrão de vida, pobreza,
mortalidade infantil, medicina popular, além daqueles em que
abordou os problemas administrativos, econômicos e políticos do
país, tendo-lhe sido muito útil, na realização de algumas de suas
pesquisas, a sociologia da Escola de Chicago.
140
Nesta mesma direção podemos colocar os seus trabalhos
e a sua participação efetiva junto ao Teatro Experimental do
Negro, que sob forte influência sua, recuperou as técnicas
psicodramáticas e sociométricas de J.L. Moreno
141
, com o intuito
de se valer da dramaturgia como uma possibilidade terapêutica à
psicologia do negro brasileiro, esta infestada e castrada pelo
preconceito por ele absorvido ao longo de séculos. Neste sentido,
disse ele:
Na minha vida profissional, aliás, em certo sentido, a prática
precedeu a teoria. A nova teoria sobre relações de raça no
Brasil, que consegui fazer vitoriosa em nosso meio, representa
a indução de uma práxis. O Teatro Experimental do Negro me
possibilitou a práxis do “problema e depois dela é que
cheguei à teoria. (...) Quem não age, quem o participa do
processo societário não compreende a sociedade (1957a, p.
210).
É também em decorrência deste seu posicionamento que
podemos situar a constante preocupação que manteve em
denunciar a alienação que acometia a ciência social
brasileira e o caráter ideológico mesmo dos pressupostos
sustentados pela ciência social, tal como a mesma vigorava
nos meios acadêmicos. A primeira denúncia apareceu de modo
embrionário, quando ele discorreu sobre a historiografia da
literatura brasileira, mas somente foi aprofundada e direcionada
140
Em seu livro A sociologia do Guerreiro, Lúcia Lippi de Oliveira procurou dar
destaques à relevância de Donald Pierson para Guerreiro Ramos.
141
aqui um ineditismo nesta posição de Guerreiro Ramos, como aponta
Adam Blatner em seu texto The history of psychodrama in Brazil (2002).
220
para o campo da sociologia a partir de seus trabalhos sobre
mortalidade infantil, o negro brasileiro e a sociologia no Brasil,
realizados entre o final dos anos 40 e o início dos anos 50, e
situados em um contexto de verdadeiro embate intelectual com
as principais inteligências brasileiras do campo sociológico e
antropológico, como no caso de Florestan Fernandes, Darci
Ribeiro, Costa Pinto, Arthur Ramos, Roger Bastide, entre outros
contemporâneos seus.
142
De todo modo, o fato é que os estudos
guerreirianos sobre a história das idéias no Brasil culminaram, em
um sentido, na acusação, em 1957, da síndrome da alienação do
pensamento sociológico acadêmico brasileiro (1957a, p. 19-23),
e, em outro, para a sua propositura, em 1958, de um método
sociológico apropriado para a constituição de uma sociologia
autenticamente nacional, uma proposta, acima de tudo, como
bem observou Schwartzman (1983, p. 31), de “política científica e
intelectual”.
143
Basicamente, esta síndrome se caracterizava pela
presença de seis defeitos. Simetria e Sincretismo assinalavam o
fato de o sociólogo brasileiro estar sempre disposto a acolher,
142
um número razoável de trabalhos que exploram as contendas em que
Guerreiro Ramos se envolveu, principalmente com o sociólogo Florestan
Fernandes. A este respeito, consultar, principalmente: ORTIZ (1990),
GUANABARA (1992), VIANNA (1994), OLIVEIRA (1995), ARRUDA (1995),
MATOS (1996), MAIO (1997), BARIANI (2003) e HECKSHER (2004).
143
Aqui, a concorncia com Simon Schwartzman é parcial. Não divergimos da
opinião que A redução sociológica pode ser interpretada como uma
“proposta política”. No entanto, parece-nos totalmente equivocada a
seguinte afirmação do autor: “se olharmos esse livro do ponto de vista
estrito da metodologia que propõe e dos resultados práticos que essa
metodologia acena, o resultado é decepcionante.” (1983, p. 31) Para se
compreender a proposta guerreiriana, é preciso enveredar pela totalidade do
que ali está posto, pela tríade de significados que a ela foram atribuídos. A
redução não é, tão somente, uma metodologia, é atitude, é postura
existencial. Os seus resultados não são meramente extrínsecos, ou melhor,
estritamente sociológicos; são também pessoais. O fato de as idéias de
Guerreiro Ramos terem sido melhor acolhidas na disciplina administrativa – e
administração é prática do que na sociologia é um indicativo da força
operacional de seu pensamento. Durante os anos 80 e 90 nos Estados
Unidos, por exemplo, as discussões sobre a New Public Administration
geralmente envolviam o nome de Guerreiro Ramos. É certo, porém, que a
sua morte prematura o impediu de retirar todas as conseqüências que a sua
teoria delimitativa permite.
221
mimeticamente, a produção intelectual dos centros europeus e
norte-americanos, sem adotar qualquer atitude crítica frente a
esse conhecimento alienígena; e, ainda mais agravante, a
proceder uma conciliação doutrinal das mais diversas correntes
de pensamento ou doutrinas produzidas no exterior. O
dogmatismo caracterizaria a postura submissa e apologética do
cientista social deste país que, sem pestanejar, adotava e
generalizava argumentos proferidos por autoridades
reconhecidas ou grandes nomes da disciplina sociológica, de dois
modos: na fala ou no discurso sociológico, principalmente na
montagem mecanizada de textos ditos “científicos”, e na análise
factual da realidade à qual ele estaria diretamente vinculado.
Uma decorrência direta do dogmatismo era o dedutivismo que
predominava na atitude científica do sociólogo brasileiro. Uma
vez que às idéias estrangeiras se atribuía um valor absoluto de
verdade, a tendência era tomá-las como o ponto de partida no
processo de compreensão ou explicação dos fatos da vida social
brasileira. Dedutivista seria o sociólogo que desconsiderava as
contingências históricas das nações, suas peculiaridades em
termos de formação histórica, pois somente pensava no
sincronismo mecânico entre elas. Outra categoria desta síndrome
que acometia a sociologia brasileira era a alienação. Segundo
Guerreiro Ramos, a alienação decorria da condição desplantada
ou contemplativa que, via de regra, o sociólogo nacional assumia
frente à sua realidade imediata. Esta atitude explicava o fato de a
nossa sociologia não ser, até aquele momento, fruto de esforços
tendentes a promover a autodeterminação e o desenvolvimento
da nação brasileira (GUERREIRO RAMOS, 1957a, p. 22). Por fim, a
inautenticidade. Ela seria o resultado de “todas as características
anteriores”, pois punha à mostra a ficção que era a sociologia
produzida no Brasil, uma vez que o “trabalho sociológico
brasileiro não se firmava em “genuínas experiências cognitivas”
222
do sociólogo (Idem, p. 23).
Esta ndrome, no entanto, não afetava toda tradição da
sociologia brasileira, mas somente a uma vertente dela, a que ele
designou de consular ou enlatada. Senão, vejamos:
Há, hoje, no Brasil, duas sociologias: uma enlatada, que se faz,
via de regra, nos quadros escolares e no âmbito confinado de
reuniões e entidades particularistas de caráter acadêmico; e
outra que se exprime predominantemente em
comportamentos e que se pensa, por assim dizer, com as
os, no exercício de atividades executivas e de
aconselhamento nos quadros dos negócios privados e
governamentais. A primeira, em larga escala, tem sido uma
percepção ilusória da realidade do país; a segunda, espécie de
crisálida, emerge da vida comunitária nacional e se
encaminha no sentido de tornar-se uma autoconsciência das
leis particulares da sociedade brasileira (1957a, p. 120).
(destaques no original)
Esta caracterização, como podemos perceber, em muito
lembra a mesma dualidade que o autor utilizou para designar os
dois tipos de literatura que no Brasil se produzia: a literatura
livresca e a literatura autêntica. Tanto em termos de crítica
literária, quanto de sociologia, a transplantação ou
comportamento hipercorreto significava a apreensão e a
reprodução literal, aqui, de categorias estrangeiras. Este tipo de
procedimento, seja na literatura, seja na sociologia, foi por ele
condenado. No caso das ciências sociais, a transplantação estava
se tornando uma conduta ordinária de sociólogos e antropólogos
brasileiros. A normalidade deste fato era-lhe estranha, até mesmo
absurda, a ponto de ele a classificar como um caso de patologia,
ou melhor, de patologia da normalidade, sobre ela assim se
pronunciando:
Desde que, em suas posturas mentais, é generalizado aquele
traço culturologicamente mórbido [a transplantação], passa o
mesmo a ser normal. Entre eles [os transplantadores],
teremos também de levar a sério as ficções para vivermos em
paz. Se ousarmos ser sensatos, estamos perdidos, não nos
toleram.
223
Esta é a doença infantil da sociologia no Brasil. O próprio fato
de ser capaz de fazer o seu exame de consciência a
encaminha para a maturidade (Idem, p. 23).
A cura desta “doença” somente seria possível por um
processo de descolonização das mentalidades dos cientistas
sociais brasileiros, e a análise sociológica da sociologia teria
muita contribuição nesse processo de cura. Dessa análise é que
provém a segunda preocupação constante que percebemos no
itinerário intelectual de Guerreiro Ramos, qual seja, a denúncia
do caráter ideológico dos pressupostos sobre os quais as
ciências sociais foram erigidas, o que assinalava para a urncia
da necessidade de revisão dos postulados e do esquema de
divisão das ciências sociais contemporaneamente em vigor.
A justificação do seu pleito baseava-se na constatação do
fato de a configuração sócio-política das nações e,
consequentemente, do mundo, ter-se afastado significativamente
daquela na qual a divisão disciplinar das ciências sociais havia,
originalmente, tomado forma.
144
Por conseguinte, o quadro
disciplinar segmentado em economia, sociologia, antropologia,
ciência política, etc., correspondia a uma época histórica em que
a Europa e uma minoria de empresários europeus constituíam
não apenas o núcleo dominante do Ocidente, mas do mundo.
Esta acusação vinha sendo feita por Guerreiro Ramos
desde o final da cada de quarenta, quando então questionava
a ideologia da brancura subjacente nos estudos “científicos”
sobre o negro. Tal percepção, quando ampliada para a analítica
144
Interessante observar o movimento atual em direção a essa revisão do
quadro disciplinar em que as ciências sociais estão arquitetadas, tal como o
trabalho que vem sendo desenvolvido pela Comissão Gulbenkian, sob a
presidência do sociólogo Immanuel Wallerstein. Fruto deste trabalho foi o
livro Para abrir as ciências sociais (1996), onde os seus autores realizam uma
análise do campo das Ciências Sociais e do papel que as mesmas
desempenham contemporaneamente, considerando, sobre tudo, as relações
entre as suas respectivas disciplinas (Sociologia, História, Economia, etc.) e
as suas relações com outros campos do saber como as Humanidades e as
Ciências da Natureza.
224
das ciências sociais em geral, o levou a uma conclusão:
As Ciências Sociais, na forma que assumiram nos meios
acadêmicos oficiais, são, em grande parte, uma ideologia
dessa dominação, na medida em que os seus enunciados
gerais estão afetados do que se poderia chamar de ilusão
etnocêntrica ou ptolomaica e, ainda, na medida em que
dificultam a compreensão global do processo histórico-social e
distraem a atenção dos estudiosos para aspectos
fragmentários desse processo (GUERREIRO RAMOS, 1996, p.
159).
O aspecto positivo da questão estava no fato de o
contexto mundial da época ser, segundo a sua avaliação, propício
para uma tarefa revisionista das ciências sociais, de modo que se
pudesse construir uma Teoria Social atualizada às novas
exigências humanas, nacionais e mundiais. A fim de que tal
revisão pudesse ser concretizada, era fundamental a contribuição
da intelligentzia de países periféricos para depurar o teor
etnocêntrico e ideológico de tal teoria. Foi nestes termos que
Guerreiro Ramos visualizou uma Teoria Social ecumênica,
pluralista e multicêntrica, para a qual direcionou trinta anos de
pesquisas e refleo.
Imbuído dessas convicções, o nosso sociólogo se dedicou
a compreender o processo da sociologia brasileira, em um claro
esforço de reorientar o trabalho sociológico no Brasil, num
sentido pragmático. Para tanto, a elaboração do conceito redução
sociológica foi decisivo e fundamental, pois que representou a
culminância de inquietações e preocupações que há anos o autor
debatia. Este conceito foi apresentado pela primeira vez, de
modo sistemático, no seu livro A redução sociológica. Mas
embora a exposição do método redutor tenha sido feita em 1958,
cinco anos antes, em 1953, logo após a publicação de seu livro O
processo da sociologia no Brasil (esquema de uma história de
idéias) (1953a), a preocupação do autor com a formulação
metodológica da redução se fazia perceber. Em Crítica e
225
autocrítica (1953b, s/p), o autor defendia que a tarefa urgente
dos sociólogos brasileiros seria:
- a elaboração de um método de análise, suscetível
de ser utilizado na avaliação do valor do produto
intelectual, entendido este valor objetivamente, como
integração do significado das obras nos fatos e não como
proeza ou afirmação meramente individualista;
- a revisão crítica de nossa produção intelectual realizada
até aqui à luz dos fatos da vida brasileira;
o estímulo da auto-análise, como instrumento de purgação
de equívocos e vícios mentais e de ajustamento do produtor
intelectual às propensões da realidade. (grifos nossos)
No ano seguinte, 1954, Guerreiro Ramos precisaria
melhor os seus interesses e esforços intelectuais, revelando ao
jornalista Otto Schneider a mula de suas principais idéias, à
época. Assim a resumimos:
I Dado o “caráter ideológico ou pseudocientífico de
toda a sociologia que se exprime em conceitos sistemáticos-
formais”, era necessário se questionar “a validade científica das
correntes sociológicas atuais mais em voga nos centros
acadêmicos” (SCHNEIDER, 1954a, s/p);
II Devido a intencionalidade e a contingência a que
toda produção sociológica está suscetível, era necessário dotar os
sociólogos de um procedimento metodológico que o auxiliasse a
depurar aqueles aspectos. Neste sentido, o sociólogo admitiu que
estava empenhando esforços para criar “uma técnica de redução
sociológica”, que habilitasse o estudioso a suspender os
produtos sociológicos, a fim de assimilá-los sem perigo de deixar-
se envolver por sua intencionalidade ou de alienar-se”
(SCHNEIDER, 1954b, s/p);
III Os fenômenos sociais são de natureza dinâmica, e
226
não estática. A sócio-antropologia empírico-positivista os coisifica,
convertendo o que é transitório, efêmero, em coisa definitiva.
Neste sentido, o autor advogava que o entendimento do que
acontece na sociedade humana somente poderia ser feito “dentro
dos limites existenciais e epocológicos” (Idem Ibidem);
IV Consoante com essa visão, o sociólogo propõe o seu
método faseológico, cuja essência conceitual pode assim ser
expressa: “toda estrutura econômica e culturológica condiciona
seu correspondente elenco de problemas, o qual se altera na
medida em que a referida estrutura se transforma
faseologicamente”. Subjacente a esse modo de ver faseológico
estava uma “visão globalista de sociedade” (Idem Ibidem).
145
Como podemos perceber, em 1954 Guerreiro Ramos
começava a formar uma visão mais nítida do termo redução
145
Muito embora Guerreiro Ramos tenha utilizado a noção de etapa associada
à idéia de evolução (ou desenvolvimento) em seus estudos sobre a literatura
brasileira, foi somente no final dos anos 40, início dos anos 50, quando então
ele se voltou para pesquisar a mortalidade infantil no Brasil, que articulou o
que designou de método faseológico, método este inspirado,
principalmente, no culturalismo e no historicismo, e que foi apresentado no
artigo Nota metodológica (1951), parte constitutiva de seu livro Sociologia
de la mortalidad infantil, publicado em 1955, exclusivamente em língua
espanhola. Cinco eram as categorias-chaves deste método. (1) Estrutura,
no sentido de que todos os fenômenos sociais emergem e transcorrem
dentro de determinadas condições históricas, sendo que somente à luz
dessas condições é que os mesmos podem ser explicados. Além disso, toda
estrutura comporta leis sociais que lhe são próprias. (2) Fase, no sentido de
que “todas as estruturas econômicas e sociais se desenvolvem segundo suas
leis, numa sucessão de fases através das quais realizam sua spossibilidades
(1951b, p. 134). Segundo Guerreiro Ramos, devia-se a Dukheim, mas
principalmente a Müller-Lyer, o desenvolvimento do método faseológico. Para
este segundo autor, cada fase possuiria “linhas diretrizes” que configuravam
a forma e o comportamento dos fenômenos dentro dela (Idem Ibidem). (3)
Área, encerrando a fisicalidade das coisas, entre elas o espaço. (4) Classe
Social, usada para corrigir a “generalidade do conceito de estrutura
econômica e social”, servia para representar a heterogeneidade dos estratos
sociais. (5) Principia media, simbolizavam “as forças configuradoras de
cada etapa histórica” (Idem, p. 135). Em meados dos anos 50, Guerreiro
Ramos se dedicaria ao estudo aprofundado do hiper-empirismo dialético de
Georges Gurvitch e proporia complementar a teoria deste autor naquilo que
seria, a seu ver, a sua maior insuficiência, qual seja, o historiscismo. Neste
sentido, Guerreiro especulou sobre um “historicismo radical impenitente e
intransigente”, tal como a dialética gurvitchiana, para desembocar em uma
epocologia (1955b; 1955c; 1955d; 1955e; 1955f).
227
sociológica, no sentido muito próximo do que viria a expressar
três anos depois, em Introdução crítica à sociologia brasileira
(1957a). No entanto, também em 1954, em um texto em que
tecia críticas à ideologia da brancura O negro desde dentro,
afirmou:
Mas pratiquemos um ato de suspensão da brancura e com
este procedimento fenomenológico nos habilitaremos a
alcançar a sua precariedade e, daí, a perceber a profunda
alienação estética do homem de cor em sociedades
europeizadas como a nossa (1954a, s/p). (grifos nossos)
Mas como o dissemos, a exposição mais sistemática da
redução sociológica somente viria a blico em 1958, quando
então esta foi apresentada como “um método de análise de
concepções e de fatos sociais” (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 41).
Consoante com o autor, seria tarefa dos sociólogos (brasileiros)
por em suspenso as categorias que formam o arcabouço
conceitual das ciências sociais para, assim, à luz das
circunstâncias da realidade (brasileira) com a qual ele se
encontra vinculado e comprometido com a sua modificação,
analisá-las de modo crítico. O mesmo proceder deveria ser feito
em relação às experiências estrangeiras que se desejasse
transplantar de uma realidade para outra. Somente procedendo
deste modo o sociólogo estaria apto a contribuir para o
desenvolvimento de uma sociologia autenticamente nacional.
Mas a redução não estava direcionada apenas para a
apropriação crítica de conhecimentos e das experiências
estrangeiras. Ela ainda possuía implicações para a analítica
factual da realidade social. Assumindo que a realidade social é
vida humana, e, em assim sendo, é uma contextura de sentidos,
de valorações, Guerreiro Ramos advogava que também seria
tarefa dos sociólogos (brasileiros) pesquisar e recolher, em um
esforço criativo de teorização sociológica, as conexões
228
teleológicas, a partir da qual os fatos sociais revelariam os seus
sentidos.
Tal como fora definida por Guerreiro Ramos, a redução
seria, antes de tudo, uma atitude metódica, subordinada a regras
procedimentais, cuja adoção por parte do sociólogo denunciaria a
sua capacidade e habilitação para proceder, de modo crítico-
assimilativo, frente a todas as categorias científicas e
experiências originárias de outras realidades nacionais ou mesmo
regionais. Além disso, a sua definição implicava em alguns
pressupostos teóricos importantes, tais como o princípio da
intencionalidade e as noções de redução, de mundo e de
engajamento preconizadas pela fenomenologia e pelo
existencialismo. Acrescente-se a estas o perspectivismo de
Ortega y Gasset e Mannheim, a razão histórica de Dilthey e a
razão vital de Ortega y Gasset, nas quais Guerreio Ramos buscou
inspiração para a sua razão sociológica, e, ainda, a dialética de
George Guvitch e a noção de fenômeno social total, de Marcel
Mauss. Foi com bases nestes e em outros conceitos que o autor
afirmou que a redução sociológica não admitia a existência na
realidade social de objetos sem pressupostos”, era
perspectivista e postulava a noção de mundo (1996, p. 72-
73). (grifos no original)
A apropriação destes conceitos pode ser exposta nos
seguintes termos: primeiro, a redução implicava em uma postura
raiz por parte do sujeito, qual seja, a de colocar os objetos “entre
parênteses”, a fim de superar os elementos que
obstacularizavam a percepção correta de seus significados
imanentes; segundo, ao postular a noção de mundo enquanto
totalidade envolvente, ela admitia a reciprocidade de
perspectivas das consciências; terceiro, a complexa e dinâmica
transação entre sujeito e objeto somente tornaria possível a
229
elucidação dos significados e dos valores envolvidos quando
rebatida para aquela totalidade; quarto, considerando que os
objetos sociais mostram-se em diferentes perspectivas, isso
implicava no fato de, caso determinado objeto fosse transferido
de uma perspectiva para outra, deixaria este de ser exatamente
o que era; quinto, os suportes da redução sociológica seriam
coletivos, ou seja, não estariam na consciência do pesquisador ou
do sujeito individual, tal como uma lógica formal, mas seriam
imanentes à sociedade, em uma lógica que lhe fosse própria,
exigindo, portanto, por conta de sua complexidade, uma atitude
sofisticada do pesquisador e, por conta de sua imanência, um
saber operativo e não meramente especulativo.
Convém também destacar as quatro leis às quais
Guerreiro Ramos se refere para normatizar tal atitude metódica. A
primeira lei, a lei do comprometimento, foi enunciada pelo autor
nos seguintes termos: nos países periféricos, a idéia e a prática
da redução sociológica somente poderiam ocorrer ao cientista
social que tivesse adotado sistematicamente uma posição de
engajamento ou de compromisso consciente com o seu contexto.
Em outras palavras, uma visão do mundo não seria adquirida,
apenas, por meio do esforço intelectivo, sendo difícil para
qualquer cientista, em especial o cientista social, neutralizar seu
efeito condicionador sobre a atividade científica” (Idem, p. 107).
O homem se integra na totalidade do mundo de modo não
intelectual”, o que implicaria dizer que toda “existência supõe um
a priori histórico social” (Idem Ibidem). Aliás, seria somente “a
partir de um engajamento vital que as coisas adquirem sentidos”
para ele, o que, sendo ampliado ao cientista social, levou o autor
a afirmar que há um a priori existencial” a condicionar a
perspectiva do sociólogo, tivesse ele consciência ou não desse
condicionamento (Idem, p. 106). Semelhantemente ao que
Jaspers, com a categoria de “assunção”, buscou imprimir ao
230
saber filosófico e psicológico, a redução sociológica “se esforça
por incorporar ao trabalho teórico a perspectiva existencial do
teorizador”. Daí a seguinte afirmativa: “vivemos necessariamente
a visão de mundo de nossa época e de nossa nação”, o que deve
ser considerado em qualquer análise dos fatos e do
conhecimento (Idem, p. 107).
A segunda lei da redução sociológica afirmava que toda
a produção científica estrangeira era de caráter subsidiário para
o sociólogo comprometido com determinada realidade. Subjaz a
esta lei que sujeitos e objetos estariam no plano concreto, e não
no plano transcendental, tal como a fenomenologia husserliana
advogava. Da mesma maneira, no plano da vida cotidiana, a
consciência do sujeito sempre se referiria a objetos concretos,
ambos situados em uma circunstância determinada. Disso
decorreria uma distinção entre a intencionalidade do “eu puro
(Husserl) e a intencionalidade do “eu concreto, episódico,
historicamente configurado”, levando Guerreiro a afirmar que, do
ponto de vista da redução sociológica, o sujeito estaria sempre
inserido na comunidade (Idem, p. 113-114). Igual raciocínio se
aplicaria aos objetos. Eles não poderiam ser considerados
intencionais no mesmo sentido de Husserl, isto é, intencionais
enquanto referidos a uma consciência pura. Antes, porém, seriam
intencionais no sentido concreto, ou seja, “enquanto carregados
de determinado sentido, de determinado propósito, enquanto
veiculam um ‘para’, enquanto integrados em particular estrutura
referencial” (Idem, p. 114). Assim, para o nosso autor, os nóemas
husserlianos, em realidade, não são paradigmas universais e,
portanto, não podem ser transferidos da perspectiva noética em
que se dão para outra”, tal como a abordagem abstrata de
Husserl parecia admitir (Idem Ibidem). A redução sociológica,
neste ponto, tornava-se “uma reflexão sobre os sentidos dos
nóemas, ou seja, as formas como os objetos são dados ao ato
231
intencional ou nóesis do pesquisador, este sujeito
historicamente localizado (Idem Ibidem). Além disso, a redução
permitiria descobrir os contextos onde surgiriam os sentidos dos
produtos sociológicos, sendo, portanto, neste caso, os diferentes
nóemas sociológicos úteis somente na qualidade de subsídios
para uma nóesis de “autêntica intencionalidade” (Idem Ibidem).
Seria por conta disso que as produções científicas de outros
contextos histórico-sociais possuiriam caráter subsidiário, à luz do
pensamento de Guerreiro Ramos.
A terceira lei da redução sociológica expressava a
universalidade dos enunciados gerais da ciência. Mesmo
enfatizando o caráter situado e datado do conhecimento,
exatamente em função da trama relacional que envolve o
conhecedor e o conhecido, isto não implicava dizer que, para
Guerreiro Ramos, perder-se-ia, por completo, o caráter de
universalidade da ciência. Deste modo, era duplo o sentido em
que a sociologia se apresentava para ele como sendo uma ciência
universal: primeiramente, devido ao fato de que já não se vivia a
condição de isolamento dos povos, de um atomismo das nações,
mas sim de um todo mundial inter-relacionado, o que facilitava,
em seu entendimento, a livre troca de informações entre os
cientistas, colaborando para a formação de um patrimônio
científico comum a todos os homens do saber. Em segundo lugar,
a universalidade da ciência proviria também do fato de que todos
aqueles que a ela se devotavam participariam de “um mesmo
círculo semântico, isto é, admitem como válido um mesmo
repertório central de enunciados” (Idem, p. 123-124). Seria
exatamente esta condição que o levaria a admitir a existência de
um “elenco central de categorias universais” que poderia ser
apreendido “mediante a percepção de como determinados
autores referenciais da área “pensaram o que escreveram”
(Idem, p. 124). A redução sociológica, portanto, levaria em
232
consideração que a universalidade da ciência se daria somente
no domínio dos enunciados gerais (Idem, p. 123). (grifos no
original)
A quarta e última lei afirmava que, à luz da redução
sociológica, a razão dos problemas de uma sociedade particular
era sempre dada pela fase em que tal sociedade se encontrava.
Esta lei “pressupõe um estilo de pensar os fenômenos sociais
fundamentado no que se pode chamar de razão sociológica”, o
que significava dizer que haveria “uma referência básica, a partir
da qual tudo o que acontece em determinado momento de uma
sociedade adquire seu exato sentido”, e esta referência básica
era o que nosso sociólogo denominava fase” (Idem, p. 129). O
que estava por trás deste pressuposto, em realidade, era a
categoria de totalidade, uma categoria onde os fenômenos
sociais eram encarados enquanto fenômenos totais. Uma fase,
explicava o autor, é uma totalidade histórico-social, cujas partes
encontram-se em relações dialética; era o princípio de coerência
para fins analíticos de acontecimentos históricos. Assim, sob a
espécie da fase, o sentido dos acontecimentos se clarifica. Os
acontecimentos não podem ser compreendidos senão quando
referidos à totalidade (fase) que os transcende e a que são
pertinentes. Por isso que não se verificam de modo arbitrário,
estão sujeitos às determinações particulares de cada seção do
fluxo histórico-social em que transcorrem.” (Idem, p. 135) (grifos
no original)
A postura redutora jamais seria abandonada por
Guerreiro Ramos em sua trajetória. Por meio dessas quatro leis,
ele começaria a elaborar estudos com vistas à formulação de
uma teoria da sociedade brasileira, apropriando-se,
principalmente, das perspectivas sociológica, política e
administrativa que contornavam nossa realidade social. Foi ela, a
233
redução sociológica, desde o início, uma propositura com fins a
orientar o trabalho sociológico, no Brasil. A sua inspiração
proveio, como dissemos, dos estudos realizados sobre a história
das idéias no Brasil, onde constatou que, embora estivesse
predominando, em seus dias, uma sociologia enquanto saber em
hábito uma sociologia enlatada, sociologia da academia que,
estigmatizando como pré-científico o labor das gerações
passadas,considerava sociologia o que na academia e a partir
dela se vinha produzindo, também havia uma vertente da
tradição sociológica brasileira que exerceu a sociologia em ato,
na qual se inseriam Salles Torres Homem, Tito Franco, Paulino
José Soares de Souza (Visconde do Uruguai), Silvio Romero,
Alberto Torres e Oliveira Viana, todos eles preocupados em
elaborar um saber sociológico autenticamente nacional; todos
eles se esforçaram para teorizar sobre a realidade brasileira com
os fins de orientação política da nação; todos eles comprometidos
em “salvar o fenômeno brasileiro (GUERREIRO RAMOS, 1983b, p.
543). A redução sociológica de Guerreiro Ramos punha-se na
linha direta de continuidade desse esforço salvador do Brasil,
dessa tradição crítico-pragmática do pensamento social
brasileiro, e em linha confrontativa com os hipercorretos.
É sabido que desde o livro A Redução Sociológica,
Guerreiro Ramos procurava situar a relevância da filosofia de
Husserl e de Heidegger no contexto de suas idéias, deixando
sempre claro o caráter subsidiário do pensamento daqueles
autores e procurando extrair deles todas as implicações que suas
idéias teriam para a sistematização do conceito de redução
sociológica. Em 1969, ele diria que o caráter subsidiário da
fenomenologia para as suas idéias teria implicação na elaboração
da abordagem metodológica pertinente a um campo específico
da Ciência Social, ou seja, enquanto lhe forneceria subsídios
teóricos para a redução sociológica, a abordagem parentética, o
234
encontro parentético e o homem parentético (GUERREIRO
RAMOS, 1969).
Esta posição do autor estava inteiramente em
consonância com os seus estudos sobre o historicismo, o
culturalismo e o existencialismo, mas principalmente daqueles
dois primeiros, cujos resultados se encontram sistematizados em
seu método epocológico ou faseológico, mais tarde inseridos,
como vimos, na própria concepção de redução sociológica. Além
de combater a “concepção abstrata do sujeito epistemológico”,
argumentando que este sujeito, “ao postar-se diante dos objetos,
(...) os como um ser implicado em sua época, cujas premissas
condicionam irresistivelmente sua visão e constituem espécie de
a priori do mundo (1955e, p. 1), Guerreiro Ramos advogava a
idéia de que cada época histórica “condiciona as categorias da
forma de pensamento (1955f, p. 1), esta, aliás, uma das teses
principais do historicismo radical se sua proposição
epistemológica:
As categorias de pensamento elas mesmas estão sujeitas a
mudanças, não se podem pretender finais, pois são
contrapartes, no nível científico, do processo modelador da
época. As formas mentais, os métodos, são condicionados
pelas pautas eidéticas da época em conexão com a sua
problemática objetiva. Cada época é uma modalidade de
sentido e não mera justaposição de objetos. É uma totalidade
de sentido que condiciona os modos de compreender e o
significado do que acontece (GUERREIRO RAMOS, 1955e, p. 2).
Neste sentido, a fenomenologia, como um tipo de
conhecimento datado, apresentava-se para ele, por um lado,
como um horizonte intelectual pertencente a uma determinada
época histórica emergente, a sua, e a interiorização, por parte do
cientista social, dos conteúdos conceituais sistemáticos dessa
época sinalizava a sua atualização. Isto não significava dizer que
o cientista social teria que ser um fenomenologista em strictu
sensu, ou husserliano. Acima de tudo, a fenomenologia possuía,
235
em seu entender, uma função propedêutica”, ou seja, era um
rito de passagem indispensável para quem quer que se
propusesse ao exercício da ciência social (GUERREIRO RAMOS,
1970b, p. 14). Por outro lado, Guerreiro acreditava que a ciência
social se encontrava repleta de desafios que estavam a exigir
muito mais do que uma orientação fenomenológica.
Assim, o cientista social, desde que tivesse alcançado o
seu momento de maturidade, deveria se empenhar em superar a
fenomenologia stricto sensu e propor a sua renúncia, a sua
superaração, almejando ser, ele mesmo, um homem
parentético
146
, aberto a múltiplas realidades e capaz de encontrar
e expressar o seu conteúdo conceitual de forma idiossincrática,
pessoal, por meio de conteúdos procedimentais também ad hoc
de pesquisa (Idem, p. 14). Na realidade, caso a ciência social
pretendesse manter a sua integridade conceitual e metodológica,
ela teria que ser “pós-fenomenológica.” (Idem, p. 15) O cientista
social, por seu turno, deveria aspirar a uma transformação de si
mesmo, deveria “perder a inocência” para poder partir em
direção a essa ciência social pós-fenomenológica.
147
Foi dentro
deste contexto apropriativo que Guerreiro Ramos escreveu um
conjunto de três trabalhos com o intuito de demonstrar uma
tríade de declarações, as quais passamos a descrever.
Primeira: a fenomenologia habilita as cientistas a serem
criticamente conscientes das suposições da vida cotidiana. Tendo
por base a diferenciação que Husserl estabelece entre atitude
natural e atitude crítica a primeira vem a caracterizar o tipo de
homem que não possuiria capacidade ou habilidade para
146
Sobre o sentido de Homem Parentético, falaremos mais à frente.
147
Fornecendo o seu depoimento pessoal dessa tentativa, Guerreiro chegou a
afirmar que esperava que o seu empenho nessa transformação pessoal
pudesse se estender à sua assimilação da fenomenologia, a tal ponto que ele
pudesse se expressar sem ter que recorrer à terminologia daquela filosofia,
muito embora ele ainda o houvesse atingido essa situação que almejava
(GUERREIRO RAMOS, 1970a, p. 2).
236
transcender as pressuposições da vida cotidiana, encontrando-se,
por isso, bloqueado em sua imediação com o mundo, e, a
segunda seria aquela típica do homem que possuiria capacidade
de suspender ou colocar entre parênteses tais pressuposições,
por isso proporcionando o alcance do vel de pensamento
conceitual e, portanto, de liberdade –, Guerreiro Ramos advogava
que o cientista social deveria ser portador da atitude crítica,
tornar-se “uma pessoa alerta para as falácias e influências da
atitude natural”, habilitar-se para ver a vida cotidiana como um
outsider, um estrangeiro, “alguém com uma platônica capacidade
de assombro permanente”, capaz do exercício da redução
sociológica: em síntese, ser um homem parentético (GUERREIRO
RAMOS, 1969, p. 4). Vista sob este prisma, a atitude parentética
seria matéria substancial da ciência social.
Segunda: a fenomenologia habilita o cientista social para
o entendimento do fato de a realidade ser sempre percebida
dentro de uma perspectiva. Este perspectivismo subjacente de
Guerreiro Ramos se fazia presente em seus trabalhos desde o
início dos anos 50, tendo sido o mesmo exposto claramente no
livro Introdução Crítica à Sociologia Brasileira, onde, por exemplo,
ele advogava que a objetividade se definia “em termos de
perspectiva” (1995, p. 32). A fenomenologia, assim, por ser
perspectivista, por assumir um ponto de vista pluralista e
dialético e por ensejar um pluralismo de perspectivas, permitiria
que o mundo e as coisas do mundo se apresentassem ao
cientista social em modos inesgotáveis de possibilidades e
significados. Conseqüentemente, foi a partir deste perspectivismo
admitido e possibilitado pela fenomenologia, associado à noção
de encontro (Buytendijk, Rogers, Moreno e outros), que o nosso
sociólogo derivaria o conceito de encontro parentético, cuja
definição geral seria posta nos seguintes termos: “encontro
parentético é aquele no qual se tenta relacionar com pessoas e
237
coisas na perspectiva mais conveniente para a total revelação de
suas distintas facetasltiplas.” (1970a, p. 9)
Terceira: a fenomenologia habilita o cientista social a
distinguir os múltiplos níveis da realidade e, assim, a superar as
falácias reducionistas. Se as duas declarações acima evocadas se
voltaram, primeiramente, para a atitude parentética como uma
forma de conduta que pode ser incorporada à vida diária das
pessoas, em sentido geral, e à dos cientistas sociais, em
específico, e, em segundo lugar, para o fato de que o
conhecimento dos homens e das coisas em suma, do real é
sempre fruto de perspectivas, esta terceira declaração procurava
explorar a dialética e a multiplicidade de realidades um
combate às proposituras monistas que procuram subsumir o
múltiplo do real a apenas um centro de convergência ou a apenas
um de seus elementos constitutivos tido como exclusivo ou
dominante, e que sugere não haver uma realidade ou razão
última ou primeira a qual tendem ou da qual derivam todas as
coisas. Em verdade, à luz da fenomenologia, a perspectiva é, ela
própria, pertencente ao real, no sentido de que este contempla
diferentes sentidos e ordens em si mesmo, revelados pelas
diferentes perspectivas humanas. Ademais, tais perspectivas
guardam, entre si, uma relação dialética complexa, bem como
apontam para as múltiplas possibilidades de ser e de fazer o real
(1970b).
A partir dessas considerações, Guerreiro Ramos partiria
em busca da sistematização de uma ciência social parentética de
caráter dialético e pluralístico, tal como retrataremos no último
capítulo desta tese.
238
C a p í t u l o 1 2
A Nação, o Nacionalismo e a Trajetória
Parlamentar de Guerreiro Ramos
O approach faseológico de Guerreiro Ramos subjacente
em sua propositura redutora foi determinante para consolidar a
sua abordagem sociológica.
148
Como destacado no capítulo
anterior, a sua faseologia ou epocologia considerava que tanto as
categorias do pensamento como os problemas sociais e suas
soluções eram aspectos situados, em termos de espaço e tempo,
em uma estrutura econômica e culturológica.
149
Mas como bem
notaram Oliveira (1995), Paiva (1986) e Toledo (1997; 2005), não
somente a noção de fase, como também as de autenticidade,
alienação, consciência crítica, consciência ingênua, engajamento,
entre outras, faziam parte do aparato teórico de origem
existencialista que os intelectuais ligados ao ISEB se valeram
para fazer fundamentar suas interpretações sobre a realidade
brasileira. Lembrando, é claro, que tais categoriasfaziam parte
do universo teórico de Guerreiro Ramos, desde a sua juventude,
muito embora o emprego sistemático destas não obedecesse, à
época, ao projeto de construção, no caso, de uma sociologia
nacional, mas de um novo humanismo ou de uma história da
literatura brasileira.
De todo modo, foi em consonância com este approach
148
Estamos partindo do pressuposto que toda abordagem implica em uma
perspectiva, ou seja, em um modo pessoal de determinado pensador ver ou
perceber, perspicazmente, a realidade. Neste sentido, ao falarmos de
abordagem estamos nos referindo ao modo pessoal de determinado
pensador se apropriar ou tratar as questões que essa realidade compreende
(GRAVE et al., 1999). No caso de Guerreiro Ramos, a faseologia constituía-se
em uma variante de seu modo de abordar a dinâmica social.
149
Em termos gerais, a estrutura econômica dizia respeito à “tecnologia” e às
relações de produção”, ao passo que a estrutura culturológica comportava o
repertório de elementos não econômicos stritu sensu e não tecnológicos,
tais como a organização institucional e a psicologia social” (GUERREIRO
RAMOS, 1954b, p. 69).
239
faseológico que o nosso autor afirmou que certos problemas,
como no caso da mortalidade infantil, da organização
administrativa brasileira, da renda nacional, entre tantos outros
por ele estudados, somente poderiam ser efetivamente resolvidos
caso se concretizasse uma mudança na estrutura e na
superestrutura social, não somente em termos econômicos, mas
culturais, políticos e sociais, também. Referindo-se à mortalidade
infantil, por exemplo, afirmou o sociólogo, em 1950, que a
“diminuição da mortalidade”, no Brasil e em outros países latino-
americanos, ocorreria de maneira natural e conseqüente, a partir
do momento em que, neles, se processasse “uma transformação
faseológica”, esta, como frisado acima, de “caráter total”, em
termos de seus “complexos econômicos e sociais” (1950a, s/p).
Ainda segundo o pensamento guerreiriano, a tomada de
consciência crítica precederia às soluções dos problemas
sociais
150
, e isto exigiria, do sociólogo em geral, a consolidação de
estudos a propósito de como historicamente os problemas de seu
interesse vinham sendo postos, ou seja, era imperativo ao
sociólogo, a fim de superar a ingenuidade, pesquisar o contexto
mundial global e em que condição estrutural da sociedade os
problemas a ele afetos emergiram, quais as perspectivas que
sobre eles incidiram e qual o arcabouço teórico manejado para
exprimi-los. Tudo isso para que ele assim pudesse alcançar,
quando do exame de um determinado problema social, o grau
máximo de objetividade histórico-sociológica que uma
determinada época lhe possibilitava ter, para, deste modo, poder
colaborar na construção de uma sociologia nacional.
150
A noção de problema social, disse Guerreiro Ramos no artigo Teoria do
problema social, implicaria em outras, como na de normalidade, uma vez
que “uma determinada condição social toma, numa época determinada, o
caráter de problema social porque discrepa do que considera normal”, e da
perfectibilidade, pois “quem admite a existência de problemas sociais numa
sociedade admite que ela está mal organizada, defeituosa”, admitindo
tamm “que tal sociedade pode ser mais bem organizada, corrigida”, ou
seja, que pode ser levada à perfeição ou melhora.
240
Este foi o caso da analítica que Guerreiro Ramos
procedeu sobre o problema do negro, no Brasil.
151
De acordo com
o autor, aqui, o negro vinha sendo estudado “a partir de
categorias e valores induzidos predominantemente da realidade
européia” (GUERREIRO RAMOS, 1954a, p. 189), e este fato estava
a denunciar a necessidade de se realizar um exame aprofundado
da literatura estrangeira, tendo-se como finalidade, por um lado,
“desmascarar os possíveis “equívocos” desta (Idem Ibidem) e,
por outro, denunciar a alienação em que estariam incorrendo os
sociólogos e antropólogos brasileiros (GUERREIRO RAMOS, 1953c)
que dela se valiam, de modo acrítico e transplantativo, para o
estudo do problema do negro brasileiro. Era esta alienação que
estaria a obstaculizar, conforme a opinião do autor em pauta, o
processo de formação de uma sociologia brasileira autêntica.
Nestes termos, categorias como as de raça, estrutura social,
aculturação, mudança social, todas elas provenientes, seja da
antropologia européia, seja da norte-americana, supunham, em
seu entendimento, uma “concepção quietista da sociedade” e,
deste modo, contribuíam “para a ocultação da terapêutica
decisiva dos problemas humanos em países subdesenvolvidos”, e
a adoção indiscriminada das mesmas constituía-se “em poderoso
fator de alienação” (GUERREIRO RAMOS, 1954a, 190-191). Logo,
Na medida que a antropologia no Brasil se ajusta a este
sistema de referências, desserve o país e confunde os
interessados no equacionamento dos problemas nacionais. Os
nossos grandes problemas “antropológicos” o indecifráveis
à luz das categorias habituais daquela espécie de antropologia
(Idem, p. 191).
151
Foi com base nas noções de normalidade e perfectibilidade, principalmente,
que Guerreiro Ramos, quando analisou o modo como o negro vinha sendo
historicamente abordado na sociologia brasileira (1950b; 1953c; 1953d;
1953e; 1953f; 1953g; 1953h; 1953i), indagou: Que é que, no domínio de
nossas ciências sociais, faz do negro um problema, ou um assunto? A partir
de que norma, de que padrão, de que valor, se define como problemático ou
se considera tema o negro no Brasil? Na medida que se afirma a existência,
no Brasil, do problema do negro, que se supõe devesse ser a sociedade
nacional em que o dito problema estivesse erradicado?” (GUERREIRO
RAMOS, 1954a, p. 207).
241
Ademais, sem que estivesse munido de uma teoria global
da sociedade brasileira, o antropólogo brasileiro incorreria no
risco de se dedicar a questiúnculas do problema nacional do
Brasil, despendendo esforços e recursos desnecessariamente. Ao
mesmo tempo, era opinião de Guerreiro Ramos que muitos dos
problemas ditos antropológicos decorriam da fase de
desenvolvimento econômico em que a nação brasileira se
encontrava, e que, portanto, uma vez concretizada a “mudança
faseológica” da estrutura econômica vigente à época, muitos
daqueles problemas seriam, “automaticamente”, solucionados
(Idem Ibidem).
O momento histórico de personalização da Nação
brasileira
Para além desses estudos de problemas sociais
particulares, a verdade é que, durante a década de 1950, o
sociólogo baiano firmaria convicção de que o Brasil – e o Mundo
152
vivenciava uma grande transformação, e que esta apontava
para o soerguimento de uma nova etapa de seu processo de
desenvolvimento histórico-social
153
, uma etapa em que a
sociedade brasileira começava a abandonar a falsa consciência”
legada pelo romantismo e pelo modernismo.
154
De fato, era
152
Em 1955, Guerreiro Ramos viajou para França, de lá voltando convicto que a
“politização dos povos (...) situados na periferia do mundo”, cujos
intelectuais e políticos se encontravam “profundamente engajados em um
esforço de destinação de suas comunidades”, estava a reconfigurar o quadro
do poder mundial, de tal modo que a relação entre o centro e a periferia se
alteraria significativamente (GUERREIRO RAMOS, 1956a, p. 1).
153
Em seus escritos de 1941 sobre a história da literatura latino-americana,
por exemplo, esta nova fase era apontada. Segundo ele, a literatura
americana, em geral, e brasileira, em específico, tinham superado a fase
colonial (ou estado de alienação literária) e ingressado em uma nova fase, a
contemporânea, uma vez que já eram nítidos os traços fisionômicos próprios
de cada uma delas.
154
Sobre a época romântica e modernista, disse o nosso autor: “a exaltação do
índio e da paisagem brasileira pelos românticos, a pesquisa de cor local
pelos modernistas de 1922 foram o máximo de consciência possível que
atingiram os intelectuais antes dos dias correntes. Mas esta consciência foi
falsa, como falsa tem de ser necessariamente toda consciência que não
abarca o sentido geral de uma fase histórico-social. Os românticos e os
modernistas não se tinham assenhoreado globalmente do processo que
242
consenso entre os intelectuais que pertenciam ao ISEB que o
Brasil estava vivenciando uma mudança faseológica sem
precedentes em sua história. De acordo com Guerreiro Ramos,
estávamos diante da possibilidade objetiva do abandono da
situação colonial, isto é, de sairmos de uma situação de
dependência total da metrópole e de ingressarmos em um novo
modo de ser coletivo, no modo de ser “histórico-cultural”
(GUERREIRO RAMOS, 1957d), e isto implicava na passagem do
estado de consciência ingênua para o de consciência crítica, do
estado de alienação para o de autoconsciência coletiva. Segundo
ele,
A consciência crítica surge quando um ser humano ou um
grupo social reflete sobre tais determinantes e se conduz
diante deles como sujeito. Distingue-se da consciência
ingênua que é puro objeto de determinações exteriores. A
emergência da consciência crítica num ser humano ou num
grupo social assinala necessariamente a elevação de um ou
de outro à compreensão de seus condicionamentos.
Comparada à consciência ingênua, a consciência crítica é um
modo radicalmente distinto de apreender os fatos, do qual
resulta não apenas uma conduta humana desperta e vigilante,
mas também uma atitude de domínio de si mesma e do
exterior. Sem consciência crítica, o ser humano ou grupo
social é coisa, é matéria bruta do acontecer. A consciência
crítica instaura a aptidão autodeterminativa que distingue a
pessoa da coisa (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 48). (grifos
nossos)
Assim, para que esta passagem se concretizasse, para
que a sociedade brasileira, de fato, pudesse ascender ou elevar-
se ao modo de ser histórico-cultural, e, portanto, assumir, de uma
vez por todas, novos parâmetros de desenvolvimento, estes mais
nacionalistas, obviamente, cumpria à intelectualidade promover a
consciência nacional, a fim de acelerar esse momento de
transição perturbador: o espírito que realiza a ascensão histórica
estavam vivendo. Sua atuação, embora de vanguarda, atesta, como sintoma,
o que havia de positivo na transformação vegetativa que se operava no país.
Eles tiveram uma consciência ingênua do Brasil, à diferença de nós outros
que temos hoje a consciência crítica do país.” (GUERREIRO RAMOS, 1957b, p.
8)
243
de um povo (...) é o trabalho intelectual animado por uma
deliberação obstinada de exprimir as virtualidades da existência
coletiva.” (GUERREIRO RAMOS, 1957d, p. 8).
Como podemos perceber, era claro para o nosso
sociólogo que a sociedade brasileira estava na iminência do
ingresso em um novo plano de sua existência coletiva, isto é, no
plano da “historização”, o que a faria adquirir “perfil de pessoa
coletiva (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 47). (grifos nossos) Este
ponto é fundamental, pois que assinala que o autor transpôs
categorias da filosofia da existência (e do personalismo cristão)
para o tratamento da realidade brasileira, da nação.
155
Além
disso, vale destacar que a historização implicava em
autodeterminação, “personalização (Idem Ibidem) e, como tal,
avocava a “possibilidade” de opção pela “liberdade”
(GUERREIRO RAMOS, 1957d, p. 8):
A possibilidade do histórico está contida na convivência
chamada natural”. Basta que fatores objetivos suscitem
nas sociedades rudimentares a modificação do modo pelo
qual os indivíduos se relacionam entre si e com a natureza,
tornando-o mais independente da pressão dos costumes, para
que uma nova postura existencial aberta à história apareça
em tais sociedades. É exatamente essa espécie de postura
que define o viver projetivo, propriamente histórico, e
possibilita o existir como pessoa. Entre a modalidade natural
de coexistência e a propriamente histórica uma diferença
no grau de personalização. A pessoa se define como um ente
portador de consciência autônoma, isto é, nem determinada
de modo arbitrário, nem pela pura contingência da natureza. A
personalidade histórica de um povo se constitui quando,
graças a estímulos concretos, é levado à percepção dos
fatores que o determinam, o que equivale à aquisição da
consciência crítica (1996, p. 48).
156
Foi por estar extremamente convencido do fato de que o
155
Notemos que o autor evitou incorrer em uma antropomorfização do social,
que, aliás, foi por ele denunciada como um dos “característicos da ideologia
romântica de mais nefastas conseqüências nas ciências sociais
contemporâneas” (1956b, p. 4).
156
Vanilda Paiva também percebeu esta transposição operada por Guerreiro
Ramos (PAIVA, 1986, p. 41).
244
momento histórico por que passava a sociedade brasileira era
singular e estava a merecer uma reflexão mais aprofundada que
Guerreiro Ramos se dedicou à elaboração de um arcabouço
sociológico adequado à tarefa de teorização da realidade
brasileira, o fazendo tanto por intermédio de instituições, entre
elas o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
(IBESP) e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
quanto solitariamente, quando deste instituto se afastou em
1958, ingressando na vida política partidária.
157
O nacionalismo guerreiriano
A partir de 1959, seria por meio de suas colunas políticas
“Vanguarda Popular”, publicada em O Semanário, e Do Ponto de
Vista Nacional”, em Última Hora, ambos jornais cariocas, que ele
articularia, de modo mais denso e diferenciado, a sua concepção
de nacionalismo, bem como efetuaria uma análise do momento
político brasileiro. Os reflexos desses estudos iniciais foram
sistematizados, principalmente, em seus livros O problema
nacional do Brasil, de 1960, e A crise do poder no Brasil, de 1961.
Da forma como Guerreiro Ramos formulou a sua
concepção de nacionalismo
158
, este seria vislumbrado como o
verdadeiro instrumento do qual se valeriam os povos periféricos
para lograrem êxito em suas lutas pela libertação da condição
colonial que muito estavam expostos, isto é, o nacionalismo
lhes proporcionaria o assenhoreamento, a soberania da
“capacidade autodeterminativa” e, assim, os assistiria em seus
respectivos processos particulares para o alcance de suas
“personalidades nacionais”, suas libertações nacionais
157
Não é nosso propósito procedermos uma análise destas instituições e de
seus membros, uma vez que sobre elas já existem excelentes trabalhos, mas
continuarmos seguindo a trilha da trajetória intelectual de Guerreiro Ramos,
no sentido de apontarmos a perdurância de suas crenças nesta.
158
Ver a respeito o interessante estudo de Elisabeth Rago (1992).
245
(GUERREIRO RAMOS, 1960a, p. 225-226). Neste sentido, o nosso
sociólogo elaborou uma tipologia do nacionalismo
nacionalismo ingênuo, nacionalismo utópico, nacionalismo de
cúpula e nacionalismo de circunstância com o intuito de
distinguir, entre todo um conjunto de mistificação criado em torno
do termo, aquele que seria, em seu entendimento, o verdadeiro
nacionalismo (Idem, p. 248-252). Este seria “uma ideologia
popular” (Idem Ibidem, p. 225), calcada no povo, em suas
práticas e valores verdadeiros, para cuja formulação contribuiria a
Intelligentzia
159
e/ou Vanguarda de cada país. Mas advertia: a
expressão do nacionalismo somente poderia ser feita à luz do
método redutor (a redução sociológica), o único, segundo
pensava, apto a identificar a razão sociológica” de cada
coletividade (Idem Ibidem). Destarte, teria o nacionalismo caráter
científico e, naquele momento, Guerreiro Ramos o vislumbrava
como uma ciência social histórica exercida do ponto-de-vista dos
países periféricos ou da mundialização dos benefícios da
civilização.
Especificamente no caso do Brasil, Guerreiro Ramos
percebia que o país estava a passar por um momento singular,
dado que o “movimento emancipador”, entre nós, adquiria, de
fato, pela primeira vez na história, um caráter verdadeiramente
“popular e nacional” (GUERREIRO RAMOS, 1960a, p. 227),
exatamente devido ao aparecimento do povo
160
como um “ente
159
O significado do papel político de toda intelligentzia era algo muito caro a
Guerreiro Ramos. Foi assim pensando que participou do Teatro Experimental
do Negro (TEN), do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), de
assessorias a governos e que se projetou para a política partidária. Para ele,
qualquer “intelectual que viva profundamente a ética da inteligência,
reconhece que o seu magistério terá de ser deliberadamente,
intencionalmente, político”, quer dizer, transformação social (GUERREIRO
RAMOS, 1961, p. 190)
160
De elemento secundário, o povo, na opinião do sociólogo, ascendia à
“categoria de agente principal dos acontecimentos (GUERREIRO RAMOS,
1960a, p. 229). Em termos de definição, o povo seria, para o autor, um
conjunto de núcleos populacionais articulados entre si pela divisão social do
trabalho, participantes de uma mesma tradição e afetados de uma mesma
consciência coletiva de ideais e de fins” (Idem, p. 228).
246
político, maduro, portador de vontade e discernimento próprios”
(Idem, p. 229), ou ainda, como “categoria cardinal do Brasil
contemporâneo (GUERREIRO RAMOS, 1961, p. 46), a quem
caberia, de acordo com o sociólogo, a função de dirigente por
excelência do processo histórico-social” (GUERREIRO RAMOS,
1960a, p. 229). Muito embora o povo já existisse em sua condição
de agente principal do processo emancipador brasileiro, o
sociólogo destacava que nele ainda se encontravam caracteres
impeditivos do exercício da deliberação direta desse processo
histórico, sendo necessária, assim, a atuação de uma “miniatura
sua”, ou seja, uma vanguarda popular ou vanguarda do povo,
cuja composição seria, de modo majoritário, mas não exclusivo,
de “trabalhadores de diferentes categorias”, acrescida de
“elementos oriundos de outras classes e categorias”, a saber:
“empresários industriais, comerciais e agrícolas, de quadros
técnicos profissionais e de outros elementos da pequena
burguesia, militares, estudantes e intelectuais” (Idem, p. 246).
Em síntese, o movimento emancipador brasileiro se caracterizava
por ser nacionalista, de esquerda e transcendente à exclusividade
interpretativa que as classes, todas elas, forneciam à realidade.
Ademais, mesmo que mediado pela sua vanguarda, seria dirigido
pelo povo e manteria forte compromisso com a democracia.
Este posicionamento de Guerreiro Ramos condiz com as
suas posições defendidas em seu livro de 1939 e em seus textos
sobre história da literatura. Como vimos, o autor acreditava que o
povo, em geral, detinha em si elementos que configuravam o
“espírito”, os anseios e as idéias gerais que perpassam a uma
coletividade. Contudo, caberia à inteligentsia ou vanguarda, esta
metodologicamente preparada, a captura desses elementos e a
alavancagem do movimento de emancipação nacional. Eis aqui a
diferença substancial entre a vanguarda do povo e o povo em
geral:
247
o povo como tal não alcança a visão conjunta de suas
necessidades. Só a sua vanguarda a alcança. O povo como tal
empiricamente encontra as soluções concretas de seus
problemas. Sua vanguarda as encontra partindo de princípios
gerais resultantes de práticas populares habituais. O povo
como tal, nas condições históricas até agora vigentes, o
possui instrumentos teóricos elaborados. a vanguarda os
possui. O povo como tal não tem a consciência sistemática
exaustiva dos fatos de sua conduta. a vanguarda a tem. O
povo, como tal, entregue aos impulsos espontâneos, pode
perder as oportunidades que a história lhe oferece. Conduzido
por sua vanguarda, tem menos probabilidade de perdê-las
(GUERREIRO RAMOS, 1960a, p. 246).
O nacionalismo brasileiro, segundo Guerreiro Ramos, não
estava imune a movimentos e ações contrárias à sua
concretização, tampouco livre de uma gama variada de
mistificações. Os títeres do imperialismo os “entreguistas”
eram, naquele momento, os seus maiores inimigos, os maiores
obstacularizadores desse processo de emancipação da nação
brasileira. Reivindicando para si o “atributo de nacionalista”, o
entreguista estava em pleno exercício de ludibriamento dos
cidadãos e cidadãs comuns (GUERREIRO RAMOS, 1959). Foi com
o intuito de auxiliar o povo brasileiro a identificar os “pelegos do
nacionalismo e, deste modo, contribuir para que os cidadãos
comuns pudessem votar, nas eleições de 03 de outubro de 1960,
em consonância com os interesses emancipatórios reais do Brasil,
que Guerreiro Ramos se dedicou à elaboração dos “testes do
nacionalista e do entreguista”, anunciados pelo jornal Última
Hora, da seguinte forma:
VAI VER QUEO É
Agora a coisa vai ficar mais fácil. Quando você ouvir uma
pessoa qualquer dizer-se nacionalista, tire do fundo da
carteira a reportagem que hoje publicamos e faça uma rápida
verificação: o todo é simples e magníficos os resultados.
Ninguém pode escapar aos cinco itens do “esquema Guerreiro
Ramos” feito de encomenda exatamente neste instante em
que tantos se dizem nacionalistas e um número tão reduzido
é conhecido, de todos nós, como entreguista (Idem Ibidem).
(destaques no original)
248
Os testes seriam os seguintes:
Teste do Nacionalista Teste do Entreguista
1. O nacionalista coerente acredita
no povo como principal dirigente
do processo brasileiro;
1. O entreguista não acredita no
povo como principal dirigente do
processo brasileiro;
2. O nacionalista coerente acredita
que o Brasil pode, com seus
recursos internos, resolver os seus
problemas, desde que adote
regime de base popular,
organizado segundo critérios
soberanos;
2. O entreguista não acredita que o
Brasil pode, com os recursos
internos, resolver os seus
problemas. Tende a considerar o
desenvolvimento brasileiro
essencialmente dependente da
entrada de capitais estrangeiros e
de ajuda externa;
3. O nacionalista coerente acredita
que o destino do Brasil não es
invariavelmente vinculado ao de
nenhuma potência hegemônica,
devendo manter relações com
todos os povos;
3. O entreguista acredita que o
destino do Brasil está
invariavelmente vinculado ao dos
estados unidos;
4. O nacionalista coerente não
contribui pelo seu trabalho para o
êxito de empreendimentos lesivos
aos interesses nacionais; e
4. O entreguista contribui
objetivamente, pelo seu trabalho,
para o êxito de empreendimentos
lesivos aos interesses nacionais; e
5. O nacionalista coerente participa,
o apenas por palavras, mas
tamm por tarefas prática, dos
esforços coletivos tendentes a
promover a emancipação
nacional.
5. O entreguista não participa
conscientemente de nenhum dos
esforços coletivos tendentes a
promover a emancipação
nacional.
Quadro 1 – Teste popular do nacionalismo
Fonte: Guerreiro Ramos (1959)
Ingresso na política partidária
Em 1959, Guerreiro Ramos foi eleito para o Diretório
Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), não
abandonando, no entanto, a sua postura intelectual.
161
Na
realidade, o seu ingresso na esfera político-partidária foi
justificado por ele em razão de seus propósitos intelectuais, antes
que puramente políticos:
161
Mesmo no exercício de seu mandato de deputado, afirmou ele certa vez:
“...considero-me, portanto, um virtuose da inabilidade política, porque não
estou disposto, Sr. Presidente, a fazer uma carreira política com o ônus da
minha desnaturação intelectual. [...] Êste preço não pagarei.” (269ª sessão, 9
dez. 1963).
249
Nesses últimos anos, atingi o ximo de consciência possível
do processo brasileiro, dentro do quadro acadêmico de
professor. Neste momento, tenho a impressão de que me
encontro nas condições de um debutante. De alguém que tem
que vencer a inércia psicológica de 30 anos de professor para,
sob o imperativo de melhor servir à coletividade, dar-lhe uma
cobertura científica e conceitual mais operosa e mais eficaz.
Esta nova equação que venho de adotar está me impondo
uma participação mais profunda no jôgo político do país e no
drama dos interêsses econômicos. [...] aceitei este posto
partidário entre outras coisas porque estou convencido
de que ele contribuirá para elevar o nível científico de
minha produção sociológica. (DEBUTANTE..., 1959, s/p)
(grifos nossos)
Esta postura estava totalmente coerente com a sua
atitude de intelectual engajado, comprometido, notadamente
existencial.
162
No entanto, ter aceitado a indicação para concorrer
ao diretório do Partido Trabalhista Brasileiro significava, para ele,
ao mesmo tempo, fazer um exame de autoconsciência, pois que
fazia atuar sobre si a sua própria crítica, exigindo-se ser um
sociólogo “em mangas de camisa”, agora pelas raias do seu
engajamento na política-partidária. Eis aqui a autocrítica de seu
comportamento:
Nesses dois livros, como em outros trabalhos menores, tenho
a impressão de que, para falar uma linguagem hegeliana,
neguei a ciência do gabinete no gabinete, ou ainda, neguei a
sociologia de gabinete fazendo sociologia de gabinete, a
despeito do caráter concreto que tiveram sempre as minhas
cogitações. Mas, agora, me é oferecida a feliz oportunidade de
não me esquistar ou cristalizar numa posição, de dar um
passo adiante e de negar a sociologia de gabinete fora do
gabinete, isto é, na prática social, “pensando com as os”,
confundido com as aspirações, os movimentos dos
trabalhadores e dos estudantes. (DEBUTANTE..., 1959)
Em 1962, após diversos entendimentos partidários,
Guerreiro Ramos candidata-se a Deputado Federal pelo Estado da
Guanabara, na legenda do PTB. Foi uma campanha de recursos
escassos. Auxiliado, principalmente, por alguns de seus
162
Um dos motivos expostos por Guerreiro Ramos para justificar o seus
afastamento do ISEB foi exatamente o fato, disse ele, de não acreditar “em
sociólogo de gabinete”.
250
estudantes, o sociólogo sairia às ruas da capital carioca em busca
de votos. Sofreu, durante a sua campanha, processos de
contrapropaganda e sabotagem; sentiu-se, em vários momentos,
traído por quem considerava lhe ter estima pessoal e intelectual:
Isebianos e pecebistas organizaram dispositivos de
contrapropaganda , que, em toda Guanabara, me combatia
por todos os meios e modos [...] mais ainda, processos de
truculenta sabotagem foram utilizados. Anunciava-se palestra
minha em certa escola, faculdade, ou associação.
Freqüentemente, ocorria que, na data marcada, alguém
dizendo-se parente meu, por telefone, avisava à instituição
que eu adoecera repentinamente. Quando chegava, à hora
aprazada, era para constatar a sabotagem, não havia mais
público. Em certa faculdade, aconteceu que na hora de minha
palestra, não havia luz, nem se encontravam as chaves do
salão. Certa vez, uma palestra minha foi anunciada em
prestigiosa associação suburbana, inclusive com profusa
propaganda nas ruas, por meio de cartazes convocando o
público. Dois dias antes, alunos de um colégio local receberam
informação de que eu era “inimigo dos estudantes”. Os
cartazes foram destruídos numa noite e à palestra
compareceram apenas as pessoas que compunham a diretoria
da associação. [...]A força da pressão partidária organizada
alcançou até pessoas amigas, que, melhor do que ninguém,
poderiam opor-se à mistificação organizada contra minha
pessoa. Estarreceu-me constatar que também alunos meus,
felizmente poucos, sucumbiram à contrapropaganda, eles que
nas minhas aulas tinham dela o mais vivo desmentido.
(GUERREIRO RAMOS, 1963, p. 11-12)
Apesar de todos os inconvenientes e das perseguições, o
sociólogo não negou o fato de ter sido aquele momento de
campanha, também, um momento de aprendizado profundo
sobre o Brasil e dos falsos dilemas que estavam a acometer a
esfera política brasileira: “durante a minha campanha eleitoral,
aprofundei meu conhecimento do problema político do País. A
campanha me deu oportunidade para conhecer a fundo o
nacionalismo e o comunismo de impostura...” (Idem, p. 12). Mas,
também, proporcionou-lhe o conhecimento da opressão
organizacional sobre as consciências humanas, ou, em seus
próprios dizeres, serviu “para verificar a importância da
organização da boçalização das consciências.” (Idem Ibidem) Esta
251
percepção do fato foi um dos motivos que o levou a teorização
sobre o homem parentético.
Em seu panfleto de campanha para as eleições de 07 de
outubro de 1962, encontramos os principais pleitos que a sua
atuação enquanto deputado se basearia: “por uma política
interna independente”; “por uma política externa independente”;
“pela obrigatoriedade constitucional do desenvolvimento
programado”; “pelo compulsório reajustamento permanente dos
salários ao custo de vida (escala móvel de salários)”; “pela maior
participação dos trabalhadores na programação e nos resultados
do desenvolvimento econômico”; “pela reforma agrária, pela
emancipação econômica, social e política dos camponeses e
contra a prepotência e a usura dos latifundiários”; “pela
organização do mercado nacional de capitais”; “pela
nacionalização imediata das concessionárias estrangeiras de
serviço público”; “por leis eficientes contra os abusos do capital
estrangeiro”; “pela regulamentação imediata do direito de
greve”; “por moradia digna ao alcance de todos”; “pelo ensino
gratuito em todos os níveis”; “contra a corrupção e a
incompetência”; e “pelos interêsses da Guanabara no plano
federal” (GUERREIRO RAMOS, 1962a). Muitas dessas demandas
eram, de há muito, preocupações do sociólogo, tendo as mesmas
figurado como elementos basilares em suas análises da realidade
brasileira.
163
Além de firmar esses compromissos com o eleitor, o
candidato a deputado federal enfatizava que o momento político
brasileiro era delicado, porque a direção política da sociedade
passava por uma encruzilhada sem precedentes, na recente
história democrática da nação, cujo maior indício era a “crise de
representatividade dos quadros partidários e governamentais”,
163
Há que se observar, entretanto, que entre suas preocupações não aparecia
em destaque a questão do negro.
252
pois estava evidente para o sociólogo que os partidos, enquanto
instituições, não estariam mais correspondendo aos reclamos da
opinião eleitoral” (GUERREIRO RAMOS, 1960a, p. 241). Ademais,
a própria composição de congressistas instalada não refletia a
realidade nacional, sendo, deste modo, gritante a distância entre
o povo e os seus representantes políticos (Idem, p. 44-45).
164
Em
ntese, o poder estava em crise (GUERREIRO RAMOS, 1961).
Era forçoso uma reorganização da sociedade brasileira pela via
política, o que implicava na urgência dos partidos reorganizarem-
se, reverem suas posições, tornando-as mais próximas dos
clamores e das necessidades reais da nação. Tratar-se-ia de uma
reorganização que os habilitasse “à prática da democracia interna
e do trabalho de massa em caráter sistemático e permanente”,
sob pena de a população optar por uma via revolucionária de
caráter violento (Idem, p. 45). Assim sendo, nas eleições de 07 de
outubro, a escolha do eleitor dar-se-ia “entre dois caminhos”, a
saber: o caminho da violência e o caminho democrático do
desenvolvimento (GUERREIRO RAMOS, 1962a). Neste sentido,
ele advertia a população, em geral, e as elites, em particular, em
sua coluna política no jornal Última Hora: se o dinheiro e a
fraude burlarem a vontade popular, impedindo que ela escolha
representantes legítimos, a revolução por meios violentos será
inevitável” (GUERREIRO RAMOS, 1962b).
Eis como Guerreiro Ramos expunha a questão em sua
carta panfletária dirigida aos eleitores:
É tamanha a gravidade dos nossos problemas, que o
prosseguimento do atual minueto político aumentará cada vez
mais a probabilidade da solução revolucionária, como única
saída deixada ao generoso e pacífico povo brasileiro. Por isso,
os eleitores conscientes, que não se comprazem na violência
pela violência, devem conjugar seus esforços com os
candidatos que enxergam claro nas questões do dia, para que,
164
O fato de Lott ter sido preterido por nio Quadros colocava em
questionamento os grandes partidos, principalmente o PSD, o PTB e a UDN.
Na opinião de Guerreiro Ramos, a crise representativa estava deflagrada.
253
em vez de meia solução, tenhamos a solução completa; em
vez da fraude repetida, o encerramento da fraude; em vez da
revolução violenta, a revolução pelo voto (GUERREIRO RAMOS,
1962a).
Como propostas de projetos, eram quatro as suas
principais indicações de atuação elencadas no panfleto: primeira,
comprometia-se em propor e levar a termo um projeto que visava
“converter em imperativo legal e mesmo constitucional, a
programação contínua do desenvolvimento econômico e social”;
segunda, engajar-se-ia na apresentação de um projeto que tinha
como pretensão “preparar os trabalhadores para a luta em prol
das suas reivindicações salariais, não apenas para compensar,
automaticamente, os efeitos da inflação [...], mas também para
fazer com que o salário médio seja periodicamente ajustado, em
termos reais, para acompanhar a elevação da produtividade do
trabalho”; terceira, elaboraria um projeto com a finalidade de
organizar o mercado nacional de capitais”; e quarta, a
preparação de um projeto para resolver os dois problemas
meos da agricultura brasileira”, quais eram: a “superprodução
de café e de outros produtos de exportação e a “escassez e
carestia dos produtos de amplo consumo popular, especialmente
de gêneros alimentícios” (GUERREIRO RAMOS, 1962a). Além
desses projetos, o sociólogo também prometia aos eleitores uma
participação intensiva, na esfera política nacional, junto a “todos
os movimentos que visem à emancipação do País e a fazer
pressão sobre o Governo no sentido de induzí-lo a tomar
providências que atendam às reivindicações populares”, bem
como atuação firme, agora no âmbito mesmo do Congresso, no
sentido de que fosse constituída uma “força parlamentar em prol
das reformas de base”, destacando entre elas:
A democratização do exercício do poder, programação
democrática da economia subordinada à diretriz de assegurar
o desenvolvimento independente do país e a plena utilização
da capacidade interna de produção, nacionalização imediata
254
das concessionárias estrangeiras de serviço blico,
tratamento democrático da atual questão agrária, reformas
institucionais que visem a tornar a moradia condigna ao
alcance de todos, reforma tributária mediante a qual se
aumente a participação das camadas populares no
desenvolvimento econômico e se corrijam os desníveis de
renda entre ricos e pobres, reforma da legislação sobre os
meios de comunicação (televisão, rádio e imprensa) tendo em
vista combater a sua monopolização a serviços de intervenção
estrangeira na formação das atitudes ao blico, lei contra os
abusos do capital estrangeiro, regulamentação do direito de
greve, defesa dos recursos de nosso subsolo, manutenção de
uma política internacional independente, repressão aos
privilégios dos grupos econômicos, defesa da economia
popular e do poder aquisitivo dos trabalhadores, reforma do
ensino no sentido de ajustá-lo à realidade brasileira quanto ao
conteúdo e inclusive tornando-o gratuito em todos os níveis,
moralização dos serviços públicos, cerceamento de depósitos
em bancos estrangeiros, combate ao pauperismo do Norte, do
Nordeste e de outras regiões subdesenvolvidas, combate à
inflação e aos fatores que promovem a carestia, defesa dos
interesses da Guanabara no plano do Governo Federal
(GUERREIRO RAMOS, 1962a)
Guerreiro Ramos, um deputado
Realizadas as eleições, Guerreiro Ramos não conquistou
a cadeira de deputado federal, mas conseguiu ficar como
suplente de Leonel Brizola, que foi eleito deputado com um terço
dos votos válidos no estado da Guanabara. Mas, em 26 de agosto
de 1963, após o afastamento de Brizola da Câmara de
Deputados, Guerreiro Ramos faria o seu primeiro pronunciamento
naquela casa. Seria uma trajetória particular muito curta. No dia
9 de abril de 1964, o Comando Supremo da Revolução, por meio
do Ato 4, resolveu suspender, pelo prazo de dez anos, os
Direitos Políticos de uma dezena de cidadãos brasileiros,
figurando o seu nome no qüinquagésimo terceiro lugar do rol de
cassados. No dia 14 daquele mês, ou seja, cinco dias após a
cassação de seus direitos políticos, ele faria o seu último
pronunciamento, lembrando que, desde a sua campanha eleitoral
na televisão, mantinha firme a sua pretensão primeira de fazer da
sua “carreira política uma extensão de suas atividades de
255
“professor de ciências sociais” (Sessão de 14 abr. 1964). Três dias
depois, findava a sua trajetória política, indo viver uma vida
reclusa, às escondidas e sob a proteção de amigos, até meados
do ano de 1966, quando então buscaria asilo político nos Estados
Unidos da América, por considerar que a sua integridade física e
as de seus familiares estavam profundamente ameaçadas.
Durante esse intervalo de tempo que decorreu entre a
interrupção de seu mandato e a sua retirada para o EUA,
permaneceria trancafiado em uma pequena sala na Fundação
Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, onde lecionaria a jovens
estudantes, muitos dos quais vieram a se tornar discípulos seus,
e se dedicaria à escrita de um dos mais vastos compêndios sobre
administração pública que um estudioso brasileiro ousou escrever
Administração e estratégia do desenvolvimento, que foi
publicado em 1966, já em tons de despedida do Brasil.
165
Na câmara, em geral as suas exposições possuíam um
tom professoral típico. Os recursos a autores, as citações, a
alusão a fatos da história mundial e nacional, tudo isso fornecia a
seus discursos a ponderação e o viés fortemente acadêmico.
Certa feita, quando discursava sobre o “prevalecimento da
desmedida na vida brasileira”, desmedida esta tanto por parte da
esquerda quanto da direita, referenciava a Wrigth Mills, a Shirer, a
George Santayana, a Thomas Münzer e a Engels, quando foi
interrompido por um colega, em aparte, que o alertou para a
omissão do nome de Krutchev, relativamente à questão
abordada. Guerreiro Ramos, então, retomando a palavra, disse:
165
Disse Guerreiro em entrevista: Quando eu fui cassado, fiquei um s e
meio em Brasília, com medo de voltar para o Rio de Janeiro, porque estavam
interceptando os automóveis na estrada. Eu não quis me expor a isso e
vim depois. Estava saltando no Santos Dumond [Aeroporto do Rio de
Janeiro], quando o Simões Lopes se encontrou comigo e me disse: ‘eu vi nos
jornais que você está...Você vai à Fundação [Getúlio Vargas] amanhã?’
quando cheguei aqui [na Fundação], ele disse: ‘tem aqui um grant da
[Fundação] Ford para você. Tem uma sala para você aí’. Eu estava no mato
sem cachorro, não tinha dinheiro, não tinha nada. Deu-me um grant da Ford
em dólares, com o qual eu escrevi aquele livro Administração e estratégia do
desenvolvimento...” (1985, p. 21.)
256
“V. Exa. tem plena razão. Mas devo dizer que não estou fazendo
um discurso acadêmico.” (249ª Sessão, 25 nov. 1963)
Este foi apenas um dos episódios que freqüentemente se
repetia. O mote de intelectual catedrático não o abandonou,
nunca, e ele próprio se preocupava em reforçá-lo, quando, por
exemplo, reclamava a necessidade de os partidos possuírem,
entre seus líderes, pessoas que soubessem formular, em termos
de teoria, uma idéia, uma opinião, uma solução, uma atitude, ou
um acordo interpartidário. Neste sentido, o próprio sociólogo
mostrava-se sempre preocupado em “conceituar as posições do
PTB”, de forma a fornecer ao partido e ao eleitorado a clareza das
posições deste.
166
Os comentaristas políticos, também,
mantinham expectativas desse tipo de comportamento.
No total, foram 71 vezes que o deputado Guerreiro
Ramos subiu à tribuna. Cinco delas foram feitas com o intuito de
apresentar projetos, os quais foram: um primeiro, dispondo sobre
o processamento e averbação de licenças de patentes de
invenção, no Departamento Nacional da Propriedade Industrial”
(138ª Sessão, 26 ago. 1963); um segundo, sobre o “exercício da
profissão de técnico da administração (149ª Sessão, 04 set.
1963); um terceiro, visava alterar o Anexo I da Lei 3.780/60”
(Sessão de 25 set. 1963); um quarto, “projeto de emenda
constitucional que torna obrigatória a apresentação do Plano
Qüinqüenal pelo Presidente da república, até 180 dias após a
posse” (10ª Sessão, 22 jan. 1964); e, um quinto, que declarava
“livres as convenções sobre juros compensatórios celebradas por
instituições bancárias oficiais” e fixava regras para contagem de
juros de mora e a aplicação de penas convencionais” (249ª
166
Foi neste sentido que Guerreiro Ramos, a pedido dos membros da executiva
do PTB e a fim de evitar “desnaturações” dos princípios por que se orientava
aquele partido, redigiu, em setembro de 1962, os cinco princípios do
trabalhismo “ptbista”, que foram divulgados na imprensa e publicados em
seu livro Mito e verdade da revolução brasileira (1963, p. 217-218).
257
Sessão, 25 nov. 1963; 252ª Sessão, 27 nov. 1963; Sessão, 16
jan. 1964). Os outros seus pronunciamentos versaram sobre um
conjunto variado de temas como, por exemplo: reforma agrária,
profissionalização do serviço público, greve de trabalhadores (6ª
Sessão, 16 jan. 1964), soberania nacional da programação
econômica, situação da formação do mercado interno brasileiro,
governo da Guanabara (11ª Sessão, 23 jan. 1964), o papel da
Organização das Nações Unidas e a unificação do mundo,
socialismo, trabalhismo, desmentidos em geral sobre o seu
mandato e a sua posição, transpartidarismo (269ª, 09 dez. 1963),
legalização do Partido Comunista, crise política internacional
167
,
aumento salarial automático (Sessão de 30 nov. 1963; 263 ª
Sessão, 4 dez. 1963; 278ª Sessão, 13 dez. 1963), etc. À parte
estas temáticas, tem razão Pizza Jr., quando este afirma que, nos
discursos proferidos pelo sociólogo-deputado, o Brasil foi, de
longe, o principal tema, a preocupação fundamental em suas
falas parlamentares.
168
Neste sentido, todos os pleitos feitos por
Guerreiro Ramos na Câmara guardavam relação com as suas
preocupações anteriores e com os seus compromissos de
campanha, muito embora seja possível perceber um enfoque
maior sobre determinadas questões, como as que a seguir serão
destacadas.
A Reforma Agrária, defesa primordial para o PTB à
época, foi por três vezes objeto de intenso discurso na câmara
(Sessão de 29 ago. 1963; Sessão de 10 set. 1963). Posta pelo
sociólogo dentro do quadro analítico faseológico da sociedade
brasileira, preocupou-se ele em apontar para as singularidades
nacionais do problema agrário (DIÁRIO DO CONGRESSO
167
Sobre o Panamá e os Estados Unidos (4ª sessão, 14 jan. 1964); da URSS (5ª
sessão, 15 jan. 1964); situação do comunismo italiano e iugoslavo (7ª
sessão, 17. jan. 1964).
168
Essas análises se procediam em matizes econômicas, políticas, sociais e
culturais. No entanto, as questões políticas e econômicas eram mais
freqüentes.
258
NACIONAL, 11 set. 1963, p. 11-13), ressaltando sempre que tal
problema se revelava de modo mais nítido quando analisado à luz
do “caráter geral da história econômica do Brasil” e de sua
“etapa de industrialização (Idem, p. 12), bem como da crise do
poder (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 30 ago. 1963, p. 5979-
5980) pela qual passava o País. era o momento, afirmava ele
reforçando a sua atitude contra o academicismo e favorável ao
engajamento do profissional da sociologia com a realidade, de
retirar o problema da reforma agrária do âmbito dos debates
acadêmicos” (Idem, p. 5979), de “por um fim aos debates
estéreis” (Idem, p. 5980) e, assim, “iniciar o processo político de
efetivação da reforma agrária” (Idem, p. 5979). não era mais
admissível, segundo pensava, qualquer forma de “escamoteação
(Idem, p. 5980) do problema, pois que o país inteiro está
convicto de que é inadiável uma reforma agrária, e nós [o PTB],
como uma parcela do povo, e parcela eminente do povo, não
podemos postergar mais a solução deste ingente problema tão
reclamado pela Nação.” (Idem, p. 5979) Para além mesmo dos
reclamos do povo, a reforma agrária, de acordo com a análise do
orador, era uma “imposição estrutural”, pois guardava relação
com a “sobrevivência”, a “continuidade do desenvolvimento
econômico brasileiro (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 11set.
1963, p. 12). Contudo, a propositura de reforma apresentada pela
bancada do PTB estava encontrando obstáculos, os quais
Guerreiro Ramos qualificou de “interpretação conspirativa” (Idem,
p. 1963), isso porque tal projeto estava a propor, por um lado, a
“desapropriação por interesses social, com indenização por títulos
da dívida pública” (Idem Ibidem) e, por outro, um “sistema de
prêmios e castigos”, que se aplicaria, de modo punitivo, ao
“latifundiário que resiste à modernização do nosso sistema
econômico (Idem, p. 13), e, de maneira positiva, àqueles que
estariam “dispostos a converter as suas propriedades ao novo
259
compasso da história econômica brasileira.” (Idem Ibidem)
O destaque que Guerreiro Ramos conferiu à
Organização das Nações Unidas (ONU), em razão de seu
aniversário de criação, recebeu atenção por parte de alguns
jornais da época.
169
O fato não era estranho, haja vista que, em
geral, os discursos do deputado viravam notícias na impressa
nacional. Ademais, a ONU representava, para muitos que
estavam envolvidos com os ideais nacionalistas, assim como para
o nosso deputado, o lugar concreto em que os povos periféricos
se apresentavam como vozes ativas e como os agentes principais
de um processo de universalização descentrada do mundo, pois
que se verificavam os encontros de “todos os governos
independentes, sem discriminação e, também, “uma
modificação na balança do poder de tal modo que as nações
subdesenvolvidas constituem o fiel da balança na discussão de
qualquer assunto”, afirmando, portanto, a “igualdade jurídica dos
governos” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 25 out. 1963, p.
14). A partir da instauração desses Parlamento de Povos, o
mundo começou a adquirir consciência política da pluralidade e
da unificação possível e necessária. Relativamente aos países
periféricos, a ONU apresentava-se, sobretudo, como uma espécie
de “armadura de defesa” de seus interesses, porque vinha sendo
exatamente sob a sua tutela que tais “poderão manter e
sustentar uma política interna independente e uma política
externa independente.” (Idem, p. 15)
O Brasil vinha obtendo um destaque expressivo, nesse
âmbito de discussões políticas, e o deputado Guerreiro Ramos fez
questão de ressaltar as contribuições principais do Brasil às
Nações Unidas, no que se refere a solucionar alguns problemas
do mundo. Três foram os realces: a participação brasileira na
169
Ver, por exemplo, a notícia “Aplaudida atuação do Brasil na ONU”, publicada
pelo jornal carioca Correio da Man, em 5 nov. 1963.
260
Comissão de Desarmamento (1953), a colaboração na criação da
Organização Internacional de Comércio (1963) e o projeto sobre
O papel das patentes na transferência da tecnologia para países
subdesenvolvidos”
170
, do qual o próprio Guerreiro Ramos, então
na condição de Delegado do Brasil na XVI Assembléia Geral da
ONU, foi o principal elaborador (DIÁRIO DO CONGRESSO
NACIONAL, 25 out. 1963, p. 14-15). Além disso, o deputado
abordou o que seria um dos principais objetivos a ser perseguido
pela Organização das Nações Unidas, baseando-se em um
argumento do qual ele se valeria futuramente, de modo mais
aprofundado, quando da escrita de A nova ciência das
Organizações. Vejamos:
... a ONU é uma entidade que realiza continuamente um
esforço de mundialização, de mundialização do direito, da
política, da economia, porque, do ponto de vista econômico, a
humanidade, como um todo, tem todos os recursos
necessários para erradicar a miséria da face da terra. Todavia,
estes recursos físicos e técnicos não estão distribuídos
equilibradamente entre os vários países. Estão concentrados
em determinados pontos privilegiados da terra e a
Organização das nações Unidas tem a consciência deste alvo
fundamental, que é uma entidade que nas perspectivas de um
país como o Brasil merece o nosso apoio. Porque apoiamos
esta organização dando-lhe cobertura, é que o Brasil como
outros novos subdesenvolvidos e com a aliança dos novos
desenvolvidos, todos esses povos, poderão vir fazer com que
a guerra desapareça da História e a miséria desapareça da
terra (Idem, p. 15).
Um dos picos mais recorrentes nos discursos
parlamentares de Guerreiro Ramos diz respeito às suas críticas à
esquerda e à direita
171
, as quais ele deferia com bastante
170
Consta como Apêndice VI do livro A Redução Sociológica. O tema das
patentes também foi abordado em um discurso em que elogiava a criação do
Grupo Executivo da Indústria Farmacêutica, que tinha como um dos seus
principais objetivos “promover a substituição de importações no plano das
matérias-primas destinadas à fabricação de remédios”, em um claro
movimento de nacionalização da indústria. (DIÁRIO DO CONGRESSO
NACIONAL, 23 out. 1963, p. 8103).
171
Guerreiro Ramos, que se considerava um homem de esquerda, mas não
ideologicamente determinado, acreditava que era um homem perseguido,
tanto pela direita quanto pela “esquerda”. Levou a questão várias vezes à
plenária, em seus discursos (ver, por exemplo: 269ª sessão, 9 dez. 1963), e a
261
agudeza, firmando uma posição que se manifestava em sua
juventude. Diversas foram as vezes em que, da tribuna,
condenou o servilismo da esquerda e o entreguismo da direita.
Certa feita, afirmou que a vida política brasileira vinha sendo
conduzida, por “lideranças teleguiadas”, a
dois falsos dilemas: de um lado, uma pequena direita lúcida
de [Ivan] Hasslocher, de [Carlos] Lacerda, de homens que
querem fazer deste País um país de ianques de segunda mão,
e do outro lado, uma esquerda extremada, de ledores de
vulgatas soviéticas, cubanas e chinesas, que querem fazer
deste País um país de cubanos, de russos, de chineses de
segunda mão (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 03 out.
1963, p. 7358)
Somente um “movimento de saneamento ideológico
poderia fazer efeito contra a lesão psíquica provocada pela
falsidade ideológica a que se estava exposto; somente uma
medida desse caráter para restituir o processo brasileiro aos
seus devidos termos, porque a vida brasileira o pode continuar
a ficar subordinada a posições teleguiadas de direita ou esquerda
e tem que seguir seu curso normal” (Idem Ibidem). Neste sentido,
tanto a direita quanto a esquerda representavam, para Guerreiro
Ramos, formas de “internacionalização
172
, sendo seus ícones,
pela direita, a Governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, pela
esquerda, os “esquerdeiros”, representantes do Partido
Comunista Brasileiro.
173
As críticas a ambas ecoaram diversas
blico, em seus livros (1960a; 1961; 1963).
172
Essa “internacionalização” possuía dois aspectos: o primeiro, relativo à ação
estrangeira, principalmente Norte-Americana, nos negócios nacionais; a
segunda, a mais delicada de ser percebida, segundo o autor, dizia respeito à
“domesticação da inteligência do nosso processo histórico-social, em sua
presente etapa. [...] Na extrema direita, institutos de pesquisa e estudos,
jornais, revistas, editoras, estações de rádio e televisão, dependentes de
financiamento externo, são mobilizados para impingir diagnósticos de nossas
dificuldades, à feição de interesses alienígenas. No domínio da esquerda
campeiam categorias e pontos de vista, se não mortos, em avançada
senilidade, como o marxismo-leninismo, ora na versão soviética, ora na
versão chinesa, à versão cubana.” (GUERREIRO RAMOS, 1963, p. 175-176)
173
Em matéria divulgada em O Globo, assim foi retratada uma dessa críticas e
Guerreiro Ramos ao Partido Comunista: os ‘esquerdeiros’, no Brasil,
constituem um bando de lobos ou de paquidermes que, liderados pelo
Partido Comunista, pensam em ro, sentem em côro, querem em côro. O
262
vezes nos livros de nosso autor, e estas talvez sejam, como disse
José Saraiva Cruz, a causa de seu desaparecimento “dos
currículos disciplinares e das leituras da cátedra”, bem como das
opiniões “pejorativas” que dele se tem, ao situá-lo do lado “dos
‘autoritários’, dos ‘populistas’ ou daqueles metodologicamente
‘pouco minuciosos’.” (CRUZ, 2005, p. 127-128) (grifos no original)
Pizza Jr. afirma que as críticas de Guerreiro Ramos
dirigidas às esquerdas podem ser entendidas de dois modos: no
primeiro, devido à sua firme crença que lhes faltava “consistência
conceitual”, por isso exacerbavam em “chavões panfletários,
patrulhamento ideológico e proliferação de palavras de ordem”,
no segundo, porque o sociólogo acreditava que também havia ali
oportunismo pessoal” por parte dos “esquerdeiros” (PIZZA Jr.,
1997, p. 25). Em todo caso, tratava-se, para o Deputado da
Guanabara, de dois aspectos de um único e mesmo processo, o
processo de invalidação e negação da emancipação do povo
brasileiro, e, conseqüentemente, da Nação. Eis, talvez, o
elemento de fundo que perpassou a todas as críticas formuladas
por Guerreiro Ramos ao marxismo: uma preocupação com o
Brasil, acima de tudo.
174
Por fim, resta dizer que A redução sociológica foi a obra
que, de modo subliminar, esteve presente em quase todos os
seus pronunciamentos na Câmara de Deputados. Todas as
temáticas ali abordadas, o foram sob a perspectiva redutora;
todas as ações ali encaminhadas, o foram à luz da redução.
Partido comunista é uma agência de ‘dopagem da consciência e da
inteligência dos ‘esquerdeiros’”. (O GLOBO, 7 nov. 1963, p. 12.)
174
Vejamos o seu depoimento, mais uma vez: “essa marcação que eu tenho
com o marxismo, no fundo é uma preocupação cretina pelo Brasil. Acho que
o marxismo é a maior desgraça na história do pensamento brasileiro. [...] As
pessoas ficam aprisionadas. Os jovens mais inteligentes que eu conheci
destroem-se nesse negócio. Depois não podem sair. Daí a minha irritação
com o negócio do marxismo. Quase todo artigo eu arranjo um meio de
derrubar. Talvez seja contraproducente, mas essa escravidão é um negócio
que mepena...” (GUERREIRO RAMOS, 1985, p. 48).
263
C a p í t u l o 1 3
Homem Parentético e a abordagem
antropológica de Guerreiro Ramos para as
ciências sociais
Em 1958, quando foi publicado pela primeira vez, o livro
A redução sociológica não apresentava uma idéia acurada dos
significados que o sociólogo santo-amarense Alberto Guerreiro
Ramos viria atribuir ao termo redução sociológica. Na verdade,
por ter sido escrito em uma época em que o autor se encontrava
em pleno engajamento intelectual com o Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB), com a docência no curso de
administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e iniciando o seu
namoro com a política partidária, a edição de 1958 não
correspondia ao projeto original pensado por Guerreiro Ramos,
tendo sido apenas um projeto incipiente de suas proposituras
acadêmicas.
175
Além disso, é interessante destacarmos que o
anseio do autor por elaborar um método que pudesse auxiliar os
sociólogos a capturarem a razão sociológica da realidade
imediata a que estavam expostos a realidade nacional –, e que,
portanto, os permitisse proceder de modo crítico-assimilativo em
relação a todas as formas de conhecimento e de experiências
175
Nelson Mello e Souza trabalhava junto com o nosso sociólogo quando da
escrita de A Redução Sociológica. Sobre o livro, disse ele : “...Conversávamos
muito sobre isso [o livro] e quando o projeto ficou pronto, sugeri ao Guerreiro
que tal como estava tratava-se de projeto embrionário. [...] Achava a tese
muito interessante e fecunda. Merecia de Guerreiro um tratamento mais
calmo. Sem pressa de publicação. Mas não foi possível. Naquela época,
Guerreiro vivia atividade política intensa. Acumulava o magistério na
Fundação Getúlio Vargas, que era apenas magistério, com o magistério e
ação política no ISEB, que não era apenas magistério, mas principalmente
ação política, e ação política intensa [...]. Não tinha realmente muito tempo.
Numa conversa que tivemos, pois sempre insistia na necessidade de melhor
elaboração, indicou-me que mais tarde iria retomar esse tema, com mais
calma, quando pudesse dispor do tempo necessário a um trabalho de maior
fôlego, reunindo todas as dimensões teóricas propostas em A redução
sociológica e que estavam, de certa forma, apenas projetadas, toscamente, a
nível de embrião.” (MELLO e SOUZA, 1983, p. 32-33). (grifos nossos)
264
estranhas àquela realidade, o levou a se concentrar, a princípio,
em apenas uma das facetas conceituais do termo, qual seja, a da
(i) redução enquanto método de assimilação crítica da
produção sociológica estrangeira. Foi necessária, no entanto,
uma segunda edição do livro, publicada em 1965, para que o
sociólogo revelasse os três “sentidos básicos” com os quais o
termo redução sociológica era identificado, acrescentando, assim,
ao primeiro sentido, outros dois, até então implícitos em seus
trabalhos anteriormente realizados: (ii) a redução como atitude
parentética e (iii) como proposta de uma nova ciência social,
esta de caráter marcadamente pluralístico (GUERREIRO RAMOS,
1996, p. 11).
Contudo, apesar de trazer esclarecimentos sobre os três
sentidos do termo, esta segunda edição de A redução Sociológica
apontava para estudos in limine, não fornecendo, assim, o
necessário para que se pudesse compreender o itinerário dos
trabalhos do sociólogo, a partir daquele momento pós-cassação,
onde tudo lhe parecia incerto. Somente mais tarde, em 1981,
quando da publicação de seu último livro em vida, A nova ciência
das organizações, escrito em inglês e traduzido para o português,
que Guerreiro Ramos apresentaria a seus compatrícios, em
prefácio à edição brasileira, o seu percurso intelectual, à luz do
triplo significado da redução, desde 1951 até aquela data. De
acordo com a sua explicação: ao primeiro sentido do termo
atrelou-se o seu livro de 1958, ao segundo, Mito e Verdade da
Revolução Brasileira (1963) e Models of man and administrative
theory (1972a), e ao terceiro sentido, Situação atual da
sociologia, apêndice primeiro da segunda edição de A Redução
Sociológica (1996), Administração e Estratégia do
desenvolvimento (1966), Modernization: towards a possibility
model (1970c) e a própria obra A Nova Ciência das Organizações
(1981).
265
Com o objetivo de melhor expressar o sentido de redução
sociológica como “atitude parentética”, Guerreiro Ramos cunhou
a categoria de Homem Parentético, e com ela procurou retirar
as conseqüências do que podemos considerar como sendo suas
reflexões antropológicas mais substantivas, pois que ampliaram
seus estudos juvenis sobre o tema, que, como vimos, fortemente
influenciados por intelectuais da França, como Jacques Maritain,
Leon Bloy, Charles Péguy, Nicolas Berdyaev, Emmanuel Mounier,
entre outros, centraram-se na noção de pessoa humana. Esta
transcursão intelectual e valorativa em sua trajetória intelectual –
que implicou o abandona da categoria de pessoa humana e a
adoção da de homem parentético decorreu de uma propositura
que desde a juventude lhe acompanhava, qual seja, a de
contribuir para a elaboração de um novo humanismo (1937a;
1939). Neste sentido, a categoria de homem parentético afigura-
se-nos como o arremate dessa inquirição humanística.
Em verdade, foi a partir de uma perspectiva
antropológica que Guerreiro Ramos ousou articular a sua
proposta de ciência social, tal como expressa em seu último livro.
Apesar de sua relevância, a antropologia do guerreiro
176
é
uma faceta de sua obra totalmente inexplorada, no bojo dos
trabalhos que até os nossos dias se dedicaram à análise de suas
idéias, o que constitui um grande obstáculo para que se possa
compreender, de modo adequado, a contribuição do pensamento
do autor. Neste capítulo procuraremos retirá-la de seu
esquecimento e reclamar a posição privilegiada que a mesma
merece ter, no que se refere à teoria crítica do social que o nosso
176
Aqui, o estamos utilizando o termo antropologia em seu sentido
disciplinar, mais sim em seu sentido amplo, ou seja, como conhecimento que
se têm do homem, em várias de sua vertente, como, por exemplo, cultural,
psicológica, filosófica, lingüística, etc. Também nos parece possível a
utilização do termo antropoteoria, de A. Diemer (1978 apud VAZ, 2001, p. II),
significando o estudo das imagens de homens difundidas nas culturas e nas
ciências. No caso de Guerreiro Ramos, os seus estudos estiveram voltados,
principalmente, para a imagem de homem subjacente às ciências sociais.
266
sociólogo procurou elaborar.
A conceptualização do Homem Parentético
Em Mito e verdade da revolução brasileira (1963)
Guerreiro Ramos procurou, pela primeira vez, sistematizar a sua
própria concepção de homem, afastando-se, assim, da categoria
cristã de pessoa humana, sem que isso viesse a implicar em uma
ruptura com alguns preceitos cristãos, como, por exemplo, o de
auto-realização.
177
No capítulo intitulado Homem-Organização e
Homem-Parentético”, um duplo esforço nos parece claro. Visando
especulações no campo da teoria revolucionária, o autor, à época
no exercício do mandato de deputado, procurou (a) concatenar
esforços, a partir de reflexões dispersas na filosofia e nas ciências
sociais, que pudessem levar ao entendimento da natureza da
organização e de seus efeitos sobre a conduta humana e (b)
apresentar a atitude parentética como uma capacidade
psicológica que habilitaria as pessoas a resistir às mazelas que as
organizações podem acarretar sobre o comportamento e a
psicologia humana.
178
Para elaborar esse capítulo sobre o Homem Parentético,
177
A realização é categoria-chave da antropologia filosófica, tal como nos
informa Henrique Vaz (1992; 2001), e destaca o papel da razão no processo
de realização da vida humana” e a síntese dialética que o homem procura
realizar, em si, entre essência e existência (1992, p. 162). Realizando-se, o
homem também atualiza a sua natureza. Neste sentido, estamos tomando
como sinônimos os termos realização e atualização.
178
O termo organização, aqui, ainda não tem o sentido ampliado que Guerreiro
Ramos lhe dará em A nova ciência das organizações, podendo ser entendida
no sentido que o estamos apresentando, qual seja, organização formal,
burocrática em strictu sensu. Ademais, vale lembrar que essa discussão do
autor tem como pano de fundo as questões ideológico-partidárias, a
dominação dos partidos sobre os seus membros e suas desavenças pessoais
com alguns políticos e intelectuais. Este talvez seja um dos motivos que o
tenha motivado a elaborar a categoria de Homem Parentético. Contudo,
convém dizer que a preocupação do autor com o domínio político dos
partidos sobre os indivíduos se fazia notar desde 1946, quando então ele
realizou os seus estudos sobre a sociologia do conhecimento, publicando
uma rie de trabalhos sobre o tema, em especial sobre a sociologia de Karl
Mannheim e Max Weber, em jornais e na Revista do Serviço Público, editada
pelo DASP (GUERREIRO RAMOS, 1946g; 1946e; 1946h).
267
o sociólogo partiu da constatação de um fato social concreto,
sobre o qual urgia a tomada de consciência crítica: o fenômeno
social da organização formal
179
. Muito embora o papel que as
organizações formais vinham desempenhando no bojo da vida
social e individual estivesse patente à maioria das pessoas, as
reflexões sistemáticas sobre elas eram ainda recentes e
dispersas, e uma análise adequada desse papel e de suas
implicações para o Homem contemporâneo se fazia necessária.
Guerreiro Ramos chamava a atenção para este detalhe. Para ele,
era significativo o fato de as organizações terem assumido papéis
fundamentais e sem precedente no curso da história da
humanidade. O fato estava a merecer mais atenção por parte dos
cientistas sociais, que, contemporaneamente, certos aspectos
da vida humana individual e associada somente poderiam ser
esclarecidos caso fossem enfocados do ponto de vista da
organização. Segundo o autor, seria muita ingenuidade, por
exemplo, qualquer formulação analítica da práxis humana que
não contemplasse esse novo domínio do social, a organização
formal, bem como seria acriançada uma discussão sobre
revolução
180
, sem que se tivesse uma clara noção dos efeitos das
organizações sobre as condutas das pessoas, principalmente
aqueles provocados pelas organizações partidárias.
Realmente, havia uma grande quantidade de estudos
que apontava para o fato de que estávamos vivendo num
contexto social no qual as organizações formais, principalmente
as de caráter econômico, exerciam um papel importantíssimo no
processo de socialização dos indivíduos.
181
Este tipo de
179
Este fato é um marco, pois que assinala um dos primeiros esforços
intelectuais de um pensador brasileiro em uma área do conhecimento
administrativo que hoje denominada de estudos críticos em administração.
Nestes termos, podemos dizer que Guerreiro Ramos foi um pioneiro.
180
Não esqueçamos que o livro Mito e verdade.... foi escrito na véspera da
revolução de 1964.
181
A onipresença das organizações formais na tessitura social vinha sendo
denunciada por vários autores, desde a década de 50, entre os quais
podemos destacar C. Wright Mills (1951), Robert Presthus (1962), David
268
organização se fazia sentir em muitas sociedades, nas
sociedades industriais com mais destaque, e, para dizermos com
Kirkpatrick Sale (1980), tal acontecimento possuía grandes
implicações éticas e morais, uma vez que alguns pressupostos
organizacionais postavam-se contra certas questões humanas
fundamentais, como a liberdade e a criatividade, por exemplo, e
que, se plenamente aceitos, poderiam solapar o afã humanista
que toma o Homem como fim. Por isso, o sociólogo baiano
afirmava ser urgente tomar consciência dos efeitos da
organização formal “sobre a vida humana”, pois compreender
tais efeitos, compreender a natureza organizacional, tornaria a
existência humana livre de boa parte das “servidões” que elas
causavam aos homens, individualmente e em conjunto
(GUERREIRO RAMOS, 1963, p. 147).
Neste sentido, adquirir consciência crítica, em nível
coletivo, do fenômeno e da natureza organizacional, permitiria,
aos olhos de nosso autor, o ingresso da humanidade em uma
nova fase de seu processo de estruturação da vida humana
associada, ao mesmo tempo em que traria, para as esferas da
consciência e da conduta humana, reflexos significativos, pois a
urgente necessidade que os homens tinham de posicionarem-se
de modo lúcido e ativo frente às organizações acrescentaria às
suas consciências uma qualidade que ainda lhes era ausente, ou
pelo menos não dominantemente: a atitude parentética (Idem,
p. 145). Inspirada na distinção feita por Edmund Husserl (1967)
entre atitude natural e atitude crítica (ou redutora), a atitude
parentética se define “pela capacidade psicológica do indivíduo
de separar-se de suas circunstâncias internas e externas”, isto é,
de pôr entre parênteses o eu e o mundo e a vivência do eu como
tal (GUERREIRO RAMOS, 1972a, p. 243). Ao proceder desta
Riesman et alli. (1953) e William Whyte (1956), dos quais Guerreiro Ramos
possuía profundo conhecimento de suas obras, além de Vance Packard
(1957).
269
maneira, o homem adquiriria consciência crítica de si e das
circunstâncias e, desta forma, ingressaria em um “plano da
existência autoconsciente”, autodeterminada, conquistando uma
“modalidade superior da existência humana” (GUERREIRO
RAMOS, 1996, p. 10-11). A atitude parentética, portanto,
demarcaria o abandono do plano existencial natural e ingênuo,
para selar uma nova fase na condição existencial do Homem,
uma fase em que ele teria “poder sobre si mesmo e sobre as
circunstâncias” (GUERREIRO RAMOS, 1963, p. 145), estando apto
para promover o seu ajustamento ativo “à sociedade e ao
universo (Idem Ibidem).
Diante do exposto, não temos dúvidas de que a atitude
parentética teria, no pensamento de Guerreiro Ramos, um papel
fundamental no processo de emancipação humana.
182
Note-se,
assim, que a atitude parentética colocava razão e a liberdade no
centro da articulação do Homem com mundo, não exatamente
em termos metafísicos ou conceituais, mas, antes, como uma
questão concreta, de práxis, uma vez que implicava a
“descoberta e instauração de novas formas de organização”,
dando ensejo, segundo o autor, a “possibilidades de existência
humana superior” (Idem, p. 169).
Rumo à elaboração de uma abordagem antropológica para
as ciências sociais
Após a escrita do capítulo Homem-Organização e
Homem-Parentético”, seria durante o período de 1969 a 1972 que
o autor se voltaria, de modo mais intenso, aos estudos sobre o
182
Esta interpretação sobre o pensamento de Guerreiro Ramos diverge da de
Christina Andrews (2000), segundo a qual a noção de razão substantiva
acolhida por Guerreiro Ramos toma “bondade” como um a priori, o que,
segundo a autora, “congela” o “processo de renovação do conhecimento”,
este “essencial para a emancipação.” (ANDREWS, 2000, p. 254). O assunto
merece maior desenvolvimento. Mas este não nos parece o lugar mais
propício para a discussão. Por ora, basta apenas afirmamos que faltou a
Andrews uma melhor compreensão da antropologia que subjaz ao
pensamento de Guerreiro Ramos.
270
Homem Parentético.
183
Era sua intenção publicar um livro que se
intitularia The Parenthetical Man, no qual apresentaria, além de
sua “abordagem parentética”, “as principais imagens de homem
assumidas nas diferentes fases históricas da evolução da ciência
social” o Homem operacional, o Homem reativo e o
Homem Parentético (GUERREIRO RAMOS, 1969, p. 13).
184
Muito
embora o projeto do livro tenha sido abortado por Guerreiro
Ramos
185
, é particularmente significativo um conjunto de
trabalhos em que ele se dedicou a examinar o tema: The
parenthetical trip (I) (1969), The parenthetical trip (II) (1970a),
The parenthetical trip (IIII) (1970b), The parenthetical man (an
anthropological approach to organization design) (1971a),
Beyond alienation (work and the psuchohistory of the future)
(1971b), The parenthetical man (1971c), Models of man and
administrative theory (1972a) e The parenthetical diagraph
(1972b).
Face ao que foi escrito em Mito e verdade da revolução
brasileira, o grau de elaboração e aprofundamento que Guerreiro
Ramos imprimiu aos trabalhos logo acima mencionados é digno
de destaque. Vale lembrar que nesse período houve uma
mudança na condição vivencial do autor. Enquanto o livro foi
escrito em meio a um conjunto de atribulações pessoais por que
passou no Brasil sua militância política, a cassação de seu
mandato de deputado e o seu confinamento a uma pequena sala
na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, sob constantes
ameaças de prisão e tortura –, os outros textos, por sua vez,
foram escritos em um ambiente acadêmico mais propício ao
183
Disse ele em um dos primeiros trabalhos em que resgatou a noção de
Homem Parentético: “[...] eu nunca havia tido a oportunidade de me dedicar
sistematicamente a esse assunto em qualquer um dos meus escritos
anteriores” (GUERREIRO RAMOS, 1971a, p. 1).
184
Restringindo a sua análise ao campo teórico da administração, Guerreiro
Ramos detalhou a distinção entre estes três tipos de homem em Models of
man and administrative theory (1972a).
185
Guerreiro Ramos havia previsto publicar o livro em setembro de 1973. O
motivo de sua desistência nos é desconhecido.
271
exercício intelectual, a University of Southern Califórnia (EUA),
que foi por ele considerado o “contexto ideal para desenvolver”
suas idéias, isto porque aquela universidade se localizava em um
país que passava por um momento singular de sua história,
sendo, por isso, para ele, um ambiente “extremamente
encorajador (1970a, p. 13). À parte essas vississitudes
vivenciais, os textos guardam uma preocupação de fundo: até
que ponto a sociologia, ou melhor dizendo, a ciência social
em geral estaria contribuindo para destacar o Homem
enquanto um ser autônomo?.
Para o nosso sociólogo, era imperativa a elaboração de
uma abordagem antropológica, cujas principais finalidades
seriam, por um lado, servir como parâmetro avaliativo dos
desenhos de sistemas sociais e das organizações operantes no
conjunto da tessitura social e, por outro, contribuir para que
novos sistemas sociais e organizações pudessem ser criados e
instituídos. Essa abordagem pressupunha um “modelo de homem
normativo”, cujos pressupostos sobre a natureza humana
apareceriam de modo explícito e legitimados pelas reais
necessidades humanas da época (1971a, p. 29).
Tal posição contrariava a forma como até então a ciência
social, em termos amplos, e a teoria das organizações e
administrativa, em termos específicos, vinham tratando da
questão. Em 1971, ao analisar as bases psicológicas que
forneciam sustentação às ciências sociais, Guerreiro Ramos
afirmou que a “imagem de homem” (Idem, p. 17) assumida e
estabilizada nessa ciência era mais uma ideologia disfarçada
do que efetivamente ciência (Idem, p. 29). Ora, é sabido que
parte dessa crítica vinha sendo feita pelo autor desde a cada
de 50, principalmente em razão de seus estudos sobre raça
186
,
186
Em entrevista dada a um diário carioca, em 1946, Guerreiro Ramos
manifesta a sua discordância com as teorias que para os negros
272
nos quais percebemos uma ríspida acusação à teoria social como
ideologicamente dominada, conforme fizemos notar no capítulo
11 desta tese. No entanto, a crítica guerreiriana aos fundamentos
psicológicos da ciência social institucionalizada nos meios
acadêmicos somente seria concluída no final dos anos 70, sendo
incorporada ao livro A nova ciência das organizações.
Em The parenthetical man (1971a), o sociólogo baiano
afirmou que essa falaciosa imagem de Homem subjacente à
ciência social vinha sendo cultivada desde o final do século XVIII,
quando se adotara como padrão para tal ciência uma concepção
de normalidade individual “imanente às normas ou prescrições
dos sistemas sociais” à época em operação (1971a, p. 17). Assim,
por intermédio de um processo de indução acrítico, as ciências
sociais haviam assumido um postulado que se empenhou em
considerar como indivíduo normal aquele tipo de Homem
conformado ou adequado aos quadros psicológicos normativos
dos sistemas sociais prevalecentes.
187
Assim, atendência era
tratar como anormal ou caso patológico todo indivíduo que
desse esquadro das ciências sociais se afastasse. O homo
economicus exemplificava o caso na economia, pois que este fora
tomado como sendo o típico padrão de Homem, exatamente
porque representava a qualidade humana mais adequada aos
quadros psicológicos e operacionais de uma economia de
mercado.. Neste sentido, todo comportamento humano que a
eles não correspondesse era “considerado anormal.” (Idem, p.
18)
Todavia, não era somente na disciplina econômica que as
noções de normalidade e patologia serviam para distinguir o
direcionavam suas análises, acusando-as de “falsas”. Entre os autores dessa
falsa teoria científica” são citados Gobineau, Lapouge e Rosemberg. (DIÁRIO
TRABALHISTA, 1946).
187
Em seus cursos sobre puericultura, a problemática do normal e do anormal
já estava presente (GUERREIRO RAMOS, 1944, p. 25).
273
comportamento humano normal” do “patológico e, por
conseqüência, para definir tipos humanos ou criar um modelo
típico ideal. Na sociologia, algo semelhante podia ser encontrado,
e Guerreiro Ramos procurou demonstrá-lo por meio de uma
análise detida da obra do sociólogo francês Emile Durkheim, pois
foi ele que, em tendo tomado para si o problema do normal e do
patológico, formulou para a sociologia uma definição de Homem
normal. Além disso, tal análise era importante, haja vista que as
idéias durkheimianas esboçavam uma concepção de homem que
representava o ponto de vista assumido pela ciência social em
geral, influenciando fortemente a “sociologia acadêmcia em vigor
em diversos países”, com especial destaque nos Estados Unidos
(Idem, p. 19). Neste sentido, Durkheim era um cânone e a análise
de sua sociologia serviria para Guerreiro Ramos denunciar que a
ciência social mesma estava acometida por uma espécie de
patologia da normalidade.
A critica guerreiriana a Durkheim não eram recentes. Na
verdade, elas vinham desde 1939, em parte também
influenciadas pela leitura dos não-conformistas” e de Nicolas
Berdyaev. Em Introdução à cultura, por exemplo, quando tratava
da singularidade da personalidade humana, afirmou, seguindo o
filósofo rusos, que o homem, para lograr sucesso em seu
processo de personalização, teria que se afirmar ante as as várias
formas de objetivação e socialização intentadas contra a pessoa
humana. Deste modo, rechaçando as idéias durkheimianas, o
jovem escritor afirma a impossibilidade de o homem vir a ser uma
criatura totalmente socializada:
Quando Durkheim e os sociólogos naturalistas preconizam a
coação social e admitem que a sociedade forma o homem, é
que lhes falta o senso da pessoa, não conhecem a revelação,
consideram os homens como indivíduos. Si assim fosse, si o
homem procedesse, na sociedade, como indivíduo, somente,
não deixaria de assistir certa razão a Durkheim, mas, é preciso
274
levar em conta a força an-arquica especificadora da pessoa, a
luta do princípio ontológico original e do princípio normativo
social. Não se pode estudar o homem com o mesmo método
positivo das ciências. Não se devem considerar os fatos
sociais como coisas porque o homem, agindo, procura sempre
realizar-se através dos meios sociais. (GUERREIRO RAMOS,
1939a, p. 69-70).
Anos depois, embora reconhecesse que as categorias de
solidariedade mecânica e solidariedade ornica atestavam a
grande contribuição do sociólogo francês para a compreensão do
“advento da personalidade” humana em novas bases
sociológicas
188
, Guerreiro Ramos reafirmava a sua crítica a
Durkheim, defendendo, como Berdyaev (1938) o fizera, a idéia de
que o eu autêntico é irredutível a termos e instituições sociais:
O drama da personalidade consiste em que, de um lado, ela
quer realizar uma missão, uma vocação, um destino único e,
de outro, encontra estilos sociais organizados na suposição da
identidade fundamental de todos os homens. Em nossos dias,
ainda que a sociedade procure diminuir esta fricção, tomando,
através do estado e de outras instituições, [...] a iniciativa de
ajustar os seus membros à suas exigências, a realização
singular do destino humano continua sempre problemática.
(GUERREIRO RAMOS, 1946b)
Em 1971, porém, a crítica que o sociólogo brasileiro fez
ao francês foi mais contundente, haja vista que também criticava
os postulados sobre a natureza humana que as ciências sociais
havia institucionalizado em seu corpo teórico. Assim, na avaliação
de Guerreiro Ramos, o homem normal, o homem saudável
defendido por Durkheim (1995) era, em essência, um homem
ajustado”, não confrontador, e cuja maior característica seria o
constante comportar-se de modo a alcançar um estado de
perfeita adaptação ao meio social em que vive. Submisso ao
meio, o homem durkheimiano estaria sujeito à tirania da coerção
188
Enquanto a solidariedade mecânica destacava a solidariedade por
semelhança psicológica dos indivíduos em um mesmo espaço social, a
segunda espécie de solidariedade se baseava na diferenciação dos
indivíduos, indicando, assim, o aparecimento da consciência da
individualidade.
275
social, impossibilitado de esboçar reações que, do seu próprio
ponto de vista, parecer-lhe-iam legítimas, sob pena de sofrer as
incompreensões sociais ou de ser tomado como um anormal
(GUERREIRO RAMOS, 1971a). Além disso, o sociólogo brasileiro
fez críticas a outros dois pontos: primeiro, que na sociologia
durkheimiana o “caráter coercitivo da sociedade” era
“eticamente justificado”, de tal modo que o “mais elevado nível
de desenvolvimento ético” que um indivíduo pode alcançar ocorre
quando de sua inteira conformação “às prescrições do sistema
social” (Idem, p. 21); segundo, que para Durkheim os critérios de
moralidade derivam dos sistemas sociais, ou seja, são-lhes
imanentes, o que afastava a possibilidade de a moral poder ser
apreciada “do ponto de vista da auto-realização do indivíduo
(Idem Ibidem).
Embora em parte seja injusta a crítica de Guerreiro
Ramos ao eminente sociólogo francês, o fato é que o sociólogo
brasileiro afirmou que Durkheim havia desconsiderado a
possibilidade de o meio social pudesse vir a ser avaliado segundo
as necessidades que têm os homens e as mulheres de realização
de suas potencialidades. À luz da interpretação guerreiriana,
Durkheim não cogitou em seus estudos a possibilidade de os
cientistas sociais cheguarem à conclusão de que determinada
sociedade representava, para os socius, algo não saudável, um
obstáculo às aspirações de desenvolvimento pessoal dos seus
membros. Ele, Durkheim, nunca pareceu admitir que a
especulação sobre o caráter não saudável do meio social em si
mesmo poderia ter lugar na sociologia”, afirmou Guerreiro (Idem,
p. 19).
Obviamente que Guerreiro Ramos sabia da existência de
uma outra corrente sociológica que se afastava, de maneira
significativa, das proposituras de Durkheim, como no caso
276
daquela a que se filiavam George Simmel, Max Weber e Herbert
Mead, onde se observava uma maior ênfase no indivíduo
enquanto um ser ativo, que está, constantemente, preocupado
com o sentido de suas ações e em busca de satisfazer as
necessidades de seu ego. Realmente, estes autores manifestaram
o interesse em incorporar essas preocupações do indivíduo no
corpo da teoria social. No entanto, e essa era umas das objeções
que o nosso sociólogo fazia a tal proposta, o simples fato de
pleitear o indivíduo como um ser voltado para o sentido, não
punha em foco sociológico a questão por demais urgente, para a
época, em sua opinião, qual seja, a patologia da
conformidade social (Idem, p. 21).
189
(grifos nossos)
Necessário de fazia, então, expurgar das ciências sociais os
pressupostos que legitimava o ajustamento como a conduta
humana típica para com o meio social.
É bem verdade que a acolhida à noção de conflito pela
sociologia, por exemplo, indicava-lhe novos rumos, pois não
pressupunha a necessidade de adaptação do Homem a sistemas
sociais como pretendia fazer a idéia de equilíbrio social –, ao
mesmo tempo em que poderia servir para decretar que certos
paradigmas de organização necessitavam ser superados,
exigindo, por parte dos planejadores sociais e das pessoas em
geral, o direcionamento de suas forças criativas à elaboração de
novas formas sociais, de novos espaços relacionais para o
exercício de uma existência autêntica. Em palavras do autor:
Nos dias de hoje a sociologia está expandindo
significativamente os seus horizontes. Em vez de adotar uma
visão do comportamento humano do ponto de vista das
exigências do equilíbrio social, está transformando-se em uma
189
Na opinião de Guerreiro Ramos, mesmo Talcott Parson e Ralf Dahrendorf,
dois destacados sociólogos daquele momento, o se afastavam dos
parâmetros delineados pelo sociólogo francês no final do século XIX início do
século XX, uma vez que não conseguiram escapar de uma sociologia voltada
para os processos legitimadores dos quadros normativos das instituições
vigentes (1971a).
277
visão onde nada que é humano lhe é estranho, incluindo a
resistência do indivíduo para a conformidade a quadros sociais
episódicos de equilíbrio social. O conflito é ambíguo em todos
os sistemas sociais e algumas vezes precisa ser considerado
como uma indicação que a ordem social estabelecida está
perdendo legitimidade. A sociologia o tem um
comprometimento sistemático com qualquer ordem
social estabelecida (GUERREIRO RAMOS, 1971a, p. 22-23).
(grifos nossos)
Concordando com Peter Berger (1963) na acusação de
que a sociologia, desde a sua origem, houvera insistido, desde a
sua origem, na equalização total do Homem com determinados
tipos de identidade socialmente validados, e também com Karen
Horney (1964), que se posicionava contra a normalidade super-
socializada e defendia a necessidade de se estudar a sociedade
sob a perspectiva das dificuldades psíquicas que seus arranjos
sociais e estruturais ocasionam para os indivíduos, Guerreiro
Ramos (1971a, p. 25-26) afirmava que a ciência social não
poderia ficar à parte das críticas que vinham sendo feitas à
“patologia da conformidade ou da normalidade social”. Os
estudos de psicólogos como Eric Fromm (1967), Abraham Maslow
(1968), Chris Argyris (1964), Douglas McGregor (1968), Frederick
Herzberg (1969), além dos da própria Horney, que vinham
vinham apontando para a necessidade de se articular uma
ciência do Homem que colocasse em destaque os requerimentos
fundamentais de desenvolvimento humano, reforçavam o pleito
guerreiriano por uma abordagem antropológica em ciências
sociais. Também colaborava para a questão o fato de que a
humanidade vivia, nos anos 60, a passagem de um período de
escassez de bens materiais e serviços elementares, para um
outro, de abastança. Com isso, algumas “carências
fundamentais”, que desde muito na história não permitiam ao
Homem engajar-se em picos substantivos de seu
desenvolvimento pessoal, eram agora perfeitamente possíveis de
serem superadas (GUERREIRO RAMOS, 1973, p. 393).
278
Essa transformação, no entanto, tinha como corolário o
questionamento acirrado da legitimidade de boa parte dos
sistemas sociais e das organizações em vigor, que, por
serem considerados pelo autor como anacrônicos, frente aos
novos requerimentos de desenvolvimento humano e social,
enfrentavam uma verdadeira “crise de legitimidade” (Idem, p.
402). Do modo como se apresentavam (e ainda hoje se
apresentam), as organizações formais e os sistemas sociais
pareciam, na visão de Guerreiro Ramos, verdadeiras “prisões”,
ou, quando muito, “um requinte da relação senhor-escravo
(Idem, p. 395). A “socialização repressiva” aplicada aos seus
membros ocasionava “altos custos psicológicos”, e os reflexos
disso podiam ser tanto de nível pessoal, quanto social (Idem, p.
395-396). Assim, para o nosso sociólogo:
...as atuais organizações e burocracias blicas foram
concebidas para serem eficazes em complexos de carência. E,
de fato, elas provaram ser muito bem-sucedidas, mas no
exato momento em que, por causa de sua eficiência,
atingiram suas finalidades, não se fazem mais necessárias. Os
emergentes valores de abastança as tornam intoleráveis, e se
caso não mudarem ou forem substituídas por estruturas sócio-
técnicas mais adaptáveis, os problemas humanos presente
irão alcançar níveis críticos (Idem, p. 395-396).
As ciências sociais e, principalmente, a teoria de
organização, deveriam, na visão de Guerreiro Ramos,
“subordinar-se a uma teoria do desenvolvimento humano”, que
teria como um dos seus principais pressupostos a noção de
“personalidade sadia” (Idem, p. 398). Aos cientistas sociais,
portanto, caberia “a tarefa de arquitetar contra-sistemas em
consonância com as novas imagens do futuro (Idem, p. 399).
Neste sentido, era fundamental a elaboração de critérios
normativos com o intuito de “analisar os sistemas sociais e
organizacionais” em operação. Em razão do momento de
transição pelo qual a humanidade estava passando, tais critérios
279
não podiam ser encontrados nos precários e questionáveis
sistemas sociais em vigor, muitos deles, como frisado acima,
totalmente sem legitimidade, do ponto de vista de
desenvolvimento humano, para continuarem existindo.
Em consonância com todas as observações acima feitas,
Guerreiro Ramos procurou expor os postulados de sua abordagem
antropológica nos seguintes termos:
(1) que um entendimento sistemático da natureza humana ou
das necessidades básicas do homem é uma condição sine
qua non para uma crítica significativa dos sistemas sociais em
níveis macro e micro; (2) que os desenhos dos sistemas
sociais em níveis macro e micro devem ter como fim último a
realização das potencialidades humanas; (3) que o
desenvolvimento do homem nunca tem fim; (4) que, do ponto
de vista do desenvolvimento humano, a legitimidade de
qualquer sistema social é sempre precária; (5) que qualquer
sistema social é inviável, caso a sua funcionalidade requeira o
sacrifício da criatividade humana; e (6) que se uma ciência do
homem é possível, esta ciência, necessariamente, terá que
transcender aos critérios normativos imanentes a qualquer
sistema social existente (GUERREIRO RAMOS, 1971a, p. 9-10).
(grifos nossos)
Homem Parentético, um modelo de homem
O modelo parentético de homem representa o cerne da
propositura antropológica guerreiriana. Antes, porém, de
estabelecê-lo como um modelo analítico do estágio de
desenvolvimento da ciência social e administrativa, o autor
passou em revista diversos estudos que também procuravam
apresentar seus modelos de homem.
A fim de organizar esses
trabalhos, ele assim os categorizou: (1) modelos de homens
originados de estudos preocupados com as condições
patológicas do homem contemporâneo, entre os quais
estavam os tipos psicológicos de David Riesman (tradiction-
orientedness, inner-orientedness, other-orientedness), o citado
homem organizacional de Willian Whyte, os três tipos de Homem
280
de Robert Presthus (Upward mmbiles, Ambivalents e Indifferents),
o homem-unidimensional de Herbert Marcuse, o homem reativo
de Hurbert Bonner, o homem encapsulado proposto por Joseph
Royce e os tipos de Homem de Charles Reich (man of
consciousness I and consciousness II); (2) modelos de homem
formulados a partir de um ponto de vista descritivo, como
nos casos do homo sociologicus de Ralf Dahrendorf, do homem
tecnológico de Victor Ferkiss, do histrionic man proposto por
Goffman, do homem falível de Paul Ricoeur, do homem global de
Marshall McLuhan, do homem modular de Alvin Toffler, entre
outros; e (3) os modelos de homem normativos, tais quais as
proposituras de homem psicológico de Philip Rieff, o homem não-
ajustável de Viereck, o homem autônomo de Reisman, o homem
transparente de Jourard, o homem auto-atualizador de Maslow, o
homem fenomenológico de Garfinkel, o homem transcendente de
Victor Frankel, assim como alguns outros (GUERREIRO RAMOS,
1971a; 1971c).
Em geral, esses estudos assinalavam para um conjunto
de considerações a respeito da condição humana, denunciando a
impotência do Homem contemporâneo para alcançar a sua
realização pessoal nos típicos arranjos sociais da época,
apontando, assim, para a urgente tarefa de se pôr em questão os
sistemas sociais e as organizações que configuravam a
sociedade. Do mesmo modo, muitos dessas pesquisas
procuravam descobrir as reais necessidades humanas, para além
do que determinadas circunstâncias históricas episódicas
apontavam. A partir dessas considerações, Guerreiro Ramos
partiu para a formulação de seu modelo de homem, por meio de
um “esforço integrativo daquilo que, em seu juízo, foi
apresentado como expressivo naqueles trabalhos, e que
merecesse ser incorporado em sua propositura (1971c, p. 465).
281
Enquanto modelo, o Homem Parentético teria a sua
utilidade para as ciências sociais, principalmente na avaliação de
design de organizações e sistemas sociais. Segundo pensava
Guerreiro Ramos, as características psicológicas de seu modelo
denunciariam muitas das deficiências da estrutura social
arquitetada pelas sociedades industriais modernas com o objetivo
de lograr sucesso operacional. Para além de sua utilidade
avaliativa, o modelo de homem guerreiriano também
contemplava elementos que poderiam levar os analistas e os
planejadores de sistemas sociais a delinearem uma diversidade
enorme de novos tipos de organizações, estas mais voltadas para
as necessidades de realização do ser humano.
Antes de caracterizar mais detalhadamente o modelo de
homem elaborado por Guerreiro Ramos, convém primeiro
descrever três advertências que foram elaboradas pelo autor com
a intenção de auxiliar na compreensão das suas características
desse modelo. Primeira: o homem parentético não poderia ser
entendido como representando o “caráter psicológico de um
indivíduo”, pois não se tratava de modelo descritivo, mas
essencialmente normativo (Idem, p. 466). Segunda: também não
se tratava o Homem Parentético de um “arquétipo abstrato”, mas
sim de uma “possibilidade concreta nas sociedades
contemporâneas” (Idem, p. 467). Terceira: o homem parentético
não expressava um “modo de conformidade” ao meio, sendo
difícil a sua explicação pela psicologia do ajustamento.
Posto isso, vejamos duas características fundamentais do
Homem Parentético, as quais deixam transparecer, de certo
modo, um requício do legado cristão contido na obra de Guerreiro
Ramos, tal como aludiu Ubiratan Rezende (1983): a primeira, o
fato de ser o Homem Parentético definido como um ser racional; a
segunda, o empenho deste em atualizar suas potencialidades.
282
A razão é categoria cêntrica na antropologia de Guerreiro
Ramos, estando presente em seus textos desde a época em que
ainda vivia na Bahia. Chama a atenção o fato de a razão ser
sempre apresentada pelo autor em termos dicotômicos, desde
Introdução à cultura até A nova ciência das organizações. Em
1939, ao apresentar a moderna dicotomia da razão, destacava
duas faces: a face utilitária e a face espiritual.
190
À primeira, a
razão utilitária, seria vinculada o Homem enquanto indivíduo; à
segunda, a razão propriamente dita, ao Homem na qualidade de
Pessoa:
Porque razão e razão. Uma que é a própria inteligência e
cujo objeto é o ser, ente, uma faculdade divina; e outra que é
uma degradação desta pela qual o homem procura sempre
obter um lucro. É esta última que organisa a cotidianidade
social, o Estado, a lei, a norma, a polícia. O mundo moderno
que marca especialmente esta vitória do indivíduo sobre a
pessoa é resultante do trabalho da razão utilitária. (1939A, p.
64)
Mais tarde, Guerreiro Ramos perceberia, e viria a adotar,
a dicotomia da razão proposta por Max Weber (1944) e
recuperada por Karl Mannheim (1953) e Eric Voegelin (1963).
Assim, as diferenças estabelecidas por Weber entre racionalidade
formal e racionalidade substantiva, ação racional referente a fins
e ação racional referente a valores e entre ética da
responsabilidade e ética dos valores tiveram uma importância
fundamental na construção do arcabouço categórico de nosso
sociólogo. Apesar da presença desses conceitos em diversos
textos seus, seria somente em Administração e estratégia do
desenvolvimento
191
que Guerreiro Ramos apresentaria análises
sociológicas decorrentes dos conceitos de racionalidade formal e
racionalidade substantiva, fornecendo indícios da direção que,
190
Em Arte y Escolástica, Maritain registra essa dicotomia da razão
(inteligência) para explicar a natureza da arte (1972, p. 11).
191
Este livro ganhou uma segunda edição em 1983, sofrendo uma alteração no
título: Administração e contexto brasileiro: esboço de uma teoria geral da
administração..
283
a partir dali, tomaria o seu pensamento social. Neste livro de
1966, o autor, destacando que Mannheim havia se utilizado dos
adjetivos funcional” e “substancial” para se referir à
racionalidade formal e à racionalidade substantiva,
respectivamente, firma o seu entendimento da racionalidade
funcional e da racionalidade substancial, dizendo que, por um
lado, os atos humanos podem ser ditos funcionais “(...) quando,
articulados ou relacionados com outros atos ou elementos,
contribuem para que se logre atingir um objetivo predeterminado.
É, pois, em função do objetivo preestabelecido que se afere esse
tipo de racionalidade” (GUERREIRO RAMOS, 1983a, p. 38).
Por outro lado, substancialmente racional seria
(...) todo ato intrinsecamente inteligente, que se baseia num
conhecimento lúcido e autônomo de relações entre fatos. É
um ato que atesta a transcendência do ser humano, sua
qualidade de criatura dotada de razão. Aqui, a razão, que
preside ao ato, não é a sua integração positiva numa série
sistemática de outros atos, mas o seu teor mesmo de acurácia
intelectual. Esse é um ato de domínio de impulsos,
sentimentos, emoções, pre-conceitos, e de outros fatores que
perturbam a visão e o entendimento inteligente da realidade.
De ordinário, a racionalidade substancial é estreitamente
relacionada com a preocupação em resguardar a liberdade
(Idem, p. 39).
Aqui, como podemos perceber, destaca-se claramente a
preocupação de nosso sociólogo com a questão da liberdade
humana, que encontra na dimensão substantiva da razão o seu
amparo, frente ao avançado desenvolvimento e acolhida que a
dimensão funcional da razão obteve no mundo moderno e na
teoria social em geral.
Eric Voegelin havia retomado aquela distinção feita por
Weber e Mannheim, dela retirando proveito para examinar os
problemas políticos e sociais do mundo. Distinguindo entre
racionalidade pragmática (ou racionalidade instrumental) e
racionalidade noética (ou substancial), Voegelin (1963)
284
procurava demonstrar que uma sociedade somente poderia vir a
se transformar em uma boa sociedade à proporção que a razão
noética” assumisse o caráter de força criadora” e exercesse
“influência sobre a vida humana” (GUERREIRO RAMOS, 1983a, p.
39). Ora, como sabemos, Voegelin compartilhava da opinião de
Platão de que “a polis é o homem em escala ampliada”
(VOEGELIN, 1988, p. 54). Ou seja, a polis não representava
somente um microcosmo, mas também um macroanthropos
(Idem, p. 55). Este era o “princípio antropológico de Platão, do
qual participava também Aristóteles (Idem Ibidem). Dois aspectos
deste princípio merecem destaques: primeiro, “toda cidade
reflete em sua ordem o tipo humano de que se compõe”;
segundo, o princípio antropológico pode servir como “instrumento
de crítica social” (Idem Ibidem). Aqui reside um ponto
fundamental para entendermos o pensamento guerreiriano e o
seu empenho por um modelo de homem, a saber: os reflexos das
idéias de Eric Voegelin, principalmente de sua Nova Ciência
Política, na propositura da Nova Ciência das organizações de
Guerreiro Ramos. Ora, o homem parentético é per excellence um
portador da razão no sentido noético. Segundo Guerreiro Ramos,
“pelo exercício da razão [noética ou substantiva], e vivendo de
acordo com os imperativos éticos dessa razão, o homem
transcende a condição de um ser puramente natural e
socialmente determinado, e se transforma num ator político
(GUERREIRO RAMOS, 1981a, p. 28). Neste sentido, a presença de
tipos parentéticos nas sociedades assinalaria um acréscimo de
qualidade de vida (política) e liberdade humana significativo.
Além dessa característica do homem parentético um
ser de razão outra merece destaque especial: o seu incessante
empenho na atualização de suas potencialidades humanas. Neste
sentido, as noções de realização pessoal (personal
actualization), auto-realização (self-actualization) e
285
crescimento pessoal (personal growth) são essenciais para a
compreensão de Homem em Guerreiro Ramos, muito embora ele
as tenha apresentado de maneira um tanto quanto confusas,
principalmente em seu último livro, onde procurou esclarecer
melhor alguns de seus conceitos. De todo modo, era sua opinião
que um dos principais obstáculos para a compreensão do tipo
parentético de Homem e de seu modo de vida estaria na própria
ciência que se preocupa em estudar o comportamento humano
a psicologia.
A compreensão da psicologia do Homem Parentético
reclamava uma revisão e o abandono de alguns dos postulados
da “psicologia do ajustamento ou “comportamentalista” (1971c,
p. 467), entre os quais a pressuposição da possibilidade de
integração entre pessoa e sistema social, ou melhor dizendo, das
teorias da conformação social. Haveria nesta pressuposição um
duplo erro: o falso entendimento da natureza da socialização e
o desconhecimento do “fenômeno organizacional” (GUERREIRO
RAMOS, 1981a, p. 79). Uma verdadeira psicologia científica,
disse o autor, o poderia admitir em seu corpo teórico
significados derivados de “definições institucionalizadas da
realidade”, sob pena de deificar o manifesto, em detrimento do
latente e/ou do necessário, reduzindo, de maneira significativa, a
compreensão do que venha a ser a natureza humana (Idem
Ibidem). O mérito de uma psicologia científica estaria, antes, em
reconhecer a “irredutibilidade do eu à sociabilidade” (Idem, p.
112n), bem como em não esconder que “toda socialização é
alienação (Idem, p. 112).
192
Ou seja, no entendimento de
Guerreiro Ramos, e aqui sentimos a forte presença do
pensamento de Berdyaev, haveria “uma dimensão profunda de
192
Guerreiro Ramos acreditava que se poderia encontrar subsídios para essa
afirmação nos trabalhos de Carl Jung, Alfred Abdler, Otto Rank, Franz
Alexander, H. Hartmann, W. Stekel, L. Binswanger, Erich Fromm, M. Boas,
Viktor frankl, R.D. Laing, Ira Progoff, R. May, entre outros.
286
realidade psíquica individual que resiste ao fato de ser totalmente
capturada por definições sociais e organizacionais”, uma
dimensão humana que escapa a qualquer tentativa de
aprisionamento em arquiteturas institucionais definitivas (Idem,
p. 79). Além disso, continua ele, não se poderia esquecer que as
relações que se estabelecem entre os indivíduos e as
organizações são sempre permeadas de “tensão”, e a integração
de ambos leva sempre a “custos psíquicos deformantes” (Idem
Ibidem).
Neste sentido, disse Guerreiro Ramos:
Se uma pessoa permite que a organização se torne a
referência primordial de sua existência, perde o contato com
sua verdadeira individualidade e, em vez disso, adapta-se a
uma realidade fabricada. Os sistemas planejados, como as
organizações formais, têm metas que, acidental e
secundariamente, consideram a atualização pessoal.
Verdadeiros atualizadores são agentes capazes de se
manobrar, no mundo organizacionalmente planejado, de modo
a servirem aos objetivos desse mundo com reservas e
restrições mentais, sempre deixando algum espaço para a
satisfação do seu projeto especial de vida. Há, portanto, uma
tensão contínua entre os sistemas organizacionais planejados
e os atualizadores, e afirmar que o indivíduo deve se esforçar
para eliminar essa tensão, chegando assim a uma condição de
equilíbrio orgânico com a empresa [...] corresponde a
recomendar a deformação da pessoa humana. Somente um
ser deformado pode encontrar em sistemas planejados o meio
adequado à própria atualização (GUERREIRO RAMOS, 1981a,
p. 99). (grifos nossos)
E mais:
a auto-realização conduz o homem na direção da tensão
interior, no sentido da resistência à completa
socialização de sua psique. [...] a auto-realização individual
é, na maior parte das vezes, uma conseqüência não
premeditada de inúmeras ações. Paradoxalmente, constitui
uma verificação posterior ao fato, em vez de ser tópico
garantido de uma agenda. Quanto mais se preocupa o
homem, de maneira explícita, com a auto-realização, tanto
mais se vê colhido no emaranhado da frustração existencial
(GUERREIRO RAMOS, 1981a, p. 100). (grifos nossos)
287
De outro modo, e ainda lembrando bastante as idéias de
Berdyaev, dirá Guerreiro Ramos: crescimento pessoal e
solidão pessoal são inseparáveis. O crescimento pessoal
desdobra-se vindo da psique individual e, com toda a
probabilidade, é dificultado por processos sociais ou de
realimentação grupal.” (1981a, p. 112) (grifos nossos)
Para o nosso sociólogo, o Homem Parentético era tanto
um reflexo quanto como reação a um ambiente social no qual as
principais agências de socialização estavam perdendo
rapidamente as suas capacidades de fornecer aos indivíduos o
senso de direção que eles necessitavam. Neste sentido,
quaisquer que fossem as relações estabelecidas entre as
instituições socializadoras vigentes e o Homem Parentético, essas
se configurariam de modo muito frágil, pois que tais instituições
não conseguiriam ter um impacto duradouro em sua vida
psicológica. O centro de autodireção do Homem Parentético
estaria em seu forte ego”, e não nos arranjos sociais, nas
instituições, no mundo social exterior ele, definitivamente, não
seria “uma criatura inteiramente moldada pelos processos de
socialização.” (1971c, p. 474) Destarte, o Homem Parentético
postularia uma visão de sociedade pós-institucional, ou seja,
consideraria os códigos de ética institucionalizados como
truques ou fachadas, portanto, abertos a questionamentos”
(Idem, p. 472), o que implicava em uma visão da sociedade como
sendo “um estágio precário no qual papéis são jogados de acordo
com regras cuja legitimidade é para ser avaliada segundo o ponto
de vista de desenvolvimento humano.” (Idem, p. 473)
Se havia algo de relevante no novo cenário em que se
estava a vivenciar e que possuía importância significativa para o
Homem Parentético, este algo era o conhecimento. A
emergência valorativa do conhecimento como o principal
288
mediador da socialização humana estabelecia: a) requerimentos,
demandas, necessidades às quais os sistemas sociais deveriam
se mostrar aptos a responder; e b) tinha implicações na
configuração de formas e desenhos organizacionais mais
plasmáticos, flexíveis, adaptáveis a exigências variáveis. Acresce-
se a isto o fato de que o Homem Parentético seria altamente
preocupado com a “atualização de seu potencial”, entrando em
fortes conflitos com as atividades que não correspondessem às
suas necessidades de atualização pessoal, fato que revestia de
singularidade sua relação com o trabalho
193
que estaria propenso
a desenvolver nos âmbitos organizacionais (Idem, p. 475-476). Tal
como as organizações operavam naquele tempo, o Homem
Parentético as via como ameaças seríssimas aos valores do quais
era portador (Idem, p. 476).
Digna de nota, também, foi a maneira como Guerreiro
Ramos definiu o Homem Parentético a partir de sua reação ao
fracasso. De acordo com ele, em sociedades onde a noção de
sucesso se encontra extremamente centrada em critérios
institucionalizados, o fracasso torna-se elemento
psicologicamente devastador para o indivíduo. O modo como é
concebido, ou seja, como um indivíduo altamente ego-centrado,
“motivado para desenvolver a capacidade de dominar a si
mesmo e ao ambiente”, e assim, escassamente afetado pelo
superego (Freud), fazia com que o Homem Parentético reagisse
ao fracasso do ponto de vista de seus próprios critérios de
realização”, isto é, “sua reação é um movimento para reavaliar
193
A distinção entre trabalho e ocupação tem relevância fundamental no
pensamento do autor. Em um primeiro momento da elaboração dessa
distinção, ele diria que o trabalho (labor) é normalmente realizado tendo em
vista um fim distinto do que se está fazendo, ao passo que ocupação (work)
é uma atividade intrinsecamente recompensadora para quem a realiza, ou
seja, possui um fim em si mesma (GUERREIRO RAMOS, 1971b). Mais tarde,
apoiando-se na distinção que Hannah Arendt fez entre labor e work,
Guerreiro afirmaria que “o trabalho é a prática de um esforço subordinada às
necessidades objetivas inerentes ao processo de produção em si. A ocupação
é a prática de esforços livremente produzidos pelo indivíduo em busca de
sua atualização pessoal” (1981a, p. 130).
289
ele mesmo e o ambiente.” (Idem, p. 481)
Aceitando-se de modo
radical, o Homem Parentético não estaria propenso a “submete
sua psiqué a qualquer definição institucionalizada de fracasso”, e
isso teria implicações sobre como ele experienciaria sentimentos
como vergonha, constrangimentos sociais, vexames, etc. Suas
ões, seus sentimentos, suas experiências seriam todas
avaliadas à luz de seu próprio self, e não por fatores sociais
externos (Idem, p. 482-483).
Em síntese: a afirmação do self, a liberdade, a auto-
realização e o exercício da racionalidade noética se apresentavam
como os principais característicos do Homem Parentético. Estas
eram condições e possessões eminentemente humanas que, no
entendimento de nosso autor, precisariam ser levadas a efeito
em uma articulação teórica sistemática (ciência social), caso se
quisesse retirar o Homem da gregariedade social à qual foi
lançado sob os auspícios da modernidade secular. Não podemos
negar, é claro, que os tipos categoriais que qualificam ou que
delimitam os contornos de sua pressuposição antropológica
sofreram algumas alterações no decorrer de sua maturidade
intelectual. Inicialmente, o autor se apegou à categoria mais
geral de Pessoa fruto de uma linha de reflexão filosófica que
perpassa a junção do pensamento greco-judaico-cristão, do
existencialismo e do personalismo, a fim de expressar uma crítica
acirrada e fundamental ao indivíduo moderno, um Homem
emancipado de Deus, desligado do cosmos e descompromissado
com os outros homens, e de buscar restituir ao Homem tais
ligações e recuperar, assim, sua plena dignidade. Em um segundo
momento, mas sem se afastar da dimensão e do conteúdo da
primeira, Guerreiro Ramos constituiu a categoria de Homem
Parentético um ser de razão substantiva ou noética, o que o
possibilitaria a transcender ao mundo em que estava posto e a e
agir de modo correspondente ao que era capaz de emular acerca
290
de sua própria subjetividade e sentido, diante da totalidade onde
eles, necessariamente, se incluiriam, categoria esta que é
concebida face aos contornos da sociedade de organizações
modernas.
Por não se tratar o Homem de um ser “pré-formado, pré-
designado, pré-constituído”, mas, essencialmente, de um “ser
épico”, um ser que pode, sempre, formar, desenhar, constituir a
si mesmo pela exploração do campo de possibilidades disponíveis
a cada momento (GUERREIRO RAMOS, 1970a, p. 11), Guerreiro
Ramos procurou deixar claro que essa necessidade de atualização
(ou realização) pessoal que o Homem Parentético possuía não
implicava uma espécie de fluidez de caráter, mas, pelo contrário,
atualização, aqui, significaria, justamente, perduração, ou seja,
retenção de caráter, em meio à mudança; é a vitória sobre a
fluidez.” (GUERREIRO RAMOS, 1981a, p. 199) Posto desta forma,
as implicações sociais do tipo parentético de Homem são
enormes, e será sobre elas que Guerreiro Ramos se envolverá em
um processo intenso de elaboração, chegando à articulação de
sua teoria da delimitação dos sistemas sociais.
291
C a p í t u l o 1 4
A Teoria da Delimitação dos Sistemas Sociais
Como vimos, dos estudos antropoteóricos guerreirianos
derivaram uma conceptualização de homem o homem
parentético. Mas o seu projeto intelectual, no entanto, não estava
acabado. Uma vez afastado do território nacional e das questões
nacionalistas
194
, Guerreiro Ramos retomou dois projetos, a saber,
o de revisão das ciências sociais e o de pensar uma nova
planificação social centrada no Homem, os quais haviam sido
deixados de lado em razão de suas preocupações nacionalistas, e
que somente se concretizariam com a publicação de seu livro A
nova ciência das organizações (1981a).
Ora, desde o final de 1940, início de 1950, Guerreiro
Ramos vinha procurando desenvolver a intuição de que a ciência
social à época em vigor era “conceitualmente incipiente, uma
ideologia antes que produto do pensamento rigoroso
(GUERREIRO RAMOS, 1982, p. 92). Esta acusação transparece em
diversos momentos de sua trajetória intelectual. Confiante disso,
ele questionou duramente não apenas a validade de
determinados conceitos, como também a própria divisão
disciplinar que veio a ser acolhida no âmbito universitário. Com
igual veemência chamou a atenção para o fato de a ciência social
moderna ter acolhido uma concepção de Homem
demasiadamente rasteira e para a incapacidade desta ciência em
auxiliar homens e mulheres em suas árduas labutas para lograr
sucesso em seus projetos pessoais de auto-realização e, por
194
Muito embora já residindo no EUA, o nosso sociólogo ainda escreveu alguns
trabalhos enfocando o Brasil, como no caso de Typology of nationalism in
Brazil (1968), Latent functions of formalism in Brazil (1971d) e International
propects of the contemporary Brazilian Bonapartist regime (1972c). Após
estes trabalhos, o Brasil somente voltaria à pauta de seus textos em 1978, já
durante a abertura política.
292
conseguinte, de autonomia e emancipação. Quando tratou do
homem parentético, o autor identificou que a expansão
desenfreada das organizações formais de caráter econômico
estava exigindo das pessoas um padrão comportamental
claramente unidimensionalizador, sendo urgente, para ele, o
esboço de um projeto alternativo, que impusesse limites a essa
expansão. A investigação desta expansão organizacional o levou
a concluir que se tratava, na verdade, de um fenômeno maior,
mais complexivo, qual seja, a expansão do mercado, estando
associado a esta o que o autor denominou como transvaloração
da razão e transvaloração do social, que afetaram a própria
constituição da ciência social moderna. Esta constatação foi o que
direcionou não apenas o esforço revisionista das ciências sociais
a que se lançou Guerreiro Ramos, como também sua proposta do
Paradigma Para-econômico, baseada na idéia de delimitação de
sistemas sociais.
A Nova Ciência proposta pelo nosso sociólogo era
oriunda de um projeto de reconceituação da ciência social e
administrativa, o qual, a princípio, não obteve a aceitação e a
repercussão que o autor esperava, tanto entre os seus alunos
quanto entre seus pares. Guerreiro percebia, durante suas aulas,
conferências, palestras, etc., que “certas tonalidades conceituais”
de suas “preleções, não eram de todo palatáveis a essa
audiência” (Idem, p. 91). Muitos dos ouvintes adotavam uma
postura cética em relação às teses defendidas pelo sociólogo
brasileiro, ao passo que outros entendiam sua fala como uma
mera pregação de iconoclastismo (Idem Ibidem). Diante disso,
tratou de desfazer essa imagem e dedicou-se ao estudo da
retórica no meio universitário. Foi neste sentido que assumiu Lord
Keynes como referência em retórica acadêmica.
Não foi somente na platéia que Guerreiro Ramos
293
encontrou obstáculos às suas idéias. Embora o livro tenha sido
publicado em 1981, pela Editora da Universidade de Toronto,
Canadá, desde 1977 o sociólogo vinha submetendo o manuscrito
de seu livro a algumas editoras norte-americanas, que, após
avaliação do manuscrito, declinavam do interesse de publicá-lo.
No total, foram quatorze negativas dadas ao autor. As
justificativas eram as mais variadas. Em uma delas, por exemplo,
os revisores argumentaram que o livro era demasiado “europeu”
para o público norte-americano, este que, sem possuir o
background suficiente para entendê-lo, deixaria de apreciar o
valor das idéias ali postas. Em outra, a editora informou que o
livro, por não fornecer um enfoque suficientemente prático, era
de pouca relevância para os leitores americanos. A a própria
editora da Universidade de Toronto argumentou neste sentido, ou
seja, solicitaram o acréscimo de um capítulo, no qual o autor
descreveria “as inovações institucionais em processo nos EUA e
na Europa”, a fim de demosntrar “a concretude dos argumentos”
exposto n’A Nova ciência das organizações (Idem, p. 93)
Resistente à idéia, Guerreiro Ramos escreveu à editora alegando
que “o livro ficaria menos perecível quanto mais reduzisse nele a
parte consistente em simples crônica de eventos”, além do mais,
o livro “deveria ser, tanto quanto possível, mero discurso teórico.
Se este fosse convincente, a longevidade do livro ficaria mais
bem assegurada.” (Idem Ibidem). Hoje, não restam dúvidas de
que Guerreiro Ramos estava certo.
Os primeiros esboços de sua teoria de delimitação de
sistemas sociais podem ser observados a partir de suas notas de
aula, como no caso do texto intitulado The parenthetical diagraph
(1972b). Neste texto, o autor apresenta algumas tipologias de
sistemas sociais e de seus respectivos tipos de homem, todos
representantes de possibilidades concretas de realização nas
sociedades industriais avançadas. Coerente com a sua postura
294
intelectual, o dia-gráfico guerreiriano possuía um caráter
marcadamente pragmático, pois a sua finalidade seria a de
auxiliar teóricos e praticantes na análise e na configuração de
sistemas sociais que pudessem favorecer o desenvolvimento de
um desenho social mais adequado ao crescimento do ser humano
e, consequentemente, voltado para estimular o exercício livre de
suas potencialidades. Assim, dois foram os gráficos que o
sociólogo rascunhou, ambos esquadrinhados, na vertical, pelo
eixo da escolha humana, e na horizontal, pelo eixo do
comprometimento organizacional.
Fenomenarquia
Fenomenarquia
Socracia
Socracia
Adhocracia
Adhocracia
Anomia
Anomia
Burocracia
Burocracia
Nenhum
Nenhum ---------
comprometimento organizacional (exigências)
comprometimento organizacional (exigências) ----------
Total
Total
Nenhum
Nenhum ----
escolha
escolha
pessoal (tempo)
pessoal (tempo) ----
Total
Total
Figura 1: Diagráfico Parentético I
Fonte: Guerreiro Ramos (1972)
Fenomenarquia
Fenomenarquia
Socracia
Socracia
Adhocracia
Adhocracia
Anomia
Anomia
Burocracia
Burocracia
Nenhum
Nenhum ---------
comprometimento organizacional (exigências)
comprometimento organizacional (exigências) ----------
Total
Total
Nenhum
Nenhum ----
escolha
escolha
pessoal (tempo)
pessoal (tempo) ----
Total
Total
Figura 1: Diagráfico Parentético I
Fonte: Guerreiro Ramos (1972)
A Figura 1 acima vislumbra a multiplicidade de sistemas
sociais possíveis nas sociedades modernas em detrimento da
visão hegemônica que as apresentava como principalmente
desenhada segundo um tipo apenas, a saber, o tipo burocrático.
Há, portanto,aqui, um questionamento da burocracia enquanto
modelo organizacional, em termos de sua exclusividade ou
preponderância, acerca de sua incapacidade de atender às
295
múltiplas necessidades humanas.
195
Neste sentido, o autor
julgava necessário o empenho de teóricos e práticos da
administração em estimular outros espaços organizacionais, estes
mais aptos a acolher a variedade de exigências que o ser humano
faz ao social e que pudessem lhe proporcionar maior liberdade na
escolha de atividades mais pertinentes às suas necessidades de
realização pessoal. Partindo desse pressuposto, o autor procurou
apresentar um desenho da tessitura social que contemplava as
seguintes categorias: de inspiração durkheimiana, a anomia
seria uma situação limite em que não há vida pessoal, nem social
o sistema social encontra-se em vias do desaparecimento; a
burocracia, aproximando-se demasiadamente do tipo ideal
weberiano, denota a ausência marcante de escolhas pessoais, a
total despersonalização humana, em benefício da absoluta
entrega ao sistema social, o qual impõe sobre o indivíduo a sua
vontade; a socracia (ou isocracia), representa aqui um sistema
social típico-ideal de caráter bastante flexível, uma vez que
permite um enorme grau de escolha pessoal, muito embora,
como podemos observar, o compromisso social também atinja o
seu ponto máximo; a fenomenarquia, significa um tipo de
sistema social de caráter predominantemente esporádico, que
pode ser iniciado e dirigido por um indivíduo ou mesmo por um
pequeno grupo de pessoas, preocupadas em fazer suas próprias
coisas, em realizar atividades que são pertinentes às suas reais
necessidades de crescimento pessoal, por isso que apresentam
um elevado grau de escolha pessoal e uma mínima ou quase
nenhuma exigência de comprometimento organizacional;
derivada dos estudos de Alwin Tofler, a adhocracia seria,
literalmente, um sistema social de meio termo, representando, de
modo quase equilibrado, as escolhas pessoais e as exigências de
comprometimento organizacional. Todos esses sistemas sociais, a
195
Este questionamento da burocracia foi muito bem elaborado no texto The
new ignorance and the future of public administration in Latin América
(1973).
296
exceção da burocracia, eram, para Guerreiro Ramos, formas
latentes, incipientes no contexto da sociedade moderna, que
deveriam, segundo o autor, ser estimuladas, com o intuito
mesmo de poderem substituir as burocracias, que estariam com
os seus dias contados.
Homem
Homem
Parent
Parent
é
é
tico
tico
Coalescedor
Coalescedor
Socr
Socr
á
á
tico
tico
Adhocrata
Adhocrata
Anômico
Anômico
Burocrata
Burocrata
Nenhum
Nenhum ---------
comprometimento organizacional (exigências)
comprometimento organizacional (exigências) ----------
Total
Total
Nenhum
Nenhum ----
escolha
escolha
pessoal (tempo)
pessoal (tempo) ----
Total
Total
Figura 2: Diagráfico Parentético II
Fonte: Guerreiro Ramos (1972)
Homem
Homem
Parent
Parent
é
é
tico
tico
Coalescedor
Coalescedor
Socr
Socr
á
á
tico
tico
Adhocrata
Adhocrata
Anômico
Anômico
Burocrata
Burocrata
Nenhum
Nenhum ---------
comprometimento organizacional (exigências)
comprometimento organizacional (exigências) ----------
Total
Total
Nenhum
Nenhum ----
escolha
escolha
pessoal (tempo)
pessoal (tempo) ----
Total
Total
Figura 2: Diagráfico Parentético II
Fonte: Guerreiro Ramos (1972)
Na Figura 2, o autor desloca-se dos sistemas sociais para
se centrar nos indivíduos típicos correspondentes a cada um dos
modelos sociais anteriormente referidos. O indivíduo anômico
seria aquele totalmente incapaz de formular um projeto pessoal
de vida, não possuindo também noções de normas sociais e do
que venha a ser compromisso com formas organizacionais de
vida. O burocrata, por ser um tipo humano por demais
conhecido, não merece, aqui, maiores comentários, bastando
apenas dizer se tratar de um tipo despersonalizado. O adhocrata
procura afastar-se do comportamento burocrático, à busca de
formas mais democráticas de organização, muito embora ainda
mantenha consigo, tal como o burocrata, um grande percentual
de comportamento administrativo. O coalecedor socrático foi
297
apresentado por Guerreiro Ramos de modo um tanto quanto
confuso. De qualquer modo, este tipo ideal seria um participante
ativo de sistemas sociais onde não existissem funções elitistas ou
grande diferenciação hierárquica entre os membros, atuando em
razão de sua vocação ou qualificação pessoal para o exercício de
determinada atividade. Por último, o homem parentético,
indivíduo típico das fenomenarquias, não merece, aqui, maiores
detalhes, haja vista termos, sobre ele, falado no capítulo
anterior.
Este foi o primeiro esboço da tessitura social que
Guerreiro Ramos estabeleceu à luz de sua abordagem
antropológica. Contido nele havia a defesa da necessidade de
espaços sociais alternativos, para além de um modelo totalitário
e unidimensionalizador representado, naquele tempo, pelo
espaço das organizações formais burocráticas, como condição
para uma melhor composição social total, no sentido de maior
atendimento às múltiplas necessidades de realização humana
que os indivíduos são portadores. Subjacente a tal composição
múltipla de sistemas sociais apresentada neste seu primeiro
esboço está a complexidade da natureza motivacional humana e
dos propósitos de engajamentos em coletividades a que o ser
humano se pode lançar.
196
De todo o modo, a forma mais
elaborada deste esboço viria a se apresentar no artigo Theory
of social delimitation, a preliminary statatement, de 1976, sobre o
qual comentaremos mais adiante. Antes, porém, vejamos os
principais pontos da nova ciência guerreiriana.
196
Neste sentido, Guerreiro Ramos punha em questão os pressupostos
motivacionais que se encontravam consolidados no modelo típico ideal
weberiano de burocracia. Em consonância com esta idéia guerreiriana, nos
dias atuais, acusa Burkard Sievers (In. BERGAMINI & CODA, 1997), inclusive,
que a idéia de motivação deixou de ser um conceito de pretensões científicas
para entender o homem para se tornar um instrumento de retórica
ideológico-pragmático que visa simplesmente controlar e influenciar o
comportamento humano.
298
A tarefa revisionista das Ciências Sociais
Paralelamente a este esforço de repensar a tessitura
social, Guerreiro Ramos (1981a) também se enveredou na tarefa
de rever os postulados epistemológicos das ciências sociais de
seu tempo, por ele chamada de Teoria formal da vida humana
associada, e contra a qual propunha a Teoria substantiva da vida
humana associada, em correspondência a seu modelo de
delimitação de sistemas sociais. O ponto de partida desta
propositura ancora-se na idéia de razão, pois que, para ele, sem
que se buscasse compreender o conceito de razão que a ciência
social moderna engendrava, não seria possível compreender a
ingenuidade que acometia a teoria das organizações e mesmo a
ciência social moderna.
197
Ao abordar a teoria social sob a perspectiva analítica da
razão, Guerreiro Ramos procurou logo se filiar à corrente clássica
do pensamento ocidental, amparando-se, sobretudo, em
Aristóteles, para firmar a sua opção pelo entendimento da razão
tal qual aquele filósofo e outros pensadores gregos a tinham
considerado, ou seja, entendendo-a como a força ativa da psique
humana que habilita o indivíduo a distinguir entre o bem e o mal,
entre o conhecimento falso e o verdadeiro e, assim, ordenar sua
vida pessoal e social” (Idem, p. 2-3). Ao comparar este sentido de
razão àquele que veio a se firmar na ciência social moderna a
partir do século XVII, e que teve em Thomas Hobbes o seu
primeiro articulador sistemático, Guerreiro Ramos concluiu ter
havido o que ele denominou como a transavaliação da razão,
197
No século XX, o faltaram revisionistas do conceito de razão, o que levou
Guerreiro Ramos a fazer um breve levantamento de estudos concernentes à
racionalidade, sobretudo, daqueles que foram realizados por Max Weber, Karl
Mannheim, pelos estudiosos da Escola de Frankfurt (ganhando destaque
Horkheimer e, especialmente, Habermas) e Eric Voegelin, todos eles,
preocupados, de uma forma ou de outra, com o percurso histórico do
conceito, desde a Antiguidade Clássica até a Idade Moderna. A cada um
desses autores Guerreiro Ramos aponta algumas críticas, as quais não faz
sentido serem transcritas nesta tese. No que se refere à crítica dele a
Habermas, consultar o trabalho de Christina Andrews (2000).
299
ou seja, uma distorção proposital do conceito de razão, a fim de
legitimar um arranjo social “exclusivamente em bases utilitárias”,
a saber, a sociedade centrada no mercado (Idem, p. 3). A partir
de Hobbes, a razão, da maneira como a entendiam Aristóteles e
outros pensadores clássicos, perdeu o seu sentido, de tal forma
que, para os teóricos posteriores ao escritor inglês, esvaece-se a
possibilidade de a mesma servir como papel normativo no
domínio na construção teórica e na vida humana associada. A
intenção de Guerreiro Ramos, aqui, foi a de demonstrar que a
noção hobbesiana de razão, ou seja, enquanto cálculo utilitário de
conseqüências, era originária de uma mudança sem precedentes,
operada nos últimos 300 anos, no contexto histórico do
conhecimento sócio-filosófico ocidental, e que tal mudança teve
efeitos determinantes no tipo de ciência social formal que viria a
se consolidar em seus dias. Neste sentido, Guerreiro Ramos notou
que:
de Hobbes a Adam Smith e aos modernos cientistas sociais
em geral, instintos, paixões, interesses e a simples motivação
substituíram a razão, como referência para a compreensão e a
ordenação da vida humana associada. Por outro lado, sob a
influência do iluminismo, de Turgot a Marx, a história substitui
o homem, como portador da razão (Idem, p. 4).
Em seu estudo sobre o Homem Parentético parece ter
ficado claro que a razão era, para o nosso autor, um atributo
eminentemente humano, ou seja, a sua posição teórica advoga a
razão centrada-no-sujeito, localizando, assim, na razão noética ou
substantiva, a capacidade transcendental humana, ao passo que
a razão formal ou instrumental detinha a sua capacidade de
imanência ou operacional.
198
É com base neste ponto que
198
Aliás, na interpretação de Rezende (1983), a compreensão do “gigantismo
da proposição à qual se lançou Guerreiro Ramos teria que passar pelo
resgate da cosmogonia e da escatologia que habitam seu pensamento. À luz
dessa cosmogonia e dessa escatologia pressupostas por Guerreiro Ramos,
por exemplo, seria possível se compreender a sua necessidade de recuperar
o legado clássico sobre a razão, um legado que se encontrava nos pré-
socráticos, e que implicava “uma ordem cósmica”, que era “ulterior a esta
ordem da vida humana associada”, e que estava “contida em um universo
300
afirmamos ter Guerreiro Ramos procurado erigir uma ciência
social antropocêntrica, assim como antropocêntrico foi o desenho
que ele propôs para a tessitura social, tal como apresentaremos
mais à frente.
Além da transavaliação da razão identificada pelo autor e
acima comentada, ele também constatou ter havido uma
transavaliação do social, que, em termos sintéticos, pode ser
expressa da seguinte forma: primeiramente, ocorreu a
transformação do homem antes considerado como sujeito
portador de razão no sentido substantivoem um ser puramente
social; em seguida, a vida social foi esquematizada em uma
tríade de relações, a saber, econômicas, de produção e de
consumo; o próximo passo foi a libertação da economia
anteriormente um enclave delimitado ao âmbito do lar (oikos)
da regulação política e ética, esta substituída pela justificação do
interesse individual imediato; e por fim, a fé na auto-regulação do
mercado se consolidava, haja vista ter a própria sociedade se
tornado um mercado amplificado, o que fez da ordem social um
mero somatório dos cálculos individuais. Em outras palavras, esta
transavaliação do social trouxe como conseqüência a ascensão
do mercado à qualidade de dimensão central e ordenadora, tanto
da ciência social como da vida humana em geral na sociedade
ocidental moderna.
O fato de identificar essa dupla transavaliação, a da
razão e a do social, levou Guerreiro Ramos a perceber este ponto
como sendo o originário da ciência social moderna e de seus
pressupostos. Baseando-se na sociologia do conhecimento e no
método faseológico, o sociólogo percebeu a vinculação da ciência
social moderna com uma determinada época histórica, esta
físico cognoscível” (Idem, p. 94). A apreensão dessa ordem pelo homem,
contudo, poderia ser realizada por meio de “um esforço noético ou
substantivo” deste (Idem Ibidem).
301
fortemente marcada pela emergência e consolidação do mercado
como mecanismo regulador da conduta social e individual. Neste
sentido, afirmou: “a ciência social moderna foi articulada com o
propósito de liberar o mercado das peias que, através da história
da humanidade e até o advento da revolução comercial e
industrial, o mantiveram dentro de limites definidos” (Idem, p.
22). Para chegar a essa conclusão, os estudos antropológicos de
Karl Polanyi foram, neste sentido, de primordial importância, fato
que levou Guerreiro Ramos a denominar a sociedade de seu
tempo como uma “sociedade centrada no mercado”. Em suas
palavras:
Nenhuma sociedade, no passado, esteve jamais na situação
da sociedade desenvolvida centrada no mercado de nossos
dias, na qual o processo de socialização está, em grande
parte, subordinado a uma política cognitiva exercida por
vastos complexos empresariais que agem sem nenhum
controle. Em sociedade alguma do passado, jamais os
negócios foram a lógica central da vida da comunidade.
Somente nas modernas sociedades de hoje o mercado
desempenha o papel de foa central, modeladora da mente
dos cidadãos. […] Escravos de um sistema de comunicação de
massa dirigido por grandes complexos empresariais, os
indivíduos tendem a perder a capacidade de se empenhar no
debate racional. Cedendo a influências projetadas, a maioria
das pessoas perde a capacidade de distinguir entre o
fabricado e o real e, em vez disso, aprende a reprimir padrões
substantivos de racionalidade, beleza e moralidade, inerentes
ao senso comum. (Idem, p. 114)
Deste estado, o autor retirou algumas conclusões que
lhe ajudaram a esclarecer a diferença entre a sua proposição
teoria substantiva da vida humana associada e o modelo
contemporâneo de ciência social, sustentado em uma teoria
formal da vida humana associada, quais sejam: em primeiro
lugar, a dicotomia entre fatos e valores aparece no seio das
circunstâncias históricas que originaram essa nova configuração
social, o que explicaria a existência de uma ciência social isenta
de valores; em segundo lugar, a ciência social prevalecente seria,
na verdade, uma “ideologia serialista”, a qual o autor vinha
302
denunciando desde os anos cinqüenta; e a terceira, a teoria social
formal seria “cientística” no sentido de que parte do princípio
que a compreensão da realidade social somente poderia ser feita
à luz de uma linguagem técnica pertinente às ciências naturais
ao mesmo tempo em que a ciência política formal seria
“apolítica”, ou seja, não conseguiria perceber a diferença
qualitativa que existia entre a vida política e a vida social,
tomando esta por aquela e abolindo, portanto, o político da vida
social.
As considerações acima nos permitem apresentar, em
termos sintéticos, e na forma de um quadro comparativo
elaborado pelo próprio Guerreiro Ramos, a sua teoria substantiva
da vida humana associada, teoria essa que toma por base a
distinção entre racionalidade substantiva (Wertrationalität) e
racionalidade funcional (Zweckrationalität) e a análise da
sociedade centrada no mercado, de Karl Polanyi. Senão,
vejamos:
Teoria da Vida humana Associada
Formal Substantiva
I. Os critérios para
ordenação das
associações humana
o dados
socialmente
I. Os critérios para a ordenação
das associações humanas são
racionais, isto é, evidentes por
si mesmos ao senso comum
individual,
independentemente de
qualquer processo particular
de socialização
II. Uma condição
fundamental da
ordem social é que a
economia se
transforme num
sistema auto-
regulado
II. Uma condição fundamental da
ordem social é a regulação
política da economia
III. O estudo científico
das associações
humanas é livre do
conceito de valor: há
uma dicotomia entre
III. O estudo científico das
associações humanas é
normativo: a dicotomia entre
valores e fatos é falsa, na
prática, e, em teoria, tende a
303
valores e fatos produzir uma análise
defectiva
IV. O sentido da
história pode ser
captado pelo
conhecimento, que se
revela através de
uma série de
determinados estados
empírico-temporais
IV. A história torna-se significante
para o homem através do
todo paradigmático de
auto-interpretação da
comunidade organizada. Seu
sentidoo pode ser captado
por categorias serialistas de
pensamento
V. A ciência natural
fornece o paradigma
teórico para a correta
focalização de todos
os assuntos e
questões suscitados
pela realidade
V. O estudo científico adequado
das associações humanas é
um tipo de investigação em si
mesmo, distinto da ciência
dos fenômenos naturais, e
mais abrangente que esta
Quadro 2 - Comparação entre a Teoria Formal e a Teoria Substantiva
Fonte: Guerreiro Ramos (1981a, p. 29)
A contraposição entre o seu modelo alternativo de
ciência e a ciência social formal são sintetizadas nos seguintes
termos gerais: enquanto a primeira tem na razão substantiva a
sua principal categoria de análise, a segunda está articulada em
torno da razão funcional; entendendo-se a razão substantiva
como categoria ordenadora, a teoria substantiva que lhe
corresponde é “uma teoria normativa de tipo específico”, ao
passo que, se se entende a razão funcional como uma “definição,
ou uma elaboração lógica, a teoria formal é uma teoria
nominalista de tipo específico”, isso significando, portanto, que
os conceitos da teoria substantiva são conhecimentos derivados
do e no processo de realidade, enquanto os conceitos da teoria
formal são apenas instrumentos convencionais de linguagem, que
descrevem procedimentos operacionais” (Idem, p. 27) (grifos do
autor). Da maneira que foi concebida por Guerreiro Ramos, a
teoria substantiva “envolve uma superordenação ética da teoria
política, sobre qualquer eventual disciplina que focalize questões
da vida humana associada” (Idem, p. 28).
Muito embora ao tratar do Homem Parentético, Guerreiro
304
Ramos tenha tentado situar a concepção de homem subjacente à
ciência social de seu tempo, foi com a apresentação do que ele
chamou como sendo a síndrome comportamentalista que
esta concepção de homem ganhou contornos mais nítidos. Nesta
ndrome foram sintetizados os “alicerces psicológicos” que
dariam sustentação à teoria social moderna e,
consequentemente, à teoria organizacional em vigor (Idem, p.
50). Na realidade, ao se amparar nos mesmos pressupostos
psicológicos que sustentavam a ciência social, a teoria
organizacional poderia ser traduzida, em termos gerais, como
redutora da psicologia humana. De acordo com Guerreiro Ramos,
essa redução psicológica se tornaria ainda mais clara, caso se
levasse em consideração a distinção entre comportamento e
ação. Mais uma vez, no cerne desta distinção encontra-se a
oposição entre racionalidade formal e racionalidade substantiva.
Por comportamento o autor entende
uma forma de conduta que se baseia na racionalidade
funcional ou na estimativa utilitária das conseqüências, uma
capacidade – como assinalou corretamente Hobbes – que o ser
humano tem em comum com os outros animais. Sua categoria
mais importante é a conveniência. Em conseqüência, o
comportamento é desprovido de conteúdo ético de validade
geral. É um tipo de conduta mecanomórfica, ditada por
imperativos exteriores. Pode ser avaliado como funcional ou
efetivo e inclui-se, completamente, num mundo determinado
apenas por causas eficientes.” (Idem, p. 50-51)
A ação, segundo informa o autor,
é própria de um agente que delibera sobre coisas porque está
consciente de suas finalidades intrínsecas. Pelo
reconhecimento dessas finalidades, a ão constitui uma
forma ética de conduta. A eficiência social e organizacional é
uma dimensão incidental e não fundamental da ação humana.
Os seres humanos são levados a agir, a tomar decisões e a
fazer escolhas, porque causas finais e não apenas causas
eficientes – influem no mundo em geral. Assim, a ação baseia-
se na estimativa utilitária das conseqüências, quando muito,
apenas por acidente. (Idem, p. 51).
305
Coerente com a distinção acima, a síndrome
comportamentalista seria “uma disposição socialmente
condicionada, que afeta a vida das pessoas quando estas
confundem as regras e normas de operação peculiares a sistemas
sociais episódicos com regras e normas de sua conduta como um
todo (Idem, p. 52). Pelos vieses desta síndrome incorreram boa
parte dos teóricos que tentaram sistematizar a ciência social,
induzindo seus pressupostos sobre a natureza humana segundo a
configuração social de sua época, tomando o existente pelo
essente, o episódico pelo permanente. Os traços fundamentais
dessa personalidade humana, assim, foram configurados como
sendo a fluidez da individualidade, o perspectivismo, o
formalismo e o operacionalismo, traços esses que definiram os
contornos da ciência organizacional. A fluidez da individualidade
derivava da visão fluídica das coisas que os artistas maneiristas
deixaram como legado para a humanidade. Para eles, as coisas
não possuíam base permanente, e mesmo os valores não seriam
imutáveis e inequívocos. Concebiam a natureza humana como
marcada pela inconstância, contida em um estado de eterno
fluxo, de permanente transição, ou seja, a mudança era seu
atributo, nada de fixo a permeando, e esta forma de ser era
assumida, inclusive, como um pressuposto para se viver em
sociedade. Com isso, assinalava o autor que esta fluidez era
conseqüência de uma postura acrítica do indivíduo, que ao
assumir a si mesmo e à sociedade como coisas transitórias,
percebia o social como um espaço no qual, simplesmente,
restava-lhe maximizar a utilidade, na busca da felicidade pessoal,
em um eterno sucedâneo de satisfações de desejos. (Idem, p.
56).
A segunda característica principal dessa síndrome era o
perspectivismo. Segundo Guerreiro Ramos, a sua aparição foi
conseqüência da visão fluídica que se instaurou entre os homens,
306
haja vista que, ao se tomar a sociedade como um sistema de
regras contratadas, todos os indivíduos compreenderiam a sua
conduta e a dos demais a partir de uma determinada perspectiva
(Idem, p. 57). Desta maneira, o indivíduo em geral se tornava um
perspectivista, que para comportar-se em conformidade com
os padrões sociais, teria apenas que levar em consideração as
conveniências externas, ou seja, os pontos de vistas dos outros e
os propósitos correspondentes (Idem, p. 57).
O terceiro aspecto dos fundamentos psicológicos
embutidos na ndrome comportamentalista seria o formalismo.
Este aspecto caracterizaria uma conduta humana extremamente
orientada. Na sociedade moderna, o formalismo tornou-se um
traço característico da vida cotidiana. Nela, o indivíduo se
deixaria levar a tipos formalistas de comportamento, isto é,
assumiria os imperativos externos segundo os quais a vida social
estava construída. A recompensa ao seu conformismo se
encontraria no seu próprio reconhecimento de indivíduo
determinado socialmente. O sujeito formalista, como afirma
Ramos, não é uma individualidade consistente, mas uma
criatura fluida, pronta a desempenhar papéis convenientes”
(Idem, p. 61).
O operacionalismo, visto como operacionalismo
positivista, foi destacado como a quarta característica desta
ndrome comportamentalista. A sua presença foi fortemente
sentida em Hobbes que demonstrou esta peculiaridade ao
reconhecer que “apenas as normas inerentes ao método de uma
ciência natural de características matemáticas são adequadas
para a validação e a verificação do conhecimento (Idem, p. 62).
Ao fazer isto, ele desprezou o ético e o metafísico e reduziu o
homem a uma espécie mecanomórfica de entidade social. Algo
que, segundo Ramos, institucionalizou uma prisão aos limites de
307
uma “peculiar tendência psicológica”, na qual se dava uma
orientação ao controle situacional (ou do objeto) e uma derivação
causal de seus atos (Idem, p. 63).
À ntese da psicologia do tipo humano configurada
segundo esses aspectos da síndrome comportamental contrapõe-
se, em termos frontais, o tipo humano proposto por Guerreiro
Ramos como sendo o Homem Parentético”. Diferentemente de
uma criatura fluida, este Homem Parentético representava a
permanência em meio à mudança, inspirado na idéia de
Perduração (Endurance) de Alfred Whitehead. A perduração, da
maneira como a entendia o autor,
não envolve manutenção. É retenção de caráter, em meio à
mudança; é a vitória sobre a fluidez. É uma categoria de
processo mental que reconhece que todas as coisas são
interligadas e continuamente se empenham para conseguir
um equilíbrio ótimo entre conservação e mudança, no
processo que leva a uma concretização modelar de seus
propósitos intrínsecos (Idem, p. 199).
Aliás, neste ponto um incremento significativo na
faseologia de Guerreiro Ramos, denotando, assim, uma nova
forma de pensar o suceder histórico do homem, do social e das
coisas materiais, pois que a Perduração, elevada à condição de
princípio epocal, representava, justamente, a superação de uma
exclusiva idéia de fases historicamente sucessivas ao atentar
para algo que ficaria retido ao longo dessas variações de fase.
Nos termos do autor:
Organismos humanos e sociedades são realizações de padrões
epocais. Eles se realizam a si mesmos através de um processo
de encontro dessa individualidade epocal. Eles,
continuamente, buscam alcançar um balanço ótimo entre
conservação e mudança. (GUERREIRO RAMOS, 1977, p. 1)
No que tange ao perspectivismo, ao formalismo e ao
operacionalismo, a idéia de Homem Parentético os contrapõe,
pois o homem representado nesta idéia ou modelo não se
308
permite instrumentalizar e, assim, ele refuta a negação de sua
personalidade que tal instrumentalização e formalismo
implicariam, bem como se recusa a perder sua liberdade de
escolha. O comportamento em bases utilitárias, sendo pertinente
ao mercado, perde nele a fonte principal de motivação da
conduta humana, haja vista que este tipo de homem está em
constante busca de sentido para sua vida, o que o faz recapturar
o “senso pessoal de auto-orientação que esta síndrome tenta
anular (1981a, p. 52).
No entanto, mesmo acreditando na emergência de um
novo tipo de homem, aliás, uma crença presente em seus
estudos juvenis, Guerreiro Ramos tinha clara consciência de que
a interiorização da síndrome comportamentalista era condição de
sobrevivência humana no ambiente desenhado pela sociedade de
mercado, então vigente, e que ela acabava ocorrendo, mesmo
sem dela os atores terem tomarem consciência. Tomar
consciência da síndrome comportamentalista era fundamental e
urgente, pois que ela estava a legitimar, ainda, um arranjo
societal que a muito vinha demonstrando seu estado de falência.
não era mais possível, portanto, esconder o “caráter
enganador das sociedades contemporâneas”, principalmente
porque problemas como a insegurança psicológica, a degradação
da qualidade de vida, a poluição, o desperdício à exaustão dos
limitados recursos do planeta, entre outros, estavam a exigir o
estabelecimento de limites para sua operacionalização (Idem, p.
22).
De acordo com o diagnóstico de Guerreiro Ramos, a
teoria das organizações em vigor, eivada que estava pelos traços
da ndrome comportamentalista, era incapaz de ajudar o
indivíduo a superar a situação na qual se encontrava submerso,
qual seja, a de um títere do mercado. Um dos motivos dessa
309
incapacidade estava, exatamente, na falta da prática da redução
sociológica por parte dos teóricos das organizações. Segundo
nosso autor, a inadequação conceitual na teoria da organização
era singular: ela ocorria em virtude de os transplantadores
conceituais, via de regra, não se darem conta das
particularidades das organizações formais, bem como de não
perceberem que estas eram “afetadas por diversos tipos de
socialidade” e que possuíam, por sua vez, “diferentes graus de
intensidade” (Idem, p. 72).
199
O fato era crítico, pois fazia da
teoria da organização um campo do saber indiscriminadamente
receptivo a influências das mais diferentes áreas do
conhecimento, a ponto de, em meio a tantas transposições, tal
teoria “ter perdido a consciência de sua missão específica” (Idem,
p. 69), ao colocar-se ao dispor dos mecanismos de mercado
200
, no
sentido de visar a conformação total do indivíduo à organização
formal, conformação a qual se chamou atenção no capítulo
anterior.
Neste ponto se encontra, portanto, o cerne da proposição
de delimitação organizacional de Guerreiro Ramos, ou seja, a de
que somente por meio de uma “visão delimitativa do plano
organizacional” seria possível se superar a compreensão
“errônea” que as teorias da organização possuíam sobre o que
seria a natureza da pessoa” e da própria organização (Idem, p.
81). Como dissemos em outra parte deste capítulo, foi a
expansão desenfreada de um tipo peculiar de organização a
organização formal de caráter econômico que colaborou para a
199
Recorrendo a Gurvitch, que diferenças substancias nas formas de
socialidade entre massa, comunidade e comunhão, Guerreiro Ramos afirma
que “muitos autores o levados a extrapolações injustificadas, exatamente
na medida em que não tomam conhecimento do fato de que o terceiro tipo
de socialidade comunhão tem a menor das funções estruturais no
contexto das organizações formais.” (Idem, p. 72)
200
Foi por este motivo que Guerreiro Ramos acusou a ciência administrativa de
ter se apropriado, de maneira inadequada, de alguns conceitos como, por
exemplo, os de autenticidade, alienação, saúde ou sanidade, todos eles
visando a total integração entre pessoas e organizações.
310
consolidação efetiva do mercado como foco central e articulador
da modelação e ordenação da sociedade centrada no mercado.
Isto porque, à proporção que o mercado se transformou na força
modeladora da sociedade, o tipo de organização que
correspondia às suas exigências veio a assumir o caráter de
paradigma em termos de design organizacional.
Ora, segundo as entendia Guerreiro Ramos, as
organizações seriam sistemas cognitivos
201
, querendo isso dizer
que, expandir determinado tipo específico de organização,
deliberadamente, seria o mesmo que levar a efeito de expansão
o seu padrão cognitivo; nesse caso, a expansão das organizações
formais de caráter econômicos representou a expansão,
concomitante, dos padrões cognitivos do mercado. Tais padrões,
por sua vez que também são decorrentes desse processo
expansivo sem precedentes na história transformaram-se em
política cognitiva
202
, que, apesar de ser parte constitutiva de
toda e qualquer organização, independentemente de que
natureza essa seja, esta representaria, nos dias atuais, “a moeda
corrente psicológica da sociedade centrada no mercado (Idem,
p. 90).
Ainda como resultado da expansão do mercado, o
sociólogo apontou um processo de unidimensionalização
201
Essa característica exprime um fato importante: por serem sistemas
cognitivos, os membros de uma organização em geral assimilam,
interiormente, tais sistemas e assim, sem saberem, tornam-se pensadores
inconscientes. Mas o pensamento organizacional pode passar a ser
consciente e sistemático, quando articulado de maneira fundamentalista.
Esse tipo de pensamento é característico de teóricos, que articulam o
sistema cognitivo inerente a um tipo particular de organização como sendo
um sistema normativo e cognitivo geral.” (Idem, p. 50) (destaque no original)
202
Política cognitiva “consiste no uso consciente ou inconsciente de uma
linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem a
realidade em termos adequados aos interesses dos agentes diretos e/ou
indiretos de tal distorção (Idem, p. 87). Os articuladores conscientes dessa
política são designados por Guerreiro Ramos como “agentes da política
cognitiva”, estando os “mais conscientes deles” engajados em ‘atividades de
comunicação e publicidade’, e têm como propósito “influenciar a
interpretação que o povo dá à realidade” (Idem, p. 91).
311
humana.
203
A proliferação das organizações econômicas teve
repercussões significativas na forma de vida social e individual
das pessoas, pois a mesma acabava por gerar a
unidimensionalização por contágio organizacional. O processo de
unidimensionalização humana ocorria à medida que o indivíduo
interagisse com as organizações economicistas, introjetando a
dimensão econômica e passando a reproduzi-la socialmente,
reprimindo, então, outras dimensões inerentes à sua natureza. Na
realidade, o indivíduo, sem ter consciência da ideologia que lhe
reprimia as outras dimensões, tornava-se, ele próprio, “um
propagador”.
Foi sob o efeito da política cognitiva, portanto, que os
teóricos e praticantes organizacionais vieram a identificar a
natureza humana, em geral, com a ndrome de comportamento
inerente à sociedade centrada no mercado, ou seja,
transformaram “a pessoa humana num homem de organização”;
definiram o homem como o alegre detentor de emprego um
ator despersonalizado que encontra no ambiente formal de
trabalho o locus apropriado para a realização humana;
identificaram a comunicação humana com a comunicação
instrumental. Em síntese, o conhecimento organizacional típico
era, em realidade, uma eliminação do senso comum: ao ceder às
“influências projetadas, a maioria das pessoas perde a
capacidade de distinguir entre o fabricado e o real e, em vez
disso, aprende a reprimir padrões substantivos de racionalidade,
beleza e moralidade, inerentes ao senso comum” (Idem, p. 114).
Para Guerreiro Ramos, a teoria da organização nunca
203
A unidimensionalização é conseqüência da institucionalização do mercado
como paradigma para a organização da vida humana associada. Guerreiro
Ramos sintetiza bem a questão levantada por Marcuse quando afirma que a
“unidimensionalização é um tipo específico de socialização, através da qual o
indivíduo internaliza profundamente o caráter - ethos - do mercado, e age
como se tal caráter fosse o supremo padrão normativo de todo o espectro de
suas relações interpessoais” (Idem, p. 142)
312
passou em exame a epistemologia inerente ao sistema de
mercado, o que fez com que, em seu arcabouço teórico, pontos
cegos continuassem a existir. De modo geral eles podiam assim
ser resumidos: primeiramente, a teoria organizacional não
distinguia, de modo sistemático, a racionalidade instrumental da
racionalidade substantiva, o que a levava a confundir o
comportamento econômico com a totalidade da natureza
humana; em segundo lugar, era obscura para essa teoria a
distinção que havia entre o significado substantivo e o significado
formal de organização, fazendo com que a segunda servisse
como paradigma para as organizações em geral; em terceiro
lugar, por ser expressão da ideologia do mercado, a teoria formal
de organização negligenciava os aspectos envolvidos na
interação simbólica; e quarto, por apoiar-se em uma visão
mecanomórfica da atividade produtiva do homem, ela não
conseguia fazer distinção entre trabalho e ocupação. Neste ponto
vale a pena insistir nesta diferença conceitual.
Nas sociedades que antecederam a sociedade de
mercado, e que eram dotadas de “algum grau de diferenciação
social”, adverte Guerreiro Ramos, havia uma clara distinção entre
“atividades ou ocupações superiores e inferiores, do ponto de
vista de uma classificação existencial” (Idem, pp. 129-130). Em
decorrência dessa distinção, era possível se afirmar como
atividades de categoria existencial superior aquelas “exercidas
autonomamente pelo indivíduo, de acordo com seu desejo de
realização pessoal”, e como atividades de categoria existencial
inferior, aquelas “determinadas externamente por necessidades
objetivas e não pela livre deliberação pessoal” (Idem, p. 130). É
esse, portanto, o ponto de partida para o nosso autor distinguir
“trabalho” e “ocupação”.
204
Esta diferenciação é fundamental para a compreensão da
204
Sobre esta distinção ver a nota 19 do capítulo 13.
313
proposta guerreiriana, uma vez que ela chama a atenção para
tipos diferentes de atividades nas quais os homens e as mulheres
podem se engajar, evocando, assim, diferentes espaços
organizacionais que contemplem o desenvolvimento dessas
atividades, algo que aponta para a importância da teoria da
delimitação dos sistemas sociais.
A teoria da delimitação dos sistemas sociais
A proposta guerreiriana de delimitação dos sistemas
sociais veio a público pela primeira vez por meio de seu artigo
Theory of social systems delimitation: a preliminary statement,
205
publicado em 1976, no qual o autor consolidava as bases
conceituais do terceiro sentido básico que houvera atribuído ao
termo redução sociológica”, em 1958, ou seja, o de “superação
paradigmática” da ciência social nos moldes institucionais e
universitários em que se encontrava articulada. Assim, Guerreiro
Ramos apresentava à academia a linha teorética básica que daria
sustentação a uma série de pesquisas que estavam sob sua
orientação e que discutiam uma alternativa para a análise e o
desenho de sistemas sociais.
Desde então, diversas publicações têm abordado o
assunto em seus mais variados veis analíticos. E. Dunn (1976)
foi um dos primeiros a propagar as idéias a respeito da
delimitação de sistemas sociais, seguido de outros estudos, como
os de Najjar (1978) e Dennis (1978), bem como de diversas teses
de doutorado que foram apresentadas na University of Southern
Califórnia (USC), onde Guerreiro Ramos lecionou de 1967 a 1982.
205
Muito embora se saiba que na trajetória da teoria delimitativa proposta por
Guerreiro Ramos encontram-se outras obras, como por exemplo “Situação
atual da sociologia” (apêndice I de A redução sociológica), Modernization:
towards a possibility model (1970c) e Administração e estratégia do
desenvolvimento (1966), tal teoria foi exposta, concretamente, com a
publicação de Theory of social systems delimitation: a preliminary statement
(1976).
314
Todos esses trabalhos e teses contribuíram significativamente
para a formalização decisiva da teoria de delimitação dos
sistemas sociais, que tomou a sua forma acabada em 1981, com
o lançamento do livro A nova ciência das organizações: uma
reconceituação da Riqueza das Nações. Foi a partir do
lançamento dessa obra que a teoria da delimitação ganhou
relevância no Brasil. Todavia, o falecimento repentino de
Guerreiro Ramos, em abril de 1982, interrompeu a agenda de
pesquisas que o mesmo havia traçado, de acordo com o que dizia
ele no prefácio para a edição brasileira de seu livro:
A Nova ciência das organizações é, assim, produto de cerca de
30 anos de pesquisa e reflexão. Mas ele o articula tudo
aquilo em que a nova ciência consiste. Apenas começa uma
nova fase da explicação da proposta de trabalho teórico e
operacional, que espero consumar durante o resto de minha
vida. (1981a, p. XVII) (grifos no original)
Parte dessa fase a qual se refere Guerreiro Ramos na
passagem acima foi posta em forma de agenda de pesquisa e
estava diretamente voltada para analisar, segundo o paradigma
da delimitação, o modelo econômico que o governo brasileiro
estava implementando no início dos anos oitenta. Algumas de
suas análises foram publicadas em forma de ensaios no Jornal do
Brasil (1978a, 1978b, 1979a, 1979b, 1979c, 1979d, 1981b,
1981c, 1981d, 1981e, 1981f, 1981g, 1981h). Outras, ainda,
publicadas pela Universidade Federal de Santa Catarina (1980a;
1980b).
Na realidade, foi somente após a publicação do seu
último livro que Guerreiro Ramos se considerava apto para
empenhar esforços nas derivações de sua proposta de nova
ciência das organizações, o que o levou, por conta disso, a
pleitear, junto à USC, licença sabática, a fim de desenvolver
melhor esses estudos, principalmente em dois campos, a saber, o
da ciência política e o da bioeconomia, esta última preocupada
315
com a sobrevivência da espécie humana no planeta e com as
políticas públicas necessárias para o efetivo gerenciamento de
sistemas de recursos internacionais.
Uma vez tendo passado em revista a ciência social
moderna, Guerreiro Ramos começa a empenhar um maior esforço
na denúncia da unidimensionalização que acometia o modelo de
concepção e análise de sistemas sociais que então predominava
em áreas do conhecimento tais como a da administração, a da
ciência política, a da economia e a da ciência social em geral.
Unidimensional, pois, segundo a sua percepção, tratava-se, em
verdade, de um mero reflexo do paradigma moderno que
pressupunha o mercado como categoria primordial de ordenação
das relações pessoais e sociais. É neste sentido que segue a sua
crítica à teoria organizacional formal, a qual, amparada naqueles
pressupostos, identificava as organizações como uma mera
extensão do mecanismo do mercado, ou seja, como organizações
formais de caráter econômico, e propagava uma concepção muito
restrita de recursos e de produção.
Também, segundo o autor, cabia reconhecer que a
sociedade centrada no mercado e o caráter social que ela
engendrava eram eventos recentes na história, mas que, por um
processo científico de indução, elevaram-se ao estatuto de
verdade” pela ciência social moderna, de tal modo que fatos
episódicos, em termos históricos, foram convertidos em conceitos
basilares desta ciência; além disso, a visão de que a sociedade de
mercado representava o estágio final na serialidade das fases
históricas das nações firmou-se como instrumento analítico para
todas as sociedades. Deste modo, ao adotar tal visão, esta
análise pecava não somente por deixar em uma zona de
penumbra vários tipos de sociedades que não se enquadravam
neste modelo de sociedade de mercado, como também por
316
impingir a todas as formas sociais um padrão serial e
unidimensional de comportamento em vista do alcance da
condição avançada deste modelo. A acusação desta
unidimensionalidade serialista que enviesava a ciência social de
seu tempo foi feita pelo sociólogo baiano não apenas no que se
refere a sua análise de macro e micro sistemas sociais, como
também em seus estudos sobre uma das vertentes dessa ciência
social, a saber, a teoria de modernização, à qual ele desferiu
críticas severas (GUERREIRO RAMOS, 1970c).
206
Tal
comprometimento histórico da ciência social refutava, aos olhos
do autor, o pressuposto de isenção de valor que afirmava esta
ciência. Na verdade, a ciência social moderna era de fato
normativa, na medida em que acolheu em seu arcabouço uma
determinada forma histórica como padrão analítico, tratando-se,
portanto, em essência, de uma ideologia anglo-saxônica.
A proposta delimitativa de sistemas sociais feita por
Guerreiro Ramos tentou, justamente, romper com essas formas
unidimensionalizadoras que eivavam as ciências sociais e a teoria
das organizações. O ponto fundamental desta teoria é a noção de
delimitação organizacional, esta que envolveria dois tópicos:
primeiramente, considerava que a sociedade era constituída de
uma variedade de enclaves (entre os quais o mercado), o que
proporcionaria ao homem o empenho em diferentes modos de
atividades, algumas instrumentais e outras substantivas; em
segundo lugar, ele tinha em vista “um sistema social de governo
capaz de formular e implementar as políticas e decisões
distributivas requeridas para a promoção do tipo ótimo de
transações entre tais enclaves” (Idem, p. 140). Os pressupostos
206
No que se refere a questão alocativa de recursos, muitas nações
começaram a acreditar que a alocação de recursos segundo os critérios
exclusivista do mercado seria a forma adequada para buscar o
desenvolvimento. Como conseqüência, critérios de eficiência começaram a
predominar nas análises e formulações de políticas públicas, tal como
acusaram nos anos setenta Tribe (1971, 1973, 1976), Churchman (1971) e
Kramer (1975).
317
que Guerreiro Ramos levou em consideração para o esboço de
sua teoria derivaram da síntese de sua revisão sobre a ciência
social moderna; eles seriam os seguintes:
1. os limites da organização deveriam coincidir com seus
objetivos. Nessa conformidade, a delimitação
organizacional está, primordialmente, interessada na
delimitação das fronteiras específicas da organização
econômica.
2. a conduta individual, no contexto das organizações
econômicas, está, fatalmente, subordinada a
compulsões operacionais, formais e impostas. Assim
sendo, o comportamento administrativo é
intrinsecamente vexatório e incompatível com o pleno
desenvolvimento das potencialidades humanas.
3. a organização econômica é apenas um caso particular
de diversos tipos de sistemas microssociais, em que as
funções econômicas são desempenhadas de acordo
com diferentes escalas de prioridades. A importância do
comportamento administrativo diminui, quando se
parte de sistemas sociais planejados para a obtenção
de lucro e se caminha no sentido de sistemas sociais
mais adequados à realização humana.
4. uma abordagem substantiva da teoria organizacional
preocupa-se, sistematicamente, com os meios de
eliminação de compulsões desnecessárias agindo sobre
as atividades humanas nas organizações econômicas e
nos sistemas sociais em geral. Em outras palavras, tal
abordagem reconhece que, por sua própria natureza, o
comportamento administrativo constitui atividade
humana submetida a compulsões operacionais. Todavia,
essa abordagem está interessada em meios viáveis de
redução, e mesmo de eliminação, de descontentamento
e com o aumento da satisfação pessoal dos membros
das organizações econômicas.
5. as situações em que os seres humanos se defrontam
com picos relativos à própria realização
adequadamente entendidas, tem exigências sistêmicas
diferentes daquelas que atendem aos contextos
econômicos. (Idem, p. 134-135)
Como podemos perceber, no cerne mesmo desse modelo
delimitativo está a preocupação de desaprisionar o homem dos
modelos de comportamento e das formas de cognição que o
sistema social do mercado e as organizações econômicas a ele
318
correspondentes tentavam lhe impor. Mas, se pensar em um
modelo de delimitação que pudesse auxiliar os agentes públicos
e privados na configuração e na promoção de espaços sociais
múltiplos permitidos por meio de uma contenção do poder
expansor do mercado também sugere que o basta apenas a
atitude parentética do homem em elegê-los e em se suprimir aos
efeitos dessas forças expansoras, sendo imprescindível a
organização de um arranjo social que possibilite a concretização
dessas escolhas parentéticas, daí a grande importância que
Guerreiro Ramos conferia ao papel do Estado neste processo.
Com base nestas preocupações, Guerreiro Ramos se
propôs a responder à problemática levantada por Hannah Arendt
(1999), qual seja a de constituir, em seu esquema, “lugares
adequados”
207
que permitissem ao homem contemporâneo o
exercício de atividades voltadas para a excelência. Para isso,
Guerreiro Ramos julgava necessária uma formulação tipológica
dos interesses humanos e dos correspondentes cenários sociais
onde esses interesses pudessem “ser propriamente considerados
como tópicos do desenho organizacional” (Idem, p. 135). Assim,
lançou o autor as diretrizes que se faziam necessárias para que a
reformulação da teoria da organização fosse levada a cabo,
assumindo um pressuposto antropocêntrico: o de que a
sociedade deveria existir para o homem, ser por ele estruturada,
e não o inverso. Com base nisto, ele postulou:
1. o homem tem diferentes tipos de necessidades, cuja
satisfação requer múltiplos tipos de cenários sociais. É
possível o apenas categorizar tais tipos de sistemas
sociais, mas também formular as condições
operacionais peculiares a cada um deles.
207
Este último tópico, especificamente, é devedor de Hannah Arendt (1999, p.
59), para quem era urgente a necessidade de lugares adequados no
contexto da tessitura social, para que o homem pudesse exercer atividades
“excelentes”. Neste sentido, podemos dizer que a obra de Guerreiro Ramos
tenta dar continuidade, principalmente nesse tópico, às proposições de
Arendt.
319
2. o sistema de mercado atende a limitadas
necessidades humanas, e determinam um tipo
particular de cenário social em que se espera do
indivíduo um desempenho consistente com regras de
comunicação operacional, ou critérios intencionais e
instrumentais, agindo como um ser trabalhador.
3. diferentes categorias de tempo e de espaço vital
correspondem a tipos diferentes de cenários sociais. A
categoria de tempo e espaço vital exigida por cenário
social de natureza econômica é apenas um caso
particular entre outros, a ser discernido na ecologia
global da existência humana.
4. diferentes sistemas cognitivos pertencem a diferentes
cenários organizacionais.
5. diferentes cenários sociais requerem enclaves distintos,
no contexto geral da tessitura da sociedade, contudo,
vínculos que os tornam inter-relacionados. Tais nculos
constituem ponto central do interesse de uma
abordagem substantiva do planejamento dos sistemas
sociais. (Idem, p. 136)
Diante disso, Guerreiro Ramos articulou a teoria da
delimitação dos sistemas sociais, em cujo cerne está o paradigma
para-econômo (ver figura 3, abaixo). Este paradigma vislumbrava
categorias delimitatórias do espaço econômico, baseando-se nas
necessidades de realização pessoal do homem. Pressupunha esse
paradigma que, para realizar-se, o indivíduo intentava, sempre,
libertar-se da dependência total do mercado em sua qualidade de
economizador, a fim de que pudesse ter algum grau de auto-
suficiência enquanto um confrontador dos critérios do mercado,
agindo de forma racional substantiva ou noética. Eis, assim, o
esquema deste paradigma:
320
Isonomia
Fenonomia
Ausência de normas
Prescrição
Motim
Economia Isolado
Anomia
Orientação comunitária
Orientação individual
Figura 3: Paradigma Para-econômico
Fonte: Guerreiro Ramos (1981, p. 141)
Segundo informa esse paradigma, a delimitação dos
enclaves sociais na tessitura da sociedade dar-se-ia por
intermédio da combinação de duas dimensões: a orientação
individual x comunitária e a prescrição x ausência de normas.
Além de contemplar espaços livres de prescrições impostas para
a auto-realização humana, o paradigma contempla tanto
ambientes pequenos, exclusivos, quanto ambientes comunitários,
de tamanhos regulares. Em tais ambientes, é esperado que os
indivíduos possam ter ação adequada às suas necessidades de
realização pessoal, ao invés de comportarem-se adequadamente
de forma a corresponder às expectativas da realidade
condicionada pelos padrões do mercado.
208
Todas as categorias do paradigma receberam de
Guerreiro Ramos o caráter de tipo-ideais. Assim, a anomia é
concebida como uma situação estanque, onde ocorre o
208
Nos ambientes que obedecem à orientação individual, normalmente as
prescrições são auto-impostas. nos ambientes comunitários, dada a
presença das economias, as prescrições podem ser impostas ou obtidas por
consenso. Nas comunidades que visam a atualização humana, impera o
consenso na determinação das normas operativas, enquanto que nas
comunidades voltadas para a maximização da utilidade, imperam as normas
impostas.
321
desaparecimento da vida pessoal e social. Indivíduos anômicos,
na realidade, são desprovidos de normas e de raízes, não
possuindo compromissos com normas operacionais, o que quer
dizer que são incapazes de compatibilizar as suas vidas com um
projeto pessoal. A categoria motim (ou turba), por seu turno,
refere-se a uma coletividade desprovida de normas, cujos
membros possuem pouca, ou nenhuma, noção de ordem social. A
economia é entendida como uma forma organizacional ordenada
e que é estabelecida para a produção de bens e/ou para a
prestação de serviços; refere-se à organização típica da
sociedade centrada no mercado, ou seja, a organização formal de
caráter econômico. As características mais comuns desse tipo de
organização são a especialização de papéis e tarefas, a
predominância de normas autônomas, racionais e impessoais e a
orientação geral para a realização racional e eficiente de
objetivos específicos. Representa a fenonomia um sistema social
constituído por uma pequena agremiação, inclusive podendo ser
individual, onde a opção pessoal é máxima e as prescrições
operacionais formais mínimas; caracteriza-se pela automotivação,
pela consciência social ligada à preocupação do indivíduo com a
sua idiossincrasia e pela liberação de criatividade. Nela, os
critérios econômicos se fazem presentes apenas de forma
incidental. A categoria designada de isolado acolhe aquele
indivíduo que acredita que o mundo social é inteiramente
incontrolável e sem remédio. A sua sobrevivência, portanto,
requer um lugar no qual ele, de maneira consciente, viva
segundo suas próprias crenças. A isonomia é um contexto onde,
tipicamente, todos os indivíduos membros são iguais e as
prescrições mínimas, estabelecidas por consenso. Além disso, na
isonomia as pessoas estão sempre dispostas a terem relações
interpessoais primárias.
Como podemos observar, trata-se, em verdade, de uma
322
expansão daquilo que o autor havia rascunhado (Figura 1 e 2) em
um momento anterior. Em termos formais, percebemos que o
autor agregou a seu modelo uma sexta categoria não
contemplada em seu primeiro esboço, qual seja, a categoria de
“motim” ou “turba” (Mob). Em razão das semelhanças entre
algumas das categorias anteriores, estas foram condensadas em
tipos sociais mais extensos, como no caso dos tipos
organizacionais burocráticos e adhocráticos que se condensaram
na categoria maior da economia, quando de seu paradigma
paraecomômico. Comparado com seu primeiro esboço, em
termos materiais, a proposta do paradigma paraeconômico
avança-o nos seguintes sentidos: Primeiro, porque considera que
a atitude parentética seria ela mesma uma pré-condição para
emergência dessesltiplos espaços sociais, no sentido de que o
seu ator perpassa os mais diferentes enclaves sociais, não se
atendo exclusivamente a algum deles. O homem parentético,
portanto, estaria em qualquer lugar, mesmo que a fenonomia
seja para ele o enclave social correspondente às suas
necessidades psicológicas. Além disso, no momento em que
apresenta o paradigma para-econômico Guerreiro Ramos já tinha
clara consciência do quanto era fundamental a questão
delimitativa do mercado. Nos seus primeiros gráficos o enclave
econômico não aparecia de maneira distinta, muito embora seja
possível especular acerca de sua presença de modo implícito.
Vale frisar também que não no paradigma para-econômico
uma correspondência de tipos de homem a cada um dos enclaves
sociais. Além disso, se antes a preocupação de Guerreiro Ramos
era a de identificar modelos organizacionais, no seu paradigma
posterior seu intento era, primordialmente, de propor um modelo
de análise de sistemas sociais multicêntricos para fins de balizar
decisões acerca da alocação de recursos na sociedade.
O Modelo Multidimensional proposto por Guerreiro Ramos
323
e designado de Paradigma Para-econômico pode, sinteticamente,
ser entendido como um modelo e paradigma multicêntrico de
alocação de recursos que reconhece a legitimidade do mercado,
mas o toma de modo limitado e regulado politicamente. Tal
modelo expande a noção de recursos e de produção reduzidas
que foram pelo mercado apenas a insumos e produtos de
atividades de natureza econômica –,que leva em consideração
tanto as atividades remuneradas quanto as não-remuneradas, o
que significa dizer que o indivíduo não é visto apenas como um
“detentor de emprego”, tal como a economia clássica o
considerava. Neste sentido, o paradigma para-econômico
vislumbra outras categorias (ou enclaves) de sistemas sociais
(principalmente a isonomia e a fenonomia) onde o indivíduo pode
tentar viabilizar o seu projeto pessoal de vida, engajando-se em
atividades que guardem relação direta com a sua necessidade
pessoal de auto-realização. Em termos específicos, uma das
finalidades da para-economia é tentar assegurar ao indivíduo a
possibilidade de conviver em espaços sociais onde as orientações
do mercado sejam incidentais, combatendo a soberania dessa
instituição sobre outros espaços existenciais humanos. Em outras
palavras, ela restitui a multidimensionalidade humana que foi
tomada pelo mercado no momento em que o mesmo passou a
ocupar quase todas as esferas da vida humana individual e
associada. Para tanto, julga necessário um sistema de governo
capaz de formular e implementar políticas e decisões alocativas
requeridas para otimizar as transações entres os diversos
enclaves.
Esta questão alocativa de recursos ganha destaque, no
paradigma para-econômico, quando ele contrapõe sistemas de
transferências bidirecionais de recursos, adotado pelo mercado,
aos sistemas de transferências unidirecionais, necessários à
manutenção de sistemas sociais outros que não o econômico. Por
324
transferência bidirecional o autor entende aquelas que derivam
lucro ou vantagem para o provedor. Por exemplo: A provê B de
recursos com os quais B produz algo de que A deriva lucro ou
vantagem. No paradigma para-econômico, sua característica é a
defesa tanto de transferências bidirecionais quanto unidirecionais
de recursos. A presença das transferências unidirecionais deve-
se, principalmente, porque a qualidade e o desenvolvimento de
uma sociedade não resultam apenas das atividades produtivas do
mercado. Como informa o autor, “qualidade e desenvolvimento
resultam também de uma variedade de produtos, distribuídos
através de processos alocativos que não representam troca”
(Idem, p. 179). Por isso a necessidade de implementação de
diretrizes alocativas na sociedade com transferência em sentido
único, entendidas estas como transferência unidirecionais
aquelas que indiretamente beneficiam o provedor ao melhorar a
qualidade ambiental da sociedade
209
. Estes sistemas
unidirecionais têm função específica de promover um senso de
coesão e integração de alvos e ideais entre o provedor e o
receptor (NAJJAR, 1978), distinto do senso de dependência que
hoje caracteriza o discurso de função social das empresas”. Do
mesmo modo, a alocação unidirecional atuaria como forma até
mesmo de, em alguns casos, afastar os indivíduos das “garras”
do mercado, provendo-os de condições materiais de se manterem
ativos em seus enclaves.
O paradigma para-econômico leva em consideração que
a existência de políticas normativas, tanto como substantivas de
alocação de recursos na sociedade, são fundamentais, caso se
deseje realmente, como dizia o sociólogo brasileiro, “elevar o
status qualitativo do sistema social em dimensão macro (Idem,
p. 182). Nestes termos, a análise de políticas públicas segundo a
perspectiva da para-economia parece divergir das metodologias
209
Devemos entender este tipo de melhoria em todos os níveis, entre eles o
social e psíquico dos indivíduos.
325
institucionalizadas para tal análise (VIANA, 1996), principalmente
porque toma a questão da realização humana como foco, sendo,
assim, antropocêntrica, pois que se preocupa com dimensões
simbólicas-normativas das atividades, e reclama a existência de
sistemas unidirecionais de alocação de recursos na sociedade.
Neste sentido, as políticas públicas não devem deixar de
atentar para a função que enclaves como isonomias e
fenonomias possuem nos dias atuais. Quanto à fenonomia, por
exemplo, cuja caracterização seria a de um contexto para
pessoas altamente criativas e que estejam ocupadas em
desenvolver projetos pessoais de vida, percebemos que os
elaboradores de políticas públicas não podem passar imunes aos
novos direcionamentos que ela aponta. Esta possibilidade, ou
seja, a de que os indivíduos estejam entregues às suas questões
pessoais, pouco atrai recursos por parte do sistema de mercado,
haja vista que o desencadeamento de tal investida pode não se
concretizar em possibilidade de lucro. As isonomias, por sua vez,
guardam características que as empresas não podem fornecer. As
tentativas atuais, isto é, de integração humana no contexto
empresarial, não têm resultado mais do que em aprisionamento
ideológico ao sistema de mercado, cujo fim, na realidade, é a
exclusão dos objetivos pessoais e a sua transfiguração para os
objetivos do negócio. Desta feita, questões que somente
ambientes isonômicos podem ajudar os indivíduos a resolverem,
como é o caso da criação de senso de comunidade.
A preocupação guerreireana acerca das mazelas que o
sistema de mercado causava à psique humana e ao todo social
permanece atual e legítima. Mais recentemente, somam-se às
suas, outras críticas severas que têm sido deferidas à instituição
do mercado. De maneira geral, essas críticas fazem referências
às conseqüências para o homem que a sociedade centrada no
326
mercado tem acarretado (RODWIN & SCHON, 1994; HIRSCHMAN,
1996; MOORE JR., 1999; KUTTNER, 1998; SENNETT, 1999). Robert
Lane, por exemplo, em The market experience, usa vasta
literatura, tanto de origem psicológica quanto sociológica, para
fundamentar a sua opinião de que o mercado, em vez de cumprir
com a antiga promessa de felicidade para todos, pelo contrário,
sabota a verdadeira felicidade humana. Segundo ele,
corroborando a idéia de Guerreiro Ramos, o mercado opera uma
verdadeira ilusão de ótica, ou seja, distancia as pessoas da
possibilidade de dominarem suas vidas e se conduzirem para os
aspectos que realmente lhes importa.
Semelhante acusação também é desferida por Sennett
(1999). Para ele, o conflito maior que o capitalismo em sua atual
fase traz para o indivíduo guarda relação com o caráter humano,
ou mais precisamente com a corrosão que o mercado opera no
caráter humano. O indivíduo moderno não consegue encontrar
narrativa para a sua própria vida dada a flexibilidade produtiva
que hoje impera nas empresas. Afirma Sennett que o capitalismo
de curto prazo corrói o caráter dos homens, “sobretudo aquelas
qualidades de caráter que ligam os serem humanos uns aos
outros, e dão a cada um deles um senso de identidade
sustentável”(1999, p. 27).
Claro nos parece, assim, que não as críticas, mas
também a proposta de Guerreiro Ramos guarda pertinência,
frente ao atual estado de esgotamento a que chegou o modelo de
sociedade centrada no mercado. Afora a necessidade de se
atualizar um ou outro de seus pressupostos, o modelo de
delimitação de sistemas sociais como orientação de viabilidade
social e de decisões políticas que a concretizem podem ainda
hoje servir como parâmetro para boa parte das nações, tanto as
ntricas quanto as não-cêntricas.
327
C o n c l u s ã o
Esta tese parte da sugestão de Mark Bevir para que os
intérpretes das obras dos autores do passado, antes de
preocuparem-se com as contradições, inconsistências e
incoerências de determinado autor, procurem orientar sua análise
pela pressuposição de coerência entre as crenças sustentadas
pelo autor, tanto sincronicamente, quanto ao longo do tempo de
produção de sua obra. Tal pressuposição não se traduz na o
aceitação de contradições e incoerências, ou no desconhecimento
de que, freqüentemente, as crenças são ideologicamente
motivadas, mas sustenta que a detecção de tais dimensões das
idéias de um autor é logicamente dependente da postulação
prévia de coerência, uma vez que a mente humana está
submetida a pressões de coerência associadas ao esforço de
estabilização da identidade de nosso ser no mundo. Foi este
pressuposto que nos levou a perguntar que convicções
perpassaram os escritos poéticos, literários, sociológicos,
políticos, além dos discursos parlamentares e administrativos,
elaborados por Guerreiro Ramos ao longo de seus mais de
quarenta anos de produção intelectual. Obviamente que uma
investigação exaustiva da totalidade dessas convicções seria uma
tarefa impossível, e a consciência disso nos afastou da
possibilidade de acumular frustrações neste sentido. Assim, nós
nos perguntamos pelas convicções guerreirianas mais
evidentemente expressas e constantes ao longo de sua trajetória
intelectual e pessoal, dentro do que nos permitiram os materiais
dos quais nos servimos para a realização desta tese e do tempo
que possuíamos para concretizá-la. Para tanto, procuramos nos
centrar nas inter-relações entre alguns conceitos fundamentais
para o autor, em nosso ponto de vista, e em algumas crenças e
328
posicionamentos afirmados e reafirmados por ele ao longo de sua
trajetória. Foram estes posicionamentos que nos levaram a
sustentar a tese de que em Guerreiro Ramos é possível encontrar
uma teorização da vida humana associada marcantemente
antropocêntrica. que se destacar, aqui, em termos
conclusivos, portanto, o teor desse antropocentrismo.
A idéia de homem como centro pugnada por Guerreiro
Ramos não deve ser confundida com a idéia do humanismo
antropocêntrico moderno, este que foi condenado pelo autor, à
época em que seu pensamento guardava grande afinidade com a
tese de um Humanismo Integral, marcantemente espiritualizado,
cujo maior elaborador foi o filósofo francês Jacques Maritain e o
filósofo Russo Nicolas Berdyaev. Neste sentido, a noção de pessoa
humana, como dubiedade indissolúvel e inafastável entre a
materialidade secular e a espiritualidade eterna, evocada por
esse humanismo (integral), procurava restituir ao ser humano
aquilo que a noção de indivíduo lhe havia retirado, isto é, sua
relação com a divindade, com o eterno, bem como reposicioná-lo
ao seu lugar de centro no universo. Esse humanismo uma
recuperação do humanismo clássico mesmo que tenha sofrido
algumas atualizações ao longo da vida intelectual de nosso
sociólogo, manteve-se, como uma profunda crença, em várias de
suas defesas e posicionamentos, entre os quais podemos
mencionar a sua idéia de indissociabilidade entre o pensamento e
a ação, o seu personalismo e luta pela personalização, a defesa
da liberdade (e da criatividade a ela relacionada) como condição
primordial do ser humano e a retomada da razão centrada no
sujeito.
De acordo com Guerreiro Ramos, a Era Moderna
inaugurou um intenso processo de despersonalização humana,
para o qual colaboravam as suas principais instituições. Em
329
princípio, de maneira indiferenciada, Guerreiro Ramos denunciava
a civilização, como um todo, neste processo, responsabilizando a
secularização a que ela estava entregue pelas mudanças
substantivas ocorridas acerca da concepção de homem e de vida
humana associada. Diante disso, o Humanismo Clássico foi vítima
de um profundo questionamento, tendo sido reconfigurado sobre
novas bases, estas agora não mais espirituais, mas humanas,
demasiadamente humanas, de modo tal que foi adjetivado de
humanismo antropocêntrico. Assim, desespiritualizado, largado
ao secular e material, o homem foi vítima de uma civilização que,
ela mesma, passou a instrumentalizá-lo, e ele se tornou um ser
gregário, despersonalizado, em ntese, um indivíduo. Foi contra
este estado moderno da civilização, contra esta concepção de
natureza humana e da vida humana associada que ela sugeria
que Guerreiro Ramos se opôs quando jovem. Assumindo que
havíamos chegado ao esgotamento (ou decadência) destas
fórmulas, e negando o que então se afirmava como alternativas a
elas (comunismo e fascismo), o autor pugnou por um novo
homem e por uma nova civilização em bases personalistas.
Mais tarde, com sua perspectiva sociológica formada,
e inspirado na “grande transformação narrada por Polanyi, o
sociólogo encontrou na expansão da economia de mercado o
elemento raiz desse processo de despersonalização, elemento
que acabou enviesando a ciência social (sociologia, psicologia,
ciência política, economia, administração) surgida em seu
contexto de emergência. A esta ciência social comprometida com
a contingência ideológica da sociedade de mercado, Guerreiro
Ramos negou sua cientificidade e a acusou de obstaculizar os
processos de personalização do homem e das coletividades,
permeadas que eram pelo etnocentrismo que acometia o sentido
de muitas de suas categorias. Premente era, portanto, para o
autor, a construção dessas ciências sob novas bases.
330
Os escritos poético-literários guerreirianos, antes dos
anos 40, estão todos eles permeados, ou pela defesa do
humanismo personalista ou são a expressão de sua própria luta
pela personalização, o que está presente, com maior evidência
em seu livro de poesias O drama de ser dois. Neste momento de
sua trajetória intelectual a noção de pessoa se apresenta como
fundamental, e denuncia uma forte influência de pensadores
como Maritain e Berdyaev, deste último, principalmente. Ficou-
nos evidente que o recurso a essas influências denotavam um
apego guerreiriano ao Humanismo Clássico, numa vertente
greco-judaico-cristã, em detrimento do Humanismo Moderno.
A idéia de personalização tinha forte conotação
axiológica para Guerreiro Ramos e nisto residia sua crítica à
modernidade, haja vista que esta confundia personalidade com
individualidade. Ora, para o sociólogo brasileiro, e nisto ele seguia
de perto o pensamento de Nicolas Berdyaev, a personalidade
seria elemento essencial humano ou, melhor dizendo, o homem
seria personalidade por espírito. Personalidade seria liberdade
criativa; a semelhança com Deus a tornara capaz de criar tal qual
o criador, e esta era a natureza singular do ser humano,
insinuando também a especialidade de cada um. Do mesmo
modo, em razão desta simbiose entre a finitude e a eternidade, a
noção de personalidade, para além de conotar apenas a
reminiscência de um ethos substancial imutável, indiferente ao
tempo, era a constância na mudança, era perduração, no sentido
desta que Guerreiro Ramos se apropriou também de Alfred
Whitehead. Ainda, não se pode deixar de afirmar que no sentido
de personalidade guerreiriano está contido a idéia de consciência
de si, de seu destino. Personalização, assim, é o processo de luta
incessante pela auto-afirmação consciente de si e pela auto-
realização criativa de seu propósito existencial a cumprir.
331
Foi por isso que Guerreiro Ramos combateu os
entendimentos acerca do sentido e da importância conferidos aos
processos de socialização, uma vez que, para ele, o eu era
irredutível à sociabilidade, e, neste sentido, toda a socialização
representaria alienação. Foi por conta desse combate que nosso
sociólogo afirmava, insistentemente, o conflito insanável entre o
homem (a pessoa humana) e todos os tipos de sistemas sociais
projetados a supressão desse conflito era desumanização;
nestes termos, é que foram erigidas suas severas críticas ao
conceito sociomórfico de homem sob o qual a ciência social
estava construída; este também foi o caso de sua crítica às
organizações e às psicologias do ajustamento, ou integracionista,
estas que, descurando daquela irredutibilidade, ao autor tão cara,
acreditavam, ingenuamente, ser possível a perfeita adaptação do
homem ao sistema social. A busca incessante do homem pela
auto-realização somente agravava esta tensão, pois que ao
voltar-se para si na procura de sua expressão autêntica, ele o
fazia por intermédio de uma necessária resistência contra as
investidas da socialização de sua psique. Esta busca, ao contrário
da conformação do homem aos sistemas, da
unidimensionalização daquele, exigia uma adequação dos
sistemas sociais às várias necessidades humanas, o que os
caracterizaria como múltiplos (e a sociedade como multicêntrica),
uma vez que afetos às mais distintas dimensões que assumiriam
a vida humana individual e associada. Ora, neste sentido, esta
tensão entre seres humanos e sistemas sociais teria fim, ou
com a morte do homem ou então pela sua destituição de si, algo
impossível, em termos absolutos, para Guerreiro Ramos.
É diante desse posicionamento que Guerreiro Ramos
recuperou a idéia de razão. Ao passar em revista a história do
conceito nas ciências sociais percebeu ele que houvera ocorrido
uma transavaloração da razão a partir de Hobbes, ou seja, a
332
razão deixara de ser a força ativa na psique humana” que o
habilitava “a distinguir entre o bem e o mal, entre o
conhecimento falso e o verdadeiro e, assim, a ordenar sua vida
pessoal e social”, para se tornar, em Hobbes, a capacidade
humana de prever conseqüências. Assim, a razão perdeu seu
sentido normativo para ganhar conotações meramente utilitárias
ou de ajuste às expectativas de comportamento. Esta
transvaloração retirou o lócus da razão do homem concreto,
atribuindo-o ao homem abstrato e, mais tarde, aos sistemas
sociais e à história. A restauração da razão era, assim, uma tarefa
primeira no sentido de restituir a posição do homem ao centro do
universo. Evocar o sentido de razão noética ou substantiva, para
Guerreiro Ramos, era retornar a razão à psique humana e reforçar
seu papel normativo, a partir do homem, na ordenação da vida
pessoal e social. Este recurso à razão justificaria tornar esta o
conceito básico de uma ciência verdadeira da sociedade e das
organizações, em uma concepção antropocêntrica. Neste sentido,
personalidade e razão eram elementos perfeitamente
correlacionáveis para Guerreiro Ramos.
Este centramento do homem, em Guerreiro Ramos, é
ainda marcante em sua epistemologia, na condenação do saber
alienado e na defesa do saber engajado. Muito embora tenha sido
fortemente influenciada pela fenomenologia de Husserl, nesta
epistemologia Guerreiro Ramos não se contentou com o sujeito
transcendental husserliano, adotando, contra isso, a idéia de
Ortega y Gasset, de que o homem é um ser em circunstância, e a
idéia heideggeriana de que o homem é um ser no mundo,
condição à qual nenhum cientista escaparia. O método de
redução sociológica pode ser visto também como uma
autodefesa à produção de um saber alienado, haja vista que ele
exige o rebatimento do saber produzido, e das experiências e
conceitos externamente apropriados, à realidade social à qual ele
333
se destina a referir. Seria assim o conhecer, para Guerreiro
Ramos, porque tal atitude de desalienação é um atributo da
própria pessoa; ela tende a tudo personalizar (tornar
autenticamente seu), inclusive o saber, e desta condição de
pessoa, o cientista não se poderia furtar sob justificativa de
neutralidade ou qualquer outro valor.
Diante do exposto, as problemáticas com as quais
Guerreiro Ramos se envolveu são tratadas de acordo com esses
posicionamentos acima. Foi isto que procuramos mostrar nesta
tese. Talvez no tratamento da questão nacional é que estes
posicionamentos podem se apresentar com menor clareza ou
obviedade. De todo modo, Guerreiro Ramos, vale-se, neste ponto,
de uma analogia com a idéia de personalização, e amparando-se
muito no culturalismo alemão, para o qual cada cultura
corresponderia a uma individualidade, advogou a idéia de nação
como pessoa coletiva. Foi por isso que, para ele, a passagem do
Brasil do estado de coletividade desagregada para o de nação
representava seu processo de personalização, ou seja, de adquirir
a condição de ser histórico e cultural, de tomar consciência crítica
dos seus condicionamentos para, assim, afirmar-se diante da
configuração de poder mundial. Este posicionamento é que o
levou a criticar o serialismo como característica da ciência social
no tratamento das nações, haja vista que tal serialismo, no
tratamento de temas como modernização e desenvolvimento, por
exemplo, se apresentava como um verdadeiro fatalismo e
impedia a busca, por essas nações, de seu autêntico vir-a-ser.
Este fato levou o sociólogo a propor um modelo da possibilidade
como contraposição entre a Teoria N, representativa deste
fatalismo serialista, e a Teoria P, na qual a liberdade era o centro
das decisões políticas das nações, inexistindo, assim, qualquer
nação paradigmática.
334
Diferentemente da questão nacional, a elaboração do
modelo de homem parentético recuperou muito do humanismo
que desde a juventude Guerreiro Ramos vinha sustentando.
Mesmo que categoria cristã de pessoa humana tenha ficado mais
subliminar, ou mais atenuada, o sociólogo não perdeu de vista a
idéia de personalização e de outras características quando dessa
definição de homem. Portador da razão, no sentido noético, esta
é a primeira e fundamental natureza que o sociólogo atribuiu ao
homem parentético. Tal homem busca, insistentemente, sua
autonomia e para tanto se esquiva de todas as tentativas de
aprisionamento de sua psique. A liberdade é-lhe, assim, condição
essencial. A atitude parentética, ou seja, sua postura frente ao
mundo, confere-lhe uma capacidade de consciência altamente
crítica na avaliação dos valores, dos pressupostos que perpassam
a cotidianidade dos processos e dos sistemas sociais, e o
estimula a agir de modo sempre a influenciar o ambiente, a fim
de torná-lo mais adequado às suas necessidades de realização
pessoal. É este homem parentético, neste sentido, um resistente,
mas não apenas isso, trata-se ele também de um criador de
novas formas de vida pessoal e coletiva.
Também o humanismo guerreiriano não poderia deixar
de ser percebido em sua proposta de delimitação de sistemas
sociais, esta aliás, marcantemente humano-centrada. Em sua
elaboração, considerou o sociólogo que o homem contemporâneo
possuía uma variedade de interesses que não poderiam, jamais,
serem totalmente satisfeitos em espaços existenciais tão
restritivos quanto o são as organizações formais de caráter
econômico. O mercado, definitivamente, não satisfaz às
necessidades humanas e a sua expansão necessitaria ser
contida. A hegemonia conquistada pelo sistema de mercado
deveria ser posta em questão e uma alternativa à sociedade
centrada no mercado apresentada, para o bem da saúde psíquica
335
do homem e da viabilidade do social. Estas considerações
perpassam a todos os argumentos do último livro de Guerreiro
Ramos.
Diante de uma configuração social tão restritiva, o
homem, para lograr sucesso em seus projetos de realização
pessoal, necessitaria de uma boa dose de heroísmo, para o qual a
maioria dos indivíduos os irrealizados não estava preparada.
Pensando nisso o autor esquematizou uma sociedade planificada
a partir da correlação por ele estabelecida entre interesses
humanos e lugares adequados para suas realizações e propôs as
bases de uma nova ciência centrada na noção whiteheadiana de
perduração. Infelizmente faleceu antes de concluí-la.
336
B I B L I O G R A F I A
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361
ANEXO 1
Levantamento Bibliográfico
L e v a n t a m e n t o b i b l i o g r á f i c o d e
A l b e r t o G u e r r e i r o R a m o s
Nota Explicativa
Devemos a Frederico Lustosa da Costa a primeira
tentativa de recensear a produção teórica do sociólogo Guerreiro
Ramos. Este trabalho foi feito logo após o falecimento do autor,
em 1982, para ser apresentado em um simpósio patrocinado pela
Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), e que foi
realizado em outubro daquele mesmo ano. Além dos 71
pronunciamentos que Guerreiro Ramos fez na Câmara dos
deputados entre agosto de 1963 e abril de 1964, Costa também
apresentou um rol de 119 publicações do autor, entre livros,
artigos, ensaios e textos apresentados em congressos. Neste
levantamento acrescentamos 138 referências às apontadas por
Costa em 1982. Mesmo assim, ainda não consideramos este
levantamento completo, pois que aqui não foram incluídos uma
série de textos que Guerreiro Ramos publicou no jornal carioca O
SEMANÁRIO, além de outras omissões que porventura nos
tenham ocorrido.
1936
GUERREIRO RAMOS, A. Exílio. A Ordem, Rio de Janeiro, v. XVI, p.
83, 1936.
_____. Um novo homem. O Imparcial, Salvador, abr. 1936.
_____. Uma revisão necessária: Rui Barbosa. Revista da Bahia,
Salvador, set. 1936.
_____. A lição do professor Leduc. O Imparcial, Salvador, set.
1936.
_____. Minha vida começou hontem. O Imparcial, Salvador, dez.
1936.
1937
_____. Deus me persegue. O Imparcial, Salvador, jan. 1937.
_____. A revolução personalista. O Imparcial, Salvador, s/d.
_____. O Canto de rebeldia. A Ordem, Rio de Janeiro, p. 452-454,
mai. 1937.
_____. Lamentações de um místico. A Ordem, Rio de Janeiro, pp.
454-456, mai. 1937.
_____. Não. A Ordem, Rio de Janeiro, pp. 165-169, ago. 1937.
_____. O drama de ser dois (poesias). Salvador, 1937.
1938
_____. O problema do humanismo. Revista Norte, Salvador, n. 1,
pp. 1-12, 1938.
_____. Ernest Psichari. O Imparcial, Salvador, dez. 1938.
_____. Fidelidade a Maritain para Tristão de Athayde. O
Imparcial, Salvador, nov. 1938.
1939
_____. Sentido da poesia contemporânea. Cadernos da Hora
Presente, São Paulo, pp. 86-103, mai. 1939.
_____. Introdução à cultura (ensaios). Rio de Janeiro: Cruzada
da Boa Imprensa, 1939.
1940
_____. Poema. A Ordem, Rio de Janeiro, v. XVIII, p. 87, jun. 1940.
_____. Nota sobre Jacinta Passos. Cadernos da Hora Presente,
o Paulo, pp. 149-150, jan. 1940.
_____. Poemas cíclicos. Cadernos da Hora Presente, São Paulo,
pp. 110-112, jul./ago. 1940.
1941
_____. Literatura latino-americana (I). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 3, pp. 274-275, mai. 1941.
_____. Literatura latino-americana (II). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 4, pp. 246-248, jun. 1941.
_____. Literatura latino-americana (III). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 5, pp. 280-283, jul. 1941.
_____. Literatura latino-americana (IV). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 6, pp. 285-288, ago. 1941.
_____. Literatura latino-americana (V). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 7, pp. 299-301, set. 1941.
_____. Literatura latino-americana (VI). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 8, pp. 274-277, out. 1941.
_____. Literatura latino-americana (VII). Cultura Política, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 9, pp. 398-402, nov. 1941.
1944
_____. Aspectos sociológicos da puericultura. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1944.
_____. Uma concepção multidimensional do comportamento (o
interacionismo na psicologia social). Jornal de Pediatria, Rio de
Janeiro, p. 314-326, jul. 1944.
1945
_____. Noturno N.1. A Época, Rio de Janeiro, jun. 1945.
_____. As implicações sociológicas da puericultura. Separata de:
Revista Pediatria e Puericultura, Salvador, ano XV, n. 1, set.
1945.
1946
_____. O “survey” social. A Manhã, Rio de Janeiro, 10 mar. 1946.
_____. O processo artístico de Rilke. A Man, Rio de Janeiro, 17
mar. 1946.
_____. Reflexões sobre o homem dormindo. A Manhã, Rio de
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Projetos e pronunciamentos na Câmara dos Deputados
(ago. 1963/abr. 1964)
Ses
o
Pub. Assunto Página
26.8.6
3
27.8 Apresentação do projeto que dispõe sobre a
processamento e averbação de licenças de
patentes de invenção, no Departamento
Nacional da Propriedade Industrial
5.838
29.8.6
3
30.8 Posição do PTB em face da EC 1/63 e sua
decisão de corrigir a proposição se, das
discussões de plenário, ficar evidente que,
alguma coisa de utópico nela existir.
Necessidade de abandonar-se os discursos
acadêmicos e estéreis, o emocionalismo e de
iniciar-se o processo político da reforma
agrária, prevalecendo bom senso sobre o
sectarismo.
5.979
30.8.6
3
31.8 Defesa do economista Jesus Soares Pereira da
acusação de comunista que lhe foi feita.
Estranheza pelo fato de um órgão como a
Coplan (Comissão de Planejamento) ser
custeado com verbas do governo norte-
americano.
6
4.9.63 5.9 Apresentação do projeto que dispõe sobre o
exercício da profissão de técnico da
administração.
6.215
10.9.6
3
11.9 Análise das principais objeções dos que
combatem a EC nº 1/63 apresentada pelo PTB:
que o Brasil de hoje o apresenta questão
agrária e nem carece de reforma do campo;
que o objetivo expresso na emenda é apenas
um instrumento de provocação do Presidente
da República
11
10.9.6
3
11.9 Discussão da EC 1/63 (altera a forma de
indenização nos casos de desapropriação por
interesse social). Condicionamento de nossa
evolução industrial ao fortalecimento de nosso
mercado interno; papel que desempenhará a
reformulação agrária, se feita nos moldes
previstos pelo PTB. Defasagem entre a oferta e
a procura de produtos agrícolas.
26
25.9.6
3
26.9 Apresentação de projeto que altera o Anexo I
da Lei nº 3.780/60.
15
2.10.6
3
3.10 Considerações sobre a situação atual do Brasil
que vive dois falsos dilemas: de um lado
aqueles que querem fazer deste país um país
de ianques de segunda mão; e do outro lado,
os que querem fazem um país de cubanos, de
russos, de chineses de segunda mão;
impossibilidade de continuar a vida brasileira
subordinada a posições teleguiadas de direita
7.357
ou de esquerda; necessidade de um
movimento de saneamento ideológico do país.
4.10.6
3
5.10 Aplauso aos conceitos emitidos pelo
superintendente do BNDE na palestra que
proferiu na Federação das Indústrias, em que
ressaltou a necessidade da majoração da taxa
de juros sobre empréstimos concedidos às
indústrias num prazo de quinze anos.
7.488
11.10.
63
12.1
0
Análise da atual situação brasileira,
sintomática de uma fase de transição
econômica, política e social.
7.745
22.10.
63
23.1
0
Aspectos do ato que criou o Grupo Executivo
da Indústria Farmacêutica.
8.103
24.10.
63
25.1
0
Comemoração de mais um aniversário da
Organização das Nações Unidas. Referências
às contribuições que o Brasil vem dando no
encaminhamento das soluções para os
problemas mundiais no âmbito das Nações
Unidas.
14
25.10.
63
26.1
0
Disp. Do P. 46/63 (dispõe sobre o exercício,
pelo Poder Legislativo, do direito de resposta
nas emissoras de rádio ou de televisão).
Contestação de notícia veiculada pelo DC-
Brasília de que o Dep. Leonel Brizola está
sendo induzido a voltar à Câmara para evitar a
ão política do orador, seu suplente
parlamentar. Críticas, como homem de
esquerda, à ação de certos grupos
esquerdistas; defesa da linha política que
denomina de esquerda nacional. Repulsa ao
partido Comunista Brasileiro, a quem classifica
de Burguês. Necessidade de que se vote
repúdio aos dispositivos de direita,
representados pelo Gov. Carlos Lacerda, e aos
dispositivos do PCB. Apologia do socialismo.
8.246
28.10.
63
29.1
0
Desajustamento entre as condições subjetivas
da organização político-partidária e as
condições reais do País síntese, do ponto de
vista político, da crise brasileira. Júbilo pelos
sintomas de que se está constituindo no país o
Novo Diretório Político da Nação que consiste
no agrupamento de homens responsáveis,
dispostos a tomar as providências necessárias
para sairmos bem desta fase de transição.
Considerações sobre o relato que o Ministro da
Fazenda Prof. Carvalho Pinto fez à Nação a
respeito das suas atividades naquela pasta e
do seu programa de Governo e em que revela
ter chegado a uma visão concatenada dos
alvos do processo econômico brasileiro.
8.321
29.10.
63
30.1
0
Apelo ao Ministro Carvalho Pinto e ao SR.
Diogo Gaspar para que esclareçam o país a
respeito da grave acusação que está tendo
curso entre os nossos economistas de que
existem no sistema de planejamento
econômico alguns órgãos que estão sendo
subsidiados por dinheiro do Governo Norte-
Americano.
8.376
30.10.
63
1.11 Apelo ao Ministro da Marinha no sentido de
que assegure aos suboficiais que passam para
a reserva remunerada o direito de receber a
carta profissional, direito este que lhes foi
retirado pelo Decreto nº 4.240/63.
8.461
4.11.6
3
5.11 Regozijo pela atuação de missão permanente
do Brasil junto às Nações Unidas e da
8.504
delegação do Brasil à XVIII Assembléia Geral
das Nações Unidas em Nova Iorque.
6.11.6
3
7.11 Análise de dois aspectos da atual crise política
do Brasil: debilidade na vontade de poder do
diretório político na Nação e crise de cultura
política; fato que ilustra o segundo aspecto:
aceitação, nos meios intelectuais e estudantis
brasileiros, do marxismo-leninismo, verdadeira
chantagem filosófica.
9
8.11.6
3
9.11 Aplausos à medida que o Governo vem adotar
ao lançar letras do Tesouro e do Banco do
Brasil a juros compensadores, a fim de captar
recursos no mercado interno de capitais;
editoriais do Correio da Man sobre o
assunto.
8.674
8.11.6
3
9.11 Congratulações à TV-Rio pela abertura do
Campeonato Sul-Americano dos Galos, no
programa TV-Rio-Ring.
8.721
18.11.
63
19.1
1
Consciência políticas da indispensabilidade da
concretização das reformas de base;
necessidade de que seja firmado o
compromisso entre as várias correntes, no
sentido de se forma aquilo que o Deputado
Guilherme Machado denomina “as bases para
a reforma”; análise histórica das magmas lutas
brasileiras, em que se delineia, quando das
soluções, uma força central de equilíbrio que
se faz vitoriosa, em detrimento dos extremos
que se digladiam no desenrolar do processo.
Repúdio aos chamados “esquerdeiros”
homens que se dizem apologistas das causas
esquerdistas, e apenas o fazem no encalço de
benefícios pessoais.
8.968
25.11.
63
26.1
1
Prevalecimento da desmedida na vida
brasileira, seja a desmedida de direita, de um
lado, seja, de outro lado, a desmedida da
esquerda armadilha para a qual se
encaminham os círculos políticos deste país;
apresentação de alguns remédios que, em
caráter exploratório, podem ser indicados, no
sentido de tornar óbvio este perigo.
9.228
25.11.
63
26.1
1
Apresentação do projeto que declara livres as
convenções sobre juros compensatórios
celebradas por instituições bancárias oficiais e
fixar regras para a contagem de juros de mora
e aplicação de penas convencionais.
9.230
27.11.
63
28.1
1
Justificação de projeto que apresentou, que
declara livres as convenções sobre juros
compensatórios, celebradas por instituições
bancárias oficiais (revoga parcialmente
dispositivos da Lei de Usura).
9.288
29.11.
63
30.1
1
Discussão do P. 1.470/51, que instituiu o
aumento automático dos salários, de acordo
com a elevação do custo de vida.
12
4.12.6
3
5.12 Congratulações ao Governo pelo envio da
mensagem que trata da instituição da escala-
vel de salários, e pelo decreto em
elaboração que termina a elaboração do
Serviço nacional de Investimentos e cria o
Fundo Nacional de Investimentos.
5
9.12.6
3
10.1
2
Perigo que correm os homens de esquerda no
Brasil diante da atuação nefasta da área
marxista-leninista. Considerações sobre a
indispensabilidade de constituição de um
diretório político nacional transpartidário, que
se venha a empenhar na solução dos graves
problemas brasileiros.
9.677
13.12.
63
14.1
2
Sugestão ao Governo no sentido de que, nos
seus estudos para a elaboração do anteprojeto
da escala-móvel dos salários, aproveite as
pesquisas que, com a mesma finalidade, foram
feitas em 1952, por determinação do então
Presidente Vargas, em mais de 100 cidades
brasileiras.
3
CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
14.1.6
4
15.1 Considerações sobre a controvérsia surgida
entre o Pana e os EUA; apoio à causa
panamenha. Trecho de artigo do jornalista
Barbosa Lima Sobrinho, publicado em O
Semanário sob o títuloA crise das esquerdas”,
em que é feita uma crítica às lideranças
esquerdistas brasileiras pela ingenuidade
política de que se revestiu sua participação no
afastamento do Sr. Carvalho Pinto da Pasta da
fazenda.
103
15.1.6
4
16.1 Aplausos à entrevista concedida pelo Primeiro
Ministro Krutschev a três jornalistas africanos,
expondo o ponto de vista da URSS sobre os
movimentos de emancipação nacional, que se
esboçam em vários países.
128
16.1.6
4
17.1 Apelo aos trabalhadores das empresas
distribuidoras de gás para que, atendendo ao
Presidente da república, terminam com a greve
e retornem ao trabalho, , fazendo assim voltar
a tranqüilidade ao Estado da Guanabara e a
impedir que o Gov. Carlos Lacerda continue a
tirar partido da situação; nota divulgada pelo
Presidente da república esclarecendo a posição
do Governo federal em face da Greve.
152
16.1.6
4
17.1 Considerações sobre o P. 1.424/63, de sua
autoria, que revoga parcialmente a Lei da
Usura, eliminando o teto de 12%, e visa a
permitir a solvabilidade dos bancos oficiais. O
estágio da economia brasileira: o surgimento
do capitalismo financeiro.
159
17.1.6
4
18.1 Conferências entre Togliatti, Chefe do partido
Comunista Italiano, e o Marechal Tito,
Presidente da Iugoslávia. Tendência do partido
da Itália de reconhecer que a existência da
democracia coincide com o pluralismo
partidário.
192
20.1.6
4
21.1 Assinatura do decreto que regulamenta a Lei
de Remessa de Lucros; elogio às qualidades
invulgares do Sr. João Goulart, evidenciadas no
discurso que o S. Ex.ª proferiu no ato de
assinatura do referido decreto, quando teve a
oportunidade de desmascarar aqueles que o
acusam de pretender dar um golpe político.
218
22.1.6
4
23.1 Falecimento do escritor Aníbal Machado. 278
22.1.6
4
23.1 Apresentação do projeto de emenda
constitucional que torna obrigatória a
apresentação do Plano Qüinqüenal pelo
Presidente da República até 180 dias após a
posse.
283
23.1.6
4
24.1 Necessidade de se colocar o problema
sucessório da Guanabara em termos de
315
coexistência política . inexistência no Brasil de
condições sociais para que possa vingar golpe
favorável aos interesses nacionais, porque, na
atual conjuntura, redundaria na
internacionalização do país. O perigo da
candidatura do Sr. Carlos Lacerda, pregoeiro
do regime de exceção, que representa no
Brasil a força internacional do Pentágono.
24.1.6
4
25.1 Necessidade de o povo brasileira estar alerta
contra os inúmeros pronunciamentos que se
m fazendo em nome da esquerda, pois nem
sempre são legítimos e autênticos; afirmação
de ser o PTB o único núcleo da esquerda
genuinamente nacional.
337
24.1.6
4
25.1 Necessidade de os poderes constituídos da
república procederem a uma urgente apuração
dos fatos à respeito da Petrobrás ; artigo
publicado em Última Hora sobre o assunto.
368
28.1.6
4
29.1 Relato sucinto das conclusões a que se chegou
na reunião de peritos governamentais na
América latina em política comercial,
promovida pela Cepal e levada a efeito em
Brasília., à qual o orador compareceu como
representante da Câmara dos Deputados;
referências às teses que serão apresentadas
na Conferência Internacional do Comércio, a
realizar-se em genebra, em mao próximo.
Congratulações aos diretores da Cepal pela
inclusão na pauta das conclusões da referida
reunião de item que trata da revisão do
estatuto jurídico internacional das patentes.
400
29.1.6
4
30.1 Apelo ao Presidente da república no sentido
que determine ao Itamarati a retomada dos
estudos para o estabelecimento de relações
diplomáticas e comerciais com a China
Continental, como para a admissão dos grande
país asiático nas Nações Unidas.
431
30.1.6
4
31.1 Discussão do P. 4.827/62 (altera o limite de
emissões de letras e obrigações do Tesouro
Nacional); equívoco temerário elaborado por
grupamento da esquerda, ao defenderem
posições contrárias ao do Sr. Carvalho Pinto
(patrocinador do referido projeto), quando na
Pasta da fazenda; considerações para
demonstrar que atitudes como essa estão
fazendo com que o movimento nacionalista
esteja em decomposição, como organização;
afirmação de que a esquerda autêntica está
onde estiver o PTB, cujo lema se resume em:
trabalhismo e eficiência.
501
31.1.6
4
1.2 Notícias veiculadas pela empresa sobre os
entendimentos mantidos pelo Presidente João
Goulart com emissários do Gov. Magalhães
Pinto e com o SR. Amaral Peixoto sobre o
problema da sucessão presidencial, fato que
vem desmentir aqueles que atribuem ao
Presidente da República intenções golpistas.
528
3.2.64 4.2 O aparecimento de uma nova política no
campo internacional a política de
solidariedade ativa que se corporifica pela
decisão do Gen. De Gaulle de reconhecer o
Governo da China continental e pelas
declarações de Observatore Romano do
Vaticano, favoráveis à admissão daquele país
na ONU.
623
3.2.64 4.2 Considerações da candidatura do Sr. Carlos 625
Lacerda à Presidência da República.
17.2.6
4
18.2 Apoio irrestrito à legalização do Partido
Comunista Brasileiro; considerações a respeito
da função que tem tido os partidos comunistas
em toda a parte do mundo; vantagens que
decorrerão daquela medida.
788
20.2.6
4
21.2 Apelo ao Min Expedito machado no sentido de
ser dada pronta solução a cerca de dois mil
processos de pedidos de aposentadoria de
ferroviários das estradas de ferro da União.
Aplauso ao Deputado Rubens Berardo e DR.
Gilson Amado pelo programa pedagógico,
realizado diariamente, na TV Continental.
904
21.2.6
4
22.2 A revolução como uma questão de forma;
considerações sobre a forma para a revolução
brasileira. Afirmação de que as reformas de
estrutura apenas poderão ter eficácia se
concretizadas simultaneamente; caráter
fundamental da reforma do poder. Análise da
evolução do trabalhismo no Brasil; referência
ao que o orador considera o decálogo do
trabalhismo no momento atual; ponderações
sobre alguns dos princípios do referido
decálogo.
953
24.2.6
4
25.2 Apelo ao Presidente da República no sentido
de que, ao enviar mensagem propondo
aumento de vencimentos do funcionalismo
público, não considere apenas a taxa de
inflação, mas estabeleça o critério da relação
de cada nível de salário como o salário
nimo, a fim de suavizar um pouco a
anarquia salarial que se observa no serviço
público.
990
25.2.4 26.2 Apelo ao Governo no sentido de que o adote
nenhuma providência em definitivo a respeito
da Convenção de Paris, sem um exaustivo
estudo de que de que façam parte a Federação
da Indústria de São Paulo e a Confederação
nacional da Indústria.
1.028
27.2.6
4
28.2 Questão do controle do câmbio; defesa da
Instrução 263, da Sumoc.
1.096
2.3.64 3.3. Comentários sobre declarações do Sr. Thomas
Mann, Secretário-Adjuntodo Presidente Lyndon
Johnson, à respeito as vida externa dos EUA.
Retrocesso da política internacional americana
desde o falecimento do presidente Kennedy.
Elogios ao Gen. De Gaulle por sua decisão de
procurar romper barreiras existentes entre
Ocidente e Oriente.
1.198
3.3.64 4.3 Considerações sobre a necessidade de que as
forças políticas nacionais abandonem as
posições radicais e procurem um denominador
comum que as conduza às soluções dos
1.242
problemas nacionais; ponderações sobre a
tese do Dep. Guilherme Machado, que
preconiza a definição clara das posições
políticas. Ação radicalizadoras da UDN, sua
posição quanto à posse do Sr. João Goulart na
Presidência da república. Referências ao
choque UDN extrema esquerda. O caráter
imaginário da revolução brasileira.
4.3.64 5.3 Apelo ao Presidente da República e ao Ministra
da Educação para que não façam uma
regulamentação unilateral do decreto de
padronização do livro didático. Aplauso ao
jornal O Semanário por estar promovendo
campanha no sentido de levar o Governo a
mandar um representante oficial à próxima
Conferência dos Países Não-Aliados.
1.279
5.3.64 6.3 Sugestão ao Dasp e ao Presidente da
República no sentido de que, através da
mensagem de aumento de vencimentos do
funcionalismo, procurem restabelecer a
paridade entre civis e militares, estabeleçam
relações entre os dos servidores públicos e o
salário nimo, e introduzam um princípio de
classificação de carreiras.
1.341
5.3.64 6.3 Desmentida pela Embaixada Americana a
afirmação do orador com relação a
declarações desairosas do Sr. Thomas Mann a
respeito dos países latino-americanos,
esclarecimento sobre o assunto.
5
6.3.64 7.3 Afirmação de que a atitude do Gov. Carlos
Lacerda, procurando promover a falência do
Banco do Brasil, nada mais significa de que
uma tentativa de atirar o país ao descrédito
internacional, impedindo a consecução plena,
pelo governo brasileiro, do reescalonamento
de nossas dívidas externas.
1.415
19.3.6
4
20.3 Louvor à revista Tempo Brasileiro, magnífico
empreendimento dirigido por Eduardo Portella.
1.670
23.3.6
4
24.3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO FENÔMENO
Goulart”. Afirmação de que os decretos
baixados pelo chefe do Executivo, quando do
comício do dia 13 do corrente, caracterizam a
gestação da forma do movimento
revolucionário brasileiro; necessidade, agora,
da reforma do poder, com a alteração radical
de sua composição.
1.765
31.3.6
4
1.4 A reação amadorista da oposição no processo
de evolução sócio-econômica do país; análise
da posição do Presidente João Goulart nesse
processo, mais claramente definida a partir do
comício do dia 13, na Guanabara; paralelo
entre Goulart e Vargas.
1.934
1.4.64 2.4 Considerações sobre a proclamação feita pelo 1.958
Marechal Teixeira Lott, em que afirma
continuar a legalidade com o Presidente João
Goulart e apela às forças que se que se
rebelaram contra os poderes constituídos para
que examinem seus atos e ensarilhem as
armas.
8.4.64 9.4 Considerações sobre o fato de a venda de seu
livro Mito e verdade da revolução brasileira
haver sido interditada. Afirmação de que,
quando o mais for possível assumir-se uma
posição de esquerda igual a do orador, estará
instalado no Brasil o regime do terrorismo
ideológico.
2.199
9.4.64 10.4 Defesa do Almirante Lúcio Meira, ex-presidente
da Cia. Siderúrgica Nacional, da pecha de
comunizante, que sutilmente lhe lançou o Dep.
Álvaro Catão ao comunicar sua substituição
naquele cargo.
6
14.4.6
4
15.4 Solicitação à mesa no sentido de que
mandasse averiguar a veracidade da notícia
que acabara de receber, de que o Comando
revolucionário teria baixado ato suspendendo
os seus direitos políticos.
2.356
14.4.6
4
15.4 Considerações sobre a notícia, ainda não
confirmada, de que seriam cassados os seus
direitos políticos, o que traria como
conseqüência a perda de seu mandato.
2.363
16.4.6
4
18.4 Questão da perda do mandato em
conseqüência da suspensão dos direitos
políticos; solicitação à mesa no sentido de que
não seja publicado qualquer ato do Comando
Supremo da Revolução suspendendo direitos
políticos de parlamentares antes que a Com.
De Constituição e Justiça tenha dado o seu
parecer sobre o assunto. Documento assinado
pelo advogado Haráclito Sobral Pinto
comentando a situação jurídica resultante da
promulgação , pelo Comando Revolucionário,
do ato institucional de 9 de abril.
2.460
16.4.6
4
17.4 Questão de ordem sobre se a Presidência
efetiva da Casa vai cumprir decisão de
mandar publicar o Ato do comando
revolucionário que suspende direitos políticos
de seis deputados, ou vai aguardar o parecer
da Com. De Constituição e Justiça sobre se
esse ato implica na perda de mandatos.
10
16.4.6
4
17.4 Justificação das seguintes proposições que
apresenta: a) requerimento de informação à
Casa Militar da Presidência da República sobre
as razões que levaram o Comando
Revolucionário a suspender os seus direito
políticos; b) requerimento de convocação do
Min. Da Justiça, Sr. Milton Campos, para prestar
esclarecimentos à Casa sobre aspectos
jurídicos da nova situação governamental e
sobre os motivos e as razões em que se
fundamentou o Comando Supremo da
Revolução para cassar mandatos e suspender
direitos políticos de parlamentares.
2.441
17.4.6
4
18.4 Questão de ordem sobre se a Mesa
considerará cassado o seu mandato a partir da
leitura do Ato do Comando Revolucionário que
suspende os seus direitos políticos, ou
aguardará o parecer da Com. de Constituição e
Justiça sobre a questão, conforme decisão
tomada quando do recebimento do recurso do
Ex-Deputado Milton Dutra.
2.448
17.4.6
4
18.4 Solicitação à mesa no sentido de que aceite
seu recurso contra decisão da Presidência de
considerar automaticamente cassado o seu
mandato em conseqüência do Ato do Comendo
revolucionário que suspende os seus direitos
políticos, e o encaminhe à Com. de
Constituição e Justiça.
2,450
ANEXO 2
Levantamento Bibliográfico de Textos,
Artigos, Livros, Dissertações e Teses sobre
a vida e a obra de
Alberto Guerreiro Ramos
Referências bibliográficas sobre as obras de Guerreiro
Ramos
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CRUZ Jr., J.B. da. Quinto painel: relatórios de andamento de
pesquisas com base na teoria da delimitação. In: REVISTA DE
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Simpósio Guerreiro Ramos:
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functional rationality in contemporary societies. Los
Angeles, 1979. Tese (Doutorado) – University of Southern
California.
SALM, José Francisco. Fiscal reform in Brazil: a social
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(Doutorado) – University of Southern California.
SANCHES, J.P. O arranjo social urbano e a viabilidade da
vida humana associada: uma análise psicosociológica e
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p. Dissertação (Mestrado em Administração) – CPGA,
Universidade Federal de Santa Catarina.
SCHLEMM, M.M. From industrial to good society: a critique
and reconceptualization of social organization with special
reference to brazilian development policy. Los Angeles,
1985. Tese (Doutorado) – University of Southern California.
SCHOROEDER, J.T. Responsabilidade social corporativa: um
estudo de caso na Arteplas – Artefatos de Plástico LTDA.
Florianópolis, 2001. 2v. 160 p. Dissertação (Mestrado em
Administração) – CPGA, Universidade Federal de Santa Catarina.
SÉRGIO, L.B. Atrás da cortina de fumaça. Tabaco, tabagismo
e meio-ambiente: estratégias da indústria e dilema da
crítica. Florianópolis, 2000. 431 p. Tese (Doutorado em Ciências
Humanas) – CFH, Universidade Federal de Santa Catarina.
SERVA, M. A racionalidade substantiva demonstrada na prática
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n. 2, p. 18-30, abr./jun. 1997a.
SERVA, M. A importação de metodologias administrativas no
Brasil – uma análise semiótica. Revista de Administração
Pública, v.26, n. 4, out./dez. 1992. pp. 128-144.
SERVA, M. Abordagem substantiva e ação comunicativa: uma
complementaridade proveitosa para a teoria das organizações.
Revista de Administração Pública, v. 31, n.2, p. 108-134,
mar./abr. 1997b.
SERVA, M. O fenômeno das organizações substantivas. Revista
de Administração de Empresas, v. 33, n. 2, p. 36-43, mar./abr.,
1993.
SERVA, M. Racionalidade e organizações: o fenômeno das
organizações substantivas. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado
em Administração) – EAESP, Fundação Getúlio Vargas.
SINGER, Ethan A. & ADAMS, Guy B. Reconstituting the human
position in social systems design and delimitation – a further
response. Administration & Society, v. 9, n. 3, p. 395-399,
November, 1977.
SOUZA, A.L.S. de. A motivação em organizações
econômicas: um estudo na Associação Sol Nascente –
Escola Sarapiquá. Florianópolis, 1998. Dissertação (mestrado
em Administração) – CPGA, Universidade Federal de Santa
Catarina.
TEIXEIRA, C.T. Racionalidade substantiva e racionalidade
instrumental: tensões que permeiam as atividades dos
fundos de pensão do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2000. 106
p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
TENÓRIO, F.G. Superando a ingenuidade: minha dívida a Guerreiro
Ramos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.
31, n. 5, p. 29-44, set./out. 1997.
VENTRISS, C. Modern thought and bureaucracy. Public
Administration Review, v. 55, n. 6, nov./dec. 1995. pp. 575-
581.
VENTRISS, Curtis. The importance of public learning to
administration. Los Angeles, 1979. Tese (Doutorado) –
University of Southern California.
WAHNON, R.L. A relação organização-indivíduo nos estudos
de desenvolvimento organizacional. São Paulo, 1988. 130 p.
Dissertação (Mestrado em Administração) – EAESP, Fundação
Getúlio Vargas.
ZANGAI-REEVES, Levi. The Liberian intellectual legacy and
organization theory of development administration, 1971-
1980: towards a possibility model of social systems delimitation
and para-economy. Los Angeles, 1984. Tese (Doutorado) –
University of Southern California.
ANEXO 3
Algumas Fotos de Guerreiro Ramos nos
Anos 50
Foto 1 – Conferência em Salvador (8/agosto/1952)
Foto 2 - Conferência em Salvador (8/agosto/1952)
Foto 3 - Conferência em Salvador (8/agosto/1952)
Foto 4 - Conferência em Salvador (8/agosto/1952)
Foto 5 – Discussão sobre a revista Quilombo do TEN (1950)
Foto 6 - (21/12/1949)
Foto 7 – Curso em Belo Horizonte (julho de 1952)
Foto 8 - Curso em Belo Horizonte (julho de 1952)
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A sociologia antropocentrica de Alberto Guerreiro Ramos by
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